Socioambientalismo de Fronterias Amazonia

March 23, 2018 | Author: RoseMorais | Category: Constitution, Brazil, Federation, State (Polity), Statutory Law


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Socioambientalismo de Fronteiras – v.III SOCIOAMBIENTALISMO DE FRONTEIRAS Relações Homem-Ambiente na Amazônia Vol. III 1 2 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Visite nossos sites na Internet www.jurua.com.br e www.editorialjurua.com e-mail: [email protected] ISBN: 978-85-362- Brasil – Av. Munhoz da Rocha, 143 – Juvevê – Fone: (41) 4009-3900 Fax: (41) 3252-1311 – CEP: 80.030-475 – Curitiba – Paraná – Brasil Europa – Rua General Torres, 1.220 – Lojas 15 e 16 – Fone: (351) 223 710 600 – Centro Comercial D’Ouro – 4400-096 – Vila Nova de Gaia/Porto – Portugal Editor: José Ernani de Carvalho Pacheco S587 Silveira, Edson Damas da (coord.). Socioambientalismo de fronteiras: relações homem-ambiente na Amazônia./ coordenação Edson Damas da Silveira, Serguei Aily Franco de Camargo./ Curitiba: Juruá, 2015. ???p. – v. 3 1. Socioambientalismo – Amazônia. 2. Relações homem-ambiente. I. Camargo, Serguei Aily Franco de (coord.). II. Título. CDD 342 (22.ed.) CDU 342.951 Socioambientalismo de Fronteiras – v. III Edson Damas da Silveira Serguei Aily Franco de Camargo Coordenadores SOCIOAMBIENTALISMO DE FRONTEIRAS Relações Homem-Ambiente na Amazônia Vol. III Colaboradores: Bruno César Andrade Costa Carlos Edwar de Carvalho Freitas Celso Morato de Carvalho Edson Damas da Silveira Eduardo Alves Monteiro Elcio Nacur Rezende Fernanda Sola José Augusto Fontoura Costa Joseane Viana do Vale Karla Roseane Raskopf Lorenzo Soriano Antonaccio Barroco Luis Fernando dos Reis Guteres Maraluce Maria Custódio Robson Oliveira de Souza Serguei Aily Franco de Camargo Thiago Morato de Carvalho Vanessa Raskopf Schwaizer Vilmar Antônio da Silva Walker Sales Silva Jacinto Curitiba Juruá Editora 2015 3 4 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 5 APRESENTAÇÃO Esta obra retrata a consolidação e amadurecimento do grupo de pesquisa liderado pelos coordenadores, nucleado em Roraima. Neste terceiro volume, o objetivo principal foi o fortalecimento da rede de colaborações interinstitucionais construída nos últimos anos, explorando a rica temática das relações entre o homem e o meio ambiente na Amazônia em seus diversos aspectos. Nesse sentido, buscou-se explorar o Direito Indígena através das demarcações, o Direito Internacional nas relações no âmbito do Tratado de Cooperação Amazônica, o Direito Pesqueiro e a pesca amadora, e o Direito Ambiental, na gestão de resíduos sólidos. A multidisciplinariedade envolvida nessas relações, conduziu também ao sensoriamento remoto aplicado à ecologia da paisagem, à educação ambiental e à busca regional por uma matriz energética sustentável. O desenvolvimento regional não poderia ficar em segundo plano, e foi contemplado com dois capítulos, tratando de forma complementar a migração e o importante papel dos Pelotões Especiais de Fronteira. Voltando ao início, as bases iniciais da pesquisa foram lançadas sobre o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Amazônia, sediado na Universidade Federal de Roraima. O núcleo das discussões partiu da disciplina “Direito Ambiental”, oferecida aos alunos do programa pelos coordenadores. A partir da construção de problemas de pesquisa, foram trabalhadas diversas relações multidisciplinares com o Direito. Nessa esteira vieram as colaborações de Bruno César Andrade Costa (Universidade Federal de Roraima), Celso Morato de Carvalho (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Thiago Morato de Carvalho (Geografia – Universidade Federal de Roraima), Joseane Viana do Vale, Karla Roseane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer (todas da Universidade Federal de Roraima). Numa segunda frente de colaborações, os coordenadores buscaram a consolidação de redes estabelecidas anteriormente. Do antigo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental, da Universidade do Estado 6 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo do Amazonas, vieram os professores José Augusto Fontoura da Costa (atualmente na Universidade de São Paulo) e Fernanda Sola (hoje na Universidade Federal de São Carlos). Do Programa de Pós-Graduação em Direito, da Escola Superior Dom Helder Câmara, vieram os Professores Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio. Na esteira de novas colaborações, formou-se um grupo de pesquisa integrado pelos Professores Carlos Edwar de Carvalho Freitas, Lorenzo Soriano Antonaccio Barroco e Eduardo Alves Monteiro (todos da Universidade Federal do Amazonas). Somaram esforços ao grupo os Professores Robson Oliveira de Souza e Luis Fernando dos Reis Guteres (ambos da Universidade Estadual de Roraima). Por derradeiro, juntaram-se à rede o Professor Walker Sales da Silva Jacinto (Universidade Estácio de Sá – Estácio Atual/Campus Boa Vista) e Vilmar Antônio da Silva (Faculdade Cathedral de Boa Vista). Os capítulos buscaram seguir uma sequencia lógico-temática. Assim, abre este terceiro volume, o artigo dos organizadores, abordando os aspectos relacionados às demarcações e homologações de terras indígenas no Brasil, a partir da base de dados do Planalto, nos últimos 40 anos. Em seguida vem o artigo escrito em colaboração entre Celso Morato de Carvalho e Thiago Morato de Carvalho, apresentando detalhada descrição física do Estado de Roraima, realizada com base em sensoriamento remoto. Vilmar A. da Silva aborda a importância dos Pelotoes Especiais de Fronteira para o desenvolvimento da Amazônia, conduzindo a discussão até chegar ao Estado de Roraima. Os fluxos migratórios, também como vetor de desenvolvimento regional, permeiam o capítulo seguinte, de autoria de Walker S. S. Jacinto. O próximo bloco temático aborda questões de Direito Internacional. Apresentam-se em contraponto duas visões parcialmente antagônicas e complementares sobre o Tratado de Cooperação Amazônica. Uma primeira visão é proposta por José A. F. Costa e Fernanda Sola, apontando para a necessidade de que os países signatários do TCA buscassem mais terreno no campo ambiental, coordenando ações e estudos em busca de um desenvolvimento harmônico da região. Por outro lado, Elcio N. Rezende e Maraluce M. Custódio identificam avanços no terreno ambiental, relativizando, entretanto, as práticas políticas observadas entre os signatários. Ao final, Joseane V. do Vale relata um interessante e bem sucedido caso de educação ambiental praticado por uma escola municipal de Boa Vista. Robson Oliveira de Souza, Luis Fernando dos Reis Guteres, Lorenzo Soriano Antonaccio Barroco, Eduardo Alves Monteiro e Carlos Edwar de Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 7 Carvalho Freitas seguem na esteira da multidisciplinariedade, apresentando um inédito levantamento sobre a pesca esportiva no Rio Branco, principal manancial do Estado de Roraima. Bruno C. A. Costa descreve a (quase inexistente) política municipal de resíduos sólidos em Boa Vista e; Karla R. Raskopf e Vanessa R. Schwaizer defendem o fortalecimento da produção de Biodiesel na Amazônia, como forma de dar efetividade ao paradigma do desenvolvimento sustentável. Assim, espera-se apresentar aos leitores mais um painel das discussões acadêmicas travadas no grupo, buscando ilustrar a complexidade regional das relações homem-ambiente em seus mais diversos aspectos. Boa Vista, 21 de outubro de 2014. Edson Damas da Silveira Serguei Aily Franco de Camargo 8 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 9 SUMÁRIO DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL: ANÁLISE SOBRE A BASE LEGAL DOS ÚLTIMOS QUARENTA ANOS (PERÍODO 1973 – 2013) ........................................................................................ 11 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo PAISAGENS E ECOSSISTEMAS........................................................................ 43 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho FORTES E PELOTÕES ESPECIAIS DE FRONTEIRA NA AMAZÔNIA: O EXÉRCITO BRASILEIRO COMO FATOR DE OCUPAÇÃO, DEFESA E DESENVOLVIMENTO REGIONAL ..................... 69 Vilmar Antônio da Silva MIGRAÇÃO, IDENTIDADE E SOCIOAMBIENTALISMO: ANÁLISE DA PRESENÇA E INFLUÊNCIA NIPO-BRASILEIRA NA AMAZÔNIA ..... 89 Walker Sales Silva Jacinto ESTRUTURA JURÍDICA: ALCANCE DA ORGANIZAÇÃO E DO TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA.............................................. 107 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola O TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA: UMA ANÁLISE HISTÓRICO-CONSTRUTIVISTA EM PROL DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL......................................................... 129 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio 10 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL: ESCOLA MUNICIPAL FREI ARTHUR, BOA VISTA (RR)........................................... 153 Joseane Viana do Vale PESCA AMADORA/ESPORTIVA NA AMAZÔNIA: POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO E ANÁLISE DE SUAS SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA E ECONÔMICA ......................................................................... 169 Robson Oliveira de Souza, Luis Fernando dos Reis Guteres, Lorenzo Soriano Antonaccio Barroco, Eduardo Alves Monteiro e Carlos Edwar de Carvalho Freitas A LEI DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A TUTELA JURISDICIONAL FACE À OMISSÃO DO PODER PÚBLICO LOCAL ................................................. 181 Bruno César Andrade Costa PRODUÇÃO DE BIODIESEL NA AMAZÔNIA COMO FORMA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL......................................................... 203 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer ÍNDICE ALFABÉTICO ...................................................................................... 225 Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 11 DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL: ANÁLISE SOBRE A BASE LEGAL DOS ÚLTIMOS QUARENTA ANOS (PERÍODO 1973 – 2013) Edson Damas da Silveira1 Serguei Aily Franco de Camargo2 Sumário: 1. Introdução; 2. Material e Métodos; 3. Resultados e Discussão; 3.1. Áreas Demarcadas e Homologadas Legalmente; 3.2. Dialogando com a Jurisprudência do STJ; 3.3. Dialogando com a Jurisprudência do STF; 4. Conclusões; 5. Referências; Tabela 1. Compilação da Base de Dados do Planalto para Homologação de Terras Indígenas. 1 INTRODUÇÃO Até o ano de 2010, o Brasil possuía 235 povos indígenas, falantes de cerca de 180 línguas. Destes, 49 habitam regiões fronteiriças, distribuindo-se historicamente por países lindeiros na medida em que restaram comprimidos pelo avanço da colonização a partir do século XVI (RICARDO & RICARDO, 2011). 1 2 Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de Roraima. Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. Professor dos cursos de Direito das Faculdades Cathedral e Estácio Atual. Mestre e Doutor em Direito Socioambiental (PUC-PR), Mestre em Antropologia (UFPE) e Pós-Doutorando em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito de Coimbra. E-mail: [email protected]. Professor Titular I da Universidade Estácio de Sá (UNESA – Campus Estácio Atual – Boa Vista/Depto. de Direito). Professor do Curso de Direito da Faculdade Cathedral. Assessor Jurídico do Ministério Público do Estado de Roraima. Mestre em Conservação e Manejo de Recursos Naturais (UNESP) e Doutor em Aquicultura em Águas Continentais (UNESP). Pós-Doutor em Ecologia Aplicada (UNICAMP) e Direito Ambiental (UNESP). E-mail: [email protected]. 12 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Para todos estes povos, o direito à terra representa a efetivação de garantias constitucionais que reconhecem a necessidade de manutenção da diversidade sociocultural brasileira, através do respeito às diversas formas de vida, culturas e diferentes padrões de organização social observadas nesta pluralidade de povos. Os direitos originários às terras indígenas possibilitam a reprodução desses padrões e formas de vida, fazendo-se mister garantir que a demarcação e ocupação se dêem através do espaço tradicionalmente ocupado, pois somente assim haverá a sustentabilidade socioambiental necessária à efetivação dos ditames constitucionais. Forma-se, então, um contexto jurídico diferenciado, demandando a construção do direito relacionado à realidade prática, adequado aos seus destinatários, enquanto titulares de uma jurisdição própria e circunscrita aos seus territórios. Faz-se necessário assim, refletir sobre a natureza das terras indígenas para o Estado Brasileiro e as suas diferentes etnias hoje existentes, como forma de direcionar políticas públicas e procedimentos de revisão e demarcação acerca dessa temática. As discussões que permeiam o cenário jurídico, institucional e político envolvem aspectos distintos. O emblemático julgamento do Supremo Tribunal Federal nos Embargos de Declaração sobre as 19 Condicionantes da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no final de 2013, indica que cada processo de demarcação deve ser tratado conforme suas peculiaridades. Por outro lado, os avanços obtidos pelo movimento indígena no Brasil ocasionaram a articulação de uma resistência organizada, consubstanciada na tentativa de reduzir o papel institucional da própria Funai. Voltando ao âmbito do direito, e de acordo com Oliveira (1998), terra indígena não é uma categoria ou descrição sociológica, mas, sim, um conceito jurídico definido na Lei 6.001, de 10.12.1973, conhecida como Estatuto do Índio. Sem adentrar no aspecto da sua parcial revogação e somente com validade no plano administrativo, há três tipos de terras indígenas, a saber: i) áreas de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas; ii) áreas reservadas; e iii) áreas tão somente habitadas ou ocupadas pelos silvícolas. Historicamente, cumpre destacar diferentes períodos e marcos regulatórios que orientaram a demarcação dessas terras em nosso país. Por opção metodológica, o marco inicial deste trabalho é a data de vigência do atual Estatuto do Índio, com as suas posteriores regulamentações pelo Decreto 76.999, de 08.01.1976, a fixar normas procedimentais de demarcação, Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 13 bem como o Decreto 1.775, de 08.01.1996, que também veio para atualizar o procedimento administrativo de demarcação de terra indígena no Brasil, e finalmente o Decreto 7.747, de 05.06.2012, que traz a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI. De outro lado, importa ainda registrar as fases da demarcação de terras indígenas em ilhas no Brasil (como aconteceu nos Estados do Mato Groso e Mato Grosso do Sul), isso antes da Constituição Federal de 1988, e as que se seguiram a ela na forma de demarcações contínuas, porquanto também geradoras de problemáticas e consequências sociais distintas. Se, por um lado, o cenário político envolve movimentos de resistência à demarcação continua em um claro contexto de conflitos fundiários acirrados pela necessidade de resignificação dos territórios ocupados tradicionalmente por estas etnias, por outro, faz-se necessário corrigir injustiças praticadas e distorções passadas, revisando os limites das terras demarcadas em ilhas e se revendo as parcas extensões conferidas. A patente insustentabilidade socioambiental dessas últimas áreas enseja inclusive a inconstitucionalidade de sua manutenção, conforme se verá no decorrer do texto. Sendo assim, o objetivo geral deste capítulo é analisar de modo crítico os padrões de demarcação de Terras Indígenas no Brasil nos últimos 40 anos, mais precisamente no período compreendido entre 1973 e 2013, tomando por base a legislação federal disponível na base de dados do Planalto. E mais especificamente, pretende-se descrever os principais parâmetros da legislação federal sobre demarcações e homologações dessas mesmas terras naquele mesmo período, repercutindo a problemática jurídica que dela decorre a partir dos precedentes jurisprudenciais tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do nosso Superior Tribunal de Justiça. 2 MATERIAL E MÉTODOS De acordo com o Ricardo e Ricardo (2011), até julho de 2011 haviam no Brasil 677 terras indígenas, das quais 139 em fase de identificação. Somam-se a estas 16 identificadas e aprovadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mas ainda sujeitas a contestações; 69 declaradas, 23 reservadas, 30 homologadas e 400 registradas em Cartório de Registro Imobiliário (CRI) ou na Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Referido território totaliza 111.523.636 hectares, representando atualmente 12,98% da extensão das terras do Brasil. A caracterização da situação jurídica das terras indígenas no Brasil sempre foi complexa. As buscas em arquivos da Funai e SPU, de acordo com 14 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo a literatura (OLIVEIRA & ALMEIDA, 1998), não costuma apresentar resultados satisfatórios devido a desestrutura dos órgãos em questão. Outro fator apontado pelos mesmos autores refere-se aos próprios procedimentos administrativos que visavam a respectiva demarcação, a comportarem fases distintas e sucessivas, estanques e muitas vezes limitadas a Coordenações Regionais da Funai, sem registro nos arquivos centrais do órgão em Brasília. À bem da verdade, somente tivemos no Brasil um procedimento uniformizado e participativo de demarcação para terra indígena a partir da edição do Decreto Federal 1.775, de 08.01.1996, resultante que foi de um amplo processo de oficinas realizadas e financiadas pelo Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas na Amazônia Legal – PPTAL, que se destacou como a vertente indígena do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras – PPG7 (MONTANARI JUNIOR, 2013). Nesse contexto, e como o vigente Estatuto do Índio determina que a homologação das terras indígenas administrativamente demarcadas deve ser realizada exclusivamente por meio de Decreto do Presidente da República, optou-se pela busca direta da legislação correspondente na base de dados da legislação federal brasileira, como forma de estabelecer parâmetros de comparação com outros estudos semelhantes que se utilizam de outras fontes de informação, tais como Ricardo e Ricardo (2011) e aqueles apontados por Oliveira (1998). A base de legislação federal brasileira encontra-se disponível no sitio da Presidência da República3 e pode ser acessada livremente. Na consulta a essa base de dados utilizamos termos de busca previamente estabelecidos no portal, além de critérios adicionais de livre escolha do pesquisador, tais como situação da norma, data ou período, tipo de legislação, chefe de governo, origem, entre outros. No presente caso, utilizou-se a expressão de busca “terra indígena”, selecionando-se a opção “exato”. Como resultado, obtivemos uma lista de 304 documentos, compostos principalmente por Decretos Sem Número (DSN) e distribuídos por um período de 40 anos (de 1973 até 2013). Destaque-se que nem toda a legislação obtida como resultado da busca refere-se especificamente a homologação da demarcação administrativa de terras indígenas. Muitos textos tratam de assuntos correlatos, tais como intervenção em terras indígenas, faixas de fronteira e assuntos diversos. Toda a legislação restou verificada e sistematizada em planilhas que seguem em anexo, onde se definiram as seguintes variáveis: instrumento 3 Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/legislacao>. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 15 (tipo de legislação), data (de publicação), situação (alterado, revogado ou não revogado), ementa (nome da terra indígena), área (medida em hectares), etnia ou etnias favorecidas pela demarcação e Estado ou Estados da Federação nas quais se localiza. Posteriormente, realizou-se a correção da grafia das etnias indígenas presentes em toda a legislação encontrada. Tal procedimento se apresentou necessário à organização do trabalho, posto não haver padronização nos textos legais quanto a essa designação, o que impedia ou muito dificultava a filtragem do banco de dados formado por etnia. Para tanto, utilizou-se como parâmetro de verificação a “Lista de Povos Indígenas do Brasil”, apresentada pelo ISA (2011). Duas observações finais se apresentam como salutar: a primeira, é que foram encontrados diversos links errados para a legislação na base do Planalto, o que impediu o exame de alguns textos legais; e a segunda, é que, antes de 1990, os Decretos de homologação traziam apenas o memorial descritivo das glebas demarcadas sem, contudo, apresentar o cálculo da área. Em razão desse motivo, tal legislação não foi incluída nas análises posteriores. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO De acordo com o banco de dados da legislação federal sobre a homologação da demarcação administrativa de terras indígenas no Brasil, é possível se extrair algumas informações e conclusões relevantes, a saber: 3.1 Áreas Demarcadas e Homologadas Legalmente O total da área das terras indígenas homologadas pela Presidência da República nos últimos 40 anos é de 63.157.206,4063 hectares, o que representa aproximadamente metade da área apontada pelo estudo do Ricardo e Ricardo (2011), conforme acima mencionado. Tal resultado, além de indicar uma grande discrepância entre a situação real (levantada pelo Instituto Socioambiental) e as conclusões possibilitadas pela consulta à base federal de legislação, sugere que as dificuldades apontadas pela literatura sobre a caracterização da situação jurídica das terras indígenas do Brasil permanecem latente e ainda preocupante (OLIVEIRA, 1998). Contudo, alguns pontos sobre as áreas homologadas merecem destaque. Apesar das críticas sobre o modelo de demarcação em ilhas, é nesse padrão que se concentram a maior quantidade de áreas demarcadas, 16 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo em que pesem as pequenas extensões levantadas, quase ínfimas mesmo para a realidade dos povos que nela habitam. A menor terra indígena identificada no estudo restou homologada no ano de 1996 e em favor dos índios Guarani Kaiowá, possuindo tão somente 9,7428 hectares, localizada no estado do Mato Grosso do Sul. Nessa mesma e pequena linha de extensão, observa-se que 31 terras indígenas, de um total de 243, possuem menos de 1.000 hectares. Por outro lado, a maior terra indígena identificada no estudo foi homologada no ano de 1992 e em favor do Povo Yanomami, possuindo 9.664.975,48 hectares, localizada entre os estados do Amazonas e Roraima. As estatísticas descritivas do conjunto de dados referente às áreas legalmente homologadas não permitem nenhum tipo de interpretação coerente ou mesmo sistêmica à luz do que dispõe a legislação aplicável à espécie. Basta mencionar que a área média das terras indígenas brasileiras (TIs) é de 259.906,19ha (n=243), ao mesmo tempo em que se observa um desvio de 915.547,29ha, para um padrão médio de 21.344,7ha. A grande concentração de TIs com áreas até 100.000ha, associada ainda à existência de outras com até 9 milhões de hectares, dificulta sobremaneira a representação gráfica do conjunto demarcado e homologado no Brasil. Ao se utilizar transformações logarítmicas, a concentração dos dados em torno de valores muito próximos cria a mesma dificuldade na precisa demonstração. Noutro giro, interpretações qualitativas indicam alguns padrões interessantes para discutir e pensar os números encontrados. É que do conjunto das 243 TIs, somente 44 abrigam mais de uma etnia indígena, sendo que apenas 7 comportam grupos indígenas isolados, conquanto duas delas se acharem demarcadas exclusivamente para tais grupos. As demais permanecem sendo compartilhadas com outros povos indígenas, que inclusive possuem histórico de contato com nossa sociedade há muito tempo e praticamente desde os primórdios da colonização. A força da ideia para demarcação de TI por etnia, quer nos parecer neste momento de análise, vai desde a prevenção de guerras inter tribais, passando por expropriação do território indígena mediante expedição de títulos de propriedade privada e que estariam a dividir os povos, chegando até mesmo no esgotamento dos recursos ambientais, que devem ser agora necessários ao bem estar de um determinado povo e suficientes para a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, conforme os novos trazidos pelo Texto Constitucional de 1988 (art. 231, § 1º). Diante desse atual quadro normativo é que defendemos ser inconstitucional, nos dias de hoje, TI demarcada e homologada que não tenha condições de sustentar, ao menos, uma etnia ou povo de modo permanente, a invia- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 17 bilizar, por isso mesmo, o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela existentes, em descompasso também com o § 2º, art. 231, da mesma Constituição Federal. Ocorre ainda que algumas etnias específicas e mais populosas possuem mais de uma TI em seu nome, não significando, entretanto, uma grande extensão de área e nem mesmo abundância de recursos naturais. Aos Apurinã, por exemplo, ficaram reconhecidas 13 TIs, perfazendo uma área total de 1.087.931,98ha; enquanto que para três povos conjuntamente, como os Avá-Canoeiro, Javaé, Karajá e Tapirapé, todos a compartilhar o mesmo território, restaram destinados algo muito próximo em extensão, ou seja, 1.358.499,47ha. É que para atender atualmente os desígnios constitucionais da sustentabilidade social e ambiental futura dos povos indígenas no Brasil, não se deve levar em consideração apenas o número de áreas demarcadas por etnia, sua extensão e muito menos a quantidade de pessoas que lá habitam, mas, sobretudo, as respectivas necessidades presentes e realidade cultural, tudo a ser apurado em cada caso concreto e representado no competente laudo antropológico, nos termos que já se decidiu no STF e como veremos logo a seguir. Considerando este último aspecto, e por uma questão de justiça, pendem de uma rigorosa revisão grande parte das terras indígenas no Brasil, principalmente aquelas reconhecidas nas anteriores décadas de setenta e oitenta, ainda sob a égide de uma vetusta e discriminatória legislação, porquanto inspirada na já revogada ideologia integracionista. 3.2 Dialogando com a Jurisprudência do STJ Em 05.08.2013, realizamos consulta jurisprudencial no sítio do Superior Tribunal de Justiça. Como resultado final, obtivemos uma coleção de 84 decisões sobre demarcação de terras indígenas no Brasil, isso após sistematização por relevância e onde foram selecionados para análise neste ensaio apenas os casos mais emblemáticos. Agindo dessa forma, pensamos estar conjugando esforços de hermenêutica para a interpretação de um novo direito indígena, isso a partir da Constituição Federal de 1988 e que estaria rompendo com os antigos paradigmas assimilacionistas deliberadamente implantados no Brasil. O primeiro desses precedentes na Corte Cidadã versa sobre a Terra Indígena Sombrerito, habitada pelo Povo Guarani Nhandéva no Es- 18 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo tado do Mato Grosso do Sul4. Discutiu-se em sede do Mandado de Segurança 15.822/DF, relatado pelo Ministro Castro Meira e julgado em 12.12.2012, a legalidade e constitucionalidade do procedimento administrativo previsto no Decreto Federal 1.775/96, assim como a veracidade do laudo antropológico que subsidiou referida demarcação. Naquela decisão se observou que o decreto antes mencionado e que “dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências”, faculta sim aos interessados contestar os resultados do Relatório de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas, cabendo ao próprio Ministro de Estado da Justiça decidir sobre a regularidade do procedimento. E nesse mesmo acórdão, reconheceu-se a constitucionalidade do procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas previsto no próprio Decreto 1.775/96, segundo precedente citado do Supremo Tribunal Federal. O ato indigitado coator suscitado no aludido remédio heróico baseia-se em laudo antropológico que afirmou (a) a presença de índios Guarani Nhandéva no entorno da área demarcada, (b) o esbulho violento das terras por não índios, e (c) a constante tentativa da comunidade indígena de retomar as terras tradicionalmente ocupadas, restando as alegações do impetrante em sentido contrário, não aceitas pelo Tribunal sem a devida produção de prova pericial. Como não existia nos autos prova pré-constituída de que a área demarcada não era indígena, o mandamus foi reconhecido como um remédio processual inadequado à defesa da pretensão vindicada. Isso quer dizer que para saber se os índios ocupavam a área na data de promulgação da CF/88, ou se nela já não habitavam por força de esbulho injusto e violento de não índio (marco temporal), bem como se estiveram sempre na intenção de reocupá-las e se elas têm relação anímica com aquela específica porção do território (marco tradicionalista), dentre outras questões de fato, depende sempre da indispensável dilação probatória, providência incompatível com o rito especial e sumário do writ of mandamus. Outro ponto relevante que ficou ali afirmado diz respeito ao procedimento demarcatório de terras indígenas, que se ampara em norma legal minudente e que ainda especifica o iter procedimental a ser trilhado pela Administração Pública, não impedindo que o administrado, todavia, questione judicialmente o procedimento, em qualquer de seus aspectos formais ou materiais, mas cabendo a ele infirmar a presunção de legalidade, legitimidade e auto-executoriedade que milita em favor dos atos administrativos, so4 Publicado no DJe de 01.02.2013. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 19 bretudo quando a pretensão judicial for veiculada por meio de mandado de segurança, que não admite dilação probatória. Também relevante foi o reconhecimento de que a existência de título expedido de propriedade privada, ainda que registrado, não inibe a Funai de investigar e demarcar terras indígenas; caso contrário, seria praticamente impossível a demarcação de novas áreas no Brasil, pelo menos de maneira contínua, já que boa parte do território nacional se encontra nas mãos de particulares, à luz do dispõe o art. 231, §§ 1° e 6º, da CF/88, e segundo o entendimento de que a regular demarcação de terras indígenas não fere o direito de propriedade. Isto posto, e uma vez constatada a posse imemorial na área, não há que se invocar, em defesa do direito de propriedade, supremacia do título translativo e nem a cadeia sucessória do domínio, documentos que somente servem para demonstrar a boa fé dos atuais titulares para, se for o caso, ensejar indenização pelas benfeitorias realizadas. A tese de que a existência de propriedades privadas na área a ser demarcada não impede que o procedimento administrativo seja executado se ergueu dentro do STJ no julgamento de anterior Agravo Regimental interposto na Suspensão de Segurança 2.309, também do Mato Grosso do Sul e relatado pelo Presidente da Corte à época, Ministro Cesar Asfor Rocha, cujo julgamento se realizou definitivamente no dia 07.04.20105. Tanto que a ausência de prévia intimação dos interessados por parte da Funai, segundo se decidiu naquela oportunidade, não revela grave lesão à ordem pública e nem representa cerceamento do direito de defesa, o que poderá ser garantido em etapas posteriores do procedimento administrativo. No ponto, e desde o ano de 2006, se consolidou no STJ que, inobstante não se prever no Decreto 1.775/96 a necessidade de manifestação de qualquer das partes interessadas durante o procedimento administrativo de demarcação, deve sim ser garantido a todos os interessados ampla oportunidade de defesa, malgrado o caráter dos direitos originários em questão e por obra das limitações de indenização para terceiros detentores de boa fé que deverão ser apuradas no mesmo procedimento. Tudo isso restou primeiro considerado no Recurso Especial 802.412, originário do Estado da Paraíba e relatado pela Ministra Denise Arruda em 07.11.20066, onde se deliberou que na fase de tramitação do procedimento de demarcação de terras indígenas perante o Ministério da Justiça deve-se sempre ter em mente, ainda que não previsto no Decreto 1.775/96, que o direito à 5 6 Publicado no DJe 27.05.2010. Publicado no DJ 20.11.2006. 20 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo demarcação de terras indígenas, conquanto não possa ser impugnado com base no direito de propriedade tal como definido no direito civil, termina por restringir outro princípio constitucional de especial relevo, qual seja, aquele que protege a propriedade dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no País (CF/88, art. 5º, inc. XXII). Bem por isso que, desde aquela época, se firmou na Corte Cidadã o entendimento de que se deve assegurar ao suposto proprietário das terras o mais amplo direito de se contrapor à pretensão do Estado, mormente porque a eventual demarcação não gera direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé (CF/88, art. 231, § 6º). Nesse mesmo histórico julgado, reconheceu-se que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios não perdem essa característica por ainda não terem sido demarcadas, na medida em que a demarcação tem efeito meramente declaratório e o despacho ministerial atacado naquela ação, especificamente na parte em que impediu a elaboração de novos estudos em relação a determinadas terras particulares, exorbita dos poderes atribuídos ao seu prolator (Ministro de Estado da Justiça), pelo § 10 do art. 2º do Decreto 1.775/96. Por fim, coroou-se o entendimento de que, mediante elaboração de novos estudos, a Funai poderá comprovar que a área em questão naquela demanda judicial constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a ensejar o reconhecimento do direito originário, precedente e superior a qualquer outro que, eventualmente, se possa ter constituído sobre ela. Todas as decisões anteriormente lembradas escoaram no sentido de se reconhecer o direito dos povos indígenas à posse permanente das suas terras e dando por vencidos os argumentos trazidos por particulares não índios, mesmo destino dado a outro importante e mais recente julgado daquela Superior Corte de Justiça, qual seja, no writ 14.987/DF, relatado pela Ministra Eliana Calmon e julgado na casa em 28.04.20107. É que foi neste último mandado de segurança que se estabeleceu importante referência atemporal para demarcação de terras indígenas no Brasil, ao mencionar que os procedimentos administrativos desse jaez, e desde que levados a termo antes da promulgação da Constituição de 1988, podem sim e até merecem ser revistos, amparando, desse modo, a nossa tese de que a manutenção de terras indígenas com áreas reduzidas, insustentáveis do ponto de vista socioambiental, seriam francamente inconstitucionais nos dias de hoje e, portanto, teriam que ser necessariamente retomadas em seus estudos antropo7 Publicado no DJe 10.05.2010. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 21 lógicos a fim de se restabelecer uma sustentabilidade sociocultural das respectivas etnias residentes. Não se pode deslembrar que em nosso levantamento, de um total de 243 TIs encontradas, 31 delas possuem área inferior a 1.000ha e, bem por isso, passíveis de revisão quanto aos seus desígnios constitucionais, desde que se comprove em estudos técnicos que há um verdadeiro descompasso entre a diminuta extensão legalmente reconhecida e a sua utilidade prática na preservação dos recursos ambientais necessários ao bem estar daquele determinado povo, bem como necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, em estreita sintonia com o que dispõe o § 1º, art. 231, da atual Carta da República Brasileira. 3.3 Dialogando com a Jurisprudência do ST Em 05.08.2013, também realizamos pesquisa jurisprudencial no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, através da utilização da expressão de busca “demarcação E terra E indígena”. Como resultado, obtivemos uma coleção de 44 decisões sobre demarcação de terras indígenas no Brasil. Após sistematização inicial por relevância, foram selecionados para análise apenas os casos mais emblemáticos. O primeiro deles diz respeito à possibilidade de haver divergência entre a área referida na portaria do Ministério da Justiça e aquela do decreto homologatório, discussão que se tornou realidade no bojo do Mandado de Segurança 21.896, julgado no Plenário da nossa Excelsa Corte em 24.06.2007 e relatado inicialmente pelo Ministro Carlos Velloso, tendo mais tarde como relator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa8. Normalmente tais discrepâncias vinham sendo originadas pela exclusão, por parte do Executivo e no momento da homologação, de áreas ainda em litígio. Entretanto, esse mesmo problema também surgia da dissintonia entre as áreas descritas no laudo antropológico e aquelas mais tarde demarcadas e homologadas pelo Decreto Presidencial. Tal situação foi observada historicamente em diversos casos, podendo nós citar, como exemplo e no âmbito do Estado de Roraima, as Terras Indígenas Malacacheta e Moskow, onde persiste atualmente um movimento dos próprios indígenas envolvidos pela revisão das respectivas áreas, com reivindicação inclusive da demarcação contínua e mediante a possibilidade de se ligar territorialmente as duas Terras Indígenas, nos termos conferido durante as reuniões in loco do 8 Publicado no DJe 13.06.2008. 22 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo projeto de extensão intitulado “Prevenção/ação no combate aos crimes contra a dignidade sexual na Comunidade Indígena Malacacheta”, atualmente coordenado pelo Professor Carlos Alberto Marinho Cirino e ora em funcionamento junto ao Instituto de Antropologia da Universidade Federal de Roraima. Isso talvez explique o fato de termos encontrado, no cruzamento dos dados extraídos da base eletrônica do Palácio do Planalto e outros fornecidos pela doutrina (especialmente RICARDO & RICARDO, 2011), algumas diferenças entre as terras efetivamente ocupadas por indígenas e suas referências legais registradas pelo Governo Federal, pois nem sempre aquilo que se apurou pela Funai em trabalho de campo realmente se transformou em garantia legal para os povos indígenas no Brasil. Exemplo de contradição é o caso dos indígenas isolados. Enquanto na base de dados do Planalto encontramos sete TIs homologadas em favor desses grupos, Ricardo e Ricardo (2011) apontam apenas duas. Mas sem dúvida alguma, o grande precedente que se produziu em nosso país acerca do direito indígena, interpretado a partir do Texto Constitucional de 1988, foi o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, isso pela complexidade das demandas que delam decorriam e sua consequência para o destino das minorias étnicas no Brasil. Esse caso restou originariamente levado até a nossa Suprema Corte por intermédio da Petição 3.388, relatado pelo Ministro Carlos Britto e julgado definitivamente pelo Plenário em 19.03.20099. Sobredita ação foi conhecida em parte, uma vez que na área permaneceram o 6º Pelotão Especial de Fronteira; núcleos urbanos dos Municípios de Uiramutã e Normandia; equipamentos e instalações públicos federais e estaduais atualmente existentes; linhas de transmissão de energia elétrica e os leitos das rodovias federais e estaduais lá existentes. E toda a razão de decidir daquela demanda praticamente se deu sobre a regularidade formal do procedimento de demarcação, inexistindo vícios a sanar por parte do Poder Judiciário. No entendimento do STF, o processo administrativo observou e se formalizou segundo todas as regras constantes do Decreto 1.775/96, já declaradas constitucionais anteriormente pelo próprio Tribunal, sendo que os interessados tiveram a oportunidade de se habilitar no referido procedimento de demarcação das terras indígenas, como de fato assim procederam o Estado de Roraima, Município de Normandia, pretensos posseiros e comunidades indígenas, estas por meio de petições, cartas e prestação de informações, 9 Publicado no DJe 25.09.2009. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 23 restando observadas e respeitadas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. No voto condutor, registrou-se que o substantivo “índios” é usado pela Constituição Federal de 1988 por um modo invariavelmente plural, para exprimir a diferenciação dos aborígenes por numerosas etnias e que o propósito constitucional foi de retratar uma diversidade indígena tanto interétnica quanto intra-étnica, sendo que as “terras indígenas” no mesmo texto fazem parte de um território estatal-brasileiro sobre o qual incide, com exclusividade, o direito nacional. E como tudo o mais que faz parte do domínio de qualquer das pessoas federadas brasileiras, são terras que se submetem unicamente ao primeiro dos princípios regentes das relações internacionais da República Federativa do Brasil: a soberania ou “independência nacional” (CF, art. 1º, inc. I). Reforçou com fortes tintas que todas as “terras indígenas” são um bem público federal (CF, art. 20, inc. XI), o que não significa dizer que o ato em si da demarcação extinga ou amesquinhe qualquer unidade federada. Primeiro, porque as unidades federadas pós-Constituição de 1988 já nascem com seu território jungido ao regime constitucional de preexistência dos direitos originários dos índios sobre as terras por eles “tradicionalmente ocupadas”. Segundo, porque a titularidade de bens não se confunde com o senhorio de um território político. Nenhuma terra indígena se eleva ao patamar de território político, assim como nenhuma etnia ou comunidade indígena se constitui em unidade federada. Cuida-se, cada etnia indígena, de realidade sócio-cultural, e não de natureza político-territorial. Esclareceu o mesmo Relator que a vontade objetiva da Constituição obriga a efetiva presença de todas as pessoas federadas em terras indígenas, desde que em sintonia com o modelo de ocupação por ela concebido, que é de centralidade da União. Modelo de ocupação que tanto preserva a identidade de cada etnia quanto sua abertura para um relacionamento de mútuo proveito com outras etnias indígenas e grupamentos de não índios. A atuação complementar de Estados e Municípios em terras já demarcadas como indígenas há de se fazer, contudo, em regime de concerto com a União e sob a liderança desta. Papel de centralidade institucional desempenhado pela União, que não pode deixar de ser imediatamente coadjuvado pelos próprios índios, suas comunidades e organizações, além da protagonização de tutela e fiscalização do Ministério Público (CF, arts. 129, inc. V e 232). Explicou que somente o “território”, enquanto categoria jurídico-política, é que se põe como o preciso âmbito espacial de incidência de uma dada Ordem Jurídica soberana, ou autônoma. O substantivo “terras” é termo que assume compostura nitidamente sócio-cultural, e não política. A Constituição teve o cuidado de não falar em territórios indígenas, mas, tão só, em 24 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo “terras indígenas”. A traduzir que os “grupos”, “organizações”, “populações” ou “comunidades” indígenas não constituem pessoa federada. Não formam circunscrição ou instância espacial que se orne de dimensão política. Daí não se reconhecer a qualquer das organizações sociais indígenas, ao conjunto delas, ou à sua base peculiarmente antropológica a dimensão de instância transnacional. Pelo que nenhuma das comunidades indígenas brasileiras detém estatura normativa para comparecer perante a Ordem Jurídica Internacional como “Nação”, “País”, “Pátria”, “território nacional” ou “povo” independente. Sendo de fácil percepção que todas as vezes em que a Constituição de 1988 tratou de “nacionalidade” e dos demais vocábulos aspeados (País, Pátria, território nacional e povo), foi para se referir ao Brasil por inteiro. Ainda insistiu na tese de que os arts. 231 e 232 da Constituição Federal são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o proto-valor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural. Processo de uma aculturação que não se dilui no convívio com os não índios, pois a aculturação de que trata a Constituição não é perda de identidade étnica, mas somatório de mundividências. Uma soma, e não uma subtração. Ganho, e não perda. Relações interétnicas de mútuo proveito, a caracterizar ganhos culturais incessantemente cumulativos. Concretização constitucional do valor da inclusão comunitária pela via da identidade étnica. Em seu voto, o Ministro Carlos Ayres Brito também vez questão de registrar que ao Poder Público de todas as dimensões federativas o que incumbe não é subestimar, e muito menos hostilizar comunidades indígenas brasileiras, mas tirar proveito delas para diversificar o potencial econômico-cultural dos seus territórios (dos entes federativos). O desenvolvimento que se fizer sem ou contra os índios, ali onde eles se encontrarem instalados por modo tradicional, à data da Constituição de 1988, desrespeita o objetivo fundamental do inc. II do art. 3º da Constituição Federal, assecuratório de um tipo de “desenvolvimento nacional” tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena. Outro importante fator decidido naquela ocasião diz respeito ao marco temporal de ocupação da terra indígena, uma vez que a Constituição Federal trabalhou com data certa, a data da promulgação dela própria (05.10.1988), como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 25 determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Decidiu-se que ser preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não índios. Caso das “fazendas” situadas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja ocupação não arrefeceu nos índios sua capacidade de resistência e de afirmação da sua peculiar presença em todo o complexo geográfico da “Raposa Serra do Sol”. É que as áreas indígenas são demarcadas para servir concretamente de habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas para suas atividades produtivas, mais as “imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar” e ainda aquelas que se revelarem “necessárias à reprodução física e cultural” de cada qual das comunidades étnico-indígenas, “segundo seus usos, costumes e tradições” (usos, costumes e tradições deles, indígenas, e não usos, costumes e tradições dos não índios). Terra indígena, no imaginário coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade, toda coetaneidade e toda posteridade de uma etnia. Donde a proibição constitucional de se remover os índios das terras por eles tradicionalmente ocupadas, assim como o reconhecimento do direito a uma posse permanente e usufruto exclusivo, de parelha com a regra de que todas essas terras “são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis” (CF, art. 231, § 4º). O que termina por fazer desse tipo tradicional de posse um heterodoxo instituto de Direito Constitucional, e não uma ortodoxa figura de Direito Civil. No mesmo julgamento acabou vingando o princípio do “indigenato”, porque os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente “reconhecidos”, e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de “originários”, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como “nulos e extintos” (CF, art. 231, § 6º). Num ponto de grande relevância para as futuras homologações no Brasil, esclareceu-se no julgamento em questão que o modelo de demarcação 26 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo das terras indígenas é orientado pela ideia de continuidade. Demarcação por fronteiras vivas ou abertas em seu interior, para que se forme um perfil coletivo e se afirme a autossuficiência econômica de toda uma comunidade usufrutuária. Modelo bem mais serviente da ideia cultural e econômica de abertura de horizontes do que de fechamento em “bolsões”, “ilhas”, “blocos” ou “clusters”, a evitar que se dizime o espírito pela eliminação progressiva dos elementos de uma dada cultura (etnocídio). Mas um aspecto que preocupa na decisão da Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi quando o próprio STF relativizou o conteúdo normativo do “usufruto”, a considerar que exclusividade de usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a eventual presença de não índios, bem assim com a instalação de equipamentos públicos, a abertura de estradas e outras vias de comunicação, a montagem ou construção de bases físicas para a prestação de serviços públicos ou de relevância pública, desde que tudo se processe sob a liderança institucional da União, controle do Ministério Público e atuação coadjuvante de entidades tanto da Administração Federal quanto representativas dos próprios indígenas. O que já impede os próprios índios e suas comunidades, por exemplo, de interditar ou bloquear estradas, cobrar pedágio pelo uso delas e inibir o regular funcionamento das repartições públicas. Aquela tese de que haveria incompatibilidade normativa entre a criação do Parque Nacional do Monte Roraima sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol também restou vencida, pois se deliberou que há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda que estas envolvam áreas de “conservação” e “preservação” ambiental. Essa compatibilidade é que autoriza a dupla afetação, sob a administração do competente órgão de defesa ambiental. Também se refutou o argumento do impedimento da sobreposição de terra indígena sobre faixa de fronteira, reconhecendo a sua perfeita compatibilidade, porquanto longe de se pôr como um ponto de fragilidade estrutural das faixas de fronteira, a permanente alocação indígena nesses estratégicos espaços em muito facilita e até obriga que as instituições de Estado (Forças Armadas e Polícia Federal, principalmente) se façam também presentes com seus postos de vigilância, equipamentos, batalhões, companhias e agentes. Sem precisar de licença de quem quer que seja para fazê-lo. Mecanismos, esses, a serem aproveitados como oportunidade ímpar para conscientizar ainda mais os nossos indígenas, instruí-los (a partir dos conscritos), alertá-los contra a influência eventualmente malsã de certas organizações não governamentais estrangeiras, mobilizá-los em defesa da soberania nacional e reforçar neles o inato sentimento de brasilidade. Missão favorecida pelo fato de serem os nossos índios as primeiras pessoas a revelar devoção pelo nosso País (eles, os índios, que Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 27 em toda nossa história contribuíram decisivamente para a defesa e integridade do território nacional) e até hoje dar mostras de conhecerem o seu interior e as suas bordas mais que ninguém. No final desse voto condutor, e constante da parte dispositiva da decisão, o Relator fez agregar as 19 salvaguardas institucionais propostas em Plenário pelo Ministro Menezes Direito e ditadas pela superlativa importância histórico-cultural da causa, que por ora deixamos de comentar em razão da sua complexidade, alimentadas ainda por controvérsias e dúvidas dentro do próprio STF e que persistem mesmo depois do julgamento dos embargos de declaração opostos ao julgado, quando se definiu que referidas condicionantes ficaram válidas apenas para o caso concreto da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Esse histórico julgamento já começou a pautar outras demandas de igual natureza no Brasil, como aconteceu na posterior discussão da demarcação da Terra Indígena Caramuru-Catarina-Paraguaçu, no sul do Estado da Bahia, levada a efeito na ACO 312, relatada inicialmente na mesma Suprema Corte pelo Ministro Eros Grau, tendo como relator final para o acórdão o Ministro Luiz Fux, isso após julgamento ocorrido em 02.05.201210. Naqueles autos, assim como no anterior espicaçado, se destaca a importância do final ato de homologação, dado que sua ausência deixou as comunidades indígenas locais em situação de extrema fragilidade desde o ano de 1938. E a ausência dessa necessária homologação pode ser uma das possíveis explicações sobre a discrepância total das áreas constantes da legislação pesquisada e os levantamentos realizados por Ricardo e Ricardo (2011), como já tivemos oportunidade de concluir nas linhas anteriores. O segundo aspecto decidido naquela oportunidade é que essa homologação pode ser suprida posteriormente, não descaracterizando por isso mesmo a terra já demarcada, ainda que o procedimento não tenha chegado até o seu final encadeamento, com o devido decreto homologatório. É que a posse dos indígenas lá habitantes independe da conclusão do procedimento administrativo, já que a sua tutela decorre do texto constitucional e a natureza do ato homologatório por parte do Estado Brasileiro é meramente declaratório, na linha do “indigenato” reconhecido no julgamento da TI Raposa Serra do Sol pelo próprio Supremo Tribunal Federal. A terceira e última questão de grande relevância no julgado em exame se reporta à possibilidade expressa de revisão da área da Terra Indígena Caramuru-Catarina-Paraguaçu, desde que subsidiada por laudo antropológico, haja vista que essa possibilidade também decorre de matéria constitucional. A partir desse precedente no STF, assim como ficou deliberado 10 Publicado no DJe 21.03.2013. 