XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE E PREALAS BRASIL.4 a 7 de setembro de 2012, UFPI, Teresina- Piauí Grupo de Trabalho 3: Sociologia e Antropologia das Emoções Título do Trabalho: Enredado na Teia Social: a normatização da vida afetiva e a expressão dos sentimentos Autor: Marieze Rosa Torres Instituição: CRH-UFBA Enredado na Teia Social: a normatização da vida afetiva e a expressão dos sentimentos Marieze Rosa Torres[1] Considerando serem as emoções fenômenos sociais sujeitos à regulação e ao controle sociais, o artigo destaca as “regras de sentimento” e os “vocabulários de sentimentos” como mecanismos através dos quais a sociedade enquadra a experiência afetiva. Tais mecanismos definem o sentimento adequado à situação, a sua intensidade, a sua duração, a linguagem e a forma como os mesmos devem ser expressos. O texto se volta em seguida para mostrar que se por de acordo com essas exigências implica uma ação consciente dos indivíduos sobre si mesmos, um esforço que envolve “trabalhar” as emoções e pensamentos, assim como as sensações e gestos que possam denunciar os seus estados interiores divergentes, dessa forma evitando pagar o custo social e pessoal que poderia disso advir. Palavra chaves: emoções, regulação social, trabalho de emoções. As emoções são experimentadas como estados internos e privados, que envolvem alterações psicológicas e sensações corporais que se expressam na fala, na face e nos gestos, e, por isso, elas têm sido consideradas como fenômenos psicológicos, biológicos, neurológicos, portanto, fora da alçada da sociologia. Um olhar mais atento, no entanto, revela que as emoções são também um fenômeno social (Kemper, 1981, Hochschild, 1979, 1983, Gordon, 1983). A inclusão da perspectiva sociológica desvela a dimensão social das emoções, assim como a inclusão das emoções como uma variável explicativa amplia e enriquece a análise da realidade social. Sobretudo no que diz respeito às relações entre indivíduo, sociedade e personalidade e estrutura, controle social e autocontrole, cujo estabelecimento tem sido alvo de um intenso debate no interior da sociologia (Alexander, 1987, Fine, 2005). O estudo sociológico das emoções, por sua vez, permite perceber como os “comportamentos e experiências” emocionais dos 2 o significado. 2 As emoções de adoção de papéis são distinguidas por Shott (1979) como reflexivas ou empáticas. bem como os canais e o vocabulário apropriados para emoções. Dado que a emoção não é fixa e nem predeterminada.562). as suas emoções são construídas no diálogo do indivíduo consigo mesmo (Turner. ou generalizado 1 (Mead 1934). o indivíduo “sai” do seu lugar e assume a posição do outro. p. denominadas por Shott (1979) como de “adoção de papéis”2 tais como culpa. E na medida em que o faz. embaraço. O artigo enfatiza o vocabulário e as regras de sentimento como expressões do alcance do social na modelagem e normatização da experiência afetiva. vergonha. Com isso não estamos afirmando que as suas emoções decorram necessariamente de interações reais. mas dependente da 1 Outro generalizado. Nas segundas o deslocamento se faz em outra direção. ao se colocar no lugar do outro e perceber a si mesmo através deste olhar os sentimentos evocados. toma como referências principais as concepções desenvolvidas por dois sociólogos das emoções e herdeiros da tradição interacionista simbólica norte-americana Arlie Hochschild e Steven Gordon. Trata-se das emoções evocadas quando um indivíduo se coloca no lugar de um outro. Para não nos alongarmos demais. 1981). e apreendidos pelos indivíduos como se as mesmos fossem suas. embaraço e vergonha ou de orgulho e vaidade. 154). e assume a percepção que é própria dele. que contribuem para a coesão e solidariedade sociais. Tendo a sociedade e a cultura referências. fomos obrigados a fazer a escolha de deixar de fora a relação entre certas emoções e comportamentos e práticas. a simples imaginação ou a projeção pode evocar emoções tão vívidas e intensas quanto aquelas originais (Kemper.indivíduos são social e culturalmente modelados e normatizados distintamente conforme os padrões peculiares para sentimentos vigentes. negativos ou positivos se voltam contra o próprio indivíduo na forma de culpa. com seres vivos e com objetos. ao contrário. revela os nexos e interfaces mais explícitos ou mais sutis entre as determinações sócio-culturais e as disposições internas envolvidas na definição e expressão da emoção ou sentimento experimentados. real. 3 . pág. vaidade e empatia Quando dizemos que as emoções são construídas. imagina o que ele próprio sentiria se estivesse no lugar dele e sente a emoção do outro. imaginado. As primeiras são diretamente sentidas pelo indivíduo e envolvem as suas concepções emocionais sobre si mesmo. e a expressão das experiências afetivas” (Gordon. 1981. nos termos de Mead (1934. como a comunidade ou grupo social que fornece ao indivíduo a sua unidade de self. através de instituições e agencias socializadoras. e que um conjunto de regras sobre isso é difundido. são culturalmente definidos. estamos assumindo que a “ocasião. Para tanto. assim como a sua variação histórica. 