Universidade de São Paulo -‐ Faculdade de Odontologia/ Materiais Dentários Indiretos 1 Texto de apoio da aula de resina acrílica1 Marina Roscoe e Josete Meira 1 1.1 INTRODUÇÃO: Breve histórico: As primeiras aplicações da resina acrílica na indústria datam de 1933 (Plexiglas, Perspex). Em 1936, foi introduzida na odontologia, em sua forma termo-‐ativada (Vernonite) (ver item 1.4.2), como material para base de próteses totais. Por volta de 1945 e 1950, a forma quimicamente ativada (Sevitron) (ver item 1.4.1) ganhou seu espaço. Nos anos 50, houve tentativa de utilizá-‐ la como material restaurador direto, porém sem sucesso, já que em 1960 o BisGMA foi desenvolvido. 1.2 Versatilidade e indicações: A resina acrílica é um material utilizado para vários trabalhos na Odontologia: confecção da base de próteses parciais e totais, placas miorrelaxantes, moldeiras individuais, padrões de fundição, próteses provisórias imediatas, coroas provisórias, dentes artificiais, reparo de próteses totais, acrilização de aparelhos ortodônticos, dentre outros. A versatilidade da resina acrílica se deve, entre outros motivos, ao fato de ser: insípida, inodora, não tóxica, não irritante aos tecidos bucais (mas algumas pessoas têm alergia ao monômero), insolúvel na saliva, fácil de manipular e de polir, possível de desinfecção; além de apresentar alta estabilidade dimensional, morfológica e de cor. 1.3 Apresentação e proporção: As resinas acrílicas geralmente são fornecidas na forma de pó e líquido. Líquido: O constituinte principal do líquido é o metacrilato de metila (monômero). Uma pequena quantidade de hidroquinona (inibidor) também está presente para evitar a polimerização espontânea durante o armazenamento. Dependendo do uso a qual se destina, podem ser acrescentados agentes de ligação cruzada (ver item 2.4.2) e plastificantes (ver item 2.4.1). Nas resinas acrilicas ativadas quimicamente o líquido contém também o ativador químico (geralmente uma amina terciária). Pó: Composto por microesferas de polimetacrilato de metila (polímero) polimerizadas industrialmente. Os fabricantes colocam o monômero (metacrilato de metila), previamente misturado com peróxido de bezoíla (iniciador), suspensos em uma solução aquosa. A mistura é agitada, de forma que o monômero (juntamente com o peróxido) forma pequenas esferas dispersas na solução aquosa. A temperatura da mistura é elevada de forma controlada para promove a polimerização do monômero (ver item 2.1), que se polimerizam como pequenas esferas. 1 Alguns trechos deste roteiro foram transcrito da Tese de Doutorado de Milton Lázaro Filho e da prova escrita de Livre-‐Docência do Professor Igor Studart Medeiros (ver referências). Ativação: o ativador químico ou físico quebra a molécula do peróxido de benzoíla no meio. Entretanto. a contração vai ser menor. A ativação química gera apenas um radical livre por peróxido.1 A PRESA DA RESINA ACRÍLICA: Fases da polimerização: 2. ou ávido por ganhar um elétron excedente para se transformar num ânion. conseqüentemente.4. Pós com maior grau de compactação (conseguido por misturas esferas de diferentes tamanhos de maneira otimizada) exigem menor quantidade de líquido para molhar o pó e. enquanto que a ativação térmica gera dois radiais. De qualquer modo. 1. a proporção volumétrica pode mudar conforme a granulometria do pó utilizado. A combinação do pó com o líquido também apresenta a vantagem de diminuir a contração de polimerização do líquido (a contração do líquido seria 21%. ávido por completar a camada com outro elétron. para obter uma massa trabalhável que pode ser modelada. Uma maior quantidade de monômero ocasiona uma maior contração e pode levar a uma maior quantidade de monômero residual.1 .3 2 2.4. torna-‐se reativo. RAFA (Resina Acrílica Fotoativada): a irradiação por luz visível atua como ativador da reação. ou com tendência a perder este elétron para se transformar num cátion. normalmente uma amina terciária. A proporção normalmente recomendada entre pó e líquido é de 3:1. atua como ativador da reação de polimerização. formando um ou dois radicais livres2. quando misturado com pó em uma proporção de 3:1 a contração cai para 7%).Classificação: RAAQ (Resina Acrílica Ativada Quimicamente): uma substância química. em volume (três partes de pó para uma parte de líquido).2 1. Define-‐se como radical livre um átomo ou molécula que apresenta um elétron não pareado na última camada de valência.4. a manipulação da resina acrílica consiste em molhar o pó com o líquido. 