28 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo anteriormente no STJ, é que se inaugura no âmbito do nosso ordenamento jurídico a possibilidade de revisão das terras indígenas no Brasil a qualquer tempo, a fim justamente de se cumprir os atuais comandos constitucionais aplicáveis à espécie. 4 CONCLUSÕES Este ligeiro ensaio acerca das demarcações de terras indígenas ocorridas em nosso país nos últimos 40 anos, tendo por base de análise os Decretos Presidenciais de homologação compilados eletronicamente, é apenas um primeiro esforço de leitura crítica sobre os dados entabulados pelo Palácio do Planalto e que ora seguem em anexo. Esse trabalho de levantamento e ordenação de caracteres levou praticamente um ano para acontecer, tendo por mérito de ficar agora disponível graficamente para outras e melhores reflexões que se fazem necessárias a respeito do reconhecimento legal e oficial dessa primeira dimensão de direitos indígenas no Brasil, porquanto se destacar o território daqueles povos nativos como o suporte material de outros tantos direitos que dele decorrem, numa tradição americana que remonta os primeiros anos da colonização europeia. Mas algumas conclusões já nos saltam aos olhos, como a discrepância encontrada entre áreas efetivamente homologadas e aquelas demarcadas em regular procedimento administrativo da Funai, como ficou adredemente reconhecido na jurisprudência comentada. Obviamente que cada caso concreto o dirá, mas nos parece evidente em tais hipóteses uma forte conotação de ordem política e também econômica provinda dos setores que exploram o latifúndio no Brasil, porquanto ser o processo de demarcação normalmente conduzido por órgãos técnicos e o seu consequente ato de homologação ser privativo do Chefe do Poder Executivo, quiçá entusiasmado com os apelos do agronegócio e/ou dos grandes proprietários de terra privados de terra em nosso país. Outra constatação que não poderia deixar de ser registrada nessas primeiras conclusões é que boa parte das terras indígenas homologadas ainda se apresentam em pequenas ilhas, com dimensões diminutas, apesar da alteração desse padrão de demarcação para área contínua e nos termos dos recentes comandos constitucionais de 1988, conforme decidiu o STF no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e antes noticiado. Isso nos conduz a doravante defender uma nova ordem de encaminhamento para as terras indígenas no Brasil, aumentando a ênfase na possibilidade de revisão daqueles territórios demarcados em ilhas antes do advento constitucional de 1988 e que não atendem mais os atuais comandos Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 29 normativos da imprescindibilidade à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem estar daquele determinado povo, bem como necessários à sua reprodução física e cultural, segundo os respectivos usos, costumes e tradições (art. 231, § 1º). Finalmente, concluímos que as informações constantes no banco de dados do Palácio do Planalto, e naquilo que diz respeito à realidade das nossas terras indígenas, é extremamente deficitária em seus aspectos da legalidade, uma vez que alberga apenas metade das áreas efetivamente existentes e ocupadas no Brasil por essas minorias étnicas, segundo levantamento de campo promovido por Ricardo e Ricardo (2011) e que estabeleceu uma extensão total de 111.523.636 hectares, em contrapartida a uma legalização apontada no sítio eletrônico do Palácio do Planalto de algo próximo de 63.157.206,4 hectares. E isso nos submete a uma importante e necessária indagação, dando ensejo a outro trabalho de pesquisa, a saber: ou existem em nosso país grandes extensões de terras ocupadas tradicionalmente por indígenas e ainda não regularizadas pela União; ou o Poder Executivo Federal se acha notadamente negligente no controle desse bem cultural essencial para a vida e perpetuidade dos povos nativos no Brasil. Por certo, neste momento temos que a base legal de dados mantida pelo Planalto para o registro das terras indígenas demarcadas se encontra nitidamente incompleta e desatualizada, servindo num primeiro momento não apenas para indicar a sua imediata atualização, mas sobretudo para também recomendar uma revisão de mérito nas terras indígenas demarcadas em ilhas e antes da promulgação da atual Constituição Federal de 1988. 5 REFERÊNCIAS MONTANARI JUNIOR, I. Demarcação de terras indígenas e cooperação internacional – análise do PPTAL. Curitiba: Juruá, 2013. OLIVEIRA, J. P. de. Redimensionando a questão indígena no Brasil: uma etnografia das terras indígenas. In: OLIVEIRA, J. P. de (Org.). Indigenismo e Territorialização: poderes, rotinas e saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Contra Capa. 1998. OLIVEIRA, J. P. de; ALMEIDA, A. W. B. de. Demarcação e reafirmação étnica: um ensaio sobre a Funai. In: OLIVEIRA, J. P. de (Org.). Indigenismo e Territorialização: poderes, rotinas e saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Contra Capa. 1998. RICARDO, B.; RICARDO, F. Povos Indígenas no Brasil: 2006 – 2010. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2011. Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Data 24.04.13 05.06.12 05.06.12 05.06.12 05.06.12 05.06.12 05.06.12 05.06.12 19.04.11 19.04.11 19.04.11 31.12.10 05.11.10 05.11.10 21.12.09 21.12.09 21.12.09 DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN Terra Indígena Prosperidade Terra Indígena Las Casas Nome Terra Indígena Kayabi Terra Indígena Lago do Marinheiro Terra Indígena Porto Limoeiro Terra Indígena Xipaya Terra Indígena Riozinho do Alto Envira Terra Indígena Tenharim Marmelos – Gleba B Terra Indígena Matintin Terra Indígena Santa Cruz da Nova Aliança Terra Indígena Saraua Terra Indígena Sapotal Terra Indígena Barro Alto Terra Indígena Apurinã do Igarapé Mucuim Terra Indígena Comboios Terra Indígena Tupiniquim Terra Indígena Trombetas Mapuera Etnia Kaiabi, Munduruku, Apiaká Mura Ticuna Xipaya Ashaninka, grupo indígena isolado Amanayé Kokama Kokama Apurinã PA AM AM AM AM AM AM Estado PA AM AM PA AC 3872.1411 Tupiniquim ES 14282.7978 Tupiniquim, Guarani Mbya ES 3970898.42 Complexo Cultural Tarumã-Parukoto PA, RR (Karapayana, Waiwai, Katuena, Hixkaryana, Mawayana, Xerew, Cikiyana, Tunayana, Yaipîyana, Pianokoto), Waimiri Atroari e grupos indígenas isolados 5572.8552 Kokama AM 21344.7011 Kayapó PA 18610.323 1264.4661 1937.1679 73350.6121 21760.712 Ticuna 5969.2372 Kokama 474741.623 Tenharim Área/ha 1053257.681 3586.297 4587.725 178723.238 260972.3 Compilação da base de dados do Planalto para homologação de terras indígenas. Instrumento DSN DSN DSN DSN DSN Tabela 1 30 Data 21.12.09 21.12.09 21.12.09 21.12.09 21.12.09 21.12.09 19.06.08 18.04.08 11.10.07 11.10.07 19.04.07 19.04.07 19.04.07 19.04.07 19.04.07 19.12.06 19.04.07 12.03.07 12.03.07 21.12.06 02.11.06 02.11.06 Instrumento DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN Terra Indígena Zo’é Terra Indígena Anaro Terra Indígena Baú Terra Indígena Panará Terra Indígena Jaguapiré Terra Indígena Cantagalo Terra Indígena Wassu-Cocal Terra Indígena Pankararu Terra Indígena Palmas Terra Indígena Itixi Mitari Terra Indígena Entre Serras Terra Indígena Entre Serras Terra Indígena Apyterewa Terra Indígena Imbiriba Terra Indígena Apurinã do Igarapé São João Terra Indígena Toldo Chimbangue II Terra Indígena Maraitá Terra Indígena Cunhã-Sapucaia Nome Terra Indígena Arroio-Korá Terra Indígena São Domingos do Jacapari e Estação Terra Indígena Lago do Correio Terra Indígena Balaio Estado MS AM 31 954.0708 Kaingang 53038.0644 Ticuna 471450.5393 Mura SC AM AM 13209.7815 Kokama, Ticuna AM 257281.4601 Tukano, Yepamashã, Desana, Kubeo, PiraAM tapuya, Tuyuka, Baniwa, Baré, Coripaco, Tariana 668565.6283 Zo’é PA 30473.9506 Wapixana RR 1540930.156 Kayapó PA 499740.005 Panará MT, PA 2342.0155 Guarani Kaiowá MS 283.6761 Guarani Mbya RS 2744.6603 Wassu AL 8376.4585 Pankararu PE 3800.8794 Kaingang PR, SC 182134.7746 Apurinã AM Pankararu PE 7550.0875 Pankararu PE 773470.0313 Parakanã PA 408.3384 Pataxó BA 18232.4221 Apurinã AM Área/ha Etnia 7175.7747 Guarani Kaiowá, Guarani Ñandeva 134781.7512 Kokama Socioambientalismo de Fronteiras – v. III Data 02.11.06 18.04.06 27.10.04 18.04.06 18.04.06 18.04.06 18.04.06 18.04.06 11.10.05 22.09.05 19.04.05 19.04.05 19.04.05 19.04.05 05.01.96 19.04.05 19.04.05 15.04.05 28.03.05 27.10.04 27.10.04 Instrumento DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN 32 Terra Indígena Nande Ru Marangatu Terra Indígena Lago Jauari Terra Indígena Kumaru do Lago Ualá Terra Indígena Hi Merimã Terra Indígena de São Sebastião Terra Indígena Tabalascada Terra Indígena Awá Terra Indígena Évare I Terra Indígena Evare I Terra Indígena Maranduba Terra Indígena Espírito Santo Terra Indígena Raposa Serra do Sol Nome Terra Indígena São Francisco do Canimari Terra Indígena Deni Terra Indígena Deni Terra Indígena Rio Omerê Terra Indígena Kuruáya Terra Indígena Inãwébohona Terra Indígena Barreirinha Terra Indígena Arara do Igarapé Humaitá Terra Indígena Jacamim Deni Deni Akuntsu, Kanoê Kuruaya Javaé, Karajá, Avá-Canoeiro Amanayé Arara Etnia 193493.5694 Wapixana, (Aturaiu, Jaricúna, Makuxi – indivíduos) 667840.3204 Hi Merimã 61058.5408 Kaixana, Kokama 13014.7364 Wapixana, Makuxi 116582.9182 Guajá Kokama 548177.5963 Ticuna 375.1508 Karajá 33849.0871 Kokama 1747464.783 Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang, Wapixana 9317.216 Guarani Kaiowá 12023.0844 Mura 80035.8819 Kulina 1531303.499 26177.1864 166784.2496 377113.5744 2373.8 87571.6965 Área/ha 3331.2208 Ticuna Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo MS AM AM AM AM RR MA AM AM PA, TO AM RR RR AM AM RO PA TO PA AC Estado AM Data 27.10.04 27.10.04 27.10.04 27.10.04 27.10.04 27.10.04 27.10.04 27.10.04 27.10.04 27.10.04 27.10.04 19.04.04 19.04.04 19.04.04 19.04.04 19.04.04 19.04.04 19.04.04 19.04.04 25.02.04 23.06.03 23.06.03 23.06.03 23.06.03 Instrumento DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN Nome Terra Indígena Krikati Terra Indígena Diahui Terra Indígena Alto Tarauacá Terra Indígena Paraná do Arauató Terra Indígena Rio Juma Terra Indígena Torá Terra Indígena Sepoti Terra Indígena Rio Urubu Terra Indígena Nova Esperança do Rio Jandiatuba Terra Indígena Lauro Sodré Terra Indígena Penambizinho Terra Indígena Tupã-Supé Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto Terra Indígena Porto Praia Terra Indígena Juma Terra Indígena Igarapé Grande Terra Indígena Fortaleza do Patauá Terra Indígena Coatá-Laranjal Terra Indígena Caieiras Velhas II Terra Indígena Mundurukú Terra Indígena Cuiú-Cuiú Terra Indígena Muriru Terra Indígena Badjonkôre Terra Indígena Waiwái 4769.8617 38351.1496 1539.6777 743.5829 1153210.112 57.3935 2381795.777 36450.9765 5555.9436 221981.6373 405698.0085 9478.6216 1272.8035 8589.5101 87413.1478 Área/ha 144775.7868 47354.603 142619.1069 5915.445 9472.6983 54960.985 251348.9835 27354.9118 20003.928 Ticuna Juma Kambeba Apurinã Munduruku, Sateré Mawé Tupiniquim e Guarani Mbya Munduruku Miranha Wapixana Kayapó Waiwai Ticuna Guarani Kaiowá Ticuna Tenharim Etnia Krikati, Guajajara Jiahui Grupos indígenas isolados Mura Mura Torá, Apurinã Tenharim Mura Ticuna Socioambientalismo de Fronteiras – v. III AM AM AM AM AM ES PA AM RR PA RR AM MS AM AM Estado MA AM AC AM AM AM AM AM AM 33 Terra Indígena Boqueirão Terra Indígena Moskow Terra Indígena Mgiguaçu Terra Indígena Xakriabá Rancharia Terra Indígena Córrego João Pereira Terra Indígena Itaitinga Terra Indígena Patauá Terra Indígena Apipica Terra Indígena Fortaleza do Castanho Terra Indígena Paumari do Lago Manissuã Terra Indígena Padre Terra Indígena Tapirapé-Karajá Área Indígena Tapirapé-Karajá Terra Indígena Paumari do Lago Marahã Terra Indígena Nonoai-Rio da Várzea Terra Indígena Limão Verde Terra Indígena Kwazá do Rio São Pedro Terra Indígena Jaminawá-Envira Terra Indígena Guató Terra Indígena Varzinha 06.06.03 30.05.03 05.05.03 05.05.03 05.05.03 05.05.03 05.05.03 05.05.03 05.05.03 05.05.03 05.05.03 10.02.03 23.03.83 10.02.03 10.02.03 10.02.03 10.02.03 10.02.03 10.02.03 10.02.03 DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DECRETO 88.194 DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN Nome Terra Indígena Jacamim Data 23.06.03 80618.1798 Kulina, Ashaninka 10984.7941 Guató 776.2761 Guarani Mbya 5377.2754 Terena 16799.8763 Kwazá, Aikanã 16415.4443 Kaingang 118766.8872 Paumari 66531 Tapirapé, Karajá 797.511 Mura Área/ha Etnia 193493.5694 Wapixana, (Aturaiu, Jaricúna, Makuxi – indivíduos) 16354.0776 Makuxi, (Wapixana – indivíduos) 14212.9983 Wapixana 59.1982 Guarani Mbya, Guarani Ñandeva 6798.3817 Xakriabá 3162.3901 Tremembé 135.8842 Mura 615.885 Mura 652.7562 Mura 2756.1622 Mura 22970.0651 Paumari Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Instrumento DSN 34 AC MS RS MS RO RS AM AM MT MT RR RR SC MG CE AM AM AM AM AM Estado RR Data 10.02.03 24.12.91 10.02.03 11.12. 01 10.12.01 10.12.01 10.12.01 10.12.01 09.05.01 08.09.98 09.05.01 03.07.95 30.04.01 30.04.01 30.04.01 30.04.01 30.04.01 30.04.01 30.04.01 30.04.01 30.04.01 Instrumento DSN DECRETO 382 DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN Terra Indígena Chão Preto Terra Indígena Caxinauá do Baixo Rio Jordão Terra Indígena Brejo do Burgo Terra Indígena Xucuru Terra Indígena Caxinauá-Ashaninca do Rio Breu Terra Indígena Maueteque Terra Indígena Caxinauá da Praia do Carapanã Terra Indígena Vale do Javari Nome Terra Indígena Urucu-Juruá Área Indigena Urucu-Jurua Terra Indígena Boa Vista Terra Indígena Lago Capanã Terra Indígena Ariramba Terra Indígena Barata-Livramento Terra Indígena Pinatuba Terra Indígena Rio Manicoré Terra Indígena Urubu Branco Terra Indígena Urubu Branco Terra Indígena Vui-Uatá-In Terra Indígena Vui-Uata-In Terra Indígena Poianaua Etnia Guajajara Guajajara Mura Mura Mura Makuxi, Wapixana Mura Mura 17924.8496 Pankararé 27555.0583 Xukuru Link errado no site do Planalto 8544482.273 Kanamari, Kulina, Kulina Pano, Marubo, Matis, Maiorúna (Mayorúna), Grupos indígenas isolados 12741.8456 Xavante 8726.4952 Kaxinawá 115492.878 Kanamari 60698.6189 Kaxinawá 121198.5999 Ticuna 24499.0885 Puyanawa 232795.0378 Ashaninka, Isolados do Rio Envira 12697.0441 337.3562 6321.5954 10357.5723 12883.2701 29564.9382 19481.8699 Área/ha Socioambientalismo de Fronteiras – v. III BA PE AC MT AC AM Estado MA MA AM AM AM RR AM AM MT MT AM AM AM, AC AM AC 35 Data 23.04.01 20.04.01 19.04.01 18.04.01 18.04.01 18.04.01 26.09.00 12.09.00 12.09.00 12.09.00 12.09.00 12.09.00 30.08.00 30.08.00 01.08.00 28.07.00 14.04.98 27.07.00 03.11.97 27.07.00 11.12.98 Instrumento DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN 36 Nome Terra Indígena Campa do Igarapé Primavera Terra Indígena Miguel-Josefa Terra Indígena Crenaque Terra Indígena Guarani Barra do Ouro Terra Indígena Culina do Igarapé do Pau Terra Indígena Capivari Terra Indígena Boa Vista do Sertão do Promirim Terra Indígena Cantaruré Terra Indígena Carajá de Aruanã III Terra Indígena Carajá de Aruanã I Terra Indígena Seruini-Mariene Terra Indígena Rio dos Pardos Terra Indígena Votouro Terra Indígena Ubawawe Terra Indígena Pacheca Terra Indígena Kararaô Terra Indígena Kararaô Terra Indígena Parque do Tumucumaque Terra Indigena Rio Paru D’este Terra Indígena Tekoha Anetete Terra Indígena Jaminawa do Igarapé Preto Etnia 1195785.792 Wayana, Aparai 1774.7063 Guarani Ñandeva 25651.6167 Jaminawá 1811.867 Kantaruré Link errado no site do Planalto 14.2569 Karajá 144971.3671 Apurinã 758.2614 Xokleng 3741.0977 Kaingang 52234.4773 Xavante 1852.205 Guarani Mbya Kararaô 330837.5422 Kararaô Aparai, Wayana, Tiriyó, Kaxuyana 43.3215 Guarani Mbya 906.3886 Guarani 45590.937 Kulina 1628.8091 Mura 4039.8241 Krenak 2266.5278 Guarani Área/ha 21987.2303 Ashaninka Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo PA PR AC BA GO GO AM SC RS MT RS PA PA PA, AP RS SP AC AM MG RS Estado AC Terra Indígena Kapinawa Terra Indígena Jaminawa Arara do Rio Baje Terra Indígena Maraiwatsede Terra Indígena Massaco Terra Indígena Maraa Urubaxi Terra Indígena Comboios Área Indígena Comboios 11.12.98 11.12.98 05.09.83 11.12.98 11.12.98 27.10.83 11.12.98 11.12.98 DSN DSN DECRETO 88.672 DSN DSN DEC 88.926 (DEC. EXEC.) DSN DSN Terra Indígena Tukuna Umariaçu Terra Indígena Kambiwá Terra Indígena Caieiras Velha Área Indígena Caieiras Velha 11.12.98 DSN DSN 11.12.98 DSN 11.12.98 DSN 11.12.98 DSN 11.12.98 DECRETO Nº 09.08.83 88.601 DSN 11.12.98 Nome Terra Indígena Uneiuxi Terra Indígena Paumari do Rio Ituxi Terra Indígena Guajaha Terra Indígena Monte Caseros Reserva Indígena Fazenda Bahiana Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira Terra Indígena Kulina do Medio Juruá Terra Indígena Guarani Votouro Terra Indígena Pau Brasil Área Indígena Pau Brasil Data 11.12.98 11.12.98 11.12.98 11.12.98 11.12.98 11.12.98 Instrumento DSN DSN DSN DSN DSN DSN Etnia Maku Paumari Apurinã Kaingang Pataxó Ashaninka, Isolados do Rio Envira 4854.9989 Ticuna 165241.2291 Xavante 421895.0769 Grupos indígenas isolados 94405.0733 Kanamari 2983.6511 12403.0917 Kapinawa 28926.1102 Jaminawá, Arara 31495.3123 Kambiwá 2997.2533 Tupiniquim, Guarani 717.377 Guarani 1579.7361 Tupiniquim 730142.9969 Kulina Área/ha 403182.8081 7572.412 5036.8446 1112.4105 304.56 232795.0378 Socioambientalismo de Fronteiras – v. III AM MT RO AM ES ES PE AC PE ES ES RS ES ES AM Estado AM AM AM RS BA AC 37 08.09.98 08.09.98 08.09.98 08.09.98 08.09.98 08.09.98 08.09.98 08.09.98 09.07.98 14.04.98 DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN 14.04.98 DSN 14.04.98 DSN 14.04.98 DSN 14.04.98 DECRETO Nº 29.10.91 292 DSN 14.04.98 DSN 14.04.98 DSN 14.04.98 DSN 14.04.98 Data 11.12.98 08.09.98 Instrumento DSN DSN 38 Terra Indígena Pinhal Terra Indígena Sucuriy Terra Indígena Ventarra Terra Indígena Cabeceira do Rio Acre Terra Indígena Jarawara-JamamadiKanamati Terra Indígena Parque do Araguaia Terra Indígena Alto Rio Negro Terra Indígena Rio Areia Área Indígena Rio Areia Nome Terra Indígena Salto Grande do Jacuí Terra Indígena Paumari do Lago Paricá Terra Indígena Águas Belas Terra Indígena Paraná do Paricá Terra Indígena Karipuna Terra Indígena Batovi Terra Indígena Wawi Terra Indígena Escondido Terra Indígena Karaja de Aruana II Terra Indígena Guarani do Aguapeu Terra Indígena Coroa Vermelha Terra Indígena Médio Rio Negro II Etnia Kaingang Guarani Kaiowá Kaingang Jaminawá 390233.0536 Jarawara, Jamamadi, Kanamari 887.0761 535.1047 772.9532 78512.5834 Pataxó Kanamari Karipuna Wauja Tapayuna Rikbaktsa Karajá Guarani Mbya Pataxó Tukano, Desana, Pira-Tapuya, MirityTapuya, Arapaso, Baniwa, Kuripako, Baré, Tariana 1358499.478 Avá-Canoeiro, Javaé, Karajá, Tapirapé Link errado no site do Planalto 1352.3784 1189.0649 7866.32 152929.8599 5158.9817 150329.1865 168938.468 893.2687 4372.2599 1493.9941 316194.989 Área/ha 234.9641 Guarani Mbya 15792.112 Paumari Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo AM SC MS RS AC TO AM PR PR BA AM RO MT MT MT MT SP BA AM Estado RS AM Data 14.04.98 14.04.98 14.04.98 04.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 03.11.97 Instrumento DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN Terra Indígena Pirahã Terra Indigena Ipixuna Terra Indigena Paumari do Cuniua Terra Indigena Peneri-Tacaquiri Terra Indigena Nove de Janeiro Terra Indigena Rio Paru D’este Terra Indigena Xambioa Terra Indigena Igarape Capana Terra Indigena Parana do Boa Boa Terra Indigena Catipari-Mamoria Terra Indigena Kanamari do Rio Jurua Terra Indigena Acima Terra Indigena Apinaye Terra Indigena Rio Bia Terra Indigena Raimundao Terra Indigena Inauini-Teuini Terra Indigena Camadeni Terra Indigena Sao Pedro do Sepatini Terra Indigena Alto Sepatini Terra Indígena Médio Rio Negro I Terra Indígena Rio Téa Nome Terra Indígena Rio Apaporis 40686.034 141904.2092 1185791.71 4276.8088 468996.3 150930.5549 27644.2488 26095.6979 Apurinã Apinajé Katukina do Rio Biá Makuxi, Wapixana Jamamadi Jamamadi Apurinã Apurinã Área/ha Etnia 106960.3377 Maku Yuhupde, Tukano, Yepa Mahsã, Desana, Tuyuka 411865.3207 Maku Nadob, Tukano, Desana, Piratapuya, Baré 1776138.997 Tukano, Desana, Pira-Tapuya, MirityTapuya, Arapaso, Baniwa, Coripaco, Baré, Tariana, Maku Dow, Maku Yuhupde 346910.5673 Mura Pirahã 215362.1079 Parintintin 42828.0481 Paumari 189870.9641 Apurinã 228777.0999 Parintintin 1195785.792 Wayana, Aparai 3326.3502 Guarani, Karajá, Karajá do Norte 122555.6647 Jamamadi 240545.8478 Maku 115044.3509 Apurinã 596433.64 Kanamari Socioambientalismo de Fronteiras – v. III AM TO AM RR AM AM AM AM AM AM AM AM AM PA TO AM AM AM AM AM AM Estado AM 39 Data 03.11.97 03.11.97 26.12.96 02.10.96 02.10.96 02.10.96 02.10.96 02.10.96 02.10.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 23.05.96 15.02.96 Instrumento DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN 40 Terra Indígena Taihantesu Terra Indígena Mata Medonha Terra Indígena Lalima Terra Indigena Waiãpi Terra Indígena Buritizinhol Terra Indígena Rio Mequens Terra Indígena Rio Guapore Terra Indígena Sagarana Terra Indigena Queimadas Terra Indígena Tibagy-Mococa Terra Indígena Jabuti Terra Indígena Laranjinha Terra Indígena Maxacali Terra Indígena Tibagy-Mococa Terra Indígena Queimadas Terra Indígena Sagarana Terra Indígena Rio Guaporé Nome Terra Indigena Tumia Terra Indígena Água Preta-Inari Terra Indígena Arara do Rio Branco Terra Indígena Enawenê Nawê Terra Indígena Areões Terra Indígena Marechal Rondon Terra Indígena Trincheira Bacajá 859.9098 14210.6996 18120.0636 5362.3344 549.6226 3000.2101 607017.2404 9.7428 107553.0101 115788.0842 3077.7602 284.2412 5305.6719 Área/ha 124357.4172 139763.6705 114842.4748 742088.6783 218515 98500 1650939.257 Etnia Apurinã Apurinã Arara do Rio Branco Enawenê-nawê Xavante Xavante Xikrim Kayapó, Araweté, Asurini, Apyterewa Kaingang, Guarani Maxakali Link errado no site do Planalto Kaingang Link errado no site do Planalto Makurap, Djeoromitxí, Kanoê, Ajuru, Tupari, Arikapô, Pacaa Nova Nambikwara Pataxó Terena Wajãpi Guarani Kaiowá Sakurabiat, Makurap Link errado no site do Planalto Wari’ Link errado no site do Planalto Kaingang Makuxi, Wapixana Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo MT BA MS AP MS RO RO RO PR PR RR PR MG PR PR RO RO Estado AM AM MT MT MT MT PA Data 15.02.96 15.02.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 05.01.96 03.07.95 03.07.95 03.07.95 03.07.95 03.07.95 Instrumento DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN DSN Nome Terra Indígena Ibirama Terra Indígena Canauanim Terra Indígena Bom Intento Terra Indígena Alto Rio Purus Terra Indígena Evare II Terra Indígena Tukuna Porto Espiritual Terra Indígena Evare I Terra Indígena Truka Terra Indígena Arawete Igarapé Ipixuna Terra Indígena Atikum Terra Indígena Tikuna de Feijoal Terra Indígena Malacacheta Terra Indígena Pankararé Terra Indígena Pequizal Terra Indigena Koatinemo Terra Indígena Tenharim Marmelos Terra Indigena Lagoa Dos Brincos Terra Indigena São Pedro Terra Indigena Parati Mirim Terra Indígena Betania Terra Indígena Lago do Beruri Terra Indígena Guarani de Bracuí Terra Indígena Estrela da Paz Terra Indígena Figueiras Etnia Xokleng, Kaingang, Guarani Makuxi, Wapixana Ticuna Kaxinawá, Kulina Ticuna Ticuna 16290.1893 40948.8 28631.8258 29597.3322 9886.8211 387834.2501 497521.7497 1845.058 726.1805 79.1997 122769.0265 4080.369 2127.8664 12876.4893 9858.9291 Atikum Ticuna Makuxi, Wapixana Pankararé Nambikwara Asurini Tenharim Nambikwara Mura Guarani Mbya Ticuna Ticuna Guarani Mbya Ticuna Paresí 548177.5963 Ticuna 1592.8972 Truká 940900.8 Araweté Área/ha 14084.886 11182.4372 1613.043 263129.8062 176205.7183 2839.3483 Socioambientalismo de Fronteiras – v. III PE AM RR BA MT PA AM MT AM RJ AM AM RJ AM MT AM PE PA Estado SC RR AM AC AM AM 41 Data 03.07.95 25.05.92 Nome Terra Indígena Guarani Araponga Terra Indigena Yanomani Etnia Link errado no site do Planalto 9664975.48 Yanomami Área/ha Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Estado RJ RR, AM BA 29.10.91 Terra Indigena Vargem Alegre 981.0815 DEC. 247 (DEC. EXEC.) DSN 25.01.91 Área Indígena Capoto-Jarina 634915.2256 MT DEC. 99.170 13.03.90 Área Indígena Tubarão Latundê 116613.3671 Sabanê, Aikanã, Latundê RO (DEC. EXEC.) DEC. 98.852 22.01.90 Terra Indígena Arariboia Guajajara MA (DEC. EXEC.) DEC. 98.828 15.01.90 Colônia Indígena Kiriri BA (DEC. EXEC.) DEC. 98.826 15.01.90 Terra Indígena Carretão I Xavante, Tapuio GO (DEC. EXEC.) DEC. 98.825 15.01.90 Terra Indígena Carretão II Xavante, Tapuio GO (DEC. EXEC.) DEC. 98.417 20.11.89 Terra Indígena Parque Indígena do Cinta Larga, Surui Paiter MT, (DEC. EXEC.) Aripuanã RO DEC. 98.063 17.08.89 Terra Indigena Nhamunda – Mapuera AM, (DEC. EXEC.) PA DEC. 93.147 20.08.86 Terra Indígena Pimentel Barbosa Xavante MT (DEC. EXEC.) DEC. 93.074 06.08.86 Área Indígena Rio Branco Makurap, Tupari, Djeoromitxí, Campé, RO (DEC. EXEC.) Aruá Obs.: a) DSN – Decreto sem número; b) a grafia dos nomes das terras indígenas não foi corrigida, seguindo o padrão das ementas da legislação. Instrumento DSN DSN 42 Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 43 PAISAGENS E ECOSSISTEMAS Thiago Morato de Carvalho1 Celso Morato de Carvalho2 Sumário: 1. Introdução; 2. Feições Regionais: as áreas abertas de Roraima; 3. As Contribuições para o Entendimento de Paisagens em Roraima; 4. Modelos Atuais para o Entendimento de Paisagens; 5. Unidades Morfoestruturais de Roraima; 6. Formação de Paisagens; 7. Colinas, Lagos e Ilhas Fluviais; 8. As Dunas de Areias Brancas e Marrons; 9. Referências. 1 INTRODUÇÃO Quando olhamos atentamente para uma paisagem, nós podemos perceber que o cenário que estamos observando é composto por elementos diversificados, por exemplo, uma serra com rochas expostas, um lago circundado por gramíneas e arbustos, pequenos conjuntos de arvoretas que se sobressaem em áreas abertas ou um rio com palmeiras nas margens e vegetação arbustiva entre árvores mais encorpadas. É muito possível também que nós encontremos nesta paisagem picadas e caminhos os mais diferentes, diversos tipos de construções para moradia e outros fins, isoladas ou formando conjuntos de comunidades, roças e plantações as mais diversas, animais ao redor de habitações quando domésticos, ou livres nos seus espaços naturais. O que vemos, então, pode ser sentido intuitivamente, como quando paramos para olhar um quadro que registrou o tempo em cores, mas também podemos olhar analiticamente o conjunto paisagístico que vemos, no sentido de procurarmos compreender como o homem se entende com a natureza, como tem seus comportamentos intrinsecamente associados aos ambientes imediatos 1 2 Laboratório de Métricas da Paisagem – MEPA, departamento de Geografia. Instituto de Geociências, Universidade Federal de Roraima. E-mail: [email protected]. Coordenação de Biodiversidade. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia 44 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho onde vive e como utiliza os bens naturais ao seu redor. Podemos ir ainda um pouco mais além e perceber que os humanos ao interferirem no seu ambiente alteram-no em vários níveis, desde bucólicas transformações, até pesadas modificações ambientais que refletem a mão ideológica de todo um sistema dominante que, amparado em leis específicas, exerce pressões de usurpação sobre o conhecimento das comunidades tradicionais e alteram as relações homem-ambiente (METZGER, 2001; MOREIRA, 2004; AB’SABER, 2003; WEIGEL, 2009:69; MORAIS & CARVALHO, 2013). Além destas considerações, nós podemos ainda olhar paisagens de forma categórica, arranjando os elementos de modo a permitir com que possam ser interpretados à luz da geografia e do direito, por exemplo, com relação à gestão ambiental. Podemos ainda arriscar um enfoque mais acadêmico sobre a paisagem e sua biodiversidade, gerando conhecimentos que podem ser utilizados como base para a geração de novos conhecimentos ou ter valor de uso imediato. Esses enfoques e interpretações trazem nos seus bojos vários receptores conceituais que são reconhecidos por outras disciplinas, abrindo espaços para importantes discussões, por exemplo, sobre conservação dos ecossistemas e usos dos recursos naturais. Disciplinas que não se enxergam quando isoladas; ao se reconhecerem, agrupam-se e formam um conjunto cujas propriedades são maiores do que a soma de suas partes. Dentre estas disciplinas integradoras estão a biogeografia e a geomorfologia, cujas variáveis são sensíveis aos níveis de amplitude de áreas adotados, daí termos conceitos envolvendo paisagens em diferentes escalas de grandeza, por exemplo, zonas e domínios abrangendo conceituações em escala subcontinental, e interpretações de feições regionais com base nos conceitos de geossistemas e fácies. São olhares dependentes da escala sim, mas indissociáveis entre si – o reconhecimento de uma feição regional só pode ser feito dentro do contexto geral de uma zona ou domínio (AB’SABER, 1967; VANZOLINI, 2011). 2 FEIÇÕES REGIONAIS: AS ÁREAS ABERTAS DE RORAIMA Um bom exemplo dessas considerações de fácies regionais e suas inserções dentro de domínios são as paisagens encontradas numa parte da porção norte da Amazônia, uma região com cerca de 70.000 km² que abriga uma das maiores áreas abertas amazônicas, abrangendo a Venezuela, a Guiana e o Brasil, onde é maior a extensão destas áreas abertas, com 43.281 km² abrangendo 19% da região – o lavrado roraimense (Figura 1). Socioambientalismo de Fronteiras – v. III Figura 1 45 Áreas abertas ao norte da Amazônia: 1 – lavrado de Roraima, áreas abertas da Gran Sabana na Venezuela e campos do Rupununi na Guiana, 2 – Campos do Paru do Oeste e Marapi, Serra de Tumucumaque, Pará (02º48’N, 60º39’W). A literatura cita diversos nomes para estas paisagens abertas roraimenses, por exemplo, campos do Rio Branco, savana, cerrado, bioma ou ecorregião (OLIVEIRA, 1929; TAKEUSHI, 1960; BARBOSA et al., 2005; EITEN, 1977, 1992). Campo é termo genérico utilizado para muitas áreas abertas brasileiras. A área nuclear dos campos cerrados, por exemplo, está a uma distância de pelo menos 2.500 km de Roraima, o domínio morfoclimático do cerrado. As semelhanças do lavrado com o cerrado existem e são apenas fisionômicas (VANZOLINI & CARVALHO, 1991). O termo savana, utilizado para designar várias áreas abertas no mundo todo, juntamente com os termos bioma e ecorregião, ao se juntarem formam as condições para um enfoque muito genérico sobre fisionomias de vegetação, sem situá-las adequadamente num contexto geral. Isto pode gerar mais confusão do que clareza geográfica e ecológica. Quem quer que ande pelas áreas abertas de Roraima encontrará terras indígenas, com as suas comunidades características, suas casas cobertas de palha de buriti, as paredes à moda de adobe, com janelas, cujas moradias são semelhantes em tamanho e arquitetura. São comunidades tradicionais que têm uma história, uma luta por suas terras, estilo de vida comunitária, modos característicos de se relacionarem com o ambiente imediato, com suas roças, religião, comportamentos sociais, comidas, e modo de criar os filhos. 46 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho Evidentemente casam-se entre si e os filhos são indígenas. Ao perguntar aos habitantes dessas comunidades o nome do ambiente em que vivem, eles vão dizer que é lavrado, o mesmo nome que seus pais e avós se referiam à região e que os antigos moradores não indígenas davam para essas áreas abertas. Assim, esta paisagem é formada por cenários que incluem, numa parte, os fatores físicos e bióticos, e na outra parte as populações indígenas e todos os que habitam esta região, imprimindo indelevelmente nestes cenários as identidades ecológica, geográfica e cultural que devem ser respeitadas. Lavrado é o nome dessa paisagem. 3 AS CONTRIBUIÇÕES PARA O ENTENDIMENTO DE PAISAGENS EM RORAIMA Hoje clássicos da literatura, diversos autores deram o ponto de partida para o entendimento das paisagens roraimenses, formulando modelos partindo do pressuposto de que os ambientes de qualquer região podem ser descritos do ponto de vista estrutural ou mais amplo, através do reconhecimento dos tipos gerais de vegetação, aberta ou fechada, relevo e hidrografia. Vamos ilustrar esta abordagem tomando como exemplo as conceituações sobre domínios morfoclimáticos brasileiros e a distribuição da biota (formações vegetais e animais), mantendo um olho voltado para os aspectos sociais e antropológicos da ocupação dos ambientes pelas comunidades tradicionais e lavradores. Nós temos no Brasil os domínios da Amazônia, cerrado, caatinga e a floresta Atlântica, os quais podem ser caracterizados pela sobreposição de feições da vegetação, clima, relevo, solos e hidrografia, com amplas faixas intermediárias (AB’SABER, 2003). Os pioneiros a integrarem a ideia de domínios morfoclimáticos de Ab’Saber (1967) aos tipos de paisagem e as grandes formações vegetais foram dois herpetólogos, o brasileiro Paulo Emílio Vanzolini e seu colega norte-americano Ernst Williams, em 1970. A herpetologia é o ramo da zoologia que estuda os anfíbios e os répteis. O estudo clássico destes dois zoólogos foi a diferenciação geográfica de lagartos do gênero Anolis, cuja interpretação baseou-se no modelo de domínios morfoclimáticos como critério geográfico. Tendo como pontos de partidas as unidades geográficas e os padrões de distribuição das formas deste gênero de lagarto Anolis, Vanzolini e seu colega Williams interpretaram as variações geográficas dos lagartos entre os domínios como sendo o resultado de expansões e retrações da floresta durante períodos secos (glaciais) e úmidos (interglaciais) nos últimos 20.000-10.000 anos. Essa dinâmica criou barreiras que levaram à interrupção do fluxo gênico entre popula- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 47 ções de animais antes intercruzantes, levando a formação de espécies distintas. O modelo tornou-se um clássico na biogeografia e é bem conhecido como modelo de refúgios do Pleistoceno e teoria de refúgios, também elaborado pelo geólogo alemão Jürgen Haffer (VANZOLINI & WILLIAMS, 1970; VANZOLINI, 2011; HAFFER, 1969). Há uma representação arqueológica que utiliza o modelo de domínios morfoclimáticos e as flutuações climáticas do Pleistoceno, das formas como conceituados por Aziz Ab’Saber, Paulo Vanzolini e Ernest Williams, que não diz respeito diretamente às paisagens de Roraima, mas é um exemplo pertinente no contexto amazônico. Trata-se dos estudos da arqueóloga norte-americana Betty Jane Meggers. Ela formulou entre as décadas de 1940 a 70 hipóteses sobre a evolução dos povos pré-históricos da América do Sul com base nas adaptações climáticas e de solos – a cultura é determinada pelas relações entre o ambiente e a tecnologia. Se o ambiente não é propício a tecnologia falha e a cultura de um povo entra em decadência. Meggers é tida como colonialista por alguns, em virtude do programa de arqueologia na América do Sul financiado, na época, pelo governo norte-americano, mas, independente disso, ela partiu da hipótese de que as diferentes condições do solo e do clima determinam os aspectos sócio-políticos dos povos, tendo como exemplo as migrações na Amazônia. As mudanças do Pleistoceno entram em cena para explicar como num período úmido (interglacial) há evidências de florescimento de sociedades pré-históricas amazônicas, mas durante o período seco (glacial) os solos empobrecem juntamente com os aspectos socioculturais de uma ou mais civilizações (MEGGERS, 1954; MEGGERS & CLIFFORD, 1973). Outra forma mais simples de entendermos a paisagem é olharmos para as fisionomias regionais da vegetação (VANZOLINI & CARVALHO, 1991; EITEN, 1977; TAKEUSHI, 1960). Se tomarmos o lavrado como exemplo, nós podemos observar as seguintes fisionomias na paisagem geral destas áreas abertas roraimenses: i) as matas das margens dos rios de pequeno porte, que ao atravessarem o lavrado têm o nome de matas de galeria, ii) os buritizais, formados por buritis Mauritia flexuosa, iii) as ilhas de mata, que são manchas de vegetação mais densa e mais alta, iv) os arbustos agrupados ou isolados, onde são frequentes o caimbé Curatella americana e os muricis Byrsonima spp., v) as ciperáceas Bulbostylis spp. e várias espécies de gramíneas, uma delas predominando, dependendo dos solos, vi) as áreas francamente abertas de lavrado, com poucos arbustos, vii) os lagos do lavrado, viii) presença de cactáceas, por exemplo, o mandacaru Cereus sp., geralmente associadas a áreas de cupinzeiros Cornitermes, os quais também ocorrem onde os cactos não estão presentes, ix) as serras em várias regiões do lavrado, onde estão presentes no entorno árvores baixas, arvoretas e arbustos, geralmente com a presença de cactáceas, gêneros Cereus e Melocactus. 48 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho Podemos citar também relatos sobre as profícuas relações entre geomorfologia e a biogeografia tendo como pano de fundo as paisagens do lavrado roraimense (CARVALHO, 2009B; VANZOLINI, 2011; CARVALHO & CARVALHO, 2012a,b). Essas considerações são baseadas nas características geomorfológicas das áreas abertas do nordeste de Roraima, como os afloramentos graníticos presentes nas regiões de morros, hogbacks, inselbergs, matacões e tors esparsos de diferentes tamanhos. Do ponto de vista biogeográfico, estas unidades podem ser vistas como hábitats e microhábitats para diferentes espécies da fauna do lavrado. Fraturas e disjunções nestas rochas constituem um complexo de microhábitats, com água, areia e vegetação, que são ocupados por muitos vertebrados e invertebrados. Algumas espécies são fiéis a estas formações, portanto não ocorrem em todo o lavrado, só onde houver estes hábitats. Reconhecer estas fisionomias é o campo da geomorfologia e interpretar a distribuição dos animais nestes ambientes é o campo da biogeografia, aliada à zoologia, botânica e ecologia. Outros modelos sobre descrições de paisagens de Roraima já foram também apresentados, por exemplo, os trabalhos do Radambrasil (1975), um projeto em nível nacional ligado ao Ministério das Minas e Energia; os relatórios do Ministério do Interior, com úteis informações paisagísticas do lavrado e outras áreas (ACAR, 1973); e os relatos sobre a geografia e história de Roraima, elaborados por Antonio Ferreira de Souza (1969). Na Folha número 8 do Radambrasil, dedicada a Roraima, é possível obter detalhadas informações sobre a geologia, geomorfologia, botânica e usos dos recursos naturais desta região, a qual, parte do Planalto das Guianas, é formada por regiões serranas nos limites setentrionais, por exemplo, as serras Parima, Imeniaris, Pacaraima e Uafaranda, e pelo Planalto Norte Amazônico, com altitudes menores do que 800 metros, cobertas por florestas. Nestas formações estão situados os Planaltos ou Platôs Residuais Norte Amazônicos. São regiões antigas, dispostas sobre terrenos sedimentares e cristalinos, onde ocorrem as várzeas dos rios, os tesos e terraços fluviais (VELOSO et al., 1975; AB’SABER, 1997, 2003; VANZOLINI & CARVALHO, 1991). Muitas destas descrições de paisagens do Radambrasil foram feitas através das informações obtidas por reambuladores, que iam de toda forma até áreas inacessíveis, com a ajuda dos antigos relatos sobre a vegetação de Roraima (e.g. TAKEUSHI, 1960; BEIGBEDER, 1959; BARBOSA & RAMOS, 1959; OLIVEIRA, 1929). Os relatos feitos por Sebastião Pereira do Nascimento, um estudioso da fauna de Roraima e também das relações humanas e a natureza, especificamente indígenas e o meio ambiente, são de fundamental importância para conhecermos as paisagens do lavrado. Nascimento está entre os que mais têm contribuído para o entendimento das paisagens roraimenses, ao lado do antropólogo Paulo José Brando Santilli, defensor da cultura e dos direitos Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 49 dos povos indígenas de Roraima. Os relatos de Nádia Farage sobre os povos indígenas da região e processos de colonização também muito contribuem para entendimento das paisagens da região. Dentre outros estudiosos que voltaram os olhos para estas paisagens, vários já citados, merecem destaque os zoólogos Paulo Emílio Vanzolini e Ronald Heyer, e o geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber, que fazem minuciosos relatos sobre viagens e estudos realizados por vários autores nesta região (NASCIMENTO, 1998, 2000; NASCIMENTO et al., 2012; SANTILLI, 1994, 2001; AB’SABER, 1997; 2003; VANZOLINI & CARVALHO, 1991; HEYER, 1989; FARAGE, 1991). Também contribuem para o entendimento destas paisagens o Ministério Público Estadual, que faz permanente defesa dos direitos indígenas, através do Procurador de Justiça Edson Damas da Silveira, o Ibama e o ICMBio que trabalham em várias áreas da região, pesquisadores das universidades federal e estadual de Roraima, do Inpa e IBGE, além de órgãos estaduais, como o Iacti, o Museu Integrado de Roraima e a Seplan, órgãos estaduais que coordenaram o Zoneamento Ecológico Econômico de Roraima em 2014, liderados por Daniel Gianluppi e sua equipe do Iacti. Atualmente, para conhecermos em detalhes os componentes paisagísticos das regiões são empregadas técnicas de geoprocessamento através do Sistema de Informações Geográficas, com a criação de bancos de dados ambientais e sociais. São informações úteis para conhecermos as paisagens e os elementos estruturais que as compõem. Aqui na nossa região temos dois exemplos onde estas informações são geradas: na Universidade Federal de Roraima, através do laboratório de Métricas da Paisagem e na Seplan, através do Sistema de Gestão Territorial de Roraima, que tem um excelente modelo de geoprocessamento, implantado por Haroldo Henrique Amoras dos Santos. 4 MODELOS ATUAIS PARA ENTENDIMENTO DE PAISAGENS No presente, há várias ferramentas que nos permitem analisar em detalhes a paisagem e seus elementos físicos e biológicos constitutivos, como o relevo, a drenagem, vegetação e solos. Uma destas ferramentas imprescindíveis hoje em dia são as imagens de satélites, assim como o foram num passado recente as imagens de radar e mais anterior um pouco as fotografias aéreas (RADAMBRASIL, 1975; Figura 11-A). Por exemplo, no presente exercício sobre paisagens de Roraima é fundamental identificarmos as formas de relevo elaboradas por dois processos: i) denudação, relacionado à degradação e desgaste do relevo – como exemplo temos os níveis de superfícies de aplainamento, os morros e tesos (colinas baixas), ii) agradação, rela- 50 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho cionado à acumulação de sedimentos – como exemplo temos as paisagens formadas pelas planícies aluviais, acumulação de areias brancas, áreas alagadas e lagos (CHRISTOFOLETTI, 1999). As imagens que permitem identificar processos agradacionais podem ser obtidas de diversas fontes (CARVALHO, 2009a) – nós utilizamos para este exercício as Landsat 7 (produto Geocover 2000). Para processos denudacionais, é muito útil o modelo de elevação da SRTM (radar interferométrico). E para processar imagens, pode ser utilizado o programa Envi 4.3, por exemplo. As imagens Landsat 7 podem ser obtidas através do produto Geocover 2000 (zulu.ssc.nasa.gov) e o modelo digital de elevação através da Shuttle Radar Topography Mission (SRTM) e corrigidos hidrologicamente (relevobr.cnpm. embrapa.br). Aqui na nossa região estas imagens e informações de paisagens e processos geomorfológicos podem ser obtidas através do Laboratório de Métricas da Paisagem da Universidade Federal de Roraima (http:/ufrr.br/mepa), que utiliza e desenvolve técnicas derivadas de geoprocessamento e sensoriamento remoto com base em imagens como as da séria Landsat. 5 UNIDADES MORFOESTRUTURAIS DE RORAIMA Uma pergunta é pertinente no presente contexto: como situar dentro das paisagens amazônicas os ambientes de Roraima? Embora possamos utilizar atualmente de geotécnicas para caracterizar paisagens, nós podemos reconhecer quatro unidades morfoestruturais em Roraima, descritas nos clássicos relatos que descrevem o antigo Território Federal do Rio Branco (e.g. BARBOSA & RAMOS, OLIVEIRA, 1959; OLIVEIRA, 1929, GUERRA, 1957; RADAMBRASIL, 1975; TAKEUSHI, 1960): i) áreas florestadas de vários tipos ao sul e oeste; ii) lavrado – áreas abertas com arbustos, gramíneas e ciperáceas, ilhas de mata e buritizais formando matas galerias juntamente com as matas dos rios e igarapés, a nordeste de Roraima; iii) áreas alagáveis – formações abertas com buritizais, palmáceas e herbáceas em sistemas de paleocanais, com predominância de depósitos aluvionares permanentemente alagáveis compostos por areias brancas que ocorrem no centro da região para o sul, iv) áreas montanhosas e serras baixas nas fronteiras, ao norte com a Venezuela, em ambientes florestados no geral mesclados com áreas abertas, e a leste com a Guiana, em ambientes de áreas abertas do lavrado (Figuras 2 e 3). Essas unidades compõem feições muito específicas dentro do domínio morfoclimático amazônico. Específicas porque dentro da grande área florestada da Hiléia ocorrem áreas abertas, por exemplo, os campos de Humaitá no rio Madeira no Amazonas, os campos do Ariramba no rio Trombetas no Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 51 Pará, as áreas abertas de Alter do Chão no rio Tapajós no Pará, as campinas e campinaranas do rio Negro no Amazonas, os campos do Puciari em Rondônia (EGLER, 1960; VANZOLINI, 1992; AB’SABER, 1967). Roraima é uma destas áreas abertas. Específicas também porque cada área aberta destas tem uma identidade cultural, geográfica e ecológica próprias, com a presença de animais endêmicos ou com distribuição restrita (CARVALHO, 2009b). Específica também, por outro foco, porque estimula uma velha questão sobre expansões e retrações da floresta, hipótese que trás muitas consequências para a biota e para o entendimento das migrações humanas – sob um clima úmido a floresta se expande, em clima seco (glacial nos pólos e áreas próximas) o ar fica seco e a floresta se retrai, promovendo processos de especiação da fauna e flora, e a retração ou expansão também de culturas humanas (VANZOLINI & WILLIAMS, 1970; MEGGERS, 1954, 1973). E específica também, esta área do lavrado roraimense, porque corrobora com a conceituação de Ab’Saber dos domínios morfoclimáticos, uma área de extensão subcontinental, que tem feições próprias de relevo, vegetação, clima, solos e hidrografia. Roraima não tem extensão subcontinental, mas contempla a parte da conceituação de domínios no que diz respeito a presença enclaves (ou encraves) de vegetação dentro da grande formação vegetal, por exemplo as manchas de cerrado dentro da caatinga. Assim, a grande área abrangida pelo domínio morfoclimático da Amazônia, com áreas predominantemente florestadas, apresenta áreas abertas dentro do domínio, as quais podem representar relíquitos de vegetação que dominou há 20.000-10.000 anos atrás, vegetação de cerrado, por exemplo, que pode ter adentrado na Amazônia durante climas mais secos quando as florestas regrediram (AB’SABER, 2003; VANZOLINI, 1986). A hidrografia regional atua como um importante sistema modelador destes ambientes paisagísticos de Roraima, dissecando o relevo na direção predominante norte-sul e pode ser caracterizada como autóctone no geral – os rios do domínio amazônico, no geral, são predominantemente alóctones. O sistema fluvial roraimense é influenciado ao norte e noroeste pelas serras Parima e Pacaraima, divisoras de águas que drenam para o rio Orinoco. Por exemplo, o rio Orinoco nasce na Serra Parima, parte situada a noroeste de Roraima, e se desenvolve na Venezuela; os rios Maú, Cotingo, Panari e Uailan nascem na região das serras do Monte Roraima e drenam para os rios Tacutu e Branco. Na porção noroeste, nas proximidades das Serras Parima e Imeniaris, nascem os rios Parima e Auari, os quais formam o rio Uraricoera, na Serra Uafaranda. O Uraricoera corre para leste e se junta ao rio Tacutu (fronteira Brasil-Guiana em quase toda a sua extensão), o qual nasce na região da Serra Wamuriaktawa na Guiana e corre de sul para norte numa fossa tectônica (graben). Ambos os rios vão formar o rio Branco, que corre para o sul e se une ao rio Negro na sua margem esquerda. 52 6 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho FORMAÇÃO DE PAISAGENS Os padrões de dissecação do terreno nos informam sobre a gênese das paisagens, e através das imagens de satélite, nós podemos observar em Roraima os processos agradacionais e denudacionais (Figuras 3-6 e 8) – as últimas compreendem 135.000 km² da região (cerca de 60%); os relevos agradacionais estão encaixados em 90.000 km² das paisagens roraimenses, incluindo os lagos do lavrado (Figuras 6 e 8). Como exemplos regionais de relevo do tipo denudacional nós temos os sistemas erosivos, escarpados, do complexo Parima-Pacaraima, com forte controle estrutural e de dissecação. Outras regiões da paisagem roraimense que ilustram este processo por denudação são: região do Monte Roraima (05°11’N, 60°49’W) com dissecação moderada, Serra do Marari (04°16’N, 60°46’W) fracamente dissecado e Serra da Lua (02°27’N, 60°28’W) fortemente dissecada, localizada nas proximidades da Guiana, com relevo de transição com morfologias agradacionais e denudacionais (Figura 5). Nas áreas formadas por terras baixas e arrasadas por intemperismo químico profundo (etchplanação), nós podemos observar as planícies fluviais bem desenvolvidas, do tipo agradacionais. Os ambientes agradacionais roraimenses caracterizam-se por apresentarem planícies fluviais bem desenvolvidas, onde os principais rios formam, pelo menos, 17.500 km² de área úmida por onde fluem os rios que cortam os lavrados em parte, como o Uraricoera, Tacutu, Branco, Surumu, Parimé, Cauamé e o Cotingo. Nessas planícies fluviais ocorrem morfologias típicas de unidades agradacionais, por exemplo, as barras de areia e ilhas anexadas à planície, que estão em constante dinâmica. Os rios, predominantemente aluviais, formam praias durante a estiagem e lagos de paleocanais, com unidades onde ocorrem processos erosivos evidenciados pelos barrancos íngremes e ilhas em processo de erosão. Também fazem parte das paisagens agradacionais as formações lacustres, fluviais ou desconexas destes, formando ambientes periodicamente alagáveis, no lavrado e na porção sul de Roraima. No lavrado, esse sistema hidrogeomorfológico interconectado por campos e veredas tem cerca de 11.000 km² de extensão, em morfologias típicas de sistemas deposicionais. As áreas periódicas e permanentemente alagáveis do centro-sul de Roraima ocupam cerca de 8.000 km². Estas áreas úmidas em Roraima – considerando somente os rios com planícies fluviais desenvolvidas, campos com sistemas lacustres, e áreas de influência de buritizais – ocupam uma área de aproximadamente 20.750 km². Nós podemos também associar as formas de dissecação do terreno com as altitudes. Então, identificamos, através das técnicas de geoprocessamento, um compartimento com cotas acima de 800 metros na região fronteiriça com a Venezuela, o sistema de montanhas Parima-Pacaraima. Neste Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 53 compartimento serrano predominam as morfologias tipicamente denudacionais, com dissecação forte e controle estrutural, vales encaixados, serras formando hogbacks, inselbergs e formações tabulares (tepuys), as quais estão associadas a antigas superfícies regionais de aplainamento. Um exemplo desta morfologia é o Monte Roraima. Um segundo compartimento, intermediário, tem as cotas entre 200 a 800 metros, intercalado por morfologias típicas denudacionais e agradacionais, prevalecendo a primeira. O sistema Parima-Pacaraima caracteriza-se por ser uma região instável do ponto de vista evolutivo da paisagem, atuando como frente de recuo de escarpa, rebaixando o relevo (dissecando-o) por atividade modeladora dos sistemas de drenagem, formando um complexo sistema de serras e morros, o que explica a origem dos inselbergs (morros testemunhos) desta região e dos tepuys. King (1956) e Latrubesse & Carvalho (2006) relatam este processo para a região de Goiás, descrevendo-o como zona de erosão recuante. Ocorrem também neste compartimento intermediário as planícies fluviais incipientes, as quais têm suave caimento em direção ao rio Branco. Um terceiro compartimento, agora com predominância de feições agradacionais, é caracterizado então pelos sistemas lacustres do lavrado e por algumas áreas abertas ao sul da região, que apresentam depósitos aluvionares e planícies fluviais bem desenvolvidas. Estas áreas ao sul atuam em cotas inferiores a 200 metros e são regiões estáveis, com dissecação fraca, caracterizadas por superfície aplainada pelas redes de drenagens fluviais: Branco, Xeruini, Catrimani, Jufari e Jauaperi – os três últimos são rios que formam extensos terraços meandriformes (Figura 9). 