1999) e na interação com outros semelhantes. orgulho. assentadas no autocontrole. como se poderá perceber ao longo do artigo. que são aparentemente a expressão mais pura da interioridade do self. 1981). como somos levados a crer. de amizade. Mas esse pressuposto levanta outra questão. discorda que o indivíduo seja sempre tão consciente das suas emoções. e. de pais/filhos. são os significados projetados por um na direção de outro e as crenças sobre os sentimentos correspondentes. Posto que as emoções são fenômenos também sociais. jogam um papel importante na manutenção e reprodução da estrutura social e na construção da coesão e da solidariedade sociais. Mas concorda que. isto é das regras e vocabulários que comportam as crenças ideológicas e avaliativas sobre sentimentos que são compartilhadas por aqueles indivíduos que fazem parte de um mesmo universo cultural (Gordon. E essas crenças e significados dependem do padrão cultural que serve de referência para definição do que se pode esperar do outro. cuja resposta não é consensual entre os sociólogos das emoções. de patrão/empregado. como e quanto os componentes social. embora se aproxime da interacionista simbólica. cada um a define com base na memória de experiências interacionais anteriormente vividas com o outro. no tempo de duração da relação e na hierarquia de poder e status (conforme Kemper. 1990). psicológico e fisiológico influenciam na determinação das emoções? A posição assumida com relação a isso implica em conceitos distintos para emoções e expressa as diferenças entre tradições e escolas distintas da disciplina (ver Torres.). 4 . A nossa posição. entre outras coisas. e nas expectativas de reciprocidade criadas com relação a outro. ao investimento afetivo implicado no tipo de relacionamento que se tem com o outro (amoroso. etc. trata-se de definir. admitimos a possibilidade de que as emoções (ou algumas delas. ainda que não sejam necessariamente expressas. 1981). Assim fazendo. sob certas circunstâncias) possam ser inconscientes e escaparem ao controle individual e social. podemos supor que os sentimentos. quando ele toma consciência do afeto indesejado que sente. no grau de proximidade. e a mudança é por ele significada como importante. ele tenta trabalhá-lo nessa direção. Daí podermos dizer que as emoções são também constantemente redefinidas e refinadas na convivência social. Tais expectativas estão relacionadas. na intimidade.interpretação de quem a experimenta. de vizinho. por sua vez. mas não exclusivamente sociais (o que todos concordam). Se o entrelaçamento entre cultura e sentimentos produz tal normatização da experiência emocional. que orientam as expectativas. Em suma. 5 . pensar. como afirmara Durkheim (1977. parte do pressuposto de que o processo de socialização através do qual os indivíduos aprendem e interiorizarem as normas e valores da sua sociedade e cultura. Vocabulário de sentimentos O conceito de vocabulário de sentimentos. esses não ganham expressão social. O vocabulário de sentimentos aprendidos e internalizados pelos participantes de uma cultura ou sub-cultura. 1983) revela a amplitude da regulação social sobre a experiência afetiva e o entrelaçamento complexo e multifacetado entre estrutura social. Entre os taitianos. e essas prescrições são indissociáveis da estrutura social e reproduzem os valores e as concepções ideológicas vigentes. ele expressa os significados que emanam das experiências compartilhas e dos interesses e preocupações de um grupo em preservar as distinções que são importantes para a vida coletiva (Gordon. a linguagem utilizada para expressão de sentimentos em uma cultura indica os significados que são importantes para a vida coletiva. por exemplo. envolve a atribuição de nomes que permitem que se interprete as sensações corporais que se experimenta como sendo certa emoção ou sentimento. 229). 1987 p. 11). fazer. Assim. o de vergonha e as suas variantes como a provocação e a zombaria possuem significativa “definição e elaboração cultural” . Assim. contrastando visivelmente com os sentimentos de vergonha e cognatos que são moralmente sancionados e explicitamente nomeados (Levy. que corresponderiam aos sentimentos de tristeza e culpa. Daí que. enquanto os taitianos não dispõem de um conceito explicito para definir para si e para os outros suas sensações de isolamento e separação. 1979. p. agir e sentir” são socialmente moldadas e reguladas e variáveis conforme a sociedade e a cultura. Assim como “as maneiras de ser. cultura e personalidade.1. que tomamos emprestado de Steven Gordon (1981). 1981). envolve a dimensão subjetiva e pouco explorada dos significados sobre sentimentos que organizam a experiência emocional. os sentimentos experimentados e a sua expressão pública também estão sujeitos a regras e vocabulários socialmente sancionados. enquanto os sentimentos de tristeza e culpa não são socialmente organizados e nomeados. conforme as permissões e proibições inerentes a cada sistema social. o que se pensa sobre o que se sente e o que se faz acerca desses sentimentos (Hochschild. Nesse sentido. pela valorização e discriminação de certos sentimentos e pela minimização ou não nomeação clara daqueles que não o fazem. São essas crenças sobre sentimentos que influenciam as associações que se faz. permite que os membros de uma cultura desenvolvam a capacidade de reconhecer os próprios sentimentos e o dos outros e de lidar emocionalmente com a diversidade de situações com que se deparam ao longo da vida. através do convívio com. nas diferentes situações sociais. na cultura ocidental. Tais habilidades são adquiridas no decorrer do processo de socialização “emocional”. a culpa e a vergonha. permitem se relacionar o amor e o ódio. Nuances