O "ESTILO MODERNO": ARQUITETURA EM BELO HORIZONTE NOS ANOS 30 E 40Leonardo Barci Castriota Luiz Mauro do CarmoPassos "Que falta a Belo Horizonte para ser uma grande cidade?" Esta é a pergunta que o Correio Mineiro faz a arquitetos e engenheiros no início dos anos 30. As respostas, sempre otimistas quanto ao crescimento da cidade, apontam, de um lado, a necessidade de sua industrialização e de seu crescimento populacional e, de outro, os problemas da ocupação de seu espaço. Para um dos arquitetos ouvidos, Ângelo Murgel, o que faltava a Belo Horizonte era "população", "em conformidade com o seu tamanho", acrescenta outro, Luiz Signorelli. Esta avaliação, compartilhada por muitos entrevistados, traz implícita a imagem de uma cidade vazia, ainda sem a intensidade de atividades e fluxos que caracterizariam uma metrópole. Para se atingir tal intensidade, seria necessária, em primeiro lugar, uma grande densidade de população urbana. Esta, de acordo com Murgel, faria "aparecer fatalmente todos os outros elementos próprios às grandes aglomerações humanas". Em segundo lugar, recomenda o arquiteto, "a principal atividade de nossos homens" deveria passar "da burocracia para os empreendimentos privados", deslocamento que não seria inviável, já que a posição de Belo Horizonte e a sua condição de entroncamento ferroviário favoreciam o desenvolvimento do comércio e da indústria. Em terceiro lugar, seria necessário ainda oferecer à população uma "vida confortável", ainda então "em grande atraso para o tamanho atual de Belo Horizonte", principalmente em relação à "viação urbana", ao "conforto", ao "acabamento das edificações" e à própria "vida social", esta "mínima e provinciana". Não obstante todas essas condições necessárias para que Belo Horizonte se tornasse uma metrópole, o arquiteto já vislumbra um novo horizonte prestes a descortinar-se: Breve veremos tudo mudado: Estas ruas largas e retas cheias 1 de veículos rápidos, de povo, dessa massa anónima das metrópoles, de grandes magazins abrindo suas vitrines vistosas, de luz intensa e faiscante. Os prédios altos afogarão com suas linhas retas e suas massas impressionantes a paisagem bucólica e "vergel" de hoje. E os nossos hábitos também mudarão, seremos mais alegres, iremos mais ao cinema, ao teatro, às casas de chá, aos footings, aos clubes, faremos sport e seremos standardisados como todos os habitantes das grandes cidades. Tempo virá ...1 A afirmação de quc Belo Horizonte estava "destinada a ser um centro de indústria extrativa e manufatureira”, feita já em 1918 pelo então prefeito Vaz de Mello, vai ser ainda um los 30 e 40. Parecia consensual que a capital mineira somente se tornaria uma “grande cidade”, capaz de cumprir o papel que lhe havia sido destinado desde sua fundação, na medida em que se industrializasse. Assim, quando, em 1935, assume a prefeitura Otacílio Negrão de Lima, que já manifestara a sua intenção de incentivar a industrialização, crescem as expectativas neste sentido, que são respondidas, pelo menos parcialmente, por uma série de medidas tomadas no período: isenção fiscal e subvenções concedidas pelo governo municipal, além da criação, por parte do governo estadual, de uma "zona industrial". Situada ao longo das linhas da estrada de ferro Central do Brasil e Oeste de Minas e do Ribeirão Arrudas, essa "zona industrial” logo abrigaria mais de vinte empresas, entre as quais a Companhia de Cigarros Souza Cruz e a Fábrica de Tecidos Finos da Companhia Renascença Industrial. 2 Estas medidas, louvadas pela imprensa, reiteravam a ideia de que, para a realização de sua função civilizatória, a cidade deveria "caracterizar-se industrialmente". Anunciando em destaque que "Belo Horizonte será uma cidade industrial", num caderno especial alusivo ao aniversário da cidade em 1936, a Folha de Minas considerava que o "início da construção do parque industrial de Belo Horizonte", completaria o "ciclo" de realizações do Prefeito Negrão de Lima: Este ciclo fechará o elo ideal de progresso, tanto no terreno da cultura como no da produção. Estudantes e operários. Um misto de Manchester com Sorbonne. Ao lado da Universidade e dos educandários de ensino secundário e profissional, quer-se o desenvolvimento das indústrias. Xessas duas realizações, está a síntese da cidade moderna, da cidade ideal como Belo Horizonte. ³ E, de fato, desde os anos 20, com a instalação da indústria siderúrgica próxima à capital, começara a se deslocar o equilíbrio do Estado, que até então pendia para o Sul e a Zona da Mata. Nos anos 30 2 e 40, Belo Horizonte vai se firmar como o mais importante pólo industrial, comercial e financeiro do Estado, consolidando-se como centro polarizador da economia mineira. Essa mudança faz-se sentir rapidamente em sua cena urbana, que vai ser marcada nesse período pela formação de distritos industriais induzidos pelo Estado, pela verticalização e remodelação de algumas áreas do centro e, principalmente, pelo incontido crescimento da cidade planejada, que se espalhava em todas as direções. UM "PLANEJAMENTO RACIONAL" PARA A CIDADE' A ocupação desordenada do espaço urbano, com a formação de um tecido excessivamente extenso e pouco denso, era tema frequente nas análises sobre a cidade veiculadas pela imprensa nos anos 30. O fato é que o processo de ocupação suburbana já vinha ocorrendo desde os primeiros anos da Capital, estimulado pelo próprio poder público, que exercia um controle mais rígido na área central, impondo menores exigências para a zona suburbana. Posteriormente, este processo foi se acentuando, com a crescente implementação de loteamentos com precárias condições de urbanização nas periferias. Nos anos 30, a questão ganha notoriedade, na medida em que, ao mesmo tempo em que o alto custo dos serviços urbanos trazia ônus para a Prefeitura, cresciam as reivindicações das vilas e bairros populares, que dispunham de precários serviços urbanos, sofrendo até mesmo, em alguns casos, com a fata d’água. Considerando ainda que, após a Revolução de 30, interessava às forças políticas emergentes criar bases de sustentação nos centros urbanos – em particular com a eleição para a Assembléia Constituinte em 1934 e com as eleições municipais de 1936 –, o atendimento às reivindicações populares e, consequentemente, o planejamento da urbanização impõe-se forçosamente para o governo municipal. Não é de se estranhar, portanto, que neste período – em que a forma de urbanização de Belo Horizonte aparece como um problema – multipliquem-se na imprensa local análises da capital sob o ponto de 3 no sentido dos subúrbios. ficou impossibilitada de atender às necessidades múltiplas que surgiam e surgem com esses acréscimos à Capital. o da comunicação dos prolongamentos urbanos com o centro da cidade e o do calçamento e abastecimento d'água dos bairros mais afastados. A iniciativa foi enfaticamente apoiada pelo jornal Estado de Minas.. como exemplos. a adoção do planejamento social e económico pelo governo federal. apresentam casas de vastos quintais ha nos bairros um formigamento de construções tendentes a. sendo frequentes artigos e entrevistas de técnicos sobre o assunto. num campo mais amplo. aparecendo nos anos 30 várias iniciativas de remodelação das grandes cidades brasileiras — podendo se citar. cria a "Comissão Técnica Consultiva da Cidade". ainda que parcialmente. com a atribuição de assessorar o Prefeito na apreciação de diversos problemas e decisões de política urbana. quanto com a possivel soluçao: para Murgel. não era especifico de Belo Horizonte.vista urbanístico. fazia-se urgente “a criaçao do plano da Comissão da Cidade”.6 Os dois arquitetos ouvidos concordavam tanto com este diagnóstico. em sua maior parte.. entre outros problemas de difícil solução. segundo uma perspectiva “científica”.) a prefeitura. já que o crescimento da parte suburbana estava se “processando no descaso completo das modernas conquistas da arquitetura e do urbanismo”.. após a Revolução de 30. o jornal voltava a destacar a expansão suburbana como o principal problema da cidade: O desenvolvimento de Belo Horizonte. de início. apontam para a necessidade de um planejamento conforme preceitos da emergente disciplina do Urbanismo.) a Capital não se tornou densa. como acontece às grandes cidades (.. ainda. em agosto de 1934. para Signorelli. Na apresentação da matéria. É interessante perceber. pelo governo de Belo Horizonte.) Enquanto as ruas do centro da cidade. 4 .. que. que publica então entrevista com os arquitetos Angelo Murgel e Luiz Signorelli sobre o modo e os problemas do crescimento urbano de Belo Horizonte. com a colaboração de Prestes Maia. via de regra. que. prevendo o futuro”. (. em São Paulo por Prestes Maia (1930) e no Recife por Nestor de Figueiredo. cada vez mais. criou. ampliar a área da cidade ( . 5 Este tipo de preocupação foi acolhido. com poucas rendas. “a idéia mestra” da Comissão também deveria ser “a elaboração de um plano geral. que esse período vai marcar também. com a instituição de vários órgãos e planos setoriais. É digno de nota que esse interesse por um “planejamento racional” da cidade. os estudos pioneiros feitos no Rio de Janeiro pelo urbanista francês Alfred Agache (1930). Continentino sugere ainda que sejam convidados. durante a administração do Prefeito José Osvaldo de Araújo (1938/1940). o engenheiro Lincoln Continentino vai ter a oportunidade de desenvolver suas ideias. rede de esgotos. a nosso ver. como a criação do Paço Municipal. e a canalização dos córregos do Acabamundo e do Leitão.A Comissão foi oficialmente instalada em outubro de 1934. a Comissão da Cidade ainda toma algumas medidas restritivas a novos loteamentos. exemplifica bem. vão ter efeito inverso ao esperado. Washington Azevedo e Prestes Maia". "técnicos experimentados". O "plano de urbanismo” da capital. formada por quatro subcomissões: engenharia. Na administração Negrão de Lima (1935/1938). restringindo-se à análise de questões isoladas e à definição de algumas prioridades para a ação da Prefeitura. as questões emergentes e pontuais terminaram por se sobrepor às tentativas de um planejamento mais abrangente: a Comissão. a abertura da 'Avenida Sanitária" (Pedro 11). avolumando-se o lançamento de novas vilas sem a aprovação da Prefeitura. preconizado pelos técnicos. Em seu trabalho preliminar. apresentado no 1 Congresso Brasileiro de Urbanismo (Rio de Janeiro. lembrando que "no Brasil já podemos contar com urbanistas tais como Anhaia Melo. no entanto. 1941). porém. em junho de 1935. não se dedica à elaboração de um plano sistemático. como é comum na administração pública brasileira. a perspectiva dominante entre os técnicos do período: partindo da 5 . Compunham a subcomissão de arquitetura e urbanismo os já citados Luiz Signorelli e Ângelo Murgel. higiene e indústria e comércio. todos os arquitetos e engenheiros que frequentavam as páginas da imprensa local. que. que funciona intensamente nos dois anos seguintes à sua criação. a seu ver.7 No entanto. arquitetura e urbanismo. o engenheiro aponta alguns problemas cuja "solução não pode prescindir de um plano sistematizado e racional de expansão". sendo encarregado da elaboração de um “plano de urbanismo da cidade”. apresenta à Comissão uma proposta neste sentido. Esse projeto. bem como Fábio Vieira e Lincoln Continentino. como consultores. base para um plano viário mais amplo. e à necessidade de se estabelecer o "zoneamento" da cidade e de se realizar "um inquérito perfeito sobre o tráfego". que. Como arremate à sua proposta. opinando sobre questões urbanísticas. Armando de Godoy. foi enfaticamente defendido por Continentino. Alguns anos mais tarde. ser objeto de maiores exigências técnicas —. na Lagoinha. 