7 COLINAS, LAGOS E ILHAS FLUVIAIS No lavrado ocorre uma interessante feição geomorfológica com extensa superfície de aplainamento nas cotas entre 50-200 metros (74% do lavrado), formadas por colinas dissecadas – os tesos – originadas pela dissecação da drenagem em torno dos sistemas lacustres interconectados por igarapés. A declividade destas áreas varia entre 0º-5º em relevo plano com baixa energia, favorecendo o aporte de material sedimentar, basicamente arenoso, proveniente das áreas adjacentes elevadas e favorece a formação de lagos (Figura 10). A formação destes lagos está associada às águas pluviais e ao lençol freático; em sua maioria são cabeceiras de canais de primeira ordem que dão origem aos buritizais. Predominantemente sazonais, esses lagos são rasos (1-3 metros de profundidade) e influenciados pelas chuvas, que nesta região é em torno de 1600 mm/ano, assim distribuídas: i) no período chuvoso (abril-setembro, no geral) é cerca de 1400 mm ao ano e 280 mm por mês, ii) no período seco (outubro-março, no geral) é em torno de 270 mm ao ano e 45 mm por mês. É justamente no período chuvoso que se forma no 54 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho lavrado um formidável sistema interconectando entre si lagos, igarapés e rios, por uma área cerca de 800 km². Durante a estiagem a área dos lagos tem cerca 130 km². Recentemente nós contabilizamos cerca de 840 lagos só ao longo da planície fluvial do rio Branco – aproximadamente 110 destes no curso alto, 80 no trecho médio e 650 no curso baixo. As ilhas fazem parte deste sistema e nós identificamos recentemente 148 ilhas ao longo do rio Branco, através de imagens de satélite e excursões de campo. Como os rios são dinâmicos, em 1975 havia 129 ilhas ao longo deste rio, portanto, um acréscimo de 19 ilhas em 38 anos. Um caso interessante é o complexo formado pelas ilhas Canhapucari na Praia Grande e São Pedro e São Bento no igarapé Surrão, em frente à cidade de Boa Vista. Este complexo com 7,76 km² está sendo anexado à margem esquerda do rio Branco a uma taxa de 16.705 m²/ano. No caso particular da ilha Canhapucari, esta tem se desenvolvido longitudinalmente, com perda lateral. Em 71 anos houve um ganho de 155.240 m² de sedimentos, acréscimo de 25,75% de sua área a uma taxa anual de 2,18 m² (Figura 11A-B). Cabe aqui um comentário a respeito de ordem temporal de mudanças da paisagem. Esta interessante paisagem do sistema fluvial do rio Branco, envolvendo as ilhas defronte a cidade de Boa Vista, é uma das mais dinâmicas de Roraima e está em constante mudança em escala anual. Algumas outras mudanças na paisagem estão na ordem de décadas, como as áreas urbanas, povoados, e seus entornos. Outras transformações paisagísticas são da ordem de milhares de anos, como as mudanças naturais da cobertura vegetal e feições do relevo. 8 AS DUNAS DE AREIAS BRANCAS E MARRONS Essas formações dunares em Roraima ocorrem nos rios Xeruini, Catrimani e Água Boa do Univini, e também em diversas áreas de lavrado (Figura 12). No rio Xeruini, as dunas compõem a paisagem como depósitos inativos, aluvionares de paleomeandros no seu terraço, bem como depósitos ativos da planície fluvial do rio. Nas regiões dos rios Catrimani e Univini ocorrem dunas parabólicas inativas, provavelmente originadas de antigos depósitos aluvionares dos terraços remodelados pelo vento na direção NE-SW. Estes depósitos que formam dunas abrangem cerca de 730 km². Em algumas regiões de tesos do lavrado ocorrem também depósitos ativos arenosos – as areias marrons – dando aspecto de dunas modeladas por ação do fluxo superficial de água, escoamento laminar, lembrando feições do tipo ripples, que são pequenas ondulações modeladas pelo fluxo lento em superfície rasas de água (Figura 12 D). Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 55 A litologia do substrato rochoso e a topografia do relevo são essenciais para a formação de areias brancas (podzolização). A origem das areias brancas, sejam autóctones ou alóctones, é associada ao intemperismo (saprólito) de rochas cristalinas ou de arenitos. Estas rochas foram lixiviadas durante fases paleoclimáticas secas (glaciais), formando depósitos residuais de quartzo e feldspato, os quais podem ficar no local ou ser transportados para outros lugares. Processos eólicos também podem atuar na formação dos depósitos arenosos, por exemplo, nas campinas e campinaranas do rio Negro. São feições remodeladas pelo vento, formando dunas do tipo parabólica, cuja orientação geral é NE-SW. Alguns estudos como os de Ab’Saber (1982), Iriondo & Latrubesse (1994) e Carneiro-Filho et al. (2003) dão ênfase a essas feições dunares e ocorrências das areias brancas. Figura 2 Padrões de vegetação das áreas abertas ao norte da Amazônia: A – fronteira com a Venezuela, contato lavrado com floresta (04°2’N, 61°03’W), B – vegetação da Gran Sabana venezuelana, serras e morros, processos de ravinamento (04°50’N, 60°57’W), C – Serra da Memória, vegetação arbustiva sobre campos com matacões e tors (04°10’N, 60°57’W), D – ilhas de mata, igarapés com buritizais e lagos do lavrado (03°12’N, 60°57’W). 56 Figura 3 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho Exemplos de unidades morfoestruturais de Roraima: 1 – lavrado, 2 – matas altas, 3 – planícies de areias brancas. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III Figura 4 57 Tipos de planícies fluviais de Roraima: A – planície fluvial sobre relevo aplainado do lavrado, confluência dos rios Uraricoera e Tacutu (03°1’N, 60°29’W), B – planície fluvial sobre relevo aplainado do lavrado, rio Mucajaí (02°36’N, 60°54’W), C – planície fluvial pouco desenvolvida, rio Cotingo (04°17’N, 60°32’W), D – planície fluvial pouco desenvolvida em relevo com forte controle estrutural, rio meandriforme com sistemas lacustres de meandros abandonados tipo oxbowls (04°56’N, 61°14’W). 58 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho Figura 5 Padrões morfológicos de sistemas denudacionais e agradacionais: 1 – região do Monte Roraima, com dissecação moderada (05°11’, N 60°49’W), 2 – forte dissecação e controle estrutural, Serra Marari, norte de Roraima (04°16’N, 60°46’W), 3 – rio Uraricoera, dissecação fraca com predominância de morfologias agradacionais (03°19’N, 60°25’W), 4 – Serra da Lua, dissecação média e forte, com controle estrutural, transição de morfologias agradacionais e denudacionais (02°27’N, 60°28’W). Socioambientalismo de Fronteiras – v. III Figura 6 59 Sistemas lacustres no lavrado: acima rio Surumu, abaixo rio Tacutu. 60 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho Figura 7 Classes altimétricas do relevo de Roraima. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III Figura 8 61 Sistemas geomorfológicos denudacionais e agradacionais e unidades associadas às áreas úmidas de Roraima. 62 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho Figura 9 Perfis topográficos dos três compartimentos do relevo de Roraima: i) A a-a’ – borda norte do lavrado e áreas do sistema Parima, até a Venezuela, ii-iii) B b-b’, C c-c’- regiões centrais do lavrado até a fronteira da Venezuela, incluindo áreas de mata, iv) D d’- corte do lavrado até as áreas abertas da Gran Sabana venezuelana. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 63 Figura 10 Lavrado: 1 – tesos, morfologias convexas, 2 – lagos circulares, 3 – igarapés associados a buritizais. Figura 11 Complexo Surrão-Praia Grande, processo de soldamento a montante, acreção lateral – planície de inundação (estabilização de barra arenosa: A) fotografia aérea do governo norte-americano obtida em 1943 e depositadas na biblioteca do Inpa, B) imagem GeoEye obtida em 2011. 64 Thiago Morato de Carvalho e Celso Morato de Carvalho Figura 12 Depósitos de areias brancas modelados por ação eólica e fluvial em Roraima: A – Depósito inativo, aluvionar de paleomeandro, terraço do rio Xeruini. B – Dunas parabólicas inativas, provável origem de antigos depósitos aluvionares remodelados pelo vento (NE-SW), campos de dunas dos rios CatrimaniUnivini. C – Depósitos ativos na planície fluvial do rio Xeruini. D – Depósitos ativos arenosos (areias marrons) do lavrado, tesos, aspectos de dunas modeladas por ação eólica em conjunto com fluxo superficial de água (polifásica). 9 REFERÊNCIAS AB’SABER, A. N. 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O 1º Pelotão Especial de Fronteira; 3.6.2. O 2º Pelotão Especial de Fronteira; 3.6.3. O 3º Pelotão Especial de Fronteira; 3.6.4. O 4º Pelotão Especial de Fronteira; 3.6.5. O 5º Pelotão Especial de Fronteira; 3.6.6. O 6º Pelotão Especial de Fronteira; 3.7. A Importância dos PEF para a Amazônia; 4. Considerações Finais; 5. Referências. 1 INTRODUÇÃO Este capítulo apresenta uma análise sobre a importância dos antigos fortes e fortalezas para a colonização e desenvolvimento da Amazônia, bem como o papel análogo desempenhado pelos atuais Pelotões Especiais de Fronteira, principalmente os situados no estado de Roraima. Para tanto, buscou-se fontes bibliográficas locais, realizando-se também entrevistas com 1 Mestre em Desenvolvimento Regional da Amazônia pelo Núcleo de Estudos Comparados da Amazônia e do Caribe (NECAR), da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Professor de Direito Civil, Direito Agrário e Direito Empresarial da Faculdade Cathedral de Boa Vista-RR. Primeiro Tenente R1 do Exército brasileiro. E-mail: [email protected]. 70 Vilmar Antônio da Silva militares do Exército sediados em Boa Vista (RR), que servem ou serviram nos PEF em Roraima. A maior parte da Amazônia pertence ao território nacional brasileiro, resultado de longo processo de disputas geopolíticas europeias, principalmente no período colonial (1500-1822), de Portugal contra a França e Espanha e, eventualmente, contra a Grã-Bretanha, como no caso do Pirara (1904), resolvido equacionado pela diplomacia em 1904, e a Bolívia, na Questão do Acre (1903), resolvido pela combinação de força “militar” e diplomacia. Os portugueses enfrentaram enormes desafios nas disputas com outros países, nas lutas pelo acesso, conquista e domínio da Amazônia. Na lógica geopolítica de que território é poder, a expansão comercial europeia projetou para as colônias sul-americanas as disputas e conflitos europeus por territórios e mercados, principalmente para os locais onde existiam prata e ouro, ou que representassem vantagens nas disputas pelos mercados de açúcar e especiarias. O domínio das rotas oceânicas e o controle da foz dos rios eram elementos vitais da estratégia geopolítica, pois quem controlasse o acesso ao rio, controlaria a navegação ao longo do referido rio. No caso da região amazônica, essa lógica geopolítica revelou-se decisiva quanto ao processo de domínio do Estado colonial português. E foi assim, como estratégia de domínio e posse da região, que os portugueses utilizaram os fortes, posicionados estrategicamente ao longo dos rios Negro, Solimões e Branco, adentrando a grande floresta tropical (BECKER, 2007; NUNES, 2012; LOURENÇÃO, 2003). Na Amazônia, no período colonial, não ocorreu, por exemplo, a estratégia de ocupação da região através de investimentos na produção de cana-de-açúcar, a exemplo do que ocorreu no litoral do Nordeste brasileiro, em Pernambuco (Olinda), principalmente. Mas a penetração portuguesa na Amazônia é fruto, em parte, da disputa territorial no litoral nordestino (Maranhão) pelos franceses e holandeses. Nascem, nesse contexto de disputas geopolíticas, o Forte do Presépio (1616), na cidade de Belém; o Forte São José (1669), em Manaus; a Fortaleza Tapajós (1697), na cidade de Santarém; o Forte Macapá (1764) e o Forte São Joaquim (1775), próximo a Boa Vista, em Roraima. Eles foram elementos essenciais da estratégia de ocupação e colonização da região ao longo dos séculos porque, com os fortes, vinham os soldados e suas famílias, vinham comerciantes atrás de segurança, os religiosos e funcionários civis do governo colonial. Seguindo a baioneta trilhavam a cruz e o terço e, certamente, os interesses comerciais e econômicos. Os tempos e os meios de transportes mudaram, assim como também a lógica de ocupação e domínio. Atualmente, o governo federal brasileiro ainda enfrenta as vicissitudes de sua presença na maior parte da Amazônia, o Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 71 que apresenta dificuldades de toda monta. As unidades de fronteira do Exército brasileiro, sobretudo os Pelotões Especiais de Fronteira, além do SIVAM e SIPAM, considerando a presença da Base Aérea da Aeronáutica de Boa Vista (RR), são os vetores da estratégia do Estado se fazer presente nas áreas de fronteira da Amazônia. Em Roraima, essa presença se faz com uma Brigada de Infantaria de Selva, tendo como elementos avançados seis Pelotões Especiais de Fronteira, dispostos ao longo das Fronteiras de Roraima com a Venezuela e a Guiana. 2 FORMAÇÃO TERRITORIAL DA AMAZÔNIA O território hoje conhecido como Amazônia brasileira foi lentamente formatado e apropriado por Portugal. A preocupação do governo português com a região, ainda nos primeiros séculos pós-descobrimento, torna-se pulsante com a cobiça europeia sobre a região, como ingleses, holandeses e franceses e, naturalmente, portugueses. Nos séculos XVII e XVIII, houve a extensão da posse portuguesa para além da linha estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas. Contudo, houve considerável alteração na conformação territorial da Amazônia entre 1850 e 1899, em consequência da preocupação imperial com o comércio internacional no rio Amazonas (BECKER, 2007). A atual conformação da região somente teve vez com a atuação da diplomacia brasileira e do controle territorial exercido pelo Exército brasileiro de 1899 a 1930 (BECKER, 1995). Analisando a evolução histórica da ocupação da Amazônia brasileira, nota-se que o Exército brasileiro tem participado, historicamente, como ator importante no povoamento desta região. Essa participação tem ocorrido, desde há muito tempo, através de contingentes destacados para missões de desbravamento, ocupação de espaços, defesa territorial e, como corolário posterior, de formação de povoações. Sobre o assunto, Francinaldo Nunes esclarece: Como lembra o Ministro da Guerra em 1857, a escolha desses pontos de colonização militar, por via de regra, deveria privilegiar regiões de fronteiras ou em alguns centros, onde se teriam acumulado “vagabundos e malfeitores” que ameaçavam a segurança e a propriedade dos habitantes dos povoados mais próximos. Tais colônias teriam, portanto, o caráter pronunciadamente militar, e embora nelas se encontrassem o elemento agrícola e a criação de animais, ainda assim seriam “mais que tudo, colônias policiais, de segurança e defesa, que garantissem ao mesmo tempo, no futuro, o infalível desenvolvimento de povoações”. (NUNES, 2012, p. 2) 72 Vilmar Antônio da Silva Nunes afirma ainda, na mesma obra, que o governo imperial nesse período estabeleceu a política de colonização militar que, segundo o autor, teve como objetivos, além da colonização com administração militar, a defesa dos contornos físicos da nação. Segundo Da Silva (2007, p. 54): Portugal nunca se descuidou da defesa dos territórios amazônicos tão duramente conquistados. Estabeleceu postos e fortificações que demarcaram seus domínios de forma inequívoca e que vieram a dar o contorno do Brasil. Os contingentes militares dessas fortificações constituíram, durante muito tempo, a única presença luso-brasileira na área e muitas delas transformaram-se em vilas e cidades existentes até os nossos dias. Não se podem olvidar as dificuldades que tiveram os portugueses e brasileiros para conquistar a posse da Amazônia, uma luta de mais de 400 anos que, em verdade, continua viva. 3 FORTES NA REGIÃO AMAZÔNICA Ainda no período colonial, a preocupação da Coroa portuguesa com a posse e defesa do território brasileiro se estendia, principalmente, ao longo da costa. A região amazônica ocupava lugar determinado nas estratégias de defesa portuguesas. Um dos projetos mais decisivos da Coroa, estabelecendo sua presença em terras amazônicas, foram as construções dos fortes em regiões mais remotas e estratégicas, sobretudo ao longo dos grandes rios, canais naturais de penetração rumo ao interior da Grande Floresta, uma vez que o controle da entrada dos grandes rios era fator imprescindível de gerência sobre a região, pois não havia estradas e, naturalmente, não havia aeronaves, sendo o rio o único canal de penetração. A Coroa teve como objetivos consolidar a posse da terra e proporcionar a defesa dessa posse. Conforme Garcia (2005, p. 23): Alexandre de Moura armou uma expedição com 150 homens, uma caravela, um pataxo e um lanchão e a entregou ao comando do capitão-mor Francisco Caldeira de Castelo Branco, a quem deu ordens expressas para ocupar as áreas em litígio e expulsar os concorrentes europeus. A expedição saiu de São Luís no dia 25 de dezembro de 1615. Nela destacavam-se os capitães Álvaro Neto, Pedro Freitas e Antônio Fonseca (Comandantes das embarcações). Antonio Vicente Cochado (piloto-mor), Francisco Frias Mesquita (engenheiro-mor). André Pereira Temudo, Pedro Teixeira, Pedro Costa Favela, Gaspar Macedo e Frutuosos Lopes. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 73 Em 1616, devido à grande preocupação da coroa com a fragilidade da região, sobretudo quanto à região da boca do Rio Amazonas, estabelece um forte, posteriormente chamado de Forte Presépio, na embocadura do Rio Pará, com a finalidade de demonstrar a presença portuguesa na entrada da Amazônia. Esse forte foi o embrião da cidade de Belém, servindo de base para o povoamento e o estabelecimento da posse definitiva da coroa portuguesa na região (MEIRA FILHO, 1976). Utiliza assim, a Coroa portuguesa, da experiência militar como braço a alcançar as regiões mais longínquas do território. De acordo com Pontes Filho (2000, p. 47): Segundo os dados oficiais, muitas expedições foram realizadas com a finalidade de conquistar a Amazônia. Os espanhóis foram os que mais tentaram, chegando a realizar, entre 1500 e 1570, vinte e duas expedições. Os ingleses empreenderam oito [...] Os franceses, no mínimo, sete [...], enquanto os holandeses tentaram cinco vezes. Os portugueses realizaram apenas três [...] Aliás, a última dessas expedições patrocinadas por Portugal à Amazônia resultou na fundação do forte do Presépio, em 1616. Esse forte, que deu origem à cidade de Belém, foi estrategicamente posicionado, visando dar cobertura à foz do rio Amazonas, porta de entrada para toda a Amazônia. O Forte do Presépio foi, assim, erguido às margens do rio Pará e era ponto de dominação da grande bacia e voltava-se para o estuário do Amazonas. O Forte Presépio foi o ponto de irradiação de forças civis, militares e eclesiásticas que se lançaram na construção da Belém. Na primeira metade do século XVII, Belém ganhou as suas primeiras ruas, saídas, todas, da área dominada pelo Forte e pela Igreja Nossa Senhora da Graça (COSTA & SUDÉRIO, 2009). Prosseguindo a penetração rumo à profunda Amazônia, os portugueses, ao chegarem à região onde hoje se situa a cidade de Manaus, encontraram grande quantidade de índios. Segundo o relato do Frei Gaspar de Carvajal, a expedição portuguesa, ao atingir a região próxima ao rio Negro, deparou-se com tamanha quantidade de índios que uma das aldeias tinha mais de duas léguas e meia (aproximadamente 17 quilômetros) ao longo do rio (CARVAJAL, 1992). Foi difícil a ocupação dessa região, pois era fortemente povoada por índios Manáos, que dominavam toda a região. Assim, em 1668, em cumprimento à determinação do Governador do Maranhão e do Grão-Pará, o capitão Francisco da Mota Falcão se desloca para a região com a finalidade de construir um posto avançado e fortificado, com a finalidade de controlar a navegação de holandeses e espanhóis nos rios Amazonas, Solimões e Negro. Surge, então, a Fortaleza de São José da Barra, ou Forte da Barra de São José do Rio Negro, ou Forte de São José, ou Casa Forte. Esse forte foi erguido, 74 Vilmar Antônio da Silva provavelmente, em 1669, dando origem à cidade de Manaus (COSTA & SUDÉRIO, 2009). Seguindo a exploração da região amazônica, em 28.10.1637 Pedro Teixeira faz a primeira viagem pelo rio Amazonas até Quito (Peru), ligando o Oceano Atlântico e os Andes (COSTA, 2006). Essa viagem abriu caminho para a penetração rumo ao continente. Em 1661, é fundada a vila que daria origem à cidade de Santarém, na região do Médio Amazonas, distante 1369 quilômetros de Belém, à margem direita do rio Tapajós, na confluência com o rio Amazonas. Em 1697, é fundada a Fortaleza de Tapajós em uma colina às margens do Rio Tapajós, dando proteção à cidade, consolidando a presença da coroa através do braço armado (COSTA & SUDÉRIO, 2009). Ainda na região da foz do rio Amazonas, no século XVIII, em decorrência da política de ocupação da Amazônia, a Fortaleza de São José de Macapá foi um dos mais importantes monumentos militares existentes no território brasileiro, sendo uma das peças fundamentais de defesa desenvolvida pela Coroa portuguesa para a conquista definitiva da Amazônia e também para atingir a encosta oriental dos Andes. A Fortaleza teve sua edificação iniciada em 29.06.1764 (ALCÂNTARA; ALCÂNTARA, 1978). “O sistema adotado compreendeu um quadrado com baluartes pentagonais nos vértices [...] e cercado externamente por outros elementos arquitetônicos de reforço à defesa” (MAGALHÃES, 2006, p. 34). Essa construção foi terminada em março de 1782, tendo 107 peças de artilharia de grosso calibre (MAGALHÃES, 2006). A construção da Fortaleza, naquela região, foi marcante para o desenvolvimento da futura cidade de Macapá. Ainda na mesma obra de Magalhães: A conseqüência mais marcante da construção da Fortaleza de São José de Macapá, entretanto, foi, sem dúvida, a criação da Vila de Macapá e o seu significativo desenvolvimento durante este período. Tão marcante que, desde então, Macapá tornou-se o principal centro urbano da foz esquerda do Amazonas. Por tudo isto, esta fortificação tem especial valor para a compreensão da formação e da identidade da população regional. Esse desenvolvimento, em decorrência da presença portuguesa por meio da Fortaleza, é resultado da política de estabelecimento de força militar como vetor de segurança, posse e colonização da região pela coroa. 3.1 Forte São Joaquim No final do século XVI, havia intensa disputa territorial entre Inglaterra, Holanda, Espanha, França e Portugal ao norte do Brasil. Já em 1610, Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 75 os ingleses possuíam duas colônias na boca do rio Amazonas, os holandeses dominavam os rios Guarupá e Xingu, em Pernambuco e os franceses dominavam o Maranhão (GARCIA, 2005). Mais adiante, rumo ao interior da Amazônia, o Rio Branco é rota para quem quer se direcionar rumo ao norte, em direção às atuais Guiana, Suriname e Venezuela. Esse rio era uma fronteira frágil. Segundo o professor Vieira (2003, p. 21), “A presença dos espanhóis já era visível, pois já estavam aquartelados no rio Uraricoera [...] quando as tropas portuguesas os alcançaram em 1775”. Surge então, em 1775, o Forte São Joaquim. Este forte foi construído à margem direita do rio Tacutu, no encontro com o rio Uraricoera, formadores do rio Branco. Este rio era um dos mais importantes para o processo de consolidação da colonização. “A partir do forte, iniciavam-se expedições de tropas de resgate, que inspecionavam as fronteiras e desciam os índios para as proximidades da fortaleza”. (VIEIRA, 2003, p. 22) Essa atividade de presença no território, fiscalização das fronteiras e contato com os habitantes do local eram rotineiros para os militares presentes no forte. No compasso em que as obras da Fortaleza prosseguiam, reduziam-se as nações indígenas nas imediações e surgindo povoações nos lugares que pareciam mais propícios (SAMPAIO, 1850). Esse forte serviu como extensão do poder português e do governo brasileiro ao longo dos anos que se seguiram. Ao final do século XIX, sua guarnição variava em torno de quarenta homens, mas foi considerado fraco por Lobo D’Almada (OLIVEIRA, 1968) e entrou em período de esquecimento. Ainda segundo Oliveira, bem próximo ao forte surge a Fazenda São Marcos, que se tornou um dos principais centros de colonização da região, através da introdução da criação de gado, o que foi determinante para a fixação de povoamentos nessa região. 3.2 A Amazônia Brasileira e o Problema da Segurança nas Fronteiras Os rios amazônicos sempre apresentaram duplo problema estratégico: eram as “estradas” possíveis para a penetração rumo à floresta e, ao mesmo tempo, demandavam um controle por parte do estado português (quem controla o rio controla a floresta) e, depois da independência, do estado brasileiro. Esse controle foi rigoroso até 1867, quando vigorou o veto à navegação na calha desses rios pelos navios de bandeira estrangeira (FONSECA, 2011). 76 Vilmar Antônio da Silva Com a independência do Brasil foram realizados diversos tratados de comércio e navegação. Para Fonseca (2011, p. 4): Com a independência do Brasil, vários tratados de comércio e navegação, como é o caso do Tratado de Ayacucho, firmado em 1867 entre o Brasil e a Bolívia, garantiam o escoamento de produtos dos países da região Amazônica, que limitavam com o Brasil, pela via do Amazonas. O comércio regional intensificou-se com o advento do surto gumífero e a proliferação da navegação a vapor durante o surto da borracha, não somente no sentido de exportar a matéria-prima produzida na Amazônia e distribuir o produto importado pelas casas aviadoras no interior, diga-se, pelos seringais. A abertura da navegação do rio Amazonas se deu, em grande parte, devido à atividade de exploração da borracha. “No ano de 1889 havia trezentos e sessenta e oito embarcações pequenas [...] mais quarenta e sete lanchas a vapor, navegando na província [...] quatrocentos e cinquenta e três indivíduos, sendo, trezentos e setenta e seis estrangeiros e setenta e sete nacionais” (FONSECA, 2011, p. 12). Essa situação oferecia risco à segurança do território brasileiro, sendo essa uma das principais preocupações do estado nessa época. Como se pode apreender do texto histórico acima, a dimensão estratégica amazônica é claramente percebida pelos governantes desde os primeiros anos pós-descobrimento. Na atualidade, essa importância estratégica é tão patente quanto antes, senão maior. Em novo cenário, muito diferente daqueles de séculos anteriores, o Brasil não estabelece mais como estratégia de presença do Estado na região, principalmente a região de fronteira, a instalação dos antigos fortes. Atualmente a forma como governantes se debruçam sobre o tema é diferente, pois devem enfrentar ameaças distintas daquelas de dois ou três séculos atrás. A necessidade de estratégias de defesa para o enfrentamento das ameaças contemporâneas tem levado os governos a adotarem políticas voltadas às relações com as vizinhanças amazônicas, buscando integração entre as nações, também como forma de reafirmar a presença nacional dentro de um espaço mundial perpassado por diversas forças unificadoras. Em resposta à vulnerabilidade das fronteiras, o governo federal desenvolveu os projetos militares Calha Norte e o SIVAM e criou territórios federais (BECKER, 2007). Oportuno citar o lema do general Rodrigo Octávio Jordão Ramos (08.07.1910 – 06.07.1980): “Árdua é a missão de desenvolver e defender a Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 77 Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados de conquistá-la e mantê-la”. Importante salientar a atuação da Engenharia de Construção do Exército em obras de grande importância para a Amazônia, desde a construção dos antigos fortes até as obras estratégicas da atualidade. Como exemplo pode-se citar as rodovias e suas obras de arte, Manaus-Caracaraí-Boa Vista, Porto Velho-Manaus, Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco-Cruzeiro do Sul; os portos de Manaus, Itacotiara, Belém e Parintins; os aeroportos de Manaus, Marabá, Assis Brasil, Porto Velho e Marco BV-8. Os portos de Manaquiri, Urucará, Manicoré, Eirunepé e Cainágua/Porto Velho (MENIN, 2007). 3.3 A Criação dos Territórios Federais Com o fim do primeiro período da borracha, a Amazônia deixa de ter importância para o país caindo no ostracismo. Com a Segunda Guerra Mundial e a redefinição estratégica global, a região amazônica tomou outro significado para o Brasil e a comunidade mundial. Esta região volta a merecer atenção do governo central nesse período. Tenta-se recuperar a produção da borracha em virtude da interdição da produção asiática. Nova euforia, mais migração para a região e criação de fundos especiais para estimular a produção (NOGUEIRA, 2000). Outra consequência da Segunda Guerra Mundial e que muda a configuração político territorial da região é a criação de territórios federais nas áreas de fronteira. Guaporé, desmembrado de Mato Grosso, posteriormente denominado Rondônia, é entregue a um militar do Exército; rio Branco, futuro Estado de Roraima é entregue a um militar da Aeronáutica e o Amapá, desmembrada do Pará, fica com um militar da Marinha. Mais do que nunca a Amazônia é comandada de fora, cuja integração é urgente e exige planejamento. 3.4 O Programa Calha Norte O Programa de desenvolvimento e segurança na região ao norte das calhas dos rios Solimões e Amazonas, conhecido como Programa Calha Norte, foi iniciado em 1985, sendo aprovado em 19 de junho desse mesmo ano (Exposição de Motivos 18/85), encaminhada pelo general Rubens Denys, secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional, ao presidente José Sarney. Buscou-se realizar estudos aprofundados para estabelecer me- 78 Vilmar Antônio da Silva didas destinadas a enfrentar as carências mais sérias da região, em particular as de caráter socioeconômico e a garantia da soberania e da integridade territorial naquela região (LOURENÇÃO, 2003). Anterior ao Programa, o Governo Federal criou o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), tendo por incumbência elaborar um plano para desenvolvimento da região que integrasse a ação dos ministérios envolvidos. Esse GTI apontou as seguintes características (BRASIL. SAE-PR, 1998): [...] trata-se de uma imensa área de 1.219.098 km2, com apenas 2.301.199 habitantes, concentrados, em sua maioria, nas cidades de Manaus, Boa Vista e Macapá, correspondente a apenas 1,5 % da população brasileira; os índios lá existentes, em diversos graus de aculturação, representam 0,04% da população nacional e 22,7% de toda a população indígena do país; a área em questão, praticamente, não é integrada ao Território Nacional, apresentando reduzida presença brasileira, ausência essa ainda mais crítica ao longo das áreas limítrofes, nos 5.993 km de extensão da linha de fronteira; à exceção dos grandes centros de Manaus (AM), Boa Vista (RR) e Macapá (AP), observa-se notável carência de recursos sociais básicos, especialmente quanto ao atendimento de saúde da população; as vias de comunicações terrestres são incipientes, as poucas existentes são totalmente dependentes das condições climáticas; [...] por sua vez, os subsolos são extremamente ricos em recursos minerais, a maioria devidamente identificados; ocorre a utilização predatória de recursos naturais, com degradação do solo, flora e fauna em alguns pontos da região; existência de narcotráfico, sendo que a plantação, colheita, refino e comercialização de epadu (coca) movimenta recursos financeiros que, muitas vezes, neutralizam a presença do poder público da região; ocorrência de contrabando e descaminho de recursos minerais diversos; a desordenada atividade de garimpagem acarreta danos ao meio ambiente, com graves deficiências sociais e trabalhistas; some-se a isto os problemas decorrentes de conflitos envolvendo, especialmente, índios, posseiros, garimpeiros e empresas de mineração. Essa situação constatada pelo GTI serviu de pano de fundo para o estabelecimento do Programa Calha Norte. Ainda, como resultados dos estudos do GTI, foram apontados como necessidades fundamentais e imediatas: Intensificação das relações bilaterais com países vizinhos, com destaque para as trocas comerciais; aumento da presença brasileira na área, com base na ação pioneira das Forças Armadas; proteção e assistência às populações indígenas da região; intensificação das campanhas demarcatórias de fronteira; ampliação da infraestrutura viária; aceleração da produção de energia local; estímulo à interioriza- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 79 ção de pólos de desenvolvimento, com base na vocação sócio-econômica da região; ampliação da oferta de recursos sociais básicos; e incremento da colonização, com base nas populações da área e assistência dos órgãos federais e estaduais responsáveis pela condução da política agrícola do país. (Grifo nosso) Já em 1986 foram criados “Projetos Especiais” objetivando atingir a metas estabelecidas para atender às necessidades apontas pelas necessidades acima. Foram designados diversos órgãos federais e estaduais para áreas da faixa de fronteira, buscando às respectivas aptidões e localização inicial dos órgãos. A Funai concentrou seus esforços na região habitada pelos índios Ianomâmis. Ao norte e leste de Roraima e em Tabatinga (AM), a prioridade foi a revisão dos esquemas do comércio fronteiriço e em todos os 6.771 km da linha de fronteira com problemas indígenas, de carência de marcos limítrofes, de narcotráfico e contrabando (LOURENÇÃO, 2003). Quanto à presença militar, esta deveria servir de base logística para apoio aos demais órgãos federais e estaduais em ação nas áreas e às próprias populações circunvizinhas, particularmente nos setores da educação, saúde, transporte e telecomunicações (BRASIL, 1993). O projeto especial para aumento da presença militar na faixa de fronteira previa para o Exército a ocupação física e vigilância dos pontos sensíveis da fronteira e suas vias de acesso. Para o Exército, foi necessária uma reestruturação: organização do Comando de Fronteiras do Rio Negro, com a criação do 5º Batalhão Especial de Fronteira (São Gabriel da Cachoeira – AM); reorganização do Comando de Fronteira de Roraima (explicado abaixo); organização e articulação dos Comandos de Fronteira do Solimões e do Amapá, equipando-os adequadamente; e criação de um Pelotão Especial de Fronteira em Tiriós (PA) (RUMBELSPERGER, 1994). O Programa Calha Norte previa a instalação de pequenas unidades militares no extremo Norte, com a intenção de ocupação do grande vazio com povoados iniciados a partir destas instalações militares. Essa missão traria um grande desafio, pois “trata-se de uma das regiões mais despovoadas do planeta, com densidade demográfica de cerca de um habitante por km2, comparável às estepes siberianas ou às geladas terras do Alasca”. (RUMBELSPERGER, 1994) 3.5 Novas Unidades Militares do Exército na Amazônia No último quarto do século XX, houve um enorme deslocamento de tropas em direção à Amazônia, principalmente em decorrência do desapa- 80 Vilmar Antônio da Silva recimento da União Soviética e da mudança da realidade da Argentina, que deixou de ser uma ameaça à soberania brasileira com a assinatura do acordo de cooperação em segurança e defesa entre Brasil e Argentina, em 1996, e com o fortalecimento do Mercosul. Mas o fator mais decisivo foram as mudanças no cenário da região amazônica, principalmente quanto aos vizinhos sul-americanos. Entre 1998 e 2002, o efetivo militar ao longo da linha de fronteira com os sete países da região passou de 3.300 para 23.100 militares. Com criação de Pelotões Especiais de Fronteira, transferências de brigadas de infantaria para a região por parte do Exército, a presença militar na região tornou-se uma realidade: “pode-se afirmar que se trata do maior remanejamento de tropas realizado na história do País desde 1870”. (LOURENÇÃO, 2003, p. 55) Em decorrência da disposição militar de fazer-se presente na Amazônia, os Pelotões Especiais de Fronteira (PEF), as Companhias Especiais de Fronteira e os Comandos de Fronteira passaram a ter uma importância fundamental para a estratégia do Exército de ocupar a região da fronteira amazônica ao norte da calha do Amazonas. As unidades elementares e cruciais para a ocupação da faixa de fronteira são os PEF, que, de acordo com as Instruções Provisórias C 72-20 (BRASIL, 1997, p. 9-5), têm como missões “a vigilância da fronteira, cooperando ainda com a vivificação da área. Assim, as suas tarefas não se limitam à atividade militar, estendendo-se também às atividades complementares. Estas últimas ligam-se basicamente à produção, em pequena escala, de gêneros alimentícios de origem vegetal e animal e à prestação de serviços para si próprio e para a comunidade civil existente ao redor do aquartelamento”. Contudo, a missão dos PEF não se limita a cumprir estas diretrizes. Devem cumprir atividades ligadas à sobrevivência dos militares (VIDA), aos trabalhos de manutenção e melhoria das instalações na Organização Militar e da comunidade civil nos entornos (TRABALHO). O lema dos PEF é COMBATE, VIDA e TRABALHO (DA SILVA, 2007). Na Amazônia Ocidental há vinte e três PEF e três destacamentos militares, conforme se observa na Figura 1. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III Figura 1 3.6 81 Mapa disposição dos PEF na Amazônia Ocidental (DA SILVA, 2007). Os Pelotões Especiais de Fronteira em Roraima O estado de Roraima, devido a sua situação geográfica peculiar, por fazer fronteira com Venezuela e Guiana, conta com a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Boa Vista, composta pelo 1º Batalhão de Infantaria de Selva (sediado em Manaus), o Comando de Fronteira Roraima/ 7º Batalhão de Infantaria de Selva, o 10º Grupo de Artilharia de Campanha de Selva, a 1º Batalhão Logístico de Selva, o 12º Esquadrão de Cavalaria Mecanizada, a Companhia de Comando da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, o 32º Pelotão de Polícia do Exército e o 1º Pelotão de Comunicações de Selva, o Comando da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, esses sediados em Boa Vista. Ainda, os Tiros de Guerra de Mucajaí e de São João da Baliza. O Comando de Fronteira tem uma Companhia Especial de Fronteira, sediada no aquartelamento do 7º BIS (Batalhão de Infantaria de Selva), em Boa Vista-RR, que comanda e coordena seis Pelotões Especiais 82 Vilmar Antônio da Silva de Fronteira, dispostos junto à linha de fronteira Brasil-Venezuela e Brasil-Guiana (BRASIL, 2014). 3.6.1 O 1º Pelotão Especial de Fronteira A 9ª Companhia de Fronteira era a única Unidade do Exército em Boa Vista-RR no ano de 1968, quando começou a revolução na Guiana. Distante de Bonfim, cidade vizinha a Leothem (Guiana), 120 km, a 9ª Cia Fron se deslocou para a área às 6 horas da manhã do dia 01.01.1969, sob o comando do capitão Airton Amorim de Lima, chegando naquela localidade às 18h, devido às péssimas condições da estrada. Ante a situação, o capitão Amorim deslocou também a reserva da companhia para Normandia, localidade próxima, também na linha de fronteira, a fim de manter o controle da área (Histórico do 1º PEF – Companhia Especial de Fronteira – Comando de Fronteira Roraima – 7º Batalhão de Infantaria de Selva). Surge, assim, o 1º Pelotão Especial de Fronteira em Roraima, na cidade de Bonfim, com a missão, naquele primeiro momento, de dar sustentação à defesa da fronteira entre Brasil e Guiana (HISTÓRICO, 2014). Sua importância para a região de Bonfim pode ser entendida na obra de Pereira (2006): O período da expansão agrícola relaciona-se à presença de grandes fazendas de gado que atraiu e concretizou uma política de fomento ao empreendimento agropecuário predominante entre 1910 a 1960. Até essa última década, o comércio com a Guiana era favorável àquele país, mas voltou-se mais para o lado brasileiro da fronteira, no final de 1960, impulsionado por dois motivos: primeiro, a revolução guianense, porque se implementou a partir desse evento um comércio de bens de consumo alimentícios que perdura até hoje; e segundo, a instalação do 1º Pelotão Especial de Fronteira, que dinamizou ainda mais o comércio com a chegada das famílias dos militares. No entanto, desde os anos 1970, a construção das BR facilitou o acesso aos mercados de Boa Vista, Manaus e Santa Elena de Uairén, na Venezuela, e isso tem diminuído a importância de Bonfim no setor comercial. As famílias dos militares em Bonfim acresceram positivamente a atividade de comércio na região, incrementando o desenvolvimento para a região. Além disso, a experiência e novos costumes trazidos por essas famílias induziram diversas práticas comerciais mais competentes. Para o comandante do Comando de Fronteira/7º Batalhão de Infantaria de Selva, Tenente-Coronel, antes da chegada do PEF, no final dos anos 1960, não havia cidades, e com a presença dos militares, foram se formando as cidades, como foi o caso de Bonfim (MERCÊS, 2014). Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 3.6.2 83 O 2º Pelotão Especial de Fronteira Devido aos acontecimentos em Bonfim, no dia 03.01.1969, um Pelotão, sob o comando do 2º Tenente Eutychio Gonçalves P. Mendes, embarcou para Normandia, com a finalidade de guarnecer aquela localidade, em virtude da revolução que estava acontecendo em toda faixa de fronteira, do Itacutu ao Maú. A partir da transposição do rio Itacutu, a tropa foi encontrando refugiados, viaturas, armamento e munição que foram abandonados pelos que fugiam cruzando o rio Maú. Com a situação sob controle, tropas do 27º Batalhão de Caçadores de Manaus (1º Batalhão de Infantaria de Selva) chegaram à Normandia e ficaram até 25.03.1969, quando foram substituídas e retornaram a Manaus. Em março de 1972 foi concluída a construção do 2º PEF (HISTÓRICO, 2014). 3.6.3 O 3º Pelotão Especial de Fronteira O 3º Pelotão Especial de Fronteira teve sua origem no destacamento da 9ª Cia Fron (Comando de Fronteira Roraima/7º Batalhão de Infantaria de Selva) criado em 01.01.1969 em Vila Pereira, hoje Vila Surumú, devido à Revolução da Guiana. Com a construção da estrada que liga Boa Vista a Vila Pacaraima, hoje Cidade de Pacaraima, o Destacamento foi transferido para a fronteira com a Venezuela (Serra Pacaraima). Em 11.03.1973, chegou à Vila Pacaraima a equipe composta por nove militares para ocuparem as novas dependências recém-construídas pelo 6º Batalhão de Engenharia de Construção, sendo designado como 3º Pelotão Especial de Fronteira (HISTÓRICO, 2014). O Pelotão fica a 216 km da sede (Boa Vista), através da rodovia (asfaltada) BR-174 e a 17 km de Santa Elena de Uairén (Venezuela). Segundo Mercês (2014), a chegada do 3º Pelotão a Pacaraima iniciou o surgimento dos primeiros aglomerados de casas, o que deu origem à atual cidade de Pacaraima. 3.6.4 O 4º Pelotão Especial de Fronteira – Surucucu Este PEF recebe esse nome devido à Serra das Surucucus, um platô sobre as elevações do Planalto das Guianas, na região serrana do Parima. É conhecida com região de mais antiga ocupação Ianomâmi. Até hoje ainda existem antigas roças e locais onde antes havia habitações. Devidos aos trabalhos pioneiros da Força Aérea Brasileira na década de 1960, abrindo pistas na fronteira do então Território de Roraima, com o objetivo de dar maior segurança ao Brasil, missionários da Missão Cruzada de Evangelização (atual MEVA) foram convidados a participar dessas expedições, servindo como intérpretes e ajudando no contato com os indígenas. Foram encontradas duas povoações principais: Aykamopë e Titirimopë, dos quais descendem diversas comunidades atuais. 84 Vilmar Antônio da Silva Em decorrência do Programa Calha Norte e devido a fatores como o baixo índice demográfico, ausência do Estado brasileiro e às atividades de garimpo ilegal, em 14.04.1986 o local foi escolhido para a construção do pelotão, concluído em 1988, quando incorporou o primeiro efetivo de militares marcando sua inauguração em 08 de fevereiro do mesmo ano. O 4º Pelotão Especial de Fronteira localizado a noroeste do Estado de Roraima, dista cerca de 40 quilômetros da fronteira venezuelana (HISTÓRICO, 2014). 3.6.5 O 5º Pelotão Especial de Fronteira Em 04.12.1995, a aeronave Búfalo C 115, n. 2.369, transportou o primeiro destacamento para a região de Aoaris. O PEF fica localizado na região de Auaris, no município de Amajari, Estado de Roraima, região noroeste do estado (HISTÓRICO, 2014). É responsável pela segurança de parte da fronteira com a Venezuela, sendo que nas imediações vivem cerca de 2.000 índios Sanumá e Yekuana, distribuídos em 30 comunidades. Segundo Mercês (2014) e Zacarias (2014), alguns indígenas servem como soldados deste PEF, sendo muito importantes pelo conhecimento que têm do local e pela facilidade de desempenharem a função de guias e intérpretes. 3.6.6 O 6º Pelotão Especial de Fronteira Aos 21 dias do mês de abril de 2001, o primeiro efetivo valor pelotão instala-se na localidade de Uiramutã-RR. O município de Uiramutã localiza-se no nordeste de Roraima e está dividido em várias localidades, sendo que a maior parte da população se encontra na vila de Uiramutã, de Socó, de Água Fria e de Mutum. A vila de Uiramutã é a sede do município e fica a 800 metros do Pelotão. Uiramutã fica aproximadamente 340 km de distância de Boa Vista e tinha uma população aproximada de 8.572 habitantes em 2011 (IBGE). A cidade não possui supermercados, frigoríficos, matadouros, silos, nem armazéns, sendo esta atividade desenvolvida por pequenos comerciantes que abastecem o município. O fornecimento de energia é através de geradores a diesel, sendo que somente a vila de Uiramutã possui energia 24h (HISTÓRICO, 2014). 3.7 A Importância dos PEF para a Amazônia Nas palavras do general Luís Gonzaga Schröeder Lessa, ex-comandante militar da Amazônia, “[...] há 20 anos os pelotões de fronteira eram a única presença brasileira em Roraima, no mesmo lugar onde hoje existem cidades. Há 12 anos, Tabatinga, hoje com 35 mil habitantes, não passava de uma colônia militar” (LOURENÇÃO, 2003). Desta forma, muitos encon- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 85 tram nos PEF a encarnação do espírito militar destemido, empreendedor e desbravador, contribuindo para a exploração de regiões inóspitas e presença do Estado brasileiro nos cantos mais longínquos do país. Os PEF, sejam onde forem instalados, sempre ofereceram dificuldades de operacionalização. Os militares que para ali são transferidos, vindos de diversas partes do Brasil, muitos com suas esposas e filhos, enfrentam vicissitudes de toda natureza, sem reclamações, dedicados ao serviço de bem servir à nação (DA SILVA, 2007). São os Pelotões Especiais de Fronteira de hoje o que foram os fortes de ontem, servindo de desbravadores e fincando a presença do Estado brasileiro ao longo de nossa imensa fronteira. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde os primeiros anos de ocupação portuguesa, passando pela disputa entre europeus sobre a Amazônia, o trabalho militar tem sido fator preponderante da presença do Estado junto ao povo. Hodiernamente, o cenário mundial coloca a Amazônia sob o olhar atento do mundo, tornando esta uma das regiões estratégicas do ponto de vista econômico, da biodiversidade, ambiental e militar como jamais fora. Os Pelotões Especiais de Fronteira são hoje, guardando certa similaridade com os fortes dos primeiros séculos pós-descobrimento, a encarnação da presença estatal em território brasileiro, fazendo de sua presença junto à faixa de fronteira o “Braço Forte e a Mão Amiga” do Estado junto aos brasileiros ali residentes. Ademais, essa presença militar tem servido de vetor de povoamento e de irradiação do desenvolvimento na região há séculos. Essa presença militar é, e sempre foi, efetivada por pessoas normais, mas que vestem farda. Seus filhos e esposas, vindos de todas as partes do Brasil, são abnegados, vivendo em regiões desprovidas de infraestrutura, mas estabelecendo a presença do Estado Brasileiro nos lugares onde a grande maioria da população brasileira nem imagina existir, mas que é Brasil, assim como as grandes metrópoles. Os PEFs são, em muitas das localidades onde estão instalados, a única presença do Estado em regiões da faixa de fronteira desprovidas de assistência de saúde, educação e segurança. Essa presença militar, desde o período colonial, passando pelo império e adentrando pela república, chegando aos dias atuais, trouxe transformações sociais, econômicas e estratégicas, fazendo das Forças Armadas brasileiras as instituições capazes de contribuir com a segurança, e ao mesmo tempo ser vetor de conquista e desenvolvimento do território brasileiro. 86 5 Vilmar Antônio da Silva REFERÊNCIAS ALCÂNTARA, Dora; ALCÂNTARA, Pedro. Diagnóstico Histórico e Físico da Fortaleza de São José de Macapá. In: Relatório Preliminar do Projeto de Restauração. Macapá, 1978. BECKER, Berta K. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. BECKER, K. Undoing Myths: the Amazon – an urbanized forest. In: CLUSENERDODT, M & SCHS, I. 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Na dialética dos lugares do migrante, a “casa” é onde estão os amigos, família, país, região. O mundo do trabalho migrante, conforme Marx, refere-se ao “exército reserva de trabalho migrante” e constitui um não lugar, morada temporária para desenvolver o trabalho que pode durar horas, dias, anos. Os lugares não estão mais nos lugares. Há quem diga que há uma identidade inacabada no migrante. Traz consigo relações passadas, que na sua mente estão imobilizadas, estagnadas, mas o tempo continua se sobrepondo àquelas lembranças do passado. 1 Advogado da Assembleia Legislativa de Roraima. Professor da Faculdade Estácio Atual em Roraima, Mestre em Direito Ambiental, Especialista em Ciências Jurídicas pela UCAM-RJ (Universidade Cândido Mendes); Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp; Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela UGF-RJ (Universidade Gama Filho), Especialista em Direito Eleitoral. E-mail: walkerbrasileiro@ gmail.com. 90 Walker Sales Silva Jacinto O migrante, ao retornar ao seu local de origem, percebe que houve alteração do local, o presente agiu sobre o passado. Sua identidade é semelhante a daquelas pessoas, mas não é mais um igual, bem como não é natural do lugar que migrou. Esta questão de identidade, para melhor compreensão, deve ser vista sob um foco multidisciplinar partindo da Geografia, Letras (análise do discurso) e Sociologia. Assim, o presente capítulo tem o intuito de analisar a migração sob três aspectos: geográfico, identidade e socioambiental. No contexto geográfico pretende-se analisar o fluxo, os motivos da migração. Complementando este primeiro aspecto, os dois seguintes abordarão a construção da identidade do migrante e suas relações ambientais com o novo local. 2 ASPECTOS GERAIS DA MIGRAÇÃO Migração é mais do que um deslocamento de pessoas no espaço-tempo; é antes de tudo, um fato social completo. Os lugares migratórios são espaços qualificados em sentidos diversos, quais sejam: social, econômico, político e cultural. As migrações podem ser internacionais ou regionais, dentro de um mesmo país ou região. Os motivos e movimentos migratórios podem ser por razões político-ideológicas, como os judeus na perseguição do nazismo, dos políticos de esquerda na época da ditadura do regime militar do Brasil; podem ser também por razões econômicas, como a busca por melhores mercados de trabalho ou oportunidades de emprego. Em regra, quando se observa um fluxo migratório com mão de obra qualificada, há melhor aceitação social do grupo migrante que chega. Todavia, grandes grupos com baixa qualificação tendem a gerar preconceitos, rivalidades, menor receptividade. Há situações diversas quanto ao mercado de trabalho. Por vezes, os migrantes assumem trabalhos que os naturais não querem, mormente quando falta qualificação dos migrantes. Quando estes são bem treinados, qualificados, podem gerar conflitos e reclamações relacionadas à disputas no mercado de trabalho ocasionando a redução das vagas de trabalho para os migrantes. A migração em si envolve transformação. O fluxo de pessoas traz consigo fluxo de informações, uma troca e enriquecimento de costumes, de conhecimentos, de tradições. No plano internacional, pode-se observar grandes mudanças nas cidades brasileiras que tiveram grande migração japonesa, Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 91 por exemplo. No campo interno, as relações homem-natureza são observadas com as migrações para a região norte, região amazônica, influenciando grandemente no socioambietalismo. Uma análise do discurso exposta por Jones Dari Goettert (2010, p. 17) contribui para a reflexão sobre identidades dos migrantes, quando aborda “lugares e não lugares”. Migrantes e não migrantes são os lugares; são as próprias “almas”. Mas, por vezes, principalmente entre os primeiros, perambulam “desalmadas” como “peixe fora d’água”. A “água”, aqui, é também metáfora de “meu lugar”, de “meu país”, de “meus amigos”, de “minha família”, do “cheiro da comida feita pela mãe”, de minha casa [...] Mas que “mar” e de que casa fala o migrante? Um ser “instável”, “fora do lugar”, ainda tem a casa como “um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade”, como apontou Gaston Bachelard (2000, p. 36). Que estranhos seres vê, que estranhas vozes ouve? “Onde estão as “almas”?, pergunta. E que distância é essa que faz, próximo, o migrante “fora”, e faz, longe o migrante “dentro”? A memória subverte o espaço euclidiano. As lembranças fazem perceber o perto e o longe e o embaralhamento faz as coisas físicas e afetivas se chocarem. Esse paradoxo de lugares é observado nos estudos sobre migração, pois migrante chega em um local diferente com sua bagagem cultural, social, suas memórias, sua identidade. Conforme mencionado acima, o lugar do qual seu migrou permanece inalterado apenas na mente do migrante, mas também passa por mudanças no decorrer do transcurso do tempo, ficando inalterado apenas na mente do natural que partiu daquele lugar. Conforme Jones D. Goettert (2010, p. 19): Os lugares, entretanto, não mais estão nos lugares. A e/imigração desloca os lugares, em, no mínimo, dois sentidos: o migrante parte (do verbo partir: parte o inteiro, fragmenta o até então não fragmentado) e leva consigo as relações passadas, “imobilizadas” (o passado se sobrepõe ao presente), e, para quem fica, o lugar, mobilizando, tem o presente se sobrepondo ao passado; e o migrante chega (como parte, partido e partindo) e traz as relações passadas que, no lugar chegando, tendem a esvairse engolidas pelo presente (o presente se sobrepõe ao passado), e, para quem já é do lugar, o presente se choca com outro presente (o migrante se faz presente). “O espaço fora do lugar”, pois as relações determinam os lugares e estes as relações, e não há relação possível se excluirmos do espaço as pessoas; daí as tramas “de relações e lugares (Silva, 1988, p. 7). O migrante divisado, dividido, des-ligado, fora de sua “re-(li)gião”. Nada 92 Walker Sales Silva Jacinto de religião em si, que logo se diga. Mas, curioso, não é a migração, lato sensu, um processo de ligação, desligação e religação contínuo? Ou, se quisermos, des-locar, re-locar, trans-lo(u)car? Ou, ainda, des-envolvover, re-envolver, re-volver? A parte final do análise de Goettert (2010), acima transcrito, faz uma analogia com a situação do migrante e a palavra religião, que em sua origem semântica significar “religar”. A religião liga o homem ao divino. O migrante constantemente está ligando sua cultura e identidade à nova sociedade, na qual migrou, e desligando de sua antiga sociedade, religando quando resgata sua identidade e relocando-se quando se transforma. Acrescenta novos valores, novas identidades à sua de origem. Sayad (1998, p. 56-57) procura definir o migrante e traz interessante analise do estudo da migração: [...] Um migrante é essencialmente uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória, temporária, em trânsito. Em virtude deste princípio, um trabalhador imigrante (sendo que trabalhador e imigrante são, neste caso, quase um pleonasmo, mesmo se nasce para a vida (e para a imigração) na imigração, mesmo se é chamado a trabalhar (como imigrante) durante toda a sua vida no país, mesmo se está destinado a morrer (na imigração), como imigrante, continua sendo um trabalhador definido como provisório, ou seja, revogável a qualquer momento [...]