Um Estudo Teórico Sobre a Morte

March 29, 2018 | Author: José Carlos Ramires 1 | Category: Death, Grief, Homo Sapiens, Time, Sigmund Freud


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Um Estudo Teórico Sobre a Morte INTRODUÇÃO Desde os primórdios da Civilização, a morte é considerada um aspecto que fascina e, ao mesmo tempo, aterroriza a Humanidade. A morte e os supostos eventos que a sucedem são, historicamente, fonte de inspiração para doutrinas filosóficas e religiosas, bem como uma inesgotável fonte de temores, angústias e ansiedades para os seres humanos. O interesse pelo tema da morte teve início com a leitura de algumas reportagens do LELU (Laboratório de Estudos e Intervenção sobre o Luto). O contato com estas reportagens, e a análise da morte como fenômeno psíquico, foram o ponto de partida deste trabalho. As matérias vieram de encontro aos anseios naturais sobre a morte e mostraram que, apesar da dimensão etérea que a morte toma em nível psíquico, existem profissionais e entidades empenhadas em estudá-la de forma científica, usando uma metodologia essencialmente psicológica. Em função do contato inicial com o material do LELU e do interesse por ele despertado, a busca de outras pesquisas já realizados no mesmo campo foi um impulso natural, e acabou formando a base teórica que sustenta este trabalho. A morte como fenômeno físico já foi exaustivamente estudada e continua sendo objeto de pesquisas, porém permanece um mistério impenetrável quando nos aventuramos no terreno do psiquismo. Falar sobre morte, ao mesmo tempo em que ajuda a elaborar a idéia da finitude humana, provoca um certo desconforto, pois damos de cara com essa mesma finitude, o inevitável, a certeza de que um dia a vida chega ao fim. A certeza humana da morte aciona uma série de mecanismos psicológicos. E são esses mecanismos que instigam a nossa curiosidade científica. Em outras palavras, o foco de interesse seria como o homem lida com a morte; seus medos, suas angústias, suas defesas, suas atitudes diante da morte. O objetivo da presente pesquisa é o aprofundamento teórico da questão da morte, enfocando a maneira pela qual o homem lida com este fenômeno humano inevitável, percebendo os mecanismos psicológicos que entram em ação quando o homem se encontra diante da morte. O tema da morte não é de forma alguma uma discussão atual. Foram muitos os filósofos, historiadores, sociólogos, biólogos, antropólogos e psicólogos a discutir o assunto no decorrer da História. Isto porque a 1 / 13 mas às vezes os reúne (gruta das crianças. os profissionais da área de saúde. uma questão essencialmente humana. Sem dúvida o advento do capitalismo e seus tempos de crise. as interpretações atuais sobre a morte constituem parte da herança que as gerações anteriores. que trabalham lado a lado com este tema. instrumentalizando sobretudo. A primeira busca analisar o impacto da morte na sociedade através do tempo. Segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983). A segunda parte fala sobre os sentimentos ambíguos gerados em nós. Neste sentido. Foi esse enfoque que deu corpo às nossas indagações sobre a morte. sobretudo. seres humanos. Arqueólogos e antropólogos.Morin (1997) 2 / 13 . já que teve sua vida produtiva interrompida. perto de Menton) . A concepção que se tem sobre a morte e a atitude do homem diante dela. descobriram que o homem de Neanderthal já se preocupava com seus mortos: Não somente o homem de Neanderthal enterra seus mortos. tem a ver com o surgimento do capital como força principal de produção. Dentro dos vários enfoques teóricos que possibilitam a reflexão sobre a morte. Este trabalho encontra-se estruturado em três partes principais. Faremos então. através de seus estudos. (1983). DADOS HISTÓRICOS Possuímos uma herança cultural sobre a morte que define nossa visão de morte nos dias atuais.morte não faz parte de uma categoria específica. o vivo pode tudo e o morto