8 como preconizara. dando grande ênfase à questão dos loteamentos da região suburbana — que deveriam. que apresentam perspectivas surpreendentes”. porém. distantes entre si cerca de um quilometro. buscando 6 . propõe. com um “viaduto sobre a Avenida dos Andradas e sobre as linhas férreas da Central”. recomendando que “não fossem mais aprovados novos projetos de subdivisão de terrenos. “passando por vários pontos dominantes (altos) da cidade. o plano de Continentino propunha uma ampla reforma do sistema viário. “de preferencia. que objetivava a transferência das linhas férreas superficiais do centro urbano para a periferia. o alargamento e prolongamento das avenidas Pedro I (atual Antônio Carlos) e Pedro II. como uma proposta de grande envergadura. sua estrutura geral. É interessante perceber aqui. Continentino chega a apontar para algumas soluções que vão sendo incorporadas pelas administrações seguintes. que. a criação da Avenida Santa Tereza (atual Francisco Sales). uma segunda avenida periférica. situando-se a sua estação nas vizinhanças da Feira de Amostras. por linhas subterrâneas”. em direção à Avenida Pedro I). prolongando-se algumas das adiais da cidade e projetando-se uma segunda periférica. e cruzando o Arrudas rumo ao norte. porém substituída por um outro prédio maior. Assim. entre outros. fora deste perímetro”. com um túnel em direção à Nova Lima. envolvendo a Avenida do Contorno”. Assim. como. o prolongamento da Avenida Amazonas. reúne um conjunto sistemático de diretrizes que previam uma minuciosa reforma da cidade. Dentro desse perímetro. A estação de passageiros continuaria no mesmo local. “em estilo norteamericano”. na tentativa de equacionar sistematicamente algumas das dificuldades trazidas pelo Plano de Aarão Reis e pela ocupação posterior da cidade. com um ambicioso “Plano das grandes avenidas”. ligando as avenidas Tocantins (atual Assis Chateaubriand) e Brasil. mantendo-se. Quanto ao transporte intra-urbano. principalmente daqueles não edificados. configuraria “um sistema de artérias radio-concêntricas. a preferência é pelo ônibus. da Avenida dos Andradas. “junto à grande radial (Avenida Afonso Pena) e à avenida periférica (Contorno)”. onde seriam localizados terminais conectados a um sistema de trens eletrificados. Também o sistema ferroviário vai ser considerado no plano.necessidade de consolidação e aumento da densidade da ocupação de Belo Horizonte. ligando a zona urbana com a suburbana e cidades vizinhas. além da criação de um “Circuito do Turismo”. O plano previa ainda uma “reforma dos arruamentos existentes”. sem grandes alterações. o plano vai ter como pólo articulador a ideia da “centralização da cidade dentro do perímetro atual”. formando uma "avenida parque" ao longo do Ribeirão dos Arrudas e da Avenida Afonso Pen nos dois sentidos (atravessando a Serra do Curral. imprimir nos bairros o “caráter de cidade celular”. em sua vertente norteamericana. não totalmente implantada. contando ainda com “um parque local. pela gestão seguinte – de Juscelino Kubitscheck de Oliveira. Essas ideias seriam sintetizadas num novo bairro. lotes amplos (1000 m²) e um afastamento mínimo das construções igual a 10 metros. provendo-os de serviços urbanos. com a existência também de “zonas de transição” ou “mistas”. Matadouro. entorno do encontro da Avenida Afonso Pena 7 . residencial e parques). estabelecia um “zoneamento” para a cidade. a “Cidade Jardim Fazenda Velba”. ao Norte. a inauguração do primeiro serviço de auto-ônibus e do primeiro viaduto da cidade — o de Santa Tereza.. industrial. com quarteirões retangulares longos e de profundidade reduzida.. Bonfim. concebido a partir dos princípios do urbanismo moderno. atravessando pelo córrego do Leitão. Ao mesmo tempo. hospitalar. principalmente com as obras empreendidas pelo prefeito Otacílio Negrão de Lima. Além dessas. não sendo permitidos muros divisórios. com o discurso e as medidas relativas à urbanização de Belo Horizonte passando a ter como objeto a remodelação da cidade. a maior parte das obras de urbanização empreendidas pelo poder público em Belo Horizonte foram no sentido de consolidar a estrutura lançada a partir da "Planta Geral" de 1895. marcado pela especialização de áreas em usos restritos (zona comercial. Um marco emblemático desta remodelação foi a centralização das linhas de bondes na Praça Sete. de modo a torna-los independentes do centro. o que veio a resultar no deslocamento para esta praça do "centro" da cidade. Calafate. ligando o centro ao bairro da Floresta e o início das obras de uma avenida sanitária na Lagoinha. A partir de meados da década de 30. parece haver uma inflexão neste rumo. realizaramse também algumas obras que possibilitavam a expansão da cidade: a ampliação do sistema de bondes em direção a bairros suburbanos como Serra. esse bairro teria seu traçado viário adequado às condições topográficas. com algumas modificações. em direção à região da Pampulha.] e envolvendo a sede da Fazenda Velha. onde se implantou uma nova "estação central". Prado e Santo António. que implanta ali o museu da cidade. [. Assim. reuniria as condições ideais das células imaginadas pelo urbanista. que.9 Também esta ideia vai ser implementada. até então identificado à região conhecida como "Ponto". REMODELAÇÃO URBANA E VERTICALIZAÇÃO Ao longo da década de 20. Gameleira. único prédio remanescente do antigo arraial”. ainda cabe destacar a construção da Praça Raul Soares. em 1936. são construídos em Belo Horizonte dois edifícios que atingiram pela primeira vez o patamar dos dez pavimentos: o edifício da Feira Permanente de Amostras (Raffaello Berti) e o edifício de escritórios Ibaté (Angelo Murgel). são inúmeras as alusões em crónicas e reportagens ao papel da Praça como centro da metrópole. com várias cores e jatos."11 Daí em diante. Entre as iniciativas do poder público neste período. o vetor oeste de crescimento da cidade. como uma evidência do progresso da capital. Com o Congresso. pela centralização do tráfego de bondes na Praça Sete de Setembro. onde. Assim. aquele local não contava com qualquer infra-estrutura. A implantação da Praça. que passa a ser vista como mais um símbolo da modernização de Belo Horizonte. técnicos da Municipalidade e da Companhia Força e Luz concluíram. consolida. a partir de um projeto de Érico de Paula. inaugura-se também ali uma fonte luminosa de construção estrangeira. no início dos anos 40.10 A transferência da estação central de bondes do "Ponto" para a Praça Sete veio marcar o deslocamento do "centro" da cidade. erigiam-se edifícios altos em concreto 8 . aliada ao prolongamento da Avenida Amazonas. que. eles eram vistos com grande empolgação. Apesar de prevista na planta original de Aarão Reis. Apesar de poucos edifícios verticais terem sido erguidos na década de 30. o que já em dezembro de 1936 confirmava a imprensa: "A Praça Sete é hoje o centro da cidade. principalmente. para "evitar o congestionamento nos centros de movimento mais acentuado e os retardamentos nocivos aos despachos dos carros. Ao lado dessas ações de iniciativa estatal. a segunda metade dos anos 30 foi marcada ainda por um notável incremento na construção de edifícios privados e. então. que cogitavam interligar a antiga estação de bondes às linhas que passavam pelo Viaduto de Santa Tereza. colocando-a no patamar das duas maiores cidades brasileiras — Rio de Janeiro e São Paulo —. por onde pulsa a sua trepidação operosa. já desde os anos 20. que é reforçado ainda mais com o prolongamento da Avenida Amazonas em direção à Cidade Industrial. em 1935. que vai ser implantada às pressas. Segundo reportagem da época. erguida para sediar o II Congresso Eucarístico Nacional. reuniu na cidade 100 mil fiéis. Após uma série de estudos. onde aparecia como Praça 14 de Setembro. através da implantação de um "moderníssimo" terminal-circular em torno do obelisco da praça. os técnicos nas cidades mais importantes do mundo têm recorrido aos terminais em forma de círculo". em 1935.com Rua da Bahia. pelo aparecimento de um novo modo de edificação — os edifícios em altura. com seus 24 pavimentos. Como se pode ver particularmente bem na comemoração do cinquentenário. são elevados. em 1947. como prescreviam os urbanistas. 35 pavimentos nas avenidas de 35 metros e. como no artigo "Belo Horizonte. edificações que se perdem de vista. 1928) e o Martinelli (Fillinger. como se pode constatar pelas inúmeras apreciações do fenómeno registradas na imprensa local.12 A partir de meados da década de 30. a legislação urbanística da capital havia sido mudada. porém. na Avenida Afonso Pena. quando retorna 9 . não é de se espantar que essa regulamentação termine por não produzir nenhum efeito concreto no sentido da verticalização. edifícios com até 50 pavimentos. o quadro muda. de 50 metros de largura. com o aval do poder público. com grande repercussão na cidade. uma ocupação mais densa do centro. passando-se a permitir edifícios com até 25 pavimentos nas vias de 25 metros de largura. Cinemas. contando. que pelo Regulamento de 1901 era de três pavimentos. 1924/1929). É interessante observar aqui que esses limites — extraordinariamente elevados quando comparados seja aos do regulamento anterior seja às construções empreendidas no Rio e em São Paulo na época — expressavam muito mais o interesse e as expectativas do poder público em relação à verticalização e adensamento da zona urbana do que a uma efetiva demanda do mercado. como o edifício de A Noite (Emílio Baumgart. A Metrópole de 50 anos": "O aranha-céu vai se multiplicando e vencendo. para isso."13 O ART DÉCO E A ARQUITETURA PÚBLICA É com essa cidade — bastante diferente daquela de sua visita nos anos 20 — que se depara Mário de Andrade. A construção de arranha-céus em Belo Horizonte iniciava. num primeiro momento. Assim. Não era incomum se enunciar. recordistas em altura no Brasil da época. A marcha do progresso é firme e nítida. casas de apartamentos. a "volubilidade fisionómica" da cidade é encarada como um valor altamente positivo. hotéis. Já em 1922.armado. sendo os aranha-céus recém-erguidos erigidos à condição de símbolos do "vertiginoso progresso" que marcava o ingresso de Belo Horizonte na condição metropolitana. iniciando-se o que à época ficou conhecido como o "ciclo do arranhacéu". Pela primeira vez a predominância do "arvoredo" e da "chatice do casario" era alterada pelas "superfícies lisas e claras dos altos edifícios". passando a permitir a verticalização e um grande aproveitamento dos lotes da área central: os limites de altura máxima das edificações. Hoje o forasteiro não "vê" mais Belo Horizonte. dores e aventuras se misturam. O tempo já se encarregara de dar a Belo Horizonte uma certa "patina": Apesar de sua suntuosidade natural. sem aquele "ar de coisa recém-inaugurada". segundo a qual a arquitetura efetivamente brasileira teria começado no ciclo mineiro. sendo as obras realizadas anteriormente. ter-se-ia o mito de que somente a arquitetura barroca — além da modernista. sendo o século e meio entre os dois períodos taxados como "de uma esterilidade total e. adaptando-se a esses novos tempos: a partir dos anos 30. A sua fisionomia arquitetônica também sofria transformações. a cidade vê surgir uma série de edificações em "estilo moderno". Hoje. que. interpretadas como uma mecânica de transplantação para o país da arquitetura de Portugal — uma espécie de "pré-história" da verdadeira arquitetura brasileira. 