Valerio Fiel Da Costa-Vinholes e Cage

March 26, 2018 | Author: Diogo Mizael Genryu | Category: Pop Culture, Time, Poetry, Japan, Piano


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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICAMONOGRAFIA DE DOUTORADO “VINHOLES E CAGE: TEORIAS, INDETERMINAÇÃO E SILÊNCIO” Pesquisador Valério Fiel da Costa Orientadora Profª Drª Denise Garcia Campinas, julho de 2005 1 VINHOLES E CAGE: TEORIAS, INDETERMINAÇÃO E SILÊNCIO Valério Fiel da Costa [email protected] Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP Orientadora: Profª Drª Denise Garcia Resumo Nesta monografia procuro estudar alguns aspectos da obra do compositor pelotense Luiz Carlos Lessa Vinholes, primeiro brasileiro a produzir obras de caráter indeterminado, em comparação com aspectos similares da obra do compositor norte-americano John Cage, tais como suas iniciativas de criação de novas teorias de estruturação musical a partir do ritmo, utilização do silêncio em suas obras e opção por poéticas voltadas para a indeterminação em música, com o intuito de entender a posição de Vinholes no âmbito da produção de música aleatória a partir do início da década de 60. Este trabalho faz parte de minha pesquisa de doutorado sobre música indeterminada brasileira. Palavras-chave: L.C. Vinholes; John Cage; indeterminação. Introdução Porque esse contraponto entre Cage e Vinholes? O que se espera ganhar com isso? O que é que tem a ver Cage com Vinholes? Essas perguntas me perseguiram durante toda a redação desta monografia. Com o passar do tempo e do texto, fui percebendo, porém, que diante de mim (e de nós) talvez esteja se começando humildemente a descortinar todo um capítulo da história da música brasileira muito mal-contado até então, que se referiria a essa música enquanto processo, ou obra aberta, ou obra em movimento, ou música aleatória, ou música indeterminada. Antes de começar tal trabalho achava que a única abordagem útil para se pensar nossa produção de música aleatória fosse pesquisar em cada compositor sua genealogia poética ou estética na música européia ou norte-americana. “Você é afilhado de quem: Stockhausen ou Cage?” Conhecendo Vinholes fui forçado a reconsiderar isso. Quando ouvi pela primeira vez as obras do compositor pelotense Luiz Carlos Lessa Vinholes, durante o XIV Congresso da ANPPOM (Porto Alegre – 2003), tive imediatamente a impressão de que estava diante de um compositor filiado às idéias de John Cage sobre utilização de material, silêncio e acaso. Para mim foi uma bela surpresa ter enxergado isto, uma vez que o programa dos concertos citava Vinholes como um herdeiro de Webern. De weberniano constava somente, pelo menos aos meus ouvidos, um certo essencialismo no que diz respeito ao gestual sonoro usado nas peças, o gosto pelo pouco, algo do grupismo de alguns trabalhos do mestre vienense tais como o Concerto Op.24, onde fragmentos da série são salpicados no tempo adquirindo status de personagens autônomos envolvidos num clima silencioso; a duração bastante pequena de suas peças seria outra característica afim. O material de Vinholes, porém, era ainda mais rarefeito. Tratava-se de uma simplicidade mais radical. Tal constatação, aliada à descoberta de que o compositor utilizava métodos aleatórios em algumas de suas peças, me fez pensar no John Cage das Music for Piano 1-84 (1952-56), peças cujo material sonoro, fruto de operações de acaso, muitas vezes não ultrapassa 4 ou 5 notas por página e onde o silêncio adquiria um significado novo como espaço de contemplação dos sons ambientais, figurando como uma entidade, mais psicológica que acústica, dependente da intencionalidade de escuta do fruidor. 2 peças que nunca soam iguais a cada performance. um estudo mais aprofundado sobre a simplicidade em Cage e Vinholes torne isso necessário mais adiante. no século XX. Ao mesmo tempo. quase inevitável. como referencial. a influência da estética oriental em ambos os compositores. Não discuti. sua arte sonora. a maneira como se deu sua ruptura com seus mestres. Não há pressa”. O que dizer de Vinholes. Cage surge. a questão da acessibilidade irrestrita em comparação a uma acessibilidade conjuntural. Apesar de. ao contrário do estruturalismo que parte do macro sobrepujando o micro de Cage. ao passo em que há muitos pontos de contato entre os dois compositores no que se refere ao caminho que os levou à indeterminação (mote principal deste trabalho). tais como a sua formação. A história não seria capaz de perdoar tal atitude. Tomei o cuidado de não conceber a estética cageana como um molde a partir do qual entenderia Vinholes ou vice-versa. de música aleatória. visto que já havia estudado Cage durante meu mestrado na UNICAMP. pelo contrário. seus ruídos. por exemplo. atrasado. Vimos que. a atitude dos músicos diante dos ruídos do público que. as conseqüências estéticas de uma poética do silêncio em detrimento de uma poética do sonoro. Luiz Carlos Lessa Vinholes. certamente havia em suas peças diferenças fundamentais que mereciam ser investigadas. a valorização do silêncio. seus trabalhos remeterem à estética cageana. acasos. vai acabar dando em alguma coisa. Do contraponto Cage-Vinholes. A história da música brasileira que nos foi legada não parece muito simpática para com nossos compositores experimentais com seus happenings. num primeiro momento. Enfim. a busca pela liberdade baseada no indeterminado. ficou a impressão que ainda há muito a percorrer antes de se esgotar o tema. apesar da aparente confirmação de tal genealogia estética. seus silêncios. “Se tem interesse. Talvez. porém. um compositor que fez questão de não se produzir ou divulgar seus produtos musicais por aí Antes de começarmos nossa entrevista em seu apartamento em Brasília ele me disse que minha visita era um sinal de que as coisas que ele fez têm algum interesse. Um indício disso. assim. indeterminação e silêncio. John Cage.Em Vinholes. Meu trabalho foi no sentido de entender como se deu no Brasil o primeiro suspiro daquilo que chamamos. que foi 3 . havia algo diferente no que se refere aos seus silêncios. tal comparação acabou por me ajudar a compreender melhor. Tinha seu peso e relevância no desenrolar das obras. senão indispensável. procurava sentar-se para apreciar o espetáculo: uma certa apreensão e expectativa pelo estabelecimento de uma janela de silêncio real através da qual a música pudesse começar. Eles não se encontravam tratados como a entidade psicológica cageana. Quem seria este compositor atomista? Como é pensado seu silêncio estrutural? De onde viria a relação de Vinholes com o aleatório? Seria cageano? Teria motivação ideológica ou puramente estética? Esta monografia pretende tratar estas questões. foram surgindo pequenos conflitos estéticos e poéticos entre os dois compositores que me ajudaram a entender o que havia de mais singular na obra de Vinholes: o pensamento estruturalista partindo do micro se propagando e sobrepujando o macro. inclusive. suas não-coisas. Era necessário ouvi-los à maneira como o compositor os dispôs no tempo. estavam inseridos no contexto como blocos estruturais. necessário apenas na medida em que me ajudou na aproximação da poética de Vinholes. A homenagem em Porto Alegre durante a ANPPOM de 2003 seria outro sinal. a iniciativa de criar novas teorias de estruturação musical. A abordagem a que me propus consiste em realizar um contraponto entre Vinholes e Cage no que diz respeito às suas idéias sobre teoria. manifesta pelo trato com o material sonoro. cantava no coro da Catedral e. bastante rico. nunca usou seu prestígio e poderes para favorecer-se. organiza concertos de música contemporânea. tendo sido indicado pela pianista Yara André. Ao chegar no Japão. Coisa que fez abundantemente quando se tratava de outros artistas. em 1933. 4 . Luiz Carlos Lessa Vinholes nasceu em Pelotas-RS. Participa. 