não pode nada. seja através da análise pessoal. mostrando como diferentes povos em diferentes épocas lidavam com essa questão. um pequeno passeio pela história para que possamos entender como foi construída a idéia da morte encontrada nos dias de hoje. seja através da teoria propriamente dita. na qual os homens encontram-se completamente abandonados e despreparados. A terceira e última parte fala do luto. é uma questão que atravessa a história é. contribuindo para sua melhor compreensão e elaboração. fez surgir uma nova visão sobre a morte. as antigas culturas nos legaram. que segundo Torres. tende a se alterar de acordo com o contexto histórico e cultural. vemos este aprofundamento teórico como uma forma de dimensionar a morte. um deles nos interessa em especial: o enfoque psicanalítico. Diante desta crise. em seus diversos contextos. bem como a morte do outro. quando somos obrigados a encarar a nossa própria morte. Mais tarde. Desta feita. os kiboris constróem uma casa de alvenaria. apreciavam a morte de um componente. por viverem em um sistema comunitário intenso. após a morte. na Vulgata. a mulher deveria conseguir estes grãos em uma casa onde nunca houvesse ocorrido a morte de alguém. consideravam a morte como uma ocorrência dentro da esfera de ação. Não existe relato de praticamente nenhum grupo arcaico que abandone seus mortos ou que os abandone sem ritos. Buda pede à mulher que consiga alguns grãos de mostarda para fazê-lo reviver. torna-se 3 / 13 . Já o budismo. Morin (1997) Ainda hoje. ensinar cada indivíduo a pensar. lugar onde seu corpo permanecerá após a morte.Ainda segundo Morin (1997) na pré-história. enquanto os nórdicos preferem o calor do sol. pois. tanto para proteger o cadáver dos animais. o justo irá para o Paraíso. durante toda a vida. As versões nórdicas do livro da Sabedoria rejeitaram a idéia de Paraíso descrita no livro original. Segundo Ariès (1977). os nórdicos não esperam as mesmas delícias que os orientais. um trabalho de lamentação coletiva diante da morte era necessário aos sobreviventes. Obviamente esta casa não foi encontrada e a mulher compreendeu que teria que contar sempre com a morte. através da sua mitologia. principalmente sobre o rosto e a cabeça. a morte era tida não como um evento súbito. ao menos após a morte. segundo os tradutores. mas sim como um processo a ser vivido por toda a comunidade. Eles possuíam um sistema que tinha como objetivo. Ademais. busca afirmar a inevitabilidade da morte. sentir e agir em relação à morte. O não abandono dos mortos implica a sobrevivência deles. o livro da Sabedoria. Isso porque os orientais descrevem que o Paraíso tem a frescura da sombra. quanto para evitar que retornassem ao mundo dos vivos. após a morte. A doutrina budista nos conta a Parábola do Grão de Mostarda: uma mulher com o filho morto nos braços procura Buda e suplica que o faça reviver. Segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983). obter o conforto que não conseguiu em vida. Quando a Mãe-Terra. em sua sociedade bastante desenvolvida do ponto de vista intelectual e tecnológico. No entanto. nos planaltos de Madagáscar. os egípcios da antigüidade. Estas curiosidades nos mostram como o ser humano deseja. Os autores seguem dizendo que os malaios. os mortos dos povos musterenses eram cobertos por pedras. Na mitologia hindu. como uma perda do próprio grupo. eram depositados alimentos e as armas do morto sobre a sepultura de pedras e o esqueleto era pintado com uma substância vermelha. a morte é encarada como uma válvula de escape para o controle demográfico. uma série de eventos provocadores da morte em massa. pelas cruzadas. na Idade Média. Os cultos e honrarias que prestavam aos mortos tinham como objetivo mantêlos afastados. que acabou por marcar uma mudança radical na maneira do homem lidar com a morte. macabros. Kastenbaum e Aisenberg (1983) nos relatam que a sociedade do século catorze foi assolada pela