10 . Belo Horizonte é hoje uma cidade intensamente humana. naturalmente — tinha dignidade. Belo Horizonte é uma cidade como as outras e o que ela tem de excepcional ou de melhor não são teorias aplicadas — as próprias teorias foram patinadas pelo tempo e desapareceram — mas conquistas profundamente humanas. Günter Weimar. que atrai nossa curiosidade e nossa crítica. sem aquele ar exclusivo de festa. por exemplo. Apenas recentemente alguns autores têm começado a apontar a unilateralidade e parcialidade dessa historiografia. queriam ser contemporâneas das transformações em curso. aponta o "mito". tendo há muito superado a sua condição de mera cidade administrativa. Corolário de tal tese. consolidando-se como importante pólo de comércio e serviços e caminhando em direção à industrialização. onde a vida se processa sem preparos especiais. aparecendo na historiografia da arquitetura moderna brasileira — sob uma ótica negativa — como uma variante sem maior importância ou interesse. nessa fraternidade esquecida com que cada qual disputa o seu destino. À cidade não é mais um problema de urbanização forçada. criaria uma narrativa teleológica da evolução da arquitetura em nosso país. 14 De fato. ao erigir como paradigma de qualidade e significação as obras derivadas da visita de Lê Corbusier ao Brasil — pertencente à corrente que se torna hegemónica após 36 —. que com sua ornamentação geométrica e arrojados jogos de volumes. tristezas e alegrias. desde os anos 20. como vimos. Belo Horizonte mudara significativamente. alimentado por essa narrativa canónica. tendo desaparecido "o aspecto de feira internacional". porque a vive. Nesta linha. É curioso que essa arquitetura — que se pretendia moderna e que marca a cena urbana belo-horizontina nos anos 30 e 40 — tenha tido uma fortuna crítica desfavorável. daquela grave nobreza que lhe vem das suas árvores incomparáveis e das suas avenidas.a Belo Horizonte em 1940: uma cidade já formada. oscilando entre uma dialética conceituai e uma disputa sobre modelos formais". e o art déco. em que a única certeza era o esgotamento do academicismo e do ecletismo classicizante do início do século. parece possível identificar no período um leque de atitudes. ou fazem uma série de distinções internas à ideia. é recente — foi utilizado nesta acepção apenas a partir do final da década de 60. nos anos 30 e 40. hoje largamente difundido. como o neocolonial. Em contraposição à Exposição anterior.15 À recepção negativa que a historiografia reserva à arquitetura desse período. encontram-se convivendo na cena arquitetônica belo-horizontina os últimos avatares do ecletismo. nos pavilhões da exposição patrocinados pelas grandes lojas de departamento francesas —Lês Grands Magazins du 11 . É neste sentido. mas voltada para o futuro. diluição — ideias que nos permitem pensar um período de buscas. a de 1925 não deveria ser. acontecida em Paris em 1925. superposição.16 No que se refere à variante "moderna" hegemónica nessa época.) Como denominação geral para a arquitetura "moderna" que começa a dominar a cena urbana belo-horizontina no período. onde as áreas de interpenetração entre uma e outra paleta constituem o que há de mais característico. "futurista" ou simplesmente "moderna". de acordo com seus organizadores.17 (Cabe notar que no período essa arquitetura é conhecida em Belo Horizonte como "cubista". Aproximação. o termo art déco parece-nos adequado: ao remeter imediatamente à "Exposição de Arte dustrial e Decorativa Moderna". uma exposição historicista. E o que é mais interessante: muito mais que uma oposição frontal entre estilos e perspectivas antitéticas. que vai ser a tônica desse evento. "aberta para todos os fabricantes cujo produto é artístico no caráter e mostra claramente tendências modernas". no entanto. indignos até de serem citados". que teriam como traço comum uma "ruptura com o academicismo". mais tarde conhecido como art déco — que se torna hegemónico — e os primeiros exemplares de uma variante do modernismo vanguardista. que um historiador da arquitetura latino-americana como Ramón Gutierrez pode aproximar fenómenos aparentemente tão díspares como o art nouveau. remete-nos imediatamente também déia de um "estilo moderno". Assim. quando Bevis Hillier o popularizou com a publicação de seu livro Art Déco (1968) — e controverso — muitos autores não o consideram propriamente um estilo. vem se juntar o quadro complexo que essa apresenta: de fato. as "restaurações nacionalistas". "ainda que seus planos de conflito não sejam similares. o chamado "estilo moderno".portanto. de 1900. a complexidade do período reflete-se na própria denominação a empregar: o termo art déco. "uma síntese figurativa que. a atitude dominante no período: elementos e preocupações "modernos" mesclam-se a uma lógica compositiva e projetual ainda parcialmente tradicional. o edifício — então em construção — também é descrito como sendo "em sóbrio estilo moderno" e com "todos os requisitos de conforto e disposição racional". "não era dado ao Prefeito receber.18 Assim.22 permanecem elementos tradicionais 12 . vai ter. consegue criar um amplo repertório de imagens de fácil assimilação entre amplas camadas da população". obedecendo na sua estrutura e no seu conjunto os moldes da arquitetura contemporânea".) A mudança da sede do governo municipal é sinal de uma cidade que crescera: a antiga Prefeitura. ortogonalidade. como nos aponta Roberto Segre. É interessante perceber. e de um "moderno" telhado de vidro e concreto que encima "um amplo salão central".20 (Num outro artigo. e. papéis de parede e objetos de decoração sofisticados. Se ainda não se aceitava de todo a crítica radical das vanguardas à tradição. como anuncia uma revista da época. solução "prática e lógica" para um edifício público. tornando-se necessário. com o art déco logra-se. tornara-se pequena. como alegara Negrão de Lima em seu relatório anual. jogos com volumes. ajudava agora a vender móveis. Lês Galleries Lafayette e Lê Printemps — expuseram-se objetos que refletiam o novo estilo. ao analisar os pavilhões construídos. que passou a sediar o Arquivo Público Mineiro. "tornar a propor um novo sistema de signos identificadores da alta burguesia. a nosso ver. que se queria artístico. o período do entreguerrras também não mais se sentia ligado ao passado ou à linguagem clássica. em 25 de dezembro de 1936. essa arquitetura chega a Belo Horizonte e se difunde largamente. chegando a ser saudado como "a vitória da arquitetura racional em Minas". simplificação de formas. e suas formulações plásticas ascéticas. publicado na Folha de Minas.19 A partir dos anos 30. incorporando soluções formais de vanguarda. decorosamente. alcançando em 1935 a própria arquitetura oficial: o projeto vencedor do concurso para o novo Palácio da Municipalidade. em artigo publicado na época. de autoria do arquiteto Luiz Signorelli.Louvre. de grandes vitrais "basculantes e modernos". na sede da Administração. Aquilo que duas décadas atrás — na obra da primeira geração de arquitetos modernos — era recebido como excentricidade. a influência difusa de traços da vanguarda arquitetônica da virada do século: ausência de motivos clássicos. sua "fachada lançada em linhas modernas. mas que se inserissem ao mesmo tempo nos parâmetros estabelecidos pela estética da máquina sem renegar os supostos valores universais da cultura clássica". Bon Marche. visitas ilustres". ao mesmo tempo em que. industrial e moderno. enfatiza-se o uso do concreto armado _ que permite grandes vãos —. Assim.21 Esse edifício vai expressar bem. como bem resume Aracil. a sua resolução em blocos (com o destaque para o salão de festas). Neste caso. emprestando à entrada um caráter de dinamismo e força. pode-se perceber ainda um claro eixo de simetria central. localizada à Rua Tamoios e que mais tarde passa a abrigar a Câmara dos Vereadores. que representariam combinações diferentes entre elementos tradicionais e modernos.— o tema da torre do relógio municipal. Neste sentido. essa edificação retraia bem a remodelação urbana pela qual passava Belo Horizonte. Também em relação à fachada. sua imagem e os elementos decorativos são modernos. 1935) e o prédio dos Correios e Telégrafos (José Story dos Santos. por outro mantém uma lógica compositiva tradicional e explora com muita parcimônia os recursos técnicos disponíveis. geométricos. incorpora materiais e elementos visuais modernos. como o pórtico e a escadaria de entrada. "Foram empregados neste prédio os seguintes materiais: cimento Perus. recebendo o bloco principal marcação vertical em seu centro. por outro. Ferros. ao longo do qual se articulam as divisões internas da edificação. com a tradicional tripartição. por sua vez. por um lado. ladeado por dois blocos laterais proeminentes. é interessante comparar o projeto de Signorelli com duas outras construções contemporâneas: a Casa d'Itália (Raffaello Berti. que se mantêm em módulos muito acanhados. Também a técnica quer ser moderna: o único texto que acompanha o projeto na sua publicação na revista "Arquitetura" (1935) chama a atenção para os materiais — modernos — e seus fornecedores. apresentando uma pesquisa formal mais arrojada e claras preocupações funcionais. aponta para uma setorização mais nítida — como propugnada pela arquitetura moderna. mostra exemplarmente como a modernidade ainda penetra timidamente: se. a predominância das massas sobre os vazados e a presença de elementos monumentais. reforçada durante o Estado Novo."23. 1936/1939). por um lado. a que nos referimos anteriormente: ao mesmo tempo em que se inauguravam o novo Palácio da 13 . A primeira. A atitude ambígua que apontamos pode ser percebida a partir da própria composição em planta da "Casa d'Itália": se. é importante perceber como a edificação de uma imponente Casa d 'Itália testemunha não só a importante presença dos italianos e seus descendentes em Belo Horizonte. parece se prender menos às soluções tradicionais. fabricados pela Siderúrgica BelgoMineira. fornecido por Rezende Rache & Cia. a mesma atitude: ao mesmo tempo em que sua composição mantém-se "clássica". mas principalmente a política de aproximação Itália-Brasil. Construído no final dos anos 30. e que. refletia a identificação comum a políticas modernizadoras. que se ensaiava nesse período. O prédio dos Correios e Telégrafos. movimeniada em diversos volumes — geometrizados e simplificados — que a compõem. articulando-se em torno de um amplo e funcional salão de alendimento. 