Taylor Caldwell - Doce Vitoria

May 6, 2018 | Author: Daniel Lemes | Category: Adolf Hitler, Germany, Love, Religion And Belief


Comments



Description

OBRAS DA AUTORA A CASA GRANDE A CIDADE DO AÇO A DINASTIA DA MORTE A GLÓRIA QUE PASSOU A HORA DERRADEIRA A LUZ E AS TREVAS A TERRA DE DEUS AMOR COM AMOR SE PAGA ANJO MAU DOCE VITÓRIA EU, JUDAS (com J. Steam) MÉDICO DE HOMENS E DE ALMAS MELISSA NUNCA VENCEDORA, NUNCA DERROTADA O ANJO MAU O COMEÇO DO FIM O CONFESSOR O DESAFIO DO JUSTO O FANTASMA DE CLARA O FIEL DA BALANÇA O GRANDE AMIGO DE DEUS O PECADO DE TODOS NÓS O RIO É A LUZ O ROMANCE DA ATLÂNTIDA O RUGIDO DO TROVÃO O SACRIFICIO DA INOCÊNCIA OS ABUTRES OS CAPITÃES E OS REIS TESTEMUNHO DE DOIS HOMENS UM PILAR DE FERRO UM TEMPO QUE PASSOU Título original norte-americano: TENDER VICTORY Copyright © 1984 by Taylor Caldwell. Direitos de publicação exclusiva em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S. A. Rua Argentina 171 - 20921 Rio de Janeiro, RJ – Tel.: 580-3668 que se reserva a propriedade literária desta tradução. impresso no Brasil PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Posta 23052 – Rio de Janeiro, RJ – 20922 impresso na EDITORA LUZ NOVA LTDA. Rua Pesqueira, 134 – Bonsucesso Rio de Janeiro Ocerização – Correção - PDF epub —> LAVRo Para Edward G. Aswell, com gratidão por todo o seu trabalho neste livro I Quando as coisas, acontecimentos, ou pessoas aborreciam, cansavam ou perturbavam o Dr. Francis Stevens, ele se retirava mentalmente para um lugar aprazível onde pudesse refletir sobre o fato de se parecer tanto com o cardeal Francis Spellman que isso passara a ser uma brincadeira afetuosa entre ele e o amigo. O cardeal implicara com ele a respeito, e eles deram boas risadas, não só por causa de sua semelhança mas também por terem os mesmos nomes de batismo. O espantoso é que também tinham temperamento muito semelhante: bem-humorado, realista, fortemente ativo, misericordioso e divertido, e ambos tinham uma espiritualidade apaixonada. Nesse dia, mantendo no rosto um sorriso ameno e fixo, por causa dos outros na biblioteca da reitoria, o Dr. Stevens se perguntava se o Padre Francis tinha de suportar os tolos tanto quanto ele, desse modo ficando à mercê deles. Era provável que sim, Podia ser que ele tivesse uma oração especial que rezasse para si, para aliviar os músculos faciais e a contração dos lábios, Teria de perguntar a ele. O Dr. Stevens disse, em voz alta: — E, sim. Tenho certeza disso. Era raro essas duas frases não serem recebidas com meneios satisfeitos, cabeças abaixadas, em reconhecimento, ou sorrisos de aceitação. Ele tinha polido e cultivado essas frases e esse sorriso ao ponto em que transmitiam quase tudo. Com efeito, qual a situação que não poderia abranger com suavidade e boa vontade, especialmente quando pronunciada com uma voz pensativa ou suavemente contemplativa? O Dr. Stevens, homem muito intuitivo e sensível, de repente se deu conta de que pela primeira vez as frases amáveis tinham provocado um silêncio inquietante. Ele saiu da letargia morna produzida pelo tédio e o calor do dia de agosto e piscou. As senhoras e senhores em volta dele o estavam fitando com insistência, continuando a sorrir com um ar brando e vazio, como se seus companheiros fossem apenas sonhos. Depois seus músculos faciais passaram a doer muito e ele descontraiu o sorriso e levou a mão branca e gorda à bochecha flácida. As paredes da biblioteca brilhavam com tantos livros sérios e importantes, que o efeito geral era deprimente, na opinião do Dr. Stevens. Mas, como refletia por vezes, com pesar, isso provavelmente se devia ao seu conteúdo. Por que os livros religiosos não podiam falar da felicidade, alegria e prazer no amor do Deus, e por que não podiam ter encadernações mais alegres e bonitas, cintilando aqui e ali com um toque de um interessante tom de cor de laranja, rosa ou decorado? A religião não era uma coisa triste, cheia de melancolia e tédio, lira uma experiência viva e brilhante, exultante, às vezes extasiada, um arco-íris de luz entre o Homem e Deus. Era a revelação e a simpatia. Era o êxtase mais profundo do Homem. Para certos espíritos era quase uma blasfêmia sugerir que Cristo podia ter rido, podia ter-se regozijado, podia ter tomado do vinho que produziu nas bodas de Caná. Era muito triste. A Bíblia falava de Deus andando pelo jardim, da Sua alegria com o que tinha criado e Sua satisfação majestosa com Suas obras. Sem dúvida E Ele ficara feliz com as planícies de flores que fizera brotar num deserto escuro e lamacento, salvo das águas. Sem dúvida Ele se rira de prazer diante das “colinas saltando como cordeiros”. Sem dúvida Ele sorrira para as crianças que se juntaram em volta Dele. Sem dúvida quando Ele assumira a carne de homem desfrutara dos prazeres simples do homem e gostara dos frutos frescos e suculentos. Ele produzira, se descontraíra no sono, olhara com prazer para uma linda aurora ou um pôr-do-sol de uma grandeza especial, e abençoara a todos. Constantemente criava universos que mal eram visíveis ao homem, com todos os seus poderosos instrumentos, mas, quando foi Homem, sem dúvida achava um botão de rosa igualmente importante e significativo, e se abaixara para inspirar a sua fragrância. Em Suas palavras “Os lírios do campo” havia uma admiração terna. Nunca se poderia imaginar isso pelos livros escritos sobre Ele, é o que o Dr. Stevens estava pensando, deprimido. Então, de repente se deu conta de que seu comentário banal provocara grande constrangimento. Piscou depressa e focalizou os olhos meio vidrados sobre as senhoras e senhores que o rodeavam na biblioteca. Estava arrependido de ter pensado neles como tolos, mesmo momentaneamente; não só isso era proibido pelas Sagradas Escrituras, como também era muito pouco bondoso. Era uma gente boa, bem intencionada, se bem que era um tanto limitada em suas ideias, cheia de uma boa vontade natural, embora não cintilante; disposta entusiasticamente na direção das “excelentes obras”, embora lhe faltasse imaginação. Além disso, alguns dos senhores eram homens de negócio bem- sucedidos e o Dr. Stevens os admirava por sua eficiência e por sua virtude pública. Estavam todos sentados em volta dele nas poltronas de couro vermelho escuro e azul- marinho, na biblioteca, e entre eles estava arrumada uma mesinha de chá. Raios do sol de agosto entravam pelas venezianas, batendo na bandeja de prata bem lustrosa e nos bules e na louça. Os leves tinidos que acompanhavam as vozes tranquilas e bem-educadas, porém, tinham ajudado a embalar a sua consciência para aquela letargia morna, durante a qual ele cometera algum erro desastroso. Alarmado, procurou se lembrar do comentário que provocara seu murmúrio amável. Nesse esforço, seu olhar vagou. Procurou um esclarecimento na grande secretária de mogno, com o tampo de couro lavrado em dourado, as cortinas azuis, conservadoras, nas janelas altas e estreitas, o tapete azul- marinho, o sofá de couro vermelho, a reprodução discreta (muito boa) de uma catedral inglesa gótica, pendurada entre as janelas. Era tudo muito correto, muito duro, muito pesado e, enquanto procurava se lembrar do comentário, não pôde deixar de ter um pensamento dispersivo e inquieto: Johnny vai ficar abafado com tudo isso. Mas o que foi que eu disse, afinal? Os olhos acusadores sob os prosaicos chapéus das senhoras, os olhos severos dos homens calvos e magros, ou gordos, a consternação naqueles rostos, aguardando, tornou o rosto redondo dele ainda mais vermelho do que de costume. Mas, como clérigo, aprendera a ser hábil. Seu sorriso de querubim tornou-se muito doce e escusatório. Os olhos azuis brilharam com ternura. Ele pegou o bonito lenço de linho e o passou pela cabeça lustrosa e as faces. Começou a rir. — Desculpem — pediu. — Devem desculpar um velho. Afinal, já estou com mais de 70 anos, e por vezes a minha atenção vagueia. Examinou as senhoras. Aquela com os olhos mais acusadores era, sem dúvida, a que lhe dirigira a pergunta fatídica. Era uma mulher de estatura baixa, gorda e competente, de Os outros também deram risadinhas com ela. — Não obstante — disse outra senhora. amáveis. Stevens respeitava-lhe a astúcia e o bom senso realista. lembrando-se da Primeira Guerra. com razão. Ele… as brutaliza. Lembro- me de quando era menino. . Então. Como estavam todos na casa dos 50 e 60 anos. mas minha filha lê. O senhor nos disse hoje. de certo modo. pois fazia ideia melhor sobre ela. podia repetir o que acabou de dizer? O grupo trocou olhares compadecidos e o Dr. como o vestido que usava nesse dia. era espantosamente ativa para a idade e o Dr. ela me diz que o vocabulário… e as coisas que os soldados fazem… A essa altura os senhores pareceram ficar constrangidos e sorriram levemente uns para os outros. Grant falou: — Como o senhor sabe. afetuoso. Respondeu. pensou o Dr. e em outras ocasiões. — Hoje mal o reconhecemos. sorrindo para ele. que resolvemos aceitar por sua recomendação e aval. Olhou dentro dos olhos cinzentos. como quem fala com quem é ou “estrangeiro” ou quase senil. Coitado do Johnny! A Sra. com carinho. com a idade dele. Corava se alguém ousasse beijá-lo. com uma papada bem decidida. O rapaz devia ser felicitado. ainda eram mais jovens do que ele. Grant alisou as luvas brancas sobre os joelhos gordos. embora eu mal possa acreditar. e isso nos deixa tristes. e. pensou. espero que perdoe o meu esquecimento de velho. Meu neto. Grant. claro. Depois ela suspirou. Ela falara com precisão e um pouco alto. e como cumpriram com galhardia o seu dever na Europa durante a guerra. que ele era o seu discípulo favorito no Stevens Religious Institute. por exemplo. Bem. e a Sra. também. E era tímido. Embora ela tivesse paixão por estampados de flores grandes. Stevens. um tanto duros. Stevens. Mas sabemos também o que o militarismo faz até com as melhores pessoas. não é mais o rapaz que era antes de se alistar. e acrescentou: — Prezada Sra. chorava quando alguém matava uma mosca. era tão bonzinho! Tão bom para a mãe. e o Exército também. o coitado do velho! E de esperar. — Todos nós sabemos como devemos ser gratos às nossas forças armadas. Antes. seria — ele necessariamente entrou em contato com… personalidades militares. com brandura: E preciso lembrar-se de que John Fletcher não foi propriamente um soldado. Verdade! — Deu uma risada de menina que espantou o Dr. Stevens teve um sorriso íntimo. Achou.pouco mais de 60 anos. mas depois de 10 dessas longas discussões nas últimas semanas talvez me possam perdoar por sentir tédio. mereço isso. embora ele só tenha tido uma pequena paróquia antes de entrar para o Exército. estávamos falando do seu novo e jovem pastor. tinha tanta consideração. todos sorriram para ele. com certa falta de caridade. Foi capelão. que estariam pensando: Bom. Não tinha o direito de deixar que meus pensamentos divagassem para os livros. ele perdoava essa aberração e os resultados deploráveis. Não leio os modernos romances de guerra. que acabou de voltar. Os outros menearam as cabeças. na sua afeição expansiva pelo Dr. com bastante piedade. Dr. pensou o Dr. . rude e insensível. Mas eu nunca descanso tão bem quanto quando estou aqui e durmo como uma criança. e indesculpável. Howard podiam viver seis décadas sem saber que o mundo não era constituído de “gente boa”. John Fletcher. quer em Nova York ou em Illinois. Fletcher terá uma boa influência sobre eles. é tão romântico o nosso novo pastor ter sido capelão do Exército. é jovem e há de ter mais em comum com eles. A Sra. há muito tempo. Howard. Stevens tinha de tratar diariamente. pois todas as senhoras e senhores estavam rindo e sacudindo as cabeças. e vocês? — Ela se virou para os outros. Stevens acreditava que os acessórios de palco são tão necessários a um clérigo quanto aos atores. O Dr. O relógio era sempre tranquilizador para as almas tímidas e convencionais. passaram a perdoá-lo plenamente agora. de rosto liso. Howard disse. Stevens. Há de compreendê- los. As pessoas com quem o Dr. Pira nisso que dava pensar em livros quando os outros estavam fazendo perguntas tolas. pois eram todos nova-iorquinos antigos e amavam sua cidade. minha pergunta foi a seguinte. Grant. e o Dr. especialmente quando alguém começava a suspeitar de que o Dr. Stevens. e depois pousassem. Ele o usou então. Grant interrompeu. evidentemente comentando a respeito da idade do Dr. Stevens estava horrorizado. onde já morara. deixando que os olhos tias senhoras e senhores tocassem na pesada corrente de ouro pendurada em sua barriguinha firme. Stevens talvez não fosse tão respeitável e de confiança quanto aparentava ser. que concordaram enfaticamente. Stevens. e sentado aqui entre vocês. Por vezes ele se dizia que o relógio tinha vencido vários momentos muito difíceis em sua vida. Ele falou: — Que coisa horrível de minha parte. Stevens suspirou com eles. tenho certeza disso”. Mas. até para um clérigo. francamente. Que experiências ele deve ter tido! Acho isso tão empolgante. eram cidadãos sólidos e conservadores. em sua maior parte. O Dr. Além disso. Cara Sra. e usava um relógio de ouro antiquado. — Tantos dos nossos rapazes estiveram no Exército — respondeu a Sra. Fletcher se tenha tornado mesmo ligeiramente depravado. Tão pitoresco. de modo que ele sempre se vestia com sobriedade. devido ao seu contato com os soldados? — Ela sorriu e seu rosto largo ficou quase bonito. Se eles ainda não o tivessem perdoado. — Há pessoas que alegam não conseguir se descontrair em Nova York. — E o senhor respondeu: “Sim. no grande relógio de repetição com suas tampas grossas. pelo pai. feliz: — De certo modo. Abraçaram o novo pastor. Alguns suspiraram. Ele contemplou a senhora esguia. — Tenho certeza de que o Sr. com aprovação. ando um pouco cansado. a qualquer hora. A Sra. a senhora ficaria assombrada com o número de personalidades brutalizadas que existem no mundo e o vocabulário e as coisas que acontecem ativamente em volta de sua pessoa inocente. Depois ficou imensamente aliviado. eu me permiti me descontrair pela primeira vez. — Portanto. gravadas. meus amigos. a cada hora de cada dia! Ele se assombrava ao ver que até mesmo as Sras. Stevens: haveria alguma possibilidade de que o Sr. — Estendeu as mãozinhas gorduchas e sorriu. com saudades de um pai falecido. que pertencera ao pai. as fisionomias assustadas e curiosas. em súbitas alegrias e antecipações infantis. Sua juventude se manifestava em lampejos rápidos e repentinos de olhos cansados e velhos. Tudo isso era prova de um espírito imortal. O Dr. As senhoras e os senhores fizeram menção de se levantar das poltronas. Já ia tornar a falar quando se ouviu um barulho tremendo por trás da porta fechada da biblioteca. cheio do calor que só podem sentir aqueles que compreendem os homens e têm pena deles. O homem que disse “Ainda me sinto moço por dentro. Deus do céu! — exclamou ele. embora já tenha mais de 77 anos” falara uma verdade profunda. embora o corpo murchasse. em sorrisos repentinos de um entusiasmo puro. Fletcher. deve estar chegando a qualquer momento. e uma vez na vida não olhou para seu público. Criaturas boas e queridas. pedindo uma explicação. tora do mundo e santa. Sr. Claro. — Nossa! — exclamou. há a alfândega e outras coisas maçantes. Era um alarido tal como se poderia esperar ouvir entre jovens animais selvagens numa selva perturbada. A alma nunca envelhecia. mas assim mesmo… Dispensou o gesto de uma empregada engomada e idosa que queria lhe servir mais chá. O Dr. para ver a reação. Stevens guardou o relógio no bolso. e tumultuosa. — O que foi isso? . empertigando-se na poltrona. Stevens. Uma onda de empolgação controlada passou pelas senhoras e senhores. — Já são quase 16 horas! O meu assistente. O navio já atracou há mais de uma hora. mudas. olhando para o Dr. e as discretas cortinas nas janelas pareceram se agitar. de cachos brancos e paletós esportes pendurados em ombros curvos e cansados. Montrose. com o Sr. alarmadas.que também fora do clero e uma alma séria. que a monotonia dos anos e o peso da vida quotidiana não conseguiam extinguir. Os mesquinhos e sem coração é que se riam das vaidades femininas idosas e das gravatas e meias alegres cios velhos. Stevens ficou comovido ao ver as senhoras endireitarem os cabelos e se pavonearem um pouco. tão bondosa. muito bem vestido. Isso mesmo. Ninguém jamais fez isso. pegue a mão de Pietro. blasfemando. onde não acontecia nada de inesperado. Era pior para o Dr. as senhoras e os senhores estavam estupefatos. acusadores. por mais incrível que fosse. preparando-se para se levantar. Agora sabia o que era ter o “coração desfalecendo”. E. O ministro caiu sentado na poltrona e os senhores ficaram ali. nem no navio. quando todos ouviram uma voz masculina e branda. — Alguma altercação na rua lá fora — disse o Dr. você é o maior. Sua pose digna de sempre desaparecera. pensou o Dr. Stevens. pensou o Dr. Stevens. Ninguém vai maltratar os meus guris. nem em lugar algum. com alguma . Meus garotos! Então. — Ela olhou para o Dr. o rosto vermelho e horrorizado. Ele afastou a poltrona. mas que também explicasse. afetuosa e forte. desde que são meus garotos. Estava acostumada a um mundo muito ordeiro. Stevens. Stevens. isso lhe diz respeito. pois ele reconhecera a jovem voz masculina. de cabelos brancos. Max. Montrose. Fletcher chegou. como não havia uma explicação razoável e lógica para ele. — Ninguém vai maltratar vocês. porém sem convicção. olhando. diziam seus olhos. meio aflito. — Por que alguém não abre a porta? Os cavalheiros não mostraram qualquer vontade de aceitar a sugestão dela. está aquele diabo de Montrose? Todos estavam olhando de novo para a porta fechada e as senhoras estavam dando sinais de medo e ofensa. aquele alarido na casa paroquial cessou. No entanto. Grant. Mas onde está…? Ouviu-se um grito agudo do lado de fora. O Dr. alto. — Não veio da rua. sabem? Então. era preciso apresentar uma ilógica. indignada porque estava perplexa. Ela é uma menininha. e os cavalheiros ficaram ali parados. evidentemente exigindo não só que ele a tranquilizasse. com força e afeição. — O que é isto? — perguntou a Sra. estava com aspecto de quem andou correndo loucamente num vento forte. venham comigo… Onde estará Montrose?. Falava como se já estivesse falando durante a balbúrdia. perplexos. sem expressão. — Creio — tentou explicar. e então aumentou de volume. não! — exclamou a Sra. E lá estava o Sr. Grant. Stevens. Stevens. Estão lembrados? Ninguém maltratou vocês em Salzburgo. do lado de fora. De algum modo. Jean. isso mesmo.II Tão repentinamente quanto começara. e de agora em diante é sua irmã. furiosa. pegue a mão de Emilie. O barulho inumano tinha positivamente se originado no corredor ensolarado junto da biblioteca. e é assunto seu. com voz fraca — que o Sr. ele está assustado. — Crianças? De quem? Onde. ficaram olhando para o Dr. — Este é um bairro muito bom! Veio de fora desta sala. Trouxe vocês para casa. isso mesmo. Stevens. pare de ficar mordendo o lábio e ponha-se direito. acompanhado por outro silêncio abrupto e a porta abriu-se com estrondo. Certo? Kathy. grande pena. na verdade. tudo revolvendo junto como num pesadelo. Johnny. só conseguiu produzir um guincho. Era Johnny. Johnny. . Depois tirou o boné. e dela surgiu um som rouco e murmurante. estava o jovem Sr. e depois para um dos lados da porta. o som do medo. Fletcher. Aqui só tem gente boa. pestanas e cabelos espessos e negros e nariz pequeno e forte. brancos e selvagens. Depois deu um pulo. pulando que nem uma pulga. corpos. cujo coração sempre o levava aonde uma cabeça ajuizada não seguiria — para sua grande. Davam a impressão de uma multidão numa explosão impetuosa. Fletcher afagou os ombros e as cabeças mais próximas dele. pernas. Estendeu a mão para o Dr. ofegante. Stevens. O Sr. Dr. morder. olhos de crianças. queixo firme e bem-feito. Stevens. Ele estava com os olhos úmidos e pôs a mão no ombro do jovem ministro. de fato. eram só cinco. braços e pernas magros e agitados de crianças. Fletcher rodeou o bolo renitente de gente miúda no limiar e entrou na sala. — Trouxe meus filhos para casa. Era mesmo Johnny. Stevens! — exclamou. arregalados e ferozes. lá estava Horace Montrose. Então um calor paternal tomou conta dele. menos como cumprimento do que por necessidade de um apoio físico. Dr. ainda de farda de capelão. Não se assustem. e tentou falar. e tornou a estendê-las. rasgar. O Sr. se necessário. venham comigo. levando a mão ao lado da cabeça e tendo pensamentos muito caóticos. Stevens. — Johnny! Mas o que é isso? Quem são essas… essas crianças? O Sr. Stevens apertou a mão estendida. esquecendo-se daquelas crianças horrorosas e desconhecidas e das senhoras e dos senhores. para lutar. São todos Fletchers. no limiar. para espanto do Dr. — Que bom tornar a vê-lo. bem alto. que vai lhes dar um lar… Uma massa avançou na sala. E então. Deu um pulo alto. era o Johnny mesmo. Fletcher. em desalento. — Isso. comprimindo-se como se precisasse de proteção. alto e esguio. abrindo e fechando. que a essa altura estava de pé. Stevens. Stevens. Ficara ali olhando para o grupo petrificado na biblioteca. deixou-as cair do lado do corpo. A massa parou. sorriu por cima das cabeças daquela confusão horrorosa e fez um gesto amigável para o Dr. Olhou para o Dr. mas só conseguiu mexer as sobrancelhas brancas para cima e para baixo e a boca. forte e seguro. Não são. e depois tornou a guinchar. com um amplo sorriso. Stevens. No entanto. — Meus bons garotos! — dizia a voz do Sr. — Maravilhoso! O Dr. Fletchers. garotos? — Seus filhos? — gemeu o Dr. Montrose positivamente não era do tipo de pular.coisa horrorosa em sua perseguição. Johnny que acreditava que o amor é a única força da vida. com o rosto moreno e luminoso. braços. pânico e ódio. olhos firmes. atrás delas. cabeças de crianças misturadas. O nariz grande estava se torcendo e ele estendeu as mãos. Rostos de crianças. preparada para fugir. afinal. uma massa de rostos. com um sorriso indulgente. ali. Stevens estava olhando para as crianças. são os meus garotos — respondeu o Sr. provavelmente com seus 12 anos. indignado: — Creio que merecemos uma explicação. Stevens. Mas o Sr. para serem consertadas. falou. com pena. Já disse que nas cidades americanas elas não disparam à toa. pálidos e dilatados sob pestanas duras. chamando-a de Emilie. encheu a biblioteca com um ruído áspero de matraca. Fletcher estava sorrindo para elas com aquela indulgência incrível. balbuciando fracamente. Positivamente um menino estranho e nada simpático. Não amou Jean. e então afastou-se e deu um salto em direção ao Dr. sem poderem se mover nem falar. até poder adotá-los de verdade. com pesar. guris — insistiu —. — O senhor nem pode imaginar! — balbuciou. que era sempre calmo e polido. Fletcher agora estava falando. a linha do queixo branco e duro e olhos ferozes. Isto é. duro. vamos. Dava uma impressão de muita atenção e. estreito e sabido. Por que não vão até a janela para ver por si? Jean. Stevens. Fletcher. Dr. quase fixos. abraçando- se desesperadamente e escondendo as cabeças. Johnny — murmurou. Vamos. Vão fazer o Pietro e as meninas fazerem tolice também. Vocês sabem que isso não é uma metralhadora. Ela estava . quando ele o apoiou na parede. correram juntos para uma parede e ficaram lá. Explodiram para dentro da sala. Aquele era o Jean. Stevens. como o de metralhadoras. — Ora. — Ah. Uma mecha de cabelos castanho-claro caía sobre a testa dura. pensou o Dr. — Bom. Johnny — começou o Dr. devagar. e você também. Stevens viu que a perna esquerda era mais curta do que a outra. pare com isso. Vocês já são garotos grandes. encolhidas. Imediatamente as crianças soltaram gritos pavorosos de medo. agarrou o braço do Dr. com o rosto de um velho cínico. fez uma careta e o Dr. vocês sabem que não é uma metralhadora. — O tom dele ficou autoritário. Stevens. Depois Jean se mexeu um pouco e ficou evidente que era aleijado. completamente abismadas. — Seja bem-vindo. Aproximou-se delas. refazendo-se um pouco. pois o ombro direito era caído e. mas… Um dos senhores. Vou fechar as janelas. Montrose estava encolhido na janela junto das crianças. pensou o Dr. começando a funcionar de repente. As senhoras e os senhores acompanharam- nas com o olhar duro. O Sr. Ele. — Tirá-los do navio. E apresentações… Mas o Dr. agora. — Eu os adotei. — Seja muito bem-vindo! Uma perfuradora a ar comprimido. Stevens. com quem o Sr. — Pelo amor de Deus. sou o pai de criação deles. como se isso explicasse tudo. Stevens. acalmando-a. Max. a despeito da explosão de pavor de que participara. vamos. Isso é uma máquina para cavar as ruas. Foi um pesadelo! Tentei lhe telefonar. pois gostava de crianças. também dava a impressão de ser bem capaz de enfrentar qualquer situação. arrebentando a calçada lá fora. uma espécie de desafio obstinado se irradiava dos maxilares brancos. parem com isso. Ah. alguma coisa terrível aconteceu com essa criança! Jean estava segurando com força a mão de uma menina muito pequenina. nem sentiu qualquer impulso de simpatia por ele. diante dos olhos do Dr. perguntou-se o Dr. cheios de compaixão e temor. Lerdo. mas olhou para o jovem ministro com medo. tocando em seus cabelos compridos. Os ossos grandes lhe davam o aspecto de ser mais sólido do que era de fato. o tremor passou e ela encostou a testa contra a mão do ministro. de seus 11 anos. Ah. a voz forte e afetuosa. Ao lado dele estava um menino de seus nove anos. que não olhou para ele. Aos poucos. fixos nas mãos. As pálpebras se moveram. Max. satisfeito. e os cabelos acastanhados estavam desgrenhados. Stevens. — Meu filho. ou talvez só aturdido. Johnny Fletcher virou-se para o Dr. pois não podia ter mais de cinco anos. tinha olhos castanhos famintos. como uma criança que procura um refúgio. a coitadinha. seu pai? Os olhos de Max. e as mãos. que não conseguia ficar parado. convulsamente e. — Este é o meu filho Max — falou. com carinho. — Meu bem disse o Sr. a pele morena tremia sempre. Johnny fez um carinho nos picos de cabelo secos e sorriu. Ele notou que Max. Pronto. em que os lábios pálidos tremiam. sério. o desespero de um homem alquebrando. — Meu filho. espetados pela cabeça redonda. você é um menino grande e bonito. E aí a menina ficou quieta. Stevens. O rosto extremamente móvel e sensível se contorcia. nas roupas que não eram para o seu tamanho. ficaram juntas. Neles não havia qualquer expressão. como se estivesse adormecendo. pensou o Dr. eram emaciadas. como de bebê. Ele sorriu para o rostinho pontudo. Stevens. Fletcher continuou a afagar-lhe a cabeça. Depois as mãos se juntaram. Sabe o que lhe disse… aqui todo mundo gosta de você. começaram a se torcer. num silêncio rígido. pois um exame mais atento mostrava que os ombros tinham pouca carne cobrindo- os. Começou a soluçar como o bebê que era. O menino deu um suspiro profundo. um olhar sem qualquer expressão. fixou os olhos nas mãos e ficou ali. com tristeza. depois de um breve olhar para o ministro. O rosto quadrado era só ossos. mas quando o Sr. com soluços fundos e arfantes. emaranhados — você não é o meu bebê querido? Claro que é. Max — repetiu Johnny. Mas dava a impressão de não estar presente de todo. embora grandes. mas vazios. as palmas apertadas uma contra a outra. vezes e mais vezes. Pôs a mão no ombro de um garoto grande. Os enormes olhos negros brilhavam sob sobrancelhas trêmulas e uma massa de cachos . O menino será retardado?. Stevens. não chore. — Filho. e sim vivendo alguma experiência terrível de que se esquecera um pouco mas cujos efeitos continuavam a pesar sobre ele. piscaram. Era tão magrinha. olhando fixamente. O menino teve um sobressalto. como se estivessem pesadas e depois ele levantou os olhos e olhou para Johnny. quase um esqueleto. — Meu bom filho. Stevens. as mãos pararam de se torcer. pensou o Dr. nos gestos eternos do mais completo desespero. castanhos. com pena. Não se lembra de mim. as lágrimas enormes cintilando em seu rostinho puxado. piscando os grandes olhos azuis. mas ele deixou as mãos caírem ao lado do corpo. e então seu corpo começou a tremer. Fletcher. Max.agarrada a Jean. era grande e provavelmente também tinha 11 anos. e um nariz entroncado. Todo tipo de burocracia. pensou o Dr. tinha um pouco de colorido infantil. Ele beliscou de leve a face da menina. é do tipo que sempre se arranja. mas o menino respondeu obedientemente. Os olhos dela piscaram. Ela permitiu que Johnny lhe afagasse a cabeça. de esguelha. Johnny virou-se para ele. pernas e corpo de esfomeado tinham contrações como se ele estivesse sofrendo de algum grave distúrbio nervoso. os braços. O menino começou a se balançar nas pontas dos pés. Holandesa?. em algum lugar. eram meio selvagens. naquele mesmo tom de orgulho paternal — minha filha grande. Kathy. pois os cavalheiros a quem Johnny. De onde pode ter saído? — E agora — continuou Johnny. Ele olhava para toda parte furtivamente mas vendo tudo. — Meu filho. Bem. uma lira azul. Dr. pois tinha um corpo firme e forte. não era a ideia que faziam de um novo pastor. embora não propriamente “rosada”. perguntou-se o Dr. Pietro? Um lampejo sabido tocou aqueles olhos selvagens. não propriamente se submetendo ao agrado. e ficava abrindo e fechando os dedos. — Levei meses para trazê-los para cá. com orgulho. — Bom menino. E o Presidente do Conselho… O coração do velho ficou doente de pressentimento. ao olhar para o grupo imóvel na biblioteca. Stevens. com sua farda de capelão um tanto desmazelada e o poder de sua juventude nada ortodoxa. O Dr. os ombros encolhidos. Vejam essas faces rosadas. Stevens. — Ele anda por toda parte. estava sendo apresentado receberam aquela apresentação com uma frieza imponente. com um sotaque estrangeiro: — Bom… menino. As explicações podem vir depois. Stevens. Mas ela há de se arranjar. como Max. absurdamente comovente numa criança tão nova. meio apertada. Um mentiroso. como disseram. Stevens. de uma energia desnorteada. na trança muito comprida e muito espessa de cabelos completamente louros. Os olhos redondos eram da cor da fita. membros de sua congregação. Johnny. Ela arranjara. Johnny — respondeu o Dr. pendurada de seu crânio liso e dourado. Kathy. E um ar maternal. tinha um ar de macaco. O ministro meneou a cabeça. mas quem poderia culpá-los? — Parece que estamos pondo o carro à frente dos bois. de um jeito ou de outro. assentavam melhor nela do que as das outras crianças. Pietro — apresentou-o Johnny. Stevens sorriu de leve. que amarrara.negros. nem . os joelhos afastados. o valente. conjeturou o esperto Dr. entremeada de um alarma desconfiado e expressões de descrença. Os olhos brilhantes e furtivos tinham parado e depois olharam para Johnny. que. E depois não podiam vir até que as autoridades se certificassem de que tinham ficado um pouco “civilizados”. rodeados por pestanas louras e ela possuía uma boca redonda. evidentemente de segunda ou terceira mão. Não confiava em ninguém. As roupas. Hummm… você não foi apresentado às senhoras e aos senhores aqui. um mentiroso adaptado. Stevens. forte e delicado. com um sobressalto. ainda amontoadas contra a parede. Tinha até certa sugestão de vulgaridade em sua pessoa. Lá estava ele. essa farda deveria ser bem talhada e usada com garbo. — se Johnny não tivesse chegado com aquelas “crianças indizíveis”. nem o que ele tinha visto e experimentado abalaram essa fé poderosa. O Presidente do Conselho sentia-se completamente insultado. As senhoras. Howard.um que eles pudessem aceitar. comentou o Dr. Grant e Sra. famosas em toda a Europa.) John falava alto demais. agora é uma ruína arrasada. uma expressão mais pensativa substituiu a dureza original em seus olhos. falando com aquela sua voz grossa e firme? — É. Passei uns dias no Hotel Quatro Estações. E que… como é que se diz?… Sim. que. e a despeito de seu modo reservado e os rostos frios. Stevens sabia exatamente o que estavam pensando: um ministro “respeitável” chegava com dignidade e pose e. Stevens consigo. O que Johnny estava dizendo às senhoras agrupadas em volta dele. Ele apertou as mãos deles com simpatia. A primeira vez que o vi foi de noite. Os proprietários estavam usando o “salão de chá” como sala de . enquanto examinavam Johnny atentamente. em Munique. sorridente e controlado. Os proprietários o estavam reconstruindo valentemente. tornou a pensar o Dr. Sua suposição calma de que as crianças. e o Sr. infeliz. Eu nunca imaginei que o Montrose fosse assim tão tolo. Stevens suspeitava. que se abrigara por trás da grande mesa de mogno. Montrose. era o quartel-general dele. Mas também. um canastrão. E tinha também um tipo de inocência. e seus olhos muito escuros e muito brilhantes cintilaram com maior simpatia ainda. melancólico. pensou o Dr. (Nunca mais vão confiar nos meus julgamentos. Mas os senhores se viraram e furtivamente examinaram as crianças monstruosas. “seus filhos”. com ironia. As senhoras até se esqueceram de olhar para as crianças. Johnny tinha uma afeição especial e protetora pelas mulheres. provinha de experiências cruas e perigosas que essa gente ali nunca havia de compreender. se mostraram mais bondosas do que os senhores. tudo isso lhe poderia ser perdoado “por causa dos jovens da paróquia”. abismados diante dele e do que ele fizera. em especial a Sra. agora? No entanto. Aparentemente. o Dr. que os cavalheiros se sentiam repelidos por ele. seriam aceitas com compaixão e compreensão é um grande elogio que fez a todos nós. A cidade de Hitler. disse o Dr. Stevens. Stevens para si. Stevens. Eles viam tudo depressa… ou será que viam mesmo?. tinham desaparecido. Johnny sempre acreditou na bondade inata do homem. a voz especialmente fria e distante. Foi o que eu o chamava em Munique. quase espalhafatosa — coitado do Johnny. com ênfase demais. irritado. O Caminho do Pesadelo. antes de ser mandado para Salzburgo. Um dia fora o melhor hotel naquela região da Europa. Stevens. com carinho. alto. O Dr. era como chamavam Munique. Ele não está nada tão horrorizado ou apavorado com esses pobrezinhos quanto finge estar. Estará nos castigando a ambos. mas ouvi histórias de sua grandeza. de metro em metro. Howard. se fosse realmente necessário aparecer fardado pela primeira vez diante de parte de sua congregação. o seu lugar favorito quando não estava em Berchtesgaden. perguntou-se o Dr. sabe. Pensando bem. As grandes salas de jantar. ele nunca foi muito amigo de Johnny e sempre se ressentiu de meu afeto por ele. aquelas crianças! O Dr. ou não vendo ou se recusando a ver. Sra. Stevens se deu conta das coisas. considerando. e elas sentiam isso. No entanto. mas estava carregada de uma força maior ainda. como um nimbo. ficando até pesarosa. não com desespero. Johnny viu aquilo. e odiaram a humanidade desde o princípio.jantar e tinham uma orquestra de velhos que tocavam ao jantar. e inimigos de seus vizinhos? Eu lhes digo — e então a voz dele subiu num tom profundo e trêmulo — que Hitler está morto e Mussolini está morto e muitos de seus generais e conselheiros estão mortos. Velhos. em nações cujas fronteiras ainda não estão marcadas! Nossos inimigos! Ah. aqueles olhos extraordinários de um azul escuro foram pousando em rosto após rosto. pensou o Dr. um dia. qual a nação que deve odiar outra nação. dominar todos na sala. São os homens que nos odeiam a todos. mas com cólera. — Através dos tempos eles seguem. e seus velhos olhos estavam úmidos. alquebrados. — Não mudam nunca! — exclamou. de algum modo. estavam escutando. Ele olhou para as crianças. procurando. Johnny. e de repente resolve que outra nação é inimiga? Onde estão agora aqueles que tornaram os alemães nossos inimigos. penetrou nítida em todos os cantos da grande biblioteca. e depois muito severo. imobilizados. novamente senti orgulho do meu semelhante. homens de rostos sombrios por trás de reis. Por um momento. falando hoje em inglês e francês. A voz dele tremia. aos poucos se concentrava sobre Johnny. em qual ano. Mas as . jorrando pelas altas janelas. vendo os proprietários reconstruindo o hotel e vendo a orquestra e o maitre d’hotel andando por ali. embora suave. E o Dr. Stevens. presidentes e ditadores! Falando em idiomas já mortos. Mussolinis e Stalins também. de instante em instante. — Nossos inimigos! Sr. São os homens que escolhem e aclamam os déspotas. Mas até as senhoras estavam recuando dele. qual a guerra que deve ser projetada do inferno. juntando-se com os senhores numa falange de ressentimento e rejeição. chinês e japonês. muito cansados. Stevens sentiu o coração bater mais depressa. mas lhe pareceu que a luz do sol poente. ganhando influência. — Inimigos? — repetiu Johnny. Todos olharam para ele. sondando. sua expressão se suavizou. — Mas são alemães! — exclamou o Presidente do Conselho. ganhando força. Johnny se calou. com seus grandes bigodes e fazendo mesuras e supervisionando o que restava dos vinhos e examinando os pratos. Ele pareceu crescer em tamanho. Até as crianças estavam paradas. fascinados. ainda não existentes. — Inimigos? Será que uma nação acorda. o senhor se orgulha dos alemães? Os seus olhos gélidos tinham encontrado os olhares dos outros cavalheiros e o buquê frio da rejeição foi apresentado a Johnny. o murmúrio constante e baixo tinha cessado. Ele estava tremendo de raiva. Seu rosto moreno ficou triste. Até o Sr. Era só sua imaginação. que planejam. Mas os homens que tornaram os alemães nossos inimigos não estão mortos! Não morrem nunca! Os olhos dele pareciam um lampejo azul em seu rosto. — São os homens que criam os Hitlers. na qual reinava um silêncio total. No entanto. claro. e sua voz. Devagar. Montrose estava paralisado por alguma coisa estranha que estava acontecendo. E amanhã hão de falar em outras línguas. Fletcher. Suas mãos eloquentes se erguiam e gesticulavam. com um olhar demorado e fixo. por trás das portas de bronze em todas as capitais do mundo. No entanto. estavam escutando. aos poucos. de um jovem soldado que nunca mais há de reconhecer ninguém. pensou o Dr. assim como os seus antepassados não os reconheceram. é apenas um símbolo. É só fazê-lo aparecer na luz do dia. os escombros de escolas e universidades. Johnny. que nunca dorme. nem mesmo a mãe. e sua voz ficou controlada. as paredezinhas floridas de suas vidas tremendo num vento que nunca os assaltara. No entanto. Stevens. Sr. Mas também. Gostaria de conduzi-los pelos campos de concentração. todas as insinuações que partiram de Johnny Fletcher. ou de velha. as ruínas dos museus. — Eu gostaria de lhes mostrar a Europa agora. Ou o grito de morte de uma criança sob um muro desabado. não tem qualquer realidade e pode ser abolido com algumas sessões calmantes ou uma série de tratamentos de choque! Bom. enquanto os mais velhos apenas olhavam com um ar afrontado e recuavam friamente. Johnny! Johnny suspirou. Talvez que bastasse uma só cara de velho. crianças e bebês morreram. não se fala do mal para aqueles que o Mal convenceu que não existe. Realmente. os olhos e bocas abertos. os crematórios onde milhares de mulheres. mas dezenas de milhares. e sua voz alteou-se. Johnny parecia estar muito cansado. Ele não disse que se não fôssemos como as criancinhas…? — Realmente. É uma coisa que as melhores escolas podem erradicar. Pareciam cachorrinhos terriers velhos. Olhou para os outros e foi tranquilizado por sorrisos vagos e bem-educados de desdém. com calma. É o bicho-papão da Idade Média. Gostaria de levá-los pelas cidades em ruínas. as câmaras de gás. isso completou tudo. Nunca há de reconhecê-los. alucinados.senhoras e os senhores se tinham afastado mais ainda do jovem ministro e estavam olhando fixamente para ele. olhando com o olhar vazio para uma casinha arrasada ou um jardim pisoteado. Afinal de contas. mas os senhores estavam de pé em volta de Johnny. não? Lúcifer. Não era possível que tivessem entendido todas as palavras. as igrejas destruídas. pensou o Dr. coisa que os outros não conseguiam. juntas. pensou o Dr. agora o velho ministro falou. Stevens. as ruas destroçadas. E então eu lhes perguntaria… quem mais senão Lúcifer. num misto de perplexidade e indignação. no sofá de um psiquiatra. escutando. É o subconsciente e o id do psiquiatra. cautelosamente examinando um jovem mastim. mal respirando. somos civilizados. Fletcher — respondeu o Presidente do Conselho. — E posso perguntar quem são “eles”? — Já lhe disse. As crianças. . com a educação. — Por um momento. Gostaria de lhes mostrar os alqueires sem fim onde repousam mortos os nossos jovens americanos. ele ficou alto e apaixonado de novo. no Velho Testamento. Ou os olhos cegos. e onde está Satanás? Ora. com sua melhor voz de diretor. dizem os nossos melhores teólogos. as crianças terríveis. Gostaria de lhes mostrar não apenas cinco crianças como estas. de repente. sem compreender nada. Ficaram ali encolhidas. — Não está mais na moda acreditar em Satanás ou Lúcifer. do jovem ministro se irradiava uma emanação que elas reconheciam instintivamente. e conhece os seus e os utiliza? As senhoras se tinham sentado. mas só por um momento. Stevens. dormindo para sempre sob o sol. Depois. Acho que o Sr. Jean. com um ar superior. Em algum lugar. O Dr. uma firma de tintas tinha usado um slogan muito eficiente: “Salve a superfície. — Não acaba nunca. O Dr. Os ignorantes entre eles são chamados de psicóticos. ou satisfação ou poder pessoais. Max. pensou. não? — Não — disse Johnny. tensas como feras das selvas. Johnny animou-se depressa. O menino Pietro. Stevens era um velho. Stevens. e salvará tudo!” Havia gente demais “tentando salvar a superfície”. até os confins do globo. John girou nos calcanhares. e estava muito cansado. triste. Já que é tão disseminado entre as ditas nações cristãs. — Olhem para esses pequeninos. Olhou para elas com ternura. mas não tirou os olhos de cima das crianças. suplicante. Os mais inteligentes e influentes ajudam a provocar as guerras e estimular os ódios… ou para o lucro financeiro. Johnny tinha ficado pálido é sua exaustão. os rostos insondáveis. Stevens estremeceu. O jovem ministro procurou cada rosto de novo. — Não precisamos de drama nem falar de um… um demônio pessoal… para se entender isso. Stevens consigo. A essa altura ele já deve ter percebido. Fletcher quer dizer mesmo é que em todas as gerações nascem homens maus de homens que odeiam os outros. olhava para o jovem ministro de cara fechada. — A guerra já acabou. devagar. resistentes. Eles ficaram calados. enquanto ela estava rachando violentamente. deixou aparecer os dentes entre os lábios. esperançoso. isso se pode compreender — disse o Presidente do Conselho. Mas agora até os rostos das mulheres estavam fechados para ele. Já se disse que o maior triunfo de Satanás foi convencer aqueles que ele queria destruir de que ele não tinha uma realidade. tumultuosamente. que era mais do espírito do que do corpo. Johnny falou com os adultos na sala. o aleijado. de cara vazia. Ele pôs a mão com firmeza no braço esquerdo de Johnny e apertou-o discretamente. Eu teria medo de chegar perto delas!. Mas ele é um dos heróis nobres que nunca desistem. e eu lhes darei a resposta! Duros. pedindo compreensão. Os pais foram assassinados nos campos de concentração. nervosos. As meninas se limitaram a fitá-lo. a idade dos dentes e garras? Olhem para eles. . Daqui a pouco contarei onde os encontrei. o menino-macaco. o ar de selvageria reprimida. estava de novo torcendo as mãos. incoerente. todos os olhos se voltaram para o grupo amontoado junto da parede. e olhou para as senhoras e os senhores com uma cólera triste e penetrante. ele se lembrava. De repente Johnny foi para junto das crianças. — Caos? — repetiu um dos senhores. lançando um olhar de reprovação ao Dr. Mas Johnny não tinha medo. se revelou no seu ar abstrato. acredito que nós nos abrimos para um caos absoluto dentro dos próximos anos. Sua cabeça começou a zunir. Bom. — Nós admitimos que o mal existe. Quem matou seus pais? Quem fez voltarem as cabeças e almas dessas crianças até a aurora da era dos homens. não sabem quem são. com desdém. Elas o viram vir com os olhos selvagens e furtivos. de recuo momentâneo. disse o Dr. São órfãos. num rosnar sem barulho. aflito. . pensou o velho ministro. Segunda-feira. — Por que vocês… nós… não falamos? Onde estavam os pastores. os homens educados e civilizados? Onde estavam os nossos líderes. teria salvo o próprio povo alemão e teria salvo inúmeros milhares de outras crianças como essas. é o fim. com um sorriso: — O senhor é um rapaz muito eloquente. nossos inimigos. Acusarão a dona-de-casa alemã assustada. em 1917. Todos os ex-discípulos do Dr. em desespero — não são só vítimas dos carniceiros alemães. nem um governo comunista. uma poderosa palavra cristã. uma verdadeira voz de orador. E agora. Com o nosso silêncio… com o nosso silêncio perverso. — Não — disse Johnny. em 1936? Ninguém lhe respondeu. Também são nossas vítimas. já que estamos falando sobre governos. Fletcher. Como é detestável o homem que nos mostra nossos pecados de omissão e cometimento! Preferimos mil vezes pensar bem de nós mesmos. se há uma geração tivéssemos pronunciado uma palavra de salvação. — E agora não haveria um Stalin. o burguês alemão que só queria a paz para levar à frente o seu negócio. Sr. “A prole de Satanás”. O Dr. povo nenhum é inimigo de outro povo! Não existem nações más. com os próprios filhos brutalizados. de novo. só há governos maus que são dominados pelos homens do mal. — Dirão que os alemães é que fizeram… os alemães. como diz a Bíblia. Numa hora em que uma palavra apenas. A voz dele alteou-se apaixonadamente. — Suspirou. Mas não pronunciamos essa palavra. Um treinamento excelente. Stevens. O Presidente do Conselho respondeu. Ele agora estava colérico e dominador. Há mais de 10 anos. Sr. o lojista alemão atormentado. Stevens. teria derrubado Hitler. com pesar. — Essas crianças — continuou Johnny. Stevens o são. às 14h30? É conveniente? Ele não me convidou. e em sua voz havia amargura. Com exceção do Dr. Estarão confundindo os instrumentos com aqueles que usaram os instrumentos. depois daquilo. demos o nosso consentimento para o mal no governo alemão. — Acho que devemos marcar uma reunião para a próxima semana. muito antes da guerra. — Eu lhes digo que nenhuma nação ó inimiga de outra nação. Johnny também deve ter sentido isso. Grant. com energia —. Então o Presidente do Conselho virou-se portentosamente para seus companheiros. pensou o Dr. De que tínhamos medo? Da guerra? Nunca teria havido uma guerra se tivéssemos nos pronunciado em 1936. Stevens. Johnny. há outro ditado antigo: “Um povo merece o governo que tem”. Bem. o magro professor alemão. Fletcher — respondeu a Sra. começou a pensar em outras igrejas onde o Johnny poderia ser recebido. todos os olhares eram frios. é um assunto seu. — Não se interessam em saber como fiquei com essas crianças? Não se preocupam? — Isso. Dirão que essas criancinhas aqui são as vítimas do tímido escrivão alemão. Como são odiosos os que exigem uma confissão e contrição dos outros!. nunca conheceram um ministro. então. num apelo. — Pare com isso. Grant. brilhando com uma luz de lobo. — Que horror. como a abrira.Mas eu sugeriria que o senhor as internasse num orfanato. — Ele estendeu a mão para Kathy. Sabe. Por que haveriam de confiar? Estou com eles há 10 meses. aflita. Os senhores pegaram os chapéus e as luvas. Fletcher? — Não confiam. e com um ar de desafio. mas com um sorriso. As crianças eram um grupo alucinado e selvagem. Sr. Jean — ordenou o jovem ministro. . — Kathy? — repetiu o Sr. Jean. Nem mesmo eu sei de tudo. pois só confiam uns nos outros. O Dr. fora para o lado dela. ela olhava furiosa para os adultos. mas só para Kathy. Estava agarrada com ela na mão esquerda. por que haveriam de confiar em mim? Não sabem o que é ser um ministro. levantando os punhos. e novamente ergueu-se delas aquele murmúrio. que… — É — disse Johnny. conjeturando. As outras crianças se juntaram em volta dela. Mas ninguém lhe respondeu. um adulto. Kathy. Stevens ficou alarmado de novo. — Ela apertou os olhos duros. Mas sou um homem. nervoso. Fletcher. virando da cadeira para a mesa. Comporte-se. sem olhar para ela. não se lembra? Minha filhinha não rouba nada. com a voz mais branda: — Kathy. severo. Isso foi sugerido para eles na Europa. acontecera de novo. arrumando os chapéus. não tomou mais conhecimento do menino. E por quê? Talvez me possam dizer. É. ali de pé junto deles. mas ninguém olhou para ele. por outras pessoas. Howard. Kathy? Os olhos dilatados da menina. e eles sabem o que já sofreram nas mãos dos homens. indo para junto da menina e estendendo a mão. soltando uma exclamação. não. Johnny. Portanto. de algum modo. sem palavras mas assustador. olharam para ele. Eu acho… Johnny virou-se depressa para as crianças. Howard —. severo. a gordinha loura e segura. As senhoras estavam-se levantando num farfalhar final. — Estava naquela mesa junto da porta. e com toda a razão. Se o pessoal da Imigração o permitir. com um ar protetor. — Ora. os examinou. não confiam no senhor. Depois. ajeitando os cabelos. os punhos patéticos cerrados. — Que horror. preparado para qualquer violência. trocando olhares significativos. Johnny deu um passo em direção a ela. Eles teriam se separado e isso teria sido horrível. Johnny apelou. — Você sabe que não vou maltratar Kathy. A direita estava fechada sobre alguma coisa. Jean deu um passo para ele. olhando para ele furiosas. — Ora veja — perguntou a Sra. — Não vão para orfanato nenhum. — Ladrões! — exclamou a Sra. não só pegara a bolsa. abaixando a cabeça. o aleijado de olhos ferozes. se bem que ele tivesse levantado a mão. e preparado para retribuí-la. onde está a minha bolsa? — perguntou a Sra. que ficou ali como uma estátua truculenta. Kathy! — exclamou ele. disse a ela que ela era uma menina simpática e bonita. — Bom. meu bem — disse ele. Os senhores viraram os rostos. sem poderem acreditar. para enganá-la. — A moça disse que você pode ficar com o seu espelho. — Johnny! — exclamou o Dr. Stevens. Mas parece que ela pensa que eu pintei um retrato nele. Stevens. Então. — Só quer a sua pozeira. — Eu… eu disse. Só para você. nascido das profundezas de sua barbaria. E pavor. quando eu a salvei… de adultos… há meses. e depois para a Sra. Grant e as outras senhoras soltaram exclamações. Tinham começado a entoar algum ritmo selvagem. Kathy. antes de as assassinarem. Esfregou o lado da cabeça e ficou examinando as crianças. com um espelho. de uma menina bonita. com firmeza. mas a bolsa acertou-o no lado da cabeça e ele cambaleou com o impacto do peso. Grant. sim. para poder ver por si. amanhã vou comprar para você uma caixinha bonita. — Foi só isso que conseguiu fazer por eles. — Sabe. Grant — explicou Johnny. muito altiva. querida. Que tinha olhos como flores e os cabelos como um narciso. furiosa. É esse tipo de tortura que eles usam nas crianças nos campos de concentração. provavelmente… dissera a ela que ela era feia demais para viver. As crianças soltaram gargalhadas e gritos roucos de triunfo. A Sra. — Vamos ter de consultar as autoridades da Imigração… é perigoso permitir que fiquem soltas… nunca se sabe… As crianças estavam se balançando juntas numa dança histérica de ódio e vitória. Amanhã. . — Ele sorriu para Kathy. Grant. aconteceu uma coisa estranha. — Ela não quer o seu dinheiro. — Está vendo. Assim. Alguém… um homem. Os lábios firmes dela estavam tremendo. — Que monstros — murmurou o Presidente do Conselho. para poder se olhar. para ver se é bonita e assim não morrer. Mas Johnny recuperara a calma. hoje. Sra. para se olhar. — Olhe. Johnny virou-se para ela. Mas você não quer a bolsa… A menina olhou para ele. A Sra. Como sempre. Grant falou: — Pode dar a pozeira para ela. dourada. Eu só quero a minha bolsa. por cima do tumulto. Ele se aproximou mais de Kathy e ela recuou. com um movimento forte do braço. — Comprei. que ela é bonita e não vai ter de morrer. Uma luz grande e alegre brilhou no rosto de Johnny. Kathy rouba espelhos. Ele se esquivou. — Assim — continuou Johnny — ela está sempre roubando espelhos de pozeiras. — A bolsa. Depois atirou a bolsa na cara do jovem ministro. nos espelhos dos outros. nesses 10 meses? — perguntou a Sra. por que não comprou um espelhinho para ela? — perguntou a Sra. que ela pode ficar com a pozeira. e então. pensou o Dr. e que por isso ia morrer. notou o Dr. Ele foi para junto das crianças. atenta. ao crepúsculo. Era uma coisa linda. e muito corada. Os nossos pesadelos. Depois. Stevens ficou assombrado com a generosidade da Sra. Minha filhinha bonita. mesmo com o irmão mais ligado. em êxtase: — Bonita! Bonita! Eu! Eu! — É. de momento em momento. Ela estava sorrindo. você. devagar. As crianças continuavam a entoar em sua alegria pelo que Kathy possuía. Ele quis agradecer à Sra. e o Dr. Kathy tinha aberto a pozeira e estava olhando dentro dela. com o coração tremendo. Eram um só olhar fixo de ódio. Olhe. com relutância. virando-se para as senhoras. tornando a arrastar os pés naquela dança horrorosa. a voz trêmula de medo e repugnância. pensou o Dr. . — Bonita. Grant. — Pesadelos. Max tinha parado de torcer as mãos. querida. quando ele tocou na trança lisa. Stevens. os dedos apertando de tal modo a pozeira que estavam sem cor. vou pôr as mãos atrás de minhas costas. como que sob um encantamento. incrustado com turquesas. A porta fechou-se. abaixando as cabeças sobre o objeto. nenhum deles tentou tirar a pozeira de Kathy. Estavam-se alegrando com ela porque ela agora possuía um tesouro tão lindo. e agora. Era um círculo de ouro. meu bem? Jean. Pietro. Ela ficou com o cotovelo bem junto do corpo. Ah. fascinadas. ela não fez careta.Howard. A sala estava escurecendo. Mas. Refletiu a luz do sol e um raio de luz multicolorida jorrou dela. As outras saíram e os senhores as acompanharam. depois de ter entregue a bolsa à Sra. Depois os olhos de Kathy vacilaram. ametistas e topázios. — Ah. Disse a Kathy: — Não quer nos mostrar o que a moça boazinha lhe deu. Grant. em êxtase. sem uma inveja secreta ou maldade? Os rostos das crianças eram um brilho de uma luz radiosa. meu bem — respondeu ele. onde está o homem ou mulher “civilizada” que se alegraria com outras pessoas. — Não conseguiu fazer coisa melhor? Olhe só para eles! São… são um pesadelo! — É — disse Johnny. Grant. Estava até batendo palmas. De repente as crianças se calaram. — Vamos indo? — perguntou ela. desconfiança e astúcia. ah! — gemeram as crianças. batendo com os pés. As crianças esticaram as cabeças para olhar. querida. Depois exclamou para Johnny. Max e Emilie também gostariam de ver. Stevens. de costas para ela. ela foi abrindo os dedos e na sua palma estava a pozeira. achavam elas. o caladão e lerdo. Pois Ele não lavara os pés empoeirados e calejados de Seus próprios discípulos. Burnsdale. Stevens. estava lavando as mãos febrilmente debaixo da torneira. Enquanto se esfregava. pensou ele. recuando da pia numa tosca imitação de pavor. era sua sobrinha. Edith. nervosa. Burnsdale correu para o lado dela. sentado ali perto na grande cozinha quente. cada um dos rostos selvagens. no gesto supremo de lhes revelar a honra do serviço. uma fábrica. a não ser na cabeça de quem “servia”? Nós todos servimos.Burnsdale. sentiu uma nova depressão. Mas não estava dando atenção nem às mulheres nem aos homens. com ternura. vou-lhe contar!”. a dignidade do serviço? — Edith né… não é… babá. . O Dr. mas Johnny estava olhando para as crianças. não implicava nenhuma degradação. estava especialmente indignada com aqueles “invasores”. — Sempre dissemos que. e a Sra. vezes e mais vezes. as palmas. e quem era o maior Servidor de todos? O próprio Deus. — Lá vai ele de novo! — gritou Edith. salvo aqueles três meninos e duas meninas. Stevens olhou para Johnny. Edith. Embora isso não fosse absolutamente verdade. Elas já estavam esfoladas de tanto lavar. com uma espátula na mão. As crianças estavam sentadas em volta da grande mesa redonda e branca na cozinha. e disposta a olhar sem simpatia para o rapaz que as levara para aquela casa paroquial respeitável.III — O senhor quer dizer que temos de cortar a carne para eles? Esses guris grandões? — perguntou Edith. aliás. a pele corroída. tinha feito o ginásio e entrara para uma escola de enfermagem “num dos grandes hospitais de Nova York. a empregada elegante. e então. A Sra. mulher de meia-idade que se parecia muito com a Sra. Burnsdale. . revelando. O Dr. dizia ela. A Sra. Fletcher. cada queixo tenso e mão enroscada na toalha de linho. Grant. a espuma em seus dedos. se fossem mais que duas crianças. irritado. se viesse para cá um ministro com guris. gemia. Fletcher ia trazer índios selvagens para cá! A gente não tem de suportar isso. com quem pudesse querer “aproveitar-se” delas. impiedosamente. Stevens! — ela virou-se para o velho murcho. um púlpito. um escritório ou em qualquer parte. Ele parecia não tomar conhecimento de ninguém naquela cozinha. Burnsdale nunca perdia a oportunidade de comentar que Edith só a estava “ajudando” ali porque era quase impossível se encontrar empregados em Nova York. de cabeças baixas. brandindo a espátula. tremendo de ressentimento. A cozinheira. virou-se do fogão e olhou furiosa para o Sr. alta. as lágrimas lhe saltaram dos olhos. Talvez duas. o rosto jovem cheio de compaixão e cansaço. fosse numa cozinha. Burnsdale. A luz elétrica quente caía diretamente sobre elas. Sra. espiando desconfiadas por baixo das pálpebras semicerradas. Por que as pessoas não aprendiam que o “serviço”. E guris como esses! Dr. e nem eu! — disse a Sra. Max. esfregando as unhas. temperamental e muito magra. com sua voz áspera e emburrada. diante da piedade sincera do Dr. com um ar de reprovação. Stevens. era uma ficção agradável que reforçava a posição tanto de Edith quanto da Sra. — O senhor nunca nos disse que o Sr. tinha de ter uma ama para eles. sem saber. que ficou como uma moita de agonia em volta de seu rosto quadrado e desesperado. E então estava nos braços de Johnny. Burnsdale. das bin Ich — respondeu Johnny. Max — disse Johnny. o menino levantou a cabeça e fixou os olhos que pareciam nada ver no rosto misericordioso e afetuoso de Johnny. enquanto as crianças olhavam avidamente para o menino: — Está tudo bem. Continuava a olhar para Johnny. Muito devagar. com uma voz gutural. — Foi só um sonho mau. empurrou Jean. — Venha aqui com o papai. Passaram e ele prendeu a respiração. Max estava tremendo. os soluços do menino foram escasseando. Aquele não era um “bom” menino americano. angustiado: — Papai! Papai! — Passou os dedos pelo cabelo seco. um após outro. esperando. Ele bateu na mesa. filho? O menino se encostou à pia e olhou fixamente para Johnny. e as duas mulheres o contemplaram com uma repugnância indignada. Stevens. — É melhor a gente ir embora. que sorriu. Você sabe que não tinha mancha nenhuma desde o princípio. cada rostinho atormentado fixo como se fosse de pedra. curvado. pensou o Dr. Johnny disse com uma voz calma e baixa. Era algum “estrangeiro” horroroso. Esta me ouvindo. — Doido — resmungou a Sra. cheio de alegria e travessura. está tudo bem. Venha. — Veja. como que hipnotizado. Stevens. a voz cheia. Você nunca me maltratou. E então. filho — balbuciou o menino. passando o braço em volta da sobrinha. meu Deus. agarrando-se a ele. natural. eu sou o seu papai. tranquilizando-o. Passaram-se alguns momentos. Estão todos doidos. Stevens. e foi para junto de Johnny. Ou nos pesadelos. As crianças soltaram um suspiro demorado e profundo e as mãos cerradas na toalha se descontraíram. rosado. o Nosso Pai sempre respondeu: Sou eu. brincalhão. É. Aquele menino arrasado ouviria a resposta universal? — Venha — chamou Johnny. — Filho. para protegê-la. Max. Eu lhe . — Venha. ele disse: — Papa? Bist Du mein Papa? — Ja. Johnny disse ao Dr. apertado ao peito de Johnny. pensou o Dr. em inglês. muito vagamente. mas estendeu os braços para Max. As crianças estavam em completo silêncio. sem ver. Max. Max afastou-se aos poucos da pia. rindo com carinho. por cima da cabeça frenética do menino: — Ele só se lembra do alemão quando lava as mãos. filho. nunca. Ah. interrogando. Max. O que será? O que será? Johnny ficou sentado. meu filho. e depois soluçou: — Papai! Papai! — Ele se agachou e torceu as mãos e soluçou mais alto. suave e dominadora. primeiro as meninas. mas o riso estridente e agudo de antropóides no zoológico. Pronto. com certa severidade paternal: — Max. Burnsdale deve ter tido exatamente a mesma ideia. Emilie. de todo. perguntou-se o Dr.ensinei a falar inglês. eles têm disciplina entre si. Stevens. não deviam estar aqui. Não avance. pegando uma faca. não o riso de gentinha alegre. Eu … sou… um… menino… americano. Mas Max ouviu o alarido e deixou Johnny e se aproximou da mesa. — Senta. o “menino-macaco” moreno. Max? Nós só falamos inglês. não foi. Hoje de noite vou ter de trancar minha porta. depois que as risadas se acalmaram. senta! — gritou ele. de repente começou a bater com a colher grande na mesa. Primeiro as damas. Só para vocês. — É — disse Max. num último uivo. neném. Max agarrou-se mais. As outras crianças repetiram o grito e Edith reprimiu um grito e fugiu da cozinha. — Isso mesmo — respondeu Johnny. come — falou Max. — Come. . com um novo desânimo. E aí ele viu a expressão feroz nos rostos de Jean e Pietro. como um menino americano. estava perdendo parte de sua autoridade. Stevens. mostre a eles como se come. garotos. mas era um riso encabulado e humano e Johnny o ouviu. Vá. Realmente. devagar. Max também estava rindo. Um bom bife americano. come. Pietro. em direção ao Dr. Bife. enquanto olhavam fascinados os movimentos rápidos da faca. Boa comida. e falou em voz alta: — Come. — Só inglês. e postou-se pesadamente diante dele. Johnny ficou calmo. e sentou-se. Cortadinho para você. abrigado nos braços de Johnny. Stevens consigo. Kathy. Então. comentou o Dr. Mexa o braço. Ele fechou a cara. não é? Max sabe muita coisa em inglês. quanto tempo levarão para se civilizarem? Esses meninos! Parecem criminosos. Stevens. com um jeito masculino. Jean o fitava por baixo das mechas caídas dos cabelos castanhos e depois deve ter chegado à conclusão de que ele. levados histericamente a uma alegria primitiva. pois foi andando ameaçadoramente pelo alegre linóleo amarelo e vermelho. Tem de me ajudar com os pequeninos. uma expressão faiscante e de ganância. você já é grande. Lembra-se? Eu já lhe mostrei. Johnny apertou as palmas das mãos e seus ombros se relaxaram. Por que ele não os deixa usarem as facas?. pensou o Dr. Pietro. — Estamos sempre melhorando e progredindo — murmurou para o Dr. olhando para as meninas e Pietro. o mais velho. Max. Stevens. Ele se levantou e foi para a pia. Você… é… meu… papai. Johnny insistiu. pois sua boca ficou menos tensa. A Sra. — Vou cortar a carne. Isso é muito mau. Se Johnny só conseguiu isso deles em 10 meses. aos gritos. aconselhando as meninas e Pietro. olhando para a faca. Pietro empurrou o ombro de Max e riu para ele. As outras crianças começaram a rir também. — E o papai quer que você vá se sentar à mesa e coma como um menino americano. a espátula abanando de um lado para outro em frente dela. pois Johnny estava pondo a faca ao lado do prato de Jean. Johnny continuou a se movimentar em volta da mesa. Stevens fez menção de se levantar. e os olhos de Jean ç Pietro observavam a faca e o brilho em seus rostos ficou mais pronunciando e mais astucioso. — Não… papai. — Dr. ou um louco perceber aos poucos que sua loucura estava passando. O olhar de Jean se fixou sobre o aço reluzente ao lado de sua mão. Era evidente que estavam pensando que. algo violento demais para se contemplar. com energia. Johnny estava perto dele. Não sei cortar carne ainda. depois tocou-a de novo. provavelmente havia outras. furtivamente. a Edith e eu vamos embora hoje à noite — falou ela. olhando para Jean. tocou na faca. recuou. Mas para que haviam de querê-las? Os meninos normais. se havia uma faca. vamos já. e corte sua carne. e mostre aos outros como é. a carne de Kathy ainda não está toda cortada. Mas depois disso. Seus músculos ficaram tensos e então os dedos se aproximaram do objeto mortífero. A Sra. Stevens. Nossas vidas… correm… perigo. — É. — Você quer eu… ter a faca? — sussurrou Jean. como que preparando-se para um ataque. procurando. Está ouvindo? . em todas as refeições. Você sabe usar a faca. Não… sei. Algumas recordações temíveis moravam lá. e seu desejo pelas facas não era normal. Algum drama terrível se estava passando nos lugares secretos do coração do menino. perto demais! Jean ainda não tocara na faca. Num segundo ele a teria e então saltaria…! — Pegue a faca. Pegue-a! Os dedos rastejantes pararam. — Não. você é que corta. Johnny estaria louco? O Dr. Ficou olhando para ela e gotas de saliva apareceram nos cantos de sua boca. pensou o Dr. Burnsdale. senhor. recuou para a porta. Estava sorrindo para ele. as pálpebras cerradas se abriram bem e aí os olhos se levantaram para Johnny. — Está bem. alguma coisa naquela mente bárbara também devia ter parado. dirigindo-se para ele. Estava tremendo visivelmente e lambia os lábios secos. Pegue-a. A mãozinha. a mão humana. só desta vez. Jean. é verdade. E então Jean estava sacudindo a cabeça de um lado para outro. Stevens. Os olhos alucinados do menino pararam. cortando a carne. pensativo. gostam de canivetes. o papai quer que você pegue a faca para cortar a sua carne. olhando também. sorrindo. Mas então pararam de novo. As crianças tinham pegado a carne com os garfos rombudos. Os olhos se apertaram. palpitando. Mas aqueles não eram meninos normais. você já está muito grande para eu ter de lhe cortar a carne. Era como se ver um animal se transformar num ser humano. Sim. os lugares não domesticados. filho. Olhe. Depois disse: — Jean. o rosto se contraiu e uma luz maléfica brilhou-lhe nos olhos. Jean — mandou Johnny. Primeiro as damas. — E para a carne. Papai corta carne para Jean e Kathy. Johnny suspirou com uma impaciência divertida. Jean disse alto. Jean. os cachos pretos saltando em sua testa. sonhador. para a comida — repetiu Johnny encorajando-o. — Para a carne — murmurou. O suor apareceu em gotas nos maxilares brancos e na testa de Jean. Papai corta carne de Pietro. num tom aturdido. com astúcia. babando. Stevens viu que a Sra. de pedaço em pedaço. — Pietro não se comporta. com aquela sua cautela terrível. o bife estava sendo reduzido a fragmentos. E então. Jean tinha levantado a mão esquerda. Então Jean disse. as narinas dilatadas. — Para a carne. papai. contemplando. Meu filho. — Apontou um dedo mandão para o menino mais moço. Estava sorrindo para Johnny. usando a faca desajeitadamente. na sua palma. Jean. deu a faca afiada ao menino. Ele parecia menor na cadeira. pensativa. as crianças também. e sua boca aberta estava úmida. — Não é para matar. Está vendo? Pietro se comporta. as mãos voando. e ele respondeu: — Não. menos com a boca do que com todo o corpo. ameaçadoramente. — Quero faca! — exclamou Pietro. — Jean corta carne de Pietro! — gritou o moreninho. suas mãos tremiam. o lado aleijado caído. batendo com a porta. As crianças estavam observando de novo. de um modo comovente. de repente: — Cale a boca. sem hesitar um instante. As meninas — e como as meninas são mais civilizadas do que os meninos — estavam ali sentadas. se Jean não corta a carne! — Ele estava ficando descontrolado. Max estava ganindo. Ouviu-se um estrondo e o Dr. Mas. nunca mais. como que constrangido com as artes de Pietro. — Pietro cala a boca e come ou Jean bate na cara dele. examinando Jean com curiosidade. Stevens viu que Jean estava equilibrando a faca. Muito… muito criança. dou a faca ao Pietro? Jean não disse nada mas olhou para Pietro. experimentando. começou a cortar a carne do menino. . Soltou um rosnido. foi para junto de Pietro. Jean olhou para ela. Pietro estava-se remexendo na cadeira. Estendeu a mão e Johnny. Então Jean. Olhou para Jean: — Bem. Jean ficou calado. e era um rosto de menino quase normal que olhava agora em volta da mesa. Jean. seu… seu Pietro! Cale a boca! O menino menor acalmou-se como se tivesse levado um tiro. avaliando-a. sua expressão imitou a de Johnny. mas espiava Jean. levantou-se com dificuldade. humilde: — OK. um pouco severa. — Dá faca para Pietro! Johnny estava com a faca na mão. Absorto. Pietro estava tenso como uma mola. Burnsdale tinha fugido. o Dr. pegou o garfo dele e. arrastando-se devagar. pulando para cima e para baixo. faca para Pietro não. no gesto eterno de um irmão mais velho prestes a disciplinar um mais moço. — Duas guerras com o intervalo de apenas duas décadas e ainda não aprendemos! Desfiles. — Ela olhou feroz para os três meninos. — Sei — respondeu Johnny. — E. Aí uma voz de criança fazia uma pergunta. Kathy? — Sim. desde que a gente fique próximo da realidade. Stevens escutavam. fundadas com o dinheiro excedente. bandas de música. aliás. aniversários. playgrounds. — Os meninos não vão derramar nada. No seu rosto de bom senso aparecera aquela expressão comovente. havia uma resposta. para ajudar e deixar que o resto do mundo viva de modo agradável. — O senhor sabe. a congregação não vai admiti-lo. Agora as crianças estavam comendo. e eles ouviam o que se passava na cozinha. Jean mandava. Olhou para Johnny. Stevens se dando ao luxo de um charuto. sabe. dão dinheiro. Kathy. Por vezes havia ura arrastar breve. De vez em quando ele lançava um olhar para Jean. e Johnny e o Dr. Os dois homens estavam sentados na biblioteca. com poucas exceções. não traga as vítimas para muito perto! Não existem organizações. Jean. com a ilusão de que tudo. intrigado e admirado. passando listas de assinaturas. dinheiro. Jean sorriu. sem relutância. — Jean é o filho mais velho do papai — respondeu Johnny. — Obrigado. sempre fui. generosamente. salve a superfície e estará tudo salvo. Fazem caridade aos aflitos. vou para a biblioteca conversar com o Dr. non? — perguntou. é muito bom para a maioria das pessoas. de lobo. aflitos. Stevens. A porta estava aberta. . — Eu não suportaria isso. depois de um instante. Stevens. Ele estava fumando com sofreguidão. torcendo a trança loura. abrigando crianças… ? — Os americanos — falou o Dr. Os americanos não são o povo mais bondoso do mundo. Estão fazendo as malas neste momento. Pensei que talvez a congregação compreendesse. é a sorte geral? A grande ilusão dos Estados Unidos é: sorria. o Dr. Stevens. Dou neles. passe o pão e a manteiga. Jean afastou-se da mesa. casa própria. Estava feito o trabalho. Mas às vezes a normalidade desaparecia e reinava um silêncio agudo. e a felicidade. Jean. Pietro. tinha certeza disso. mas como que aliviado. têm misericórdia com os que foram maltratados. ou um grito. maternal e controladora. Mas pelo amolde Deus. ajudam os desamparados. — Bem. Assim como Edith e a Sra. Burnsdale. crianças — disse Johnny —. sabe. Johnny — confessou o Dr. mandando comida para toda parte. veja que os meninos usem os guardanapos e não derramem as coisas na mesa. meio idealista. O senhor me disse que o idealismo é muito bom. Pôs a faca na mão de Johnny. com secura — são gente muito simples. Max. Até Pietro estava comendo. e de novo estava muito cansado. tudo mesmo. sem modos. discursos políticos. papai — respondeu Kathy. tome conta das coisas. Kathy ralhava de vez em quando. Johnny sorriu para ele e. civilizam os selvagens. bem. conserve tudo agradável. onde quer que ajude. empertigada. um barulho de louça. dinheiro. — Jean é bom menino. Johnny fumando seu cachimbo. faça o que o Jean disser e ajude a Emilie. entre os seres humanos. podemos encontrar os santos. — Mas sabia disso — respondeu o Dr. máquinas de lavar. Stevens ficou calado. O Dr. As notícias se espalham. Pode até ser um político! — O Dr. de leve. Mas eles sempre existiram. Stevens olhou para o charuto. padres e rabinos. disse ele. Mas Johnny estava sério. Stevens sacudiu a cabeça. de modo que não os contamos. ou cortando sua grama. para nada? Johnny estava debruçado para ele. com tristeza. Preciso da ajuda deles. sério. o homem por quem você passa na rua. acho que aí ele se excedeu. que adoram ó beisebol. — Não. que. um padre. que o ultrapassa no carro dele. Sua fisionomia estava menos amarga. Deus se fez carne e morreu no Calvário. Um pode estar na sua cozinha. — Hei de encontrar essas exceções. Vai ser muito difícil. Stevens sacudiu a cabeça. o rosto jovem franzido. ou lavando suas vidraças. — Como o senhor disse quando entramos aqui. Pode ser seu patrão.associação de pais e professores. Pode estar numa máquina na sua fábrica. A voz de Johnny estava muito branda: — Deus não desperdiça nada. E às crianças. carros. alguma igreja pobre… alguém que o aceite. me disse que os santos nem sempre estão em posições ilustres. Stevens. nos lugares mais inesperados. que lhe vende gravatas ou sapatos. é verdade que fui um pouco . Vai ter de ir para algum lugar obscuro. — O senhor não falava assim — disse Johnny. — Então. e muito insegura. imagino que haja exceções. no fundo de seus corações. Talvez os americanos saibam. o cachimbo nas mãos. Stevens riu-se um pouco. seu irmão. Dr. Vou ter de lhe arranjar outro lugar. — Bem. bugigangas reluzentes… isso é que é importante. Sempre. — Um amigo meu. Mas talvez devêssemos compreender. seriam iguaizinhos a eles! Talvez seja essa a terrível verdade que não querem enfrentar. Não que se note. se tivessem as mesmas oportunidades que tiveram um Mussolini ou um Hitler ou um Stalin. Johnny! Receio que aqui você esteja queimado. Não se desperdiçaria. O Dr. Johnny. O Dr. — O seu amigo tinha razão. — Dois mil anos de cristianismo e não progredimos mais que isso? — perguntou Johnny. Johnny sorriu e recostou-se na poltrona. comemorações. A não ser no caso de alguns ministros. aeroplanos. Stevens. — Não nesta congregação. Vou procurar por eles. — Bem. Meus filhos precisam deles. O Dr. comportando-se como animais. as grutas. a mãe com os cabelos amarrados num pano e um avental cobrindo o vestido preto. subindo e descendo escadas. e acima uma montanha coberta de florestas. bem na orla da campina avermelhada. Os austríacos são um povo animado. Berchtesgaden estava ali. E aí chego aqui. Havia uma casa bem em frente. Uma campina estreita. muito pobre mas muito agradável. O lugar estava cheio de pracinhas e não consegui encontrar um quarto de hotel. entremeada de pequenos trigais dourados. escura. Mas na verdade estava olhando pela janelinha da casa “perto da ponte” em Salzburgo. no mês de outubro passado. só um táxi de vez em quando passando com um berro mudo de luzes. As tropas de assalto e os soldados tinham marchado pelas ruas calçadas de pedras. amável… Parou junto da janela e ficou olhando para a avenida lá fora. — O pai de calças de couro curtas. — Johnny se levantou. — Fui a Salzburgo. vazia. E ao lado dessa casa havia outra. muito limpo. E depois vi que eram tal e qual as pessoas da Europa. Os russos tinham estado lá. dobras e mais dobras. No entanto. Stevens. Ainda recentemente. tinha havido uma guerra. Stevens olhou para o charuto. em construção. todas as tropas dos conquistadores e dos conquistados. relembrando. nem nacionalidade. Queria tirar umas férias. os meninos. manchada de pedras cinzentas. mãe e dois meninos.exagerado com aquelas senhoras e senhores. a relva cheia de crianças brincando. pontilhada de casinhas brancas com beirais de telhas largas. além do horizonte. tinha ouvido dizer que Salzburgo era uma linda cidade. Às vezes mamãe parava o trabalho para se sentar numa pedra grande e dar de mamar ao . Dr. as salinas. hoje! — Ele parou. seus corações bondosos sofreriam por essas crianças. O Dr. esquecendo-se de todas as outras coisas que tinha visto. não por carpinteiros e pedreiros. e a massa roxa das nuvens nas gargantas. o rosto agitado. E o som de canhões e bombas. Mas. que não têm nome. sérios e interessados. lá estava aquela família construindo uma casa de blocos de concreto. o jardinzinho bem tratado viçoso com flores e fraldas em cordas compridas. sossegada. a excursão apavorante nos Alpes num jipe e toda a grandeza melancólica de picos e mais picos. de calças como as do pai. Mas alguém me arranjou um quarto perto da ponte. eu não podia acreditar! Pensei que fossem compreender. Johnny? O jovem ministro recomeçou seus passos inquietos. — Uma família estava construindo uma casa — recomeçou a narrativa. o palácio travesso de Marcus Silicus. pintalgada de dentes-de-leão dourados. A morte também estivera lá… por toda parte. nem língua. e começou a andar de um lado para outro.- com eloquência. em plena luz do sol. e que eram só “animais”. mas por toda a família… pai. Lá estava o pai batendo vigorosamente com o martelo. Johnny sorriu. se bem que não tivessem sofrido o que a Europa sofreu. numa casa particular. Fiquei desiludido. nem casa. o menino menor de pé empoleirado numa viga em cima das paredes puxando baldes de cimento que o mais velho estava misturando com a ajuda da mãe.-enquanto fumava o cachimbo. — Os americanos deviam saber. A cidade conhecera Hitler. um de seus 12 anos e outro de seus oito anos. Um carrinho de bebê estava debaixo de uma árvore e por vezes se balançava com força. — Como é que você os encontrou. sabe. estucada. que estava escutando fascinado. a despeito de todo o ódio. ao nascer do sol. olhando para aquilo. para mim. nunca cheguei a descobrir. morte e desespero. Era essa sua missão na vida e eu bebi um cálice de vinho em homenagem a ele. — Eu tinha vontade de gritar com eles. de telhado de sapê. Depois. uma casa alta. E depois. com o que tinha visto. em sua fé. Tinha um ar de assombrada… monstruoso. — Essa foi a parte boa. Agora havia algo de terrível nela. estavam construindo à sombra da Montanha. Stevens. pois a fisionomia do rapaz tinha ficado perdida e amarga. Johnny tornou a encher o cachimbo e sorriu. de que Deus tinha a resposta e eles estavam salvos com Ele. naquele vale verde e sem vida. quando começavam a trabalhar fazendo barulho de manhã cedo. — Só havia uma casa caiada no vale — disse ele. — Não pude deixar de olhar para aquela casa. enquanto fiquei ali no terraço. Foi uma ocasião muito emocionante. Um lugar amaldiçoado. Fantasmas da danação. Quando o pai desceu. ali sozinho no terraço. lá estava aquela familiazinha construindo aquela casa. certa. . Duvido que ele se importasse mesmo. e lá estava a cumeeira com seu buquê. Não sei por que mas aquilo me deprimiu. Johnny respirou fundo. Só vi que não tinha jardim em volta. A mãe levou um buquê de flores do campo. Stevens. sua atenção foi despertada por alguma coisa no verde quente do vale. rezando. e prendeu à cumeeira. Um dia almocei numa fortaleza antiga na encosta de uma montanha. Em todo aquele sol. a despeito de tudo o que tinha acontecido. Em mais de um sentido. Discutia com Deus todas as noites. Johnny? — perguntou o Dr. — Até então eu estava bastante amargurado. Uma névoa pairava entre os picos pintados. Ele tinha olhado muito tempo para aquilo. devagar. Lançava uma sombra escura sobre a relva. Dr. Qual carrasco. Essa guerra tinha sido o fim de tudo… era o que eu pensava. e o pai as amarrou solenemente em galhinhos e levou aquilo tudo pela escada acima.bebê. Stevens. Lá não havia mais nada. todos se ajoelharam juntos. Não quis saber. Já estava quase anoitecendo quando fui embora. Suas duas carreiras de janelas pareciam estar cheias de caras más. Não sei por quanto tempo fiquei ali. — E então. despida. Há uma parte que não é tão boa. Ele parou defronte do Dr. Sobe-se de funicular. toda a família. recomeçando. O dever dele era cozinhar e fazer molhos e arranjar vinhos para estômagos sem rostos mas que sabiam apreciar. O chef estava fazendo o possível para servir um bom almoço para a “gente boa”. se persignaram e rezaram. ruína. — Eu não sabia o que era. Depois o sorriso desapareceu e seu rosto ficou sério e severo. lá estava aquela família rezando junto. Chamei uma garçonete e ela me contou que era a “casa do carrasco”. Mas perdoei tudo quando chegou a hora da cumeeira. nenhum sinal de vida. só aquela casa. que então significava americanos. Ele viu o vale largo e verde abaixo da fortaleza e além do vale os morros chatos e azuis contra o céu chato e azul. aquele seu sorriso profundo e terno. então. e meus pensamentos voltavam constantemente para a casa do carrasco. Eu estava é cansado. carregando cacetes. As crianças estavam muito quietas. ao luar. O que eu esperava encontrar ali? Fantasmas? “Parei o jipe perto da velha fortaleza e depois dei a volta e fui para o vale. já os tinha ouvido. Sem saber como… então aquilo parecia mais do que um pesadelo… eu me . quando cheguei lá. parecia um verdadeiro inferno. Passei pelas ruas. ou coisa assim. Uivando! As janelas eram pequenas e altas. Mas. Ela estava ofegante e vi que seus dentes reluziam como de um demônio ao luar. Lembro-me de que pensei que essa era uma ideia imprópria para um capelão. vi que tinha de ir à casa do carrasco. Eram os gritos do desejo de sangue. minha mente estava ficando medieval. Não são gente nossa. no meu estado de espírito. A lua estava nascendo e a noite estava quente. a própria terra parecia captá-los e repeti-los. “Comecei a correr com eles. Nunca me sentira tão agitado na vida. Dizem que até já mataram para arranjar comida. e quase caímos juntos quando ele tentou se afastar de mim. não queria conhecer ninguém. mas o Dr. Nunca se viu um espetáculo tão perverso na vida! Foi um pesadelo. Agarrei-me a ele e perguntei de que se tratava. estavam correndo pelo vale. Jantei num posto de reembolsável que tinha sido aberto na véspera. Joguei a mulher no chão e corri atrás dos outros. perguntei. A princípio. Atacam as pessoas nas ruas. ou antes dele. embora estivesse nas montanhas. E ele me gritou: As crianças-lobos! Vamos matá-las! Ele então conseguiu se livrar de mim e foi embora correndo. parecendo espectros negros ao luar. Stevens. E eu só desejava ter uma arma. Não sabemos quem são. Estariam escutando? — Fui à catedral — continuou Johnny — na Plaza Dom. Estavam martelando nas dobradiças. quando escureceu. chegou até a se encolher. Aí. Nunca se ouviu uma gritaria tão danada. as crianças-lobos estão em Salzburgo desde o fim da guerra. E então. alguns dos homens estavam tentando entrar por elas. Reconheci muito bem os gritos. ‘Que crianças- lobos?’. não sei por quê. Ele acendeu de novo o cachimbo. pode crer. antigamente. Deus de misericórdia! — murmurou o Dr. Respondeu: ‘Herr Capitão. A porta devia estar trancada. A porta já estava cedendo. o vestido voando. — Foi o que eu disse. homens e mulheres. pois o pessoal estava batendo nela com os cacetes e uivando. me xingando. faziam-se boas dobradiças. Já estavam na casa. era uma tal ânsia… Peguei o meu jipe e fui. Johnny meneou a cabeça. “Eu nunca tinha corrido tão depressa na minha vida. ouvi gritos e berros. Dr. Diversas pessoas. “Alcancei um homem e segurei o pelo braço. No entanto. aqui e ali. Stevens. Agarrei uma mulher que passava correndo. sozinho ali naquele campo grande. Não conhecia ninguém e. e só havia algumas luzes. em direção à casa. pois este se apagara. Alguma coisa parecia estar-me chamando. na cozinha. E agora ouvimos dizer que estão escondidas na casa do carrasco!’” — Ah. pareceu uma ideia maluca. Elas se escondem e só saem de noite. o tempo todo. com vontade de estar armado. senti que tinha de chegar àquela casa com o povo. impaciente. As montanhas os repetiam. Então ela viu a minha farda e parou de se debater. Arrombam as casas para roubar. Stevens viu que ele não estava realmente presente naquela biblioteca de luz acesa. mas não o disse nesse tom de voz. também”. brandindo os cacetes na minha cara. Ele se virou de costas para o Dr. “Gritei com eles. que estava pálido e estático. canhões e bombas. de oficial. me disseram. A bebê Emilie. amontoados junto a uma parede. mas o Dr. conseguiu isso. E. tentando se proteger. Ia levá- las embora comigo. zangadas. crianças pequenas. os meninos tentando proteger as meninas. A farda… e a cruz.” — Sempre acontece isso — falou o Dr. afinal. que tinham visto a morte. convulsivamente. Tentei o pouco italiano que sabia. Mas. ou fugido.meti entre os homens e a porta. Encurralados. E depois eu disse: “Perdão”. Ele largou o cachimbo e tapou o rosto com as mãos. eu os escutei. as mais velhas. como a mulher. depois da libertação. O silêncio na cozinha era tal que ele quase o sentia. Stevens. As mulheres resmungaram. As mulheres começaram a cantar. Os uivos começaram a diminuir. Uma chegou a dizer: “Ah. Eu apenas repeti “Perdão”. como cantavam com os filhos. havia aquela cruz. de campos de concentração. Aí uma mulher viu a cruz na minha lapela e deve ter pensado que eu era padre. Stevens. Isso os acalmou um pouco… um pastor amaldiçoando-os! Perguntei se não tinha havido já bastante ódio e mortes. Pedi que se lembrassem dos filhos. Quando abaixou as mãos. eles reconheceram a minha farda americana. — Pois bem. sentado na beira da cadeira. tinha marcas como de lágrimas nas faces. a despeito da cruz. Aquilo os deteve. Mal os . eu ia procurá-las e ia protegê-las. Bem. mas também aqueles homens e mulheres. seguros em suas camas. Se não fossem as mulheres. E embora olhássemos para todo lado. e falássemos baixinho. Comecei a achar que talvez as crianças tivessem sido libertadas. não tivemos resposta. Stevens. Chegaram tão perto de mim que senti o suor deles e vi seus olhos terríveis e seu bafo. no porão. Ou talvez. Num monte. e Kathy e Pietro e Jean e Max. — E sabe o que aqueles homens e mulheres. — Entramos todos juntos na casa. —·Então — continuou Johnny — parei de me enraivecer com aquela gente. pelo menos. aflitos. pois o que eu tinha dito me fez cair em mim. também. Dissemos às crianças que não lhes íamos fazer mal. — Mas você os encontrou. Provavelmente até os amaldiçoei. Johnny. e era só o que merecíamos. Eu disse a eles que se havia crianças naquela casa. Ele esperou. Por que haveria? Só o silêncio. Ela começou a exclamar e apontou para a cruz. não disse nada. ajuntando-se em volta de mim? Disseram: “Perdoe-nos. só a cruz. o francês que conhecia. por uns minutos. Eles recomeçaram a berrar.” — E então? — perguntou o Dr. Lá dentro estava negro como piche. como os animais irracionais em que os tínhamos transformado. Elas estavam escondidas em algum lugar e a única luz era a do luar nas janelas. eles me teriam matado. também. as pobres crianças!” E eu toquei na cruz que tinha salvo não só as crianças. Algumas das mulheres começaram a chorar. Stevens. — É. — E estou precisando de vocês aqui. — Queremos o nosso dinheiro. o rosto agitado. De repente Johnny saiu da biblioteca e seus passos rápidos o levaram à cozinha. Chegou-se à zangada Sra. — Estão comendo bolo e tomando leite. Burnsdale entraram. Eles arranhavam. O Dr. devia tê-los visto há 10 meses. Mais bondosas porque tiveram de trabalhar pesado a vida toda. Estão-se comportando muito bem! Se acha que estão mal agora. — Sabe. e a sólida Sra. Daqui a alguns dias o Sr. embora seja difícil? Johnny saiu da mesa. Stevens. Sr. Mas essa é apenas mais uma das mentiras que eu me venho contando. Stevens olhou para das friamente: a magricela Edith. — Não posso falar muito mais a respeito. Tivemos de carregá-los. com as crianças. desafiadora. Johnny voltou. Não quero me lembrar dos dias seguintes! Por vezes tínhamos de amarrar os meninos. Ele parecia ter recuperado um pouco da calma. Stevens ficou ali sentado sozinho. Ele se virou. — Vamos embora. Mesmo hoje. Burnsdale. de quatro. Fletcher vai partir. meio nus. Ela mudou a bolsa de posição no braço e levantou a cabeça. Não sei como. Dr. sorrindo. é horrível demais. mordiam e rasgavam como cachorros danados. desde que me lembre. o que sabe o senhor do meu tipo de gente. e olhou-a. Mas estava dizendo e repetindo. Mais bondosas porque sofreram. Chegou a sentar-se na beira da mesa. Burnsdale. Fletcher? Ele tentou sorrir. sabendo que era inútil. e pegou o cachimbo. Sabe. — Ficar aqui e sermos assassinadas na cama? Depois. todos pensavam que realmente queríamos matá-los. Os homens trouxeram pão preto e vinho. roupas que iam lhes fazer falta. imundos. mexendo os lábios em silêncio.podíamos ver. . conseguimos levá-los a um posto do exército e as mulheres foram depressa arranjar roupas para eles. olhando com um medo fingido por cima do ombro. Ouviram o som de passos firmes e pesados no corredor e Edith e a Sra. decididas. em seu coração: Deus tende piedade de mim. caíam de nossos braços e tentavam fugir. Dr. Não podem prestá-la a ele. me perdoe. e dominou o olhar da mulher. eu antes pensava que as pessoas como a senhora eram mais bondosas do que… outras. Pai. O Dr. que estava fungando pateticamente. Stevens — comunicou a mulher mais velha. Estavam famintos. Mas os homens e mulheres me ajudaram a tirar os garotos dali. As meninas ficavam tentando fugir. sem fazer caso de Johnny. — O quê! — exclamou. Eles não conseguiam falar uma só palavra. Ele precisa de sua ajuda. — A sua semana ainda não terminou — respondeu ele. Ele estava com uma expressão severa. Stevens. Burnsdale? Abalada. Burnsdale lançou um olhar arrasador à sobrinha. que tem idade de ser seu neto. Sra. dizendo que no dia seguinte um deles seria enforcado. Não se lembra de nada. Os pais foram mortos. meneando a cabeça. — Estarei por perto. — E o pai convenceu o menino de que ele é que devia ter a chance de viver. Só nos pesadelos. Sabe o que aconteceu com o Max. — Acho que sim. É por isso que está sempre lavando as mãos… tentando lavar a sujeira de ter matado o pai. Fui criado numa pequena cidade de mineração de carvão. esse menino. Sra. Eu lhes ensinei um pouco de inglês. Burnsdale? Pois bem. depois que a Sra. teve uma vida feliz. o segundo menino — continuou Johnny. Tive de ganhar a vida desde os 13 anos de idade. sua idiota. com o auxílio de um membro da tropa de assalto. ninguém notou. durante 10 meses. Mantenha as facas fora do alcance deles… — Facas! — gemeu Edith. Ele estendeu a mão e a pôs no ombro forte dela. juntos. Por que havia de ser? É humana. É por isso que Max é bobo. — Só por uns dias. e seu rosto estava de novo forte e suave. — Precisamos da senhora. nervosa. A tia virou-se para ela abruptamente. o garoto mais faminto e imundo do Harlem. Eles não se lembram de onde nasceram. Não se lembra do enforcamento. Burnsdale levou a mão enluvada à boca. Ninguém fez caso dela. É só cozinhar para eles. A Sra. e o outro seria obrigado a enforcar o primeiro. — Ele só fala inglês. comparada com a deles! A senhora é cristã. Ela fez menção de recuar mas não recuou. Acho que eu devia era ter tido mais juízo. uma noite. Os nazistas. quando ele tinha. ela piscou. só se lembra . — Deixe lhe contar sobre o Max. foi obrigado a enforcar o pai. A senhora não é melhor nem pior do que as senhoras que estiveram aqui hoje à tarde. senhor. — Porque sou desse tipo também. — Vamos. que tinham prendido a ele e ao pai num campo de concentração. Burnsdale? — perguntou o Dr. — Vamos ser mortas na cama! — gemeu a imbecil da Edith. provavelmente. Mas Johnny estava falando com calma: — A senhora já ouviu falar dos campos de concentração. nem de quem. Não se lembra de que um dia falava alemão. — Pare com isso. que tem medo de crianças. Assim é que no dia seguinte. Ora. uns seis anos? Ouvi a história. titia! — A senhora é uma covarde. — Ela virou-se para Johnny. essas crianças vêm de lá. quando ele estava dormindo. São órfãs. morando no pior cortiço. Edith estava ganindo. Mesmo quando foi andando para a porta. — Eu vou para casa — disse Edith. chegaram para eles. — É — disse Johnny. o tempo todo — prometeu Johnny. Sra. a não ser nos pesadelos. e por sobre ela seus olhos estavam horrorizados. — Eles não a incomodarão. começando a ter uma vaga esperança. titia — apelou para ela. Não vou conseguir alimentar esses garotos sozinho. Era uma coisa curiosa: seu rosto grande se agitou e vieram as lágrimas e ela estava remexendo na bolsa. no fundo da mente. depois dos pesadelos. — Espero que tenha — respondeu Johnny. — São bem verdade — respondeu Johnny. Devia ouvi-lo. Burnsdale. ele às vezes me pergunta: “Papai. — Não suporto ficar aqui ouvindo isso! — gritou Edith. Ele se virou um pouco. levaram o irmão para trabalhos forçados. Só se lembra de que houve um período em que achava que tinha de vingar a mãe. estava com os olhos bem fechados e por baixo das pálpebras. Assim. Jean não se lembra de ter morto o soldado. Em todo caso. Burnsdale começou a chorar. todos os que usam farda. Os nazistas. evidentemente era um italiano bom demais para trair a pátria. é você?” E eu digo sempre: “Sou. e o assassino de seu irmão Vittorio. — Então. com simplicidade. As tropas de assalto se divertiram muito com Vittorio. Johnny continuou: . ele se ofereceu para ser espião. Só quando está desprevenido. Provavelmente é um menino francês. A voz dele estava muito sossegada. Burnsdale não fez comentários. Max muitas vezes. diante dele. meu filho”. Deus tenha piedade de nós! — exclamou a Sra. certas noites! Os pais dele foram mortos lentamente. Acho que é italiano. Sabe. Vittorio. sem pressa nenhuma. Os pais morreram num bombardeio na casinha dele. uma faca significa vendetta para Pietro: quer ter facas para poder ferir os homens que mataram o irmão. Ele tinha um irmão mais velho.de que fez uma coisa horrível. e Pietro viu. na Itália. Bombardeiros americanos. depois que nós americanos chegamos lá. e o homem que ele matou era um guarda austríaco solitário. A Sra. nos pesadelos dele. Johnny parou. Mas foi por comida. de lado. irmão de Pietro. E ele conserva a ideia. está a ponto de perder o juízo que lhe resta. até eu. — Jean se lembra do campo de concentração muito bem. com suas facas. Sabe. também. Mataram- no devagar. — Ah. Talvez. montando guarda. com a voz abafada. e ele deu um jeito de levar Pietro com ele. e isso e a falta de emoção tinham um impacto terrível. E isso ajuda. — Eu… eu não posso acreditar nessas coisas — balbuciou. de que tem de matar ou ser morto. nem sempre. especialmente quando está acordado. Ele tentou ajudar a mãe e um membro das tropas de assalto tentou matá-lo a pontapés. o coitadinho. e nos sonhos fala em francês. quando teve a oportunidade. com as tropas de assalto. clandestinamente. eles acabaram num campo de concentração. Não sei. com uma faca. uma noite em que estava quase dormindo. para não deixar o menino morrer de fome. uma noite. ao se retirarem da Itália. Agora não. Contou- me a respeito. É por isso que ele é aleijado. e conseguir comida. em sua cabeça de criança. É por isso que é tão violento e odeia as pessoas. nunca saberemos. as lágrimas escorriam. para a mulher horrorizada. e quando sonha. o homem estava almoçando. É por isso que Jean também matou. A Sra. — Precisamos da Sua misericórdia. E para o coitadinho do Pietro. estão ligados de algum modo. — E temos o Pietro. mas ainda indomável. agarrando a valise. disseram que era. — Se a senhora não vier já. Johnny pegou o braço grosso da Sra. E Edith tem razão: se ela mostrar às crianças que tem medo delas. Johnny disse: — Deixe a Edith ir. Pensa que vai ter de morrer. não é? Bom. Pelo jeito como age. — Tem a Kathy. de uns 20 cm de largura. Ele enxugou as faces molhadas da Sra. grunhidos. titia. — Pietro é um menino muito. Jean odeia abertamente. Já ouviu o que o próprio Sr. holandesa ou dinamarquesa. Nunca fala nos pais. e assim. Burnsdale com seu lenço. Kathy tem uma cicatriz de queimadura comprida nas costas. — Às vezes eu me pergunto se Pietro não tem razão. Kathy não fala dormindo. Por vezes eu me pergunto se Kathy não terá. Edith tinha tomado mais coragem. devagar. Pietro sorri. Facas! O táxi está esperando. nem em outras pessoas. — Se você ousar deixar esta casa… — começou. essas cinco tentam se comunicar. porque é feia. Mas é uma coisa muito engraçada. Burnsdale virou-se para a sobrinha. Ela sentou-se como uma pedra. — Johnny tornou a esfregar o rosto com as mãos. frases arrastadas. além disso? Eu não sei. e gosta de mandar e tomar conta das crianças menores. como as criancinhas muito pequenas tentam se comunicar com as outras com um vocabulário limitado. e ficou esperando. acho que ela não passou muito tempo no campo de concentração. como todas as coisas selvagens. às vezes. gritinhos. A Sra. é seu inimigo e teve culpa na morte do irmão. Tenho de vigiar Pietro o tempo todo: ele acha que todo adulto. Burnsdale. As crianças estavam fazendo uns ruídos estranhos na cozinha — palavras desconexas. ora. Ela não se mexeu. vou sozinha. enquanto esperava que Johnny falasse de novo. Estava com um ar decidido. É muito arrumada e eficiente. Stevens trocaram um sorriso rápido. alemã. Gente da classe média. A única vez que a vi ficar . Acho que um dia será um grande artista. Ela rouba espelhos. Ele recomeçou: — Parece um jardim zoológico. Sra. é minha opinião que ela era a filha mais velha de uma família de jovens. muito inteligente. Posso falar inglês depressa com eles. Sabe. Aliás. escapado de algum modo de um crematório. Ela deve ser de uma família boa. e a penetrou com seus olhos cinza-claro. e ajudava a mãe. delicadamente. É mais perigoso do que o Jean. Pensa que é feia. ela tem muito medo do fogo. depois silêncio. Burnsdale e a fez sentar-se. Mas toda a família deve ter morrido. ainda chorando. elas lhe darão motivos para ter medo. Fletcher está dizendo. Johnny e o Dr. Não queremos ter junto das crianças ninguém que não as entenda ou tenha pena delas. Quem sabe o que Kathy pensa. Edith fugiu. e odeia dentro do coração. Eles ouviram a porta bater lá fora. Perigoso. as crianças aprenderam inglês comigo. Assim. Pensa. Adora cores e música. a não ser sobre sua “feiúra” e os espelhos. e muitas vezes acho que elas entendem mais do que parece possível. especialmente qualquer homem. embaixo. embora seja mais moço. ela fica aflitíssima. Não passa de um bebê. O sangue dela estava cheio de algum remédio desconhecido. Deve ter uns cinco anos. A Sra. E só sei que vão ter de aprender a confiar em mim. A Sra. que quase a matou. e em todos os outros. Ele levantou as mãos e deixou-as cair. o charuto apagado na mão. Pensem nos milhões que morreram. pelos mesmos motivos. Ainda é demais para mim. que podiam encontrar. Isso quanto a Emilie. tem de dormir apoiada em travesseiros. Dilatação.histérica foi quando viu uma chama. em qualquer prédio abandonado. preocupado. Parecia doente e abalado e Johnny foi para junto dele. Foi preciso aplicar-lhe oxigênio durante vários dias para ela voltar a si. Nem sei como se juntaram em Salzburgo. destroçado pelas bombas. agora só falta falar sobre a bebê Emilie. Bem. Acho que ela passou todos os dias da vida dela. Tivemos de lhe dar uma anestesia. — Nem eu. — Para eu poder trazer as crianças para cá. eu acho. Tem algum problema de coração e pode ser que nem se crie. Passou as mãos pelos cabelos. Quando ela a viu. — Dr. como se diz. num campo de concentração e nunca aprendeu a falar. foi uma gente “cristã” que fez essas coisas com eles. Ela não pode dormir deitada. Nem sei como foram poupadas. Uma cobaia. assim como estas poderiam ter morrido. do contrário é certo que morrerão. agora já está quase eliminado. — Não posso falar de Deus para eles. desmaiou. O Dr. O senhor está bem? O velho respondeu: Só estou pensando se Deus algum dia nos perdoará a algum de nós. agitado. até fugir com os outros. mas não expliquei o que era aquilo. Johnny. torcendo as mãos como o Max torcia as dele. quando risco um fósforo. compreendem-se. para poder aplicar as injeções. Eu mesmo os batizei. se se convencer de que alguém realmente gosta dela e se interessa por ela. O rosto dele estava brilhando de suor. Stevens estava olhando para o chão. Pensamos que tivesse morrido. e no entanto quase. ganindo como um cachorrinho. Não tenho muita certeza. Burnsdale levantou-se e falou. Pode ser que tenha alguma possibilidade de vida. e não estou preparado para responder. Levaram a agulha para Emilie. neste mundo. e às vezes. Stevens? — perguntou ansioso. Se eu lhes falar de Deus vão querer me fazer umas perguntas muito pertinentes. até eu lhe ensinar. Chora dormindo. Só sei que estavam vivendo juntas. — Somente cinco crianças. Burnsdale levou as mãos enluvadas aos ouvidos e começou a se balançar na cadeira. morreu de susto. no antigo movimento de dor. mas o coração dela tem o dobro do tamanho que devia ter. Sabe. Ele passou a andar de um lado para outro. Eles acham que ela foi usada para alguma experiência pelos médicos alemães. elas tiveram de tomar uma série de injeções. Só sei que confiam uns nos outros. com sua voz forte: . Fiz que os melhores médicos do exército a examinassem. Ainda não. Boa noite disse ela. perplexos. e a cama? Ela tirou o casaco. — Não sou um homem rico. aflito de novo. E ainda sobrou um bocado. Depois você tome o seu. Kathy estava fazendo uma reverência para ele. E pretendo ajudar em qualquer outra ocasião. e depois pararam no vão da porta. ela abaixou a cabeça educadamente para a Sra. Tive de depositar 500 dólares por cada um. ia saindo atrás dela. — Antes de tudo ordenou a Sra. Estava falando devagar e com firmeza: — Você. eles foram logo para a cozinha. pegou Emilie e saiu da sala com ela. Para assombro dos homens. resmungando. sem poder acreditar. estão precisando é de uma mulher. como meus filhos de criação. Antes de você partir daqui. De braço dado. Stevens. afinal? O rapaz sorriu. — Já são quase 21h00. declarando que não seriam ônus público aqui. Depois fez outra reverência para o Dr. obediente. como se se lembrasse de uma antiga lição. Mutter. Burnsdale e disse: — Sim. ninguém pergunta nada. — Ah. Confio em você como minha ajudante. — Estão vendo. Conseguiram levantar o resto. para me ajudar com eles quando cheguei. Kathy levantou-se e ficou atenta. de mil dólares. Johnny. as luvas e o chapéu e olhou feroz para os dois ministros. pensou o Dr. sem mais delongas. a esperta percebera o que tinha de ser feito. A Sra. Banho. Primeiro Emilie vai tomar banho. Kathy pôs as mãos nos ombros de Emilie e disse. Os meninos voltaram as cabeças para os ministros. Mas os camaradas do exército me ajudaram. sombriamente. e essas crianças ainda estão na cozinha. pode crer! Tive de preencher centenas de formulários. Eu mesmo só tinha a metade do dinheiro. Burnsdale — digam boa-noite ao seu papai. pronta. Emilie desceu da cadeira. olhando fixamente. Os meninos estavam tão pasmos quanto os dois ministros. Mas o Dr. com uma voz de menina bem-educada. Stevens. pasmos. as mulheres assumem o comando. rapazes. uns 200 dólares. Johnny mal podia acreditar. Depois. vou lhe dar um cheque para as crianças. severa: — Vem. Então. como fiança para o Serviço de Imigração dos Estados Unidos. Depois saiu da biblioteca. O Dr. competente. e Kathy pegou a mão da criança. foi duro. Vocês homens deviam ter vergonha! E o banho delas. Johnny riu-se. Stevens e Johnny se entreolharam. e você é quem vai dar o banho nela. . Tive de ficar responsável por elas. Imediatamente. Kathy. Burnsdale tinha assumido o comando. Stevens perguntou: — Como é que em nome de tudo que é sagrado você conseguiu trazê-los. quando. Johnny. empertigada. Bem. A Sra. O menino resistiu. Burnsdale se aproximou dele. Leve aquele ali… Pietro. — Papai! Johnny foi para junto dele. Criei quatro filhos. Pietro gritou. — Papai! — gritou. Você é Jean. . rapaz. Mas ela também nunca prestou. A Sra. O Dr. diga boa-noite. Encontrou a bacia de louça e o sabão. Maman — murmurou. e o menino passou os braços em volta do pescoço dele. olhando para a pilha de pratos na pia e na mesa. pegando Max no colo. Ele se levantou com esforço e agarrou o braço de Pietro. Sinto muito. Aquela Edith! — acrescentou. mas esse rapaz precisa da ajuda de uma mulher. Max — respondeu ele. Ao seu papai. Depois tirou o casaco e a gravata. Burnsdale debruçou o corpo grosso sobre ele e o beijou na testa. soluçando. meio abafado. A Sra. Aí a Sra. dê banho nele e depois tome um também. Burnsdale e o Dr. não é? Bom. — Papai vai dar banho no Max e vai pô-lo na cama — disse Johnny. Ao seu papai. — Max? — perguntou a mulher. estupidificado. Começou a cantarolar. os lábios se mexendo. — Aqui está o papai. Ele teve um sobressalto horrível. Burnsdale respondeu: — Não passam de crianças. e aonde ele for eu vou também. Muito bem. resolvida: — O senhor vai ter de arranjar outra governanta. o rosto se animando. o olhar vazio. o jantar acabou. sério. carregando o menino da cozinha. Stevens ficou sozinho na cozinha grande e quente. postando-se ao seu lado. Uma pena — continuou. Ele estremeceu mas não respondeu. Mergulhou as mãos na espuma e o cantarolar ficou mais forte como se alguma dor tivesse tido um alívio. Ficou pensando. E se o deixar correr pela casa depois. passando o braço pelo pescoço dele. Restava o Max. Burnsdale —. Pietro protestando. Dr. de cara fechada. lavo a louça depois que puser as crianças todas na cama. feroz. Mas Jean o arrastou da cadeira e eles saíram juntos. Arranjou uma toalha grande e a amarrou em volta da cintura gorducha. o menino grande. Ele ficou olhando para a frente. O rosto de Max continuou vazio. — Logo quando preciso dela. Seja para onde for. Stevens se olharam por algum tempo. Depois ela falou. mas sem muita convicção. e vão me obedecer. Max. Ele não foi embora nunca. humildemente. vai se entender comigo! Tenho a mão dura. — Vamos — disse Jean. — Ela mostrou a mão imensa debaixo do nariz de Jean e ele meneou a cabeça. a caminho da porta — não poder ouvir elas rezando. murmurando para ele. Stevens. — Max — continuou a Sra. —·Sim. IV O Reverendo John Fletcher, ali de pé na escada da casa paroquial no dia quente de princípios de agosto, examinou o seu rebanho, pensativo. E eles o examinaram pensativos, pois era a primeira vez que o viam de preto de clérigo. Como ele esperara, o fato de tirar a farda tinha inspirado um pouco mais de confiança dos garotos nele, pois, inevitavelmente, associavam aquela farda ao terror que só faltara destruí-los. As roupas que a UNRRA (Organização de Auxílio e Reabilitação das Nações Unidas) tinha conseguido arranjar para eles os cobriam adequadamente, mas era só. Seus olhos azuis começaram a brilhar. Vestidos bonitos para as meninas, camisetas americanas e jeans para os garotos e boas roupas de domingo! Ora, com as roupas próprias, essas crianças passariam por crianças americanas! Johnny acreditava firmemente que, embora as roupas não fizessem o homem, certamente o ajudavam a se tornar um homem. O tráfego passava rugindo com os carros e táxis e multidões, o sol se refletindo de mil vidraças largas e quentes. Graças a Deus isso é Nova York, pensou Johnny. Se bem que as crianças estivessem vestidas de um modo muito esquisito, em volta dele ali na escada da casa de pedra marrom, nenhum transeunte olhou para elas com curiosidade. Nas cidades grandes as pessoas tratam de suas vidas. Aliás, ninguém tinha olhado demais para as crianças em Roma, nem em Paris nem em Londres, esse lugar tão correto. Ele, Johnny, tinha pensado em comprar roupas normais para “meus filhos” na cidade pequena onde iriam morar, mas depois se lembrara de que as cidades pequenas são mais curiosas, mais censoras do que as poderosas. Quando eles todos chegassem — em algum lugar — iam parecer iguais a todas as outras crianças, e quem se importava com as despesas? Deus tomava conta dos Seus, pensou Johnny, procurando se esquecer do campo de concentração e da casa do carrasco. Pietro estendeu a mão morena e ágil e tocou no casaco preto de Johnny. Estava muito parado e tinha começado a franzir a testa. — Sim, filho? — perguntou Johnny, O menino olhou para ele com aqueles seus olhos insondáveis e uma centelha brilhava ali. Uma centelha de recordação de algum velho padre naquela aldeia esquecida? — Padre? — murmurou o menino, inseguro. Johnny sentiu um alívio no coração. —·Padre — respondeu. Pietro deu uma gargalhada, mas ainda ficou agarrado ao casaco de Johnny. Era a primeira vez que ele tocava no jovem ministro, por sua vontade. Os pés dele se arrastaram, como se dançasse, Agora Jean o estava examinando, os lábios se movendo. Depois ele exclamou, triunfante: — Abbé! Abbé! — Abbé! — respondeu Johnny, e disse consigo: Obrigado, Pai. Ele olhou para Max, com esperanças, mas Max parecia uma estátua sonhadora de um menino sem lar. A pequena Emilie, tão pálida e bonitinha ao sol, com aquela massa de cachos caídos pelas costinhas e os olhos grandes e azuis olhando os meninos, estava agarrada à mão de Kathy. Emilie estava toda assombrada. Kathy examinou Johnny, apertou os lábios, meditando. Depois seu rosto redondo se iluminou. — Fadder! — exclamou, triunfante. — Fadder — respondeu Johnny, meneando a cabeça para ela. Ela abraçou Emilie. — Papai… Fadder — explicou ela, severa. Emilie ficou confusa. — Ela é um bebê — falou Johnny. — Ainda não sabe de nada. Vamos ensinar a ela, não é, Kathy? — Bebê — concordou Kathy. Ela estava com a mão direita apertada em alguma coisa, e Johnny sabia que era a pozeira da Sra. Grant. Ele disse: — Hoje vou lhe comprar uma bolsa, Kathy, e você pode pôr o espelho lá dentro. — Ele hesitou. — Por que não me deixa guardar isso no meu bolso, meu bem? Ela recuou, apertando os olhos, e sacudiu a cabeça com tal violência que a trança dançou de um lado para outro. Johnny perdeu parte de suas esperanças. Voltou os olhos para a grande igreja de pedra marrom ao lado, a cruz de metal incandescente ao sol. Ele pensou. Seria cedo para começar a ensinar alguma coisa às crianças? Depois de uns instantes, disse: — Estão vendo aquilo? É uma igreja. Vamos entrar. Ele sabia que agora nunca havia de pregar ali. — Igreja — disse Jean. Ele estava com os maxilares muito brancos, como osso nu, ao sol. Johnny repetiu: — Igreja. Casa de Deus. — Ele procurou uma reação de Jean, de Kathy. Nada, o vazio. No entanto, tinham dito “Abbé’’ e “Fadder“. Não se lembravam de uma igreja, então — qualquer igreja, mas apenas de alguns padres que, provavelmente fugitivos também, tinham tentado levar algum consolo antes de morrer ou serem levados embora. — Deus — repetiu Johnny, ansioso. As crianças sacudiram as cabeças e, como sempre faziam quando não o estavam entendendo, recuaram e formaram um bandinho, juntas. Ele lhe estendeu a mão, lutando para encontrar palavras Disse: — Dio? Dieu? Gott? — Quatro das crianças, Max, Emilie, Kathy e Pietro, ficaram confusas, inseguras. Mas, para horror de Johnny, Jean começou a rosnar, abafado, e seu rosto ficou distorcido de ódio. Ah, pensou Johnny, então ele se lembra um pouco, e se lembra de que não encontrou ajuda em lugar algum, bem no fundo de seu subconsciente. Ele disse ao menino: — Não é Dieu, não é Deus, meu filho, só os homens. Eles o separaram Dele. Jean agora estava rosnando mais alto, mas piscou, tentando se lembrar de alguma coisa. Então as crianças, acompanhando Jean, seu líder, começaram a resmungar, e Johnny viu que nunca se acostumaria com aquele ruído horrível. Pegou logo a mão de Kathy. Disse a Jean, que estava olhando para ele com aqueles olhos quentes, odiando: — Lembra-se, Jean? Você toma conta dos meninos, Max e Pietro. Você é o meu filho mais velho. Vou levar as meninas para a igreja e você traga os outros. Preste atenção. — Ele olhou para Jean, enérgico, dominando o olhar do menino. Jean ficou ali calado, a mecha castanho-amarelado caindo na testa. Estava obstinado e Max e Pietro estavam um de cada lado dele, igualmente obstinados. Então Kathy falou com sua nova voz de professora, e com energia: — Jean… menino grande. Jean traz meninos pequenos. Acompanha papai e Kathy e Emilie. Johnny virou-se para ela, surpreendido e agradecido. Ela estava olhando para os meninos, friamente. Era mais jovem do que Jean, mas dominadora, de seu jeito maternal. — Acompanha — repetiu. Puxou Emilie e foi andando para a igreja, decidida. Johnny deu uma risada fraca. — O que se pode fazer quando uma mulher nos diz o que fazer? — perguntou. Pietro deu risada. Max tinha adquirido um pouco de vida. Sorriu um pouco. Jean ficou olhando para Kathy, furioso. — Sou o mais velho — disse, e a luz horrível desapareceu de seus olhos. Com um olhar advertiu Pietro e Max, e agarrou a mão de Pietro e o braço de Max. Depois olhou de novo para Johnny, e seus olhos subiram e desceram pelo paletó e se fixaram no colarinho clerical branco. — Papai… Abbé… primeiro. Bom, obrigado de novo, Pai, pensou Johnny, com humildade. Ele desceu a escada da casa. Os meninos realmente o acompanhariam? Atrás dele reinava o silêncio. E então, com gratidão, ele ouviu os pezinhos se arrastando perto de seus calcanhares. Johnny esperou até que passasse um grupo de pessoas, e depois seguiu depressa. Os meninos ficaram juntos, sem olhar para os homens e mulheres que passavam por eles, sem reparar. Eles nunca olhavam para as pessoas, quando podiam evitar. Kathy puxou Emilie para o lado quando Johnny se aproximou da porta grande e encerada da igreja. Os meninos ficaram para baixo, nos degraus. Na porta estava pregado um aviso: “Ofícios no segundo e quarto domingos durante julho e agosto, às 10h00. Comunhão no último domingo”. Johnny, a mão na maçaneta, olhou para o aviso por vários momentos, e aí seu rosto se fechou. Então, Deus estava naquela igreja, a igreja Dele, somente em certas ocasiões especificadas, é? Não era necessário, a não ser no “segundo e quarto domingos em julho e agosto — às 10h00”. O homem que mergulhasse no desespero ou uma mulher angustiada que contemplasse o suicídio teriam de esperar pelo segundo ou quarto domingo. — Igreja do papai? — perguntou Kathy, curiosa para saber por que Johnny ainda estava ali parado. Johnny olhou para a igreja. — Acho que não é a igreja do papai, meu bem — respondeu. Não obstante, torceu a maçaneta. A porta estava trancada. Ele recuou e a examinou. — Positivamente, não é a igreja do papai — acrescentou. Estava-se sentindo mal no coração. Tinha visto tantas catedrais e igrejas em toda a Europa, e sempre estavam abertas. Ele se esquecera de que a maior parte das igrejas protestantes ficam fechadas, a não ser aos domingos e em ocasiões especiais. Ele só tivera uma igreja e congregação, antes de ser capelão, em 1940. Uma igrejinha humilde… mas a porta nunca se fechava, a despeito dos protestos dos diretores e do sacristão. Ele não sabia bem o que fazer. Tinha querido apresentar as crianças a uma igreja. Estava frustrado. Seu olhar irritado percorreu a avenida e parou de repente, A distância havia outra cruz, destacando-se no céu de verão muito azul. — Acho — disse ele — que vamos andar por aí… procurando Deus. Pode ser que o encontremos em algum lugar. Ele desceu para a rua, as crianças acompanhando-o de perto. — Vestidos? — perguntou Kathy, esperançosa. — Sapatos? — perguntou Jean, puxando os meninos com ele. — Primeiro — respondeu Johnny — vamos ver se Deus está por aí. Há uma leve possibilidade de estar. Quero que vocês O conheçam, e as roupas vêm depois. — Não quer conhecer Deus — protestou Pietro. Ele estava ficando nervoso com as cenas e o barulho da cidade. — Bem, de certo modo, não o culpo. Mas tenho a impressão de que Ele quer conhecer você, Pietro — respondeu Johnny. — Max medo de Deus — falou Max, com sua voz baixa, insegura. Afastou-se de Jean e começou a chorar, sem fazer barulho. — Deus quer matar Max? Johnny suspirou. Tinha pegado a outra mão de Emilie. As crianças estavam esperando a resposta dele, com medo. Diga-me o que devo lhes dizer, Senhor, rezou ele. Disse então: — Vocês sabem que eu amo vocês, não sabem? — Ele olhou de um para o outro dos rostinhos. — Sabem que sempre os amarei. Às vezes se esquecem disso e me machucam, bem aqui. — Ele pôs a mão no coração. Max parou de chorar. Todos estavam olhando para Johnny, com um ar solene. — Vocês sabem o que é sofrer aqui dentro. Bom, é assim que me machucam. Gostam de me machucar? Jean desviou o olhar, encabulado, e depois falou: — Os meninos… não gostam… machucar papai, Ele sorriu para eles, com ternura. — Pois é o que fazem, muitas vezes. Vocês se esquecem. Sou o papai de vocês. Mas quem é o papai de todos nós, eu e vocês também? Quem é que nos ama a todos, todos no mundo, a despeito da maldade das pessoas? É Deus! Deus é o nosso papai. O mundo muitas vezes se esquece de Papai, o nosso Pai, e faz coisas más, assim como vocês fazem. Mas eu não me esqueço de vocês e nunca deixo de gostar de vocês. É assim que acontece com Deus… o nosso Papai, nosso Pai. Eles escutaram mas não acreditaram. Ele via o brilho desconfiado nos olhos deles. Ninguém os ajudara, só esse homem. Duvidavam que alguém mais os ajudasse. Então, o papai estava mentindo para eles, e, se ele lhes mentia, não merecia confiança. O medo os fez empalidecer. — Vou-lhes dizer uma coisa — continuou Johnny. — Vou levar vocês para conhecerem Deus, e se não gostarem Dele vamos embora logo. Que tal? — Como é que ele é… Deus? — perguntou Jean. Lá vêm as perguntas!, pensou Johnny. Se ele confessasse, que nunca tinha visto Deus, as crianças ficariam inteiramente confusas e assustadas. Ele sorriu, misteriosamente. — É lindo, lindo — respondeu. — Não vou estragar isso para vocês. Têm de ver por si. Teria de ser uma igreja com imagens, altares e luz de velas. Ele pegou a mãozinha de Emilie e riu-se, contente. — Primeiro vamos só olhar pela porta, para ver se Deus está lá. Se não estiver, vamos embora comprar nossas roupas. Ele foi andando com Kathy e Emilie. Os meninos foram trotando atrás. As pessoas se desviavam deles, impacientes. As crianças agora estavam muito curiosas. Kathy gritou para Johnny, lembrando-se da noite anterior. — Deus gosta de uma senhora como a Sra. Burnsdale. Deus nina Emilie numa cadeira também? — Seu rostinho rosado estava se iluminando. — Deus — respondeu Johnny — é como o papai e a Sra. Burnsdale. Ele começou a ficar preocupado. Como explicar o Imponderável, o Invisível, o Todo- Poderoso, a essas crianças para que elas compreendessem? O troar da cidade os absorveu. Os meninos estavam tropeçando nos calcanhares de Johnny, as meninas se agarrando a ele. Então, mesmo acima do barulho, Johnny ouviu a risada estridente de Pietro. — Pietro sabe! — gritou ele. — Deus papai grande, como o meu papai! — Cala a boca — disse Jean, e Johnny ficou grato, pois algumas pessoas tinham parado para olhar para eles, por cima dos ombros, tomando conhecimento daquela troupe estranha. Johnny estava suando, o coração disparado. Mas ele não ousou parar; a cruz estava a certa distância, agora desaparecendo por trás dos prédios. É sempre assim, pensou. Não podemos ver Deus por causa do homem e todas as suas obras. Era uma igreja grande, de pedra cinzenta. As portas estavam bem abertas e alguns homens e mulheres estavam entrando e saindo, sozinhos ou acompanhados. — Estão vendo — disse Johnny. — Deus está em casa, afinal. Vejam as pessoas. Estão entrando para conversar com Ele, como nós. Vão dizer a Ele onde sentem dor, e Ele as ajudará, como faz sempre. Ele apontou para a cruz reluzindo no azul do céu. — Aquele é o Sinal Dele. Quer dizer que Ele está em casa, esperando por nós. Os meninos pararam. Jean olhou bem para Johnny. — Ele vai endireitar a minha perna e esse meu braço, se eu pedir a Ele? A fisionomia de Johnny mudou. Ele fizera com que Jean fosse examinado pelos melhores médicos do exército e outros na Europa. Um ou dois tinham sugerido uma série de operações, porém sem grandes esperanças. A maioria tinha dito que não se podia fazer coisa alguma. O menino estava aleijado para sempre; os ossos não se tinham consolidado direito, anos antes. — Se eu pedir a Ele? — repetiu Jean, com um sorriso ladino, Johnny olhou para a cruz, rezando intimamente, o coração pesado. Não podia mentir para aquela criança: nunca poderia traí-lo. De repente, Johnny sentiu que estava com os olhos úmidos. Aí a cruz pareceu se expandir no céu, num jorro de uma luz ofuscante; seus braços tremiam numa radiosidade como o sol, através das lágrimas de Johnny. Pairava num, círculo de chama luminosa. O coração de Johnny tremeu, ao olhar aquilo. Depois a cruz passou a ser apenas uma cruz reluzente, na torre. Mas Johnny sabia. Ele pôs as mãos nos ombros de Jean. Disse, a voz forte e nítida: — Vai, se você lhe pedir. Talvez não hoje, nem amanhã. Mas muito breve. Você tem de ficar pedindo o tempo todo, e tem de acreditar que Ele fará isso por você. Ele não pode ajudar se você não acreditar. Acreditaram nele! Pela primeira vez, aqueles rostinhos novos eram rostos de crianças de verdade e não pesadelos — rostos sorridentes, assombrados, esperançosos, ansiosos, estimulados. — Depressa, depressa! — gritou Pietro. Um velho padre, subindo a escada, tinha parado para escutar e observar. Ele então se aproximou de Johnny, os olhos castanhos e brilhantes sorrindo. Estendeu a mão e Johnny a apertou, corando. — Meus filhos, Padre. Sou o Reverendo John Fletcher, e acabei de voltar de meu serviço de capelão na Europa. — Ficou ali no meio das crianças, e estendeu os braços, abraçando-as. :— Meus filhos — repetiu, rezando para ser compreendido. O padre meneou a cabeça. — Sou o Padre McCloskey — disse para as crianças, em voz séria. Kathy perguntou, entusiasmada: — Deus? Jean, Pietro, Max e Emilie exclamaram: — Deus? Deus? O velho padre ficou muito sério. Olhou para cada rostinho e sua boca tremeu de compaixão. Olhou para as roupas deles. Depois olhou para Johnny, sorriu, encorajando-o e voltou a olhar para as crianças. — Não, meus queridos — respondeu, com bondade —, sou só um que serve a Deus. Como… como o seu pai, aqui. — Eles ainda… não O conhecem — esclareceu Johnny. — Sabe, eu os levei a uma igreja… estava fechada. — Ele parou, com dificuldade. — Então eu os trouxe aqui… para conhecê-lo. — Acrescentou, mais baixo. — Está sendo… bem, um bocado duro. — Imagino bem — murmurou o velho padre, compreendendo. Ele parou. Depois viu o que tinha a fazer. Viu quem tinha de escolher: o mais instável. Pegou a mão de Pietro. O menino não resistiu. — Vamos todos entrar e conhecer Deus — convidou. — Ele já está esperando, há muito tempo. Há muito tempo mesmo. O velho, pequeno, curvado e brando, e o menino esperto subiram de mãos dadas os últimos degraus, seguidos por Johnny e os meninos intrigados. O padre perguntou: — Como se chama, filho? Pietro? Ah, Pedro. O seu pai lhe contará sobre Pedro. Pietro começou a falar, para assombro de Johnny. — Pietro… Pedro! Pedro… Pietro! — Ele olhou para o padre com os olhos escuros e irrequietos. — Padre! Padre como papai? Sim? Sim? Papai também é padre. Sou filho dele, seu filho americano! Vamos ver Deus, é? Na igreja? Todos pararam no vestíbulo fresco. O padre estava mais sério do que nunca. Dirigiu- se a Johnny: — Vemos tantas dessas crianças salvas. Deus as abençoou a elas e ao senhor, Sr. Fletcher. Mas tantas, tantas crianças que não foram salvas! Qual a sua paróquia, Sr. Fletcher? Johnny respondeu: — Ainda não tenho. Mas Deus cuidará disso, claro. — Depois acrescentou: — Quer vir comigo e me ajudar agora, padre? O padre hesitou. Depois sorriu e tocou na manga preta de Johnny, com uma mão paternal. — Acho que Outra pessoa o ajudará. Não creio que precise de mim. — Virou-se para as crianças, que estavam olhando, ávidas, murmurando entre si. Ele ergueu a voz e disse: — Deus os abençoe e guarde, queridas crianças. — Levantou a mão murcha numa bênção e entrou na igreja. — Abençoe? Abençoe? — perguntou Pietro, impaciente. — O que é… abençoe? — Venha — chamou Johnny, e eles entraram na igreja. O jovem ministro parou com seu rebanho, cheio de apreensão. E se as crianças se insubordinassem, como faziam muitas vezes? E se começassem a gritar e correr como loucos, ou fazer perguntas em voz alta? Só havia meia dúzia de pessoas na igreja, ajoelhadas ou junto dos bancos dos vários altares, mas essas não podiam ser perturbadas. Johnny disse, com calma: — Vocês têm de olhar e escutar. Se fizerem travessura ou barulho, garotos, vão machucar a Deus e a mim. Entendido? Eles o fitaram: ele via o brilho dos olhos deles na penumbra. Depois Jean disse aos meninos menores, com ferocidade: — Vocês calem a boca, nada de barulho. Tenho de pedir a Deus pelo meu braço e perna. Papai diz que ele vai me melhorar. Nada de barulho. Kathy segurou a mão de Emilie com força e disse, com energia: — Emilie, fica quieta e não faça perguntas. Deus está escutando. A igreja estava diante deles, e de repente as crianças ficaram inteiramente caladas, de boca aberta, maravilhadas, prendendo a respiração. Os arcos góticos cinzentos saíam das paredes cinzentas, em que penetrava a luz forte dos vitrais colori- dos. O ar, fresco, permeado de incenso, tremia com fragmentos de cor, uma lança de vermelho numa aresta das abóbadas, um azul delicado no piso de pedra branca, um amarelo suave num banco distante, uma lâmina roxa nos claros degraus do altar. Lá estava o grande altar nos fundos, com seu alto crucifixo de ouro, seu florescer de velas paradas, seus jarros de flores. Lá brilhava a luz eterna, testemunhando a Presença. Pelas paredes marchava a lenta agonia das estações da Via Sacra, e havia altares, as velas tremendo delicadamente nos lados. Por onde começar?, pensou o jovem ministro, apreensivo. Pietro estava puxando o braço dele, febrilmente, sussurrando: — Deus? Deus? — ele apontou para o grande altar nos fundos. Johnny respondeu: — É, Deus. — Ele pôs a mão no ombro magro, contendo-o. — Mas você ainda não vai correr para Ele, ainda não. Primeiro, aprenda sobre Ele. Onde estaria o velho padre? Não o via em lugar algum. Meio desesperado, Johnny olhou para o altar mais próximo, no seu nicho especial. Um alto arco encerrava a imagem branca, azul e dourada da Virgem Mãe com o menino nos braços, velas diante dela, o lindo rosto de virgem meio sorrindo, meditando, o Filho levantando a mãozinha, numa bênção. Seus pés descalços estavam sobre um globo circundado de estrelas e seus olhos olhavam para o mundo com ternura. Johnny pegou a mão de Pietro e fez sinal para os outros o acompanharem. Eles o imitaram, andando sem fazer barulho, na ponta dos pés. Ficaram diante do altar da Madona e Filho e olharam para cima, chupando os lábios, os olhos sem piscar. — Olhe o menino — disse Johnny. — Um menino como vocês, Jean, Max e Pietro. Esta é a Mãe Dele, que está com Ele no colo, assim como suas mães carregaram vocês. As crianças se apinharam mais para perto do altar, tensas, caladas. Jean estava um pouco à frente, o rosto destacado e nítido à luz das velas. Estava sussurrando alguma coisa para si, que Johnny não ouvia, e seus lábios tremiam. Pietro virou- se para Johnny e apontou para Nossa Senhora. — Mãe? Mãe? Minha mãe? — Ele estava começando a tremer, empolgado demais. — É — respondeu Johnny. — Mãe de Deus… e sua. Veja como ela olha para você; ela o ama, meu bem. Não, não chegue muito perto, ainda. — Por quê? Por quê? — perguntou Pietro. — Minha mamãe também — disse ele ao Menino. Johnny abaixou-se. Pietro beijou a mão da Virgem e depois olhou encabulado para o Menino no colo dela. num sussurro apaixonado. pela jovem mãe morta a pontapés na sua frente. De qual cripta escondida no cérebro dessa criança solitária surgira a recordação do amor e proteção maternas? De onde brotara a palavra universal de esperança confiante? Johnny encostou a face na cabeça de Pietro: sentia a espera urgente do menino. As crianças estavam olhando. meu bem. — Mamãe? Mamãe? — perguntou. Pietro se debateu no colo dele. tão rígido. Jean! Mas Jean estava murmurando: — Je vous aide. seu voto de vingança. Veja como sorri para você. não. Ficou parado um instante. com orgulho. para fazê-lo parar de tremer. Johnny largou Pietro no chão e segurou o ombro do menino mais velho. fechou os olhos por um momento. — Minha mamãe? É minha mamãe também? Estavam com inveja de Pietro. e Johnny o conteve. Jean nunca falava francês quando estava acordado. — Por quê? — perguntaram os outros. Se é mãe de Pietro. abraçando-o. — Depois. Rezando fervorosamente para que não entrasse ninguém. Quero dizer. Subiu os degraus do altar e sussurrou: — Ela está rezando. e você não deve incomodá-la. A estátua sorria para ele. Johnny. Johnny respondeu: — Bom. pegou Pietro no colo e abraçou-o. A mãozinha rápida estendeu-se. Então. passou os braços em volta do pescoço dele e lhe deu seu primeiro beijo. pedindo. ela está falando com Deus. sim. as lágrimas lhe escorrendo pelas faces. esticando-se para a frente. mas não para os pés. Comprimiram-se contra Johnny. O que havia com o Jean. as mãos cerradas ao lado do corpo? Johnny disse depressa: — Jean. ali à parte. Ah. só eles. Estique a mão. depois agitou-se no colo de Johnny. . cego para tudo menos sua promessa ameaçadora. pensou Johnny. é de vocês também. Só Jean estava calado… calado demais. — Mamãe. — Ela o está ouvindo. Agora os bancos estavam inteiramente vazios e na igreja não havia ninguém. em desespero. como Johnny esperava. Jean permanecia olhando fixamente para a imagem. claro. e toque nos pés dela. Pietro. uma aura de luz apareceu no rosto de Pietro. nalgum campo de concentração esquecido. Como explicar a santidade a essas crianças? Onde estavam as palavras? E por que essas crianças não podiam pelo menos tocar nos pés dela? Johnny olhou em volta depressa. Os dedos se fecharam na mão da Virgem. ficou alarmado. quente e feliz. Estava cego ao que o cercava. Abriu a pozeira. As crianças. — Tão linda quanto a Kathy e não era muito mais velha. falando claramente e devagar — havia uma moça. e havia paz em seus olhos. se bem que muitas vezes pareça. — Ele olhou para Kathy e o rosto da menina. — Mamãe não morreu — declarou. sentiram uma comunicação partindo dele. Sabe. e Kathy piscou as pestanas louras num espanto feliz diante do exame dos meninos. em Deus. com tristeza. assumiu uma pureza estranha. solenes. Jean? — Só um sonho — repetiu Jean. — Salva com Deus — repetiu Johnny. escute. Está me ouvindo? Os olhos cegos nem piscaram. Ela está repousando. como que com prazer. do céu. — Não vê que ela está sorrindo para você. — Vamos nos sentar aqui mesmo — disse Johnny. e que o ama e vigia? Olhe para ela. Ela era muito linda. devagar e com ênfase —. Johnny puxou seus cabelos compridos e repetiu: . Procure compreender. muito baixinho. à emoção. — Onde podemos ficar olhando para a Mãe e eu lhes conto do Menino. Ele resolveu que a Trindade era uma coisa complexa demais para esse dia. que nunca largava. Ajudou as crianças a irem para um banco e sentou-se no meio delas. Jean? Ele pôs a mão sob o queixo de Jean e virou o rostinho de pesadelo de novo para a imagem. elas olhavam para a imagem. que bateu as mãozinhas. que é Deus. Está me ouvindo? Ela não precisa da sua ajuda. E o riso era um riso de criança. obediente. parecendo mármore. Mas devagar o ferro amoleceu e de alguma profundeza da pobre criança surgiu um tal suspiro. Pode se lembrar disso. para nos mostrar o caminho de volta para Ele. dizendo que está bem. Johnny fez o menino se virar para olhar para ele e fixou os olhos sobre os dele. como nenhuma criança deveria jamais emitir. — Mamãe — sussurrou Johnny. Não foi há muito tempo. Salva. — Maman — murmurou ele. Ele não se afastou de Johnny. Deus teve tanta pena de todos nós que Ele veio aqui. — Você não pode ajudá-la. e com um novo interesse. à paixão. um encanto e inocência. com uma nova voz que Johnny ainda não tinha escutado. Os meninos se comprimiram em volta de Johnny para olhar para Kathy. — Só os maus sonhos. tão anormalmente sensíveis ao medo. Ele sorriu para Johnny. Jean! O corpo de Jean parecia de ferro. — Uma vez — continuou ele. e depois sorriu e o coração de Johnny se contraiu de novo. Está com Deus. Começaram a rir. em toda aquela doce penumbra e luz de vela. com Deus. passando o braço em volta do menino. suando. — Você só sonha que ela morreu — continuou Johnny. Ele mesmo. que não viam nada. Enquanto ele falava. e se examinou rapidamente. Deus. até a pequenina Emilie. — Jean — disse ele. descuidado e feliz. pulando no assento duro de madeira. era muito mocinha. perguntou-se Johnny. Então ele mandou um anjo. Max. Maria ficou assustada. essa moça. e ele a amasse. e queria servi-Lo. cujo nome era Maria. era esse o nome do pai. Pois bem. crianças. — Anjo? — perguntou Pietro. No rosto de Jean apareceu uma expressão tenebrosa e cínica e Johnny continuou. Então. — José? José? Papa. novamente franzindo a testa num esforço para compreender que o que lhe acontecera. pois um exército forte de um país muito grande tinha tomado a terra do povo dela e o tinha escravizado e roubado todo o dinheiro. Deus sempre escuta as orações. bist Du? — Ele estava agarrando as costas do banco a sua frente e seus olhos pálidos estavam fixos. nem muita esperança. ajoelhados de ambos os lados do altar principal. Pietro só estava olhando para ele com os olhos atentos e impacientes para ele continuar a história. Pois bem. Essas crianças nem sabem muita coisa do nascimento natural. e que o Filho era Deus. — Tão linda quanto a Kathy e não muito mais velha. — Maria ia se casar com um homem muito bom. Deus não mente nunca. Enquanto isso. — Aqueles ali são anjos — explicou ele. — Vivem com Deus. na prisão. para visitar a moça. Puseram a gente de Maria. mas um dia isso virá. Kathy levantara a cabeça. depressa. pensou Johnny. . Aí ele teve uma inspiração. sente-se como o Jean e seja bonzinho. com halos. — Debruçou-se por cima de Pietro e com delicadeza afrouxou as mãos tensas agarradas ao banco. Havia dois anjos de estuque. e traria a paz e esperança pára todos os homens. temos de trabalhar por isso. bem como o assombro. José… Ele foi interrompido por uma exclamação forte de Max. — Ainda não temos paz. Olhou devagar de um rosto para outro. Ele se debruçou por cima de Pietro e agarrou o joelho de Johnny num gesto súbito e desesperado. Estou sempre arranjando dificuldades. E essa imagem aí é um retrato dela como algum artista sonhou que ela era. a família de Maria. todos nós. alerta. Agora ele ia ver se conseguia encontrar realmente uma ou duas dessas crianças. Mas Jean virara o rosto atormentado para o ministro e uma compreensão plena se estampava nele. pensou Johnny. chamado Gabriel. e que Ele salvaria o nosso pobre mundo mau de si mesmo. Ele continuou depressa: — Muitos homens têm esse nome. Olhou em volta. muitos deles. — Não quer que eu termine a história? Então. Depois tornou a lançar um sorriso terno e significativo para a imagem. Há coisas que terei de passar por cima. E o anjo disse a Maria que ela teria um Filho. Afinal. acontecera com outra menina. Mas como posso explicar o Nascimento Virgem?. Max teve a única reação violenta. Quem sabe? Talvez a modelo do artista fosse assim. num país muito distante… ainda mais longe do que de onde vocês todos vieram… amava muito a Deus. homens e mulheres. Aquela gente era muito pobre. Max puxou os dedos livrando-se de Johnny e recomeçou a torcer as mãos. Estava muito frio e nevando e Maria e José estavam muito cansados e com tome e o único lugar que encontraram para se abrigar foi um velho estábulo. os olhos se apertando. — Os soldados fortes de outro país fizeram a vida do povo de Maria muito infeliz. com tristeza. chegaram a Belém. No entanto… — É — respondeu ele —. Max estava levantando a cabeça. Andavam por toda parte. As mãos de Max pararam. pondo a mão por cima da de Max. Jean olhou para a estátua e seu rosto ficou muito tenso. — Sabe. Era como uma cabeça de um jovem cadáver levantando-se de um túmulo. Mas aquelas crianças ainda não estavam preparadas para ouvir falar de símbolos. do fundo das trevas turvas dentro de si: — Tropas de assalto! — Bom. pensou Johnny. agora tenho uma pista. não suportando mais. lutou. pensou Johnny. Então. — Então. também. Os picos de cabelo na cabeça do menino pareciam uma coroa de espinhos. — Ele vacilou. — Você compreende. acho que você os chamaria assim — respondeu Johnny. Confiavam n’Ele. Maria e o marido tiveram de ir para um lugar chamado Belém. também. é uma história muito. que tinha sido obrigado a ir para Belém a fim de serem contados pelos romanos e dar dinheiro. . que estava montada num cavalinho. Ele não podia suportar aquele rosto cego. Mas quando Maria. muito antiga. e José. se descontraíram e caíram sobre os joelhos. — Não faça isso — ordenou Johnny. não só para pagar aquele dinheiro. Jean — respondeu Johnny. sim. Todos os hotéis e casas estavam cheios com o resto do povo. Mas sua cabeça abaixou até o peito. E eles eram tão pobres. marchando… matando. sempre agarrada a Emilie. de um modo simbólico. mas para serem contados. com energia. devagar. — Maria e José não fizeram isso. aqueles olhos perdidos e solitários cheios de uma angústia confusa. marido dela. De certo modo. debruçando-se para Johnny. tenho certeza de que tinha arame farpado ou uma cerca em volta. Amavam a Deus. viram que não tinham onde ficar. acusando cegamente. Agora Kathy estava se debruçando para ele. De repente Jean disse. Então. — Todas as noites — murmurou Jean. quando estava muito frio e havia neve nas montanhas. olhando para o espaço — eles contavam… — É. Com arame farpado em volta? — perguntou Jean. — Maria… e José… a gente deles na prisão também? Não… não… — Hoje chamamos de campos de concentração — disse Johnny. — Então — continuou Johnny — esses soldados… chamavam-se romanos… tinham feito um rei… um chefe… para o povo de Maria. quando o povo. os romanos disseram ao povo de Maria que ele tinha de ir para a cidade mais próxima e pagar mais dinheiro. O povo de Maria se chamava judeu. ou compreendê-los. cegamente perguntando por quê. sim. que não trabalham para evitar isso? As pessoas bem e boas que têm certeza. estava deitada na palha. — O coração dele batia pesado. Tem sempre arame farpado em volta deles… Espetam. talvez. Tinha a convicção mística de que estavam compreendendo ainda mais do que ele estava contando. — Você estava lá. rasgou parte do vestido para cobri-Lo por causa do frio. As crianças viraram as cabeças para olhar para o Menino de gesso nos braços de Maria. papai! — Claro que sim — respondeu Johnny. “boas”. e encontrou uma manjedoura… onde põem o feno para o gado comer… e deitou o Bebê na manjedoura. ferozes. coberta com o casaco remendado do marido. — Como vocês. papai! Um bebê e as meninas e mulheres tinham medo que os soldados fossem matar o bebê e a mãe pôs o bebê numa caixa cheia de palha e escondeu debaixo de umas coisas… Eu vi. um Bebê. Só tinha a Sua mãezinha. Jean. — Claro que sim. — Ele está ouvindo papai nos contar a história Dele. doente. Foi só um truque da penumbra. — É então — continuou —. — Deixaram Maria e José entrar no estábulo. enquanto a pobre Maria. quase sem se fazer ouvir. sempre esteve. E quem vai proteger todas as mães… no futuro? Onde estão as mães agora. Então Maria e José se deitaram na palha para dormir. — Eu sei! Vi isso. Não sabia andar nem falar. perguntou-se ele. Menor ainda do que a Emilie. Jean levantou as mãos cerradas e todo o seu rosto tremia. no frio. um Menino. Até que ponto compreendem?. olhando para todas as crianças. Os meninos rosnaram. — Eu me lembro disse Jean. — Eu estava lá. Então. — Não vou deixar os soldados verem a Emilie! exclamou Kathy. Não?. o bafo das vacas e os corpos delas fizeram com que lá dentro fosse um pouco menos frio do que fora. — Eu sei. — É — disse Johnny. havia vacas lá. fazendo-o brilhar sobre as crianças no banco. e o lampejo súbito da luz de vela. — Vejam — disse Kathy. um pouco! Johnny continuou: . os filhos vão morrer em seus braços? Onde estão as pessoas “bem”. claro. só demora um pouco!” Um pouco. sem saber que amanhã. sérias. Johnny suspirou. — Ele era um bebê — disse Johnny. feroz. de que “está tudo bem. que fez o resto de gesso assumir o brilho e compaixão da carne. Deus nasceu para ela. na palha. agarrando a menininha. As crianças o olhavam. segurando os filhos. apertando as mãos nos olhos. pensou Johnny. Era de noite e a lua brilhava como gelo e só havia a palha para eles dormirem. E ela não tinha uma cama para Ele. Através dos tempos. aquela mocinha. Passaram-se alguns momentos até ele perceber que as crianças estavam muito quietas e aí ele viu que os olhos delas estavam cheios de um brilho estranho. E o nome do país onde viveram muitos anos é Egito. onde há amor. no Egito. sonhadora: — Eu também estive no Egito. e muitas vezes Maria tinha medo porque os vizinhos não gostavam deles e os outros meninos eram maus com o Filho dela. sabe. mas continuavam a olhar para o Homem crucificado. Johnny continuou: — Bem. com sua voz baixa. para que os soldados não pudessem encontrá-los e matá-los. Eram homens muito pobres. o rei mau e os romanos ouviram o que os pastores contaram ao povo. que era o sinal.. e ninguém queria saber deles. Assim. É — respondeu Johnny —. paz… ” A voz lhe falhou e ele abaixou a cabeça. que se chamava Jesus. Mas eram felizes juntos e se amavam. na manjedoura. Mas o anjo disse: “Não se assustem. crianças. ele amava o mundo. — É — murmuraram as crianças. Seria possível que tivessem entendido alguma coisa num momento místico? Então. à distância. com o Bebê. pois. Max disse. Deus nasceu nesta hora para salvar vocês e Ele está numa manjedoura na cidade de Belém”. está Deus. Kathy interrompeu: — Mas Ele era Deus! Por que Deus deixou ele mesmo ter fome e ser maltratado? Johnny a abraçou. F. E o anjo apontou para uma grande Estrela que de repente apareceu no céu. o povo de Maria. e os carneiros se juntavam em volta deles. sim. E permaneciam olhando para o crucifixo no grande altar. pois eram estrangeiros numa terra estranha. José trabalhava de carpinteiro e o Menino. de terem visto Deus em Sua manjedoura e o rei teve medo de que o Bebê tivesse vindo para lhe tirar aquelas terras.Deus nas alturas e na terra. de repente um anjo apareceu a eles. que se chama um burro. o anjo disse: “Glória a . — Só algumas pessoas sabiam que Deus tinha nascido naquele estábulo. faziam mesas e cadeiras para as pessoas que queriam comprá- las. Ele continuou: — A pequena família era muito pobre. deu ordem para encontrarem o Bebê e o matarem. Muitas vezes iam para a cama com fome e moravam num casa muito pobre. Maria e José saíram depressa do estábulo. com Uma luz maravilhosa em volta dele. trabalhava com ele. e queria mostrar ao povo que compreendia o que eles sofriam e que sabia o que é estar sem casa e . embora seja terrível e mau. porque tenho uma notícia maravilhosa para vocês. e a Mãe e o Filho foram carregados no cavalinho. e não para o menino nos braços da Mãe. E enquanto a luz brilhava sobre os rostos dos pobres pastores. e foram para outro país. minha querida. e os pastores tiveram muito medo. — Porque. Max. pois isso já tinha sido contado muitos anos antes. esteve. que tomava conta dos carneiros nas montanhas frias. — Você contou a história muito bem. Nunca se poupou. Quando chegou à porta. mas o velho padre tinha desaparecido. O velho padre estava ali sentado. padre — murmurou Johnny. vagamente. pessoas! — Pessoas — os outros gritaram em coro com alegria. O dia tinha sido longo e difícil. Burnsdale. A rua abaixo dele fundiu-se numa onda de cores quentes. quietas. olhando para a rua barulhenta e ofuscante. mas no final suas pálpebras estavam caindo e ficaram contentes em tropeçar atrás de Johnny e da Sra. meninos. Ele queria mostrar a eles que sabia o que é ser um homem. — Johnny esperou um pouco e depois disse: — Seja o que for que alguém tenha sofrido. Johnny pôs a mão no bolso. Fez uma mesura e saiu com seu rebanho. depois que Johnny acabou de falar. não de criança. dormindo. Jean mordeu o lábio. e quem já ouviu falar de um fantasma com esse nome? Eles estavam na escada da igreja. ou com fome. As crianças estavam deitadas. Depois virou-se para Johnny e sorriu. nas novas roupas de dormir que Johnny lhes comprara naquele dia. indo para a cama. quando Johnny parou. olhou para trás.ser só e odiado. — Obrigado. nunca devem se esquecer de que Deus sofreu isso. ou forem odiados ou não tiverem um lar. Ele esperou. — Contei a história de Deus quando ele era mocinho como vocês. — Olhem! — exclamou Jean. . para as portas por onde entrava o sol. confuso. Max olhou para as mãos. Era a pozeira da Sra. sorrindo. muito antes de vocês. com firmeza: — Não acredito em fantasmas! — O quê? — perguntou Pietro. Seus dedos encontraram uma coisa dura e redonda. — Se vocês um dia estiverem cansados de novo. meu filho. as imagens. Quando passaram pelo banco onde tinham sentado. As crianças estavam sentadas caladas. Deus também sofreu e Deus compreende. Deus esteve lá primeiro. Levou-as para a nave. cada qual com suas feridas e suas recordações confusas. Tinham jantado quase normalmente. apontando para baixo. Jean olhou bem para o crucifixo e suspirou. — Além disso — acrescentou Johnny — o nome dele era McCloskey. Stevens ficou calado por muito tempo. que tinha adormecido no colo dela. procurando um lenço. O Dr. Ele se levantou e as crianças também. a luz de vela e as sombras nos arcos e as janelas brilhantes. Só havia o altar. — Pessoas. O jovem ministro retribuiu o sorriso com tristeza. Johnny falou em voz alta. abaixando a cabeça sobre a pequena Emilie. Ele disse. Grant. quando ficou homem e voltou para a sua pátria. Johnny teve um sobressalto. e hoje à noite conto mais sobre Ele. sem poder acreditar. e era um sorriso de homem. E Kathy chorou. Johnny respirou fundo. o rostinho de Pietro brilhava. em toda parte! O Dr. E também pensei que cada uma dessas crianças tem direito a sua herança. não fique tão encabulado. Estou contente. Um Pastor”. Stevens. todos os garotos protegidos. — Você não e esse homem. Sinto muito não ter conseguido lhe arranjar um lugar melhor do que Barryfield. no meio dos irmãos e irmãs? Ora. É um chamado ao espírito para lutar contra a carne. Mas vai ter uma trabalheira. a dor. terão um quadro de referência. sempre tive pena dos fariseus… são tão covardes! E não tolero a covardia. vão se lembrar do que eles já sofreram com isso. e falta de lar que eles suportaram e as próprias feridas que têm no corpo. Não sou esse homem. mesmo que cias não se lembrem. para as montanhas. você teria a maior dificuldade em explicar a tolerância a guris de credos diferentes. e o direito de compreender essa herança. Saberão que está marcada com letras vermelhas nos portões do inferno. E hão de compreender o que o Senhor disse quando profetizou: “Um Rebanho. senhor. diria que você é um santo. se levar a cabo suas ideias. Porque não é. uma espécie de sobremesa no fim de um jantar agradável na semana. já seria um horror. Está convencido de que Jean e Pietro são católicos e Max é judeu. e contra todo o mal. — Suspirou de novo. e não quero fingir. — Não. numa casa só. — Então. Sorriu para o outro. eu não poderia ficar aqui. Ele estava sentado na beira da cadeira. O velho ministro suspirou. o colarinho desabotoado. Stevens tornou a sacudir a cabeça. . Johnny — respondeu o Dr. os massacres. e você sempre pode olhar para cima. nem que essa congregação me quisesse. os campos de concentração. — Está bem. Não posso ser ministro de gente que quer que sua religião seja confortável. Com o passar dos anos. Pense. Sabe. O passado não será vazio e sem forma para elas. os olhos extremamente azuis no rosto moreno. — Pois eu não sinto. se eu fosse católico. sabe. Mas também fica nos Poconos. Stevens e sorriu. sem você ter de aumentar essa confusão? Mesmo que fossem crianças com uma origem média. Tinha tirado o colete e estava sentado em mangas de camisa. nem sonhar hoje. — Tenho a impressão de que eles não vão nem chorar. bem no meio da região das minas de carvão. numa cidade estranha! Mesmo nas melhores das hipóteses. esses guris vão sair pelo mundo e. Saberão que causou todas as guerras. querem um pastor que lhes minta e lhes diga o que querem ouvir. Não faz mal. Johnny. as mortes dos pais. antes dos campos de concentração. — Não faz mal. Haverá uma continuidade nisso. e Kathy e provavelmente a menina menor são protestantes. crianças americanas. pretende educá-los dentro de suas respectivas religiões! — Sacudiu a cabeça. e tentar conseguir que vivessem juntos em paz. quando virem a intolerância. Johnny! — Já pensei. — Tolerância! Quer lugar melhor para aprender isso do que numa casa. — Já não estão bastante confusos. e por que deveria ser erradicada do mundo deles. Então. Johnny. Stevens. Dr. que a religião é uma coisa calmante. eles levam uma vantagem maravilhosa sobre todos os garotos deste país. direito a suas raízes. Ah. Sabe. com qualquer congregação. Sabe. Ele se levantou e enfiou as mãos no fundo dos bolsos e seus olhos faiscaram. Dr. e verão que coisa monstruosa que é. não. . É pequena. fumando o cachimbo. Ele examinou Jean e Kathy. A Sra. Não é como Nova York. a não ser de noite. e talvez nem muito tempo. pelo que ouvi dizer. É muito importante para as pessoas verem as montanhas. e a casa não vai ser igual a esta. responsável pelos membros menos responsáveis e mais moços. e todos os outros pastores e ministros também. As mãos gorduchas permaneciam dobradas na frente do corpo. Mas primeiro quero contar a vocês sobre Barryfield. ansioso. e não vamos ter muito lugar. porém. — Isso é a coisa mais importante que vocês têm de compreender agora. Se fosse. Fica nas montanhas. de pé ali diante de Jean e Kathy. Burnsdale vai conosco para aquela cidade. e tomar conta de nossa nova casa. — As coisas não vão ser fáceis em Barryfield — disse Johnny. mas mesmo em sua tristeza estava agradecido. fora do cansaço do trabalho diário. Jean. muito madura. é ajudar a manter vocês limpos. Já as vi. garotos? Eles menearam a cabeça. pois sorriu. num gesto antiquado de uma atenção obediente. — Obrigado. Johnny suspirou. Barryfield. — A Sra. com simplicidade. Kathy. A ocasião era importante demais para que alguém se sentasse. Estão entendendo. Burnsdale a tinha convencido a largar a trança comprida e os cabelos louros e macios caíam-lhe em dobras lisas pelos ombros. Os olhos azuis não eram mais furtivos. A boca estava posta em curvas femininas. Kathy meneou a cabeça. Lá eles extraem carvão. mas nada responderam. Eles estavam compreendendo. o rosto estreito e sabido de Jean sério e atento. têm de saber exatamente em que nos . escutando o pai de criação. — Nós compreendemos — disse ele. Só o que ela pode fazer. Mas não como os Alpes. os olhos claros alertas. e você. Eu não vou ter muito dinheiro. seu sorriso secreto. estranhamente comovente. o queixo enérgico — como os Alpes. — Não — repetiu Jean. Vou ter uma paróquia… uma porção de gente para eu tomar conta. Jean devia saber o que ele estava pensando. os cabelos castanhos bem penteados — pela primeira vez — pela Sra. e sim firmes. Eles ficaram muito sérios de novo. — Preciso da ajuda de vocês — começou Johnny.V O sol amarelo e quente jorrava pela janela da biblioteca e parecia envolver Johnny. Com suas novas roupas “americanas”. garotos. — Papai também é como as montanhas. Então você. Jean e Kathy estavam muito parados. umas montanhas azuis chamadas Poconos. Mas não sou grande coisa como montanha. Kathy estava tão séria quanto ele. Não vou poder ficar o tempo todo com vocês. e a preocupação e a sujeira. o que aconteceu com vocês não teria acontecido. Sempre podemos olhar para cima. Burnsdale. Nem tenho uma igreja muito boa. e nos dar comida a todos. na idade dela. para longe do pó e do barulho da cidade e ver as montanhas. parecia uma filha mais velha. Eu já lhes disse o que este país significa: a liberdade. Uma liberdade protegida pela lei. Os olhos pálidos de Jean se aguçaram. Esperem. brilhantes. com sua voz certinha. Temos uma coisa que se chama Constituição. ou a você. E estarão conosco em todos os minutos. Eles não vão compreender tão bem quanto vocês. Mas é Estados Unidos. nem do campo de concentração. — O que mais precisa. Kathy recuou. como sombras. E é por isso que preciso da ajuda de vocês com Max. pensou Johnny. Polícia que protege o povo contra quem desrespeita a lei. Então. E agora. Aí vão saber. a qualquer momento. não se ter medo. não é? Johnny respondeu. — Sempre haverá a lei. nem do pavor de uma morte violenta. foi o que Johnny quase os ouvia pensarem. Se não fizerem isso. é Estados Unidos. Um dia desses vou ler a Declaração de Direitos para vocês. — Como não teve lei na Europa? Essa é uma boa pergunta. não haverá nada para nenhum de nós. Por que vocês acham que passo as noites acordado. Entendem? . tomando conta deles. ou fazer… em momento algum. Os americanos não são diferentes das pessoas na Europa. guris. nem medo da polícia estadual. Ninguém vai me tirar de vocês ou me matar. — Então. Já lhes disse isso. — Pode acontecer o que acontecer. ou tirem as propriedades deles. — Mas… se não tem lei? — respondeu Jean. Sempre há pessoas. quero que vocês saibam do pior. sério. sério: — Sim. pensando? Ele procurou sorrir. Ninguém vai colocar arame farpado em volta de nenhum de nós. tranquilizando-os. papai? — Muita coisa — respondeu Johnny. Ninguém vai me dizer. — Sé há uma coisa que é diferente. Não. — E então? — perguntou Jean. e não querem que isso aconteça aqui. A lei aqui. ou incendeiem suas casas. ou machuquem as crianças. Pietro e Emilie. Quero dizer. meio reprovadora. nós todos vamos fracassar. tenso. explicando a lei. explicando às crianças nas escolas. Vocês estarão com eles o tempo todo. entendemos. várias emoções violentas passando por seus rostos. Então. fazendo funcionar nos tribunais. por mim. por qualquer pessoa. Entenderam? Jean perguntou: — Sim. não é assim tão simples. Não a polícia como na Europa. Isso é que é importante vocês se lembrarem. Ninguém pode lhes fazer o que lhes foi feito na Europa. —: Olhem. a maior parte. seja o povo o que for. E sabem por quê? O povo respeita a lei. Sabem o que são tribunais? A polícia. eles são a nossa proteção. Já viram o que aconteceu na Europa quando aboliram a lei. As crianças pensaram nisso. — Ele parou. e na escola também vocês vão aprender isso. — Espere aí — continuou Johnny. e isso impede que os americanos matem outros americanos. com medo. vem a parte mais importante. não estamos assim tão seguros. E temos milhões… milhões!