ODUVALDO VIANNA FILHONOSSA VIDA EM FAMÍLIA Fotos de DERLI BARROSO ELENCO "NOSSA VIDA EM FAMÍLIA" estreou no Teatro Itália, em São Paulo, em março de 1972, com direção de Antunes Filho e cenografia de José de Anchieta, com o seguinte elenco: PERSONAGENS E INTÉRPRETES OS PAIS SOUSA - PAULO AUTRAN LU - CARMEM SILVA OS FILHOS JORGE - MAURO MENDONÇA NELI - KARIN RODRIGUES BETO - PEDRO CASSADOR CORA - CLÁUDIA DE CASTRO A NORA ANITA - ISADORA DE FARIA A NETA SUSANA - LIZA VIEIRA A FREGUESA DE ANITA APARECIDA - DIRCE MILITTELLO UM AMIGO DE SOUSA AFONSINHO - WALTER STUART VÁRIOS PAPÉIS WILSON, HONÓRIO, MÉDICO - JUAREZ SEMOG INTÉRPRETES DO SARAU MARIO RESENDE - MATILDE LOPES PEDRO GABRIEL DE SALLES 2 É proibida qualquer representação desta peça no todo ou em parte, em teatro, rádio, televisão, ou sua reprodução por quaisquer meios mecânicos, sem o consentimento do autor. Diagramação : Estúdio GEPROM Revisão: Mara de Almeida Direitos desta edição reservados à GEPROM EDITORA LTDA. Rua Alfredo Ellis, 41 Caixa Postal 3.851 Fone 33-60-17 São Paulo 1972 Impresso no Brasil Printed in Brazil 3 Os trechos assinalados com colchetes não foram aproveitados na montagem da peça feita por Antunes Filho em São Paulo (1972).NOTAS DO EDITOR 1. A primeira versão. foi escrita por Oduvaldo e mais Paulo Pontes e Ferreira Gullar. 2. intitulada simplesmente "Em Família". O texto aqui editado corresponde à segunda versão do tema. de responsabilidade exclusiva de Oduvaldo Vianna Filho. 4 . enquanto Lu permanece no Rio. e Neli. O velho Sousa recebe apenas uma aposentadoria de 220 cruzeiros. O trabalho dos três primeiros é mais útil para o painel geral que Oduvaldo Vianna Filho compõe com "Nossa Vida em Família". é ou não é?. e os herdeiros pediram a atualização do aluguel. por que é que vocês têm tanta raiva de gente que está melhor situada na vida?" Quem lê o texto de Oduvaldo Vianna Filho pode pensar. em São Paulo. inicialmente. que passa de 40 para 828 cruzeiros. a única mana de sorte. ganha ainda menos dinheiro preparando atestados de óbito num cartório. Beto. por exemplo. Neli fica encarregada de providenciar um lugar definitivo para ambos.. que passa a sentir vontade de telefonar para todo mundo avisando o que aconteceu com ele: 5 . o velho Sousa e sua mulher Lu convocam seus filhos Jorge. Não é fácil saber viver". As relações entre o empregador e o empregado. a irmã caçula de Jorge. outro irmão. Neli. É que de repente. Tenho que vender com uma margem de lucro muito estreita. fica distanciado da vida real. mas o relacionamento deles com Neli é a própria explicação do pesado e constrangedor silêncio que se instala entre as pessoas: "Você está com raiva de mim" diz Neli a Jorge "porque minha situação material é melhor.. Cora. com Jorge.".. conclui Cora. no início da peça. o dono da casa em que vivem há muitos anos.. Jorge argumenta que a firma desapertou da disputa com a Ródia tirando parte da comissão dos vendedores.. tenta sustentar ao mesmo tempo o seu salário de vendedor eficiente e o de seus companheiros de profissão. Beto e Cora para expor uma pequena tragédia: morreu "seu" Rodrigues. "Nossa Vida em Família" descreve minuciosamente esse jogo. não tenho capital para ampliar instalações. mas termina aceitando esse jogo onde os sentimentos humanos são subjugados pelas necessidades de sobrevivência. Entre Jorge e Cora. "dedetização sofre concorrência dessas firmas enormes de inseticidas. "A gente precisa saber viver. que se trata apenas de um drama sobre a triste situação dos velhos. eu batalho com a Ródia! Com publicidade na televisão. Então ele passa a viver com uma das filhas.. que por ser um jogo de viver. A separação da esposa e a vida num ambiente diferente se transforma numa experiência angustiante para o velho Sousa. e durante os meses em que os dois velhos ficam separados Oduvaldo Vianna Filho construiu sua narrativa. sem que as pessoas que o jogam percebam. que precisa roubar e vender alguns vestidos da loja onde trabalha para completar o reduzido orçamento doméstico de Cr$ 700 por mês. ou de um estudo sobre as conseqüências da invenção da imprensa.UM PESADELO REAL Esta peça é uma descrição de muitas vidas e sua maior função é transmitir para as pessoas como determinados métodos podem conduzir a vida a uma irreparável mediocridade. está casada com um milionário. que são resumidas neste diálogo: "Mas eu sou uma indústria em instalação" explica o patrão Honório a seu empregado Jorge . eles estão sacrificando suas vidas em troca de alguns sonhos. Quem não se sacrifica. De um lado pessoas que não têm dinheiro sacrificam suas vidas por dois ou três sonhos. dois velhos que chegam ao fim da vida falando sozinhos. É justamente por isso que todo um processo de vida em sociedade está colocado no palco. de um ou de outro modo.. mais exata.. De repente a gente tem vergonha de ter vivido. E não sabe onde está o erro. pessoas com dinheiro perderam a inocência dos sonhos. cujas vidas vão sendo prejudicadas ou destruídas.. carregando consigo apenas um monte de palavras. Os erros do velho Sousa.. E o que está em questão é mais do que a simples descrição de um drama. além deles. são repetidos pelos filhos. seja por Jorge. apenas ajuda a enterrar. é a tentativa de compreender porque esse drama acontece.." A menina percebeu que o grande erro de Sousa foi o de se preocupar mais com sua imagem do que consigo mesmo... GETÚLIO DUTRA BITTENCOURT 6 . Cuidado!. e os seus sacrifícios envolvem.. Seja por Cora. Não sei como se evita isso. e de outro. como a milionária Neli. mas tenham cuidado. outras pessoas. sempre em nome dos sonhos. vovó" diz Susana a Dona Lu "eu sei que a senhora por amor deixou o vovô se preocupar mais com a imagem dele do que com ele.. A vida não está com uns nem com outros talvez esteja. "Pois é.. mas é a simples realidade. então. Estão aí as peças de um pequeno quebra-cabeças que parece um pesadelo imaginário. numa divisão mais justa. Os dois velhos são o fio condutor da trama. É preciso completar o telefonema do velho Sousa e explicar a todas as pessoas do catálogo como pode alguém trabalhar honestamente a vida toda e chegar a seus últimos dias apenas "com a calma de nunca ter nada". nada constrói. Somente com a ajuda dessa fantasia dessa imagem ele pôde chegar ao fim da vida apenas "com a calma de nunca ter nada". não significam apenas uma tolerância." A Morte em Veneza / Thomas Mann 7 ."apesar do cunho aparentemente demasiado passivo. um triunfo positivo. o porte no destino e o garbo na tormenta. são uma realização ativa. . velho? Coube... é "coube". DA CASA DE SOUSA E DONA LU. lá em S. não é "me dá um chopes". "Não é "cabeu" que se diz. conta a piada.. Zezinho? então você diz SOUSA: CORA: "cabeu"? Não é "cabeu"... NELI VIEGAS E ROBERTO SOUSA. Não. É.. Pois é. ele botou: "Fessora.. meu Deus. é "coube". isso. Paulo vocês falam "me dá um chopes"... falar bem é uma limpeza. ah.. vai.... isto que... Vou me trocar! Vocês falam "vou me trocar". "Coube". vai. uma claridade. é irregular. lembra do que é piada? hahaha.. mas me desencarna! Aí o menino começou: coube. vai. ué. ESTÃO: SOUSA. . eu vou contar até o fim essa piada porque sou um homem que vai LU: BETO: até o fim das coisas.. coube..." (TODOS RIEM.PRIMEIRO ATO CENA 1 SALA DE JANTAR DE MIGUEL PEREIRA. ô pai. a gente faz assim: SOUSA: hahaha... "olha. coube. vou trocar de roupa. do verbo caber. vai se trocar por LU: SOUSA: quem?... aí. coube.. 8 . QUE PREPARA BATIDA DE LIMÃO E BEBE OS PREPARATIVOS. está..é coube mesmo. LU E SEUS FILHOS: CORA.. BETO: SOUSA: BETO: conta Beto. LU VAI ATENDER) Há muito tempo que eu não ouvia uma coisa tão sem pé nem cabeça.. Ah.. é "me dá um chope". ninguém interrompeu? Ah.. piada de falar errado não é mesmo com ele. afinal de contas a gente é o que fala e. coube. não escrevi mais porque não cabeu. você vai escrever nessa folha quarenta vezes a palavra SOUSA: CORA: BETO: CORA: SOUSA: BETO: "coube"." . de acordo... velho. tinha escrito só trinta e oito vezes. "Coube"... É uma piada. porque vejam que.. conta Beto. BETO: . SOUSA RI DESBRAGADAMENTE. pronto.. e a professora disse pro menino "que é isso. Coube está certo.. BETO: que coisa destrambelhada. Conta.. coube. Olha... não é verbo regular. chegou no fim da página.. Sousa?. Zezinho.. Piadas de falar errado não me fazem a menor mossa. TOCA A SOUSA: CAMPAINHA. coube. Zezinho.. Temos aula de português.. coube. que agonia. . ranhetice entranhada mesmo.. Pretíssimo. mas estou na batalha. e SOUSA: LU: SOUSA: eu não estou muito velha. (RI) Sessenta e dois... ha. perdendo.. Como vai. (ATAQUE DE RISO MEIO CONTÍNUO). ô.. VOZES: aleluia... .. preto! Preto. mas o que é que ele tanto ri? É que não cabeu.. Isso é JORGE: caro. não vai falar com o cachorro antes? ... Não falei nada. essas graças de como está bonita é só pra quem está muito velha.. também JORGE: sumiu. hein. Estou na batalha lá no Rio.. Sousa... (SOUSA RI) (JORGE PEGA A MÃE DE NOVO): Deixa ver. estou vendo que a reunião é BETO: importante. hein... também sou da família. pela madrugada... como vai? Ué. É. puxa. deixa ver. todo mundo aqui.... Bom. a Susana vai fazer vestibular no ano que vem e está BETO: SOUSA: JORGE: estudando. não sai daquela máquina de costura. tenho sessenta e dois anos. seu. ha. ha.. (COMO NA ROLETA) Sessenta e sete... qual foi a graça. Sousa..... Jorge. ha. a Susana? Anita vai bem... ela não pôde vir. . você era o único que vinha aqui de quinze em quinze dias. e perdendo feio. Miss Brasil... (RISOS) JORGE: Como vai a Anita... minha menina. dá uma voltinha. mandou lembrança. Sousa? você estava rico! Você nem lembrança manda. está no JORGE: registro civil.. perdeu uma chance de ficar calado.. há. Se lembrança valesse um mônei... ele saiu.. Mesmo que vocês não lembrem.. E você... É. ô minha menina.. mas só faltei uma vez.. Onde está o seu Irineu? Não era Irineu aquele senhor que vocês LU: JORGE: SOUSA: LU: alugavam um quarto pra ele. estou jogando BETO: LU: roleta. ABRAÇAM- CORA: SE FORTE) Veio de São Paulo? Ô.CORA: Vai engasgar aí. sessenta e sete. não cabeu... vermelho. fazemos sessenta e Quatro e não se fala mais nisso. hein? Não! Cora! Essa caçula também veio? (CORRE PARA ELA. a reunião é importante mesmo. não seja presumido. (A MÃE DÁ UMA LU: VOLTINHA) Miss Brasil. faz um mês.. JORGE: . já chegou a minha vez? Está cada vez mais ranheta. mandou lembrança. Sousa.. Sousa.. Jorge? Como vai a Anita? Que camisa bonita. eu adoro esse velho! ENTRA JORGE O MAIS VELHO DOS IRMÃOS VEM ABRAÇADO COM A MÃE.. Deus me SOUSA: livre. ha. todo empertigadinho? . 9 . . ele estava recolhido no Juizado de Menores. foi. por que é que o brinde. quem quer uma "batidas de limãos" (COMEÇA A SERVIR). que pena.. Pra você. há quanto tempo não ficamos todos juntos! Vim de SOUSA: LU: São Paulo querendo me lembrar da última vez.. Não me deixavam namorar com o Ivo. não.. dinheirão sair de Brasília. façam o favor de beber com esmero. Lu? Não é má idéia. Sousa. no meu casamento vocês foram todos.... ROBERTO SERVE SOUSA) Vá lá que seja. Eu estava na Europa.. que eu.. não? Já sei. casa. não pode sair lá de Brasília.. um pic-pic.) Ele gosta. À velha CORA: SOUSA: casa de nossa velha infância. Liga pra ele..... Mamma mia é uma expressão italiana Todos juntos. (TEMPO) À casa. nem me vem. (TODOS ERGUEM SEUS COPOS E FALAM ENTRE ALEGRES E TODOS: JORGE: CORA: APREENSIVOS) À casa. É pic? Isso é coisa de paulista também.. meu CORA: BETO: Deus? Ô... Pai.. foi no noivado da Cora. sestroso. 10 . A ROBERTO). não é.. Importante é não competir. não. velho. foi nessa sala que você me correu atrás BETO: CORA: de mim de faca. (SOUSA RI) . "chopes quente". que se paga caro pela vida. Eh! Não me vem com essa.. não fui ao seu casamento. vá lá que seja. mamma mia... já sei foi na minha primeira comunhão. À nossa casa. À velha casa.. quanto tempo! Falando em chopes.. LU: SOUSA: CORA: SOUSA: CORA: SOUSA: Em primeiro lugar.. não.. Mamma mia! Vem cá.. A última vez BETO: LU: CORA: NELI: BETO: que ficamos juntos foi. Cora.. a mãe.. me corria de faca. Velha infância a sua. é pic. o que quer dizer é pic. . eu fico como o mais velho.... Primeiro os mais velhos. limão de casca fina. Pela madrugada.. Tem que fazer um brinde. é poético. lá... faz o quê? sete anos. ele está perdendo que é uma tristeza. Não te alcancei. Não é má idéia. o importante é competir. (SOUSA RI.. comprou fusca..BETO: SOUSA: BETO: O importante não é ganhar..... Mariazinha não veio. olha a camisa dele pele de ovo... À casa. espera. (CORTANDO.. foi um saco.. Eu. paulista é vidrado num "chopes NELI: CORA: BETO: quente". Já sei. Pic-pic? O que é pic-pic? (AGORA É BETO QUEM RI) Aquilo: é pic. me trancava no quarto. comprou apartamento em JORGE: CORA: Copacabana. olha o brinde.. (RISOS.... não é. o senhor tem uma curiosidade grande.. Ainda bem.... O JORGE: BETO: Wirso... falta de culhão. fiquei com saudade quando cheguei aqui...... 11 .. O que é que houve? O que é que você acha? . não.. É melhor falar agora. Olha o homem do saco! Se continuar essa briga eu chamo o homem do saco... cala a boca.. a calma de nunca ter nada. Ainda não é hora de falar..... quero os ternos de casimira risca de giz. pai? Depois do almoço... Sousa?] [Foi engraçado. menino. Lu.. não tenho nada. Eu me lembro do Ivo. depois do almoço. foi engraçado. essa não caiu bem? Sousa.. (ELES BEBEM. a menorzinha. estou em branco. tenho muita saudade. pareceu JORGE: BETO: que eu tinha ficado aqui. é o testamento! O testamento! [Quero a Ceia do Cristo.. hein? Ah.. O Jorge me deixava namorar com o Ivo.. CORA: JORGE: LU: NELI: VOZES: SOUSA: LU: SOUSA: (SILÊNCIO) . sei lá.. eu não sei nada. Jorge? Claro! Melhor falar de uma vez. os risca-de-giz ninguém tasca.. a honra da família tranca-se nos quartos.. Não precisa falar assim. Jorge? A Cora tinha tanto Ivo.. eu ouvi.... claro.. Sousa. não é. não é.. como me enchiam o pacová com esse homem do saco. não sei. o Jorge perguntou por que.. essa não deu muito Ibope não.. que grossura. lembro o nome dele. SOUSA NÃO RI) Sousa.. sou a caçula... pai.. ih. Sousa? é tão sério que.. SILÊNCIO) Por que é que o brinde não foi má idéia. Sousa... (MEIO RISO DELA) Eu tinha medo. não.. esse era um moreninho.. Não sei.. Lu. ASSIM) Aos nossos pais: os melhores que pudemos arranjar no Peg-Pag! LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: CORA: (SORRISOS.] (ALGUM SILÊNCIO). Ivo viu a uva...BETO: CORA: BETO: NELI: JORGE: NELI: CORA: Comigo é assim. Não é. aqueles copinhos de cristal da Baviera. terminei me casando com o Wilson... não?. só tive. orra! É melhor você parar de beber. Então. não lembro. Cora? . Ivo não sei das quantas Sabino.. que não ria.. Até que enfim. nunca mais vi o Ivo.. Eu ouvi.. a gente está tão desacostumado um do outro.. estou sendo profundamente SOUSA: desagradável.. depois você não almoça. nossa. Quer que eu fale agora? Não. nunca tive nada.. Orra. Não. Tinha dinheiro ele... lembra. O que é que está havendo.. pai? (ERGUE O COPINHO DE NOVO) (JÁ ESTÁ FICANDO ASSIM......... você é quem sabe de tudo. o que hoje CORA: SOUSA: em dia se chama incompetência.. ... vinte anos de aluguel. depois que vocês todos foram embora. não foi uma faca. A Ifigênia ficou lá mais de um CORA: SOUSA: LU: SOUSA: mês.. O seu Rodrigues. que fajutagem! [Seu Rodrigues morreu]. morreu. Ismênia.. a Corinha lembrou que o Beto correu atrás dela. ele tirou a menina dos pais e ela ficou escondida na nossa casinha antiga lá no Méier. LU: SOUSA: deixa