teoria_politica_dejalma

March 20, 2018 | Author: quasenewton | Category: Ideologies, Karl Marx, Knowledge, State (Polity), Greek Mythology


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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA– CEaD TEORIA POLÍTICA Coleção Educação a Distância Série Livro-Texto Dejalma Cremonese TEORIA POLÍTICA Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil 2008 1 © 2008, Editora Unijuí Rua do Comércio, 1364 98700-000 - Ijuí - RS - Brasil Fone: (0__55) 3332-0217 Fax: (0__55) 3332-0216 E-mail: [email protected] www.editoraunijui.com.br Editor: Gilmar Antonio Bedin Editor-adjunto: Joel Corso Capa: Elias Ricardo Schüssler Designer Educacional: Liane Dal Molin Wissmann Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa: Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil) TEORIA POLÍTICA Catalogação na Publicação: Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí C915t Cremonese, Dejalma. Teoria política / Dejalma Cremonese. – Ijuí : Ed. Unijuí, 2008. – 220 p. – (Coleção educação a distância. Série livro-texto). ISBN 978-85-7429-672-2 1. Política. 2. Estado. 3. Pensamento político. 4. Cidadania. 5. Política brasileira. I. Título. II. Série. CDU : 32 321 2 Sumário TEORIA POLÍTICA CONHECENDO O PROFESSOR .................................................................................................. 7 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 9 UNIDADE 1 – O CONHECIMENTO É PRÓPRIO DO HOMEM ..........................................15 Seção 1.1 – O Homem, o Conhecimento e a Ideologia ............................................................15 1.1.1. O conhecimento empírico .............................................................................17 1.1.2. O homem da palavra sagrada .......................................................................18 1.1.3. O homem do pensamento mitológico ..........................................................18 1.1.4. O mito nosso de cada dia ..............................................................................19 1.1.5. O homem do pensamento filosófico .............................................................21 Seção 1.2 – Visões sociais de mundo ..........................................................................................22 1.2.1. A ideologia e a utopia ....................................................................................22 UNIDADE 2 – CONCEPÇÕES GERAIS SOBRE O ESTADO .................................................27 Seção 2.1 – Etimologia da palavra Estado ................................................................................27 Seção 2.2 – Diferentes entendimentos sobre o Estado .............................................................28 Seção 2.3 – Os elementos do Estado ..........................................................................................31 Seção 2.4 – O Estado e o poder ...................................................................................................35 Seção 2.5 – A função do Estado ..................................................................................................37 Seção 2.6 – Justificativas teóricas do Estado ............................................................................38 UNIDADE 3 – O PENSAMENTO POLÍTICO DAS SOCIEDADES PRIMITIVAS E ORIENTAIS ........................................41 Seção 3.1 – O Estado primitivo ...................................................................................................41 Seção 3.2 – O Estado oriental .....................................................................................................43 3.2.1. Exemplos de teocracias orientais .................................................................48 3 TEORIA POLÍTICA UNIDADE 4 – O PENSAMENTO POLÍTICO DA SOCIEDADE GREGA .............................59 Seção 4.1 – Os gregos: precursores da política e da democracia ............................................59 4.1.1. A etimologia da palavra política ..................................................................61 4.1.2. A origem do conceito democracia ................................................................65 4.1.3. Uma democracia escravista ...........................................................................70 Seção 4.2 – A origem da Filosofia na Grécia .............................................................................73 4.2.1. A Filosofia é “filha” da pólis .........................................................................73 4.2.2. Os pré-socráticos ............................................................................................74 4.2.3. A contribuição dos sofistas na construção da política grega ..................76 4.2.4. O método socrático ........................................................................................78 4.2.5. Platão e a busca do Estado ideal .................................................................80 4.5.6. A cidade como realidade perfeita em Aristóteles .......................................83 UNIDADE 5 – O PENSAMENTO POLÍTICO DA SOCIEDADE ROMANA .........................89 Seção 5.1 – A Política, o Direito e o Exército ............................................................................90 Seção 5.2 – Marco Túlio Cícero ..................................................................................................93 Seção 5.3 – Políbio .........................................................................................................................94 UNIDADE 6 – O PENSAMENTO POLÍTICO DA IDADE MÉDIA ........................................97 Seção 6.1 – O cristianismo primitivo ..........................................................................................98 Seção 6.2 – O fim do Império e a Idade Média ...................................................................... 100 Seção 6.3 – Santo Agostinho .................................................................................................... 102 Seção 6.4 – O fim do pensamento medieval e o início do Renascimento .......................... 104 UNIDADE 7 – MAQUIAVEL E O PENSAMENTO POLÍTICO RENASCENTISTA ........ 109 Seção 7.1 – Maquiavel: contexto histórico ............................................................................. 110 Seção 7.2 – Estrategista da arte da guerra ............................................................................. 113 Seção 7.3 – Fundador da Ciência Política Moderna ............................................................. 115 Seção 7.4 – A natureza humana ............................................................................................... 118 Seção 7.5 – A questão do Estado ............................................................................................. 121 Seção 7.6 – O estilo das obras de Maquiavel ......................................................................... 122 Seção 7.7 – Síntese das idéias de O Príncipe ......................................................................... 123 4 ................1 – Participacionistas e institucionalistas .......................... 189 Seção 12................................................................................ 175 Seção 11.. 176 11....................................................................................1 – Brasil colonial: ausência de direitos e de poder público ............................ 142 Seção 9... O analfabetismo ...4 – Os direitos sociais emergem quando os direitos civis e políticos fenecem .............................................2.......... 127 Seção 8........................... 127 UNIDADE 9 – A DEFESA DAS IDÉIAS LIBERAIS ....... 171 11.....1........TEORIA POLÍTICA UNIDADE 8 – A DEFESA DAS IDÉIAS ABSOLUTISTAS ..... 195 5 .......2 – O Estado democrático de Rousseau ................................................1 – O Leviatã: o deus mortal de Thomas Hobbes ................................. 179 Seção 11...3 – A democracia moderna: filha do Estado Liberal ...2 – Participação na obra A Democracia na América de Aléxis de Tocqueville ......................................... 169 Seção 11........4 – Reforma política: entraves e perspectivas .....................5 – O direito à resistência: a tese de Hume ............................................................. 159 Seção 10......4 – A sociedade civil e o Estado ..........2 – Maquiavel: o “Old Nick” anda solto! ............................... 193 Seção 12..........3.......................2.......5 – Seria o fim do petismo? ........................ 171 11.... 192 Seção 12.................... 172 11........ Uma República sem povo ................... 162 UNIDADE 11 – A DIFÍCIL CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL ...................................................................3 – (In) fidelidade partidária ..............1...... 141 Seção 9........ 191 Seção 12......................... 155 UNIDADE 10 – PARTICIPAÇÃO E INSTITUIÇÕES: O Debate da Teoria Democrática Contemporânea ................... 189 Seção 12........................... 184 UNIDADE 12 – VICISSITUDES DA POLÍTICA BRASILEIRA ............................................1 – O liberalismo de Locke: o cidadão com direitos naturais .... Um Estado sem nação ................................ 159 Seção 10................................................ 149 Seção 9........................... 147 Seção 9.2............................ A escravidão ............................................................................................... 176 11......1.........2..........................2 – A Independência e a República no Brasil: participação incipiente ...............1................................3 – Os vícios das instituições e da cultura política brasileira .................1 – O caso Renan e a degeneração da política ................................................. 180 Seção 11.................................... 152 Seção 9...1 A “conquista” da terra brasilis ............................................................................. ... 197 Seção 12...........10 – O caráter individualista e pouco solidário do brasileiro ...............6 – O lulismo é maior que o petismo ............. 205 REFERÊNCIAS ............ 204 Seção 12....TEORIA POLÍTICA Seção 12...............................................................8 – Os desafios da democracia na América Latina .......................................11 – O Capital Social: um ingrediente a ser considerado ..................9 – Mais Estado e menos mercado ... 209 6 ................................................7 – Para que reforma agrária? ............................. 200 Seção 12......................................... 202 Seção 12................................................................................................................................................... 199 Seção 12...................... Atuo também no Departamento de Ciências Sociais da mesma Universidade nos seguintes componentes 7 . Continuando os estudos. atuando no Programa de Mestrado em Desenvolvimento na Linha de Pesquisa: Direito. Logo após iniciei o Mestrado em Filosofia pela UFSM. graduei-me em Filosofia (Licenciatura e Bacharelado) pela Fafimc de Viamão – RS (1988-1990). o qual concluí em 1997. fui professor da Universidade de Cruz Alta (Unicruz) no período de 1997-2002. mais precisamente no município de Arroio do Tigre (a uma distância de 243 Km de Porto Alegre). onde concluí o Ensino Médio. Minha Pós-Graduação foi em “Pesquisa Científica” (nível de Especialização) na FIC (19931994). A continuidade dos estudos só foi possível graças ao meu ingresso no Seminário Diocesano de Santa Maria – RS. mais o curso propedêutico (1984-1987). Ao retornar a Santa Maria. sou professor Associado 1 (40 horas). Como professor universitário. também atuei como professor substituto na UFSM no ano de 1995.Conhecendo o professor TEORIA POLÍTICA Sou Dejalma Cremonese. em Santa Maria. Desde 1998 exerço as atividades acadêmicas na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). cursei ainda 2 anos do curso de Teologia (19911992) no Seminário Máximo Palotino. Sou o décimo terceiro filho de uma família de pequenos agricultores e realizei meus primeiros estudos (Ensino Fundamental) em uma escola interiorana da rede pública (1976-1983). Cidadania e Desenvolvimento. Minha atuação profissional iniciou em 1994 como professor nas turmas secundaristas do Colégio Sant’Anna. tenho 39 anos. nasci no dia 7 de dezembro de 1968 no Centro-Serra do Rio Grande do Sul. Quase uma década depois. concluí o Doutorado em Ciência Política pela UFRGS. lecionei no Ensino de Graduação da FIC (hoje Unifra) em Santa Maria. Nesta Universidade. em 2006. Política e Cultura. Para maiores informações. O meu eixo de pesquisa está centrado nos temas da Democracia (teoria e processos democráticos).edu. Cultura Política (Capital Social) e Desenvolvimento.br 8 .com.br>. Cidadania (participação e inclusão social). Para contato direto informo o meu endereço de e-mail: dcre@unijui. disponibilizo um si te na Inte rne t no se gui nte e nde re ço: <www. Teoria do Estado e Sociedade. Teoria Política.TEORIA POLÍTICA curriculares: Ciência Política.capitalsocialsul. o mais importante de todos.1 Além do aspecto racional. manifestando a sua natureza. senso estético (culto ao belo) e. o homem diferencia-se dos demais seres pelo senso ético (bem e mal. Seguindo o pensamento de Aristóteles. 31). O que. não basta a convivência em sociedade para caracterizar nosso aspecto social e comunitário. certo e errado). I. a comunidade política). por viver na cidade (pólis). p. que é uma forma superior e até oposta à simples vida do convívio social da casa (oikia) ou de comunidades mais complexas. O homem foi feito. nem mesmo a vida de um eremita em meio à natureza selvagem. direta ou indiretamente. ou não pode resolver-se a ficar com eles. constante na obra A condição humana (1995. que necessitamos e carecemos da presença do outro para a nossa realização e. onde se realiza como cidadão (politai). a sua natureza. pela politicidade (vida cívica). 9 . é possível sem um mundo que. por natureza. o fim último do homem é viver na pólis. A partir da compreensão da natureza do homem. o termo de um processo de constituição de sua essência. pode nos diferenciar dos outros seres do mundo? Aristóteles aponta para a conotação racional do homem. “Aquele que não precisa dos outros homens. 980a 1-2). são afirmações atribuídas ao filósofo grego Aristóteles e encontramse na obra A Política (2002). mas viver na “politicidade”. enaltecendo o caráter social e político do homem: “Nenhuma vida humana. a utilização peculiar do pensamento (logos) para a construção e transmissão do conhecimento. ou seja. da presença de outros. pois só o homem conhece e tem consciência de si mesmo. Essas citações ressaltam que nenhum de nós é uma ilha. então. é próprio do homem não apenas viver em sociedade. “um animal social e político” (zoon politikon). Adverte o filósofo que “todos os homens têm o desejo de saber ”. inexoravelmente. testemunhe a presença de outros seres humanos”. toda ação do homem depende. ou é um bruto (selvagem)”. neste sentido. A verdadeira vida humana deve almejar a organização política. Também é lapidar.Introdução TEORIA POLÍTICA O homem é. a afirmação da filósofa Hannah Arendt. para a vida da cidade (bios politikós. pois desta forma também vivem as formigas e as abelhas. mais ainda. determina- 1 Conferir Aristóteles (1969. ou é um deus. derivado de pólis. assim. Então. tais como as noções de governo. Deste modo. 1973. políticos. mítico e religioso e filosófico-científico. principalmente dos gregos e romanos. a vida política destina-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida. em conjunto ou por intermédio dos seus governantes. aparentemente. a seguir. dá-se a degeneração do Estado. ainda.TEORIA POLÍTICA dos aspectos da vida social adquirem um estatuto essencialmente político. Para que isso ocorra. mas o viver bem (euzein) (Prélot. de forma sucinta. ainda. ainda contribuem muito para a compreensão da sociedade e do mundo contemporâneo. Conheça. Isso porque fazemos parte da cultura ocidental. é necessário que os cidadãos vivam o bem comum. esta é a razão pela qual os indivíduos se reúnem em cidades (e formam comunidades políticas). de igualdade. Livro 1. 135). A Unidade 1 trata da questão do homem e das diferentes formas de conhecimento: conhecimento empírico. é não só assegurar aos cidadãos a vida e sua conservação (zein). portanto. muito das civilizações passadas. é possível perceber que a reflexão de Aristóteles sobre a política não se separa da ética. pois a vida individual está imbricada na vida comunitária. etc. O fim da cidade. Pretende ser um apanhado sobre os pensadores clássicos da Filosofia e da Ciência Política. Se acontecer o contrário (a busca apenas do interesse próprio). de dominação. Por fim. Optou-se por abordar o tema ideologia neste capítulo para que se perceba que nos influenciamos por nossos valores e outros interesses que. do que é comum. Mesmo o leitor com pouco contato com este componente curricular verificará que muitas discussões ocorridas. Carregamos. Sem contar a contribuição de mais de dois mil anos de religião cristã sobre nós. Trata-se de um apanhado das formas de conhecimento humano e. p. É um capítulo fundamental para a compreensão das idéias e temas dos próximos itens. do que é próprio. algumas há mais de dois mil anos. não apenas para viverem em comum. 10 . Este livro-texto serve como uma introdução ao pensamento político ocidental. um resumo sobre os assuntos que cada Unidade abordará. de liberdade. não fazem parte do objeto a ser conhecido: interesses econômicos. Este capítulo trata ainda das visões sociais de mundo: ideologia e utopia. as teorias mais significativas sobre o tema em questão. da concepção clássica de ideologia e utopia. mas para viver “bem” ou para a “boa vida”. Expõe. por exemplo. em todos os setores da vida. A Unidade 4 trata do pensamento político da sociedade grega clássica. Também será abordada a origem da Filosofia: pré-socráticos. Ela começa abordando uma teoria sobre o Estado primitivo. pois seus autores serão estudados em capítulos posteriores. também. também. chegando às características do poder do Estado antigo. Sócrates e os sofistas. principalmente Santo Agostinho. Importante destacar que a fundamentação teórica deste capítulo ampara-se. nos argumentos das Lições sobre a Filosofia da História. funções. Por exemplo. forma de poder. Há. além das relações de classes em seu interior. Nele você estudará a etimologia do termo política. deram grande contribuição ao Direito moderno e à política moderna.TEORIA POLÍTICA A Unidade 2 discorre sobre as concepções gerais do Estado. você fará o estudo a respeito 11 . basicamente. e como o autor do livro Cidade de Deus e Cidade dos Homens aproveitou e adaptou para o pensamento cristão a teoria de Platão. além de conhecer uma melhor elucidação do conceito de democracia. uma rápida exposição sobre os quatro paradigmas que justificam o Estado. Você descobrirá que a idéia de que os romanos apenas assimilaram a cultura grega não se confirma. Platão e Aristóteles. logo a seguir descreve o Estado oriental e o papel da teocracia. Nesta Unidade você conhecerá. um pouco do pensamento dos doutores da Igreja. por meio das teorias e idéias dos grandes pensadores. Você constatará ainda que com o declínio do Império Romano o Ocidente vê surgir o cristianismo primitivo. Friedrich Hegel. O capítulo é uma introdução às diversas teorias que justificam o Estado. A Unidade 6 tem por objetivo analisar o pensamento político da Idade Média. tema da unidade seguinte. A quinta unidade versa sobre o pensamento político da sociedade romana. também. a “democracia escravista” dos gregos. Neste capítulo você conhecerá a etimologia do termo e dos diferentes entendimentos sobre o Estado: seus elementos. Na terceira Unidade você conhecerá um pouco mais sobre a organização política das sociedades primitivas. Por fim. W. dando ênfase à teoria contratualista. Esta Unidade deve ser bem compreendida para que se note a influência dessa civilização sobre o pensamento ocidental e. como os gregos influenciaram os romanos. do filósofo alemão G. e a grande influência da Igreja neste período. Os romanos. Você compreenderá por que este período foi denominado de Renascimento. são chamados de contratualistas. Basicamente é uma exposição sobre o maior teórico do Estado absolutista: Thomas Hobbes. referentes à democracia participativista e à democracia institucionalista. e a ele também interessava a união da Itália. com as pesquisas experimentais. por exemplo. do pensamento de Rousseau para os debates sobre participação popular. o que significa o estado de natureza para esses pensadores e o que entendem sobre sociedade civil. A Unidade também trata da teoria de um dos maiores pensadores políticos da História: Maquiavel. o que os pensadores da época buscavam e contra o que “se opuseram”. O pensamento de Hobbes choca-se com a teoria liberal. que só perderá influência no século 15. Você será apresentado aos maiores defensores dessas duas escolas de pensamento e compreenderá por que esse tema tem tanta relevância para os debates atuais em torno da melhor forma de democracia. 12 . A partir do estudo desta unidade você terá condições de definir o que é o estado de natureza para este pensador. quem são seus maiores teóricos. Na Unidade 9 você conhecerá os diferentes entendimentos sobre o liberalismo. quais as diferenças entre o pensamento de John Locke e de Rousseau. à semelhança de Hobbes. qual a sua justificativa para o Estado. por que Hobbes é um contratualista. A oitava Unidade aborda o Estado absolutista moderno. para que se tornasse um Estado forte. democracia e cidadania. Note que o pensamento liberal é o que vai comandar a política moderna. e sua preocupação maior era com a melhor forma de governo. principalmente de Copérnico e Galileu. A Unidade 10 analisa as diferenças entre duas escolas de pensamento. Hobbes viveu num período conturbado da Inglaterra. É importante lembrar que Maquiavel viveu num período de reunificação dos Estados. Por que esses pensadores.TEORIA POLÍTICA do pensamento cristão. Na Unidade seguinte o tema é o pensamento político no período renascentista. Até hoje esses autores são referências para o Estado moderno. É por meio dessa leitura que você compreenderá por que a teoria política é dividida em antes e depois de Maquiavel. É a partir desta unidade que você perceberá a importância. e conhecerá alguns pensadores do período renascentista. reforma agrária. Assuntos que. reforma política. não damos a devida atenção. Você acompanhará o quadro político brasileiro. serão abordados. os políticos de hoje e seus comportamentos perante o país. talvez. passando pela Independência e República até os dias atuais. pode recorrer às referências bibliográficas disponíveis na última parte deste livro. Lembrando sempre que este livro serve de introdução ao tema da política ao tratar da questão do Estado. 13 . pelo hábito –. Temas recorrentes. Concluindo a Unidade você encontrará uma distinção entre direitos civis e direitos sociais. da democracia e da cidadania. mas que contribua para todos que se interessam pelo tema da política: das origens ao debate atual. partidos. temas que não saem dos noticiários. É realizado um percurso histórico desde o Brasil Colônia. presidente da República. A última Unidade traz um olhar crítico da política brasileira atual. fidelidade partidária. Para quem desejar aprofundar mais o conhecimento a respeito destes temas. pelo fato de estarmos habituados a eles – e. como ética na política. Enfim.TEORIA POLÍTICA A Unidade 11 aborda inicialmente abordando o tema da cidadania em relação ao nosso pais. como o tema da cidadania foi tratado nos diferentes períodos da história do Brasil. Que a leitura seja proveitosa não só para a formação acadêmica. por isso mesmo. TEORIA POLÍTICA 14 . Foi a última turma a que Dom Edmundo ministrou suas aulas. que possibilitou a aproximação entre as pessoas das mais variadas partes do mundo. Se o homem pensa.Unidade 1 O Homem. do âmago.1 É notório também que. O homem. o homem foi acumulando conhecimento. por isso busca incansavelmente o novo. quer dizer que é capaz de pensar por si mesmo. quando tive a oportunidade de conhecê-lo e ser seu aluno na Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição de Viamão (RS) (primeiro semestre de 1988). como ser-no-mundo. difere-se dos demais animais e das coisas pelo seu aspecto pensante: conhece e tem consciência de si mesmo. desvela o sentido das coisas. o homem vivia isolado nas cavernas. igualmente. hoje. que é próprio do homem a descoberta. se aproxima da essência. possibilitando o progresso com o avanço das ciências e das novas tecnologias. Ontem. o homem tem a capacidade de criar e inovar.1 O conhecimento é próprio do homem Já Aristóteles (Metafísica. organizado politicamente. em síntese: que pode decidir o seu destino e os rumos da humanidade. usufruindo comodidades. cria o conhecimento. 1969. com o passar do tempo. Além de conhecer. no dia 12 de setembro do mesmo ano. do ser das coisas. Conferir. E mais. o Conhecimento e a Ideologia TEORIA POLÍTICA Seção 1. Kunz (1986). avanços na aviação e na informática fazem do homem um ser global: o mundo tornou-se uma pequena aldeia. e a curiosidade sobre as coisas faz com que o mesmo se realize no mundo. 15 . Um exemplo disso é a rede mundial de computadores (Internet). 1 Este primeiro capítulo foi inspirado nas aulas do saudoso professor doutor Dom Edmundo Luís Kunz. I. criando e inovando tecnologias. Ao pensar ele desoculta. Sabemos hoje muito mais do que os nossos antepassados sabiam graças ao espírito inovador do homem e ao seu espírito de conquista. sofrendo as mais variadas privações. 980a 1-2) expressava que “todos os homens têm o desejo natural de conhecer ”. Logo após veio a falecer. vive organizado em sociedade. p. não se deu de uma hora para outra. Essa mudança.3 Nem sempre. está ligado à essência. E. Conferir a obra clássica de Gaarder (1995. ao ser das coisas. o recolhimento do múltiplo na unidade. 16 . e mais. No princípio as explicações para as questões naturais (mundo) e existenciais da vida humana se davam pelas idéias religiosas ou por narrativas mitológicas. É uma mentalidade da humanidade (civilização) que termina e outra que começa a surgir. é se apossar da essência do objeto. Os gregos chamaram este princípio fundamental de arché.2 a alma das coisas. uma nova civilização. o fundamento dos seres. Longos foram os períodos de transformações. foi assim. nesse momento. A passagem de um tipo de conhecimento para outro fez com que a imagem do homem também passasse por transformações (de uma mentalidade para outra). princípio imperante de onde tudo nasce ou de que tudo vem a ser. pois houve épocas em que a busca da explicação para a origem das coisas não se dava pela razão (logos).TEORIA POLÍTICA Âmago filosoficamente falando. 2 3 Conferir o trabalho de Abbagnano (2003. sempre acompanhados por um processo intermitente de profunda crise. Para os filósofos gregos o ser era denominado de logos. Pensar é buscar o âmago das coisas. 45-60). 630). entretanto. logo após a queda do Império Romano: “Quid sum ego” (Quem sou eu)? Esta questão leva o homem inexoravelmente a um novo paradigma. isto é. surge a crise. Assim o homem desde o princípio se perguntou sobre as origens das coisas: de onde vem tudo e qual o elemento comum que tudo constitui. pronto a consolidar uma nova mentalidade. quando o homem perde o fundamento sem ter ainda encontrado outro que o sustente. É nesse momento de transição que a crise se estabelece e leva o homem a se perguntar. do ser (aquilo que há de mais profundo). contudo. p. um novo ser cheio de esperanças. assim como fez Santo Agostinho. O homem de outrora carecia de informações mais apuradas (conhecimento filosófico ou científico). pois brota espontaneamente da natureza de todos os homens: são princípios ou verdades “sentidos” como evidentes. pode-se afirmar que o conhecimento empírico fundamenta-se no senso comum. é um conhecimento trazido pela vida e não buscado intencionalmente. assistemático e acrítico. o que caracteriza esta forma de conhecimento. é um conhecimento acima de tudo pragmático: brota das necessidades e dos interesses da vida. Por exemplo: se uma determinada erva “curou” as dores de fígado ou estômago de Maria ou Pedro. também. Por essa razão hoje costumamos dizer: “vivendo e aprendendo”. 17 . O CONHECIMENTO EMPÍRICO Sabemos que o conhecimento segue uma escada de diferentes degraus. O conhecimento empírico apresenta algumas características que lhe são próprias. Segundo.1. conhecimento ordinário. percepção) com os seres individuais da realidade do mundo. não significa que os resultados sejam alcançados de maneira geral e universal e possam curar os males hepáticos e estomacais de toda a humanidade. que consiste na apreensão de certos princípios e verdades por todos que possuem uma natureza racional normal. o conhecimento empírico é aquele adquirido pelos indivíduos no dia-a-dia.TEORIA POLÍTICA A seguir vamos estudar algumas dessas teorias e como elas se constituem. conhecemos aquilo de que temos necessidade para viver: conhecer para viver e não conhecer por conhecer. por isso. 1.1. Por milhares de anos o ser humano se pautou por essa forma de conhecimento. sendo por isso mesmo respeitados e valorizados. como o conhecimento científico. Inicialmente. “Fulano ou Beltrano é um homem de experiência”. ametódico. desordenado. Em síntese. é um conhecimento alógico. visão. Por fim. por isso recorria à experiência dos mais velhos para solucionar questões de ordem natural ou existencial. Essa forma de conhecimento é proporcionada pela experiência ou o contato imediato de nossos sentidos (audição. Dentro da comunidade os homens mais velhos detinham o saber. contato esse percebido e firmado pelo juízo e pela linguagem. Terceiro. É o acúmulo de conhecimentos adquiridos pelas práticas da vida. é um conhecimento individual – não universal – que vale rigorosamente só para casos vividos. “a experiência é a mestra da vida”. O primeiro deles chama-se conhecimento empírico ou. pela experiência da vida. “salvou” e “condenou” os hereges. O mito. os mais eminentes dramaturgos foram Sófocles e Eurípedes. que escreveram Édipo rei. a religião sempre teve um papel fundamental.1. a Igreja Católica Apostólica Romana (cristianismo). O HOMEM DA PALAVRA SAGRADA O mistério sempre cercou o homem e o conhecimento empírico (da experiência da vida) não conseguiu responder às questões ligadas à origem e ao destino das coisas e da humanidade. No decorrer da História. foi capaz de determinar o caminho a ser seguido. bem como outras grandes religiões do mundo (hinduísmo. pois ditou regras morais. segundo os critérios das elites hierárquicas de cada instituição religiosa.4 Platão empregou esse recurso na célebre passagem da República. Quase sempre é imbuída de um princípio de valor de cunho ético. Por fim. aquele que recorre ao sobrenatural para explicar os fatos da vida. 4 Para um estudo mais aprofundado sobre o mito ver Vernant (1973). uma mensagem. do cotidiano. na qual o referido filósofo fez uma clara distinção entre o mundo sensível (mundo real) e o mundo inteligível (mundo ideal). na alegoria da caverna. islamismo) cumprem fielmente a conotação da dominação e controle das mentes e corações de boa parte dos seres humanos. entre outros.2. Os gregos por muito tempo se utilizaram da prerrogativa mitológica. 18 . ou uma narração fictícia.3. Sísifo. Prometeu acorrentado. cujo objetivo é reger e manter uma comunidade unida e organizada.TEORIA POLÍTICA 1. nesse sentido. O mito pode consistir em uma história que traz consigo um fundo de verdade. A grande questão era: qual é o sentido da vida humana e da natureza? É assim que surge o homem da palavra sagrada (homem religioso). O HOMEM DO PENSAMENTO MITOLÓGICO O mito não é apenas uma história fantasiosa. é buscado pela reflexão. Foi assim nas sociedades primitivas com o comando dos sacerdotes (xamãs). da mesma forma nas sociedades teocráticas orientais (povos da Babilônia). para chegar ao conhecimento. estabeleceu juízos de valor (bem e mal). no Egito e no povo hebreu. O panteísmo antropomórfico dos gregos e romanos (deuses imortais) não deixava de influenciar e interferir diretamente na vida dos homens (considerados mortais). Diante disso questiona-se: Poderia o homem prescindir do aspecto sagrado? A fé advém do temor (medo)? Como podemos explicar tais fatos? 1. enfim.1. maoísmo. O certo é que as conquistas modernas passam. 2008. O homem moderno acreditou que a ciência poderia resolver todos os problemas da humanidade. o mito não é mera ilusão ou fantasia. Dramaturgos Autores de peças de teatro. desafiado e refletido. por outro. não pôde ser cumprida. Conferir Horkheimer (1976). Como veremos nos capítulos posteriores. ditar valores e comportamentos em uma sociedade. Acesso em: 10 jan. avançamos. Ele traz consigo uma resposta e. crenças e estereótipos. Só a reflexão pode explicar o mundo e entender a vida. por um esgotamento e uma crise acentuada. Prometeu Acorrentado: todos são personagens que integram a mitologia grega. aceitos e justificados como algo imutável ou incontestável. O Mito da Caverna. O conceito de progresso passa a ser questionado na medida em que. Assim.5 Resultado de uma criação coletiva da própria sociedade. este. também chamado de Alegoria da Caverna.TEORIA POLÍTICA 1. A razão impulsionou o pensamento científico e. Tornou-se um mito a salvação pela ciência e pela tecnologia. pagamos 5 6 Ver o trabalho de Campbell (1990). entretanto. 6 A promessa. Caso contrário. o têm utilizado para explicar o enigmático. dramatista (D. em nossos dias.1. O homem passou da “idade das trevas” para a “idade das luzes”. os homens. Houaiss) Édipo Rei Édipo rei. por um lado. também.4. uma esperança para os problemas da vida. de Platão. Sísifo. o desconhecido. do pensamento único para o pensamento diverso. Disponível em: <http://pt.wikipedia. Pode. Tratase da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade”. é uma parábola escrita pelo filósofo Platão. costumes e hábitos passarão a ser considerados naturais. e encontra-se na obra intitulada A República (livro VII). a modernidade emergiu da superação do mito religioso medieval (razão teológica) para o mito da razão instrumental. A razão desvelou e transformou o mundo. conduzir. O MITO NOSSO DE CADA DIA O mito é histórico. O mito serviu e ainda serve para abrandar e acalmar os temores da existência humana. a técnica e o progresso. no entanto. 19 . plural e múltiplo.org/wiki/ Mito_da_caverna>. e. ele precisa ser examinado. desde os primórdios. TEORIA POLÍTICA um alto preço pelo consumo de boa parte dos recursos minerais e naturais, além da degradação do meio ambiente. Vive-se como se esta fosse a última geração a habitar o planeta Terra. O progresso fugiu do controle. A ciência que emancipou o homem pode destruí-lo a qualquer momento, o perigo nuclear é iminente. Além disso, o progresso veio para uma pequena parcela da população na medida em que cresce, a cada dia, o abismo entre ricos e pobres. O mundo tornou-se uma “aldeia global” (comunidade única), graças às novas tecnologias da informática (Gonçalves; Gonçalves, 1995), no entanto os homens vêem-se cada vez mais isolados, fragmentados, órfãos de esperanças. Não se tem um projeto de “comunidade” (projetos comuns). Vive-se, literalmente, em uma sociedade sem consenso. As soluções tendem a ser individualizadas (pessoas, instituições, países), como se o problema também fosse localizado e particularizado. Prevalece o individual em detrimento do coletivo. Com o ceticismo em relação à ciência e ao progresso, o homem pós-moderno procura preencher o vazio com novos mitos. Apesar de todo o avanço dos últimos séculos, vê-se aumentar a angústia, a ansiedade e a insegurança, juntamente com inúmeras perguntas que carecem de respostas convincentes. Ninguém pode fugir do peso da própria existência humana. Para tentar preencher este vazio surge, a cada dia, uma nova droga, uma nova crença, seita religiosa, ou uma nova terapia que promete a “salvação” ou “solução” dos problemas espirituais e existenciais de uma forma rápida e segura. Nunca as clínicas médicas de cirurgia plástica tiveram tanta procura. Lutando contra a natureza, ou contra a lei da gravidade, milhares de pessoas estão na lista de espera por uma cirurgia que as faça sentir melhor (mais jovens), ou parecer com aquela modelo ou atriz famosa. Se os meus heróis são belos, tenho de parecer com eles, por isso a padronização de narizes, seios e bumbuns. O ser da pessoa foi substituído pelo “aparecer ”, pois a “imagem é tudo”. Por isso, “todos para a academia”. Não para formar e moldar o cérebro e a razão, como faziam os gregos (embora também cultuassem o corpo belo), mas para malhar e moldar os músculos. O que importa é a massa muscular, um corpo turbinado em detrimento dos neurônios. 20 TEORIA POLÍTICA Ao comprar objetos e bens supérfluos, espera-se comprar a própria felicidade. Precisamos de uma nova roupa, um novo carro, uma nova casa. Quando não podemos consumir nos sentimos fracassados e inúteis. Paga-se caro pelo lazer, mas sem jamais descansar. O que importa é o hedonismo (prazer a qualquer custo), curtir a vida o máximo possível, pois só temos o “hoje”, o amanhã é uma incógnita.7 Urge, então, a construção de um novo paradigma que restabeleça as relações entre os homens, com a natureza e com o próprio universo. Não uma razão mitológica, nem mesmo uma razão instrumental individualizada. É possível uma nova razão que se possa definir para além dos mitos e da instrumentalidade? O desafio está lançado. 1.1.5. O HOMEM DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Como vimos nas seções anteriores, no princípio a humanidade se amparou no conhecimento mitológico para explicar as origens das coisas. Aos poucos, no entanto, o homem evoluiu e com ele o nível de conhecimento: do conhecimento empírico para o conhecimento da palavra sagrada, juntamente com o conhecimento mitológico. Mais tarde surge o homem do conhecimento filosófico que conheceremos agora, aquele que procura explicar os fatos com argumentos lógicos, utilizando a razão como princípio fundamental, procurando desvelar o ser alethéia (desocultação – desvelamento). Foi o filósofo grego Tales de Mileto quem primeiro buscou elementos racionais para explicar a realidade cósmica. Tales, assim como Pitágoras, Anaxímines, Anaximandro, integram o grupo de filósofos denominados de pré-socráticos, que procuravam explicar questões cosmológicas a partir dos elementos da natureza (água, fogo, ar, átomo).8 Surge, deste modo, o homem do pensamento filosófico, com características diferenciadas dos demais tipos de conhecimento. O homem racional (filosófico) tem, primeiro, uma visão da realidade a partir de si mesmo (autônoma), desvinculada do conhecimento trans- 7 “Vivemos presos ao imediato. À medida que o homem mais desconhece a razão de ser de sua vida, tanto mais ele se agarra às pequeninas coisas do cotidiano. Tanto menos ele conhece o sentido de sua vida, e mais é tomado de uma angústia e paixão, que deixam a impressão de uma pressa de chegar sem que ele saiba onde” (Mendonça, 1991, p. 17). Conferir Barnes (1997) e Os Pensadores (1999). 8 21 TEORIA POLÍTICA Sofistas Na Grécia Clássica (século 4º a. C.) existiam mestres itinerantes que ensinavam a arte da oratória (persuasão) aos filhos dos atenienses, ou seja, as táticas de como vencer os seus oponentes nos debates públicos. Zoologia A zoologia (proveniente do grego Æþï, zoon “animal”, e logos “estudo”) é a ciência que estuda os animais. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Zoologia>. Acesso em: 10 jan. 2008. mitido pela tradição e baseada nas crenças e mitos; segundo, um conhecimento que desoculta, desvela, busca a essência (arché); terceiro, uma visão de totalidade (não parcial) que atinge a todos os homens e não a alguns em particular. Ou é uma verdade universal ou não é verdade (assim pensavam e se defendiam do relativismo dos sofistas). O debate do conhecimento filosófico se fará presente nos capítulos subseqüentes deste trabalho. Por ora, ainda é pertinente discutir dois temas que integram as visões sociais de mundo dos nossos tempos: a questão da ideologia e da utopia. Seção 1.2 Visões sociais de mundo 1.2.1. A IDEOLOGIA E A UTOPIA De compreensão diversa e muitas vezes arbitrária e complexa, a palavra ideologia foi literalmente inventada por Destutt de Tracy em (1801) na obra Eléments d’Idéologie (Elementos de ideologia), e definida como “o estudo científico das idéias e as idéias são o resultado da interação entre o organismo vivo e a natureza, o meio ambiente”, ou seja, uma parte da zoologia. Essa primeira definição foi classificada como empirista e científico-naturalista, isto é, positivista (Apud Löwy, 1998, p. 10). Mais tarde o filósofo Karl Marx, na obra A ideologia alemã (1846), retoma o termo, definindo-o, em sentido pejorativo, como “ilusão ou falsa consciência”, correspondendo a interesses de classe. A ideologia se constitui, assim, como processo de inversão 22 TEORIA POLÍTICA que apresenta o imaginário como se fosse um ente real, num processo de coisificação do ser humano. A “falsa consciência” é a estrutura reificada da qual se sobressai o pensamento burguês. O proletariado é contaminado por elementos da consciência burguesa reificada, tal como se evidencia em sua separação entre luta econômica e luta política (Apud McDonough, 1983, p. 53). É necessário, portanto, ultrapassar a falsa consciência para chegar à consciência de classe.9 O difícil é “matar ” o pequeno burguês que existe dentro de cada trabalhador, dentro de cada um de nós. Processo de coisificação O quarto aspecto da alienação do trabalho estudado por Marx. Quando há uma inversão de valores e os seres humanos passam a se tornar coisas/ instrumentos, servindo apenas para produzir objetos no sistema capitalista. Superestruturas complexas Conceito marxista. Donos dos meios de produção (terra, indústria), donos do poder econômico. Ainda para Marx, “as idéias da classe dominante são em todas as épocas as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é ao mesmo tempo a força ideológica dominante” (Apud Hall, 1983, p. 64). Na tradição da herança marxista, a ideologia designa o conjunto de concepções de mundo ligadas às classes sociais: “luta ideológica”, “ideologia revolucionária”, “formação ideológica” são exemplos de entendimento dos significados de ideologia. Por exemplo, para Lenin a ideologia estava vinculada aos interesses de classe, seja ela burguesa ou proletária (Löwy, 1998, p. 10). Já para Gramsci a ideologia pode ser reduzida a “concepções de vida”, filosofias, concepções de mundo, sistemas de pensamento, formas de consciência e senso comum. Para o filósofo italiano a função da ideologia é aglutinar as classes: “A ideologia contribui para ‘cimentar e unificar ’ o bloco social”. A ideologia é vista principalmente como “cimento” que aglutina a estrutura (na qual a luta de classes tem lugar) e o domínio das superestruturas complexas (Hall, 1983, p. 71). Em outras pala9 A ideologia no sentido pejorativo esteve sempre ligada às idéias de que serviria para obscurecer a verdade e manipular as pessoas por meio do engano. Neste sentido, a ideologia quase sempre leva à defesa do status quo (Outhwaite, W.; Bottomore, T., 1996, p. 371). 23 a universidade (visão mercadológica do saber). a mediocridade. porém o autor restringe o conceito definindo como “os sistemas de representação que se orientam na direção da estabilização e da reprodução da ordem vigente”. a sociedade do espetáculo. é a acumulação de “conhecimentos” populares e as maneiras de ocupar-se com a vida cotidiana – o que ele chama de “senso comum” (Hall. a religião: distorção do real e aprisionamento das mentes. o efêmero. Podemos citar muitas instituições que são encarregadas pelo sistema de reproduzir as idéias dominantes. a futilidade. voluntária ou involuntariamente servem à manutenção da ordem estabelecida. o Direito: os tribunais. entre elas a família (hierarquia e disciplina). individualismo e competição). a ideologia está institucionalizada em aparelhos que servem diretamente aos interesses da classe dominante e da supremacia do Estado capitalista. com seu aparato logístico e bélico. os sindicatos. 65). isto é. 24 . produzir o consenso e o entendimento entre as classes sociais e legitimar a ordem existente. ainda. Na concepção de Althusser (1987). inconsciente. 1983. os meios de comunicação sociais (MCS). p. prestando. Que consciente. representações. o rádio. bem como os diferentes tipos de polícia que existem para defender a propriedade privada ou os interesses dos poderosos capitalistas. Aeronáutica). segundo Gramsci. todo apoio necessário em caso de convulsão social. dentre os quais a televisão. Em outras palavras. Ou seja. idéias. o supérfluo. o culto à imagem. a ideologia é o conjunto das concepções. da força e da violência. o consumo. o poder da coerção.TEORIA POLÍTICA vras. a ideologia. Pode-se citar as Forças Armadas (Exército. o jornal.). Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). para ele. que se orientam para a estabilização. o poder dominante detém. Marinha. Na obra Ideologia e utopia (1956) Mannheim segue a concepção de ideologia de forma semelhante à de Lenin. a escola (elitismo. Essas instituições são chamadas de Aparelhos Repressivos de Estado (ARE). os quais o autor chamou de Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). legitimação ou ainda reprodução da ordem estabelecida. são todas aquelas doutrinas que têm certo caráter conservador no sentido amplo da palavra. teorias. o descartável. Além dos recursos da persuasão. Esses aparelhos ou instituições se utilizam das idéias e da persuasão (arte do convencimento ou da famosa “cantada”) para alcançar os seus objetivos. outro pensador marxista. as revistas (a propaganda. Mais tarde. p. p. negativa. 1999. Por fim. objetivando a manutenção da ordem social vigente e que defende os interesses particulares de grupos e classes dominantes. 1999. Um exemplo de utopia é a obra de Thomas Morus intitulada A Utopia (1516). comuns ao conjunto do grupo (apud Corrêa. a ideologia é a ocultação da realidade. Pode-se dizer que a ideologia é o instrumento de manipulação das massas populares. Mannheim entende utopia como aquela que define as representações..). p.. Saint-Simon. 29). quando apontam para uma realidade ainda não existente (Löwy. as diferentes classes sociais estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social conforme os seus interesses. p. Para Bourdieu. justificam. lugar inexistente. As ideologias (. servem a interesses universais. mas que pode vir a existir. ou. na obra Ideologias e Ciências Sociais. Etiénne Cabet. Sem lugar. produto coletivo e coletivamente apropriado. a ideologia é a coerção da persuasão. Michael Löwy.. defendem e mantêm a ordem social do mundo. Ou seja. 11). para Mannheim e Bloch. 23). subversiva. a palavra utopia vem da etimologia grega topos = lugar + eu/ou (em parte alguma – espaço que não existe). aspirações e imagens-de-desejo que se orientam na direção da ruptura da ordem estabelecida e que exercem uma função subversiva (apud Löwy. ainda não existente. a utopia passa a ser 25 . assim diferencia as visões sociais de mundo: Utópicas Visões sociais de mundo Quando têm uma função crítica. 28). apud Corrêa. No século 20. nos séculos 18 e 19 surgem outros filósofos utópicos: Charles Fourier. Ideológicas Quando legitimam.TEORIA POLÍTICA Diferentemente da ideologia. como destaca Warrat (apud Corrêa.. 1998. 1999. ao concluir este estudo.TEORIA POLÍTICA vista como forças subversivas e transformadoras da ordem histórico-social existente (apud Corrêa. de Thomas Morus (1516). p. Não esqueça que é de fundamental importância a assimilação deste conteúdo para a compreensão das Unidades subseqüentes. As seções desta Unidade discorreram sobre as diferentes formas de conhecimento e as visões sociais de mundo. de Huxley. 1999. O importante. mas que poderá existir se o homem lutar para a sua concretização. 26 . Nesse sentido. a utopia é a representação daquilo que não existe ainda. é perceber como os valores e interesses desempenham funções-chave no ato de conhecer. Admirável Mundo Novo. Para Löwy e Herkennhoff. 30). de Bloch. nos) e Huxley: Admirável Mundo Novo como exemplo de pensadores utópicos. a utopia é o grande motor das revoluções. especialmente o capítulo Utopia: a arte de cultivar sonhos? A Utopia. O princípio da Esperança (Sonhos diurnos). Podemos citar ainda os nomes de Bloch: O princípio da Esperança (Sonhos diurPara você aprofundar seus estudos e entendimento sobre “utopia” não deixe de ler alguns clássicos sobre o tema: Os Pensadores (1999). Acesso em: 10 jan. é recente. Inglaterra. A definição etimológica de Estado feita por Dallari (1995. também seu significado sofre alterações ao longo da História. É a parte da gramática que trata da história ou origem das palavras e da explicação do significado de palavras por meio da análise dos elementos que as constituem. que significa estar firme. aparecendo pela primeira vez em O Príncipe. portanto. 27 .1 1 Segundo Schwartzman (1970). tal como o conhecemos atualmente. é o estudo da composição dos vocábulos e das regras de sua evolução histórica. escrito em 1513. Estudo das origens das palavras. status. 2008. na forma que entendemos hoje. denotando situação permanente de convivência e ligada à sociedade política.org/wiki/ Etimologia>. Ou ainda. Para os romanos. que significa situação ou condição. existiu.Unidade 2 Concepções Gerais Sobre o Estado Etimologia TEORIA POLÍTICA Seção 2. Assim como encontraremos diversas grafias para a palavra (em francês Estado será État. França. uma definição moderna.1 Etimologia da palavra Estado De pólis advém o conceito de política. a civitas ou res pública é chamada de status. 43) é que a palavra tem origem latina. E é na modernidade que o Estado surgirá como instituição. Nem sempre o Estado. que é a ciência/arte de governar a cidade. Espanha e Portugal foram os primeiros Estados a se unificarem. do modo que o conhecemos hoje. Staat para o alemão. Portugal em 1600 já era Estado absoluto.wikipedia. dito de outra forma. p. Stato para o italiano e Estado para o espanhol e para o português). Disponível em: <http://pt. de Maquiavel. O conceito de Estado. Foi apenas no início da Idade Moderna (séculos 16-17) que ele se tornou uma realidade. 2 Isso não significa.2 Diferentes entendimentos sobre o Estado Entende-se o Estado como sendo um corpo de pessoas (unido por laços sociais) vivendo em um determinado território. entretanto. Seção 2. principalmente o Capítulo 1 De quantas espécies são os principados e de que modos se adquirem. Maquiavel. de Maquiavel (1983). para atingir um objetivo comum. permanentemente. Direito Positivo é o ordenamento jurídico em vigor em determinado país e em determinada época. estando subordinado à autoridade de um governo (poder jurídico e de coerção). Esse Estado emerge na tentativa de superar o instinto natural do homem e instituir definitivamente a sociedade política. é o Direito posto. foram e são ou repúblicas ou principados”. todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens. A partir das seções seguintes conheceremos mais sobre o assunto. 28 . Para Azambuja (1971). que antes da formação do Estado moderno não existissem outras formas de governo e de poder. inicia a discussão teórica sobre o Estado: “Todos os Estados. é hierarquizada na forma de governantes e governados e tem como finalidade o bem público. Direito Positivo é apenas a norma legal emanada do Estado. capaz de garantir a soberania e o bem comum. na obra O Príncipe (1513). o Estado é uma sociedade que se constitui essencialmente de um grupo de indivíduos unidos e organizados. que a 2 Conferir a obra O Príncipe. divide-se em nacional e internacional. Na visão de Azambuja. o instinto social leva ao Estado. ou reconhecidas pelas pessoas mediante os costumes. organizado politicamente.TEORIA POLÍTICA Direito Positivo Entende-se por Direito Positivo o conjunto de normas estatuídas oficialmente pelo Estado (por meio das leis). Essa sociedade política é determinada por normas de Direito positivo. ou não acatá-las. entendendo-o como um conceito vasto e como a mais complexa das formas por que as sociedades humanas se apresentam (1957. p. O conceito de Estado. O Estado impõe pesados impostos. O homem. o conceito de nação segundo o entendimento de Jellinek: “quando um grande número de homens adquire a consciência de que existe entre eles um conjunto de elementos comuns de civilização. a causa primária da sociedade política reside na natureza humana. não existe nacionalidade onde não existir ordenamento civil. 5). então. Para este autor o “Estado é uma nação organizada”. Queiroz Lima entende que o Estado está igualmente ligado ao Direito. O que antecede a nação é uma ordem civil. 3). em Queiroz. racional e perfectível” (Azambuja. morais e jurídicas giram em torno de um governo que administra sob o poder de coação. aos indivíduos e à sociedade. razão pela qual “da tutela do Estado o homem não se emancipa jamais” (p. p.. está ligado diretamente com a organização política. econômicas. 3 “Assim. ao iniciar sua obra. Queiroz Lima cita H.). fica subentendido nos conceitos apresentados pelo mesmo nas afirmações de outros escritores. Cita. 3). sofrerá as sanções de tal procedimento. ou melhor. “morrer pela pátria”). Azambuja sintetiza a sua noção de Estado como “a organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem público. biológicas. suas decisões obrigam a todos os que habitam o seu território” (p. 29 .TEORIA POLÍTICA razão e a vontade criam e organizam (1971. p. de uma autoridade que provém do uso incontido da força. O conceito de nação é essencialmente subjetivo. psicológicas. igualmente. é uma criação artificial do homem. Se eventualmente o homem transgredir as normas do Estado. O aspecto coativo e a generalidade é que distinguem as normas por ele editadas. O conceito de nacionalidade. Os termos nação e Estado também são tratados por Euzébio Queiroz Lima (1957).. na qual um laço de parentesco espiritual desenvolve o pensamento da unidade do grupamento”. Assim. 1971. o Estado está a serviço do Direito. que define o termo nação “como uma população fixada no solo. em que as condições físicas. encontra-se submetido à tutela do Estado. como governo e dominação. desde seu nascimento. em Queiroz Lima. é resultante de um certo estado de consciência” (1957. como um poder de mando. O referido autor. com governo próprio e território determinado”. assim. 3). Hauriou. 4). Mesmo contra a sua própria vontade o homem é obrigado a seguir os ditames do Estado. intelectuais. p. Por fim. obriga ao serviço militar (sacrificar a vida em uma guerra. começa pela definição do termo nação. e que esses elementos lhe são próprios (.3 O Estado. 2). impõe a lei mesmo contra a vontade dos cidadãos: “O Estado aparece. o Estado é um tipo especial de sociedade. Com vistas a explicar sua origem. Acesso em: 10 jan. Michael Mann (1992. p. estrutura. Disponível em: <http://pt. Ainda conforme Maluf (p. um meio destinado à realização dos fins da comunidade nacional. dotada de um governo soberano. cada um com uma concepção ou doutrina diferente. 18). 1997. evolução. o “Estado é o órgão executor da soberania nacional (.org/wiki/ Michael_Mann>. portanto único. nasceu na cidade de Chicago.” (1995. explicita: “o Estado é um ser social e. no sentido de que as relações políticas se irradiam 30 . tendo em vista sua fragilidade e impossibilidade de bastar-se a si mesmo” (p. 2008. 