TRABALHO DOMESTICO Servidao Voluntaria Trad Trav

March 26, 2018 | Author: JuliaAbdalla | Category: Sociology, Feminism, Ethnicity, Race & Gender, Love, Gender


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Coleção Cadernos da Coordenadoria Especial da Mulher - PMSP Nº 8 – Políticas Públicas e igualdade de gênero Dezembro de 2004Trabalho doméstico: uma servidão "voluntária"?1 Helena Hirata∗ Resumo As transformações observadas estes últimos trinta anos na atividade profissional das mulheres não foram acompanhadas, no universo doméstico, por mudanças notáveis na repartição do trabalho doméstico entre os sexos. A questão dos móveis psico-afetivos da dominação, central neste campo, foi pouco explorada pelos sociólogos. O auxílio da psicodinâmica do trabalho é essencial para conduzir essa reflexão. A autora mostra que as noções de "servidão voluntária", de "consentimento" à dominação, bem como a convocação do "sentimento amoroso” são heurísticas para pensar o lugar dos afetos na reprodução da servidão doméstica. Transformações notáveis foram observadas no mundo inteiro em termos de crescimento da atividade feminina nesses últimos trinta anos. Na França de hoje, 80% das mulheres entre 25 e 49 anos são ativas e representam uma minoria significativa (36% em 2002, segundo a Pesquisa Emprego do INSEE 2) da categoria "executivos e profissões intelectuais superiores", relacionada aos enormes progressos na escolarização das meninas. Tais mudanças na divisão sexual do trabalho profissional não se acompanharam de transformações similares na divisão sexual do trabalho doméstico e familiar, onde a gestão e a execução das tarefas continuam a ser de responsabilidade das mulheres. Ainda hoje, em um país como a França - cf. a pesquisa "Emprego do tempo" do INSEE de 1999 -, 80% da produção doméstica (fazer compras, cozinhar, lavar louça, lavar roupa, cuidar das crianças) é realizado pelas mulheres (Brousse, 1999, p. 135; cf. também, com dados no mesmo sentido, Barrère-Maurisson, Rivier, 2001). A importância econômica dessa produção já foi ressaltada tanto no nível da análise (Chadeau, Fouquet, 1981; Delphy, Leonard, 1999; Delphy, 1998) quanto no nível de avaliações monetárias precisas que conduzem a uma contabilidade nacional alternativa em um país como a Noruega (Sangolt, 1999).3 A servidão doméstica parece assim refratária às grandes mutações da atividade feminina. Sua perduração interroga grandemente o campo da pesquisa e continua a ser questionada pelos movimentos feministas, dos anos setenta (cf. a publicação feminista da época, Le torchon brûle, literalmente em português O pano de prato está queimando) às reivindicações atuais (cf. as palavras de ordem da organização feminista "Mix-cités" sobre a repartição das tarefas domésticas entre homens e mulheres no desfile do primeiro de maio de 2000 em Paris). Se a problemática da dominação é crucial para a reflexão feminista, a questão da reprodução no tempo da relação dominantes-dominado-a-s é nela central. O que move à servidão doméstica? O lugar do "modo de produção doméstico" (Delphy, 1998), fundado sobre a opressão das mulheres, parece central nessa reiteração da dominação, nessa permanência da divisão sexual do trabalho no espaço e no tempo. 1 Texto originalmente publicado na Revista Travailler n. 8, p. 13-26. Tradução Ana Montóia. ∗ Socióloga, pesquisadora do Genre et Rapports Sociaux (GERS/Gênero e Relações Sociais) do Centre National de Ia Recherche Scientifique (Centro Nacional de Pesquisa Científica). 2 ' INSEE, Instituto nacional de estatística e estudos econômicos, organismo público responsável por pesquisas econômicas na França. [N.T.1 3 ' Segundo L. Sangolt, a Noruega foi o único país indutrializado a ter incorporado por um curto período depois da Segunda Guerra Mundial o valor do trabalho doméstico na contabilidade nacional e que continua a desenvolver projetos nesse sentido 1 t. Essa nota de pesquisa . 