o Sousa falar. (ela não sabia). no Rio. Cora.. CORA: de quem é a culpa? Fala com a gente. fomos ficando. tocava violão. só o Jorge era nascido.. duzentos e trinta contos da minha aposentadoria. Ele morreu num dia 14. aluguei dois quartos pro seu Irineu.. falava francês.LU: . mas se ele morreu.. padeiro compadre.. podia pagar.. velho. uma pela bonita. Sousa.. ..... Faz uns. como chamava a moça? Ismênia. Sousa. homem do armazém conhecido.. como chamava a moça. Ismênia. que foi que eu disse? Agora.. pai.. Ah.... Ismênia. Antes do almoço que eu fiz. quantos LU: SOUSA: LU: SOUSA: meses faz Lu. Quatorze de setembro. então ele não aumentou mais o aluguel. era um SOUSA: VOZES: canivetinho. Sousa... não 12 . onde é que eu estava? Você já contou isso. Seu Rodrigues era bom sujeito e tudo. umas hortaliças no quintal... nós não podemos ficar mais aqui. Sousa. mas os filhos dele iam deixar vocês aqui... [teve uma vez que ele fugiu LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: com uma moça..... fiz muito serviço pra ele... estou falando com você.. parece que o senhor está sempre falando JORGE: sozinho.. A moça. Lu. Cora. ele me deixava pagar quarenta contos de aluguel por essa casa toda.. claro..] mesmo assim.. Lu? Todos eles sabem dessa história.. a Neli já era nascida? A Neli também era.. tenho certeza.. A velha casa.. Que Ismênia. coisa nenhuma? Ismênia. O quê? Como é que é? Mas então o seu Rodrigues fez isso? Calma.. faz dez meses agora no dia 15. Dia quinze de setembro.. você devia ter visto que estava tudo tão alegre e. depois eu mudei pra cá pro Miguel Pereira e aluguei essa casa do seu Rodrigues. deu pra ir tocando. menina mesmo... ele fugiu com a Ismênia.. (LU FICA QUIETA) Faz dez meses agora no dia 14. o aluguel de quarenta contos foi ficando puxado. isso mesmo. por favor.. Quando é que SOUSA: VOZES: JORGE: SOUSA: termina o prazo? Terça-feira. Ah. não.. Quando gente amiga. Lu. você tinha que avisar a gente. ô Sousa. Inquilinato. briga.. nunca quis saber. briga. Sousa. Sousa. Depois de amanhã. assim.. . Sousa... Sousa. de repente descobre que se odeia. você devia ter avisado antes. trabalhei à luz do dia. não acredito que isso aconteceu. E ela lia LU: JORGE: SOUSA: os bilhetinhos.. o Arquísio Cintra. quando é que vocês têm de sair? O Cintrinha deu um prazo de três meses.. briga... pela madrugada. que o único jeito de eu ficar com ela era atualizar o aluguel com a lei. Lu. agora. briga. não quero que aconteça. Briga. COCHILA) Agora. Sousa.. é diferente. briga. aqui em Miguel Pereira mesmo e.. Ô. deixa de ser burra.. aí o aluguel passava de quarenta pra oitocentos e vinte e nove contos. Terça-feira agora? Não é possível! Mas o senhor ficou maluco. pai.. E aí. Jorge. tudo à luz do dia.. Lu.. o seu Amaro da padaria estava vendo se conseguia alguma coisa pra JORGE: SOUSA: nós. o que é CORA: permitido por lei. velho? Puxa. eu trabalhei. Brigaram.. aconteceu o quê? Você foi falar com o Cintrinha.. ele entendeu e.. o que é que o Cintra disse? Disse que a casa estava no espólio do Rodrigues e ia ser leiloada.SOUSA: iam? Isso sempre ficou claro. velho. Sousa? Do inquilinato. Sousa. Lembram do Cintrinha? Eu já era noivo da sua mãe e ele mandava flores e recadinhos pra ela. Seu Amaro só mistura 15% de farinha de mandioca no pão. Aí entrou um advogado. LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: nada disso. Sousa. fui falar com ele "pára de mandar bilhetinho senão enfio ele goela JORGE: SOUSA: adentro". Sousa. Não consigo entender [e sem eu entender nunca deixei acontecer].. isso é um absurdo! Isso é desatino! que SOUSA: fajutagem é essa? O senhor me tinha que ter avisado a gente antes! Não "me" tinha que ter avisado antes coisa nenhuma! Não "me" tinha que avisar nunca! Não queria que isso acontecesse comigo. toda hora você me pergunta isso? Eu esqueço. briga. oitocentos e vinte e oito... inquilino: inquilinato! (SILÊNCIO JORGE: SOUSA: CORA: LONGO) Sousa. Mas. Eu esqueci o nome dessa lei do inquizinato. Pela madrugada. só. que lei. você não quer saber. o Cintrinha. (BETO SENTADO NUMA CADEIRA. Não esquece. se aconteceu quero que minha vida se 13 . então não é uma sangria desatada. Claro. É por causa da lei. ia ficar ruim. não é.. o que será? diz que tudo está ficando meio químico. bicho. . como que é que diz. com uma certa monotonia. Outra vez? [Isso tem se dado muito. (TEMPO) . ela não pode tomar conta sozinha. a gente chega no fim da vida só com as LU: nossas palavras. Tem? TEMPO) Não sei.... TEMPO DE SILÊNCIO DE NOVO) . eu sempre me BETO: animo pra ver.... a novela da Tupi em S. quero ficar como eu sou. congele agora.. bicho! É sistema nervoso... (SAI.. que maluco. ô [que coisa fajuta.. por isso que parece que eu falo sozinho... também não é.. É isso aí. Vocês me acordaram pra presenciar esse papo chocho?. não. não. das sete.. uma. já se mudou. CORA: (SILÊNCIO) Perdi momentos decisivos? (LONGO SILÊNCIO)] Essa viagem me enjoou. cismou de não pôr sal na comida. ô pai.. né? Eu BETO: CORA: NELI: sei que é uma sensaboria.. o Irineu. tem umas horas que a gente não pode ter SOUSA: JORGE: SOUSA: orgulho. não....... vocês têm certeza que não existe outro assunto melhor? Pensem bem que vocês 14 .. Beto.. segui todo o protocolo do SOUSA: JORGE: NELI: SOUSA: CORA: BETO: Itamarati. perdeu a mão..... Mas ainda continua a melhor cozinheira do país... Cora. (SILÊNCIO LONGO) Essa não! Que bololô. também não interessa mais discutir isso... Lu?.. adoro esse maluco.. até é bom. eu entendo mas. pela madrugada! (NOVO SILÊNCIO) Ih. como eu me CORA: respeito... a artista está com uma artrite na mão que volta-e-meia a mão dela fica empedrada.. Paulo........ dona Sebastiana parece que vai morar nos fundos de uma escola aí. Pai.] a família desmoronou. sabe? Estou sem fome..... rodar um pouco. o inquilino. isso não. nada anima a gente.. não continua? É impressionante como mamãe cozinha. o Beto dormiu. JORGE: (NOVO SILÊNCIO) . Sebastiana que em troca de dormir no quarto de empregada ajuda aqui na limpeza. Ô.. a gente não se importa de sair de Miguel Pereira.. ela não põe sal na comida. ando comendo mal... a casa ficou enorme. Você sente insipidez. (EM CIMA) Isso não interessa.... assim que falam agora..... Insipidez..... essa casa ficou grande pra nós... se não fosse a d... não sinto gosto. Vou ver o almoço... está um banquete... ah.suspenda agora.. eu também já tive isso. sabia? é isso aí. interessa que devia ter avisado. CORA: não é? Não.. acorda.. às vezes na cozinha.. populares. VÃO SE DIRIGINDO A SOUSA)... vai por mim. claro.. toda nojenta. . estou com criança pequena. pai. pai. eles podem. uma encalacrada na outra.. não. não tenho nem pra mim! (FALAM MUITO SIMULTÂNEOS AGORA. pela madrugada! estou em S. você sabia que agora tem um negócio chamado Embratel? O CORA: apelido é DDD Discagem Direta à Distância.. quer dizer. (SILÊNCIO). CORA: Não dou um tostão. Paulo.. BETO: Também não estou nessa vaquinha.. só a JORGE: CORA: Neli passou por lá de nariz tapado.. Estou em S. Você tem outra sugestão. não aceita isso não.. a gente dividindo entre nós. juntos. quer dizer. eu e o Wilson. gente.. ali agarrado no 15 . barnabezinho. Corinha. ora. Paulo. Que está falando você. todo mundo assistindo televisão ao mesmo JORGE: CORA: tempo. é verdade que tem gente que diz que paga. INSENSIVELMENTE. por favor! Papai não disse nada pra gente. Jorge teve colégio JORGE: CORA: melhor que eu. cada um de nós dá um pouco. pai. não é caro. entendeu? os velhos desse jeito ao Deus dará... meia parede. paga e fica devendo mais. é ou não é.. Espera aí... fica fajutando. tiramos 700 BETO: contos por mês. uma miséria! Quem pode pagar. CORA: Sou vendedora de balcão. não podia ver. Claro que posso pagar. Meu marido Wilson é como o senhor. TODOS.JORGE: encontram. Calma. pela madrugada. (SILÊNCIO) Olha.. eu nasci no sanduíche. tem tempo pra pagar. quem mais JORGE: que me procura? Esse negócio de casa popular. Corinha. velho. quer dizer. No meu aniversário recebo um telegrama do pai e da mãe. essas casas em vila.. uma coisa boa. CORA: (SILÊNCIO) O senhor não deve aceitar.. JORGE: não é. assim eu já não durmo mais. calma. CORA: moro em quarto alugado. Bem na medida. passo o dia copiando atestado de óbito.. estou te BETO: defendendo! Cora. entende velho? em pé oito horas! BETO: Sou escreventezinho de cartório.. velho. tem essas casas aí que estão construindo.. Cora? A única que eu tenho é que vocês deviam ter visto isso antes. mas que estão falando vocês? quem foi me visitar em São Paulo? faz mais de dois anos que não vejo ninguém. eu pensei numa coisa melhor possível que se encontrasse. quer dizer. mas não posso sozinho. fala aí. é o Jorge e a Neli. velho. você não BETO: CORA: viu? Assim. velho.. Imagine aquela Espanha. Diz que a sessenta quilômetros daqui tem o melhor clima da América JORGE: NELI: SOUSA: Latina. .. prestação do carro... não são meus. (SILÊNCIO. então não deu certo. é. hein? SOUSA: (SILÊNCIO PESADO. agora está metendo a mão no dólar dos turistas. Não sei porque. com esse ar aqui de Miguel Pereira. garganta seca. não sei. se borrando de medo de perder os anos todos. LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU ENTRA... muita calma vocês todos.. cada um o que puder.. Essa foi eu que contei. infelizmente ou felizmente. brigou tanto e ficou com uma mão atrás e outra na frente.... pra ventilar mais. se vocês quiserem abrir a porta.... você devia ter avisado eles antes. problema não falta pra ninguém. Sousa. Cora.. vem deitar".... Sousa.... A Neli tem dinheiro.. estou pagando apartamento. que pena. BETO: SOUSA: LU: (BETO MORRE DE RIR.... Beto.. não é El Cid? agora é cicerone. vê aí... se SOUSA: virou. "vem deitar. Hum. Diz que a Espanha vive do turismo. Esse almoço parece pinto de cachorro.. gente. Vamos rir. Beto. eu fecho sempre.... não é? Ah.. ninguém morre de NELI: nada.. por favor. Ah. vê aí.. a Lu diz que tenho mania de vento encanado. E "um chiclete". A única coisa que posso fazer pela família é registrar atestado de óbito JORGE: de graça... FICA PARADA UM TEMPO) Que foi? Nada. isso não tem dúvida. mas também tem dívidas e. CORA: dá meio vergonha. QUER QUE SOUSA O ACOMPANHE) Foi boa a piada. não sai nunca. alguém tem um chicletes? (PEQUENO TEMPO) Não é um chicletes.. Por que esse silêncio assim? Deve ser fome.. oxigênio puro. calma hein.. em Santa Maria Madalena.. eu li alguma coisa. se virou.... sim. você explicou pra eles 16 . podem abrir.. é? você casou com ele pra fugir das JORGE: pobrezas da família Sousa e. como? (PROCURANDO SER SEMPRE DOCE) Meu marido tem dinheiro. o BETO: dinheiro e as dívidas são dele. tem a BETO: Mariazinha em Brasília. ela diz que [JORGE: de pneumonia não morro. minha filha faz BETO: NELI: cursinho pra vestibular. Sousa! Que absurdo!.. É impressionante como o turismo é mal explorado. (SILÊNCIO) . por favor. El Cid.. alguém aí está precisando de atestado de óbito? Beto. pomba! Quer dividir.JORGE: emprego... somos cinco. Tem que ser todo mundo. depois não dorme de noite.. pelejou tanto. (SILÊNCIO) Você já ouviu falar? .. somos cinco. CONSTRANGEDOR) . pousadinha no chão. tem lugar onde cair morta. o pai e a JORGE: CORA: mãe estão aí pelas tabelas.. Está certo. com prazos longos. não.. você é feito o pai: dificuldade para presenciar algumas evidências. NELI: Neli... não admito que o sr. hoje em dia estão vendendo móveis até nos supermercados..... bem. ele está um pouco estremecido com a mãe dele. hein. calma.. adoro o BETO: velho! O Jorge faz a maior cara de vamos resolver isso já. Arildo foi muito gentil com ela. está certo. ah. põe essa roupa porque é vendedor na praça. recusou. fica aí que parece o Ministro do Planejamento.. o Arildo..... ela sempre quis que as coisas fossem mais JORGE: simples. velho. apareceram grandes organizações.... mas não quis. desculpe. não fala nada?.. talvez até seja muito ruim. velho.. (TEMPO)] Neli.... NELI: saia.que agora tem essas casas populares? vi uns anúncios. a situação dele não é a ideal.... rico. ele... não vem com os panos quentes! a mãe do marido dela é rica. claro. Ô.. não sei se pode se SOUSA: CORA: dizer que seja uma casa grande... eu.. Que sozinhos? que sozinhos? Qual é? fica aí.. Ah.. é o meu jeito. bem.? Claro. Jorge. ela fica muito sozinha... telefona todo dia agora. Pela madrugada.. fala de outro jeito. não gosto daqueles cochicholinhos de cozinha. minha casa tem três quartos.. o Arildo tem uma pequena fábrica de móveis e. mas quem está mais interessada sou eu. estou aí pra tudo. O Arildo.. eu posso falar com ele.. não estou querendo deixar você sozinha.. (SAI. você não podia cuidar do papai e da mamãe.) (TEMPO) Liga... quer dizer. Sousa? Não sai com o carro no domingo pra não gastar gasolina. É melhor vocês conversarem sozinhos.... mas está com duas prestações do carro atrasadas. Cora..... pediu pra ir morar lá conosco.. pode-se dizer. é ou não é?. mas seu marido é um homem.. não. nem vem. O almoço está na SOUSA: reta da chegada. a casa é grande. tem até jeitosinhas.... com uma boa cozinha.... Parece aquela do enforcado que 17 . ele tem uma teoria que os SOUSA: CORA: nossos filhos não devem morar com os avós. tudo se resolve. Sousa.... foi até no cartório me pedir dinheiro! não é engraçada essa. cara de ventilada. Sousa. está mais preocupado com o passado que com o futuro. pai. fica o outro com você... ficava com um deles em casa.... cinco cruzeiros.. ela tem medo do marido.. Não. vai ver a BETO: NELI: BETO: Jaqueline. tua neta.. quer dizer. me ajuda com o bebê. faça o favor! É mentira! é mentira isso tudo que falam! meu marido arranjou esse lugar pra você no cartório.. não 18 . e eu não fui.. há um mês sei lá.. ih vai SOUSA: CORA: SOUSA: ser uma zorra. não sai o nome dele.. é engraçado. a Neli não vai resolver isso. Corinha.. porque ele fez uns móveis para uma agência de Banco no BETO: subúrbio. cheio de vinagres]. todo dia pedindo dez cruzeiros. não é? Sem fajutagem.... nunca lhe dei autorização pra falar assim comigo.. nunca vi o seu NELI: nome. eu leio jornal. nessas revistas de mexerico o nome do seu marido volta e meia sai. mas sai sempre a notícia que tem uma cantora aí que uma vez por NELI: semana muda os móveis do apartamento. Sei não.. Nunca lhe dei autorização pra falar assim comigo. olha. tá bom... ou o que seja. ah meu Deus. Pra você. eu fico com o papai. (CORA E BETO RIEM MUITO. mas só dois meses. uns dois meses. vamos pra lá. gostaria de ficar com você. o sr.. Ué........ aí eles vão lá pra casa. [faça o favor. você.. emprestou dinheiro pro marido da Cora que ele não pagou..perguntaram pra ele qual o seu último desejo e o enforcado respondeu: espero que a corda arrebente. Não é. eu leio o jornal. Gostaria também de ficar com você. fica mais perto de vocês. não seja tão metida a pobrezinha... é que. Neli. . não sei.... Beto? Desculpe. Cora.. (DEPOIS DE TEMPO) . Que recepções. Pra mim está ótimo. um pouco de tempo pra mim.. então é melhor ficar no Rio.... eu gostaria de CORA: SOUSA: CORA: ficar com o Jorge. filho.. eu JORGE: CORA: precisava de um pouco de tempo.. Arildo Viegas vai nas recepções sozinho. pra que isso comigo hoje. então vai a mamãe comigo. a gente se dá bem. a Lu não está esperando que aconteça isso..... que é isso? nunca lhe dei autorização pra falar assim comigo. não quero que a Lu saia do Rio. Jorge.... Cora? Ah.. entre um atestado de óbito e outro. Ótimo.. SOUSA SOUSA: NELI: SORRI) . Então não precisa ir pra minha casa. é fiador do Jorge. ou a gente vê a casinha. ou fui e meu nome não saiu. Ah.... Corinha. Beto. quem escolhe são vocês? Espera lá. velho. espera lá. você. Tá bom.. se enfia os dois lá.. Beto? O nome do Arildo saiu uma vez no jornal. eu falo com o Arildo... .. Susana? me distrai aqui. SUSANA: (SUSANA VOLTA) Que foi. dona Lu.. Ah. fez só porque vocês gostavam quando eram LU: VOZES: crianças. Susana? A avó está no banheiro há mais meia hora. e estudamos na cozinha? no elevador? A vovó dorme cedo. (NOVO SILÊNCIO. Muito bem Vamos ver esse almoço. ENTRA NA SALA. mãe.vê que eu estou propondo o maior sacrifício? ficar com os dois o resto da SOUSA: vida? (SILÊNCIO GERAL. NO APARTAMENTO DE JORGE. mãe! Sensação no Maracanã! (TODOS VÃO ENTRANDO) (LU TERMINA DE FALAR LÁ DENTRO) Sousa! Eles lembram dos ovos nevados! Eu fiz ovos nevados. olha.... sobra o bidê.. PISA DURO. mãe. A FILHA DE 17 ANOS. tinha uma coisa que eu tinha tanta vontade de comer. 