43). onde iniciou seus estudos de música. Após o Curso acabou indo morar em São Paulo. além de estudar no Departamento de Música da Universidade de Tóquio. de vários grupos corais. como cantor.responsável pelo Setor Cultural da Embaixada durante mais de 10 anos nas suas duas estadas no Japão. Tal ofício de copista o aproximou do repertório e da teoria musicais. Neste mesmo ano assume o lugar de Koellreutter. é conveniente procedermos com apresentação de um resumo de sua carreira como músico. solicitou à prefeitura da cidade que lhe desse uma bolsa de estudos para ir ao Curso. foi aceito no Departamento de Música do Palácio Imperial para 1 Ver bibliografia. como membro do Grêmio Béla Bartok dos alunos dos Seminários. Em 1957 recebe uma bolsa do Governo japonês para estudar música tradicional japonesa em Tóquio. trabalhava como copista da Orquestra Sinfônica de Pelotas. Espero que este trabalho venha somar-se aos textos daquela ANPPOM de 2003 e à dissertação de mestrado de Mario de Souza Maia sobre Vinholes para começarmos a juntar os cacos conceituais e históricos da aventura da indeterminação no Brasil. Em 1952. jazz e música étnica na capital paulista. flashes neste sentido sempre que algum aspecto biográfico seu vier a auxiliar na presente investigação. divulgador febril que foi de nossa cultura no Japão e no Mundo. música antiga. que havia se transferido à Bahia. em razão das ainda poucas referências a ele em nossa bibliografia. Pretendo realizar. além de conhecer os poetas que iniciavam o movimento que resultou na poesia concreta. Quanto a Vinholes. 56). vendo o seu empenho. sobre John Cage. Não é nossa intenção realizar neste espaço um estudo biográfico. foi aceito por Koellreutter no Curso de Férias de Teresópolis. poeta e funcionário do Itamaraty antes de prosseguir. Em 1946. O compositor aproveita o cargo para realizar desde a defesa da música moderna e a crítica ao circuito de ensino de música tradicional até análises de peças de compositores contemporâneos como Boulez e Stockhausen (Maia: 1999. Depois de muita burocracia a bolsa foi concedida (Maia: 1999. porém. Esta temporada em São Paulo o permite estudar composição regularmente com Koellreutter e estrear alguns trabalhos. quando este esteve em Pelotas para reger sua Orquestra Sinfônica em dezembro de 1950. Vinholes já conhecia pessoalmente o mestre alemão naturalizado brasileiro. participa de estréias brasileiras de obras como a Paixão Segundo São Mateus de Bach e da Missa de Notre Dame de Machaut. Nesta ocasião Vinholes chegou a receber algumas aulas de contraponto e Koellreutter. Nesse período. expõe sua teoria de organização de células rítmico-melódicoharmônicas batizada de técnica Tempo-Espaço. mesmo que resumido. fundador do Grupo Música Viva. onde trabalhou como secretário pessoal de Koellreutter como forma de pagar pela sua estada enquanto estudava nos Seminários Livres de Música (antiga Escola Livre de Música da Pró-Arte). Vinholes Segundo o estudo biográfico. numa série de 3 conferências intituladas Uma Nova Tentativa de Estruturação Musical. Em 1956. como crítico de música do Diário de São Paulo. em 1949. realizado por Mario de Souza Maia em 19991. a música da corte japonesa. a pedido do então Ministro das Relações Exteriores. ano em que organiza uma exposição de música contemporânea brasileira na Galeria da Embaixada do Brasil em Tóquio onde constam 474 partituras de 97 compositores. período em que volta a compor. Nesta obra os intérpretes tocam seguindo instruções impressas em cartões mostrados por membros da platéia. o jovem compositor assumiu o compromisso de dedicar sua vida à música. 5 . antologias poéticas e traduções para o japonês de peças de teatro. evento de enorme repercussão (Maia:1999.estudar o gagaku. Acaba como o introdutor da técnica dodecafônica ao tornar-se professor de composição de Nely Jimenes e organizador e regente de coro infantil. Entre 1958 e 1961. Podemos ver nessa trajetória de Vinholes alguns pontos de convergência entre ele e Cage que vão além do uso do aleatório em suas obras. criador do dodecafonismo. quando. Em dezembro de 1961 estréia em Tóquio sua primeira obra aleatória Instrução 61 (a primeira produzida por um brasileiro). Tais elementos serão usados mais adiante para estabelecer pontos de contato entre as duas personalidades. Relevando seu trabalho de intercâmbio cultural no Japão proporcionado pelo emprego na USIMINAS. Este episódio bastante conhecido da biografia de Cage marca o início de seu relacionamento com o mestre alemão. Entre elas a peça TempoEspaço VI – Kasumi. Várias outras mostras de poesia concreta foram organizadas pelo compositor até o ano de 1964 no Japão. Superando os mestres John Cage foi aluno do compositor Arnold Schoenberg entre 1935 e 1938. no ano seguinte. retorna para o Japão permanecendo lá até 1977. Penderecki e Stockhausen. assim como em seu trabalho com poesia. Em abril de 1960 organiza a primeira mostra de poesia concreta brasileira fora do Brasil. e a liberdade do intérprete em interferir no resultado de suas músicas passou a ser uma constante. Tal procedimento seria utilizado posteriormente em Instrução 62. depois de 10 anos no Japão. Para conseguir estudar com Schoenberg sem ter que pagar o caro preço das suas aulas particulares. Vinholes participou como compositor convidado ao lado de Schoenberg. Promoveu edição de partituras de compositores brasileiros. Tal temporada dura até 1974. Ambos. Durante sua permanência naquele país. realizaram um sólido trabalho literário e foram teóricos de suas próprias idéias. que foi estreada no 1º Festival internacional de Música Contemporânea de Osaka. Durante o ano de 1962 Vinholes apresentou um programa de rádio chamado Canta Brasil. O mestre alemão. Em 1967. Neste mesmo ano participou da fundação em Osaka da Sociedade Internacional de Artes Plásticas e Audiovisuais. se encontrava exilado nos EUA desde 1931 devido à ascensão do nazismo na Alemanha. o compositor vive em Brasília com a esposa. Como compositor produziu. em Tóquio. 84). dedicado à música e à poesia brasileira em Tóquio. não se dedica à produção de obras. e permanece no país até 1989. serve como intérprete do príncipe herdeiro Akihito na viagem ao Brasil e decide instalar-se no Paraguai para ficar mais perto de casa. Na ocasião estudou o shichiriki (pequena flauta vertical) e o sho (órgão de boca). muda-se para o Canadá. Vinholes é contratado pela USIMINAS para trabalhar com os brasileiros da empresa no Japão. até 1964. a Embaixada Brasileira em Tóquio acabou por contratá-lo para cuidar do Setor Cultural. em um determinado ponto de suas carreiras se interessaram pelo Oriente. diversas obras. Atualmente aposentado. Em outubro de 1977. Eu fiquei indignado. começaram a surgir entre eles sérios conflitos teóricos motivados pelo fato de Cage não aceitar o estudo da harmonia como base válida para se pensar uma arte que. Eu disse 6 . ou seja. marca uma ruptura importante entre Cage e seu antigo mestre. Então ele disse que eu sempre encontraria um obstáculo. Com o uso do acaso para determinar a continuidade dos sons no tempo. Era como um tigre defendendo Schoenberg (Kostelanetz: 1991. comportava-se como um verdadeiro partisan defendendo o mestre alemão. tomado como único elemento realmente indispensável para a concepção de qualquer música. escolhe seqüências de fragmentos melódicoharmônicos dentro de uma série pré-concebida de objetos. É a partir desta idéia que Cage passa a elaborar suas primeiras propostas de organização musical tendo como parâmetro primordial o ritmo. Eu era extremamente partisan. outro conflito importante diz respeito à preferência cageana pela conectividade de material sonoro (tendência não-linear) ao invés da continuidade valorizada por Schoenberg (tendência linear) (Bernstein: 2002. pouco antes de assumir o acaso como método de disposição de material sonoro.8). que seria como se eu chegasse a um muro pelo qual eu não podia passar. a partir do último movimento do Concerto for Prepared Piano and Chamber Orchestra (1951). onde este último declara não ter ouvido para harmonia. já havia incluído como