Vol. 13 - Direito do Consumidor.pdf

May 31, 2018 | Author: Julio César | Category: Constitution, Consumer Protection, Statutory Law, Private Law, Economics


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Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Rua Dona Brígida, 701, Vila Mariana – 04111-081 – São Paulo – SP Tel.: (11) 5080-0770 / (21) 3543-0770 – Fax: (11) 5080-0714 [email protected] | www.editorametodo.com.br ■ Capa: Danilo Oliveira ■ Produção Digital: Geethik ■ CIP – Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Gonçalves, Renato Afonso Como se preparar para o Exame de Ordem, 1.ª fase : direito do consumidor / Renato Afonso Gonçalves. 5. ed. - Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : MÉTODO, 2014. (Resumos ; v. 13) Contém exercícios Inclui bibliografia ISBN 978-85-309-5188-7 1. Ordem dos Advogados do Brasil - Exames - Guias de estudo. 2. Defesa do consumidor I. Título. II. Título: Direito do consumidor. III. Série. 10-1760 CDU: 34:366(81) Para Andrea Luiza e João Pedro. Meus alicerces. Luzes do meu caminho que me dão o doce gosto de viver. E AGRADECIMENTOS stas singelas linhas sintetizam os meus quinze anos de magistério. Por isso agradeço aos meus queridos alunos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, da Universidade Paulista, da Faculdade de Direito Jaú, dos cursos preparatórios para concursos e dos cursos de pós-graduação, pelas inúmeras contribuições dadas ao longo desses anos, sobretudo para a elaboração desta obra didática. Não poderia deixar de agradecer do fundo de minha alma aos meus queridos, inesquecíveis e insuperáveis professores Celso Antonio Bandeira de Mello, José Geraldo Brito Filomeno, Nelson Nery Junior e Maria Helena Diniz. Em seus ensinamentos procuro me esmerar, tendo a certeza de que a cada lição tomada visualizo o infinito do conhecimento que habita cada um de meus mestres. Agradeço também ao Dr. Thiago Bortotto de Oliveira, amigo e Advogado, que com extrema dedicação contribuiu na análise da jurisprudência e dos testes para a presente edição. Por fim, agradeço à Editora Método pela importante missão que me confiou. Maria, Maria Mãe do silêncio Mãe da humanidade Em Teu seio o meu senhor se gerou E Tu o contemplaste Cheia de amor e ternura Teu filho desejado e por ti muito amado Minha Senhora e minha Mãe Ensina-me a amar E arriscar A saber ser maior (Mafalda Arnauth) É NOTA À SÉRIE com enorme satisfação que apresentamos aos candidatos ao Exame da OAB a Série Resumo: como se preparar para o Exame de Ordem – 1.ª fase, composta por quinze volumes, a saber: Constitucional, Comercial, Administrativo, Tributário, Penal, Processo Penal, Civil, Processo Civil, Trabalho, Ética Profissional, Ambiental, Internacional, Consumidor, Leis Penais Especiais e Direitos Humanos. Esta série é mais um grande passo na conquista de nosso sonho de oferecer aos candidatos ao Exame de Ordem um material sério para uma preparação completa e segura. Sonho esse que teve início com a primeira edição de Como se preparar para o Exame de Ordem – 1.ª e 2.ª fases, prontamente acolhido pelo público, hoje com mais de 100.000 exemplares vendidos, trabalho que se firmou como o guia completo de como se preparar para as provas. Mais adiante, lançamos a série Como se preparar para a 2.ª fase do Exame de Ordem, composta, atualmente, por seis livros – opção PENAL, CIVIL, TRABALHO, TRIBUTÁRIO, CONSTITUCIONAL e TÉCNICAS DE REDAÇÃO APLICADAS À PEÇA PROFISSIONAL –, obras que também foram muito bem recebidas por aqueles que se preparam para a prova prática nas respectivas áreas. A série tem como objetivo apresentar ao candidato o conteúdo exigível, estritamente necessário, para aprovação na 1.ª fase do Exame de Ordem, numa linguagem clara e objetiva. Para tanto, foi elaborada por professores especialmente selecionados para este mister, e estudiosos do tema Exame de Ordem, que acompanham constantemente as tendências e as peculiaridades dessa prova. Os livros trazem, ao final de cada capítulo, questões pertinentes ao tema exposto, selecionadas de exames oficiais, para que o candidato possa avaliar o grau de compreensão e o estágio de sua preparação. Vauledir Ribeiro Santos ([email protected]) Nota da Editora: o Acordo Ortográfico foi aplicado integralmente nesta obra. SUMÁRIO 1. PANORAMA DA MATÉRIA 1.1 Breve abordagem à defesa do consumidor 1.2 Aspectos constitucionais 1.3 Natureza jurídica do Código de Defesa do Consumidor 1.4 Questão 2. A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO 2.1 Identificação dos sujeitos e do objeto das relações jurídicas de consumo 2.2 O consumidor 2.2.1 Consumidor: coletividade de consumidores 2.2.2 Consumidor: vítimas de acidente de consumo 2.2.3 Consumidor: pessoas expostas às práticas comerciais 2.3 O fornecedor, o produto e o serviço 2.4 Questões 3. DOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES 3.1 A política nacional das relações de consumo 3.2 Dos direitos básicos dos consumidores 3.3 Código de Defesa do Consumidor e integração 3.4 Alguns aspectos importantes sobre a defesa do consumidor em juízo 3.4.1 O consumidor possui foro privilegiado 3.4.2 O polo passivo das referidas ações. Regra geral de solidariedade e a regra geral de responsabilidade civil 3.5 Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos 3.6 Questões 4. DA RESPONSABILIDADE DOS FORNECEDORES POR SEUS PRODUTOS E SERVIÇOS 4.1 Introdução 4.2 Da responsabilidade dos fornecedores pelo fato de produtos e serviços 4.3 Da responsabilidade dos fornecedores pelo vício de produtos e serviços 4.4 Dos prazos de garantia pelos vícios de produtos e serviços e do prazo de reclamação por danos decorrentes de acidentes de consumo 4.5 Do estado fornecedor 4.6 Disposições gerais aplicáveis à responsabilização dos fornecedores 4.7 Desconsideração da personalidade jurídica 4.8 Questões 5. DAS PRÁTICAS COMERCIAIS 5.1 Introdução 5.2 Consumidor exposto às práticas comerciais (art. 29) 5.3 Da oferta 5.4 Da publicidade 5.5 Das práticas abusivas 5.6 Da cobrança de dívidas 5.7 Dos bancos de dados e cadastros de consumidores 5.7.1 Os bancos de dados no Brasil e o Código de Defesa do Consumidor 5.7.2 Bancos de dados de crédito e relações de consumo 5.7.3 Os bancos de dados nas relações de consumo 5.7.4 Bancos de dados e cadastros de consumidores: espécies do gênero arquivos de consumo 5.7.5 O caráter público dos bancos de dados e cadastros de consumidores 5.7.6 O art. 43 do Código de Defesa do Consumidor 5.7.6.1 Os direitos de comunicação, acesso e retificação 5.7.6.2 Pressupostos de legitimidade dos arquivos de consumo 5.7.7 Os cadastros de órgãos públicos 5.7.8 O posicionamento mais recente do STJ 5.8 Questões 6. DA PROTEÇÃO CONTRATUAL 6.1 Introdução 6.2 Das cláusulas abusivas 6.3 Dos contratos sucessivos e cláusulas penais 6.4 Dos contratos de compra e venda e consórcios 6.5 Dos contratos de adesão 6.6 Dos contratos eletrônicos 6.7 Questões 7. DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS 7.1 Introdução 7.2 Questão 8. A DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO 8.1 Introdução 8.2 A jurisdição civil coletiva 8.3 Dos direitos coletivos lato sensu 8.4 Aspectos da defesa do consumidor em juízo 8.5 Das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos 8.6 Das ações de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços 8.7 Da coisa julgada 8.8 Da convenção coletiva de consumo 8.9 Questões BIBLIOGRAFIA GABARITOS PANORAMA DA MATÉRIA 1.1 BREVE ABORDAGEM À DEFESA DO CONSUMIDOR Até 1990, o adquirente de produtos e serviços no mercado de consumo brasileiro contava, fundamentalmente, para a defesa de seus direitos, com a Lei 3.071, de 1.º de janeiro de 1916 – o antigo Código Civil –, e com a Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951 – Crimes contra a economia popular. De outro lado, o próprio mercado brasileiro assistia às inovações introduzidas nas décadas anteriores com a industrialização do país, o avanço nas novas formas de comunicação e o grande desenvolvimento científico e tecnológico, que possibilitaram o acesso a uma infinidade de novos bens e serviços prestados por fornecedores cada vez mais bem dotados de estrutura técnica e econômica com práticas comerciais em todo território nacional a atingir milhares de brasileiros. Nesse cenário surgia uma grande contradição: como as novas relações do mercado de massas brasileiro poderiam ser reguladas pelo Código Civil de 1916 de Clóvis Beviláqua, já que se tratava de um diploma inspirado no liberalismo econômico do século XIX, voltado para relações individualizadas marcadas pelo equilíbrio entre os sujeitos contratantes que em tese exerciam a plenitude da vontade? Esse quadro exigiu também uma profunda transformação do sistema jurídico brasileiro e da ciência jurídica que tradicionalmente esteve dividida entre o direito público e o direito privado. Os novos tempos trouxeram a necessidade de revisão desse modelo com a instituição de legislações cada vez mais específicas. No Brasil, esse processo foi desencadeado com o advento da Constituição Federal de 1988, que originou o surgimento de importantes diplomas normativos como o Estatuto da Cidade, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor (CDC). Assim, nasce o novel direito do consumidor, como disciplina transversal 1 entre o direito público e o direito privado. Nele, a doutrina brasileira enxerga a expressão de um novo direito privado solidário. Nesse sentido, Claudia Lima Marques ensina que “certos estão aqueles que consideram a Constituição Federal de 1988 como o centro irradiador e o marco de reconstrução de um direito privado brasileiro mais social e preocupado com os vulneráveis de nossa sociedade, um direito privado solidário. A Constituição seria a garantia e o limite de um direito privado construído sob seu sistema de valores e incluindo a defesa do consumidor” 2 . Nessa esteira, é certo é que o CDC provocou importantes transformações no sistema brasileiro, já que expressa um microssistema moderno, adequado às demandas de nosso tempo, mormente pelos instrumentos da jurisdição coletiva, entendendo o consumidor como parte de uma coletividade de pessoas, a categoria de consumidores 3 . Este novo microssistema das relações de consumo, de caráter tutelar, veio equilibrar os pratos da balança, tomar partido na questão defendendo a parte mais frágil na relação consumidor e fornecedor. Não visa simplesmente regular as relações de consumo, mas proteger o consumidor. O CDC veio, diante das relações nas quais o campo de autonomia da vontade deixou de existir, controlar os chamados contratos de adesão; reprimir os contratos com cláusulas de exclusão da responsabilidade contratual que dão prevalência do fornecedor sobre o consumidor; reprimir a propaganda enganosa e abusiva; controlar os bancos de dados e impor os cadastros de órgãos públicos; positivar os direitos de informação, saúde, segurança dos consumidores; implementar a moderna jurisdição coletiva, dentre outras inúmeras inovações, como a inversão do ônus da prova. Produto da incansável luta do movimento consumerista brasileiro 4 e da habilidade da comissão de juristas que o elaboraram (dentre eles os ilustres professores Nelson Nery Junior, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman Benjamin, José Geraldo Brito Filomeno e Kazuo Watanabe), o Código fez com que o Brasil seguisse a mesma esteira que os países de capitalismo avançado como a Alemanha, França, Japão, EUA e Itália. O CDC toma partido na questão enfatizando a defesa do consumidor para o equilíbrio no mercado, em perfeita consonância com a Constituição Federal de 1988, seja como direito individual e coletivo (art. 5.º, XXXII), seja como princípio da atividade econômica (art. 170, V). Não obstante os inúmeros abusos que ainda são cometidos nas relações de consumo, muita coisa mudou. O fornecedor está socialmente mais responsável; respeita mais seu consumidor, compreendendo que sem esse respeito não existe livre iniciativa, não existe atividade lucrativa, sendo, ainda, um diferencial no mercado. O CDC é exemplo de lei que pegou, que, com o esforço dos consumidores, de órgãos como o Procon-SP, de entidades como o IDEC e de operadores do direito atentos ao seu tempo, como inúmeros advogados, promotores e juízes espalhados pelo Brasil, é prova de que o direito pode ser e já é instrumento de transformação social. 1.2 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS O texto da Carta de 1988 faz várias referências à figura do consumidor. Inicialmente, o inciso XXXII do art. 5.º prescreve que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Adiante, o inciso V do art. 170 introduz como princípio da ordem econômica a defesa do consumidor, e o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias prescrevia que “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”. Saliente-se, ainda, que outros dois dispositivos constitucionais também fazem menção à figura do consumidor. Trata-se do § 5.º do art. 150 que, ao tratar das limitações do poder de tributar, preconiza que a “lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”, e do inciso II do parágrafo único do art. 175 que, ao tratar dos serviços públicos prestados diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, determina que a lei competente deverá dispor sobre os direitos dos usuários. Atente-se também que os incisos V e VIII do art. 24 da Constituição Federal dispõem, respectivamente, que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre consumo e sobre responsabilidade por dano ao consumidor. Isto não exclui a possibilidade de o município legislar sobre a matéria, já que, nos termos dos incisos I e II do art. 30 da Constituição Federal, compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar, no que couber, a legislação federal e estadual 5 . Destacados os dispositivos constitucionais atinentes à matéria, faz-se mister conjugá-los à luz de alguns princípios constitucionais que são de peculiar importância para a defesa do consumidor e que encontram correspondente normativo no próprio CDC. Como ensina Carmem Lúcia Antunes Rocha, “no princípio repousa a essência de uma ordem, seus parâmetros fundamentais e direcionadores do sistema normado” 6 . Nessa esteira, lembramos que “pode-se concluir que a ideia de princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de ideias, pensamentos ou normas por uma ideia mestra, por um pensamento-chave, por uma baliza normativa, donde as demais ideias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam” 7 . Desta feita, nos princípios temos o caminho seguro para a correta intelecção das normas jurídicas e a consequente subsunção aos fatos concretos, já que, como destaca Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio vem a ser o “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência” 8 . Aliás, a defesa do consumidor enquanto princípio constitucional da ordem econômica não é incompatível com a base da livre iniciativa 9 . No entanto, como ensina Nelson Nery Junior 10 , por estarmos diante de princípios constitucionais, é preciso haver harmonização, pois conflitos podem surgir. Atente-se ainda que em relação aos demais princípios da ordem econômica, como a livre concorrência, a soberania nacional e a propriedade privada, não há hierarquia, pois não poderá haver preterição entre eles 11 . Passemos, então, à análise: Dignidade da Pessoa Humana. Inscrito no inciso III do art. 1.º da Constituição Federal, é fundamento de todo sistema jurídico. Não se trata da dignidade enquanto valor individual que se aproxima da honra subjetiva, mas sim da dignidade enquanto pressuposto da vida humana, ou seja, vida digna que se concretiza com a realização dos mandamentos do art. 6.º e caput do art. 225 da Constituição Federal. A dignidade da pessoa humana não é mero instrumento de retórica, mas sim o direito de toda pessoa de viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo garantido o direito à educação pública e de qualidade, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência social. No CDC este princípio evidencia-se no caput de seu art. 4.º, já que a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos e a melhoria da sua qualidade de vida. Aliás, o próprio caput do art. 170 da Constituição Federal estabelece que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos a existência digna. Igualdade. Indaga-se se a Lei 8.078/1990 é inconstitucional por estabelecer a defesa de um dos entes das relações de consumo ferindo, por conseguinte, o princípio constitucional da isonomia. A resposta é negativa. Pelo contrário, o CDC cumpre fielmente o mandamento da isonomia. O que se busca é a igualdade real e não a formal. O CDC nada mais faz do que cumprir as determinações do art. 5.º, XXXII (“O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”), do art. 170, V, da Constituição Federal, e do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O Código trata os desiguais (consumidor e fornecedor) de forma desigual (protegendo o consumidor), na exata medida de suas desigualdades. Ao proteger e instituir instrumentos de defesa do consumidor, o CDC está reequilibrando os pratos da balança, e estabelecendo a igualdade real 12 . Note-se que o texto constitucional utiliza a expressão Defesa do Consumidor. Trata-se, assim, de comando que o texto Maior destina ao Estado na matéria, qual seja, o de proteger a parte mais frágil da relação jurídica (favor debilis). Assim, em matéria de consumo a Constituição Federal adotou o dirigismo econômico, ou seja, a intervenção estatal para o estabelecimento da igualdade real. Desta feita, a vulnerabilidade do consumidor estatuída como princípio da Política Nacional das Relações de Consumo, inscrita no inciso I do art. 4.º do CDC, encontra fundamento constitucional e guarda relação com o princípio constitucional da igualdade. Liberdade (arts. 1.º, IV; 3.º, I; 5.º, IV, VI, IX, LIV, LXVIII; e 170 da Constituição Federal). O princípio constitucional da liberdade é aplicável sob diversos aspectos nas relações de consumo. Aos fornecedores é dada a liberdade para empreender atividade por vezes lucrativa (livre iniciativa), mas tendo como um de seus limites a defesa do consumidor (art. 170, V, da CF), consubstanciada principalmente no dever de garantir preço/qualidade/segurança. Por isso, dizemos que o Estado nas relações de consumo optou pelo dirigismo econômico, intervindo nas relações de consumo para proteger o consumidor. Com isso o CDC indiretamente coíbe a concorrência desleal, servindo de instrumento protetor da livre concorrência. Nesse sentido é a prescrição do inciso VI do art. 4.º do CDC, que coíbe todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores. Ao consumidor é dada a liberdade de contratar produtos e serviços, embora essa liberdade seja restrita. Por isso, o CDC prescreve a proteção contratual do consumidor em seus arts. 51 a 54. Informação. Assim como a liberdade, o princípio da informação tem ampla aplicação nas relações de consumo. Os fornecedores têm o direito de informar, divulgar seus produtos e serviços (art. 5.º, IX, e 220 da CF). Ao consumidor é dado o direito de se informar (art. 5.º, XIV, da CF) e de ser informado, direito fundamental para municiar a manifestação de sua vontade na aquisição de produtos e serviços. Como decorrência deste princípio, que, como veremos, está presente em diversos dispositivos do CDC, temos o princípio do Controle da Publicidade. Controle da Publicidade. Como veremos, a publicidade é forma sofisticada de oferta, principal instrumento dos fornecedores para apresentarem ao mercado a sua produção. No mercado de massas global, no qual está inserida a sociedade brasileira, a publicidade é ferramenta obrigatória. Por trabalhar com sofisticadas técnicas de imagem e som, com alta tecnologia, a publicidade possui alto poder persuasivo atingindo e orientando a vontade dos consumidores. Por essa razão, a Constituição Federal preceitua que compete à lei federal estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que veiculem propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. Consigne-se que, pelo texto constitucional, a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso – art. 220, §§ 3.º, I e II, e 4.º, da Constituição Federal. A referida restrição legal é feita pela Lei 9.294, de 15 de julho de 1996, regulamentada pelo Decreto 2.018, de 1.º de outubro de 1996, e pelos arts. 36 a 38 do CDC. Princípio da Eficiência. Como veremos, o Estado é um dos principais fornecedores no mercado de consumo. Este princípio presente inicialmente no CDC foi introduzido em nossa Carta Maior pela Emenda Constitucional 19, de 4 de junho de 1998, e encontra-se positivado em seu art. 37. No CDC ele se encontra no inciso VII de seu art. 4.º, prevendo como princípio geral da política nacional das relações de consumo a racionalização e melhoria dos serviços públicos. Como visto, no texto constitucional a defesa do consumidor é direito fundamental (art. 5.º, XXXII) e, portanto, cláusula pétrea (art. 60, § 4.º, IV), sendo, ainda, princípio da ordem econômica (art. 170, V). Assim, como nos ensina Claudia Lima Marques, “é a chamada ‘força normativa’ da Constituição (expressão de Konrad Hesse), que vincula o Estado e os intérpretes da lei em geral (...) que devem aplicar este novo direito privado de proteção dos consumidores” 13 . O CDC cumpre sua missão advinda da Constituição Federal consistente na defesa do consumidor, instituindo um microssistema que constitui um piso vital mínimo de proteção. Qualquer outra norma jurídica ou interpretação que represente a diminuição do espectro de proteção introduzido pelo CDC deve ser afastada em respeito aos mandamentos constitucionais da matéria. Nesse sentido, Rizzatto Nunes leciona que “o caráter principiológico específico do CDC é apenas e tão somente um momento de concretização dos princípios e garantias constitucionais vigentes (...). Como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. Assim, por exemplo, um contrato de seguro de automóvel continua regulado pelo Código Civil e pelas demais normas editadas pelos órgãos governamentais que regulamentem o setor (Susep, Instituto de Resseguros etc.), porém estão tangenciados por todos os princípios e regras da Lei 8.078/90, de tal modo que, naquilo que com eles colidirem, perdem eficácia por tornarem-se nulos de pleno direito” 14 . Por derradeiro, por sua origem constitucional e ampla incidência no sistema brasileiro, a aplicação do CDC pode ensejar a ocorrência de conflitos com outras leis. Nesse sentido, a aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes, criada por Erik Jayme e introduzida no Brasil por Claudia Lima Marques, mostra-se adequada às soluções dessas colisões ante a modernidade introduzida pelo novo sistema constitucional brasileiro. Assim, Claudia Lima Marques nos ensina que se trata de um conceito de aplicação simultânea e coerente de muitas leis ou fontes de direito privado sob a luz da Constituição de 1988. Leciona a Mestre gaúcha que a expressão “diálogo” é utilizada “porque há influências recíprocas, ‘diálogo’ porque há aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção pela fonte prevalente ou mesmo permitindo uma opção por uma das leis em conflito abstrato – uma solução flexível e aberta, de interpenetração, ou mesmo a solução mais favorável ao mais fraco da relação (tratamento diferente dos diferentes)” 15 . Assim, entre o CDC (lei específica para os desiguais) e o Código Civil (lei geral para os iguais) há três formas de diálogo: diálogo sistemático de coerência, no qual a lei geral serve de base conceitual para a lei específica; diálogo sistemático de complementaridade e subsidiariedade, quando houver a necessidade de aplicação complementar de normas, respeitados os princípios inerentes à matéria central em análise; e diálogo de coordenação e adaptação sistemática, no qual há influência do sistema especial no geral e do geral no especial, respeitados também os princípios inerentes à matéria central em análise 16-17 . O mesmo ocorre no diálogo entre o CDC e demais leis específicas 18 . Recordemo-nos, tomando as lições de José Geraldo Brito Filomeno, que antes de 1990 havia “um verdadeiro cipoal de normas esparsas, e sem qualquer sistematização” 19 . Com o surgimento do CDC também muito se falou sobre as alterações que a lei consumerista teria causado no direito civil. A verdade é que com o passar do tempo, a doutrina e jurisprudência firmaram entendimento de que o Código Civil e o CDC devem conviver harmonicamente, na medida em que este é lei especial (microssistema), regulando as relações entre consumidores e fornecedores vinculados por um produto ou serviço, e aquele é lei geral (sistema). Observa-se curiosamente que o CDC, no que pese ser lei especial, provocou gradativamente uma transformação no mundo negocial e impulsionou um novo olhar sobre o direito civil (ainda sob a égide do Código de 1916, inspirado no Códe Napoleon de 1803). Assim, verificamos que o CDC, embora “inserido num microssistema, terminou atuando, decisivamente, para influir sobre o próprio sistema” 20 . Na verdade, esse fenômeno ocorreu pelo fato de que vários instrumentos já consagrados no CDC, em especial os da proteção contratual, foram inspirados em parte no avanço do direito civil europeu do século XX, sobretudo do direito civil alemão e francês. Como nos ensina Antunes Varela, “o tema das cláusulas contratuais gerais é produto duma iniciativa geral de raiz europeia, historicamente nascida do apelo que o Conselho das Comunidades lançou em 14 de abril de 1976 aos membros da União Europeia, no sentido da criação de um regime tão uniforme quanto possível de combate às cláusulas abusivas dos contratos, cada vez mais frequentes nos países comunitários” 21-22 . Essa alteração substancial do direito privado, de certa forma adotada pelo direito do consumidor, como observa Joaquim de Sousa Ribeiro, deve-se ao fato de que, perante os “dados reais de disparidade de natureza e de poder dos sujeitos operantes no mercado – que o processo de concentração empresarial não fez mais do que acentuar – a faculdade de autorregulação dos interesses próprios, reconhecida a todos por igual, traduz-se, como a prática demonstrou, num privilégio de alguns, dotando-os de um instrumento eficaz de prossecução unilateral de benefícios e ganhos, nas relações sociais de cooperação e de troca. Deixada à sua lógica própria, sem controlo nem limites internos, a autonomia privada conduz, em certas áreas, a desequilíbrios notórios de ordenação, não como resultado ocasional e isolado de um acto abusivo, mas à escala colectiva, como efeito programado da actividade conformadora dos sujeitos em posição de superioridade” 23 . Daí a necessidade da ordem pública de proteção propugnada pela doutrina francesa 24 , ou de uma ordem pública contratual suscitada por Antonio Pinto Monteiro, e “destinada a preservar princípios básicos de justiça contratual, postos em causa sobretudo quando se negocia através de contratos de adesão” 25 . Assim, com a edição do novo Código Civil, cujo projeto remonta aos idos de 1975, houve uma aproximação principiológica entre o direito do consumidor e o direito civil, sobretudo quanto aos pilares da eticidade, operacionalidade e sociabilidade, sempre lembrados por Miguel Reale. A boa-fé objetiva, a vedação ao abuso do direito e às cláusulas abusivas, a função social e revisão dos contratos e a objetivação da responsabilidade civil são aspectos que reforçam essa aproximação, não obstante o direito do consumidor resguardar princípios particulares como o da vulnerabilidade, defesa do hipossuficiente, igualdade real e controle da publicidade. Por isso, faz-se necessário enfatizar novamente que no limiar do século XXI é imprescindível o estabelecimento de uma relação de subsidiariedade e complementaridade entre os diplomas em questão, para a consolidação do já citado diálogo das fontes propugnado por Erik Jayme e desenvolvido magistralmente por Claudia Lima Marques. 1.3 NATUREZA JURÍDICA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Como visto, o CDC instituiu um microssistema próprio de intervenção no mercado de consumo, cujas regras, nos termos de seu art. 1.º, são de ordem pública e interesse social , visando à proteção e defesa do consumidor, já que, “nesse campo, notório é o desequilíbrio existente – e percebido mesmo em épocas primitivas – em razão da força de que dispõem as empresas, que usam seu poderio econômico no mundo negocial, gerando preocupações à luz da preservação dos interesses dos consumidores, ou seja, dos destinatários finais de seus produtos (como adquirentes ou usuários de bens ou de serviços)” 26 . Assim, o CDC é de natureza jurídica cogente, ou seja, de aplicação independentemente da vontade de seus destinatários 27 . Tais normas de natureza cogente, que Maria Helena Diniz denomina “normas de imperatividade absoluta ou impositivas, são as que determinam, em certas circunstâncias, a ação, a abstenção ou o estado das pessoas, sem admitir qualquer alternativa, vinculando o destinatário a um único esquema de conduta” 28 . São também denominadas de ordem pública por tutelarem interesses fundamentais ligados ao bem comum 29 . Assim, dizemos que o CDC é “motivado pela convicção de que determinadas relações – no caso as de consumo – ou estados da vida social não podem ser deixados ao arbítrio individual, o que acarretaria graves prejuízos para a sociedade” 30 . O CDC é imperativo na defesa do consumidor para estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Essa missão constitucional não poderia ser desempenhada sem a sua natureza cogente que lhe permite atingir as relações contratuais e extracontratuais. Assim, o CDC tem prevalência sobre os contratos e as declarações unilaterais de vontade e deve ser aplicado de ofício pelo juiz independentemente de requerimento do consumidor. 1.4 QUESTÃO 1. (OAB-MT – Exame 02/2005) O CDC é um conjunto de normas: (a) De ordem pública e interesse social e, portanto, de natureza relativa. (b) De ordem pública e interesse social e, portanto, de natureza cogente. (c) Cuja aplicação pode ser excluída por cláusula contratual. (d) Cuja aplicação pode ser excluída por vontade do consumidor. GABARITO: Encontra-se no final do livro. __________ 1 Expressão cunhada por Claudia Lima Marques, Manual de direito do consumidor, p. 23. 2 Manual de direito do consumidor, p. 27. 3 Embora alguns doutrinadores, como Guido Alpa, entendam a impossibilidade dos consumidores serem integrantes de uma classe homogênea, pela heterogeneidade das classes sociais. Tutela del consumatore e controlli sull’impresa, Societá Editrice il Mulino, Bolonha, 1977. 4 José Geraldo Brito Filomeno retrata com primor a grande caminhada do movimento consumerista brasileiro até a edição do CDC. Manual de direitos do consumidor, p. 22-29. 5 “Distrito Federal: competência legislativa para fixação de tempo razoável de espera dos usuários dos serviços de cartórios. 1. A imposição legal de um limite ao tempo de espera em fila dos usuários dos serviços prestados pelos cartórios não constitui matéria relativa à disciplina dos registros públicos, mas assunto de interesse local, cuja competência legislativa a Constituição atribui aos Municípios, nos termos do seu art. 30, I. 2. A LD 2.529/2000, com a redação da LD 2.547/2000, não está em confronto com a Lei Federal 8.935/1990 – que disciplina as atividades dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, nos termos do art. 236, § 1.º, da Constituição – por tratarem de temas totalmente diversos. 3. RE conhecido e desprovido” (Recurso Extraordinário 397.094/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 29.08.2006). Ver também: “Recurso Extraordinário. Constitucional. Consumidor. Instituição bancária. Atendimento ao público. Fila. Tempo de espera. Lei municipal. Norma de interesse local. Legitimidade. Lei Municipal n. 4.188/2001. Banco. Atendimento ao público e tempo máximo de espera na fila. Matéria que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições bancárias. Matéria de interesse local e de proteção ao consumidor. Competência legislativa do Município. Recurso extraordinário conhecido e provido” (Recurso Extraordinário 432.789/SC, Rel. Min. Eros Grau, j. 14.05.2005). 6 Princípios constitucionais dos servidores públicos, p. 21. 7 ESPÍNDOLA, Rui Samuel. Conceito de princípios constitucionais, p. 47. 8 Curso de direito administrativo, p. 450. 9 “[...] 1. A intervenção do Estado na ordem econômica, fundada na livre iniciativa, deve observar os princípios do direito do consumidor, objeto de tutela constitucional fundamental especial (CF, arts. 170 e 5.º, XXXII)” (STJ, REsp 744.602/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Turma, j. 1.º.03.2007, DJ 15.03.2007 p. 264). 10 Os princípios gerais do código de defesa do consumidor, p. 52. 11 Essa é a lição de COMPARATO, Fábio Konder. A proteção do consumidor na constituição brasileira de 1988. 12 “[...] 4. O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios. [...]” (STJ, REsp 586.316/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2.ª Turma, j. 17.04.2007, DJe 19.03.2009). 13 Manual de direito do consumidor, p. 27. 14 Curso de direito do consumidor, p. 66. 15 Manual de direito do consumidor, p. 87-88. 16 Manual de direito do consumidor, p. 91. 17 Ver também artigo de nossa autoria no qual traçamos o panorama dos contratos de adesão nas relações privadas e a experiência consumerista, publicado na obra coletiva Código Civil: análise doutrinária e jurisprudencial, pela Editora Método. 18 “Direito do Consumidor. Lei n. 8.078/1990 e Lei n. 7.565/1986. Relação de consumo. Incidência da primeira. Serviço de entrega rápida. Entrega não efetuada no prazo contratado. Dano material. Indenização não tarifada. I – Não prevalecem as disposições do Código Brasileiro de Aeronáutica que conflitem com o Código de Defesa do Consumidor. II – As disposições do CDC incidem sobre a generalidade das relações de consumo, inclusive as integradas por empresas aéreas. III – Quando o fornecedor faz constar de oferta ou mensagem publicitária a notável pontualidade e eficiência de seus serviços de entrega, assume os eventuais riscos de sua atividade, inclusive o chamado risco aéreo, com cuja consequência não deve arcar o consumidor. IV – Recurso especial não conhecido” (REsp 196.031/MG, Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 24.04.2001). 19 Manual de direitos do consumidor, p. 70. 20 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O novo código civil e o código de defesa do consumidor – pontos de convergência. Revista de Direito do Consumidor, RT, n. 48, p. 56. 21 Discurso proferido no encerramento do 1.º curso de pós-graduação em direito do consumo da Faculdade de Direito de Coimbra, publicado na Revista de Estudos de Direito do Consumidor do Centro de Direitos do Consumo da Faculdade de Direito de Coimbra, n. 1, p. 397-398. 22 Nessa mesma publicação Antunes Varela lembra a importância do relatório elaborado por Guestin e I. Marchessaux denominado “L’applicazione in Francia della Direttiva rivolta ad elimare le clausole abusive” constante de coletânea de estudos organizados por Bianca e Guido Alpa na Itália intitulado “La clausole abusive nei contratti stipulati con i consumatori” – Cedam. O Professor Catedrático da Universidade de Coimbra relembra ainda as importantes reflexões de Karl Larenz sobre as cláusulas gerais dos contratos tratadas no diploma alemão AGB de 9 de Dezembro de 1976 – Allgemeiner Teil des deutschen Burgerlichen Rechts, Munchen, 1980. 23 O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coleção Teses. Ed. Almedina, p. 103. 24 SAVATIER, René. La théorie des obligations – Paris 1974, e CARBONNIER, Jean. Droit civil – 4, Paris 1979. 25 Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil, p. 50-51. 26 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos do consumidor, p. 2. 27 Embora o art. 107 do CDC permita a convenção coletiva relativa a interesses de ordem patrimonial. 28 Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 376. 29 “[...] As normas de proteção e defesa do consumidor têm índole de ‘ordem pública e interesse social’. São, portanto, indisponíveis e inafastáveis, pois resguardam valores básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a impossibilidade de o consumidor delas abrir mão ex ante e no atacado. [...]” (STJ, REsp 586.316/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2.ª Turma, j. 17.04.2007, DJe 19.03.2009). “Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros” (STF, ADI 319-QO, Rel. Min. Moreira Alves, j. 03.03.1993, Plenário, DJ 30.04.1993). 30 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios gerais do código de defesa do consumidor, p. 376. A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO 2.1 IDENTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS E DO OBJETO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS DE CONSUMO Superada a análise dos princípios constitucionais, faz-se imprescindível a identificação dos polos de interesse (consumidor/fornecedor) e do objeto das prestações (produto ou prestação de serviço) inerentes às relações de consumo. Para tanto, é preciso delimitar o conceito de consumidor, fornecedor, produto e serviço. Com isso, identificaremos as relações submetidas ao CDC, resolvendo de forma segura a sempre cogitada questão do campo de aplicação da Lei 8.078/1990 1 . Vejamos. 