2 .4 1. 1. RAAT (Resina Acrílica Ativada Termicamente): o calor (temperaturas próximas a 65˚C) atua como ativador da reação de polimerização. Se um átomo tiver apenas um elétron ao invés de dois na última camada (elétron não pareado). transferindo seu estado de excitação à nova molécula formada (composta pelo hemi-‐peróxido + monômero).1.1 Indução: A indução engloba dois fenômenos: ativação e iniciação.Universidade de São Paulo -‐ Faculdade de Odontologia/ Materiais Dentários Indiretos 2 De forma resumida. os radicais livres são geralmente muito instáveis e reagem rapidamente para formar compostos estabilizados. Iniciação: O radical livre rompe a dupla ligação do metacrilato de metila e se liga ao monômero. o novo radical livre rompe a dupla ligação de outro metacrilato de metila e se liga a este.1. o radical que ganha o átomo de hidrogênio estabiliza o átomo que apresentava elétron desemparelhado.2 Propagação: É interessante observar que na iniciação existe um radical livre entre os reagentes.Universidade de São Paulo -‐ Faculdade de Odontologia/ Materiais Dentários Indiretos 3 2.3 Terminação: A propagação termina quando acontece um dos eventos abaixo: • terminação por acoplamento direto: dois macrorradicais se ligam estabilizando um ao outro. mas fica ainda a possibilidade de uma nova reativação por ruptura desta ligação. 2. e um novo radical livre como produto. Assim. .1. este fato permite que a reação se auto-‐propague. transferindo novamente seu estado de excitação à nova molécula formada. a cadeia polimérica vai crescendo e aumentando o seu peso molecular. • transferência de um átomo de hidrogênio: o radical que perde o hidrogênio refaz a ligação dupla. Neste processo. o ar.3 Fases de polimerização vs fases da mistura As fases da mistura correspondem à reação física (de dissolução do polímero em solvente orgânico). pode-se citar a água. Esta elevação de temperatura acelera a reação de polimerização. 2. Nos fluidos newtonianos a tensão é diretamente proporcional à taxa de deformação. Na tentativa de dividir a massa. ocorrerá a exotermia da reação de polimerização que tende a aumentar ainda mais a temperatura. 2. neste último. aparecem inúmeros fios finos e pegajosos entre as porções resultantes. No ciclo térmico. a fase plástica é normalmente escolhida para conformar a resina. sem aderir nas mãos e transmite as pressões exercidas sobre ela como se fosse de um fluido newtoniano3 e não como uma areia molhada. • Fase pegajosa: à medida que o líquido vai dissolvendo as longas cadeias do polímero. vai se tornando viscoso e aderente. Para as RAAQs. óleos e outros fluidos com comportamentos "normais".Universidade de São Paulo -‐ Faculdade de Odontologia/ Materiais Dentários Indiretos 4 Observação: Independente do ativador (químico ou físico). o escoamento da massa torna-‐se precário e aparecem já algumas características de recuperação elástica quando deformada. newtonianos. com a única diferença de que. a polimerização ocorre concomitantemente com a dissolução do polímero. embora muito menor. as fases da polimerização ocorrerão simultaneamente às fases da mistura. A massa começa a escoar homogeamente. mas não recebeu calor. O motivo seria a saída do monômero. decorrente da exotermia da reação. Neste estágio. Estas fases são comuns ao material termoativado e ao quimicamente ativado. Durante o período de dissolução a massa vai adquirindo