1987-1988) são pertinentes nessa pesquisa sobre os móveis da servidão doméstica: Trabalho e subjetividade.pois ela apresenta algumas reflexões provisórias de uma etapa de programa de trabalho mais abrangente. definido como comportamento instintivo e inato. do trabalho doméstico.II.. especialmente quando se considera a dimensão dos afetos uma dimensão essencial no encargo assumido. com o calor da pele de um outro ser vivo. de psicopatologia à psicodinâmica do trabalho.).à dinâmica.cf.palavras 4 Em francês attachement: conceito do psicólogo anglo-saxão Bowlby no seu livro Attachement de 1969.). no intuito de indicar a ampliação do campo de análise . 8-10. É preciso ainda acrescentar a importância de se escrutar a subjetividade na ordem do discurso para perceber as diferenças entre os sexos. 2002. ou que se trata do resultado de negociações no interior do casal. subjetividade e afetividade: a abordagem psicodinâmica Duas questões tratadas desde 1986-1987 no Seminário interdisciplinar sobre "prazer e sofrimento no trabalho" (Dejours. servidão etc. as relações conjugais e de casal no Japão. Dejours. Hirata. das questões relativas à saúde mental. trabalho e afetos eram indissociáveis. ou. em 1992. aliás. não definido neste texto. pela psicopatologia ou a psicodinâmica do trabalho5 . designada como retrieval. ser centrais na explicação.Por que o trabalho doméstico é e continua a ser realizado. 2) postula-se que se trata de amor (pois pode-se dizer que não se trata de sentimento amoroso mas de uma lógica interiorizada. e interrogar a literatura sociológica a respeito de um ponto apontado há vinte anos por Sonia Dayan (1982) e pouco retomado posteriormente: aquele da relação entre "sentimento amoroso e trabalho das mulheres". de procura de contato direto com o corpo. do que eu chamava os "enigmas" e do que Dejours (1988) chamava os "mistérios" da produtividade. 144 e seguintes). etc. Em ambos. a reação (envolvente. 2 . referido a problemáticas em curso de elaboração . O sofrimento podia estar na origem de um aumento da produtividade. dos mecanismos em ação na origem da produtividade do trabalho. Quais fatores? Aqueles da ordem da subjetividade e da intersubjetividade: em um caso.aquela vinculada aos motores psico-afetivos da dominação raramente está no centro da reflexão sociológica. 1988. além das doenças do trabalho .) do outro. de proteção. do ponto de vista do sujeito.na relação criança-adulto. Trabalho. embora constitua um seu postulado de princípio. gratuita e "voluntariamente" pelas mulheres? Por que mesmo aquelas que possuem uma "consciência de gênero" "consentem" em reproduzir essa relação assimétrica? A realização desse trabalho gratuito "ao longo da vida inteira" como se diz da formação hoje. no outro. assim. materiais. mas de serviços prestados em troca de compensações afetivas. Uma pesquisa sobre as empresas industriais no Japão mostrara a maneira pela qual as modalidades específicas das relações conjugais e das relações amorosas e de casal no Japão estavam a serviço de uma elevação da produtividade do trabalho (cf. no interior da família e do casal. Remeto aos desenvolvimentos de Christophe Dejours (2002) a respeito dos três elementos constitutivos do amor (o identitário. de normas e papéis socialmente impostos. ed. "Sentimento amoroso".). 1993. e que suscita . os afetos. de "consentimento" à dominação (Mathieu). por ele estudada. poder-se-ia constatar aí a convergência surpreendente com a análise. o sexual e o elo4). coloca um problema ao sociólogo. fora do contexto coercitivo (escravidão. sob a forma de uma auto-aceleração compulsiva. A questão beneficia-se da contribuição da psicodinâmica do trabalho.. Fatores não-tecnológicos e não-econômicos podem. o sofrimento no trabalho. Das respostas possíveis à questão: por que o trabalho doméstico é realizado gratuitamente e voluntariamente pelas mulheres no interior do casal ou da família? . de alienação etc. p. de cuidado. mais amplamente. o que pressupõe necessariamente interação e reciprocidade etc. Dejours.tem por finalidade revisitar as noções de "servidão voluntária" (La Boétie). pela sociologia e pela psicodinâmica do trabalho. de escolhas estratégicas etc. 249-254. 