2.2 O CONSUMIDOR Nosso primeiro objetivo é estabelecer o conceito de consumidor. Como veremos, não se trata de fácil tarefa, uma vez que o CDC determinou uma estrutura ampla de aplicação da noção. Pretende o Código abranger não somente as relações contratuais, mas também o espectro extracontratual. Por isso, definiu dois campos, quais sejam, o do consumidor individualmente considerado, consumidor stricto sensu ou standard, e o dos consumidores equiparados. 2 Nesse sentido “andou bem, pois o nosso Código, que afastou, desde logo, a possibilidade de abarcar, num conceito único, a figura daquele que buscava proteger” 3 . Iniciemos nosso estudo pelo campo do consumidor individualmente considerado. Prescreve o caput do art. 2.º do CDC, in verbis: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Três são os elementos constantes da redação supracitada. O primeiro deles é o subjetivo (pessoa física ou jurídica), o segundo é o objetivo (aquisição de produtos ou serviços), e o terceiro é o teleológico (a finalidade pretendida com a aquisição de produtos ou serviços) caracterizado pela expressão destinatário final 4 . Com essa redação, o código fez cessar qualquer discussão acerca da possibilidade de a pessoa jurídica ser consumidora. Assim, o texto normativo aponta ser consumidora toda pessoa (física ou jurídica) destinatária final, de produtos ou serviços. Pois bem, destinatário final passa a ser um dos critérios para a identificação do sujeito consumidor. No entanto, como esse critério não está objetivado no CDC, a doutrina vem trabalhando para estabelecer seu sentido e alcance. Tal esforço é traduzido pelo duelo existente entre as correntes finalista e maximalista 5 . Pela primeira vertente, também chamada de teoria subjetiva 6 , que recebe as influências da doutrina belga e francesa, em decorrência dos princípios dos arts. 4.º e 6.º, especialmente da vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo, e para garantir especial proteção aos que efetivamente necessitam da tutela do CDC, a noção de consumidor deve ser interpretada de forma restritiva, no sentido de que destinatários finais são aqueles que adquirem o bem ou serviço para uso próprio ou de sua família, excluindo-o da cadeia produtiva. A aquisição é feita para uso não profissional e, portanto, sem a obtenção de lucro. Nesse sentido, só poderiam ser consumidoras as pessoas físicas não profissionais e as pessoas jurídicas cuja atividade não possua fins lucrativos 7 . Para a segunda vertente, a partir de uma interpretação extensiva, o CDC caracteriza-se por ser norma reguladora das relações de consumo em geral, nas quais os sujeitos poderão alternadamente figurar como consumidor ou fornecedor, em que o consumidor é o destinatário fático do produto ou serviço, não importando se sua utilização é ou não profissional. Diante das demandas impostas pela sociedade, parece-nos correto o entendimento que se alinha mais à corrente finalista, que pretende garantir maior potencialidade de aplicação do código, porém flexibilizando-se o espectro do consumidor stricto sensu 8 . O multifacetário mercado do século XXI pressupõe a atuação de um amplo leque de profissionais liberais, bem como a constituição do setor de pequenas e médias empresas e fornecedores. Destaque-se que com o advento do Código Civil de 2002 a concepção finalista foi reforçada, na medida em que os fornecedores passaram a não precisar mais reivindicar a aplicação do CDC para a tutela de seus interesses com outros fornecedores, sobretudo pela presença, no âmbito da legislação civil, das figuras da boa-fé objetiva, coibição ao abuso do direito, função social do contrato e responsabilidade objetiva para os empresários quanto à circulação de seus produtos – “Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”. Nesse diapasão, além do critério destinatário final, isto é, aquele que adquire produto ou serviço sem a intenção de obter lucro por meio da sua reposição no mercado, devemos, conforme o sistema do CDC, analisar em cada caso concreto a relação de equilíbrio entre as partes, independentemente de serem profissionais ou não, pois o critério destinatário final não é o único para caracterizar o consumidor como sujeito na relação jurídica. De sorte, o profissional pode se encontrar na condição de consumidor, ou seja, na condição de adquirente que “sem possuir qualquer poder de barganha sobre seu ‘fornecedor’, estando a aceitar as cláusulas contratuais impostas sem que lhe fosse conferida a possibilidade de discutir seu conteúdo; enfim, encontrar-se-ia revestido com a mesma vulnerabilidade que qualquer pessoa comum encontraria ao realizar aquele mesmo contrato, apresentando-se, nessa relação de consumo, o mesmo desequilíbrio que se apresentaria se fosse realizado por qualquer outro consumidor vulnerável” 9 . Assim, para definir se o sujeito de determinada relação jurídica é ou não consumidor, faz-se imprescindível a verificação de sua posição na relação, ou seja, se há de fato um desequilíbrio relacional a tornar esse sujeito vulnerável. Aliás, esse é o mandamento do art. 4.º, I, do CDC, que reconhece a vulnerabilidade do consumidor como princípio das relações de consumo. Se há vulnerabilidade e a aquisição do serviço ou produto se dá sem o objetivo de lucro, sem o objetivo de reintegrá-lo no mercado, então o sujeito é consumidor 10 . Em outras palavras, o CDC não veio para revogar o Código Comercial ou o Código Civil no que diz respeito a relações jurídicas entre partes iguais, do ponto de vista econômico. “Uma grande empresa oligopolista não pode valer-se do CDC da mesma forma que um microempresário. Este critério, cuja explicitação na lei é insuficiente, é, no entanto, o único que dá sentido a todo o texto. Sem ele, teríamos um sem sentido jurídico” 11 . A vulnerabilidade do consumidor na relação com seu fornecedor, estatuída pela tutela especial do CDC, se dá sob três aspectos, quais sejam, o técnico, o jurídico e o fático 12 . O consumidor é tecnicamente vulnerável perante seu fornecedor quando ignora as informações técnicas (domínio), ou seja, conhecimentos particulares, não estando em condições de entender o grau de perfeição dos produtos e serviços que está adquirindo. Estará juridicamente vulnerável 13 quando carente das informações e conhecimentos não só legais, mas também econômicos. Saliente-se que nesse caso a presunção é dirigida para os sujeitos não profissionais e para as pessoas físicas. “Quanto aos profissionais e pessoas jurídicas vale a presunção em contrário, isto é, que devem possuir conhecimentos jurídicos mínimos e sobre a economia para poderem exercer a profissão, ou devem poder consultar advogados e profissionais especializados antes de obrigar-se” 14 . O consumidor ainda poderá ser vulnerável na relação do ponto de vista fático, o que implica diretamente a condição de seu fornecedor quanto ao aspecto econômico ou essencial do serviço prestado ou do produto. Trata-se da situação de superioridade do fornecedor. A proteção estabelecida pelo CDC à parte vulnerável na relação de consumo vem esculpida como concretização do princípio da igualdade. Essa a lição de Nelson Nery Junior: “(...) devem os consumidores ser tratados de forma desigual pela lei, a fim de que se atinja, efetivamente, a igualdade real, em obediência ao dogma constitucional da isonomia (art. 5.º, caput, CF), pois devem os desiguais ser tratados desigualmente na exata medida de suas desigualdades (isonomia real, substancial e não meramente formal)” 15 . Destarte, pelo exposto, entendemos que para a caracterização do sujeito consumidor será necessária a verificação da função da aquisição do serviço ou produto, ou seja, se ela ocorreu para satisfazer uma necessidade, ou se o serviço ou produto adquirido integrará sua cadeia produtiva, independentemente de o sujeito ser profissional ou não. Como exemplo, citamos a empresa que adquire celulose para a produção de artefatos de papel. O produto adquirido integrará diretamente o processo produtivo da empresa, para sua atividade-fim. Não há a sua caracterização como destinatária final. Tal relação será regulada pelo direito empresarial ou pelo direito civil, conforme o aspecto abordado. Em outra relação, essa mesma empresa produtora de artefatos de papel contrata outra empresa para o fornecimento de refeições diárias aos seus funcionários. Neste caso, está presente a vulnerabilidade (técnica – pois a área de alimentos não é sua atividade-fim), bem como a acepção de destinação final do produto e serviço, já que não integra a cadeia produtiva de artefatos de papel. Esta última relação, como de consumo, deverá ser regulada pelo Código de Defesa do Consumidor. O raciocínio se coaduna com o ensinamento de Fábio Konder Comparato, ao afirmar que “Consumidor é de modo geral aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários. É claro que todo produtor, em maior ou menor medida, depende por sua vez de outros empresários, como fornecedores de insumos ou financiadores, por exemplo, para exercer sua atividade produtiva; e, nesse sentido, é também consumidor. Quando se fala, no entanto, em proteção do consumidor quer-se referir ao indivíduo ou grupo de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentem no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviço, sem ligação com a sua atividade empresarial própria” 16 . Por fim, por essa vertente pode-se concluir que nem toda pessoa natural figura como consumidora. É o que ressalta Luiz Antonio Rizzatto Nunes ao apontar que “em contrapartida, mesmo a pessoa natural pode não ser considerada consumidora se estiver, por exemplo, adquirindo produtos não com o título de consumi-los, mas com a intenção de revendê-los. O importante para o Código é que o adquirente do produto ou serviço faça a aquisição com o fim de consumo próprio. O intermediário, portanto, não é considerado consumidor e não tem a proteção do código. Já uma grande empresa que compra um caminhão para uso próprio através de um consórcio ou diretamente na concessionária é considerada consumidora e tem sua relação negocial protegida” 17 . Vejamos algumas decisões do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “Agricultor Pessoa Física. (...) I – Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos firmados entre instituições financeiras e agricultor, pessoa física, ainda que para viabilizar o seu trabalho como produtor rural (...)” (AgRg nos EDcl no REsp 866.389/DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3.ª Turma, j. 19.06.2008, DJe 1.º.07.2008). “Produtor Agrícola. (...) 1. A expressão “destinatário final”, constante da parte final do art. 2.º do Código de Defesa do Consumidor, alcança o produtor agrícola que compra adubo para o preparo do plantio, à medida que o bem adquirido foi utilizado pelo profissional, encerrando-se a cadeia produtiva respectiva, não sendo objeto de transformação ou beneficiamento. 2. Estando o contrato submetido ao Código de Defesa do Consumidor a prescrição é de cinco anos. (...)” (REsp 208.793/MT, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3.ª Turma, j. 18.11.1999, DJ 1.º.08.2000, p. 264). “Produtor Agrícola. (...) I – O agricultor que adquire bem móvel com a finalidade de utilizá-lo em sua atividade produtiva, deve ser considerado destinatário final, para os fins do artigo 2.º do Código de Defesa do Consumidor. II – Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas originadas dos pactos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços. (...)” (REsp 445.854/MS, Rel. Min. Castro Filho, 3.ª Turma, j. 02.12.2003, DJ 19.12.2003, p. 453). “Pessoa jurídica. (...) Insere-se no conceito de ‘destinatário final’ a empresa que se utiliza dos serviços prestados por outra, na hipótese em que se utilizou de tais serviços em benefício próprio, não os transformando para prosseguir na sua cadeia produtiva. Estando a relação jurídica sujeita ao CDC, deve ser afastada a cláusula que prevê o foro de eleição diverso do domicílio do consumidor. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 488.274/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 22.05.2003, DJ 23.06.2003, p. 367). “Empresa de pescados. (...) 1. Há relação de consumo no fornecimento de água por entidade concessionária desse serviço público a empresa que comercializa com pescados. 2. A empresa utiliza o produto como consumidora final. 3. Conceituação de relação de consumo assentada pelo art. 2.º, do Código de Defesa do Consumidor. 4. Tarifas cobradas a mais. Devolução em dobro. Aplicação do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. 5. Recurso provido” (REsp 263.229/SP, Rel. Min. José Delgado, 1.ª Turma, j. 14.11.2000, DJ 09.04.2001, p. 332). “Produtor Agrícola. Código de Defesa do Consumidor. Incidência. Responsabilidade do fornecedor. É de consumo a relação entre o vendedor de máquina agrícola e a compradora que a destina a sua atividade no campo. Pelo vício de qualidade do produto respondem solidariamente o fabricante e o revendedor (art. 18 do CDC)” (REsp 142.042/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4.ª Turma, j. 11.11.1997, DJ 19.12.1997, p. 67.510). “Aquisição de Equipamentos Hospitalares. Processual Civil. Competência. Foro de eleição. Contrato para aquisição de modernos equipamentos médico-hospitalares. Hipossuficiência não configurada. Precedente da 2.ª Seção. Decisão agravada confirmada. Agravo regimental desprovido” (AgRg nos EDcl no REsp 561.853/MG, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, 3.ª Turma, j. 27.04.2004, DJ 24.05.2004, p. 270). “Atividade Notarial. Processual. Administrativo. Constitucional. Responsabilidade civil. Tabelionato de Notas. Foro competente. Serviços Notariais. A atividade notarial não é regida pelo CDC (Vencidos a Ministra Nancy Andrighi e o Ministro Castro Filho). O foro competente a ser aplicado em ação de reparação de danos, em que figure no polo passivo da demanda pessoa jurídica que presta serviço notarial é o do domicílio do autor. Tal conclusão é possível seja pelo art. 101, I, do CDC, ou pelo art. 100, parágrafo único, do CPC, bem como segundo a regra geral de competência prevista no CPC. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 625.144/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 14.03.2006, DJ 29.05.2006, p. 232). “Arrendamento Mercantil. Contrato de arrendamento mercantil. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Competência de vara especializada do consumidor. Precedentes da Corte. 1. A jurisprudência da Corte assentou que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos de arrendamento mercantil. 2. A distribuição da competência prevista nas leis de organização judiciária em virtude da matéria deve ser imperativamente observada, devendo, no caso, o feito ser processado e julgado em vara especializada do consumidor. 3. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 664.351/BA, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3.ª Turma, j. 07.05.2007, DJ 29.06.2007, p. 579). “Previdência Privada. Agravo regimental. Entidade de Previdência Privada. Código de Defesa do Consumidor. Incidência. Restituição da integralidade das contribuições pessoais pagas. Necessidade. Negativa de seguimento a recurso especial em confronto com súmula ou jurisprudência dominante desta corte. Julgamento monocrático. Possibilidade. Agravo improvido. 1. As entidades de previdência privada estão sujeitas às normas de proteção do consumidor. 2. Em homenagem à vedação do enriquecimento ilícito, a restituição das contribuições pessoais pagas à entidade de previdência privada deve ser feita de forma integral em favor do ex-associado. 3. Consoante o art. 557 do CPC, é permitido o julgamento monocrático de recurso especial quando este veicular matéria a respeito da qual a jurisprudência desta Corte já se pacificou. 4. Agravo regimental improvido” (AgRg no REsp 938.535/RN, Rel. Min. Massami Uyeda, 3.ª Turma, j. 10.06.2008, DJe 20.06.2008). “Escritório de Advocacia. Processo Civil. Ação de conhecimento proposta por detentor de título executivo. Admissibilidade. Prestação de serviços advocatícios. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. O detentor de título executivo extrajudicial tem interesse para cobrá-lo pela via ordinária, o que enseja até situação menos gravosa para o devedor, pois dispensada a penhora, além de sua defesa poder ser exercida com maior amplitude. Não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei n. 8.906/1994, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados – como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31/§ 1.° e 34/III e IV, da Lei n. 8.906/1994) – evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo. Recurso não conhecido” (REsp 532.377/RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4.ª Turma, j. 21.08.2003, DJ 13.10.2003, p. 373). Superada a análise do campo consumidor stricto sensu, passemos para a abordagem do campo “consumidor equiparado”. Assim, “o consumidor pode ser pessoa física ou jurídica. O Código contém quatro conceitos de consumidor: a) o conceito padrão ou standard (art. 2.º, caput), segundo o qual consumidor é a pessoa física ou jurídica que adquire produto ou utiliza serviço como destinatário final; b) a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (art. 2.º, parágrafo único), a fim de possibilitar a propositura da class action prevista no art. 81, parágrafo único, III; c) as vítimas do acidente de consumo (art. 17), a fim de que possa valer-se dos mecanismos e instrumentos do CDC na defesa de seus direitos; d) aquele que estiver exposto às práticas comerciais (publicidade, oferta, cláusulas gerais dos contratos, práticas comerciais abusivas etc.) (art. 29)” 18 (grifos nossos). Como vimos, apesar do próprio CDC apontar o conceito de consumidor, ele não se esgota no art. 2.º, abrangendo sua aplicação para aquelas pessoas que, mesmo sem serem destinatárias finais de produtos ou serviços, preenchem as qualidades objetivas e subjetivas do consumidor stricto sensu. Assim, o CDC ampliou seu espectro para as seguintes situações: 2.2.1 Consumidor: coletividade de consumidores Prescrito no parágrafo único do art. 2.º do CDC, esse conceito aponta para a proteção dos interesses difusos e coletivos dos consumidores, equiparando-os ao consumidor individualmente considerado no caput do mesmo dispositivo. Assim, a coletividade de pessoas, determinadas ou indeterminadas, receberá a tutela especial: “(...) o que se pretende é conferir à universalidade ou grupo de consumidores os devidos instrumentos jurídicos-processuais para que possam obter a justa e mais completa possível reparação dos responsáveis” 19 . 2.2.2 Consumidor: vítimas de acidente de consumo Pelo caput do art. 17, todas as pessoas, independentemente de figurarem na relação de consumo, que vierem a sofrer lesão decorrente de vícios na prestação de serviços ou na qualidade de produtos (responsabilidade pelo fato do produto e do serviço – arts. 12 a 16), são equiparadas ao consumidor individualmente considerado. É o chamado bystander, apontado por Arruda Alvim Netto, ao ressaltar que o art. 17 pretende “preencher, completar o espectro de abrangência do conceito de consumidor, estendendo a proteção deste Código a uma gama maior de situações onde possa ocorrer dano, visando desta forma, precipuamente, a proteção ao denominado bystander, ou seja, aquelas pessoas (físicas ou jurídicas, já que a lei não restringe) que mesmo sem serem partícipes da relação de consumo foram atingidas em sua saúde ou segurança em virtude do defeito do produto” 20 . 2.2.3 Consumidor: pessoas expostas às práticas comerciais Com esse dispositivo ampliou-se ainda mais o rol de pessoas protegidas pelo sistema do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, aquelas determináveis ou não, que estejam expostas às práticas comerciais. A disposição do art. 29 do CDC é aplicável, portanto, às seções de oferta, publicidade, práticas abusivas, cobrança de dívidas, bancos de dados e cadastros de consumidores, e à matéria da proteção contratual. Deve ser interpretada em consonância com o inc. IV do art. 6.º, ou seja, sob a ótica de que é princípio básico do direito do consumidor a coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízo aos consumidores. Trata-se de um dos mais importantes dispositivos do código, pois expressa uma linha política e legislativa que inspirou o diploma em tela. Com essa regra o CDC tem em vista que, “para harmonizar os interesses presentes no mercado de consumo, para reprimir eficazmente os abusos do poder econômico, para proteger os interesses econômicos dos consumidores finais, o legislador concedeu um poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo agentes econômicos) expostas às práticas abusivas. Estas, mesmo não sendo ‘consumidores stricto sensu’, poderão utilizar das normas especiais do Código de Defesa do Consumidor, de seus princípios, de sua ética de responsabilidade social no mercado, de sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas” 21 . Basta a simples exposição à prática comercial, “mesmo que não se consiga apontar, concretamente, um consumidor que esteja em vias de adquirir ou utilizar o produto ou serviço” 22 , para que o CDC entre em ação. Por fim, ressaltamos: “A visão do Estado, como mediador dos interesses envolvidos, vai determinar a relevância jurídica ou não destes atos, a incluir ou excluir determinado grupo de indivíduos do âmbito das novas leis tutelares dos consumidores. De certa forma, o legislador do CDC previa a passividade do consumidor stricto sensu, a prevalência do fornecedor monopolista e a possibilidade de que talvez o consumidor equiparado viesse a instigar resposta do sistema, o combate efetivo das práticas abusivas, com diretos e indiretos reflexos positivos para o consumidor, forçando a instituição de um mercado mais harmônico e menos abusivo. De certa forma, o art. 29 agora valorizado renova o sistema, legitimando a atuação de novos agentes econômicos em virtude do dado comum de vulnerabilidade, verdadeiro status análogo ao de consumidor, renova, principalmente, ao instituir instrumentos mais ágeis e sanções mais rígidas do que as conhecidas no direito da concorrência, de parcos efeitos no Brasil” 23 . 2.3 O FORNECEDOR, O PRODUTO E O SERVIÇO Cumpre-nos, nesse momento, abordar o outro polo da relação de consumo, qual seja, o representado pelo fornecedor. De qualquer forma, como veremos, o fornecedor é toda pessoa cuja atividade esteja relacionada a produtos ou serviços que serão objeto da relação jurídica a ser firmada com o consumidor. O CDC caracterizou o fornecedor como uma pessoa profissional cuja atividade é geradora de lucro, “ainda que de forma irregular, como ocorre, por exemplo, com os vendedores ambulantes que praticam, em sua maioria, atividade ilegal, mas sujeita às normas de consumo” 24 . Destarte, a remuneração é elemento indispensável à caracterização do fornecedor, pois indica o caráter profissional da atividade. “Isto serve para isolar o conceito de relação de consumo. Do contrário, toda operação praticada por um fornecedor se confundiria, desaparecendo a especialidade da tutela” 25 . No entanto, destaque-se que o fornecedor que oferece produtos e serviços gratuitamente não está isento das regras do CDC. A gratuidade é apenas um instrumento para seduzir o consumidor. É assim no caso das amostras grátis e serviços gratuitos como os de estacionamentos de bancos, lojas, restaurantes e shoppings centers. Incide o CDC nessas relações mesmo que o serviço seja terceirizado e mesmo que o fornecedor se isente de qualquer responsabilidade, já que, como visto, o CDC é um conjunto de normas de ordem pública e aplicação obrigatória. Nas hipóteses exemplificadas o fornecedor responderá objetivamente por qualquer dano sofrido pelos consumidores, como por exemplo, o furto de objetos pessoais deixados no interior de seus veículos. Note-se também que o Código não fez qualquer exceção às pessoas que podem ser fornecedoras. Referiu-se, independentemente da nacionalidade, a toda pessoa física, e a toda pessoa jurídica, seja qual for a sua natureza. Portanto, podem ser fornecedores todas as pessoas jurídicas de direito privado e todas as pessoas jurídicas de direito público. Inovou também ao elencar os entes despersonalizados, ou seja, o grupo organizado que não possui as condições formais para a caracterização da pessoa jurídica. Tais condições são determinadas pela affectio societatis, ou intenção expressa de manter vínculo associativo. “Encontram-se entre estes a família, a massa falida, as heranças jacente e vacante, o espólio e o condomínio” 26 . Vejamos como a lei trata essa relação no caso de produtos e serviços. Prescreve o caput do art. 3.º do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 3.º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1.º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2.º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Como se nota, o texto em apreço estabeleceu um amplo leque de situações (produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição e comercialização) para aquelas pessoas cuja atividade está relacionada com produtos. Como frisado, a atividade deve ser relacionada com produtos, ou seja, bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais. Nessa linha, os produtos, como bens que são, caracterizam-se por serem “o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis economicamente” 27 . Consigne-se a distinção existente entre os bens ora enfocados e os denominados bens jurídicos. Estes estão a referir-se aos de natureza patrimonial e não patrimonial, ou seja, “os elementos morais d a personalidade, inapreciáveis economicamente, como a vida, a honra, o nome, a liberdade, a defesa etc.” 28 . Assim, temos que “todo bem econômico é jurídico, mas a recíproca não é verdadeira, pois nem todo bem jurídico é econômico” 29 . Deve ainda o produto ter idoneidade para satisfazer um interesse econômico, ter gestão econômica autônoma, ou seja, permitir uma utilização e um valor econômico, e ser subordinado juridicamente ao seu titular, ou seja, que possa ser suscetível de apropriação pelo homem. 30 No entanto, a lei relacionou os produtos aos bens imóveis, isto é, “aqueles que não se podem transportar, sem destruição, de um lugar para o outro” 31 ou que assim sejam definidos pela norma jurídica, e aos bens móveis, “os que, sem deterioração na substância ou na forma, podem ser transportados de um lugar para outro, por força própria ou estranha” 32 , ou que assim sejam definidos pela norma jurídica. Saliente-se que os produtos também poderão ser os bens materiais, de existência física/material, ou imateriais, que não possuem existência física, mas sim jurídica, como, por exemplo, os direitos reais, obrigacionais ou autorais. Tal relação (móveis e imóveis, materiais e imateriais) objetivou atingir o maior leque de bens possível, de forma que a tradicional divisão do direito civil, aliás extensa, não traz utilidade para a aplicação da lei do consumidor. Em relação aos serviços, o texto foi menos minucioso e incluiu no rol dos fornecedores todos os prestadores de serviços, ou seja, todas as pessoas que fornecem atividade no mercado, incluindo taxativamente a hipótese daquelas de natureza bancária e financeira, já prevendo a tentativa dessas entidades de serem excluídas da aplicação do Código 33 . Sobre os serviços, aponta Maria Antonieta Z. Donato que, “vale dizer, o objeto da relação jurídica não está restrito apenas às coisas, mas abrange ainda as atividades ou ações humanas, desde que alguém deva fazer ou não fazer ou obrigue-se a dar alguma coisa. A essa atividade – física ou intelectual – praticada pelo homem (através de seu trabalho), possuidora de conteúdo econômico, denomina-se prestação” 34 . E continua a professora trazendo à baila a lição de Jean Calais-Auloy, lembrando que “a noção de serviço é mais vaga (...), designa toda prestação que pode ser fornecida a título oneroso, não sendo, todavia, um bem corpóreo. Um serviço pode ser material (reparação, hotelaria, transporte, etc.), financeiro (seguro, crédito, etc.), ou intelectual (médico, assessoria jurídica, etc.)” 35 . Por fim, não há dúvida quanto à aplicação do CDC aos serviços bancários 36 . Toda vez que presentes os requisitos já apontados para a caracterização do sujeito consumidor, a instituição bancária será responsabilizada objetivamente pelos vícios e defeitos de seus produtos e serviços, e os contratos bancários serão regulados segundo os preceitos consumeristas. 2.4 QUESTÕES 1. (OAB-SP – Exame 110) De acordo com o CDC (Lei nº 8.078/90), “consumidor” é toda a pessoa física: (a) Que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final e “fornecedor” é toda a pessoa jurídica privada, nacional, que desenvolve atividades de produção e fornecimento de bens em sentido amplo e de prestação de serviços. (b) Brasileira que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final e “fornecedor” é toda a pessoa física ou jurídica privada, nacional, que desenvolve atividades de produção e fornecimento de bens em sentido amplo e de prestação de serviços. (c) Ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final e “fornecedor” é toda a pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, de direito público ou privado, que desenvolve atividades de produção e fornecimento de bens em sentido amplo e de prestação de serviços. (d) Brasileira ou naturalizada, ou jurídica nacional, de direito privado, com seus atos constitutivos devidamente registrados e “fornecedor” é toda a pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, de direito privado, que desenvolve atividades de produção e fornecimento de bens em sentido amplo e de prestação de serviços. 2. (OAB-MG – Exame de Dezembro/2007) Considerando o que determina o Código Civil sobre a boa-fé objetiva, é incorreto afirmar: (a) Implica a observância de deveres anexos ao contrato, tais como informação e segurança. (b) Significa a ignorância de vício que macula o negócio jurídico. (c) Aplica-se aos contratos do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. (d) Implica o dever de conduta probo e íntegro entre as partes contratantes. 3. (OAB-MG – Exame de Abril/09) Em qual das alternativas abaixo não há relação de consumo: (a) Paciente e dentista em tratamento dentário. (b) Mecânico e loja de peças em compra e venda de peças automotivas para os carros em conserto na oficina. (c) Correntista e instituição financeira na relação de guarda e depósito de dinheiro em conta-corrente. (d) Cliente e restaurante na compra e venda de marmitas para o almoço de uma família. 4. (OAB – Exame unificado 2007.3) No que se refere ao campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), assinale a opção correta. (a) O conceito de consumidor restringe-se às pessoas físicas que adquirem produtos como destinatárias finais da comercialização de bens no mercado de consumo. (b) O conceito de fornecedor envolve o fabricante, o construtor, o produtor, o importador e o comerciante, os quais responderão solidariamente sempre que ocorrer dano indenizável ao consumidor. (c) O conceito de produto é definido como o conjunto de bens corpóreos, móveis ou imóveis, que sejam oferecidos pelos fornecedores para consumo pelos adquirentes. (d) O conceito de serviço engloba qualquer atividade oferecida no mercado de consumo, mediante remuneração, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. 5. (OAB – Exame unificado 2008.3) No tocante às relações de consumo, é correto afirmar que (a) A pessoa jurídica não sofre dano moral indenizável. (b) É isento de responsabilidade o fornecedor que não tenha conhecimento dos vícios de qualidade por inadequação de produtos e serviços de consumo. (c) A reparação do dano moral coletivo está prevista no Código de Defesa do Consumidor. (d) A interpretação das cláusulas contratuais deve ocorrer de forma a não favorecer nem prejudicar o consumidor. 6. (OAB 2011.1 – FGV) No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, em relação ao princípio da boa-fé objetiva, é correto afirmar que (a) importa em reconhecimento de um direito a cumprir em favor do titular passivo da obrigação. (b) não se aplica à fase pré-contratual. (c) para a caracterização de sua violação imprescindível se faz a análise do caráter volitivo das partes. (d) sua aplicação se restringe aos contratos de consumo. 7. (X Exame de Ordem Unificado – FGV) Elisabeth e Marcos, desejando passar a lua de mel em Paris, adquiriram junto à Operadora de Viagens e Turismo “X” um pacote de viagem, composto de passagens aéreas de ida e volta, hospedagem por sete noites, e seguro saúde e acidentes pessoais, este último prestado pela seguradora “Y”. Após chegar à cidade, Elisabeth sofreu os efeitos de uma gastrite severa e Marcos entrou em contato com a operadora de viagens a fim de que o seguro fosse acionado, sendo informado que não havia médico credenciado naquela localidade. O casal procurou um hospital, que manteve Elisabeth internada por 24 horas, e retornou ao Brasil no terceiro dia de estadia em Paris, tudo às suas expensas. Partindo da hipótese apresentada, assinale a afirmativa correta. (a) O casal poderá acionar judicialmente a operadora de turismo, mesmo que a falha do serviço tenha sido da seguradora, em razão da responsabilidade solidária aplicável ao caso. (b) O casal somente poderá acionar judicialmente a seguradora Y, já que a operadora de turismo responderia por falhas na organização da viagem, e não pelo seguro, porque esse foi realizado por outra empresa. (c) O casal terá que acionar judicialmente a operadora de turismo e a seguradora simultaneamente por se tratar da hipótese de litisconsórcio necessário e unitário, sob pena de insurgir em carência da ação. (d) O casal não poderá acionar judicialmente a operadora de turismo já que havia liberdade de contratar o seguro- saúde viagem com outra seguradora e, portanto, não se tratando de venda casada, não há responsabilidade solidária na hipótese. GABARITO: Encontra-se no final do livro. __________ 1 Ver a obra de LIMA, Rogério Medeiros Garcia de. Aplicação do código de defesa do consumidor, São Paulo: RT, 2003. 2 Em outros países, como os EUA, não há um conceito único para consumidor, variando de acordo com as especificidades das normas reguladoras. Sobre a matéria, ver BENJAMIN, Antônio Herman V. O conceito jurídico de consumidor, passim. 3 LUCCA, Newton de. Direito do consumidor, p. 38. 4 NERY JÚNIOR, Nelson. CDC comentado..., p. 430. 5 Sobre o assunto, ver MARQUES, Claudia Lima. Contratos..., p. 140-163. 6 Nesse sentido: STJ, Conflito de Competência 92.519/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 2.ª Seção, j. 16.02.2009, DJe 04.03.2009. 7 Claudia Lima Marques relata o embate existente entre belgas e franceses. A jurisprudência francesa, a partir de 1987, alargou o espectro da Lei 78-23, de 10.01.1978, destinada aos contratos firmados entre os profissionais e não profissionais, para que a proteção contra cláusulas abusivas fosse também estendida aos contratos estabelecidos pelos profissionais liberais e pequenas e médias empresas, por compreender a vulnerabilidade técnica existente, já que nessas relações essas pessoas encontram-se fora da sua área de comércio. A posição da jurisprudência francesa foi duramente criticada pela doutrina belga, que mantém a tendência de uma definição restrita. 8 É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de adotar a referida teoria para a conceituação de consumidor. A respeito, decidiu recentemente aquela Egrégia Corte: “[...] 1 – A jurisprudência desta Corte sedimenta-se no sentido da adoção da teoria finalista ou subjetiva para fins de caracterização da pessoa jurídica como consumidora em eventual relação de consumo, devendo, portanto, ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido (REsp 541.867/BA). 2 – Para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou serviço adquirido ou utilizado não pode guardar qualquer conexão, direta ou indireta, com a atividade econômica por ele desenvolvida; o produto ou serviço deve ser utilizado para o atendimento de uma necessidade própria, pessoal do consumidor. 3 – No caso em tela, não se verifica tal circunstância, porquanto o serviço de crédito tomado pela pessoa jurídica junto à instituição financeira de certo foi utilizado para o fomento da atividade empresarial, no desenvolvimento da atividade lucrativa, de forma que a sua circulação econômica não se encerra nas mãos da pessoa jurídica, sociedade empresária, motivo pelo qual não resta caracterizada, in casu, relação de consumo entre as partes. [...]” (Conflito de Competência 92.519/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 2.ª Seção, j. 16.02.2009, DJe 04.03.2009). 9 DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor..., p. 104. 10 A respeito, o STJ já proferiu decisão exteriorizando um entendimento um pouco diverso. Para aquela Corte Superior, a vulnerabilidade se afigura, na verdade, como uma mitigação da regra da destinação final. Reconhece, pois, a importância da vulnerabilidade para a caracterização da figura do consumidor, mas de maneira a ampliar o campo de incidência do conceito trazido pelo art. 2.º, caput, do CDC. Aqui, aproxima-se da corrente maximalista, sem, contudo, adotá-la. Confira-se: “[...] – A jurisprudência consolidada pela 2.ª Seção deste STJ entende que, a rigor, a efetiva incidência do CDC a uma relação de consumo está pautada na existência de destinação final fática e econômica do produto ou serviço, isto é, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer atividade produtiva desempenhada pelo utente ou adquirente. Entretanto, o próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra, com fulcro no art. 4.