tênues de significado do sentimento original ganham novos termos e guarda-chuvas conceituais passam a incluir emoções e sentimentos diversos (o exemplo mais recente é o bulling). as crenças culturais sobre sentimentos permitem que sejam traçadas inter-relações entre sentimentos distintos e/ou aparentemente opostos. gênero e idade.Além disso. por exemplo. outros. para se por emocionalmente de acordo com os requisitos dos relacionamentos diversos que trava com o outro e para planejar e remodelar conscientemente os seus 6 . ele se torna melhor equipado para lidar com sentimentos. por exemplo. e validar o pesar pela perda de um parceiro ao amor que este demonstrara pelo outro quando ainda estava vivo. Conforme as experiências se acumulam e o indivíduo amadurece. O movimento feminista. e depois se aprende com as próprias vivências. 1981). isto é. na infância se aprende sobre o que se deve sentir. de que falaremos mais adiante. emoções socialmente sancionadas para homens ou para mulheres perderam sua vinculação estreita com os gêneros masculino (raiva) ou feminino (ternura). e identificar essa mudança como diretamente relacionada a transformações no padrão cultural vigente. como classe. mais diversos e sofisticados são os rótulos para nomear sentimentos. o que se refletiu no padrão expressivo de sentimentos nas sociedades ocidentais modernas. para usar esse conhecimento a seu favor. destacadamente aquelas mais gerais. quanto mais complexa a sociedade. e a maneira como se sente e como se reage (Gordon. Pode-se perceber observando o linguajar cotidiano que uma expressão rotulada como positiva e elogiosa pode se transformar de uma época para outra em uma ofensa. contribuiu para mudanças significativas nas relações homemmulher. Outro aspecto importante que cabe acrescentar com relação ao vocabulário de sentimentos é que. As crenças compartilhadas sobre o amor. e que um sentimento seja precondição para a validação de outro. O aprendizado do vocabulário de sentimentos e das prescrições para sentimentos. e da percepção de. As escolhas possíveis de um vocabulário de sentimentos modificam-se com o passar do tempo e variam conforme uma gama diversificada de determinações sociais. etc. cultura ou sub-cultura. 1981). Esse senso de “dever e licença” que serve de base para os “micro-atos de ver. no entanto. p. 1998) compartilham a idéia de que as emoções podem ser conscientemente trabalhadas pelos os indivíduos e relacionam o resultado bem sucedido desse trabalho ao sucesso nas relações interpessoais. a direção (pode-se parecer triste quando se devia parecer contente). p. 564). via o autocontrole individual. Sendo socialmente produzidas e compartilhadas elas se tornam de tal forma naturalizadas que passam a fazer parte da própria identidade pessoal e social do indivíduo como membro do grupo. pensar. Goffman. A Normatização Social do Sentimento As expressões e rotulações que se para comunicar sentimentos refletem. ou exibir” (Hochschild. 1979.sentimentos conforme as novas vivências interativas (Gordon. como vimos. 1999). Goleman. e a duração de um sentimento. 7 . que conferem “um sentido de obrigação moral e/ou de direito que orienta a troca emocional” em qualquer situação de interação (Shott. à semelhança de outras regras sociais (Durkheim. É esse conhecimento que se tem sobre o vocabulário e as regras para sentimento de uma sociedade. Tais imperativos se expressam nas convenções para sentimento que cada sociedade ou cultura define para informar aos seus integrantes sobre como eles devem sentir e mesmo sobre como eles querem sentir em determinadas situações e em relação a certas ocorrências. só se revelaria para nós através de um 3 Vários autores (por exemplo.) trabalhando conscientemente os próprios sentimentos3 sempre que se perceba uma incongruência. Sua existência. 1983. 2. Essas convenções cunhadas por Hochschild (1979) como regras de sentimento “definem os decoros sobre a extensão (pode-se parecer zangado ‘demais’ ou ‘não zangado suficiente’). Ele reflete as formas sutis com que os imperativos estruturais penetram na moral social. 1983. 1317). 216) não está confinado à esfera da individualidade e nem à micro interação. a que Goffman (1956. um funeral. Gardner. São as regras sociais. lembrar. sentir. que permite que se possa adequar o sentimento experimentado à moldura de uma situação de interação (se for uma festa. as prescrições socialmente compartilhadas pelos membros de um grupo. 1977. promovendo o controle social na esfera que tem sido considerada como o espaço da subjetividade. em dada situação contra o que está fixado” (p. 1999) já se referira. reconhecer. Do mesmo modo. se tentaria reparar o dano. e restaurar a própria imagem. ou em vez disso. essa falta de correspondência é verbalizada em expressões como “ele não tem o direito de agir assim comigo” ou “ele tem a obrigação de me ajudar” que justificam o sentimento de indignação. reprovação. se é verdade que se faz um esforço para adequar os sentimentos a uma situação dada e assim escapar das reprovações. simplesmente se recusar a adotar as regras como referência. questionamentos ou aconselhamentos dos outros. 