parâmetros estruturais importantes o ruído e o silêncio. Schoenberg disse: “para escrever música. incapaz de gerar novas formas e pregava a variação como norma. o aspecto da repetição literal. você precisa ter sensibilidade para harmonia”. É também bastante conhecido o diálogo entre Schoenberg e Cage.Cage idolatrava Schoenberg e. Na verdade. Mesmo em obras tardias como as Sonatas & Interludes (1948) para piano preparado Cage ainda deixava transparecer alguma dependência em relação à linearidade. o aspecto conectividade só veio a ser plenamente desenvolvido por Cage muito depois do fim de seu contato com Schoenberg. deixaram de figurar como centrais na obra do compositor. Além disso. bem como o controle sobre a conectividade dos sons. àquela época. Cage valorizava esta mesma repetição justificando-se com uma imagem do próprio Schoenberg a respeito da variação: de que esta seria nada mais que uma repetição não literal (idem. Stravinsky veio morar em Los Angeles e um empresário local apresentou um concerto com as suas músicas como Música do maior compositor vivo. marchei determinado até o escritório do empresário e disse a ele que pensasse duas vezes antes de fazer esse tipo de declaração numa cidade onde vivia Arnold Schoenberg. Cage. ao invés de preencher seus espaços de tempo com material improvisado. constituindo-se numa marca do período imediatamente anterior à produção das suas primeiras obras baseadas em séries de objetos sonoros e quadros de material gestual melódico-harmônico. onde. numa entrevista para Jeff Goldberg relata: Enquanto estudava com Schoenberg nos anos 30. 35). 29). em obras como o String Quartet in Four Parts (1950). enquanto Schoenberg criticava a repetição literal como um procedimento estéril. técnica usada até então. Com o passar dos anos. Já a opção pela repetição literal de material foi amplamente explorada em suas obras para percussão a partir de 1939 e para piano preparado entre 1940 e 1948. Segundo Bernstein. dentro do clima de disputa entre schoenberguianos e stravinskyanos comum à época. O professor adverte para a impossibilidade de desenvolver-se na composição musical sem tal preparo: Depois de ter estudado com ele por 3 anos. entre serialistas e neo-clássicos. O interesse por uma música baseada não em material escalar ou serial. mas no total sonoro. dentre todos os alunos que teve nos EUA. eliminando aquelas consideradas dissonantes e por isso desinteressantes e inúteis como segundas... esteve. o trítono. Diante dessa circunstância. no fundo. resolveu não se envolver neste conflito. desenvolveu-se. seguiam o desenvolvimento do processo harmônico. combinações consonantes. em termos teóricos musicais.). que acabou funcionando como um novo dogma para aqueles que desejassem acompanhar a vanguarda musical brasileira. porque se é só isso. 7 . das segundas e sétimas e tudo aquilo que criasse caso em relação ao que era utilizado pelos adeptos da harmonia tradicional. que se repete na composição como forma de manter coerência melódico-harmônica. ligado aos compositores brasileiros interessados na técnica dodecafônica. Mesmo quando. Tal neutralidade teve reflexos na maneira como compunha e motivou o fim de seus estudos com Koellreutter. Eu já descobri que é só isso. como intervalos de terças. e interessado antes de tudo na liberdade criativa. declarou que. enquanto estudava composição com Koellreutter em São Paulo (outro mestre alemão exilado na América devido ao nazismo). por outro lado. Schoenberg nunca reconheceu o aluno como compositor. vou dedicar minha vida a bater com a cabeça contra o muro” (Cage: 1985. ambos (. em meados dos anos 50. porém.. enfim. os dodecafonistas o que fizeram? Fizeram a apologia de tudo aquilo que era negado pelo conceito bom e certo. Continuamos grandes amigos e tudo mais (Vinholes: 01/07/2005). 132).. (. quintas acompanhadas de terças. etc. ou melhor. É do próprio compositor a explicação do fato: Ele (Koellreutter) deixou de ser meu professor de composição no dia em que eu desrespeitei a técnica dodecafônica (. Vinholes conclui que. O mote foi a peça dodecafônica Paisagem Mural (1955).) Em meio a esta confusão. acabou sendo criada uma estética dodecafônica. O compositor. só que de lados opostos. então tenho que sair pra outra (idem. se utilizavam de recursos que eram aceitos. uma estética da dissonância. as regras da série dodecafônica.. mas como um inventor genial (Kostelanetz: 1991. Vinholes decide pela neutralidade. ou seja. 114) Este diálogo marca o fim do relacionamento entre Schoenberg e Cage. apenas Cage era digno de ser lembrado. Maia vê a situação da época da seguinte forma: Os nacionalistas. sétimas. Nesta época estes se encontravam em pleno conflito ideológico contra os compositores nacionalistas. 6). A questão é que. Vinholes. o uso da dissonância.) vêm a ser a mesma coisa. 133).. em meio à disputa ideológica entre nacionalistas e dodecafonistas. muito mais tarde. Ele me disse “se você não corrigir isso eu não lhe dou mais aula”. baseada em uma seqüência de intervalos formados pela disposição de doze notas. O dodecafonismo é uma técnica de composição teoricamente neutra. harmoniosas. Por sua vez. Um é o espelho do outro (Maia:1999. pra mim é pouco. sextas.“Nesse caso. referiu-se a ele não com um compositor. Eu lhe respondi claramente “então essa vai ser a nossa última aula mesmo”. a partir da utilização da técnica dodecafônica. considerados certos. Fiz a Paisagem Mural desrespeitando as normas. no Brasil. O próprio Vinholes chega a declarar a Maia em 1998: Eu não posso estar jungido a isso aí. Os anos 40 foram caracterizados. sempre se referirá a esta estruturação rítmica como chave para suas composições. ou organização sonora nos seguintes termos: material sonoro disposto. 34). para Cage. Cria. quando do formalismo exacerbado da técnica dodecafônica. não mais um aluno e ambos serão colaboradores e amigos íntimos durante décadas. configurando-se com isso uma forma. 2 8 . onde a total autonomia entre as partes e a possibilidade destas serem tocadas em qualquer quantidade dentro dos limites da partitura faz com que não seja mais possível identificar as balizas temporais da teoria (N. Constam desse período seus trabalhos envolvendo grupos de percussão e piano preparado. elaborado muitas vezes pelos próprios dançarinos. sem dança. dentro da qual a forma se desenrola. Forma. Em peças de concerto. Vinholes foi obrigado a inventar novas estratégias composicionais que o liberassem tanto de uma tradição tonal considerada caduca. Koellreutter passa a considerá-lo um colega. respectivamente. dentro de estruturas pré-concebidas.Vinholes faz questão de frisar que este momento marcou o início de uma relação de horizontalidade entre os dois compositores. A maioria destas peças foram compostas tendo como mote o acompanhamento de dança. quando começou a escrever obras onde tal referencial torna-se prescindível ou mesmo inexistente. Cage colaborava com grupos de dança compondo e tocando. onde propõe uma forma sistemática de tratar o material sonoro sem vinculá-lo diretamente a nenhum sistema pré-estabelecido. ainda era considerado um bloco a mais na paleta que o compositor pretendia criar (como veremos. no ruído durante os anos 30. por uma ênfase muito grande nos parâmetros material e estrutura. O silêncio. Cage.). Cage experimentou criar relações mais abstratas usando o chamado princípio micro-macrocósmico de organização rítmica. O parâmetro cageano estrutura foi questionado pelo compositor ainda nos anos 50. seria a disposição de tudo aquilo que soa dentro de uma peça e estrutura. mesmo quando estiver em questão a ruptura com algum dos conceitos2. idêntico ao silêncio deliberado de Vinholes).P. Cage podia conceber a música. Esse modelo foi adotado como base para sua estruturação rítmica (Cage: 2000. 