5 A respeito da mudança da denominação. notadamente quando: 1) admite-se que se trata efetivamente de trabalho (pois pode-se dizer que não se trata de trabalho. notadamente a relação entre subjetividade e produtividade. p. simbólicas. Penso nos kandôshi . por parte das mulheres. Serge Leclaire fez análises comparáveis para a língua francesa sobre a ordem do discurso e a sexuação.literalmente "palavras exprimindo emoções" em japonês (a-e-ara-maa). p. é notavelmente esclarecida pela conceituação em termos de "identidade sexual". historicidade oposta à dimensão da permanência. 1996. realizar trabalho gratuito (de modalidades bastante diversas. Colóquio Internacional de Psicodinâmica e de Psicopatologia do trabalho de 1-2-3 de fevereiro de 2001. Kergoat. 2001). obra. Assim. A teoria psicodinâmica da sexualidade 6 Remeto à elaboração desse conceito por Danièle Kergoat e aos intercâmbios a respeito do ódio durante o 3°. 152). Nas palavras dessa categoria. inscrição em um coletivo. 1996). foi integrada de maneira bastante central tanto na produção científica quanto nas atividades (notadamente os três colóquios internacionais de psicodinâmica e de psicopatologia do trabalho) do laboratório de pesquisa criado por Dejours na França nos anos noventa. sem levar em conta a subjetividade" (Kergoat. trabalho doméstico e afeto. continuidade das relações sociais de sexo. segundo Oshima (2000). a. De outro lado. Mas essa dimensão das relações sociais homens-mulheres. "ara" é utilizado pelas mulheres e "are" mais pelos homens. que não possuem referência nocional e traduzem uma atitude afetiva do sujeito que fala. a sociologia está mal aparelhada para tratar dos afetos. a idéia da realização do trabalho doméstico por amor situa no mesmo campo afetividade. Dejours.. pode encontrar uma resposta clara em um artigo recente de Danièle Kergoat: na medida em que "a atividade de trabalho é produção de si" (. 120). 1995. Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo A questão lançada por Danièle Kergoat. notadamente em virtude de sua abertura às questões ligadas à diferença entre os sexos (Molinier. t. Duas problemáticas de pesquisa podem ser evocadas em que a relação entre sociologia das relações sociais de sexo e psicodinâmica do trabalho aparece em uma dinâmica de cooperação e de contribuição recíproca: .. 2002. b. Para voltar ao primeiro aspecto. como o trabalho doméstico repetitivo. a colaboração da psicodinâmica do trabalho é indispensável.). trabalho e dominação.subjetivas . Ora. É pertinente evocar aqui as "greves de sexo" históricas. tais como o sentimento amoroso. nem todo trabalho é necessariamente sublimador: trata-se aqui de um ângulo de análise do trabalho doméstico que convoca a relação entre subjetividade e trabalho. compreendido sociologicamente. 1988. 2. o cuidado com as crianças (care). Se a sublimação só pode desempenhar um papel no campo do trabalho. 1998. Trata-se de questionar a teoria freudiana da sublimação a partir da introdução da diferença de sexos e de classes sociais: os indivíduos não têm todos o mesmo acesso à sublimação entendida como criatividade. um ponto atrai os lingüistas: trata-se da diferença de sexo do locutor. por exemplo. Collectif. a questão inversa: pode-se deixar de lado a psicodinâmica do trabalho em uma abordagem em termos da divisão sexual do trabalho?. mudança.a análise da divisão sexual do trabalho em sua vertente variabilidade. a ação ligada ao amor é em si um enigma. salvo se só considera seus aspectos sociais. Trabalho e afetividade: o estudo dos motores psico-afetivos da dominação é interessante por duas razões: primeiro. em sua abordagem do sofrimento e do prazer no trabalho. perdurabilidade. "A psicopatologia do trabalho. segundo. o artigo pioneiro de Dayan-Herzbrun. da virilidade e da mulheridade como construções sociais. 