. [...] Isso não é tudo. Se a realidade da imigração é algo muito antigo, o problema social que ela constitui, que é relativamente independente desta realidade fenomênica, ou seja, não é necessariamente definido pela população que concerne (i.e., o conjunto de pessoas que devem apresentar os traços específicos do imigrante), é relativamente recente; e tem suas condições sociais de possibilidade (...) a pesquisa sobre a imigração (...) não poderia ignorar que ela é também e antes de mais nada uma pesquisa sobre a constituição da imigração como problema social; aí está toda a dificuldade da construção do objeto de pesquisa em sociologia. Por muito tempo quase exclusivamente das ciências jurídicas em todas as suas formas (notadamente no campo universitário, onde os primeiros trabalhos de pesquisa e as primeiras teses sobre a imigração são trabalhos de juristas e teses de direito), depois da demografia, seja ela proveniente de demógrafos propriamente ditos ou de historiadores (demografia histórica), ou, com maior frequência, de geógrafos – ciência do espaço e ciência da população, a geografia e a demografia de populações por todas as formas de espaço socialmente qualificadas (o espaço econômico, espaço político no duplo sentido de espaço nacional e de espaço de nacionalidade e do espaço geopolítico, espaço cultural sobretudo em suas dimensões simbolicamente mais “importantes”, o espaço linguístico e o espaço reli- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 93 gioso etc.) – , a imigração acabou sob a influência de diversos fatores, por se constituir como “problema social” antes de se tornar objeto da sociologia. [...] Objeto sobre o qual pesam numerosas “representações coletivas”, a imigração submete-se a essas representações, que, como sabemos, “uma vez constituídas tornam-se realidades parcialmente autônomas”, com uma eficiência tanto maior quanto essas mesmas representações correspondem a transformações objetivas [...]. Sobre as “representações coletivas” dos migrantes, há exemplos dos grupos de migrantes nipo-brasileiros e ítalo-brasileiros, que representam costumes e tradições de seus antepassados, nos seus países de origem. Em um aspecto regional e interno também se observa essa representação no gaúcho, no sertanejo (do Sertão), no ribeirinho e no nordestino. A sociedade que recebe os migrantes, dita receptora, passa a conviver com algumas situações peculiares: socialização recíproca entre migrantes e naturais; disputa de mercado, por vezes subalternização ou exploração dos migrantes (cf. MAIA, p. 55). Por outro lado, os migrantes são responsáveis também por alterações econômicas, sociais, demográficas e culturais. Um grande paradoxo vivenciado por grupos migrantes é a questão da identidade, que será melhor abordado adiante. Por um lado, o migrante traz fortes laços de cultura, educação, crenças, hábitos etc. do seu país, da sua região e, ao chegar ao destino, é identificado como estrangeiro, porém, ao retornar o local de origem, encontra uma realizada diferente da que havia deixado, o tempo passou, as coisas, mudaram, as pessoas mudaram, pensamento, alguns hábitos, pensamentos etc. também passa a ser diferente dos demais conterrâneos. Pode-se dizer que há uma dupla mudança. O lugar de origem, a “terra natal” já não é a mesma, ao passo que o migrante também não é a mesma pessoa que partiu, pois, o contato com outra região, país, cultura, também o modifica. No caso da migração japonesa, o migrante “issei” ou seus descendentes – nikkeis são japa no Brasil, mesmo os que tenham nacionalidade brasileira e são guaijin no Japão, ou seja, vieram de fora. 3 IDENTIDADE Sobre a formação da identidade, sentimento, pensamentos comuns dos nipo-descendentes, tendo como base de análise e pesquisa o interior de 94 Walker Sales Silva Jacinto São Paulo, Ennes (2001, p. 27-30) relata algumas entrevistas feitas relacionadas ao tema, conforme se expõe a seguir: Cristina é filha de Paulo e neta do reverendo Ono. Pareceu-me importante entrevistá-la, por vários motivos: por ser sansei, por ser jovem e por ter tido a experiência de morar no Japão a convite de uma universidade anglicana. [...] Durante a infância, Cristina não aprendeu o idioma japonês, a não ser os substantivos mais importantes e as formas de cumprimento e reverência. Seus pais sempre lhe diziam que por ter traços físicos japoneses, a sociedade iria cobrá-la. Também tornava-se necessário o domínio do idioma ante a ascensão do Japão no cenário mundial. Sua mãe a matriculou em um curso de idioma japonês, assim, como a seus irmãos. Mas o curso foi logo abandonado por não se adequar ao sistema de ensino. Interessa notar que a escola de idiomas vai, na verdade, além da simples aprendizagem da língua. Exige do aluno a adaptação a uma dinâmica e uma disciplina fortemente influenciada pelo ethos japonês. Aprende-se o idioma, aprendendo a ser japonês. É esse aspecto que fará Cristina desistir do curso: [...] Eu desisti de estudar japonês, quando eu estava na quinta série. É muito pouco motivante, precisava de muita, muita disciplina, né? É, você fazia as coisas sem gostar, então... A fala de Cristina revela um aspecto que não faz parte da preocupação da escola japonesa: motivação. Na verdade, a escola exigia a disciplina, disposição do ethos, não incorporada por Cristina, pelo menos no que diz respeito à aprendizagem do idioma. O seu distanciamento do ethos afastou-a da escola, processo inscrito no habitus de Cristina. Nota-se neste trecho a preocupação de muitos grupos de migrantes de manter viva a tradição de seu grupo, de suas origens. As experiências vividas no Japão foram mediadas por suas disposições culturais e étnicas. Cristina relata que mesmo possuindo traços japoneses era facilmente identificada como “não japonesa”. Isso teria ocorrido, entre outros motivos, em razão das roupas e dos acessórios que usava, do jeito de comportar-se. A sua condição de nipo-brasileira reaparecia em suas relações com as colegas da universidade: As coisas que não me interessavam entender muito, tipo esse negócio de hierarquia, sabe, esse negócio ... eu achava ridículo aquilo. Imagina, a outra lá tem um ano mais de escola que eu e por causa disso ela pode dizer: Olha, vai lá e limpa o chão, vai lá e faça isso. Você tem que carregar raquetes, você faz isso, você faz aquilo. Eu achava aquilo lá meio... Sua fala revela que não teve tantos problemas. Valia-se do fato de “não ser japonesa” para se desobrigar das formalidades e das tradições. Fato totalmente previsto pela etiqueta japonesa em relação aos estrangeiros. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 95 No final da entrevista, Cristina acaba por se auto-representar como brasileira. Essa auto-representação, no entanto, vem acompanhada do conflito típico entre nipo-brasileiros, principalmente entre os de gerações mais novas: Eu sou brasileira, quer dizer... Meu problema é que meu pai falou ‘você tem cara de japonês!’. Então os outros talvez não me enxerguem como brasileira, entendeu? Interessante nessa entrevista acima relatada por Enne (2010) é a questão da identidade do nipo-brasileiro retratado por uma moça do interior de São Paulo. Na análise do referido autor, sua autorrepresentação, aponta para uma identidade brasileira. Mas as relações que estabelece em seu cotidiano indicam a complexidade e a dualidade de sua condição. Seus traços físicos, por exemplo, posicionam-na em uma situação de alteridade perante o não nipo-brasileiro. Esse conflito de identidade da entrevistada Cristina revela algo comum nos nipo-descendentes no Brasil. Os traços orientais lhe rendem apelidos como “japa”, “japonês”, “japinha”. Mas quando passam por uma experiência de morar no Japão, lá também são vistos como estrangeiros, como não naturais do Japão. É possível identificar essa crise de identidade em outros grupos migratórios, talvez de forma menos intensa, mas há esse problema na identidade do migrante, em razão do transcurso do tempo, que faz com que os costumes e tradições que guardam na memória não acompanhem as mudanças e alterações que o presente e futuro traz no lugar de origem. Outro relato interessante sobre crise de identidade decorrente da migração é relatada por Ennes (2010, p. 37; 47-49). Quem é nipo-brasileiro? Ele não é brasileiro e não é japonês. Não é brasileiro porque suas origens são japonesas e não é japonês porque vive e/ou nasceu no Brasil. O contrário também é verdadeiro. O nipo-brasileiro é brasileiro porque vive e/ou nasceu no Brasil e também é japonês por ter nascido e/ou herdado disposições práticas e simbólicas de seu país de origem ou de seus pais e avós. Mas não é apenas isso. Esse processo só não é mais complexo porque estamos tomando como referência a nacionalidade (...) tipicamente moderna, pré-globalizada. Seu Paulo Ono era Nissei, mudou-se para Pereira Barreto na década de 1960 [...]. A ambivalência identitária pode ser verificada em outras passagens do depoimento do Sr. Paulo. Por exemplo, quando ele relata em que no período que morou na cidade de São Paulo viveu uma crise: 96 Walker Sales Silva Jacinto É todo um conjunto, tradição e ao mesmo tempo eu acho que estava tendo um problema de identidade, sabe? Constitucionalmente quem nasceu no Brasil é brasileiro né? E intimamente a gente vê, é... É a tal da ética, dos costumes que são diferentes, a maneira de comportamento é diferente. O senhor Paulo morou na capital paulista quando já era adulto. Foi em São Paulo que começou a trabalhar em uma empresa de maioria não nipo-brasileira e viveu uma relação afetiva com uma mulher não nikkei. Assim, observa-se por meio de sua narrativa que, se a legislação lhe outorgava a condição de brasileiro, a sua inserção nos campos de trabalho e das relações afetivas expôs suas diferenças. [...] Exatamente e injustamente por causa, talvez deste meu comportamento eu não aceitava certas coisas da namorada (risos) [...]. Nesse relato de Ennes (2010, p. 37; 47-49), outro entrevistado deixa claro que a relação do nikkei com os brasileiros não nikkei, tanto no campo profissional quanto no pessoal, afetivo, tem particularidades próprias. Quando diz que não aceita certas coisas da namorada, pode significar o modo de vestir, de se comportar etc., possivelmente refere-se ao modo recatacado, tímido, ponderado que o entrevistado estava acostumado a ver nas nipo-descendentes. O migrante tem um modo peculiar de interagir com seus iguais, seus diferentes, seus colegas de trabalho, de estudos, suas relações pessoais e profissionais, tudo isso será melhor analisado diante, na relação entre a migração e o socioambientalismo, próximo tema abordado. 4 RELAÇÃO ENTRE A MIGRAÇÃO E O SOCIOAMBIENTALISMO Socioambientalismo é a relação entre a sociedade e o meio ambiente ou, em outros termos, o modo como a sociedade de determinado lugar convive com os recursos naturais, com a biodiversidade e sua preocupação com a sustentabilidade, ou seja, conservação dos recursos para presente e futuras gerações. Segundo Silveira (2009, p. 27), a “síntese socioambiental da Amazônia” estabeleceu uma rede de proteção aos povos tradicionais, meio ambiente e cultura, reunidos “todos sob a rubrica dos direitos coletivos e difusos”. Conforme já exposto, o migrante leva consigo suas experiências e tradições que, interagindo com a sociedade receptora, também se reflete no trato com o meio ambiente. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 97 A região amazônica foi cenário de grande movimento migratório na política nacional de integração entre as décadas de 60 e 70, com agropecuários, madeireiros, mineradores e garimpeiros (cf. ABRANTES, 2002, p. 44). A política de integração nacional, ao abrir estradas que penetraram até as mais longínquas paragens da região, atingiu seu objetivo integracionista imediato, mas também revelou as reais dimensões da Amazônia para o restante do país e para o mundo. Trouxe consigo os atuais contingentes populacionais que ocupam a região, criando as frentes pioneiras de ocupação e os conflitos sócio-ambientais que hoje perduram no processo de desenvolvimento da região. A migração pode ter grande impacto no socioambientalismo, no desenvolvimento sustentável, no modo como a sociedade interage com a natureza e os recursos naturais. Ennes (2001, p. 15) estuda aspectos da migração nipo-brasileira na cidade Pereira Barreto, interior de São Paulo, que, com uma população de cerca de 6% de habitantes de origem japonesa, tem grandes especificidades étnicas deste grupo com aspectos sociais, econômicos etc. A cidade de Pereira Barreto conta hoje com uma população em torno de 27 mil habitantes. Destes, 1.622 são de origem japonesa, aproximadamente 6% da população total. No entanto, a presença japonesa na cidade não pode ser medida apenas por essa dimensão quantitativa. As origens e a trajetória da cidade apontam para a importância fundamental da colônia japonesa como elemento constituidor de sua história. Essa importância fundamenta-se nas especificidades étnicas do grupo japonês. A questão central da presente obra gira em torno da compreensão da presença japonesa pensada a partir de suas relações sociais com os nãojaponeses, relações sociais que marcaram e marcam a formação histórica da cidade de Pereira Barreto e o habitus de seus moradores [...]. Verifica-se a importância que o autor atribui a migração japonesa na cidade que, apesar representar apenas 6% da população, é o suficiente para marcar a história da mesma (2001, p. 41-42): [...] Fato curioso, já que a origem da cidade é um empreendimento de colonização japonesa. [...] O censo demográfico de 1991 demonstra que esse grupo representa uma pequena parcela da população da cidade. Não obstante, a cidade traz marcas da presença japonesa em muitos aspectos: na arquitetura, como o pagode na praça central, o relógio da cidade, a ponto Novo Oriente; nas atividades econômicas, como a Cooperativa 98 Walker Sales Silva Jacinto Agrícola Tietê, a Brajusco (agropecuária); na vida cultural e religiosa, expressa em seu templo budista, igreja santo André (anglicana), festa do Bon-Odori. Além disso, [...] a presença japonesa na cidade não está apenas nesses marcos objetivados, mas também nas práticas e nas representações sociais de seus moradores. [...] A agropecuária, por sua vez, caracteriza-se pela pecuária de extensão e de corte. Destaca-se também a avicultura de corte e de produção de ovos. A primeira atividade não é tradicionalmente praticada por nipobrasileiros (embora haja algumas exceções significativas). Já a produção de ovos tem-se afirmado como atividade praticada predominantemente por nipo-brasileiros. Conforme se constatou no estudo migratório da cidade de Pereira Barreto (SP), mesmo um grupo pequeno de migrantes pode ter significativo impacto social, econômico e, por conseguinte, ambiental. Também há relatos de grande influência da migração japonesa na história da cidade de Álvares Machado (SP), conforme relata Bomtempo e Sposito (2010, p. 68-69): A presença dos migrantes japoneses em Álvares Machado tornou-se uma constante até por volta de 1950. Uma das características desse grupo de imigrantes era a organização em colônias. Esta organização representava a possibilidade de manter os laços culturais presente entre as famílias e também “facilitava a formação de escolas para a educação das crianças” (Entrevista realizada – TC – jan./fev. 2002). Havia na década de 1950, cerca de 490 famílias japonesas residentes em Álvares Machado, principalmente na zona rural e um total de população de 17.316 mil pessoas [...] Os imigrantes influenciaram diretamente na vida econômica, política e cultural do município, pois além da vida dedicada ao trabalho no campo, muita famílias desenvolveram atividades na cidade, sobretudo naquelas ligadas ao comércio e serviços. Muitos deles eram e são donos de lojas de tecidos, de fotos, armazéns, postos de gasolina etc. [...] O Japão, atualmente, não é mais um país agrário, nem o Brasil necessita de “braços” para as lavouras cafeeiras. As migrações, de acordo com Brito (1995), não caminham mais para serem definitivas, mas são de caráter temporário e a inserção da maioria dos migrantes no mercado de trabalho, não se dá mais para desenvolver atividades agrícolas, mas sim nos lugares onde já uma maior concentração de indústrias, ou seja, nas cidades. Álvares Machado no contexto da imigração dos japoneses para o Brasil, tornou-se um lugar simbólico na conquista dos sonhos, materializado pela possibilidade que os imigrantes tiveram de se dedicar às atividades econômicas ligadas ao campo e também à cidade, através do comércio, Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 99 serviços e atividades produtivas. O retorno para o Japão permaneceu no imaginário dos primeiros imigrantes, mas o Brasil tornou-se o lugar real, o lugar das lutas e das relações cotidianas, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. Neste período, os laços simbólicos com o novo país já estava consolidado, tanto pela aquisição de terras e outras benfeitorias, como também pelo nascimento dos filhos no novo lugar. O trecho acima transcrito torna evidente o quanto a migração pode influenciar a vida econômica, política e cultural de um município, sendo fundamentada em uma pesquisa aprofundada sobre a migração japonesa e seus descendentes, no município de Álvares Machado, no Estado de São Paulo. É certo que a migração influencia também o modo de relacionamento com o meio ambiente, o modo de preservar ou não a natureza como o modos de plantar, com uso de defensivos químicos ou seleção de sementes mais resistentes a praga, práticas de queimada, tipos de pesca, educação ambiental própria de cada grupo social. 5 IMIGRAÇÃO JAPONESA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA Muito se fala das grandes colônias nipônicas que se instalaram nos Estados de São Paulo e Paraná, todavia, uma quantidade significante de imigrantes japoneses se fixaram na Região Amazônica brasileira, conforme se expõe adiante. Os japoneses chegaram em 1908, sendo que em 1914 registrou-se a entrada de 15.543 pessoas, das quais 80% teriam ido para São Paulo, em razão da cafeicultura. Na época da Segunda Guerra Mundial (1918-1945) já somavam 190 mil. Após a Segunda Guerra até a década de 70, vieram mais 54 mil. Posteriormente, São Paulo passa a dar preferência para a imigração europeia, por grupos de portugueses, espanhóis e italianos, em detrimento aos asiáticos (japoneses e chineses). Todavia, entre o início e meados do século XX, começa a migração japonesa para a Amazônia, conforme Mutuo, (2010, p. 60-61). Inicialmente, no século XVIII, a migração para a Região Norte surge com o ideal de integração do país, motivada pelas disputas dos limites fronteiriços e tentativa de evitar ocupação pelos países vizinhos e perda da área para estes. Na metade do século XIX, a colonização na Amazônia se deu pelo contrato de concessão dos direitos de navegação do rio Amazonas, pois, pelo contrato, a empresa concessionária – Companhia de Navegação e 100 Walker Sales Silva Jacinto Comércio do Amazonas, de Irineu Evangelista de Souza (Barão de Mauá) – deveria implantar projetos de colonização. (MUTO, 2010, p.70). Assim, iniciou-se a implantação do projeto em 1854, com o assentamento de 1.061 colonos portugueses e 30 chineses, quando foram instaladas as duas colônias de Mauá e de Itacoatiara; todavia, posteriormente, ambas foram abandonadas. Quando os japoneses chegaram na década de 1930, já encontraram comerciantes italianos, espanhóis, turcos e judeus na região de Maués, Monte Alegre, Santarém, Óbidos, Alenquer, Manaus etc. (MUTO, 2010, p.70). Nesse contexto, observa-se que um significativo contingente de famílias do Japão iniciam o processo de colonização e fixação na Região Norte do Brasil, especialmente nos Estados do Amazonas (colônias de Manacapurú, Egifênio Salles, Maués e os koutakusseis Vila Amazônia em Parintins-AM), Pará (colônia de Guamá, Tomé-Açu, Castanhal, Santa Izabel, Belém), Roraima (Colônia do Região do Taiano), Acre (Colônia do Quinari) e Rondônia (Colônia Treze de Setembro), segundo Muto (2010, p. 198), como será demonstrado adiante. No Estado do Pará, a imigração japonesa foi e ainda é importante para a economia de vários municípios como Tomé-Açu, Castanhal e Santa Izabel, na produção de gêneros agrícolas, e em Belém, no ramo empresarial. O município de Tomé-Açu (PA), que era parte do município do Acará (PA), foi o destino de muitos imigrantes japoneses que ali se estabeleceram e formaram cooperativas para a produção de pimenta-do-reino e outros produtos, segundo Luz (2006), Santos (1992) e Silva (2005). Aliás, tanto no Pará quanto no Estado do Amazonas, a partir de 1930, os imigrantes japoneses foram responsáveis pela introdução das culturas de pimenta-do-reino e de juta, contribuindo com o desenvolvimento agrícola destes Estados, sendo que a primeira lavoura citada representou mais de 35% do valor das exportações do Pará na década de 70, enquanto a juta representou mais de um terço do PIB do Amazonas na década de 1960 (HOMA, 2007). Como efeito da Segunda Guerra Mundial, há relatos de certa hostilização de imigrantes japoneses, pois, o Japão, juntamente com Itália e Alemanha formavam o eixo combatido pelos aliados, este último com participação dos EUA e Brasil. Todavia, como já mencionado acima, os imigrantes japoneses também tinham preconceitos contra os gaijin. Para os japoneses, os brasileiros eram vistos como estrangeiros na tentativa de evitar a miscigenação e a manutenção de sua identidade, pois estes migrantes planejavam, um dia, retornar à pátria mãe com seus descendentes. A partir da terceira geração essa preocupação em evitar a miscigenação diminui ou perde sua força em muitas famílias (os patriarcas e matriarcas já falecidos, a integração com o Brasil, o Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 101 nascimento de filhos e netos na região deixam mais distante o anseio de retorno que tinham os antepassados), de acordo com Muto (2010, p. 99-100). Muitas famílias nipo-brasileiras se encontram e procurar preservar a cultura de seus antepassados em associações nipônicas, ou de “clubes nikkeis”. Em Roraima, temos a ANIR – Associação Nipo-Brasileira de Roraima. Muto (2010, p. 112) relata a importância das associações feitas pelos imigrantes japoneses e seus descendentes: Para os imigrantes japoneses, as associações culturais são entidades importantes para a congregação da comunidade, pois é o local onde se realizam todos os eventos sócio-culturais e de discussão dos problemas da sociedade nipônica. Pode-se afirmar que é o ponto de referência de todos os imigrantes nipo-brasileiros. As atuações dessas entidades abrigam desde atividades econômicas, educação, eventos sociais, campanhas preventivas de saúde, cuidados com os idosos, relação com os atores políticos da comunidade local e do Japão. Enfim, dos momentos cotidianos e especiais da comunidade. Entre 1954 e 1955, vieram para os municípios de Fordlândia e Bel-terra, ambos no Estado do Amazonas, 122 famílias, totalizando 785 pessoas. Estas dirigiram-se para as fazendas de borracha da empresa Ford do Brasil, sob a administração do Instituto Agronômico do Norte – IAN. Porém, devido a desentendimentos dos institutos IAN e o Instituto Nacional de Imigração e Colonização – INIC, somando-se à pressão dos colonos brasileiros face prerrogativas da Lei 2.163/54, tiveram que sair desses locais, sendo redistribuídos para novos sítios de imigração em 1955, conforme transcrição abaixo: Tabela 1 Distribuição dos imigrantes de Fordlândia e Belterra em 1955 (Associação Pan-Amazônia Nipo-Brasileira – APANB, 2001, p. 87 e 171 apud MUTO, 2010, p. 207). Novo sítio Monte Alegre (PA) Subúrbios de Belém (PA) Guamá/Santa Izabel do Pará Taiano/Rio Branco (RR) Subúrbios de Santarém (PA) Alenquer (PA) Tomé-Açu/Araçá (PA) Fazenda I.B.Sabá-Manas Total Famílias 55 21 15 12 7 5 4 3 122 Pessoas 358 127 101 71 43 36 26 23 785 102 Walker Sales Silva Jacinto Ressalte-se que na Tabela 1, a Região do Taiano, Rio Branco (RR), relaciona-se ao ex-Território Federal de Rio Branco (RR), atual Estado de Roraima. Certamente, as colônias japonesas mencionadas na Tabela 1 se depararam com grandes dificuldades em sua permanência na Amazônia, pois, em 1955 (ano de referência na tabela), havia maiores índices de malária, menos povoamento na região e maior isolamento, com a pequena malha rodoviária, proporcionando isolamento, dificuldades no tratamento de saúde. Esse contexto torna compreensível o desejo dos migrantes em não se fixar em definitivo, mas voltar um dia, com seus descendentes, ao país de origem. Atualmente, os descendentes desses migrantes contam com um ambiente menos hostil, pois há uma maior integração da Amazônia e os restante do país, malha rodoviária e aérea, apesar de alguns municípios do interior do Estado do Amazonas não terem acesso terrestre, mas por transporte marítimo e aéreo. Saúde, integração, comunicação, direito sociais estão bem diferentes atualmente. Os nikkeis (nipo-descendentes) recebem, inclusive, ajuda do governo japonês. O governo japonês, através da JICA (Japan International Cooperation Agency), financia e proporciona qualificação com bolsas de mestrado, doutorado, treinamentos, pesquisas em áreas diversas como agricultura, saúde, educação, para os nikkeis (nipo-brasileiros) de diversas regiões do país, exigindo que, após o conhecimento adquirido no Japão, com o programa do JICA, o beneficiado dissemine e aplique referido conhecimento no Brasil. 6 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SEUS ASPECTOS O fluxo migratório influencia a educação ambiental, propicia trocas de experiências relacionadas à sociodiversidade podendo fomentar discussões sobre o desenvolvimento de forma sustentável. Este apresenta três aspectos, de acordo com Clemente et al. (2007, p. 291): ¿Qué se entiende por Desarrollo Sostenible? Es la actividad económica y social que satisface las necesidades de la generación presente sin afectar la capacidad de las generaciones futuras de satisfacer sus propias necesidades. Se debe lograr a tres niveles: Sostenibilidad Económica: crecimiento industrial, agrícola, pesquero, ganadero, turístico, remuneración de empleo, contribuciones a la comunidad, satisfacción de las necesidades de los hogares. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 103 Sostenibilidad Ecológica: aire y agua limpios, conservación de recursos, preservación de la biodiversidad. Sostenibilidad Social: beneficio público, equidad social, participación, mantenimiento de estado de bienestar. (Destaque no texto original) Por outro lado, Sachs (1993) aponta cinco dimensões do Ecodesenvolvimento: a) sustentabilidade social; b) sustentabilidade econômica; c) sustentabilidade ecológica; d) sustentabilidade espacial; e) sustentabilidade cultural. Analisando a interface entre o desenvolvimento sustentável e a migração, pode-se dizer que a relação de respeito para com a natureza, a tecnologia agrícola, a bagagem cultural, a preservação dos costumes e idioma, entre outros aspectos dos migrantes japoneses, muito contribuíram para a sustentabilidade. Práticas agropecuárias e hortifrutigranjeiras, festas tradicionais e escolas comunitárias tem permitido, através dos tempos, grande interação e trocas culturais com as populações locais, criando espaços comuns de miscigenação. Tais aspectos contribuíram ainda para a criação de uma identidade nova, com a qual os migrantes nipo-brasileiros começam a vencer os estigmas do passado e a sair desse não lugar, rumo à construção de um espaço de vida definitivo. 7 CONCLUSÃO Observa-se que as populações tradicionais, como os ribeirinhos e as populações indígenas, têm uma relação harmoniosa com a natureza. Pode-se dizer que vivenciam o socioambientalismo. Certa etnia indígena do Amazonas costuma fazer seu roçado em uma área pequena, explorando por um período de cerca de sete anos, depois abandona aquele roçado e não retorna ao local por pelo menos cinco anos para que a mata se recupere e volte a fechar naquele local. Foi herdado dos índios da Amazônia legal maranhense o costume de pescar com o cesto sem fundo. Forma de pesca que não polui os rios, não agride a natureza. Por vezes, os grupos migratórios inserem na região outros costumes, outros interesses, mas sempre há uma troca na interação dos nativos com os migrantes. No caso dos japoneses, ainda que sua colônia no país e na Amazônia brasileira represente um pequeno percentual da população, a herança cultural, costumes, tradição nipônica, integração, adaptação, tudo isso 104 Walker Sales Silva Jacinto forma um componente de influência em diversas áreas da sociedade, como economia, arquitetura, cultura, entre outras. Citada influência nipônica na arquitetura, pode ser observada em templos budistas construídos em alguns municípios, com uso de madeira ao invés de tijolo e cimento (construções em madeira são mais apropriadas para os terremotos que ocorrem no Japão); projeção dos beirais, jardim japonês, com pontes bem arqueadas. Os tatames, “tapetes” japoneses feitos com palha compactada e superfície coberta por palha entrelaçada. No esporte, o judô, karatê, kendô, jiu-jitso. Na economia, a tecnologia agrícola, no sentido de conhecimentos na área. Observa-se que a fruta caqui tem o mesmo nome que o “kaki” do Japão, pois adotou-se o mesmo nome da fruta. A tradição do cultivo do hortifrúti, da atividade de granja. Em relação à cultura, os “mangás”, que são revistas em quadrinhos diferenciadas já são bem conhecidos, no mesmo sentido os “animes”, que são os desenhos animados com características e formato bem característico. Outro aspecto interessante que merece atenção é formação da identidade dos descendentes dos migrantes japoneses no Brasil, chamados nipo-brasileiros nikkeis. Formam a população brasileira, ajudaram a povoar a Amazônia e, ao mesmo tempo que se integram com harmonia na sociedade, como brasileiros que são, trazem consigo a força da cultura nipônica. Pode-se dizer que são ao mesmo tempo “japoneses no Brasil” e “brasileiros, quando no Japão”, sendo popularmente chamados, no Brasil de “japa” e no Japão de gaijin, dekassegui. Estes últimos termos significam estrangeiro e trabalhador estrangeiro descendente de japonês, respectivamente. Podem ser identificados como “japa”, nipo-brasileiros, nikkeis, “japoneses com nacionalidade brasileira” no Brasil e dekasseguis, gaijin brasileiro no Japão Pode-se dizer que as grandes contribuições deixadas foram: a dedicação, o trabalho, a perseverança. Na educação, a sociedade brasileira costuma ver os nipo-brasileiros como alunos estudiosos, inteligentes, pois atingem boas notas e altos índices de aprovação em concursos públicos e vestibulares concorridos. O bom desempenho dos nipo-descendentes nos concursos e vestibulares observado estatisticamente e reconhecido pela população brasileira, pode ser justificado e explicado pelos valores que trazem consigo, como a disciplina, respeito à hierarquia, dedicação, persistência. Provavelmente esses valores são as maiores contribuições dos japoneses e seus descendentes ao Brasil. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 105 Em relação aos descendentes, a miscigenação demorou a ocorrer, por múltiplos fatores, tais como: não aceitação dos isseis, que são imigrantes com nacionalidade japonesa, devido ao desejo de retornar ao Japão com seus descendentes; as diferenças étino-culturais; idioma; religião; preconceito contra os nipônicos, pois, chegou-se a acreditar que eram raça inferior e que atrapalhariam o “embranquecimento da população brasileira”, a qual deveria ocorrer com a miscigenação com a migração europeia. Assim, apesar de haver um grande lapso de tempo entre os grandes fluxos migratórios japoneses, durante o século XIX, e mais de três gerações, ainda há muitos nipo-brasileiros sem origem de miscigenação com gaikokujin (não japonês). Sendo os filhos da miscigenação com brasileiros denominados “mestiços”. Com o passar do tempo, com a integração ao Brasil, o desejo de voltar ao Japão enfraquece a cada geração, que nasce em terras brasileiras, onde tem filho, netos, bisnetos. O casamento e miscigenação dos nipo-descentes com não nipo-descendentes torna-se menos raro. Os japoneses, seus descendentes, além dos valores como educação, disciplina, perseverança, também têm como virtude o respeito e admiração à natureza. Pode-se concluir que a migração japonesa na Amazônia tem grande valor no desenvolvimento da região amazônica de forma sustentável, ou seja, com menor impacto ao meio ambiente. 8 REFERÊNCIAS ABRANTES, Joselito Santos. Bio(sócio)diversidade e empreendedorismo ambiental na Amazônia. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. ASSOCIAÇÃO PAN-AMAZÔNIA NIPO-BRASILEIRA – APANB. 70 anos de imigração japonesa na Amazônia. São Paulo. Topan Press, 2001. Baseado no livro comemorativo aos 60 anos de imigração japonesa na Amazônia, editada em japonês em 1994. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins, Fontes, 1999. BOMTEMPO, Denise Cristina; SPOSITO, Eliseu Savério. 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Unesp, 2001. _____ (b). Imigração Japonesa e Produção de “entrelugares”: uma contribuição para o debate sobre identidades. In: SPOSITO, Eliseu Savério; BOMTEMPO, Denise Cristina; SOUSA, Adriano Amaro de (Org.). Geografia e migração: movimentos, territórios e territorialidades. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 37, 4749. GOETTERT, Jones Dari. Paradoxos do lugar mundo: brasileiros e identidades. In: SPOSITO, Eliseu Savério; BOMTEMPO, Cristina Denise; SOUSA, Adriano Amaro. (Org.). Geografia e Migração: movimentos, territórios e territorialidades. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. A imigração japonesa na Amazônia. Sua contribuição ao desenvolvimento agrícola. Contribuição da Embrapa Amazônia Oriental às comemorações do centenário da imigração japonesa no Brasil (19082008). Belém-PA, 2007. LUZ, Nilma de Lima Vaz. Os japoneses no Acará. Monografia da UFPA, 2006. MAIA, Rui Leandro Alves da Costa. O Sentido das Diferenças. 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Imigração japonesa na Amazônia (19281943). Monografia da UFPA, 2005. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 107 ESTRUTURA JURÍDICA: ALCANCE DA ORGANIZAÇÃO E DO TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA José Augusto Fontoura Costa1 Fernanda Sola2 Sumário: 1. Introdução; 2. Observações Históricas; 3. Documentos Fundamentais no Sistema Internacional de Cooperação Amazônica; 3.1. O Tratado de Cooperação Amazônica; 3.2. O Protocolo de Emenda; 3.3. Finalidades do TCA; 3.4. Desenvolvimento Amazônico; 3.5. Desenvolvimento Humano. 3.6. Desenvolvimento Sustentável. 3.7. Desenvolvimento Nacional e Soberano como Finalidade; 4. Disposições Materiais; 4.1. Disposições Exortatórias; 4.2. Navegação; 4.3. Soberania sobre os Recursos Naturais; 4.4. Obrigações e Direitos; 5. Aspectos Institucionais; 6. Conclusão; 7. Referências. 1 INTRODUÇÃO Já foi o tempo em que a realidade amazônica era vista como parte de um futuro distante, de um porvir pautado pela industrialização e concentração populacional nas cidades. Se, de um lado, as esperanças passaram a se nortear por noções mais sofisticadas, como desenvolvimento humano e desenvolvimento sustentável, também a imagem de um vazio populacional e econômico a ser preenchido, em um primeiro momento, mediante a exploração de recursos florestais e minerais, foi se amarelando e evanescendo. 1 2 Professor da Faculdade de Direito de São Paulo (USP) e da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos. Pesquisador produtividade P2 do CNPq. E-mail: [email protected]. Professora do Mestrado em Sustentabilidade da Universidade Federal de São Carlos – Campus Sorocaba. Doutora em Ciência Ambiental pelo Procam/IEE/USP. 108 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), firmado em 1978, é, todavia, um fruto dessas concepções hoje superadas. Como tal, construiu-se em torno de conceitos em voga no seu tempo, os quais também foram perdendo o viço com o passar dos anos. Em particular, a centralidade da reafirmação da soberania permanente sobre os recursos naturais foi perdendo terreno tanto para a proteção internacional de investimentos estrangeiros, quanto para o crescente robustecimento de regimes internacionais ambientais (COSTA; 2010; SCHRJIVER; 1997). Ainda que a partir do Protocolo de Emenda de 1998 tenha se decidido atribuir maior robustez institucional ao TCA mediante a criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), suas características e seus limites práticos não chegaram a atribuir o dinamismo que se poderia esperar de um organismo projetado para lidar com uma realidade complexa e dinâmica como a amazônica. A timidez de sua atuação, com as vantagens e desvantagens que disso decorrem, termina, hoje, por deixar o espaço de articulação política para o âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) e para a União das Nações Sul-Americanas (Unasul). A integração econômica, por seu turno, fica aos cuidados da estrutura multilateral da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de acordos regionais, como o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União Andina (UA). Quando se põe, portanto, a questão do papel e funções da OTCA como mecanismo institucional de cooperação: deve-se ter em conta não apenas as restrições próprias de um momento político e histórico já bastante diverso do atual, como a existência de outros fóruns de concertação política e instituições de cooperação e integração cobrindo a região. Destarte, deve-se compreender com clareza quais são os limites juridicamente estabelecidos nos próprios documentos fundantes do sistema de cooperação amazônica para poder avaliar, com os pés firmes no chão, as possibilidades efetivamente relacionadas a ele. Útil, então, realizar a mais básica das tarefas do jurista: apresentar uma interpretação circunstanciada e tecnicamente rigorosa dos instrumentos normativos a partir não apenas do estudo dos tratados, mas tendo em conta aspectos do contexto internacional e posicionamentos doutrinários. É a isso que se propõe o presente capítulo: compreender, mediante a interpretação doutrinária dos textos dos principais documentos do sistema de cooperação amazônica e de alguma contextualização histórica e política, sua estrutura jurídica e os limites operacionais. Isso se apresenta, neste capítulo, em quatro itens: uma breve contextualização histórica, a identificação e análise dos principais documentos, o estudo dos dispositivos materiais do TCA e a descrição da estrutura institu- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 109 cional da OTCA. A opção por uma metodologia de descrição bastante clássica se deve, sobretudo, à necessidade premente de recorrer a uma exposição clara e tecnicamente rigorosa do sustentáculo normativo do sistema de cooperação amazônica3. Mediante tal tarefa, portanto, se pretende contribuir para o debate da proposição e funcionamento de regimes internacionais ambientais, econômicos e sociais na Amazônia, sobretudo os implementados a partir de ações estatais internacionalmente coordenadas com a adoção de tratados internacionais e criação de organizações internacionais, como é o caso do sistema TCA-OTCA. Não obstante o caráter tímido da organização abordada, seu caráter precipuamente intergovernamental e o foco na realização de alguns projetos e estudos, a existência desse âmbito institucionalizado pode auxiliar o incremento da cooperação regional, desde que respeitados seus limites jurídicos e políticos. 2 OBSERVAÇÕES HISTÓRICAS Após a II Guerra Mundial, os arranjos jurídicos e institucionais próprios do Direito internacional dos dias de hoje foram sendo estabelecidos e consolidados. Em linhas bastante gerais, pode-se falar de um sistema político pautado pela bipolaridade das tensões e conflitos entre países capitalistas e socialistas como pano de fundo da construção de uma ordem jurídica internacional específica, cujos fundamentos e características perduram, ainda que já passadas mais de duas décadas do término formal da União Soviética. Mais do que isso, os processos de descolonização associados ao desmantelamento dos impérios britânico e francês se somaram aos dos austro-húngaro e otomano, imediatamente associados à I Guerra Mundial. Se há cem anos dificilmente se podia contar mais de uma vintena de Estados soberanos e, a meio caminho, a Organização das Nações Unidas inicia sua existência com pouco mais de 50 membros, já no início dos anos 1980 era possível identificar mais de 150 países. O surgimento de um grande contingente de novos Estados não apenas ensejou a extensão do conflito bilateral à construção e consolidação de zonas de influência americana e soviética, com a correspondente associação a grupos de libertação nacional e, em alguns casos, até mesmo pelas chamadas “guerras por procuração”, em que as superpotências terminavam por se 3 Parte do texto é diretamente inspirada em relatório de José Augusto Fontoura Costa para o projeto GEF/OTCA. 110 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola digladiar por intermédio de grupos rivais que não se identificavam, juridicamente, com nenhuma delas, mesmo que ideologicamente alinhados e financiados. O que se tornou, também, possível foi o aparecimento e fortalecimento de países novos e em desenvolvimento que buscaram no não alinhamento, ou em um alinhamento apenas parcial, a possibilidade de se beneficiar da composição da política global. Restava ao campo especificamente jurídico a tarefa de recompor a trama de um tecido esgarçado por tantos puxões. Decerto, o consenso outrora existente em torno dos costumes que conformavam um Direito internacional de origem e gestão europeia se perdera não apenas em função do deslocamento das potências do velho continente para fora do umbigo do mundo, mas, principalmente, pela existência de diferentes percepções políticas e ideológicas: o bloco liderado pelos Estados unidos, tendente a se filiar à tradição europeia; o socialista, o qual, pautado por uma ideologia que pregava um mundo sem estados e integralmente reunido em uma nova ordem social e econômica, recusava a construção jurídica tradicional, tida como historicamente superada; e o grupo dos novos países e países em desenvolvimento, os quais pretendiam a construção de uma ordem jurídica propugnadora de uma aprofundada ruptura com os laços jurídicos associados aos jugos coloniais. As novas tramas, urdidas com fios de texturas e cores tão distintas, deu origem a um Direito internacional codificado em torno de convenções universais que cobrem as áreas em que se tornou possível gerar amplos consensos, acordos regionais voltados a facilitar a cooperação de países geográfica e ideologicamente mais próximos e uma institucionalização fragmentada temática e geograficamente, concentrando-se na construção de regimes de alcance limitado. Nos interstícios de tal fazenda se coloca a noção de soberania permanente sobre os recursos naturais, tão fundamental para países preocupados em afastar novas formas de exploração de tonalidade colonial. Também nesse campo se deu o aparecimento da Comissão das Nações Unidas para a América Latina (CEPAL), que, com sede em Santiago do Chile e sob a batuta do economista argentino Raúl Prebish, viria a desenhar os padrões das estratégias de desenvolvimento e industrialização pautadas pelos processos de substituição de importações, para os quais a criação de uma zona de livre comércio, a Associação Latino Americana de Livre Comércio – formalizada pelo Tratado de Montevidéu de 1960 e agregando os países Sul-Americanos (exceto Guiana e Suriname) e o México – era prescrita como instrumento necessário a criar um mercado capaz de assimilar a escala da produção de setores estratégicos, com ênfase na indústria pesada e automobilística. Não obstante, uma década de pouco aprofundamento da integração regional, associada à concentração dos fluxos comerciais entre os maiores Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 111 países da zona – Argentina, Brasil e México – levaram a um desgaste da sistemática prevista e à estratégia dos países andinos de criação de um mecanismo próprio de integração econômica – o Pacto Andino, formado por Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru com a celebração do Acordo de Cartagena, em 1969. Mais tarde, dissolveu-se a Alalc para a criação da Associação Latino Americana de Integração (Aladi), com instrumentos mais flexíveis e menos efetivos. É nesse contexto que, em 1978, firma-se o TCA, cobrindo os países com terras banhadas pela Bacia do Rio Amazonas e com biomas amazônicos: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Observa-se, portanto, a exclusão da França, cujo departamento de ultramar, conhecido por Guiana Francesa, possibilitaria a inclusão no sistema criado. Decerto, é possível atribuir à intenção de evitar o ingresso de um país industrializado ou desenvolvido no sistema, até porque, do ponto de vista do Direito internacional, este mantinha posições pouco permeáveis à noção de soberania permanente sobre os recursos naturais. As oito Partes originais são, até a atualidade, as do Tratado de Cooperação Amazônica e os Membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), constituída em 1998. Entretanto, os vinte anos que separam o TCA da origem da OTCA testemunharam, sem dúvida, muitas mudanças e novidades. Seria o sistema de cooperação amazônica permeável a elas? Há tendências que podem ser ressaltadas e que influenciam os limites e possibilidades do funcionamento da cooperação amazônica nos dias de hoje. Nas relações internacionais, o sistema de tensão e conflito bipolar, com alternativas de alinhamento e não alinhamento, foi superado a partir da erosão e dissolução do poder soviético, simbolizado pela queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989. Surgiu, daí, um arranjo internacional que parecia marcado, pelo menos em seu início, por uma hegemonia estadunidense, mas cujo desenvolvimento evidenciou uma multipolaridade com distintas composições de influência conforme a área de atuação internacional (segurança, economia, meio ambiente etc.), a resiliência de diferentes ajustes regionais enfrentando o desafio de conciliar uma autonomia política própria com as tendências globalizantes e uma base ideológica que oscilou do triunfalismo neoliberal, cujo Fim da História, de Francis Fukuyama (1992), é o mais claro exemplo, a uma retomada e fortalecimento de nacionalismos, mais do que o embate entre civilizações preconizado por Samuel Huntington (1997). No mesmo período, a América do Sul também se deslocou do mais ortodoxo neoliberalismo ao ressurgimento de movimentos fortemente nacionalistas, alguns dos quais reunidos no conceito bastante flexível de socialis- 112 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola mo bolivariano. Entrementes, houve a estruturação de acordos de integração econômica, com destaque para a conversão do Pacto Andino em Comunidade Andina de Nações (1996) e o aparecimento do Mercosul (1991). Recentemente, já no contexto do empaque das negociações multilaterais da OMC, houve a criação da Aliança do Pacífico (AP), um acordo de livre comércio entre Chile, Colômbia, México e Peru. Em termos de coordenação política, à OEA se sobrepôs a UNASUL e, ainda, a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA). Do ponto de vista da OTCA, é possível, portanto, construir o seguinte panorama (Quadro 1): Quadro 1 Formulado a partir dos sítios de internet oficiais das organizações em 14.07.2014. OTCA Bolívia Brasil Colômbia Equador Guiana Peru Suriname Venezuela ONU OEA X X X X X X X X X X X X X X X X Unasul X X X X X X X X Mercosul CAN AP X X X X X X X X Aladi OMC X X X X X X X X X X X X X X A multiplicação de fóruns políticos, mundiais e regionais, bem como de estruturas jurídicas que institucionalizam regimes internacionais de comércio e proteção ambiental, terminam por colocar a OTCA em uma encruzilhada estratégia: buscar protagonismo entre as organizações existentes, ou estruturar sua linha de ação em conformidade com seus limites históricos, normativos e institucionais. Para abordar tal questão é necessário, portanto, compreender e interpretar os textos fundamentais, as finalidades, as competências, as regras e as instituições desse sistema amazônico, o que se busca realizar adiante. 3 DOCUMENTOS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA INTERNACIONAL DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA Os principais documentos desse sistema são o Tratado de Cooperação Amazônica, de 1978, e o Protocolo de Emenda de 1998, que criou a OTCA. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 3.1 113 O Tratado de Cooperação Amazônica O pano de fundo histórico sobre o qual se firmou o Tratado, assinado em 1978, é bastante distinto do existente por ocasião do Protocolo Adicional de 1998. As dúvidas a respeito da integração regional e da Nova Ordem Econômica Internacional eram muitas e, depois da crise do petróleo, já se divisava um futuro pouco estável. Nesse sentido, passa a ser compreensível, portanto, o caráter tímido das disposições do TCA. A dimensão comercial e de integração regional haveria de ser cuidadosamente referida em razão da existência do Pacto Andino, pois, além da necessária compatibilização dos deveres de uma nova organização de integração amazônica com os sistemas de liberalização existentes (GATT, Alalc, e Pacto Andino4), havia também muito clara a preocupação em não se frustrar os efeitos pretendidos por esses sistemas em face da composição econômica brasileira. A acanhada dimensão política do TCA não deu margem a voos muito altos. A estrutura do Tratado, com um preâmbulo de oito parágrafos e vinte e oito artigos sem títulos ou qualquer outra divisão interna, é bastante clássica: Preâmbulo Exorta a soberania estatal sobre os territórios amazônicos de sua parte correspondente, e discorre sobre as intenções dos Estados quanto às finalidades e objetivos do acordo. Art. I e parágrafo único Descrevem as finalidades e os instrumentos Art. II Estabelece o âmbito territorial Arts. III a XIV Dispõem sobre aspectos materiais, como as ações esperadas das partes em vários setores Arts. XV a XVII e XX a Dispõem sobre aspectos institucionais XXV Arts. XVIII e XIX Dispõem sobre as relações com outros tratados internacionais Arts. XXVI a XXVIII Disposições finais sobre interpretação, idiomas oficiais, reservas, ratificação, vigor, duração, adesões e denúncia A seguir, a análise do Protocolo de Emenda, na qual será feita uma abordagem mais detalhada das finalidades e objetivos do TCA (arts. 1 e 2), dos aspectos dispositivos (art. 4), dos aspectos institucionais (art. 5) e da sua dinâmica jurídica (arts. 3, 6 e 7). 