35) (Fig. conteúdo e forma. Teorias emancipatórias Cage estava interessado. acima de tudo. Desde fins da década de 30. em 1956 uma solução pessoal para o impasse. O que tinha à mão: uma paleta de ruídos (seu grupo de percussão ou preparações de piano) e um esquema rítmico. porém. de acordo com um método.1). Para continuar compondo. Rompendo com uma estruturação baseada em alturas. durante sua carreira. e empenhou-se em desenvolver uma estruturação rítmica capaz de abrigar tal entidade sonora. onde as pequenas partes da peça possuíam entre si as mesmas relações que as grandes partes como em First Construction (in metal) (1939) (idem. para compor a parte musical. em um primeiro momento. a divisão temporal definida pelo compositor previamente. chamada de Teoria Tempo-Espaço. nos termos da estruturação rítmica cageana. Os termos forma e estrutura querem dizer. É o caso de obras como Winter Music (1957) para de 1 a 20 pianos e Concert for Piano and Orchestra (1958). finalmente. No artigo de 1944.17). The Music of John Cage. É a essa abordagem que se deve o aspecto de colcha de retalhos de peças como First Construction (in metal) (1939). Os aspectos da forma e do método nunca adquiririam uma sistematização própria.1 – estruturação rítmica da peça Fisrt Construction (in metal) (Pritchett. a música de Cage do final dos anos 30 caracterizava-se pela total sujeição da forma em relação à estrutura. hora ignoradas (Cage: 1995. New York: Cambridge University Press. And the Earth Shall Bear Again (1942) (Fig. dançarinos e audiência gostam de ouvir e ver as leis da estrutura rítmica hora obedecidas. tornaram-se produto de operações de acaso.Fig. 9 . num segundo. James.2) e Daughters of the Lonesome Isle (1945). 1995. Cage chama atenção para a relação entre forma e estrutura. De fato. 92). afirmando que os músicos. Grace and Clarity. Num primeiro momento eram frutos de improvisação. frutos de escolhas realizadas dentro de séries de objetos ou quadros de material sonoro e. p. ou seja. Maia chama atenção para o fato de que a grande maioria dos compositores brasileiros optou por experimentar técnicas que estavam sendo exploradas por compositores dos EUA ou Europa e. ao invés do puro arbítrio da improvisação. desse modo. Tal evolução levou a forma a tender a uma auto-referencialidade. as séries e os quadros de material gestual para organização da forma. Cria seu próprio sistema de organização sonora a que veio chamar de Teoria Tempo-Espaço. como forma de resolver o problema do arbítrio e seus sotaques dentro da composição. John Cage. Vinholes resolve pôr em teoria uma série de idéias que vinha gestando desde 1952. Posteriormente. Em 1956.Fig. 1 . As barras duplas representam pontos importantes da estrutura rítmica. Mas a flexibilização total só viria quando Cage resolveu usar o acaso como método para organizar a forma dentro da estrutura. Sonatas & Interludes – 1948). no caso de Vinholes. 67886a. as músicas de Cage desse período (fins da década de 40). Prepared Piano Music. 136). Quando esta referência deixa de existir como conseqüência natural de uma busca de Cage por uma maior flexibilidade entre forma e estrutura. A adoção de uma estrutura racional como referência tinha papel importante na construção de uma música de caráter não-linear. o compositor passou a flexibilizar a relação entre forma e estrutura. seu pensamento estava dirigido para uma alternativa própria (Maia: 1999. quase podem ser classificadas como grandes improvisações escritas (Music for Marcel Duchamp – 1947. New York: Peters. O acaso surge.2 fragmento da partitura de And the Earth Shall Bear Again (1942). Vol 1: 1940-47. torna-se necessário utilizar. p21. por tempo. Uma vez fixados os detalhes de sua teoria.Por espaço.. Ao misturarmos estas formas alternadamente ou não. como forma de ilustrá-la (Fig. que podem ser apresentados e combinados de diversas formas. que seriam qualquer intervalo entre duas notas e unidades temporísticas (UT) que seriam as figuras de duração a serem vinculadas às figuras espaciais. Havia parâmetros que deviam ser seguidos rigidamente com relação ao que era aceito ou não era aceito. Na música dodecafônica havia proibições. A nova teoria acabou exigindo uma nova terminologia o que.4). acabou. Não interessa se tem terça se não tem terça. possui longa duração.. eu queria sair dessa prisão. você faz aquelas três formas de apresentação de cada núcleo e pronto. temos uma estrutura rítmica mista (ERM). Ao ligar estes dois conceitos. num primeiro momento dificulta a sua compreensão. a duração de cada nota. isso não interessa mais. O compositor classifica ainda os processos de estruturação relevando a variedade de formas e estruturas utilizadas em determinado caso. tem-se uma unidade estrutural (US) Fig. F2 – a primeira freqüência extrema (pfe) (localizada à esquerda da célula). UT e US Em seguida são elencadas as várias maneiras de apresentação destas células rítmicomelódico-harmônicas. caracterizados por uma relação melódico-harmônica qualquer. acabou.UE. Vinholes escreveu a peça Tempo-Espaço Ie II. se tem trítono. Temos unidades espaciais (UE). Não há nenhuma recomendação quanto à utilização de alturas específicas. Eu queria acabar com isso. (Vinholes: 01/07/2005). consonância e dissonância. Sua teoria está baseada em pequenos núcleos (células) de notas. se não tem trítono. Criei tempo-espaço onde isso não acontece. 1 .3 . para resumir. Vinholes entende a diferença de freqüência entre duas notas (intervalos). que podem ser ligadas umas às outras formando as chamadas unidades estruturais consecutivas (UC) e apresentadas de 3 formas: F1 – as freqüências extremas (fe) possuem curta duração admitindo um silêncio estrutural entre elas. ou seja. enquanto a segunda apresenta-se curta e F3 – a segunda freqüência extrema (sfe) apresentase longa enquanto a primeira apresenta-se curta. É um espaço controlado mediante aqueles núcleos. cortar essas algemas. A própria forma geral da peça. na medida em que se pode usar as suas células-estruturas sem referência a alturas. que está relacionada à organização dos sons dentro da estrutura. para Vinholes este termo está relacionado aos blocos elementares da construção da peça. aqui tem que ver com a maneira como estes blocos elementares se apresentam. busca uma maneira de estruturar suas peças que prescinda de uma sistemática voltada para o relacionamento entre alturas. inclusive.Fig. Em outras palavras.195 . 1 . Ironicamente. Não tenho uma posição nem favorável nem avessa ao som e ao ruído . como já vimos. tais conceitos possuem um sentido completamente diferente. p. pois reconhece que cada compositor possui seu próprio repertório de sonoridades que lhe é idiossincrático. o material adquire. Vinholes usa os termos forma e estrutura como conceitos chave de sua teoria.anexos) Vinholes.4 – obra Tempo-Espaço I (1956) (Maia. Serialismo. é secundária. porém. 1999. O ruído. como Cage. Dissertação de mestrado. na poética de Vinholes. ser inserido no contexto após a organização dos outros parâmetros. pouco importa que intervalos se vai utilizar. está também contemplado. aspecto que não chamava tanto a atenção de Vinholes na época em que concebeu tal teoria. pois acaba sendo fruto da maneira como se organizam as pequenas células em seu interior. usando conceitos cageanos. A forma cageana. Aqui. um status secundário podendo. Para o compositor. Uma poética do micro ao macro em contraponto a uma poética do macro ao micro. Enquanto para Cage estrutura significava a divisão do todo em partes. uma vez que se referem a uma estruturação musical a partir do micro. Porto Alegre: PUCRS. diria o compositor (Vinholes: 01/07/2005). temos uma estrutura e uma forma dependentes da concepção do método e. em Vinholes. Mario de Souza. Tempo-Espaço e Aleatoriedade: A obra do compositor Luiz Carlos Lessa Vinholes. dá à obra um caráter de monstro de Frankenstein (Cage: 1995. como já vimos. usando varetas ou moedas. Para Cage. Cage. é necessário acompanhar a evolução do pensamento de cada um anterior a tal tomada de posição. expresso pela relação entre forma e estrutura. o intérprete. por dar conta da estruturação daqueles parâmetros que permaneciam em descoberto pelo compositor norte-americano e que tinham que ver com o desenvolvimento da forma e da definição de um método. Cage diferenciava acaso de indeterminação. ou Livro das Mutações (Pritchett: 1995. Ao todo existem 64. que deviam ser obedecidos à risca pelo intérprete. Cage usou o I-Ching como método para organizar a forma. Em 1951. 