19 .. Hoje não é dia delas virem aqui? Ah. Não fala assim. tem uma coisa que eu quero falar. ANITA: . me foge o nome. SUSANA. vou pra casa da Leninha estudar.. mãe. pois não. que tanto você vai e vem. faz séculos que nunca mais comi ovos nevados e. não é tão engraçado? CENA 2 O CENÁRIO SE DIVIDE EM DUAS SALAS. Susana. deixa comigo. a Lu está pensando nesse almoço há uma semana. SOUSA SAI NA FRENTE) Quero ver se vocês se JORGE: LU: BETO: JORGE: LU: VOZES: LU: lembram dos seus lugares na mesa.. Eu fiz! Eu fiz ovos nevados! Fiz! Ovos nevados Maravilha Que bom. eu fiz ovos nevados. Preciso sair. SUA MULHER. que coisa engraçada.. veja só. está na mesa. Até que enfim! Boas LU: falas. UM TEMPO. LU ENTRA) Meninos. NO RIO.. papai telefona pr'os clientes do quarto. não. TRABALHO CUIDADOSO. você fica trabalhando na sala. Que foi? Comprei três garrafas de vinho Precioso... estou ainda fazendo o molde de um vestido que preciso entregar amanhã à noite.. Três. ENTRA NA SALA DE NOVO. Deve estar fazendo pipi ANITA: SUSANA: ANITA: SUSANA: quota anual... Puxa... ANITA.. SOME. LONGO) . (ELES VÃO SAINDO. Não. ela fez aquela clara de ovo que fica boiando. VOLTA. DESENHA O MOLDE DE UMA ROUPA.. mas a gente não tem onde pendurar roupa. Se abrir o basculante. está compreendendo? O seu basculante está quebrado. com a sua avó.. obrigada.. está bem. Ah. isso significa o quê? Fazer o quê? Lugares bonitos. o quarto fica impregnado. pergunta o preço. Ô. ANITA: LU: agora. ANITA: (SUSANA ENTRA) Ah. Isso de encontrar ou não. não é? torneios anuais de sofrimento? Fazer o quê? Não. fica tudo no Bom-Bril. eu apago. eu sempre pergunto o preço antes.. Economia... . Enquanto isso.. a gente já combinou que é decisão sua. é coisa de catecismo. eu lavo fora. dona Lu? Não. Eu não consigo dormir. menina.. mãe.. avó. mãe. precisa chamar alguém pra trocar a ferragem.. Susana... Susana. nem pensar! nenhum respeito pelo ANITA: SUSANA: sofrimento. sabia? Nunca vi coisa mais desanimada que aquela santa ANITA: SUSANA de barro com luzinha azul acesa a noite toda. incomoda se eu também fizer o pipi que me cabe? Boba. lugares pra gente de idade ir com muitos netos fazendo ANITA: SUSANA: ANITA: SUSANA: ANITA: canto orfeônico.. Sai muito caro. dona Lu. as LU: ANITA: LU: ANITA: LU: roupas do Jorge. economia. não. é.. Não existem esses lugares. No caso concreto de sua avó.. não entendo como se pode aceitar tudo assim. será que não fica um pouco mofado. Pendura no banheiro mesmo.. ela acende. não tenho área. errei. filha.. Vou te contar uma coisa engraçada. só uso paninho. No banheiro. não é? sofras e serás ANITA: SUSANA: feliz! é essa. Não deve fazer isso. não abre. epa. pode reparar. Ah. senão.] Deixa de ser enjoada. não quero você saindo toda noite.. sabe que eu fazia economia até no sapóleo? nunca usei Bom-Bril.ANITA: SUSANA: ANITA: Marca mais cedo com elas. meu Deus. foi fazendo economia que eu e o Sousa criamos cinco... [E guarda as roupas da primeira comunhão de todos os filhos. minha filha. sabe que eu não acredito. viu só?. sai muito sapóleo. Agora SUSANA: ficar de vez em quando em casa é decisão minha. deixa ela lá no banheiro. antes... não estou encontrando mais com o cara. A vovó usa um perfume que. isso é.. dona Lu... Vocês aceitam tudo. dizer não. Sai pedindo. sai pedindo.. mas não precisa se incomodar.. eles fazem de propósito isso tudo. põe as bandas na rua. Demorei muito não é? Estava lavando umas roupas do Jorge. pintura de Frá Angélico. é. porque quando passa Bom-Bril no sapóleo. assim não. (APAGA COM BORRACHA) Nunca erro! SUSANA: LU: (LU ENTRA) Oi. você não 20 ... oleoso sabe. Ah. faz exatamente o quê?] Está bem. minha mãe não deixava. não quero ficar de hóspede. se fico muito quieta parece que não estou interessada e.. não quis dizer que SUSANA: LU: aqui é gaiola. tenho que entregar amanhã.. é. trabalha. levantava. Leva sim.. meu forte nunca foi costura. não sei como vou fazer. me deixa. Olha a Elisa.. faço questão.. Essas minhas mãos com a artrite.. Só acontece alguma coisa quando entra a maldade..ANITA: devia usar Bom-Bril. novela das cinco eu quase nunca LU: vejo. Sousa nem nada. sim. azeda muito as pessoas e força a vista.. filhinha. ... não sei como vou fazer. o apartamento é tão escuro.. é. depois de amanhã tenho outro vestido pra entregar. não foi? Claro. mas vou pra cozinha.. (NA TELEVISÃO) A peste. Então! leva o guarda-chuva.. e Dona Aparecida é LU: horrível de chata.. Vai não. não está vendo? Essa não estou acompanhando... Chuva aqui no Rio engana muito. dizia uns palavrões e dizia: 21 . vovó. (LU ANITA: LIGOU A TELEVISÃO) é a novela DOIS DESTINOS. é? . (SUSANA VOLTA COM O GUARDA-CHUVA ABERTO E VAI SAINDO) Essa menina. não é? Que coisa! você não viu isso quando escolheu? essas coisas a gente só vê depois. não é. não.. eu já pensei nisso.. SUSANA: ANITA: LU: SUSANA: LU: SUSANA: LU: ANITA: LU: estou à vontade. eu tenho vista de menina.. [Desculpe. já viu isso? Eu sempre disse pro Sousa: "é a maldade que mexe as coisas". É uma porcaria essa. eu tinha dito "não vou me meter em nada" mas. acho que vai chover.... Sousa. não precisa me paparicar não.. Trabalha. não.. você me entendeu.. não servem pra nada. Anita? Ah. quem costura é muito sozinha. fico me metendo em tudo. (SUSANA SAI) Ai. sei lá.. filhinha. filhinha... a refestelada. amanhã aqui. não. demora pra acontecer cada bobagenzinha. não é. davam rasteira nele.. [você tem muito pouca iluminação na sala. passarinho em gaiola pula mais.. (ANITA DESENHA O QUE FOR LU: ANITA: POSSÍVEL DURANTE A CENA) Está desenhando um molde.. leva. Pérfida! Um poço de perfídia. minha filha? Precisa. está bem? Não vai levar o guarda-chuva... senão eu te ajudava.. Combina com a Leninha.] (SUSANA VOLTA) Tchau. é. coitada. Anita. menina.. Anita.. muito bonita. sem rancor. . eu falava pro Sousa: "Sousa.. 22 . Cabide atrás da porta? Uma rosa bem clarinha? . que pena.. torce pelos maus.. não.. não é? Ah.. MAS SUA REAÇÃO É IMPERCEPTÍVEL) Ah.. É bonita.. como se dedetização fosse indústria de base! Só vim trocar de roupa. hein?. Bate. acho que ele tem vergonha de ter ficado velho. Você demorou. Seu Sousa é formidável. está trabalhando. fico tão preocupada com o Sousa... não.. Não estava suja? Eu lavei. eu. Olha esse sisteminha nervoso de cristal. olha ela. ela está metendo na cabeça do Luís Alfredo que a Dulce tem outro homem. USA A BORRACHA DE NOVO. imagine..] (JORGE ENTRA JORGE: CORRENDO) Oi... depressa. tenho mais camisa de ver patrão.. Anita.. oi. tudo bem. pra que você é assim?" "Sousa. mãe dos meus sonhos. Ah. não precisa ficar me olhando.. mete o cotovelo também. [a novela é boa?] (ENTRA CORRENDO.. que eles se esforçam muito. Sousa. tenho que ir correndo pra uma conferência do Sindicato com os patrões.. puxa.. (SILÊNCIO RÁPIDO) Tem nada. não enfrenta a correnteza. tem nada. LU: mudou de cena. e o Luís Alfredo não percebe que ela está mentindo.. não vou jantar. é sim. não vai me ficar com enxaqueca por causa disso. eles não querem pagar a comissão normal de venda porque dizem que são uma indústria em instalação. estou de pé de novo".. mãe.. nas novelas.. mãe.... é. Anita. nossa!. homem. bate! que adianta essa consciência tranqüila se ninguém sabe dela?" Olha a Elisa! ANITA: LU: É essa! Como é bem tratada. trabalha. Olha ela. eu torço pelo mocinho. mãe. AS DUAS SE LU: OLHAM) Aqui em Copacabana a vida parece aqueles filmes quando passam JORGE: depressa.. gente... a pérfida... tinha um sujeito que dizia que a injustiça é mais atraente que a justiça.ANITA: LU: "pronto... é o único lugar onde os pamonhas ganham.. sem nenhum rancor.. não é? (VOLTA JÁ SEM CAMISA) Onde está aquela minha camisa rosa? camisa ANITA: LU: ANITA: LU: JORGE: de encarar patrão? Eu separei hoje no cabide atrás da porta... você não acredita em Deus. (ANITA ERRA DE NOVO.. (JORGE VOLTA CORRENDO. Tchau. é uma coisa completamente diferente.... ah não.LU: (JORGE SAI.. a gente costuma fazer assim aqui... (SILÊNCIO) Ah.. arrancam os botões da camisa. AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: Entende. parece que tiram o cordão do seu sapato que aperta. feito um exílio. você não me entendeu. vou contar.. não. Tchau. desabotoam tua braguilha. porque a ferragem do basculante está quebrada JORGE: também. onde já se viu pôr camisa limpa atrás da porta? Atrás da porta a gente põe camisa que já usou..... (TÍMIDA) .. APAGA A LUZ). entrementes... (ANITA TRABALHA. (MORRE DE RIR) Ah. UM AMIGO QUE ELE ARRANJOU NO CANINDÉ. aposentado. sinceramente. vou lá brigar com os homens. SEU SOUSA ESTÁ COM AFONSINHO. mãe. Anita. tenho horror dessas coisas. é ou não é? Ah.. é bom a gente não esquecer disso. SOUSA: entrementes. (A MAIS SIMPÁTICA POSSÍVEL) Não era o que a senhora dizia pro seu LU: Sousa? Briga.. SILÊNCIO LONGO). o Jorge é que sustenta isso ANITA: tudo aqui. minha filha.. mas você ajuda a gente em outras coisas. a gente fica assim. Bacana você lavar minhas camisas.. dá licença de dizer que a piada é minha? porque eu também sou muito 23 . briga. LU FICA PARADA. é.. nunca vi isso. viu? Camisa quando seca no banheiro fica muito desanimada e a ferragem do basculante eu mandei tirar que não se pode abrir uma janela aqui em AS DUAS: LU: Copacabana que logo tem platéia.. meio nu. meu filho. é uma coisa completamente diferente. nunca vi isso. a gente fica aliviado mas se segurando todo. é seu Sousa seu nome... calça na mão. seu Sousa. Tchau.. tenho sessenta e oito anos e sinceramente nunca vi isso.... não é? Me chama Sousa. gente. Sousa. no norte dizem: a gente fica AFONSINHO: feito bosta n'água. essa eu vou contar. CENA 3 ABRE A LUZ NO APARTAMENTO DE SÃO PAULO. minha filha. GRAVATA DESFEITA) Tchau. que vai usar ANITA: LU: em casa.. Ah. Tchau. Sousa. eu me aposentei no Corpo de Bombeiros. Pois é. (JORGE SAI. TEMPO LONGO DE SILÊNCIO) Você não devia deixar o Jorge se meter nessas coisas de sindicato e essas coisas.. Quem ouviu foi o seu filho. entrementes. Além do mais. não quer SOUSA: ingressar na AVBAC? Infelizmente. Mas não é de veteranos bombeiros? A gente registrou assim.. olha cada mocotó. ai. aí a SOUSA: gente botou no estatuto que podia entrar qualquer um amigo do Canindé. fala errado mas é muito boa menina. eu fiquei pensando.. e tive uma oficina de consertar AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: rádio.. Encantada. Puxa. seu. Esse é o Seu AFONSINHO: Afonso.. vim a negócios. seu Afonso? Laranha... (AFONSINHO RI...... Afonso o que. boa noite.engraçado... Estou aqui na casa da minha filha de AFONSINHO: passagem. ai.. Está de mangueira mole? SOUSA: (MORREM DE RIR) Sou funcionário público. mas entrementes. tenho o intestino frouxo. Como a Suíça. SOUSA RI MUITO) Ai. (NA JANELA) Aquela que eu falei.. Qual é a SOUSA: sua? Não sou especialista. Mas pra ser da AVBAC não precisa ser bombeiro. vem cá. não posso rir SOUSA: AFONSINHO: desabragado que faço cocô. Entrementes. eu não sou bombeiro. o que é que eu vou fazer na vida. rapaz... (AFONSINHO MORRE DE RIR) Não brinca com o intestino do velho.. velho querido. Sousa? (FAZ MIL GINÁSTICAS COM A LÍNGUA) Hein... faço clínica geral. longe de mim. ai. hein? Hein.. Olha como as carnes tremem. Minha filha. do protocolo. Sousa. ai. entrementes. CORA RI) 24 .. entende? entrementes depois a gente viu que veterano bombeiro no Canindé só tinha dezoito. fora sentar na calçada? aí eu encontrei uns companheiros que moram aqui pelo Canindé. feito tivesse eletricidade.. Eu não sou amigo do Canindé. Sou neutro. Sousa? (A LÍNGUA REVOLUTEIA NA BOCA. Mas sou conhecido como CORA: SOUSA: Afonsinho. vou pro Rio. ai. (ACALMA) Onde é que eu estava? Estava com o intestino frouxo.. Afonso Laranha. (OS DOIS MORREM DE RIR. aí a gente decidiu formar a Associação dos Veteranos Bombeiros Amigos do Canindé. Ele é o presidente da Associação dos Bombeiros de Mangueira Mole. (MORREM DE RIR) (ENTRA CORA: SOUSA: CORA) Ô. estou com o fogo AFONSINHO: apagado. seu. SENSACIONAL) (SOUSA RI) Essa é a especialidade da casa. a mulatinha que eu falei que SOUSA: AFONSINHO: anda de blusa aberta. Entrementes. Também não sou inimigo. A AVBAC. Cora. Eu convidei o seu CORA: AFONSINHO: CORA: AFONSINHO: CORA: Afonsinho pra jantar. ô! Sinal... que é. (SIMPATIA. SOUSA SENTA EM CIMA DO AFONSINHO: CORA: AFONSINHO: CORA: SOUSA: CORA: AFONSINHO: EMBRULHO DOS ÓCULOS DEIXADO POR CORA) Entrementes. mas farol é outra AFONSINHO: coisa. Aquilo é um sinal.. senão ela me corre daqui. esse velho está precisando mesmo de amizade por aqui. Sem pão? Não. não é um farol. mas está bem... só na rua Dr. Emanuel Santos. Ah. Sousa. entende? Tudo que acontece de errado assim no Canindé. Emanuel Santos eu contei quatro faróis SOUSA: CORA: AFONSINHO: CORA: SOUSA: CORA: SOUSA: CORA: AFONSINHO: SOUSA: desligados.. muito obrigada.. velho. seu Afonsinho. está bem. com pão. A senhora também está convidada. farol. Ficamos amigos onde velho fica amigo. velho.. No Rio chama sinal. às suas ordens. é café com leite só. AVBAC. Ah. que besteira. Mas é farol também. não pode? Está errado. na farmácia. SOUSA: CORA: Trata ele bem.. Ele vai me arrumar outra mangueira. e daí? Daí. É a Associação dos Bombeiros Simpáticos do Canindé. pela madrugada! Entrementes é também. só encher lingüiça.. bendito seja. Fajutagem dele. é um sinal. pra gente como eu? Muito 25 . farol se mexe. amigos do Canindé. Ah. não sabe o que é? Depois eu que não sei falar. ô! Óculos pra ler o quê? Não compram jornal aqui.CORA: SOUSA: AFONSINHO: Esse meu velho é um número. Corinha. Tenho que voltar logo pro Rio. isso não serve pra nada. vá lá que seja. olha. o que é? Farol. Seja benvindo. 