8 . Se o embaraço e a vergonha de um. nos leva a perceber como os indivíduos lidam com sentimentos quando eles estão em dessintonia com o que é prescrito pela situação de interação. Isso embora todos saibam exatamente o que aconteceu. Pode-se. se pode imaginar que. assim como o infrator procuraria reajustar seu estado interno e a expressão que o denuncia. é também verdade que se procura usar o conhecimento das regras sobre como cabe sentir ou não sentir adequadamente nas situações para mudar essa conotação negativa. ao tratar o embaraço. Por outro lado. tanto atuar sobre se mesmo construindo um personagem “exemplar”. conforme os ditames morais. etc. não corresponde ao que se merece e espera dele. dirigidas ao infrator. As crenças sobre direitos e deveres se revelam frequentemente no linguajar cotidiano quando alguém se refere a sua maneira de sentir com relação a um comportamento ou ação do outro para consigo. solidariedade. cuidado. como oferecer elementos que justifiquem tal comportamento para tentar mudar a percepção do outro.esforço de reflexão e de investigação ou quando em dada situação elas fossem quebradas. Hochschild. os outros também procurariam “fingir” que não perceberam o que aconteceu. a validação ou não de um sentimento manifestado (por exemplo. assim como Goffman fizera antes. amizade. etc. mais profundamente. discordar da culpa que alguém sente ou reconhecer o seu direito a ter ciúmes) torna-se visível em frases como “ele não devia se sentir culpado” ou “ele tem o direito de sentir ciúmes”. embaraça e envergonha os demais participantes da interação. Em um caso como no outro se está sendo confrontado com as prescrições que são consideradas como adequados a dada situação. “livrar a cara”. galhofa.. pelo menos enquanto a situação ainda está se desenrolado física do outro. Quando o que se recebe do outro e na presença (atenção. compreensão. como quer Hochschild. trabalhando conscientemente as expressões externas que denunciam a discrepância e. carinho. Supondo que o equívoco que é percebido pelo grupo se torna evidente por expressões de censura. a própria forma de sentir.). dependa da interpretação do indivíduo. porque envolvem também certas disposições que são internas ao organismo humano. Como a base dessa interpretação está assentada nos significados compartilhados pelo grupo Hochschil pode dizer que as regras de sentimentos expressam tais significados. como dito.Dado que. que parece ser a capitulação mais radical do indivíduo aos ditames sociais. no entanto. Mais frequentemente. da frequência com que ocorrem e da sua magnitude. as gerações e os indivíduos mudam também se modificam os significados e representações sociais sustentados pela ideologia vigente. Mas elas possuem uma característica peculiar que as distinguem dessas outras. Essa via. como Darwin (1872) já registrara. à medida que a sociedade. pode levar a transformação das próprias regras. 9 . o que é externo e que é interno se misturam de tal forma nas regras de sentimento que para se manter dentro dos limites entre o que é permitido e o que fere essas convenções os indivíduos se engajam consciente e completamente no supremo esforço de alterar todos os elementos dissonantes envolvidos na emoção (sensação. pensamento. de comportamento físico. ele usa as brechas entre os limites estabelecidos para negociação e manipulação apenas das aparências externas que denunciam o seu estado interior (Hopchschild. Assim. Essa transformação reflete as mudanças de valores que estruturam a vida de uma sociedade em dado momento. as regras de sentimento têm como seu fundamento maior os valores socialmente compartilhados elas apresentem muitas semelhanças como outras regras sociais. Esse deslocamento entre mobilização orgânica e ação instintual e automática abre brecha para que a definição e o nome atribuídos as sensações experimentadas. como sendo uma ou outra emoção. a cultura. reação que a depender do número de adeptos. 1979). o indivíduo não chega a esse ponto. de interação. No extremo. 1981). Mas isso não significa que as sensações experimentadas no corpo como resultado da mobilização ou preparação orgânica sempre se traduzam em ação. expressão) para tentar realmente sentir de acordo com o que é prescrito (Hopchschild. Kemper. 1979. é apresentada como o ato mais genuíno e belo de doação. de etiqueta (Goffman. 1961). a do sacrifício dos seus sentimentos em nome da boa convivência. Nesse sentido a definição da própria emoção como sendo um estado de excitação de origem interna orientado para a ação está pressuposta nas regras de sentimento. O que é social e o que é pessoal. se nega as regras dominantes ou se rebela contra elas. o organismo humano continua se preparando para agir mesmo quando a ação já não é mais necessária para a sobrevivência da espécie. taxando-as de “antiquadas" e conservadoras. e constituem o que Hochschid (1979) chama de “armação interpretativa” (p. complementarmente. dependendo se as regras em que se baseiam os seus sentimentos 10 .. as regras de sentimentos assumidas para se reagir diante de uma situação de interação e os parâmetros de direitos e obrigações nos quais se baseiam para definir os sentimentos adequados. assim. as prescrições para sentimentos decorrentes das diferenciação social que distingue os indivíduos uns dos outros e enquadra os semelhantes segundo sua classe. se moveriam conforme a posição ideológica dos indivíduos. Hochschild sugere que eles possam defini-la de duas maneiras: ou como sendo mais uma manifestação do abuso de poder patronal contra os operários. sob o capitalismo ou como sendo o resultado da sua própria ineficiência. se traduziram em “um novo conjunto de regras para emoldurar o trabalho e a vida familiar de homens e mulheres” (Hochschild. ainda não se afirmaram como padrão. antes mencionadas. como dito. por exemplo. ainda que não correspondam aos direitos e obrigações difundidos como padrão ideológico oficial. Essa aparente discrepância entre os valores sancionados pelo padrão vigente e os pessoais reflete. p. e de acordo com outra. as regras concorrentes. Por exemplo. 