4 Todos com cláusulas de nação mais favorecida. 114 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola 3.2 Protocolo de Emenda Firmado aos 14.12.1998 em Caracas, o Protocolo de emenda (PE), com vigor internacional a partir de 02.08.2002, é composto de três artigos que se dedicam a reestruturação institucional do Tratado para a criação de uma Organização Internacional e o estabelecimento de Sede Permanente. Dessa forma, além de reafirmar os princípios e objetivos do TCA, o PE cria a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), pessoa jurídica de Direito internacional com capacidade para a celebração de acordos internacionais (explicitado no art. I). E estabelece alterações institucionais, a fim assegurar o estabelecimento de uma Secretaria Permanente para substituir o caráter rotativo originalmente estabelecido no TCA. A Sede Permanente da OTCA é estabelecida em Brasília e se consolida por meio do Acordo Sede, 2002, com o governo brasileiro, onde são previstas disposições sobre sua personalidade jurídica de Direito interno e as atribuições para a garantia de suas atividades, além de prever privilégios e imunidades diplomáticos aos seus representantes e proteção de suas instalações (art. II). 3.3 Finalidades do TCA Apesar das finalidades do TCA virem expressas em seu art. I, há diversas afirmações no preâmbulo que devem ser utilizadas para sua correta interpretação. De acordo com o art. 31 da Convenção das Nações Unidas sobre Direito dos Tratados, Viena 19695, para fins de interpretação de um Tratado é relevante seu contexto, objetivos e finalidades presentes no texto, assim como no preâmbulo e anexos. Complementarmente, é necessário ainda o exame dos costumes internacionais. Da inteligência do texto deduz-se que a principal finalidade, que orienta toda a estrutura do TCA, é a promoção do desenvolvimento, que abarca uma noção complexa de desenvolvimento, abrangendo o desenvolvimento amazônico6, o desenvolvimento humano7 e o desenvolvimento sustentável8. 5 6 Embora a Convenção de Viena não estivesse em vigor à época da assinatura do TCA, é pacífico o caráter costumeiro de suas regras sobre interpretação dos tratados. Dentre os membros do TCA, Bolívia e Venezuela não ratificaram a Convenção de Viena; Brasil ratificou em 2009, Equador e Guiana em 2005, Peru em 2000, Suriname em 1991 e Colômbia em 1985. No texto: “promover o desenvolvimento harmônico de seus respectivos territórios amazônicos”. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 3.4 115 Desenvolvimento Amazônico Há uma delimitação explícita no texto do tratado que restringe seu âmbito territorial de aplicação a espaços tipicamente amazônicos. Embora não se possa deduzir um princípio de unidade amazônica, é possível identificar, a partir de documentos internacionais recentes, a consideração de bacias internacionais como unidades sistêmicas para fins de gerenciamento do uso dos recursos hídricos. Nas Regras de Helsinque (1966) e nas Regras de Berlim (1991), é possível identificar a tendência de considerar as bacias como unidades de gestão de aproveitamento de recursos naturais. No mesmo sentido segue também a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito Relativo à Utilização de Cursos de Água para Fins Diversos dos de Navegação (Nova Iorque, 1997). Há, no entanto, dúvidas se esses textos poderiam ser equiparados a expressões de costume internacional, mesmo porque a realidade de cada bacia é bastante peculiar, sendo difícil identificar costumes internacionais universais (SOLA, 2012). O caráter regional revelado no texto do tratado se refere, sobretudo, a restrição do âmbito territorial de vigor. Por exemplo, as regras e princípios que regem as regiões fronteiriças amazônica Bolívia-Brasil não se aplicam para as regiões fronteiriças Bolívia-Brasil banhadas pelas águas da Bacia do Prata. 3.5 Desenvolvimento Humano O desenvolvimento humano é medido pelo índice correspondente, o IDH, anualmente calculado pelo PNUD desde 1990. O texto do TCA é de 1978, portanto, dizer que o desenvolvimento humano se refere ao IDH seria, no mínimo, anacrônico. Pode-se, porém, obter o sentido de equivalência da análise do texto “resultados equitativos e mutuamente proveitosos” para as pessoas localizadas na região coberta pelo acordo. Dessa forma, o proveito do desenvolvimento pode ser compreendido como referente a melhorias do padrão de vida na região, o que atualmente se mede pelo IDH. Com efeito, há vários dispositivos no tratado que direcionam a promoção de benefícios para as populações locais: Art. VIII – cooperação na área de saúde e saneamento; Art. X – infraestrutura de transporte e comunicações; 7 8 No texto: “resultados equitativos e mutuamente proveitosos”. No texto: “a preservação do meio ambiente e a conservação e utilização racional dos recursos naturais destes territórios”. 116 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola Art. XI – emprego racional de recursos humanos; Art. XII – facilitação do comércio varejista nas regiões fronteiriças; e Art. XIV – conservação das riquezas etnológicas (embora o art. XIII ressalte que a cooperação turística deve ser “sem prejuízo das disposições nacionais de proteção das culturas indígenas” – itálico agregado). Embora a preocupação imediata com o bem estar das populações locais não possa ser imediatamente compreendida como geradora de qualquer direito subjetivo individual ou coletivo a seus membros, revela que a promoção do desenvolvimento capaz de melhorar a vida das populações se dá com a ampliação do acesso à oferta pública de bem estar (saúde-saneamento-infraestrutura) e como proteção de valores localmente produzidos (recursos humanos-comércio local-riquezas etnológicas). Nesse sentido, é preciso destacar que, embora os resultados equitativos devam ser prioritariamente compreendidos como referentes às relações entre os Estados, o caráter de proveitoso só pode ser mensurado com a referência específica à qualidade de vida na região. Quando, no texto do preâmbulo, o tratado esclarece que “o desenvolvimento harmônico da Amazônia que permita uma distribuição equitativa dos benefícios de tal desenvolvimento entre as Partes Contratantes” fortalece a posição de que o desenvolvimento humano que se busca é, sobremaneira, aquele promovido pelas autoridades nacionais, e não resulta imediatamente da promoção internacional. No mesmo sentido, deixa claro que “o desenvolvimento socioeconômico (...) [é responsabilidade inerente] à soberania de cada Estado” quando se refere ao propósito de “elevar o nível de vida de seus povos”. A extensão ao desenvolvimento humano é mais uma construção interpretativa do texto do que algo que se possa expressamente ser elencado dentre as preocupações originais do tratado, pois, ao se referir à equidade e proveito, o que buscava era a limitação do uso do TCA como um instrumento de dominação ou imperialismo. O evidente desequilíbrio estratégico econômico em favor de países maiores, especialmente o Brasil, gerou, à época, preocupações de que o pacto amazônico poderia servir para diluir a solidariedade andina e conferir vantagens desproporcionais ao mais forte, daí, portanto, a necessidade de ressaltar a equidade e os benefícios mútuos. 3.6 Desenvolvimento Sustentável Ao estudar a noção de desenvolvimento sustentável, pode parecer que estamos mais uma vez tratando de algo anacrônico, visto que ela aparece Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 117 no relatório Nosso Futuro Comum (ONU, 1987), aproximadamente dez anos depois do TCA (1978). Não obstante, a Declaração de Estocolmo (ONU, 1972) antecede há mais de cinco anos o texto do tratado, e traz no Princípio 1 a preocupação de “defender e melhorar o meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras”. No entanto, não se pode deixar de destacar que a percepção dos países em desenvolvimento sobre o esforço da ONU, em incluir a problemática ambiental no cenário internacional, era de que se tratava de uma manobra dos países desenvolvidos para contornar o crescimento dos subdesenvolvidos, e no que se refere ao controle soberano dos Estados, limitar as estratégias e autonomias nacionais através da criação de regimes internacionais (COSTA, 2001). Dessa forma, a inclusão da preservação do meio ambiente e a conservação e utilização racional dos recursos naturais amazônicos, no texto de tratado, foi bastante cautelosa e resguardou a soberania permanente dos signatários sobre seus recursos naturais. Revelando que, a respeito da proteção ambiental, esta deve estar articulada com o desenvolvimento econômico e humano, e orientada pelas políticas nacionais embasadas na soberania territorial. A percepção que se tem é que a inclusão do tema foi mais uma tentativa de preventivamente tratar da problemática ambiental de dentro do TCA, cujo caráter é de resguardo da soberania nacional, antes de ser articulada de fora para dentro. 3.7 Desenvolvimento Nacional e Soberano como Finalidade A principal finalidade do TCA é o desenvolvimento da região. Não obstante, resulta claro e articulado que esse é um tema claramente percebido como nacional, pautado pelo integral respeito mútuo da soberania dos países signatários sobre o território e recursos naturais aí existentes. Dessa forma, os qualificativos do desenvolvimento são mais restritivos do que extensivos, se aplica apenas para a região Amazônica, seja em face dos cossignatários, seja em face de terceiros que pudessem vir a divisar alguma aceitação de costume ou princípio. A expressão “resultados equitativos e mutuamente proveitosos”, pelo menos originalmente, é fruto mais da desconfiança mútua e do temor acautelatório contra hipotéticos regimes jurídicos internacionais que limitassem a soberania nacional do que do entendimento de que a cooperação internacional ajudaria no desenvolvimento da região. Não sem razão que o instrumento geral previsto pelo TCA é a realização de “esforços e ações conjuntas” (art. 1), sem nenhum compromis- 118 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola so claramente definido ou institucionalizado, a fim de empreender uma dinâmica regional mais vigorosa ao desenvolvimento amazônico. O texto conserva a crença de que os meios normais de atuação dos Estados decorrem do estrito exercício da soberania nacional, em todas as dimensões, e de que a efetivação de políticas de desenvolvimento é gerada a partir das economias nacionais. A seguir, a análise dos artigos operativos apontará exatamente nessa direção, o estabelecimento de um quadro geral para o emprego de ações de cooperação pautado pelo respeito à soberania e às políticas nacionais. 4 DISPOSIÇÕES MATERIAIS O texto do TCA é claramente exortatório, nesse sentido, reafirma a necessidade de cooperação para diversos setores como navegação, turismo, ciência e tecnologia, infraestrutura e saúde, sem, no entanto, identificar instrumentos específicos. Com relação à liberdade de navegação e a soberania permanente sobre os recursos naturais, no entanto, é um pouco mais assertivo, sem, porém, inovar nas disposições. 4.1 Disposições Exortatórias A maior parte do articulado dispositivo do TCA é exortatório. São expressões de encorajamento e incentivo como: “cooperarão”, “esforçar-se-ão para”, “procurarão empenhar esforços”, “empreenderão, se for o caso”, “estudarão”, “decidem promover a coordenação”, “comprometem-se a estudas”, “concordam em estimular a realização e estímulos” e “reconhecem a utilidade de”. Essa linguagem se baseia numa cooperação internacional mais ao arbítrio de oportunidade e conveniência dos Estados do que em obrigações convencionais assumidas. Há uma grande gama de setores envolvidos, como: utilização dos recursos hídricos (art. V), infraestrutura de navegação (art. VI), aproveitamento da fauna e flora (art. VII), saúde e saneamento (art. VIII), ciência e tecnologia (art. IX), transporte e comunicações (art. X), recursos humanos e naturais (arts. XI), comércio varejista em região de fronteira (art. XII), turismo (art. XIII), riquezas etnológicas e arqueológicas (art. XIV). Dentre essas, a única obrigação especificamente assumida no texto está prevista na alínea “b” do art. VII: “Estabelecer um sistema regular de intercâmbio adequado de informações sobre as medidas de conservação que cada Estado tenha adotado ou adote em seus territórios Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 119 amazônicos, os quais serão matéria de um informe anual apresentado por cada país”. Nota-se que a norma não cria a necessidade de qualquer notificação prévia referente ao uso dos recursos soberanos de um Estado e que possam vir a afetar o equilíbrio ecossistêmico no território de outro Estado, mas apenas prevê a apresentação anual de um relatório sobre as medidas de conservação adotadas. 4.2 Navegação O art. III9 do tratado não cristaliza a abertura do Amazonas e demais rios amazônicos internacionais à navegação de maneira definitiva, do contrário, confirma as práticas já consagradas em atos unilaterais e acordos bilaterais, pautadas por princípios e regras de Direito internacional. Há que se destacar que navegação não é uso coberto pela Convenção de Nova Iorque de 1997, mas pela Convenção de Barcelona de 1921, à qual não se vincula nenhuma das Partes do TCA. Ainda, sendo a navegação, a princípio, um tipo de uso não consumptivo e de baixa rivalidade, há a tendência de se encontrar regras e princípios internacionais mais relevantes no que se relaciona com a jurisdição e defesa. Efetivamente, a regra geral do Direito internacional a respeito da jurisdição estatal é a de que esta segue a do Estado ribeirinho e, nos trechos de fronteira, se estendem da margem até o meio da corrente (CASELLA, 2009). A abertura unilateral brasileira para a navegação é antiga, vem expressa no Decreto Imperial 3.749, de 1866, “aos navios mercantes de todas as nações a navegação do rio Amazonas até a fronteira do Brasil”, abrangendo assim o trecho do Solimões de Manaus até a fronteira, ao mesmo tempo em que o Tocantins se abria até Cametá, o Tapajós até Santarém, o Madeira até Borba e o Negro até Manaus. O Legislativo da época, depois de anos de acalorados debates a respeito da exigência ou não de reciprocidade ou de acordos internacionais, resolveu não se pronunciar sobre o tema. Essa decisão se deveu mais a pressão de potencias europeias e dos Estados Unidos do que dos países ribeirinhos (GREGÓRIO, 2008). Ressalte-se novamente: a abertura do Amazonas, feita em 1866, não estabelecia exigência de qualquer acordo ou mesmo de reciprocidade; isso, porém, jamais poderia ser interpretado como impedindo, independen9 “Asseguram mutuamente com base na reciprocidade a mais ampla liberdade de navegação comercial no curso do Amazonas e demais rios amazônicos internacionais”. 120 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola temente de qualquer justificativa ou motivação e a qualquer momento, que o Brasil viesse a regular, mitigar ou revogar a abertura concedida. Decerto, em que pese não haver sido revogado tal Decreto, sua aplicação vem se transformando sobremaneira ao longo do tempo. Esse tipo de permissão unilateral para a navegação dos rios internacionais, que podem abranger todas as nações do mundo, possui um caráter precário, ou seja, podem ser levantadas, mitigadas ou reguladas a qualquer tempo, por se tratarem de atos de mera cortesia internacional. Nesse sentido, o TCA inova quando estabelece a liberdade de navegação para todas as Partes Contratantes, ou seja, mediante acordo internacional exclui o caráter precário da autorização unilateral, ao mesmo tempo que estabelece obrigações equivalentes para todos. Mas, pergunta-se, o que efetivamente está coberto na garantia do art. III do TCA? Embora, num primeiro momento, o leitor mais desavisado do caput do artigo possa ter a impressão de que as embarcações e empresas dos países ribeirinhos podem operar livremente o transporte de cargas e passageiros pelos cursos d’água cobertos pelo acordo, a observação atenta do parágrafo único não deixa dúvida da exceção feita à navegação de cabotagem. Cabotagem10 é a navegação que ocorre entre dois portos no mesmo país. Dessa forma, torna-se impossível a uma embarcação de companhia de outro país ribeirinho operar livremente o transporte de cargas e passageiros de um porto a outro do país, invocando direito subjetivo a partir do disposto no TCA. Na cabotagem, as leis e autoridades regulatórias de cada país estabelecem seus critérios próprios para a outorga, permissão ou concessão de navegação. No caso brasileiro, a Antaq é quem outorga a navegação de cabotagem, que só pode ser concedida a Empresa Brasileira de Navegação. Essa disposição, no entanto, não restringe o tráfego a embarcações brasileiras, uma vez que as embarcações de bandeiras estrangeiras podem ser fretadas por compa10 Interessante a explicação de Lassa Oppenheim (1920, p. 336) a respeito da cabotagem (tradução do autor): “O estado do litoral pode, na ausência de tratados especiais em contrário, excluir as embarcações da navegação e do comércio ao longo de sua costa, a chamada cabotagem, reservando-a exclusivamente para suas próprias embarcações. Cabotagem significava, originalmente, a navegação e o comércio entre portos ao longo da mesma faixa costeira, a qual pertenceria a um único Estado. No entanto, o termo cabotagem ou comércio costeiro, como empregado em tratados comerciais, compreende agora o comércio marítimo entre dois portos do mesmo país, a despeito de que estejam na mesma ou em diferentes costas, sempre que as diferentes costas sejam, todas elas, do mesmo país como uma unidade política e geográfica, diferentemente das costas de dependências coloniais de tal país”. Já o próprio Oppenheim (1920, p. 356) utiliza o mesmo termo para transporte aéreo, uso que se ampliou e concretizou para as mais diversas formas de transporte. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 121 nhia brasileira, no caso de não existirem embarcações nacionais nas mesmas condições à disposição ou o afretamento seja em substituição a embarcação em construção em estaleiro brasileiro (Resolução Antaq 2.920/13). O que existe garantido aos Estados signatários no texto do tratado e limitado à reciprocidade, portanto, é o direito a transitar pelas águas da Bacia do Amazonas, bem como o direito de parar num único porto para a realização de entrega de cargas ou desembarque de passageiros. Resta saber, no entanto, se um desses Estados pode suspender imotivada, unilateral e discriminatoriamente os direitos à navegação concedidos mediante o TCA. Essa é uma dúvida que, para ser dirimida, depende da operação da regra de reciprocidade prevista no tratado. De fato, a noção geral de reciprocidade se refere à reação em face de uma ação lícita, mas percebida como prejudicial; por exemplo: quando um país passa a exigir visto consular aos turistas de certa nacionalidade, seu Estado pode reciprocar, fazendo a mesma exigência ou tomando qualquer outra medida igualmente lícita. É também usual compreender a reciprocidade como uma resposta positiva resultante de um benefício recebido. Não pode, porém, ser compreendida como sanção de Direito internacional, uma vez que não responde a ilícito de qualquer natureza. Fosse esse o caso, falar-se-ia em retaliação ou retorsão. No contexto do TCA, a afirmação da garantia recíproca de liberdade de navegação tem sentido específico. Primeiro, o tratado assegura mutuamente a mais ampla liberdade de navegação, conferindo, portanto, um direito às contrapartes o de que suas embarcações naveguem livremente pelas águas cobertas pelo acordo. Essa liberdade é condicionada à reciprocidade e pode ser negada sem implicar ato ilícito internacional, sempre que for negada pela contraparte em questão. O impedimento unilateral e imotivado, porém, deve ser compreendido como ilícito internacional, dando lugar não apenas à suspensão do direito, mas a outros tipos de sanção. Dessa forma, inova o art. III, sobretudo, ao dar garantia convencional aos Estados ribeirinhos em face da ampla liberdade de navegação de longo curso, gozada por todas as nações. 4.3 Soberania sobre os Recursos Naturais O art. IV reafirma o princípio conforme o qual “o uso e o aproveitamento exclusivo dos recursos naturais (...) é direito inerente à soberania do Estado”, além de ressaltar que seu exercício “não terá outras restrições que as resultantes do Direito Internacional”. 122 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola Com efeito, a afirmação histórica de um princípio internacional de soberania permanente sobre os recursos naturais é longa e complexa (SCHRJIVER, 1997; COSTA, 2006; 2010). O princípio passa a ser afirmado com o objetivo de legitimar juridicamente a ruptura de contratos e tratados para a explotação de recursos naturais, inseridas nas relações coloniais que predominaram até a II Guerra Mundial. Quando da assinatura do TCA, as tensões em torno da Nova Ordem Econômica estavam no auge, e a reafirmação do princípio da soberania se colocava como típica entre os países em desenvolvimento e detentores de amplos recursos naturais, a fim de buscar receber a justa contrapartida à exploração dos recursos naturais. Desde o ponto de vista de uma interpretação gramatical, o uso privilegiado do verbo “proclamar” revela a intenção de nada inovar a respeito da soberania permanente sobre os recursos naturais, o que é consistente com o contexto e com uma abordagem estrutural. No entanto, a opção por um texto convencional de caráter proclamatório ou declaratório não implica qualquer forma de congelamento do Direito internacional costumeiro, e o que quer que se modifique em relação a tal princípio neste campo apenas poderia, eventualmente, ser evitado mediante a objeção consistente. Também as doutrinas internacionais a respeito do uso dos corpos d’água internacionais vêm se modificando com o tempo. Isso é o que revela a própria Convenção de Nova Iorque de 1997, recentemente iniciando seu vigor, no sentido de ir afastando a doutrina Harmon para reconhecer os direitos ao uso dos recursos compartilhados, cuja quantidade e qualidade deve ser mantida (SOLA, 2012). Assim, ao destacar o “uso racional” (art. V) dos recursos, o próprio TCA parece fazer parte desta tendência. 4.4 Obrigações e Direitos Assim como o TCA pouco inova na criação de regras gerais, tampouco estabelece obrigações específicas para seus membros. Limita-se, mediante a já mencionada linguagem exortatória, a repetir a crença na soberania das Partes Contratantes como melhor ponto de partida para promover o crescimento econômico da região, fazendo com que os Estados “incorporem plenamente estes territórios amazônicos a suas economias nacionais” (art. X); expressa, portanto, a noção de integração da Amazônia ao sistema político e econômico de cada país como o melhor destino para a região. Do mesmo modo, evita claramente estabelecer quaisquer direitos que sejam diretamente de titularidade ou gozo de entidades diversas dos Estados, sejam indivíduos, empresas, povos indígenas, comunidades tradicio- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 123 nais ou organizações da sociedade civil. Cauteloso, o texto nem visa estabelecer formas de integração jurídica ou econômica regional, ou se adiantar para além do estrito exercício da soberania estatal como seu instrumento de busca das finalidades e implementação dos objetivos. Portanto, nem cria obrigações específicas para as Partes Contratantes – cuja plena capacidade de ação nos limites territoriais soa como mantra por todo tratado – nem estabelece quaisquer posições jurídicas para sujeitos de Direito internacional ou de Direito interno diversos dos Estados. 5 ASPECTOS INSTITUCIONAIS Os objetivos pouco ousados, bem como a instrumentalização mediante o recurso exclusivo à soberania estatal, são coerentes com a estrutura institucional reduzida e voltada a uma forma não impositiva de troca de informações e realização de estudos. Toda cooperação, portanto, passa pela deliberação específica de cada Parte Contratante, mesmo que isso seja facilitado por foros multilaterais. O art. XV estabelece a importância da cooperação, mas já o artigo seguinte deixa claro haver prioridade dos projetos estritamente nacionais, pois “as decisões e compromissos adotados pelas Partes Contratantes na aplicação do presente Tratado não prejudicarão os projetos e iniciativas que executem em seus territórios”. O art. XVII, por seu turno, se limita a propugnar pela realização de estudos na região. Em termos de fluxo de informações, mesmo estabelecendo obrigatoriedade de relatórios ambientais anuais (art. VII, “b”), nada se estrutura institucionalmente e não há qualquer órgão com um traço que seja de independência técnica sequer, o que dizer de autonomia política ou administrativa. Todas as formas de cooperação previstas dependem da ocasião e do interesse específico, podendo se concretizar envolvendo conjuntos reduzidos de Estados. Há, portanto, apenas um foro que espera, do futuro, o estreitamento da cooperação. Isso não parece ter, porém, ocorrido até o PE, que, fiel à flexibilidade e conservação dos poderes e direitos soberanos, cria uma Organização Internacional e estabelece uma Secretaria Permanente, com sede em Brasília, com poucos efeitos sobre um eventual aprofundamento dos laços, compromissos e obrigações dos participantes. O art. XX do TCA estabelece como instância organizacional máxima as Reuniões de Ministros de Relações Exteriores. Não se estabelece, porém, periodicidade mínima das reuniões, as quais podem ser pedidas por qualquer das Partes. Na prática, sua frequência é bastante irregular: 1980, 124 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola 1983, 1989, 1991, 1995, 2000, 2002, 2004, 2005, 2010 e 201111; 11 reuniões em 36 anos, ou seja, menos que uma a cada três anos. Este órgão pode adotar decisões para a realização dos fins propostos mediante voto unânime, ou seja, a manifestação positiva de todas as Partes Contratantes. O Conselho de Cooperação Amazônica é um órgão executivo, embora de natureza meramente periódica, devendo haver reuniões anuais e, potencialmente, extraordinárias. Não obstante, houve apenas 14 reuniões até o presente, a última em novembro de 201012, pouco menos que uma a cada três anos e com intervalos de até cinco anos. Zela pelo Tratado e pelas decisões do Conselho de Ministros. Pode recomendar reuniões do órgão supremo e considerar iniciativas e projetos. Também segue a regra da unanimidade para a adoção de decisões. O órgão institucional permanente é a Secretaria, que era rotativa e, a partir do PE, estabeleceu sua sede em Brasília. Isso facilita a gestão dos projetos e estudos realizados sob a égide da OTCA, facilitando a circulação de informações e o apoio material às atividades e estudos. Também há, instituídas em conformidade com os critérios e estrutura administrativos de cada um dos membros, as Comissões Nacionais Permanentes (TCA, art. XXII), as quais devem servir como pontos de apoio para o cumprimento do tratado e das decisões. No Brasil, por exemplo, a CNP tem a Presidência do Ministério de Relações Exteriores e conta com membros permanente da Casa Civil e onze outros ministérios: Ciência e Tecnologia, Comunicações, Defesa, Desenvolvimento, Educação, Justiça, Meio Ambiente, Planejamento, Saúde, Transportes e Turismo. Representantes da sociedade civil brasileira são normalmente chamados a tomar parte nas reuniões, mesmo não sendo membros13. Há, finalmente, comissões especiais que têm sua criação prevista no TCA, art. XXIV. São sete, hoje: Cesam (saúde), Ceaia (assuntos indígenas), Cemaa (meio ambiente), Ceeda (educação), Cecta (ciência e tecnologia) Cetura (turismo) e Ceticam (transporte e comunicações). Conforme o sítio da OTCA na rede mundial de computadores14, há mais de dez anos nenhuma dessas comissões se reúne, sendo que a reunião mais recente foi da Cesam em junho de 2002; a Ceaia e a Ceticam se reuniram pela última vez em 1995. 11 12 13 14 Dados em: <http://otca.info/portal/reuniao-de-ministros.php?p=otca>. Acesso em: 09 set. 2014. Dados em: <http://otca.info/portal/conselho-coop-amazonica.php?p=otca>. Acesso em: 09 set. 2014. Informações em: <http://kitplone.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-20032010/1.1.4-america-do-sul-otca>. Acesso em: 20 abr. 2014. <http://otca.info/portal/comissoes-especiais.php?p=otca>. Acesso em: 20 abr. 2014. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 125 De fato, o sistema TCA/OTCA se estrutura na forma de uma organização internacional clássica de cooperação, com órgãos com baixa capacidade normativa, em decorrência da exigência de unanimidade e da reafirmação claríssima da possibilidade de cada membro atuar da maneira que lhe seja circunstancialmente mais conveniente. As únicas transformações significativas do PE – criação formal de organização internacional e estabelecimento de sede permanente para a Secretaria – não alteram o caráter flexível da estrutura orgânica, o qual é perfeitamente adequado ao baixo grau de inovação normativa, ausência de obrigações específicas dos Estados, ausência de atribuições de direitos a outros sujeitos e preocupação com a manutenção integral da soberania. 6 CONCLUSÃO O TCA e o PE estabelecem um sistema de cooperação internacional para os territórios amazônicos das Partes Contratantes. Esta se pauta pela finalidade de promover o desenvolvimento e na crença na cooperação entre Estados soberanos como sua facilitadora. Desse modo, reafirma-se vigorosamente a soberania nacional sobre os territórios amazônicos e os recursos naturais aí existentes, reservando aos Estados a capacidade de regulamentar e realizar ações para sua exploração e explotação, bem como para qualquer política voltada a gerar desenvolvimento mediante a integração da sociedade e economia regionais às da nação. Não obstante o reconhecimento do Direito internacional como quadro normativo em que tal cooperação se insere, predominam claramente os esforços nacionais e reserva-se qualquer iniciativa conjunta aos juízos de oportunidade das Partes Contratantes. O conteúdo dispositivo do TCA é quase integralmente exortatório, embora exista o estabelecimento de liberdade de navegação, com garantia de passagem e franquia comercial para longo curso, excluída a cabotagem. Tais direitos, submetidos a regra de reciprocidade e garantidos em patamar inferior ao que efetivamente se pratica para as mais diversas nações, não chega a se revelar um instrumento instituidor de novas práticas e direitos. Constitui, porém, salvaguarda importante, já que coloca as Partes Contratantes em patamar diverso dos países favorecidos por liberdades unilateralmente concedidas. Sua estrutura orgânica e normativa é consistente com as finalidades e instrumentos previstos no tratado. Mesmo com a criação da OTCA e de sua secretaria permanente, sediada em Brasília, não houve qualquer renovação dos impulsos políticos ao processo de cooperação internacional regional, 126 José Augusto Fontoura Costa e Fernanda Sola embora se deva ressaltar que a coordenação e desenvolvimento de estudos e projetos foi sobremaneira facilitada pela nova estrutura. Ao que tudo indica, portanto, o emprego da estrutura atual não seria suficiente para que se buscasse alçar voos políticos e econômicos elevados a partir dessa organização. Em termos de livre comércio, o histórico e as tendências regionais demonstram uma já complexa sobreposição de acordos, bem como uma ausência de Guiana e Suriname do acordo da Aladi, que é reveladora de uma história de estratégias divergentes para o comércio como instrumento de desenvolvimento regional. Não é de se esperar o surgimento de uma nova organização de integração. Em termos políticos, não há nada que indique a possibilidade de as reuniões da OTCA se converterem em âmbitos privilegiados para o debate de questões sensíveis. A presente divergência ideológica entre os países e o peso relativamente pouco significativo das questões amazônicas na agenda de alguns dos principais países apontam nessa direção. Talvez se pudesse buscar mais terreno no campo ambiental, o que também se choca com outros acordos e organizações globais e regionais. Não obstante, a importância da área para temas referentes à água doce, aquecimento global e biodiversidade talvez facilitem a busca de consensos e solução de problemas em âmbito especificamente amazônico. A tendência de coordenar ações e estudos, principalmente nessa área, talvez venha a se revelar mais forte e persistente, o que poderá vir a ser importantíssimo para o desenvolvimento da região e do continente. 7 REFERÊNCIAS BROWNLIE, I. The methodological problems of international law and development. Journal of African Law, 1982. n. 26. p. 8-11. CASELLA, P. B. Direito internacional dos espaços. São Paulo: Atlas, 2009. COSTA, J. A. F. Aspectos fundantes da Conferência de Estocolmo de 1972. In: DERANI, C.; COSTA, J. A. F. (Orgs.). Direito Ambiental Internacional. Santos: Leopoldianum, v. 1, p. 10-27, 2001. _____. 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III 129 O TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA: UMA ANÁLISE HISTÓRICOCONSTRUTIVISTA EM PROL DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Elcio Nacur Rezende1 Maraluce Maria Custódio2 Sumário: 1. Introdução; 2. A Amazônia: Breve Análise; 3. O Tratado de Cooperação Amazônica; 4. A Soberania; 5. Gabriel Ferrer e a Sustentabilidade; 6. Considerações Finais; 7. Referências. 1 INTRODUÇÃO Os problemas ambientais são uma das grandes preocupações de toda a sociedade mundial desde a década de 60, principalmente no que se refere aqueles provocados pela ação humana. Tal preocupação tem conduzido à reflexão e busca de soluções para garantia das futuras gerações. A Declaração de Estocolmo de 1972 é o marco jurídico inicial que vai influenciar todas as nações nessa proteção, ao trazer a primeira noção de meio ambiente como todo e sua importância, além de apresentar os primeiros princípios ambientais, que serão introspectados pelas constituições nacionais, demonstrando o giro epistemológico dos anseios da população. Na Convenção de Estocolmo, é levantada a questão da gestão internacionalizada dos ambientes naturais ainda existentes no mundo, o que foi 1 2 Mestre e Doutor em Direito. Coordenador e Professor do Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara (Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável). E-mail: [email protected] Mestre em Direito e Doutora em Geografia. Professora do Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara (Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável). 130 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio compreendido como uma possibilidade de intervenção na soberania dos países que os detinham, que, por acaso, em sua maioria, eram países em desenvolvimento, inclusive o Brasil. Partindo da preocupação com a soberania nacional e a defesa dos recursos naturais da Amazônia, o Brasil – ainda sob a égide do regime militar – propôs e negociou com os países amazônicos a criação de um tratado multilateral de escopo fechado, que abarcasse as regiões vinculadas à bacia do rio Amazonas e sua área de influência. Surgiu, assim, o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), celebrado em Brasília, em 03.07.1978 e em vigor desde 05.08.1980. Este instrumento de Direito Internacional visa promover o desenvolvimento da bacia amazônica, buscando uma melhora do modo de vida dos povos ali residentes, da integração da região às respectivas economias nacionais, com troca de experiências e tecnologias, tentando realizar o desenvolvimento sustentável regional. O TCA busca a promoção da pesquisa científica e tecnológica, o intercâmbio de informações, a utilização racional dos recursos naturais, a liberdade de navegação nos rios amazônicos, a proteção da navegação e do comércio, a preservação do patrimônio cultural, os cuidados com a saúde, a criação e a operação de centros de pesquisa, o estabelecimento de uma adequada infraestrutura de transportes e comunicações, o incremento do turismo e comércio fronteiriço e, principalmente, reafirma a soberania dos países signatários, incentivando e orientando o processo de integração e cooperação entre os mesmos (OTCA, 2014). A Amazônia é considerada fundamental para o equilíbrio da Terra e para o meio ambiente, por ser essencial para o regime de chuvas e clima do planeta, além de abrigar uma infinidade de espécies vegetais e animais, que são vistas como uma reserva de recursos naturais inestimáveis tanto para a biotecnologia quanto como patrimônio ambiental. A Amazônia, em termos biogeográficos, é floresta latifoliada úmida que cobre a maior parte da Bacia Amazônica da América do Sul. É também conhecida como Floresta Amazônica, Selva Amazônica, Floresta Equatorial da Amazônia, Floresta Pluvial ou Hileia Amazônica. Abrange sete milhões de quilômetros quadrados, dos quais cinco milhões e meio de quilômetros são cobertos pela floresta tropical, que está dispersa nos territórios de nove nações. De natureza transfronteiriça, para garantia de sua proteção, tornou-se imprescindível fazer um tratado que possibilitasse o trabalho conjunto para o uso e a proteção do bioma amazônico e para a adoção de políticas públicas de proteção, que produzissem normas aptas a regulamentar e instituir Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 131 instrumentos que vinculassem os países à obrigação de implementar políticas capazes de promover o desenvolvimento sustentável. Mas, apesar do TCA e da necessidade de proteção, ainda há um forte conceito tradicional de soberania arraigado tanto na feitura quanto na manutenção do Tratado, o que por vezes dificulta a proteção efetiva e concertada do todo amazônico. Assim, pretende-se estudar o Tratado de Cooperação Amazônica compreendendo suas propostas e sua implantação, para, ao fim, demonstrar que sua implementação, como está sendo realizada, não tem sido suficiente para garantir a efetividade da proteção da Amazônia. Por isso, a proposta do presente trabalho é de modificar o TCA e alterar a função da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTAC. Este passaria a ser um órgão supraestatal na concepção de Ferrer (2013), relativizando a soberania tradicional para garantia de um meio ambiente que é de todos e que precisa de uma politica comum de proteção. Nesse sentido, utilizou-se o método dedutivo, tendo como marco teórico o pensamento de Gabriel Real Ferrer, o qual propõe a aplicação do princípio da solidariedade de forma a atribuir a entes supra estatais a gestão de meio ambientes essenciais, como a Amazônia, retirando a dominação do que o autor chama de “gen egoísta” quando se refere a um interesse que é de todos, ou seja, o meio ambiente (FERRER, 2013). Para tanto, inicialmente será realizada uma breve análise da Amazônia e como se configura, para posteriormente se compreender o que é o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) e sua evolução. Posteriormente, buscar-se-á compreender um pouco e rapidamente o que seria soberania, para concluir pela modificação do Tratado, relativizando um pouco a soberania, o que seria a forma de garantir o interesse comum de toda a sociedade e do povo dos países envolvidos que é a proteção da Amazônia. 2 A AMAZÔNIA: BREVE ANÁLISE A Amazônia está quase que totalmente inserida dentro da bacia hidrográfica do rio amazonas (maior bacia hidrográfica do mundo), que abrange uma área de 7 milhões de km², compreendendo terras de vários países da América do Sul (Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Bolívia e Brasil). A formação da Bacia Amazônica está relacionada a uma sequência de eventos geológicos que ocorreram no passado, há aproximadamente 420 milhões de anos atrás (FUNDO AMAZÔNIA, 2013). 132 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio De clima equatorial quente e úmido, sua temperatura varia pouco durante o ano. É uma região de chuvas abundantes, com precipitações anuais que variam de 1 500 mm a 1 700 mm, podendo ultrapassar 3 000 mm na foz do rio Amazonas e no litoral do Amapá. Seu período de chuva dura em torno de seis meses no ano (FUNDO AMAZÔNIA, 2013). O solo amazônico é bastante pobre, formado apenas de uma fina camada de nutrientes, que se mantém em virtude do estado de equilíbrio do ecossistema, onde o aproveitamento de recursos é otimizado, havendo um mínimo de perdas (CÁUPER, CÁUPER, BRITO, 2006). Por isso a importância das raízes que garantem uma absolvição rápida dos nutrientes. [...] imaginou-se que os solos amazônicos fossem férteis devido à exuberância da floresta que existe sobre eles. Mas inúmeras experiências demonstram que, quando se derruba a floresta e pratica-se a agricultura, o solo vai perdendo sua fertilidade e empobrecendo. Isso ocorre porque é a floresta que mantém a reposição de minerais e matéria orgânica do solo [...] a vegetação densa e fechada protege o solo da erosão causada pelas chuvas, impedindo que uma quantidade grande de minerais seja carregada pelas enxurradas [...] É por isso que se diz que a vegetação vive por si própria na Amazônia, pouco dependendo do solo. (CARVALHO,1999, p. 33) O termo Amazônia significa, dentro deste contexto, a Grande Amazônia, Amazônia Internacional, ou seja, para o presente artigo Amazônia será toda a região de influência da Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas, critério adotado pelo TCA em seu art. 2º: O presente Tratado se aplicará nos territórios das Partes Contratantes na Bacia Amazônica, assim como, também, em qualquer território de uma Parte Contratante que, pelas suas características geográficas, ecológicas ou econômicas, se considere estreitamente vinculado à mesma. (OTCA, 2014) A bacia hidrográfica do Rio Amazonas é estimada em 7.350.621 km², e segundo esse critério, não fazem parte da região o Suriname, a Guiana Francesa e tampouco a Guiana, uma vez que seus rios desembocam diretamente no oceano Atlântico. Não obstante, levado em consideração o critério do ecossistema, ou o domínio da Hileia Amazônica – que tem sua constituição influenciada pela Bacia do Rio Amazonas – a região toda é definida pela predominância da floresta tropical úmida com altas temperaturas, assim, mesmo áreas fora da bacia hidrográfica como o Suriname, fariam parte da Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 133 região, agregando ainda as Guianas e maiores áreas da Venezuela, formando uma área total aproximada de 5.897.795 km². No Brasil, a definição legal da chamada Amazônia Legal Brasileira, é dada pela Lei Federal 1.806/53, que dispõe: Art. 2º. A Amazônia brasileira, para efeito de planejamento econômico e execução do Plano definido nesta lei, abrange a região compreendida pelos Estados do Pará e do Amazonas, pelos territórios federais do Acre, Amapá, Guaporé e Rio Branco e ainda, a parte do Estado de Mato Grosso a norte do paralelo de 16º, a do Estado de Goiás a norte do paralelo de 13º e a do Maranhão a oeste do meridiano de 44º. (BRASIL, 1953) Em termos físicos, a Amazônia ocupa 5% da superfície terrestre, o equivalente a 7,01 milhões de km² e ocupa um terço das florestas tropicais do planeta, concentrando 50% da biodiversidade do mundo, situada em sua maior parte em terras brasileiras (PAIVA, 2006). O povoamento da Amazônia, a partir da colonização, se fez de forma muito lenta e somente a partir da década de 70, o Estado Brasileiro assumiu a responsabilidade de efetivar uma ocupação e proteção da Amazônia. Nas palavras de Bertha K. Becker: A ocupação da Amazônia se torna prioridade máxima após o golpe de 1964, quando, fundamentado na doutrina de segurança nacional, o objetivo básico do governo militar torna-se a implementação de um projeto de modernização nacional, acelerando uma radical reestruturação do país, incluindo a redistribuição territorial de investimento de mão-de-obra, sob forte controle social. (BECKER, 1990, p. 36) Preocupado com a questão da soberania sobre a Amazônia, após ser aventada sua internacionalização e consequente perda de soberania, usava-se à época o bordão “Integrar para não entregar” (GARCIA, 2011, p. 78). E ainda, buscando o desenvolvimento transfronteiriço, em 1978, o Itamaraty, através de seu embaixador Rubens Ricupero, no governo do então presidente Ernesto Geisel, empreendeu negociações que levaram a assinatura do Tratado de Proteção Amazônica, que buscou, dentre outras, a exploração racional das riquezas amazônicas e a proteção do território, o qual atraiu a atenção internacional por sua biodiversidade e importância para a manutenção do equilíbrio do planeta. Sem dúvida, todo esse interesse tem fundamento, se for ressaltada a importância da biodiversidade e grande concentração de água doce da região. Nas palavras de Antônio José Ferreira Simões: 134 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio Hoje podemos dizer que há reconhecimento geral de que a maior riqueza da Amazônia é sua biodiversidade e sua floresta, ao lado dos recursos hídricos. O Rio Amazonas é o maior do mundo, com cerca de 7.000 km de extensão, tendo também o maior volume de descarga de água (220.000 m3 por segundo, o que representa 15,47% de toda água doce descarregada diariamente nos oceanos), de modo a transportar mais água doce do que os rios Missouri-Mississipi, Nilo e Yantgtzé juntos. Estimativas dão conta de que um terço do estoque genético planetário se encontraria na região: 60.000 espécies de plantas (10% do total mundial), 2,5 milhões de artrópodes, 2.000 de peixes (quantidade superior à encontrada em todo o Oceano Atlântico) e 300 de mamíferos habitam a Amazônia. Quarenta por cento do território amazônico datam do período pré-cambriano, fazendo da região depósito de variados minérios: ferro, alumínio, cobre, manganês, zinco, níquel, cromo, titânio, fosfato, ouro, prata, platina, paládio, ródio, estanho, tungstênio, nióbio, tântalo, zircônio, terras-raras, urânio e diamantes. (SIMÕES, 2012) Impossível proteger a floresta de forma individualizada, o que demonstra a necessidade de firmar tal tratado para manter o controle sobre a região, bem como seu desenvolvimento sustentável e uma ocupação planejada, ambos de forma concertada. 