220 contos. Ah. entrementes a gente pega e escreve um "demorandum" da AVBAC pro Departamento de Trânsito. ontem na rua Dr. estou convidando o Sousa pra entrar pra AVBAC. Está bem. Simpáticos do Canindé. Você entra pra AVBAC enquanto está aqui. Entra sim.. velho. SOUSA: CORA: dona Corinha.. acabou-se a aposentadoria. estou tratando ele assim. imediatamente. não vou discutir dialeto paulista. isso é coisa preciosa.. Chama sinal.. pai. Do trânsito. (SENTAM-SE. não é jantar. Farol. é engraçado.. aqui chama farol. (MORREM DE RIR) Trouxe teus óculos. RISOS) Faça o favor de sentar. que SOUSA: assalto. Farol. fala de barriga cheia. Farol.. que ótimo. Como não serve pra nada? Está muito certo. a AVBAC escreve um CORA: SOUSA: "demorandum" de denúncia. . é ou não é?. (SILÊNCIO) . a gente vê melhor.. claro.. Sabe que aqui na esquina o sinal não funciona! Não me diga! Viu? Todo mundo vendo as coisas... pede pra Associação dos Bombeiros da Mangueira Mole desse aí. pode rir. pai. pai! Duzentos e vinte contos. Isso a gente tem mapa. CORA PEGA O EMBRULHO. sendo assim. não faz isso de boazinha.. que ela é uma SOUSA: CORA: fajuta. TEMPO. sim.. ainda falta quinze minutos pra começar a novela.. mas vai começar uma liquidação.. APONTANDO SOUSA) Olha a cara do velho... (SILÊNCIO) . ela passa as tardes na casa de uma prima dele. TIRA DA BOLSA UM VESTIDO). (A AFONSINHO.. os homens têm doze lojas na cidade.... (SOUSA LEVANTA.. pra cima de mim?...... (SILÊNCIO) Acho que vou me trocar. a loja hoje teve pouco movimento. SOUSA RI) Dinheiro teu. (SAI...AFONSINHO: certo. mas a prima dele cobra.. minha filhinha. só que tenho de saber direito até AFONSINHO: onde vai o bairro do Canindé pra não reclamar do bairro dos outros.] (TEMPO) Vou me trocar.... ele fica doente que eu faço isso. Recebemos das autoridades competentes um CORA: bonito mapa em três cores...... parece a piada da hiena. ÓCULOS QUEBRADOS) Ah... TODOS RIEM MUITO) CENA 4** 26 . velho.. roubei da loja hoje. rouba vestido... não. SOUSA: entra pra Associação? Entro. as pernas ficam em brasa. estou toda grudenta... dinheiro meu não ponho. VOLTA) Onde é que estão os óculos que eu te trouxe? (TEMPO) Levanta. não é fácil saber viver. claro. UM TEMPO.. se vira.... vou vender pra mulher do 502.... (RI.. DESEMBRULHA... [a gente precisa saber viver. (AFONSINHO RI... daqui a pouco o Wilson está aí com a Jaqueline.. meu marido vai buscar... não.. Vai se trocar por quem? (AFONSINHO E SOUSA RIEM) . (RI TAMBÉM.. NA MESA. ih. Sousa. vai BETO: LU: BETO: homem. ABRE NA SALA DO RIO.. LU FALA. você conta sempre. minha filha..... 27 .. Jorge. fazer extraordinário pra pagar o seu Rodrigues. "Sousa! Isso que você pagou é quase o preço de um rádio novo!" Eu pago o que vale. * Esta cena foi cortada e substituída por um diálogo telefônico entre Beto (que está num telefone público) e Neli (que está em sua casa). ele foi. eu quase que empurrei o Sousa. pede licença no serviço público. Sousa". "Sousa. falando.. ele foi.. seu Rodrigues deu o dinheiro na mesma hora. Beto... ANITA. LU: . não paga essa dívida". eu falei. vai homem de Deus". ele montou a oficina. Dorme aí. até a expressão "quartinho de empregada". o dia todo falando.. agora LU: só a cores. ficou na sala de espera do BETO: seu Rodrigues e voltou. . mãe. Deixa eu contar. ele fazia um escândalo! dá cotovelada também... olha sua mãe falando sem parar aquela história que ela contou ontem. será ANITA: LU: ranzal? Onde cria rã.. Não vou enganar ninguém!" Resultado. (BETO MEIO DORME). Beto. "ele te deve favor. maravilha. * As falas de Lu nesta cena foram quase que totalmente aproveitadas na CENA 2 no que se refere à narrativa dos antecedentes dos negócios do Sousa. aí ele pagava um dinheiro pelo rádio velho. Deixa a Anita trabalhar.. antiga trombeta mourisca com seis. falei. flauta? flauta é antiga trombeta mourisca? Aí.. essa é a sua história carro-chefe. Aí eu insisti de novo. FAZ PALAVRAS CRUZADAS.. aproveitando-se os diálogos do autor que constam nesta mesma cena.. Mãe. pintava e vendia de novo. vai falar com seu Rodrigues.REVERSÃO DE LUZ. BETO SENTADO.. . Sousa. não teve coragem de falar. dona Lu? Deixa ela contar.. ficou cheio de dívidas. então ia comprar rádio BETO: velho pra depois consertar.. Lugar destinado à criação de rãs. RUÍDO DE MÁQUINA DE ESCREVER QUE VEM DO QUARTO. LU: . não tinha quase lucro. RECORTA PANO DE ACORDO COM O MOLDE.. dona Lu. teve que voltar pro serviço público. insisti com o Sousa.. Lu. antiga trombeta mourisca... pede dinheiro emprestado e monta uma oficina. "explica pra Seu Rodrigues.. . mãe? (TODA ESTA CENA É FORA DO PALCO) Vai.. vai trabalhar. na sua velhice. (SILÊNCIO. BETO. Não. (BETO DISCA O TELEFONE) Que é isso. morde. fora as crianças.. respeito por si mesmo.. acabei de falar há vinte minutos com o Jorge.. as pessoas mordem. que maldade.. você não gosta de conversar mesmo. a única que seguiu meus conselhos foi a Corinha. por que 28 . Deu nisso aí. a LU: JORGE: altivez. papai foi sempre pobre metido a besta.. botou uma esponja.. Vai fazer esse vestido... em vez de botar um cubo de gelo nos nossos coraçõezinhos. eu falei o que a senhora estava dizendo. Sousa.. VENDO SE A MÃE NÃO VEM) Aqui é da Seção de Achados e Perdidos.. Ela tem dinheiro guardado. (SAI PARA DENTRO) Ué.. vamos. ele se respeita acima de tudo. uma mão na frente outra atrás. alguém no mundo tem que deixar a delicadeza de viver. ele botou uma lata de talco. Senhora Neli Viegas? Sim? (FALA. me deixa. a Corinha. é muito altivo. é uma coisa generosa a gente se respeitar. ele é um pobre metido a besta. minha filha? .. vive nessa máquina. essa é a sua responsabilidade.. que é isso? Não fique assim. por favor. FAZ CARA DE MOLEQUE. me deixa. por favor.. Anita... mãe.... a senhora sua mãe foi encontrada dentro de um engradado debaixo do Viaduto dos Marinheiros. que desconsiderarão! isso é BETO: uma desconsideração... não gosto de rasga seda. ANITA: COMPRESSA NA CABEÇA) (VOZ LÁ DENTRO) Dona Lu. mãe. dona Lu. você tem que Terminar logo esse vestido que a tal dona ANITA: LU: Aparecida é uma chata. NO TELEFONE... OS DOIS ENTRAM NA SALA. você estava aí. BETO SE ENCOSTA.. você tem que pensar nos seus filhos. por favor. ACENDE UM SPOT EM NELI.. sem lugar pra cair LU: morto. Não fale assim de seu pai. podia fazer o favor de vir NELI: BETO: NELI: desengradá-la? (JORGE QUER TIRAR O FONE DE BETO) Que é isso.morde. (ANITA VAI PARA DENTRO. Beto? que é isso? Não vai resolver nunca... Anita.. NELI: BETO: NELI: BETO: NELI ATENDE DO OUTRO LADO) Alô... Em vez de ter posto na mão de cada filho uma faca amolada. vai. não. tenho a maior admiração pelo seu Sousa. pensa mais na sua ambição! Não adianta. pensa menos BETO: nessa altivez. eu acho Seu Sousa um homem admirável. muito delicado... por isso que o porteiro falou "a senhora deixou a menina sozinha?" mas vocês são surdos? a menina está tremendo. com grandes ares. não acordaram. CORA NÃO PÁRA DE FALAR) Pela madrugada. Neli. CORA: [Falei com o porteiro. coitadinha. não tenho nada com isso. está roxa. teu pai e esse outro aí... vou pro cinema.. OLHA OS DOIS DORMINDO.. te disse que a gente CORA: não devia ir no cinema. SOUSA: CORA: pela madrugada! Não grite assim. Neli. meu Deus? * Esta cena é a 6ª no espetáculo de Antunes Filho. deve estar chorando há 29 .. fajuto. a menina treme toda.. treme. nunca vou pro cinema. está bêbado como sempre. o bombeiro.. o que você fez é fajuto.. RONCAM MUITO ALTO. Ele é um palhaço. TEMPO. ENTRA..] (ENTRA) Que foi? Que foi com a menina. olha... TELEVISÃO FORA DO AR NA CARA DELES. não vem com cara de pai fajuto.. AFONSINHO E SOUSA SENTADOS NA SALA DORMEM. treme. Neli. CORINHA.. o que é isso? eu vou pro cinema. eu vou pro cinema e a menina desse jeito. NELI DESLIGA) (JORGE ENTRA.. acorda aí! (OS DOIS ACORDAM ESTREMUNHADOS. está quase sem fôlego.. não me vem assim. nunca vou pro cinema.. você está montando um apartamento pra tal cantora.. ô bombeiro. OUVE-SE A MÁQUINA. (VOLTA FUZILANDO. VESTIDA MELHOR. fala com seu marido assim: "Arildo.BETO: está telefonando de novo? . o que foi que aconteceu? Não me vem assim. acorda aí. aqui falo eu. velho. Neli.. porque você não aproveita e põe minha mãe no quartinho de empregada?" (JORGE ARRANCA O FONE DE BETO) JORGE: (NELI CHORA) Oi..... Wilson.. (DESLIGA.. UM CHORO LANCINANTE DE CRIANÇA VEM DO QUARTO.. de maneiras que. não. ACORDA OS DOIS COM VIOLÊNCIA) Pai.. WILSON: (VOZ) Deve estar chorando há meia hora. Neli. não.. já disse que não vou pagar condomínio esse mês de novo... pela madrugada.. ANITA JÁ HAVIA RETOMADO SEU TRABALHO) CENA 5 * REVERSÃO DE LUZ EM SÃO PAULO. deixa falar.. Ah... O CHORO DA MENINA LÁ DENTRO AOS POUCOS SE ACALMA... Então vai embora. não é... (LONGO SILÊNCIO) . ah. eu. OUVESE CORA TAMBÉM QUE CHORA BAIXO. faz bem CORA: pr'os pulmões. (VOZ) Cora.. que sua casa? Você é mesquinha.. MAS AINDA É ALTO. ah. SAPATO NA MÃO. O Canindé cheira mal. DONA LU ESTÁ SENTADA. detesto gente que vive escondida contra os outros. eu sou a errada. ENTRA) CENA 6* REVERSÃO DE LUZ PARA O RIO. velho é pra dormir. é.. a gente tem vergonha de ter vivido. (CORA CORRE PARA DENTRO CHORANDO.. SAI. na lista telefônica. escondidos dentro de ruelas dentro de vocês. você rouba vestido. (FICA PARADO LONGO TEMPO. não gosto CORA: WILSON: de você... cuidado. tenham muita... vai embora.. muita cautela. vocês são assim. de um por um.. esse rio Tietê cheira mal..SOUSA: uma hora. eu que estou incomodando o sono dos velhos. menina. é... vem pra dentro. entende? seu marido rouba válvula boa das televisões que conserta... deixa falar.. não é. queria telefonar pra todas as pessoas e avisar o que aconteceu comigo. por favor.. e não sabe onde está o erro. que sua casa. é um favor. quer que eu faça marmita? dois meses comendo na SOUSA: CORA: SOUSA: minha casa? Não admito que você fale assim com um amigo na minha casa! Que sua casa. essa casa é úmida. AFONSINHO TENTA FAZER UMA INÚTIL MÍMICA DE MENINO QUE FOI APANHADO. SOUSA FICA SOZINHO. menina. tenham muita cautela. CABECEANDO DE SONO UM TEMPO. é. só os olhos nas persianas fechadas.. deixa chorar. SENTIDA. SOUSA FICA SOUSA: PARADO UM LONGO TEMPO) .. não sei como se evita isso. não é pra dormir que serve velho? Dormir e comer aqui na minha casa. começava pela letra a... 30 . (MUITO BAIXO)... SUSANA ENTRA SEM FAZER BARULHO...... que uma hora? Cinco minutos. de repente.. cuidado. Que uma hora.. LONGO TEMPO DE SILÊNCIO. ô bombeiro fajuto! pensa que aqui é pensão. muita cautela. mas tenham cuidado.... .. vovó. sim... mas eu gosto. avó. Sei. e virar professora? vou arranjar emprego onde? não tenho vestido.. que estude.. A Leninha? não... é ou não é? eu gosto. não vou ficar por aí e acontecer o que aconteceu com a senhora? sofrimento não é minha mercadoria. pai tem vergonha dele. não. Tem nada.. não tenho sapato.. Onde você SUSANA: LU: SUSANA: LU: estava? Na casa da Leninha. e seu pai e sua mãe começaram a ficar preocupados. não LU: pela preocupação de ser feliz. Não tem lugar pra estudar aqui.. o pai e a mãe não gostam dele.. Pai não gosta dele que ele é rico. menina. ah. livro. está paradão! não vou ficar como a mamãe sentada numa máquina e meu pai vendendo mata-barata e discutindo comissão com dono de dedetizadora. onde é que você estava? Eu tenho um namorado.. não deve ser LU: SUSANA: mercadoria de ninguém. Você tem que vir estudar todo dia agora.. você não chegava. É rico mesmo. sanduíche no Bob's.. eles iam ficar zangados que eu não falei antes..... Seu pai quer que você faça uma universidade.. gosto e está acabado. a senhora está aqui? (FALAM BAIXO) (MAIS BAIXO AINDA) Estava esperando você. não se tem 31 . meu Deus. ônibus superlotado. Quatro horas da manhã.. se eu fosse contar. avó. também criei cinco. mas também não gosto desse papel. senão vou ter que contar pra SUSANA: LU: SUSANA: sua mãe. menina... agora. você não foi estudar. onde você SUSANA: estava? A senhora contou pra mamãe que a Leninha telefonou? * Esta cena é a 5ª no espetáculo. tem medo. que agonia. meu Deus.. A Leninha telefonou pra cá às nove perguntando por você. Por minha causa? Ah. estou SUSANA: aqui mais mole que um catupiri. pai mede as pessoas pela dificuldade de viver que cada um aceita. LU ACORDA.. LU: Tinha obrigação de contar. SUSANA: LU: Ué.ACENDE A LUZ. eu estudo. eu. sei lá.. a mãe quer que eu use os que ela faz. Mentira. afinal. shampoo é nacional. bonito. mas saio com ele e daí? ele parou na minha. meu Deus... estou de joelho.. não vou fazer isso. pai.. Psiu.. jamais vou desculpar você..... Obrigada.. você tem raiva dos seus pais... não. eu não. não me fajuta mais a alma. pra com quem? com isso aí fora poluído. SOM DE SOUSA RONCANDO ALTO.. ela tem dinheiro guardado. ela pensa nela. que a minha vida seja feliz. .. fiquei mais com ela. Não desculpo.. meu velho. minha querida. você ronca um pouquinho alto às vezes. meu velho. Não faz assim. a minha vida. não vou me enterrar em deveres e responsabilidades. pensa em você. desculpe. (DE DENTRO) Hein? que foi? Que horas são? (DESARMADA.. Pois é. você pára SOUSA: CORA: de roncar sem acordar.. SOUSA: CORA: SOUSA: CORA: desculpe.. QUE SOUSA ACORDOU) Não.. sabe? nas outras noites eu chamo você. minha responsabilidade é comigo. mas estão no altar do sacrifício..... paizinho.. isso que eu dizia pra Corinha... não. levante suas velas. No gênero.. Faça. são ótimos... pensa em você. NUMA DELICADEZA NUNCA VISTA. eu sei que a senhora.. Não precisa contar nada pra mamãe. quero minha vida. (SAEM) CENA 7* ABRE A LUZ DO APARTAMENTO EM SÃO PAULO.. (TEMPO) (INDO PARA DENTRO COM ELA) Psiu. deixou o vovô se preocupar LU: SUSANA: LU: SUSANA: LU: mais com a imagem dele..dinheiro pra comprar um bem ilustrado. CORA: SOUSA: CORA: (BAIXO) Velho. avó. Susana? Não. não é? Não precisa contar nada. CORA BATE NA PORTA BEM DE LEVE. sabe? é a caçula. não. do que com ele. isso é que eu LU: devo pr'os outros. só porque LU: SUSANA: é a única maneira que os homens têm de viver? . parece que tem quinze milhões SUSANA: guardados.. Você me acordou pra dizer que não é nada? (TOSSE) Não queria te acordar. não é nada.. (UM POUCO MAIS FORTE) ... quero viver. Como não queria me acordar se estava me chamando? Desculpe.. é isso. não. avó. ela foi a única que ouviu o meu conselho. de maneiras que a Jaqueline acorda.. 32 .. no ramo deles.. desculpe. faça. por amor. são perfeitos. APARECIDA: (MÚSICA DE JERRI ADRIANI) Meu bem 33 . pai. meu amor! (CORA ENTRA. de modos que não vai ter mais SOUSA: charivari.. me perdoa. vem. pai. de modo que eu estou aqui há três meses e não agüento. uma hora pra conseguir apanhar um sono.. Não é de modos que se diz! É "de modo"! De modo que esse rio Tietê cheira mal. está bem. vem dormir.. ANITA EXPERIMENTA UM VESTIDO AINDA NO MOLDE.*Totalmente cortada do espetáculo SOUSA: CORA: SOUSA: Você me acordou pra dizer que eu ronco? (TOSSE) Vamos conversar um pouquinho mais baixo. rolo nessa cama de vento de merda. mas a menina não tem nada com SOUSA: isso. ACENDE NO RIO DE JANEIRO. não adianta. Cora. Termina após telefonema Sousa/Lu ... WILSON: Onde está a solução que vocês iam ver? (CORA CHORA) (VOZ) Cora. velho. me chamando de meu velho? não é velho CORA: que você me chama? velho. foi pra sempre. eu sou o velho. . (CRIANÇA CHORA) Pai. olha.. um enxurdeiro.