17). Para eles. 11). dentro de um território bem definido. 2008.asp>. em atenção aos diversos aspectos que apresente: método científico. fixada em território próprio e submetida a um governo que lhe é originário: “O Estado é uma pessoa politicamente organizada da nação em um país determinado”. método histórico e método jurídico” (Perez apud Filomeno.. expressando centralidade. não existe uma definição única de Estado. Illinois. 19-22).. 167) define o Estado como sendo constituído de quatro elementos fundamentais: o Estado é um conjunto diferenciado de instituições e funcionários. p. Imagem disponível em: <http://www. executa e aplica seu ordenamento jurídico.TEORIA POLÍTICA Michael Thomas Mann Outro autor a definir o Estado é Sahid Maluf (1995). sendo fundamental analisá-lo nos aspectos sociológico. p.com.) O Estado é apenas uma instituição nacional. Há vários autores que tratam do tema.. político e jurídico.br/ personalidades/diretores/ michael-mann/corpo. fundamentos e fins. método filosófico. Costuma operar ele próprio a câmera na fotografia de seus filmes. Já para José Geraldo Filomeno (1997).wikipedia. o Estado é entendido ainda como a sociedade política necessária. Segundo Maluf. a exercer seu poder sobre uma população. O Estado deve estar a serviço do homem: o Estado “é mero instrumento para a realização do homem. Cineasta estadunidense. onde cria.adorocinema. visando ao bem comum. embora complexo e não simples.. Acesso em: 10 jan. no dia 5 de fevereiro de 1943. Aderson Menezes (1996) ensina que o Estado é uma sociedade de homens. pois garante o monopólio (centralizado ou descentralizado) do uso da força nas mãos do grupo. os quais estudaremos na próxima seção. particularmente de classes. a qual foi referida originalmente por Max Weber. Tal posição encontra sustentação a partir de uma visão mista. no entanto. mas também estamentais. Ele assegura a unidade de qualquer sociedade dividida em interesses. da classe ou do estamento dominante. segundo a concepção de Azambuja (1971). A idéia de Estado advém do desenvolvimento das formas de governo como resultante das diversas maneiras de dividir o poder entre governantes e governados. é necessário um conjunto de elementos que lhe dê sustentação.TEORIA POLÍTICA de um centro para cobrir uma área demarcada territorialmente. Seção 2.3 Os elementos do Estado Fazem parte do Estado. dos demais Estados. um território e um governo independente. É classicamente identificado com a idéia de soberano. três elementos fundamentais: uma população. Estamentais Conceito ligado ao Estado entendido como poder político. Parte-se do princípio de que o Estado é um conjunto de instituições decorrentes do desenvolvimento de desigualdades sociais quanto ao exercício do poder de decisão e mando. O Estado é um conjunto de instituições especializadas em expressar um dado equilíbrio e uma condensação de forças favoráveis a um grupo e/ou uma classe social. Para que o Estado funcione como tal. 31 . ou quase. sustentado pelo monopólio dos meios de violência física. sobre a qual ele exerce o monopólio do estabelecimento de leis autoritariamente obrigatórias. não constituem a característica fundamental da nação. Disponível em: <wikipédia. quatro elementos do Estado.org/wiki/ETA>. incluindo os nacionais e os não-nacio- 4 Para Maluf. o bem comum (1995. é o conjunto de indivíduos sujeitos às mesmas leis.TEORIA POLÍTICA Bascos Grupo étnico que habita parte do norte da Espanha e do Sudeste da França. de língua e a comunhão de vida criará a consciência social” (apud Azambuja. numa ordem estatal determinada. O povo é uma entidade jurídica. Os conceitos de raça. segundo o autor. é uma comunidade de consciências unidas por um sentimento comum. 23). nação é uma entidade moral. na qual a unidade de território de origem. 22). compostos pela população e território. por ideais e aspirações comuns” (p. e o elemento final. mais conhecidos pela sigla ETA. Cada elemento é essencial. língua e religião são conceitos coadjuvantes. O elemento humano do Estado é sempre um povo. Considerando ainda outros comentadores pode-se citar. p. ainda que com ideais e aspirações diferentes. Ela representa a massa total dos indivíduos que vivem dentro dos limites territoriais de um país. mas o que une um povo até constituir uma nação é a identidade de História e de tradição. o grupo humano encarado na sua integralidade. professor de Direito Internacional de Turim. 22). 2008. constituídos por um governo soberano (poder) e um ordenamento jurídico. Povo é. Acesso em: 3 de mar. São nativos de Navarra. “não pode existir Estado sem um deles” (p. 1971. grupo que utiliza a prática da luta armada e o terrorismo como meio de alcançar a independência da região do país Basco). principalmente. pelos interesses comuns e. Mancini. Já o conceito de nação é entendido como “indivíduos que se sentem unidos pela origem comum. em que o passado comum é condição indispensável para a formação nacional (p. os elementos que constituem o Estado são os materiais.4 O primeiro elemento do Estado é a população. A intenção dessa nação é formar um Estado independente (Pátria Basca e Liberdade. conceituou o termo nação da seguinte forma: “Nação é uma sociedade natural de um homem. p. em 1851. 18). Da mesma forma Azambuja define os conceitos povo e nação como sendo integrantes da população de um Estado. os elementos formais. de forma resumida. 19). O patriotismo é citado por Azambuja como exemplo. 32 . de costumes. . O terceiro elemento é o governo. Da mesma forma os nômades e os ciganos. os bascos na França e Espanha e na Irlanda o IRA. o conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração pública. sérvios. muçulmanos (há no mundo cerca 1. que formam a maioria da população ou minorias significativas em quase 60 países. não constituem um Estado em função da falta de um território próprio.3 bilhão de muçulmanos.). centro ou direita. 33 . mas há muitas nações que não constituem propriamente um Estado. albaneses e croatas – Guerra da Bósnia (Bálcãs). tem 57 países – membros). o âmbito geográfico da nação. cultura e ideais – ou um grupo de indivíduos que se sentem unidos pela origem comum. no caso brasileiro). catalães (Catalunha). A Organização da Conferência Islâmica. O território é a base física propriamente dita. Azambuja cita os judeus como um exemplo de povo que até há pouco tempo era uma nação. O governo é. principalmente. Integram o território: o solo.TEORIA POLÍTICA nais. os judeus até 1948 não haviam constituído um Estado. os navios e aviões de uso comercial ou civil e o mar territorial (200 milhas. pelos interesses comuns e. por ideais e aspirações comuns. idioma. o espaço aéreo. por exemplo. Síria e do Egito (6 mil anos atrás. Também não existe Estado sem território.. gregos e turcos (Chipre). Por governo entendemos a instituição (de caráter temporário) responsável pela efetivação de políticas públicas. nas mãos de líderes religiosos. mas não consistia ainda um Estado. o subsolo. procuram formar um Estado: os eslavos. Dessa forma é possível afirmar que não existe Estado sem nação. religião. onde ocorre a validade da sua origem jurídica. Para isso sempre nos voltamos para as primeiras civilizações orientais da Babilônia. O governo é uma das mais antigas instituições humanas. Por nação entende-se o conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos permanentes de sangue. Somente em 1948 formou-se o Estado de Israel. que pretende “assegurar o progresso e o bem-estar de todos os muçulmanos do mundo”. Existem exemplos de nações que não constituem um Estado: na Espanha. positivamente. as embaixadas. os curdos. chefes tribais ou soldados armados. por faltar-lhe um território. O segundo elemento do Estado é o território. O governo pode estar nas mãos de um partido mais à esquerda. É importante que a população de um determinado Estado torne-se uma nação. Como veremos na próxima seção. é um exemplo de Confederação. a soberania significa autonomia. Por soberania entende-se. O presidente é o chefe maior. o qual é escolhido pelo partido majoritário ou pela coalizão de partidos que fizeram maior número de assentos no Parlamento. A Grã-Bretanha é um exemplo de Estado unitário. 34 . temos o último elemento do Estado. A Comunidade dos Estados Independentes. podemos citar: 1) Unitário: governo centralizado. “a capacidade de impor a vontade própria. Austrália. existente em mais de 50 Estados. México. criar. denominado de soberania.TEORIA POLÍTICA Como formas de governo. Alemanha. 3) Governos Confederados: que formam uma aliança de Estados independentes. O órgão central do Governo Confederado tem o poder de tomar decisões pelos demais. Por fim. 2) Estado Democrático/Federal: é quando o poder do governo é dividido entre um governo central e vários governos locais (divisão de poderes). sem intervenções externas. Já no sistema parlamentarista o chefe maior é o primeiro ministro. segundo Pinto (1975). Em outras palavras. Canadá. Brasil. em última instância. dentro de seu território e sobre uma população. dos elementos que constituem o Estado. Índia. A soberania é a forma suprema de poder: é o poder incontestável e incontrastável que o Estado tem de. o governo será sempre o palco das maiores disputas e das decisões que mais repercutem na vida dos indivíduos. como os extintos em 1991 após a queda da União Soviética. Exemplo: Estados Unidos (e seus 50 Estados). para a realização do direito justo”. O presidencialista está intimamente ligado à separação de poderes: Executivo. Podemos citar como sistemas de governo o presidencialista e o parlamentarista. Legislativo e Judiciário (agindo de forma independente). executar e aplicar o seu ordenamento jurídico visando ao bem comum. ). Pelo fato de aqueles que estão no poder gozarem de legitimidade.. ele estoca e pode usar imediatamente uma maciça quantidade de informações sobre cada um de nós. quem controla esses Estados? Mann afirma que é “uma elite estatal autônoma”. sua influência sobre a economia global é enorme. 169) descreve que .4 O Estado e o poder O Estado. A primeira seria o poder despótico da elite estatal. etc.TEORIA POLÍTICA Seção 2. ele até provê diretamente a subsistência da maioria de nós (via os empregos que oferece. como filho do Sol. Não há um lugar para se esconder do alcance infra-estrutural do Estado moderno. Alguns monarcas do início da Europa moderna também reivindicaram poderes absolutos.o Estado pode avaliar e taxar nossa renda e riqueza na fonte. p. antes de 1850. O Estado atual penetra na vida cotidiana mais do que qualquer Estado histórico. O imperador romano. 35 . Mann (p.. as pensões previdenciárias. a oposição às vezes encontra-se na alternativa de aceitar os procedimentos autorizados pelo aparelho do Estado ou de se arriscar a uma prova de força. torna-se palco de lutas políticas. conclui o autor. É preciso ressaltar que nunca tivemos na História um Estado que interviesse tanto no cotidiano pessoal do indivíduo como na atualidade. também eram ilimitados fora da área restrita de afazeres nominalmente controlada pelo Senado. em princípio. Seu poder infra-estrutural cresceu enormemente. que. adquiriu poderes que. 168-169) enumera duas características do poder do Estado. nunca fora capaz de fazer). pode fazer cumprir a sua vontade no mesmo dia em quase todos os lugares sob o seu domínio. sem o nosso consentimento ou o de nossos próximos ou parentes (o que o Estado. Pode-se levantar um questionamento a partir dessas afirmações: mas afinal. sede do poder. Michael Mann (1992. apenas um “deus” menor. O autor apresenta o exemplo do imperador chinês. “possuía” a totalidade da China e podia fazer o que desejasse com qualquer indivíduo ou grupo dentro de seu domínio. divinamente derivados (embora eles próprios não fossem divinos). divididas em fortes e fracos. p. Na posse dos meios de produção reside uma enorme fonte de poder por parte daqueles que os possuem contra os que não os detêm. pesos. a sociedade se divide em classes. e em sábios e ignorantes. A próxima seção abordará esse tema de forma mais aprofundada. rios. cuja função é essencialmente a de manter o domínio de uma classe sobre outra. às vezes apenas de informações. necessários ou percebidos como tais. a de agressão militar. inclusive. p. como a da manutenção da ordem interna. A existência do Estado. assim. Com o surgimento da propriedade individual. para exercer uma influência sobre o comportamento alheio e induzir os membros do grupo a realizar ou não uma ação. o Estado. o ideológico – os que se apossam do saber.). enquanto que aos demais (maioria) cabe obedecer e seguir os ditames do grupo que governa. ou de códigos de conduta. sistema de mensagens.. que fundamenta a legitimidade e garante a continuidade do poder. o poder infra-estrutural – segunda característica do poder estatal – “é a capacidade do Estado de realmente penetrar a sociedade civil e de implantar logisticamente as decisões políticas por todo o seu domínio” (1992. dirigida contra o ataque dos inimigos estrangeiros. é também a condição para que se possa afirmar a superioridade da competência dos governantes. servindo diretamente à classe dominante. Mann (1992. 36 . a de defesa. O poder político está ligado aos que detêm o poder de mandar ou comandar (uma minoria). para induzir os que não os possuem a adotarem uma certa conduta. mercados. Mann apresenta três formas de poder: o econômico – os que detêm a riqueza. O poder ideológico é aquele que se vale da posse de certas formas de saber. a de impedir que a sociedade dividida em classes se transforme num estado de permanente anarquia. numa situação de escassez. com base no poder econômico. 179) apresenta outras funções do Estado. à força e. conjuntamente.. com base no poder ideológico. nasce a divisão do trabalho. doutrinas. para instituir e para manter sociedades de desiguais. O poder econômico é aquele que se vale da posse de certos bens. cunhagens. 168-169). Dessa divisão nasce o poder político. recorrendo. conhecimentos. como a dos proprietários e a dos que nada têm. Essas três formas de poder contribuem. e o político – os que têm a força.TEORIA POLÍTICA Em contrapartida. a da manutenção das infra-estruturas de comunicação (estradas. Os objetivos da política são tantos quantas forem as metas a que se propõem os detentores do poder em um determinado momento. Só podemos entender um determinado tipo de Estado a partir da análise das classes que o compõem. O Estado legitimaria a divisão de classes sociais? Certamente. Esta foi a crítica feita por muitos autores das Ciências Sociais. em que o aparelho administrativo leva adiante. E por classes sociais entende-se. Como estudamos na seção anterior. “filtrando” as contradições em seu interior. em certa medida e com êxito. Ele tem a função de direção. Para Max Weber. as funções do Estado podem ser: a) técnico-econômica: tem por objetivo viabilizar o objeto econômico da(s) classe(s) dominante(s). os agregados básicos de indivíduos numa sociedade. c) função política: manutenção do nível da luta de classes por meio da coerção. por Estado se há de entender uma empresa institucional de caráter político. mas pelos meios utilizados para a execução desses fins. O fim último da política é a manutenção da ordem pública nas relações internas e da integridade territorial em relação aos demais Estados. os quais se opõem entre si pelo papel que desempenham no processo produtivo do ponto de vista das relações que estabelecem entre si nas organizações do trabalho e quanto à propriedade. que implica pensar a longo prazo. 41).TEORIA POLÍTICA Seção 2. o Estado não pode ser definido pelos fins a que se propõe. Logo. o Estado goza de certa autonomia. b) função ideológica: de criar o consenso e.5 A função do Estado Ao Estado compete manter o equilíbrio da sociedade de classes.5 As classes sociais compõem uma 5 Analisar a obra de Santos (1991). 37 . Assim. segundo Theotônio dos Santos (1991. atuando sempre e garantindo sua reprodução enquanto tal. p. a pretensão do monopólio da legítima coerção física. visando ao cumprimento das leis (economia e sociedade). uma vez que para ele convergem as forças em choque. existem as camadas excluídas (sacoleiros. a burguesia agrária (empresas rurais) e a burguesia comercial (lojistas e atacadistas). a financeira (bancos). 38 . profissionais liberais). Como “classe dominada” temos o proletariado (dedicam-se ao trabalho manual: operários. entre outros. Isto os faz tender a uma comunidade de: a) consciência de classe: unidade de concepção de mundo e de sociedade segundo seus interesses gerais de classe. ou sobreviventes de formações anteriores ou base de futuros agregados). atitudes. taxistas. o que dá origem a uma ideologia.TEORIA POLÍTICA comunidade de interesses em oposição aos outros agregados sociais (da mesma formação social. Vamos elencar as principais teorias que tentam responder a esta controversa questão. O que temos é uma resposta aproximada. valores. catadores de papel. distribuição de renda. b) situação social: formas de comportamentos. 5 Analisar a obra de Santos (1991). Por fim. Existem ainda camadas intermediárias compostas por pequenos empresários (prestação de serviços.6 Justificativas teóricas do Estado Através dos séculos historiadores e teóricos da política. Como “classe dominante” podemos citar ainda a burguesia: industrial (indústrias). porém não-conclusiva sobre a sua origem. camelôs). alfaiates. interesses imediatos. agregados. têm-se questionado sobre qual a possível origem do Estado. ação e interesse político diante dos partidos e do Estado. bóias-frias. funcionários administrativos e não-manuais – trabalhadores automatizados). mas poucos chegaram a um consenso. Você já parou para refletir sobre como surgiu o Estado? Seção 2. o Estado não se deixa definir a não ser pelo específico meio que lhe é peculiar. 39 . 1999b. “o Estado está inescapavelmente comprometido com a manutenção e reprodução das desigualdades da vida cotidiana. 1991. 149). entre os séculos 15 e 18. e Deus delegou o poder divino de governar aos reis (despotismo esclarecido). com vistas ao cumprimento das leis”.TEORIA POLÍTICA A primeira trata da Teoria da força. p. A terceira teoria é chamada de Teoria do direito divino. o uso da coação física (Weber. a pretensão do monopólio da legítima coerção física. tal como é peculiar a todo outro agrupamento político. o Estado nasceu na Europa. Definição de Estado para Weber: “empresa institucional de caráter político onde o aparelho administrativo leva avante. 6 Da mesma forma. Para os estudiosos que defendem esta teoria. Evolução do bando – clãs – tribos (caçadores e coletores nômades) até agricultores e pastores (nascimento do Estado). p. quando uma pessoa ou grupo controlou os demais (poucos submeteram muitos) o Estado surge com a luta de classes (visão marxista). Esta teoria defende que o Estado nasceu da força. em que o mais forte (guerreiro mais hábil ou caçador e pescador ou o mais velho) detinha o controle do poder. enviesando decisões em favor de interesses particulares” (Apud Held. Defendem que o Estado foi criado por Deus. Governos absolutistas Henrique VIII e Luís XIV: Principais reis absolutistas dos séculos XVI e XVII.6 Igualmente para Max Weber. fundada no instrumento da violência legítima. Como exemplo da Teoria do direito divino temos as experiências dos governos absolutistas de Henrique VIII e Luís XIV. 56). ou seja. Na concepção marxista o Estado defende os interesses daqueles que pertencem à classe dominante (donos do poder econômico). para Pateman. em certa medida e com êxito. Segundo esta teoria o Estado desenvolveu-se naturalmente a partir da união de laços de parentesco. A segunda teoria é a Teoria evolucionária. Para Marx o Estado é visto como dominação de classe. Consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem. TEORIA POLÍTICA Jean Bodin e Bossuet defendiam o poder divino dos reis para administrar o Estado. Mais próximo dos nossos tempos tem-se a experiência administrativa centralizada autocrática do Mikado experienciada no Japão até 1945. despreza a Deus. o trabalho de Pasold (2004). Da mesma forma. encerrada numa só cabeça: vereis a imagem de Deus nos reis. Na próxima Unidade vamos conhecer o pensamento político das sociedades primitivas e também das sociedades orientais. igualmente. esta Unidade teve por objetivo conceituar o Estado. Vamos lá? 7 As unidades 8 e 9 deste trabalho irão discorrer sobre a Teoria do contrato social. governa a natureza inteira. os cidadãos e os soldados. Como você pode constatar.. Dali partem as ordens graças às quais procedem harmonicamente os magistrados e os capitães. reuni tudo quanto dissemos de grande e augusto sobre a autoridade real. a teocracia como forma de governo. que governa todo o corpo do Estado. como nos impérios egípcio. o rei é a própria presença de Deus na terra: Considerai o príncipe em seu gabinete. depois de Deus. Eis a imagem de Deus que. apud Chevallier. paternal e absoluto. Enfim. bem como entre os astecas e maias. considerai a razão secreta. 1986. considerai esse poder sagrado. a Teoria do contrato social. Por isso insistimos na análise do Estado (funções. 61). a fim de sentir e falar deles com toda a honra. Afirma Bodin: Nada havendo de maior sobre a Terra. igualmente. p. por mar e por terra. 1986. Em outras épocas da História Antiga tivemos. p. as províncias e os exércitos. apud Chevallier. chinês. poderes. forma de poder. que os príncipes soberanos.. e abordamos. é necessário lembrar-se de sua qualidade. Para entender a evolução do Estado conferir. também. assentado em seu trono no mais alto dos céus. e tereis idéia da majestade real (Bossuet. Nos séculos 17 e 18 os filósofos John Locke.7 sobre os quais aprofundaremos nosso estudo nas Unidades 8 e 9. a mais significativa das teorias da origem do Estado. e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros homens. Por fim. 97-98). pois quem despreza seu príncipe soberano. relações de classe). O Estado nasce do contrato social. para Bossuet. a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a obediência. 40 . Vede um povo imenso reunido numa só pessoa. Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau desenvolveram esta teoria. as principais teorias que o justificam. de quem ele é a imagem na Terra (Bodin. Do “Estado de natureza” para o “Estado civil”. mas sim sob o domínio de uma imaginação detentora de autoridade suprema: “Quem detinha o poder eram os deuses. a lua. as estrelas. 84) afirma que a primeira civilização da História. a barbárie é uma constante. em contrapartida. defendem que o Estado surgiu juntamente com a própria civilização. Crone cita o bando como o primeiro estágio da evolução política da humanidade. é uma criação da modernidade (séculos 16 e 17).Unidade 3 TEORIA POLÍTICA O Pensamento Político das Sociedades Primitivas e Orientais Seção 3. Inicialmente é pertinente definir alguns conceitos.1 O Estado primitivo Ao analisarmos o Estado primitivo. que possuíam a terra”. tribo. como nós o conhecemos na atualidade. tudo o que o homem não entendesse. No bando. no entanto. Assim. o inexplicável. ainda em tempos remotos. as manifestações religiosas estavam ligadas essencialmente aos fenômenos da natureza. as suas relações não estavam submetidas aos poderes de um chefe de ordem material. que julgamos consistirem passos fundamentais para compreender a evolução dessas sociedades até alcançarem o estágio final denominado Estado. todos são exemplos de divindades da época. e não seus escravos. foi produto da religião. o trovão. p. pois são sociedades ordenadas em referên- 1 Importante lembrar que o Estado. 41 . A tribo é considerada o segundo estágio dessa evolução.1 Patrícia Crone (1992. convém lembrar a fragilidade de suas relações políticas. Esta evolução é evidenciada nesta unidade. ou seja. era atribuído à força divina: o sol. a organização é mínima. as quais eram muito diferentes daquelas que conhecemos na atualidade. como bando. caçadores e coletores. agricultores e pastores. Alguns autores. isto é. tudo o que fosse misterioso. há desunião. certos 42 . p. Embora sendo um estágio superior ao bando. pois “a atividade humana não pode ser coordenada em larga escala e a fissão é uma parte normal do processo político” (p. e os pastores a cuidar dos rebanhos. que segundo a descrição de Gamble (1992). simplesmente.TEORIA POLÍTICA cia a parentesco. destruição e morte. são sociedades originárias da pré-História e formam as primeiras manifestações de poder objetivadas em uma comunidade humana. os primeiros líderes da sociedade primitiva eram. mas formavam os primeiros ‘caçadores’ de Estado”. dos caçadores e coletores. passa-se à criação de normas. tomando decisões perfeitamente sensatas. Atualmente os estudiosos os recordam como povos providentes e previdentes. Da mesma forma. caracterizada por uma curta semana de trabalho e poucas preocupações. 82). promovendo uma pequena população. nem mesmo no aspecto coercitivo: todos tomam as decisões ao mesmo tempo (1992. os mais fortes. em que aparece a domesticação dos animais e plantas como fator central na transformação da sociedade em relação à estatitude final. Em conseqüência. conseqüentemente. A partir do desenvolvimento da agricultura e de seu acúmulo. As relações de poder e a organização política parecem ser uma atividade constante. os agricultores. Neste sentido. então. oriundas das relações. Com os coletores e caçadores temos a “sociedade de abundância original”. são exemplos de bons administradores de recursos. graças a uma despensa naturalmente bem abastecida. daí a afirmação: “Os caçadores e coletores não constituíram os primeiros Estados. 84). Após iniciar pelo bando e chegar à condição de tribo. direitos e deveres decorrentes dessa realidade. Surge. a tribo ainda não alcança uma organização capaz de estruturar a comunidade no aspecto social e econômico. que o Estado não se iniciou com os coletores e caçadores. os coletores e caçadores eram vistos como sábios econômicos. É possível perceber então as origens neolíticas como fases importantes. contudo. a crise e a fome em tempos de escassez. já nas sociedades primitivas. guiados pelo princípio do menor esforço e da eficiência na conservação das calorias dos alimentos. Pode-se presumir. evitando o desperdício e. para a agricultura e pastoris. sexo e idade. então. mas com os povos que começaram a cultivar a terra. na elaboração e na estruturação de uma forma precária de Estado são os coletores e caçadores. que acabavam negociando. Os pioneiros. primeiramente. com os demais membros. a transição da selvageria para a parceria decorrente da revolução econômica e científica. é necessário que a mesma seja destruída para que realmente ocorra a estruturação do Estado. quem detém o machado ou as lanças tem.C. a guerreira. Desta realidade surge a institucionalização e as relações entre os poderes. Disponível em: <http://pt. feitos de pedra lascada e pedra polida). assim como os freqüentes ataques e saques aos rebanhos e ao armazenamento de alimentos. igualando-se ao detentor do poder por meio da força física: nessa fase. o surgimento das primeiras manifestações de corpos políticos capazes de se organizarem sob uma direção única e fundarem vastos impérios com população numerosa. e na escolha de um novo comandante na ausência ou morte do anterior. é o período da PréHistória compreendido aproximadamente entre 12. Acesso em: 10 jan.C. com o passar do tempo o homem. como o comandante versus comandado. para a proteção do grupo e para a conquista de novos territórios. na incrementação do cultivo intencional e organizado de plantas comestíveis (cultivo do arroz e do milho e. Seção 3. e 4. a classe militar.wikipedia. desenvolve sua inteligência. aos poucos. o poder. assim como o avanço cultural e o aumento da população. em outras palavras. é muito mais dos que detêm a tecnologia do cultivo e do pastoreio”. Durante este período surge a agricultura. 2008. 43 .TEORIA POLÍTICA privilégios.org/wiki/ Neol%C3%ADtico>. cavalos). também chamado de Idade da Pedra Polida (por causa de alguns instrumentos.000 a. igualmente. possibilitaram o surgimento de uma nova classe. na América. Percebe-se então que “o poder não é só das forças ou das armas. bois.2 O Estado oriental Os estudos de Gaetano Mosca (1968) remetem para antes do início do terceiro milênio a. A tecnologia estenderá seus benefícios ao homem na produção eficiente dos alimentos e dos agasalhos e. o que proporciona o avanço tecnológico.000 a.C. A fixação inerente ao cultivo da terra provoca o sedentarismo (moradia fixa em aldeias) e o desenvolvimento da vida em sociedade. Os constantes conflitos entre tribos primitivas. Neolítico O Neolítico. do trigo) e do pastoreio de animais (ovelhas. pois são utensílios que serão usados para a caça (garantindo a sobrevivência). Assim. ainda. baseando-se em teorias de vários autores do século 19. Crescente Fértil2 E studos atu ai s ace nam para a re gi ão da bai xa Mesopotâmia. Mosca cita os povos arianos. pelo Nilo. Por extensão. O termo designa ainda os descendentes dos indoeuropeus que fundaram a civilização indiana. igualmente ao norte da Babilônia e na Ásia Menor. que se estabeleceu no planalto iraniano desde o final do terceiro milênio a. p. xátrias e vaixás.C.ul. mais especificamente. ao subgrupo dos indo-europeus.).ff.C. O termo ganhou outro significado com a ideologia nazi que. 19) apresenta algumas características comuns aos Estados orientais: 2 Mapa da Crescente Fértil. Acesso em: 10 jan. e. a designação “arianos” (não o termo “árias”) passou a referirse a vários povos originários das estepes da Ásia Central – os indo-europeus – que se espalharam pela Europa e pelas regiões já referidas. dando origem ao sistema de castas e. O autor (p. vindo do norte. principalmente. Disponível em: <http://pt. como sendo as regiões nas quais se desenvolveram as primeiras civilizações. como formadores de Estados desenvolvidos. Acesso em: dez. subjugando as populações locais. às castas dominantes dos brâmanes.pt/paginas/jpsdias/histfarm/crescentefertil.gif>. e que povoou a península da Índia por volta de 1500 a. Deve-se a este fato a vulgar confusão que identifica arianos com os povos nórdicos e. mais especificamente. Outras civilizações surgiram como uma forma de organização política e formação de um tipo de Estado: na Ásia Central e Meridional. banhada pelos rios Tigre e Eufrates. 44 . 18-19).org/wiki/ Arianos>. a partir do final do período neolítico. tem várias significações. 2007. germânicos. no Egito. como importante organização social e política. Refere-se. mais especificamente. disseminando-se pela Índia..wikipedia. A sua cultura ficou particularmente expressa nos Vedas e.. considerado o mais antigo. ao referir-se a um grupo étnico.C. Disponível em: <http://www. Estes são também chamados de árias. pelo Punjabe.TEORIA POLÍTICA Povos arianos A palavra ariano. sob o governo de Confúcio (século 7º a. A China apresenta-se. no Rig Veda. 2008. empregou-o para classificar uma suposta raça comum aos indo-europeus e aos seus descendentes não miscigenados com outros povos. 1968. C. durante o segundo milênio nasceram os impérios dos mitaneus e dos hititas (Mosca. Pérsia e regiões adjacentes. no segundo milênio a. até o governo de Dário de Hestapses (485 a. Acesso em: 10 jan. não só para o transporte como para alimentação e proteção contra o frio (lã).. Do ponto de vista cultural. chefe militar.wikipedia. em vigor na Babilônia desde 2. Egito e Lídia sob o governo de Ciro (559 a. e um dos exemplos mais bem preservados deste tipo de documento. que acabavam subordinando-se umas às outras. o cristianismo e o islamismo.C.C.). A unificação do império persa compreendia os impérios da Babilônia. provindas do velho judaísmo.org/wiki/ C%C3%B3digo_de_Hamurabi>. herdamos a Matemática e a Astronomia. o asno. logo após. os povos orientais nos legaram a domesticação de animais e a agricultura. 45 . que se estendiam do mar Egeu até os confins da Índia. Do ponto de vista material. A primeira serviu para o desenvolvimento do homem no decorrer da História: o boi. cevada e arroz. o cavalo e o carneiro foram úteis para o homem. Disponível em: <http://pt. juiz supremo e coletor de impostos. A forma de governo que dominava nos impérios orientais era a monarquia absoluta ou o poder despótico assumido pela autoridade de um homem que era a encarnação da própria divindade e governava de forma autocrática e tirânica. o que favorecia a diferenciação entre as classes.C. ao mesmo tempo. compreendendo também o Egito. Proveniente da antiga Mesopotâmia e. estima-se que tenha sido elaborado por Hamurábi por volta de 1700 a. segundo os cálculos. A segunda. no qual foram numeradas e sancionadas as regras mais indispensáveis à moral social.TEORIA POLÍTICA 1ª) o chefe do Estado era. O império dos persas foi o primeiro Estado a conseguir unificar todos os países de civilização mais ou menos antiga.200 a. capaz de impor regras e propiciar a boa convivência entre as sociedades. 2008.). Código de Hamurábi O Código de Hamurábi é um dos mais antigos conjuntos de leis já encontrados. serviu para a alimentação do homem. baseada no cultivo do trigo. A religião dos povos orientais foi de suma importância para a humanidade: primeiro. o budismo. Sob a visão das leis. herdamos o Código de Hamurábi.C. 2ª) as dimensões territoriais eram grandiosas. suprimindo qualquer resquício de liberdade dos súditos. vivendo em Roma e recebendo uma pensão do Estado. de Ásia Ocidental ou Ásia Anterior – compreendiam os povos do Egito. tendo. 1995. centralizado no rei (monarquia teocrática). ora o poder do monarca é subordinado ao poder divino e por ele rigorosamente limitado”. igualmente. Josephus teve atuação muito importante como intermediário entre romanos e judeus. e conseqüentemente incontestável. da Palestina. 3 A palavra teocracia foi criada por Flavius Josephus. o que o torna um ser transcendente. no final de sua vida. ao poder religioso: a autoridade se sustentava em uma religião (1988. Foi nessa região que surgiram as primeiras civilizações da Antiguidade (região chamada Crescente Fértil). restando aos demais súditos acatar suas ordens. ou seja.3 A teocracia. segundo Queiroz Lima (1957). povos hititas e hebreus (3º ao 1º milênio a. imbatível.TEORIA POLÍTICA Segundo Rubim et al (1988. monarca. após a queda de Jerusalém. China. infalível. 87): As civilizações do Oriente próximo – chamado. encontram-se aí também referências à organização e à vida de outros povos antigos (Jellinek apud Dallari. no Oriente pode-se exemplificar duas realidades: “ora o monarca é o representante da divindade. o Egito. da Arábia. da Síria. o imperador. p. 46 . da Mesopotâmia. historiador judeu que viveu entre os anos 37 e 100 da Era Cristã. da Armênia. 53). tendo chegado a assumir o posto de general e a exercer grande influência na Judéia.). com poderes ilimitados sobre a pessoa. Sua principal obra. a sua vontade é divina. a vida e a propriedade dos súditos. 90). descendente de deuses. C. exerce o poder seguindo a vontade divina. que desembocariam na Grécia (territórios compostos pelas realezas micenas e cretenses) e em Roma (formada por realezas etruscas). O poder teocrático significa o governo de Deus (teo = Deus + cracia = governo. faraó. Antiguidade dos judeus. o Estado unitário. patriarca. da qual fazem parte a Babilônia. Índia e Pérsia. do Irã e da Ásia Menor. a Síria e a Palestina. no ano 70. imortal. a sua pessoa é a de um próprio deus. p. é um repositório de informações sobre a vida do povo judeu desde a criação do mundo. O Estado oriental é composto pelas civilizações mediterrâneas da Antiguidade oriental. é a participação da autoridade divina no governo dos homens. essencialmente. de caráter histórico. o regime autoritário e totalitário e a ausência quase total de garantias individuais das pessoas ante o Estado. faixa de terra que forma a Mesopotâmia. Como características principais desse modelo de Estado podemos citar: a larga extensão territorial. poder). p. O poder político oriental estava ligado. adotado a cidadania romana. O autor conclui afirmando que o Egito é o exemplo mais perfeito da primeira forma e o povo judeu é o exemplo da segunda. Assim. início ou fim de uma peste. Dele dependiam a fertilidade da terra. b) total: o detentor da autoridade possuía poder supremo inquestionável para decidir quanto ao permitido e ao proibido (a lei exprime a vontade pessoal do chefe): “Aquilo que apraz ao Rei tem força de lei”. os membros superiores – encarnavam os delegados que lhe representavam (sacerdotes e militares) e os membros inferiores – encarnavam os súditos. sua maldição destruía tudo quanto fosse amaldiçoado por ele. que servia de aparato ideológico para a perpetuação e a incontestável supremacia do poder. apresentando-se como manifestação da própria comunidade: a cabeça encarnava a autoridade que dirige. e) transcendente: por ser de origem divina. O poder estava sempre nas mãos dos que detinham o poder econômico (proprietários da terra e dos rebanhos). sobre a posse e distribuição das riquezas. Além disso. que o obedeciam. o rei era divinizado e acreditava-se em sua imortalidade. Essa divisão mostra a hierarquia e a concentração do poder na cabeça e no peito do dirigente.TEORIA POLÍTICA O poder nos impérios orientais era. segundo a classificação de Chauí: a) despótico ou patriarcal: exercido pelo chefe de família sobre um conjunto de famílias a ele ligadas por laços de dependência econômica e militar e por alianças matrimoniais. aldeia).4 4 Classificação de Chauí (1994). sacerdote e capitão. a guerra e a paz. O poder no Estado Antigo possuía as seguintes características. detinha o poder religioso. o peito. o proibido e o permitido. d) mágico: o detentor do poder possuía força sobrenatural ou mágica. a um membro da família real. segundo Chauí (1994). f) hereditário: era transmitido ao primogênito do rei ou. Em decorrência disso. a vitória ou a derrota na guerra. militar e econômico. decidindo sobre a vida e a morte de todos os membros do grupo. Chefe do poder religioso. como condição da preservação da comunidade. concentrando a chefia do exército e a decisão sobre a guerra e a paz. a vontade que ordena. as alianças. A palavra. o chefe era rei. cuja autoridade era pessoal e arbitrária. fenômenos meteorológicos. exercido por um chefe de família ou de famílias (clã. cataclismos. tribo. Essa divinização o situava acima e fora da comunidade. na falta deste. e o poder militar. 47 . gestos e desejos do rei tinham força para matar e curar. c) incorporado ou corporeificado: o detentor do poder figurava em seu próprio corpo as características do poder. No Oriente somente um é livre. e a Ásia é o começo”. Índia. a monarquia. por último.6 Seguindo o pensamento hegeliano. não alcançando a “liberdade subjetiva”. 48 . na medida em que o seu povo contempla a união da moralidade com a individualidade. logo após. inicia-se no leste e termina no oeste. finalmente. Dessa forma temos. a-históricos. bárbaros. Para um maior aprofundamento da teoria de Hegel sobre a Filosofia da História. conferir o trabalho de Hyppolite (1971). e. autoritário e despótico sobre os súditos. realidade em que se encontram inseridos os impérios do Oriente (China. o conceito “liberdade” é acessível somente para alguns povos. surgem a democracia e a aristocracia e. em Lições sobre a Filosofia da História (1975). o despotismo. isto é. 5 6 Doravante a obra de Hegel Lições sobre a Filosofia da História Universal aparecerá no texto como LiFH. Pérsia). por estar subordinado às determinações do soberano. atrasados. no mundo europeu moderno (impérios germânicos) todos são livres. A Grécia é “o segundo princípio da História Universal”. defende que a História universal segue um caminho definido.5 Podemos entender História Universal como sendo o “disciplinamento da arrogância da vontade natural”.TEORIA POLÍTICA 3. ou seja. estabelece aquilo que denota o livre querer dos indivíduos: “Eis aí a união do princípio moral e da vontade subjetiva ou o reino da bela liberdade”.2. África e o Novo Mundo (as Américas). que está no centro do poder exercendo o comando centralizador. Para o pensador germânico. Nesse estágio visualiza-se um momento de estagnação e retrocesso em que os indivíduos permanecem como meros espectadores da História. inicialmente. esses povos estão submersos no “puramente particular ” (fechados aos conceitos universais). O mundo grego é comparado à adolescência da humanidade “porque é ali que as individualidades se formam”. o rei despótico. tendo a Europa como centro: “a Europa é o fim da História universal.1. já no mundo grego e romano alguns são livres em decorrência da participação efetiva dos cidadãos nas decisões da pólis. enclausurados em si mesmos. O Oriente é considerado por Hegel como a infância da humanidade. EXEMPLOS DE TEOCRACIAS ORIENTAIS Hegel. comprovando-se a inexistência da reflexão em sua própria liberdade subjetiva. 101-126). o terceiro momento da universalidade abstrata. é a base e o centro dos demais elementos concretos da vida de um povo. Comprova-se tal afirmação analisando-se as divindades romanas. Hegel apresenta o mundo germânico moderno como síntese da tese (Grécia) e da antítese (Roma). ou seja. na qual encontra a “alegria e a satisfação”. não como fragilidade (natural). nem lhe é subordinado”. a “Realidade da Liberdade”. Ocorre. ou a Cultura Nacional. o que não acontece com o homem romano. 49 . No quarto momento da História Universal. Hegel compreende “Estado” como uma palavra que expressa mais do que estruturas políticas de uma comunidade. Corresponde à velhice. Se Roma conquistou a Grécia pelas “armas”. uma vez que totaliza a Arte. “porque o varão não depende do arbítrio do senhor. a “Objetividade do Espírito”. que são as mesmas gregas: Roma torna-se um panteão de divindades e de todas as espiritualidades herdadas da cultura grega. pelo saber e pela religião. nem do capricho individual da beleza. em que o indivíduo encontra o trabalho rude e áspero. a “Idéia Divina. com uma política laica: “o Estado não é mais inferior à Igreja. no qual o indivíduo atinge o seu próprio fim”. a Religião e a Ciência.7 7 Conferir. a seguir. uma mudança da perspectiva do indivíduo perante o Estado. mas velhice no sentido da perfeita maturidade e força. p. igualmente. Pode-se afirmar que o Estado. tal como existe sobre a Terra”. a Moral. mas serve ao fim universal. O Estado é o “Todo Moral”. uma vez que o homem grego. a explanação e o entendimento de Hegel sobre o Estado nas LiFH (1975. como verdadeiro “indivíduo histórico”. o cidadão (dono de propriedade e de escravos) filosófico (reflexivo). o ápice da liberdade é o Estado. participa efetivamente nas decisões políticas da cidade. que é o objeto de estudo próprio da Filosofia da História de Hegel. de tal sorte que uma expressão de alcance maior como “cultura nacional” traduziria melhor seu significado. o Direito. Emerge o Estado moderno como força autônoma desapegada aos ditames da Igreja.TEORIA POLÍTICA O império romano é considerado o “áspero labor da idade viril da História”. À internacionalização da cultura grega chamamos de helenismo. para Hegel. Dessa maneira. a Grécia conquista Roma pela cultura. 1983. “É que os chineses veneram a natureza como se fosse o supremo” (Hegel. terá a capacidade de intuir o “ser em si”. o mundo oriental está caracterizado pelo despotismo. a Índia e a Pérsia. 50 . sendo que existe algo pensado que se transforma em algo universal e. Três nações fazem parte do mundo oriental: a China. é uma história fechada em si mesma. na concepção de Hegel. isto é. na arte. 204). tendo pouca relação com o mundo exterior. A figura do chefe é confundida com a própria divindade. o princípio da religião é de dependência a respeito de um poder superior. 1975. o chefe. o déspota. 1993. Os chineses são denominados meros copiadores da cultura européia. visto que.TEORIA POLÍTICA Ao contrário do mundo germânico de Hegel. como o pensamento que penetra prontamente no objeto. e. visto que este Estado se baseia exclusivamente sobre uma relação social patriarcal. a religião da China se refere a uma substância natural e particular. do qual apenas um é livre. p. como não há oposição. a consciência natural na pessoa do chefe supremo. Somente a última. num modo geral. Hegel conceitua a religião como sendo a interioridade do espírito. A China e a Índia não chegarão de forma alguma a atingir o status de povos históricos do mundo. 254). Necessita. não há oposição (contradição). O que se nota é o contrário no homem chinês. O espírito se encontra ausente na religião. unicamente. como se o próprio Deus fosse personificado para reger e comandar o Estado. “A liberdade dos indivíduos existe somente como acidente de uma substância que é. 264). na Geometria e na Medicina. na verdade. p. O homem não pode permanecer subordinado ao sensível. terá capacidade de chegar a uma subjetividade. o teocrata” (Florez. Hegel considera a China como sendo o princípio propriamente oriental. a história propriamente dita de um povo começa quando este se eleva à consciência. A dependência do indivíduo perante o Estado é total. p. não há possibilidade de síntese (superação) (Weber. Como não há consciência nesses povos. O espírito dos demais encontra-se submerso na particularidade indiferenciada. para Hegel. porque na verdadeira religião o indivíduo é livre. A história da China. sustentada e caracterizada pela piedade familiar objetiva. contudo. ter algo mais interior. comenta Hegel. igualmente. aquele que comanda e determina as leis. o império chinês é o mais antigo de que se tem notícia e. Quem representa a convicção neste Estado é somente um sujeito. assumida e direcionada pelo chefe. e ao povo cabe acatar as suas ordens. 108). 108). o elemento da subjetividade falta nesse todo do Estado. 51 . O que resta. 105). p. eles têm ainda menos personalidade. “por isso. 116). está inteiramente subordinado ao chefe. então. assim como este não se baseia na convicção” (1975. Dessa maneira.TEORIA POLÍTICA Os povos orientais não tiveram uma concepção definida sobre o Estado. é uma religião estatal. pois nele predomina a relação patriarcal. fica excluída qualquer mutabilidade. desde o princípio. encontra-se fora do processo que o pensador chama de histórico. e o governo baseia-se no exercício do cuidado paternalista do imperador que mantém a ordem” (1975. essencialmente com a Filosofia política de Maquiavel (rompimento da política com os ditames morais da Igreja Católica). isto é. 116). O povo chinês encontra-se subordinado ao poder estatal. mas subordinado ao despotismo do chefe do governo. É mister entender também que a concepção de Estado que conhecemos na atualidade só passa a vigorar com o entendimento do Estado Moderno. uma vez que o substancial (que se apresenta como moral) não é parte integrante do sujeito. em que se sobressai o Estado laico sobre o poder eclesiástico. É notável a subordinação e a dependência dos súditos em relação ao governo patriarcal despótico exercido na China. A dependência dos súditos afeta. ao mesmo tempo. o imperador. p. p. Neste caso o indivíduo não possui liberdade e vontade. Segundo Hegel. por lhe faltar a “oposição entre a existência objetiva e a liberdade subjetiva. Hegel exclui a China da História Universal à medida que não existe a subjetividade da pessoa. pois “no Estado. A preocupação essencial da época não contemplava esse aspecto polarizador. versus os súditos. mas sim o chefe. Hegel afirma que este não é o tipo de religião que o homem moderno europeu cristianizado conhece. o chefe do governo e da religião” (1975. p. e o estático que sempre ressurge substitui aquilo que chamaríamos de histórico” (1975. pois inexiste “o recolhimento do espírito em si mesmo na contemplação de sua própria essência” (1975. a dimensão religiosa. p. “o imperador é. Não existem castas ou classes que defendam seus interesses. à medida que o divino é proferido e aprovado (freqüentemente chegam ao poder). A Índia foi importante e. A Índia. como um todo. desde os tempos mais remotos. Sobre a possibilidade de existir um Estado racional. como a China. pantós “cada um. intercâmbio cultural. Hegel afirma que esta nação tem muitas semelhanças com a China. os animais e as flores como deuses. contudo. vaisias. o que é pior.TEORIA POLÍTICA Panteísta Segundo o dicionário Houaiss. Hegel afirma que os indivíduos precisam chegar a uma liberdade subjetiva. A Índia. à medida que se relaciona com os países europeus do mundo novo. pân. A religião indiana. o rio Ganges. mencionada pela maioria dos pensadores modernos ocidentais. ou seja. para o enriquecimento das nações ocidentais. deus. as estrelas. totalidade” e gr. e esta nação é considerada como depósito de riquezas que. a partir do gr. “permanece estática e fixa. Ao fazer referência à Índia. realidade que não ocorre na Índia. filósofo inglês. tem relações externas com a História Universal. a Lua. uma terra fechada em si mesma. ou “Deus. o termo foi criado em 1705 por J. “A Índia [conclui Hegel] só foi conquistada até hoje” (1975. que apresentará a força subjetiva e a coragem para manter o domínio sobre o povo restante e perpetuar o Estado. é. dominação e riqueza. tem servido para a exploração e. igualmente. encarregava-se da 52 . p. A segunda classe é a dos guerreiros chatrias. 123). O que se sobressai é o caráter da fantasia e do sentimento presentes em seu território. que impõe diferenças entre si. A classe dos brâmanes é a principal. Theós. divindade”. sobressai-se a religião hindu. onde as diferenças dão-se apenas entre classes. fechada em si mesma e estagnada. é panteísta universal. 280). atingindo o mais perfeito desenvolvimento para dentro de si mesma” (1975. Toland. A terceira classe. o rio Indo. por isso mesmo. p. que considera o sol. fornecendolhe produtos que serviram de comércio. isto é. A forma de organização e o fundamento do Estado. que significa a unidade do natural mais o espiritual. p. Fazem parte do império persa: os assírios. Ao comparar a Pérsia com a China e a Índia. Com o império persa começa a franca conexão com a História Universal. p. p. enquanto a China e a Índia encontram-se estáticas e fechadas em si mesmas. de fato. “na Índia um despotismo sem qualquer princípio. 53 . temos o exemplo do Estado israelita. visto que sua religião não é a idolatria. sem regra de moralidade objetiva e a religião tem por condição e fundamento a liberdade da vontade” (1975. 139). Hegel afirma a superioridade da primeira sobre as demais. constituem “ realidade espiritual em que se realiza o ser consciente do espírito. não adora as coisas individuais da natureza.TEORIA POLÍTICA agricultura. 139). medos e persas. Esta conexão. pois a lei é a vontade moral do imperador. com a história da Pérsia. por isso esta história constitui o verdadeiro começo da História Universal. 60). Sendo assim. na concepção hegeliana. 323). que tem a presença de Deus (Javé) como poder supremo. a classe do serviço. Essa realidade não está presente na China. mas uma conexão de conceitos” (1975. “cujo objetivo é trabalhar para os outros. Na Índia sobressai a imaginação como primeiro aspecto da subjetividade. juntamente com os demais súditos. subordinado aos preceitos da lei ditadas por Deus (Queiroz Lima. p. a liberdade da vontade como lei” (1975. como faziam os indianos. a Pérsia está “sujeita aos desenvolvimentos e transformações que por si só já demonstram uma situação histórica” (1975. p. Na China há um despotismo moral. Por tal razão a Pérsia é considerada o império que se inicia e desenvolve juntamente com o conceito de História Universal. No mundo oriental o princípio de evolução inicia-se. “não é aparente nem externa. A quarta é a classe dos sudras. indústria e comércio. em que o rei era apenas chefe civil e militar. babilônios. Na Pérsia o homem pode separar-se da natureza. 149). mas o universal. estando. reprimindo e anulando a liberdade e a individualidade do sujeito. a troco de um salário que lhe garanta um meio de subsistência” (1975. 1957. p. o império persa é o primeiro povo histórico submetido às evoluções e revoluções. afirma Hegel. 127). únicos testemunhos de uma vida histórica. Ainda como Estado teocrático. por isso. Os princípios da Grécia e de Roma. estabelecendo. Todo o valor que o homem tem. O que uniu os povos germânicos foi o cristianismo e.. e esse povo é. 568). envolvido na escuridão da noite. é o país filho. Vê-se que. 571). enquanto o homem adquiriu a consciência em sua universalidade e infinitude. O princípio do império germânico deve ser ajustado à religião cristã (Hegel. ao se referir à África. “O espírito realizou-se e. pois somente o Estado tem no homem existência racional. Hegel a incluiu na participação da “trindade” Europa. são vistos como formas antitéticas de uma tentativa de expressar a idéia de liberdade na sociedade. Graças ao cristianismo é que o espírito alcançou sua plena maturidade. dessa forma. cujo fim é a realização da verdade absoluta. p... por exemplo. Hegel coloca o Estado germânico num patamar transcendente. como síntese concreta da individualidade livre dos gregos e do legalismo abstrato dos romanos. como autodeterminação infinita da liberdade. dessa forma. o povo germânico. assim. o qual alcança a totalidade na figura do Estado germânico. a História põe à mostra “uma dialética de princípios nacionais”.. 101). a moralidade entre os indivíduos.” O Estado é o fim e os cidadãos são os instrumentos (p. que tem como conteúdo sua própria forma absoluta. o espírito superior encerrou a reconciliação e a libertação.. 54 . Somente neste tem sua essência. é o momento mais elevado em que o espírito se realiza em um determinado povo. mas a exclui da História Universal. 264).. 1975. O Estado. sendo a última uma reação contra a visão da primeira. Ásia e África.. Por outro lado. com a religião cristã. segundo Hegel. segundo Hegel. relacionando-o com a própria divindade. Nesse confronto dialético surge o quarto momento do espírito. toda sua realidade espiritual. o fim dos dias chegou: a idéia do cristianismo alcançou sua plena realização” (p. distante da luz da história consciente” (p.. “. simboliza a unidade da vontade universal e essencial com a vontade subjetiva. O Estado. a tem mediante o Estado.TEORIA POLÍTICA Na visão de Hegel. como totalidades que estão unidas pelo Mar Mediterrâneo. “A África não tem interesse histórico próprio. O espírito germânico é o espírito do mundo moderno. nenhum Estado que possa seguir. os quais repetem em sua consciência. pelo fato de este ser pouco conhecido dos europeus. espanhola.TEORIA POLÍTICA A concretização do Estado hegeliano precisa de uma base que unifique os elementos da vida de um povo. O que nós chamamos de religião. “Não há nenhum fim. evidenciado até mesmo nos caracteres próprios. inexiste uma realidade histórica. apenas sujeitos que se destroem” (p. Progrediu graças ao desenvolvimento da indústria. o que é em si e por si. e que constitua. 55 . assim. A América do Sul. Os africanos. da população. em vez de ser colonizada. Hegel reconhece que os povos que habitaram as terras no Novo Mundo tinham entre si uma cultura. fechada em si mesma. cultos. Estados confederados separam-se. visto que foi colonizada por povos de religiosidade protestante 8 nos seus traços fundamentais. seus ritos. limitada por suas tradições. A primeira constitui a prosperidade. 