… de gente boa trabalhando o tempo todo. — Deus e a lei são a nossa proteção — disse Johnny. o que devo dizer.estamos metendo. por que papai tem medo? O que mais mete medo se os americanos são assim? — Temos tudo isso — disse Kathy. ficou muito contrariado e disse-lhes: “Deixai vir a mim as criancinhas e não as embaraceis. as meninas com suas bonitas camisolas de algodão branco. como se a oração que tinham aprendido ainda estivesse ressoando em suas almas. esperando. Apenas alguns dias. Um abajur atrás de Johnny iluminava o livro que ele tinha na mão. Não lhes escapou nada. as crianças ficaram ali de pé. as cabeças abaixadas. e o Dr. Então. com tanto sentimento. não percebido pelo jovem ministro. eles se adiantaram para ele. porque o reino de Deus é dos que se parecem com elas… ” E Ele as tomou nos braços e pôs Suas mãos sobre elas e as abençoou. naquela agudeza sobrenatural deles. cintilando com um brilho eterno nos orifícios escuros e tortuosos. assombrado. Johnny rezou: — Pai Nosso. Burnsdale entre as duas meninas. — E eles levaram a Ele as criancinhas. com orgulho. Kathy sentada direito numa cadeira ao lado da Sra. tocou de leve na testa dela. por alguns momentos. sonolenta. Quando Johnny acabou. Estavam todos reunidos no quarto grande onde dormiam os meninos e Johnny. o trovão murmurando no ar abafado e uma brisa quente soprava nas cortinas. Ele abaixou a cabeça e todos o imitaram. Johnny a pôs de pé. Todos tinham cheiro de sabonete e uma infância asseada. Kathy pegou uma de suas mãos e Jean a outra. — Meus guris! — exclamou Johnny. O rosto de Kathy estava brilhando. ela se agarrou à mão dele. para que Ele as tocasse. olhando em volta com o sorriso de bebê. mas quanta coisa tinham aprendido! . Emilie meio dormindo no colo de Johnny. Mas quando Jesus viu aquilo. no joelho de Johnny. Eles ficaram em volta dele. Emilie sentou-se. que era seu legado do terror. Ele largou o livro e. por algum tempo. a voz pura e forte no silêncio: “Pai Nosso que estais no céu. Stevens olhou para eles e viu seus rostos sérios e graves. e para espanto humilde dele — compaixão. O Dr. Burnsdale e o Dr. Os meninos no chão o observaram. atentos. Ele olhou para todos. Sorriram para ele com uma sabedoria antiga. — É — disse ela. — Ele parou e as crianças murmuraram: — Pai Nosso. E mandou papai para nós. — Ele nos tomou nos braços e nos abençoou. — Nós sabemos — disseram. e Seus discípulos reprovaram aqueles que as levaram. Stevens pensou que nunca ouvira aquela oração ardente pronunciada tão devotamente. as mãos dobradas e juntas. — Johnny continuou. Stevens no lado da grande cama de casal. abençoando-a. como se um sinal tivesse sido passado entre eles. abraçando a menina dormindo. a Sra. os três meninos no chão. E se puseram nas pontas dos pés para lhe dar o seu primeiro beijo de confiança e fé. pensou o velho. nas janelas compridas e abertas. e afastando os cachos compridos. A noite estava quente e parada. os meninos de pijamas azuis. As crianças examinaram o rosto ansioso e atormentado de Johnny. Santificado seja o Vosso Nome… ” Ás vozes jovens o acompanharam. vou contratar um professor aposentado para ensinar a eles em casa. mas sempre me fazem lembrar das feras de pernas compridas. O Dr. Atividades… palavra abominável. onde é que se originou esse negócio infernal de mulheres trabalhando ao lado dos homens? Qual a mulher normal que deseja isso? — Começou na Rússia — respondeu Johnny. e a inveja e desconfiança entre o povo. não sendo comunista. filho. para apenas quatro horas! — protestou Johnny. O Dr. E isso. Todos agora já conhecem o alfabeto. Tive um velho professor escocês que me ensinou uma oração: “Deus nos livre dos fantasmas e espíritos e das feras de perna comprida que rondam de noite”. Não podiam contribuir com coisa alguma senão o ódio e a revolução. nestes últimos 10 ou 12 anos. — Eu não acho — respondeu o Dr. e todos os problemas que você vai enfrentar. Stevens deu de Ombros. deseja exatamente isso. em parte. Mas meu conselho é não se apressar demais em dar doses de cidadania às crianças. Correndo de um lado para outro. — O rosto dele ficou frio e escuro. e Jean. É esse o meu maior problema. nem muito produtivas. Elas podem tornar as coisas bem difíceis para você e as crianças. e escolas e o trabalho de tentar melhorar uma paróquia sofrível e uma igreja pobre. com a ajuda de Deus. se é que isso existe lá. Barryfield é. As minas não são muito grandes. se metendo na vida de todo mundo e querendo que todos se conformem com as normas. Ou senhoras que se dedicam a atividades comunais e metem o nariz em tudo. Assim que puder. O Dr. construída à base do carvão. — Os comunistas americanos progrediram muito neste país. mas com outros também. Não sei quanto ao Max. é verdade que no navio eu tinha camarotes vizinhos e tomávamos todas as refeições lá. Nunca sei o que é que ele sabe. Foi planejado. Stevens levantou os olhos para o teto. Por falar nisso. — E há aqui gente que. Uma terça parte dos homens trabalha nelas e a . — De repente os olhos dele brilharam. — Ouvi falar muito disso na Europa. não fique tão deprimido. — Sim. Os olhos abatidos de Johnny brilharam com malícia. Vamos esperar que você não tenha dificuldades com a associação de pais e professores em Barryfield. não só com essas pobres crianças salvas. Johnny. comecei a ensinar-lhes assim que fiquei com eles. com poses muito agressivas de virtude cívica. não invejo os seus problemas. — O senhor costuma contar isso às suas muitas admiradoras? — Não. Stevens colocou o envelope com as passagens na secretária na biblioteca. mas acho que agora os garotos já estão bem e podem viajar de vagão comum. — Johnny. Kathy e Pietro já sabem ler algumas palavras simples em inglês. Stevens. — Johnny. embora tenha algumas fábricas. a confusão e por fim a escravidão. Não vamos forçá-lo a fazer milagres. filho. com sua irritação. Não se ria. — Mas um carro-salão. Muito mesmo. ou achariam que estou senil. para seus propósitos monstruosos. pois elas me poriam no ostracismo. Você fez maravilhas… humm. Imagino que já tenha pensado na questão de escola? — Já. me leva de volta a Barryfield. para esta terra. Sem dúvidas as senhoras de atividades são almas dignas. Um ou dois contra dois ou três. Johnny levantou a cabeça. e vice-versa. “E tem outro problema. Não adiantou nada. como uma revelação… que eu estava destinado a ir para lá. e seu rosto estava animado. no máximo. mas existe. ou eram inimizados pelos próprios fiéis. O velho ministro continuou: — O delegado do sindicato de uma das minas está no conselho da sua igreja. estão perdendo dinheiro de novo. Os proprietários querem conservar as minas abertas. mas creio que é o que chamavam de vocação. filho. embora não estejam ganhando coisa alguma. Os comunistas têm andado muito ativos lá.” Ele olhou para Johnny com uma expressão eloquente. Ele está bastante aflito. ficaram mais ou menos equilibrados. Stevens. Johnny. Os proprietários e administradores das minas de carvão mal sobreviveram à crise. as minas terão de ser fechadas. Numericamente. — Tentei lhe arranjar um lugar melhor. — É uma palavra antiquada. e tentaram. mal fazendo face às despesas e salários. mas é isso que sinto. Vou ficar enquanto a igreja quiser que eu fique. Ou tinham contra si as poucas pessoas abastadas. Pode adivinhar o motivo. Não sei por quê. Conversei com ele pelo telefone várias vezes. filho.” Ele esperou por um comentário. sabendo de tudo isso. Assim. Um bom homem. Espere aí. com essa mistura explosiva de raças. até eu poder lhe arrumar coisa melhor. dedicam-se ao racismo. em menos de oito anos. Assim é que. às vezes. recentemente. as companhias puseram os livros na mesa. Querem que os homens tenham emprego. O Dr. se houver greves e os homens tiverem aumentos de salários. pelo que ouvi dizer esses últimos dias. O sindicato não quer que os trabalhadores façam greve.população da cidade é de apenas cerca de 150 mil habitantes. ou os sindicatos ou alguma dita minoria. Não com violência. Não sei bem como me exprimir. Tudo estimulado pelos comunistas. alemã e irlandesa. mas Johnny não disse nada. você está com os comunistas nas suas mãos. eles não querem fazer greve. Stevens olhou para o lado e não respondeu. Você vai ter de aguentar. de repente. A guerra lhes trouxe certa prosperidade. sei que você detesta a palavra ‘raça’. Você sabe disso. Dr. . e quando os cidadãos não têm muito o que fazer. se bem que não o conheça pessoalmente. Mas não lhe pude arranjar outro lugar. mas pouca. Está precisando de sua ajuda. mas são desgraçadamente ativos e barulhentos e são peritos em dividir e armar confusão e mentir. os comunistas são poucos em Barryfield. sinto… e isso me veio de repente. “Bom. para que os delegados do sindicato vejam por si. a mineração de carvão é uma coisa periódica. em 1946. Mas. A paróquia já teve quatro ministros. Eram todos bons homens. Isso se manifesta discretamente. Agora. Hoje Barryfield tem uma dúzia de “raças” ou mais. — Não. não pude suportar a ideia de você ir para lá. com uma missão. E é isso que os comunistas querem. Stevens. mas tenho de usá-la propositadamente. de uma hora para outra. Vou tentar ficar. há meio século. Dr. só de mau humor. É uma cidade velha e tiveram seus problemas. Barryfield originariamente foi inglesa. Mas os comunistas querem. de 1938 a 1941. Os homens não são tolos. Eu disse a ele pelo telefone que. Schoeffel. solteiro. — Estou velho e acho que já vi demais neste mundo. Eu me esqueço. quando o tio. devem estar dispostas a trabalhar por ela e sustentá-la. Foi para Nova York e depois de uns 50 anos tinha arranjado um lugar na bolsa de valores. morreu e lhe deixou todo esse dinheiro. deixou todo o dinheiro… depois de várias contribuições para caridade. O Dr. porém. tesoureiro do conselho. de modo que custeou os estudos trabalhando nas minas durante as férias de verão. Foi pelo Sr. McManus. Johnny se inclinou e pôs a mão no joelho do velho. que era 30 anos mais velho do que ele. O Dr. Ele já estava com 50 anos. Stevens tossiu. mas você nunca esquece. Não me dê ouvidos. Johnny. Citando de novo: “Já há estrangeiros demais nesta cidade”. Mas nada mais. como filho de ministro. se ele não o . foi muito feliz. Por que frequenta essa igreja? O pai dele foi o primeiro ministro de lá. Em certa ocasião. eram vários milhões… para esse homem. O tio. Estava resolvido a ser médico. para poder conseguir o dinheiro necessário. — O Dr. Johnny. Dr. detestável. Stevens tirou os óculos. Tem a única clientela rica da cidade e os honorários dele são tremendos. O homem mais importante de lá é muito rico e velho e. McManus não queria que você fosse para lá. Todos os outros ministros tiveram problemas. Johnny pensou naquilo. Johnny. Disse que você provavelmente era “um raio de comunista”. McManus. ao que eu soube. Talvez Deus ainda esteja interessado nessa violenta bola de lama rolando em seu próprio sangue. Ele prometeu que daria exatamente o que os paroquianos conseguissem contribuir para sustentar a igreja. Mal sabia da existência do tio “pecador”. Por vezes nos esquecemos disso. Schoeffel que eu soube que o Dr. literalmente. — Está bem. que tem uma pequena fábrica de sapatos. ao que ouvi dizer. — Bem. e agora está com bem mais de 60 anos. o detesta. McManus é um selvagem bruto e sujo e blasfemo. e sem outros parentes. Stevens estava chupando o cachimbo. — Fico contente que você diga isso. pois vejo que terá poucas dificuldades quanto a isso com o Dr. O nome dele é Alfred McManus. Se as pessoas querem uma igreja. Alfred McManus. Johnny. Depois disse: — Creio que concordo com ele. que é presidente do conselho da igreja. Talvez você é que saiba das coisas. Stevens ficou satisfeito. E continua a praticar a medicina. foi quem a construiu. “sem piedade no coração”. Kmil Schoeffel. Achavam que ele é que devia sustentar tudo. morrer por ela. Há outra coisa que você deve saber sobre sua paróquia. O Dr. O senhor tem certeza de que sabem de tudo sobre mim e as crianças? — Tenho. Ele a achava tão importante e se interessou tanto por ela que veio aqui Ele mesmo. nem um centavo a mais. coitados. como o chamava o pai. O Sr. A citação e do Sr. Esfregou-os com o lenço. é um individualista ferrenho. meditando. O Dr. foi obrigado a largar a universidade durante três anos. clinicando em Barryfield. Quando esse tio morreu. pois estavam úmidos. trabalhando nas minas. Ele mesmo teve uma vida muito dura. não muito próspera. Não sei os detalhes. sorrindo. Parece que tinha muito amor pelo pai. O Dr. Alguns médicos têm na sua natureza algo que os santos têm.aceitasse. deixo esse santo em suas mãos. Isso foi demais para o Dr. que só ajudou obstinadamente a manter aquela igreja por causa do pai. Pelo que ouvi dizer. — Se fosse só o dinheiro que ele queria. apenas um velho hostil. mas. filho. Stevens. . Ele deu uma boa gargalhada. — Bom. ele provavelmente já foi mandado para um lugar onde os santos em geral não vão. pensou que podia ganhar muito dinheiro. A resposta dele me convenceu de que ele- não é um senhor cristão. — Provavelmente é ambicioso. amargurado. ia esperar muito tempo por outro ministro. teria se aposentado ao herdar a fortuna. sim. — Não obstante — meditou Johnny — quis ser médico. Todo mundo quer o que os outros têm. nem os jogamos em poços de víboras. A Sra. Talvez um dia desses cheguemos a alguma coisa. todas cheias das roupas novas das crianças. Burnsdale. Lá estava Jean. nem os surramos até perderem os sentidos. sem ter de trabalhar por isso. Nunca lhe ocorrera comprar para si uma mala melhor. — Acho que o senhor sempre tentou. novos. penteando energicamente os cachinhos compridos e emaranhados da Emilie. com capricho. nos esforcemos.VI Dentro de mais cinco minutos. Burnsdale lançava olhares altivos pela grande janela de vidro laminado. John Fletcher olhou em volta. mais ou menos. (A valise dele era velha e rachada. escovando a poeira dos ternos azuis. E como! Ela lhe lançou um olhar de compreensão. mais altiva ainda: — Humm. Não matamos de fome os doentes mentais. e Sra.) Ficou satisfeito com a imponência de todas aquelas malas. acho que Barryfield não vai ser muito melhor do que isso por onde temos passado. tornando Pietro e Max apresentáveis à força. — Provavelmente também existiam naquele tempo — respondeu Johnny. — E provavelmente queriam ter tudo por nada. As cidades podem ser modificadas. Tanto Jean quanto Kathy estavam murmurando baixinho palavras de advertência para os outros. ou tinham de trabalhar. sentada majestosamente junto da janela. quando estava comprando as coisas das crianças. ministros. Talvez dentro de um milhão de anos. Sim. Não pomos os nossos velhos para morrerem nas estradas. embora baratas. Mas há alguma coisa errada com esta terra. Não deixamos que os órfãos morram de fome nas ruas. procurando toda a bagagem do carro-salão: lá estava amontoada em pilhas novas. Burnsdale respondeu. A natureza humana nunca muda muito. mesmo sendo uma . Pode até ser pior. Burnsdale. Não matamos mais os idiotas e débeis mentais. de certo modo. depois de ter lavado o rosto da menina. Johnny olhou para a Sra. A Sra. — E acrescentou: — Se Barryfield for uma dessas cidades. Caridade? Às vezes eu penso o que George Washington diria dessa gente. Fletcher. o trem chegaria a Barryfield. Sr. O sabão é barato e a tinta também. — Continue tentando. Passou um pente pelos cabelos pretos e curtos e olhou para as crianças com amor. se o povo tiver peito e amor-próprio. creio que adiantou. Johnny achou graça naquilo e falou: — Garotos. grandes e pequenas. Mas não adiantou grande coisa. deixando que Jean e Kathy assumissem a responsabilidade pelos mais moços. endireitando gravatas. Passando pelas cidades pequenas e estações menores. a Sra. Que milagre duas semanas de América tinham realizado com elas! Lá estava Kathy. alegres. e ele tinha sua mochila do exército. Mas passavam fome. na milagrosa pia de aço. talvez a gente consiga que eles a esfreguem e limpem. não é? — Agora a senhora está sendo cínica. Nunca tive paciência com gente preguiçosa. se bem que nós. Burnsdale inclinou-se e deu um tapinha maternal no joelho dele. têm de encarar os fatos. solenes. Agora. Burnsdale. Ajuda a formar o caráter. — Já lhe disse que a casa não é muito boa. Jean? E você. e risos. de ciprestes e torres de igreja pontudas com cruzes brilhantes? De terras vermelhas. de repente apareceram as montanhas. verdes e desgrenhados e sem grandeza. Johnny chamou as crianças para junto dele. de montanhas e colorido. — Bom. de pontes distantes. — Ele fez uma careta. alegria e fé? De santuários à beira da estrada. menos dia. brilho e beleza? De camponeses seriamente cultivando os alimentos. Mas então. paz. coisa que Johnny nunca tinha visto. à sombra dos olivais. Kathy? Jean corou e deu um último puxão reprovador à gravata de Max. — Só a lei. majestosas em seu colorido. viram os delicados arcos. Burnsdale. tocados aqui e ali com vermelho. os olhos claros severos. O trem estava diminuindo a marcha. aliviada e satisfeita. ou colhendo os feixes ao pôr-do-sol. — Entende o que quero dizer? As crianças já têm alguma ideia do sonho americano. non? Mamãe Burnsdale e papai acham isso? Os olhos da Sra. O rosto moreno e expressivo do menino tinha uma severidade triste. E é pequena. então — respondeu a Sra. Burnsdale ficaram úmidos. Johnny o observou. — Claro que sim. Ela estendeu o braço para ajudar Jean a pôr o casaco. olhando para o passado. — Você é um garoto muito sensato e Kathy é uma menina sensata. possantes. Na última hora. cantos. sem sofrimento. benzinho. E sempre as montanhas. quando o trem deu uma volta. Suas sombras caíam sobre vales verdes como uma bênção. Seus olhos grandes e negros refletiam a luz dourada dos céus. que na última hora tinha começado a ficar inquieto. sempre as sombras das montanhas. mais dia. Por que está me olhando assim. não de sangue. como todo mundo.cidade de mineração de carvão. sério. mas . por vezes mal controlando sua empolgação. Eles olharam pelas janelas largas. que meneou a cabeça. de fogueiras sob apetitosas panelas de ferro. com o som do doce Angelus em seus ouvidos. não tinha palavras. em arco. convicta. Ele virou-se para Kathy. como de brinquedo. Temos de tornar Barryfield parte desse sonho… se bem que eu não saiba como… para as crianças não ficarem desiludidas. Mas ele recuou. — Ele hesitou. — Jean tem de aprender coisas sozinho. Alguma recordação racial italiana se estaria revolvendo nele. pois ele tinha dificuldade em se vestir por causa do braço aleijado e o ombro defeituoso. — A única coisa é que tem a lei. uma expressão sonhadora. Pietro. Sempre faça por si tudo o que puder. isso vai fazer parte do meu serviço. a forma dos “montes eternos”. tinham passado por morrinhos insignificantes. A Sra. se aninhando sob uma névoa dourada de neblina e fumaça. lançando sua força contra o céu dourado da tardinha. — Esses guris. e quanto mais cedo melhor. ficou muito parado. Ela piscou. viram os rios buliçosos. Depois olhou para a Sra. e tendo fábricas. Viram as aldeias ao longe. Vou estar muito ocupado com as crianças e a igreja. com força. Burnsdale sacudiu a cabeça. com desânimo. Nem mesmo a catarata de luz dourada do céu conseguia aliviar o seu ar geral de irresponsabilidade. depois a Sra. do aroma de jasmins e rosas no pôr-do- sol quente. pois o local era de propriedade da estrada de ferro. poderia se esquecer da glória de sua herança? — Bom — disse a Sra. Em todos os sentidos. pensou Johnny. mas também estava apreensivo. criançada! É aqui que saltamos. limpos. Burnsdale. que ela estava certa. A mesma poeira de fuligem escurecia as janelas da estaçãozinha. Ele jogou a mochila no ombro. Foi para a porta e sentiu que pegavam em seu braço. “Barryfield”. Como estavam olhando para Johnny e seu rebanho com uma expressão decidida. Johnny viu dois senhores idosos saindo da estação. O trem batia e apitava impaciente ao parar. sujeira e indolência. Arrumados. Seu coração animou-se um pouco. Humm. No entanto. das vidraças largas do trem. dizendo “Obrigado”. Jean. calado. A plataforma estava coberta de areia. Dois funcionários do trem os fitaram com o olhar vazio. se insinuava nas frestas dos pobres prédios da estrada de ferro em volta do pátio sem grama. McManus. se o povo tivesse exigido que a companhia limpasse e pintasse um pouco as coisas. em nenhum lugar da Europa. coberta por uma poeira preta. O triste estado da estação não era. Mas vejam onde estamos parando.de alimentos. a Kathy vai antes de você. de pontes lançadas sobre abismos. culpa direta do povo de Barryfield. É tão ruim quanto eu esperava que não fosse. se despejava sobre o mato e as cercas. Um dos homens falou. Virou-se e olhou para Jean. bonitos… se a gente não olhasse muito nos olhos deles. ele chegou à conclusão de que aquela era uma comissão de recepção. Sou o Dr. lado a lado. mesmo a cinco mil quilômetros de distância. Fletcher? Foi o que pensei. Outros passageiros olharam para eles. mesquinho e cruel que acontece em qualquer parte do mundo. mesmo aquela criancinha perdida. Uma estação acanhada e empoeirada. curiosos. — Jean carrega a… mala de papai — disse Jean. claro. quebrada. . Ele se forçou a falar com animação: — Muito bem. em voz aguda e esganiçada: — Sr. desaprovando — as montanhas bonitas. enquanto um carregador foi buscar a bagagem das crianças. o povo é culpado de tudo o que é mau. a companhia teria de ceder. sério. Vou primeiro. Uma plataforma de madeira comprida. de madeira. Johnny. sorrindo. mas com uma distância fria e estudada entre eles. reconheceu. quando desceram. conseguiam dar uma pequena medida de dignidade a essa indiferença para com a decência comum. Burnsdale com Emilie e Pietro e depois vocês maiores. e os cincerros do gado e as corridas das cabras levadas e os gritos das ovelhas sob as árvores pesadas de frutas e paredes cinzentas sufocadas com buganvílias magenta e casinhas com telhados vermelhos e os cantos dos pescadores num mar esmaltado? Algum italiano. Johnny entregou-lhe logo a mochila. Nem mesmo as montanhas em seu esplendor real surgindo além da estação. e Johnny concordou com ele. lembra-se? Ele se orgulhava deles. pousava sobre os olmos solitários que lutavam pela vida perto da linha. com uma placa torta. Ele jamais vira uma estação tão triste quanto aquela. a gravata preta era um cordão sebento. temperada com o desprezo pela opinião local. A Sra. Johnny sentiu pena do tesoureiro idoso. esta é a Sra. entalhado inocente e ineptamente. — Dr. E acrescentou: — Por que esse garoto aleijado está carregando aquela mochila? O senhor não tem força para isso. pastor? Johnny controlou-se. da cor de concreto velho. penduradas frouxas de um modo displicente. Qual a última vez que essa cabeleira grisalha foi penteada. que estava sendo examinado por eles. e também isso parecia uma ostentação. dono da fábrica de sapatos. este é o Jean. Sra. McManus. cinzenta. Sr. Burnsdale. perdendo um pouco de sua raiva. Johnny achava que todos aqueles quilos eram carne dura e sólida sob um terno cinza-claro que não lhe assentava bem e estava tão encardido que o sujo parecia uma ostentação. ou cachimbo. Ele não estendeu a mão. imagino… soube… são as… as crianças? — Os estrangeiros — disse o Dr. o rosto era todo uma carne larga mas sem gordura. ele. a boca dura e quase sem lábios. lançando ao Dr. e sua voz era espantosamente profunda: — Seja bem-vindo. Schoeffel corou muito. ou lavada? A caspa aparecia nos ombros fortes. que parecia ser feito de um cordão frouxo e altas tábuas finas. McManus com outro em espécie. Não era um homem imponente. era ridícula num homem tão vigoroso. não ousadamente. Burnsdale retribuiu o olhar impassível do Dr. pensou Johnny. A voz aguda e esganiçada. quando . o nariz curto e truculento. Nem sei por que foi eleito: não fez muito sucesso. que possuía aquela virilidade desaparecida do país antigo. McManus. tesoureiro. Disse. com timidez. Até mesmo o rosto parecia feito de madeira. Mas o Dr. McManus. sob sobrancelhas baixas e cinzentas. McManus. Olhos cínicos e sem piedade. Como o corpo. pensou Johnny. Schoeffel. a camisa parecia não ter sido passada a ferro. Ora. Ele quis carregar a mochila. que vai tomar conta de nós. Ele devia estar fumando um charuto. e logo a largou. Permita que eu os apresente ao senhor. boca branda e uma cabeça parcialmente calva. O Sr. Do conselho da igreja. McManus fumava cigarros: um cigarro de cinza comprida estava pendurado do canto de sua boca. com brutalidade. McManus um olhar contendo um misto de medo e aversão. pois tinha um corpo tão anormalmente largo que sua estatura mediana era quase diminuída grotescamente. Fletcher. com um desdém pesado: — Este camarada aqui é Emil Schoeffel. Burnsdale. Mas primeiro. Ela girou em seus pés sólidos e deu um sorriso amável ao Sr. um nariz comprido e torto. de certo modo! A Sta. é. mas com um ar de uma ferocidade fria. Falou. O Dr. como de uma velha desagradável. o Dr. Dr. McManus voltou o seu exame duro para as crianças. nossa governanta. Tinha olhos pequenos. Ele apertou a mão de Johnny. E essas. com olhos castanhos grandes e míopes. Burnsdale levantou o nariz e disse: — Humm. pensou Johnny. Os sapatos largos eram rachados e empoeirados. eles se parecem. o que fez Johnny suspeitar do pior. que continuava carregando a mochila de Johnny. McManus. puros. — Sabe. que parecia estar com medo das crianças. McManus. Os olhos dele tornaram e examinar Kathy. a não ser eu. — Gostaria de vê-los. — E então? — perguntou o Dr. — É mesmo? — perguntou o Dr. . contra a vontade. Johnny continuou. essa minha menina grande é Kathy. Passou a Jean. e seus pés se mexeram depressa numa dança. Johnny. doutor. apertou a mão dela. enquanto Kathy punha uma mão pesada no ombro de Pietro. franzindo a testa. Mas. corando de novo. — Ele se esqueceu de Jean e passou e examinar Emilie. As crianças estavam olhando para o Dr. — O que aconteceu com esse rapazinho? Por que não fez alguma coisa quanto a esse braço. — Tenho as radiografias e todos os relatórios. então — murmurou ele. cada vez mais aflito. E este é o Max. pondo o Dr. para sua surpresa. — Não muito — respondeu Johnny. McManus. ou cantor. onde os pais foram mortos. — Não sabe falar? — perguntou o doutor. Estenderam as mãos para ele. não pareciam estar com medo do velho feio e impressionante. — Doutor. Só por curiosidade. que sabem tudo. Burnsdale. a pequena. McManus com expressões insondáveis. — Esse garoto parece um macaco — falou ele. o rosto forte. — Coitadinha — disse o Sr. — Emilie? — chamou. se referindo a Pietro. abruptamente. e a perna?… e é pastor! Estará esperando que Deus o cure. Deus. interrompeu: — Fiz com que quase todos os ortopedistas da Europa examinassem o Jean. — Mas eu acho que ele provavelmente será artista. Schoeffel. e em sua voz havia um tom de irritação. Apertou a mão de cada criança com relutância e aversão. E esse aí é Pietro. ou coisa assim? Jean disse: — É. Tem uma voz maravilhosa. — Pietro macaco — zombou ele. depressa.Johnny a apresentou. com sarcasmo. que estava olhando para ele com os olhos grandes. desafiadoramente. os cabelos louros. Um espasmo curioso tocou sua boca e ele desviou o olhar da menina. — Bom. Kathy sorriu para ele. Ele recuou. Emilie. esperando. Estava muito agradecido e disse: — Bem-vinda a Barryfield. Não há tolo igual aos especialistas. Sra. O Sr. e ninguém lhe ensinou nada. McManus em primeiro lugar. ela provavelmente nasceu num campo de concentração. com simplicidade. com ironia. com desprezo. serena. Papai disse Deus cura. — Ele quer ser acrobata — disse o coitado do Johnny. A menina sorriu e seu rosto de bebê ficou luminoso. azuis e radiosos. Schoeffel. Pietro sorriu e seus olhos pretos e brilhantes se iluminaram e os dentes alvos reluziram. — É mesmo? — perguntou o Dr. Johnny meneou a cabeça e disse: — O Dr. McManus. filho — disse ele. — Não há nada errado com ele — resmungou o Dr. timidamente. O médico pegou o queixo dele e olhou bem nos olhos do menino. Emilie da Bélgica. Max repetiu devagar: — Dr. McManus. McManus se focalizaram sobre Max. Tem sido horrível demais para ele. McManus. — Ele não enxerga? — perguntou o médico. Mas ainda não consegue ver muita coisa do mundo. Kathy ficou radiante. — Já vi meninas como você ficarem donas-de-casa gordonas. e depois de repente pegou Emilie no colo. Johnny adiantou-se. eu acho. — Max é de origem judia. parece sensata. Bonita. McManus. e seu rosto largo ficou logo tenso. mas olhando para o Dr. Os olhos do Dr. como se estivesse enojado. com rudeza. com a inteligência de selvagens. — Ele se virou. — Papai? — murmurou Max. satisfeita. — Judia. Não me vê. — É a primeira vez que ele fala sem ajuda! — comentou. e todos os outros do mundo. mas creio que estou certo. Max começou a tremer. — Ele parou e passou o braço pelos ombros de Max. e seu tom era cheio de afronta. McManus. o tornaram terrível demais. O Sr. papai está bem aqui com você — respondeu Johnny. Burnsdale ficou espantada. Max o olhou. Johnny preparou-se contra a própria irritação. Acho que Jean é francês. — Então ele olhou para Kathy de novo e mais uma vez aquele espasmo tocou sua boca amarga. A menina se aninhou no colo dele. — Ninguém vai machucar você se bem que eu não saiba como vai conseguir comer com o ordenado do pastor. sim. São suposições. — Fisicamente. . McManus. hein? Max virou-se para Johnny. A Sra. Max. O senhor e eu. com Max. — Não creio. cegamente. respirando fundo. severo. McManus deu um passo para ele. Ele apertou a mão de Max. quando o Dr. para assombro de Johnny. — Não vá ter ideias bobas — disse o Dr. subitamente. meticulosa. Pietro italiano. — Kathy? Menina boazinha. — A princípio pensei que fosse débil mental. Kathy de origem holandesa. Max. doutor. Schoeffel olhou para os meninos. — Muito bonita — repetiu ela. e pigarreou. — É. o meu segundo filho. é? — perguntou o Dr. — Está melhorando. — Vamos. — Eu… vejo. agarrando as mãos de Johnny. também. — Depois sorriu e os olhos castanhos brilharam. — Eu não queria que viesse para cá. — Parecem todos saudáveis — arriscou. seus cabelos compridos esvoaçando por cima de um de seus ombros. — Não sei para que lhe pago 60 dólares por semana! Foram todos para fora da estação. Mexa esse raio de carcaça! Um chofer fardado apareceu na porta da estação. Fletcher. Schoeffel murmurou: — Uma pessoa terrível. de cara fechada. — O quê? O quê? Pensei que fosse um pastor! — Soltou uma risada feia. O Dr. E também me lembro da parábola da cigarra e da formiga. Sabe disso. a igreja precisa de consertos. Á Sra. venha cá ajudar. McManus estava andando na frente. O Dr. — Não há nada na Bíblia que aprove um preguiçoso. — Seus olhos azuis-escuros sorriam para o velho. — Tem sempre um novo plano para me fazer gastar dinheiro. É um sovina. A… cidade precisa de outro hospital. McManus virou a cabeça a fim de olhar para o jovem ministro. mas tenho de lhes dizer. e as crianças atrás dela. O Dr. nos assentos luxuosos. pastor? — Não devia — disse Johnny. referindo-se ao Sr. Pensam que sou feito de dinheiro? Se não querem fazer nada por si. o doutor. O Dr. — Bom. McManus respondeu: — É provável que sim. A grande limusine parecia deslizar como que sobre óleo pelas ruas sujas e sinuosas. o orfanato precisa de mais apoio particular. Tinha acendido outro cigarro e este estava caído da boca. acho mesmo. — Ainda bem que estamos livres daquele enjoado — disse o Dr. Schoeffel seguiram atrás. e a Sra. Johnny olhou para as costas imensas do médico. Burnsdale tornara a assumir sua expressão de altivez. Jim. e um velho mau. sorrindo. McManus o contemplou. Johnny e o Sr. As crianças estavam muito caladas. esperançoso. McManus gritou: — Ei. como se sentisse uma culpa no coração e quisesse se aliviar. carregando Emilie. — Não é cristão? — perguntou Johnny. até Max. por que hei de ajudar? Hein. — Ponha essas malas no carro — ordenou o médico. . Os bracinhos de Emilie estavam em volta do pescoço dele. Burnsdale cochichou depressa para Johnny: — Acho que vai dar tudo certo. O Dr. Sr. McManus resmungou baixinho. Sou cristão. e é verdade? — perguntou Johnny. Não é cristão. McManus. O Sr. — E sou. Frank Stevens é que me pressionou. que fora embora num carro muito velho. diz ele: precisa de uma nova casa paroquial. Schoeffel. apressando-se. O Dr. Mas eu lhe dou uns seis meses nesta cidade. por que não há de chamá-los assim? Mas a estupidez não é propriedade exclusiva de Barryfield É um vício universal. e então. Um brilho de divertimento iluminou o concreto dos olhos do médico. bastante amplo para poder haver ruas mais largas e terrenos maiores para as casas. num agrupamento de favela como as cidades europeias fazem. O vale em que ficava a cidade era bem largo. sem falar nos parlamentares e uma porção considerável de filósofos. empregando homens nos fornos e nas máquinas. Talvez. Mas não era necessário que destruíssem o oxigênio puro e vivo. uma coisa fora do contexto das montanhas altas e expansivas. fumacento e trovejante. com calma: — Se são mesmo. — Cidade imunda. outras usinas. era bom ver que estavam ativos. e Júlio César também. poluindo o ar. Havia outras fábricas. capim alto e 3 árvores. — Não há uma coisa na Bíblia sobre suportar os tolos com alegria? O quê? E aquele trecho que diz que o que chama o irmão de tolo corre perigo dos fogos do inferno? — Alguns de nossos maiores homens são estúpidos — redarguiu Johnny. todas vomitando sua corrupção contra um céu desfigurado. era um homem estúpido. Ou talvez eu não os deva chamar de estúpidos. fazendo as crianças tossirem. Também havia algo de europeu. McManus. por exemplo. ou os ladrões? — Ele tornou a rir e olhou pela janela. era extremamente feia. no pôr-do-sol ocre. De certo modo. A cidade jazia sob uma nuvem de fumaça. Ratos estúpidos. a amplidão dos vales suaves. Johnny sentiu um bafo de mau cheiro. — Mas não se poderia dizer que fossem tolos. de faminto. pensou. e Hitler. todas juntas. tudo negro. hein? Eu mesmo a detesto. a cidade se espremera e apertara. O médico ficou calado. Barryfield. . nas estreitas casas de madeira inclinadas umas para as outras. vislumbrando uma usina ali perto. — Por que toda a sujeira e a fumaça? — perguntou Johnny ao Dr. Crianças sujas brincavam aos enxames. Napoleão. essa é uma lista extraordinária — respondeu o médico. Stalin. inclusive Platão e Nietzsche. por falta de espaço. pastor? Johnny respondeu. era monstruoso que as crianças e os velhos respirassem aquela sujeira. e Wagner entre os músicos. como se ali perto não houvesse a terra verdejante. os numerosos riachos e rios. No entanto. e Maquiavel entre os sofistas. de cujas chaminés jorravam flâmulas de um amarelo vivo e sulfuroso. — Bom. — Por quê? — Porque o senhor não é bobo. não cultivadas pelos lavradores que as possuíam e que provavelmente venderiam o terreno à cidade por um preço razoável para um playground. — O que o leva a crer que fossem estúpidos? — Porque lhes faltava a compaixão. Bismarck e uma longa lista de nossos próprios presidentes.Talvez que nos demos bem. tudo junto. e Darwin entre os cientistas. A cinza comprida caiu do cigarro nas suas coxas pétreas. Ainda não aprendeu que só os tolos sobrevivem. seguindo nu carro. uma coisa velha demais para uma terra vasta e jovem. Johnny começou a se sentir deprimido. — Diga-me você! Tivemos uma porção de pastores na nossa igreja. a Igreja do Bom Pastor. Doutor. de dimensões imponentes. Sabe de que falavam os que tivemos? Da psiquiatria amadora. Há anos que venho atormentando os políticos. sem grama alguma. Stevens concorda com o senhor e acho que eu também — respondeu Johnny. é melhor começar a olhar para as nossas próprias igrejas. tendo na frente e atrás pedaços de terra batida. e com curiosos ornamentos nos capôs. e cidades grandes e pequenas. em muitos casos. também… de aldeia. E talvez o nosso governo. mas me dizem que sou o único a reclamar. Não ouviu falar de como os americanos estão degenerados? Tão degenerados quanto os russos. município. O médico mexeu os ombros. Bateu furiosamente no anteparo de vidro que o separava do chofer. e murmurou alguma obscenidade. certa esperança. mas lá também havia fábricas. cidade. chaminés tortas e varandas quebradas. o cromo brilhando. por exemplo. onde estavam os nossos ministros todos esses anos? O médico brandiu um dedo manchado de fumo na cara do jovem ministro. Antes de começarmos. É para isso que serve um ministro? Não cabe a ele procurar instilar certo sentido dê honra na sua congregação. num gesto de execração. mas os carros brilhavam à luz cor-de-limão do céu desfigurado. — Chegou às mesmas conclusões que eu? — Sim. Parece-me que meu pai foi o último dos pastores. baixinho. Então Johnny viu um fenômeno americano que não tinha igual em nenhum outro país do mundo: as casas podiam estar cobertas de fuligem e sujeira. Mas o que se pode esperar de uma gente degenerada? Você esteve fora. sem cortinas. e sem hipocrisia? Haveria alguma verdade na alegação britânica de que os Estados Unidos e a Rússia tinham muita coisa em comum? — Está vendo aqueles carros? —· perguntou o médico. O Dr. por um instante. — O Dr. a chamar os russos de bárbaros e ateus. Teriam os Estados Unidos realmente endeusado a máquina. tão cuidadosamente tratados como os deuses de casa dos antigos romanos. mas piscou muito. Quando o painel desligou. claro. e. quando os rapazes estavam morrendo na guerra da Europa e do Pacífico. As crianças podiam parecer só ligeiramente menos macilentas do que seus irmãos r irmãs da Europa. as minas ofereciam trabalho apenas “temporário”. muito mais sujas. O médico olhou para ele. os vidros reluzindo. com janelas imundas. — Ninguém se importa. gritou: . furioso. estadual e federal. contra Deus todos os dias? Já ouviu um pregador falar sobre a penitência ultimamente? Hein? Johnny sorriu para o médico e seus olhos brilhavam com uma compreensão afetuosa. mas quase todas tinham diante de si um carro brilhante. McManus apertou os olhos e o olhou. sem pintura. como os russos a endeusavam abertamente. Barryfield só teria favelas? Verdade. ou política. e os operários das fábricas tinham ganho bons salários. alguma noção de Deus e dever e caridade e… por Deus!… alguma contrição por todos os malditos crimes que os homens cometem uns contra os outros. Estou. Pouco mais velho do que você. pateticamente digna no meio daquela sordidez. Cerimônia. a cara furiosa. — Esse é a igreja com um nome engraçado. Hoje em dia! Ele se riu. os telhados têm goteiras. O carro foi seguindo por uma rua especialmente acanhada e feia. rudemente. — Espere até ver a sua igreja e a casa paroquial! Por falar nisso. A sua cruz estava polida. aquela grande universidade papista perto de Indiana. tentando desprezá-la. Duas missas em polonês. e com mulheres desmazeladas de pé nas varandas e balcões estragados. Deus está lá. mas maior. Não acredito numa palavra. A gente via que eles davam o que realmente podiam. — E nem havia moedinhas de nada na hora da coleta. Tornou a recostar-se. duas em inglês. E sabe sobre o que foi o sermão dele? Descompôs a congregação como o diabo! Berrou com eles. de um lado para outro. que dormia. e a mãe deu uma . Afinal. com vergonha. pensou Johnny. humildes como o quê. xingou-os! Uma maravilha! E pensa que eles foram embora danados? Não. Fala polonês. com as pontas espatuladas de um verdadeiro cirurgião. McManus. com esperança e prazer. afastando com cuidado a fumaça do rosto de Emilie. — Um camarada que se diz Padre John Kanty Krupszyk. com uma cara de jogador de futebol. Minha igreja?. As portas de madeira estavam abertas. para a esquina de Kazinski. — E devem ser mesmo — concordou Johnny. Eu disse a ele: “Como é que conserva aquela sua igreja limpa. gritando umas para as outras. muito arrumada. O carro parou. A igreja e a reitoria são empreendimentos anexos”. Ele acendeu outro cigarro. mas gostei. Emilie tinha adormecido no colo dele. Pode colocar panelas debaixo das goteiras. num trecho de relva separado por uma corda e estacas. As crianças das vizinhanças cuidam da grama e das árvores que todos nós plantamos e as mulheres limpam a igreja elas mesmas e os homens lavam as janelas e fazem os consertos. o dono do jornal aqui da cidade. um garotinho correu por cima da grama. uivando. nos dias de hoje!… acabariam com o traseiro em chamas. Na esquina havia uma igrejinha de pedra. e se pensa que vou consertá-las sem ajuda. senhor! Ficaram escutando. fervilhando com crianças. numa penumbra fresca. brandiu o punho. Esta era a Missa Solene. — Siga pela Rua Munston. Tem coisas que chama de missas. e Johnny viu que afinal não era a sua igreja. hein? E com a grama em volta? No meio daquela gente!” Ele respondeu: “O povo a respeita. Nossa Senhora do Rosário — mostrou o Dr. está enganado. porque o meu ordenado é pequeno e tenho família. Ritual. Depois. afagavam os cabelos dela. gostando da recordação. — Num domingo fui à igreja desse camarada. e tem sempre comida na minha cozinha: elas me levam comida. num céu que estava ficando de um verde baço e manchado. Depois ele disse a eles que se não se arrependessem de seus pecados… imagine um pastor falar de pecados. O Grande Irlandês! Krupszyk! Eu o conheci num jantar oferecido para Mac Summerfield. Não admira: estudou em Notre Dame. os dedos rombudos e brutos. Johnny inclinou-se para a frente. Está escrevendo um livro em francês. antes. É uma reitoria pobre. perguntei a ele por que não conseguia fazer com que a gente dele limpasse as casas e os jardins deles. filho. para você poder vê-la. Nenhuma mulher da minha paróquia trabalha fora. Dê-me tempo. Parecia até que era um terreno consagrado. não consigo dizer esses nomes estrangeiros desgraçados. senhor. insignificante. mas agora eles se confessam sempre. Parecem ter muita coisa em comum. para ver melhor.surra nele. — Conheci o sujeito que toma conta. — Fui visitar aquele sujeito. e muito modesta. Eu o conduzi pela cidade. com vidraças simples e um arco de pedra sobre a porta estreita. mas pode apostar que cuidam bem da igreja! Têm um negócio que chamam de Irmandade. — Ha! — exclamou o médico. — Espere até ver em que a senhora e o pastor estão se metendo! O carro estava andando por uma rua muito apinhada e triste. e não é amador. O carro parou diante de um prédio quadrado. o padre. Bem. assim como o fedor das fábricas. é melhor . Escreve bem. feito de tijolos. vazia e crestada e inteiramente sem árvores. — Deus! — É — disse Johnny. provavelmente têm pena um do outro. A noite estava descendo sobre os becos estreitos e aqui e ali uma lojinha pobre tinha começado a se acender. fracamente. Então era uma sinagoga. — Ha. McManus bateu no vidro de novo e ordenou: — Siga para a Rua Sycamore. Sim. a não ser que seja viúva ou abandonada ou tenha marido inválido. e não é de admirar. se bem que a eterna fuligem flutuasse livremente ali também. — Lugar dos judeus — explicou o médico. achando graça. em desânimo. sobre um dos santos deles. Tem uma biblioteca que só vendo. olhando para a casa. As congregações são o diabo. Inscritos no arco havia letras hebraicas e Johnny as leu: “Os Virtuosos Podem Entrar Aqui”. Pare no meio à direita. não triste no sentido de ser suja. Se você ainda não aprendeu isso. mas tem cheiro de cera e tinta e tudo esfregado até os ossos. — Qual a distância entre esta e a minha? — Só meio quilômetro. fala cinco idiomas ao todo. Sabe o que ele disse? “Acabei de conseguir que os filhos deles comam três refeições por dia. Ele e o Padre Kanty são bons amigos. Resolvemos que era melhor eu chamá- lo de Padre Kanty. e todas as missas estão lotadas. O coitado do padre antes de mim tinha sorte se conseguisse levá-los à confissão antes do Natal e da Páscoa. irritado. — Olha! — exclamou Jean. ha! Você verá! — Ficou ruminando. sobre a instrução religiosa dos meninos. Sabe o que mais? Ele tem mais instrução do que você. Ele pensou na notícia que teria de dar ao médico.” E completou: “Levei cinco anos. e a maior parte do tempo a igreja ficava vazia”. naquele jantar do jornal. para uma editora canadense. no meio da penumbra. li o manuscrito. Burnsdale. Eles viram o altar modesto brilhando corajosamente. e sentiu o coração fraquejar. — O Dr. — Não posso dizer que ache grande coisa o que vi até agora — comentou a Sra. Era. as mulheres podem não ser melhores do que o resto das mulheres aqui. — Nós não temos uma Ajuda Feminina? — perguntou Johnny. e não quiseram vir. Engraçado. e se casaram e tiveram filhos. não me dei ao trabalho de pesquisar.om a velha esposa. Pessoalmente. e os judeus têm uma coisa: respeitam seus país. Jargão. Tem barba. Isso significa fazer algumas roupas e vendê-las. Tem uma voz como um órgão velho e suave… sabe. é o que eu digo. se bem que eu não entenda por que o homem não há de usar barba se gosta. Talvez o nosso povo também devesse arranjar um pouco desse artigo em extinção. por favor. não gosto deles. os judeus mais jovens se mudaram para os subúrbios. — Nunca apreciei os estrangeiros. resolvi ir ver esse rabino. mesmo com uma hipoteca até o pescoço. que passa o tempo todo com uma coisa em cima dos cabelos. pastor. diz o Padre Kanty. e não quero comentários. Os velhos judeus são alfaiates e lojistas e têm os seus açougues próprios. mais ou menos tão abastados quanto o resto… o que quer dizer que lutam para ganhar a vida. Pois bem. Ouvi dizer que querem expulsá-lo e trazer um sujeito esperto e novo. E as moças judias lêem muitos livros e obrigam seus homens a lerem muitos livros e todos têm mania de psiquiatria. carregados de hipotecas. e esse é o único lugar que têm. E os judeus nesta cidade são. e tímido como um ratinho. porque para eles é o lar: estão lá desde o Ano Um. Orgulho. Além disso. — Cale-se — retrucou o médico. quando parece que está pensando sozinho. Ele mora atrás da igreja. dois dos jovens médicos judeus são um bocado inteligentes.começar logo. Gente velha é igual em toda parte: detestam se-mudar dos lugares onde foram jovens e pensavam que o mundo era maravilhoso. Ainda não conheci um psiquiatra que . quando construíram a sinagoga. filho. numa casa do tamanho de casa de boneca. Cerca de 300 judeus em toda a cidade. Veja esse velho rabino. tendo sido curioso quanto ao Padre Kanty. lá nos morros. desmazeladas. Aliás. Mas estou começando a achar que as pessoas são iguais no mundo inteiro… em outras palavras. ou algum outro lugar maldito. Tem um sotaque. e eu os pus no conselho do hospital depois de brigar como um demônio com os diretores. pensando. — Eu é que estou dirigindo esse passeio. Isso é outra coisa que os judeus moços têm contra ele. Isso deixa os moços da congregação furiosos. cheio de esperteza e ares de Nova York. e velho que nem Abraão. Estudioso. “Bom. As moças judias gostam de se vestir bem e morar em casas boas. igualzinho a todas as outras mulheres. Isso deixa o pessoal jovem furioso também. Isso não tem importância. As moças judias o usam na rua. — Camarada chamado Rabino Chaim Chortow. É uma coisa que nós também devíamos aprender. Ele ficou fumando furiosamente. Sabe por quê? O Padre Kanty me contou. e. se bem que eu não entenda por que eles acham que o que ela usa seja pior do que um lenço. veio da Rússia. os velhos também quiseram dar opinião. no fundo não prestam para nada. Bom. mas… eles lhe fazem confidências. Johnny o interrompeu: — O senhor não gosta dos católicos nem dos judeus. Por quê? Não sei. As antigas famílias judias moram nessa comunidade. O médico fumava. Os judeus moços deram para o Direito e Medicina e “manufaturas”. Mas esses sujeitos espertos sabem o que é bom para eles. o velho rabino me conta os problemas dele. ele pergunta a eles: “Deus passou de moda?” E pensa que eles meditam isso. Ja? — Max! — exclamou Johnny. — Humm. “Só existe um Deus. — Isso não é exclusividade dos jovens judeus — disse Johnny. Estou disposto a apoiá-lo. embora isso o deixe doente. ele tem de lhes dar ouvidos. seja o que for isso. — O Dr. Não. você aí. Comece com verdades eternas comigo. gritando sobre o progressivismo e ser atualizado. como diz o Padre Kanty? Claro que não! Só ficam furiosos. só mais um minuto. Pensou que podia saltar da estação direto para a casa paroquial? Em todo caso. respondendo logo. — O senhor sabe que existem — respondeu Johnny. Voltemos ao velho rabino e à gente moderninha que ele tem de suportar. Então. com calma. que todos os povos são iguais. sentindo-se em paz. Sou médico. — Deixe de ser bobo. Não querem saber de sermões sobre Deus e a necessidade da oração e dedicação. mais “sabidas”. senhor. com congregações mais jovens. Será que as pessoas não compreendem que a religião se baseia sobre verdades eternas? — Claro que não. O Dr. em nome de Deus. Assim. Ei. Mas depois a natureza humana se firmou de novo e lá estavam eles de novo. sabe de que eu estive falando? Mas foi Max quem os surpreendeu a todos. irritado. São burras demais. Stevens tem o mesmo problema. havia Deus. não estão pulando por aí. — O que faz ele a respeito? — Bem — respondeu Johnny. desde que não seja um tolo. numa noite de sexta- feira. e fatos atuais e ética e integração social. O senhor diz. como parece pensar. olhe os garotos. e sei. Estão escutando como nenhum garoto americano escuta. Stevens me disse que encontra isso o tempo todo. A bomba atômica deu um pouco de juízo a eles. McManus. — Ele parou. e fazem penitência.” É assim. — O Dr. Afinal. numa sugestão. os jovens judeus acham que o rabino deles devia falar de psiquiatria e psicologia infantil com eles. com um prazer intenso. os olhos vazios. assim como aos católicos e protestantes. não o estou tirando do seu caminho.conhecesse alguma coisa realmente básica sobre a natureza humana. — Quais verdades eternas? Não existe nenhuma. mas saudáveis. . enquanto o carro continuava a rodar. e ainda havia homens de Deus. Contou-me que só a fé o sustém. Isso é coisa antiquada. — Sim… doutor. os olhos brilhando de raiva. — Um pouco magras. — Nada original concordou Johnny. e estará procurando uma nova congregação. Jean. pastor. — Não me parecem nada cansadas — respondeu o Dr. McManus olhou para ele. — As crianças estão cansadas — disse Johnny. e Freud é Seu profeta. com pesar —. como uns dos nossos guris. para os guetos e gente velha. Johnny sorriu para si. doutor. Além disso. Alisou os picos da cabeça. Papai disse — falou Jean. até mesmo uma piscina. — Os ministros. interessado. ou possuem um ou dois caminhões. Fortuna de petróleo. Apontou para algumas casinhas de tijolo vermelho. É o nosso comuna rico. — Nossa classe média. Sabe quem é o dono? Mac Summerfield. você resumiu a coisa. lá em cima do morro? Custou mais de 100 mil dólares. Agora estavam passando por um bairro melhor. que encontrou petróleo em Titusville. enfeitadas com heras reluzentes. O carro estava subindo nas ruas em ladeira. Ou que são mecânicos especializados. Se está procurando alguma coisa para salvar. quando as coisas eram baratas. com aquelas malva-rosas. — E ele é encrenqueiro? — perguntou Johnny. Johnny sorriu interiormente. Viam-se jardins. cravos-de- defunto e gerânios. Faz parte do seu conselho da igreja. Há alguns anos ele se meteu em encrencas por causa desses pasquins: era todo a favor do Hitler. lutei contra a entrada dele para lá. — Os Americanos em extinção. pois não gosto de encrenqueiros. O Dr. quase tapada pelas árvores. Homens que trabalham em pequenos escritórios e voltam para casa de noite com uma pasta debaixo do braço. presidente do sindicato de mineiros daqui. é essa a sua oportunidade. — Filho. são anti-semitas. além disso. com rispidez. Não precisa dos jornais. Mulheres que se orgulham de suas casas. Temos muitas conversas. chafarizes. oculto. É engraçado como as pessoas não se dão conta de que o comunismo e o fascismo são a mesma coisa. e certo — completou o médico. Mas ele me apóia na ideia de fazer os seus paroquianos sustentarem a igreja deles. gente tola… acreditam na fraternidade do homem. McManus. lêem revistas de casa e fazem suas cortinas e estudam livros de cozinha. achatando-os. depois de lançar um olhar de escárnio a Johnny. — O senhor não pode fazer nada quanto a essas atividades comunistas? — perguntou . As montanhas estavam aparecendo mais e o ar estava mais puro. Ganha cerca de oito mil por ano. Eles estão se interpondo no caminho do comunismo. com casas sossegadas e ruas mais limpas. Herdou dois ou três milhões do pai. Vive muito preocupado com os comunistas. nessa ocasião. pertence a Dan McGee. — Não gosto dele por princípio. — Está vendo aquela casa branca grande. há 10 anos. — Não — disse o médico. Max sorriu com orgulho. anti-americanos. Entrada circular. não acha que eu deva custear tudo. E aquela casa ali na esquina. a despeito da fuligem. proprietário e redator de nosso único jornal matutino e de nosso vespertino. O sonho americano… a classe média. cheios de zínias. petúnias. Tem folhas clandestinas que instigam o ódio. pastor. anticatólicos. — Mas aqui tem a lei. e sem coerência. McManus parecia que ia dar um grunhido mas fechou bem a boca sobre o cigarro. jardins. olhando para as cortinas brancas nas janelas limpas. Filhos da mãe burros. ou o que resta dela — explicou o Dr. eles o odeiam. Tinham tentado plantar glicínias nos postes. Embora estivesse quase no mesmo nível que a calçada. que originariamente fora branco mas agora era cinzento sujo. hoje em dia. era construída de madeira cinzenta e suja. pervertido. de forma amena. irritado. melancólico. sem um estilo definido. Somente as portas tinham um belo aspecto. McManus riu para ele.d. Estou sentindo isso. por alguma insignificância. Tinha uma torre fina com uma cruz e a torre era alta demais para o prédio baixo. Você vai ganhar alguns editoriais. que tinha . Para que um homem rico há de querer ser comuna? Filho. Acham que eu devia fazer tudo. na luta contra a fuligem. quer ajudar a meter a cara dela na lama. nem mulheres nas varandas. modesta e feia. mas a ideia era muito vaga. não — respondeu o Dr. como os chama o Mac — disse o Dr. de telhado de madeira. Pensa que os paroquianos são agradecidos? Nada disso. sombrio. você é ingênuo. — Eu dei essas portas para a igreja — comunicou o Dr. ou coisa assim. Aparentemente o arquiteto tinha tido uma vaga ideia das igrejas da Nova Inglaterra. Às vezes chega a publicar um editorial criticando a Rússia. sem uma boa varanda à moda antiga. cada qual cercado por cerquinhas de madeira pintada de branco. no seu exterior baixo. As ruas estavam ficando feias de novo. — Sua paróquia — apresentou o Dr. F. Estão todas hipotecadas. com certa esperança.p. McManus. ou nas usinas ou fábricas ou escritórios ou negócio independente. filho. pobres-diabos. Aqui não mora nem um homem que ganhe mais de cinco mil dólares por ano. São da sua paróquia. — É ali que moram os instrumentos de Wall Street e do capitalismo imperialista e os opressores. antes branca. Se um ministro sair da linha e falar à congregação com bom senso. O prédio era atarracado. Havia nelas certa uniformidade. bem como as poucas árvores novas. não havia crianças nas ruas. mas pelo menos eram limpas. Johnny viu. A casa paroquial ao lado pareceu a Johnny muito pequena. McManus. — Ele fica de olho em todas as igrejas. mas são todos. Johnny pensou naquilo. quer ser o comissário-chefe. — Não é um comuna declarado. E lá está a sua igreja. mas com pouco êxito. E pago por aqueles gramadinhos também. — Raios. Como a igreja. e tinha uma porta estreita e arqueada. Como era a hora do jantar. na esquina seguinte. mas a grama lutava valentemente. Os gramados estavam sujos de fuligem. que está praticamente entregando os pontos. McManus. Ele quer o poder. se ganhar isso. Detesta a humanidade. lá vem um editorial chamando-o de inimigo do povo e instrumento de Wall Street ou coisa assim. como se tivesse vergonha por ser tão modesto. no futuro. O Dr. — Uma boa amostra de toda a cidade. Cuidado.Johnny. Eu sei. As janelas eram estreitas e altas. Era uma igreja de madeira. do jeito que vão as coisas. mas também uma graça. — Em outras palavras. — Pago para que sejam enceradas todas as semanas. McManus. Os vitrais coloridos eram baratos e malfeitos. todas recém-pintadas de branco. pois todos os jardins eram diferentes. O médico apontou para uma carreira de casinhas estilo Cape Cod. e tinha um telhado de madeira ondulada. chefes de turmas e supervisores das minas. de madeira escura e encerada e ricamente entalhadas. espécie de governanta. com um teto cor-de-rosa. Dan McGee. mulher do presidente do sindicato mineiro local. — Parece muito… limpo — disse ele à Sra. os meninos. não contendo mais que um antigo cabide de chapéus. ou de vime. mesas de pseudobordo. Vão todos ao catecismo. Numa das paredes havia uma estante de livros. E os filhos. magra. Sr. ouvi falar deles. com um interesse macabro. evidentemente novo e evidentemente mais próprio para um terraço do que para uma sala dentro de casa. As meninas ajeitaram os vestidos. Fletcher. — Boca bonita. Olharam para a casa sem qualquer expressão de decepção ou curiosidade. Mas entrem. com capricho. mas só com cinco ou seis volumes velhos. — Sr. para ver sua reação. McManus acenou. em quadrados de azul e amarelo. Mas tinha espírito: as . e presidente da Assistência Feminina. O chofer tinha aberto as portas da grande limusine e ajudou as crianças a saltarem. Ele afagou o rosto dela. Sra. Johnny viu paredes de tom de chocolate escuro. — Bons dentes — comentou o médico. — E árvores. nem flores. Burnsdale. As crianças estavam meio tolhidas no carro. li a Sra. Fletcher. e era cercado. as gravatas. McGee. Mas o menino se agarrou a ela. — Podemos ter um jardim — disse Johnny. que bom. Dr. Mas não havia árvores. e bocejou. Poderiam acender o fogo ali no inverno. o seu novo ministro. McGee sorriu um pouco e apertou a mão de Johnny. Quando todos se dirigiam para a porta. — Ora. ela se abriu e apareceu uma mulher grisalha. Burnsdale. mas não tinham reclamado. benzinho. também. calada. com frieza. tudo lustroso com um verniz novo e feio. — Hesitou e olhou para as crianças. McGee. dando um efeito geral de um verde-rosa pálido. A Sra. — Estou me divertindo. e depois acharam que podia servir para os pastores. estofados com um chintz estampado que já fora lavado tantas vezes que o estampado original estava inteiramente desbotado. a despeito de seu tamanho. depois de seu primeiro exame desanimado da sala. mogno e nogueira. e ter um conforto. — Não — respondeu Johnny. — É só o que se pode dizer a respeito — zombou o médico. O Dr. —Bem. — Aqui tem tudo o que as pessoas queriam descartar. O médico riu com tanto gosto que Emilie acordou. Dava para uma sala cheia de móveis velhos. o assoalho coberto por um linóleo limpo mas rachado. abajures velhos com cúpulas de porcelana em xadrez. e a grama grossa e o mato tinham sido cortados havia pouco. McManus — protestou a Sra. Um grande tapete de fibra cobria o chão. Marjie. de imitação de bordo. tentando pegar a mochila das mãos de Jean. intimidade e amor. Mas havia uma lareira. meio severa. com timidez.um quintal grande. O vestíbulo era o menor possível. aprovando. e foi para ela que Johnny se virou. esta é a Sra. dizendo numa voz um tanto monótona: — Sejam bem-vindos. de um tom vermelho fosco. entrem. — Gostou? — perguntou o médico. que o estava examinando atentamente. — Ela sorriu para ele. Um meio grande. Uma louça modesta e talheres de metal muito gastos estavam arrumados sobre ela. — Bom — falou Johnny — foi muita gentileza. E depois a Sra. Arrumamos e experimentamos e o único jeito que achamos bom era dois dos meninos ficarem com o quarto pequeno e um dos meninos dormir no quarto do ministro e as meninas com a Sra. — Correto — disse o Dr. datando dos primeiros anos do século. McGee comprimiu as mãos contra a fazenda barata do vestido e ficou esperando. — Talvez não fique contente quando vir o resto da casa. McManus. lá fora. depois de desarmadas de manhã. Burnsdale. e pusemos isso no quarto do ministro. E depois outra pessoa tinha duas camas de armar. tinham famílias e era a hora do jantar. No centro havia uma jarra de vidro com flores de jardim. Fichet pôs os homens para trabalhar e compraram um sofá- cama. para o ministro. Ele lhe lançou o seu sorriso forte e suave e ela sorriu de volta. a Sra. Estávamos muito preocupadas. e dois muito pequenos. Então. — Ela suspirou e esfregou os braços magros. — Foi o melhor que conseguimos arranjar. Burnsdale perguntou: — Camas de armar! Aqui não tem quarto de dormir? Os olhos das duas mulheres se chocaram num combate invisível mas palpável. Então. Elas ficam escondidas. McGee ficou melancólica e sacudiu a cabeça. Acho que fizeram maravilhas. Sete pessoas. e tinham levado suas próprias camas de armar para as crianças.narinas pálidas se dilataram no rosto insignificante. depressa: — Afinal. com pesar. McGee tornou a sorrir o seu sorriso bonito e inclinou a cabeça. Dan e eu damos o que podemos. Ficamos muito preocupadas com isso. não haveria lugar para ficarem armadas durante o dia. e lhe agradeço. Só havia três camas. de madeira escura e feia. Então. com assentos de couro sintético e uma mesa redonda. uma de casal para o ministro e uma de solteiro em cada um dos outros quartos. como que se lembrando de um trabalho árduo. feliz. Ela os levou para uma sala de jantar. — Sinto dizer que só há três quartos. mas a Sra. Alguém tinha uma cama de solteiro sobrando. tão estreita e escuta que era quase impossível ver que ali a mobília era tipo “missão”. frescas e doces. achamos um jeito. Johnny respondeu. Onde colocar cinco crianças e uma governanta? Convocamos uma reunião especial. Mas tinham enchido a geladeira e a despensa. feita a máquina. embora o sol ainda estivesse brilhando em tons de magenta e dourado. — Fazemos o que podemos. Johnny ficou comovido. e ela está em um dos quartos pequenos. A Sra. . McGee acendeu uma lâmpada. Johnny ficou perplexo. Ela explicou que os outros membros da Assistência Feminina não podiam estar ali nessa hora. Á mesa estava coberta por uma toalha de renda barata. A Sra. A Sra. ficando bonita como uma mocinha. não esperavam cinco crianças. quando Johnny já ia ficando apreensivo. estupefatos. — Não vejo um fogão desses desde que tinha meus 20 anos. Vou precisar de dois fornos. A despensa era bem grande. Burnsdale… isso me faz pensar. convertido de um de carvão. É também uma geladeira. —·Prefiro um elétrico — comunicou a Sra. McGee virou-se para ele. com porcelana branca rachada. A pia era de ferro. um dedo rombudo e enluvado no queixo. A Sra. McGee olhou para ela. — Marjie. McGee olhou para Johnny com uma eloquência impotente. os olhos cansados e espertos faiscando de raiva. — A Sra. E pelo menos três frigideiras de ferro e uma porção de panelas novas. Burnsdale é outro caso. com majestade. e ele não tem mais que seis anos. Não pensei que pudesse funcionar com gás — comentou a Sra. sem . Burnsdale. — Com pelo menos quatro queimadores e dois fornos. McManus era todo admiração. A Sra. e então. McManus. só uma geladeira de gelo com um tabuleiro para água embaixo. Barnes vai comprar um elétrico. com desânimo. McGee olhavam. Hoje em dia as mulheres parece que têm mais fibra do que os homens. Eu não faria nada pelo pastor. O Dr. Sra. para apenas algumas panelas velhas. Burnsdale. — E um linóleo novo — continuou a Sra. — É bem horrível — reconheceu. que a senhora vai cozinhar nesse fogão do homem das cavernas até o fim dos tempos — comentou o Dr. Burnsdale. mas a Sra. mas seus lados pretos e a frente niquelada tinham sido areados. Então ela vai dar o fogão de gás dela para a paróquia. — Sim. aprovando. quando o marido tiver um aumento. Vou fazer uma lista. ele trabalha para o nosso vespertino. não isto de gelo. tinha um cheiro enjoativo. Ela olhou para a cozinha. pensando. Burnsdale teve má impressão da cozinha pequena e escura. Ela lhe lançou um olhar arrasador. O fogão a gás. Gosto de amarelo e cromados. você sempre teve tutano. alguns pratos e o trem de cozinha. Não havia um refrigerador. — Mas esperamos lhe arranjar coisa melhor muito breve. A Sra. — Mais alguma coisa? — perguntou. com esta família. o que o fez dar uma risada. McManus esfregou o queixo e olhou para ela. por que não dá um fogão novo para a Sra. A Sra. enquanto Johnny e a Sra. Burnsdale? Em vez de ficar fazendo pouco o tempo todo? O Dr. — Mac Summerfield não acredita em aumentar os salários de seus funcionários. — Faça uma lista — ordenou o Dr. McManus. — E um dos cantos separado e uma mesa e seis cadeiras para o café da manhã. Burnsdale. mais armários. Vou pensar a respeito. Os guris têm de tomar leite fresco e a geladeira vai ter de ser supergrande. — Então. — Alguma coisa me diz. — Bom — disse o médico. Já que fala assim… o fogão da Sra. uma casa paroquial decente. — Claro que não vou fazer — prometeu a Sra. Não tem vergonha? — Tenho. Burnsdale. — Mas o resto da congregação não tem. Burnsdale. ou móveis novos para a sala? — perguntou. o montinho de carvão.querer. simpatizando com eles. Sra. a Assistência Feminina arranjou um fundo. McManus. olhou para Johnny e piscou de volta. voltou a si. o escritório só tinha uma janela. Apontou para a secretária de bordo artificial no canto. o chão tremendo sob seus passos pesados. estou pronto a ajudar. Eles não tinham levado as crianças lá. As janelas imundas.— disse. — É aconchegante quando o pastor tem visitas… o escritório e a sala tudo junto — arriscou. e aos poucos sua expressão se desanuviou. Sabe. A Sra. McGee. — Não há escritório — confessou. infeliz. A Sra. A Sra. Ela falou com sua voz forte e franca: . Depois apontou para o teto abominavelmente rosa. Depois pôs as mãos nas cadeiras e enfrentou o Dr. — Não gostaria de um conjunto de jantar mais bonito. perto de uma das duas janelas tristes. Burnsdale. há cinco anos. agora faço parte da sua Assistência Feminina. separando a sala em duas peças. um queimador de carvão de uma marca esquecida. Ela virou- se para a Sra. sim — respondeu o médico. — Acho que o senhor tem razão. com calma. não deixavam passar luz alguma. Abriu as gavetinhas. McManus. mas nem mais um tostão. Para termos uma verdadeira congregação aqui. o escritório é muito importante. Olhou para a estante de livros que ocupava toda a extensão da parede cor de chocolate atrás da secretária. — E agora — continuou a Sra. McManus. McGee suspirou. e quando acabar com elas… A fornalha era velha. McGee tossiu. e era mau para o ministro. Burnsdale e Johnny tornaram a olhar bem para a sala. com uma ironia pesada. Burnsdale — quero ver o escritório do pastor. A Sra. Burnsdale. Mas eram tão pequeninas! Então. quebrada e perigosa. — Vou fazer uma lista. o que logo provocou a fúria do médico. do outro lado da sala. com suas inúmeras rachaduras. Bom. examinando significativamente a superfície marcada e manchada de tinta. Pensou naquilo. mas lançou um olhar acusador ao Dr. — Já estive em algumas casas paroquiais bem horríveis na minha vida mas esta é a pior de todas. com mais gentileza. Então? Ela pensou naquilo. A Sra. Se quiserem uma igreja. e derrubamos a divisão e juntamos as duas peças. — Estão vendo aquela linha divisória lá em cima? Bem. alegre. A Sra. que continuava a ser desanimadoramente pequena. cheias de teias de aranha. depois que Johnny fizera um sinal rápido para a Sra. Darei exatamente o que eles derem. Burnsdale examinou o porão sujo. ele piscou um olho. — Não faça economia nisso — recomendou o Dr. com inocência. McGee ficou obviamente assustada. havia uma divisão. — Claro que sim — respondeu a Sra. — Doutor . Burnsdale foi até a secretária. — Vou comprar o que a senhora precisa. bruscamente. — Só o que eu falei. O “quarto do ministro” era ainda mais feio do que a sala e mobiliado com o mesmo bordo de imitação e estampado indistinto. Eles subiram a escada de madeira bolorenta. — Vai para a lista — disse a Sra. não é? Johnny. que. — Podem-se comprar comidas congeladas e em conserva — respondeu o médico. McManus falou: — Ainda não viram os quartos. mas nada para o pastor. redonda como uma vigia. reprovando. Ou os dois mesmo. Ela pôs a mão no braço do médico. uma mesa ao lado da cama de colunas com sua colcha marrom barata. no gesso verde leproso da parede. — Custou quase 70 dólares e dizem que é muito confortável. — Quanta coisa — perguntou o médico. Burnsdale estava olhando para as prateleiras do porão. e quanto a congregação vai pagar? A Sra. — Essa fornalha nunca mais será usada nesta casa! Não vou me arriscar a fazer essas cinco crianças morrerem de dióxi… carbono… Carbo… — Monóxido de carbono é o termo. — Não sei se os outros ministros tinham mulheres. fora benzido pela Sua Santidade em pessoa. pendurado acima de sua cama. Johnny pensou no grande crucifixo de mosaico e dourados que lhe tinham dado em Roma. McGee. onde as crianças estavam amontoadas. Seu rosto largo abriu-se em covinhas e os olhos faiscaram. pondo uma distância segura entre si e a mulher temível. indignado — vai para a minha lista. Na minha opinião. o Dr. ou a verdadeira geleia de morangos. bom para emergências e gente que tem de cozinhar depressa e outras coisas. — Deu uma risada melancólica. — É. enfeitada com um abajur fraco com uma cúpula de raiom rosa barato e uma cadeira de balanço de bordo. com cuidado. e pensou que. não é? — perguntou a Sra. mas se tinham elas certamente não eram precavidas em matéria de conservas e coisas assim. creio — emendou o médico. Quando voltaram para a cozinha. Ela foi até a peça em questão e alisou sua coberta áspera. A Sra. depois daquela inspeção. ou tomates em conserva. Mais nada. A Sra. com cortinas iguais. ia alegrar o quarto triste. o senhor é um homem maravilhoso. — Se ainda não desanimaram com o que já viram. garantiam. a cara fechada. Um dos meninos pode dormir aqui. — Deixe de ser idiota — respondeu o médico. Está entendido. Burnsdale. Mas nem se compara com um bom pêssego em compota caseira. Um homem maravilhoso. estava desanimado demais para achar graça. os quartos vão fazer isso! Se vão! E fizeram mesmo. esperançosa. é bem largo. Burnsdale abrandou-se. . caladas. Doutor. uma mulher que não faz conservas não tem nada de se casar. — Mas o sofá-cama vermelho é bonito. uma janelinha alta. Burnsdale falava com autoridade e o médico não discutiu. — Sete pessoas. ouvindo o tom da voz dele. Vai durar um século. — Não. McGee. mas limpos. As peças eram incrivelmente antigas. — Vou aceitar o oferecimento. — E umas quatro dúzias de toalhas. A Sra. doutor? Vamos lhe fazer um presente disso! — Ah. Johnny decidiu: — Acho que Jean e Max devem dormir no sofá-cama. — E ponha na sua sala da frente. Seis cobertores. como o que há hoje em dia. Até mesmo ela. McGee se retirara delicadamente para a porta. Bom para as meninas. aprovando. Vou substituí-lo por dois novos. A Sra. mesmo com o molho de leite que minha mãe preparava. nada daqui vai na lista. McManus acompanhou o dedo dela com os olhos. A Sra. à qual pertenço. McGee? — O terror da Assistência Feminina — comentou o médico. McGee. e só isso — insistiu a Sra. Pensou. Sra. vai arranjar muitos outros cobertores e lençóis — disse a Sra. o senhor também meditava lá. e em geral eu pensava em como eu estava com fome e que batatas cozidas. com respeito. é muita bondade sua. Burnsdale — respondeu o médico. O banheiro foi mostrado com muito constrangimento pela Sra. Burnsdale tinha encontrado o armário modesto que. — Bem. e sobre o que pensava? — O meu pai foi o primeiro ministro. Burnsdale ia exprimindo sua indignação mas o médico levantou a mão. e as meninas devem vir primeiro. Gosto disso. Sra. e uns 10 lençóis e uma dúzia de fronhas. desceu depressa pela escadinha tortuosa. — A Assistência Feminina. Vamos ver. nada matado. num tom arrasador. Quando é sua próxima reunião. não . Todo mundo deve ter uma coisa que preze — respondeu a Sra. olhando para Johnny de cara fechada. Burnsdale não se intimidou. prefere cor-de-rosa ou um azul e um rosa? A Sra. apontando. a banheira alta numa armação de madeira. Podemos pôr um ferro de chuveiro sobre aquela… aquela banheira! Olhe só! Doutor. com ênfase. McGee. explicou a Sra. Minha cara senhora. Burnsdale. Eu mesmo o usei. — Aliás — continuou a Sra. — Ora. eu acho que é um artigo muito bom. Sra. e um edredom de algodão. Burnsdale. e Johnny sorriu. que tinha espírito. McManus falava assim. usados. Mas a Sra. McGee. esse. Excelente trabalho. A Sra. era para “a roupa de cama. Fiz muitas meditações boas e profundas ali. onde fingia examinar o tapete de fibra no pequeno hall. sem piedade. estavam ali. quando era menino. e essas coisas”. Burnsdale — por que havemos de guardar o que lhe é tão caro. recuava quando o Dr. Burnsdale. Vai ser o princípio do que chamam de conjuntos combinantes. Se um dia o jogarem fora. O Dr. e muito ralos. quero para mim. acho que gostaria de rosa. Burnsdale murmurou. Isso é departamento do pastor. educadamente — que esteja tudo bem. Então. Ela vacilou. — Vou só pegar um avental. e eram gente dele. no máximo. Pensava no meu pai. Era só sua imaginação. A Sra. Assoou o nariz. ao ver os olhos agradecidos da . tirando as luvas. Pensava na coragem que ele tinha. Os olhos da Sra. ótimo — respondeu. com convicção: — Podemos nos descartar de tudo o mais. Espero — concluiu. Não sabia qual seria o seu status ali. McGee lhes disse: — Está ficando escuro.bastavam para o almoço. e talvez possamos pintar essa madeira rachada em volta dela de uma cor bonita. Sra. com raiva. Pensava em como o ânimo dele estava sendo destruído. — E não queria desertar o que chamava de sua “gente” e deixar que a igreja e a casa apodrecessem sem moradores. Ganhavam 20 dólares por semana. uma sopa de legumes e uma boa salada de batatas. Não posso me demorar mais. falando como um anjo sem ninguém escutar. sem dúvida — falou o médico. Ela sorriu para ele e eles desceram de novo. se bem que fosse o melhor homem do mundo. ali no púlpito. E também tem comida para mais uns dias. por que ele havia de reclamar? Pensando bem. Bom. e como ele era quando o sol batia em seu rosto. no forno. calorosamente. claro. Pensava em como ia custear meus estudos de Medicina. Burnsdale. querendo inspirar o amor a Deus. minha senhora-com-a-lista. — Cor-de-rosa. Burnsdale olhou para a banheira e depois disse. Burnsdale tinham começado a piscar. As senhoras cuidaram disso. remexendo na bolsa e puxando um lenço muito branco e engomado. com o ordenado dele — respondeu o médico. com verduras. ela não teve nenhum durante quase cinco anos depois que viemos para cá. e acho que as crianças deviam jantar. Burnsdale e as crianças. a Sra. esperança e caridade à sua congregação. a fé. e leite para as crianças e um bule de café. Burnsdale. — Dizia que os pastores tinham morado em lugares piores e que o primeiro pastor nem tinha um lugar onde deitar a cabeça. mas compravam mais do que hoje. Uma boa panelada de feijão com porco e macarrão com queijo… muito queijo… e três pães feitos em casa e… ah. — Espero não estar me resfriando — disse ela. Schoeffel. as velhinhas e as crianças o adoravam. durante muitos anos. Então só um ferro de chuveiro. sim. Johnny pôs a mão naquele ombro incrivelmente largo e maciço. A Sra. Sra. — Ele resmungou baixinho. com rispidez. sem se afastar. do jardim da Sra. Pensava em como seria bom se minha mãe pudesse ter pelo menos um vestido novo. — Ótimo. — Doutor — nada poderia ser mais triste do que sua voz —. mas disso não! Vou contar aos guris a respeito. quente. severa. depois de terem visto os quartinhos incrivelmente pequenos onde dormiriam a Sra. mas muito duro sob a mão de Johnny. o povo não era mais pobre do que é hoje. Além disso. por que o seu pai ficou? — Porque ninguém mais queria aceitar esta paróquia. mas ele pensou que estava tremendo. era nisso que eu pensava. Burnsdale. no quintal. e a comida está pronta. e que não estava conseguindo muita coisa. pensava em acrescentar novos biscates aos outros que já fazia. Ela fungou. mas. passe o feijão. McManus. — Senhor. — Há anos que não como uma coisa assim. ela reagiu impulsivamente e beijou a outra na face. meu rapazinho esperto. senhora. — Vou ficar para jantar — declarou o médico. — Afrouxou a gravata encardida e deixou-a pendurada. e nos dê paz. Johnny dobrou as mãos e as crianças o imitaram e ele abaixou a cabeça. — Primeiro o papai — advertiu Kathy. Nosso Deus. não se juntou à oração e nem abaixou a cabeça. depressa. Depois rosnou: — Paz. Que nos alimente para podermos fazer o Vosso trabalho. com sua voz de advertência. — E depois pode me dar a sua lista infernal. McGee. O Dr. . Eles se sentaram apinhados em volta da mesinha feita na sala de jantar. nós Vos agradecemos pelo que nos destes hoje. que acabara de se sentar como uma montanha em sua cadeira. E agora. amém! Vai precisar disso. Amém. e o médico deixou cair a mão e ficou esperando.Sra. Nosso Pai Adorado. e continuava ali sentado. Não sei como ele conseguiu recuperar até parte do uso do ombro e braço. Isso é pior… — Meu Deus. McManus e Johnny estavam sentados na sala-escritório. Acendeu um cigarro depois do outro. as sobrancelhas se mexendo. Especialmente a perna. sem esperanças. . Adoro ouvir esses psiquiatras falarem de uma adaptação feliz e integração sadia e outras besteiras! Referem-se a idiotas sem personalidade e contentes. Aquele ombro do garoto… o braço. — Não tem esperanças. coçando a orelha. e ouvia-se o barulho bom e sólido da Sra. temos aspirina e codeína e morfina e tudo o mais. o rosto agitado. em desespero. Tolices. ele dirá que não é possível que o menino ande. e da perna. audição defeituosa. a dor. É o objetivo deles para a maior parte das pessoas — acrescentou. ou use o braço. Diabos. Se você mostrar essas chapas a um ortopedista comum. Dores. raios! Vou estudá-las mais um pouco. olhos defeituosos. — Todos nós… de um modo ou de outro. o ar abafado mal se agitava na sala fechada. com desprezo. Johnny esperou. contendo radiografias. mesmo nos melhores. o raio da perna é uma mixórdia. A essa altura também já têm dores mentais. Tinha recebido quatro telefonemas do hospital. Mas o médico continuava ali sentado. deixando a cinza cair nas -coxas. O médico largou um pesado embrulho de papel pardo. Por que você acha que os consultórios dos médicos estão sempre cheios? Não seja tolo. você provavelmente já aprendeu bastante anatomia para eu não precisar entrar em detalhes. passa a ser pior. Dor. — Mas veja as pessoas normais. sem ter de pedir outro. Até mesmo criancinhas. o monte de cinzas aumentando em seu terno leve e sujo.VII Eles tinham acabado de jantar e as crianças já estavam deitadas. mas a dor está à espreita. a boca apertada. — Deixe-as aí. uma cólica ali. Não levamos vidas normais. e diga que ele cale a boca”. as mãos cerradas sobre os joelhos. mas tinha roncado no telefone e sugerido aspirina ou “uma dose de morfina. bebês. — Aprendeu a suportá-las sem se queixar. não comece a me doutrinar sobre alma. resmungando com sua voz esganiçada. Ora. A natureza nunca teve intenção de que andássemos nas pernas traseiras. Ele tentou pegar as radiografias. Tinha marcas de suor sob os braços imensos e o colarinho da camisa estava cinzento. O Dr. num tom sombrio. Burnsdale lavando a louça na cozinha. Um resmungo aqui. E falam em milagres! Você já tem um em suas mãos. Depois disse: — Isso é uma coisa danada. de todo! E você ainda quer milagres! — Jean sente dores quase constantes — respondeu Johnny. nós todos sentimos dores — falou o médico. só ela. E depois que passamos a ser homens e mulheres. bem ali no fundo. esperando. Dor. É natural. física e mental. rezando por alguma esperança no veredicto do homem mais velho. Veja as crianças adolescentes. mas o médico gritou com ele. então? — perguntou Johnny. Um tigre de dente de sabre. Reconheço isso. até o cérebro ou o coração. pastores! Não têm miolos no crânio. especialmente um cirurgião especializado. e tenho muito respeito pelos olhos para tocar neles. O médico abriu o embrulho. desde a tireóide à gangrena dos dedos dos pés. O médico ficou furioso. . Os ossos foram estraçalhados. mais desesperado. — Sabe. Sem saber por quê. — Sacudiu a cabeça. Que misericórdia? Diga-me isso. Mas nunca vi um urologista esperto que não soubesse extrair um apêndice ou costurar um buraco numa barriga ou fazer um serviço retal. Hoje em dia. E vai piorar. — Apertou bem os dedos. O que você vai fazer então? Johnny respondeu. Lembro-me de meu pai. — Então. Mas deve haver um sentido em tudo isso. e tomou a olhar para as radiografias. Conte-me isso. O médico teve um sorriso mau. com calma: — O Senhor não vai deixar que isso aconteça. Opero qualquer pessoa. originariamente. fazem efeito. Depois vêm os analgésicos. com brutalidade. por algum tempo. meu filho. Diabo de bobagem. “Onde estavas tu. quando eu lançava os fundamentos da terra? Dize. — Não admira que aquele garoto tenha mais dores do que os outros. Para o público. como as conhecemos. Mas o resto do corpo… ora. O médico brandiu um dedo sujo na cara dele. se tens entendimento. a fisionomia toda iluminada. — Mas não neste caso. e onde estava. isso pertence a outro ramo. com a idade. Johnny redarguiu.” — Se Deus disse isso. falando da misericórdia divina. e para o resto da vida dele. um homem de bom senso pode entrar em qualquer parte dele. Como é que se soldaram tão bem. dentro de um ano ou dois. — É preciso fazer alguma coisa — insistiu Johnny. — Vocês. então Ele é o maior sofista de todos. o seu próprio sofrimento por Jean diminuiu. eu só faltei prometer que Deus o há de curar. e também passo a acreditar em milagres. virando as chapas: — Olhe. e tinha linhas brancas em volta da boca: — Essa é uma das coisas que não consigo entender. Que misericórdia deixou que esse garoto fosse quase morto a pontapés? E esses seis milhões de judeus nos crematórios? E os campos de trabalho escravo na Rússia? Diga-me onde está o seu Deus. — Uma cadeira de rodas para aquele menino. por que não o leva a um desses santuários católicos? Ouvi dizer que fazem milagres lá. é caro ser-se um especialista. Ele olhou com azedume para o embrulho das radiografias. Depois ele vai amaldiçoar o dia em que você o salvou. a moda é dividir cada parte do corpo e só operar a parte que lhe cabe. Murmurou. sou cirurgião. Sacudiu a cabeça. — Penso na resposta de Deus às recriminações angustiadas de Jó. não sei! É contra todas as leis. Deixo de lado os olhos. São simples ossos malditos e quebrados que sararam de um modo qualquer e nem sei como! Johnny ficou esperando. Mais besteiras. Eu hoje lhe dei seis meses aqui. O consultório do Dr. McManus. Cortar alguns nervos. para susto de Johnny. É melhor escrever ao Frank Stevens para lhe procurar uma nova paróquia. Mas não tenho assistentes fixos. Espere até essa congregação descobrir que vai mesmo pregar a Palavra de Deus! — Sua risada esganiçada encheu a sala. sério. com desprezo. melancólico. que parecia levar a vida muito a sério. ou bário. isso os faz trabalhar. Depois parou e olhou para Johnny. claro! — respondeu o Dr. McManus era imenso e desarrumado. — Piscou. embora bondosos. Quero que ele olhe o garoto. Você é um louco. pondo a mão carnuda no ombro do jovem médico. Mas não vai durar nem duas semanas. Mais do que isso não posso prometer. aqui e ali. Pittsburgh fez alguma coisa a respeito. Não vou prometer milagres. calmamente. competente. Jean disse. Pago aos rapazes tanto por caso. vamos ver essas radiografias agora. e três sujeitos do Hospital Luterano. hein? Mas nunca ouvi dizer que Ele fosse diplomado por uma universidade reconhecida. estava rigorosamente limpo e lhe assentava bem. mas não me dão ouvidos. não vai pegar fogo. Ele deixou cair o cigarro no tapete de fibra e o apagou lá. com bons ordenados. e eu mesmo tiro minhas fotos. gesticulando. por trás de óculos grossos. — Gostou desse rapaz? — perguntou o Dr. — Danado de idiota. Há dois anos tivemos uma mulher com câncer do . apesar de suas pragas e insultos. louro. Acontece que Sol Klein está aqui. proveniente do hábito do fumo. O paletó branco. por que as outras cidades não podem fazer o mesmo? “Tenho outra coisa de que quero falar. Entra com um bisturi onde os especialistas de Nova York não iriam nem com uma radiografia. friamente: — Deus cura braço e perna. — E dois rapazes católicos. McManus a Johnny. — Não se preocupe. — Não tem medo de nada. Como é que explicam os milhares de bebês que já nascem com câncer? Eu sei explicar. McManus. Gases e fumaça industrial. Klein era um rapaz miúdo. Ele bateu na coxa. Mas talvez possa fazer alguma coisa quanto à dor. — Dizem por aí que se pode ter um bom câncer de pulmão. diante do sorriso brilhante de Johnny. Era viciado num dos tipos mais fortes. Mas as salas de exames eram claras e reluzentes. lembre-se disso. os olhos apertados. Isso os torna preguiçosos. Ele tornou a enfiar as radiografias no embrulho. — Ah. É por isso que estou com ele. claro. — Sol Klein e o outro rapaz judeu vêm duas tardes por semana para ajudar — explicou ele a Johnny. Bem. O Dr. e é disso que eu gosto. — Mande-me esse garoto amanhã. ao contrário do Dr. — Acendeu outro cigarro. tendo duas enfermeiras e uma recepcionista que pareciam adorar o velho indomável. — Coitado do raio do idiota — concluiu. Seus olhos azuis eram firmes e penetrantes. em que estou de olho. — Mas talvez a gente possa ajudá-lo. estava distante e sem expressão. Não havia uma única cantora . com amargura. para tratamentos complementares de raio-X. Olhou para o relógio de pulso. ela estava quase moribunda. rezou. Curou-se? Não sei. porém. Nenhum menino. este é o menino que esteve num campo de concentração. todos homens feitos. As enfermeiras. mas muito limpa. Um milagre. repleta de pacientes. tamanho. recuperando-se. aflito. Seis pessoas. Esse lustre sempre aceso ostentosamente quando as velas eram acesas. mesmo que só fossem dois paus toscos presos com couro ou pregos. e os vitrais baratos deixavam entrar pouca luz. Mas não me admiraria. mas muitos dos paroquianos tinham começado a se opor a isso. encorajando- o. — Olhou para Jean e seu rosto estreito ficou tenso. por favor. engordou cinco quilos. indo e vindo. mas no final. — Ele se esqueceu de lhe dizer que ela vem aqui três vezes por semana. Não era mais que justo dar a eles a oportunidade de decidirem se queriam ou não conservá-lo como seu pastor. do gás à eletricidade. Sol arriscou. Suspirou. ou dar remédios. que tinha visto naquela manhã. experimentando. Klein surpreendeu Johnny com um piscar de olhos furtivo. O Dr. Jean. é Deus quem cura de verdade. médicos. Então. ouvi dizer que Deus vai curar você. Alguns retribuíram o sorriso. Johnny estava observando. Por quê? Papismo. convertido 20 anos antes. Tinha de contar a todos. sim. O conselho da igreja e a Assistência Feminina lhe ofereciam um jantar de “boas-vindas”. Um lustre comprido. claro. Pai Querido. mas não no altar! Houvera até uma discussão acerca de velas — sua quantidade. Pietro e Max. Mas em nenhum outro lugar. Não havia nela. Johnny pensou nos primeiros cristãos. Foi recusada em Nova York. — Ele sorriu. — Nós. Explicaram a Johnny que antes havia uma cruz no altar. nessa noite. estava pendurado do teto de carvalho muito inclinado. O coro? O Dr. Pensou na sua igreja. outros desviaram o olhar. Dois candelabros no altar. Você está entendendo? — Sim — respondeu o menino. com velas brancas pequenas. se for a Vossa vontade. posição. que carregavam lanternas nas mãos por cavernas secretas e enfumaçadas e a cruz estava sempre com eles. escura. McManus tinha rido disso. Ele compreendeu e suspirou. O rosto do dr. mesmo. Estes olharam para sua roupa preta de clérigo e o colarinho e ele lhes lançou sorrisos tímidos. Ele estava apreensivo. É tão terrivelmente necessário que compreendam. Pai. Um milagre. um sorriso doce. E sabe o que aconteceu? Ela teve alta do hospital cinco semanas depois. Ele ficou parado enquanto as mãos esguias do jovem médico passavam peritamente pelo seu braço e sua perna. fazei com que eles saibam e compreendam. Uma cruz na torre. — Então. Pequena. Os “conservadores” tinham vencido. Klein não lhe dizia nada. Vosso filho. podemos ajudar um pouco. a respeito de Jean. nessa noite. espalhou-se para os tecidos vizinhos e as glândulas. sorriam para ele.útero. Jean foi levado para a sala de raio-X e Johnny ficou esperando na sala de espera meio desarrumada. nenhum traço inspirador. feia. em silêncio. se bem que a multidão tivesse sido cheia de sol. fazei com que haja um meio de curar esse menino. Ele rezou de novo: Pai. As peças que lhe eram reservadas na igreja eram tão pequenas que ele mal tinha espaço para se mexer. lembrando-se. e portanto era melhor do que a limusine do Dr. Nunca duvide disso. Vai ser uma operação demorada. como o Dr. Deus já realizou um milagre para você: permitiu que você vivesse. Johnny sorriu. o deixara em ótimo estado. As crianças o tinham admirado. pegando a mão do menino. o Dr. Depois de um instante. Klein aqui. Klein meneou a cabeça. é você — resmungou. respondeu: — Deus vai curar. como se satisfeito com alguma confirmação de seu diagnóstico. Mas Johnny virou-se para o Dr. assim que for possível. Klein meneou a cabeça. O que as faz executarem essas coisas? — Jean voltou a olhar para o jovem ministro. — Jean. Deus usa os homens como nós usamos nossas mãos. com dificuldade. recompor. Burnsdale. pegam coisas. Era deles. médicos. — Claro que sim. Ele é o grande Autor. Klein. sem Deus. — Ah. dono de uma pequena oficina e bom mecânico. Está vendo as minhas mãos? Elas se mexem. Johnny achou. Jean. — Então? Então? — perguntou com voz trêmula. Não poderíamos ajudar ninguém. remendar. na minha cabeça. Os quatro menores tinham dado vivas na calçada quando ele partira com Jean. com olhos pálidos e rebeldes. implorando. trabalham. para você. calado. Então uma enfermeira o chamou e ele se levantou logo e a acompanhou para a sala de exames. Quando um médico. aqui. — É o meu cérebro. Depois se dirigiu a Johnny: — Digo que se opere. que se mostrara compreensiva. mandou o ministro. O automóvel que a congregação lhe forneceu tinha pelo menos sete anos. Seu rosto agora mostrava certa amargura. — Mas isso parece pior do que qualquer igreja de interior de um século atrás! — exclamara Johnny para a Sra. era cínico demais. e os dois médicos o observavam num silêncio que. sem Deus. e não vai ser confortável. embora a voz fosse bem branda. Johnny pôs a mão no ombro duro de Jean e fez o menino se virar para ele. naquela manhã. jogou o casaco depressa sobre o ombro. num tom urgente —.feminina. Agora. não poderíamos curar uma só dor. O Dr. Nós somos instrumentos Dele. Quando Jean. Sabe. Johnny bateu na testa. pensando. — Sentou-se e ficou em frente de Jean. numa nuvem de fumaça do escapamento e com um barulho valente e explosivo. McManus. não vai sair já. Enfermeiras. nós. os olhos semicerrados. com uma habilidade aprendida com muito sofrimento. McManus olhou para ele de cara fechada. O Dr. — Jean — disse. mas estava bem limpo e lubrificado e um paroquiano. Sabe o que quero dizer? Jean olhou para ele. você vai ter de ser operado. trabalha para curar as . O jovem médico acendeu um cigarro com cuidado. você me disse que o seu… pai… disse que Deus ia curá-lo. Sem o meu cérebro as minhas mãos não poderiam se mover de todo. Hospital. escrevem. Jean estava vestindo a camisa e o casaco. olhe. — Sente-se. — Alguém falou em honorários? — perguntou. — Mas pagamos muito menos aos nossos pastores. Sr. meu bem? Jean continuava a olhar para ele. — Também acredito nisso. . bem-estar espiritual? Talvez achemos que é menos importante. Deus . Tenho um cheque do Dr. e coisa pior. Pagamos a eles mais do que qualquer outra cidade ou Estado. digamos. Agora. vai poder curá-lo? — Por que não? — perguntou o Dr. em partes iguais. e afastou- se. — Então. — Acho que sua vinda para cá não foi mero acaso. consolando-o. Klein sorriu de novo. vá descendo e entrando no carro. Mas seu sorriso foi rápido. para as crianças. — Hesitou. Talvez. Apertou a mão de Johnny. Klein. você me lembra do nosso velho rabino… cheguei à conclusão de que nenhum de nós merece os nossos pastores. com displicência. Jean. Stevens… meu superior… que também é para as crianças. — Jogou fora o cigarro. virou-se e entrou. — Um minuto. Doutor. e por um instante encostou a cabeça na manga preta de Johnny. Mas Johnny deu a volta e o alcançou. é meu braço direito. até a porta externa. Não vai ser muito confortável. O Dr. Klein. embora breve. Fletcher. distante. Entende. — Obrigado — respondeu Johnny. — Papai é milagre — disse. O que tenho foi dado por pessoas boas. Klein acompanhou Johnny e Jean. McManus. — Tirou o cigarro da boca e olhou para ele. McManus e o Dr. e vai tê-lo. — Jean. . irritado.pessoas. — O velho Al me contou sobre você e as crianças. — Engoliu em seco. e um bom chefe. Os soldados. — A boca fina se torceu. mas é mais frequente Ele usar Seus homens para Seus milagres. Johnny ficou olhando para ele. não posso pagar muita coisa pela operação. O homem e o menino ficaram juntos e o Dr. pela escada branca da clínica do Dr. pagamentos parcelados… O Dr. Então os olhos pálidos aos poucos foram-se aquecendo e Jean pegou a mão do ministro. pensativo. O Dr. — Afinal… Deus… não está do seu lado? — Ele meneou a cabeça. — Não tenho muito dinheiro. e os três homens ficaram esperando. Klein o olhou com uma surpresa fria. por protegerem nosso. que ficou escutando calado. Deus está com ele. Mas você é um menino valente. Os olhos de Johnny estavam ardendo. Portanto. Quer um milagre de Deus. sério. ele contestava tudo o que eu lhe pedisse. sim? — Jean obedeceu logo. foi Deus que nos mandou para o Dr. descendo a escada depressa e de lado. Deus nos mandou para esta cidade. Johnny explicou a operação a Jean. A caminho de casa. Às vezes Deus cura logo. doutor. — Não sei por quê. McManus falou: — Acho que o garoto tem razão. que têm menos ainda.. para ajudar a perna manca. digamos que seja na semana que vem. Temos uma boa força policial em Barryfield. É. só para protegerem a nossa propriedade e nossas vidas. — Há três semanas. Burnsdale sorriu com carinho. A Sra. Um bombeiro levara embora a pia velha e outra estava sendo instalada. Ele parece achar que essa congregação não nos vai mandar embora. McManus deve ter posto mãos à obra logo. Tenho de me apressar. Olhou para as novidades com assombro. também.podia curar você de uma vez. de tão contente. Um pastor que consegue levar o velho Al a fazer alguma coisa por ele é o tipo de pastor que a gente quer. leve a Emilie. com energia. cor de mel. Está entendendo? Jean estava com a boca apertada. Johnny apertou os dedos magros do menino. — O senhor tem certeza de tudo menos do senhor mesmo — falou a Sra. Burnsdale mal podia falar. mas disse consigo: Será um milagre mesmo se a congregação me aceitar… depois da noite de hoje. Quando chegaram em casa. Talvez fosse necessário que esses médicos conhecessem você. Mas pense um pouco. senhor. — Cores lindas. — Vão andando. também! — gritou Pietro. Depois respondeu: — É. primeiro mande esses guris lavarem as mãos e Kathy. com cadeiras condizentes. Jean. Claro que a gente quer o senhor. ela puxou a mão de Johnny e o levou para a cozinha. Temos sorte. Ela nem quis acreditar. os olhos fixos. gritando. Gostaria de ter essa mesma certeza. Provavelmente ontem à noite mesmo. O velho Al tirou o pessoal . encontraram a casinha fria vibrando de entusiasmo. por isso espero que não se importe se não me levanto. — Os melhores aparelhos da cidade. Dois. de plástico amarelo e cromados. Burnsdale. — Estará tudo pronto dentro de mais uns 10 minutos. Sr. — É a primeira vez que o velho Al faz alguma coisa por um ministro. Rápido! As crianças se aquietaram logo e se foram. estarão curando alguma doença no coração deles. A Sra. para médicos. sou da sua congregação. As crianças juntaram-se em volta de Johnny. com torneiras cromadas. O bombeiro olhou por cima do ombro para Johnny e riu. senhor. — Posso saber se isso está certo? O bombeiro olhou por cima do ombro forte. com habilidade. como uma criancinha. papai! — Sosseguem. num tom severo e maternal. Se é. — Quem me dera que os nossos guris tivessem tanto juízo e soubessem obedecer aos mais velhos. eu sei. — Ele apertou uma porca. com orgulho. — É — respondeu Johnny. alegre. agora — ordenou a Sra. — Lá em cima. Deus faz milagres para muitos. apontando para o teto. Fletcher. depois que saiu daqui. — O Dr. para a sala de jantar almoçar. Curando você. Sobre os balcões havia caixas altas de panelas e pratos e a mesa era nova e maravilhosa. e penteie os cabelos dela. Depois apontou. para levá-lo de volta a Deus. Sem que nós outros puséssemos a outra metade logo de cara. Jean e papai são milagres de Deus. Por falar nisso. Mal posso esperar para ouvir o seu primeiro sermão no domingo. Burnsdale. Contei à patroa. curioso. A cozinha estava cheia de crianças que circulavam com exclamações em volta de um fogão branco novo e reluzente e uma geladeira. aberta. não aguentando aquilo. e Max. Pôs a mão sobre a cabeça de Kathy. Mas isso não bastou para os homens. O amor não bastou. Lúcifer chegou para os homens e disse: “Se vocês comerem daquelas frutas ali. naquele aturdimento dele. que dei ontem ao doutor. Johnny começou a rir. E então eles comeram as frutas. era como uma cereja vermelha. que brilhava como ouro no sol. — Houve um tempo — continuou — em que os homens eram bons e puros. amanhã. vamos para a sala de jantar. e sua voz era a voz de um homem taciturno: — Lúcifer tinha razão. Minha mulher é presidente da Assistência Feminina. satisfeita. O Dr. pêssegos. — Respirou fundo. Ora. à direita de Johnny. serão iguais aos anjos”. Eles andaram sobre a grama dura e grossa. não queria que eles fossem iguais aos anjos Lúcifer era orgulhoso. Aliás — completou ela. e em seu rosto o interesse parecia uma luz. Lá só havia felicidade e uma beleza maravilhosa e cantos e risos. o anjo mais belo de todos. o anjo mais amado por Deus. Maçãs. Cada um vai ter a sua árvore… talvez duas. ninguém detestava nada. McManus. com displicência — hoje de manhã chegou um tapete novo para a sala. Vamos ter bandos de passarinhos e casinhas de passarinhos nas árvores. Cada criança vai ter o seu jardim. . Quando saí para vir para cá hoje. Estava tudo na minha lista. para deixar que essa parte da história penetrasse nas cabeças dos meninos. Em volta dele. contando tudo para as outras senhoras. Eles queriam nutra coisa.das ferragens da cama. e lhe parecia que Deus estava-se diminuindo. E Deus abençoou as flores e as árvores e os pássaros. ao sol quente. o Mal lhes apareceu e o nome do Mal era Lúcifer. Os grandes olhos azuis de Emilie estavam da cor de safiras. A Sra. cerejas. realmente. — Vamos plantar árvores — disse ele. ameixas. moderno mesmo. Johnny continuou. Jean disse. Jean. “Não interessa as despesas”. e tudo o que vivia no Jardim. E junto da cerca vamos plantar flores. Burnsdale olhou para Johnny e meneou a cabeça. E um homem dos linóleos também vem amanhã. e moravam num Jardim que Deus fez para eles. disse ele para eles. Eles nem podiam acreditar. — Nesse jardim. para instalar o linóleo novo na cozinha. — Está vendo? Bom. — Árvores frutíferas. um dos poderosos arcanjos. interessadas. — Então. Depois árvores de sombra. Um homem dos móveis me ligou e disse que vai entregar um conjunto de mogno verdadeiro. que lhes são proibidas. Amava Deus. inclusive os homens. Lúcifer não gostava dos homens. Ele parou. Johnny levou as crianças para o jardim. era um sargento em posição de sentido ao lado do oficial comandante. fascinados. banheiro e hall. Então. Sabe. fazendo os homens. ela estava no telefone. A boca de Pietro. Depois de um almoço frio muito bom. ontem à noite. também estava escutando. Aposto que a essas horas a notícia já se espalhou pela cidade. pêras. as crianças o escutavam. e expulsou Lúcifer do céu. a Montanha de Sete Andares. onde vivem homens que nunca amaram a Deus. eles se culparam uns aos outros. àquele velho Jardim. em Sua cólera. É um lugar terrível. Reflexos do Jardim de que nunca se esqueceram. — O inferno — disse Johnny — é o lugar onde está todo o mal. — E Deus ficou zangado com Lúcifer. para nos lembrarmos do céu e rezarmos para que Deus nos deixe voltar. sejam jardins ou arvores ou animais inocentes ou outros homens. onde não teriam paz. Johnny teve um sobressalto. Ele coçou o queixo e olhou pensativo para o rosto vivo de Pietro. então talvez também esteja o reino do inferno. — Aqui é o inferno. bem aqui. Então Deus chamou os homens e eles tiveram medo de responder. um dia. também se sentaram num círculo junto dele. expulsou os homens do Jardim. Todas as coisas inocentes fugiam deles. que estava cantando sozinha sob a lua nova. crianças. Pietro meneou a cabeça. e nada. sem esperanças. mais ainda do que com os homens. Mas depois que os homens comeram as frutas daquela árvore. que odeiam seus semelhantes e nunca se arrependem de seus pecados. A fumaça tornou-se uma nuvenzinha prateada. que chamou de inferno. que ainda nos aguarda.era costume de Deus passear no Jardim que Ele fizera. Então Deus. o mundo não é mais lugar seguro para ninguém. ao sol. em suas almas. Deus é misericordioso para nós. Jean disse: — Então. detestando-se por sua própria desobediência. para Ele poder apreciar a sua beleza e sentar debaixo das árvores e sorrir para as flores e falar com os homens. nós tivemos… tivemos… Johnny meneou a cabeça. o criador de guerras e ruína. O homem agora era um terror no mundo. fizeram jardins para si. Se o reino dos céus está conosco na terra. pulando. eles se esconderam. de fato. Talvez a terra seja. Johnny fumava. Sabem. olhando para os outros para ver se admiravam a sua perspicácia. no mundo. Jean fez essa coisinha com graça. . prosa. Olhou para Pietro e pensou: nunca pensei nisso. Pegou o cachimbo e Jean o acendeu para ele. e Lúcifer caiu e construiu um novo lugar para si. os olhos turvos fixos nele. tocou no ombro de Jean e suspirou. ao ouvirem Deus se aproximar pela floresta. E quando Ele mandou que eles respondessem. e levou para lá todos os anjos que também odiavam os homens. para um mundo sem vida e perigoso. jeito e importância. e que lhe dissessem por que tinham comido daquela árvore. Então. com força. pois o homem comera o ódio. — Mas os homens se lembravam do Jardim de onde Deus os haviam expulso. Acho que isso deixou Deus mais zangado do que qualquer outra coisa. meus queridos. quando o sol se punha. Sentou-se na grama e as crianças. nunca quiseram conhecê-lo. onde todas as coisas os temiam e fugiam deles. — Aqui — disse Pietro. Eu lhes contei sobre o inferno. pois Ele viu que uma vez que o ódio entra nos homens. E é por isso que temos de ter um jardim para nós. onde estavam condenados à morte. onde teriam de trabalhar muito. manda o Seu hálito nelas e ordena que vivam para nós. . pequenas. A misericórdia de Deus não tem fim. e as crianças ficaram cheias de assombro e entusiasmo.Ele nos deixa termos flores e grama e árvores. — Chama-se a flor da manhã — disse Johnny. nem o Seu amor. Chegaram a um canto da cerca onde encontraram uma trepadeira florescente de ipomeias. em paz. Muito embora escolhamos o inferno para nós. As crianças olharam para ela com alegria. Eles passearam pelo quintal e Johnny lhes mostrou onde seriam seus jardins e as árvores. rosadas e frescas. e olhou para o céu claro. e dele pendia uma única luz branca e ofuscante. protestantes. — Tem muita gente pensando em mim — respondeu ele. O que é mais consolador. Burnsdale sacudiu a cabeça grisalha. — O senhor nunca pensa em si. O salão paroquial era o porão da igreja. zangada. estava passando o único terno clerical de Johnny. Não havia sinais de que o salão fosse usado para outra coisa senão as reuniões. Fletcher? — E por que havia de pensar? — perguntou ele. Parece que ninguém jamais pensara em torná-lo agradável para as crianças. rangia quando se andava. a alegria da juventude. aí estão suas calças e o paletó no cabide. outra com os pratos alegres. Ele subiu. e era ainda mais sem graça do que Johnny temera. Sr. das igrejas católicas. antigas. impaciente. em ripa estreitas e rachadas. O sol estava se pondo. — Em todo caso. mais terno. levando o terno com cuidado Espiou no banheiro e riu-se. Outra mulher levara um grande vaso de zínias e outras flores de fim de verão. — Ora. assobiando. mais própria para uma barbearia do que um salão paroquial Havia um lambri de cerca de 1. Não havia qualquer indício de que algum dia se convertesse em um lugar para danças. — É uma vergonha — murmurou. por exemplo. Nós. Bom. Ainda assobiando. vermelho. lá estavam as peças e cor-de-rosa. sim. pintado de um marrom-escuro enjoativo e a parede acima era pintada de um castanho desagradável. resmungando. Deixe arejar um pouco. nem em instalar equipamento para basquete ou artesanatos. Havia uma comprida mesa de cavaletes sob a luz forte.20 m nas paredes. e a Assistência Feminina tinha . Estava cheio de paz. também deveríamos ter sinos de tarde. Não havia mais nada de que ele precisasse na vida… se a congregação lhe permitisse ficar. mas estava limpo e encerado. As cadeiras eram de dobrar e incômodas. todo lilás e um verde frio. camponeses. acima dos telhados apinhados da cidade. A Sra. O teto de madeira era baixo. outra com as duas séries de castiçais.VIII A Sra. e estava coberta com a melhor toalha de mesa da Sra. mais cheio da memória de Deus do que sinos ao pôr-do-sol Depois ouviu os sinos da tarde sobre a cidade. O piso. — Como a senhora. com guardanapos do tamanho de lençóis de bebê. falando! de segurança com suas línguas alegres. unia nota alegre e viva em toda aquela brancura. Ali não havia fogão. Outra senhora tinha contribuído com os talheres de metal reluzentes. Burnsdale. Ainda estão úmidos. suaves e tranquilizantes. El olhou pela janelinha redonda de seu quarto. amarelo. inteiramente despido. mas que pergunta tola! — respondeu. com calma. — Se o senhor não pensar em si. quem vai pensar. azuis e vermelhos. pensou.