º, I, do CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do produto ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial, haja vulnerabilidade de uma parte frente à outra. – Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5.º, XXXII, e 170, V, da CF. Em suma, prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quando comprovada, pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica. – Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A ‘paridade de armas’ entre a empresa-fornecedora e a empresa-consumidora afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não. Recurso provido” (STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 27.512/BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 20.08.2009, DJe 23.09.2009). 11 LOPES, José Reinaldo de Lima. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor, p. 79. 12 “Processo civil e Consumidor. Rescisão contratual cumulada com indenização. Fabricante. Adquirente. Freteiro. Hipossuficiência. Relação de consumo. Vulnerabilidade. Inversão do ônus probatório. – Consumidor é a pessoa física ou jurídica que adquire produto como destinatário final econômico, usufruindo do produto ou do serviço em beneficio próprio. – Excepcionalmente, o profissional freteiro, adquirente de caminhão zero quilômetro, que assevera conter defeito, também poderá ser considerado consumidor, quando a vulnerabilidade estiver caracterizada por alguma hipossuficiência quer fática, técnica ou econômica. – Nesta hipótese está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a concessão do benefício processual da inversão do ônus da prova. Recurso especial provido” (STJ, REsp 1.080.719/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 10.02.2009, DJe 17.08.2009 – grifo nosso). No mesmo sentido, reconhecendo os aspectos técnico, jurídico e econômico da vulnerabilidade: STJ, REsp 661.145/ES, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4.ª Turma, j. 22.02.2005, DJ 28.03.2005, p. 286. 13 A noção de vulnerabilidade jurídica foi estabelecida pela corte suprema alemã nos casos de contratos de empréstimo bancário e financiamento, conforme lembra Claudia Lima Marques, Contratos..., p. 148, nota 26. 14 Ibidem, p. 148. 15 Nelson Nery Junior, Os princípios gerais do código de defesa do consumidor, p. 53. 16 A proteção do consumidor, p. 435. 17 Curso prático de direito do consumidor, p. 19. 18 NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do código de defesa do consumidor, p. 53. 19 GRINOVER, Ada Pellegrini. CDC comentado..., p. 28. 20 Código do consumidor comentado, p. 140. 21 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código..., p. 157. 22 GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit., p. 30. 23 MARQUES, Claudia Lima. Contratos..., p. 159. 24 MARINS, James. Responsabilidade..., p. 108. 25 PASQUALOTTO, Adalberto. Os serviços públicos no código de defesa do consumidor, p. 22. 26 MARINS, James. Código..., p. 18. 27 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, p. 188. 28 Ibidem, mesma página. 29 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, p. 200. 30 DINIZ, Maria Helena. Curso..., p. 189. 31 BEVILÁQUA, Clóvis. Comentários ao código civil, p. 267. 32 Ibidem, mesma página. 33 Ver comentários ao dispositivo em tela feitos por FILOMENO, José Geraldo Brito. Código..., p. 39-51. 34 Proteção..., p. 133. 35 Apud Proteção..., p. 133. 36 Nesse sentido, STF, ADI 2.591, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. p/ Acórdão Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 07.06.2006, DJ 29.09.2006, p. 31; e Súmula 297 do STJ, com o seguinte teor: “O CDC é aplicável às instituições financeiras”. Ainda sobre o tema, convém analisar o verbete sumular 321, também do STJ: “O CDC é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”. DOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES 3.1 A POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO A Política Nacional de Relações de Consumo introduzida pelo art. 4.º da Lei 8.078/1990 visa o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo. Para a consumação dessa política, o CDC elencou alguns princípios fundamentais. São eles (art. 4.º): a) Princípio da vulnerabilidade. O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (inciso I); b) Princípio da defesa do consumidor pelo Estado. A imperatividade da ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor por iniciativa direta, por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas, pela presença do Estado no mercado de consumo, e pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho (inciso II); c) Princípio da boa-fé objetiva e do equilíbrio nas relações. A “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores” (inciso III). As relações jurídicas firmadas entre consumidores e fornecedores devem observar o princípio do inc. III, do art. 4.º e inc. IV do art. 51, do CDC. Assim, o princípio da “boa-fé, equidade e equilíbrio” deve ser sempre observado, visando à harmonização dos interesses inerentes às relações de consumo. A “boa-fé” de que trata o CDC é denominada “boa-fé objetiva”, ou seja, conduta obrigatória a ser observada pelas pessoas que pretendem estabelecer relação de consumo 1 . Luiz Antonio Rizzatto Nunes denomina de “comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra” 2 . Desta feita, não se trata da tradicional “boa-fé subjetiva” no sentido de desconhecimento de fato que venha violar, modificar ou estabelecer impedimento a direito. De outro lado, este dispositivo determina a observância dos fundamentos da ordem econômica e dentre eles o da defesa do meio ambiente. Trata-se, assim, do chamado Consumo Sustentável 3 estabelecido pela Resolução 53/1995 da ONU, que dispõe sobre a necessidade de se difundir o consumo responsável, sobretudo pela esgotabilidade dos recursos naturais. Vale dizer que se de um lado o mercado de consumo é fundamental para o desenvolvimento econômico, na geração de empregos, recolhimento de tributos e até de divisas para o país, por outro lado essa atividade deve se dar com a responsabilidade da defesa e prevenção do meio ambiente, para garantir a todos, inclusive para as futuras gerações, a sadia qualidade de vida; d) Princípio da informação e educação. A necessidade de incentivo à educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo (inciso IV); e) Princípio da confiança. O incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo (inciso V); f) Princípio do combate ao abuso. A coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores (inciso VI); g) Princípio da eficiência dos serviços públicos. A racionalização e melhoria dos serviços públicos (inciso VII); h) e o Princípio do estudo constante das modificações do mercado de consumo (inciso VIII). Os princípios elencados no art. 4.º do CDC encontram correspondência em diversos outros dispositivos do código, como no capítulo dos direitos básicos do consumidor e das práticas comerciais. Claudia Lima Marques lembra que este dispositivo legal é uma norma narrativa de uma lei de função social que é o CDC, estabelecendo princípios que devem ser obedecidos no mercado de consumo 4 . No sentido de estabelecer instrumentos eficazes para a concretização da Política Nacional das Relações de Consumo (art. 5.º), o Código determina que o Poder Público mantenha assistência jurídica integral e gratuita para o consumidor carente, medida raramente encontrada nos Estados brasileiros. Determina ainda a instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público, o que de fato viu-se implantado em quase todo o país e que se revelou fundamental para o desenvolvimento e consolidação dos direitos do consumidor. Por fim, o Poder Público deve empreender esforços para criar delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo, Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo. Deve ainda o Poder Público conceder incentivos para o surgimento e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor. 3.2 DOS DIREITOS BÁSICOS DOS CONSUMIDORES Assim como a Política Nacional das Relações de Consumo, os direitos dos consumidores inscritos no art. 6.º do CDC se manifestam também em outros dispositivos do código para tratamento mais específico. Destarte, analisaremos cada uma das hipóteses de direitos básicos do consumidor, positivadas no art. 6.º e cujo rol é meramente exemplificativo. a) O direito à proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos (inciso I). Tal previsão coaduna-se com os princípios gerais da Política Nacional das Relações de Consumo e com o princípio constitucional da dignidade humana. b) O direito à educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações (inciso II). Tal direito reforça a missão do CDC de estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo para a concretização do princípio constitucional da igualdade. Por este dispositivo, não poderá haver discriminação para com os consumidores. c) O direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (inciso III). Trata-se do dever que os fornecedores têm de informar, reforçando a transparência como princípio das relações de consumo. Sem a correta informação e transparência, o consumidor não pode exercer a liberdade de contratar. A Lei 12.741, de 8 de dezembro de 2012, que passou a vigorar 6 meses após a sua publicação, dispõe sobre as medidas de esclarecimento ao consumidor previstas no § 5º do art. 150 da Constituição Federal. Assim, nos documentos fiscais ou equivalentes emitidos ao consumidor, deverão constar as informações do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda. Importante lembrar que a aplicação de sanções administrativas pelo descumprimento da lei em apreço, só ocorrerá após o transcurso do prazo de 12 meses depois do início de sua vigência. d) O direito à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (inciso IV). Este direito impõe aos fornecedores o dever de garantir qualidade, adequação e segurança de seus produtos e serviços. As informações sobre estes aspectos não podem ser incorretas ou abusivas. Decorre do princípio constitucional da Publicidade já analisado e que será objeto de nossas reflexões no tópico sobre a publicidade e o abuso de direito. e) A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (inciso V). Desta regra decorrem os direitos de modificação e revisão das cláusulas contratuais. Não se trata da teoria da imprevisão adotada pelo Código Civil. É direito autônomo que permite a intervenção judicial para modificação das cláusulas contratuais quando houver prestações desproporcionais que configurem ofensa ao princípio da isonomia ou a revisão de cláusulas contratuais que se tornem excessivamente onerosas por fatos supervenientes nos contratos de trato sucessivo. Percebe-se que a norma não se refere a fatos imprevisíveis e sim simplesmente supervenientes ao momento da celebração do contrato 5 . Como nos ensina Vidal Serrano Nunes Junior e Yolanda Alves Pinto Serrano, “não se aplica a chamada teoria da imprevisão, pois a interpretação literal dos dispositivos não permite dúvidas, indicando somente dois requisitos necessários: 1) a onerosidade excessiva; 2) que tenha fundamento em fato superveniente. (...) Mais uma vez, o CDC está a apontar o desejo de equilíbrio nas relações de consumo, rendendo a oportunidade à intervenção judicial para a definição de conteúdo de uma cláusula contratual” 6 . Este direito positiva o princípio da “Conservação do Contrato”. Por esse princípio, é garantida ao consumidor a revisão de cláusula pactuada com a manutenção do liame contratual. Havendo o estabelecimento de prestações desproporcionais ou a ocorrência de fatos supervenientes ocasionando excessiva onerosidade ao consumidor, é garantida a revisão contratual para o restabelecimento do equilíbrio contratual 7 , pois “(...) esse princípio modifica o dogma da ‘intangibilidade do conteúdo do contrato’, consubstanciado no antigo brocardo pacta sunt servanda” 8 . Por outro lado, note-se que o art. 47 do CDC prevê a necessidade de interpretação dos contratos de consumo da forma mais favorável ao consumidor. Assim, “como decorrência da adoção, pelo Código de Defesa do Consumidor, do princípio da interpretação contratual mais favorável ao consumidor, podemos extrair vários subprincípios: a) a interpretação é sempre mais favorável ao consumidor; b) deve-se atender mais à intenção das partes do que à literalidade da manifestação de vontade (art. 85, CC); c) a cláusula geral de boa-fé reputa-se ínsita em toda relação jurídica de consumo, ainda que não conste expressamente do instrumento do contrato (arts. 4.º, caput, e III, e 51, IV, CDC); d) havendo cláusula negociada individualmente, prevalecerá sobre as cláusulas estipuladas unilateralmente pelo fornecedor; e) nos contratos de adesão as cláusulas ambíguas ou contraditórias se faz ‘contra stipulatorem’, em favor do aderente (consumidor); f) sempre que possível se interpreta o contrato de consumo de modo a fazer com que as cláusulas tenham aplicação, extraindo delas máxima utilidade (princípio da conservação)” 9 . f) A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (inciso VI). Com este dispositivo o CDC adotou o princípio do restitutio in integrum, não admitindo indenizações tarifadas ou pré-limitadas, como o ocorrido com o Código Brasileiro de Aeronáutica. A Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, editou a Resolução 37, de 7 de agosto de 2008, que atualiza os limites de indenização fixados no Código Brasileiro de Aeronáutica – CBAer. Assim, os valores referidos na aludida resolução devem ser tidos como mínimo de indenização, de forma que o consumidor no caso concreto pode recorrer ao Judiciário para a complementação do que entender devido, a fim de ultimar sua efetiva reparação 10 . g) O acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados (inciso VII). Tal direito está relacionado com o mandamento do artigo 5.º, I, que imputa ao Poder Público o dever de manter assistência jurídica integral e gratuita para o consumidor carente. h) A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência (inciso VIII). Trata-se da tão falada inversão do ônus da prova. A proteção do consumidor está contextualizada no sistema político-constitucional brasileiro (art. 5.º, XXXII e LIV, da CF). Desse sistema decorre o princípio do due process of law – devido processo legal –, a fim de resguardar os bens jurídicos do trinômio vida, liberdade e propriedade. Acompanhando a evolução social e a complexidade das demandas dela decorrentes, o direito processual amplia seu objetivo de acesso à justiça para a busca da efetividade. Transmuta a tutela da esfera meramente individual, advinda da concepção burguesa dos séculos XVIII e XIX, para a esfera da tutela de interesses indivisíveis e indeterminados, advinda da concepção moderna. Assim, ao tratarmos de ônus da prova, estamos nos referindo à facilitação da defesa do consumidor em juízo, ou, como no texto constitucional, à defesa do consumidor, bem como ao interesse em oferecer prova. Trata-se daquela conduta da pessoa em juízo consistente em agir de determinado modo para a satisfação de interesse próprio, a fim de evitar uma situação de desvantagem 11 , um encargo que recai sobre quem sente as consequências pela falta da prova. Dessa forma, ao magistrado que presta jurisdição em contenda de consumo caberá a análise probatória e caso persista dúvida deverá avaliar a existência de pelo menos um dos dois requisitos exigidos para a inversão do ônus, quais sejam: O subjetivo, consistente na verossimilhança das alegações do consumidor segundo as regras de experiência; ou O objetivo, consistente na verificação da hipossuficiência do consumidor, em sentido muito mais amplo do que aquele conferido pela Lei 1.060/1950. Note-se que hipossuficiência e vulnerabilidade são noções distintas, apesar de caminharem juntas 12 . Vulnerabilidade é utilizada quando estamos a tratar de direito material, e a hipossuficiência no transcorrer do processo judicial. Por isso, revela-se que todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente. Assim, a inversão do ônus da prova é benefício a ser concedido pelo julgador ao consumidor no momento da prolação da sentença, afinal estamos a tratar de regra de julgamento 13 . Não há que se falar em lesão ao contraditório e ampla defesa do fornecedor, pois este de antemão deveria conhecer este direito básico do consumidor. i) A adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral (inciso X). Como decorrência do inciso VII do art. 4.º do CDC, que positivou a imperatividade da racionalização e melhoria dos serviços públicos, este direito traduz no âmbito do CDC o estatuído na Emenda Constitucional 19, de 4 de junho de 1998, e que se encontra positivado no art. 37 da Carta Magna. 3.3 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E INTEGRAÇÃO Por fim, no que tange aos direitos dos consumidores é preciso consignar que eles não se esgotam naqueles estabelecidos no CDC. Não estão excluídos outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes (como as Portarias da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça), bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. É o próprio CDC, no caput de seu art. 7.º, que não permite que a proteção do consumidor se encerre no âmbito da lei consumerista. Tal dispositivo foi inspirado no que prescreve o § 2.º do art. 5.º da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamentais, já que a defesa dos consumidores constitui cláusula pétrea. Destaque-se no âmbito das normas internacionais a Resolução das Nações Unidas 39/248, de 10.04.1985, sobre a Proteção do Consumidor, que também foi inspiradora do CDC 14 . Outro dispositivo que inspirou o art. 7.º do CDC foi o art. 4.º do Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil – LICC) que se encontra em pleno vigor e é aplicável às relações de consumo, já que a LICC é de natureza lex legum (Lei das Leis), de aplicação geral. 3.4 ALGUNS ASPECTOS IMPORTANTES SOBRE A DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO Fixadas as relações jurídicas de consumo, faz-se necessária a abordagem de alguns pontos decorrentes do tema que requerem a aplicação dos princípios fundamentais do CDC, insculpidos em seus arts. 1.º ao 7.º, e que constituem a base, o fundamento de intelecção do microssistema brasileiro de regulação das relações de consumo, cuja inobservância “consiste em mal mais grave do que a transgressão da norma 15 , afinal a violação de um princípio fundamental representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra” 16 . Como visto, o Código intervém nas relações de mercado objetivando o equilíbrio entre consumidor e fornecedor, concretizando, no inc. I de seu art. 4.º (reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo) 17 , o princípio constitucional da isonomia (caput do art. 5.º da CF). Essa é a lógica, a busca da igualdade real entre consumidor e fornecedor, que deve nortear todos os desdobramentos das relações de consumo. Vejamos. 3.4.1 O consumidor possui foro privilegiado Esse é o mandamento do art. 101 do CDC: “Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I – a ação pode ser proposta no domicílio do autor” (...). Com esse preceito, o CDC estabeleceu mais uma exceção ao art. 94 do CPC, que fixa como regra geral de competência o foro do domicílio do réu. A exceção em tela visa à facilitação da defesa do consumidor em juízo, à facilitação de seu acesso aos órgãos judiciários, que seria limitado se o foro fosse o do domicílio do fornecedor, réu na ação, em razão do dispêndio de recursos para a manutenção do processo. Concretizam-se aqui os princípios dos incisos VII e VIII do art. 6.º do CDC: “Art. 6.º. São direitos básicos do consumidor: (...) VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII – a facilitação da defesa de seus direitos (...)”. 3.4.2 O polo passivo das referidas ações. Regra geral de solidariedade e a regra geral de responsabilidade civil Novamente agiu com perspicácia o legislador ao determinar no parágrafo único do art. 7.º que, “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”. Como é cediço, a solidariedade visa ao tratamento da pluralidade pela unicidade. É a qualidade da relação obrigacional 18 com multiplicidade de sujeitos (credores ou devedores), que obriga cada um dos devedores pela dívida toda como se fosse o único devedor, e que permite a cada um dos credores exigir o crédito integral como se fosse o único credor. Constitui-se como postulado nessa matéria a não presunção da solidariedade, por força do art. 265 do CC. Tal atributo das relações obrigacionais deve necessariamente decorrer da vontade das partes ou da lei. O legislador, ao confeccionar o CDC, ciente da limitação imposta pelo mercado à esfera da autonomia da vontade do consumidor, consignou como princípio fundamental das relações de consumo a solidariedade dos causadores de dano aos consumidores. Destarte, como ressalta José Geraldo Brito Filomeno, “ao consumidor é conferido o direito de intentar as medidas contra todos os que estiverem na cadeia de responsabilidade que propiciou a colocação do mesmo produto no mercado ou então a prestação do serviço” 19 . O princípio da solidariedade de todos os causadores do dano ao consumidor decorre também da sistemática adotada pelo Código na apuração da responsabilidade civil. Diferentemente da determinação do art. 186 do Código Civil (Responsabilidade Aquiliana), o CDC adotou a teoria do risco integral, por meio da qual a apuração da responsabilidade civil de dano ao consumidor será dada objetivamente, ou seja, sem a necessidade de se percorrer a “via crúcis” da verificação da culpa do agente (imprudência, negligência e imperícia). Antes, o consumidor deveria formular prova do dano, do nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o dano, e da culpa (imprudência, negligência e imperícia). Agora, em nome do princípio da equidade constitucional e da vulnerabilidade do consumidor, o CDC adotou a teoria do risco integral da atividade, pela qual o fornecedor de produto ou serviço, ao inserir-se no mercado para transacionar com os consumidores, assume integralmente o risco pelos danos causados decorrentes de sua atividade. É a chamada responsabilidade objetiva (arts. 12 a 18) 20 , por meio da qual caberá ao consumidor, até para facilitar sua defesa, apenas a prova do dano e do nexo de causalidade com o agente 21 . 3.5 DA QUALIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS, DA PREVENÇÃO E DA REPARAÇÃO DOS DANOS Como decorrência da Política Nacional das Relações de Consumo e dos Direitos do Consumidor, o CDC prevê em seus arts. 8.º, 9.º e 10 o regramento a ser observado por todos os fornecedores, inclusive pelo Estado, para a concretização e respeito aos direitos dos consumidores. Assim, os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não poderão acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito, e, no caso de produtos industriais, por meio de impressos apropriados que devam acompanhar o produto. Para aqueles produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança, a informação deverá ser ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade (art. 9.º). Exemplos desses produtos de perigo previsível são o álcool doméstico, medicamentos, inseticidas e produtos de limpeza. Novamente o CDC estabelece a informação adequada, verídica e clara como elemento fundamental e inerente à atividade dos fornecedores. A falta da observância deste mandamento, ou seja, omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade, sujeita o infrator à pena de detenção, de seis meses a dois anos e multa. Incorre nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado. Neste caso, admite-se a modalidade culposa com a pena de detenção de um a seis meses ou multa (art. 63 do CDC). Nessa esteira, o CDC determina que o “fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança” (art. 10). Com esta regra procurou-se abarcar duas hipóteses, quais sejam, aquela em que o fornecedor, mesmo ciente da nocividade ou periculosidade, faz circular o produto ou o serviço e, portanto, age com intencionalidade, e aquela em que deveria saber por força de sua atividade e responsabilidade. Pode ocorrer a hipótese na qual o fornecedor toma conhecimento da periculosidade e nocividade dos produtos e serviços após a sua introdução no mercado de consumo. Neste caso, o fornecedor deverá informar a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sobre as providências cabíveis às autoridades competentes. Deverá, de outra parte, informar os consumidores mediante anúncios publicitários veiculados na imprensa, rádio e televisão, às suas expensas (§§ 1.º a 3.º do art. 10). Trata-se da figura do recall (chamar de volta), medida de caráter preventivo. Atente-se que a realização do recall não exclui a responsabilidade civil do fornecedor. Assim, se o consumidor não comparece perante montadora de veículos no prazo determinado em anúncio publicitário para reparar o cinto de segurança de seu veículo, e após a fluência desse prazo vem a sofrer dano pelo defeito no cinto de segurança, não está excluída a responsabilidade civil da montadora fornecedora, pela singela razão da supremacia do interesse do consumidor, na medida em que não há como garantir que o consumidor lesado foi atingido pelo recall. Atente-se que deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado sujeita o infrator à pena de detenção, de seis meses a dois anos e multa. Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos (art. 64 do CDC). Por fim, o art. 65 do CDC confere pena de detenção, de seis meses a dois anos e multa, a quem executar serviço de alto grau de periculosidade contrariando determinação de autoridade competente. Essas penas são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à lesão corporal e à morte. 3.6 QUESTÕES 1. (IX Exame de Ordem Unificado – FGV) A sociedade empresária XYZ Ltda. oferta e celebra, com vários estudantes universitários, contratos individuais de fornecimento de material didático, nos quais garante a entrega, com 25% de desconto sobre o valor indicado pela editora, dos livros didáticos escolhidos pelos contratantes (de lista de editoras de antemão definidas). Os contratos têm duração de 24 meses, e cada estudante compromete-se a pagar valor mensal, que fica como crédito, a ser abatido do valor dos livros escolhidos. Posteriormente, a capacidade de entrega da sociedade diminuiu, devido a dívidas e problemas judiciais. Em razão disso, ela pretende rever judicialmente os contratos, para obter aumento do valor mensal, ou então liberar-se do vínculo. Acerca dessa situação, assinale a afirmativa correta. (a) A empresa não pode se valer do Código de Defesa do Consumidor e não há base, à luz do indicado, para rever os contratos. (b) Aplica-se o CDC, já que os estudantes são destinatários finais do serviço, mas o aumento só será concedido se provada a dificuldade financeira e que, ademais, ainda assim o contrato seja proveitoso para os compradores. (c) Aplica-se o CDC, mas a pretendida revisão da cláusula contratual só poderá ser efetuada se provado que os problemas citados têm natureza imprevisível, característica indispensável, no sistema do consumidor, para autorizar a revisão. (d) A revisão é cabível, assentada na teoria da imprevisão, pois existe o contrato de execução diferida, a superveniência de onerosidade excessiva da prestação, a extrema vantagem para a outra parte, e a ocorrência de acontecimento extraordinário e imprevisível. 2. (OAB-SP – Exame 128) Sobre a boa-fé objetiva, é INCORRETO afirmar: (a) Implica o dever de conduta probo e íntegro entre as partes contratantes. (b) Significa a ignorância de vício que macula o negócio jurídico. (c) Implica a observância de deveres anexos ao contrato, tais como informação e segurança. (d) Aplica-se aos contratos do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. 3. (OAB-RJ – 30.º Exame) Quanto à inversão do ônus da prova no âmbito do CDC (Lei 8.078/90), assinale a alternativa correta: (a) O CDC prevê apenas a inversão ope legis. (b) O CDC prevê apenas a inversão ope judice. (c) O CDC não prevê a inversão do ônus da prova. (d) O CDC prevê a inversão ope legis e a inversão ope judice. Nota do autor: a inversão ope legis é aquela que decorre diretamente da lei, independentemente da vontade do julgador. É a hipótese prevista no art. 38 do CDC, no tocante à veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária. Já a inversão ope judice, vale dizer, aquela que depende de prévia decisão fundamentada da autoridade judiciária, foi prevista pelo legislador consumerista no art. 6.º, VIII, do CDC. 4. (OAB-PR – Exame 02/2007) Sobre a inversão do ônus da prova, assinale a alternativa INCORRETA: (a) Cabe quando o consumidor é hipossuficiente. (b) Cabe quando, a critério do juiz da causa, a alegação do consumidor for verossímil. (c) Não pode ser aplicada quando o prestador de serviço é o Poder Público. (d) Visa à facilitação da defesa dos direitos do consumidor. 5. (OAB – Exame Unificado 2009.1) Assinale a opção que não está de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. (a) É direito do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, incluindo-se a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando ele for hipossuficiente. (b) O consumidor tem direito à modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, mas não à revisão delas em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. (c) É direito do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, o que inclui a especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço e a explicitação dos riscos relacionados a produtos e serviços. (d) O consumidor tem direito à efetiva reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. 6. (OAB-RS – Exame. 02/2007) Em relação à tutela do consumidor, assinale a assertiva correta. (a) A responsabilidade dos profissionais liberais é objetiva. (b) Os contratos de crédito não são amparados no âmbito do Código de Defesa do Consumidor. (c) As multas de mora não podem ser superiores a 2% do valor da prestação. (d) O consumidor não tem o direito de arrepender-se das compras feitas em seu domicílio. 7. (OAB 2011.1 – FGV) Analisando o artigo 6.º, V, do Código de Defesa do Consumidor, que prescreve: “São direitos básicos do consumidor: V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”, assinale a alternativa correta. (a) Exige a imprevisibilidade do fato superveniente. (b) Não traduz a relativização do princípio contratual da autonomia da vontade das partes. (c) Almeja, em análise sistemática, precipuamente, a resolução do contrato firmado entre consumidor e fornecedor. (d) Admite a incidência da cláusula rebus sic stantibus. GABARITO: Encontra-se no final do livro. __________ 1 Para uma leitura aprofundada sobre o tema ver Da boa fé no direito civil, de António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Coimbra: Almedina, 2001. 2 Comentários ao código..., p. 108. 3 Ver comentários do Prof. Filomeno, Manual de direitos..., p. 71. 4 Manual de direito do consumidor, p. 54. 5 “[...] O preceito insculpido no inciso V do artigo 6.º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor. [...]” (STJ, REsp 417.927/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 21.05.2002, DJ 1.º.07.2002 p. 339). 6 CDC interpretado, São Paulo: Saraiva, p. 38. 7 O CDC instituiu sistemática distinta da adotada no direito privado, que aplica a cláusula rebus sic stantibus visando à resolução do contrato. 8 NERY JÚNIOR, Nelson. CDC comentado pelos autores do anteprojeto, p. 466. O STJ vem sistematicamente aplicando o referido dispositivo legal nos contratos de leasing com cláusula de correção atrelada à variação do dólar americano, revisando-os de modo a distribuir o ônus da valorização cambial (desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira) entre consumidor e fornecedor. Nesse sentido: REsp 437.660/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4.ª Turma, j. 08.04.2003, DJ 05.05.2003, p. 306; REsp 473.140/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/ Acórdão Min. Aldir Passarinho Junior, 2.ª Seção, j. 12.02.2003, DJ 04.08.2003, p. 217; AgRg no Ag 456.863/RS, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, 3.ª Turma, j. 17.10.2002, DJ 18.11.2002 p. 215; dentre outros julgados. 9 Idem, Os princípios gerais..., p. 63. 10 “Civil e Processual. Acórdão Estadual. Nulidade não configurada. Ação de indenização. Extravio temporário da bagagem. CDC. Incidência. Tarifação prevista na Convenção de Varsóvia afastada. Danos materiais e morais. Configuração. Reexame de provas e fatos. Valor. Excesso. Redução em sede especial. I. Inexiste nulidade no acórdão que enfrenta, suficiente e fundamentadamente, a controvérsia, apenas com conclusão adversa à parte ré. II. Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, a tarifação por extravio de bagagem prevista na Convenção de Varsóvia não prevalece, podendo a indenização ser estabelecida em valor maior ou menor, consoante a apreciação do Judiciário em relação aos fatos acontecidos, inclusive anteriores à vigência dos Decretos n. 2.860 e 2.861, de 07.12.1998. III. Caso em que a autora pleiteia danos materiais e morais, consubstanciados estes, essencialmente, pelo extravio temporário da bagagem, que lhe foi entregue no destino entre dois e seis dias após sua chegada. Reconhecimento da ocorrência da lesão diante dos fundamentos fáticos e probatórios dos autos, de reversão impossível na instância especial (Súmula n. 7-STJ). IV. Redução do valor a patamar condizente, em homenagem ao princípio da razoabilidade e ante o largo tempo decorrido entre o evento danoso e o ajuizamento da ação, em que se presume mitigada a lesão moral (quase cinco anos). V. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido” (REsp 786.609/DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4.ª Turma, j. 18.09.2008, DJe 28.10.2008). 11 Sobre o assunto ver CARNELUTTI, Francesco. Sistema de diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1936; e LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985. 12 MATOS, Cecília. O ônus da prova no código de defesa do consumidor, p. 161. 13 Embora esse seja o posicionamento dominante, no âmbito do STJ, a matéria ainda se mostra um tanto polêmica, conforme é possível se depreender dos seguintes julgados: “[...] Mesmo que controverso o tema, dúvida não há quanto ao cabimento da inversão do ônus da prova ainda na fase instrutória – momento, aliás, logicamente mais adequado do que na sentença, na medida em que não impõe qualquer surpresa às partes litigantes –, posicionamento que vem sendo adotado por este Superior Tribunal, conforme precedentes. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, provido” (REsp 662.608/SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 4.ª Turma, j. 12.12.2006, DJ 05.02.2007, p. 242); “[...] Conforme posicionamento dominante da doutrina e da jurisprudência, a inversão do ônus da prova, prevista no inc. VIII, do art. 6.º do CDC é regra de julgamento. Vencidos os Ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros, que entenderam que a inversão do ônus da prova deve ocorrer no momento da dilação probatória. Recurso especial não conhecido” (REsp 422.778/SP, Rel. Min. Castro Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 19.06.2007, DJ 27.08.2007, p. 220); “Recurso Especial. Consumidor. Inversão do ônus da prova. Art. 6.º, VIII, do CDC. Regra de julgamento. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6.º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, é regra de julgamento. Ressalva do entendimento do Relator, no sentido de que tal solução não se compatibiliza com o devido processo legal” (STJ, REsp 949.000/ES, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3.ª Turma, j. 27.03.2008, DJe 23.06.2008). 14 Sobre este assunto é indispensável a consulta a FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 7. ed. São Paulo: Atlas, p. 535, que, além de importantes comentários, contém o texto integral da referida resolução. 15 NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais..., p. 51. 16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 300. 17 O art. 1.º da Resolução de 09.04.1985 da ONU sobre os direitos do consumidor reconhece o consumidor como a parte mais fraca na relação de consumo. 18 Clóvis Beviláqua define a relação obrigacional como “(...) a relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente apreciável, em proveito de alguém, que, por ato nosso, ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude de lei, adquiriu o direito de exigir de nós essa ação ou omissão”. Theoria geral do direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1946, p. 125. 19 Manual de direitos do consumidor, p. 98. 20 Destaque-se que essa sistemática de apuração da responsabilidade já existia com a Lei 6.938/1981. 21 Exceção estabelecida é aquela dos profissionais liberais, cuja obrigação é de meio e não de resultado, como advogados e médicos, consoante o § 4.