1948). Localizado estrategicamente na Avenida Afonso Pena. que se empenhava num ambicioso projeto de normalização arquitetônica. PÓLO DE SERVIÇOS Essa mesma preocupação com a funcionalidade e esse mesmo desejo de modernidade marcam a construção de uma série de hospitais nesse período. Fundada em 1899. o Viaduto da Floresta e se deslocava a "estação central" dos bondes para a Praça Sete. Belo Horizonte. BELO HORIZONTE. ao lado da Prefeitura Municipal. o Parque Santo António (conjunto esportivo que viria a dar origem ao Minas Ténis Clube). Recife. projetando e construindo sedes regionais nas capitais e agências nas principais cidades brasileiras: Belém. "termos próprios de equações racionalistas".Municipalidade. a edificação dos Correios apresenta uma composição moderna. é marcada por uma setorização clara. Internamente. conclui-se pela necessidade de uma nova construção. Sousa Campos — que anuncia uma "era de renovação hospitalar" —. e contando-se com o parecer de um especialista do Ministério da Educação e Saúde. Curitiba. passam a ter firme aplicação em obras públicas em todo o Brasil. numa combinação de linhas retas e sinuosas. entre outras. organizada em pavilhões. conceitos como funcionalidade. opta pelo sistema centralizado. Fortaleza.24 Nesta direção trabalhava o então Departamento de Correios e Telégrafos. concentrando-se o conjunto hospitalar em um único bloco de 14 pavimentos. do arquiteto Raffaello Berti. eficiência e economia na arquitetura. O projeto. já na segunda metade dos anos 40. compatível com as exigências da "hospitalização moderna". a principal da cidade. aquela instituição ainda se mantinha na década de 40. Caso paradigmático é o da construção da nova Santa Casa de Misericórdia (Raffaello Berti. devendo a antiga — uma imponente edificação eclética — ser demolida. possibilitado pelo uso de concrelo armado. que vinham se agrupando desde 1908. que usam o novo estilo para expressar uma nova concepção de medicina. Salvador. o Relatório de Prefeito de 1937 anunciava estar entre os planos do governo a construção de uma nova sede para os Correios e Telégrafos. Florianópolis. como anola Hugo Segawa. tipo monobloco. com o fim da República Velha: nos anos 30. O texto explicativo do 14 . Natal. Prof. "boa parte delas projetos de repartições oficiais de engenharia e arquitetura". um Matadouro Modelo. Retraía também um desejo de modernização dos serviços públicos em nosso país. São Luiz. Avaliando-se como insustentáveis as condições. e de Raffaello Berti. no campo hospitalar são dignos de nota o Hospital Municipal de Belo Horizonte (atual Hospital Odilon Behrens) (Raffaello Berti. o nacionalismo levara à adoção do neocolonial nos edifícios escolares — bem exemplificado em Belo Horizonte pela Escola Estadual Pedro II (Carlos Santos / Paulo Costa. nos anos 30 impõe-se a arquitetura moderna. o transporte dos doentes e do pessoal é facilitado no sentido vertical por elevadores. Assim. em todo o Brasil. que. que obedecia a uma série de tópicos funcionais. organização do programa mínimo de dependências. surgindo. Esta tendência é tão forte que. em estados como o Rio de Janeiro e São Paulo. através de Francisco 15 . cujas obras se iniciam ainda no governo Juscelino Kubitscheck. Izabela Hendrix (1937/1939) e Batista Mineiro. 1926) —. nos anos 30. o governo de Getúlio Vargas. Não se pode esquecer aqui que. pelo menos até o final da década de 40. mantendo. Colégio Imaculada Conceição (1936) e Colégio Nossa Senhora do Monte Calvário (1937). o transporte vertical mecânico é mais rápido do que o horizontal. Os novos hospitais e escolas construídos nesse período oferecem-nos exemplares significativos do art déco. desprovidos de ornamentos e rasgados por largas aberturas contínuas. chegam mesmo a ser implementadas políticas públicas específicas para tal fim. estabelecimentos escolares em estilo "moderno". organizado num partido já moderno. contrasta com a composição geral da edificação. neste período. A distribuição de alimentos faz-se mais rapidamente através de monta-cargas. com clara setorização. cabe destacar a ação de Romeo de Paoli. todos apresentando características dessa nova arquitetura. 1944/1945). um decorativismo geométrico de inspiração déco e o hall da Casa de Saúde São Lucas (Angelo Murgel.26 Se na década de 20. 1939). criando-se um novo modelo de prédio escolar. enfatizando a grande economia na construção e na administração: A administração é centralizada. enfim.25 Belo Horizonte firmava-se cada vez mais como um pólo de serviços. em tubos de queda e de monta-cargas. O processo de modernização também alcança com força a área da educação. autor do Colégio Santo Agostinho (1935). reafirmando sua vocação nas áreas da saúde e da educação. evitando multiplicação de serviços iguais. no entanto. programáticos e pedagógicos — orientação do edifício e desenhos de janelas. responsável pêlos colégios Marconi (1938/1941). aproximando-se já do racionalismo purista que caracterizaria a próxima etapa arquitetônica.projeto defende a escolha. Nesta linha. o movimento de roupa suja e limpa. acabamentos. com linhas geometrizantes e preocupações funcionalistas. com sua decoração elaborada. em volumes elementares. um jornal da época vai descrever o vestiário como "um suntuoso edifício de arquitetura moderna e aspecto imponente e alegre e que obedece a todos os preceitos de higiene e regulamentos internacionais na prática do esporte da natação".27 Um componente importante deste projeto educacional vai ser o cultivo do corpo: pela Constituição de 1937. constituem um dos mais significativos conjuntos arquitetônicos do período.30 Cabe ainda destacar aqui o cuidadoso tratamento do interior do edifício. e em 1940. instâncias que passam a ser vistas como precipuamente direcionadas para a formação de cidadãos. Em Belo Horizonte. o próprio Presidente da República. predominando na fachada as linhas puras e os volumes geométricos. declarando como prioridade encarar de frente aquilo que o próprio presidente classificava como "a grande chaga nacional": o despreparo causado pela deficiência da estrutura educacional do país. do arquiteto Raffaello Berti. prevista para ser o Jardim Zoológico da cidade. inaugurase o Parque Esportivo. que estaria "perfeitamente identificada com as diretrizes renovadoras do regime de 10 de dezembro". que 16 .28 Localizado numa área próxima ao Palácio da Liberdade. simplesmente. a sede social. secundárias e normais do país. e se espalham pelo Brasil inúmeros centros de recreação. que passava a contar com um conjunto esportivo à altura. ao elogiar a iniciativa do interventor Benedito Valadares. sadias e destemerosas. fala das "legiões moças do Brasil. sua construção se dá em duas etapas: em 1937. As instalações deste clube. que logo se tornaria importante pólo da vida social da cidade. Assim. levando nas mãos ágeis e no ânimo viril o glorioso destino dos forjadores de uma grande Pátria". por exemplo. articula um projeto moderno de educação para a nação brasileira.Campos e Gustavo Capahema.29 Já em relação à sede. de uma arquitetura decorada: os efeitos eram conseguidos pelo jogo volumétrico e pêlos materiais. Segundo Helena Bomeny. impõe-se aqui a ideia do predomínio do Estado como centro controlador e regulador das atividades de educação e cultura. torna-se obrigatória a educação física em todas as escolas primárias. em interessante estudo sobre o período. a fundação do Minas Tênis Clube ilustra bem este viés: no discurso de sua inauguração. cabe chamar a atenção para o trabalho com os volumes realizado pelo arquiteto. parques infantis e instituições destinadas "ao preparo dos jovens" como a Juventude Brasileira (1940). Não se tratava. ao lado do ensino cívico. de autoria de Romeo de Paoli. Cria-se a Comissão Nacional de Desportos (1939). sendo percebido também como um dos signos da modernidade de Belo Horizonte. podendo-se destacar ainda nas fachadas a presença de elementos inovadores como os brises-soleil e amplas superfícies envidraçadas. 17 . fachadas atraentes com linhas aerodinâmicas convidavam a assistir aos filmes americanos. Vivia-se a era dos grandes estúdios e produções de Hollywood. onde o geometrismo déco substitui a ornamentação clássica até então dominante: de Nova Iorque a Paris. que se harmoniza com a composição. o déco ligara-se.. D IV ER SÃO PA R A AS M AS SA S Como observado. E de fato. aquela casa de espetáculos causa sensação na cidade. a sua identificação com o mundo industrial e seu vínculo com a moderna tecnologia da construção vão dar às suas formas "um sentido de modernidade. O cuidado no tratamento estende-se ao próprio mobiliário. nas colunas e no barrado das paredes e balcões. desde o seu início. com filmes como "No Tempo das Diligências". de projeção para o futuro". de Dacar a Buenos Aires. Em todas as latitudes.recebe um tratamento artesanal de qualidade. formando o encosto em couro das cadeiras desenhos geométricos de inspiração indígena. em 1932.. este estilo parece se prestar bem às novas exigências de uma sociedade que se via às voltas com a mecanização de seu cotidiano. espalhando-se sob este signo pela Europa e pelas Américas. sendo utilizado num sem número de edifícios verticalizados. a que todos gostam (. a revista Arquitetura e Urbanismo apresentava com entusiasmo os novos cinemas Ipanema e Metro. estações de hidroaviões. a nova sala de exibição da Empresa Cine Teatral Ltda. o Cine Brasil (Angelo Murgel). apresentando trabalho decorativo em madeira (imbuia) nas vigas do teto. uma revista de Belo Horizonte saudava o cinema como "a grande diversão. "Ninotchka". Em 1940. explicando tal preferência pela sua capacidade de "proporcionar de certo modo todas as sensações". tanto por sua linguagem moderna incomum.31 Aqui vai ser particularmente digno de nota como esse "estilo moderno" parece adequado para o caso dos cinemas.. "E o Vento Levou . e outras tipologias relacionadas com os novos tempos. que se impunham no período.32 "Majestoso" — tal foi o termo empregado pela imprensa local ao apresentar ao público belo-horizontino.. indústrias. chamando a atenção para os seus aspectos modernos. à ideia de modernidade. Este vai ser o caso do salão-restaurante. por toda a parte. quanto pelo seu arrojo técnico. a popular. a acessível. no primeiro andar." e "Casablanca" atraindo multidões. Para Roberto Segre. No Rio de Janeiro. funcional e decorativamente. que mantém ainda hoje suas características estilísticas.)". Juscelino Kubitscheck decide dotar Belo Horizonte de "obra melhor e 18 . Monsã a jovens arquitetos e estudantes de arquitetura como J. mais conhecida como "Salão do Bar Brasil". quanto pela maneira aerodinâmica com que o seu volume curvo resolvia o tema tradicional da esquina. vai ser conhecido como o "pai do concreto armado". no início dos anos 40. que são "modernizadas". Implantada estrategicamente