182). Hegel diferencia a América do Norte da América do Sul. o que tem validade absoluta. A realidade da África é. diz Hegel. católica. como a realidade dos orientais. embora rude. físicos e políticos. não existe todavia para eles” (p. Na África. leis adivinhatórias. e todas essas mudanças são operadas por revoluções militares. à ordem civil e a uma firme liberdade. Hegel faz distinção entre o Velho do Novo Mundo. Direito. não têm chegado ao reconhecimento do universal. o “todo moral”. mas em seu absoluto. foi conquistada. toda a Confederação constitui apenas um Estado e tem os seus centros políticos. a “ realidade da liberdade” e a “idéia do divino” tal qual existe sobre a Terra. deuses. religião e ciência. segundo a posição de Hegel. pois este último é novo não somente no relativo. O Novo Mundo compreende as Américas do Sul e do Norte e a Austrália. As repúblicas repousam somente no poder militar. como arte. não existe nenhuma subjetividade. mas ao entrarem em contato com os 8 Sobre a ligação entre religião protestante e capitalismo ver Weber (2004). conforme Hegel. 182). moral. e a situação do negro não é suscetível de desenvolvimento e educação. “Sua natureza consiste em estar enclausurada em si mesma. É essencial a separação do Velho Mundo do Novo. toda a sua história é uma revolução constante. Por fim. pois permanece estagnada até os dias de hoje. Estado. unem-se de novo. pois é necessário que estes povos deixem o espírito dos interesses particulares e orientem-se pelo espírito da razão e da liberdade. O Estado detinha o poder de administrar a irrigação da agricultura a partir do Rio Nilo. defendidos por poderosos colégios sacerdotais. 10 56 . detinha o poder centralizando-o em suas mãos. a ação de uma criava para outras limitações intransponíveis (Villeneuve apud Queiroz Lima. Se o faraó tinha sobre as outras divindades a incontestável superioridade de ser uma entidade viva. protegia e castigava os cidadãos. estes eram responsáveis pelo culto das divindades. por isso o faraó era chamado de o “Filho do Sol”. p. 175). p. p. igualmente.9 Outro exemplo de teocracia foi o Egito. “A conquista desses países assinalou a ruína de sua cultura da qual conservamos notícia” (1975. o poder teocrático. Predominou neste povo a monarquia despótica. o poder religioso. 61). exercido pelo faraó. filho de deuses. O rei dirigia o Estado como divindade. e se der uma relação tal que uma grande massa já não possa satisfazer suas necessidades da maneira que estava acostumada” (p. acumularam poder e riqueza e desfrutavam de privilégios (isenção de impostos). nem por isso lhe era fácil invadir o campo de privilégios dos outros deuses. O Novo Mundo. 13-58). No Egito. nomeando os demais sacerdotes como assistentes do “grande” sacerdote. pouco dispostos a consentir em tais invasões. assim como a África. 9 Conferir a crítica de Enrique Dussel sobre o preconceito de Hegel ao se referir à África e às Américas como povos que não alcançaram a consciência histórica (Dussel. E como as diversas divindades tinham competência especializada. ficará também fora da História Universal. que detinha o poder do Estado dominando os demais. e sua autoridade era divina. e o poder militar. o grande rei. um verdadeiro Estado e um verdadeiro governo somente se produzem quando já existem diferenças de classes. 171). comandava a natureza. exercia poder sobre o tempo de bonança e miséria. 1993. perderam a sua individualidade cultural. Para Hegel. pelos quais foram “descobertos”. No Egito temos. O faraó era um deus. igualmente. em que o soberano era considerado um Deus (Chauí. 1994. 1957. onde controlava a produção dos alimentos. Os americanos não desejam formar Estados jurídicos e uma lei jurídica formal. “quando for grande a riqueza e a pobreza. decidindo sobre a arte da guerra e da paz. 96).10 É importante lembrar que o faraó detinha. O soberano era dono de todas as terras dos círculos aristocráticos. p. da mesma forma incutia a ideologia de que tudo dependia dele.TEORIA POLÍTICA europeus. entretanto. a existência simultânea de muitos deuses determinava um engenhoso sistema de limitações das prerrogativas reais. TEORIA POLÍTICA No modo de produção asiático. contudo. 22). e os que participam dele automaticamente podem usufruir dos seus benefícios. segundo o entendimento de Engels. em Origem da família. 1985. do qual convém servir ao Estado. é a força de coesão da sociedade civilizada e que. p. priorizando o econômico. 1984. 97). Na visão de Diakov e Kavalev (1987. A produção excedente absorvida pelo Estado tornou possível a diferença de classes. na comunidade oriental. no decorrer da História. É necessário. da propriedade privada e do Estado. ser explorado. é a ambição: “seu objetivo determinante é a riqueza – mas não a da sociedade e sim de tal ou qual mesquinho indivíduo” (p. Neste sentido. p. 73). privatizando o excedente da agricultura. para confirmar essa tese. ligadas entre si por relação de exploração”. p. as classes sociais e o Estado surgem em épocas e em condições diferenciadas. quando se iniciou a irrigação com as águas do Rio Nilo propiciando o cultivo agrícola em seu vale. constata-se que o Estado surge na medida em que há diferenças de classes. o Estado só é possível nas sociedades 57 . E. É. inicialmente. o Estado é o grande detentor da propriedade da terra. Segundo Marx. o indivíduo. 14). o que significa que a classe dominante exerça uma relação de exploração sobre a classe dominada. para o surgimento do Estado. o que não acontece ao restante do povo. “não passa de um acidente ou um elemento puramente natural”. Mangabeira. apud Pinsky. o que ocorreu no Egito no fim do 4º milênio antes da nossa era. 1984. p. 21). desde os tempos mais antigos. O Estado. 81-98). pois encontra-se submetido à vontade não de si próprio. apud Pinsky. O que faz a História mover-se. mas à vontade do déspota real (encarnação visível de deus) (Marx. apud Pinsky. acumulando produtos na propriedade privada. quase uma unanimidade afirmar-se que o Estado seja um instrumento que possibilita a uma classe exercer sua dominação violenta sobre as demais (Clastres. pagar impostos e trabalhar em serviços forçados (Barbosa. “que exista antes divisão da sociedade em classes sociais antagônicas. p. serviu aos interesses da classe dominante: “uma máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada” (Engels. Tal situação será possível em sociedades que ultrapassarem o necessário para a sua sobrevivência. 1984. inclusive todo o Ocidente. especialmente Hegel e sua Lições sobre a Filosofia da História. para você. 58 . não importando o modelo social e econômico a ser seguido.TEORIA POLÍTICA civilizadas. o chefe não dispõe de “nenhum poder de coerção. estudante. não é desse modelo que surgirá o poder despótico. História e a Política. de nenhum meio de dar uma ordem”. então toda sociedade não-primitiva é uma sociedade de Estado. O importante. Trouxe pensadores das ciências políticas e da Filosofia que discorreram sobre o tema. passamos ao estudo detalhado da sociedade grega. é perceber as transformações do Estado não só nos períodos históricos. pois não se preocupam em acumular e a gerar desigualdades. que influenciou por meio de sua Filosofia. Esta Unidade procurou analisar a “evolução” do Estado. mas também as concepções de Estado para as diferentes sociedades e civilizações. muitos outros povos. Nas sociedades primitivas. em oposição às sociedades primitivas. arte. Vencida esta etapa. que “são sociedades sem Estado”. A história grega é dividida por Hegel em três momentos decisivos: inicialmente. econômica e política da Grécia. Por tal razão. 1995. com a formação da real individualidade. em um terceiro. “entre os gregos. em um segundo momento. com o período de decadência. como a sociedade política de maior expressão” (Dallari. pois nos encontramos na região do espírito” e no referido povo dá-se a “verdadeira ascensão e por real renascimento do espírito” (Hegel. arte e política que conhecemos na atualidade têm sua origem na civilização grega. p. sentimo-nos de imediato em casa. à medida que o conhecemos.C.Unidade 4 O Pensamento Político da Sociedade Grega TEORIA POLÍTICA Seção 4. A característica que realmente harmoniza esta realidade é a cidade-Estado. 54). como vimos na unidade anterior. contemplação). afirmava que. podemos mencionar o século 6º a. isto é. O fator geográfico foi preponderante para a formação cultural. nas Lições sobre a Filosofia da História Universal. que englobasse toda a civilização helênica. 59 .1 Os gregos: precursores da política e da democracia Partimos para a análise do mundo grego e. 189). Em termos cronológicos. Ao se falar em Estado grego consideramos que o mesmo inexistia como Estado único. 1975. como o término da mesma. como o início da civilização grega e o século 3º a. História. Hegel. ou seja. migração. Os conceitos de Filosofia. O litoral entrecortado e o mar favoreceram o intercâmbio comercial e cultural com outros povos (navegação. “a pólis. p. com a autonomia e a prosperidade na vitória externa e.C. vamos aos poucos notando as razões que nos aproximam desse povo. propriamente. Com a juventude iniciam-se. se orientava. ultrapassando. a Grécia é considerada a adolescência. da consciência de que o ético e o jurídico se revelam no mundo divino e de que também o mundo tem validade” (Hegel. como os orientais são considerados povos infantis.TEORIA POLÍTICA O Estado grego apresenta algumas características fundamentais: a) em oposição ao Estado oriental. para que a antiga Grécia fosse o berço da racionalidade ocidental. a visão mítica pela qual o homem. até então. Assim. Hegel comenta que a “Grécia é a mãe da filosofia. Foi na antiga Grécia que se iniciaram os argumentos lógico-racionais. nas quais a História encontra-se submersa em uma consciência natural e particular. políticos e sociais contribuíram. dessa forma. que começa a negar o estabelecido e procura afirmar-se com uma identidade própria. ao descrever que os gregos representam o espírito juvenil. ao contrário das nações do Oriente. 1993. Assim. porque com eles se inicia a consciência e a realização de um fim de natureza universal e não de qualquer fim. temos na Grécia uma reduzida expressão territorial (na forma de pólis ou cidade-Estado). porque começam a fazer-se livres por meio da consciência. pela primeira vez na História. d) surge o pensamento político. c) o conceito e a prática da democracia surgem no tempo de Péricles. 1975. O entendimento de Thadeu Weber vai nessa direção. 400). p. p. isto é. isto é. as contradições. 60 . b) o conjunto de cidadãos é que toma as decisões políticas. Superá-las significa elevá-las e guardá-las num nível superior (Weber. 208). A História começa com os gregos. e) os cidadãos usufruem intensamente dos direitos que a participação política proporciona. o homem grego alcança o espírito universal na medida em que se desprende dos fatos de natureza particular e começa a produzir as coisas por si mesmo. intensamente. devem aprender o caminho para alcançar a História Universal. Os aspectos geográficos. p. o intercâmbio comercial transforma-se num processo de colonização e escravização de outros povos. 61 . Argumenta Hegel: A escravidão era a condição necessária de semelhante democracia. ao regime político. ê Pólis: a cidade. p. Esparta. o regime político. é o fenômeno em si mesmo. Argos. – ta política: plural neutro de políticos. deixando estes encargos para os escravos.1 Para Kitto (1970). É uma má tradução porque a pólis comum não se assemelhava muito a uma cidade e era muito mais que um Estado” (p. – ê politikè (techné): a arte da política (Prélot. 1 Para Moses Finley os gregos foram os verdadeiros fundadores da política (1998. à República. a política é essencialmente a vida política. para alcançar sua plena cidadania. deveria estar livre dos trabalhos manuais da vida cotidiana. A ETIMOLOGIA DA PALAVRA POLÍTICA A palavra “política” provém dos vocábulos gregos pólis. de exercitar-se nos estádios e tomar parte das festas (1975. onde todo cidadão tinha o direito e o dever de escutar e pronunciar na praça pública discursos sobre a administração do Estado. politikè. política.1. reconhecendo-se mutuamente. as coisas políticas. Os núcleos urbanos. 460). ou ainda a reunião dos cidadãos que formam a cidade. politeia. 31-32). a Constituição. O homem grego. se transformam em comunidades político-religiosas autônomas. de migrações dos dórios. em diante). p. 4. construídos em torno das fortalezas micênicas. Mileto e Corinto estabelecem relações comerciais entre si e através de todo o Mediterrâneo. a formação da pólis grega resulta. Ática.C. Atenas.. à soberania. 1964. – ê politeia: o Estado.TEORIA POLÍTICA A cidade grega deixa transparecer a autêntica face do Estado. determinada e instituída por um acordo entre os indivíduos que. a cidadania (no sentido do direito dos cidadãos). Em torno de 1000 a. tudo o que é inerente ao Estado.C. 107). à Constituição. entre outros fatores. a luta em torno do poder. Para que os cidadãos gregos exercessem a participação efetiva na pólis.1. fazem um contrato e se definem como livres: é uma “obra-de-arte política”. seriam necessárias a permanência e a perpetuação de escravos para mantê-los e sustentá-los. “pólis é a palavra grega que traduzimos por cidade-Estado. Tebas. beócios e tessálios (1200 a. as coisas cívicas. a República. Em sentido comum. a região. 7). da justiça e da injustiça. leis. organização da defesa e da guerra. 3 62 . e muito. significava usufruir de certas vantagens que nenhum outro homem conhecera. livres e iguais. assim como o justo e o injusto. E é a associação de seres que têm uma opinião comum acerca desses assuntos que faz uma família ou uma cidade”.). p. o que a diferencia.. o único a ter noção do bem e do mal. “foi com a pólis grega que apareceu. e o homem é o único animal que tem o dom da palavra. e seja encontrada em outros animais. isto é. beleza e inteligência diversas. obras de irrigação. e mais. formada pelos cidadãos (politikos). Segundo Jaeger (2003). mas como cidadãos eram iguais”. ta politika são os negócios públicos dirigidos pelos cidadãos: costumes. A natureza. o poder da palavra tende a expor o conveniente e o inconveniente. impostos e tributos.2 Ser cidadão. p. erário público. entendida como comunidade organizada.3 É exatamente na pólis grega (cidade) que se tem uma forma mais acabada e apurada da vida social organizada. 2 Sobre a “palavra” (a importância da discussão). Essa é uma característica do ser humano. das sociedades anteriores. cargo público. repartição pública. não faz nada em vão. etc. E mesmo que a mera voz sirva para nada mais do que uma indicação de prazer ou de dor. Sendo Estado e pólis equivalentes” (p. 98). I. construção de templos e fortificações.) e das atividades econômicas da cidade (moeda. pela primeira vez. administração dos serviços públicos (abertura de ruas. o que nós denominamos Estado – conquanto o termo grego se possa traduzir tanto por Estado como por cidade. Público = relativo ou pertencente ao governo de um país. para os gregos. como se afirma freqüentemente. 371). Na concepção de Chauí (1994. 19): “Os cidadãos tinham riqueza.. etc. p. 2): “É evidente que o homem é um animal mais político do que as abelhas ou qualquer outro ser gregário. 371). O trabalho de Minogue (1998) é uma excelente síntese do pensamento político ocidental. estradas e portos. Segundo a descrição de Chauí (1994. fisco. tratados comerciais..TEORIA POLÍTICA Erário público Erário = Fazenda. pólis significa cidade. pelos homens nascidos no solo da cidade. portadores de dois direitos inquestionáveis: a isonomia (igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito de expor e discutir em público opiniões sobre ações que a cidade deve ou não realizar). é da pólis que deriva o que entendemos atualmente por “política” e “político”. Como afirma Minogue (1998. observa Aristóteles (Pol. no começo. a filosofia com todos os seus ramos. o despotismo oriental. erário público. aos conflitos e acordos nas tomadas de decisão e na definição das leis e de sua aplicação. é entendida como um dos produtos mais marcantes do “milagre grego”. p. 374). não é política.7 4 5 6 Para Châtelet (1985. a cidade. Segundo Minogue (1998. senhor da terra.TEORIA POLÍTICA Civitas é a tradução latina de pólis. 371-381) sobre o conceito de política. no vocabulário político atual. Não apenas a política inicia-se com os gregos. de modo a impedir a concentração do poder e da autoridade nas mãos de um rei. referindo-se ao modo de participação no poder. Res publica é a tradução latina para ta politika. serviços públicos) e sua administração pelos membros da cidade. ambos tivessem conhecido a organização econômico-social de tipo despótico ou patriarcal. 4 Afirmar que os gregos e romanos inventaram a política não significa dizer que. p. p.5 Para compreendermos o que se pretende dizer com isso. segundo a autora. o drama. desde a metafísica até a economia. 20). feliz e justa. isto é. própria dos homens livres. Ta politika e res publica correspondem (imperfeitamente) ao que se designa. a matemática e muitas das ciências naturais – tudo isto começa com os gregos” (Kitto. a história. nascidos no solo de Roma. da justiça. contemporaneamente. das armas. significando. A política é entendida pelos gregos como “vida boa”. segundo a etimologia. 13). chamamos de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis. como ente público e coletivo. Pólis e civitas correspondem (imperfeitamente) ao que. bem como todo o vocabulário político que conhecemos atualmente refere-se aos gregos e romanos. dá-se com os gregos e romanos. convém examinarmos como era concebido e praticado o poder nas sociedades que não as greco-romanas. mesmo que. antes deles. próprio das civilizações orientais (1994. Assim. p. A invenção da política. um conjunto de medidas foi tomado pelos primeiros dirigentes – os legisladores –. 14). representante da divindade. os gregos foram os pioneiros na política. como racional. a pólis. os negócios públicos dirigidos pelo populus romanus. portanto. por práticas políticas. Conferir a análise de Chauí (1994. mas “a poesia épica. no reconhecimento dos direitos e das obrigações dos membros da comunidade política às decisões concernentes ao erário ou fundo público. a finalidade da vida política é a justiça (entendida como concórdia) na comunidade. portanto. os patrícios ou cidadãos livres e iguais. p. a cidade grega.6 Chauí afirma que os gregos e romanos foram os pioneiros na política. 7 63 . Para os gregos. não existissem o poder e a autoridade política propriamente dita. 1970. O que vem antes deles. provém de pólis (politikos). Em segundo lugar. pelo interesse dos filhos. no sentido originário. para muitos cargos. Originalmente. Assim. a política é apenas uma ciência do Estado. mesmo que os pobres tivessem direitos políticos. A exclusão atingia também estrangeiros e miseráveis” (p. 2003. pelo interesse do senhor. pelo interesse de governantes e governados. na Paidéia (2003. as mulheres também estavam excluídas da cidadania e da vida pública. p. isto é. na obra A República. a tudo que é urbano. patrocínios de jogos esportivos.. “. cidade e tudo o que se refere a ela. 376). livres e nascidos no território da cidade. da liturgia grega e do evergetismo romano. civil e público. Jaeger. Este foi o primeiro tratado sobre a natureza. 376-377).. a “economia era agrária e escravista. de sorte que uma parte da sociedade – os escravos – estava excluída dos direitos políticos e da vida política.. 1994.. isto é. Atualmente o conceito de política se ampliou e refere-se a atividades que de alguma forma têm por referência a pólis. E o governante.8 Abordou as formas ideais e degeneradas de política. deve conhecer os valores supremos. das coisas de que vale a pena preocupar-se na ação” (Jaeger. tratou da política e do Estado ideal. Quem realmente participava da pólis? A cidadania era exclusiva dos homens adultos. 377): A diferença de classe social nunca era apagada. Também Aristóteles tratou sobre o tema na obra A Política. Como nos esclarece Chauí (1994. 64 .TEORIA POLÍTICA Afirmar que os gregos e romanos foram os inventores da política não significa a instituição de uma “sociedade e uma política cujos valores e princípios fossem idênticos aos nossos” (Chauí. mas sempre a estrutura espiritual do homem que o representa”. Em primeiro lugar. 8 Sobre a questão do Estado em Platão. o poder despótico. o pré-requisito da riqueza vigorava e havia mesmo atividades portadoras de prestígio que somente os ricos poderiam realizar. O filósofo Platão. 1. p.372). 1. construção de templos e teatros. para Platão. a sociedade era patriarcal e. conseqüentemente. de trabalhos artísticos. de grandes doações em dinheiro à cidade para festas. Era o caso. p. funções e divisões do Estado sobre as várias formas de governo. para Platão o Estado nunca é o mero poder.330) afirma que: “. o conceito de política. e o poder político. Como vimos. por exemplo. p. conseqüentemente. Aristóteles tratou das três formas de poder: o poder paterno. Com o desaparecimento das civilizações clássicas.1. no entanto sugerimos alguns autores que tratam o tema: Anderson (1998). nos Países Baixos. Barker (1978). 29). Kitto (1970). A ORIGEM DO CONCEITO DEMOCRACIA A palavra democracia. Pinsky (1984) e Coulanges (s. Também na Inglaterra.TEORIA POLÍTICA 4. ainda no período medieval. 29). na Noruega. Já as democracias modernas nascem com a formação dos Estados nacionais e tendem a se configurar de maneira um tanto diferenciada. Hegel (1975). A democracia grega era uma democracia direta em que os próprios cidadãos tomavam as decisões políticas na pólis. faziam experiências com Assembléias locais. 65 . 2001. 9 O propósito deste capítulo não é aprofundar o debate sobre a origem da democracia clássica dos gregos e romanos (democracia antiga). durante o reinado de Eduardo I. Minogue (1998). 2001.. Aquino et al (1988). possibilitando e permitindo a participação de um significativo número de cidadãos. significa... Grécia e Roma consolidaram por séculos seus sistemas de governos.] depende das condições favoráveis” (Dahl.d).).d. a da democracia indireta (também chamada de democracia representativa): “essa combinação de instituições políticas originou-se na Inglaterra. emerge o Parlamento Representativo das Assembléias. Foi o historiador Heródoto quem utilizou o termo democracia pela primeira vez no século 5 antes de Cristo (Outhwaite. que se reunia e administrava o governo de forma direta. O modelo de democracia dos antigos foi denominado de democracia pura. convocadas esporadicamente. p. A complexidade da sociedade moderna exige uma outra forma de organização política. 179). bem como os limites de seus pressupostos desde a democracia clássica ateniense até as vertentes contemporâneas. Aranha e Martins (1993). pois consistia em uma sociedade com um número pequeno de cidadãos. sob a pressão de necessidades. O desdobramento dos debates sobre o desenvolvimento do conceito de democracia. entre outros. os vikings. Já do ano 600 ao ano 1000 d. de 1272 a 1307.9 Há um entendimento unânime sobre as várias e possíveis “invenções” da democracia em períodos e espaços determinados da História e da Geografia do Ocidente: “como o fogo. de origem grega. e kratein – governar. na Escandinávia. a democracia parece ser inventada mais de uma vez.2. Chauí (1994). p. Arendt (1995). a pintura ou a escrita. mas só os homens livres participavam: “abaixo dos homens livres estariam os escravos” (p. demos – povo.C. pela etimologia. Jaeger (s. 19). p. a democracia desaparece com elas e por um bom tempo ficará fora de cena no Ocidente. Bottomore. 1996. na Suíça e em qualquer outro canto ao norte do mediterrâneo” (Dahl. em mais de um local [. já foram muito bem expostos nos trabalho de Held (1987) e Dahl (2001). 1996. que tais direitos foram restritos a uma pequena parcela da população e que a desigualdade perdurou por muito tempo: na Inglaterra. desenho urbano incomparável. o direito de voto era para apenas 5% da população acima dos 20 anos de idade. o homem moderno passa a ver garantida. mesmo que a democracia inventada pelos gregos nos séculos 5º e 4º a. Tem-se aí a consolidação da democracia liberal. É necessário ressaltar. liberdade e propriedade). defendida. e apenas no século 20 ela se viu devidamente afirmada na prática. essas repúblicas floresceram em uma série de cidades italianas. a democracia reaparece gradativamente nas cidades do Norte da Itália no período renascentista: Durante mais de dois séculos. ou seja. Bottomore. p. lenta e gradativamente. a democracia desapareceu por séculos e.10 É somente depois da Primeira Guerra Mundial que a desaprovação geral da democracia foi substituída pela aprovação generalizada (Outhwaite. É assim que. Uma boa parte dessas repúblicas. dependiam desse mar para o intercâmbio comercial e cultural: “O transporte marítimo era o único meio viável para a troca de mercadorias a média e a longa 10 É claro que houve muitas experiências democráticas. foi só no final do século 18 e no século 19 que a idéia voltou a se tornar importante. 2001.C. como vimos anteriormente. 25). O que está em jogo nas Constituições liberais e nos sistemas políticos modernos são única e exclusivamente os interesses da classe burguesa e o freamento da participação para o restante da população. mediterrâneas. a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). arte e arquitetura soberba. 180). porém. ela não deixou de significar um avanço em relação às tiranias teocráticas das civilizações orientais que a antecederam. depois disso. principalmente. a democracia vai consolidando-se nas sociedades avançadas da modernidade. refinado artesanato. em 1832. por John Locke. fosse elitista e escravista (participação restrita). nos séculos 15 e 16. música e poesia magnífica. p. nas suas respectivas Constituições. que as civilizações greco-romanas eram. como a Revolução Gloriosa na Inglaterra (1688/89). de certa forma. Logo após esse período. ainda. eram centros de extraordinária prosperidade. Impulsionado pelas revoluções liberais. 66 . e a entusiástica redescoberta do mundo antigo da Grécia e de Roma (Dahl. Nota-se que. É certo. como Florença e Veneza.TEORIA POLÍTICA Bem mais tarde. a defesa dos direitos individuais (vida. mas a afirmação da democracia é recente. uma forma direta de exercer a ação política. p. 13 67 . “democracia” representava o governo dos demos. isto é. 8º a 6º a. classe ou função. p. da moeda. das leis escritas. “condutor do brilho duvidoso da Antiguidade” (Idem. 20). ocorreram grandes alterações com o desenvolvimento das atividades comerciais. porém.13 Todos são iguais. O termo foi concebido a partir das profundas reformas sociais e políticas de Clístenes. 1998. 11 12 Conferir o artigo de Karnikowski (2000). a democracia foi uma criação da genialidade dos gregos. capazes de tomar as decisões da “cidade” (pólis). Hannah Arendt (1995. pois o mesmo era.11 No chamado período arcaico (séculos. p. 41) apresenta uma diferença substancial entre a pólis e a família. o cidadão poderia e deveria atuar na vida pública independentemente da origem familiar. É inconcebível entender as civilizações antigas sem o mar. Para os gregos. É importante ressaltar que o termo “democracia” não pode ser entendido sob a tradução cômoda e reducionista de “governo do povo”. como o surgimento da escrita. A passagem da predominância do mundo rural da aristocracia (donos de terras) para o mundo urbano vem acompanhada de outras mutações igualmente importantes. o que determinou o aparecimento de diversas pólis (cidades-Estados) na Grécia Antiga. que eram um tipo de distrito territorial composto por homens livres. sem as formas representativas das democracias modernas. mas a partir da própria razão do homem. Como vimos. que viveram o seu momento de apogeu no século 5º a. mais precisamente da pólis (cidade-Estado) de Atenas. tendo o mesmo direito à palavra e à participação no exercício do poder.C. a Filosofia (logos).C. No século 5º havia talvez de uns 80 mil a 100 mil escravos em Atenas para 30 a 40 mil cidadãos (Wetermann. Na pólis todos são iguais. desenvolveram-se sobretudo as concepções de cidadania e de democracia. que deu autonomia ao homem grego de pensar por si só. p. no final do século 6º a. Em Atenas. ao passo que a família era o centro da mais severa desigualdade”.TEORIA POLÍTICA distância” (Anderson. 1998.C. A origem do cosmos e do homem não será mais explicada a partir dos mitos e das divindades. segundo Anderson. apud Anderson. na família há diferenças: “A pólis diferenciava-se da família pelo fato de somente conhecer ‘iguais’. 176).12 Em oposição à idéia aristocrática de poder. e culminou com o aparecimento de uma nova racionalidade.). 21). A conseqüência de tais alterações para a política se faz sentir de maneira diferente conforme o lugar. escravos e bárbaros) de cada cidade-Estado são divergentes entre os estudiosos. A produção cultural.TEORIA POLÍTICA Panegíricos Discurso público em louvor a alguém ou a um ser abstrato. elogio público pronunciado em festa nacional”. a academia. podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembléias. acompanha as procissões. p. que honra os mesmos deuses da cidade. (. as mulheres e os escravos. o pensamento filosófico. por meio da sugestão/criação de leis e normas administrativas). 191). pelo lat. Assim esse homem. Diz Kitto (1970. Segundo Aranha e Martins (1993. de uma minoria. p. isto é. panegyrìcus.. no entanto. e participa dos panegíricos. opondo a democracia à aristocracia e o ideal do cidadão ao do guerreiro. A fim de reduzir as despesas do Estado. 110) que “só três poleis tinham mais de 20 mil cidadãos – Siracusa. segundo o dicionário Houaiss. i “discurso laudativo”. Na verdade. de participar da academia (culto à beleza física). em assembléia geral. Os escravos e os bárbaros não podiam tomar parte dos ambientes sagrados. elogioso. 14 Os dados sobre o número exato de habitantes (cidadãos. do estudo e do poder (direito de comandar politicamente todos os interesses da pólis. o governo restringiu o direito de cidadania: somente os filhos de pai e mãe atenienses seriam considerados cidadãos. laudatório. na Sicília. eram considerados cidadãos aproximadamente 10% da população ativa da cidade. Atenas talvez tivesse uma população de 250 mil pessoas.15 O homem (cidadão) era detentor do saber – o ser da Filosofia tinha direito de filosofar. Elogio solene. Que louva. 135).) o que tem o direito de aproximar-se dos altares e. Segundo alguns teóricos.14 O importante. participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das vítimas. p. p. apenas 10% dos habitantes eram considerados cidadãos em Atenas. e Atenas”.. apenas 10% dos atenienses eram considerados cidadãos (cerca de meio milhão de habitantes). ón “que diz respeito a uma festa nacional. segundo o teórico Coulanges (s/d). Segundo Anderson (1998. sendo excluídos os estrangeiros. jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (s/d. 15 68 . daí festa solene. assiste às festas. panégurikós. é todo o homem que segue a religião da cidade. no dia em que se inscreveu no registro dos cidadãos. é que se desenvolveu uma nova concepção do poder. eram uma exclusividade dos varões. que contém louvor. é. Cidadão. vem do gr. 176). Acragas (Agrimento). A etimologia do termo. trezentos mil eram escravos e cinqüenta mil metecos (estrangeiros). os outros 80% eram considerados ‘bárbaros ou comuns’ (Thomas. suas esposas e seus filhos. cuidava dos afazeres “domésticos”. Segundo o estadista. 1973. o pensamento político e o Direito Constitucional. Em síntese.000”. “As mulheres que. era apenas a procriação. ou estrangeiros residentes. contanto só os adultos. dedicada a funções corporais” (Aristóteles. 17 18 19 69 . totalizando mais de 160. das decisões da pólis. segundo Aquino et al (1988. de preferência. nasce. cujo número se estima em 80. aos discursos e às discussões políticas (Prélot. portanto.000. 56). Diz Isócrates: “Estabelecemos entre os outros a nossa Constituição” (p. o homem dado aos debates na Agora. por excelência. Ainda sobre a população de Atenas: “A população total de Atenas na época pode ser estimada de 300.19 16 “O cidadão era o homem cujos pais fossem ambos atenienses natos. p. apud Arendt.TEORIA POLÍTICA As mulheres. A função essencial das mulheres. pelo menos uma parcela considerável da população da Ática. Também Eurípedes e Isócrates deixaram seu testemunho em favor da democracia. garantem a sobrevivência física da espécie. o conceito e a prática da democracia ateniense (no tempo de Péricles). igualmente. e os trabalhadores escravos. 1967. a democracia ateniense é a escola da Grécia e ressalta seu aspecto original: “não imitamos a Lei dos nossos vizinhos” (Prélot. A democracia ateniense. surge nas cidades-Estado gregas. incluindo as crianças. ou o conjunto dos cidadãos. ou a mais de 90. os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram desprovidos de quaisquer direitos políticos (Aquino et al. pois o trabalho escravo era a base da vida econômica da sociedade. na Grécia. Mulheres e escravos pertenciam à mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias – não somente porque eram propriedade de outrem. era uma democracia escravista. 18 Algumas características principais da pólis grega: reduzida extensão territorial.000. servia como instrumento de procriação. ii) os metecos. sendo candidato em potencial a exercer a cidadania. p. mas porque a sua vida era “laboriosa”. O escravo servia de mão-de-obra para sustento e manutenção dos cidadãos (60 mil para 30 mil cidadãos). não possuíam quaisquer direitos civis ou políticos. 82-83). com seu corpo.000 habitantes. eram os trabalhadores que “com o seu corpo. 196). o centro da vida política é o povo. os cidadãos gozam intensamente de direitos de participação política. 200).000 cidadãos.000 a 400.16 A mulher era considerada o “nãoser ”. 62). 32). Equiparada aos escravos. a quem os atenienses dispensavam tratamento generoso. Este total inclui: i) cidadãos. o que daria dois escravos para cada cidadão” (Barker. o grego é. que consistiam senão a maioria. “É verdade que havia ali uns 80. 1973. p. Livro 1.17 O filho. pela primeira vez na História. não participando. p. Péricles faz o elogio da democracia. 1978. Livro 1. p. deveria ser homem. sendo 20% da população. 1995. 45). 1988. além de serem equiparadas aos escravos: Aristóteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do público.000 pessoas. 64). p. p.000 escravos de ambos os sexos. e apenas 40. cuidavam das necessidades (físicas). e que chegavam a 45. iii) os escravos. da vida” (Política 1254b25). vê-se o Parthenon. 70 . pois a massa de trabalhadores manuais é hoje escrava ou estrangeira” (Aristóteles. 1998. por isso. são unânimes ao afirmar a necessidade do trabalho escravo para o ócio do cidadão: “O melhor Estado não fará de um trabalhador manual um cidadão. 1998. Ictinos e Calícrates foram os arquitetos.1. acima. 26). Como vimos. viveu entre os anos de 447/433 a. p. Fídias foi o diretor da obra. na indústria.TEORIA POLÍTICA Agora (Praça Pública) de Atenas20 4. símbolo do poder ateniense no fim do século 5º. O número de escravos para cada cidadão difere de comentador para comentador. Em vista disso muitos pensadores da Antiguidade clássica não apenas aceitaram. UMA DEMOCRACIA ESCRAVISTA A brilhante civilização grega no período clássico (séculos 5º e 4º a. apud Anderson. na agricultura e na vida doméstica. é preciso considerar a democracia grega dentro da lógica da escravidão. O Parthenon era um dos templos da acrópole de Atenas. Alguns afirmam que existiam de 3 a 7 escravos para cada cidadão. C. 20 Ao centro a Agora (praça pública = debate público). Não existe cidadão nem pólis sem a contribuição maciça dos escravos. Aristóteles e Platão. à direita. costuma-se afirmar que a democracia grega era escravista. Platão excluía os artesãos dos benefícios de participar da pólis: “O trabalho permanece alheio a qualquer valor humano e em certos aspectos parece mesmo a antítese do que seja essencial ao homem” (apud Anderson. dois grandes pensadores da Antiguidade.3. 27). mas justificaram a existência da escravidão.C. Os escravos eram empregados na manufatura. p.) emergiu sob o regime escravista. O homem só sentiu falta do Estado quando a satisfação de suas necessidades elementares não bastava. apud Pinsky. 71 . 26-27). morais e políticos. Geralmente os escravos provinham dos hebreus de outras nações ou eram comprados como forasteiros que peregrinavam por terras hebraicas. os escravos e os estrangeiros (bárbaros) é de seres excluídos da cidadania.21 Até mesmo o grande filósofo grego Aristóteles justificava a escravidão por considerar que há homens escravos pela sua própria natureza e somente um poder despótico (legítimo) é capaz de governar. a prática da escravidão seguia algumas regras estabelecidas. que o comércio de escravos era uma prática comum entre os amoritas já no século 19 a. 1984. A escravidão não era só admitida como até justificada. 100 Textos da História Antiga. utilitário. (In: Bíblia Sagrada). seu vendedor satisfará a reclamação” (Código de Hamurábi. 9). O escravo era considerado incapaz para exercer a cidadania. das necessidades individuais. se isso acontecesse.C. Entre os hebreus. O Estado é. 278 / 282. 21 22 Pode-se conferir o Livro do Êxodo (21.22 A necessidade do Estado é decorrente. ele retornará a seu vendedor e o comprador que despendeu. A visão que Aristóteles tem sobre a mulher. vindo. Só o Estado poderia dar ao indivíduo proteção para que ele realizasse seus ideais éticos. Primeira: os escravos trabalhariam seis anos para seu patrão e.TEORIA POLÍTICA Jaime Pinsky (1984) relata. p. seriam libertos (ano sabático). e que o Código de Hamurábi justificava a escravidão: “Se um homem comprou um escravo ou escrava e (se) este não tiver cumprido um mês (de serviço) e (se) uma moléstia (dos membros) se apossou dele. 22).39-52). p. no final do último ano. segundo Aristóteles. Os governantes deveriam ser os dotados de aptidões espirituais. Àqueles que não possuíam dotes intelectuais – escravos e estrangeiros – estavam reservados os trabalhos mais humildes. 20-21. Conferir Minogue (1998. Segunda: os escravos não poderiam ser maltratados. no capítulo primeiro de sua obra. portanto. Levítico (25. o seu dono (o patrão) a sofrer duras penas. A família apenas dá ao homem a sobrevivência física.1-11. GG. Se um homem comprou um escravo ou uma escrava e (se) surgir reclamação. “Admitir um estrangeiro entre os cidadãos é ‘dar-lhe participação na religião e nos sacrifícios’” (Demóstenes. p. s/d. ou “pertencesse a alguma tribo selvagem da Trácia. utilizado como mão-de-obra para a sustentabilidade dos cidadãos.TEORIA POLÍTICA O escravo. 12. liv. 1984. Cícero. A Política. Por natureza.23 não tendo sangue grego. 12). Liv. XI. No Império Romano. os deuses protegiam-no. p. 1970. mas apenas era considerado bárbaro “aquele que não falava grego”. pois a cidade não lhe devia nenhuma justiça” (Aristóteles. apud Pinsky. era mais bem tratado que o estrangeiro. 1984. O escravo é propriedade de seu senhor. entretanto. apud Coulanges. o amo tem sobre os escravos poder de vida e de morte. nem ser humano era considerado. mas não considerava igualmente sagrado o do estrangeiro” (Digesto. da qual participava do culto. não contém o mesmo significado que lhe damos atualmente. 1988. p. 1253b 25ss. mas não se lhe dava parte na religião e no direito. 12). não era um termo de desprezo ou repugnância. era punido com a morte. s/d. para os gregos. o escravo é uma espécie de homem de segunda categoria. sendo homem. 89. como veremos na seção seguinte. p. 113. 136). é uma propriedade e uma propriedade sendo de outra. para Aristóteles. era considerado um bem animado que estava a serviço de outros instrumentos. in: Neaeram. Por isso a religião romana dizia que o túmulo do escravo era sagrado. O bárbaro que. Pro Caecina. É importante mencionar que a palavra bárbaro. ao estrangeiro. III. O escravo. “pois podemos observar que. aquele homem que. 24. p. ou a uma das luxuosas cidades do Oriente. 114. bem distinta do proprietário” (Aristóteles. 2. 23 Se ao cidadão dá-se o direito de participar das decisões e dos cultos da cidade. 135). p. Esta norma já estava estabelecida como direito dos povos. tít. Platão. que. tratavam-no como um escravo e puniam-no sem processo. “Ninguém podia naturalizar-se cidadão de Atenas. s/d. 137). e tudo aquilo que se adquire por intermédio do escravo pertence ao amo” (Pinsky. Os escravos estavam submetidos ao poder de seus amos. Sólon. p. 91. 34. s/d. p. como os gregos bem sabiam. 191). na verdade.3. Leis. estimá-lo mesmo se fosse rico ou honrado. em todos os povos. sendo estrangeiro. As leis da cidade não existiam para ele. “o escravo não pertence a si mesmo. ou do Egito. VI. de certa maneira. Em seus méritos também está a criação da Filosofia. apud Coulanges. tít. esse é naturalmente escravo. apenas instrumento de ação. 136): “Podia-se acolher bem o estrangeiro. I. Livro I. apud Coulanges. 4. o contrário: “O estrangeiro é aquele que não tem acesso ao culto. 15). isto é. “O estrangeiro (bárbaro) não era cidadão” (Aquino et al. apud Coulanges. Se entrava no recinto sagrado que o sacerdote havia delimitado para a assembléia. faz parte do mesmo. s/d. 92. Aristóteles também distingue os instrumentos de produção dos instrumentos de ação: o escravo pertence ao segundo grupo e as máquinas ao primeiro. Se cometesse algum delito. p.24 A Grécia. a quem os deuses da cidade não protegem e nem sequer tem o direito de invocá-los” (Coulanges. 7. A política. a despeito de sua condição de homem. sendo membro de uma família. quando já o fosse de outra cidade” (Plutarco. 136): “O estrangeiro não tinha direito algum. 24 72 . tinha sido um país organizado e civilizado muitos séculos antes de a Grécia existir (Kitto. de um modo geral. estava ligado à cidade por intermédio de seu senhor. é coisa de outro. velar por ele. 4. XLVII. senão a outro. não se tornou importante referência apenas por ser precursora da política e da democracia. então pertence ao senhor por completo. Paidéia segundo Werner Jaeger. tal como as diversas formas de Estado. que tanto a Filosofia como a Retórica brotaram. Para Platão. a forma natural e genuinamente humana” na Grécia antiga. Por exemplo. 2008. 1. aos poucos. 2003. p.1. 73 . estabelece diferentes graus de valor. à história da cultura grega”. Nas “formas estatais da timocracia. oligárquico. pois permitia que a falsidade e a incompetência. desde que apoiadas na vontade da maioria. p. 928-929). 4. e entre esses tipos de Homem.wikipedia. da maneira mais íntima.2 A origem da Filosofia na Grécia Para Werner Jaeger (2003. da democracia e da tirania. era o “processo de educação em sua forma verdadeira. na sua oposição à democra- 25 26 Sobre os gregos e a história da Filosofia conferir o trabalho de Finley (1998). p. o conceito de justiça deveria contemplar a justiça a todos os homens e não apenas a interesse de grupos. da oligarquia. como defendiam os sofistas. e à margem desta origem não poderiam ser compreendidas”. especialmente o capítulo 8º. Platão distingue um tipo de homem timocrático. último grau da escala e reverso do homem justo” (Jaeger. 1062) acrescenta Jaeger: “A Filosofia grega só pode ser avaliada na sua importância como membro do organismo da cultura. por exemplo. até chegar ao tirano. foram também adversários do regime democrático. se impusesse. Críticos dos costumes e da sociedade do seu tempo. “[em] última instância. por entenderem que a sua base não era o saber verdadeiro. a mais antiga paidéia dos gregos. Os filósofos trouxeram importantes contribuições para o pensamento político.062).org/wiki/ Paid%C3%A9ia>.26 Pesou também. a explicação mitológica (religião) e passou a dar justificação racional para os problemas de ordem cosmológica (origem do mundo) e antropológica (origem do homem).25 Os filósofos fundamentavam suas idéias em conceitos universais. desde que seja ligada.TEORIA POLÍTICA Seção 4. Disponível em: <http://pt.2. foi do ventre materno da poesia. A FILOSOFIA É “FILHA” DA PÓLIS O homem grego abandonou. Acesso em: 10 jan. democrático e tirânico. Em nota (nota 6. há um paralelismo entre Estado e homem. a Filosofia não cessou de refletir sobre o fenômeno político. segundo Castoriadis (1987. por exemplo. Por sua origem. Por isso. 114). levanta-se e fala. que a preocupação essencial dos primeiros pensadores gregos era com o cosmos (natureza).jpg>. Disponível em: <http:// www. Este homem é uma antologia de diversos caracteres e alberga um tesouro de ideais que se excluem uns aos outros” (Platão. apud Jaeger. OS PRÉ-SOCRÁTICOS Pode-se afirmar. 2003. no qual procuravam a arché (origem. A sua vida carece de ordem.28 4. essência) de todas as coisas.2.educacion. Às vezes lança-se na política.2. defendia a escravidão e o predomínio masculino como uma decorrência da própria natureza: há pessoas que. Por serem contemporâneas. 2007. 28 74 . 27 a existência de concepções elitistas acerca da natureza humana: eles não acreditavam na igualdade fundamental entre os seres humanos. durante um longo período inicial. na Grécia. nada mais nada menos que um cidadão.mx/ images/fotos/ tn_200411183168. ou então dedica-se à especulação. Sólon é o exemplo mais célebre”. às vezes. como beberá água e emagrecerá. p.gob. liberal e feliz. p. inicialmente. foi chamado a “dar leis” à sua cidade ou a uma outra. tendem para o mando. Essa visão negativa acerca da democracia perdurou entre os intelectuais até por volta do século 17. mas ele a chama de vida formosa. cidadão por excelência: “O filósofo foi. A esses filósofos que estudaremos na seqüência devemos a distinção entre poder despótico e poder político.TEORIA POLÍTICA Heráclito de Éfeso cia. Ser filósofo é ser. Acesso em: 28 nov.yucatan. 950). 27 Sobre a concepção de “Homem Democrático” para Platão: “Tão cedo viverá entre canções e vinho. por achar formosa a vida rural. sua finalidade e suas formas. outras vezes retira-se para o campo. Nesse sentido é correto afirmar que política e Filosofia nasceram na mesma época. Aristóteles. por natureza. elaborando teorias para explicar sua origem. tão cedo se dedicará ao esporte como se sentirá mole e inativo ou entregue apenas aos interesses especiais. diz-se que “a Filosofia é filha da pólis” e muitos dos primeiros filósofos (os chamados pré-socráticos) foram chefes políticos e legisladores de suas cidades. outras para obedecer – entre estas últimas coloca os escravos. sem harmonia. Remonta. é uma relação numérica. 212). 28). e se desagradável. idealismo e materialismo. “a medida de todas as coisas” (a Matemática = Geometria e Aritmética). Pitágoras também esboça uma teoria da harmonia musical. 29 Ver também Os Pensadores. cap. entre teoria e prática. 1999. como as questões entre a razão e a experiência. nascido no século 6º29 . igualmente. teria descoberto que o som varia de acordo com o comprimento da corda. História da Filosofia. 213). p. 1988. foram criados os fundamentos da concepção dialética do mundo. a música. numa relação proporcional simples: diminuindo pela metade o comprimento da corda obtém-se uma oitava acima. é porque a relação entre os números não se encontra em uma proporção justa” (Os Pensadores. Os Primeiros Filósofos. pelos sentidos – o que denominou opinião. São Paulo: Editora Nova Cultural. Foi o primeiro a lançar as bases do materialismo espontâneo ou da Filosofia da natureza: “Tudo na Natureza derivava de um elemento básico. 183). Anaximandro é a figura mais importante dos físicos milesianos. o ser é e o não-ser não é (o devir é impossível). pela razão. p.31 Com Heráclito (fim do século 6º a. Acreditavam que o número era a essência do Universo. Foi ele quem primeiro criou uma imagem do mundo de verdadeira profundidade metafísica e rigorosa unidade arquitetônica. Foi ele também o criador do primeiro mapa da Terra e da Geografia científica. pois “tudo está em constante movimento”. Parmênides abriu discussões que ainda hoje persistem. em suma.C. um acorde (ou harmonia) mais simples é produzido quando o comprimento das cordas está na razão de 3:4:5. devir (vir-a-ser). Na visão de Aquino et al (1988.C. que procurou. ligada aos números: “Conta-se que Pitágoras. é a água o elemento primordial de onde nascem todos os seres e que compõe os mesmos. Na segunda metade do século 6º a. Nele se revela a prodigiosa amplitude do pensamento jônico. surgiram os pitagóricos (escola fundada por Pitágoras). Para Parmênides de Eléia (que vivei na 1ª metade do século 5º a. a origem da Matemática grega.). p.TEORIA POLÍTICA O primeiro grande filósofo que a História apresenta é Tales de Mileto. Procurou distinguir aquilo que era objeto puramente da razão (o que chamou Verdade) e o que era dado pela observação. para elucidarmos o espírito daquela Filosofia arcaica. examinando a música. aos tempos da Filosofia nascida em Mileto. 30 31 75 . E chega a esta conclusão: uma vez que as chuvas geram a fecundidade e todos os seres vivos têm necessidade de umidade. Para Jaeger (2003.C. Especialmente. e começo do século 5º). 1999. o primeiro princípio – a arché – que pudesse explicar toda a realidade cósmica. É o único de cuja concepção do mundo podemos obter uma representação exata. Outros importantes pensadores surgem neste período: Anaxímines teorizava que a natureza se desenvolveu a partir do ar (a própria alma é ar). Anaximandro30 afirmava que o apeiron (matéria) é a base do mundo. p. a água” (Aquino et al. Atenas é o centro da vida cultural grega. surgiram em Atenas mestres que propugnaram a constituição de técnicas de persuasão. mas formação de elites (educação dos nobres).mundocitas. 76 . O desenvolvimento da nova ordenação democrática. que afirmava ser a natureza composta de partículas sólidas e i ndivisívei s – os átomos –.3. foi necessário educá-los para poderem competir em igualdade de condições e alcançar o objetivo colimado na pólis. pagava-se. o poder político da antiga aristocracia e da tirania foi substituído. pela democracia escravocrata. p. o que não é o caso dos novos detentores do poder. 16). Não para uma educação popular. A CONTRIBUIÇÃO DOS SOFISTAS NA CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA GREGA O mais eminente sofista.2. de chefes políticos. Sofista significa educador. no entanto.C).com/ fotos/968.TEORIA POLÍTICA Protágoras Por fim ainda podemos citar Demócrito (470 a. Para se ter esta instrução. assume a vida política de Atenas. cuja cultura e formação política provinham da tradição familiar. A partir da metade do século 5º. como os antigos representantes aristocráticos. após as guerras persas até o final do século seguinte. estava limitada àqueles que tinham eloqüência e persuasão. pela primeira vez. Em decorrência dessa necessidade. 4. 1999. – 370 a.jpg>. por vezes. Essa participação. cujos arranjos e movimentos condicionavam a diversidade dos fenômenos naturais e sociais. Acesso em: 27 nov. Esses novos mestres se chamavam sofistas.C. Disponível em: <http://www. 2007. com comícios. tornou possível a participação dos cidadãos comuns na administração da pólis. em várias cidades gregas. Como eles não tinham essa formação. Esses mestres eram itinerantes. assembléias e tribunais. circulavam de terra em ter- 32 Ricos proprietários de terras (Os Pensadores. bastante caro. comandada pela oligarquia32 que. costumes e leis. regras básicas e valores humanos. O quadrivium dizia respeito à Aritmética. éticas e religiosas. em alguns casos. Com efeito.34 os sofistas destacaram-se como mestres do saber político e da retórica. Nesses contatos tiveram oportunidade de comparar as diversas instituições políticas. sobreviveram a todo o esplendor da arte e cultura gregas. a palavra é o dom com o qual podemos fazer tudo. que juntamente com o quadrivium constituíra as sete artes liberais. na cultura. da prosa artística. tinham acesso a várias formas culturais. tudo isso tendo em vista a eloqüência. da crítica literária. Hípias de Hélade. que é também criação deles.” Ainda Jaeger (p. E. O trabalho com a palavra dependia do ensino da gramática. Essa indiferença ao tema de que se tratava e a tese que se defendesse levou ao desprezo às doutrinas. Assim. 368): “Unida à gramática e à dialética. Crítias de Atenas. segundo Górgias. Devem ter sido eles os seus criadores. aos usos e costumes de diferentes povos e lugares. de que eles são os iniciadores. Dentre os principais sofistas destacam-se: Protágoras de Abdera. os mesmos caminhos” (Jaeger. por acordo e pelo hábito. estabeleceram os fundamentos pedagógicos.TEORIA POLÍTICA ra. Persuadir era tão importante que Protágoras chegou a afirmar: “Devemos tornar a parte mais fraca em mais forte”. Os sofistas contribuíram para o 33 “Os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação. sob esta forma escolar. Aritmética. Pródico de Cléos.33 Segundo Cotrim (2002). a retórica tornou-se fundamento da formação formal do Ocidente.. verdadeira ou falsa. Não descuravam. O aluno deveria conhecer as disciplinas que consideravam a palavra como tal: Gramática e Retórica. 349). porém. Alicidamos e Hipódamos de Mileto. Astronomia e Música. Desde os últimos tempos da Antiguidade formam juntas o chamado trivium. Cálices. Constataram a convenção humana.”. As técnicas de discurso não procuravam a verdade. 34 35 77 . Geometria. Trasímaco de Calcedônia. Ver o livro de Cotrim (2002). e ainda hoje a formação intelectual trilha. Antifonte. p. envenenar e encantar. mas provar um determinado ponto de vista. Górgias de Leôncio. sem as quais um político estava privado de sua principal virtude. atribuíram relatividade a todas as noções. devendo o aluno ser capaz de defender qualquer tese. que. Lecrafonte. em conseqüência dessa observação. acabaram difundindo a idéia de que tudo é relativo. 366): “Antes dos sofistas não se fala de gramática. Esta é a capacidade da oratória de cada um que determina o que é justo e não o conhecimento profundo das leis.. p. 2003. de retórica ou de dialética. falseavam-na conscientemente. Escreve Jaeger (2003. em grande parte. da Matemática.35 Eles deveriam propiciar aos alunos as habilidades da polêmica e da oratória. boa ou ruim. Música e Astronomia. com o ritmo próprio e distinto da poesia. Geometria. TEORIA POLÍTICA abandono da filosofia da natureza. É fácil compreender a transcendência destas reflexões da Sofística. acerca da lei natural (phisis) e da lei positiva (nomos). Necessitava. não de crianças. como veremos. mas também pelas necessidades criadas pela prática democrática da sociedade ateniense. inaugura-se o eterno debate acerca das normas morais. a aceitação do racionalismo heracliteano da ordem do universo (uso da razão). possuir algumas idéias acerca da lei. Os filósofos foram severos adversários dos sofistas. exatamente por não concordarem com o seu relativismo. Outra característica era o convencionalismo das instituições políticas e das idéias morais (tudo se resolve por convenções). precisamente. sobre o que é justo e conveniente. indubitavelmente. Este era. mas a capacidade de convencer os demais. Os sofistas eram relativistas. não somente pela mudança na circunstância filosófica. de conhecimento (ajudou os seus 78 . Era filho de Sofronisco (escultor) e Fenarete (parteira). o tipo de treino que os ensinamentos dos sofistas proporcionavam.C. ainda.4. Como contribuição dos sofistas tem-se o abandono do pensamento mítico-religioso. acerca da administração e do Estado.) foi considerado o homem mais sábio da Antiguidade clássica. o poder político. ser um bom orador para manipular as massas. mas a liderança política passava pela aceitação popular. 4. isto é. não acreditavam na possibilidade de os seres humanos chegarem a um saber objetivo. O debate começa com os sofistas na Filosofia Grega. a convicção de que as leis e as instituições são resultados do acordo ou decisão humana: convencional. O MÉTODO SOCRÁTICO Sócrates (470-399 a. depressa se fez sentir a necessidade de se preparar para ele. de modo que “tudo é relativo”. Com elas. Qual era a preparação idônea para o ateniense que pretendia triunfar na política? Um político necessitava. universal. mas de idéias. Esta posição – o relativismo – combinava com a sua forma de ensinar a argumentar: não interessava tanto o conteúdo científico. O advento da democracia trouxera consigo uma notável mudança na natureza da liderança: já não bastava a linhagem.2. Numa sociedade em que as decisões são tomadas pela assembléia do povo e onde a máxima aspiração é o triunfo. mas não termina com eles. A profissão de sua mãe o influenciou a ser “parteiro”. Dessa forma. 