º ato no espetáculo.. SOUSA ENTRA) CENA 8* REVERSÃO DE LUZ.. a Jaqueline acordou. me acordar no meio da noite pra dizer que não queria me acordar! É um inferno dormir nesse quarto que é uma oficina com CORA: parafuso e transistores no travesseiro. não fajuta mais minha alma. vem você fariséia. * É a 7ª e última cena do 1. E eu também não acordei? Hein? Não adianta agora seus salamaleques! O que eu ouvi de você. DONA APARECIDA E ANITA NA SALA.. eu não presto.. APARECIDA DANÇA IÊ IÊ IÊ PARADA NO MESMO LUGAR.. nessa enxovia. (SOUSA APARECE) É um absurdo. não vou responder.. Eu tinha escolhido esse. dona Aparecida.. Entrego amanhã cedinho.. será que dá tempo? eu emagreci. mas é que eu estava gorda. sabe? entrego amanhã. tenho eu o dia todo.. Como a senhora pediu: vestido reto. estou fazendo macrobiótica. preciso do vestido ANITA: APARECIDA: amanhã e estou experimentando papel? (DANÇA) Eu sei.. com uma presença ANITA: que Deus me acuda... Por falar em isto não fica bem. Anita. agora. caí na cama. ela 34 ... sabe? Mudei de perfume. Estou vendo que vou aparecer nua no tal noivado.. eu sei. com licença. você me entregou o vestido meia hora antes do batizado. Será que ANITA: dá tempo?] Vamos ver.. fui na farmácia. saia evasé com pespontos. chumaço de algodão dentro da sunga. Aparecida". ela acompanha nos jornais.. prefiro macho na frente. APARECIDA: febre. sem falta. eu digo "é ANITA: Christian Dior. pensei que fosse a Anita... (PEGA O MOLDE E SAI.procure entender isto não fica bem.. dona Aparecida.... dessa vez.. estou aqui que estou toda Christian Dior". e eles botam algodão. umas luvas e vou pelada. Febre. ficam com uma aparelhagem. ontem passei mal com cólica. APARECIDA LU: DANÇA) Comprei! Comprei! ah. não é isso que você quer? Se alguém disser "mas pelada. entende? Tenho uma amiga que lê muito francês. APARECIDA: APARECIDA CANTA E DANÇA) Meu bem. na frente do meu apartamento abriram uma academia de halterofilismo. ponho um chapéu cheio de pluma de avestruz... minha filha. dispnéia.. Anita: a última vez. minha filha... bem APARECIDA: simples. é uma coisa muito importante essa macrobiótica. [é até oriental.. eu desenho já. passo o dia inteiro vendo homem de sunga. coisa muito moderna. sabe? e ela leu em francês que o último grito agora é gargantilha e cintinho fino com macho na costura lateral. entende? às quintas-feiras. minha filha. (DONA LU ENTRA COM UM PACOTINHO NA MÃO.. por mim. procure entender isto não fica bem não posso gostar de você. minha neta me indicou um novo perfume.. bom dia... (CANTA) A senhora não brigue com ela. Não. 35 . Vamos.. Não me diga. APARECIDA CONTINUA A CANÇÃO. MÚSICA DE JERRI ADRIANI) Está caindo uma lágrima do seu rosto Se não a beijo. Ah. o baile não terminou. eu estive. ACANHADA.. a senhora dança que é uma gracinha. febre. fazendo um vestido pra dona Sílvia Lopes.. Ela estava tão preocupada que não tinha feito o vestido da senhora. dona Aparecida. dona Bilu. não. tem uma parcela intermediária agora em APARECIDA: setembro... [LU AINDA DANÇA MAIS UM POUQUINHO)] Anita pega assim tanta encomenda porque eles estão pagando esse apartamento. gorda assim como a senhora. coitada.. (APARECIDA PÁRA DE CANTAR. qual nada. Quero ver. dona Aparecida!.. dona Bilu.. assim é que se diz agora. Que jovem. o vento a secará. Anita. (RIEM. muito trabalho. deixa cair. DANÇA TAMBÉM) [Quero guardar pra sempre aqui em meus lábios Esse sabor gelado do nosso adeus]. menos gorda. CANTA E DANÇA. Deixa cair.. DANÇAM.. (CANTA) Vou conhecer o mundo que não conheço Mas lembrarei pra sempre do nosso adeus. foi? [(LU PÁRA DE ANITA: APARECIDA: ANITA: DANÇAR)] Estive ontem... quero ver a senhora dançar. até cinco da manhã.. Muito obrigada. COMEÇA A DANÇAR. LU: [APARECIDA: Que gracinha. dona Bilu. só um pouquinho. pra mim. LU DANÇA LU: APARECIDA: LU: DISCRETÍSSIMA)] [(CONVERSAM DANÇANDO)] Onde está a Anita? Está dando um toque no meu molde. (LU. claro.. a APARECIDA: LU: senhora nem imagina. Vamos. altíssima.. ela me ensinou. (ANITA VOLTA) Então ontem você estava doente. é que. (APARECIDA RECOMEÇA A MÚSICA... conhece dona Sílvia Lopes? Uma simpatia.. sabe? Imagine que ontem ela passou a noite inteira. mas gorda também. Você fez foi o vestido da Sílvia Lopes! Dona Sílvia? Não.. que é isso! Isso é coisa de gente jovem como a senhora.. altíssima. eu. juro que não acredito. que é isso. já fiz 34 anos! 34! 34? Não acredito.APARECIDA: LU: APARECIDA: LU: APARECIDA: até me ensinou a dançar essa dança. Pára. dona Bilu. .. tem dois queixos.. TEMPO ANITA: RÁPIDO SE REFAZ) Prefere a cintura aqui ou um pouco mais embaixo? (TOCA O APARECIDA: TELEFONE. cinto fino com macho na costura lateral. hein? .. Alô? (TEMPO) Dona Lu. DONA LU VEM AO TELEFONE. com ANITA: licença... ANITA VEM ATENDER) Meu marido quis meter a mãe dele lá em casa. sim.... aquela vaca que leva esses menininhos de Copacabana pra casa quando o marido não está. Como vai. ela é.... (VOLTA PARA ACERTAR APARECIDA... prazer em vê-la. Como vai. de São Paulo. São Paulo.. APARECIDA: ANITA: APARECIDA: com gargantilha.. LU E SOUSA FALAM ALTO E UM POUCO SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SIMULTÂNEOS. Anita?..... pouca vergonha. sabe. você tem recebido as minhas 36 .... não é? (ANITA. com medo da artrite.... ABRE UM APARECIDA: FOCO DE LUZ EM SOUSA) Que tal descer um pouco mais o decote? Afinal precisamos dar uma LU: esperançazinha pro pessoal. uma papada que parece um pelicano. acha melhor diminuir a barra? Não gosto de velha desfrutável. eu saio escolhe. . dona Aparecida..APARECIDA: Você não fez o meu vestido porque tinha uma encomenda da Sílvia Lopes.... É a Lu? É a Lu quem está no aparelho.. dona Aparecida.. nem devia receber essa vaca na sua casa.. viu ela dançando. eu disse: niqui a velha ANITA: entra... quero cortar bem picadinha. mas eu? faço ANITA: APARECIDA: macrobiótica às quintas-feiras. Você tem recebido as minhas cartas? Tenho recebido as suas cartas.. o dinheiro da Sílvia Lopes é melhor que o meu? LU: (LONGO SILÊNCIO) (O MAIS FIRME POSSÍVEL) Ainda tenho que cortar a alface. aqui de São Paulo. estou muito fria.. que coisa ridícula? ANITA: APARECIDA: Velho tem que se dar ao respeito... minha filha. eu não agüento mais.. Essa dona Bilu é bem enxeridinha. ela vem aí. a sra. não é. APARECIDA DE VEZ EM QUANDO DANÇA. Sousa? Como vai. quero também tomar um banho quente. A velha. Porque a Sílvia Lopes é gorda. não agüenta mais a velha. (AS DUAS CONTINUAM NO MOLDE. . estou aqui no Rio. Sousa? É a Lu. um anúncio das Casas da Banha. Lu? É o Sousa. À VELHA MANEIRA) Sousa? Sousa? Aqui é o Sousa. seu Sousa.. (SAI) (EXPERIMENTANDO O MOLDE EM DONA APARECIDA) Olha aí.. O que é AVBAC? Pra fazer reclamações. eu sei. tem letra muito miúda.. Sousa? Eu quebrei meus óculos. Lu.. é SOUSA: LU: Sousa?] Muita umidade. Sousa. só telefono uma vez por mês. Sousa. Deixa que pinique. Eu entrei pra AVBAC. Sousa? Mas assim aí tem muita umidade. Pinica. Sousa. cheirando mal. Muito úmido. Aqui tem muita umidade. mesmo. Você não é bombeiro. Sousa. põe ele e abotoa o SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: [SOUSA: LU: botão do pescoço também. De noite quando eu telefonei a última vez. Eu sentei em cima dos meus óculos.. Um rio. você sabe. Sousa? Aqui é muito úmido. Sousa.. Tenha paciência com a Corinha. B de besta. está começando a fazer frio. não se mete em política. põe o capote cinza e abotoa o botão do pescoço. não se meta nessas coisas. Tenha paciência com a Corinha. Mas você não devia telefonar na parte da tarde porque sai mais caro. põe aquele teu capote cinza. você nunca foi bombeiro. Ela anda sempre de cara feia aqui.. Entrou pra quê? AVBAC.SOUSA: cartas? Recebi as suas cartas. a última eu não li porque [LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: quebrei os óculos. é. Lu.. que pena um rio cheirando mal.. é?. viu? O capote cinza.. É mais caro na parte da tarde. Você precisa tomar cuidado para não sentar em cima dos seus óculos. a Cora ficou de cara feia. as paredes soram.] Você não devia telefonar na parte da tarde. Aí tem muita umidade. Abotoa o botão do pescoço também. Tenha paciência com o Rio Tietê. AVBAC? AVBAC. Tenha muito cuidado com essa umidade. é. Estamos reclamando de tudo. AVBAC.. Quem cheira mal? O Rio Tietê cheira mal. É uma associação de veteranos bombeiros. AVBAC. sai mais caro.] O Rio Tietê cheira mal.. 37 . O botão do pescoço não abotôo. Lu. Você precisa tomar cuidado para não quebrar seus óculos. Você quebrou os óculos? Eu quebrei meus óculos. É o Rio Tietê. AV o quê? BAC. SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: [SOUZA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: [LU: SOUSA: LU: Como vai. ... já. Estão resolvendo uma pinóia... Toma Cebion.. Olha como ela ficou encabulada. (APARECIDA VAI ATÉ ELA. Sousa.. (DESLIGA). um grande abraço. eu.. (ALGUM TEMPO) Sousa é muito teimoso. eu. Ah. O botão do pescoço pinica. A Neli já disse alguma coisa? A Neli não disse nada ainda. Não. pede dinheiro emprestado e monta uma oficina". viu. Até logo. mais ou menos.. Lu.. Vamos. Estão resolvendo uma pinóia.. hein? Já viu ela dançar.... Até logo. entende? Mais ou menos. é de bombeiro mas não tem que ser bombeiro. um dia ele foi. ele montou a oficina. Olha. vai falar com o seu Rodrigues... ah.. (CANTA) "se não a beijo o vento a secará". e a nossa situação? Estão resolvendo. Sousa. é uma gracinha. Sousa? Estão SOUSA: LU: resolvendo tudo. ele é assim mesmo.. o seu Rodrigues deu o dinheiro na mesma hora. 38 . dona Lu.. tua filha que ensinou ela.. passa tão depressa e. Sousa.. é de bombeiro mas não precisa ser LU: bombeiro.. mas não deu certo. viu? Um abraço. Em vez de gastar esse dinheiro telefonando SOUSA: LU: SOUSA: LU: de tarde..... ele pagava muito caro pelos rádios velhos que comprava. agora mesmo disse que em vez de comprar um APARECIDA: cachecol. você podia comprar um cachecol. mas estão vendo. Então um abraço.. mostra aí. (ALGUM TEMPO) o Seu Rodrigues adorava o Sousa.. tinha muito jeito mesmo. COMEÇA A DANÇAR... Um abraço. então.. [(ALGUM TEMPO) Interurbano me deixa tão aflita.. põe o casaco cinza e abotoa o último botão. APARECIDA: PUXA-A) (CANTA) "Está caindo uma lágrima do meu rosto.. Um abraço. Sousa. Está bem.. pra sua nora ver. Então compra um cachecol. Estão resolvendo. telefona de noite. vermelhinha! Coisa boa com o homem da gente. preferia falar comigo.. cuidado com a umidade. dona Bilu.] E a nossa situação? Dois meses.. por favor. Falar com você é melhor que cachecol. viu? Um abraço. (TEMPO) ele não ligava pra dinheiro.. Sousa.. ANITA: APARECIDA: LU: como ela dança bem? Não. põe o casaco cinza e abotoa o SOUSA: LU: botão do pescoço. Anita! Olha. Olha. não é? Está alegre. no mês que vem. Sousa. É melhor desligar que está SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: ficando muito caro. não quer abotoar o botão do pescoço... eu dizia "Sousa." vamos. Até logo.SOUSA: Não precisa ser bombeiro. LU: dona Bilu. ELE ESTÁ SENTADO. APARECIDA: SEM FAZER NADA) Que não sabe? Que não sabe? (APARECIDA DANÇA ESPALHAFATOSA. AS ROUPAS INDICAM A CHEGADA DO INVERNO..] FIM DO PRIMEIRO ATO SEGUNDO ATO CENA 1* ABRE SIMULTÂNEO NAS DUAS SALAS. esse sabor gelado de nosso adeus. (A LUZ DO FOCO DE SOUSA NÃO SE APAGOU.. Vou conhecer o mundo que não conheço. LU ACOMPANHA ENCABULADA E APLICADA) "Quero guardar pra sempre aqui em meus lábios. MUITO ENCASACADA. ANITA ENCABULADA. VAI PARA UM ESPELHO SE ARRUMAR. 39 . ANITA E JORGE TERMINAM DE COMER A SOBREMESA DO JANTAR. SEM TER NADA O QUE FAZER. coragem. UM PEQUENO TEMPO. SOUSA PARADO. NA DE SÃO PAULO." DANÇA. VAZIO.. LU DANÇA. LOGO CORA ENTRA. (MEIO COMEÇANDO A DANÇAR) Eu não sei direito. NA DO RIO. Mas lembrarei pra sempre do nosso adeus.. Segura ele. Quatro meses. WILSON: CORA: JORGE: ANITA: sabe? não reparou? com cara de "comigo não vai ser assim".. arranjamos outra coisa pra ela fazer. também não quero ficar insistindo.. Se o elevador chegar. ela fala. deixa bater. Deixa bater.. Ela não tem mais paciência de ficar na cozinha. VINDO DO SEU QUARTO) (NOVAMENTE) Cora. vai na feira. eu e dona Lu agimos uma com a outra como se fosse num palco de teatro.. os feirantes. Sua mãe fala comigo o dia todo. ora... descontrola as reações.JORGE: ANITA: . fica afogueada. e deixa um dedo de pó. (PARA FORA) Espera um pouco. eu pago.] A Neli não disse nada? . COM O CAPOTE CINZA. * A movimentação na casa de Cora foi substituída pelo diretor para Cora fazendo marcações de limpeza de mesa após refeição. ANITA: . uma hora o Arildo está sem dinheiro. Deixa bater lá embaixo. Desculpe. nada é assim fluente... que usa shampoo nacional.. Wilson. Estão batendo lá embaixo. sabe? tudo meio representado. acho que ela não tem coragem de falar no assunto nem com o marido ANITA: nem comigo. lá vou escondida limpar. outra hora foi viajar.. [meu cabelo está fajuto. ela quer fazer alguma coisa. Tua mãe virou advogada da Susana.... está tudo tão sem gosto a comida. ela anda muito de cochicho com a dona Lu. a Susana não pára em casa. sei lá. Wilson.... Ué.. ela SOUSA: ANITA: JORGE: não cozinha... a Susana precisa ter o lugar dela. Jorge? Não sei.. ela não fala.. à vontade. a gente tem uma conversa com ela. Jorge. você vai sair? Sua mãe vai ficar aqui.. sabe? as CORA: ANITA: JORGE: frutas então. Wilson... eu vou chamar o elevador. que ela tem pouco vestido bom. Ora. E 40 . segura ele pelo rabo. e fica desafiadora. é pior. Se mamãe ficar aqui em casa... pra ela só dão xepa.. WILSON: CORA: WILSON: CORA: JORGE: ENTRA NA SALA. Será que ela continua encontrando aquele sujeito todo colorido? Não sei. Eu pago o condomínio. chegou o elevador. Cora. fala pra não lembrar que está constrangida. compra tudo estragado. e limpa. mas ela vai e insiste... claro.. era por dois meses. perdão. (SEU SOUSA. Jorge. WILSON: CORA: (RIEM) (DE FORA) Cora! o elevador chegou! Segura o elevador... não ANITA: sei. Jorge.. mas é um suplício trabalhar.. WILSON: (ANITA LEVA OS PRATOS PARA DENTRO) Cora. ESPERA. três. que procede dos avós?. vocês não me queriam na mesa? pararam de falar quando eu cheguei. Cora. deixa de bobagem. quatro.... hein.. com a sua filha. mãe.. MAS VOLTA PARA DAR A FALA COM JORGE: SOUSA: CORA: O PAI) Ah. ela cobra muito barato.. Cavar e joeirar a areia das ostreiras para recolher aljôfar...... PEGA TAMBÉM UMA REVISTA DE PALAVRAS CRUZADAS) .. não quis acordar.. 41 ... .. mãe. as tardes das alfinetadas.... SOUSA LU: FICA SÓ) . Tchau... LU FICA POR ALI.. deve ser porque a Anita não gosta mesmo de conversar. LEMBRA QUE ESTÁ QUEBRADA. (DONA LU WILSON: CORA: WILSON: SOUSA: CORA: LU: ANITA: SOUSA: APARECE NA PORTA) (BERRANDO FORA) Cora.... cinco... não. ingênua. cinco.. OS DOIS VELHOS FICAM SOZINHOS. Não dorme.... vocês já jantaram? A senhora estava dormindo tão bem. por favor. Tchau. Ué..