551 e 566). 1979. etnia. tribo. filiação ideológica. Assim. podem sentir culpa por razões inteiramente distintas. pondo dois trabalhadores diante de uma situação de demissão. Enquanto as regras de moldura fornecem parâmetros para avaliar a correspondência ou falta dela entre sentimentos e situações. Isso. informam se as definições e os significados que se atribui estão de acordo com aqueles presentes na situação. A definição que cada um faz da situação é então relacionada com as regras de sentimentos distintas adotadas para a atribuição de culpa. 1979. Mas apesar de algumas das regras dominantes para as relações homem mulher terem sido “dês-convencionalizados”. geração. Mães que trabalham. gênero. por exemplo. As mudanças de gênero suscitadas pelo movimento feminista nos EUA. se pode estar legitimamente zangado com o patrão ou empresa. p. “de acordo com uma regra de sentimento. etc. não se pode” (Hochschild.Tais concepções ideológicas para emoções e sentimentos se expressam em regras sociais que envolvem regras de moldura e regras de sentimento. 567) redefinindo o equilíbrio entre as prioridades no âmbito do trabalho e no da família indiscriminadamente aos homens e as mulheres. as segundas. Esse novo equilíbrio legitima o sentir com relação a situações que antes seriam impensáveis e repudia e critica duramente sentimentos e perspectivas antes referendadas. 566). religiosa. às quais correspondem ao “trabalho de administração das emoções”. tanto nos processos microinteracionais. a “decadência” ou a um processo de superação da ideologia vigente. embaraço. uma feminista pode se culpar pelo sentimento injustificado que sente em relação à situação (Hochschild. de forma geral se procura desempenhar os papéis adequadamente para se ajustar à ordem social e. nascimento. divórcio). Mas. enquanto uma mãe “tradicional” pode se culpar por não se sentir tão mal quanto deveria por deixar o filho ao cuidado de outro. padrões nos quais os indivíduos se espelham para orientar a sua conduta emocional. com que se pune o infrator inconveniente. p. 1979. por que alguém escolheria para si tal sofrimento? Como para Hochschid a decisão é sempre consciente e voluntária. instituições e comunidades. Isto é. Assim. isolamento. ela a atribui escolha a uma posição pessoal de rejeição. diante das constantes dissonâncias que perpassam a vida social entre o que “devem” e “querem” sentir para corresponder as prescrições sociais e evitar para si as emoções negativas resultantes da sua “inabilidade” os indivíduos desenvolvem estratégias para “tentar” reduzir tais dissonâncias. casamento. Como a boa convivência social é promovida se os nossos sentimentos nem sempre estão sintonizados com as regras de sentimento e a moldura de uma situação? A reposta de Hochschild é que quando há um desajuste dessa natureza os indivíduos agem sobre os próprios sentimentos. quanto naqueles mais amplos que envolvem interações com grupos. As regras de sentimento e as ideologias são. Pode-se optar por aquiescer às prescrições ou encarar a vergonha. etc. A Construção do Self Administração das Emoções A noção de trabalho de administração ou de gerenciamento das emoções é construída por Hochschild tendo como referências conceitos emprestados de Goffman e 11 .estão informadas pelo “novo” padrão ideológico feminista ou pelo padrão tradicional mais consolidado e ainda em vigor. Há de se perguntar.. Será que se sabe exata e precisamente o sentimento adequado a todas as situações interacionais de se participa nos distintos momentos ao longo da vida? Será se é tão consciente assim do que se sente? Supondo que sim. interpretar e avaliar as suas experiências concretas (por exemplo. Hochscild conclui que.567). promover a “boa” convivêncial. a obediência ou rebeldia diante de dada instância ideológica ou dos padrões sociais de sentimento é uma “escolha”. portanto. dessa maneira. repúdio. pp. é esse compartilhamento que torna possível tanto o aparecimento da sociedade como o surgimento do self. Hochschild procura estabelecer o alcance desse “querer” íntimo e profundo contrastando-o com o self goffmaniano. Embora reconheça que Goffman define o self como um repositório de “contribuições psicológicas” interiores. na sua opinião. o qual se constitui na noção que o indivíduo formula de si mesmo tendo como referência a visão dos outros sobre ele. conhece os papéis e as regras de sua sociedade. 216). 1953. como um dever e um querer. porque Goffman ignora a “introspecção dos indivíduos e retira desses o senso de estarem sendo observados” (Hochschild.Freud com os quais considera “sábio negociar” em se tratando de sentimentos. como desenvolvido por Mead. mas com relação aos quais mantém uma postura crítica. Partindo da noção de self e da abordagem das aparências conscientemente planejadas de Goffman ( ) e do enfoque de Freud (1923) sobre os eventos intra-psicológicos inconscientes ela estabelece uma aproximação interessante entre as dimensões psicológicas e micro (interação) e macro (estrutura) sociais das emoções. e para isso parte da premissa interacionismo simbólico de que o compartilhamento do significado dos símbolos é um componente fundamental para a comunicação humana. Hochschild perpassa as várias fases do processo de formação do self da criança através das brincadeiras e jogos. Hochschild pode pôr as regras simultaneamente como exteriores e internas. Para construir essa aproximação. se restringe apenas aos episódios face a face de cada interação e “vive apenas em uma situação social onde se exibir a outra pessoa é um problema”. na noção de 12 . 