27). A partir desse momento provinha o segundo passo. dava a entender que era ignorante. em contradição até este se dar conta de sua própria ignorância.TEORIA POLÍTICA discípulos a pensar de maneira diferente). se bem conduzido pelo processo educativo. Disponível em: <http://upload.org/ wikipedia/commons/thumb/a/ a4/Socrates_Louvre. Platão descreve Sócrates praticando a maiêutica com um escravo e levando-o a conceber noções sobre intrincada questão matemática (relativa aos ‘irracionais’).wikimedia. que era o processo da “maiêutica”. Fascinou jovens.jpg>. 1999. não importa: a situação descrita por Platão é certamente representativa do menosprezo de Sócrates pelos preconceitos sociais da própria democracia ateniense. p. do relato de uma fato efetivamente ocorrido. tinha o método do diálogo (na Agora e nos ginásios). aos poucos. nossa sede racional. “No diálogo Ménon. inteligente e eticamente operanti. fingia que não sabia. Demonstrar publicamente que um escravo era capaz. 2007. Sócrates indagava: “o que é a natureza ou a realidade última do homem?”. ou se teria sido outro o conteúdo da conversação de Sócrates e o escravo.37 36 37 Para maiores informações sobre a vida e a Filosofia de Sócrates conferir a obra de Sócrates: Vida e obra (1999). 79 . Mesmo que não se trate.jpg/ 300px-Socrates_Louvre. ou consciência. O pensamento socrático influenciou todo o Ocidente. Enquanto os pré-socráticos perguntavam “o que é a natureza ou o fundamento último das coisas?”.36 Sócrates O tema central de sua Filosofia eram as questões antropológicas (o conceito que o homem pode ter do próprio homem). Acesso em: 28 nov. colocando o debatedor. ou seja. a personalidade intelectual e moral. no caso. que achava que sabia. da Antiguidade até os dias de hoje. A resposta a que Sócrates chegou é de que a essência última do homem é a sua alma. psyche. homens e mulheres da época. o momento de dar à luz novas idéias. In: Os Pensadores. o filósofo conquistou amigos e inimigos. O método de Sócrates seguia dois passos: primeiro ele adotava uma posição de ignorante diante do interlocutor. de ter acesso às mais importantes e difíceis questões científicas era sem dúvida provar que ele era pelo menos igual. com o desenrolar das acaloradas discussões ia. Sócrates não fundou escola filosófica. a qualquer cidadão” (Sócrates. em sua alma. Diz Sócrates: “É do aperfeiçoamento da alma que nascem as riquezas e tudo o que mais importa ao homem e ao Estado”. Sócrates não deixou nada escrito.5. É preciso. Sócrates tomou parte dos assuntos políticos de sua época. 4.C. A falta de uma tradição biográfica confiável compromete a verdade sobre este ilustre filó- 38 Para acompanhar os últimos momentos da vida de Sócrates é necessário ler a Apologia de Sócrates escrita por Platão (Lisboa: Ed. Foi também um crítico da democracia de sua época. mas preferiu morrer. Acesso em: 28 nov. traça um paralelo entre Cristo e Sócrates: ambos eram pessoas carismáticas e considerados enigmáticos em vida. 2007. conhecemos sua obra graças aos seus discípulos Platão e Xenofonte. paradoxalmente. 38 Josten Gaarder.jpg>. bem como criticaram os costumes de sua época.2. diz Sócrates. Foi obrigado a ingerir um veneno mortal chamado cicuta. PLATÃO E A BUSCA DO ESTADO IDEAL Platão nasceu em Atenas em 428 a. por isso foi perseguido e condenado à morte. 80 .TEORIA POLÍTICA Platão A característica da Filosofia socrática é a introspecção: “conhece-te a ti mesmo” (torna-te consciente de tua ignorância). combateu os vícios existentes na pólis. no livro O Mundo de Sofia. Teve a oportunidade de fugir (pena do ostracismo = exílio político). permanecem vivos. 2000). influenciando todo o Ocidente com a sua Filosofia.org/ wikipedia/commons/4/4a/Platoraphael. quando a civilização grega se encontrava em declínio. ambos desafiaram os poderosos. nenhum deixou algo escrito. que foi retirado do oráculo de Delfos (templo). O sábio grego foi condenado à morte sob a acusação de corromper os jovens e pregar falsos deuses (ateísmo). Quem o condenou foram os poderosos da época (os acusadores: Anito.. “bem pensar para bem viver”. 70. o que sabemos deles foi escrito por seus discípulos. Disponível em: <http://upload. Mileto e Licon).wikimedia. ambos eram mestres da retórica. foi um combativo guerreiro. ambos acabaram pagando com a vida e. Platão é um crítico da pólis: “Platão calunia Atenas o máximo possível: graças a seu imenso gênio de diretor de teatro. governo dos ricos) e. existe apenas no plano ideal. As formas ideais de governo são: a monarquia. o mundo ideal é o verdadeiro: “A terra é uma profunda caverna que a luz da razão não consegue atravessar. é sobretudo nessas duas que ele desenvolve uma teoria do Estado. porém sob o governo dos melhores). o mundo real. 40 41 42 81 . que se preocupavam com o cosmos (ver pré-socráticos). Sabe-se que no ano 380 Platão funda uma Academia (Escola de Formação Filosófica). Platão falsifica. considerada a melhor de todas (é o governo bom de um só). Platão. na qual princípios éticos e políticos são combinados. p. escrita por ele. um vil entregue às paixões e às ilusões. existe numa idéia (no céu) e o mundo em que vivemos é apenas uma imagem imperfeita”. Para Platão. ou seja. Conferir Rowe (1989. “Platão permanecerá.41 Uma das principais passagens da Filosofia platônica está expressa na alegoria da caverna. cuja preocupação era. igualmente. Péricles – eram demagogos. segundo se crê. pode-se concluir que o diálogo da obra é uma descrição da república ideal. por séculos futuros. trata sobre as formas de governo e as classifica em ideais e corrompidas. seus pensadores. 1987. sofistas (no sentido que ele impôs). Embora tenha tratado de temas políticos em outras obras. 2003. seu povo. as questões humanas. que o Estado de Platão inexiste no plano terreno. a oligarquia (governo mau de um grupo. Na obra Política. no Livro VIII da República. a repúbli- 39 Platão argumenta que todo processo educativo de uma criança. esbarra na falta de interesse em aprender. seus poetas. 1973. 115). Somos prisioneiros acorrentados nessa caverna e os objetos que vemos são meras sombras da realidade. Conclui-se. Considera. 26). 915). ao contrário dos filósofos anteriores. a política como arte de tornar os homens justos e virtuosos. ou a iniciação cultural da mesma. diante de nossa vida. que consiste na composição harmônica de três categorias (os governantes filósofos. aristocracia (governo bom de um grupo) e a timocracia (desejo de honrarias). na qual Platão faz oposição entre o mundo ideal e o real. O Político e As Leis (mais especificamente em A República e As Leis). Platão apenas questiona se a autoridade final no Estado deve recair num indivíduo – alguém que personifique a arte de governar – ou na lei. p. Platão.39 O filósofo não tomou parte em assuntos políticos.42 Após a leitura da obra A República. exclusivamente. por fim.TEORIA POLÍTICA sofo. Já as formas de governo consideradas corrompidas são: a tirania (governo mau de um só). os guerreiros e os que se dedicam aos trabalhos produtivos). a passar nas paredes escuras. Platão menciona que esta falta de interesse não deve ser combatida pela coação ou por medo servil ou por castigo. de sofista e demagogo. 89). mas devese aplicar métodos condizentes aos alunos à medida que “aprendem como quem brinca” (Jaeger. com conhecimento de causa. o Estado ideal de Platão é o perfeitamente justo. Sobre a filosofia política. oito anos ao pé do mestre” (Prélot. p. p. O mundo perfeito. conseguirá impor. a história” (Castoriadis. esta imagem: os homens políticos de Atenas – Temístocles.40 Teve como mestre Sócrates. Livro 1. corruptores da cidade. Platão elaborou três obras que mencionam e enfocam a política: – A República. de retórico. que se encarregam do bem-estar geral dos habitantes do Estado. para os quais o direito nasce da força. também. Platão como discípulo de Sócrates e menciona a obra A República como a primeira utopia da História. Era de competência do Estado. ou seja. 29-68). p. p. O poeta. que o governo ideal seria o governo dos filósofos. referente a Platão. desapegados dos interesses materiais e familiares. Para Platão. Prélot (1973. que Platão era adepto da sofocracia. Para assegurar uma “sadia” descendência. dando-lhes saúde. o poder dos sábios. p. p. Eram os magistrados que escolhiam os mais notáveis para participar do grupo de filósofos e governantes. não há propriedade privada nem laços familiares. 1989. na República. Platão tentou pôr em prática seu ideário político. A classe governante. capítulo II.43 Platão distingue um governo bom de um ruim pelo consenso e a força (legalidade ou ilegalidade). Platão concebe um Estado ideal no qual a justiça atende aos desejos e necessidades humanos. no entanto. Somente eles teriam condições de administrar e comandar o Estado. A convite de Dion. contentamento e descanso. A democracia é a pior das boas e a melhor das más formas de governo. e o homem moralmente superior domina os seus sentimentos e. ele expressava uma confiança na força fundamental do Estado. que protegem os lavradores e garantem a integridade territorial do Estado. Os magistrados fiscalizavam a educação para que o indivíduo fosse preparado a fim de exercer uma função para a qual tivesse melhor capacidade. para Platão.” apresenta o idealismo platônico. composta de homens idosos. Platão entendia que só os mais inteligentes seriam capazes de governar e. consiste em assegurar a felicidade aos governados. no que se refere ao governo filosófico: que os filósofos se tornassem governantes. No Estado platônico. Platão dividia o Estado em três classes: dos lavradores. p. Livro I. 985). 87-120).TEORIA POLÍTICA ca/democracia (governo das multidões). A função principal dos governantes. 17-28). e posiciona-se contra os ideais políticos sofísticos. “A proposta de Platão. 45 46 82 . o Estado é que decidia quem poderia ter ou não ter filhos. e dos magistrados. no capítulo VIII. preparar física e intelectualmente a juventude. ou os atuais governantes se tornassem filósofos” (Rowe. Thomas (1967. não estava incluído na condução do Estado. Durant (2000. satisfazendo-os. Platão defende. mais importância do que a dos trabalhadores e a dos guerreiros. Não durou muito. que sonhou com um mundo melhor. “Platão. entre os mais capazes. quando se vê submetido a fortes emoções esforça-se por refreá-las (Jaeger. tirano de Siracusa. no livro A República. a poesia fala às paixões e instintos humanos. assim. dos guerreiros.44 Vê-se. que fornecem os alimentos. 2003. Seu modo austero de conduzir negócios públicos incompatibilizou-o com o governante. 72-82). ele incluía o filósofo. in: Rechead. p.45 Embora o pensamento político de Platão contivesse idéias utópicas. 45-48). tem.46 43 44 Norberto Bobbio (1997. tal a sua observação metódica da realidade. Platão representa a Filosofia. nem Címon. p. Livro I. Disponível em: <http://mundofilosofico. Livro 1. afirmou que “este” é o verdadeiro mundo e a realidade está neste mundo.br/images/mn/ 1181965835. Livro 1. Destes. o quinto aborda as mudanças das constituições. p. 55). Aristóteles a ciência”. nem Temístocles encontram mérito aos seus olhos. 1973. em oito livros (Bobbio. o segundo da crítica às teorias políticas precedentes.6. Platão teceu acaloradas críticas às lideranças políticas que conheceu ou que foram anteriores a ele. segundo a compreensão de Bobbio. Foi o primeiro autor do Direito Constitucional. Escreveu A Constituição de Atenas. nos seus objetos. A CIDADE COMO REALIDADE PERFEITA EM ARISTÓTELES Como vimos anteriormente. “Platão simboliza o ideal. 83 . 1973. A obra também pode ser lida como uma história política de Atenas. o primeiro trata da origem do Estado. 1997.jpg>. 123). Segundo Prélot (1973.com. 104). acontecimentos e ações. Já Aristóteles. em especial a platônica. bem pelo contrário (Prélot. p. porque nenhum deles tornou melhores os seus concidadãos. o sétimo e o oitavo tratam das melhores formas de constituição (lei fundamental de um Estado).47 47 Aristóteles pode ser considerado o fundador da Ciência Política. 175). Aristóteles. dois (o terceiro e o quarto) são dedicados à descrição e à classificação das formas de governo. Nem Péricles. Acesso em: 28 nov. ao contrário. Aristóteles 4.TEORIA POLÍTICA Assim como Sócrates. 2007. o real. A principal obra de Aristóteles sobre a teoria clássica das formas de governo é A Política. p. arteblog. que está dividida. na qual registrou as várias formas e alterações constitucionais por que passou a cidade de Atenas (Prélot. Platão projetou na República o Estado ideal. nem Milcíades. construindo assim a primeira utopia da História.2. o sexto estuda as várias formas de democracia e de oligarquia. a aristocracia (governo bom de um grupo) e a terceira aquela que se baseia sobre a vontade popular. A reflexão de Aristóteles sobre a política é de que ela não se separa da ética. na Ética a Nicômano. oligarquia (governo mau de poucos) e a democracia. mas o viver bem (euzein).49 Para que isso aconteça é necessário que os cidadãos vivam o bem comum. afirma que das formas de governo citadas anteriormente “delas a melhor é o reino.. no início. e a pior é a timocracia (. 58). é um “animal político”. 49 50 84 . para Aristóteles. 1985. é não só assegurar aos cidadãos a vida e a sua conservação (zein). 14). isto é. que a finalidade da vida política é o melhor dos fins. Livro 1. que parece apropriado chamar de “timocracia”. 1099b.) e a democracia é o desvio menos ruim: com efeito. Afirma Aristóteles que o objeto da ética é uma espécie de política.48 A razão pela qual os indivíduos se reúnem nas cidades (e formam comunidades políticas) não é apenas a de um viver em comum. pois a vida individual está imbricada na vida comunitária. pouco se afasta da forma de governo correspondente” (Aristóteles. assim como Platão. p. Aristóteles. p. temos um governo bom e ideal. 135). apud Bobbio. conforme a descrição de Prélot (1973. O fim da cidade. ou em conjunto ou por intermédio dos seus governantes. mas a de viver “bem” ou a boa vida. O critério para distinguir uma forma boa ou má de um governo é o interesse comum e o interesse pessoal. p. isto significa que o homem tinha a necessidade de conviver na pólis. 30). Ética a Nicômaco. As formas más ou as degeneradas são: a tirania (governo ruim de um só). apud Châtellet. e que o principal empenho dessa ciência é fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações” (Aristóteles. que significa Estado ou Constituição.TEORIA POLÍTICA Para Aristóteles. mas que a maioria chama apenas de “politie”. quando o governante governa em favor do interesse de todos. três são as formas de governo e três são os desvios e corrupções dessas formas: as formas boas são a monarquia (governo bom de um só).50 O homem. pois somente na “cidade” é que ele pode realizar a virtude (capacidade). temos o desvio e a degeneração. A vida política destina-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida. está formada a degeneração do Estado. se ocorrer o contrário (a busca do interesse próprio). o que é peculiar dos 48 “E vê-se que esta conclusão está em conformidade com o que dizíamos. 1997. a aristocracia e o desvio torna-se oligarquia e a timocracia com seu desvio torna-se democracia. Três são as formas boas de governo e três são os desvios e corrupção dessas formas: o reino e o desvio tornam-se tirania. ou seja: quando um governo comanda pensando somente em seu benefício.. Aristóteles define a cidade grega como aquela que condiz em “viver como convém que um homem viva” (Aristóteles. p. A Poítica. O seu livro A Política é resultado da observação dos governos de Creta. ele é objeto da ciência mais prestigiosa e que prevalece sobre tudo. 58). 1973. “não é apenas a de viver em comum. 16). p. que alguns homens são livres por natureza. feliz e justa. própria dos homens livres. Esse pensamento é decorrente do estudo e da observação dos diferentes métodos dos governos e das distintas formas de condução de reformas administrativas.55 Ela deve oferecer aos governantes condições para adaptar sua forma de governo às necessidades do povo.” (Aristóteles. segundo a descrição de Kitto (1970. A política (pólis – cidade). espirituais e intelectuais”. 135). 1997. e também nas 150 constituições que elaborou. p. literário. magnânimo. sendo que os “bárbaros” não viviam assim. comportando-se como perfeito amigo. Livro 1. Nota-se que os filósofos gregos tratavam a política como um valor e não como um simples fato. é uma ciência que deve procurar o bemestar do homem. ao que parece. o filósofo deve oferecer os conceitos verdadeiros que auxiliem na formulação da melhor política para a cidade. parece que esta é a ciência política. considerando a existência política como finalidade superior da vida humana. pois é ela que determina quais as ciências políticas que devem ser estudadas em uma cidade-estado. O homem é o verdadeiro cidadão: “corajoso. 1094a.. o que seja esse bem e de que ciências ou faculdades ele é objeto. Cartago. Barker (1978. A vida superior só existe na cidade justa e. praticando a justiça. das quais só restam fragmentos. “o único ambiente dentro do qual o homem pode concretizar as suas capacidades morais. A visão que Aristóteles tem sobre a mulher. p. O estilo prático. p. como a vida boa. 20). “Cumpre-nos tentar determinar mesmo que em linhas gerais. os escravos e os estrangeiros (bárbaros) é a de seres excluídos da cidadania. p. E. 51 A pólis. que era imaginativo. é. a vida política destinava-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida (Prélot. p. para Aristóteles.TEORIA POLÍTICA gregos. apud Bobbio. em suma. Uma das razões para que o homem se una na pólis.54 Seu pensamento político está registrado nas obras A Política e Ética a Nicômaco. 52 53 54 55 85 . o homem bom e belo” (p. moderado e liberal. 129). I. 22). Conferir Minogue (1998. p. lógico e sistemático de Aristóteles contrasta com o de Platão.52 Aristóteles justifica a escravidão por considerar que há homens escravos pela sua própria natureza53 e somente um poder despótico (legítimo) é capaz de governar. para Aristóteles. 136). Ética a Nicômaco..51 Para Aristóteles. Ora. mas a de viver bem” (Aristóteles. poético e alegórico. por isso mesmo. “É evidente. e que para estes últimos a escravidão é conveniente e justa” (Aristóteles. entendida como racional. observando a eqüidade. 25). portanto. afirma que a “pólis era uma sociedade ética”. enquanto outros são escravos. A obra é um tratado da arte de governar. ao contrário. como Faleas. O Estado é o conjunto dos cidadãos e o governo o conjunto de pessoas que ordenam e regulam a vida do Estado. 5-24. 1-2).. p.58 56 “A prova de que o Estado é uma criação da natureza e tem prioridade sobre o indivíduo é que o indivíduo. não uma parte do Estado” (Aristóteles.57 Para cumprir bem suas funções. Só o Estado poderia oferecer ao indivíduo proteção para que ele realizasse seus ideais éticos. 10). Hipódamo e Platão. O Estado é. pugnava por uma organização adequada da propriedade dentro do Estado. quando isolado. b) distribuir entre os cidadãos os órgãos administrativos do Estado. Mas aquele que for incapaz de viver em sociedade. Para um bom governo é necessário bem distribuir o poder entre os órgãos que administram esse ente público. A Política. II. As necessidades dos indivíduos. que defendia sua abolição. no entanto. morais e políticos. segundo Aristóteles. o Estado deveria: a) ter um governo que ordenasse e regulasse a vida do próprio Estado. A constituição é um modo de organizar aqueles que vivem no Estado”. “. ou que não tiver necessidade disso por ser auto-suficiente. Para que o indivíduo pudesse realizar o seu bem-estar. “Obviamente.TEORIA POLÍTICA Esparta e Atenas. II. não é autosuficiente. Aristóteles não comungava com Platão. O Estado é a soma total dos cidadãos” (Aristóteles. as atividades do estadista e do legislador concernem de perto ao Estado. mediante o exercício do poder. Política. e de estudos de obras de pensadores do passado. Ver Aristóteles. p.56 O homem só sentiu falta do Estado quando inexistia a possibilidade de satisfação de suas necessidades elementares. A Política. será uma besta ou um deus. ele o é como parte relacionada com o conjunto. o Estado deveria favorecer a liberdade individual para o progresso da instituição humana. A idéia de um poder Legislativo. Os governantes deveriam ser os dotados de aptidões espirituais. Quanto à propriedade privada.. Sugere medidas práticas para superar impasses e mostra os defeitos dos sistemas políticos nas sociedades gregas. cada povo é que deve escolher a sua forma de governo. Executivo e Judiciário nasceu dessa concepção administrativa. utilitário. III. A escravidão não era só admitida como justificada. 57 58 86 . Para Aristóteles. são satisfeitas apenas dentro do Estado. portanto. enquanto que a família apenas dava ao homem a sobrevivência física. Isso porque distinguia Estado e governo. às dívidas públicas. seus pensadores. Para Aristóteles. p. para que todos pudessem se conhecer e ter acesso à vida pública. Na próxima Unidade você estudará como se deu essa influência sobre os romanos. conferir o Capítulo II de Durant (2000. serve de referência até os nossos dias. contudo. A cidade deveria estar perto do mar. a desigualdade social é fonte de injustiça. Ele não deu. ao custo dos exércitos. evitar-se-ia que uns se tornassem muito ricos e outros. portanto. Com isso. sua democracia. 59 Para um aprofundamento da teoria política de Aristóteles. Os que participassem do governo deveriam ser proprietários de terra. um capítulo que você deverá compreender muito bem para que perceba a influência dessa civilização sobre o pensamento ocidental. com sua política. com poucos habitantes. maiores atenções às questões tributárias. para facilitar o intercâmbio comercial. 69-107) 87 .59 A Grécia clássica. extremamente pobres. às esquadras permanentes e às relações internacionais (talvez porque admitisse guerras de conquista). É.TEORIA POLÍTICA Para a formação do Estado Aristóteles relacionou alguns critérios: ter um pequeno território. TEORIA POLÍTICA 88 . visando à conquista de outros povos por meio da luta armada. somente o povo germânico estaria apto a se identificar com a história universal. com aspectos de virilidade inicial no desenvolvimento da personalidade. submersa ainda no despotismo. o mundo grego. 1983. vê-se submetido ao poder do império.] não existe aqui alegria e brincadeira. “Graças ao cristianismo.. Hegel considerou o Oriente como sendo a infância da humanidade. como a juventude. 68). com o objetivo de fortalecer o Estado. sendo a concretização da manifestação do espírito. Como vimos. A velhice natural é a fraqueza. 89 . O universal sobrepõe-se ao indivíduo [. uma submissão do indivíduo à constituição do Estado: aqui o Estado se destaca sobre os indivíduos e constitui um fim abstrato em si ao qual os indivíduos devem servir. Com o mundo romano tem-se a terceira forma de realização do espírito. mas a velhice do espírito é a sua maturidade perfeita. por Hegel. O homem romano. Assim. p. não se deve tomar o exemplo biológico ao pé da letra. p. Todo cidadão. fundamentando o seu ser na mais pura exterioridade. senão duro e amargo labor (Florez. Há. diz Hegel. no período inicial. a idade adulta é representada pelos impérios romano e germânico. sua permanência tornava necessária a mais severa disciplina e o sacrifício pessoal em prol do grande objetivo: a união de todos. 1975. era incentivado à carreira militar. no mundo romano. Aqui. pois o pensamento e a reflexão elevam-se ao nível universal. 266).Unidade 5 O Pensamento Político da Sociedade Romana TEORIA POLÍTICA O mundo romano é caracterizado. A formação do Estado romano originou-se da deliberada união de bandos predadores nômades e. o mundo cristão corresponde à velhice. dessa maneira. na sua origem.. esse povo alcançou a consciência de que o homem é livre como homem e que a liberdade de espírito constitui sua mais própria natureza” (Hegel. à participação nos interesses da pólis. Pólis e civitas correspondem (imperfeitamente) ao que. tendo a cidade de Roma como centro do império. c) as águias romanas (força militar): davam proteção aos cidadãos contra agressões externas. Como já exposto na subseção 4. p. nascidos no solo de Roma. isto é. os negócios públicos dirigidos pelo populus romanus.1 A Política. fundamentando sua segurança em valores externos.1 A praticidade romana baseava-se em três sólidos pilares: a) a legislação social e individual. compilada no Direito Romano. no vocabulário político 1 2 Segundo Arendt (1995. Ver Funari (1993). em outras palavras. um espírito essencialmente prático. os patrícios ou cidadãos livres e iguais.com. da qual os romanos foram mestres inigualáveis. 90 . Disponível em: <http://www. b) a organização política: era o modelo admirável de administração. ser filósofo não tinha muita importância na república romana. E. significando. Res publica é a tradução latina para ta politika.br/ figuras%20gerais/europa/ italia%20coliseu. a organização política dos romanos teve importância decisiva para a manutenção do seu poder.2 Vista lateral do Coliseu. A partir destes fundamentos. portanto a cidade como ente público e coletivo. sem dúvida. o homem romano era voltado para a práxis. haja vista que perdurou por vários séculos. civitas é a tradução latina de pólis. que garantia os direitos do cidadão e apontava os seus deveres para com o Estado. Acesso em: 4 dez. portanto.1. o homem romano teve uma visão imperialista do mundo.1.gif>. 2007.ctiturismo. 69). símbolo do poder romano. especialmente o capítulo 2º. que dava unidade ao vasto império.TEORIA POLÍTICA O Coliseu Romano Seção 5. o Direito e o Exército Se o homem grego era um cidadão contemplativo com direito à reflexão filosófica. que trata de etimologia da palavra política. 2007. chama-se de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis. O ideário expansionista dos romanos com sua máxima divide et impera – divide e reina – não favorecia a reflexão filosófica. aos conflitos e acordos nas tomadas de decisão e na definição das leis e de sua aplicação. portanto. por exemplo. Os romanos entendem a lei como um pacto dos órgãos constitutivos do Estado.jpg>. no reconhecimento dos direitos e das obrigações dos membros da comunidade política às decisões concernentes ao erário ou fundo público. No Estado não se reconhece o direito à rebelião aos poderes públicos. referindo-se ao modo de participação no poder. sua estrutura representava avanços em relação ao pensamento grego.TEORIA POLÍTICA atual. Em termos gerais. Acesso em: 4 dez. Orientados para uma vida prática. o Estado é um organismo necessário e vital à vida social.br/mapas/mapa11. não anula o indivíduo. a idéia filosófica dos romanos procede da Grécia. porque a relação dos indivíduos com o Estado está fundada num “contrato” em que a delegação dirige o governo do Estado. Mapa do Império Romano no tempo de Cristo3 3 Disponível em: <http://www. erário público. governamental e jurídica. segundo o entendimento da teoria platônica. Ta politika e res publica correspondem (imperfeitamente) ao que se designa contemporaneamente por práticas políticas.t5.pilb. Para os romanos. 91 . serviços públicos) e sua administração pelos membros da cidade.com. desde a fundação de Roma. Justo é o que está de acordo com jus.C. as tropas mercenárias acabaram se rebelando contra o próprio Império. no século 6º. pelo contrário. no entanto. jus naturale (Direito Natural) e jus gentium (Direito dos Povos). em 565 d. justiça. Em função dessas modificações políticas. etimologicamente. República no Alto Império (510 a. o mesmo não ocorrendo com o Direito público. A expressão “Direito Romano” designa pelo menos três fatos: a) o conjunto de leis que vigoraram no Império Romano por cerca de 12 séculos.). o Direito Romano pode ser dividido nos seguintes períodos: Realeza (754 a. 1999. 92 .). a 510 a.C. Da força do exército romano emergiu o grande Império Romano. até a morte do Imperador Justiniano. a 564 d.C. p.) –. Da mesma raiz vem justo. a 27 a. que se tornou conhecido como Corpus Juris Civilis. sofreu contínuas e sucessivas modificações em função do tempo e dos interesses da “classe dominante”. Forma um todo coerente e sistemático. Mais tarde. o Direito Romano tem um caráter impessoal e técnico. Principado no Baixo Império (27 a. Os exércitos formados por tropas mercenárias ou próprios eram os mais bem treinados e preparados. Em latim existe a palavra directus. 4 “A grande obra do pensamento romano é o Direito. Nesse sentido. b) o Direito privado. porém..C. consagrado e sagrado. sem desvio. que significa ficar em linha reta.C.C.C. O Direito Romano também não era o mesmo nas diferentes regiões do Império. 85). em 753 a. O jus privado divide-se em jus civile (Direito Civil). Ao contrário das leis da Grécia clássica – (.. com seu ideal de um todo harmônico e bem proporcionado” (Os Pensadores.C..C. vem da palavra latina jus e significa aquilo que é ordenado. ele é de certo modo herdeiro do pensamento abstrato dos gregos. que atingiu grande esplendor.. de forma que cada parte não conflita com as demais.).TEORIA POLÍTICA O termo Direito. c) o corpo jurídico organizado por Justiniano. direito. ele não permaneceu imutável. O Direito Romano formado nesses 12 séculos pode ser dividido em: Jus publicum (público) e privatum (privado). que se revezava no poder.C. e justiça é a “vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu”. Sem contar que também as lutas sociais contribuíram para as modificações profundas no Direito privado.) e Dominato (284 a. a 284 d.4 Nos 12 séculos de existência do Direito Romano. escritor.5 O seu pensamento político está registrado em duas obras: De República e As Leis. até no título. aristocracia (quando a autoridade pertence a algumas pessoas escolhidas) e governo popular (aquele em que o poder pertence ao povo). Cícero é um romano helenizado. discute as relações entre o Direito Positivo e a justiça ideal. Livro 1. 204). como também todos os homens são iguais por compartilhar da mesma comunidade humana.) foi um patrício romano e governante da República. no De República expõe a melhor forma de governo. escreveu As Leis e A República. Livro 1. o bem-estar da cidade (Prélot. Afirma. são leis de cada Estado. dedicou-se aos problemas políticos. No De Legibus. várias obras morais. para Cícero. Divide-as em: realeza (todos os assuntos públicos estão na mão de um só). no entanto. lei de acordo com a natureza racional e a ética do homem. quase sempre relativas à situação vivida pelos romanos naquela época. o ideal do melhor governo e do melhor cidadão (p. e Chevallier (1982). como o gosto pela especulação e pela abstração. Considerado o maior orador latino. 1973. Cícero também segue a divisão tradicional no que se refere às formas de governo. políticas e metafísicas. cidade. b) jus gentium (Direitos dos Povos). Nesse livro distingue: a) jus naturale (Direito Natural). e que este é fonte de todos os direitos. epistológrafo e pensador. Sob a forma de diálogo. c) jus civile (Direito Civil).TEORIA POLÍTICA Seção 5. especialmente o Livro II: Dos Impérios aos Estados-Nações.192).C.2 Marco Túlio Cícero Cícero (106-43 a. p. é a legislação elaborada pelo Estado.179). 83 a 85) em: Os Pensadores (1999). p. estudioso da retórica. procurando agir sobre a opinião pública. Embora tivesse qualidades inerentes à atividade filosófica. em que estudou o Estado. ambas. que o Direito Natural provém da natureza racional do homem. 5 Para Prélot (1973. tal como para Aristóteles. de inspiração platônica. O fim do Estado é. Conclui que a República Romana é a melhor. 93 . também. Ver capítulo“A Filosofia de Cícero (p. povo. Escreveu. orador. em meio século.6 Seção 5. 7 94 .C. Em Histórias. Era de origem grega.C.. que. no qual descreve as várias funções públicas. 182). redigindo um pequeno tratado de Direito Público Romano. Data: 1882/1888.7 6 Cícero denunciando Catilina. subjugou quase toda a terra habitada.) até a tomada de Corinto (146 a.dezenovevinte.) busca em suas histórias explicações para a superioridade de Roma.). é explicitado: “Deve-se considerar a constituição de um povo como causa primordial do êxito ou do insucesso de todas as ações”.) foi um homem de ação e historiador. A obra principal de Políbio é Histórias. Foi discípulo de Aristóteles. o autor faz uma exposição pormenorizada da Constituição Romana. Escreve Chevallier (1982. Roma.jpg>. Acrescenta uma introdução até a época da I Guerra Púnica (246 a. foi deportado para Roma depois da conquista da Grécia. 1973.). p. cuja história narra. p. 2007. O motivo da descrição da constituição do povo.C. Afresco de Cesare Maccari (1840/1919). Grego de nascimento. Livro 1.. tornando-se assim o historiador da Roma vitoriosa sobre sua rival Cartago (Prélot. 149): “Esse grego romanizado (. Disponível em: <http://www.TEORIA POLÍTICA Pronunciamento de Cícero.3 Políbio Políbio (201-120 a.C. em que descreve os acontecimentos desde o princípio da II Guerra Púnica (no ano 221 a. Acesso em: 28 nov.net/artistas/biografia_hbernardelli_arquivos/cicero. Encontra-a em sua Constituição e fez da análise desta a preocupação central de sua obra”. Senatto della Repubblica. mas sofreu a influência direta da cultura romana. à sua própria custa. A experiência tivera seu papel. O mesmo ocorre com as formas políticas. produto da mistura feliz de três formas puras. a aristocracia e a democracia). pode-se notar que os romanos deram importantes contribuições para o pensamento político e jurídico. que se transformam com o tempo.TEORIA POLÍTICA O historiador mostra a importância que teve a excelência da Constituição Romana para explicar o sucesso da política de um povo que em menos de 53 anos conquistou todos os outros Estados. 8 “De resto os romanos não haviam chegado a esta forma mista. Políbio vê a História como cíclica (repetição contínua de eventos que tornam sempre sobre si mesmos – o eterno retorno do mesmo).8 Malgrado a influência dos gregos sobre Roma. A influência de Roma só decai com o nascimento de outro grande movimento espiritual: o cristianismo. A Constituição mista romana é citada como exemplo. 149). através apenas do raciocínio. pois Roma teve êxito em suas conquistas em virtude de um governo misto. p. decadência). Foi em meio às numerosas lutas e dificuldades que os romanos aprenderam. 1982.. Políbio aposta no governo misto (Rei “tirano”. impondo-lhes o seu domínio. qual o melhor partido a seguir” (Chevallier. 95 . tema da próxima unidade. A teoria das formas políticas como ciclo é deduzida da história das cidades gregas (crescimento. esplendor.. TEORIA POLÍTICA 96 . wikipedia. que se tornou a base da língua italiana moderna e culmina com a afirmação do modo medieval de entender o mun do. é mantida a preocupação normativa que prevalece no pensamento grego. Disponível em: <http://pt. Mais tarde. Acesso em: 10 jan. de viés épico e teológico. cooperação e coordenação. Marsílio. ainda na Antiguidade – quanto na teoria política medieval. Inglaterra – 9 de abril de 1347. Por exemplo. Guilherme de Occam ou William de Ockham A interferência da Igreja nos assuntos políticos provocou diversos atritos entre papas e imperadores. da mesma forma que lhe agradava um Império que instalasse a paz mundial e a justiça. houve a ruptura. ao contrário. Acesso em: 10 jan.aquinate. também na Idade Média se busca definir as virtudes do rei justo e bom. Nomes como Dante Alighieri (1265-1321). determinando a formação de facções opostas entre aqueles que defendiam o poder do papa e os defensores da autonomia do imperador.wikipedia. Marsílio de Pádua (1280-1341) e Guilherme de Occam contribuem para o rompimento com o pensamento político medieval. um ódio profundo. já afirmava que todo o poder vem de Deus.org/wiki/ William_de_Ockham>. Munique). La Divina Commedia (A Divina Comédia).jpg>. 13 ou 14 de setembro de 1321) foi um escritor. poeta e político italiano. Imagem disponível em: Foto: <http://www. Dante Alighieri TEORIA POLÍTICA A Idade Média tem como característica fundamental a predominância do pensamento religioso e como conseqüência as teorias políticas enfatizam a supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal e toda ação se acha atrelada à ordem moral cristã. 2008.Unidade 6 O Pensamento Político da Idade Média Tanto na teoria política romana – como na de Cícero. 2008. Santo Agostinho. 2008. autor do clássico A Divina Comédia. Queria-os independentes um do outro. inesgotável. mas em harmonia. foi um filósofo da lógica e um teólogo escolástico inglês. porém. também escreveu um livro sobre política no qual defendeu a autonomia do poder temporal. É considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana.org/wiki/ Dante_Alighieri>.net/ figuras-aquinate/guilherme-deockham1. sente pelo papado como instituição. Alighieri. no final do Império Romano. Acesso em: 10 jan. Nesse sentido.1 Mais radical ainda é Marsílio de (1285 em Ockham. Foi muito mais do que apenas um literato: numa época em que apenas os escritos em latim eram valorizados. 1 “A Dante (não nos iludamos sobre isso) agradava que o papado guardasse fidelidade ao seu papel. m ou j de 1265 — Ravena. redigiu um poema. definido como il sommo poeta (“o sumo poeta”). e também por toda a organização e hierarquia clericais. sem entregar-se à usurpação. Propõe-se a desmascarar a 97 . Disponível em: <http://pt. (Florença. fazendo parte da luta de seu povo). o Salvador. p.2 A dependência se fazia valer na política e na economia. estava sob o domínio dos romanos. 208). As taxas de impostos cobradas eram altas. Esse povo era regido por patriarcas (inspirados por Deus) que tinham a função de unir o povo e manter a crença no Deus Javé (desde Abraão. o monismo ‘teocrático’ por uma monismo laico” (Chevallier. o ungido). 1982. Ver Funari (1993.1 O cristianismo primitivo A Palestina. Seção 6. “Os Homens e o Sobrenatural”. que defendeu novos valores desligados da tutela religiosa e fundados na vontade do povo.3 Este “enviado” de Deus deixou. 15-20). 1973. Livro I. 2 Como sabemos. ao mesmo tempo. o primeiro a “libertar a sociedade laica da pressão do clero”.TEORIA POLÍTICA Pádua (1280-1341).13). Jesus Cristo nasce sob o reinado de César Augusto (Prélot. Teria sido. herdado da cultura grega. o escolhido. cap. onisciente. Jacó e descendência). Livro 3. Nas palavras de Prélot (1973. Por muito tempo esse povo esperava o Messias (enviado de Deus. Os israelitas habitavam a Palestina e tinham como crença religiosa a fé no Deus Javé (onipresente. mas por outro fez denúncias contra os poderes religiosos. por uma notável inversão do estado das coisas. no curto período de sua vida pública. p. Boa parte do povo de Israel acreditou que um homem chamado Jesus seria o messias. que teria a missão de salvar e redimir os pecados da humanidade. Visa absorver ao máximo o eclesiástico no secular. na época. Esse momento chegou. econômicos e políticos da época. p. a religião oficial dos romanos era o politeísmo panteísta (diversidade de deuses). segundo certos autores. Marsílio era um inimigo irreconciliável da hegemonia sacerdotal – precursor da liberdade de pensamento e da democracia moderna. 3 98 . p. Isaac. substituindo. 240). O ativismo profético e libertador de Jesus o levou intromissão do poder eclesiástico na comunidade civil (numa palavra: Estado). por um lado uma mensagem de amor e fraternidade. com o governador sendo nomeado pelo próprio imperador romano. mas. Elas deveriam ser depositadas diretamente nos cofres do Império. Gálatas. eram unidos pela oração e refletiam sobre a palavra de Deus. assim. havia uma grande interação entre fé e política ou entre fé e vida cotidiana.8 Isso significa afirmar que os cristãos ganham a liberdade condicional para exercer seu culto livremente. Prélot (1973. p. o imperador romano Constantino assimila os cristãos ao seu governo. Cristãos e pagão são colocados em pé de igualdade” (Chevallier. a religião cristã passa ser a 4 “Antes de voltar ao Pai. 238) afirma que as primeiras comunidades cristãs eram células clandestinas. que não tinham nenhuma organização no plano jurídico. O próprio Livro dos Atos dos Apóstolos evidencia isso ao afirmar que os cristãos tinham uma vida em comum. o “Messias” deixou aos seus amigos mais próximos (apóstolos e discípulos) a missão de levar adiante seu projeto. Vendo que o Império Romano entrava em decadência e o número de cristãos aumentava. após renhido e prolongado combate. Jesus ordenou aos discípulos que pregassem o Evangelho a toda a criatura através do mundo inteiro” (Nunes. Romanos. partilhavam o pão. É bem clara a mensagem de Cristo para os cristãos: conquistem todas as almas do mundo. lícita. os bárbaros (godos. nas Epístolas e no Apocalipse” (Nunes. 7 Num golpe político extraordinário. “Pelo documento de 313 (Edito de Milão). O Edito de Milão. Livro 2.TEORIA POLÍTICA aos tribunais. O mundo inteiro deve ouvir a palavra de Deus. em 313. algo inédito até então. entretanto. Ao morrer. o dever de obediência às ordens do soberano (Prélot. emitido pelo imperador romano Constantino. Livro 2. 1973. Esse estilo de vida e empenho social foi motivo de muitas perseguições contra os cristãos. 1978. p. 1). São Pedro e São Paulo (romano convertido ao cristianismo) foram os mais importantes arquitetos do cristianismo primitivo. 170). nos Atos.5 O cristianismo surge. O culto cristão passa a ter a mesma liberdade concedida aos demais. 5 6 7 8 9 99 . p. Efésios. 238-239). assim como outros arrestados.6 Nos primeiros séculos da era cristã. No início do século 4º. 1982. Essas perseguições levaram à morte milhares de cristãos.4 Foram os apóstolos e discípulos que formaram as primeiras comunidades cristãs. Restituem-se às Igrejas os lugares de culto que foram objeto de confisco e alienação. marca o fim das perseguições e inaugura a era da tolerância para com o culto cristão. No Novo Testamento aparecem as cartas de São Paulo e São Pedro às comunidades cristãs recém-formadas: Coríntios. O trabalho de Lot (1980) discute de maneira detalhada o fim do mundo antigo e o princípio da Idade Média. 3). sendo julgado e condenado à crucificação (pena capital romana). uma religião de escravos. p. a religião cristã torna-se legal. p..9 No fim do século 4º da nossa era.. no dia da Ascensão. visigodos e estrogodos) estão prestes a tomar a grande capital Roma. “Essa doutrina revelada por Jesus Cristo foi ensinada e difundida pelos seus Apóstolos nos quatro Evangelhos. Constantino concedeu-lhes a liberdade. como uma seita clandestina dentro do Império Romano. o Império Romano começa a sua decadência. adquirindo finalmente o direito de existência.). Tessalonicenses. Claro que o ato de Constantino foi mais de natureza política do que propriamente de bondade. 1978. os dias estão contados para a sua grande ruína. 2 O fim do Império e a Idade Média O homem romano não conseguiu dar continuidade ao seu poderoso Império. Outra razão da decadência seria o desleixo de alguns imperadores.TEORIA POLÍTICA religião oficial do Ocidente. É impossível. Unificam-se os poderes temporais e espirituais. Na política. A própria expressão “Idade Média” já traz embutida essa carga de desprezo: indica que o período.10 A mentalidade medieval. proclamava bem alto esta intenção: realizar a idéia medieval de cristandade pela cooperação harmônica dos dois poderes supremos. que tinha o imperador ungido pelo papa. voltados apenas para a satisfação de seus interesses pessoais (pão e circo ao povo). 104). o sonho foi sempre de realizar a “Cidade de Deus”. Seção 6. Chega-se ao fim do período clássico greco-romano e se inicia o período denominado de Idade Média. A grande extensão territorial. que perdurará por quase mil anos. Adotando as palavras de Prélot (1973. a música (gregoriana). Forma-se a Igreja Católica (universal) Apostólica (proveniente dos apóstolos) Romana. Em 410 da Era Cristã. se autodenomina Renascimento. Muitos povos acabaram reconquistando a sua emancipação. em um novo período da História. assim.. E o sacro-império. não passa de um intervalo entre o esplendor do mundo greco-romano e seu “renascimento” posterior. foi. A própria Igreja. o poder do império no temporal e o poder do papado no espiritual. até a arte (gótica). arrogante. 274). A visão do homem será marcada pelo dualismo: corpo e alma. 1999. Só mais tarde acontecerá a ruptura da unidade política e religiosa. bem e mal. incluindo o latim (língua oficial da Igreja). céu e inferno. finalizando o período medieval. será sustentada pelo teocentrismo (Deus como centro). tem-se a unificação entre Igreja e Estado. ignorar as realizações culturais dessa época. A religião fará parte da totalidade da vida do homem europeu. que se estende por cerca de mil anos. Entra-se. quase sempre acusada como a principal culpada pelo retrocesso da cultura. p. os 10 “A Idade Média é caracterizada como uma era de obscurantismo pela época seguinte. o ponto fraco da sua própria administração política.. razão do sucesso imperial. Livro 2. porém. que. “houve uma cristianização do império”. p. ao mesmo tempo. 100 . é também responsável pela conservação de quase tudo o que se preservou do pensamento clássico greco-romano” (Os Pensadores. A partir de então. uma nova mentalidade. que desde a infância fora treinado para a arte da guerra e o respeito à pátria. 1999. o cristão poderia viver a fé sem se comprometer com a realidade em que estivesse inserido. Com a queda do Império o homem entra em crise. neste sentido. unea com o Estado. mais tarde. o homem que fundamentou o pensamento religioso medieval. o governo e a Igreja começaram a se ajudar. que começou a praticar um tipo de religião que desligava a fé da vida diária do cristão. Assim São Jerônimo (347-420) anuncia a invasão e a pilhagem de Roma (Os Pensadores. decretando. a queda do Império. 103). Desde então. 11 “A voz fica-me na garganta e os soluços interrompem-me ao ditar estas palavras. Ao mencionar a Idade Média nos vem à mente um período histórico compreendido entre os séculos 5º e 15. concedendo a paz à Igreja.TEORIA POLÍTICA bárbaros invadiram e incendiaram a capital do mundo (Roma). por influência de certas idéias filosóficas racionalistas. Por isso mencionamos o nome de Agostinho de Hipona. Criou-se. Uma das virtudes dos guerreiros romanos era a conquista de povos vizinhos sem destruir-lhes a cultura (herdavam o que o povo havia conquistado de melhor). Esse homem conquistador fez de Roma sua própria casa e o mundo estava subjugado aos seus pés. Segundo esta concepção. É necessário construir um novo homem. assim como a separação entre o corpo e o espírito.11 Neste momento surge o homem da transição. O corpo era coisa ruim e só servia como morada do espírito. invadido pelos bárbaros do Norte da Europa. Sobre a religião. Não custa lembrar que o Império Romano foi o centro e o coração do mundo. Aos poucos. a prática de uma fé sem ação e uma política sem valores éticos. no século 4º. foi se formando a concepção de que a fé estaria desligada da realidade e da razão. 101 . assim. Cai. do qual foi decretada a queda final em meados do ano de 476. o homem da segurança exterior e surge o homem da segurança interior. construído por um homem com espírito prático. Foi conquistada a cidade que conquistou o mundo”. os romanos a herdaram dos gregos (politeísmo panteísta). Como vimos. em 476. Essas idéias afetaram fortemente a Igreja. que haveria de “salvar ” a humanidade do colapso total: o último dos romanos e o primeiro medieval na pessoa de Santo Agostinho. p. o imperador Constantino. desde a decadência do Império Romano do Ocidente. matéria x essência. Agostinho passou por diferentes fases: Disponível em: <http://heritage.TEORIA POLÍTICA Santo Agostinho de Hipona Seção 6. Após passar por crises existenciais e diversas escolas filosóficas. os valores terrenos vêm em segundo plano. na sociedade. e a salvação depende apenas da ascese individual e da graça de Deus. O período medieval é marcante também no que se refere ao dualismo herdado. luz x trevas. minuciosamente narrada por ele próprio em Confissões. de seu pensamento: experimentou o ceticismo quanto ao conhecimento. já anteriormente. da tradição filosófica platônica e agostiniana. pelo indivíduo. converteu-se ao cristianismo: a primeira frase de sua obra As Confissões expressa tal realidade: “Inquieto está o meu coração enquanto não repousar em vós”. Em sua vida pessoal. tudo o que pertence ao corpo é pejorativo e pecado (a negação do corpo). 2007. Agostinho viveu até os 30 anos gozando dos prazeres do mundo. tudo está voltado para Deus em termos hierárquicos.edu/ vu/heritage/history/saints/ augustine1. 1999. p. pois tudo o que provém da natureza é essencialmente mau. por último. ou seja. na política. 97).3 Santo Agostinho Santo Agostinho foi considerado o “último dos antigos e o primeiro dos modernos”.jpg>. o teocentrismo (Deus é o centro de tudo) na cultura. conheceu a felicidade e a certeza da verdade na fé” (Os Pensadores. na prática. sofreu o abismo do homem em pecado. seguidos pela política e. 12 “A vida de Santo Agostinho. Como bom romano soube usufruir dos jogos. pecado x ascese. reencontrou a esperança na graça divina.12 É nesse contexto que surgirá o período Medieval. 102 . bebidas e mulheres. Acesso em: 28 nov.villanova. Por mil anos o período medieval terá um tipo de pensamento. neste sentido. neoplatonismo até a conversão ao cristianismo. Viveu a crise e a transição do Império Romano. bem x mal. em que os conflitos dão-se entre dois pólos bem fundamentados: corpo x alma. do paganismo. é quase uma demonstração. Boécio. 13 Ver Os Pensadores (1999). Disponível em: <http://pt. Acesso em: 10 jan. Paris e Coimbra são exemplos dos Centros Culturais Europeus. São Tomás de Aquino elaborou a síntese magistral do cristianismo com o aristotelismo. As Cruzadas Chama-se Cruzada a qualquer um dos movimentos militares. os padres herdaram essencialmente a Filosofia de Platão. capítulo “Entre a Fé e a Razão”.wikipedia. Bolonha.org/wiki/ Cruzadas>. temos a conciliação entre fé e razão. inicia-se o crescimento do comércio. 103 . As Cruzadas foram fundamentais para o intercâmbio comercial com o Oriente.TEORIA POLÍTICA Em termos filosóficos. a expansão das cidades e a inevitável ascensão de uma nova classe. Isidoro. Por fim. A Escolástica retoma a Filosofia aristotélica. de caráter parcialmente cristão. aparece a Filosofia como serva da Teologia. As Universidades de Oxford.13 Duas correntes de pensamento destacam-se no período medieval: a patrística. Salerno. A partir dos séculos 11 e 12. o pensamento medieval dava sinais evidentes de fraqueza. citamos Santo Agostinho. época em que a Palestina estava sob controle dos turcos muçulmanos. João Damaceno. Estes movimentos estenderam-se entre os séculos 11 e 13. não tardando a constituição de um novo pensamento: o Renascimento e a Modernidade já embrionários de um novo paradigma. São necessários argumentos racionais para fundamentar a fé. a burguesia. fornecendo bases filosóficas para a Teologia cristã numa tentativa de compatibilizar a fé e a razão. assim. 2008. Entre os nomes mais proeminentes. que partiram da Europa Ocidental e cujo objetivo era colocar a Terra Santa (nome pelo qual os cristãos denominavam a Palestina) e a cidade de Jerusalém sob a soberania dos cristãos. A criação de centros culturais laicos impulsionou um novo conhecimento. que durante vários séculos fora dominada pelos senhores feudais. formada pelos padres da Igreja e a escolástica. Cambridge. totalmente independente dos poderes da Igreja. A patrística tinha como objetivo de defender os ideais cristãos perante os pagãos e convertê-los ao cristianismo. A expressão da beleza física do homem inspirou escultores e pintores renascentistas. Se antes tínhamos o geocentrismo (a terra como centro do universo). e. a razão. A confiança na razão impulsionou a pesquisa pelo método experimental. antes. o aristotelismo renascentista. o que predominou foi o pensamento antropocêntrico (o homem no centro do universo).TEORIA POLÍTICA Seção 6. p. que afirma a autonomia da natureza. A visão de um mundo medieval limitado. O Deus medieval. que havia patenteado e difundido as técnicas especulativas destinadas a subordinar a natureza ao homem. Nela confluem: as pesquisas naturalísticas dos últimos Escolásticos que tinham dirigido a sua atenção para a natureza. que elabora o conceito de ordem necessária da natureza. a ser exaltado. Já no Renascimento. A razão não será a contemplativ4a ou teológica.15 Os fenô- 14 15 Ver Nicola Abbagnano (1982). à clareza e à inovação. 7). 104 . 1982. que dava sustentação à revelação divina e ao poder da Igreja sobre os homens. a fim de objetivar. juntamente com a Filosofia humanista (expressão máxima do homem em suas diversas formas). conquistando as terras do Ocidente. o descobrimento das Índias. possibilitando o comércio (mercantilismo) com outros povos. que insistira na estrutura matemática da natureza. aos poucos foi ultrapassado por outra “divindade”. religioso-cristão. que favoreceu a ciência. era intocável. a exigência de explicar a natureza por meio da natureza” (Abbagnano. o platonismo antigo e novo. desviando-a do mundo sobrenatural considerado desde então inacessível à pesquisa humana. especialmente o capítulo 7º. que ordenara uma mudança radical na visão de mundo na modernidade. o homem europeu lançou-se à navegação. passa. no Renascimento teremos o heliocentrismo (o Sol como centro) desde o método experimental de Copérnico (1473-1543) e da sua comprovação por Galileu Galilei (1564-1642). vista anteriormente na Idade Média. a característica principal da Idade Média estava centralizada no pensamento religioso (teocentrismo = Deus no centro de tudo). 6º. A instituição Igreja regeu a vida em todas as suas dimensões.14 A razão traz consigo uma nova imagem do mundo: com a invenção da bússola e a descoberta da pólvora. modificar e transformar a natureza que. a magia. agora. ela será instrumental. temos a tecnologia e o progresso. finito e enclausurado em si mesmo dá lugar à transparência. Em conseqüência. orientada e dominada pela figura de Deus. substituindo a era medieval da contemplação. “O resultado último do naturalismo do Renascimento é a ciência. surge a era das técnicas. a doutrina de Telésio. vol. O “humano” como forma negativa. finalmente.4 O fim do pensamento medieval e o início do Renascimento Como vimos. ou o “Novo Mundo”. Com as revoluções astronômicas de Copérnico e Kepler e a Física de Galileu. a inovação da tipografia (imprensa). cálculos matemáticos e princípios geométricos como instrumentos fundamentais para a compreensão dos fenômenos naturais. assim. em certo sentido. A marca referencial da política moderna será a laicização. A Reforma Protestante coopera com a fragmentação religiosa. explica-se pelas necessidades políticas do papado. na expressão de Nicolau Maquiavel. que passa a ressaltar os rituais e as aparências em detrimento do conteúdo sobrenatural da religião”. 1983. ou seja. com O Príncipe (1513/1514): “todos os domínios que tiveram e têm impérios sobre os homens são Estados. Em conseqüência disso. Pela primeira vez na História aparece expresso o vocábulo “Estado”. Como vimos anteriormente. passando. Defende-se. cap. uma política laica. Espanha). Os antigos valores vão-se desmantelando. Na modernidade o poder político não é fruto de favor divino. Luís XIV. a observação e a experimentação utilizando hipóteses lógico-racionais.TEORIA POLÍTICA menos naturais não serão explicados pela Teologia ou pela “vontade de Deus”. Lutero contesta a autoridade papal e dos “representantes de Deus” na Terra (Os Pensadores. o sonho da cidade eterna não se concretiza. como o entendemos hoje. quando um papa comanda a Igreja de Roma e outro lidera a de Avinhão. Na Modernidade tem-se a afirmação dos grandes Estados monárquicos unificados (exemplo: França. Aumenta então a teorização dos filósofos em busca de um rei competente e implacável que fosse capaz de unificar os Estados. “O individualismo religioso de Lutero é uma reação ao forte enraizamento social da Igreja. não leva consigo a bagagem dos velhos valores. não diferindo muito um príncipe de um bispo. 