“O espaço-tempo do vivido e a crítica à vida cotidiana no estudo da Geografia Social como meio para uma revolução de multidõesde todos os lugares e de todos os tempos.” I O modo de vida Considerando-se que a Geografia é, antes de mais nada, uma ciência humana e social é importante considerar o âmbito do cotidiano, já que este está tão colado à vivência humana, na qual se desenvolve as relações sociais. As relações sociais são produto e produtor das relação entre sociedade e natureza. “É preciso incorporar ao espaço a crítica da vida cotidiana, que põe o acento na reprodução das relações humanas” (Damiani, 2001,p.161) Mesmo através das crises que provoca, o modo de produção capitalista conseguiu sobreviver, dissolvendo relações e formas sociais e engendrando e reproduzindo outras, transformando a vida dos homens neste imenso processo histórico. Este modo de produção estabeleceu o bem de consumo como causa e produto das relações humanas e assim os objetos aparecem como figura central na configuração da vida humana. Objetos nem sempre materiais, mas também na forma de vontade de se ter um bem material, na idéia. As condições de existência desta sociedade em que vivemos foi historicamente reproduzida na base das relações de produção capitalista e por isso é necessário entender que ao produzir o consumo exacerbado para que assim movimentasse a economia e se reproduzisse o capitalismo, este modo de produção produziu também esta sociedade característica, esta sociedade de consumo, que define as relações humanas através dos bens consumidos e seus signos. Mas ainda é difícil enxergar a importância de um estudo crítico da vida cotidiana, já que esta é banal e irrisória, repetitiva e insiginificante. O que pode trazer de novo? Então apega-se a outro conceito que parece ser mais romântico e revolucionário: o de modo de vida. Serve para classificar a forma de viver de sociedades que ainda mantém um tempo cíclico, o tempo da natureza, uma vivência de acordo com essa relação que parece mais próxima e dependente da natureza. Ainda procura-se identificar diferentes modos de vida, o do caipira, caiçara, índio…Porém o tempo linear convive com o tempo cíclico mesmo nas sociedades que parecem mais isoladas, mesmo que de forma residual. O modo de vida capitalista atravessa a todos em graus diferentes. O capitalismo pode aparecer como residual num determinado modo de vida e um modo de vida pode aparecer como residual no repetitivo cotidiano de uma grande metrópole onde tudo parece homogêneo. que coincida com as novas condições de produção.) A maneira como os homens produzem os próprios meios de existência depende. devido à existência de um outro modo de produção concomitantemente. “É preciso apreender o modo de vida como uma „totalidade concreta‟ produzida e reproduzida pelo próprio desenvolvimento do modo de produção. O que são. o que leva à uma relação social de abstração. (. Mesmo onde se aparenta não existir nenhuma influência desse modo de produção dominante. em primeiro lugar. 47. um olhar mais atento mostra que mesmo as diferentes temporalidades reflete à uma contemporaneidade cuja principal característica é a acumulação de mercadorias.54). mantendo seus resquícios dissolutos. separação do indivíduo. (Granou. “O modo de vida capitalista é o universo do discurso fechado” (Granou. 51) Pensando que o modo de produção capitalista atinge o mundo inteiro em graus diferentes. Foi possível. o capitalismo é reproduzido pela própri a sociedade que ele produz. é preciso analisar as suas transformações como um processo de destruição que é em si mesma a condição de emergência de um novo modo de vida. “O modo de produção se reproduz ao reproduzir as relações que o fundamentaram” (Granou. da natureza dos meios de existência já dados e que é preciso reproduzirem. por exemplo) e há uma mistura entre relações capitalistas e formas de vida sociais dominadas por relações herdadas da feudalidade (Granou. Assim algumas características do modo de vida sobrevivem (características de uma sociedade patriarcal.. 