º do art. 14. DA RESPONSABILIDADE DOS FORNECEDORES POR SEUS PRODUTOS E SERVIÇOS 4.1 INTRODUÇÃO1 O CDC estabeleceu um sistema próprio para a responsabilização dos fornecedores por seus produtos e serviços. Trata da responsabilidade pelo fato e pelo vício de produtos e serviços. Toda vez que o consumidor sofrer dano físico ou moral em razão do consumo de produto ou serviço, aplicam-se as regras da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço. A responsabilidade pelo fato é decorrência de um acidente de consumo gerado por um defeito no produto ou serviço. Já o vício não gera o acidente, e, estando ligado à quantidade ou qualidade, torna o produto ou o serviço impróprios ou inadequados ao consumo a que se destina ou lhe diminui o valor. Exemplo clássico é aquele em que determinado consumidor acaba de adquirir um veículo novo. Numa primeira situação, ao se aproximar de semáforo vermelho, aciona os freios que não funcionam, acabando por abalroar outro veículo. Numa segunda situação, ao se aproximar de semáforo vermelho, aciona os freios que não funcionam, mas consegue reduzir as marchas e parar o veículo sem qualquer colisão. Na primeira situação houve um acidente de consumo e serão aplicadas as regras da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. Na segunda situação, verificou-se apenas um vício que torna o produto impróprio ao fim a que se destina e lhe diminui o valor. 4.2 DA RESPONSABILIDADE DOS FORNECEDORES PELO FATO DE PRODUTOS E SERVIÇOS2 Iniciemos abordando a Responsabilidade pelo Fato de Produtos. Por esta sistemática, “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos” (caput do art. 12). Percebe-se que o CDC não se refere aos fornecedores em geral, mas sim ao fabricante, ao produtor, ao construtor, nacional ou estrangeiro, e ao importador, excluindo da lista de fornecedores o comerciante, que tem tratamento próprio no art. 13. Esses fornecedores responderão, na ocorrência de defeitos independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores. Vale dizer, portanto, que neste caso o CDC adotou a regra da responsabilidade objetiva (necessidade da prova do dano e do nexo de causalidade, excluída a culpa lato sensu, nas modalidades imperícia, imprudência e negligência), pois não respondem mediante culpa. Nos §§ 1.º e 2.º desse dispositivo, o código tratou de definir que ocorre defeito em produtos quando não oferecem a segurança que deles legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais, a sua apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam, e a época em que foi colocado em circulação. Ressalva a lei que o produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. Ao adotar a responsabilidade objetiva como regra, o próprio CDC elencou as excludentes dessa responsabilidade. São elas: a prova de que o fabricante, o construtor, o produtor ou importador não colocou o produto no mercado; ou que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro. Positivadas essas hipóteses, não há que se falar no caso fortuito e força maior como excludentes dessa responsabilidade, embora existam posições doutrinárias divergentes. Quanto ao comerciante, temos que este é igualmente responsável, nos termos já tratados, quando o fabricante, construtor, produtor ou importador não puderem ser identificados; ou quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; ou ainda quando não conservar adequadamente os produtos perecíveis (art. 13). Assim, fora dessas hipóteses o comerciante não responde pelos danos causados aos consumidores, por serem eles de exclusiva responsabilidade dos fabricantes, dos construtores, dos produtores ou dos importadores, não se aplicando a regra geral de solidariedade. Estaríamos aqui diante de responsabilidade subsidiária do comerciante. Por fim, incidindo a regra geral de solidariedade, temos que aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso (parágrafo único do art. 13). Atente-se que, por força do art. 88 do CDC, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide 3 . Quanto à Responsabilidade pelo Fato dos Serviços, o CDC aplicou a regra geral de solidariedade para todos os fornecedores, não excluindo o comerciante. Assim, “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos” (caput do art. 14). O CDC define como serviço defeituoso aquele que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando- se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais, o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam, e a época em que foi fornecido, não sendo considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas (§§ 1.º, incisos I, II e III, e 2.º do art. 14). O CDC também adotou para esta modalidade a responsabilidade objetiva que será excluída quando o fornecedor provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou que se trata de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Frise-se, pelas razões já apontadas, que aqui também não aplica a força maior e o caso fortuito como excludentes da responsabilização civil (§ 3.º do art. 14) 4 . Por fim, o CDC prescreve que a responsabilidade pessoal dos profissionais 5 liberais será apurada mediante a verificação de culpa (§ 4.º do art. 14). Pelas características inerentes aos profissionais liberais (médicos, advogados, dentistas, publicitários etc.), o CDC resolveu excepcionar a regra da responsabilidade objetiva imputando-lhes a responsabilidade subjetiva (necessidade de prova do dano, do nexo de causalidade e da culpa lato sensu. Atente-se que são mantidas nesses casos as regras de inversão do ônus da prova. No entanto, faz-se importante consignar que a jurisprudência e doutrina vêm considerando determinadas práticas de profissionais liberais como obrigações de resultado, aplicando-lhes a responsabilidade objetiva. Diríamos que é a exceção da exceção. Cirurgias plásticas meramente embelezadoras 6 e implantes dentários 7 são exemplos de casos em que se aplica a responsabilidade objetiva 8 . Por fim, relembremos que na responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, ou seja, nos acidentes de consumo, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento, modalidade de consumidor equiparado já abordado (art. 17). 4.3 DA RESPONSABILIDADE DOS FORNECEDORES PELO VÍCIO DE PRODUTOS E SERVIÇOS9 O CDC, no caput de seu art. 18, define como vícios de produtos aqueles ligados a qualidade e quantidade, que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza. Impróprios ou inadequados ao uso e consumo são aqueles produtos cujos prazos de validade estejam vencidos, ou os deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação. São também impróprios ou inadequados os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam. Com esta última definição (inciso III do § 6.º do art. 18) quer o CDC abranger da forma mais genérica possível as hipóteses de vício. Como ensinam Vidal Serrano Nunes Júnior e Yolanda Alves Pinto Serrano, o CDC classifica os vícios como sendo de qualidade, quantidade, aparentes e ocultos, e de informação. Asseveram os professores: “O vício de qualidade ocorre quando há alteração na substância do produto, de forma a tornar possível a verificação de impropriedade que lhe retira atributos inerentes à sua espécie. Já o de quantidade não empresta ao produto característica alguma. O produto com vício de quantidade preserva seus caracteres originais, residindo o problema na discrepância entre o previsto na embalagem, mensagem publicitária etc. e aquele que veio a ser usufruído pelo consumidor. Os vícios aparentes são aqueles que dispensam verificações ciosas para sua constatação ou algum espaço de tempo para o surgimento. São aqueles que revestem o produto desde sua aquisição sendo dispensável o questionamento quanto ao conhecimento do consumidor acerca de sua existência; diferindo, neste ponto, substancialmente dos vícios redibitórios do Direito Civil, que são, em sua conceituação essencial, ocultos. Há, de outra parte, os denominados ocultos, que são aqueles que não podem ser captados pêlos sentidos humanos no momento da aquisição, vindo a manifestar-se apenas depois de decorrido determinado período. Importante fixar, contudo, que, não obstante encontrar-se recôndito, esta espécie de vício — para ser assim considerada para efeito de aplicação das regras tecidas pelo Código de Defesa Consumidor — deve já existir quando da celebração da avença. Por derradeiro, encontra-se no elenco do art. 18 o denominado de informação. Esta espécie de vício fulmina a clareza no que tange ao conhecimento do consumidor quanto aos caracteres do produto, culminando no prejuízo do adquirente do produto em razão da ausência de relação de veracidade — qualitativa ou quantitativamente — que deve existir entre as assertivas constantes de recipiente, embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária e o conteúdo do bem” 10 . Na ocorrência desses vícios, consignando que os vícios de quantidade possuem regramento próprio no art. 19, o CDC confere ao fornecedor o direito de tentar saná-los no prazo de 30 dias, se outro não estiver convencionado no contrato (mínimo de sete e máximo de 180 dias, sendo que, nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor – § 2.º do art. 18), contados do momento em que o consumidor comparecer junto ao fornecedor para reclamá-los. Não sendo o vício sanado, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha, (i) a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, ou (ii) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou ainda pelo abatimento proporcional do preço no caso de se interessar pelo produto no estado em que se encontra. Atente-se que o CDC dá ao consumidor o poder de escolha dentre as alternativas previstas nos incisos I, II e III do § 1.º do art. 18. Como já consignado, o fornecedor tem o direito de tentar sanar o vício 11 . No entanto, não lhe será facultado esse direito se, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial. Destarte, nessas hipóteses o consumidor pode valer-se diretamente de uma das alternativas dos incisos do § 1.º do art. 18. Por fim, consigne-se que, no caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor. Para os vícios de quantidade resolveu o CDC dar tratamento próprio em seu art. 19. Estabelece a lei que os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária. Ocorrendo o vício de quantidade, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha, o abatimento proporcional do preço; a complementação do peso ou medida; a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios, e em não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço; ou ainda a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos. Responsabilizado será o fornecedor imediato quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais. Quanto aos vícios de serviço (art. 20), será o fornecedor responsabilizado por aqueles de qualidade que os tornem impróprios ao consumo, assim entendidos os que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade. Serão também vícios de serviço aqueles que lhe diminuam o valor, e aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária. Nestes casos o consumidor poderá exigir, alternativamente e à sua escolha, a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou ainda o abatimento proporcional do preço. Note-se que, por se tratar de serviço, o Código autoriza que o fornecedor confie a terceiro a reexecução do serviço por sua conta e risco. Por fim, o CDC obriga que, no fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto, considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor. Trata-se de regra que visa garantir padrão de qualidade aos serviços prestados no mercado de consumo. Ressalte-se que deixar de empregar na reparação de produtos, peça ou componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor, sujeita o infrator à pena de detenção de três meses a um ano e multa, nos termos do art. 70 do CDC. 4.4 DOS PRAZOS DE GARANTIA PELOS VÍCIOS DE PRODUTOS E SERVIÇOS E DO PRAZO DE RECLAMAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE ACIDENTES DE CONSUMO12 Em seu art. 26, o CDC instituiu prazos que garantem aos consumidores o direito de reclamar os vícios existentes em produtos e serviços. São os prazos de garantia legal, do produto ou serviço que independem de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor (art. 24). Conferiu aos referidos prazos o caráter decadencial, com o objetivo de não eternizar as relações jurídicas, embora tenha previsto a possibilidade de serem obstados pela reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca, ou pela instauração de inquérito civil, até seu encerramento. Para os produtos e serviços não duráveis, ou seja, aqueles que perecem mediante sua utilização, como os alimentos, o prazo é de 30 dias. Para os produtos e serviços duráveis, ou seja, aqueles que podem ser reutilizados, como os eletrodomésticos, o prazo é de 90 dias. Se o vício é aparente, o prazo deve ser contado a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços, e se for oculto, a partir do momento em que for evidenciado 13 . Para os casos de defeitos de produtos ou serviços, que gerem acidentes de consumo, o prazo para reclamá-los é de cinco anos contados a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Note-se que esse prazo é prescricional e o início de sua contagem pressupõe o conhecimento do dano e de sua autoria que pode se dar posteriormente à ocorrência do dano. 4.5 DO ESTADO FORNECEDOR14 O Estado se encarta na definição de fornecedor do caput do art. 3.º do CDC. Aliás, o Estado caracteriza-se por ser um dos principais fornecedores no mercado de consumo. Assim, os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos 15 . Nos casos de descumprimento, total ou parcial, dessas obrigações, as pessoas jurídicas serão compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados. Aqui deve ser observado o § 6.º do art. 37 da Constituição Federal. O Estado fornecedor responderá objetivamente pelos danos causados aos consumidores. Atente-se que o CDC refere-se à continuidade dos serviços públicos essenciais. A Lei 7.783, de 28 de Junho de 1989 – Lei de Greve, em seu art. 10, acaba por definir os serviços de caráter essencial, quais sejam: o tratamento e abastecimento de água; a produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; a assistência médica e hospitalar; a distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; os serviços funerários; o transporte coletivo; a captação e tratamento de esgoto e lixo; o serviço de telecomunicações; a guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; o processamento de dados ligados a serviços essenciais; o controle de tráfego aéreo; e a compensação bancária. Destarte, nenhum desses serviços pode ser interrompido. Atente-se para o que dispõe a Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que disciplina o regime de concessão e permissão de serviços públicos. Prescreve a referida Lei em seu art. 6.º: “Art. 6.º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1.º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. § 2.º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. § 3.º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e, II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade”. Desta forma, pela supra citada lei não configuraria descontinuidade do serviço público, e não ofenderia o art. 22 do CDC a interrupção de serviços nos casos de emergência ou após prévio aviso, desde que “motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; ou por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade”. Há corrente doutrinária e jurisprudencial que corrobora a tese de interrupção de serviço essencial por inadimplemento do usuário, prática muito comum nos serviços de água, telefonia e eletricidade 16 . No entanto, não é esse o nosso entendimento, pois a interrupção não pode ocorrer por ato unilateral do fornecedor. Deve haver antes a consideração do interesse da coletividade, que deve ser sopesado pela autoridade judicial. Não pode o direito de crédito do fornecedor se sobrepor ao da dignidade do consumidor, já que estamos lidando com serviços essenciais e fundamentais para a digna sobrevivência humana. Como pensar que alguém pode viver sem água ou eletricidade. Esse é o sentido do CDC, que deve prevalecer. A possibilidade de corte deve ser analisada pelo juiz no caso concreto, aferindo a conduta do consumidor que se de boa-fé não deve sofrer interrupção nos serviços essenciais que recebe, mesmo estando inadimplente. Ao fornecedor, nesses casos, estão à disposição os mecanismos de cobrança e execução de créditos. A interrupção deve ser medida a ser adotada contra o consumidor de má-fé que procura injustificadamente escusar-se do cumprimento de sua prestação obrigacional, inclusive em sede de antecipação de tutela na demanda proposta pelo fornecedor a fim de obter a satisfação de seu crédito. Por fim, a descontinuidade do serviço público como instrumento de cobrança expõe o consumidor ao ridículo, e o submete a constrangimento, ferindo o art. 42 do CDC, e constituindo crime nos termos do art. 71 do CDC. 4.6 DISPOSIÇÕES GERAIS APLICÁVEIS À RESPONSABILIZAÇÃO DOS FORNECEDORES Não podemos nos olvidar em lembrar que a ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade, sendo vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista no CDC (art. 25). Qualquer cláusula que desrespeite esse mandamento será considerada abusiva e, portanto, nula de pleno direito. Por derradeiro, temos que, havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos. Se o dano ocorreu por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são também responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação. Trata-se de mais duas normas que reforçam a já tratada regra geral de solidariedade. 4.7 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA17 Inspirado na experiência do direito comercial – disregard doctrine –, o CDC positivou em seu art. 28 os requisitos que permitem ao magistrado desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para atingir o patrimônio de seus sócios. Não se trata de dissolução da personalidade jurídica, mas de mera desconsideração para responsabilizar seus sócios que podem esconder-se por trás dela a fim de causar prejuízos aos consumidores e ao mercado de consumo. Desta feita, toda vez que em detrimento do consumidor verificar-se abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, a desconsideração será efetivada. Será também decretada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração, ou quando a personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Atente-se que as sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações assumidas pelos fornecedores perante os consumidores. Já a responsabilidade das sociedades consorciadas é solidária, e as sociedades coligadas só responderão por culpa. 4.8 QUESTÕES 1. (OAB-SP – Exame n. 109) Determinado produto não durável apresenta vício de qualidade que o torna inadequado para o consumo. O vício não foi sanado pelo fornecedor no prazo de 30 dias. Ao consumidor, nesse caso, caberá: (a) Somente o abatimento proporcional do preço, mediante acordo ou execução específica. (b) Alternativamente, a seu critério, o abatimento proporcional do preço ou a substituição do produto por outro, da mesma espécie, em perfeitas condições, ou ainda a restituição da quantia paga. (c) Como primeira alternativa, a substituição da mercadoria; caso o fornecedor não queira substituí-la, a devolução da quantia paga; caso o fornecedor se negue a devolvê-la, o abatimento proporcional do preço; e caso o fornecedor se negue a abater o preço, ação de perdas e danos comprovadamente sofridos. (d) Iniciar o procedimento junto aos órgãos de defesa e proteção do consumidor, para que estes obtenham junto ao Poder Judiciário as penalidades cíveis e criminais visando à devolução integral da quantia paga, monetariamente corrigida e acrescida de juros legais. 2. (OAB-SP – Exame n. 111) O consumidor tem o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação: (a) Em cinco dias, no caso de produtos não duráveis, e em trinta dias, no caso de produtos duráveis. (b) Em trinta dias, no caso de produtos não duráveis, e em noventa dias, em caso de produtos duráveis. (c) Em dez dias, no caso de produtos não duráveis, e no prazo fixado no termo de garantia, no caso de produtos duráveis. (d) Não há prazo fixado no Código de Defesa do Consumidor, no caso de produtos não duráveis, e um ano, ou o prazo fixado no termo de garantia – o que for mais benéfico para o consumidor – no caso de produtos duráveis. 3. (OAB-SP – Exame n. 114) “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. Essa afirmação: (a) É correta, pois o estacionamento é um atrativo para o cliente da empresa e o valor do seu uso considera-se embutido no preço da mercadoria ou do serviço vendido pela empresa. (b) É correta, mas apenas se a empresa deixar de avisar aos clientes, por meio de placa legível, colocada na entrada do estacionamento, que não se responsabiliza pelos bens deixados sob sua guarda. (c) É incorreta, uma vez que só tem aplicação quando o estacionamento é administrado por empresa do ramo e a guarda do veículo é cobrada do cliente. (d) É incorreta, uma vez que se trata de responsabilidade por ato ou fato de terceiro e, portanto, objetiva. 4. (OAB-SP – Exame n. 117) Lucas, cirurgião e locatário por uma semana de centro cirúrgico em hospital de renome, submete seu paciente a cirurgia. Apesar de ministrar todos os recursos médicos na intervenção cirúrgica, o paciente veio a sucumbir. Assinale a resposta correta, indicando a quem cabe a responsabilidade pelo evento. (a) Ao médico, se provada sua culpa no evento. (b) Cumulativa, ao médico e ao hospital, pelo vínculo decorrente da locação celebrada. (c) Ao médico, pela teoria da responsabilidade objetiva. (d) Ao médico, pela teoria do risco profissional. 5. (OAB-SP – Exame n. 117) O prazo para o consumidor reclamar de vícios redibitórios, que comprometem a qualidade de produto durável, é de: (a) 90 dias, contados da data da entrega do bem. (b) 90 dias, contados do momento em que ficar evidenciado o defeito. (c) 30 dias, contados da data da entrega do bem. (d) 30 dias, contados do momento em que ficar evidenciado o defeito. 6. (OAB-SP – Exame n. 118) De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o profissional liberal responde pelos danos causados em razão da prestação de serviços (a) Independentemente de culpa. (b) Se os defeitos se deverem a culpa exclusiva de terceiro. (c) Se o serviço, ainda que não defeituoso, pudesse ser melhor realizado em razão da superveniência de nova técnica. (d) Se o consumidor não foi suficientemente informado a respeito dos riscos do serviço. 7. (OAB-SP – Exame n. 118) Um jovem contraiu o vício de fumar e passou a usar fumo inglês em seu cachimbo e, influenciado pelos “comerciais” de televisão, também fumava cigarros, exclusivamente da marca nacional “Santa Cruz S.A.”. Com o tempo, veio a contrair câncer de pulmão, em razão de tabagismo diagnosticado por médicos. A doença reduziu a sua capacidade para o trabalho e o discriminou no meio social razão por que pretende responsabilizar, civilmente, a fabricante de cigarros, por danos materiais e dano moral. A ação indenizatória é (a) Cabível, pelo nexo causal entre a doença e o tabagismo. (b) Incabível, pela advertência da nocividade impressa nos maços de cigarro (“Fumar dá Câncer”). (c) Cabível em parte, porque agem, com culpa concorrente, tanto o fumante, por adesão espontânea ao vício (culpa consciente), como a fabricante, por não respeitar as advertências do Ministério da Saúde divulgadas pela televisão. (d) Incabível, porque a fabricação e venda de cigarros constituem exercício regular de comércio. Nota do autor: A questão trata de matéria polêmica na doutrina e na jurisprudência. Consigne-se a nossa discordância com a resposta constante no gabarito da OAB-SP, porquanto seja claro o nexo causal entre o câncer de pulmão e o tabagismo. Em nossa opinião correta seria a alternativa “a”. 8. (X Exame de Ordem Unificado – FGV) Aurora contratou com determinada empresa de telefonia fixa um pacote de serviços de valor preestabelecido que incluía ligações locais de até 100 minutos e isenção total dos valores pelo período de três meses, exceto os minutos que ultrapassassem os contratados, ligações interurbanas e para telefone móvel. Para sua surpresa, logo no primeiro mês recebeu cobrança pelo pacote de serviços no importe três vezes superior ao contratado, mesmo que tivesse utilizado apenas 32 minutos em ligações locais. A consumidora fez diversos contatos com a fornecedora do serviço para reclamar o ocorrido, mas não obteve solução. De posse dos números dos protocolos de reclamações, ingressou com medida judicial, obtendo liminar favorável para abstenção de cobrança e de negativação do nome. Considerando o caso acima descrito, assinale a afirmativa correta. (a) A conversão da obrigação em perdas e danos faz-se independentemente de eventual aplicação de multa. (b) A multa diária ao réu pode ser fixada na sentença, mas desde que o autor tenha requerido expressamente. (c) A conversão da obrigação em perdas e danos independe de pedido do autor, em qualquer hipótese. (d) A tutela liminar será concedida, desde que não implique ordem de busca e apreensão, que requer medida cautelar própria e justificação prévia. 9. (XI Exame de Ordem Unificado – FGV) O Mercado A comercializa o produto desinfetante W, fabricado por “W.Industrial”. O proprietário do Mercado B, que adquiriu tal produto para uso na higienização das partes comuns das suas instalações, verifica que o volume contido no frasco está em desacordo com as informações do rótulo do produto. Em razão disso, o Mercado B propõe ação judicial em face do Mercado A, invocando a Lei 8.078/1990 (CDC), arguindo vícios decorrentes de tal disparidade. O Mercado A, em defesa, apontou que se tratava de responsabilidade do fabricante e requereu a extinção do processo. A respeito do caso sugerido, assinale a alternativa correta. (a) O processo merece ser extinto por ilegitimidade passiva. (b) O caso versa sobre fato do produto, logo a responsabilidade do réu é subsidiária. (c) O processo deve ser extinto, pois o autor não se enquadra na condição de consumidor. (d) Trata-se de vício do produto, logo o réu e o fabricante são solidariamente responsáveis. 10. (XI Exame de Ordem Unificado – FGV) Carla ajuizou ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos em face do dentista Pedro, lastreada em prova pericial que constatou falha, durante um tratamento de canal, na prestação do serviço odontológico. O referido laudo comprovou a inadequação da terapia dentária adotada, o que resultou na necessidade de extração de três dentes da paciente, sendo que na execução da extração ocorreu fratura da mandíbula de Carla, o que gerou redução óssea e sequelas permanentes, que incluíram assimetria facial. Com base no caso concreto, à luz do Código de Defesa do Consumidor, assinale a afirmativa correta. (a) O dentista Pedro responderá objetivamente pelos danos causados à paciente Carla, em razão do comprovado fato do serviço, no prazo prescricional de cinco anos. (b) Haverá responsabilidade de Pedro, independentemente de dolo ou culpa, diante da constatação do vício do serviço, no prazo decadencial de 90 dias. (c) A obrigação de indenizar por parte de Pedro é subjetiva e fica condicionada à comprovação de dolo ou culpa. (d) Inexiste relação de consumo no caso em questão, pois é uma relação privada, que encerra obrigação de meio pelo profissional liberal, aplicando-se o Código Civil. 11. (OAB-MT – Exame n. 03/2003) Assinale a alternativa FALSA: (a) O CDC regulou as relações de consumo para proteger o consumidor, tratando das relações contratuais e extracontratuais com a criação dos consumidores equiparados. (b) O fornecedor de serviços sempre terá o direito de sanar o vício do produto no prazo legal de 30 dias, salvo se o contrato dispuser prazo entre 7 e 180 dias para tal. (c) O fornecedor de serviços poderá, diante de um vício, confiar a terceiros e reexecução dos serviços desde que por sua conta e riscos. (d) O fabricante, o construtor, o incorporador e o importador de peça ou componente incorporado a produto ou serviço é solidariamente responsável com o fornecedor desse produto ou serviço. 12. (OAB-MT – Exame n. 02/2004) Se uma pessoa adquire um carro usado em uma concessionária de veículos e ele se encontra com problemas de suspensão: (a) Ela não pode se valer do Código do Consumidor porque o bem era usado e não se enquadra, assim, na definição de produto. (b) Ela poderá requerer a troca da peça defeituosa, tendo a concessionária o prazo máximo de 30 dias para atendê- la, desde que outro não tenha sido expressamente ajustado pelas partes, mediante cláusula em separado. (c) Ela poderá diretamente pleitear a redibição judicial do veículo, obtendo do proprietário anterior a restituição das importâncias pagas. (d) Ela poderá diretamente pleitear a redibição judicial do veículo, obtendo da concessionária a restituição das importâncias pagas. 13. (OAB-MT – Exame n. 03/2004) Sobre o recall podemos afirmar: (a) É dever imposto pela lei ao fornecedor que, conhecendo a periculosidade do produto após a sua introdução no mercado, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. (b) É liberalidade do fornecedor que, conhecendo a periculosidade do produto após a sua introdução no mercado, comunica o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. (c) É liberalidade do fornecedor que, conhecendo a periculosidade do produto após a sua introdução no mercado, comunica o fato imediatamente aos consumidores, mediante anúncios publicitários. (d) É dever imposto pela lei ao fornecedor que, conhecendo a periculosidade do produto após a sua introdução no mercado, deverá comunicar o fato imediatamente apenas às autoridades competentes. 14. (OAB-MT – Exame n. 03/2004) O direito do consumidor consistente em reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (a) Trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis, e noventa dias tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. (b) Trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis, e seis meses tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. (c) Sete dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis, e seis meses tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. (d) Sete dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis, e trinta dias tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. 15. (OAB-MT – Exame n. 01/2005) Cidadão cuiabano sofre grave lesão comprometedora da vida ao servir-se de ônibus municipal, em razão da negligência do motorista. Nesse caso, a responsabilidade em questão é denominada: (a) Pelo vício do serviço. (b) Pelo fato do produto. (c) Pelo vício do produto. (d) Pelo fato do serviço. 16. (OAB-MT – Exame n. 01/2005) No caso da questão anterior, o prazo para o cidadão reclamar seus danos é de: (a) 90 (noventa) dias. (b) 10 (dez) anos. (c) 05 (cinco) anos. (d) 07 (sete) dias. 17. (OAB-MT – Exame n. 02/2005) Sob o prisma da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), assinale a alternativa ERRADA: (a) Só é permitida a colocação de produtos e serviços no mercado de consumo se estes não acarretarem qualquer risco à saúde ou segurança dos consumidores. (b) No caso de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações necessárias ao consumidor através de impressos apropriados que devem acompanhar o produto. (c) O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores. (d) O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. 18. (VIII Exame de Ordem Unificado – FGV) Determinado consumidor, ao mastigar uma fatia de pão com geleia, encontrou um elemento rígido, o que lhe causou intenso desconforto e a quebra parcial de um dos dentes. Em razão do fato, ingressou com medida judicial em face do mercado que vendeu a geleia, a fim de ser reparado. No curso do processo, a perícia constatou que o elemento encontrado era uma pequena porção de açúcar cristalizado, não oferecendo risco à saúde do autor. Diante desta narrativa, assinale a afirmativa correta. (a) O fabricante e o fornecedor do serviço devem ser excluídos de responsabilidade, visto que o material não ofereceu qualquer risco à integridade física do consumidor, não merecendo reparação. (b) O elemento rígido não característico do produto, ainda que não o tornasse impróprio para o consumo, violou padrões de segurança, já que houve dano comprovado pelo consumidor. (c) A responsabilidade do fornecedor depende de apuração de culpa e, portanto, não tendo o comerciante agido de modo a causar voluntariamente o evento, não deve responder pelo resultado. (d) O comerciante não deve ser condenado e sequer caberia qualquer medida contra o fabricante, posto que não há fato ou vício do produto, motivo pelo qual não deve ser responsabilizado pelo alegado defeito. 19. (OAB – Exame unificado n. 2007.2) Acerca da responsabilidade civil, assinale a opção correta. (a) Tratando-se de vício exclusivamente de quantidade, ressalvadas as normas aplicáveis às relações de consumo, os empresários individuais e as empresas respondem objetivamente por danos causados pelos produtos postos em circulação. (b) A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito depende da comprovação de culpa, pois se fundamenta no critério subjetivo-finalístico. (c) São requisitos essenciais da responsabilidade subjetiva: a prática do ato, o nexo de causalidade, o dano e o dolo ou a culpa do agente causador do dano. (d) No caso de estado de necessidade decorrente de situação de perigo causada por terceiro, por se tratar de ato lícito, a pessoa lesada ou o dono da coisa danificada não pode reclamar indenização do prejuízo que sofreu. 20. (OAB – Exame Unificado n. 2008.3) Ao consumidor adquirente de produto de consumo durável ou não durável que apresente vício de qualidade ou quantidade que o torne impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina, não sendo o vício sanado no prazo de 30 dias, assegura-se (a) A substituição imediata do produto por outro de qualquer espécie, em perfeitas condições de uso. (b) A imediata restituição do valor pago, atualizado monetariamente, não cabendo indenização. (c) O abatimento de até 50% do valor pago, em razão do vício apresentado e do inconveniente causado pela aquisição de produto defeituoso. (d) Convencionar com o fornecedor um prazo maior que 30 dias para que o vício seja sanado. 21. (OAB – Exame Unificado n. 2009.1) Acerca da responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor, assinale a opção correta. (a) No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, mesmo se identificado claramente o produtor. (b) A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços o exime de responsabilidade. (c) É permitida a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar. (d) Caso o vício do produto ou do serviço não seja sanado no prazo legal, pode o consumidor exigir o abatimento proporcional do preço. 22. (OAB – Exame Unificado n. 2009.2) Joana adquiriu um aparelho de telefone em loja de eletrodomésticos e, juntamente com o manual de instruções, foi-lhe entregue o termo de garantia do produto, que assegurava ao consumidor um ano de garantia, a contar da efetiva entrega do produto. Cerca de um ano e um mês após a data da compra, o aparelho de telefone apresentou comprovadamente um defeito de fabricação. Em face dessa situação hipotética, assinale a opção correta acerca dos direitos do consumidor. (a) O prazo para Joana reclamar dos vícios do produto é de apenas noventa dias, a partir da entrega efetiva do produto, independentemente de prazo de garantia. (b) A lei garante a Joana a possibilidade de reclamar de eventuais defeitos de fabricação a qualquer tempo, desde que devidamente comprovados. (c) Após o prazo de um ano de garantia conferida pelo fornecedor, Joana não poderá alegar a existência de qualquer defeito de fabricação. (d) Joana poderá reclamar eventuais defeitos de fabricação até o prazo de noventa dias após o final da garantia contratual conferida pelo fornecedor. 23. (OAB – Exame Unificado n. 2009.2) Com base no Código de Defesa do Consumidor, assinale a opção correta acerca da responsabilidade na prestação de serviços. (a) O serviço é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. (b) O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, ou quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste. (c) O fornecedor de serviço responderá pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços ou decorrentes de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos somente se comprovada a sua culpa. (d) A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais deve ser apurada independentemente da verificação de culpa. 24. (OAB-RS – Exame 01/2006) Em nosso ordenamento jurídico, quanto às pessoas jurídicas, assinale a assertiva correta. (a) O Ministério Público é parte ilegítima para requerer a desconsideração da personalidade jurídica em caso de desvio de finalidade. (b) Não se aplica às pessoas jurídicas o regime dos direitos da personalidade previsto no Código Civil. (c) As pessoas jurídicas não podem pleitear dano moral. (d) Quando se tratar de tutela do consumidor, a desconsideração da personalidade jurídica poderá ocorrer mesmo que não se configure o abuso de direito. 25. (OAB-RS – Exame 01/2007) Sobre defesa do consumidor, considere as assertivas abaixo. I – O comerciante somente é responsável por danos ao consumidor decorrentes de fabricação quando o produto não contiver a identificação clara do seu fabricante. II – As cláusulas abusivas em contratos de consumo são anuláveis. III – O consumidor pode invocar a desconsideração da personalidade jurídica do fornecedor nos termos da Lei de Defesa do Consumidor. Quais são corretas? (a) Apenas I. (b) Apenas III. (c) Apenas II e III. (d) I, II e III. 26. (OAB-RS – Exame 03/2007) Quanto aos direitos do consumidor, assinale a assertiva correta de acordo com a Lei de Defesa do Consumidor. (a) Ocorrendo a nulidade de uma cláusula abusiva, em princípio, será nulo todo o contrato. (b) O consumidor pode alegar o direito de arrependimento, no prazo de 7 dias, em qualquer espécie de compra de produto ou serviço. (c) A falência é uma das hipóteses que poderá levar à desconsideração da personalidade jurídica do fornecedor de produto ou serviço. (d) O fornecedor de produto ou serviço só é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos quando estes agirem com dolo ou culpa grave. 