70). indeterminação. Seus primeiros experimentos com o chamado aleatorismo serão marcados pela idéia da sobreposição ao acaso de pequenas partes autônomas. A característica básica das peças desse período é a fixação de elementos. ao se referir à sua Music of Changes (1952) para piano. Até 1957. em suas peças desse período. apesar de serem apenas som. O fato dessas coisas que a constituem. terem se agrupado para controlar um ser-humano. mesmo quando admite soluções de caráter indeterminado. enquanto trabalhava no Concerto for Prepared Piano and Chamber Orchestra. seu aluno. escolhendo seus blocos de construção. de trigramas formados pela combinação de linhas yin – vazadas e yang – compactas. como veremos mais adiante na Instrução 61 (1961). 36). sem com isso sacrificar a noção de descontinuidade na concepção da forma. neste momento.De certa forma. Cage trabalhou quase exclusivamente com o primeiro princípio e criou diversas obras onde o intérprete esteve sempre a serviço de escolhas feitas através de operações de acaso tais como uso oracular do I-Ching: Music of Changes para piano. havia a necessidade de criar uma saída para o impasse liberdade versus lei . uma vez que a escolha dos detalhes era realizada a priori para elaborar os quadros ou séries e o compositor podia operar mais livremente. O uso oracular do I-Ching consiste no sorteio. Indeterminação. compõem signos mais complexos chamados de hexagramas. Tais trigramas possuem entre si uma relação dinâmica de perpétua transitoriedade ou mutação e. Vinholes continua. até hoje. Com isso conseguiu obter tanto um discurso musical baseado na descontinuidade – fruto da não interferência do gosto estético do compositor sobre o resultado – quanto uma relação de desobstrução entre estrutura e forma. correndo menos riscos de recair em soluções lineares. combinados entre si. 108). por outro lado. compara sua abordagem com a criação de um monstro de Frankenstein: A Music of Changes é um objeto mais inumano que humano. escolhidos via operações de acaso. acaso se referia ao uso de algum processo randômico no ato da composição. além de considerar secundários os aspectos estrutura e material. Acaso. uma vez que foi gerada por operações de acaso. As séries de objetos sonoros e os quadros de material gestual significaram um passo importante neste sentido. o compositor Christian Wolf. a proposta de Vinholes é complementar da proposta de Cage. se referia à qualidade de uma peça de poder ser executada de várias maneiras diferentes (Pritchett: 1995. Para ele. primeira peça totalmente elaborada usando operações de acaso. compondo segundo sua técnica tempo-espaço. aleatório Para compreendermos melhor a diferença entre o acaso cageano e o aleatorismo vinholesiano. definitivamente desobrigadas. o presenteou com o I-Ching. 1 . 6). seguindo sua própria partitura. sua linha de performance (Fig. todas produzidas em 1952. O concerto pode ser tocado com qualquer número de intérpretes. ou ambas as técnicas: 26’1. em 1958.5).P. para de 1 a 20 pianos. na Town Hall em Nova Yorque. Fig. Music for piano 1-84 (1952-56). No Concert for Piano and Orchestra (1958). ficou responsável pela “performance de regência” (N. Two Pastorales para piano preparado. Tal autonomia entre as partes faz com que se perca definitivamente a noção de estrutura (Fig. JAMES. p. onde o compositor usa partes autônomas e em número variável.1499” For a string Player (1955). William Mix para tape.111). observação de imperfeições gráficas em folhas de papel a partir das quais notas eram definidas: Music for Carillon N°2 (1954). sendo que o seu formato mínimo é piano solo (nesse caso a peça passa a chamar-se Solo for Piano). há o mesmo princípio de autonomia entre as partes.Imaginary Landscape N°4 para 12 rádios. o coreógrafo e companheiro de Cage. 1995. As obras envolvendo indeterminação.5 – fragmento da partitura de Winter Music para de 1 a 20 pianos (1947) (PRITCHETT. ou seja. New York: Cambridge University Press. O regente. começam a surgir na segunda metade dos anos 50 com obras como Winter Music (1957). 3 1 . no Concerto de Comemoração dos 25 anos de carreira do compositor. Além disso. dentro de um livro com 84 tipos diferentes de notações de caráter indeterminado. The Music of John Cage. Merce Cunningham.). Na estréia deste trabalho. realiza um papel mais coreográfico que musical3. a participação efetiva do intérprete no seu formato final. o solista deve escolher. Ele próprio é um ouvinte apesar de ser o propositor da situação sonora dentro da qual estão todos imersos. seja por uma questão de ignorância em relação ao como proceder. explica: O que houve comigo é que me tornei um ouvinte e a música algo a ser ouvido (Cage: 1995. 7). Segundo o próprio compositor: 1 . Cage logo percebeu que nem todo intérprete tem condições de realizar os objetivos daquele tipo de proposta. seja por uma simples questão de má-fé. JAMES. (esta liberdade) Dada a indivíduos como David Tudor. no texto Experimental Music . cobrando o seu preço. quando este assinou o contrato com a Peters Edition.118). Vinholes já tinha partido. pela Filarmônica de Nova York. uma vez que o compositor já não representa mais aquele sujeito que possui o controle total sobre o que vai ocorrer no palco. disseram a Cage: Volte daqui a 10 anos. Existe nesta escolha de Cage pela cessão de liberdades ao intérprete uma vontade de fazer com que as fronteiras entre este e o compositor sejam diluídas. seja por uma questão de despreparo técnico. Nesse momento está se operando no trabalho de Cage tal diluição. Ele próprio está à mercê do que pode ocorrer. que talvez a gente te leve a sério (Kostelanetz: 1991. Uma boa ilustração para o que se entende por indisciplina em performance seria a sabotagem sofrida por Cage em 1961. É importante frisar que Vinholes não teve contato com as obras de Cage antes de sua viagem ao Japão. em outras palavras. uma vez que as peças e textos de John Cage só vieram a ser publicados em 1961. Ao referir-se a isso em entrevista cedida a Hans G. Cage participa como conferencista e intérprete de suas obras no Curso de Verão de Darmstadt (Alemanha). Cage. 67) . 69). desabafa: Dar liberdade ao intérprete individual me interessa cada vez mais.Fig. Quando essa liberdade é dada a indivíduos sem disciplina e que não partem – como digo em vários textos – do zero (por zero entendo a abstenção em relação aos seus gostos e desgostos). sob a regência de Leonard Bernstein. ocasião em que compositores de todos os países. em 1958. dar liberdade não tem interesse nenhum (Kostelanetz: 1991.6 – Uma das notações usadas na parte de piano do Concert for Piano and Orchestra (1958) (PRITCHETT. em pleno palco. indivíduos mudados. ao referir-se à sua música de caráter indeterminado. tiveram acesso às suas idéias. 1995. Os músicos retiraram os microfones de seus instrumentos e começaram a bater neles em protesto. de 1958. claro. daí. claro. que não são. na estréia da peça Atlas Eclipticalis (1961). p. The Music of John Cage. inclusive Brasil. Tais liberdades cedidas ao intérprete acabaram. Esses poucos só podiam voltar ao Brasil trazendo relatos o que viram e ouviram. Isso se deve talvez ao fato de que a produção cageana se encontrava restrita a uns poucos privilegiados capazes de freqüentar Nova York em meados da década de 50. Mesmo quando. mas que permanecem como indivíduos com seus gostos e desgostos. porém. New York: Cambridge University Press. Nos bastidores. Helms em 1972. gera resultados que são extraordinariamente belos. em suma. em 1961. Para ele esta seria a verdadeira essência da música aleatória. 