50. É só olhar para as centenas de restaurantes de comida típica. o modo de vida tradicional já foi integrado de alguma forma ao modo de vida capitalista. etc. transformando-os em mercadoria. p.. os diversos pacotes de viagem turística. coincide com o que eles produzem como pela maneira pala qual eles o produzem. A dissolução do antigo modo de vida dos operários foi uma condição necessária para o aumento das relações de produção capitalistas. E.. com a ajuda do Estado “extender” a base social sobre a qual se reproduzem as relações de produção capitalistas. “O capital só investe no modo de vida . mas metamorfoseiam o valor de uso que está em relação com esse valor de troca. 48). a modernidade chega a todos de forma desigual e o capitalismo tem a capacidade de absorver diferentes modods de vida. (.) A maneira como os indivíduos manifestam a vida reflete exatamente aquilo que eles são. por conseqüência. e isso foi possível ao se “desagregar” o modo de vida dos operários que fora da fábrica ainda mantinham uma organização da vida social herdado de uma época em que o capitalismo ainda não era tão absoluto e os bairros operários foram os primeiros a passar por essa desagregação. Essa produção de signos não é um ultrapassar do valor de troca. algumas vezes mais identificáveis do que outras.. depende pois das condições de sua produção”. A dissolução do antigo modo de vida e sua reconstrução na base das relações capitalistas trouxe o desenvolvimento dessa “ sociedade de consumo”. Aquilo que o indivíduo é. p.33) assim.Mesmo que em proporções diferentes e com temporalidades diferentes. 61) Modo de vida. (Granou. entre estes e os locais de cultura e consumo. insatisfação que o indivíduo não explica. já que o cotidiano pode conter resíduos de diferentes modos de vida. mas que o coloca em movimento para que um novo desejo assuma forma. (Granou. também cotidiano. mercadorias consumidas tanto na forma imagem. e essa nova espacialidade trará uma vivência diferente ao indivíduo. quanto no objeto mercadoria.tradicional do qual pode apoderar as condições de existência dos indivíduos e os conjuntos de signos que exprimem a alquimia da ordem social”. portanto não pode ser o oposto de cotidiano. .57) Este modo de vida. a mercadoria pode impor-se como último recurso contra o desespero”. Nas cidades há uma segregação espacial acentuada e uma separação entre locais de trabalho e habitações. dando lugar para o modo de vida capitalista. “ Neste mundo atomizado. reduz-se ao consumo de mercadoria. A cidade mantém o trabalhador desprovido da possibilidade de produzir ele próprio os seus meios de subsistência. p. obrigando-o a vender sua força de trabalho. p. A urbanização é um dos principais fenômenos que aceleram o processo de dissolução do modo de vida. sendo assim alienante enquanto imagem que cria a ilusão de realização ao se apropriar dela e ao criar insatisfação quando o objeto é possuído. onde a comunicação foi voluntariamente destruída. em relação ao economico e ao politico. de acordo com a classe social considerada. é preciso considerer a alienação produzida pelo modo de produção. como se sempre estivem lá. locais. “A critica da vida cotidiana propõe „mudar a vida‟. 2001. inclusive a vida privada. Também é possível que se vulgarize tanto a história banal quanto a grandiosa. o vivido.ização do grandioso que se deteriora. mesmo na esfera privada. mas atingindo a todos assim mesmo.II O cotidiano “A cotidianidade é insuportável. os hábitos e os comportamento. O que explica os grandes acontecimentos é também a teia de acontecimentos banais. Ao se lidar com o cotidiano. o indivÍduo. amplia o universe de análise para tantas outras relações entre os indivíduos e os grupos. todo projeto revolucionário deve incluir mudar a vida inteira. que trasforma desejos em necessidades e necessidades em desejos. a imagem e o espetacular se reproduzem como se fossem parte da natureza humana.162) O cotidiano torna-se necessário para que o modo de produção funcione e reproduz. Para se entender as relações sociais é preciso considerer o cotidiano como mediador entre economico e politico. tornando-as sem sentido. inclusive particulars. tal como seu desenvolvimento desigual. Ele apresenta os fatos banais. Ao se colocar o social em destaque acentua-se também a cotidianidade. de não precisar mais de manipulação para viver na sociedade do espetáculo. numa relação social que se dobra ao privado. p. características desse modo de produção . 