-com amor. ele se vestiu para o “jantar de boas-vindas” daquela noite. branca. bronze. McGee. Ouvia os ruídos abafados das crianças na sala lá embaixo e de pratos na sala de jantar. — Ela parou. reluzente e engomada. mesmo. Os maridos estavam mais propensos a olhar para ele com tolerância e simpatia. Seu rosto forte. ou se poderia ficar. Mulheres de cidade pequena. usando outro terno cinza-claro amarfanhado. tão moreno. Aquele não era um fraco. Long Assistência Feminina. Para eles. Sra. Nenhum homem razoável pode se dar bem com mulheres.levado a comida em panelas tampadas — o inevitável mas delicioso feijão assado. devido às crianças “estrangeiras”. e examinaram Johnny com um olhar crítico. Nenhuma das senhoras era insegura em suas atitudes. fez uma impressão no A1… engraçado. com raiva. as comoveu. E ele tem uns lindos olhos azuis”. Portanto. outras pálidas. era um silogismo muito simples. Precisavam de um ministro. vamos ser amáveis com o novo ministro. A incrível história da generosidade do Dr. A Sra. Sra. Então. algumas severas. algumas com a expressão alegre. ou antes. outras melancólicas. Esta aqui é a Sra. Stevens dizia que aquele era o único ministro que lhes mandaria. pensou Johnny. O Padre John Kanty me disse que tem o mesmo problema com as freiras e a Irmandade. que resolveriam se ele deveria ser expulso. Johnny esta é a Sra. Eram muito seguras de si. tão brando. ou tímida. ansioso por agradar e . Senhoras grisalhas. As ligações dele com “aquele padre com o nome estrangeiro esquisito. limitadas. outras baixas. McGee dissera. grossas fatias de carne de boi e presunto e língua. claro. Sherwood. com medo da congregação. Pelo menos quatro das senhoras tinham filhas casadoiras e o fato de Johnny não ser um homem casado despertou seus interesses e esperanças. Krantz… As senhoras lançaram um olhar fixo e brutal ao Dr. Lovitt. tão animado. Nenhuma moça sensata havia de querer se casar com ele — a não ser. das lhe lembraram. Elas se voltaram para Johnny e ficaram quase completamente derretidas. ficariam com esse ministro. Eu o vi sabe. O Dr. Acreditavam firmemente que essas relações tinham como único propósito aborrecer a congregação da Igreja do Bom Pastor. umas coradas. colares de pérola de imitação e sapatos discretos. Todas mal vestidas. de algum modo. incomodamente. A hostilidade estava quase dissipada. ele as tinha traído. um pouco menos manchado do que o anterior fez as apresentações. O Dr. com sarcasmo. Stevens nos mandou. outras com olhos azedos e desconfiados. em suas roupas clericais pretas e surradas. e embora ele pareça meio menino. McManus naquele dia tinha servido para dissipar parte da animosidade natural das senhoras por Johnny. Mas elas sentiam que. o cabelo tinha sido posto num molde e saído em volutas metálicas. Johnny foi apresentado oficialmente aos membros de sua congregação. pão com manteiga. imensas tortas marrons e café em garrafas térmicas. Os cabelos grisalhos tinham sido penteados em cachos firmes e ondas duras. McManus. quando elas o conheceram. Wolfe. se não para as mulheres. ele era bastante jovem para poder despertar-lhes o instinto maternal. com grandes estampados veranis. tendo adquirido aquela “tropa de estrangeiros”. que se pudesse convencê-lo a se livrar das crianças. salada de batata. — Sujeito maluco que o Dr. magro e magnético. umas gordas. na sua série de telefonemas “Quem consegue que o Al dê um centavo sem que nós tenhamos de dar outro centavo é um operador de milagres. e aquele velho rabino esquisito” sempre constituíam um motivo de afronta pessoal para elas. ás senhoras de Park Avenue. Sra. Alto. McManus. McGee respondeu. Fletcher? — perguntou a Sra. sem conversa. por Vossas dádivas generosas. com certa tensão íntima. Mas por que não podemos tomar uma cerveja. McManus deu uma risada esganiçada. e rezamos para ser merecedores delas. McManus outro de seus olhares brutais combinados. A cerveja ia muito bem com essa bóia. doutor! O senhor sabe perfeitamente que somos da UAMC (União Antialcoólica das Mulheres Cristãs). Também sentia. aprovando. — Nada mau. Aquilo pareceu uma blasfêmia às senhoras. Pedimos que em todas as coisas podeis nos aceitar como Vossos servos em nome do Senhor Jesus Cristo. Os maridos sorriam. e elas lançaram ao Dr. Cabia a ele. Johnny olhou em volta da mesa e reprimiu um sorriso. e todo mundo sabia os problemas que isso cria. enquanto seu garfo passava pelo feijão e as vozes se alteavam cordialmente em volta dele. Esse não era um ministro que seria dominado pelos membros femininos da congregação. pensaram. — O que o senhor acha. Em um homem e quando elas olharam dentro de seus olhos azul-escuro. e bateu na coxa. Ele teria sido expulso de um casamento respeitável. Tudo dependia daquela noite. . Os homens chegaram à conclusão de que. ele repetiu a oração a Deus para que fosse possível ficar naquela cidade feia e enfumaçada. pelo menos a metade das senhoras estava conquistada. Johnny sentiu aquela meia aceitação curiosa. McManus. McManus. todas as garotas iam persegui-lo. Todas nós da Assistência Feminina. quem conseguia fazer do “velho Al gato e sapato. hein? — reclamou o Dr. depois disse: — Não creio que haja na Bíblia alguma coisa que explique que Deus nesse dia tenha suspendido as leis naturais de fermentação. No entanto. Ele deu uma risada. Ás senhoras assumiram ares severos e acusadores. por isso. — O Padre John Kanty gosta de um bom copo de cerveja. Sr. Mas era bonito demais. pesadamente. e sentiram o vigor quente de seu aperto de mão. Ele hesitou. O Dr. O velho não o ajudaria. pensou.acalmar. Krantz. você ainda não ouviu falar das bodas de Caná? Pensa por um minuto que o Senhor transformou a água em suco de uva? Senhor ou não. quero dizer. e começou a comer com mais apetite. Pai.” era uma aquisição valiosa para a igreja. sem jeito. Amém. embora Johnny “não seja do nosso tipo”. e nenhum maricas. mulher do bombeiro. Já não era sem tempo que as mulheres tivessem uma direção. McManus —. como uma nuvem de calor. encantado. os olhares demorados e sardônicos do Dr. Cerveja! Para que há de querer estragar uma boa comida? — Marjie — insistiu o Dr. e os piqueniques também. este feijão. Johnny disse as graças com sua voz comovente: — Nós vos agradecemos. e os almoços dele têm cerveja. ele sabia. Para si. e viram a força bondosa e o poder deles. parecia um bom rapaz. mordaz: — Não. quanto a ele. Os homens riram. A Sra. — Não gosto de diplomatas. em geral eram pessoas que não sabiam nada sobre o trabalho e seus problemas e desprezavam os trabalhadores. dizendo sim para todo mundo e querendo dizer não em seus corações suntuosos. Eu. e não podiam ter uma semana de trabalho de 40 horas. — No entanto — continuou Johnny. indiscriminadamente? Teria consciência social? Seria um desses rosados? Comunista. com uma coroa de cachos prateados encimando um rosto redondo e rosado com olhos muito pretos. suas roupas velhas e surradas não escaparam a seus . como operários de fábrica e de lojas. Os homens. em diagonal. e brandiu o dedo possante na cara dele. Schoeffel. competentes. chegaram à conclusão acertada de que aquele era um homem que não era estranho ao trabalho manual. como o Sr. o abastado dono do jornal local. McGee. Com certeza nem pensava naqueles que tornam possível aos trabalhadores trabalharem. O Dr. de trabalhador. sorriu para si. A resposta dele à Sra. Um rapaz meio insinuante. homem de pequena estatura e delicado. Krantz era meio traiçoeira. cheias de força e decisão. O presidente da mina local refletiu sobre os reacionários com bastante desânimo. Seria um radical? Talvez. pensou o Sr. perguntou-se: insinuante? Sim. gosto de suco de uva. O chefe de turma e os supervisores da mina estavam igualmente divididos quanto a Johnny. talvez? Quem sabe ia se ligar com aquele maldito Summerfield. meu filho. estavam começando a se interessar por ele. Olhou furtivamente para as mãos de Johnny e ficou surpreso. Nunca tomavam partido. Ele iria agitar os homens? Denunciaria todas as greves. Gente Insinuante. e há muita gente que gosta. eram quase unânimes quanto a Johnny. As senhoras ficaram zangadas com isso e romperam num tumulto de exclamações. e ficou confuso. Olha para as mãos dele. As senhoras. Dois dos supervisores. McManus tornou a rir. talvez? Fascista. com uma expressão muito inocente — não há nada na Bíblia que diga que Ele não tenha feito isso. conhecedores das mãos dos homens. porém. Depois pensou no Sr. de pouco mais de 50 anos. Provavelmente foi treinado assim. Andando por aí todos melosos. com seus jornais espalhafatosos. ficaram confusos. Depois. ficaram inseguros e se calaram. é o que eram. ele tinha estado na Europa e provavelmente se metera com todos aqueles comunistas de lá. fazendo mesuras. O Sr. Dan McGee. McManus conservou uma expressão enigmática de taciturnidade diante desse ataque. também trouxe os garotos de um lugar remoto. Começaram a se fazer perguntas. Provavelmente todo a favor dos trabalhadores. Summerfield. e. examinando-as por sob suas sobrancelhas ferozes. Na véspera não parecera assim. Se começar a andar de mansinho por aí assim. com instrução universitária e o modo de responder dele. para Johnny. Quase todos os problemas do mundo são causados por eles. Talvez fosse do tipo que gosta de sociedade. tendo mais medo do médico do que tinham das mulheres. Mãos fortes. Gostavam dele. de todo. nem lutavam pelo direito e pela justiça social. — Um diplomata! Um raio de diplomata de calças listradas! — ele se debruçou sobre a mesa. Reacionários. O Dr. provavelmente já foi um desses operários obstinados. As senhoras sorriram para os maridos. e com uma faca escondida na manga. sorridentes. eu pessoalmente carrego suas malas para a estação e o chuto pelo vagão acima. conforme notou o médico sagaz. Johnny. pessoalmente. triunfantes. com violência. Estava com a respiração um pouco apressada. e não da minoria? — Bem. tendo um pequeno negócio de empreitada de serviços de bombeiro. pode me dizer a qual grupo. estava mais bondosa. pensou o médico. Krantz. Os homens trocaram olhares perplexos e as senhoras passaram a escutar com uma intensidade que alarmou o ministro. suponho que o senhor queira dizer que faz parte da maioria. eu me reteria a esses grupos minoritários.olhos maternais. Wolfe. meninas. sentiu as interrogações masculinas em volta de si. O que é uma minoria? Quer dizer. Krantz. — Então. se bem que acho que se possa chamar o partido perdedor de minoria. — Acho que não estou entendendo. E agora. embora ainda insistente. Fixou os olhos atentamente sobre o bombeiro bem-humorado. Krantz fez um gesto de desalento. — Profissionais? Pequeno comércio? Certa raça? Certa igreja? Certa origem? — Bem — resmungou o Sr. fora desse grupo. Mas esperem. Mas nem sempre fora comerciante. Sr. Procurou. Sabe. Não sei. o que acha desse problema de minorias de que se fala tanto? Johnny largou o garfo. professores e tal. Krantz. tomou um bom gole de café. Chupou os lábios gordos. na sua cabeça. Era negociante independente. Não sei. e fraudes nas máquinas eleitorais. com calma. Krantz. Ele engoliu um bocado enorme de presunto. Sr. — E a que grupo minoritário os senhores pertencem? — A nenhum — respondeu logo o Sr. Minorias. num tom de assombro e perplexidade. Não. Depois parou. Krantz. sim — respondeu o Sr. o bombeiro atarracado e sólido. — Ou… — e ele também se calou. não me refiro exatamente a um partido político. Krantz. — Não. e médicos e advogado e o pequeno comércio. um partido político? O Dr. A gente hoje ouve tanta coisa de urnas com votos falsos. Krantz. A voz de Johnny. — Ele virou-se para os outros homens. enxugou os lábios e disse: — Pastor. como religiosos raciais e… hummm… igrejas e tal e o trabalho e capital e a grande indústria e profissões. Johnny sorriu. A ternura começou a brilhar em seus rostos cansados. McManus rolou um naco de carne mastigado entre os malares inferiores e a bochecha e sorriu. e se calou. o senhor pertence? — Bem — começou o Sr. Johnny cerrou as mãos na mesa mas falou com calma. . O Sr. — Acho que o senhor agora está pensando a qual grupo minoritário pertence. Sr. apesar do brilho apaixonado nos olhos azuis. — O senhor citou grupos minoritários. espantado. — Minorias? — perguntou. O Sr. sabemos que não há minorias. Ele teria ido lá. nascidas de mentes que giram no inferno. recostando-se na cadeira. tampouco. que está em Deus. Não com lógica. a loucura. O Dr. Verão. todas as bocas apertadas. McManus olhava para ele. de provocar ilusões não- existentes sobre as classes e outras nações. Ele falou. que é de Deus. pertence a um grupo minoritário. — É o tipo de raciocínio teológico que não aprecio — redarguiu o Dr. Eles nos odeiam a todos. e filosofias e culturas infinitas? Mas. — Por certo. Pense na angústia fria de um lugar assim. com um ar condescendente. — Claro que existe um inferno. Fez-se um silêncio profundo no salão. Ninguém. observando bem os outros. apesar de sua juventude. — Ninguém no mundo pertence a um grupo minoritário. a fim de dividi-los. os poderes misteriosos da mente. Os olhos de Johnny percorreram a mesa. apesar da bondade vigorosa dos olhos azuis. a fim de fomentar a discórdia interna e externa. depois de uma pausa demorada. as mãos que erguiam as xícaras de café pararam no ato. Viram-no ali sentado. Um lugar. alto. uma mentira. sabemos que não existem divisões reais entre os homens.” Logo. é? Você. destruir. todas as cabeças abaixadas. Analisem a questão das minorias com o auxílio da lógica. de um tal estado de. espírito. afinal? — Ele piscou para a mesa. em que Deus não está. Todas as testas estavam franzidas. O que ser moderno tem a ver com isso? Ser moderno recusa a ideia dos universos não descobertos. Usando o Verbo. o ódio. McManus. Ninguém olhou para ele. num silêncio ferrenho. Todos os garfos estavam parados. no entanto — continuou Johnny — Deus desceu ao inferno. Um lugar em que Deus não está. McManus fungou. Nenhum pastor jamais respondeu por quê. porque não é visível. Johnny. O Dr. — Deixe para lá. com muita brandura: — “No princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus. se quisermos fatos concretos. nada disso existe. o mundo microscópico invisível. Verão que a ideia das minorias foi inventada pelos inimigos dos homens. e com uma nova majestade e autoridade. pensem nessa questão por apenas um minuto. Mas. “— E. alto. E o que é o inferno? A total ausência de Deus. por um minuto só. pense na raiva amarga e triste de um estado assim. o desespero sem fim. Esses inimigos só têm um objetivo: confundir. apenas divisões maléficas. Vocês são pessoas lógicas. quase imediatamente. o Verbo. um ministro moderno? O que é o inferno. que são invisíveis. Pense nisso. Usando a lógica. as marés não identificadas das emoções humanas. depois de ter . Eles então olharam para ele atentamente. razão como manifestada pela palavra. “O inferno? — repetiu. que é uma ilusão. também significa lógica. pelo menos. — Exatamente — disse Johnny. que negócio é esse de inferno? Você não é o tipo de pastor que vai nos insultar aos domingos falando do inferno medieval. um estado de espírito. Isso é o inferno. as paixões do espírito que criaram civilizações e belezas e escolas de pensamento. tomar o poder. sabemos que existe.” Ninguém lhe respondeu. — O inferno? — perguntou Johnny. pensando. pensando. Fletcher. na cama. Sr. A Sra. — E assim — concluiu ele — cá estão essas crianças comigo. Sou assistente . Vou contá-la agora. O horror apareceu nas fisionomias de algumas das mulheres. violentamente. Fletcher. Então. não podiam escapar do rosto de Johnny. Vamos pô-las na aula de catecismo. em nome delas. que. que estava vermelha de emoção e com os olhos cheios de lágrimas. passavam os dedos pelo pescoço. Wolfe. Civilizá-las. podemos prometer isso ao Sr. Sabem que trouxe cinco crianças comigo. para avisar ao reino do mal que já não podia mais governar a terra? Ou… e acho que esta é a resposta mais razoável… teria ido lá para levar esperança aos desesperançados? A Sra. O Sr. Hein? Os homens hesitaram e depois concordaram. da Europa Mas não conhecem a história delas. enojados. Vou adotá-las. O que fiz por elas está feito. Tossiu. Sou a única esperança que elas têm. dizia o pastor. é eterno. Ser mães para elas. Fletcher. devo contar-lhe. Ainda estava pensando em trabalho e capital. Ele achou que era chegado o momento de falar sobre e que tinha de falar. revoltou-se. E contou. Eles escutaram. disse. Já lhes dei meu nome. Senhoras — e ela se virou para as amigas —. Krantz pigarreou. Wolfe falou: — Ouvi dizer que as crianças vão dos cinco aos 12 anos. para a instrução delas. com frases vividas e gestos eloquentes. e continuarei a fazer. o inferno. Evitavam se olhar nos olhos. — Claro que é. com relutância. Os homens se mostraram incrédulos. aqui há alguns que desesperaram de se salvar. Era muito confuso. por mais que tentassem. absortos. Remexiam nos talheres. de antemão. As senhoras menearam as cabeças. — Sr. impulsivamente: — Sr. com compaixão. Johnny ficou muito sombrio. senhora fundamentalista. pensou ele. O Sr. Mas. na verdade não existiam. Vamos vesti-las. A Sra.morrido na cruz. o senhor sabe que faremos o que pudermos. segundo a Bíblia. não podemos? Nós mesmas vamos mais ou menos adotar as crianças. McGee foi o último a menear a cabeça. Aqui e ali uma fisionomia cansada de repente se desanuviou como se um raio de luz tivesse passado por ela. compreensivos ou constrangidos. Mas o resto é responsabilidade de vocês. nem de seus olhos brilhantes. Fletcher. Ele deixou que eles ponderassem sobre isso um pouco. Sou pai delas. — Talvez possamos organizar um pequeno fundo. pôr alguns dólares todo mês no banco. fascinados. McGee. concordando com sua presidente. naquela noite. e sua voz os tirou de sua meditação: — Agora que já terminamos o jantar. Um ou dois coraram. uma coisa. a reserva fez outras fazerem beicinho. Disse então. Teria de pensar sobre isso. Enquanto uma alma permita que seja. a não ser que lhes demos uma existência objetiva. montanha. o senhor opera várias vezes por semana. judeu. que fazem parte da variedade infinita da alma humana. mas também estavam perplexos. mundo ou homem. No entanto. que é subjetiva. com a mesma intensidade ou do mesmo modo que outro. Terei um interesse pessoal pelas crianças. mundo ou homem é igual a outra folha. São apenas aspectos. espiritualmente. árvore. Nunca houve senão um Pastor. poderíamos ver uma cor que não chamamos de vermelho. Ah. mas no final chegavam a um entendimento sólido. com Suas parábolas. árvore. em suas várias partes é inteiramente única e diferente da de qualquer outro corpo humano. Estava começando a ser dominado por uma sensação de exaustão. Nenhuma uniformidade. sermos um Rebanho. Olhou para eles com uma tristeza séria. entre os inúmeros aspectos. a realidade objetiva. Mas. rezando para que o acompanhassem. Mas na verdade. Deus tinha feito essa gente assim entender. — Quando formamos nossas opiniões subjetivas. E é por isso que temos tantas religiões aparentemente… notem. É uma gente simples. É por isso que. em toda a justiça para com vocês. tenho de lhes contar uma coisa que não sabem e aguardar sua decisão. A uniformidade é a morte da alma. um mundo subjetivo. McManus. insular. Quem nos pode dizer que a cor subjetiva que vemos é objetiva? Quem ousa nos dizer que estamos errados? Suponhamos que os outros resolvam que somos perigosos por chamarmos essa cor de uma cor inteiramente diferente. todos concordamos que é vermelha. Ele então se levantou e colheu todos os olhos em cima de si. No entanto. não são diferentes. maometano. McManus. Eles podiam ser lentos. Johnny suspirou. O senhor há de concordar que nem um único ser humano reage a uma situação. Continue. seja mental ou física. e. que estava sorrindo com um ar maldoso. embora a estrutura do corpo humano seja essencialmente a mesma. pensou o Dr. — Está bem. Há de concordar que. há diferentes escolas de pensamento. nos oprimem? Como pode uma alma. acendendo outro cigarro. se nesse momento tivéssemos o poder de olhar para essa rosa com os olhos de outros. Creio que concordam comigo. — E é por isso que devo lhes contar uma coisa. Ele olhou para eles aflito. Cabe a nós. Agora é que vem a revolução. Fechou os dedos um instante e rezou pedindo ajuda.do supervisor da aula de catecismo. seja cristão. budista ou outra coisa que seja. ser obrigada a se conformar com ilusões objetivas? Eles o acompanhavam intuitivamente. Johnny estava corando. feliz. Aí está a beleza da criação de Deus. cometemos um profundo erro lógico. — Doutor. o meu marido. Johnny virou- se para o Dr. nenhum conformismo. se . montanha. assim. devo reconhecer. digo aparentemente… diferentes no mundo. — Foi uma bela preleção que você deu. Nada disso é perigoso a não ser que permitamos que o seja. — Nenhuma folha. Ele piscou para Johnny. McManus. Aqui está uma rosa. de Deus. Eu a chamo de vermelha. concordo — respondeu o Dr. — Estava-lhes falando sobre o conceito artificial das minorias. que estavam corados. Lovitt. — Eu sabia que ele não servia para nós. ruidosamente. — Bom. sobre suas origens. como um enxame de mosquitos. Eles se espantaram. Descobri que Jean e Pietro tiveram raízes católicas. é judeu. Long —. Estendeu as mãos. gesticulavam. com nova indignação. uma segurança objetiva. Sherwood. Deixe contar-lhes. Mas o Dr. Wolfe. É bom começar a arrumar as malas. — O senhor não disse uma palavra! — exclamou a Sra. — Nem pensar nisso — era a Sra. Empertigaram-se em suas cadeiras.querem me conservar aqui como seu pastor. resolvido. — Ora — balbuciou o Sr. — Quer dizer — perguntou o Sr. — Não podemos admitir isso — falou o Sr. — É ridículo — disse o Sr. mais que tudo. um só Deus. As exclamações se elevavam. — Assim é que descobri que Kathy e a pequenina Emilie têm raízes protestantes. As mãos se agitavam. Disse isso a ele. a ter um quadro de referência. — Claro que não — concordou o Sr. o mais terrivelmente prejudicado de todos. e sacudiu a cabeça. De repente eles pararam. Sherwood. Já escutei os pesadelos delas. com pesar. — Respirou fundo. só têm um Pastor. As crianças. Todos esses termos são subjetivos. com um ar acusador. mas as crianças têm direito a suas raízes. Williams. E Max. esse é o fim de sua preleção subjetiva. — Creio que não. a saber que. McManus olhou para Johnny com um ar zombeteiro. que o senhor. Já estou com essas crianças há quase um ano. e o Dr. — O que é que a congregação ia dizer? — É um insulto — disse a Sra. Johnny esperou. Todos os homens se viraram para seus vizinhos. Johnny sorriu. por suas raízes individuais. um ministro protestante. embora tenham uma crença diferente. sem saber. indignado —. não têm. O Sr. McGee. Viraram-se para o Dr. McManus viu o seu rosto entristecido. McManus. está pretendendo deixar que três dessas crianças não sejam protestantes? Não acredita na sua religião? Um zunzum de indignação e afronta encheu o salão. Krantz. Imagine só o que pensou de . pensei que isso tudo já estivesse resolvido. têm de sentir suas raízes. calado. menino. — Tenho um respeito inabalável pela individualidade do homem. Krantz explodiu: — Um é judeu? Dois são católicos? — Ele estava apavorado. — Um insulto à nossa igreja. pois sem elas. — E o senhor que é presidente do conselho da igreja. Ele se virou para os outros. Escutei as poucas indicações que deram. — Quem disse isso? Ainda não vi nenhum sinal disso. com lágrimas nos olhos. Ele sacudiu o dedo para a pobre mulher. quando o silêncio ficou opressivo demais.nós! Insultou-nos. sim! Está dizendo que se não concordarmos com o Sr. Fletcher quanto à religião das crianças. Um sujeito velho e sábio disse: “Só houve um Cristão. McManus. o senhor vai demolir a igreja. Só seus olhos duros piscavam. — Não queremos um pastor que ache que somos melhores do que os outros — continuou o Dr. É verdade. jamais quis que ele viesse para cá. madame. Tenho uma grande hipoteca nela. e Ele foi crucificado”. — Ele . é o que acho. Só estou dizendo a verdade. Os homens se viraram uns para os outros. Pensando bem. — Então? — perguntou Johnny. e não o quero agora. — A igreja do seu pai! — exclamou a Sra. Ele e o cristianismo dele! Deixa todo mundo muito incomodado. Ele acendeu mais um cigarro. Ou o mais próximo que pôde ser. — Queremos um pastor que saiba que somos mentirosos e que mentimos descaradamente quando falamos da Fraternidade de Deus e a Irmandade do Homem. — São mesmo? — perguntou o Dr. pensando que éramos seres humanos decentes. Nenhum filho da mãe de nós. Todos ficaram muito quietos. muito irritado. Pois sabemos que não temos essa religião. enquanto os outros o olhavam com uma raiva envergonhada. Schoeffel. não nos obrigue a praticar a nossa religião de tolerância amor e bondade. McGee. Sempre é útil. — Eu não disse nada disso! Não me importo a mínima se ele e os moleques dele ficam aqui ou não. Francamente. Mas ele não havia de querer que perdurasse uma igreja que não fosse cristã. — Não estou mandando. McManus meneou a cabeça. Boa renda. presidente da Assistência Feminina. Então. furiosa. — Está. triste. — Se está pensando que pode mandar em nós… — disse a Sra. e as mulheres também. Antro de hipocrisia. Vou demolir esta igreja. ela vai abaixo. sem falar. O médico deu uma risada. ficou vermelha. pensem na História. mais rendas. em voz fraca. McManus. Virou-se para o médico. A Sra. baixinho. Precisamos de um estacionamento por aqui. — Somos cristãs. e nunca fomos. Leiam os jornais. Detesto a hipocrisia mais do que qualquer outra coisa no mundo. Queremos alguém que não nos importune. Sherwood. É um insulto. Cristãos? Claro que não somos. portanto. — E é por isso que quero demolir esta igreja. com uma compreensão e simpatia decentes! Ele chegou a pensar que éramos diferentes das outras pessoas. O Dr. — Isso mesmo. sim! — exclamou. Voto contra ele. talvez ele fosse um cristão. somos todos. zangada. As mãos tocavam em seus ombros. Estavam brilhando de prazer e amor. McGee gritou: — Sim! — e bateu com o punho na mesa com tanta força que os pratos saltaram. intimamente. grunhidos. Johnny abriu os olhos. com um sorriso: — Quem é o hipócrita agora? — perguntou. — Deus. cadeiras arrastadas. Abaixou-se para cochichar depressa para o velho. Johnny levantou-se e eles se levantaram com ele. O Dr. Sede misericordioso para conosco. — Vamos ajudar — disse o Sr. e estenderam as mãos por cima da mesa. E as senhoras são da Assistência Feminina. com atenção. Abençoai-nos. o senhor está no conselho. Eles sorriam. Em nome do Senhor Jesus. Conseguiram seus postos aqui sendo um pouco mais espertos… mas só um pouco mais espertos… do que o resto dos fi… quero dizer.olhou para os outros. Cada qual olhava para o outro. irascível. — Vamos. — Mas e o resto da congregação? — perguntou o Sr. como que descobrindo um estranho encantador. Krantz. — Diabos. seus braços. mas brando e compadecido. e nos dai força e coragem e aceitai a nossa contrição e nossas penitências. . Ele nunca tinha visto tanta alegria na vida. carneirinhos burros. para apertar a mão dele. Amém. numa unanimidade simples. Mãos se tocavam. Pai. — O médico deu de ombros e puxou uma nuvem de fumaça do cigarro. homens e mulheres. Os homens assoaram os narizes. McManus estava a seu lado. — Olhou para o Dr. encabuladas. e seu coração sentiu-se humilde. agitação. Voltaram seus sorrisos para Johnny. procurando consolo nele. suas mãos. Deus Todo-Poderoso. — Ainda tenho cinco doentes para ver no hospital hoje. os olhos cheios de resolução. olhai para vossos filhos com amor. — Sim! — gritaram os outros. votem — continuou o médico. sou cristão. Nosso Pai — rezou ele —. Sherwood a abanou. um olhar penetrante. McManus e repetiu: — somos todos. do ódio. Ele ouviu um farfalhar em volta de si. Sou eu. Então. rindo um pouco. sussurros. brilhavam com alegria e afeto. As senhoras engoliram em seco. Concedei-me a graça de conduzir vossas ovelhas. ó Deus. A Sra. — Bem. Uma espécie de exultação encheu as senhoras e senhores. e a nossa Rocha numa terra cansada. Depois o pessoal ficou em volta dele. lágrimas de alegria e exaltação. Um voto contra. murmúrios. o Sr. pois fomos livrados das trevas. que merecia ternura e compreensão. Ele os acompanhou até a porta. procurando se aproximar dele. da ignorância. rezou ele. Olhou para cada rosto. As lágrimas corriam pelas faces das senhoras. devagar. — Bom? Qual o seu voto? Johnny apertou os olhos e a exaustão fugiu dele. não sou? — É — respondeu Johnny —. Wolfe. com força. e o padre por trás dela. com relação às crianças. Um ministro criar dois de seus filhos adotivos . de madeira quase negra. McManus. com mãos largas. A secretária do Padre Krupszyk sem dúvida era sua.IX A chuva tinha parado. Eles olhavam para o padre com um interesse respeitoso. via uma imensa espiritualidade. Mas quando a pessoa olhava dentro de seus olhos firmes. o senhor foi capelão na guerra e um de seus amigos era padre. Estava escutando o jovem ministro. O prenuncio do outono estava no ar. —· Muito… pouco convencional. — Condicionalmente — repetiu. olhando para o ministro. O padre sorriu. todas as paredes forradas de livros encadernados em vermelho. como me disse. Johnny estava sentado perto da secretária. por sua vez. como ainda escritório e sala também. — Especialmente com as mulheres. Ele olhou para as flores. estava sobre a mesa dele. mas o sol não estava brilhando. as cadeiras poucas mas cobertas com almofadas de couro. que estava segurando as mãos deles. compreendendo o medo e a insegurança deles. e ele se orgulhava dela. — Fico contente que o seu conselho e a Assistência Feminina tenham acabado concordando com o senhor. Conforme dissera o Dr. — É uma expressão católica. Johnny via a rua vazia. ele fumava cachimbo. embora as árvores ainda tivessem o seu verde esforçado e o pequeno gramado em volta da reitoria do Reverendo John Kanty Krupszyk tivesse o brilho venenoso da grama artificial. Ele chegou à conclusão sagaz de que aquela sala era não só a biblioteca. Mas. um rosto grande e rosado e uma boca forte. pensando. marrom e preto. azul. como uma névoa triste. De tampo de couro. o assoalho quase nu. Seu aspecto geral era de um padre volumoso e forte. bem coordenados e sem qualquer nervosismo. Tinha uma cabeça grande. mas. Tinha escutado a longa história em silêncio e às vezes seus olhos se tinham apertado. e no teto havia leves marcas mostrando que divisões tinham sido demolidas. sabe. Não obstante. só lhes lançou sorrisos breves e não lhes falou logo. os olhos cinzentos muito cavados pregados no rosto de Johnny. Como Johnny. — Então — disse Johnny — eu os batizei… condicionalmente. de camponês. — Tossiu. e pés muito grandes. mas podem ser muito… difíceis. resolução e resistência. vai ter muitos problemas com o resto da congregação. um de cada lado de Johnny. desolada na penumbra do outono. que viam tudo. As mulheres têm naturalmente bons corações. particular. e as sobrancelhas louras se mexeram. de muitas cores brilhantes. não muito temperadas pela brandura. tinha pegadores dourados e os lados entalhados. Seus movimentos eram firmes. embora feroz. através das compridas janelas da biblioteca tão espantosamente grande. louro escuro. examinando Johnny. em guarda contra um estranho. na dúvida. a biblioteca era imponente. escuro e bem encerado. o padre tinha pouco mais de 30 anos e o físico alto e pesadamente musculoso de um atleta. mais cedo. O padre. — Parou. Mas tenho certeza de que são católicos. e por vezes com descrença. e inteiramente despidas de ilusões. Jean e Pietro estavam de pé. Um grande jarro de palmas-de-santa-rita. com ironia: — Sabe.como católicos. depois que se atravessa a camada de desconfiança e oportunismo. com uma depressão súbita. Afagou com carinho o braço trêmulo de Pietro e o menino espantado se acalmou. pensando. Sabe. e não se moveram. — Já conheci muitos cristãos que nem sabiam que eram cristãos. meninos — chamou. As freiras vão falar sobre o fato de eles morarem em sua casa. quando se oferece alguma coisa a elas num puro espírito de bondade e generosidade cristã. A primeira coisa em que pensam. encontramos tão poucos cristãos. Como o Dr. Vão pensar qual será o seu verdadeiro objetivo. por algum tempo. Ele deu um cálice de vinho a Johnny e olhou-o sério. me ver hoje. nem bondade. O padre meneou a cabeça. nem compaixão. é o que se chama de ‘golpe’. Isso as fará se mostrarem ainda mais desconfiadas do senhor. — Não sei. infelizmente. — Examinou Johnny atentamente. E. de fato? Um ministro protestante que tem dois filhos diz que tem um compromisso de honra de educar esses filhos em outra religião.” — Por quê? — perguntou Johnny. Os meninos ficaram rígidos ao lado de Johnny. Fletcher. com dúvidas acerca de suas verdadeiras intenções. Basicamente. no pleno sentido da palavra. nem compreensão. mas nem sempre é o suficiente — falou Johnny. Um cristão é quase tão estranho nesta terra quanto um marciano. — Venham. — Já lhe disse: sou apenas um ser humano. pois a pele rosada era clara. a ideia é que o outro quer dar um golpe. — A um cristão — saudou. e ele completou. Sr. por exemplo. McManus. — Faço o que posso. e bebeu o vinho. “Venho lidando com as pessoas há muito tempo. Aliás — acrescentou o padre. Encheu-os com cuidado. sem coração. virou-se para os meninos com um ar de autoridade e girou a cadeira. com franqueza — eu mesmo pensei nisso. e que isso se revelará com o tempo. a testa franzida. especialmente a católica! Não seria mais lógico pensar que ele havia de querer que fossem protestantes? Tenho certeza de que qualquer padre e ministro se fariam a mesma pergunta. pensativo. vão falar sobre o nosso pequeno orfanato. não — respondeu. Fiquei me perguntando: o que haverá por trás disso. é boa. faz parte da natureza humana desconfiar da natureza humana. Largou o cálice. depois de dois mil anos de cristianismo. O padre deu de ombros. e poderia ter criado as crianças do seu jeito. Abriu uma porta na secretária e tirou uma garrafa de vinho e dois cálices. A testa dele era queimada de sol e muito larga e estava descascando. conheci cristãos muitos enfáticos que na verdade eram pagãos. — Conheço bem a natureza humana. — O padre sorriu de novo e de repente seu sorriso era bondoso e um tanto assombrado. Vou ter de falar com elas com bastante energia. Enquanto isso. quando o senhor veio. O padre lançou-lhe um olhar de pena e tornou a menear a cabeça. Mas ele não . mas Johnny só sorriu. não é? Johnny sorriu de volta. Esse é um bom comentário. É preciso a gente se habituar a ele. mostrando que o senhor não precisava ter feito nada disso. jogando bola. meninos. meu filho. abaixando as cabeças. olhando-o. Girou uma conta grande na mão e então. perdendo parte de sua austeridade. Os meninos olharam para ele. Jean deu um passo à frente e pegou a mão vibrante de Pietro. — Com Jean. Depois sorriram. a sua fisionomia se abrandou com compaixão e amor. resolvido. intrigados. seu confessor. De repente Jean se lembrou do sinal-da-cruz. Padre. — Como o seu papai —·confirmou o padre. Continuava de mãos estendidas e então as crianças se aproximaram dele. Disse a Jean: — Na terra de Pietro os padres sempre ficam contentes quando as crianças pulam de alegria ao vê-los. Falou com Pietro em italiano: — Pequenino. — Como o papai — disse Jean. Pousou neles os olhos penetrantes e depois estendeu as mãos numa ordem branda. e o padre os abençoou. sem segurança. seu amigo. disse. Para Johnny. Aí. Pietro.insistiu. Pietro continuou a sorrir e olhou para o padre com uma espécie de malícia respeitosa. Pietro. Eles os examinaram com uma curiosidade intensa. O Padre Krupszyk riu-se. severo. aquilo foi tão comovente que ele engoliu em seco. Deu um pulinho e Jean olhou para ele. lançando ao padre o seu sorriso radioso. Ele pôs uma das mãos em cada ombro e. procurando nos lugares quase esquecidos de suas mentes para compreendê-lo. olhando para os rostos deles. impulsivamente. para espanto de Johnny. os olhos claros procurando à distância. e o imitou. tocando numa conta menor: — Madre… Madre! . pois ele achava que eles não se lembrariam. O padre levantou a mão. devagar. ou se ajoelhando com elas nos santuários de beira de estrada. Então Jean olhou para Johnny e o ministro sorriu. os meninos se ajoelharam imediatamente. Jean. puxando-o devagar para junto do padre. — Sabem o que é isso? — perguntou o padre a Jean. Quando as crianças se levantaram. o padre passou os braços em volta delas e as abraçou brevemente. e o fez. Às vezes os padres brincam com elas. esperando com paciência. — Padre! — exclamou Pietro. Já lhes falei hoje de manhã. em francês: — Pai Nosso… Pietro gritou. O menino franziu a testa. Depois abriu uma gaveta na secretária e puxou dois rosários de contas pretas e crucifixos de prata e os deu aos meninos. apostando corrida ou ajudando-as a colherem flores. levantou depressa a mão. Johnny falou com calma: — Este é o Padre Krupszyk. falou em francês: — Sou seu curé. sou seu amigo. Mas eles pararam um pouco afastados das mãos dele. Abbé. e então. com uma voz de sonâmbulo. Nunca tenha medo de mim. — Pare — ordenou. a voz estridente. e tenho de andar com muito cuidado. — Então. Sabe o que é? A Mesa do Senhor… Jean ficou calado. lançou a Johnny um sorriso reservado. Devia ser muito pequeno. Ela pegou as mãos deles e os levou para fora. com aquela voz estranha e distante. achei que ela devia conhecer as crianças. Parece que acha que a escola é sua propriedade particular. no seu entusiasmo. Mais uma vez. — Sim — concordou o padre e olhou para Johnny. — E esta é a Irmã Sylvia. com afeição. seus olhos pesquisaram à distância. Agarrou o rosário com ambas as mãos e o apertou contra o peito magro. Johnny se levantou. em tom confidente. a despeito de minha vontade. Como a escola abre na semana que vem. E minha irmã pensa que eu pertenço a ela. Sakowski. bom e devoto. Pietro correu para Johnny. A Irmã Sylvia é um personagem e tanto. Johnny o pôs no colo e Pietro se aninhou junto dele. Depois. O pobre rapaz. — Eu sei como é — disse Johnny. feliz. A freira tinha um rosto alegre e olhos castanhos que brilhavam por trás de óculos. com algum ensino católico. a voz endurecendo — que. Ele pulou de novo. — Tenho uma governanta. murmurou: — O Pão. mostrando o rosário. Johnny alisou seus cachos pretos. — Suspirou. também. interrompido pela loucura da guerra e os campos de concentração. compreendendo. o pequenino. É diretora de nossa escola. Era pequena e gorducha e maternal. no campo de concentração. O padre perguntou a Jean: — Primeira Comunhão. que era tão grande quanto o irmão. este é Jean Fletcher e Pietro Fletcher. dirigido e mandado. eu acho. — Vittorio tinha. — Essas duas! — falou o padre. Há ocasiões — acrescentou o padre. Parece que o irmão lhe ensinou a rezar o terço. Ela se ressente quando eu sequer piso naquela sua preciosa escola. Sra. Perdeu. — Vê! Vê! — exclamou. Talvez a senhora queira levá-los para mostrar a escola e a igreja também. Sakowski. que também é minha governanta. — Quando não é uma. e o que provavelmente ainda há de acontecer. não fez. — A Sra. e quando penso no que aconteceu com o mundo. ele já deve ter feito a Primeira Comunhão. Pietro tinha. acompanhada por uma mulher de meia-idade. é outra me descompondo. e os meninos foram logo para junto dela. . Ele apertou um botão na secretária e depois de alguns momentos entrou na biblioteca uma freira idosa. As duas não concordam em nada a não ser que eu sou um tolo que tenho de ser conduzido. e ao padre um de advertência. — Esta é minha irmã. há muito tempo. Sakowski. fico amargo. — Mas Pietro. Ela é quem praticamente governa a paróquia e a mim. rindo de prazer. de avental. a Sra. acompanhada pela Sra. que também devia ser muito jovem. O Sangue. Irmã Sylvia. Burnsdale. Dirigiu-se a Johnny: — Não há dúvida de que são católicos batizados. O padre o olhava. isso insufla o ego deles. dócil e explorado. “A princípio. eu lhe disse exatamente o que pensava dele e exatamente quais os motivos dele e exatamente quem ele é. Depois ele começou a falar sobre ‘a pobre minoria polonesa de sua congregação’. Visa ao homem do povo. Parece que tentou comprar uns jornais em Nova York. e eu fui. Conheço o- Sr. tive algum sucesso com eles. um salário decente e um tratamento razoável. que ainda não entendi. e ele ficou tão alarmado quanto eu. mal constituídos. — Usa aqueles seus jornais para provocar a dissenção. Nunca lhes ocorrera que fossem uma minoria maltratada. presidente do sindicato. Filadélfia e Pittsburgh. a minha gente é americana. Eu disse que lutaria contra ele. ele se concentra em Barryfield. O caráter do polonês não é taciturno. Summerfield. Ora. e os homens não querem fazer greve. que por um instante brilharam como ouro escuro. Se tiverem. e agora vamos ter problemas trabalhistas. Trabalhamos juntos para convencer o povo de que as minas lhes estão pagando tanto quanto podem. tem seus lados brincalhões e alegres. o ódio e as lutas nesta cidade. parecia querer ser meu amigo. os faz sentirem-se importantes. um não-conformista. Sabe. Mas Deus foi misericordioso e… misteriosamente… ninguém quis vender para ele. . agora as crianças de minha paróquia formam turmas e brigam com os vizinhos e há encrencas sem fim. e os dois se riram. estão sendo “oprimidos” pelos patrões. com a voz fria e enfática. Nos editoriais. e no país também. para que todos compreendam bem. irritado: — E o que o seu bispo escreveu a ele? O padre sorriu. tudo devido ao mal original. Johnny falou. No entanto. Faz pose de cristão não convencional. Estamos combinados com os ricos donos das minas. a cabeça abaixada. Um raio de sol pálido bateu em seus cabelos. claro. de pensar que são pobres-diabos. Summerfield os convenceu! Sim. É isso que os Summerfields desejam. sério. insinua claramente que “os pastores são falsos pastores” e que nós tratamos de manter o povo pobre. e os olhos pareceram afundar mais em sua cabeça. Agora. Depois convenceu-os de que estavam sendo explorados pelos donos das minas e das fábricas. O padre lançou-lhe um olhar de comiseração. — Então. Sabe o que ele fez? Escreveu ao meu bispo. O padre Krupszyk falou da cidade. sabem que seus antepassados eram poloneses. O primeiro round foi nosso. Um homem pode suportar qualquer coisa. Mexeu o cálice na secretária. eles fazem um bom trabalho por um pagamento justo. Escreve os editoriais numa linguagem simples e emotiva. McGee. Os poloneses são bons trabalhadores. Queremos manter nosso povo na ignorância. Assim. como se intitula. De um certo modo. embora um ou dois estivessem praticamente falidos. meditando. Mas o Sr. — Um canalha — falou. Convidou-me para visitá-lo. Tentei desfazer o mal que Summerfield tinha feito mas as pessoas gostam. Era evidente que detestava o Sr. menos ser desmascarado. por algum motivo perverso. o meu povo ficou emburrado. — Summerfield me detesta. não são arruaceiros. senhor.” Ele bebericou o vinho. Mas agora. com certa condescendência. Não sei como conseguiu. Irmã — disse Jean. Sr. Fletcher que o senhor vai tomar um professor aposentado para ensinar a eles. retribuiu o olhar em espécie. ela não o pode ajudar. excitado: — Papai é bom. — E eles têm de vir todas as manhãs para a aula de catecismo. filho. Lembre-se disso. Johnny o abraçou. por uns meses. — Conheço uma pessoa que serve. Também pareciam um tanto subjugados. com competência. Johnny encheu-se de admiração pela freira idosa. — São meninos muito bonzinhos. Está vendo? Jean disse. Não assinado por ele. se você não obedecer. Mas agora Summerfield está atacando o meu bispo em Filadélfia. tocando-as na sua frente. A Irmã Sylvia voltou com as crianças. num tom que Johnny nunca tinha ouvido. que. — Isso é uma coisa que nunca saberei. quando ela dirigiu a atenção para ele. — Teremos muito prazer em ajudar os meninos — fez uma pausa. muito hábil. meu bem. — Modos. e de vez em quando escreve um editorial para esse jornal. — Devem obedecer a ele e respeitá- lo e amá-lo. . para novo espanto de Johnny. Gostaram da escola. claro. Começou a se sentir também como um colegial. Ela. Eu estava mesmo esperando que a senhora me oferecesse isso. O Padre Krupszyk riu-se e a freira logo olhou para ele. — Ela olhou para Johnny com um ar reservado. Antes das aulas do colégio. aborrecido: — Pietro é um bobo. — A Irmã Sylvia tem razão. Tem um amigo que é redator-chefe de um dos jornais de Filadélfia. bom. Mas reconheço o estilo. O desalento encheu os olhos brilhantes de Pietro e ele correu para Johnny. claro. Não sabem de nada disso. e Pietro se acalmou logo. até poderem entrar para as séries certas. como quem olha para uma pessoa frívola. Irmã. com todas as outras crianças. furioso. Ela fez um afago severo nas cabeças dos meninos. meninos? — Sim. ·— Os olhos dela brilharam sobre Johnny com certa reserva. — Tenho de felicitá-lo. E nada de tolice. O Jean me disse. buscando proteção. suportaram humildemente. Pietro gritou. com frieza. — Vocês têm um bom papai — continuou. — São bem- educados — acrescentou. modos — disse. em voz precisa: — Eles sabem que têm de se comportar. Mas eu sou sua professora. para espanto de Johnny. A freira falou. bom! — e olhou para a freira. Johnny respondeu logo: — Obrigado. Ela lançou um sorriso amável a Johnny. severa. A cautela desapareceu dos óculos. Ela quer ajudar você a ser um verdadeiro menino americano e. Não é. o padre lhe apertou a mão com efusão. toda de torreões de madeira. — Eu não lhe disse… um verdadeiro algoz — falou o padre. sentado na Metropolitan Opera para assistir à estreia de Pietro na Aída. o sol de princípio de outono. é um cristão. Ele olhou para a Irmã Sylvia. Mas devo preveni-lo de que vai ter o seu bom quinhão de problemas. desconfiado e altivo. Johnny saiu um pouco de seu caminho para mostrar aos meninos a casa do Dr. — Isso é uma coisa má que você disse. Ele procurou não pensar na operação de Jean. janelas em curva e varandas sombrias. a casa tinha sido pintada de um amarelo açafrão com . pensou Johnny. pensando na Irmã Sylvia. para servir a Seus grandes desígnios. Eles se juntaram a ele nos coros alegres. Jean. Johnny ficou mais assombrado do que nunca. sem graça. as sombras sob as árvores. McManus. mais isoladas. Ouviu a ovação da plateia e seus olhos se turvaram. o selvagem. Precisamos do senhor. como “o menino”. Afinal. Johnny ficou mais animado no caminho para casa. — Ouvi dizer que ela às vezes se refere a mim. com desdém. mas isso só podia ser sua imaginação. ao ritmo. Johnny escutou atentamente a beleza daquela voz de menino. de advertência. Além disso havia a casa imensa. no meio de casas menores. para prazer dos meninos. Um cantor. Lembre-se de pedir perdão por isso quando for se confessar. a sensação no ar. Estavam todos meio melancólicos. Não obstante. deixando atrás de si um ar de contrição apropriado. Apenas meneou a cabeça e murmurou: — Sim. o sol nos lados das casas e nos telhados. entusiasmados. Fletcher. As casas pareciam mais fechadas. tendo desaparecido toda a reserva. as árvores isoladas. o feroz. procurando aprovação. Pior ainda. De repente sua mente ficou ofuscada com uma visão de si. era só o fim de agosto. pensou. com cerca de ferro. Os rostos deles assumiram expressões de meninos normais e até os olhos furtivos de Jean pareciam mais jovens. o caminho de cascalho varrido e proibitivo. A voz de Pietro era suave. O sol tinha saído. Quando Johnny se preparou para partir. Jean. o movimento de vento leve sugeriam o outono e falavam do inverno. batendo palmas. e depois se foi. — Acredito que foi Deus quem o mandou para cá. Johnny achava que nunca tinha visto uma casa tão feia. Ele começou a cantar animadas canções do exército. mas a freira olhou para ele com severidade. Isso é para me reduzir à insignificância. pura e forte. que seria na próxima semana. Havia um cheiro de folhas queimando em algum lugar. As coisas estavam mesmo andando bem. mais velho. A freira lançou aos quatro homens na biblioteca um olhar demorado. não respondeu mal. vitoriana. antecipando. Irmã. Sr. Sabe. as ruas mais desertas. Ficava em um terreno amplo. grisalho e orgulhoso. Os gramados estavam cortados rente. Não havia flores. Johnny ficou contente. Summerfield. . Johnny começou a planejar tocaios sinos ao anoitecer. Ele e os meninos subiram correndo a escadinha. esses homens de caras pálidas ou manchadas. A torre da Igreja do Bom Pastor estava muda. seus pequenos prazeres. pensou. — Boa casa. Johnny olhou para eles. frias e brilhantes no sol da tarde. bom homem. ia levar Max ao rabino. — Boa casa — disse Johnny. Viu os grupos de casas grandes ali. se bem que sua voz fosse cheia e bondosa. a comprida limusine preta com o chofer. com força. disse consigo. seus sofrimentos. esses homens com seus problemas. no domingo. toda reluzente com seus cromados. Então. Devia tanto ao velho feroz. Parou seu carro modesto atrás da limusine e saltou. podia convencer o médico a jantar com ele e as crianças. Eram um só. Viu a casa branca do Sr. — O doutor! O carro do Dr. bom médico. Ele passou pela igreja. Ninguém se mexia no terreno e não havia um sinal de vida por trás daquelas janelas estreitas e polidas. mas só arbustos escuros e reluzentes. com cortinas de rendas. No dia seguinte. seu amor pelas esposas trabalhadeiras e esgotadas. talvez. Já tinha marcado hora. dirigindo devagar. Eram sua gente. Burnsdale estavam sendo entregues pessoalmente. Não era a voz de um velho. — Não é bonita — acrescentou Pietro. que não se alegrava nem com o belo e caro tapete verde. homens aflitos. para as montanhas lilases. Por sobre a cidade enfumaçada. Talvez não houvesse sinos… mas claro. De terno surrado ou de macacão eram a sua gente. — É — respondeu Johnny. E aqueles também são minha gente. McManus. Entraram às pressas no hall pequeno e Johnny gritou: — Olá! Olá! Já chegamos! Mas só o silêncio lhe respondeu. Pensou em quais os novos artigos da “lista” da Sra. abraçando as varandas. — Olhe! — exclamou Pietro. com suas pastas chatas. caridosamente. Respirou fundo. comovido. os sinos começaram a tocar. E ele também é um de nós. acentuando a pobreza da sala. pensou. Seu primeiro sermão. — Horrorosa — respondeu Jean. com suas mãos sujas e olhos furiosos. pensou Johnny. devia haver. e ela lhe pareceu ainda mais triste do que antes. Homens estavam voltando para casa do trabalho. suas incertezas. voltando para casa. meio escondidas pelas árvores. Ele olhou para cima. A necessidade de sinos reconfortantes. altivas e reservadas. Johnny apertou a mão do menino. ou homens com suas marmitas. Jean encostou a cabeça no ombro de Johnny. apontando. suas esperanças. Jean também estava pensando na operação. diligentes. estava parado diante da pequena casa paroquial. com sua torre fina. de escritórios. sua ambição pelos filhos. a igreja dele. A luz do sol pálido se filtrava pelas janelas. O rabino parecera perplexo. já confiando na sua opinião pessoal. Talvez. suas dúvidas.remates marrom-escuro. acompanhado pelas crianças. eu disse. O Dr. Ele pegou a mão de Pietro e carregou o menino para fora. provavelmente por um carro! Johnny gemeu. ele desceu. Uma arma mais antiga. — Sente-se e pare com esse raio de berreiro — falou. com um pressentimento horrível. um misto de curiosidade e medo. Conte-me. Vamos brincar. vocês dois. Não a rua! Uma das crianças estava ferida. Mas ele falou com toda brandura e calma possíveis: — Jean. Pesadamente. O ódio humano. correndo para a escada. meu filho. Ele entrou correndo na sala de jantar e depois na cozinha. Talvez tivessem ido a uma loja local. com uma voz punitiva. leve o Pietro para o quintal. McManus apareceu. Jean. ouvindo o paletó preto bater em seu corpo. Mas onde estaria o Dr. — Olá — disse Johnny. Jean. num pesadelo. Vai precisar. O quintal. num movimento espasmódico. Ele olhou para Johnny. Eu lhe digo se… alguma coisa… aconteceu. McManus? — Olá! — gritou Johnny. Uma panela cheirosa estava fervilhando no novo fogão branco. — Andem. na parede. Burnsdale? Carro? — Não — respondeu o Dr. A Sra. . Chegou ao pé da escada e então olhou para Johnny e seu rosto estava mau. de novo. O Dr. Johnny procurou controlar-se. Sente-se bem aí. o chapéu na cabeça. E então alguma coisa o acometeu. Parem de olhar feito idiotas. a voz rouca ao falar: — Aconteceu alguma coisa. — Ah. Burnsdale tinha desencaixotado os livros de Johnny. — Não foi um carro. Fora. — O que é? Em nome de Deus. e depois começou a descer devagar. Emilie e Max. um peso no coração. calado. — Emilie? Kathy? A Sra. Mas Johnny só olhava para o Dr. o que é? Onde estão as crianças? — exclamou Johnny. McManus disse. grotescamente maciço e largo. animando-o. faça o que o Dr. McManus. e não a rua. mas a cozinha estava vazia. livrando-se da mão de Johnny. McManus. A boca torceu-se. a voz fraca.presente do Dr. para a ausência da Sra. — Max? — perguntou. — Diga a esses meninos para irem brincar no quintal dos fundos — pediu o médico. Jean olhou para ele e viu o pavor dele. Sorriu. Seus olhos aguçados de repente viram manchas de sangue nas mangas do paletó do velho. McManus. fazendo a escada tremer sob seu passo sombrio. McManus não respondeu. e muito racional. e sua voz esganiçada estava carregada de ódio. Sangue novo. Por favor. Já ia subir voando quando ouviu um passo em cima. Mais tarde. Pietro vai brincar comigo. papai. OK. já disse. Johnny agarrou o braço dele. você é um menino esperto. mas eles estavam caídos na estante comprida e malfeita. Havia alguma explicação. Os garotos se agarraram a ele. sentindo os joelhos cedendo. Não me faça esperar assim. a bestialidade humana. Burnsdale e Kathy. a despeito de seus gritos. Parou e olhou para os rostos assustados de Jean e Pietro. pobrezinha. e lá está Kathy ajudando Max a subir a escada e entrar em casa. — Max está… ? — Não. Conhecer o lugar em que estão morando. — O Max vai precisar de você. Uns cinco minutos depois. Uma faca. o rosto vazio. já tinham sabido de você e as crianças. Tenho de avisar a polícia daqui a pouco. o pequenino Max com seus gritos pelo pai. sonhadores. não está morto. de noite. Em todo caso. Duas vezes o tamanho de Max. apertando as mãos cerradas na testa. Então. Só sei o suficiente para saber que algum demônio de menino grande começou a chamar Max de judeu imundo. A história se espalhou da Assistência Feminina pela vizinhança. O médico estava de pé diante dele. tomando conta de Max e do bebê. Não quero insistir. reluzindo na luz enfraquecida. “E foi só. aquela menina ajuizada. Um suor frio espalhou-se pelo rosto de Johnny. como se ele chorasse por dentro. Está precisando de você agora. parecendo já morto. Mas é para o Max que a Sra. Ele engoliu. e o esganiçado de sua voz falseou. Só que as pessoas não são normais. A Sra. Ainda não. A sua paróquia. isto é. correndo e pulando e gritando como se estivesse louca. Então. As pessoas são pessoas. e o bebê. as pernas curtas e troncudas abertas. os garotos vieram brincar com os seus. Malditos! — acrescentou. Burnsdale deixou as meninas e Max darem uma volta pelas redondezas. as mãos nos bolsos. estão no quarto delas. Escute! Mas ele pôs as mãos poderosas nos ombros de Johnny e os apertou.— exclamou Johnny. duro. outros garotos começaram a bater nele e lhe dar pontapés. volta para a cozinha. Tive de trabalhar ligeiro. — O que aconteceu com Max? — A Sra. nem levá- lo para o hospital. talvez Max tenha começado a chorar ou gritar. A mesma coisa. Burnsdale olha pela janela e pensa: bem. os olhos perdidos. A menina. e eu não lhe vou trazer água nem sais para cheirar. Ah. — O que aconteceu. E a Kathy tenta controlá-la.” — Ah. Max. ideia normal. Johnny. os garotos saíram para olhar o lugar. até que ela ouviu as meninas gritando. cães são cães. Não podemos movê-lo. Talvez Kathy tenha dado no garoto. Burnsdale olha. com o queixo à direita e parte do pescoço abertos. a voz fraca. na verdade. Emilie. e não me vá desmaiar. filho. Então ela corre para a porta. Burnsdale e eu ainda não conseguimos a história inteira. você já é um homem. “Não sei bem o que aconteceu. sensata. As meninas estão bem. As pessoas são uns porcos. em todo caso. que simpático. Ainda não tive tempo. numa onda enjoativa. Só crianças. sangrando. — Max — rezou Johnny. — Max — repetiu Johnny. não consegue falar direito. encabuladas. E aí apareceram os outros garotos. McManus continuou: — Ainda não sei de tudo. não banque a mulher. o médico. em picos. filho. pelas mães! A Sra. eu lhe avisei. Burnsdale sabe. Deus . com os cabelos secos. . andando pela rua. o que aconteceu? O Dr. Kathy. portanto. Ei. pois a água salgada lhe entrara na boca. — Eu lhe disse. e nem a Sra. Max. Uma coisa comum. Max. E aí o garoto grande… Não sei como a Sra. O velho olhava para ele. Kathy. É o Max. E as meninas também. melancólico. enquanto Johnny gemia e gemia. Já causou muitas encrencas antes disso. Ele se endireitou e respondeu. Mora a umas quatro ou cinco ruas daqui. Ele precisa de você. A porta do quarto do ministro estava aberta. inteligente. e o ranger de uma cadeira de balanço. Max. com insistência. cada vez mais escura. Acho melhor você subir para vê-lo. rudemente. você já viu coisa pior do que isso. que estava começando a se esquecer. Ouviu a Sra. Johnny. Mas nenhuma voz de criança lhe falou. quase o tempo todo. Burnsdale cantando uma canção de ninar. é o que sempre digo. — Ele olhou para o Dr. Max apenas se meteu no caminho dele. — Não se preocupe. mas conseguiu. Salvou a vida do menino. Via que a porta do quarto das meninas estava fechada. pegou-me quando eu saía do hospital. Chamou-me imediatamente. A Sra. todos eles — disse ele. Levou o menino para cima e pôs compressas no ferimento. mas pegou uma artéria. longe de você. mas aquela angústia o fez cambalear. — Chamei uma enfermeira e pedi uma transfusão. Mas. com ódio. Max. os sussurros de Max no pavor das noites. McManus pegou o braço dele. Ou não pode? Johnny começou a se levantar da cadeira. O telefone começou a tocar. mas ninguém o ouviu. — Não seria bom levá-lo para o hospital. e Johnny. com ajuda da parede e do médico. Vamos pegar o Sid Bradford. se aproximou dela. embora eu lhe desse o máximo. Um garoto de seus 14 anos. McManus. Sempre são. — O pai fabrica material dentário. não se encolha assim na cadeira. que não poderia suportar isso. As mãos nos ombros de Johnny se cerraram em punhos. Mas o médico puxou uma cadeira para junto de Johnny e sentou-se ao lado dele. O menino não pode ser removido. Max! É o papai. A faca por um triz não acertou na veia jugular. O médico vacilou. .Burnsdale conseguiu o nome dele. Burnsdale é uma mulher esperta. Conheço a família dele — continuou o médico. Depois ouviu um farfalhar conhecido e fraco. Não por causa do ferimento. Olhe aqui. A sala estava rodando para ele. no silêncio total da casa. mas ninguém se importou. Agora. — Olhe. mas… — Mas? — suplicou Johnny. a voz límpida e forte: — Sim. O nome é Bradford. O garoto está quieto. — Max — sussurrou Johnny. — Malditos. as mãos nos joelhos abertos. — É… grave? — Dei 20 pontos no queixo e pescoço. repetindo. Débil mental. Queridinho da mamãe. pelo menos. Já devia estar num reformatório há muito tempo. como se tivesse levado um pontapé no estômago. Macacão bruto. Alguém tocou a campainha da porta da rua. Quer você. devagar. está sob o efeito de um sedativo. muito perto. Ele ajudou Johnny a subir a escada. ele não adormeceu. em voz rouca. Se isso é consolo — concluiu ele. — De todas as crianças… Max. Max ficaria louco se você não ficasse com ele. mas fica olhando para a porta e falando aquelas besteiras dele em alemão. O Dr. Sacudiu a cabeça monolítica. nem quem era. perdido para sempre. Calado. Beijou a face cavada com ternura. Está perdido. pôs a mão no ombro de Johnny. tão inocente. pequenino. segura e brilhante. Havia trevas e silêncio. agora compreendia. mirrado. até sentir que lhe tocava na face. e do que lhe fizeram agora. tão destruída por um mundo assassino. mas sabiam. como que se escondendo. da cor da morte. com compaixão. Mas seus olhos castanho-claro estavam alucinados de desespero e tormento. falando com uma clareza dolorosa —. Então ele viu o rosto de Max. uma criança tão indefesa. um sorriso de criança. Max estava sorrindo um pouco. sim. um negrume diante dos olhos. tão avassalador que ele sentiu a ânsia de matar. pensou… e agora? Como é que ele vai poder continuar depois disso. estava virado para a porta. onde antes a Luz esperava. Max o tinha tocado. Papai não ficar… raiva. inabalada. e a fúria de seu coração começou a ceder. papai? — murmurou Max. achatando-se. Johnny ficou ali no vão da porta. quando estava começando a confiar nas pessoas? Nunca há de se esquecer do que os homens lhe fizeram antes. procurando. Ele a sacudiu e por um momento terrível não sabia onde estava. — Papai. procurando-o.” Ah. e cheios de piedade e compreensão. — Papai. para Deus. sem fazer barulho. cegamente. O rosto dele enrugou-se e ele começou a chorar. de leve. perdoa-lhes. a cabeça baixa. Ele sentia a cabeça imensamente pesada. McManus. como nunca tinham sido antes. Johnny olhou para ele. sobre o lençol branco. Pegou a mão errante de Max e a apertou bem. Pela primeira vez na vida de Johnny seus pensamentos não foram logo. levantando uma das mãos. Os cabelos estavam em picos. Ele foi andando decidido para a porta. muito junto dele. Um vazio total o envolveu. e de repente conheceu o ódio. Max estava deitado na cama de Johnny. A luz rosada da lâmpada barata encheu os olhos de Johnny com uma névoa. porque não sabem o que fazem. O pescoço estava envolto em ataduras. pela primeira vez na vida. McManus ficou ao lado da cama. Mas os olhos de Max estavam límpidos. instintivamente. com passos fortes. em assombro e admiração. papai não chorar. . seu ódio e sofrimento. A lâmpada da cabeceira tinha sido acesa. sem travesseiro sob a cabeça. Muitas vezes ele se perguntara como seria o desejo de matar. Era um fluxo de sangue. Mas. o rosto. Uma porta de ferro se fechara entre ele e Deus. bist du? Johnny foi para junto dele e se ajoelhou ao lado da cama. — Max? — murmurou. Sorriu. — Firme — instou o Dr. Os meninos… eles não sabem o que fazem… Os músculos do rosto de Johnny se retesaram. a boca aberta. Quem já tinha dito isso? “Pai. — Papai — disse Max. as mãos se curvando em garras. um ódio tão monstruoso. e sua mão a fechara na sua raiva desesperada. louco. Um menino tão pequeno. sempre sabiam! O Dr. mas flutuando. Ele não sabia que tinha deitado a cabeça ao lado da de Max. o rosto escondido. encorajando o menino. sussurrando. onde uma lâmpada branca pendia do teto. Puxou-a para junto das crianças. aquela mulherzinha intrépida. Não vai mais tê-los. Burnsdale a se levantar. disse ele consigo. Pai. Kathy recuou. — A Sra. protegendo-a. na luz da lâmpada. Foi ao quarto das meninas. e é como se não me ouvissem nem conhecessem. os braços da mais velha em volta da menor. o que essa menina ajuizada está fazendo aí no chão. E a pequena Emilie não compreende. encostou-se mais a Kathy. — Kathy? — chamou Johnny. mais viva e triunfante do que nunca. como um pai aperta a mão de uma criança amargurada. cansada. um grunhido horrível. Johnny levantou-se e tapou o rosto com as mãos. Nunca se sentirá perdido. com ódio. Johnny levantou o braço da Sra. os olhos de Kathy voaram para ele. Falo e falo com elas. — Kathy fez isso. apertando-a bem. A Sra. Um pouco de cor apareceu em seu rosto. — Eles não sabiam o que estavam fazendo… Isso eu sei. — E alguma coisa me diz que não vai ter de se preocupar com esse garoto. Ela não respondeu. McManus. umedeceu os lábios e dirigiu aquele olhar selvagem a Johnny. Johnny se lembrava dele. — Você agora já pode deixá-lo — sugeriu o Dr. Quando Johnny entrou. papai. — Você fez isso à Sra. A porta de ferro se abrira. Burnsdale e mostrou o arranhão a Kathy. Recuara para o lugar aonde Max . O silêncio se interpunha entre eles como uma barreira. E então ele apertou os dedos de Johnny. e lava para você. os lindos cabelos louros estavam desgrenhados. O rosto de Max estava iluminado. — Nem no primeiro dia. Os bonitos vestidos de algodão das meninas estavam manchados de sangue. que penteia seus cabelos e cozinha para você. — Ela mostrou a Johnny um arranhão comprido e feio no seu braço gorducho. como se estivesse possuído de uma exaltação. Ela olhou. a voz apertada. agarrando-se a ela. e eram os olhos de que ele se lembrava em Salzburgo — ferozes. Fechou os olhos e dormiu. Burnsdale. no seu medo e desconfiança. em paz. Estava cantarolando uma canção de ninar. Burnsdale. A mão dele ficou mais quente dentro da de Johnny. a não ser que as coisas voltaram a ser o que eram. Num canto do quarto. Burnsdale que gosta de você. quando eu quis abraçá-la… depois que ela trouxe o Max para dentro. A nossa Kathy. Continuou a olhar para ele com o medo estranho e assustado de um animal. apavorados. algum novo conhecimento. Emilie choramingava como um gatinho assustado. Kathy e Emilie estavam encolhidas juntas. — Ora — perguntou o Dr. Suspirou. Então. Burnsdale. e toma conta de você? Kathy? Você fez isso? Kathy soltou um ruído único. Já sabe demais… agora. apertando Emilie bem junto dela. Kathy se retirara de novo. — Nunca as vi assim — respondeu a Sra. se balançava sozinha na cadeira de balanço. Max dormiu. Ela cobriu o rosto de Emilie com os braços. com os pesadelos dele. que nem um coelho? A nossa menina ajuizada. McManus —. coitadinha. Kathy? — perguntou Johnny. A Luz brilhou. Perdão. Johnny pegou o braço arranhado e depois ajudou a Sra. e sua ferocidade. com firmeza. agarrou o braço dela. Burnsdale abaixou-se e beijou a cabeça da menina. Kathy não fez um gesto para prendê-la. A pequenina levantou-se aos tropeções e correu para Johnny. sério. — Minha filhinha se teria lembrado de como o papai dela gostava dela. Então Kathy soltou um grito fraco e angustiado e as lágrimas lhe encheram os olhos. Kathy. Está muito melhor. e ela apertou os olhos. ele confia em mim. ao olhar para o médico. Ele a pegou nos braços e a apertou contra si e os cabelos compridos da menina esvoaçavam em volta dela. O ferimento não aparecia na sua carne. O rosto de Kathy. — Papai? — perguntou ela. — E na Europa. ladina. e depois começou a beijá-lo vezes e mais vezes. E que não era culpa dele ser cruel. Os braços convulsos se afrouxaram em volta da pequenina Emilie e os olhos da menina espiaram para fora. Burnsdale. Mas não correu para Johnny. Kathy — disse Johnny. McManus aproximou-se. e olhos azuis como os seus. estava muito branco e parado. foi? . os braços estendidos. seria igual a você. fez.nunca mais iria. Correu para a Sra. se ela vivesse. agachou-se e contemplou Kathy. e sabe que a… que o… menino que fez aquilo é doente. tossiu e pigarreou. Não estava mais olhando para Johnny: olhava para o chão e olhava para dentro de si. ·— E depois a menina morreu. Aqui na cabeça. Tinha cabelos louros como você. Não foi de propósito. Não tem importância o braço. Mas Johnny repetiu para Kathy. Kathy. num tom mais grave e profundo: — Sim. mas no espírito. Johnny disse: — Max está bem. Ela se levantou de um salto num movimento rápido. Ou talvez não. em geral tão rosado. Nunca mais vai ter medo. Novamente a menina mais velha ficou calada. Uma vez uma menina como você. e está fazendo agora. como você. Os olhos de Kathy tremeram. É. soltou outro grito ao ver o arranhão que fizera. Estava umedecendo os lábios repetidamente. Alguma coisa o fez ficar assim. — A voz dele quase não estava mais esganiçada. também? As pessoas estavam doentes? Piedade por eles também? — A voz dela era baixa e sabida. Kathy. pronto. nasceu para mim e minha mulher. lutando para se livrar. A Sra. Não teria machucado ninguém. Kathy. — Essa é uma menina que sempre pensei que fosse ajuizada. — Vou-lhe contar uma história. Não seria tão burra. passou pela cara de Kathy. Kathy. Sabe. e sabe que eu o amo. — Ele parou. Mas minha mulher morreu. olhando para ela. Teria confiado no pai dela. fixando-se ansiosos em Johnny. — É. Quando Emilie se livrou. — Pronto. Pensei que você tivesse vindo para ser a minha filhinha. soluçando. O Dr. Ele precisa de nossa piedade. Uma expressão esquisita. assustado. Nunca há de parar. — Doente da cabeça! Doente da cabeça! Como o menino! — Ela parou de repente. — Sou sua filha. os olhos azuis e redondos cintilando. com medo. Não como o papai. Johnny carregando Emilie. Johnny parou. — Bem. desça já para me ajudar. — Mas não tem medo. Minha filha. Os outros as seguiram. e o ensopado no fogo! Kathy. Virou-se para Pietro e disse. os olhos fixos. agarrando o braço com remorsos. como que abalada. — É — respondeu Kathy. — Jean. um sorriso brilhante. começa de novo. E a mesa nem está posta. — Não precisa mais se preocupar com esses guris. Até que as pessoas saibam sobre Deus. Sentem muito pelo Max. lavar as mãos e pentear cabelo e ajudar Kathy. Kathy sorriu. e acompanhou a mulher para fora do quarto. — Pensei que tivesse mais juízo. Burnsdale lembrou-se de repente: — Ora. sem tristeza. Virou-se para Johnny. que tinha começado a bocejar. Humm… alguém lhes deu uma lição hoje. Disse a Johnny: — As pessoas telefonaram. vai ter de agir melhor do que antes — resmungou o médico e afagou os cabelos desgrenhados dela. Contaram do Max. — Como na Europa! — É. Max ainda estava dormindo. em paz. já está escuro lá fora. Tem trabalho. Olhou bem para Jean. McManus e o beijou também. querida — respondeu Johnny. — Então sorriu. — É. sem jeito. Olhe. Pietro encolhido numa poltrona. É o mundo. os olhos claros pensativos. é? Johnny tocou no ombro dele. É. Depois meneou a cabeça. Mas Jean sorriu com tristeza. e nunca se esquecerão. — Então. Pôs-se nas pontas dos pés para beijá-lo. severo: — Venha. Foi para junto de Johnny e pegou a mão dele. depressa. papai. O Dr. Jean pensou bem naquilo. dizem. — Como o menino! — exclamou. pelo amor de Deus. . Depois correu para o Dr. Jean e Pietro estavam esperando na sala modesta. sei. Mas Kathy estava soluçando. Mas Jean estava muito calmo e sério. A Sra. depois de ser filha do papai. nunca parou. McManus pigarreou. . o povo americano estava começando a pensar em si como em grupos. falando numa grande reunião de sindicato em Detroit. Pela primeira vez no seu fluxo de vida robusto e vital. classes. mas que seus filhos se ajustariam melhor num mundo tecnológico se lhes fossem ensinados ofícios e vocações exclusivamente manuais. antes da Primeira Guerra Mundial. de modo que eles o ouviam com carinho. e que uma linguagem errada ou chula lhes era ofensiva. É por isso que vocês têm suas escolas profissionais. ele mesmo não era um homem de sucesso? E nunca tivera mais do que cinco anos de estudo elementar. e são boas mãos sujas. Parecendo “rude” e “tosco” a esses trabalhadores ele lhes dava a feliz convicção de que eram superiores a ele. por falar nisso. — Teria vencido antes — dizia ele. Estava indo muito bem. como grupos. usava uma linguagem chula. em sua maioria. representava a geração mais velha. Ele era tosco. Swensen utilizava sua sedução para lisonja de um modo ainda mais sinistro. eles se irritavam com os país por desconfiarem desse defensor das massas. — Mas tem um som bom.X Só quando estava no meio do “povo” é que Lars (“Sueco”) Swensen. médicos e advogados e essa gente! Dêem aos seus filhos uma educação de modo a poderem usar as mãos. ele estava na casa dos 50. “desprivilegiada. isso é para os professores. minorias ou classes. ele falara sobre a dignidade do trabalho mão-de-obra. minorias e. E. nas escolas? Ora. O trabalho começara anos antes. que não tinha tido as vantagens deles. e serem alguém. era ignorante demais para poder compreender. Ele sabia perfeitamente que os trabalhadores eram. que não era sueco. Paradoxalmente. em muitos casos. congelar e imobilizar o povo americano em classes. Portersville ou Greensburg) não tem um décimo das escolas profissionais que precisam para seus filhos! Educação liberal! Diabo. Estava conseguindo convencer dezenas de milhares de rapazes e moças que’ uma educação acadêmica não era necessária às massas. ele se fizera por si. ou onde um obscuro estudante de física numa cidade pequena hoje era um famoso cientista alguns anos depois. com seu belo sorriso — se tivesse tido uma dessas educações profissionais. a despeito de sua fortuna conhecida. Uma vez. gente jovem que tinha tido instrução secundária completa e até universitária. Mão- de-obra. e a ter a ilusão de que. o tipo de linguagem que ele e tantos outros consideravam aceitável pelos “trabalhadores”. ou Filadélfia ou Nova York ou Chicago ou Scranton ou Pittsfield ou Buffalo ou Detroit ou Utica ou Trenton. o que vocês estão fazendo por seus filhos. Tudo isso fazia parte do plano de estratificar. — Peguei isso de um professor — disse. saíra do cadinho do anonimato. Além disso. né? Claro. o mais perigoso de tudo. bem aqui em Barryfield (ou em Lexington. Afinal. Por meio de uma luta sem fim. para eles. ele funcionava baseado no que chamava de “sedução pela lisonja”. No entanto. tinham de pensar segundo os sofismas dessa ilusão. diziam entre si. gente mais velha. onde um homem era hoje um trabalhador e amanhã supervisor de uma usina siderúrgica. Os reacionários não gostam da mão-de-obra. depressa. muito semelhante à da irmã. mana. O Sr. coisa mantida cuidadosamente fora dos jornais e do conhecimento de qualquer sindicalista honesto e. olhando para o balcão onde serviam refrigerantes. não estivesse em casa nessa quente tarde de sábado. dos trabalhadores. Eu o vi entrando… deve ser importante. Lars Swensen era um homem importante demais para perder tempo. com aqueles vestidos bobos “estampado de arte” e echarpes de gaze arrastando e brincos esquisitos. na cabine telefônica da pequena farmácia perto do escritório do pai. Ficou olhando quando ela saía. A edição de domingo. Lorry Summerfield. sabe. Ele andou procurando uma porção de jornais. — Claro — disse o homenzinho gorducho. Quando ele aparecia em algum lugar. de repente tensa. A voz do irmão. não era da conta dele. obrigada. mas seus olhos mostraram curiosidade. lhe respondeu. e não Lorelei. Ele dizia: — Bem. e sentiu-se descontrair ao ver que ele ia atender à chamada. em todo caso? O mundo é meu lar. — É. Srta. claro. e isso é boa notícia. como sempre. A “mana” saiu da cabine. Ainda não consegui ter informações. Era uma bela moça. de insistir em dizer que seu nome era Lorry. breve e dura. pois o tipo de jornal que segue as sugestões dele não é do tipo que dê informações. Mas durmo em qualquer lugar. é que o assunto era vital. eu moro num apartamento bonzinho em Nova York. e me avise. Lorry Summerfield usava tanto o telefone da farmácia. e ela hesitou. — Uma soda. aos cinco anos de idade. O proprietário a cumprimentou afetuosamente. por que seria que a Srta. oferta da casa. Jim — respondeu Lorelei Summerfield. — Estou com pressa. na semana que vem. a circulação do Star subiu de 100 mil. As coisas estão zunindo. para estar com um de seus associados. — Ele deu uma risada. só as publicações populares. claro. A loja estava fresca e limpa. Lorry. Ela se inclinou para a frente. em todo o país. por 22 anos. Tinha servido a essa moça as delícias especiais em matéria de sorvete desde que ela era criança. saindo de detrás do balcão e estalando os dedos para o menino que presidia às delícias geladas. enxugou as mãos úmidas e depositou as moedas necessárias para sua ligação para Nova York. — Não. amanhã. e o nome perdurara. O “sueco” Swensen morava num apartamento de cobertura de um luxo extravagante em Nova York. ansiosa. Barry. Desta vez. Estava com medo de que o irmão. é a minha sede. — Veja o que pode conseguir para mim. não se está concentrando nos grandes jornais nacionais. . — Barry! Swensen está aqui de novo… com ele. quando tinha um escritório tão bom e grande ao lado do pai? As telefonistas fofocavam. O que importa. Lembrei-me de que tinha de dar um telefonema urgente e não pude esperar. Por falar nisso. Lorry? — perguntou ele. Ponho na minha coluna “O Vigilante” no Star de Nova York. Ora. Por que seria que uma moça tão linda nunca se casara? Tinha todos os predicados. A menina tinha toda razão. Legal. a despeito daquele nome bobo posto pela mãe mais boba. Bem. Boa fotógrafa. Começou a tremer. é? E todas aquelas coisas sobre ela nos jornais de Filadélfia e Nova York. Tirou os sapatos pretos para deixar que o ar refrigerado fresco soprasse em seus pés. ela o pegou e olhou para as colunas. por um jovem criminoso desconhecido. Ele tinha visto alguns trabalhos dela na Life e outras revistas. com o piso de mármore branco e preto. o nariz para cima. parou. embora voluptuosa. também. As gotas d’água em seu rosto ficaram frias. Junto do seu mata-borrão só havia o jornal da manhã. Mas nada do que ela fotografava era tão interessante. que tomara o nome do padrasto quando a terrível primeira mulher do coitado do Mac Summerfield. amigo de todos. Passava mais tempo em Filadélfia e Nova York e na Europa do que na sua cidade natal.não? Não estava “encalhada” em Barryfield. era como se chamava. as marcas de um desgosto desesperado. Mau gênio. Nele havia duas portas. Também tinha os olhos dele. Cada vez mais aflita. Ela o odiava. uma dando para os escritórios suntuosos do pai e outra para o dela. um pouquinho comprido demais. Barry Lowell. A seda turquesa do vestido de verão se agarrava ao seu corpo comprido e gracioso com uma umidade incômoda. de insônia. diziam. Provavelmente tão ruim quanto o meio irmão. e a detestava. Boa demais para Barryfield. subiu correndo a escada atapetada da entrada particular e abriu em silêncio a porta de mogno louro. Lorry Summerfield foi andando apressada pela rua curta para o belo prédio moderno em que estava localizado o Press de Barryfield. lindo ou empolgante quanto ela mesma. e ele era tão bom para ela. Max Fletcher”. e alguns dos olhos não eram muito simpáticos. e seu nariz comprido e fino. Depois encolheu-se na poltrona e ficou olhando para o vazio. inteiramente sem cor salvo pelos grandes olhos inclinados da cor do vestido e a boca amarga. O nome Summerfield não prestava para ele! Lorry. Mas ainda era muito cedo. como correspondente do pai. pálido com o calor. nunca fazendo caso de ninguém nas ruas por onde passava levantando poeira com o seu Cadillac grande e reluzente. e as meias pareciam invólucros de metal pegajoso em suas pernas excepcionalmente lindas. olhou-se no espelho um instante. Abriu a porta de seu escritório particular. ela não ouvia nada. Ela bebia muito. Sempre dizendo que estava noiva de alguém com um nome importante. . sombria. o lindo rosto cinzelado. Tal e qual a irmã. Ela olhou para a secretária para ver se alguém tinha posto ali alguma coisa de importância suficiente para justificar que ela entrasse no escritório do pai sem ser anunciada. também. De qualquer modo. divorciada dele. e nunca se casando. o queixo pontudo e liso. Havia manchas como ferimentos na pele delicada sob os olhos. ele nunca queria ser incomodado. havia uma coluna mencionando “um ataque a uma criança. deixando que trabalhasse como uma de suas redatoras. como o detestava havia anos. Tinha a cara do pai. Quando Swensen estava lá. tinha o tom e a textura de marfim. O rosto oval. Olhou para o hall quadrado. diziam. Tudo era à prova de som. Os transeuntes a acompanhavam com os olhos. De repente. se casara de novo. correu para a sua mesa e sentou-se. quando o calor de sua pele foi soprado dela. Não era como o “velho” dela. Ela o enxugou com lenços de papel. a maior parte do tempo. puxados para trás e enrolados num coque perto do alto da cabeça. O menino tinha levado uma facada. tinha de entrar no escritório do pai. Ela passou as mãos frágeis sobre os cabelos louros muito lisos. e ninguém sabia onde ele estava. Na segunda página à direita. a expressão desdenhosa. Abrindo uma caixa de cosmético que guardava à mão numa gaveta da secretária. tenso. Lorry o fitou. mas eles tinham sido prisioneiros de vários campos de concentração na Europa. Kathy e Emilie. A moça ficou toda empolgada. mas a polícia entregara o menino às autoridades da delinquência juvenil. e um corpo que parecia composto exclusivamente de fios duros e vibrantes sob um terno muito bem-feito. onde sua secretária estava datilografando diligentemente. — Não sei — murmurou. pensou Lorry Summerfield. Abriu a porta dos escritórios do pai. Nós nem notamos. em alguma ocasião. que ficou extremamente branco e lindo. O ministro. com um rosto nervoso. — Bom. o turquesa de seus olhos vivo com sua aversão. A família chegara havia apenas três dias e estava morando na casa paroquial com o pai adotivo. não tem importância. O repórter do Press se interessara pelo fato de que Max e seus “irmãos e irmãs” eram todos refugiados trazidos para este país pelo ministro. o secretário dele. foi para o escritório externo. na Rua Malone. Mas Lorry não se espantava em absoluto. com sua boca malvada. Era um dos cinco filhos adotivos do novo ministro da Igreja do Bom Pastor. E. ela já ouvira aquele nome. De certa maneira. — O Sr. Ela sabia. durante uma “briga de criança”. aquele nome a comoveu estranhamente. os~ olhos selvagens. que fora capelão do exército. Lorry — comunicou ele. Summerfield está em conferência. talvez? Ter-se-ia destacado de algum modo? Ela franziu a testa. rapaz pálido. Um bairro tão pobre! Ela o conhecia bem. olhos pretos e fanáticos por trás de óculos de aros de chifre. tão intensa e penetrante quanto o rosto. com o jornal na mão. Os pais eram desconhecidos. não podemos mandar outro repórter cobrir isso. e correu para o hall. Ela se levantou da cadeira. Srta. “vítimas do recente horror nazista”. Lorry Summerfield o desprezava. tinha um pretexto para entrar no escritório do pai. Pedira à polícia para não levar em custódia o menino que atacara seu “filho” Max. enfrentando. O pai levara Edgar Sloan de Nova York para ser seu secretário particular e ele ganhava um ordenado tão grande que constituía motivo de espanto perene para o pessoal. como sempre. Max. Tinha uma voz grave. Ele deu de ombros. — Sinto muito. Era a igreja do “Tio Al”! Ele era o único homem em Barryfield que o pai dela odiava e cortejava abertamente. — Quem é? — perguntou ela. um desejo urgente de se lembrar. John Fletcher! Em algum lugar. Interessante. sua honra e ferocidade! Ela então sorriu e a amargura desapareceu de seu rosto. sentiu um calor desconhecido. John Fletcher. — Tenho uma história maravilhosa para ele. Pietro. Ele teria sido condecorado por bravura. Aí ela se lembrou de outra coisa. enquanto isso. que tanto a . diziam. — Bom.dizia a polícia. para a edição de domingo? — Ele estava olhando para ela com aquela sua admiração e desejo furtivo. A Igreja do Bom Pastor… na Rua Malone. Ele teria uma história de verdade para ela. Não pode esperar. Um homem de cerca de 30 anos. Al. Davam os nomes das outras crianças: Jean. só tinha 11 anos. O querido Dr. com rispidez. fizemos só uma reportagem de rotina. pensando. — Ela bateu no jornal. Releu a história. as mãos grandes e ternas. enfurecia. — Não é preciso incomodar o Sr. Summerfield. A mão dele esgueirou-se para a caixa do interfone e ele ligou o interruptor, abaixando-se para falar. — Sr. Summerfield, a Srta. Lorry insiste em falar com o senhor imediatamente. Diz que é muito importante. — Dentro de meia hora — respondeu o Sr. Summerfield, impaciente, mas Lorry correu para a secretária, abaixou-se e gritou: — Não daqui a meia hora! Não pode esperar, se é para sair no jornal amanhã! Vou entrar. Edgar Sloan postou-se no caminho dela, muito inseguro. Ela olhou para ele com desprezo e, como se ela o tivesse atacado, ele saltou para o lado. Ela abriu de repente a porta do escritório do pai e postou-se ali no limiar. Tudo ali era em mogno claro, escolha do pai, acentuado por cortinas verde e coral nas janelas e um tapete verde-escuro no chão. Alguns quadros abstracionistas, cuidadosamente escolhidos por suas cores suplementares, estavam pendurados nas paredes de um tom de esmeralda pálido. MacDonald Summerfield estava sentado por trás da secretária dourada, reluzente e arrumada, do tom de seus cabelos ralos e lisos. Era um homem alto, magro, aristocrático, parecendo muito mais jovem do que sua verdadeira idade, e com uma semelhança espantosa com a filha. Mas sob os olhos não havia sinais de tristeza, nem linhas em volta da boca, como nela. Ele era todo brandura, saúde e segurança. Perto dele, com uma lourice mais vigorosa do que a dele, estava o volume grande e sólido do “Sueco” Swensen. Ambos os homens se levantaram, Swensen sorrindo de prazer, Summerfield de cara fechada. — Realmente, Lorry — reclamou Summerfield. Mas a fisionomia dele suavizou-se, mudando de um modo quase patético, ao ver a filha querida que o detestava, sem dar para ele qualquer explicação lógica. Ela não fora sempre sua queridinha? Ela jamais lhe contara por quê, nem como, chegara a essa aversão declarada por ele. Antes ela o adorava, e essa adoração continuara até uns quatro anos antes. Fora uma criança voluntariosa, uma moça voluntariosa, mas ele não lhe negara nada. Em todo caso, o psiquiatra dissera, com uma confiança complacente: “Não gosto de dizer isso, mas em minha opinião, ela está concorrendo com você; talvez pelos jornais, ou alguma coisa”. Como sempre, ela não estava tomando conhecimento dele. Estava sorrindo muito para Swensen, e apertando a mão dele, grande e rosada. — Ora, por que o pai havia de escondê-lo de mim? — perguntou ela, inclinando a cabeça, brejeira. — Ele sabe que sempre fico contente em vê-lo, Lars, e temos tanta coisa em comum. — Você o veria ao jantar, hoje à noite — respondeu o pai, irritado. — Bem, o que é, em todo caso, Lorry? Mas Lorry sentou-se, tendo o cuidado de abrir o vestido turquesa em volta das lindas pernas como um leque. Sorriu para Swensen e ele puxou a cadeira mais para perto da dela e ela sentiu o frescor dele. ,Era um homem bonitão, colorido, com olhos cinza-claro e cabelos louros e ondulados, um nariz largo e boca rasgada, sempre sorrindo vagamente. Exalava poder e determinação e era todo compacto, a despeito do tamanho. — Tem cigarro, Lars? — pediu ela, depois que ele completou o exame prolongado e lascivo de sua pessoa. Ela sabia que nem ele nem o pai fumavam; tampouco bebiam. Swensen sempre tinha cigarros para os amigos, e foi logo puxando a cigarreira de ouro e um isqueiro de ouro. Lorry demorou, deixando que ele tocasse em seus dedos numa carícia leve. O Sr. Summerfield foi ficando com a cara ainda mais fechada. Swensen estava sorrindo quase com timidez para a moça; as faces rosadas estavam mais rosadas. Ele sacudiu um dedo para ela e disse: — Lorry, andei ouvindo coisas sobre sua última viagem a Nova York. Os olhos dele apontavam para ela, reluzindo como pedacinhos de granito. — O quê? — perguntou ela, parecendo achar graça. — Ah — respondeu Swensen, abanando a cabeça. — Devo citar nomes? — Por favor — disse ela, indiferente. Swensen cantarolou uma melodia alegre do último musical de Nova York. — Só passei três dias lá — acrescentou Lorry. — Jantei num clube, dancei em outro e vi um show. Cada vez com um par diferente, todos muito respeitáveis. — Ela riu-se. Seu riso não era doce nem musical, mas estranhamente como um latido breve. — Tenho os meus espiões — respondeu Swensen, brejeiro. E tem mesmo, pensou Lorry, zangada. — Um rapaz muito bonitão, moreno, saiu com você na noite de terça-feira. A um lugar no Village, bem escurinho, e bebida boa. Ora, Lorry, eu mesmo a vi lá! — Sorriu, encantado. — Quem era o rapaz? — Eu o teria apresentado, se você tivesse ido falar comigo — respondeu Lorry, displicente. — Quem era? — perguntou o pai. Ela deu de ombros. — Um homem que conheci num coquetel. Escreve livros de viagens. Estávamos falando sobre algumas de minhas fotografias da Noruega. O nome não é importante. — Ela acrescentou: — Robert Corde. Já ouviram falar dele. — O seu irmão publica os livros dele, não é? — indagou Swensen, com pouco interesse. A fisionomia de Summerfield tornou a mudar, e dessa vez para uma tristeza mais pesada. Ele raramente via o filho, Barry, a quem muito amava; Barry, que era sempre frio e cortês com ele, e que tomara o nome do padrasto, não em criança, mas quando já rapaz de 21 anos. Por quê? Ele nunca explicara direito. Provavelmente, pensava Summerfield, com ódio, porque Ethel mentiu para ele, virando-o contra o pai. — É — respondeu Lorry. — Mas você sempre soube disso, Lars. Mas Bob Corde estava pensando num editor maior e Barry me pediu para tentar fazer com que ele fique com a Lowell Publishing Company. Consegui. — Ela sorriu, encantadora. — Você não poderia falhar, Lorry — falou Swensen, fascinado. Ela mudou de assunto, habilmente. — Vai se demorar em Barryfield, Lars? Os dois homens trocaram olhares significativos. Havia muito tempo que Summerfield vinha insistindo em dizer que Lorry era de confiança. — Mas ela bebe muito. Desculpe, Mac. Você sabe que nunca confiamos em pessoas que bebem, nem temos nada a ver com elas. São instáveis — dissera Swensen. O rosto de Summerfield tinha ficado sombrio, carregado de pesar e perplexidade. — É, sei que Lorry bebe demais. Mas nunca a vi perder o controle. Francamente, acho que ela bebe mais é em casa, de modo que eu possa ver. Por quê, não sei. Mesmo assim, nunca perde o controle. Além disso, escreve alguns de nossos melhores editoriais. Estou-lhe dizendo, algumas coisas dela são proféticas. — Vamos mantê-la profética só nos jornais — respondeu Swensen. — Precisamos de todos os liberais que conseguirmos arranjar… milhões deles. Mas se os deixarmos entrar no círculo restrito, vão perder um pouco das ilusões! — Ele dera risada, acrescentando: — Depois, há o irmão dela, seu filho. — Mas a Lorry diz que o está conquistando. Swensen estava pensando nessa conversa com Summerfield, nesse momento; ocorrera havia três meses. Ele perguntou então à moça: — Como vai indo o Barry com o último livro que publicou, The Sleepless Enemy (O Inimigo Não Dorme), de Francis Connell? A boca cheia de Lorry se apertou, num esgar. — Perguntei a Barry sobre isso. Acho que ele está exagerando. Diz que vendeu 40 mil exemplares, até há um mês. Claro, hoje em dia a gente vende qualquer negócio, especialmente se for escrito de um modo sensacionalista. E aquilo é tudo sangue e trovão. O Inimigo Não Dorme! Como se o comunismo americano tivesse algum propósito além do de aliviar a discriminação racial, a discriminação nos empregados e proteger as liberdades cívicas e apoiar o trabalho! Ela olhou bem nos olhos de Swensen e sorriu, um sorriso profundo, sábio e sutil. O homem ficou assustado. Olhou dentro dos olhos azul-esverdeados, que se tinham tornado quentes, íntimos e sábios, e ficou espantado. Talvez Summerfield tivesse razão quanto à filha, afinal. A expressão dele ficou séria. — Bom, e tem? — perguntou. Lorry soltou sua risada estranhamente áspera e não respondeu. — Eu, por mim, acho que o Partido Comunista Americano faz parte integrante de uma conspiração internacional — respondeu Swensen, mais sério. Suas faces lisas estavam achatadas, enquanto ele fitava Lorry. — Creio que é uma ameaça ainda maior do que o fascismo foi, pois é ao mesmo tempo mais concentrado e mais universal e tem mais atração para as massas ignorantes. Pelo canto do olho, Lorry viu que o pai tinha abaixado a cabeça. Um raio de sol quente tornava seus cabelos ralos dourados. Ele estava escutando, atentamente, e, como sempre, irrequieto, enquanto, externamente controlado, estava escrevendo alguma coisa numa folha de papel, distraído. Ela disse: — Não concordo com você, Lars. Creio que podemos perfeitamente integrar o Partido Comunista Americano no nosso sistema de governo, pois não é uma conspiração, em absoluto, e sim uma extensão do liberalismo. Mas também, você sempre foi conservador — e ela lhe lançou um olhar de troça. — Nem sei como é que você se dá bem com o pai, ele sendo um liberal tão apaixonado. Ela se levantou de repente, fazendo girar a saia, e pôs o jornal da manhã na secretária do pai, debruçando-se para isso. Seus olhos espertos, bem treinados, liam as palavras invertidas na folha de papel: “Vencer — Paz Vencer — Paz”. Ela ficou decepcionada. Então, quando o pai, voltando a si como um esportista disciplinado num momento de tensão, amassou depressa o papel na mão e não o jogou na cesta de papéis, sua decepção desapareceu. “Vencer — Paz”. Então era isso que estavam discutindo nesse último sábado quente de agosto de 1946. Mas as palavras exprimiam o que todos estavam esperando, acreditando. Nada de sinistro nelas… a não ser aquela mão comprida e aristocrática do Sr. Summerfield, amassando depressa o papel. — Tenho de voltar para a minha mesa — disse ela. — Pai, leia esse artigo sobre o ministro e os órfãos europeus adotados. Acho que temos uma boa história aí. Ele guardou a folha amassada no bolso, com cuidado, e pegou o jornal. Swensen se levantou para se postar atrás dele e ler também. O Sr. Summerfield leu depressa. — Bom — murmurou —, é uma coisa fora do comum, para Barryfield. A UNRRA deve ter apoiado essa turma… humm. “Vítimas do nazismo”. Não sei. Swensen, porém, falou com entusiasmo: — Uma história maravilhosa! As pessoas se esquecem do nazismo, embora a guerra só tenha acabado há pouco mais de um ano. Não devíamos deixar que esqueçam. Ora, um editorial sobre o fascismo, ou um artigo com destaques, com fotos se possível, contendo uma história desse ministro e as crianças, teria um grande efeito. Não estamos correndo perigo de neofas- cismo? Talvez você pudesse conseguir uma entrevista com ele, e deixar que ele conte a história do fascismo e como ele mesmo salvou essas crianças de suas garras. Depois podia-se arrumar que a United Press e a Associated Press ficassem com a história. — O rosto dele parecia cintilar de entusiasmo. — Lorry, o que acha disso? — Acho que é uma ótima ideia — respondeu ela. — E se o pai quiser, eu mesma escrevo a matéria. Fletcher vai fazer seu primeiro sermão amanhã. O Sr. Summerfield levantou os olhos atento. — Aquela não é a igreja do McManus? — É. — Lorry riu-se. — O senhor sempre chamou o Tio Al de reacionário e até insinuou que era fascista. No entanto, ele, como Presidente do Conselho, é que deixou que viessem para cá. O Sr. Summerfield e Swensen trocaram um olhar demorado e duro. Lorry o percebeu e fingiu que estava ocupada arrumando o vestido. Perguntou: — O nome Fletcher lhe lembra alguma coisa, pai? O pai pensou. — Não, acho que não. É um nome comum. Não me lembro de nenhum Fletcher em especial. Por quê? — Não sei. Impressionou-me, não sei por que… Fletcher… ministro… capelão. Bom, não tem importância. Pode ser que me lembre. Enquanto isso, amanhã vou àquela igreja e combino uma entrevista com Fletcher. Talvez consiga tirar umas fotos dele. Bom. Acho que podemos fazer alguma coisa a respeito. E agora, de volta às salinas. Até de noite, Lars. Ela lhe lançou outro de seus sorrisos sedutores, a que ele respondeu satisfatoriamente. Ele ficou olhando enquanto ela saía da sala, observando, como sempre, como sua cintura comprida era fina, os ombros lindos, as pernas reluzentes. E Summerfield o viu olhando e puxou os lábios. Uma hora depois Lorry tornou a entrar depressa na farmácia, indo logo para a cabine telefônica. O irmão estava aguardando o telefonema dela. — Não sei se isso quer dizer alguma coisa, Barry… não consegui nada da conversa deles quando estive lá… mas ele escreveu alguma coisa numa folha de papel enquanto eu estava conversando com Swensen… distraído. Escreveu: “Vencer — Paz”. A voz dura e rápida se empolgou um pouco. — É muito importante, Lorry. Tudo se encaixa. É isso que estávamos esperando. Já o ouvimos de mais duas fontes. Agora sabemos. É a nova política deles, sem dúvida. Alguns dias depois, o editorial principal do Sr. Summerfield tinha o cabeçalho: “Temos de Vencer a Paz!” O corpo do editorial exortava todas as mães americanas a exigirem a volta “de seus filhos” da Europa, imediatamente, e um fim aos armamentos, e a restauração da “vida normal neste país”. Seguia-se uma diatribe sobre a guerra, desdenhosa e amarga. Acusava-se o Sr. Truman de desejar não a paz, mas “uma guerra prolongada e vitoriosa à custa do sofrimento americano, das mulheres e mães americanas, em benefício de alguns que se aproveitam com a fabricação de armamentos”. O mundo ansiava pela paz e segurança, um fim do derramamento de sangue. Os Estados Unidos deviam dirigir a marcha para essa gloriosa realização do verdadeiro destino do homem. Eram belas palavras. Nessa época, eram usadas pelos Generais MacArthur e Eisenhower e pelo Presidente. Eram usadas por gente boa e decentes por toda parte. Mas, o que é mais significativo, eram usadas por homens maus para fins maléficos e caóticos, homens que odiavam o Presidente e os generais, e toda a humanidade, e que amavam, não a paz, mas a guerra revolucionária. XI — Andei lendo o Press, nos últimos dias — falou Johnny, com frieza. Olhou para Lorry, sentada ali na sua combinação de sala e escritório. Ele se sentara por trás da secretária surrada e suas mãos fortes brincavam com uma caneta. Pensou, olhando para ela, que ela parecia uma cintilante borboleta branca, pousando momentaneamente numa selva de vegetação desbotada e em decomposição, tão radiosa estava com o costume de seda branca, naquela sala triste. Ele raramente antipatizava com as pessoas; chegara à conclusão com pesar, de que não estava gostando daquela moça linda e ousada, com os olhos de água-marinha e um ar de segurança dura e cínica. Notou o colar de belas pérolas em seu pescoço leitoso, o chapéu caro, os sapatos bem- feitos, o brilhante na mão direita. — Não gosta do Press? — perguntou Lorry, com uma doçura ácida. — Não — respondeu Johnny, com rudeza. Ele fixou os olhos sobre ela, e estavam duros. — Sabe, sempre reconheço a linha… perigosa… sob as frases nobres e humanitárias. Reconheci, pela primeira vez na Europa. Eu a descobri em Nova York. E agora, estou vendo, está até em lugares como Barryfield, Havia um repúdio frio em sua voz e ele afastou o olhar dela, com um desdém triste. Acrescentou: — São frases velhas. Os tiranos as vêm usando desde os princípios dos tempos. Sinto muito. Não lhe posso dar uma história. Não quero expor meus filhos nem ao ridículo nem ao sensacionalismo; não quero focalizar mais atenções sobre eles. — Tornou a olhar para ela, e seus olhos a ameaçavam, negando-a, rejeitando-a, num olhar demorado e compreensivo. — Eles não podem suportar isso, sabe. Já lhes fizeram coisas demais. Deixe que tenham paz. — Mas o Press é um jornal liberal, antifascista — respondeu Lorry. — Creio que, a bem da democracia americana, o senhor devia nos permitir ter essa história. — É mesmo? Já lhe disse, li o seu jornal, Srta. Summerffield. Não creio que estejam nada interessados na democracia americana. Portanto, não vou permitir que essas crianças sejam usadas para o que realmente têm em mente. Lorry debruçou-se para ele, — E o que é isso? — perguntou. — A senhorita sabe, claro. Não sou muito ingênuo. Lorry levantou a voz e gritou, sem afastar os olhos de cima de Johnny: — Tio Al! Venha cá! Enquanto ela estava conversando com Johnny, tinha ouvido o barulho feliz de vozes de crianças nos fundos da casa, uma voz de mulher, forte mas carinhosa, e o barulho doméstico de louça e talheres. A pobre casinha estava muito quente e o sol iluminava os móveis feios. Mas havia no ar um bom cheiro de carne assada e o aroma de sopa. Mas ela notara Johnny mais que tudo. O rosto moreno, de ossos fortes, iluminado pelos olhos estranhamente azuis, a tinha comovido misteriosamente. Ele estava sentado ali por trás da secretária, com suas roupas pretas, muito surradas e modestas, que não melhoravam por mais escovadas e passadas que fossem. Ele apoiou os braços na mesa, como que inteiramente cansado e desanimado e ela viu as marcas do sofrimento e tensão em volta de sua boca. De repente, para seu espanto e irritação, ela se sentiu inundada por uma ternura por ele, tão intensa que seus olhos se encheram d’água e ela sentiu um nó na garganta. O rosto dele, os cabelos pretos cortados, as sobrancelhas pretas bem marcadas, flutuaram diante dela, e ela não teve noção de mais nada até ver o Dr. McManus. — Bem, o que há, Lorry? — perguntou ele. — O pastor aqui está-lhe criando dificuldades? Ele não quer um artigo sobre os garotos dele. Não quer nada de você. O que há, Lorry? — acrescentou logo, preocupado e carinhoso, pegando o queixo dela e virando seu rosto para ele. Ela se afastou dele, impaciente. — Ah, Tio Al. Pensei que o senhor fosse me ajudar. Que mal pode fazer um bom artigo? — Você sabe perfeitamente. A maior parte das pessoas desta cidade não gosta dos jornais de seu pai. Lêem por causa de algumas boas seções femininas, e notícias locais, e os quadrinhos, e porque são os únicos jornais, mas não lêem muito os editoriais. E o que lêem os deixa furiosos. Haviam de desconfiar do nosso pastor, se você falasse bem dele, e se dissesse suas belas coisas vitriólicas, o desprezariam. Isso é da natureza humana. Adora ler maldades nos jornais sobre qualquer pessoa, e quer acreditar nisso. Seja qual for o tipo de artigo que você escrevesse, o pastor estaria numa encrenca. Deixe-o em paz, Lorry. Ele olhou para Johnny. — Não se preocupe com essa moça, Johnny. Conheço-a desde que nasceu. Há coisas que não posso contar a você, nem a ninguém, sobre ela… por enquanto. Ela tem um trabalho a fazer nos jornais do pai. Mas não é o que você pensa. Não faz mal. Não dê nada a ela. Johnny ficou escutando, espantado, perplexo. Olhou para Lorry, cheio de conjecturas e curiosidade. O que o velho médico queria dizer? O Dr. McManus, com uma expressão de carinho no rosto, tão grotesca que chegava a parecer um sorriso de débil mental, estava acendendo um cigarro para Lorry e ela estava sorrindo para ele. Que rosto lindo ela tem, pensou Johnny, com um pouco menos de hostilidade. No entanto, quando um raio de sol bateu nele, de lado, não era um rosto suave. Poderia, pensou Johnny, ser considerado um rosto desiludido e amargo e desesperado. Depois ela virou a cabeça e a revelação ligeira, se é que fora uma revelação, desaparecera, ficando ali só uma lisura de marfim, lábios talhados e cheios de graça. — O senhor é uma grande ajuda, Tio Al — disse Lorry, afagando o braço dele. — Sente-se aqui, bem ao meu lado. — Ele sentou-se no sofá de chintz ao lado dela, e as molas rangeram. — Está bem — continuou ela. — Nem vou tocar no seu precioso pastor. Ah, já notei o seu interesse fátuo por ele, deve ser um rapaz e tanto, para lhe fazer isso. o arrependimento. Ou falar sobre a intolerância ou os desvalidos ou a situação social. tão apaixonadamente? Então. Por que fizemos isso? Por sermos tão bons. depois do assalto ao filho. de uma ternura apaixonada. A igreja estava repleta. Quem se emocionou? Quem o escutou. virtuosos etc. pobre. assim como outras nações já pagaram com o sangue por seus crimes. — Quem disso isso? Ora. podia comovê-la tão fortemente. Sr. Estamo-nos preparando para inundar o mundo com o nosso leite e mel. bondosos. hoje. bruscamente: — Bem. E talvez… coisa pior. Mas nada disso. sim. que vamos pagar com sangue por esse crime contra a humanidade. mas também foi anacrônico. Summerfield. nos esquecemos da bomba atômica lançada sobre duas cidades japonesas indefesas. que veio para uma cidade pequena para presidir a uma igreja e congregação tristes. com uma família bizarra de filhos dos fins do mundo… como é que um homem assim. Fletcher. Por falar nisso — continuou ela. infantis. Só existe um modo pelo qual nós e todo o resto do mundo poderemos evitar as consequências de nossos crimes: pelo arrependimento e a penitência. a encheu de um calor profundo. — Ela lhe lançou um sorriso arrogante. a gente podia compreender. extasiado? Ninguém. Srta. Arrependimento de quê? Os nossos pecados! Não admira que até os mais burros lá tenham ficado perplexos.Olhe. Só tem um amigo. No entanto. . Então. desconhecido. azuis e ardentes. Entendo o seu ponto de vista. como um vago grito de sua infância. e por todos os crimes que temos cometido contra o mundo durante meio século. não estava propriamente simpática ao senhor. isso porque o senhor é uma raridade. liberal e figurativamente. Ela levantara os olhos para o rosto mudo dele. Nem vou falar no senhor e seus filhos. a não ser uma minoria militante nos bancos da frente. ideia boba. Amamos todo mundo. — Somos? — perguntou Johnny. num futuro imediato. e esse amigo. Nem me lembro de frase alguma marcante dele. ralhou ela consigo. Se ele ainda fosse um desses evangelistas uivantes que andam pelo país espumando pela boca. Terá muitos bancos vazios. Somos a nação mais idealista do mundo. Nossos pecados. pelo menos posso lhe dedicar algumas linhas nos nossos avisos religiosos. simples. e esse mesmo é caprichoso. fomos nós. se bem que tenha uma voz excelente. Mas não é. e uma espécie de anseio que ela não reconheceu. pelo amor de Deus! Ela falou. ela ouviu dentro de si: “Nada de bom pode vir da Galileia!” Quem dissera isso. Eloquente? Foi. apenas 15 minutos. se é assim que o senhor deseja. que se pode voltar contra ele de uma hora para outra. qual foi o assunto do sermão dele? É. Lembre-se do sermão dele. que não o desejam. Os olhos dele estavam pousados nela. generosos e cheios de uma fé sincera. e novamente aquela sensação desconhecida. Um pastor obscuro e modesto. Dizemos sempre. asperamente. e sobre quem? Não fantasie. as coisas são assim. duas semanas depois de o governo japonês implorar para se render a nós. Somos virtuosos. Todos pensaram que ele ia falar amargurado. O Tio Al me contou das crianças antes de irmos para a igreja e talvez não seja mesmo conveniente dar-lhes mais publicidade. — Os americanos não pecam. Deixe ver: falou sobre o pecado. vamos ser amigos. Esse sujeito aqui não passa de um pastor com um bando de órfãos. nem mesmo eu. Mas vão se cansar do senhor. olhando para a ponta do cigarro — percebi que a congregação.? Estou-lhe dizendo. A expressão dela mudara. Não há um que não tenha contribuído de boa vontade para o que se chamava. com muito interesse. como uma força pessoal real. significa alguma coisa para o senhor? Johnny. E de repente. como que abalada e imobilizada. um não acabar. Já sou uma mocinha. Ele a estendeu para Lorry mas ela estava olhando fixamente para o jovem ministro. procurou concentrar-se. que devem se arrepender. Estava abalada até o íntimo. pacotes para além-mar. claro. Levantou-se. devia haver centenas como o Barry. meneando a cabeça. levantou-se. E então. — Esteve nessa guerra. secamente. com humor. Voltando ao seu sermão. doação de sangue. e assim por diante. apavorados. McManus. McManus e ele se voltara para ela e Lorry sorriu para ele. até enjoar. Só a lei da retribuição. Srta. de modo que ele não pode se lembrar de todos. McManus. resmungando um pouco. surpreendido com a violência inexplicável de seus movimentos. Ideia tola. Ela olhou para o Dr. O senhor lhes fala de consolo. de esforço de guerra. Eu mesmo não acredito Nele. Onde estava o seu irmão? Mas Lorry se virara depressa para olhar para o Dr. pela expressão do olhar e a mudança da voz. trabalho extra nas fábricas. Estive por toda parte. desconcertada e aborrecida. McManus. de abrigos antiaéreos. um sorrizinho apagado e aflito. por favor. ou diz a essas pobres almas que trabalharam bem? Não. é editor em Nova York — explicou o Dr. e talvez de nenhum deles. Ela perguntou. — Lowell? Não que eu me lembre. “cigarros para os rapazes”. Sr. seus olhos se dilataram. olhando para ela com aquela sua severidade muda. deixando cair o que havia dentro. diz que são pecadores. — Foi o que disse hoje de manhã — comentou Lorry. — Bem — esclareceu o Dr. a despeito de sua desconfiança e desânimo. aguardando dele um sorriso correspondendo ao seu desdém. guardas. Fletcher: pense nas pessoas em sua congregação. corando de dor e um remorso sem nome. como se ela estivesse corando muito. — Não. estava olhando melancólico para o tapete verde no chão e dizendo: — Bem. Mas o Dr. Conheceu-o? Johnny. McManus. Summerfield. Cruz Vermelha. de repente. — E Quem é a lei da retribuição? — perguntou Johnny. em fuga. Mas não sei quanto a Deus fazer isso. a voz débil: — O nome… Lowell. — Não vamos ficar místicos. Pensou um instante. O Dr. Devia significar? — Barry Lowell é irmão dela. severo. alegremente. os elogia pelo seu patriotismo. A bolsa caiu. doações para refugiados. um sofrimento profundo. McManus —. como capelão. e fazer penitência! Pelo amor de Deus. passou pelo corpo de Lorry uma sensação quente. abaixou-se para apanhá-la. até ficar quase totalmente distorcida. — Ora. Barry Lowell. como se saltasse. Fletcher! Ele ficou ali sentado. Mas conheci milhares de nossos soldados. vamos — respondeu Lorry. . para sua grande surpresa. Ela não o entendeu. Muitos deles perderam filhos ou maridos ou irmãos na guerra. Lorry. delicadamente. Summerfield não parece estar bem. vencer a paz… Lorry leu o editorial vezes e mais vezes. devem ser erradicados. Ainda não. e o fato de ele ser capelão. Os olhos de Lorry se encheram de lágrimas. mesmo. Não significaria nada para o nosso pastor. Quando a limusine começou a andar. eram os anseios de toda a . O Dr. Ela levou Lorry para o carro dele e pediu a um rapaz que estava passando. Burnsdale que vou pensar naquele freezer para ela. o peito arfando. McManus sorriu para ele. da rompeu em soluços secos. “Vencemos a guerra contra o nazismo e agora nós. — Eu não contaria. Começo a achar que esse rapaz não veio para cá por acaso. filho. Ele é desse tipo. doenças. Tenho impressão de que o que sabemos pode vir a ser muito útil para o nosso pastor… um dia desses. Mas só quero dizer que o seu sermão foi muito bom. Faz parte do trabalho normal. Saiu de detrás da mesa. quando estava conversando com ele. McManus pegou o braço dela. Sabe. — Sossegue. as mãos cerradas nos joelhos. — Posso fazer alguma coisa? — perguntou Johnny. se bem que não tenha esperança de que adiante muita coisa. — Leve-me para casa. a voz alterada. e virou-se. McManus parou e fixou os olhos cor de concreto sobre o jovem ministro. Ele ajudou a moça a se sentar. você é o pastor. sombriamente. bem esclarecidos. e que ele conhecia. Conserve isso como nosso trunfo. Summerfield escreveu o seu próprio editorial na noite de segunda-feira. — A Srta. Tio Al — pediu ela. — Vamos indo. Lorry. nova esperança para o mundo — a magnífica contribuição da Rússia para a luta pela liberdade — expansão da democracia pelo mundo — os últimos inimigos da humanidade. assim como esperamos erradicar a guerra — grandes esperanças para o mundo… vencer a paz. Tentei me lembrar. lembrei-me… as cartas do Barry… tenho de ligar já para o Barry. — Não. Desarmamento mundial total — volta imediata dos rapazes — era de boa vontade. para levar o carro de Lorry para a casa dela. Não fique emotiva. Lembra-se de Lázaro? — Ele sorriu ao ver que Johnny estava cada vez mais perplexo. benzinho — pediu o médico. temos de vencer a paz. não vamos falar sobre isso. perplexo. como se não o tivesse ouvido: — Eu sabia que havia alguma coisa conhecida nesse nome. O Sr. Johnny estava intrigado. — Filho. e foi habilidoso. McManus pensou naquilo apertando os lábios. desemprego. e afagou-lhe o ombro. Ela murmurou. Nem ao seu pai. Depois sacudiu a cabeça. Ela parecia estar inteiramente flácida. — Isso não parece você. E pode dizer à Sra. eu também estou ficando meio místico. O Dr. E então. — Nada não. Eram todas palavras nobres e heróicas. ainda olhando para a frente. os lábios secos. sem saber o que dizer. com nossos aliados. O Dr. Ela olhou para Johnny com humildade e tentou falar. assim como muitos outros. como se tivesse levado um choque tremendo. e contar a ele. a fome. Está na hora do meu jantar. O Dr. Lorry. e com propósitos maléficos. a esperança de todas as nações. . Não havia nada de errado nelas. Só que estavam sendo usadas pelas pessoas erradas.humanidade. pensou Lorry. para dar apoio moral. Por insistência do Dr. Johnny sentiu isso. onde ele seria operado naquela tarde. Johnny a pegou no colo. Johnny desejou que o dia estivesse mais alegre. Ela sorriu. da porta. fraco como estava. Algumas folhas já estavam caindo. roçavam as calçadas como dedos misteriosos quando a leve brisa as movia. Até as crianças o tinham sentido. e ela estava com o braço bem reto e firme para sustentá-lo. Ele estava andando com firmeza. as mãos embrulhadas no avental. os outros seriam submetidos a um exame completo. um dia bonito. apertando-se um pouco no ombro dele. enquanto desciam o curto caminho para o carro junto do meio-fio. agora uma pessoa muito importante. e fazer disso uma espécie de feriado para ele e para elas. preparando-se para a operação. . conhecia os riscos. tão distantes. seu sofrimento. As crianças estavam oprimidas. Ele parecia perdido em pensamentos tão pesados. o Dr. ou ela estaria mais frágil do que de costume. em parte.XII Naquela manhã de segunda-feira cinzenta. Não era o fato de que a maioria da congregação se mostrara silenciosamente hostil a ele na véspera que o estava deprimindo. na qual ninguém conseguia penetrar. Ele lançou um olhar rápido a Max. mas a atenção de Johnny estava concentrada na menina. pendurando-se fria nos lados das casas e fazendo covas solitárias sob as árvores. Johnny sabia. caladas. insistira em se juntar aos outros. A confiança deles deixou Johnny ainda mais apreensivo. E se Jean morresse durante aquela longa provação? E se não tivesse sucesso? Por Jean ser quem era. à toa. se bem que isso tivesse representado um papel importante. logo veriam. e depois saindo correndo. Sabia como a operação seria grave. Ele e as crianças estavam acompanhando Jean. Burnsdale. todas as crianças saíram para o carro antigo com Johnny. embora os olhos estivessem tão preocupados quanto os de Johnny. Jean não tivera licença para tomar o café da manhã. que não havia meio de alguém se aproximar dele. O menino. brincando com a caneta. Seria sua imaginação. Raramente se aproximavam dele voluntariamente. Estava rezando e olhando com compaixão para o vulto alto de Johnny. com Emilie no colo. — Traga as crianças. O calor abafava a cidade. cheia dos gases enjoativos das usinas e fábricas presos sob o céu baixo. Emilie tossiu. para distraí-lo de sua aflição por Jean. ao hospital. — Pode ser um trauma para ele — dissera ele a Johnny. encabuladas. McManus não insistira para o menino passar a noite no hospital. Uma reserva o tinha envolvido. concordando calados. mas ela sabia da tristeza dele. tocando nele. Ele estava melancólico desde o assalto a Max. Mas uma luz triste pairava sobre a cidade nublada. o rostinho franzino empalidecendo. ansioso. As crianças tinham olhado para ele com respeito. mas durante esses últimos dias. ela o vira meditando à sua secretária. Estava agarrado ao braço forte de Kathy. elas tinham entrado na sala. Ele falou de Deus e de consertar o braço e a perna e eles menearam a cabeça. mais mirrada? Bem. As crianças acenaram para ela. McManus. seu desencorajamento. e em parte por necessidade. e com a garganta e o queixo ainda envoltos em ataduras. com suas roupas pretas de clérigo. — Sejam bonzinhos! — gritou a Sra. As outras crianças tossiram. — Há alguma coisa? — murmurou. — Venham. Isso é a lei. As crianças estavam espiando curiosamente pelas vidraças do carro. Ao vê-la. sentiu alguma coisa no ar. — E por que havia de esperar isso. ele vai ficar preso por muito tempo numa espécie de escola. enquanto ele lhes falava dos pecados deles e de seu arrependimento e as caras deles foram ficando cada vez mais fechadas. Mas não estava. Isso não era coisa de criança. Aquele era um dia sério. non? — É — respondeu Johnny. mais nada. muito indignada — que a congregação estivesse com vergonha. Pôs a mão no ombro dele e falou. Johnny tinha chegado ao carro. A borracha fora cortada com força. Johnny apontou para as rodas. esganiçado. Havia alguma coisa na voz dele que logo chamou a atenção de Johnny. venham! — gritou. que me detesta. Cada pneu tinha sido hábil e completamente cortado. Já ia abrindo a porta. papai? Sim. Alguma coisa na sua imobilidade repentina alarmou a Sra. para Johnny e a Sra. Depois abaixou- se. E agora aconteceu outra coisa. alertado. Burnsdale ao Dr. Os pneus do carro foram cortados por alguma pessoa malvada. vezes e mais vezes. Jean olhou por algum tempo para o rosto triste e branco do ministro. Você já verificou isso. E então ele viu que seria errado usar evasivas com Jean. para o grupo na calçada. Ficou olhando para as rodas. depois do caso do Max. As crianças já estavam entrando no carro. A primeira ideia de Johnny foi sorrir e dizer. porque está com a mente doente. nascida do antigo terror e agonia. a vida de Jean dependia do que o dia trouxesse. admirado. A Sra. mas também na câmara-de-ar. Ela correu pesadamente até o meio-fio. e seus olhos estreitos se apertaram nos cantos. Burnsdale. — São pessoas. Nunca tive boa opinião das pessoas. um homem. e examinou os pneus. eu já lhe disse que existe a lei nesta terra. sozinho. Mas pensei que uma vez na vida iam ser decentes. como mais velho. ora? — dissera o Dr. Ficaram ali sentados olhando para o coitado do ministro. Burnsdale. Meneou a cabeça. Ele já ia entrar no veículo quando sua intuição aguçada. . A polícia prendeu o menino que assaltou o Max. vezes e mais vezes. Aconteceu alguma coisa. conheço-as bem demais. Endireitou-se e tornou a olhar para Johnny. com displicência: “É o carro. O rosto animado de Pietro estava achatado no vidro. Levantou os olhos. Depois seu rosto velho e sabido abriu-se num sorriso de compreensão. levando tudo em conta. e ironia. com cuidado. com calma: — Jean. não só no revestimento. quando parou de repente. Jean. Ele largou Emilie no chão. Kathy ajudando Max. Burnsdale tapou a boca com a mão. com dificuldade. estava esperando que as crianças se sentassem. Vamos tomar um táxi”. McManus. a despeito do pessoal do conselho e das mulheres deles apoiando-o nos bancos da frente. e as rodas estavam arriadas. Sempre há homens. — Um homem. McManus. — Seria de esperar — dissera a Sra. Mas antes de chegarem ao Egito um anjo lhes avisou que os soldados. Jean olhou para seus companheiros. o agachamento no escuro. Jean abriu a porta. Jean advertiu Johnny com um olhar rápido. Então não anda. procuraram por todos os arbustos e todas as grutas e por trás de todas as pedras grandes. Ele sentira que alguma coisa o havia quebrado. O carro não presta. agarrou o braço do menino e o puxou para fora. solenes. Conheciam o seu escuro e umidade. que adorava o carro. em circunstâncias monstruosas. pensativo: via a sombra do rosto afundado de Max. a jovem Mãe . oh — lamentaram as crianças. — As crianças se juntaram em volta dele. altruisticamente. — Mamãe Burnsdale chama táxi para nós. Vamos esperar o táxi. ficara desanimado e desencorajado. podia se levar a aliviar o sofrimento de outro. e conservar a fé. — Papai diz que não anda. — Carro mau — disse Emilie. sem nada dizer. Ficaram esperando que Jean falasse de novo. mas afinal perdera o seu pavor por ele. E depois estavam muito perto dessa gruta onde estavam escondidos a Mãe e o Menino e José. para o Egito. As outras crianças acompanharam Pietro. um ministro. um homem. Pietro cala a boca. desespero e desesperança terríveis e no entanto. estavam muito assustados. uma criança. Ele. Depois seu coração se aliviou. entrava em casa depressa. Conheciam bem as grutas. para se esconderem dos soldados do rei malvado que queria matá- lo. numa estrada solitária. Rezou para que o burro não fizesse barulho quando os soldados se aproximassem. Tinham viajado muito longe. Suas orações tinham sido sem ânimo. interessadas. Lançaram olhares reprovadores ao carro. José tinha amarrado o burrinho atrás de umas árvores. a cavalo. e ele sentiu remorsos. inexplicavelmente. Por que carro não anda? — perguntou Kathy. Os carros nem sempre andam. Ele aceitara o mal dos homens. — Enquanto esperamos — sugeriu Johnny. na estrada. os pisos entulhados. o medo. Max e Pietro menearam as cabeças. — Táxi — repetiu ele. esperando os passos dos soldados perseguindo-os. — Os soldados. — Pietro é bobo — disse. decepcionadas. não! — gritou Pietro. o silêncio. — Gruta — repetiu Jean. Passou o braço em volta de Jean. nesses últimos dias. — Quando a Mãe do Menino e José deixaram a terra deles com Ele. estavam perto deles. A Mãe estava sentada no fundo da gruta com o Menino apertado ao peito. as lágrimas lhe escorrendo pelas faces. em que se esconderam. enquanto a Sra. ali estava um menino. Kathy. arranjaram uma gruta. e sua voz tinha o velho tom alegre — vou-lhes contar uma história. o coração batendo depressa. Mancou para perto do carro e disse: — Saiam. — Não. de susto. Então. sempre a escuta. E a escuta. Burnsdale. que sofrerá angústia. assombradas. com severidade. No entanto. O estado dos pneus escapou a sua atenção. Temos de tomar um táxi. Johnny estava cheio de gratidão e de dor. — Oh. — O pobre José só podia pensar que os soldados também iam revistar aquela gruta. alerta. viu que uma coisa muito estranha tinha acontecido. Cá estamos — disse Johnny. que vinha das minas sob a cidade. Pietro estava dançando com uma impaciência incontrolável. e ela se dirigiu logo para ele. quando levantou os olhos. Depois Jean falou: — Deus tece muitas teias. A luz fraca sob as nuvens cinzentas parecia menos feia do que antes. triunfante. ao qual eles responderam. — Sim. Aqui e ali um lampejo de um amarelo sulfuroso ou um verde venenoso penetrava o céu nublado. Agora a luz ficou mais sombria e o cheiro dos gases industriais mais sufocante. enquanto o chofer olhava. — O quê. o perfil de um homem que tinha sofrido muito. os rostos brilhando. O menino estava sentado tão quieto a seu lado. curioso. Jean disse: — Nossos amigos. o perfil pálido. — E quando os soldados chegaram à gruta. A Sra. nervoso. por cima da entrada da gruta! Uma teia espessa. O táxi foi seguindo pelas ruas silenciosas. num coro suave. em voz alta. enquanto ele rezava. — A polícia — murmurou. quem? — perguntou Pietro. E então. As rodas do táxi raspavam na escória grossa da pavimentação. sem seu velho tom de pavor. que sempre reparava em tudo. Burnsdale desceu o caminho de casa e Johnny sacudiu a cabeça para ela. por outra estrada. A opressão dele voltou e também o seu medo por Jean. Então os soldados continuaram pela estrada quente e branca. Johnny sorriu para eles. Jean olhou para ele. animado. Ele ajudou as crianças a entrarem no táxi. apontando furtivamente para o carro da polícia. queriam revistá-la. . Por uma ou duas vezes Johnny ouviu um ronco vago na terra. e pela primeira vez disse essa palavra com confiança e satisfação. que em geral levaria uma noite inteira para ser tecida! — Ah — disseram as crianças. em apenas alguns momentos. — Uma grande aranha tinha tecido sua teia. E então eles ouviram os cascos dos cavalos batendo na estrada e os gritos dos soldados. pois havia chamado a delegacia mais próxima. lembrando-se. pensativo. Um táxi apareceu na esquina.com seu Bebê. As crianças ficaram caladas. Mas o chefe apontou para a teia e disse que seria impossível a Família estar naquela caverna. — Quem. pois a teia não estava rompida. Ele fechou os olhos e as lágrimas escorreram por suas faces. olhando para as ruas. e sabia. e sorriu para Johnny. assombrado. As crianças da cidade já estavam nas escolas. nesses poucos momentos. o quê? — perguntaram as crianças. sim? Sim — respondeu Johnny. e se lembrava. O táxi passou pelo carro oficial e Jean cumprimentou os jovens policiais dentro dele com um aceno. sim — disseram as crianças. e depois de muito tempo a Família saiu da gruta e seguiu seu caminho. Então um carro preto foi chegando perto deles e parou. McManus era o chefe da equipe. No entanto. de cara fechada. McManus chegaria logo. estava lendo o telegrama por cima do ombro de Johnny. garotos e pastor. que. Bem. que no dia seguinte esta- riam sujas de novo. e Johnny a pegou logo no colo. Era do Dr. preto e branco. e seu rosto cinzento ficou arroxeado. uma enfermeira idosa com uma cara alegre e simpática. O carro está funcionando bem. vamos. Jean murmurou. Stevens. mal tendo seis anos. Emilie começou a chorar. e Johnny o abriu. esganiçado. Havia homens lavando janelas turvas. O médico abriu a porta de um quarto grande e disse. — Bem. sem pudor. — Também mandou um ramo de flores — completou o médico. Se não fosse o desenho moderno do prédio. Mandava lembranças afetuosas a toda a família. Ela escondeu o rosto no ombro dele e ficou ali. Só papai e eu sabemos. de Nova York. tinha sido instalado um equipamento completo de ar-condicionado e o interior era todo de azulejos de borracha. Depois ele pôs a mão no ombro de Jean e disse. com um humor lúgubre: — Parece um raio de câmara funerária. que tinha dificuldades para andar. Chegaram ao hospital. O telegrama animou Johnny. O Dr. de cara fechada. A recepcionista. — Ele procurou no bolso e puxou um telegrama endereçado a Johnny. interessadas. suas portas de vidro e alumínio. e ele o leu para as crianças. Sua respiração estava assobiando e as crianças olharam para ele. As crianças estavam impressionadas mas ainda agrupadas junto de Johnny. — O quê? — exclamou o médico. quase sem se fazer ouvir: — As rodas… estavam cortadas… todas cortadas. estava se lembrando das agulhas que a tinham lançado em convulsões. Virou-se para Johnny e sua expressão ficou raivosa. portas de vaivém largas e um ar de paz. O médico olhou para ele. cumprimentou-os. até o andar cirúrgico. Não seja malcriado. pastor? Um chá da Assistência Feminina? Foi Jean quem lhe respondeu. menino. que estavam andando muito junto dele. do qual o Dr. vamos para o quarto do Jean. exprimindo um desejo sincero de que Jean fosse bem-sucedido na operação e pedindo que lhe informassem logo. as pernas curtas e grossas movendo-se como pistões. E lá estava ele. adiantando-se um passo para o homem violento e encarando-o. que tinha corredores largos e bem iluminados. quando passou por ela uma enfermeira apressada. Subiram todos num elevador muito grande e suave. alumínio. Johnny sabia que era relativamente novo. É um espetáculo. — Bobagem. — O que está pensando que isso aqui é. — Um bom lugar — disse Johnny às crianças. — O carro… não andou. limpeza e tranquilidade. no seu amontoamento conhecido. como se algum mofo leproso o tivesse atacado. não é? . vindo de alguma porta. ofegante. abruptamente: — Acontecem coisas com os carros. Johnny diria que devia ter pelo menos um quarto de século. — Quinze minutos de atraso! — gritou. mas o granito claro original estava manchado e escurecido. é o melhor que temos. os olhos sorridentes por trás dos . assim mesmo. O Dr. O médico levou as mãos aos quadris e olhou para Johnny. louro. — É ridículo. O quarto custa 18 dólares por dia. Cinco dólares. O perfume das flores era soprado pelo quarto pela brisa suave que entrava pelas duas grandes janelas e as crianças cheiravam extasiadas. nem um centavo — disse Johnny. que jogou pôquer comigo. — O senhor? Não. A mesa espaçosa perto da cama branca estava transbordando. É mais ou menos só o que posso pagar. — Não interessa. — Não sou eu. Doutor. Ele corou. está bem. a voz fraca. As crianças soltaram exclamações de prazer e até mesmo a pequenina Emilie saltou do colo de Johnny para ir para o chão. Ninguém da sua congregação. quando uma enfermeira jovem e sorridente apareceu no vão da porta. de roupa branca. O Dr. pode crer. não posso aceitar caridade. Um amigo. em filas de dois. E pensei agora nas enfermeiras… — O menino não pode ficar numa enfermaria — respondeu o Dr. não acredite — falou o Dr. em Barryfield. — Não acredito — respondeu Johnny. Provavelmente é muito caro. ou em outro lugar. — Ninguém me deve nada. — Ora. sabe. Klein me contou. Já está fazendo demais. — Foi o Dr. mais desconfiado e humilhado. pagar por tudo isso é uma picada de pulga comparado com o resto. mas era evidente que estava satisfeito. olhando. que não pode ser paga plenamente. Um amigo. eu gostaria de saber? Deixe de ser burro. zangado. escarlate. Não fui eu. — Por vários motivos. e. vermelhas. Três enfermeiras. Johnny teve outra ideia. Foi tudo providenciado… por um amigo. Não posso aceitar mais nada. — Está bem. — Deus do céu! — exclamou Johnny. — Quem? — perguntou Johnny. Uma dívida tão grande que o amigo está tentando pagar apenas Uma pequena parcela. desconfiado. McManus. Agora cale a boca. Nem o Sol — respondeu o médico. Acontece que sei dessa dívida que tem para com você. quem é que havia de lhe fazer uma caridade. — Dr. Olhou para as flores com seu ar carrancudo de sempre. com impaciência. O quarto era ensolarado e o efeito de toda essa fragrância e cores era o de um jardim em pleno verão. sem incluir a pensão. McManus. O quarto estava literalmente cheio de rosas. Eu… tinha pensando numa enfermaria. O rosto sem cores de Jean ficou corado de felicidade e orgulho e ele só conseguiu ficar ali parado. a cômoda estava inundada. vai precisar de um atendimento constante. mesmo sendo ministro. rosadas. Este quarto. bruscamente. McManus. durante algum tempo. Stevens quem mandou tudo isso? — Não — respondeu o médico. amarelas. vasos imensos estavam contra as paredes. brancas. furioso. Klein apareceu. Além disso. com voz cansada. E as enfermeiras ganham nove dólares por dia. — Só um amigo que tem uma dívida com você. pastor? Quem. — A não ser um soldado. Está esperando por vocês. — Papai! — gritou Pietro. — Tudo bem. Pareciam estranhos e encurralados. As crianças. — Foram mandadas da Filadélfia. leve os outros guris para as salas de exames lá embaixo. — Parece que alguém gosta do senhor e desse menino aqui. — Jean. Por falar nisso. Temos de fazer umas coisas. e a prendeu no casaco.óculos. e seus olhos pareciam de novo os olhos desconfiados de animais. enquanto trabalhamos. Max. em voz alta e firme: — Vocês não ficam. Olhou bem para Johnny e depois para os dois médicos. parece que nos expulsaram. De repente rodearam-no num círculo fechado. especialmente Pietro. — Bom — comentou o Dr. Admirou uma rosa amarela especialmente linda e. não queriam sair de perto de Jean. com firmeza. com firmeza. já no corredor —. tirou-a do jarro. Ele empurrou Pietro e Kathy para a porta. — Fora! — repetiu Jean. dominado pela sua perplexidade. e Max os acompanhou. Pietro. Eles se riram com ele e pegaram as mãos dele. sem poder acreditar. Fora. OK? Jean hesitou. Então Jean falou. . De repente. enfrentando inimigos. Não quero vocês. com todas essas flores infernais. com carinho. McManus. sentiu medo. Já marquei hora para você. os médicos têm de prepará-lo para a operação. Fora! Eles olharam para ele. — Bom. — Ficar — disse Pietro. Depois Johnny viu o Padre Krupszyk descendo por um corredor e de repente sentiu todo o impacto da experiência que Jean ia ter. Médicos tomam conta de mim. e Johnny foi logo se juntar ao bandinho assustado. Vai conhecer um de meus rapazes. onde os médicos vão dizer se vocês estão com saúde. — Ficar — disseram Max e Kathy. aliviados. com Emilie. E então? — Ele olhou para o Dr. quase encheram um caminhão — esclareceu ele. pastor. respondendo: — OK. com pesar. garotos — disse ele. um irlandês chamado Kennedy. McManus. — O guri tem fibra. Vamos descer para a sala de exames. O quarto nem é bastante grande. Riu um pouco das flores e apertou a mão de Johnny e a de Jean. pedindo licença a Jean. Kathy. Johnny pegou a mão de Jean na sua. inseguro. não é? Estamos atrapalhando lá dentro. Vamos esperar até eles acabarem e depois voltamos. — Ele mexeu nos cabelos de Pietro e o garoto sorriu para ele. consolando-o. Kennedy. que se apresentou como sendo o Dr. Os meninos na outra. — Tenho certeza de que vai dar tudo certo. Chama-se Mary. que denotava sua tristeza. Johnny apertou bem os olhos. tão pálido. viu que estava seguindo pelo corredor com as crianças. sua irmã? Você se importa se eu lhe disser que nunca vi cabelos mais lindos do que os seus? Amarelo coma uma tulipa. Como é o seu nome? Ela se encostou à perna de Johnny e não respondeu. As crianças olharam para ele. — Vou ficar esperando junto da porta. O coração do jovem ministro bateu mais depressa. Minha Emilie. — Vamos trocar essas ataduras — disse. Tornou a mostrar-lhes o seu rosário. — Por que não? As meninas numa sala. parou por mais tempo do que agradou a Johnny no rostinho frágil da pequenina Emilie. mas foi Pietro quem o arrastou para o grupo à espera. E vamos nos lembrar que Deus ouve todas as orações. com apreensão. com um ar superior. falou Johnny. O olhar esperto dele tocou nos rostos. — Vamos estar rezando juntos. Quem . travesso. mas duros como azeviche. enquanto os outros olhavam espantados. com uma voz severa. O padre pegou a mão de Pietro. com a voz mais forte que conseguiu. e seus olhos não estavam mais sorrindo. que estava calado de novo. ativamente. de olhos e cabelos pretos. — Bem. contando aos outros sobre o seu “Padre”. claro — respondeu o rapaz. matronal. encabuladas. As salas de exames eram grandes e claras e Johnny foi recebido por um rapaz esguio. e correu para o padre. — Sorria para o grupo. Fletcher. tão puxado. Sr. De repente ela passou os braços em volta da perna dele e escondeu o rosto no paletó. quando sorriu. Então o Dr. para limpá-los de uma névoa turva. Pietro estava tagarelando. enquanto Johnny apertava-lhe a mão. até me chamarem. — Padre — explicou ele. — Padre! — exclamou Pietro. Foi Kathy quem tomou conta da situação. uma garota baixinha com uma cara alegre que reconheceu logo a líder. — O nome dela é Emilie —. Pôs a mão no braço de Johnny. Olhou para Max de novo e sua sorridente boca irlandesa ficou tensa. Estava tremendo. Uma enfermeira chegou junto dele. — Eu vou com a Emilie — informou ao Dr. — Então são essas as crianças. Puxou uma das mãos de Emilie e a segurou. às meninas e Max. Kennedy estendeu a mão e levantou uma mecha comprida do cabelo bonito da menina. com um ar importante. Sem saber como. — Kathy? — Você toma conta da menininha. — Os olhos dele mostravam sua preocupação com o rosto abatido de Johnny e a boca. meu bem. — Tenho uma filhinha igualzinha a você. — E é a minha bebezinha. — Ele parou e seu rosto largo de polonês ficou lindo. com prazer. segurando-o nas mãozinhas morenas. Timothy Kennedy. — Jean está sendo preparado — disse ele. em concha. com competência. O padre Krupszyk meneou a cabeça. Gosto do seu vestido. As crianças foram levadas dali e Johnny foi mandado para uma confortável sala de espera. e o adorava. A consciência daquilo estava escrita no rosto da mulher. Johnny rezou por eles. Kennedy estava sorrindo para ele. Havia uma mãe com o bebê. macilento. O Dr. e saiba que sou Deus”. . choramingando. olhando para a frente. os olhos tapados por óculos escuros e uma moça que estava definhando quase a olhos vistos. Ela estava torcendo um lenço entre os dedos de luvas pretas e ficava piscando. palpitando de paz. para não perturbar essa glória mística. Kathy. olhando com seu olhar interior para a maré e o horizonte e um céu que não era o céu da terra. Enquanto ele rezava pelos sofredores naquela sala. Ele prendeu a respiração. E essa alegria muda e indescritível. — Obrigada — agradeceu ela. Podia rezar com confiança e paz. pavoneando-se. E então ela o deixou. empertigando-se e ajeitando a saía. Ninguém tomou conhecimento dele. fixamente. sem medo. se em mim só há terror e dúvidas? E então uma voz falou dentro dele. A enfermeira falou: — Meu nome é Nancy. seus pensamentos voltavam inexoravelmente para Jean. Um homem muito magro. E uma menina com um corpo bem-feito. de espaços radiosos e perolados cheios de êxtase. Johnny ficou ali sentado. Ele agora podia rezar. um catavento girando ao vento. mas como de fora. do seu coração cheio de medo. de mão dada com ele. essa compaixão e ternura. uma coisinha mirrada. De vez em quando mexia a boca. esse amor. sorriu. como uma criança chamando um pai mudo e distante. que era como se todo o seu ser estivesse sendo inundado por uma luz nunca vista na terra ou no céu. mas também por aqueles estranhos. Câncer?. os olhos secos. Uma vez tive um parecido. surgindo-lhe de repente. o olhar morto. ele já tinha ouvido aquela Voz paternal. imóvel. Ele olhou para a mulher gorda e sem vida na sua frente: a pele era branca e puxada em dobras desesperadas. vezes e mais vezes. que estava olhando para ela com altivez. Havia um velho. pensou Johnny. afagava a cabecinha. não só por Jean. a angústia na voz carinhosa. não muitas. com uma autoridade profunda e suave: “Fique tranquilo. pois os outros ocupantes estavam preocupados com seus próprios temores e aflições. A mão da mãe. intimamente: Como posso rezar pelos outros. Mas a oração era uma busca perdida. essa compreensão. pairando ali. cujo rosto estava distorcido pelas cicatrizes. Ele via aquela maré eterna se juntando ao horizonte infindo e brilhante. estava sentado quieto ao lado da mulher pequenina: a cabeça parecia uma caveira e ele tinha a morte nos olhos. Alguém tocou em seu braço e ele teve um sobressalto. esperando. feliz.me dera ter um cabelo assim. com humildade e calma. como uma maré luminosa. mas deixando-o com coragem e força. Várias vezes. cheios de compreensão e toda a sabedoria. numa prece muda. ou ajudar os outros. que ele não conhecia. gasta. Ele disse. Kathy. e ela murmurava constante. sem qualquer aviso. com pena e dor. não de dentro de si. nunca desaparecendo. O amor só pode ir até certo ponto. Nem mesmo a operação experimental dos “bebês azuis”. Depois sacudiu a cabeça. seco e empoeirado. Uma semana. Ele abaixou a voz e apertou o ombro de Johnny. Tentou falar várias vezes até conseguir dizer. — Não basta — murmurou Johnny. pensou Johnny. com recordações comuns. nessas circunstâncias. deixando-a cair com um gesto de desespero. Como… como é que o estado dela pode ter-se deteriorado… assim? — Essas coisas acontecem — respondeu o médico. tossindo. em agonia. Está cicatrizando muito bem. A sua voz jovem estava animada. mas quando Johnny olhou nos olhos dele. para começar. mas o pavor e o sofrimento permanecem na mente dela. minha carne? Minha vida? O Dr. Sua boca e garganta pareciam um papel velho. O Dr. — O senhor pode estar enganado — insistiu Johnny. Mayo? Cleveland? Johns Hopkins? . o carinho encabulado. Pietro não podia estar melhor de saúde. — Emilie? — perguntou Johnny. Mas ela não pode viver. — Não — falou Johnny. E… — ele levantou a mão. a despeito de sua vontade e da maré brilhante: o céu e o horizonte escureceram. Eu… a levei à Harley Street. Ele… o especialista… informou que havia uma possibilidade de 50%… não entendo. Por que não lhe posso dar o meu coração?. E Kathy é só energia e vitaminas. Não sei como lhe dizer isso. — Ela é só uma menina pequena… cinco anos. — Imagino que já sabia mesmo. com pena. Pode ser… a qualquer momento. Johnny apertou as mãos com força. eles se desviaram. ela morreria de susto e solidão. Receio que ela se fosse mais depressa ainda. Seu coração mirrou um pouco. em voz rouca: — Ela foi examinada várias vezes na Europa. os jeitinhos ansiosos. Sr. o sorriso infantil e confiança. Longe do senhor e dos outros. O doutor me contou. Kennedy suspirou. — Ela teria de passar o tempo todo na cama ou em cadeira de rodas. O senhor fez todo o possível. sabe. agora. É o coração dela. Terá o consolo de saber o quanto fez. As coisas foram… longe demais. tiramos os grampos do pescoço de Max. Receitamos uma caixa grande de comprimidos para ele. ela não poderá viver. Estava vazia. a mãozinha tímida. Pensou na própria filha e compreendeu. Lembre-se. Meu sangue. E depois aconteceram coisas. com eloquência. — Um hospital? Uma internação? Pode ajudar? O médico pensou. com violência. como que engasgado. com os grandes olhos azuis tensos. engolindo convulsivamente. Fletcher. Mas tem suas recordações. em Londres. Está convencida de que tem de ser médica. mas não podemos fazer coisa alguma. Ela… ah. — Bem. se bem que seja um pouco nervoso. Bateu no joelho com o punho. Kennedy olhou em volta da sala de espera. e quanto deu à menina. um ano? Não podemos dizer. Fletcher. — Não. Foi em julho. Os melhores médicos. ela não é uma menina comum. Houve um defeito congênito. cardiologistas. — Não a pequenina Emilie. um mês. — Creio que… uma clínica. Sr. se bem que desconfiasse de que ela podia estar sentindo alguma coisa. mas sabe de uma coisa? Ultimamente estou começando a sentir muito ódio. — Eu fico me esquecendo que sei. as mãos trêmulas dobraram a receita. e pôs a mão no peito. aquilo era o horror supremo. Eu também não saberia. o rato na gruta. para encobrir sua emoção: — Ela deve tomar três por dia. Nada de agitação. É um milagre que ela respire. desculpando-se. Estou começando a não poder suportar a humanidade. que uma criança. Foi só quando ela… bem. Eu… nunca vi um coração em tão mau estado. Faça com que durma frequentemente. é um ministro. Estou detestando muita coisa. Kennedy. como é que eu sei que Deus não consola os bebês e as criancinhas? O Dr. Kennedy. É. Ou que tenha sobrevivido. sombrio. pouco mais que um bebê. de todo. Johnny levantou os olhos. a aceitação. Ele falou. — O senhor estaria perdendo tempo e dinheiro. Sabia que ela sente muita dor? Dor! A menina nunca falara disso. coitadinha… beijou minha mão e me disse que o remédio “levou o rato embora”. Mantenha-a o mais sossegada e confortável que for possível. nunca se queixara. bruscamente. — Um ministro — respondeu ele. há uma meia hora. a humildade madura de aceitar o sofrimento sem se queixar. — E como é que sabe que ela não tem essa fé? — indagou o Dr. se ela tivesse idade… para acreditar em Deus. É um milagre ela respirar. buscando a menor esperança. E aqui está uma receita para mais. eu me esqueço. ou uma fé compreensiva. E eu. — Afinal. Johnny guardou a caixa no bolso. na casa do carrasco nas florestas e morros onde ela se escondera com os outros! É. Para ele. — É. torturado. — Eu não devia estar lhe falando assim — continuou o Dr. E sossego. O Dr. Vai ficar mais confortável. Por vezes a lógica também me impressiona. — Não posso evitar. Gostaria de ver as radiografias? Olhar pelo fluoroscópio? Acho que isso o deixaria sentindo-se pior ainda. — Bem. de um momento para outro. Mais ainda do que na Europa. sufocado: — Eu… poderia aceitar isso. que sou um ministro! . nunca chorava! Johnny olhou para o Dr. Levou o rato embora. Os olhos dele pesquisaram o rosto do médico. Controle as brincadeiras dela. tivesse a força. sem uma filosofia adulta para apoiá-la. — A idade dela? Sua ignorância. Kennedy. Não a mande para a escola. aceitar aquilo como normal e natural. dei um comprimido à menina. Disse. Kennedy estava pondo uma caixa na mão de Johnny. ela havia de associar um rato com a dor. a não ser o que aprendeu com o senhor? Como sabe que a fé só é reservada para aqueles que podem raciocinar de um modo adulto? Johnny abaixou a cabeça. com certa amargura. Kennedy sorriu para ele. — Suas mãos cerradas estavam doendo e ele então sorriu. O sorriso ficou no rosto de Jean. e. conduzindo Emilie com ar maternal.. Ele se levantou. aninhando-se no seu joelho. O pai estava lendo para ele. Ele não vai saber de nada. O coração dele quase se partiu. Johnny olhou para a pequenina. Ele encostou a face em cima da cabecinha dela. por isso não o incomodem. assombradas. — Bom. Já tomou o seu chá? Ouvi dizer que os pastores têm mania de chá. — A voz e o aspecto dele estavam azedos. o padre e o Dr. como um xale sobre os ombros. no meio daquele caramanchão incrível de rosas coloridas. de mansinho. para sua pele pálida e translúcida. Viu que o rapaz estava muito pálido mas que estava sorrindo e o velho médico suspirou. a carne transparente. Nunca soube que fosse ruim odiar o mal. Johnny apertou bem a mão dele. os médicos. A mãe arrumava flores vermelhas e amarelas numa mesa velha e encerada. Ele murmurou. Johnny ajoelhou-se ao lado da cama e as crianças se ajoelharam com ele. ele estava de volta no sossego e calor ensolarado de alguma casinha esquecida. meu pai tinha. Ele virou a cabeça e ela lhe lançou um olhar doce. quando ele acordar. voltamos para vê-lo. estávamos pensando que vocês não iam voltar nunca. cheios de sonhos. pois ele já sabia. com o perfume do vinhedo entrando pela janela de venezianas e a luz caindo nos morros baixos e verdejantes. Klein estavam conversando do lado de fora do quarto de Jean. sem conseguir rezar. Ou será que estou só me lembrando dos romances ingleses sobre os vigários. descendo pelas costas. Estava de olhos fechados. E então ele tornou a ver a maré brilhando. as olheiras lilases. sem expressão. olhando para a frente. acompanhado pelas outras crianças. seus olhos claros estavam vidrados. tornou a subir para o andar cirúrgico. Johnny estendeu os braços para ela é ela foi para junto dele. — Não se sinta culpado. McManus. numa oração muda. c’est moi. sorriu tranquilo e dormiu. McManus foram logo para os de Johnny. toda rosada. dormindo. As crianças olharam para ele. incandescente contra o céu eterno e a paz o invadiu. — E agora temos de deixar Jean com seus bons amigos. — Oui. Kathy apareceu. em voz alta: — Eu tinha esquecido. A única coisa saudável nela era aquela abundância de cabelos compridos e brilhantes. Disse. e. mon petit. Os olhos brutais do Dr. durante pelo menos duas horas. Eles entraram. O menino fechou os olhos de novo. Mexeu com a mão e murmurou: — Papa? C’est tu? O sedativo já tinha produzido efeito. Já demos um sedativo preliminar. Jean parecia muito pequenino e afundado na cama branca. Carregou Emilie. Mas abriu-os logo quando Johnny se pôs a seu lado. . reluzente e loura. — Podem entrar. O Dr. só podendo sentir sua dor intensa. consolado. o horizonte e os espaços perolados. Talvez que o meu primeiro sermão não devesse ter sido sobre o pecado. e saiu com as crianças. — Não pode haver consolo. agora só havia silêncio. garotada. Como? Onde? Nada do que toco vinga. Klein já tinham saído. Não podemos dar o maior dos Sacramentos sem primeiro um ato de contrição. fazermos juntos. — Primeiro tenho de ligar para casa.! No entanto. nem consciência do amor de Deus. e as outras senhoras. qualquer pessoa. e a Assistência Feminina tão ardente. — Não obstante… — começou Johnny. para ver se houve algum chamado de doentes… ou alguma coisa. Esperamos por você lá embaixo. senão pela humanidade e o conhecimento de nós mesmos. ou fazer algum convite amável. Como o conselho tinha sido amável e entusiasta. podemos nos aproximar de Deus?’