3 . mitológicas ou utópicas. p.) por afeto contribui a perpetuar a dominação masculina. 1982. na medida em que elas representam uma proposta de inação: uma suspensão do amor (ou do desejo) e a expressão pode ser a de um "ódio de gênero"6 e a complexidade dos afetos deve ser interrogada para explicar o comportamento das mulheres na esfera doméstica. para responder à questão: o trabalho (doméstico) das mulheres é propício à sublimação? o recurso à psicodinâmica do trabalho parece pertinente. sua "estruturação social" (cf. de meu ponto de vista. pode deixar de lado as relações sociais de sexo?" continua sempre atual (Hirata. Tais características estariam reunidas no caso da realização do trabalho doméstico? A pergunta raramente é feita. não se pode "pensar o trabalho. a gestão familiar da sociabilidade etc. . Godelier. separados por quatro séculos. eles não dialogam verdadeiramente . Enriquez. possuindo um forte potencial explicativo no âmbito dessa problemática que relaciona trabalho e afetividade. aos regimes políticos e à relação entre. o diálogo pode. à primeira vista. para apreender as funções psíquicas que operam na divisão sexual do trabalho (cf. 251) permite pensar o trabalho no sentido amplo . "separação que é posta em questão desde que se faz referência à dinâmica dos processos psíquicos e sociais" (Dejours. Da "servidão voluntária" e do "consentimento" à dominação Se o concurso da psicodinâmica do trabalho é indispensável para apreender o lugar dos afetos na realização do trabalho doméstico pelas mulheres. o que é conceitualizado por Danièle Kergoat em termos de "divisão sexual do trabalho o que está em jogo nas relações sociais de sexo" e por Françoise Héritier em termos de "valência diferencial dos sexos". e este consentimento não pode existir sem que os dois sexos compartilhem das mesmas representações que legitimam a dominação masculina" (M. a existência da hierarquia: um importante ponto de convergência com a análise da relação das dominadas aos dominantes em N. p. "mencionando todavia que a aceitação é apenas um dos elementos possíveis do mecanismo psíquico em questão" (1991. Ora. a idéia de um "consentimento" à dominação . 153). a abertura de uma tal perspectiva de análise é devedora da conceitualização do consentimento à dominação empreendida por N. 152 e seguintes).contribui a apreender a natureza da continuidade das relações sociais de sexo no trabalho e fora dele. Para N. o detentor do poder.está fundada sobre a "falsa idéia de uma simetria da consciência entre opressor e oprimido(a)". as análises de Kergoat. Levar em conta a noção de servidão voluntária (La Boétie (1576).A centralidade do trabalho. as massas e o povo e. Esta dinâmica das relações trabalho/extra trabalho contribui igualmente para esclarecer a reprodução no tempo de uma invariável: a hierarquia entre os sexos. p. de um lado. Mathieu. Como para Aristóteles.profissional/doméstico. à vista da realização pelas mulheres do trabalho gratuito no interior da família . "Pois a força mais enérgica dos homens não está no exercício da violência. in Collectif. O estatuto do trabalho na construção conceitual da psicodinâmica do trabalho. 131 e seguintes) para dizer que J. 127). Com efeito.C. remunerado/não-remunerado . p. O consentimento. in Dejours (org. t. de outro.N.e isto pode se estender às mulheres que possuem uma "consciência de gênero" . sobre a idéia de que as mulheres possuem uma consciência clara do fato de que são dominadas e possuem uma posição de "sujeitos idênticos ao dominante" (1991.ll. e a segunda à relação entre o grupo das mulheres e o grupo dos homens: nos dois casos. 