163) O cotidiano é estrutural. além da reprodução direta do capital. Metafilosofia) No Capitalismo.” (Damiani. e isto sustenta a reprodução desse modo de produção espetacular. até mesmo residual.p. a não não ser seu . as emoções. 2001. é intolerável. O espetáculo não mais se distingue da própria vida (ou sobrevida…) “O cotidiano. porque o homem mesmo configure-se e torna-se abstração. a reprodução das relações sociais aparece em outros momentos da vida social. ou melhor. mas estes também são importantes nas expressões de ritmos e de acontecimentos grandiosos. inadmissível” (Henri Lefebvre. assim como há a bana. mas também carrega consigo o informal e o espontâneo. numa alienação que transcende o nível da sobrevivência. apresentando-se de forma diferente. No nível do cotidiano. ao ponto de as estruturas que nos dominar não serem mais exceção. a subjetividade. Inclui o vivido.” (Damiani. 2001. 2001.” (Damiani. e também media a relação entre lugar e mundo. o econômico e o social. que não o tempo linear da cotidianidade.sentido espetacular. nos diferentes lugare. “No lugar também surgem procupações próprias de outros tempos.”(Damiani. O cotidiano torna mais visível essa deterioração do grandioso e contém o banal.169) “O mundo se instaura. os lugares de atualizam e. p. ao mesmo tempo.171) . p. redefine-se o desenvolvimento desigual entre o político. inteiramente. de alguma forma. nos contentando com essa economia parasitária. ao trabalho assalariado. Capitalismo é uma palavra que hoje em dia é pouco usada. “Cidadão”. Cada vez mais o Capital faz comércio de suas ruínas. mas a palavra está em desuso. Ao significar tudo. Trabalho é uma palavra-chave. em que a imagem prevalece sobre o conteúdo. Assim o capitalismo existe. enquanto o trabalho que está desaparecendo. parasitária. (Vaneigem. A economia se retrai e faz de seu imobilismo uma fonte de lucro. . com uma palavra que remete à exploração de trabalhadores e à desigualdade social. 1996. seu conteúdo de trabalho alienante numa sociedade capitalista e sua imagem se transforma. é um termo muito usado. por pior que esteja. e nos identificamos apenas como coisas há o desenvolvimento de uma comunicação tecnicamente agenciada que existe para emprestar uma significação para o que não tem mais sentido humano. Melhor chamarmos também de “modernidade” e pensar como o mundo seria bem pior se não fosse desse jeito. p. como por exemplo “privilegiado” que remete a quem ainda recebe alguma ajuda estatal. Pode referir-se à tarefas mais comuns do cotidiano. “democracia”. que se encaixa às mais diversas situações. 83) e ainda sim “lucro” é objetivo maior dessa economia “moderna”. emprestada de significados humanos. e até mesmo à estas palavras escritas que serão chamadas de “trabalho de graduação individual”. freqüente no cotidiano. humana.III Economia parasitária Uma economia estagnada simplesmente muda seu nome para “modernidade” e quem não aceita o novo termo é afastado e considerado reacionário. Outras mudam de natureza como se estivessem sob efeito de manipulação genética. Numa sociedade em que os significantes perdem seus significados. As palavras perdem a importância e muitas desaparecem como se a realidade que ela designa tivesse se esfacelado. ela também perde sua potência. Porém um termo em desuso não significa necessariamente que se refira a uma realidade inexistente. aposentadorias. como salários. são conteúdos efêmeros. ninguém descreveria sua própria vida ou a sociedade em que vive. cada vez mais se produzem coisas mais deterioradas. alocações como se esse fosse todo o potencial desta palavra. “O homem lucrativo (homem que lucra com a miséria) é a perfeita expressão da desumanidade”. “exploradores” e “explorados” são palavras que perdem seu significado entre tantas outras que resistem com significado efêmero. carregada de sentido pejorativo. o outro como elemento de um código. saltitando.) Da mesma forma a cabana de alvenaria ou a pequena elevação de terreno é tomada como o parque da narrativa de uma trajetória. onde não nos identificamos com sua história. numa fragmentação que impede a vivência plena da cidade. Densifica-se. maneira de ser e maneira de fazer” (Certeau. numa frase ou entre frases.. Produzida por massas que fazem desaparecer a cidade em certas regiões. independentemente da vontade do individuo. indefinidamente.). exageram-na em outras. formada em fragmentos e em alterações de espaços: com relação às representações. como criança „num pé só‟ . distorcem-na. isoladas. p. A parte assume o papel de totalidade. Pratica a elipse de lugares conjuntivos”. Apesar disso. imóvel. Deste ponto de vista. na caminhada. o espaço apresenta algumas singularidades aumentadas e ilhotas separadas. Por isso.” (Certeau. 