3 O TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA No contexto de preocupação ambiental da década de 70, surge o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), celebrado entre Bolívia, Brasil, Colômbia, Guiana, Equador, Peru, Suriname e Venezuela, em Brasília, em 03.07.1978, entrando em vigor em 05.08.1980. É um instrumento jurídico que visa promover o desenvolvimento da bacia amazônica, permitindo tanto a melhoria do modo de vida dos povos amazônicos, quanto a integração da região amazônica às suas respectivas economias nacionais, com troca de experiências quanto ao desenvolvimento regional e ao crescimento econômico, sempre pautado na preservação do meio ambiente. Buscando a promoção da pesquisa científica e tecnológica, o intercâmbio de informações, a utilização racional dos recursos naturais, a liberdade de navegação nos rios amazônicos, a proteção da navegação e do comércio, a preservação do patrimônio cultural, os cuidados com a saúde, a criação e a operação de centros de pesquisa, o estabelecimento de uma adequada infraestrutura de transportes e comunicações, bem assim o incremento do turismo e o comércio fronteiriço. O TCA reafirma a soberania dos países que o compõe, e Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 135 ao mesmo tempo, incentiva e orienta o processo de integração e cooperação entre os mesmos (OTCA, 2014). Na década de 60 e 70, houve um grande impulso industrial no mundo e um especial avanço econômico na América Latina. O Brasil teve um incremento econômico, o chamado “milagre brasileiro”, e houve uma expansão da ocupação territorial, buscando desenvolver todas as regiões, inclusive a amazônica. Um ponto que favoreceu muito a ocupação dessa região foi a construção da Rodovia Belém-Brasília, que teve uma rápida ocupação de suas margens e da BR 230, ou Transamazônica, ao longo da qual se seguiu um trabalho de infraestrutura que incluiu estradas e represas (GARCIA, 2011). Segundo Silva (2013, p. 536), que se contrapõe a ideia de preocupação brasileira em efetivamente desenvolver a área, a criação do TCA foi mais para dar resposta ao constrangimento externo e para buscar a afirmação de uma identidade que aproximasse os países e, ao mesmo tempo, para reafirmar a soberania dos países signatários perante os outros países. Apenas em outro estágio foi buscado estabelecer os preceitos de proteção e preocupação social, que ainda estão tentando cumprir. Para Silva (2013), pode-se dividir a história do TCA em cinco fases: a) 1978 a 1989 – Fase Defensivo-Protecionista – Inicia-se com a proposição de internacionalizar as grandes reservas naturais do planeta propostas na Convenção de Estocolmo de 1972. O Brasil preocupado com tais propostas, pois a Amazônia sempre foi vista como de importância estratégica para o Regime Militar, propõe o Tratado, que apresenta: A clara intenção dos países signatários em demonstrar para toda a comunidade internacional o exercício pleno e incontestável da soberania sobre seus territórios amazônicos, bem como o domínio sobre o uso e conservação dos recursos da região conforme seus interesses e necessidades de desenvolvimento. (SILVA, 2013, p. 539) Nessa fase, o que se buscou foi apenas reafirmar a soberania de cada país. Importante destacar que o TCA é formado por normas abertas a interpretação, e cada país poderia implementá-lo da forma que melhor lhe aprouvesse – norma de soft law. b) 1989 a 1994 – Fase de Incentivo e Fortalecimento Político – Nessa fase, os signatários renovam o compromisso político de proteger e desenvolver a Amazônia e efetivam as comissões estabelecidas pelo Tratado. Essa fase inicia-se com a Reunião dos Presidentes dos países amazônicos em Manaus, em 1989, 136 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio onde os signatários decidiram começar um processo de intensificação da cooperação regional. Além disso, devido ao Relatório Brundtland (1987), adotaram rapidamente o princípio do desenvolvimento sustentável como base para fundamentar seus objetivos, e reafirmaram seu uso. A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992, exerceu grande influência sobre os signatários do TCA, tanto que criaram a Declaração de Manaus sobre a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Este documento de dez páginas, expõe a posição conjunta dos países amazônicos sobre os principais temas a serem abordados na Rio-92: mudanças climáticas, diversidade biológica e biotecnologia, florestas, recursos hídricos, populações indígenas dentre outros. (SILVA, 2013, p. 541) Não obstante, mesmo com toda essa mobilização, não conseguiram levar a efeito prático, especialmente porque o processo de cooperação ainda não estava bem estruturado. Para este fim, criaram a OTCA em 1989 (mas esta só veio a materializar-se em 2003), para sanar esse problema estrutural, e em 1995 criaram a Secretaria Permanente – SP, com o mesmo fim. c) 1995 – 2002 – Fase de Amadurecimento Institucional – Nessa fase se constata, segundo Silva (2013), uma crescente cooperação entre os países signatários, que se materializa especialmente na busca de efetividade da OTCA. Para tanto, o Conselho de Ministros das Relações Exteriores, órgão máximo da OTCA, estabeleceu, em 2000, uma cota que cada um dos países teria que pagar para manter a OTCA. Valores estes reajustados em 2010. O orçamento da Secretaria Permanente foi definido no VI encontro de Ministros das Relações Exteriores (Caracas, 2000), em US$ 1.139.600, com base nas seguintes proporções: Brasil 35%, Colômbia 16%, Peru 16%, Venezuela 16%, Equador 6,5%, Guiana 2%, e Suriname 2% (TORRECUSO, 2004). A última atualização destes valores ocorreu na X Reunião de Ministros das Relações Exteriores, em Lima no ano de 2010, da seguinte maneira: atualmente, o total de contribuições, em valores aproximados, está em US$1,668 milhão, sendo cerca de 88 mil oferecidos pela Bolívia, 678 mil pelo Brasil, 255 mil pela Colômbia, 88 mil pelo Equador, 24 mil pela Guiana, 255 mil pelo Peru, 24 mil pelo Suriname e 255 mil pela Venezuela. (SILVA, 2013, p. 542) Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 137 Com o fortalecimento da OTCA, ocorre a construção de um ambiente de diálogo e aproximação dos países signatários, pois passaram a ter um âmbito permanente de discussão. d) 2002 a 2009 – Fase de Intensificação dos Contatos Diplomáticos – É uma fase de mudanças, marcada pela “intensificação dos contatos entre altos representantes diplomáticos dos países amazônicos para negociar acordos especialmente nas áreas de saúde, educação, infraestrutura, meio ambiente e assuntos indígenas” (SILVA, 2013, p. 543). Foi um momento de dinamização das relações entre os signatários e por problemas de vacância do cargo de SP por dois anos, devido a falta de unanimidade para indicar um critério estabelecido para eleger o ocupante do cargo, os países decidiram fazer um sorteio para sugerir quem seria o próximo secretário, e o país sorteado o indicaria. A partir daí, seguiria a ordem alfabética dos nomes dos países signatários. Essa dificuldade de indicação do secretário foi primordial para que houvesse um esforço maior para a manutenção do órgão e fortalecimento do multilateralismo, e originou intensos debates de como solucionar o problema e, com isso, mais encontros entre os signatários e um esforço para estabelecer uma sintonia. e) 2009 a 2014 – Fase de Relançamento da OTCA – Mais uma vez, a forma de sair dos impasses e a estagnação do TCA foi reafirmar o compromisso político dos países numa articulação regional e este relançamento da OTCA seria um impulso efetivo para ações concretas. Tem “como plano-diretor de suas ações a Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica, elaborada para os anos de 2010 a 2020, e que foi lançada na reunião de Presidentes da OTCA, em Manaus, em 2009”. (SILVA, 2013, p. 547) Assim, verifica-se a concretização do Tratado na sua fase atual em que os países membros decidem pela criação da Secretaria Permanente e a transição da TCA para OTCA, onde se constata uma crescente dinâmica de cooperação e consequentemente maior visão no âmbito internacional. A Secretaria Permanente da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (SP/OTCA) estrutura-se em cinco coordenações de acordo as áreas de atuação da organização. Os responsáveis por cada setor foram indicados por um País Membro e eleitos com a aprovação dos demais integrantes da OTCA. O processo de estruturação das Coordenações desenvolveu-se durante a instalação da Secretaria Perma- 138 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio nente de forma a contar com a participação de profissionais dos países amazônicos. (OTCA, 2014) A OTCA criou seis coordenações, quais sejam: a) Coordenação de Meio Ambiente: aborda temas relacionados à conservação, proteção e aproveitamento da forma sustentável dos recursos naturais renováveis, tendo como desafio a criação e aplicação de mecanismos e instrumentos que possibilitem a consolidação gradativa da Bacia Amazônica como espaço de conservação e uso sustentável de sua biodiversidade; b) Coordenação de Ciências, tecnologia e educação: visa à abordagem temática na gestão do conhecimento e intercâmbio de informações, buscando cumprir metas estabelecidas na Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica; c) Coordenação de saúde: visa prioritariamente a Vigilância Epidemiológica e a Saúde Ambiental; d) Coordenação de transporte, infraestrutura, comunicação e turismo: possui grande importância na promoção do desenvolvimento sustentável tendo em vista a articulação de programas de atividades e iniciativas relacionadas ao contexto não só internacional em que se posiciona a Amazônia, como também aquelas voltadas as suas necessidades internas de desenvolvimento social, econômico e cultural; e) Coordenação de assuntos indígenas: trabalha na implantação de projetos voltados a maior participação nativa e efetiva dos povos indígenas em ações, atividades e processos de desenvolvimento regional. Atuando conjuntamente com as agências e órgãos na coordenação, implantação e acompanhamento de programas e projetos de cooperação, a SP é, a nível operacional, como um foro permanente de consulta, articulação e promoção de projetos, que conta com o apoio de unidades executoras ou coordenadoras nacionais. Dentre as funções da SP, temos, conforme demonstra a publicação da organização em novembro de 2010: a) Articuladora: gera consensos entre os países-membros para permitir a realização de atividades, programas e projetos que envolvam atores nacionais regionais e internacionais; b) Facilitadora: estabelece espaços para o diálogo político e técnico entre os países-membros, a fim de que os mandatos Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 139 recebidos sejam cumpridos, incluindo temas de interesse nos fóruns internacionais, como mudanças climáticas, florestas, diversidade biológica e comércio de espécies ameaçadas de extinção; c) Coordenadora: administra e conduz regionalmente a execução de atividades, programas e projetos conforme os mandatos dos países-membros; d) Gestora de apoio da cooperação regional e internacional: identifica fontes de financiamento para realizar as atividades específicas de caráter regional das quais tenha sido incumbida, de acordo com as prioridades dos países-membros, com pleno respeito à soberania nacional; e) Geradora de informação regional: produz informação de referência para a região com o objetivo de propor cenários de análise para a Amazônia, a partir de um intercâmbio das experiências e dos conhecimentos dos países-membros; f) Promotora de ações: é voltada para o fortalecimento da capacidade institucional interna dos países-membros, conforme suas necessidades. Em síntese, pode-se definir a SP como um órgão que busca implantar e viabilizar projetos de sustentabilidade, educação e defesa dos interesses de seus membros. A crescente importância da região na geopolítica mundial e os avanços nos debates, que buscam um novo paradigma de desenvolvimento, desperta o papel significativo dos países amazônicos no processo de integração regional e sua vinculação à economia internacional. Desde o princípio, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) se empenhou em construir uma institucionalidade capaz de contribuir para a superação dos desafios presentes ao desenvolvimento sustentável da região amazônica e na constituição de um espaço político de diálogo regional capaz de construir consenso e convergência. No marco desses esforços e desafios, no dia 13 de dezembro de 2002, inaugurou-se em Brasília, a sede da OTCA onde se instalou sua Secretaria Permanente (SP). A Secretaria Permanente da OTCA estabeleceu como linha estratégica de sua diretriz, políticas para minimizar as descontinuidades geográficas através de pontes binacionais, e representa uma forte aliada dos países amazônicos quanto a proteção dos interesses regionais. (OTCA, 2014) 140 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio A Declaração dos Chefes de Estado dos Países Membros, em 2009, conferiu à Organização “um papel renovado e moderno como fórum de cooperação, intercâmbio, conhecimento e projeção conjunta para fazer frente aos novos e complexos desafios internacionais que se apresentam”, cabendo aos Ministros das Relações Exteriores “[...] preparar uma nova Agenda Estratégica da OTCA para o curto, médio e longo prazo, com vistas a fortalecer o processo de cooperação, com ações de alcance regional que apoiem as iniciativas nacionais” (OTCA, 2014). Busca-se, com isso, uma visão mais voltada à incorporação transversal e multissetorial de programas, projetos e atividades que dão melhor resposta aos países-membros. A nova agenda AECA aborda diferentes temas, dentre eles as florestas, sobre o qual busca a gestão integrada e integral do manejo e conservação sustentável das florestas, de forma a resultar em benefícios reais para a população local. Carlos Aragon (apud FRANCE PRESSE, GLOBO NATUREZA, 2011), diretor administrativo da instituição, em entrevista sobre a AECA, afirma “que o foco principal do projeto, estimado em US$ 6,3 milhões, será implantar nos demais países a metodologia de vigilância do desmatamento da Amazônia existente no Brasil”, referindo-se ao sistema implantado de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), programa que mensalmente visualiza a cobertura vegetal da floresta, detectando possíveis derrubadas. Com tais informações, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) consegue, em tempo real, enviar fiscais para o combate dessas ações ilegais. Sobre o assunto, afirma Aragon: Somente unificando a metodologia é que vamos saber o quanto a floresta amazônica tem perdido de vegetação anualmente. O INPE vai capacitar agentes dos países membros da OTCA, que criarão salas de observação, regidas pelo Ministério do Meio Ambiente local. As imagens serão enviadas de forma constante para análise. (apud GLOBO NATUREZA, 2011) O Centro de Sensoriamento Remoto (CSR), órgão especializado que integra o Ibama, vinculado à Diretoria de Proteção Ambiental, fora inaugurado em 2004 e exerce papel fundamental de integração das entidades voltadas a proteção e conservação do meio ambiente. Para dar mais efetividade e demonstrar a necessidade de ação conjunta, surgiu em 03.07.2003, o Decreto Presidencial, que criou o “Grupo Permanente de Trabalho Interministerial”, com a finalidade de propor medidas e coordenar ações que buscassem a redução dos índices de desmatamento da Amazônia Legal, “apresentando-se como instru- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 141 mento executivo alinhado às principais diretrizes do Ministério do Meio Ambiente: desenvolvimento sustentável, fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama, transversalidade e controle social”. (IBAMA, 2014) Não restam dúvidas que o Brasil tem mostrado seu imenso interesse na implementação de atividades que buscam não só a proteção da Floresta Amazônica como o desenvolvimento da região e de sua população. Vê-se que a própria mídia assume hoje uma postura diferenciada de alguns anos atrás. Atualmente, novelas, reportagens e programas são desenvolvidos com o intuito de mostrar ao país e ao mundo as riquezas da Amazônia, seja de sua biodiversidade, seja da cultura diferenciada e rica da população. O Congresso Nacional e o governo brasileiro, em conjunto com a sociedade, ONGs e outras instituições voltadas à defesa do tema, tem se posicionado de forma satisfatória quanto à criação de leis e medidas protetivas e de conscientização social. Percebe-se, atualmente, uma nova forma de ver o meio ambiente e as florestas nacionais. Nas escolas de ensino fundamental e superior, são implantados programas e matérias que demonstram a importância do meio ambiente, com o fim de se criar uma consciência de como todos podem e devem participar de sua proteção. O Tratado de Cooperação Amazônica, assinado em 1978 por oito países que compartilham territórios amazônicos, foi criado em resposta ao apelo internacional diante de problemas emergentes surgidos da forma de exploração dos recursos naturais da região amazônica. Durante várias décadas, como demonstrado, a abordagem desse complexo bioma foi realizada com foco quase que exclusivamente geoeconômico, sem preocupação imediata da conservação de suas características naturais. O avanço da consciência de que a economia tem relação direta com a sustentabilidade e o surgimento de diversos tratados de proteção ambiental, fortaleceram as intenções de conservar o potencial natural da Amazônia Continental. Para isso, foi firmado o Protocolo de Emenda ao Tratado, que resultou na criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), única organização internacional com sede no território brasileiro. Desde 2002, com a implantação da Secretaria Permanente (SP) em Brasília, diversas diretrizes foram traçadas com a intenção de garantir os interesses dos países membros para a conservação e desenvolvimento sustentável do território amazônico. Dentre elas, a mais expressiva é a atuação da OTCA no combate à desertificação, que vem sendo realizada através de recomendações, interlocuções e como alternativa à exploração predatória, com 142 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio o oferecimento de apoio e financiamento para programas de promoção ao desenvolvimento sustentável entre seus países membros. Observou-se a importância do trabalho da OTCA como mediadora dos países membros do Tratado de Cooperação Amazônica, que dispõe em seu território, áreas naturais compreendidas e classificadas como Bacia Amazônica. Como organização internacional, a OTCA é capaz de articular programas e políticas de promoção e desenvolvimento sustentável da Amazônia, bem como acompanhar e monitorar a evolução das ações tomadas pelos países membros e discutir maneiras de desenvolver soluções conjuntas, a fim de atender os interesses e resoluções dispostas no Tratado. Por outro lado, embora seja capaz de alinhar os interesses dos países membros com o intuito de preservar o patrimônio natural amazônico, a OTCA não se classifica como organismo regulador e suas ações estão sujeitas à decisão e implementação dos países membros, pois, a estes, cabe à soberania sobre o território amazônico compreendido em seu espaço geopolítico, caracterizando o TCA como uma norma internacional de soft law. O soft law tem caráter voluntário e busca estabelecer diretrizes que deixam à escolha do país signatário a forma mais apropriada de cumpri-lo dentro de sua estratégia nacional. Visa-se “à aprendizagem mútua entre os membros, que discutem interesses comuns, trocam o conhecimento e a experiência que permite que compilem as melhores soluções a seus problemas regulatórios” (TORQUATO, SILVA FILHO, 2013, p.162). Diferentemente, o hard law é o direito de forma positivada, no qual as definições são claras e direcionadas a manutenção, criação ou modificação de condutas pelos atores, com possíveis sanções civis e penais. Assim, apesar de haver um entendimento de interesses para a conservação e utilização sustentável dos recursos naturais, cada país responde por suas próprias atitudes no que tange o usufruto do patrimônio natural amazônico, mantendo-se, nesse contexto, a forma de soberania tradicional inalterada e acima dos interesses comuns. 4 A SOBERANIA O conceito de soberania “é uma das bases do estado moderno” (DALLARI, 1995, p. 63) e subsiste até hoje intrigando sobre seu real valor. Várias teorias e livros surgiram sobre referido tema, todavia, ninguém pode negar que é uma característica até então fundamental dos Estados. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 143 A soberania nem sempre existiu, desde a antiguidade até o império romano, segundo Dallari (1995) “não existia nenhum termo semelhante à soberania, ou que tivesse seu significado”, isso porque, segundo Jelinek (apud DALLARI, 1995), nessa época não havia nenhum poder que se opusesse ao poder do “Estado”, principalmente porque os povos da época como, por exemplo, os atenienses ou mesmo os romanos não reconheciam poder superior ou igual ao seu. O Estado, nesse período, quase que se limitava exclusivamente a cuidar da segurança e recolher impostos, havendo pouca ou nenhuma interferência nas questões privadas ou no âmbito econômico. Isso comprova que não havia condições objetivas que fizessem sentir a necessidade da soberania. Durante o período medieval pouca coisa mudou, até porque não havia Estado e sim o poder senhorial de um rei que em verdade não governava nada, era apenas um líder indicado pela igreja que buscava uma integração que de fato não era possível, nem real, devido à pulverização de poderes surgida após a desagregação do império romano gerada por vários fatores, como por exemplo, as guerras com as tribos europeias. O primeiro conceito e teoria de soberania surgiu com Jean Bodin (apud DALLARI, 1995, p. 64) que considera soberania como “o poder absoluto e perpétuo de uma república, palavra que se usa tanto em relação aos particulares quanto em relação aos que manipulam todos os negócios de estado de uma república”. Jean Bodin ainda considera que a soberania é absoluta (não limitada por poder, nem por cargo, nem por lei humana) e perpétua (não tem período determinado, o governante é quem detém o poder absoluto por tempo determinado, mas este é apenas o depositário e guarda da soberania) (DALLARI, 1995). Outra característica levantada por Bodin deste poder é de ser ele inerente ao Estado, só desaparecendo com o fim deste. Posteriormente, Rosseau, em Do Contrato Social, dá ênfase a este conceito e transfere sua titularidade para o povo, e isso teve grande influência na Revolução Francesa que encaminhou esse conceito para o de soberania nacional, entretanto, na metade do século XIX surgiu a teoria da personalidade jurídica do Estado, na Alemanha, que acabou transferindo a esse a titularidade da soberania (DALLARI, 1995). O primeiro ponto importante que se deve assinalar é que a noção de soberania não surgiu de um único campo de conhecimento e sim da interseção sócio-jurídico-política, ou não pode ser considerar como soberania, como afirma Reale (2000). Nesse passo, é adotada por este autor a noção de soberania como o “poder que tem uma Nação de organizar-se livremente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões para realização do bem comum”. (REALE, 2000, p. 140) 144 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio Assim, o Estado, uma vez constituído, permanece até que se formem novas condições que destruam sua independência e esta relação de poder (anexação a outro Estado ou vontade do povo de se incorporar a este). Caso isso não ocorra, o Estado continua sendo o mesmo, e a soberania continua a mesma também, já que “esta surge com o Estado (e só tem fim com ele), firmando independência e a própria continuidade do Estado (no direito interno e internacional) que se mantém como pessoa jurídica”. (REALE, 2000, p. 142) É importante distinguir que uma coisa é a soberania, que se funda na independência e supremacia, e para isso existir, pressupõe-se a existência de uma pluralidade de entes igualmente supremos e independentes; e outra coisa é o poder de imperium que “é o poder mais alto do governo, a simples detenção de coação incondicionada”. (REALE, 2000, p. 177) O conceito de soberania em sua acepção técnica, isto é, como poder supremo que se afirma em face de outros poderes supremos, tem o elemento jurídico como essencial para sua manutenção. Interessante salientar que a soberania não é vista pelos primeiros pensadores como “algo absoluto ou poder que não admite nada acima de si tanto na ordem jurídica como fora dela” (REALE, 2000, p. 202). Na verdade, ela aparece como forma de “explicar a coexistência e a paridade das supremacias” (REALE, 2000, p. 203), ou seja, surge para realizar a objetividade jurídica em círculos sociais distintos, onde cada um tem em si a fonte da própria competência, da supremacia interna, que realiza a ideia de liberdade e autonomia perante os outros círculos. Assim, Miguel Reale (2000) define magistralmente a função da soberania no Estado como não sendo o Estado que define, de maneira exclusiva, em última instância, sobre a validade de um direito extra estatal em seu território. Nesse contexto, pode-se afirmar que a existência do Direito Internacional é uma consequência da existência de uma sociedade de Estados, ou seja, sem a soberania de cada estado para estabelecer normas próprias, não há que se falar em Direito Internacional e sim em direito único para todos indistintamente. Dessa forma, o Direito Interno é distinto do Direito Internacional, sendo ambos, autônomos, independentes e passíveis de aplicação concomitante. 5 GABRIEL FERRER E A SUSTENTABILIDADE O primeiro conceito de sustentabilidade fora emitido por Hans Carl von Carlowitz, no seu livro Sylvicultura Oeconomica, ainda no ano de 1713, no qual afirma que a natureza “deve ser obrigatoriamente utilizada Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 145 com base nas suas características naturais para o bem estar da população, manejada e conservada com cuidado e com a responsabilidade de deixar um bom legado para as futuras gerações”. (GROBER, 2002, apud FLORIANO, 2007, p. 1) Em 1972, em Estocolmo, debateu-se uma nova postura mundial diante do meio ambiente, surgindo uma visão diferenciada quanto à forma de se proteger a natureza. O meio ambiente passou a ter uma tutela específica, não mais como um bem que devia ser protegido simplesmente por ser útil ao ser humano, mas como um bem em si mesmo, que devia ser protegido independente da sua capacidade econômica. A espécie humana percebeu que a sua sobrevivência dependia do equilíbrio entre a exploração do meio de forma racional e equilibrada, a manutenção da qualidade de vida e o potencial econômico. Entretanto, o conceito ganhou força apenas na década de 1980, e tornou-se amplamente conhecido quando incorporado ao rRelatório “Nosso Futuro Comum”, mais conhecido como Relatório Brundtland, em 1987. Todavia, o termo Desenvolvimento Sustentável, muito utilizado no âmbito do Direito Ambiental, carecia de uma definição mais precisa. José Barroso Filho (2007) esclarece a necessidade de desenvolvimento econômico da sociedade como necessária e justa, uma vez que o baixo índice de desenvolvimento também acarreta impacto ao meio. Nesse contexto, refere-se, em seu livro, a necessidade de desenvolvimento da região Amazônica: Inexiste impacto ambiental nulo, a preocupação, em verdade, é causar o mínimo impacto possível, porém, sem negar o nosso direito ao desenvolvimento. Igualmente ilícita é a ação lesiva ao meio-ambiente, como a inação quando possível a exploração dos recursos ambientais, de forma sustentável, em ambas as condutas fere-se a dignidade humana, origem e fim do ordenamento jurídico. Deve ser avaliado o impacto ambiental negativo da falta de desenvolvimento, vez que pode resultar na manutenção do nível de miséria, desemprego, desnutrição... e pior, de desesperança. Na Amazônia dada a diversidade de solos e peculiaridades logísticas, vislumbra-se uma pluralidade de soluções para o desenvolvimento sustentável da região. Já se disse que: quem tem fome tem pressa. Pois bem, a pobre-rica Amazônia tem pressa, pois tem fome e sede de desenvolvimento. Sem dúvida, um desenvolvimento sustentável, visando que os recursos sejam preservados para as futuras gerações, porém, sem nos esquecermos da presente geração, deste povo caboclo que precisa explorar as suas riquezas e desenvolver as suas potencialidades. (BARROSO FILHO, 2007, p. 30) 146 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio Sem dúvida a Conferência realizada em Estocolmo é um divisor de águas para o direito ambiental, uma vez que, a partir dela, as questões voltadas a proteção do meio ambiente mudam de ângulo. Até então, a natureza era vista como mero suporte as atividades humanas, defendendo-a apenas quando sua degradação gerava impactos aos interesses humanos. O meio ambiente não era tratado como bem jurídico. Após a Conferência, países do mundo todo passaram não só a discutir o problema ambiental, como a buscar meios de resolvê-los, e o direito ambiental passou, então, a ser um ramo do Direito Internacional. Nas palavras de Pires e Freitas: [...] que o homem é a um só tempo criatura e artífice do seu meio ambiente, o qual lhe proporciona sustento material e propicia seu desenvolvimento intelectual, moral, social e espiritual. [...] a proteção do meio ambiente humano é uma questão fundamental que afeta o bem estar e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, sendo um anseio urgente de todos os povos e um dever de todos os governos. (PIRES, FREITAS, 2007, p. 7) Mas é na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em 1992, no Rio de Janeiro, que o princípio do Desenvolvimento Sustentável ganhou força jurídica, a qual foi reafirmada na Rio +20. Apesar dos diversos conceitos e de não ter apenas uma forma de aplicação, o desenvolvimento sustentável somente é possível se conjugado três elementos: a) Desenvolvimento Econômico: já que são raras as comunidades que não consideram isso essencial para sua manutenção e existência, apesar de sua feições e formas serem variadas de comunidade para comunidade; b) Proteção do Meio Ambiente: importante afirmar que não é apenas levar o meio ambiente em consideração nas decisões econômicas e sim buscar sua efetiva proteção ao máximo possível ao desenvolver as atividades econômicas, sem inviabilizálas, reafirmando a proteção e o papel essencial no desenvolvimento social, do qual é base e também produto enquanto meio ambiente cultural; c) Desenvolvimento Social: que é em tese o fulcro do desenvolvimento econômico e que se não for garantido impede a necessária proteção do meio ambiente, já que na avidez de buscá-lo, pode-se em curto prazo perder a qualidade do meio ambiente que garantiria o desenvolvimento social a médio e longo prazo. Em suma, o conceito muda a forma de lidar com a natureza, passando do simples uso desenfreado à concepção de que devemos criar formas Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 147 de desenvolvimento que assegurem a vida saudável na Terra, assegurando as futuras gerações o direito de usufruir dos recursos hoje disponíveis. Para tanto, é necessário a cooperação internacional de países e governos para, juntos com a sociedade, buscar novas tecnologias menos impactantes ao meio, ou seja, se assim considerarmos, “passamos a entender que ao mesmo tempo em que integramos o meio ambiente somos também integrados a ele e, portanto, sofremos as consequências de nossos atos que o violem”. (SANTOS, 2007, p. 48) Ferrer (2013) acredita que somente é possível efetivar o desenvolvimento sustentável se houver um mundialismo, em que órgãos supranacionais em cada área ambiental opinassem de forma a garantir a proteção do meio ambiente e aplicassem o principal principio: o da solidariedade. Isso porque o meio ambiente não reconhece fronteiras e sua proteção apenas é possível se todos os países atuarem em conjunto para sua proteção. Daí a necessidade da aplicação do princípio da solidariedade ou cooperação entre os povos. O princípio da solidariedade pressupõe que: Todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se com espírito e cooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas à proteção e melhoramento do meio ambiente. É indispensável cooperar para controlar, evitar, reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se realizem em qualquer esfera, possam Ter para o meio ambiente, mediante acordos multilaterais ou bilaterais, ou por outros meios apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os estados. (ONU, 1972) Segundo Ferrer (2013, p. 352), é o “principio inspirador de las relaciones entre los pueblos para abordar conjuntamente su relacion com nuestra casa comum, pero su efectivad no se concreta, apesar de sonemnes proclamaciones, no passa de ser el critério de ‘deberia’ guiar la conducta internacional”. Ferrer acredita que o princípio da solidariedade deveria deixar de ser princípio ético para tornar-se um critério jurídico. Ferrer defende o estabelecimento efetivo do poder político em face dos poderes econômicos e a mudança das principais decisões politicas sobre meio ambiente a instâncias supranacionais, realizando uma governabilidade ambiental mundializante, pois, para ele, a efetiva proteção ambiental somente seria possível através de uma nova dimensão do político no plano internacional, como o próprio defende “De alguna manera se impone una nueva y positiva ‘politización’ de la inmensa construcción del Derecho Ambiental, 148 Elcio Nacur Rezende e Maraluce Maria Custódio atribuyendo su respaldo no al clásico poder de los Estados, sino a uno nuevo representado, no sé cómo, por la raza humana”. (FERRER, 2013, p. 354) Para Ferrer (2014), pela singularidade do objeto, que é o direito ao meio ambiente, não é correto deixar que os países utilizem tais recursos como bem entenderem, de forma que haveria um acesso não equitativo em âmbito mundial. Para ele (FERRER, 2013), esse modelo iria se opor a […] una adecuada protección del medio en el momento en que las distintas naciones patrimonializan los recursos ambientales y los someten a un exclusivo supuesto beneficio del grupo nacional cuando, en puridad, deben satisfacer las necesidades del conjunto de la Humanidad. La Cumbre de Río pretendió matizar esta excluyente noción de soberanía, pero fracasó. (FERRER, 2013, p. 367) O TCA, apesar de não estar efetivado verdadeiramente, tem grande potencial para tanto. A questão amazônica tem sido levada muito a serio como área de expansão de aplicação do desenvolvimento sustentável, mas seu uso como é feito hoje é muito complexo, pois o TCA não estabelece parâmetros de uso e proteção de forma básica e cada país signatário interpreta tal ato como julgar correto, pois, deve-se lembrar que o TCA pertence ao grupo de normas internacionais, chamado soft law. Logo, mesmo que os signatários descumpram os parâmetros firmados não haverá punição, tornando tal obrigação de efeito mais moral que real. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O TCA se destina à sustentabilidade a partir das dimensões ambientais, sociais e econômicas, visando um compromisso com o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental, abrindo espaço para que seus membros efetuem acordos bilaterais, de modo que assegurem a exequibilidade do mesmo. O TCA avançou muito em termos de proteção ao meio ambiente, já que foi o primeiro tratado multilateral para a proteção de um meio ambiente, e da Amazônia, que não seria possível de ser protegido de forma nacional, já que perpassa por vários países, entretanto, pelo objeto e para garantia deste, é necessário algo mais efetivo. Por isso, aventa-se a ideia de relativizar a soberania como é tradicionalmente apresentada, ou seja, centrada em um país, para que efetive um de seus preceitos que é o bem comum. O bem comum, em termos de Amazônia, não se limita a um país apenas, pois os animais e as tribos nômades, ainda isoladas de nossa realidade socioambiental, não reco- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 149 nhecem fronteiras, bem como o próprio ecossistema amazônico, que, como apresentado, se retroalimenta, tendo a necessidade de proteção do todo para garantir sua existência. Como já dito, em termos de meio ambiente, não é possível realizá-lo somente a partir de um país. Por isso a ideia de Ferrer (2013) de constituir um organismo supranacional para proteção do meio ambiente seria muito bem aplicada ao caso da Amazônia, especialmente por já ter uma base em Tratado e Organismo internacional – TCA e OTCA – já relativamente estabilizada e com uma história de quase quarenta anos. A OTCA deveria ganhar mais poderes e tornar-se um órgão supra estatal máximo de proteção da Amazônia, coadunado as forças dos países em que ela se encontra. Isso fortaleceria mutuamente os países signatários, mas, ao mesmo tempo, estes não perderiam sua força e soberania sobre a Amazônia, para a comunidade internacional. Com a instauração da OTCA, como órgão supranacional, os signatários teriam a possibilidade de demonstrar sua capacidade de gerir a Amazônia – o que vários países como Estados Unidos, discutem – criando estratégias comuns efetivas que buscam realizar o desenvolvimento sustentável na região como um todo, preservando este importante patrimônio ambiental mundial ativo e protegido para esta e para as futuras gerações. 7 REFERÊNCIAS BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Brasil como potência regional e a importância estratégica da América do Sul na sua política exterior. In: Geopolítica e Política Exterior. Estados Unidos, Brasil e América do Sul. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. p. 77-101. BARROSO FILHO, José. Desenvolve Amazônia: Reflexões sobre o nosso futuro, 2007. 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Referências. 1 INTRODUÇÃO A problemática ambiental permitiu que aflorasse, no cenário mundial, inúmeras reflexões que colocam em evidência as formas de relações sociais, meio ambiente e produção. A partir da 1ª Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo (1972), surge uma emergência socioambiental, que aponta para a necessidade de ampliar as atividades antrópicas e o crescimento econômico com a manutenção ecossistêmica (VEIGA, 2007). No mundo capitalista, o meio ambiente tem sido alvo de ações antrópicas diversas que ocasionam grandes impactos. Em concordância com Santos (2009), os eventos e catástrofes naturais, que se intensificaram nas últimas décadas, decorrem de um desastre ecológico de proporções incalculáveis surgido na ordem do capital e que, por essa razão, constitui uma ameaça da destruição total dos fundamentos naturais da existência humana. Nesse contexto, faz-se necessária uma educação ambiental que sensibilize as pessoas em relação ao mundo em que vivem, para que possam ter acesso a uma melhor qualidade de vida, sem desrespeitar o meio ambiente, buscando o equilíbrio entre o homem e a natureza. 1 Mestranda em Desenvolvimento Regional da Amazônia, Universidade Federal de Roraima. E-mail: [email protected]. 154 Joseane Viana do Vale O maior desafio é sensibilizar a sociedade para uma nova forma de usufruir dos recursos oferecidos pela natureza, criando assim um modelo comportamental, por meio da busca do equilíbrio entre o homem e o ambiente. Sendo assim, este estudo procura abordar a importância da educação ambiental desenvolvida na Escola Municipal Frei Arthur Agostini, discutindo e buscando compreender as principais dificuldades e desafios enfrentados pela Educação Ambiental no Ensino Fundamental I, nas escolas públicas de Boa Vista. Ainda será identificada a visão dos agentes educacionais acerca da Educação Ambiental, e observado como esta vem sendo trabalhada pelos professores em sala de aula, visando compreender como tais questões têm sido tratadas. Para a concretização do presente capítulo, foram realizadas pesquisas bibliográfica e prática. Os trabalhos de campo tiveram por objetivo constatar a percepção de professores do Ensino Fundamental I da rede pública, ajudando a compreender os principais desafios e dificuldades encontradas neste nível em relação à Educação Ambiental. Referidos trabalhos de campo aconteceram entre maio e junho de 2014, com a utilização de questionários semiestruturados e entrevistas livres. 2 UMA BREVE REFLEXÃO No Brasil, a preocupação com o meio ambiente é, talvez, a pedra fundamental da discussão sobre o direcionamento do processo produtivo para a gestão responsável do uso dos recursos naturais, e não apenas para a geração de riqueza e consumo. Existe uma lei específica que trata da educação ambiental, a Lei 9.795, de 27.04.1999, que dispõe sobre a mesma, buscando efetivar a implementação do Plano Nacional de Educação Ambiental, como projeto de atuação governamental. Deve, assim, ser desenvolvido e concretizado por meio da ação de órgãos e instituições, inclusive os públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios: Art. 1º. Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. Art. 2º. A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal. Art. 3º. Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo: I – Ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a edu- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 155 cação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente; II – As instituições educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que desenvolvem. A Carta da República de 1988, em seu art. 225, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Pode-se inferir assim, que os programas de educação ambiental nas escolas vêm de encontro aos ditames constitucionais. Nesse contexto, é imprescindível que cada município brasileiro procure elaborar e implementar programas de ação para educação ambiental que, de fato, favoreçam o desenvolvimento e concretização dos objetivos da PNEA. A sociedade contemporânea depara-se com uma crise que vai além das reflexões ambientalistas, uma crise de valores sociais, de pensamentos e comportamentos que se estabeleceram ao longo do tempo. Há muito o homem vem causando transformações ao meio ambiente, em sua busca desenfreada por desenvolvimento e mercado, trazendo à natureza danos muitas vezes irreversíveis. Segundo Loureiro (2008), a educação ambiental se constituiu com base em propostas educativas oriundas de concepções teóricas e matrizes ideológicas distintas, sendo reconhecida como de inegável relevância para a construção de uma perspectiva ambientalista de sociedade. As práticas educacionais ecologicamente sustentáveis direcionam para propostas pedagógicas apoiadas na criticidade e na autonomia dos protagonistas, com vistas à mudança de comportamento, atitudes e da participação coletiva. Hoje, já se reconhece a necessidade urgente de proteção e recuperação dos recursos naturais. A educação ambiental pode contribuir decisivamente para a formação de uma consciência sustentável, reeducando-as e sensibilizando-as para novas posturas, tornando-as multiplicadoras dessas novas práticas no trabalho, em casa e na comunidade. No âmbito internacional, entre os principais documentos firmados pelo Brasil, merece destaque o da Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental de Tbilisi, capital da Geórgia (ex-União Soviética), em outubro de 1977. Sua organização ocorreu a partir de uma parceria entre a Unesco e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Desse encontro saíram as definições, os objetivos, os princípios e as estratégias para a educação ambiental que até hoje são adotados em todo o mundo. Assim, considerando a busca das sociedades em direção ao desenvolvimento econômico, entra em cena uma nova discussão: a sustentabilidade. Para Sachs (1993), existem oito dimensões de sustentabilidade: 156 Joseane Viana do Vale 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) Social: refere-se a uma homogeneidade social, uma distribuição de renda justa, emprego com qualidade de vida decente e igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais. Uma visão sonhadora, mas que reflete o que deveria ser o ideal; no entanto, não passa de um pensamento utópico. Cultural: propõe um equilíbrio entre respeito à tradição e inovação, capacidade de autonomia para elaboração de um projeto nacional integrado e endógeno e autoconfiança combinada com abertura para o mundo. Ecológica: está relacionada à preservação do potencial do capital natural na sua produção de recursos renováveis e à limitação do uso da utilização dos não renováveis. Ambiental: trata-se de respeitar e destacar a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais. Territorial: refere-se a configurações urbanas e rurais balanceadas, melhoria do meio urbano, superação das disparidades inter-regionais e estratégias de desenvolvimento ambientalmente seguras para áreas ecologicamente frágeis. Econômica: desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado, com segurança alimentar, capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção, razoável nível de autonomia na pesquisa científica e tecnológica, e inserção soberana na economia internacional. Política Nacional: democracia definida em termos de liberdades, desenvolvimento da capacidade do Estado para implementar o projeto nacional, em parceria com todos os empreendedores e um nível razoável de coesão social. Política Internacional: baseada na eficácia do sistema de prevenção de guerras da ONU, na garantia da paz e na promoção da cooperação internacional; Pacote Norte-Sul de codesenvolvimento, baseado no princípio da igualdade; controle institucional factual do sistema internacional financeiro, negócios, da aplicação do Princípio da Precaução na gestão do meio ambiente e dos recursos naturais; prevenção das mudanças globais negativas; proteção da diversidade biológica; gestão do patrimônio global como herança comum da humanidade; sistema legítimo de cooperação científica e tecnológica internacional; e eliminação parcial do caráter commodity, visto também como propriedade da herança comum da humanidade. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 157 A sustentabilidade é um termo usado para definir ações e atividades antrópicas que propõem suprir suas necessidades atuais sem comprometer o futuro. Ou seja, a sustentabilidade está diretamente associada ao desenvolvimento econômico sem agredir a natureza, usando os recursos naturais de forma inteligente para que eles sejam garantidos no futuro. Desenvolver uma consciência ecológica nos indivíduos é um grande desafio, isso implica em mudanças culturais. A educação é o principal meio para modificar o pensar e está expressivamente ligada às atitudes sociais, sendo que a mesma é tida como base para formação de indivíduos conscientes e responsáveis. Portanto, um aprendizado focado na educação sustentável pode gerar cidadãos preocupados com os problemas ecológicos e com suas possíveis soluções. Mas, para isso, é preciso difundir a importância da sustentabilidade na escola e como ela interfere na formação dos educandos independente de qualquer modalidade de ensino. No Brasil, a educação ambiental, conforme prevista em lei, tem como objetivo incentivar práticas ambientais nas escolas e outras instituições de ensino, além de extinguir a ideia do antropocentrismo, isto é, de que o homem é o centro das atenções, não ligado à natureza. Em teoria, essas práticas educacionais mostram a importância da preservação da natureza e como utilizar os recursos naturais de forma responsável. Porém, a teoria não é suficiente, é preciso vivenciar na prática. Atividades extracurriculares e ações comunitárias promovem a cidadania e contribuem para a formação de uma nova consciência. 3 EXPERIÊNCIAS DE SUCESSO Em Boa Vista, podemos encontrar tímidas experiências com projetos ambientais em escolas públicas. Contudo, algumas se destacam e já apresentam sucesso. Um bom exemplo de sucesso é o Projeto De Olho no Futuro, desenvolvido pela comunidade escolar, com educandos da Educação Infantil e Ensino Fundamental I, que compreende a discussão de uma base teórica sobre questões ambientais de importância local. A Escola Municipal Frei Arthur vem demonstrando forte preocupação com o meio ambiente, por isso, práticas de educação ambiental foram incorporadas em sua Proposta Político Pedagógica (PPP), com intuito de contribuir para a formação de uma nova consciência ecológica na comunidade escolar. No Projeto De Olho no Futuro são realizadas atividades diversas que abordam diferentes meios de agressão à natureza. Temas como resídu- 158 Joseane Viana do Vale os sólidos (lixo), contaminação da água, os tipos de poluição existentes, desmatamento e queimadas são alguns exemplos de assuntos abordados dentro e fora de sala de aula. O projeto é caracterizado pela introdução de um novo pensar sobre a natureza, visando transformações sociais necessárias para o cuidado com o meio ambiente. Tal postura se encaixa no conceito de permacultura, criado em 1970, e no qual o indivíduo deve se integrar permanentemente à dinâmica da natureza, retirando o que precisa e devolvendo o que ela requer para se sustentar. A permacultura trata a fauna, flora, construções e infraestruturas como sendo todos parte de um grande sistema intrinsecamente relacionado. Esta ideia entra na perspectiva de não desperdício e de aproveitamento máximo do espaço e recursos disponíveis. A escola é o lugar ideal para o desenvolvimento de tal pensamento onde, por meio da Educação Ambiental, as práticas de ensino se tornam fundamentais no processo. Os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais – incluem a educação ambiental como tema transversal, o que determina sua abordagem não exclusivamente por uma disciplina, mas de forma conjunta e integralizada, posto que a responsabilidade em educar para a preservação e correta utilização dos recursos naturais deve ser tarefa de todos os educadores de todas as disciplinas. Essa ideia foi agregada ao planejamento pedagógico modificando, assim, a prática de ensino. Com base nesses PCNs, a escola vem abordando a Educação Ambiental por meio de ações interdisciplinares, envolvendo equipe gestora, funcionários, professores e alunos. As atividades são elaboradas pelos professores de acordo com a série/ano dos educandos, promovendo a todos a participação no processo. Essa mudança paradigmática implica em uma transformação da assimilação de valores, gerando um conhecimento solidário e um pensamento complexo, aberto às indeterminações, às mudanças, à diversidade, à possibilidade de construir e reconstruir num processo contínuo de novas leituras e interpretações, configurando novas possibilidades de ação. O Projeto De Olho no Futuro é dividido em etapas que envolvem todos os componentes da comunidade escolar, assim distribuídos: 1ª Etapa: ocorre no início do ano letivo por meio de reunião geral, com a participação da equipe gestora, corpo docente e demais funcionários. Nessa etapa são traçados as diretrizes e os temas que serão abordados em cada bimestre, bem como são distribuídas as ações entre todos os envolvidos. Geralmente acontece antes do início do ano letivo, quando é construído o Plano de Ação da equipe gestora durante a Semana Pedagógi- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 159 ca de Planejamento. Esta ação reproduz o que se entende por gestão participativa, que de acordo com Costa (2012), caracteriza-se por uma força de atuação consciente, na qual os membros da escola reconhecem e assumem seu poder de influenciar na determinação da dinâmica da unidade escolar, de sua cultura e de seus resultados. 2ª Etapa: após o início das aulas começa o período de diagnóstico das turmas, quando são levantados os principais problemas ambientais dentro da comunidade. Cada professor tem a responsabilidade de motivar seus educandos e orientá-los no processo de identificação. Os dados coletados junto ao corpo discente são apresentados no Encontro Pedagógico, onde são elaboradas as atividades a serem desenvolvidas em cada bimestre. O método utilizado pelo professor é uma escolha individual baseada nas discussões do grupo e deve considerar os diferentes espaços da escola, buscando sempre instigar a criatividade dos educandos. Para Reigota (1998), existem diversas abordagens metodológicas que podem e são utilizadas nas escolas, entre elas estão o método passivo, descritivo, analítico e ativo, o qual permite ao aluno questionar dados e ideias sobre um tema, desenvolvendo progressivamente o seu conhecimento e comportamento em relação ao mesmo. 3ª Etapa: as atividades são colocadas em prática dentro e fora da sala de aula. Os espaços do ambiente escolar são utilizados de acordo com os objetivos de cada atividade. As salas de aula, o pátio, o laboratório de informática, a biblioteca, a quadra de esporte e o coreto são utilizados para essas ações. Os professores tem a função de auxiliar os educandos para que os mesmos realizem suas produções. A prática de ensino é o momento no qual o professor é o facilitador das dimensões cognitivas, afetivas e sociais. Desse modo, o professor assume o papel de orientador da aprendizagem e o aluno é quem produz seu próprio conhecimento. O facilitador é um educador dentro da ideia construtivista: na verdade, mais que um papel, trata-se de uma postura. Uma de suas atribuições é ajudar o grupo a perceber e compreender os diferentes elementos que compõem o movimento do grupo (SOUZA, 2005). 4ª Etapa: ocorre a culminância das ações desenvolvidas durante cada bimestre, sendo realizada no final de cada um. É o mo- 160 Joseane Viana do Vale mento da socialização, em que cada turma apresenta os seus resultados e tem suma importância dentro do processo de ensino e aprendizagem. O conhecimento adquirido é partilhado por meio de exposições de trabalhos, apresentações lúdicas e campanhas realizadas dentro da comunidade escolar. Segundo Vygotsky (apud Martins, 1997), as possibilidades que o ambiente proporciona ao indivíduo são fundamentais para que este se constitua como sujeito lúcido e consciente, capaz, por sua vez, de alterar as circunstâncias em que vive. Nesta medida, o acesso a instrumentos físicos ou simbólicos desenvolvidos em gerações precedentes é fundamental. De fato, criar um espaço de interação dentro do ambiente escolar proporciona aos educandos expor suas ideias, socializar conhecimentos e aprender ao mesmo tempo em que ensina. Criar uma ambiência escolar com esse clima favorece o construir de uma nova consciência, de novas formas de se inter-relacionar com o meio. Para que os educandos possam desenvolver o conhecimento sobre a comunidade onde estudam e (alguns) residem, são promovidas discussões em sala de aula, entrevista com moradores, pesquisas sobre as mudanças sofridas com o processo de urbanização do bairro, que pode ter acarretado alterações ambientais significativas. Os educandos são incentivados a considerar o meio ambiente e a perceberem que fazem parte dele, que são sujeitos importantes, com direitos e deveres em relação ao planeta. Estabelecer uma cronologia das ações é importante para que, em termos de educação ambiental, todos estejam em processo de aprendizado constante. Não há mudança de pensamento nem tão pouco de postura que ocorra de imediato. Isso é um processo que depende da persistência dos envolvidos, em especial, da equipe gestora. A busca por uma transformação no pensar social sobre o meio ambiente não é fácil como parece. Segundo os PCNs, temas transversais são grandes desafios a enfrentar quando se procura direcionar as ações para a melhoria das condições de vida no mundo. É preciso persistência, pois as mudanças atitudinais dependem, primeiro, de transformações de pensamentos. A problematização e o entendimento dos impactos ecológicos possibilitam entendê-los como resultados da ação humana, em determinados contextos históricos. Dessa forma, no debate na escola pode ser introduzida a dimensão política e a perspectiva da busca de soluções para situações encontradas na própria comunidade como a falta de saneamento básico adequado ou as enchentes que tantos danos trazem à população. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 4 161 OS AGENTES EDUCACIONAIS FRENTE À EDUCAÇÃO AMBIENTAL A escola é o lugar mais adequado para a inoculação das práticas educacionais específicas sobre o meio ambiente. Uma das capacidades mais respeitáveis da escola é sua força de influência e transformação em relação a conceitos da comunidade em que está inserida. Segundo Flick (2008), é nesse contexto que a escola oferece um impacto expressivo na sociedade, através da sua mais fiel tradução: o trabalho dos profissionais em educação, em função da abertura de caminhos de difusão com os alunos, que permitam reflexões sobre o papel destes, como cidadãos em relação ao meio. O professor tem a responsabilidade de conduzir o educando a desenvolver suas potencialidades no exercício da cidadania, adotando posturas crítico-reflexivas frente aos problemas ambientais. Estes ganharam força nos últimos anos e é responsabilidade do professor levar tais assuntos para a sala de aula. As relações do homem com a natureza vêm sendo transformadas em cultura (influenciada pelo capital, muitas vezes) ao longo do tempo. Para atender tais interesses, a educação tem contribuído para a manutenção do sistema vigente. Faz-se necessário mudar. É com base nessa realidade que entra em cena o educador, responsável-crítico em mediar e traduzir as relações complexas que ocorrem em nossa sociedade, conduzindo a formação de indivíduos capazes de conceber o mundo de forma racional. Trata-se da constituição da capacidade de interpretar um mundo enigmático e em constantes mudanças. O educador deve estar sempre envolvido no ofício reflexivo, proporcionando outras leituras e novas compreensões de mundo. De acordo com Reigota (1998), a educação ambiental está inserida em todos os aspectos que educam o cidadão, dessa forma, é possível percebê-la nos diversos espaços sociais, culturais, políticos e educacionais, dando, cada um, ênfase às suas especificidades. A educação ambiental é entendida numa perspectiva global, portanto, deve ser abordada nos diversos aspectos e espaços promovendo a assimilação do educando como cidadão universal. Nesse sentido, a responsabilidade de auxiliar os educandos se estende ao demais agentes educacionais (todos os funcionários que participam do processo de ensino como gestor escolar, coordenador pedagógico, orientador educacional, secretário escolar e coordenadores do laboratório de informática, sala multifuncional, sala de leitura, biblioteca e laboratório de ciências). Além desses, também compõe o quadro a equipe de limpeza e manutenção, os assistentes de alunos, copeiras e auxiliares administrativos. É importante o engajamento de todos que fazem parte da comunidade escolar para que haja resultados de sucesso. Encontra-se aí uma das 162 Joseane Viana do Vale maiores dificuldades enfrentadas pela educação ambiental no ensino fundamental: sensibilizar todos para uma mudança de postura frente às questões ecológicas. As alterações na natureza que ocorrem em um determinado local repercutem ao nível macro. Assim, também ocorrem mudanças nos padrões de apropriação dos recursos naturais. Tais mudanças devem acontecer primeiro dentro de cada comunidade. É a soma das transformações locais no ato de usufruir dos recursos disponíveis no meio ambiente que fará a diferença em contextos globais. No entanto, transformações na perspectiva global só serão possíveis se os profissionais engajados no processo educacional, que colaboram com o fazer pedagógico, juntamente com representantes de todos os segmentos da sociedade se envolverem nas questões socioambientais. Isso não é um trabalho fácil, pois conseguir parcerias ou simplesmente a participação dos demais seguimentos sociais é um desafio para as instituições de ensino. Há a necessidade de uma formação que envolva valores, ética, cidadania, amor à vida e ao próximo, pluralidade cultural, racionalização do consumo entre outros, para que os agentes educacionais possam buscar tais vínculos. É preciso ainda que as parcelas sociais sejam sensibilizadas e mobilizadas para que se coloquem a disposição para debater problemas ambientais. Convém ressaltar que a ação ao nível local está próxima do indivíduo, fazendo com que ele se sinta tanto parte do problema e da solução. Há a necessidade de se implementar iniciativas que levem em conta a existência de interlocutores, participantes sociais relevantes e ativos, por meio de práticas pedagógicas e de um processo de diálogo mútuo, o que reforça um sentimento de responsabilidade compartilhada e de constituição de valores éticos. A importância dos agentes educacionais vai além das atividades desenvolvidas em sala de aula. Faz-se necessário o envolvimento e a participação de todos componentes, adotando a mesma linguagem e postura frente às questões cotidianas. A diminuição quantitativa do lixo produzido no espaço escolar, o reaproveitamento de materiais como EVA, garrafas pet, papel e papelão são alguns exemplos que podem ser citados. Essa postura é um exemplo para os educandos que passam a vivenciar na prática a Educação Ambiental. A questão ecológica como novo fundamento básico e integrador pode fortalecer valores coletivos e solidários, a partir de práticas educativas contextualizadoras e problematizadoras que, pautadas no paradigma da complexidade, direcionem a escola para uma atitude de ação-reflexão-ação em torno da problemática ambiental. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 5 163 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos últimos séculos, um modelo de civilização se impôs, fortalecido na industrialização, com sua forma de produção e organização do trabalho, a mecanização da agricultura, o uso intenso de agrotóxicos e a concentração populacional nas cidades. O desenvolvimento econômico pautado na industrialização ocasionou um verdadeiro massacre ao meio ambiente. A exploração irracional e avassaladora da natureza se alastra pelo mundo. Surge aí a preocupação com o estoque de matéria-prima, buscando-se alternativas para desenvolver e preservar a natureza, de modo a manter os recursos naturais disponíveis para as próximas gerações. Mediante tais discussões surge o paradigma do desenvolvimento sustentável e a necessidade de uma compreensão maior de seu alcance e formas de efetivação. Há a necessidade de se estabelecer limites para o desenvolvimento, programando um conjunto de iniciativas que levem em conta a existência de interlocutores e protagonistas sociais relevantes e ativos, por meio de práticas educativas e de um processo de diálogo informado mútuo, o que reforça um sentimento de corresponsabilização e de constituição de valores éticos. Por isso, a educação ambiental não deve apenas contemplar o desenvolvimento sustentável e os fatores econômicos, é necessário investir nos sujeitos, na cultura, na história e nos sistemas sociais. O Brasil possui uma rica discussão sobre as especificidades da educação na construção da sustentabilidade. A educação ambiental assume uma perspectiva ampla, não limitando seu foco à proteção e ao uso sustentável de recursos naturais, mas incorporando fortemente a proposta de construção de sociedades sustentáveis. Além disso, a degradação dos ambientes intensamente urbanizados, nos quais se insere a maior parte da população brasileira, também é razão de ser deste tema. A fome, a miséria, a injustiça social, a violência e a baixa qualidade de vida de grande parte da população brasileira são fatores fortemente relacionados ao modelo de desenvolvimento e suas implicações. Algumas concepções teóricas a respeito da educação ambiental mostram uma visão transformadora, com grande potencial inovador nos aspectos organizacionais, estruturais, reflexivos e metodológicos na área educacional. Porém, ainda se observa distanciamentos entre essas propostas e a inserção efetiva no ambiente escolar. Um dos grandes obstáculos para a concretização é a dificuldade de mudança de padrões já consolidados, tanto em termos de pensamentos, como de estruturas, organizações, valores e hábitos. Para transpor o obstáculo existente entre o discurso transformador e a efetivação de processos contínuos, participativos e práticos, é preciso a criação de novas al- 164 Joseane Viana do Vale ternativas. A aproximação entre conhecimentos escolares, científicos e tradicionais, junto a um engajamento efetivo para a solução de problemas ambientais também pode contribuir. Essa proximidade entre escola e saberes tradicionais nos remete a uma nova perspectiva através de um viés ambiental. A perspectiva ambiental baseia-se num modo de ver o mundo no qual se declaram as inter-relações e a interdependência dos diversos elementos na constituição e manutenção da vida. À medida que o homem amplia sua capacidade de intervir na natureza para satisfação de necessidades e desejos crescentes, surgem tensões e conflitos quanto ao uso do espaço e dos recursos. Ao se pensar na utilização de espaço, deve-se considerar a permacultura, uma proposta de evitar o desperdício e aproveitar todo espaço disponível e seus recursos, com o objetivo de se construir ambientes autossuficientes e independentes de produção e vivência em um contexto urbano. Para tanto, vale ressaltar a importância da adoção de novas atitudes, comportamento e pensamentos. A preocupação com a formação de uma mentalidade sustentável, fornecendo as informações necessárias para tanto, deve iniciar desde a infância. Isso permitirá que, num futuro próximo, essas crianças se transformem em multiplicadores e, em um tempo maior, em adultos conscientes e competentes para buscar métodos e modelos de vida que garantam a sustentabilidade de suas comunidades. Ter uma postura ecologicamente sustentável significa apostar num desenvolvimento que não desrespeite o meio no presente e satisfaça as necessidades humanas sem comprometer o futuro do planeta e das próximas gerações. As práticas pedagógicas ecologicamente sustentáveis nos direcionam para propostas centradas na criticidade e na emancipação dos sujeitos, com vistas à mudança de comportamento e atitudes, ao crescimento da organização social e da participação coletiva. Uma educação identificada com a comunidade do entorno é uma preocupação constante de todos que pretendem tornar as práticas educativas mais realistas e ligadas socialmente. Pode-se considerar o desenvolvimento da capacidade de propor soluções criativas para problemas coletivos por meio do diálogo um dos grandes resultados positivos dos projetos de educação e sustentabilidade que ocorrem nas escolas públicas. Este capítulo teve como objetivo maior apresentar, com base nas práticas descritas na Escola Frei Arthur, um desenho pedagógico que possibilite a leitura crítica do mundo por um viés ecológico. Através do diálogo entre a escola e a comunidade, busca-se extrair elementos que alcancem uma educação mais reflexiva e propositiva. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 165 Neste sentido, é função da escola, professores e educandos discutir, analisar e refletir sobre as práticas educativas, possibilitando a percepção do saber como algo que é construído por meio de trocas sociais, na vivência entre pessoas com experiências diferentes, aceitando-se contradições e desafios. O educador necessita mobilizar os alunos com práticas educativas que garantam o estímulo à atividade cultural, social, econômica, física e ambiental. Tais estímulos podem ocorrer de forma multidisciplinar, por meio de um projeto único da escola, em que todos possam contribuir, de acordo com sua disciplina, além de envolver a comunidade, conforme constatado no caso da Escola Frei Arthur. Além de trabalhar com projetos para motivar discussões sobre sustentabilidade, o envolvimento do tema pode ser abrangente não só em termos de conservação, reciclagem, poluição, mas, como também em termos de saúde e na área artística. Esse deslocamento do papel do professor estabelece uma relação mais saudável, o que favorece muito o diálogo e a busca conjunta por soluções. A educação ambiental se instaura como uma nova perspectiva da educação. Traz alterações na forma de ensinar e de aprender. A asserção que direciona o paradigma proposto é o diálogo de saberes que possibilita construir espaços de fronteiras; produzir um pensamento crítico, criativo e conciliado com a necessidade de propor alternativas para o futuro, atuando na natureza em uma concepção global, respeitando as diferenças socioculturais. A escola tem o poder de influenciar e transformar as relações homem-natureza referentes a conceitos da comunidade em que está inserida. A criação de espaços de convivência nas escolas pode representar uma proposta pedagógica que leva em conta os contextos de vivência e convivência de aprendizagens no cotidiano de uma realidade que se abre do local ao global. O Projeto De Olho no Futuro é um exemplo de que a educação ambiental pode ser incorporada à comunidade escolar, de forma a promover um espaço de sensibilização e mobilização social, ao mesmo tempo em que busca a formação de cidadãos críticos-reflexivos. Percebe-se que professores e gestores tiveram a sensibilidade de observar o meio ambiente, refletir sobre o mesmo e buscar uma solução. Um ponto fundamental para promover a sustentabilidade no ambiente escolar é colocar os estudantes como protagonistas, desde a elaboração do diagnóstico até a avaliação das ações implantadas, permitindo que conheçam melhor sua escola e sua comunidade. É preciso pensar na relação entre as pessoas, compartilhar oportunidades de conhecimento e discutir sobre o cuidado com o lixo e os problemas da comunidade. 166 Joseane Viana do Vale A preocupação com a valorização das culturas locais, o respeito a inúmeras experiências, valores e ideias na edificação de ações para a sustentabilidade podem ser o mecanismo para uma mobilização comunitária. Isso somente é possível quando se estabelece um vínculo entre escola e comunidade do entorno, estreitando laços permitem diagnósticos coletivos, encontros, eventos e efetiva participação na elaboração de propostas de ação. Apesar da experiência de sucesso, relatada na escola Frei Arthur, a educação ambiental enfrenta obstáculos dentro das comunidades escolares em Boa Vista. Esses empecilhos se transfiguram em dificuldades a serem superadas para que haja uma continuidade das ações promissoras. Tais ações são necessárias quando há pretensão de continuidade dos trabalhos. As dificuldades sempre existirão, mas é fundamental transpô-las ou minimizá-las firmando parcerias e motivando a sociedade para uma participação efetiva da comunidade. No entanto, instituir de fato uma escola voltada ao combate dos múltiplos desafios da sociedade atual requer o enfrentamento das próprias dificuldades, colocadas no centro de um sistema de ensino fragmentado, baseado em políticas de educação verticalizadas e de caráter burocrático. Políticas que trazem em sua própria constituição uma série de entraves aos processos e práticas educativas de caráter dialógico, autônomo e democrático, e que se tornam, paradoxalmente, obstáculos ao aprendizado de processos de gestão participativa (JACOBI, TRISTÃO & FRANCO, 2009). A Escola Municipal Frei Arthur Agostini ainda não é o modelo ideal de efetividade das práticas de educação ambiental, mas serve de referência para que novas práticas educacionais, pautadas nas discussões ambientais sejam colocadas em prática. Não há dúvidas em relação à importância da participação ativa, compromissada e solidária dos agentes educacionais nesse processo. São eles os grandes facilitadores dos saberes formulados pelos educandos no espaço escolar. Tais agentes também corroboram na identificação dos protagonistas, atores com potencial de liderança e mobilização, em seu meio institucional e na comunidade, compartilhando, então, com o grupo, os conhecimentos adquiridos. A educação ambiental, como visão educacional propulsora de mudanças na comunidade, acaba ficando na dependência destas mesmas transformações para a sua consolidação efetiva, de modo multidisciplinar, prático e participativo nas escolas. Essa reflexão é importante, pois cria a necessidade de aceitar que a educação ambiental traz à tona problemáticas da educação brasileira, como o baixo conhecimento do educando sobre o meio em que vive e a débil participação da comunidade no processo de ensino. Traz Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 167 ainda uma proposta alternativa inovadora, desconhecida ou pouco conhecida no meio educacional. Diante do exposto, pode-se afirmar que as preocupações socioambientais incorporadas na escola se transfiguraram em estratégias convertidas em espaços de convivência e de formação de conhecimentos sobre aprendizagem social, na gestão compartilhada e participativa do contexto desses sujeitos, resgatando o espírito de comunidade. É uma bússola orientando o caminho a ser seguido para se alcançar patamares ainda mais altos, rumo à prática pedagógica em viés da sustentabilidade ecológica. 6 REFERÊNCIAS CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. São Paulo; Cortez; 2004. COSTA. Emileide Lucineia da. Gestão Escolar Participativa. Disponível em: <http://www.portaldaeducacao.com.br/educacao/artigos/11044/gestao-escolar-parti cipativa#ixzz363vWI9s8>. Acesso em: 24/06/2014. FLICK. Maria Esther Pereira. Educação Ambiental e formação de professores. Centro Nacional de Educação a Distância. 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Acesso em: 28 jun. 2014. PHILIPPI JR, Arlindo; ROMÉRO, Marcelo de Andrade; RUNA, Gilda Collet. Curso de Gestão Ambiental. Barueri: Manole, 2004. Coleção Ambiental. REIGOTA, Marcos. A Educação Ambiental frente aos desafios apresentados pelos discursos contemporâneos sobre a natureza. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 36, n. 2, maio/ago. 2010. 168 Joseane Viana do Vale REIGOTA, Marcos. O que é Educação Ambiental. São Paulo: Brasiliense, 1998. SANTOS, Adriano Pereira. Natureza e trabalho na lógica do capital: contradições sociais do desenvolvimento econômico e limites ambientais do complexo agroindustrial canavieiro no Brasil. Revista Herramienta, n. 42, out. 2009. SILVA, Anderson Furlan Freire da; FRACALOSSI, William. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010. SOUSA. Raniere Pontes de. O papel do facilitador em processos de desenvolvimento social. Desenvolvimento realizado pelo instituto Fonte. Período de 2004-2005. Disponível em: <http://www.fonte.org.br/node/150>. 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III 169 PESCA AMADORA/ESPORTIVA NA AMAZÔNIA: POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO E ANÁLISE DE SUAS SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA E ECONÔMICA Robson Oliveira de Souza1 Luis Fernando dos Reis Guteres2 Lorenzo Soriano Antonaccio Barroco3 Eduardo Alves Monteiro4 Carlos Edwar de Carvalho Freitas5 Sumário: 1. Introdução; 2. A Pesca Amadora/Esportiva nas Bacias dos Rios Negro e Branco; 3. Aspectos legais; 4. Sustentabilidade Ecológica; 5. Sustentabilidade Econômica; 6. Conclusão; 7. Referências. 1 2 3 4 5 Universidade Estadual de Roraima, Curso de Agronomia, Coordenação de Ciências Agrárias e Exatas, Rua Sete de Setembro, n. 231- Bairro Canarinho. CEP 69.306-530, Boa Vista, Roraima, Brasil. E-mail: [email protected]. Universidade Estadual de Roraima, Coordenação de Ciências Biológicas, Rua Sete de Setembro, n. 231- Bairro Canarinho. CEP 69.306-530, Boa Vista, Roraima, Brasil. E-mail: [email protected]. Universidade Federal do Amazonas, Faculdade de Ciências Agrárias, Departamento de Ciências Pesqueiras, Av. Gen. Rodrigo Otávio 3000 Japiim. CEP. 69.077-000, Manaus, Amazonas, Brasil. E-mail: [email protected] ou [email protected]. Universidade Federal do Amazonas, Faculdade de Ciências Agrárias, Departamento de Ciências Pesqueiras, Av. Gen. Rodrigo Otávio 3000 Japiim. CEP. 69.077-000, Manaus, Amazonas, Brasil. E-mail: [email protected] ou [email protected]. Universidade Federal do Amazonas, Faculdade de Ciências Agrárias, Departamento de Ciências Pesqueiras, Av. Gen. Rodrigo Otávio 3000 Japiim. CEP. 69.077-000, Manaus, Amazonas, Brasil. E-mail: [email protected] ou [email protected]. 170 1 Robson O. S., Luis F. R. G., Lorenzo S. A. B., Eduardo A. M. e Carlos E. C. F. INTRODUÇÃO A pesca amadora é a modalidade definida como “aquela praticada por brasileiros ou estrangeiros com a finalidade de lazer, turismo e desporto, sem finalidade comercial” (IBAMA, 2009), sendo dividida em três categorias: pesca desembarcada, pesca embarcada e pesca subaquática. Independente da categoria, a pesca esportiva é uma submodalidade da pesca amadora, na qual a prática do pesque-solte (liberar o peixe com vida logo após a captura) é obrigatória. Como esperado, em face da elevada diversidade de peixes, a ictiofauna amazônica apresenta diversas espécies-alvo dos aficionados pela pesca amadora/esportiva, com destaque para as diversas espécies de tucunaré (Cichla spp.), alguns bagres da família Pimelodidae, aruanã (Osteoglossum spp.), várias espécies de piranha (Serrasalmidae) e alguns Characiformes de hábito carnívoro, como peixe-cachorro (Raphiodon vulpinus). A paisagem ainda inalterada de algumas áreas da Amazônia é um atrativo a mais para pescadores de outras regiões do país e do exterior, sendo inegável o potencial desta modalidade de pesca como atividade geradora de emprego e renda, principalmente para áreas de baixo desenvolvimento na região. No entanto, o volume e a qualidade das informações disponíveis para avaliar com precisão a sustentabilidade ecológica e econômica dessa atividade ainda é baixo, dificultando a implantação de políticas públicas abrangentes e integradas ao cenário econômico local, regional e nacional. Diante disso, este capítulo tem a pretensão de apresentar sinteticamente o status atual da pesca amadora/esportiva na Amazônia, com ênfase nas pescarias que ocorrem na bacia do rio Negro, no estado do Amazonas, e na bacia do rio Branco, no estado de Roraima, onde as elevadas abundâncias do tucunaré vêm motivando um crescimento acelerado da atividade. Ao mesmo tempo, serão discutidos aspectos relacionados com a sustentabilidade da pesca nestas duas bacias. 2 A PESCA AMADORA/ESPORTIVA NAS BACIAS DOS RIOS NEGRO E BRANCO No rio Negro, a pesca amadora/esportiva concentra-se no seu trecho médio, compreendendo principalmente os municípios de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, no estado do Amazonas, e abrangendo os tributários Jurubaxi, Aracá, Demeni, Cuiuni, Padauari, Arirará e Unini (FREITAS & RIVAS, 2006; BARROCO & FREITAS, 2014). Barcelos e Santa Isabel do Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 171 Rio Negro dispõem de uma ampla rede de barco-hotéis e alguns hotéis flutuantes em operação, recebendo pescadores esportivos do mundo inteiro (HOLLEY et al., 2008). Dados publicados pela autoridade do turismo regional, Amazonastur (2012), indicaram que, apenas no ano de 2011, cerca de 7.300 pessoas pescaram esportivamente no rio Negro. Os pacotes de pesca vendidos no exterior, para um período de sete dias de pescarias nesta região, oscilam em torno de US$ 3 mil durante a temporada de pesca, que geralmente se estende, de outubro a março, coincidindo com o nível baixo das águas (FREITAS & RIVAS, 2006). Desta forma, observa-se que a atividade de pesca esportiva praticada no médio rio Negro movimenta aproximadamente US$ 22 milhões anualmente. O estado de Roraima é quase totalmente inserido na bacia do rio Branco. Este rio nasce da confluência dos rio Uraricoera, com nascentes a oeste do estado, e Tacutu, com nascentes a leste. O rio Branco corta o estado em praticamente toda a sua extensão, desaguando no rio Negro. Segundo Crepaldi (2014), o estado de Roraima passou a ser alvo de pescadores amadores nos últimos 10 anos. O rio Água Boa do Univini, além de outros afluentes do rio Branco, despontam nesse cenário como locais propícios a captura de grandes tucunarés. O rio Água Boa do Univini é um dos principais afluentes do rio Branco. Sua ictiofauna é rica, sendo utilizado tanto para a pesca esportiva quanto pela comercial e de subsistência. Nasce na Terra Indígena Yanomami, é um dos grandes afluentes da margem direita, drenando na direção sul, indo desaguar próximo à foz do rio Catrimani. Parte de seu curso delimita a Estação Ecológica de Niquiá e o Parque Nacional Serra da Mocidade. Possui centenas de lagos que poderiam proporcionar sistemas de manejo com uso múltiplo, incluindo lagos de preservação e de exploração pelas diferentes modalidades de pesca (Relatório Técnico ICMBio, 2013 apud CREPALDI, 2014). Majoritariamente, a infraestrutura da operação do turismo de pesca esportiva em Roraima ainda é pequena, composta basicamente por barcos-hotéis, com maior mobilidade para os grupos, tornando possível a pescaria em diversos afluentes de uma mesma região. Em algumas áreas mais restritas e de difícil acesso, são usadas estruturas fixas como os hotéis e lodges de selva. Nestes casos, a maioria dos turistas chega através de hidroaviões que pousam no local mais próximo à pescaria e onde se encontra a infraestrutura. É necessário que o empresário seja proprietário de uma área às margens do rio. O custo de implantação é mais alto e a mobilidade fica prejudicada. Contudo, as estruturas fixas atraem um público de maior poder aquisitivo e, portanto, viabilizam a cobrança de pacotes turísticos de maior valor (CREPALDI, 2014). Ainda, segundo Crepaldi (2014), as operações móveis (barcos-hotéis) utilizam 172 Robson O. S., Luis F. R. G., Lorenzo S. A. B., Eduardo A. M. e Carlos E. C. F. o trecho baixo compreendido entre a foz do rio (0º29’3.27’’N, 61º42’6.61’’O) e o Estirão do Mendonça (0º41’26.83’’N, 61º38’34.36’’O). Enquanto as estruturas fixas, como por exemplo o Hotel de Selva Água Boa Amazon Lodge, ocupam o trecho superior do rio, que se estende do referido Estirão até a foz do rio Capivara (1º3’50.23’’N, 61º44’36.37’’O). 3 ASPECTOS LEGAIS Apesar de uma longa história de atos normativos específicos, o Dec.-Lei 221/67 foi o primeiro ato regulador da pesca brasileira, incluindo uma definição de pesca desportiva no § 2º, de seu art. 2º: § 2º Pesca desportiva é a que se pratica com linha de mão, por meio de aparelhos de mergulho ou quaisquer outros permitidos pela autoridade competente, e que em nenhuma hipótese venha a importar em atividade comercial. Atualmente, o ordenamento em vigor é a Lei 11.959/09, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras, revoga a Lei 7.679/98 e dispositivos do Dec.-Lei 221/67. Sendo importante salientar que a Lei 9.605/98 e o Decreto 3.179/99, atos relativos aos crimes ambientais, também devem ser considerados, uma vez que estabelecem multas e sanções relacionadas com a prática ilegal da pesca, com a degradação de ambientes aquáticos e com ameaças a biodiversidade. Os órgãos ambientais estaduais podem propor e executar ordenamentos pesqueiros mais restritivos, desde que não conflitantes com aqueles da União. Nesse sentido, os estados do Amazonas e de Roraima estabeleceram procedimentos para regulamentar a pesca amadora/esportiva em seus respectivos territorios. Em Roraima, o Decreto Estadual no. 7.667-E/07, vem regulamentar a Lei 516 de 2006, que dispõe sobre a pesca e estabelece medidas de proteção a ictiofauna. As categorias de pesca regulamentadas em Roraima são: a científica, a profissional, a amadora e a de subsistência. A Lei 516, subdivide as categorias profissional e amador em: profissional convencional, profissional ornamental, amador convencional e amador esportivo. O Estado do Amazonas estabeleceu uma série de procedimentos como necessários à regularização dos pescadores e das empresas que operam nessa atividade, incluindo os processos de licenciamento de barcos e hotéis. Além disso, em face de conflitos com outras modalidades de pesca, notadamente a comercial, incluiu os pescadores amadores/esportivos e suas Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 173 entidades representativas como atores em acordos de pesca, destinados a ordenar a pesca em áreas específicas, rios ou lagos, da bacia (SOBREIRO et al., 2010). Processos semelhantes ocorrem no Estado de Roraima, onde o Ibama, órgãos de pesquisa e as entidades de classe discutiram possíveis normas de uso comum para a bacia. Após quase três anos, chegaram a um consenso acerca do uso e preservação do setor pesqueiro no baixo rio Branco, normatizado pelo Ibama através da publicação da Instrução Normativa 180/08, que trata do Acordo de Pesca do baixo rio Branco. O referido acordo é fundamentado em normas de uso partilhadas entre os diversos atores que usufruem dos recursos naturais do estado e visa a resolução dos conflitos e a normatização das formas de uso do rio Branco e de seus principais afluentes. Zoneamento de áreas de pesca e definição de cargas de exploração pela pesca comercial são algumas das regras discutidas e publicadas. No rio Água Boa do Univini, o histórico de conflitos data de 2005, quando o rio passou a ser acessado por pescadores comerciais oriundos do estado do Amazonas que buscavam os grandes tucunarés. Desde então, os relatos de diminuição da quantidade de peixes, principalmente os grandes exemplares, é uma constante. A partir de 2009, pelo menos três operações de pesca esportiva passaram a usufruir o rio, chegando ao extremo de, em uma única semana, até 35 voadeiras estarem nos rio e lagos da região. As disputas locais entre operadores de turismo e pescadores comerciais e de subsistência culminou com a publicação da Portaria Femact 1/11. Este ato normativo definiu a capacidade suporte dos rios Água Boa do Univini, Itapará e Xeruini embasado no Diagnóstico Preliminar do Potencial de Desenvolvimento da Atividade de Pesca Esportiva no baixo rio Branco, publicado pelo Ibama (CREPALDI, 2014). 4 SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA Apesar da pesca amadora não ser uma atividade de cunho comercial, diversos estudos mostraram que ela também pode causar o declínio dos estoques pesqueiros (ARLINGHAUS et al., 2002; COOKE e COWX, 2004; ARLINGHAUS & COOKE, 2005; COOKE & COWX, 2006). Nos lagos da Polônia, o desembarque da pesca amadora supera o da pesca comercial para algumas espécies (BNINSKA & WOLOS, 2001). O mesmo acontece no Lago Toya, no Japão (MATSUISHI et al., 2002). No Pantanal de Mato Grosso do Sul, a maior parcela do desembarque pesqueiro é oriunda de capturas realizadas por pescadores amadores. Catella (2004) relatou que, no período de 1994 a 1999, o desembarque médio de todas as espécies foi de 174 Robson O. S., Luis F. R. G., Lorenzo S. A. B., Eduardo A. M. e Carlos E. C. F. 1.415 t/ano, sendo que, deste total, 76% foi capturado pelos pescadores amadores. Além disso, as tecnologias disponíveis para a pesca comercial estão sendo cada vez mais utilizadas pelos pescadores amadores com a finalidade de aumentar as chances de sucesso na pesca (COOKE & COWX, 2006). Algumas destas tecnologias tem como objetivo diminuir a captura de espécies indesejadas e evitar impactos no ambiente, porém, a maioria tem o objetivo de apenas facilitar a localização dos peixes e sua captura (COOKE & COWX, 2006). A pesca esportiva é regida pela prática do pesque-solte e os peixes são liberados imediatamente após a captura (COOKE & SUSKI, 2004). Esta prática é realizada sob o pressuposto de que o peixe libertado vai sobreviver para ser pescado novamente no futuro, permitindo o uso de um discurso ecológico (SIEPKER et al., 2007). Contudo, artigo recente (PETRERE, 2014) discutiu os aspectos éticos desta modalidade, relatando seu banimento de países como a Suíça e a Alemanha, onde este procedimento foi considerado cruel. Este é um aspecto importante a ser considerado, principalmente pela ausência de estudos conclusivos sobre questões como: (i) os peixes são capazes de sentir dor?; (ii) quais são as respostas fisiológicas e comportamentais, a nível de espécie, do stress causado pela captura? De toda forma, para maximizar a eficácia do pesque-solte, é preciso alcançar um alto índice de sobrevivência, e não afetar negativamente o crescimento e o comportamento dos peixes (POPE et al., 2007; SIEPKER et al., 2007; HOLLEY et al., 2008). Certamente, segundo Crepaldi (2014), uma parcela dos peixes que são capturados e soltos acaba morrendo devido ao estresse da captura, lesões ocasionadas pelo anzol/garatéia, ataque por fungos e bactérias no local do ferimento e de manipulação do peixe e pela maior suscetibilidade à predação à qual os indivíduos são expostos logo após a soltura. A taxa de mortalidade de peixes capturados e liberados varia substancialmente entre as espécies (MUONEKE & CHILDRESS, 1994). Alguns fatores são decisivos na sobrevivência desses peixes, como a localização anatômica em que o peixe é fisgado (POPE et al., 2007; ALÓS et al., 2008), o tempo de briga, o tipo de isca utilizada, o tipo de anzol (REEVES & BRUESEWITZ, 2007) e o tempo de manuseio com o peixe fora d’água (COOKE & SUSKI, 2004). A escolha da isca se destaca como um fator altamente relevante na sobrevivência dos peixes capturados e soltos. Iscas artificiais, excluindo as moscas artificiais ou “jigs”, tendem a fisgar o peixe superficialmente, permitindo a rápida remoção com a probabilidade de minimizar danos a órgãos Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 175 vitais (MUONEKE & CHILDRESS, 1994). Iscas orgânicas, incluindo iscas vivas, são normalmente ingeridas mais profundamente do que as artificiais, resultando em maior tempo de remoção do anzol (SIEWERT & CAVE, 1990; COOKE et al., 2001). Além disso, os anzóis que são fisgados mais profundamente tem maior chance de prejudicar órgãos vitais, tais como brânquias, esôfago, estômago, ou se alojar no intestino (PELZMAN, 1978; GROVER, 2002; ARLINGHAUS et al., 2007). Há uma infinidade de modelos e configurações de anzóis, mas o principal fator causador de lesões e de mortalidade é a presença da farpa no anzol (MUONEKE & CHILDRESS, 1994). Anzóis sem farpa reduzem o tempo requerido pelo pescador para removê-los, diminuindo consequentemente o tempo de manipulação do peixe fora d’água (COOKE et al., 2001). Por outro lado, o uso de anzóis sem farpa facilita a fuga dos peixes durante a captura, o que gera uma resistência quanto ao seu uso por parte dos pescadores. Thomé-Souza et al. (2014) estudou a mortalidade associada ao pesque-solte com o tucunaré e observou taxas de mortalidade variando de 3,5 a 5,2% para as três espécies de tucunaré incluídas no estudo, Cichla temensis, C. orinocensis e C. monoculus, concluindo que o pesque-solte resulta em baixas taxas de mortalidade para essas espécies. Além disso, aspectos relacionados com a capacidade de suporte do ambiente para empreendimentos de pesca esportiva são, em geral, negligenciados. Impactos indiretos, como contaminação da água por efluentes orgânicos dos hotéis e por derivados de petróleo dos barcos, devem ser rigorosamente controlados. Ainda mais, acreditamos que a estimação da capacidade de suporte deve subsidiar a definição do porte dos empreendimentos, uma vez que a constante movimentação de barcos motorizados e pessoas de outras regiões podem afugentar a fauna e levar a conflitos com populações tradicionais. 5 SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA Especialistas de vários países são unânimes em classificar o Brasil entre as nações mais ricas em peixes de interesse da pesca esportiva, credenciando-o como importante destino para aqueles que se dedicam a essa atividade. Além disso, o Brasil detém dois importantes recordes na pesca internacional: o do tucunaré (12,5 kg) e o do marlim-azul (636 kg). Um exemplo das possibilidades da pesca esportiva como fonte geradora de empregos e receita é os Estados Unidos. Segundo a National Survey of Fishing, Hunting and Wildlife (apud Pesca Amadora, 2001), são gastos anualmente U$ 38 bi- 176 Robson O. S., Luis F. R. G., Lorenzo S. A. B., Eduardo A. M. e Carlos E. C. F. lhões em atividades diretamente ligadas à pesca esportiva, com cerca de 37,5 milhões de pescadores esportivos licenciados, cuja demanda de serviços gera 1,2 milhões de empregos diretos. Ainda que informações completas sobre os custos não estejam disponíveis, os valores já apresentados evidenciam que os lucros decorrentes de cada operação de pesca amadora/esportiva podem ser bastante elevados, uma vez que as receitas brutas são, em geral, superiores a R$ 100.000,00. No entanto, existem alguns problemas que devem ser considerados na análise da sustentabilidade econômica dessa atividade a médio e longo prazos. O primeiro deles é a sazonalidade dessa atividade na Amazônia. Na região, a temporada de pesca amadora/esportiva coincide com o período de águas baixas, geralmente de outubro a março, com uma pausa nas atividades na última quinzena de dezembro. Esta sazonalidade cria dificuldades para os proprietários de barcos e/ou hotéis, que continuam a arcar com custos fixos elevados relacionados à manutenção da estrutura física e de uma equipe mínima de funcionários. A alta rotatividade da mão-de-obra também é um problema, uma vez que a maior parte dos funcionários ligados diretamente com a atividade (guias, cozinheiros, vigias etc.) são dispensados ao final da temporada. Desta forma, os investimentos feitos com treinamento deste pessoal (por exemplo comunicação básica em língua inglesa) precisam ser retomados no início de cada temporada. Além disso, as incertezas associadas ao ciclo hidrológico, como data de início e término da época de águas baixas, duração deste período e intensidade da seca, influenciam os resultados da pescaria e podem constituir elementos de satisfação ou de desapontamento para turistas que vêm de outros locais (estados do Brasil ou do exterior), com custos elevados, para pescar na Amazônia. Contudo, a questão mais crítica associada com a sustentabilidade econômica da atividade, e que apresenta forte componente social, é a baixa participação dos moradores dos municípios, principalmente das comunidades ribeirinhas, nos lucros decorrentes da pesca amadora/esportiva que é realizada na Amazônia. Sobreiro et al. (2010) desenvolveram uma análise para avaliar o grau de satisfação de ribeirinhos com um acordo de pesca desenvolvido no rio Unini, que previa um zoneamento do rio, com áreas específicas de pesca de subsistência, comercial e esportiva. Estes autores observaram que o grau de satisfação estava relacionado com a possibilidade de emprego e renda para os moradores das comunidades. Mais recentemente, Rivas et al. (2014) relataram uma experiência de cobrança pelos serviços ambientais fornecidos pela pesca esportiva Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 177 no município de Barcelos (Rio Negro, Estado do Amazonas), que previa a utilização de parte dos recursos para a melhoria da qualidade de vida das comunidades ribeirinhas dos rios onde a pesca amadora/esportiva se realiza. O pressuposto teórico para a efetivação dessa cobrança foi a percepção de que o desenvolvimento da pesca esportiva depende dos serviços ambientais oferecidos exclusivamente pelo ecossistema do rio Negro e seus tributários. 6 CONCLUSÃO A pesca amadora/esportiva conforma-se como uma atividade com grande potencial de desenvolvimento para a Amazônia, principalmente pela capacidade de geração de emprego e renda em uma região com baixos indicadores de atividade econômica e de qualidade de vida. No entanto, questões importantes acerca de sua sustentabilidade precisam ser respondidas, a fim de embasar políticas públicas consistentes que venham a lhe conferir sustentabilidade ecológica, econômica e social. 7 REFERÊNCIAS AMAZONASTUR, 2012. 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Referências. 1 INTRODUÇÃO Na Constituição Federal de 1988 encontra-se a composição de três entes federativos, que detêm também uma tríplice autonomia (autogoverno, auto-administração e auto-organização). Dentre as competências estabelecidas no ordenamento jurídico constitucional, em relação ao tema ambiental (CF/88, art. 30), está a de legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover o adequado ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual, executar a política de desenvolvimento urbano e elaborar o Plano Diretor, este último nos termos do art. 182, §§ 1º e 2º da CF/88. Partindo da premissa constitucional, denota-se que as supramencionadas competências fazem menção e tem ação direta no meio ambiente 1 Mestrando em Desenvolvimento Regional da Amazônia (Universidade Federal de Roraima). Especialista em Direito Ambiental (FACINTER). Advogado na Seccional de Roraima (OAB/RR). Graduado em Direito. E-mail: [email protected]. 182 Bruno César Andrade Costa urbano, o que, por conseguinte, enseja uma efetiva atuação municipal nas matérias que lhe são atribuídas na Carta Magna, em relação aos assuntos ambientais. Tudo isso se deve ao fato da alteração jurídica que os Municípios receberam com o advento da Constituição de 1988, uma inovação no sistema jurídico moderno, uma vez que, até então, os Municípios só possuíam natureza meramente administrativa. Assim sendo, ainda com enfoque em nossa Carta Republicana, o art. 23, inc. VI, estabeleceu ser competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios “a proteção do meio ambiente e o combate à poluição em quaisquer modalidades”. Nesse ínterim, mormente ao meio urbano em que se vive, essa entonação assume relevante papel face ao caos das grandes cidades, decorrente das condições ambientais causadoras das mais diversas poluições, principalmente do ar, das águas e da falta de tratamento dos resíduos sólidos (este último enfoque do presente capítulo), particularidades que, infelizmente, afetam não só mais as grandes cidades, mas também aquelas em desenvolvimento. A competência municipal para tratar das questões relativas ao meio ambiente natural ou artificial ainda não foi bem delimitada, principalmente pela dificuldade do dimensionamento do papel dos municípios na realização e execução de políticas públicas ambientais. Tal fato se deve a novidade inserida na CF/88, que foi o primeiro texto a reservar um capítulo específico ao meio ambiente e à política urbana (SILVA, 2006). Essa inovação almejou garantir a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem essencial à qualidade de vida, cuja defesa cabe ao Poder Público com o auxílio da coletividade, nos termos do art. 225 da CF/88. Ainda conforme Silva (2006), também deve ser considerada a evolução da conscientização ambiental no exercício da cidadania, observada na esfera política mundial. No Brasil, o mesmo fenômeno ocorreu após a realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro, a Eco-1992. Nesse sentido, há de se determinar, a priori, a atuação dos municípios nesta nova perspectiva e acrescentar alguns elementos à pauta ambiental, dentre os quais serão destacados: (a) o conceito de resíduos sólidos e sua aplicação ao meio ambiente urbano; (b) a lei de resíduos sólidos e a responsabilidade ambiental no âmbito da mesma e demais normas aplicáveis; (c) a lei de resíduos sólidos e a realidade do município de Boa Vista; (d) a fiscalização e atuação por parte dos órgãos públicos competentes e suas consequentes responsabilizações. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 2 183 CONCEITUAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS E SUA APLICAÇÃO AO MEIO AMBIENTE URBANO Segundo Strauch (2008), os resíduos não são uma anomalia na natureza e não precisam ser vistos como algo anatural, artificial, exclusividade do homem moderno. Até mesmo substâncias tóxicas são produzidas pela natureza: por algas tóxicas, por exemplo. Conforme a NBR 10004 (2004, p. 1), resíduos sólidos são os: resíduos nos estados sólido e semissólido, que resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnicas e economicamente inviáveis em face à melhor tecnologia disponível. De acordo com a Lei 12.305/10 regulamentada pelo Decreto 7.404/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, alterando a Lei 9.605, de 12.02.1998, resíduos sólidos são quaisquer (Título III, Capítulo I, art. 13): [...] material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível. Explicado a conceituação dos resíduos sólidos, cumpre agora correlacionar sua aplicação face ao meio ambiente em que se vive. Prestes (2006 apud DERANI, 1996) salienta serem as normas ambientais essencialmente voltadas a uma relação social, e não a uma “assistência à natureza”. Aduz ela que o escopo do direito ambiental se ajusta com a finalidade do direito econômico. Ambos dispõem pelo aumento do bem-estar, ou pela qualidade de vida individual ou coletiva. No meio ambiente urbano, essa concepção é essencial, pois a propriedade e a forma de utilização desta interferem diretamente na qualidade do meio ambiente. Para elucidar, basta observar o que ocorre com área antes rural que, por uma modificação de zo- 184 Bruno César Andrade Costa neamento, passa a ser urbana, forma natural de expansão urbana para desenvolvimento das cidades. O valor econômico dessa propriedade, que era calculado em hectares antes da mudança do Plano Diretor, passa a utilizar metros quadrados para a sua aferição. O uso do bem, da mesma forma, pois terá um regime urbanístico advindo sobre a área concedendo um direito de construir. Entretanto, a utilização de todo o potencial construtivo do terreno pode ser lesiva ao meio ambiente. Isso porque ela pode mudar o aspecto de uma região e estabelecer que as ruas previstas sejam inseridas ou largueadas, para consentir a demanda gerada pelo novo empreendimento. Este diagnóstico é que cabe aos Municípios executarem a fim de aplicar as medidas necessárias para atenuar os impactos trazidos. No exemplo trazido à baila, exigir do empreendedor que insira o projeto viário, a fim de evitar os engarrafamentos, dentre outras poluições, pode ser uma medida mitigadora apropriada. Imperioso abalizar que esta mudança de rural para urbano precisa ser bem avaliada, pois o conceito da função social da propriedade nas cidades é instituído pelo Plano Diretor atinente. Nesse sentido, cumpre informar sobre a legislação infraconstitucional, por sua vez, representada na Lei Federal 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e cria o Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, estabelece alguns conceitos básicos em seu art. 3º: Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II – degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente; III – poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. [...]. Denota-se que a conceituação do termo meio ambiente estampado no art. 3º da supracitada lei é vasto. Considera a vida em todas as suas formas, inclusive a humana, bem como dispõe de forma genérica sobre todos os aspectos que, de certa forma, expõem a respeito do meio ambiente, não se reduzindo ao ambiente natural. Do mesmo modo, trata o con- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 185 ceito de degradação ambiental, deixando como conceito jurídico em aberto, podendo ser aplicado ao ambiente artificial ou construído. Por outro lado, para Silva (2006), o meio ambiente é uno e resulta da interação de elementos naturais, artificiais e culturais que permitem o desenvolvimento da vida. O art. 4º da supracitada Lei Federal estabelece os objetivos da política nacional do meio ambiente. Desde a época da promulgação da lei (1981), visou-se “à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”. Assim, a afirmação do conceito jurídico de sustentabilidade remete a referida lei da década de 80. Ressalta Prestes (2006 apud DERANI, 1996), trazendo esses conceitos para o ambiente urbano, pode-se dizer, assim, que para o projeto, a avaliação, a inferência, a diminuição dos impactos objetivando a estabilização ambiental nas cidades, necessariamente tem-se que adotar o conceito moderno de meio ambiente, o qual implica a presença do homem e todos os aspectos do espaço construído que interagem e ecoam no ambiente. Principalmente no espaço urbano, especialmente transformado pelo homem, o conceito de meio ambiente não é restrito ao ambiente natural. Na ponderação dos conflitos, no planejamento da cidade, é imperioso considerar o processo de urbanização, os serviços colocados à disposição do mercado consumidor, as necessidades fundamentais da vida em sociedade (saúde, educação, emprego, lazer, cultura, habitação, segurança etc.), a relação com os empreendimentos e a infraestrutura urbana, a repercussão social e o impacto econômico destes, para efetivamente buscar-se o equilíbrio ambiental no espaço urbano. 3 A LEI DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL NO ÂMBITO DA LEI 12.305/10 A Constituição Federal de 1988, no capítulo dedicado ao Meio Ambiente, estabelece como forma de reparação do dano ambiental três tipos de responsabilidade, a saber: civil, penal e administrativa, todas independentes e autônomas entre si, ou seja, com uma única ação ou omissão podem-se cometer os três tipos de ilícitos autônomos e também receber as sanções cominadas. Essa natureza objetiva tem fundamento no art. 14, § 1º da Lei 6.938/81. Com o advento da Carta Magna de 1988, fundamentado no art. 225, § 3º, a responsabilidade civil objetiva e solidária restou afirmada devido ao fenômeno conhecido como recepção da Lei 6.938/81. 186 Bruno César Andrade Costa Para a caracterização da responsabilidade civil ambiental são necessários os seguintes elementos: autoria, nexo de causalidade e dano e/ou o risco iminente de dano ambiental. De acordo com Pilati e Dantas (2011, p. 64), “atividade é a conduta causadora de dano ambiental”. Essa conduta pode ser comissiva ou omissiva. Pode ser ainda, ilícita ou lícita. Com relação ao dano ambiental, interessante o entendimento de Antunes (2012, p. 65): “A poluição é um fenômeno inerente à atividade humana, que, em todas as suas diferentes manifestações, realiza-se, sempre, a partir do consumo de recursos ambientais. Ela é uma categoria genérica que se desenvolve em três níveis: (i) a poluição em sentido estrito, ou desprezível; (ii) o dano ambiental, e (iii) o crime ambiental”. Segundo Silva (2013), no campo da responsabilidade civil ambiental prevalece a “teoria do risco integral” sobre a “teoria do risco criado”. A primeira não aceita a incidência das excludentes da responsabilidade civil (por exemplo, caso fortuito, fato de terceiro, força maior), ao passo que na segunda “teoria do risco criado” defende-se a possibilidade de incidência das excludentes da responsabilidade civil. Dentre os juristas que defendem a incidência do risco criado, podemos destacar o posicionamento de Mukai (2010, p. 64), que preleciona: Verifica-se, assim, que o que empenha a responsabilidade do poluidor é a sua atividade lesiva ao meio ambiente e a terceiros. Fica, portanto, de fora desse quadro qualquer atividade que não possa ser debitada ao poluidor, tais com a ação de terceiros, vítima ou não, e, evidentemente, nesse rol, ainda se poderia colocar o caso fortuito (evento causado pela ação humana de terceiros) e a força maior (evento causado pela natureza). E ainda conforme Mukai (2010, p. 65), denota-se, portanto, com supedâneo nesses juízos, à vista do que acontece no âmbito da responsabilidade objetiva do Estado, que, no direito pátrio, a responsabilidade objetiva pelos danos ambientais é a da modalidade do risco criado (admitindo as excludentes da culpa da vítima, da força maior e do caso fortuito), e não a do risco integral (que não admite excludentes), nos exatos e expressos termos do § 1º do art. 14 da Lei Federal 6.938/81. Em relação à Lei 12.305/10, que dispõe sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), é completamente aceitável a responsabilização civil ambiental em sua modalidade objetiva e solidária, independentemente da comprovação da existência de culpa do autor, in verbis: Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 187 Art. 51. Sem prejuízo da obrigação de, independentemente da existência de culpa, reparar os danos causados, a ação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicas que importe inobservância aos preceitos desta Lei ou de seu regulamento sujeita os infratores às sanções previstas em lei, em especial às fixadas na Lei n. 9.605, de 12.02.1998, que “dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências”, e em seu regulamento. Em se tratando de responsabilidade civil ambiental pós-consumo, as mesmas regras deverão ser observadas e aplicadas à PNRS, a fim de otimizar ao máximo a concretização de suas normas. Ainda nesse sentido, há a previsão no art. 52 da supracitada lei sobre o disposto no caput do art. 23 e no § 2º do art. 39, da Lei 12.305/10, considerando obrigação de relevante interesse ambiental, para efeitos do art. 68 da Lei 9.605/98, sem prejuízo da aplicação de outras sanções cabíveis nas esferas penal e administrativa, que estabelecem, conforme abaixo transcrito: Art. 23. Os responsáveis por plano de gerenciamento de resíduos sólidos manterão atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente, ao órgão licenciador do Sisnama e a outras autoridades, informações completas sobre a implementação e a operacionalização do plano sob sua responsabilidade. [...] Art. 39. As pessoas jurídicas referidas no art. 38 são obrigadas a elaborar plano de gerenciamento de resíduos perigosos e submetê-lo ao órgão competente do Sisnama e, se couber, do SNVS, observado o conteúdo mínimo estabelecido no art. 21 e demais exigências previstas em regulamento ou em normas técnicas. [...] § 2º Cabe às pessoas jurídicas referidas no art. 38: I – manter registro atualizado e facilmente acessível de todos os procedimentos relacionados à implementação e à operacionalização do plano previsto no caput; II – informar anualmente ao órgão competente do Sisnama e, se couber, do SNVS, sobre a quantidade, a natureza e a destinação temporária ou final dos resíduos sob sua responsabilidade; III – adotar medidas destinadas a reduzir o volume e a periculosidade dos resíduos sob sua responsabilidade, bem como a aperfeiçoar seu gerenciamento; IV – informar imediatamente aos órgãos competentes sobre a ocorrência de acidentes ou outros sinistros relacionados aos resíduos perigosos. [...] Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Percebe-se claramente que no âmbito da Lei 12.305/10 não há somente a previsão da responsabilidade civil objetiva, mas também responsa- 188 Bruno César Andrade Costa bilidade administrativa e penal, com auxílio da Lei 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, sendo possível assegurar um efetivo instrumento de controle da tutela jurisdicional caso haja uma omissão na implementação e aplicação da política de resíduos sólidos. Segundo Silva (2013), antes de se analisar a metodologia adotada pela Lei 12.305/10 e atentar-se para uma efetiva interpretação/aplicação do direito, com a apreciação dos princípios relacionados à responsabilidade civil ambiental pós-consumo, é indispensável demonstrar, a título de esclarecimento, a definição legal de alguns termos usados pela nova legislação. Nesse sentido, Silva (2013) demonstra que no Capítulo II da Lei 12.305/10, em seu art. 3º, está a definição legal de determinados termos e expressões de grande relevância para a compreensão, concretização e melhor interpretação da norma jurídica. Por exemplo, no inc. II destaca-se a definição legal de área contaminada como “local onde há contaminação causada pela disposição, regular ou irregular, de quaisquer substâncias ou resíduos”. Já no inc. V, temos a definição legal de coleta seletiva: “coleta de resíduos sólidos previamente segregados conforme sua constituição ou composição”. Nos incs. VI, VII e VIII, pode-se observar as definições legais da destinação final ambientalmente adequada: VI – controle social: conjunto de mecanismos e procedimentos que garantam à sociedade informações e participação nos processos de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas relacionadas aos resíduos sólidos; VII – destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético e outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos; VIII – disposição final ambientalmente adequada: distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos. No inc. IX, insta salientar a definição legal de geradores de resíduos sólidos como “pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que geram resíduos sólidos por meio de suas atividades, nelas incluído o consumo”. No inc. XII, temos a definição legal de logística reversa como sendo o Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 189 [...] instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada. No inc. XV, temos a definição legal de rejeitos como: [...] resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada. No inc. XVI, pode-se depreender a definição legal de resíduos sólidos como: [...] material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível. E, por fim, no inc. XVII encontra-se a definição legal de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos como: [...] conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta Lei. maneira: Machado (2007, p. 561) conceitua resíduos sólidos da seguinte [...] Os resíduos sólidos têm sido negligenciados tanto pelo público como pelos legisladores e administradores, devido provavelmente à ausência de divulgação de seus efeitos poluidores. Como poluente o resíduo sólido tem sido menos irritante que os resíduos líquidos e gasosos, porque colo- 190 Bruno César Andrade Costa cado na terra não se dispersa amplamente como os poluentes do ar e da água. O volume dos resíduos sólidos está crescendo com o incremento de consumo e com a maior venda de produtos. Destarte, a toxidade dos resíduos sólidos está aumentando com o maior uso dos produtos químicos, pesticidas e com o advento da energia atômica. Seus problemas estão sendo ampliados pelo crescimento da concentração das populações urbanas e pela diminuição ou encarecimento das áreas destinadas a aterros sanitários. O termo “resíduo sólido”, como entendemos no Brasil, significa lixo, refugo e outras descargas de materiais sólidos, incluindo resíduos sólidos de materiais provenientes de operações industriais, comerciais e agrícolas e de atividade da comunidade, mas não inclui materiais sólidos ou dissolvidos nos esgotos domésticos ou outros significativos poluentes existentes nos recursos hídricos, tais como a lama, resíduos sólidos ou suspensos na água, encontrados nos efluentes industriais, e materiais dissolvidos nas correntes de irrigação ou outros poluentes comuns da água. Estabelecidas as premissas básicas para elucidação e compreensão dos conceitos de resíduos sólidos e sua relação com o meio ambiente, cumpre agora fazer menção à realidade local em relação ao tema e às maneiras com o que o Estado pode atuar nos casos de responsabilidades e as devidas sanções previstas na Lei 12.305/10 e normas correlatas. 