em terreno de esquina da Praça 7 de Setembro. ao assumir a Prefeitura. por suas realizações com esse material. o "desenho" da fachada. vamos encontrar aqueles cinemas onde os signos de modernidade se localizavam basicamente em seu sistema ornamental — as linhas e diagonais que decoram suas fachadas e interiores. Este vai ser o caso do Cine Metrópole (1942). essa exposição também representa um marco na introdução do "estilo moderno" nas artes plásticas de Belo Horizonte.. em sua construção unem-se pioneiramente atores que. com a intenção de se modernizar estilisticamente o edifício. inaugurando-se o "ciclo do cimento armado". que "teve sua realização máxima nesse edifício grandioso". responsável por inúmeras edificações em concreto armado neste período. jovens artistas escolhem o andar térreo daquele edifício para a "Exposição de Arte Moderna". vão desempenhar um importante papel neste novo "ciclo": o calculista Emílio Henrique Baumgart. Renato de Lima. mais tarde. tanto por sua altura. Coury.ao lançar mão de uma estrutura de inéditos oito pavimentos. Esta mesma lógica explica também a facilidade de "adaptação" ao novo estilo das edificações ecléticas. por se realizar — transgressivamente — no bar ali localizado. e a firma "Cia Alfredo Carneiro Santiago". No final dos anos 30. que mostra com perfeição a compatibilidade entre um edifício originalmente em estilo eclético e a nova ornamentação geometrizante. pensava-se em uma simples reforma do antigo Teatro Municipal. nos anos seguintes. onde se avalia que com aquela construção teria se encerrado o "ciclo do tijolo" em Belo Horizonte.35 No lado oposto da paleta de atitudes. Organizada pelo artista plástico Delpino Jr. Hardy Filho. Érico de Paula.33 E. projetado pelo arquiteto Ângelo Murgel.34 Não vai ser por acaso que. Remo de Paoli. o Cine Brasil passa a simbolizar uma nova atitude construtiva na capital mineira. de fato. Érico de Paula. Shakespeare Gomes e Santólia. reunindo nomes como Jeanne Milde. No entanto. ganhando ornamentação geométrica em suas fachadas. Esse papel de símbolo e umbral é reconhecido num artigo de 1936. encomendando-se a um técnico da própria Prefeitura Municipal. tendo colaborado com Lúcio Costa e Oscar Niemeyer na renovação da arquitetura brasileira —. do jornal Folha de Minas. em 1936. num procedimento não muito diferente daquele dos estilos historicistas do século XIX. — que. Também desta época é a Rádio Inconfidência. onde são gerados concorridos programas. Localizado no início da Avenida Afonso Pena. Os programas de variedades vêm substituir as emissões educativas e a música erudita. inaugura em 1946 sua sede própria. à Rua São Paulo. foi igualmente a era do rádio. poltronas estofadas etc. Inaugurado em 1942. mantendo as diretrizes básicas do projeto anterior. em primeira-mão. esse edifício monumental veio ocupar o lugar do antigo Mercado Municipal. o arquiteto Raffaello Berti encontra praticamente tudo pronto. 1935). vai ser. num outro símbolo da modernidade do período — o edifício da Feira de Amostras (Luiz Signorelli. lê-se: "O Metrópole é seu. que exalta os seus aspectos "modernos".. influenciando os costumes e ditando modas. para lançamento na Capital. com ar condicionado. Arrematado pela Empresa Cine Teatral. que se instala. quando um decreto governamental permite a publicidade em seus programas. Em Belo Horizonte. sendo descrita como "ao gosto moderno".mais moderna". É a era de ídolos como Carmen Miranda. que alimentam a emergente indústria fonográfica nacional. pois. especialmente no que se refere à fachada. prevendo-se ali a construção de um "luxuoso cine-teatro. Presente no país desde os anos 20. Assim. Francisco Alves. numa sede provisória à Rua Ouro Preto. apenas depois de 1932. tem sua destinação transformada. na década de 30. entre outros. à Rua da Bahia. Almirante. em meados dos anos 20. gigantesco da metrópole linda e encantadora dos filhos de MinasGerais". eclético. que se torna. seguindo padrões geométricos e linhas retas". considerado. Noel Rosa. já na própria programação de abertura. no entanto. este cinema passa a constituir — já a partir de seu próprio nome — importante signo de modernidade local. em oposição às características ecléticas — ultrapassadas — do antigo Municipal. conta com um moderno auditório. Belohorizontino! Foi para Você que a Cine-Teatral o realizou. um edifício de inspiração cubo-futurista.37 Se essa foi a era do cinema. composta por "formas simplificadas. Depois de uma passagem pelo Conselho Deliberativo. incomparável. Mário Reis. criando legiões de ouvintes fiéis. Também sua ornamentação era louvada. surge. ainda em 1931. que o rádio se torna comercial e popular. e o prédio é colocado em hasta pública. o outro veículo da nascente cultura de massas no Brasil.36 Ao ser contratado para executar o projeto. desde o início. que. em especial o seu conforto e mecanização. numa homenagem singela ao progresso vertiginoso. Lamartine Babo. de forma precária. e o rádio passa a ter penetração maciça em todo o país. o que se pode perceber na imprensa da época. insuficiente para a cidade que 19 . a pioneira Rádio Mineira. de películas de qualidade". o rápido envelhecimento dos "bairros burocráticos".38 Não se tratava mais. Aliás. que surgiram aos milhares. de nenhum. ali se mostram as conquistas da industrialização que avança. daquele ecletismo neoclassicizante. a partir do qual se elevava uma torre que atingia 10 pavimentos. dispondo ainda de serviços de apoio como restaurante. iniciativa do governo do Estado. a Feira de Amostras compunha-se de um bloco central com cinco pavimentos. cujos produtos eram exibidos ao lado de exposições itinerantes e de curiosidades variadas. produzindo um efeito de verticalidade e monumentalidade. enquanto do alto da torre. que pretendia criar uma espécie de vitrine da economia mineira. das "casas de platibandas". salão de conferências e até um posto do Touring Club para abastecimento e reparo de veículos. havia casas que participavam de dois e três estilos. como uma típica imagem da modernidade. reforçado por sua simetria e por uma enfática marcação dos elementos compositivos. Abrigava alguns setores da então poderosa Secretaria da Agricultura e de outros órgãos públicos. insinceros. Projeto de Luiz Signorelli. em 1926. o seu destino — como o do Mercado Municipal que a antecedera — também vai ser o rápido desaparecimento: já na década de 60 a Feira é demolida. mas de um 20 . emissora oficial. Transferido. a Feira de Amostras sintetiza imageticamente a ideia de modernidade que marca a Belo Horizonte dos anos 30: ao lado de uma exposição das — tradicionais — riquezas minerais. sendo substituída por uma nova estação rodoviária. A cena era decididamente eclética: Os beirais voltaram com os bangalôs. se misturou com os estilos melecas. Outros. um dos mais atentos observadores da cena belo-horizontina dos anos 30. complicados.crescia. a Rádio Inconfidência. desde a Primeira Guerra. No entanto. literários. "cheios de casas de platibandas que foram nos primeiros tempos a última palavra em arquitetura". A revivescência da casa colonial. anuncia os novos tempos que se descortinam. para um terreno pertencente ao América Futebol Clube. registra em seu romance Totônio Pacheco (1935) a rapidez das transformações da cidade. Claramente filiada à tendência mais seca e geométrica do art déco. em seu lugar vê surgir a Feira Permanente de Amostras. A C ASA FU TU RISTA João Alphonsus. com ornamentos da fábrica das velhas igrejas. muito menos sóbria do que a dos casarões passados (e que se explicava nos templos pelo amor católico às pompas exteriores do culto). o estilo neocolonial. que vive um acelerado desenvolvimento urbano na época. cimento armado e ferro. "californiano"."segundo ecletismo".425. parece-nos possível identificar o mesmo "leque de atitudes". na confluência da Avenida Brasil com Rua Paraíba. de fato. ousadia de varandas avançando sem apoio. atingindo também rapidamente a arquitetura residencial: Podia-se notar ainda as tentativas de um estilo nítido — seria propriamente estilo ou a abolição consciente e útil dessa coisa? — linhas cruas e secas. com suas varandas semi-embutidas no segundo pavimento e com sua utilização do revestimento "pó-de-pedra" — argamassa de 21 . Nos bairros nobres. apesar da ornamentação — frisos verticais e horizontais. E. marcada pelo pluralismo estilístico. terraços em vez de telhados. a busca de um "estilo moderno" não se restringia às construções públicas ou monumentais. que distinguem os planos da edificação — a tónica vai ser dada pelo elaborado tratamento plástico dos planos e volumes. podia-se notar a crescente influência das publicações especializadas e. com articulações entre volumes puros. No caso da arquitetura residencial.39 Belo Horizonte. como o de Lourdes. Nessa cena.. tudo geometricamente simples. onde uma atitude de tolerância estilística acolhia as mais diversas influências. com combinações diferentes entre os elementos tradicionais e modernos. que já apontamos: aqui também vamos encontrar desde edificações tradicionais. Ali. encontrava-se uma série de residências — projetadas por renomados arquitetos e engenheiros —. que fazia dos Estados Unidos o principal pólo irradiador dos novos modismos. "neocolonial" e . Bangalôs e chalés conviviam com casas em estilo "missões". com a sua tradicional solução de esquina já apresentando afastamentos frontal e laterais. que exemplificam essa última atitude. Um bom exemplo oferece-nos a residência projetada por Raffaello Berti. que é enfatizada pela organização da fachada em dois planos. até exemplares com maiores e mais ousadas experimentações formais e técnicas.. que se formava então à oeste de Funcionários. cuja modernidade se resume à ornamentação geométrica. em meados dos anos 30. bem como pela utilização mais frequente do concreto armado. caracterizando-se por uma maior desenvoltura no jogo volumétrico. tanto no Centro — onde vão se localizar os principais prédios públicos e edifícios verticais modernos — quanto nas "velhas" periferias e nos novos subúrbios e bairros nobres que se formavam. "moderno". do cinema. chamando a atenção a composição assimétrica. "normando". Outro exemplar digno de nota é a residência localizada à Praça Tiradentes. em balanço de concreto. engenhosas combinações em planta e delicados trabalhos de serralheria.40 vê o "estilo moderno" impor-se por todo a parte. mais tarde. à Rua Alvarenga Peixoto. por mestres-deobra anônimos. ao descrever a edificação proposta. 