características específicas que permitem diferenciar quatro estágios conhecidos como “fases da mistura”.2 Fases da mistura (dissolução do polímero no monômero): Quando o pó entra em contato com o líquido. Neste caso o final da fase borrachóide é caracterizado por um aumento da temperatura. que permite certo escorregamento entre as cadeias de polímero e a conseqüente formação de poros em seu lugar. daí o nome borrachóide atribuído à fase. As fases de polimerização correspondem à reação química de formação de cadeias poliméricas a partir da união de monômeros. dissolve-‐se nele lentamente. • Fase borrachóide: o aumento da concentração de cadeias de polímero no monômero e a evaporação do monômero torna o líquido escasso. Os espaços vazios entre as partículas de pó ficam preenchidos pelo líquido e o conjunto adquire uma cor mais translúcida. o líquido resultante perde pegajosidade. Se o material foi formulado para ativação térmica. torna-‐se manipulável. • Fase arenosa: o monômero envolve completamente as pérolas de polímero. Para as RAATs. também adquirirá rigidez. a reação de polimerização da resina acrílica é exotérmica. nem ficou protegido contra a evaporação do monômero. que produz o rápido enrijecimento da massa. O nome atribuído a esta fase é consequência do aspecto semelhante a uma massa de areia molhada: apresenta baixo escoamento e ganha brilho superficial por afloramento do excesso de líquido quando pressionada. • Fase plástica: a partir de certo ponto de saturação da solução de polímero no monômero. a polimerização só ocorrerá quando a resina for levada ao ciclo térmico. 3 . Por este motivo. Como exemplo. Os mais utilizados são os ésteres do ácido ftálico. interagindo na cadeia do monômero específico da resina e diminuindo a rigidez da cadeia resultante. Se as ligações cruzadas ocorrerem em número suficientemente alto. 2. aumenta a probabilidade de existirem ligações polares ao longo delas. um dos monômeros. adquirindo rigidez característica do estado sólido. Existem alguns indicadores para avaliar o tamanho da cadeia: • Peso molecular médio: Corresponde à média dos pesos moleculares das diferentes cadeias que compõem o material em análise.4. interferindo na quantidade de ligações intermoleculares estabelecidas.1 Agentes plastificantes Os plastificantes são moléculas introduzidas para facilitar a dissolução do polímero no monômero (ação de solvente) ou para que o polímero resultante perca rigidez e fragilidade. n-‐ butil metacrilato e tridecilmetacrilato. adquirindo maior resiliência. 4 . Para que uma ligação cruzada por adição possa ocorrer é necessário a presença de. o aumento do tamanho da cadeia também aumenta a chance de entrelaçamentos. pelo menos. O aumento da concentração de plastificante num polímero diminui sua temperatura de transição vítrea (Tg). Assim.4. neste caso. A reação de ligação cruzada resulta em um polímero de estrutura em rede. existe a possibilidade de perda de plastificantes por “lavagem”. Alguns plastificantes ficam dispostas entre as cadeias poliméricas. dois grupos funcionais vinílicos em. a rede tridimensional formada poderá ganhar em resistência mecânica e diminuir a solubilidade e sorção de água da resina. A presença de ligações cruzadas em um polímero aumenta automaticamente o seu peso molecular e pode causar um aumento na Tg. o agente de ligação cruzada mais comumente utilizado é o etilenoglicol dimetacrilato (EGDMA). Além disso.Universidade de São Paulo -‐ Faculdade de Odontologia/ Materiais Dentários Indiretos 5 2. ou monômeros metacrílicos de cadeia longa. sem estarem ligadas quimicamente a elas por ligações primárias.2 Agente de ligação cruzada/ Estrutura do polímero O agente de ligação cruzada possui uma ação antagônica ao plastificante.4 Fatores que interferem nas propriedades 2. O peso molecular de uma cadeia Temperatura de transição vítrea é a temperatura abaixo da qual o material apresenta pouca mobilidade atômica. O modo de atuação dos plastificantes para diminuir a rigidez pode estar relacionado com o distanciamento que provocam entre as moléculas de polímero. É o caso da copolimerização do MMA com o butilmetacrilato que proporciona um polímero de cadeia mais longa e flexível. O agente plastificante pode ainda ser adicionado sob forma de comonômero. 