1 . mas não é convite amorfo à intervenção indiscriminada: é o convite não necessário nem unívoco à intervenção orientada. Em São Paulo Cage era uma figura desconhecida. Eu conheci o próprio Cage. havia proposto algumas possibilidades já racionalmente organizadas. mas sabe que a obra levada a termo será. Num segundo momento considerar que tal processo de libertação poderia ser expandido para os intérpretes e mesmo para o público. em seu artigo Poética da Obra Aberta. temos em Vinholes um ativador de processos que. sempre e apesar de tudo. a negar que o erro exista na performance desse tipo de música. traça o paralelo da obra em movimento (obra aberta. A obra em movimento é possibilidade de uma multiplicidade de intervenções pessoais. Eco sugere uma analogia entre o Deus organizador que define as regras misteriosas do cosmos. e o compositor de obras em movimento. em Tóquio. de modo que este permaneça íntegro mesmo assumindo um aspecto aparentemente caótico. O compositor chega. fruto do trabalho de alguém. a sua obra. mesmo que esta não seja suficientemente exprimível com as ferramentas humanas disponíveis. inclusive. Na poética de Vinholes este trabalho seria realizado essencialmente pelos intérpretes (ele incluso) e procura-se minimizar ao máximo a influência do compositor sobre os resultados. A inserção de Vinholes no que se chamou aleatoriedade ocorreu como evolução da idéia de liberdade total já expressa por ocasião da criação da técnica tempo-espaço. ao fruidor uma obra a acabar: não sabe exatamente de que maneira a obra poderá ser levada a termo. intérprete e ouvinte sejam postos no mesmo nível de fruição e participação. ainda que não organizada por outra de modo que não podia prever completamente: pois ele. mas o Deus de Spinoza. porque ainda tem aquele que tem a expectativa de ouvir alguma coisa e aquele que tem a expectativa de produzir alguma coisa que seja ouvida (Vinholes: 01/07/2005). Em relação ao diagnóstico de Eco sobre o papel do compositor como princípio regulador oculto da obra em movimento. é sempre aquele desejado pelo autor. Enquanto houver a dicotomia público e intérprete ainda está faltando alguma coisa para que a coisas da aleatoriedade se concretizem em sua plenitude. não outra. contudo. Foi feito um grande festival e ele esteve lá (Vinholes: 01/07/2005). Vinholes crê num tipo de música onde o compositor. equivaleria à obra de caráter indeterminado de Cage) com a concepção einsteiniana de que existe a priori uma ordem no espaço-tempo. no trecho que trata da ontologia da obra de arte. Einstein não pressupõe um Deus que joga dados. entre outras coisas. e que ao terminar o diálogo interpretativo ter-se-á concretizado uma forma que é a sua forma. O conceito obra significa. substancialmente. que rege o mundo com leis perfeitas (Eco: 2003. Umberto Eco. não.O conhecimento dos trabalhos de Cage. Em São Paulo. vim a ter no Japão. orientadas e dotadas de exigências orgânicas de desenvolvimento (Eco: 2003. Num primeiro momento livrar-se da necessidade de escolha semântica proposta pela querela nacional x dodecafônico criando uma sintaxe neutra. a nos inserirmos livremente num mundo que. E continua: O autor oferece. 61-62). digo sinceramente. 61). mas uns não sabem dos outros. seja dependente de questões extramusicais. porém. Vinholes dispôs as frases uma em cima da outra usando como coluna central as palavras olho (como nos poemas mesósticos de Cage. apesar de relevar a falta de preparo dos intérpretes no executar de peças de caráter aberto devido à sua formação inadequada para isso. Com isso quero dizer que. o acaso em Cage não se dá em prejuízo do que Eco enxerga como integridade da obra em movimento. logo depois. mas ninguém tem idéia do que é. Coletivamente decidiuse uma regra: seriam escritas frases onde a palavra olho deveria figurar. Esses catálogos vão durar até quando? Alguns vão ser destruídos. O trabalho está escrito por todos. Não há. ao invés de escrever no catálogo do encontro um poema seu. mesmo sua produção de música indeterminada possui diversos casos de integridade formal. meia dúzia de palavras como se fez no concretismo. ganha vida própria. com o auxílio de um retro-projetor. vai ser minimizado o tamanho do trabalho feito. A melhor ilustração desse aspecto da obra de Vinholes é uma de suas performances no campo da poesia de vanguarda. como forma de distanciar-se do controle da obra e fazer com que ela se apresentasse diante dele como uma coisa nova. esses catálogos estão indo embora e o espaço ocupado pelo trabalho feito se dilata. decidiu que o público o faria. para usar sua própria terminologia. por exemplo. uma estratégia para garantia de resultados. É esse o sentido da afirmação cageana quanto ao fato dele ter se tornado um ouvinte. ao ser convidado para um Festival da Palavra (1997). uns indo embora para Milão. mas usando uma palavra inteira no lugar das letras do eixo central). onde está e por quanto tempo (Vinholes: 01/07/2005). Digo teoricamente. cada um pegou seu catálogo e foi embora do teatro. seja intrínseca à obra. possui suas preferências estéticas (o gosto pela simplicidade. nisso aí existe coisa feita. teoricamente. Com pouca coisa se pode dizer bastante. composição enquanto processo. Em Veneza.uma vez em curso.. no caso de Vinholes. onde estavam presentes poetas do mundo inteiro. pelo dizer muito usando pouca coisa) e seu trabalho é um reflexo disso. Depois. que adquire uma existência absolutamente desvinculada de qualquer controle. Nisso aí existe autoria. Mas no momento em que aquelas pessoas saíssem dali.. Não. pois. Eu nunca acreditei que para dizer as coisas seja com a linguagem que for se tenha que falar horas a fio. pela coerência na escolha de materiais sonoros que se repetem dentro de um lapso de tempo 1 . Um pequeno volume pode ter uma beleza extraordinária (Vinholes: 01/07/2005). fugiriam do seu controle. dada. John Cage trabalhou com obra em movimento ou. por exemplo. os outros também estão. Sua incursão nessa direção se deu através do acaso. De posse do catálogo de alguns dos presentes e. Porém. Joga-se dados para saber se num determinado espaço de tempo ocorrerão três ou cinco eventos. Ou seja. Quem escreveu na página do seu negócio está de posse daquilo. outros indo embora para Paris. O acaso cageano está sempre submetido a um projeto composicional específico e serve como forma de escolha entre diversas possibilidades. o processo é desencadeado e. Um certo desapego à obra faz parte de sua poética. Temos um ativador de processos ao invés do autor tradicional e o coletivo que se torna autor (intérpretes) logo perde as rédeas sobre o desenrolar da obra. Uma linha pode ser uma obra de arte. Para Vinholes aí existe uma essência de coisa aleatória (Vinholes: 01/07/2005). Com algumas exceções. apesar da abertura aparentemente irrestrita. nisso aí existe espaço para a coisa feita. Naquele momento o trabalho estava restrito àquele espaço do teatro. há uma expectativa a respeito do resultado. outros vão ser queimados. o Haroldo (de Campos) voltando para São Paulo. como ocorre em Cage. a linha curta. silêncio estrutural. foi a primeira obra de música de caráter indeterminado criada por um brasileiro. a pouco comentada. É como na imagem cageana. ou melhor. 2) . na modelagem gestual desse material. mediados pelo acaso. porém. Quanto mais livre. Cage. podia ser considerada ainda o centro da cultura mundial do pósguerra. Note-se que os valores de tempo e quantidade de sons são relativos. Um aglomerado de sons é considerado pequeno sempre em relação a outro considerado grande. para linha curta temos pequeno aglomerado de sons.determinado formando texturas estáticas. do qual o compositor. estreada em Tóquio em 31 de dezembro de 1961. O elemento público. que são apresentadas aos intérpretes durante a performance por colaboradores retirados do público. Uma observação importante a meu ver é que os objetos apresentados nos cartões remetem ao tipo de material usado nas primeiras peças tempo-espaço. Aqui estes elementos (nota longa. Aqui não há especificação de instrumentos ou do número de intérpretes. do compositor que se torna ouvinte e a música algo para ser ouvido. etc. uma espécie de salto do determinado direto para o indeterminado. De uma música baseada na observância plena das indicações do compositor por parte do intérprete para uma música onde o intérprete e mesmo o público acabam decidindo. 