1983. superficial e contingente.182-93). e chegar aos padrões comuns do grupo social denominada por Mead de outro generalizado (para maiores detalhes ver Mead. critica Hochschild. Ou seja. Conforme Mead (1953) segere. para mostrar como as regras se tornam conhecidas e se associam aos comportamentos adequados e como se desenvolve a capacidade de se perceber à partir da perspectiva e da visão dos outros. Ou seja. Municiada por essa concepção de um self socialmente construído que compartilha significados. Hochschild considera que o autor tanto nega ao self a “espessura” e o “peso” da realidade como coloca o seu desempenho como “uma personagem e não como algo orgânico com um lugar específico”. desconectado da realidade mais ampla. primeiro Hochschild busca por as regras dentro do ator. p. Tal self. é o “eu social” que é desenvolvido inicialmente a partir da consciência dos outros para em seguida desenvolver a consciência de si mesmo. o trabalho de emoções para Hochschild. embaraço inclui um sentimento mais profundo e freqüentemente inconsciente. conforme sugerido nas interações com os outros indivíduos. p. Do mesmo modo. Hochschild chega a dizer que Freud (1923) e James (1884. 1890). reconhecem essa dimensão de interioridade e oferecem a noção de um self unificado que atua sobre seus sentimentos de forma profunda para moldá-los modificando o seu sentir. 1983. a autora desenvolve a noção de “trabalho das emoções” atribuindo ao self o papel de administrador das emoções. ou seja. 1983. O que significa dizer que. que não se reduz a uma “atuação de superfície” ou do “aparentar sentir” como o ator de Goffman faz. mas o self não as faz” (Hochschild. na medida em que o self não é o sujeito da experiência emocional ele age somente na superficialidade da cena teatral. A noção de embaraço de Goffman. como Scheff (2005) ressalta com pertinência. tem uma dimensão que transcende a mera aparência ou expressão como às vezes se costuma defini-lo. ao contrário de Goffman. p. E se o ator administra apenas externamente seus sentimentos para evitar o embaraço é porque ele desconhece as razões internas que o fazem sentir de tal forma. 217). para Hochschild. Esse ator Hochschildiano é alguém que tem consciência de suas emoções. Nesse sentido. com a “idéia de agir em profundidade a partir de uma noção prévia de um self com uma vida interior desenvolvida” (Hochschild. as regras sociais em Goffman não conseguem dar conta do elo entre indivíduo e estrutura social ou que não há correspondência entre a teoria das regras e da autodeterminação propostas por este autor. “ações acontecem no self. que fez como com a concepção de self de Goffman. acusar. que as interpreta e as trabalha para serem adequadamente externalizadas em suas relações com 13 . Hochschild aponta os limites e se apropria da noção freudiana para dar conta dos processos intra-psíquicos do self administrador das emoções e nega o inconsciente. Para isso. sem capacidade de atuar ativamente na gestão da emoção para responder.self de Goffman. Posto o self como socialmente construído e engajado e capaz de atuar profundamente sobre seus sentimentos e não apenas sobre sua expressão Hochschild avança agora para estabelecer uma relação entre a administração das emoções e os componentes intra-psiquícos da noção freudiana de “afeto indesejado”. no interior do self. no entanto. demanda do ator social uma “atuação profunda” do sentir. ignorado pelo próprio ator: a vergonha. A crítica que Hochschild dirige a noção de self de Goffman é diretamente proporcional ao seu interesse em “colocar a regra ‘dentro’ do ator”. cumprir ou lutar contra essas regras. para construir a sua noção de ator. 216-7). Quando a congruência dos três elementos se rompe (como no caso de uma reação de riso ou de uma expressão de euforia. essas regras não são excludentes.os outros. Finalmente. o mini-governo de Goffman. como em Freud. por demais dolorosos que sejam para o self. permitindo a eles “uma avaliação da conveniência do sentimento” pela comparação entre a situação e o sentimento já vivenciado. e de 14 . A moldura de um funeral define-se como uma situação de perda. enquanto que a de um casamento define-se como uma situação de celebração. no funeral). O que significa dizer que. um “afeto indesejado”. o gerenciamento da expressão e do sentir. que considera que o self não tem voz interior como mostrado anteriormente. Juntos. então a questão do gerenciamento se coloca. com relação ainda a discussão do self goffnimiano. portanto de tristeza e choro. possibilitam o entendimento sobre o ordenamento entre regra social e sentimento. a autora estende sua crítica ao modelo da “situação ângulo de mini-governo” proposto por Goffman com o mesmo propósito de estabelecer um nível intermediário entre estrutura e personalidade e superar o “situacionismo” do “aqui e agora” desse autor. Hochschild argumenta que mesmo os componentes freudianos intra-psiquícos das emoções. porque os episódios