peste. Daí. A morte se personifica como forma do homem tentar entender com quem está lidando. Assim. recebiam os recém mortos. não sendo a mesma. não havendo. de modo que não quo voltassem & para perturbar os vivos. que não podia mais ser controlada magicamente como em tempos anteriores. provocando um total estranhamento do homem diante deste evento tão perturbador. considerada como um fim em si. bem como torturas e flagelos passam a se relacionar com a morte. Segundo Mircea Elíade (1987) os fino-úgricos (povos da região da Península de Kola e da Sibéria Ocidental). os cemitérios cristãos localizavam-se no interior e ao redor das igrejas e a palavra cemiterium significava também o lugar onde se deixa de enterrar. Isso sem dúvida aproximava o homem da morte com menos terror. os recursos naturais e a sobrecarga populacional da Mãe-Terra. uma cisão abrupta entre vida e morte. A total falta de controle sobre os eventos sociais teve seu reflexo também na morte. os Antigos de Constantinopla mantinham os cemitérios afastados das cidades e das vilas.sobrecarregada de pessoas vivas. Ao contrário. e uma série de imagens artísticas 4 / 13 . eram tão comuns as valas cheias de ossadas sobrepostas e expostas ao redor das igrejas. aliviando assim. Esse descontrole traz à consciência do homem desta época. A Idade Média foi um momento de crise social intensa. Havia certa tentativa de controle mágico sobre a morte. Apesar da familiaridade com a morte. o temor da morte. Esses exemplos nos trazem uma idéia de continuidade em relação à morte. ela apela ao deus Brahma que envia. a mulher de vermelho (que representa a morte na mitologia ocidental) para levar pessoas. então. onde os que morreram há mais tempo. as famílias eram constituídas tanto pelos vivos quanto pelos mortos. A partir daí. pela fome. uma série de conteúdos negativos começam a ser associados à morte: conteúdos perversos. têm sua religiosidade profundamente vinculada ao xamanismo. pela inquisição. Os mortos destes povos eram enterrados em covas familiares. a morte passou a viver lado a lado com o homem como uma constante ameaça a perseguir e pegar a todos de surpresa. Por outro lado. o que facilitava sua integração psicológica. portanto. segundo ponto de vista de Mannoni. citando Ariès. deixando mensagens a seus descendentes. atuam de várias maneiras suas defesas psicológicas" Kübler-Ross (1997) Ao mesmo tempo. enquanto no século passado.." Para Mannoni. diante de tanto descontrole sobre a vida. É muito importante que as equipes médicas aprendam a distinguir cuidados paliativos e conforto 5 / 13 . expressas pelos avanços tecnológicos. Isto ocorre porque. A morte natural deu lugar à morte monitorada e às tentativas de reanimação. nas sociedades ocidentais o moribundo é. como nos afirma Kübler-Ross (1997): ". que o homem. preocupandose menos com os problemas da comunidade. perto de seus familiares. Kübler-Ross (1997) descreve que são cada vez mais intensas e velozes as mudanças sociais. longe ou perto de tais pessoas. servem apenas para prolongar o sofrimento do paciente e de sua família.já vão longe os dias em que era permitido a um homem morrer em paz e dignamente em seu próprio lar. O médico não aceita que seu paciente morra e. de forma cada vez mais intensa contra a morte. Muitas vezes. A medicalização da morte e os cuidados paliativos. (Mannoni1995). não raro. a dimensão visível da pulsão de morte. A possibilidade de escolha deu lugar a uma crescente perda da dignidade ao morrer. até o fim da vida. "Diminuindo a cada dia sua capacidade de defesa física. 90% morriam em casa.. essas atrocidades seriam. verdadeiras pulsões de destruição. tente se defender psiquicamente. geralmente. se entrar no campo em que se confessa a impotência médica. 