[CORA: ANITA: agora com a televisão quebrada... dona Lu. Ô cabelo fajuto ] . pai... Cora (ELA SAI CORRENDO. então.. Wilson. SENTA... como é que é? Que procede dos avós... e fui eu a sorteada.tentou voar com asas de cera e se esborrachou. já disse pra ela. ando pensando CORA: LU: muito. a gente vai perder a sessão das oito. tola. Tchau. Anita.. horizontal.. pai. pelo menos comigo ela fala sim. Sousa? (RI SOUSA: LU: SOUSA: TRISTE) Para barlavento.... Anda logo. . um e outro... aí ela JORGE: OS DOIS: LU: ficava um pouco alegre de vez em quando..... vê lá. sim. SOUSA PEGA UMA REVISTA DE PALAVRAS CRUZADAS.. ..... LU: SOUSA: LU: seis vertical. . o senhor não veio.. eu ouço cobras e lagartos. a tensão que ela sente tem que ser descarregada. vertical.. (ANITA VEM) Tchau. SOUSA: DESLIGA.. (LENDO) cavar e joeirar a areia das ostreiras para recolher aljôfar. e cobra mais caro pela costura. mulher. é... cinco. De pensar morreu um burro. (SAEM. E eu não vou jantar? Te chamei cinco vezes. Não podia chamar a sexta vez? eu estava pensando.. compra umas revistas de moda francesa. melhora um pouco a sala um tapete. Tem comida na cozinha? Vê lá. mamma mia! (SAI... Já vou. LIGA A TELEVISÃO. dona Lu.. .. é o último dia da liquidação. não. (AFONSINHO ACHA GRAÇA DO MIJADO) Morro de medo de sentar e pegar no sono.. olha a Jaqueline. PAULO.. de favor! (REFERINDO-SE AO MOLHADO) Que é isso? A Jaqueline. estou feito pinto de AFONSINHO: moleque. Que procede dos avós? Ah... número indivisível. de pé o tempo todo...... (HOMÉRICOS RISOS) Mais baixo. duas.. me mijou todo. AFONSINHO PÕE A CARA. 42 ..... (FAZ A SUA GINÁSTICA DE LÍNGUA) Hein?. ..... não.. olha os intestinos do velho. SOUSA ESTÁ COM O CAPOTE TODO MOLHADO. rachadura em louça. sabe? consertaram os faróis da rua dr. Afonsinho. SOUSA: AFONSINHO: não gosto de bunda velha.. horizontal. ABRE EM S.... cáspite! Tentou voar com asas de cera e se esborrachou. AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: Ei... cinqüenta contos pro meu filho no Rio. sem óculos.. CENA 2 A LUZ APAGA LENTA. melhor que aquela pensão com banha de porco.. hein? (MORREM DE RIR) Rapaz. o peito um repolhão.. piroca é uma palavra muito engraçada.. Sai pra lá com isso.. Sua filha não está. hein SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: (MORRE DE RIR) Tem um cigarro? Está sem cigarro? Estou sem dinheiro.. SE ENXUGANDO...... Olha aí dez contos. subi no elevador com uma oxigenada.... . vocês ainda estão brigados SOUSA: entrementes? Dou cinqüenta contos pra ela.. Hoje ela ficou em casa. não é? Dou-lhe uma pirocada. Estou sentindo falta do jantar daqui.. não AFONSINHO: SOUSA: estou de graça. pode ficar..... cinco.. entra. neto! Cavar e joeirar a areia das ostras para recolher aljôfar.. não é? E volta tarde. Quatro.. hoje.. quase se via o biquinho..... a tal prima que cuida dela foi fazer um aborto. sem cigarro. (AFONSINHO MORRE DE RIR) Olha os intestinos do velho. comidinha tão caseirinha...LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: . Ô. não quero nada em troca. não precisa arriar a calça. Ela vem aqui e mija na gente. Pinto de menino SOUSA: AFONSINHO: é piroca.. . manda pra Helena Rubinstein... Sousa. aquela gente SOUSA: adorava a velhice... vou escrever um chamado "Como viver sem utilizar-se da AFONSINHO: Piroca"... Entrementes.. os velhos. saímos da moda.. (DEPOIS DE TEMPO) Estou sem óculos.. tenho quatro ótimos. A AVBAC se fosse levada a sério era bom... olha o intestino do velho.. mas nem eu levo a sério. juro... (RI) (TOSSE) É. só essa que engasgou.. não me recordo de seu nome está alojada na Clínica Mantovani. entrementes.. mas esse rio Tietê com frio e tudo continua fedendo.. (SOUSA MORRE DE RIR) E Sousa. entrementes. inventou a imprensa.. cita à rua Mariz e Barros.. Neli..... Meus filhos. faz mais de quatro meses. essa AVBAC não serve pra AFONSINHO: SOUSA: merda nenhuma. . Vou escrever. tudo de SOUSA: AFONSINHO: mangueira mole.. Faça um esforço e lembrar-se-á. O jeito é a gente escrever um livro de putaria aí. me deixa SOUSA: gemer. seu colega de repartição. todavia nossa filha.. "memorandum" é pra lembrar e "demorandum" é quando demora muito. é "memorandum". a Lu deve AFONSINHO: ter dado chá de urtiga pra ela quando criança. eles têm raiva da gente.. (QUASE DESMAIA) Olha os intestinos do velho. (TEMPO DE SILÊNCIO) Queria viver na Roma Antiga. Não. ele mora dois quarteirões acima da minha casa.... ai.. pra quem é que eu vou mandar um demorandum dizendo que o SOUSA: rio Tietê fede? Sei lá. sei lá... . é uma vitória da AVBAC.. mas veio o Gutemberg... ai. lê pra mim? Será que não tem intimidades? (RI.. sim. no senado. fomos nós que botamos eles nesse SOUSA: mundo com os faróis desligados.. Dona Cizinha só me recordo de seu apelido. é... ai.SOUSA: AFONSINHO: Emanuel! Também. é.. no fundo.. Sousa. formado pelos senectos... os antigos. Recorda-se da Cizinha? A senhora do Raul...... Sinal! Não é farol! Quantas vezes já discutimos isso. só pra gente se enganar que está vivo ainda. Um 43 ... a experiência agora AFONSINHO: SOUZA: está nos livros.] Seus filhos deixam você de mau humor.. ABRE A CARTA) Sousa: Eu não quero preocupá-lo. São Patrício. a última vez que vi um foi faz seis meses. ENTREGA UMA AFONSINHO: CARTA) É da minha mulher.. eu tenho três filhos. não... Trata-se de um asilo. velhice dava Ibope. Mas consertaram. Sousa. ora! E quer saber de AFONSINHO: uma coisa? Não é "demorandum". Afonsinho... levou-me a visitar a Dona Cizinha... é assim.. P.. plena forma. (PÕE OS ÓCULOS) (PEGA O JORNAL) Melhora muito.. a mim só pegam de pé. referiu-se ao local com elogios... o vice-presidente de hóquei sobre patins do Floresta.. hein...... pra ficar tranqüilo. Não alcanço entender porque nossa filha... CABISBAIXO.. Afonsinho.. Afonsinho? me deixa aqui na batalha. Outros. vamos lá coração. me empresta os seus.. não é? Estou muito interessado: o que é um auditor. Neli. meus bons tempos. só que meus óculos quebraram. dão rasteira. não me pegam desprevenido. ah. sou prevenido. vamos ver outro.. O que será de nós? Esta ansiosa pergunta tem estado presente assiduamente no meu espírito. Lúcia Maria de Sousa.. não. não. Não se esqueça de fazerSOUSA: se presente. Sempre sua. bombear esse AFONSINHO: sangue. vou resolver isso logo de uma vez. nos leitos. Quinta-feira próxima.. Sousa. meu filho? (OUVE) Ah. esses meninos não vão resolver nada.local bastante triste. a briga é com quem. passar bem.. voltou a repetir tais elogios à Clínica Mantovani. tenho 48 anos. espantam moscas. levou-me a tal local. Lu. (ESTÁ PROCURANDO OUTRO TELEFONE) Já sei. Eu li no jornal que os senhores estão precisando de um auditor.... sabe? comigo.. vendo corredores escuros. deixa ver. cita à rua Mariz e Barros.. 44 . (TEMPO DE SILÊNCIO) . escrever meu livro da piroca. nosso filho Jorge completa 43 anos. não sei fazer.. Os anciãos e as anciãs ficam sentados à porta de seus quartos.. (OUVE) Pois não. não é? claro. pois sim. (DISCA O TELEFONE) . hora de briga.. à saída.eu sei o que tenho de fazer... claro.. cavalheiro. vamos lá.. DISCA DE NOVO).. SOUSA: claro! Que hóquei sobre aonde. Subscrevome.. moço...... idade?. tenho bons amortecedores... até 35 anos.. Neli.. é ou não é? (NO FONE) Os senhores estão procurando um arquivista? tenho mais de vinte anos de prática. Neli. entre parênteses.S.. Dona Cizinha era pessoa de nossa amizade.. mas não muito próxima.. marquei aqui. isso. (DESLIGA. Nossa filha. (DESLIGA) Vamos lá. deixa ver. AFONSINHO CALADO.. Pensei que nossa filha assim se expressava para ser agradável para com Dona Cizinha. nossa filha. é o que eu já estava fazendo.. (NO FONE) Boa tarde. eu fico logo em pé.. vamos lá. Mas. resolva sozinho seus problemas que são de todo mundo. Sinto-me nervosa desde que nada parece resolver-se. . ele vive agora em salas de espera de bancos.. Neli. mas você se distraiu de tudo. ora.. Acho que você não entendeu.. tem a mesma pequena capacidade de renúncia que têm todos. da vida.. ESTÃO JORGE.. ele já vive tormentos por causa da minha sogra e a situação da fábrica que é horrível. entrementes. não sou um criado.º somente de capa. Fazem referência ao local do encontro quando entra Neli também de sombrinha. sou arquivista.. Não tenho o telefone dele aqui. LUZ NA SALA DE JORGE. até que enfim. Está chovendo.. um se lembrou do NELI: outro? (NELI NÃO RESPONDE. arr. me perdoe. CENA 3* REVERSÃO DE LUZ. ele gostou muito da AVBAC. Sousa... Beto. arquivista. Afonsinho. ar. Minha mulher não é empregada doméstica.º com guarda-chuva... conseguiu encontrar com ele.. tem um sítio em Jundiaí. Entram Jorge e Beto: o 1. [JORGE: BETO: Anita saiu para dar uma volta com a mãe. precisa de um caseiro. JORGE: NELI: BETO: Não começa... Caseiro é um criado... rapaz. ora.. o 2. ele fez o possível com ele mesmo mas sente muito: nós não BETO: NELI: podemos ficar com o papai e a mamãe dentro de casa. Afonsinho. Ah.. SILÊNCIO) Falei com o Arildo e ele sente muito.... é nosso amigo.. 45 ..] . Afonsinho.AFONSINHO: Dr. NELI E ROBERTO.. A alma dele é igual a de qualquer um de nós. bem socadinhos?. vamos. gosto muito de você. Podemos falar a vontade? Então vamos largar esses velhos pra lá? Esta cena teve sua ação transferida da sala de Jorge para a rua. E na garagem? Na caixa postal. (AO JORNAL) Vamos ver. O Arildo acha que o fato dele ter mais posses não lhe dá a obrigação de carregar mais peso de problemas humanos. sou eletrotécnico. podemos falar à vontade... Jerônimo Castanhede.. mas te trago ainda hoje. se torturou. você não se importa como as coisas acontecem contanto que você tenha um bom lugar pra ver. um ótimo arquivista. me pediu uma semana de prazo para pensar. um doméstico.. um eletrotécnico de mão cheia.. Ora. um SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: casal.eu falei com meu marido. de sucata! Só ponho minha mãe num asilo no dia que abrirem um com boite e cabeleireiro e salas de aula onde os velhos vão dar aula.. lavanderia. mas o Arildo pegou esse assunto e não viu outra coisa até encontrar o Recreio Branco... E você. o que é que você acha? O NELI: Arildo acha.. eles exigem que os internados tenham menos de 75 anos e que tenham condição de fazer sua toalete sozinhos. é magnífico.. O problema de espaço NELI: JORGE: NELI: existe... o Arildo acha e você?. O que é isso. por favor. além do mais.. é um lugar esplêndido. dificílimo de arrumar vaga... isso garante um ano para mamãe. luvas de um ano.. mas isso se poderia ver. eu também tenho vergonha mas é assim. falta comida. pior que o sistema penitenciário.. perde?] (SEMPRE FALANDO SÓ COM JORGE) Arildo sabe que se eles não ficarem em casa. mais nada... tem assistência médica permanente.. mostrar prospectos.. O que é isso... lembranças a seu marido. Ele acha injusto transformar um problema afetivo num JORGE: problema de espaço.. pior que orfanatos. Neli. todos em uniforme......... a roupa de cama não muda. Se mamãe não ficar com você..BETO: No fundo ele é um democrata... que a zona! São depósitos de velhas carcaças.. fria. escuro.. casal é mais complicado. Vocês ficam com raiva de mim porque tenho uma situação material melhor e ficam com raiva também quando descobrem que a situação 46 . mas já JORGE: NELI: JORGE: resolvemos um problema. Até logo.. sem árvores.. Você sabe que eu fui com mamãe até a Clínica Mantovani. tudo asséptico.. Neli. o relacionamento fica mais difícil. no dia que NELI: JORGE: NELI: abrirem um onde o presidente do INPS seja o garçon! Jorge. a dificuldade é arrumar uma vaga. pior que os hospícios. mas é um jardim agradável. muito claro.. só conseguimos uma vaga.. realmente a Clínica Mantovani é horrível. mas o Arildo usou todos seus cartuchos e está disposto a dar cinco milhões. Jorge? não estou entendendo. não ficarão com nenhum de vocês.. papai tem mais de setenta e cinco anos. tem elevador.. fica comigo...... por favor? . Neli. Você sabe perfeitamente que o serviço de geriatria no país e no mundo é pior que tudo. Neli. muita mosca.. até logo. Você parece que veio aqui vender uma enciclopédia.. (LONGO SILÊNCIO) Então. jardim. i. então resolva.. coração um relógio. e... claro. todo o fim de semana o senhor vai... isso. o. lajota é um material muito decorativo. lavar toda roupa. pois não... o senhor não precisa de um casal de caseiros no seu sítio em Jundiaí? Sim. hein.. Jerônimo Castanhede? O Afonso Laranha da AVBAC me deu seu telefone.. não estou preparado. Ah... perfeitamente. jumento zurra.. eu com tanta raiva e você com tanta boa vontade. Até logo. faz muito bem.... Dr. de repente ela está na sua frente. é assim: (ZURRA MUITO) 47 .. duas vezes por semana. AVBAC? Não. SOUSA NO TELEFONE. claro. o que. exclusivo da companhia.. TOSSE. não é.. descontrair-se.. hortaliças. veja você. pode ficar com o papel de JORGE: NELI: BETO: mártir. maravilhoso. u. ah. parabéns. senhor.. jumento. muito de manso. ela cinqüenta. o quê? o senhor tem galinhas. não é cooperativa de leite..... é dos bombeiros. O chão é todo em cerâmica... Saúde à toda. a realidade aparece muito devagarinho. Minha mulher é ótima cozinheira. Jorge? Lembra do enforcado? Espero que a corda arrebente. a varanda em lajota. o senhor pensa que minha mulher é uma mula. (DEPOIS DE TEMPO) Depois dessa linda atitude o que é que você pretende fazer? Internar os dois num asilo? (RI) [Espero que a corda arrebente. dr.. Ah.. doutor. Bosta? pensa que eu trepo com uma mula? Não consegue reconhecer que minha voz é humana? Hein? A. SOUSA: Dr. Eu? Cinqüenta e oito anos..JORGE: NELI: material não é tão melhor assim? .. não estou preparado. (TOSSE FORA DO FONE).... eu tenho curso de horticultura. Jorge. quinze hóspedes. (SILÊNCIO)] CENA 4 REVERSÃO DE LUZ. faça a sua cruzada. minha senhora entende muito de galinhas.. Jerônimo? Limpar o chão e as janelas. Neli. não parecem com as vogais isso? Agora... MUITO FRIO. hein. aí a gente só tem tempo de balbuciar. SÃO PAULO. Até logo. lembrou... opa.. Um momento.(DESLIGA) (LONGO TEMPO). por favor.. SENHOR HONÓRIO. JORGE FALA COM SEU PATRÃO. eu saio já. Não houve aumento. seu pai está doente. Os senhores agora nos pagam comissão HONÓRIO: JORGE: verdadeira.] Os senhores se desapertaram dessa briga com a Ródia.. mantendo-se as falas cabíveis... . tenho que vender com uma margem de lucro muito estreita. vamos ver se nos entendemos. seja. Você não quer saber do seu pai? Vai. um momentinho..... mãe. claro.. senhor Jorge? (ENTRA LU: LU) Jorge. eu batalho com a Ródia! [Com publicidade na televisão. opa. senhor Jorge. vamos ser um pouco mais amenos. muito dinheiro.. me disseram que você estava aqui. JORGE: Preciso de muito dinheiro. não tenho capital para ampliar JORGE: instalações.. dedetização sofre concorrência dessas firmas enormes de inseticidas. por favor. nós aumentamos a JORGE: comissão de vocês. o laboratório não pode trabalhar acima de sua capacidade.. seu pai está. (TEMPO) Espero que a corda não arrebente. *Esta cena foi alterada para uma só entrada de Lu.. isso agora acabou. a moça disse que eu tinha de JORGE: LU: JORGE: LU: JORGE: HONÓRIO: esperar. UM FOCO NA MESA DE ESCRITÓRIO..... HONÓRIO: Claro.. tirando parte da nossa comissão de vendedores. (LU SAI) Senhor Jorge. por favor.. acima de nossa capacidade. Seja. senhor Jorge... mãe. a função do senhor é vender. Sousa!... Mas eu sou uma indústria em instalação. senhor Jorge. Honório. E se vocês não podem atender todas as vendas que eu faço. mas o senhor tem acertado dedetizações demais.. mas onde é que foi HONÓRIO: esse dinheiro que durante um ano os senhores tiraram do nosso bolso? Por favor. 