interacionais que envolem sentimentos não estão conectados a outros tipos de interação ou aos padrões mais gerais que orientam as regras de sentimento. como visto por Goffman. a moldura convencional à qual está associada e os sentimentos efetivamente experimentados. Desse modo. para Hochschild. Hoschscild estabelecer uma interessante aproximação entre o papel do self administrador das emoções e a interação e estrutura social. dos quais ela se apropria e define como sendo o “gerenciamento da expressão comportamental” e o “gerenciamento do sentir”. não são fenômenos estritamente internos tendo em vista os elementos expressivos que são sociais. subjetiva e inconsciente. Hochschild admite que Goffman sugere outros dois tipos de atuação. Apesar das críticas que dirige ao self. os seus sentimentos não estão restritos à dimensão interna. no caso. O Trabalho de Administração ou de Gerenciamento das Emoções O trabalho de administração das emoções é um recurso que se lança mão quando ocorre uma dissonância entre a situação vivenciada. logo de alegria. também não consegue dar conta da intermediação entre estrutura e personalidade. ou seja. pois há uma memória dos indivíduos nas interações. Do mesmo modo. e. geralmente. Lança mão do “trabalho de cognição”. se recorre a um terceiro recurso o “trabalho de expressão”. que é. quanto de se suprimir ou se evocar emoções. no caso. por exemplo. seja no modo de ajudá-lo a definir adequadamente um 15 . a normalidade. no sentido de obter-se uma adequação. Esse trabalho de emoção pode ser restrito ao próprio self ou pode envolver a participação de outros seja no sentido de ajudar o self na sua empreitada. por exemplo. a interação flui. entre aqueles três elementos. Pode-se dizer que sua obediência é engajada. Para isso mobiliza-se por inteiro. se realiza um “trabalho corporal” agindo sobre os sintomas e sensações físicos que expressam o nervosismo. este “trabalho” envolve freqüentemente tanto o uso das três técnicas de trabalho de emoção como um “sistema” de “ajudas” estratégicas de outros que possam reforçar os sentimentos que se quer afirmar ou negar. Se a incongruência percebida estiver restrita a uma situação específica e de curta duração (como.modo consciente. é respeitada. pode ou não ser bem sucedido. uma “fusão”. um trabalho de administração das emoções que não se reduze a tentativas de se controlar ou de se “eliminar” uma emoção presente nem de se manipular superficialmente a expressão externa. representar um esforço e um investimento mais longo e gradual. Todo esse trabalho. para mudar os componentes expressivos de sua emoção. representações e idéias que lembram e reforçam o sentimento que se quer suprimir ou que se quer diminuir a intensidade. ainda que não seja a tentativa representa para Hochschild uma evidência da importância da regulação social para sentimentos. a convenção. Estas técnicas distinguidas teoricamente são freqüentemente indissociáveis nas situações práticas vivenciadas pelos indivíduos nas suas interações cotidianas. Se isso acontece. isto é. se a discrepância perdurar para além da situação que a provocou e o trabalho para suprimi-la se prolongar no tempo. o embaraço por ter cometido uma gafe). para o indivíduo. procurando sorrir. mas representa o enorme esforço de se redefinir os sentimentos e emoções de forma profunda. Esse “trabalho” envolve a capacidade tanto de se redefinir ou de modular a intensidade ou a qualidade dos sentimentos. finalmente. como uma conquista. mas. de tristeza. ativa e envolve. mas a escolha vai depender do que está em jogo. evitando tremer ou respirando lenta e profundamente. e isso aparece então para o self. No entanto. deliberada e consciente. como uma realização. atuando sobre pensamentos. o trabalho de emoções pode envolver apenas um ato “emergencial” e superficial de administração. para mudar o sentimento interno. por exemplo. restaurada. Como já foi dito. um sorriso) é medido com relação a um sentido prévio do que “se deve” ao outro. ainda assim ele o faz. não acontece sem que o indivíduo se disponha a sacrificar os próprios sentimentos.sentimento de acordo uma situação para “corrigir” possíveis confusões ou más interpretações. Os atos podem ser "permutados” porque eles estão imbuídos do significado de pertença que o indivíduo atribui a um gesto identificando-o como seu ou como de outro. No jogo de troca social. dado o tipo de laço envolvido. Na atuação profunda os indivíduos trocam gestos sociais que não estão centrados em um cálculo racional de custo-benfício. sua prática sistemática pode torna-se um hábito de tal forma arraigado que pode levá-lo a perda da própria capacidade de sentir (James. Nesse caso. Assim. e porque a permuta implica o entendimento prévio e compartilhado dos significados do padrão aceito. 1890). ele leva "o próprio" sentimento para o coração. Tal trabalho de atuação profunda. as regras de sentimento podem apresentar-se como atuação profunda ou de superfície. Mas se pode expressar livremente os sentimentos mesmo quando eles contrariam as convenções e regras prescritas para uma situação de interação. 