181) Essa vivência fragmentada abre ausências. conjunções e advérbios. p. “O uso define o fenômeno social pelo qual um sistema de comunicação se manifesta de fato: remete a uma norma. parte já fragmentada e diluída.” (Certeau. uma „maneira de fazer‟ (falar. amplia-se o detalhe. O estilo e o uso visam. passos. 171) A cidade. etc. desata suprimindo o conjuntivo e o consecutivo. (Certeau. O espaço-tempo é tracejado.. 179) “O assíndeto é a supressão dos termos de ligação. repleta de representações que definem seu uso. outra.IV Signos “Tudo se passa como se uma espécie de cegueira caracterizasse as práticas organizadoras da cidade habitada. p. ela salta suas ligações e partes inteiras que omite. partes se omitem enquanto outras se destacam. como vivenciado pelas sociedades medievais e nem linear. como se tenta representar com tanto afinco hoje em dia. ambos. Desta forma. toda caminhada continua saltitando. Eles se cruzam para formar um estilo do uso. fragmentam e alteram sua ordem. onde as experiências são selecionadas e não vividas como um todo. ela permanece cotidianamente. “A sinédoque consiste em empregar a palavra num sentido que é uma parte de um outro sentido da mesma palavra (. que formam a cidade impedem de defini-la apenas por seu traçado gráfico e por isso é possível moldar percursos. p. caminhas. O espaço apresenta essa descontinuidade e assim também se apresenta o tempo. seleciona e fragmenta o espaço percorrido. história em que a vivência não faz parte. num percurso. e que não temos tempo nem de assisti-la. Do mesmo modo. corta e desfaz a continuidade. pedestres. que não se mostra mais cíclico. As redes dessas escrituras avançando e entrecruzando-se compõem uma história múltipla. onde as determinações fixadas para o uso do objeto não tem seus limites nunca ultrapassados. cria uma vivência alienada onde não se sabe mais o porquê das coisas. . 181) Dilata-se um elemento do espaço enquanto substitui-se a totalidade por fragmentos. sem autor nem espectador. no entanto. mas um como tratamento singular do simbólico. trajetórias. p. modificando o espaço vivido de forma não reformista. Com que passividade. Com que amarga facilidade se abandona um desejo. com que inércia se aceita viver por uma coisa qualquer. É a luta por uma melhor escola. tais como ter um emprego.” (Lefebvre. que não transcedem o cotidiano. 1957. hospitais. A ponto que em alguns existe um verdadeiro reflexo de submissão. O questionamento radical da sociedade existente é o possível-impossível. p. Assim estima cruzar o abismo entre o vivido parcial e o presente total. A arte de viver para a gerção nova) O possível-possível são sonhos. e é isto que se busca com a crítica à vida cotidiana. de agir por qualquer coisa. capaz de transformar esta realidade partindo do lugar. uma paixão. vontades. com a palavra çoisa’arrastando por toda parte o seu pedo morto. uma crítica radical.” (Lefebvre.49) O possível-impossível leva à plenitude. “O possível se opõe ao real e forma parte integrante do real: de seu movimento. Se o possível se revela hoje como um horizonte indeterminado e sem limites. a parte essencial de si. o linear. por se manter as mesmas estruturas de forma melhorada. um masoquismo sempre presente na vida cotidiana. é porque o real leva em si contradições radicais.50 e 51) O que a realidade potencialmente contém. gozo sem crueldade. um carro. comodidade. um medo desarrazoado da liberdade. totalidade. “O novo romantismo (revolucionário) afirma o primado do possivel-impossível e considera esta virtualidade como essencial para o presente.” (Raoul Vaneigem. o possível. Procura-se as formas urgentes e inacessíveis. também é realidade. superando a relação sujeito-objeto. . Melhorias que mantém as coisas como são.V Possível-possível e possível-impossível “À humanidade nunca faltaram razões para renunciar ao humano. calma sem monotonia. quer dizer. 