— perguntou o padre. poderia ter telefonado para indagar de Jean. cachorros-quentes e milk-shakes? — Duas horas. o arrependimento. Mas o padre estava esperando. na sua cabeça. e pulou. O padre olhou para o lado e falou. McManus e o Dr. — Talvez seja porque eu tenho dúvidas… De- repente. ele se agarrou à visão da maré. — Que tal irmos a uma lanchonete e apresentar os guris a uns hambúrgueres. a penitência. o arrependimento e a penitência. empoleirada nos ombros de Johnny. quando ele se lembrou de Jean e Emilie. O Dr. mesmo sob o olhar reprovador de Kathy. — Tenho uma paróquia — disse Johnny. Ela não prosseguiu com a ideia. até o homem saber o que fez e se mostrar contrito. de algum modo. As crianças estavam andando perto dele. A dor em seu coração passou a uma corrosão doente e ardente. informou a Sra. Mas ninguém tinha ligado. O padre virou-se para ele: Emilie estava satisfeita. Seus olhos preocupados procuraram o rosto do jovem ministro. O padre falou: O Evangelho é sempre o amor. o sacrifício. — Acho que sou um pastor falso ou ineficiente — disse ele ao Padre Krupszyk. — Então. Johnny desligou. ou exprimir a aprovação ou reprovação do sermão da véspera. Fracassei. E acrescentou: — . Mentalmente. eles disseram — murmurou Johnny. Estava com um pouco de cor nas faces ressecadas. Burnsdale. enquanto todos andavam pela rua cheia de escória para a lanchonete favorita do padre. naquele noite. Pietro estava sempre pronto para novidades. de algum modo. com pena. Talvez devesse ter sido um sermão de gratidão por minha congregação me ter aceito e talvez eu devesse ter prometido coisas para. De que outro modo. animado: — Bom. Depois acrescentou: — Acho que todos sabem que o senhor hoje está no hospital. — Isso demora — confirmou o padre. Não há outro. de que certamente alguém. Lembrou-se do jantar de boas-vindas. pensou o ministro. Max sorriu. sinto que sou um fraco. que tal? Pegou a mão de Pietro. para espanto e contentamento de Johnny. o primeiro gesto de brincadeira que ele jamais vira. Pietro ficou encantado. para começar. e sua voz estava mais forte. ovelha. Max pulou atrás dele. se o rebanho a tivesse abrigado e mantido segura. Deu uns pulinhos para a frente e então.Embora seja verdade que Deus saiu para as trevas e o deserto. A ovelha não se teria desgarrado. — Oi. — Claro — concordou Johnny. Ele afagou a cabeça saltitante de Pietro. em busca da ovelha desgarrada. . Ele sabia que tinha um rebanho obstinado e desobediente. se o rebanho tivesse cuidado dela. . pensou Johnny. Projetava a desolação de seu espírito. o cheiro penetrante de gases industriais ficou mais enjoativo. pensou Johnny. Johnny levou as crianças para casa no carro do padre. sinto que cometi algum erro terrível. Sinto-me só. para afundar suas raízes. Ele estava ali sozinho no centro da desolação do terreno árido. as paredes sujas. Então. Burnsdale a respeito de Emilie. agora era só esperar. os braços carregados de sacos ou empurrando carrinhos de bebê. Dos lados haveria arbustos de flores. As crianças estavam absortas. quando chegar a hora. — Isso demora — dissera Johnny. Johnny contava à Sra. no outro lado. Não viu o grupo de meninas que se tinha juntado do outro lado da cerca. e a mulher chorou um pouco. donas-de-casa passavam por ali. Prestou atenção. — Estarei sempre em contato com o hospital — disse o Padre Krupszyk — e. Tudo era tão desolador. planejando seriamente o futuro jardim. barulhento e antigo. um dia?.XIII Mas duas horas depois Jean continuava na sala de cirurgia. Ela levou Emilie para a cama e Johnny e as três outras crianças foram andar no jardim despido. Estavam rindo para o ministro. mas também ali? Nunca teriam um lar. os olhos brilhando. que tal escolhermos os lugares onde vamos plantar nossas árvores? Ele via a rua fria e cheia de cinzas por cima da cerca pequena e inclinada. saltando na calçada em seu êxtase de ódio. para se unirem ao resto da humanidade? Párias para sempre. com maldade. Pior. — Enquanto estamos esperando. Se ao menos alguém telefonasse. As crianças o tinham deixado para se empenharem numa violenta discussão acerca do local exato onde plantariam suas árvores especiais. Johnny e as crianças andaram por cima da grama cortada e muitas ervas cortadas. não só pelos assassinos do outro lado do oceano cinzento. nunca adormecida. e que fui rejeitado. Burnsdale chamar. Ou — e então ele parou e seu corpo ficou frio — são as crianças que foram rejeitadas? Seriam rejeitadas para sempre. uma ânsia sempre urgente. ansioso. roseiras trepadeiras e uma moita de lilases. mas a porta dos fundos permanecia fechada. seu escravo preto! — Fora! — gritaram os outros. a despeito de sua vontade. A luz ficou mais embaçada. As árvores frutíferas iam cercar os fundos do terreno. num grito de um ódio alegre: — Leva os judeus daqui. Crianças estavam voltando da escola. Discutiam com Johnny e entre si. correndo.’ a torre feia. Então um dos garotos gritou para ele. um vulto alto e negro contra o céu pálido. para ver se ouvia a Sra. Haveria realmente um jardim ali. veículo animado. sua ânsia quase voluptuosa de destruir e dilacerar. esses inocentes que não tinham feito nada para merecer a tortura e o ódio? A vingança do homem sobre os inocentes nunca se satisfaria? Não. pensou. nunca se satisfaz. qualquer pessoa. Olhou para o lado de sua igrejinha triste. O silêncio de sua congregação era sinistro. estarei lá com você. os livros escolares pendurados nos ombros. severo. — Quem são vocês? — perguntou ele. pois tem compaixão e não fez mal algum. entende? Já temos bastantes nesta cidade. e não queremos os seus. ali. com uma voz que parecia um rosnido. trazendo-os para cá? . a quase três metros da cerca. desde o momento em que nasceram? Ele deu toda sua atenção ao líder. naquela igreja. seriam homens. afinal. Você não. os lábios torcidos molhados. Eram os jovens que. Crucifiquem-no. deve ser cristão. Ficou com os olhos de basilisco pregados em Johnny. Mas o líder não se mexeu. a fúria dos meninos grandes agora não estava dirigida contra as crianças mas sim contra o símbolo visível daquilo que temiam e de que fugiam em todos os momentos de suas vidas. Ficaram ali. numa alegria ameaçadora. Johnny teve um sobressalto. Suas mãos agarraram as estacas da cerca baixa e ele se curvou. sabe? Você e esses… — e gritou um palavrão. Estava-se divertindo. um silêncio gelado. eram seus filhos. Eram os dervises alucinados de toda a perversidade.sempre se contorcendo sob uma superfície precária de civilização. devagar e com firmeza. — Sou. — Pertencemos a ela. O que se podia dizer a gente assim? O que seria eficaz? O que poderia desviar o ódio deles? O coração estava ardente de raiva. Crucifiquem-no. —·Um bom cristão americano branco. Não gosto de estrangeiros. o rosto branco. Eles pararam de pular e gritar e ficaram esperando por ele. Seu primeiro cuidado foi com as crianças. — Você diz que pertencem a esta igreja. tinham sido batizados e crismados. gringos imundos. No entanto. Kathy agarrou os dois meninos. numa servidão espiritual. os olhos azuis faiscando. Queremos que dê o fora. como se se preparasse para saltar. — Fora! — gritaram. Ali tinham-lhes ensinado… o cristianismo? Quem fracassara com eles. como que alucinados com sua raiva orgíaca contra ele. claro que sou — respondeu. Mas será mesmo um cristão? O rapaz lambeu os lábios e o brilho de seus olhos se intensificou. — Esta é nossa igreja — disse. É o que sou. diziam em seus corações. abraçando-os com força. os rostos parados. Johnny começou a andar em direção a eles. os olhos brilhando. — Os seus pais é que lhes disseram isso? Eles lhe berraram uma afirmativa demente e recomeçaram a pular. girando em círculos. esperando. amanhã. Aquele era seu rebanho. Johnny parou. Não tinha palavras. Sua voz estava menos severa. — O que estão fazendo aqui?- O líder dos meninos lançou aos outros um olhar ladino e cintilante. Entende? Que tipo de ministro é você. Então. Johnny ficou calado. Tinham parado onde estavam. — Sabe — falou Johnny. com desdém. O garoto desviou o olhar. mas inteligente. é? — É. E o próprio Deus. pensando. Ninguém jamais lhe contou a verdade. — Estrangeiros — disse Johnny. Sabe o nome dele? Jesus. com desprezo. cada maometano. — É — concordou Johnny —. Os olhos dele reluziram sobre Johnny. Ele fechou a cara. Os garotos pularam em volta dele. foi isso que o povo de Jerusalém disse de Jesus. Era da Galileia. O rapaz tinha uma cara má. Ficou calado e as pálpebras piscaram-. um rosto magro e cadavérico e estava vestido desmazeladamente de propósito. com um ar esperto. cada budista. Agarrou a cerca. não como o povo de Jerusalém. os cabelos cortados rente. — Ele agora tinha chegado à cerca e pôs as mãos nas estacas. Juntaram-se em volta dele. os olhos dilatados. em tom de desafio. Você não sabia? — É mentira — disse o garoto. quem me deixou na mão. cada judeu. — Ah. quem o deixou na mão? Quem deixou o mundo na mão? O menino olhou para ele. creio que tem razão. Não… falava… a língua… direito. nervoso. Quando você reza. Johnny deu outro passo em direção à cerca. que tinha certas vantagens. — Ah. Johnny continuou: — Deus escolheu uma moça judia para ser a Mãe do Filho Dele. — Nunca ninguém lhe deu uma Bíblia? — Nunca ouvi dizer que Cristo fosse judeu — respondeu o garoto. com brandura —. Era o que o povo em Roma chamava os Apóstolos de Deus. — Talvez fosse você — respondeu. E o Filho dela estava dentro de uma pele judia. Tinha seus 16 anos. — Pega ele — murmurou um de seus companheiros. cada raça. O líder não fez caso. quer dizer. cada cor. Era um estrangeiro. — Deus é cada homem. Como essas minhas crianças aqui. — Nunca leu a Bíblia? — perguntou Johnny. — Deus é cada católico. Era pobre e não tinha lar. pede a um Estrangeiro para lhe ajudar? Se é que reza? O rapaz tornou a piscar e franziu a testa. sem compreender. as cabeças maldosas se sacudindo. sim. rindo. Estava com . pensou Johnny. mordendo o lábio. por sua vez. cada protestante. Os outros garotos correram para o lado de seu líder. Não ouviu falar disso? Onde estão seus mestres? Onde estão os seus pais? Onde estão os seus pastores? — Hein? — As mãos do garoto caíram das estacas. — O que Jesus tem a ver com esses estrangeiros que você trouxe para cá? — perguntou ele. Tinha um sotaque. — Traiu? — perguntou o garoto. com pedaços de ferro e um ímã. — Quem é que o traiu? — perguntou Johnny. Ninguém jamais lhe contou. Uma mão quente tocou em seu rosto. Vejam como se riem. O escuro girava em volta dele. — Eu o traí. para poder suportar o que está acontecendo com Jean e Emilie. como é que Ele o suportou. a voz cheia de pesar. Virou a cabeça e encontrou os olhos preocupados mas sorridentes do Dr. O líder mais uma vez não fez caso dele. o Sem Culpa? Uma escuridão repentina o inundou. Outro garoto disse. filho. claro — disse uma voz de rapaz. — O que estão fazendo aqui. Cada pastor que você já teve o traiu. rostos como balões inchados. tenho razão? — perguntou. Sim. lá está. socorro — gritava ela. num frenesi. mas ela não ouviu. disse ele consigo. Está tudo bem. Não devia me lembrar do amor. Estou muito cansado. é biruta — falou outro. virando-se para os outros. “Sono e repouso. pensou Johnny. pontos separados de fogo furando o crânio. — Ele fala feito doido — disse um dos meninos. — O que quer dizer. acho que me esqueci. Lou? — Puxa. pensou.um ar furioso e suas sobrancelhas se contorciam. Acho que podia dormir. e lágrimas caíram em sua face. Perdão. Estava deitado em sua cama. o Inocente. Mas não está. Bem. brancos. Descansar. Cante para mim. estufados. descansar. pois sabíamos o que estávamos fazendo. Mas o que era aquela massa de rostos em volta dele. mãe dele. Ela morrera quando ele tinha 12 anos. Vento dos Mares do Oeste”. e ficou mais espantado ainda. aturdido. pensou dizer em voz alta. Então. Timothy Kennedy. Viu um vasto mar de vermelhidão pelas linhas ondulantes de uma janela redonda. Perguntou. a voz suave de uma moça. Ele se tinha esquecido dela. E seus pais e seus professores. Estou tão cansado. fitando com bocas abertas que soltavam gritos e berros? Vão embora. A pedra o atingiu na têmpora e ele cambaleou. — Está bem. mãe. sono e repouso. num lugar longe no espaço. é. Eu não devia pensar na minha mãe. emburrado. cantava uma mulher. Ora. e ele viu os olhos cor de turquesa e eles encheram todo o universo. Por que sempre dizem isso. Ela virou o rosto branco para ele. Como se chamam essas coisas hoje? Sentimentalismo? Verdades eternas. Preciso dormir. — Claro. ele gritou de volta. — Cala a boca! — gritou o líder. — Socorro. — O que há com você. — Você disse que fui eu — respondeu Johnny. quando é mentira? Ele abriu os olhos inundados. é assim que é uma coroa de espinhos. irrequieto: — Vamos logo. escura contra uma luz forte. pensou. assustado. numa voz fraca: — Emilie? . O pôr-do-sol. Uma chama explodiu num círculo em volta de sua cabeça. da suavidade e ternura. hein? Mas era tarde. pensou ele. pensou. Uma mulher estava gritando desesperadamente. agora. no fundo do abismo ele via a Cruz erguida. Um dos garotos levantou a manzorra e atirou uma pedra em Johnny. guarde isso na cabeça. Ele franziu as sobrancelhas grossas e grisalhas olhando para o Dr. Ele gemeu. Os garotos estão bem aqui. Virou-se daquela visão. O garoto no canto gritou: — Não vou! — e começou a chorar. O Dr. sentando-se no lado da cama —. — Emilie. ainda. Max. como pensei. sim. Pietro. McManus. Amanhã vai tirar uma radiografia. A dor na cabeça estava diminuindo. Burnsdale estava entrando no quarto. Então. enjoado. — Cale a boca. até o fim da vida dele. e um do braço. de duas cabeças e com ela vinha uma figura grotesca e terrível. — Jean? Jean? — murmurou Johnny. Enfiaram uma agulha habilmente em seu braço e ele viu que estava de pijama. senhor. — Ele tocou uma atadura na cabeça de Johnny e disse. McManus pegou o pulso dele e contou as pulsações. Agora fique quieto. Depois falou. mas não creio. com uma voz mortífera: — Mas esse porco não vai se esquecer deste dia. — Jean! — exclamou Johnny. E Johnny os viu. Coisa infernal de curar. com firmeza. agimos bem a tempo. McManus. Burnsdale inchada. — Jean? Jean? O que… o que… ? O Dr. ao pé da cama: Emilie. os rostinhos sérios e pálidos. e aí num canto do quarto viu um menino grande encolhido numa poltrona. pois ele tem um pedaço duro pela frente. A Sra. O médico fez que sim. McManus. a pedra. — Concussão. Kathy. Tivemos de quebrar os ossos da perna. aquele garoto vai ficar bom! Pode voltar para casa daqui a umas três ou quatro semanas. excitado. Mas tem uma boa possibilidade. Ele mal reconheceu aquela criatura como o Dr. Kennedy. Estará novo na primavera. embora ele resistisse. Mas sentiu uma dor monstruosa na cabeça e então todos os rostos ficaram duplos. — Seis pontos — disse o jovem médico. com essa penicilina. Ele gemeu de novo. abriram-se em sorrisos alegres e Pietro pulou. Depois… os garotos. andando como um sapo imenso muito junto do chão. pontos de fogo. com a voz esganiçada: — Não posso deixar você fora de minhas vistas por um minuto! Mete-se logo nas piores encrencas. quase desesperador sem ela. . também com duas cabeças. Ele estava ficando com osteomielite num dos ossos. O que lhe acontecera? Jean. Bem aqui. Talvez haja uma fratura. mas ele sentia nela um fogo individual. Kennedy o fez deitar-se. Mas conseguimos pô-los no lugar! Sim. quando viram que ele os estava reconhecendo. — Bom — disse o Dr. seu porco — ordenou o Dr. tentando sentar-se. Está com uma concussão cerebral. uma Sra. as mãos cerradas nos joelhos. e uma náusea horrível lhe subiu pela garganta. com urgência. Quando o hospital soube. Ele sorriu. — Quanto… tempo? — perguntou Johnny. Não está sozinho. — Está com uma concussão e pode ser grave. de um modo horrível. McManus olhou furioso para o garoto que estava chorando no canto. Também têm um carro grande e reluzente. Isso ensina a eles. mas a agonia aguda tinha passado. — O Dr. Você até falou do porcaria de desgraçado que o atacou. claro. Ela afagou a mão de Johnny. Falei com o supervisor. ele se ofereceu. está tudo bem… meu bem. Um latejar surdo e quente começou na têmpora de Johnny. Como recordação. Não pode — acrescentou o Dr. cheia de todo tipo de maquinaria que se possa imaginar. mandaram Tim para cá de ambulância. dissemos a ele que um dos outros guris ficara doente e que você não podia deixá-lo. se bem que só tenham este brutamontes aqui. a voz fraca. — Quieto — respondeu o Dr. três vezes o tamanho daquele. A velha história. pessoalmente. — Ele precisa de mim. eu o levaria para o hospital de ambulância. — Bom. Burnsdale ligou para o hospital a respeito de você. só os pais. Mas esse criminoso ficou. Melhor do que o do supervisor. sonolento. Você tentou andar. Deus. Ele continuou: — Ao todo. mas os pontos tesos repuxaram sua carne. Mas você berrou por causa da ambulância. — Por quê. Ela tem de ter todos os raios de aparelhinhos que vê anunciados. Casinha imunda. lutando agora contra o efeito do sedativo. Engraçado. Um calor suave inundou a carne fria de Johnny. pare de querer se sentar. — Está vendo. — Depois que a Sra. mas que trabalho ele fez! Vai fazer parte do pessoal desse hospital. não estavam em casa. Ele tentou sorrir. Agora. você esteve consciente e inconsciente por umas duas horas. pedaço por pedaço. tornando-se uma só. não sei. Ou melhor ainda. O Dr. Comporte-se. fazendo-o deitar. e havia força naquele braço curto que o empurrou. McManus pareceu muito displicente. olhe aqui. mas os garotos iriam morrer de aflição. Seus olhos duros estavam vermelhos de tanto chorar. As cabeças flutuantes e duplas estavam-se juntando de novo. e pôr lá os melhores médicos. McManus. ele me quer lá. O doutor me disse que Jean já acordou e… — Tenho de ir já para junto dele — disse Johnny. Eles fugiram. se bem que vá ficar com uma cicatriz no lado da cabeça. A Sra. Não pode se lembrar. — A voz esganiçada ficou selvagem. Nada de muito grave. fazendo baderna. E você disse que não era para chamar a polícia. do contrário eu mesmo o derrubo. Então os camaradas o carregaram cá para cima. Não basta para a mulher. vou construir um hospital. — A coisa de sempre. Fez uma careta. essas concussões. . calmamente. McManus. e móveis velhos e sujos. É um garoto inteligente. Bom para esta terra. O pai ganha mais de cem dólares por semana. Burnsdale tinha colocado uma jarra de água e gelo ao lado da cama. no momento. — Talvez que acabe aprendendo como são as pessoas. então vai trabalhar numa fábrica e deixa esse garoto dos diabos solto na rua. Ele compreendeu. fez um escarcéu danado. Sol Klein está com ele. senão o pomos numa camisa-de-força e o levamos para o hospital mesmo. — O Dr. Em outras circunstâncias. McManus pigarreou. Os dois trabalham numa fábrica. — Um sorriso débil tocou a boca trêmula do garoto. Lon? O garoto abriu os olhos. Foi o que o senhor disse… de repente… não consegui. já estou no último ano. acastanhada e avermelhada. parei uma artéria. — A voz do menino falseou. E deixou que eu ajudasse a trazer o senhor para cá e eu ajudei a despir o senhor. Estava uma bola dura. — E você não fugiu com os outros. mata. — O garoto — pediu. os cabelos grisalhos parecendo sapê. O garoto levantou a cabeça e olhou para ele. Na primeira terça parte da turma. Lon? Um tom de orgulho apareceu na voz rouca do garoto. — Ele soluçou. os olhos fixos na mão de Johnny. O senhor… caiu. — O senhor sangrou muito. McManus virou a cabeça grande e desgrenhada. o senhor estava sangrando. Os garotinhos gritaram. Parecia que estava bem. ali. Remexeu no bolso e puxou o lenço. e começaram a correr em círculos. por entre a névoa confortadora do sedativo: — Como se chama. Eu tinha um lenço limpo e o meti onde… aprendemos isso nos primeiros socorros. — Disse que não tinha importância. — Venha aqui. ali. Mas não temos dinheiro. o senhor respondeu que estava bem. a voz rouca: — Eu… meu nome é Lon Harding. — O senhor bem que tentou lutar com o pessoal da ambulância. foi o que eu disse. esgueirou-se até a cama. com brandura. senhor. Quase só tiro 10. o senhor ficou ali deitado. — Não. uma ou duas vezes. Ele engoliu em seco. O garoto magro e encolhido. Uma diferença de um centímetro. Sr. Kennedy olhou para ele calado e sério. Bem. as faces cavadas cheias de lágrimas. É. Não podia. Quero ser engenheiro… mecânico. O Dr. Eu disse que sentia muito. na escola. convulsivamente. enrolado. — E o tempo todo. Ficou ali. não fugi. A professora quer que eu vá para a universidade. e seria um assassinato. . você — resmungou. Fletcher. — O pastor quer olhar para o tipo de desgraçado que faz arruaças e quase o mata. ficou empurrando todos eles. — Tenho 16 anos — sussurrou. ou coisa assim. Aí… essa senhora aqui saiu da casa e eu disse a ela para ligar para o hospital. — Em que ano do ginásio está. e depois balbuciou. O Dr. Apertei com força mesmo. — E que idade tem? — A voz de Johnny abrandou-se mais ainda. Lon — Johnny levantou a mão com muito esforço e pegou o punho cerrado e sujo do garoto. também. fraco e frouxo na cama. filho? O menino tornou a engolir. Depois fechou os olhos. Eu… pus o meu casaco debaixo de sua cabeça. — Bom. Johnny disse. — Você é um garoto muito esperto. branco. dizendo que estava bem. Mas o doutor aqui disse que eu fiz bem. Pararam a guerra. esquecidas. para eles ganharem bons ordenados nas fábricas! — continuou o velho médico. E o pai estava dizendo ontem: “Trazer todos esses estrangeiros. brutalizadas. ele estava segurando uma mão. — E talvez sejam mesmo. flutuando embora. mesmo sabendo que eles não têm muita instrução. Se isso é inteligência. talvez sejam! Lon interrompeu. sabe. perplexas. . em seu sonho. para tirar nossos empregos. se ficasse. O supervisor tinha dito a eles para não se preocuparem com o dia da vitória na Europa. As crianças. doente mesmo. quando a gente estava ganhando bastante dinheiro. — Pelo amor de Cristo! — exclamou o Dr. — Por quê. O garoto corou. não tentou se afastar das mãos de Johnny. E ela e o pai continuaram falando que todo mundo ficou doente. Mas o cara escuta os pais. olhando para o Dr. que meneou a cabeça. — Por favor — pediu o garoto —. Sabia que ia se meter em encrencas. aflito: — É tudo confuso. desde que acabaram com a guerra. depois de nos dizerem que ela ia continuar durante anos e anos. Kennedy. Foi isso que a mãe disse. enojado. Ficou. para assustar as criancinhas e atacar um ministro inofensivo. Que eu possa ajudá-las. um garoto inteligente — disse o Dr. pensou Johnny. então todos os cães assim deviam estar na cadeia. — Então. esses patetas pensavam que as guerras são travadas para beneficiá-los. São sempre as crianças — traídas. você escolheu os primeiros pobres coitados que encontrou. Já está bem ruim. Em algum lugar na escuridão morna. McManus. Põem os americanos na rua e dão nossos empregos aos estrangeiros”. o tempo todo. com os japoneses. deixem-me ficar com ele. — Tão inteligente que planeja um tumulto e traz outros assassinos com ele. eles nunca tiveram muita instrução. — Bem. Lon? — perguntou. É o que querem fazer. A mão de Johnny apertou os dedos rígidos do garoto. Depois teve uma ideia e enrugou a cara. nos dias da vitória na Europa e no Japão. — Não — sussurrou o garoto. E a mãe disse: “Isso mesmo. e a gente ia ficar rico. — Como podia fugir? O senhor estava precisando de mim. e comprando todas as coisas que queremos. meus pais não estão muito… bem. para endireitar a sua confusão! — falou o Dr. O governo ia continuar a guerra por muito tempo. Mentiram pra gente”. assustadas. Ele apertou a mão e rezou: Que venham a mim. McManus. McManus. Mas Johnny o interrompeu: — Você não fugiu. com ódio. Mas não fugiu. — Claro. — Então. quando a gente bebia. As recordações voltavam. melancólico. basta de coquetéis. de perucas empoadas. de onde nunca mais voltariam. em voz alta. escutando os sinos. mulher dele. À sua esquerda abriam-se largas portas para um jardim cinzento. sombreadas pelos olmos e risos de criança e um pai que a gente amava e em quem confiava e flores num jardim verdejante e o amor de um irmão tão sério mas que a gente fazia sorrir e por vezes rir. não muitos. severa. por favor. A espineta continuava tilintando. Summerfield. bem aqui no seu jornal. dizia ela para si. E na sala em que ela estava havia o tilintar da espineta. Lorry via as árvores além do jardim. eu não os poderia escutar daqui. por que você parou com as aulas de balé? Ah. George. apagado e frio. Ela pediu ao mordomo: — Vamos. saias cheias e farfalhantes. Os sinos da tarde repicavam por cima dos montes mudos. Lorry. envoltas no vapor. Todos estão loucos por ele. Era uma delícia atravessar a fronteira. Lorry. só para continuar a viver? A névoa dourada estava zunindo cheia de abelhas. ainda não basta? — Não sei por que não podemos ir a Filadélfia na segunda-feira que vem — reclamou Esther Summerfield. Esther Summerfield olhou para ela com uma aversão delicada. — O Ballet Russo. meu bem. veja as fotos. não seja sovina. — Tenho de conversar com o chefe de polícia. Os sinos repicavam deliciosamente e Lorry sorriu. Pelo menos. Tanta graça.XIV — Aquele pastor está metido em encrencas de novo — disse o Sr. tanta arte. depois do quarto coquetel. Lorry. Como uma espineta. paz. macio. Além disso. Era quase possível suportar a vida. Estou tão só. casacos de brocado. metálicos. onde tudo era dourado. — Você sempre fala no Barry quando bebe demais. MacDonald. quando os outros desapareceram nas névoas do jardim. aspergindo a sala grande e espectral com um perfume de uma . Era quase possível suportar os pais. solenes. agudos. infinitamente harmoniosos. Lorry. Não queremos encrenqueiros aqui. você não precisa disso. formas difusas e vagamente luminosas. pensou Lorry. Talvez a gente consiga obrigá-lo a sair de Barryfield. satisfeita. Recordações de ruas tranquilas. Lorry Summerfield estendeu o copo para outro martini grande. sabe? — Ora. alegre. como é que pode saber? — perguntou Lorry. Estava sentada contra uma parede de um dourado pálido. Ela se deixou afundar mais na poltrona. Não precisa da azeitona nem da cebola. docemente. entusiasmo. a voz cuidadosamente controlada. Vultos de homens e mulheres estavam no vão da porta da sala. muito débil. Nessas ocasiões ela sempre tinha uma visão misteriosa. cumprimentando-se cerimoniosamente antes de entrarem naquele jardim nublado. chamando. Mas não há sinos em Barryfield. — Estou pensando no Barry — disse ela. suaves. — Quem lhe disse quanto eu preciso. frágil. Tinham um tom de Mozart. todo um significado vivido e incandescente. Nem sempre recordações feias. Ninguém me vê. não seria mais lembrada. cadeiras de ébano muito trabalhadas incrustadas de marfim. Â mãe dela tinha “adotado” uma decoração chinesa. — Quem se esqueceu de você? MacDonald. a despeito de sua artificialidade . Volte e olhe para mim. cortinados de cetim dourado em que tinham sido pintadas atormentadas árvores negras e tapetes amarelos em que folhas verdes e rosas cor de abricó se espalhavam num pesadelo mudo. Eu me pergunto por que voltamos. Está fitando a parede como uma idiota. à moda chinesa. podia acompanhá-lo lá para fora. Era tudo na base de armários de laca vermelha brilhante com dragões pretos se arrastando por eles. Mas seu rosto estava puxado. e pegar o braço dele e ele se viraria e olharia para mim com aqueles olhos azul-escuro e sorriria. meu amor. Esther Summerfield era uma mulher extremamente alta e angulosa e muito magra mas de certa beleza. O Sr. Se eu me levantasse. mesas de muitos lados igualmente torturadas.harmonia dolorosa. a não ser esse sofrimento profundo e eterno do coração. Ela murmurou: — Alguém aqui acredita na reencarnação? Eu acredito. A sala mais feia no mundo. Ah. como se não me conhecesse. A lareira monstruosa também era de laca vermelha e sobre o consolo da lareira havia grandes Budas de porcelana e um vaso cloisonné arroxeado cheio de crisântemos de um tom escuro de bronze. já lhe disse vezes e mais vezes que Lorry não pode tomar mais de dois ou três copos. Não beba mais. querida — suspirou a mãe. elegante. mexendo em seus ‘cortinados de “arte”. com ódio. — Eu só estava pensando que esta sala é a mais horrorosa que já vi — disse Lorry. A sala em que ela estava de repente surgiu diante de Lorry numa clareza terrível. os cabelos dourados mais vistosos. Nada. Lorry. Olhou para a moça e seu rosto mirrou e se entristeceu. Está ficando triste de novo. e ela. bebericando e sem tomar conhecimento do pai. Já se esqueceu? A espineta tilintava. cortinas de bambu nas janelas. pegaria nele. os cabelos dourados. pensou ela. é impossível. dizendo: “A gruta é tão linda. em seu íntimo. Viu o vulto elegante de um homem de peruca branca desaparecer na neblina além das portas. pensou Lorry. E então eles se iriam. Lorry duvidava que os chineses a reconhecessem. o que quer dizer? — perguntou Esther. — Realmente. Volte. para a noite. a névoa rodopiante e sufocante. Hoje não. lá junto do riacho. Summerfield estava ali de pé diante da filha. disse ela. todas as luzes brilhantes. impaciente. figurinha delicada. cômodas e pés de lâmpadas de laca preta. ágil. chorando no escuro envolvente. tornava sua pele alva luminosa. Usava os cabelos pretos e duros no alto da cabeça. Está com os olhos vidrados. Não. O cérebro com que eu poderia me lembrar disso hoje é lama e pó. Ela não suportava olhar para ele. anos antes. As violetas tão fragrantes”. Estava com um roupão persa que. amortecido. e não haveria mais nada no mundo senão aquela espineta triste. Mas seu sorriso seria frio e reservado e assombrado. prendendo-os com travessas de tartaruga. Olhe só para ela. Seu vestido cinzento diáfano acentuava seu corpo bem-feito. tristemente. — Você já disse isso mil vezes. exclamou ela. O débil rumor da espineta morreu. na névoa. vazio. ofuscantes. Ficaria ali. — Lorry. A mulher ao lado dele. querida. todas as cores nítidas. Deus. — Horrorosa — repetiu Lorry. Muito ferido. sacudindo a cabeça. — E torno a dizer que sinto muito. meteu-se em encrencas de novo. — Não importa. dilatados. eu estava falando com você sobre aquele pregador que trouxe aquelas crianças para esta cidade… o ministro do McManus. ontem. significativamente. Outras pessoas a acham fascinante. os estreitos olhos pretos e a boca fina. agora. Barry. com brandura. As letrinhas pretas saltaram na página. Voc… está atrapalhando a minha vista. — Vá-se embora. Summerfield. Mas agora lá estava ela de novo.absurda. como uma chama. Mais um drinque. pois houvera um intervalo de quatro semanas. depois da última vez. pensou Lorry. por que mandou o Barry embora. em algum lugar da Normandia? Pai. combinava com seu rosto triangular. pior do que nunca. O copo de cristal caiu de sua mão e o conteúdo se derramou em seu vestido. Barry. Sempre que bebe. Um garoto qualquer jogou uma pedra nele. — Johnny Fletcher? — A consciência plena voltara aos seus olhos. Ela se debruçou sobre elas. Lorry leu a coluna curta e depois jogou o jornal para longe. Summerfield. Sua boca estava se mexendo. Lorry? Imagino que não seja muito importante. Um de nossos repórteres pegou a matéria do fichário da polícia. Está lembrada? Ele não quis lhe dar uma história. os olhos vidrados. como me mandou embora? Esther sacudiu a cabeça. tão parecido com o pai e a irmã e no entanto não era nada como eles. A voz dela engrossou. O que anda ele fazendo. para que as pessoas ataquem primeiro uma das crianças e depois ele? Isso agora não vale uma reportagem? Lorry empertigou-se. — O quê? — exclamou ela. languidamente. num gesto lento de desespero. meio amarelado. lhe faz essas perguntas tolas. Olhou para o pai mas os olhos ficaram muito grandes. Deu a ela o jornal da tarde. De jeito nenhum. A filha olhou para ele. Pois bem. de repente. . — Ele está ferido. Estou pensando no Barry. pensou ela. Lembra-se quando recebemos aquele telegrama dizendo que ele estava gravemente ferido. Está ouvindo. — Ela acrescentou: — Por que temos de ter um toque de pratos anunciando o jantar? Ainda não quero jantar. Mac. que teria morrido — o Barry querido. O pai estava com esperanças de que Lorry tivesse parado com suas bebedeiras periódicas. — Lorry — chamou o Sr. — Quero mais um drinque. — O que fizeram agora? O pai ficou muito aliviado. — Você sabe que não devia deixar que ela bebesse. Ele insistiu: — Lorry. Concussão cerebral! Está ouvindo? Ferido! — O que isso lhe interessa? — perguntou o Sr. Ela até estava com um leque chinês pintado e suas mãos compridas e macilentas o moviam. Lorry? Ela olhou para ele. sabe. você sabe tão bem quanto eu que os jornais são importantes para mim. por que você sempre diz isso? Nunca me responde. Londres ou Paris. — Será porque não poderia ser tão poderoso em outro lugar? Há muitos outros milionários em Nova York. — Barry não se parece com você. Antes ele era meu filho. conte. Lorry. Para nós. — Por quê? — perguntou ela. —· O que descobriram. mexendo-se na poltrona. Summerfield debruçou-se sobre a filha e pousou as mãos nos braços da poltrona dela. Contar a verdade ao povo. — Querida. — Você se parece demais conosco — murmurou ela. para você? — perguntou ela. Mas o Barry quase nunca vem aqui. Lorry. de um modo feio. via todas as linhas de seu rosto liso. Para você. é — murmurou Lorry. amo vocês dois. Ficamos para… observar… tudo em Barryfield. Ele repetiu: — Lorry? O que descobriram sobre mim? — Por que é que nada basta. — Lorry. onde você não apareceria? Ele corou. . Antes você era minha filha. com desprezo. Nós descobrimos sobre você. — A verdade. irrequieta. — Por que mora nesta cidade? Os seus jornais? Só para escrever os editoriais? Poderia escrevê-los perfeitamente em Nova York. Como vai indo a compra da Gazette de Nova York? Ele se endireitou. as íris dos olhos. conte. onde você desapareceria? Há muitos outros cavalheiros educados na Europa. Entende isso. hoje em dia. Por que continua aqui? — A boca da moça se enroscou. Mesmo na sua bebedeira. As narinas dela se dilataram. — Ah. Temos uma missão. — Você e Barry… são tudo o que tenho. Lorry. a mente de Lorry lhe mandou um aviso. Você sempre tem essa ideia quando bebe demais. Você sabe disso. meu bem? — perguntou. através da nitidez aguda do álcool. Ela disse: — O que é que interessa? — Interessa muito a mim — respondeu o pai. não é? Lorry. em voz tão baixa que a mulher não ouviu. Os braços do Sr. calada. — Desta vez vou responder. — Eu a amo. Você hoje me detesta. Aquilo não bastou para o pai. eu nunca mandei você e o Barry embora. mas eu sim. Não sabia disso. o nariz estreito e cinzelado. O Sr. por exemplo. Summerfield endureceram mas ele continuou debruçado sobre Lorry. É. — Lorry. E eu a decepcionei. Então… você detesta Barryfield. Acrescentou. — Por que não publica os meus artigos? Escrevi 10 deles. ela continuou: — Você está sempre atacando o capitalismo. como disse. e vai ser fatal para centenas de pessoas. A situação das favelas. compreendo a sua ambição. como um anacronismo remendado. Você é muito parecida comigo. educado. Mas a cidade fica num vale. Não. sabe? A voz de Lorry estava carregada de desdém. E é por isso que está bebendo… Lorry não respondeu. Você ataca o assunto com cacetes em ambas as mãos. Você sabe disso. Detestam o liberalismo. — Deixe a Gazette para lá. Ou não quer ofender os seus amigos? — Os olhos dela provocavam o pai. Obrigou-se a se levantar. cá em cima dos morros. por favor. — Não se pode mudar as coisas de um dia para outro — ponderou ele. são um pouco forte demais. — Recebi um telegrama esta tarde. falta de moradias públicas. Lembra-se? Você mandou fazer uma pesquisa. Pensava que poderia levar. Mas você é diferente. meu Deus. ou seja lá como se chama. não posso culpá-la. O pai estendeu a mão e a tocou de leve na face. uma política liberal àquele jornal. sem jeito. — Não gosto da Gazette. Estão perdendo a circulação. casas apinhadas e obsoletas. — Para nós. cá está o capitalismo envenenando o ar. —· Ah. detesta os jornais. mentalmente. Digamos que você os reveja e modere um pouco? Então… Ela riu-se dele. de um modo simpático. Um dia desses vai haver uma corrente de ar descendente. Em Nova York há tantos jornais liberais quanto a população pode absorver. de modo que estão se agarrando. — Lorry tem razão — disse Esther. Vamos para a sala de jantar. Ganância. está exposto há tempo demais às opiniões tacanhas da mãe e do padrasto. — Por que não publica os meus artigos sobre a poluição do ar devido às fábricas nesta maldita cidade? — perguntou Lorry. farei tudo para conseguir esse jornal para você. — Apertou os lábios. No entanto. — Bem. — É um processo demorado. MacDonald. Salários baixos. quando diz que você e Barry descobriram a respeito de mim. Policiamento fraco. bem aqui em Barryfield. Compreendo o Barry. Não há locais de recreação para a juventude… como detesto essa frase! O sistema. Lorry — ele procurou sorrir —. desanimado: — Então. — Quando o pai não respondeu. Berço do crime. Lorry ficou assustada. tocaram os pratos de novo. E essa . As pessoas aqui são abaixo do par. e ele fez uma careta diante do latido que era o riso especial dela. você estava com esperanças na Gazette de Nova York. está tudo muito bem. e sua cor desapareceu. é isso que quer dizer. A sociedade. Ela se controlou para não recuar. não estava? Pensou que poderia ser redatora dela. De certo modo. Que vá para o diabo. — Não notei que os seus artigos sobre a delinquência juvenil fossem moderados. Vou falar com o Swensen. meu bem. foi para a garagem e pegou o carro dela. e desligou. — Adeus — disse Lorry. Ela não é de confiança. O que não é muita coisa. — Não quero jantar — respondeu Lorry. Ela foi logo para a secretária. foi por um triz que não o mataram. tem febre alta. Está se esforçando. Ligou para a residência do Dr. Foi lá e também chorou. mentiras. e ele recuou. quer ir para junto do garoto no hospital. Uns palermas. você tem um jornal e repórteres. Ele não está ferido tão gravemente assim. pedindo. Não entende o que queremos. fica martelando nas mentiras.pesquisa descobriu… porque os homens que a realizaram são honestos — que a maioria de nossos jovens criminosos não vêm das classes trabalhadoras. — Lorry — insistiu o Sr. por algum criminoso juvenil? Fez-se um breve silêncio e depois o médico disse. e estamos escondendo as más notícias do Johnny. Vêm das famílias com uma renda que começa com quatro mil dólares por ano e sobem bem. O chefe do bando só falta estar morando naquele raio de casa de paróquia. Tirou o vestido e vestiu um costume escuro e uma capa de peles. o vestido cinzento vaporoso esvoaçando em volta dela. — Tio Al. descendo a estrada . — Vou para o meu quarto. em tom estridente: — Bom. — Então. montes de sebo. — Já lhe disse hoje de manhã que o garoto está indo tão bem quanto se pode esperar. ele já está sentado na cama. Acredita que um jornal deve contar a verdade. — O Johnny não quer processá-lo. depois de fechar a porta. Está se recuperando. Mas podiam tê-lo matado. com cores formais e cristal. Coisa esquisita. Mas Lorry de repente lançou toda a força eletrizante de seus olhos desdenhosos sobre o pai. Então. aborrecida. Ela saiu da sala depressa. raios! Mas espere aí. Fica lá sentado chorando. Estamos preocupados. Diga que me deixem um sanduíche. e pegou o telefone. Não suporto isso. com sua decoração feia e apinhada de móveis chineses e subiu correndo a escura escadaria de carvalho. o resultado da pesquisa não foi de seu agrado e você a suprimiu. — E o garoto culpado? — perguntou ela e começou a tremer. mentiras. No entanto. Concussão. — Não podemos continuar essa conversa ao jantar? — perguntou Esther. Os aposentos dela tinham sido mobiliados por ela e eram frescos e tradicionais. Pobre menina. Todo mundo chora! Coisa mais incrível que já se viu! A casa paroquial está inundada. Choramingas. o que há? — perguntou ele. Entrou no hall de azulejos. abruptamente. Como é ingênua. Por que não me contou que o Johnny tinha sido gravemente ferido ontem. Desceu a escada correndo. irritado. Mas a mãe é melhor do que o pai. Devia ver os pais dele. Summerfield. não tem? Pensei que ia logo saber disso. Ora. não estou ligando para saber do Jean. ou coisa assim. Saiu dirigindo furiosamente. Ele olhou bem para ela e pensou: Swensen tinha razão. Mas não houve modificação alguma. Contamos umas mentiras ao Jean e ele está tão mal que não consegue pensar muito nelas. sem fazer barulho. Hoje levou fumo e flores para o Johnny. a não ser quando ele delira. olhando para Johnny. McManus. de cerca de 7 cm de diâmetro. — O Sr. Summerfield — informou o gerente. Encontrou uma caixa oval. Barryfield tinha uma rua elegante. Mas quem havia de comprar uma coisa dessas. mais de 40°. com um humor negro. com ironia. que a atravessava suavemente. como uma carne pulsante. Mas está sempre voltando a si e perguntando pela mãe. Klein esteve aqui há pouco. caía das mãos perfeitas. ou Filadélfia. A única no gênero. não? Muito bem-feita. Srta. hesitando. — Uma autêntica peça do renascimento — informou o gerente. examinando tudo. com algumas lojas que abriam de noite. Ele a levantou para a luz. Mas estava fascinada com a caixa. — Nenhuma melhora? — perguntou Lorry. O gerente estava todo sorridente. o hospital estava em silêncio. Para que haveria de estar comprando aquilo? — Embrulhe — ordenou ela. Foi levada logo para o quarto de Jean. nesta cidade? Eu já estava pensando em mandá-la de volta para a minha loja em Nova York. Srta. com o Dr. está um pouco pior. Flores frescas. talvez? — Tenho certeza de que ele vai adorar — respondeu Lorry. Ela levou os tesouros para o carro e foi para o hospital. — São 250 dólares. Summerfield. Lorry parou o carro defronte de uma loja muito requintada. Embora ainda nem fossem 21h00. pegando a imagem. O dono olhou para a moça. Ela a abriu e de dentro emanou-se uma fragrância rica e vaga. que tinha uns 30 cm de altura. — Embrulhe — disse Lorry. A enfermeira sussurrou: — Coitado do menino. Ainda se sente o perfume. dourada.sinuosa. e uma enfermeira mocinha estava a postos. Vai voltar à meia-noite. o gerente atrás dela. Está com uma febre horrível. Corria pelas mesas. — Isso? — perguntou ela. Era de 500. para abotoaduras ou jóias pessoais. que vendia “presentes fora do comum”. O rosário. Recomeçou a perambular. de vidro transparente azul e dourado. colar comprido e pálido. Lorry sorriu. enchiam o quarto. — Aliás. McManus. — São 200 dólares. que ela havia mandado naquele dia. A caixa tinha um desenho complicado de rostos nobres e pombos. Entrou lá correndo e logo deixou o gerente e os dois vendedores num redemoinho de agitação. O Dr. mas nenhum quarto estava tão silencioso quanto aquele. Ele hoje tomou . com curiosidade. como de atar de rosas. para perfumes concentrados. Summerfield vai adorar isso! Aniversário dele. — Coisa linda. por último. — Provavelmente foi usada. apontando para uma imagem de Madonna italiana. Sugiro este presente para um cavalheiro. com uma voz abafada. O rosto jovem e sereno adquiriu vida. — Não — respondeu a enfermeira. com respeito. num brilho terno. Lorry olhou para a aparelhagem que mantinha a perna dele. maravilhada. com uma severidade terna. tão pouco infantil. há umas duas horas. — Para o papai. tão pálido. tão abatido. — Jean tem de ficar bom logo — falou Lorry. O menino murmurou. tão mirrado. num gesso pesado. Lorry pensou no pai. Está-me ouvindo. A . com força. Estão se preparando para tornar a fazê-lo. — Maman? — murmurou. A enfermeira ficou ofendida. por trás do qual flutuavam sonhos agonizantes. Estava de olhos fechados. um rosto branco e lindo. meu bem? Os olhos dele ficaram fixos sobre ela. felizes. — Maman — disse ele. — Ah! — exclamou. sonolento. Sob o perfume de Lorry ela sentia o cheiro acre do álcool. tão severo. com carinho. — Está… ora. com habilidade. McManus ligou para um hospital de Nova York. falou. Ela o beijou de novo. Ela olhou para o rostinho distante. Ela flutuou para a consciência dele. com uma onda de ódio parecendo uma explosão em seu coração. — Maman? — É. Ele só viu Lorry e sua expressão aturdida passou a ser de um reconhecimento feliz. pensou. a luz fazendo um halo de seus cabelos dourados. mas o Dr. Mordeu o interior do lábio e sentiu um nó na garganta. está muito mais forte! Mas Lorry estava sorrindo para Jean e ele sorria para ela. como um vidro pálido e turvo. — Jean? Ela nunca tinha visto nenhuma das crianças. — Estou ouvindo — murmurou. Ele não conseguia afastar os olhos de cima dela. esquecendo-se dela. — Papai está precisando dele. murmurando no ouvido dele. Olhou para o aparelho no braço. Estavam no fundo do rosto. As pessoas não se ofendiam com um Summerfield. A dor em seu peito ficou mais forte. a respiração pesada e intermitente. debruçou-se sobre o menino. Ele mexeu a mão livre e ela a apertou com força. encostou a boca na face dele e tornou a sussurrar. Então. ele suspirou profundamente e adormeceu. — Jean? — cochichou ela. e olhou para o relógio. Tentou sorrir e em seu rosto apareceu um vestígio de cor. Pegou o pulso de Jean. Olhou para Jean. Debruçou-se mais sobre Jean. Olhou para Lorry com uma curiosidade imensa. Murmurava sem parar. tão cheio de uma sabedoria triste. Lorry foi até a cama. A enfermeira se aproximou depressa. querido — respondeu ela. pedindo uma nova medicação que faz maravilhas. McManus lhe contara toda a história. A enfermeira voltou para sua cadeira junto da janela. mais urgente. solene. inteiramente imóvel. agitou-se. alisando os cabelos pretos. de repente. à sombra fraca da lâmpada. O inimigo nunca se satisfaz.500 mil unidades de penicilina e o Dr. — O papai me mandou. os sonhos se tornaram calmos e suaves. a cabeça virada para a moça. e depois abriu os olhos. depois refez-se. Lorry. Fizeram isso com ele. debilmente. amanhã. de novo. não o demonstrou. olhos escuros e ligeiros. Agora estava todo assombrado. obediente. numa voz baixa e dura: — Não seja tão materialista! Diga o que lhe disse. — Quando ele acordar. Ele muitas vezes se perguntava o que teria transformado Lorry de uma garota alegre e entusiasmada numa amarga. Já não estava tão quente. aquela ternura estranha de parte de uma mulher que ele sabia ser displicente e de coração duro. Ele foi com ela para o corredor. — Achei que ele podia gostar disso — continuou Lorry. Lorry desembrulhou a Madonna e a colocou na mesinha-de-cabeceira. Ela o beijou de novo. encostando a face na testa dele. — Olá. — Mas ele não tem mãe.mãozinha fria se aqueceu na dela e descontraiu-se. Mas nada disso o impressionara tanto quanto essa visita tarde da noite. Eles se conheciam desde a infância. Mal pudera acreditar. ou coisa assim — disse Lorry. aliviada. pegando a bolsa e a capa. Viu a imagem brilhando e a examinou atentamente. Ele não gostava nada dos Summerfield. O Dr. As sobrancelhas pretas e grossas se contraíram. Se estava espantado. — Contemplou a moça por algum tempo. Lorry. Falou. Lorry fitou-a com antipatia. O jovem médico era todo roupas brancas. Kennedy — disse. que piscou os olhos. Alguém estava entrando no quarto e a enfermeira virou-se. com respeito. sem jeito. Ela brilhava como uma jóia à luz fraca. Ele vai compreender. . perigosa e desiludida. as enfermeiras e as flores. Olhou para Lorry com um misto de respeito e perplexidade. Mas já cedeu. Pensei que devia vir. Um leve suor se espalhava nela. Srta. e acrescentou. Kennedy ficou calado. Kennedy. Kennedy tocou nos pezinhos que pareciam jóias. E depois. — Pedi à enfermeira para lhe dizer que a mãe dele… a tinha trazido. Está com alguma infecção grave. — Bom — respondeu o Dr. McManus lhe contara. como é que você sabe que não foi ela que me mandou aqui hoje? A moça ficou confusa. creio. Tomou o pulso do menino e tocou de leve na testa dele. Sabia que era quem estava pagando pelo quarto. sério: — Há uma hora. — Vim ver esse pobrezinho. e corou. Falou. Ouvi dizer que não estava indo muito bem. O Dr. o presente da imagem. eu estava preocupado. — Pode mandar benzê-la. Tim — cumprimentou Lorry. — Sim. diga que a mãe dele lhe trouxe isso — disse ela para a enfermeira. — Acho que você fez alguma coisa pelo garoto. Viu o leve rosado novo. — Obrigada. detestava os jornais deles. — O Dr. Dava-lhe pouca possibilidade de sobreviver. Tim — respondeu Lorry. quando o Dr. uma réplica feminina do pai. sem olhar para Lorry: — Como é que você sabe que não está benta? Claro que foi a mãe dele que a trouxe. Summerfield — respondeu. — Ele está muito melhor — falou. McGee. Estavam sentados pela sala. tomando cuidado com a calçada escorregadia e mais cuidado ainda com a escada íngreme da varandinha. Em muitas noites. Summerfield — acrescentou. ia meter o primeiro artigo na segunda página do Press e o pai que se danasse. Disse consigo. . ela os introduziria habilmente de vez em quando. Sou a Sra. o ar ficava muito difícil de ser respirado. severa para um homenzinho de cara vermelha. Lorry saltou do carro. mas as ruas de Barryfield estavam fétidas e poluídas com os gases e lixo industriais e o próprio bafo da cidade limitada e apinhada. como se houvesse alguma peste espalhada. a respeito do engano. diga a eles que demitiu o autor. nervoso ou apaziguante. O ar nas montanhas estava clarificado como o conhaque. Ela parou o carro abruptamente na frente da casa paroquial de Johnny Fletcher. em atitudes de infelicidade e solenidade. consequência do que bebera naquela noite. Ele a viu andando pelo corredor. a cabeça dourada erguida e dura. quando a névoa subia do solo úmido e se misturava com os gases. Deu uma risada. Ele explicasse aos amigos. já estarei em casa e tomo mais uns drinques. Abriu a porta da casa e foi acolhida pelo olhar espantado de uma porção de homens e mulheres arrumados. Ele que repreendesse a filha. e no andar de cima havia uma luz brilhando através de uma janela redonda. Não assinei o artigo”. Quanto aos outros artigos. Quando Lorry entrou. Algumas das lâmpadas horrorosas na sala ainda estavam acesas. Estávamos falando sobre o Sr. Pobrezinhas. sombriamente. Perguntou em voz alta e rápida: — Aconteceu alguma coisa? Como está o Sr. Essa noite era uma dessas. dirigindo pelas ruas úmidas. Burnsdale está nos fazendo um café. especialmente no outono e primavera. Ela o fitaria e diria: “Bom. Mas a essa altura pensou ela. poderosa e direta. Fletcher… e as crianças. Summerfield. O cérebro ainda estava muito esperto e ativo. disse consigo severa. pensou Lorry. Dê o seu lugar à Srta. Fletcher? Por que estariam ali reunidos. Ainda se sentia leve. E é assim mesmo. As calçadas reluziam vagamente: os lampiões de rua estavam envoltos em espirais fantasmagóricas e rodopiantes. Seu desânimo passara: era sempre assim — dentro de uma hora o desânimo voltaria. A Sra. Lorry ficou alarmada. inundando-a e envenenando-a. Ela se lembrou dos artigos que tinha escrito sobre tudo isso. a não ser por um desastre. modestos e surrados. as noites estavam muito frias. essas criaturas fatigadas e sem personalidade? Uma mulherzinha forte falou: — Não aconteceu nada. com muitos cachos brancos. mais violento e desesperado do que nunca. Espessava a neblina em que estava envolvido. baixinho: — Macacos me mordam… Embora os dias ainda estivessem quentes. e ficou olhando para a casa. reconhecendo-a pelas fotos e de a terem visto rapidamente na rua. Ferroava os pulmões e ardia nas narinas e enjoava os estômagos. Lorry Summerfield tossiu e praguejou. No dia seguinte. como um vulto de luz. eles tiveram um sobressalto. Srta. Eram apenas… pessoas. Summerfield. . Conhece esta cidade: nasceu aqui. Mas sempre há alguns em toda parte. para patrulhar as ruas para que os ministros ou as crianças não fossem mais atacados. em qualquer cidade grande ou pequena. McGee se empertigou e a encarou diretamente. com esses sujeitos. envergonhados. Depois voltou o poder imenso de seus olhos para cima dos paroquianos. e fez uma pausa. Um bom artigo de destaque que seria reproduzido pela imprensa nacional. Nós… — O senhor realiza assembleias de propaganda para o seu pessoal e aponta os que devem ser expulsos desta maldita cidade. E talvez pudéssemos chamar a Guarda Nacional. O Sr. No entanto. Jogou as luvas sobre ela. — Ora. alguns eram responsáveis pelos sofrimentos de Johnny. eram esses os paroquianos de Johnny. examinando as fisionomias mais atentamente. ficavam calados. Mas mentiam aos filhos com toda a sinceridade. Já preveni os meus homens sobre eles e eles detestam os comunistas. Alguns tinham corrompido as cabeças dos filhos. — Ele olhou bem para ela. pensou. ao olhar para a moça. devagar. não interessa. Claro que temos uns comunistas. O rosto do Sr. Nunca se sabe. Ela tirou a capa e a jogou com displicência sobre uma cadeira vaga. Talvez a gente não seja melhor do que os outros aqui de Barryfield e todo esse negócio do ministro e as crianças é terrível. incitados por cutucadas das mulheres e olhares dominadores. McGee estava ficando empolgado. Srta. Então. Apontou um dedo rombudo para ela. e vou lhe dizer que não gostamos e vocês estão perdendo a circulação e os mineiros só os usam para embrulhar as marmitas. só para olhar para as casas e a gente que mora aqui. como eu. Eu… sou presidente do sindicato de mineiros. eu acho. nem suas vidas ameaçadas. encabulados. e se tornaria editorial em todo o país. a senhorita sabe que está exagerando. Tem muita coisa disso no Press. Bem. — Srta. enquanto os outros. ou as crianças cujas gargantas devem ser cortadas. Não pareciam especialmente malvados ou cruéis ou burros. Um por um os homens curvos se levantaram. — Obrigada. só para olharem para Barryfield. Summerfield. — Posso lhe dizer uma coisa. ou os homens que devem ser apedrejados? Realiza as suas reuniões no melhor estilo comunista. como os pais tinham mentido a eles. O Sr. Lorry apertou os lábios para conter um sorriso quase irresistível. McGee ficou vermelho. Eu mesmo já estudei o comunismo. ou como um anexo ao zoológico. — Gostaria de mostrar à grande Comunidade da Pensilvânia que tem uma cidade que pertence à Idade Média ou às selvas. os seus jornais têm má reputação entre a gente honesta. inspirando ataques como aquele ao meninozinho Max e ao próprio ministro. — Alguns que querem acreditar em coisas como as do Press. — Ele parou e seus olhos estavam brilhantes e duros. Talvez as outras cidades pudessem mandar ônibus para cá. isso não seria justo. — Não — respondeu Lorry. contando os que devem ser liquidados? Já ouvi muita coisa sobre esses sindicatos. Summerfield. — Eu gostaria de escrever um artigo sobre isso — disse ela. que são assassinos natos. — Ela olhou para o grupo desajeitado com certa curiosidade. Srta. Summerfield tem muitos amigos que são donos desses malditos negócios. em coro. — Isso mesmo — disseram os outros. Conheço os homens: fui um deles e o meu pai também. Uma terça parte dos homens trabalha nas minas. Os olhos dela começaram a brilhar vivamente. cada vez mais satisfeita. os proprietários independentes não querem a greve. Claro. No entanto. a senhora entra nesta sala e nos chama de zoológico ou coisa que o valha. — Olhe. Summerfield. McGee — falou a mulher. —·Temos uma cidade suja. Por que não lê um pouco sobre a indústria de mineração? — Ora. e nem os proprietários. Srta. Já vi os livros dos proprietários e mal estão cobrindo as despesas. O que o mineiro ganha não basta para o trabalho dele. e contra os patrões. se temos gente como esses que machucaram o Sr. Summerfield. qualquer sindicato. — O Press escreve sobre isso? O Press exige que as fábricas e usinas tenham controle de fumaça? Ah. Não podemos nos dar a esse luxo. E então. Pense no que uma greve significaria para eles e os proprietários e todo mundo. Eu já fui mineiro. Que ajuda nos dão os jornais? Quase nenhuma. o tipo de gente que provoca encrencas e põe os trabalhadores uns contra os outros. Summerfield? Não esteve. senhora? Liberal pata encrencas? Você não podia estar mais certo. Já esteve numa mina. ou outra besteira igual. provocando as pessoas e fazendo com que se detestem. e dando folhetos citando o Press. Expulsamos os comunistas de um sindicato e alguns dos jornais escrevem sobre “intolerância” ou “culpa por associação”. Srta. queremos afastar os comunistas. Srta. temos sindicatos e bons. E ele se diz um liberal! Liberal para o quê. meneando as cabeças. amigo. Summerfield. recriminando-o. não! O Sr. — Todos nós. é por causa de gente como vocês dos jornais. há pouco tempo veio o Press dizendo aos mineiros que estão sendo explorados. E de repente aparecem estranhos nesta cidade. McGee continuava apontando para a moça. Uma onda agradável de felicidade invadiu Lorry. Mantêm as minas abertas para os homens terem empregos. a voz tensa de emoção. Que ajuda temos de parte do Press? Olhe. presidentes de sindicatos. O Sr. Os outros que estavam escutando atentos se endireitaram em suas cadeiras e menearam as cabeças severamente. McGee. Continue a pensar e a falar assim. McGee e todos os milhões de trabalhadores honestos . temos problemas em Barryfield. mesmo que ganhasse 100 dólares por dia. não. o ar não presta para se respirar — continuou o Sr. Trabalhei nas minas aqui durante mais de 30 anos. Ele não fez caso dela. Mas queria dizer e não há melhor momento do que o presente. Ninguém quer a greve. depois de terem causado todo tipo de problemas aqui com seus jornais. não mais intimidados diante daquela bela Srta. a raiva fazendo sua testa suada ficar de um tom vermelho arroxeado. Fletcher e o garotinho. pensou Lorry. eu não quero que eles façam greve. Os mineiros não querem fazer greve. falando com os homens quando eles saem das minas. — Não gosto de dizer essas coisas a uma… senhora. brandindo o dedo. não seria suficiente para trabalhar nas minas. uns para os outros. alegre. excitada: — O senhor disse umas verdades a ela. A confusão que invariavelmente se seguia ao excesso de bebida turvou-lhe a mente. pode ler o Press depois de amanhã. — Acho que o senhor tem alguma razão. Mas você. Sentiu uma dor persistente no estômago. o crânio estava doendo muito. Por que fora ao hospital? Por que estava ali? Ela sempre fazia as coisas mais irresponsáveis depois de beber demais. Franziu a testa. roxo. McGee — respondeu Lorry. Johnny… Foi Johnny quem viu Lorry primeiro e seus olhos sombreados se fixaram nela. McGee sentou-se devagar e contemplou o chão. O padre e o rabino se viraram e também ficaram espantados. Mas sem dúvida se Fletcher soubesse que o álcool é que a levara a esse sentimentalismo. Não posso precisar. escutando os dois homens perto dele. Mas não é o que pensamos. com a qual a igreja concorda. in totum. amarelo e verde. . Sr. pensou. Sacudiu a cabeça para si mesma. O padre estava dizendo: — Bem. ela não se lembrava o quê a fizera sair naquela noite. Por falar nisso. tola! A porta do quarto principal estava aberta: uma luz rosada jorrava de lá. Mas estava sorrindo. Um abajur rosa horroroso era a única iluminação do quarto. Quando Lorry subiu a escada.por toda parte hão de derrotar o que o meu pai está tramando para vocês. — Foi um belo discurso. um dos lados uma massa horrível de machucados. sardônica. Ela meneou a cabeça para ele. Claro que fora Barry e esse ministro. instável e que não merecia confiança. há alguma coisa naquela moça… não sei o que é. Vá em frente. o rosto pálido e puxado. os tapetinhos esfarrapados. Os três estavam absortos numa conversa muito séria. um deles um padre enorme e outro um velho com um barrete e uma barba comprida. O rabino nos deu a versão original. Acho que vai gostar. ou mesmo se Barry soubesse. Sr. temos essas três interpretações do Salmo. McGee! E sentiu o cheiro de bebida nela? Puxa! O Sr. — Sabe — disse. disse consigo. Ela parou no vão da porta e ficou horrorizada com a miséria triste do quarto. E lá estava Johnny Fletcher meio sentado na cama de casal vergada. por fim —. — Estou atrapalhando? perguntou Lorry. e saiu da sala. Uma das mulheres falou. sua exultação de repente passou e a depressão que ela sempre temia a dominou. McManus lhe dissera que um ou outro dos garotos dormiam lá: ela viu o sofá-cama fechado. Ela fez menção de se virar para tornar a descer. O Dr. concatenou os pensamentos. como uma louca. A claridade brilhante do álcool agora estava recuando. Depois. eles a desprezariam como uma mulher tola. Começou a subir mais devagar. impaciente. como a luz do sol ondulante. Preciso beber alguma coisa. Uma tola não deve parar no meio do caminho. a testa envolta em ataduras. como boba. Várias doses. hebraica. Lorry ouvia o murmúrio de vozes masculinas. uma vez na vida. as paredes manchadas. espantados. de repente alertado pela modificação ligeira no rosto expressivo da moça. O Dr. Se está procurando outra história. Lorry continuou:— Ele estava dormindo muito bem… quando saí. Kennedy disse que estava melhorando bem. mas o rabino. não — respondeu Johnny. não vai arranjá-la. pensou ela. Summerfield. que tinha alguma fé na bondade do homem. calado. pousados no rosto da moça. Sua intelectualidade era abrandada pelo misticismo. Johnny ficou apenas desconfiado e perturbado com a presença dela. — Bom. Summerfield — respondeu inseguro. num gesto do Velho Mundo. O velho rabino sorria para ela. — Como… como está o Jean? Somente o padre. Era menos dado do que o padre a examinar as pessoas com certo cinismo e desconfiança. os três eram unânimes em sua convicção de que o pecado exige não só o arrependimento mas também a penitência. mãe de muitos filhos. Ele não se tornara mais querido de sua congregação escandalizada e assustada quando. devagar. — Foi bondade sua. Afundou nos travesseiros. e concordava com Johnny de que. esta é a Srta. ao qual pertence inteiramente toda uma multidão de homens. O padre olhou bem para Lorry e o velho rabino inclinou a cabeça. O padre a estava contemplando com uma antipatia franca. Johnny olhou para ela. por sonhos do passado antigo em que os homens inocentes andavam juntos num jardim verdejante e perdido e conversavam com Deus. Por que ela teria ido lá? O que era Jean para aquela moça dura? Mas estava aliviado e feliz. pois era um estudioso simples e brando. inexplicavelmente. numa névoa. o pulso estava quase normal. O Rabino Chortow sorriu suavemente para Lorry e. esperando. O ministro e o padre perceberam o cheiro de álcool quando a moça entrou no quarto. também havia o Corpo Místico de Lúcifer. bom — murmurou. — Eu sabia que ia dar tudo certo. Srta. percebeu a cuidadosa evasiva de suas palavras seguintes: — Quando o deixei… estava bem. Summerfield. Srta. só pensou em incenso e nas profetisas. mas não o pecador. Bem. . O Padre Krupszyk tinha outras opiniões. Johnny estava perplexo. o pecado era mau. —·Ah. Ande logo. pensou em Raquel. ao conhecimento do “Senhor nosso Deus” e à humildade da penitência. Rabino Chortow. para que pudessem ser levados de novo à luz e humanidade. — O Padre Krupszyk se endireitou na cadeira e então seus olhos estavam muito atentos. lhes pedira para rezarem pelos assassinos nazistas de seu povo. Sabia que o senhor não podia ir ao hospital. a despeito de todas as provas em contrário. paternalmente encantado com sua beleza extraordinária. Sr. Fletcher. durante a guerra. — Entre. Para o Rabino Chortow. mais realistas. Continuou: — Soube do que lhe aconteceu. Padre Krupszyk. se havia o Corpo Místico de Deus. Lorry parou de repente ao pé da cama. A febre tinha baixado. devagar. e então fui lá para ver por mim. ela era uma idiota. E sobre o Jean. A voz dele estava muito cansada. — Não vim procurar uma história — esclareceu ela. e com muito maior dedicação e devoção do que aqueles do outro lado da cerca espiritual. Os médicos são uns mentirosos tão convincentes! Johnny esperou: levantou-se nos travesseiros e sua expressão ficou tensa. E veio me contar que ele está melhorando bem. sinto que isso é verdade. O padre mais uma vez viu que o rosto de Lorry se modificava. Queria ir para junto dele. — Desculpe — respondeu logo. O impulso . em seu coração. pensando: Agradecer a você. literalmente o trouxe do reino dos mortos. e isso é um passo a mais para o restabelecimento dele. Não só fisicamente. Johnny Fletcher! Você salvou a vida de meu irmão. Sinto muito. por seu intermédio. e então lhe pareceu estar vendo Lorry pela primeira vez. — Eu… não lhe posso agradecer o suficiente. Sr. Mas como sabia… quero dizer. Pedi… pedi à enfermeira para dizer a ele que a mãe dele a tinha mandado. aflitos. Pensou consigo: Eu a julguei mal. mas eu lhe comprei uma imagem muito bonita da Virgem e a pus na mesinha-de-cabeceira dele. Pediu à enfermeira para dizer a Jean que a mãe lhe enviara a imagem? Sabe. é muito vulnerável. Summerfield. pois Johnny corou dolorosamente e seus olhos se dilataram. ou os impulsos ou virtudes da humanidade? Perdão. quanto ela continuou: — O Tio Al disse que o menino era católico. coitada da moça. Provavelmente foi mesmo. Ela disse a Johnny. Não sinta. Srta. mas como se pode ser tão estúpido? Ela se arrependeu logo. mas espiritualmente! A ternura misteriosa e humilde que ela já sentira por ele quase a dominou. Todos viram a mudança de sua expressão. Muitas vezes sou estúpido. — A compreensão será propriedade exclusiva do clero? Deus não move todos os corações humanos à compreensão… se eles pararem apenas um minuto para escutar? Ele indicara uma cadeira a Lorry. ajoelhar ao lado da cama e pegar a mão dele. Mas não compreendeu. Ele escutou atentamente. seria um insulto. Disse então: — Nunca lhe poderei agradecer o bastante por ter ido ver o Jean. Não vou lhe agradecer. Johnny ficou comovido e envergonhado. com um escárnio tranquilo: — Não está sendo um pouco egoísta? A compreensão… e talvez a caridade… serão propriedade exclusiva dos cristãos? Nós outros. mas ela ignorou o gesto. várias vezes. É a coisa mais bondosa que já ouvi. Fletcher. os agradecimentos não são muito apropriados. para aceitar minhas desculpas com uma tal reação. fora dos limites da humanidade. não temos decência. exclamou ela. Viu que os olhos dela estavam cheios de lágrimas e que sua boca tremia. Na verdade. — Tem razão em dizer isso. as mãos agarradas à coluna. Ficou ao pé da cama de Johnny. Johnny Fletcher. Espero que não se importe. apaixonadamente emotiva. Johnny virou a cabeça depressa no travesseiro. A voz dele estava meio trêmula. não é? — Não — murmurou ela. derretida. Não sinta!. como compreendeu? O Rabino Chortow falou. com muita brandura. Burnsdale entrou com uma bandeja de madeira com várias xícaras de café. Se estivessem a sós ela teria ido para junto dele. Para mim não tem importância. É mau para nós. Disse que tinha fechado todas as janelas. McGee disse que era daquilo exatamente que estavam precisando. Ela queria lhe contar do ódio pelo pai que estava dilacerando o tecido vital de seu espírito e o motivo do ódio. a voz de repente fraca: . — Sorriu abertamente. Passaram por ela vagos chiados e suas madeiras gastas gemeram um pouco. Queria contar-lhe o horror que era sua vida. — Sabe… no dia em que aconteceu… eu estava muito preocupado. Mas tinha coisas mais importantes na cabeça. Kennedy. Não estava ventando lá fora. chorando. O que aquela moça estava fazendo ali? Querendo arranjar uma história doida e tola? Ela olhou para Lorry com bastante antipatia. em luta com o ódio.foi quase forte demais para ela resistir. — Eu também estava com medo de que nos mandassem embora. Johnny perguntou: — Foi um tremor de terra? — Não — respondeu o padre. e falou: — Fico contente que não tenha vindo em busca de uma história sobre mim. especialmente crianças pequenas. — A fumaça e a neblina? Isso afeta certas pessoas demais. Já está na hora de dormir — acrescentou. mas de repente a casa estremeceu. Lorry virou-se logo para ela. Ela parou e piscou quando viu Lorry. São pessoas que não sabem se expressar. Dei-lhe outro comprimido. assim mesmo. Algumas das jazidas mais ricas estão aqui embaixo. Talvez eu tenha sido um pouco duro com eles. Depois largou as xícaras na mesa. comigo e as crianças. fazendo penitência. colocando sua face na mão dele. no hospital. se são fracas. para não deixar entrar a neblina. Dirigiu-se a Johnny: — Falei com o Dr. Meu sermão… pensei que estava tudo acabado. e o amor torturado pelo mesmo pai. especialmente nesta zona. Estamos… estamos ficando conhecidos demais. depois disso. — Não creio — disse o padre. Ele tornou a dar atenção a Lorry e pensou que alguma coisa estava perturbando a moça. Johnny sorriu e abriu os olhos. o enjôo diário de viver. e sua sensação de perdida. mas queria que as crianças lançassem raízes em algum lugar. — Uma parte de sua congregação está sentada embaixo. sem grandes sutilezas. A Sra. como você sabe. exausto. a despeito do xarope para a tosse. Mas agora me dizem que a minha congregação está refletindo. e só podem ficar sentadas. Isso acontece sempre. perceptivelmente. Não consegue dormir. Mas a Emilie está tossindo. Fletcher. — Acho melhor o senhor não tomar café. Eu lhe trouxe uma xícara de leite quente. — A cidade tem um verdadeiro favo de minas. Johnny fechou os olhos. Hoje o Sr. sentindo pena. Sr. Há alguma coisa com a menina? Johnny respondeu. uma coisa que ninguém naquele quarto sabia. Kennedy me disse que não pode Lorry estava horrorizada. E então pensou: Foi muito cara. ou alguma coisa. as mãos cerradas e duras ao lado do corpo. reluzindo com luzes douradas e sombras. maravilhosamente entalhada. O padre sorriu e meneou a cabeça. — Eu também lhe trouxe um presentinho — disse ela. Uma coisa idiota. numa espécie de desafio. mas agora não sei. No entanto. e não posso imaginar… Por que ela havia de fazer isso? E se queria gastar todo esse dinheiro há o salão paroquial sob a igreja e o dinheiro podia ser usado para equipamento de jogos e artesanato para as crianças da paróquia ou ajuda para as mães ou os idosos. Ele a abriu e logo o ar foi penetrado pela fragrância de unguentos esquecidos. quando a comprei. Srta. eles se olharam bem nos olhos. Pensei saber. — Se não quiser. imagino. agora estavam vermelhas de constrangimento. Johnny disse a Lorry: — É lindo. afinal. nem sei o que vai fazer com isso. hesitou. então só posso aceitá-lo . Estava tentando se lembrar de alguma coisa. Lorry virou-se. querendo realizar toda a sua loucura. Lorry falou. de atar de rosas. Obrigado. eu tinha bebido demais. Summerfield? — Não sei! — exclamou ela. Summerfield. Padre Krupszyk se debruçou para ver a caixa e por algum motivo sentiu um arrepio na nuca. pareceu razoável. Se voltasse logo para o escritório. — Falou com simplicidade e sério e seu rosto machucado estava tranquilo. Olhou para o padre e o rabino e viu seus rostos sérios. imprudente. Para ser sincera. de que se esquecera. Pegou logo a bolsa e sentiu o peso da caixa dourada. — Se queria que eu o tivesse. Agora. por causa de Barry. poderia inserir o artigo para o dia seguinte. — Ela tem um coração doente. no silêncio assombrado: — Francamente. Exclamou. — Na ocasião. com amargura: — Sei de tudo sobre a fumaça! Pittsburgh conseguiu acabar com ela. O rosto dele flutuou para junto do seu. quando o comprei. — As faces dela. — Seu rosto mudou de novo e ficou feio. — Acrescentou: — Podia usá-la para abotoaduras. e por um momento trêmulo. Então o padre lhe murmurou: — “Os pobres sempre os tendes convosco. em geral tão lisas e brancas. Johnny disse. Johnny estava boquiaberto. Mas ela queria dar um presentinho a ele. — Por que não vê o que é. Levantou a caixa para que o rabino e o padre pudessem examiná-la mais de perto. Na ocasião. Lá estava ela. não sei bem. O Dr. eu levo embora. — Bem. Ela parou. podemos fazer alguma coisa a respeito. parecera sensato.” Johnny virou-se logo para ele. ela pegou o embrulho e o colocou abruptamente ao lado da mão de Johnny. pelo menos? Johnny desembrulhou a caixa devagar. na palma de sua mão. aquilo era conhecido demais para ser esquecido. com raiva e ódio. assombrado: — Por que havia de me dar um presente. Então. Srta. mas Barryfield não! É muito caro… para os amigos de meu pai. mas agora parecia absurdo. estou lhe dizendo. O Dr. — Benzinho. devagar. — Um milagre. quase desistimos de salvar o Jean. deixou seus olhos pousarem no padre. Era o menino… ele estava se entregando. a melhor moça do mundo. A Mãe dele lhe enviou Sua imagem. empalidecendo. Johnny sentou-se na cama. com delicadeza. E agora passa o tempo todo olhando para a imagem e sorrindo. o que a levou a ir lá? Estou curioso. sem falar. — Bem. e fungou. — Apertou mais o braço em volta de Lorry e virou a cabeça maciça para ela e a beijou na face. Não me lembro. Apareceu de repente: ele parecia estar se entregando. E lá estava o Dr. só posso dizer é que. — Você tinha razão. Ele queria a mãe. Mas a coisa estava ficando séria. Sol Klein ficou com ele a maior parte do tempo. amarfanhado e exultante.com gratidão. Vai viver. Só falava na mãe. não importa. sentiu fome e está dizendo a todo mundo que a mãe foi vê-lo e deixou a imagem para ele. — Lorry. E aí apareceu esta moça. Ainda abraçado a ela. no rabino e em Johnny. meditando. e sua correria pesada ao entrar no quarto. há uma meia hora. Johnny. como se tivesse jogado as roupas amassadas no corpo curto numa pressa selvagem. — Quer dizer que não me contaram sobre o meu filho? Vocês… me mentiram? — De que adiantaria lhe contar? Você não podia ir para junto dele. que estava tremendo. . Seu rosto eslavo. Depois foi para junto dela. Johnny. por causa de você. McManus. e a abraçou com força. Lorry. conseguiu o seu raio de milagre! Estou vindo do… Aí ele viu Lorry e caiu num silêncio total. Esqueceu-se dos outros. há cinco horas. a cabeça abaixada. mais desarrumado do que nunca. rouco. McManus sorriu para ele. não é? Talvez agora eu também acredite. Você o trouxe de volta. — Ele se virou para Lorry. Todos tiveram um sobressalto ao ouvirem passos na escada despida. largo. Padre John Kanty. rapaz. resolvendo-se a ir. e eu também. Tentou falar e tossiu. e não em você. apressado. Não seja tolo. estava muito branco. Ele foi para junto de Lorry e o médico e os contemplou. Persignou-se e saiu do quarto. — Não sei. Ele gritou. nem no pai. com sua voz esganiçada: — Um milagre. aí está o seu milagre. e depois. Por meio de você — disse o padre. A infecção… tudo era um choque para ele. O padre se levantara. grande e parado. com um sorriso de lobo. você o salvou. Esta minha garota maravilhosa. Estávamos fazendo todo o possível. E quem o realizou? Esta menina aqui. Só na mãe. olhando para a moça e suas pálpebras de pedra tremeram e o rosto ficou trêmulo também. nem ninguém. Mas o senhor sempre acreditou em milagres mesmo. devagar. Ele pensou que você fosse a mãe dele. Faz a gente se sentir… diabos. você disse! Bom. com pelo menos 20 pessoas de pé. pelo menos aqui Lorry falou acima do entendimento das massas imundas. Fletcher. foi um sermão intelectual. Fletcher é quase um anacronismo entre o clero protestante. depois de ter sido atacado por jovens desordeiros. “O Sr. com calma. o que aumentou a raiva do Sr. há cerca de quatro semanas. “Não é um evangelista ou fundamentalista. Essa cicatriz se destacava à luz das poucas velas na igrejinha pobre e esta repórter notou que a congregação olhava para ela. erguia-se pelas ondas cinzentas e mudas.” Bem. horizontal. e via-se uma cicatriz comprida. digno de um presidente de seminário teológico. repetidamente. É convicção desta repórter que a verdade em si tem um tal poder que não é necessário acrescentar a ela a ribombância ou fogos de artifício. A vista do vale. Summerfield assoou o nariz várias vezes num de seus delicados lenços de linho. De certo modo. até as portas. aqui e ali. continuava o artigo. não identificados. Fletcher é um orador eloquente. E convenceu sua congregação e aqueles que não eram de sua . com certos parágrafos em negrito. Summerfield. Era um artigo bem escrito.” “O Sr. com rangidos anormalmente altos. e estava apresentado em destaque. depois que as cadeiras de emergência não puderam mais acomodar o afluxo notável de fiéis. Quando a congregação se levantou. de modo que o seu sermão foi ainda mais notável por isso. Fletcher. O cheiro acre e ardente se embrenhava pelas menores aberturas e o equipamento de ar- condicionado lutava valentemente. ou uma mola monstruosamente grande e preta. foi menos um gesto mecânico antes da leitura dos responsos do que Uma ovação séria. “O dia de ontem marcou a volta ao púlpito do Sr. havia desaparecido numa irrealidade nublada: somente as serras mais altas à distância espiavam por entre o vapor flutuante e irrequieto. O Sr. especialmente do tipo mais ‘progressista’ ou ‘esclarecido’”.XV Nem mesmo o bom ar-condicionado do belo escritório de MacDonald Summerfield conseguia extinguir inteiramente o eflúvio venenoso do que o Press chamava levianamente de “uma inofensiva corrente descendente de uma fumaça industrial normal e o pesado ar do outono”. como uma serpente. distinguindo-se. Se bem que esta repórter já tenha coberto muitos ofícios em várias outras igrejas. Mas o mar cinzento de umidade venenosa e ar não tinha uma coloração uniforme: aqui e ali jorrava para cima em repuxos amarelados. no final. Talvez fosse mera curiosidade que tivesse lotado a igreja. Summerfield. que se tinha das janelas largas. com muito colorido e vivacidade. Ele ainda estava pálido e magro. por sua sinceridade profunda e sua paixão e crença sossegada naquilo que dizia. inflexões ou gestos teatrais. Talvez fosse porque ele falou menos para impressionar ou fascinar do que para falar a verdade. Mas aqueles que compareceram por curiosidade ficaram para escutar. enquanto lia irritado o artigo que a filha tinha escrito sobre o novo ministro daquela miserável Igreja do Bom Pastor. da têmpora direita até bem dentro dos cabelos. de chaminés ocultas. pensou o Sr. mas sem melodrama. ficou muito impressionada com a atenção profunda que todos deram ao sermão do Sr. como picos de ilhas. com certa satisfação azeda. Durante esses anos ele teve ampla oportunidade de colher informações para este sermão. seu ateísmo que invade até mesmo suas igrejas. lojistas e funcionários públicos. A bomba atômica é apenas mais uma arma no seu arsenal de ódio e destruição. Summerfield cerrou os punhos sobre a mesa e em volta de sua boca apareceram traços brancos. a era que culminou com essa guerra.congregação. por mais terrível que seja. Fletcher. mas só um pouco menos. Exaltam aqueles que prometem satisfazer o mal dentro deles. selado nele pelo próprio Deus. que terminou há pouco mais de um ano. pois eles sabem que nenhuma arma. Então. Fletcher. naquela página. com suas exigências. pensou. uma voz gritava dentro dele: Lorry! Lorry! Minha filha! E então. foi capelão nas forças armadas dos Estados Unidos na última guerra. No entanto. seu ódio por seu semelhante. Nenhum dos homens e mulheres que lotavam os bancos podiam ser considerados fiéis elegantes. para que os tiranos renovem seu antigo assalto à humanidade. a filha o repudiava. com menos. e ele o pronunciou com rigidez. Não pode. no golpe mais possante que há de vir.’ O artigo continuava. trabalhadores especializados. Não pode ser ateu. artesãos. ávidos. seus apetites. passivamente em outros. Nem pode ser agnóstico. perguntou-se o Sr. Pareciam pertencer aos grupos de renda mais modesta. seus ódios em massa e sua inveja. e ouvido sem querer? Ali. pensando em Swensen e todos os seus outros amigos.” Será?. Dá-lhes o que desejam. Summerfield. o despedaçava. ‘Dessa vez os déspotas secretos vão apostar tudo o que possuem. Compreenderam o Sr. Segundo o Sr. nem . Ali ela esclarecera o motivo por que o odiava e ele via seu rosto e seus olhos. O povo tem culpa por seus tiranos: fornece o ambiente em que a tirania pode vingar. E ele acredita que a atual ‘paz’ não passa de um intervalo de renovação de forças. Implantado na alma humana está o instinto inerradicável da adoração. materialismo e ódio do povo. O que teria ela descoberto nestes escritórios? O que teria ouvido. ‘A história do despotismo é a história do ateísmo. O homem tem sempre de adorar alguma coisa: não pode fugir da dinâmica de sua alma.” ‘Esse novo assalto pode ocorrer em 1947 ou 1949 ou 1950 ou 1957’. Aquela ralé? “O Sr. ódio e compreensão. de sofrimento: Barry. cujo sermão se intitulava ‘A Antiga Tirania’. tudo em que cinicamente acreditam e todo o seu ódio pelos homens e a sua ânsia de poder. Ele é que os cria. revolução ou assassinato’. na verdadeira acepção da palavra. mais sobriamente: “No entanto. ela me mentiu o tempo todo. em muitos casos. pode trazer a paz à humanidade a não ser que a humanidade exija a paz. disse o Sr. seus preconceitos e ignorância e falta de virtude. cuja história esboçou rapidamente. E ficou muito assustado. meu filho. Fletcher. disse o Sr. meu filho! “‘Essa foi sempre a história do despotismo’. Fletcher não perdeu muito tempo com os déspotas imortais. Disse ele: ‘O próprio povo é responsável pelos déspotas. o Sr. Fletcher perfeitamente. o dissecava. Fletcher. foi apenas mais uma manifestação de um despotismo que remonta às orlas nebulosas da História do passado. enquanto ele enrijecia de medo e raiva. ou pelo confisco.” O Sr. sua ganância louca e sua falta de caridade e amor. voltados para ele numa acusação fria. sua determinação obstinada de ter o que não conquistou e que não merece. com um desprezo amargo. faminto. o homem perdeu Deus’. na chama vermelha da revolução industrial. A fábrica e a usina. é revestido de roupas animais também.’” Ora. todos os que faziam o povo passar fome. Se ele não adorar a Deus. demonstraram um interesse normal pelo materialismo — isto é. Todos os que eram injustos. começaram a adorar outra manifestação: o materialismo em sua forma mais profunda e ampla. encontrar abrigo contra a tempestade. “‘Em toda era sangrenta de despotismo as pessoas têm adorado uma manifestação diferente do Mal imortal. Deus fez o homem do pó.’ ” “‘Os novos deuses ofereciam ao povo ‘segurança’ em face de um universo violento e imprevisível.’” “‘Todos os homens. Foi o povo. Pois o espírito do homem deve manifestar-se ao seu semelhante por meio da carne.’” ‘Mas há cem anos. O altar não era mais encimado pela cruz. ser indiferente ao apelo do seu espírito. Summerfield. Acima do barulho da bigorna. desde os princípios da História. ou o explorava. e não a igreja. Tem de pertencer ao Corpo Místico de Deus ou ao Corpo Místico de Satanás. ou O abandonou pelas coisas. as coisas do mundo. Se alguém que o ouviu ontem tiver alguma inteligência. ou lhe pagava pouco por seu trabalho. E essa doutrina foi singular na História e os déspotas. seu sermão fará dele motivo de riso. O materialismo de repente tornou-se para eles um objeto de veneração e passaram a adorar os homens que prometiam dar-lhes o que queriam. e é necessário satisfazer as necessidades animais com alimentos. deixando-os desabrigados. com a marca de Satanás em si. não continha mais em si os pergaminhos sagrados. quem recriminou aqueles que oprimiam as viúvas e órfãos. que sempre renascem em cada geração. que só Deus pode controlar. Se não adorar a Deus. vai adorar a Satanás. Em algum ponto. merecia a Sua ira. por falta de pão. sem o fermento do espírito. Tornou-se uma coisa absoluta em si. e quem disse que não se atasse a boca do boi que debulha o milho. é que continham o que era mais sagrado. vestir-se e aquecer-se. que se tornou homem no Seu amor por nós. e da nuvem ácida espiavam as caras brutais dos novos deuses que o povo criara para si. um espaço vazio. Prometiam-lhe a faca da vingança contra aqueles que eles invejavam ou odiavam. com certo alívio. embora sendo espírito. terá de adorar outra coisa. erguia-se o novo incenso da fumaça industrial. Foi o próprio Deus quem multiplicou os pães e peixes. pensou o Sr. de repente o materialismo surgiu como um objeto total de adoração. miseravelmente. advertiu Ele ao povo. Porém não foi Satanás quem criou o poder desses homens. ou o obrigava a se abrigar em casebres miseráveis. que era o novo altar. Com o Manifesto de Karl Marx em 1847. abrigo.’” “‘Dessa doutrina de materialismo dialético nasceram Hitler e Mussolini e Stalin e muitos outros. e abençoou esse pó e nele soprou o fogo da vida. roupas. ou o enxotava para as estradas. o idiota!. que é o mal absoluto. as coisas da carne — pois o homem. O próprio Deus. Prometiam dar-lhes benefícios que não tinham . severo. mesmo nesta cidade miserável. de toda nação do mundo. Não pode haver nele um vácuo de adoração. quem declarou que o trabalhador merece o que ganha. e o absolutismo foi invenção de Satanás. viram nela a sua oportunidade final e mais poderosa. quem alimentou a multidão. Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.por uma hora. precisava comer e beber. de modo que a própria carne tem sua santidade. Vocês os criaram! Puseram as armas em suas mãos de ferro. um consentimento poderoso. para suas filhinhas lindas. ‘e em troca renunciaremos a Deus e a todas as coisas do espírito.’” “‘Em resumo. continuava o artigo. deram- lhes as suas motivações e seus ódios e sua falta de Deus. mas os homens e mulheres que enchiam a igreja parece que compreenderam.’” “‘Sim. isso foi sua loucura individual. ou satanismo em alguma outra forma. E que Deus. Saiu do púlpito abruptamente e não reapareceu. para a raiva e destruição do povo. completamente e com a devoção que antes davam ao ‘mito’ de Deus. ao seu materialismo.’” “‘Pois expulsaram de suas escolas. ‘que o fascismo era diferente do nazismo.’” “‘Não acreditem. Se um déspota ostensivo era derrotado.’” “‘Não pensem’. Ofereciam- lhes o domínio do mundo. disse o Sr. à sua disposição. cuja Face vocês cobriram com fumaça. suas vidas e seus lares o luminoso nome de Deus. As covas que enchem a Europa. os novos deuses só pediam uma coisa ao povo — a renúncia àqueles direitos e liberdades inalienáveis que somente Deus lhes podia dar. E o povo nunca teria permitido se primeiro não tivesse concordado com o negócio mais incrível da História. Esses homens não passam de símbolos — de vocês. Olhem para os seus filhinhos ao seu lado. às bugigangas reluzentes e aos objetos. e não como recompensa por levarem vidas virtuosas. em seu nome e em nome do Mal. “não participou da leitura dos responsos. ‘Dêem-nos deuses. diziam todos.’” “‘Sim.merecido. em todas as partes do mundo. nos seus altares de materialismo. contemplem-nos. Fletcher à congregação. O Estado. em toda a nação do mundo. no dia seguinte os homens secretos podiam substituí-lo com facilidade. não tinham nenhuma briga entre si. São a mesma coisa — são manifestações de Satanás. Criavam falsos inimigos do nada. os povos consentiram. Amanhã vocês vão criar novos déspotas. São apenas suas imagens. graças a seus novos deuses. sacrificaram seus filhos a eles. os campos de concentração. as manifestações do materialismo. porém que os homens perversos podiam tirar-lhes. . os verdadeiros déspotas todo-poderosos. Amanhã não estarão mais a seu lado. Fletcher”. tenha piedade de suas almas!’” “O Sr. continuando ininterrupto o trabalho de subjugar e destruir a liberdade e a dignidade do homem. que Hitler ou Mussolini ou algum outro homem causou a última guerra. a agonia e angústia de todo um mundo — são seus atos. o povo. ou o nazismo do comunismo. que se seguiu. Bastava que adorassem o Estado. as cidades destruídas. Amanhã suas cidades estarão em cinzas de novo. disse o povo a seus tiranos. Contemplem-nos. Lançaram seus filhos nesses braços incendiados. e nem pensem que algum outro homem individual causará o próximo holocausto. era o protetor do povo. Já estão sacrificados à sua ganância. nem por um instante. unia longa devoção. só seus. e todos os seus problemas naturais seriam resolvidos. fascismo ou comunismo. as crianças chorando. em nome do nazismo. em toda a História. com uma só voz forte. e mais deuses’. Pois o Mal estava ficando cada vez mais vitorioso e nunca. Isso era uma coisa sem precedentes. Se os déspotas pareciam se atacar uns aos outros. Satanás tinha conseguido uma tal vitória. O leite e o mel da Terra Prometida estavam ali diante deles. ao abandono de Deus pela ‘segurança’. se o povo o permitisse. as mães perdidas. Os homens por trás deles. ele queria saber por que a filha o traíra e se aproveitara dele e o desprezava. os cadernos. Comecei a descobrir sobre você há cinco anos. o perfil ascético do rosto. estupidificado. rígida. Quando terminou o editorial. Saíram da igreja de semblantes muito suavizados. Agora — disse ela. Ele saiu a procura dela com raiva. — O quê? — murmurou ele. Nunca mais vou voltar. Esqueça-se de que eu já existi. Muito bem. O pai a princípio não notou que ela empilhara em cima da mesa objetos das gavetas esvaziadas. como se a congregação estivesse pensando. Se me escrever. ao lado da secretária. Ele mesmo estava em perigo.A leitura dos responsos foi muito fraca. ridicularizando-a. Tinha de ser apedrejado novamente O Sr. Summerfield começou a escrever depressa. brandamente. por causa dela. você não é meu pai. ela o enganara e traíra. Era a filha. reta. — Parou e em seus olhos havia uma chama. agora ele parou. não vou responder. você está maluca? — Ele se esqueceu do artigo dela. para sempre. assim como eu vou esquecer que o conheci. durante muito tempo ainda. quando ela não respondeu. nem pesar. fecho a porta na sua cara. Só viu seu vulto esguio no vestido preto justo. e ela atirou as palavras a ele como pedras. deixando-o. Se for me procurar. Agora. Tinha sido apedrejado. Ele lhe perguntaria por quê. e não havia misericórdia nela.” O Sr. e ela o estava renegando. É opinião desta repórter que esse sermão há de ressoar em cada lar. Portanto. E então ele viu os objetos na secretária —· a bolsa. levantou-se e foi procurar a filha. Ela se virou para ele com aquele seu jeito rápido e ele viu-lhe os olhos ovais. Porque descobri tudo sobre você. tinha de saber. — Não me pergunte mais nada. nem amor. a mão na maçaneta da porta do escritório dela Novamente foi acometido por sua ânsia doentia. Não quero saber de você. — Por quê? — perguntou ele. Ele abriu a porta. por motivos dela só. E saberia para sempre que. olhando para ele. Tudo o que esse idiota do Fletcher dissera era verdade. ele tinha de ser destruído. — Porque você é o que é. a criatura que ele amava mais do que tudo no mundo. Havia a finalidade da partida no ar dela. o brilho da cabeça lisa. Os seus amigos saberiam de tudo. . — A voz dela estava forte e áspera na sala. brilhando com seu repúdio. Vou embora. — Vou embora. Era mais perigoso do que um exército. Summerfield ficou ali sentado muito tempo. os cosméticos. a pele fina de sua testa se enrugando. grandes. Lorry estava de pé. Ele parou. para nunca mais voltar. alta. Foi então que comecei a odiá- lo. — Lorry. mais que tudo. — Não entendeu? Não sou sua filha. Mas. com sua letra miúda e precisa. — Eu disse que vou embora. Porque não posso mais suportá-lo. Ela estava ali diante dele. Ia apenas rir-se dela. cópias desse artigo lhes chegariam quase imediatamente. — Lorry— chamou ele. Acho que sabe perfeitamente o que quero dizer. e a afastara dele. Lorry. sozinho. . tenho três mil dólares por ano que meu avô me deixou… o seu pai. E vou trabalhar com o Barry. nem que seja a última coisa que hei de fazer. — Não posso deixá-la ir. Tudo o que fiz. com desdém. a boca branca e parada. O jornal da manhã estava em sua mão. E aí ele passou a ser uma avalancha gélida de ódio. pai dela. porque eu a amo. Os ombros do Sr. Ele ficou ali. — Ele me paga — disse o Sr. Estou pedindo que fique por mim. Queria o mundo para você. Summerfield. E dois mil que o pai de minha mãe me deixou. já falei com ele. Ela já ia passando por ele. — Lembre-se. Ele. De algum modo aquele ministro estúpido e detestável era responsável pela partida da filha. Ela puxou o braço da mão dele e. escravizara a filha com aquela sua besteira mística. pois de repente estava abalado e desfeito. eternamente fechado para ele. Summerfield caíram. Não. Precipitara alguma coisa em Lorry que poderia ter ficado adormecido durante toda a vida dela. disse consigo. em voz alta e tranquila —. — Escute um instante. Ele tornou a ler o artigo dela. — Lorry — suplicou. minha filha. acho que não posso explicar. mas ele agarrou o braço dela. — Não se preocupe com a minha vida — continuou ela. acreditando nisso. Lorry. aquele ministro. Mas o rosto dela estava mais marmóreo do que nunca. foi por você. sem mais uma palavra. Ele pôs as mãos na mesa dela e se apoiou nelas. saiu do escritório. mas Lorry estava alisando as luvas na mão. Agora não havia mais ódio em seus olhos. quase até o fim. você é uma moça feita. acho que já fiz o bastante. Você o endeusou. Sempre o achei nojento. é? — Vou — respondeu ela. olhando para â frente com uma expressão muito maligna. E os seus artigos sobre a poluição. A luz agora não estava verde. Não estou defendendo o Mac: acho que ele é nojento. para sua aprovação. gritando tanto quanto sua voz lhe permitia. culpou-o por ele ser o que sempre foi. até há alguns anos. Estava ali. Parte dos problemas entre você e o seu pai é culpa sua. McManus. Ela vestia um costume marrom. mentiroso e elegante. que não tinha sido modificada desde a morte dos pais dele. Quando recuperou a visão. Ela estava sentada dura em frente do médico. para você ver. quando era menina. ou lhe contara histórias estranhas ou engraçadas e lhe dera imensos biscoitos doces. empoeirados. Sim. a cabeça baixa. “Você conhece a origem dele. Depois falou: — Lorry. McManus esperou. O médico acendeu outro cigarro naquele que tinha fumado. Tio Al. entrando na penumbra da sala maciça. pois dos olmos pendiam trapos amarelos e molhados e os farrapos vermelhos dos bordos esvoaçavam no vento úmido. os vasos de lareira cheios de folhas de outono duras ou amentos envernizados. que ela comia escutando-o e olhando a luz verde que se filtrava pelas árvores espessas lá fora.XVI — Você está maluca! — exclamou o Dr. Isso foi errado. desde menino. as porcelanas grotescas e retorcidas. Lorry? Vai querer que lhe conte tudo? Vai querer saber do seu pai. — Lorry. — Apertou os lábios. lá fora. hein? Lorry estava sentada com ele na sua sala vitoriana monstruosamente feia. O pai era professor aqui em Barryfield. É um filho da mãe egoísta. O velho médico sentiu uma forte pontada de compaixão. — Descobri hoje de manhã que ele… ele… ordenou aos redatores assistentes que tudo o que eu escrevesse teria de ser submetido primeiro a ele. as gravuras em branco e preto ou retratos monótonos e estáticos pendurados em paredes violentamente estampadas. de viagem. — Já não sou mais útil. as malas estavam trancadas no carro. Pois ali o médico tinha lido para ela. com simplicidade. onde Mac . Você não era mais criança. senhora. os móveis de ébano ou mogno preto todos entalhados. a despeito de seus veludos e pelúcias vermelhos e azuis. Você não viu e o culpa por sua cegueira. A moça sempre a achara uma das salas mais lindas que já vira. A luminosidade de seu rosto pálido era obscurecida pelo cansaço e sofrimento e- seus lábios estavam brancos. E além disso… O Dr. que a estava olhando irritado. e seu tapete de Bruxelas vermelho. já tinha mais de 20 anos e devia saber das coisas. Ficou fumando. Já era assim. posudo. você não pode ir embora agora… quando estava começando a agitar as coisas. — Esses artigos nunca serão publicados — respondeu ela. — Vai querer que lhe escreva. ou de amor ou de ódio. No entanto. detestava os poderosos. fingia que não tinha valor. Ele detesta os pobres. mas. . Conheci bem o seu avô. Gostava mais do dinheiro do que de sua alma imortal… se é que tinha alma. Se você pesquisar qualquer desses ricaços pseudoliberais ou comunistas. Para ele. a sociedade tinha de ser castigada. Esse tipo de fraqueza é de família. assim como liquidaram o seu pai e o tipo dele em todos os outros países. que não suporta se lembrar. arranjaram as ‘massas’. como se achava superior a todo mundo. era horrível ter algum dia vivido entre os benditos pobres que ele hoje finge defender naqueles seus pasquins. acreditava no pai. sujeito ineficiente. — Ah — riu-se o médico. não é?” Ele riu para a moça. Ser sólido e de classe média não bastava para eles. Mac podia ser um presunçoso desdenhoso e superior quando era menino. e fez fortuna por acaso. minha filha. Nunca houve um movimento que não se originasse com emoções humanas secretas. Lorry. pura invenção deles. Ele hoje chega a acreditar nisso. na maior parte é por vingança. Para ele. no petróleo? Vou-lhe dizer por quê. para a moça tensa que o escutava — jamais revelou o fato de que Marx era um homem relativamente abastado. quando assumiram o poder. com malícia —. não vamos simplificar demais. tem tanta vergonha. era inevitável. Queriam dinheiro e mais dinheiro e poder e poder e poder. isso foi uma vergonha. pedante. para terem alguém a quem oprimir.nasceu. no princípio. encontrará uma história semelhante nas suas origens. o idiota. inventou uma coisa que não existe… o homem da massa. mas ainda mais porque quer se vingar dos pobres por ter sido obrigado um dia a viver entre eles. Ele fazia mesuras e era humilde e. de fala macia. porque tinham mais dinheiro. “Ninguém — continuou o médico. o que duvido. Mas. Há outro tipo. Adorava aquele idiota daquele pai. isso é a grande ilusão de Mac. o grande liberal. bem como os seus companheiros. — É essa a história desses comunistas que nunca foram realmente pobres e dos que hoje são ricos. assombrada. ele se parecia com você em mais de um sentido. Por que ele não lhe contou que o pai dele era um pobre mestre-escola. Por quê? Porque quer se utilizar do homem da massa não só para se vingar de seus “superiores” pela humilhação de pobreza que um dia sofreu nas mãos deles. Então. e ao mesmo tempo que aqueles que o tinham eram as únicas pessoas importantes no mundo. Vinham de sólidas famílias de classe média urbana. os desprivilegiados. as massas. — Bem. se algum dia assumirem o poder nesta terra. — Eu sempre pensei que a nossa família era rica há gerações — disse Lorry. Então. como você. ele mesmo. Ele tinha vergonha de já ter sido pobre! Ele. Como todos os outros do tipo dele. A “sociedade” estava “fazendo alguma coisa” com o pai dele. O seu pai e o tipo dele são uma parte do comunismo. sacudindo um dedo para ela.” O médico levantou-se e começou a andar de um lado para outro na sala atravancada. O único meio de castigar a sociedade era ganhar o máximo de dinheiro possível e depois adquirir poder sobre a sociedade e fazê-la se dobrar a ele como o pai se dobrara a ela. e esse tipo há de acabar com o seu pai e- os amigos dele muito ligeiro. Mas como não tinha dinheiro. cheio de dogmas de mestre-escola. os brutamontes loucos. E de quem se vingar. Ele envenenou o Mac. que tinha levantado a cabeça com um interesse atento. ou em todo caso nas primeiras séries. Acredita no pecado. na aparência. — Eu… não quero me envolver emocionalmente com… ninguém. Claro que ele é. ele viu Lorry corar violentamente.” O médico perguntou. O médico sacudiu a cabeça. “Falo dos fanáticos. cale a boca! Ela pegou a bolsa e as luvas e lançou um olhar furioso com os olhos azuis. Alguma coisa a abalou? — perguntou ele. — Sabe. Você tem de aceitar isso e reconhecê-lo. sim. com seu riso de mofa. na opinião geral. Nascem em cada geração. quando a moça se levantou de um salto. ao tipo de mentalidade pervertida que têm os fanáticos. pelo amor de Deus. Johnny é o tal. tanto masculinos quanto femininos. Em todo caso. isso é certo. — Bem ativo para um fóssil — respondeu o médico. Não poderia ser mulher dele. Você me pareceu gostar deles todos. Vai abandoná-lo agora. Johnny. quanto um homem que acredita fervorosamente no ódio. então. Johnny… e eu! Pelo amor de Deus! Ele é um fóssil. Um médico inteligente identifica esses camaradas. Não é só o seu pai. O Dr. não sou do tipo que se sacrifica. sentimental. garota. McManus aproximou-se dela. com um interesse maldoso. — Ah. coisa que não faria! Já me viu andando atrás dele. pois não há nada tão perigoso e malditamente inocente. apertando os olhos. Sabia de uma coisa. fazendo “obras de caridade” para ele? Ora. não os analistas freudianos que temos hoje. Um anacronismo. e não vou ser empregada de ninguém. Lorry. estou-lhe dizendo. . que são até favoráveis. alguns deles. — O que é um anacronismo? Uma coisa fora do lugar e do tempo. não estou interessada em me casar com ninguém. — Vamos ser realistas. Jean. Você está é fugindo. já que compreende? Ela ficou calada: seu rosto endureceu. de olho grande. ainda com a cara muito fechada: — Bem. Tio Al! Olhe para mim! Lembre-se de mim! Já me viu no papel de mulher de um ministro? Mesmo que ele pensasse nisso. — Tio Al. Não estou vivendo um romance. já no jardim de infância. Não sou mórbida. os dedicados. Estamos precisando de mais alguns anacronismos neste mundo. Um dia desses vamos ter verdadeiros psiquiatras procurando por eles. Assombrado e interessado. há anos. É muito desgastante — respondeu ela. pensei que você poderia ajudar Johnny e os guris. São favoráveis à inocência intensa e pervertida que esses loucos demonstram. E depois tem de fazer algo a respeito. Lorry pareceu abatida e cansada. Então é isso. — O que foi? Johnny? Ela gritou para ele: — Diabos. já lhe contei sobre o seu pai. E agora você os abandona. Foi a primeira vez que vi você vibrar. benzinho? Existe o pecado. mas ao mesmo tempo estava preocupado com a expressão gasta e aflita de Johnny. — Por que não arruma um sofá? O médico deu uma risada. Mas Lorry já tinha saído da sala correndo. e a Srta. ou seja lá onde for. A despeito de tudo. Coogan ensina o catecismo a Jean. — Sol Klein acabou de sair daqui. Disse em voz alta: — Engraçado. — Ela diz que os meninos são de uma inteligência fora do comum. Kathy e Emilie. E sabe o que mais? Ela se ofereceu para ensinar a Max. alucinada. Coogan. embora a porta estivesse fechada. levando o médico para a sala triste. O médico meneou a cabeça. — Ei. — Veja só quem é o analista agora? — gritou Lorry. para a aula de catecismo. Coogan. McManus roeu a unha. em setembro. mas ele foi à casa paroquial. — Não vim ver o Jean. O Dr. você não suporta ter uma visão dessas. nos estudos deles. de armadura branca. Como vai a velha… senhora… que está ensinando aos guris? Progredindo? O rosto exausto de Johnny se animou e então a cicatriz na sua têmpora pareceu menos evidente. — Diz que Jean está indo muito bem. — Você ainda está apaixonada por seu pai. nem sei por que é que vim. mas ela diz que Jean e Pietro já estão no nível da quarta série. — Falando francamente. Lorry nunca foi de fugir da verdade. ou coisa que o valha. doutor — disse Johnny. Mandou sua velha professora aposentada aqui para ensinar a Jean e Pietro. O Pietro vai cedo para a escola. ou coisa assim. McManus via a moça se jogando no carro. aprovando. gemendo ao se sentar no sofá manchado. Os garotos parecem achar que tudo isso é uma brincadeira muito interessante. propriamente — respondeu o Velho. com azedume. onde estava trabalhando no próximo sermão. espere. — Por um instante seus olhos ficaram pensativos e cansados. ela acaba pensando… talvez. furiosa. que parecia singularmente fria e triste à luz baça do outono. Max e Kathy estão aprendendo muito depressa e Jean e Pietro são verdadeiros gênios-! Pode ser exagero da Srta. Da sala de jantar vinha o ruído de vozes jovens e animadas. se continuarem assim. benzinho. . batendo as portas. A porta bateu com estrondo. Era a tarde em que fazia as visitas no hospital. e lá se vai para Nova York ou a Europa. e já deverão estar preparados para as turmas regulares. Bem no fundo dessa sua cabeça de tonta está o velho Mac. O jovem ministro parecia muito desanimado e preocupado. Johnny ficou espantado ao vê-lo. — Claro que não — disse o médico. Bem. Ela deu a partida tão violentamente que sua cabeça caiu para trás e o chapéu lhe caiu sobre os olhos. Coitadinha. com frieza. Devo ter tocado num ponto muito delicado na psique dela. — O Padre John Kanty foi muito bom. A Srta. O Dr. e ela se recusa a aceitar um centavo. doutor. Johnny. Sou um realista duro. Fico pensando no que Emilie tem sofrido. Não é o Jean: ele está reagindo milagrosamente. Tim não tem qualquer esperança para o bebê. Está decaindo. você acredita na outra vida. Eu… sempre acreditei que até mesmo a morte tem um sentido. é realista. mas não sei! Estou cheio de revolta. você já conhece o mundo. eu não sei. Diabos. sem jeito. os olhos apertados. Cada vez que há o smog ela fica mais doente. mas agora não. — É a Emilie. A Mayo queria que ele fosse para lá. e ainda quer. claro. Grito com Deus. — Imagino que o melhor para ela seria interná-la num hospital ou sanatório num lugar alto. sim. Você sabe disso. como vai ser a Kathy? O Dr. Há algum tempo. Acho que agora não acredito. Talvez você agora não pudesse compreender. — Humm — falou o Dr. a voz triste. me disse o Sol. onde ela pudesse respirar um ar puro. Aflito. — Olhe. longe daqui. O médico soltou um enorme suspiro. que baba por ele como se fosse filho dele: especial para o Sol. quando estava rezando por ela. nas vidas das pessoas. eu mesmo estou falando que nem um pastor. Podia até fazê-la piorar. Devia saber. Por que não pode viver e crescer para ser uma mulher feliz e sadia. uma sensação de finalidade me veio uma noite. A cada dia fica mais fraquinha. — Vamos. Mas você não pode esperar outro milagre com Emilie. mas isso porque Sol Klein lhe deu tudo o que tinha… e a Lorry lhe deu uma coisa que ela nem sabia que tinha. . Johnny não respondeu. pensativo. até mesmo o Dr. Por que não? Tem o Sol. alguma coisa o está preocupando. Conte ao papai. — Johnny. virou-se e olhou pela janela. você não está querendo um segundo milagre. há um ano. McManus. separada dos meninos e de mim. não sou do tipo religioso. Johnny respondeu. olhou para o outro de cara fechada e murmurou: — A guerra acabou. Mas você é que é o pastor. — Acendeu um cigarro. está? — Não. por que as coisas ainda não estão parecendo certas? Johnny. — É — respondeu Johnny. a voz se elevando num desespero e sofrimento: — Não sei! Deus me perdoe. Kennedy… Tim… reconhece que ela não lucraria com isso. Alguma coisa me diz que Emilie vai morrer. É só fazer tudo para ela ter conforto. Viu as radiografias dela. — Mas sabe. Kennedy é um dos melhores cardiologistas do país. Como posso falar para a minha congregação sobre a misericórdia divina quando Ele não me atende. McManus se remexeu no sofá. Johnny. — Johnny. desde que nasceu… por causa das feras. esperava. Talvez a resposta esteja esperando e apareça com o tempo. Conseguiu uma espécie de milagre com Jean. quando rezo por Emilie? O médico olhou para ele. Só recebo o silêncio. o mundo me fez ficar assim. não é? Eu não. Johnny hesitou. Mas já o escutei falar. Odiava Deus. o mundo não é um lugar assim tão agradável. McManus se empertigou e brandiu o dedo para Johnny. dúzias deles! Coisas idiotas. Sim. Quando acabou o dinheiro. os médicos sacudindo as cabeças de burros. Chegava a eles quando já estavam em coma. Besteira. — O Dr. Então… nada de medo. embora uns bobos me puxassem. A vida é uma coisa maldita e pouco satisfatória. E então amaldiçoei Deus. Meu pai me mandou algum. As coisas lhe são emprestadas. até sadias. Pense nos milhões de crianças. — Então… nessa época eu não tinha muito dinheiro… peguei o dinheiro do seguro de Ann e fui para a Europa. — Sabe de uma coisa? Fiz uma espécie de voto comigo mesmo. Nunca contei isso a ninguém. A menininha… irá embora. Eu só estava lutando contra Deus. continuei a estudar. com uma humildade triste e tornou a sentar-se. Amor. não queria sair dali. só tive duas mortes. E eu então arregaçava as mangas e ia trabalhar. Ele ia se arrepender. se você tiver sorte. até hoje. E depois lhe são tomadas. de qualquer causa que fosse! Um recorde. Alguns dizem: “Na causa da humanidade”. — O médico deu uma risada irônica. Vejamos as coisas assim. é? — Conte — pediu Johnny. E veja o que você lhe deu. Jurei que ia trabalhar o máximo para arrancar as pessoas do sofrimento e da morte. O médico continuou: — Diabos. segurança.” Isso é certo: leva mesmo. então eu ainda acreditava em Deus. Arrancaria Suas vítimas de Suas mãos ardentes. os parentes berrando. — Está bem. nem aflição. — Sabe de uma coisa? Em 10 anos. foi a única coisa que já amei. de graça. de graça. nunca lhe falei muito sobre a minha mulher. enquanto os médicos prendiam a respiração e falavam de assassinato. Começou a bater na secretária com ambas as mãos. hoje são muito usadas. que não recebem uma décima parte disso! — Obrigado — respondeu Johnny. ela vai desaparecer aos poucos: adormecer. e não antes. vou-lhe contar! Recebi elogios. Tirei estômagos cancerosos. — Sorriu. A moça mais suave e boa do mundo: morreu quando nasceu a nossa filha. Trabalhei em toda parte. senhor. Johnny levantara a cabeça e agora estava olhando atentamente para o médico. Além do meu pai. Mas estava na pista do Inimigo! Trabalhei nos hospitais de Edimburgo. Como é que dizem os chineses? “Cada homem leva uma vida de um desespero mudo. estudei em Londres. Johnny. Pelo que Tim me conta. Está cansado dessa saga. hein? E o bebê também? Eu me afastei daquele túmulo quando o último torrão de terra foi jogado nele. olhando para a frente. e tudo em que acreditara me abandonou. proteção. antes mesmo de ter tempo de aprender alguma coisa sobre a morte. Eu O faria se arrepender de um dia ter-Se metido comigo! Sim. os olhos vazios. Passei fome. — Obrigado. senhor. Johnny. eu o derrotaria. Não precisa responder. — Sabe. Então. E então ela morreu e fiquei ali junto do túmulo. refletindo. enquanto isso. Inventei técnicas cirúrgicas que nunca tinham sido vistas. Sabe de uma coisa? Operei até o coração! Um dos primeiros médicos a fazer isso. nas melhores circunstâncias. de um modo . O doutor olhou para o teto. Por que Ann tinha de morrer. enquanto a baixavam. Homens à beira da cova. Sabe o quê? Salvei uma porção de gente que estava in extremis! Especialmente moças e crianças. Passei a pensar em Deus como um Moloch que destruía o que havia de melhor e mais belo. Estudei em Heidelberg. — Achei que foi muita gentileza da… Lorry. Você e Jean fizeram muito pelo Sol. mantendo-as vivas. eu teria sido apenas um médico de família. — Tossiu. com brandura. E aí tive de rir e ele riu também. Johnny sorriu de leve. não muito. falou: — Vocês. Em todo caso. — Mas o senhor continua. “Klein”. e dessa vez não vai voltar. McManus esperou. — O médico riu. — Não entendo. — Nem sei se lhes prestei um favor. cochilando confortavelmente nesta cidade desgraçada e depois herdando dinheiro de um tio e mais tarde me aposentando. — Pois eu entendo. Bem. O médico o estava observando atentamente. embora não pense mais em Deus como o Inimigo — respondeu Johnny. E todas as pessoas que salvei. não é? Mas não suporto a morte. disse eu. nesses anos todos.pervertido. e sim com um propósito. rapazes e moças. assim mesmo. O rosto do rapaz se aliviara. Emilie também. Sol Klein e os outros rapazes espertos. Coisa maluca. Tem a reputação de ser… bem… alucinada. como se achasse que eu ia rir. Recebi centenas de cartas de pacientes agradecidos e das famílias deles. os pastores. Muitas vezes desejei poder ter idade para me casar com ela. Ele me disse que vai quase todas as noites de sexta- feira ao Templo. O Dr. Faça com que eu entenda. Neste raio de mundo. — E em seu coração. Sabe. Dê-me força. talvez. afinal. por que vocês. é mesmo. na voz mais branda que Johnny jamais o vira usar. rezou: Pai. eu lhe disse que ela era uma boa moça. no seu desespero secreto. se cooperarmos um pouco mais com ele”. perdão. estão sempre dizendo que ninguém nasce em vão. é o jeito dele. . Ele parou e depois continuou: — Que tal achou a reportagem de Lorry sobre o seu sermão? Ouvi dizer que fez um rebuliço na cidade. — Tenho certeza de que é atar de rosas. estou pensando numa coisa. Levantou a tampa e cheirou. — Bem — respondeu o médico —. teriam morrido. olhando bem nos meus olhos. os dentes manchados aparecendo entre os lábios vividos. Agora. milhares delas. Bebe. — Bem. o discutem muito seriamente. Acho que ela sonhou com uma imagem dele que não existe. Johnny olhou para as mãos dobradas. mas suas mãos morenas e fortes inconscientemente se torceram. ela se foi de novo. Alguma coisa me impede. em todo caso. “então. Não propositadamente. e depois. — É o pai dela. Sou presidente do clube dos homens e fui assistente nas férias. sabendo que ele estava rezando. inesperadamente. cuidadosamente embrulhada em papel de seda. não. Talvez se Ann e o bebê não tivessem morrido. o sofrimento e a dor. “Tenho de dar o bom exemplo para as crianças”. diz ele. Ela é uma idealista e ele a fez crer que também era. Poderemos dar algumas novas ideias ao nosso rabino. luminosos. — Resmungou. implicam com o seu velho rabino?” E ele diz: “Andei tendo umas conversas com ele. — Ele abriu uma gaveta da secretária e tirou a caixa dourada. no refeitório dos médicos. — Johnny tornou a se levantar. Kathy estava escrevendo com precisão. Entraram na salinha de jantar escura. fazendo barulho. mas a Srta. a perna engessada levantada. Todas as crianças reunidas em volta dela. O Dr. Eu… nós… se bem que não a tenhamos visto muitas vezes. queria correr para Johnny. E então você pode escrever a ela. Johnny? De repente você também não está bem. com carinho. sua expressão foi de uma alegria brilhante ao ver Johnny e. Coogan lhe trouxe barro de modelar para ele. enormes. Depois acrescentou: — Espero que ela volte. respondeu: . Seu rostinho estava muito translúcido. — Não vai voltar? Por quê? O médico deu de ombros e sorriu. com um barretezinho preto. que guarda no quarto dele. quase sem se fazer ouvir: — O que posso lhe dizer? O que lhe posso… oferecer? — Fechou a gaveta. como alabastro. enquanto elas sorriam para ele. Ela parecia muito menor. o médico. brincando com cubos. o rosto sabido cheio de uma concentração séria. — Para que é esse barrete? — perguntou ele a Max. Coogan lhe ensinara um respeito antiquado. — Está por aqui com o velho Mac. Hein? Johnny corou. e ficaram esperando que os mais velhos falassem. nele. de tanto escovar. e fica falando o tempo todo que os cabelos dela são quase da mesma cor. sério. O que há. quando levantou os olhos. gorda e velha. — Quer ver as crianças? Está na hora do almoço delas. Ele olhou para a caixa. Mostrou-lhe a imagem. como a Srta. a Srta. Dobrou o papel de seda em volta da caixa. E Kathy está com uma postura reta. Max. eu acho. segurando-a. O Max está fazendo uma estátua dela. a cara fechada. Todas as crianças se levantaram logo. Pietro. como a de Lorry. Ele gostou logo dela. O menino. com cabelos brancos esfiapados num coque na nuca. antes vazios. e só falta arrancá-los. Ela veio algumas vezes visitar o Jean. escrevendo solenemente. escrevia muito depressa no seu papel e mordendo a língua entre os dentes. — Escreva-lhe. Jean estava ali. vezes e mais vezes. e os olhos azuis. agora estavam cheios de serenidade. Pietro a adora e até o Max falou com ela sem ser mandado e Emilie sentou-se no colo dela. Diga que ela não pode largar os amigos dela assim. mais agitado ainda. Coogan lhes ensinara. cada letra caprichada e redonda. dizendo que precisa dela. Até a pequena Emilie lá estava. mas. McManus cumprimentou-as com o seu jeito truculento de sempre. cujos olhos. debruçadas sobre os cadernos. A mesa nova estava coberta com jornais e sobre ela havia pilhas de livros espalhados. À cabeceira da mesa estava sentada uma mulherzinha muito pequenina. na sua cadeira de rodas. Emilie estava tremendo. e com os olhos vivos e alegres de uma criancinha. ela nos causou uma impressão profunda… em todos nós. Disse a ela que foi a mãe que a levou para ele. abruptamente. — Nada — respondeu Johnny. Nem veio se despedir! O médico meneou a cabeça. satisfeito consigo mesmo. e os nós dos dedos estavam brancos. depressa. com relutância. — Ela vai me escrever. à espera. lia atentamente. um lápis na mão. Murmurou. os lápis bem firmes. e a guardou. a cara fechada. Um branco. E os santos contaram. O Rei. E eles foram para muitas… nações… povos e lugares e contaram a todos sobre o Pai deles. Seria interessante saber. é? — Virou-se para Johnny. Eram todos… diferentes. Sua Santidade também usa. Não quer que as pessoas vão para o Reino e fiquem com Deus. cara de lua. e todo mundo massacrando todos os outros em nome do Rei? — Continue. Johnny. McManus. Quase todos. mas todos o viam de modo diferente. eu acho. quando ficarem um pouco mais velhos. Apontou para Jean. — Bom. — Isso mesmo. conte ao doutor o que lhes contei sobre Deus e a religião. acho que é… para ficar com ele. escutando o menino. E Satanás detesta as pessoas. — Parabéns. do Pai deles para o povo. Johnny. Espero que você se divirta com isso. E a maior parte do povo acreditou nos santos. Eles o amavam. Jean — pediu Johnny. Se eu quiser usar um. Mas aposto que todos vão estar discutindo ferrenhamente sobre teologia uns com os outros. Ele… agita elas… para se odiarem e se matarem. Então eles fazem guerras uns contra os outros e Satanás acha que isso é muito bom. — Papai nos contou de um grande Rei que era bom e cari-cari-doso. — O Padre John Kanty também me contou sobre ele. e tem Satanás — disse Jean. Como o Rei também amava eles. Os bispos usam isso. —·O Padre John Kanty diz que é… bom. Johnny pôs a mão no ombro de Jean. sua favorita. — Então. mais do que tudo. Jean acomodou-se melhor na cadeira de rodas. muito sério. o Jean também usa. esganiçado. e não podiam se esquecer do Rei. você é um papa. Ele me deu este. Bem simples. Mas ele ainda era o único Rei. E tinha muitos meninos-santos. e como amavam Ele. — Veja. Todos tinham… — ele se atrapalhou e olhou para Johnny. é bom. com um sorriso irônico. — Muito bem — aplaudiu o Dr. com a sua idade. suplicando. ·— Nunca lhe perguntei. como vão indo as lições? . Quer que vão para o… o… inferno. O médico deu uma risada de mofa. — Bom! — disse o médico. queria que eles conhecessem Ele e fossem felizes e depois fossem para o Reino Dele para ficar com Ele para sempre. e deram… mensagens a todo o mundo. enquanto as outras crianças continuavam de pé. Jean olhou para ele com severidade. — Meu bem. — Ele olhou para Kathy. Disse que eu podia usar. — Muito bem — repetiu o médico. E tenta fazer com que se esqueçam de Deus. —·O Rabino Chortow usa isso. E um dia ele chamou e disse para eles irem para o pobre mundo e contar a todos sobre ele. Ele… fez o povo matar os santos. com importância. — Já chegou às guerras de religião. — Todos viam o Rei de um modo diferente — ajudou Johnny. e sem Deus. — Então. mas estive pensando como é que você explicou essa misturada religiosa a esses guris. Bem. — Sabe quanto está custando um presunto? E como é que explica ao pastor de onde vêm todas essas gulodices? Ela riu. — Que bom — disse o médico. O médico encostou-se na geladeira nova. sinceramente surpreendido. guris. fico contente em vê-lo. no seu vestido de casa estampado e avental branco. Estou pensando num bom presunto para domingo. — Já sei fazer divisão. Pensa que são da verba da comida. Seu rosto pálido abriu-se num sorriso ao ver o médico e ela afastou uma mecha grisalha da testa. —· Mamãe Burnsdale diz que o doutor devia pagar mais ao papai. — Não. — Ele nem pergunta. Quero dar uma palavra à senhora com todas essas listas Infernais. para ele dividir o ordenadozinho dele entre vocês. num tom de desafio. Ora. é? — perguntou ele. e talvez seja mesmo — falou ela. — O papai provavelmente também acha isso. pisando forte. Era uma visão agradável e rechonchuda. Vai ajudar o papai. Burnsdale pôs as mãos nos quadris. é? — Ele pegou dois biscoitos grossos que estavam num prato e começou a mastigá-los. — Parabéns. O médico pegou mais uns biscoitos e a Sra. Estamos sem um pingo de farinha e açúcar e uma dúzia de outras coisas. a cara fechada. Burnsdale tirou logo o prato para um lugar mais seguro. Ia lhe mandar pelo correio hoje à tarde. na direção da cozinha. Há alguma coisa no ar que possa precisar? . Descobri isso há muito tempo. Já tenho a lista pronta. ainda ontem ele disse que não sabe por que as pessoas reclamam tanto do custo de vida! Tudo é tão barato. o coitado. pondo sopa numa imensa terrina rachada. Os olhinhos jovens cintilaram mais ainda. irritado. — Mas quando as coisas vão bem eu faço figa porque em geral alguma coisa má está para acontecer. diz ele. está. Ele se retirou. com licença. A Sra. Esse vai ser um dos milagres dele. doutor. — Não acho que seja supersticiosa. E no momento as coisas vão indo bem demais para todos nós. — Sabe. Ela lhe lançou o seu sorriso cerimonioso e os olhos de pervinca cintilaram. Ele já não tem bastantes problemas? — O rosto corado dela se anunciou. inquieto. — Ah. estudiosos. doutor. — É mesmo? — perguntou ele. Pietro não conseguiu mais se conter e gritou: — Acabaram os pirulitos! Preciso de mais pirulitos! A Sra. Burnsdale estava ocupada. não. — Que tal parar de assaltar a minha carteira e deixar que ele descubra um pouco as verdades da vida? Vai lhe fazer bem. — Então. — Talvez o senhor me ache supersticiosa ou coisa parecida. Ele afagou a cabeça de Max. me persignava. — Tem muito aí. ele sentiu neles aquele alerta animal — o impulso de fugir. a voz surda e preocupada. prestes a acontecer. sim. com tristeza. McManus o empurrou para a sala de jantar. O Sr. — Não se preocupe. o rosto igualmente murcho estava agitado. . Mas o Dr. — Aquela… aquela mulher. há a Emilie. Aí o médico disse à Sra. Pôs a mão no ombro da Srta. Ele o enfiou no bolso. Johnny parou ao lado dela. — Quem é que está lá fora. A porta abriu-se e Johnny espiou para a cozinha. havia semanas. Ela sacudiu a cabeça. já selado. vá. É Medusa. Ela pegou o envelope. Ela… me fez sair das escolas antes de eu poder me aposentar. obrigando-se a se descontrair. Não é cristã. — Estou com medo. — O quê? — perguntou Johnny. Fletcher não pára de se preocupar com ela. Faça uns para mim. de repente enormes. pois seu instinto anormal sentia o perigo. e. fixaram-se sobre ela. claro. Isso é uma coisa. é. quando me mandar a outra lista. — Bom. Estava muito sério. — Se eu fosse católica. posso falar com o senhor um instante? Há uma pessoa aqui. afinal? Medusa? A Srta. Vou levar a que já preparou. Srta. sorriu e assoou o nariz. as mãozinhas cerradas. — Biscoitinhos danados de bons. Fletcher — balbuciou. por falar nisso. também? Ele foi para um balcão e pegou outro biscoito. prontas para lutar e dilacerar. apertando-o. — A voz fraca falseou e os olhos brandos se encheram de lágrimas. sentada com as mãos murchas dobradas sobre a mesa. Vai dar tudo certo. e o entregou a ele. — Doutor. Burnsdale para servir o almoço para a senhora e as crianças — disse Johnny. se persigne. Bem. Coogan. Coogan. pela primeira vez. Mas acho que é mais alguma coisa. doutor. Burnsdale: — Alguma coisa me diz que é bom começar a se benzer agora mesmo. — Engoliu em seco. Não… não tenho diploma. — Famosas derradeiras palavras — murmurou o médico. A Srta. os olhos das crianças. Ela olhou para a porta fechada que dava para a sala. agora sentindo a agitação rígida e misteriosa das crianças. Isso deixou-o terrivelmente alarmado. — O Padre Kanty os fez me darem… uma pensão. Coogan. — Ela me viu aqui. cheio de curiosidade. Coogan e sorriu. O médico e a Sra. — Ela estremeceu. o flexionar das pernas para saltar. — Acho melhor a senhora dizer à Sra. Sr. atentos. onde um silêncio estranho se abatera sobre as crianças. Burnsdale olharam bem para o rosto dele. que estava tenso. — Pois faça isso — respondeu o médico. — Bom. o nariz aquilino e saliente. vejam só. Ele tem uma serraria. estou sim. — Ah — falou o médico. É sempre bom ser amável com um credor. presos num coque parecendo madeira na nuca enrugada. come pirulitos demais. O médico levantou as mãos. — Vermelhos.— Vou demorar um pouco. feliz. — Vermelhos! — exclamou. Guston se refizera. é a Gussie Guston. disfarçadamente. é o que a Gussie acha. Quando os dois homens entraram. e não Gussie. estava sentada na beira de uma das poltronas tristes. O médico deu um cutucão visível em Johnny e piscou. raios! E dêem graças a Deus por essa sopa deliciosa ali. Afinal. nossa famosa praticante de boas ações e psiquiatra amadora e garota da consciência social! Olá. ofendido. é meu paciente. de verdade. McManus seus lábios se abriram. Mas sua voz estava assombrosamente conciliadora e ela chegou a sorrir. Max. você sabe que o meu nome é Augusta. McManus viu as faces tensas e chupadas. os olhos pretos fanáticos. Gussie. de bom humor —. — Olhou para o menino com um ar feroz. — Duas rugas fundas apareceram entre os olhos dela. Gus! Ele beliscou o braço de Johnny. em consternação. — Imagino que esteja aqui para ver uma dessas crianças infelizes que moram nesta casa? — Infelizes? — perguntou Johnny. Os cabelos pretos. fechando bem a porta. Você é o único que me chama por esse nome nojento. Posso pedir o resgate das promissórias a qualquer momento. O ódio apareceu em seus olhos. no valor de 45 mil dólares. — Ora. diz ele. olhando para a sala com desagrado. Quando ela viu o Dr. você diz a oração de graças. — Muito bem — disse ele. — Eu também tenho barrete — disse Jean. Uma mulherzinha dura. Sabe que tenho promissórias de seu marido. — Gussie gosta de mim. que estava mostrando os dentes no meio dos lábios entreabertos. Al — respondeu ela. Pete. ela girou depressa nas nádegas e o Dr. — Ora. Ele e Johnny foram para a sala. de barrete. . em tom sinistro. Olhou para Pietro. Al. Hoje vou lhe mandar um saco. A Sra. você. ficando com raiva. Mas o médico tornou a beliscá-lo furtivamente e sentou-se. com sua voz esganiçada. sacudindo a cabeça. manchados de grisalho. Johnny sentou-se e se acalmou. para dizer a verdade. — Os dois dizem graças. — Piscou para Kathy e o brilho azul de seus olhos voltou e suas covinhas apareceram. — Ei. com uma voz que parecia uma lata se rasgando. com um costume masculino. — Como você é exagerado. com pirulitos do tamanho de um prato. — Bem. Estou preocupado com o menino que se operou há algumas semanas. e postou-se em frente à mulher. como um raio congelado. de modo que você. Pietro logo começou a saltar na cadeira. Mas isso é irrelevante. O médico fez um gesto. O Sr. — Por nosso intermédio. Mas — ela fez uma pausa teatral — eles já são encargos públicos! O menino Jean foi operado de graça e não cobraram nada ao ministro por sua internação no hospital. — Agimos justo a tempo. Guston. McManus aqui me disse que alguns amigos tinham uma grande dívida para comigo e se encarregaram de pagar as despesas neste caso! — Ele se virou para o Dr. a voz presa: — Já lhe disse que eles não estão preparados para a escola. Uma pena. estariam em turmas com crianças muito menores do que eles. por que não fala. Sra. feliz. McManus e perguntou. o Conselho de Educação soube do caso dessas cinco crianças. Já lhe dei uma ideia do caso deles. As narinas dela se dilataram. Jean só vai conseguir andar daqui a meses. Deviam estar no colégio. com mais raiva ainda: — Bem. — Ele olhou para a mulher. sem terem de suportar a troça de crianças menores na turma. se fossem para uma escola normal. Johnny. é apenas um médico bondoso. o senhor e uma governanta. Quem lhe contou sobre o Jean? Imagino que tenha vindo para ver o que pode fazer. Ela abanou a cabeça e olhou para ele com um triunfo frio. hein? Ela é presidente da Liga para a Melhoria Social. andamos investigando as coisas. Afinal. Bem. Gussie. — Al. — Ela não pode ser menos de oito anos mais moça do que você. onde podem tornar-se bons cidadãos americanos. Sr. Sei que você tem um coração de ouro. Al. — Uma pena. Não foram matriculadas na escola. Estão todas em idade escolar: três meninos e duas meninas. Coisa muito pior está acontecendo aqui. — Isso mesmo — interrompeu o médico. As enfermeiras. continue. E um tal abuso. é só que gosto de implicar com você. com uma raiva profunda e apaixonada: — Não sei de que se trata! O Dr. Fletcher. Uma mulher idosa. Eles precisam… se orientar. nem sei como. — Não concordo. — Não ligue para as minhas piadas. Johnny respondeu. —· Sabe. Fletcher era capelão e apanhou esses… esses pequeninos… em algum lugar fascista horroroso na Europa e os trouxe para cá. nestes últimos dias. dolorosamente. estou do seu lado. Um telefonema para Washington esclareceu o método. Gussie. Já sofreram bastante. Johnny exclamou. na verdade. fazendo o que pode. Foi assumido um compromisso para eles não se tornarem encargos públicos. também! — Sorriu para ele. Gussie. Gussie. E Max. não sei quem pagou. com simpatia. Eles têm de aprender a se adaptar. Cinco crianças. não creio que você saiba de todas as circunstâncias. esse menino — continuou o médico. — Bom. doutor? . De que se trata? Johnny virou-se para ele de novo e só viu o perfil vazio e espetado do velho. Ela lançou a Johnny um olhar da mais pura maldade. Pietro e Kathy. essas crianças — sacudiu a cabeça. Ela forçou-se a adotar um tom paciente. Onde estava a governanta? Afinal. Gussie — murmurou. O Sr. É boa em matemática. — A Srta. — Com efeito. Fletcher! O senhor acredita na palavra de um padre polonês ignorante? Johnny teve vontade de bater nela. Já vi que ele — ela tornou a olhar para Johnny com maldade — tem uma pessoa realmente horrível ensinando a eles. então ou é uma boba ou mentirosa. Guston mordeu o lábio. Não ouvi queixas. McManus. O Padre John Kanty diplomou-se na Notre Dame. imaginem! — Horroroso — concordou o médico. Esses alemães são tão selvagens! Mas onde estava alguém que os protegesse? O Sr. lê e escreve três idiomas — esclareceu Johnny. Conhece mais História e Literatura Inglesa do que a média dos professores universitários. Guston. cinco crianças! Quase desprotegidas. e sua voz desagradável estava rápida: — E toda essa agitação. Sr. Realmente! Ela não serve nem para tomar conta de um jardim de infância. senhora. não pode esperar ter empregados para cuidar dessas crianças. Mas. Já ouviu falar na Notre Dame. Ela se irritou e levantou para ele os olhos de besouro. como o seu tipo se intitula. meu amigo. Ensinando! Ora. então. levantando- se. indignada. Sra. Continuou. a educação abandonada. Era uma força de maldade . que não era nem oficializada. — Continue. Descobrimos que ela não tem um diploma de ensino moderno. O padre John Kanty me garantiu isso. Portanto. frequentou alguma escola de freiras há mil anos. como se ela tivesse provado alguma coisa ruim — da escola pública. Todos concordamos nesse ponto. como diz. — Tenho certeza de que ela é muito competente. O rosto dele deve ter revelado esse desejo. embora um padre fizesse uma fita de lhe arranjar uma pensão. Sra. afinal de contas. O menino Max foi atacado por outro menino. sim. Fletcher é ministro mas mostrou-se muito omisso. sua saúde e bem- estar ignorados. essa mulher está senil! Tem mais de 70 anos! Tivemos de obrigá-la a sair da — o rosto dela se contorceu. a voz mais baixa: — Além do inglês. — Estou. compreensivo. Pode escolher. O Dr. Coogan fala. Fletcher não é casado. Debruçou-se para o médico. pois ela recuou. Ela cerrou os punhos sobre a bolsa de couro duro. é um ignorante. McManus suspirou. Quando a senhora diz que aquele padre. uma mulher da… — Idade dela — ajudou o Dr. A Sra. vão ser largadas. Um padre polonês ignorante? Pensei que a senhora fosse uma das amantes da humanidade. ansiosa. Mas ele manteve a voz calma: — A senhora está mentindo ao dizer isso. provavelmente provocou o ataque. pessoalmente. Ela estava mais confiante. de modo que o branco abaixo deles brilhou. Guston? — O senhor está me chamando de mentirosa? — exclamou ela. Seu coração estava disparado. 