70% dos pacientes morrem nos hospitais. Essas mudanças têm seu impacto na maneira com a qual o homem lida com a morte nos dias atuais. nos dias atuais. afastado de seu círculo familiar.se consagram como verdadeiros símbolos da morte. Não é de se surpreender. conta que a morte revelou sua correlação com a vida em diversos momentos históricos. a tentação de chamar a ambulância (para se livrar do caso) virá antes da idéia de acompanhar o paciente em sua casa. (1995). O homem da atualidade convive com a idéia de que uma bomba pode cair do céu a qualquer momento. atravessando o tempo até os dias de hoje. O homem tem se tornado cada vez mais individualista. portanto. Mannoni (1995). o paciente nem é consultado quanto ao que deseja que se tente para aliviá-lo. As pessoas podiam escolher onde iriam morrer. em seu lugar de origem. 6 / 13 . como por exemplo. Nos lançamos então à questão da angústia e do medo em relação à morte.. mais nos preparamos para o momento da grande perda de tudo que colecionamos e nutrimos durante a vida: desde toda a bagagem intelectual. não é raro se ouvir dizer que é preferível uma morte instantânea. Entretanto. O HOMEM DIANTE DA PRÓPRIA MORTE / O HOMEM DIANTE DA MORTE DO OUTRO Desde muito cedo. preferia-se morrer lentamente. considerando sempre que é o outro que vai morrer e não ele. onde o moribundo tinha a oportunidade de se despedir.ao paciente que está morrendo. segundo Kovács (1997) contrariando o senso comum. Outro aspecto comportamental do ser humano em relação à morte é que antigamente. até o corpo físico. somos obrigados a aprender a nos separar de quem ou daquilo que amamos. É justamente esse para sempre que mais nos incomoda. a mudança de escola. quando passamos a distinguir nosso próprio corpo do corpo da mãe. se vai para sempre. de um simples prolongamento da vida. Mas chega uma hora. Segundo Bromberg (1994) nossa cultura não incorpora a morte como parte da vida. convivemos com separações temporárias. como a adoção dos filhos ou a resolução de desentendimentos. ainda bebês. mas sim como castigo ou punição. e a conseguir tomar decisões concretas. Porém. ou pensamos fugir dela. evitamos a dor. que o longo sofrimento causado por uma doença. cria-se um tabu. todos os relacionamentos afetivos. Com o distanciamento cada vez maior do homem em relação à morte. que acontece a nossa primeira perda definitiva: alguém que nos é muito querido. tentando se afastar ao máximo da idéia da morte. Segundo Bromberg (1994) &ldquocomo aprendemos em nossa cultura. Atualmente. A princípio. Esse quadro atual nos revela a dimensão da cisão que o homem tem feito entre vida e morte. como se fosse desaconselhável ou até mesmo proibido falar sobre este tema. justamente ajuda a assimilar a idéia de morte. o tempo da doença. um dia. perto da família. quanto mais conscientes estivermos de nossas mortes diárias. evitamos a perda e fugimos da morte.. . de existir um mundo paradisíaco. temos que encarar o desconhecido. diversos mecanismos de defesa.Uma das limitações básicas do homem é a limitação do tempo.. Mannoni (1995) busca em Freud. a consciência da finitude. pois do ponto de vista temporal. nível sócio-econômico e credo religioso. na qual evitamos pensar. desintegração e dissolução. O medo de morrer é universal e atinge todos os seres humanos. pois." Para a Psicanálise Existencial enunciada por Torres. O indivíduo pode relacionar a morte com o inferno.." Segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983) o ser humano lida com duas concepções em relação à morte: a morte do outro. que faz com que o ser humano mobilize-se a vencê-la. O homem é o único animal que tem consciência de sua própria morte. Além disso. expressos através de fantasias inconscientes sobre a morte. Segundo Kovács (1998): "O medo é a resposta mais comum diante da morte. porém. existem aquelas que provocam temor. o grande limitador chama-se morte. apontada por Torres (1983) revela a dimensão da angústia da morte: "A angústia mesma nos revela que a morte e o nada se opõem à tendência mais profunda e mais inevitável do nosso ser". São fantasias persecutórias que têm a ver com sentimentos de culpa e remorso. que seria a afirmação do si mesmo. interligado a pavores de aniquilamento." 