1957. se mantém o contentamento com a sobrevida.” (Raoul Vaneigem. pois a sobrevivência implica em sacrificar a própria vida. “Pode ser que esqueçamos. 1997. nossas casas. nossas ruas. e o que construímos só nos permite viver como uma parte do que somos. p. quantitativa. Mantém-se a ilusão comunitária de se estar junto quando tudo ao nosso redor. A sobrevida é o negativo da vida. como parte óbvia de um cotidiano banal. pelo tédio disfarçado de gozo. pelo lazer dependente do dinheiro. pelo lazer do qual o dinheiro depende. que é escolha para alguns. é a não-vida. mas buscá-la não tem potência revolucionária. É abrir mão do gozo por uma “diversão” vigiada e controlada. Assim banalizamos o que é óbvio. A sobrevivência está no plano do possível. p. não chega a ser a morte. . Nous qui desiróns sans fin) A vida tem uma conotação qualitativa enqaunto a sobrevida (survie) tem uma conotação quantitativa. enquanto a vida seria o possível-impossível . A vida tem relação direta com o real. mas sim uma vida não plena. morre-se. Em muitos lugares luta-se até por esta sobrevida. mas real necessidade para outros. que nela existem ainda sofrimentos e separações. Nada se inverte mais rápido em seu contrário que os impulsos da vida” (Vaneigem. numa rua animada. 34) Acredita-se que a sobrevisa é a própria vida e que o real é o óbvio. e assim não considera nada além do real como importante. onde consegue-se não morrer de fome para se morrer de tédio.” (Vaneigem. São pedaços de nós mesmos que vemos nas coisas que construímos. “O sacrifício da vida humana pela necessidade de trabalhar inaugurou uma lógica morta que dirige à consequencias extremas o sacrifício da sobrevida aos imerativos monetários. só nos resta essa vida fragmentada.77) Mesmo que exista a sobrevivência. nos concebem como seres separados.VI Vida e sobrevida “À la misère d`avoir à produire et à consommer s`est ajouté le malheur d`être privé des rudiments qui permettaient au moin d`exiger pour l`existence une meilleure destinée. Apenas se mantém o que já existe. isolados e dilacerados. se mantém as mesmas condições de existência. Porém numa sociedade onde o real se apresenta fragmentado e espetacularizado. Qualquer coisa transforma-se então em vida no lugar da vida. A sobrevida é despender mais do que recebe sem perceber que isto é a nãovida. E a isto chamamos de sobrevida. 1967. A sobrevida é essa busca pelo possívelpossível. p. ” (Vaneigem. esse pedaço de individualismo inacessível que as boas pessoas arrastam com elas como propriedade sua. a consciência do isolamento não é mais que a consciência privada. É uma espécie de prazer angústia que ao mesmo tempo impede que nos fixemos na ilusão comunitária e que permaneçamos bloqueados nos subsolos do isolamento. incômoda e cara. Mudada em positividade. que na impossibilidade de viver fundamenta as condições sine qua non da vida. Trabalho se transforma em sacrifício. “Adaptar-se ao mundo é um jogo de cara ou cruz no qual a priori se decide que o negativo se torna positivo.O sacrifício significa despender mais do que recebe. 37) . Nunca a alienação se incursta tão bem como quando se faz passar por um bem inalienável. 1967. O trabalho é o mais claro exemplo de sacrifício pela sobrevida. da separação e do isolamento. Nessa linha do tempo o espaço é uma série de pontinhos autônomos na aparência que se integram num ritmo de sucessão. do consumo. superando-se assim o cotidiano do particular. Essas histórias podem morrer juntas ou recomeçar tudo. 1967. “O momento (. Ele é repetível e aparece através da repetição.. assim como uma música que pode ser criada através da repetição das notas (que são sempre as mesmas).. a do espaço e do tempo. deanaesthetized Blurry images fight their way through halfway opened eyes Awakened by alarm fifteen minutes of hygeine Twenty minutes of eating thirty seconds to the door I looked outside I looked into the eyes Of the impersonal mob I've seen a thousand times before Feeling under covers like