1 Instrumentos transpositores1 Alguns dos instrumentos musicais que conhecemos hoje foram criados antes mesmo que o homem começasse a viver em sociedades organizadas, à exemplo da flauta. Outros não tão antigos, surgiram simultaneamente em grupos isolados e até desconhecidos entre si, como é o caso do alaúde (precursor do violão, encontrado na Arábia, China e Grécia antigas) e do órgão hidráulico (conhecido na Grécia do século III a.C.) Na música ocidental, atualmente, há uma grande variedade de instrumentos e temos duas maneiras básicas de classificá-‐los: quanto ao meio de produção do som e quanto à sua funcionalidade. Quanto ao meio de produção do som, eles podem ser: Sopros • humano -‐ famílias das madeiras (flauta, clarineta, etc) e dos metais (trompa, trompete, etc.); • mecânico -‐ órgão de tubos, gaita de fole, acordeão. Cordas • dedilhadas -‐ harpa, violão, etc. • arcadas -‐ violino, violoncelo, etc. • percutidas -‐ piano, clavicórdio, etc. Percussão • com altura de som definida -‐ vibrafone, tímpano, celesta, etc. • com altura de som indefinida -‐ bateria, pandeiro, gongo, etc. Mecânicos • pianola, caixa de música, etc. Eletroeletrônicos • guitarra, sintetizadores, etc. O objetivo desse material é apenas fornecer o conhecimento básico sobre a funcionalidade dos instrumentos mais comuns na música orquestral e popular, com foco para os instrumentos transpositores, suas famílias, escrita e leitura. Questões históricas e técnicas só serão abordadas quando forem necessárias para entender alguma questão individual do instrumento. 1 já que evita a notação de um número exagerado de linhas suplementares ou de uma permanente indicação de “8a”. etc. 2 Isto porque. a tradição manteve a transposição para eles e para outros instrumentos de sopro (como a família das clarinetas e dos saxofones). etc. Assim. violino e outros instrumentos “afinados em dó”. Afirmar que um instrumento é transpositor significa dizer que o que está escrito em sua partitura soa diferente do som real. Assim. A construção dos instrumentos de sopro transpositores teve origem no século XVIII como uma forma de permitir que instrumentos como o trompete e a trompa pudessem ser mais usados nas formações instrumentais. trompete. . • rítmico -‐ bongô. transformando esses conjuntos de instrumentos diatônicos em cromáticos como conhecemos hoje. etc. pudessem tocar todos da mesma forma. com diferentes comprimentos de tubos). Mesmo com a mudança causada pelo uso das válvulas. o sistema de válvulas (que faz aumentar o comprimento de seu tubo. deve-‐se entender que tudo que está escrito soa em uma oitava diferente. de modo que os músicos. é possível em um arranjo. acordeão. a solução era construir esses instrumentos em outras tonalidades (consequentemente. violino. os instrumentos assumirem outras funções (instrumentos melódicos fazendo padrões rítmicos -‐ função percussiva). considerando a função inerente do instrumento. a transposição é utilizada apenas com o objetivo de facilitar sua leitura. devido a sua afinação. violão. por exemplo. por não possuírem. eles podem ser: • melódicos -‐ flauta. Já no caso dos instrumentos transpositores de oitava. as notas escritas (e tocadas) soam diferentes do som real. 2 Quanto à funcionalidade 2 . Entendemos por som real o som de referência do diapasão dos instrumentos como piano. congas. Esses instrumentos são considerados transpositores porque. • harmônicos -‐ piano. na época. tornando-‐os cromáticos) podiam apenas executar as notas pertencentes à série harmônica de suas fundamentais. já que. Deve se ter atenção e não confundir a afinação do instrumento com seu intervalo de transposição. Alto (contralto). os instrumentos (dentro de suas famílias) também seguem a ordem de altura das vozes: Soprano. sax alto (contralto). Uma vez que boa parte da produção musical ocidental é espelhada na música vocal. . A família das madeiras: A categoria das madeiras abrange diferentes tipos de instrumentos de sopro: os de embocadura3 livre (flautas) e os de palheta simples (clarinetas e saxofones) e dupla (oboé. Quando falamos em “família” das madeiras. basta transpor as notas em um intervalo de 2M e as alterações da armadura já farão as correções necessárias. você só precisa se preocupar em transpor o intervalo de transposição corresponde a cada instrumento. Na embocadura livre o contato é direto. O termo madeira teve origem na época em que a flauta ainda era construída de madeira e é anterior à criação do saxofone. por exemplo. significa que estes instrumentos possuem características comuns que permitem esse agrupamento. O principal é transpor a armadura de clave da tonalidade. 