48 . dr. CENA 5* REVERSÃO DE LUZ.. mãe. opa.. ânimo.. É a primeira vez HONÓRIO: que reclamam de mim porque estou trabalhando bem. Estou aqui numa reunião. (VAI ATÉ A PORTA) Mãe. está bem? Não vai abrir? Lá em casa eu abro. parabéns também pra você.. Jorge. São uns lenços.. Encantada. hoje é aniversário dele seu Osório. para conseguir o seu aumento você precisa do de todos. senhor. me dá licença seu Osório?. a gente conversa isso em casa. Poderão vender muito no começo. não vou acertar o seu nome... Jorge... sem limite de venda.. (SAI) (SILÊNCIO ALGUM TEMPO) Bem.. Honório. mãe. outra vez.... a sua comissão eu continuo pagando. mãezinha. Ô.. (LU ENTRA) Seu pai está. meu filho.. Meu patrão. Mãe. Parabéns.HONÓRIO: tenho um convite da Insetanil.... Senhor Jorge. A Anita não compra lenço pra você.... Em qualquer vara do trabalho a gente HONÓRIO: ganha isso. Por favor.. filhinho. seu Osório entende. parabéns... quero ir pra São Paulo. vai.... Honório. vocês JORGE: LU: precisam resolver. até logo. Quero JORGE: propor que esqueçamos esse aumento de comissão. Obrigado. receba a mesma comissão que um menino. Senhor Honório. Quero lhe propor um acordo. depois nós falamos. experiente... como? Foi no sindicato...... depois. Esquecer. por favor. senhor Jorge.... mas eu não posso suportar.. senhor Onofre.. Honório.... Honório... me paga uma passagem. por JORGE: LU: JORGE: LU: JORGE: HONÓRIO: LU: JORGE: LU: JORGE: LU: favor.... mãezinha. Este é o senhor Honório Lemos.. Mãe.. é muito fresquinho nessa sala. Ele está doente. quero fazer uma JORGE: LU: JORGE: LU: JORGE: LU: proposta. Obrigado.. não é possível que um vendedor que está há mais de dez anos na praça. (SAINDO) Não me deixe HONÓRIO: sozinha. meu filho. até logo. apareça pra tomar um cafezinho. sofremos um baque. deixa eu me despedir do moço.. desde que nós passamos a pagar a comissão integral. Depois a gente conversa. Não me empurra. mas faço isso porque estou sem firmeza financeira. por favor.. com licença. com toda a sinceridade. mas eu quero ajudar o senhor. Olha pra você... Agora. por favor. seu pai está doente em São Paulo... chame a senhora sua mãe. Desculpe. não é o mais elegante acordo que se possa propor a alguém. O senhor sabe que eles fazem um serviço inferior... [mas é da lei. mãe.. afável como você. pago a sua comissão e o acordo geral vai sendo 49 ...... desculpe estou que. mãe. esquecido, há um rodízio enorme de gente nessa profissão]... você está JORGE: com a zona de Flamengo-Botafogo, pois eu lhe ofereço Copacabana... Copacabana é do velho Martins. O senhor devia me conhecer bastante para saber que não pode me fazer uma proposta assim. Se os senhores querem mais lucros, consigam isenção de impostos, financiamentos do HONÓRIO: governo.... mas não desapertem em cima dos empregados... ... falar é fácil, me desculpe... mas usando a sua expressão, o senhor JORGE: HONÓRIO: também não devia "desapertar", desculpe, dentro da sua família. Não entendi. Me pareceu, desculpe, que o senhor tem uma certa vergonha dos problemas que lhe traz sua família, da senhora sua mãe... Desculpe, mas eu tenho que tratar os empregados como o senhor tratou a senhora sua JORGE: mãe. Senhor Honório, amanhã eu começo na Insetanil. E se o senhor fosse pouca coisa menos idoso, eu lhe daria um murro na boca. (SAI) CENA 6 REVERSÃO DE LUZ. ABRE NA SALA DE SÃO PAULO. CORA, SENTADA, CHORA. AFONSINHO PÕE A CARA. AFONSINHO: Bom dia, com licença? Recebi um recado lá no botequim. Entrementes a CORA: sra. mandou me chamar? Mandei, seu Afonsinho, esteja à vontade, não senta nessa cadeira, não, o pé está meio fajuto, essa é melhor... aceita um cafezinho? um minuto, AFONSINHO: CORA: vou buscar... Onde está o Sousa? Está no quarto, ele se tranca lá... não fala mais comigo... eu adoro ele, AFONSINHO: ele não vai comigo... Quero falar com o sr. em particular (ENTRA). Epa, quando a esmola é demais, o pobre desconfia... (PARA DENTRO) Se tiver uns biscoitinhos também, dona Cora... uns bem maciozinhos que minha CORA: AFONSINHO: CORA: dentadura está meio frouxa... (TEMPO. CORA VOLTA, CAFEZINHO E BISCOITINHOS) Obrigado... é requentadinho o café? Não. Acabei de fazer agora, tomei agora... Ah, ótimo. Entrementes, como a sra. ia dizendo...? Sabe, seu Afonsinho, Deus me perdoe, mas dois dias já que umas válvulas das televisões que o Wilson está consertando, sumiram... o 50 Wilson fica berrando aqui dentro, pensa que sou eu... eu não digo pra ele AFONSINHO: CORA: que acho que foi meu pai... Ah! Sousa não ia fazer isso, dona Cora. Ele se tranca no quarto... acho que ele tem raiva do mim... tosse, tosse, murcho, coitado, não é nada grave, acho, pelo amor de Deus! mas ele quer que eu chame minha mãe e não quer médico e quer a mãe. Juro, não quero chamar minha mãe porque não quero assustar ela, não é por causa da despesa... juro...despesa eu estou tendo... mas juro, faço até AFONSINHO: extraordinário na loja... digo pro Wilson que fui visitar uma amiga... Entendo... entrementes, o pratinho de biscoito a sra. ficou com ele na CORA: mão, dona Corinha... (PASSA O PRATO) Eu vou pra loja agora.. e queria que o sr. falasse com o velho, comigo não adianta, ele me odeia... ele esquece que me criou dizendo que "pobreza não é vergonha"... aí eu casei com o Wilson que era pobre... mas era assim bonito... e o Ivo quis casar comigo, o Ivo tinha dinheiro, o pai dele tinha um armazém com três balcões... minha mãe queria... mas eu também achava que pobreza não era vergonha... de AFONSINHO: CORA: AFONSINHO: maneiras que o senhor fala com ele pra mim? É uma ordem, dona Corinha. Obrigada, fique à vontade. Vem jantar hoje aí, sem falta, está bem? É uma honra pra mim, dona Corinha. A lata de biscoitinhos está na CORA: AFONSINHO: cozinha? Não se incomoda que eu abuse? À vontade (SAI). (TEMPO. QUIETO) Moça muito agradável... (COME) Sousa! Ô Sousa teimoso! Sousa Piroca! Venha comer uns biscoitinhos oferecidos por sua filha que você trata tão mal, Sousa Piroca! (TEMPO. SOUSA VEM. COM PIJAMA, CAPOTE EM CIMA. BARBA POR FAZER. TOSSE) Coma uns biscoitinhos, oferta da casa. (SOUSA TOSSE) Meu Deus, Sousa, que SOUSA: cara! Sua filha está muito preocupada com você! Claro que está. Está preocupada que eu fique bom. Se eu melhoro, como AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: mais, dou mais despesa. Ah, não fale assim da sua filha, Sousa. ... ela fica olhando pelo buraco da fechadura pra ver se eu piorei... Ó, Sousa, que é isso? ... o marido fica trabalhando na oficina, que é o meu quarto, até mais de meia-noite, agora... e eu tenho que ficar sentado na sala, esperando pra poder ir dormir... (TIRA DUAS VÁLVULAS DO BOLSO) Também, ó... roubei duas... os dois passaram uma noite de quatro, procurando 51 embaixo dos móveis pela casa toda... nunca atrapalhei a vida de AFONSINHO: ninguém... mas é preciso atrapalhar a vida das pessoas... Sousa, você não está bem. Você tem que ver um médico imediatamente, SOUSA: Sousa. Minha mulher é quem sabe me tratar, sabe de todas minhas mezinhas, AFONSINHO: os chás dela... não confio em médico, médico é um comerciante. Pra que assustar a sua senhora, Sousa? Ela já tem tantos problemas. O médico é uma conquista da humanidade, sem dúvida, é uma conquista SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: da humanidade... Você parece minha filha falando. Pareço porque foi ela quem me mandou dizer isso. Ah, é, não é? E não repetiria se ela não tivesse entrementes absoluta razão. Não tem. Mesmo se tivesse, Afonsinho, você tem de ficar do meu lado, AFONSINHO: SOUSA: preciso de você, eu sou da AVBAC, ela acha a AVBAC ridícula. Vamos ver um médico, Sousa. Muitas vezes eles acertam. Minha filha é mesquinha, Afonsinho, que custa a Lu vir até aqui, cinco meses que não vejo a minha mulher com quem vivi quarenta e seis anos. Quarenta e seis! Ela não quer que a Lu venha pra cá porque tem medo que depois, quando nós dois estivermos juntos, fique muito difícil botar a AFONSINHO: nossa casca na rua... Não fale assim, Sousa... ela não quer preocupar a sua mulher... dona Lu SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: nem tem lugar pra ficar aqui! Isso não passa pela cabeça de sua filha. Aposto que ela te convidou pra jantar. De passagem, de passagem... (COM EXCESSIVA VEEMÊNCIA) Não vem, Afonsinho, não se venda pelo seu prato de lentilhas! Eu saindo, você acabou, Afonsinho, ela não quer trazer a minha mulher; se minha mulher vier, talvez eu fique mais AFONSINHO: tempo, entende?... eu preciso ganhar tempo, Afonsinho... (PENSA UM POUCO) Olha, Sousa, eu fico do seu lado até a morte, entrementes...entrementes, esse jantarzinho não vou perder, não. CENA 7 ABRE NA SALA DO RIO. JORGE ESTÁ SENTADO DE PIJAMA. LÁPIS E PAPEL NA MÃO. ANITA ENTRA. ANITA: JORGE: ANITA: Está acordado ainda? duas e meia, Jorge... Não consigo dormir, estou a galope aqui por dentro todo... Fazendo contas de novo? 52 Jorge? de onde? Você começou tudo de novo na Insetanil. o piso não tem taqueamento.. E tem água. está faltando dinheiro em casa! a JORGE: ANITA: JORGE: ANITA: televisão ainda está quebrada. Fica pronta daqui seis meses. pode. quanto se vai gastar pra ter uma caixa dessas numa casa para dois velhos? O telefone mas perto fica a um quilômetro.. Anita. eu também estou que nem sei. ouve aqui o jeito que eu fiz. Anita. mas pouca gente usa isso. e a Neli não dá quatrocentos contos por mês porque a entrada dos cinco milhões ela que daria. Você sabe que não dá... meu querido.] Mariazinha dá cem contos. fica mil e trinta cruzeiros. paga.. ouve. Corinha dá cem contos por mês. como nós. [meu companheiro]. Seis meses a gente agüenta. não pode. a prestação é de 330 contos. mas ela tem 15 milhões guardados. deixou o exemplo dele. faz um mês que nós vamos nessas casas.. pelo amor de Deus.. Neli dá quatrocentos. De onde. jogando. mas está bem. seu Sousa não deixou nada. meu amor.. esgoto.. o condomínio é 80! 80. você viu as casas. Jorge. mil e trinta ANITA: cruzeiros não dá? não dá? Jorge. pode. meu pai tem 230 contos de aposentadoria. agüentamos cinco. Jorge. olha. e fica o 53 . falta água. querem comprar um canto deles. e deve mais.. Dela. a luz é baça.. vamos dizer que eu dê 200 ANITA: contos por mês.. não tem caixa d'água. essa casinha lá em Vila Paciência é cinco mil de entrada e trezentos e trinta de ANITA: JORGE: prestação.. olha. os canos estouram. luz. a Cora não pode dar cem contos por mês e nós não podemos ter duzentos contos livres por mês. nessas vilas.... e nessas vilas de meia parede as pessoas se entrechocam. a casa não tem tanque. ouve.. mas eles não sentem obrigação nenhuma pelo seu Sousa. juntando JORGE: areia. eles tiram 700.. nós fomos lá.. não. porque a gente paga. chegar num açougue é uma aventura... tudo de novo.JORGE: Dá.. imposto predial. da Jaqueline. em Miguel Pereira não faz mal não ter telefone. tudo.. eu sei.. [só que eles não vão conseguir e vão ficar juntando farelo.. Jorge. no prospecto diz seis meses. Eu sei. não me olha como se eu estivesse brincando. tudo. olha. de onde. a farmácia é longe e só tem Melhoral. eu sei que pode.. do marido. ouve. vamos admitir que tudo que você falou aconteça como você precisa que aconteça. se sobrepõem. Anita? eles me deram essas fibras.. Que foi? Humor. e água entrando porta adentro. Perto da gente?. como o Beto. infelizmente JORGE: você existe.. não dá. gente que não tem oitenta anos... você tem a sua. mesmo que a Neli desse trezentos... Jorge. pra enfrentar lama e temporal. e se a gente alugasse um quarto num apartamento aí... me querem sem passado.. mas a gente está só no começo. Todos os Santos.. eles vinham comer aqui em casa. ninguém pode andar sem o seu passado.. eu sou eles. Anita. estou de quatro. guarda suas forças. onde é que eu vou pôr meus pais. 280... não fica você também com raiva de mim. SILÊNCIO) Espero que a corda arrebente.. Anita.. o problema só começou. não é quarto e sala que você quer? Cachambi. junta esse dinheiro. é caro o quarto.. enxurrando pelas calhas. o Brasil vive com 400 contos por mês. me perdoe.....] Comer.. em casa que tem fossa.. Jacarepaguá. Bangu 320 contos. JORGE: (SILÊNCIO) .. e a Corinha quanto tempo vai ficar com teu pai?.. aquela dona Sebastiana era um braço ajudando sua mãe.. que Deus me perdoe! E esse asilo é por um ano. essas vísceras. Anita. sem taxas.. (LONGO ANITA: JORGE: ANITA: JORGE:. prefere a Leopoldina em JORGE: Ramos? 320. Por favor.. Olha. 220. 280. Jorge..... mais da metade do Brasil vive com 400 contos por mês. tem a sua vida. mas a média de idade no Brasil é quarenta anos. na casa da Neli. e poço pra puxar água. Jorge... com 300....resto da vida. Jacarepaguá. (SILÊNCIO) e se a gente alugasse uma casinha.. pastando.... nunca se sabe o que pode acontecer. 54 . 250. Jorge. sou a pulsação deles..... Anita. quarto e sala. Jorge. só começou.. o resto da vida..... me perdoe. (LONGO SILÊNCIO) . tem que ter lugar mais barato que isso. Um pouco de humor... sem esgoto.. duzentos e cinqüenta.. (SILÊNCIO) . Jorge. Mas em rua que não tem calçamento. e é difícil achar quem queira alugar JORGE: quarto pra gente muito idosa. Jorge... porque vem doença aí.. a seco.. Anchieta. o [ANITA: Beto mora em quarto alugado. (PEGA OS JORNAIS ESPALHADOS) Está tudo marcado aqui. em Miguel Pereira eles estavam protegidos de tudo. não quero reconhecer que perdi.. quer dar cem contos por mês.. Jorge.. ANITA: qualquer coisa é melhor que separar os dois. perdi.. mesmo num lugar afastado. 230..... 80 contos de aluguel sei ANITA: lá... Oswaldo Cruz. 200 contos. .. não.. não é?. A PARTIR DAQUI VAI HAVER ALTERNÂNCIA MAIS RÁPIDA ENTRE SÃO PAULO E RIO 55 .. não é? ANITA: JORGE: ANITA:... o andaime. três horas quase. hein. está no prospecto mas é mentira!".. o resultado. [as famílias não são o estrume. meu querido. a gente dorme e não vê.. piso quem aparecer na minha frente. não é?. a família é a célula mater da sociedade mas não é o alicerce.. aqui dentro é que a gente desaperta e morde e esfaqueia as carnes mais tenras. são as floradas na serra!] (LONGO TEMPO) Tudo isso aconteceu porque meu pai é um homem bom. (SILÊNCIO)... ... quando é que o Sindicato vai se mexer?" Vou cuidar de mim! não vou dizer mais pra freguês meu. são obstáculos difíceis de transpor.. podia ganhar muito mais. será que ela está sempre chegando tarde?.. minha única riqueza é uma esperança nublada. sou um inútil. Mas não é bom sacrificar uma menina de dezessete anos. a flor. não é? Acho que sim. digno e pobre. eles querem ouvir palmas.. não tenho? Tem. Mas eu tenho o direito de pedir que minha filha se sacrifique. é para a família que a gente traz a água fervendo que engole lá fora.. amizade. gente que quando me encontra só sabe dizer "como é.... não sei. (LONGO TEMPO). a Susana precisa ter um quarto só dela. pelo menos minha mãe... meu pai... um inútil. Não dá..tudo que acontece no mundo de insuportável vem estourar dentro da família...... não pode ficar ANITA: JORGE: aqui?. minha mãe ficar aqui? Não sei. ela se esmigalha.. .. não sei... corcoveia em cima das nossas melhores saudades e confianças.... "seis meses de garantia não te dou. Anita. vou empurrar tudo pela goela deles! e vou saracotear com patrão! Vou tirar lugar dos outros.. a família é o fruto. sou um inútil. porque como eu sou. (OUTRO TEMPO) Não vou ajudar mais ninguém! Perdendo meu tempo ajudando gente no Sindicato. não sei.. o quarto de uma menina de dezessete anos é um dos seus principais ANITA: JORGE: ANITA: JORGE: campos de batalha. Jorge. Susaninha já chegou? Não.... vou bater palma. a gente não pode pôr um mundo de sucata em cima da família. . meu Deus. vocês vão ver a risada que ela vai dar. Quixote! Sou ao contrário de D. com garbo. Jorge. telefonei na sua frente. tenho que ir trabalhar. JORGE VESTIDO.. Não sou mais da AVBAC. são oito horas da manhã. que ginga. velho amigo. ele tem uma cara boa.. você sabe. Afonsinho! me AFONSINHO: apunhalou! Que é isso. 56 . Será que aconteceu alguma coisa com ela? Não. e no colégio? Não está lá. Jorge.. sua SOUSA: filha tem que ir pro trabalho.. Ela foi dormir na casa de outra colega. sem me trair.CENA 8 ABRE EM SÃO PAULO.. Sousa... como um camundongo.