500 dólares por ano. — Afinal. e o gosto de morte estava em sua própria boca. que sempre leva a peito o bem-estar das crianças. Fletcher? Johnny respondeu com amargura. . que já demonstrou traços de caráter indesejáveis provocando um menino inocente. Sabe que vão morrer se se separarem? Mas ele não conseguiu continuar. quanto dinheiro para sustentar sete pessoas! Embora a sua casa seja de graça. prestes a se tornarem encargos públicos. o ódio. bem como a gasolina e o telefone. — O caso já está nas mãos da Sociedade de Assistência Infantil. Estava dominado pelo pavor. não estava acontecendo de verdade. — Está condenando os meus filhos à morte — disse ele. Não quer mandar as crianças para a escola. sabe. Achamos que devíamos agir depressa. As crianças vão ser mais felizes no meio da gente delas. e explicar por que essas crianças não podem ser colocadas em lares adotivos individuais. Não podia acreditar. e disse. se o tribunal julgar que isso as torne de fato encargos públicos. — Al. A sala desapareceu de sua vista e ele estava correndo de novo. Seus olhos contemplaram a Sra. no sentido de que o Sr. o som de suas orações nos ouvidos. o bater forte e dolorido do coração. a solidão. com um pai solteiro.concentrada. — Não creio — respondeu a mulher. pelos campos enluarados. Como espera alimentar. Ela soltou uma risada desagradável. pelas crianças. Ele se aproximou da mulher. estamos mandando tanto dinheiro para a Europa. Seus filhos estavam de novo ameaçados pela casa do carrasco. Fletcher deve ser intimado a comparecer ao Tribunal Infantil… o caro Juiz Bridges. Assim. — É. ou. vestir e dar cuidados médicos a cinco crianças? — Ela se empertigou. — Gussie. você disse que o caso já está nas mãos da Sociedade de Assistência Infantil. e em breve será levado ao Tribunal Infantil? — perguntou o médico. O desespero fez seus olhos faiscarem. com o bando de lobos à sua frente. e há lugares. Aqui estão essas crianças. Sentia o movimento de suas pernas. e o Juiz Bridges já sabe de tudo isso? — perguntou o médico. quase gorjeando. e concordam comigo. triunfante. Al. em direção à casa do carrasco. Eu ajo. ameaçados de morte. — Bem. Sr. — Recuso-me a discutir com o senhor sobre o padre. em voz baixa: — É um animal? Diz que sabe tudo sobre essas crianças. Posso lhe perguntar qual é o seu ordenado. educar. de coisas piores do que a morte. apelei para a Sociedade de Assistência Infantil. o abandono. a voz macia. onde receberão a devida atenção. Guston como os olhos de um moribundo. Aquilo era um pesadelo. até ser atacado por ele! — Olhou para a cicatriz de Johnny. elas terão de ser deportadas para seus países de origem. Não toma conta delas. — Conhecemos os detalhes. um bolo de ódio em sua garganta: — Creio que é de 2. você sabe que não sou dessas que apenas pensam. Johnny começou a tremer violentamente. Acho que vou financiá-lo. Se você tivesse tido qualquer interesse por mim. a voz mansa —. McManus então se levantou. quando olha para uma igreja. Em todo esse tempo. poderíamos ter resolvido as coisas entre nós de um modo bom e amigável. sorrindo. saberia que esta é a minha igreja e este é o meu pastor. satisfeita. Gussie? Ela hesitou e umedeceu o vermelho pintado dos lábios. aqui. nunca descobriu nada a meu respeito. se um dos outros não será Mac Summerfield. McManus não podia ser mais simpática e amável. Ele então lhes dissera: “Perdão”. vou lhe dizer uma coisa. o Johnny Fletcher. Mas você tinha um pouco de dinheiro. O Dr. Sua fisionomia continuava simpática. há pessoas. e tenho pena dele. Johnny. — Bem. Você é muito amiga do Mac. com seu rosto triste. Não suportava olhar para aquela mulher. até em Barryfield… que você detesta… que levam a peito os interesses das crianças. olhando para ela. Algum dia já tentou descobrir alguma coisa a respeito de alguém. O juiz talvez escute a voz da razão. Não podia dizer. — Mas agora está fora de suas mãos. lembrou-se dos rostos das mulheres que tinham corrido ao luar para a casa do carrasco. Fechou os olhos. Gussie? — Receio que sim. A voz do Dr. detesta todo mundo. Mas você não se interessa pelas igrejas. — Mas claro. nesse dia vou cobrar as promissórias do coitado do Ben. — Sua… igreja? — sussurrou ela. como diz o seu tipo de gente. desta vez você foi longe demais. — Muitas vezes eu já me perguntei por que o Ben se casou com você. com o dinheiro que emprestei ao Ben. quase sem se fazer ouvir. também. E o banqueiro dele é meu amigo. Gussie. — Gussie. — Quem você quer dizer por “nós”. vamos ver. Gussie… foi igreja do meu pai. — Estou pensando. em seu coração: “Perdoa-lhe”. sem ser para prejudicar os outros? Você me conhece há muito tempo. a não ser quando podiam lhe favorecer ou lhe dar uma posição social. Se o pastor perder as crianças. a não ser que sou um reacionário. sabe de uma coisa? Você detesta crianças. Gussie — respondeu o médico. Então. pensa no dia em que. espera. — Coçou o queixo. Bem. Ela pegou a bolsa e as luvas. você nunca se interessou pelas pessoas em toda sua vida. desde que se batizou. por exemplo. Não é? ·— O médico suspirou. Al. todas elas. O filho do Juiz Bridges é gerente geral da serraria. Gussie. Conhece bem o negócio de madeira. E… outros. Se tivesse esperado. Minha liga. pois o rosto dele estava escuro de aversão. e vindo aqui antes de pôr a Sociedade de Assistência Infantil e o Tribunal Infantil atrás do pastor. pensando. serão todas demolidas. não é? Muitas vezes olho para o Ben. — Gussie. Aposto que. — Pobre Ben. E esse filho é a menina dos olhos . Ela não conseguiu desviar o olhar de cima do médico. para matar as crianças. Al. não é? Nunca entrou numa igreja. Não é mau sujeito. — Não creio que essa mulher seja humana. guris? Aqui. E ela ficou ali. Isto é. — Ah — respondeu Johnny. — Vão ficar sabendo. é bom correr lá para cima. Você é um perigo para ela. Ela olhou para o médico. neste país. Sei de muita coisa sobre você. Gussie. Guston com as mãos fortes e a fez levantar-se. se realizar o seu plano. Descobri que a origem era você. Coogan estava lendo para elas. A Srta. — Vá contar ao coitado do Ben o que vai lhe acontecer. com uma raiva impotente. — Ninguém tem nada com que se preocupar. Uma história mentirosa e escandalosa que você espalhou sobre a filha dele. vai expulsá-la da cidade. Sacudiu-a como se ela fosse uma boneca de pau. temos a lei. As crianças estavam comendo. Está verde. com firmeza. Summerfield. Johnny acompanhou-o. Vai dar uma boa história. A mulher empertigou-se. eu… conto ao Sr. Mac Summerfield? Ora. filho? Saiu nos jornais. de uma vez por todas. Ninguém. que gente como essa mulher não pode prejudicá-las. bufando um pouco. E agora. Gussie. rapaz. — Não pode. caladas. Johnny a abriu para ela. Lembram-se do que disse o seu pai. você me espanta. que é o coração da vida dele. Isso é que a provocou. O médico bateu a porta com força. ele a empurrou para a porta. o rosto azulado. McManus agarrou os ombros magros da Sra. — Bom — disse o médico. quando ele souber de uma coisa que estou pensando em contar a ele. Lorry. Gussie. dizendo: — As crianças! Às crianças vão dormir! — Espero que sim — respondeu o médico. — Bem. não pode. Ora. McManus sorriu. O Dr. naquele tom sedoso: — Gussie. Tenho os melhores advogados no Estado. O médico a empurrou para fora. não tem coragem! O médico respondeu. Espanou as mãos.dele. — Continue a ler. O que lhe fiz para que ela viesse aqui hoje. Ele foi para a porta da sala de jantar. a voz trêmula. — Processe-me por bater em você. o rosto idoso e bondoso ainda muito pálido e tenso. Ele examinou as fisionomias quietas das crianças. medo e ameaças. Era evidente que tinham ouvido demais. o que há com você. não tem coragem! Ora. Pôs a mão no ombro de Johnny. . o que a levou a… ? O Dr. filho? Se vai vomitar. Johnny pôs a mão no braço do médico. Gussie. — Lembra-se do seu sermão no domingo. tremendo. rua! Ainda segurando-a pelos ombros. . atentas. a cadeira de rodas balançando. Fazia caretas de dor. Burnsdale. é o primeiro a escolher as árvores. Jean debruçou-se para ver a terra molhada ser jogada no buraco e depois comprimida em volta da árvore. já muito mais fraca. e que nos ordenou participantes da criação na plantação de árvores. empurrado pela Sra. Emilie. enquanto Lon cavava. as raízes frágeis embrulhadas em aniagem úmida. e a Max. num tom religiosamente solene. se esforçando. encabulado. que estava carregando uma pá. e elas foram colocadas na terra. perguntou Lon. que na véspera tinham cintilado como lantejoulas douradas. . Jean suspirou. Rei do Universo. — O que ele está dizendo? —. acre e enjoativo. que carregava um fardo pesado de mudas de árvores.XVII O sábado foi um dia escuro e úmido. mesmo essas arvorezinhas — respondeu Johnny. Aproximou-se. Burnsdale. ajudando a Sra. Burnsdale. e a dizer onde devem ficar — disse Johnny. Johnny escutou atentamente. As montanhas se erguiam no meio da fumaça industrial num vago roxo sobre a cidade. profundamente contente. estava agarrada à mão de Kathy. tirou o barrete do bolso. eles conseguiram levar a cadeira para a frente. abafado. com sua voz jovem e rouca. Johnny estava andando em volta dos lados do quintal dos fundos. que deviam apressar-se. que nos santificou por Seus Mandamentos. garoto — concordou Lon Harding. muito baixinho: — Louvado seja Deus. enxugando o suor. Ao ouvir seu nome. colocou-o na cabeça e entoou em hebraico. — Mostre onde. enquanto Max andava calmamente ao lado da cadeira de roda. — Está bem. mas seus olhos claros brilhavam. parecia a Johnny que todos se moviam num mundo sem som. acompanhado pelo jovem Lon Harding. Max. começou a cavar no lugar que Jean mostrara. Triunfantes. — Peras — disse ela. de silêncio e irrealidade. — Macieiras — disse Jean —. A triste luz do meio da tarde não lançava sombras. Max foi o seguinte. As árvores desbotadas. duas macieiras. — Está chamando atenção para o fato de que só existe um Deus e todas as coisas estão em Deus. ansiosas. agora estavam revestidas de farrapos sem cor. Pietro pulava pelo quintal como um fauno impaciente mas feliz. As crianças vinham atrás deles. seu conhecimento tênue da língua antiga mal traduzindo para ele. Jean indicou à Sra. — Jean. como mais velho. Quando as duas mudas ficaram retas. Tiraram a aniagem das raízes tenras. Até Jean estava lá. Não houve nada que o impedisse de ir. E o ar tinha o fedor penetrante de uma fundição sufocante. Muito sério. bufando. Ele tirou o casaco de couro e pegou a pá da mão de Johnny. empolgado. Sabe uma coisa? Eles me olham como se eu estivesse maluco. . depois de tudo o que o senhor tem me contado. Johnny se espantou. — Acho que tem razão. encabulado. — Isso é de Chaucer — respondeu Lon. pêssegos — falou Lon. Olhou em volta. andar com minha faca e ficar vigiando os garotos. As pessoas não gostam dos fracos. — Riu. endireitou-se e flexionou os músculos. e esse cubo aqui a planta. Sabe. por que a gente não se junta? Fico dizendo isso pros outros garotos. que estava pulando por ali. — Esfregou a mão na cabeça redonda e eriçada. Assim. — E neste lugar. O garoto mais velho corou de novo e olhou para Kathy. — Vê. um líder. a cara fechada. deve ser um homem audaz. encabulado. ou coisa assim. — Quadrado. para ninguém em especial: — Alguém que tenha ideias! Rapaz! Ele franziu a testa. para não me passarem a perna? Johnny sorriu. Afinal. — Se a gente lê nas notas de rodapé. Também escrevo poesia. o que você quer? — Pêssegos ·— respondeu Kathy. Disse com um ar tenebroso. displicente. — E você não passa de um garoto. — Está bem. começando outra cova. reprovando-o. Um profeta. — Ouvi dizer que os antigos profetas eram muito hábeis com os punhos e alguns também usavam espadas. — Bom. — Ele se apoiou na pá. — Se é assim. — Ela o mostrou com a ponta do sapato novo. Nunca pensei nisso. Diga onde quer a árvore. — Olhou bem para Johnny. continuo a ser o chefe da turma. largo. — Claro. o que o garoto está dizendo. entende o que ele quer dizer. gritou: — Cubo! Cubo! É quadrado! Quatro cantos! — Seus olhos pretos brilharam na luz sulfurosa. eu sei! — Isso mesmo — disse Johnny. — Não brigo com senhoras. brevemente. abraçando o ombro dele. sabe. você tem de se proteger. com um ar imponente. com sua fivela imensa. frisando seu ar maternal e de autoridade. Pietro. — Talvez não seja direito. estendendo os braços. às vezes. já li Chaucer — continuou Lon. — Depois vem a guria de cabelo amarelo? — Sou uma menina — respondeu Kathy. como se enfrentando pilantras secundários. — É — concordou ele. eu me esqueço de que houve diferenças… nas pessoas e coisas. Seu rosto magro e rude tornou a corar. Ele puxou o blue jeans pela cintura e endireitou o cinto absurdo. — A única coisa é que sou mais forte do que eles. como diziam os ingleses. Levo minha faca no bolso e eles sabem que eu sei puxar mais depressa do que eles. pegando a pá de novo. mas olhando para Lon Harding. está bem! — concordou Lon. de verniz preto com uma tira sobre o peito do pé gordinho. a cara fechada. com respeito. Lon corou. — Está bem. batendo palmas. — Está certo. pare de se meter no meu caminho. Não era uma canção que alguém ali conhecesse. com tolerância. dentro de um suéter azul vivo que a Sra. — Afinal. olhando para longe. sim. depressa. A menina parecia translúcida e exausta. afinal. Burnsdale fizera para ela. com uma voz baixa e carinhosa: — Então. — Cerejas! — declarou Pietro. quando Johnny as comprara para ele. rindo. mas anotou mentalmente para falar com o Padre John Kanty sobre a voz de Pietro: uma voz assim devia estar num coro. Johnny a pegou no colo e ela comprimiu suas feições convulsionadas no pescoço dele. tão conhecida. Depois que acabou ela ficou toda feliz e insistiu em beijar Lon. De repente ela recomeçou aquela tosse horrível. Lon escutou os sons sufocados. As faces de Emilie estavam cheias de lágrimas involuntárias. Ela supervisionou o plantio das mudinhas. — Ei — gritou para Pietro —. — Esse guri é um bocado danado — comentou Lon. — É — murmurou Lon. Lon olhou para ele. Então. e virou a cabeça. Lon afundou a pá na terra preta e rica. E este smog é ruim para ela. — Bem. que conhecia a história de Emilie. ele é danado — comentou Johnny. As cerejas foram plantadas. depois que o trinado final caiu por terra como uma chuva brilhante. mãe? — perguntou. De repente cantou e sua vozinha brilhante. assobiando. Johnny falou baixinho: — É o coração dela. pulando feito louco. Tenho uns discos velhos em casa: um é de Martinelli. Ficou pulando. Sentiu os ossos frágeis tremendo sob a pele. Entreabriu os lábios duros e respirou. . Agora era a vez de Emilie. Kathy abotoou os botões do suéter quente com dedos hábeis. o rosto de Jean ficou tenso e até Pietro sossegou. Ele pensou no seu coro e suspirou. amargos. cheia de exultação. em voz baixa. ela enxugou a testa dele com seu lencinho limpo. Sr. teve algumas experiências terríveis. Esse guri também sabe dançar — comentou ele com Johnny. também. para seu . Johnny riu-se diante do vocabulário da nova geração. Fletcher. vinha de alguma recordação perdida havia muito. Esperou até que Emilie conseguisse respirar direito de novo e depois examinou a menina. Falou. os olhos apertados. Você fica com as ameixas. Pôs a mão no bracinho. assombrou até Johnny. Emilie se debruçou no colo de Johnny. o rostinho mirrado ficando vermelho. Quando Lori se abaixou para enfiar as raízes delicadas. foi a vez de Pietro e ele estava quase fora de si de entusiasmo. neném. mas ela lançou um sorriso radioso a Lon e ele virou a cabeça. com a calma e distração de uma mãe. e acrescentou: — Você já parece um pêssego. — Não é isso que eu quero dizer. pára ver suas árvores serem plantadas. Max olhou para a menina. Tinha provado cerejas em Paris. Quero dizer que ele tem alguma coisa nessa voz. Ele olhou para ela com seu olhar ladino e sabido. com admiração. tocando nelas com dedos delicados. Também vou cuidar das árvores. Mas tenho uma coisa para o neném: lilases. mas ele sabia. até mesmo as crianças sabem. A expressão do garoto ficou fria. Havia ainda duas árvores ou arbustos. E depois que o senhor arranjou aqueles serviços de lavar carros e lavar vidraças e armar as janelas de proteção no inverno. os olhos cheios de lágrimas. São como as crianças. de verdade. essas coisinhas heróicas serão grossas. dobrando-se e balançando como varas. O menino olhou para Emilie. o tempo todo. Eu queria dar alguma coisa aos guris. com o novo emprego do pai aos sábados. para pagar as prestações. pensou Johnny. mas não houve resposta a seu mudo grito de dor. Burnsdale. tenho bastante dinheiro. Disse à menina: — Emilie tem ameixas. Aquela dor aguda que já estava ficando tão conhecida de Johnny tornou a lhe percorrer o peito. Olhou para os arbustos de lilases e seu coração se contraiu de novo. são as crianças. estavam firmes num vento que aumentava. Dentro de alguns anos. sem reclamar. florindo na primavera. As crianças estavam fascinadas com as árvores. Foi difícil levar as crianças para dentro de novo. — É bom ficar de olho nessa gatinha quando ela crescer — disse a Johnny. sem olhar para Johnny. pensou Johnny. entregando compras de mercado num caminhão aos sábados. Ele olhou para Johnny com os olhos insondáveis dos jovens criados nas ruas. Andaram por ali. Não havia um tronco que mesmo Emilie não pudesse encerrar nas mãos. brancos. miúdos. Os rostos brilhando. animados com abelhas e pesados de frutas no outono.constrangimento imenso mas comovente. Não é um cara mau. Ele apertou Emilie contra si. Tentou fazer uma oração. Lon olhou para ela. a não ser os lilases em casa. só para Emilie. Então. — São baratas. tão ciumento. Consegui um trabalho. Então. embora houvesse um bolo de chocolate quente esperando na cozinha e biscoitos grandes e uma tigela de maçãs vermelhas. Eles se lembrarão de Emilie em todas as primaveras. pensou. Quase nada. Emilie ficou olhando. mas também tem flores. ali junto a seus pés. quando as flores brotarem. — A mãe agora fica em casa. Mas. Lon. O homem que nos vendeu o fogão está disposto a esperar até podermos pagar a ele. E a mãe está cada dia . De certo modo. — Eu queria — pediu Johnny — que você me deixasse pagar pelas árvores. Os garotos maiores podem esperar. Agora estavam todos solenemente contemplando as plantinhas. nem mesmo Pietro. Lilases franceses. empurrou Jean para junto da árvore dele. em sua angústia. Puxa! Vão florescer na primavera. Sabiam pela sabedoria tortuosa que tinham adquirido na sua própria agonia. É quase suficiente. assim mesmo. e precisava ver o perfume. falou num tom displicente: — As árvores frutíferas não vão ser grande coisa durante alguns anos ainda. altas e fortes. de seu ninho nos braços de Johnny. A Sra. Flores lindas. Ninguém disse nada. Plantei uns o ano passado no nosso quintal. São as primeiras que plantei. melhor. é na hora da aula de adaptação à vida. quando chego da escola. Johnny estava intrigado. desde os seus tempos de garoto — respondeu Lon. funcional. — O Dr. eu olhei. e como manter os dentes brancos. e a dinâmica de dança em grupo?” E eu disse ao pai: “É o que chamam de aprendizagem dinâmica. como o senhor falou. E sabe o que descobri? Ora. e a História Americana em um livro. — Acho que as coisas mudaram. McManus também me deu trabalho. hoje em dia? Cadê a História? Cadê a Aritmética? Cadê o Inglês? Cadê George Washington e a Geografia? E o que é essa bosta”. . é um velhote. — Pegou outro biscoito e o mastigou. — Rapaz! Não faço. Lon. Afinal. Ciências Sociais. e tinha um compêndio de Francês. Berrou e jogou os livros na minha frente. — Bom. nunca pensei que o velho fosse muito inteligente. o pai foi lá ao sótão e trouxe os livros de escola dele. Levantou de um salto. Bem sei por que guardou. Lon? — Isso mesmo. desculpe. Aí ele explodiu de novo. A fisionomia de Johnny ficou sombria. — Bem. a primeira coisa que me perguntou foi sobre a escola. “economia do consumidor. Mas ele começou a ler os meus livros da escola e então ficou uma fúria. A mãe teve as palpitações.— Engraçado. adaptação à vida não parece mau. O que tem. É gostoso ver a mãe. olhando para ele com um ar sabido. e um livro de gramática inglesa que nem os mais sabidinhos de nossa turma iam entender. para o inverno. Conte sobre isso. e saúde emocional. — Bem. que ensinavam naqueles tempos. mas foi o que o pai disse. Guston que dá essa aula… adaptação à vida. como ela chama. e não sabemos nada de História antiga. ele achou que devia se interessar em saber o que eu andava fazendo. por baixo da carteira. Dou uma olhada na Educação Cívica. Quem é que sabe de civismo nas escolas? E Geografia Comercial. E o pai disse: “Que diabos ensinam a vocês. ministro. berrou e começou a meter os dedos nas páginas. e temos cortinas novas. com naturalidade. pensando. e é a primeira vez que vejo como os casos chegam ao Supremo Tribunal e as funções do Supremo Tribunal. — É isso mesmo que estão lhe ensinando na escola. os garotos na última série não poderiam fazer os problemas de álgebra daqueles livros. E Educação Cívica. quase 40 anos. mas não estava interessado mesmo. nos joelhos. com mapas grandes. Até olhou os meus livros. Então. Johnny sentiu logo uma pontada de senilidade. e quando eu faço. O garoto continuou: — O pai também não tem muita instrução mas depois que o senhor conversou com ele. velhos. guris. — Lon pegou outro biscoito e mastigou. ministro. A gente via que ele estava sendo consciencioso. Diagramas e coisas. —· O garoto sorriu para ele. aflito. não o que temos agora. — Mas quando é que faz os seus deveres de casa? — perguntou Johnny. há umas semanas. dizendo: “Livros da nona série: 1918! Olhe só para eles!” — O rosto duro de Lon se aguçou. e como ter um namoro bem-sucedido. O garoto soltou uma gargalhada grosseira. É a Sra. da primeira série secundária. Ministro. é. bem aqui em Barryfield. O velho do Bob era mineiro. só uma. Lon levantou-se. — A sua voz jovem estava melancólica. tem ações da New York Central e de outras estradas de ferro e só mora aqui porque nasceu aqui. tão sem dicção e com as consoantes tão indistintas. “adaptação à vida” e máquinas e outras bostas. Cristo. Nada de “adaptações ao grupo e à sociedade”. Mas é engraçado. E depois. Então o diretor nos reúne e nos fala pra surrar aqueles caras. Ele também está na última série. E então ele viu que era uma arma. Ah. mantendo alta a cabeça fina e inteligente. As mãos de Lon começaram a brincar com aquela imensa fivela do cinto. — Bom. Quem me dera que o meu velho inventasse um aparelho ou alguma coisa. eles nos ensinam muitos esportes! O pai adora esporte. e os olhos brilhavam com um ressentimento furioso. há uma escola particular na cidade. Ele se esqueceu de Johnny e ficou ali. de couro. não são? — São — respondeu Johnny. e recusa. e seu rosto já não parecia jovem. mas diz que os esportes no colégio só tomam o nosso tempo. outra coisa de que só me lembrei agora. jogamos contra os outros ginásios públicos. Johnny viu isso e disse consigo: deve haver dezenas de milhares. de meninos como este. E. Nada sobre o que fazer com a namorada ou coisas insultuosas sobre escovar os dentes para eles ficarem bem brancos. sozinho. E essa escola particular nos desafia para um jogo. depois que a gente ameaça fazer greve. de modo que a gente não aprende nada nem quer aprender nada. ganhamos o jogo. raios. A Beaverbrook School for Boys. recomeçou. e me mostraram uma cópia de um exame vestibular antigo e. alguns de nós passamos a conhecer uns caras daqueles e hoje um deles é meu amigo. o Bob e eu começamos a falar da escola. mas Cristo! Os livros de Bob eram grego para mim! Tinham todas as coisas que o pai disse que aprendeu na escola dele e eu não. alto e ágil. mas cheio de raiva e frustração maduras. Bob tem orgulho do velho dele. talvez milhões. e prendeu os dedos no cinto. que Johnny achara absurdamente comovente. Queríamos mostrar a esses caras grã-finos com seus conversíveis e suas garotas de suéter de caxemira e rosa e tacos de golfe. Sabe uma coisa? Eu andei pegando livros da biblioteca e estudando uma porção de coisas. sabemos a respeito das escovas de dentes. Mostrou-me os livros dele. para eu também poder ter um conversível e uma daquelas bonecas. Ele suspirou. e inventou uma máquina automática de minerar carvão e um aparelho de alerta automático quando o carvão começa a ficar espesso. não é? E as garotas são só garotas. Então os caras de Beaverbrook nos provocam. Lon estava falando de novo: — Temos um time de handebol na escola. sem nos esforçar. não consegui responder à metade das perguntas! Talvez o pai tenha razão. — Acho que nunca vou ter a possibilidade de fazer coisa alguma. O diretor não queria isso. Bom. eu me candidatei a uma universidade onde tem uma ótima Faculdade de Engenharia. Só de farra. Bom. A voz aguda de Lon. dessa vez digo bosta e não peço desculpas. uma arma mortífera presa a um cinto grosso e largo. O velho dele é o que os nossos professores chamam de proprietário ausente ou coisa assim. . Então o diretor concorda. pensando. e por fim passo nos exames de segundo ano. na nossa escola? Não deve haver exames competitivos! Nenhuma “criança”. As salas na escola de Bob são legais. Que tal ir para a escola de Bob para o seu último ano? Não é tarde para se matricular. o dinheiro dado pelo Dr. mas escuros e desiguais. em sua adaptação à vida. Nada parecido com a nossa escola. — Ah. vai para uma boa universidade. — Um dia o Bob me levou ao colégio dele. Ele pilhou Kathy olhando bem para ele. com desenhos. dizem. Lon. Lon olhou para ele pasmo. Escute. Então ele me arranjou os livros do segundo ano e cá estou eu. me arranjou os livros do terceiro ano. E eu ajudo. Você . devia ser levada a se sentir inferior. E depois. só acertei sete em cada 10 perguntas do segundo ano! As outras três? Nunca ouvi falar. quando você se formar. está maluco? — Não. E este ano. Lon. os olhos azuis muito sérios. cabelo amarelo — chamou ele. — Ele se virou para Johnny. com as notas que tiver. em todo caso. Stevens e os soldados. Ele fez um gesto expansivo com a mão suja e calejada. — Bom. — Chama-se o odor da ciência. Carteiras velhas e estragadas. — Sabe o que dizem. quando crescer. Tenho certeza de que tem outras além desses jeans e o cinto… e coisas. você me disse que queria ser engenheiro. Acho que vou me casar com você. foi planejado assim. O que posso fazer por esse garoto? Pensou no dinheiro que tinha depositado no banco para as crianças. ministro? Tinha um cheiro na escola de Bob… — Eu sei — falou Johnny. Bob me arranjou uma cópia. de tijolos escuros. no último ano do ginásio estudando por eles. McManus. no último ano do Ginásio de Lenox Street. com precisão: — Você é um bom menino. — Olá. “Para às crianças”. Eu a levarei na minha entrega no caminhão e comeremos hambúrgueres. quando os garotos bobos querem se exibir. Um colégio pequeno. E Bob disse que não foi por acaso. Nós temos linóleos novos e alegres. de tijolo amarelo e vidros formando as paredes em volta. eles tinham dito. Lon. e nossas salas são grandes como o diabo. Ela respondeu. Mas sabe de uma coisa. Pois eu. nós só teremos de dirigir caminhões e operar máquinas. claro. o Dr. Não importam as roupas. isso poderá prejudicá-la. perdido em seus pensamentos sérios e furiosos. — Lon. o Bob me arranjou um exame de primeiro semestre do segundo ano de ginásio. dos perdidos e traídos. Você vai entrar! E… tenho um amigo. cujo rosto estava tenso e pálido. E ali estava outro. de algum modo. Vou ligar para o diretor da escola de Bob. Johnny mexeu uma colher no tampo de plástico da mesa. e disse devagar: — Olhe. Mas também. Ele ficou olhando pata a frente. É só me ligar quando tiver 18 anos. numa rua boa. presas no chão: as nossas podem ser mexidas para ajeitar as coisa. Johnny tomou uma decisão rápida. assoalhos encerados. ministro. O simples conhecimento não basta. e estou estudando. tentando sorrir no meio de seu temor. sérios. Os outros fizeram eco. sua expressão fixa. a voz rouca. Johnny levantou-se. Fale com seus pais. Lon. — O senhor está falando sério? — perguntou Lon. Telefone-me amanhã. Está ficando escuro e você já devia estar indo para casa. .pode trabalhar para custear seus estudos. com alguma recordação remota de disciplina. que estavam cheios de ardor e resolução. impaciente: — Lon tem de fazer o que o papai diz! O menino temperamental não podia entender a quietude total do garoto mais velho. e mais tarde vai ajudar. — Papai é quem sabe — falou Kathy. E você há de se lembrar. — Se eu conseguir salvar um de vocês — continuou Johnny — já vai ser alguma coisa. Um só. com afeto. as mãos frouxas e caídas. Olhou dentro dos olhos azul-escuro de Johnny. sim. — Estou. Pietro gritou. Foi o que eu fiz. Lon não conseguia falar. — Pôs a mão no ombro magro e o sacudiu. — Pense nisso. vamos.XVIII As crianças não falavam de outra coisa. Emilie. o médico ficou calado algum tempo. radiante. refletindo. lembrando-Te! Ele pensou nessa solidão e foi dominado por uma tristeza nova e mais poderosa. você vai dar flores. ele não te dá amor. — Acho que não. Johnny lhe contou tudo sobre Lon. Senhor. sorria. A maldade humana não tem limites. a não ser Emilie. Estavam sentadas à mesa com Johnny. torcendo o cigarro na boca. Então a sua revolta feroz o dilacerou de novo. pensou Johnny. As faces de Jean estavam coradas e até as de Max. comendo com apetite. As crianças soltaram gritos de prazer mas não havia prazer no rosto de Johnny quando se virou e viu o Dr. por muitos anos. muito conhecida. lembrando-se de que ainda havia pouco tempo ele tivera compaixão da humanidade pelo mal que ela abraçava cada hora de cada dia. A expressão fechada e vazia tinha desaparecido de seus olhos castanhos. pensou ele. e com ela ressurgiu o antigo ódio pelos que tinham quase arrasado as vidas dessas crianças. mais desarrumado e desgrenhado do que nunca. Por amor. com pesar. mas ela estava sorrindo. Depois que Johnny concluiu. pensou Johnny. Como deve ser solitário para Ti. Depois exclamou: . depois de olhar depressa para Johnny. quero conversar com o senhor. Além disso. O velho levantou uma das sobrancelhas espessas. comendo de novo. o sofrimento novamente apertando seu coração. aí nesses espaços. — Ainda sobrou torta de maçã? — perguntou o médico. doutor. — Está bem. Fez-se logo um silêncio e todos os pares de olhos infantis se voltaram para a menina. e dessa vez por Deus. quando encontrava o olhar de Johnny. — Muito bem. rezou ele. como nos Estados Unidos. meu amor. por que vieste? Por que subsiste ao Calvário e foste crucificado? Passaram-se dois mil anos… e o homem não é mais bondoso nem misericordioso. Johnny se levantou. tomaste a carne dele. sentando-se. Max era mesmo o assombro. para si. não só na Europa. essas flores? Nós não recebemos flores. ele não falava muito mas olhava em volta de si com interesse e atenção e. encabulado. É. McManus. e com a expressão mais temível. Kathy insistiu com Emilie para ela comer: — Não é ótimo. O Lon deve gostar mais de você. e no entanto. pensou Johnny. com uma satisfação que quase venceu o seu desânimo. se empanturrando custa dos que trabalham! — exclamou uma voz esganiçada. Ele acenou para as crianças e foi para a sala com Johnny. Como eles sabem!. — Emilie dá flores — respondeu Emilie. a não ser as árvores. Se era homem de sindicato. um dos donos de minas daqui. com firmeza. que tem credenciais. esse é o Swensen de que Lorry me tem falado. lisas e brancas. devagar. singularmente espectral. Beaverbrook. Transtornou toda a minha vida. um homem alto e robusto. — Que sala horrorosa. teremos de fazer alguma coisa quanto à mediocridade propositada do currículo escolar e os garotos inteligentes. rapazinho. Não me preocupo com o dinheiro. Podemos entrar e conversar com o senhor? Johnny olhou para o Sr. Ele abriu a porta. — Deus provê — respondeu o médico. por cima do ombro: — Mas ainda assim. era uma espécie inteiramente nova. Deu o pouco dinheiro que tenho. — Sempre fez isso. ainda perplexo. — Olá. Johnny olhou para ele. O médico olhou para o jornal. focalizou a atenção por um instante no Sr. Dan McGee. — É aí que o senhor entra no caso. Queria que falasse com ele e tentasse conseguir que o Lon entre para a escola dele. de seus 55 anos. Falou. grandes. mandou-me para cá. Swensen. — Olhou em volta da sala. Ainda não sei bem por que estou aqui. Olhou para as mãos do Sr. com o monte de ondas brancas na cabeça redonda. e um homem esguio. e o Padre John Kanty e o Rabino Chortow e Lorry. não quero demoli-la. acendendo a lâmpada por sobre o alpendre. o Dr. Mas o médico estava sério de novo. Por falar nisso. Sempre a achei pobre. Como é que se interessa pelas nossas minazinhas de nada daqui? . sorrindo. Um homem “da cidade”. e nos deu a todos o senhor. Está bem. intrigado. Em todo caso. McManus levantou as sobrancelhas imponentes. você me faz fazer as coisas mais infernais e ridículas. Sr. Mas ninguém fazia nada a respeito. Kennedy. — Este aqui é Glen Dowdy. mas talvez acabe descobrindo. Havia três homens na entrada. Swensen. O Dr. com um rosto aflito. Sol Klein. E no que chamavam de roupas de Brooks Brothers. — Pensei que o pouco dinheiro que você tem era para os seus guris! Essa sua ideia é a mais incrível que já ouvi! Claro que não está falando sério! — Estou. O ministro deixou os três homens entrarem na casa. todo rosado. — Esta era a casa de meu pai. Talvez… A campainha tocou e Johnny se levantou e foi para a porta. — Mas segui o seu conselho e usamos panelas. Fletcher — cumprimentou Dan e mostrou o último homem. Nem sei por que o apoio. E este — indicando o estranho louro e sorridente com as roupas muito bem-feitas e um ar de segurança sofisticada — é o Sr. Lars Swensen. Amigo de Mac Summerfield. com sarcasmo. —— Talvez mais cedo do que imagina. Swensen e pensou: Então. com firmeza. Vou falar com Roger Beaverbrook. Conhece o Sr. sim — respondeu Johnny. o telhado está com goteiras? — Claro — respondeu Johnny. de altura média. de olhos azuis muito claros. e pensou: Esse homem nunca foi mineiro. — Resmungou. McManus pareceu espantar-se e disse: — Então. McManus. O Sr. piscando. Então. de modo que cada um soubesse o que o outro quer dizer. pensativo. diz ele. O Sr. Por quê? Os homens em geral tinham um motivo urgente para mentir. o seu sorriso feliz. o que entende por justiça. Johnny hesitou. ligeiramente. Swensen? O Sr. Swensen estava mentindo. que me interesso pela justiça. McManus resmungou e se mexeu na cadeira. doutor. Por falar nisso. Dowdy. — Neste caso — respondeu. Swensen. — Estudei semântica. perplexo. Parece que ouvi dizer que a justiça tem mil nomes. mas não me lembro dele. Ora. Devíamos ter uma língua mais precisa. Swensen aqui. McManus. infeliz. tem o jornal da tarde aí? Pegue-o. e o médico se empertigou na poltrona. O médico levantou-se. Swensen! Mas como assim? Em que isso lhe interessa? De que se trata? Depois ele se virou depressa para Johnny. Acho que nos encontramos Uma ou duas vezes. Sr. está interessado em obter justiça para os nossos mineiros. olhando para os três outros para um esclarecimento. antes que alguém pudesse responder. foi para a secretária e pegou ali o último número do Press. Johnny. que estavam jogados desanimados em suas cadeiras. acendendo um cigarro. Deu toda sua atenção ao médico. Dowdy tossiu. e depois para o Sr. Swensen? — perguntou o médico. — Hummm — fez o Dr. como ninguém falasse. com delicadeza — a justiça significa o certo para os mineiros de Barryfield. Qual seria o motivo de Swensen? De repente McManus viu que Swensen estava olhando para Johnny demoradamente. — O senhor poderia dizer. — Já ouvi falar do senhor. empregador ou empregadores. sem dizer nada. Swensen sorriu. que conhece Mac Summerfield “ligeiramente”. que estava inteiramente perplexo. conheço o Sr. Summerfield. Pode significar qualquer coisa. Sempre achei que eu podia dar um bom detetive particular. Swensen ao médico e o Sr. É a palavra mais vaga da língua inglesa. o jornal ocultando a parte de cima de seu corpo. com franqueza. olhando para Johnny. Também depende da sua política. Swensen murmurou. Johnny apresentou o Sr. como o francês. que entregou ao Dr. — Ei! — exclamou. — Justiça. — Acho que estou tendo uma ideia sobre o Sr. para qualquer pessoa. avaliando-o. É amigo do Mac Summerfield. não é? O Sr. O médico ficou calado. Sr. Uma sensação forte de inquietação lhe provocou um formigamento nas mãos e nos pés. . McGee e o Sr. pesando-o. de repente. Swensen sorriu de novo. polidamente. como se achasse graça. Sr. religião. e até de sua mulher. é? Mas isso é formidável de sua parte. O Dr. que é uma língua muito vaga mesmo. Sr. — O que está fazendo aqui. O Dr. equilibrando-se em suas pernas curtas e grossas. Swensen parecia estar-se divertindo. ficar sem lar. Só quer ser um rico commissar. “Os povos”. cuidados médicos de graça. Ora. McManus.” Johnny disse. segurança social. É liberdade o homem passar fome. e não querendo um governo vigiando-o como uma galinha canibal. no domingo passado. . de modo que. — Johnny. cá está o seu último sermão. tentando se controlar: — O homem não só é mentiroso. e que o Sr. Fletcher. com pesar: — Filho. dar alimento e abrigo. Você disse que o homem tem o direito de ser liberal de verdade. um homem que não quer ver o governo se intrometendo em seus negócios. Eu me pergunto quantos de seus milhões ele está disposto a entregar ao governo. somos povos!. Eu me lembro. Você está na lista dos que serão liquidados. O médico disse. e o governo que não meta suas mãos sebentas. O Sr. isto é. Foi por isso que vim aqui. como a maior parte do povo deste país. e não a ganhar. Seus olhos faiscavam para o Dr. medicina socializada e alguns dos frutos e prazeres da vida. com calma —. do direito do homem escolher. com raiva. Por implicação. Uma pena. Fletcher. uma boa parte dos lucros do capitalismo. disse o Sr. morrer na miséria absoluta. Somos apenas americanos. Johnny? Não somos mais gente no mundo. Mac comentou-o neste jornal. com a voz bombástica do demagogo. por todas essas coisas? — Ora — falou o médico. calado. “não estão interessados em alguma recompensa mística para o sofrimento planejado para eles neste mundo. não queremos saber dela. como ainda parece comunista. filho.” “Como os povos em todo o mundo estão exigindo moradias decentes à custa dos ricos. Fletcher. A função do governo no mundo moderno é cuidar do bem-estar de seus povos. como um dos assalariados das forças da fortuna reacionária. Você disse que um verdadeiro liberal defende a liberdade. percebeu. O Sr. Mas o Mac não gostou do seu sermão. também ele denuncia todos os sindicatos. Swensen estava achando graça. Muito bem. Se isso for a livre empresa. a dignidade humana. esperando para bicar os olhos dele se ele se ressentir por ser um pinto indefeso a vida toda. desde que ele se comporte como um ser humano decente.” — Ora. Fletcher tome nota disso. Fletcher os acusou de parasitas materialistas. o mentiroso desgraçado! — exclamou Johnny. Gente como você. por que esse médico bobo e rico havia de se importar com o que acontecesse com as massas nojentas de americanos? Não era típico. nega que seja esta a função do governo. As doações serão feitas pelos que são obstinados e acreditam na liberdade e no direito de organizar suas vidas. Cale a boca e deixe que eu continue. merecem a ira dos deuses inventados por seus opressores. ou ver os filhos passarem fome? O Sr. com milhares de escravos dóceis. eu acho. Vou ler o editorial e aí vamos começar a entender as coisas. segundo o Sr. Fletcher insinua que seja isso. o Sr. pois os sindicatos são organizações modernas instituídas para proteger os povos da fome e da miséria. e segurança do berço ao túmulo. Mac falando: “Uma certa raça de ditos liberais são os verdadeiros déspotas. Ouvi o seu sermão. — Falei da liberdade. E eu também. escutem. nenhum. de médicos que aprenderam a servir. está perdendo o seu espírito de calma cristã. Isso é ironia. N. Muito bem. E esse sorriso tinha por trás uma longa prática. Sustentada pelas fortunas dos velhos magnatas mortos. Dowdy suspirou.Y. Nova York. mas só o que sei sobre sua organização é o que . E talvez esteja mesmo. Swensen. — Nunca teve muita oposição. — Eu não disse que aprovava vocês. Agora os velhos diabos deixam fundações! Será consciência? Querendo comprar passagem para sair do inferno? O Sr. O Sr. Maravilhoso. durante as disputas. — Vim trazer a paz a Barryfield. então vocês se intitulam uma fundação. Tinha dentes excelentes. Engraçado. doutor — respondeu. Lars Swensen. que franziu a testa um instante e depois leu em voz alta: — Fundação de Relações Industriais. já ouvi falar. O que tem a ver com tudo isso? Com Mac Summerfield e esse editorial nojento? Por que está aqui? O Sr. Gostariam de vê-las? Abriu uma carteira de couro gravada em ouro e entregou um cartão ao médico. Mas eu mesmo gosto de fundações. — Isso mesmo! — concordou o médico. Examinou McManus com mais atenção. — Ninguém que pensa escuta o que diz Mac Summerfield — disse Dan McGee. delicado. até o senhor aparecer. que chamavam de magnatas do roubo. O médico continuou: — Bem. — Uma fundação criada pelos velhos canalhas durões que nunca pediam clemência. sorrindo. — Mac Summerfield já causou mais problemas nesta cidade do que qualquer outra pessoa. com aspereza. Ele diz que é porque Deus está com ele. Swensen mostrou-se superior. Eis uma fundação organizada pelos ladrões e assassinos para ajudar os filhos e netos de suas próprias vítimas. Mas ninguém me pediu para mostrar o que o Sr. ou se revoltar. Dizia-se uma organização de mediação e conciliação entre o capital e o trabalho. Swensen pareceu ficar meio espantado. E isso nos traz de volta ao senhor. Swensen sorriu. e foram responsáveis por massacres sempre que os pobres trabalhadores queriam se organizar. — Sorriu de leve para Johnny. Sr. — Bom. notou o médico. — Ele amassou o cartão e olhou para o Sr. — Já ouvi falar da sua organização. McGee chama de minhas credenciais. existe a retribuição. Só o Johnny. Estava falando de fundações legais. — Mac contrata desordeiros para provocar greves e se meter com os comunistas e ninguém ousa reclamar. — Os olhinhos de pedra do médico sorriram para o espaço. Eu mesmo já vi. ou ousavam pedir um salário de vida! Belos tempos de exploração e sofrimento! Eu mesmo me lembro de um pouco disso. Diretor. O Sr. — Não me atribua palavras que eu não disse! — exclamou McManus. — Ainda bem que aprova a nossa obra. Não lucrativa. Quer indispor todos contra seus semelhantes. quando tratam de subsidiar pesquisas na Medicina e Ciência e dar bolsas de estudo e adiantar dinheiro para moradias decentes e promover a tolerância e coisa e tal. nem a davam. e quem disse que o populacho pensa? — perguntou o médico. quase. Swensen. É. — Jamais vamos obter a verdade de você. Entenda isso de uma vez por todas. — Precisamos de fazer obras nalgumas das paredes das minas. de bom grado. O médico então postou-se diante dele. Swensen mostrou-se paciente. — É exatamente isso. — Doutor. quem é você. se não tivermos dinheiro para explorar as nossas melhores propriedades. em nome de Deus. — Talvez eu não seja muito esperto. O Sr. Isso é camuflagem. — Mas isso não faz sentido — interveio Johnny. Swensen retribuiu o exame dele com uma indiferença calma. — Swensen. — Pois eu consigo — falou o Dr. O Sr. teremos sorte se conseguirmos ficar em casa. Swensen. McManus. se quiser — respondeu o médico. com pesar. O médico se levantou. Como estão as coisas. Johnny não se iludiu. com animação. Consideramos todos os fatores e achamos que os mineiros desta cidade precisam de auxílio. mas. vamos tratar de negócios. doutor — falou. tornando a sentar-se. como é que vamos pagar os salários mais altos? Summerfield sabe disso. de modo que não consigo entender o que está havendo. Não está interessado nos mineiros de Barryfield. Dowdy. — Bem. Dowdy falou com muita apreensão. Disse consigo. O Sr. — Se Summerfield sabe de tudo isso. ele escolheria justamente esta ocasião para incitar os mineiros a fazerem greve por aumento de salário? O doutor suspirou com paciência. A sincronização dele é perfeita. vou-lhe contar. — O dono da mina sacudiu a cabeça. Summerfield não está interessado no bem dos mineiros. Somos o que se chama de quebra-galhos. Então vamos. mas não entendo o que está acontecendo. São os nossos filões mais ricos. alarmado: Ora. Swensen. Não temos o dinheiro. mas não vou revelar nada. É por isso que estou aqui. já que é isso que deseja. Estou aqui para ajudá-los. Também não temos dinheiro para isso. Swensen conservou o ar de amabilidade geral. Seu rosto ficou sério e alerta. O que ele quer é encrenca. Quem é o seu verdadeiro alvo? O Sr. Então. O Sr. os nossos motivos são puramente humanitários. analisando-o pensativamente. Tenho uma ideia. — Está bem. em todo caso? E o que está pretendendo fazer aqui em Barryfield? Diga-nos. Pode mentir. andou em volta do Sr.acabei de dizer. Por fim Johnny começou a compreender e voltou sua atenção para o Sr. mas em seus olhos havia uma expressão bem mais dura ao olhar para o médico. os olhos dele parecem os . e como um terrier gordo e velho. se quisermos mandar os homens trabalharem lá. Conte. Swensen. pedindo aumento de ordenado. você é um mentiroso. Ouvimos falar que há uma ameaça de greve. A Mina Sete está mal e a Mina Cinco também e temos de torná-las mais seguras. E agora Mac Summerfield está provocando os mineiros para fazerem greve. amável —. Swensen conservou uma expressão divertida e delicada. então por que. Só têm a aflição. — Naturalmente — disse o Sr. Johnny. com toda a sua filantropia? — Claro — disse o Dr. Precisam de mais dinheiro pra tornar as minas mais seguras. — Os proprietários têm de assumir a responsabilidade dos prejuízos que causam. nenhuma emoção. Fletcher pudesse ajudar e mostrar ao Sr. Mas continuam a trabalhar. nada por trás deles. hoje à noite. Dowdy parece estar fazendo? O Sr. . Swensen diz que os mineiros deviam ter em Barryfield não é possível mesmo. Pensei em virmos todos aqui e talvez o Sr. Fletcher. McManus. Sua expressão estava muito simpática. em todo caso. Swensen. — Andei examinando os livros do Glen e de alguns outros donos de minas também — falou o Sr. E então. O Sr. E eles sempre têm de responder a processos de gente que tem rachaduras nas casas por causa das explosões. se o Sr. Os mineiros recebem seus salários. os mineiros trabalham em regime de trabalho escravo. Na Rússia. Podem crer. e as coisas só fazem é piorar. como o Sr. aqui. na esperança de uma melhora.olhos de alguns dos nazistas que vi na Europa! Vidro…. as preocupações. Nada senão o ódio. Bem. abriram as minas. e essas minas que têm já estão muito exploradas e agora estão começando a funcionar com prejuízo. dando risada. Não podem pagar mais aos nossos homens. nada. eles é que correm os riscos. o esforço de manter todos esses planos. McGee continuou: — Mas o Sr. Mas não tiveram o dinheiro para isso. Se os homens ganhassem cem dólares por dia. ainda não seria o bastante. nem planos de doença. nem seguro de desemprego. só para manter as minas em funcionamento. Swensen pareceu interessado. falou irritado: — Deixe de ser idiota. Dowdy periodicamente trabalha de graça. No entanto. poderiam ter aberto novas minas ou escorado as que já possuem. Swensen que na verdade não existe problema entre os mineiros e os donos das minas. eu bem que gostaria de vê-los conseguirem tudo isso! A mineração é o diabo. passando a sentar-se na beira da cadeira. não sofrem perdas como os donos. e é isso que estive dizendo ao Sr. e um grande plano de auxílio médico e de aposentadoria. Isso não é nem comunismo. numa voz aflita. McGee. o que o Sr. Ele olhou para Swensen com uma aversão franca e ardente e continuou: — Direitos iguais não significam recompensas iguais. amável. Os donos de minas investiram tudo o que tinham nelas. Swensen. Mas isso não tem nada a ver com suas outras responsabilidades… dar um salário decente a seus mineiros. pensei no Sr. com um açoite nas costas. O Sr. o senhor parece acreditar que. os impostos. Dowdy e seus amigos não têm planos de aposentadoria para si. e isso é outro sorvedouro de fundos. Se Glen e os outros donos de minas tivessem ganho bastante nesses últimos 20 anos. E gente como o senhor aparece aqui só para armar encrencas. que nunca podia se esquecer dos olhos de Swensen. e os burocratas ficam com todos os lucros. É isso que deseja. só que alguns dos mineiros recebem panfletos de estranhos perto dos poços. e não o têm. seus empregados têm direito a um aumento. Eu fui mineiro. Trabalham por nada. Swensen diz que os homens têm de ganhar salários uniformes como nas minas grandes e benefícios maiores e melhores. — Mal estão ganhando para pagar as despesas. e sei. — Estamos aqui para discutir os assuntos. Você está atrás de alguma coisa ou de alguém. Não quero fechar as minas. Conhece o caso das minas em Barryfield. a não ser os mineiros. coisa que não ganhei nunca em minha vida. e os outros donos também. com um leve sorriso. se me forçarem. Vou morrer muito breve. Podem esperar. não me preocupo muito com coisa alguma. pensativo. e tenho um filho na universidade. com pesar — que o Sr. O Sr. sentindo-se mal. têm de receber os mesmos salários que recebem os outros no ramo da mineração. Eu não voltaria a ser mineiro nem por 10 mil dólares por ano. se fizerem greve? Não podem tirar sangue de pedra e a maioria sabe disso: e Dan aqui sabe disso. Dowdy —. mas o Sr. Tenho um pequeno seguro para a minha mulher se sustentar. Swensen. Portanto. virou-se para o Sr. Não é muito importante. O Sr. talvez permanentemente. Disse. não posso aceitar tudo isso. Deus. Swensen continuava distante e achando graça. — Não vamos ser pueris — respondeu o Sr. Swensen não fez caso dele. — Não obstante. Johnny aproximou-se dele depressa. Parece que essa conversa informal foi uma perda de tempo. McManus. Já viu meus livros. Fletcher. mas. e o convencesse a aumentar os salários dos homens. se os homens esperarem… e quanto tempo dura o seguro?… vão ter de esperar para sempre. O Sr. Então. — Não foi John L. Johnny é o que a Bíblia chama de um homem justo. isso é certo — interveio o Dr. agiu como um catalisador perigoso aqui. Fletcher concordasse comigo. e é por isso que não o compreendo. O que me pergunto é o seguinte: por que está aqui? Quem o mandou? Como conseguiu unir elementos tão disparatados? Antes que Johnny pudesse responder. Os homens justos podem fazer o diabo . se fizessem isso. provavelmente com um ordenado muito baixo. é? Um ministro de cidade pequena. Esperou que o Sr. — Não faria isso. Os mineiros de Barryfield têm de ter justiça. Lançou a todos o sol de seu sorriso feliz. Swensen. Swensen. Swensen. quem o mandou. O Al aqui me disse. e já disse a eles. Eu não os culparia. Não sou comunista. McManus pôs a mão no ombro dele e sorriu. Dowdy. Mas uma greve só significa que vão ficar sem trabalho. Sr. Dowdy continuasse. Swensen limitou-se a olhar para ele. em tom de súplica: — O senhor sabe da verdade. se ela tiver cuidado. No entanto. Olhe. pensando. — Quem o mandou? Ora. ou arranjar outros serviços. Fletcher. queremos manter os homens empregados. Eu tinha esperanças — acrescentou. que em breve será médico. O senhor não tem coração? Não se importa com os nossos pobres mineiros? Não sabe o que vai lhes acontecer. diz ele. com seu sorriso maquinalmente simpático e disse: — Estou pensando sobre o senhor. Já está ficando muito difícil para mim agora trabalhar e tentar equilibrar as coisas. o que os mineiros vão fazer? — Ah. Sr. — Bom — disse o Sr. eles têm seguro de desemprego — respondeu o Sr. o Dr. e não para fazer acusações tolas. terei de fazer isso. Sr. Sempre fizeram. McManus.neste mundo. a centímetros de Jean. McManus se levantou e foi atrás dela. — Sou o que o senhor vê. tão velho. em nome de Deus? A Sra. Estava terrivelmente consternado e pensou: Não adianta. — Pensa que vão escutá-lo. amargurado e calejado. Eram estranhas outra vez. — Jean — disse o médico. . Os olhinhos estavam tensos e ela olhou depressa para o Dr. ódio e desconfiança. assassinados ou perseguidos e levados à excomunhão econômica por políticos ou seu próprio povo. todo o trabalho que Johnny teve. — Seus cabelos grisalhos estavam úmidos e encrespados. desde o princípio. — As crianças querem dar boa-noite. O pior de tudo. — Está bem. Já. de repente doeu por Johnny e as lágrimas encheram seus olhos. com naturalidade. Fletcher. O rosto da Sra. mas parou. um ministro — falou Johnny. mas o Dr. Swensen levantou a mão em concha ao rosto. com o calor e umidade da cozinha. McManus mal podia reconhecê-las. Jean apertou mais a faca. O Dr. McManus parou. — Só isso. É por isso que estão sempre sendo crucificados. Até mesmo o cabelo liso e louro de Kathy estava eriçado em volta de sua cabeça redonda. a expressão de um pavor gelado. Burnsdale bateu à porta e depois a abriu um pouco. com um curioso aperto no coração. como uma juba. junto da janela da cozinha. Não importa. Quando é que ele vai aprender? O coração dele. O Sr. todo o sofrimento. aquela antiga expressão nos rostos delas. Swensen deu uma risada. Eu mesmo vou procurá-los. numa vozinha fina — o quê. tremendo muito. toda a fé. McManus já ia para junto dela. Sr. Vão me dar ouvidos. — Bem — perguntou. Burnsdale. Emilie estava escondendo o rosto no ombro de Kathy. Tipo de vida incômoda. vou lutar contra o senhor. Burnsdale desapareceu. as crianças se aproximaram mais dele. com aspereza —. sacudindo a caneca num sinal para ele. largue essa faca. conheço a linguagem deles. todas as orações. para o médico. O Dr. O Dr. lhe fez um sinal imperioso. perdidas e abaladas. já vou — respondeu Johnny. Quer dizer que vai instigar os mineiros a fazerem greve? Então. preparadas para a fuga e a luta. Encontrou as crianças de pé muito quietas na cozinha. era que a mão esquerda de Jean estava agarrando uma faca comprida e afiada e Pietro estava com um martelo na mão e os olhos de Max estavam vazios. escondendo a parte inferior. Mas eu já sabia disso. Fletcher? Quando é que aquilo que chama de razão venceu a ideia de mais dinheiro? A Sra. enquanto continuava a olhar para Johnny. De repente o Sr. que olhou para ele com os olhos claros agora cheios de ferocidade. todas juntas num semicírculo em volta de Jean e o médico viu. — Vou ajudar com a cadeira do Jean. Já fui mineiro. Estenda o braço para a mesa e largue-a. — É papai que está em perigo. mas ele ficou segurando a faca como uma baioneta. Burnsdale. — Nunca vi uma coisa dessas! — exclamou a Sra. — O quê? — murmurou o médico. sem poder acreditar. a voz falseando. Burnsdale. coisa que o médico aprovou plenamente. e Emilie gemeu. a cabeça meio virada para a porta de saída. há alguns minutos. É uma turba. Pietro jogou o martelo no chão. Tudo o que fizemos por vocês não é nada. ou alguma coisa caindo. sérias. Perdia-se de vista. é igual a todos os outros lugares. a entregou a ele. A faca roçou na manga dele e ele ouviu seu silvar. Johnny estava sentado sobre a secretária e olhando para o Sr. pensei que fosse trovoada. e sua voz chegou a falsear. e agem assim. garotos — falou. — Não sei o que há com vocês. com ódio gélido. homens e mulheres em fileiras imóveis e sinistras. e ela funciona. e pensei no carro do Sr. só que alguém está querendo machucar o Dr. McManus olhou para ele. a voz fina. aquele muro. O Sr. e não posso saber por que. matar! — gritou. Max disse: — A lei. depois de um instante. olhou e contou aos meninos e aí Jean foi para a gaveta e pegou a faca e Pietro pegou o martelo… e tudo recomeçou. A Sra. Burnsdale tinha puxado o estore rachado. por favor? O Dr. e então afastou o estore do vidro preto. Ele estendeu a mão e Jean. uma das meninas. a faca. A ferocidade selvagem acalmou-se nos olhos de Jean. Fletcher de novo. mas desta vez estou. mudos. Kathy de repente sorriu e os soluços de Emilie cessaram. chegou a choramingar. doutor. — Mas quando ficam assim. espantado. e vou chamar a lei neste minuto. A pele velha . — Estou com medo. E aí vi toda essa gente! Kathy viu como eu fiquei assustada. por favor. — Nós matar eles! —·Deixe de ser burro — gritou o médico. A janela dava para o quintal e a cerca que o rodeava e além da cerca estava um muro de pessoas. Swensen estava com um ar de espera aborrecida. doutor. Jean. — O que… o que querem? — Não sei — respondeu a Sra. O doutor espiou para fora e não pôde acreditar no que via. saindo de junto da janela e plantando-se diante das crianças. estava chorando baixinho. O Dr. Não são mais filhos do seu pai. — Querem matar o papai — disse Jean. Nenhum dos quatro homens estava falando agora. — O doutor não entende — respondeu ele. Pietro saltou e brandiu o martelo no ar. Fletcher e fiquei preocupada e espiei para ver. Ele apontou a faca para a janela. perigosamente. e depois foi para a janela. — Jean continuava a segurar a faca com força mas alguém. Custo a ter medo. passando para a frente onde mais algumas dezenas deviam estar olhando pára a porta da frente. McManus foi para a sala. Swensen com um rosto escuro. — Ouvi um barulho lá. Só que temos a lei. em silêncio. — Matar. dando a volta da casa. não são humanos. — Ela soluçou e as crianças olharam para ela. — O doutor quer olhar. — Estão pensando que isso aqui é a Europa? Esta terra não é uma terra de doçura e luz. nas mãos de Johnny. McManus falou. o rosto gordo tão espectral quanto o do Sr. A cara de Johnny estava terrível: — Você — gritou. desviando a atenção de cima do Sr. acho que o mato. — Eu já desconfiava disso. — Sou um ministro mas também sou um homem. Swensen arrumou isso. correu para junto de Swensen e o agarrou pela garganta. não vai sair daqui vivo. — Onde estão as crianças? — perguntou Johnny. pastor. — O que é isso? Está maluco. Mas era preciso ter calma. vou esmurrá-lo de novo. Dan McGee e o Sr. Dowdy. seu débil mental. Planejou tudo. O Dr. Está entendendo? Eu o mato. O Sr. Se um de meus filhos for ferido. quando olhou para o outro. e dessa vez vai ficar no chão. e disse. — Você mesmo é que provocou tudo isso. Dowdy também se levantou. A perna de Johnny recuou para dar um pontapé no lado do corpo do sujeito.do médico se arrepiou e formigou. — Pegou o telefone e disse: — Polícia. Johnny — respondeu o médico. Se… acontecer alguma coisa. devagar e pausadamente: — Seu filho da puta assassino. espantado. Então Johnny. desde o princípio. desdenhosa. O Sr. numa atitude do mais total desânimo. Escute. Olhou para o homem meio inconsciente no chão e disse: — Quando você se levantar. Swensen não estava mais sorrindo. E depois parou. O médico disse para essa cara: — Você sabia. pesadamente: — Eu as mandei para cima. indo para a secretária de Johnny. doutor? — Você era o alvo dele. E agora quero usar o telefone.. Sua respiração ofegante encheu a sala. Instintivamente Johnny se dirigiu para a porta e o médico gritou: — Afaste-se daí. — O quê? — exclamou Johnny. Dan McGee. Swensen. seu. Eis o número da casa… a rua… Ele examinou os rostos na sala. Nem que eu mesmo tenha de tomar alguma providência. . para apedrejar minha casa. Tem uma multidão lá fora. . Este cambaleou e nisso Johnny o esmurrou de novo e de novo e ele caiu no chão. Uma pedra pesada bateu na porta e já de fora ergueu-se um grito enorme. devagar. Ficou muito quieto. — Tire as mãos de cima de mim — falou com voz calma. Agora sei. — Os olhos dele faiscaram pela sala como um relâmpago azul. um grito primitivo e selvagem. mas seu rosto afável se tornara uma efígie de mármore. de repente se virou. de modo estridente. Swensen. a meio caminho da porta. Três tinham ficado inteiramente desconcertados. — Ele passou pelo Sr. Johnny recuou o braço direito grandão como um lampejo de um pistão e seu punho bateu no queixo de Swensen. levantou-se do sofá. — Você os trouxe aqui para assustar meus filhos. Um não. e depressa. Dowdy estavam sentados lado a lado. McManus. Então as mulheres começaram a rir. mas o médico agarrou o braço dele. confuso. — Fora! Fora. seus porcos. senão vamos estraçalhá-los com nossas mãos! Duas mãos como garras dilacerantes se ergueram acima das cabeças. um riso de ódio. foi para a porta e espiou por cima do ombro de Johnny. firme e imóvel como um rochedo. e depois elevou-se um rugido imenso. Esses arruaceiros são uma única gente. Estou vendo muitas caras conhecidas. O Dr. sobre os cabelos desgrenhados das mulheres. e palavrões e obscenidades ressoaram na noite úmida de outono. Johnny ficou ali. restando apenas um murmúrio baixo. como pesadelos desencarnados. Você está virando homem. seu filho da mãe nojento! Um rugido de aprovação fez eco a ela. com gestos de rasgar. Os outros homens olharam para Swensen e depois para Johnny. alto e demente. O Dr. o rosto mais terrível ainda. sem se mexer. seu nazista nojento! Fora. Ficaram olhando para Johnny enquanto ele abria a porta e se postava no limiar. — Então. Johnny já ia dando um passo à frente. as mãos agarrando os batentes da porta. McManus estava-se refazendo de seu assombro. Operei alguns de seus corpos fedorentos. seu fascista imundo! Seu arrasa-sindicato! Seu fura-greve! Ah. e esfregaram os rostos aturdidos com as mãos trêmulas. Levem suas queixas e gemidos a médicos que cobrem de vocês. as mãos nos bolsos. só o silêncio lhe respondeu. sem poder acreditar. desde os princípios dos tempos. sobre lábios abertos e olhos brilhantes. — Bom. Lembram-se? Não tornem a me procurar. —·Não queremos fedelhos estrangeiros aqui na nossa cidade. . Postou-se ali. sejam quais fossem os epítetos! Sempre foram. as possantes pernas velhas tremendo. furioso. As sombras escondiam- lhes os corpos. Vejo vocês embolados nos meus dias de ambulatório gratuito. O ar da noite entrou com seu fedor enjoativo e lá fora só houve um silêncio tenso. Johnny. — Deixe-me passar — pediu ele. A luz fraca lá fora brilhava sobre pelo menos cem caras selvagens e desumanas. nas cabeças descobertas dos homens. rodeando Johnny e descendo para o alpendre. como homens sensatos. Falou com muita calma: — O que vocês querem? Por alguns instantes. os rostos e cabeças flutuavam numa leve névoa amarelada. a cabeleira cinzenta soprada ao vento. quando ele apareceu. Ele ficou ali com suas pernas compridas e musculosas separadas. Olhou para a turba com um sorriso maléfico. Uma mulher gritou: — Tire esses malditos guris estrangeiros daqui já e já. Eles se tinham calado ao vê-lo. pensou Johnny. claro. cheio de ódio e de ânsia de sangue. Deixem o Dan falar! O que está fazendo aqui. Alguém berrou: — Não temos nada contra o senhor. em claro e bom tom: — Eu não vou embora. — Em que mina trabalha? Alguém passou por Johnny. o médico puxou a faca da madeira apodrecida e a segurou. e os homens e mulheres olharam. — Quem foi que atirou isso no doutor? Ei… você aí! — Bom — disse o médico —. Alguma coisa voou pelo ar. era Dan McGee. nervosos. Não se mexam. se fizerem mais alguma coisa. doutor! Nem sabemos quem atirou essa faca! Mas saia do caminho. As caras se voltaram furiosas para quem falara. — Ele não afastou o olhar de cima deles. equilibrando a faca na mão — não têm nem o direito de viver. agora tenho uma faca. eles lamberam os lábios. muda. mas vinha de lugares espalhados. prendendo a turba com os olhos malignos. e não os odeio. Então Johnny falou. erguendo-se quase palpavelmente das caras reluzentes abaixo dele. por pouco não atingindo o velho. por baixo do braço dele e desceu. Nada nem ninguém vai me tirar do lugar para onde Deus me mandou. Quem os fez virem aqui hoje? Um uivo lhe respondeu. Mas só se ouvia o vento da noite soprando entre e por sobre as árvores. doutor! Não queremos encrenca. pouco abaixo da mão de Johnny. Ele ouviu que o escutavam. é só esse ministro sair da cidade com os gringos dele. com medo. hoje mesmo! A gente não tem direito de dizer quem vai morar nesta cidade? — Vocês — respondeu o médico. Dan? —·Ele nos vendeu! — berrou um dos homens. no jornal! — berrou. e o ruído de pés se arrastando. essa determinada cara vai levar essa faca bem entre os olhos. Uma onda de medo passou pela massa de caras inquietas. Vocês são pessoas. — Os grandes interesses é que o mandaram aqui para acabar com o nosso sindicato! — Quem é você? — perguntou um dos homens. a minha gente. e usar os cassetetes também. Hábil e rapidamente. Depois fez-se silêncio de novo. do outro lado um quarto crescente de lua amarela se elevava. e vou dizer ao pessoal para atirar para matar. — Está bem aqui. De repente um homem levantou um jornal no ar e o brandiu. Dan levantou os braços e os homens gritaram para ele. ouviu-se um ruído de consternação e espanto de parte das caras. em algum lugar no meio do povo. procurando quem uivava. . com um zunido. reconhecendo-o. — Daqui a pouco a polícia vai chegar aqui e tenho influência. — É o Dan! Dan. um rugido ergueu-se em muitas gargantas. Ao verem o homenzinho gorducho que eles conheciam e amavam. Houve alguns gritos alarmados. mas vocês estão assustados e alucinados com as mentiras que lhes contaram. Era uma faca e a lâmina se cravou no alizar da porta. Estou escolhendo uma cara entre vocês e. O povo estava tão atento a Dan que mal percebeu essas agitações e movimentos. fosse quem fosse. Ninguém notou que Johnny tinha desaparecido. hein? E Dan também… ele queria que vocês estraçalhassem o Dan. haveria derramamento de sangue. dominando. Disseram que eram pessoal do sindicato de Scranton — respondeu alguém. mas Dan levantou a voz. Dan continuou: — Os donos das minas não podem dar o aumento. Pois bem. e os outros? O povo balançava. e nela viam-se cabeças curiosas e alarmadas. ele está morrendo. Dan sorriu para eles. Uns camaradas. Não vai ter greve nenhuma. vamos esperar um instante e falar sobre isso. doutor! O coração de Johnny de repente inchou dentro dele. — Tenho uma notícia triste para vocês. a luz atrás delas de um amarelo pálido. . gasto e doente. Dowdy. — Quem o mandou. movimentos como de homens fugindo o mais depressa e jeitosamente possível. inseguro. nem aumento tampouco. — Uns caras. envergonhados e encabulados. Mas deixou as minas para vocês… serão de vocês. E o sangue derramado inevitavelmente resultava em sentimento de culpa e sofrimento para quem o derramasse. — Fale. O bafo da turba se erguia como vapor acima de suas cabeças. McManus. jubiloso e ávido. — Cadê ele. porque a polícia já deve estar chegando. com urgência. McManus gritou: — Que tal pegarem o homem responsável por fazer vocês virem aqui para fazer mal ao nosso bom amigo aqui e aos filhos dele. fale! — pediu. para abafar a voz dele. torcendo-se. Agora. Uma turba era sempre uma turba — só queria uma vítima. Estão ouvindo sirene? — O povo escutou. Então Dan esperou e ficou aliviado ao ver que aqui e ali havia alguma agitação na turba. se os agitadores não percebessem seu perigo e escapassem. muito breve. debruçando-se da porta. com um mal-estar tremendo. olhos sérios. caras. A voz da multidão de repente ergueu-se num tom louco. Ele agarrou o ombro de Dan. entendem? Quero dizer uma coisa importante a vocês. As janelas do outro lado da rua tinham sido abertas. nunca vi você na vida! Quem mandou você aqui? — É — respondeu Dan. na umidade. — E faça o doutor calar-se! Pelo amor de Deus! Dan olhou para ele e seu rosto bondoso mudou. — Devo…? — começou o Dr. — Dan não havia de nos vender! Ei. com brandura. o rosto redondo e vermelho brilhando à luz do lampião. Sempre gostaram do Sr. doutor? Dê ele para nós. olhavam para Dan. traiçoeiros e rápidos. Então o Dr. Tenho de falar depressa. — Vamos — disse Dan —. Dan estava pensando. aflito. doutor! Vamos pegar ele. Nesta noite. A gente nem sabe quem são! Deviam matar eles! — gritaram algumas mulheres. foram para a cozinha deserta e em direção à porta dos fundos. três. desesperado. fraco. e depois. Um rumor profundo de assombro e vergonha se ergueu do muro de homens e mulheres. com as mãos de Johnny em suas costas e braços. empurrando o homem à sua frente. reprimida: — A turba quer você. A maioria conhecia todos os membros da força policial de Barryfield e quando os rapazes vigorosos começaram a saltar dos carros. até o pé da escada e ficou escutando. aturdido. sustentando seu corpo cambaleante. hein? Ele ia se sentir muito pior.. tinha levado as crianças para os quartos e um vago murmúrio descia pelas escadas. fraco. ainda agarrando o braço do médico. para a cozinha. O povo estava na frente da casa e as sirenas . incoerentes. O povo se aproximou mais da casa.— Temos dois. esquecendo-se. Encontrara Swensen sentado numa poltrona. Johnny tinha corrido para dentro da sala. Fletcher está fazendo. ouvia o uivo da turba. ofegante com o trabalho além de suas forças. sua inocência e indignação e olhando em volta à procura de estranhos. Rodearam a polícia. como que para recuperar os sentidos. Não havia ninguém lá. quatro segundos… não mais. Agora a turba toda estava gritando furiosa e com uma indignação virtuosa. com uma voz feroz. venha. passe os braços pelo meu pescoço. Johnny espiou para a escuridão. Jim! Foi só que aqueles caras nos atiçaram… mentiras. Não sei o que o Sr. numa perplexidade real. — A gente não fez nada. segurando-o com toda sua força. Isso. Não sabe por quê. Swensen estava respirando ofegante. A polícia vai chegar daqui a pouco. Enquanto lutava para se sustentar. — Nem sabemos por que viemos aqui. sabe. mas espero que lhe esteja dando tempo. Burnsdale. As portas dos carros de polícia se abriram e o povo se acotovelou. As sirenas estavam-se aproximando com gemidos fortes e primitivos. matá-lo. com seus pés… vão matá-lo. — Depressa. alegando. aflito. Venha comigo! Fique de pé! Arrastou Swensen. — Faça um esforço para ajudar. — Venha! — instou Johnny. dizendo. Dan continuou depressa: — O Sr. Não fugiram. Querem dilacerá-lo. houve gritos de cumprimentos aliviados. com um medo confuso. depressa — instava Johnny. pensou Dan.. quando os três carros da polícia pararam ali. ensanguentado e não mais elegante. Aqui. — A polícia não vai ajudá-lo — murmurou Johnny. Juntos. pensou Dan. a distância. Johnny arrastou-o depressa da poltrona. Tenho de prendê-los mais um pouco. sensatamente. — Não queremos nada — disse uma babel de vozes. Dowdy sabe que estão aqui. Não vamos dizer a ele. o gemido das sirenas. A Sra. baixinho. mas não vai conseguir contê-los. enxugando o sangue que lhe escorria da boca e do nariz. Estava sacudindo a cabeça. Suas roupas estavam manchadas de sangue. não vai! Porque o tempo todo são vocês os covardes. — Por quê? — perguntou Swensen. O seu tipo é forte. — Porque sou cristão. para o quintal do vizinho e depois para a outra rua. imóvel. de onde o sangue continuava a pingar. — Olhou para o nariz de Swensen. sangrando. Há alguns minutos. Só querem matar. — Por quê? — perguntou Swensen. de algum modo. — É. tão aturdido. e uma turba é sempre uma turba e é sempre monstruosa. Por que me ajuda a escapar? — A resposta — respondeu Johnny. pegando o braço dele. De agora em diante. — Mas por quê? — tornou a perguntar Swensen. e não nós. — Sim. — Pule por cima dela. sou um fraco. você se tornou não o caçador. Mas não vai. — Não entendo. Johnny tirou as mãos do vulto instável. coisas que nem posso mencionar. aspirando golfadas de ar fresco. e assim vai herdar a terra… é o que acha. ou um verdadeiro sentido de justiça. pois não temos medo de nada. desprezo e perplexidade. enxugando a boca sangrenta com o lenço. — Por que está fazendo isso? Tem todos os motivos para me odiar. saindo de seu torpor e virando-se para Johnny. ainda procurando uma vítima. os crematórios. Suspirou e depois seu rosto ficou tenso. Por que me salva dessa turba? — Você não poderia compreender — respondeu Johnny. — Já está bem? Já pode navegar? — Ajudou Swensen a descer os degraus para o quintal. só para sobreviver. resistindo. estou ouvindo aquela matilha de cães uivando… Eles já viam a turba além da cerca. Tenho de protegê-lo contra ela. com uma raiva amarga. E porque sei que essas turbas nunca são impelidas por uma raiva verdadeira. Johnny abriu a porta dos fundos e o ar fresco de repente bateu em Swensen. os olhos fixos sobre Johnny e esses olhos exprimiam expressões incrédulas de uma mofa forte. E então. Swensen ficou ali. Fique de pé sozinho. severo. como um bêbado prestes a cair. envolta na névoa enjoativa e acobreada de smog sob o lampião de rua. Qualquer um serve. ainda se justificando. Você para mim representava todo o mal que vi na Europa… os campos de concentração. — Pronto. — Espere — pediu Swensen. Veio com o ódio no coração e esse ódio em seu coração me levou a odiá-lo. Sei por que veio aqui. Já ajudei no que podia. Não achamos que seja necessário matar. —· Por quê? — Johnny repetiu a pergunta. mas o caçado. e então seus olhos estavam estranhos e atentos. nem de vocês. ainda há pouco. baixinho — está na diferença que há entre nós… a diferença no que acreditamos.estavam mais próximas. — Lá está a cerca — apontou Johnny. está nas suas mãos. — Já sei. e começou a fazê-lo voltar a si. Por um instante. agora não me importa mais que você acredite numa coisa e eu noutra. sim — disse Johnny. Estava ouvindo a polícia na frente e a voz furiosa e exigente da turba. de repente. Portanto. Agora querem matar você. queriam me matar. com . puxando-o para a cerca. que por um instante ficou ali vacilando. você acha. O que está esperando? — exclamou. Agora você é o perseguido. as coisas que vou contar ao Padre! Ele vai fazer uns olhos assim — e o menino alegre arregalou bem os olhos pretos e os girou para o céu. que cortou a orelha de um soldado com a espada. Deus já o perdoou. puxando-os para junto de si. a testa franzida. — É. diretor . Como pode me perdoar? Johnny se debruçou e abraçou Jean. Devemos perdoá-los. numa paródia de um pavor tremendo. por mais impossíveis que fiquem. correram para ele. Johnny ficou ali um instante e depois fechou a porta. com sua voz insegura: — É. e a polícia veio e o povo se arrependeu muito. Quando você se acusa de sua própria culpa. rindo. — Eu não perdôo a vocês. Mea maxima culpa. Com uma nova força. pensou. que disse. vexado: — Estou pensando na faca. Não sou melhor do que aqueles homens. levou a Johnny um número do New York Times. O médico estava na sala quando ele entrou e de repente Johnny se lembrou das crianças. acho que sim. agrupadas em volta da Sra. como que assombrado. Pietro saltou como uma mola. vocês todos. os deixamos penetrar em nossas vidas porque nos faltava a força positiva da lei moral para mantê-los de fora. pálidas. às vezes? Virou-se para Max. exausto. com um tipo de cumprimento humorístico. chegou ao andar de cima. Jean disse. — As pessoas às vezes são muito estúpidas.- Lars Swensen. “O Sr. Ficou encantado quando todos no quarto irromperam em risadas incontroláveis. As crianças estavam juntas. — Foi São Pedro. juntando as mãos. quando os romanos chegaram para prender Nosso Senhor. Queria apaziguá-los com evasivas. empurrando a cadeira de rodas furiosamente. Burnsdale. guris — falou Johnny. não precisa me pedir perdão. — Está tudo bem. Mas acho que agora vou entender. acompanhado pelo médico. Foi São Pedro quem negou Nosso Senhor três vezes. Mea culpa. correu para a escada e. McManus quem. sem comentários. Não sou cristão. meu bem. Ele olhou para o rosto redondo e rosado de Kathy. como fez agora. alguns dias depois. pois Deus compreende os corações dos homens. Foi o Dr. — Sorriu para Johnny e sacudiu a cabeça.medo e irritação. e não com escárnio. — Ah. a gente “boa”. eu não teria entendido a sua resposta. aflito. viu que tinha de contar a verdade. mas quando viu os olhos sábios de Jean e o sorriso agudo de Pietro. e desapareceu. Ele passou por Johnny e depois tocou na testa. Deus o perdoou. somos culpados. Há uma hora. Nós. Quando viram Johnny. papai. você sempre tem de perdoar. Culpados da traição de todo o mundo. agora muito obstinado. Vocês já sabem disso. Mas hoje tivemos a lei. e lhe mostrou uma notícia. no quarto do pai. — Dan McGee não vai conseguir contê-los por muito tempo mais! — Estou esperando pela resposta à minha pergunta. até mesmo Jean. Encostou-se nela. Somos todos culpados por tipos como ele. Por vezes também são estúpidos. Sim. demitiu-se de seu cargo nessa organização…” .da Fundação de Relações Industriais. e de repente o coração dele passou a bater com uma felicidade ansiosa. Então. chegava a sentir o fluxo mais rápido de seu sangue rejuvenescido. como que tendo recebido um sinal misterioso. Aqui e ali o deserto apresentava rachaduras. e ele levantou a mão. Pensei que nunca mais a veria. De repente ela estava em seus braços e todas as flores. estava desabrochando num relvado de um tom verde forte. Ele não conseguia tirar os olhos de cima do vulto na distância. grama ou’ flor. Não tinha recordações. farfalhando. sem qualquer motivo que pudesse descobrir. Chegou aos tornozelos dele e começou a subir. brancas. É o céu. Ele notou sua exaustão extraordinária. uma cor estranha e luminosa. e não eram os olhos duros e inclementes de que ele se lembrava. sob um céu sem sol. num desenho complexo e sem significado. . êxtase. Dentro de mais uns instantes. que lhe acenava. Primeiro. Começou a caminhar depressa em direção à cor. Tudo o que eu pensava que tinha não passava de um sonho. Por fim parou de andar e ficou olhando para a desolação sem fim. de repente. Procurou água e não encontrou. pensou ele. vazio e inteiramente silencioso. mas sim olhos de uma suavidade pubiada e uma beleza terna e olhavam para ele com amor. Ele jamais sentira um tal prazer. Então os pássaros começaram a cantar e o sol apareceu. — Pensei que você tivesse ido embora. — Lorry! Lorry! — gritou e começou a correr. rosas e douradas e o perfume se emanava delas em nuvens. o canto dos pássaros. lilases. e aí viu que na verdade era um vultozinho. Ele se apressou. com alegria. para os joelhos. Depois o caos se evaporou e ele se viu de pé solitário num deserto. Não havia uma só árvore. Abaixou-se e pegou um torrão de terra: era da cor de um barro esbranquiçado. e uma grande ânsia. vermelhas. retribuindo o cumprimento. Mas não era o céu. Brilhou sobre o vulto. Começou ao raiar do dia. disse ele consigo. uma manchinha não maior do que a mão dele.XIX O domingo foi outro dia. com o sonho de Johnny. dissolveu-se em pó na mão dele e voou soprado por um vento que ele não sentia. estava cheio de flores de todos os tons. O deserto. Então. Tudo isso fazia parte de um caos grande e escuro. apareceu no horizonte uma mancha brilhante de um azul reluzente. ele sentiu uma grande tristeza dentro de si. notou uma coisa extraordinária. em seu sonho. crestado. Johnny caminhou e seu passos não faziam barulho. no seu sonho. amarelas. Estava-se movendo em direção a ele. que se estendia até o horizonte. em que ele se encontrava. eram emanações dela. e era uma moça com cabelos claros e luminosos e Johnny a reconheceu. realização. não pensava no futuro. num esplendor de luz. Segurou o rosto dela nas mãos e olhou dentro dos olhos dela. Johnny encheu-se de forças. como se tivesse se esforçado ao ponto de morrer. Procurou montes e não encontrou. se despejavam pesadamente de céus deprimidos. era de um tipo muito barato e de uma cor feia. pois ela era muito ligeira e eficiente e distribuía os livros de orações com um ar de não-quero-tolices-e-vamos- fazer-isso-direito. nessa manhã úmida. — As crianças? Johnny. As outras crianças olhavam para Kathy com respeito. Pietro já voltara da missa cedinho e estava meio sossegado. e se bastariam. na semi-escuridão. como ele verificara. Lorry riu-se e encostou a face na dele. Ele não dormiu mais. Tantos milhares de crianças! Escute as vozes delas. Johnny ficou deitado quieto. Além disso. pronta para a aula de catecismo mais tarde. — Nunca fui embora. são meus filhos. Um sonho. com humildade. a casa estava começando a se movimentar. de olhos arregalados. Num estado de tristeza e melancolia. com uma voz precisa. foi à igreja e olhou lá dentro. olhando para a chuva. Johnny respondeu. Fair errava alguma palavra das Escrituras. encostando-se nele. disse consigo. mas ele escapou. Tomou o café da manhã num estado de espírito exausto. ele as ouvia batendo nas ruas. Johnny olhou em volta. que olhavam para ele sérias. Kathy estava vestida com uma saia de escocês nova e blusa branca. Ele escutou. vozes de bebês. vozes que buscavam. à luz plúmbea vinda do céu. cinzentas e implacáveis. Ouvia Jean respirando. Era dia de Comunhão. Mas estava quieto demais e a pequenina Emilie estava de cama. As chuvas de outono. todos eles — falou Lorry. tentando agarrar-se ao seu sonho. com febre. Ficou ali com uma enorme sensação de perda e tristeza. segurando a mão dela. vozes que chamavam. Ficou sentado à mesa do café. um sonho que nunca poderia acontecer. no seu quartinho triste. mas ali não havia mais ninguém. com um sarcasmo raro: . Tantas crianças. vozes perdidas. pois ela jamais poderia me desejar ou gostar de mim. Pelo menos estava limpa. o sermão de Johnny não lhe agradava. lavando a sua janelinha. mal falando com as crianças. Ele também teve um pressentimento de novas aflições futuras. Já era uma potência entre as meninas de sua turma e não deixava de corrigir a professora jovem e meio pálida. — Por causa de você. melancólico. Quando se levantou. — Havia muita gente na missa — disse Pietro. A Sra. perplexo. O braço e a perna de Jean estavam doendo. em meus pensamentos — respondeu ele. quando a Srta. só ele e Lorry. — Tinha as crianças… Ela riu para ele. com amor. Como você pôde imaginar uma coisa dessas? — Eu a mandei embora. e Johnny não tinha certeza quanto ao número de copos que havia no armário empoeirado. são minhas também. Então o ar estava cheio do clamor de vozes de uma multidão de crianças. Burnsdale estava resfriada e meio brusca. Também tinha borra. vestiu-se. O vinho sacramental. — Por causa de você… Então ele acordou. Fletcher. Johnny continuou a esperar. Eles disseram que isso nunca tinha acontecido antes. Fletcher. com as pessoas. Pegou o paletó e as calças que a Sra. deixe que isso passe. — Ora. com azedume: — O Senhor não tem velas que chegue. Sr. Sr. A gente nunca sabe. o senhor não parece muito animado. com nenhum de seus outros ministros. A maioria dos membros do conselho estará lá. nervoso. Acham que os mineiros são gente reles e nunca se misturam com eles. Johnny esperou. . Seu pressentimento agora estava muito forte. McManus lhe dissera. Eles… mais ou menos pensaram que de certo modo a culpa foi sua. Burnsdale falou. Turbas e todas essas coisas. — Tossiu. Tentei explicar. — Então. sobre o que o Dr. Johnny refletiu. com certa superioridade — tem muitas velas. E imagens bonitas. — Mas foi ótimo como tudo se resolveu ontem à noite. — Bem. Burnsdale tinha passado com cuidado. — A nossa igreja — disse Pietro. Acham que isso não é respeitável. Dan? O presidente do sindicato hesitou. — É domingo de Comunhão — respondeu Johnny. Em todos os altares. Eu lhes dei um fora. Sr. O telefone tocou e Johnny foi atender. para lhe dar um apoio moral. Fletcher. Mas sinto que não sejam seus paroquianos. é mesmo! Talvez muita gente tenha esquecido Johnny voltou para a cozinha num estado de espírito menos do que feliz. Nosso Senhor tem um halo dourado. desde que realmente rezemos a Ele. E aqueles castiçaizinhos de nada! Imagino que. Queriam saber por que os mineiros haviam de marchar até a sua casa e fazer baderna. também. Era Dan McGee. — É só levar as coisas na calma e não se preocupar. Sr. — Em outras palavras — respondeu Johnny — estou no ostracismo. Fletcher. Se a igreja não estiver cheia boje. depois de tossir de novo. Deus nos ouve com velas ou sem velas. A Sra. — Imagino que eu não precise me preocupar com isso na minha igreja. — Sr. com as respectivas mulheres. vão reclamar da conta da luz. se acendeu as luzes. Estavam todos excitados e furiosos com os mineiros. Falou com cuidado: — Bom. — Tentou rir. Fletcher. Dan continuou. que tempo horrível. novo. — Ah. — Alguns são presumidos nisso tudo. não? Alguns mineiros me telefonaram para me dizer como o senhor foi maravilhoso. — Mas acho que os nossos paroquianos não estão gostando. eu não diria isso. o que é que diria. Também me ligaram. estou precisando de apoio moral? — Olhe. não? Creio que não vai haver muita gente na igreja hoje. E então as faces das mulheres estavam tocadas pelas lágrimas e as bocas dos homens se moviam num tremor. A chuva podia bater nas janelas e os ventos de outono uivar tristemente. — Estão muito verdes — disse a Sra. Olhou para as flores. numa névoa que quase o cegou. O sermão. McManus estava sentado encolhido no primeiro banco. Ele tinha visto aqueles candelabros enormes na mansão vitoriana do médico. De repente não tinha importância só haver 40 pessoas na igreja. pareceu-lhe notar um tom feliz no hino. recusando-se a encontrar o olhar de Johnny. a prata cinzelando. Johnny ficou ali naquela vasta auréola de luz sem saber que tinha uma majestade jovem e que seu rosto brilhava e os olhos estavam cheios de um azul intenso. E começou. com os pais. recriminando-o. e apenas algumas luzes elétricas estavam acesas nos fundos. pasmo. ele sabia disso. cada qual medindo pelo menos 60 cm. e foi se vestir. e seus maridos corretos e atrás deles um punhado de gente insegura. numa voz de uma paixão forte e triunfante: — “E Deus disse. As 14 velas de cera de abelha. lançando sombras claras nas paredes velhas e estendendo longos dedos de luz às arestas do teto de madeira. Assim. as bases brilhando com a luz refletida. elas exalavam um aroma da terra viva. apesar da laringite crônica que em geral as afligia. Johnny fez uma careta. devagar. Johnny virou-se para sua congregação. Os pequenos castiçais tinham sido substituídos por dois gigantescos candelabros de sete braços. Os olhos de Johnny se encheram de lágrimas. esperando que o coro de vozes esganiçadas do pessoal idoso começasse. Era uma coisa magnífica. não estava de acordo com o momento. Burnsdale. O altar parecia ser um foco de um brilho incrível e vacilante. apesar da banalidade do hino. O quartinho atrás do altar tinha um cheiro de ratos e poeira e madeira velha e a lâmpada nua no teto parecia especialmente triste. Em cada lado do altar tinham sido colocadas imensas cestas de crisântemos dourados. que se faça a luz: e fez-se a luz. McManus . Haveria suficientes. O Dr. Já estava quase na hora do ofício. brilhando como bolas douradas esfiapadas num esplendor de luz de velas. A graça da luz lhe fora concedida. O órgão tinha começado a gemer tristemente. Ele pôs os copos numa velha bandeja laqueada e os levou para a igreja. terminado na véspera em circunstâncias horrorosas. em cima de uma cômoda imensa. Então. Então as vozes do coro. olhando para o nada. — É mofo — respondeu Johnny. e cada um dos muitos bocais reluzia com belas velas brancas. Pôs os copos no altar com mãos trêmulas. na igreja escura.” O coro murmurou suavemente e calou-se e só existiam a chuva e o vento e os candelabros com suas 14 velas atrás do ministro. ergueu um pouco as mãos e disse. Não havia necessidade do grande lustre. E Lon Harding. enquanto as pontas douradas iluminavam o ar frio. O Dr. hesitando duramente em algumas notas pois era de segunda mão e já fora barato ao ser comprado. decididas. Então. O hino assumia algo da grandeza de um canto gregoriano. Deus o abençoe. Johnny contou os copos. exalavam o seu cheiro limpo. elevando-se em exultação e a igreja quase vazia destacou a musica até ela vibrar de força. para sua surpresa. parou. os bancos mais próximos cheios de senhoras de meia-idade. disse Johnny para si. não abrimos essa porta. e sua voz falseou. McManus abaixou a cabeça e cobriu o rosto com a mão. pois os portões não estão trancados. embora saiba que a luz está à minha espera. e só nós. brilhante. abri a porta daquela salinha e vim para cá. com Deus. que era inteiramente inútil e o trabalho que eu tinha tentado fazer tinha desmoronado à minha volta. O Dr. Johnny se aproximou do degrau que dava para o altar. a luz permanece. — Também eu já fiz isso. nossas depressões. que tinha fracassado. que eu estava abandonado. suas ambições e suas esperanças sombrias. “Ninguém nos faz parar nesse passo. além desses portões. é que pusemos as correntes em nossas mãos e tornozelos. As obras do homem e suas confusões e receios. e as flores. “No entanto. por minha própria vontade vacilante. Os interstícios do espaço são iluminados por ela. a luz visível. nossos terrores. Estendeu ás mãos. as galáxias vagueiam por ela. somos nós. fechada contra o céu e o amor de Deus. duvidei do motivo de minha existência. suas desilusões e angústias. nossa falta de fé. e só nós. Moramos nessa cidade negra e pensamos nela como a única realidade e olhámos para as sombras escuras e as chamamos de vida. sua solidão. para junto de vocês. nem a dor a podem diminuir. que dissemos: ‘Não há luz além dessas paredes. É o oceano ilimitado que corre em todas as coisas e funde os sóis e os corações dos homens num só corpo e ser. nem a morte. nessa igreja. e lá estava a luz. pois os muros se tinham fechado em volta de mim. Nós nos prendemos com nossa imaginação triste. — A luz eterna que. sem janelas e murada com pedras negras. nossas invejas e nossas ganâncias. entretanto. — Ainda há pouco eu estava na salinha atrás deste altar. e ressoam com nossas lamentações. são como uma cidade escura. nem o sangue. as estrelas rolam nela. nem o túmulo pode escondê-la. e o trovão retumbante de sua realidade e os reinos sem fim da paz cheia de sua radiosidade. Nós. quando criada. Como Jó. Basta andarmos um passo e abrirmos uma porta. As ruas da cidade sem sol que fizemos são espectrais com os nossos vultos sem luz.” A igreja estava num silêncio absoluto. soltou-se novamente para a Luz Eterna de . além dessa porta’. Ele parou e as velas fortes se ergueram numa onda de fulgor. Choramos pela luz. nenhum carcereiro barra essa porta. e a minha alma. nem o sofrimento. basta deixarmos essa cidade. “E no entanto… e no entanto. presa no seu desânimo e desesperança. me dizendo que não havia nada à minha espera aqui. se bem que acreditemos que estejam. e sua confiança. nem a guerra. — Em todos os séculos terríveis que se passaram e neste dia terrível em que estamos agora e em todos os dias terríveis que estão por vir. — Sempre há a luz de Deus — disse Johnny. em lugar algum do universo. nem o ódio do homem enfraquecê-la. E lá está a luz. e não tive resposta. teve ordem de nunca mais se apagar. — Sorriu.levantou os olhos e olhou bem para Johnny. seus sofrimentos e amarguras. embora encerrada nas trevas da carne. aguardando o meu passo. A alma se banha nela. A luz que é o amor de Deus por tudo o que Ele fez nunca poderá ser extinta. minha própria fé duvidosa. nenhum mal pode nos desafiar. em sua passagem misteriosa. Fletcher. ele mesmo aturdido e muito comovido. Foi como alguém falando. foi esquisito. Todas as crianças deviam ver os candelabros acesos. e um ou dois homens pigarrearam. Será uma mensagem para elas. talvez desde que éramos meninos. Sr. Schoeffel tinham levado os dois pratos de coleta usados nesse dia. cheia do amor eterno e consolo. a voz vacilante: — Não posso dizer mais nada. Eles saíram para a chuva. A luz de vela elevou-se e o órgão tocou de novo. e viu que estava ali. enquanto ficar aqui. Como se tivesse vida própria e não fosse movido por mãos humanas. o órgão pronunciou-se numa alegria suave. e a música se prolongou nas sombras frias da igreja. e as flores. risonha. esse foi um sermão de verdade. Ele e o Sr. Ele estendeu a mão a Johnny e Johnny apertou-a. Johnny não estava à porta. baixinha: —·Bom.” Ele passou vários momentos sem conseguir falar. a cabeça baixa Teve um sobressalto quando ouviu a voz de Dan. enquanto ficar aqui. Sr. e a pequena congregação se ajoelhou. Uma mulher soluçou. na hora em que Joe. Hoje. para apertar as mãos daqueles que tinham ido corajosamente para estar com ele e sustentá-lo. como se não fosse nada. Schoeffel estava com ele. fora um rito sagrado. — Olhe — mostrou —. estava trazendo as velas e os candelabros! — Foi como uma mensagem para o senhor — falou o Sr. O ministro ficou na salinha atrás do altar. um bocado de pratas e 20 notas de um dólar! Mas veja o que está em cima! Duas notas de 100 dólares! O velho Al jogou isso aí. sem falar.Deus. Sabe. Fletcher. antes do ofício. e os outros se juntaram a ele. . minha mulher me chamou: “Dan. às 8h00. eu nunca tinha visto uma nota de 100 dólares. Ele se virou para o altar e se ajoelhou diante dele. Não me resta mais nada a dizer. Schoeffel. não um sermão. com flores maravilhosas. dizendo uma coisa de que nos esquecemos. Fletcher. o rosto brando muito comovido. mais tarde. sacudindo a cabeça. e nem eles haviam de querer que ele estivesse ali. o empregado do Al. Johnny continuou. E ele começou a rir baixinho. Fletcher”. Sr. tenho a impressão de que a Assistência Feminina hoje devia arrumar o altar bem bonito. para lhe transmitir que ia emprestá-los para o senhor. Não pertencem à igreja. Não. a Comunhão não fora para eles um simples ritual. imutável. Dan McGee passou a mão larga de mineiro pelos cabelos brancos. assombrado. com assombro. cheio de um significado divino e felicidade. a não ser lhes dar a minha bênção e pedir a de vocês. esquecendo-se de tirar suas vestes. Pela primeira vez em muitos anos. enlevados. em homenagem ao Sr. Sabe. O Sr. Ficou com as mãos dobradas diante de si. pensou ele. e ela ligou para umas senhoras e as flores chegaram aqui uns 10 minutos antes do ofício. também. Uma coisa de que não nos lembrávamos havia muito tempo. — Eu acho — respondeu Johnny — que em agradecimento à minha congregação. só ao senhor. devia comprar um paletó novo para mim. E esses candelabros! Ele nos disse hoje cedo. diz ele. ou em qualquer outra parte de domingo. pois os candelabros ainda estavam no altar e as flores brilhavam como sóis na iluminação. Os rostos deles. precisam rezar quando aparecer a necessidade. — Não. Se os outros dois clérigos ficaram espantados. para consolá-lo por seu padecimento na noite da véspera. A igrejinha escura estava cheia de uma luz dourada. — Ah. a barba delicada reduzindo com umas gotinhas de chuva — as portas. As notícias têm asas. Lindo — exclamou o Padre Krupszyk. O padre tornou a comentar para si que nunca tinha visto uma igreja tão melancólica. O rabino meneou a cabeça. pela nave para o altar. nem mesmo quando era mocinho. o Padre Krupszyk e o Rabino Chortow foram visitar Johnny na casa paroquial. a despeito da chuva. — Esses são castiçais judeus! — sussurrou ele. — Têm de ir já ver a minha igreja! Quero lhes mostrar uma coisa. Na velha terra — falou. pensou. — Alisou os cabelos e se soltou das mãos felizes de Pietro. rapazinhos e mocinhas. Pietro. alegre. pela primeira vez na sua história. Não há uma hora especial para os homens rezarem. Kathy e Max na sala triste mas cheia de risadas. essas velas vieram da nossa loja de artigos religiosos! São importadas. pois a igreja estava cheia pela metade com fiéis sentados ou ajoelhados. que quase nem se tinham gasto. mas todo dia. — A porta não fica trancada. Ora vejam só! murmurou Johnny baixinho. Ele se aproximou mais e deu um vasto sorriso. já vi igrejas fechadas demais. Nunca o tinham visto tão alegre e juvenil. Os homens e mulheres nos bancos estavam tão absortos que nem viram os clérigos passarem. Ele perguntou. seguindo na frente. Dei ordens para a igreja ficar aberta não só o dia todo no domingo. dos fatigados. eu os reconheço por isto aqui. com uma paróquia na roça. Ora veja — disse o Padre Kanty. acima de suas roupas escuras. Sabe. E quem há de lhes negar o seu templo? Johnny abriu as portas com um floreio. — Têm pelo menos 300 anos. numa tarde de domingo. claro. Já viu tudo uma vez. e basta. e sempre pensei por que Deus tinha de estar sempre trancado a sete chaves. ficavam abertas para as orações. de tarde? — Nunca fica trancada — respondeu Johnny. Viu perfis que nunca tinha visto. ou mais! Vejam. para espanto deles. agitado e pasmo. não pode vir de novo. Os três clérigos saíram na chuva e Johnny levou-os para a porta da frente. Naquela tarde. — Eles têm uma história. Eles o encontraram brincando com Pietro. — A não ser de noite. Ele apertou-lhes as mãos com entusiasmo. O rádio noticiara alguma coisa sobre o fato. com um ar sabido. satisfeito. flutuavam na luz forte e que se . Ficou emocionado. olhando para as velas grandes. cheia de chuva e vento. aliás. e isto — apontou para os entalhes. que não estava trancada. e crianças. Não me admiraria se fossem bentas! O velho rabino se aproximou bem dos candelabros e seus olhos cansados se arregalaram. Johnny ficou ainda mais. conjecturando. senhor. nas línguas. respeitando as molas quebradas. como as cabeças de um quadro de Rembrandt. Os dois clérigos resolveram não mencionar o tumulto da véspera a Johnny. Pegou outra fatia de bolo. por algum tempo. McManus a mandara do estoque ilimitado da casa dele.elevava. Já vi aqueles candelabros na casa dele muitas vezes e ele me disse que os comprou na Europa e sei que não tem ideia do que sejam. Ele tomou seu chá e levantou uma das sobrancelhas louras. severo — talvez saibam bem demais e não queiram de fato uma “criança total”. antes de tornar a enfrentar o mundo dos homens. pensou o padre. Era evidente que ele achava que agora tudo estava ótimo. muito breve. Ou então — acrescentou. Eles voltaram para a casa. que tinham mais experiência com os homens. Latim e humanidades. Mandou buscar aquelas velas da nossa loja. Burnsdale lhes levou o chá e um prato de bolo. na cozinha. Ficaram ali por muito tempo. A porcelana era muito delicada e bonita e o Dr. O leão pode lhe lamber a mão hoje. — Há uma porção de igrejas que organizam esportes e danças e vitrolas automáticas nos auditórios das paróquias. em voz baixa: — Espero ter uma cruz grande. — Eu nunca teria imaginado isso. pensativo. com brandura. nas artes liberais. — Antigas. muito prosa. dizem os educadores. nessas escolas novas. olhando com aprovação. Padre. A. O padre e o rabino. — Ainda acreditamos na educação. mas amanhã lhe arranca a cabeça. tinha posto mais carvão na caldeira e agora estava preparando um chá. Burnsdale tinha mandado as crianças para a cama. num fundo escuro. O rabino concordou. Em vez disso. pois somos os únicos que as vendemos. comovidas e cheias de expressão. onde a Sra. acima do altar. não eram tão otimistas. têm integração de grupo e adaptação à vida e um pouco de ofícios mecânicos nas escolas profissionais. e tomou uma fatia de bolo. pois viram que aquilo não significava mais nada para ele. boa e fresca. de parte de Al McManus — falou o padre. Johnny disse. vivas. A Sra. Acho que tudo isso é uma mensagem misteriosa de Deus para nós. em algumas de nossas escolas públicas. Mas não na sua. . O que não recebem. Sra. Ele sorriu para ela. Eles se esquecem disso. — E nem assim lhe dou crédito pelo simbolismo. O padre notou que não havia uma cruz na igreja. Mas o cérebro e a aprendizagem disciplinada também fazem parte da “criança total”. — Nem minha mulher faz melhor — garantiu ele. Burnsdale disse ao rabino: — Esse bolo só leva manteiga sem sal. — Não — respondeu o padre. Johnny falou-lhes de Lon Harding e uma ideia que tinha tido. escolhendo uma poltrona na sala com cuidado. Apenas robôs. é uma educação plena. e nada de banha. O Padre Krupszyk era um homem de bom gosto e examinou uma das frágeis xícaras amarelas. Só esperava que Johnny tivesse alguma trégua. e muito lindas — comentou. Mas as crianças têm tudo isso. na religião. “A criança total”. Provou-o. Resolveram que o rabino deles tem de ter uma sinagoga maior e mais bonita e uma boa casa nova. depois de um grupo de debate dirigido por Sol Klein. E com professores. Temos o Sol Klein. Fez uma coleta dos rapazes que eram de minha paróquia. . Johnny corou. diz o médico. afinal de contas. Olhou para Johnny com seus olhos luminosos. Sorriu para Johnny e seu rosto largo se animou. Portanto. Ele dirigia os jovens em seu modernismo. e pediram minha opinião sobre muitas coisas e pareciam um pouco envergonhados. que depois das aulas vão lá ajudar os garotos e garotas. Johnny. diz o Sol. Foram 800 dólares. Fingiu que estava muito ocupado servindo chá aos amigos. no que acha que é devido à sua igreja e escola especiais. — Até recentemente. — Eu queria lhe falar sobre o Tim Kennedy. usando compêndios adiantados. As nossas aulas de religião estão florescendo como nunca. querido e sábio. Presidente do clube de homens. Sou o velho sábio nos portões. Eles me informaram de que os meus sermões são muito inspiradores! — Suspirou. — Eles me disseram. Eles ficaram ali. e que as ideias eternas não foram destruídas pelo progresso moderno. disse eu comigo. de que o rabino deles não é assim tão burro e antiquado. meu filho. está vendo. — Vamos voltar ao que eu estava falando. não me consultaram — acrescentou. com os filhos dele. como crianças em volta de um pai velho. É uma ideia sobre a qual conversei com o doutor e o conselho. O sermão foi em polonês. brandamente. não. sorrindo. — Ele se riu. Foi Sol quem abriu o caminho. Outros podiam exercitar os garotos em Inglês ou Literatura Inglesa e uma boa caligrafia. os jovens queridos. Hoje moram em The Heights. com um sorriso de carinho. É tudo uma grande tolice. antes de irem para The Heights. E no domingo passado. seriamente. com mesas e boa iluminação. Não ouviu falar? Os rapazes e as moças chegaram à conclusão. — Quanto tempo será que isso vai durar? — perguntou o Padre Krupszyk. E depois disseram que nunca mais se esqueceriam de mim. Quero transformar o salão paroquial numa biblioteca. você também me ajudou. os jovens? E eles me escutaram? Não. Johnny. não sabem de nada. Tenho certeza de que muitos irão. Os garotos não iriam. — Sacudiu a cabeça. enquanto estes sorriam para ele. Uns dois professores podiam ensinar Francês ou Alemão no salão da paróquia. Estou acima dessas coisas. Tim Kennedy já foram da minha paróquia. como se estivessem entendendo todas as palavras. parecendo muito virtuosos e satisfeitos consigo mesmos. Nada de tolices com o Padre Frederickson. foram todos assistir à Missa Solene. para mim. onde o jovem padre é muito ativo e moderno. — Não andei dizendo isso aos meus fiéis. não devo ter preocupações monetárias. As crianças aprenderiam coisas que nunca aprendem no colégio. que tinha muitas coisas mais importantes a tratar do que a simples construção de um novo templo. Bom. — Ficaram ali em volta de mim. Não acredito nisso. — Não seja cínico — respondeu Johnny. O padre ficou calado e depois começou a sorrir. — Os pais do jovem Dr. Eles têm grupos de debates sobre a “educação moderna”. — Você fez tanto bem. ele vai envelhecer com o tempo. você modificou o Sol. para a igreja. enquanto ele olhava para Johnny. — O rabino mastigou o bolo e a luminosidade de seus olhos se acentuou com ternura. Temos de construir uma escola dominical maior. — “Tenho de representar o meu papel”. Seu rosto largo. custe o que custar. — Talvez você possa convencer o seu Lon Harding e os amigos dele a protegerem- no. Se. Deus e a justiça? O Padre Krupszyk pensou nos anos que passara numa luta sem fim. E o Seu amor pelo mundo. eu também vou lutar com você. desta vez com uma compreensão idosa. entregues à Rússia pelos que tinham jurado protegê-los. forte e confiante. Meu caro filho. Johnny considerou pueril esse comentário muito sensato. e a esposa idosa. Foram traídos. — Mas o amor — disse o rabino — é tudo o que há. Os judeus. — Sou um velho. — Johnny. ponderou sobre a pergunta de Johnny. na sua paróquia. que estava clareando. com certa veemência. O Rabino Chortow repetiu o suspiro dele. Obrigado. para morrer. Ele tinha de compreender que até mesmo os velhos tinham de se esquecer de sua idade e seu amor à paz pois os tempos eram terríveis. Há muito tempo. prezam a paz acima de tudo. A luta é séria. posso dizer na verdade que nunca recuaria. os meus anos me tornaram um homem de paz. eslavo. evitando todas as discussões. Johnny. pois a paz se tornou uma traição. Isto não é hora de paz.— Levantou a voz. Como era. até. então teriam de morrer e oferecer um exemplo. O padre olhou para a cicatriz na têmpora de Johnny. em sabedoria. muito tímida. O padre disse: — Tenho um estoque de compêndios adiantados no meu porão. que são um povo antigo. e que haverá. Johnny respondeu: —·Padre. — Então. Ele alisou de leve a barba grande e suspirou de novo. Os velhos tinham muito a oferecer. O meu povo sempre foi amante da liberdade e religioso. a cooperação em nome da paz. ficou muito sério. Pensou na sua biblioteca tranquila. o senhor recuaria de alguma batalha em que se tivesse envolvido. e tenho certeza . respondendo à sua pergunta. Para o que mais nascia o homem? — Vou precisar de uns livros para a minha biblioteca —· pediu Johnny. em nome de Deus. Padre. nem recuarei. O padre era mais prático. sempre tão aflita pela saúde dele. E agora. seus problemas estão apenas começando. Johnny. Vai precisar. — Vamos refutar a antiga noção europeia de que um trabalhador gera filhos burros e que esses filhos só deviam aprender ofícios. Johnny. Amanhã os mando para você. Vou lutar com você. pois não têm a inteligência para mais nada! Quem disse que não? O Padre Krupszyk se levantou. posso ter todos os livros de que preciso. O rabino olhou para o rosto dele. acima de tudo. e suspirou de novo. eles fossem chamados de novo. E outros… sobre Nosso Senhor. em nome da liberdade. Começou a falar devagar: — Sou polonês. um homem honesto. a Assistência Feminina vai oferecer um jantar de Ação de Graças. foi planejado. — E isso não vai acontecer. — Mas quanto ao caso de ontem. Ele estava muito entusiasmado. já recheado. enquanto passavam pelas ruas encharcadas. Ora. “O pai dele tinha sido um camponês pobre. sobre um padre de quem o avô lhe falara. apreensivo. A única coisa — acrescento. isto é. se bem que ainda seja um . De repente. sabe. Mas o velho padre da aldeia notara uma vocação no menino. — Não posso molhar o platinado — disse. quando os adultos aprenderam a ler e escrever. como se fosse uma coisa sem importância — é armar as estantes e arrumar mesas de leitura. — A única coisa realmente má para mim seria ser expulso de minha paróquia — respondeu Johnny. O padre estava contando ao rabino. ela se destacou muito na igreja. E podem acontecer coisas piores. O caso de ontem não foi espontâneo. Um dia desses vou tentar descobrir como é que a gente consegue dinheiro de uma paróquia para comprar um carro que não enguice toda hora e fique sempre com o platinado molhado. mas também aos homens e mulheres. habilmente desviando o carro da sarjeta inundada. de barro… já vi algumas dessas aldeias polonesas. para mim e as crianças. Ninguém procurara inspirá-los. em geral. pensando nos comentários da Sra. Resolveu que o povo não só morava como porcos. Não era culpa deles. Bem. cadeiras e uma ou duas secretárias para os professores. e todos os acompanhamentos. — Era jovem como o Johnny. parecia muito mais jovem. E então começou. Não vão lhe dar uma folga. O carro deu uma guinada. — Desculpe. de modo que ele foi educado para o sacerdócio. — Johnny sorriu. disseram. A euforia de Johnny continuou. deu tudo certo. para ensinar não só às crianças. Burns- dele sobre a falta de organização da Assistência Feminina.” — Uma velha história — disse o rabino. dizia ele. E vou falar com a Assistência Feminina para pedir a suas amigas professoras para nos ajudarem na biblioteca. Tenho muitos amigos aqui. a ler e escrever. quanto ao jovem padre polonês. vão nos dar um grande peru. Então o padre fundou uma escolinha. E acreditava nas pessoas. Mas o povo era tão dedicado ao novo padre que os proprietários tinham medo de importuná-lo… muito. isto é. Para poupar o trabalho da Sra. Nosso Senhor sempre consegue isso. pronto para assar.de que Sol Klein me arranja uma porção. O padre e o rabino foram para o automóvel surrado do Padre Krupszyk e o carro partiu numa nuvem de fumaça. Morava numa aldeiazinha miserável. Rabino. O padre e o rabino olharam para ele com compaixão. todo o grupo dele e o clube são assinantes dos clubes de livros e lêem muitos outros e o rabino provavelmente tem dúzias também. do salão paroquial. o padre conseguiu livros para eles. disse ele. boa iluminação. Ainda bem que também sou mecânico. especial. afinal. O padre falou: — Você tem inimigos formidáveis. Dedicaria a vida a seu povo. oprimir o povo. e ensinar que os senhorios eram homens e podiam ver a luz da razão e da justiça e deixar de. elevá-los. assim como a Kathy. Os senhorios não gostaram daquilo. O Padre Krupszyk concordou. Nem mesmo a chuva constante conseguia desanimá-lo. mas também pensava como porcos. Burnsdale. o lampião de querosene vacilando e cheirando mal. jogando as cascas no chão de azulejos. e tocava a flauta. tinha escrito com veemência ao bispo. que por mais de uma vez exprimira suas dúvidas acerca do padre jovem. Ela hoje está numa igreja na Polônia — disse o Padre John Kanty. com pesar. Ele nunca disse quem a tinha dado. discutindo os assuntos com eles. — Naturalmente — concordou o rabino. — Por mais de uma ocasião — continuou o amigo — o jovem padre chefiou delegações às casas-grandes. homens e mulheres. com o fogão no canto e sementes de girassol secando em cima dele. a neve caindo e caindo. e era meio cético quanto ao outro padre. e que consertassem suas cabanas de sapê e lhes dessem algum dinheiro. tratem a sua gente como irmãos cristãos diante de Nosso Senhor Divino e respeitem o Padre Ignatius como um padre dedicado’. Pode imaginar o que pensaram do bispo. foi procurar o bispo. dando- lhes chá quente em copos grossos e talvez um pão preto com gordura de porco ou carneiro. e um padre muito capaz. na sala gelada do padre. “Os proprietários chegaram à conclusão de que o Padre Ignatius constituía uma ameaça. e ficaram cada vez mais agarrados a ele. e que tinha pretensões de substituir o bispo num futuro não muito distante. O bispo respondia às cartas apaziguando-o. mais tarde. que o deixavam chegar só até a porta. começaram a exigir que os proprietários os tratassem um pouco melhor. Depois das aulas. encorajados pelo padre. O meu avô era bom nas descrições. se bem que a maioria tivesse idade de ser pai dele. cantava para os “filhos” dele. a uns oito quilômetros de distância. De propósito. Era uma bela flauta de prata. — O padre — continuou o Padre Krupszyk — tinha uma voz linda. e enquanto lhes falavam. falando moderadamente e com delicadeza com os donos. Parece que eu via aqueles pobres camponeses. misturando-se com a lama até ser apenas um fluxo. Os camponeses começaram a achar que o padre era um santo. e sem dar muito calor. sacudindo a cabeça —. Então eles começaram a ler e quando começaram a ler começaram a pensar. e. eu via as caras grandes dos camponeses voltadas para o padre jovem e magro. Conhecia bem aquelas aldeias. Então alguns dos camponeses que cultivavam a terra. e. pensativo — a não ser que os nazistas ou os russos a tenham roubado. batendo os pés para aquecê-los. os cabelos das mulheres sob os lenços e todos. O bispo sabia que eles iriam. e não era muito querido entre os proprietários. esse foi um dia triste para o nosso jovem padre. pensativo. Como se livrariam dele? Uma delegação. recebeu-os na cozinha. então!” . contou-me meu avô. ele ia despedaçando sementes de girassol. Depois disse-lhes: ‘Vão para casa. Cantava como um anjo. homens e mulheres. nas janelas despidas. de botas de feltro altas.mistério como ele conseguiu isso. O rabino estava num devaneio. e o céu da mesma cor… bem. e o jovem padre com a sua batina surrada lendo para eles. E tinha uma flauta. Ah — disse o padre. com cavalos negros e arreios de prata. Só muito mais tarde é que se descobriu que fora o bispo que dera ao Padre Ignatius sua linda flauta de prata. conversando com eles. pois os padres devem se aquecer com o êxtase divino. apinhados. era um velho muito justo. que era filho de proprietário. com belas carruagens. para horror deles. Eles tinham sua própria igreja. a respeito do Padre Ignatius. Começaram a levantar as cabeças. Aliás. Também fora filho de camponês. se bem que eu tivesse dúvidas de que conseguiríamos chegar até aqui. Pelo menos. Pronto. — Então. — Não tenho dificuldade em imaginar — respondeu o rabino. — Afinal. antes de os nazistas ou os russos chegarem lá. eles resolveram que tinham de agir por conta própria. — O que aconteceu com o Padre Ignatius? — perguntou. os camponeses. o Padre Ignatius venceu seus inimigos e viveu até bem velho. Homens tuberculosos em último grau se levantavam da cama e iam logo para os campos. — Encontraram a flauta nas ruínas. Era a anarquia. que discursavam para os camponeses nos campos. Crianças que lhe eram levadas in extremis de repente se reanimavam. — Ele acelerou o motor velho do carro. uma noite. O padre os estava conduzindo ao abismo. era santo. — Uma história muito antiga — comentou o rabino. e o mataram. ordenado por Deus. — Ah. que tinham dado à luz momentos antes se sentavam. chegamos. o povo dizia que o padre estava realizando milagres. Nada tão óbvio como a polícia. — Naturalmente. claro. — Não — respondeu o padre. Essas coisas aconteciam durante uma visita do Padre Ignatius. tinham nascido numa situação humilde. sofreriam as torturas do inferno se se rebelassem e pedissem que seus estômagos humildes fossem cheios algumas vezes por semana. Isso deixaria as pessoas desconfiadas e elas resistiriam. ensinando- lhes a revolta contra seus senhores ordenados. bastante interessado. — Sabe. O Padre Krupszyk habilmente parou o carro em frente da casa do rabino. ou pouco depois. . Além disso. foi a última notícia que tive. O rabino olhou para o perfil forte e rombudo do padre e viu a raiva latente ali. Seria muito mais difícil desacreditar um santo do que um pobre padre jovem. o que alarmou mais ainda os proprietários. — Mas os santos morrem mais frequentemente — ajuntou o rabino e de forma mais terrível. sério. Construíram-lhe um santuário. com honra. Não estava nem manchada de fuligem. — Nesse ponto o meu avô ficava meio obscuro e breve. O Padre Krupszyk meneou a cabeça. Mas de repente apareceram homens jeitosos. Não sabia bem o que tinha acontecido. Eles. e os milagres continuaram. os camponeses incendiaram a casa dele. ele foi canonizado há alguns anos — respondeu o padre. Mulheres. o Rabino Chortow. pedindo chá quente. O padre estava mancomunado com o diabo. ou que estivessem prestes a se tornar assim. que não fez caso dele. me garantiu que fez um novo testamento. Concordamos com ele de que mandá-los agora seria prejudicial a essas crianças. isso está liquidado — falou Johnny. ainda assombrado e confuso. — Bom. — A não ser algumas cartas anônimas e evidentemente maldosas. pegou sua pasta. Um membro da Sociedade de Assistência Infantil concordou com tudo isso. — Verifico — disse o juiz — que o Sr. desta cidade. Fletcher prometeu que quando seus filhos de criação chegarem ao plano do grupo etário nas escolas públicas. Não vou falar de testamentos com uma pessoa burra como você. de ponta vermelha. mas cheio das sombras da chuvarada lá de fora. McManus.XX — Não encontro nada no processo que mostre que o Sr. e o Dr. Então o advogado que representava o pastor e as crianças se levantou e agradeceu ao juiz. com pinos e coisas assim. um ministro muito eminente. O escriturário estava chamando outro caso e eles saíram. Os funcionários da Sociedade de Assistência Infantil realizaram uma investigação correta e eficiente. apertou as mãos de Johnny e do médico e saiu correndo. puxando o nariz comprido e magro. Além disso — e aí o juiz tossiu — o Dr. O tribunal estava vazio e triste. me enviou uma declaração de que ele fez um fundo em custódia em benefício dessas crianças. no momento de sua entrada neste país. filho. — Não me aborreça. Johnny olhou assombrado para o Dr. pois teriam de frequentar as aulas com crianças muito mais moças do que elas. que disse: — Não encontramos qualquer base para uma notícia de que essas crianças se tenham tornado encargos públicos. Ele olhou para o funcionário da Imigração e Naturalização dos Estados Unidos. ele os mandará para essas escolas. Fletcher fez um seguro de vida de 15. Tenho de ir para o hospital. — Eu não podia deixar de me preocupar. — O Sr. Elas têm muita sorte mesmo. Ainda não consigo entender como é que vocês médicos conseguem sarar os ossos hoje em dia. McManus lhe lançou um olhar hostil. — O senhor sabe como ele vai indo. de Nova York. deixando uma importância muito considerável para essas crianças. vestindo a capa de chuva. depois que o Dr. — Lá se vão três mil dólares — resmungou o médico. irritado. Fletcher tenha negligenciado a saúde ou a educação dos seus filhos de criação — concluiu o Juiz Bridges. psicologicamente.000 dólares. Francis Stevens. Mas afinal… . Esteve conosco ontem. para prover essas crianças no caso de sua morte. Um fotógrafo do Press tirou a foto de Johnny. Alfred McManus. vindo de Filadélfia. Como vai indo o Jean com as muletas? Johnny sorriu para ele. Cale a boca. como tantos ministros. de que aquela moça fosse Lorry? Por que só de pensar nela ele tremia e o rosto ficava ardendo? Ela estava em Nova York. Mas não podia ser Lorry Summerfield! Então ele ficou incrivelmente desanimado. McManus lhe contara. Coogan. Quando ia atravessar a rua. Os abajures estavam acesos. Abriu a gaveta da secretária e tirou a caixa dourada de Lorry. escutando o vento e a chuva. Essa ideia é ridícula. na minha vida também não há lugar para ela. — E não há garantia de que o Sr. levantando-se para visitar os doentes. um túmulo solitário num cemitério esquecido. Suspirou. Impelida por essas emoções. Gostaria de ver como é que Ele se daria se neste mundo não houvesse tantos tolos… como eu. por exemplo. esperando as cartas dos filhos. o Dr. olhando para a rua triste através do pára-brisa molhado. — Aconteceu alguma coisa? —· perguntou. em voz alta. Chegou ao seu carro velho. pensou ela. Por que tivera aquela esperança. velho e só. A Sra. lendo sozinho. e que o tribunal já tinha investigado esse assunto. E depois. claro. Ele olhou para Johnny e seus olhos brilharam. nessa sala muito feia. levantou-se. mas ninguém lhe dava nada. Ele chegou em casa muito deprimido. Burnsdale. O juiz. Ele dava tanto a todos. Johnny estava escrevendo o sermão para o Dia de Ação de Graças. eu também tenho o meu preço. pensando bem. lembrando-se de seu sonho. — Deus provê — disse o médico. sentou-se à sua secretária e ficou escutando o ruído das vozes das crianças na sala de jantar. Ela parecia irradiar um calor terno. com sarcasmo. Sabia que eu ia à sua casa para o jantar do Dia de Ação de Graças? Não faço isso naquela casa desde que era menino. pensou consigo que ele estava precisando se casar. Johnny saiu para o frio e vento tenebrosos. Ele levantou os olhos e sorriu para a Sra. Ele ainda era jovem. Ele me parece bem saudável. Burnsdale. na sua carne. grisalho. a capa de chuva reluzindo. com o tempo. depois velho. com um passo alongado. que ele nunca tinha visto. virando a chave para ligar o motor. o coração saltando. O coração de Johnny bateu com uma esperança indizível. — Ela nem olharia para mim — concluiu Johnny. dando uma espiada maternal na sala. e as crianças teriam suas vidas. discutindo as lições com a Srta. Bem. uma moça passou por ele. — É bom que Ele tenha gente como eu por aí. — Na vida dela não há lugar para mim. Ela parecia vê-lo. A caixa dourada estava junto de sua mão. Fletcher escape ao casamento. os óculos rebrilhando. mas não o ligou logo. Lá ele encontrou uma ligeira dificuldade. onde lhe deram documentos preliminares para a adoção. — Estão precisando de mim? . voltando para uma sala de jantar vazia. depois idoso. a cabeça loura erguida com altivez. por fim. Mais tarde. melancólico. Era tudo sobre assuntos relativos a reuniões e da igreja. Johnny compareceu ao Tribunal Regional. Fletcher não era casado. depois indo para uma cama fria. Uma mulherzinha morena. chamou a atenção dela para o fato de que o estado de solteiro não prejudicava a adoção. e disse que o Sr. A não ser carinho. trabalhando com o irmão. E. Mas um belo dia — e ela sabia como o tempo corria — as crianças estariam crescidas e iriam embora e ele ficaria sozinho. e só encontrou alguns telefonemas e nenhum de doente. para alívio seu. nesse mesmo dia. segurando-a com força. mas amanhã seria de meia-idade. quando ela entrou tão precipitadamente. ela entrou na sala o mais depressa possível. Fletcher. Ela se aproximou da secretária. E as crianças estão criando raízes. em toda parte. Ela ficou ali em frente dele. Faz modelos. — Tenho medo desta cidade. — Johnny estava achando graça. A gente confia em Deus e aí acontece alguma coisa horrível e a gente nem sabe por quê. — Sr. ele vai ser escultor! Está sempre trabalhando com o barro. as mãos nas cadeiras. talvez não confie mesmo. duas lágrimas começaram a rolar pelas faces dela. fixou os olhos alegres sobre o ministro. Para aflição dele. — Está preocupado comigo. E eu também. Fletcher! — Pois eu não tenho — ponderou Johnny. Eles gostam da cidade. mas pavor não a abandonou. — Ela pôs o lábio inferior para fora e depois sacudiu a cabeça. Fez uma cabeça do Rabino Chortow. num desafio. Pietro fez amizades na igreja dele. num tom anormalmente forte. A Sra. aqui. e declarou: — Meu nome é Peter. Burnsdale ficou calada. Depois de ter saído na chuva? — Meu resfriado? — Tossiu. Fletcher. — O que há? — perguntou Johnny. Fletcher. Sr. Fletcher. — As pessoas são as mesmas. de certo modo. Ninguém! Ele largou a caneta do exército e olhou para ela. — Sr. na cozinha. Ele foi para a cozinha com a Sra. sua solidão estava aliviada. há dias. com toda a severidade possível. e Kathy tem amigas das aulas de religião e a é Max já trouxe uns guris para casa. . Ele afagou o ombro gordo dela. suas feições rombudas agitadas. Eu estava pensando no senhor. — Pois eu também estou! — respondeu a Sra. foi isso que o Dr. Burnsdale e cheirou as panelas. intrigado. — Sorriu de novo. com gosto. Burnsdale. — O senhor sabe. A gente deve confiar Nele. estou muito preocupada com o senhor. E o Pietro esta no coro da igreja. Sabe. muda. sabe. — Tem medo de que aconteça mais alguma coisa? Ela sacudiu a cabeça. Sr. experimentando. Não é que eu não confie em Deus. Todas as coisas que aconteceram nesta cidade. Depois disse: — Não sei. Estranhamente. eu o vi nesta sala. Sr. Nessa altura Pietro entrou na cozinha. nem ninguém. O senhor tem de se cuidar. de repente arquejando. já está quase curado. noutra cidade? — Ora. — Bem. que é linda. com brandura. mas a confiança pode ser bem difícil para a gente. e os guris lá crescidos e indo embora e o senhor sem esposa. Stevens me perguntou na carta dele. e… bem. — Como está o seu resfriado? — perguntou ela. os olhinhos implorando. velho. E o Padre John Kanty manda crianças visitarem o Jean. é sempre isso que pergunta! E ninguém lhe pergunta isso. — Ah! Costeletas de porco com chucrute! E torta de limão. o senhor não acha que devia arranjar outra paróquia. nós não podíamos viver sem o senhor. — Ah. com o barro. — Sem dúvida — disse Johnny. Kathy tem cabelos como os dela. Como Johnny. Por que você há de ter um nome que não é diferente dos outros? Não quer ser diferente? Pietro olhou para a torta. com vontade. Burnsdale e depois para o fogão. sério. Vou ganhar muito dinheiro. depois para a cara ameaçadora da Sra. examinando outra panela. pensando bem — que vou me casar com a Kathy. papai. — Não é americano. batendo na mão de Pietro. Burnsdale. — Um homem chamado Petrus ou Pierre ou Pietro ainda é Peter — esclareceu Johnny. Kathy. Vou ser padre. Summerfield — disse Pietro. com desdém. respondeu: — Está bem. — Largue essa torta! — gritou a Sra. levantando uma concha — vai ter uma cor diferente no traseiro. foi verificar as panelas cheirosas. . — Ora. Pietro riu-se. Pietro — concordou Johnny. Gosto de cabelos louros. sou Peter. — Não — disse. Então. depois de pensar bem. — E as moças vão me adorar — concluiu Pietro. —·Por quê? Pietro agora estava inseguro. bolas! — Ele fez um gesto de desprezo com os braços. — Quem é que disse isso? — perguntou Johnny. Acredita? — Não — disse Johnny. — Já pensei em me casar com a Srta. — Ora. apreciando. gosto do seu nome. mastigando-o com vontade. com muito interesse. Ele lambeu o suspiro dos dedos e disse: — Eu digo. reprovando. — O que é um biscoito? — perguntou Pietro. Pietro. Burnsdale. — Além disso. — Quero dizer. Pietro. é mesmo. Pelos cabelos dela. que ouvira mencionarem seu nome. papai. Eu acho — concluiu ele. — O que há com os meus cabelos? — perguntou. papai. Burnsdale. mocinho. — Ele as tem naturalmente — respondeu Johnny — Os italianos são o único povo que sabe mesmo apreciar o sexo oposto. — Mas ela é muito velha. — Não. onde é que esse garoto arranja todas essas ideias terríveis? — perguntou a Sra. — É. vou-me casar com a Kathy. satisfeito. — Se você não se afastar desses biscoitos — ameaçou a Sra. entrou logo na cozinha. que agora não sou mais Pietro. Vou ser o grande cantor. com desprezo. Pietro a examinou. com frieza — que vou continuar a ser Kathy. Burnsdale. de novo no vidro de biscoitos. — Não sei o que deu em vocês. Eram bem estudiosas. disfarçadamente. severa. Kathy lançou-lhe um olhar terrível. a luz de vela dissipando as trevas que se amontoavam em cada pilastra de madeira. perita nesses assuntos. e a Sra. tenho outro nome. Acima do altar reluzia o dourado desbotado de uma grande cruz. logo dobrou um pano bem dobrado e bateu nas pernas de Pietro com força. Mas nós todas a chamamos de Charm. o antigo medo. — Você é uma menina tão ajuizada — respondeu a Sra. Burnsdale lhe lançou um olhar afetuoso. onde os imensos candelabros estavam sobre o altar. Deu saltinhos altos pela cozinha. E como tinham mudado. papai. enfiando biscoitos na boca. Agora era raro ver aquele antigo ódio brilhando nos olhos deles. Não havia nada como crianças! Nada! Especialmente as dele. Só estão começando a saber que o amor nunca lhes falhará. enquanto comia com um prazer calculado. mas mesmo essas ocasiões estavam-se tornando menos frequentes. Os analistas. Havia um espelhinho por cima da pia. — Conheci uma menina na aula de religião. guris. Por vezes reagiam um pouco demais a certas situações. havia flores frescas. Johnny. Ele passou pela igreja. faz confusão. . claro. Pietro quer mudar de nome e você também. — Espero que não — disse ela. Aquilo o encantou. Kathy teve um sobressalto. Ela berrou: — Largue esses biscoitos! Você come tudo. Em casa. agora inexplicavelmente animado. que estava metendo a mão. Burnsdale. nessas semanas todas. Tudo o que o Pietro queira fazer é errado. Kathy. Não adianta ter duas pessoas com o mesmo nome na aula de religião. Burnsdale estava lavando umas louças. Dos lados. vendo que a Sra. se adaptando. Burnsdale o perseguia. e viu com prazer que no calor da cozinha uns cachinhos se tinham formado em suas têmporas e as faces redondas estavam agradavelmente rosadas. Então. agora sou Charm. seu porco! A Sra. Burnsdale. O nome dela é Charmenz. — Você também? — perguntou Johnny. — Acabei de descobrir que você é bonitinha. Por fim ele deu um salto muito comprido. Johnny riu-se ao ver aquele fauno moreno saltando à frente da Sra. pensou Johnny. com admiração. diriam que estão. — Eu acho — falou Kathy. — Por falar nisso. saiu para a chuva. aprendendo com uma espécie de avareza devoradora. enquanto a Sra. meio vaidosa. Olhou para Pietro. — É uma bobagem — respondeu a Sra. — Um guri do seu tamanho — disse ela. abriu a porta da sala de jantar e desapareceu. Kathy examinou a sua imagem. Burnsdale. maquinalmente pegou um pano de pratos. Claro. não muito ágil. Johnny. — Espero que isso não lhes tenha custado demais. Bom. Também estava mais irritado do que de costume. tão macia. sério. A Srta. Johnny supunha vagamente que fosse pinho. e estava contando. e continuaram com o trabalho. Ele foi a uma estante de livros e passou a mão pelo acabamento acetinado. mas fico contente que Tua casa esteja clara. ao que Johnny soubesse. e entre os garotos de cabeça raspada e cara magra estava o próprio Lon. com orgulho. . Ele via as estantes cheias. montes de papel branco arrumado e muitos lápis junto deles. Um dos garotos se engasgou e depois tossiu de repente. McManus estava pensando em Johnny de novo. sei que não importa onde o homem reze. O porão tinha um forte cheiro de serragem. Ele pagara 25 dólares pela cruz. o salão paroquial. desculpe a palavra. o carvalho era melhor do que pinho. Entre os homens estava George Harding. — Ei. Johnny passou a mão por cima dela. não lascava. bebericando o conhaque depois do jantar. as lâmpadas acesas. O Dr. mas de fato era o melhor mogno. sob as lâmpadas nuas. — Estou aprendendo muita coisa. se bem que Johnny tivesse protestado. e pilhou suas expressões ansiosas. Havia imensas caixas de livros nos cantos da sala. Era de uma madeira mais escura do que as estantes. Então seus olhos opacos olharam para o ministro com muito afeto. — O melhor pinho que já vi. Estantes de livros formavam as antigas paredes caiadas. A Assistência Feminina. lustroso e claro. com uma resolução férrea. casos de seus pacientes. de segunda mão. e havia outras caixas contendo lâmpadas de leitura. Cantarolando. indiscretamente e com risadas superiores. —·Senhor — disse ele —. Sommer Granger. Era carvalho. não se pode vadiar. Esperava aprontar a “escola” para depois do Natal. com movimentos convulsos dos ombros. A madeira fora doada por três amigos de George Harding. “Aquele maldito analista”. o Dr. onde havia um martelar contínuo. para as mesas. estava presente. E não preciso lhes dizer como sou grato. cabeças de meninos e meninas debruçadas sobre os livros. tão loura e bem-feita. Eles cumprimentaram Johnny com uma reserva amiga. Vários homens e meninos estavam fazendo mesas. que Johnny comprara em segunda mão. a madeira era de um tom suave. distraído. Coogan ia ajudar de noitinha. Quero dizer.Ninguém protestara. raro. Virou-se para eles. O Dr. estudando. Granger usava uma linguagem chã. praticamente forçara três professoras idosas e aposentadas a ajudarem ali. sem falhas. Johnny perguntou a Lon: — Como vai a nova escola? — Eles fazem a gente estudar como o diabo — respondeu Lon. ele pegou o martelo e começou a martelar numa mesa. lhe deu um comprimido para tosse. — Sorriu. na sala da casa de MacDonald Summerfield. todos conhecidos dos donos da casa. que trabalhavam nas serrarias de Ben Guston. pai de Lon. professores sentados entre eles. de que Johnny nada sabia. na cor natural. desceu ao porão. Johnny tornou a olhar para as estantes. Tenho de trabalhar mesmo. sorrindo. antes de eles tornarem a se debruçar sobre o trabalho. Estava tornando aulas por correspondência. um dia desses vou me lembrar de minha ética médica e denunciá-lo à Associação Médica por revelar os nomes de seus pacientes. perguntou. Naquela noite. e então haverá um idiota a menos na profissão. Granger era solteirão. — Estávamos falando de ioga. ouvindo seu nome. comentou o médico para si. McManus. — Pois você é. mal respirando. insistiu o Dr. A Sra. se ligava diretamente a essas zonas delicadas. Granger. acho que você devia praticar isso. comentava ele consigo. com escárnio. — Os médicos não podem falar de seus pacientes. desatenta. que alguém lhe dissera que Granger tinha “algum poder” sobre Summerfield. que sorria. também. se é que vou respirar. Summerfield. era amigo íntimo do Sr. Seus olhos escuros e inclinados bailaram para o Dr. por horas. Ela é a única na casa que não é tola. Granger. Esther Summerfield parecia divertir-se um pouco. O tema chinês desaparecera da sala. Esther e eu. Não era a poltrona chinesa. Era uma autoridade sobre o assunto. que. Summerfield escutava. como já o fizera muitas vezes: — Sommer. McManus. O Dr. de alguma organização de Los Angeles. Granger continuava. McManus.mas sua menção franca de lugares delicados da anatomia humana não ofendia a Sra. o Dr. Al. talvez por motivos de tédio ou algo um pouco mais . Sempre o considerara um homem rico. e ele provava isso com seus casos. — Imagine. De repente o Dr. entre si? — perguntou. Esther Summerfield estava com um sari rosa-claro. Tudo na vida do homem ou da mulher. com um enfeite na cabeça. McManus completou: — Talvez ele pare de respirar para sempre. Pomposamente. abrangendo os mistérios do hinduísmo. — Por que não ensina isso ao Sommer? — perguntou o médico. debruado de dourado. — Além disso. O psiquiatra estava- declarando. — Pois bem. remexendo-se na poltrona. Pelo que ouvi. Summerfield atentamente. sua solteirona danada — responder o Dr. Diante disso. McManus. Summerfield. O Dr. McManus se lembrou. coisa que o médico achava pior ainda. e não faladores. McManus procurou não pensar em Johnny. Disse. Granger riu-se muito. impaciente: — O quê? O quê? —— Eu estava pensando no dia em que terei o prazer de assinar o seu atestado de óbito — respondeu o Dr. aqui somos todos amigos. que esperava que um de seus pacientes mais desesperados se suicidasse a qualquer momento. “como um raio de um guru”. O Dr. então na sua vida houve um curto circuito — comentava o Dr. Nessa noite ela falara em ioga com muita animação. O Dr. Mais tarde vou conseguir ficar sentada num silêncio absoluto e imóvel. O Dr. Embora o marido e a filha e a maior parte das amigas a considerassem uma novidade inofensiva e não muito esperta. segundo alegava. Agora era todo industânico. McManus sabia que não era nada disso. Ele fitou o Sr. frequentemente. Granger sabia de tudo sobre ioga. enquanto a voz do Dr. deu uma breve dissertação. o Dr. Só havia um coisa que ele não entendia em Esther: a afeição pelo marido. Agora estou sendo fantasioso. mas chegam a se curar delas. com desdém. irritado. apenas… — Nunca ouvi falar de micróbio psicossomático — concluiu o Dr. Granger falseou. Está igual ao que sempre foi. contra meus conselhos. tentando descobrir por que é que os pobres- diabos que se banham no Ganges imundo não só não poluem a água com suas doenças. — Ora. de noite. Summerfield e disse consigo. A voz dominadora do Dr.dele disse que ele estava com febre de seus ditos acessos. há umas seis semanas. incrustada com marfim. — Mas… mas… ele estava muito perturbado… — Claro que sim! Já teve uma crise de vesícula. e sim uma coisa que sempre existira ali. para não mudar esse assunto fascinante. — Por falar nisso. o que aconteceu com Sloan Meredith. — Bem. Ele morreu na mesa de operação hoje de manhã. Passei dois anos na índia. sem se ofender. McManus. — Não interessa a mãe de Sloan. é um mistério médico. Estou lhe perguntando pelo Sloan. — O que quer dizer? O Dr. Depois olhou bem para o Sr. Granger — temos a Gita. Granger abanou a mão grande e carnuda. estava querendo bancar o Maquiavel em Barryfield. Granger parou. — Já lhe disse. — Não estão doentes de verdade. Não há nada como uma crise biliar para fazer até mesmo um psiquiatra se arrastar pela cama gemendo e berrando como um cachorrinho ferido. Pode lhe dar uma ideia do que um cálculo psicossomático pode fazer com seus nervos e seu subconsciente! . — Com satisfação. É só conversa. Nunca descobri. que foi procurá-lo quando eu disse a ele que tinha de extrair a vesícula biliar? O Dr. parece que um cálculo biliar grande que ele não pôde expelir causou uma perfuração. — Ele parou o tratamento. Mas de repente o médico pensou perceber uma modificação na expressão e maneira de seu velho conhecido. — O problema dele era com os cálculos biliares. ontem à noite. cale a boca! — exclamou o Dr. De repente ele parou de ir ao meu consultório. Eu estava chegando no fundo do seu subconsciente e a mulher . confusa e vagamente angustiada. — Depois — continuou o Dr. ele viu o médico mais moço empalidecer. A mulher disse que ele estava começando a se sentir pior. mentalmente. que não era uma modificação. McManus — Você não sabe nada sobre esse assunto.sinistro. Não consegui salvá-lo. Parece que ele e a mãe… Os olhos do médico brilharam como que sob geada. Sommer? Não? Pois vou me lembrar de pedir algumas para você. Tolice. Isso porque eu o estava sondando fundo demais. disse ele consigo. Al. disse o médico. — Psicossomático — respondeu o Dr. nas minhas orações. Granger. Eu sei. uma mudança um tanto aflita. até o dia de hoje. — Com o quê? Um bisturi? O Dr. assombrado. McManus se mexeu na cadeira incômoda de teca. e não o subconsciente. isso já é exagero. eu lhe telefonei e contei toda a história e lhe enviei as radiografias dele. Depois falou. quando soube que o Sloan tinha ido procurá-lo.” Os outros estavam escutando com avidez. com algumas aspirinas de vez em quando. que raramente lhe faltava. cirurgiões. se fosse você. olhos azuis apertados. Tem. aliás. a pessoa pode viver com isso. olhei as radiografias de Sloan e o seu relatório. Sommer. Você é médico também. endireitando o corpo maciço e brandindo o dedo em frente do psiquiatra. quando eram culpados de imperícia no exercício da profissão. abruptamente: — Você . em toda a minha vida. E tem três irmãos grandões. Summerfield de repente pareceu achar graça. embora pudesse ver com meio olho o que ele tinha de fato. pois tentam aliviar suas tensões abusando de alimentos fortes. Na Idade Média. — Olhou para o psiquiatra. o Sr. nunca aconselho uma operação a não ser que seja um caso de salvar a vida de uma pessoa. McManus. Al. Granger não recuperara a cor. Respondeu. deveria apenas complementar a clínica geral. E o que é um distúrbio? Não sou um desses sujeitos loucos por dinheiro que levam o paciente correndo para o hospital com um apêndice que se manifesta um pouco. a maioria. Coisa que nunca fiz. cabeça calva e um nariz arrebitado absurdo. Sommer Granger engoliu em seco várias vezes. menos insônia. O Dr. têm um jargão de ioga de vocês. sem que me pedissem. No entanto. Vou visitar Molly amanhã cedo. emagrecendo. pela minha experiência. Personalidades agressivas e hostis. Assim. infelizmente. bem-estar geral. tenho quase certeza de que todos os casos têm essa origem. O Dr. positivamente. desde o princípio. E isso é perigoso… para os tolos. Era sempre loquaz mas não conseguiu falar nada. “Sommer — continuou o velho médico. pela primeira vez. só porque o Sloan estava ganhando muito dinheiro com a fundição dele. são todos pela cirurgia. desculpe. Para que as pessoas os reconhecessem pelo que são. Mas conheço dezenas de casos em que as doenças da vesícula biliar têm origem psicossomática. Olhe. A despeito de toda a sua preocupação. você o aceitou. — Eu não iria — respondeu o Dr. sombrio. Era um homem grande. — Você o matou. Em muitos casos o tratamento psiquiátrico cura suas doenças. Vocês. Sabe ler uma radiografia. Vocês deviam ser obrigados a usar o chapéu pontudo e as vestes amarelas zodiacais dos feiticeiros da Idade Média. Em geral não opero nem para curar um distúrbio moderado. Sim. — Ela foi contra você. E tenho toda a certeza. Eu sei. além de um raio de analista. Só quando comecei a sondar a respeito da mãe… bem. de movimentos rápidos. não o podem enforcar por isso. completamente. Vocês se tomaram os altos sacerdotes do esoterismo. atlético. de que um padre ou um ministro ou rabino saberiam trabalhar melhor nesse sentido do que vocês. — Você sabe perfeitamente que sou um cirurgião conservador. desconfiadas e em geral obesas. eu não iria. não. Hoje não. e não substituí-la. Não. apenas a pose arrogante. Ah. Costumavam enforcar os médicos nas épocas mais saudáveis. Esther riu-se. e um rosto comprido e retangular. que gostavam do Sloan. Como é que eu havia de saber que não curaria no caso do Sloan? Ele estava indo bem. com pouco mais de 40 anos. com muita atenção. então: — Ora. mas deveria estar sempre sob a jurisdição atenta do médico da família. não estou dizendo que a psiquiatria não tem o seu papel. solteiro. Conversei com o velho Juiz Bridges e o chefe da. com suavidade. com raiva. Ficou de miolo mole. Muitos de vocês sentem desprezo por seus pacientes. se se pode falar assim. pois do contrário não teria provocado uma tal controvérsia em Barryfield. Já conversei com muita gente que o conhece. — Bom. McManus. a essa altura. — Estou dizendo que o Al ficou religioso! Se não fosse ele. — Estou vendo que não. Não o conheço pessoalmente. se tivesse o poder? Não permitiria que o psiquiatra praticasse a sua arte. não.Granger sacudiu a cabeça. McManus. pois não teriam. O Dr. Esse homem não é. — Foi você que ajudou a mandar aquela turba para a casa paroquial! Ninguém lhe respondeu. o sujeito não é muito normal. ficando roxo. — Um caso curioso — disse o Dr. patrocina-os. Ele se teria instalado aqui confortavelmente. equilibrados. Pelo que eu soube. Homens normais não são apedrejados. Granger fez um gesto indulgente.acredita em Deus. Summerfield riu-se. integrados. de origens diferentes. divisão de adoção. se ele não estivesse convencido da existência de Deus. McManus. Sommer? — O quê? O quê? — O psiquiatra sorriu. Granger. mas ele me interessa. São perigosos. tratando de criar aquelas crianças em circunstâncias médias e pacatas e ninguém teria ouvido falar dele. Summerfield interveio. Mas alguém os pressionou. com uma raiva fria. Estavam inquietos. com indulgência. Parece que as crianças são inteiramente anormais. Ele lançou um olhar comprido ao Dr. Mac — respondeu o médico. Muito estranho. O Dr. Ele os traz para esta terra. quanto a ele. Al. os psiquiatras também têm uma teoria a esse respeito. — Não se meta com o meu ministro. adquire cinco filhos. Talvez não tenhamos de procurar muito para saber quem foi. Os homens normais são ajustados. . — Não se meta com o meu rapaz! — gritou o Dr. sem expressão no rosto: — Al ficou religioso. como psiquiatra. Sabe o que eu faria. — Um rapaz jovem. — Não é. se acreditassem na existência de Deus. aquele ministro provocador da ralé teria sido expulso desta cidade. — Isso é mentira — respondeu o Dr. McManus. O Sr. McManus. não agitam as pessoas. depois que instalou aquele ministro encrenqueiro na igreja dele. Sociedade de Assistência Infantil. sério. — Quando foi que ele algum dia provocou a ralé? — indagou o Dr. . e aparentemente não demonstra qualquer interesse em se casar. não provocam as multidões contra si. o nosso velho Al reacionário. — Cristo fez isso — contestou o Dr. prepara-se para adotá-los. O Sr. De algum modo. Al — continuou o psiquiatra. Falava que a mãe falecida ia visitá-lo todas as noites. e por vezes gritava que os soldados iam matá-lo. pois era toda de chintz aconchegante e móveis dourados simples. mas quando souber. Delírios. do contrário. os olhos duros. O Dr. — Vamos até a sala de almoço. estou-lhe avisando. Crianças normais não despertam esse tipo de hostilidade. Mac — e ele deu um passo para junto do outro —. não gosto do seu protegido. Já estavam acostumados com suas partidas repentinas. na opinião do médico. — Ora. Tinha um complexo de perseguição declarado. parecia deslocada ali. O Dr. Al? Disseram que ele estava inteiramente alucinado. Positivamente sofrendo de alucinações. no momento. e sua voz geralmente serena estava urgente. Summerfield e disse. quando souber a respeito dele? — Não — respondeu o Dr. sob sedativos. onde um dos meninos foi operado… foi você que operou. Todo mundo anda falando dele. já investiguei o caso. — Acho que vai ter pena de si mesmo. Ainda não estou disposto a usar isso contra você. os olhos tremendo. com pena. Al. Porque. a se interessar por ele? — Ora. Somos velhos amigos. sem piscar. pegando-o pelo braço. e falava em francês. — Al. investiguei. com sua voz esganiçada e baixa. vai sofrer por isso. Não se meta com o Johnny. Sentaram-se na única peça normal da casa. Virou-se para o Sr. Ele a acompanhou. vamos. vai ficar desesperado. Mas tenho pena dele. Uma das crianças teve a garganta cortada por outra criança. naturalmente. tremendo. — Quem o mandou investigar um ministro obscuro e pobre e os filhos. . Esther. Um dia desses você vai saber de uma coisa sobre o Johnny. podre de rico. McManus. ou outra coisa igualmente absurda. — O que o levou. sinceramente preocupado. McManus. McManus levantou-se. você está-me ameaçando? — perguntou o Sr. e então seus olhinhos se aqueceram. McManus ficou sentado inteiramente imóvel. — Sabe. você. se bem que não tenhamos a mesma opinião quanto a certas coisas. Sommer? O Dr. falando com ênfase. complacente —. Vai fazer você rastejar. Summerfield. Granger parou. Summerfield olhou para ele. Apenas lhe dizendo. os olhos apertados. Acha que vou ter mais pena dele. Al — chamou ela. Os outros terão pena de você. O Sr. e só Esther Summerfield o acompanhou. Al. Está me ouvindo? Não se meta com o Johnny de hoje em diante. lentamente: — Mac. eu diria que ele estava padecendo de esquizofrenia. Então. Conversei com algumas das enfermeiras do hospital. — Você é um mentiroso — respondeu o Dr. — Olhe. um psiquiatra da Filadélfia. Mac. com brutalidade. o corpo atarracado e possante tremendo. Mac. respirando fundo. envolta em seus panos diáfanos. Virou-se e saiu da sala. — Não o estou ameaçando. Por vezes falava com as enfermeiras que a mãe tinha morrido a pontapés. Mac. Isso vem da minha especialização em comportamento normal e anormal. Ela olhou séria para seu velho amigo. levando em conta tudo o que o Sr. está pensando no Mac. e me pergunto se não existe. ou Mac estará mudando? Ele sempre foi meio distante e reservado. Lorry é muito como ele. se for orientada. Não sei. O médico franziu a testa e depois meneou a cabeça. Sei que ela vem aqui para ter notícias dele por você. mas cada editorial que ele publica. triste. e como esta funciona no corpo. — Sabe. afinal. misericórdia e interesse pelos outros. pela sua inocência. Fletcher. um dia por semana. Lembra-se de quando MacDonald conheceu Sommer Granger? Foi em Filadélfia. não posso precisar o que é. o pastor. como se fosse cego. e terá uma vida decente. De certo modo — Esther sorriu. Sabe. a vira ainda mais contra ele. — Esther virou a cabeça. bem. Estarei imaginando coisas? Esther olhou para a parede e seu rosto ficou tenso. pensando na filha — entendo o ponto de vista dela. baixava a realidade. Fletcher. É uma coisa que não fica bem clara. — Você nem sabe o que representa para mim. Quem havia de imaginar isso de Lorry. Mas ela também tem bom senso. quanto a Lorry e o Sr. e nunca. — Ficou calado algum tempo. foi assim que começou a diferença entre ela e o pai. Acho que eu nunca conheci Lorry direito. Você acha… ? — Romance? — O médico sorriu. Ah. considero Sommer culpado disso. ela não estaria demonstrando isso agora se não o tivesse em si. Os médicos conhecem a medicina psicossomática desde o tempo de . o que ele chamaria de um desígnio nas coisas humanas. às vezes. em Nova York. — Já existe. Ele pôs esta cidade numa agitação. mas ela só responde a mim. pensativa. Foi então que começaram os problemas com Lorry e o pai. mas estou observando! Esther olhou para as mãos morenas e compridas. mas existe. há anos. poder ver Lorry em sua casa quando ela vem à cidade para o fim de semana. quase todos os médicos com uma clínica antiga. Olhando para a gente. — Al. — Será a minha imaginação. surdo e confuso. Distraído. achando tudo isso um sentimentalismo fraco? O médico deu uma risada. ou coisa assim. de vez em quando. desde o princípio. que me lembre. que há alguns meses zombava da compaixão. antes. — Você sabe que já tentei falar com Lorry sobre o pai. quando a gente o chama pelo nome. imagino que se chame a isso. Há uma morbidez em homens como Sommer e ele despertou a morbidez em MacDonald. desconfiam dos psiquiatras. e três dias depois convenceu-o a abrir um consultório em Barryfield. Um emocionalismo de pedra. que adquiriram uma percepção da natureza humana. com carinho. Escreve para ela aos cuidados de Barry. E Mac e Lorry. — Bom. o Mac… parece-me que está mais longe da realidade do que nunca. sabe. escarnecendo do Sr. aflito. toda emotiva sob… como se diz?