3 Embocadura é a posição que os lábios do músico formam sobre o bocal de um instrumento de sopro. com o fluxo de ar sendo controlado pela pressão exercida pelos lábios. Uma vez transposta a armadura. 3 Na escrita para instrumentos transpositores é aconselhável adotar procedimentos que amenizem dúvidas e confusões. estas vibram e os lábios apenas servem de apoio para exercer a pressão necessária para a palheta vibrar. não se precisa contar os 2 semitons de distância para cada nota da melodia. Além dessa classificação. que se deu apenas por volta de 1840. podemos também levar em conta a forma do instrumento: de corpo com forma cilíndrica (flauta e clarineta) e com forma cônica (oboé e saxofones). na família dos saxofones temos o sax soprano. se uma música está em Dó maior. Por exemplo. para transpor para uma clarineta em Sib (intervalo de 2M) devemos colocar de início a armadura de Ré maior. Tenor e Baixo. A partir de então. sax tenor e sax barítono. Por exemplo. fagote e corne inglês). Na embocadura que se usam palhetas. Extensão: Flauta baixo -‐ instrumento transpositor de oitava. pois sua escrita corresponde ao som real. seu . sua escrita corresponde um intervalo de uma oitava abaixo do som real. transpõe-‐se um intervalo de 2M acima do som real. Oposto ao flautim. sua escrita é uma oitava acima do som real. ou flauta em dó. Extensão: Clarineta -‐ instrumento de palheta simples. A flauta não é um instrumento transpositor. Extensão: Flautim ou piccolo -‐ é um instrumento transpositor de oitava. A clarineta afinada em Sib. Extensão: Flauta alto ou Flauta em Sol -‐ como o próprio nome diz. Portanto. Existem ainda clarinetas afinas em Lá e em Dó (com pouco uso). é um instrumento transpositor e toda melodia escrita para essa flauta deve ser escrita um intervalo de 4J acima do som real. é afinada em Sol. Sua amplitude dinâmica é muito boa. 4 Flauta -‐ também chamada de flauta transversa. Extensão: Saxofone -‐ o saxofone é uma mistura de vários instrumentos: é feito de metal. bastante utilizado na música popular brasileira e no jazz. Sua escrita dever ser um intervalo de 3m abaixo do som real. A exemplo do que ocorre com as clarinetas. e possui corpo em forma de cônica. utiliza boquilha e palheta simples. com exceção do registro superagudo. como a clarineta. Isso confere ao saxofone um som bastante peculiar. um instrumento transpositor de oitava. 5 som projeta de maneira igual em todas as regiões. portanto. como o oboé. Extensão: Requinta -‐ a requinta está para a clarineta assim como o piccolo está para a flauta. Os tipos de saxofone mais comuns na música ocidental são o soprano. Extensão: Clarone -‐ é uma clarineta afinada uma oitava abaixo da clarineta convencional. É afinado em Mib. . instrumento transpositor. sua escrita deve ser um intervalo de 9M acima do som real. o tenor e o barítono. como o trompete. os saxofones apresentam diferentes afinações. que seguem a classificação das vozes humanas. o alto. portanto. Os saxofones possuem a mesma extensão escrita (transposta). porém sua transposição se dá através de um intervalo de 13M (8a + 6a) acima do som real. transposição similar a da clarineta. temos os instrumentos que utilizam palhetas duplas. sua transposição se dá através de um intervalo de 9M acima do som real. Extensão: Sax barítono -‐ à exemplo do sax alto. Extensão: Sax alto -‐ afinado em Mib. sua transposição se dá através um intervalo de 6M acima do som real. Extensão: Sax tenor -‐ afinado em Sib. . A produção do som nesses instrumentos se dá através da vibração simultânea das duas palhetas presas pelo contato direto com os lábios. um intervalo de 2M acima do som real. 6 Sax soprano -‐ afinado em Sib. é afinado em Mib. Extensão: Ainda na família das madeiras. com exceção de trechos mais agudos quando se utiliza a clave de dó na quarta linha. não é transpositor. portanto é um instrumento transpositor. Extensão: Fagote -‐ assim como o oboé. Extensão: Contrafagote -‐ instrumento da família do fagote. Sua escrita se dá principalmente na clave de fá. Extensão: Corne inglês -‐ instrumento da mesma família do oboé. É afinado em Fá. é um instrumento transpositor e sua transposição se dá um intervalo de 5J acima do som real. é afinado uma oitava abaixo do fagote. Extensão: . 