27. (OAB 2011.2 – FGV) Ao instalar um novo aparelho de televisão no quarto de seu filho, o consumidor verifica que a tecla de volume do controle remoto não está funcionando bem. Em contato com a loja onde adquiriu o produto, é encaminhado à autorizada. O que esse consumidor pode exigir com base na lei, nesse momento, do comerciante? (a) A imediata substituição do produto por outro novo. (b) O dinheiro de volta. (c) O conserto do produto no prazo máximo de 30 dias. (d) Um produto idêntico emprestado enquanto durar o conserto. 28. (OAB 2011.3 – FGV) Franco adquiriu um veículo zero quilômetro em novembro de 2010. Ao sair com o automóvel da concessionária, percebeu um ruído todas as vezes em que acionava a embreagem para a troca de marcha. Retornou à loja, e os funcionários disseram que tal barulho era natural ao veículo, cujo motor era novo. Oito meses depois, ao retornar para fazer a revisão de dez mil quilômetros, o consumidor se queixou que o ruído persistia, mas foi novamente informado de que se tratava de característica do modelo. Cerca de uma semana depois, o veículo parou de funcionar e foi rebocado até a concessionária, lá permanecendo por mais de sessenta dias. Franco acionou o Poder Judiciário alegando vício oculto e pleiteando ressarcimento pelos danos materiais e indenização por danos morais. Considerando o que dispõe o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a respeito do narrado acima, é correto afirmar que, por se tratar de vício oculto, (a) o prazo decadencial para reclamar se iniciou com a retirada do veículo da concessionária, devendo o processo ser extinto. (b) o direito de reclamar judicialmente se iniciou no momento em que ficou evidenciado o defeito, e o prazo decadencial é de noventa dias. (c) o prazo decadencial é de trinta dias contados do momento em que o veículo parou de funcionar, tornando-se imprestável para o uso. (d) o consumidor Franco tinha o prazo de sete dias para desistir do contrato e, tendo deixado de exercê-lo, operou-se a decadência. GABARITO: Encontra-se no final do livro. __________ 1 Ver a obra de LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: RT, 2001. 2 Sobre o assunto é obrigatória a leitura da obra de ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2000. 3 Observe-se, no entanto, que a restrição à denunciação da lide, segundo precedentes do STJ, aplica-se tão somente às hipóteses de responsabilidade pelo fato do produto. Com relação à responsabilidade pelo fato do serviço, a referida modalidade de intervenção de terceiros mostra-se possível, desde que caracterizada, por óbvio, a hipótese prevista no art. 70, III, do Código de Processo Civil. Confiram-se: “Processo civil. Denunciação da lide. Ação em que se discute defeito na prestação de serviços a consumidor. Possibilidade de litisdenunciação. A restrição à denunciação da lide imposta pelo art. 88 do CDC, refere-se apenas às hipóteses de defeitos em produtos comercializados com consumidores, de que trata o art. 13 do CDC. Na hipótese de defeito na prestação de serviços (art. 14 do CDC), tal restrição não se aplica. Precedente. Recurso especial a que se dá provimento” (STJ, REsp 741.898/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 15.12.2005, DJ 20.11.2006, p. 305); “[...] I. A vedação à denunciação à lide disposta no art. 88 da Lei n. 8.078/1990 restringe-se à responsabilidade do comerciante por fato do produto (art. 13), não alcançando o defeito na prestação de serviços (art. 14). [...]” (STJ, REsp 1.024.791/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4.ª Turma, j. 05.02.2009, DJe 09.03.2009). 4 O STJ, nesse sentido, já proferiu decisões afastando, na relação de consumo, o que chamou de caso fortuito interno como causa excludente de responsabilidade, haja vista o risco esperado e assumido pelo fornecedor no exercício de suas atividades. Confiram-se: “[...] 3. Na relação de consumo, existindo caso fortuito interno, ocorrido no momento da realização do serviço, como na hipótese em apreço, permanece a responsabilidade do fornecedor, pois, tendo o fato relação com os próprios riscos da atividade, não ocorre o rompimento do nexo causal. [...]” (STJ, REsp 762.075/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 16.06.2009, DJe 29.06.2009); “[...] I – Na esteira do entendimento mantido por esta Corte, a responsabilidade civil do shopping center no caso de danos causados à integridade física dos consumidores ou aos seus bens não pode ser afastada sob a alegação de caso fortuito ou força maior, pois a prestação de segurança devida por este tipo de estabelecimento é inerente à atividade comercial exercida por ele. [...]” (STJ, AgRg no Ag 1113293/MG, Rel. Min. Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA), 3.ª Turma, j. 03.09.2009, DJe 28.09.2009); “[...] 1. A instituição bancária responde objetivamente pelos furtos, roubos e latrocínios ocorridos nas dependências de estacionamento que oferecera aos veículos de seus clientes. 2. Não há falar em caso fortuito nessas hipóteses como excludente da responsabilidade civil, porquanto o proveito financeiro indireto obtido pela instituição atrai-lhe o ônus de proteger o consumidor de eventuais furtos, roubos ou latrocínios. [...]” (STJ, REsp 1045775/ES, Rel. Min. Massami Uyeda, 3.ª Turma, j. 23.04.2009, DJe 04.08.2009). Em sentido contrário, todavia, também já decidiu o STJ que “[...] nas relações de consumo, a ocorrência de força maior ou de caso fortuito exclui a responsabilidade do fornecedor de serviços. [...]” (REsp 996.833/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, 3.ª Turma, j. 04.12.2007, DJ 1.º.02.2008, p. 1); “Ação de indenização. Estacionamento. Chuva de granizo. Vagas cobertas e descobertas. Art. 1.277 do Código Civil. Código de Defesa do Consumidor. Precedente da Corte. 1. Como assentado em precedente da Corte, o ‘fato de o artigo 14, § 3.°, do CDC não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do artigo 1.058 do Código Civil’ (REsp n. 120.647-SP, Relator o Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 15/05/00). 2. Havendo vagas cobertas e descobertas é incabível a presunção de que o estacionamento seria feito em vaga coberta, ausente qualquer prova sobre o assunto. 3. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 330.523/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3.ª Turma, j. 11.12.2001, DJ 25.03.2002, p. 278). 5 Ver sobre o assunto a obra de PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do consumidor. São Paulo: Del Rey, 1998. 6 STJ, AgRg no Ag 1132743/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3.ª Turma, j. 16.06.2009, DJe 25.06.2009; REsp 236.708/MG, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF 1.ª Região), 4.ª Turma, j. 10.02.2009, DJe 18.05.2009. Importante registrar, a respeito, que a responsabilidade dos hospitais é sempre objetiva, ficando adstrita, no entanto, aos serviços que a ele compete, como internações, administração de medicamentos ou garantia de redução de risco de infecções hospitalares. A respeito, o STJ já decidiu que “[...] 1. A doutrina tem afirmado que a responsabilidade médica empresarial, no caso de hospitais, é objetiva, indicando o parágrafo primeiro do artigo 14 do CDC como a norma sustentadora de tal entendimento. Contudo, a responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. Nas hipóteses de dano decorrente de falha técnica restrita ao profissional médico, mormente quando este não tem nenhum vínculo com o hospital – seja de emprego ou de mera preposição –, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar. 2. Na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual – vínculo estabelecido entre médico e paciente – refere-se ao emprego da melhor técnica e diligência entre as possibilidades de que dispõe o profissional, no seu meio de atuação, para auxiliar o paciente. Portanto, não pode o médico assumir compromisso com um resultado específico, fato que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente, deve-se averiguar se houve culpa do profissional – teoria da responsabilidade subjetiva. No entanto, se, na ocorrência de dano impõe-se ao hospital que responda objetivamente pelos erros cometidos pelo médico, estar-se-á aceitando que o contrato firmado seja de resultado, pois se o médico não garante o resultado, o hospital garantirá. Isso leva ao seguinte absurdo: na hipótese de intervenção cirúrgica, ou o paciente sai curado ou será indenizado – daí um contrato de resultado firmado às avessas da legislação. [...]” (STJ, REsp 908.359/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, 2.ª Seção, j. 27.08.2008, DJe 17.12.2008). 7 TJSP, Apelação com Revisão 2158774900, Rel. Des. Salles Rossi, 8.ª Câmara de Direito Privado, j. 18.03.2009. 8 Sobre o assunto ver VIEIRA, Luzia Chaves. Responsabilidade civil médica e seguro. Belo Horizonte: Del Rey; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Direito e medicina. Belo Horizonte: Del Rey; e GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico à luz da jurisprudência comentada. Curitiba: Juruá. 9 Sobre o assunto ver a obra de QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Da responsabilidade por vício do produto e do serviço. São Paulo: RT, 1998. 10 CDC interpretado, p. 74-75. 11 “Vício. Qualidade. Automóvel. Exegese. Art. 18, § 1.º, I, CDC. Constatado o vício do produto, concede-se ao fornecedor a oportunidade de saná-lo no prazo máximo de trinta dias. Não sendo reparado o vício, o consumidor poderá exigir, à sua escolha, as três alternativas constantes dos incisos do § 1.º do art. 18 do CDC. No caso, inexiste ofensa ao mencionado dispositivo, pois, imediatamente após a reclamação, o fornecedor prontificou-se a reparar o produto – um veículo automotor. Não aceita a oferta pelo consumidor, propôs a substituição do bem por outro da mesma espécie e em perfeitas condições de uso ou a compra pelo preço de mercado e, ainda assim, o consumidor manteve-se renitente. “A primeira solução que o código apresenta ao consumidor é a substituição das partes viciadas do produto. Não se está diante de uma opção propriamente dita, uma vez que, como regra, o consumidor não tem outra alternativa a não ser aceitar tal substituição” (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. In: OLIVEIRA, Juarez de (Coord.). Comentários ao código de proteção do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991). Não sanado o vício de qualidade, cabe ao consumidor a escolha de uma das alternativas previstas no art. 18, § 1.º, do CDC. O dispositivo em comento não confere ao consumidor o direito à troca do bem por outro novo, determina apenas que, “não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso (...). Precedentes citados: REsp 185.836-SP, DJ 22/3/1999, e REsp 109.294-RS, DJ 12/5/1997” (STJ, REsp 991.985-PR, Rel. Min. Castro Meira, 2.ª Turma, j. 18.12.2007, Informativo 343). 12 Ver a importante obra de SANTANA, Héctor Valverde. Prescrição e decadência nas relações de consumo. São Paulo: RT, 2003. 13 A respeito, o STJ vem entendendo que a garantia contratual eventualmente ofertada pelo fornecedor é complementar ao prazo de garantia legal, sendo que este tem início após o prazo da primeira. Confira-se: “Consumidor. Rescisão de contrato de compra e venda. Vícios aparentes. Termo a quo do prazo decadencial. – Trata-se, na hipótese, da fixação do termo inicial para a contagem do prazo decadencial de garantia, determinado no CDC, quando, durante o período de garantia ofertado pela concessionária, veículo novo que apresenta defeito é encaminhado, recorrentemente, à rede autorizada, voltando sempre com o mesmo defeito. – Se ao término do prazo de garantia contratado, o veículo se achava retido pela oficina mecânica para conserto, impõe-se reconhecer o comprovado período que o automóvel passou nas dependências da oficina mecânica autorizada, sem solução para o defeito, como de suspensão do curso do prazo de garantia. – Prorroga-se, nessa circunstância, o prazo de garantia inicialmente ofertado, até a efetiva devolução do veículo ao consumidor, sendo este momento fixado como dies a quo do prazo decadencial para se reclamar vícios aparentes em produtos duráveis. Recurso não conhecido” (STJ, REsp 579.941/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 28.06.2007, DJe 10.12.2008); “Indenização. CDC. Garantia Contratual. O recorrente adquiriu um automóvel utilitário (zero quilômetro), mas, quando da retirada, logo notou pontos de corrosão na carroceria. Reclamou 11 meses depois; contudo, apesar da realização de vários reparos pela concessionária, a corrosão alastrou-se por grande parte do veículo, o que levou ao ajuizamento da ação de indenização por danos morais e materiais em desfavor da concessionária e da montadora. No caso, está-se diante de vício de inadequação (art. 12 do CDC), pois as imperfeições apresentadas no produto impediram que o recorrente o utilizasse da forma esperada, porém sem colocar em risco sua segurança ou a de terceiros, daí que, tratando-se de bem durável e de vício de fácil percepção, impõe aplicar-se o prazo decadencial de 90 dias para deduzir a reclamação, contados, em regra, da entrega efetiva do bem (art. 26, § 1.º, do mesmo código). Sucede que existe a peculiaridade de que a montadora concedera ao veículo a garantia (contratual) de um ano, que é complementar à legal (art. 50 da citada legislação). Diferentemente da garantia legal, a lei não fixou prazo de reclamação para a garantia contratual, todavia a interpretação teleológica e sistemática do CDC permite estender à garantia contratual os mesmos prazos de reclamação referentes à garantia legal, a impor que, no caso, após o término da garantia contratual, o consumidor tinha 90 dias (bem durável) para reclamar do vício de inadequação, o que não foi extrapolado. Dessarte, a Turma, ao renovar o julgamento, aderiu, por maioria, a esse entendimento. O voto vencido não conhecia do especial por falta de prequestionamento. Precedentes citados: REsp 442.368-MT, DJ 14/2/2005; REsp 575.469-RJ, DJ 6/12/2004, e REsp 114.473-RJ, DJ 5/5/1997” (STJ, REsp 967.623-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 16.04.2009, Informativo 390). 14 Sobre o assunto ver coletânea de artigos publicada pelo IDEC, A proteção do consumidor de serviços públicos, São Paulo: Max Limonad, 2002, e DERANI, Cristiane. Privatização e serviços públicos, São Paulo: Max Limonad, 2002. 15 Ressalte-se os dispositivos da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que disciplina o regime de concessão e de permissão dos serviços públicos. 16 Esta, aliás, é a posição do STJ, que exige, contudo, para que haja legítima interrupção do serviço essencial, a prévia notificação do inadimplente. Confira-se: “[...] 4. A jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (Lei n.º 8.987/1995, art. 6.º, § 3.º, II). 5. No particular, a decisão do Tribunal de origem não destoa do entendimento desta Corte, pois a recorrente não logrou demonstrar a realização da necessária notificação prévia quanto à possibilidade de corte no fornecimento de energia elétrica da recorrida em caso de permanecer inadimplente, ou seja, não foi atendido requisito essencial para a validação da interrupção do serviço. 6. Recurso especial conhecido em parte e não provido” (REsp 962.366/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2.ª Turma, j. 27.10.2009, DJe 09.11.2009). A respeito, ainda, vale a pena conferir a seguinte decisão daquele mesmo tribunal: “Processual Civil. Administrativo. Embargos de Divergência em Recurso Especial. Energia elétrica. Unidades Públicas Essenciais, como soem ser hospitais; pronto-socorros; escolas; creches; fontes de abastecimento d’água e iluminação pública; e serviços de segurança pública. Inadimplência. Suspensão do fornecimento. Serviço Público Essencial. 1. A suspensão do serviço de energia elétrica, por empresa concessionária, em razão de inadimplemento de unidades públicas essenciais – hospitais; pronto-socorros; escolas; creches; fontes de abastecimento d’água e iluminação pública; e serviços de segurança pública –, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, despreza o interesse da coletividade. 2. É que resta assente nesta Corte que: ‘O princípio da continuidade do serviço público assegurado pelo art. 22 do CDC deve ser obtemperado, ante a exegese do art. 6.º, § 3.º, II da Lei n. 8.987/95 que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público (...)’ REsp 845.982/RJ. 3. Deveras, não se concebe a aplicação da legislação infraconstitucional, in casu, art. 6.º, § 3.º, II, da Lei 8.987/95, sem o crivo dos princípios constitucionais, dentre os quais sobressai o da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República como previsto na Constituição Federal. 4. In casu, o acórdão recorrido (REsp 845.982/RJ), de relatoria do Ministro Castro Meira, Segunda Turma, decidiu pela impossibilidade de interrupção no fornecimento de energia elétrica das unidades de ensino do Colégio Pedro II, autarquia federal que presta serviço educacional, situado na Cidade do Rio de Janeiro, consoante se infere do voto-condutor: ‘(...) Entretanto, in casu, a concessionária pretende interromper o fornecimento de energia elétrica das unidades de ensino do Colégio Pedro II, autarquia federal que presta serviço educacional a ‘aproximadamente quinze mil alunos’. Ainda que a falta de pagamento pelos entes públicos deva ser repudiada, neste caso, a Corte regional que, ao tempo em que proibiu o corte da energia, também determinou que a verba seja afetada para o pagamento do valor devido, se for o caso, pela requisição de complementação orçamentária. Nas hipóteses em que o consumidor seja pessoa jurídica de direito público, prevalece nesta Turma a tese de que o corte de energia é possível, desde que não aconteça de forma indiscriminada, preservando-se as unidades públicas essenciais (...) Ressalto que a interrupção de fornecimento de energia elétrica de ente público somente é considerada ilegítima quando atinge necessidades inadiáveis da comunidade, entendidas essas – por analogia à Lei de Greve – como ‘aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população’ (art. 11, parágrafo único, da Lei n. 7.783/89), aí incluídos, hospitais, prontos-socorros, centros de saúde, escolas e creches (...)’. O acórdão paradigma (REsp 619.610/RS), de relatoria do Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, examinando hipótese análoga, decidiu pela possibilidade de corte no fornecimento de energia elétrica, em razão de inadimplência, em se tratando de Estado-consumidor, mesmo no caso de prestação de serviços públicos essenciais, como a educação, verbis: ‘(...) Com efeito, ainda que se trate o consumidor de ente público, é cabível realizar-se o corte no fornecimento de energia elétrica, mesmo no caso de prestação de serviços públicos essenciais, como a educação, desde que antecedido de comunicação prévia por parte da empresa concessionária, a teor do art. 17 da Lei n. 9.427/96. Tal entendimento se justifica em atendimento aos interesses da coletividade, na medida em que outros usuários sofrerão os efeitos da inadimplência do Poder Público, podendo gerar uma mora continuada, assim como um mau funcionamento do sistema de fornecimento de energia (...)’. 5. Embargos de Divergência rejeitados” (EREsp 845.982/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Seção, j. 24.06.2009, DJe 03.08.2009). 17 Ver a obra de GUIMARÃES, Flávia Lefèvre. Desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor: aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998. Ver também obra de COELHO, Fabio Ulhôa. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: RT, 1989. DAS PRÁTICAS COMERCIAIS 5.1 INTRODUÇÃO1 Como já estudado, o CDC cuidou de positivar regras de produção que visam garantir no mercado de consumo a circulação de produtos e serviços com padrões de segurança que garantam a saúde dos consumidores. Ao regular as práticas comerciais o diploma consumerista, pretende regular a fase pós-produção, que implica na prática de atos pelos fornecedores que visam a retirada do produto de sua linha de produção até as mãos dos consumidores. Este capítulo teve a inspiração do Projet de Code de la Consommation: méthodes commerciales, do Professor Jean Calais-Auloy, do Fair Debt Collection Practices e do Fair Credit Reporting Act americanos. Assim, Prática Comercial é qualquer ato pós-produção, que vise o escoamento de produtos. Para tanto, ante o mercado de massas caracterizado pelo anonimato dos agentes e pela informática, a utilização do marketing como ferramenta de trabalho passa a ser essencial para os fornecedores. Temos então que o marketing é espécie do gênero práticas comerciais, constituindo todas as medidas que se destinam a promover a comercialização de produtos e serviços. Assim, constituem atividades de marketing a publicidade, os selos, as ofertas, concursos, descontos, promoções via telefone etc., ou seja, quaisquer mecanismos de incentivo à venda. A regulação do marketing pode se dar diretamente por meio das específicas regras de marcas e patentes, direitos autorais, concorrência desleal e concentração de poder econômico no mercado. Pode também se dar indiretamente mediante preceitos estabelecidos no CDC. Partindo do pressuposto de que, para a existência do consumidor e do regramento que o tutela, é necessário o mercado de massas com concorrência entre fornecedores, é preciso tratar deste tema tendo como parâmetro os princípios constitucionais já estudados da Informação, da Livre-Iniciativa e da Defesa do Consumidor. 5.2 CONSUMIDOR EXPOSTO ÀS PRÁTICAS COMERCIAIS (ART. 29) Trata-se de modalidade de consumidor equiparado, já tratada anteriormente, aplicável aos institutos da Publicidade, Práticas Abusivas, Cobrança de Dívidas e Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores. 5.3 DA OFERTA A oferta nas relações de consumo é informação pré-contratual, manifestação unilateral de vontade por meio da qual o fornecedor faz conhecer a intenção de contratar e as condições do contrato consubstanciadas em regra na venda ou locação de produtos e serviços, ou seja, nada mais é do que a proposta ou oblação do direito civil. A teoria clássica sobre o tema trata a questão como mero “dolus bonus” inerente aos vendedores em geral. Parte de uma concepção arraigada ao direito civil, que não dá à proposta o efeito absolutamente vinculante. O Código Civil de 2002 trata da questão em seus arts. 427 e 428, introduzindo a regra de que a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela. Embora o Código Civil não exija forma para a proposta, a doutrina entende que ela deva ser precisa, firme (inequívoca) e dirigida ao seu destinatário. Como já dito, a doutrina e jurisprudência tratavam da oferta como “mero convite a contratar”, podendo ser revogada até a aceitação, a exemplo do que prescrevem os ordenamentos dos EUA, Inglaterra, Itália e França. Porém, o CDC introduziu uma noção moderna sobre a oferta, partindo do pressuposto de que está, nas relações de consumo, intimamente ligada ao marketing. Assim, nas relações de consumo a Oferta, Policitação ou Proposta tem valor contratual. A exemplo do sistema alemão e português, no Brasil o fornecedor está vinculado à sua oferta. Trata-se do Princípio da Vinculação à Oferta. Havendo veiculação da oferta com conteúdo suficientemente preciso, haverá vinculação. Atente-se que a prática do puffing, em regra, não vincula o fornecedor, como nos casos em que se veicula: “a melhor pizza do bairro” ou “o melhor sabão em pó do mercado”. Todavia, se do anúncio constar: “a pizza mais barata do bairro”, e a afirmação não for verídica, o fornecedor incidirá em enganosidade, sujeita às penalidades penais, administrativas e civis. Se houver o aceite do consumidor, incorporada ao contrato estará a oferta. As informações constantes das ofertas devem ser corretas, precisas, ostensivas e claras, sempre tendo como parâmetro o consumidor médio. Caso o fornecedor se recusar à oferta, ao consumidor imputa-se a faculdade de exigir o cumprimento forçado da obrigação, aceitar outro produto ou prestação equivalente, ou ainda requerer a rescisão contratual com restituição de quantias pagas monetariamente atualizadas e perdas e danos. Assim, “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado” (art. 30 – Princípio da Vinculação e Integração ao Contrato). A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço 2 , garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores 3 . Atente-se que a Lei 11.989, de 27 de julho de 2009, introduziu o parágrafo único ao art. 31 do CDC para determinar que no caso dos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, referidas informações serão gravadas de forma indelével. A Lei 10.962, de 11 de outubro de 2004, regulamentada pelo Decreto 5.903, de 29 de junho de 2006, trata da oferta e formas de afixação de preços de produtos e serviços ao consumidor. A nova legislação admite novas formas de afixação de preços em vendas a varejo para o consumidor. Assim, no comércio em geral, a afixação pode se dar por meio de etiquetas ou similares afixados diretamente nos bens expostos à venda, e em vitrines, mediante divulgação do preço à vista em caracteres legíveis. Em autosserviços, supermercados, hipermercados, mercearias ou estabelecimentos comerciais onde o consumidor tenha acesso direto ao produto, sem intervenção do comerciante, pode se dar mediante a impressão ou afixação do preço do produto na embalagem, ou a afixação de código referencial, ou, ainda, com a afixação de código de barras. Nos casos de utilização de código referencial ou de barras, o comerciante deverá expor, de forma clara e legível, junto aos itens expostos, informação relativa ao preço à vista do produto, suas características e código. Caso haja a impossibilidade de afixação de preços, é permitido o uso de relações de preços dos produtos expostos, bem como dos serviços oferecidos, de forma escrita, clara e acessível ao consumidor. Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto. Cessadas a produção ou a importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei. Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, devem constar o nome do fabricante e o endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial. Ressalte-se que a Lei 11.800, de 29 de outubro de 2008, acrescentou o parágrafo único ao art. 33 do CDC, para determinar que “é proibida a publicidade de bens e serviços por telefone, quando a chamada for onerosa ao consumidor que a origina”. Por fim, o CDC positivou regra já existente no Código Civil que preceitua que “o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos” (art. 34). 5.4 DA PUBLICIDADE A publicidade nada mais é do que uma espécie de marketing e a forma mais sofisticada de oferta. Criada com instrumentos tecnológicos modernos, a publicidade é altamente lúdica e persuasiva. Ao trabalhar com os sentidos humanos, busca o convencimento do consumidor para criar demanda e aumentar a produção e, consequentemente, as vendas. É instrumento poderoso que cria expectativas legítimas que devem ser protegidas. Como modalidade de oferta, a publicidade tem valor contratual. A sua má utilização sujeita fornecedores e publicitários à responsabilidade civil, penal e administrativa. Devem ser sempre observadas a boa-fé e a transparência, pois, ao receber a publicidade, o consumidor está em estado de vulnerabilidade máxima, uma vez que recebe a mensagem unilateralmente, sem qualquer interlocução com o fornecedor. O consumidor é sempre mero expectador passivo do anúncio. A publicidade determina o comportamento contratual do consumidor sujeitando-o ao fornecedor. Por essas razões o CDC criou um regramento rígido, inspirado na experiência acumulada com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, editado pelo CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, em 1980, e que, embora não seja lei, é aplicável às pessoas envolvidas na atividade publicitária. Desta feita, o CDC regulou a questão vedando a publicidade clandestina, enganosa e abusiva. Se não se enquadrar em uma dessas definições, a publicidade será perfeitamente regular. Assim, a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. O princípio da Proibição de Clandestinidade surge para coibir principalmente o merchandising e a propaganda subliminar que atua no subconsciente das pessoas. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. Trata-se do Princípio da Transparência da Fundamentação. Com os referidos dados é possível a verificação da enganosidade. Caso o fornecedor deixe de organizar os dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade, estará sujeito à pena de detenção de um a seis meses ou multa, nos termos do art. 69 do CDC. Assim, é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. Note-se que o CDC trata também da enganosidade por omissão, se faltar ao anúncio publicitário informação essencial do produto e do serviço que não induziria o consumidor a erro, como o preço real e a taxa de juros. O erro para a caracterização da enganosidade é fundamental. O consumidor não firmaria o negócio jurídico se não houvesse a veiculação da falsa informação, ou a omissão. “É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança” (art. 37, § 2.º, do CDC). Nesta modalidade procura-se coibir a publicidade que viole os valores éticos e morais, de caráter social e cultural. A mensagem pode até ser verdadeira, mas se for abusiva, não poderá ser veiculada. Por fim, por ser matéria tão importante, o CDC criou tipos penais aplicáveis à espécie. Assim, nos termos do art. 66 do CDC, fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços, sujeita o infrator à pena de detenção de três meses a um ano e multa. Incorre nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. Aqui, admite-se a modalidade culposa, com a pena de detenção de um a seis meses ou multa. Nessa esteira, o art. 67 do CDC prescreve que fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva, sujeita o infrator à pena de detenção de três meses a um ano e multa. Observe-se, ainda, que o art. 68 do CDC criou outro tipo com pena mais severa, voltado para certas modalidades de publicidade abusiva. Assim, nos termos do referido dispositivo legal, fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança, sujeita o infrator à detenção de seis meses a dois anos e multa. Ocorrendo publicidade enganosa ou abusiva, é de se aplicar também sanção administrativa denominada contrapropaganda, para que o fornecedor repare a enganosidade ou a abusividade que cometera e com a mesma intensidade. Assim, prescreve o art. 60 do CDC que a imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator, e deverá ser divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente, no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva. Referido dispositivo concretiza o mandamento do inciso XII do art. 56 do CDC. No âmbito civil aplica-se a regra de solidariedade – parágrafo único do art. 7.º do CDC. Assim, a agência de publicidade produtora do anúncio responde solidariamente com seu cliente fornecedor de produtos e serviços. No entanto, como bem assevera Rizzato Nunes, “há exceções que geram a desresponsabilização da agência. São as dos casos em que a enganosidade: a) não está objetivamente colocada no anúncio em si; b) depende da ação real, concreta e posterior do fornecedor anunciante, de maneira que a agência tenha participado como mera produtora de uma informação encomendada” 4 . É o caso do fornecedor que anuncia durante a semana que no domingo um determinado produto estará 20% mais barato. Veiculado o anúncio, no domingo o preço do produto não sofre alteração. Nesse caso, a agência não é responsável pela enganosidade, pois ela se dá por ação real, concreta e posterior do fornecedor anunciante. Por fim, em matéria publicitária o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. Portanto, esta regra foge ao mandamento geral do inciso VIII do art. 6.º do CDC, e é de aplicação obrigatória independente da verificação de ser o consumidor hipossuficiente ou de verossimilhança das alegações do consumidor. 5.5 DAS PRÁTICAS ABUSIVAS O CDC, em seu art. 39, colacionou uma série de práticas consideradas abusivas 5 . Inicialmente, é preciso verificar que o referido rol é meramente exemplificativo sendo numerus apertus, não exaustivo. Buscou abarcar o maior número de situações possíveis, de práticas exercidas no mercado de consumo. É evidente que a lei não pode tudo prever, principalmente num mercado que está em constante mutação. Assim, é preciso estabelecer alguns critérios que façam uma prática comercial tornar-se um ato de abuso do direito, prejudicando não só consumidores, mas também os fornecedores concorrentes. Aqui, mais uma vez, o CDC, ao regular as relações de consumo, vai indiretamente coibir a concorrência desleal, pois quem exerce prática abusiva desrespeita os fundamentos da ordem econômica inscritos na Carta Magna. Será abusiva a prática comercial se ferir os princípios estatuídos pelo microssistema das relações de consumo, mormente aqueles inscritos nos arts. 1.º a 7.º. É o que se depreende do inciso XV do art. 51 do CDC. Será também abusiva a prática comercial que configurar o Abuso do Direito, que finalmente encontra-se positivado no art. 187 do Código Civil. Assim, também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. A Teoria do Abuso do Direito 6 surgiu no século XIX como consequência da humanização e socialização do pensamento jurídico, sobretudo no direito civil. Parte de um pressuposto que é a busca da igualdade real e não formal. Assim, uma prática abusiva pode estar respaldada em cláusula contratual e nem por isso será lícita. Por esse motivo, o CDC também elencou um rol de cláusulas abusivas em seu art. 51, que será adiante abordado. Faz-se mister resgatar a lição de Heloísa Carpena ao afirmar que: “No exercício dos direitos, as fronteiras entre o jurídico e o antijurídico são determinadas não apenas pelas concretas proibições da lei, mas também pela incidência dos princípios. Ao transpor tais limites, seja por violação dos comandos da lei, seja por desatender o conteúdo valorativo do direito exercitado, o titular está ingressando no plano da antijuridicidade e sujeitando-se a sanções” 7 . No campo das relações de consumo, o fornecedor que abusa do direito está sujeito às sanções penais, administrativas e civis. Vejamos então o rol estatuído pelo art. 39 do CDC. São práticas abusivas: I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos. Trata-se da “venda casada”, prática vedada por limitar diretamente a liberdade e a vontade do consumidor. Tal conduta, além de abusiva, configura crime por força do art. 36, § 3.º, XVIII, da Lei 12.529/2011. De outro lado, há a proibição da venda de produtos e serviços condicionados a limites quantitativos, o que só é permitido se houver justa causa, como, por exemplo, por força de política nacional de contenção de consumo de combustíveis realizada diante da falta de petróleo no mercado. II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes. Busca essa regra garantir a isonomia entre consumidores havendo a disponibilidade de estoque pelo fornecedor. Trata-se também de regra que busca exigir o exercício da boa-fé nas relações de consumo. Tal constitui crime por força do inciso VI do art. 7.º da Lei 8.137/1990 e é infração à ordem econômica por força do inciso XI do § 3.º do art. 36 da Lei 12.529/2011. III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço. Prática bastante comum, é abusiva por limitar a vontade e a liberdade do consumidor. Muito corriqueiro é o envio de cartões de crédito sem que tenha sido promovida a competente solicitação. Mesmo que o fornecedor informe ser possível o seu cancelamento, configurada está a abusividade por imputar um ônus ao consumidor. Atente-se que os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, sem prévia solicitação, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento (art. 39, parágrafo único, do CDC). IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços. Trata- se de regra que reforça o mandamento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, e reconhece a maior fragilidade de determinados segmentos, tendo em vista saúde, idade e condição social. Visa proteger o livre consentimento dos consumidores no mercado de consumo. V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Tal prática exacerba o desequilíbrio já inerente entre fornecedores e consumidores, gerando desproporcionalidade. Exemplo típico dessa prática está na exigência que as instituições bancárias fazem para que o consumidor correntista assine nota promissória em branco nos contratos de abertura de crédito e conta-corrente. Por outro lado, o próprio CDC fixa os parâmetros da vantagem excessiva no § 1.º do art. 51, considerando, entre outros casos, a vantagem que ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; que restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. A 3.ª Turma do STJ, ao analisar sob a modalidade de Repetitivo o Recurso Especial 1.061.530/RS, que tem por objeto créditos ao consumidor e serviços bancários, consolidou o entendimento de que é “admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1.