1 .folha em branco. não é necessário sequer adquirir os cartões do compositor.) são organizados (libertos da rigidez da norma) pelo acaso na escolha da sequência e sobreposição de material e pelas decisões dos intérpretes.ponto.linha longa . grande aglomerado de sons. A fé no intérprete e um certo desapego quanto ao resultado sonoro vão diferenciar a atitude de Vinholes em relação à atitude de Cage. essa liberdade com a escolha dos intérpretes. Considero que Cage tinha suas razões para desconfiar dos intérpretes e do público: era uma figura muito visada na época. torna-se mais um ouvinte. o elaborador da proposta inicial. Fig. para qualquer combinação instrumental. morava em Nova York que. tinha sido pivô de pequenos escândalos conceituais muito mal digeridos pelos músicos de um modo geral (até hoje). preocupado com tal integridade sempre busca balancear. que lidam com partes autônomas. de Vinholes. Esta peça marca. Trata-se de 4 instruções distribuídas entre 100 cartões quadrados: 1) . surge aqui como diferencial. o ponto um som puntiforme (muito curto) e a folha em branco significa silêncio estrutural (deliberado). para linha longa. com já vimos anteriormente. um som é longo sempre em relação a um outro som considerado curto. a sua personalidade expansiva e visionária o mantinha constantemente sob os holofotes. o resultado sonoro. uma nota de curta duração. Uma vez entendidas as regras. curta. mais disciplinado e responsável e musical deve ser o intérprete. na época. Assim. A linha longa significa uma nota de longa duração.7 – modelos para os cartões da peça Instruções 61 (posição vertical). Se o cartão for apresentado verticalmente. em comparação ao percurso cageano. 3) . Qualquer um pode elaborá-los por conta própria.linha curta e 4) . A peça Instrução 61 . o compositor passou a revelar um imenso interesse na obra do artista plástico carioca Athos Bulcão. mais que como uma exigência circunstancial. o solista no concerto são figuras desnecessárias. Eu só preparei as instruções que viabilizam a coisa a ser realizada (Vinholes:01/07/2005) Maia cita o poema Alea I – Variações Semânticas de Haroldo de Campos como outro exemplo semelhante de correspondência com a visão de Vinholes. 24) – são. A prima-dona na ópera. Neste poema o leitor deve realizar livremente permutações em duas palavras de cinco letras. fazendo música. Este aspecto é importante para o nosso contraponto na medida em que. Quero estar mais perto dessa maioria que não teve o privilégio de se tornar figura central.) Não há necessidade de você ser um virtuose. O mestre azulejista deixava uma instrução simples do tipo evitem fechar os círculos e ia embora. Essa dicotomia do músico e não-músico. O universo (este dado está escrito na folha do poema) é de 3. preferiu deixar a cargo dos operários tal escolha. Eu dei a oportunidade para que pessoas fizessem música sem saber muito de música. 1 .. Outro aspecto essencial do trabalho de Vinholes com a indeterminação. cada vez é diferente. inclusive.. motivou a grande produção de peças para piano preparado desse período (Pritchett: 1995. além do desapego pela postura de compositor. bastante acessíveis do ponto de vista técnico. Eu prefiro aqueles outros com menos conhecimento. em várias paredes que azulejou. não foi ele. via de regra.. Vinholes considera tal poema afim com suas idéias expressas nas Instruções 61 e 62.. no caso de Cage. Daí a grande diferença entre meus colegas brasileiros da aleatoriedade com o meu trabalho. parceiro de Oscar Niemeyer na construção de Brasília e que foi responsável pela criação de mais de 100 murais de azulejos na capital do país. A obra era fruto do trabalho e preferências dos operários e o arquiteto providenciava apenas as instruções que a viabilizavam. 175). O aspecto da obra de Athos que encantou Vinholes foi que.628. Entretanto. que os não-músicos façam música. (. Instrução 62. Eu não fiz aquilo. Porque eu quero que os outros. é o que o Athos Bulcão certamente pensa: quem fez aquilo que está no Teatro Nacional foram os operários. poeta e não-poeta não pode existir (Vinholes: 01/07/2005). Aqueles trabalhos criados para serem tocados por amadores no período em que esteve responsável por acompanhamento de dança na Cornish School em Seattle (1938-1941) ou pelo próprio Cage enquanto não conseguia um grupo de intérpretes durante seus primeiros anos em Nova York – o que. Vinholes faz questão de afirmar o parentesco de seus trabalhos em música aleatória com algumas das inserções de Bulcão em Brasília e admira-se de que tivesse havido tanta semelhança entre os dois projetos criativos no mesmo período. ao invés de definir em detalhe os desenhos. um em Tóquio e o outro em Brasília. a Peça Para Fazer Pssiu/xi. Eu criei as Instruções. sem saber nada de música.Um fato recente nos ajuda a definir melhor a postura de Vinholes a respeito de sua música coletivista nesse período. sempre que havia a oportunidade de contar com um intérprete virtuose. a acessibilidade técnica está estreitamente ligada às circunstâncias.800 possibilidades (Maia:1999. Ao ir morar recentemente em Brasília pouco antes de se aposentar. prescindíveis. que é o da acessibilidade como princípio. com menos ginásticas e malabarismos e tudo mais. A música que foi feita em 61 e que é feita cada vez que se usam os cartões. num primeiro momento. Tempo-Espaço XV (1978) é feita seguindo o mesmo princípio. O hábito de oralização de poemas era cultivado pelos poetas concretistas em São Paulo no período em que Vinholes esteve lá antes de viajar para o Japão. usando uma parte autônoma. Nós chegamos a isso aí. justificando tal comparação observando a ausência de suporte gráfico e reflexos autorais no fazer da música e seu caráter coletivo como uma somatória de expressões individuais. nas suas conferências O Caminho para a Música Nova. Ambas podem ser executadas por não-músicos e são propostas algumas poucas instruções para performance. Nela utiliza apenas instruções literais do tipo fazer psiu (como quem pede silêncio) e/ ou xi (referência a fazer xixi). É como Webern comenta. individualismo.Cage escrevia algo capaz de explorar os limites do músico. Constam no catálogo de Vinholes apenas mais quatro peças de caráter aleatório dentro do espírito anárquico de Instrução 61. não podemos esquecer ou apagar a experiência acumulada de mais de 4 séculos de busca pela complexidade. para instrumento de teclado e um colaborador onde constam ainda os cartões de instruções e as peças Peça/Pessa para Fazer Psiu/Xi (1979) (já vista) e Vento-folha (1961-1978). portanto. em homenagem ao ano internacional da criança. mas o pensamento que levou aquilo a acontecer e o pensamento que leva isso agora a acontecer são pensamentos muito diferentes (Vinholes:01/07/2005). Instrução 62. ritual. Peça/Pessa para fazer Psiu/Xi para coro. A acessibilidade não era. simples. autoria. onde o intérprete percorre livremente. concepção de obra de arte. sobre o parentesco entre os procedimentos polifônicos dos dodecafonistas e a música flamenga da Renascença: Nossa técnica de apresentação atingiu um parentesco muito grande com os métodos de apresentação empregados no século XVI pelos neerlandeses. Em 1979. Ambas podem ser tocadas simultaneamente configurando a peça Tempo-Espaço XVa4. Vinholes também misturou procedimentos aleatórios à sua técnica tempo-espaço nas obras Tempo-Espaço XIII – 4 Lados das Mil Faces de Janet (1978).8). Vinholes é mais cauteloso e adverte que. etc. valorização de princípios hierárquicos. 