books on a shelf If we're scared of one another Must be scared of ourself More than just another crowd We need a gathering instead (Operation Ivy.) é ao mesmo tempo proclamação do absoluto e consciência de passagem.” (Vaneigem. O tempo burguês é o tempo do trabalho. p. da produção. mas em sua repetição já não é mais o mesmo. O momento surge num cotidiano repetitivo. introduzindo nela o que falta para que haja uma vida mais humana onde exista o gozo. Tempo mercadoria. e assim como uma mesma música pode ter interpretações diferentes ao ser tocada por diferentes pessoas. “É certo que o fim das separações começa pelo fim de uma separação. p.”(Vaneigem. 1967.VII O momento Wrenched into the world. Caminham para o estado de coisa e sua recusa. “O primado da vida sobre a sobrevida é o movimento histórico que desfará a história. The Crowd) A evolução histórica e a história do indivíduo tendem a confundir-se. 234) O tempo burguês é o tempo do poder parcelar cuja medida é o instante. Ele está efetivamente no caminho de uma unidade do estrutural e do .234) A teoria do momento se articula junto à cotidianidade. Tempo da sobrevida. mas vislumbra a totalidade que no dia-a-dia aparece apenas como resíduo. O momento pode se estender no tempo ou se condensar. mas não é possível criá-lo estratégicamente. E este vazio nos faz buscar o presente quando o percebemos através dos momentos.”(Vaneigem. teoria dos momentos e construção das situações) “Através das mudanças um “algo mais” permanece. “O espaço preciso da vida cotidiana rouba uma parcela de tempo „exterior‟. não pura.(.. “O espaço é um ponto na linha do tempo. mas no cotidiano aparece como presente não-vivido. Quanto mais o . da música. da criatividade do prazer. mas a intensidade vivida é tal que exerce na maioria das pessoas um fascínio sem igual.) Cada ponto que termina a linha do tempo é único. do jogo.239) O cotidiano está imerso na totalidade e é privado de compreendê-la.(.. p. sendo sempre engolido pelo passado e antecipado pelo futuro (“tudo é memória e antecipação”). mais nos encaminhamos para o estado de coisa para o puro valor de troca. não mais cíclica. sendo assim cotidiano não-banal.. 342) A vida cotidiana é uma continuidade que admite a descontinuidade através do momento. Nós diríamos que é o momento.. mas dominante. faz progredir a linha que o faz desaparecer. mas pessoas imersas no cotidiano podem emergir dela por conhecer os momentos através do amor. ele faz parte de uma zona de temporalidade. ei-lo que se afoga na linha uniforme. 1967. 240) Na linha do tempo esses momentos parecem irrisórios. mas não é contínuo no tempo. O lugar dessa alquimia é minúscula. O momento é uma totalidade efêmera. 1967. e é possível criar condições para o momento. mas convivendo com essas outras formas. graças à qual se cria um pequeno espaço-tempo unitário: é o espeço tempo dos momentos. p. que também aparece como irrisório na linha do tempo. É o espaço-tempo da sobrevida. portanto. A linha do tempo nos aparece como tracejada. digerido por um passado que já conheceu outros. que não perdura.”(Damiani. O presente é desejado. que se repete. mas na vida subjetiva o que mais se deseja viver é o presente. etc. e contudo se se acrescenta o ponto seguinte.) O momento é principalmente temporal. não mais linear. p. momento que esgota. “Quanto mais o tempo fictício se harmoniza com o espaço fictício que cria. A linha do tempo não pode então ser vista como linear quando se percebe esses vazios do presente não-vivido. 1977. Impossível distinguí-lo. do orgasmo.” (Lefebvre.conjuntural.”(Vaneigem. particular. Cada ponto. p. 241) Através do vislumbre da totalidade. É possível ver o novo. além do cotidiano alienante. mais se torna firme o domínio do homem.espaço do vivido autêntico se concilia com o tempo realmente vivido. existe a potencialidade de se enxergar além do real espetacular. .”(Vaneigem. 1967. O espaço-tempo unitariamente vivido é o primeiro foco de guerrilha. É potência para surgir a revolução em que todas as revoluções passadas e futuras coexistam. e daí surgem as revoluções. a faísca do qualitativo na noite que ainda dissimula a revolução da vida cotidiana. numa revolução de todos os tempos e lugares. pelo momento.