9) e.C. com a supremacia do masculino.é compartilhado por La Boétie à vista da amplidão do assujeitamento a um rei ou a um tirano.. Teoria da sexualidade e teoria da divisão sexual podem combinar-se para apreender "a dimensão do trabalho no funcionamento psíquico" (Dejours.C. 1991) é então heurístico. embora o primeiro refira-se à monarquia. essas relações trabalho-fora do trabalho tinham sido já teorizadas pela sociologia das relações sociais desde os anos sessenta. 2000. inversamente.7 Contudo. as mulheres não consentem jamais. 1996. 1993) e aquela de consentimento (Mathieu. ). fundamento da servidão voluntária para La Boétie. p.). Ceder é uma servidão involuntária. falam ambos da mesma coisa. 4 . 1988. 232).desenvolvida por M. . à tirania.C. 1993. que assimila a amizade à 7 8 Esta idéia de "assombro" na origem do "Discurso sobre a servidão voluntária" foi desenvolvida por E. Mathieu. em especial pelo questionamento da "separação estritamente espacial entre trabalho e extra-trabalho"( . mas é notável a maneira pela qual a psicodinâmica do trabalho apropria-se da problemática nos anos oitenta. O mesmo assombro que se pode sentir. Gabel citava o Discurso sobre a servidão voluntária de La Boétie como "clássico desconhecido do problema da alienação". p. parecer improvável. mesmo se. por suas disciplinas e por seus objetos. Mathieu. p. formal/informal. trata-se da participação do dominado(a)(s) à sua sujeição. designa a ausência de relações de amizade e de igualdade (suposto pelo "Um").como o fazemos. Mathieu refere-se uma só vez a La Boétie em seu texto "Quando ceder não é consentir" (1991. p. 1985. mas no consentimento das mulheres à sua dominação. 1982. Godelier 8 . a meu ver. Enfim. Danielle Chabaud-Rychter. [1929]) . p. 112 e seguintes. trata-se aqui de pensar "a escravidão" ou a servidão voluntária das mulheres como uma figura do masoquismo. e Christine Delphy e Diane Leonard (1992) reconhecem a afetividade nas relações no interior da família. 197 e seguintes). sabe-se a que ponto o trabalho é uma mediação essencial para conceituar dominação. p. p. 1994.C. mas ela não ocupa posição central em suas análises. Dejours. a educação das crianças (Delphy. dos benefícios. mas também do ponto de vista da psicodinâmica do trabalho (Dejours. o serviço sexual aos cônjuges. A análise do trabalho doméstico não negligencia "o que esta por baixo da produção doméstica" (sub-título de sua obra Do 5 . 198). porém. que fazem com que mesmo suas vítimas aceitem uma situação de opressão (sobre os "benefícios do consentimento" cf também Dejours: 2001. o cuidado com as crianças e os enfermos. Tal complexidade origina-se da relação ao mesmo tempo de interioridade e de exterioridade: "o opressor não é para elas um inimigo externo: é seu parceiro mais íntimo.aberto há muito tempo (cf. Situo-me. Ora. Com efeito. 0 conceito de trabalho. afetivas ou ilusórias". constituir o ponto de partida obrigatório de toda análise sociológica do "consentimento" e da "servidão voluntária" das mulheres. p.igualdade. O que está no centro da análise. trabalho prático.. relacionadas ao que Hélène Le Doaré (2001. 268). Leonard. 202). 114). o serviço "emocional" aos membros da família. tese polêmica a respeito da qual o debate . em seguida. 209) e ao mesmo tempo convencida de que a "desvalorização" social. p. Seu procedimento consiste assim em analisar de um ponto de vista sociológico o sentimento amoroso. p. Françoise Sonthnnax (1985). utilizando a expressão "escravidão voluntária das mulheres": a complexidade do consentimento dos dominado-a-s está no centro de sua análise. ao contrário da noção da divisão sexuada das tarefas na análise de N. o que inclui o trabalho doméstico. Françoise Collin também desenvolve essa idéia da profunda ambigüidade da relação das mulheres à sua própria dominação. instalado no centro de sua vida privada e até de seus corpos" (Collin. considerando que a dissimetria das posições ocupadas pelos homens e pelas mulheres na relação amorosa e nos sentimentos (1982. considerado um fenômeno social. emocional. sou eu quem acrescento) do "sujeito" (mulher. 