º ato no espetáculo. CENA 9** ABRE FOCO NO RIO.. ANITA E LU DE PIJAMA. Quixote. Ah... onde está essa menina? Não sei. ** É a 10ª do 2. pedido de um velho amigo.. que dançarilha. não sei. Susana esteve lá ontem à noite. * Esta cena foi totalmente cortada no espetáculo. só pode ser isso. AFONSINHO. CORA E UM MÉDICO MAIS DISTANTE. fiz o possível pra aceitar sem me esfaquear. Telefonou pra casa da Leninha? Leninha já foi pro colégio.. não. sou um estrangeiro. Anita. SOUSA SENTADO NUMA CADEIRA NO MEIO DA SALA... ele queria transformar o mundo.... não sou mais de lugar nenhum. Susana tem a cabeça no lugar! ela vai explicar tudo e vocês vão ver... você me traiu. deixa o médico te ver.. mas saiu JORGE: ANITA: JORGE: ANITA: LU: cedo. de um companheiro da AVBAC. não. rindo... AFONSINHO: O médico está aí. você foi buscar o médico.. não sou como você que escapole.. eu queria aceitar. deixa ele ver você. SOUSA: deixa de ser D.. JORGE: ANITA: JORGE: ANITA: Oito horas. peça perdão. sabe. só estou com os cotocos.... minha filha. você é muito boa menina mas você entendeu mal. a Neli disse pro Jorge que não vai poder ficar SOUSA: CORA: com vocês. a Neli não disse isso porque eu não vou ter forças pra aceitar. imagine Corinha. Corinha. largou a gente.. CENA 10* REVERSÃO DE LUZ EM SÃO PAULO CORA: Juro. eu só tenho agora os cotocos. nem sei como te digo isso.. não queria te dizer SOUSA: isso que o senhor está febril. meu velho. meu carnê de aceitar acabou. Corinha.. não. entende? A Neli não disse isso. vai! merda! merda! Peça perdão. Vou telefonar pra tudo quanto é LU: pronto-socorro.. estúpido. me ajuda filhinha. Não. estou com medo. a Neli não disse isso pro Jorge. * Esta cena é a 9ª do 2º ato.. mãe.. ouve. minha querida. sabe? meu cupom de aceitar... CENA 11* ABRE A LUZ NO RIO 57 . isso é absurdo. estou com medo. não quero avisar a velha porque não quero que ela fique mais preocupada. peça perdão... me ajuda. minha filha querida. me segura que estou um pouco tonto. pai. juro pelo que tem de mais sagrado. a Neli saiu fora.. cala a boca. Já disse pra fechar essa matraca! Estúpido. meu velho. É. pai.JORGE: (CORTA) Está bem.. Sabe. Me dá uma lista telefônica aí. Cora.. você não confia na sua filha só porque ela não segue sua cartilha como a do Sousa de largar o emprego quando todo JORGE: LU: JORGE: LU: mundo precisa e. é isso. você é boa menina. é minha filha... vou. Meu Deus. isso mesmo. Solta. sei.JORGE: ANITA: JORGE: LU: Obrigado... CENA 12 REVERTE A LUZ AFONSINHO: Vamos. meloso e fingido! * Esta cena foi ligada no espetáculo à cena 9.. não dá? dá muito trabalho cuidar de filho.. compreensão. Jorge. eu preciso. imediatamente. amor... Estava numa festinha. Sousa.. Esse é o amor que nós sabemos dar! Aceitar que ela corra seus riscos. mas dessa houve briga. deixa ela solta. manda trazer em casa o rapaz.. dá JORGE: muito trabalho. ela precisa.. mulher feita. pois não... a medicina não se desenvolveu nada com 58 . correria. faz um jantar. solta tudo. (DESLIGA) Susana está no 21º Distrito. Eu disse! eu não disse que ia acabar acontecendo uma coisa assim? Não disse? A menina faz o que quer. Mas oito e meia da manhã nunca. eu e minha mulher. E o exemplo que nós damos. não liga pra nada. que ela deve guerrear. amor. maconha. adianta só o exemplo. Acho que ela anda chegando tarde todo dia e a gente não percebeu.. a Susana está em guerra com a gente e eu e minha mulher achamos que isso é LU: bom. amor...... Me sinto ridículo dizendo isso.... com saia por aqui. Quem cuida da vida da minha filha sou eu e minha mulher... não há dúvida.. ela é uma hóspede aqui dentro. não conversa. tratada como se fosse adulta. é uma menina! Com a chave de casa na mão! ela só pensa em sapatos e vestidinhos e ninguém chama a atenção. deixa. Jorge de Sousa. diz trinta e três. houve reclamação dos vizinhos. Não é fácil perceber os filhos. 21º Distrito?. deixa. ANITA: LU: Querem que eu vá lá assinar um termo de responsabilidade. isso já tinha acontecido algumas vezes. carinho. Conversar não adianta.. pois não.. com um namorado por aí fora... anda como quer... em nenhum lugar.... é. (DESLIGA O TELEFONE) Nada.. não é hipócrita. recebe o moço. descobrir como eles são de verdade JORGE: (TOCA O TELEFONE) Alô? 234-5639.. você já está bem melhor. perfeitamente.. não JORGE: LU: JORGE: quero silêncio. Amor... é limpo. deixa. é tão pouco SOUSA: com essa inflação. sem um soutien! eu não disse? deixa fumar.. NELI DESLIGA) 59 . em vez de entrementes discutirmos o progresso da ciência. 286. Haddock Lobo.. diga a idade de Cristo.. imbecil! CENA 13 APAGA A LUZ... . na frente do 21º Distrito. a Lu disse que de pneumonia eu não ia morrer.. ficar de cama..... Podia me dizer o endereço. 33. Asilo.. Afonsinho? Sousa.. dá SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: um trinta e três aí.... Ora que besteira. Sem boite.. Aquela proposta de seu marido ainda está de pé? Qual? . Obrigado..... Ela conseguiu. (JORGE DESLIGA. 43... você acabou! você cavou sua própria fossa...... Até que enfim.. Afonsinho. FOCO EM JORGE E NELI JORGE: NELI: JORGE: NELI: JORGE: NELI: JORGE: NELI: JORGE: NELI: JORGE: NELI: JORGE: Neli? É o Jorge. quero conhecer. entrementes é 33. nada grave. pronto. estou fodido... a idade de AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: SOUSA: AFONSINHO: MÉDICO: AFONSINHO: MÉDICO: Cristo também é 33! Não. imbecil. Susana estava lá.... você é um tratado geral da bobagem. Desculpe a piroca.. 33. Brasília é ideal.. . É possível que sim.. você nunca teve pena de você..todas essas fundações Rockfeller? ainda precisa dizer essa besteira de AFONSINHO: criança? Sousa. .. sem cabeleireiro. está bem.. Quarenta e três. . Que adianta dizer isso se eu não tenho onde morar. sei. a do retiro. sei.. mas nesse estado psicológico pode sobrevir algo mais sério. 33. Sousa Piroca. vai ter agora? Claro..... . dona Corinha.. Pra ele.. repouso... não diga 33. .. viu.. SOUSA: CORA: MÉDICO: CORA: MÉDICO: SOUSA: aplique um emplastro com mostarda. Essa umidade de São Paulo não é ruim pra ele? A senhora tem algum lugar mais seco para onde ele possa ir? Tenho uma irmã em Brasília. asilo. Um minuto. .. é um princípio de bronquite.. Está bem. Muito obrigado. estou falando da rua. é. Acho bom. avó. Dona Lu.. SUSANA VEM DE DENTRO COM LIVROS. O número? um momento.. não faça ela me odiar JORGE: ANITA: JORGE: ANITA: ainda mais. vou embora..CENA 14 APAGA A LUZ. mãe... comigo ele foi demais. parece que virou do avesso. DONA LU ESTÁ SOZINHA. ABRE NA SALA DO RiO DE JANEIRO. Por que hoje é o último dia? Ora.. Ah.. agora tem uma empregada.. Não precisa espanar... ENTRAM ANITA JORGE: ANITA: E JORGE.... (TEMPO. Por favor. DISCA) Queria falar com São Paulo... Dona Lu. minha filha. senta aqui.. Anita.. perdi muito LU: tempo.. Preciso estudar em dobro.... DISCA) Por favor queria falar com o Sousa em São Paulo. Volto às nove. hoje é o dia que a empregada veio. Onde você vai? Na casa da Leninha.. ESPANA OS MÓVEIS. CATATÔNICO.... Anita? 60 . SUSANA: LU: SUSANA: LU: SUSANA: Tchau. 101? disco 101? (DESLIGA... avó. . Você tem de me poupar. Tchau. Tchau... filhinha? O pai está transtornado. (DESLIGA. VAI AO TELEFONE. Além do mais.. não disse um "olha aqui menina"...) Não vou falar com ela. Não vou conseguir. é que eu não sei espanar. (LU FICA TONTA. é tão SUSANA: difícil espanar..... pois não. você não.. a gente já chegou.... chorou aí.. preciso falar com o Sousa. não fez uma pergunta. consertos aí?. Vou embora.. tens um filho demais.. eu chamo depois.. hoje deve ser a última vez que eu vou pra casa da LU: SUSANA: LU: SUSANA: Leninha. por favor. SAI PARA DENTRO PERPLEXA) (TEMPO. Jorge. vou ver.. LU APARECE. você é que tem de falar. UM JORGE: LU: CROMO DE INDIGNAÇÃO CONTIDA) Oi. Quero mesmo ficar por aqui um pouco. não se preocupe. avó. Também me amarrei na LU: senhora. foi em jornal pra não sair o nome dele e sumiu. Jorge. não. o pai e a mãe não foram ver o asilo pra senhora? Foram ver o que.. JORGE SENTA ARRASADO. o meu apaixonado sumiu.. A senhora não me entregou nunca. (SENTA) Como foi o aniversário de sua amiga. peço eu.. eu aluguei. ESTÁ A PONTO DE TER UMA APOPLEXIA... JORGE NÃO CONSEGUE ARTICULAR UMA PALAVRA. SAI CORRENDO PELA PORTA DA RUA. . o médico pediu pra papai ir pra Brasília.... e vir fazer as refeições aqui. (SAI.JORGE: Mãe... hein? (SAI. é a senhora ir para um retiro.. e a gente pode sair?... ando com muito caxirenguengue.... . olha... o fecho da minha mala está soltando. depois LU: JORGE: o pai vai... Quanto tempo? . (LONGO SILÊNCIO) . LU: ANITA: LONGO TEMPO DE SILÊNCIO) Você tem idéia do que ele queria me dizer? . vou ter de lavar uma roupas. Papai vem pra cá amanhã antes de ir pra Brasília. dessa vez vou tomar coragem e jogar algumas coisas fora. todos... a senhora ficar num quarto.. LU: (LONGO SILÊNCIO) Quer dizer que eu tenho de escolher entre um quarto longe do refeitório e um quarto perto do refeitório.. (LONGO ANITA: SILÊNCIO) Por que o Sousa não pode ficar comigo? No quarto. UM TEMPO PARA ANITA.. pois não. uma vez ou outra vir aqui? Claro.. nós alugamos um hotel pra vocês ficarem juntos um dia..... a pessoa não aceita um senhor tão idoso.. e a outra... dona Lu. Ah.. um lugar razoável.... vocês vão me visitar lá. a gente.. procuramos muito.. não há LU: ANITA: LU: ANITA: LU: vaga.. que o clima é bom. LU: JORGE: LU: JORGE: A Mariazinha disse que pode ficar com o Sousa.. PÁRA NA PORTA) . Ah... é que há duas soluções... Ótimo..) 61 ..... acho que prefiro o perto. ninguém conta isso pro Sousa....... que ótimo... (TEMPO PARA FÔLEGO)...... não vão. Anita? Claro. no retiro. achamos um... não sei.. tem outra coisa que eu preciso falar com você.. (TEMPO. (LONGO SILÊNCIO) . Anita está com uma cara! Sai dessa cozinha. está chorando? 62 . pelo menos durante os próximos 120 anos! (CORA RI) Beto. o Sousa não quer ver filho nem dele nem dos NELI: outros.. o ônibus pra Brasília sai às nove.. NELI E ANITA TRAZEM REFRIGERANTES PARA A MESA. não fala assim. ABRE. MÃO NA CARA. é a carioca escarrada! (ANITA PASSA. VAI PARA DENTRO) Ele não fala 33. Anita. você está completamente bêbado. SENTA PESADO. com exceção de Jorge e Susana. esses BETO: fajutos não vão dar as caras. CORA: Juro! Juro! Ele não queria falar 33! Não é uma fajutagem maluca? Pena que o Wilson não veio. (AS VOZES CONTINUAM CHEGANDO) * O telefone e os diálogos que o autor colocou fora de cena foram transferidos no espetáculo para dentro de cena. ELA VOLTA SEM CORRESPONDER A ALGUMA PEQUENA TENTATIVA QUE ELE FAZ DE PEDIR SIMPATIA. Você não está fazendo nada aí. CORA: Ih. ALI FICA FEITO ESTÁTUA. está bem. E DOCES. Mas isso é evidente. AS VOZES VÊM DO QUARTO.) (CORINHA APARECE ABRAÇADA CORA: COM SUSANA) [Vou levar o telefone pro quarto. OLHA O PAI COM A MÃO NA BETO: CARA. NÃO FALA COM ELE. RISADA DE CORINHA VINDA DO QUARTO NO APARTAMENTO DO RIO. AS PESSOAS ENTRAM E SAEM. (VAI PARA DENTRO COM O TELEFONE] (SUSANA FICA AO LADO DO PAI) (CORA FALA JÁ LÁ DENTRO) Mas eles não vêm? Os velhos não vêm? Já são quase sete e meia. Olha a Susana! Como está bonita! Olha a carioca. o diretor retirou todos os personagens de cena. JORGE VEM DE DENTRO. porque ele agora só tem uma boa preocupação na vida. OLHA JORGE. NELI: VOZES: ele agora está preocupadíssimo em morrer! Beto. ele está de prova! O médico contou pra ele! (SUSANA ENTRA PELA PORTA DA RUA.CENA 15** LUZ. JORGE OLHA. preciso falar com uma amiga. ** Após fala de Cora para Anita "você está chorando?". .. te põe de quatro. "um pastel".. Anita. velho? É a Cora. ACENDE NUM BANCO DE RODOVIÁRIA. não.. localizá-lo. pro Beto mandar as piadas dele pra Brasília. vou continuar... faça o favor de vir para cá? Eu vou comer um doce... Neli trouxe uns doces... sei lá da Mariazinha.SUSANA: JORGE: SUSANA: JORGE: SUSANA: É sua essa idéia de fazer uma festa antes do avô ir embora? Não é idéia de ninguém. OS DOIS VELHOS CHEGAM. meu Deus. Jorge economizou na gasolina. eu adoro esse velho. (CORINHA VEM CORRENDO DO QUARTO... Ah... Um beijo pro senhor também. hein?] CENA 16 APAGA A LUZ. o seu domínio... pai... é ou não é? CORA: (RI SELVAGEM... eu comprei uns refrigerantes. SILÊNCIO) Ô. eles foram chegando. o Beto. a Neli comprou uns docinhos. (TEMPO). eu sou visita. um beijo.. Neli. faço parte dela. SEGUIDA DE BETO E NELI) Alô...... acho que eles desfiaram ela. vem aqui comer "um pastéis" com a gente. TODOS REUNIDOS) É. MEIO CHORANDO) . Susana. está bem..... pai.. "um pastel". aceitar o poder dela. [BETO: Ele não vem. acho que a Cora.. com discernimento.... significa conhecê-lo. ô pai.. mas sem entregar tua alma. não é um ato de submissão... Não posso.... aceitar a força do inimigo com calma. aceitando? É assim? se conformando com tudo? É assim com essa submissão que você quer que eu leve o meu barco? Ouvi dizer JORGE: que até o Sindicato você vai deixar.... O que é que houve? vocês disseram que vinham aqui. (FALA COMO SE ARRANCASSE CADA PALAVRA DA CARNE. Acaba com essa palhaçada. puxa. MALA NA MÃO DE SOUSA. (LONGO SILÊNCIO.... Se eu ainda me lembro de você? (MEIO RISO). não. parece que é assim CORA: que começam todos os bons planos de ataque. a força que te derrota. aceitar o fato consumado.. é assim.. 63 . mandou dizer pra você que "estamos na batalha". lembranças para o Arildo....... (TELEFONE TOCA).. a bandeira que o Sousa botou na nossa mão.. vai fajutar. a Neli.... eu vou continuar. (DESLIGA) Jorge. é tão bonito. você ia gostar dele. Está na hora. SOUSA FAZ VOZ: COISAS COM A LíNGUA) (LU TAMPA SUA BOCA) Passageiros da Viação Expressa com Destino a Brasília. e ainda faltam quinze SOUSA: LU: SOUSA: LU: minutos. parece um ônibus firme.. aplicado demais. LU SOUSA: RI) Ah.. A gente podia ter ficado no aterro.. Sousa. (RI) Ah... (OLHANDO) Ih...... o homem pensou que eu ia bater nele. lembro daquela vez na repartição que você passou um processo de um senhor na frente de todos os outros e ele agradeceu e estendeu a mão pra você e disse "olhe aqui.LU: . é do senhor". Lu. meu Deus...... sabe o que ele diz? Demorandum.. você ficou indignado. muito SOUSA: confortável. Sousa Piroca. me explicou de lá de longe. que horror. Mas ele leva muita fé em mim. Não acredito. o senhor está enganado comigo!" aí o homenzinho pobre disse.... você. Deus ajuda a quem madruga. é. e não sabe bem o que quer dizer entrementes." . "não é dinheiro. muito bom. você voltou um devasso. por SOUSA: LU: favor... você não acredita em Deus. está todo mundo olhando pra você.. (SOUSA RIU. Hum.. Boa viagem. você está inventando. pecado! Ele diz "entrementes" pra tudo. passeando um pouco... O Afonsinho vivia fazendo assim. 21 horas... (MORREM DE RIR) Ele me chamava de Sousa Piroca.... Foi muito engraçado... bonito.. falando alto... imagine que ele tem três filhos e não vê os meninos há seis meses e eles LU: SOUSA: moram a dois quarteirões! Ah.. Sousa... Ah. Você tem dinheiro pra voltar pra casa do Jorge? 64 . lembra? "Adiantei o seu processo porque sua esposa ficou paralítica. (FAZ AS COISAS QUE LU: AFONSINHO FAZIA COM A LíNGUA) Sousa. estou me lembrando do Afonsinho. estamos nessa rodoviária há uma hora. (RIEM ÀS LÁGRIMAS.. sempre. é a sua caneta que caiu no chão. não quero dinheiro.. moço.. eu sou o famoso Sousa Piroca e você nem sabia disso. como você é.... Sousa. Sousa Piroca é assim. descer à plataforma dois.. Sousa. você e sua mania de chegar cedo.. Lu.. pelo amor de Deus.. Sousa... tudo está bem pra ele.. Que memorandum é pra lembrar e LU: SOUSA: LU: SOUSA: demorandum é quando demora. olha. mas volta e meia ele sapeca o entrementes dele. . (UM TEMPO.. Não.. Sousa. Ah.. não deixe de se alimentar. você. passageiros de Brasília. Não. (TEMPO DE SILÊNCIO) Até logo. SOUSA VOZ: TAMBÉM) Segunda chamada. ELE DÁ UM DINHEIRO) Coma durante a viagem. TEMPO.. Dou sim..] Um abraço na Mariazinha.. LU FICA SOZINHA UM TEMPO. Lu.. Está bem. UM ABRAÇO FORTE) [Já estou me SOUSA: LU: SOUSA: LU: acostumando a ficar longe de você. (SOUSA SORRI. LU SAI) FIM 65 . Lu.. Viação Expressa. 21 horas. Boa viagem. LU DÁ ADEUS.. UM TEMPO... Abotoa o botão do pescoço. Abotoa o botão do pescoço. afinal sou o Sousa Piroca.. (RIEM. RUÍDO DO ÔNIBUS.. . O RUÍDO DO ÔNIBUS DIMINUI. hein? Quem tem de ficar preocupada é você. Até logo. não estou arrependido. Lu. VOLTA) Lu. cuidado. hein. pinica. nem eu.LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: SOUSA: LU: . Sousa Piroca.. Lu Piroca... sabe. (SAI. SOUSA: LU: Plataforma 2.. (RI MUITO. você. Lu.