7 / 13 .o tempo gera angústia. regado pelo princípio do prazer e onde não existe sofrimento. independente da idade. com face de caveira. É a angústia gerada ao entrar em contato com a fatalidade da morte. ao desenrolar de um processo interno. o medo da morte é o medo básico e ao mesmo tempo fonte de todas as nossas realizações: tudo aquilo que fazemos é para transcender a morte. para isto. Trata-se sempre. acionando para este fim. de existir a possibilidade de volta ao útero materno. ou como na melancolia. sexo. Muito comum é a fantasia de existir vida após a morte.. uma espécie de parto ao contrário." A Psicanálise Existencial. (1983): ". existem identificações projetivas com figuras diabólicas.. relacionando a morte com um ser aterrorizante. embora esteja relacionada ao medo do abandono. Ao contrário dessas fantasias prazerosas. de um processo que se passa entre o eu e a severidade do super-eu. da qual todos nós temos consciência. Segundo Torres (1983): ".. onde não existem desejos e necessidades. palavras que falem da angústia do homem diante da morte: "Freud a situa ou na reação a uma ameaça exterior. e a concepção da própria morte. Um intenso ou íntimo terror preside as relações que ela intervém com esses 'estranhos' . o homem encontra-se num processo contínuo de cisão ente vida e morte. a onipotência médica. Nosso hábito é dar ênfase à causa fortuita da morte seja por acidente. na qual haveria uma sacralização do doente. das crianças indóceis (ou outras). Segundo Mannoni (1995) dois processos podem ocorrer com o atendente em relação ao paciente. Um outro processo seria a negação." A autora segue falando dessa segregação em outro momento. uma situação na qual o homem se defende pela segregação. dos imigrantes. Existe aí algo importante: a segregação dos mortos e dos moribundos caminha junto com a dos velhos. alguns mecanismos que tentam negar ou encobrir a concretude da morte. Esse fato é constatado por Mannoni (1995): "Nossas sociedades hoje. traímos um esforço para reduzir a morte de uma necessidade para um fato fortuito. colocando à prova. na maioria das vezes.Complementa esse pensamento afirmando que "todas as etapas do desenvolvimento são na verdade formas de protesto universal contra o acidente da morte. A equipe médica vivencia a morte de um paciente como um fracasso.corpos que bruscamente deixaram de produzir. Como dito anteriormente. São acionados neste processo. Ainda segundo Mannoni 8 / 13 . Um desses processos seria a idealização. idade avançada. desta forma. não conseguindo acolher o paciente e sua família. um evitação por parte do atendente. os médicos e pessoal de apoio são bastante despreparados para lidar com a morte. Essa conduta impede o acolhimento dos familiares enlutados. considerando sempre que é o outro que vai morrer e não ele. A própria equipe médica encarregada de doentes terminais.máscaras que não respondem a nenhum apelo e resistem a todas as seduções. Configura-se então. como se ele estivesse protegido das forças de destruição. deixaram de consumir . dos desviantes. tentando afastar-se ao máximo da idéia da morte. não consegue elaborar a possível morte ou a morte concreta de seus pacientes. defendem-se da doença e da morte pela segregação. na qual haveria uma recusa da situação de morte. estamos convencidos de nossa própria imortalidade." Segundo Torres (1983): "A sociedade ocidental não sabe o que fazer com os mortos. dos delinqüentes." Segundo Freud (1917) ninguém crê em sua própria morte. etc. doença. quando diz que a mesma se dá através da rejeição ao moribundo. Inconscientemente. No geral. e não só com os outros. nem sempre o paciente consegue escutá-la. a arte a ciência do inter-relacionamento humano. trouxesse horas extra de vida. O segundo estágio é a raiva. Kübler-Ross (1997) identificou cinco estágios quando da tomada de consciência por parte do paciente." Segundo Kübler-Ross (1997): "Quando um paciente está gravemente enfermo. Quando o paciente tem um tempo de elaboração e o acolhimento descrito anteriormente. Essa seria a verdadeira disponibilidade humana para ajudar o outro em seu caminho em direção à morte.