1979. nesse sentido. o traço comum. Tal atitude ser relacionada a um tipo de proximidade com o outro que dispensa as convenções como base da relação. em nome de um outro que lhe é caro ou para conquistar algo maior que projeta para si mesmo. o intercâmbio envolve “gestos de troca” no sentido atribuído à noção. p. Se ignorar os próprios sentimentos lhe permite submetê-los a sua vontade e. libertar-se do seu crivo. por mais trivial que seja (um aceno. no entanto. alguns gestos parecerão acima e outros abaixo do limite desejável. Comparado a esta medida de fundo. Os vínculos entre regras de sentimento e administração de emoções e entre os níveis micro e macro de análise aparecem agora de forma mais explicita na análise da troca como “mercantilização dos sentimentos”. mas. em vez de se trabalhar as emoções ou se arca com as conseqüências sentimento impróprio ou se manipula a situação. A troca social não tem em Hochschild apenas o significado clássico de intercâmbio de bens e serviços entre pessoas. por Mead (1953). incluídos os atos de exibição/expressão. mas também como recusa ou manipulação das convenções. 16 . toma-o seriamente. baseados em um cálculo de custo-benefício. 569). qualquer gesto. o que é compartilhado e constrói a união dos indivíduos é o desafio e não a conformidade às convenções (Hochschild. Nas relações interpessoais de proximidade. as capacidades emocionais de gerência dos sentimentos são previamente desenvolvidas “moldadas” no decorrer do processo de socialização de acordo com padrões distintos de socialização das pessoas. conforme a posição que irão futuramente ocupar reproduzindo-se as condições de classe na estrutura de empregos. as empresas e instituições estendem o seu “braço” sobre a interioridade do indivíduo para lhe impor o gerenciamento dos seus sentimentos mais íntimos e pessoais. e que um conjunto de regras sobre isso é difundido. assim como constituem modos diferenciados de reprodução das condições de classe. Essas regras se revelam no mercado de compra e venda da mercadoria força de trabalho com relevância distinta conforme as classes sociais. Isto significa que cada função ou o cargo demanda por certo “tipo” de trabalhador. entre outras. preparando-as diferentemente umas das outras. Nesse sentido. ou subcultura. Sob o capitalismo.Hochschild fecha finalmente os seus argumentos sobre regras de sentimento estabelecendo a relação mais ampla destas com as trocas sociais sob o capitalismo. geração. A “mercantilização dos sentimentos” é entendida como poder que o empresário tem de exigir como condição para ocupação de certos cargos ou funções que o trabalhador atue profundamente sobre os seus gestos. 17 . vigentes em dado momento. o significado. quanto mais os empregos envolvam a produção de significados. comportamentos e sentimentos para torná-los adequados. Dissemos que a “ocasião. etnia. Assim. e apreendidos pelos indivíduos como se as mesmas fossem suas. propõe que a análise deve ter como ponto de partida as conexões estabelecidas nas trocas sociais de mercantilização (commoditization). através de instituições e agencias socializadoras. são culturalmente definidos. Considerações Finais Procuramos mostrar como os comportamentos e experiências emocionais dos indivíduos são social e culturalmente modelados e normatizados distintamente conforme os padrões peculiares de sentimentos vigentes em cada sociedade e cultura. e a expressão das experiências afetivas” bem como os canais e o vocabulário apropriados para emoções. mais os sentimentos se constituem em uma parte constitutiva do que é exigido da força de trabalho. dos modos de sentir e da valorização da capacidade do trabalhador para administrar os significados atribuídos aos empregos destinados a cada classe. gênero. e as determinações sociais de classe. consciente e deliberadamente. Nesse sentido. Daí que elas se tornam de tal forma naturalizadas. como nem sempre o que se experimenta coincide com o sentimento adequado a situação de interação. 18 . Este ator que gerencia emoções faz um trabalho sobre si mesmo para tentar. sentir como “deve”. como demonstramos. nesses momentos de dissonância é que entra em jogo o trabalho de administração das emoções. se incorpora as crenças ideológicas e avaliativas sobre sentimentos. ainda que não sejam necessariamente expressas. e. sob certas circunstâncias) possam ser inconscientes e escaparem ao controle individual e social. que são compartilhadas por todos aqueles indivíduos que fazem parte de um mesmo universo cultural. Cremos que os sentimentos são culturalmente moldados e normatizados. e de tal forma que até os seus afetos indesejados e dolorosos se tornam objeto de reflexão e são submetidos a sua férrea vontade de mudá-los. Mas. que as prescrições sociais sobre o que se deve sentir pode se mesclar e mesmo se confundir com o que se quer sentir. mas não exclusivamente sociais.Vimos que ao ser socializado segundo as regras de sentimento e vocabulário de sentimento de sua sociedade ou cultura. nos parece provável que as emoções (ou algumas delas. mas não podemos desconhecer que as emoções são fenômenos também sociais. 5-42. C. v. n. 290-321.Revista de Administração de Empresas. HOCHSCHILD. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Trad. O triste espólio.1956. 45. In: Social Psychology: Sociological Approaches. v. São Francisco: Jossey-Bass. 1984. 1-17. feeling rules. FINE. p. 3. The American Journal of Sociology. The Sociology of Sentiments and Emotion. 1967. The Managed Heart: Commercialization of Human Feeling. p. 551-575. As Regras Do Método Sociológico. 2005. 2002. 48. Leon de Souza Lobo Garcia. DARWIN. junho 1987. Emile. Arlie Russell. Basic Books. Embarrassment and Social Organization./dez. 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