22 . era o de uma "casa moderna" de três quartos. com a valorização plástica das elevações frontais. uma cobertura tradicional em telhas francesas. produto da lógica e da sinceridade. O artigo inaugural da coluna. entre outros — fornecem-nos inúmeros exemplares da apropriação popular dessa linguagem moderna. caracterizada por um jogo de volumes cúbicos e curvos. resolvendo assim os problemas da insolação e espaço. ali se encontra. Seguimos simplesmente a planta que foi estudada com o máximo cuidado de modo a proporcionar aos seus moradores o conforto que a vida moderna exige. Concórdia.cimento com lâminas de mica — em diversas tonalidades. em sua maioria. É interessante perceber. a permanência de um recurso cenográfico. como Floresta e Lagoinha. é um certo fachadismo. Outro traço marcante da arquitetura eclética. ao executar este projeto. na verdade. Construídos. Muitas vezes a utilização de estilemas déco apresenta-se mesmo apenas como artifício de modernização de fachada de residências mais antigas. dando-lhes uma roupagem moderna. utilizando uma composição nãoornamental. de 26 de julho de 1936. "palacetes-comércio". remanescente do ecletismo: enquanto se passa a impressão da existência de um moderno teto-terraço — inclusive com a utilização de um guarda-corpo no coroamento das fachadas —. As "velhas" periferias. atacava o "fachadismo" em arquitetura e. permanecendo as soluções tradicionais de composição formal. Renascença. É a verdadeira arquitetura funcional. essas edificações conservam mais as tipologias — casa "porta-e-janela". que procurava traduzir esse ideal. do "Studio Buffalo e Castro".. mas também as novas vilas e bairros populares que se formavam — Vila Santo André. — e os esquemas construtivos — estrutura em tijolo — herdados do ecletismo. que prometia "realizar com nossos projetos todos os desejos do leitor". "para um terreno de 13 metros por 20 de fundo". Sagrada Família. sendo absolutamente tradicional o tratamento das demais. que permanece nessas releituras populares. o cuidado de fazer fachada. onde se tratava de divulgar modelos desse tipo de arquitetura residencial. nesse último caso. que se consolidavam como pólos densamente povoados.41 O projeto apresentado. Cachoeirinha. assinado pelo engenheiro civil Waldemar Uchoa. Um dos sinais da ampla difusão do "estilo moderno" na Belo Horizonte dos anos 30 é a publicação pelo jornal Estado de Minas da coluna "A Casa Moderna".. enunciava um credo de tom funcionalista: Não tivemos. a silhueta que se revelava. é de todas as avenidas de Belo Horizonte. chama a atenção como a um tratamento formal moderno. das limitações de uma estrutura tradicional em tijolo. edifícios de escritório e de apartamentos começam a ser erguidos na área central da cidade. Naquela coluna. caracterizado pela ligação entre a sala e a copa. era a de uma cidade definida por sobrados e casas térreas. provavelmente. E mesmo essa particularidade não é sua. derivada. substituindo velhas residências do início do século. Numa delas. na "cidade das picaretas e dos andaimes" abria-se o "ciclo dos arranhacéus". apenas com um espaço maior entre uma e outra fileira de casinhas e sobrados. Era uma rua como as outras.encimado por um teto-terraço. que se multiplicam à época como forma de investimento. em 23 . (Não é por acaso que muitas das casas de aluguel. que resultava numa arquitetura "cúbica". como a Casa Bleriot.42 Naquele momento. Segundo expressões da época. é interessante destacar ainda que em quase todos os artigos estima-se o custo provável da construção. Quanto à planta. são construídas em "estilo moderno".) O "CICLO DO ARRANHA-CÉU' No início dos anos 30. saudada pela imprensa como o ingresso da Capital num novo ciclo de construções e na condição de "grande metrópole". aparecendo reiteradamente ao longo dos artigos as ideias de conforto. no entanto. Quanto a esse último item. A partir da segunda metade dos anos 30. a novidade se restringia a uma setorização mais marcada e uma certa fluidez do espaço. podendo-se notar ainda a quase repetição da planta nos dois pavimentos. ressaltando-se as vantagens também financeiras dessa nova arquitetura. higiene. despojamento e economia. com um "vertiginoso crescimento" em todas as direções. de cujo terraço um "holofote poderoso" esculpia "a cidade na massa das trevas". vai corresponder uma linguagem de nítida inspiração corbuseana. com os mesmos sobradinhos e as mesmas casinhas térreas das outras. A cidade surpreendia por sua "volubilidade fisionómica". despida da cortina verde. a cidade de Belo Horizonte vai ser personagem importante nas crónicas que Carlos Drummond de Andrade escreve sob o pseudónimo de António Crispim. onde se destacavam as edificações de três pavimentos. flagra-se a Avenida Afonso Pena desnudada após uma drástica poda de seus fícus: Podaram as árvores e verificou-se que a Avenida não tinha mistério algum. de propriedade de um amigo do protagonista. bancas de advogados. Além da sugestiva analogia à cidade — que também estava prestes a completar seus 40 anos — encontramos nesse romance outras referências mais explícitas aos novos edifícios e ambientes urbanos de então. estão alugadas para consultórios médicos. Os episódios... em estilo paquebot e que parece um grande transatlântico ancorado na parte mais central da cidade (. para os edifícios modernos caracterizados por uma volumetria compacta e de linhas simples e dinâmicas. os edifícios recém-construídos traziam também novos modos de organização do trabalho e da moradia. ao lado da notável mudança na forma urbana. onde a nova cena urbana vai ser mais que pano de fundo. moderno. aspectos cruciais no desfecho da história. uma cena trágica assistida por uma "multidão que saía do cinema próximo". num tráfego contínuo.44 A comparação do edifício com um transatlântico — além de remeter à conhecida associação da arquitetura moderna às imagens náuticas. gabinetes dentários. escritórios comerciais e de procuratórias. e têm como cenário principal o Edifício Santa Cruz.) é bem a construção característica do nosso século. E. cheio de andares. pelos elevadores e corredores do vasto prédio. elegante.43 "O arranha-céu. usual nos anos 20 e 30. referindo-se seu título justamente a um momento de tumultuada passagem. de Eduardo Frieiro. O edifício é descrito como um casarão de cimento armado. marcantes nos escritos de Lê Corbusier —. Centenas de pessoas circulam de manhã à noite. Inspirado num fato verídico que ocupara o noticiário local. mais precisamente um de seus escritórios. "congestionando e interrompendo o trânsito num 24 . e para o futuro será a residência ideal". ali.. Além disso. de fato. que se davam no escritório emprestado de seu amigo. (. o livro trata das aventuras amorosas de um homem de 40 anos. massificado e anônimo — vai ser o cenário adequado aos encontros furtivos do protagonista."latitude e altitude". sugere também o impacto da grandiosidade deste edifício no ambiente urbano — um estranho transatlântico ancorado na capital provinciana. sugere os seus aspectos formais: o estilo paquebot é uma denominação francesa. transcorrem no ano de 1935 em Belo Horizonte.. Outras passagens do romance informam que este edifício situava-se na esquina da Avenida Afonso Pena e tinha oito pavimentos. vaticinava o cronista Djalma Andrade. suntuoso. consultórios e outros. agências de companhias de seguros. narrados de modo conciso e ágil. sedes de empresas industriais. cómodo. A literatura da época não permanece indiferente a essas mudanças: em 1936 é publicado o romance O Cabo das Tormentas. à semelhança de um navio veloz e compacto.) Todas as salas. O ambiente moderno — movimentado. Outro edifício destacado pela imprensa neste período como exemplo do "grande surto" das construções e do "embelezamento da capital" vai ser o Edifício Haas. Também estilisticamente aproxima-se do Santa Cruz: o edifício consiste. 1935). o edifício do Cine Brasil. apresenta os esquemas compositivos classicistas de simetria e de repetição de elementos. ele indica uma gradual mudança no porte dos edifícios da área central: ainda em 34. localizado na mesma avenida e no ponto central da cidade. a despeito de variações estilísticas. ainda pode ser incluído no mesmo modelo tipológico — intermediário entre os sobrados e os arranha-céus — dos maiores edifícios da cidade. e. e que à época de sua construção causara assombro: o já citado edifício do Cine Brasil — nome que o Santa Cruz do romance evoca. 1925) e a neoclássica Secretaria do Interior (Luiz Signorelli. em edifícios como o Lutetia (1939). Aqui é importante ressaltar que a adoção desta tipologia pêlos construtores parece ter-se dado não apenas pela assimilação do modelo europeu. a Praça Sete.largo trecho da rua". podendo ser qualificado como em estilo paquebot. em um volume de superfície lisa e predominantemente maciça. Um exemplo desta conformação arquitetônica oferece-nos o Edifício Guimarães (Zimmer Wezphal. Diversas indicações do romance levam-nos a associar o edifício ficcional a um edifício de fato existente em Belo Horizonte. com altura entre seis e oito pavimentos. contendo oito pavimentos de escritórios. como vimos. ou seja. Embora o "Regulamento das Construções" da cidade já previsse desde 1922. ocupando quase a totalidade do lote. Embora este edifício não viesse a ser reputado como o primeiro arranha-céu da cidade. Este modelo predominou até o início dos anos 40. apresentavam o mesmo porte e configuração tipológica semelhante. 1926-1930) — eram destacados em artigo da imprensa como "expressões do progresso de Belo Horizonte" e iniciadores de uma "nova orientação arquitetônica" — o que se deve. que. como vimos. com discretos traços art déco. 25 . mas principalmente pela falta de concentração de capital para maiores empreendimentos. os dois maiores palacetes da década anterior — o eclético Banco do Comércio (Ricardo Wriedt. o Teodoro (1939) e o San Marco (1939). tal como outros construídos na primeira metade da década de 30. em geral. alturas bem maiores que esta. construídos a partir dos anos 20. com um máximo de sete pavimentos. que com seus seis pavimentos. Apesar do impacto causado. certamente ao seu porte incomum — seis pavimentos — e não às suas características estilísticas. ainda tributárias do vocabulário historicista. pelo menos até metade dos anos 30 este será o padrão dos maiores edifícios da cidade. Trata-se do tipo de edifício característico das capitais europeias: limitados à altura de 20 metros. pontuando aqui e ali a sucessão de "sobradinhos" e "casinhas térreas". Também no que se refere a essas edificações em altura. 