(1995): "é porque a morte é vivida como um fracasso pela medicina que os serviços médicos chegam a esquecer a família (ou a esconderse dela). aproximando-se da dor do paciente." A autora questiona se o fato dos médicos assumirem a vontade do paciente em estado grave. vivenciando uma enorme sensação de perda. ensinando a um tempo. o paciente chega a ficar agressivo com as pessoas que o rodeiam. colocando-se no lugar dele para entender seu sofrimento. nossa falta de onipotência. na esperança de que isso lhe traga a cura. fase na qual o paciente se recolhe. de seu estágio terminal. fase na qual o paciente se defende da idéia da morte. nossas limitações. É como se esse bom comportamento ou qualquer outra atitude filantrópica. uma vez mais. E segue falando sobre sua vontade como médica: "se pudéssemos ensinar aos nossos estudantes o valor da ciência e da tecnologia. Kübler-Ross (1997) nos fala da importância do acolhimento ao doente por parte do médico. da importância da verdade. nossa própria mortalidade?" Para a autora. é um momento no qual o paciente tenta ser bem comportado. a barganha. momento no qual o paciente coloca toda sua revolta diante da notícia de que seu fim está próximo. sentiríamos um progresso real. não seria uma defesa contra ". do cuidado humano e total do paciente. que é o da aceitação. O primeiro estágio é a negação e o isolamento... recusando-se a assumi-la como realidade. em geral é tratado como alguém sem direito a opinar. nossas falhas e. a preocupação da ciência e da tecnologia tem sido a de prolongar a vida e não de torná-la mais humana. O quarto estágio é a depressão. o rosto amargurado de outro ser humano a nos lembrar. Em sua pesquisa junto a pacientes terminais. O terceiro estágio. Nesta fase. A autora questiona não o dizer ou não a verdade." Dentro dessa humanidade no atendimento ao doente terminal. mas sim como contar essa verdade. atingirá o último estágio. justamente porque ele esbarra na idéia de que a morte também acontece com ele. 9 / 13 . muitas vezes. por último mas não menos importante. Apesar da importância da verdade. Com o progresso da ciência no combate à mortalidade. Considerando a associação entre idade avançada e a morte. Não há lugar para a velhice." Isso seria como dar a si próprio. o desejo de ferir o outro é freqüente e a morte desta pessoa pode ser conscientemente desejada. Nestes relacionamentos. Mannoni (1995) faz uma crítica bastante intensa a esses locais. Os idosos também nos trazem a idéia da morte e não é sem razão que isso acontece. o grande medo da morte é o medo do desconhecido. segundo Torres (1983) é uma sociedade narcísica completamente voltada para a juventude. e estão presentes em todos os relacionamentos humanos. há um afastamento concreto dos idosos. a associação entre morte e velhice passou a ser cada vez maior. algo de estranho. em cada uma destas pessoas amadas. E segue dizendo que. uma criatura incapaz de aceitar sua própria finitude. este ser leva consigo uma parte do nosso próprio eu amado. nem procurar uma orientação para velhos. que são sentimentos simultâneos de amor e ódio.. a pessoa que assim o desejou pode ficar com um sentimento de culpa difícil de suportar e. Segundo Kastembaum e Aisenberg (1983). as pessoas idosas de modo geral. numa sociedade cujo espaço da morte está em branco. permanece em um luto intenso e prolongado. Por isso. Surge aí. dizendo que as instituições para idosos revelam freqüentemente abismos de desumanidade e solidão. a ambivalência. quando o outro morre. Segundo Mannoni (1995) o idoso nos remete a uma imagem degradada e aviltada