105 . ou um rei de um papa. no século 17 dirá: “L’Etat c’est 16 Reforma liderada por Martinho Lutero (1483-1546). e é urgentemente necessário solidificar e fundamentar a sua vida em novos valores que dêem segurança a este “novo” homem. a política estava diretamente ligada à Igreja. 176-177). 1999. uma vez que as idéias do passado são colocadas em xeque e busca-se uma nova fórmula para dar sustentação ao novo pensamento. É preciso lembrar que a passagem de uma mentalidade para outra sempre gera a crise no ser humano. grandes rupturas ocorrem na Igreja. então fragmentados. que progressivamente foi adotando padrões mundanos de organização. Isso. Inglaterra. I). desligada dos ditames autoritários da tradição da Igreja. mas por eles mesmos: “A natureza é um livro aberto pronto para ser pesquisado e explorado”. e são Repúblicas ou Principados” (O Príncipe. O homem passa e. não se cansam de afirmar os pensadores. p. como o Cisma da Cristandade (1379-1417). temos uma rápida concentração dos poderes do Estado no rei.16 Novas formas de interpretações bíblicas fazem do homem um ser com novas possibilidades diante do mundo. considerado por alguns cientistas como marco intermediário entre a Idade Média e a Modernidade. a razão do Estado cresce em decorrência desses teóricos. o ponto principal e mais necessário para que se compreenda bem. sem forma de embarcação. com poder soberano” (Bodin. surge o cartesianismo (Filosofia de René Descartes). para o heliocentrismo = Sol como centro do universo. contra a submissão ao papado e ao império. na economia. que sustenta o costado. com as Américas. Conferir o trabalho de Nunes (2003). em suma: Estado): República é um reto governo de vários lares e do que lhes é comum. aos poucos. uma redescoberta da Antiguidade clássica pelos humanistas. O mundo europeu religioso. a ciência da natureza de Galileu. para Bodin. 18 106 . o conceito de soberania de Jean Bodin (1576) como poder supremo na ordem interna.TEORIA POLÍTICA moi” (O Estado sou eu). ou comunidade política. Tal é. ou. partindo da definição notável e clássica que ele deu de república (evidentemente no sentido de coisa pública. ou seja. perdendo os “valores” que lhe davam segurança e ainda não conseguia alcançar um porto seguro. a partir das idéias do Direito Natural. culturais. pois vai. quando lhe tiramos a quilha. o homem viverá uma profunda crise. “a dúvida metódica” e a famosa frase: “Penso. do Direito Civil hobbesiano e da política laica ou profana de Maquiavel. Aparece. logo existo”. dá sinais de esgotamento. a popa e o convés. igualmente. e todos os lares e colégios. em que o feudalismo é substituído gradativamente pelo mercantilismo. Depois de mil anos tendo o poder teocêntrico sido hegemônico na mentalidade do homem ocidental. a experimentação e a razão teórica. que buscam fontes para argumentos históricos. nos conflitos entre os intelectuais ateus e religiosos nas universidades religiosas e laicas (cultural). Uns apresentam as particularidades desse período afirmando que o mesmo traz características próprias. No período renascentista. não é mais República’. sem um poder soberano que una todos os seus membros e partes. com a revolução de Copérnico e de Galileu Galilei). políticos e filosóficos visando à fundamentação desse novo saber. As transformações ocorrem em diversas áreas: nas artes (do gótico para o humanismo). a proa.18 17 “Assim como o navio não é mais do que a madeira. possibilitando o enriquecimento da burguesia favorecido pelas navegações. 1982. 316).17 Contra o feudalismo e o regime senhorial. p. na visão de mundo (do geocentrismo = Terra no centro do universo. a partir do século 17. bem como a elaboração acerca da origem e das formas de sabedoria política. surge na História o Renascimento (séculos 15-16). apud Chevallier. fechado. ao descobrirem novas rotas comerciais com o Oriente e. posteriormente. na formação dos Estados nacionais. Estado Moderno como detentor da força/autoridade racional e territorialmente universal foi um fator-chave no desenvolvimento dos Estados capitalistas contemporâneos. Outros destacam que o Renascimento representa um retorno às tradições greco-romanas. também a República”. num só corpo. Na Filosofia. como já vimos. separação entre Igreja e Estado (política). O regresso às origens é. Pretende-se renovar o homem não apenas na sua individualidade. entendido como o regresso de uma comunidade histórica determinada. povo ou nação.TEORIA POLÍTICA O humanismo renascentista encontra-se estreitamente ligado a uma exigência de renovação política. por outro. por um lado. como regresso à base estável de toda e qualquer comunidade. 107 . mas também na sua vida em sociedade. e. as suas origens históricas. nas quais poderá ir buscar nova força e novo vigor. TEORIA POLÍTICA 108 . Dessacralizou-se o mundo. 139). p. São questões representativas do “espírito” do Renascimento. A verificação dos fenômenos e dos fatos é o novo caminho para se chegar ao conhecimento da realidade. p.Unidade 7 Maquiavel e o Pensamento Político Renascentista TEORIA POLÍTICA O sonho de construir a “cidade terrena” torna-se irrealizável. pois a razão humana introduz. Galileu Galilei. “Galileu pretende desimpedir a via da investigação científica dos obstáculos da tradição cultural e teleológica. pois a visão exclusivamente experimental e positiva não tem lugar para valores espirituais (Deus). um novo modo de compreender o universo. nós o matamos”. polemiza contra ‘o mundo de papel’ dos aristotélicos. mais tarde. agora. A ruptura se dá também dentro do próprio Estado. quer subtrair a investigação do mundo natural aos limites e aos estorvos da autoridade eclesiástica. 153). nos dirá Nietzsche. Nada é mais vergonhoso nas disputas científicas. se a terra não é o centro do universo. para que buscar uma hierarquia? Por que não haveria outro mundo com outros sóis e outras vidas?. p. As indagações são de Giordano Bruno” (Os Pensadores. que não é objeto físico. originárias da Idade Média. na Idade Moderna. pois exalta a razão natural e a natureza. o Deus da 1 “Mas. Pode-se afirmar que o homem moderno é o homem da razão experimental. afirmava a necessidade do estudo direto da natureza. Deus. Por um lado. do que recorrer a textos que amiúde foram escritos com outro propósito e pretender utilizá-los para responder a observações e experiências diretas” (Abbagnano. por outro.. 14). que perdeu o senso de mistério e não apela para uma causa transcendente de explicação: explica-se por si mesmo e para si mesmo. organizam-se em Estados e conquistam autonomia completa. é uma causa supérflua. Contra os aristotélicos. A experiência desvenda os segredos da natureza. tão esperada pelos reis e papas.. Antes.2 “Deus está morto. 1999. Giordano Bruno1 e Campanella inovam no método de explorar a natureza mediante a experimentação. por que insistir num centro? Se a hierarquia do mundo se rompe.. Os imperadores nomeavam bispos e influenciavam na escolha dos papas. a natureza era apenas contemplada a partir da revelação divina. atingível pela experiência externa. 1982.. em virtude do esfacelamento da unidade político-religiosa. Os filósofos da época dão início a um novo tipo de pensar (cultura) baseado na experiência de um homem que buscava a verdade na própria natureza e não somente na revelação divina. porque termina a segurança dos castelos. As nações. Com a descoberta da pólvora o regime feudal entra em falência. diz ele (VII. representantes da entidade temporal e espiritual. 2 109 . desocultada a partir de si mesma. ao bel-prazer e conforme seus próprios interesses. Estes não tinham dinheiro para financiar exércitos regulares. na Itália renascentista.jpg>. e não como fizeram os pensadores anteriores (Platão e Santo Agostinho). como o franco. O que é válido é a razão “penso. Maquiavel tratou a política como ela é. conferir o trabalho de Gruppi (1996). Sobre a concepção de Estado em Maquiavel.uol. Na política surge o realismo de Nicolau Maquiavel. e estes estão em declínio. veria ser (plano ideal). que imaginaram a política como de- Imagem de Nicolau Maquiavel. Também na área econômica a decadência é visível. Disponível em: <http://n. 14-17). Hobbes. entre outros. 2007.br/ licaodecasa/ensmedio/ historiageral/maquiavel. o homem moderno é o homem da certeza matemática. em Florença.i. feita de contatos e leituras”. terminavam por conquistar os próprios principados que deveriam defender. o germânico. Locke e Marx. 110 . Diz Prélot (1973. logo existo” de Descartes.1 Maquiavel: contexto histórico Nicolau Maquiavel nasceu em meio a uma grande crise econômica e política. Acesso em: dez. reinando uma grande confusão e imperando a tirania em diversos e pequenos principados. p. 43): “O método de Maquiavel é a observação direta e indireta. Seção 7. o hispânico. cada vez com menos poder e em ascensão está a burguesia.com. o fundador da ciência política moderna.3 Naqueles tempos a Itália sentia a ausência de um Estado central. A ordem comercial está calcada nos feudos. e acabavam socorrendose de mercenários que.4 3 4 Ver Sadek (1991.TEORIA POLÍTICA Nicolau Maquiavel ordem moral morreu. p. no dia 3 de maio de 1469. A Itália era uma vítima impotente perante diversos impérios. Em fevereiro de 1513 foi considerado suspeito de participar de uma conspiração contra o governo dos Médicis. César Bórgia. No tempo em que ficou retirado em sua propriedade. ele escreveu suas obras. Apesar de todos os esforços. durante o governo de Soderini. torturado e exilado em sua propriedade particular em San Casciano. trabalhando em um cargo na chancelaria. ele é derrotado por um conluio envolvendo o papado e os espanhóis. oferecendo produtos mais baratos. tanto fora da Itália como internamente. destacando-se sua preocupação em instituir uma milícia nacional. e impressionou tanto. Maquiavel buscava a unificação da Itália. suas tarefas diplomáticas sofreram uma brusca interrupção. oportunizando a Maquiavel iniciar sua vida pública. Com o retorno dos Médicis ao poder. proibido de abandonar o território florentino por um ano e de freqüentar qualquer prédio público. quando Lourenço (o Magnífico) e Júlio de Médicis são expulsos de Florença. impedido de exercer sua profissão. Não atinge seu objetivo. Aos 29 anos. Exilado em sua própria terra.TEORIA POLÍTICA A produção manufatureira instalada em territórios antigos clientes da Itália amplia mercados. Em 1494. capaz de unir a Itália. mas não consegue retornar à vida pública. na qual cumpriu uma série de missões. Maquiavel é preso. Este personagem inspirou Maquiavel a escrever O Príncipe. desenvolvimento econômico e cultura variados. sendo por isso torturado e condenado à prisão e a pagar uma pesada multa. escreve O Príncipe e oferece-o a Lourenço de Médicis. 111 . textos que resultam de sua experiência prática e do convívio com os clássicos. passa a morar na propriedade que herdara de seu pai em San Casciano. Outro aspecto que atingia a Itália era a primazia dos espanhóis e portugueses nas descobertas além-mar. Quatro anos depois a oposição. Procurando reconquistar os favores da família tirana. que Maquiavel acreditava que Bórgia seria o homem providencial. Enfrenta inúmeros problemas decorrentes da decadência florentina em relação às cidades vizinhas. Isso fazia com que ela fosse alvo de constantes conflitos e invasões por parte dos estrangeiros. Ainda nesse ano ele sai da prisão. avançava sobre Florença exigindo o retorno dos Médicis. sobrando para Maquiavel o cargo de chanceler. ele passou a ocupar o posto da Segunda Chancelaria. opondo barreiras às intervenções estrangeiras. Em 1506 Maquiavel escreve um discurso sobre a preparação militar florentina. Em 1512 ele foi demitido e. porém. O filho do papa Alexandre VI. no entanto. ainda. e com o exílio de Soderini. que então era dividida em uma série de pequenos principados. com regimes políticos. derruba e mata Savanarola. defendendo a criação de uma milícia nacional. mas lhe é permitido retornar a Florença. instala-se o regime republicano do monge Savanarola. com o apoio do papa Alexandre VI. juntamente com um levante interno exigindo a volta dos Medícis ao poder. Apesar disso. colocando em risco a soberania destes países sem centralização do poder e tornando-os alvos fáceis de constantes ocupações. joga cartas numa hospedaria com pessoas simples do povoado. Possuía estatura média. A oportunidade de voltar à política chegou em 1526. Em 1527 Maquiavel. o que traria a estabilidade. revolucionou a história das teorias políticas.6 Maquiavel era filho de Bernardo.TEORIA POLÍTICA O pensador florentino percebeu que a instabilidade italiana estava na fragmentação do poder (cada cidade tinha uma família no poder). muito semelhante às cidades-Estados dos gregos. cargo no qual deveria cuidar das fortificações da cidade e tratar da defesa em geral. A Itália e a Alemanha ficam atrasadas quanto à unificação.7 Muito pouco se sabe de sua infância. São Paulo: Abril. fronte larga. magro. sobretudo. Talvez nem ele mesmo soubesse a importância desses pensamentos. com homens ilustres do passado. (Os Pensadores). na República de Florença. 5 6 7 A Itália no tempo de Maquiavel estava dividida. Nicolau. Nesse ano. 112 . este exilado político ocupa-se todas as manhãs em administrar a pequena propriedade a que estava confinado e. mas que não dominou o grego. da qual foi excluído em 1513. Isso debilita sua saúde e provoca seu óbito no dia 21 de junho de 1527. na cidade italiana de San Casciano. à tarde. In: Maquiavel. vestia trajes de cerimônia e passava a conviver. Do fim da adolescência em diante sua biografia se confunde com a história de Florença e da Itália. Maquiavel propõe a unificação da Itália criando um centro único de poder. semelhantes às cidades-Estados gregas. tenta voltar à Chancelaria. O príncipe: escritos políticos. Maquiavel morreu sem ver realizados os ideais pelos quais lutou toda a sua vida. É nesse contexto de insegurança que Maquiavel se encontra em sua Itália. quando foi nomeado secretário dos Cinco Provedores das Muralhas. 1983. Ver Maquiavel – vida e obra. mas não obtém êxito. porém. ao passo que as demais nações européias a fazem. A noite. apenas que leu muito os clássicos latinos e italianos. Enquanto a Itália permanecia dividida. olhos penetrantes e lábios finos. Espanha e Inglaterra já haviam se unificado. um valioso legado: o conjunto de idéias elaboradas no seu exílio. dividindo-a em duas fases distintas. acreditando que o saque de Roma pelas forças do imperador Carlos V libertaria Florença do jugo dos Médicis. por meio da leitura.5 O Vaticano estabelecia a unidade. com 58 anos de idade. um advogado pertencente aos ramos mais pobres da nobreza. a cidade que o viu nascer e os assuntos de Estado. a França. Deixou. Por isso faz o possível para voltar à vida pública. Amava. os mercenários providenciavam – ou assim pensava Maquiavel. poetas. bem típico da Idade Média. filosófico e tático pela guerra. quando foi indicado como chanceler. Seção 7. a arte da guerra tornou cada vez mais importante o trabalho de soldados e oficiais mercenários. “escreveram sobre estratégias e táticas de guerra e sobre isso davam conselhos” (Nisbet. p. do gênero milícia.47). A guerra nesse tempo surgirá como um trabalho de arte.9 A Renascença italiana. Com boa parte dos intelectuais renascentistas pesquisou sobre as guerras que ocorreram em momentos passados de sua época. 113 . Os problemas financeiros foram uma constante em sua vida. estudioso. a guerra começa a ser uma preocupação essencial de mentes privilegiadas que a consideram como qualquer outra coisa a sua volta. além de ser reconhecida pelo seu brilhantismo artístico. 1982. No século 15. Muitas tropas mercenárias eram contratadas por cidades-Estados e principados. entre outros renascentistas – para que houvesse guerras em nú- 8 9 Conferir o trabalho de Sartori (1965. estrategista. Maquiavel também tornou-se um especialista em assuntos militares. 70). músicos. dramaturgos. Maquiavel viveu num período de constantes guerras e de fragmentações territoriais. porém. a guerra era “providenciada” no sentido de tirar proveito de tal acontecimento: “Tendo tudo a ganhar com participação na guerra.2 Estrategista da arte da guerra Como desatcamos na seção anterior. foi marcada pelo interesse literário. isso em 1507. principalmente o capítulo 3º “O Qüiproquó do realismo político”. pintores ou escultores.TEORIA POLÍTICA Nicolau Maquiavel não foi apenas filósofo. Os homens influentes das mais diferentes áreas. em que a guerra era o esporte de uma pequena classe: a cavalaria. especialmente na Itália. p.8 Os fatos mais marcantes da sua biografia foram a precoce participação na política. poeta e artista. O interesse pela guerra provinha do declínio de todo o sistema feudal na Europa e do limitado tipo de arte da guerra. foi também historiador. Ver Sadek (1991). o mosteiro. os fortes castelos não resistiram mais aos constantes bombardeios. Maquiavel propõe algo diferente ao escrever A Arte da Guerra. com suas oportunidades de pilhagem e saques” (Nisbet. A Itália foi pioneira na utilização das tropas mercenárias como organização. mero suficiente. Era uma oportunidade nova que os humanistas vislumbravam como meio de libertação do homem. a “obtenção de fama e celebridade. Leonardo da Vinci orgulhou-se não só de suas pinturas ou esculturas. o que transformou a guerra numa atividade democrática. liberdade de mente e imaginação das tradicionais obrigações para com a cavalaria. indivíduos com interesses comuns (negociantes.TEORIA POLÍTICA Guilda Associação que agrupava. passando a desempenhar um papel fundamental para a arte da guerra. 1982. homens que pertenciam a classes sociais subalternas. bem como para com a guilda. 70). ou seja. p. artistas) e visava a proporcionar assistência e proteção aos seus membros (D. a igreja e o solar ” (Nisbet. No Renascimento importantes serão a ousadia de atitudes. pois até então as batalhas eram feitas por mercenários que lutavam para quem pagasse mais. Como é sabido. d urante o Renascimento. em certos países da Europa durante a Idade Média. artesãos. o que chegou a glorificá-la. Os human i stas i tali anos contri buí ram. e acima de tudo. Houaiss). mas 114 . seus talentos e poderes do sistema eclesiástico e feudal. p. tido como inimigo número um dos humanistas. Surge a função essencial dos engenheiros. para que houvesse uma consagração literária à arte bélica. a liberdade. 1982. 70). o conceito moderno de individualidade buscava a ruptura a tudo o que era imposto pelas estruturas dominantes medievais e que acabavam confinando a individualidade humana. A própria guerra tornou-se um meio de brilhante realização individual na medida em que houvesse alguma contribuição para “o aperfeiçoamento da Filosofia e da arte de guerra”. assim como no emprego de armas de fogo. do fundidor de armas e do artilheiro. mas com o que se faz. Políbio. Em todas as obras sua preocupação era a construção do Estado italiano. que constroem modelos ideais do bom governante com base em um humanismo abstrato. para corrigir os erros nas derrotas e imitar as estratégias vitoriosas. construindo estratégias. ou Thomas More. por isso tratou a política tal qual ela é. Maquiavel foi um observador. Em síntese. a busca do entendimento de como as organizações políticas se fundam. acreditava que o príncipe deveria confiar em um exército próprio e nunca ficar nas mãos dos mercenários. constituindo-se em uma teoria de ideais de organização política e social. Em Platão. Conforme Maquiavel. À mesma regra não fogem seus contemporâneos. O universo mental de Maquiavel é bem diverso. o objeto de suas reflexões é a realidade política. persistem e decaem. quem observa com cuidado os 115 . Até então a teoria do Estado e da sociedade não ultrapassava os limites da especulação filosófica. Seção 7. Aristóteles. examinando a verdade como ela é. na Utopia.3 Fundador da Ciência Política Moderna Maquiavel foi um realista. desenvolvem– se. Observa que a experiência jamais engana e o erro é produto do pensamento especulativo. o estudo desses assuntos vinculava-se à moral. no Manual do Príncipe Cristão. Os administradores renascentistas incentivavam. mesmo não estando em guerra. o príncipe deve estar preparado para ela. pois estes eram muito ambiciosos. como Erasmo de Rotterdam. bastando alguém pagar mais para que passassem para o lado dos inimigos. Tomás de Aquino ou Dante. um mestre na tática da guerra. sabendo por que tiveram grandes vitórias ou grandes derrotas. conhecendo a história de outras batalhas. Condenou as tropas mercenárias. e por esse fato Maquiavel chegou a organizar e chefiar o exército florentino. chegavam a pagar boas quantias. não se preocupou com o que se deveria fazer. por inovações e estratégias que contribuíssem para os tempos de guerra.TEORIA POLÍTICA das contribuições tecnológicas e estratégias para a arte da guerra. Tucídides e Tito Lívio. sendo um seguidor de Tácito. Mostra também que. Procura-se mais amplamente determinar a contribuição específica que ele deu à história das idéias. Maquiavel descortina um horizonte para se pensar e fazer política que não se enquadra no tradicional moralismo piedoso. Maquiavel parte da experiência real do seu tempo. e também dos renascentistas. corrupto. porque busca oferecer 10 “A política tem uma ética e uma lógica próprias. Já a religião é pouco citada em sua obra. Aristóteles e São Tomás de Aquino. às coisas públicas. O fundamento do seu pensamento político é o contexto moderno. Com Maquiavel começa a ganhar importância a individualidade. uma antes e outra pós– Maquiavel. Acreditava numa realidade concreta. A resistência à aceitação da radicalidade de suas proposições é seguramente o que dá origem ao ‘maquiavelismo’. já a política pode ser ética ou a-ética. mandar atacar. o indivíduo. por lidar com paixões e desejos humanos. juntamente com a valorização do indivíduo. Ele rejeitava o idealismo de Platão. mas o autor a percebia como um valor. Diferentemente dos teólogos. o autor florentino afirma que qualquer um pode chegar ao poder.TEORIA POLÍTICA fatos do passado pode prever o futuro em qualquer república e usar os remédios aplicados desde a Antiguidade. que partiam da Bíblia e do Direito Romano para formular teorias políticas. a política seguia em segunda ordem e.10 O poder político fascina. A história política se divide em duas partes. 24). e não se abordou ou tratou de valores espirituais. uma vez que poderia ser manipulada e utilizada como argumento político. fazer isto ou aquilo. a política torna-se o valor mais importante. Rompendo com todos os dogmas da tradição religiosa. especialmente no que se refere à ciência política. é claro. p. Considerou o homem como fundamentalmente mau. 1991. ou com a utilização da obra de Maquiavel como instrumento ideológico. A ética é a-política. Após Maquiavel. tal como ela é. por último. 116 . argumentando que a primeira diz respeito às questões do indivíduo e a última. que partiam das obras dos filósofos clássicos para construir suas teorias políticas. e não como se gostaria que ela fosse. Maquiavel lia muito sobre os antigos historiadores. pois por meio dele as pessoas podem destinar recursos que nenhuma outra pode. Os valores que antecedem a Maquiavel são de ordem religiosa: Deus era o centro. Ele separa ética de política. Atualmente os estudos têm procurado romper com a tradição de crítica do ponto de vista moral. tendo dinheiro. A evidência fulgurante deste adjetivo acaba velando a riqueza das descobertas substantivas” (Sadek. ingrato e covarde. a cidade é feita por lutas intensas que obrigam a instituir um pólo superior que passa a unificá-la e dar-lhe identidade. tem. a política nasce das lutas sociais e é tarefa da própria sociedade dar-lhe identidade. Segundo Maquiavel. durante e depois das conquistas. a aristocracia como melhor forma de governo. Toda a cidade. Assim mudou a forma de fazer política. 117 . Não aceita a idéia de boa comunidade política constituída para o bem comum e a justiça. expressou o que um príncipe deveria ou não fazer para conquistar novos reinos e mantê-los. Para ele. localizou onde estavam os erros e acertos das mesmas: neste contexto. O Príncipe. a imagem de una é uma máscara com que os grandes recobrem a realidade social para enganar. Maquiavel não era democrata. deixando escapar a observação dos acontecimentos que ocorriam diante de seus olhos. Enviando suas conslusões à família Médicis. tornar o indivíduo cidadão e isso implica ser responsável com a dimensão pública. A política resulta da ação social a partir das divisões sociais. Maquiavel não admite um fundamento anterior e exterior da política (Deus. A finalidade da política é a tomada e a manutenção do poder e não a justiça e o bem comum. ele apenas observou o passado (as guerras). Maquiavel propõe a monarquia. Quando Maquiavel eternizou seus conhecimentos. A democracia é a tentativa de horizontalizar o poder. na pior das hipóteses. pois as pessoas não gostam de se comprometer com o público. diz ele. a política é a divisão entre os grandes e o povo.11 Essa divisão prova que a cidade não é homogênea e nem nascia da vontade divina. natureza ou razão). ele percebe o homem com seus interesses e a necessidade de um poder centralizado para evitar os interesses particulares. dois pólos: o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem comandado. Assim. 11 Extraído de Chauí (1994). originariamente. na qual relata suas “experiências” de governos. o que torna difícil este processo de fazer democracia. A sociedade é dividida e não uma comunidade una. oprimir e comandar o povo. analisou como os reis e príncipes agiam antes. que seus contemporâneos tentavam compreender lendo autores antigos. pois em sua época não existia democracia. só que isso rendeu-lhe várias críticas a sua obra mais conhecida.TEORIA POLÍTICA respostas novas a uma situação histórica nova. homogênea. da ordem natural ou da razão humana. Na realidade. 3) quem observa os fatos do passado pode prever o futuro em qualquer república. 2) os desejos e as paixões seriam os mesmos em todas as cidades e em todos os povos. somente assim poder-se-ia restabelecer a ordem. de “pulso quase real”. ou. participa do governo. e que com a virtude (virtú) de um grande homem. Afirmava sua brutalidade e insensibilidade pela incansável valorização da guerra.TEORIA POLÍTICA Condottiere “capitães-de-aventura”. Especialistas na técnica militar. 118 . De regra. meios (considerados por ele) de dominação e atração do povo. é de que: 1) os homens são todos egoístas e ambiciosos. só recuando da prática do mal quando coagidos pela força da lei. em 1513. como se chamavam os chefes das tropas mercenárias na época de Maquiavel. quando escreveu O Príncipe. Vislumbra um modelo a ser seguido em César Borgia. Maquiavel. condottiere empenhado na ampliação dos Estados pontifícios.4 A natureza humana Algumas das conclusões de Maquiavel. e tinha como grande trunfo o conhecimento das paixões e fraquezas humanas. então. percebia o valor do exército natural. era o que a Itália precisaria seguir para chegar à unificação. que tinha de ser adaptado aos interesses do Estado. acima de tudo. Maquiavel admite que a extrema corrupção (como a “instalada” na Itália) é a causa e o efeito da queda dos impérios. Defensor das idéias republicanas. Ditador e sábio. Seção 7. tendo convicções republicanas. Acreditava na república e referia-se a esta enfatizando a sucessão dos governantes. preocupou-se com o exército. é atuante e circula diplomaticamente pelos países vizinhos e internamente em seu país. E. aniquilado. E medrosos. prestígio e posses. a simulação das intenções. Isto desde Caim e Abel. simuladores. volúveis. Livro I. Maquiavel. volúveis. a covardia ante os perigos e a avidez do lucro. em todos os tempos. 267). adotando o método comparativo em suas obras. a volubilidade do caráter.12 Não vê. Mesmo assim. E dissimulados. 19). movidos pela apaixonada e intuitiva busca de poder. cap. inconstantes. mentirosos e ambiciosos. insaciáveis nos seus desejos. instintos negativos e malévolos.. de paixões. covardes ante os perígos. simuladores. Com base em sua leitura e reinterpretação de textos clássicos da história humana. são mais propensos para o mal do que para o bem. ciumentos. se nada fiz para ajudar-te?” A visão religiosa do Antigo Testamento também é de um homem essencialmente mau. 19). 1991. acreditando que o comportamento humano permanece o mesmo ao longo da História. cobiçando tudo o que é dos outros. 13 119 . assim. roubando. São mentirosos e facilmente iludidos. egoístas e maldosos. sentem inveja. ineficientes. “pecador”. p. necessariamente ligado aos vínculos sociais). se não há mais os remédios que já foram empregados. ávidos de lucro’” (O Príncipe. que quer se sobrepor aos outros matando. um animal político”. tais como a ingratidão para com os seus benfeitores. apud Sadek. como Aristóteles. covardes ante os perigos. Nesta visão negativa da natureza humana – que ele afirma ser realista – Maquiavel não está sozinho. Sem deixar de acrescentar traços suplementares. apud Sadek. Também são invejosos. Os homens fazem o bem apenas por coação. Pessimista. ávidos de lucro”. E ingratos. Maquiavel conclui que as pessoas não mudam. a natureza humana é intrinsecamente maligna. sim. XXXIX. Maquiavel define seus semelhantes como inconstantes. ainda há esperança para ensinar aos homens um comportamento político efetivo. Ávidos os homens. os indivíduos. 1982. “Os homens ‘são ingratos. p. 1991. também o são os governantes. 12 “E é exatamente assim que Maquiavel os pinta. são dotados de atributos negativos. e interesseiros: resignam-se mais facilmente com a morte de um pai do que com a perda de um patrimônio. que os faz serem “ingratos. Um provérbio de Confúcio já indagava: “Por que me odeias.13 A contradição básica está na sua visão da natureza humana. pois. Ou então. comparou o comportamento presente com o passado. “Aquele que estudar cuidadosamente o passado pode prever os acontecimentos que se produzirão em cada Estado e utilizar os mesmos meios que os empregados pelos antigos. velhacos: basta-lhes um pretexto para faltarem à palavra empenhada. p. os homens são iguais. imaginar outros novos. mais propensos ao mal do que ao bem. mentirosos. E invejosos. Os homens. covardes: somente uma coisa lhes cala fundo – é o medo do castigo” (Chevallier. E.. eternos descontentes que só aspiram ao que não possuem. segundo a semelhança dos acontecimentos” (Discursos. por natureza. fazendo este último somente sob coerção.TEORIA POLÍTICA Para Maquiavel. a sociabilidade como um impulso associativo natural (“O homem é. TEORIA POLÍTICA Para Maquiavel, só o poder político, terreno, mundano, pode enfrentar o conflito e a anarquia decorrentes das paixões e instintos humanos, porém apenas de forma precária e transitória.14 Em seu entendimento, aquele que detém o poder político – o Príncipe, o chefe de Estado – pode aumentar o tempo de duração das formas de convívio entre os homens – e manter-se no poder. Para tanto, deve ele estudar cuidadosamente a História passada. Com o que poderá prever os acontecimentos que se sucederão – dada a natureza humana imutável – e antecipar-se ou preparar-se para estes acontecimentos, tomando as mesmas medidas antes já tomadas por outros governantes, ou iniciativas (remédios) semelhantes. Pode-se aprender com a História: sobre a natureza humana, sobre como conquistar o poder e sobre como mantê-lo. O poder é uma relação entre os homens, uma relação temporal, mutável e sensível que pode ser rompida a qualquer momento. Esse poder, que é exercido no mínimo por um homem sobre o outro, pode também ser praticado por grupos sociais, pelas classes sociais, para estabelecer uma ordem mais ampla conforme sua ideologia. Possuir o poder significa ter a possibilidade de ser obedecido, gerando com isso também a detenção da faculdade de permitir. O que viabiliza o exercício do poder é a possibilidade real do uso da violência. O que, na verdade, viabiliza o exercício do poder não é o emprego direto e generalizado da violência, do poder nu e cru, mas a ameaça, a possibilidade de seu uso, após alguns casos de efetiva aplicação. O primeiro fator que se sobressai como determinante do poder é a força. Quem detém a força detém a possibilidade de represália em caso de desobediência, Quem possui a força pode sancionar, ameaçar, punir e até mesmo matar, individual e coletivamente. A força pode se apresentar como força bruta, física, militar, religiosa ou econômica. O segundo fator determinante do poder é a influência. Regra geral, a influência advém da própria força, religiosa, econômica ou política. Nas sociedades mais complexas, contudo, a influência pode advir de fatores mais inesperados, que vão desde a convergência ideológica até a corrupção ou chantagem. 14 “Mas onde fica a religião em tudo isso? Percebe-se facilmente que ela só interessa a Maquiavel sob o ângulo do Estado, da sua conservação e da sua grandeza. Serva da política, ela é uma insubstituível polícia do Estado, um admirável meio disciplinar do qual a coisa pública não poderia abrir mão” (Chevallier, 1982, p. 270). 120 TEORIA POLÍTICA Seção 7.5 A questão do Estado Como é possível perceber, Maquiavel foi um dos maiores defensores do Estado independente. Buscou o conhecimento por si só. Foi um pensador da modernidade. Esse período da História foi marcado pelo poder e pela influência da Igreja no Estado, em que Deus é o centro de tudo e os papas exercem poder sobre os governantes e sobre o povo.15 Maquiavel, porém, buscou exatamente o contrário, ele defendeu uma política laica (leiga, do povo, sem nenhuma ligação com a Igreja); rompeu com a tradição religiosa e com a moralidade, mas ocupou-se da realidade da maneira como ela é, do modo como as coisas realmente são e não como elas deveriam ou poderiam ser. Para Maquiavel, os domínios que existiram e existem sobre os homens foram ou são repúblicas e principados. Os principados ou são hereditários (o príncipe é senhor pelo sangue) ou novos (récem-fundados). Ele afirma que é mais fácil manter Estados herdados cujos súditos já estão acostumados a uma família reinante, mas que é de bom alvitre não transgredir os costumes tradicionais e saber adaptar-se a situações imprevistas: “A dificuldade está nos principados novos” (O Príncipe, capítulo III, Dos principados mistos). Os homens mudam de governantes com facilidade e sempre esperam melhorias. Com o passar do tempo, percebem que não melhoram, voltando-se contra os mesmos. O soberano fará, assim, inimigos, pois não poderá manter a amizade dos que o ajudaram a conquistar o poder e também não poderá aplicar medidas drásticas contra eles. Por isso, o príncipe precisará sempre manter-se ao lado dos habitantes de um território para dominá-lo. Maquiavel, partindo do pressuposto de que os Estados anexados são previamente existentes, e quando são da mesma região é mais fácil dominá-los, especialmente se não estiverem habituados à liberdade, adverte que para isso basta eliminar a antiga dinastia governante. Quando se trata de mesma língua e costumes o domínio é mais fácil; para tanto deve-se extinguir a linhagem dos antigos governantes e manter as mesmas leis e os mesmos tributos. Na hipótese de conquistar uma província com língua, leis e costumes diferentes, aconselha, como meio para manter a dominação, que o príncipe ali se fixe. 15 É claro, como já foi mencionado, que o poder da Igreja estava em franco declínio no século XVI. 121 TEORIA POLÍTICA Recomenda Maquiavel que o governante de um território estrangeiro (organizado em forma de colônia) deve liderar e defender os vizinhos mais fracos, procurando debilitar os mais poderosos. Os romanos, onde instalaram colônias, apoiaram os menos poderosos – sem aumentar-lhes as forças – e abateram os mais fortes, impedindo que os Estados estrangeiros exercessem sobre suas colônias alguma influência. Com isso, preveniram-se de disputas futuras. Nesse sentido, afirma Maquiavel que o mal identificado no início é de fácil cura, mas difícil de diagnosticar e que, quando não é logo identificado, torna-se de fácil identificação mas de difícil, senão impossível, cura. E conclui que é isso que ocorre com os negócios do Estado. Seção 7.6 O estilo das obras de Maquiavel As obras de Maquiavel são instigantes, desconexas e paradoxais. Com julgamentos sempre exatos e decisivos, empregando um número reduzido de palavras que podem sugerir vários sentidos. Maquiavel é, também, contraditório em suas relações com os mesmos exemplos da História. A obra de Maquiavel prima por argumentos confusos e pela ambigüidade. Por exemplo: os Estados, ou são repúblicas ou são principados, os príncipes devem escolher entre o amor e o medo, a clemência e a crueldade, a atitude liberal ou a mesquinhez. Os soldados em batalha devem conquistar ou morrer. Os súditos serão bem tratados ou oprimidos, as medidas extremas podem ser bem ou mal utilizadas. Dentre as principais obras de Maquiavel destacam-se: O Príncipe (1512 a 1513); Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (1513 a 1519); a Arte da guerra (1519 a 1520), e, por último, sua História de Florença (1520 a 1525).16 Ao lado destas publicações, escreveu a comédia A mandrágora, considerada obra-prima do teatro italiano, uma biografia sobre Castruccio Castracani e uma coleção de poesias e ensaios literários. 16 Em 1520 torna-se historiador oficial da república indicado pela Universidade de Florença. Ver Os Pensadores. História da Filosofia (1999). Especialmente capítulo “Um Cenário de Luz e Sombra” (156ss.) “Um príncipe maquiavélico”. 122 TEORIA POLÍTICA A preocupação de Maquiavel, como pensador político, era documentar a corrupção; explicá-la e estabelecer se poderia ou não ser remediada. Adotou um método comparativo em suas obras, estudando o comportamento passado e presente. Como já foi exposto, a sua principal obra é O Príncipe, destinada a mostrar ao “novo” príncipe dos Médicis como ganhar, manter e aumentar o poder político. Esse príncipe triunfará apenas se dedicar suas energias à guerra: “pois a força é justa, quando necessária”. A obra O Príncipe, segundo Prélot (1964, p. 23), é o título da obra que, de fato, significativamente, abre a politologia moderna. Para muitos, a obra de Maquiavel é considerada lunática, atéia e satânica, pois a idéia de que a finalidade da política é a retomada e conservação do poder e de que este não provém de Deus nem de uma ordem natural feitas de hierarquias fixas, exigiu que os governantes justificassem a ocupação do poder assumido. Seção 7.7 Síntese das idéias de O Príncipe O Príncipe (1513) foi publicado somente em 1532, cinco anos após a morte de seu autor. Neste livro, Maquiavel expõe todo o seu conhecimento e sua experiência, buscando ensinar a arte da guerra. Nele o autor explica como conquistar, aumentar e manter o poder, e avisa também dos perigos que existem em se manter no poder. O Príncipe divide-se em 26 capítulos, subdivididos em cinco temas centrais: apresentação das diversas espécies de principados e do modo pelo qual o poder pode ser adquirido e mantido; discussão sobre a organização militar do Estado; debate sobre a conduta do príncipe; aconselhamento sobre assuntos de especial interesse para o príncipe e, por fim, exame da situação italiana da época. 123 pois não se sujeitarão a tal prática. por entender que os mesmos não buscam a paz porque esta não lhes interessa.18 A sorte mostra seu poder. que a sorte (fortuna) seja árbitra de metade das ações humanas. Maquiavel condena as tropas mercenárias. para isso as qualidades menos elevadas. serão uma constante. como a avidez. que os homens não possam corrigi-las nem remediá-las. Os homens honrados e bons não combaterão. p. instituir uma milícia nacional (ver Sadek. eu. à vitória da tarefa que lhe é cara. apud Weffort. por atalhos e caminhos distantes. p. mas pode e deve eliminar as reviravoltas inconcludentes e transformar o risco numa possibilidade de êxito. ainda assim. para que não se anule o nosso livre arbítrio. além de destruir o verdadeiro conceito de cidadania. “Não ignoro ser crença antiga e atual de que a fortuna e Deus governam as coisas deste mundo. além de suas realizações teóricas a respeito das milícias tenta. 1991. Ver Sadek (1991.19 17 Maquiavel. deixando aos homens o comando da outra metade (virtú). em 1498. bem como os generais que as empregam. 1991. creio que. em termos militares. muito pelo contrário. O homem que se compromete com a História tem uma tarefa precisa e jamais deverá desesperar: o resultado da sua ação transcende-o e pode conduzi-lo. Todavia. a utilização dos mercenários pelos governantes. admitindo embora que a fortuna seja dona da metade das nossas ações. entretanto. quando ocupa um cargo na Segunda Chancelaria. posição considerável na herarquia do Estado. ela nos deixa senhores da outra metade ou pouco menos” (Maquiavel. p. O príncipe. não se depara com a resistência da “Virtude Ordenada” e dirige os seus ímpetos para onde não houver defesa para contê-la. Para Maquiavel. 43). a desonestidade. 18 19 124 . para a prática da guerra.17 A VIRTÚ E A FORTUNA Maquiavel toma em consideração a hipótese de as coisas do mundo serem governadas pela sorte ou por Deus. é pela arte da guerra que é possível o lucro. Uma leitura mais atenta da sua obra A Arte da Guerra mostra-nos a preocupação com a estruturação de um exército de cidadãos e com a eliminação definitiva dos exércitos mercenários. era um desperdício e uma inutilidade.TEORIA POLÍTICA DESCRÉDITO COM AS TROPAS MERCENÁRIAS O descrédito com as tropas mercenárias aparece evidenciado em suas obras. 15). Virtú x Fortuna. a violência. 21-24). e de que nada pode contra isso a sabedoria dos homens.. Sustenta como mais provável. A ação humana – parece dizer Maquiavel – não pode eliminar todos os riscos.. TEORIA POLÍTICA O ENTENDIMENTO SOBRE O ESTADO Maquiavel foi o criador do termo Estado tal qual é entendido na concepção moderna. Sobre a compreensão de Estado em Maquiavel, pode-se afirmar que diferentes foram as opiniões sobre o problema do Estado, cada filósofo entendeu de maneira diferente o conceito de Estado, de acordo com o pensamento e o contexto histórico da época. Para Maquiavel, entretanto, “O Estado passa a ter suas próprias características, faz política, segue sua técnica e suas próprias leis”. Trata-se já da linha do pensamento experimental: as coisas como elas são, a realidade política e social como ela é, a verdade efetiva. Maquiavel faz uma obra descritiva e prescritiva com alternativas ao poder para obter a estabilidade e unificar a Itália. Maquiavel não foi o único pensador desse período. É possível afirmar, contudo, que foi o mais importante, tal a pertinência de suas idéias em relação à política. A seguir apresentamos Thomas Hobbes, outro nome a ser considerado na teoria política moderna. 125 TEORIA POLÍTICA 126 Unidade 8 A Defesa das Idéias Absolutistas Esta Unidade trata, especificamente, de Thomas Hobbes, um dos pri ncipais de fe nsores das idéias absoluti stas na Modernidade. Considerado um pensador contratualista (passagem do estado de natureza para o estado civil), Hobbes escreveu O Leviatã, no qual defende as idéias monárquicas da Inglaterra. TEORIA POLÍTICA Thomas Hobbes. Seção 8.1 O Leviatã: o deus mortal de Thomas Hobbes Thomas Hobbes nasceu em 5 de abril de 1588 na cidade inglesa de West Port1. Estudou na Universidade de Oxford, onde se formou em 1608. Foi preceptor de uma família de nobres ingleses e esta ligação revelou-se fundamental para a formação da base da sua teoria política, pois permitiu que ele se aprofundasse nos estudos e, principalmente, viajasse pelo continente europeu. Disponível em: <http:// upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/thumb/d/d8/ Thomas_Hobbes_(portrait).jpg/ 250pxTomas_Hobbes_(portrait).jpg>. Acesso em: dez 2007. Preceptor Que ou aquele que dá preceitos ou instruções; educador, mentor, instrutor; que ou aquele que é encarregado da educação e/ou da instrução de uma criança ou de um jovem, geralmente na casa deste (D. Houaiss). Hobbes era um defensor do regime monárquico, dizia que um rei era mais capaz que uma república. Achava que a democracia era um perigoso sistema de governo. Foi o primeiro teórico considerado contratualista, ou seja, defendia a idéia de que a origem do Estado e/ou sociedade está em um contrato. Suas principais obras foram O Leviatã, De Cive e Os Elementos do Direito Natural e Poético. Morreu em 4 de dezembro de 1679. 1 Sobre os dados biográficos e bibliográficos ver Hobbes (1997, 1993). 127 TEORIA POLÍTICA Filósofo e cientista político, inglês de origem pobre, Hobbes teve sua infância marcada pela ameaça da invasão espanhola. Estudou em Oxford, onde dedicou a maior parte do seu tempo à leitura de livros de viagens e a estudar cartas e mapas. Foi preceptor do Duque de Devonshire, com quem viajou à França e à Itália, e fez outras viagens, nas quais teve contato com Francis Bacon e René Descartes. Em Paris, onde se encontrava devido aos descontentamentos que causou na Inglaterra, Hobbes escreveu sua obra-prima O Leviatã, livro que englobava todo o seu pensamento. Apesar de defender o absolutismo monárquico, esta obra causou mal-estar a Carlos II, que também se encontrava exilado. Hobbes volta então para a Inglaterra e vive em paz com o regime lá instaurado. Com o retorno da monarquia algum tempo depois Hobbes, apesar da desconfiança, volta a gozar da proteção de Carlos II, que lhe pede apenas que evite atritos, como os que já havia promovido com o clero. O seu pensamento crítico, muitas vezes, fez com que parecesse confuso: era cristão e criticou a Igreja, era monarquista e criticou erradas formas de monarquia. Hobbes desgostou-se com a direção dos acontecimentos de sua pátria e desejava o restabelecimento da monarquia. Para Hobbes, a liberdade fora do Estado é ilimitada, livre de qualquer princípio moral, humanitário ou ético. Assim, do mesmo modo como o indivíduo pode vitimar pela sua liberdade, pode também ser vítima. O indivíduo vive amedrontado, pois a qualquer instante pode perder seu bem maior, que é a vida. Existe, para Hobbes, esta cisão, optativa, entre a liberdade, que significa guerra geral, e a limitação da liberdade, mas com paz e segurança. Há para ele, portanto, um estado natural, em que a liberdade é a ausência de oposição, o homem livre é o que não é impedido de fazer a sua vontade; se a ânsia por liberdade, no entanto, está em cada ser humano, por que limitá-la na constituição do Estado civil? Porque o homem livre torna-se o mais selvagem dos animais, tendo a liberdade como valor supremo, e sendo ela condição para a guerra, pode então acarretar a perda absoluta dela. Entre a perda de um valor maior que é a vida e a limitação da liberdade, a segunda é a preferível. Só existe liberdade, segundo Hobbes, dentro do Estado soberano. Ela se dá na estruturação do Estado, com o soberano freando as liberdades de cada um.2 2 “O dever do homem enquanto cidadão é renunciar ao poder indiscriminado e arbitrário sobre todas as coisas, subordinando-se ao Estado” (Rosenfield, 1993, p. 28). 128 ou no ato de lutar. O estado de natureza é uma condição de guerra. segundo a qual é preciso ter um Estado dotado de espada. a saúde e o bem-estar dos súditos. onde não existiam leis. O Leviatã é quem tem liberdade. tem poderes ilimitados. Ele determina toda a postura de um Estado monárquico. de riquezas e de propriedades (homo homini lúpus. ele é quem decide o futuro do seu povo (súditos). Na segunda parte faz reflexões sobre os fenômenos que engendram as relações entre os homens. lutavam uns contra os outros pelo desejo de poder. justifica a tese da vontade do Estado e na quarta reflete sobre a religião civil. cap. que significa monstro marinho. ou governante. O ideal mais demonstrado nesta obra é a teoria contratualista. e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito. XIII. Pois a guerra não consiste apenas na batalha. apoiados na idéia de que só ficaria exposto à barbárie. armado. Nele Hobbes reafirma a sua convicção de que o Estado é um monstro poderoso. porque cada um se imagina (com ou sem razão) poderoso. O Leviatã. na qual cada um poderia proceder diante do outro da maneira que as suas forças permitissem. ele é absoluto. Na primeira ele trata das características e dos recursos empregados pelo homem na sua relação com os outros. sabedoria e tecnologia. de modo quee um não pudesse viver sem o outro. dá o título a um estudo filosófico do absolutismo (centralização do poder de um monarca). que tem a função de garantir a segurança.3 3 “Com isto se torna manifesto que. mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida” (Hobbes. O Leviatã. perseguido. traído. oferecendo segurança. Leviatã. para forçar os homens ao respeito. que afirma ser o Estado formado pelo acordo hipotético entre os homens. p. ou “o homem é o lobo do homem”). 109). um Leviatã. o avanço econômico. Na terceira. Em O Leviatã Hobbes explicita sua visão de Estado. 1997.TEORIA POLÍTICA A sua principal obra. Seu maior objetivo era fundir a sociedade e o poder (Estado). 129 . Nesse Estado o príncipe. pois contaria somente com as suas forças para defender-se de uma humanidade sem regras. Na obra Hobbes defende a idéia de que os homens primitivos viviam no seu estado natural. Por isso. O livro divide-se em quatro partes. apresenta uma espécie de síntese de seu pensamento. Essa concepção é fruto do seu conceito de liberdade. eles se encontram naquela condição a que se chama guerra. Leviatã é o governo soberano. seriam levados por sua natureza mais sofregamente para a dominação do que para a sociedade” (Hobbes. da existência do Estado e. cap. o “estado de natureza” era uma condição de miséria universal. declarava ele. De Cive. I. 55): “Qualquer um que julgasse ser preferível ao homem ficar naquele estado. os homens. A essência da Filosofia política de Hobbes está diretamente ligada a sua teoria da origem do governo. É o Estado o elemento positivo do desenvolvimento histórico da humanidade. Todas as associações dentro do Estado.. A teoria do Estado em Hobbes é a seguinte: quando os 4 Afirma Hobbes. Pensava que. um monarca suficientemente poderoso. estaria em contradição consigo mesmo. Para escapar da guerra de cada um contra todos. Muito longe de ser um paraíso de inocência e de bem-aventurança. no início. por uma necessidade natural cada qual deseja o que é bom para si. ainda. quando tudo é permitido a todos.5 Hobbes não reconheceu nenhuma lei da Igreja ou de Deus como limitação da autoridade do príncipe. 5 130 . mas porque o povo lhe deu autoridade absoluta. Contudo. com o intuito de refrear os lobos e impedir o desencadear dos egoísmos e a conseqüente destruição mútua. em De Cive (1993. que fosse capaz de coagir todos os indivíduos para a prática da ordem. “. por fim. submetendo todos os direitos naturais dos indivíduos a um único poder soberano. 52). que impeça o egoísmo e a destruição mútua. são meros “vermes nas entranhas do Leviatã”. caso não existisse o medo. por seu lado.TEORIA POLÍTICA Para o título de sua principal obra Hobbes escolheu o nome de Leviatã. indicar as razões pelas quais os seus comandos devem ser obedecidos. mas ao próprio interesse. Desse modo o soberano. universal. 1993. chegando à conclusão de que ao poder assim formado é permitido governar despoticamente. Como o homem no estado de natureza é um inimigo em potencial. ninguém deve duvidar que os homens. indicativo de sua concepção de Estado como um monstro todo-poderoso. concederia tudo pela grande bênção da segurança. Hobbes pretendia a formação de um contrato. 4 O povo. não havendo ninguém que considere um bem para si essa guerra de todos contra todos que é inseparável do estado natural”. p. Pois. se uniram entre si para formar uma sociedade civil. não por ter sido ungido por Deus. Um contrato para constituírem um Estado que refreie os lobos. há a necessidade de um contrato que estabeleça um acordo entre eles. p. tornava-se a sede da autoridade absoluta. portanto. O Leviatã pretende dar uma justificação racional e. todos os homens tinham vivido em estado natural. embora não fosse uma parte do contrato. sujeitos não a uma lei. Nesse contexto nasce o Estado.. No estado de natureza existe insegurança. a guerra de uns contra outros. Thomas Hobbes foi materialista e empirista. e que essas leis são simples nomes. onde cada homem é um lobo para seu próximo. questionado por idéias liberais parlamentaristas. de propriedades. Em 1689 as idéias liberais tomam conta da Inglaterra. decorrentes de uma situação vigente. no reinado de Carlos I. dada a ausência de legislação. a melhor forma de precaverse é antecipar-se. inserem-se num processo histórico de lutas sociais e econômicas bem definido: os conflitos entre o poder real e o poder do Parlamento na Inglaterra do século XVII” (Hobbes. aprovamos ou reprovamos algo. Hobbes optou por defender as idéias da monarquia. Introdução. Em sentido do agradável (sentimento. Em 1640 deu-se um período de crise na Inglaterra. cada um busca satisfazer os seus próprios instintos. desaparece a fé. Sendo. as teorias do homem e do Estado. Segue-se uma luta de uns contra outros. eles se jogam uns contra os outros pelo desejo de poder. Por outro lado. não podem ser compreendidas sem se levar em conta duas ordens de fatores. na qual o homem se porta em relação ao outro como um lobo. as idéias absolutistas. No estado natural o homem goza de liberdade total. chora menos”. 131 . Assim sendo. tendo todos os direitos e nenhum dever. sua natureza egoísta. cada um faz o que bem entende. uma antecipação tomando medidas para que não se transgrida alguma coisa. “Se se alcança a ciência. 6 “As idéias de Hobbes sobre a religião. sem nenhuma consideração pelos outros. deu valor somente ao que é provado pela experiência. não há lei ou norma. se elimina a fé”. formuladas no Leviatã e em Sobre o Cidadão. Existe uma ausência de leis. É um impulso à propriedade burguesa que se desenvolveu na Inglaterra. 17). p. Os homens são iguais em capacidades de espírito e corpo e na esperança. afirma que entre o homem e o animal há apenas uma diferença de grau e não de essência. Afirma que há leis eternas. Distingue o Estado Natural e o Contrato Social6. A religião é somente uma esfera do sentimento.TEORIA POLÍTICA homens primitivos vivem no estado natural. 1997. Insegurança: “Quem pode mais. A própria disposição para o conflito já é uma guerra. que vê sua posição ou sistema sendo ameaçado. de riquezas. porém. Por um lado suas idéias constituem elementos que se vinculam à sua metafísica materialista e à sua teoria nominalista da natureza do conhecimento. como animais.. palavras vazias. Antropologicamente.. sensibilidade). porém aí surge a desconfiança. a ciência explica tudo. assim como toda a sua teoria da natureza humana e da organização política. 1999. cada homem permanece só. A condição natural em que os homens vivem entre si é uma condição de guerra de todos contra todos. por estar essencialmente preocupado com a ameaça do perigo de morte. Para Hobbes o homem. Quando dois homens querem usufruir um só objeto ao mesmo tempo. todos iguais quanto a suas capacidades e faculdades7: inteligência e capacidade física. Assim ele se expressa sobre o conflito entre os homens: “O mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte.. 129).). o que não só é contrário à razão. por natureza. de inimizade constante e. querendo com isso referir-se aos mais sábios (. fazendo com que o conflito e a destruição seja inevitável no estado natural. (. O argumento contra Aristóteles é: “Bem sei que Aristóteles. 