1934). que ao mesmo tempo em que se enquadra nesta tipologia de transição. seus elementos decorativos geométricos bem marcados: feixes de placas verticais. não apresentando também os elementos de ênfase vertical de coroamento. Esses elementos vêm se justapor a um volume de superfícies lisas e segmentado por vãos largos. o seu proprietário explica ter decidido demolir sua residência. comuns até então. Se alguns aspectos de sua composição ainda são tradicionais — a simetria. o primeiro — juntamente com a torre da Feira Permanente de Amostras — a atingir o patamar de dez pavimentos na cidade. Assim sobressaem. Aqui já não se encontra o tradicional esquema tripartido. das quais os projetos se 26 . A esse jogo de massas geométricas interpenetrantes vem se juntar outro marcante traço moderno: o volume de esquina tem suas arestas recortadas por largos vãos — recurso plástico revelador de liberdade compositiva em relação à estrutura e que possibilita uma maior continuidade entre interior e exterior. Em matéria do Estado de Minas. com superfícies lisas marcado por elementos art déco. com sua fachada manifestando o empilhamento de andares semelhantes. Com quatro pavimentos e em estilo semelhante ao do Cine Brasil. mereceria um edifício à sua altura. conferem ao edifício um movimento ascendente. este edifício representa também exemplarmente o processo de substituição das residências na área central a partir da década de 30. o esquema base-corpocoroamento — a sua linguagem ornamental. à primeira vista. Ao Ibaté segue-se uma série de edifícios altos. Essa tipologia só vai ser superada a partir de 1935 quando se constrói o Edifício Ibaté (Angelo Murgel). com sua composição de planos elementares marcada pela ausência de elementos decorativos e pela leveza conferida pelas suas largas aberturas. definindo faixas horizontais dominantes. o Ibaté também pode ser considerado o primeiro decididamente racionalista de Belo Horizonte. sugerindo elementos de travamento.localizado na confluência da Avenida Afonso Pena com Rua da Bahia. pois o local. um espectro de soluções compositivas e formais. por razões econômicas. no entanto.45 Finalmente caberia destacar aqui ainda o Edifício Chagas Dória (Alfredo Carneiro Maretrof. que vai marcando a paisagem da cidade. "o mais frequentado e visitado" da capital. que. reencontramos aquela paleta de atitudes a que se referiu. já se afasta dos motivos clássicos. apresenta uma notável justaposição de traços estilísticos característicos da arquitetura corrente nos anos 30 e 40. com um volume monolítico. e ainda "por ordem estética". Primeiro a ser considerado um "arranha-céu". dando lugar a um novo edifício. vai ser justamente aquela que poderia ser chamada — de uma maneira mais apropriada — de art déco. e outros afirmativamente nacionalistas. assimila tanto recursos da matriz clássica quanto racionalismo "cubista". sugerindo a função de enrijecimento ou travamento e imprimindo um sentido de ascendência à composição. para efeito de classificação. 1938-1939). nos anos 30. Caracterizada pela profusa utilização da decoração moderna geometrizada. como no Cecília (atual Hotel Estoril). mais notável nos anos 30. e não de uma classificação estilística. expressa um dinamismo triunfante e a coesão dos elementos sob um princípio dominante. dos Estados Unidos e do Brasil. como a palmeira estilizada na fachada do Edifício Indaiá (Raffaello Berti) e os índios do Edifício Acaiaca (Luiz Pinto Coelho. os edifícios deste período não se distinguem pela exata correspondência a uma delas. combinando de diversas maneiras os elementos tradicionais e modernos. na maior parte dos casos. encontramos uma arquitetura mais variada. como a simetria e a hierarquia. de apenas um ensaio analítico das tendências gerais do período. o cruzamento de linhas ortogonais. distinguir algumas orientações compositivas predominantes na arquitetura corrente nos anos 30 e 40 em Belo Horizonte. são submetidos a uma composição com fortes valores clássicos. conhecida à época no Brasil como "futurista". despojados de ornamentos. são exemplares o edifício Piraquara / Hotel Gontijo (Romeo de Paoli. nos anos 40 nota-se uma tendência mais homogênea em direção a um sóbrio modernismo". Além das variações e mesclas dessas soluções. Expressivo deste imaginário é um elemento encontrado abundantemente nos edifícios deste período. encravadas nos volumes. Nesses edifícios. exuberante como no Chagas Dória ou graciosa. 1943-1947). é preciso ressaltar. Outro recurso decorativo bastante comum no período é a incrustação (justaposição em baixo relevo) de emblemas figurativos estilizados. A primeira dessas tendências. merecedores de grande apuro 27 . Neste amplo espectro é possível. Além dos já mencionados Casa d'Itália e Chagas Dória. o Hotel Metrópole e o Magnífico Hotel.servem. já que essas orientações não são excludentes. da URSS. subordinadas à dominante vertical. que nos remetem às imagens do autoritarismo que permeou a arquitetura corrente e o imaginário político e cultural da Europa. geralmente cruzando linhas horizontais. aliada à forte ênfase expressiva e monumental. e. Trata-se. alegorias como os internacionalmente populares “mercúrios" em edificações ligadas ao comércio. tanto em modestos galpões quanto na monumental Santa Casa: o agrupamento de placas verticais. é possível notar ainda uma certa tendência de transformação: se nos anos 30. onde os volumes geométricos. Ganham também proeminência os nomes dos edifícios. constituindo elementos de empenho persuasivo de uma arquitetura que ainda procurava seduzir o pedestre. passando pela Casa de Saúde São Lucas (1939). com sua composição assimétrica. A decomposição dos volumes geométricos se realiza aqui por meio de volumes e lajes planas em balanço. exemplificada em edifícios dos mais variados portes. de volumetria mais contida ao movimentado Centro dos Chauffeurs (1937). foi descrito em 1947 28 . no contexto belo-horizontino desse período. Aqui reconhecemos o estilo paquebot. pelo seu jogo assimétrico de massas cúbicas. Outros exemplos que poderiam ser citados são os edifícios San Marco (1939). um dos primeiros edifícios de apartamentos. Uma terceira tendência. no final dos anos 30. de menor porte e o Hotel Madrid (Romeo de Paoli). com plástica estritamente purista e rigoroso equilíbrio do jogo volumétrico. derivada do racionalismo purista europeu. A segunda tendência. bastante próxima à anterior. por aberturas rasgadas horizontalmente e por arestas recortadas. e no qual pode ser identificada uma certa influência da arquitetura expressionista alemã. raramente apareça isolada. por vezes obtida pelo emprego de formas cilíndricas e pelo acentuado dinamismo das linhas horizontais dominantes. no Brasil sugestivamente denominado "estilo aerodinâmico". O Edifício Cruzeiro que. essa orientação não é pura: no topo do edifício pode-se notar um discreto ornato. são as que mais se aproximam das propostas das vanguardas arquitetônicas. que imprimem movimento à composição. Aqui. Ainda digno de menção é o Conjunto Habitacional IAPI (White Lírio da Silva. foi considerado um aranha-céu a despeito de seus oito andares. cujas obras. exemplar em relação à supressão de qualquer ornamento. é um bom exemplo dessa orientação. os três projetados pelo arquiteto Angelo Murgel. é marcada pelo aspecto mais compacto do volume. Um traço marcante desta tendência vai ser a resolução das esquinas em curva — muitas vezes com sacadas —. Nesta tendência podem ser incluídos desde o já citado Cine Brasil (1932). notadamente a dos edifícios de escritórios de Poelzig e Mendelson. e à redução dos elementos plásticos.gráfico. 1942). como em vários casos. como o Edifício Abras (atual Hotel BH Centro). que com sua esquina cilíndrica rasgada por vãos. embora presente de modo diluído ao longo de todo o período. o Banco Mineiro (atual Unibanco) e o proeminente Edifício IAPI (1945). o Sarandi. fica conhecida no Brasil como "cúbica" ou cubista. jogos de volumes puros e encaixados e volumes rasgados por aberturas horizontais. no entanto. É interessante perceber que o ascetismo da imagem gerada — de difícil absorção por um público acostumado à linguagem ornamental — faz com que a orientação racionalista purista. a paisagem urbana belo-lorizontina. no Rio Branco e ainda no Banco Financial da Produção (Romeo de Paoli. lembra. pela repetição de elementos simples e pela modulação de aberturas retangulares. um conjunto de blocos "iguais e simetricamente dispostos". cada um a seu modo. Caracterizam-se por uma redução ornamental em relação aos anos 30. Finalmente. tais como o Minas Gerais (Hermínio Gauzi.como uma gigantesca belonave de concreto e aço. como também. apresentando uma composição simétrica enfatizada por dois corpos laterais ligeiramente salientes. de 'arquitetura simples e sóbria". construídos nos mós 40 na Avenida Afonso Pena. torna-se preponderante na década de 40. viria a ser adotado em muitos outros edifícios. corpo e coroamento. que oferece não somente novas e variadas perspectivas ao conjunto. o projeto opta pela criação de uma "bela praça. caberia destacar ainda dois edifícios próximos. então aclamado como um dos mais elevados edifícios da América Latina. com seus 23 andares. que. em plena Afonso Pena. Assimilando de forma bastante parcimoniosa as inovações trazidas pelo "estilo moderno". bastante clássico em seu resultado. ou. com seus volumes cúbicos e lisos. recorrendo a uma expressão da época "modernismo moderado". essas edificações seguem lançando mão de traços tradicionais. que ocupa um quarteirão inteiro. e atendendo a uma exigência da Prefeitura de se construir uma galeria ligando a Avenida Afonso Pena ao Viaduto de Santa Tereza. como a simetria e o esquema tripartido base-corpocoroamento. Nas formas dos edifícios e nos atributos então frequentemente empregados para descrevê-los afirmava-se a busca concomitante de "sobriedade" e de "imponência". 1945-1947). o Edifício Capixaba (Raffaello Berti. A quarta tendência. atual Hotel Financial. L943-1947). Segundo arranha-céu construído na cidade. por uma clara preferência por formas simétricas e de aspecto sólido. O primeiro. marcaram. que poderíamos denominar classicismo moderno. Esse conjunto. Este esquema.: o Sulaméríca / Sulacap (Roberto Capello. como no Mariana (1940-1942). 1941-1945) e o Acaiaca (Luiz Pinto Coelho. quebra a monotonia dos grandes edifícios que se alinham naquela Avenida". caracterizado pelo uso de volumes e balcões em projeção. também de meados dos anos 40. o stile littorio italiano. Aqui cabe destacar ainda um arranjo bastante usual no período. 1945). com vãos regulares e clara tripartição entre base.46 O seu agenciamento responde ao do próprio tecido urbano: os blocos do edifício formam um 29 . 1944). numa excelente solução urbanística. o Andrade Campos e o Dantés. no Tupis (Nicola Sartolio. sobressai por uma notável relação que estabelece com a cena urbana: recusando "o espírito mercantilista do aproveitamento máximo do terreno". 1936) prenuncia essa direção. E de se lamentar. ao ter seu totem — uma grande árvore — destruído pelos portugueses. como torres de vidro. a unidade do povo e a manutenção de suas tradições: a lição dos índios derrotados — pela perda de sua identidade e pela astúcia do colonizador português — deveria ser assimilada pêlos brasileiros na constituição de uma nação moderna. os cilindros de vidro. Por outro lado. 30 . até então invencível. dois pares de cilindros totalmente envidraçados. a vitória da civilização moderna. cujo poder tecnológico se traduz no arrojo dos cilindros que. essa tribo. tenha finalmente se imposto com a construção de um anexo na área livre. como um novo totem da metrópole. e. ao mesmo tempo. ao incorporar o totem indígena. O elemento indigenista evocaria o fundamento da identidade nacional. que prejudica enormemente o efeito descrito. ou seja. em sua inevitável marcha para o progresso. que o "espírito mercantilista". terminando por se autodestruir. na parte superior. e.