119) está no cerne da divisão social do trabalho. o trabalho de ajuda profissional aos homens. conclusão e p. para as primeiras. p. ela relaciona trabalho e afetividade. sexual. Primeiro.. para La Boétie "a amizade é destruída quando a similaridade entre pares é substituída pela hierarquia que separa superiores e inferiores" (Chaui. segundo Soma Dayan-Herzbrun (1982. de minha parte. 1999. p. 2001. Sentimentos amorosos e trabalho: o ponto de vista dos sociólogos Trata-se aqui de revisitar a literatura sociológica desenvolvida nos anos oitenta sobre o trabalho doméstico e o amor e. Dominique Fougeyrollas-Schewebel. amor e trabalho são indissociáveis e tratados como duas dimensões essenciais da ordem doméstica. especialmente. 1987. 123 e seguintes). são as práticas sociais das mulheres e dos homens no espaço (e no tempo) do trabalho doméstico. Para as segundas. o texto pioneiro de Sonia DayanHerzbrun sobre "produção do sentimento amoroso e trabalho das mulheres" (1982). elas são consideradas "provedora(s) de trabalho doméstico e. trata-se do trabalho das mulheres para os homens no bojo das relações familiares. p. no caso) deve constituir um passo prévio a esta análise. p. atenta aos riscos da "tentação naturalista" (Morice. "gratificações reais ou simbólicas. está totalmente ausente em La Boétie. Para Louise Vandelac et al.. a existência das relações de força e das relações de poder com suas bases institucionais deve. consentimento e resistência do ponto de vista sociológico das relações sociais de sexo.está longe de estar concluído. 1978. Se o trabalho (assalariado) das mulheres coloca problemas é justamente porque. em primeiro lugar. também Rivière. nessa perspectiva de análise da complexidade e da ambivalência do "consentimento" dos dominado-a-s. Mathieu. de amor". Originase.23). 2000. 10) chama "a ambivalência das relações afetivas e físicas". 1992. de procriação e simbólico. produzido em certas condições e situado culturalmente (1982. seja àquela de cegueira do grupo de mulheres em seu conjunto praticando a "servidão involuntária". transformando o estatuto do trabalho doméstico por meio do processo de assalariamento de um certo número de suas dimensões. não há oposição entre amor e amizade (p. sentimento amoroso . A sociologia do trabalho doméstico: a relação de serviço Se o conjunto das noções aqui revisitadas .). para as mulheres. está ausente do postscriptum sobre a dominação e o amor (Bourdieu. cf. isto é. a partir de diferentes terrenos e objetos de pesquisa. presente em sua obra. retórica talvez . ao menos parcialmente. 1985). 117) onde as hierarquias deixam de se afirmar. nos dois casos. No trabalho doméstico. 1997). 1988). a serviço de sua família” (Chabaud-Rychter.. da suspensão da força e das relações de força. no âmbito doméstico. Diane Bélisle.quanto societais (disponibilidade de mão-de-obra para o trabalho doméstico remunerado). p. conceito que é um saco-de-gatos onde tudo cabe. "trégua milagrosa" (p. As novas abordagens sobre o trabalho doméstico efetuado pelas mulheres no interior do casal consideram notadamente o fato de que as modalidades de sua realização variam segundo as classes sociais e segundo as possibilidades tanto econômicas . Estas autoras levam em consideração a questão dos fundamentos de sua renovação através dos tempos. Vandelac et al.servidão voluntária. O amor aparece como um parêntesis nas relações de dominação. Contudo. dissocia voluntariamente amor e trabalho: o conceito de trabalho e de divisão sexual do trabalho. 1992. 