1990. Leviatã. 237). acaba confrontando-se com o interesse ou a vontade do outro. por isso é urgente que se construa um Estado artificial com a finalidade de organizar. em suma. XV. mas pela diferença de inteligência. no estado de natureza. 498). cujos frutos permanecem sempre incertos.). no esforço de satisfazer o desejo e de afastar o indesejável. ódio e inveja.TEORIA POLÍTICA Os homens. quer por secreta maquinação. p. Pois poucos há tão insenssatos que não prefiram governar-se a si mesmos do que ser governados por outros” (Hobbes. 1997. Assim o Estado não é natural entre os homens. O homem. os homens são diferentes uns dos outros..). A falta a este respeito chama-se orgulho” (Hobbes. 8 132 . o que é mais terrível. iguala-se em suas paixões. isto é. cap. É importante lembrar que. Antiseri.. não é um ser essencialmente político. a desconfiança e a glória.. no Estado natural. p. cada instante. em que vive. são separados entre si pelo egoísmo. O homem. preservar e proteger o homem do próprio homem. p. acaba esquecendo-se de outros empreendimentos. 7 “Que cada um reconheça os outros como seus iguais por natureza. p. apud Abraão.8 para Hobbes. “feito para viver com os outros em sociedade politicamente estruturada”. nem pode cultivar as artes e tudo aquilo que é agradável. As causas desta discórdia são a competição. 498). segundo Hobbes. e outros têm mais capacidade para servir (. 1997. com o seu terror de poder a. perder a vida de modo violento (Reale. para Hobbes. p. Antiseri.. eles se tornam inimigos. não existe progresso nem empreendimento: O homem trava uma luta constante na tentativa de sobreviver. 129). Capítulo XV. são considerados. como se o senhor e o servo não tivessem sido criados pelo consentimento dos homens. no livro primeiro de sua Política.. São iguais quanto a seus desejos e quanto ao fim. quer aliando-se com outros” (Hobbes. 1990. mas também contrário à experiência. afirma que por natureza alguns homens têm mais capacidade de mandar. contrariando a tese de Aristóteles. o medo da morte. como as atividades industriais e comerciais. sob forma violenta: “Cada qual tende a se apropriar de tudo aquilo que necessita para sua própria sobrevivência e conservação” (Reale. por meio de um pacto ou contrato social. 1993. o Estado. A guerra será justificada à medida que restaure a paz e a concórdia em um estado de natureza. em que o homem permanece num eterno conflito. sem ser molestado por nenhum de seus cidadãos: é a isto que os homens chamam propriedade. o fim do Estado de natureza e a inauguração da sociedade civil” (Abraão. 1997. regras. em que “o homem é lobo do homem”. na verdade.TEORIA POLÍTICA Para a salvação do homem. um Estado com organização. na mesma medida. 1999. a soberania centralizada. e ainda hoje. ou seja. afirmando que o homem está em estado de natureza. “Pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras através das quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar. e quais as ações que pode praticar. estrutura-se o Estado (artificial). é a condição para existir a própria sociedade. mas é também porque nega um direito natural ou sagrado do indivíduo a sua propriedade privada. Apresenta o Estado como monstruoso e o homem como belicoso. Em sua teoria. que está em constante conflito no estado de natureza. a propriedade privada não existe no estado de natureza. Ele deixa de lado o seu estado de natureza e passa a fazer parte de uma nova sociedade. Porque antes da constituição do poder soberano (conforme já foi mostrado) todos os homens tinham direito a todas as coisas. A igualdade é um fator que leva à guerra de todos. Hobbes se opõe à visão aristotélica. no entanto. que. a supremacia dos territórios nacionais. ninguém tem direito a nada. a burguesia vai procurar fundar a propriedade privada num direito anterior e superior ao Estado: por 9 “O Estado deduz-se desta a-sociabilidade originária. sendo uma instância ‘artificial’. a instituição de um corpo político. p. Outro fator fundamental para o autor é a liberdade. a sociedade nasce com o Estado. Em síntese: “O Estado representa. 10 133 . em que todos têm direito a tudo e. que marca a diferença específica dos homens em relação aos animais” (Rosenfield. p. que a luta é de todos contra todos e que. pela qual o homem afirma o pacto social. não-natural.10 O poder do Estado. é necessária a construção de um homem artificial. p. o que necessariamente provocava a guerra” (Hobbes. se encontra em estado de guerra. por natureza. 27). que é o Estado Soberano. evitando assim a guerra. Para Hobbes. 239). leis e que forma uma sociedade.9 O objetivo principal do Estado é garantir a paz. 148). No seu tempo. tem que ser pleno. O Leviatã contempla conceitos que até então não haviam entrado em cena: vislumbra o monopólio da força utilizada pelo Estado. tornando-o o deus terreno. unindo assim as forças de todas as pessoas em uma só pessoa. surge a necessidade de um pacto social. mediante pactos mútuos. Desse modo constituiu-se o Estado. o homem busca o lucro. traído – causada por três motivos principais: a competição. que cria o Leviatã (o Estado). haverá castigo. criaram-se. o qual somente fica submisso ao Deus imortal. Assim. pois ele é o soberano instituído pelo povo. pois não pode alguém se queixar do que ele mesmo construíra e. poderoso. o Leviatã. um contrato realizado entre súditos. todos se refugiam no Estado. o súdito aparenta-se senhor de sua vida. que governa pelo temor que apresenta a seus súditos. porque dependeríamos dos equívocos da observação. Nada que o Estado faça pode ser chamado de injustiça. 134 . o qual lhe deu todo o poder de decidir o que é melhor e a força para fazer cumprir a decisão. age por antecipação. pois sem esse temor ninguém abriria mão da liberdade natural. O estado de natureza é uma condição de guerra – porque cada um se imagina. terá a função de proteger o homem. a desconfiança: o homem busca a segurança e. Com o medo da morte violenta e da dor. ou seja. O deus mortal. Se houvesse sociabilidade natural. mesmo que seja servo do soberano. em que todos concedem seus direitos para o Estado governar. para os súditos terem um pouco de liberdade. o Leviatã. advertindo que a finalidade do poder público consiste em proteger a propriedade. o comércio. É desse modo que o Estado consegue reinar e passar por cima de qualquer um. no qual os homens não podem levantar-se contra o soberano. de permitir a convivência harmoniosa na sociedade. o desenvolvimento do homem e da Terra. por isso. o lugar onde vai morar. Se existe Estado é porque o homem o criou. e a glória: o homem busca a reputação.TEORIA POLÍTICA isso. Levando em conta que a natureza do homem não é amigável como a dos animais que vivem em comunidade. caso necessário. se alguém rebelar-se. tornando possível a construção de moradias confortáveis. ele endossará Locke. leis artificiais que permitem ao súdito escolher qual a sua profissão. com razão ou sem. perseguido. jamais poderíamos ter ciência dele. por isso. portanto. no estado de natureza os indivíduos vivem isolados. e. A alternativa para que o homem possa salvar-se em comunidade e não perecer é a instituição de leis naturais. um contrato social. há insegurança. os homens fazem um pacto. a terceira lei. estão em luta permanente. lei natural é um ditame da reta razão sobre as coisas a fazer ou omitir para garantir-se. é que os homens cumpram os pactos que celebram. Três delas são essenciais: a primeira regra é que se esforce para buscar a paz. Para se proteger usavam armas e cercavam as propriedades. mas somente essas garantias não eram suficientes porque havia uma percepção social. 1993. a intenção não é a morte. A primeira é quando os acordos são feitos. 11 “Definindo. A razão sugere sempre a vida. porque todos vivem perseguidos pelo temor de serem atacados uns pelos outros. o homem vive em estado de guerra. é de procurar a paz e seguir. devido ao medo da morte violenta. Nesta situação é impossível conseguir a felicidade. cada homem deve abrir mão de todos os seus direitos. mediante a qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la. a injustiça é a transgressão dos mesmos. como a luta entre fracos e fortes. mas se não a obtiver é justificável que a busque sob todos os recursos e benefícios da guerra. tendo em vista que o direito individual é causador de todos os males. Assim nasce o Estado. quando possível.TEORIA POLÍTICA Pela teoria de Thomas Hobbes. 135 . ou seja.11 O que leva as pessoas a se organizarem é o medo da morte. a preservação da vida e das partes do corpo” (Hobbes. terceiro. é “que se cumpram os acordos feitos”. e. Assim. a segunda é a imposição de renúncia do direito sobre tudo. depois que o homem renunciou a todos os seus direitos. respeitados e mantidos entre os homens. segundo. Três pontos são importantes na lei natural: primeiro. é a autodefesa. 58-59). no qual renunciam a alguns direitos colocando-os nas mãos de um só homem. há perigo constante. Hobbes foi identificado como o ideólogo do Estado Absoluto. da qual decorrem dois conceitos fundamentais: a justiça e a injustiça. que o homem deverá cumprir. o soberano. p. o que vigora é o poder da força. A lei natural é um preceito ou regra geral estabelecida pela razão. apenas em sua própria força e capacidade. Os homens viveram naturalmente. porque somente assim seria capaz de corresponder a sua finalidade de exercício de forma despótica. entretanto. 1997. mas somente entre os súditos. Talvez esteja aí a novidade do Estado Absolutista. o que somente surgiu depois de um pacto firmado por eles. indispensável um governo que fosse seguido por todos os componentes do corpo social. cabendo a ele cumprir a paz e o governo. Antiseri. o uso da força para se obter um resultado esperado diante dos acordos previamente estabelecidos. 12 “E os pactos sem a espada não passam de palavras. 500). Hobbes define que “uma lei de natureza é um preceito ou regra geral. mas sim como conseqüência de um pacto social. e poderá legitimamente confiar. sendo governado por reis com direitos ilimitados. mas da razão que procura os meios de conservação do homem. necessitariam de um reforço como garantia de seu cumprimento em salvaguarda do pacto social. no entanto. se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança. por Hobbes. estabelecida pela razão. A obediência moral é um meio para uma “vida social pacífica e confortável”.. como proteção para todos os outros” (Hobbes.12 Faz-se necessária a entrega dos direitos particulares na mão de um único homem ou de uma assembléia capaz de governar e representar os anseios de todos os homens. apesar das leis da natureza (. 136 . para que a lei seja aplicada e respeitada. p. p. sem vínculo com a Igreja. “O poder do soberano ou da assembléia é indivisível e absoluto” (Reale. É importante ressaltar que esse pacto é apenas hipotético. e isto haveria de requerer que esse governo tivesse toda a força. 141). não é firmado entre os súditos e o soberano. nem de um consentimento universal. é necessária a coação. Hobbes é um contratualista. As leis não são deduzidas. Torna-se. então. 1997.). 1990. Portanto. As leis. por constituírem conclusões tiradas do raciocínio. p. de um instinto natural.. mediante a qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la. ou seja. O soberano é excluído do pacto. estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação política.TEORIA POLÍTICA Para o cumprimento desses acordos. Acredita que a origem do Estado está no contrato. cada um confiará. sem poder e sem organização. sem a força para dar a menor segurança a ninguém. “Não existe pacto sem a espada”. ou omitir aquilo que pense poder contribuir melhor para preservá-la” (Hobbes. elas são imutáveis. 113). para forçar os homens ao respeito. no momento da realização do contrato não existe ainda o soberano. cada um. O soberano se conserva fora e isento de qualquer obrigação. Esse pacto social consiste na transferência do poder de governar a si próprio a um terceiro – o Estado – para que este governe a todos. ou por um governante que o julgou concedendo-lhe a mais ampla defesa. tanto faz a sua vida ser ameaçada por um soberano impiedoso e ímpio. O Leviatã. impondo ordem. assim. a imaginação será mais bem regulada. ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles. um acordo. pois reconhecem serem dos próprios súditos tais ações. Pacto social. O Estado resulta de um contrato social e os contratos sem ameaça de espada são apenas palavras. o Estado artificial. não faz parte do pacto social. É preciso que exista um Estado dotado da espada. pois. armado. O súdito prometeu obedecer a fim de não morrer na guerra generalizada. O contrato é feito entre os súditos. a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos do restante dos homens. destrutiva da própria essência do Estado. Hobbes afirma que não existe pacto sem espada. com cada um dos outros. tendo o consentimento de todos os súditos.TEORIA POLÍTICA O contrato só é possível quando há noções nascidas de uma longa experiência da vida em sociedade. o autor apresenta o contrato social. porque lhe devem fidelidade. que surge devido ao contrato. Os súditos acatarão todas as ações do Soberano. O único meio de realizar este propósito consiste em defendê-los da invasão dos outros Estados e defendê-los de si 137 . porque cada um receberá o que o soberano determinar. por isso. seja culpado ou inocente. produto de uma convenção. Ninguém tem a liberdade de resistir à espada do Estado em defesa de outrem. segurança e direção à conduta da vida social. por pluralidade de votos. tal como se fossem seus próprios atos e decisões. É um pacto. portanto. formando. que a qualquer homem. Daí surge a necessidade de um pacto. O contrato social ocorre quando uma multidão de homens concordam e pactuam. Para pôr fim a esse conflito. deverão autorizar todos os atos de decisões. Dessa maneira. Os súditos têm garantia de serem protegidos pelo soberano. é o processo intermediado do estado de natureza para o Estado artificial. a uma só vontade. impotentes para garantir a segurança dos homens. pode ser um homem ou uma assembléia de homens que reduz suas diversas vontades. Por essa liberdade priva a soberania dos meios para nos proteger. sem exceção. O contrato social é um Estado artificial. sendo. portanto. governo. que é uma renúncia do estado de natureza para então estabelecer regras e leis. do bem e do mal. o povo é obrigado a permanecer fiel ao compromisso assumido e não pode. A ele cabe escolher todos os conselheiros. O homem possui certas diferenças em relação aos animais. civil ou natural. Feito isso. por exemplo. conferindo todo o poder e potência a um só homem ou a uma só assembléia de homens. pois todos são instituídos a serem uns mais que os outros. isto é. 144). assim. a multidão se une de tal maneira em uma só pessoa. dá-se então a competição e a lei do mais forte é que vence. 1997. ou com respeito aos fatos. antiseri. aprovar ou proibir determinadas idéias. com a condição de transferir a ele teu direito. ou a esta assembléia de homens. “julgar. p. o Estado também pode interferir em matéria de religião. A ele incumbe o direito de declarar e executar a guerra e a paz com outros Estados e tomar as providências para realizá-la. Para que um Estado funcione o soberano deve ser juiz das opiniões e das doutrinas. assumindo tudo o que diz respeito à paz e à segurança comuns. tem poder de interferir nas opiniões. ou um acordo natural. ministros. nem transferir o poder a outro. exercem uma sociedade natural. Pelo contrato. do legal e do ilegal nas ações. O resultado é a verdadeira união de todos na mesma pessoa. somente ele detém todos os direitos. voltar à confusão da multidão desunida. reduzir todas as vontades a uma só vontade. O Estado soberano é o Deus mortal. É como se cada um dissesse a cada um: “Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem. A ele compete o direito de julgar. conduzir a paz e regulamentar as ações. ou seja. ouvir e decidir todas as controvérsias que surgem a respeito da lei.TEORIA POLÍTICA mesmos. 138 . Nem mesmo a Igreja lhe retira o poder. de maneira nenhuma. Já em relação ao homem dá-se um acordo artificial. de onde resulta a concórdia. está acima da justiça. Todos os poderes devem se concentrar em suas mãos” (Reale. as regras do meu e do teu. A formiga e a abelha. o que é chamado de Estado. autorizando de maneira semelhante todas as suas ações” (Hobbes. magistrados e oficiais. É ao Estado que compete prescrever as regras sem as quais ninguém teria segurança na posse da propriedade. ao que se denomina leis civis. 1990. 501). p. feita por contrato de todo homem com todo homem. nomear um homem ou uma assembléia de homens para representar a pessoa de todos. todos devem obediência às leis do Estado. não pelo beneficiário. No Estado absoluto de Hobbes. mas este deve resolver todas as pendências e arbitrar qualquer decisão. os insultos. que só surge devido ao contrato. inclusive o poder de decisão em matéria religiosa. o indivíduo conserva um direito à vida talvez sem paralelo em nenhuma outra política moderna. Hobbes esclarece 139 . Não há alternativa: ou o poder é absoluto ou continuamos na condição de guerra. Hobbes vai beber na fonte de Jean Bodin – século 16 –. este é firmado apenas pelos que vão se tornar súditos. enfim. O instinto de conservação é peça fundamental na Filosofia de Hobbes. A sociedade nasce com o Estado. primeiro teórico a afirmar que no Estado deve haver um poder soberano. portanto. cap. 1997. um governo absoluto que fosse seguido por todos os integrantes (súditos) do corpo social. Hobbes desenvolve essa idéia e monta um Estado que é condição para existir a própria sociedade.TEORIA POLÍTICA Hobbes afirma que o Estado deve ser absoluto. quanto à sua idéia de força genética do comportamento. É necessário que exista um Estado dotado de espada. ele próprio é o autor da sua morte. a liberdade. como razão para a conservação dos homens. pois ele garantia a paz. Todos os poderes encontram-se nas mãos do soberano. do soberano. Disso resulta que ele se conserva fora dos compromissos e isento de qualquer obrigação. este leva ao desejo da paz. porque justificava a obediência moral como meio para uma “vida social pacífica e confortável”. A liberdade e a garantia da vida estão no cumprimento e obediência às leis. É preciso evitar a ingratidão. entre poderes que se enfrentam. Os homens não poderiam contrariar o “Leviatã”. Se alguém tentar destruir ou conspirar contra o soberano e for morto. o orgulho. por Hobbes. a imaginação será mais bem regulada. O soberano não assina o contrato. Hobbes foi o pioneiro do utilitarismo. ou seja. não basta o fundamento jurídico. Aliás. como referimos anteriormente. a segurança. Era indispensável. No Estado Artificial. Governa também no homem o instinto de conservação que. por sua vez. tudo o que prejudique a concórdia. XXI). o seu poder deve ser pleno – condição absoluta e necessária para existir a sociedade. é que cada um “não faça aos outros o que não gostaria que lhe fizessem a si” (Hobbes. por uma razão simples: no momento do contrato não existe ainda soberano. As leis são deduzidas. porque cada um receberá o que o soberano determinar. No plano das relações morais. porque sem medo ninguém abriria mão de toda a liberdade que tem naturalmente. 3° – a centralização dos poderes. por meio da pluralidade de vozes. 2° – a paz e o progresso (industrial) e a satisfação do bem viver. que se dará nas mãos de um homem (ou assembléia) na medida em que representam toda a vontade coletiva. Hobbes é considerado o maior teórico do Estado absolutista. Trata-se de John Locke. 140 .TEORIA POLÍTICA que o soberano governa pelo temor que impõe a seus súditos. a uma só vontade. que garantirá a segurança e o direito à vida. Abordaremos também na próxima Unidade que o teoria hobbesiana choca-se com a teoria liberal e que o principal mentor da teoria liberal também era inglês e viveu quase no mesmo período de Hobbes. O interessante é que você perceba que o desejo de Hobbes por um Estado forte decorre de sua Filosofia da natureza humana. se não temesse a morte violenta. o homem não renunciaria ao direito que possui por natureza. 5° – a superação do medo e da morte pela esperança. que é fundamental para a estruturação de um governo soberano: “Eu autorizo e cedo o meu direito de governar-me a mim mesmo a esse homem ou a essa assembléia de homens. com a condição de que tu lhe cedas o teu direito e autorizes todas as tuas ações da mesma forma”. Segundo a teoria de Thomas Hobbes. 4° – o pacto entre os homens. a função do soberano é garantir: 1° – a defesa dos ataques estrangeiros e das injúrias recíprocas. a palavra assume muitos significados. Na Inglaterra e Alemanha designa um posicionamento entre a esquerda e a direita. refere-se à esquerda. O liberalismo é um fenômeno histórico que se manifesta na Idade Moderna e tem seu epicentro na Europa. porém nunca a revolução. capaz de promover mudanças. Síntese entre conservação e inovação. Antes do século 19. Tolerante e/ou generosa. na área Atlântica. Na Itália. Nos EUA. em termos de idéias. mas que exerceu influência notável nos países colonizados pelos europeus. da própria felicidade. Assim. detentora de velhas e novas liberdades civis.Unidade 9 A Defesa das Idéias Liberais TEORIA POLÍTICA Há vários entendimentos sobre o conceito “liberal”. de acordo com o país. 141 . em síntese. o conceito é ambíguo. principalmente a livre iniciativa econômica. O liberalismo jurídico preocupa-se principalmente com determinada organização do Estado. baseada no chamado “justo meio” como expressão da arte de governar. O liberalismo político trata da luta política parlamentar. Ou as profissões exercidas por homens livres. prioriza o indivíduo em contraposição ao coletivismo. o termo indicava uma atitude aberta. O liberalismo econômico defende que o máximo de felicidade comum depende da livre busca de cada indivíduo. O liberalismo. os liberais são os defensores da livre iniciativa econômica e da propriedade intelectual. Hoje. Por isso inicialmente pretende-se definir o que se entende por liberalismo. A primeira idéia considera que o liberalismo está ligado à democracia burguesa. capaz de garantir direitos aos indivíduos. 142 . que se desenvolve quando a mente se debruça sobre si mesma. 29). a partir da segunda metade do século 17. Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano e a Carta sobre a Tolerância. no instante do nascimento. Em 1689 Locke publicou três grandes obras: Dois Tratados sobre o Governo Civil. ou melhor. é como uma tábua rasa (papel em branco) que vai adquirindo conhecimento à medida que os sentidos se confrontam com a realidade: “nada existe em nossa mente que não tenha sua origem nos sentidos”. Defendeu que nossa mente. analisando suas próprias operações. Nasce. justamente com a Inglaterra. Ver Chevallier (1983. Locke combateu ferozmente tais idéias. 2007.1 A Inglaterra. como Disponível em: <http:// www. o cidadão. 1 2 Ver Almeida Mello (1991). p. Para Platão.jpg>. Essa obra foi considerada a Bíblia do Iluminismo.geocities. começa a ascender economicamente e a buscar os direitos individuais. Nesse período a burguesia. Acesso em: dez. os direitos cidadãos.2 O Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano é a principal obra de Locke e versa sobre a sua compreensão do espírito humano. transformou-se num império mercantil promissor. Locke combateu duramente a doutrina das idéias inatas defendidas por Platão e Descartes. Locke defende a idéia empirista de que tudo provém da experiência. ao qual teria acesso por meio da reminiscência (recordação).1 O liberalismo de Locke: o cidadão com direitos naturais John Locke nasceu na Inglaterra no ano de 1632.TEORIA POLÍTICA John Locke Seção 9. o homem já trazia consigo (ao nascer) o conhecimento impregnado em sua alma. A reflexão é o nosso “sentido interno”. sendo Locke o seu teórico. neste sentido.com/ rationalargumentator/ John_Locke. classe social. Tomo II. da capacidade de conhecer. 143 . Assim resta indagarmos: De onde vieram nossas idéias. adquirimos as nossas idéias de fora e todas elas provêm da sensação. de nada valeriam a observação e a experiência. “As idéias que se gravam nessa tabula ou nessa folha só podem promanar da experiência. 32. A experiência. como também distinguir o verdadeiro do falso. mas nunca lhe acrescentar nada.3 Segundo Locke. que é o único modo de estabelecer se alguma coisa é verdadeira ou falsa. pois se a verdade fosse inata em nossas mentes. os poderosos têm idéias inatas. Ora. onde nada está escrito. elas podem confirmar o nosso conhecimento. as idéias são de dois tipos: há idéias simples. que derivam diretamente da sensação ou de uma experiência interior. já nascem com a idéia que irão dominar e explorar o povo e nós devemos aceitar isso? São conhecidas algumas críticas que Locke tece contra os teóricos que defendem as idéias inatas (já nascemos com o conhecimento). se houvessem idéias inatas. que é a refle- 3 Para Locke. Tomo II). mostra claramente o contrário. mas as idéias são adquiridas pela experiência. que podem justificar uma ideologia. torna-se impossível verificar o seu valor. Nada está na mente sem antes passar pela experiência. O conhecimento humano começa com a experiência sensível e é condicionada por ela. assim surgidas. De fato. Na melhor das hipóteses. Por exemplo. 1983. se não são inatas? Como poderemos saber se nossas idéias. significa perceber uma relação entre as idéias. porque não podemos confrontá-la com a experiência. para Locke. o espírito humano é uma tabula rasa ou um white paper. elas deveriam estar presentes na mente das crianças e do selvagem crescido longe da civilização. são verdadeiras? Quanto pode o entendimento humano compreender e que tipo de conhecimento está ao seu alcance? Conhecer. com uma habilidade infinita” (Chevallier. p. porém. É nela que o espírito vai buscar todos os seus materiais para depois os modelar. como também todo o pensamento a priori. Locke também examina o processo cognitivo (intelecto). No momento do nascimento a alma é uma tábua rasa: não tem nenhuma idéia. uma dominação. Advoga também que as capacidades do conhecimento são inatas. Locke ataca frontalmente o princípio das idéias inatas.TEORIA POLÍTICA Nota-se que Locke lutará para derrubar as idéias inatas. A sua verdade não pode ser averiguada: admitida a existência de idéias inatas. não provenientes da experiência. transformar. combinar. Vislumbramos como princípio moral. defendia que a sociedade civil moderna será instituída e organizada a partir de um contrato entre todos os indivíduos. Locke também parte do estado de natureza. No estado de natureza de Locke os indivíduos estão regulados pela razão. se fosse inata deveria permanecer. Locke considerava esta teoria um veneno para a política. Sobre a razão natural: “Ensina a todos os homens. ou seja. Assim como Hobbes e Rousseau. para que ninguém intente ferir os direitos alheios. que é uma idéia adquirida. É nela que Locke teoriza contra as idéias absolutistas. os homens firmam entre si um pacto de submissão pelo qual. trocando voluntariamente sua liberdade pela segurança do Estado-Leviatã. A outra obra importante de Locke chama-se Dois Tratados sobre o Governo Civil. transferem a um terceiro (homem ou assembléia) a força coercitiva da comunidade. segundo a qual todos nascem com os direitos naturais: vida. de prova e exemplarmente. Notemos que os princípios práticos são passageiros. No estado civil os direitos naturais inalienáveis do ser humano à vida. o contrato social é um pacto de consentimento em que os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar ainda mais os direitos que provém originalmente no estado de natureza. Locke contesta o acordo universal dos inatistas e refuta-os advertindo que isso não prova o que é inato. reprimindo os que fazem o mal. que são combinações das idéias simples. até chegar ao governo civil. Antes de experimentarmos a sensação não podemos pensar. diz que a razão não descobre coisa alguma. sendo impossível para uma mesma coisa ser ou não ser. à saúde. quanto à vida. ao próprio bem”. A vontade intelectual de Locke é de demolir a doutrina do direito divino dos reis de governar. à liberdade. 144 . se fossem inatos teriam de permanecer sempre. E. passando pelo contrato. Em Hobbes. como o de Hobbes. John Locke é considerado um pensador contratualista. Em Locke. 86). p. pelos sentidos. pois tudo aquilo que se encontra no intelecto deve passar. à liberdade e aos bens estão melhor protegidos sob o manto da lei. pois estes não alcançam uma recepção universal. primeiramente. liberdade e propriedade privada. do arbítrio e da força comum de um corpo político unitário” (Almeida Mello. Também existem idéias complexas. mas não é inato. sendo todos iguais e livres. a natureza autorizou cada um a proteger e conservar o inocente. que. Procurava ele um contraveneno que fosse capaz de destruir tais idéias. visando a preservação de suas vidas.TEORIA POLÍTICA xão. nenhum deve prejudicar o outro.4 4 “O contrato social de Locke em nada se assemelha ao contrato hobbesiano. há uma organização pré-social e pré-política. O não matar é um princípio evidente. dando-lhes o direito natural de punir. Não há princípios práticos inatos. 1991. o aborto. O estado de natureza de Locke não é de inimizade e guerra. ou seja. Em toda a sua vida Locke posicionou-se contrariamente ao absolutismo. com a instituição da República na Inglaterra. 145 . ou para a mesma garantir direitos. semear e cultivar.TEORIA POLÍTICA O direito de propriedade. no qual o homem vive num estágio pré-social e pré-político com liberdade e igualdade. o século 17 foi marcado por constantes lutas entre a “coroa”. defensora do absolutismo) versus o “Parlamento”. os homens se juntam em sociedades políticas e se submetem a um governo com a finalidade principal de conservar suas propriedades. estará à frente da Revolução Francesa (1789). mas. muito pelo contrário. o triunfo do liberalismo político sobre o absolutismo. segundo Locke. é a extensão de terra que cabe a cada homem. A idéia de Locke era de que se formassem Estados por livre associação para produzir mais. uma vez que entende que para a boa regulamentação de uma sociedade. vindo a ser perseguido. Na visão de Locke. Locke parte do estado de natureza. O contexto histórico em que nasceu John Locke não se caracterizou pela tranqüilidade. só retornando a sua pátria após o triunfo da Revolução Gloriosa. O Estado é soberano. ou até mesmo ser feliz. Assim. pois o Estado natural não a garante. o que o levou a se exilar. principalmente ao governo Stuart. É nesse período que ocorre a ascensão da burguesia que. Locke foi um teórico relacionado com a monarquia parlamentar liberal. mais tarde. é o que ele tem capacidade de lavrar. O Estado natural (isto é. tornam-se necessárias a elaboração e a construção de um contato social que conceda de fato todas as garantias possíveis para a realização concreta de tais empreendimentos. tendo o rei como representante do poder soberano (representado na Inglaterra pela dinastia Stuart. Ele afirma que os homens se juntam em sociedades políticas e submetem-se a um governo com a finalidade principal de conservar suas propriedades. mas sua autoridade vem somente do contrato que o faz nascer: este é o fundamento liberal do pensamento de Locke. filósofo e político. Jonh Locke é chamado também de filósofo contratualista. tendo como representante a burguesia ascendente. defendeu idéias liberais e influenciou o sistema político da sua época. a falta de um Estado) não garante a propriedade. John Locke foi médico. de todos. partidária do liberalismo. Sustentou que o poder não é somente do soberano. Locke não fala em acumulação da propriedade para fins especulativos. desde que “o governo não possua outra finalidade a não ser de conservação da propriedade”. Por teoria da propriedade. Assim. porém com direito aos bens. quem detém a propriedade é o soberano e os súditos não têm direito algum. são. Já para Hobbes. tendo como sustentação o poder delegado pelo povo. 1991. O governo civil contará com o poder Legislativo. na compreensão de Locke. o homem concebe “a sociedade política ou civil”. Então.5 Como a razão natural. 87). O próximo passo é a escolha de uma forma de governo capaz de garantir efetivamente os direitos dos cidadãos.TEORIA POLÍTICA O estado de natureza de Locke é diferente do estado de natureza hobbesiano (uma vez que este é baseado na insegurança e na violência: “guerra de todos contra todos”). a proteção do direito de propriedade pelo governo. concórdia e harmonia. Observa Locke: pode ser qualquer forma de governo. Como vimos. p. tornando possível a existência de 5 “Em suma. sendo uma instituição anterior à sociedade. os principais fundamentos da sociedade civil” (Almeida Mello. Um dos direitos do homem no Estado Natural é a propriedade privada. 146 . é um direito natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado. A ele caberá a elaboração das leis. ensina que todos os homens são iguais e livres. o livre consentimento da comunidade para a formação do governo. O contrato é. igualmente. a propriedade já é realidade no estado de natureza e. o estado da natureza é de relativa paz. para Locke. A saída é estabelecer um contrato entre os homens que dê total segurança e proteção aos proprietários. sempre surge o perigo iminente da invasão e da tomada dos bens de uns sobre os outros. entende-se a posse de bens móveis e imóveis. em Locke o objetivo final é que o Estado garanta o direito de propriedade. considerado o mais importante entre os demais. na medida em que todos são proprietários. o livre consentimento dos indivíduos para o estabelecimento da sociedade. o contrato social é a realização da passagem do estado de natureza para a sociedade política ou civil e visa exclusivamente a preservar e proteger a comunidade tanto dos perigos internos quanto externos. um “pacto de consentimento em que os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar os direitos que possuíam originalmente no estado de natureza”. não vindo a ocorrer a usurpação de uns sobre os outros. Para Locke. o controle do executivo pelo legislativo e o controle do governo pela sociedade. em Locke. na dupla distinção entre as duas partes do poder. que é fruto de seu trabalho.TEORIA POLÍTICA leis e regras estabelecidas como guarda e proteção às propriedades de todos os membros da sociedade. portanto. a fim de limitar o poder e mudar o domínio de cada parte e de cada membro da comunidade. está o da propriedade privada. a Legislativa e a Executiva. Locke passou para a História como o teórico da monarquia constitucional. 1973. o homem possuía quando no estado de natureza. p. o Parlamento e o rei. pois não se poderá nunca supor seja vontade da sociedade que o legislativo possua o poder de destruir o que todos intentam assegurar-se entrando em sociedade e para o que o povo se submeteu a legisladores por ele mesmo criados (Locke. para Locke. De Locke passamos a descrever algumas idéias de outro importante teórico contratualista chamado Jean-Jacques Rousseau. ao mesmo tempo. 77. o poder Executivo é delegado ao rei pelo Parlamento. 96. um sistema político baseado. a função do Estado é garantir os direitos naturais (vida. Locke defende também que a religião seja livre e que não dependa do Estado. acesso em: mar. Em síntese.info/imatges/ rousseau. Seção 9.2 O Estado democrático de Rousseau Com Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasce a concepção democrático-burguesa do Estado. propriedade). 127). Disponível em: <www.alcoberro. liberdade. Entre os direitos que. também para Rousseau existe uma condição natural 147 . bem como na correspondência quase perfeita entre essas duas distinções – o poder Legislativo emana do povo representado no Parlamento. O Estado deve. Assim como para Hobbes e Locke. 2008. Jean-Jacques Rousseau. segundo Locke. e entre as duas funções do Estado. reconhecer e proteger a propriedade.jpg>. O povo. é a civilização que perturba as relações humanas. de virtude e de liberdade. Para Rousseau o único órgão soberano é a Assembléia. Quantos crimes. pois os homens nascem livres e iguais (eis o princípio que vai se afirmar na revolução burguesa). O homem só pode ser livre se for igual: assim que surgir uma desigualdade entre os homens. estais perdidos se esquecerdes que os frutos são para todos. p. representando o povo. há liberdade na medida em que se leve em consideração a desigualdade entre proprietários e não– proprietários. nunca a transfere para um organismo estatal separado. não é mais livre. de um contrato. acaba-se a liberdade.7 A Assembléia. podendo revogá-las a qualquer momento. quantas misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que. guerras. 1991. Já que. nunca perde a sua soberania. ‘No mundo em que um povo se dá representante. p. Escreve Nascimento (1991. e que a terra é de ninguém (Rousseau. Uma vontade não se representa. todavia. igualmente. será livre quando tiver todas as condições de elaborar suas leis num clima de igualdade. “O primeiro que. Para o liberal. mas em todo lugar estão acorrentados. que é destruída e apagada pela civilização. pode confiar a algumas pessoas determinadas tarefas administrativas. mortes. O que originou a propriedade privada não foi um ato isolado. lembrou-se de dizer: ‘Isto é meu’. não mais existe’”. A sociedade nasce. 1991. relativas à administração do Estado. que violenta a humanidade. e é nesta que se expressa a soberania. e a igualdade mataria a liberdade. 197-198): “Rousseau não admite a representação ao nível da soberania. de um contrato. 196). o único fundamento da liberdade é a igualdade: não há liberdade onde não existir a igualdade. pelo qual um indivíduo colocou um 6 7 Ver Nascimento (1991). p. 201). “Um povo. para Rousseau. 6 É a concepção oposta àquela de Hobbes. mas é uma condição de felicidade. uma submissão à vontade geral e não à vontade de um indivíduo em particular ou de um grupo de indivíduos” (Nascimento. tivesse gritado aos seu semelhantes: ‘Guardai-vos de escutar este impostor. arrancando as estacas ou enchendo o fosso. apud Weffort.9 Rousseau não compreende que o surgimento da propriedade privada foi um grande progresso em relação à sociedade dos bárbaros – embora um progresso doloroso. na verdade. 8 9 148 . Para Rousseau. foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. e encontrou pessoas bastante simples para crê-lo. tendo cercado um terreno. de tal modo que a obediência a essas leis signifique. O indivíduo é preexistente e funda a sociedade por meio de um acordo.TEORIA POLÍTICA dos homens. portanto.8 A afirmação da igualdade é fundamental para Rousseau. ele apresenta a mesma mentalidade comercial e o mesmo individualismo burguês. a conclusão de que “nunca existiu verdadeira democracia nem jamais existirá”. a idéia de soberania liga-se à idéia de vontade geral. por fim. ela era entendida como democracia direta. como representativa.TEORIA POLÍTICA marco e se declarou proprietário da terra: a propriedade é fruto de um processo econômico de desenvolvimento das forças produtivas. também essa condição natural. nasce de um contrato. por isso. que.11 10 11 Para aprofundar o debate sobre Rousseau conferir a obra de Goyard-Fabre (2003). seja ele uma monarquia. limitações neste modelo (cidadão versus escravo). a vontade geral soberana é inalterável e pura. o debate da democracia ideal e pura (a sabedoria do povo e o governo democrático). que é sua única maneira de ser. Para os antigos. igualmente.3 A democracia moderna: filha do Estado Liberal Pode-se apresentar duas diferenças básicas para o termo democracia. algumas idéias conclusivas de Rousseau: tem-se. A sociedade. Rousseau não soube indicar como se superaria a propriedade privada. para Rousseau. enraíza-se sempre na vontade geral do povo.10 Seção 9. a que devemos aspirar. já para os modernos. Este debate segue a idéia de Bobbio (2000). em seu dever-ser. todo governo legítimo é republicano. o pacto social dá origem à vontade geral do povo soberano. o contrato social faz nascer a sociedade civil. nunca existiu e nunca vai existir ”. uma aristocracia ou uma democracia e. 149 . porém vê. Rousseau tem em vista a democracia da antiga Atenas. Afirma Rousseau: “a democracia de que falo não existe. também com uma mentalidade comercial e o mesmo individualismo burguês. não existe. nunca existiu e talvez nunca existirá. com o autor. Em síntese. ela não pode falhar nem errar. Terceiro. “ausência do crescimento da educação para a cidadania”. a eleição é o elemento essencial da democracia real. que “caiu um governo ditador e instaurou-se um regime democrático”. Ou quando se ouve.TEORIA POLÍTICA O termo democracia vai além do entendimento simplista de um conceito que é lembrado apenas em época de eleições. Democracia não significa que “todos” participem do processo eleitoral. onde cada um de nós é um sacerdote. 272). Segundo Bobbio. por ocasião das eleições no ano de 1902. que detém o controle do poder econômico ou ideológico: “A democracia não conseguiu derrotar por completo o poder oligárquico. num “gesto” democrático. cada vez mais o povo vê-se desacreditado dos meios políticos. e as revoluções americana e francesa marcam seu início. é ainda menos capaz de ocupar todos os espaços nos quais se exerce um poder que toma decisões vinculatórias para um inteiro grupo social”. pois possibilita a seleção dos líderes para o progresso (apud Bobbio. a apolitização virou uma constante. É possível perceber que a democracia ocidental é um processo relativamente novo. Isso significa afirmar que a maioria da população votará consciente ou não em um grupo.12 A democracia na Modernidade fez algumas “promessas” que até agora. não foram cumpridas. p. um dos maiores teóricos da democracia moderna. citado por Bobbio. na visão de Bobbio (1997. os “mesmos” permanecem no poder. 2000. 372). ao qual é confiada a guarda da arca da aliança e cada um oficia do seu próprio altar ” (2000. pela mídia. a esta minoria. lamenta a degeneração dos costumes públicos em decorrência da qual “as opiniões. “o voto não é para decidir. A primeira é de que a democracia ainda continua subordinada a um poder “invisível”. interesses que submetem os poderes políticos. ou seja. delegando. assim. Bobbio cita uma frase ilustrativa da Corte Suprema dos EUA. p. para demonstrar o caráter “sagrado” do processo eleitoral daquele país. isto é. quando. Aqui se pode entender a superioridade de um grupo ou pessoa. Para Kelsen. De eleições em eleições acabam se elegendo sempre os “mesmos”. mesmo que quem dela participe seja apenas uma minoria: “A cabine eleitoral é o templo das instituições americanas. o poder de governá-la. mas para eleger quem deverá decidir ”. A segunda. os sentimentos. 27). 150 . Tocqueville. p. as idéias comuns são cada vez mais substituídas 12 Bobbio apresenta o conceito de democracia em dois sentidos: a democracia pode ser entendida no sentido “ideal” e no sentido “real”. todos vão às urnas “exercer a democracia”. é pouco provável que um Estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia. p... Para que se realize a “verdadeira” democracia. 2000. 2000. etc. segundo a qual “quem usufrui os direitos políticos pensa em deles fazer uso pessoal em função do próprio interesse”. Defende Bobbio (2000. 34). “que passaram de uma economia familiar para uma economia de mercado. Para isso. deve-se dar as reais condições para se escolher. e de outra parte. denunciando esta tendência como expressão “de uma moral baixa e vulgar ”. 34) que “a democracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos possam decidir a respeito de tudo.. p. de expressão das próprias opiniões. regulada. mas jurídico do Estado democrático.” (Bobbio. 20). há uma “sensível” mudança nos rumos 151 . Tecnocracia e democracia são antitéticas. de reunião. de opinião. 1997. planificada. Neste sentido. Um dos principais obstáculos ao projeto político-democrático atual é a complexidade das sociedades. Para isso.TEORIA POLÍTICA pelos interesses particulares” e indaga “se não havia aumentado o número dos que votam por interesses pessoais e diminuído o voto de quem vota à base de uma opinião política”. A tecnocracia. de associação. 27). “é necessário que aos chamados a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade. o nascimento da economia política (Smith) e a Filosofia utilitarista (de Bentham a Mill). pode-se definir a democracia como “um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem ‘quem’ está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos”. p. Estado liberal e Estado democrático são interdependentes. p. ao contrário. os mais “sábios”. os mais “honestos” e os mais “esclarecidos” são escolhidos (Bobbio. O Estado liberal é o pressuposto não só histórico.. Seguindo a concepção de Bobbio. ocorreram três eventos que caracterizaram a Filosofia social da Idade Moderna: o contratualismo (séculos 16 e 17). de uma economia de mercado para uma economia protegida. que aumentaram os problemas políticos que requerem competência técnicas” (p. pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detêm conhecimentos específicos”. Quarto. Ou seja. 20). A democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade e do Estado. é pouco provável que um Estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais (Bobbio. que garante a propriedade. a expressão “sociedade civil”. Entende-se por “estado de natureza”. Seção 9. p. a ciência e a benevolência. mais precisamente para os teóricos jusnaturalistas como Thomas Hobbes e John Locke. 152 . a participação. Para estes pensadores. inverteram-se os termos. portanto. varia sensivelmente entre os pensadores posteriores. Primeiramente. pré-político. o próprio Estado (Bobbio. a paz. ou seja.. a paz está sempre ameaçada. A sociedade civil nasce com o jusnaturalismo de Hobbes. a decência. Como vimos. é uma criação da classe burguesa. ao invés da democracia. de modo geral. e o medo da morte é uma constante. 1.. 1983. no sentido original. Já a sociedade civil é entendida como a constituição do Estado propriamente dita. nos remete para o início da Modernidade (séculos 16-17). 34).4 A sociedade civil e o Estado O conceito “sociedade civil” vem sendo muito aplicado por comentadores e teóricos das Ciências Sociais e Ciências Humanas nos diais atuais. estendendo-se até a posição de Kant. O segundo obstáculo citado por Bobbio é o crescimento do aparato burocrático: “Estado democrático e Estado burocrático estão historicamente muito mais ligados um ao outro do que a sua contraposição pode pensar ” (p. a sociedade civil contrapõe-se à “sociedade natural”. tudo o que se refere a um estágio de pré-sociedade. em que não existe progresso.TEORIA POLÍTICA da política atual. sem perder o seu sentido original. nem técnica. porém aparece hoje como sendo exatamente o oposto do que era no princípio. tem-se a tecnocracia. foi o Estado liberal que alargou o Estado democrático e ambos contribuíram para emancipar a sociedade civil do sistema político.206). A democracia. existe uma Constituição. Isso significa que o Estado é incapaz de solucionar as demandas oriundas da sociedade civil. a segurança. sendo sinônimo de sociedade política. O terceiro obstáculo é a “ingovernabilidade” da democracia. mas não necessariamente ainda a sociedade política. em Hegel. T. não tiveram nem rei. a sociedade civil. Segundo Rousseau. p. 1. cuja concórdia têm como fundamento a concupiscência natural”. Segundo tratado. O que falta à sociedade civil para ser um Estado é a característica da organicidade (Bobbio. vivendo apenas em bandos”.207). Para os contratualistas. foi o verdadeiro fundador da sociedade civil”. Hegel aborda a questão da sociedade civil no livro Filosofia do Direito. uma sociedade natural. 1. o conceito de sociedade civil adquire um novo significado. do ponto de vista hobbesiano. cap. John Locke afirma que “em muitos lugares da América não havia nenhum governo”. É importante perceber que “civilizada”. já possui algumas características do Estado.13 Da mesma forma. e “aqueles homens. ou “Estado do intelecto”. por longo tempo. 153 . 1983.207). O Estado se contrapõe ao estado de natureza e ao estado selvagem. após haver cercado um terreno e passou a dizer isto é meu e achou os outros tão ingênuos que acreditaram.TEORIA POLÍTICA Quando os teóricos contratualistas querem dar um exemplo do “estado de natureza” citam os povos da América. Rousseau emprega a expressão “sociedade civil” no sentido de “sociedade civilizada”. a sociedade civil é a sociedade civilizada. para Rousseau. a não ser o governo de pequenas famílias. em que civil não é mais adjetivo de “civitas” (cidade). como sendo uma sociedade de “civilizados”. tem uma conotação negativa. J. A sociedade civil se coloca em Hegel entre a forma primitiva e a forma definitiva do Espírito Absoluto. Sendo assim.. 1.206).208). mas não é ainda propriamente Estado. que surgirá do contrato social e será uma recuperação do estado de natureza e uma superação da sociedade civil (Bobbio. Para este autor. Parágrafo 102 (apud Bobbio. XIII (apud Bobbio. Leviathan. 13 14 Conferir Hobbes. nem repúblicas. 1983. 1983. p. 1983.. Observa o teórico: “o primeiro que. p. A sociedade civil de Rousseau é. p. Conferir Locke. Ele a define como “Estado externo”. a sociedade civil é a sociedade política e ao mesmo tempo a sociedade civilizada. mas de “civilitas” (civilizados). Já para Hobbes e Locke. Ela não é mais a família (sociedade natural) e ainda não é o Estado (forma mais ampla da eticidade). Hobbes assim se refere: “Em muitos lugares da América os selvagens não têm nenhuma forma de governo.14 Assim. a sociedade civil é o momento preliminar para a estruturação do Estado. 1. “sociedade política” e “sociedade civilizada” são dois significados que se sobrepõem. a sociedade civil e o Estado diferem entre si. por isso. que não passa de uma associação de proprietários. enquanto a sociedade política ou Estado é o conjunto de organismos que correspondem à função de hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e ainda ao domínio direto ou de comando que se expressa no Estado ou no governo jurídico. é o conjunto de organismos vulgarmente denominados privados. a sociedade civil é a sociedade política (Estado). que se distingue do momento do puro domínio como momento da direção espiritual e cultural. já uma forma preliminar e. Para Marx a sociedade civil é o espaço onde têm lugar as relações econômicas. É necessário afirmar que o conceito “civil”. Gramsci entende por sociedade civil apenas um momento da superestrutura. as relações que caracterizam a estrutura de cada sociedade. A sociedade civil de Hegel é mais extensa e abrange também a regulamentação externa (estatal) dessas relações. significa “burguês”. Destaca Marx: “A emancipação política foi. a emancipação da sociedade burguesa da política e da aparência de um conteúdo universal” (apud Bobbio. 1983. 1210). Para Marx. e que deve acompanhar e se integrar nas classes que tendem ao domínio. p.TEORIA POLÍTICA Superestrutura Aqueles que detêm os meios de produção (poder dominante). que acompanha e se integra de fato nas classes efetivamente dominantes. o momento da força pura (1983. Para Locke. a sociedade civil. Na visão de Gramsci. p. bem diferente da concepção hegeliana de Estado. ou seja. em alemão bürgerlich. Sintetizando. portanto. a sociedade civil compreende a esfera de relações econômicas e. pertence à estrutura. para este teórico. 154 . ou a “base real” sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política. sendo. ao mesmo tempo. 1. passa a significar a sociedade pré-estatal. Em Marx é que se dá a passagem do significado de sociedade civil para sociedade burguesa. A sociedade civil. particularmente o da hegemonia. portanto. insuficiente de Estado.209). a partir de Marx. não à estrutura. David Hume Hoje entende-se a sociedade civil como a esfera das relações entre indivíduos. que se desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam as instituições estatais. De fato. entre grupos.org/ images/david_hume.5 O direito à resistência: a tese de Hume Diante da imposição de uma cultura dominante e dos possíveis descasos e desmandos do Estado. é possível haver alguma manifestação de resistência e direito de rebelar-se? São legítimas tais posições? 155 . segundo o qual a sociedade civil. às quais deu particular relevo e modificou o significado marxista da expressão. 1. Seção 9. sendo sinônimo de Estado.TEORIA POLÍTICA Gramsci chama de sociedade civil o momento da elaboração das ideologias e das técnicas de consenso. em suas respectivas atividades. segundo Marx. Acesso em: dez 2007. por definição. pois entre uma e outra existe um contínuo relacionamento (1983. Disponível em: <http:// www.gif>.210). Assim entendidos. entre classes sociais. a sociedade civil é o espaço das relações do poder de fato e o Estado é o espaço das relações do poder legítimo.centrofilosofia. o espaço das lutas sociais. A sociedade civil organizada garante a possibilidade do surgimento e organização de inúmeras instituições e movimentos sociais capazes de atuar. Bobbio cita Max Weber para explicar a sociedade civil nos nossos dias. na transformação das realidades sociais em que se encontram. sociedade civil e Estado não são duas entidades sem relação entre si. pertence. voltando parcialmente ao significado tradicional. mas à superestrutura. Segundo este autor. p. a sociedade civil é. da coação. o governo obriga o homem a ser obediente e fiel aos seus ditames (mandos e desmandos) desde que aquele esteja cumprindo a utilidade pública. Refutou. ela deverá ser imediatamente suspensa e substituída pela utilidade pública. Para Hume. a teoria liberal de John Locke.TEORIA POLÍTICA David Hume (1711-1776). se acaso a execução da justiça implicar conseqüências altamente perniciosas. em seu livro Ensaios Morais. isto é. isto é: como é possível um pequeno grupo. A função essencial da justiça é a promoção da paz entre os homens e a busca pelo interesse coletivo: Dado que a obrigação de justiça se assenta inteiramente nos interesses da sociedade. que pregava a idéia de que a sociedade funda-se num contrato primitivo. o absolutismo (direito divino de governar da monarquia) e. entre outras. em casos extraordinários. trata sobre a questão. da obediência passiva. isto é. o homem tem o direito de se rebelar e resistir: “A máxima que a justiça seja cumprida mesmo que o universo seja destruído é evidentemente falsa e. governar. caso contrário. a maioria? Para Hume (1996). nessas emergências extraordinárias e urgentes (p. os quais exigem a mútua abstinência da propriedade. a possibilidade e a aceitação incondicional do direito de se rebelar. lhe é permitido. igualmente. ao mesmo tempo. é evidente que. Na visão de Hume. Políticos e Literários. pois esta só é válida quando considerar o bem público. as origens do governo são normalmente obscuras e freqüentemente legitimadas por meio do uso do controle da opinião e. caso contrário. desobedecer e ser infiel: 156 . na prática. Da mesma forma Hume condena a subordinação irrestrita dos homens em relação à lei. mas. essa virtude deve ser suspensa e substituída pela utilidade pública. 