… a pedra branca. Fletcher fez por ela. Tem sobressaltos. começo a pensar sobre ela e o meu rapaz. Mac nem desconfia que ela vem a Barryfield. Agora. coisa que eu nem sabia que ele tivesse. e como estão envolvidos. E… nunca achei essa ligação saudável. — Não é sua imaginação. Esther. mas ambos são burros demais para perceber. Não. Sempre foi uma idealista. Não concordo com isso. ou mesmo alguma pequena indireta. — É. e mesmo antes dele. ou cada qual mergulhando na psique do outro. Já tinham ido embora daqui. Os psiquiatras não sabem lidar com elas. há muito tempo que MacDonald vem falando da mãe. Acho que ele a odiava. Ela caiu do terceiro andar. e perdeu o equilíbrio. mas não dão importância a elas. conheci. seus próprios terrores e culpas e sofrimentos secretos nos pacientes. Quando chegar à política. É só que… bem. Foi Sommer quem o levou a isso. Sommer dirige o que ele faz com os jornais! Como é que sei? Não tenho provas concretas. Ela olhou para ele. há uma troca entre eles.Hipócrates. sim. com um medo súbito. O pior é que está entrando no vocabulário dos tolos e causando muitos malefícios. de vez em quando um ou ambos ficam loucos. e só os jovens diplomados em Medicina ou os médicos que não têm confiança em si é que se interessam por isso. Então. . Veio nos jornais. está ouvindo? Pare! Ela sussurrou: — Al. Esther levantou os olhos. a voz abafada. Ela respondeu. mas há sempre alguma coisa perversa e provocadora nos editoriais dele. pensando que estão com uma ideia nova e maravilhosa. Eles tinham acabado de comprar uma casa grande em Filadélfia. eu acho. e “projetam”. e levam tudo isso em consideração. Esther. espanando o grande lustre que eles tinham importado. um dia ouvi MacDonald e Sommer conversando sobre a Sra. e Evelyn estava ajudando os empregados a aprontarem a casa. Está… mais depressa… agora. baixinho: — Não sei. concentrando-se. — Foi um acidente. — O que é? — perguntou ele. Morreu quando Mac tinha seus 13 anos. Isso foi há muito tempo. Você a conheceu? — Ah. no seu medo. as pessoas sadias também têm suas esquisitices. espirituosa. — Al. Aí aparecem os analistas. depois de ter uma sessão com Sommer. Ou. — Esther! — Não vá inventar coisas! Pare com isso. Pode ser uma ou duas ou um milhão de coisas. Achava o pai de Mac um tolo pomposo e pretensioso. Claro. quando está dormindo. Garota saudável. — O médico fechou a cara. Sommer é oportunista e MacDonald acha que é Deus. como dizem. tenho certeza de que tem razão! MacDonald está piorando a olhos vistos. Ela se levantou. mas com carinho. no mármore do térreo. Muitas vezes escuto o jargão deles. então Deus nos acuda! — Jamais conheci um psiquiatra que não tivesse algum problema mental ou emocional. O velho médico se levantou de repente e pegou o braço de Esther. têm grande afinidade com pacientes que suportam os horrores deles. MacDonald nunca fala da mãe dele. têm seus pacientes. médicos. Uma moça ótima. Summerfield. Você sabe que ele nunca foi a favor de todo esse radicalismo até conhecer o Sommer. procurando alívio. como o pingue- pongue. Não. pior ainda. Disseram que ela estava debruçada no corrimão. meio apavorada. nenhum dos dois é comunista. Al. O médico tentou sorrir. de algum modo. Espero que esteja certo. algumas pessoas com juízo conseguiram sobreviver. — Francamente. estou com medo. e a mente dele ainda não amadureceu de verdade. e os filhos dele também. Sempre fizeram isso. MacDonald nunca vai deixá-lo em paz. — Sei o que o Granger estava querendo fazer. achando que o seu desejo para com a mãe tinha alguma coisa a ver com a morte dela. Por vezes tenho pesadelos. o seu ministro está correndo perigo. então vão arranjar uma porção de guerras. Esther suspirou. Ele parece e age como um demente. e então aconteceu o acidente e ele ficou com aquilo na cabeça. é Deus. MacDonald já arruinou outros homens. acho que o mundo inteiro está perdendo o juízo coletivamente. Estava querendo convencer Mac de que ele se sentia culpado por ter odiado a mãe e talvez desejar que ela morresse ou coisa assim. sabe. — Al. Ou foi a guerra que causou isso ou isso causou a guerra. Eles foram juntos para a porta fechada. O que acontecerá com nós outros? — Ora. quando se menciona o nome do pastor. . Quem vai proteger o seu ministro? — Ora — disse o médico com um sorriso sombrio —. E quando encontrarem grupos de pessoas com juízo reunidas. e fico pensando como será o mundo quando os governos ficarem loucos… como o governo da Rússia. Só peguei uma palavra: “culpa”. eles as assassinam. Eu queria saber — acrescentou — até que ponto Sommer detesta a mãe dele.Estavam no gabinete de MacDonald. Mas. É o que diz o pastor. a terra desses índios. As outras crianças se juntaram em volta da cadeira dele. acho que eles pensavam que os índios não eram bons como eles. severo: — O branco tinha armas.XXI As crianças ouviram com o maior interesse a história que Johnny contou sobre o Dia de Ação de Graças. e perdoou-o. papai. e obrigaram os índios a ajudarem. querendo ou não. ficaram caladas. — Estúpidos? — Ah. O chefe deixou que ele guardasse a terra que ele roubou ou tomou pelo sangue. pois é um ladrão. perus. Ele comprara para elas um livro grande sobre o assunto. Jean o segurou no colo. e caça. Ele parece um pássaro. lagos e peixes. — Então — perguntou Johnny. Sempre tem. — Nisso você tem razão — respondeu Johnny. — Por que os índios não expulsaram os brancos que tomaram as terras deles? — perguntou Pietro. e não acho o homem branco… heróico… é essa a palavra? Acho-o muito mau e sempre muito mau e muito pior do jeito que roubou a terra dos índios. cheio de ilustrações em cores. choças de índios e cabanas de madeira. — Eram como o senhor. perplexas. talvez não estúpidos. Passou o dedo magro de leve pela figura nobre de um chefe indígena. puxando o lábio claro. pensativo. e. foi? Os homens brancos vieram para esta terra. Coogan me traz sobre as guerras dos índios e estive pensando. Jean suspirou. Ele teve de fazer escravos dos índios e matá-los. — A pele dele é mais bonita do que a do puritano. na terra dos índios. E isso não bastou para o branco. e muito sinistra. oprimido. colonos puritanos. de índios. mesmo que o senhor não tenha dito isso. pensando na índia e China e todas as terras do Oriente explorado. e derrubaram as florestas para construir as casas deles. e isso o torna . no momento. talvez? Perdoaram os homens que lhes fizeram mal. devagar. não é uma história linda? — Acho que os índios foram estúpidos — respondeu Jean. neve. Não é isso? Andei lendo livros que a Srta. oferecendo humildemente uma cesta de frutas a um puritano muito altivo e sua esposa severa. montanhas. e devia implorar perdão. — Veja — apontou Jean. alguma coisa explosiva e terrível. para ver as figuras passarem. Aquela não era bem a reação que Johnny esperara. Mas depois que ele terminou. onde o branco tinha instalado suas colônias e onde tratava os nativos como menos do que seres humanos. quando quiseram conservar a terra que Nosso Senhor deu a eles. — Ele é muito bonito — disse Kathy. — O chefe dá o fruto de sua terra a um homem que devia estar de joelhos para recebê-lo. Havia alguma coisa fervilhando na Ásia. O puritano é muito feio. toda a terra. E agora tem a bomba atômica. Johnny respondeu. — Jean lhe lançou aquele seu sorriso sabido e velho. sem entender —. Não tinha bem certeza de que não tinha feito isso. — Foi ele mesmo — respondeu Johnny. — Bem. Pietro tinha adquirido um bom vocabulário com as crianças de suas aulas de catecismo. Max estava muito sério. na igreja e antes de dormir? Não podemos ter um dia especial para dar graças. — Não se pode aprofundar muito as coisas — completou. com sua voz grave e insegura. seguros direi?… e por termos amigos e famílias que nos amam e comida para comer. — É uma tapeação. Agradecemos a Deus por Ele ter tido misericórdia de nós. —·Por quê? Por que. Burnsdale na cozinha e camas lá em cima e calor e vocês têm roupas boas e muitas outras coisas.ainda mais superior. Os puritanos mandaram-nos lá para o frio e o mato. garotos — falou Johnny. na verdade?. depois de um bom jantar e nós nos amamos e vocês sabem o quanto amo vocês e lá está a Sra. nessa mesa mesmo? E quantas vezes podemos. É uma terra linda. — Vocês sabem que não é isso que quero dizer. em todo caso — disse — imagino que devamos agradecer a Deus por nos permitir ficar aqui. alisando-lhe os cachos compridos enquanto ela cochilava. Não agradecemos a Deus por toda refeição. — Quem disse ao branco que ele é melhor? — perguntou. — Só uma vez por ano? — perguntou Pietro. na terra que roubamos dos índios. seus olhos estavam meio acusadores. satisfeita. Johnny estava com Emilie no colo. Cá estamos. Os puritanos — acrescentou Kathy — foram homens muito maus e não gosto nada deles e acho que nem gosto do Dia de Ação de Graças deles. como se ele lhes tivesse oferecido alguma coisa falsa. Disse então: — Bom. Olhou para as crianças triunfantes. tinha graves falhas. Obrigaram os outros a largarem ás colônias e outros lugares quando esses homens queriam adorar a Deus do jeito de Jean e Pietro. Pietro lhe lançou um de seus sorrisos sabidos. perguntou-se Johnny. Não podemos ter uma ocasião especial mesmo para agradecer a Nosso Senhor num dia muito especial. sem toda essa . mas isso se tornou uma história diferente agora. vamos. Kathy estava com um ar complacente. com uma humildade fingida. Já estava quase chegando à conclusão de que sua história de Dia de Ação de Graças fora um fracasso ou que. pelo menos. também? Há alguma lei contra isso? Olhem para nós. com certa severidade. na nossa pátria. numa sala de jantar aquecida. a Deus. sem muita convicção. — Devemos agradecer a Deus só uma vez por ano? Ele tem de se contentar com isso? — Ora. Coogan diz que os puritanos não gostavam das pessoas que não acreditavam no que eles acreditavam. e por nos ter conservado… bem. É uma Ação de Graças geral. — A Srta. tenho a atitude correta. Burnsdale. às vezes não é muito bom fazer muitas perguntas em frente dos menores. Vocês guris passam o tempo todo estudando. em desalento. está na sua vez de enxugar a louça. pousando-as no livro. Examinou Johnny por alguns segundos e seu rosto era de novo o de um homem que conheceu dor demais e tristezas demais. Jean disse. No entanto. — Gosto muito da Senhora. não é? Vê como já sei falar o inglês direito. meu filho. de quem é a imagem. que “se afadigava na lida da casa”. Se isso agrada ao papai. Johnny disse. Não era o rosto do “menino lobo” selvagem de um ano atrás. Olhou para Johnny com seus olhos claros. teatral. — Às vezes é melhor fazer coisas. Além disso. Muitas vezes sonho com Nossa Senhora. — É notável mesmo. Coogan me traz livros sobre ela. mantinha demais a sua reserva e pensava demais. baixinho: — Muitas vezes sonho com a estátua que minha mãe me mandou. A Srta. sério e pensativo. Pietro. com humildade: — OK. Jean dobrou as mãos com aquela sua quietude estranha. dobrou as mãos. Jean. Max e Pietro obedeciam a Kathy como nem sempre obedeciam à Sra. Está entendendo? Jean pensou naquilo. — Pietro. indo para a cadeira de Johnny e dando-lhe um beijo carinhoso. Max. era um rosto parado. Pietro. — Sorriu. OK. deixando você ser sacristão dele. — Temos um dia especial para agradecer a Deus. Johnny ficou esperando.discussão? Vocês guris discutem por tudo mesmo. mas Maria sabia que Ele era o bebê dela. mais sábio e com uma memória mais longa. mais velho. Deus sabia que era Deus. Johnny e a menina dormindo. É imagem que se diz. e no entanto por vezes ternos. sim — respondeu Johnny. Johnny era profundamente grato por isso. filho dela. — Agradar a mim não tem nada a ver com isso — respondeu Johnny. portanto vá para a cozinha. muitas dessas perguntas não têm resposta. Ele muitas vezes achava que a pobre Martha não tinha sido suficientemente apreciada pelo clero. girou os olhos para cima e falou. — OK — disse Pietro. Andem. Sentia uma alegria íntima especial quando Max reclamava por ter um quinhão muito grande nos serviços domésticos. leve embora os pratos da torta e todos os talheres. Muitas vezes eram rebeldes e impacientes. Pensou em Martha. Kathy correu em auxílio de Johnny. E continuou. e barulhentos com suas exigências e protestos. por vezes Max chegava a bater uma porta e sair emburrado. num tom de reprovação: — Não sei bem se o Padre John Kanty está agindo certo. como agora. com brandura: — Jean. seus preguiçosos. Só ficaram na sala de jantar Jean. Você não tem a atitude correta. sempre tão inescrutáveis. como a Kathy? — Bem. do seu jeito eficiente. Não sei onde aprenderam isso. A cada dia que passava as crianças estavam ficando mais normais e mais como crianças. Talvez ela pensasse mais . muitas casas a receberem um último polimento e espanação. muito comovido. — E então. foi um dia forjado em ouro e destilado da luz. na missa. pois havia muitos perus a serem recheados. depois de toda a chuva. McManus . passos. Dirigiu-se para o altar. de cada haste de grama. não decorosamente mas com amizade. sim. no brilho e nas ondas da luz de velas. Já falei com o Padre John Kanty. viu que todos os bancos estavam ocupados ao máximo. de tom ametista claro. — É coisa de todas as mães. já não envolto no smog. penso em Nossa Senhora. — Tenho certeza. criado pelas vozes das crianças. O Dia de Ação de Graças. Se você tiver certeza. Isso é coisa de mãe? — É — respondeu Johnny. As montanhas douradas se inclinavam contra o céu brilhante. — Ficou algum tempo calado. e o vale em que ficava Barryfield. dos ramos cinzentos das árvores. e aumentar as festas. Johnny tinha dado aniversários a todas as crianças. o senhor também acha? Johnny ficou calado. Mas você estava falando em ser padre. aninhava a luz numa clareza pura. Mas. McManus manda o carro buscar a mim e ao Pietro. O que o Padre Kanty diz a esse respeito? — Ele acha que tenho vocação. com prazer. Olhou nos olhos de Jean. — Não creio que você tenha mais de 12 anos. Nas ruas havia um ruído radioso e ressonante. com malícia. papai. Johnny levou Emilie para a cama. para as mãos paradas. Jean. mas eu não sei. nem tenho data de nascimento. A igreja estava fria. O Dr. dos lados dos prédios. animado. eu acho. para irmos à missa. — Quero ser padre. Depois disse: — Acho. Seu brilho de lantejoulas se refletia das beiras das janelas. não está dando graças. para dar a cada uma um dia seu. buzinas e o barulho feito pelos carros. — Fico muito feliz. Papai. Johnny não esperara que muita gente comparecesse seu ofício da manhã. — E então pareceu mesmo um menino de novo e seu rosto magro se iluminou. E assim. Penso nela quando o Dr. aos domingos. Mais cedo houvera uma geada forte. ou faz menção disso em apenas um dia por ano.Nele assim do que pensava Nele como Deus. — Não tem pena? — Não — respondeu Johnny. de todo — disse ele. Jean. Jean repetiu: — Gosto muito dela. amanhã vai ser nosso Dia de Ação de Graças e não vamos fazer muitas perguntas. Sorriu para seus fiéis e eles lhe retribuíram o sorriso. mas as pessoas escutavam a voz profunda e sonora de Johnny com uma atenção sincera. — A pessoa que observa a Ação de Graças. a não ser o aniversário que o senhor me deu quando voltei do hospital. Era mesmo um dia digno de graças. Ele acha que tenho mais de 12 anos. muitas tortas de última hora a assar. Parecia-lhe que ela estava engordando um pouco e havia um pouco de cor no rostinho translúcido. presos à terra. que nós não merecemos e nunca poderemos merecer. e todas as dádivas cumuladas sobre nós. Não é possível agradecer a Deus devidamente por essas alegrias estupendas.” Depois do ofício. só isso já teria sido mais do que suficiente para merecer a gratidão reverente deles. “Não pelo nosso mérito — acrescentou Johnny. Ele nos concedeu apenas uma hora de amor e de ser amado. com Sua bondade infinita. trevas e terror. é um tesouro que transborda! Não há necessidade de mais nada’. sem ser solicitado. e amarmos e sermos amados. Tendo Ele salvo os judeus do Egito e feito passar pelo Mar Vermelho em segurança. Mas podemos tentar. numa meditação profunda — mas só pelo Seu mérito muito abençoado. devemos dizer: ‘É suficiente. dentro de nossa agonia. mais tarde —. ali do seu lugar costumeiro no primeiro banco. pois contém tudo o que temos. e isso ocorreu nesse dia. dizendo consigo: basta eu ter uma casinha quente e os filhos esperando e um peru no forno. no amor que Deus nos deu. Olharam para o céu. além disso. — Então — perguntou Johnny. que nunca se esvazia de Seu amor. McManus. Por esse amor de Deus por nós. a fé trôpega. enquanto ele pregava o sermão. um dia. como Ele nos abençoou! “Mas. a fim de nos mostrar o caminho. baixando a voz.estava presente. Por vezes esse olhar deixava Johnny desconcertado. E todos se disseram: é mais do que suficiente saber que Deus me ama e cuida de mim. isso teria sido mais do que suficiente para que eles O louvassem e adorassem. era impossível deixar de evitar o seu olhar fixo e insondável. Ele acrescentara muito mais. com júbilo — que se Deus nos tivesse permitido viver apenas um dia. para saber que Ele existe. Mas isso ainda não bastou. Se. é mais do que suficiente. a voz aumentando. Deu-nos uma eternidade de beleza. Tinha de nos dar o máximo. declaram que Deus. como foi o sermão? Os olhos da Sra. . só pelo Seu amor. feitos por nós… o caminho para Ele. muitos dos que eram de meia-idade e estavam exaustos. as esperanças desbotadas. “E eu lhes digo — continuou Johnny. amor e conhecimento Dele. levantando os olhos cansados. “Mas Ele nos deu mais ainda. agora. Ele nos deu milhares de dias para sabermos que Ele existe e para ver os nascentes e ocasos. A tudo isso. isso teria sido mais do que suficiente. comparado com isso. Portanto. que eu possa ver as montanhas hoje. demos graças. as portas da igreja foram abertas de par em par e a muitos pareceu que viam o sol pela primeira vez. só isso já seria motivo para dar graças. com efeito. Se Ele os tivesse salvo do Egito e feito atravessar o Mar Vermelho e dado maná no deserto. Não pelo nosso mérito. e nos tivesse permitido ver uma alvorada ou um pôr-do-sol. um ano ou mil anos. Olhou para além do Dr. não por uma hora. disseram consigo. Os mais jovens se apressaram para casa. Burnsdale estavam avermelhados. na Páscoa deles — recomeçou —. Tudo o mais é como nada. Teve de andar entre nós como homem. mas pelo Dele. “Os judeus. encolhido no sobretudo marrom mais volumoso e desarrumado que Johnny já vira. tendo-os livrado do Egito. e por Sua mão. os corações fatigados. Teve de morrer por nós e erguer a Sua cruz como uma luz deslumbrante sobre os montes negros de nossos pecados. Mas para sempre. Já basta. em anos. as montanhas que sempre estiveram aí mas que eu não via há muito tempo. Johnny deu uma gargalhada. Sr. Burnsdale. — Lindo — respondeu. Nada perfeito. — Sorriu para Pietro. Levaram cadeiras de metal para se sentar e em cima também estava cheio. Ele e as crianças tiveram licença para comer um sanduíche com leite. — Ela sorriu para ele. condescendente. — Quando eu for um grande cantor. Johnny o interrompeu: — Ouvindo você falar. em Riverside Drive. Mas afinal. — É essa a sua avaliação de um sermão? — perguntou. Tem um balcão alto. Jean estava quase desfazendo de Pietro. mas pensou que isso não era bondade. um peru fervilhando com uma pátina úmida de manteiga dourada. — Sabe. As pessoas estavam enxugando os olhos. só uma ou duas vezes. — Quando eu for padre. — Ah — concluiu o jovem ministro —·sabe. SÍTIOS — Perto do túmulo de Grant — confirmou Johnny. até isso seria suficiente. Os grandes olhos azuis brilharam para ele e ele sentiu aquela antiga dor no . É uma coisa que faz a gente pensar. O rabino ficou contente. — Já vi figuras da Metropolitan Opera. — Como vai indo o peru? — A cozinha estava cheia de aromas divinos. Daqui a pouco vamos ter uma sinagoga muito grande. e se atrasou. na sala de jantar. o senhor sabe que não — respondeu ela. E com a minha família. abriu a porta do forno e Johnny viu. O Dr. Só tropeçou uma ou duas vezes. Falava com autoridade. Devia ter uma daquelas catedrais que há em Nova York. O rabino falou sobre esse assunto e disse que devíamos dar graças. — Gosto do papai — falou a pequenina Emilie. o senhor é bom demais para esta cidade e esta igreja. Em vez disso. mas bem. Klein mandou lembranças a todos nós. com uma ostentação tranquila. Fletcher. Ele olhou feliz para o tabuleiro de tortas de abóbora e outras iguarias. você pode ser meu sacristão. o molho de uva-do-monte. pois também estivera na missa. Foi você mesmo que disse a ele onde ficar e o que dizer? Pietro riu-se. é novato. à espera. naquela manhã. com que tocam hinos. Max contou do ofício de Ação de Graças na sinagoga: — Tanta gente. com prazer. zangada. aninhando a cabeça no braço de Johnny. Olhou para o forno. — Ninguém — disse Kathy — fala como o papai. — E tão curto. Kathy falou: — Ele conta tanta história. com amor. bem no Hudson. Estava cheio de novidades fascinantes e explicações. Pietro funcionara de sacristão pela primeira vez. claro. da parte de um futuro padre. também. explicou: — Pietro saiu-se muito bem. — Ora. até parece que você mesmo é quem instruiu o Padre Kanty. — Pensar que estou tendo um almoço de Ação de Graças na minha própria casa. Você vai gostar de ficar lá em cima. para as batatas descascadas. A Sra. mando uma entrada para você — respondeu Pietro. já serei um velho caduco e você só se casará comigo pelo meu dinheiro. não é? A Sra. Os guris ficaram fascinados. redondos. — Sabe — perguntou o médico — que é uma mulher de aspecto muito agradável. Evitou tocar no rosto dela. Os cabelos grisalhos. enquanto as crianças estendiam as mãos para ela. em sua cabeça. tinham reflexos prateados e o rosto brilhava com um colorido natural. li interessante. — “Gaiato” é antigo. Ela respondeu: . decepcionadas. Tinha levado uma grande caixa de bombons. — Olhou para a Sra. Ele estava com medo de rezar. com gola e punhos brancos. As crianças. Burnsdale estavam brilhando. Johnny estava cheio de um contentamento intenso. Burnsdale. tenho de esperar até que o Johnny se case. 57? Eu diria que está cinco anos mais moça do que quando veio para cá. de jovens delinquentes. me peça quando o Sr. E se casar agora. — Bem. Johnny lhe dera o broche de opala. Acho que diriam que essas tortas são frenéticas. o senhor é um gaiato! — Não está atualizada na gíria moderna — respondeu o médico. Burnsdale. Fletcher se casar e os guris crescerem! Doutor. é? Então. Ele foi para a cozinha. Não se lembrava de ter sentido tanta felicidade. tudo estaria perfeito. que usava um vestido preto muito arrumado. Burnsdale recomendou: — Não toque nessas tortas! O doutor mastigou uma. Deu a caixa à Sra. Todos saíram para olhar suas árvores. A Sra. os olhos dela apareceram muito vividos. pois receava que a cor fosse de febre. Não pensaria em se casar comigo. ela estava muito melhor. Então. no aniversário dela. um viço juvenil cobria seu rosto úmido. Burnsdale? Que idade tem. Estive aprendendo gíria com Pietro e Lon Harding e a turma dele. Os olhos da Sra. As crianças o rodearam. Ele suspirou e se propôs a esquecer. com formas de perus e abóboras. Burnsdale deu uma gargalhada. Era incrustado em prata. Se ao menos Lorry estivesse ali. enquanto ele fingia que as repelia.coração. ou coisa assim. modesto. O clima deve lhe fazer bem. Ela estava com o seu melhor modelador e o corpo roliço tinha curvas cheias e graciosas. McManus. que estava pregado no vestido. Burnsdale. satisfeito. Sra. bem penteados. Também olharam para as grandes montanhas roxas e o céu fulgurante. Mas certamente. O médico encostou-se na geladeira e sorriu para a Sra. Às 14h45 chegou o Dr. — Olhou para a travessa de tortas e depois pôs as mãos nos bolsos. terei toda a minha juventude para lhe dar. De repente. — Só depois do almoço — recomendou ele. Tinha um pouco de cor nas maçãs do rosto. emburrado como sempre. feliz. em outubro. Também olhou para o peru e as tortas. — A melhor cozinheira que conheço. saíram da cozinha. — Feita em casa. que a colocou numa prateleira alta. levantando a caixa bem acima da cabeça. com tolerância. — Por que . McManus. — É… aprecia. e não acho que eu esteja velho. que estava precisando dele e que ele agora amava e em que os filhos estavam tentando enfiar suas raízes frágeis e danificadas. — Obrigado. pensativo. Pietro. terrível seu e de sua gente. para a Sra. Pelo menos quando extraio uma vesícula biliar. distraído. e nunca pode ser impedida pela pressa. Johnny olhou para as carinhas jovens em volta dele. O Dr. Parou e olhou para o prato. ela fica fora e quando conserto uma perna. Mas ser clérigo é uma responsabilidade maior ainda. Ele resmungou. Tornou a olhar para o recheio na travessa mas a Sra. se restabelecendo. — O senhor nunca foi ministro — respondeu Johnny. Burnsdale. aromático. e cada dia lá está ela de volta à base e as pessoas passando despreocupadas em cima do morro. para prejuízo. Um rebanho. “velho”? Não é muito mais velho do que eu. de coração duro. neste mundo? — perguntou o Dr. Se eu tivesse de repetir a mesma operação nas mesmas pessoas todo dia… bem. Summerfield veio passar o Dia de Ação de Graças em casa. — Apreço — falou Johnny. Burnsdale. nascida a cada instante. McManus lançou um olhar penetrante ao rapaz. Já está velho e acho que está cansado. A mensagem. doutor? — Não. pois temos de tratar e cuidar das almas imortais dos homens. Seria sua imaginação ou no rosto de Johnny haveria mesmo rugas mais fundas. ao destruir uma coxa do peru — da Flórida. — E quem não estaria. levando-o para aquela cidade. Não tenho tido notícias dela — mentiu o médico. está consertada. — Você me faz lembrar Sísifo — falou o médico. se descuidar. O almoço foi um grande sucesso. — Não? — perguntou o garoto levado. para o médico e se assombrou que Deus tivesse sido tão excessivamente bom para ele. um pastor. embora não mude nunca e seja fixa na eternidade. — Hoje de manhã recebi um telefonema do Dr. e pronto. O Padre Kanty me disse que a intimidade é poço em que qualquer clérigo pode cair. — Todo dia tenta empurrar a pedra imensa de sua mensagem até ao alto do morro. — Um dia desses — respondeu Johnny — vamos conseguir levar a pedra até o alto. O senhor sabe como pode ferir eternamente. Tenho outra lista. — Hoje não — respondeu o médico. aceito — disse à Sra. com calma. pela suposição do certo. tiver dúvidas ou se tornar maquinal em seus tratamentos. mais velhas? Johnny continuou: — Sei que é uma responsabilidade terrível ser médico e ter de cuidar dos corpos dos pacientes e pensar se está fazendo o que é certo. Foi atacado por algum vírus e está lá. fugindo. — Isso me faz lembrar. Burnsdale sacudiu a cabeça. no entanto é sempre nova. Stevens — comentou ele. viva. acho que pensaria que tinha chegado ao inferno ou teria um pesadelo perpétuo. suando e sangrando nas suas consciências ternas. — A Srta. olhando para o recheio de castanhas. você sabe que não se chupam os dedos. enquanto ela raspava mais do recheio quente. se cometer um erro. — Como assim. Deus quer que apreciemos o mundo Dele. Vocês. — Mas as pessoas que assistem. Além disso. — São as crianças! Por falar nisso. McManus. Kathy. Max.esse interesse? — Bem afinal. e os homens que jogam… não é uma perda de tempo? — Em absoluto — respondeu Johnny. correria e chutes. moça. eu a conheço. guris. a gente tem de obedecer às regras do jogo. Burnsdale se levantou depressa. Isso não quer dizer a mão inteira — falou. Lembre-se disso. Até Emilie estava comendo bem. meio irritado. enquanto a Sra. semanas antes. só sabem é falar. considera-se um elogio à cozinheira lamber um ou dois dedos. onde as pessoas são civilizadas. — O que é esse futebol!? — perguntou Max. Burnsdale. com entusiasmo. Pietro e Max se levantaram com menos vontade. tinha uma leve dúvida. bem como para estudos e orações. pois a fisionomia de Max se tornara de novo confusa e um pouco perdida. — Johnny corou levemente. — Aprecie as coisas. Também soube que você inventou umas coisas muito engraçadas sobre regras novas. Então? — O tipo franco — comentou o Dr. no entanto. Na Itália. que não estão no livro. — Ah — exclamou o médico. lançava o seu sorriso radioso. Kathy assumiu um ar distante e superior. filho — falou Johnny. risos e prazer. Kathy se levantou de um salto. na vida há muito lugar para a alegria. Burnsdale estava dando atenção a Pietro. dirigindo o olhar para Pietro. — Você está aprendendo a brincar. posso lhes dizer. habilmente pondo mais recheio no prato. Você é uma tirana. notando a expressão complacente da menina —. mas os três meninos escutavam com uma atenção séria. — Eu já fui zagueiro. Max. Vou comprar uma bola de futebol e ensinar vocês três a jogar. — É muito empolgante. ouvi dizer que você está se dando bem no time de bola de suas aulas dominicais. Kathy — disse ele. — Lembre-se. — Depois. com um suspiro de satisfação. Por falar nisso. Mas o médico a examinou com atenção e voltou a seus pensamentos melancólicos. mas precisa aprender mais um pouco. pegando outra tortinha. com mais brandura. . Quando seu olhar encontrava o de alguém. —· Se estão pensando que vou lavar toda essa louça sozinha. que se apaixonara pelo rádio grande e bonito que o médico tinha dado à família. — É um jogo — respondeu Johnny. ela foi muito boa… fez uma coisa tão maravilhosa… as crianças a adoravam. delicadamente. A Sra. com um ar superior. — Ele logo se arrependeu. o Pietro está com a razão. — Eu melhoro as coisas — respondeu Kathy. estão enganados. — Não está melhorando o seu físico com toda essa comilança — repreendeu-a a Sra. por aqui. e o ajudou a ir para a cozinha. calados. Em todo caso. Johnny ficou ali ao lado da cama. como estivera no seu sonho. mas já os está inventando — comentou o médico. também. Por falar nisso. — Você tem umas ideias bem esquisitas. procurou aquela mancha de um azul radioso. e a Jean: — Vai querer bancar o adulto. Alguns flocos de neve esvoaçaram em frente das janelas. — Quem foi que lhe disse isso? — perguntou Kathy. O céu estava mais escuro. satisfeito. de repente: — Este é o melhor Dia de Ação de Graças que já passei. Mas só ouço falar de faltas. soprava um vento gélido e agora o ar era frio e cinzento. . Johnny se debruçou sobre ela e a beijou de leve. Nunca ouviu falar em igualdade de direitos. — Olhou em volta. Olhou para a neve. — Lavar louça é coisa de mulher — disse Pietro. McManus. Desceu para ficar com o médico na sala. e então sentiu que o mundo inteiro estava vazio. — Experimente um charuto. que sempre amara. Emilie foi levada para cima. e se sentiu inteiramente desolado. Então o médico falou. — Coitado do homem que se casar com essa garota. — Fora — disse-lhe Kathy. Mentalmente. para ele. Ela deu a Jean suas duas bengalas. e as rugas de seu rosto pareceram mais marcadas. para sua sesta. Johnny. Talvez algumas pessoas estejam esperando uma outra guerra. com um ar duro. sentindo-se oprimido. Você comeu nos pratos. Os dois homens ficaram fumando. de novo? Pode ficar sentado na cozinha e raspar e enxugar. Obrigado. Mas Johnny não ouviu. mas ela não apareceu. — As coisas tomaram um ar agradável. pois não tinha palavras para lhe dizer do seu amor. Estava cheio de um sentimento de desânimo e um pressentimento funesto. me prometeram uma caldeira para fevereiro. Ela apertou bem a mão dele e olhou para ele com eloquência. não foi? — O dever do homem é rezar. o da mulher é trabalhar — respondeu Max. Um dólar cada. rezou e de novo sentiu aquela misteriosa falta de resposta. sem grandes esperanças. estive tentando lhe arranjar uma caldeira nova. — Deixe para lá o seu cachimbo — falou o Dr. XXII Dezembro foi um mês de chuvisco e neblina. As melhoras de Emilie cessaram e a saúde dela começou a decair rapidamente. — Os sujeitos que produzem o smog não ligam — disse o Dr. McManus, com raiva. — Moram lá nos morros e seus escritórios têm ar-condicionado; portanto, o que isso pode lhes interessar? Conversei com. o prefeito e alguns outros, há dias, mas não são do meu partido político e insinuaram que eu era um intrometido. Bem, um dia desses vamos ter uma inversão de verdade e vão morrer uma dezenas de velhos, crianças e inválidos, e aí eles vão agir. Mas só então. Assim como instalam sinais luminosos depois que as pessoas morrem, umas depois das outras, em algum cruzamento. O que querem são provas. Pois bem, eles a terão. Enquanto isso, vamos ver o que se pode fazer por esse bebê. O Press não reclamou, nem o matutino de propriedade do Press. Publicaram algumas queixas brandas na “Coluna do Povo”. Nada de editoriais. Enquanto isso, as pessoas tossiam tristemente pelas ruas, nos escritórios e lojas, e as crianças tinham bronquite e asma. As ruas molhadas de Barryfield estavam arenosas com a fuligem, que não podia escapar sob as nuvens de umidade sufocante. As montanhas desapareceram; as pessoas quase se esqueciam de que existiam. O sol, se aparecia de vez em quando, era uma bola de um açafrão nublado, que lançava um amarelo doentio sobre as nuvens ao pôr-do-sol e manchava as casas sujas e outros prédios com sombras sulfurosas. Os aparelhos de ar-condicionado ainda eram escassos. — Quando é que vai acabar esse raio de guerra? — perguntou o Dr. McManus. — Já tem mais de um ano. Vou conseguir um aparelho de ar-condicionado de qualquer maneira! E conseguiu. Levou-o para a casa paroquial e ele foi instalado no quarto das meninas, para Emilie, que estava deitada, ofegante e azulada, na sua caminha. — Vai ajudar um pouco — falou o médico. — Mas é melhor trocar os filtros com regularidade, pois o smog os suja logo. — Ele aplicou uma injeção de adrenalina na menina. Ela havia olhado para a agulha, apavorada, até que o médico dissera, com carinho rude: — Vamos, você sabe que isso vai picar, e é só isso. — Fez uma careta feia para ela e enquanto ela ria, tossindo, ele habilmente enfiou a agulha no bracinho gasto. Então, antes que ela pudesse chorar, ele enfiou um pirulito na boca da garota. — Ela tem de ficar de cama. Essa adrenalina não foi a melhor coisa para o coração dela, mas era escolher entre o coração e os pulmões, que outra coisa posso eu fazer? Dêem-lhe cinco desses comprimidos do Tim por dia, em vez de três. — Afagou o rostinho pálido. — Minha garotinha — falou com sua voz áspera, ajeitando-a no travesseiro. Alisou os cachos compridos com a mão carinhosa e enxugou as lágrimas que ainda estavam nas faces dela. Ela começou a respirar com mais facilidade e chupou o pirulito fazendo barulho. Era o 18.° dia de smog. Todas as crianças e Johnny estavam tossindo, assoando os narizes e enxugando os olhos. Mas o Natal se aproximava e até mesmo o smog podia ser esquecido, diante do entusiasmo do primeiro Natal das crianças. Emilie, aliviada com o ar condicionado e os cuidados tanto do Dr. McManus como do Dr. Kennedy, ficou empolgada. Johnny fez uma conspiração com as crianças, que lhes deu muito prazer e risadas. Ele as encorajou a fazerem listas, pensando, otimista, que 100 dólares seriam mais que suficientes para todos. Aos sábados, os quatro mais velhos saíam com a Sra. Burnsdale em missões misteriosas, só deles, pois agora tinham suas mesadazinhas. Voltavam com histórias entusiasmadas e fantásticas das lojas. Pietro dançava teatralmente, para demonstrar o maravilhoso cavalinho de pau de balanço, que custava só 50 dólares e que, ele resolvera, seria o seu presente principal. — Mas 50 dólares! — exclamou Johnny, em desalento. — O que são 50 dólares? — perguntou Pietro, com um belo floreio dos braços. Só uma semana de ordenado, pensou Johnny. — Uma boneca como um anjo, quase do tamanho de Emilie — escolheu Kathy. — Só 25 dólares. Fico com o coração partido se não ganhar. Max foi mais modesto, para o seu presente importante. Queria um estojo de modelagem completo; preço, 10 dólares. Lá se iam 80 dólares, de saída, pensou Johnny. Jean queria uma bicicleta, que poderia usar na primavera. A mais barata custava 30 dólares. Emilie, escutando as outras crianças, em êxtase, queria tudo, e Kathy fez uma lista para ela. — O Natal — lembrou Johnny — é o Aniversário de Nosso Senhor. Não consiste só de presentes. — Mas Ele nos deu o melhor dos presentes… a salvação… não foi? — perguntou Pietro, com seu sorriso brilhante e ladino. — Papai não pode ser igual a Nosso Senhor, e dar o que puder? — Há o assunto dinheiro — sugeriu Johnny. — Ora — perguntou Pietro —, o que é o dinheiro? —·Apenas um assunto de vida e morte para a maioria das pessoas — respondeu Johnny, aborrecido. Ficou mais aborrecido ainda com a Sra. Burnsdale, que estava calmamente recolhendo as listas, fazendo ouvidos moucos aos seus protestos. — Deixe que as crianças se divirtam — ponderou ela, serena. — E tenham triste despertar na manhã de Natal — respondeu Johnny. Estava muito preocupado. Em sã consciência, não podia retirar dinheiro das crianças para os presentes. Além disso, haveria outros Natais. Certo dia Pietro fez um comentário: — A Irmã Maria Bernadine disse que quando só pensamos nos presentes e não no sentido do Natal, fazemos mal. Ela se esquece — continuou o pequeno, com um sorriso sábio — que os Magos levaram presentes para o Menino Jesus. Ouro! — Ele rolou os olhos e esfregou as mãos, de modo muito significativo. — E mirra e especiarias — lembrou-lhe Johnny. — Há! — exclamou Pietro. — O que podiam comprar? A Santa Família não podia ter ido para o Egito sem esse ouro, não é? Aquele jumento custou dinheiro, e os jantares deles também. Podiam ter comido a mirra e as especiarias? — Nunca pensei nisso — respondeu Johnny, achando graça, contra a vontade. — Penso em muitas coisas — disse Pietro, misterioso. — E tudo errado, também — acrescentou Kathy. Ela estava começando a lançar olhares preocupados a Johnny. A Sra. Burnsdale entregou as listas ao Dr. McManus. Ele deu um rugido quando as leu. — Não! — exclamou. — É ridículo! — O senhor nunca teve filhos. Pense como vai ser divertido comprar todas essas coisas. — Eu positivamente retiro a minha proposta de casamento, senhora. Esbanja demais o meu dinheiro. — Ela lhe entregou uma lata de biscoitos feitos especialmente para ele. — Imagino — continuou ele — que o pastor vai pensar que as coisas caíram do céu, como ele acha que caem os seus jantares. Já está na hora de ele conhecer a vida como ela é. O médico escreveu a Lorry Summerfield o seu relatório semanal de sempre. “Acho que não vou mais lhe escrever. Devia estar aqui para o Natal. Deixe o Mac para lá.” Uma tarde ele disse a Johnny: — Ainda não vi o seu “projeto”… raio de palavra!… nobre, mas gostaria de ver o salão paroquial pela primeira vez e ver o que você fez. Ele ficou estupefato. O trabalho estava todo pronto, as mesas e cadeiras arrumadas. As prateleiras meio douradas não tinham um só lugar vazio. Ele gritou: — Onde você arranjou esse belo mogno para as estantes? Deve ter custado uma fortuna! O melhor que já vi. — Mogno? — perguntou Johnny. — O mogno não é vermelho? Isso é de uma cor alourada. — Mogno louro! — gritou o médico, roçando o braço numa prateleira. — O melhor do Guston! Não vai me dizer que ele doou isso? Eu não ia acreditar! Onde foi que o arranjou, afinal? É precioso. Johnny sentou-se de repente, pálido. — Ah, três dos homens que trabalham no Guston a trouxeram, num período de várias semanas, de peça em peça. Disseram que não custou quase nada, que eram sobras. Madeira jogada fora. O médico estava feliz. — Macacos me mordam. Se essa madeira foi jogada fora, foi primeiro empilhada direitinho, escondida, antes de ser jogada fora. Filho, você é receptador de produto de roubo! — Bateu as coxas maciças no terno amassado. Cacarejou. — O pastor é um receptador! Johnny perguntou, vexado: — Eles podem ser presos por isso? — Claro que sim! Olhe bem para o acabamento. Mogno polido. Mogno de mobiliário. Acontece que sei que Guston prepara isso para os melhores fabricantes de móveis de Nova York. O médico estava-se deliciando. Johnny se levantou, sério e branco. — Vou escrever contando ao Sr. Guston e perguntar quanto vale a madeira e depois vou tentar pagar, não sei como. De repente o médico ficou muito sóbrio. — Não vai, não. Em primeiro lugar, o Guston só está esperando uma oportunidade de se desforrar de você, por causa da mulher dele. A primeira coisa que ele faria seria avisar o Mac e os jornais publicariam uma história engraçadíssima a respeito. Mac tem um cômico de verdade na equipe dele. Fariam até você rir de sua mãe agonizante. E depois Guston mandaria prender os seus amigos. Por falar nisso, como conseguiram eles passar pelo chefe de turma, e como é que o chefe não deu parte, do desaparecimento? — Um dos homens é o chefe — respondeu Johnny, a voz fraca. Sacudiu a cabeça. — Tenho de pagar ao Guston, de algum modo. — E meter os seus amigos na cadeia? Seria uma boa retribuição, não é, por todo o trabalho deles, e pecando por você? Johnny ficou calado. Depois perguntou, zangado: — Então, o que vou fazer? — Nada, claro. É só ficar calado. E não toque no assunto com os homens. Eles acharam que você merecia mogno e isso é um elogio que eu não lhe faria. Não os desiluda. — O senhor é um criminoso mesmo, doutor. — Bom, claro. Quem não é? Além disso, não foi Deus mesmo quem perdoou na cruz o ladrão que se arrependeu? — Não creio que os meus rapazes vão se arrepender de nada — respondeu Johnny e teve de sorrir. — Acho que estão se achando muito espertos, tirando esse mogno de lá. Eles o trouxeram de noite. De caminhão. — Olhe — respondeu o médico —, o Guston não tem muita consideração com o pessoal dele. Arranca deles a última gota de suor e eles o detestam. — O senhor me faz sentir-me melhor mas, assim mesmo, essa madeira não é minha. — Pensando bem, nada é de ninguém mesmo, se quiser ser metafísico. Você um dia não disse que tudo nos era apenas emprestado? Muito bem. Isso lhe está sendo emprestado. E pare de falar tanto. — Não creio que eu esteja gostando muito dessas estantes,-agora. — Claro que gosta. Deixe de ser hipócrita, Esses homens passaram semanas trabalhando nesses diabos de estantes para você. — Já sei! — exclamou Johnny, tendo uma inspiração. — Vou convidá-los para virem aqui, os três, para tomar uma cerveja comigo e depois vou olhar bem nos olhos deles e sugerir que cada um dê meio litro de sangue à Cruz Vermelha, durante um ano. Foi o que ele fez. Primeiro admirou muito as estantes, andando pelo salão, passando as mãos pela madeira. Agradeceu aos três homens felizes. Depois parou diante deles, fitou-os com seus olhos azul-escuro e disse devagar: — Rapazes, a Cruz Vermelha está precisando de sangue. Ora, vocês são todos sujeitos fortes. Não acham que deviam oferecer meio litro sempre que puderem? Digamos, por um ano? Sim, acho que um ano é o certo. Eles entenderam logo. Olharam para ele com admiração, evitando olhar para as estantes. Mais tarde lhe levaram seus cartões da Cruz Vermelha, e não se tocou mais no assunto. — E falam de Shylock — disse o doutor, com maior admiração ainda. — Nada diremos — respondeu Johnny. — Além disso, os rapazes estão pintando o mogno de vermelho. — Adequado e discreto — aprovou o médico. — E espero que toda vez que você olhar para as estantes tenha escrúpulos, ou coisa assim. Lorry telegrafou ao médico, laconicamente: “Espere-me dia seguinte ao Natal, querido”. A festa das crianças, realizada no salão paroquial dois dias antes do Natal, foi um grande sucesso. Todos os filhos de Johnny compareceram. Não se fartaram de admirar a árvore grande, os lindos enfeites, as luzes e tudo. Kathy, com eficiência, apresentou Jean, Pietro e Max a seus amigos da escola dominical e Emilie, parecendo ter recuperado a saúde, ficou sentada numa cadeira olhando radiosa para a estrela do alto da árvore. Por vezes apertava as mãozinhas numa convulsão de alegria. Ficou ali sentada, chupando um pirulito de hortelã. A Sra. Burnsdale lhe fizera um vestido de veludo azul com uma gola de renda e Johnny achou que a menininha parecia um anjo. Perambulando no meio de todos os pequeninos convidados, ele parava a toda hora para beijar a menina e enrolar nos dedos um de seus cachos compridos. O salão paroquial estava barulhento com as crianças entusiasmadas, cantando canções de Natal enquanto a Sra. McGee tocava o piano velho. Os adultos admiravam as estantes e os livros. As mesas reluzentes, agora cobertas, estavam sendo usadas para servir bolo, ponche e sorvete. Kathy teve algumas reclamações a fazer a respeito da quantidade de comida ingerida por Pietro, fazendo tristes previsões quanto ao estado do estômago dele no dia seguinte. Ela fiscalizou não só sua família, mas também as outras crianças, que estavam festejando a data, até que Johnny lhe disse, severo: — Olhe aqui, meu bem, você não é um guarda. Não é nem uma professora. Deixe que as crianças se divirtam. E se Max quer usar o solidéu dele, para se exibir ou coisa assim, apesar do rabino dizer que não precisa usá-lo o tempo todo, deixe que use. Isso lhe dá um ar diferente e ele gosta de explicar o que é. Por que você não sossega e se diverte? Kathy perguntou: — A gente se diverte quando as pessoas fazem coisas erradas? — Às vezes — respondeu Johnny, com cinismo. Ela franziu a testa. — Quero dizer — acrescentou ele, depressa —, as pessoas muitas vezes podem gostar das coisas que lhes fazem mal, como as comidas erradas ou balas demais ou café. É só uma noite; deixe que fiquem doentes, se quiserem. Uma parte do preço da liberdade é pagar por ela, de um modo ou de outro, de um modo desagradável. Por falar nisso, o que é isso que você tem aí na mão esquerda nas costas? Chocolate? Você sabe que chocolate sempre lhe dá urticária. — É só uma noite, papai — respondeu Kathy, os olhos brilhando. — Está bem, papai, vou sossegar. Johnny foi passando entre as crianças e adultos movimentados e entusiasmados. A Sra. McGee estava tocando os hinos de Natal com vontade, acompanhando grupos vocais bem fortes. Ela murmurou para Johnny quando ele se aproximou: — Não sei bem quanto aos seus ofícios de Natal, Sr. Fletcher, o da meia-noite. O conselho o apóia mas algumas pessoas disseram que isso é coisa de católico e não estão muito satisfeitas. Já disse a elas que algumas igrejas protestantes aqui têm ofícios à meia- noite, e algumas têm o bom senso de concordarem, e outras se mostram ofendidas e falam de John Knox. Quem é ele? — Um homem com ideias próprias, como eu — respondeu Johnny. Ele viu que Max estava olhando encantado para a estrela no alto da árvore e pedindo uma explicação. — É a estrela que guia — disse-lhe Johnny. Ele, no momento, estava tendo certa dificuldade em manter os olhos sobre essa luz. Perguntou-se se os paroquianos sabiam que os clérigos por vezes tinham suas próprias confusões. Na véspera de Natal, de manhã, Johnny recebeu um telefonema de uma paroquiana dizendo que sua velha mãe estava morrendo e queria vê-lo. O nome, Baxter, não lhe era conhecido. A mulher, com uma voz surda e emburrada, respondeu à pergunta dele. — Ah, nós vamos ouvir seus sermões de vez em quando. Não é como uma porção de ministros. Mas não acredito em nada do que diz. — Não? — perguntou Johnny, imaginando-a como uma mulher baixinha, roliça, de meia-idade e um rosto pálido e grosseiro, cabelos claros e desgrenhados, papada e um ar geral de desmazelo. — Então, para que vai? Ela alteou a voz, grosseiramente. — Como é que eu vou saber? O meu homem e eu achamos que devemos ir à igreja às vezes, mas não íamos até o senhor vir, e depois não fomos durante algum tempo. Até que o pessoal na cidade começou a falar muito no senhor e uns eram contra e outros a favor e nós fomos e o meu homem disse: “Gosto dele. Ele às vezes diz coisas que me fazem sentir esquisito por dentro! ” Johnny pensou um instante nesse elogio dúbio. — Bem, e eu às vezes faço a senhora se sentir… esquisita por dentro? Ela custou a responder; depois falou, com ressentimento: — Como é que eu vou saber? Durante algum tempo eu me sinto diferente, como se o mundo não fosse o raio de lugar que é mesmo. Bem, vem ou não vem? Johnny pegou o seu velho carro e partiu à luz pálida e enfumaçada da manhã de dezembro. As ruas estavam cheias de mulheres fazendo compras e crianças empolgadas. Olhou para os rostos cansados, zangados, desesperados, satisfeitos ou preocupados, pensando consigo que, por mais que olhasse para o seu semelhante, achava que ele era sempre novo, sempre merecedor de amor e ternura, devendo ser olhado com compaixão. Uma neve levinha estava caindo, muito fina, mas misturados com ela havia flocos grandes e brancos, como borboletas esvoaçando de leve no ar. Aqui e ali tiniam sinos. Ele entrou numa rua muito modesta de casas ligadas, com janelas sujas, portas lascadas e escadas quebradas. Encontrou o número que estava procurando e a porta lhe foi aberta por uma mulher tão exatamente igual à que ele visualizara, que ele só conseguiu olhar para ela espantado, boquiaberto, por um momento. O corpo disforme estava envolto num roupão de uma cor indefinível, mais para o laranja desbotado, preso por um imenso alfinete de segurança e dela emanava um cheiro bolorento. — É o ministro? — perguntou, olhando para ele de cara fechada, como se ele fosse um intruso. — Está bem, entre. Ele a acompanhou para uma saleta escura, suja, cheia de jornais, garrafas de cerveja e pires cheios de cigarros da véspera. Ficou irritado. A pobreza é uma coisa, e algo que se pode respeitar. A imundície é outra coisa bem diferente. A mulher viu que ele olhava pela sala com uma expressão reprovadora e disse, desafiando-o: —·Bom, ontem vieram alguns amigos e não tive tempo de fazer a limpeza. Havia poeira por toda parte, sobre os móveis de pêlo marrom, da pior qualidade, e sobre o tapete verde e os abajures cambaios. Johnny não disse nada. Tornou a acompanhar a Sra. Baxter para um buraco preto de um corredor; ela abriu uma porta com um gesto de um carcereiro desdenhoso. Ele se espantou de novo, pois o quarto parecia uma sala de freira, cheio da luz vinda de uma janela alta, limpa e sem cortinas que dava para um quintal tristemente imundo. O chão estava esfregado até parecer quase branco, sem. tapete, e a velha cama de metal tinha uma colcha de retalhos branca e travesseiros alvos como a neve. Naquela cela pequenina e estreita não havia mais nada a não ser uma cadeira de cozinha e uma cômoda de pinho amarelo, em que estavam arrumados com precisão um pente, uma escova, uma Bíblia e um copo. O ar de austeridade era quase adstringente; Johnny nunca vira um quarto com uma tal dignidade. —·Bom, o ministro está aqui, mãe — falou a Sra. Baxter. — Sr. Fletcher, esta é minha mãe, Sra. Woodley. Uma mulher idosa estava meio sentada no travesseiro limpo, parecendo uma freira idosa e moribunda, pois o rosto macilento tinha um ar firme e altivo, os olhos azuis desbotados afundados acima das maçãs do rosto, o nariz saliente como um pedaço de madeira seca bem entalhada, a boca fina e distante. Os cabelos brancos, ralos mas escovados, tinham sido puxados para trás, esticados, e presos num coque. Ela não respondeu ao cumprimento de Johnny. Olhou para ele com a indiferença distante dos moribundos; no entanto ele sentiu que ela o estava vendo inteira e completamente. Sentou-se ao lado dela. A Sra. Baxter fechou a porta e o deixou a sós com a mãe dela. Havia coisas que um ministro diz aos moribundos, coisas consoladoras, tranquilizantes, corajosas e piedosas. Mas de repente Johnny não encontrou o que dizer. Ele e a velha se olharam num silêncio prolongado. Ouvia a Sra. Baxter praguejando e resmungando na frente da casa, juntando garrafas, empurrando móveis, rosnando para alguém que bateu à porta e depois batendo a porta e fazendo todo o pequeno apartamento tremer, depois resmungando de novo. A Sra. Woodley não parecia ouvir nada; suas mãos de cera, gastas e com as juntas nodosas, estavam dobradas sobre a colcha branca, que não era mais descorada do que elas. Depois ela falou, a voz fina e fria: — Estou morrendo. Talvez amanhã não mais esteja viva. Ela falara com aquela indiferença distante. Acrescentou: — Leva um bocado de tempo pra gente morrer… desde a hora em que se nasce. Muito tempo. — Para muitos de nós, sim — respondeu Johnny. Ela suspirou. — Pelo que ouvi dizer, você botou esta cidade em polvorosa. — Ela então sorriu, com pesar, mas indiferença. Pensei que fosse diferente. Parece um estivador. Meu marido era isso, no cais. — Eu também já fui. Quando estava estudando. — Sempre gostei de um homem com cara de homem falou a Sra. Woodley. — Ora, você podia ir para o cais, nesse minuto mesmo, ou talvez para as minas. — Também já estive nas minas — respondeu Johnny. A voz dela não estava ofegante, nem falava com dificuldade. Ela meneou a cabeça. — Era isso que eu achava. A luz pálida entrando pela janela esfregada mostrava claramente a sombra cinzenta da morte pairando sobre seu tosto ascético. — Estou com câncer — disse, sem ênfase. Johnny se perguntou se ela estaria sofrendo. Seu rosto grande e forte exprimiu sua compaixão. Ela a viu e a dispensou, com uma das mãos, num gesto cansado. — O que importa? Sei o que pensa. Dói? Moço, dói mais que o inferno. A palavra, do jeito que ela a disse, era simples e um fato e ele a aceitou como tal. Meneou a cabeça. — Claro — respondeu ele. Estou vendo agora. estavam vidrados com a umidade do tormento. Eu tinha oito dólares. Isso era pros pobres. Mas tudo me volta. desde o princípio. e era cheia de carruagens. fechou os olhos um instante e descansou. Estou com 72 anos. Então. — Se você tivesse a cara que eu tinha medo que tivesse. — Mas você é do meu tipo de gente. Woodley. Estava economizando havia muito tempo. os lábios se contorcendo. Conte-me. Um homem como o meu homem. Era da mãe. E eu vou ser honesto com a senhora. quando os escovava”. Para me dizer por quê. — Olhou bem para ele. mas de repente tinha uma beleza antiga. Ela sorriu pela primeira vez. carroças e carros. levantou as mãos e olhou para elas como se pudesse extrair sua história delas. Johnny ficou ali sentado. toda amarela e a tampa cabia nela. — Olhou para ele. Johnny respondeu: — A senhora nunca poderia deixar de ser honesta. Depois do que foi a minha vida. vendo aquela agonia nobre. sabe. Foi o que pensei. Sou eu. de papel. Filha do meio. Na roça. com brandura. Woodley. não com um sorriso vazio. quatro quartos. Pus nela meus dois melhores vestidos e escrevi um bilhete dizendo que ia ser uma dessas atrizes. Quando ela tornou a abrir os olhos. Levava o dia lodo. Garota da roça indo pra cidade. eu nem falava com você — esclareceu a Sra. Eu tinha cabelos amarelos e eram bem bonitos. “Há muito tempo. Mas era. moço. Devia ver Nova York naqueles tempos. Não é para mim. Então. com lampião de querosene e esteira no chão. A dor não é nada para mim. Éramos 10. um dia. Era bem diferente do que vejo nas revistas hoje e tinha cheiro de gás de carvão e esterco. — E foi por isso que pedi que viesse. — Não acredito em nenhum Deus. Ela ficou olhando para a frente. como Lillian Russell. — Sorriu da imagem morta . como um velho retrato. Pensei ser honesta com você. Viu um espasmo passando como água pelo seu rosto descarnado. Entorpecente. Não conseguiu desviar os olhos. — Não dá para ver. Nasci numa cidadezinha no Estado de Nova York. pelo que Millie e Jack me contaram. Sra. imagino que já ouviu essa história. eu a estou vendo. — Bem. para eu saber. tem de me dizer por que. e pelos jornais. Johnny apoiou o cotovelo na cômoda e o queixo na palma. Ela parou de falar. um sorriso seco. — Sim. Lembro bem da casa. arrumei uma mala feita de vime… engraçado. com champanha e brilhantes. calmo. Minha mãe me pôs neste mundo sem isso e vou sair dele sem isso. tinha um pouco do dinheiro dos ovos. pareceu afundar mais nos travesseiros. — Eu ia ser atriz. Era um sítio e nós todos trabalhávamos nele e eu dizia comigo que era trabalho demais e nada de vida de fazenda para a Sally. como uma cesta de mercado. o médico deixou alguma coisa. Com esforço. nos vagões de carga. bonitinha. Era a única que tínhamos. — Não nasci aqui. — Sorriu. — Eles lhe dão alguma coisa? — perguntou ele. Ela suspirou. e os guris. e que não havia esperança para nenhuma de nós. — Bem. Ela concordou. não adianta dizer que não sabia. Ia. — Não era uma casa elegante. Deus ia cuidar de mim. Mary estava tuberculosa e os outros tinham alguma coisa. não é? — Nós temos mais motivos para perguntar do que qualquer outro — respondeu . estivadores e cocheiros de carroças de cerveja e às vezes um- contador com uma tosse. Madame Le Fleur era como a chamavam. Não sabiam para que tinham nascido. moço. Sabe. como que procurando uma resposta. Um bordel. moço? Bem. O rosto cavado se tornou severo e parado. Ela virou a cabeça e olhou bem para ele. eu não sabia para onde ir. eu sabia que era errado. que tinham fugido de casa. bem ali na casa. Ah. Então a voz da Sra. fiquei. Então perguntei a um guarda e ele me recomendou uma pensão e me pôs num bonde de cavalos e eu não podia acreditar que tinha tanta gente no mundo! Deus. e a gente conversava sobre o jeito que a gente trabalhava de manhã à noite. Um sujeito ficava falando disso o tempo todo e uma noite ele se matou. que ela me dava o dinheiro. como eu. Só iam marinheiros e soldados. Você não havia de pensar que gente como nós ia pensar por que a gente nasceu. Ela agora não estava mais achando graça. para serem atrizes. Perguntou se eu não queria voltar para casa. E eu pensei no sítio e nenhum de nós comendo muito e a mãe e o pai trabalhando que nem cavalos. trabalhadores. só que mais duro. Eles também queriam conversar. Tinha 15 anos. O guarda me tinha dado o endereço de uma casa. sim! Johnny ficou calado. era boazinha e de bom senso. Eu não podia voltar para casa. — Sei — disse Johnny. as garotas. não me deram essas drogas de que se fala. — Ah. Nem nós. Sabe o que é isso. — Eu tinha um medo mortal de toda aquela gente. — A casa estava cheia de moças da roça. — E tinha só 15 anos — concordou Johnny. Ela tornou a olhar para as mãos. Woodley —. era isso que eu sentia. mas eu era uma caipira. Sabe o que é o desespero. nem nada disso. Madame Le Fleur era muito melhor do que algumas das mulheres “decentes” de que a gente ouve falar. Woodley baixou. moço — continuou a Sra. moço? — Sei — respondeu Johnny. A dona. e rezei. E não tinha para onde ir. — Meu pai estava sempre lendo a Bíblia e eu fiquei ali naquele banco. E assim. — É uma velha história. e pensei que talvez pudesse mandar um dinheiro para eles. — Não fica enojado? — Só pela senhora.havia tempos. Parei de acreditar quando Larry foi ferido. A Sra. e vendo a neblina entrando e o cheiro da água e do peixe. fazer camas e lavar e me pagava 12 dólares por semana. porque não acredito mais Nele. Não perdoou. Não podia andar. um sujeito grande como você. — Ele perdoou — respondeu Johnny. é — falou ela. — Acho que você também tem. Para Larry e eu podermos comer. Eu sentia arrependimento pelo negócio da casa e pedi a Deus para me perdoar. Ela se recostou no travesseiro. Eu já tinha tentado essas lojas: me pagavam três dólares por semana. Mas fiquei muito contente de estar com Larry. — Passei 10 anos lá. fui a casa. Woodley se levantou mais no travesseiro e olhou para ele com uma tal penetração que ele se espantou. até que a aura passou. devagar. Só tínhamos aquele quarto. O rosto velho e agonizante assumiu uma aura de recordação. Johnny não disse nada e ficou esperando. — Bom. de 40 anos. e é ministro. estou ouvindo aqueles vapores apitando. Era um homem bom. Então voltei para a casa. E quando eu tinha 25 anos. Mas isso não faz mal. — Não. Passei muito . moço. senhor. E eu não estava mais tão bonita. já disse que ela era boa. Disse a Larry que estava trabalhando numas lojas. Falou que eu não podia fazer o que fazia antes. Então. e nunca mais consegui andar direito. Tornou a torcer as mãos. Depois sacudiu a cabeça. E estava doente. Deixou-me fazer a faxina e outras coisas. íamos trabalhar juntos e conseguir alguma coisa e ser gente de verdade. o suficiente para o aluguel. como eu disse. doente mesmo. e nós passamos a nos gostar e ele me tirou de lá. Madame Le Fleur olhou para mim. perto do cais. foi bom de novo. e Madame me dava uma cesta de ervilhas e pão e carne quando sobrava e. Ela abriu a boca numa agonia da carne e do espírito mas não conseguiu falar.Johnny. e mãos bonitas e boas. fazendo serão.tempo sem conseguir ganhar dinheiro. nem remédios para Larry quando a dor era muito forte. Woodley disse. devagar. por pouco tempo. quando Larry não estava tão mal. a doença fez alguma coisa na minha perna. Depois disso ele não trabalhou mais: as pernas ficaram sem movimento. A Sra. Parece que. Ela torceu as mãos num gesto patético. esta aqui. e olhos como os seus também. sem ânimo: . Fomos casados por um ministro e fomos para o quarto de Larry. Quase nunca saía. Conheci o meu homem na casa. Estava descarregando um navio e um engradado grande caiu em cima dele. até hoje. — Eu ia ter um bebê. um estivador. nem o médico. por um instante. Tinha medo das pessoas. nada para a comida. eu ainda acreditava em Deus e tinha o meu homem. e nós nos amávamos. com um fogão para cozinhar e aquecer e Larry ficava deitado na cama chorando por causa das pernas e por minha causa. — Bom. ria muito e nós tínhamos nossas brincadeiras. quando a levei para lá. — Nem um osso. Houve uma época ruim. eles empurravam a gente e mandavam calar a boca. moço. Eu desmaiei na calçada. Mas os tempos mudaram. e ela briga com Jack porque ele ainda é leiteiro. não é? Eu estava pensando se podia me dizer para que é que eu nasci. Sim. Voltei para casa certa manhã… era a véspera de Natal e eu tinha um presente para Larry… e a casa em que morávamos se tinha incendiado. A cabeça dela rolou nos travesseiros. Não há nada mau na Millie. A Sra. posso pensar no que aconteceu e não sentir muito. Por que é que eu nasci? Johnny falou. e alguém mandou chamar uma ambulância. Estava nevando muito. Como se fosse um lugar paralisado dentro de mim. — E para onde foi? — Ora. Millie nunca chegou a gostar mesmo de mim. de volta para Madame Le Fleur. E ele ganha bem. também. E eu consegui um emprego de faxineira numa das casas grandes de pedra marrom e Millie foi crescendo e. — Engraçado. se bem que ela não fosse nenhuma beleza. Então eu a pus num orfanato e pagava cinco dólares por semana por ela e fiquei trabalhando na casa. Eu só tinha uma manta velha para ela. Mas Jack gosta. Millie não gostava de brincadeiras. Não restou nem um osso dele. esperando. foi em 1907. Há muito tempo. arranjou um emprego como o meu. as moças e eu achamos que não era bom para a Millie ficar lá. quando tinha 14 anos. nem gosta agora. de mansinho. Millie e eu ficamos lá cinco anos. Woodley olhou para ele. Levaram-me para um hospital dos pobres e Millie nasceu naquela noite. estava nua em pêlo. As garotas sempre pagavam tudo. — Então? — perguntou Johnny. até o chão. Eu a via uma vez por mês. E quando pude. com Millie. Os homens pararam de ir e a polícia ficou danada porque não tinha dinheiro e fecharam a casa. Moço. Não eram garotas baratas. É meio parecido com o Larry. As garotas ficaram loucas com a Millie. — Bom. incapaz. Ela nunca soube da casa. se bem que você pudesse pensar que não. as de lá. mais ou menos. Ele é como eu. como era sujo e fedia e a gente nem podia pedir nada. Isso deixa Jack furioso. muito tempo. senhor. fraca. — E depois? — perguntou Johnny. eu acho. com brandura e ponderação: . Ninguém havia pensado em Larry. era o Jack. depois que ela descansou mais um pouco. Era um hospital horrível. Fiquei numa das camas delas. só que ela parece que detesta tudo e eu nunca detestei. E Millie bebe cerveja demais. aqui de Barryfield. Eu me levantei da cama em três dias e saí. Gosta de uma cerveja e a única coisa que o faz brigar com Millie é que ela não limpa as coisas. na cama. só isso. Compraram roupas para a Millie. — Bem. não tem mais nada. Um rapaz de cidade pequena. também. também. — Entende. sujas. as camas encostadas umas nas outras. chamaram um médico e o pagaram para mim. gosta de limpeza. tornei a trabalhar na casa. Millie conheceu o leiteiro na casa em que tava trabalhando. As sombras cinza-arroxeadas passaram pelo rosto da mulher. Portanto. . disse palavrão e chorou. aproximando-se mais da mulher agonizante — houve uma explosão. vi logo que no seu coração a senhora acreditava em Deus e que há uma resposta… para a senhora… e que sente que Deus a tem. Bill queria que ele fosse engenheiro. se é que existia um Deus. lembrando-se. para começar. e foi porque eu sabia que havia alguma resposta que fui ser ministro. Lembro-me um pouco dele. meu melhor amigo. Estavam economizando o que podiam para mandá-lo para a universidade. — A senhora disse que não acredita em Deus. Até o filho se fora”. Ora. de quem estava escutando. Ficou ali deitado no chão e começou a chorar. Praguejou. Ele tinha tido uma vida horrível. não suportava o colégio. como a senhora é tão… diferente… de qualquer outra pessoa. quando tiraram. Mas ela virou a cabeça para ele e em seus olhos havia uma expressão estranha. O pai morrera numa explosão de mina e ele tinha passado fome e dormido nas ruas e comido do lixo. tinha de preencher um lugar na vida que ninguém mais poderia preencher”. — Quando eu trabalhava na mina — continuou Johnny. Johnny pegou uma das mãos da Sra. “Bem. Então Bill queria saber de que tinham servido toda a sua fome e miséria e odiava Deus. Ele olhou para a Sra. dizendo que não ia voltar e que. em algum momento de suas vidas. também. Eu só tinha 17 anos quando houve a explosão. de modo que não há resposta. em todo caso. Seus olhos apagados olhavam bem para a frente e as mãos estavam sossegadas no peito. Sabia que eu queria ser ministro e me perguntou por que ele tinha nascido. em todo caso. Estava fria e morta como cera. — Johnny sorriu. que o escutava. Ninguém igual à senhora jamais nasceu. “Deixe-me dizer uma coisa. tinha medo de decepcioná-los. “Bill estava com quase 50. O rosto dela estava tão parado que ela parecia até estar em transe. mas Joe não. Os cientistas provaram que tudo tem uma causa e um efeito. Woodley. Bill metera na cabeça a ideia de que ser engenheiro era a melhor coisa do mundo. dizendo que tudo o que ele e a mulher tinham feito tinha dado em nada. — Essa é a pergunta que fazem todos os homens e mulheres. pois a mãe morrera quando ele era pequeno e não havia ninguém para tomar conta dele e ninguém se importava mesmo. Woodley. Talvez Joe não quisesse contar aos país que não tinha a menor vontade de ser engenheiro. Eu saí e tiraram de lá o Bill. nem no universo. as pessoas que realmente não acreditam Nele acham que não passam de acidentes. pois não havia uma razão. É uma pergunta que já me fiz muitas vezes. Joe tinha saído de casa dois dias antes. E nessa época tinham um filho na escola. Não existem acidentes em qualquer lugar deste mundo. Ninguém levará exatamente a mesma vida que a senhora viveu. e ninguém como a senhora jamais nascerá de novo. Tinha casado com uma garçonete quando já estava bem maduro e eles se amavam muito. até ter idade de trabalhar nas minas. — Eu era um menino vivo e ativo. pois não havia resposta alguma. mais ou menos da minha idade. Bill da mina ele estava morrendo. nascidos neste mundo. Ele parou. Mas quando me pediu uma resposta. mas ouviram. trabalhou e estudou Medicina. há dois meses. — Então. ele passava o tempo todo em paz! Eu ficava lavando. Para que nasceu o seu amigo Bill? O verdadeiro motivo. foi só o que pôde fazer. Sabe. Woodley. enquanto eu trabalhava. Depois daquilo. Aquilo o consolou. sem falar. Mas não foi uma resposta de verdade. disse: “Meu pai sempre me ensinou que a melhor coisa que o homem pode fazer no mundo é ajudar seu semelhante”. E sabe de uma coisa? Quando recebeu o prêmio. senhor. e alguma coisa se animara em seu rosto cavado. Agora está com 38 anos. eu acho. hoje. Não lhe contei. para podermos nos juntar a Ele no céu. só a senhora. — Eu disse a Bill — continuou Johnny — . Imagino que ele não tivesse ninguém que o amasse. Por suas pesquisas médicas. A Sra. mas sabia ler. e tinha quase resolvido não ser ministro. e Deus a tinha. e os outros livros. apesar de tudo. milhões de pessoas podem não morrer de câncer. seu marido. parada. Conte. Há um monumento e tanto para Bill. Não era grande coisa nos estudos. . Acabou de receber o Prêmio Nobel.que Deus nos mandara aqui para conhecê- lo e servi-lo na terra. Hoje. Bill. Ele sempre quis ser médico. e era só esperar que a gente saberia a resposta. Não é? Ela fez que sim. mas é a coisa mais importante no mundo. Sra. costurando ou cozinhando e ele me lendo a Bíblia. senhor. além do que os ministros contam à gente? Johnny sorriu. Está começando. — Vejamos o Larry. pode me dizer por que Bill nasceu? Ou foi um simples acaso e não há resposta? Ela olhou para ele com uma intensidade imensa. Larry ficava sozinho. não haveria Joe. no cemitério. sim — respondeu Johnny. Eu comprava livros velhos para ele e ele me contava histórias que eu não conhecia. vocês se amavam tanto quanto depois? A Sra. — Ah. Sabia que havia uma resposta. Se não houvesse o pai dele. Woodley falou: — Sim. Foi só o que pude fazer. — Sabe. Talvez não pense que isso seja importante. E ele gostava mais era da Bíblia. e eu pensava estar no céu. as coisas até pareceram mais lindas para nós. — Não. — A senhora lhe deu amor. antes de Bill morrer. Johnny segurou bem a mão da doente. Antes de ele perder o uso das pernas. por causa de Joe. Sim. Woodley olhou para ele. em algum lugar. Woodley. dos livros. com uma amargura fraca. — Mas ninguém mais ouviu falar em Joe — falou a Sra. Mas fui. Quando foi embora. eu também estava pensando e fazendo perguntas. muda. Ela olhou para Johnny. Olhou para a frente e seus olhos azuis estavam cheios de luz. — O mundo inteiro sabe dele. — Mãe. Então. Ela pôs a mão na cabeça da filha e a puxou para seu peito. Verdade. Woodley estava gemendo baixinho. sem ter o que comer e sem esperanças. Johnny saiu do quarto e foi procurar a Sra. A Sra. sim! E vi que não podia desiludir a senhora e ser má. Numa casa. E tão bonita. Ora. Abaixou a cabeça desgrenhada como uma criança. e saíam como se estivessem sonhando. mãe. a respiração ofegante. Depois de algum tempo. E aí ele não era mais ladrão. Millie? Você me amava? A Sra. Abriu os olhos e olhou para eles. fiquei uma boa moça. A Sra. e ninguém nem pensava na sua perna. Todo mundo sabia. — A senhora foi sempre tão esperta. tão esperta e tão boa. com medo. Baxter soluçou. ainda suja. por causa de Larry. eu não tinha palavras para lhe dizer. passei a detestar a minha vida. Tinha meios de se ganhar a vida melhor. — Já ouvi falar disso. mas quando tinha 18 anos e trabalhava na cozinha da casa de alguém. se a senhora não estivesse ali para trabalhar e cuidar dele. até perder as pernas. inventavam coisas para fazer para se ajudarem. Ora. — Ela parou e as lágrimas escorreram pelo seu rosto grosseiro e sujo. Ele pegou a mão dela e a levou para o quarto da mãe. mãe. Sabe. — Mãe. e tanta gente se teria perdido. — Você me amava. A Sra. Tão bonita e esperta e ligeira e fazendo tudo e cuidando de mim. mãe. eu nunca contei. ela estava chorando. em sua excitação. Ela se recostou de novo nos travesseiros. sem medo de nada. — Eu! — sussurrou ela. — Bem. Johnny apertou mais a mão dela. e seu rosto ficou bonito de novo. — Mãe. sentou-se na beira da cama. Baxter. me diziam. Foi para o Exército da Salvação. pensei nisso. chorando. Ele se sentou ao lado dela e começou a falar. não sabe o que é uma “casa”? Um sorriso espectral passou pela boca da Sra. — Larry disse que nunca se convertera. ele não teria os livros que lhe comprou e a Bíblia. Ela fez menção de se levantar dos travesseiros. — Ah. Não sabia nada sobre Deus. as pessoas vinham. a senhora nem pode acreditar quanto! Mas eu não sabia que a senhora também me amava. . — Só a senhora podia ter ajudado Larry. Baxter. Baxter estava corando. a senhora nunca soube que eu amava a senhora! Mas eu amava. E de algum modo. — Engoliu em seco. A Sra. mãe. encolhendo-se. Woodley olhou para Johnny e seu rosto arrasado se iluminou de alegria. suja e descabelada. na pensão. É responsável pelo Larry e por todos os que ele salvou. tinha um sujeito que era ladrão. Mas o ministro me disse para eu dizer à senhora. E a senhora sempre me disse para eu ser boazinha e eu não podia decepcionar a senhora. Fechou os olhos e de repente adormeceu. Mas lá estava a senhora. — Ela parou. só para ouvi-lo falar sobre a Bíblia e Jesus e contar histórias da Bíblia! Gente pobre e miserável como nós. Woodley. — Vê. que estava sentada esparramada na sala. — Serei. porque achava que nunca poderia ser igual à senhora. Nem sabe o que fez por mim e pela minha mãe. sim — falou Johnny. — Pode ser a mulher que a sua mãe quer que seja e sabe que pode ser. — Eu não presto mesmo. Baxter e sorrindo para o rosto cheio de lágrimas. estar na igreja o tempo todo. Depois puxou a mão dele para os lábios e a beijou. serei! — exclamou a Sra. Tenho sido má. Era tudo o que eu tinha. — O senhor é tão maravilhoso. Mãe. — Minha filhinha — disse a Sra. Baxter. Johnny olhou para a Sra. Largando as coisas e entristecendo Jack com essa casa imunda. tão sabida. A Sra. Jack e eu. Baxter chorou. que sorria. Sr. levantando a cabeça da Sra. Woodley. na plenitude do saber. e sua voz estava cheia de felicidade. Fletcher. tão maravilhosa. . Vou ser o tipo de mulher que Jack quer. Fletcher. filhinha. Vamos. Vamos mesmo. — Pode. Sr. Woodley. — Ah. com ardor. vou melhorar. eu vivia por você. Pela senhora e pelo seu marido. Pietro estendeu as mãozinhas morenas. o chapéu manchado no alto da cabeça. e ela o abraçou. viu que a luz sombria de dezembro tinha passado a uma névoa espessa e amarelada. Ele tateou até o carro. As crianças ficaram loucas de alegria. Largou o carro. Seria essa a inversão de que falara o Dr. mudo. a garganta estava apertada. — Ele olhou para Johnny furioso.XXIII Quando Johnny voltou para a rua. com vontade. — Puxou Johnny para mais longe e sussurrou: — Estou com todas aquelas coisas que as crianças queriam. azuis. — Ele levantou a voz. Pode levá-las para lá. Foi a Kathy que o médico entregou o cachorro. Os carros se moviam com um ruído espectral. — Já ia me esquecendo. Tenho uma coisa para os guris. As crianças formigavam em volta dele. lá no salão paroquial. Seus olhos ardiam. quero ser mico de circo. Seu medo por Emilie aumentou e ele procurou se consolar com a ideia do ar refrigerado. e tiras finas de lâmina dourada. pendurando bolas reluzentes. tinha sido levada às pressas para a segurança de seu quarto. . prateadas e vermelhas. louco para pegar no cão. — Lembre-se do que já lhe disse a respeito de dar a César. McManus disse: — Passei por aqui. McManus estava lá. Max só ficou olhando. e o rapaz ficou calado. As crianças estavam muito absortas na sua felicidade para lhe dar mais que uma resposta distraída. A neve estava desaparecendo. buzinando. O Dr. depois que virem o que está aqui. querendo agarrar. sentindo a umidade pesada e quente da mistura de neblina e fumaça comprimindo-lhe o rosto. Depois ele se abrandou. e correu para dentro. esse eflúvio mortífero e impenetrável que estava abafando a cidade? Tinha de dirigir com cuidado. estava da cor de enxofre. Crianças gritavam e suas vozes estavam roucas. o sobretudo dependurado no corpo largo. McManus. Levou muito tempo para chegar em casa. tão enjoativa e sufocante que ele começou a tossir violentamente. avisando. — Olá! — exclamou Johnny. — Não importa. aliviado. debaixo da árvore grande. Emilie não estava ali. o rodearam. não! — exclamou o médico. convulsamente. estamos com uma inversão de primeira ordem. metros de fitas de ouropel cobriam uma cadeira. O Dr. surgiam à sua frente. entusiasmadas. para esta árvore aqui. frenético. Ele tentou ver o céu. não vai. Sabe de uma coisa? Estão levando para lá crianças doentes e velhos. agora! As crianças. os olhos cheios d’água. gritando. sem forma nem sexo. nessa mudança nova e súbita. Quero lhe contar uma coisa. vindo do hospital. soltando exclamações. Vultos nebulosos e apressados. — Vou tomar uma providência a respeito logo depois do Natal — respondeu Johnny. Jean tocou na cabecinha de miniatura com um dedo. douradas. — Um cachorro! — exclamou Johnny. feliz. Ele enfiou a mão num bolso grande e puxou um cachorrinho cocker spaniel. E umas coisinhas para elas. — Ah. ajudando as crianças entusiasmadas a enfeitarem sua arvorezinha. Se não tivermos uma epidemia de mortes com isso. os pulmões se rebelavam. não um animal empalhado. E um bebê. Johnny pensou que a alegria e expectativa das crianças compensavam todos os longos anos de sua infância de privações. Ei. A feiúra da casa paroquial fora aliviada por cordões e festões de papel vermelho e verde enrolados em todos os aposentos. é? — perguntou o médico. a voz fraca. cara-de-lua — chamou Kathy. — São 500 dólares! — murmurou Johnny. Ainda não posso contar. As crianças. na sala. A fragrância das tortas. Johnny leu para as crianças o velho poema: A Noite Antes do Natal. vendo que Johnny estava sério de novo. Para dar prazer às crianças. e até mesmo Pietro. — O que pensou que fosse? Uma pulga? Tem um nome idiota qualquer. Vamos. mas eu o chamo de Coffee. O Dr. As crianças escutaram. McManus tinha combinado que o chofer dele levaria Pietro e Jean à Missa do Galo. e os proteja a todos neste próximo ano e para sempre e para sempre lhe dê coragem e paz”. porque é a cor dele. Depois de todas as listas que me tem dado. com documentos. — Vamos perder a Sra. se separaram. O colarinho branco brilhava por sobre a casimira de preço módico. cada dia mais saliente e levado. Johnny sentiu a garganta apertar-se num terrível pressentimento. Abriu o envelope e dele caiu um papel verde. querido Johnny. um tanto enigmaticamente: “Deus abençoe você e as crianças. — Ela não vai dar um pio. registrado. ele estava vestido com suas vestes pretas novas. quando a Sra. Burnsdale subiu a escada com uma carta de entrega rápida para Johnny. aliviando e sarando alguma coisa dentro dele. feliz com o prazer e empolgação que provocara. Vou fazer o que puder. Pietro. — Outro cartão para nós! — exclamou Johnny. das especiarias e do pinho enchiam a casa. absortas na criaturinha. você. olhou para ele com respeito. não se fartavam do prazer e assombro de tudo aquilo. Esses anos agora estavam comprimidos numa essência que lançava um perfume incomparável. As meias já estavam penduradas na lareira. no Dia de Natal. Penduradas nas janelas e na porta havia coroas de ramos de azevinho. deixe os outros o segurarem também. sua favorita —. quando o vir — respondeu Johnny. De repente. e o médico disse a Johnny: — Tenho uma bela surpresa para você. filho. que lhe davam mais dignidade e até um ar de majestade. Tenho de fazer alguma coisa quanto a esse smog. Avise-me a tempo de arranjarmos um novo ministro. satisfeito. Stevens! — No cartão o Dr. Burnsdale. o prefeito vai acompanhá-lo pessoalmente para fora da cidade. — Da próxima vez que se meter em encrencas. Ele era não só um pai de criação. apinhadas em volta da cama de Emilie. e Max também. mas um sacerdote. Era o primeiro Natal delas. Mas antes disso. deixe que o Jean segure. os olhos brilhando. — Garotos devem ter cães. Cuidado aí. Stevens tinha escrito. reluzindo de luzes e ouropel. A arvorezinha estava ali valente. de boca aberta. — Ah. vai. — Já lhe disse. Está matando gente. Leu o . é bom calar a boca — falou o médico. O que há? — perguntou. — Do Dr. O poema mal terminara e as crianças estavam pedindo para ouvi-lo de novo. de sono. Olhou para Emilie. e a atitude dele sugeria certa esperança. Tudo daria certo para Emilie e para todos eles. — Alguma coisa me acometeu… Acho que as coisas têm andado tensas. calado. Achegou-se a cada uma das crianças e lhes deu um beijo terno e paternal. O pressentimento aumentou nele. pareciam-lhe uma advertência de algum terror próximo e uma exortação para ele ter fé no resultado final. Ficou ali debruçado sobre ela. Sr. As palavras caíram de volta no cartão e a luz desapareceu. e novamente o pressentimento o acometeu. Ele tagarelou com ela. — Ele pegou Emilie no colo e ela se aninhou junto dele. A fragrância do corpinho miúdo. o candelabro de sete braços e velas e tudo. — É mesmo? — perguntou a Sra. Uma espécie de pavor amorfo invadiu-lhe o coração. Ela pensava muitas vezes que Max é que demonstrara a maior melhora. O rosto quadrado tinha um colorido e. é bom se aprontarem. — Eu também vou ganhar presentes de Natal — disse. parecia o perfume mais maravilhoso do mundo. numa antecipação feliz. A Sra. e pela primeira vez a sua urgência teve uma resposta. e não rezou de solidéu? Isso é exploração. pela pequenina. Kathy e Max vão para a cama daqui a meia hora. Rezou. formando um pompadour liso. palavras comuns e banais nessa época do ano. menos o seu medo indizível. refestelada contente em seus travesseiros. esquecendo-se de tudo o mais. Kennedy tinha reconhecido que ela estava melhor. no ouvido dela. Os picos secos dos cabelos dele tinham sido domados por ela. quando ele sorria.cartão para si. feliz. . com Deus. Até mesmo o Dr. segurando a mão dele. hoje. já são quase 22h00. para ele. macia e frágil como uma boneca. — Não sei — confessou ele. Ele se levantou de repente. Burnsdale. deviam parecer tão sinistras? Coragem e paz. devagar. com medo. parecia um menino comum. — Minha queridinha. — Olhou para o cartão na mão e as palavras “coragem e paz” saltaram diante dele. o rosto moreno. — Pietro e Jean. — Quem foi que disse? Nós todos não lhe demos presentes de Festa das Luzes. Ele sentiu aquela antiga onda de ternura conhecida se estendendo para ele do espaço exterior. Ele era um místico. Tornou a pôr a menina na cama e ela adormeceu quase imediatamente. imune ao nevoeiro mortífero lá fora. pois vão cedo por causa do lugar de Pietro no coro. como que gravadas em luz. Ela enroscou os bracinhos em volta do pescoço dele e suspirou. Não podia aceitar aquelas palavras inocentes como uma promessa. Fletcher? — perguntou ela. fingindo severidade. como todos os verdadeiros sacerdotes. Burnsdale também se levantou. A pessoa sempre as possuía. quase doce e possante demais para ser suportada. — O que é. pálido. minha queridinha — murmurou ele. mocinho. Seus olhos se encheram de lágrimas. A respiração da menina estava normal e sossegada. os grandes olhos azuis meio cerrados. Estão vendo. enquanto vestia o pijama. com óleo e escova. de um ministro para outro. fortemente. Burnsdale ficou em cima para ajudar Pietro e Jean e fiscalizar a fim de que Kathy e Max fossem para a cama. Ele piscou. A Sra. e você não teve um… Menorah. Por que essas simples palavras. confiante. sem poder acreditar. “Nasceu o Rei dos Anjos!” — Ah. pelo qual a fumaça industrial não podia escapar — mas não devia haver fumaça industrial. haveria mais. No ano seguinte. diz ele. forte. Johnny sentou-se à secretária. Ele começou a andar pela sala quando ouviu. O carrilhão estava tocando o hino antigo. depois sumindo. Os próprios pisos tremiam. — Não. Deviam estar respondendo agora. Burnsdale —. Mesmo que só comparecesse um punhado de pessoas. Tenho sorte. Johnny ficou esperando ansioso pelo som de seus pobres sininhos em sua torre. ande. Elevaram-se contra o céu perverso. Elevaram-se contra todos os muros de ódio. — É uma boa coisa que os católicos e protestantes comemoram as mesmas festas na mesma ocasião — respondeu a Sra. O teto quente de ar úmido pendendo sobre a cidade. pensando em seu sermão. no coro alegre. Os sons se juntaram recuando como as ondas do mar. Passou o braço em volta dela e também em seu rosto havia lágrimas. vitorioso. Fletcher! Era uma surpresa para o senhor. para prazer dela. afastando tudo o mais da cabeça. virou-se. Da Itália. Olhou para a gaveta do meio da secretária e ficou muito parado. Johnny foi até uma janela e olhou para fora. seria suficiente. se a ganância não interferisse. com um sobressalto. em vez de duas. Eu sei. Ficou espantado ao ver que eram 23h45. ganância. Ele não via nada senão a névoa. Mas os sinos não responderam. A neblina havia ficado mais espessa. depois avançando. numa harmonia longa e bela. Por fim abriu-a e tirou a caixa dourada. Havia meios de eliminá-la. Não era mais possível esperar. Também ganho presentes de Natal. Eles ficaram escutando. . Então pensou no sermão. mais límpidos e fortes. Então os sinos das igrejas começaram a tocar. As paredes estavam vibrando. Ela parecia tornar-se quente e pesada. Sr. soando em ecos espectrais pela cidade. as lâmpadas piscavam nas ondas de som. em tons possantes e lindos. lhe lançou um sorriso ladino e cheio. Uma dor lenta e fraca o invadiu. Adeste Fidelis. Ele ficou ali pasmo. ordenavam os sinos. — Ah. fúria e terror no mundo. Inversão. desafiando-o. Johnny endureceu o queixo. “Vinde vê-lo!”. Pai! Ele sentiu alguém a seu lado e. o carrilhão mais maravilhoso de todos. vá escovar os dentes e não se esqueça dos de trás. enquanto os sinos anunciavam as novas eternas de alegria e esperança e o Verbo que se fez Homem. límpido e majestoso. tão perto que abalava a casa paroquial. O Dr. Sua próxima tarefa seria o smog. — Ah. Lá estava a Sra. McManus dissera que os hospitais estavam cheios de crianças e velhos. Clamavam aos céus e à terra. Burnsdale. Deus — murmurou Johnny. Vamos. Ficou com ela na mão. Max. Depois de algum tempo ele a embrulhou no papel e a empurrou bem para o fundo da gaveta. Deus. senão haveria três explorações de presentes nesta casa. sorrindo e chorando. Olhou para o relógio. Foi o doutor. triunfante. ah. girando como hordas de espectros malignos à luz da janela. Era como um mar sorrindo. contra a cruz. . nascida de novo. sem poder acreditar. Tinham pedido e tomado emprestadas todas as cadeiras de armar. pois Deus nasceu na vossa carne e vos aguarda na Sua Manjedoura. salvação e compreensão. por misericórdia. Regozijai-vos. erguia-se alta sobre os bancos. nasceu um Rei. e ainda não bastavam. não pesada com a idade. o Verbo se fez Homem. O êxtase estava em todos os rostos. glória. mas o chamado triunfante da hora imediata. As pessoas estavam sentadas apinhadas e havia dezenas de caras estranhas. portanto. os sinos clamavam a sua exultação fazendo a igreja tremer. como sempre. imensa e imponente. Johnny ficou ali. Pai! Seu vulto alto. E os fiéis chegavam e olhavam para Johnny e sorriam. de roupas pretas.XXIV Johnny foi para o altar. e repetiu consigo: — Ah. Deus amava tanto o mundo… O evangelho antigo e eterno foi pronunciado de novo e. sem um gesto ou uma palavra. tremendo. O povo estava chegando desde as 23h15. era novo. a congregação nos bancos se levantou espontaneamente e suas vozes se juntaram ao coro e aos sinos. não gasta. e um silêncio profundo. Um Rei de amor e misericórdia. A luz de vela. não obstinada com vozes cansadas e maquinais pronunciando um ritual sem sentido. exortavam. E. As paredes tremeram e ressoaram. por amor de vós. Os sinos eram as ondas numa praia eterna. os sinos foram parando e só restou a luz de velas e flores e as pessoas e Johnny diante do altar. em tons de amor eterno e compaixão: Segui-Me. como que em resposta. as ruas apinhadas de homens. A escada também estava cheia de gente. metendo-se em todos os cantinhos possíveis. forçando a entrada. O coro respondeu em harmonia e. murmurando. “Para vós. A luz de vela aumentou. “Vinde. acima de tudo. empoeirado pelas eras idas. um Rei que há de sarar vossas feridas e tocar em vossos olhos cegos e afastar os vossos ódios e sofrimentos e consolar-vos e que só vos pede. Ele começou: — Então. ah. e nos mercados. anunciada como a fanfarra de trompas do topo de um monte. perdão e amor. Por um momento. Então. Deus. ressoando nos palácios de reis. parecia uma estátua nas luzes. fiéis!”. cheia de promessa. aturdido e abalado. brilhando como o sol. Os bancos nunca tinham estado tão lotados. não velha. E depois percebeu que a igreja não só estava cheia mas transbordando. Johnny não viu nada. num regozijo sempre crescente. E as portas abertas continuavam a mostrar cabeças e rostos se agitando. Agora estavam de pé dos lados da igreja e nos fundos havia um grupo compacto. Os assistentes estavam aflitos. uma nova mensagem aos homens. anunciada de novo. “Entre esta noite. para todos os homens. Segui-me. “Para vós. dentro da noite! Nasceu um Rei que diz: ‘Estou entre vós. até o fim do mundo. sinos.” . Segui-Me’. Deus chegou para cumprir Sua promessa de todas as eras. Repiquem. Em toda parte lhe haviam oferecido amor. Teve a sensação de que não estava sozinho. Imediatamente a arvorezinha reluziu. pois não cabiam na casa. o pressentimento de desastre se deitou com ele. já recheado. Consolara uma mulher moribunda e a aproximara da filha. os sinos. vestiu o velho roupão de lã marrom e saiu do quarto. tudo esperando as festividades do dia seguinte. Estava oprimido com uma sensação de um temor profundo. Johnny achou que um cachimbo poderia aliviá-lo e se levantou com cuidado. ele não conseguiu dormir. Ele rolou na cama. debaixo da árvore havia o máximo de presentinhos possível. pondo o pires sob o focinho aflito. tranquilizando-o. Por um instante o seu desespero indizível passou. Seu coração bateu mais depressa e ele tornou a descer e revistou. Agradeceu a Deus por todos esses milagres que lhe tinham sido dados em algumas horas. estava deitado numa caixa cuidadosamente forrada com uma manta velha e em volta havia jornais espalhados prudentemente. — Pronto — murmurou para o cachorrinho. que lhe viera no momento em que voltara à casa paroquial. esquentou-o. Desligou todas as luzes e sentiu uma leve sonolência. Ele sorriu. Coffee. Ora. ao ver o conteúdo: o ganso. Mas quando se deitou de novo. Mas no porão só havia as coisas de sempre. Procurou controlá-lo. véspera de Natal. pôs um pouco de açúcar e colocou o leite num pires. depois de suas orações. Johnny parou de repente. pegou uma panela e abriu a geladeira. a chegada do cheque do Dr. As crianças sabiam que presentes maiores e mais empolgantes as aguardavam debaixo e em volta da árvore grande do salão paroquial. pensou. as vozes felizes. só lhe tinham acontecido coisas boas. fria como gelo. o cachorrinho. Stevens. em voz alta.XXV Era raro Johnny não conseguir dormir imediatamente e sossegado. — Tolice — disse Johnny. a afluência incrível na igreja. Ele ouviu um ganido baixinho e entrou na cozinha quente e asseada. muito bem-vinda. a respiração dele estava regular. lembrou-se da alegria e entusiasmo das crianças. A cabecinha se enfiou na palma da mão de Johnny. Ele levantou a cabecinha castanha quando Johnny o pegou no colo e o rabinho minúsculo abanou freneticamente. fumando. a despensazinha. O cachorrinho bebeu depressa e Johnny ficou ali olhando. Jean estava dormindo no sofá-cama ali perto. as tortas e o sorvete. Mas nessa noite. resplandecendo como que encharcada de prata. Os velhos radiadores assobiavam e gorgolejavam num ruído confortador. Pegou o leite. como uma sombra. com uma acha de lenha comprida pesando em sua mão. onde se guardavam os legumes. no escuro. o porão. Naquele dia. . As meias das crianças estavam cheias. a fornalha estava cor de cereja. Estava-se alimentando satisfeita. estou ficando neurótico. Na escada. Ele encostou o rosto no cãozinho e depois o pôs de volta. Johnny desceu ao porão e verificou a caldeira. Desceu tateando no escuro e acendeu a luz da sala com cuidado. Olhou na sala de jantar escura. Ele tentou analisá-lo. Johnny foi acalmá-lo e aquela sensação furtiva o acompanhou. O cachorrinho gania aflito na cozinha. subindo. Mas o temor persistia. Mas a casa parecia um pouco quente demais. Ele a pegou no colo. amor — disse ele. Não havia dúvidas. Jean — falou Johnny. Jean sentou- se na cama. Deus do céu. ele começou a cochilar. era fumaça mesmo. simplesmente. olhando para aquele rostinho. Mesmo então ele parou um instante. Deus! As crianças já estavam acordadas. Deus! — exclamou a Sra. Depois viu que a fumaça estava entrando por baixo. fechando a porta. em desespero. Johnny correu para o quarto de Emilie. por fadiga pura.com firmeza. — Depressa. — Olhou para o aparelho de ar-condicionado. Por fim. Houve um murmúrio confuso lá dentro e depois a Sra. — E ponham cobertores sobre as cabeças e os apertem contra os rostos. Johnny puxou-o para a beira da cama. percebendo de repente o que tinha ouvido. Jean estava dormindo. vou ajudá-lo a se levantar e depois você se vista. eles estavam dormindo num sofá no quarto com Kathy e a Sra. a voz severa. se levantou da cama. Burnsdale. — Pensou em Max e Pietro. enrolou-a em mantas e antes de ela estar inteiramente desperta. da porta. — Olhe. Pietro soltou um grito e depois se calou. Max tinha começado a berrar. acendeu-o. — A senhora e Kathy vistam casacos. — É o papai. Jean! A casa está pegando fogo! Jean não disse nada. — Está tudo bem. como Jean estava no quarto com uma leve dor de garganta. Correu para a . pelo amor de Deus. Emilie! — Ah. Burnsdale. piscando. cheirando. no sono. Sentou-se. Então um vento começou a bater surdamente contra a janela. aflito. num tom pavoroso. — Seus olhos estavam ardendo com o calor e a fumaça. Johnny despertou de seu cochilo ouvindo o seu coração batendo descompassadamente. — Depressa —· gritou. — Ah. — Espere! — gritou. Tossiu violentamente e fechou a porta. mas muito de leve. Ele as sentiu. A menina estava dormindo e nem acordou quando Johnny acendeu a luz. e depois lembrou-se de que. Kathy o estava consolando. O aparelho de ar-condicionado estava zunindo. Era tarde para se vestirem. já cobrira seu rosto. enquanto as tábuas do assoalho mandavam ondas de calor nas solas de seus chinelos finos: — Fogo! Fogo! Bateu à porta do quarto de Kathy e da Sra. O corredor estava quente e cheio de espirais de fumaça. Foi então que sentiu o cheiro de fumaça. sapatos! Ah. Uma vez pareceu-lhe ouvir uma porta se fechando de leve e achou que era uma criança indo ao banheiro. mais do que viu. tentando controlar a voz —. Jogou suas cobertas para Jean. Levantou-se da cama de um salto e correu para a porta. ficou muito branco. Correu para o abajur. ela estava sorrindo. e empurrando-o. firme. ofegante. Burnsdale. Então gritou. E sapatos. o coração batendo tanto que mal podia falar. depressa! Depressa. Burnsdale. parte de sua mente ainda acordada. — Não abra a porta ainda! — gritou Johnny. Pôs um travesseiro contra o rosto e correu para o corredor. mas o desastre levara pessoas vestidas às pressas para a rua. e as outras crianças em volta. corram de verdade! Ele ouviu um crepitar e um estalo. os pés metidos nos sapatos que tinham podido encontrar. Burnsdale e puxou a manta pesada do rosto da menina. Ele via os rostos delas. soluçando. ele correu para a Sra. Fletcher! Sr. chorando. Fletcher! Ele gritou: — Saiam do alpendre. Por trás deles. Depois abriu a porta de repente e correu para o corredor. O rosto dela estava cheio de lágrimas. como outro incêndio. Burnsdale correr. tossindo de modo estridente. O smog a tornava irreal. sem olhar para o dono ou dona da casa. cheias de fagulhas. tossindo. o teto caiu ao chão. turva. olhando para a frente. As luzes da casa vizinha estavam acesas e ele foi para lá depressa. Estarei de volta num minuto! — Ele a empurrou e gritou para as crianças: — Para a calçada. — Olhou para o teto. Mal chegou lá. sufocado. o mais depressa possível! Não parem para nada. rezando. jorrava o smog. estava sentada a Sra. Incrivelmente. A Sra. tentando respirar. juntando-se à fumaça. Agora a sala estava cheia de fumaça. os pulmões quase estourando. Emilie se debateu no colo dele. correu para dentro. todos! Levem Emilie para o vizinho. com as outras crianças. a casa paroquial. os olhos . Johnny largou o telefone e correu para a porta. com Emilie no colo. O fogo estava avançando através delas. Ela agora estava lá fora. terríveis. diabos? — Doutor! — gemeu Johnny —. Johnny segurou parte do roupão contra o rosto. oscilante. a garganta ardendo. Johnny. Numa salinha arrumada. Johnny tossiu. O pesadelo era acentuado pelo brilho calmo da arvorezinha. vão deixá-las entrar. a Sra. descendo a escada correndo. tremendo. os olhos vazios. As bordas do tapete verde novo estavam-se enroscando. Ele apertou o rosto dela contra seu peito. Está pegando fogo. alucinados. no alpendre. Nesse pesadelo. que Johnny dizia consigo não poder estar acontecendo. Burnsdale se lembrara de acender a luz da sala. em móveis modernos de carvalho dourado. Burnsdale e pôs Emilie no colo dela. pretas. desceu correndo a escada do alpendre.porta com a criança choramingando e gritou: — Todo mundo para baixo! Para baixo e para fora. Burnsdale viu a cara dele e disse: — Ah! Sr. Mas Johnny esperou até ouvir a Sra. Ele sentia as pernas pesadas e desajeitadas como ferro. sob uma luz central ofuscante. As paredes estavam gemendo. Correu para sua secretária. os corpos embrulhados em mantas e casacos. Ela olhou para ele. onde as nuvens de fumaça agora estavam tintas de um leve vermelho. Uma rachadura vermelha e terrível estava-se abrindo nele. Agora a casa inteira estava estalando. — Emilie? — perguntou Johnny. Burnsdale. Aproximou-se da Sra. Eram quase três horas da madrugada. com as outras quatro crianças. Aí as luzes se apagaram. Então ouviu a voz zangada do médico: — Não vou sair para nenhuma dor de barriga nesta hora da noite! Quem é. Alguém abriu a porta quando ele subiu a escada do alpendre e. Mas as crianças estavam ali num silêncio terrível. Leve todas as crianças. despedaçando-se com estrondo. E Emilie estava-se enroscando em convulsões no colo de Johnny. débil. alerta. o rugido dos carros de bombeiro. O Dr. — Lá está o ministro! gritou alguém. encolhendo-se. Depois a rua se encheu de sirenes. De repente uma das paredes desabou para dentro e toda a rua ficou iluminada pela torrente rubra. de pijama. de roupão. — Engoliu em seco. de vez em quando o rosto dele se agitava. Johnny olhou para ele. querida. eficiente. não é? É melhor entrar numa casa por aí. As pessoas estavam falando e apontando. Minha mulher está na cozinha. Os pés descalços estavam no limo sujo. — A igreja? — perguntou Johnny. os olhos empolgados. em algum lugar. é as paredes se curvassem e desabassem. numa tenda de oxigênio.arregalados e vazios num rosto tenso. o pavor tinham sido demais para o coração dela. os dedos nunca largando o pulso da menina. estava olhando para ele. — Ei. Sente-se. O fogo iluminava os rostos apinhados. Pois Emilie estava morrendo. Maquinalmente. — Emilie. a igreja ainda não estava correndo perigo. — É o Dia de Natal — repetiu. Sentia uma angústia dilacerante no peito. Fletcher. Mas não o reconheceu: os lábios cinzentos chupavam e soltavam o ar. O choque. vigiando. Depois tossiu. cara. Johnny ficou sentado junto de Emilie. embora o próprio telhado de sua casa estivesse vomitando fagulhas e lanças de chamas. Johnny viu os homens de capacetes saltarem dos carros e desenrolarem as mangueiras. uma oração. Uma enfermeira estava sentada junto de sua cabeceira. Estamos muito perto de sua casa. a garganta num espasmo. A polícia tinha chegado. enrugando-se. Mas. Forçara o povo para trás. o que intensificava o smog. neném — chamou Johnny. McManus mantinha-se de pé. ele correu pela calçada escorregadia para a igreja. Kennedy . — Ei. Ela estava deitada numa cama larga e quente no melhor quarto da casa do Dr. vezes e mais vezes. — Puxa. Alguém pegara o braço dele e ele se virou. é horrível. preocupado. com dificuldade. comprimindo-se. O Dr. — Neném. Johnny tapou o rosto com as mãos e por seu corpo passou um longo estremecimento. agitada. nem do smog ou o frio mais forte. o smog. nas sombras feitas pelos abajures. — A rua inteira estava aos gritos. ali de pé na calçada. Depois viram Johnny. numa voz como. afastando-se dele. O ar continuava acre. fazendo café. nem de sua casa em chamas. não sentindo nada. correndo para a porta. Tinha perdido os chinelos. — É o Dia de Natal. quando ela parou para respirar. De pé ali. é o ministro. Um homem idoso. nos fundos. bem calvo. homem. Sr. apertando-se. na aurora crepuscular. Sem tomar conhecimento da gente lá fora. olhando sem nada ver. apalermado. Ura policial correu para ele. E então lembrou-se do cachorrinho na cozinha. pegou-o pelo braço e o puxou — Está atrapalhando. McManus. dirigiu-se para a casa paroquial. deixando-os vermelhos. é o ministro! Johnny olhou para a casa. — É o papai. a não ser o silvo ligeiro do oxigênio. O Dr. Kennedy ergueu os ombros. Muito devagar. de cara dura. apertando-se. Jean — e ele olhou para o menino calado. Johnny se debruçou mais. O rosto dele estava sem expressão. Kennedy dali a pouco subiu. — Neném. Então uma expressão muito exausta. no quarto sossegado. os presentes. o corpo dela enrijeceu. que mirrava. sem esperanças. Kathy. Johnny estava sentado como uma estátua.estava lá embaixo. Burnsdale. A cor dela já era um cinza azulado. Agora ouviam a respiração ofegante e insuportável da menina agonizante. raios. Os cachos compridos e emaranhados estavam espalhados sobre os travesseiros como uma seda brilhante. tomando café com a Sra. de repente seu rosto se encheu de luz e de um reconhecimento feliz. num desespero mudo. os olhos fechados. — Veja. McManus saiu das sombras. dizendo: — A culpa é sua. ajude Kathy. mas se virou para tornar a subir. Parem com essa choradeira. querida — chamou Johnny. que sacudiu a cabeça. se não parar de guinchar que nem um rato furado. Max. apareceu no rosto da menina. Seu rosto jovem estava amargo. Burnsdale quem olhou para ele com olhos frios. Pietro. mas não dormindo. Eu sempre tive medo dela. temeroso. olhando para o rosto de Emilie. tremendo. O jovem médico se vestira às pressas e seus cabelos estavam desgrenhados. a cabeça abaixada. debruçou-se sob a tenda e escutou o coração da menina. Então. No quarto não se ouvia som algum. Você. Os olhos pesados olhavam para ele. McManus —. A Sra. Muito claramente. Depois pôs o estetoscópio nos ouvidos. O Dr. Foi a Sra. Os olhos estavam turvos e vidrados. acentuando o aspecto mortal da cabecinha de onde se espalhavam. sem se mover. Emilie gemeu e parecia que o som doloroso vinha de alguma profundeza nela. cale-se também. Ela se levantou para ceder o lugar ao Dr. — Querida — disse ele. Amor. Choravam pelo cachorrinho. já que não pode fazer nada para esses guris pararem. Não conseguia falar. As crianças estavam todas deitadas. Estou aqui. E vamos fazer o nosso Natal bem aqui. O Dr. caindo aos pedaços. é o papai. Pegou o pulsinho de Emilie com os dedos delicados. — Olhem — lhes dissera o Dr. Foi aquela fornalha velha. Tenho uma casa cheia de empregados. vou lhe dar um bom tabefe. a maior parte de suas coisas estão no salão paroquial. Burnsdale chorava baixinho. endireitou-se. Ele não deu resposta. dilatando-se. o seu temor perplexo. Kennedy. o peitinho arfando. a árvore. Depois abriu os olhos e olhou bem para Johnny. com pesar. a bengala ao lado —. fechando com cuidado as dobras da tenda de oxigênio em volta de sua mão. Ela gemeu de novo. mudos. Via as ondas das águas da morte correndo por aquela pele frágil. ela pronunciou uma palavra: . e o Dr. Kennedy olhou para a enfermeira. o seu primeiro Natal perdido. cega e de busca. A menina estava ofegante e gemendo. A aurora amarela se aproximara das janelas e as luzes ficaram mais fracas. e não da garganta. Olhou para Johnny e seu próprio coração teve um espasmo de compaixão. seus lábios abertos e as narinas lutavam. ajude a pô-los na cama. cobrindo seu rosto com o lençol. Olhou para todos e de repente seu rosto ficou terrível. Os médicos e clérigos desceram. agarrado a Emilie. O Dr. e estendeu os braços. A Sra. não os perdoeis! Ele não sentiu a picada da agulha no braço. Havia provas de ação incendiária criminosa. Não fora a caldeira velha que ateara fogo na casa. Uma hora depois chegaram dois detetives da polícia. persignou-se e rezou. e os olhos continuavam a olhar num êxtase de reconhecimento e prazer. Johnny levantou-se. — Mamãe. Em 10 mil casas em Barryfield. — Pai — disse —. pois sabiam o que faziam. O café fumegava e estavam fritando bacon no grande fogão. McManus. Ficou se balançando. murmurando as orações para os mortos. crianças cantavam. seu rosto não menos mortal do que o de Emilie. Levavam uma breve mensagem. nem o álcool que lhe esfregaram. ele continuou sem saber de nada. um soluço seco. depois de muito tempo. Johnny afastou a tenda de oxigênio. Fechou os olhos azuis. Os homens ficaram sentados na feia sala vitoriana. e a deitou na cama. E Johnny ficou se balançando. delicadamente. Johnny sacudiu a cabeça e depois ela parecia não poder parar de tremer. Uma ou duas vezes ele soluçou. sem fazer qualquer barulho. Alisou os cabelos compridos e lindos. Pegou o corpinho no colo e sentou com ele. deitando-o na cama. alguém pôs seus braços flácidos nas mangas do pijama do Dr. riam e brincavam. O sorriso ficou. Era o Dia de Natal. suplicando. olhando para o chão. enquanto ele se balançava. Agora ele estava nadando em sombras cinzentas e negras. já estavam na cozinha. — Johnny — falou o padre. para a luz amarelada da manhã em outro quarto. Não sentiu ninguém levando-o do quarto. quem tirou a menina do colo dele. Quando levantaram suas pernas para cima da cama e sua cabeça caiu no travesseiro. Não ouviu quando lhe falaram. provas que bastariam para qualquer pessoa. Não viu o Padre John Kanty Krupszyk e o Rabino Chortow entrarem no quarto. e nas igrejas os coros cantavam: “Alegria para o mundo!” . O padre sentou-se. O rabino estava sentado numa cadeira. Alguém o empurrou. A enfermeira ficou com ele. sem dizer nada. Foi o padre. Burnsdale tinha desaparecido. apavorados. não os perdoeis. Johnny sabia. McManus estava num devaneio. O Dr. com a voz mais forte: — Pai. McManus chegou-se a ele. apertando-o ao peito. Os empregados. Johnny repetiu. no fundo de sua agonia. enevoados. se bem que a menina morresse nesse instante. as lágrimas escorrendo por suas faces. Só Johnny e o criminoso é que sabiam. a voz fraca: — Soube agora. quando o grupo que saía chegou junto à calçada. depois que. nos últimos 10 minutos. quinta-feira. quietas. Um murmúrio de vozes. um momento. agora. Não sentira nada. maquinalmente. O doutor estava me esperando. um homem no posto lhe contara a tragédia ocorrida com Johnny. O médico se esquecera de que Lorry devia chegar nesse dia. há 10 minutos. alegres. coitadinhas. tão baixo que mais parecia um leve farfalhar de árvores. sem poder se conter. inteiramente aturdida. Mas o grupo. não a notou. À sua esquerda. sem lágrimas nem emoção. Foi a Sra. Ela via suas sombras indistintas na luz do anoitecer. tendo parado para abastecer o carro. Mas nem fala com eles. os olhos vermelhos de tanto chorar. com uma vaga surpresa. McManus e ficou sentada no carro. Murmurou. . — O ministro está lá. e não o empregado do doutor. nem mesmo com as crianças. saltou do carro e subiu o caminho de cascalho até a casa. Lorry começou a olhar para elas. permeava a casa. vencida pela exaustão do choque e da dor. o barulho do mogno escuro aqui e ali e os retângulos pálidos das janelas. Burnsdale pegou-a pelo braço e a levou brandamente para o hall imenso e escuro. com seu assoalho encerado e tapetes orientais. a voz vazia: — Ah. Suas vozes ressoavam. brincando com seus presentes de Natal. Vai lá de vez em quando e não deixa ninguém entrar com ele. as grandes portas de correr da grande sala vitoriana estavam fechadas. Deus! A Sra. os saltos altos escorregando nas placas de gelo. para o ramo de lírios brancos e puros e a fita branca pendurada na porta. Ela virou a cabeça: não queria ser reconhecida. Não comeu nada desde a noite de ontem e já são mais de 17h00.XXVI Lorry parou defronte da casa monstruosa do Dr. — Srta. quem lhe abriu a porta. de pé e sentados. e outro grupo entrava pelo caminho circular para a porta. A sala de visitas à direita de Lorry estava cheia de homens e mulheres. Não sabia de nada. estridentes e risonhas. Ficou ali sentada olhando. Lorry falou. As crianças corriam pela rua. Acendeu um cigarro e soprou uma grande nuvem de fumaça diante do rosto e. um grupo de pessoas estava vindo da casa. e não quer deixar que elas entrem na sala. na rua sossegada. os paroquianos e amigos de Johnny. Será… será que alguém pode pôr o carro para dentro e pegar a minha bagagem? Eu… — ela parou e fechou bem os olhos. A Sra. Burnsdale. Por fim. o dia depois do Natal. com uma finalidade palpável. por uns momentos. fingiu que estava esperando um passageiro. Summerfield — murmurou. Não fala com ninguém. Burnsdale estava chorando de novo. Ela apoiou a cabeça na direção. a não ser o Padre Krupszyk e o Rabino Chortow. O rosto da Sra. olhando para a porta distante. Burnsdale estava inchado e pálido. Srta. tão distante quanto se estivesse paralisada num pesadelo. Viu que havia muitos carros estacionados de um e outro lado da rua. absorto numa tristeza sincera. declaração linda e triste de que naquela casa havia uma criança morta num caixão. e não dissera a ninguém. ainda entusiasmadas com a festa da véspera. Não quer que ninguém o console. e este é o único quarto que resta. levando aos olhos um lenço molhado e amassado. — Deixou cair as mãos e ficou olhando de novo para a frente. o peso da exaustão nos ombros largos. e tenho de ajudar com o negócio em Nova York três dias por semana e trabalho em… Filadélfia… quatro dias. Burnsdale. Amanhã ponho a Kathy aqui e a senhora pode… — Não. não — murmurou Lorry. Srta. — É o que ele quer. — Não tem importância. A Sra. estreita. — Não quer se deitar? — perguntou a Sra.Summerfield. Burnsdale. não — respondeu Lorry. de modo que pusemos as crianças em alguns dos quartos. quando o escuto descer a escada — falou a Sra. — Não. Ah. mas isso é pior do que sofrimento. Summerfield. A voz dela estava abstrata e indiferente. Ela sentiu um sobressalto ao ouvir o barulho da louça do chá. meu irmão. Srta. Depois sobressaltou-se. por trás da parede fina de suas mãos. Ah. para perguntar se pegaram o sujeito. Por favor. Ou — acrescentou. Johnny. — Não. Fletcher. Qualquer coisa. Sentou-se na borda da cama de dossel. Nem fala sobre… sobre a pobrezinha. lembrando-se do que diziam sobre a bebida de Lorry — talvez gostasse de um… um… — Um uísque com soda — respondeu Lorry. Falou. Johnny. O vestido de lã azul- escuro parecia grande para ela. Vai ao telefone de meia em meia hora. Tornou a sentar-se na beira da cama e tapou o rosto com as mãos. com pena. ela está muito cansada. que é editor. no andar de cima. As únicas pessoas com quem ele fala são as da polícia. Puxou a campainha que despertaria alguma atenção na cozinha. para o nada. Burnsdale. mais ou menos. o chá está ótimo. Só o dourado claro dos cabelos iluminava seu aspecto fatigado. e estou aqui. e o Sr. Ah. e seus olhos azul-esverdeados permaneciam nublados e sem expressão. Burnsdale via os sulcos no pescoço comprido e esguio. está na Europa. e só volta em março. Johnny. Quando viu a bandeja. pois emagrecera. Acho que o padre está com ele agora. talvez se a senhora entrasse de mansinho ele nem reparasse. Deus. estou cansada. Nada tem importância. extenuada. sem jeito. — Não. escuro e frio. Coitadinha. — O doutor não disse nada. — Tenho de expulsar as pessoas. Summerfield. Sabe. e Lorry tirou o chapéu e as luvas. — Sinto muito — balbuciou ela. — Parece tão cansada. esquecendo-se de onde estava. por entre elas: — É. Ela levou Lorry para um quarto dos fundos. Depois ficou ali no meio do quarto. ausente. Johnny. Johnny. — Quer tomar um chá? — perguntou. já vi sofrimento. não. Mas não estava dizendo isso para o quarto. Ajudou Lorry a tirar o casaco de vison pesado. . não. não importa. disse consigo. O rosto lindo tinha uma expressão abatida e havia sulcos sob as maçãs do rosto largas e a boca não tinha cor. pensou a Sra. de leve. sem vida. que não queria outra pessoa. os lábios brancos — soube somente há uma meia hora. fico contente que tenha vindo. O primeiro Natal de Emilie fora o seu último. o bebê querido. a boca puxada e tensa. vasos e buquês. viu Johnny sentado nas sombras atrás das velas e atrás da cabeceira do caixão. O corpinho estava vestido com a roupa de veludo azul com rendas. Não estava ouvindo nada. o sorriso extasiado de sabedoria e alegria. como se ela fosse cega. Burnsdale lhe fizera para o Natal. não. vezes e mais vezes. Lorry encostou-se à porta fechada. agora? Eu… quero vê-lo. Lorry levou as mãos à garganta. que tornou a pegar o braço dela e a levou para baixo.de repente ficou enjoada e se levantou. Ela nunca mais brincaria. Ela não está morta. pairando sobre o caixão como asas de anjo. uma de suas mãos mantinha-se pousada junto da cabeça de Emilie. fechando as portas sem barulho. — Eu não sabia… — respondeu ela. eu não poderia… posso descer. — E deveria erguer-se com uma fé segura e paz confiante para enfrentar a situação? . — E esse caso foi uma emergência. amarelo-claro e rosa- claro. nem a ouviu. — Infelizmente. Alguém estava tocando no braço dela. — Johnny está levando isso tão mal… quero dizer… é um ministro. Só está dormindo. com pena. e o homem é um velho amigo. O Tio Al estava me esperando. — Não. Burnsdale puxou a porta da sala para Lorry poder entrar e deixou-a lá. Seus olhos enxutos imploravam à Sra. mesmo quando há uma morte — respondeu o padre. delicadamente perfumadas. — Não conseguiu dizer mais nada. Todos os espaços disponíveis estavam transbordando de flores em tons de branco. que a Sra. fraca e desfeita. O padre grandão estava muito pálido. como se ele mesmo tivesse morrido. o leque de cachos vivos. Olhou para além do padre e então. Aquilo lhe parecia um sonho tenebroso e informe. Burnsdale. cerrada sobre o lado sedoso da coisa que continha o corpo da menina. Na aura de um deles estava uma caixinha branca num caixão coberto de veludo branco. Elas pararam um instante na escada sombria até que um grupo saiu da casa. Mas Lorry pensou nas crianças rindo e brincando na rua. os olhos adormecidos. Então a Sra. pensou Lorry. A luz das velas movia-se como que numa corrente de ar e Lorry viu o rosto dele. mas ele estava tentando sorrir. e sentiu um escuro diante dos olhos. — Ele está morrendo. Falou em voz baixa. Lorry via a cabecinha de Emilie no travesseiro de cetim branco. e sua vista clareou. em cestos. As cortinas de veludo vermelho tinham sido cerradas sobre as janelas imensas e a sala só estava iluminada pelos dois grandes candelabros que tinham sido trazidos da igreja. Johnny não a vira entrar. as pessoas precisam de operações de urgência. Ele estava olhando para o chão. — Desculpe. não — repetiu. só iluminado pela luz de velas vacilantes. Summerfield. mas severo. pela primeira vez. sem ver. tenso. e não um sussurro: — Srta. numa última agonia prolongada. viu o vulto alto e escuro do Padre Krupszyk junto dela. Onde está o Tio Al? Por que o deixou? — perguntou ela. e sentiu um nó na garganta. nem à mulher chorando a seu lado. bem na frente da sala comprida. Johnny estava ali muito perto dela e ela começou a tremer. em toda a vida dela. não teria sido tão mau assim. nem angústias particulares. Esquecem-se de que até mesmo os santos sofreram. — Muitas pessoas pensam que os clérigos não são homens.