2 . um dado essencial às suas obras. ambas experiências com leitura de poemas tomados como eventos musicais. De fato. o compositor nesse caso prescinde do suporte partitura ou cartão. o enfoque é outro. Isto faz com que Maia chame atenção para o parentesco entre essa poética e a música de tradição oral. apesar do parentesco evidente entre esta música de caráter aberto. há uma semelhança enorme com aquilo que tem lá. apesar das semelhanças. 4 Texto de Pedro Xisto. uma matriz de células tempo-espaço (Fig. 53). valoração desta obra de arte segundo critérios interessados dependentes de prioridades de grupos específicos. coletivo e não-autoral com manifestações da tradição oral. mas que naturalmente se serve também de todos os resultados da conquista do domínio tonal-harmônico (Webern: 1960. Vinholes compõe a peça. MARIO DE SOUZA. segundo o compositor. Dissertação de mestrado. Na peça Tempo-Espaço XIV (1978) temos este mesmo princípio sobreposto a uma leitura do poema suk-a de bill Bisset (Fig.8 – fragmento da partitura de Tempo-Espaço XIII – 4 lados das Mil Faces de Janet (1978). enquanto esteve fora do Brasil.9). a duas razões.Fig. mais simples e subjetiva. Porto Alegre: PUCRS. a produção de Vinholes é muito reduzida. A primeira sua dedicação. Isso se deve. 1999.151) Como pode-se logo perceber.9 – partitura de performance para leitura do poema suk-a (MAIA. Tempo-Espaço e Aleatoriedade: A obra do compositor Luiz Carlos Lessa Vinholes. à embaixada e à poesia de vanguarda e a segunda. p. Fig. ele não se sente bem em compor caso não sinta que tal atividade esteja acrescentando algo de 2 . Serialismo. A célula tempo-espaço tem três maneiras de se apresentar: uma em que sempre o primeiro elemento é o mais longo e o segundo é o mais curto. Entrar em contato com a natureza dos sons ambientais. afinal. É um elemento musical que contribui para construção da forma geral das peças. o silêncio cageano passa a existir per si. para começar aguardavam um silêncio real (de sala de concerto) e. 39). A partir dessa experiência. Em obras como Tempo-Espaço XIII e nas próprias Instruções. episódio relatado no início deste trabalho. Porque se eu não encontrar uma razão de pesquisa. Isto é verdade para suas peças escritas segundo a técnica de tempo-espaço e também para suas Instruções. Influenciado pela famosa experiência dentro de uma câmara anecóica na Universidade de Harvard. onde descobre que. O silêncio é estrutura. interessado na expansão da paleta de possibilidades sonoras a serviço do compositor. Num primeiro momento. e o mais longo é aquele silêncio que está entre eles. Eu não consigo produzir a toda hora. Vinholes foi apelidado por Gilberto Mendes de compositor bissexto (Vinholes: 01/07/2005). onde os músicos. uma de suas características fundamentais. Cage admitiu o silêncio deliberado como parte desse novo e irrestrito universo e chegou a defender sua proposta de estruturação rítmica afirmando que a duração é o único aspecto do som que é comum ao som e ao silêncio (Pritchett:1995. Ele passa a ser um elemento igual aos demais. 2 .novo. para usar a terminologia de Maia. não passa de uma entidade psicológica. Escapa da partitura. Eu prefiro ficar sem escrever do que fazer uma coisa que eu acho que está repetindo outra (Vinholes: 01/07/2005). A utilização do silêncio como parte efetiva da constituição dos núcleos (células) da Teoria Tempo-Espaço. Silêncio O último aspecto a ser abordado será o silêncio. chega à conclusão de que o silêncio. há dois tipos de silêncio. mesmo numa situação de silêncio absoluto ainda é possível ouvir os sons do próprio corpo. Torna-se oportunidade de ouvir num outro nível. quando o silêncio faz parte daquilo que está sendo tocado naquele momento (quando um cartão de silêncio está diante de um intérprete. no tocar das peças. interpretavam as pausas de modo a torná-las evidentes. O que determina o silêncio é a intencionalidade de escuta. o silêncio é visto como elemento estrutural. Essa característica é que ficou evidente à escuta. são os mais curtos. os extremos. uma razão de pensar na coisa eu não escrevo. Cage estabelece uma diferença agora entre sons escritos e sons não escritos. O silêncio não é coisa que acontece (Vinholes: 01/07/2005). em Porto Alegre. por exemplo) e outro não-deliberado: aqueles silêncios que ocorrem ao acaso entre uma intervenção e outra. O silêncio para Vinholes foi tratado como dado estrutural na grande maioria de suas peças (apenas as suas oralizações musicais não prevêem tal silêncio estrutural). Na teoria é chamado de Valor Negativo (VN). o outro em que o primeiro elemento é o mais curto e o segundo elemento é o mais longo e o terceiro em que o elemento primeiro e o elemento segundo. proporcionam tal diferencial estético. Já a partir de suas primeiras peças tempo-espaço. um deliberado. Estes dois tipos de silêncio explorados por Vinholes são usados por Cage de uma forma sistemática. Graças a essa característica. ao invés de termos silêncios deliberados ou não deliberados. The Music of John Cage. 1933-1950. posturas específicas. Silence . De Segunda a Um Ano . Aquela informação sonora que está ali. Serialismo. New York: Cooper Square Press. Para o ouvinte. 1989. and The Musical Idea. Isto é uma das conseqüências de sua opção pelo silêncio estrutural: um silêncio existente. In: PATTERSON. 1985. ___. New York: Peters. RICHARD. New York: Limelight. Dissertação de mestrado. JOHN. and the Impact of India .15-33. Porto Alegre: PUCRS. and Intention. ___. ANTON. 2000. 1. John Cage: Music. John Cage: Music. 1995. Já os seus silêncios deliberados . p. and Intention.John Cage. DAVID W. WILLIAM e CAGE. Coomaraswamy. Conversing With Cage. DUCKWORTH. John Cage Writer: selected texts. cap. um cartão em branco é a oportunidade para o intérprete expressar esta ausência de som. na acepção dos trabalhos de Athos Bulcão. Philosophy. Anything I Say Will Be Misunderstood: An Interview with John Cage. via de regra.Lectures and Writings. Editor: Richard Kostelanetz. PRITCHETT. Vol 1: 1940-47. p. abrindo as portas da música para os sons que ocorrem ao redor (Cage:1995. DAVID W. New York: Peters. no caso cageano. 67886a _____. Tradução de Rogério Duprat. 1999. New York: Cambridge University Press. na verdade ocorre intensa atividade sonora. MARIO DE SOUZA. RICHARD E DUCKWORTH. 2002. In: FLEMING. possuem uma propriedade similar à de peças cageanas como 4’33”. New York: Routledge Publishing. os intérpretes definem. Do mesmo modo. Partituras: JOHN CAGE. O Caminho para a Música Nova . MAIA. 6. Vol 2: 1940-47. Aqueles que não são notados aparecem na música escrita como silêncios. São Paulo: Hucitec. podemos dizer que. Tradução de Carlos Kater. 67886b 2 . John Cage at SeventyFive. 1995. aquele é um silêncio deliberado.Novas Conferências e Escritos de John Cage. Em peças de Cage com longos momentos de silêncio. In: PATTERSON. New York: Routledge Publishing. São Paulo: Novas Metas. DAVID W. silêncio azulejo. JAMES. p. 2002. bloco de construção. A configuração dessa atividade sonora depende da escuta. London: Boyars.177-215. Prepared Piano Music. KOSTELANETZ.15-45.Nessa música não há nada além de sons: aqueles que são escritos e aqueles que não são. Artigos: BERNSTEIN. não há em Vinholes a figura do som não deliberado. WEBERN. o que temos são sons deliberados e sons não deliberados. quanto à performance. DAVID W. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Livros e teses: CAGE. 7-8) Para continuarmos usando a terminologia de Maia. London: Associated University Press. Não há para ele uma sistemática ou tratamento especial: ele simplesmente ocorre. por motivo de ênfase na articulação dos movimentos. nas Instruções 61 ou 62 de Vinholes. 19331950. onde. Em Vinholes o silêncio não deliberado é produto do acaso. cap. Entretanto. Philosophy. 1960. WILLIAM. PATTERSON. JOHN. sem que seja tocada ou posta em vibração. Tempo-Espaço e Aleatoriedade: A obra do compositor Luiz Carlos Lessa Vinholes. The Picture That Is Not in the Colors: Cage. Prepared Piano Music. como parte da música. Está “sendo tocado”. Arnold Schoenberg. 1991. 2 .
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