ângulo de 45° entre si focando de forma excepcional o Viaduto de Santa Tereza. um "imponente edifício. implantado convencionalmente ao longo do alinhamento das vias e simetricamente composto. O segundo. suas raízes e sua relação com a civilização moderna internacional —. que compõem as linhas verticais das arestas nas suas duas esquinas: na parte inferior. apontam para as arrojadas conquistas técnicas da civilização moderna. no entanto. afastado de início. foram modeladas duas totêmicas carrancas indígenas. O elemento indígena se referiria à tribo Acaiaca e à lendária história de sua destruição no período colonial. elemento de cunho futurista. como constituintes do caráter nacional. A moral da história parece se encaixar com perfeição ao imaginário nacionalista dos anos 30 e 40. com seus 29 andares". entrou em acirradas disputas internas quanto à atitude a tomar. representaria a conservação dos valores autóctones. destaca-se por sua grandiosidade e pela justaposição de dois elementos sugestivos — à primeira vista antitéticos —. que daí se descortina. com seu tema ideológico da unidade de um povo como fundamento de sua força. coroam o edifício. a justaposição desses dois elementos sugere-nos uma alegoria da integração do primitivo e do autóctone à civilização moderna. Interpretada à luz das discussões travadas desde os anos 20 sobre a cultura brasileira — a propósito de seu caráter nacional. Segundo a lenda. O edifício. Belo Horizonte. 14. Ibidem.. pelo menos num primeiro momento.3. vindo a se consolidar no "Regulamento das Construções" de 1940. 12.51. 16.. Conferência realizada no 1º Congresso Brasileiro de Urbanismo [Rio de Janeiro]. conhecido por "Código de Obras".40. Interessante trabalho do sr. set. Belo Horizonte.25-26. 1996. 9. 1934. 4ª seção. Belo Horizonte. A metrópole de 50 anos. A EXPANSÃO suburbana de Belo Horizonte e os problemas que dela decorrem. BELO Horizonte será uma cidade industrial. 1941./abr. Para um quadro detalhado do período. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG. n. Mestrado em História).22 ago. Revista PÓS. Este regulamento é novamente modificado em 1930. Folha de Minas.NOTAS 1. ANDRADE. até 1976. 22 jun. v. 8. Belo Horizonte. Belo Horizonte. 20 out. 2 Tais iniciativas não tiveram.ll. p. 1936. Folha de Minas. p. CORREIO MINEIRO. 5. Belo Horizonte. mar. Arquitectura y Urbanismo en Iberoamerica. Mário de. n. São Paulo. o êxito esperado: ainda que algumas indústrias tenham sido instaladas nesta região. 4. no município de Contagem.9 jan. A CENTRALIZAÇÃO do tráfego de bondes na Praça Sete. Luiz Mauro do Carmo. Ramón. sofrendo ao longo da década diversas outras modificações. 25 dez. Madrid: 31 . FOLHA DE MINAS. Revista Mineira de Engenharia. 1936. ano l. p. 3. 13. História da arquitetura brasileira: centralidade versus regionalismo.13-57. Anais do Seminário Nacional "O estudo da história na formação do arquiteto". 1935. p. em 1940. Lincoln Continentino. Günter. p. Caderno especial. (Dissertação. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). IANNI. 7. p. A metrópole cinquentenária: fundamentos do saber arquitetônico e imaginário social da cidade de Belo Horizonte (1897-1940). confira PASSOS. e que permanece vigente. PLANO de urbanização de Belo Horizonte. 11.) O "Estado de Minas" ouve o professor Angelo Murgel sobre o assunto. Belo Horizonte. a "zona industrial" não contou com suficiente fornecimento de energia elétrica pela companhia concessionária destes serviços na capital e alguns anos mais tarde. uma outra iniciativa do governo estadual — a instalação da "Cidade Industrial Juventino Dias". próximo a Belo Horizonte — desloca o crescimento industrial rumo a oeste. 25 dez. p.50.41-59.l e 8. 1940. maio/jun. 10. em sua forma completa. Estado de Minas. 1946. apresentado na última reunião da Comissão Técnica Consultiva da Cidade. p. PLANO de urbanismo de Belo Horizonte.l-l 2. p. 6. Estado de Minas. Folha de Minas. Belo Horizonte. WEIMER. Belo Horizonte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.l. 15. 1933. Arquitetura e Engenharia. 1936. p. 4a seção. (. GUTIERREZ. Octávio.8-11.3. BELO Horizonte. 1971. 1976. Belo Horizonte. p.15 jun.8. Número especial. Arquiteto Raffaello Berti". PALÁCIO da Municipalidade. Arquitetura. ARACIL. discute-se se o projeto não seria. confira SEGAWA. SEGRE. Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/SMU. 22. BOMENY. 25. São Paulo: Studio Nobel. 1984. publicam-se projetos assinados por Berti. 26. América Latina. tal como o da Casa d’ltália. Entre Ia muerte dei arte y el arte moderno.14. Solar Grandjean de Montigny-PUC/RJ. p. Neste sentido. n. Arquitetura. Solar Grandjean deMontignyPUC/RJ. Arquitetura. ao mesmo tempo. p. Art Déco na América Latina.3. p. p. jun. Aqui é preciso registrar a controvérsia que se mantém sobre a autoria desse edifício — e de outros do mesmo período.6-13. Art Déco. foi muito difícil à École dês Beaux-Arts manter as antigas ortodoxias frente aos revivals neogóticos e neo-românticos e nunca conseguiu recuperar-se dessa crise. 1935. Modernidade pragmática: arquitetura no Brasil nos anos 1920 a 1940. 27.175./dez. n. n. ingressara paulatinamente num ecletismo que lhe permitiu responder à demanda. A esse respeito.) 21./ago. recém-cbegado da Itália. Relatório anual. Rio de Janeiro. o zigzag style dos arranha-céus americanos dos anos 20 e 30. não podendo assinar o trabalho. RODRÍGUEZ. no mesmo período. p. PREFEITURA de Belo Horizonte. Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/SMU. Eva Weter lista como variantes estilísticas art déco o estilo denominado classical modern ou stripped classicism. 1935. jun. Roberto. SEGAWA. Eduardo Brandão. n. Roberto. A. no entanto.Ediciones Cátedra. 24. p. Trad. 1946.3. Arquitetura e Engenharia. confira Revista Mineira de Engenharia. p. Eduardo Brandão. Guardiães da razão: modernistas mineiros.101. n. jul. Segundo Ramón Gutierrez. apontando-os como "alternativas divergentes com o academicismo".p. por exemplo. do arquiteto Raffaello Berti. porém ao custo de atraiçoar seus princípios. cujos resultados formais e espaciais. 1991. Mello. ALVARENGA. A respeito do concurso. por exemplo.) 17. Rio de 32 . Eva.1997. 23. 1937. Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. (WEBER. Arquitetura.333. Trad. São Paulo: Studio Nobel. não estaria habilitado. Helena. 19. (SEGRE. a Academia. pela maneira em que. Alfredo. Belo Horizonte. p. fracassada na tentativa de manter uma rígida preceptiva formal e de composições. p. 1994. na verdade. 1982. agrupa essas mesmas manifestações como "movimentos culturais 'marginais'". Belo Horizonte.1997. Rio de Janeiro. CASA d'ltália. Hugo. integrar-se-ão fortemente na cultura ambiental da América Latina. Modernidade pragmática: arquitetura no Brasil nos anos 1920 a 1940." Roberto Segre.14-15. (CASA d'ltália.l09. Madrid: Istmo. 1935. El siglo XX.174. possibilitar a insaciável necessidade de individualismo das obras. Belo Horizonte.) 18.97. 1935. Tal suposição parecenos fortalecida.23. p.533.2-3. PALÁCIO da Municipalidade. p. Delfin. jul. América Latina. fim de milénio: raízes e perspectivas de sua arquitetura. No caso do Palácio da Municipalidade. por sua vez. "Uma vez aberta a comporta do 'vale-tudo'.2. entre outros.2.22-55. p. 20. nov. que. que aparece na revista Arquitetura como "Proieto do escritório SIGNORELLI. Belo Horizonte. Belo Horizonte.6-13. Art Déco na América Latina. fim de milênio: raízes e perspectivas de sua arquitetura./ago. o streamline style ou style paquebot. e. Wigton: Magna Books. 1991. Arquitetura. em terreno público. confira VIEIRA.70-71.). proprietário do terreno e das instalações. 38. 26 jul. Furos cinematográficos. 1940.) 31. p. 1993. 32. 1991. América Latina. ALPHONSUS.12. Estado de Minas. Fernando Pedro da (Org. 41.31-32. confira ainda CASTRIOTA. n.108. 8 ago. 29. Rio de Janeiro. PLAMBEL. 1937. 1936. escolhido em concorrência púbica aberta em 1948 e inaugurado em 1951. 1997. P. Rio de Janeiro: Edições o Cruzeiro.54. p. p. Aqui caberia acrescentar que um terceiro momento na construção do conjunto do MTC é representado pelo ginásio coberto. ESTADO DE MINAS.14 jul.4. Eduardo Brandão. p. Belo Horizonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte / Secretaria Municipal de Cultura.l 11. São Paulo: Studio Nobel. 39. ano VIII. A MAIS bella praça de esportes do Brasil.1948. João. FOLHA DE MINAS. p. Belo Horizonte: C/Art/ Fundação João Pinheiro.147-163. 1. O cinema é ainda a grande distração popular. PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Revista Bello Horizonte. 34. p. Belo Horizonte. também responsável pelo projeto do Viaduto de Santa Tereza. p. P. Belo Horizonte: 33 . (A esse respeito.239. 1936. 1979. 1997. Folha de Minas.l 19. Carlos Drummond de. Um século de artes plásticas em Belo Horizonte. confira a mesma obra.4. Belo Horizonte. Belo Horizonte: IEPHA/MG. a proximidade suspeita entre interesses públicos e privados. 37. 35. 1994.28-32. 1955. cujo projeto do arquiteto Rafael Hardy Filho. confira CONCURSO de ante-projeto para o gimnasium do Minas Tênis Clube. à p. Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/SMU. SEGRE. tornando-se.ed. Roberto. n. 1997. Belo Horizonte. 30. Solar Grandjean de Montigny – PUC/RJ. 2. 28 nov. em troca de tímidas "contrapartidas". Belo Horizonte. Crônicas. ANDRADE. O DISCURSO do Presidente Getúlío Vargas na parada esportiva do Minas Ténis Clube. Belo Horizonte. 2ª seção. FOLHA DE MINAS. confira DICIONÁRIO BIOGRÁFICO DE CONSTRUTORES E ARTISTAS DE BELO HORIZONTE: 1894/1930. O processo de desenvolvimento de Belo Horizonte: 1897-1970. ano l. passa a ter o direito de sua utilização. Emergência do modernismo. Leonardo Barci. Trad. fim de milênio: raízes e perspectivas de sua arquitetura. In: RIBEIRO. A respeito da trajetória Baumgart. que.Janeiro: Editora UFRJ/Tempo Brasileiro. A respeito do Salão do Bar Brasil. Art Déco na América Latina. A respeito da firma construtora. O Cine Metrópole e a Pampulha.14 maio 1940. 1941. algum tempo depois.71. 28. 33. Marília Andrés. que tem caracterizado a nossa historia: construído pelo Poder Público. 42.12. SILVA. P. p. Totônio Pacheco.179-183. à perfeição. O art déco e o moderno em Belo Horizonte. ONDE a cidade se diverte. Belo Horizonte: Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana – PLAMBEL. Belo Horizonte. 1930-1934. ago. Metrópole: a trajetória de um espaço cultural. Belo Horizonte. Ibidem. 36. p.182-255. A esse respeito.2.133-136. constitui um importante exemplar da arquitetura modernista realizada pela primeira geração formada pela Escola de Arquitetura. é rapidamente repassado a um grupo privado. É interessante observarmos que a implantação do Minas Tênis Clube ilustra. p. p. 40. Ivone Luzia. p. AS GRANDES iniciativas particulares e o que elas representam no embellezamento da Capital.31-33.76. Arquitetura. Homenagem da AE ao cinquentenário de Belo Horizonte. p. 1981. (A primeira edição é de 1936). Belo Horizonte: Itatiaia. Eduardo. n. O cabo das Tormentas.24-33./out.156.Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais / Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais.ed. set. p. 1987. p. 43. 1934. BeIo Horizonte. 45. 46. 1946.6. Belo Horizonte. p. EDIFÍCIO Sulamérica/Sulacap. 44. P.12out. Belo Horizonte. FRIEIRO./dez. Arquitetura e Engenharia. nov. 2.l. 1947. 34 . n.5. Estado de Minas. VISÕES da mais moderna metrópole brasileira.