º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto” 8 . VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes . Tal regra exige a realização de orçamento prévio, uma vez que este formaliza a oferta, vincula o fornecedor e integra o futuro contrato. Atente-se que pelo art. 40 “o fornecedor de serviço será obrigado a entregar ao consumidor orçamento prévio discriminando o valor da mão de obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, as condições de pagamento, bem como as datas de início e término dos serviços”. Tal orçamento terá validade pelo prazo de dez dias, contado de seu recebimento pelo consumidor, salvo estipulação expressa em contrário. Uma vez aprovado pelo consumidor, o orçamento obriga os contraentes e somente pode ser alterado mediante livre negociação das partes, não respondendo o consumidor por quaisquer ônus ou acréscimos decorrentes da contratação de serviços de terceiros não previstos no orçamento prévio. Por fim, a exigência de orçamento pode ser dispensada pelas práticas constantes exercidas entre consumidor e fornecedor. É o caso das pessoas jurídicas que constantemente utilizam determinados serviços, como o de manutenção em computação. VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos. Tal regra visa garantir a boa utilização dos bancos de dados e cadastros de consumidores que serão analisados adiante. Também visa garantir a liberdade do consumidor para exercer seus direitos, como, por exemplo, a realização de pesquisa comparativa de preços. VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro) . Visa o presente dispositivo garantir padrões mínimos de segurança e de qualidade para os serviços e produtos fornecidos no mercado. A adequação às referidas normas não isenta o fornecedor das responsabilidades perante o consumidor, principalmente no que concerne à garantia legal de adequação. IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais. Introduzido pela Lei 8.884/1994, relaciona-se com o inciso II já abordado. Esta regra é mais abrangente abarcando outros sujeitos não consumidores, como comerciantes, atacadistas, fabricantes e distribuidores. X – elevar sem justa causa o preço de produtos e serviços. Consoante o § 4.º do art. 173 da Carta Magna e os princípios da Lei Antitruste, este dispositivo pretende garantir regularidade de preços no mercado onde não há tabelamento. Relaciona-se com o inciso X do art. 51 do CDC, que considera nula cláusula contratual que permita ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral. Também encartar-se-ia aqui a conduta recentemente observada de manutenção de preços com a diminuição na quantidade de produtos, como ocorreu com biscoitos, papel higiênico, produtos de limpeza etc., sem que houvesse alteração dos respectivos rótulos, passando desapercebido aos olhos dos consumidores. XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério. Esta prática muito comum nas incorporações imobiliárias gera profunda desproporcionalidade. Equivale a fixação unilateral do termo da prestação obrigacional pelo fornecedor. Ao consumidor caberá exigir o cumprimento da obrigação ou a rescisão contratual. XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. Visa o dispositivo em tela garantir a estabilidade das relações e dos negócios jurídicos, vedando a modificação unilateral. Caso o fornecedor proceda dessa forma, ao consumidor assiste o direito de cobrar-lhe em dobro o indevido, por determinação do art. 42 do CDC. Por fim, atente-se que, “no caso de fornecimento de produtos ou de serviços sujeitos ao regime de controle ou de tabelamento de preços, os fornecedores deverão respeitar os limites oficiais sob pena de não o fazendo, responderem pela restituição da quantia recebida em excesso, monetariamente atualizada, podendo o consumidor exigir à sua escolha, o desfazimento do negócio, sem prejuízo de outras sanções cabíveis” (art. 41). 5.6 DA COBRANÇA DE DÍVIDAS Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Tal prática configura crime no termos do art. 71. Assim, utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, ao ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer, sujeita o infrator à detenção de três meses a um ano e multa. De outra parte, o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. A Lei 12.039, de 1.º de outubro de 2009, introduziu o art. 42-A ao CDC, com a prescrição de que “em todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente”. 5.7 DOS BANCOS DE DADOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES9 Dispõem os arts. 43 e 44 do CDC: “Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 1.° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. § 2.° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele. § 3.° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. § 4.° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. § 5.° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores. Art. 44. Os órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgá-lo pública e anualmente. A divulgação indicará se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor. § 1.° É facultado o acesso às informações lá constantes para orientação e consulta por qualquer interessado. § 2.° Aplicam-se a este artigo, no que couber, as mesmas regras enunciadas no artigo anterior e as do parágrafo único do art. 22 deste código”. 5.7.1 Os bancos de dados no Brasil e o Código de Defesa do Consumidor O tema relativo aos bancos de dados assume um importante papel, seja pelo fato de se tratar de matéria referente ao Direito do Consumidor, seja pelo fato de ser questão inerente à individualidade, honra e privacidade do cidadão. Nosso propósito, nesse momento, é estabelecer um contato da matéria com o ordenamento jurídico brasileiro, delimitando os aspectos que em nosso entendimento são mais importantes e pertinentes com o desenvolvimento do presente trabalho. Conforme já pontuado, a disciplina das relações jurídicas inerentes aos bancos de dados em nosso país ainda está por ser construída, muito embora a Constituição Federal tenha estabelecido ampla proteção à esfera de intimidade do cidadão, inclusive com a garantia constitucional do habeas data, o que, por si só, seria suficiente. Porém, na prática, a tradição brasileira exige o surgimento de diploma que regule especificamente, como ocorrido em outros países, a manipulação dos dados de caráter pessoal em todos os seus aspectos. O autoritarismo vigente em nosso país durante anos a fio, ao lado do poder econômico e tecnológico daqueles que controlam os bancos de dados, aponta para essa necessidade. No entanto, a situação brasileira não é tão sombria quanto possa parecer, seja pelo avanço de nossa Carta Magna, seja, como veremos, pelo advento do CDC, que regulou a matéria nas relações de consumo. 5.7.2 Bancos de dados de crédito e relações de consumo Os bancos de dados que atuam na área de crédito têm por finalidade a coleta de informações que indiquem a condição econômica, financeira, bancária e até judicial das pessoas. A função destes órgãos é orientar no mercado aqueles que oferecem crédito. É de se consignar que esses bancos de dados também atuam no mercado de consumo, orientando fornecedores de produtos e serviços sobre o comportamento dos consumidores. Por intermédio dos dados prestados pelo banco de dados, o usuário poderá concluir se as pessoas com as quais está negociando são ou não “boas pagadoras”, ou melhor, “bons consumidores”. Nesse caso específico, estão em jogo também os interesses daqueles que estão no mercado e que procurarão obter pela informática mais uma ferramenta que lhes garanta segurança na atividade negocial. No entanto, consigne-se que esses interesses não podem se sobrepor aos direitos tratados anteriormente, que visam proteger a esfera íntima de cada cidadão, sendo certa a necessidade da busca do equilíbrio entre as vontades que no fundo perseguem o mesmo resultado, ou seja, o estabelecimento de negócios no mercado. Assim, tanto aquele que empresta dinheiro como aquele que o receberá têm o mesmo interesse em que o negócio se realize. Da mesma forma presume-se na relação fornecedor-consumidor. 5.7.3 Os bancos de dados nas relações de consumo Com a evolução do processo produtivo e a constituição da chamada “sociedade de massas”, as relações de consumo passam a se dar de forma complexa, com duas características básicas, quais sejam, a imprevisibilidade e a alta velocidade, com a presença de terceiros nas relações fornecedor- consumidor, isto é, os fornecedores de créditos e de informações e os publicitários. Ao contrário do início do século, quando o mercado constituía-se de pequenos centros nos quais as pessoas se conheciam, ou onde era mais fácil conhecer a situação econômica e financeira das pessoas; quando os negócios, em pequena escala, se davam em ritmo lento, a sociedade que ingressa no novo milênio é marcada por um mercado globalizado, em que, por um lado, fornecedores realizam “incontáveis” negócios diários com centenas, e até milhares de consumidores, e, por outro, consumidores adquirem produtos e serviços por vezes sem conhecer ao certo seus fornecedores. Fornecedor e consumidor não podem mais antever o estabelecimento de um negócio jurídico, pela alta velocidade das transações: “O que anteriormente devia ser intuído pelo empresário, para melhor conhecer a clientela por ele atendida, pode hoje ser objetivamente pesquisado, ordenado e armazenado. A informação sobre o consumidor efetivo ou potencial é instrumento imprescindível para as decisões do empresário” 10 . É pertinente a indagação acerca do que caracterizaria o mercado de consumo, uma vez que os bancos de dados e cadastro de consumidores constituem-se como decorrência direta desse mercado. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin faz essa caracterização mediante quatro elementos básicos, quais sejam: “(...) a) o ‘anonimato’ de seus atores; b) a complexidade e variabilidade de seus bens; c) o papel essencial do marketing e do crédito; e, d) a velocidade de suas transações” 11 . Assim, os chamados arquivos de consumo, gênero do qual são espécies os bancos de dados e os cadastros de consumidores, conseguem superar o anonimato do consumidor, pois prestam informações sobre sua vida ao fornecedor; auxiliam na utilização do crédito e na velocidade das transações, possibilitando as realizações de outras relações de consumo, como as de bens, serviços etc. Por esses arquivos os fornecedores verificam a veracidade das informações prestadas pelo consumidor e adquirem outras adicionais, que possibilitam uma breve análise crítica sobre os riscos do negócio efetuado. Percebe-se, desde logo, que os arquivos de consumo invadem a esfera de privacidade do consumidor, por mais simples que sejam as informações prestadas, pois ele, que muitas vezes ignora o seu armazenamento, pode não querer vê-las difundidas. De outra maneira, eventuais inexatidões podem levar o fornecedor a não efetivar negócio com o consumidor que teria todas as condições de realizá-lo. Se o consumidor ignora a negativa do negócio, ele não poderá reparar a inexatidão, que por sua vez pode induzir outros fornecedores a negá-lo, formando, então, uma reação em cadeia ferindo a esfera de privacidade e a honra do cidadão. Nessa esteira, o empresário se arma para, na relação individual, conhecer melhor o consumidor, e na sua estratégia de inserção no mercado, a partir do estabelecimento do perfil de seus consumidores, municiar o marketing que irá orientar sua ação para atingir as massas. Nessa nova realidade, a principal arma empresarial é o banco de dados. É certo que algumas empresas poderão possuir seu próprio banco de dados, ou, como prefere o CDC, seu cadastro de consumidores, sem excluir o acesso a outros bancos de dados, como a rede bancária e notarial, o distribuidor judicial etc. No entanto, é comum que existam empresas especializadas em prestar serviços na área de informações. São bancos de dados autônomos prestadores de serviços. O maior banco de dados brasileiro dessa natureza é o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), vinculado à Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), que também atua na área de consumo orientando a concessão de crédito, seguido da Serasa (Centralização de Serviços dos Bancos S/A), vinculada à Febraban (Federação Brasileira de Bancos) 12 . Tais bancos de dados não constituem propriamente um novo fenômeno em nosso país. O primeiro deles surgiu na década de 1950, em Porto Alegre, por intermédio da Associação Comercial local, objetivando a orientação de lojistas no estabelecimento de crediários. Em São Paulo, o órgão surgiu em 1955, e em 1962 já estava organizado nacionalmente 13 . O controle que esses arquivos de consumo exercem sobre os dados pessoais dos consumidores é grande, seja pela própria estrutura interna de cada um deles, seja pela interconexão existente entre os bancos de dados privados e os da Administração Pública em suas diferentes esferas de poder. Nota-se, de um lado, o poder econômico e persuasivo que os bancos de dados exercem no mercado, e, de outro, vislumbra-se também a necessidade de sua existência, imposta pela demanda no mercado de consumo, para ampliar a circulação de produtos e serviços e diminuir os riscos do crédito, agilizando a sua concessão. No entanto, essa atividade não pode ser exercida sem limites, em nome de uma suposta concretização do direito à informação dos fornecedores de serviços e bens. Justamente pela enorme proporção que tomaram, é que a regulação da atividade dos bancos de dados de consumo deve ser rígida, como forma de garantir a defesa da intimidade do consumidor e a incolumidade moral do cidadão. Tal postura não se dá pela ótica meramente individualista, e sim por toda a coletividade de consumidores, que estão “à mercê” dos bancos de dados. Assim, “é a danosidade difusa e não individual que, em última análise, está em jogo. A operação dos bancos de dados, se não exercida dentro de certos limites, se transforma em dano social” 14 . Foi essa, como veremos adiante, a postura adotada pelo CDC, que “atento à verdadeira avalanche de abusos cometidos nessa área – que iam da utilização irregular de informações para forçar o pagamento de débito até a inabilitação creditícia do interessado na via extraoficial, procurou inibir tais condutas abusivas” 15 . Assim, o CDC visa à defesa da intimidade do consumidor, impondo maior clareza na coleta, armazenamento e gerenciamento dos dados obtidos, fixando limite temporal para a mantença das informações, estabelecendo responsabilização e reparação de danos causados. 5.7.4 Bancos de dados e cadastros de consumidores: espécies do gênero arquivos de consumo Antes de ingressarmos propriamente na análise do texto normativo adotado pelo CDC, em seu art. 43, faz-se necessária a diferenciação de duas expressões por ele utilizadas, quais sejam, bancos de dados e cadastros de consumidores. Enquanto os bancos de dados caracterizam-se pela “ideia de informações organizadas, arquivadas de maneira permanente em estabelecimento outro que não o do fornecedor que diretamente lida com o consumidor; ali ficam, de modo latente, à espera de utilização” 16 , os cadastros de consumidores, via de regra, são feitos pelo próprio consumidor junto ao seu fornecedor atual ou futuro, sendo que a organização e a permanência não são suas características básicas e necessárias. O cadastro de consumidores, embora podendo ser transmitido para terceiros, geralmente é consultado apenas pelo fornecedor, para o estabelecimento de uma relação mais próxima com o seu consumidor. Tais cadastros são equiparados aos bancos de dados por poderem conter também informações inexatas ou falsas. Destarte, para efeitos de aplicação da legislação pertinente à matéria não se deve fazer distinção entre bancos de dados e cadastro de consumidores, pois são espécies do gênero arquivos de consumo. Por fim, atente-se que o diploma consumerista não diferencia aqueles bancos de dados e os cadastros de consumidores de caráter público daqueles de caráter privado. Assim, pouco importa se o arquivo de consumo se reveste do manto de uma pessoa jurídica de direito público ou privado. Nas duas hipóteses aplica-se o CDC. “A ratio do codificador, por conseguinte, foi abarcar com as duas denominações todas as modalidades de armazenamento de informações sobre consumidores, sejam elas privadas ou públicas, de uso pessoal do fornecedor ou aberta a terceiros, informatizadas ou manuais, setoriais ou abrangentes” 17 . Temos então que os arquivos de consumo constituem-se em toda forma de armazenamento de informações pessoais e de consumo referentes aos consumidores. Tal armazenamento, usando os termos da lei, que pretende ser o mais genérico possível, pode ser feito por intermédio de bancos de dados, cadastros, fichas ou registros. Nesse sentido, o fornecedor de produtos ou serviços poderá constituir seu próprio banco de dados, cujo aparelhamento é marcado pela complexidade de seu funcionamento, o que não é muito comum, ou optar por uma estrutura mais simples, por meio da constituição de seu próprio cadastro de consumidores, ou ainda apenas fichas ou registros e apontamentos sobre seus consumidores. De sorte, poderá ainda o fornecedor disponibilizar, ou não, tais informações para outros fornecedores ou interessados. Ressalte-se novamente que, para efeito de aplicação do CDC, pouco importa se as informações são disponibilizadas ou visam apenas ao uso privativo do fornecedor. O CDC regulamenta a atividade referente aos bancos de dados e cadastro de consumidores em seus arts. 43, 44, 72 e 73, sendo que no seu anteprojeto ainda figuravam os arts. 45 e 86, vetados pela Presidência da República. 5.7.5 O caráter público dos bancos de dados e cadastros de consumidores A correta intelecção do tema exige o estabelecimento da natureza jurídica dos arquivos de consumo. Assim, prescreve o § 4.º do art. 43 do CDC que os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. Ora, com tal redação não quer o CDC conferir a esses órgãos a personalidade de pessoas jurídicas de direito público, enquanto “entidades que exercem interesse imediato da coletividade, e, incorporadas ao organismo estatal, regem-se por princípios de direito público” 18 . A personalidade jurídica dessas entidades continua sendo determinada no momento de sua criação, ou seja, quando não estatais, serão consideradas pessoas jurídicas de direito privado. Ocorre que, pela natureza da atividade desenvolvida, ou seja, manipulação de informações no mercado de consumo expondo constantemente à lesão a intimidade dos consumidores, conferiu-lhes o CDC caráter público, o que significa dizer que esses órgãos, quando não estatais, são pessoas jurídicas de direito privado, ou seja, “entidades que se originam do poder criador da vontade individual, em conformidade com o direito positivo, e se propõem a realizar objetivos de natureza particular, para benefício dos próprios instituidores, ou projetadas no interesse de uma parcela determinada ou indeterminada da coletividade” 19 , só que com caráter público. Ora, se caráter público não significa conferir natureza de direito público, o que vem a ser essa expressão? A questão pretendeu ser resolvida pela Lei 9.507, de 12.11.1997, que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data, ao estabelecer o conceito de registro ou bancos de dados de caráter público. No entanto, a tentativa restou infrutífera, como veremos. Prescreve o referido diploma, in verbis: “Art. 1.º (Vetado) Parágrafo único. Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações”. Inicialmente, atente-se que a lei, assim como a Carta Magna e o CDC, utiliza a expressão registros ou banco de dados, e, a nosso ver, para exemplificar, referindo-se a toda forma de armazenamento de informações, e por conseguinte, também aos arquivos de consumo. Ademais, em relação ao caráter público dos registros ou banco de dados a lei foi desastrosa, restringindo o seu significado ao consignar que esse caráter só será conferido aos bancos de dados ou registros que possuam pelo menos uma das duas características seguintes: 1. Aqueles que possibilitem a publicidade de suas informações, ou seja, que elas possam ser potencialmente transmitidas para terceiros; ou 2. Registro ou banco de dados contendo informações que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações. Embora as duas possibilidades venham convergir para um campo comum (afinal, quem não usa a informação privativamente, a leva ao conhecimento de outras pessoas, e, portanto, do público), elas não se coadunam com o caráter público da letra a, inc. LXXII, do art. 5.º, da Constituição Federal. A lei do habeas data equivocou-se, e mediante precária técnica legislativa restringiu o sentido e alcance da expressão nas duas formas acima enumeradas. Conferiu ao caráter público o sentido de mera publicidade, em contraposição ao uso privativo da informação, sendo incompatível com o texto constitucional. Vejamos. O caráter público constitucional, cujo sentido acompanhou o CDC (art. 43, § 4.º), advém da gênese dos órgãos que manipulam informações, de sua própria essência. Ora, a garantia constitucional do habeas data, como veremos em capítulo próprio, em perfeita consonância com os arts. 1.º, II e III, e 5.º, X, da Constituição Federal, tem o condão de salvaguardar para o cidadão suas informações pessoais, ou melhor, as informações relativas à sua pessoa (impetrante), como as demais garantias constitucionais, visa proteger o cidadão contra o Estado atuando na esfera das liberdades públicas. Ocorre que o habeas data é o único remédio a ser utilizado também contra particulares, pelo fato de estar a serviço da defesa do direito personalíssimo à intimidade. Se o remédio foi estendido também em face dos particulares, isso se deu por alguma razão, ou seja, a natureza da atividade por eles desenvolvida. Assim, o “caráter público” exsurge para todo arquivo (registro ou banco de dados) que manipule informações de caráter pessoal, independentemente de publicidade. Pelo simples fato de manejarem informações de caráter pessoal, recai sobre esses órgãos o interesse público de controle de atividade, para a proteção da privacidade cidadã. Enfim, é da danosidade potencial que deriva o caráter público, e não da mera publicidade. Se não fosse assim, haveria conflito entre o parágrafo único do art. 1.º da Lei 9.507/1997 e o § 4.º do art. 43 do CDC, pois o habeas data não poderia ser impetrado contra os cadastros de consumidores. Porém ele inexiste, seja pelo fato de a lei do habeas data ter restringido o que não poderia restringir, seja pelo fato de estarmos diante de um sistema revolucionário, no caso o CDC, pautado na ótica dos interesses difusos. “Ser de ‘caráter público’ significa, pois, que aos arquivos de consumo, afastando-se do regime jurídico válido para a maioria das empresas, são impostas obrigações e limitações adicionais, desenhado que foi um aparato legislativo próprio para sua disciplina. Tanto assim que o legislador resolveu confiná-los à geografia das liberdades públicas, válidas normalmente contra o Estado e seus apêndices, com isso assegurando-se de que, em termos de transparência, due process, rigor formal e conteúdo, os arquivos de consumo recebem similar tratamento” 20 . Por fim, temos que a terminologia caráter público empregada pelo CDC objetivou, por um lado, apontar o interesse público e até difuso de que a atividade dos arquivos de consumo seja dada nos estritos parâmetros do ordenamento jurídico, e, por outro, visou abrir ao cidadão consumidor as portas das ações constitucionais do mandado de segurança e habeas data em face de todos os arquivos de consumo que contenham informações pessoais ou de consumo dos consumidores. 5.7.6 O art. 43 do Código de Defesa do Consumidor O art. 43 do CDC teve como fonte inspiradora o direito norte-americano e as propostas legislativas do National Consumer Law Center 21 . O mandamento central de seu caput determina que o consumidor terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre suas respectivas fontes. Note-se, o aspecto privilegiado é o do acesso às informações existentes nos arquivos independentemente de estarem armazenadas sob a forma de cadastros, fichas ou registros, e de fazerem referência a dados pessoais ou de consumo. As hipóteses não são taxativas e sim exemplificativas, com o intuito de abranger todos os arquivos de consumo, sejam eles complexos e informatizados ou não. Logo de partida o CDC tutelou o acesso do consumidor a tais órgãos. Outro aspecto referido no caput é o da fonte de informações. Quis o CDC garantir também ao consumidor o acesso às fontes das informações armazenadas nos arquivos de consumo. É cediço que tais arquivos, fazendo-se valer da evolução tecnológica, utilizam todos os recursos informáticos que possibilitem a prestação de informações sobre um maior número de pessoas em um menor espaço de tempo. Para isso, estabelecem interconexões com os mais variados arquivos privados e públicos, que podem servir de fonte das informações referentes aos consumidores. Tal garantia não teve como escopo a preocupação com a origem da informação, pouco importando se ela é proveniente de um órgão público ou privado, afinal os órgãos públicos também são falíveis. O que importa é se a informação resulta de uma prática lícita ou ilícita, e se ela efetivamente corresponde à verdade dos fatos. Se resultante de uma prática ilícita, o ordenamento está de prontidão para reprimi-la, não só com os dispositivos do CDC, mas também com os instrumentos constitucionais e penais disponíveis. Se ela não corresponde à verdade, pode o consumidor, diante de uma informação falsa, obscura ou inexata, retificá-la, ou até mesmo excluí-la, não só do arquivo de consumo, mas também de sua fonte geradora. Conhecer a fonte significa saber se a informação, mesmo correta e verdadeira, é, por exemplo, definitiva. É o que acontece nos casos de negativação de crédito pela existência de protestos, apesar de terem sido sustados, ou execuções judiciais em aberto, sem sentença judicial transitada em julgado. Constitui ilícito o armazenamento de informações referentes a características pessoais, familiares, quanto ao modo de vida, convicção política e religiosa etc., até porque constituem o espectro de intimidade absoluta do cidadão. As informações constantes de arquivos de consumo têm vida útil de cinco anos. Este é o tempo máximo que a lei entende ser necessário para que o mercado esqueça a conduta irregular do consumidor, se antes não prescreveu o prazo para a ação cambiária. No § 1.º do art. 43, quis o CDC consignar que só as informações relativas ao mercado de consumo é que podem figurar nos arquivos. Dessa forma, outras informações estão vedadas, por isso a necessidade de que as informações sejam objetivas, claras e verdadeiras. As informações dos arquivos só podem ser prestadas uma vez preenchidas duas condições, quais sejam: a) solicitação individual; b) que tal solicitação seja decorrente de uma necessidade de consumo. Qualquer utilização que não obedeça a essas duas condições implicará mau uso, sujeitando os infratores às sanções contra a invasão da privacidade e dano à honra, ficando obrigados a prestar indenização ao consumidor na forma do art. 6.º, VII e VIII, do CDC. É de se salientar que além da reparação de danos ao consumidor, sanções de natureza civil e de natureza penal, os arquivos de consumo estarão sujeitos às sanções administrativas previstas no art. 56 do CDC e no Decreto 2.181/1997 22 . Também como consequência do mau uso dos bancos de dados temos a previsão de aplicação das sanções penais nos arts. 72 e 73 do CDC, reprimindo o impedimento do acesso à informação por parte do consumidor, o mero embaraço e a negativa da correção de informação inexata. Finalmente, importante noticiar a criação, em nosso país, do cadastro positivo nos sistemas de proteção ao crédito, por meio da Lei 12.414/2011. Defendida por setores importantes da economia brasileira, a medida promete baratear o crédito ao consumidor. Conforme o seu art. 1.º, a “Lei disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito, sem prejuízo do disposto na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor”. O seu parágrafo único ressalva que “os bancos de dados instituídos ou mantidos por pessoas jurídicas de direito público interno serão regidos por legislação específica”. Considerando que o texto da lei em nada altera as disposições do CDC, se aplicam aos cadastros positivos todos os preceitos da matéria aqui estudados. 5.7.6.1 Os direitos de comunicação, acesso e retificação A abertura de registro em bancos de dados pode se dar de três formas: 1) por solicitação do próprio consumidor, como por exemplo mediante o preenchimento de fichas em bancos, planos de saúde, cartões de crédito e agências de viagens; 2) por determinação da empresa interessada na realização do negócio de consumo; 3) por decisão espontânea de um banco de dados. O direito de que o consumidor seja informado acerca de informação sobre ele constante em bancos de dados está esculpido no § 2.º do art. 43 do CDC, constituindo-se em verdadeiro dever do órgão de armazenamento de informações 23 . Da mesma forma, o direito de acesso aos bancos de dados está inserido no caput do art. 43, referindo-se aos cadastros, fichas e registros. Já o direito de retificação, e por conseguinte o dever por parte do arquivo de consumo, vem prescrito no § 3.º do art. 43. Destarte, temos que, como consequência do dever de comunicação, surge o direito de acesso do consumidor às informações arquivadas em quaisquer bancos de dados ou cadastros de consumidores. Como decorrência do direito de acesso surge o direito de retificação das informações incorretas. Assim, “O direito de acesso não diz respeito apenas aos dados arquivados, estende-se igualmente às suas fontes. Cria-se, por essa via, um dever para o banco de dados de sempre anotar a origem da informação que arquiva. Por duas razões: primeiro, para se precaver, pois a qualquer momento tal elemento pode ser contestado, fazendo-se necessária uma nova investigação; segundo, como forma de permitir ao consumidor postular perdas e danos contra quem deu origem à informação desconforme. (...) Não se exige que o consumidor faça prova negativa da veracidade ou desconformidade dos fatos corrigidos. Já que se trata de material recolhido à sua revelia, compete ao arquivista, a quem os dados aproveitam diretamente, produzir prova positiva de sua veracidade e atualidade. Uma vez que, após a reinvestigação, a informação seja confirmada, deixa de existir a obrigação de retificação e o dever de comunicação a terceiros” 24 . O art. 45 foi vetado pela Presidência da República e, a nosso ver, de modo extremamente equivocado. O fundamento do referido veto reside no fato de que “o art. 12 e outras normas já dispõem de modo cabal sobre a reparação do dano sofrido pelo consumidor. Os dispositivos ora vetados criavam a figura de ‘multa civil’, sempre de valor expressivo, sem que sejam definidas a sua destinação e finalidade”. Ora, quis o legislador apontar a importância da matéria ora examinada, fixando multa civil e incidência de juros. Quis estabelecer dessa forma, e justamente por meio da imposição de valores expressivos a fim de que a honra e a privacidade do consumidor, ao serem ultrajadas, pudessem ser reparadas compativelmente. Ora, evidente que nessas relações existem duas partes com características diferenciadas, quais sejam, de um lado o consumidor, que muitas vezes, pelas próprias condições econômicas e desigualdade social por que passa o país, vê-se em situação irregular no mercado de consumo, e de outro os bancos de dados e cadastros de consumidores, equipados com os mais modernos sistemas de informações, munidos de grande poderio econômico, e que por muitas vezes, aproveitando-se desse desequilíbrio, incorrem em irregularidades. É cediço que o CDC nasceu para equilibrar as relações de consumo, e é por isso que se chama Código de Defesa. Quis o legislador com o art. 45 dar destaque à atividade de arquivos de consumo. Porém, pela própria sistemática estabelecida no CDC, tal veto não prejudicou o estabelecimento do equilíbrio na relação Consumidor × Banco de Dados, pois, além da reparação civil, existem as sanções penais e administrativas. Note-se que as pessoas fornecedoras de crédito figuram na posição de consumidoras de informação, enquanto a empresa detentora do banco de dados na posição de fornecedora de serviços. Ressalte-se que o fornecedor, neste caso, perante o direito brasileiro, responde objetivamente pela exatidão, completude e atualização da informação. Qualquer lesão que o consumidor de informações vier a sofrer em razão da inexatidão, incompletude ou desatualização da informação será reparada objetivamente. Porém, atente-se que se nada de errado houver com a informação prestada, e o fornecedor de crédito (consumidor de informação) vier a sofrer lesão em decorrência do negócio estabelecido no mercado, o fornecedor de informações (banco de dados) não terá responsabilidade alguma, pois responde pela informação e não pelo sucesso do negócio estabelecido por seu consumidor. Com a informação prestada o fornecedor de crédito assume sozinho o risco do negócio efetuado. 5.7.6.2 Pressupostos de legitimidade dos arquivos de consumo Os arquivos, a partir da interpretação dos dispositivos do CDC, para exercerem regularmente suas atividades, devem preencher quatro pressupostos básicos 25 . São eles: a) Teleológicos ou finalísticos O diploma consumerista visa, além da defesa, também à prevenção do consumidor. Por isso, todo arquivo de consumo deve indicar qual a finalidade da informação coletada, a qual objetivo ela se presta, afinal, nenhum arquivo de consumo pode se transformar em curador de dívidas não pagas; não é coletor de dívidas 26 . O rigor legal com esses órgãos deve-se à unilateralidade de sua atividade, pois vive à procura de novas informações sem o conhecimento da pessoa referida; à invasividade na privacidade alheia; à parcialidade com que transmite a informação sem atentar para o devido processo legal, principalmente quando faz da negativação do consumidor um instrumento de cobrança, desviando seu objetivo maior, que é a proteção da universalidade do crédito. Ao desviar seus objetivos, os arquivos de consumo ferem de uma só vez quatro cânones constitucionais, quais sejam, o direito ao crédito, a garantia do acesso à justiça, a proteção do consumidor e a proibição de penas infamantes. Por fim, como salienta Carlos Adroaldo Ramos Covizzi em importante obra sobre as práticas abusivas da Serasa e do SPC, “desafortunadamente, a experiência de anos de atuação desses serviços, nos tem mostrado que, eles, como prestadores de informações, finalisticamente, valem muito mais como agentes opressores e inibidores das liberdades individuais, do que auxiliares da cadeia produtiva, visto que as informações negativas que fornecem tendem a se propagar e encontrar acolhida efetiva nos mais diversos segmentos sociais, para, generalizadamente, fixar conceitos pessoais e impossibilitar o livre exercício das atividades econômicas” 27 . b) Substantivos O arquivo deverá observar a natureza da informação manejada, o seu tipo e conteúdo, pois, como vimos, nem toda informação pode ser circulada, como as referentes à esfera de intimidade sensível. Ademais, é necessário que o débito seja inquestionável, com a certeza e convicção da informação, sem os quais ela não pode ser circulada. Atente-se que qualquer débito discutido em juízo deixa de ter essas características, o que nos leva a concluir que o consumidor nessa condição não pode ser negativado. Desta feita, “não se pode esquecer que a negativação, como já se viu, gera efeitos concretos na sociedade contra a dignidade e a imagem do consumidor, e que nenhuma lesão ou ameaça está excluída da apreciação do Poder Judiciário (CF, art. 5.º, XXXV). Donde forçosamente se conclui que pode o consumidor questionar a abusividade da cobrança e da dívida com todas as demais ações mais eficazes no que diz respeito ao constrangimento; sendo assim, a possibilidade de violação à dignidade e imagem do consumidor é, sem sombra de dúvida, a negativação nos serviços de proteção ao crédito. Por certo, deverá o magistrado, avaliando no caso concreto a verossimilhança das alegações do consumidor, decidir pelo impedimento da negativação ou seu cancelamento. Por isso, diga-se desde já, com todas as letras: se o consumidor questionar a dívida em juízo, não se pode mantê-lo ‘negativado’ (como se diz) nos serviços de proteção ao crédito” 28 . Nesse sentido já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio do ministro Rui Rosado Aguiar: “(...) conhecidos os efeitos negativos do registro em banco de dados de devedores; daí porque inadequada a utilização desse expediente enquanto pende ação consignatória, declaratória ou revisional, uma vez que, não obstante a incerteza sobre a obrigação, já estariam sendo obtidos efeitos decorrentes da mora. Isso caracteriza um meio de desencorajar a parte a discutir em juízo eventual abuso contratual” 29 (STJ, 4.