7 São eles: Oboé -‐ instrumento não transpositor (sua escrita corresponde ao som real). Sua escrita se dá uma oitava acima do som real. portanto. A produção do som nos instrumentos dessa família não se dá através de palhetas. Isto é. Existem trompetes em várias afinações. Suas transposições dependem de cada afinação. No trombone. as mais comuns são em Dó (utilizado na música de concerto) e em Sib (este mais utilizado na prática da música popular). a primeira posição do trompete afinado em Sib soará o Sib som real. deve ter sua escrita um intervalo de 2M acima do som real. como nas madeiras. os lábios do músico vibram dentro de uma peça chamada bocal e realizam a produção do som. Como exemplo. Diferente das madeiras. Trompete -‐ o sistema de válvulas utilizado no trompete são os pistões. a primeira posição da trompa em Fá soará um Fá som real. 8 A família dos metais: Os instrumentos de sopro da família dos metais são bem antigos. e assim por diante. ou seja. a 1a posição (combinação de válvulas) apresentará a série harmônica da nota de sua afinação. . Nos trompetes. eles são responsáveis pela mudança do tamanho do tubo. Originalmente eram construídos de ossos ou chifres de animais. Após o domínio das técnicas metalúrgicas. tomaremos o trompete afinado em Sib (mais comum) que. nos metais as notas são produzidas de acordo com a variação do tamanho do tubo (o próprio corpo do instrumento). é um instrumento transpositor. Portanto. os instrumentos passaram a ser fabricados com metais. um mecanismo relativamente recente que revolucionou a construção e utilização dos metais na história da música ocidental. Os lábios do instrumentista fazem o papel das palhetas. a vara (uma peça móvel do instrumento) que realiza a mudança do tamanho do tubo durante a sua execução. onde a produção das notas se dá através do acionamento das aberturas (furos) presentes no corpo do instrumento. trompas e tubas essa mudança ocorre através do acionamento das válvulas (pistões ou rotores). como a clarineta e o sax soprano. Nos instrumentos desta família. As trompas modernas contam com um sistema que permite duas afinações no mesmo instrumento. no ato da execução. O processo de funcionamento é o mesmo. fazendo com que sua escrita seja feita um intervalo de 5J acima do som real. e não uma nota transposta. Existem trombones de vara e de pistões (sistema igual ao utilizado no trompete). Isto porque o instrumentista aprende desde sua iniciação no instrumento que a 1a posição soará uma nota real. porém o trombone de vara é mais comum. 9 Extensão: Trompa -‐ diferente do trompete. porém não é transpositor. sax soprano e o trompete. assim como clarineta. Extensão: Trombone -‐ curiosamente. o sistema de válvulas utilizado na trompa são os rotores. as trompas são afinadas em Fá e Sib. o trombone é afinado em Sib. que decide. Considera-‐se apenas a afinação em Fá.. Extensão: . A utilização das duas afinações é um recuso exclusivo do instrumentista. Sendo assim. não cabendo ao compositor ou arranjador escrever para afinações diferentes. a diferença é que os pistões funcionam na vertical (sobem e descem) e os rotores na horizontal (giram no próprio eixo). qual afinação soa melhor de acordo com suas concepções de timbre e etc. considera-‐se como a tuba padrão na música ocidental a tuba afinada em Fá. como não possuem trastes como do violão e guitarra por exemplo. Estes instrumentos são derivados de um instrumento primitivo da cultura árabe e foram introduzidas na cultura ocidental durante a invasão moura na Espanha. As grandes possibilidades técnicas e expressivas das cordas comparadas as possiblidades dos instrumentos de madeiras e metais da época são consideradas a grande razão para este apogeu. as cordas precisaram passar por uma transformação na construção dos