213). revela uma idéia absurda da subordinação dos deveres” (p. 213). mediante todo tipo de atos de violência. cumprindo sua função. filósofo empirista escocês. a fim de preservar a paz entre os homens. sacrificando os fins aos meios. tal teoria implicaria a “possibilidade de revogação de contrato”. Fica evidente que a obrigação da justiça é servir aos interesses da sociedade. de maneira irrestrita e muitas vezes unilateral. instituído de poder. se tal execução da justiça implicar conseqüências maléficas para a maioria do povo. nada poderia ser mais absurdo do que enumerar com excessiva preocupação e cuidados de todos os casos em que se pode permitir a resistência” (p. fica uma lacuna. podese organizar a insurreição. Dessa forma. ou não.TEORIA POLÍTICA “. Admitindo-se.. Assim.. atos de revolta ocorreram: “Nos casos desesperados em que o povo encontra-se em perigo iminente de sofrer violência e tirania. à obrigação primeira e original” (p. não só nunca referindo as exceções em casos extraordinários (o que poderia ser discutível). portanto. e acredita que esses filósofos teriam maior êxito acaso se dedicassem à difusão da doutrina geral do governo: “Devemos. 214). mas chegando até a negá-las expressamente. Nestes casos 157 . imunes a qualquer questionamento e punição por qualquer injúria ou delito que possam cometer. o único problema que merece ser discutido entre bons pensadores é qual o grau de necessidade capaz de justificar a resistência. 214). Hume condena os filósofos que trataram de maneira acentuada a questão da resistência. além disso. adverte Hume. É função de um governo. em defesa do direito à verdade e de liberdade ofendidas”. esse dever terá sempre se submeter. sobretudo se deve insistir. O senso comum nos ensina que. preocupar-se com o andamento de sua administração e deixar de lado a preocupação excessiva e os cuidados de quando se pode permitir. tornando-a legítima e recomendável” (p. considerar que sendo a obediência um dever. A segunda razão “assenta na natureza da constituição e da forma de governo da Inglaterra”. nos casos extraordinários em que a obediência acarretar de modo evidente a ruína pública. o filósofo admite e recomenda resistência em casos extraordinários.. Hume se pergunta: Por que alguns pensadores insistem no direito à resistência? Ele mesmo tenta responder ao apresentar duas razões fundamentais para tal resistência: “A primeira é que seus adversários levaram a doutrina da obediência a tais extremos.. em circunstâncias normais. para que em última instância. é lícito prescindir das regras da justiça em caso de necessidade urgente. como o governo nos obriga à obediência apenas porque esta é favorável à utilidade pública. é nela que. O pensador refere-se aqui aos magistrados e príncipes ingleses que estão acima das leis. 213). Embora Hume alerte para que se conserve a fidelidade dos homens perante o governo. a resistência. Quando o povo não tem mais a quem recorrer e se esgotam todas as alternativas possíveis. a resistência em casos extraordinários. que se tornou necessário insistir nessas exceções. por um lado. 214). “do que a facilidade com que os muitos são governados pelos poucos. os governantes se apóiam unicamente na opinião. Vimos que. apenas na opinião.. diz Hume. sempre que se chegue à situação extrema de só por esse meio se poder defender a constituição” (p. são defendidos e.) e assim. 158 . No período contemporâneo. portanto. Apresentar este debate é o que será feito na próxima unidade. 213). Muito pelo contrário. para este caso há a solução excepcional da resistência. Hobbes. é legítima a prática da resistência: “(.TEORIA POLÍTICA de abusos. na Modernidade. refutados por estudiosos da democracia. O governo assenta. Uma das questões que mais surpreendia e intrigava o pensador era sobre a facilidade com que a minoria pode governar com o consentimento da maioria. Nada mais surpreendente. e essa máxima se aplica tanto aos governos mais despóticos e militares como aos mais livres e populares” (p. o tema da participação e da representatividade ocupou um espaço substancial nas teorias de Maquiavel. diz Hume. são temas atuais que. Locke e Rousseau. como a força está sempre do lado dos governados. Como a maioria pode resignar-se? Como podem concordar com mandos e desmandos da minoria? Só há um meio para tal êxito. por outro. e esse meio é o controle da opinião: “Se investigarmos que. estes temas não perderam a relevância. 217).. assim como a implícita submissão com que os homens abdicam de seus próprios sentimentos e paixões em favor dos seus governados” (p. maior será a possibilidade da existência de uma sociedade desenvolvida política e democraticamente. o problema central da construção da ordem política democrática refere-se à criação de mecanismos que assegurem o processo de institucionalização de políticas democráticas. Entre os teóricos institucionalistas. conferir Limana (1992) e Rover e Seibel (1998).Unidade 10 Participação e Instituições: O Debate da Teoria Democrática Contemporânea TEORIA POLÍTICA Seção 10. que definem a democracia como um arranjo institucional para chegar a decisões políticas e constituiu-se antes de tudo. A segunda concepção defende um maior grau de participação da sociedade civil. poderes Legislativo. eleições. diretamente. 159 . Executivo e Judiciário) como condição indispensável para a conquista de tal estado. A primeira considera a necessidade de maior institucionalização das organizações políticas democráticas (partidos políticos. Samuel Huntington é seu maior representante.1 Para os institucionalistas. Quanto maior for o grau de institucionalização das instituições democráticas. na função de governo.1 Participacionistas e institucionalistas Um debate que tem pautado a discussão da Ciência Política nas últimas décadas diz respeito a duas concepções sobre a democracia: a corrente institucionalista (também chamada de elitismo democrático) e a corrente participacionista. desenvolvido politicamente. como condição fundamental para a construção de um Estado democrático. Os dois teóri- 1 Sobre o debate entre as teorias participacionista e a institucionalista. A vertente institucionalista (elitismo democrático) foi inaugurada por Weber e Schumpeter (1961). numa competição entre elites. 2 Sobre as atuais concepções de democracia e os limites da participação de atores sociais. A democracia seria.. MacPherson e Pateman (apud Rover. Como observa Limana: “para os autores que se enquadram nesta teoria interpretativa. renomeada por Held (1987. onde o nível de desenvolvimento político pode ser medido pelo grau de participação” (p. as concepções de Hayeck e Nozick. como Poulantzas. Mais recentemente. e principalmente em função da crise do Estado de Bem-Estar. na abordagem que trata do associativismo e da participação em A democracia. Contra esse projeto elitista de direita (democracia legal). conferir Rover e Seibel (1998). p. um Estado democrático politicamente desenvolvido só é possível de ser construído se houver participação direta. 176) de “democratas empíricos”. A origem da teoria participacionista pode ser encontrada em Rousseau na defesa teórica da democracia direta em Contrato Social e em Tocqueville. empregos. recorre às idéias de Rousseau e Tocqueville desenvolvidas no Contrato Social e na obra A democracia na América. mas rejeitam a idéia da liderança exclusiva das elites. Dahl e Lipset herdaram essa vertente. que representaram as idéias liberais de Locke e John Stuart Mill. ao tratar da teoria participacionista. respectivamente. surgem na esteira da concepção elitista. do conjunto dos cidadãos na gestão da coisa pública. 160 . antes de mais nada. educação. insistindo que a democracia ancora-se num complexo processo de consensos sobre valores que estipulam os parâmetros da vida política. aposentadoria. Seibel.TEORIA POLÍTICA Estado de Bem-Estar Estado que intervém na economia e garante ganhos sociais (saúde.2 Limana (1992). 4). surgem teóricos contra modelo da esquerda que desenvolvem a teorização da “democracia participativa”. um antídoto contra o avanço totalitário da burocraci a (We be r) ou uma prote ção contra a ti rani a (Schumpeter). 1998). aquilo que Held denomina de “Nova Direita”.. Eles aceitam a visão de Schumpeter sobre a democracia como um processo de seleção de lideranças.) cos advogam que a ampliação da democracia poderia ter como conseqüência a ineficácia administrativa. Rousseau argumenta que. Desse modo. nunca existiu e talvez nunca existirá. Rousseau entende a participação dos indivíduos como essencial para a estruturação do contrato social a fim de instituir o Estado democrático. o Estado já se encontra em ruína. nunca a transfere para um organismo estatal separado. a que devemos aspirar. que é destruída e apagada pela civilização. À força de preguiça e de dinheiro terá. no capítulo XV do Livro II do Contrato Social. Assim. por fim. “desde que o serviço público deixa de constituir a atividade principal dos cidadãos e eles preferem servir com sua bolsa a servir com sua pessoa. Talvez por essa razão o próprio autor reconheça o caráter utópico de sua teoria: “a democracia que de fato não existe. Encontramos.. também essa condição natural. ao mesmo tempo em que a entende como o exercício da “vontade geral” (soma das vontades individuais). 161 . É nula toda lei que o povo diretamente não ratificar. não passam de comissários seus. pois os homens nascem livres e iguais (eis o princípio que vai se afirmar na revolução burguesa). 1992. que violenta a humanidade. pode confiar a algumas pessoas determinadas tarefas administrativas. assim como Hobbes e Locke. de virtude e de liberdade. podendo revogá-las a qualquer momento. soldados para escravizar a pátria e representantes para vendê-la” (Rousseau. nunca perde a sua soberania. p. nem podem ser seus representantes. relativas à administração do Estado. O povo. Rousseau deixa clara sua preferência por um regime democrático que tem na participação direta dos indivíduos sua virtude maior. entretanto. Sobre a representação dos deputados em relação ao povo. mas em todo lugar estão acorrentados. Rousseau tinha como modelo a democracia direta dos atenienses. 43-44). representando o povo. Rousseau defende que “a soberania não pode ser representada”. existe uma condição natural dos homens. argumentos de desprezo pelo regime representativo de governo. diferentemente de Hobbes. não existe. na medida em que o soberano (um ser coletivo). nunca existiu e nunca vai existir ”. é a civilização que perturba as relações humanas. o único órgão soberano é a assembléia e é nela que se expressa a soberania.. Da mesma forma. A assembléia. em absoluto não é lei” (p. para Rousseau.TEORIA POLÍTICA Considerado um dos mais importantes teóricos contratualistas. A vontade geral (aquilo que há de comum em todas as vontades individuais) “jamais pode alienar-se. mesmo vendo certas limitações nesse modelo na medida em que a sociedade era dividida entre cidadão e escravo. apud Limana. é uma condição de felicidade. Segundo este pensador. só pode ser representado por si mesmo” (Rousseau. 6). p. nada podendo concluir definitivamente. mas. 6). 1978. alerta Rousseau que “os deputados não são. além de tratar de conceitos como igualdade de condições. 162 . surgiu a sua principal obra. em 1840. com 25 anos de idade. que fundamentam sua concepção sobre a democracia.2 Participação na obra A Democracia na América de Aléxis de Tocqueville Vamos abordar nesta seção as principais idéias da obra A democracia na América (1962). 3 É importante destacar que a conexão entre os costumes de uma sociedade e suas práticas políticas.edu/phil/ forum/Tocquevillealt. de Alexis de Tocqueville. Nesta obra o autor tratou das condiçõe s soci ai s (organi zaçõe s sociopolíticas) como fundamento da construção da democracia norte-americana.TEORIA POLÍTICA Alexis de Tocqueville Da mesma forma Alexis de Tocqueville. Tocqueville procurou construir teoricamente um “tipo ideal” de democracia.gif>. Limana (1992). em A democracia na América. Disponível em: <http:// faculty. em 1831. discute algumas idéias que podem nos aproximar da teoria participacionista. Tocqueville chegou a Nova York. não há necessidade de aprofundar este tema neste momento. A democracia na América (La démocratie en Amerique). já fora discutida suficientemente por outros teóricos como Putnam (2000). Seção 10. cujo primeiro volume é impresso em 1835 e o segundo.3 Com o objetivo de estudar o funcionamento do regime político e analisar a vida sociopolítica dos norte-americanos. Munido de instrumentos empíricos. Acesso em: dezembro de 20007. Como síntese dos seus estudos. Assim sendo. liberdade e participação cívica.frostburg. Higgins (2005). idéias expostas na obra clássica de Tocqueville. Galvão Quirino (2001). cedo ou tarde. duradouro. Tocqueville discordou. Tocqueville (1962) atribui um caráter sagrado à democracia ao afirmar que querer detê-la seria como lutar contra o próprio Deus. O objetivo do autor foi estudar os hábitos e os costumes dos americanos na intenção de abstrair os ensinamentos fundamentais daquela experiência democrática. de civismo. 19). em que a autora comenta as principais idéias de A democracia na América (p. o que mais impressionou a Tocqueville foi a igualdade das condições entre os americanos: “a igualdade. 149-188). das várias formas de socialismo da época. chegaremos como os americanos. servem ao seu desenvolvimento. dele torna a fazer um súdito. assim como condenou o Estado intervencionista. à igualdade quase completa” (p. assim como a organização social e política dos americanos.5 Tocqueville. se não um escravo. Tocqueville acredita que a democracia e o socialismo não se vinculam senão por uma palavra. ao elaborar o conceito de democracia.TEORIA POLÍTICA À primeira vista. Tocqueville cita a América como exemplo e deseja ver a França tornar-se como os Estados Unidos: “Parece-me fora de dúvida que. constitui o verdadeiro sinal da democracia”. Da mesma forma. definindo-o como a “ferrugem das sociedades”. apresenta-o como um processo universal. oscilando sem dignidade entre a servidão e a licença. como todos os homens. Conferir o artigo intitulado “Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade”.4 Ao mesmo tempo em que exalta a igualdade. e todos os acontecimentos. Para ele. para depois tratar da estrutura de dominação. e só restaria às nações acomodar-se ao Estado social que lhes impõe a Providência. Já na introdução de A democracia na América. a igualdade. 187). de suas instituições políticas e das relações do Estado com a sociedade civil. de Célia Galvão Quirino (2001). no qual a liberdade dos cidadãos tende a desaparecer. liberdade e igualdade significam o mesmo que democracia. em outra passagem. mas observa a diferença: a democracia quer a igualdade na liberdade e o socialismo quer a igualdade na sujeição e na servidão (p. esvazia o cidadão de toda substância. Tocqueville se contrapõe à aristocracia e ao individualismo. esse Estado interventor é um Estado despótico. 163 . estanca-lhe a fonte das virtudes públicas. e não a liberdade. Na referida obra Tocqueville inicia descrevendo os hábitos e os costumes. para ele o único responsável pela direção política da nação. 4 5 Para Tocqueville. que a América é sempre tratada como o exemplo da democracia ideal. Observa o autor que os Estados Unidos são o país do mundo de onde mais se tirou partido da associação e onde se tem aplicado esse poderoso meio de ação à maior diversidade de objetos. pela escolha dos legisladores. e da sua aplicação mediante a eleição dos agentes do poder Executivo. conclui Tocqueville (p. moral e religião. principalmente os princípios sobre os quais repousam as constituições americanas de ordem e equilíbrio de poderes e de profundo e sincero respeito ao Direito. e tudo se absorve nele”. “na América. Tocqueville entende que é este que tem o controle do governo em suas mãos: “é o povo que governa”. Percebe-se. pois. sobre o princípio da soberania do povo na América e as leis que estão subordinadas à soberania do povo. cedo terá a república deixado de existir (p. 10). da situação social dos anglo-americanos e da origem da democracia. e pode afirmar-se desde logo que. É ele a causa e o fim de todas as coisas. Essa tradição associativa dos norte-americanos vem de berço. A associação visa a alcançar vários fins com o objetivo de obter a segurança pública. tanto se ressente esta da sua origem popular e obedece ao poder de que emana. aprende o habitante dos Estados Unidos que precisa apoiar-se sobre si mesmo para lutar contra os males e os embaraços da vida” (p. Outro tema que Tocqueville considera importante é o da associação política.TEORIA POLÍTICA No prefácio de sua obra. o povo designa aquele que faz a lei e aquele que a executa. comércio. tudo sai do seu seio. Tocqueville deixa claro que o objetivo central é tratar do próximo advento. onde estes não se encontrarem. constitui ele mesmo o júri que pune as infrações à lei” (p. da democracia no mundo. no decorrer da obra. irresistível e universal. igualmente. indústria. tão frágil e restrita é a parte deixada à administração. “O povo reina sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo. que são indispensáveis a todas as repúblicas e que a todos devem ser comuns. que nasceu junto com a Colônia e permanece até nossos dias. 52). O autor estudou a democracia norte-americana com o objetivo de compreender e tirar proveito dos exemplos bemsucedidos daquele país. Sobre o tema da soberania do povo. Argumenta. igualmente. 136). Tocqueville tratou. Nada há 164 . O autor descreve que o poder emana do povo e observa que este participa da composição das leis. 146). “desde o seu nascimento. pode-se afirmar que ele mesmo governa. aonde os habitantes apenas ontem chegaram ao solo que ocupam. mil vozes chegam ao mesmo tempo aos nossos ouvidos. vemo-nos no meio de uma espécie de tumulto. à manutenção das suas leis. e do Estado inteiro como se fossem deles próprios? (p. de seu cantão. Nos estudos de Tocqueville percebe-se também o orgulho dos anglo-americanos em pertencer àquela nação. aos seus hábitos. são os agricultores de uma aldeia que abandonaram seus arais para discutir o plano de uma estrada ou de uma escola. podiam permitir a um povo democrático permanecer livre” (p. eleva-se um confuso clamor. como se explica que todos se mostrem interessados pelos negócios de sua comuna. considerando a embriaguez como a principal fonte dos males do Estado. 187-188). aonde se encontraram pela primeira vez sem se conhecer. mais além. vêm comprometer-se solenemente a dar o exemplo da temperança (p. e. 147). tudo se movimenta: aqui é o povo de um bairro que se reúne para saber se há de construir uma Igreja. de todas as partes. A associação é causa de união e progresso: “A associação enfeixa os esforços dos espíritos divergentes e os impele com vigor para uma única finalidade claramente indicada por ela” (p. que as leis. Assim. aonde. é o interesse coletivo que mais se sobressai entre os imigrantes: Mal desembarcamos no solo americano. o instinto da pátria pode apenas existir. as suas opiniões. trabalha-se para escolher um representante. nos Estados Unidos. 183). numa palavra. os delegados de um cantão dirigem-se à cidade a toda pressa. Reúnem-se cidadãos com a finalidade exclusiva de declarar que desaprovam a marcha do governo. inclusive acreditam que são um povo “escolhido”.TEORIA POLÍTICA que a vontade humana se desespere de atingir pela ação simples do poder coletivo dos indivíduos. ali. diferente dos demais povos do mundo: 165 . a fim de deliberar sobre certos melhoramentos locais. E eis que outros ainda. noutra parte. aos seus costumes. sobretudo os costumes. 242). Esse interesse coletivo dos norte-americanos é enaltecido pelo autor francês: Como se explica que. Ou seja. aonde não levaram nem costumes nem lembranças. pelo exemplo da América. ao passo que outros se reúnem a fim de proclamar que os homens da administração são os pais da pátria. A idéia principal da obra A democracia na América resume-se na importância que Tocqueville atribuiu à experiência prática dos americanos. Em nossa volta. os hábitos e os costumes dos americanos são as bases da manutenção das leis: “A minha finalidade foi mostrar. cada qual a exprimir algumas necessidades sociais. 391-392). 287). pois. distribuir livros. todos os cidadãos tomavam parte dos negócios públicos. Sobre a democracia dos gregos. estão constantemente a se unir.] acreditam que se constituem uma espécie à parte do gênero humano (p. como ainda existem mil outras espécies: religiosas. de todos os espíritos. Atenas. apenas vinte mil cidadãos. não se pára de repetir aos habitantes dos Estados Unidos que constituem o único povo religioso esclarecido e livre [. 393). igrejas. onde todos os nobres tinham direito igual ao governo (p. Os americanos associam-se para dar festas. 360). não era. 394). O espírito público dos americanos sobressaía aos olhos de Tocqueville. de todas as condições.. 166 . é preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfeiçoe na medida em que cresce a igualdade de condições” (p. porém. procuram se esforçar para manter a coisa pública e a ajuda mútua: “Devo dizer que muitas vezes vi americanos fazerem grandes e verdadeiros sacrifícios à coisa pública. estão separados de todos os demais povos por um sentimento. fica ainda mais explícito o caráter associativo da vida civil dos americanos: Os americanos de todas as idades. Há cinqüenta anos. fundar seminários. Tocqueville tem a seguinte concepção: Em Atenas. nas quais tomam parte. graves. Todo o empenho pessoal e comunitário dos americanos está em manter a democracia por meio de uma cada vez maior igualdade e liberdade. muito gerais e muito pequenas. Mais à frente. fúteis. Foi esse espírito cívico que fez dos Estados Unidos uma democracia participativa. construir hotéis. quando necessário. quase nunca se furtam de prestar fiel apoio uns aos outros” (p. com o seu sufrágio universal. enviar missionários aos antípodas. senão uma república aristocrática. por isso. o orgulho. escolas (p. todos os outros eram escravos e desempenhavam a maior parte das funções que hoje em dia pertencem ao povo e mesmo às classes médias. prisões. e observei cem vezes que. Não só possuem associações comerciais e industriais. 391). em mais de trezentos e cinqüenta mil habitantes.. além do apoio mútuo. havia ali. Neste mesmo argumento Tocqueville descreve que a ação recíproca é fundamental para a edificação do sentimento comunitário: “Os sentimentos e as idéias não se renovam. o coração não cresce e o espírito não se desenvolve a não ser pela ação recíproca dos homens uns sobre os outros” (p. edifícios. assim também criam hospitais. afinal de contas. morais.TEORIA POLÍTICA Ao mesmo tempo que os anglo-americanos estão assim unidos por ideais comuns. Da mesma forma. “para que os homens permaneçam civilizados ou assim se tornem. TEORIA POLÍTICA Esta Unidade trouxe ao seu conhecimento os debates atuais entre democracia participativista e democracia institucionalista. Na seqüência trataremos da difícil construção da cidadania no Brasil. 167 . É o grande debate dos pensadores da atualidade sobre a melhor forma de democracia. TEORIA POLÍTICA 168 . Da mesma forma.. emprego. no entanto. partidos políticos consolidados. é um conceito ainda a ser construído.Unidade 11 TEORIA POLÍTICA A Difícil Construção da Cidadania no Brasil Discorrer sobre a construção da cidadania no Brasil é tocar num ponto nevrálgico da nossa História. ou outras variáveis podem influenciar essa realidade? A cidadania está meramente ligada à conquista de direitos sociais. comparadas com outros países? Procurar responder a algumas dessas questões é o objetivo maior desta Unidade. a desigualdade social e a violência difusa. a cidadania é incipiente num país onde predominam a exclusão social e econômica. percebe-se que a consolidação da cidadania ainda é um desafio para todos os brasileiros.. civis e políticos? Como se deram as conquistas desses direitos no Brasil. Para tanto. Após a ditadura militar (1964-1985). A democracia poliárquica. as instituições políticas e os políticos têm passado por um alto grau de descrédito junto a opinião pública do país. saúde. os ares da democracia e da cidadania iriam pairar no cenário político-social nacional. descrita pelo cientista político Robert Dahl (2001) (eleições livres. Por essa razão.) ainda é utopia para milhões de brasileiros. 169 . moradia. não garantiu avanços significativos e a democracia social (igualdade étnica. Diante dessa situação. mas. finalmente. lazer. concretamente. reconhecidos estudiosos do tema. Muito se tem discutido na academia e fora dela. Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses por estas paragens. pensava-se que. o jargão da cidadania está na moda nas instituições políticas e na opinião pública. recorremos à fundamentação teórica de autores das Ciências Sociais. Prevalece apenas uma democracia eleitoral sobre a democracia social (cidadã). Congresso Nacional autônomo). pergunta-se: Quais os principais obstáculos para a construção da cidadania brasileira? A difícil construção da cidadania no Brasil está ligada exclusivamente ao “peso do passado” (herança maldita). a evolução e a real consolidação da cidadania dá-se na Modernidade. Para esta seção foram utilizados argumentos dos seguintes autores: Vianna (1955. não deixam de ser conquistas inéditas e avanços significativos para a História ocidental. A segunda seção apresenta os dois fatos históricos mais relevantes do Brasil do século 19. Prado Júnior (1994) e. Kitto (1970). pode-se afirmar que tanto a democracia quanto a cidadania gregas. especificamente por volta do ano 380 a. garantidos pelas consecutivas “Declarações de Direitos” elaboradas a partir das revoluções liberais na Inglaterra (Revolução Gloriosa. descreve-se que. (período do apogeu daquela civilização). o latifúndio. 1997. Pode-se aprofundar este tópico com os seguintes autores: Saes (2000). Embora a cidadania fosse limitada a uma parcela social minoritária. 2002). 2000b. Holanda (2000) Faoro (2001). Por fim. o analfabetismo e a escravidão são “pesos negativos do passado” que ainda determinam a vida social. 2000a.1 No entanto. diferentemente de outros países. Estados Unidos (emancipação política. Carvalho (1996. 1789). Coulanges (s/d). 1776) e França (Revolução Francesa.2 Junto com a cidadania moderna nascem os direitos naturais (vida. Barker (1978). A primeira trata da ausência de direitos e de poder público no Brasil colonial. 1956). não nos convém tratar aqui deste assunto. os direitos sociais emergem no Brasil em regimes políticos ditatoriais. a Independência e a República. Leal (1975). A conquista lusitana. 2 3 4 170 .3 Este texto está dividido em quatro seções.4 1 O objetivo desta Unidade. liberdade) do homem liberal burguês. econômica e política do Brasil. propriedade. populismo. Males como o patrimonialismo. posto que o mesmo tem sido suficientemente analisado por renomados teóricos como Minogue (1998). Da mesma forma. entre outros. a monocultura de exportação. A terceira seção discute os vícios institucionais e culturais da política brasileira. principalmente. serão discutidos a partir de alguns clássicos das Ciências Sociais do Brasil. Moisés (2005) e Marshall (1967). porém. 1688-89). Aquino et al (1998). Sobre a evolução do conceito cidadania na modernidade conferir o trabalho de Domingues (2001). que excluem inexoravelmente os direitos políticos e civis.TEORIA POLÍTICA A origem do conceito “cidadania” no contexto histórico-cultural e político provém dos gregos. destacando-se a quase nula participação de grande parte do povo neste processo. coronelismo. não é tratar deste ponto.C. como explicita Carvalho. Uma das razões fundamentais das dificuldades da construção da cidadania está ligada. foram 322 anos sem poder público. o ferro e o cavalo) versus a nativa (“desconhecida” e. Houve no Brasil. pelo menos duas diferenças importantes: a primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos.TEORIA POLÍTICA Seção 11. o Sol. O encontro dessas duas culturas (a européia versus a dos povos nativos das Américas) foi o confronto trágico de duas forças em que uma pereceu necessariamente.5 5 Sobre o encobrimento do outro.1 Brasil colonial: ausência de direitos e de poder público Inicialmente é preciso referir que. por isso mesmo. um encontro pouco amigável entre duas civilizações: uma considerada “desenvolvida”. o social. pode-se dizer que o Brasil não foi “descoberto”. conferir Dussel (1993). por conhecer certas tecnologias (a irrigação. mas. 12). considerada “bárbara”). 18). em relação aos outros. ficando dono. uma economia monocultora e latifundiária. lingüística. Os nativos viviam em contato com a natureza. Suas crenças eram mescladas com os elementos da natureza: a Lua. sem Estado. com uma religião diferente do cristianismo europeu. Até mesmo a palavra “índio” foi o nome dado pelos europeus ao se confrontarem com o “outro” e quem deu o nome. Em suma. segundo José Murilo de Carvalho (2002). no caso. 171 . mais especificamente ao período colonial (1500-1822). sim. um Estado Absolutista” (p. no Brasil. sem nação e sem cidadania. a construção da cidadania não seguiu a lógica da trajetória inglesa. uma sociedade escravocrata.1. “conquistado” pelos europeus (portugueses). cultural e religiosa. quando “os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial. acabou se apossando. 11. conforme comumente é mencionado.1 A “CONQUISTA” DA TERRA BRASILIS Já no princípio da História do Brasil as contradições apareceram. Primeiro. ao “peso do passado”. as estrelas. Mas tinham deixado uma população analfabeta. a segunda refere-se à alteração na seqüência em que os direitos foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros (p. servindo assim. apenas como fornecedor de matérias-primas à metrópole (Portugal). simbolizando o poder da Igreja.2. na outra. do café. depois de ter sido reduzida drasticamente. gripe). 20). é fundamental a leitura de Raymundo Faoro (2001).6 Grande parte da população indígena foi dizimada rapidamente pelo homem “civilizado”.7 Outra característica do período colonial está ligada à conotação comercial. Em 1823 restavam menos de 1 milhão (Carvalho..1. na época da “descoberta”. tem crescido de forma significativa nos últimos anos. a espada para a conquista. impuseram sua força e conquistaram com a violência (armas) e a ideologia (religião): em uma das mãos. “o fator mais negativo para a cidadania foi a escravidão” (p. de milhões de índios. a cidadania foi negada à quase totalidade da população. O Brasil serviu à produção de monocultura para resolver o problema da demanda européia. principalmente o capítulo IV “O Brasil até o governo Geral”.4% dos brasileiros) se auto-identificaram como indígenas. escravidão e doenças (sífilis. o despotismo corporativo muçulmano dos séculos que o precederam na Península Ibérica e um incipiente liberalismo que se gerava com a presença judaica nos marcos da Revolução Mercantil”. varíola. a cruz do Cristo europeu. Os espanhóis e. 7 8 172 .gov.2% dos brasileiros) se diziam indígenas. cerca de 4 milhões de índios. p. 19). quando apenas 294 mil pessoas (0. O resultado foi o extermínio. Para esclarecer este tema. Para Carvalho (2002). 2002. contudo.pdf. Acesso em junho de 2005. os mais afetados. foram os escravos negros provenientes do continente africano. porém. Ele respeitava a si próprio e aos outros. pela guerra. mais tarde.29) argumenta que as sociedades Ibéricas (Espanha e Portugal) foram marcadas pelo “hibridismo do absolutismo autoritário contra-reformista católico. p.. Segundo o censo de 2000. Isto exigia largas extensões de terras e mão-de-obra escrava dos negros africanos. Este estudo está disponível em http://www. Calcula-se que havia no Brasil. do gado. A ESCRAVIDÃO No período colonial. os portugueses. um crescimento absoluto de 440 mil indivíduos em relação ao censo de 1991. consultar relatório do IBGE intitulado: Uma análise dos indígenas com base nos resultados da mostra dos censos demográficos.. A demografia indígena.8 11. à mãe-terra. o índio tinha suas normas morais e seus ritos religiosos. por muito tempo. Para maiores informações sobre a situação do indígena na sociedade brasileira atual. da borracha.ibge. Foi por volta 6 Callage Neto (2002. 734 mil pessoas (0. chegaram. fornecendo a cana-de-açúcar. Foi assim que no Brasil se configurou o latifúndio monocultor e exportador de base escravista.TEORIA POLÍTICA Bem antes de o europeu chegar a estas terras.br/ home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/indigenas/indigenas. realizado pelo IBGE. Outros ciclos de exploração se sucederam no Brasil. às águas e à natureza como um todo. como o da mineração (século 18). uma farsa. Por essas razões.TEORIA POLÍTICA de 1550 que os escravos começaram a ser importados. a 80 km de Macaco. com 5 mil habitantes. 19). data da morte de Zumbi. Calcula-se que até 1822 tenham sido introduzidos na colônia cerca de 3 milhões de escravos. Neste sentido. sua cultura. e o Senga. Essa prática continuou até 1850. A Inglaterra. mais por pressão externa do que por um amadurecimento da consciência social da população. dentre vários. Além disso. a 20 km de Macaco. havia mais de 1 milhão de escravos (idem. atingiu mais de 20 mil habitantes. 9 Sobre o tema da questão racial no Brasil. é dia 20 de novembro. que significa a força do espírito presente. sendo. a extinção da escravatura no Brasil. Zumbi. 173 . em 1850. incluindo 800 mil índios. Na época da Independência. É importante destacar que em todas as classes sociais desse período havia escravos. numa população de cerca de 5 milhões. na Serra da Barriga. aquele que ocupou a maior extensão de terra e teve o maior tempo de existência (1600-1695). essencialmente por interesses comerciais. o que representava 15% da população do Brasil. nas quais os negros viviam em liberdade. exigiu. devido à importação de negros africanos. 28 anos após a Independência. realizou-se a Revolução Industrial na Inglaterra. foi o principal líder da resistência da comunidade de Palmares. na época. foi um grande engodo. A população total de Palmares. no noroeste de Serinhaém. O Brasil foi o último país de tradição cristã ocidental a abolir a escravidão. conferir o trabalho de Fernandes (1972). era composto por muitas aldeias. Sucupira. a data mais significativa para celebrar a história do povo negro. que se constituiu num passo importante para a abolição – que só viria a acontecer 38 anos depois. Amaro. com 8 mil habitantes. martirizado em 1695 sob as forças expedicionárias do bandeirante Domingos Jorge Velho.9 Depois de mais de 300 anos o Brasil aboliu a escravidão. Pela utilização da mão-de-obra escrava nas colônias foi possível a formação e o desenvolvimento dos Estados Nacionais na Europa e a construção das cidades. no dia 13 de maio de 1888. instituído com a Lei Eusébio de Queiroz. o término do comércio negreiro. Esse quilombo foi a mais importante organização de resistência do povo negro no país. seu anseio por liberdade e sua verdadeira participação na sociedade. p. Por volta de 1654 o quilombo dos Palmares (região acidentada e de difícil acesso no interior de Alagoas). Eis o nome de algumas comunidades: Macaco. Zumbi. a noroeste de Porto Calvo. transformativas na emancipação da etnia negra no país.11 Há muito a fazer para que a verdadeira abolição da escravidão aconteça. Foi considerado povo a-histórico.1% dos pardos e apenas 1. O sistema capitalista soube tirar proveito dessa situação. hoje. chamadas. Isso significa afirmar que as condições estruturais dos negros e mulatos foram inferiores em relação aos brancos. mas. Para vencer os dilemas entre redistribuição e reconhecimento. igualmente. foi excluído. causando marginalidades e desigualdades na sociedade brasileira.3% para brancos e de 21% para pretos e a média de anos de estudo das pessoas com 10 anos de idade ou mais é de quase 6 anos para os brancos e cerca de 3 anos e meio para os negros. de afirmação ou de transformação.9). Já os remédios transformativos têm por fim a correção dos resultados indesejados mediante a reestruturação da estrutura que os produz (Matos. em 1999 a taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos de idade ou mais era de 8.7% dos brancos.4% e os pretos a 14. na pirataria. que maculam a história da Filosofia mundial. marceneiros e carpinteiros. no saque e na exploração. os negros e os mulatos foram os que tiveram “o pior ponto de partida” na transição da ordem escravocrata à competitiva. p. acesso ao trabalho e à renda. como se suas mãos tivessem construído as docas e fabricado as máquinas a vapor ”.6%.10 O escravo africano. 2004). também. Páginas preconceituosas. principalmente na questão da educação. há a necessidade de medidas não apenas afirmativas. Na questão do acesso ao trabalho as diferenças também são expressivas: 6% de brancos com 10 anos de idade ou mais aparecem nas estatísticas da categoria de trabalhador doméstico. 2.1% dos 10 Segundo o sociólogo Florestan Fernandes (1978. enquanto os pardos chegam a 8. além de sofrer a dominação econômica e religiosa. na categoria empregadores encontram-se 5. irracional. Nancy Fraser (2001) analisa as estratégias. A situação do negro. não tendo condições de ascender ao “espírito universal”. escreveu a obra Filosofia da história universal. o que propiciou o acúmulo de riqueza. Por outro lado. Hegel. continua sendo de marginalização e exclusão. fechado em si mesmo. Por isso. no início do século 19. As medidas afirmativas têm por objetivo a correção de resultados indesejados sem mexer na estrutura que os forma. bárbaro. p. do pensamento filosófico europeu.TEORIA POLÍTICA que eram mestres ferreiros. superficial e eurocêntrica do filósofo alemão em relação à África. por ela. podem-se adotar medidas afirmativas ou transformativas. 11 174 . Dados comprovam que o analfabetismo ainda é maior entre os negros: segundo dados do IBGE. 160) descreve que a acumulação de riquezas deveu-se “ao trabalho e ao sofrimento do negro. geradora do capitalismo. na conquista. na qual se percebe a ideologia racista. Huberman (1986. Pretos e pardos alcançavam menos que a metade disso: dois salários. depois. apenas 1.000 pessoas tinham-se formado nas universidades da América Espanhola. Quanto ao rendimento mensal familiar per capita e à distribuição das famílias por classes. no que se refere ao número de matrículas: “Calculou-se que até o final do período colonial umas 150. enquanto o analfabetismo predominava nas classes mais pobres: “quase toda a elite possuía estudos superiores.1. em 1808 (p. segundo Carvalho (2002) era analfabeta: em 1872.6% dos chefes das famílias pretas e 27. Em vivo contraste.242 estudantes brasileiros matricularam-se em Coimbra entre 1772 e 1872”. Entre os letrados. quadro esse que será revertido apenas após a chegada da família real ao Brasil. No final do século 18 12 Além desses dados. A maioria da população. p. O ANALFABETISMO Outra marca registrada do período colonial foi o analfabetismo. principalmente. Essas informações confirmam a existência e a manutenção de uma significativa desigualdade de renda entre brancos. meio século após a Independência. pretos e pardos na sociedade brasileira. em contrapartida.TEORIA POLÍTICA pretos. 175 . desde o início. Apenas a elite brasileira da época era portadora do conhecimento. 55). entre Espanha e Portugal. Portugal proibiu o Brasil de abrir universidades em seu território. a Espanha permitiu. Segundo ainda dados do IBGE. o que acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha de letrados num mar de analfabetos” (Carvalho. a criação de universidades em suas colônias (p.12 11. 62). pode-se encontrar outras estatísticas sobre desigualdades raciais na publicação Síntese de Indicadores – 2000. somente 16% da população era alfabetizada. em 1999 a população branca que trabalhava tinha rendimento médio de cinco salários mínimos. em Lisboa. Tal contraste pode ser percebido.367 estudantes até a independência. 2000). 16). era comum a formação jurídica feita em Portugal: primeiro em Coimbra e.7% das pardas (IBGE.3. 2000b. Além disso. editada também pelo IBGE. Só a Universidade do México formou 39. os dados indicam que 20% das famílias cujo chefe é de cor branca tinham rendimento de até 1 salário mínimo contra 28. Seção 11. as primeiras para formar magistrados e advogados. “que podia referir-se tanto a médicos como a doutores em Direito” (p. na formação de um Estado. a Independência e a República. ocorreram sem a real participação da maioria da população. a elite portuguesa. Ao contrário. Assim. Sentir-se parte de uma nação e de 176 . 129).85% da população brasileira entre 6 e 15 anos freqüentava a escola (p. as segundas diplomatas. UM ESTADO SEM NAÇÃO Acredita-se que a construção da cidadania esteja ligada essencialmente à instauração de uma nação e de um Estado. Essa mesma elite circulava pelo país e por postos no Judiciário. 11. Somente em 1879 houve uma reforma que o dividiu em Ciências Jurídicas e Ciências Sociais: “A reforma de 1879 dividiu o curso em Ciências Jurídicas e Ciências Sociais. Os cargos políticos ocupados na esfera estatal pertenciam à elite.1. principalmente aos proprietários rurais. É perceptível.2. buscando assegurar vantagens pessoais.2 A Independência e a República no Brasil: participação incipiente Inicialmente cabe destacar que os dois fatos históricos de maior relevância do Brasil no século 19. língua. p. Como conclui Carvalho (2002. Isto é. aliada à elite nacional.TEORIA POLÍTICA somente 16. de imediato. administradores e políticos” (p. sob o aspecto jurídico. 90). com a construção de uma nacionalidade ou. costumes). Legislativo e Executivo. religião. respectivamente. a burocracia foi a vocação da elite imperial brasileira. O objetivo desta seção é demonstrar tais acontecimentos. o sentimento de pertencer a uma nação é um indicativo importante para tal construção. tomou as decisões políticas necessárias para a manutenção dos seus próprios interesses. a formação de bacharéis em Direito desde o início de nossa História. 70). É importante mencionar ainda que somente os advogados e médicos recebiam o título de doutores. 76). tem a ver com a formação de uma identidade entre as pessoas (tradição. Nestor Duarte e Raymundo Faoro herdam a vertente do patrimonialismo de Weber. não passou de uma manobra (abertura dos portos) para beneficiar os ingleses e franceses. Portugal aceitou a independência do Brasil mediante o pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas” (p. p. de Max Weber. em 1808. a formação de uma liderança política (chefe inspirador). que aceitou e negociou com a Inglaterra e com a elite brasileira a “independência” do país: “Graças à intermediação da Inglaterra. na Guerra do Paraguai. É importante ressaltar que a notícia da emancipação política do Brasil só chegou a lugares mais distantes após três meses do fato ocorrido. O poder político concentrou-se nas mãos dos proprietários. A formação do Estado deu-se exclusivamente pela vontade da elite portuguesa. 2002. o Estado precedeu a formação da nação. porém à revelia do povo. Alguns anos mais tarde as condições mostravam-se favoráveis para a independência do Brasil. 11). Assim foi na Independência. A vinda da família real para o Brasil. 177 .TEORIA POLÍTICA um Estado é condição fundamental para o surgimento da cidadania: “Isto quer dizer que a construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a nação.13 13 Caio Prado Júnior procurou entender o país sob o enfoque da interpretação marxista. 65). Para Faoro. segundo Carvalho (2000b). no entrechoque de interesses pessoais. de paixões mesquinhas e de sonhos de liberdade. partindo da Economia e da sociedade. No Brasil. A primeira manifestação de nossa nacionalidade ocorreu. As pessoas se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado” (Carvalho. A relação de dependência da Colônia com Portugal não permitiu formar uma identidade própria. que é. 12). Celso Furtado. 27). centralizado no poder da autoridade. com o materialismo histórico tendo servido de fundamento teórico para explicar o Brasil. como explicita Costa (1981): “as coisas vão simplesmente acontecendo: no jogo das circunstâncias e das vontades individuais. A luta contra o inimigo externo. a formação do Estado português está na origem do Brasil. nem edificar uma nação propriamente dita. faz-se a independência do país” (p. o culto ao símbolo nacional (a bandeira) e a união dos voluntários de todo o Brasil possibilitaram o advento de um sentimento comum: o orgulho e a criação da primeira idéia de identidade nacional: “não vejo consciência nacional no Brasil antes da Guerra do Paraguai” (p. ou de pequenos grupos hegemônicos. estadocêntrico. essencialmente. Os principais fatos políticos do Brasil ocorreram para atender a interesses individuais. o que veio a ocorrer em 7 de setembro de 1822. como veremos. pois é dela a distribuição do mesmo. Já Sérgio Buarque de Holanda faz sua análise em Raízes do Brasil. apenas em 1865. assim como na República Velha (1890-1930). enquanto o segundo defendia os interesses da burguesia progressista. a diferença básica é que os territórios espanhóis fragmentaram-se politicamente. O domínio político português sobre a Colônia foi intenso. monarquistas. 23). Para ele. Afirma Carvalho que. a grande maioria da população ficou excluída dos direitos civis e políticos. anti-republicanos. representada pelos comerciantes (domínio urbano) (p. do processo de colonização. p. O primeiro defendia os interesses da burguesia reacionária proveniente dessa mesma classe. conforme fora descrito por Max Weber: “A ordem legal. luta pela terra. a jurisdição compulsória sobre um território e a monopolização do uso legítimo da força são características essenciais do Estado moderno”. até 1837. existindo apenas a maçonaria. os portugueses não recorreram a essas formas violentas.). logo na introdução. José Murilo de Carvalho trata. separatistas. o Brasil herdou. a burocracia. O autor apresenta. O Estado moderno utilizou quatro mecanismos: a burocratização. com um reduzido sentimento de nacionalidade. a criação de legitimidade e a homogeneização da população dos súditos (Weber apud Carvalho. além de Canudos na Bahia.. a Farroupilha no Rio Grande do Sul.TEORIA POLÍTICA Em sua obra A construção da ordem (1996). na construção de seu Estado. 12). a burocratização do Estado moderno. Eram muitas as formas de luta. a diferença entre a evolução das colônias espanhola e portuguesa na América. são alguns exemplos de revoltas localizadas. que vitimou 30 mil pessoas).. No período imperial existiam dois partidos políticos com ideologias semelhantes: o Conservador e o Liberal. ao passo que os portugueses concentraram-se. dos donos das terras e senhores de escravos (domínio agrário). entre outras questões. 2000b. Isso não significa que não houve resistência por parte de alguns grupos oposicionistas (abolicionistas. 182). Deste modo. no entanto todos os movimentos foram duramente reprimidos e aniquilados pelo poder central: a Balaiada no Maranhão e a Cabanagem no Pará (a mais violenta. do Brasil Imperial e da elite política. igualmente. No período colonial. o Contestado em Santa Catarina e a Revolta da Vacina no Rio de Janeiro. não se pode falar em partido político no Brasil. Enquanto os espanhóis passaram por períodos anárquicos (instabilidade e rebeliões). tornando-se Estados independentes. 178 . sendo que os capitães-gerais eram nomeados diretamente pela Coroa e a ela respondiam (p. o monopólio da força. Não havia propriamente um povo politicamente organizado. não tinha centro de referência. a Proclamação da República brasileira apresentou características sui generis ao ser instituída. O povo.TEORIA POLÍTICA 11. 1969.15 14 Quanto à participação política dos brasileiros no processo eleitoral. sem conhecer o que significava. como Alberto Torres. não tinha propósito comum. Foram 50 anos de governo. UMA REPÚBLICA SEM POVO Assim como a emancipação política (Independência). A frase de Aristides Lobo é bastante elucidativa: “O povo assistiu àquilo bestializado. até o final da República Velha (1930). 2002. assim também se expressou Murilo de Carvalho (2002): “Além disso. 1986 – 47%. surpreso. p. 15 179 . assistindo a tudo sem entender muito bem o que se passava. Para Alberto Torres. atônito. defendia o fortalecimento do Estado para fazer as mudanças sociais necessárias.2. tem-se os seguintes dados: em 1950 – 16%. Em 1881. apud Carone.6% da população. Francisco Campos. os votantes não passavam de 5. a participação política popular foi restrita. 17). Oliveira Vianna e Azevedo Amaral. 2000b. haja vista o seu caráter golpista e elitista. De 1822 até 1881 votavam apenas 13% da população livre. Cabia ao Estado organizá-la e fornecer-lhe esse propósito” (apud Carvalho. 1970 – 24%.2. Os grandes acontecimentos na arena política eram protagonizados pela elite. Nos anos de 1920 a 1930. “a sociedade brasileira era desarticulada. 1998 – 51% (Carvalho. cabendo ao povo o papel de mero espectador. p. imperial e republicano. sem povo. 93). privou-se o analfabeto de votar. 80) O processo eleitoral (participação política) entre os eleitores durante os períodos imperial e republicano foi insignificante. Sobre o caráter golpista da Proclamação da República. o ato da Proclamação em si foi feito de surpresa e comandado pelos militares que tinham entrado em contato com os conspiradores civis poucos dias antes da data marcada para o início do movimento” (p.14 Assim. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada militar ” (Lobo. nem mesmo um sentimento nacional consolidado. 1960 – 18%. não só não participou como foi pego de surpresa com a proclamação do novo regime. boa parte da intelectualidade. 1989 – 49%. De 1881 até 1930 – fim da Primeira República –. p. por sua vez. 289). TEORIA POLÍTICA Seção 11. o coronelismo. E da promiscuidade entre o público e o privado na vida política do país. de certa forma. p. até hoje. 2004. está ligado aos “males” ou “vícios”.18 Depende-se sempre de um líder: “Já que somos incapazes de construir nossa grandeza. as pessoas carregam a “expectativa messiânica no surgimento de algum pai da pátria que as livrará do desamparo”. como o patrimonialismo. que priorizavam uma cultura personalista (responsabilidade individual) na qual imperavam os vínculos pessoais nas relações sociais e políticas. Vive-se ainda na esperança de que algum “herói sagrado”. ainda. o populismo e o personalismo das nossas instituições e lideranças políticas. mas. desça do Olimpo e resolva os problemas da população. na hora de escolher seu candidato. igualmente. das origens da sociedade e da cultura política brasileira. deixando os interesses coletivos em segundo plano. As lideranças políticas carregam consigo.16 Por exemplo. 80). 24). levam em consideração muito mais a pessoa do candidato e não o partido ao qual pertence (apud Baquero. 94): “O Brasil. uma boa dose do elemento messiânico. vendo nelas a continuidade da herança das nações ibéricas (Espanha e Portugal).17 que tem suas longínquas raízes históricas no sebastianismo português. 17 18 180 . Entende-se por messianismo a esperança da salvação coletiva posta nas mãos dos indivíduos vistos como dotados de dons especiais. tratou. Buarque de Holanda tratou. quem sabe se um novo Dom Sebastião não o pode fazer por nós” (Carvalho. em que o ócio é mais importante do que o negócio. É preciso parar de esperar por um milagre sobrenatural: “a questão brasileira é a necessidade da laicização” (p. Este autor insiste na herança lusitana. o clientelismo. segundo DaMatta (2000). 104). além do personalismo. 66). Sérgio Buarque de Holanda. que encontrou terreno fértil por estas paragens 16 O tema do clientelismo e do personalismo também é discutido pelo antropólogo Roberto DaMatta (2000. Investigação de opinião realizada nos últimos 20 anos na América Latina tem mostrado que mais de 60% dos eleitores. 2000b. não apenas no Brasil. Como bem afirma Renato Janine Ribeiro (2000. ou um “salvador da pátria”. igualmente. combina clientelismo com liberalismo e personalismo com lealdade ideológica”. da repulsa ao trabalho. mas em toda a América Latina. em Raízes do Brasil (2000). nossa história política atual. trata da esperança messiânica da sociedade brasileira ao afirmar que “espera-se um salvador da pátria” (p.3 Os vícios das instituições e da cultura política brasileira Outro aspecto da vida política brasileira que marcou não apenas o período colonial e republicano. p. 156). o populismo está vivo. DaMatta. p. p. A Colônia devia fornecer matéria-prima à metrópole. Quanto à organização social do Brasil. inclusive. Com a instituição do capitalismo. 2006). para Raymundo Faoro (2001). conferir o trabalho de Andrade (2005). Prado Júnior tratou da Colônia e do processo de ocupação da terra pelas capitanias. era constituída de escravos (totalmente excluídos) e mulatos (com possibilidade de ascender socialmente por intermédio da Igreja).. evidenciado. alguns vícios da política brasileira. era baseada na monocultura junto com o trabalho escravo. deixando a maioria da população brasileira com os parcos excedentes. segundo o autor. p. em São Paulo. essa estrutura política e social tem permanecido na política brasileira desde o Estado Novo (Baquero. Couto. aos poucos. houve uma migração para o interior (ciclo da mineração). como o clientelismo e a dependência da metrópole.19 A análise de Caio Prado Júnior evidencia. É um tipo de relação que envolve a concessão de 19 “O Estado português delegou poderes da metrópole. Sobre o clientelismo. assim. 20 181 . Da mesma forma. A economia. esta. Esse fenômeno é mais amplo e atravessa toda a história política do país. O clientelismo não foi uma prática recorrente apenas do Brasil Colonial. No Norte. graças à natureza do processo de transição” (Carvalho. cuja estrutura estamental gerou uma elite dissociada da nação: o patronato político brasileiro.]. a promiscuidade entre o público e o privado.20 No período colonial.. Caio Prado Júnior buscou explicitar. 2000. igualmente. Na Evolução política do Brasil (1993). com a decadência desse modelo econômico. monocultura. evidenciando os pecados capitais do país: latifúndio. 24). discorreu acerca do povoamento do Brasil. volta-se para o litoral novamente. trabalho braçal/ desqualificação e escravidão. porém. no período colonial. Encontramos tal vício em diferentes momentos do cenário político. o bandeirantismo. Refletiu ainda sobre a aliança entre Espanha e Portugal. in: Cordeiro. surgiu um Estado de natureza patrimonial.TEORIA POLÍTICA para crescer e proliferar: o exemplo mais evidente foi. da mesma forma. mas. Para Faoro. que atua levando em conta os interesses particulares do estamento burocrático ou dos “donos do poder”. do Tratado de Tordesilhas e do Tratado de Madri. o patrimonialismo é um dos principais eixos da cultura política brasileira. a base material do Brasil. em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1994). No Império estimulou-se a agricultura e a pecuária. Caio Prado Júnior (1907-1990). e continua sendo. para ele “um ensaio de feudalismo que não deu certo”. O sistema patrimonial coloca os empregados em uma rede patriarcal na qual eles representam a extensão da casa do soberano. O patrimonialismo também não sofreu contestação no momento da independência. cerca de 60% da população ainda vivia no litoral. nas últimas eleições gerais (2006). afã fiscal da metrópole. mas acabou prevalecendo o clientelismo político com a doação de sesmarias. prevaleceu a cultura do cacau e da Companhia de Jesus. preferiram manter a vinculação patrimonial a rebelar-se [. clientelismo e patrimonialismo parecem se perpetuar na terra brasilis. corrupção. o sistema. publicada originalmente em 1948. segundo Leal. que perdeu sua capacidade de controlar os votos da população. então. envolvendo compromissos recíprocos.scielo. A manutenção desse poder passava. Na concepção de Leal. enxada e voto. que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos de terra. 2005. O clientelismo aumentou com o fim do coronelismo. O emprego público irá adquirir importância como fonte de renda nas relações clientelistas (Carvalho. uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República. No âmbito econômico. na qual o coronelismo estava inserido. apud Carvalho. 