ª Turma, RE 172854-SC, j. 04.08.1998, v.u., DJU 08.09.1998). A importância da questão é traduzida por Benjamin, ao asseverar que sem “garantias mínimas de segurança e validade do débito, todo sistema resvala para a constituição de tribunais privados de exceção, pois o credor, por desvio de função do instrumento, afasta o que sobra de constitucionalidade a tal prática, baseada na presunção de que o que se protege é o crédito, visto genericamente. Não sendo assim, terminamos com um mecanismo ilícito de cobrança, embasado no uso de coação social, constrangimento público, estigmação e execração do ‘homo economicus’” 30 . Nos tempos modernos o crédito é instantâneo e mecanizado, em contraposição ao crédito isolado e circunstancial da era pré-informática. A atividade dos arquivos de consumo sem a observação desse pressuposto configura prática abusiva, nos termos do art. 39, VII, do CDC. Atente-se que o débito renegociado não pode ter o condão de manter registro em banco de dados. O extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo já se pronunciou nesse sentido (5.ª Câmara, Ap. Civ. 750151, Rel. Cunha Garcia, 21.10.1998). Entendemos que cabe ao banco de dados a obrigação de buscar também essa informação, sob pena de responder pelas lesões causadas aos consumidores, pois a finalidade desses arquivos de consumo é garantir o mercado, o crédito em geral, e não o credor original. Por fim, ressalte-se que as informações protegidas pelo manto constitucional da privacidade e que não digam respeito às relações de consumo não podem figurar nos arquivos de consumo. c) Procedimentais ou formais Estes aspectos limitam a atividade dos bancos de dados de consumo quanto à forma de atuação. Assim, não é qualquer pessoa que pode acessar um arquivo de consumo, já que para tanto é necessária a solicitação individual decorrente da atividade de consumo, como visto na análise do art. 43. Com isso, verifica-se que a informação só pode ser prestada mediante consulta. d) Temporal Por fim, resta o pressuposto da limitação temporal da informação, também já estudada, estabelecida nos §§ 1.º e 5.º do art. 43, ou seja, de cinco anos para as informações em geral, contados do momento do fato que deu origem ao dado e não de seu lançamento no arquivo, e o prazo prescricional para a ação de cobrança. Assim, se a prescrição para a ação de cobrança ocorre antes de cinco anos, a informação não pode ser consignada no arquivo. Decorrido o limite temporal consignado nos dispositivos em comento, todos os dados, inclusive os documentais, devem ser apagados do arquivo. 5.7.7 Os cadastros de órgãos públicos A diferenciação existente entre os cadastros de órgãos públicos, regulados pelo art. 44 do CDC, e os que foram até agora abordados consiste no conteúdo das informações arquivadas. Assim, enquanto os arquivos referidos no art. 44 são exclusivamente do Estado, os outros têm natureza privada. Estes armazenam informações relativas aos consumidores, enquanto os arquivos dos órgãos públicos armazenam informações relativas aos fornecedores e seu comportamento no mercado, com o propósito de justamente orientar os consumidores. Exemplos: Decon, Procon, Departamento Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Esses órgãos constituem-se, como diz Luiz Antonio Rizzatto Nunes 31 , no “troco” do CDC aos serviços de proteção ao crédito. Tais informações precisam, necessariamente, ser divulgadas, para fazer cumprir o objetivo precípuo dos cadastros, que é o de auxiliar o consumidor. A divulgação deve ocorrer pelo menos uma vez por ano, e de forma pública, com o fim de atingir os consumidores que se encontram de forma difusa no mercado de consumo. A lei possibilita o acesso à pessoa interessada, entendendo-se que todo consumidor é interessado. Em relação ao fornecedor o mesmo não ocorre, pois este deve demonstrar o interesse legítimo da sua consulta, para que as informações não sejam utilizadas com o condão de concorrência desleal. Compartilhamos do entendimento de Herman Benjamin no tocante à indenização por parte do órgão público ao fornecedor. Aplicamos tal entendimento analogicamente aos bancos de dados e cadastros de consumidores, ou seja, à medida que os arquivos de consumo se limitam a prestar informações objetivas, claras e precisas, dentro dos padrões estabelecidos no CDC – Comunicação, Acesso e Retificação de informações relativas ao mercado de consumo. Se por um lado os cadastros de órgãos públicos estão simplesmente cumprindo um dever que lhe[s] é imposto por força de lei, os bancos de dados e cadastros de consumidores estão simplesmente exercendo uma atividade que é prevista e autorizada por lei. Nessa esteira, “a extraordinária rapidez com que os bancos de dados podem elaborar perfis de informação do indivíduo (no assim dito ‘tempo zero’), a possibilidade de desvio de finalidades na utilização dos próprios dados informativos e a falibilidade dos processos informáticos constituem potencial ameaça aos direitos da personalidade, na medida em que produzem (ou podem produzir) situações constrangedoras, das quais a pessoa só se pode liberar mediante meios modernos de tutela (entre os quais os agora previstos), dado que as soluções tradicionais se mostram ineficazes para garantir a sua segurança e tutelar adequadamente seus interesses” 32 . Incidem subsidiariamente as regras dos arquivos de consumo privado aos cadastros de órgãos públicos, aplicando-se também o habeas data para os fornecedores, afinal essa ação constitucional também pode ser utilizada por pessoa jurídica. Desta forma, o habeas data constitui-se em garantia fundamental, pois é um remédio processual que visa garantir a existência e o respeito de direitos fundamentais, exatamente como nos ensina o mestre J. J. Gomes Canotilho, ao apontar que: “Rigorosamente as clássicas garantias são também direitos, embora nelas se saliente o caráter instrumental de sua proteção” 33 . Como o habeas data não comporta pedido indenizatório e nem proporciona a discussão acerca da validade ou não do débito, outra alternativa ao consumidor é a proposição da ação de conhecimento com o pedido de antecipação da tutela para o levantamento da negativação, nos termos dos arts. 84 do CDC e 273 do CPC, inclusive com a cominação de astreintes para o caso de não cumprimento da ordem judicial. 5.7.8 O posicionamento mais recente do STJ O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a nosso ver, vem retrocedendo em sua posição sobre a matéria. Em julgado da lavra do Ministro César Asfor Rocha, o STJ tem adotado um posicionamento mais rígido para o levantamento da negativação que subsiste com o ajuizamento de ação judicial que questiona o débito. Vejamos: “Civil. Serviços de proteção ao crédito. Registro no rol de devedores. Hipóteses de impedimento. A recente orientação da Segunda Seção desta Corte acerca dos juros remuneratórios e da comissão de permanência (REsp’s ns. 271.214-RS, 407.097-RS, 420.111-RS), e a relativa frequência com que devedores de quantias elevadas buscam, abusivamente, impedir o registro de seus nomes nos cadastros restritivos de crédito só e só por terem ajuizado ação revisional de seus débitos, sem nada pagar ou depositar, recomendam que esse impedimento deva ser aplicado com cautela, segundo o prudente exame do juiz, atendendo-se às peculiaridades de cada caso. Para tanto, deve-se ter, necessária e concomitantemente, a presença desses três elementos: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado. O Código de Defesa do Consumidor veio amparar o hipossuficiente, em defesa dos seus direitos, não servindo, contudo, de escudo para a perpetuação de dívidas. Recurso conhecido pelo dissídio, mas improvido” (REsp 527.618/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 2.ª Seção, j. 22.10.2003, DJ 24.11.2003, p. 214, grifos nossos). Nesse mesmo sentido temos: “Civil. Agravo regimental em recurso especial. Ação revisional. Inscrição nos órgãos de proteção ao crédito. Possibilidade. 1. A simples discussão judicial da dívida não é suficiente para obstar a negativação do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, AgRg no REsp 1002178/SP, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro [Desembargador convocado do TJ/AP], 4.ª Turma, j. 27.10.2009, DJe 09.11.2009). A mesma postura, a nosso ver mais conservadora, é adotada em relação à prévia comunicação ao consumidor sobre o lançamento de dados que ultimam a negativação: “(...) A ausência de prévia comunicação ao consumidor da inscrição do seu nome em cadastros de proteção ao crédito, prevista no art. 43, § 2.º, do CDC, enseja o direito à compensação por danos morais, salvo quando preexista inscrição desabonadora regularmente realizada. Precedente. Recurso especial provido para condenar a recorrida a pagar à recorrente compensação por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)” (STJ, REsp 901.584/ RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 17.09.2009, DJe 02.10.2009). “Direito processual civil e bancário. Recurso especial. Inscrição em cadastro de proteção ao crédito. Prévia notificação. Desnecessidade de postagem da correspondência ao consumidor com aviso de recebimento. Suficiência da comprovação do envio ao endereço fornecido pelo credor. I – Julgamento com efeitos do art. 543-C, § 7.º, do CPC. Para adimplemento, pelos cadastros de inadimplência, da obrigação consubstanciada no art. 43, § 2.º, do CDC, basta que comprovem a postagem, ao consumidor, de correspondência notificando-o quanto à inscrição de seu nome no respectivo cadastro, sendo desnecessário aviso de recebimento. A postagem deverá ser dirigida ao endereço fornecido pelo credor. II – Julgamento do recurso representativo. A Jurisprudência do STJ já se pacificou no sentido de não exigir que a prévia comunicação a que se refere o art. 43, § 2.º, do CDC, seja promovida mediante carta com aviso de recebimento. Não se conhece do recurso especial na hipótese em que o Tribunal não aprecia o fundamento atacado pelo recorrente, não obstante a oposição de embargos declaratórios, e este não veicula sua irresignação com fundamento na violação do art. 535 do CPC. Súmula 211/STJ. O STJ já consolidou sua jurisprudência no sentido de que ‘a ausência de prévia comunicação ao consumidor da inscrição do seu nome em cadastros de proteção ao crédito, prevista no art. 43, § 2.º do CDC, enseja o direito à compensação por danos morais, salvo quando preexista inscrição desabonadora regularmente realizada’ (Recurso Especiais em Processos Repetitivos n.s 1.061.134/RS e 1.062.336/RS). Não se conhece do recurso especial quando o entendimento firmado no acórdão recorrido se ajusta ao posicionamento do STJ quanto ao tema. Súmula n. 83/STJ. Recurso especial improvido” (STJ, REsp 1083291/ RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 2.ª Seção, j. 09.09.2009, DJe 20.10.2009). “Agravo regimental. Código de defesa do consumidor. Registro em cadastro de proteção ao crédito. Ausência de comunicação prévia. Dano moral caracterizado. 1. O registro do devedor em cadastro de proteção ao crédito, sem que haja prévia comunicação por escrito, resulta em abalo moral a ser indenizado pela instituição responsável pela manutenção do cadastro. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido (STJ, AgRg no Ag 832.123/SP, Rel. Min. Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA), 3.ª Turma, j. 26.05.2009, DJe 04.06.2009). Por fim, atente-se que sobre a matéria o STJ editou as seguintes súmulas: • Súmula 404, de 24.11.2009. É dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros. • Súmula 385, de 08.06.2009. Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento. • Súmula 359, de 08.09.2008. Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição. • Súmula 323, de 05.12.2005. A inscrição de inadimplente pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito por, no máximo, cinco anos, independentemente da prescrição da execução. • Súmula 2, de 18.05.1990. Não cabe o habeas data (CF, art. 5.º, LXXII, letra “a”) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa. 5.8 QUESTÕES 1. (OAB-MT – Exame 01/2005) Consumidor cobrado indevidamente tem direito: (a) Ao ressarcimento da quantia paga mais perdas e danos. (b) À repetição do indébito, pelo valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais. (c) À repetição do indébito, pelo valor igual ao que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais. (d) À Repetição do indébito por valor igual ao triplo ao que pagou em excesso. 2. (IX Exame de Ordem Unificado – FGV) Academia de ginástica veicula anúncio assinalando que os seus alunos, quando viajam ao exterior, podem se utilizar de rede mundial credenciada, presente em 60 países e 230 cidades, sem custo adicional. Um ano após continuamente fazer tal divulgação, vários alunos reclamam que, em quase todos os países, é exigida tarifa de uso da unidade conveniada. A academia responde que a referência ao "sem custo adicional" refere-se à inexistência de acréscimo cobrado por ela, e não de eventual cobrança, no exterior, de terceiro. Acerca dessa situação, assinale a afirmativa correta. (a) A loja veicula publicidade enganosa, que se caracteriza como a que induz o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança. (b) A loja promove publicidade abusiva, pois anuncia informação parcialmente falsa, a respeito do preço e qualidade do serviço. (c) Não há irregularidade, e as informações complementares podem ser facilmente buscadas na recepção ou com as atendentes, sendo inviável que o ordenamento exija que detalhes sejam prestados, todos, no anúncio. (d) A loja faz publicidade enganosa, que se configura, basicamente, pela falsidade, total ou parcial, da informação veiculada. 3. (OAB-SP – Exame 130) O titular de um direito que o exerce de modo abusivo, excedendo os limites da boa-fé ou de seu fim social, pratica ato (a) Ilícito e que pode ensejar reparação civil. (b) Lícito, mas que pode ensejar reparação civil. (c) Lícito, apesar do seu abuso. (d) Ilícito, mas sem possibilidade de reparação civil. 4. (OAB – Exame unificado 2007.1) Assinale a opção correta acerca do direito penal. (a) Constitui, em tese, delito contra as relações de consumo colocar no mercado refrigerantes em condições impróprias para consumo. (b) O ordenamento jurídico permite a concessão de indulto aos condenados por homicídio qualificado. (c) O benefício da comutação de pena é ato privativo e discricionário dos congressistas, a quem compete estabelecer os requisitos a serem preenchidos pelos sentenciados. (d) A circunstância de estar a arma municiada ou não é relevante para a configuração do delito de porte ilegal de arma de fogo. 5. (OAB – Exame unificado 2007.1) O agente que mantém, no exterior, depósitos não declarados à repartição federal competente pratica crime contra (a) As relações de consumo. (b) O sistema financeiro. (c) A ordem econômica. (d) A ordem tributária. 6. (OAB – Exame unificado 2007.1) Acerca do direito penal, assinale a opção correta. (a) Constitui crime contra as relações de consumo vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial. (b) O crime de quadrilha ou bando possui natureza de delito instantâneo, mas de efeitos permanentes. (c) A pesca proibida pelo local ou época da atividade, ou pelo uso de petrechos proibidos, é crime material. (d) A ocultação, em proveito próprio, de coisa que se sabe ser produto de crime configura o delito de condescendência criminosa. 7. (OAB 2010.2 – FVG) Sobre o tratamento da publicidade no Código de Defesa do Consumidor, é correto afirmar que: (a) a publicidade somente vincula o fornecedor se contiver informações falsas. (b) a publicidade que não informa sobre a origem do produto é considerada enganosa, mesmo quando não essencial para o produto. (c) o ônus da prova da veracidade da mensagem publicitária cabe ao veículo de comunicação. (d) é abusiva a publicidade que desrespeita valores ambientais. 8. (OAB 2011.2 – FGV) Ao instalar um novo aparelho de televisão no quarto de seu filho, o consumidor verifica que a tecla de volume do controle remoto não está funcionando bem. Em contato com a loja onde adquiriu o produto, é encaminhado à autorizada. O que esse consumidor pode exigir com base na lei, nesse momento, do comerciante? (a) A imediata substituição do produto por outro novo. (b) O dinheiro de volta. (c) O conserto do produto no prazo máximo de 30 dias. (d) Um produto idêntico emprestado enquanto durar o conserto. GABARITO: Encontra-se no final do livro. __________ 1 Sobre o assunto ver a obra de SANTOS, Fernando Gherardini. Direito do marketing. São Paulo: RT, 2000. 2 “Procon – Infração ao art. 31 da Lei 8.078/1990 caracterizada – CDC – Vitrine externa com exposição de produtos sem a respectiva indicação de preço – Irrelevante a existência de outras modalidades de verificação dos preços no interior da loja, pois o CDC e legislação pertinente exigem que as informações sobre os produtos expostos à venda, no caso na vitrine externa da loja, sejam claras e os preços dos produtos estejam etiquetados diretamente no produto ou próximo a eles – Recurso improvido” (TJSP, Apelação Cível 9104985000, Rel. Pires de Araújo, 11.ª Câmara de Direito Público, j. 10.08.2009). 3 A respeito, inicialmente o STJ entendeu que “os donos de supermercados devem fornecer ao consumidor, além do código de barras e do preço nas prateleiras, a afixação do preço em cada produto” (MS 5.986-DF, Rel. Min. Garcia Vieira, 1.ª Seção, j. 13.10.1999, Informativo 36). Mais recentemente, no entanto, decidiu que “com a entrada em vigor da Lei n. 10.962/2004, admitem-se várias maneiras de divulgar o preço e demais informações sobre os produtos postos à venda. Essa lei, apesar de superveniente, tem influência no julgamento da causa e deve ser considerada, mesmo de ofício, pelo STJ. Dessa forma, no caso, o supermercado recorrente não é mais obrigado a colocar etiquetas individuais informativas do preço em todos os produtos que vende, visto que adota o sistema de código de barras (art. 2.º, II, parágrafo único, da referida lei). Precedentes citados: REsp 663.969-RJ, DJ 2/6/2006; REsp 614.771-DF, DJ 1.º.02.2006, e REsp 688.151-MG, DJ 8/8/2005” (REsp 813.626-MG, Rel. Min. Eliana Calmon, 2.ª Turma, j. 1.º.10.2009, Informativo 409). 4 Comentários ao Código..., p. 455. 5 Ver a Portaria 7, de 3 de setembro de 2003, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça que complementa o rol de práticas abusivas do artigo 39. 6 Para uma leitura mais aprofundada sobre o tema, ver SÁ, Fernando Augusto Cunha de. Abuso do direito. Coimbra: Almedina, 1997. 7 Abuso do direito nos contratos de consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 70. 8 REsp 1.061.530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 2.ª Seção, j. 22.10.2008, DJe 10.03.2009. 9 Ver sobre o assunto: obra de nossa autoria, Bancos de dados nas relações de consumo – A manipulação de dados pessoais, os órgãos de restrição ao crédito e o habeas data. São Paulo: Max Limonad, 2002. COVIZZI, Carlos Adroaldo Ramos. Práticas abusivas da Serasa e do SPC. São Paulo: Edipro, 2000; BESSA, Leonardo Roscoe. O consumidor e os limites dos bancos de dados de proteção ao crédito. São Paulo: RT, 2003; EFING, Antônio Carlos. Bancos de dados e cadastros de consumidores. São Paulo: RT, 2002. 10 COELHO, Fábio Ulhôa. Comentários ao código de proteção do consumidor, p. 175. 11 CDC comentado pelos autores do anteprojeto, p. 349. 12 Nos EUA os três principais bancos de dados de consumo são o TRW Information Services, o Equifax Credit Information Services e o Trans-Union Information Company, com atuação em todo o território norte-americano. Vide BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al, op. cit., p. 340. 13 STURNER, Bertram Antônio. Bancos de dados e “habeas-data” no código do consumidor, p. 10-11. 14 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al, op. cit., p. 345. 15 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor, p. 96. 16 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e, op. cit., p. 256. 17 Ibidem, p. 360. 18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 1, p. 199. 19 Ibidem, p. 200. 20 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e, op. cit., p. 354. 21 É o que informa o autor de sua redação, Herman de Vasconcellos e Benjamin: “Primeiro, foi útil a estrutura do National Consumer Act, na sua primeira versão final (First Final Draft), um anteprojeto de lei-modelo preparado pelo National Consumer Law Center. Segundo, levei em conta o Fair Credit Reporting Act (FCRA), aprovado pelo Congresso americano em 1970 e ainda em vigor, incorporado ao Consumer Credit Protection Act, como seu título VI”. Op. cit., p. 340. 22 Aplicam-se aos bancos de dados os incisos X a XV do art. 13 do Decreto 2.181/1997, que implantou a organização e regulamentou o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. 23 Em São Paulo foi editada a Lei Estadual 10.337, de 30 de junho de 1999, que dispõe sobre as obrigações dos bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e dos serviços de proteção ao crédito e congêneres, em comunicar, imediatamente e por escrito, ao consumidor, quando da abertura de qualquer cadastro, ficha ou registro de dados pessoais e de consumo que envolvam seu nome ou número de inscrição no CPF/MF. Prevê ainda a obrigação dos bancos de dados em expurgar de seus sistemas as informações das pessoas que tenham quitado seus débitos, ou que, por decisão judicial, tiveram julgadas como extintas eventuais demandas causadoras de restrições creditórias. Em nossa opinião, como veremos adiante, não poderá o banco de dados consignar informação que é objeto de controvérsia judicial, razão pela qual entendemos ser inconstitucional o parágrafo único do art. 1.º da lei em exame, que permite, a contrario sensu, o lançamento de informações que estejam sob análise judicial e que ainda não foram objeto de sentença. 24 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e, op. cit., p. 260-262. 25 Essa é a orientação de Benjamin, Código..., p. 364. 26 Ibidem, p. 366. 27 Práticas abusivas da Serasa e do SPC – doutrina, legislação e jurisprudência, p. 18. 28 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito material, p. 54. 29 Nesse sentido TJSP, Ap. 254.356-2/0, 14.ª Câm. Civ., Rel. Ruiter Oliva; TJSP, Ap. 257.849-2, 15.ª Câm. Civ., Rel. Rui Camilo, v.u.; 1.º TACiv-SP, Ap. 405.511-6, 3.ª Câm., Rel. Antonio de Pádua Ferraz Nogueira; e também STJ, REsp 180.843-RS, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; STJ, REsp 161.151-SC, rel. Min. Waldemar Zveiter; STJ, REsp 180.665-PE, rel. Min. Silvio de Figueiredo Teixeira; STJ, REsp 170.281-SC, rel. Min. Barros Monteiro: “Constitui constrangimento e ameaça vedados pela Lei n. 8.078/90, o registro de nome de consumidor em cadastro de proteção ao crédito, quando o montante da dívida é ainda objeto de discussão em juízo”. 30 Op. cit., p. 370. 31 Comentários ao código..., p. 526. 32 GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Comentários ao código do consumidor, p. 143. 33 Direito constitucional, p. 437. DA PROTEÇÃO CONTRATUAL 6.1 INTRODUÇÃO1 No campo dos contratos o CDC foi bastante inovador. Instituiu o princípio da função social dos contratos, da boa-fé objetiva, do dever de cooperação entre as partes, da proibição das cláusulas abusivas, da conservação dos contratos e o direito de revisão, todos já abordados. Tal avanço se deve ao fato de que nas relações de consumo há a presença em grande escala dos contratos de adesão, cujas cláusulas são previamente fixadas pelos fornecedores. Não há total liberdade para o consumidor contratar com quem quiser, quando quiser e como quiser. O pacta sunt servanda das relações privadas pressupõe o equilíbrio inexistente nas relações de consumo. Alguns desses princípios já estão positivados no Código Civil de 2002, o que representa grande avanço para o direito brasileiro. Por isso, os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Trata-se do princípio da informação e da transparência. Por haver flagrante desequilíbrio nos contratos de consumo é que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor 2 , e as declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica. Como no mercado são utilizadas diversas técnicas e veículos para levar produtos e serviços aos consumidores, como telefone, internet e vendas a domicílio, ao consumidor é dado o direito de desistir do contrato, no prazo de sete dias, a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, por ser a contratação de fornecimento de produtos e serviços firmada fora do estabelecimento comercial. Exercido esse direito de reflexão, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, serão devolvidos de imediato e monetariamente atualizados. Como já abordado, o CDC instituiu sistemática de garantia legal de adequação dos produtos e serviços com prazos específicos. Nesse sentido, permite a lei que o fornecedor estipule em contrato prazos de garantia superiores aos fixados pela lei. Assim, determina o CDC que a garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito, devendo ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações. Note-se que a garantia contratual é complementar à legal, ou seja, ao prazo estabelecido na lei (90 dias para bens duráveis e 30 dias para bens não duráveis – art. 26 do CDC) soma-se o fixado no contrato. Por exemplo, se o fornecedor oferta garantia contratual de um ano para determinado produto durável, isto significa que ao consumidor é dada a garantia de um ano e noventa dias contados da efetiva entrega do produto. Atente-se, ainda, que, nos termos do art. 74 do CDC, deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo, sujeita o infrator à pena de detenção de um a seis meses ou multa. 6.2 DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS Assim como no art. 39, o CDC, em seu art. 51, elencou um rol exemplificativo de cláusulas abusivas que se completam por outras assim consideradas no caso concreto pelo juiz de direito, ou pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que a partir de estudos e da análise das reclamações dos consumidores junto aos órgãos administrativos de defesa do consumidor e da jurisprudência brasileira, edita portarias que complementam referidas cláusulas 3 . Antes de abordá-las, note-se que referidas cláusulas são nulas de pleno direito e, por conseguinte, referida nulidade absoluta é imprescritível. Nesse sentido, a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. Ao consumidor ou associações de consumidores é facultado requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto no CDC ou que de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. Assim, conforme o art. 51 do CDC, são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis. Por serem normas de ordem pública, é defeso às partes excluírem a sua aplicação pela via contratual. Tal procedimento só é possível à pessoa jurídica na qualidade de consumidora, uma vez que há o pressuposto de encontrar-se em menor grau de vulnerabilidade. I I – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código. Trata das hipóteses já trabalhadas dos artigos 20 e 49. III – transfiram responsabilidades a terceiros. IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. V – Vetado. VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor. Reforça a regra do inciso VIII do art. 6.º do CDC. VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem. Trata da aplicação às relações de consumo da Lei 9.307/1996, que é perfeitamente possível desde que seja fruto do consenso das partes e não de prévia e compulsória determinação. VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor. Proíbe as cláusulas-mandato por suprirem a vontade do consumidor. IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor. Trata-se de cláusula relacionada com o inciso XII do art. 39. X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral. Trata-se de cláusula relacionada com os incisos X e XIII do art. 39. XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor. XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor. XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração. XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais. XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. 6.3 DOS CONTRATOS SUCESSIVOS E CLÁUSULAS PENAIS O mercado de consumo é caracterizado pela presença marcante de um elemento fundamental, o crédito. Por essa razão, grande parte dos contratos de consumo é de trato sucessivo ou diferido. A prestação do consumidor (que em regra consubstancia-se no pagamento de produtos e serviços) deve ser executada por meio de diversos atos sucessivos. Por isso, estabelece o CDC que no fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá informá-lo prévia e adequadamente sobre o preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional, o montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros, os acréscimos legalmente previstos, o número e periodicidade das prestações, e a soma total a pagar, com e sem financiamento. Trata-se de informações essenciais para que o consumidor possa livremente formar sua convicção em contratar. Nesse compasso fixa o limite máximo de 2% do valor do contrato para a fixação das cláusulas penais moratórias. Assegura ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, antes do termo da obrigação, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos. 6.4 DOS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA E CONSÓRCIOS Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis, que devem ser sempre expressos em moeda nacional, mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, considera o CDC que as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento do consumidor, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado, são nulas de pleno direito e, portanto, abusivas. Já para os contratos firmados no sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas terá descontados, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo. Atente-se que a Lei 11.795, de 8 de outubro de 2008, regula o sistema de consórcio e possibilita a aplicação da sistemática também aos serviços, já que nos termos de seu art. 2.º: “consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento”. 6.5 DOS CONTRATOS DE ADESÃO Define a lei que o Contrato de Adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (art. 54, caput, do CDC). Nesse sentido, a prática muito comum de inserção de cláusula no formulário não desfigura a sua natureza de adesão. Exige o CDC que esses contratos sejam redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, sendo que as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. Coíbe-se, assim, a prática muito comum de confecção de contratos com letras praticamente ilegíveis, o que compromete demasiadamente a pouca liberdade do consumidor em contratar e a sua livre manifestação de vontade 4 . Nesta modalidade contratual é lícita a cláusula resolutória desde que a alternativa caiba ao consumidor, ressalvadas as disposições atinentes aos contratos de consórcio. Atente-se que a Lei 11.785, de 22 de setembro de 2008, introduziu o § 3.º ao art. 54 do CDC, para determinar que “os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”. Essa forma contratual também é adotada nas relações privadas 5 . Em importante trabalho sobre o tema, Eliseu Jusefovicz aponta que o capitalismo moderno trouxe novos ares e a necessidade de agilização das transações sem perda do controle pela empresa. “Foi necessário deixar de lado o contrato paritário com cláusulas discutidas e, por razões ligadas às necessidades da economia – questões de racionalidade econômica e redução de custos –, assim como decorrentes da massificação, iniciou-se, então, a contratação padronizada e de adesão. Assim, por um lado, o surgimento da padronização na contratação se deve ao intuito dos predisponentes de aumentar a margem de segurança contra os riscos, diminuir a carga de detalhamento na elaboração de grande número de contratos e aumentar a eficiência produtiva no relacionamento com a grande massa de clientes. Nesse diapasão, acentua que atualmente, o impulso mais forte do desenvolvimento da padronização dos contratos está ligado à criação de mecanismos para aumentar a rentabilidade e a eficiência empresariais na fase superior do capitalismo, na qual a concentração empresarial e a competitividade são características. Por isso, essa prática começou com os trabalhadores e consumidores, porém, paulatinamente, a massificação dos contratos alastrou-se para todos os âmbitos da contratação, inclusive entre empresas, com a adoção da prefixação unilateral e uniforme de cláusulas contratuais, muitas vezes com a utilização de ‘cláusulas contratuais gerais’ estabelecidas para a generalidade dos seus clientes e fornecedores” 6 . Assim, a economia brasileira superoligopolizada 7 exigiu a reformulação da legislação antitruste, com a edição da Lei 8.884/1994 e, em 2011, da Lei 12.529, mas, por outro lado, fez surgir a crescente adoção dos contratos de adesão nas relações empresariais, ante a massificação das relações jurídicas e a necessidade de se conhecer antecipadamente as condições de aquisição de bens e serviços. Esse cenário impulsionou o Código Civil de 2002 a disciplinar esse modelo de contrato em dois dispositivos: “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio” (Grifamos). Note-se que referido regramento está esculpido nas disposições gerais dos Contratos em Geral. Por isso, atente-se que o Código Civil de 2002 não dá aos contratos de adesão a condição de contrato em espécie, mas sim de modelo contratual a ser adotado pelos entes privados em virtude das características da relação jurídica concreta. Como asseveram Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe, o “equilíbrio dos interesses contrapostos, considerado essencial nos negócios jurídicos contratuais, não existe nas relações decorrentes de contrato de adesão; mas nem por isso seriam ilegítimos, até porque incide um sistema compensatório de defesa ou proteção do aderente. Em outras palavras, o aspecto paritário (grès à grès – acordo de vontades) dos contratos cede espaço à necessária adesão” 8 . Assim, ante o fenômeno do mercado de massas, o Estado também deve intervir nas relações de natureza privada. Essa intervenção é concretizada com as balizas da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, para estabelecer o equilíbrio natural existente nas relações entre particulares, resguardando a equivalência das prestações. Nessa perspectiva, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal fez publicar entendimento de que a função social do contrato, prevista no art. 421 do Código Civil de 2002, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas 9 . Ao juiz, nos termos da cláusula geral do art. 422 do Código Civil, impõe-se a interpretação do contrato e, quando necessário, a supressão e correção do contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes 10 . Essa é a gênese de se considerar eivada de nulidade absoluta a cláusula contratual que imponha ao aderente a renúncia ou disposição antecipada de direitos resultantes da natureza do negócio (art. 424 do CC), lembrando que, consoante o art. 114 do CC, toda renúncia deve ser interpretada estritamente. Seguindo a esteira de que todo negócio jurídico deve ser interpretado conforme a boa-fé – eticidade (art. 113 do CC), inclusive aqueles decorrentes dos contratos de adesão, a exemplo do art. 47 do CDC, deve-se sempre adotar a interpretação mais favorável ao aderente – art. 423 do CC. Essas também são as razões que nos levam a concluir que a cláusula compromissória compulsória ao aderente em contrato de adesão é nula, já que nesses moldes implica na renúncia antecipada à tutela jurisdicional, a exemplo do que ocorre com referidas cláusulas nos contratos de consumo. 6.6 DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS Em 15 de março de 2013, foi editado o Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013, que regulamenta o CDC, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Esse regulamento visa garantir informações claras a respeito do produto, do serviço e do fornecedor, o atendimento facilitado ao consumidor e o respeito ao direito de arrependimento nessas contratações. Estabelece que os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, o nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda; o endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato; as características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores; a discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros; as condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta. Essas informações também são exigidas no caso de compras coletivas, hipótese em que devem ser também disponibilizadas informações referentes à quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato; o prazo para utilização da oferta pelo consumidor; e a identificação do fornecedor responsável pelo sítio eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado. Em relação ao atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico, o fornecedor deverá apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos. Deverá disponibilizar ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação, confirmando imediatamente o recebimento da aceitação da oferta, com mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor. Feito isso, o fornecedor deverá garantir ao consumidor o contrato em meio que permita sua conservação e reprodução. Após a contratação, deve ser mantido serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato, com a confirmação imediata de seu recebimento. A manifestação do fornecedor em relação a essas demandas deve ser encaminhada ao consumidor em até cinco dias. Nos termos do art. 49 do CDC, o Decreto 7.962/2013 trata do direito de arrependimento no comércio eletrônico. Para tanto, prescreve que o consumidor poderá exercer esse direito pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados, com a garantia do recebimento da confirmação imediata pelo fornecedor. Saliente-se que o exercício desse direito implica a rescisão contratual, inclusive de eventuais contratos acessórios, sem qualquer ônus ao consumidor. Importante obrigação imposta ao fornecedor é a de informar, imediatamente a instituição financeira ou administradora do cartão de crédito ou similar, sobre a rescisão contratual, para que a transação não seja lançada na fatura do consumidor, ou seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento já tenha sido realizado. Por fim, lembremos que às contratações eletrônicas devem ser aplicadas todas as disposições previstas no CDC, sobretudo acerca da oferta, proteção contratual e sanções administrativas. 