2. Tais substâncias são denominadas plastificantes externos. passa a ser denominado plastificante interno. O crescimento do número de sítios de ligações polares ao longo desta cadeia e o aumento de seu entrelaçamento explicam porque os polímeros com alto peso molecular precisam de mais calor para alcançar sua temperatura de transição vítrea (Tg)4. mas apenas por interações eletrostáticas do tipo Van der Waals. pelo menos. sebácico ou fosfórico. capacidade denominada de eficiência do plastificante. como por exemplo: etil metacrilato.3 Tamanho da cadeia Com o aumento do comprimento das cadeias poliméricas. Este tipo de monômero recebe o nome particular de “agente de ligação cruzada”. No caso das resinas acrílicas. com a conseqüente modificação das propriedades que conferiam ao produto.4. desgaste. enquanto por ativador químico gera 1 radical. • Grau de polimerização: Se refere ao número médio de monômeros por cadeia. ou seja.Universidade de São Paulo -‐ Faculdade de Odontologia/ Materiais Dentários Indiretos 6 polimérica é obtido a partir da soma das massas atômicas dos diversos átomos que a constituem. resistência à flexão. resistência à compressão e à tração. Diversos trabalhos têm demonstrado que muitas propriedades físicas e químicas dos polímeros. Observações: A presença de monômero residual na resina acrílica age como um plastificador. diminuindo o risco de um monômero ficar ilhado e preso. se refere ao grau de conversão de monômeros em polímeros. • Grau de conversão: se refere à porcentagem de C=C que desaparecem com a reação. estabilidade dimensional. reações de descoloração e degradação. O peso molecular médio diminui notadamente pela presença de poucas moléculas de monômero residual. próximas à Tg do material. 3 COMPARAÇÃO RAAT X RAAQ: Observações: As RAATs apresentam maior grau de conversão por dois motivos principais: a clivagem do peróxido de benzoíla por calor gera dois radicais livres. Maior nível de monômeros residuais após a polimerização pode comprometer tanto a integridade estrutural do material quanto a sua biocompatibilidade com os tecidos orais. como dureza. sem possibilidade de encontrar uma cadeia em crescimento. o que é acompanhado por uma diminuição da Tg e da resistência mecânica da resina. solubilidade. dependem do grau de polimerização dos seus componentes. a reação de polimerização nas RAATs ocorre em temperaturas altas. Assim. as cadeias apresentam maior mobilidade. podendo resultar em uma diminuição da temperatura de transição vítrea da mesma. 4 CICLO TÉRMICO: . Ao encontrar a temperatura da água a 65˚C. Esta etapa da reação dá início ao processo de polimerização. formando radicais livres. Conforme os monômeros vão sendo consumidos na reação (ver item 2.1). conseqüentemente. mesmo após atingir o equilíbrio térmico com a água do banho. que é exotérmico. aumenta-‐se a temperatura da água e. Por volta de 90 minutos. ocorre a clivagem das moléculas de peróxido de benzoíla.Universidade de São Paulo -‐ Faculdade de Odontologia/ Materiais Dentários Indiretos 7 Durante a confecção de próteses totais. o que promove uma queda na temperatura da resina. a quantidade de calor gerada é diminuída. a temperatura da resina sobe tentando alcançar o equilíbrio térmico. o calor é aplicado à resina por imersão da mufla da prótese total no banho com água aquecida. Quando a temperatura da resina atinge valor próximo a 65˚C. . A própria exotermia também causa aumento da temperatura. a da resina buscando estabelecer um grau de polimerização ainda maior. por isso a temperatura da resina continua aumentando. 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