de nós mesmos. O LUTO 10 / 13 . não é fácil lidar com um prognóstico de morte. a intensidade da dor frente à uma perda. e é dessa imagem insuportável que advém a segregação. há também.Mas não são somente os pacientes terminais que provocam incômodo por remeter-nos diretamente à questão da morte. o que se cria. muitas vezes. Freud (1914) nos fala que a morte de um ente querido nos revolta pois. Conseqüência disso é que ". já discutida anteriormente. Para a psicanálise. uma sentença de morte. No fundo. que são colocados em asilos e casas de repouso. A segregação existente com relação aos idosos faz com que eles fiquem à mercê da esfera social. Para o homem. por outro lado. esta morte também nos agrada pois. algo que só acontece com o outro (velho). para amenizar esta culpa. esse evento relega a morte a um segundo plano. se configura narcisicamente como a morte de parte de si mesmo. não querem se conscientizar de que estão velhas.. Em muitos dos casos. a liberdade ou o ideal de alguém. quando o enlutado encontra objetos de substituição para o que foi perdido. Segundo Freud (1916)." Os ritos. tornaram-se inconvenientes em nossa sociedade higienizada. Mas não há como apagar a presença do ser ausente. assim. é a reação à perda de um ente querido. Para Mannoni (1995). O autor segue dizendo que o traço mais característico do luto não é a depressão profunda. como se fosse possível eliminar a realidade da morte ou banaliza-la. "o trabalho de luto consiste. "O luto.. ao passar pela mesma situação de perda." E segue dizendo que o luto normal é um processo longo e doloroso. tentando mostrar o que ocorre psiquicamente com o sujeito em ambos os casos. seguindo a interpretação de Freud. Os símbolos são eliminados. mas de proteger o vivo que se confronta com a morte dos seus. e esta dá lugar à desorganização e ao desespero. mas episódios agudos de dor. Atualmente o que se exige é o recalcamento da dor da perda. Mannoni (1995) nos fala deste processo: "Hoje não se trata mais tanto de honrar os mortos. Diante da morte. o que provocou em Freud a suspeita de que essas pessoas possuem uma disposição patológica. O entorpecimento. ao qual é mais difícil renunciar na medida em que uma parte de si mesmo se vê perdida nele.. Por que um luto não realizado leva à melancolia. os funerais são rápidos e despojados. e é só depois da fase de desorganização que se dá a recuperação. nem o necessário processo de luto. que acaba por resolver-se por si só. como o país. num desinvestimento de um objeto. o luto pela perda de uma pessoa amada envolve uma sucessão de quadros clínicos que se mesclam e se substituem. com muita ansiedade e dor psíquica. (1916) algumas pessoas. em lugar das manifestações outrora usuais. dá lugar à saudade. em vez de luto.Já não se vive o luto como em épocas passadas e. produzem melancolia. Para que a morte de um ente querido não assuma formas obsessivas no inconsciente é necessário ritualizar essa passagem. preferem afastar de si o medo da morte. os enlutados vivenciam a dor da perda na solidão. à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido. tão essenciais. mas ainda não dimensiona o que perdeu. já que as pessoas ao redor. Para justificar essa premissa. de modo geral. que é a primeira fase. o autor fez uma série de comparações entre o luto e a melancolia. um estado patológico capaz de durar anos e anos? Para Freud. Hoje. assim como a própria morte. o consciente sabe quem perdeu. 