182 . quando a relação passa a ser diretamente entre políticos e setores da população. A questão do coronelismo. o coronelismo surge dentro de um contexto histórico específico. 1997). 1997). a partir do município” (Leal. que fora instituído em substituição ao centralismo imperial.br/scielo. foi tratada por Victor Nunes Leal na obra Coronelismo. o coronelismo é visto como um sistema político.TEORIA POLÍTICA benefícios públicos entre atores políticos. Na vigência do coronelismo o controle do cargo público era visto como importante instrumento de dominação e não como simples empreguismo. vivia-se a decadência dos fazendeiros. O coronel entrou na análise por ser parte do sistema. a exigir a presença do Estado. Leal se expressa da seguinte forma: “o que procurei examinar foi. que também é comentada por Carvalho: Esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis em face de seus dependentes e rivais. incrustado na conjuntura política e econômica do Brasil no período da República Velha (1889-1930). sem a intermediação do coronel. mas o que mais me preocupava era o sistema. Acesso em 10 mar. No âmbito político cria-se o federalismo. o presidente de Estado. sobretudo. outra característica da política brasileira. Para ele. A partir do federalismo criou-se um novo ator político com amplos poderes. a estrutura e as maneiras pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República. O coronelismo era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel. O autor tratou da relação entre o poder local e o poder nacional.21 21 O artigo de Carvalho (1997) também encontra-se disponível em http://www. desde o delegado de polícia até a professora primária. na verdade. 25). não lendo jornais. a todo e qualquer potentado. Ao coronel estão ligados o voto de cabresto e a capangagem (p. Os trabalhadores rurais. para baixo. sobretudo na forma de votos. A troca de favores era a essência do compromisso coronelista. desprovidos de qualquer estrutura que lhes possibilitasse mudança de vida. a não ser em casos esporádicos. ou seja. 23). os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento deste seu domínio no Estado. sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos. 1997). O coronel hipoteca seu apoio ao governo. nas quais se limita a ver as figuras. O coronelismo é a fase de processo mais longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo (Leal. o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais. 20-21). até hoje recebem popularmente o tratamento de “coronéis” os que têm em mãos o bastão de comando da política edilícia ou os chefes de partidos de maior influência na comuna. o falseamento do voto e a desorganização dos serviços públicos locais sejam características próprias do coronelismo. nem revistas. um necessitava do outro para sobreviver: O governo estadual garantia. Leal acredita que o mandonismo. tem o patrão na conta de benfeitor. 50). que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece” (p. sem assistência médica.TEORIA POLÍTICA Fica explícito. os mandões dos corrilhos de campanário (p. inclusive na nomeação de funcionários estaduais do lugar ” (p. isto é. 183 . da parte da situação estadual. E é dele. eram dependentes do coronel: “completamente analfabeto. vinha carta branca ao chefe local governista (de preferência o líder da facção local majoritária) em todos os assuntos relativos ao município. o filhotismo. Para cima. o trabalhador rural. Leal (1975) seguiu a definição de Basílio de Magalhães para explicar a origem do conceito de coronelismo no Brasil: o tratamento de “coronel” começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer chefe político. que consistia em apoiar os candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais: “enquanto que. ou quase. que o coronelismo foi um sistema político nacional baseado na “troca de favores” entre o governo central e os detentores do poder local. As relações entre o poder local (coronéis) e o governo podem ser descritas como um caminho de mão dupla. apud Carvalho. a partir das considerações de Leal. Assim. os direitos sociais não foram conquistados. 87). copiada da “Carta del Lavoro” adotada pelo regime fascista italiano. como a crise da Bolsa de Valores de Nova York. constata-se que muitos outros vícios permanecem na vida política brasileira. quando poderes externos podem punir o próprio governo. O accountability (controle democrático) pode ser vertical (relação governantes e governados) e horizontal. Trata-se aqui de inserir o conceito de accountability.TEORIA POLÍTICA Ao concluir esta seção. no Brasil. paulatinamente. principalmente com a criação do Ministério do Trabalho.22 Seção 11. a criação do Partido Comunista e a Semana de Arte Moderna. influências internas. que devem prestar contas dos seus atos”. houve aceleração das mudanças sociais e políticas. gradativamente. o aumento do operariado. conforme o caso.4 Os direitos sociais emergem quando os direitos civis e políticos fenecem A partir dos anos 20 inicia-se. além da participação dos setores organizados da sociedade civil e do olhar crítico e imparcial da mídia. Indústria e Comércio e a Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943. “que quer dizer autoridades politicamente responsáveis. em grande parte. 184 . uma nova era na história política nacional. a história começou a andar mais rápido” (Carvalho. outras formas de controle e responsabilização dos atos administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. p. na década de 30 o Brasil vê emergir. empreendendo ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais ou inclusive impeachment. autoridades que podem ser responsabilizadas pelos seus atos. os direitos sociais: “A partir desta data. Os tempos agora são outros. Diferentes autores que tratam do tema da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) são unânimes em afirmar que essa legislação foi. mas conseqüência de concessões de governos 22 23 Ver estudos de Marenco dos Santos (2003) e O’Donnell (1998). São necessárias. 2002. autoridades estatais podem controlar o próprio poder. acabam modificando as relações econômicas e políticas no Brasil. bem como influências externas. como o processo crescente de urbanização e industrialização. Por meio da autonomia dos poderes.23 Fica evidente que. TEORIA POLÍTICA centralizadores e autoritários. Os sindicatos foram atrelados ao Estado de aspiração fascista. Em termos políticos tivemos retrocesso, pois em 1937 Vargas instaura uma ditadura apoiada pelos militares, instituindo o Estado Novo, que só termina em 1945. Logo após esse período o país passou pela primeira experiência democrática (1945 até 1964), tendo como principal característica política o populismo e o nacionalismo. Depois da breve experiência democrática o Brasil entrou, do ponto de vista dos direitos civis e políticos, nos anos mais sombrios da sua História, o da ditadura militar. Houve perseguição, cassação dos direitos políticos, tortura e assassinatos das principais lideranças políticas, sociais e religiosas. Os Atos Institucionais (AIs) deram a tônica do governo. O AI 1, de 1964, cassou os direitos políticos. O AI 2, de 1965, aboliu a eleição direta para a Presidência da República, dissolveu os partidos políticos criados a partir de 1945 e estabeleceu um sistema bipartidário. Já o AI 5, de 1968, foi considerado o mais radical de todos, o que mais fundo atingiu direitos políticos e civis. O Congresso foi fechado, passando o presidente, general Costa e Silva, a governar ditatorialmente. Foi suspenso o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional (Carvalho, 2002, p. 162), houve cassações de mandatos, suspensão de direitos políticos de deputados e vereadores, além da demissão sumária de funcionários públicos, censura à imprensa e a instituição da pena de morte por fuzilamento. No que se refere aos direitos sociais, percebe-se que houve uma sensível melhora na época dos militares. Foram criados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Banco Nacional de Habitação (BNH) e, em 1974, o Ministério da Previdência e Assistência Social (p. 172). Aos poucos, porém, o período da ditadura militar dá sinais de esgotamento e os ares de novos tempos começam a soprar no cenário político do Brasil. Depois da pressão política da oposição, da opinião pública, de intelectuais, artistas e da população em geral, os militares deixam o poder, de forma negociada, no ano de 1985. Novos partidos foram criados e a nova Constituição Federal foi promulgada em 1988. Essa Constituição, apesar da resistência de alguns setores conservadores da sociedade (como o “Centrão” – deputados que defendiam as grandes propriedades rurais), foi considerada a mais liberal de todas. O presidente da Constituinte, Ulisses Guimarães, na época a chamou de “Constituição Cidadã”. 185 TEORIA POLÍTICA Apesar dos avanços políticos, no entanto, os direitos civis e sociais são deficientes desde 1985. Há precariedade na questão da segurança e no acesso à Justiça, além das altas taxas de homicídios: “A taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes passou de 13 em 1980 para 23 em 1995, quando é de 8,2 nos Estados Unidos” (p. 212). O Judiciário não cumpre seu papel: além da morosidade nos trâmites e decisões, há, também, um número reduzido de defensores públicos. Deu-se no Brasil, diferentemente de outros países, a lógica inversa: primeiro os direitos sociais, depois os políticos e civis. Como bem argumenta Carvalho: Aqui primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de representação política foram transformados em peça decorativa do regime (p. 220). Além disso, os direitos civis continuam inacessíveis: “Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo” (p. 220).24 Esta Unidade procurou apresentar argumentos que comprovam a difícil construção da cidadania no país. Como sabemos, o conceito de cidadania sempre esteve e ainda está ligado à conquista de direitos, tanto civis (individuais), quanto políticos e sociais. Percebese isso na história das civilizações clássicas (greco-romanas); durante a Modernidade (conquistas da sociedade liberal burguesa), e, especificamente, o caso aqui exposto (experiência do Brasil). Tem-se consciência de que este estudo poderia ter avançado, principalmente no debate teórico atual da questão da cidadania global e da cidadania cosmopolita. Optou-se, porém, por investigar em responder quais os principais obstáculos para a construção da cidadania brasileira. Pensa-se, em outra oportunidade, contemplar tais questões. 24 No entendimento de José Murilo de Carvalho, a ordem de institucionalização clássica dos direitos de cidadania com base em Marshall (civis, políticos e sociais) não obedeceu à mesma lógica seqüencial no Brasil. 186 TEORIA POLÍTICA Constatou-se que o latifúndio agroexportador do período colonial, bem como o escravismo e o analfabetismo, marcaram negativamente nossas origens e, até hoje, dificultam avanços no âmbito político-social e econômico. Além dessas, outras razões foram e continuam sendo entraves para a consolidação das instituições políticas, impedindo os avanços necessários para uma cidadania plena. Na ordem política permanecem ainda algumas mazelas históricas, como o patrimonialismo (promiscuidade entre o público e o privado), o personalismo (messianismo), o coronelismo com sua nova roupagem, o clientelismo, além da corrupção, entre outros... Percebeu-se também que as conquistas dos direitos no Brasil, comparadas com as de outros países, deram-se de maneira tardia e inversa. Somente em 1824, mais de 320 anos após a chegada dos portugueses, aparecem os primeiros direitos civis e políticos (antes disso estávamos submetidos à lei da Coroa portuguesa). Aos poucos surgiram os direitos sociais, mas exatamente no momento em que os direitos civis e políticos estavam sendo negados, no período da ditadura de Vargas (1937-1945) e na ditadura militar (1964-1985). Por fim, haveremos de concordar com Benevides (1994, 2000), quando este afirma que, no intuito de reverter a realidade político-social excludente, ou de uma cidadania passiva ou sem “povo”, é necessário recorrer a mecanismos institucionais, como o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular para a construção do que a autora chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta: “Assim, discuto a participação política, através de canais institucionais, no sentido mais abrangente: a eleição, a votação (o referendo e plebiscito) e a apresentação de projetos de leis ou de políticas públicas (iniciativa popular), como defendo a complementaridade entre representação e participação direta, adoto, em decorrência, a expressão ‘democracia semidireta’” (1984, p. 10). Embora com grandes dificuldades, é possível reverter o processo por meio da educação política – entendida como educação para a cidadania ativa e plena. Esta Unidade abordou o tema da cidadania com referência ao nosso país. 187 TEORIA POLÍTICA 188 mas faz desta a sua principal preocupação. apresentamos os “ensinamentos” de Maquiavel para conquistar e manter-se no poder. mais uma vez. omisso. que acabou renunciando à Presidência da Casa para escapar da cassação. presidente do Senado. por outro. Por duas vezes os senadores absolveram Calheiros.1 O caso Renan e a degeneração da política A origem da palavra política. a questão do Estado. Outro tema que esteve na mídia foi a questão da reforma política: essencialmente. civil e público. o caráter pouco solidário e a necessidade de construir capital social no Brasil também foram abordados. como a democracia. De um lado. Constatou-se que os votos dos candidatos do PT têm declinado sensivelmente no Congresso Nacional.Unidade 12 Vicissitudes da Política Brasileira TEORIA POLÍTICA Esta última Unidade apresenta. cidade-Estado) e se refere a tudo o que é urbano. um debate sobre os principais temas que estiveram na pauta da política e da opinião pública no segundo semestre do ano de 2007. O capítulo inicia-se tratando do caso Renan Calheiros. de forma sucinta. acusado de quebra de decoro parlamentar. E o 189 . a pressão do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Ainda tratando sobre os desmandos da política brasileira. O tema polêmico da reforma agrária voltou a ser manchete. O governo revelou-se. exemplo seguido por muitas lideranças políticas atuais. caracterizando uma nova onda de populismo. com ocupações e marchas na luta pela terra. Outros temas. Seção 12. o lulismo. o afastamento do governo Lula da proposta ideológica de seu partido. a partir de sua etimologia. as milícias armadas dos fazendeiros. o PT. Presenciamos. mas o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou a posição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que o voto dado pelo eleitor pertence ao partido e não ao político. ainda. a questão da fidelidade partidária. mostrando pouca eficiência nesta problemática. Não houve avanços na dita reforma. O homem político é aquele que não apenas vive na cidade. provém do grego politikos (pólis. enquanto o voto dado ao candidato Lula tem evoluído. emendar e aprovar as propostas legislativas e as normas das agências reguladoras. Como esclarece Prélot (1973). mas sim a virtude coletiva. corromper. o bem comum é substituído pelo bem privado e os vícios e mazelas tão antigos das instituições e da cultura política. mas prolonga-se”. por excelência. a política entre os gregos destinava-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida. a corrupção. a isegoria (liberdade de opinião) e a filantropia (fraternidade entre os cidadãos). foi absolvido por duas vezes consecutivas por seus pares no Senado. Também é da genialidade grega a criação da democracia (demos + cracia). Isto é. como o clientelismo. e a triste constatação de que tudo é possível e permitido no Brasil: enganar. Os lobbystas operam ante governos municipais. a conquista ou o enriquecimento geral. Renan Calheiros (representante das velhas oligarquias regionais alagoanas). no entanto. pois. a política é a arte de tornar melhor os cidadãos. Ela não está acima da moral. agora. Em outras palavras. perde a democracia. Fica apenas o sentimento de impotência misturado com o sentimento de frustração e impunidade pairando no ar. Por aqui. governo do povo que garantia ao homem a isonomia (igualdade perante a lei). o patrimonialismo e. também perdem todos os eleitores e cidadãos do país. acusado de utilizar dinheiro de uma empresa privada (empreiteira) para pagar despesas pessoais. bem pelo contrário. Entende-se por lobbysmo a prática que representa o interesse de grupos (empresas) e procura influenciar nas votações legislativas e nas decisões dos administradores governamentais. como testemunha Isócrates: “Estabelecemos entre os outros a nossa Constituição”. o lobbysmo. é o que domina. o lobbysmo consiste em dirigir todas as energias de quem o pratica a obstaculizar. Foi o caso do presidente do Senado. Analisando a conjuntura política brasileira de nossos dias. Com sua absolvição. mentir.TEORIA POLÍTICA homem grego era. perdem as instituições políticas. 190 . Por isso o elogio de Péricles: “Não imitamos a Lei dos nossos vizinhos”. os interesses individuais sobrepõem-se aos coletivos. o homem dado aos debates na Agora. apadrinhar. “o fim da política não é. Nesse sentido. Por isso o Conselho de Ética do Senado recomendou a votação da perda de mandato de Renan por quebra de decoro. estaduais e federais. Renan. aos discursos e às discussões políticas. temos assistido exatamente ao inverso da proposta grega sobre o real entendimento da política. e que. a astúcia e o cinismo. O príncipe (liderança política) situa-se além do bem e do mal. Tudo é permitido desde que se alcance o resultado desejado. mesmo que. precisava de uma liderança política (príncipe) destemida. fosse necessário empregar certos meios pouco lícitos (pois os fins justificam os meios). traiçoeiro.2 Maquiavel: o “Old Nick” anda solto! O renascentista Nicolau Maquiavel (1469-1527) ganhou notoriedade na História e nas Ciências Sociais por ter escrito O Príncipe (1513-1514). uma abreviação de “Velho Nicolau”. para isso acontecer é necessário que os cidadãos vivam o bem comum. literalmente. É do sentido pejorativo dado pela Igreja à obra de Maquiavel que surgiu o adjetivo maquiavélico. no qual não tratou de questões e valores espirituais e talvez por esta razão o seu Príncipe tenha sido posto. O objetivo de Maquiavel era a unificação da Itália. tudo se justifica: cupidez. se ocorrer o contrário (a busca do interesse próprio).TEORIA POLÍTICA Por fim. um manual de sobrevivência na política. O mau exemplo do Senado brasi191 . pela Igreja Católica. rapacidade (avidez de lucro). acredita-se que os “ensinamentos” de Maquiavel e seu Príncipe foram assimilados e postos em prática por uma boa parte das nossas lideranças políticas atuais. Neste sentido. Em inglês. ou em conjunto ou por intermédio dos seus governantes. engenhosa. dolo. velhaco. na Inglaterra. libertinagem. está formada a degeneração da política. na lista de livros proibidos (Índex). traição. Para isso. perfídia. Infelizmente essa é hoje a realidade política brasileira. todos os meios são considerados honestos. roubo. termo com o qual. por isso. Seção 12. deboche. velhacaria. a literatura passou a designar Maquiavel: como o próprio “Velho Diabo”. em 1559. Muitos o têm como “livro de cabeceira”. dissimulação. Infelizmente trocou-se a ética pelo ardil. Em nome do poder. desde a época elizabetana. fraude. entende-se que a política no seu sentido originário destina-se a garantir a qualidade e a perfeição da vida. a expressão “Old Nick” significa. aplicado a quem tem um procedimento astucioso. habilidosa e forte (virtú). para alcançar este fim. entre titulares e suplentes. tem causado prejuízos às instituições políticas.3 (In) fidelidade partidária A migração partidária ou o conhecido “troca-troca” é a prática seguida pelos políticos para se “acomodarem-se” em um partido no qual possam tirar proveito pessoal. E. no entanto. de 1985 a outubro de 2001.. levam-nos a crer. enriquecimento ilícito. revelando-se a principal causa do descrédito dos políticos diante da opinião pública. publicados na Folha de São Paulo de 7/10/2007).9% não acreditam nos políticos. Seção 12. Estudos mostram que. no primeiro Governo Lula (2003-2006). Essa “naturalidade” do “troca-troca”. No primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Na segunda gestão (19992002). lamentavelmente. Nos últimos 12 anos (desde 1995).TEORIA POLÍTICA leiro absolvendo o presidente da Casa. ele anda solto pelas bandas do “planalto” e até nas mais recônditas “planícies”. 2007).. 192 . favorecimento a empresas) e o esforço empreendido pelo partido do governo para salvá-lo. acusado de diversas irregularidades (tráfico de influência. 81. que começou em fevereiro (2007). que as práticas do “Velho Diabo” têm encontrado guarida nos corações e mentes de muitos. foram 211. 302. Sim. quando foi encerrado o prazo de filiação partidária tendo em vista a eleição de 2002. nada menos que 846 parlamentares. Traduzindo esses números em percentuais. 291. A atual legislatura. foram registradas 854 migrações partidárias – média de 67 por ano. independentemente de manter a fidelidade à legenda pela qual foram eleitos. Renan Calheiros. chega-se a 28. A infidelidade partidária tem sido uma marca da política brasileira desde o período da democratização. Segundo a pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMD. já contabiliza 50 (dados do Acervo da Câmara. mudaram de partido na Câmara dos Deputados.8% dos políticos que assumiram uma cadeira na Câmara e trocaram de legenda durante o mandato. mas. prefeitos e senadores. aos poucos. segundo o estudioso. especialmente entre 1950 e 1962. a migração partidária era insignificante no primeiro sistema multipartidário brasileiro.679 de 2003. 80% de suas bancadas formadas por deputados que trocaram de partido com o mandato em curso. tem evoluído nas últimas legislaturas: quase 60% dos deputados. tem ocupado um lugar de destaque no meio político. governadores. constata-se nitidamente o crescimento de um tipo de migração que pode ser interpretada. partidos da base aliada acabam sendo cobiçados e inflados por parlamentares da oposição obcecados por emendas e cargos públicos. Especialmente a partir de 1995. Essas siglas têm juntas. como “adesão ao governo”. na opinião pública e nas organizações sociais nos últimos anos. a lúcida decisão dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) em ratificar a posição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que o voto dado pelo eleitor pertence ao partido e não ao político pode. Seção 12. O TSE decidiu também que a fixação de regras de fidelidade partidária recaiam sobre os cargos majoritários: presidente da República.4 Reforma política: entraves e perspectivas “Você conhece alguém que fabrica uma chibata para apanhar com ela?” Ex-deputado João Caldas (PL-AL) O debate sobre o Projeto de Lei 2. na atual gestão. da chamada reforma política. Ou seja. com o tempo. já haviam pertencido a mais de um partido no mesmo sistema partidário. Por fim. beneficiar as instituições políticas do país. Esta decisão foi aprovada e todos os parlamentares que trocaram de partido a partir de 27 de março de 2007 (quando o TSE decidiu que o mandato pertence ao partido e não ao candidato eleito) poderão perder o mandato (salvo quando o parlamentar alegar perseguição interna do partido ou que o partido mudou a sua ideologia). no entanto pouco se tem avançado no consenso e na efetividade da mes193 . o PR e o PTB (base aliada do governo) são os destinos prediletos dos infiéis (oposição). quando eleitos.TEORIA POLÍTICA Segundo o cientista político André Marenco dos Santos. Por exemplo. na Câmara. são mínimas as chances de que a reforma política venha a ser realizada. do PL de Alagoas. caímos num círculo vicioso: não consolidamos a democracia porque nos faltam verdadeiros partidos. possa prejudicar ou comprometer a sua (re)eleição. ou nas próximas eleições. a instituição de federações partidárias. o voto de legenda em listas partidárias preordenadas. alterando a Lei n. contudo. elaborado pela Comissão Especial de Reforma Política. desconfianças ou mesmo ceticismo sobre tal reforma. Nem mesmo a idéia esdrúxula de convocar uma nova Constituinte resolveria o problema. é elucidativa. até o momento. Diante disso pergunta-se: se a reforma política vier a ser concretizada.TEORIA POLÍTICA ma.737. de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral). pode-se esperar que ela resolva as mazelas culturais e institucionais da política brasileira? O Projeto de Lei. são apenas dúvidas. a isenção e a imparcialidade dos novos constituintes nas tomadas das decisão: estariam eles defendendo os reais interesses dos eleitores ou continuariam sendo meros lacaios dos grupos privados? Considerando o momento atual das instituições e dos atores políticos (alta desconfiança por parte do eleitorado: 82% não confiam nos políticos).º 9. ninguém vai aprovar um projeto que. mas. Como nos diria Eça de Queiroz: estamos bem arranjados. O que temos. é pouco provável que alcance resultados satisfatórios. daqui a alguns meses.096. o funcionamento parlamentar. dispõe sobre a fidelidade partidária. haveremos de concordar com a afirmação de Benevides: A julgar pelo andar modorrento dos pretensos reformistas. 194 . ou seja. de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições). será pouco provável que alcance o êxito esperado. A frase do ex-deputado João Caldas.504. Como se fosse possível a neutralidade. pesquisas eleitorais. a propaganda eleitoral. o financiamento de campanha e as coligações partidárias.º 4. e a Lei n. Assim. a Lei n. A idéia também foi defendida pelo próprio PT no último Congresso do Partido. de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos).º 9. com novos representantes escolhidos pelo povo para tratar especificamente deste assunto. se vier. O próprio presidente Lula acredita que a reforma política só sairá do papel caso seja convocada uma nova Assembléia Constituinte (paralela). não temos partidos porque nos falta a verdadeira democracia. Da forma como a reforma política está sendo proposta. em parte. Qual a saída? Acreditase que somente com a participação popular e a sociedade civil organizada a reforma política chegará a bom termo. citando Gramsci: É preciso ser absolutamente pessimista no diagnóstico. principalmente. de boa parte da intelectualidade brasileira e. tendo a ética e a luta social como sua principal bandeira. das principais Centrais Sindicais do país. Durante as décadas de 80 e 90 o PT consolidou-se como um dos principais partidos de oposição do Brasil. O partido. trocando mais de uma vez de partido). As lideranças do partido eram provenientes. patrimonialismo e tantos outros “ismos”). dos movimentos sociais. de onde emergiu seu principal líder. a coerente e acertada posição do Supremo Tribunal Federal ao decidir que o voto dado pelo eleitor pertence ao partido e não ao político (embora não tenha punido os políticos infiéis) ameniza. Por fim. mas manter a mais acesa esperança na ação. o problema do troca-troca de partido (infidelidade partidária). ainda. inclusive. no entanto. com uma proposta ideológica socialista e com bandeiras alternativas aos partidos tradicionais da história política brasileira conhecida até então.TEORIA POLÍTICA Apesar do quadro desolador. Luiz Inácio Lula da Silva. acredita-se que a reforma política tenderá a manter os vícios culturais e institucionais da política brasileira (personalismo. vindo a enfraquecer ainda mais nossas instituições políticas. fundamentadas na Teologia da Libertação (ala progressista da Igreja Católi ca). é preciso manter a mobilização e não desacreditar. porém. das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). prática comum no meio político. inclusive a de chegar ao centro do po195 . Sem a participação popular (diálogo com os eleitores). Como nos ensina Comparato (1993).5 Seria o fim do Petismo? O Partido dos Trabalhadores (PT) surgiu no início dos anos 80. Somente em 2007 50 parlamentares trocaram de partidos: 46 deputados na Câmara Federal e 4 senadores (alguns. clientelismo. Seção 12. cresceu e aspirou a maiores possibilidades. com mais de 52 milhões de votos (61. democrático e popular do partido. o candidato petista fez 46. perdia por 15%. no segundo turno. em 1998. A mudança da “esquerda” para o “centro” do espectro político foi uma questão de tempo. e cada eleição que eu perdia.1% do total dos votos válidos. no primeiro turno para a Presidência da República.6%) no primeiro turno. em 1994. ou assistirá a práticas de rentismo à elite financeira nacional e internacional e ao assistencialismo aos mais pobres (Bolsa Família)? Ao que tudo indica. a sua própria mudança e a mudança no programa do partido: “Eu perdi três eleições. Sempre faltavam. O próprio presidente reconheceu. recentemente. concretamente. no segundo turno. contudo.. E eu me preparei e ganhei a eleição”. 21. No quesito manter as coisas como estão. Era preciso que eu me preparasse para ter do meu lado os 15% que faltavam.”. com o cargo máximo do país. que eu não precisava mais ficar fazendo discurso para agradar aos 30% ou 35% que eu tive em todas as eleições.7%). no entanto as derrotas nas eleições gerais de 1994 e 1998. o candidato Lula somou nada menos do que 39. e se reelegeu. 16.4 milhões de votos (46. bem como a formação de alianças com partidos de centro e até de direita (PL).TEORIA POLÍTICA der (Presidência da República).6 milhões de votos. E agora. o partido até acenou inicialmente para a possibilidade de uma candidatura própria 196 . a evolução do voto petista de 1989 a 2006 foi bastante expressiva: em 1989. depois de uma mudança radical no programa.2%). credenciou o candidato petista a sonhar sim. pois é preciso manter tudo “do jeito que está pra ver como é que fica”. respectivamente.5%) no primeiro turno e venceu as eleições.4 milhões de votos (31. parece que nada mudará. Chegou um dia em que alguém me convenceu de que eu não precisava mais ficar fazendo discurso para agradar ao PT. Embora tenha sido aprovada uma resolução reafirmando o caráter socialista. A expressiva votação do candidato Lula para presidente em 1989. foram cruciais para mudar os rumos do partido. indo ao segundo turno e desbancando nomes como Brizola e Quércia. para onde caminha o PT? Voltará as suas origens socialistas ou dará continuidade ao seu governo de coalizão? O eleitor poderá esperar ainda um projeto de desenvolvimento para o país. o partido totalizou 11.. Na segunda tentativa. contabilizando mais de 60% dos votos válidos. a tendência é permanecer “tudo como dantes. Em 2006.1 milhões (27%). alguns percentuais e.662 milhões de votos (48. foram 17. De fato. no quartel general de Abrantes. depois do 3º Congresso do partido (3/9/2007). depois de quatro anos no poder. em 2002. velhos conhecidos da política brasileira. o presidente Lula venha a fazer seu sucessor ao Palácio do Planalto. o que não interessa à democracia brasileira. Se o cenário político e econômico se mantiver estável nos próximos anos. Seção 12. mas logo após. O fenômeno do lulismo pode ser associado a uma nova onda de personalismo (culto à pessoa) e populismo (fenômeno político caracterizado pela liderança de uma pessoa que geralmente expressa carisma – popularidade). tanto para a avaliação do presidente quanto para seu governo. Apesar das crises e turbulências pelos quais o partido do presidente (PT) passou nos últimos tempos. recuou e aceitou a possibilidade de apoiar uma candidatura a partir de partidos da base aliada (coalizão governista).5% avaliam o desempenho do seu governo como positivo. também.. Conceito que anda meio escasso ultimamente no próprio PT. ou.% dos brasileiros aprovam o governo do presidente Lula e 46.6 O Lulismo é maior que o Petismo Segundo pesquisa do Instituto Sensus (12 de outubro de 2007). Dentro desta lógica. a popularidade do presidente Lula e a aprovação do seu governo continuam altas. a única “novidade” foi a aprovação do Código de Ética do partido. muito presente no cenário político da Améri197 . Ciro Gomes ou Nelson Jobim (da base aliada). o dele próprio (caso mexa na Constituição). em 2010. pode-se afirmar que assistimos. A pesquisa encomendada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostra números positivos.. à morte da ideologia da esquerda do petismo para ficarmos apenas com o “lulismo”. pressionado por Lula. é bem provável que. bem como no meio político como um todo. quem sabe. Mais de 61. Não se descarta. a possibilidade de que Lula volte a concorrer à Presidência da República em 2014. Aliás. Alguns nomes já estão sendo cogitados: Dilma Rousseff. Marta Suplicy e Tarso Genro (do próprio PT).TEORIA POLÍTICA para a Presidência em 2010. amenizou o discurso. a imagem de Lula continua inabalável. sim. O culto à pessoa é maior que a ideologia dos seus próprios partidos. Foram 2. No Nordeste (influenciado pelo Bolsa Família).TEORIA POLÍTICA ca Latina. As perdas mais significativas deram-se no Sul. se comparados com as eleições de 2002. prevalece a imagem carismática e messiânica do presidente Lula. em 2006.455. percebe-se que os votos dados ao PT na Câmara Federal têm declinado. mesmo que a do próprio partido.26%).06 milhão de votos (-21. O declínio poderia ter sido maior caso as regiões Norte e Nordeste do país não houvessem incrementado a votação pró-Lula.094 milhões contra 13. o presidente Lula. e pela prática populista assistencial do “Bolsa Família” (beneficiando os extremamente pobres). do burocratismo estatal. 675 mil a menos (-22%) e no Sudeste. Lula fez. no entanto: o PT sobreviveria sem Lula? 198 . o PT. Talvez por essas razões tenha ocorrido a reeleição e a manutenção de percentuais de avaliação tão positivos. gerenciado pelos companheiros sindicalistas (45% dos cargos de confiança são compostos por sindicalistas). não vá tão bem assim. Apesar de ter conquistado a Presidência da República. Por outro lado. no Norte 207 mil votos (31%).207 milhões de votos (18. Por exemplo. quando totalizou 16.1 milhões de votos a menos. Isto significa que o PT perdeu no Congresso Nacional 13% de seu eleitorado entre uma eleição e outra.5%). mais de 46 milhões no primeiro turno contra 13 milhões de votos para o Congresso. nas eleições de 2006. Pergunta-se. Por outro lado. Somente no Estado de São Paulo o declínio foi de 1. o PT não consegue o mesmo êxito conquistado pela sua principal liderança. que pode sobreviver politicamente sem o PT. constatamos que a votação de Lula foi duas vezes maior do que os votos atribuídos aos candidatos petistas a deputado federal. em 2002. remessas recordes de lucros ao estrangeiro. Em síntese. percebe-se que houve um crescimento de 39. o lulismo pode ser caracterizado como uma forma de administração voltada para a manutenção das políticas de mercado (política econômica ortodoxa: controle da inflação. menos 1.990 milhões de 2006. o PT fez 374 mil votos a mais (13%) e.90 milhão de votos (-23%). no Brasil. se traçarmos um paralelo entre o voto petista no Congresso Nacional com o voto petista para presidente.662. um crescimento de 7. benefícios aos banqueiros). Se compararmos ainda os votos recebidos por Lula nas eleições de 2002 com as eleições de 2006. para 46. cinco governos estaduais e ter eleito a segunda bancada da Câmara dos Deputados (83). mas também direitos públicos. reforma agrária. Ao mesmo tempo em que a vocação do Brasil é a agricultura. b) Resolve o problema da concentração da terra. marchas e ocupações conquistam espaço na mídia em geral. a função do Estado é garantir os direitos públicos de todos e não apenas os direitos privados de poucos. retrógrada e inconseqüente afirmação do subcomandante-geral da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. tem-se uma população faminta. Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). não só direitos privados. Nesse sentido. Dados do Instituto Nacional de Coloniza199 . no Brasil. menos de 3% da terra. Diante disso.TEORIA POLÍTICA Seção 12. agronegócios. coronel Paulo Roberto Mendes (20-9-2007). além do mais. a necessidade de a reforma agrária ser instituída no Brasil se justifica pelas seguintes razões: a) Gera desenvolvimento. é correto afirmar que.1 milhões de produtores rurais (muitos). O Estado de Direito é o Estado dos cidadãos (Bobbio. Dados estatísticos mostram que quase metade da terra cultivável está nas mãos de apenas 1% dos fazendeiros (poucos). a questão agrária é um problema histórico que nos remete ao período colonial (capitanias hereditárias) e permanece até nossos dias como uma das principais mazelas sociais do país. metade dessa área é adequada para a criação de gado. 2000). Enquanto os Estados capitalistas desenvolvidos efetivaram a reforma agrária diversas vezes no tempo e nos referidos espaços territoriais (pois entendiam que a distribuição da terra beneficiava o próprio sistema). perante o Estado. pertence a 3. antes que seja parada pela força da bala”. Existem mais de 371 milhões de hectares disponíveis para a agricultura no país. Assim sendo. Entende-se que no Estado Democrático de Direito o indivíduo tenha. Via Campesina. no município de Coqueiros do Sul (314 km de Porto Alegre): “Estou fazendo este pedido para que a marcha seja parada pela força da lei. mas o que é otimizado para a produção é coisa ínfima. Foi o caso da infeliz. o Estado brasileiro opta pelo atraso. trata a reforma agrária com desdém e até com coação e violência.7 Para que reforma agrária? Novamente a questão agrária está na pauta das discussões da opinião pública brasileira. enquanto uma pequena parcela. ao pedir o fim da marcha dos sem-terra à fazenda Guerra. 000 hectares sai uma parte relativamente pequena do que se come. Neste quesito. imaginem se a população urbana se expandiu drasticamente: não aumentaria o desemprego. Por exemplo. político e social. populistas 200 . educação e emprego. d) Ajuda a resolver os problemas sociais. Dos donos de mais de 1. Seção 12. ocupando quase 80% da área total das terras cadastradas. saneamento. c) Os minifúndios são produtivos. É importante que as pessoas possam viver no campo tendo condições dignas de plantar e colher. além de fortalecer a democracia do Brasil. percebe-se que o governo Lula tem priorizado mais o avanço do agronegócio no Brasil do que a agricultura familiar. O latifúndio (agronegócio) produz monoculturas de exportação. Ou seja: eles produzem menos. junto com outras políticas mais audaciosas. o latifúndio não. ocupam pouco mais de 20% dessa área total. a violência? O que faremos se o êxodo rural acentuar-se ainda mais? Como serão nossas cidades? Por esses e outros motivos acreditamos que a reforma agrária.TEORIA POLÍTICA ção e Reforma Agrária (Incra) comprovam. que representam cerca de 90%.9 milhões de imóveis rurais cadastrados no Brasil correspondem à média e grande propriedade. no plano safra 2006/2007 foram cerca de R$ 50 bilhões destinados aos grandes produtores. Isso representa um avanço na história política do Brasil. Se as nossas cidades já apresentam déficits habitacionais.8 Os desafios da democracia na América Latina Vive-se um momento peculiar no cenário político nacional. A eleição geral de 2006 foi a quinta eleição direta consecutiva para presidente da República. profundamente marcada por governos oligárquicos. que cerca de 10% dos 4. agrega pouco valor e os lucros não são socializados. a marginalidade. Indicadores comprovam que os pequenos agricultores produzem mais. igualmente. sem reforma agrária estamos fadados ao atraso econômico. possa contribuir para o desenvolvimento econômico e social. Já os pequenos imóveis. embora tenham 100 vezes mais terra. gera poucos empregos. Boa parte dos alimentos vem dos proprietários que possuem até 10 hectares de terra. Este setor foi o que mais recebeu incentivos do governo. comportamento político emocional e subjetivo. É possível afirmar que se conquistou. também. como observa Hélgio Trindade: “A construção da democracia participativa supõe uma combinação entre cidadania democrática e representação política plena” (2003). E mais. para proporcionar liberdades cívicas e garantir os direitos humanos. “até que ponto se permite que esse sistema seja substancial?”. O sujeito. alcançamos uma democracia eleitoral e suas liberdades básicas. Ao concluir o segundo mandato do governo Lula. 201 . 2004) feita na América Latina. personalistas e patrimonialistas entre os representantes eleitos. A democracia é muito mais que um regime governamental. entretanto. É preciso. confiança e cooperativismo) sejam aprimorados em busca de justiça social e da emancipação humana. é mais do que um método para eleger e ser eleito. autonomia para associações e cidadania inclusiva). uma democracia formal poliárquica (eleições livres e freqüentes.7% dos cidadãos estariam dispostos a aceitar um regime autoritário se este resolvesse a situação econômica de seus países e respondesse as suas demandas sociais. A democracia latino-americana não pode ser uma democracia que facilita os procedimentos. É necessário que se estruture na América Latina. resolvendo os problemas de ordem estrutural (econômico e social). aprimorar o regime democrático. no Brasil. ou. no entanto. agora. que o presidente possa ignorar as leis para governar. Algo inédito até então. como questiona Saramago. até o momento. a que Larry Diamond denomina democracia iliberal (illiberal democracies).TEORIA POLÍTICA e autoritários. mais do que eleitor. completam-se 24 anos de democracia ininterrupta. é cidadão. nas palavras de Pablo González Casanova. 54. segundo o pensamento de Robert Dahl. isto é. a que Marcello Baquero chama de democracia inercial: com inexistência de instituições sólidas. segundo a pesquisa do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.3% avaliam que o desenvolvimento é mais importante que a democracia e 58. porém fracassa. uma democracia dos de baixo. em que os pobres vejam garantida a segurança social e econômica. de avançar para a consolidação de uma democracia cidadã e inclusiva (é preciso passar da condição de meros espectadores para a de cidadãos participantes).1% concordam. De que adiante democracia se os problemas sociais e econômicos da maioria da população ainda persistem? Talvez por isso. A democracia ideal pressupõe que a participação pública e o espírito cívico dos cidadãos (associativismo. trata-se. ainda. 56. falta de fiscalização e predomínio de traços clientelísticos. fontes de informações diversificadas. liberdade de expressão. com a sua equipe pessoal. desemprego. A democracia pressupõe. especialmente no que se refere à política econômica. igualmente. conflitos sociais. o desmonte dos sistemas de seguridade social. A proposta de eleição ininterrupta de Hugo Chávez na Venezuela e a cogitação de um plebiscito para o terceiro mandato de Lula no Brasil diminuem as chances da consolidação e do fortalecimento da democracia no continente. Fizeram parte desse programa de reestruturação (ajustes) a reforma administrativa e previdenciária. Seção 12. a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso de suas políticas é exclusiva do presidente da República que. do Congresso ou de associações de representação de interesse são silenciadas ou ignoradas. aumento do trabalho informal. da sociedade. Isso significa afirmar a existência de frágeis instituições políticas. precariedade e. a redefinição do papel do Estado na economia. Isto é.9 Mais Estado e menos mercado Nos anos 90 a América Latina passou por profundas reformas estruturais (neoliberais). são o alfa e o ômega da política (o presidente isola-se da maioria das instituições políticas) e os problemas da nação são tratados por técnicos e burocratas. Prevalecem a centralização política e a personificação do poder do presidente. que causou. a partir das políticas de livre mercado impostas pelo Consenso de Washington. por mecanismos autoritários. de saúde e de educação. ingresso do capital externo. pode-se afirmar que impera uma típica democracia delegativa (Guillermo O’Donnell). flexibilização dos direitos trabalhistas. corrupção do aparelho do Estado e violência generalizada. A oposição e a resistência das ruas. ao contrário do que seus defensores alardeavam. deterioração da autoridade presidencial. alternância de poder. recessão econômica.TEORIA POLÍTICA Além do autoritarismo democrático que se vive na cultura política latino-americana. ao mesmo tempo. suas decisões políticas” (2003). que exigiram um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal. o que Hélgio Trindade chama de hiperpresidencialismo: “o presidente se considera legitimado por um poder delegado pelo voto para implementar. 202 . em que se sucedem crises de ordem socioeconômica (sucessivos planos econômicos). contudo. Essa política. Essa percepção parece estar mudando em nossos dias. a maioria do eleitorado brasileiro prefere que o Estado controle os serviços. tem encontrado resistência na opinião pública: até há pouco tempo os serviços prestados por empresas públicas eram considerados ineficientes. como fizeram todos os países que iniciavam seu desenvolvimento. No Brasil. as políticas de reestruturação do Estado ocorreram em meados dos anos 90. de baixa qualidade e mal administrados. além do que 62% se mostraram contrários à política de privatizações. desde os anos 90. Apenas 25% a aprovaram. Por outro lado. Mais tarde. as normas das instituições internacionais: “E tudo. conclui Bresser-Pereira. estradas. em vez de reconstruir financeiramente o Estado. o próprio Bresser-Pereira. ao alto custo e à questionável qualidade dos serviços privados. Talvez por isso Bresser-Pereira tenha lamentado que sua Reforma Administrativa não tivesse alcançado os resultados esperados. Em suas palavras: “cumprimos uma parte desse programa. A principal delas foi a chamada reforma administrativa. Em relação ao processo de privatização. privatizamos também monopólios naturais”. Bresser também reclamou: “em vez de privatizarmos apenas setores competitivos. entre outras razões. com o apoio do FMI. Podem-se atribuir esses percentuais. do Banco Mundial e dos mercados financeiros internacionais”. Seguimos. também conhecida como reforma “Bresser-Pereira” (coordenada por Luiz Carlos Bresser-Pereira. principalmente nos setores da energia elétrica. O Brasil. as quais reduziram. em artigo publicado na Folha de São Paulo (2002). 203 . telefonia. ampliamo-la. nos anos 90.TEORIA POLÍTICA No Brasil. água e esgoto. os serviços prestados pela iniciativa privada eram sinônimos de qualidade e confiança. então ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado no governo de Fernando Henrique Cardoso). tem privatizado mais de 70% de suas empresas estatais. deixamos que a entrada de capitais valorizasse nossa moeda e aumentasse artificialmente salários e consumo”. houve a “flexibilização” do mercado e a multiplicação da dívida: “em vez de controlar a entrada de capitais e reduzir a dívida externa. ao invés de mantermos um câmbio relativamente desvalorizado. o tamanho e a função do Estado. A política das privatizações foi a principal medida das reformas estruturais. mas. endividamo-lo ainda mais”. reclamava da baixa confiança dos mercados internacionais perante a economia brasileira e da sua vulnerabilidade diante das constantes crises econômicas mundiais. consideravelmente. Segundo dados do Instituto Ipsos. de joelhos. no entanto. Seção 12. os percentuais ligados à dimensão da solidariedade têm piorado. 74% acreditam que o Estado deve ser responsável pelos serviços essenciais da população. Por outro lado. esta se situa como pouco solidária e individualista (as pessoas têm-se ocupado apenas com seus próprios problemas e não tratam de ajudar os outros). Oliveira Vianna (1955) havia percebido tal característica. ao se examinar efetivamente as atitudes individuais da região. 204 . O estudo mostra que. o desempenho econômico e social dos latino-americanos tem melhorado nos últimos anos.10 O caráter individualista e pouco solidário do brasileiro O Informe do Latinobarômetro 2007. O autor considerou o insolidarismo como o traço mais marcante de nossa gente. nos anos 90. Aliás. Os chilenos.TEORIA POLÍTICA Se. um estudo pertinente sobre o significado sociológico do antiurbanismo colonial (gênese do espírito insolidarista). mediante um estudo realizado em 18 países da América Latina. Houve uma redução da pobreza. redução da inflação e um aumento no nível de consumo da população. agora pede-se que o Estado volte e cumpra sua função social. melhor distribuição de renda. razão pela qual defendia o papel coativo e educador do Estado na formação do que ele chamava de um comportamento culturológico. revelou que. Há uma evidente tensão entre as atitudes coletivas e as atitudes individuais. equatorianos e paraguaios são os mais individualistas. no qual efetuou. capaz de sobrepor-se ao espírito insolidarista. presenciamos a uma onda que pregava o afastamento do Estado das funções e do gerenciamento dos serviços públicos. intitulada Morfologia do Estado. Entre os mais solidários encontram-se os venezuelanos e porto-riquenhos. diminuição do desemprego. esse caráter pouco solidário do brasileiro não chega a ser novidade. Vianna escreveu Instituições políticas brasileiras (1955). ficando abaixo da média dos demais países do continente. Os brasileiros ocupam a 11ª colocação no quesito solidariedade. Segundo a mesma pesquisa. a maioria da população quer um Estado forte com maior proteção social. Em síntese. na segunda parte. Já em meados do século passado. entre 2003 e 2007. na verdade. o homo colonialis. peculiar e exclusiva à classe senhorial” (p. até os nossos dias. foi uma solidariedade social negativa. Na questão do trabalho o homem brasileiro. que se mantém desde o Império até a República e. a carência de motivações coletivas. do civismo e do espírito público. O que houve. assim. no Brasil. Sem a dimensão da solidariedade. Estas manifestações têm raiz na tradição cultural. Seção 12. porque não dizer. do deserto. hábitos de cooperação e de colaboração. comparado com outros homens do mundo. essencialmente individualista. no Brasil. Por fim. não necessita da ajuda comunitária e vive de forma isolada. em nosso país – ao contrário do que aconteceu no mundo europeu – sempre foi essencialmente particularista e individualista: centrifugava o homem e o impelia para o isolamento e para o sertão” (1955. caracterizou-se pelo particularismo e individualismo: “O trabalho agrícola. é apenas uma solidariedade parental. tendo como característica fortes traços de individualismo e desconfiança: “um amante da solidão. igualmente. da sua escassa participação na vida pública. desde que se mantenham os interesses fechados entre as famílias dominantes: “Essa solidariedade interfamiliar e clânica é. ou.11 O Capital Social: um ingrediente a ser considerado A aplicabilidade das políticas neoliberais globalizantes trouxe relações verticais autoritárias. rústico e antiurbano”. 151). e também na formação social e econômica. o projeto da construção de um Estado-nação estará sendo novamente adiado. evidenciam que práticas individualistas e insolidárias persistem nas relações interpessoais dos brasileiros. O que existe. p. nem mesmo espírito público. isto é. 272).TEORIA POLÍTICA Para o autor. o espírito insolidarista tem sua origem nos primórdios da “colonização”. mais os dados do Informe do Latinobarômetro 2007. o brasileiro é. Além disso. na pior das hipóteses. o pioneirismo dos estudos de Oliveira Vianna. segundo Vianna. Em relação a outros povos latino-americanos. impostas pelas leis do mercado. levaram a um agravamento dos problemas sociais em boa 205 . conseqüentemente. suplantado. Dessa maneira criou-se. No âmbito do comportamento político-partidário percebe-se. que obtiveram crescimento econômico pouco significativos e. são muitas as citações em que Oliveira Vianna queixase da inexistência da cooperação do povo do Brasil. Não houve a formação da solidariedade social. É. bem como um elevado descrédito e desconfiança dos cidadãos diante do desempenho dos governantes e instituições políticas. suscitou a criação e o fortalecimento de antigos e novos movimentos sociais contestatórios. com a obra Making democracy work: civic traditions in Modern Italy (1993). se possa pensar estratégias que recuperem a credibilidade das instituições ante as demandas e exigências dos cidadãos contribuintes. as instituições públicas e a diferença do funcionamento do sistema democrático italiano. baseada na ética. há uma conclusão geral. baseado na cooperação recíproca. de autoria do cientista político norte-americano Robert Putnam. que passam a utilizar os benefícios do capital social. em outras (Sul) não se evidenciou o mesmo sucesso em razão justamente do sentimento de solidariedade e do engajamento em associações comunitárias no primeiro caso e sua ausência no segundo. na moral e nos costumes. nada melhor que. diante da crise por que passam as instituições democráticas. fortalecendo a sociedade civil e o processo democrático. associativismo e voluntarismo. Como afirma Baquero (2006). Desta maneira. aos poucos. solidária e coletiva. Teóricos. Putnam investigou. orientada para a valorização das normas democráticas. indicar novas relações sociais que direcionam para um novo modo de agir. com a valorização das normas e regras democráticas. Como resposta. quanto maior a participação dos indivíduos em associações comunitárias. que o conceito ganha notoriedade no meio acadêmico. O debate em torno do capital social não é propriamente novo nas Ciências Sociais.TEORIA POLÍTICA parte dos países latino-americanos. de que a consolidação e solidez da democracia de um país dependem de uma sociedade civil dinâmica e participativa. 206 . foi possível o bom funcionamento da democracia. no entanto. proliferando relações horizontais de confiança mútua. maior seria a contribuição positiva para o funcionamento e consolidação da democracia. o capital social tem sido um instrumento eficiente para se contrapor à hegemonia da política econômica e. Nesse sentido. Os resultados evidenciaram que. em algumas regiões (Norte). mais solidário e participativo. por mais de 20 anos. Ao mesmo tempo que se constata uma desilusão com o desempenho da democracia. aceita no meio acadêmico. redes de cooperação. já haviam sugerido que. o capital social. por meio do capital social. como Adam Smith. surge como um bem público capaz de gerar um novo contrato social. Tocqueville e Coleman. O certo é que a análise do capital social continuará sendo. com quais “olhos” o leitor percebe a realidade política brasileira atual? É possível aplicar as teorias analisadas para explicar o caso brasileiro? Ou os pensadores e teorias nada têm de relevante para nossa realidade? 207 . a temática do capital social tem evoluído para um nível de acalorados debates entre os teóricos das Ciências Sociais: alguns o têm empregado como instrumento para suas pesquisas. uma inspiração teórica entre os cientistas sociais (para o bem e para o mal). pudesse refletir sobre como as teorias políticas das Unidades precedentes podem explicar (se puderem) tal quadro. é importante mencionar que. Depois de ter lido uma introdução à história do pensamento político.TEORIA POLÍTICA Por fim. por um bom tempo. outros se empenham na crítica e na contestação do conceito. acompanhando o quadro político brasileiro. Esta Unidade final faz uma análise crítica da política brasileira. nos últimos anos. Ela está situada no fim do livro para que o leitor. TEORIA POLÍTICA 208 . orçamento participativo e clientelismo: um estudo comparativo das experiências de Porto Alegre/RS e de Blumenau/SC. MARTINS. Lisboa: Presença. 2005. 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