seus instrumentos para acompanhar a evolução das outras famílias. Somente no século XVI eles tomaram o formato que conhecemos atualmente. Desde então os grupos de cordas arcadas ocuparam o papel de destaque e alcançaram seu apogeu no séc XVIII. Os instrumentos de cordas arcadas são instrumentos de afinação não fixa. Extensão: Bombardino -‐ o bombardino é um tipo de tuba mais aguda e pode ser afinado em Dó ou em Sib. a expressão cordas remete aos instrumentos de cordas arcadas: violino. Tem a mesma extensão da tuba e. ou Dó. a tuba não é um instrumento transpositor. sua escrita dever um intervalo de 2M acima do som real. na Idade Média. quando afinado em Sib. violoncelo e contrabaixo. tanto na música orquestral quanto na camerística. Na família das cordas: Quando se fala de música de concerto. 10 Tuba -‐ atualmente. viola. o músico deve se acostumar com as distâncias físicas do braço no instrumento correspondentes aos intervalos que deseja tocar. apesar de existirem diferentes tamanhos e afinações deste instrumento. . Após o desenvolvimento dos instrumentos das outras famílias. Mesmo sendo afinada em outra tonalidade que não a concert. ou da música dita erudita. 11 Violino -‐ instrumento mais ágil e mais agudo da família. para evitar o grande número de linhas suplementares superiores. mas é um pouco maior e mais grave. É um instrumento transpositor de oitava. tem suas cordas dispostas em intervalos de quintas justas. Extensão: Contrabaixo -‐ ao contrário dos outros instrumentos da família. Sua escrita é. . Suas cordas também são dispostas em intervalos de 5J. Extensão: Viola -‐ tem o mesmo formato do violino. Extensão: Violoncelo -‐ possui a mesma afinação da viola. quase sempre. ou até mesmo a clave de sol para melodias mais agudas. geralmente. na clave de fá. Suas cordas também são dispostas em intervalos de 5J e sua escrita é feita. pois seu som real soa uma oitava abaixo do que está escrito. embora também seja usada em algumas ocasiões a clave de dó na segunda linha. uma oitava abaixo. o contrabaixo tem as cordas afinadas em intervalos de 4J. feita na clave de dó na terceira linha. mas são afinadas uma 5J abaixo do violino. além de estilo e sonoridade desejados. Tanto o violão quanto a guitarra possuem o mesmo tipo de afinação para suas cordas. também é um instrumento transpositor de oitava -‐ seu som real soa uma oitava abaixo do que está escrito. 12 Extensão: Violão e guitarra -‐ alguns autores consideram violão e guitarra integrantes da seção rítmica ou cozinha. anatômicas e funcionais. Porém. A exemplo do contrabaixo. outros autores consideram estes instrumentos parte integrante da família das cordas. quando comparado a outros instrumentos. Extensão: . portanto na escolha entre violão e guitarra deve-‐se levar em conta as diferenças acústicas. termos mais aplicados à música popular. Atualmente já contamos com violões que possuem sistema de amplificação. A guitarra surgiu como tentativa de “problemas” do violão como a possibilidade de sustentar notas e o volume. porém não é regular como os instrumentos de cordas arcadas. classificando-‐os como instrumentos de cordas dedilhadas. . Arranjo. 13 Baseado no que foi exposto. Luiz Paulo. A orquestra sinfônica: suas histórias e seus instrumentos. GMT Editores Ltda. instrumento Afinação Intervalo de transposição (escrita) em relação ao som real Escreve-‐se Ouve-‐se Piccolo Dó 8J inferior Dó3 Dó4 Flauta alto Sol 4J superior Dó3 Sol2 Flauta baixo Dó 8J superior Dó3 Dó2 Clarineta Si bemol 2M superior Dó3 Sib2 Clarone Si bemol 9M superior Dó3 Sib1 Requinta Mi bemol 3m inferior Dó3 Mib3 Sax Soprano Si bemol 2M superior Dó3 Sib2 Sax Alto Mi bemol 6M superior Dó3 Mib2 Sax Tenor Si bemol 9M superior Dó3 Sib1 Sax Barítono Mi bemol 13M superior Dó3 Mib1 Corne Inglês Fá 5J superior Dó3 Fá2 Contrafagote Dó 8J superior Dó3 Dó2 Trompete Si bemol 2M superior Dó3 Sib2 Trompa Fá 5J superior Dó3 Fá2 Contrabaixo Dó 8J superior Dó3 Dó2 Violão / Dó 8J superior Dó3 Dó2 Guitarra Referencias bibliográficas: • Almada. 2000. 2000. • Sampaio. Campinas. Editora da Unicamp. Carlos. de acordo com suas respectivas afinações e transposições. podemos organizar as informações dos instrumentos transpositores conforme o quadro abaixo. SP.