11 / 13 ." Segundo Parkes (1998). e assim por diante. na maioria das vezes. na melancolia.que o primeiro ano é importantíssimo para que a pessoa enlutada possa passar.." Ainda citando Freud." A este respeito nos fala também Mannoni. Nos rituais de enterro judaico. por experiências e datas significativas. tem a finalidade de estabelecer um período maior para a elaboração do luto." A chave do quadro clínico melancólico é a percepção de que ". tem a duração de um ano e é designada. Logo após os funerais. na qual a pessoa tem o direito de recolher-se com sua família e orar pelo morto. procurando. não do objeto como no luto. O paciente representa seu ego para nós como se fosse desprovido de valor.. na melancolia. como um homem vorazmente faminto. a pessoa sabe quem perdeu." O autor fala ainda sobre o melancólico. Existe um período considerado necessário para a pessoa enlutada passar pela experiência da perda. sã impedidos os gastos excessivos com os funerais para que. que dura trinta dias.. principalmente. enquanto objeto (de desejo). há uma perda consciente. A Segunda etapa (Shloshim). em contraposição ao luto. uma vez que o luto demanda tempo e energia para ser elaborado. é o próprio ego. Costuma-se considerar . ". as auto-recriminações são recriminações feitas a um objeto amado. que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente. é como uma catarse.. sem a pessoa que morreu. para os filhos que 12 / 13 . mas não o que perdeu nesse alguém. incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível.. O Kriyah (ato de rasgar as roupas). há uma busca indiscriminada de outros objetos nos quais o indivíduo possa investir. "A melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência.o maníaco demonstra claramente sua liberação do objeto que causou seu sofrimento. um objeto abandonado. não se compense ou se esconda qualquer sentimento da família. dura sete dias e é considerada a etapa mais intensa. que simboliza a continuidade da vida. que vivencia a perda. pela primeira vez. (1916) o melancólico pode apresentar características de mania. "No luto.sem no entanto tomar isto como uma regra fixa ." Ou seja. aí. os familiares fazem uma refeição juntos.No luto. é o mundo que se torna pobre e vazio. mas como uma perda relativa ao ego. a pessoa melancólica coloca a si própria como culpada pela perda do objeto amado. a ponto de tornar a si mesmo. uma identificação com o objeto perdido. no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda. novas catexias objetais. (1995): "Em alguma parte existe. com isso. O luto é estabelecido por etapas: a primeira etapa (Shivá). Esse período não pode ser artificialmente prolongado ou reduzido. O que se poderia dizer afinal é que. Já a terceira etapa.. por fim. sua perda é a pior. &ldquoLuto e Melancolia. há esperança de transformação. KÜBLER-ROSS. Maria Helena P. 1997. a vida é feita de pequenos e grandes lutos. Para cada enlutado. São Paulo. a elaboração da morte e. Editorial Psy II. Sigmund . Martins Fontes. quando se trata de avaliar as condições do enlutado. "A psicoterapia em situações de perdas e luto". Rio de Janeiro. há muitos fatores que entram em cena. 1914-1916. A psicologia 13 / 13 . Sobre a morte e o morrer. Morte e Desenvolvimento Humano. e outros. 1994. R. o luto judaico é caracterizado por fases que favorecem a expressão da dor. KASTENBAUM. de recomeço. W. Psicologia da morte. Porque há um tempo de chegar e um tempo de partir. a mais difícil. o ser humano se dá conta de sua condição de ser mortal. FREUD. Sigmund . Elíade.IV e V. Sigmund . 1987 psicológicas Completas de Sigmund Freud.perderam seus pais. Jorge Zahar Editor. E ainda assim há vida no luto. seus recursos para enfrentar a perda e as necessidades que podem se apresentar. mais desorganizadora e assustadora que vive o ser humano. São Paulo. O sentido dado à vida é repensado. vol. Nada mais é como costumava ser. Sonhos com Mortos. O Nomeável e o Inominável. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. São Paulo. No entanto. São Paulo. R. FREUD. BIBLIOGRAFIA BROMBERG. MIRCEA.F. Imago. Reflexões para os Tempos de Guerra e Morte. a volta do enlutado à vida da comunidade. 1914-1916. Enfim. as relações são refeitas a partir de uma avaliação de seu significado. Maud. vol. Imago. 1995. a identidade pessoal se transforma. Edição Standard Brasileira das Obras Pvol. KOVÁCS.C. 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