2000: essa constatação é renovada e ampliada hoje. 116). uma suspensão da violência simbólica.trabalho e do amor. a clarividência dos sujeitos sexuados dotados de consciência. tal disponibilidade ao outro."forma suprema. porque a mais sutil.. Sonthonnax. fórmula muito próxima daquela da "servidão voluntária".continua sem resposta. essa abordagem sociológica tem seus limites: não pode tratar da irredutibilidade das relações singulares e dos sentimentos que fundam. 368): essa constatação responde de antemão àqueles (àquelas) que se interrogam sobre o (ou sobre a ausência de) amor de seus cônjuges e amantes que se esquivam à divisão das tarefas domésticas e à relação de serviço com suas esposas e filhos. retoma as análises hoje clássicas da "disponibilidade permanente" (cf. A palavra "amor". Fougeyrollas-Schwebel. (org. 1985. Delphy. notadamente a partir dos empregos de serviço (cf. Pierre Bourdieu. 6 . 1985. Entre os dois. p.situa-se no domínio das condições de realização do trabalho doméstico e das relações sociais no interior das quais ele se efetua (cf. a toda tentativa de generalização. 117): para Bourdieu trata-se. Anne Gauthier e Yolande Pinard (1988. a análise incontornável para a sociologia . As pesquisas recentes. 116-119). salvo pela afirmação de que "o amor é dominação à qual se aquiesce" (p. ao contrário de Aristóteles e de La Boétie. A crise econômica e o desemprego de massa com a emergência dos "empregos de proximidade". as mulheres estão a serviço de seus maridos e de seus filhos. como uma exceção à lei da dominação masculina. 1998. Sonthonnax.)."este trabalho de amor" como a nomeiam Louise Vandelac. conjuga-se também no masculino e no feminino (p. seja à noção de consentimento dos dominado-a-s. ao contrário. igualmente Fougeyrollas-Schwebel. consentimento. de demonstração do afeto em uma relação intersubjetiva é. Conclusão A análise do trabalho doméstico como relação de "serviço-servidão" voluntária que se desenvolve no âmbito do casal e da família. também contribuiu para esclarecer de modo diverso a problemática da servidão doméstica. FougeyrollasSchwebel. Dussuet..do casal . Mas em seu caso. 1985. a mais invisível desta violência?" . a relação de serviço: “A estrutura do trabalho doméstico remete à relação social de serviço. A questão.. em continuidade com os trabalhos sociológicos dos anos oitenta citados acima . Chabaud-Rychter et al. Fougeyrollas-Schwebel (org. Chabaud-Rychter.esclarecem o quadro problemático da servidão doméstica.1985: 47. 2000). Essas relações singulares resistem. de outro lado. a reprodução doméstica .tendem a mostrar que a modalidade privilegiada de relacionamento com o outro. (coord. CHAUI Marilena. Paris: Syllepse. Annie. La domination masculine. PEZÉ. não apenas sociológico mas também histórico (cf. nesse sentido a contribuição de Dauphin. p.). Françoise. CHABAUD-RYCHTER. sou eu quem acrescento) das mulheres sobre as formas de dominação" a uma "história (ou sociologia. A new analysis of marriage in contemporary western societies. __________ Différence anatomique et reconnaissance du réel dans le travail. recusa do servir. vol. __________ e LEONARD. augmentée. 1999 p. Farge. Pascale. 2ème éd. Dauphin. Fançoise. FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL. 11. 1998. Tome 1. corps érotique et sens moral. In: MACCIOCCHI. 156 p. p. BROUSSE. tome I. in Travailler. 7 .1980. 293 p. além das escolhas políticas da/do especialista.1 Paris: DARES/Ministère de l'emploi et de Ia solidarité. Discurso da servidão voluntária. Christine. 29-42. 2001. 208 p. Mars. p. 1987. Espace et Temps du Travail Domestique. La répartition du travail domestique entre conjoints reste três largement spécialisée et inégale. FARDE. reproduzindo ao mesmo tempo a ordem econômica e a relação de opressão/dominação. Dejours. Pierre. __________ Travail. Paris: UHarmattan. Marie-Pierre Guiho-Bailly. Collectif Travailler 28. Le travail domestique de santé. DAYAN-HERZBRUN. 215 p.15) continua a ser realizada. 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