6.7 QUESTÕES 1. (VIII Exame de Ordem Unificado – FGV) João celebrou contrato de seguro de vida e invalidez, aderindo a plano oferecido por conhecida rede particular. O contrato de adesão, válido por cinco anos, prevê a possibilidade de cancelamento, em favor da seguradora, antes de ocorrer o sinistro, por alegação de desequilíbrio econômico-financeiro. A esse respeito, assinale a afirmativa correta. (a) Os contratos de seguro ofertados no mercado de consumo, apesar de serem de adesão, são regidos pelo Código Civil, e a eles se aplica o Código de Defesa do Consumidor apenas subsidiariamente e em casos estritos. (b) A cláusula prevista, que estipula a possibilidade de cancelamento unilateral do contrato em caso de desequilíbrio econômico, seria viável desde que exercida na primeira metade do contrato. (c) O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar demanda contra a seguradora, buscando ser declarada a nulidade da cláusula contratual celebrada com os consumidores, e que seja proibido à seguradora continuar a ofertá-la no mercado de consumo. (d) A cláusula prevista no contrato celebrado por João não é abusiva, pois o seguro deve atentar para a equação financeira atuarial, necessária ao equilíbrio econômico da avença e à própria higidez e continuidade do contrato. 2. (OAB-SP – Exame 121) No fornecimento de produtos ou serviços que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, (a) É assegurada ao consumidor apenas a liquidação total do débito, sem redução dos juros. (b) Não é assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do débito total. (c) Não é assegurada ao consumidor a redução proporcional dos juros e demais encargos. (d) É assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos. 3. (OAB-MG – Exame de abril/2008) O Juiz deverá, sempre que possível e requerido por uma das partes, dar preferência à revisão do que à extinção do contrato. Isso com base no princípio: (a) Da função social dos contratos. (b) Pacta sunt servanda. (c) Da boa-fé objetiva. (d) Da boa-fé subjetiva. 4. (OAB-RS – Exame 03/2006) Em se tratando de tutela do consumidor, é correto afirmar que (a) São passíveis de anulabilidade as cláusulas consideradas abusivas. (b) A invalidade de uma cláusula abusiva, em princípio, não invalida todo o contrato. (c) É de 10% o valor da multa moratória. (d) Os contratos de adesão podem conter cláusula que inverta o ônus de prova em prejuízo do consumidor. 5. (OAB-RS – Exame 02/2006) Em se tratando de tutela do consumidor, assinale a assertiva correta. (a) Apenas as pessoas físicas são consideradas, pela lei, consumidores. (b) As relações trabalhistas podem ser também reguladas pela Lei de Defesa do Consumidor. (c) O comerciante é sempre solidário com o fabricante frente ao consumidor nos casos de responsabilidade decorrente do produto. (d) A desistência do contrato pelo consumidor somente é cabível para as contratações ocorridas fora do estabelecimento comercial, se exercida no prazo de 7 dias. 6. (OAB-PR – Exame 01.2007) Sobre os direitos do consumidor, assinale a alternativa INCORRETA: (a) O contrato de adesão é um tipo cuja cláusula tenha sido aprovada pela autoridade competente ou estabeleça unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. (b) O dever de informar é relevante, pois os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. (c) Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se anuláveis as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. (d) Por incrível que pareça, é infração penal deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado. 7. (OAB – Exame unificado 2007.2) Em um contrato de consumo, não é considerada abusiva a cláusula que (a) Estabelece a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor. (b) Determina a utilização compulsória de arbitragem. (c) Estabelece a remessa do nome do consumidor inadimplente para bancos de dados ou cadastros de consumidores. (d) Transfere responsabilidades a terceiros. 8. (OAB – Exame unificado n. 2007.3) Considerando-se a relação jurídica em face da proteção contratual ordenada pelo CDC, é correto afirmar que um consumidor que tenha comprado produto mediante pagamento em 10 prestações (a) Dispõe de até 7 dias para desistir da compra realizada, desde que ela tenha sido efetuada no estabelecimento comercial do fornecedor. (b) Pode escolher, no ato da compra, se a garantia do fornecedor contra defeitos aparentes ou ocultos que ocorram no produto adquirido será ou legal ou contratual. (c) Pode liquidar antecipadamente o débito em questão, total ou parcialmente, exigindo redução proporcional dos juros cobrados. (d) Deve ser imediatamente indenizado caso o produto apresente problemas, preferencialmente mediante abatimento do valor da indenização nas prestações vincendas. 9. (OAB 2011.2 – FGV) Quando a contratação ocorre por site da internet, o consumidor pode desistir da compra? (a) Sim. Quando a compra é feita pela internet, o consumidor pode desistir da compra em até 30 dias depois que recebe o produto. (b) Não. Quando a compra é feita pela internet, o consumidor é obrigado a ficar com o produto, a menos que ele apresente vício. Só nessa hipótese o consumidor pode desistir. (c) Não. O direito de arrependimento só existe para as compras feitas na própria loja, e não pela internet. (d) Sim. Quando a compra é feita fora do estabelecimento comercial, o consumidor pode desistir do contrato no prazo de sete dias, mesmo sem apresentar seus motivos para a desistência. GABARITO: Encontra-se no final do livro. __________ 1 Sobre o assunto ver a obra de CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: RT, 2000; a obra de NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A teoria contratual e o código de defesa do consumidor. São Paulo: RT, 2001; MACEDO JR., Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998; MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. São Paulo: RT, 2002; GALDINO, Valéria Silva. Cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 2001; e a obra de DONNINI, Rogério José Ferraz. A revisão dos contratos no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001. 2 “[...] Contratos de seguro médico, porque de adesão, devem ser interpretados em favor do consumidor. [...]” (STJ – AgRg no Ag n. 311.830/SP, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, j. 26.02.2002, DJ de 1.º.04.2002, p. 182). 3 Ver Portarias SDE 4, de 13.09.1998; 3, de 10.03.1999; 3, de 15.03.2001; 5, de 27.08.2002; e 7, de 03.09.2003. 4 “Código de Defesa do Consumidor. Plano de saúde. Limitação de direitos. Admissibilidade. Os contratos de adesão são permitidos em lei. O CDC impõe, tão somente, que ‘as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão’. Destarte, ainda que se deva, em princípio, dar interpretação favorável ao adquirente de plano de saúde, não há como impor-se responsabilidade por cobertura que, por cláusula expressa e de fácil verificação, tenha sido excluída do contrato. Recurso não conhecido, com ressalvas quanto à terminologia” (STJ, REsp 319.707/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Filho, 3.ª Turma, j. 07.11.2002, DJ 28.04.2003 p. 198); “[...] Acolhida a premissa de que a cláusula excludente seria dúbia e de duvidosa clareza, sua interpretação deve favorecer o segurado, nos termos do art. 54, § 4.º do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, nos contratos de adesão, as cláusulas limitativas ao direito do consumidor contratante deverão ser redigidas com clareza e destaque, para que não fujam de sua percepção leiga” (STJ, REsp 311.509/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4.ª Turma, j. 03.05.2001, DJ 25.06.2001, p. 196). 5 Ver artigo de nossa autoria sobre o Panorama dos contratos de adesão nas relações privadas e a experiência consumerista. 6 Padronização e cláusulas abusivas, p. 156-158. 7 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor, p. 69. 8 Contratos de adesão no novo código civil, p. 59. 9 Enunciado 22. 10 Enunciado 26. DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS 7.1 INTRODUÇÃO1 A fixação das Sanções Administrativas nada mais é do que regular o Poder de Polícia da Administração Pública na fiscalização do cumprimento das regras inerentes à defesa do consumidor. Visam preservar a vida, a saúde, a segurança, a informação (interesse econômico) e o bem-estar do consumidor. São aplicadas independentemente das sanções de natureza penal e civil. Trata-se da tríplice sanção nas relações de consumo. Decorre do poder de polícia da administração pública na defesa do consumidor, previsto no art. 78 da Lei 5.172/1966 – Código Tributário Nacional. Assim, “considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”. Nessa esteira, considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. Assim, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa (art. 24 da CF), editar as normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços. Deverão também fiscalizar e controlar a produção, a industrialização, a distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, editando as normas que se fizerem necessárias. Poderão também os órgãos oficiais expedir notificações aos fornecedores para que, sob pena de desobediência, prestem informações sobre questões de interesse do consumidor, resguardado o segredo industrial. As sanções administrativas são aplicadas independentemente das sanções de natureza penal e civil, pois são cumuláveis. Desta feita, são sanções administrativas previstas no art. 56 do CDC: I – multa; II – apreensão do produto; III – inutilização do produto; IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V – proibição de fabricação do produto; VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII – suspensão temporária de atividade; VIII – revogação de concessão ou permissão de uso; IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI – intervenção administrativa; XII – imposição de contrapropaganda. Atente-se para o prescrito no Decreto 2.181, de 20 de março de 1997, que ao regulamentar o CDC complementou o rol de práticas infrativas e regrou as competências do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. As penas de multa, graduadas de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, serão aplicadas mediante procedimento administrativo nos termos da lei, revertendo para o fundo de que trata a Lei 7.347, de 24 de julho de 1985 – Ação Civil Pública, sendo a infração ou dano de âmbito nacional, ou para os fundos estaduais de proteção ao consumidor nos demais casos. Tais multas não devem, nunca, ser em montante inferior a trezentas ou superior a três milhões de vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN), ou índice equivalente que venha substituí-lo. Quando forem constatados vícios de quantidade ou de qualidade por inadequação ou insegurança do produto ou serviço, serão aplicadas as penas de apreensão, de inutilização de produtos, de proibição de fabricação de produtos, de suspensão do fornecimento de produto ou serviço, de cassação do registro do produto e revogação da concessão ou permissão de uso, mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa (art. 58 do CDC). Quando o fornecedor reincidir na prática das infrações de maior gravidade previstas na legislação de consumo, as penas de cassação de alvará de licença, de interdição e de suspensão temporária da atividade, bem como a de intervenção administrativa, serão aplicadas mediante procedimento administrativo, assegurada a ampla defesa (art. 59 do CDC). Por fim, a pena de cassação da concessão será aplicada à concessionária de serviço público, quando violar obrigação legal ou contratual. A pena de intervenção administrativa será aplicada sempre que as circunstâncias de fato desaconselharem a cassação de licença, a interdição ou a suspensão da atividade. Pendendo ação judicial na qual se discuta a imposição de penalidade administrativa, não haverá reincidência até o trânsito em julgado da sentença. 7.2 QUESTÃO 1. (OAB-PR – Exame 02/2007) Sobre o direito das relações de consumo, analise as afirmativas abaixo e assinale a alternativa CORRETA: I – As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, a sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas como a multa, apreensão do produto, inutilização do produto, cassação do registro do produto junto ao órgão competente, dentre outras. II – As penas de apreensão, de inutilização de produtos, de proibição de fabricação de produtos, de suspensão do fornecimento de produto ou serviço, serão aplicadas pela administração, mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa, quando forem constatados vícios de quantidade ou de qualidade por inadequação ou insegurança do produto ou serviço. III – Incorre em infração penal aquele que omite dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade, com pena de detenção de seis meses a dois anos. IV – Incorre em infração penal aquele que utiliza, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer, cuja pena é de detenção de três meses a um ano e multa. (a) Todas as afirmativas estão corretas. (b) Apenas as afirmativas II e IV estão corretas. (c) As afirmativas I e IV estão incorretas. (d) Apenas as afirmativas III e IV estão incorretas. GABARITO: Encontra-se no final do livro. __________ 1 Sobre o assunto é de leitura obrigatória o Manual de direitos do consumidor, de José Geraldo Brito Filomeno. A DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO 8.1 INTRODUÇÃO Até a edição do CDC, as demandas de consumo eram solucionadas por meio da legislação existente à época, ou seja, a Lei 4.717/1965 – Ação Popular, a Lei 7.347/1985 – Ação Civil Pública e o Código de Processo Civil, no campo das normas adjetivas, e o Código Civil e Comercial, no campo das normas substantivas. No entanto, esses regramentos se revelaram insuficientes para a solução dos conflitos de consumo. Era preciso avançar mais. Por essa razão, o CDC possui normas de natureza material (analisadas até agora) e normas de natureza processual que cuidam da defesa do consumidor em juízo. Ao lado da Lei 4.717/1965 – Ação Popular e da Lei 7.347/1985 – Ação Civil Pública, constituem a chama jurisdição civil coletiva, que será adiante abordada. 8.2 A JURISDIÇÃO CIVIL COLETIVA É de se ressaltar que a jurisdição civil coletiva não é um fenômeno propriamente novo, que teria surgido com o advento da Constituição Federal de 1988. Antes de adentrarmos propriamente na jurisdição coletiva, resgataremos um pouco de seu aspecto histórico. Não obstante a própria ação popular, embora em outros moldes, ter origem no Direito Romano 1 , é no século XVIII que o direito processual, sob influência das ideias da Revolução Francesa, firmou-se, caracterizado pela tutela individual. Desta forma, o ordenamento brasileiro também ficou marcado pela esfera individualista, visto que seguia os modelos importados da Europa. Celso A. P. Fiorillo, Marcelo A. Rodrigues e Rosa Maria A. Nery resgatam com propriedade este processo: “Os ideais da Revolução Francesa foram içados à categoria de objetivos a serem alcançados, mas num sentido que bem traduz a filosofia dessa época, que era a do laissez-faire, laissez-passer, ou seja, a igualdade, a fraternidade e a liberdade deveriam ser alavancadas para a formação de um Estado Liberal que não condenasse o lucro, e cujas regras da economia deveriam ser ditadas por ela mesma. Consagrou-se o predomínio do individualismo liberal, numa sociedade que deveria privilegiar a exigência de uma rápida circulação de riqueza e garantir, ao nascente sistema da moderna empresa, um coeficiente relevante de acumulação de capital. (...) E foi neste espírito que os primeiros códigos, matrizes das demais legislações subsequentes, foram formados. Sempre, pois, revelando o caráter individualista em todos os setores, seja no econômico, político ou judicial. No Brasil não foi diferente, posto que, apesar de ser codificado muito depois, foi influenciado diretamente pelos códigos calcados nestes ideais” 2 . Ocorre que com a Revolução Industrial, e suas importantes modificações nos meios de produção e na relação capital-trabalho, inicia-se o processo de mercado e sociedade de massas. Com a implementação das novas técnicas de produção, a humanidade passa a viver uma nova era, que evidentemente passa a exigir uma transformação do mundo jurídico, uma vez que o indivíduo reflete em sua ação o modo de produção em que está inserido. No começo deste século a Europa vivia momentos de turbulência ocorrida pelo fenômeno da ascensão das massas. Aponta o autor: “Aquelas ascenderam da marginalização social, principalmente por causa da Revolução Industrial, com o que, deixando de integrar o rol dos que se encontravam na periferia das sociedades e respectivas civilizações, não alcançadas de fato pelo aparelho do Estado, iniciaram um processo para forçar a entrada nos quadros melhores das civilizações, com o que se colocou de um lado a insuficiência do aparato estatal e bem assim o sistema tradicional” 3 . Assim, a jurisdição coletiva surge como verdadeiro instrumental visando dar possibilidades de solução para os conflitos do mundo moderno de uma sociedade de massas. Surge como decorrência dos princípios constitucionais da indeclinabilidade da jurisdição e do devido processo legal. Trata- se da conjugação entre o CDC e a lei da ação civil pública com a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. É informada pelos princípios do amplo acesso à justiça, igualdade e efetividade do processo. “Não obstante as vantagens trazidas pelas ações coletivas, no sentido de se buscar isonomia, efetividade, adequação, acesso à justiça, entre outras garantias, tais ações vieram, principalmente, resguardar direitos e bens jurídicos que, em virtude da dimensão de seus titulares e justa tutela jurisdicional, pelo simples fato de que o aparato processual disponível para tutelar tais bens se mostrava incapacitado para protegê-los, posto que de cunho individual e liberal. É com esse fim que as ações coletivas surgem no País; sua origem tem sede nas exigências consequenciais das mutações sofridas pela sociedade com a rebelião das massas. Urge como remédio eficaz e adequado para a proteção de interesses e direitos que antes eram tutelados esparsamente e sob uma visão individualista” 4 . Assim, em conformidade com o princípio constitucional do devido processo legal e como decorrência do processo histórico da sociedade de massas, surgem os direitos difusos e coletivos. Tais direitos “(...) escapam de qualquer definição do ortodoxo sistema público em contraste com o privado, posto que situado num abismo entre estes, não há mais que se falar sequer na possibilidade de se usar o ortodoxo sistema liberal tradicional individualista do Código de Processo Civil e normas afins, para dirimir os conflitos de massa... falar em devido processo legal em sede de direitos coletivos lato sensu, é, inexoravelmente, fazer menção ao sistema integrado de tutela processual trazido pelo CDC e LACP (Lei n. 7.347/85). Assim, hoje, em sede de jurisdição civil, há a existência de dois sistemas de tutela processual: um destinado às lides individuais, cujo instrumento adequado e idôneo é o Código de Processo Civil, e um outro, destinado à tutela coletiva, na exata acepção trazida pelo art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor” 5 . Passaremos então para a abordagem dos direitos coletivos “lato sensu”. 8.3 DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU Os direitos do consumidor se encontram inseridos na seara dos direitos coletivos lato sensu, que é gênero do qual são espécies os direitos difusos e os coletivos stricto sensu. No que pesem os direitos individuais homogêneos não terem natureza coletivista, pois são individuais puros, são tratados no bojo dos direitos coletivos lato sensu por receberem da lei um tratamento processual coletivizado em razão de serem originados de um fato comum. Por isso, faz-se necessário o estabelecimento do que vêm a ser esses direitos que dão ensejo à chamada jurisdição coletiva. Os interesses difusos são “(...) interesses metaindividuais que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessário à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo (v.g., o interesse à pureza do ar atmosférico), podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido (v.g., os consumidores). Caracterizam-se: pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do objeto, por sua intensa litigiosidade interna e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço” 6 . As expressões “direito” e “interesse” são tratadas pela doutrina como expressões semelhantes à medida que a pessoa titular de um interesse difuso possui um interesse que é erigido à condição de direito reconhecido pela Constituição Federal. Daí a utilização das duas expressões. “Os termos interesses e direitos foram utilizados como sinônimos; certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os ‘interesses’ assumem o mesmo status de ‘diretos’, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles” 7 . Assim, com a mudança na forma de se entender as duas expressões (interesses e direitos), transforma-se também o modo de se interpretar os dispositivos constitucionais, e é este modo de interpretar que a jurisdição coletiva demanda. “Hoje, com a concepção mais larga do direito subjetivo, abrangente também do que outrora se tinha como mero ‘interesse’ na ótica individualista então predominante, ampliou-se o espectro de tutela jurídica e jurisdicional. Agora, é a própria Constituição Federal que, seguindo a evolução da doutrina e da jurisprudência, usa dos termos ‘interesse’ (art. 5.º, LXX, ‘b’), ‘direitos e interesses coletivos’, (art. 129, n. III), como categorias amparadas pelo direito. Essa evolução é reforçada, no plano doutrinário, pela tendência hoje bastante acentuada de se interpretarem as disposições constitucionais, na medida do possível, como atributivas de direitos, e não como meras metas programáticas ou enunciações de princípios. E no plano legislativo, com a edição de leis ordinárias que procuram amparar tanto ‘interesses’ como ‘direitos’, como a que disciplina a ação civil pública (Lei n. 7.347/85), está definitivamente consolidada a evolução” 8 . Retomando especificamente a questão dos direitos coletivos lato sensu, temos que, com o advento do CDC, se estabeleceu o conceito definitivo de direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, muito embora a Lei de Ação Civil Pública já tenha tratado da matéria. Estabelece o art. 81 do CDC, in verbis: “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeito deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”. Assim, temos que “na verdade o que determina a classificação de um direito como difuso, coletivo, individual puro ou individual homogêneo é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Ou seja, o tipo de pretensão que se deduz em juízo” 9 . O autor mostra que de um determinado acontecimento podemos deduzir pretensões de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos e, aliás, no tocante a estes últimos, aponta-se para o fato de que “(...) pelos arts. 81, parágrafo único, III, e 91 e ss., o CDC instituiu no sistema processual brasileiro a class action, a exemplo da ação de classe da regra 23 das Federal Rules of Civil Procedure do direito norte-americano, vale dizer, o CDC criou mais esta modalidade de ação coletiva, ao lado daquela outra já existente no sistema da LACP, destinada à tutela jurisdicional dos direitos difusos e coletivos” 10 . Assim, tomemos um fato exemplificativo como hipótese, qual seja, a veiculação de uma publicidade enganosa e abusiva em todo o território nacional, cujo conteúdo consiste em afirmar que determinada faculdade de direito concorrente não forma profissionais preparados para o mercado de trabalho. Desse fato pode decorrer a tutela de direitos difusos, se a pretensão deduzida em juízo for a de proibir a sua veiculação já que um número indeterminado e indeterminável de pessoas foi atingido. Pode também decorrer a tutela de direitos coletivos stricto sensu se a pretensão deduzida em juízo for a de preservar a imagem dos alunos que estudam ou que estudaram nessa faculdade. Atente-se que neste caso os alunos possuem a mesma relação jurídica base com a faculdade, e constituem uma coletividade de pessoas indeterminadas, mas determináveis, já que podem ser individualizadas. Por derradeiro, desse mesmo fato também pode decorrer a tutela de interesses individuais homogêneos, se a pretensão deduzida em juízo for a de promover a reparação de danos de um conjunto de trinta ex-alunos que foram prejudicados, em razão da publicidade veiculada, em processo de admissão para uma determinada empresa. Neste caso há dano de origem comum. 8.4 ASPECTOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO Para a defesa dos direitos e interesses difusos, ou coletivos lato sensu, e neles se incluem os direitos dos consumidores, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Abriu-se, assim, um amplo leque para a tutela do consumidor. No entanto, para a defesa coletiva desses direitos, a ser efetivada por meio da Ação Civil Pública, são legitimados, de forma concorrente, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos difusos; e as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos difusos, dispensada a autorização das respectivas assembleias dirigentes. Não se trata de legitimidade extraordinária ou de substituição processual, mas sim de legitimação autônoma para a condução do processo conferida por lei 11 . Atente-se que, havendo manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido, o magistrado, por critério de discricionariedade, poderá, no caso concreto, dispensar a pré-constituição de um ano para as associações civis. Nessas ações coletivas não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas. Também não haverá condenação da associação autora em honorários de advogados, custas e despesas processuais, salvo comprovada má-fé. Ocorrendo a litigância de má- fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos. No campo das obrigações de fazer o CDC também inovou, antes mesmo das reformas promovidas no Código de Processo Civil (art. 461). Desta feita, na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, por meio de medidas como a busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. Note-se que ao juiz é lícito conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, desde que seja relevante o fundamento da demanda e haja justificado receio de ineficácia do provimento final. Trata-se da possibilidade de antecipação da tutela. Não atendida a tutela liminar pelo fornecedor, o magistrado poderá, a qualquer momento, ou na sentença, impor multa diária ao réu/fornecedor, também denominada de astreintes, independentemente do pedido do autor/consumidor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. Ao consumidor é sempre facultada a conversão da obrigação em perdas e danos, mas também ocorrerá se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. Referida indenização será fixada sem prejuízo das astreintes, conforme dispõe o art. 287 do CPC. 8.5 DAS AÇÕES COLETIVAS PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS Além dos aspectos gerais já mencionados, as ações coletivas para a defesa dos interesses individuais homogêneos possuem regramento específico. Assim, os legitimados para a Ação Civil Pública poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos. Ao Ministério Público é imputado o dever de sempre participar dessas ações, seja como autor, seja como fiscal da lei. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local do foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; e do foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor. Caso seja procedente a ação, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados. Superada a fase de conhecimento, a liquidação e a execução da sentença podem ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados para a Ação Civil Pública. Por outro lado, a execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados para a Ação Civil Pública, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. Neste caso, a execução coletiva é feita com base em certidão da sentença de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado. Para as execuções é competente o juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória no caso de execução individual; e da ação condenatória, quando coletiva a execução. Por fim, decorrido um ano sem habilitação dos interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados para a Ação Civil Pública promover a liquidação e execução da indenização devida. Nesse caso, o produto da indenização devida reverterá para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, e regulamentado pelo Decreto 1.306/1994. 8.6 DAS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR DE PRODUTOS E SERVIÇOS Nas ações de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, a ação pode ser proposta no domicílio do autor/consumidor, se outro não for mais facilitador da defesa de seus direitos. O réu fornecedor que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório. Aos legitimados para a Ação Civil Pública é facultada a proposição de ação que vise compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o território nacional, a produção, divulgação, distribuição ou venda, ou a determinar a alteração na composição, estrutura, fórmula ou acondicionamento de produto cujo uso ou consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade pessoal. 8.7 DA COISA JULGADA Nas ações coletivas a coisa julgada será: a) erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese de defesa dos interesses e direitos difusos. Assim, o efeito erga omnes é aquele que atinge a universalidade das pessoas, o que é coerente com a tutela dos interesses difusos; b) ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese de defesa dos direitos e interesses coletivos. Refere-se ao efeito ultra partes, pois a decisão não atinge a universalidade das pessoas, restringindo-se às pessoas do grupo, classe ou categoria; c) erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese de defesa dos direitos individuais homogêneos. Neste caso as pessoas atingidas pela decisão serão apenas as vítimas e seus sucessores. Note-se que os efeitos da coisa julgada previstos para a tutela dos direitos difusos e para os direitos coletivos stricto sensu não prejudicarão os interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe. Já na hipótese de tutela de direitos individuais homogêneos, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual. Os efeitos da coisa julgada nas ações civis públicas não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista no CDC, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99 do CDC. Devemos lembrar que as ações coletivas para a defesa dos direitos difusos e os direitos coletivos stricto sensu não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. Por derradeiro, indaga-se se o art. 16 da Lei 7.347/1985 – Ação Civil Pública, cuja redação foi dada pela Lei 9.494/1997, tem aplicabilidade às relações de consumo. É que o referido texto legal prescreve que “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. A nosso ver esse dispositivo não se aplica às relações de consumo, pois a Lei da Ação Civil Pública é aplicada apenas no que não contrariar o CDC, e por isso a regra do art. 103 do CDC permanece intacta. Esse é também o posicionamento do STJ 12 que já decidiu que o procedimento regulado pela ação civil pública “pode ser utilizado para defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contém, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da LAP para essas hipóteses”. 8.8 DA CONVENÇÃO COLETIVA DE CONSUMO As entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica podem regular, por convenção escrita, relações de consumo que tenham por objeto estabelecer condições relativas ao preço, à qualidade, à quantidade, à garantia e características de produtos e serviços, bem como à reclamação e composição do conflito de consumo. Referida convenção tornar-se-á obrigatória a partir do registro do instrumento no cartório de títulos e documentos, e somente obriga os filiados às entidades signatárias. A convenção também vincula os fornecedores, mesmo se desligarem da entidade em data posterior ao registro do instrumento. Trata-se de importante medida que não tem o caráter de afastar a aplicação do CDC, e que ainda não foi prestigiada pelos consumidores e fornecedores brasileiros. É simplesmente um verdadeiro contrato coletivo de consumo muito utilizado nos países de capitalismo avançado como os Estados Unidos da América e países europeus. 8.9 QUESTÕES 1. (OAB-MT – Exame 02/2005) Assinale a alternativa correta: (a) A defesa coletiva do consumidor será exercida quando se tratar de interesses ou direitos coletivos, interesses ou direitos difusos e interesses ou direitos individuais homogêneos. (b) As associações legalmente constituídas há pelo menos dois anos e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC estão legitimadas para a defesa do consumidor em Juízo. (c) Nas ações coletivas disciplinadas pelo CDC haverá adiantamento de custas judiciais, mas não haverá condenação da associação autora em honorários advocatícios, salvo comprovada má-fé. (d) As ações coletivas não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua extinção no prazo de dez dias. 2. (OAB 2010.2 – FVG) Nas ações coletivas, o efeito da coisa julgada material será: (a) Tratando-se de direitos individuais homogêneos, efeito erga omnes, se procedente, mas só aproveita aquele que se habilitou até o trânsito em julgado. (b) Tratando-se de direitos individuais homogêneos, julgados improcedentes, o consumidor, que não tiver conhecimento da ação, não poderá intentar ação individual. (c) Tratando-se de direitos difusos, no caso de improcedência por insuficiência de provas, não faz coisa julgada material, podendo, qualquer prejudicado, intentar nova ação com os mesmo fundamentos, valendo-se de novas provas. (d) Tratando-se de direitos coletivos, no caso de improcedência do pedido de nulidade de cláusula contratual, o efeito é ultra partes e impede a propositura de ação individual. GABARITO: Encontra-se no final do livro. __________ 1 V. NERY JR., Nelson; MILARÉ, Édis; FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo. A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos, p. 48 e ss. V. também artigo de FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Direito ambiental – a ação popular e a defesa do meio ambiente, p. 159. 2 Direito processual ambiental brasileiro. Ação civil pública. Mandado de Segurança. Ação popular – Mandado de injunção, p. 87, nota 7. 3 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil contemporâneo. Sua evolução ao lado do direito material. Revista de Direito do Consumidor, p. 78. 4 FIORILLO, Celso A. P.; RODRIGUES, Marcelo A.; NERY, Rosa A., op. cit., p. 90. 5 Ibidem, p. 100. 6 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos – Conceito e legitimação para agir, p. 109. 7 WATANABE, Kazuo. CDC comentado..., p. 507. 8 Ibidem, p. 507 e 508. 9 Nelson Nery Junior, op. cit., p. 173. 10 FIORILLO, Celso A. P.; RODRIGUES, Marcelo A.; NERY, Rosa M. A., op. cit., p. 120. 11 Essa é a correta lição de Nelson Nery Junior e Rosa Nery em seu Código de Processo Civil Comentado, p. 1.866. 12 REsp. 411.529, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª T, DJ 05.08.2008. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993. ALPA, Guido et al. Trattamento dei dati e tutela della persona. Diritto dell’Informatica. Collana diretta da Guido Alpa. Milano: Giuffrè, 14, 1998. ANTUNES ROCHA, Cármen Lúcia. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil contemporâneo. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n. 2, 1992. _____ et al. 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A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO 1 – C 2 – B 3 – B 4 – D 5 – C 6 – A 7 – A 3. DOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES 1 – A 2 – B 3 – D 4 – C 5 – B 6 – C 7 – D 4. DA RESPONSABILIDADE DOS FORNECEDORES POR SEUS PRODUTOS E SERVIÇOS 1 – B 2 – B 3 – A 4 – A 5 – B 6 – D 7 – D 8 – A 9 – D 10 – C 11 – B 12 – B 13 – A 14 – A 15 – D 16 – C 17 – A 18 – B 19 – C 20 – D 21 – D 22 – D 23 – B 24 – D 25 – B 26 – C 27 – C 28 – B 5. DAS PRÁTICAS COMERCIAIS 1 – B 2 – D 3 – A 4 – A 5 – B 6 – A 7 – D 8 – C 6. DA PROTEÇÃO CONTRATUAL 1 – C 2 – D 3 – A 4 – B 5 – D 6 – C 7 – C 8 – C 9 – D 7. DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS 1 – A 8. A DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO 1 – A 2 – C
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