— A fisionomia do padre endureceu-se. Não havia a sombra da morte em seu rosto. . Más sabe como e por que ela morreu. que nunca tinha jorrado. ele não vai responder. Ela caiu de joelhos. Continuava perdido nalgum sonho terrível. — Agora. apoiou a cabeça no caixão e chorou. Trancou as janelas. nem têm corações de carne. — Ele fechou todas as portas de seu espírito a Deus. desculpe — sussurrou Lorry. torcendo as mãos. em voz alta. chorando baixinho. e aquele não era o rosto dele. não os tinha visto nem ouvido. Afinal. — É só que… ele parece que detestaria se lhe oferecessem algum consolo. não conseguiu escapar da perversidade dos homens. Não consegue se reconciliar… ainda. talvez mais do que qualquer homem médio poderia imaginar. olhou para baixo e então. livremente. Depois o Padre Krupszyk ajoelhou-se ao lado do caixão e rezou pela alma da criança inocente que. ela fora livrada de tudo o que o mundo dos homens poderia lhe infligir. Se essa menina tivesse morrido sossegadamente. — Mas… o Deus dele — balbuciou Lorry. seus olhos se encheram de lágrimas desesperadas. ouviu um leve movimento perto de si e levantou o rosto desfigurado pelas lágrimas. Pouco depois Lorry ficou sozinha com Johnny. Isso atinge a alma dele: lembra-se do que a menina sofreu. O padre aproximou-se e pôs a mão no ombro dele. — Esta não é uma morte comum. Falo com ele e ele não quer me olhar. com uma humildade piedosa. tenho de ir. Emilie estava dormindo e sorrindo. — Não se esqueça das circunstâncias — respondeu o padre. A princípio ela teve medo de que ele não a tivesse reconhecido. Ele agora era um homem vingador. sob sua manta de rosas e lírios brancos que o Padre Krupszyk mandara. Temos de lhe dar tempo. até o caixão. um homem com ódio e ela não pôde deixar de percebê-lo. Não pode perdoar nem a Deus nem ao homem. bem longe de todo o sofrimento e dor. nem sofrimentos. conforme o previsto. só seu. pela primeira vez. — Desculpe. insegura. Lorry. — O padre suspirou. as flores e a menina morta. Eles tinham conversado perto da porta e Johnny. Ela não tinha nada a dizer ao homem abalado a sua cabeceira. sem parar. depois viu que tinha. sim. e ele não pode se esquecer disso. Suas lágrimas escorriam pelas faces. caindo-lhe nas mãos. Não fale com ele. — O que você está fazendo aqui? — perguntou ele. as pestanas compridas estavam abaixadas delicadamente sobre a face. Ela tentou falar no meio das lágrimas. nem me escutar. silenciosamente. até o fim. pois os olhos dele não eram os olhos de que ela se lembrava. No entanto não ouve nada senão o que ouvia quando ficou com as crianças. grosseiramente. Ela andou. esse gesto não obteve a menor reação. Pareciam brotar de algum poço sem fundo em seu espírito. Mas Johnny agora não se lembrava de Deus. e sim almas que tinham conhecido um sofrimento e desespero incríveis. Os olhos examinaram lentamente os rostos das crianças. e elas se sentiam inteiramente abandonadas. A casa já se encontrava quase vazia das visitas e daquele farfalhar de vozes. e depois os tinham conhecido de novo. pois seu sofrimento era grande demais para palavras. — Olá. À distância estava a enorme cama branca. acabei de saber. ele estava de novo na cadeira. Aquele em quem tinham depositado toda a sua fé. Eles se fitaram. para Lorry. alisou os cabelos com as palmas e depois levantou a cabeça com seu antigo gesto de galhardia. Johnny. Ela ansiava por se jogar em cima dela e se entregar à tristeza. num gesto eloquente de súplica. ouvia falarem que Deus disse que os anjos da guarda de pequeninos como Emilie olham para o rosto do próprio Deus. Eu… esperavam-me aqui. as pobres crianças. E agora o anjo da guarda . à luz dos abajures espalhados. com os olhos vermelhos que nunca perdiam nada. pois ele estava de novo com aquela expressão cega. há dois mil anos. Burnsdale. aquele ar arrasado. ainda de joelhos. confiança e amor as tinha abandonado. meus queridos — saudou Lorry. não as conhecia mais. Quando eu era menina. Todos estavam muito pálidos e anormalmente tensos. até o de Kathy. Quer fazer o favor de se retirar? Ela se endireitou. dissera a Sra. Lorry com tristeza e um apelo mudo e Johnny com a rejeição muda de todos que o queriam consolar e partilhar de seu sofrimento. Pietro sussurrou alguma coisa mas Jean não se mexeu nem falou. com suas colunas de ébano preto. — Johnny. Ele recuou mais um passo e seu rosto ficou mais pálido. frouxos. os cabelos dourados descabelados em volta do rosto. Quando ela chegou à porta e olhou para trás. Não eram crianças perplexas que estavam tristes. Kathy soltou um soluço seco e deixou cair a cabeça no peito. deixando cair as mãos. — Emilie — disse Lorry. absorto nos seus pensamentos terríveis. as crianças costumavam se reunir. foi mais horrível do que qualquer outra coisa. Max gemeu um pouco. Ela as encontrou lá. sua boca pálida se contraiu. Olhou para a mulher a seus pés e recuou. sentadas num silêncio nada infantil. Em vez disso. a voz trêmula de ternura. Compreendem tão mais do que Johnny. Sentou-se no chão no círculo de móveis agigantados. onde. Não quero ver ninguém. tentando falar com uma segurança calma — está dormindo. de quem busca. Elas notaram. nem pensava Nele a não ser com uma raiva fria e apaixonada. — Não posso falar. Isso. Os móveis imensos e antigos quase engoliam seus corpinhos pequenos. Elas olharam para Lorry em silêncio. como. pensou Lorry. os braços caídos ao lado do corpo. Das mãos de Jean e Pietro pendiam rosários. Lorry subiu para o enorme quarto principal. Ah. Max estava sentado muito perto de Kathy e ela estava agarrando a mão dele com força. na sua vigília terrível. Ela levantou as mãos para ele. uma mulher levantara as mãos a Deus. e ela se levantou. e tinham quase esquecido. que Lorry tinha chorado e quando ela ficou ali entre elas. severa. e por fim Jean levantou-se da cadeira penosamente e caiu perto dos joelhos dela. talvez. e os amou quando vocês . Papai não diz coisas que não são verdade. então talvez não seja verdade não é mesmo? Ê uma mentira o que a gente ouve? Jean falou. O Padre Krupszyk não mente. severo: — Pietro. — Se vocês fossem crianças americanas comuns. Ela os afagou. o desabrigo. — Não é por causa de Emilie que estamos tristes. comovido. se quiserem me chamar assim. como o papai sabia. E agora o seu pai as conhece. São coisas que conheceram por muito tempo. mas não quer escutar a resposta. com firmeza. A gente queria abraçá-lo e beijá-lo mas ele não está lá. e depois Max. Srta…. a raiva e o ódio. Deus não mente. Kathy levantou as mãos caídas e olhou para Pietro. você está sendo tolo de novo. mesmo antes do incêndio. Ela o apertou. recuperando a vista consciente. Pietro falou com a voz aguda e vacilante. procurando um consolo. ao consolar estas. com um tom de histeria: — Se o papai esquece. Ele foi… abatido. Ele lhes deu tempo. Havia tantas crianças que ela havia abraçado assim. — Mas não são. Sua cabeça se erguia no meio deles como um raio de luz. nem rezar? Por que se tranca no quarto e nunca responde e faz uma cara assim? É um estranho. e está pensando em vocês e rezando por vocês e esperando que se lembrem dela. mas ele se esqueceu da verdade. então não acredita nada. Pietro começou a chorar e sua boca fez um beicinho de revolta. tantas crianças que a procuravam instintivamente. pela primeira vez na vida. As coisas têm de ser felizes para Pietro. Sabíamos que Emilie ia para Deus. Kathy encostou a cabeça no ombro de Lorry. consolou-os. Não foi mentira o que ele disse. Pietro. — Mas o que vamos fazer com o papai? Por que o papai não quer nos ver. muito feliz. chorando amargamente no seu sofrimento. — Sou Lorry para vocês. Todos já conheceram o sofrimento.dela levou Emilie para a presença de Deus. Eles se agarraram a ela. fez perguntas. sua Tia Lorry. nesses últimos meses. Lorry estendeu o braço esguio e pegou a mãozinha quente e úmida de Pietro. nem tocar. Como vocês. Consolou aquelas perdidas de novo. eu não poderia lhes falar sobre o seu pai — disse ela. Os olhos cegos de Max se voltaram para ela. senão Pietro fica zangado e tudo é mau. Ela os abraçou e beijou seus lábios e faces. Kathy foi para o chão. puxou-os para si. jogou-se ao lado dela e enterrou o rosto no peito dela. Max estava junto dos joelhos dela e Jean apertou o braço dela com ambas as mãos. queridos. nem o que nos ensinou. — Se você acredita hoje e não amanhã. levantou-se logo da cadeira. Papai não se lembra… de nada. junto de Pietro. e ela está segura lá. — Não é nada disso! — respondeu. e que não fiquem muito tristes. passou as mãos pelos cabelos dela. logo. o medo. Ele soltou um grito. Estamos tristes é pelo papai. — Tenho uma canção para Emilie. — É por isso que o papai está zangado. Ele está doente. quando era vontade de Deus que ela fosse para o céu. mas Deus determinou outra coisa. Vocês devem ser bonzinhos com ele e dar tempo a ele para achar o caminho. e não são mais fortes. chorando não por si. e vai chamar vocês. vocês não confiavam nele e ele era o seu pai carinhoso. — O padre disse que Emilie era pura. o que será de nós? — É a experiência que torna as pessoas fortes e fiéis — respondeu Lorry. que tinha paciência. a pedir. para ser alta e forte como vocês. — Assim como você estava zangado — respondeu Lorry. com medo. e agora ele não confia em Deus. Nossa Senhora. — Vocês já tiveram suas experiências. agarrando-se a ela. Um dia desses. o papai não quer aceitar a vontade de Deus. Ele detesta Deus porque Ele deixou os homens matarem Emilie. com uma paixão dolorosa. Lorry achou aquilo tão comovente que seus olhos se encheram de lágrimas de novo. — Papai está zangado. Gostamos dele. ela morreu quando não tinha de morrer. Depois. Vamos esperar pelo papai. Ouvimos a polícia. Brincava um pouco conosco. Vocês têm de tratá-lo como ele os tratou. zangado mesmo! — exclamou Pietro. Eles pensaram naquilo com sua presciência de velhos e então brotou deles um coro espontâneo. Mas Deus também está esperando. — Se os homens não olham para Deus. — Porque ela havia sofrido tanto e ele esperava fazer com que ela fosse feliz. agora. e não precisávamos nos preocupar com o Purgatório — disse Pietro. Está com ódio. Está tão linda — falou Pietro. como ele esperou pelo seu amor. por que o papai está tão zangado? Tornaram a chorar. — No princípio. — Mas papai é um homem e sempre foi forte — respondeu Kathy. Então. a ver suas preces atendidas. que ama as criancinhas. Deixam-No de fora. mas estava sempre tão cansada. — Vimos a Emilie. Essas coisas nos cegam para Deus. Agora ele está tendo a dele. Tinha todos os brinquedos. É a Ave Maria. e um bebê. Muito cansada. O padre nos disse isso.estavam tentando encontrar o seu caminho para casa. o intuitivo. — Depois de algum tempo. Mas o papai se agarrava a ela. coitado do papai. esperançoso. Tenham certeza disso. naquele momento. Só recentemente é que ela aprendera a rezar. não por Emilie. acrescentou: — Em algum momento. que é o pai carinhoso dele e tem paciência. — Vamos rezar nós todos. mas por Johnny. mas pelo seu pai? . não pode perdoar. Assim. — Ela nunca foi tão bonita. ele há de precisar de vocês. — Ele vai acreditar. Por que o papai não sabe que a Mãe Santíssima está com Emilie no colo? Por que ele não… acredita? Lorry suspirou. e devem esperar até que ele os procure. trêmulo: — Papai. Ela sabia que ia embora. e era Natal e… — E uns homens maus a mataram — replicou Kathy. E ao lado de cada . A oração curta e patética acabou. — Eu também não vou. e nunca soube de Emilie. com alívio. por fim. com toda a tristeza dele. que as crianças estavam comendo. Espere só. você serve a sopa. E não posso dizer Kaddish pelo papai. Burnsdale. gente que nem amava nem via Emilie. — Mas nós sabemos tudo sobre a dor e a morte — respondeu Jean. É só o papai. e não vai nos deixar. Jean lembrou-se de alguma coisa. em volta dessa mesa grande. Mas todo mundo vai. seu ódio e esquecimento. Se não amasse. quando eu estava morrendo. olhando para Lorry com olhos límpidos. e que tinham ouvido Pietro rir. — Não podemos ir para o túmulo com Emilie — falou Kathy. que ficou de pé. E tenho certeza de que também não vão permitir que o seu papai vá. As empregadas desceram à cozinha e informaram à Sra. com carinho — desta vez vamos comer. — Ele ama vocês e se lembra de vocês. Kathy. pensativo: — Mas Emilie tem paz. — Estão vendo — respondeu Lorry. — Tia Lorry é que é nossa mãe. — Podíamos até ensinar ao papai. — Gostaríamos de ver Emilie muitas vezes — disse Kathy. confiante. não é? — Claro que vamos — respondeu Lorry. Duas empregadas apareceram com bandejas de comida quente para as crianças e Lorry. E… bem. Quando ele descobriu que tínhamos visto Emilie. não vamos. — Não podemos nos despedir de Emilie. Ela ajudou a pôr as crianças na cama. e não vamos ser feios e piorar as coisas. com exceção de Max. — Mas para mim é terrível que a imagem que a minha mãe me mandou. — Não — replicou Pietro. cheios de amor. triunfante. — Ah — disse Lorry. Burnsdale. — Tia Lorry vai ser nossa mãe. a voz baixa e insegura: — Vimos a morte há muito tempo. com a tristeza da maturidade. Pietro beijou Lorry nos lábios. se tenha perdido no incêndio. Ele falou. e agora sabemos que não é nada. Max acrescentou. junto com a Sra. o tempo todo. rezando pela paz da menina morta e por Johnny. — Vamos nos sentar bem aqui. Todos se ajoelharam juntos. e os outros tinham sorrido. Seria mau para ele olhar para o túmulo dela. Ele quer lhes poupar sofrimento. — O que importa? — perguntou Lorry. sim? Você é a mãe da família. — Mas o papai não deixa. deu ordem para não irmos mais lá. tomando nota mentalmente — a sua mãe há de lhe mandar outra imagem. não se importava se vocês vissem Emilie uma porção de vezes. — Então — falou uma delas. impiedosa e amargurada.cama Lorry Summerfield. . consoladas. antigamente áspera. rezou uma oração simples e deixou as crianças que logo adormeceram. Já estudei os linchamentos. Até a voz tinha perdido o guincho zangado e possante. antes chamada de sala de almoço e estufa. depois do trabalho. e essa é a sua oportunidade. procurando disfarçar a sua preocupação com ele. mesmo as melhores. são curiosas. mas até de noite. são os heróis que ganham medalhas. E. “Mistério em torno da morte da menina Emilie. quando se soube do seu estado? O ofício para a criança será realizado no sábado pelo reverendo Sr.XXVII — Minha filha — falou o Dr. Gordon Hemsmith. Tio Al — respondeu Lorry. pois dizem que o Sr. só para olhar a casa. que não era contra flores “crescendo no raio de jardim. Pensa que a maioria está mesmo pensando em lutar pela pátria? Nada disso. maldito. era contra flores em casa. e não tendo os torsos cortados com uma faca”. A maior parte é de assassinos natos. Mas por quê? Por que hão de se incomodar com aquela coitadinha? Pois bem. fica passando por aí. por curiosidade. Fletcher continua num estado de colapso. As pessoas. — Contaram. Quem é Emilie?” Tenho olhado as caras dos brutos que passam por aqui… não são nossos paroquianos … e lhe digo que parecem do tipo que lincha. — Lorry. — Ele abriu o jornal e o mostrou a Lorry. sob uma foto dos destroços fumegantes da casa paroquial. pensava Lorry. Nas paredes havia muitas prateleiras. sinto dizer. a voz falseando. John Fletcher desta cidade. mas agora não havia nada plantado ali. suposta órfã que morreu nesse incêndio. — Imagino que lhe tenham contado tudo? Eles estavam sentados na antiga sala dos fundos. da Igreja Comunitária de Barryfield. cujos lábios assumiram uma cor viva. suportes de vasos e armações. alarmada. viu como ele tinha envelhecido e mirrado.” Lorry largou o jornal. Por que a menina não tinha sido removida para um hospital há tempos. Lorry. Hoje tem uma aqui. abraçando e beijando Lorry —. É uma coisa de espantar. E quando a polícia apanha os . Quando estoura uma guerra. O tipo que lincha é uma grande minoria em todo país. Estavam tomando café. por correr direto ao inimigo com granadas de mão. talvez. Enxugou as palmas das mãos com o lenço e sua nova magreza a fez parecer doente. O médico. embora já passasse muito da meia-noite. onde é o lugar delas. McManus. O médico disse: — Houve outra pergunta ainda hoje de manhã. contanto que possam matar. pupila do Reverendo Sr. calada. pois conheço a humanidade. “Ainda há uma porção de perguntas sem resposta sobre a infeliz morte de Emilie (sobrenome desconhecido). uma porção. você nem sabe como tenho sentido falta de você. o povo. É o único momento em que ele tem certeza de que as pessoas não vão entrar para ficar olhando para ele. é por causa do Mac… está sempre publicando pequenas insinuações. vou lhe contar. Eles não se importam com quem é que matam. — Ele… ainda está lá com a Emilie? — Está. porque as amasse e inconscientemente acreditasse que as flores tinham o direito de permanecer onde viviam e que também elas sentiam dor. pensando apavorada sobre o que o pai estava escrevendo a respeito de Johnny. adivinha o que acontece? Alguns deles são heróis de alguma guerra! Lorry. e depois subiu para o quarto. há provas de criminalidade. Burnsdale me contou. — Suspirou e estendeu a mão para pegar a de Lorry. distrair a atenção dela do sofrimento negro daquela casa e tentou sorrir para ele. em voz alta: — Johnny. Como ela pode amá-lo é que não sei. tinha sido dopado. até me esqueci de você. Mas prometi que ficava escondida e não ia ao enterro. não! Ele… não poderia estar pensando nisso! Não pode ser assim tão mau! — O seu pai pensaria em tudo. Seriam os primeiros escolhidos. dizendo. Fariam o melhor trabalho do mundo. — Lorry levantou a cabeça abruptamente e sua voz ficou mais forte. sem chorar. comovidos. — Essas insinuações no jornal! São insinuações…? Ah. Acrescentou: — Hoje liguei para a mãe. Ah. sim. Está indo até onde pode. — Ora — continua ele —. de qualquer modo. e talvez ele saiba disso. — Eu sei. Deus. se você quiser aguentar o dia de hoje. tomou as cápsulas. onde provavelmente estarão os fotógrafos dele. ia se render e se esquecer de que quer matar o homem ou homens que incendiaram a casa dele. com pena. Espere. eu não queria que você soubesse. O médico pensou. com pena. se eu fosse analista e empregado pelo exército. e caiu de cara na cama. e talvez ele pense que se falasse com elas. até procuraria por eles. quando se realizou o ofício na sala que parecia um museu. O médico tinha providenciado para isso. deviam fazer do senhor um general de quatro estrelas — respondeu ela. Mas é um consolo para mim. A moça sabia que ele estava tentando. quase morto. aos tropeções. O enterro foi íntimo. Ela lhe contara sobre as crianças e ele tornou a piscar. As crianças tiveram licença de assistir ao ofício na casa e ficaram sentadas junto do caixão de Emilie. existem leis. de modo que só compareceram alguns amigos. no que estariam imaginando.lincha- dores. não com sua concordância mas porque o médico lhe dera várias cápsulas de manhã. — Minha filha. coitada da Esther. só para se livrar da insistência do médico. é bom tomar isso. — Pobrezinhos. — É por isso que vamos aplicar uma injeção de algum tipo em Johnny. e já estavam no sábado. mal ouvia o que o médico dizia. que estava arrasado. A Sra. . para se livrar do Johnny. o pai que ela amava. os olhos úmidos. Só acordou às 22h00. sabe o que faria? Não eliminaria os psicopatas e os neuróticos sanguinários. — Tio Al. Por… por causa dele. e bem depressa. Estamos vigilantes. Johnny. Ele não ousa dizer coisa alguma realmente difamante. Mas estava pensando no pai com aversão. minha filha querida e maravilhosa. ou qualquer coisa. Seus olhos inchados piscaram. para ele também não poder ir. Johnny não estava lá. Bom. Seriam a melhor coisa no mundo para Johnny. Ela vem me ver amanhã e pediu… implorou… para não deixar que outras pessoas saibam que estou aqui. umas horas antes. que não comia desde a noite da véspera de Natal. Lorry. amor… Sente-se. agora. Deus te abençoe. Tenho de esperar até saber que ele está melhor. Ela disse à mãe: — Tenho de ficar. enterrada hoje. já sei! — gritou o médico. — Mas olhem. um grupo de homens carrancudos. vai interná-lo no hospital e começar a alimentação forçada. Os fotógrafos já estavam esperando no cemitério solitário e desoladamente branco. deixamos vocês assistirem ao oficio em casa e o seu pai também não gostaria disso. havia umas três linhas: “Poucas pessoas compareceram ao enterro de Emilie (sobrenome desconhecido ) na manhã de ontem. amorzinho. Plantei pés de lilases para ela. Bateram muitas fotos. E ele é capaz disso mesmo — acrescentou Lorry. Meninos da aula dominical carregaram o caixão e entre eles estava o vulto alto e desengonçado de Lon Harding. Isso é o que chamamos de concessão mútua. as contas dos rosários passando por suas mãos. fora daquela casa. Não peçam mais. Lorry — . Era a minha queridinha. quando eles pediram. na rua. O rosto dele. com pesar: — É uma turma antiga. sabia que ela estava ali. para atender ao pedido da mãe. As crianças não tiveram licença de ir ao cemitério. que estava dolorosamente perturbado com tudo aquilo. — Não me importo de parecer esquisito. O Tio Al diz que se ele não começar a comer direito dentro de uns dias. Alguns dos incendiários conhecidos foram presos para interrogatório”. A polícia continua procurando os supostos criminosos. Um grupo se juntou na calçada.Estavam tão sérias. Tinha uma filha da idade de Emilie e cada vez que olhava para a carinha no travesseiro branco. Ficava no andar de cima. ser tão maior do que aqueles guris — disse ele aos organizadores do enterro. Ele e Jean se ajoelharam junto do caixão antes do ofício. ninguém mais pode te fazer mal. o rosto tão inchado de lágrimas que estava quase irreconhecível. O ministro era um rapaz tímido. Mais tarde. com um leve sorriso. sob as fotos publicadas. abençoe. Srta. abençoe. com as crianças. irritado. O médico disse ao Padre Krupszvk e ao rabino: — Que diabo estão fazendo aqui? O rabino disse. Ninguém. Emilie foi sepultada e o médico pensou: Bem. — O Tio Al diz que não há nada que faça as pessoas comerem bem tão depressa quanto um tubo no estômago ou uma agulha comprida no braço. nunca mais. até Pietro. teimando. eu os conheço bem. os dos clérigos e dos Drs. — Já sei. Sol Klein e Tim Kennedy enchiam a foto. o carro fúnebre na frente. O médico o apoiou. Lorry permaneceu na casa. — Nem sei o que eu ia fazer dessas crianças se não fosse a senhora. — Eu adorava essa pequena. pensava em sua Toby e seus olhos se enchiam de lágrimas. que morreu no misterioso incêndio na véspera de Natal. quando chegou o pessoal do enterro. quando chegavam visitas. Johnny não respondeu. Tenho de encontrá-los. Elas não corriam para ele porque o médico lhes tinha dito para não o fazerem. no quarto. experimentar os novos trenós e outros presentes que o médico e amigos lhes tinham dado de Natal. nem retomar uma vida normal. Nunca falava de Emilie. quando o médico insistia: — Tenho de encontrá-los. cada vez mais mirrado. mas a Sra. Agora havia uma neve funda nos vales e nas montanhas. Burnsdale ficou tão ocupada que passou a achar seu sofrimento por Emilie e Johnny quase suportável. pois sei o que está passando. que Deus me perdoe. lhes mostrava que ele não estava ouvindo nada. Parecia poder suportar com maior facilidade os ministros do que o padre e o rabino. Ela estava meio perdida. Obrigava-as a saírem para tomar ar. piscando. Burnsdale tinha cozinhado um assado imenso e todos fingiram apreciá-lo a não ser Johnny. Johnny estava comendo um pouco. Burnsdale lhe falava. pode crer. Mas isso foi arrumado com tato e a Sra. quase estranhos. Por vezes ele olhava em volta. Os amigos dele. como que se perguntando onde estava. Outros ministros. nem nada. Quando a Sra. Mais ou menos de hora em hora ele se espertava o suficiente para ligar para a polícia e perguntar se tinham alguma notícia para ele. Lon Harding. Por vezes vagava mudo pela casa do médico. Ele não queria ver as crianças. pois sabia que . Nunca perguntou pelo seu enterro.disse a Sra. mas sentia que não poderia deixar a casa onde elas estavam. Ele não voltara à sua igreja desde a véspera de Natal. a distância. Só dizia uma coisa. E seu rosto ficava ainda mais terrível. Não lhe estou dizendo para sair. O médico lhe dissera: — Vou mandar interná-lo. Ele escutava educadamente os pêsames deles. cantando para elas baixinho ou contando histórias na sala dos fundos. Mas ele nunca parava para olhar para elas. no salão paroquial. até que Lorry e o médico sugeriram que talvez ela gostasse de ficar encarregada da cozinha. Lorry distraía as crianças. e que estavam a salvo. nunca ia à sala dos fundos onde a Srta. mal sabendo o que estava procurando. Pois já estavam no dia 5 de janeiro e as aulas tinham recomeçado. O Dia de Ano-Novo não foi uma comemoração. Coogan estava de novo ensinando a elas. era só a poder de algum sedativo. mas se você não comer vou interná-lo no hospital e aí você vai ter de pensar noutra coisa. criatura. se não colaborar conosco. Via-as de relance. iam vê-lo quase todos os dias. ansiosa. mas entendeu vagamente que o médico não estava fazendo ameaças vãs. o padre e o rabino. A noite de véspera de Ano-Novo chegou com céus purificados. Burnsdale. mas seu rosto. que raramente saía do quarto e não queria comer nada. os levava ao zoológico ou a um teatro ou até ao seu próprio ginásio no colégio para que admirassem seus talentos no basquete e outros esportes. que se sentia responsável por toda a família. como que procurando alguma coisa. Seus olhos conservavam uma expressão fixa de preocupação. e as roupas lhe caíam disformes no corpo magro. Quando dormia. ele não parecia ouvir. também iam. — Mas as outras empregadas ficariam ofendidas respondeu a pobre mulher. amor — respondeu o médico. ele está responsabilizando Deus por Emilie. que nunca parecia pentear. McManus. O médico. Deus. ele tinha tanta fé. com apenas um desejo. Tinha tanto amor… por Deus. por uns tempos. e isso ele não queria fazer. Ela se colocava no caminho dele e ele passava por ela sem um olhar. por ódio ou loucura. consolando o inimigo. Tinha um mundo pequeno mas imutável. Conversei com John Kanty sobre isso. onde ele não poderia deixar de vê-los quando entrasse. Se Emilie tivesse desaparecido aos poucos. protegendo- o. exausto com seu trabalho. como era esperado. — Tio Al. Por que não se vira para Deus agora? Não tem mais fé? — Talvez. Ora. ele se levantaria da cadeira de um salto e sairia desta casa em cinco minutos. esquecendo-se de sua própria agonia. como não quer saber de John Kanty e o rabino. pois nesses dias tinha tido tantas operações. se Max tivesse morrido. Ele ficou quase doido. Isso constituía um temor para ele. Mas fica alucinado quando alguém ou alguma coisa faz mal a um de seus filhos. numa tentativa patética mas vã de estimular Johnny. Mas nunca olhava para os candelabros. “De algum modo distorcido. a voz falseando. — Sabe. falando de Deus. Ela falava com ele. e compreendo. como um túmulo. em paz. ele teria recuperado sua fé . retirou os grandes candelabros da igreja e os colocou na sala. Teria ficado pendurado na sua própria cruz. especialmente com homens como Johnny. — Mas não quer saber de você. consolando-o. Porque sabe que você o ama e não quer amor. Outro ministro estava provisoriamente tomando o lugar dele. não dava qualquer sinal de reconhecê-la. Queria conservar a sua raiva. Lorry disse. Alguma coisa assim. porque tem medo de mim. Ela ficou severa. ele perdoava tanta coisa. só por um pouco. Lorry. passou os dedos pelos cabelos. de um modo meio amortecido. perdoando. em prantos: — Bem. Quer ódio. Em nome de Deus. eu me lembro da vez em que cortaram o pescoço do Max. sim. Johnny estaria ali. McManus. de modo que eu o fico assustando com hospitais e ele sente que tem de me apaziguar de algum modo. não sei mais o que fazer. Se alguém o tivesse cegado ou aleijado. Não sei o que teria acontecido. A fé fazia parte dele. Se via Lorry. Sentia que se o admitisse. O Dr. a sua repulsa a Deus. não o culpo. as mãos. acintosamente. — Ele às vezes fala comigo. ele racharia e seria arrasado e teria de começar o longo caminho de volta do ódio e sofrimento. medo do que eu poderia fazer com ele.estes o amavam e no momento ele não podia suportar o amor. imagino. Ele entrava nessa sala mais frequentemente do que em qualquer outra. como os olhos. correndo para a delegacia. e ele não respondia. — Ele não sabe que estou aqui? — perguntou ela ao Dr. Se você fosse procurá-lo no quarto agora e dissesse: “Pegaram o homem que fez aquilo”. exausto de preocupação. Ele disse que isso às vezes acontece. — Vamos atacar de uma vez. Estava de cabeça baixa. Ele levantou a cabeça devagar e os olhos cavados a contemplaram. que estava doente. que ficou entusiasmado. — A caixa. em parte de gripe e em parte de sofrimento pelo amigo. Vá embora. Mas talvez se possa dar-lhe alguma coisa que o esperte um pouco. vamos pegá-lo desprevenido. — Talvez ele esteja saindo desse estado! Ele ligou para o Padre Krupszyk e pediu que fosse lá nessa noite. — Vamos dizer o diabo a ele. — E estendeu os braços para ele. — Ela recuou e então a agonia apareceu no rosto dele. Johnny vai estraçalhá-lo. Ela se aproximou dele e pediu: — Johnny? Fale comigo. — Que tal primeiro prendermos toda a atenção dele. nós três — combinou o Dr. Lorry. . Acho que. Mas do jeito que foram as coisas… — o médico sacudiu a cabeça. Ela o encontrou sentado na sala escura. Se algum dia encontrarem o homem que fez isso. sabe. McManus. Lorry. — Lorry. naquela noite. — Mesmo que todos tivessem tido uma vida feliz até agora… os guris… poderia não ser tão sério. implorando. onde ele tinha ficado sentado à cabeceira do caixão de Emilie. ao crepúsculo. ele está odiando Deus. os braços pendurados entre os joelhos. McManus.em poucos dias. para podermos alcançá-lo. Johnny. é bom ficarem atentos. Não me aborreça. Ligou para o velho rabino. O padre Krupszyk ficou na dúvida. bem no fundo. Depois perguntou: — Lorry? — A voz dele estava muito fraca. Ela contou o que acontecera ao Dr. doutor? A gente não açoita um cavalo moribundo. por favor. a caixa que você me deu… também se foi. aturdidos. com o padre e Lorry. Estava proibido de se levantar da cama.” Mas foi Lorry quem conseguiu a primeira reação da parte de Johnny. tentando lembrar-se. ou de Johnny ou de alguma força misteriosa. sem parar. em que os olhos cor de turquesa pareciam muito grandes e dilatados. e sua testa se franzia. e ele tinha um livrinho de orações na mão. Teriam de aguardar algum sinal. Em algum lugar um relógio fazia o seu tique- taque. Não sabia o que pretendiam fazer. O Padre Krupszyk já estava lá. como sempre. os cabelos presos frouxamente na nuca. Então o Padre Krupszyk se levantou e se aproximou. sido levados para a sala escura e estavam um em cada extremidade. Quando Lorry entrou. enchendo a sala grande com uma radiosidade suave e móvel. Por vezes Johnny olhava para eles com um leve espanto. calado como sempre. absorto em seus pensamentos. — Você fracassou. a amar-Vos. no seu lugar. perdoá-la e amá-la. Johnny — continuou o padre. levantou-a. E precisamos dele e o amamos porque Vós o tornastes necessário a nós. sinto que Nosso Senhor nos mandou até você hoje. — Foi por causa dele que vim a conhecer-Vos. Ele agora por vezes olhava para as três pessoas. Os lábios do Padre Krupszyk estavam-se movendo mudos. hoje! Ela mudou o vestido e pôs um de lã azul-clara. “Os homens que são chamados para servir a Deus têm de servi-Lo de todo o coração e alma. Nós o amamos tanto. Pois não estamos aqui por você. e o vento de inverno batia nas vidraças. e que lhe deu uma ordem solene de escutar. sem fazer barulho. Têm de ser compreensivos em tudo. que o deixara irrequieto. Ele começou a baixar a cabeça e então. como se alguém a tivesse pegado. as lágrimas escorrendo pelas mãos dobradas. ajudai-nos. — Todos precisamos tanto dele. Não havia nada a fazer com o rosto abatido. Pai — implorou ela. mas em seu rosto não houve qualquer outro movimento. McManus. Ela se sentou ao lado do médico e ficou esperando. como que se perguntando o que seriam. Começou a falar com força e uma segurança tranquila. como sempre. como que sentindo alguma dor e por vezes levantava os olhos sem ver. Os candelabros tinham. antes de tornar a virar a cabeça. Johnny estava sentado. Ajudai-nos. Depois ela desceu. zangado. Esperou até Johnny olhar para ele e então tentou prender aqueles olhos febris. apertando-as com força sobre os joelhos. como a de alguém sofrendo de amnésia. Mas o médico lhe dera um estimulante. Johnny levantou a cabeça e ela viu que ele a vira distintamente. — Johnny. rezando de todo o coração. Não podem pensar em si. nem em suas ideias de ódio ou… vingança”. O Dr.XXVIII As crianças estavam na cama e Lorry no quarto dela. se movia na cadeira. e os que você abandonou totalmente na sua preocupação com o seu próprio sofrimento. e sim pelos que o amam. Ele estava torcendo as mãos. quase tão agitado quanto Johnny. impiedoso. Têm de conhecer a humanidade. e o médico. mexendo a cabeça. Os olhos de Johnny vacilaram. severo. . Johnny nada lhes dissera. graças a Deus! — exclamou o Dr. Mas você. o que você ofereceu a Deus. falhou. Apontou para ele. e sofremos com você. a sua pena por si. Não conseguia desviar o olhar de cima do padre. assim você assumiu os deveres do serviço Dele… para levar os homens a Deus. como ministro Dele. Foi crucificado na Sua cruz. um ministro. mas que você não deseja?” A raiva de Johnny explodiu em seus olhos e ele abriu a boca. Para mim. de vangloria. mas seus olhos estavam-se movendo depressa. Não pode deixar de crer Nele. e uma vez ele parecia que ia falar. Ficou observando. a sua perda. Consolou os doentes e os moribundos. — O que você entende de Deus. acima de todos os outros ministros. em algum momento da vida? Johnny. em ódio. você está no inferno. eu nunca mais pise nesta casa. “Johnny. que de agora estava odiando quase tanto quanto odiava a Deus. a sua falta de vontade de encontrar. Ele parou. um bom homem. desafio e raiva. pela salvação das almas? Mostrou humildade e disse. com o seu orgulho. A expressão de Johnny continuou imóvel. Ofendeu a todos. É só isso que pode fazer? Um homem limitado? Um homem que não pode aceitar a própria agonia. aguardando a resposta que está pronta para você. “A tortura foi a dádiva que Nosso Senhor ofereceu a Deus. Levantou toda a Sua Paixão ao trono de Deus. todo misericordioso. apontando um dedo para reprimir Johnny. todos os outros padres. pela salvação das almas dos homens. mas que sente que. Johnny? Foi um bom ministro. como um animal selvagem e desconfiado. e isso agrada a você. — Ah. O padre continuou em voz mais forte e límpida: — Nosso Senhor sabia o que teria de suportar neste mundo. a aproximação do padre. — Fracassou com Deus e com os homens. escute-me — continuou o padre. Rezou e acreditou em suas orações. pois Ele amava os homens e Ele ergueu Sua agonia por eles. não com vergonha ou tristeza. sangrando das feridas da carne e das feridas de Seu Espírito. Uma vez chamejaram sobre o padre. Não precisamos de explicações. McManus. mas com uma cólera indizível. Salvou os indefesos. você não é um ministro. Ofendeu a Deus. sabe perfeitamente que o Caminho da Cruz é o caminho daqueles dedicados ao serviço Dele. Johnny. todo amor. em expiação dos pecados dos homens. o motivo de sua dor. vou deixá-lo agora. abriu a sua alma. Sabemos. na sua extremidade? A sua dor. — Talvez você nunca mais me escute. —·Não. — Você tirou as vestes de sua fé. é doloroso demais ver um ministro se afastar de Deus. . o seu tormento… como uma dádiva. Você cometeu um pecado mortal. tem uma proteção especial dos tormentos que nos afligem a todos. você é um homem de orgulho. encostando as costas no espaldar como se procurasse uma fuga. ainda mais severo. Talvez. Você O expulsou de sua presença. nem súplicas. pela oração e a esperança. se rejeitar o que lhe digo agora. como Nosso Senhor: ‘Seja feita a Vossa vontade?’ E depois. e se endireitou na cadeira. não pode oferecê-la a Deus como um dom supremo. Já pediu perdão por isso? — Olhou para o terno à paisana de Johnny. Você. As mãos de Johnny estavam cerradas. De tão boa vontade quanto Ele veio. Johnny. Johnny. de modo que O ofende. pôs as mãos nas faces de Lorry e levantou a cabeça dela e olhou dentro de seus olhos. posso realmente perdoá-lo. caindo de joelhos na sua frente. ressoando para todos eles. a fé que você me transmitiu e o amor e a compreensão que você me deu”. As mãos de Johnny agarraram os braços da cadeira. McManus se debruçou na cadeira. e elas se consolavam e não ficavam mais assustadas. Seu rosto estava escondido no joelho de Johnny. O Dr. Dei dinheiro. Com sua ajuda. Johnny — continuou ela. Inclinou-se sobre ela. disse ela. Sorriu para ela. queria… vingança… pelo que acreditava que alguém me fizera. desde que saí daquilo. os quacres. eu fiz tudo isso. O padre recuou para as sombras e fechou os olhos um instante. Johnny. de você. mas ele . — Por causa de você. demais. viu a agonia extrema em sua fisionomia. “Eu era uma mulher amargurada e inclemente. para o padre. Ela havia prendido as mechas compridas muito frouxamente e os cabelos caíram sobre seus ombros. quase sem se fazer ouvir —. Johnny. Ela se encostou nele. como para protegê-la e consolá-la. com um pesar profundo. e os braços dele a envolveram. seu coração começando a bater descompassadamente. detestava a mim mesma. o rosto ficou convulsionado. Quando olhava para as crianças apavoradas. chorando sem parar. dei minhas mãos. Ele o fizera. As mãos de Johnny aos poucos se descontraíram. mas mais do que todo o dinheiro. Então Johnny. e o rosto dele estava cheio de luz e amor. Você sabe o que fez por mim? Salvou a minha alma. por favor. brilhando como fogo à luz das velas. e seus soluços encheram a sala. Sabe o que eu era antes de conhecê-lo? Eu detestava todo mundo. salvando as crianças da Europa. Lorry não pôde mais suportar aquilo. Os dedos dele estava enterrados nos cabelos dela e ela se chegou a ele. como o rosto de um moribundo. Johnny. não acreditava em nada. cujos olhos estavam meio doloridos. e você me pôs no rumo de fazer as coisas que você havia de querer que eu fizesse. Por causa de você. Rompeu em prantos e pôs a cabeça no joelho dele. por favor. lembrava-me de você e dizia a elas o que você dizia aos seus filhos. assim como você salvou os seus filhos. sim. mas por causa de sua própria maldade e ignorância. McManus. devagar e debilmente. está magoando-o demais. Quatro vezes por semana. O padre recuou e o Dr. Lorry. Não pôde acreditar quando viu a mão de Johnny se levantar. tenho trabalhado muito com a Comissão dos Amigos Americanos. Lorry se levantou um pouco e pôs o rosto no peito dele. pensava em você. Ele olhou para Lorry e a tortura de seu rosto foi substituída por uma expressão pasma de dor e uma revelação mística. Você me fez perdoá-lo. escute. olhando para Johnny. intimamente. olhou para o padre. com uma ternura e compreensão infinita. Ah. e pousar na cabeça de Lorry. a voz falseando —. Levantou-se e correu para ele. tremendo com a certeza de que alguma coisa estranha e misteriosa estava ocorrendo. — Johnny — falou ela. apesar de toda a fúria em seus olhos. Johnny estava segurando o rosto dela com força. Quando ficava muito cansada. quase perdoá-lo. em silêncio. correndo para Johnny. O padre virou-se de repente e saiu da sala. mas aceitando-a com humildade. — Voltei para casa. Então. No domingo seguinte Johnny fez o seu primeiro sermão desde a véspera de Natal. . também. Johnny agora estava-se levantando da cadeira. Lorry. Estive fora um pouco. Viu o Dr. meu bem.ainda estava rezando. McManus pela primeira vez e sorriu um pouco para ele. papai! — exclamaram. Deus te abençoe. olhando. as pobres crianças. por cima da cabeça de Lorry. Ele agora estava vivo. Johnny estava dizendo: — Eu errei. Lorry. com meiguice. Estendeu a mão para o padre. estendendo os braços. com brandura. Sua única mágoa era que Lorry tivesse de voltar para Nova York. e as crianças o rodearam. desperto. Será que Deus me perdoará. em lágrimas. Pode ser que nunca mais me dê ouvidos. Ele a apertou bem e depois beijou-a na testa. mas voltei para casa. — As crianças — respondeu ele —. e o Padre Krupszyk apertou a mão dele. enquanto Johnny consolava Lorry. consolando-as. ainda dilacerado pela dor. Ele afastou Lorry. sem dizer nada. todos esses dias. Ele agora estava cheio de um novo pesar e um remorso terrível… e humildade. Nem sei onde estive. Pequei. chorando. um dia? Será que tornará a me aceitar? Não sei. O Dr. — Papai. abraçando Lorry. meu bem. McManus ficou ali sentado. ouviu-se um barulho rápido de muitos passos na escada e o padre tornou a entrar e com ele vinham as crianças vestidas com roupas de dormir. e ele as abraçou. as mãos dobradas e frouxas à sua frente. Eles o beijaram e o viram sair. — Nosso Senhor Divino falou do castigo que terão aqueles que ofendem os pequeninos que o amam. E quem vai deixar de cumprir uma promessa a Deus? Ele pensou na sua própria promessa falhada. — A promessa da Tia Lorry só acaba no fim do verão. ou o que era o amor. de ajudá-Lo com Suas crianças órfãs da Europa. para poderem ver Johnny antes de ele ir para sua igreja. tenho de deixar vocês e entrar na igreja. sua fisionomia estava mais sombria. sorrindo. e os homens baixaram as cabeças. mas ele estava ali. Estavam felizes e entusiasmados.XXIX Pietro e Jean foram à missa cedinbo. Sabem. A voz dele. benzinhos. fingiu estar impertinente e se meteu no colo de Johnny. quase um bebê. há alguns meses. ela nunca conhecera o significado do amor. com a mão inquieta — não é bom fazer uma promessa a Deus que a gente não possa cumprir. claro que você pode levar as alianças. “Na minha casa havia uma pequenina assim. Ou que seja tolice cumprir. digno. mas sabia que tinha sido perdoado. ou a alegria e maravilha que é”. e cada qual. e vocês têm de ter paciência. — Às vezes — falou Pietro. . Então eles souberam do amor do pai e Lorry e de um casamento futuro. ao ver a decepção nas fisionomias deles. Havia algo distante nele. Kathy. com a sensibilidade aguda do italiano. sabia disso. se bem que de uma magreza e palidez anormais. embora mais calmos do que em geral. Mas lá estava o pai de novo. esperando para recebê-los e perguntar pela igreja e a escola dominical. a Tia Lorry fez uma promessa a Deus. percebeu que uma mudança triste se operara nele. — Sabe. e no entanto. Os olhos de muitas mulheres estavam molhados. crianças como vocês. lembrando-se de Emilie. Sim. — Mas não num futuro muito distante — acrescentara Johnny. a seu jeito. A igreja estava apinhada. No entanto. pensativo. e Pietro. Parou. Os braços dele ansiavam pelo corpinho perdido de Emilie. Eram novos demais para saber que era um crescimento espiritual. escovando um fiapo do ombro de Johnny. — Isso não é tolice — respondeu Johnny. não era vaga nem fraca. apesar do sorriso. Eles viram os cabelos brancos nas suas têmporas e suspiraram. mas forte e possante. E agora. até eu encontrá-la. depressa. As outras crianças também compreenderam e não lançaram a Pietro seus olhares normais de desdém pelo emocionalismo dele. Johnny sentiu a pressão do corpinho franzino e nervoso e ficou indizivelmente grato. Max também voltou cedo da escola dominical. para dar-lhe consolo e compreensão. com um nó na garganta. paradoxalmente. que me escutava embevecida quando eu lhe contava do amor de Nosso Senhor por ela. algo carregado e iminente. A congregação não pôde deixar de notar que o ministro estava de uma palidez mortal e muito abatido. quando veio. na confiança de que Ele a ouviria e a abençoaria. Esses homens e mulheres idosos e essas crianças mal se mantinham vivos. quando a arrumei na cama como vocês arrumam seus filhos. Foram mortas por isso. vozes. ela mal podia esperar pela manhã em que ia comemorar o nascimento Dele. onde os filhos deles não morrem sufocados e os velhos pais e mães não sufocam. que não tinham feito mal algum e que tinham amado os pais e a Deus. — Li os jornais. A boca se contorceu numa agonia amarga e ele não conseguiu falar. — Essa menina terá morrido em vão? Ouvi dizer que 96 pessoas idosas e pequeninas como a minha Emilie morreram durante o que os cientistas displicentemente chamam de uma “inversão”. ainda chorando seus mortos. Quando eu a beijava. Ele deu uns passos para se aproximar mais da congregação. Ela não se convencia. Os médicos dizem. que o escutava no maior silêncio. e a luz de velas mostrava o brilho de dezenas de olhos furiosos. Ela Lhe dissera a sua última oração inocente. as mãos cerradas. — Eu a amava e as outras crianças também. por alguns minutos. seus pequeninos como Emilie. Vocês os conhecem. meses ou até anos? Quem nos dirá que não importa se perdemos mais alguns sorrisos. horas. em todo caso. A voz de Johnny ergueu-se. E sem dúvida Ele o fez. duas semanas depois. Estão em casa. Eu lhe ensinei a amar a Deus. — Eles assumiram a prerrogativa que só pertence a Deus… o direito sobre a vida e a . mesmo na noite em que ela morreu. que o smog que afeta esta cidade foi apenas uma causa contribuinte para essas 96 mortes. Ouvi dizer que um deles chegou a dizer que era um bom meio de se controlar a população! Um rumor de raiva percorreu a igreja. as que salvei da morte. como vocês. e como ela. Nessa noite. Essas coisas todas já lhes foram apontadas muitas vezes. Provavelmente teriam morrido um dia depois. dois meses ou talvez um ano depois. Mas… nunca pôde fazê-lo. com muito cuidado. Johnny debruçou-se. meses… pertenciam a nós e não àqueles que. porque as vítimas já estavam mesmo condenadas? Quem lhes deu o direito de envenenarem a tal ponto o ar e de serem os únicos juízes e nos dizer quanto tempo os nossos filhos e pais podem viver e por quanto tempo poderemos ver seus rostos queridos e ouvir suas vozes? Esses preciosos dias. — E quem são esses que privaram essas 96 vítimas desses dias. apaixonada. mas eles se limitam a sorrir e não fazem nada. por sua ganância monstruosa. Vejo que hoje faltam na igreja vários pais e mães. “Apenas”. dessas semanas. — Quem deu a esses homens o poder de vida e morte sobre nós? Quem disse que têm o direito de nos infligir sofrimentos? Eu os conheço. estavam esperando pelo Natal. semanas. espalharam a corrupção e a morte em nossa cidade. Moram no alto dos montes. risos e amor nesta terra? Quem terá a arrogância de ousar dizer que o que perdemos e o que os nossos queridos perderam não é nada. ela sorria para mim assombrada… e feliz. dizem eles. A congregação estava sentada atenta nos bancos. homens que trabalham nas fundições. ou um dia. Mas pode surgir dentro de uma semana. a justiça seria rápida e certa. — Nunca acreditei que o púlpito fosse o lugar para a discussão de assuntos materiais. nos matemos. neste momento mesmo. a fuligem e a sujeira das ruas. porque os nossos políticos são criaturas deles. suas máquinas. — Se assassinos fossem pilhados envenenando o nosso abastecimento d’água. forte. então também estarão pecando pelo seu silêncio e covardia.morte. Quem. Johnny levantou as mãos. declarem. A voz dele abaixou. Peçam uma ação imediata. Não são pequenas. Então será eliminada a fonte da morte amarela. seus bancos. Mas tampouco são tão vultosas que uma criança não valha mais. e sim um vício covarde. Se vocês. Vocês também podem fazer isso. ou dois anos. “Podem começar amanhã mesmo. por meio de seus representantes. No entanto. Não são sequer repreendidos! E por quê? Porque detêm o poder maravilhoso do lucro sobre os nossos políticos. Eu as preparei para vocês. em suas fortunas. Mas chegou o momento em que a paciência não é mais uma virtude. Dizem que a eliminação da fumaça será muito dispendiosa. Talvez que a próxima inversão leve um ano para aparecer. segura e resoluta. tão sagrado. sem poder fazer nada! “Tenho aqui as cifras que mostram exatamente quanto custaria para esses homens eliminarem a fumaça desta cidade. das crianças… alguns dos quais podem estar em suas casas. a sujeira em nossas casas e a morte de nossos jardins e gramados. Vocês. que nossas vidas não representam nada. eles se recusam a fazer o que devem fazer. encontrarão petições mimeografadas. Qual a origem desse dinheiro? O dinheiro que foi ganho para eles por aqueles que têm sido obrigados a ver morrerem os filhos e os pais. na porta. Tenho as cifras que representam a vida e a morte dos indefesos. exausta. exijam-na. Por quê? O dinheiro será tão precioso. Estava com o rosto em fogo. O custo não prejudicaria os homens que poluem a nossa cidade. e sim um lugar em que os ministros devam falar de Deus. dos agonizantes. Johnny avançou quase até a borda de madeira dos três degraus que levavam ao altar. sentado . o povo. com uma voz unida. Mas agora sou impelido a lhes falar para terem piedade dos doentes. Quando saírem. Ofenderam os pequeninos. esses homens que tornaram o nosso ar uma fonte de mortes não são punidos. Mandem-nas ao prefeito desta cidade. as criaturas também podem fugir da morte amarela que ronda as nossas ruas. Fizeram isso porque seu povo o exigiu. — A paciência do povo é longa e branda. e graças à generosidade dos senhores. nas usinas e fábricas. No entanto. e serão tão culpados quanto eles. Pittsburgh e outras cidades já eliminaram esse mal sulfuroso que as estava envenenando. preencham com seus homens. vocês não se aproximarão de seus cadinhos. em comparação?” A congregação mexeu-se. para evitar que nos envenenemos. Levem-nas. não fizerem alguma coisa agora quanto a essa morte em nossas ruas. “Podem estar certos — acrescentou — que esses homens que matam os nossos entes queridos nunca poderão suportar a ira de toda uma população. que se a fumaça não for eliminada. ou de suas visitas aos doentes ou outros deveres. independente. Pare de chafurdar no seu sofrimento. vão estar se empilhando na mesa desse maldito prefeito. Hão de se lembrar de seu rosto de criança. — Nada como o momento presente. . Olhou para eles. pode dizer com certeza que em tão pouco tempo os seus lares não se podem tornar casas enlutadas? “Minha filha terá morrido em vão? Algumas de vocês. implorando. sentada com o vestido bonito. Johnny pensou na cadeira de Emilie. aflita. Para que serve um ministro? Eles estavam diante de uma casinha cinzenta. O médico mordeu o lábio. teve a satisfação de ver que as petições tinham sido recolhidas. — Vamos — chamou o médico. O bebê também morreu. ou em um silêncio choroso. O pai era empregado numa das lojas de artigos masculinos aqui. limpa e arrumada. patriota. Eu lhes imploro. Ele ficou de olhos fechados. como se ela não acreditasse que ele voltasse um dia. bom. Seu coração palpitava e ele estava ofegante. Não percebeu que a limusine tinha parado. Ele não conseguiu mais falar. um grito extasiado. — Não está morrendo. Quando ele foi se encontrar com o Dr. Amanhã pode ser tarde. Ainda não sinto muito consolo em mim. Estavam-se aproximando da mansão vitoriana. Pensou no rostinho translúcido e os grandes olhos azuis e as mãozinhas ávidas. na véspera de Natal. valente e esperançoso. respeitável. das profundezas de seu sofrimento e cansaço e seu desejo solitário por Lorry. Morreu há dois meses. pelo amor de Deus — murmurou Johnny. E há uma semana a mulher morreu. quando ele chegava em casa vindo da igreja. Estão precisando de você. Quero que você veja o que sobrou. bruscamente. não permitam que sua morte tenha sido em vão”. eu lhes suplico. — Não estou em estado de consolar ninguém. Johnny se arrastou da limusine e acompanhou o médico até os degraus. que nunca foi realizado. — Agora não.aqui agora. O médico olhou para ele. Ele se recostou na limusine e fechou os olhos ardendo. Alguns se lembrarão dela. ouvindo a voz de Emilie chamando-o. sim. debruçou-se e cerrou as sobrancelhas. as mãos estendidas. a viram. Gente boa. Recorrendo a suas últimas forças. Fez um esforço final. até que o médico o cutucou. Alguém precisa de você mais do que você precisa de você. de parto. ainda. que quase tocavam nas pálpebras. — Agora. mulheres. todas elas. Um casal jovem. Gostaria de lhe contar a respeito de umas pessoas que conheço. honesto. você vai ver! — Espero que sim — respondeu Johnny. vazia para sempre. com um telhado vermelho e um gramadinho cheio de neve. Ela o chamava de um modo especial. quando o velho médico falou: — Vão preenchê-las! Daqui a alguns dias. McManus. seus sorrisos. E eles retribuíram o olhar com uma determinação rígida. seu êxtase de antecipação. Então. Dietrich. Espero que goste de Debby. então. um rosto redondo e rosado com alegres olhos azuis e uma abundância de cachinhos castanhos. Mas o médico estendeu os braços e ela deu um gritinho e correu para ele. A Sra. A porta foi aberta por uma velhinha pequenina. Eram jovenzinhos. ainda agarrando a boneca. Dietrich saiu da salinha. Dietrich estava entrando na sala de novo. Tinha a boquinha rosada mais linda e estava sorrindo com firmeza. — Esse gatinho é da Debby — esclareceu a velha. Sr. — E aqueles dois de que lhe falei eram alemães. tocando a campainha. O vestido era de xadrez branco e preto com uma grande faixa vermelha no meio. — Sua filha. de vestido xadrez cinzento. Ele a levantou no colo e olhou para Johnny. com tapetes trançados e móveis velhos. em algum lugar. contra a vontade. Vieram para cá em 1939. pare de olhar nos meus bolsos. sorrindo. sua cavadora de ouro. — Sim — respondeu o médico. A menina era um pouco pequena para a idade. sob um narizinho gorducho e arrebitado. — Espero que dê tudo certo. O coração de Johnny se contraiu num espasmo de dor. Alguma coisa a ver com a política. mas tinha um corpinho de bebê roliço. Dietrich. — Cadê o meu bombom? — perguntou a menina. Era evidente que ela não estava nada surpreendida ao vê-los. Ei. Ela olhou para Johnny. — Nota-se — respondeu Johnny. Não eram nazistas. — Esta é Deborah Woltz. O médico pegou o gatinho com perícia. ela molhou os lábios com uma linguazinha vermelha e agarrou- se à Sra. interessado. — Sempre tive horror a gatos — falou ele. Que tal essa gracinha. vá buscá-la — ordenou o médico. encabulada. com um xale nos ombros. e um gatinho desceu de uma cadeira. — Entrem. Sorriu um pouco. Johnny olhou em volta. — Bem. — Ela olhou para Johnny numa expectativa que ele não pôde entender. Entraram na salinha mais arrumada. há oito anos. que fora apresentada a Johnny como a Sra. — Tem um sotaque. — Deixe o bombom para lá — respondeu o médico. saliente. Dietrich é alemã? — perguntou. — O almoço está à nossa espera. e viu o bricabraque num armário de canto. A Sra. — A Sra. levando pela mão uma menina de seus cinco anos. Fletcher. sua neta? Está doente? — Você pergunta demais — disse o médico. Pôs a menina no chão e afagou a . com uma boneca de trapos agarrada ao peito. — A gente às vezes encontra consolo em lugares estranhos — respondeu o médico. que tinha um cheiro de pétalas secas e cera. hein? Ela faz de mim gato e sapato. — Debby? — repetiu Johnny. Um canário cantava numa gaiola. ao ver Johnny. recriminando-o. por favor. aninhando o bichinho no ombro e afagando-o com carinho. com orgulho. Johnny estendeu a mão. — Tenho cinco… quero dizer. — Ele é o meu novo papai? — perguntou. outras más. chegou quase junto dele e fez uma reverência comovente. como é que ele pode saber? — perguntou o médico. A menina andou em direção a Johnny. . Eu. seja educada. — Estou no jardim de infância. — Algumas casas adotivas são boas. O médico esclareceu: — Debby não tem ninguém nesta terra. Mas não é boa ideia mesmo para qualquer guri que tem de ter raízes e uma sensação de pertencer a algum lugar. um ministro. O doutor suspirou. — Você conhece o Abrigo Infantil. mas o Abrigo Infantil está atrás dela. Mamãe me ensinou. — Ora. Depois vão mandá- la para um pensionato e depois outra casa adotiva e mais casas adotivas. irritado. filho. num nível mais alto e pungente. Fletcher. As meninas são loucas por famílias. não é? E ninguém quer muito adotar uma menina desta idade. com uma expressão significativa. Morreram todos. e ninguém na Alemanha. Ele fez um gesto. — Sou limpinha — acrescentou. esperançosa. sem olhar para Johnny. ansiosa. Quando a mãe dela morreu. Vá. — Sei tomar banho sozinha. — Ele fitou Johnny. E pendurar as minhas roupas. pessoalmente. Olhou para a menina e os sulcos cinzentos em suas faces se acentuaram. com mais interesse. tampouco. — Ela nasceu bem aqui em Barryfield. não as suporto. Debby. Boas perspectivas para uma menina boazinha. Johnny ficou calado. Você já viu isso. Especialmente meninas. Parece uma cadeia. Mas de qualquer forma. mas os pais ensinaram como se comportar. Também sei ler umas palavras… E sei o alfabeto — acrescentou. a Sra. sério. Dietrich tomou conta dela. — Nunca amolo ninguém. A menina olhou para Johnny com um interesse acentuado mas encabulado.cabeça dela. más para uma garotinha. Sou uma menina muito boazinha. ou talvez ela acabe num orfanato. — Da minha idade? Cinco anos? — perguntou Debby. Uma menina tão esperta. — Que ótimo — respondeu Johnny. com orgulho. Algumas pessoas as acolhem pelo dinheiro que a assistência social lhes dá. — Tenha modos. Não tem dinheiro. — O pessoal é bem-educado. — Você ainda nem apertou a mão dele. a anágua engomada e as calcinhas brancas. Ela lhe estendeu sua mãozinha gorda e o contato trouxe de volta a dor que nunca o deixava. Eles gostariam de conhecer você. Debby estava olhando para Johnny. debruçando-se para a pequenina. Vou-lhe contar. lá na velha terra — disse o médico. — Levantou o vestido e mostrou a Johnny. algumas das crianças que tenho visto no hospital foram levadas de casas de adoção. Sou muito boazinha. Este é o Sr. quatro… filhos. insegura. isso está resolvido. — Bom. Mas andei dizendo a Debby que ia lhe trazer um novo papai. — Bem. Ele se sentou e estendeu os braços para Debby e ela correu logo para ele pulando para o colo dele. O médico pôs o chapéu na cabeça. ela não é mendiga: O pai dela lhe deixou cinco mil dólares de seguro. — Estou sendo chantageado. senão me render? Ele enroscou o dedo num dos cachinhos reluzentes. Ele fechou os olhos e a abraçou. O coração de Johnny estava pulando. por falar nisso. a dor diminuindo um pouco em seu coração. — Ora. também. — Sem dúvida tudo isso foi ensaiado de antemão — murmurou Johnny para o médico. Burnsdale já veio aqui três vezes! Ela e a Debby se dão muito bem. então outro. ela disse que se você não ficasse com a Debby. E cachinhos tão lindos. — Ele brandiu o dedo para Johnny. Tomo conta das formalidades no Tribunal Infantil. dona. — Vamos para casa. que se agarrou a seu dedo como os de Emilie sempre se agarravam e por um momento ele pensou que ia gemer. O médico achou muita graça naquilo. Parece que escolheu você. Ela poderia escolher. afetado —. Ele alisou os lindos cachinhos castanhos. não até o mínimo gesto em todo caso. Vamos para casa. e quando você fosse para a casa paroquial nova ela ficaria comigo e talvez se casasse comigo e nós mesmos adotaríamos a Debby. filho. Se não fosse você. e era como abraçar Emilie. — Sim — concordou Johnny. — Gosto do meu novo papai — declarou ela. com a cabeça quebrada. — Eu… não sei o que a Sra. Aliás. amável. Dietrich dessem uma gargalhada. . espero que você seja mesmo boazinha numa casa de adoção. a Sra. Muito bem. Debby deu um beijo muito molhado e entusiasmado na face de Johnny. O que me resta. ponha o chapéu e o casaco. ela ficaria. Johnny lançou-lhe um olhar eloquente que fez com que o médico e a Sra. com ternura. Acho justo preveni-la. advertindo-o: — Se Debby não tivesse gostado de você. E. — Bem — falou o médico. Espero que da próxima vez que vir você não seja num hospital. — E a minha mala já está toda arrumada. Ele a beijou e ela o abraçou com força. — O senhor não é muito sutil — disse Johnny. Burnsdale vai dizer. Tinha outras opções. estava tudo acabado. — Você é um papai muito bom. e toda a cidade começou as buscas. McManus ofereceu uma recompensa de 10 mil dólares pela apreensão e prisão do criminoso que tinha incendiado a casa paroquial. O Dr. . ativamente. Ela examinou Debby. E as revistas de cinema que eu compro. — Depois ela cedeu.) — Já temos muitos contadores de histórias aqui. — Pensei que você fosse casar com a Kathy — estranhou Jean. parecendo que ia chorar de encabulamento. Burnsdale e Johnny escutaram aquilo. — Os cavalheiros gostam das mocinhas. Kathy era outro assunto. Então a Sra. mas ninguém ouviu. Burnsdale. quando você tiver idade. está muito enganado — falou Kathy. Eu ensino você a enxugar a louça e a tirar o pó. — Gosto mais é dos cabelos dela — disse Pietro. A Sra. — Se está pensando que eu me casaria com um garoto que nem sempre diz a verdade e passa o tempo todo fazendo caretas.XXX Os meninos ficaram encantados com Debby. Burnsdale explicou: — São essas revistas em quadrinhos que ele está sempre lendo. não precisamos de mais uma — continuou Kathy. — Depois que estiver bem treinada. Kathy é muito velha para mim. Burnsdale. — Acho que vamos amar você. especialmente se não forem verdade. — Vou casar com o meu novo papai — comunicou. — E eu — falou Pietro. — Nossa! — exclamou a Sra. com desdém. com admiração. Sacudiu os cachinhos reluzentes. Agora ela enrolava os cabelos de noite. — Você será nossa irmã se se comportar. E não gosto de histórias. Debby. lançando um olhar malicioso a Kathy. Burnsdale. abaixou-se e beijou a garotinha. Está entendendo? — Eram verdade. achando a maior graça. — Depois do papai e da Sra. murmurou. Mas seus olhos azuis bailavam. . Debby tinha ideias próprias. olhando para Debby. depois de examiná-los atentamente. severa. todas animadas e um pouco aumentadas. Não sucumbira aos encantos de Debby e seus jeitos animados e conversa confiante. (“Quero minha mamãe”. E podemos plantar umas árvores para você… se você se comportar. parecia ter resolvido que conseguiria se haver com eles sem grandes dificuldades. dirigindo um olhar dominador para Pietro. que. sou eu que tomo conta das coisas aqui — comunicou Kathy. com os rolos da Sra. sim — respondeu Debby. com grandeza — vou me casar com você. Debby logo caiu num silêncio respeitoso. Puxou Debby do círculo fascinado dos meninos. decidida. para maior efeito. — Acho que você vai dar certo — acrescentou. — Meus cachos são naturais. Kathy corou. olhando com humildade para a menina mais alta. Pietro desfez essa ideia absurda. onde ela os estava regalando com histórias de seu jardim de infância. inteiramente abandonada. Era cheia de curiosidade. Há um espírito de vingança latente nessa gente. sadia e cheia de riso. ela derramara água pelo pescoço de outra criança. interessada. e seu lábio tremeu. afetuosamente. diabo. Não sabia que o Dr. com uma pontada de dor. pensou. ela ocupou a cadeira sem lhe causar a menor dor. Mas. Mas. e agora Debby está segura. uma figura de um anjo bondoso com olhos amorosos e mãos estendidas. tenho muito dinheiro e uma espada dourada mantém os abutres à distância. respeitosa. que a beijava todas as noites e tornava seus cabelos mais bonitos e os olhos mais vivos. decidiu que preferia isso ao jardim de infância. — Tenho certeza disso. Tinha uma fada-madrinha. Que neném tão valente. essa criança sem pais que ele salvara. cuidadosamente impertinente. enfiando um deles na mãozinha gorda de Debby. Porém nesse ponto Johnny mostrou-se enérgico. ele sofreria novamente. Ele a levava ao colégio todo dia. complacente. pois mais uma vez a Sociedade de Assistência Infantil tinha querido criar dificuldades. todos cheios de vitalidade. Emilie está segura. A professora a empurrara. meu bem — concordou ele. — Vai me mostrar como é sabida com um pano de prato — desafiou-a Kathy. que Debby era uma menina modelo. McManus tinha tido problemas para arrumar as coisas. ao ver a instalação dos estudos em casa. para seu espanto. Ele comprou uma litografia para pendurar sobre a caminha de Debby. Johnny conteve Kathy. de histórias que sobrepujavam até as de Pietro. mas ela as enxotara a pontapés. de afeição. — Sou muito sabida — falou Debby. que tinha mania pelos fatos. — Mas chamamos a essas “madrinhas” de “anjos da guarda”. por orações angustiadas e não atendidas. Ele registrou o nome dela para a adoção. ela havia pisado nos dedos. se Emilie tivesse vivido. que já ia pondo uma nota de realismo duro nessa alegre fantasia. as crianças tinham querido brigar com ela. pensou o médico. Johnny pensava. quando Debby tomasse seu lugar à mesa. — Os anjos de papai e mamãe chamaram eles para casa — disse Debby. — Imaginem um bebê de cinco anos saber se os cachos são naturais ou não. Ela foi aceita pelas outras crianças e as aceitou. Um dia Johnny foi pessoalmente falar com a professora. Era como se Emilie lhe tivesse enviado essa criança vigorosa. cheia de vitalidade e . dizia. Johnny a pegou no colo e viu seus esforços para se controlar e sorrir. eu não teria conhecido Debby e ela iria para algum lar de adoção ou orfanato. Era como se Emilie estivesse ali. a professora tinha chorado. Debby. dando os relatos mais terríveis de suas experiências. ávida pelo seu amor. que lhe garantiu. Ele tinha de novo seus cinco filhos. Até mesmo Jean estava engordando rapidamente. a testa franzida. tinha rasgado um vestido. Isso comoveu Debby e amansou Kathy. Ela voltava para as crianças que a esperavam impacientes. Suas noites não seriam mais atormentadas pelo medo. uma Emilie forte. a despeito das lágrimas dela. Debby era um diabo. Johnny receara que. uma líder. Só Kathy escutava tudo. ridicularizando as petições. convidando o povo a escrever sobre as petições. só um desejo de distrair. No entanto. só talvez um de seus rapazes aí. Ele mandou que seu escritor “cômico” escrevesse editoriais leves sobre o caso. Mas eles ficam de bico calado. a escola do salão paroquial de Johnny estava florescendo com rapazinhos e mocinhas querendo aprender o que não aprendiam no colégio. “no interesse da sociedade e pela causa da adaptação realista à vida”. mas não sei por quê. ele lhes mostrava as petições. Fevereiro já ia findando e ó tempo estava normalmente quente e as pessoas contavam que quando passavam pelo salão paroquial. McManus. Mas Johnny não perdia as esperanças. Isso confere. Esse negócio saiu nos jornais? — Não! — gritou o médico. e não havia maldade nelas. quatro noites por semana. O redator assistente do Sr. E ela quer a recompensa. O assassino da pequenina Emilie ainda não havia sido encontrado. Entrara pelo porão e se escondera atrás da caldeira quando o ministro estava revistando a casa. Al. mas achei bom lhe contar. patriotismo e literatura. exultavam. Provavelmente é só mais um alarma falso. para irritação dele. As petições estavam se empilhando na mesa do prefeito. de nome Sheila Gandy. — Que diabo de memória você tem! Ninguém falou nisso. Ele introduziu o método de prós e contras. O “cômico” foi substituído por um escritor de editoriais mais sóbrio. — A não ser os que são filhos dos donos das fábricas e das usinas. De repente a circulação caiu de modo alarmante. de modo que ele resolveu não se intrometer. Ele está à morte. ateara fogo e saíra da casa. Ela possuía uma imaginação maravilhosa e mais ou menos acreditava em suas histórias. Uma mulher meio burra. Os professores velhos. Summerfield não pôde ignorar as petições.adorada pelas outras. glória. Ela me disse que ele contou a ela que entupira os canos de ar quente da caldeira com trapos embebidos de gasolina. Enquanto isso. — Não tenho certeza se temos alguma coisa aqui. as histórias de Debby alegravam o jantar. Coogan. O seu departamento manteve . contente. Ele maldizia Johnny. Seus amigos o recriminavam. que lhes fora negado. E você sabe que encontramos umas provas assim. A ferida estava cicatrizando depressa. ouviam as vozes entusiasmadas dos jovens que estavam descobrindo o mundo da poesia. Ela diz que foi o marido quem tocou fogo na casa do seu ministro. Está aqui uma mulher. Infelizmente para ele. de Wilkes-Barre. as suas eram as únicas cartas contra. e as ameaças implícitas nelas. O “povo” reagiu com invectivas violentas e respostas zangadas para as iniciais fictícias na coluna e para os editoriais. depois prendera cordões neles. diz ela. Uma tarde o chefe de polícia ligou para o Dr. o instigador. pois ele quer que ela fique com a recompensa quando ele morrer. inclusive a Srta. — Todo o povo de Barryfield está com o ministro — declarou Lon Harding. Mas tem uma coisa. e colocando as respostas na coluna “O Povo Escreve”. hein? — É. — Depois a expressão dela mudou. a voz falseando: — Puxa. agora mesmo? O médico acabara de chegar da sala de operações. Não tinham filhos e Merrill era maquinista. McManus. pediu a uma enfermeira para ligar para Johnny e dizer a ele para ir para o escritório do chefe de polícia. Esse agora tem algo que parece um pouco verídico. O marido fora convocado em 1944. Moravam na cidade de Wilkes- Barre. Ao lado da mesa dele estava uma mulher gorda. Eles entraram no gabinete do chefe. com uma cara de massa. com a Depressão? — perguntou a Sra. Merrill Gandy. não vá se descontrolar. filho — recomendou o Dr. mas não muito. pode prosseguir. cheio de arquivos e móveis velhos. pois eram falsos. e resolvemos não incomodá-lo. tinha 39 anos. — O chefe acha que não passa de um alarma falso. Estava tomando notas. — Bem. — Por que o ministro? — perguntou. Ficam histéricas e detesto mulheres histéricas. Gandy ficou escutando e então seus olhos pretos e redondos se tornaram desafiadores e ela pôs a cabeça num ângulo arrogante e ficou escutando tão atentamente quanto os outros. chefe. Por que você não vem aqui e traz o ministro. este é o Sargento Batson. roupas gastas e um ar cauteloso e truculento nas feições sem expressão. Sra. — Muito bem. queira ler. Ela disse se foram os comunistas que mandaram que ele fizesse isso? O chefe pensou um pouco. sim? A Sra. . Procure controlar-se. A Sra. ficando toda alarmada. Conheço as mulheres. Sargento. As mãos grandes. ela. cobertas por luvas de algodão preto. membros gordos e desajeitados. Embora cansado. O Dr. Gandy. cabelos pretos e ralos esvoaçando pelo rosto.. a voz abafada. estavam dobradas juntas. Gandy — respondeu o chefe de polícia. — Este é o ministro. sinto muito por aquela menina. marido dela. — Acho que é o próprio — respondeu Johnny. — O que se podia esperar. — Não disse. pastor. Gandy se dirigiu a Johnny. sargento. McManus sentou-se. Ele me contou de vários outros. empoeirado e sujo de fuligem. não. apertadas. pálido como a morte. Mas o meu homem… Johnny olhou para ela sem falar nada e ela piscou e desviou o olhar. — O senhor só disse dois amigos. — Não vá ficando todo animado. Fletcher. Johnny foi. Fez um gesto para o jovem policial que estava sentado na ponta da mesa surrada e com o lápis pousado sobre um caderninho.segredo. 42. como sempre. — Sr. Tinham-se casado em 1939 e por ocasião da convocação só tinham 200 dólares de economias. Ela olhou para Johnny e o médico sem demonstrar satisfação. emburrada. tremendo e sem poder falar. Merrill foi dispensado do exército na primavera de 1946. quatro hérnias de discos na coluna vertebral. nem do nome de nenhuma das enfermeiras nem do “espertinho”. com ressentimento. Mas o problema não é esse. a não ser de vez em quando. A resposta foi que ele tinha feito isso e tinha sido tratado na enfermaria. Então Merrill. Uma porção de homens indo e vindo — dissera a Sra. No final da guerra ainda tinham um pouco de dinheiro. Merrill disse à mulher que “não ia ficar mais naquele maldito hospital” e foi para casa. A princípio. Moravam numa rua modesta e não tinham amigos. Gandy. Nunca tinha chegado á sair do país. Estava tudo muito apinhado e todo mundo indo e vindo. mas não podia trabalhar. Mas Merrill não se lembrava do nome do médico. — O problema só apareceu quando ele começou a trabalhar com coisas pesadas nas fábricas — dissera a Sra. depois de se ter restabelecido. para a cama. Mas o médico da fábrica disse que era uma lesão antiga. Enquanto a administração tornava a investigar os arquivos. Tinha ficado no mesmo campo em que seus talentos de maquinista tinham sido apreciados. Gandy trabalhava numa padaria e. às vezes ele se levantava e ia jogar cartas com a turma. não conseguiu mais trabalhar! Pediu indenização à Administração de Veteranos. e tomar uma cerveja. compramos um rádio novo. Examinou-as atentamente. de repente lembrou-se de que tinha sofrido essa lesão no exército. na mesa do chefe. durante a guerra. Em agosto de 1946. — Aí. aparentemente. O Dr. ele tirou radiografias. Voltou para trabalhar na sua fábrica. mas não é grave. Um dia ele estava de pé bem atrás de um motor aberto em que estava trabalhando e algum “espertinho” se meteu no assento e começou a andar e duas rodas da direita passaram bem sobre o corpo do Merrill. O escritório reconheceu que. Ele tinha sido recolhido a um hospital de veteranos. depois resmungou: — Bom. Então ele foi a um médico e tirou umas radiografias e lá estavam elas. — Bem. Gandy. — Cerveja e roupas e coisas custam caro. frustrado por não poder receber a indenização de trabalhador. Gandy. Depois de várias semanas. uns móveis e um carro usado e fomos sempre jogar boliche. Olhe aqui essas sombras grandes. na confusão dos anos de guerra. A Sra. sim. fizemos alguns amigos e o dinheiro se foi — dissera a Sra. e sussurrou: — Câncer. numa fábrica de material bélico. McManus estendeu a mão para pegar as radiografias. As costas doíam muito. Nunca tinham tido tempo para fazer amigos. Disseram a Merrill que não podiam fazer nada quanto à indenização até ficar provado que o caso dele estava ligado às forças armadas. Antigo. pensou que era devido carregar muito peso. Olhou para a Sra. O homem está morrendo. “machucando” a coluna dele. queixou-se das costas. a Força Aérea. e o relatório do médico. e aí ele podia dormir no chão umas noites e tomar aspirina e se levantar de novo. são os discos. Não podiam doer muito. e não tinha nada a . Já vi pior em homens que trabalham todo dia. — Ele estendeu as chapas para Johnny. vários meses depois. e não é nada perto da coluna. Gandy. mas não conseguiram encontrar as fichas. essas coisas aconteciam muitas vezes. Merrill tinha ficado no campo. Ah. O chefe de polícia perguntou por que ele não havia comunicado isso imediatamente. em casa. — O seu marido tosse muito e se queixa de dores no peito? — perguntou o médico. — E é verdade. Não. num ai! Ora. preocupado mesmo. só o Merrill. e não lhe dar indenização depois que o exército o deixou machucado. especialmente Merrill. imediatamente. Mas ele o enrijeceu quase imediatamente. Gandy. Os rapazes conversavam. de parte da sociedade. enxugando os olhos com a mão trêmula. sério: — Madame. começara a odiar alguma coisa amorfa e inexistente. E Merril começou a ir a reuniões e escutar gente contando a ele que gente como nós nem tem direito de viver. Gandy. Era uma conspiração contra ele. — Foi tudo culpa da sociedade — disse a Sra. Tosse sangue. tão violentamente que o chapéu de veludo barato balançou. E fizeram isso com ele e não querem dar indenização nem me dão nada.ver com ela. concordo com a senhora que o seu marido está gravemente enfermo e concordo que ele não tem muito tempo de vida. uma conspiração dirigida contra todas as pessoas humildes e sem esperanças no mundo. Leu a história sórdida do ódio ignorante e dirigido. a “sociedade”. alto: — O que estão cochichando aí? Não sabe ler radiografias? Querendo armar alguma contra o Merrill? O Dr. São os discos. nada. — Ele ficou de um jeito que não falava de mais nada — disse a Sra. . quando o Merrill morrer. ele ganhava essa indenização. O rosto dela mudou e ela começou a chorar. Alguém deu a Merrill um número de um jornal comunista. A história triste continuou. Gandy perguntou. e saía para tomar cerveja e jogar cartas enquanto a mulher trabalhava… e odiava. às vezes. e ela ter de trabalhar o tempo todo na padaria e só ganhando 55 dólares por semana. Se Merrill fosse um camarada rico com pistolão. — Aconselho que mande o seu marido de volta ao hospital dos veteranos. bem ali na fábrica de Merrill! Johnny olhou para o rosto inchado e trêmulo e as lágrimas. A mulher fez que sim. Ele não queria ficar na cama. — Não me importo com coisa alguma. dizem os ricos. E então Merrill. Receio que ele não tenha muito tempo de vida. de pena. McManus respondeu. Merrill começou a detestar a Administração de Veteranos por ser tão mesquinha com ele. — Se tosse? O tempo todo. e seu coração amoleceu. — Os caras ricos com os carrões grandões e lustrosos… eles não querem que os pequenos tenham nada. que não tinha sido machucado no exército. e o ódio aumentava. E que um dia vai ter uma mudança e os ricos vão ter o que merecem e nós vamos ter alguma coisa e Merrill vai poder… O sargento continuou a ler. Merrill o devorou e acreditou nele. . A Sra. e que estava morrendo de câncer. havia sujeitos com bons empregos e ganhando grandes indenizações. Ora. tinha acabado com uma greve. um fascista. McManus disse: — Calma. O Sargento Batson continuou a ler. um homem rico. — Era essa a ideia. A Sra. E alguns dias depois houve todas aquelas notícias nos jornais. E foi embora. caras grandes e ricos. Merrill não ia fazer nada disso. a Sra. a Sra. e os médicos diziam para ele ficar. “O fascista”. E então. que não querem saber dos pequenos. dominando os trabalhadores. não queria médico. Gandy endireitou-se na cadeira e lançou a Johnny um olhar do mais puro ódio. “só porque Merrill é um sujeito modesto e vítima da sociedade” — exclamou a Sra. Contra os médicos. em Barryfield. Ele tinha de tomar uma lição. instrumento dos grandes interesses. tossindo de acabar com os pulmões. Para dar uma lição ao ministro rico. Gandy. Eram 250 de cara e 250 depois do serviço. Gandy não associou essas notícias com o marido. calmamente. pagos com o dinheiro grande. E então um dia o homem que tinha pena de Merril falou com ele a respeito de um ministro que era um instrumento dos grandes interesses. Mas ele não queria. O Dr. endireitou-se e seus olhos faiscaram. Não. num azul intenso. Quando esse trecho foi lido. Que nem ratos. que ajudam a eles. que agora estava “muito mal” e não conseguia levantar-se da cama. ele tinha feito um sermão e tinha praguejado contra o homem pobre e fazia todo tipo de coisas horríveis. é? Ou então camundongos. mas queria que você tivesse se queimado! — exclamou ela. Merrill agora odiava os grandões. Encontrou numa cervejaria. disse ele. na véspera de Natal. Merrill dissera à mulher que estava morrendo. que tinha de sair da cidade. o homem bondoso contou a Merrill muita coisa sobre Johnny. Gandy não sabia nada do plano. Pois bem. Tinha acabado com um sindicato nesta cidade. fique quieto e escute. Deu 25 dólares a Merrill.Merrill conheceu “um homem”. senhor. Era um homem perigoso mesmo. — Claro que sinto pela pequenina. E pessoas que nem o ministro. Johnny. Merrill nunca conseguiu entender direíto o nome do homem. Era a favor da “sociedade”. E então o homem bom ia “obrigar” a Administração de Veteranos a dar a indenização de Merrill. combatia os trabalhadores. Não . Não. ministros fascistas ricos. talvez. Não. Merrill continuou a voltar ao hospital dos veteranos para ver se tinham encontrado alguma coisa. Tinha passagens de ônibus. Ele a amava. — Nunca descobri o nome dele. que estava escutando com pesar. Mas era um homem bom. não. mas voltaria de noite. Grandes interesses. Havia meios. Então o homem bom tinha oferecido 500 dólares a Merrill “para fazer o serviço”. Nem deviam poder viver. Estava tudo nos jornais de Barryfield. na véspera. Nunca perguntou. mesmo. Tinha-se resfriado em algum lugar. Merrill só lhe disse. Tinha lido no jornal comunista que às vezes camaradas pobrezinhos como ele ficavam presos nos hospitais só para os médicos experimentarem coisas neles. Talvez um emprego. A ideia. A história continuava. mas eu não acho. sabendo que não poderia ser julgado e que estava morrendo e queria deixar muito dinheiro para a mulher… a recompensa. Deve ter havido um vazamento de informações. era conseguir tirar o ministro fascista e rico da cidade. Mas. acho que ele leu tudo nos jornais. Não encontrou nada embaixo e não podia subir aos quartos. por um instante. — Sinto muito. — Isso é mentira! — gritou a Sra. ensopados de gasolina. Todos olharam para ela. ele enfiou os trapos de lã nos canos. bem junto da caldeira. quando o ministro voltou para cima. Ela devia ir a Barryfield. Ela abriu a bolsa de imitação de couro. Só isso na sua mesa. passou pelos quintais e fugiu. Não adiantava mais se preocupar com ele. explicou Merrill. um perfume doce se emanando dela. achou que ia demorar um pouco e ele podia subir e procurar algum dinheiro que o ministro tivesse. Merrill levou um susto danado. Inventou tudo isso. Levaram-no para o hospital e agora está em coma. e contar a história dele e pegar a recompensa. não olhou atrás da caldeira. Johnny tomou a caixa e a segurou com força. num silêncio desesperado. Nenhum dinheiro. O pobre-diabo teve bastante tempo para pensar. — Bom. é? — perguntou a Sra. Francamente. Gandy. O ministro desceu ao porão e começou a remexer. Era a caixa dourada de Lorry. Isso a ajudaria. mas também. gente como “ele” é miserável mesmo. Era só isso. à polícia. Ele não tinha dinheiro. O chefe suspirou. e ele pegou. aqui está a sua prova. reluzindo. incendiando a casa dele. Então. Tinha posto carvão para a caldeira ficar bem quente e depois. Ele lhe contara a história. ele se esqueceu . mas ele está incoerente. Então. saiu da casa. O homem tinha se encontrado com ele alguns dias depois e feito o resto do pagamento. não acha. Merrill estava com medo de ser queimado também. Estava morrendo. — Pode ser verdade. triunfante. mas tinha aquela grande recompensa nos jornais. Ele olhou para Johnny e este falou.queria que ela trabalhasse mais na padaria. claro. pegou alguma coisa e bateu com ela na mesa. Gandy. e mostrando a ele que os sujeitinhos pequenos não querem saber dele. — Ah. Merrill tinha ficado meio espantado ao ver como a casa paroquial era pequena e modesta. pastor. no escuro. Então. Ele entrou pela janela do porão e esperou que a família fosse para a cama. Não podiam fazer grande coisa com ele. inseguro: — Acho que é verdade. O chefe deu sua opinião: — Liguei para Wilkes-Barre e falaram com Gandy. — Merrill não é mentiroso! O médico sacudiu a cabeça. — Foi só o que ele encontrou na sua casa. o seu marido teve… pena… quando leu que minha filhinha morrera por causa do incêndio? Ela engoliu em seco e enxugou os olhos. Sim. Ele parecia que não conseguia sossegar. Os poucos que não trabalham não contam. — Bom. e todos os milhões de ignorantes que tinham sido iludidos pelos assassinos comunistas. matar um bebê. Gandy. ricos ou pobres — continuou Johnny. ganhe mil dólares por ano ou cem mil. sim. Ele estava cheio de compaixão por aquela mulher chorando. Não parava de falar da menina. Ele… bem. estou tentando livrar a minha cidade do ódio. Ele acreditou. com uma alegria avassaladora. aturdida. Ele a examinou por alguns instantes. não contaram o que tinham verificado de fato. e outros como ele estão sendo usados. Entende? Ela fez que sim. — Quem quer que trabalhe com as mãos ou o cérebro é trabalhador. Está morrendo de câncer e ninguém sabe como nem por que isso aparece. esta caixa é minha e foi tirada de minha casa e a história é verdadeira. Por fim confirmou: — Sim. Viu o rosto de Lorry e sorriu em seu íntimo. nem ao seu marido. com toda a exploração de sua agonia. pelos comunistas. o doutor aqui e o chefe de polícia. o rosto cheio de dor e ficou calada. Depois largou a caixa e olhou para a Sra. são tão poucos. embora tentasse resistir. Tenho um ordenado muito pequeno. Q seu marido não podia saber de nada sobre mim. o que lhe davam para ler naquele jornal comunista. O seu marido não tinha nenhuma lesão adquirida no serviço. Mas estavam querendo ajudá-los de algum modo.do que tinha ouvido. ele disse… que o homem que fez aquilo devia morrer. Gandy. debilmente. Ela olhou para os olhos compadecidos. Nós nunca tivemos filhos. Para escravizar ou matar todos nós… a senhora. Tiveram pena da senhora e dele. Todos os que se interpõem no seu caminho do mal. unir as pessoas para que se amem e a Deus. — Diga-me — pediu Johnny —. a senhora é parte da “sociedade”. eu. eu devia ser destruído. Mas há uma coisa que a senhora deve saber. Não sou “instrumento dos interesses”. Por isso. O hospital dos veteranos queria que Merrill ficasse internado lá. Ninguém a prejudicou. — Acho que é isso . somos “sociedade”. Apenas tento servir a Deus do melhor modo que posso. a não ser o que lhe contaram. Sabe. — Ela soluçou amargamente. eu me lembro que ele ficou muito aflito e disse que era horrível e piorou logo e foi piorando cada vez mais. Sim. — Não acredito — respondeu a Sra. Ela o fitou e piscou os olhos molhados. Ele falava com uma autoridade branda e com verdade e ela acreditou nele. Não sou instrumento de ninguém. — O seu marido foi usado. _ — Somos todos trabalhadores. que o fitava com um ar assassino. E não é culpa da “sociedade”. pois estava sofrendo. Sociedade significa o povo e nós somos o povo. todos nós. Continuou: — Sou um homem pobre. — É verdade. e não sabia por quê. Johnny se levantou e pôs a mão no ombro dela. vigiando. Mas nunca encontraram o comunista oculto.que o está matando agora. E se ele puder ouvi-la. diga que está bem e que eu o perdoei também. Como seus irmãos. esperando. sem nunca dormir. Vá já para junto dele. . Falou. pois ele era ignorante e foi iludido por homens maus. ele se movia nas trevas caladas. com brandura: — Perdoe-me por detestá-lo. — Queria que eles andassem bem depressa com essa casa paroquial. sendo severamente repreendida por Kathy. já tinha gente demais aqui se metendo em… tudo… em todo caso. Stevens. McManus. Aí os brotos eram maiores. para você e os . também chamado Coffee. a vida nunca morre. há alguns dias. — E o senhor me deixa ver o que ela lhe escreve? — perguntou. e um canário numa bela gaiola. alguns rosados. bem como os carpinteiros. O gatinho de Debby passara a ser o bichinho de estimação da família. outros ainda marrons. pois o smog estava sempre presente. — Ou está interessado em romance. Ninguém fez troça dele. Cada vez tenho de deixar mais trabalho para os rapazes”. fazendo-se de duro. Faça o favor de recriminá-lo por mim. Johnny querido. pareceu um lindo gesto. mas Johnny. ambos presentes do médico. as trancava. “As notícias de Barryfield não chegam aqui à Flórida”. a casa paroquial estava subindo. pois você para mim é como um filho. Como ele nunca tinha sido feliz na vida. — Isso aqui parece um jardim zoológico — resmungava ele. Ele tinha uma curiosidade ávida de ver as cartas de Lorry. o irmão de Coffee. eu não sabia nada sobre a sua grande mágoa até que o nosso amigo mútuo e pretenso Mefistófeles idoso fez a gentileza de me avisar. Parece que já não tenho mais o interesse que tinha em meu trabalho. dizia a carta. com um ar complacente. se tivesse sabido mais cedo. Como a terra não estava muito dura. Isso é bem verdade. Eles olharam para os pés de lilases de Emilie. A explicação dele é que queria que você ficasse “bem estabilizado” antes de me informar. não reconhecia que estava feliz agora. Atribuía sua aflição para chegar em casa “cedo” todo dia à “minha velhice que se aproxima. Ela ficou tão feliz que anunciou seu noivado com ele. pois vem de Deus. Mas as crianças se interessavam menos pela casa do que pelas árvores. Johnny lhes mostrou como os brotos já estavam inchando. portanto. Johnny levava as crianças para verem o jardim da casa paroquial e as árvores. com firmeza: — Meu Deus. E agora havia mais dois. Lon Hardíng conseguira plantar duas cerejeiras para Debby. Johnny tocou nos arbustos com uma mão carinhosa e Pietro. os pedreiros trabalhavam rápido. o teatral. insinuando que eu havia de correr para ajudá-lo e consolá-lo. Atrás do jardim encharcado. mas não suavemente. na sua idade? O mês de março chegou extremamente ameno. já tive de comprar um desumidificador para a casa. que chegavam duas vezes por semana. Pára que mais um? Assim mesmo.° de fevereiro é que Johnny recebeu uma carta chocada e pesarosa do Dr. que disse. A família se mudaria em junho.” Johnny mostrou a carta ao Dr. Mas acho que ele foi muito arbitrário nesse assunto. os beijou. — Estão vendo. monopolizando os bichinhos quando chegava em casa.XXXI Só no dia 1. E agora. “e. Ele fazia uma cara feia para Johnny. os raminhos tensos. escreva-me logo e conte tudo. Os policiais estavam vigilantes. com naturalidade: — Esta casa é muito grande. O seu dirigente que o apoiasse. arranjariam um verdadeiro “candidato do povo” e esse candidato venceria. o Padre Krepszyk e o Rabino Chortow. — Quase não tem calorias — dizia. — Com toda aquela bicharada? Pensa que estou maluco? Mais tarde Johnny o viu consultando as plantas da casa e mais tarde o ouviu falando com o arquiteto. sem dinheiro. — Vá. o senhor não precisa dela. para a campanha do ano seguinte. Nas primeiras filas estavam os fabricantes locais e seus advogados e engenheiros industriais. Ele chegou 15 minutos depois de Johnny. sobre “três ou quatro bons quartos. ele perderia sua candidatura ao Senado. Os eleitores têm memória curta e paixões rápidas. O prefeito parecia infeliz. tomava conta da dieta dele e de vez em quando fazia um prato especial para ele comer de noite. mas não admitia que temia o dia em que a casa voltasse ao seu sossego. com o dinheiro deles. Johnny. Mas o povo estava quase calado. uma sólida falange de homens alertas e de resistência passiva. Então. acentuando o ar de uma melancolia intensa. Ele ficou irritado com a reunião que Johnny programara para a Prefeitura. Mas quando o médico pensava no êxodo. Ela sorria para ele. pela propaganda. todos os lugares possíveis. antes de dormir. Ele resmungava com a Sra. sabendo de tudo. cada qual com sua pasta. eles. era mais importante do que simples votos. que vão linchá-lo — resmungou ele. Uma noite Johnny disse ao médico. Johnny. os lados. por que não vender e vai morar conosco? — Deus do céu! — exclamou o médico. O seu próprio dirigente político do município lhe dissera que seu futuro estaria liquidado se ele não acedesse às exigências do povo. à sua direita. além de “uma seleta delegação de cidadãos”. O prefeito era católico e ali. estava o Padre John Kanty Krupszyk. Na plataforma estavam sentados o prefeito. O dinheiro. afagava o ombro dele. no terceiro andar”. atentos. Votos? O dinheiro compra votos. Uma luz pobre e lamacenta se filtrava pelas janelas altas e antiquadas e lá fora começara a chuviscar. muito displicentemente. Mas eles se tinham esquecido de uma coisa. pois. Burnsdale. disseram com cinismo. Ficou abismado ao ver tanta gente enchendo os salões. com o que esperava ser uma expressão de horror. Seus patrocinadores ricos lhe tinham dito que aquele seria um item que usariam contra ele. pela primeira vez. O prefeito era um homem piedoso e de origem polonesa.guris e esses malditos bichos saírem daqui e a gente poder ter um pouco de paz. No ano seguinte se esqueceriam de que ele ajudara a acabar com o problema da fumaça. As luzes do teto tinham sido acesas. ficava pesado e cansado e se sentindo só. Seus amigos lhe tinham informado que ele estava “frito” se acedesse às exigências do povo. . está obsoleta e o senhor podia vender tudo por um bom dinheiro. reclamando que os construtores estavam demorando muito. que tinha um olho muito severo. — Eu não vou. Detesto ver sangue. o padre lhe dissera: — Você confia demais em vão. quando for senador pelo Estado — respondeu o padre. Mais cedo. dando-lhe uma sensação de segurança. virtuosamente: — Estarei interferindo em assuntos terrenos? Walter. por falar nisso. É dever do padre calar-se quando seu povo está aflito? Em todo caso. sombrio. o padre estava calmo. — Espero até você ser governador para ganhar um Cadillac. O que você é. se mantinha mais calmo ainda. para as novas imagens. se bem que eu o veja na missa todos os domingos e você se confesse regularmente (e que confissões. você não entrega tudo a Deus e cumpre o seu dever para com Ele e Seus filhos? — É — respondera o prefeito. com uma expressão de grande prazer. — Mas e o dinheiro para a minha campanha? Imagino. que o senhor tenha muito dinheiro escondido por aí e esse ministro e o rabino também? Pois bem. padre. O Dr. iniciada muito breve. — Como o smog? O padre respondera. nas minhas orações. se intercedor por mim e não deixar que o meu nome vire lama. E. McManus arranjou um lugar nos fundos. — Acho que gostaria de um Buíck — dissera o padre. olhando para a bandeira na plataforma. nesse dia. que acreditava piamente na bondade intrínseca do homem. onde ficou de pé. Estão se desmoronando. arranjo o Buick para aquele padre e uma bela estátua para você”. ritual? É o que parece. Aquele seu carro velho… — Pode me dar um novo de presente no ano que vem. um católico por nascimento. — Os padres não deveriam se omitir nesses assuntos? — indagara o prefeito. quando a sós e o prefeito em desespero exprimira seus receios. Talvez “aquele padre” tivesse razão. Mas ao rezar. E a campanha iniciada pela Sociedade do Nome Sagrado. ajudaria bastante. você devia ter vergonha!) e apareça sempre para a Santa Comunhão. o prefeito estava esfregando as mãos grandes. O que diziam os “maiorais”? O patriotismo ia até a bolsa do homem. e o prefeito também. até o prefeito. olhando para a plataforma. uma vez na vida. Vou-me lembrar de você especialmente. há o assunto das imagens da Sagrada Família. de trabalhador. O prefeito não era homem para discutir as sutilezas da dialética. não o estou influenciando em absoluto na sua política. com cerca de 40 anos. cabelos quase brancos e olhos azul-claros. e me ajudar a ser senador pelo Estado. um rosto largo. Todos estavam rezando baixinho. O prefeito sacudira a cabeça. com um calor repentino e o calor o percorreu todo. Por que. Talvez o povo não se esquecesse. pela Sociedade do Nome Sagrado. Prove-o. olhando para ele. sentiu ressentimento quanto ao Buick. Uma banda escolar começou a tocar o hino americano e todos se levantaram numa massa ruidosa. Johnny parecia distraído. Uma campanha de contribuições. com mais pesar e desânimo do que nunca. Sorriu e seu sorriso era encantador. Depois ele disse. Ele era um homem grande. oito velhos e três crianças de minha paróquia morreram nesse smog. sorriu de volta. nenhum de vocês parece ter nada. Então todos cantaram. com fervor. o rabino. . O povo. intimamente: “Mãe do Céu. Walter. Uma queixa terrível. em todo caso — continuou o prefeito. senhoras e senhores. frito. com escárnio. De repente o prefeito não estava acreditando naquilo. acredito em vocês. Espero — falou. às vezes. O prefeito levantou a mão. “Bem. embora me tenham feito seu prefeito. Ele esperou o aplauso. As paredes tremeram. Mas talvez vocês não se esqueçam.não mais. mas nunca esperara aquele volume estrondoso. pelas quais estava sentindo uma forte animosidade e um desdém frio. Um dos homens na primeira fila cochichou alguma coisa ao advogado e ambos sorriram. o povo fez um coro: — Queremos Walter! Queremos Walter! A manifestação durou mais de cinco minutos. acabado. Disseram que arranjam outro nome e me difamam de modo que vocês não votariam em mim. de modo algum. Então. — Eu também sou um trabalhador. com sua voz forte e com sotaque. já me disseram que se eu apoiar vocês e forçar… as coisas… quanto ao smog. Muito bem. e pela primeira vez. Mas vamos tratar de negócios. a não ser das duas primeiras filas. os pés batendo. E matou uma porção de velhos e crianças e talvez da próxima vez mate mais. calmamente. Eu não moro no alto dos morros. Vou arriscar. Ainda tenho calos em minhas mãos — e ele as levantou e mostrou. não fazendo caso das duas primeiras filas — que aqui haja gente que os tenha ouvido. moro bem aqui no vale e minha mulher tem asma e o smog não lhe faz bem algum. sem rodeios: — Bem. tendo jogado fora o meu futuro para ajudar a nós todos. — Meus caros amigos e concidadãos — começou. Houve um aplauso estrondoso. Todos se sentaram. Sobre a mesa diante dele estavam empilhadas as milhares de petições. encabulado: — Muito bem. Um verdadeiro massacre. Não queremos esperar por isso”. A despeito da sua experiência na política. Esperou até que os aplausos morressem e continuou. que estarei liquidado. com simplicidade. Disseram-me que vocês eleitores não são muito inteligentes. . — Não esqueceremos! — gritou um homem. as luzes tremeram. os juramentos berrados. Tentei ser um bom prefeito. sua alegria aumentando. Os clérigos na plataforma se entreolharam e sorriram. — Vocês me pediram esta reunião hoje e estou aqui para servi-los. Acabou-se Walter Slavak candidatando-se ao Senado por este Estado. depois de tantos anos. Acabou-se Walter Slavak como prefeito. De repente. pois já faziam parte de sua carne. consternados. menos o prefeito. É a volta às usinas para Walter… se é que consigo arranjar um emprego. Se vocês se esquececem. não foi possível. pessoal. sentiu orgulho dos calos. os gritos de apoio. talvez eu fique amargurado. Ele pôs as mãos calejada sobre elas. pois dessa vez ninguém lhe preparara um discurso ressonante e ele estava perdido —. Nunca conseguira se livrar dos calos. O prefeito escutava. ele estava quase acreditando na virtude do povo. Os cidadãos exclamavam coisas incoerentes. — Manteve os olhos afastados das duas primeiras filas. Os homens das primeiras filas escutavam. Espero mesmo. aqui estão e aqui estou eu e somos simples pessoas e temos uma… queixa. espontaneamente. O prefeito levantou a mão. um assalto a ele por outro jovem sem nome e o atropelo de um grupo de cidadãos diante da . John Fletcher. E é ele o responsável por essa campanha contra o smog. Portanto — e então seus olhos faiscavam — cabe aos responsáveis. de mãos estendidas. — Muito bem. não mais sorrindo. incluindo o assalto de um jovem sem nome sobre uma das crianças. Agora vamos ao que interessa. que não estão aqui hoje. chamando-o. por fim. Fletcher foi obrigado a comparecer diante do Tribunal Infantil. vou ordenar o fechamento da usina que ainda estiver poluindo o ar. pessoal — disse o prefeito. “O Sr. — Este é o ministro que perdeu uma filhinha — informou o prefeito. Ele estava olhando só para as duas primeiras filas. junto dos classificados. e não me importo se levarem o caso ao Supremo Tribunal! Esse smog tem de desaparecer… dentro de seis meses. Os homens tentavam abrir caminho para a plataforma. O Sr. Fez um sinal para Johnny. Mas tinha um artigo sobre Johnny. para responder a acusações de que as crianças estavam sendo abandonadas. A Imigração. A polícia os conteve. A responsabilidade é deles. assumirem a responsabilidade de tornar a nossa cidade segura para nossas mães. exclamações e aplausos. — Seu rosto bem- humorado se enrijeceu. para assumir seus deveres pastorais na igreja. Quase desde o princípio. É a ele que vocês devem aplaudir e não a mim. — É só o que tenho a dizer. O Press nem mencionou a reunião. estou vendo. ministro da Igreja do Bom Pastor. Fletcher chegou em agosto do ano passado com as crianças. Eles avançaram em massa para a plataforma. Dou aos proprietários das fábricas e usinas apenas seis meses para limpar o smog. O salão tornou a irromper em vivas. Se o smog não tiver desaparecido até essa data. — Não vai demorar muito. Talvez custe muito dinheiro. Mais uma vez o salão rompeu num vulcão de gritos. O Sr. deixando que a manifestação seguisse seu rumo. Já vi todas as petições. antes de vir para cá. e Johnny foi ter com ele. Esperou durante muito tempo. Bom. Fletcher foi ‘absolvido’ pelo Juiz Foster Bridges. eu sempre achei que a vida e a felicidade das pessoas valem mais do que dinheiro. Centenas de mãos se ergueram para Johnny. a não ser duas linhas na última página no jornal da manhã. “Há alguns meses o Sr. — Agora vão para casa e pensem bem.Deixo para vocês adivinharem por quê. Já conversei com os representantes dos seus patrões. Dizem que custaria quase dinheiro demais e pelo menos seis meses para eliminar o smog. pais e bebês. Tenho certeza disso. O prefeito escutou. de tanta emoção. bastante mais do que 96 enterros e 96 covas ainda novas nos cemitérios. centenas de rostos sorridentes o confrontaram. e não conseguia falar. Uma porção de vocês diz que não volta às usinas e fábricas se o smog não desaparecer. Estou com as autoridades de saúde do meu lado. agora. Creio que estão falando sério. Ele se debruçou e apertou todas as mãos que pôde. o Serviço de Naturalização e a Sociedade de Assistência Infantil estavam interessadas devido a várias reclamações recebidas. no jornal de sábado. Apoiou os braços na mesa. ele foi o centro de controvérsias e fatos curiosos. Então a polícia não conseguiu mais conter o povo. Parece que o Sr. eleito por uma plataforma progressista. Fletcher acredita que o programa de casa popular e outros progressos sociais. e atacar as nossas instituições e tentar provocar dificuldades indevidas a certos membros desta comunidade. que empregam grandes quantidades de homens e que são conhecidos por suas contribuições patrióticas a várias organizações locais e nacionais. alega-se. incitados por um certo sermão proferido por ele. em Nova York. com a assistência. Walter Slavak. o materialismo e o comunismo eram a mesma coisa. sem comentários. e não uma democracia progressista. e a campanha de espalhar as riquezas do país por todos os cidadãos seja comunismo. em que defendia os direitos de propriedade e insinuava que o progressivismo. Dizem que ele induziu o prefeito desta cidade.casa paroquial. logo mandou um exemplar desse artigo para Lorry.” O Dr. o Sr. McManus. de pessoas desconhecidas. fora de si. “Acredita-se que sua paróquia o apóie em todas as suas controvérsias públicas. . A seiva invisível das árvores corria como sangue ávido até a última ponta de botão pálido e o sangue dos homens também corria mais depressa. A primavera inevitavelmente trazia crises cardíacas e pneumonia para os velhos e seus chamados eram muitos. raios! Nunca pretendi ser santo! Debby. os olhos agora bailando de malícia: — Houve o santo que rezou a Deus para chover nos campos… não havia trigo… e Deus mandou a chuva. — A primavera não chega nunca — reclamou Pietro. portanto. vendo a nevasca de um março cinzento às suas janelas. Ficaram esperando por ela. pensou Johnny. o cético eterno. nunca tinham conhecido uma primavera. pare de remexer com essa calda. que nem a nuvem espectral nem a nevasca podiam fazer debilitar-se. Mas os homens viam a neve e suas esperanças se reduziam. Kathy. houve uma nevasca. Claro que a primavera vai chegar! Não precisa apontar para a neve. em antecipação. as taças vermelhas e douradas das tulipas. Somente as árvores tinham fé na primavera. Ele mostrou alguns tordos aventureiros ciscando no jardim. pare com esse ar frio e superior. e os punhaizinhos das tulipas furando o seio escuro da terra. eu não estava praguejando. não vou me desculpar por meu vocabulário. alguns dias antes. Parecia que as crianças nunca tinham visto a primavera. você não vai mesmo comer mais ovos? Os do seu prato não estão moles . Então… nesse dia. Não. — Em breve estaremos na primavera e o sol vai ser quente e um dia vocês vão se levantar e ver todos esses arbustos arrebentando em cores contra o céu azul. tão empolgadas estavam com a ideia. falando com a voz calma de uma autoridade. mas não faça desenhos com ela. pensou Johnny. E eu que passava sermão nos pais por ficarem impacientes com os filhos e baterem neles. Johnny quase gritou: — Não sou santo. a explosão amarela das forsítias. O que querem que eu faça? Que saia e peça a Deus para fazer com que ela não caia? Pietro insistiu. Pietro. olhando para as caras tristes das crianças e para os olhos serenos de Pietro fixos nele: — Você sabe que não é assim. Na verdade. Além disso. Eu também a vejo. tinha muita coisa a fazer. o rosado forte das maçãs silvestres. McManus para lhes mostrar as flores de açafrão.XXXII Não há nada tão deprimente quanto uma última nevada do ano. que Deus me perdoe! Agora sei o que eles tinham de enfrentar. Espera-se a primavera. a beleza frágil e etérea do narciso. detestava a ideia de doença em si. sendo um homem com uma saúde exuberante. Johnny estava irritado nessa manhã. não é nada bonito. como os homens esperam por um milagre. Johnny tinha levado as crianças para o terreno amplo do Dr. Estava com medo de estar-se resfriando e. certa manhã. Jean. Ele respondeu. O hosana mudo da terra para Deus. ponha nas panquecas. rosada e alegre. — Por falar nisso. largando a mão de Johnny e indo se aninhar junto do sobretudo do médico. — Estava ouvindo vocês lá do hall. foi ao armário do hall e voltou com as galochas. quanto à roupa e botas de borracha. de chapéu e um pesado sobretudo. — Muito bem. a fez virar. Tio Al — falou. Johnny respondeu: — Esses guris às vezes me enervam. — Acho que é o Tio Al quem vai me levar para o colégio — sugeriu ela. — Você é que não sabe nada sobre as mulheres — respondeu o médico. ela está me castigando por não apreciar seu trabalho artístico com a calda. — Pegou a mão enluvada de Debby. foi ao banheiro ao lado e gargarejou. Não. O Dr. — Não vai sair sem suas galochas. Não caio nas lisonjas delas. se retirando com dignidade com uma porção de pratos pesados. Que moralista. — Que tumulto é esse? — perguntou. está vendo — reclamou Johnny. essa nata é creme congelado e faz bem. num tom imponente. — Acho que estou me resfriando. que ele também usava como escritório. Johnny subiu para o seu quarto grande. Saiu com Debby. Debby. McManus com um ar crítico. — Você não é minha mãe. Ela deu uma risada alegre e correu atrás de Kathy. Entendo o que quer dizer — dirigiu-se a Johnny. Coogan chegou e as crianças foram com ela para a biblioteca. garotos. colocando-as junto dos pés do médico. E vocês. entrou na grande sala de jantar. McManus beliscou a bochecha firme e rosada e os olhos azuis da menina faiscaram para ele. McManus. para preparar o sermão de domingo. A não ser que alguém resolva se operar ou coisa que o valha. — Ela parece uma brisa fresca nesta casa — comentou o Dr. levo você para o colégio. — Pronto. resolvida. e Johnny se preparou para levar Debby para o jardim de infância. — Eu sou perito. você não está resfriado. que agora estava querendo subir para o colo dele. piscando. Tinha resolvido não fazer fita nessa manhã. pare de tirar a nata do seu chocolate. Com a intuição feminina. — Uma verdadeira fedelha americana rija cheia de topete e alegria. A neve caía e agora uma ventania a . tão escura. viu que poderia ser perigoso. vá embora — ordenou ele a Debby. a de médico. McManus. Ela se postou ao lado dele. está derramando o leite! O Dr. Diabo de vida. É alergia. Kathy voltou e olhou para o Dr. Isso é para me mostrar que está ofendida. — Tudo é alergia! O que vocês médicos estão querendo fazer? Livrar-se da teoria dos micróbios? A Srta. — Ele a empurrou para baixo. Depois sentou- se à secretária. Veja só a Kathy. sua cara-de-lua — exclamou ele.demais! Max. sério. sorrindo —. resmungando. — E eu não vou… — mas Kathy. como um ursinho marrom com sua roupa de neve. ele as calçou. A gente tem de agarrar os momentos que pode. Resmungando. levantou os cachos brilhantes e a beijou na nuca. não se esqueçam de que vou levar todo mundo ao zoológico hoje à tarde. protestando. Johnny pegou a extensão. — Sr. Fletcher! Meu marido quer se matar! Está trancado no quarto. histérica — Somos de sua paróquia. Era feriado. em moldura de prata. parou o carro e subiu correndo a escadinha coberta de neve. Johnny duvidava muito —. por algumas horas. estava na rua e Johnny tinha partido numa dessas emergências que os médicos e sacerdotes conhecem bem demais. Pietro e Jean não tinham ido ao catecismo naquela manhã. Tirou o chapéu. — Vou já para aí — falou ele.acompanhava. A neve se agarrava ao pára-brisa e os limpadores gemiam. depressa. os olhos delicadamente cínicos e depois ficou cheio de saudade. fique falando com ele através da porta. era a dor de garganta. chorando. Por favor. Não tenha medo de assustar as crianças. com um ar superior. Sorriu para o rosto esguio. Johnny largou a caneta e pegou a fotografia grande de Lorry. Johnny desconfiava de que fosse a prometida ida ao zoológico. Era uma rua pequena e tranquila. de uma família. o mais calmamente possível. Qualquer coisa. — Mas não diga a ele que estou indo. Aí Johnny se envergonhou de si. que de vez em quando iam à igreja na sua vizinhança. é só que hoje estou normalmente rabugento e humano e me esqueci de que todos os homens estão numa Paróquia. Boone Street não ficava muito longe. elas não se assustam facilmente. que era ministro! Pensou na implicância de Pietro sobre o santo e tornou a sorrir. Saiu correndo na tempestade para a garagem e ligou o velho carro. Thorne. com cabelos pretos lisos. de dizer que “somos de sua paróquia”. desculpando- se. uivando nas janelas. rugindo e cuspindo. enquanto esperava que atendessem à campainha antiquada. Isso lhes dava o direito. Felizmente. acrescentou. Fletcher. A porta abriu-se numa rajada de calor e limpeza e ele viu uma moça arrumada. na opinião deles. com cortinas brancas nas janelas e varandas em miniatura. sacudiu-o e espanou os ombros. querendo falar com “o ministro”. e todos os sacerdotes são seus pastores. que ela lhe dera. Ele encontrou o número 98. se bem que não vamos muito à igreja… Sr. Os pneus lisos derraparam e giraram na neve e então afinal o carro. supostamente. informara Pietro a Johnny. pensou. Sra. Jean estava com uma cara solene demais para ser verdade. a maior parte casas isoladas de madeira. com palavras falsas. como numa pausa para respirar. com menos frequência ainda colocavam algumas moedas de prata no prato de coleta e mandavam os filhos à escola dominical de modo intermitente. Tinha um rosto . cheia de casas apinhadas e sossegadas. com um leve sorriso. Não. Como aquele dia era. sabe. E a senhora não pode protegê-las contra a vida. com um suspiro. um vestido estampado e um avental pregueado limpo. Uma rua respeitável. Provavelmente eram jovens “volantes”. Ele não se lembrava dos Thorne. Fletcher! — gritou uma voz de moça. um dia santo especial — coisa de que. Sr. com gramados curtos e quintais compridos. se pudesse se esquecer. venha já! Johnny conhecia a natureza humana bem demais para tentar acalmá-la. Se ao menos pudesse tirar um ou dois dias para ir vê-la em Filadélfia. Deixe que elas também falem com o pai através da porta. Às 11h00 uma empregada foi informar a ele que “uma senhora que está chorando” estava ao telefone. da classe média baixa. claro — respondeu Johnny. papai. com uma expressão de súplica em seus olhos pretos bem bonitos. não tenha medo. apesar de todas as suas lágrimas e murmúrios incoerentes. enquanto falava. Ela tapou o rosto com as mãos jovens e gastas pelo trabalho e soluçou desesperadamente. é o Joe. Mas ele também não vai se matar. mas tinham vistas largas e frequentavam a igreja do Sr. Ora. com brandura. pelo menos. com a cabeça. Pouco depois tinham ido para Barryfield. disse. — Joe tem sete anos. Calada. — Ele é um bom pai e não quer assustá-los. Por favor. apavorada. Estão sentados no chão junto da porta. Fletcher. Ela apontou para o teto. esfregando as mãos geladas. sem nada de notável. — Bem — continuou a Sra. eu não tinha mesmo de trabalhar. no nosso quarto. lá em cima. . — Foi por isso que o senhor queria que elas falassem com ele? — É. Depois Howard foi convocado. porque ele não descia. A Sra. diga-me. ele disse. o Howard sempre trabalhou muito naquele grande posto de gasolina lá na Union Road e nós economizamos. Sra. Papai. a gente quer entrar e falar com você. no momento manchado de lágrimas. Que idade tem? O que faz? Por que quer se matar? Howard Thorne tinha 34 anos. bem calmo. enquanto eles estiverem lá. endireitou e pendurou num armário.bonitinho. Elsie. Não tinham família em West Virginia. e olhou para Johnny com os olhos molhados. mas a Sra. Johnny concordou. pois Howard queria um posto dele. muito cheia de coisas. Thorne. mas é que eu queria economizar o dinheiro de Howard para ele poder ter aquele posto. Na verdade. — Depressa. ninguém que fosse importante. infeliz. Gente trabalhadora. sentada na beira de uma cadeira e torcendo as mãos. Thorne — pediu ele. — Ela enxugou o rosto com a simplicidade de uma criança. ela afastou- se e deixou Johnny entrar numa salinha pequenina. os pegou. Thorne estava com a cabeça inclinada para o teto. Ele e a mulher eram de uma cidade do interior muito pequena em West Virginia. o que levaria um homem assim a querer se matar? Jogou o casaco e o chapéu numa cadeira. a voz trêmula —. e ele e o governo me mandavam dinheiro. Ele tem muito jeito com ferramentas. Thorne. papai. Joe e Elsie — balbuciou ela. mas Howard não quer ouvi-los. com as palmas das mãos. Fale sobre ele. 20. gente moça com amor-próprio. O bom conceito de Johnny aumentou. e você fica com o seguro para você e as crianças”. quando fosse desmobilizado. Apelou a Johnny para entender suas vistas largas. — Papai. Uma vozinha de criança desceu pela escada. mas muito confortável. — Howard está lá em cima. pensou ele maquinalmente. sabe desmontar um carro e tornar a montar como ninguém. também. A casa estava num silêncio total. Com a Luger que trouxe da guerra Trancou a porta depois que me levantei e quando subi para chamá-lo para o café. mas tive de arranjar um emprego de horário parcial para poder viver. Eles eram metodistas. tinham sido “namorados” a vida toda e se tinham casado quando Howard tinha 23 anos e Trudie. Mas eu tenho de morrer. Gente boa. através da porta: “Trudie. cinco. a gente dava um jeito. — Temos dois filhos. Thorne. e ele podia tomar conta das crianças de uma cadeira. pois. tento mesmo! Pensei no meu antigo emprego. Judd ficou contente de tê-lo de volta. Mas o que o homem podia fazer sem as pernas. e ele torna a olhar para o . É. Isso já foi há dois anos. Parecia que queria morrer. — Ele fica ali sentado com o talão de cheques — continuou a Sra. e eu disse a Howard que ia voltar a trabalhar. pensou Johnny com amargura — animado. do contrário. há dois meses. chorosa. passando horas sentado sozinho. as pernas de Howard pioraram muito e ele foi ao médico. uma cadeira de rodas. Johnny concordou. mesmo depois de trabalhar duro o dia todo. Mas não deu muita atenção. Ele e a jovem esposa calcularam que levariam mais uns quatro anos de uma poupança cuidadosa. com pena. de modo que queríamos uma margem. feliz. E então. de um tipo especialmente rápido e inclemente. ao seu antigo emprego no posto grande. Então. É como ter um estranho em casa. perguntou a Sra. com um bom aumento. — E logo um homem grande e forte como o Howard. e assim mesmo poucas vezes por dia. quase. — Deixe as crianças sozinhas com o pai — recomendou Johnny. Nesses últimos dois meses ele não conseguira dar mais do que dois ou três passos de cada vez. Foi horrível para Howard eu dizer isso mas eu estava tentando animá-lo e mostrar que não era o fim do mundo. querem que eu volte. e o Sr. e poderiam não ficar afetados ainda por alguns anos. Sempre disse que a pessoa tem de se manter sozinha. ambicioso e sem um arranhão. E eu tento. Era esclerose múltipla. quatro meses antes. nem mesmo as histórias preferidas dele. — E todas as semanas vou e tiro um pouco do dinheiro. Thorne se levantou de um salto. — Continue. É como se ele tivesse morrido. As pernas foram ficando mais fracas e. Teve de abandonar o emprego e de desistir da ideia de ter seu próprio posto de gasolina. e a Sra. Thorne. durante dois meses Howard ficara ali naquela casinha aconchegante. — Não queríamos ficar sem dinheiro — continuou Trudie Thorne —. Os médicos tinham dito que a doença estava temporariamente paralisada. quando ele chegava em casa. nem ficava acordado para ouvir o rádio. Mas depois que eu disse isso. num novo acesso de choro angustiado. Sra. — A voz mais bonita e melhor do mundo. e que os braços dele não estavam afetados. não podia brincar com as crianças como antes e depois ficava cansado mesmo e ia para a cama cedo. para terem seu sonhado posto de gasolina. sem rir. desesperado. pensando. em horário integral. ou talvez só três. ele não quis mais nem tomar o remédio nem deixar que o médico examinasse ou fizesse alguma coisa por ele. o que vai ser deste país? Em todo caso. Howard Thorne queria morrer. ou coisa assim. — E ele tem uma voz tão linda — disse a mulher. Uma voz de criança chorou. tinha de se sentar logo. de dar pena. sentado no braço de uma cadeira de balanço velha mas encerada. Howard não aprova os empréstimos do governo. E então as pernas de Howard ficaram fracas. para uma entrada para uma casa. sem responder à mulher ou aos filhos. ele voltou. que gostava de esportes e não ficava parado um instante. Sentia que era um peso morto. a ideia era intolerável. calado. Howard Thorne voltara das guerras — as guerras eternas e malditas. Thorne. engolindo em seco. e para um homem assim. embora despido. os rostos manchados de lágrimas e as cabeças encostadas a uma das portas. Trudie. Sra. diabos. Thorne. primeiro. é que ele dissera à mulher que ela ainda era moça e bonita e podia se casar de novo “e ter um homem de verdade”. o menino levantou o punho e bateu na porta. Elsie. um homem de verdade! Como se o meu Howard não fosse isso! Ora. Se eu não fizer isso. Joe. Não chorem. amor. por alguns anos. Fletcher. e Howard também tinha 15 mil dólares de outro seguro. Naquele dia ele dissera à mulher que isso a ajudaria. Thorne. lá se vai mais um pedaço do nosso posto de gasolina. pesarosa: — Trudie. duas crianças muito louras. junto com suas economias de cinco mil dólares. a voz abafada: — Vá embora. Howard querido! — soluçou a Sra. — Howard. Howard. Estavam gemendo tristemente. O pior de tudo. Ele tem de fazer uma coisa por vocês. estava bem encerado. brilhando mesmo à luz fraca. é preciso. Trudie. Tenho de rezar um pouco. talvez dentro de uns dois anos. E então? Assistência social? Nosso tipo de gente não pede isso. Sei que ele levou um golpe muito duro. soluçou a Sra. O pequeno hall do andar de cima era pouco mais que uma caixa com três portas dando para ele. Deus não o perdoará. Quando Johnny se chegou para eles. filho. e a senhora venha também. sai daí! A menina chorava. Aliás. Johnny falou. esfregando os olhos com as mãos. foi isso que ele disse. com firmeza: — Não reze. Tinham cinco mil dólares do seguro de pracinha. não chorem. com pena. de jeito algum! Johnny levantou-se. Vá embora. Thorne levantou a cabeça. Agachados nele. E um dia desses. e é por isso que sei como o Howard se sente. Vão procurar a mãe. está baixando. Falou com brandura: — A situação do Howard não é tão desesperadora quanto ele pensa. cara a cara pela primeira vez com uma tragédia total. Você vai ficar com o dinheiro. não faça! A voz de Howard estava baixa. Thorne. como é que você e os guris vão viver? Não presto para nada. debruçando-se por cima dos filhos e encostando os lábios na porta. dizendo: — Papai. O homem respondeu. — E é verdade. Thorne. informou a Sra. eu nunca olhei para outro homem na minha vida e nem olharia. nunca mais vou prestar para nada e você não sabe disso? Leve as crianças embora. amor. Claro. Mas o assoalho. . prefere morrer! — A Sra. “até que os garotos possam se sustentar”. num montinho infeliz. nenhuma situação é tão terrível quanto pensamos. Não vai adiantar nada. com orgulho. mas isso parece que o faz sofrer muito. e vocês estão impedindo. não sobre mais nada. Vou subir e falar com ele. — Sr. — Não faça isso conosco.saldo. papai. De vez em quando ele diz: “Bom. com tristeza. Nem levantaram os olhos para olhar para a mãe e Johnny. O papai não aguenta isso. . Thorne. Não me está convencendo de que vale nem mesmo 25 mil dólares. 25 mil dólares! Ora. Mas você não está enfrentando Deus. Era só enraivecer um pretenso suicida e metade do trabalho estava feita. nem pedindo Sua ajuda. ora. o homem comprava dois escravos por isso! É esse o orgulho que você tem em si? Howard Thorne. por causa. um raio de armadilha. por causa de sua enfermidade. Depois continuou: — Muito bem. Fletcher — falou a Sra. Provavelmente tem uns tiras aí com você. ministros. pois já ia cair numa pitoresca linguagem do exército. Howard. Howard. e ouviu-se o ranger de rodas e Johnny viu que o pobre rapaz se tinha aproximado da porta. eu… — parou. os soluços pesados e secos de um homem numa angústia total. depois. com essas malditas pernas. por Deus! Ele bateu na porta com os punhos. com um som de dilacerar o coração. Está querendo vingar-se Dele. Howard. sabe. — É o ministro. Howard começou a soluçar. Não tem amor- próprio. Dez como você. Se me convencer. Howard ficou escutando e depois grunhiu. Howard. num frenesi. — Eu só quero fazer uma coisa pela Trudie e os guris! Não posso mais fazer nada por eles! Vocês. Howard respondeu: — Posso surrar você. vocês…! Johnny esperou até que diminuísse o ruído daquela respiração ofegante junto da porta. bem. Não Lhe está contando seus problemas. — É uma armadilha. — O ministro. Quer fazer com que sua família se sinta infeliz e culpada toda a vida. antigamente. As crianças levantaram as vozes num gemido de medo. sou um homem grande e enfrento dez como você. moço! — A voz de Howard passou a um berro. não é. pois acha que alguns milhares de dólares valem mais para sua família do que você! Quanto? Ao todo. vendido por 25 mil dólares! — Ministro ou não. — Isso mesmo. e parecia o rufar de tambores. Não é um homem valente. mesmo agora. Eu o chamei. mesmo de pernas sãs. é um covarde. Johnny sorriu diante da paixão violenta naquela voz sulina e respondeu. — Sozinho. o que você gosta. — Nada de tiras — respondeu Johnny. — Se eu tivesse pernas. que Ele não lhe pode fazer isso? — Isso é um raio de mentira! — gritou Howard. Está odiando Deus. Não devia ter incomodado o reverendo. depressa. de você. — Não devia ter chamado. Ele sorriu de novo diante do grunhido zangado e desdenhoso. Vai mostrar a Deus. essas palavras são de briga. Tossiu. Trudie. com cuidado: — Muito bem. O que ele pode fazer por algum de nós? O homem tem de enfrentar Deus sozinho. deixe-me entrar e me faça engolir minhas palavras. ia fazê-lo engoli-las. e posso provar isso! — O que está fazendo numa cadeira de rodas? — perguntou Johnny. Howard — falou Johnny. que está nos jornais. o Sr. Ficaram todos calados durante algum tempo. — Mas vou lhe avisar. meus próprios filhos — gemeu Howard. — Os guris nunca o ouviram falar assim. A Sra. tentando compreender. mas aí anda por aí na cadeira. — Para combinar com uma cabeça de borracha — completou Johnny. Da mãe. Temos um bem razoável aqui. . — Garotos simpáticos. — Howard — pediu ela. Howard. Joe chegou a dar uma risadinha e a irmã. Mas lá estava o Reverendo. Aquele era um tom que as aliviava. um tom normal e feliz. Não era bom as crianças ouvirem aquele vocabulário. os olhos arregalados e apavorados à luz fraca do hall. Tem rodas de borracha. — Só estou dando uma olhada neles — respondeu Johnny. Fletcher! Fez mesmo! Quando as pernas ficaram ruins. tranquilizando-a. — Por falar nisso. Ele fez um gesto com a cabeça. riu com ele. Vai ter de economizar para eles se educarem. em vez de o atormentar. acalmando-o. Onde é que roubou a Luger? — Paguei 10 dólares por ela! — gritou Howard. sorrindo para as crianças. E então? Deixe-me entrar e vou chorar no seu ombro. De quem será que herdaram a inteligência. Espertos. cerrando os dentes. e só dela. e piscou para a Sra. atrás da porta. querendo despertar compaixão. — Zombando de mim. — Deixe os meus guris em paz! — rugiu o pobre rapaz. tire os guris de perto da porta. Consegue descer a escada andando. dentro do horror incompreensível que se abatera sobre elas naquela manhã. As crianças estavam olhando para ele. também. — Ouçam só o…! — Está enganado — respondeu Johnny. — A mãe não vai poder tomar conta deles. Sr. Thorne falou depressa: — Foi o Howard quem fez a cadeira para si. — Meus pais eram casados. Joe está escutando e rindo de morrer. quando Howard berrava e praguejava por trás da porta. Johnny se abaixou e mexeu nos cabelos deles e eles riram de prazer. — Papai não tem cabeça de borracha — disse Joe. Deixe o ministro entrar para falar com você. Tenho de ter uma conversinha com esse sujeito aí! Trudie fez as crianças muito interessadas se levantarem e as enxotou. encabulados. você me deu saudades do exército. Thorne estava piscando. você é engraçado mesmo — respondeu Johnny. sem entender. — Vou deixar você entrar! — concordou afinal Howard. rindo. Thorne. as lágrimas secando em suas faces. — Tem cabelos vermelhos. de modo que providencio para eles irem para um orfanato. A Sra. imagino. leve para o quarto deles. tendo pena do pobre Howard. depois que você der um tiro nesses miolos de mico. por favor. — E vou arrancar sua cabeça! Trudie. E os seus? Gente decente não anda por aí apavorando as mulheres. olhando para Johnny por cima do ombro. — Bom. quando o marido parou para respirar… e para maior efeito… depois de um trecho especialmente horripilante. O ministro devia estar falando de Deus e do pecado. — Entre. Garoto grande e bonito. Talvez Elsie possa ficar infeliz. quando abrir a porta? Uma chave girou na fechadura. Não vai ter um pai de que se orgulhe. Howard não deu resposta. e Johnny desconfiava que fossem. e pensar em lhe contar tudo. Talvez você devesse mesmo ter dado um tiro na cabeça. em todos os Natais. direita. as mãos nos bolsos. e as pernas penduradas da cadeira pareciam bem sãs. mas depois vai se lembrar desta manhã e saber que você não a ajudaria. mesmo você sendo grandão! Sou maior do que você. Mas as pessoas são assim. mesmo. calados. embora ela não tenha culpa alguma. a Estrela de Belém. Howard tinha se calado e ficado muito parado. Johnny sentou-se na beira da cama de casal arrumada. Claro. Vão se lembrar disso a vida toda. vai atirar em mim. já se foram. olhando para Johnny com ódio. e ele ficou espantado. Filhos maravilhosos. Olhou em volta do quartinho reluzente. entre. Howard Thorne era um rapaz maciço. Depois de uma pausa. Aí alguém a roubou. os olhos castanhos enraivecidos. É assim que funciona a mente humana. com calma. com sua colcha feita em casa. Você não estará suicidando só a si. Olhou para Howard. furioso: — Posso surrá-lo. Nunca me esqueci. E iam culpar a mãe. alguma vez. se bem que sua respiração pesada enchesse o quarto. afastando a cadeira da porta. E terá assassinado a fé nas almas deles. as mãos enormes nos joelhos. — Quando você se matar. Depois ele jogou longe a Luger. Johnny via a cabeleira ruiva e emaranhada. Acho que se chamava Estrela de Belém. Uma pena terem sido magoados desse jeito. — Minha mãe Ane fez uma assim mesmo. Ainda olhando para o objeto falou: — Tenho de felicitar você e a Trudie. os dentes cerrados. seus filhos vão se lembrar deste acolchoado para sempre. admirando-a. Alguma coisa num nicho no canto atraiu seu olhar. Alisou a colcha. Precisamos de mais uns milhões como vocês. — Então! — disse Howard. quando for mais velha. sob a camisa branca limpa. rosnando. Desenho de estrela. Johnny postou-se ali. Vão pensar no desenho dela. Gente boa. que caiu no tapete de retalhos no chão. o rosto largo e branco. Estará manchando todos os Natais das vidas deles com o seu sangue. enquanto forem vivos. claro. Howard levantou a cabeça e falou. Eu a tive durante anos. Olhou para a Luger em suas mãos e seu peito grande. como este. arfava num soluço mudo de angústia. . Howard. ofegante. seu pastor dos diabos! Ele empurrou a cadeira depressa para o meio do quarto. Por falar nisso. o nariz curto e forte e a boca grande. a porta se abriu de repente e lá estava Howard na sua cadeira de rodas. Ambos os homens olharam para ela. com prazer. isso seria para as crianças um choque nervoso de que nunca se recuperariam. E Joe. — Muito bem. Uma das mãos agarrava a arma fatal. por aqui. — Não consigo ficar de pé horas. lá onde morava. saindo da parede. Ora. Eu era campeão. como devia! Como posso dirigir o meu posto. Mas milhões de pessoas passam por isso todo dia e não dão um tiro nos raios das cabeças. ele que venha. com repugnância. e a doença pode ser paralisada. e Johnny o observou atentamente. Deu uns passos lentos. a cabeça baixa. sério. de repente. o . Não fez de você um aleijado. Gostaria que ele o examinasse. Johnny sacudiu a cabeça. provavelmente. Mas tenho um amigo. — Para que cadeira de rodas? Sei alguma coisa sobre esclerose múltipla. hesitou e depois ficou ali duro. Havia marcas de sofrimento em volta de sua boca. É. as pernas positivamente estavam fracas. a princípio com dificuldade e dor evidentes. McManus. A luz baça da janelinha com cortinas bateu em seus cabelos ruivos. Mas você teve de passar a usar logo uma cadeira de rodas! Querendo torturar Trudie. Howard. é? Bem. Tenho algum dinheiro. como acha. mas a inércia as estava enfraquecendo antes do tempo. na vida. e se trataram. é? — Cale a boca! É mentira! Eu só queria que ela visse o que ia me acontecer depois. oscilando um pouco. nunca é pela causa imediata. O médico me disse que eu provavelmente ia ficar assim dentro de uns 8. apesar de dois anos de fraqueza muscular. Não pode mais ficar de pé o dia todo. e depois com mais força. mas levantou. para não chorar muito por mim. posso pagar. 10 ou 12 anos. Johnny cruzou as pernas e disse. e começou a andar de um lado para outro. — Acho que concordo com você. Ele olhou para Howard. Mas vamos falar de você. McManus. ou de qualquer um? O médico disse que não poderia. Dr. seus olhos. pensativo: — Quando uma pessoa quer se suicidar. Depois virou-se depressa para Johnny. Johnny meneou a cabeça. as mãos cerradas num desafio ao lado do corpo. não consegue encarar o que tem de encarar. olhou para Johnny. com desdém —. Saem lutando. mas vou avisando que os honorários dele são caros. Não é só aquela coisa. Mas não sabe atirar ferraduras tão longe quanto eu. Olhou para a cadeira de rodas e estremeceu. o famoso Dr. conheço meia dúzia de pessoas que têm isso há anos. Mas o homem que se mata não tem tutano. às vezes pelo resto da vida. Ele sente que está imprensado contra uma parede. — Veja só! — exclamou Howard. É só mais uma centena de coisas que ele tem tido de enfrentar. formando um halo de raiva patética. Quer sentar? — Não! — berrou Howard. sorrindo para esconder a compaixão em seu coração. — Daqui a pouco ligo para ele. só isso! Ele se levantou da cadeira-de rodas. quando foi a primeira vez que você se sentiu imprensado contra a parede? Quando era rapazinho adolescente no exército? Howard parou de andar. — Diabos — respondeu Howard. — Talvez. deu um passo para ela. e como para se proteger contra uma luz intensa demais para ser suportada. nervosos e tensos. em parte pelo seu pai. mas um homem de força. porque você tem um espírito de artista e isso nem sempre é . cheia de assombro. — Trudie gostou disso. era incrivelmente bela e impressionante. por cima do ombro dele. e no entanto cada hora de minha vida é uma revelação para mim. Ainda de olhos fechados. Talvez o pai tivesse bom senso. Howard a observava. Coisa boba. ainda segurando a estatueta. naquela época. galáxias e universos. com orgulho. vigorosamente entalhadas. Johnny se levantou e foi até a pequena peanha de madeira pendurada no canto. Mas o meu pai disse que eu tinha de parar com isso e ir trabalhar e eu fui. estavam meio erguidas. Representava Cristo como rapaz jovem e viril. quando eu era menino. — Quando eu tinha 14 anos! Veja ali! Eu esculpi aquilo quando era garoto. — Foi você quem fez isso? — repetiu Johnny.rosto amargo e vivo. com uma juventude imortal. pela primeira vez. — Sou ministro. Pegou a magnífica estátua de madeira escura e a segurou com respeito. Lá estava o simples Homem da Galileia. Teve de se sentar. e ninguém vai dizer que não ganhei bem a vida para minha mulher e filhos. soprada para trás por um vento invisível e eterno. Ali estava o Deus que passava de constelação em constelação. e viu que eram esguias e bronzeadas. em parte por si mesmo. sem poder acreditar. onde arderiam para sempre conflagrações de vida e glória. quando os dois éramos garotos. Aproximou-se de Johnny e olhou para a imagem. a voz abafada. e suas ordens. mas lá estava também o Deus triunfante e poderoso. e deu uma risada. — Foi você quem fez isso? — perguntou Johnny. e tinha sempre razão. Passei a vida toda esculpindo. com uma veste simples. Ali se viam a força. cujas mãos tinham lançado sóis e mundos. Não era um Cristo humilde e brando. num gesto de criação iminente. no tempo e no espaço. Sempre quero jogar fora. deixando atrás de Si o Seu rastro brilhante. sorrindo. Foi presente meu para ela no aniversário. Um sujeito lá onde eu morava me ofereceu 10 dólares por ele. ele começou a falar baixinho. Talvez ele não soubesse das coisas. e os guris também. A imagem. tão maravilhosamente bem entalhada que parecia esvoaçar. As mãos pequenas. erguido para ouvir o som da música que Ele criara por toda parte. — Eu era muito religioso. de 32 cm de altura. Ele lhe deu o gênio e a capacidade de criar coisas maravilhosas. mas eu nunca consegui perdoá-lo. De Deus e Seus assombros misteriosos e estranhos. — Coisa boba — respondeu. Você foi impedido. O rosto era vital e forte. os dedos compridos. sensíveis e calejados. Suspirou e fechou os olhos. — Quando era menino? Howard ficou meio prosa. Depois olhou para as mãos de Howard. mas Trudie gosta dele. num abismo negro e sem vozes. Sacudiu a cabeça. faiscando de luz. mas eu dei para a Trudie. poder e exultação. calmo. — E a mim também. tirou a força de suas pernas e ordenou que você tornasse a usar suas mãos. — Conheço um escritor que hoje é famoso — continuou Johnny. Eu disse a Trudie que não prestava mas ela me obrigou a mostrar aos ministros. a vida e as mesquinharias apenas o atrapalhavam. pensativo e cheio de pesar. bem aqui nesta cidade. Depois balbuciou: — Não… não está brincando comigo. quero que lhe mostre esse trabalho. Se eu não soubesse os milagres que Deus está realizando sempre. Outro falou que eu devia fazer outro. e de repente o rosto largo e pálido ficou terno. — É assim que Ele ainda me parece. vamos — respondeu Howard. sim — murmurou. Um deles disse que não prestava. em todo caso. quando o Dr. inseguro. Tem de esculpir mais estatuetas. seus . para fazer o trabalho que Ele lhe ordenara fazer. ajoelhado e rezando. com assombro e alegria. — Ora. e ele levou muito tempo para superá-las e se livrar. Para cada artista que sobrevive e vive e cria. — Podia não só fazer uma fortuna mas ainda ficar famoso no mundo inteiro — respondeu Johnny. Quanto dinheiro você tem? Cinco mil dólares? Isso vai lhe durar até você começar.suficientemente forte para desafiar o mundo dos homens. e depois eu me ri à beça dela! Estendeu a mão e pegou a estatueta de Johnny e a segurou. — Você e o seu posto de gasolina! Você e gasolina! Por Deus! Howard olhou para ele. Eu sei. ou eram sensíveis demais? Não sei. os olhos castanhos ardendo com um entusiasmo quase incontrolável. eu mostrei isso a alguns ministros. Howard. do que quiser. não poderia acreditar que você é que fez isso. — Não lhe estou mentindo. mudo. Mas Deus não quis esperar até você estar na meia-idade e inteiramente esquecido. — Mas gosto disso. nem nos museus da Europa. nunca tendo vivido. e eles disseram que era… o que foi mesmo?… blasfêmia. Não quis que você continuasse a trabalhar em coisas pequeninas. esculpindo coisas assim? — perguntou ele. — Quer dizer que aquela coisa ali significa alguma coisa? Diabos. — Ele riu. Foi isso que aconteceu com você. — Mas ele jamais publicou um só livro antes dos 40 anos. ali junto dele. e sim um espírito de vida animada e de esperança. Ele então abriu os olhos e olhou para Howard de repente. de pé. Nunca vi trabalho como este. certamente 10 mil deles já se afundaram no pó da obscuridade. de repente. a voz tremendo. morrendo como metade de homens. McManus chegar. Então. religiosas. Por quê? Porque lhes faltava a fé em si e em Deus? Porque tinham corpos frágeis. Por fim acrescentou: — Tenho vontade de me ajoelhar e rezar. e não era mais um trabalhador. Sempre foi escritor. encabulado. está? Johnny pôs a mão no ombro dele mas só conseguiu ficar ali e sacudir a cabeça. escutando com pesar. Howard virou-se para ele. — Quer dizer que eu poderia ganhar a vida. O Dr. a cabeça meio virada tinha um ar de estar escutando. sem poder falar. Ei. modestamente orgulhosa. — Nunca desisti de esculpir — explicou Howard. se quiser. Respirava abandono e infelicidade. o tempo todo. Howard pegou a estatueta dele com dedos delicados. McManus arranja para colocá-las. Uma refugiada. animais e anjos. No entanto. Colocou-a na palma da mão de Johnny. Tocou no rostinho e pensou em Emilie. como se ela tivesse vida. esfarrapada e desanimada. Johnny as examinou. de uma esperança frágil. não andou. Pegou uma caixa comprida e despejou o conteúdo na cama. Uma meia dúzia. Mas Howard estava gritando em altos brados: — Trudie! Joey! Elsie! Venham aqui ouvir o Reverendo! Venham já! E Trudie. conhece todo mundo. Pode ser que você precise de algumas lições. de uma criança triste. A Trudie queria pô- los em mesas. — Gosta desta? — perguntou Howard. e tinha vergonha. a voz de um criador. cada qual maravilhosamente perfeita e severamente delicada. — Tenho de fazer alguma coisa com as mãos. Ele vai ficar para almoçar! . A voz dele estava segura. Mas não lições demais. — Obrigado — respondeu Johnny. — Vi uma garota assim na Europa. olhando nos olhos do ministro: — Você me fez viver de novo! Puxa. E depois as leva para Nova York. mas estou sempre ouvindo o meu pai dizer para eu parar com essa besteira e trabalhar feito homem. parece que a vida me está voltando! Como se eu tivesse renascido! — E renasceu mesmo — respondeu Johnny. dadas por gente com menos gênio! Howard correu. e a embrulhou com carinho num pedaço de papel de seda. é bom começar a fritar essa galinha.filhos. Johnny estava examinando uma estatueta de uns 18 cm. pois provavelmente está enferrujado. muito poucas. Era uma coleção de meia dúzia de estatuetas. quer para você? Pode ficar com ela. sua mulher… qualquer coisa. até a cômoda e puxou a gaveta de cima. É como a gente ter fome e ter de comer. E disse. de crianças e pássaros. — Papai tem um retrato. Johnny ligou para casa. alegre. risos e rostos jovens e gratidão. Summerfield está aqui. Burnsdale ficou meio fixo. Meia hora depois uma empregada entrou na cozinha. — Então — acrescentou. preferindo o movimento da preparação das refeições num calor fragrante e fumegante.com um pouco de febre. Que bonitinha… — Você é a Tia Lorry — adivinhou Debby. o papai disse. mas Debby tinha sido mandada para casa. Burnsdale chegou junto dela e apertou as suas mãos frias. do jardim. aninhando-se junto da moça. o chapéu e o casaco quando a Sra. — Resolvi vir para cá para o fim de semana. que sugeriu um chá quente e sanduíches. com um ar importante: — Estou com sarampo! — Ah. Uma menina grande. sorrindo para ela com prazer. naquela casa de regozijo. — Vi o seu retrato — falou a menina. Debby sentou-se ao lado dela. em vez de ir para Nova York — disse ela. depois de um beijo estalado. avidamente. sombrio: — E eu provavelmente também vou pegar. dissera a enfermeira do colégio. — E um quarto grande para . largando-a depressa. pulando. pulando de prazer. suspirou e sorriu. O médico tinha levado as quatro crianças mais velhas para o jardim zoológico. — E eu que fico com crianças três vezes por semana. Viu que Lorry estava extenuada. em frente da grande lareira da sala de visitas. disse a Sra. Alguma coisa a está preocupando. — Debby é muito pesada para a senhora. Posso levar as alianças.XXXIII Às 14h00. — Talvez seja sarampo — sugeriu a Sra. pondo as mãos nos joelhos e se abaixando mais — essa é a Debby. Lorry pegou a menina no colo e a abraçou. — E acrescentou. O sorriso de boas-vindas da Sra. Alisou os cachos castanhos brilhantes. pelo amor de Deus — Lorry assustou-se. em desalento. — E todas aquelas outras crianças. Burnsdale saiu da cozinha correndo acompanhada por Debby. Burnsdale. — A Srta. muito magra e a boca muito pálida. Burnsdale estava feliz. havia três chamados de doentes para ele. — Vamos ter uma casa nova — informou ela a Lorry. parecendo um bebê! Mas Lorry agarrou-se à criança. Burnsdale. Burnsdale. Estava . abaixando-se para beijar o rosto da Sra. pensou a Sra. preparando a sobremesa favorita do médico para o jantar. com calma. um do hospital. que se recusara terminantemente a ir para a cama. Lorry já estava tirando as luvas. pois nunca tive. A Sra. onde a Sra. os quais Lorry aceitou agradecida. ou mais. Burnsdale. abraçando Lorry. Debby inclinou-se no colo dela e falou. Sim. — Sarampo! — exclamou Johnny. — Eu queria que eles fossem morar conosco na nossa casa nova. veja o que me fez. Ficou ouvindo a tagarelice da menina. apenas escutando aquela voz e tomando coragem com ela. encantada. Deus. Depois. Não sabia? O rosto rosado de Debby mudou e ela olhou para Lorry.Kathy e eu. —·Todas as crianças são boazinhas. Ela apertou bem as pálpebras. só pelo amor. O rosto : da menina estava parado e reservado. nunca mais pode acontecer. mais lares desfeitos? Nunca. ele se debruçou e a beijou nos lábios. que só conhecera o amor! Que maravilha. Se elas podiam ser salvas. E veja o que poderia fazer por todo esse mundo desgraçado. consolava e tratava nesses dias tristes e amargos. rezou ela. Era uma bênção as outras crianças poderem ter aquela por irmã. não o detestando como antes. tão vibrante. cheia de medo. feliz. séria. Ela era mais boazinha do que eu? Lorry encostou a face na cabecinha redonda e quente. solitárias e machucadas que ela classificava. que queriam vingança… de nada. mas temendo-o. mais horrores. Ou. pensando no pai. Sem uma palavra. e Debby não estava mais. de vez em quando. Pensou nas outras crianças naquela casa e sua coragem aumentou. Debby se encostou no seio dela. Lorry olhou para aquela sala velha e feia e suspirou de novo. — Foi mesmo? Foi porque levou Emilie? Kathy que contou da Emilie. depois sentou-se no braço da . a mão dele na sua face. Ela e Debby estavam sozinhas. em antecipação. Debby aceitou o convite. mas eles vêem você e a amam. meu bem? — perguntou Lorry. Era ótimo estar com uma menina que não tinha feridas espirituais nem físicas. — Venha sentar no meu colo e me conte tudo sobre você. Sempre. os olhos virados na direção do fogo. Aliás. Agora havia homens demais como o pai dela no mundo. os homens cheios de ódio. — Deixe pra lá o sarampo. pior ainda. — O que é. estendendo os braços. os olhos azuis e brilhantes acesos. Sua voz doce de menininha continuou e Lorry concordava. com certo contentamento. o que o papai ia fazer sem você agora? Foi Deus quem mandou você para ele. — Seus olhos cansados olharam para o fogo. pensou. se é que está mesmo com isso — falou Lorry. meu bem. numa atitude de exaustão total. com mais cidades destruídas. Aí ela notou que Debby não estava mais falando. homens que queriam lucros. mais mortes. Lorry afagou-lhe os cachos. com uma vozinha miúda. então as outras também podiam. — Pulou de novo. Debby estava cochilando no colo dela e Lorry recostou-se na poltrona de orelhas e de repente estava dormindo. — Você não os vê. tão saudável e fresca. mais crianças dilaceradas. vendo as crianças assustadas. Uma menina americana. com amor. — Papai me contou do meu papai e mamãe. com os anjos — respondeu ela. Quando ela acordou já estava escuro e Johnny estava ali a seu lado. E se houvesse outra guerra. como era gratificante e dava esperanças. Presidente da Assistência Feminina! É… incongruente. — Imagine. você vai ter de continuar com o seu trabalho com os quacres. — Devia saber o que você é. Ora. ele agora deixa o Padre John Kanty em paz. até eu ter vontade de vir em casa e matá-lo. Ela teve uma sensação de repouso e felicidade. Ninguém acredita. Johnny. mesmo depois de nos casarmos. as lágrimas escorrendo por suas faces abatidas. eu nunca poderei ser uma mulher de ministro de fisionomia suave. sentindo remorsos. O Tio Al me manda todos os sarcasmos e escárnios dele sobre você. e você sabe disso. Também eu andei pensando. espantado. provavelmente. quando quiser. receio. casar com uma mulher com a morte no coração! Por causa de você. Ela se levantou e ficou ao lado dele. como sou? Johnny. Johnny — murmurou. Sinto isso com todos os meus instintos. — Tentou rir. Você me vê fazendo tudo isso com toda a sinceridade? — Não — respondeu Johnny. em todo caso. passando a mão em seu braço. e tudo. querida — respondeu Johnny. Há homens que precisam de alguém para detestarem. Então Lorry começou a falar. Lorry Summerfield. serei muito ruim para você. O fogo crepitava baixinho na lareira e sombras rosadas oscilavam nas paredes escuras. — Voltando ao nosso caso. Não sou esse tipo. Ele virou-se. como eu sou. ajeitando as coisas no salão paroquial. agachou-se e pegou as mãos dela. — Não quer se casar comigo. agora em paz em casa em algum lugar do mundo… e amanhã perdidas e órfãs. nada adequada para você. organizando festas de crianças e almoços de missionários. Para você. Johnny sorriu para ela. Ele se levantou. Ela olhou dentro do azul profundo e brilhante dos olhos dele e começou a chorar. Amanhã será outra pessoa.poltrona. Esta cidade. Nunca. eu sabia que você ia entender. Lorry? — perguntou. ruim? — Você já me viu como mulher de ministro? Sinceramente. Johnny. vim para cá porque estou muito cansada e precisando de você. — Ah. Aliás. e uma vontade de chorar. encostando a cabeça na dele. Johnny. depois que eu apareci. e no momento sou eu o palhaço. Todas aquelas crianças e. — É tudo tolice — respondeu ele. mas só conseguiu soluçar. Johnny. as mãos atrás das costas. — Como assim. — É disso que tenho medo — disse Lorry. — Ela deixou cair a cabeça no ombro dele e eles . Nunca deixa você em paz. — O que interessa? Ele que insinue o que quiser. — Você tem dotes especiais. não de dor. haverá outras. — Não me importo com o que o seu pai escreve sobre mim. — Johnny. Estive pensando muito. Já devia saber — falou ela. Não pode confiná-los num âmbito restrito. E para lhe dar a oportunidade de ver as coisas… direito. Johnny. cheia de tato quando os tolos falam. puxando a cabeça dela para seu peito. É por isso que. não creio que eu serei boa para você. mas de paz. — Mas o meu pai. você precisa de mim. — Johnny. — Não faz mal — continuou ela. — Todo esse negócio de amor — resmungou — está me levando à segunda infância. e entre elas. e com as melhores travessas de prata. — Olhou feroz para as outras crianças e gritou: — Rua! Todos vocês. A Sra. espiando uns por cima dos ombros dos outros e se acotovelando para um longo exame daquela criança importante. Por falar nisso. Lorry sorriu. Burnsdale estava enfiado num vestido da moda. — Sabe. Jean. quando é que nos casamos? Ela agora ficou séria e seus olhos cinzentos se turvaram. implicando. Burnsdale com a cozinheira na cozinha e lhe fez um sinal. ela tomou a adquirir importância. sabem? Pôs os brinquedos favoritos de Debby na cama. Burnsdale tinha posto Debby na cama a despeito de protestos e lágrimas. Os outros ficaram olhando para ela com inveja. com rudeza. Ele viu Johnny e Lorry de pé. — Nem todo mundo apanha sarampo — concluiu o médico. O Dr. madame. . Havia tanta coisa a fazer.se abraçaram no escuro quente da sala. É o clima. Estava ficando com uma erupção visível. O corpo roliço da Sra. —· Sinto que cheguei em casa. Eles ouviam as vozes das crianças nas salas do andar de cima. segurando a mão dela. — Depois do ministro e da Srta. — Sim — disse ele. juntos. E os grunhidos do Dr. Ela estava inteiramente em paz. Senilidade. A sala ainda estava acesa pelo fogo. Lorry: Pensa que eu o deixaria? Ele lhe estendeu a mão hábil e ela a pegou. rindo e corando. Ficou contente. brigando. Mas um pulo fora da cama e você passa a leite e torradas. pois é muito delicado. Ele a examinou. a senhora está cada dia mais bonita. doutor — retrucou ela. Ela apontou o dedo por cima do ombro em direção à sala. sombrio. Ou será que sou eu. a qualquer momento… Al — murmurou. é isso. McManus. irritado —. calado. Ela agora é minha filha especial. rindo. se é o que quer. e ela viu. Mas ela e Johnny o fariam juntos. Encontrou a Sra. pode comer sorvete de morangos em todos os raios de refeições. por acaso? — Ora. Ele hesitou e depois a puxou. — Espero. se está. em homenagem à visitante. Está entendendo? Debby bateu a cabeça com tanta força que os cachos voaram. que já estava iluminada pelas velas. Então. Max e Pietro foram banidos para o limiar da porta. é bom falar depressa. E não cheguem perto da Debby. — Se quiser um suflê decente. — Então? — perguntou ela. embora sabendo que os anos que tinham pela frente seriam difíceis e interrompidos. de seda preta e uma gola de renda em volta do pescoço avermelhado. Kathy. Ela o acompanhou à sala de jantar. quando Debby viu a curiosidade assombrada das outras crianças. afagou sua face quente e desceu. quietos. McManus estava sentado na beira da cama de Debby. —·Ah. dando-lhe um bom beijo, e depois outro. — Tenho outro motivo, entre muitos, para querer me casar com você — disse ele, afastando-se. — Vamos estar todos juntos na casa paroquial e vamos ter de consolar Johnny um bocado. Lorry não quer largar o trabalho dela; ela me escreveu para preparar Johnny para o que ela chama de sua “decisão”. Não fiz isso. Isso é lá com eles. E acho que resolveram. O que ela pensava que o Johnny fosse, hein? Depois, você muito breve será Presidente da Assistência Feminina; já ouvi falarem. O que a Lorry ia fazer, para preencher o tempo? “E outra coisa — acrescentou, raivoso —, estou cansado dessas listas. Considere-se minha noiva, madame, e pare com as listas e compre o que precisar para essa maldita casa paroquial. Mande pôr na minha conta. Estou farto de ver essas listas enfiadas por baixo de minha porta de noite, como um billet-doux. Isso não é moral. Na minha idade!” As crianças nessa noite jantaram na sala de almoço. Lorry sentou-se à cabeceira da mesa encerada da sala de jantar, no lugar do médico. Seus cabelos lustrosos, os brilhantes olhos azuis esverdeados, o pescoço alvo e comprido e as mãos muito brancas formavam a imagem mais linda do mundo para o Dr. McManus, Johnny e a Sra. Burnsdale. Sua voz perdera a antiga aspereza; quando ela ria, agora, era o riso de uma mocinha. Johnny mostrou a estatueta que tinha ganho naquele dia. — Um amigo meu esculpe essas coisas — falou ele, com uma displicência estudada. — O que acha disso, Lorry? É só uma criança, entalhada num pedaço de mogno, eu acho. Lorry a pegou e examinou; depois levantou os olhos para os de Johnny, devagar. — Ah, é milagroso — respondeu, os olhos se umedecendo. — Eu as vejo todos os dias, essas crianças — murmurou. — Todos os dias. Como se chama o gênio que captou a expressão de uma criança perdida, e todo o seu sofrimento e infelicidade? O médico espiou. — Ora, macacos me mordam. Conheço essas coisas. Pastor, furtou isso da casa de algum ricaço, quando ele não estava olhando? Johnny então contou a respeito de Howard Thorne e eles ficaram escutando, com assombro, sem acreditar. — Não é possível! — exclamou Lorry, segurando a estatueta, maravilhada. Colocou o objeto na mesa e, iluminado pela luz de velas, ele adquiriu vida e expressão e pareceu mover-se. — Um homem assim! — É — respondeu Johnny — um homem assim. E quem sabe o que é o nosso próximo, afinal? Um santo, um anjo sem saber, um gênio, um artista, um demônio, um sonhador de grandes sonhos, ou um abscesso em forma de homem? Quem sabe? Nós nunca realmente nos vemos e isso é ao mesmo tempo o mistério e o terror da vida. Lorry ficou escutando e depois tornou a examinar a estátua, assombrada. Depois de um instante perguntou: — Johnny, posso levar a estatueta comigo para Nova York? Conheço as pessoas certas, que se interessariam muito. Quantos ele tem no momento? — Alguns. Mas não quer ceder o Cristo. Mas você tem de ir lá, para vê-lo, comigo. — Um homem assim — falou o médico — precisa de todo o apoio possível, para começar. E eu sou exatamente o velho fi…, quero dizer, idiota sentimental, burro, esbanjador que vai fazer isso! — Tocou na estatueta com um dedo muito delicado. Pensou em Jean, em todas as outras crianças. Aquilo era sua essência. Acrescentou: — E é bom que ele vá à minha clínica para um exame geral. Há coisas que se pode fazer a respeito disso, não muitas, mas temos algumas pistas. E talvez, se pudermos provocar esse povo mais um pouco, consigamos dinheiro suficiente para vencer isso. Talvez. Eu mesmo andei trabalhando nesse assunto. Lorry levantou-se, foi para junto dele e beijou-o. Ele piscou e passou o braço em volta da cintura dela, com força. — Do jeito que vocês todos me exploram — reclamou, zangado — um dia desses acabo falido. — Coitadinho — provocou a Sra. Burnsdale, com um sorriso de carinho. Ele virou os olhos ferozes para ela e brandiu o dedo na cara dela. — Isso não é jeito de minha noiva falar! — ralhou. — Está começando bem. — O quê? — exclamou Lorry, encantada, olhando para Johnny, esperando vê-lo encantado também. Mas ele estava recostado na cadeira, ostensivamente caceteado. — Não é segredo. Eu já adivinhei isso há meses. Fico espantado com você, Lorry. O doutor e a Sra. Burnsdale andam se beijando atrás das portas há semanas, — Isso é uma mentira descarada! — gritou o médico. — A insinuação me ofende. Olhe para o rosto corado desta mulher e verá que está inventando. Foi só hoje que falei com ela. A Sra. Burnsdale falou, examinando a sobremesa com olhos críticos: — E isso também é mentira. Ele anda atrás de mim desde que vim para cá. Por fim, tive de ceder. Pareceu a Lorry que aquele fora o fim de semana mais feliz de sua vida. Não houve nada que o estragasse, nenhum tom de ansiedade em coisa alguma, a despeito do sarampo de Debby e do fato de as outras crianças estarem com sintomas sérios da mesma doença. A nevasca podia continuar intermitentemente, misturando-se com o smog menos intenso, e a última ventania do inverno podia abalar as paredes da casa velha. Lá dentro só havia paz, contentamento, calor, risos e amor. No domingo ela se sentou num banco lateral, sem chamar atenção, para ouvir o sermão de Johnny. Nesse dia ela lhe contaria sobre Barry. E depois ia telefonar a Barry e lhe pedir para ir lá. Sorriu para Johnny e escutou sua voz sincera e sonora. Talvez, a imagem da criança o tivesse comovido demais. Talvez algum pressentimento terrível acometera seu coração. Ele falou dos Soldados do Senhor, “que tinham de militar sempre contra o mal e os homens maus, que estão nesse momento tramando a morte de todas as nossas esperanças, a destruição de nossas cidades, os gritos de morte de nossos filhos, a ruína de nossas capitais, o assassinato de nossa juventude. Estão planejando uma desolação e um deserto na terra, muda, aos mares desolados. Não podemos ser complacentes. Os homens de boa vontade são delinquentes. Os homens do mal são cheios de uma intensidade apaixonada. O próprio ar clama com a conversa de demônios”. Seu sermão foi noticiado no Press, na segunda-feira. Lorry, ajudando com as crianças, que já estavam positivamente com o sarampo, só leu o jornal de tarde. Lá estava o editorial do pai, e nunca uma acusação fora tão maligna, tão distorcida, tão cheia de ódio e desprezo. “Para um homem que fala tão constantemente na paz”, escrevera o Sr. Summerfield, “é estranho que se tenha tornado fomentador de guerras, um provocador de emoções ignorantes e inflamadas. O que queria que fizéssemos? Lançar a bomba atômica indiscriminadamente em qualquer nação que pudesse ser apenas suspeita, embora sem motivos positivos, de ‘tramar’ contra este país? Estamos numa época em que os homens devem usar a razão e ser calmos, tolerantes e ponderados. No entanto, esse ministro conduziria uma turba contra qualquer um, em qualquer lugar. Este jornal há muito desconfia de seus motivos. Está na hora de ele ir embora.” Lorry escapuliu da casa, sua fisionomia dura e branca. XXXIV — Não, Sr. Fletcher, não vi a Srta. Lorry sair — comunicou a Sra. Burnsdale, aflita. — O carro dela não está aí? Pensei ouvir um carro sair da garagem há uns 45 minutos. Talvez ela tenha ido fazer alguma visita. — Ela não tem amigos íntimos em Barryfield — respondeu Johnny, decepcionado. Acabava de chegar de visitas a doentes. Sentiu-se um tanto magoado; no dia seguinte, Lorry ia embora. Ele olhou para as crianças estudando; estavam debruçadas sobre os livros, de modo que ele apenas sorriu e fez um gesto de cabeça para a Srta. Coogan. A casa estava quente e escura, na tarde de inverno, e muito sossegada. Era a hora em que os empregados descansavam em seus quartos no terceiro andar. Ele resolveu que mais valia trabalhar no sermão da semana seguinte e fazer alguma coisa a respeito de seu sermão da Páscoa. Este último estava-lhe dando trabalho. Refletiu que provavelmente já se dissera tudo sobre a Ressurreição. Além disso, a Bíblia o dizia muito melhor. Como ousar se comparar com uma tal grandeza? Subiu para o seu enorme quarto de dormir e olhou com desagrado para a secretária arrumada. Olhou para a cama, disfarçadamente, e depois foi para a secretária, severo, e sentou-se. A felicidade, pensou, era quase tão exaustiva quanto a infelicidade; o homem precisava da solidão para digerir a alegria, assim como precisava dela para se refazer do sofrimento. Olhou para o cabeçalho de seu sermão: “Aquietai-vos, e sabei que sou Deus”. Ele pensou sobre aquilo, olhando sem ver por uma das janelas grandes. “Aquietai-vos.” Mas ninguém parecia estar quieto nessa época. “Aquietai-vos” lhe lembrava o movimento grande e pleno de um mar noturno, suas vagas sem pressa, seu modo antigo não perturbado, imutável mesmo na tormenta, mesmo sob a lua. Falava de verdades eternas, de movimento eterno e repouso eterno. “Aquietai-vos.” Onde se podia encontrar a quietude nesses dias de fragmentação, de pedacinhos frenéticos que não pareciam nunca encaixar- se num desenho que tivesse sentido? Quanto mais atividades, pensou ele, menos se realizava, menor era a serenidade, menor o sentido. O movimento em si, movimento frenético, vozes mais fortes e mais rápidas, mais saltos se movendo depressa mas sem um propósito real, ou objetivo real, mais barulho, mais martelar, mais, mais, mais, sempre mais, sempre “novidade”; isso se tornara a cacofonia frenética do estilo frenético da humanidade moderna. Onde, nessa confusão mecânica, o homem poderia ficar quieto, e “ saber que eu sou Deus”? Mesmo quando os homens ficavam sós consigo de noite, escapando dessa eterna exortação para “fazer alguma coisa”, não podiam repousar. Uma ansiedade indizível os dominava; eles se perguntavam, com um livro esquecido no colo, se teriam deitado de fazer alguma coisa importante nesse dia. E certamente tinham deixado de fazer alguma coisa importante: rezar, comunicar-se com Deus. A sombra brilhante de Sua asa pairava sobre seu inquieto horizonte espiritual, mas eles não a viam. Ou talvez a vissem, e tivessem medo. Contemplar Deus seria negar aquela insistência uivante da imprensa, do púlpito, dos livros, revistas e rádios, para se fazer coisas, por inúteis que fossem. Apenas fazer. “Ocupem-se!”, exclamavam os psiquiatras, olhando com reprovação e desconfiança para os homens pensativos, sentados sozinhos num silêncio bendito, com seus pensamentos. Mais, mais, mais. As consciências dos homens não se perturbavam mais com os maus atos ou o, abandono de Deus. Também a consciência estava pervertida. Agora perguntava quantos “contatos” o homem fizera nesse dia, quanto dinheiro conseguira ganhar, se se “ajustara” bem, se tivera “consciência social” e se fora “caloroso nas relações humanas”. Estar propositadamente ocioso, só e contemplativo, era considerado anti-social, um sintoma de distúrbio emocional. Johnny disse, em voz alta: — É, o mundo positivamente está ficando louco. Os “novos valores” são a nova demência. Haveria nisso também um motivo sinistro, de se encher a vida de um homem de modo que não restasse mais, na casa de sua mente, lugar para Deus? Ele agora estava escrevendo com rapidez. A noite começou a cair. Ele não ouvia as crianças, tagarelando na sala embaixo. Não ouviu tocar a campainha. Uma empregada bateu à porta, de leve, abriu-a e disse que o Sr. Barry Lowell, irmão da Srta. Summerfield, chegara inesperadamente, para passar alguns dias. O Dr. McManus e a Srta. Summerfield não estavam em casa. O Sr. Fletcher poderia falar com ele? — Mas claro! — respondeu Johnny, empolgado. Então, Barry tinha vindo fazer uma surpresa à irmã! Vestiu o casaco, alisou o cabelo com as mãos e correu para baixo. Barry estava na biblioteca, junto de sua mala. Estava fumando sofregamente, olhando para as estantes de livros. Virou-se quando Johnny entrou. Johnny estava sorrindo, a mão estendida. Começou: — Sou Johnny Fletcher. Aí, parou. Estava pasmo com a semelhança de Barry com sua meía-irmã, apesar de o rapaz ser mais alto e ter ombros largos. O mesmo tom esquisito nos olhos, o mesmo formato de rosto, os mesmos cabelos dourados, o mesmo nariz! Era notável. E então os pensamentos de Johnny mudaram e sua expressão ficou perplexa. Em algum lugar, em alguma ocasião, ele já vira aquele homem. Alguma coisa importunava sua memória, alguma coisa que o importunava frequentemente, sem um nome ou pista, quando olhava para Lorry, sob certas luzes. Ele perguntou, inseguro: — Já nos conhecemos, Sr. Lowell? — Entrou mais na sala, intrigado. Barry estava ali parado como um poste, olhando para Johnny, o cigarro fumando sozinho no canto da boca. A luz pálida de inverno lá de fora o fazia parecer extremamente pálido. Seus olhos se fixaram sobre Johnny com uma intensidade estranha. Levantou a mão e tirou o cigarro da boca, depois o pôs de volta. Deu um passo para Johnny e Johnny sentiu a concentração feroz de seu olhar. — Johnny, Johnny Fletcher? — perguntou Barry, a voz rouca. — Sou, sim. Lorry não lhe falou a meu respeito? — perguntou Johnny, espantado. — Lorry — respondeu Barry. — Ela sabia, desde o princípio! Lorry! O que foi que disse? Sim, ela falou que ia se casar com um ministro, mas não me disse seu nome. Por quê? ·— A voz dele falhou. —· Por que ninguém me contou, o velho Al, Lorry…? — Não sei — responde Johnny, mais intrigado ainda. — Em todo caso, não é importante. Lorry me contou sobre você, de ter trocado de nome. Mas assim mesmo, sei que já o conheço. Não é? Com muito cuidado e devagar, Barry apagou o cigarro num cinzeiro. Depois ficou ali, olhando para ele, a cabeça baixa. Johnny o examinou. Perguntou a mesma coisa que Barry: Por que Lorry não contara o seu nome ao irmão? Ela o deixara supor que Barry sabia. Johnny corou, vexado. Mas continuou: — Talvez Lorry tivesse seus motivos. Os nomes não têm muita importância, têm? Eu me lembro que em certa ocasião ela me perguntou se o seu nome me dizia alguma coisa, e eu não me lembrei. Barry continuava a olhar para o cinzeiro. Depois, falou muito quieto: — Não, e por que haveria de se lembrar? Provavelmente eu fui apenas um entre dezenas, para você. Foi uma coisa de todo dia, para você… naquela época. Mas para mim, não. — Levantou a cabeça depressa e olhou para Johnny. — Mas eu o «procurei durante anos; significava tudo para mim! Disseram-me que você tinha sido morto. Johnny, mais perplexo do que nunca, pensou, confuso: É só a minha-imaginação. Por que ele havia de estar com lágrimas nos olhos? — Eu, morto? — perguntou. Tentou rir um pouco. — Não, fui ferido gravemente na Batalha do Bolsão, mas sou forte e me restabeleci. Passei uns tempos num hospital remoto, improvisado. Foi lá que nos conhecemos? — Não — respondeu Barry, olhando para Johnny como quem olha para um milagre, estupefato. Johnny foi ficando cada vez mais sem jeito diante daquele olhar intenso, aquele rosto pálido virado para ele numa paixão muda e inexplicável de recordação. — Acho que a minha memória já não está tão boa — desculpou-se. — Mas parece- me que o conheço. Talvez seja a sua semelhança com Lorry. Ele sentia que Barry estava colocando Lorry num plano imperdoável, que Barry estava detestando a irmã, por um motivo incompreensível. Então Barry chegou-se a ele e pôs as mãos com força nos ombros dele, olhou dentro de seus olhos e sorriu. — Johnny, Johnny Fletcher! — falou, a voz trêmula. — ; O velho Pastor Johnny! O velho Santo Joe! Por que havia de se lembrar de mim? Você só salvou minha vida, só me arrastou de um buraco na praia na Normandia e me carregou nas costas, sob fogo cerrado! Só ficou ao meu lado quando eu estava morrendo e só suas rezas me fizeram viver! Foi só isso, Johnny Fletcher! — Não! — exclamou Johnny, sem poder acreditar. Ele agarrou os braços de Barry. — Não! — repetiu, com um prazer quase selvagem. — Mas claro, agora me lembro! Eu me lembraria logo, se você estivesse fardado, Barry! Mal posso acreditar. É impossível. — Você está vivo! — gritou Barry. — Deus do céu, está vivo! Depois de tantos anos, está vivo! Deixe-me olhar para você. O mesmo Johnny! Vou matar a Lorry, vou matar o velho Al por não me terem contado! Procurei por você pela Europa toda. Disseram que você tinha morrido. — A voz dele falseou de novo e não havia como não ver as lágrimas em seus olhos. Johnny estava ao mesmo tempo encabulado e comovido com a emoção do rapaz, que lhe parecia estar-se descontrolando um pouco. — Bem, estou vivo, sem dúvida. Então, você é irmão da Lorry! Ela deve voltar logo; vai explicar por que não revelou o meu nome. — Qualquer explicação que ela tiver será idiota. Como é que a Lorry pôde me fazer isso? Ela sabia que eu estava procurando por você; sabia que fiquei infeliz quando não o encontrei. Sabia o que senti quando ouvi dizer que você tinha morrido. Mas ela me faz isso — Johnny tornou a corar, vexado, e Barry, sempre perceptivo, entendeu. Ele apertou mais os ombros de Johnny, — Não é nada contra você, Johnny. É alguma brincadeira boba que ela está fazendo comigo, se bem que não seja da natureza dela fazer essas coisas. Talvez ela tenha mesmo um motivo, e hei de saber qual é! — Vamos sentar — sugeriu Johnny. — Estou vendo que você ainda manca um pouco; aquela perna. Eu me lembro. Queriam amputá-la e você berrou que mais valia lhe amputarem a cabeça. — Tentou sorrir, se bem que seu rosto tivesse ficado escuro, de humilhação. — Lembro-me que fiquei ao seu lado e eles conseguiram salvar sua perna. Ela lhe incomoda muito… Barry? — Para o diabo com a perna — respondeu Barry, impaciente. Ele se sentou junto de Johnny, depois puxou a carteira e dela tirou com cuidado uma foto velha, eternamente selada entre duas camadas de plástico. — Veja isto. Lembra-se do Nie Nichols e a camarazinha dele? Tirou esta foto de vários companheiros nossos em Exeter, antes do Dia D. Aí está você — Barry sorriu, no meio de sua emoção — parecendo mais pracinha do que qualquer um de nós! Johnny olhou para o instantâneo, tentou sorrir de novo e ficou sério. Lá estavam oito jovens soldados americanos, com o seu capelão. Só ele e Barry tinham sobrevivido à praia da Normandia. Nie Nichols, do Tennesse, com os quatro filhinhos. E a sacola dele cheia das fotos que tinha tirado deles, guris de cabelos claros, os rostos magros divididos pelos vastos sorrisos. E aquele jovem negro, com o rosto majestoso moldado em bronze, que ajudava Johnny nos ofícios; estava no segundo ano da Faculdade de Medicina e também era poeta. — Eu podia ter-me isentado da convocação — dissera ele a Johnny — mas já estudei bastante, por mim, para saber que estamos de novo na era dos tiranos. Hitler pode ser o primeiro, mas não será o último! — Não pode ser assim — protestara Johnny, pois Charles Hartwick estava sombrio demais. — Esta certamente será a última guerra, a guerra pela liberdade. O jovem negro se rira, com amargura. — Mas todas as guerras que o homem tem travado têm sido pela “liberdade” — dissera. — E só foram guerras para trocar de tirania. Odeio a guerra; odeio as pessoas que fazem as guerras; odeio esta guerra também. As guerras são mentirosas. Sabe por que me alistei? Para ajudar a nos livrar deste tirano. Amanhã lutaremos para nos livrar de outro, e depois outro e outro. Ah, como o senhor, pastor, no princípio eu achava que Hitler seria o último dos tiranos, mas hoje sei que não. É só o princípio, o princípio de todos os tiranos reacionários. Tem olhado para Stalin, ultimamente, o maior déspota reacionário de todos? Dê uma olhada, pastor, dê uma olhada. Então Johnny “dera uma olhada”, de fato. E começara a ver tantas outras coisas, de que antes nem sequer suspeitara. Ele disse, então: — Quando Charlie Hartwick morreu, perdemos um lutador pela liberdade. Todos nós outros éramos apenas patriotas, e isso bastava. Mas não basta mais. Não basta marcharmos nos nossos desfiles da Legião, mostrar a bandeira e repetir o Juramento de Fidelidade. Isso é apenas nacional. A luta agora se trava intimamente nas nossas escolas, igrejas, lares, nas nossas discussões com os outros. Os espíritos dos homens agora estão empenhados, e não apenas seus corpos e armas. — Ele sorriu para a foto com carinho, suspirou e a devolveu a Barry. “Lorry tem-me dado alguns livros que você tem publicado. Homens de coragem, que os escrevem. Homens valentes. Não é um comentário terrível sobre a nossa época, que quando os homens escrevem e falam a verdade são perseguidos pela imprensa e até pelos políticos? Antigamente era suposto que os homens tivessem liberdade de imprensa e que não era muito corajoso de parte deles atacarem os mentirosos. Não era mais que seu dever, como americano.” Distraído, aceitou um dos cigarros de Barry. Estava pensando nos jovens amigos mortos, e sacudiu a cabeça, com pesar. — Você está fazendo o que pode — respondeu Barry. — Lorry me citou alguns dos seus sermões… e as reações de meu pai a eles. Mas jamais me disse o seu nome. Perguntei algumas vezes, mas ela desviava o assunto. Não vou perdoar a Lorry. — Ela lhe contou sobre meus filhos? — perguntou Johnny, depressa, pois não estava gostando da expressão do rapaz. — Contou tudo — respondeu Barry, bruscamente. Ele olhou bem para o ministro. — Foi uma coisa formidável o que fez. Você influenciou Lorry mais do que pensa. Que… bem, que moça infeliz ela era, e agora está ajudando o tipo de crianças que você ajudou. De certo modo, você salvou a vida dela, e foi por isso que vim vê-lo pessoalmente, para ver que tipo de homem conseguiu transformar a minha irmã desse modo. E encontro você, Johnny Fletcher! — Sorriu para Johnny e sua boca se mexeu. — Olhe, talvez eu esteja enganado quanto a Lorry. Talvez ela quisesse mantê-lo em segredo para me fazer uma grande surpresa. Uma voz ganiu do vão da porta. — O que está acontecendo? Lá estava o Dr. McManus, com seu velho e triste sobretudo marrom e o chapéu amassado. Tentou espiar além de Johnny para ver quem era o outro. Barry se levantou e olhou para o médico. Johnny. Como já disse. é — murmurou. — Não sou mais o que era — resmungou. para dobrarem e se sentarem? Olhe. — O senhor esconde o uísque — respondeu Johnny. sim. — Quase perdi este último caso de úlcera. Quando chegou? Deixe olhar para você. é uma história comprida. rapaz. — Eu sei. Uísque com soda. Acho que vou me aposentar. Acho que vou ter um colapso cardíaco. McManus. nervoso e exausto. Entrou na sala depressa e jogou os braços em volta do rapaz. Depois viu a expressão nos olhos de Barry e deixou cair os braços. — Diabos. — Bom — agourou Barry. Que tal um pouco de pena de mim? — Já lhe disse. tirou o sobretudo e depois sentou em cima dele. — E estou precisando de beber alguma coisa. encolhido numa poltrona. Pensa que todo mundo é ladrão? — Ele puxou o cordão da campainha. é. Depois exclamou com raiva. seu bandido — dirigiu-se a Johnny. o médico piscava para Barry. Estou ficando muito velho. Coçou a face e ficou meio arroxeado. Várias coisas. — Se andou procurando o uísque. puxe aquele cordão lá. Traga uma garrafa de uísque escocês… tome a minha chave. Nada contra você. baixinho. é o Barry! Deus. tentando sorrir. Mas o seu afeto profundo pelo Dr. May. como uma coruja. do contrário saberia que Lorry e eu tínhamos um motivo para nos calar. os olhos úmidos. — Acho bom ser uma boa história — respondeu Barry. azedo. enquanto os rapazes ficavam de pé junto dele. raios! Ele empurrou Barry. tentando zombar dele. nem conhaque. McManus estava . evitando o olhar de Barry. — Se está procurando consolo de minha parte. não o terá. com um ar ameaçador. eu. e então passou à ofensiva: — Você é burro demais para ser tolerante. é uma história comprida — respondeu o médico. Sentem-se. um velhinho. ranzinza. como estou contente em vê-lo. não me olhe assim tão furioso. é uma história comprida. Eles ficaram esperando. que estava reservado de novo. piscando. está querendo saber por que não lhe contamos. sério. — Não vá me olhar furioso também. e a traga de volta… e três copos e gelo e soda. Ah. — Uma pena — disse Barry. Lembra-se de mim? Assisti sua mãe quando você nasceu e você era um garoto horrível. — Barry! — Uivou o médico. — Olhou para Johnny. sentem-se! Vocês dois estão com um jeito de quererem me dar um soco na cara. O médico ficou ali sentado. Isso merece uma comemoração. Nada de vinho. Barry. não vou dizer uma palavra até beber alguma coisa. e com um constrangimento evidente: — Onde está todo mundo? Cadê a Lorry? Ei. — Seu filho da mãe mentiroso e conspirador! — falou. Ah. nem xerez. Você também. abraçando-o. — Deus não lhes deu joelhos. — Humm. — Seu velho impostor. então é que é ladrão mesmo — falou o Dr. — Por que não se sentam? — perguntou ele. Já procurei por ele. Pastor. Ele jogou o chapéu velho no chão. pois estava sentindo que Barry estava zangado de novo. Inocente e entusiasmado como um maldito Adão saído do paraíso. — O Pastor é sempre muito sensível. Nunca suportei bebidas misturadas. Delicado como uma flor. os guris se metem em apuros… os moleques e desordeiros os . esse — disse o médico. Aí vamos dar uma boa risada. Johnny olhou de um para outro e então viu que o médico o estava fitando encabulado. mexendo o gelo no copo. Então. garrafas e copos. Não tem imaginação. — Ainda não estou falido. é o que ele pensa. tornando a olhar para Johnny. Johnny. A empregada entrou com uma bandeja de prata. olhando para Barry. — Sente-se. coisa de garoto. vendo que Johnny estava sem jeito. displicente — a não ser que sua história seja boa. lambendo os lábios. Hoje aqui. — Deixe os meus rins para lá — respondeu Barry. — Vou acabar com a raça dela — disse Barry. logo de saída. Fazem mal aos rins. faz algum tempo — respondeu Johnny. ouvindo-as. todo empolgado. amanhã desaparecido. com sarcasmo. — Então ele mudou muito — respondeu Barry. mas ainda não. Basta contar a verdade às pessoas. Acho que a história do velho Al também vai ser uma revelação para você. num tom distraído e frio. vamos ao assunto. com seus martínis de Nova York. Piscou para o médico. Tio Al. um pouco mais. Barry. O médico riu-se. do contrário vai ver que ele vai examinar cada livro que você publicar e berrar diante de certas coisas. Já estou quase falido. Quem lhe disse. irritado. Barry. e para você. Todas as emoções dele são pragmáticas. — Muito bem. Nesta casa. Talvez seja melhor você impedir esse casamento. — Não sei de nenhuma história — confessou Johnny. Concentrou-se na quantidade de soda. não acredita nos homens da machadinha. — De modo que vamos servir bastante. Estava ouvindo as vozes felizes das crianças. Johnny estava com uma expressão orgulhosa e reservada e Barry então se arrependeu de sua raiva sem tato. nunca se sabe. Ele sentou-se. Um pouco mais. Barry. — Saiu. Ele é todo amor fraterno. secamente. a sós — falou. — Deve ser uma revelação para o pastor bebedor de cerveja. Serviu as bebidas com economia. foi assim — começou o médico. e ele não sabia bem se ia gostar. — Chegou esse pastor. May — falou o médico. em agosto.começando a abafar o seu ressentimento irritado. que. meneou à cabeça. anda com explosivos no bolso. também sorriu. depois se aborreceu com o seu ressentimento e pegou um copo. Ele passou os copos. — Uísque bom. Johnny vacilou. em outra parte da casa grande. raios. — Bom. — Talvez seja melhor eu deixar vocês dois. que as pessoas querem ouvir a verdade? Então. libertadas. — Onde está a Lorry? — perguntou o médico. velhos amigos. Ali havia alguma coisa que ele não estava entendendo. que tinha precipitado aquele desentendimento. de leve. e Lorry fica histérica. talvez. ou quem vai se aproveitar dela. Simples… “Bem. Cadê o jornal de hoje? Estava bem aqui. Se não fosse o Mac. Além disso. Barry ficou calado. Pode perdoá-los? Eu já perdoei. com a sua maldita verdade. isso é que é. Uma guerra é boa. indignado. não se pode ter uma coisa neste raio de casa. A gente tem de ficar mudando de atitude para enfrentar as exigências uivantes dos maníacos. Lorry lhe contou? Muito bem. a sua filhinha estava morrendo mesmo. Barry. o pastor é contra os sindicatos. não é? — Foi por causa dos ataques de seu pai a mim que a minha casa paroquial foi incendiada e a minha filha assassinada — respondeu Johnny. nesse escuro? Alguém acenda uma luz. note bem. é ser constante. com amargura: — Vá. Então o pastor faz logo o sermão de arrasar e lá vai a Lorry. Que melodrama. quer a guerra. é evidente que tanto o doutor quanto Lorry são dois imbecis. O doutor está senil e Lorry lhe deu ouvidos. porque Deus lhe deu um pouco de bom senso… não muito. ou não é. E vai ganhar uma . Coisa engraçada. Foi. vendo os olhos ferozes e afetuosos. que precisa de você? Dois meses. inimigo do povo. já teria sido tarde para Debby. Sabe o que eu faria? Desnaturalizava todo filho da mãe nesta terra que gritasse que é minoria. toda cheia de pó-de-arroz e batom e cinismo e saliência. o que estamos fazendo aqui. Então. — Então — protestou Barry — eu sou o cacete que vai quebrar a cara de meu pai. o pastor é fascista. depois o seu pai entra em cena. você sempre foi um idiota. Mas eu tive uma ideia. Você que começou tudo. foi? Não interrompa! O pastor tem de ir embora. alguma coisa acontece com Lorry e comigo também. mas ele não dá. outra é má. rapazes. quando estamos na casa paroquial. Johnny. de repente. no poder. Teria sido muito mais sensato se você ou Lorry lhe tivesse contado. — Uma coisa que a gente não pode fazer neste mundo. três meses. mas agora todo mundo que luta contra o comunismo é promovedor de guerras. o pastor é uma ameaça. serviu o uísque ao médico. com esses guris? No asilo. Vamos guardar você para arrasar o seu pai. Lorry também lhe contou isso. O editorial de hoje de seu pai acusa o pastor de ser um promovedor de guerras. — Olhe. e então. ou qual a minoria que berra por ela. Ele se dirigiu a Johnny. e quem é que ele ia culpar então? Ou a pessoa é americana. O médico estendeu a mão depressa para a garrafa. McManus olhou para ele e Johnny sorriu um pouco. E então. um ano depois. em todo caso. — Claro. A gente não fica furioso com crianças retardadas. dependendo de quem. Uma história comprida. e percebemos que esse pastor é o seu Johnny Fletcher. Ah. a voz fraca. sim? Se eu morrer. e pare com essas malditas interrupções! Ela quer contar ao pastor. ela sempre foi romântica mesmo. que estava ali de punhos cerrados. O seu pai era todo a favor de entrarmos na guerra contra Hitler.atacam. algumas das coisas que aconteceram não teriam acontecido. O Dr. para conseguir uma história do pastor. Johnny. onde é que você vai estar. um pouco apaziguado. Eu o mandaria para onde ele seria maioria. encha o meu copo. E você não tem a Debby. Imaginou que vocês nem pensaram nisso. sim. a ordem teria sido dada pelos comunistas. quando chegar o momento!’’ — O quê! — exclamou Johnny. — Olhou para Johnny. falou: — Pareço ingrato. o que o homem tem de fazer para se proteger. não gosto da ideia de servir de instrumento para atingir homem algum. Talvez seja. Agora. — Eu nunca soube que neste mundo havia pessoas tão maravilhosas. Ela não revelara o nome dele ao irmão por seus motivos secretos. com amabilidade. afinal. um pouco hesitante. pondo o resto de lado. Sorriu. Tive de pedir em defesa própria. e não conseguia falar. — Sabe como o doutor é exagerado — comentou ela. Lorry ainda não voltou e já está escurecendo. Fletcher e o doutor. Johnny abaixou a cabeça e olhou para os pés. Nesse momento o telefone tocou e o médico. Mas você é dos tais que nunca está satisfeito. Não conheci nenhuma. Burnsdale corou. — Lorry já me falou muito sobre a senhora — respondeu ele. Burnsdale tocou na face dele. — Ela vai casar comigo. secretamente. . praguejando. foi até a Sra. nem mesmo o Sr. escutando. Depois de um momento. A Sra. — Não é o irmão da Srta. Lorry? Uma das empregadas disse isso. Então. Nós todos teríamos desmoronado sem ela. — Como é muito burro. Burnsdale chegou à porta da biblioteca. Ele parecia irrequieto e aflito. Ficou olhando para Barry e depois para Johnny. quero apresentar a você a minha noiva. Diabos. o dinheiro fica na família. de leve.mansão por casa paroquial e tem a Lorry. Como é que um homem pode ser tão obtuso? — A Srta. O médico deu uma risada e. Lorry. — Barry — disse. não é? A Sra. O médico pôs a mão no ombro dela. Ela o examinou bem e disse: — Parece gêmeo da Srta. inclusive o pastor. a despeito de seus esforços para manter uma cara severa. Estou meio preocupada. A Sra. com orgulho. ele estava pensando que Lorry não lhe tinha contado porque achava que você julgaria que um pastor não era bastante bom para ela. Mas. Uma mulher e tanto. Lorry não sentira vergonha dele. por causa do pastor. quando Barry apertou-lhe a mão. Burnsdale. Burnsdale e pegou a mão dela. Mas ele já estava se acalmando de novo e a tensão doentia dentro dele estava passando. Olhou para Barry com interesse. como ele tinha receado. e seu rosto cinzento ficou de uma palidez mortal. Ela olhou para Johnny e ficou preocupada. Summerfield. Sou a Sra. senão ela me levava à falência. solene —. O médico se levantou. antes de conhecer o Sr. apontou para ele. pegou o fone e disse: — Tome uma aspirina! Depois ficou calado. — Sou Barry Lowell. diante da insistência do médico. temos um trabalho a fazer. feroz. Barry estava ao lado dele. . Lorry. É. com ela. a imbecil. O médico sacudiu a cabeça. com aquele sentimento conhecido de pavor. — Não se preocupem. Lorry? Seu irmão está aqui. quem mais havia de ser? Sim. Nós três. Desligou e agarrou o sobretudo e o chapéu. Já estou indo. Olhe. benzinho. — Lorry! — exclamou Johnny. fique calma. rapazes. E não temos um minuto a perder. Fique calma. — Não aconteceu nada com a Lorry — respondeu o médico. Vamos. o Barry. — Está bem. É uma coisa que ela fez. Vou já. do Dr. O céu da tarde estava de um azul medieval. Mas o seu ‘patriotismo’. À mulher perguntou: — Esse é o artigo para o Gazzette-Express de Nova York? É tão importante assim? Está escrevendo furiosamente. que é cruel por causa da exultação e o poder que a crueldade lhe dá. onde havia uma coqueteleira e dois cálices. MacDonald — disse ela. qualquer desvio de um ritualismo confortável. Bem secos. Não interrompa. Olhou em volta do gabinete. Carregava uma bandeja. oscilando. que havia pouco se dedicara à ciência da grafologia. meu bem. Sommer Granger. — Você está parecendo tão satisfeito. A criança muito nova é ritualista. Seu olho rápido pegou algumas linhas: “O reacionário acredita que está agindo pelos ‘princípios americanos’ quando denuncia um homem progressista por sua ideologia democrática. quase não formada. Reconheceu a pilha de folhas ali. portanto. mesmo o desvio sendo necessário para o crescimento. Ele . — Granger quer dizer atitudes de calma e aceitação com relação ao comunismo. entrou no escritório do marido. é apenas um medo paranóico de alguma coisa que ameace sua segurança no status quo. Era azul-claro. O rosto moreno e os olhos amendoados estavam com uma expressão pensativa. como o reacionário chama a sua aberração. impaciente. embora ele agora passe tanto tempo em casa. o marido estava usando aquelas notas como base para seu artigo. Esther. Uma criança má. Viu que. numa voz pensativa. lânguida. e serviu um coquetel. desperta o seu medo e ódio pelo desconhecido… O reacionário. a letra de uma criança extrovertida e maldosa pensou Esther. Em muitos casos a violenta rejeição das ideias progressistas pelo reacionário se baseia sobre uma hostilidade subconsciente para com o pai ou a mãe. necessitando de tratamento psiquiátrico para aliviar suas tensões e hostilidades e restaurá-lo numa adaptação feliz. o sari híndustão esvoaçando em volta do corpo. meu bem. Ela se levantou. afundando numa bela poltrona antiga. relendo esse parágrafo em voz alta. (Por que ele andava tão pálido e os olhos tão exaustos?) — É muito importante — respondeu ele. O Sr. depois da neve. mobiliado com os mais raros móveis antigos. Via a escarpa branca de uma montanha através de uma janela com cortinas de veludo rosa e pensou: deve ser minha imaginação achar que ele não está bem. como sempre. com fios prateados.XXXV Esther Summerfield. Ela olhou para a secretária e sua boca sorridente ficou tensa. e torceu o nariz comprido. na caligrafia redonda. com desdém. Eu mesma fiz esses coquetéis. Ela riu-se.” Esther ficou junto do marido. que quero que fique mais satisfeito ainda. para aborrecimento do marido. pensou. durante a infância. Summerfield continuou a escrever. — Está na hora de nossos martínis. displicente. — Vão publicá-lo na edição de domingo. é de fato uma pessoa emocional e mentalmente perturbada. falou. Você é uma tola mesmo. ele na elite. você mesmo. e fez suas as mentiras dele. Seu rosto moreno estava tenso. embora ele chame a isso de “adaptação”. O marido olhou para ela com um interesse súbito. Sabe que sei de tudo sobre ele. . É o tipo de psiquiatra que se considera progressista. não é nem mesmo esquerdista. farta e cheia de tédio. É outra coisa. O pavor cinzento tornou a aparecer no rosto dele. MacDonald. o tempo todo. e você também. Só disse uma coisa sensata: eu não sou comunista. Estou mortalmente caceteada. Mas agora está começando a me assustar. fria e furiosa: — O Granger tem razão. MacDonald. MacDonald? Que tipo de chantagem ele tem sobre você que o leva a fazer as coisas que faz. Esther sacudiu a cabeça. — O insulto ao seu pai. Granger não é o homem que a pode dar. de que sou uma mulher idiota. MacDonald. O que Granger tem a ver com você. na verdade. Esther sentou-se. Granger tornou a sua mente doente. o poder para criar um estado de hilotas sem cabeça. cheia de modismos e superficial. mas não respondeu. mas o Dr. e é por isso que fico aqui com você. que estavam cheios de um fogo escuro. o assalto nas almas dos homens que estão querendo bancar Deus. Esther. Esther pegou uma dobra do sari e olhou para ele. Não acredita em uma palavra do que ele lhe diz para escrever. Ele então. e banco a boba. — Eu o amo. de modo que você passou a acreditar nelas. desde que o homem não use o dinheiro para se degradar e fazer coisas burras? Muitos poucos filhos de homens ricos fazem isso. o Dr. E sei de mais uma coisa: você não é nenhum Sommer Granger. Quer o poder. que mal há com uma fortuna herdada. Eu disse isso a Granger. com indulgência. em voz alta. como se a visse depois de uma longa ausência. de raiva e ansiedade. quando ele era pobre e sem importância? É assim que você quer racionalizar as coisas? MacDonald. É ele um dos verdadeiros reacionários. O anticristo. — Não creio que seja o seu pai. Ele o apavorou de algum modo e o levou a aceitar as mentiras dele. Afinal. a escrever o que escreve? A fisionomia dele mudou. O Sr. por fim. progressista. Não posso suportar isso! Não posso ficar aqui. em toda a história do mundo. que está querendo desagravar… — Desagravar o quê? — perguntou Esther. Nunca fui. E está conseguindo. —· Levantou os olhos. É por isso que ele me detesta e quer convencer os nossos amigos e conhecidos. O que está acontecendo no mundo de hoje é o sacrilégio supremo. — Olho para o poço da mente dele e vejo todo o inferno — continuou ela. Em geral levam adiante o trabalho dos pais e desenvolvem as oportunidades para todos. enrijeceu. com calma. Algum outro tipo. Summerfield sorriu. mas é verdade. talvez. Não creio que você tenha o que o Granger chama de complexo de culpa por ter herdado uma fortuna. — Pode sorrir. Sou apenas um homem democrata. e aí ela viu um pavor passar pelas feições dele. — Não admira que os russos usem psiquiatras como Granger.nunca me enganou. Não é comunista. não. você está precisando de ajuda. em todo caso. não é. algo ainda mais terrível. Isso nunca aconteceu. afinal. O pior de tudo é que estou começando a me cacetear com você. Tenho essas fantasias só para aliviar o meu tédio. mas. em muitos anos. Eles o amam. — Querido. porque você não os deixa. querido! — implorou ela. Ele sentou-se à secretária e ficou olhando para ela. não possa deixar. Como é que eles podem ser tão cegos? Você na verdade é o que era como se lembram de você. doentes para sempre espiritualmente e loucos. Eu é que o estou utilizando. pegou as mãos dela e as prendeu. — Você está dando importância demais ao Granger. me responda! A cada dia você parece estar pior. numa voz que ela nunca tinha ouvido: — Por que não me deixa em paz? Vá embora. nunca mais falarão com você. Pela primeira vez. olhando-o. — Esther. para espalharem a sua infecção e corromperem os outros. Porque. Estive lendo sobre homens como o Granger. Você não é uma pessoa má. Não se lembra daquela vez que ele nos contou de uns rapazes de universidade que foram procurá-lo e confessaram que tinham sido comunistas e que estavam envergonhados e doentes e cheios de sentimentos de culpa? Não se lembra como ele riu disso e nos disse que tinha consolado aqueles pobres rapazes. mais irracional. Ela foi depressa para a secretária. não é um homem perverso. Acho que você já passou do estado em que pode reconhecer a verdade. pelo amor de Deus! Ela então ficou num silêncio absoluto. torcendo as mãos. em pedacinhos. Ele soltou uma exclamação. Assim como ele corrompe você. mas ela viu que os lábios dele estavam azulados. e que na verdade eram “amantes da humanidade”? Ele se divertiu tanto. — Esther. — Ele parou. Granger e as rasgou. há anos. toda- a sua pose normal desaparecendo. talvez. pegou as notas do Dr. Praticam uma chantagem espiritual. mas nunca voltarão. um homem honesto. os músculos da boca se mexendo. menos de raiva do que em desespero. MacDonald. nos contando isso. com violência. Ela abriu os dedos e deixou os pedaços voarem para o chão. Acredite. pare com isso. — Pare de mentir. Agora estava chorando abertamente e Summerfield a empurrou para longe. e talvez você fique bom de novo.vendo a sua desintegração! Ela começou a andar de um lado para outro. — Não posso. viu lágrimas nos olhos da mulher e seu coração bateu com uma dor inexplicável. — Pare agora. Mandou aqueles rapazes embora. Deixe-me ajudá-lo! Ele largou o copo. dizendo que não tinham motivo para se sentirem culpados. Ele abaixou a voz. sem ver. desesperada. como acreditam seu filho e sua filha. ouça-me. e não o contrário. Ele então exclamou. Summerfield se levantou. — O que ele lhe fez? Que mentiras sobre você ele lhe contou? MacDonald. Você está perdendo o juízo. . Ela sacudiu a cabeça. pare de delirar. não acredito. de repente. Aquele ali era seu pai. uma vez na vida. — Você sabe que não posso nem quero deixar que você vá embora. muito comovidos. Você algum dia realmente já me viu histérica? Ele tornou a olhar para a mesa. — Não me toque. — MacDonald. sem poder acreditar. muito baixinho. — Ah. — Fico contente que você deseje isso. viu a mão direita. apenas me irritou. por um instante. um dos verdadeiros incontroláveis. e estava jovem de novo e em suas faces havia um rubor de vida. Os pais pareciam misteriosamente mudados. Lorry!. Ela devia . pegar o que ele já tinha escrito e amassar tudo. Ela pegou a mão flácida dele e a levou aos lábios. Você…. numa acusação fria e terrível. Ele levantou a cabeça. Mas era sua imaginação. Virou a cabeça para ver quem tinha entrado na sala. emotivos. querido — respondeu ela. Vou embora. mas sentiu que alguma coisa mudara. Eles ficaram ali. “Histeria. ela baixou a cabeça e beijou a face fria dele. histérica”. boquiabertos. Estava cheia de raiva e ódio. Ficou histérica. E então. e deu um grito de alegria: — Lorry! Lorry! Eu sabia que você viria! Ela se levantou e o marido também. olhando com o olhar vazio. Lorry ficou à distância. o inimigo de todos os homens de boa vontade e de honra. o coração martelando em seus ouvidos. — A voz dele estava mirrada e fraca. Sua boca se moveu numa oração muda e grata. nunca. não seja boba. e ela recuou. ouviu a porta se abrir e fechar. até você afastar esse homem perverso de sua vida. Ele não olhou para ela. sem acreditar. Vagamente. — Esther. — Querido. seu inimigo. — Lorry! — exclamou ele. pensou. cansada. Começou a falar. Hoje mesmo. Ela se deixou cair numa cadeira ao lado dele. Depois ele ficou ali. fitando-a. sem se fazer anunciar. Ela pensou. e ela fechou os olhos. Procure me responder com sinceridade. de repente. apavorada: ele está doente! Está muito doente! Barry. e muito confusa. MacDonald — respondeu ela. Mas é ele um dos verdadeiros histéricos. Nunca mais me toque. as mãos estendidas. para explicar coisas perigosas para ele e para o que ele deseja. Duas palavras favoritas de Granger. Você ainda não perdeu totalmente sua faculdade de reconhecer a verdade. E nunca mais volto. quase assustada. o inimigo de Johnny. depois se calou. fico tão contente. Ele foi para junto dela. até você parar de despejar o veneno dele nos seus jornais. Ainda chorando. Voltem para me ajudar! Como podem ser tão cruéis para o seu pai? Voltem! Ela continuava segurando a mão esquerda dele e então. movendo-se como por um impulso automático. você me conhece há muito tempo. só olhando para o pai. rígida e branca. — Você nem sabe dizer uma palavra sua. ela sentiu que alguma coisa tinha mudado. — Ela pôs a mão trêmula no ombro dele. — Muito bem. Sou a mãe de sua filha. Pois de repente viu como a filha era vulnerável. enquanto você viver e eu viver! O seu medo indizível aumentou. Ah. neste minuto. Summerfield. mãe. Lima sensação horrorosa de sofrimento. quando você chegou? Lorry. Lorry? É nossa inimiga. tão forte foi seu assombro. Uma terrível sensação de privação apertou sua garganta. Ele nos detesta. a casa dela. dá-me forças para dizer o que tenho de dizer e depois me ajuda a sair desta casa para sempre. Muito mais do que jamais soube. correr para o pai e deixar que ele a abraçasse. Sua boca tremeu. com uma expressão chocada. Não se lembra? Por que fica aí com ele. De repente. como ela esperava. estranhamente brando. — Como pode dizer isso? Sabe tudo sobre ele. — Fale com ela. Mas ele a traíra. pensou Lorry de novo. tempo. uma expressão enraivecida mas indefesa na sua fisionomia. tão junto dele? E então as lágrimas fizeram arder as pálpebras de Lorry e ela pensou. Esther não fora para junto dela. Na verdade. com brandura: — Sim. Esther não respondeu logo. Eu o tornei velho. sem querer… assim como eu queria estar junto dele. o rosto estranhamente triste. vezes e mais vezes. e depois sentiu a raiva intensificar-se de novo. Ele está velho. esperando. inclemente. Pareceu a Lorry que o chão atapetado se mexeu sob seus pés. intimamente: detesto-o. sei muita coisa sobre o seu pai… agora. sou seu pai! — Não! — A voz de Lorry era quase um grito. Ele não é temível. Ela pôs a mão no braço do marido e respondeu. Ela olhou do pai para a mãe e em seus olhos verde-azulados havia uma angústia muda. jovem. — A nossa filha entra na nossa casa. O coração de Esther se encheu de pena. o que há? — perguntou o pai. parados. por um momento. e nunca tentou compreender. consolando-a. detesto-o. e é nossa inimiga. cegamente apaixonada. Por um instante ela era uma menina e queria romper em prantos cheia de terror e solidão. e sua confusão e a velha dor lancinante. Lorry desviou o olhar fixo no pai e o passou à mãe. E você… você não sabe nada. — Lorry. — Então. é? Já a convenceu. Esther ficou ao lado do marido. Ela agora não conseguia tirar os olhos de cima do pai. na verdade. — O que posso dizer? — perguntou Esther. continuaram seus pensamentos sombrios. ele agora a corrompeu também. Logo você! — O que essa menina está dizendo? — exclamou o Sr. Esther. MacDonald. com voz débil. está um velho. a ela e ao Barry. ela se sentiu tonta e doente. porque não compreende. vagamente. que estava olhando para Lorry de olhos arregalados. de modo que nós o detestamos. Apertou as mãos enluvadas e repetiu. ela o detestava. de luto. Não compreendo… o que está errado aqui? O que mudou? Mãe. — Não é mais! Nunca mais. meu bem. Estou imaginando coisas. fale comigo. amargamente magoada e sofredora. há tanto. é uma moça muito estúpida.detestá-lo. pensou. — O que aconteceu? Lorry. como antes. — Lorry. mãe. ele a afastara. O que é que eu fiz? — Virou-se para Esther. . Deus. Não é. e acabava de despertar de um sonho mau. a incitaram a uma nova raiva. o ar misterioso. — Só sei que ele é um intrometido e um provocador da ralé. ela não conseguia controlar o tremor constante que percorria o seu corpo em ondas. com seu costume turquesa e suas peles. Lorry. Ela fixou toda a sua atenção no pai. eu o detesto. — A voz do Sr. — Esfregou a testa com os nós dos dedos da mão direita. e ele se sentiu grato por isso. — Há meses que você não vem aqui. Não era a sua força que o estava sustentando. o que tem o Barry? Era um pesadelo. — Sim? — perguntou o pai. e pegou o cotovelo dele com força. — Que importância tem esse homem? — repetiu. Lorry. e quase podia ouvir o pânico crescente em seu coração. — Então seus olhos faiscaram. Sempre amorteciam seus pensamentos e lhe tiravam a força do corpo. Não vai demorar. e fechou os olhos para se proteger. — Barry? Sim. A carne de Lorry estava fria e rígida. assumira um ar plano. mais curta. Ele estava muito cansado. Havia um braço forte em volta dele. desde o princípio. Summerfield. nalguma distância sombria. esperando. neste instante. O pai estava-lhe falando como lhe falava quando ela era muito pequena. perplexo. Estava quase convencido de que estava sonhando aquilo. andava tendo tantas dores de cabeça terríveis. Se ao menos a cabeça parasse de doer. indiferentes e de dispensa. como um pôster. pensou nesse nome. Johnny Fletcher. açoitada pelo seu sofrimento e sua consternação.eu só pensava que ele fosse. mas desorganizaram a vida desta cidade. A sala estava mais escura. Parece que me lembro de outra coisa. pensou Lorry. Você largou seu lar e seus pais por causa dele. não é? Porque ele fez uma coisa boa para esta cidade. E agora quer destruí-lo inteiramente. Mas ele estava velho… velho… eu o envelheci. desesperado. Não posso me lembrar bem o que foram. Ele nem sentiu que ela o tocava. não entendia o silêncio da mãe. ao som daquele nome querido. Ela continuou. e a sensação de abandono. sua atitude distante. meu bem. de uma desolação insuportável. não importava se ele estivesse sonhando ou não. Ele a influenciou contra mim. Barry em breve vai saber. alarmada. a voz fraca: — Vi o seu último editorial sobre Johnny Fletcher. As palavras dele. — Olhou para Lorry. Engoliu em seco. e não ficar tonta. que pareceram a Lorry desdenhosas. a voz surda. — Que importância tem esse homem? — murmurou. Summerfield sumiu. . claro. Ele se encostou na secretária e tentou pensar. — Suas mentiras sobre ele. Ele provocou muitos distúrbios. com um nó na garganta e obrigou seus pensamentos a se dirigirem para Johnny e sua raiva ressurgiu. mais estreita. — Há uma coisa que você não sabe! Barry ainda não sabe! Quer saber? — Não posso atinar que alguma coisa sobre esse homem possa ter a ver com o meu filho e minha filha. Parecia-lhe um nome desaparecido. pior ainda. O Sr. — Vim dizer uma coisa. deve estar aqui a qualquer momento. Fico contente que esteja velho. de papelão. Esther virou-se para ele. Sempre suas mentiras. Foi para uma poltrona e afundou nela. Foi para junto do Barry e se agachou no buraco com ele e lhe deu os primeiros socorros e o consolou. — E um pesadelo — exclamou ele. e meneando a cabeça. — Estão lembrados? — A voz de Lorry. Mas Lorry estava sorrindo. Olhou para a filha quase com ódio. conhecera isso pela primeira vez havia alguns meses. quase fatalmente… lembram-se… e estava nalgum buraco rochoso. se me escutarem agora. que palavras escolher. Sentia um terror na sala. — Não passa de um pesadelo. Já viram as cicatrizes de Barry. Vou embora e nunca mais me verão. embora ela estendesse os braços. — Escutem. além de seu alcance. — MacDonald — exclamou Esther. e ninguém tinha licença de ir buscá-lo. as mãos caídas entre os joelhos trêmulos. Summerfield. num tom curiosamente agudo. — Tentou umedecer os lábios secos. que tinham um gosto de metal. para segurá-lo. Summerfield arrastou-se de junto da secretária e da mulher. — O que está querendo fazer com o seu pai? Freneticamente convencida de que a mãe a abandonara inteiramente. pois não estava conseguindo suportar o peso do marido. mais lancinante do que antes.conhecia bem essas manifestações de sua fadiga. o capelão ia atrás. pois sabia que Barry queria viver. Lorry! Aquilo era terrível demais para ser verdade. continuou. Lorry se descontrolou. — Não estou querendo fugir da realidade — murmurou o Sr. as lágrimas escorriam por suas faces. — Aonde Barry ia. Ela não sabia para onde se virar. cheia de ódio. feroz. e os médicos e enfermeiras do hospital de campanha também achavam isso. — Sim! Foi Johnny Fletcher! — Não é possível! — exclamou Esther. Fletcher! Ah. que sabia que estava morrendo. — Acho que só estou muito cansado. — A voz dela falseou. Ela o obrigou a se encostar na secretária. Não vou mais incomodar vocês. — Ah. não! — exclamou Esther. Lembram- se? E depois carregou Barry nas costas. que o fazem mancar às vezes. não era o Sr. Mas o capelão passou aquela noite ajoelhado ao lado do catre de Barry. e então sua boca se abriu. Alguma coisa estava errada! Aquilo não estava saindo como tinha esperado. — As coisas… não podem ser assim tão cruéis! Barry nos disse que o capelão foi morto na Batalha do Bolsão. — O que eu estou querendo fazer com ele? Como pode. Mas um homem foi. numa acusação implacável. — Querem saber o que Johnny Fletcher tem a ver conosco? Não se lembram do que o Barry nos contou sobre o capelão que o salvou na praia da Normandia? Barry foi ferido. aflita. Barry nunca tinha . Como Granger as chamava? “Fugas da realidade”. O Sr. Lembram-se? — Ah. embora tivessem tentado impedi-lo. pois o bombardeio estava terrível. E o que ele fez com todos nós? Cansado? Diz que está cansado! Como nós estamos cansados dele! O pavor dela voltou. Houve uma noite. alucinada. mais frenético. para um lugar seguro. Ele sabia que Barry não tinha muitas possibilidades de viver. sem fazer barulho. disse Barry. num lampejo verde e amargo. encostou-se nela para se apoiar. olhando para a mãe. — Tanta conversa… de perdoar. vocês nunca nos ensinaram a rezar… —: Lorry! — suplicou Esther. Podia ter contado a seu pai. Tantas mentiras. Você algum dia tentou ajudá-lo. — Lorry. pois sua cabeça começara a se mexer incontrolavelmente. de novo. Uma vez sequer pensou que poderia haver alguma coisa na vida dele que o estivesse torturando. Começou a falar. Sentiu um golpe duro. Pagamento total. de verdade. olhe para seu pai. Lorry. Mas recuou um pouco quando olhou para o pai. — Sim — respondeu —. e aquele enjôo a estava acometendo e seu medo do fator desconhecido naquela sala. Nunca mais quero vê-la. — Muito bem. — Eu… não devia ter vindo sozinha. numa voz distante e difícil. a repudiou com um gesto apaixonado. um choque no coração. não é? Podia ter impedida isso. ajoelhada. Vá embora e não volte mais. Disse para a filha: — Nunca a perdoarei. desde o início. atiçando o povo contra ele. Como você deve ter odiado seu pai. alguma coisa que um homem perverso usasse para seus próprios fins? — Não sei de que está falando — balbuciou Lorry. — Estou olhando — respondeu Lorry. Não soube disso agora. desde o princípio. compreendê-lo? Nunca. nenhuma vez. Lorry. Mas eu queria ver até que ponto ele chegaria. Esther passou os braços em volta dele e puxou a cabeça dele para seu peito. — Você devia ter contado a seu pai. nunca! Lorry deu “um passo para junto dos pais. difamado. — Foi errado desde o princípio. Esther deu as costas à filha e correu para o marido. Esther fez um gesto em direção ao marido. eu sabia. mas estava tremendo de novo. Olhe para ele. desde o princípio. devia ter trazido o Tio Al e Johnny. em paga. então. — Vá embora. pois o rosto dele estava enrugado como o de uma múmia e ele parecia um moribundo. Ela se ajoelhou ao lado dele. mas Esther. postou-se na frente dela e disse: — Você sabia.ouvido alguém rezar. Fez isso a ele. É muito difícil explicar… se matou alguém… não creio que o tenha feito. Lorry. Poderia tê-lo salvo. por ter salvo o Barry! Esther foi para junto de Lorry. Lorry. Foi para junto da mesa do pai e. Continuou: — Esse capelão. caído na poltrona. Não posso perdoá-la. — Olhou para o pai e tremeu e então chorou. O Sr. Summerfield levantou o rosto abatido do peito da mulher e virou os olhos angustiados para a filha. tapando o rosto com as mãos. Nunca houve nada senão mentiras. Foi até aí que ele chegou. Lorry. Nem você nem o Barry. é o homem que você tem perseguido. como ele fizera. não é? Lorry tentou intimidar a mãe. o homem que salvou a vida de seu filho. querendo privá-lo até de sua própria vida e das pobres crianças que ele salvou. . Devia ter contado. Foi aí que começou. Ela gritou quando ele caiu no chão e ficou deitado de bruços. Mas era tudo mentira. levantando-se. Tenho de ir pedir socorro! . enquanto Lorry se debruçava sobre o pai. Eu não sabia. Lorry! Matou seu pai! Não. e ela não conseguiu mais segurá-lo. quando me contaram mentiras. bateu no ombro da filha com os punhos cerrados. — Alguém vai ajudar. imóvel e silencioso.agora. — A voz dele de repente falhou e ele caiu nos braços da mulher. aflita. — Você o matou. em seu desespero e dor. — Vou pedir socorro — gritou Lorry. não toque nele! Não ouse tocar nele! E Esther. ou deixar que eu o ajudasse. A gente tem de amar a pessoa para ver as mudanças. infeliz. branca e imóvel. Virou-se para Esther. — Ele está bem. Sabe. desde o princípio. Estou contente que não passe de um esgotamento nervoso. Mas Barry disse: — Eu queria que houvesse alguma lei para usar contra você e Lorry. agora. mas ele riu de mim. Olhou para eles por baixo das sobrancelhas salientes. Lorry. teria visto logo que havia alguma coisa com MacDonald nesses últimos anos. McManus. Nunca hei de me conformar com isso. Seria melhor se ele tivesse quebrado as duas pernas. em certas coisas. os cabelos desgrenhados. pensou o Dr. E estou cada vez mais burro. evitando com cuidado os olhos frios e reprovadores de Barry. contanto que não seja um colapso cardíaco ou apoplexia. — Nunca tive pretensão a ser inteligente. onde Lorry. MacDonald está doente há muito tempo. . Barry e Esther o estavam esperando. O que eu sou. — Você não é muito sabido. sim. com um nó na garganta: — Eu quis contar a ele. Humm. Acho que vou embora para casa. eu sei — confirmou o médico. acendia um cigarro depois do outro e rondava pela sala. Não me importo. A enfermeira sabe o que fazer e o pastor está com ele. amo o seu pai. mas você vai ter de nos perdoar. Especialmente a mim. animando-a. e lá estava. a curva comprida da escada de mármore e entrou na sala hindustânica. um criminoso? — É — respondeu. Esther. Esther olhou para ele. Eu sabia que ele estava com alguma coisa na cabeça. — Não sei como vai ser.XXXVI O Dr. — Eu sei — respondeu Esther. mudando todo dia. Lorry queria contar a Mac desde o princípio. e teria tentado ajudar. com pesar —. com pena. O rapaz estava extremamente abalado. ela estava sentada.. Lorry — falou. se você fosse um pouco inteligente. aflita. mas você me- fez prometer não contar. Al. adoecendo. pela sua burrice. cansado. Al. Tentei fazer com que ele procurasse um médico. mas se recusava a confessar isso a mim. Vejam o que aconteceu com Johnny e o meu pai. Estava de mãos dadas com Lorry e apertou os dedos gelados da moça. o pastor também não fala mais comigo. — E eu não vou discutir com você — respondeu o médico —· pois não tenho argumentos. as mãos frouxas. numa luz que agora estava cor de açafrão. Eu via. não leve isso tão a peito. poderia ter sido feito com misericórdia. atormentando-o. por causa de vocês dois. Devia ver o pastor com o Mac! Aliás. — Barry. Barry. — Sim. Esther tentou sorrir. meu bem. uma coisa que estava ficando pesada demais para ele suportar. Por que não me pediu para vir com você? Lorry respondeu. McManus desceu. Vai ficar onde possa ter um pouco de paz e sossego e. de modo que o médico certificou-se de que ela se tinha retirado. portanto. mas tocou a campainha chamando uma empregada. Está me deixando nervoso. olhando para Barry com uma expressão severa — que o filho dele tinha juízo. por sequer pensar nisso. para pervertê-la. ou simpatizantes. está bem! Cale a boca e ouça. e a dor. pensei que fosse coração. John Kanty me contou como é o lugar: é religioso e tratam do espírito do homem do modo certo.Esgotamento nervoso! Pensam que não é nada. mas agora acredito. A moça parecia extremamente curiosa. Barry. só falou depois que Barry se retirou. a meu pedido. — Há demônios neste mundo. mas nunca soube que influência esse homem tinha sobre o meu marido. Meu Deus. o ricaço. Por falar nisso. se bem que o consultório principal seja em Filadélfia. Eu nunca acreditei nisso. estive pensando. ele só vem aqui duas vezes por semana. já que está de pé. em todo caso. Granger na doença de MacDonald — disse Esther. de modo que talvez não seja tão mau assim. Parecia angina. McManus —. que tal pedir a alguém umas bebidas? Estamos todos precisados. além da profissão. ele começou a falar comigo e o pastor. — Logo que examinei Mac. o que leva tantos homens ricos a serem comunistas. com quem podia contar para os donativos. que em geral é provocada por tensão mental. demônios de verdade. Bom — continuou o Dr. “Granger tem um consultório aqui em Barryfield. Dá para a gente ficar de orelha em pé e enlouquecer de vez. Barry. Diabos — contou o médico. Espero. que têm outras atividades. Eu disse ao Mac — acrescentou o médico. ou talvez achasse que o Barry poderia cometer alguma violência contra o Granger e se meter em apuros. Tome aqui o meu lenço. E nada de martínis! — Só um cianureto para você — respondeu Barry. Ele esperou até todos estarem servidos pela empregada. Bom. tenho de falar sobre isso com você. em todo caso. Deviam me trancar num hospício. — Al. Bem. sente-se. eles não se metem com a alma do sujeito. estava disparado e a pressão arterial estava caindo e ele estava com aquela respiração. e que tinha jornais e escrevia para outros jornais. Está bem. por algum tempo. embora seja por métodos espirituais. as mulheres! E vou-me casar com uma delas. especialmente com homens do tipo de Granger. você falou alguma coisa sobre o papel do Dr. se você chorar mais. Lorry. Estava com vergonha do que tinha a contar. Sabe — continuou o médico —. vamos afastá-lo dessa família tão emotiva. como o . para tratar de pacientes locais. Barry não respondeu e ficou olhando para o copo sério. antes de começar a falar. vamos internar Mac num sanatório. Só significa que a alma da pessoa fica mortalmente doente e ela não suporta mais viver! Só um esgotamento nervoso! Ele tossiu. — Pois vou lhe contar. mesmo tendo tomado o sedativo. ela cozinha bem. vai usar óculos o resto da vida. não me admiraria se fosse uma história comum. O seu objetivo importante era o Mac. antes de eu lhe dar a injeção de sedativo. com simplicidade. Seu rosto parece um pudim. e seus olhos faiscaram com uma raiva fria. — Eu já sabia. embora lá haja analistas. — O pastor e eu escutamos Mac falar. E os desajustados. Evelyn atrapalhava. Barry. segundo o ponto de vista de Mac. queria toda a atenção pomposa do pai. que o esbanjaram. Como o filho — disse o médico. e que se sentem culpados. — De repente parou de sorrir. — Claro que você é egocêntrico. benzinho — respondeu o médico. e Mac está no pior tipo de emergência. muitos desses ricaços. caiu de três andares e morreu. indefinidamente! Mas o povo americano tem uma coisa: tem bom senso e deixa os seus criminosos irem até certo ponto e depois quebra as cabeças deles. mas não é muito raro. quando se cansa de ser tolerante. E depois há os que odeiam. — Não muito desconhecido. Então. como criança.Mac. Eles têm tudo a perder com o comunismo… mais ou menos se suicidando. cale a boca e deixe que eu continue. espanando o lustre novo. os incompetentes e irresponsáveis que querem os benefícios da terra sem trabalhar por isso.” — Eu sei — concordou Esther. herdou todo esse dinheiro do pai. furioso. não achava que a mãe apreciasse o seu precioso papai. “Evelyn e os empregados novos estavam arrumando a casa nova e Evelyn estava no alto do patamar. Então. conversei com gente que sabe deles em Nova York e outros lugares. A gente tem de manter a calma nessas emergências. o mestre-escola. tinha fantasias e mania de grandeza e todos os outros traços desagradáveis do egocêntrico. foram morar em Filadélfia e construíram aquela grande mansão deles lá. E os pervertidos. Estava. Depois. Mas o pior tipo. olhando para Barry de cara fechada. “Vocês dois sabem de que modo o Mac ficou rico. — Sem falar nos loucos. depressa. McManus sorriu. o seu pai foi vítima do Granger e se a lei não fosse tão exigente em caso de assassinato. . isso não é raro. Agora. que o ganhou com o petróleo. coitado. — Ele falava disso sonhando. meio bobo. preocupado —. seu novo quarto ficava bem defronte do patamar. só por serem ricos. eu mesmo ia atrás do Granger. Não que você queira ser tão idiota assim — acrescentou ele. há os rapazes que herdaram o dinheiro. os que nascem odiando e as pessoas com queixas contra a sociedade. E sabem de uma coisa? Muitos deles acham que o povo americano é tão burro que vai permitir que os comunistas continuem a se infiltrar no governo em todos os nossos meios de comunicação pública e nossas escolas. com a voz estridente da angústia total — que o nosso pai estava sendo chantageado pelo Sommer Granger? — Ora. — E a qual categoria pertence o meu pai? O Dr. Mac amava o pai. quando Mac era menino.” Barry parou diante do médico. Esses adotam o comunismo de cara. e que detestam os homens que aceitam a vida como ela é e que vencem na vida. sim. A coitada da Evelyn perdeu o equilíbrio. — Mas há uma coisa que você não sabe. vamos. Mac estava na casa. Mac devia ter seus 14 anos. Não vá se afligir demais. Ele era um tipo de garoto sonhador. — Quer dizer — exclamou Lorry. Mac tinha ciúmes. estão tentando fazer as pazes com ele. Então. e o bajulam ou dão dinheiro ao partido. acreditando que o comunismo está aí. — A nenhuma que eu já tenha mencionado. sem trabalhar nem levar adiante a obra dos pais. Ele é um caso especial. tremendo que nem varas verdes. meu Deus — murmurou Esther. Esther. só isso. Uma sorte para mim que havia espaço para sair da estrada. pois tinha chegado lá antes da mãe e dos empregados. — E pare de ficar batendo os pés pela sala o tempo todo. Estava histérico. criminosos ou coisa pior. Lembro-me bem. para ela morrer. E pare de beber tanto uísque. ele sai do quarto. Ele sonhava com isso e pensava nisso e como seria bom se a mãe não estivesse ali. mas ele ficou ali. o fingido. “Mac não devia estar na casa naquela hora. com uma voz sossegada e penetrante: — MacDonald não empurrou a mãe por cima do corrimão.filho. E não me olhe furioso. — Coitado do MacDonald. Embora delirasse sobre isso. foi de correr para ajudá-la. para poder voltar para casa às escondidas e se deleitar. entrou em pânico. Uma fantasia. Ela caiu por cima do corrimão. e começou a cambalear. Consegui que lhe cassassem a carteira de motorista e provavelmente salvei uma dúzia de vidas.” — Ah. O pai já tinha recebido a notícia. e ele conseguiu forças para fugir para o quarto antes de ela chegar ao solo. Mac saiu da casa furtivamente. Isso aqui parece um hospício. e tinha bastante lugar para ele virar para a direita. então. se bem que ele me odeie até o dia de hoje. a despeito de seus ciúmes. Ele apenas entrou em pânico. Barry. lembre-se de seus rins. e pela primeira vez começou a chorar.” Esther falou. foi isso que aconteceu com o Mac. de todo. — Digo e repito. sem fantasia nem nada. se você não parar de pular e torcer as mãos e gemer. ele fora pobre. Então. vou lhe dar umas palmadas — ameaçou o médico. Se não fosse. “Vou terminar. sem saber que havia alguém ali. ou querem que eu vá para casa? Muito bem. e estava no patamar quando a mãe estendeu o braço por sobre o corrimão para espanar o lustre novo. Mac era um garoto solitário e insuportável. seu espírito sossegou e ele pôde . O impulso de Mac. Mac viu o pai chorando e então percebeu. e vê a mãe muito debruçada sobre o corrimão. “Bom — o médico. Mas não conseguiu. gelado. Queria salvar a mãe mas não conseguiu se mover. Estava fazendo gazeta. Agora chegamos a um ponto sério. o idiota. caminhar juntos. Cale a boca. andar de barco juntos. certa noite um sujeito avançou de carro sobre mim. É meio natural. e teriam uma comunhão de almas. na contramão. enxugou a testa úmida —. sosseguem. Ele e o pai iam viajar. que tinha querido salvar a mãe. até então. Muitos filhos pensam isso sobre o pai ou a mãe. mas pesada. teria pensado no seu pai e procurado descobrir o que o tornava assim e tentado ajudar. Bobagem. É simples. em seus pesadelos. não queria me matar. os analistas diriam que ele não queria salvar a mãe. ficou ali. Ele saiu do quarto. só isso. Mas Mac é um sujeito intenso. não fui eu que fiz o seu pai. Nunca me tinha visto na vida. Lembrem-se. Nunca levou uma surra. e foi o que fiz. Ora. Muitas vezes Mac desejara que a mãe morresse e o deixasse sozinho com o pai. Coitadinho do menino. Ela era pequenina. lembrando-se. As pessoas como o Mac se apavoram com facilidade. “Pois bem. e voltou para o hotel onde estavam hospedados. de modo distorcido. Não é raro. você é uma mulher sensata. gelado. — Lorry. pescar. quem não bate nos filhos faz deles desajustados. Além disso. Ele se levantou. Nada de heroísmo. numa cidade desconhecida — falou Lorry. Ele hoje reconhece que o encontro não foi acidental. mas tudo se revelara. bem desenvolvido e foi aí que ele ficou mal mesmo. dele nunca se conformou com a morte da mulher e só vivera alguns anos. os não privilegiados. disse Granger. agora o Mac tinha um complexo de culpa novo em folha. o tipo de sujeito que não confia. — Não vai. . em voz baixa —. Então. e que foi arrumado por outros. existia o antigo ressentimento contra os que tinham esnobado o pai dele quando era pobre e o fato de que nem todo o seu dinheiro podia tornar Mac tão importante quanto achava que merecia ser. e pare de falar como idiota.consolar o pai normalmente e sentir pesar pela mãe. hein? “Bem. Granger inventou uma história e tanto para Mac. Mac só tocou no assunto porque o pai. próspero. nada de besteira — respondeu o médico. o Granger dominou o Mac. instintivamente. mas é vítima de mentirosos e charlatães que têm planos. há alguns anos. Ele havia de conseguir algum domínio sobre Mac e como Mac. que sempre foi um cara vacilante e desconfiado. mas sua mente consciente estava lhe cortando a memória e lhe contando mentiras para ele poder viver consigo. Por que um homem como Sommer Granger. — Quando é que o Granger volta a Barryfield? — perguntou Barry. Pois bem. e que a empurrara por sobre o corrimão! Ele não se lembrava desse fato passado. ninguém que lute contra o comunismo é humilde ou obscuro. com naturalidade. Daí os editoriais contra o Johnny. segundo os comunistas. horrorizada. um clérigo obscuro. Granger convenceu Mac de que ele não tinha ficado congelado quando a mãe começara a cair. Temos um homem sensato na Associação Médica. tão influente. depois disso. Já lhe disse que tomo conta do Granger. naquele determinado momento. Então. Simples. não. Barry.” — Vou matar o Granger! — exclamou Barry. disse Granger. “Não sei como. havia de se preocupar com o coitado do Johnny? — Benzinho — respondeu o médico. mas que correra para a mãe. Durante o tratamento. Têm de ser eliminados. como o Granger tinha… para os jornais de Mac. mas gente como o Johnny constitui um perigo para os Grangers. Até que o Granger o agarrou. alarmado. — Vou cuidar do Granger através da Associação Médica. Como poderia expiar o assassinato involuntário da mãe? Ora. e seu dinheiro. sob o sodium pentathol! Segundo Granger. Granger nunca chegou a conhecer o Johnny. claro. Granger o ‘tratou’. Ele sempre odiara e invejara os ‘aristocratas’ que tinham herdado dinheiro e nunca haviam sido pobres. ficou tudo bem com o Mac até que ele conheceu Granger. às cegas. estava mais instável do que o normal. — Mas o Johnny não passa de um clérigo. foi aí que começou o terror e a chantagem espiritual. ajudando os ‘explorados. embora arrogante. na luta de classes. E ninguém é grande demais para atacar. Mac estava em ‘conflito’ porque sua mente subconsciente se lembrava de tudo. surgiu a história de Evelyn e sua morte. bem sei. — Ora. inspirados por Granger. Mas. mas ainda assim quis ser ministro. Não se sinta culpada demais. respirando ruidosamente e inquieto. Mas. e voltara ao trabalho com uma dedicação e coragem renovadas. Por falar nisso. de uma austeridade fechada. É só que você se esqueceu. a sensação de estar perdido. e suas feições tinham uma expressão distante. pois os olhos eram os de Lorry. seria o Sr. Era um homem que tinha sofrido. Summerfield estava pensando. não conseguia sentir raiva mas apenas compaixão por ele. Não que eu não me tenha perguntado por que. mal pago? “Nem todos nós podemos ganhar muito dinheiro”. Lorry. lembrara ele. Os olhos estavam fechados. cavados. — Ainda está aqui. observando o doente. Eu sabia que nunca seria um ministro elegante. Eu o estive observando. em determinadas condições. desde o início. por trás daquelas pálpebras crestadas. Tudo para ele tinha de ser complicado e tortuoso. O Sr. teria se reconciliado consigo mesmo e todos os elementos disparatados: a veemência oculta. Summerfield. o rosto a lado tão sem cor quanto os lençóis de linho. suas explicações. pensou Johnny. não apreciado. teria acontecido a qualquer momento. mas alerta para algum movimento ou suspiro do paciente. Sabia o que significava. expressão semelhante à dos filhos. então estarão sempre vagando. Isso vai passar. Summerfield. brilhavam à luz do abajur. Fletcher? — perguntou o homem mais velho. o pastor já está lá em cima há muito tempo. Tinha um rosto moreno e alegre e olhava a toda hora para Johnny. as suas dores e perplexidades secretas. Se ele algum dia tivesse tido fé. se os homens não podem aceitá-Lo como bússola. que se enrugavam nervosamente. O doente estava deitado. Ele agora está compreendendo as coisas. leva ordem ao caos. Fletcher. melhor de tudo. a voz fraca. Deus o fizera assim. pois é contra a natureza de Mac ser um assassino. Sabe que estou aqui. em desespero. tão parecidos com os de Lorry. Sr. e que jamais teria muito dinheiro. se havia alguém que pudesse ajudar o Sr. “Se você quisesse isso. devido aos pacientes ingratos. Ele era o pai de Lorry e Barry. Era uma das paroquianas de Johnny e dizia consigo que. o desejo simultâneo de amor e a rejeição subconsciente do amor. Deus. o trabalho árduo e longo. com brandura. E. atentos e alertas. esse homem seria avô dos filhos de Johnny. sob os cuidados de Granger. Será que ele quer que eu vá embora?. ou hora. em estilo francês provincial. tinha de ter seus “motivos racionais”. como que esperando um sinal. luz às trevas e mostra o caminho ao viajante transviado. Johnny. lendo. As luzes estavam meio apagadas no grande quarto do Sr. A enfermeira estava sentada num canto distante. amor. perguntou-se Johnny. tudo isso teria se juntado e se teria perdido numa serenidade e confiança maduras. Summerfield abriu os olhos e qualquer último vestígio de frieza que Johnny pudesse estar nutrindo contra ele desapareceu. era um homem incapaz de aceitar o amor com simplicidade e de dá-lo com simplicidade. amaldiçoado por seu caráter imaginoso e instável. com uma inspiração renovada. — O colapso de Mac. muitas vezes!” Ela então vira que ele e ela estavam quase no mesmo serviço. imóvel. Os cabelos claros e bonitos. Ele não a ajudara quando ela estava a ponto de desistir da enfermagem. então não devia ter estudado enfermagem. Ele estará dormindo?. pensou Johnny. olhando para seu antigo inimigo. — . O Sr. sentado junto do pé da cama. Acho que vou dar uma olhada. Você apenas precipitou uma coisa que teria acontecido a qualquer momento. Achava que não. de todos os milhares de ministros. Acho que todo pastor tem. Coincidência. em qualquer ocasião. para espanto dele. — Há anos que venho tomando barbitúricos. sem dúvida. O Sr. Stevens só conseguiu encontrar uma. Mas gostaria que o senhor ficasse contente. Afinal. — Era para mim ter uma paróquia grande e importante em Nova York. Assim. O Sr. eu provavelmente já estaria morto. O Sr. sim. Uma semana depois. de repente. Summerfield olhou para a enfermeira e Johnny disse logo: — Nancy. — Virou a cabeça para Johnny e o examinou. numa voz mais forte. — Ficou calado durante algum tempo. Mas. há meia dúzia de outras vagas para os ministros. de modo que os belos sedativos que me deu só me deixaram meio sonolento. logo você. você se importa de nos deixar a sós por uns 10 minutos? — A moça levantou-se logo. conforme ele me escreveu. como resposta. Dez minutos. — Tenho. O velho Al não sabia disso. pensei que o senhor e eu teríamos alguma coisa a conversar. Tudo de inexplicável que acontece é mera coincidência ou pode ser explicado racionalmente depois de investigado. — E isso não é racional. senti que eu devia continuar em Barryfield. A não ser que esse sedativo esteja agindo muito sobre o senhor. pode me contar como foi que você. a essa altura. Lorry continuaria . E. — E nenhum de vocês dois se importaria se eu me opusesse? — Não — respondeu Johnny. — Não creio — repetiu. O Sr. em absoluto. salvou minha filha para mim. o capelão que salvou a vida de meu filho. com firmeza. Summerfield ficou olhando para Johnny durante muito tempo. com um ordenado umas cinco vezes maior do que o que ganho aqui. Em geral. apareceram outras. por fim. — Ah. com franqueza —. o Dr. Assim. Summerfield sorriu vagamente. então. sorriu para ele e lhe tomou o pulso. O médico queria que eu saísse e o deixasse repousar. Não creio. — Fico contente que tenha ficado. — Ah. a paróquia não me quis. No entanto. — Não. já que este não está fazendo muito efeito.Por quê? Johnny sorriu. Ela saiu do quarto e os dois ficaram sós. Deve ter um instinto para essas coisas. — Jamais acreditei em coisas sobrenaturais — falou ele. Barryfield. não foi coincidência. e por fim salvou o meu juízo… como é que veio parar aqui em Barryfield? — É muito simples — respondeu Johnny. que tinha Uma missão aqui. mas eu sabia que havia de querer me falar alguma coisa. sobre a Lorry. se você não tivesse vindo. Summerfield desviou o olhar. A essa altura. fiquei. está ludo bem agora. foi até junto do paciente. vou me casar com a Lorry. Mas vou pedir ao médico um sedativo mais forte. Pelo amor. nem comia da minha mão. Eu o adotei e fiz uma gaiola de madeira para ele. — Pensei em vir. mas não chegava junto de mim. inquieto. pois podíamos raciocinar. Dava-lhe comida e até cantava para ele. várias vezes e… que Deus me perdoe… não vim. pensei. Summerfield disse: . e o velho Al continuaria a ser o velho violento e mau que era. Não é? — Não — respondeu Johnny. o abrigo e o amor que Deus nos deu.a ser uma moça desesperada e cheia de ódio e o meu filho continuaria a me desprezar. olhando para Johnny. — Você me perseguiu. Uma série de fatos… com um propósito. encontrei um tordo filhote. Casei-me com Esther pouco depois do divórcio. Só Deus pode nos livrar do nosso medo. — Eu teria vindo — respondeu Johnny. Não estava mais com medo. E queria conhecê-lo. a convite meu. Então o Sr. É assim que sempre foi. Foi aí que vi que tinha de ser ministro. — Logo após acrescentou: — Eu nunca o odiei. esfregando a cabeça no meu rosto. Quando eu era menino. eu o destruiria. Se eu me aproximasse dele. que ainda estava sorrindo. mas nunca pude dizer isso a ela. todo impulso forte que eu sentia era acompanhado por uma reação mais violenta. Summerfield. Conhecia o nome que eu lhe tinha dado. um dia eu estava tomando o café da manhã. Minha mulher suportou isso por algum tempo. fugia para a gaiola. O pai de Lorry disse: — Isso é uma coisa que precisa de muito tempo para ser estimada. Summerfield se remexeu inquieto nos travesseiros e Johnny logo se levantou e o ajudou. também. depois me largou. — Mas ele tinha medo. desde o dia do seu primeiro sermão — disse o Sr. Mas queria que viesse. Debby. Summerfield. O Sr. mas todos nós. Mandei um repórter assistir a quase todos os seus sermões e li todos eles. as pessoas aqui continuariam a morrer devido ao smog. — O que aconteceu com o tordo? — perguntou o Sr. e nessas ocasiões eu caçoava dela e a rejeitava. — Não só o senhor. Além disso. recordando. O senhor não era o único com uma compulsão. Summerfield ficou calado. Eu a amava e a amo. e eu terei tempo. — Ah. enquanto aceitamos a comida. — Eu não conseguia compreendê-lo. caído do ninho e abandonado pela mãe. O Sr. Durante toda a minha vida. com mãos seguras e ternas. Eu me perguntei se éramos ainda mais burros. Queria fazer isso. — O senhor sempre teve muito medo — respondeu Johnny. isso é igual ao que acontece conosco e Deus. quando já sabia voar na nossa cozinha. mas eu o vi muitas vezes na rua. todo encolhido. antes de sair para entregar os jornais. Você nunca me viu. Negações. E sempre negativa. Nascemos com medo de tudo. e você nunca teria salvo aquela menina. A mão de Deus estendida e nós fugindo dela e gritando no nosso pavor cego. de verdade. e de repente ouvi o passarinho voando pela cozinha e aí ele estava no meu ombro. Pensei que o odiava e pensei que se viesse aqui. lembrando-se do passarinho. no seu carro ou andando nas suas rondas. desde que eu me lembro. E isso é ridículo. mesmo depois de duas semanas. e a minha mulher sem dúvida me teria abandonado. desesperadamente. E então. — Johnny sorriu. Parecia uma compulsão. Summerfield. como se não tivesse ouvido: — O passarinho sabia. — E vamos enxotar esse pastor falador. que não havia nada de que ter medo. Barry e Lorry. . ali a seu lado. encostando a face úmida na do pai. hein? Mas agora vamos mesmo pôr você para dormir. por umas 12 horas. O Sr. — O pastor é um sujeito simples mas a gente fica pasmo com as coisas que sabe dizer. para o casamento. é. e de quem se rende. Summerfield. Summerfield sorriu para Johnny. Mac? Sujeito desesperado. Esther ficou ao pé da cama. os olhos cheios de lágrimas. A maioria é conto de fadas: eu nunca acreditei em nada disso. Não o poderia insultar. — Estarei bem e de volta. então. Mas estendeu a mão para Johnny. porém. — Não lhe posso agradecer pelo caso de Barry. Barry pegou a mão do pai e Lorry se ajoelhou ao lado da cama. mulher de ministro! Vou me divertir vendo isso. num gesto de quem pede perdão. McManus entrou no quarto. — O velho tomou o pulso do Sr. com habilidade. O Sr. agradecendo. sem dizer nada. — Ah! — exclamou o médico —. afinal. acompanhado por Esther. O Dr. — Deu uma risada fraca. Mas Johnny respondeu. — Olhou para Johnny com uma cara feroz. a enfermeira. — Lorry. Estava tudo na sua mente desconfiada e ignorante. andou tomando barbitúricos. Nem sei como é que o deixei aqui. estava olhando para a filha e o filho. que andou amolando você. e se mostrou satisfeito. cheios e delicados. onde a temiam e respeitavam. tendo voltado ao normal. — Afinal — dizia ela. Os filhos estavam florescendo. Burnsdale. — Para que esperar. pois os meninos a adoravam. com o irmão. com os cabelos castanhos lustrosos e olhos atrevidos. aflito. Pietro tinha tentado convencer Lorry a se casar com Johnny antes de setembro. de novo”. quando o amor existe? — perguntava ele. ladino. Max fazia biscates misteriosos para o Rabino Chortow. aquela família era organizada de modo muito relapso mesmo. Sempre que Lorry ia a Barryfield. Burnsdale. Lon Harding e seus amigos tinham revolvido canteiros e deixaram as crianças ajudarem a plantar flores perenes. Lorry estava dividindo seu tempo entre Filadélfia e Barryfield . falava em entrar para o time de basquete da Igreja do Rosário. ela ficava com a mãe. no jardim da paróquia e Johnny e as crianças os visitavam sempre. Perguntava sempre por Johnny. Os lilases da Emilie estavam em flor. se bem que a menina não achasse a menor graça. que o achava um consolo pelos filhos que nunca tivera. Jean. — É muito exaustivo para você. Ela olhava para ele. O Padre Krupszyk levou mudas de íris e bulbos de lírios e os plantou ele mesmo. McManus e Johnny. Burnsdale. Burnsdale. Johnny sentia que sua vida estava completa e que todos os anos que tinha pela frente seriam de uma felicidade profunda. Em Barryfield. É meu filho. Ela conseguia até desafiar a Sra. — Aquela menina — dizia Kathy — precisa de disciplina. As pequenas árvores de frutas tinham solado as folhas como uma neve fragrante e a grama estava ficando verde depressa. e a Páscoa se aproximava. não vem? . que estava sozinha. Mas quem aqui vai fazer isso? Na opinião de Kathy. meio sorrindo: — Mas o dever vem primeiro. Debby. com reprovação. Ela desabafava sua frustração sobre as meninas na sua escola dominical. Era então que Kathy se tornava defensora da Sra. escreveu: “Barry veio me visitar ontem. Mas ela agora estava ficando viçosa e cheia de um contentamento suave e pleno. Eram cartas de quem já esteve mortalmente doente e só aos poucos estava voltando à vida. Kathy lutava com a Sra. meu bem — dizia Johnny. antes de a gente ver a Sra. Em outra ocasião. com frieza — era eu que tomava conta dos garotos. era a cruz especial de Kathy. em matéria de autoridade. e respondia.XXXVII O mês de abril chegou como a luz nas asas de um pombo. Sou mais chegada a eles. o que divertia o Dr. e lia as cartas do pai para Esther. A voz de Pietro adquiria mais brilho. Eram breves mas afetuosas e boas e cheias de uma tristeza intangível. — Você dois se abraçaram quem nem dois bobos. Barry prometera a Johnny que estaria em Barryfield na Páscoa. Levanto me às 6h00. pois era uma mulher exótica. — Depois virava-se para Johnny com um olhar ameaçador. Assim. Ela se esquecera das boas Páscoas de sua juventude. afinal de contas. — De certo modo — disse Esther. beijando os dois — esta vai ser a Páscoa mais feliz da minha vida. mas minha mãe sempre dizia que uma moça que não saiba cozinhar e fazer suas roupas é uma mulher inútil. Foi tudo muito pacato. Foi Barry quem insistiu em mobiliar a casa paroquial pronta em junho. —·A paz é uma maravilha — repetia sempre o médico. especialmente quando atrapalhava as festividades. “cheio de saúde. Barry Summerfield chegou em casa de tardinha. Johnny deixava sua marca por toda parte. rindo: — Eu agora trabalho no jardim. Pietro não tinha muita certeza disso. a alma. mas ele estava nos pensamentos deles. A amizade dos dois rapazes era tão profunda que comovia até o Dr. embora tivesse passado a usar roupas discretas e convencionais. O seu pai nunca me deixava fazer isso. Summerfield. . — Lembro-me do dia em que ele chegou a esta cidade — disse o médico. soluçando. ou não. pois tinham encontrado bilhetes de suicida na secretária dele. Ninguém olhava para a cadeira do Sr. Um dia ele tornaria a se sentar ali. e estivesse pensando em redecorar a casa num estilo aceitável. contente. e a terra está fresca. McManus. com amor. mas Lorry já a ouvira falar delas. claro e fresco. dia em que Barry chegou e foi para a casa da madrasta. quer ele soubesse disso. até a Quinta-Feira Santa. — Sorriu para eles. Nós de fato fizemos a vida dela infeliz. Ele gostava de Esther e tinha pena de sua solidão valente. antes de se ter casado com MacDonald Summerfield. E. daqui a uma hora vocês meninos vão ter de me dar licença. — A paz é uma coisa maravilhosa — dizia o Dr. Esther de repente bocejou e desculpou-se. Johnny protestara diante das despesas. ao jantar. pensou. ele poderia estar morto agora. pensou Lorry. na Quinta-Feira Santa. Lorry é minha irmã. com sua irmã Lorry. São cheias de tesouros. O dever parecia uma coisa muito sem graça para ele. mas o amigo insistira: — Você ainda não viu as lojas da Madison Avenue. Mas eu vou preparar o almoço de Páscoa. As janelas estavam abertas para as montanhas verdes e lilases e o perfume dos arbustos e árvores da montanha. é a melhor hora. Ela continuava com um ar exótico. — Contanto que você não se intrometa nas coisas. Uma fatia de lua brilhava como um fogo prateado acima do topo do monte mais próximo. A filha e o enteado olharam para ela com carinho. McManus. — O seu pai sempre achou que não ficava bem eu cozinhar. eu mesma! Sempre tivemos muito dinheiro. enquanto ela conversava com espírito e inteligência. se não tivesse sido Johnny Fletcher. e sentiu remorsos. a alma sarada e sossegada e todos sabiam que. sobre ele. — Ah. mesmo na fralda da montanha. Escute . — Riu-se. Barry comentou: — Johnny me contou que uma porção de fiéis dele deixaram a igreja. Imagino que vamos ter de continuar a ser diplomáticos. Aí ouviram o barulho mais sinistro que se pode ouvir numa região em que a mineração de carvão é tão importante. E a nossa circulação aumentou de um terço! Imagine! Ela olhou para o irmão. pois viu que a irmã parecia deprimida. soubessem disso e atacassem por maldade pura. e é por isso que a circulação está aumentando. sim. — Os novos redatores que contratei são muito bons — comunicou Lorry ao irmão. consternados. ou alguém. a não ser uma citação dos sermões dele. especialmente os artistas. testemunho do ódio insano que uma grande parte de Barryfield sentia por Johnny. em pânico. Nada tão vulgar como o dinheiro. com tristeza. pensou ela. resolvido — Não sei que auxílio posso prestar. — Os seus editoriais para os nossos jornais. Talvez. fazendo de conta que a mobília não estava ali. Lorry e Barry ficaram sozinhos na sala hindustânica. Mas pelo menos ele não é mencionado nos jornais. americanos somos diretos. Não publicamos as poucas cartas feias que por vezes nos chegam. e se olharam. — Uma explosão! — exclamou Lorry. — Devem estar trabalhando de noite de novo! Esses chamados são por ajuda de qualquer tipo. são muito diplomáticos — continuou ela. — Depois ele falou de um novo escritor que tinha “pilhado” na Inglaterra. levantando-se. Muita gente. Era igual ao pai. tem de ser feito gradativamente. no passado. tem de odiar alguma coisa. em seus corações. de vez em quando. a fim de dar à sua vida algum significado. Nós. Sirenas de repente soaram em buzinas curta e rápidas. Os gritos mecânicos lhes chegavam finos e claros. Quantos homens será que… — Vou descer — disse Barry. por causa dos maldosos ataques do pai dela sobre ele. depois da última joiazinha do pai. claro. Mas você o está fazendo. Lorry e Barry só tinham ouvido aquilo uma ou duas vezes na vida. — O pessoal de Barryfield voltou a respeitar os nossos jornais. Claro. parando um momento e depois buzinando de novo. de repente. Mas eles não deixam de examinar os nossos relatórios de direitos autorais com um microscópio! Lorry começou a rir. mas sou um jornalista de coração e consigo uma historiar em todo caso. com uma perversidade singular. E… os últimos comentários do pai sobre o Johnny não foram bons para Johnny. Ela não mencionou que essas cartas por vezes eram violentas e incoerentes. todo mundo sabe a respeito do pai. quando você tem tempo de escrevê-los. nisso. Invariavelmente odiavam as coisas erradas e os homens errados. embora estivesse entendido tacitamente. com afeto. e há certo cinismo quanto à nova política. Ele já tentou falar com eles mas não adiantou. Só falamos de uma maior distribuição e levar a mensagem do homem a um público maior. sei que não podemos inverter a política normal. mas isso ofende os europeus. Ela os deixou às 21h30. suspirando um pouco. quando tinha cerca de 30 anos. — Eu o convenci de que podíamos fazer mais por ele do que o antigo editor. — Direitos autorais maiores não foram nem mencionados. Não espere por mim. pálido e aflito — que também sou mineiro. o mistério continuava sem solução. Conhecia tudo aquilo. E somos assassinos. abotoando um último botão. As sirenas estavam buzinando. Johnny estava trabalhando no sermão de domingo. as mulheres e crianças. vestindo-se no caminho. depois de Sua morte. Ouça essas malditas sirenas! Conheço todos os chamados. Os resgatadores não podem ser perturbados. Só médicos. O senhor não sabe o que é. bem no fundo da terra. o odor acre do carvão começando a arder e o bater de corações apavorados. Os assoalhos e paredes rangiam vagamente na noite cálida e agradável. batendo com a caneta nos dentes. os berros por misericórdia. Algumas dessas minas deviam ter sido fechadas há anos. A casa grande e velha estava muito quieta. Não esperava ver nada. galáxias e universos olhara para um grãozinho de pó se agitando no rastro eterno de sóis ofuscantes e milhões de mundos oscilantes mais vastos do que jamais se poderia imaginar. — O que… olhe aqui. Pobres- diabos. outras virão. E então. querem todos os médicos que puderem alcançar. Por quê? Ah. já o experimentara pessoalmente. não vão deixar que você chegue nem perto do poço. alguns minutos antes da explosão na mina. Lorry. Começou a tremer com o medo que só um mineiro pode sentir. Senti a explosão. como na queda de um pardal. . menos belos até. uma vez também fui resgatado. é preciso trabalhar o mais depressa possível. violentamente. as luzes. somos menos inocentes. menos nocivos. e menos úteis. para afastar os intrometidos. do que os pardais. cheios de medo. insatisfeito. você é um… — O senhor se esquece — respondeu Johnny. de repente. lá embaixo… e eu sei. não era mais sacerdote. E as ambulâncias. As mulheres. O bater de pés angustiados correndo para as minas. mas mineiro. McManus viu Johnny e parou. a Bíblia explicava mas. Achava que estava até sentindo o cheiro do gás. foi até uma janela e olhou para fora. os gritos a Deus. Você só vai atrapalhar. pensou Johnny. ou então deviam ter escorado as paredes. O velho médico estava cansado e fora deitar-se. Tudo o que escrevia lhe parecia inadequado. e trancam os portões. Ele se levantou. pensou Johnny. as crianças. Sei como salvar os mineiros. Então. Ele conhecia aquelas sirenas. O Dr. Agora. de repente. elas tremeram. McManus descendo a escada correndo. Não viu ninguém na rua. os gritos de terror. e Ele descera sobre aquilo com Seus pés radiosos e morrera ali. Olhe. Nessas horas. os resgatadores… Ele já estava a meio caminho da porta quando viu o Dr. Ele ressurgira dos mortos. sem motivo.essas sirenas gritando! Deve estar um inferno lá embaixo. As crianças estavam dormindo. As minas de novo. em Sua pele humana. Hoje. era o que Johnny esperava. para levar a vida às criaturinhas rastejantes chamadas homens — por quê? De um minuto a outro. Depois teve um sobressalto. só de vez em quando um automóvel passava pela casa. inquieto. banal. A marca de Caim está em nossos rostos. só queria se tranquilizar vendo os calmos lampiões de rua. Parou. há cercas de arame em volta dos poços. num clamor de pedido de socorro desesperado. isso deve ser grave. O Deus de todas as inúmeras constelações. para Johnny. mais depressa — gritou o médico — mas não nos mate. ele rezava a oração para os mortos. Ligue essa sirena mais forte. fala com suas famílias. o mais depressa que suas pernas gigantes permitiam. — Você não vai chegar perto da mina! — gritou o médico. manda-lhes socorro. Mas lembro-me de outra coisa. — Rache a cabeça deles! . — Por ali. para eu gritar para os homens. Cuidado! Aquele raio de idiota quase o abalroou. tapar os rostos… eu tinha de ter a Tua ajuda para me acalmar. — Vai ficar do lado de fora dos portões. E ligue essa sirena. aqueles homens lá na mina agora… acalma-os. o fedor de gás. e a luz extra. e só perdemos um homem que estava apavorado demais para ouvir e não perder a cabeça. Eu ainda era menino. o pânico do espírito. O médico gemeu e o acompanhou. — Pai. e disse para a noite clara. Mulheres começaram a gritar. Pai. Conserva as almas deles. seu idiota! Tenho uma sirena no meu carro e vamos usá-la para abrir caminho! Veja todos os patetas já saindo para a rua nos seus calhambeques. Ele destrancou a porta. apavorado. Jack! — gritou para um policial que estava usando o cassetete para conter as turbas curiosas e empurrá-las para trás. enquanto os homens estavam correndo e gritando no escuro e me lembrei do que nos tinham ensinado. também. Mineiro. E Tu me deste o poder. diz ele! Vai descer pelo poço afora… nunca pensa. tranquiliza-os. pedindo socorro. em súplica. raios! Cuidado com a minha maleta. Conseguimos sair. e não mergulhar nos buracos. Pai. cada homem rastejando com a mão nas costas do que estava à frente. as paredes tremendo. mas me lembrei de parar para rezar. Fez essa curva depressa demais… está bem. sei tudo sobre isso — rezou ele. Vozes gritavam de um lado para outro. correndo para a garagem. Siga a próxima rua. — Gritou para Johnny: — Não na sua lata velha. antes de poder me lembrar dessas coisas simples. por que a polícia não afasta esse povo? Malditos filhos da mãe intrometidos! Isso mesmo. o rugido dentro da terra. encorajá-los a me acompanhar para a saída e Tu os fizeste me escutar e eles me acompanharam. guinchando. com a Tua ajuda. É esse o seu trabalho. carros saíam das entradas das casas. Meu Deus! Você vai ficar do lado de fora dos portões… Mas Johnny estava rezando. o pavor. Sua boca se movia. as crianças choravam. — Mais depressa. enluarada: — Ah. o idiota! Ele nunca pára para pensar. Não vai chegar nem perto daquela mina. agora — indicou o médico. em frente. vire à esquerda na esquina… não vai chegar perto daquela mina! O ar noturno virava com as buzinas das sirenas frenéticas. excitadas. farejando um desastre. — Cuidado com aquelas ambulâncias! Diabos. atrapalhando as ambulâncias e carros de bombeiros e médicos! Entre. afaste as patas daí. baixinho. As casas estavam acesas. Não vou permitir… Mas Johnny já estava lá fora. o idiota. as pessoas nas portas e alpendres. cair de quatro. entre. junto com os outros pastores. Tenho de afastá-lo de lá. Johnny respirou fundo e enquanto o carro disparava pelas ruas apinhadas e a sirena berrava com as vozes mais profundas e fortes das outras sirenas. — A fumaça. mas Johnny. — Olhem. Johnny ouviu o sussurro borbulhante. as bocas abertas emitindo orações e gritos. — Lá por trás da cerca de arame! Temos de parar lá. Os holofotes estavam apontados para o poço. Então. as vozes dos homens. O elevador tinha subido do poço e os resgatadores. aflito. E daquele buraco dilacerado e sangrando. médicos. Aquilo era uma cena saída do inferno. pensou. mais dois! Johnny abriu caminho até a cerca. os rostos manchados e molhados das crianças. mulheres e crianças estavam se acotovelando em volta dele. sujo de fuligem. deixem-me sair! Mas ele teve de forçar o caminho para sair daquela massa de humanidade histérica. — E agora — murmurou o padre — diga um bom Ato de Contrição. de junto do rosto do mineiro agonizante. Gritou: — Vocês não estão adiantando nada! Só estão piorando as coisas. se a sorte perdurasse. os gritos de mulheres que rezavam e choravam. — Dê a volta. cercada pelos curiosos. Mas sua voz estava muito quieta. ele estava comprimido contra a cerca. inclusive o Dr. veio um leve sussurro. Em volta dele reinava o rugido confuso dos ruídos humanos. — O elevador está chegando de novo! — gritou um homem. cheirando. os homens foram colocados sobre elas. McManus. Johnny olhou em volta. os uivos das sirenas. Johnny se aproximou do amigo e pôs a mão no ombro dele. abriu a porta e correu para a cerca com seus portões trancados e guardados. O rosto largo do padre estava suado e os olhos cheios de lágrimas. abaixando-se. roucas. mantinha a cabeça abaixada sobre o rosto sangrento e quase sem feições do mineiro. as caras chorosas. quase sem poder se mover. Viu os olhos brilhantes. somente os funcionários dos hospitais tinham licença de chegar perto do poço. com dureza. Por que essas mulheres e crianças não param de berrar? — Os pais e maridos estão lá embaixo — respondeu Johnny. mas o padre não afastou a orelha. ainda havia tempo de os homens serem retirados —. Encontrou uma clareira. não sentia mais o cheiro de gás. O clarão lateral dos holofotes mostrava a confusão misturada das caras de homens e mulheres espiando pelas fortes cercas de arame de corrente. McManus. estavam debruçados sobre os homens. Nesse pequeno círculo viu o Padre Krupszyk ajoelhado ao lado de uma maca e viu que pelo menos aquele pobre mineiro não tinha mais salvação. de boca aberta. Agora o ar estava cheio do cheiro da primeira explosão. de máscara. Homens. Ali estava mais escuro e mais sossegado. rapaz! — ordenou o Dr. berrando assim! Pelo amor de Deus. Ele parou o carro atrás de uma porção de outros. Agora as macas brancas estavam de fora. As ambulâncias estavam paradas perto dos portões. de onde saíam tufos de fumaça. que estava ouvindo a confissão. levados para as ambulâncias vigiadas pela polícia e as ambulâncias saíram berrando no escuro para um hospital. então viu que as roupas rasgadas do mineiro eram uma só . avançando e recuando. estavam puxando dois mineiros inconscientes de lá. e uma mulher soluçava baixinho. procurando um rosto calmo. as ameaças da polícia e um som silvante. Jovens internos. tinha ido ajoelhar-se ao lado do marido moribundo e os dois filhos se ajoelharam com ela. o tocar de sinos. a pressão contra a cerca quase a fez dobrar. Sr. não fora sozinho para as trevas. — Sou mineiro. persignou-se e murmurou de novo. e Johnny se lembrou de que ele estava morrendo. — Não entendem. consolando-a. — Sois tão bom… Tende misericórdia de mim… pequei contra o céu e diante de Vós… não sou digno de ser chamado Vosso filho… misericórdia. grotescos em suas máscaras. eu queria… tenho de descer lá! O padre apertou o ombro dele. Dowdy enxugou o rosto cheio de fuligem. Johnny balbuciou alguma coisa. Lá está o elevador descendo de novo. Verdade. Johnny recuou. Fletcher. desesperado. sou mineiro. O outro disse. Johnny sentiu. Senhor… misericórdia… arrependo… Seu peito ferido arfou e o padre fez o sinal-da-cruz. mas ninguém ensina… eu queria. lutando para viver mais uns momentos. mas conseguiram tirar quase todo mundo. Os resgatadores. através da cerca. a ambulância rodando. Johnny virou-se. Ato de Contrição. sem uma mão amiga. Então Johnny viu o . estavam puxando os homens do elevador. O Sr. a gente sente. Então. de modo que há uma possibilidade para o resto. tenho de descer lá. Alguém gritou: — Quatro! As mulheres gritaram de alegria. — Eu me arrependo muito por Vos ter ofendido — murmurou o mineiro. Dowdy virou-se e foi até a cerca. os olhos mortos fitando. sem ver. a mulher e os filhos. Breve vai haver outra explosão.massa de trapos vermelhos. de fato. os médicos examinaram os homens rapidamente. depois chegaram as macas. ficar aqui não vai adiantar nada. — Até agora só morreram dois. aturdido. — Isso é terrível. agarrou-se ao portão. menos 12. Até agora. uma ambulância uivou. se arrependera. Sei o que fazer. depois outra. — Quantos? — perguntou Johnny. incoerente. a garganta espessa. só houve uma explosão. A cabeça do homem rolou para o lado. U elevador estava subindo de novo. Vai haver mais. e o Sr. e a família do mineiro rompeu na endecha triste e sem palavras pelos mortos. sob os pés. chorando. viu o rosto horrorizado do Sr. pela sua alma. Ele sentiu que alguém o tocava e viu que era o Padre Krupszyk. tossiu e recuou um passo. e lá vai o elevador de novo. Tenho de descer lá com eles! O ministro olhou para ele fixamente. com simplicidade: — Eram 60 lá embaixo. Fletcher — disse uma voz encabulada perto de Johnny e ele se virou para ver o rosto velho de um ministro que ele conhecia ligeiramente. — Sou mineiro — respondeu Johnny. mas era bom quando ele podia ser levado à Sua Presença com as palavras da contrição nos lábios. Conseguiram retirar todos. O mineiro se confessara. é maravilhoso a gente saber se arrepender no último momento. O padre murmurou. sem consolo. no fim o homem ficava só com seu Deus. Dowdy e chamou-o. A mulher encostou a cabeça no ombro do marido e o padre virou-se para ela. não vê. Sr. Johnny. os dentes cerrados. Johnny afastou a mão do padre. a voz fraca. atormentado. Falou com os resgatadores mascarados e depois de repente levantou as mãos desesperado. Os resgatadores estavam sendo tratados pelos médicos. O Sr. e ele se virou para a pessoa. — Ainda há oito lá embaixo! Sou mineiro. vai haver outra explosão. e depois para o poço além da cerca. sei — respondeu o Sr. — O que foi? — perguntou Johnny. Dowdy se aproximou dele. impotente. há três lá embaixo. onde os médicos estavam reunidos. Olhe! São cinco homens empilhados nele! Só restam três. quase imediatamente… se eles descerem. Eles se moviam tão depressa que quase jogaram os homens inconscientes nas macas. as macas formavam pontos brancos sob a luz dos holofotes. as mulheres dos três mineiros não as poderiam ter ouvido mais claramente. Dowdy. Bateram na cerca com os punhos cerrados. que o restringia. estava andando aos tropeções. angustiados. Abram o portão — implorou. Os internos entraram correndo. para as ambulâncias reluzentes. como um cego. Fletcher — respondeu. — O que é? Os resgatadores só olhavam para o Sr. cambaleando. de novo. Dowdy. também serão mortos. que tinham sido colocados no chão. estava dentro do . para as turbas e massas de humanidade se comprimindo contra as cercas. O Sr. Se ele tivesse gritado as palavras. gemendo. agarrou vários ombros e braços que se interpunham em seu caminho e os jogou para o lado e abriu caminho para o portão.Padre Krupszyk olhando para ele de modo estranho. Fletcher. olhava das mulheres para as crianças. O Sr. o elevador está subindo de novo. torcendo as mãos. uma alma perdida e esquecida. sacudia a forte cerca. Elas romperam em gemidos fortes. procure me ajudar! Uma das macas estava saindo. — Sou mineiro! Por que não querem acreditar em mim? Passei anos. só três… Ele se virou e foi para o elevador. selvagemente. Dowdy enxugou o rosto com um lenço manchado e se virou. — Não estão entendendo! — exclamou Johnny. Sr. para o brilho insuportável dos holofotes. quando viram os resgatadores tirarem as máscaras. Seus gritos se ergueram acima das sirenas. Olhe. O Sr. Dowdy teve um sobressalto. John Kanty. Os filhos gemeram com elas. preocupado. pois estavam exaustos. só três. falando. pois tinha sido dada ordem para todos largarem a abertura do poço. Vai haver outra explosão a qualquer momento e não vai dar tempo… — Sei. em voz surda —. posso salvar aqueles homens! — exclamou ele. sacudindo a cabeça. quase com fúria. — John Kanty. Johnny agarrou o portão trancado e o sacudiu. por um portão aberto às pressas para apanhar os últimos cinco resgatados. com um sorriso ainda mais estranho. — Sr. Dowdy. a polícia. sacudindo a cabeça. curvado. Alguém pegou o braço dele. — O que é? — indagou Johnny. Johnny. — Entendo. Bem no fundo. Não podemos tornar a mandar esses homens. — Posso ajudar. Antes que alguém o pudesse impedir. todos os verões e três anos seguidos… Deus me ajude. Johnny! Volte. que tinha enfiado no bolso. tentando de novo agarrar Johnny. Olhou para cima e o alto do poço era um retângulo de luz ofuscante. fazei com que eu me lembre do que fazer — murmurou. mas ele a virou e olhou bem para o rosto de Barry Lowell. volte! E. estava ali perto. Mas não sabia colocá-la: ela caiu de suas mãos. rezando. Os elevadores que ele tinha conhecido não eram grandes como aquele. Já faz anos. que começaram a arder muito. nesse momento. e seus ouvidos zuniram. Ele só deixara uma fresta para os olhos. seus pés procuraram os trilhos estreitos . ele ouviu uma voz lhe gritando: — Johnny. Fletcher! A cabeça dele já tinha quase desaparecido. Ele agarrou a lanterna do mineiro apatetado e saltou para o elevador. Viu algumas cabeças oscilando. naquele aperto. raios? — guinchou o médico. começou a sufocá-lo. E lá estava o padre. das profundezas de seu paletó. subindo. — Que eu não me lembre de nada a não ser que sou ministro. como um eco. estava num paroxismo de tosse. cabeças de bonecos. — Agora. pois o estavam fazendo descer ao poço negro depressa demais para ele poder controlá-los. — Pai. Então.recinto. Deus — disse ele. McManus. que todos os homens das vizinhanças estavam entre ele e o poço. — Fiquem atentos! Os cabos foram deslizando pelas mãos de Johnny. Ele se lembrou do que devia fazer: tirou o paletó. comprimindo-se contra a cerca. — Aonde é que você vai. — Está maluco? Vai explodir… Johnny o afastou de seu caminho e correu para o poço e o elevador que estava ali à espera. — Já volto! :— e gritou. vozes continuaram o grito: — É o ministro! É o ministro! É o Sr. aumentado. De repente o elevador bateu no fundo do poço. Um rugido imenso. ensina-me a fazer isso funcionar. caiu sobre o povo quando os cones de luz foram focalizados sobre Johnny. a máscara e a lanterna na mão. acotovelando-se com os médicos que estavam saindo de lá. balançou. e o Dr. De repente pareceu-lhe. embrulhou a cabeça nele e se agachou no chão do elevador. de boca aberta. tonto. no silêncio -terrível. Johnny acenou. endireitou-se e nisso ele bateu a cabeça contra a parede. Um dos resgatadores. as mãos dobradas. Ele puxou os cabos. agarrando a máscara. — Dê-me! — pediu Johnny. o piso balançava de um lado para outro e batia contra os lados do poço e ele era jogado de um lado para outro. caiu e ele se abaixou e a apanhou justo a tempo. acompanhado por um silêncio maior. O elevador oscilou e começou a descer. Então. Alguém puxou o seu paletó de clérigo e diante dele apareceu o rosto apavorado do Dr. em voz alta —. Os tufos de fumaça lá de baixo agora estavam vindo em ondas. McManus. que o acompanhava. queimando-as. Saltou do elevador. como que por instinto. A lanterna. em triunfo. até as dimensões e a expressão de uma cara de gárgula. precipitadamente. entrando no elevador. A fumaça. preguiçoso. freneticamente. Johnny os acompanhou com o facho de luz da lanterna. Agora vou buscar o último. O calor estava ficando insuportável e o cheiro da primeira explosão fazia seus pulmões arderem. Ele bateu com a lanterna no ombro de um deles. — Vamos. — Ponham os paletós sobre os rostos! Fiquem com as cabeças para baixo! Engatinhem pelos trilhos. voltou aos trilhos. fiquem nos trilhos. reluzentes e facetadas. Vão encontrar o poço. Começaram a engatinhar entre os trilhos. Tenho de ir buscar o outro. tateando os trilhos com os pés. Dois dos mineiros. Às mãos pretas deles o agarraram. seus rostos negros balbuciaram coisas para ele. — Vamos morrer. em volta de si: um pedaço pesado lhe bateu nos ombros. as pedras e pedacinhos de carvão rasgando a fazenda das calças. Não larguem. Deus o protegia. não morreria. Estava rodeado por paredes negras de carvão. Ele não se incluiu. à luz fraca da lanterna. caiu de lado. virem! Andem! Por aí! Não saiam dos trilhos! Prendam a respiração o mais possível! — Ele os empurrou e pôs em posição. sem sentir os . Segurou a lanterna e.e os encontraram. Em algum lugar. Só os ecos lhe respondiam. Ele soltou uma exclamação. e não conseguiam se mexer. Sentia a terra tremendo sob ele. Ouvia o carvão caindo por toda parte. puxava uma dobra do paletó do rosto e gritava. andem! — gritou. Tropeçou. Depois estava de joelhos. Johnny se levantou. estava recordando. Um dos mineiros estava gemendo. correu para a mina. Johnny. depressa! Eles estavam paralisados de terror. animando-os: — É só continuar assim. escuras. Em breve toda a mina ia desmoronar. A voz dele saiu numa confusão abafada. em sua alegria. Andem. nesse venenoso poço negro. descendo. Disso se lembrava. Alguém tinha voltado um dos holofotes bem para dentro do poço. — Andem. se não perderem a cabeça. andando depressa. tossindo. Eles pareciam animais disformes. que reluziam. sentiu-os quentes. o mineiro. e aquilo o deixou ofuscado. o elevador está lá. três homens estavam prestes a morrer. — envoltos em negrume. A oração era um centro forte de chama em sua cabeça. Os tremores na terra faziam toda a mina roncar. A lanterna dançava sobre as facetas. em frente. engatinhando. cada vez mais fortemente. Ele estava agachado. descendo uma ladeira. descendo. até a carne. enquanto ousou. através do couro. — Não! — gritou Johnny. das profundezas de seu paletó. as mãos um no outro. Passou a se mover cada vez mais depressa. um agarrando o paletó do da frente. aparentemente despertando pela consciência da iminência de sua sorte terrível. fiquem juntos. — Não. Em breve haveria outra explosão. de vez em quando. respirando o mínimo possível. eles os puxarão para cima. com violência. Depois gritou. andem! Isso mesmo. Johnny os encontrou sem quase o perceber. tinham chegado aos trilhos depois que os últimos resgatadores tinham deixado a mina. Depressa. Ele havia de salvar aqueles homens. estava deitado. com segurança. no chão. A fumaça estava mais espessa. lembrando-se. e renovou seus esforços. e pela primeira vez notou o esforço de seus pulmões. nas trevas distantes. tentando sair de debaixo de uma imensa viga de madeira. como lhe tinham ensinado. Tem mulher e filhos lá em cima. os músculos cedendo. crepitante. Então. parecendo um vaga-lume. Agora sentia um cheiro enjoativo de fogo e gás. Deus — pediu Johnny —. — Por favor — implorou —. — Deus! Pensou nos filhos e viu seus rostos e ouviu suas vozes. a exaustão de seus músculos. As paredes da mina estremeceram mas ele nem ouviu. Seu ouvido. Ouviu aquilo e viu que dentro de minutos. o coração cansado. faz com que eu o encontre. sem se importar. o avisou pouco antes que um pesado deslizamento de carvão caísse nos trilhos. Não era mais hora de engatinhar. Aí teve um sobressalto. Leva-me a ele. Sentia suas costas e pernas estalando. como a voz de um gigante enfurecido. O mineiro tinha desmaiado. devagar. estirado. se aproximou e ele correu mais. com suas mãos de mineiro. Estava suando em bicas. pois a galeria estava ficando cada vez mais estreita. ele e o mineiro estariam presos. de modo que ele se curvou e começou a correr para o fundo da mina. endireitando-se. uma viga rachou e Johnny instintivamente saltou para o lado. Sua voz parecia estar ficando mais fraca. por trás do abrigo do paletó —. — Pai do céu — rezou alto. e segurou a viga no meio. me dá a força de que preciso. perto ou longe? Tornou a gritar e o gemido respondeu. prendendo a respiração. Ele virou a luz da lanterna para cada fresta enfumaçada. deitado. Afastou essa visão. ele viu um pontinho de luz.protestos de sua própria carne sangrando. perdidos para sempre. quando a madeira pesada caiu. permite que eu o encontre. viu um homem semiconsciente. sem saber de nada. — Uma náusea terrível o estava dominando e a luz da lanterna parecia dançar loucamente diante de seus olhos. Seria apenas o eco de sua própria voz ou seria um gemido. deixando seus pulmões em fogo. Embrulhou mais o rosto no paletó. A luzinha. Dobrou as pernas fortes. nas mãos. aos tropeções. Um ronco profundo e trêmulo lhe respondeu. — Agora. os trilhos oscilaram sob os pés de Johnny. Teve de parar e se encostou a uma parede. Ele chamou e tornou a chamar. saltou sobre o monte e pulou para o outro lado. O piso estava cheio de fendas e sulcos e uma vez ele torceu o tornozelo de tal modo que soltou um grito. no chão inclinado da mina. provavelmente. E ali. Ele o observou com a luz da lanterna: estava ardendo. sepultados. A viga se moveu em suas mãos. quase o atingindo. o ronco foi se tornando sinistro. Um silêncio ardente. para descansar. e começou a levantá-la. Rajadas de calor batiam-lhe no rosto. a luz de um boné de mineiro. a dormência em suas pernas machucadas. que parecia estar fumegando. — Espere — disse Johnny. Dois olhos esbranquiçados olharam para Johnny no estreito facho de luz da lanterna e dois lábios pretos fizeram uma careta no rosto negro. despertando. soluçando. Depois. mas . largando a lanterna com cuidado. ou alguma coisa. de máscara. Tinha livrado o mineiro. raios. impotente. use. Então. Barry! — sussurrou para o rosto mascarado. ele se esforçou e se sentou. de longe —. Mas viu que estava girando. pois tinha perdido o equilíbrio. uma das pernas do mineiro estava livre. — Está bem — respondeu a voz. reconheceu a voz. ouviu um grito: Ele recorreu às suas últimas forças e gritou de volta: — Aqui! Depressa. mexa-se! Johnny. — Barry. — Barry — disse Johnny enquanto rastejavam pelo chão da mina. Tentou sentar-se mas a dor no tornozelo o enjoou e ele de repente vomitou e respirou fundo. parado. Vá andando — disse ele ao mineiro. fraco. de repente. O mineiro estava voltando a si. A viga estava subindo em suas mãos. se puder usar o tornozelo um pouco. segure a minha lanterna. queimando os pulmões. Ele ficou ali deitado. sem poder acreditar. em desalento. enquanto a viga continuava a girar. Pedras. Então ouviu. gemendo: — Meus filhos! Meus pobres filhos! Pai. agarre-se.se agarrou à viga. um ruído vago. — Socorro — murmurou. pensou. comece a rastejar. mas agora não havia solução para ele. Johnny. pelo amor de Deus! A lanterna saltava e dançava depressa nas mãos de seu resgatador ainda invisível. Ele agora estava vendo um vulto vagamente. sem poder acreditar. Johnny a chutou para o lado. gemendo. rolou e caiu com uma série de ecos. — Johnny. chegou a luz de uma lanterna distante. Johnny gritou de novo: — Aqui. quando a viga girou sobre ele e o prendeu. segure meu ombro. um tropel. Alguém estava empurrando a viga que o prendia? De repente ela foi erguida. Estava com . aos olhos lacrimosos de Johnny. num novo acesso de agonia. arraste-se até junto de mim. um de seus tornozelos estava preso. ajude-me! — Minhas pernas estão quebradas — gemeu o mineiro. bem aqui. chocado. mas não vá cair. girou com a viga e soltou a outra perna. que estava se arrastando com bastante pressa pelo piso da mina. um vulto alto. Estava completamente preso. houve um estrondo e um lampejo rubro de agonia e uma sensação entontecedora. e então. Apóie-se no meu braço. Fechou os olhos. Vai haver um desmoronamento completo. por trás da lanterna. em algum lugar. Uma voz lhe gritava: — Se puder fazer alguma coisa. mas mexa-se. lutando com a viga. — Vamos. cuida de meus filhos! O tropel estava mais próximo e então. O ruído de passos ficou mais forte e a mina comprida ressoou. — Socorro! — gritou. Isso mesmo. e disse. e eu fiz o mesmo por você! O elevador chegou ao alto e mãos ávidas agarraram os três homens e os puxaram dali. conserve suas forças. cegando-os. Em seus ouvidos havia um zumbido forte e cantante e uma sensação de estar escorregando. chamando-o. Você me carregou do inferno. através da máscara. andando de quatro como um urso. e acima um brilho como o do sol. Só sentia um esforço tremendo nos braços. — Então. como se alguém o tivesse puxado em volta de um pescoço. e a sua luz o vulto do mineiro. — Olhe. A dor no tornozelo de Johnny passou a uma dormência enjoativa. Então os milhares reunidos nas redondezas levantaram as vozes numa ovação estrondosa. não. Seus antigos ferimentos de guerra estavam distendidos. . escorregando para sempre. Os dois homens foram se movendo pé ante pé pelo chão da mina. E então ele se sentiu sendo puxado por cima de um corpo. Ele estava subindo. rindo pelos lábios enegrecidos. O seu chapa já avançou bastante. para destruí-los. o mineiro a seu lado e acima dos dois estava Barry. Havia gritos e chamados e uma luz cegante. coisa nenhuma — resmungou Barry. Um instante depois a mina desmoronou. Muito bem. estava conseguindo usá-lo um pouco melhor. A voz de Barry estava a léguas de distância. Johnny. e estava sendo carregado. naquele assombro. Pensou. Johnny. — Não vai. nas costas. nem ouvir. Vai esperar por nós. de pura exaustão. O estrondo os acompanhou. vomitando fumaça e fogo que subiam pelo poço vazio. e a terra tremeu. — Pernas quebradas. Só falta ele fazer o sinal para o puxarem! — Não vai fazer isso — respondeu Johnny. alguma coisa estava rangendo e oscilando debaixo dele.vontade de chorar. — Vamos conseguir — falou Barry. — Não faz mal. ele está entrando nele. tendo tirado a máscara. mantendo-se nos trilhos. lá está o elevador. o pó e a fumaça mais espessa. O poço da mina estava em volta dele. vagamente. por vezes ele tinha de apoiar Johnny numa parede e parar um instante. Ele estava vendo e ouvindo de novo. acho que isso nos deixa quites. um Minotauro louco. sobre algo que lutava sob ele. Agora não podia ver. Ele estava deitado no chão do elevador. O raio do ar está ficando pior a cada segundo. numa tortura só. a investida baixa de um touro possante. carreguei Barry assim… em algum lugar… não me lembro… Tinha uma sensação dilacerante nos pulsos. Apertou mais o paletó no rosto. esqueceu-se de sua dor e terror. continue a se mover. O ronco estava mais próximo deles. Agora já viam um clarão de luz a distância. Eles então ouviram um estrondo às suas costas e o fundo da mina desmoronou. Sua voz forte e sonora alcançou o ouvinte mais distante. todo coração perdido. e os graves invólucros dos pecados do homem caem de cima Dele. E lá estava Lorry. e a pedra do sepulcro é rolada para o lado nas mãos apaixonadas da contrição e Deus aparece à Sua luz diante do coração aturdido e penitente — a Ressurreição sempre nova. com o azul-turquesa dos olhos ternos brilhando com um amor puro e sincero. O sol se derramava na igreja por trás deles. amargura e desolação. não abale a alma numa adoração e não cegue os olhos com a glória. para o homem. McManus à igreja. Nunca houvera uma manhã de Páscoa igual àquela. ou talvez no próprio burburinho de uma cidade ou no silêncio de um monte. presente do Dr. desde a primeira. O altar resplandecia em avalanchas de flores que se despejavam até o chão. para escutar. ou no coração clangoroso de uma prisão ou num quarto estreito de um cortiço. de pé. em que não há esperança.XXXVIII Na manhã de Páscoa. viu o seu velho amigo. cheio de orgulho e sem se envergonhar das lágrimas nas faces roliças. a visão mais bela e inspiradora de todas era dos inúmeros rostos voltados para ele. ou nos espaços vazios da dor e sofrimento. odiando e descrendo. assim também na Páscoa Ele ressurge dos mortos para o homem. todo coração esquecido. de madeira. em que a pedra do Santo Sepulcro não seja novamente rolada do túmulo por mãos invisíveis. pois pequei!’ “É então que Deus se move no local pétreo em que o homem arrependido o abandonou. ressoavam das paredes da igrejinha e se elevavam contra o teto estreito. “Todo coração amortecido. com amor e a atenção mais profunda. para todo o sempre!” Johnny olhou para as primeiras filas de bancos. num clarão de cores e nuvens de perfume. gratidão e assombro. E lá estava Barry. As portas estavam abertas ao doce ar da primavera e o povo se acotovelava nos degraus. se arrepende e exclama: ‘Pai. enquanto as notas do novo órgão. pensou Johnny. A luz suave e oscilante dos poderosos candelabros jamais tinha sido tão penetrante. Bendito seja o Seu Nome! Bendito seja o Seu Nome muito misericordioso. cuja vida ele salvara e que lhe salvara a . com o seu costume de lã branca e chapéu branco. perdoa-me. o coração contristado sente o silêncio terrível do Deus sacrificado e se lembra do que esqueceu. em nome de Johnny. em alguma hora no meio da noite. olhando para Johnny com a plenitude profunda do amor que um homem dá a um filho que lhe nasce nos seus anos idosos. em que a Ressurreição. parecendo a Johnny um anjo. é o túmulo em que Deus jaz. Francis Stevens. Mas. quando ele já perdeu as esperanças. à sombra de uma árvore solitária em que repouse um homem só. E lá. acompanhado por um vento sem poluição. como o sol. “Assim como no Natal Deus renasce. aguardando a Sua Ressurreição. para Johnny. em alguma volta numa vereda perdida. Dr. E então. sempre eterna. com todo o seu poder: — Não há um dia nem uma hora em que Deus não ressurja dos mortos. Lá estava o velho médico. cheio de alegria. apoiado em muletas. Johnny estava defronte do altar. em alguma aurora fria e sem colorido. desviando o olhar. Burnsdale. Sorriu para os McGee. para receber a bênção dele. Aquela era uma igreja em que a congregação se levantava para a bênção. e por nada. muito comovido e atento.vida. para todos os amigos. Como Deus me abençoou. a Sra. mas então todos se ajoelharam e abaixaram as cabeças num gesto espontâneo. para os fiéis apinhados ali. Sra. e levantou as mãos. e ao lado dele a madrasta. pensou Johnny. e ao lado desta. — Ele ressurgiu! O Senhor Deus ressurgiu! . Os sinos repicaram triunfantes no ar luminoso. Summerfield. todo mundo mobiliou todas as peças. e como foi a igreja do pai dele. haviam trabalhado do nascer do sol até escurecer. Aliás. — Por dentro. com belos móveis novos. pois o tornozelo fraturado já sarara. os delegados dos sindicatos.XXXIX Johnny já estava podendo andar mancando. Era o mês de junho e a casa paroquial estava pronta. Estou aqui há menos de um ano e já provoquei muitas controvérsias. todo mundo construiu a minha casa paroquial. de três andares. sinos novos. com cuidado. possuíra um sobretudo de casimira forrado de pele e disse a Sol que já está . de vez em quando. com o seu suor. McManus que ele reconstruísse uma nova igreja. Os horários impostos pelos sindicatos não os tinham atrapalhado. e não sei por quê. O sindicato dos mineiros é que substituíra as cercas de madeira por uma grade de ferro preto trabalhado. é verdade! — E aposto que vai consegui-lo — respondeu Johnny. e. para estar condizente com a casa paroquial. para que ele pudesse ir morar lá o mais breve possível. E depois disse que o pai. devo toda a minha vida a Barryfield. tudo. — Nem sei por que todo mundo faz tudo isso por mim. Todo mundo plantou o meu jardim. sorrindo para o médico — um tapete novo não fosse má ideia. um altar novo. apoiado na bengala. é uma verdadeira mansão — dizia Johnny. é linda e certa para mim. estavam sempre rondando. Quando Lorry sugeriu ao Dr. e ele diz: “Bem. parecia uma casa confortável. de boa vontade. Os sindicatos tinham contribuído com a aldrava de metal importada da porta. com o meu zelo. todo mundo me deu tudo. e ele ficou contente. ameaçando. embora seja verdade que eu aprendi muitas coisas em Barryfield. um padre com uma igreja tão bonita e um carro desses não deve ter de dirigir o carro. Limparam o exterior da igreja e instalaram portas novas. — E aquele velho rabino — continuou o médico. diz ele. — Sol Klein e seus camaradas sabidinhos compraram taças de pratas enormes para a Páscoa dos judeus. pois os carpinteiros. Por uns cinco minutos. fazendas lindas e tapetes espessos. que antes estivera pendurava numa porta senhorial inglesa. Aliás. com janelas amplas. Muito embora — acrescentou. Tim Kennedy e os amigos deram a John Kanty uma decoração inteiramente nova pata a igreja… tudo. por Deus. Foi a igreja do pai dele. o que ele pede? O prefeito lhe deu um Buick. Da rua. douradas por dentro. bombeiros e estucadores tinham trabalhado com uma dedicação frenética para acabar a casa para aquele homem tão querido. embora as ameaças não fossem necessárias. entalhadas. pedreiros. E também me pertence. como os feitores que tinham vigiado os escravos com açoites na construção das Pirâmides. imagens importadas. E então. Quer um chofer. e as janelas de vidro laminado. foi Johnny quem interveio: — Não. — Esses pastores — respondeu o médico — têm barrigas sem fundo. toalhas de renda e linho da Irlanda. isso é humilhante”. louças reluzentes e assoalhos encerados. Tenho sido importuno. de tijolo amarelado. E agora a casa estava pronta. que era rabino. A família se mudara para lá havia alguns dias. irritado. tirando as medidas. Johnny? O delegado ambulante do clero? Era outro domingo. imaginem. nem o trovão rubro dos canhões destrua a terra paciente. rezou. e que apreciaria muito um casaco de casimira forrado de pele. Os passarinhos. — A culpa é toda sua — falou o médico. — E não foi? — perguntou. destacando-se contra um céu do azul mais claro. — Como é maravilhoso estar em paz — murmurou Lorry. Depois continuaram a andar. na sua faina antiga da polinização. Vison. O que. — Você andou botando ideias na cabeça de seus amigos. desde a primeira vez que a vi. — Lorry. expurgando de toda a feiúra. em toda parte no mundo. e que haja entendimento e liberdade de novo para os oprimidos e escravizados. brancos. e Barryfield é a vida de meus filhos. As abelhas se apressavam por entre as flores do jardim.velho e no inverno não passa muito bem. e toda a atividade da vida. o medo. Por favor. — Já sei —· respondeu Johnny. Se eu fosse supersticioso. amarelos. como o do pai. Johnny baixou a cabeça e a beijou na boca e eles se abraçaram com uma sensação de alegria e realização. Deus. com o Sol. a solidão e o pavor. Que a mão de nenhum homem se levante contra o seu irmão. nem a . Só a sua caixa se salvou daquele incêndio. que os nossos corações se voltem uns para os outros. você é. o braço de Johnny passado pela cintura esguia da moça. na radiosidade amarela do jardim. para se aquecer. melancólico. — Pela primeira vez na história. Tinha certeza de que rosa alguma florescera como aquelas ali. vermelhos. e Johnny estava andando pelo jardim com Lorry. em buquês fragrantes. com um manto de verde e lilás. — Paz — disse. — Um trabalhador vale o que ganha — respondeu Johnny. Você é caro demais. Lorry. E o sol lançava uma catarata de luz sobre a cidade do vale. querida. voando ao alto. — Acho que sempre a amei. com um ar solene. Olhou para Lorry e seus olhos azul-marinho se suavizaram. lançavam sombras frágeis sobre a grama espessa. a multidão dos sofredores. feliz. — No momento. acharia que isso era um sinal. — Os olhos dela brilharam para ele. cor-de-rosa. Imagino que vocês também tenham um sindicato — concluiu o médico. sem sentido. pensou. são as árvores de meus filhos. e pareceu a ele que estava olhando dentro do coração dela. Johnny e Lorry pararam diante das árvores das crianças e ele tocou de leve nos lilases verdes de Emilie. — Nunca vou poder sair daqui. tenebroso. afinal. Este é o lar de meus filhos. Paz. piscando para Lorry. um domingo de junho. está em Nova York. Barryfield acredita que o clero é sagrado e indispensável. olhando para ele. Ela pôs a mão sobre a dele. Ele a apertou mais. Viam-se as montanhas. e que aqueles que não Te conhecem sejam livrados das trevas e voltem a Ti. Olhou para o céu e então um vento frio lhe percorreu os nervos. e Pietro. e os meninos agora eram rapazes sérios. não. Burnsdale! Quem havia de ser? Nós os vimos se beijando na sala grande e eles nos contaram. não é? — A voz dele caiu. papai. também. solene. As crianças os observaram com um prazer acanhado. — E casamento — disse Jean. esperando o comentário dele. Depois começou a saltar. o maior cantor. o escultor. Breve! Uma pena que eles já sejam velhos. mas não em setembro. pareciam flores. os rostos brilhando de alegria. — Não é romance emendou Kathy. Pietro disse. com seus vestidos brancos e fitas azuis. Ele apertou a mão de Lorry. — Ouçam só! Temos romance! — E verdade — respondeu Johnny. — É o doutor e a Sra. com um suspiro dramático de satisfação: — É a nossa família. com um ar autoritário. Ela afagou os cabelos dourados de Kathy. puxando o braço de Johnny. — Vou levar as alianças! — gritou Debby. entusiasmado. — Vão se casar — acrescentou Max. Ele tocou na face dela. As crianças saíram correndo numa onda de cores e energia. — Kathy também… prometi — falou Lorry. vocês não entendem!. — O senhor vai casá-los. pois nada existe senão Deus. olhando para ele. e se alegrar com Ele para sempre depois da morte. neste mundo. que corriam para Johnny e Lorry. Johnny os via todos no futuro. e o Tio Al vai morar aqui conosco. impaciente. abrindo os braços. mãe de muitos filhos. como uma bola. Para que mais vive o homem?. num tom trágico.morte torne a se avolumar no céu eterno. a mulher amada. Jean que queria ser padre. e Kathy. e Debby. As crianças saíram numa explosão da porta dos fundos da casa paroquial. conforme o que Deus planejara para eles. Talvez tivessem outros filhos. Lá estava Jean correndo. e Max. quando Lorry virou a cabeça linda e beijou Johnny na boca. — Depois. e acrescentou: — O meu cálice transborda. Pietro não conseguia controlar sua exuberância. é só em setembro. — Ah! — exclamou. os rostos alegres. — Eles me deram tudo o que tenho e tudo o que terei — Lorry se encostou nele. a precisa. — Não. — É amor. — A família — disse Johnny. com uma clareza súbita de luz e sabedoria. * * * . para encher a casa antes que eles partissem. pensou Johnny. perguntou-se Johnny.— gritou Pietro. ou morrer na sua alma e seu coração. agora. Debby vinha dançando atrás dos outros. para sempre! Debby e Kathy. um por um. O homem deve viver para Deus. Só vive para conhecer a Deus e servi-Lo. sorrindo para Lorry. . Table of Contents Obras da autora Dedicatória I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX XXI XXII XXIII XXIV XXV XXVI XXVII XXVIII . XXIX XXX XXXI XXXII XXXIII XXXIV XXXV XXXVI XXXVII XXXVIII XXXIX .
Copyright © 2024 DOKUMEN.SITE Inc.