4 A LEI DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A REALIDADE DO MUNICÍPIO DE BOA VISTA A cidade de Boa Vista, capital do Estado de Roraima, está em pleno crescimento populacional. A cidade, que inicialmente foi desenhada dentro de um planejamento urbano moderno, com sua formação na forma de um leque, presenciou um crescimento demográfico exorbitante a partir dos anos 2000, o que impossibilitou a observância do plano diretor e a implementação de uma política pública ambiental eficiente. Segundo dados do IBGE, em 2010 a população local já atingiu o montante de 284.313 mil habitantes com expectativa, para 2013, de 308.996 habitantes: uma alta concentração urbana na capital do Estado, fato que ocasionou também uma alta produção de lixo. Conforme informações da Prefeitura de Boa Vista, são recolhidas, por dia, cerca de 300 toneladas de lixo domiciliar (resíduos domiciliares) sem que exista uma destinação correta para tamanha demanda, uma vez Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 191 que não há coleta seletiva na cidade, bem como um local adequado para seu despejo2. Por conseguinte, devido à alta concentração da população na capital, há um excesso dos mais diversos tipos de resíduos sólidos produzidos todos os dias, não só os domiciliares. Segundo Albarado (2013), a média diária de produção de resíduos sólidos por habitante na capital Boavistense é 1,070 quilos por pessoa. A Lei 12.305/10 determina que a gestão e gerenciamento de resíduos sólidos são de responsabilidade do poder público municipal e prescreve sanções em caso de descumprimento, conforme já anteriormente exposto. Nesse sentido, dentre os diversos problemas locais com resíduos sólidos, cumpre destacar o mais atual enfrentado na capital: a questão do despejo dos resíduos sólidos no aterro sanitário, que já se encontra saturado, e ocasiona danos ambientais. Preliminarmente, é importante destacar a diferença entre lixão e aterro sanitário. Segundo Fiorillo (2010), a técnica de deposição de lixo é pouco recomendada, porquanto acarreta inúmeros prejuízos sanitários, econômicos, ambientais e sociais. Apesar disso, em razão de sua implementação rápida, fácil e com baixos custos, tem sido largamente utilizada. É a técnica mais antiga de processamento de resíduos e consiste na simples deposição do lixo nos diversos espaços ambientais, o que a carreta periculosidade elevada ao meio ambiente. Ainda conforme Fiorillo (2010), aterros sanitários são os locais especialmente concebidos para receber lixo e projetados de forma a que se reduza o perigo para a saúde pública e para a segurança. A vida útil prevista está compreendida entre três e cinco anos, porque o lugar onde o lixo é depositado deve ser periodicamente recoberto com terra. O tratamento do resíduo, seja via aterro sanitário, seja por reciclagem, aproveitamento energético direto ou outro meio, exige a respectiva licença de tratamento concedida pelo órgão ambiental competente. Em algumas situações, é necessário ainda um estudo prévio de impacto ambiental, como no caso de aterro sanitário, em conformidade com o art. 2º da Resolução Conama 1/86: Art. 2º. Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do Ibama em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: 2 Disponível em: <http://www.portalamazonia.com.br/editoria/meio-ambiente/producao-delixo-domestico-em-boa-vista-supera-media-da-regiao-norte>. Acesso em: 05 jul. 2014. 192 Bruno César Andrade Costa [...] X – Aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos. O aterro sanitário de Boa Vista está localizado após o Distrito Industrial, na BR – 174, quilômetro 494, a 11 km da capital, com uma área de 94 hectares, sendo um local restrito, cercado por uma tela alambrada com dois metros de altura. Segundo Falcão et al. (2012), o aterro sanitário local possui 13 células onde são depositados os resíduos domiciliares e hospitalares, separadamente. As células são impermeáveis, têm vida útil de 20 anos e medem 100 x 150 m. Cada célula de lixo domiciliar tem capacidade para 129.542 toneladas. A capacidade das células de lixo hospitalar é de 600 toneladas cada. Desde a inauguração, o aterro não realiza o tratamento do chorume, sendo que o mesmo fica exposto a céu aberto. O aterro sanitário teria uma vida útil de 10 a 15 anos e, nos próximos dois anos a Administração Municipal, já deve iniciar os trabalhos de planejamento para ampliação ou construção de uma nova unidade de armazenagem. A cidade de Boa Vista gera uma média de 30 mil toneladas de lixo por mês. Com a capacidade de uso no limite, a administração do aterro promove a queima dos resíduos, proporcionando a poluição atmosférica (FOLHA WEB, 2014). O aterro sanitário de Boa Vista foi construído a menos de 150 metros do igarapé Wai Grande, o que vai contra a Portaria do Ministério do Interior 124. Devido ao crescimento da cidade e da produção de lixo, começaram a surgir problemas ambientais na área, tais como: intervenção antrópica nas margens do corpo hídrico (através da retirada da vegetação nativa), pontos de assoreamentos, queimadas, resíduos sólidos e odor de ovo podre na água do igarapé. Nesse sentido, Falcão et al. (2012) ressaltaram que provavelmente a situação acima descrita proporciona a contaminação microbiológica dos compartimentos ambientais, o que contribui para o agravamento da degradação e o decréscimo na qualidade de vida dos usuários do corpo hídrico. Cumpre informar que próximo ao aterro sanitário de Boa Vista existe um conjunto habitacional denominado Pérolas do Rio Branco, no bairro Nova Cidade, zona oeste, sendo que os moradores já denunciaram os problemas que diariamente o aterro ocasiona. Segundo eles, milhares de insetos são atraídos pelo lixo deixado no local, podendo transmitir diversos tipos de doenças. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 193 Segundo o Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR), em 2013 foi oferecida denúncia contra o Município de Boa Vista, a Construtora Soma Ltda. e mais cinco acusados por crime ambiental cometido no Aterro Sanitário de Boa Vista. Conforme a denúncia do MPF/RR, a Construtora Soma Ltda., contratada e fiscalizada pelo Município de Boa Vista desde 2003, causou danos ambientais em virtude do lançamento de resíduos sólidos, líquidos e gasosos no meio ambiente em desacordo com a lei. O dano ambiental decorrente dessas irregularidades está causando, segundo o MPF, poluição das águas superficiais e subterrâneas na região da margem esquerda da BR 174, sobretudo do lençol freático da região e do igarapé Wai Grande, além de desequilíbrio em toda cadeia alimentar de organismos vivos ali presentes, com prejuízo à fauna e flora. O Laudo de Meio Ambiente do Departamento de Polícia Federal, ainda no ano de 2010, apontou que a poluição provocada pela atividade do Aterro Sanitário decorria de uma série de irregularidades, como a ausência de pontos de monitoramento ambiental e de técnicas de tratamento dos líquidos (água e chorume) e de gases, e a não apresentação dos estudos ambientais que deram subsídio às autorizações de instalação, operação e análises físico-químicas das águas subterrâneas pela Prefeitura Municipal de Boa Vista, além de outras irregularidades. Denota-se, portanto, que os órgãos responsáveis pela fiscalização estão atuando de forma veemente para coibir a prática de crimes ambientais que afetam toda a população local, mas pergunta-se ainda: e o que tem feito o poder público local para solucionar esse grave problema do aterro sanitário? Numa visita à Secretaria Municipal de Gestão Ambiental e Assuntos Indígenas (SMGA) foi informado que já está sendo elaborado o Projeto do Plano de Resíduos Sólidos para atender a realidade local, ainda na fase de Termo de Referência, que é um documento no qual uma instituição contratante estabelece os termos pelos quais um serviço deve ser prestado ou um produto deve ser entregue por potenciais contratados, não existindo, portanto, nada concreto na realidade local para atender o disposto na Lei de Resíduos Sólidos. Para tentar amenizar o problema enfrentado, foi publicado no Diário Oficial do Município, do dia 27.06.2014, o Decreto 68/E (de 24 de junho), que declara de utilidade pública, para fins de desapropriação, o imóvel localizado na gleba Cauamé, objetivando a construção do novo aterro sanitário. Esclarece ainda que as despesas ocorrerão por conta do orçamento do município. Segundo a Assessoria de Comunicação do Ministério Público de Roraima (MPRR), diante de várias irregularidades constatadas no aterro sanitário do Município de Boa Vista, durante procedimento investigatório instaurado, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente encontra-se na iminência 194 Bruno César Andrade Costa de propor ação civil pública contra o Município. Com relação ao novo espaço destinado para futuro aterro sanitário, o MPRR disse que não foi formalizado sobre o referido processo (FOLHA WEB, 2014). Ainda em outra tentativa de solucionar os problemas do aterro sanitário, no dia 06.06.2014, foi instalada a Usina de Reciclagem e Renda de Roraima, que vai ajudar na organização e estruturação dos catadores de materiais recicláveis, que compõem a cooperativa Unirenda, equipamento adquirido pela Federação das Indústrias do Estado de Roraima (FIER), como recursos obtidos junto ao Consulado do Japão3. Para a Prefeita, a partir de agora, os catadores de resíduos sólidos terão material de qualidade e poderão negociá-lo a um preço melhor. “Com esse novo equipamento, a usina vai reciclar plásticos rígidos como garrafão de água, garrafas PET e similares. Os catadores terão uma condição melhor para se organizar, serem donos do próprio negócio e crescerem como cooperativa, melhorando ainda a condição de vida e renda das famílias”, destacou a Prefeita4. Assim, destaca-se que embora existam problemas referentes ao aterro sanitário e a poluição causada ao meio ambiente, há catadores que sobrevivem do trabalho exercido no local. Faz-se necessária uma ação conjunta do poder público local em parceria com a iniciativa privada para que o meio ambiente e toda coletividade possam caminhar em direção ao desenvolvimento sustentável. O importante é a assunção por todos os segmentos da sociedade do conteúdo da lei, sem resistências, com postura avançada pelo convencimento de que este será um instrumento importantíssimo para alteração de procedimentos que levará à redução da geração de resíduos, ao uso racional dos recursos naturais, e à minimização da geração de áreas contaminadas que afetam o meio ambiente e prejudicam a saúde da população. 5 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO GARANTIA DA TUTELA JURISDICIONAL AMBIENTAL Prevista na Lei 7.347/85, a ação civil pública rege a possibilidade do Ministério Público e os demais legitimados disjuntivos e concorrentes, proporem uma ação de natureza civil face àqueles que causarem danos ao 3 4 Disponível em: <http://www.boavista.rr.gov.br/noticia/1302/Usina_de_reciclagem _%C3 %A9_instalada_no_Aterro_Sanit%C3%A1rio>. Acesso em: 05 jul. 2014. Idem. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 195 meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor estético, histórico, turístico e paisagístico, patrimônio público e qualquer outro interesse difuso ou coletivo e ainda por infração da ordem econômica e da economia popular. Segundo Frontini (2001), cumpre não perder de vista que a ação civil pública pode ter por objeto, além da condenação em dinheiro, também o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, nos termos do art. 11 da Lei 7.347/85. E o que seria o “fazer ou deixar de fazer”? A resposta é evidente: cumprir a prestação de fazer ou a prestação de não fazer a que o devedor dessa obrigação está juridicamente vinculado. Assim, novamente, observa-se o pressuposto da existência de uma lei regendo a hipótese. Embora com frequência a obrigação, como vínculo jurídico entre partes, tendo por objeto uma prestação de caráter econômico, tenha por fonte um contrato, ou mesmo um ato unilateral de vontade, deve necessariamente existir uma lei que tenha autorizado a formação do vínculo obrigacional. De fato, sobretudo nos Municípios de menor densidade populacional, lideranças locais, entendendo que o Poder Executivo deveria adotar certa providência, formulam representação ao Ministério Público para que o órgão, tendo em vista o interesse público, venha a ajuizar ação civil pública com pedido de obrigação de fazer, invocando inclusive a tutela específica do art. 461 do CPC. Frontini (2001) lembra que o art. 11 previu a possibilidade do provimento judicial, pleiteado por ação civil pública, ser destinado ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer; quer dizer, a ação civil pública já surgiu com a possibilidade de ter por objeto o cumprimento de prestação de atividade devida ou a cessação de atividade nociva, tudo sob pena de tutela específica ou cominação de multa diária. Segundo Castro (2014), com a entrada em vigor da nova Lei 12.305/10, que dispõe sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a história mostra que não se pode conferir à criação da lei a resolução dos problemas existentes, especialmente ante a sujeição de um prazo tão curto para a adoção de atitudes concretas tão remotas da realidade cotidiana. Em verdade, a efetivação do escopo da norma se faz através do cotejo desta com os valores sociais desejados por seus aplicadores e destinatários. Todavia, hodiernamente, malgrado o esforço de uma exceção, não se vislumbram, como regra, no âmbito público, bons projetos desprovidos da mácula de interesses escusos particulares. Ademais, quaisquer projetos, sejam eles com objetos deturpados ou aqueles desenvolvidos sob o manto da lisura não escapam dos entraves da burocracia, cujos gargalos, se não superados, resultam em incontestes danos à sociedade. Em linhas gerais, é notório não perdurar, em 196 Bruno César Andrade Costa nossa pátria, a ética, a lisura e a boa-fé no trato com os recursos públicos, razão pela qual seria ingênuo acreditar que será completamente idônea e escorreita a conduta dos gestores e operadores dos projetos, cuja execução é demanda pela nova Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ainda segundo Castro (2014), diante de tal realidade, em face de eventual omissão da implementação da nova legislação, deverá o cidadão – probo, ético e que deseja ver aplicada, de forma escorreita, lícita e eficiente, a lei que regula a gestão dos rejeitos sólidos – munir-se de instrumentos processuais hábeis a ilidir a omissão do poder público; neste contexto destaca-se a importância da ação civil pública. Nesse sentido, elucida com propriedade Silva (2009 apud ALBUQUERQUE, 2012, p. 481): “O problema da tutela jurídica do meio ambiente se manifesta a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar, não só o bem-estar, mas a qualidade de vida humana, se não a própria sobrevivência do ser humano”. Castro (2014) destaca que a legislação brasileira tem experimentado, notadamente desde o início da década de 80, significativos avanços no campo da proteção social dos direitos da coletividade. Neste contexto, inquestionável é a importância da ação civil pública (ACP) como instrumento de defesa da garantia constitucional da tutela do meio ambiente. Elucida supracitada afirmação, farta coleção jurisprudencial, demonstrando a pertinência da ACP em matéria ambiental5. 5 Processual civil e ambiental. Agravo de instrumento em Ação Civil Pública. Armazenamento de resíduos sólidos. Risco de contaminação do solo e das águas subterrâneas. Fumus boni iuris e periculum in mora caracterizados. Decisão não teratológica. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto visando à reforma do decisum proferido nos autos da Ação Civil Pública 2013.51.02.00505-6, que deferiu a liminar para determinar à ré que, no prazo de 30 dias, comprove a assunção das medidas cabíveis para adequar a área de armazenamento de resíduos, em atendimento às NBRS 12.235 (armazenamento de resíduos sólidos perigosos) e 11.174 (armazenamento de resíduos classe II. Não inertes e II. Inertes), sob pena de multa diária fixada no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser revertida em favor do fundo federal de defesa dos interesses difusos, previsto na Lei 7.347/85, em caso de descumprimento. 2. Da análise do relatório técnico emitido pelo INEA infere-se que, em vistoria realizada em 07.12.2012, foram encontradas no local da empresa grandes quantidades de resíduos, inclusive resíduos sólidos perigosos (classe I), tais como tambores, bombonas e estopas contaminadas com óleo, que podem provocar a contaminação do solo e das águas subterrâneas. 3. O fato de os objetos terem sido deixados no terreno da agravante por terceiros, a princípio, não afasta a sua responsabilidade de providenciar o armazenamento dos resíduos sólidos de acordo com o regramento ambiental pertinente, seja em razão do entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que a obrigação de reparação dos danos ambientais tem caráter propter rem, seja em razão da condição de depositária dos bens. 4. Em que pese a comprovação de que os ob- Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 197 jetos pertencentes à empresa NITSEA foram a ela devolvidos, tal alegação não conduz à perda de objeto da presente ação civil pública, pois não restou evidente que todos os materiais encontrados pela fiscalização pertenciam somente à empresa NITSEA Navegações Ltda, e que teriam sido retirados do local. 5. Esta corte tem deliberado que apenas em casos de decisão teratológica, com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a constituição, a Lei ou com a orientação consolidada de tribunal superior ou deste tribunal justificaria sua reforma pelo órgão ad quem, em agravo de instrumento, sendo certo que o pronunciamento judicial impugnado não se encontra inserido nessas exceções. 6. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TRF – 2ª R. – 7ª T. – AI 13.48181.2013.4.02.0000/RJ – Rel. Juiz Fed. conv. José Arthur Diniz Borges – j. em 22.01.2014 – DEJF 03.02.2014, p. 188) Constitucional e administrativo. Ação Civil Pública. Dano ao meio ambiente. Destinação do lixo. Preliminar de nulidade de citação do Município de Parnamirim suscitada pela 20ª Procuradoria de Justiça. Rejeição da preliminar. Mérito. Necessidade de depósito dos resíduos em aterro sanitário e de tratamento do lixo em usina de compostagem. Exigências da lei de resíduos sólidos. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Inteligência do art. 225 da Constituição Federal. Dever do Poder Público. Políticas públicas. Judicialização. Separação dos Poderes. Direito ao desenvolvimento sustentável. Implementação de Políticas Públicas pelo Poder Judiciário diante de omissão estatal. Conhecimento e improvimento do reexame necessário e da apelação interposta pelo Município de Parnamirim. Preliminar de nulidade de citação suscitada pelo ministério público. De acordo com a moderna ciência processual, que coloca em evidência o princípio da instrumentalidade e o da ausência de nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief), antes de se anular todo o processo ou determinados atos, atrasando, muitas vezes em anos, a prestação jurisdicional, deve-se perquirir se a alegada nulidade causou efetivo prejuízo às partes (3ª T., REsp. 1.276.128/SP, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. em 17.09.2013). Não há nulidade na citação de município na pessoa do secretário de assuntos jurídicos que fazia as vezes de procurador, de modo que restou atendido o preceito do art. 12, inc. II, do CPC. Preliminar rejeitada. – mérito. Conforme redação do art. 225, caput, da Constituição da República, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (solidariedade intergeracional). – de acordo com posição do Supremo Tribunal Federal, os direitos fundamentais não se restringem aos previstos no título II do texto constitucional. Segundo o STF, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um típico direito de terceira geração, que assiste a todo o gênero humano. Incumbe, ao estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (Tribunal Pleno, ADI 3.540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 01.09.2005). A coleta, o armazenamento, a remoção e a destinação dadas ao lixo deve ser questão prioritária por parte do poder público, pois envolve, ao menos, dois direitos fundamentais contidos na constituição: a saúde pública e o meio ambiente. Ademais, a coleta do lixo e a limpeza dos logradouros públicos são classificados como serviços públicos essenciais e necessários para a sobrevivência do grupo social e do próprio estado, porque visam a atender as necessidades inadiáveis da comunidade, de modo a garantir condições adequadas de qualidade de vida. – a Lei 12.305, de 02.08.2010, Lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos impôs deveres a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, 198 Bruno César Andrade Costa Assim, denota-se que a Lei 7.347 de 1985 criou o mais relevante instrumento processual de defesa das garantias estabelecidas no art. 225 da CF/88: a ação civil pública, que se presta a apurar responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, à ordem econômica, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo, nos termos do art. 4º e 21 da lei. Na Lei da ACP, seu rito é o ordinário, atuando nos moldes da Lei Processual Civil. É possível a realização de Transação ou Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC), em matéria ambiental, tanto antes da propositura da ação quanto no curso do processo. O TAC consiste em título executivo extrajudicial, formalizado pelo Ministério Público ou órgão público legitimado, que poderá se tornar título judicial se firmado no curso do processo e homologado pelo juiz. direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos. – o Poder Judiciário pode, em situações excepcionais, determinar que a administração pública adote medidas assecuratórias de modo a realizar políticas públicas indispensáveis para a garantia de relevantes direitos constitucionais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. – entende o STF que o Poder Judiciário pode, sem que isso implique em ofensa ao princípio da separação dos poderes, determinar que o Poder Executivo implemente políticas públicas de defesa e preservação do meio ambiente (1ª T., RE 417.408 AGR/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 20.03.2012). (TJRN – 3ª Câm. Cív. – RNec 2010.015807-2 – Nísia Floresta – Rel. Des. João Rebouças – DJRN 31.01.2014) Administrativo. Improbidade Administrativa. Descumprimento de acordo judicial para regularização do destino dos resíduos sólidos. Ausência de dolo ou má-fé. Desprovimento do apelo. 1. Pretensão do parquet, apelante, de que seja a conduta dos apelados (ex-gestores municipais) enquadrada no art. 11, inc. II, da Lei 8.429/92, segundo o qual constitui ato de improbidade “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”. Teriam deixado de cumprir o acordo homologado através de sentença, em anterior ação civil pública, no qual se comprometeram a regularizar a destinação dos resíduos sólidos do município de Juazeirinho/PB. 2. Para a caracterização dos atos de improbidade previstos no citado art. 11, faz-se necessária a conduta dolosa, a má fé, consoante reiterados pronunciamentos de nossos Tribunais. 3. No caso dos autos, ainda que tenha sido desatendido o acordo homologado em juízo, não se divisa conduta ímproba a justificar o enquadramento no mencionado dispositivo legal, máxime quando se observa (sobretudo no que tange ao primeiro apelado) a realização de iniciativas tendentes à consecução do resultado. 4. No que tange ao segundo réu/apelado, o fato de não haver comparecido a uma audiência designada, como salientado pelo juiz a quo, não pode ser considerado ato de improbidade administrativa. Segundo a defesa do aludido réu, a administração formalizou projeto de aterro sanitário, o qual, todavia, está a aguardar ajuda financeira para que seja implementado. 5. Apelo desprovido. (TRF – 5ª R. – 3ª T. – AC 2.287-77.2009.4.05.8201/PB – Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel de Faria – DEJF 30.01.2014, p. 212) Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 199 Segundo Castro (2014), a ACP e o próprio TAC são instrumentos extremamente relevantes na defesa do meio ambiente e, neste contexto, destacam-se como instrumentos jurídicos hábeis a impingir efetividade a Política Nacional de Resíduos Sólidos. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Há muito tempo a legislação ambiental no Brasil tratou dos assuntos inerentes ao meio ambiente de forma esparsa e sem profundidade, preocupando-se apenas em como o meio ambiente pode ser explorado pelo homem, pensando apenas sob a óptica capitalista, o que tem gerado muitos problemas, conforme observado em relação a Boa Vista. O atual conceito de responsabilidade ambiental é recente. Até meados dos anos 80, o proprietário do imóvel podia dispor livremente sobre o mesmo. Caso o Estado desejasse impor função pública àquela propriedade, caberia a desapropriação. Observa-se, portanto, o reconhecimento recente (pós CF/88) da função social e ambiental da propriedade privada, onde se permite apenas a exploração racional dos bens ambientais. Nos dias atuais, no que se refere à gestão dos resíduos sólidos, pode-se inferir que os problemas enfrentados decorrem parcialmente dessa exploração irracional do meio ambiente, sem qualquer planejamento futuro, desconsiderando diversos fatores sociais, ambientais, econômicos e políticos. A atual Lei 12.305/10, que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispõe sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada ao gerenciamento de resíduos sólidos (incluindo os perigosos), às responsabilidades dos geradores e do Poder Público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. A Ação Civil Pública se encaixa, nesse contexto, como instrumento jurídico a dar efetividade ao disposto nos princípios constitucionais que tutelam o meio ambiente, impelindo medidas protetivas, preventivas ou de precaução. Tais garantias constitucionais ganharam efetividade através da pormenorização normativa advinda das novas diretrizes, a serem seguidas pelas pessoas físicas e jurídicas titulares de deveres no âmbito da política de gestão dos resíduos sólidos, notadamente diante criação de obrigações, tais como a implementação e operacionalização integral de plano de gerenciamento de resíduos sólidos, do sistema de logística reversa, bem como da fixação de prazos para a adoção de medidas tais como a eliminação dos lixões (CASTRO, 2014). 200 Bruno César Andrade Costa Com relação ao município de Boa Vista, o aterro sanitário municipal, construído em 2002, às margens do Igarapé Wai Grande, encontra-se próximo à saturação, ensejando desorganização administrativa no que se refere à destinação final dos resíduos sólidos (domésticos, entulhos de construção civil, galhadas), lançados de forma inadequada em toda a área do aterro, proporcionando impactos ao solo, ar e lençol freático. É importante que trabalhos sejam realizados na perspectiva de analisar a qualidade da água no local, pois, comunidades no entorno retiram água do Igarapé Wai Grande para uso doméstico. Da mesma forma, faz-se necessária a avaliação do nível de contaminação do solo, conforme alertado por Falcão et al. (2012). Não se pode, contudo, estabelecer à lei toda e qualquer solução para os problemas apresentados, faz-se necessária uma conscientização da sociedade para que participe efetivamente de todo o processo de gestão ambiental, cobrando, inclusive, políticas públicas eficientes. Assim, conforme o exposto, é imprescindível que os municípios, no caso em tela Boa Vista, exerçam efetiva gestão ambiental, em conformidade com as primazias estabelecidas pela Constituição Federal e todas as normas relacionadas ao tema. Conforme visto acima, diante da omissão municipal, restam alternativas jurídicas para a proteção ambiental, assim como para conferir efetividade ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. 7 REFERÊNCIAS ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 10004: resíduos sólidos – classificação. Rio de Janeiro: ABNT, 2004. ALBUQUERQUE, J. B. Torres de. Resíduos sólidos: teoria, jurisprudência, legislação e prática. Leme. São Paulo: Independente Editora e Distribuidora Jurídica, 2012. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2012. BRASIL. Decreto 7.404/10. Brasília: Senado Federal, 2010. _____. Lei 12.305/10. Brasília: Senado Federal, 2010. _____. Código Civil Lei 10.406/02. Brasília: Senado Federal, 2002. _____. Lei 9.605/98. Brasília: Senado Federal, 1998. _____. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05.10.1988. Brasília: Senado Federal, 1988. _____. Ministério do Meio Ambiente. Resolução Conama 1, de 23.01.1986. Brasília: MMA, 1986. _____. Lei 7.347/85. Brasília: Senado Federal, 1985. _____. Lei Federal 6.938/81. Brasília: Senado Federal, 1981. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 201 CASTRO, Márcio Chaves de. A ação civil pública enquanto instrumento de efetivação da política nacional de resíduos sólidos. Disponível em: <http://jus.com. br/artigos/29209/a-acao-civil-publica-enquanto-instrumento-de-efetivacao-da-politicanacional-de-esiduos-solidos>. Acesso em: 10 jun. 2014. COSTA, Emily. Em RR moradores reclamam de insetos atraídos por aterro sanitário. G1. Disponível em: <http://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2014/03/emrr-moradores-reclamam-de-insetos-atraidos-por-aterro-sanitario.html>. Acesso em: 05 jul. 2014. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1996. p. 17. FALCÃO, Márcia Teixeira et al. Impactos ambientais no igarapé Wai Grande em Boa Vista – Roraima decorrentes da influência do aterro sanitário. Revista Geonorte, v. 3, n. 4, p. 199-207, 2012. Edição Especial. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010. FOLHA WEB. Usina de reciclagem instalada no aterro sanitário. Disponível em: <http://www.boavista.rr.gov.br/noticia/1302/Usina_de_reciclagem_%C3%A9_instala da_no_Aterro_Sanit%C3%A1rio>. Acesso em: 05 jul. 2014. FRONTINI, Paulo Salvador. Ação civil pública e separação dos poderes do estado. In: MILARÉ, Edis. Ação civil pública: Lei 7.347/85 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <www.ibge. gov.br/>. Acesso em: 05 jul. 2014. JUSBRASIL. Aterro Sanitário: MPF/RR oferece denúncia contra Município de Boa Vista e mais seis acusados por crime ambiental. 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Socioambientalismo de fronteiras: desenvolvimento regional sustentável na Amazônia. Curitiba: Juruá, 2013. v. 2. STRAUCH, Manuel; ALBUQUERQUE, Paulo P. de (Org.). Resíduos: como lidar com recursos naturais. São Leopoldo: Oikos, 2008. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 203 PRODUÇÃO DE BIODIESEL NA AMAZÔNIA COMO FORMA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Karla Rosane Raskopf1 Vanessa Raskopf Schwaizer2 Sumário: 1. Introdução; 2. Incentivos Nacionais à Produção de Bio -combustíveis; 3. Biodiesel na Amazônia; 4. Questões Desfavoráveis à Produção de Biodiesel na Amazônia; 5. Considerações Finais; 6. Referências. 1 INTRODUÇÃO Desde o início do século XIX, quando do surgimento do motor a combustível, são realizados estudos referentes à utilização de biocombustíveis como fonte de energia para esses motores. No Brasil, esses estudos datam da década de 1940, com os primeiros ensaios realizados pelo Instituto Nacional de Tecnologia – INT. Durante a década de 1970, o sistema internacional enfrentou duas crises relacionadas ao petróleo, o que levou a busca por alternativas para o uso da commodity. Conforme Leite e Leal (2007), essas duas crises foram responsáveis pela geração de vários programas de desenvolvimento de energias renováveis, do uso de gás natural, carvão mineral e energia nuclear, e que também buscavam uma economia de energia. Entretanto, a queda dos preços do petróleo durante a década de 1980 moderou a preocupação dos 1 2 Coordenadora de Extensão Acadêmica da Faculdade Estácio da Amazônia. Mestranda do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Amazônia, Universidade Federal de Roraima – UFRR. E-mail: [email protected] Mestranda do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Amazônia, Universidade Federal de Roraima – UFRR. 204 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer Estados e abrandou a progressão dos projetos referentes à substituição do petróleo. No mesmo período, iniciam-se as discussões sobre o aquecimento global e suas causas, que ganharam força na década de 1990 e se firmaram como tratados a partir de 2000 – Protocolo de Quioto (2005). No século XXI, os gases poluentes responsáveis pelo “efeito estufa” (CO2) e pelas mudanças climáticas são “um dos principais desafios para a humanidade”, conforme Mattei (2008). A queima do petróleo, matéria-prima da matriz energética e dos combustíveis utilizados na rede de transportes global, é um dos principais responsáveis pela produção do gás. A busca por fontes alternativas de energia está ligada também às instabilidades sociopolíticas nas regiões produtoras do petróleo, que levam ao aumento do preço da matéria-prima e às inseguranças a respeito da continuidade de oferta por parte destes Estados. Por esses fatores, o sistema internacional e o Brasil vêm buscando mais alternativas para reduzir a dependência dos derivados de petróleo, investindo de maneira proeminente em estudos científicos, de forma a buscar como alternativa os combustíveis de fontes renováveis que possam ser utilizados nos veículos já existentes, mantendo suas características. Os biocombustíveis são derivados de matérias-primas renováveis que podem substituir, de modo parcial ou total, os combustíveis derivados do petróleo e gás natural. Assim têm forte ligação com o conceito de sustentabilidade, em função da utilização dos recursos naturais, para atender às necessidades atuais sem prejuízo às gerações futuras. Este derivado produz a chamada “energia verde”. Nos últimos anos, o número de estudos científicos e tecnológicos sobre biocombustíveis cresceu de maneira considerável, segundo dados da ISI Web of Knowledge, banco de dados do Instituto para a Informação Científica – ISI. Os estudos privilegiam a otimização dos processos de produção de biocombustíveis a partir dos derivados de biomassa, visando melhorar a relação custo/benefício e a competitividade frente aos combustíveis fósseis, buscando uma continuidade sustentável de produção. As vantagens na produção de biocombustíveis se encontram no fato de que sua matéria-prima renovável pode ser amplamente produzida no Brasil, permitindo a economia de divisas aplicadas na importação de petróleo e óleo diesel. Pode, assim, proporcionar recursos para o Estado em razão do grande interesse internacional por essa fonte de energia alternativa, reduzindo a emissão de gases poluentes. Os dois principais biocombustíveis utilizados no Brasil são o etanol (extraído da cana-de-açúcar) e, recentemente, o biodiesel (produzido a partir de óleos vegetais ou gorduras animais, encontrados em larga escala na região da Amazônia). Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 205 Nesse contexto, este artigo busca demonstrar que a produção de biodiesel na Região Amazônica é uma alternativa de desenvolvimento sustentável para a região, se realizada de forma a alcançar os objetivos dos projetos criados. O trabalho em questão encontra-se dividido em quatro partes. No primeiro momento, apresenta-se os incentivos e medidas adotadas pelo governo nacional voltados a produção de biocombustíveis no Brasil. O segundo tópico expõe as vantagens da produção de biodiesel na Amazônia. No terceiro momento, analisa-se as questões que se fazem negativas ou contrárias a produção do biocombustível na região. E por fim, coloca-se as considerações finais. 2 INCENTIVOS NACIONAIS A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS A partir da década de 1970, em razão das crises do petróleo, o Brasil buscou investir fortemente na produção e uso de biocombustíveis. Assim, criou o Proálcool em novembro de 1975, com o objetivo de diminuir a dependência das importações do petróleo, definindo claramente o papel do etanol em longo prazo, ao permitir que o setor privado investisse maciçamente no aumento de produção. Mas, foi em 1981 que foram realizados os primeiros testes com o uso de óleos vegetais, por meio do recém-criado programa OVEG I, coordenado pela Secretaria de Tecnologia Industrial, do Ministério de Indústria e Comércio-STI/MIC. Entretanto, a queda do preço e aumento da oferta do petróleo na década de 1980 levaram esses investimentos ao fracasso. O Estado voltou a se preocupar com essa alternativa energética no primeiro mandato do Presidente Lula, quando a Europa passou a instituir programas voltados a exploração de energia alternativa, como meio de inclusão social através do fomento e fortalecimento da agricultura familiar. Em 2003, o uso de biodiesel como alternativa energética foi foco de discussão doméstica e os resultados, de acordo com Finco e Doppler (2011), indicaram recomendações como “a incorporação de biodiesel à agenda nacional e a adoção da inclusão social e desenvolvimento regional como princípios de orientação para ações governamentais”, sem que se privilegiasse processos industriais e nem produção agrícola. Essa discussão originou a Medida Provisória – MP 214, publicada em 2004, que altera a Lei 9.478, de 06.08.1997, que dispõe sobre a política energética nacional e institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo – ANP, incluindo o biodiesel na matriz ener- 206 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer gética brasileira e conferindo à ANP (agora Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) a responsabilidade pela gestão da produção do biodiesel. A MP foi integrada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei 11.097, publicada em 13.01.2005, conhecida como Lei do Biodiesel. Conforme a MP, o biodiesel é definido como um combustível renovável e biodegradável, derivado de óleos vegetais ou de gordura animal, utilizado como substituto parcial ou total do óleo diesel fóssil, em motores de combustão interna com ignição por compressão. Após a inclusão do biodiesel na matriz energética do Estado, o governo tomou outras medidas para fomentar a produção e o uso dos biocombustíveis. Criado em 2002, o programa Probiodiesel, de acordo com Mattei (2008), tinha como alguns objetivos reduzir o uso do petróleo, expandir os mercados das oleaginosas e estimular a demanda por biocombustíveis. No ano de 2004, o programa foi revisado e passou a se chamar Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel – PNPB, regulamentado pela Lei 11.097 de 2005, além de incluir novas camadas da sociedade, como agricultores familiares, com o cunho de inclusão social. Conforme Mattei (2008), (...) o governo definiu, inicialmente, as seguintes metas para o programa: entre 2005 e 2007 foi autorizado o uso de 2% de mistura de Biodiesel no óleo diesel oriundo do petróleo. No entanto, estes 2% (B2) passarão a ser obrigatório em todo território nacional entre 2008 e 2012; e de 2013 em diante torna-se obrigatório o uso de 5% (B5) de biodiesel no óleo diesel mineral. O governo previa também que estes percentuais poderiam sofrer alterações e antecipações, dependendo da capacidade produtiva instalada, da produção de matérias-primas e do comportamento da demanda. Posteriormente, o governo alterou o cronograma acima mencionado. Através da Resolução 03 (setembro de 2005), do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) foi antecipado o B2, que passou a ser obrigatório para o período entre 2008 e 2010. Após este último ano o B2 será substituído pelo B5, que foi antecipado, uma vez que este percentual de mistura (5%) deveria ser obrigatório somente a partir de 2013. A Lei do Biodiesel, de 2005, gerou uma explosão de planos de pesquisa e desenvolvimento – P&D, que alavancaram o desenvolvimento do biodiesel no Brasil e criaram novos projetos para a produção deste em vários estados brasileiros, além de originar novas usinas de biodiesel. Dentre tais iniciativas, diversas se voltaram especificamente ao desenvolvimento da produção do biocombustível na Região Amazônica. Como resultado do Programa, tem-se um salto na produção do biodiesel, de 69 milhões de litros, em 2006, para 2,4 bilhões de litros em Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 207 2010, tornando o Brasil o segundo maior mercado mundial, atrás da Alemanha. Desde o lançamento do Programa, até o fim de 2011, o Brasil diminui a importação de diesel em 7,9 bilhões de litros, o que equivale a um ganho aproximado de US$ 5,2 bilhões na balança comercial brasileira3. Outra medida adotada pelo governo federal, em 2004, para incentivar a produção de biocombustíveis e a inclusão social, foi a criação do Selo Combustível Social, a partir do Decreto 5.297, de 06.12.2004. Este selo reconhece ao produtor o caráter de promotor de inclusão social dos agricultores familiares enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf, programa que financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. O selo é concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, que, em 2012, estabeleceu novos critérios para obtenção deste, por meio da Portaria 60, de 06 de setembro. O selo permite ao produtor de biodiesel ter acesso às alíquotas diferenciadas de PIS/Pasep e Cofins, que variam de acordo com a matéria-prima adquirida e região da aquisição, incentivos comerciais e financiamento. Como contrapartida aos incentivos, o produtor assume obrigações – como a celebração prévia de contratos de compra e venda de matérias-primas com os agricultores familiares, ou com suas cooperativas, e com anuência de entidade representativa da agricultura familiar daquele município e/ou estado; e a garantia da capacitação e assistência técnica a esses agricultores familiares contratados. O principal critério para que as indústrias obtenham esse selo é a compra de um percentual mínimo de matéria-prima dos agricultores familiares no ano de produção de biodiesel (sendo o percentual mínimo obrigatório de 10%, para a safra 2009/2010, e de 15% a partir da safra 2010/2011, para as produções de oleaginosas na Amazônia legal), conforme a instrução normativa 1/09, da ANP. Em 2008, o governo tomou outras medidas para o incentivo da produção de biocombustíveis, a primeira foi a criação da Petrobras Biocombustível e, em seguida, a edição do Regulamento 3/08, da ANP. Conforme Becker (2010), a criação da Petrobrás Biocombustível, em julho de 2008, que administra 03 usinas e os complexos bioenergéticos – CBIOS, foi uma ação do governo federal para melhoria do desempenho do PNPB no momento em que a mistura obrigatória do diesel passou de 2% para 3%, elevando a demanda do produto. A meta do governo era de inserir ao PNPB200.000 famílias voltadas à agricultura familiar, mas apenas 36.746 3 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/energia/matriz-energetica/bio combustiveis>. Acesso em: 01 ago. 2014. 208 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer famílias foram registradas até 2008, por razões simples; se os grandes produtores puderam construir usinas com as novas medidas, os pequenos, sem crédito disponível necessário, apropriaram-se de apenas pequena parte do mercado. O regulamento 3/08, da ANP, em seu art. 1º, conforme a Resolução 25/08, regulariza a atividade de produção, comercialização e pesquisa na área tecnológica e de inovação no que refere ao biodiesel. Estas definições estão voltadas à estruturação da planta produtora, à comercialização do produto e à pesquisa nessa área, estando as empresas condicionadas à prévia e expressa autorização da ANP para funcionamento completo. Conforme relatório da ANP, de maio de 2014, existem 62 plantas produtoras de biodiesel autorizadas para operação no país, (...) correspondendo a uma capacidade total autorizada de 21.827,79 m3/dia. Há ainda 2 novas plantas de biodiesel autorizadas para construção e 04 plantas de biodiesel autorizadas para aumento da capacidade de produção. Com a finalização das obras e posterior autorização para operação, a capacidade total de produção de biodiesel autorizada poderá ser aumentada em 1.326,72 m3/dia, que representa um acréscimo de 6% na capacidade atual. (ANP, 2014) Dessas 62 plantas, duas encontram-se em Rondônia (Amazonbio e Ouro Verde), duas em Tocantins (Boitins e Granol) e outras vinte e uma no estado de Mato Grosso. Entretanto, existem ainda usinas extratoras de óleo de palma – que não são listadas no relatório da ANP citado acima – como a Biopalma da Amazônia4, empresa subsidiária da Vale, no Pará, que ainda não iniciou suas atividades de refino de óleo vegetal para biodiesel. Quanto às terras necessárias para a produção das espécies base para extração de óleo vegetal e produção do biodiesel, o Ministério da Agricultura recomenda que sejam utilizadas as áreas de expansão dos cerrados, as de integração pecuária-lavoura, as de paisagens degradadas e as áreas de reflorestamento, chamadas de áreas “novas”, características de boa parte do território amazônico. Dentre as espécies utilizadas para extração de óleo vegetal, encontram-se: soja, dendê, girassol, babaçu, amendoim, mamona, castanhas e pinhão-manso. 4 Disponível em: <www.vale.com/PT/aboutvale/across-world/Paginas/default.aspx>. Acesso em: 01 ago. 2014. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 3 209 BIODIESEL NA AMAZÔNIA A Amazônia possuiu déficits logísticos e de infraestrutura energética históricos, que ocasionam diversos problemas ambientais. Uma das consequências observadas é o alto nível de desmatamento provocado pela grande demanda por energia advinda da lenha da floresta. Dentro da principal proposta de ação para o desenvolvimento econômico e social da Amazônia, a produção agrícola e a produção de biodiesel em escala são alternativas sustentáveis ao uso da lenha. O biodiesel é uma fonte de abastecimento mais viável economicamente para região, se comparado ao diesel mineral. É possível que a produção local do biocombustível seja capaz de atender toda a região, além de ser uma forma de geração de empregos em locais menos atraentes, integrando agricultores familiares. A Amazônia foi inserida pelo governo na lista das regiões com maior capacidade de produção de biocombustíveis do Brasil, o que favoreceu e incentivou a produção do óleo vegetal na região por meio do PNPB, no qual definiu impostos diferenciados às matérias-primas de pequenos produtores do Norte e Nordeste. A Região Amazônica, conhecida pela riqueza de sua biodiversidade, conta com vantagens climáticas, solo e relevo adequados e disponibilidade constante de água doce. O solo é propício à agricultura de oleaginosas (dendezeiro, babaçu, tucumã e pinhão-manso), pois não exigem elevados investimentos em manejo e correção de solo, sendo facilmente adaptáveis a solos com baixa fertilidade. O relevo formado por terras planas, ideal para o uso de maquinários e os diversos rios de água doce, que podem ser utilizados em sistemas de irrigação em escala industrial, fornecem condições favoráveis ao cultivo de espécies distintas produtoras de óleo vegetal e para instalação de usinas para transformação deste óleo em biodiesel. A região é grande produtora de oleaginosas como palma de dendê, andiroba, copaíba, babaçu, licuri, buriti, pinhão-manso, tucumã, soja (Mato Grosso), entre outras. Desde o século XX, suas sementes e polpas são utilizadas para fabricação de óleo vegetal, que vêm sendo utilizado na produção de biocombustíveis (DINIZ; DINIZ, 2008). As espécies de óleos vegetais, enquadrados na categoria de óleos fixos ou triglicerídicos, são menos voláteis e podem ser transformados em biodiesel, mas algumas espécies que produzem o chamado “óleo essencial” – mais volátil e composto por substâncias aromáticas – fornecem também óleos que podem ser utilizados in natura em motores a diesel. Conforme Furlan Júnior et al., (2004), o desenvolvimento de tecnologias para utilização de óleos vegetais in natura é fundamental para o 210 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer desenvolvimento socioeconômico de comunidades isoladas da Amazônia, pois o custo de transporte do diesel derivado do petróleo inviabiliza qualquer atividade econômica tradicional. As matérias-primas utilizadas em maior escala são a soja e a palma, tanto a africana como a palma-caiaué, nativa da região das Américas e Amazônia, popularmente chamada de dendezeiro-do-Pará (palmeiras produtoras de óleo de dendê). Estas matérias primas possuem grande potencial econômico, porém, com capacidade produtiva de óleo vegetal e utilização das produções com objetivos e razões bastante diferentes. A soja é amplamente produzida em áreas de cerrado ao sul da floresta amazônica, no estado do Mato Grosso. As lavouras de soja no Brasil são históricas e os investimentos na commodity são fortes. Por consequência, a soja é a oleaginosa mais utilizada para produção de biodiesel no Brasil, fato que gera discussões ambientais quanto à possibilidade de expansão dessa matéria-prima para áreas de mata densa, provocando desmatamento. Por esse motivo, a prioridade de plantio na Região Amazônica dáse aos dendezeiros, matéria-prima escolhida como fonte para produção de biocombustível nas discussões do PNPB. Conforme mencionado, o dendê é bastante adaptado à região. As comunidades tradicionais dominam a cultura e a extração do óleo, o que gera inclusão do pequeno agricultor, além de ser uma opção para recuperação das áreas desmatadas da Amazônia. Os dendezeiros africano e nativo apresentam expressivos níveis de sequestro de carbono, alta produtividade, necessitam de pouca mecanização e possuem alta viabilidade econômica, de acordo com Machado et al. (2012). Outro fator relacionado ao cultivo de dendê, de relevância para a Amazônia, é a alta demanda por mão de obra. De acordo com Becker (2010), a plantação de dendê necessita de um agricultor para cada cinco ou dez hectares durante todo o ano, além da colheita ser feita manualmente, gerando a necessidade de um grande número de trabalhadores braçais. “(...) poderia ser, assim, uma alternativa de grande valia para a agricultura familiar, contribuindo para a formação de uma classe de pequenos produtores mais estáveis e, portanto, para avançar no processo de Reforma Agrária”5. (BECKER, 2010) As zonas de maior capacidade produtiva de palma são os estados do Amazonas, Acre e Pará – este último sendo o maior produtor de óleo de dendê devido à maior facilidade logística e à elevada quantidade de áreas desmatadas, utilizadas para o plantio de palma. A produção paraense está 5 Disponível em: <http://confins.revues.org/6609?lang=pt>. Acesso em: 11 jun. 2014. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 211 consolidada em três polos que abrangem nove municípios, Acará, Bonito, Castanhal, Igarapé-Açu, Moju, Santa Izabel do Pará, Santo Antônio de Tauá, Tailândia e Tomé-Açu. Conforme a Suframa (2003), no Amazonas a produção de cachos de dendê concentra-se ao longo da BR-174, ainda no perímetro do município de Manaus. Contudo, o estado possui outras áreas apropriadas para exploração do produto, que estão localizadas nos municípios de Tefé, Coari, Manicoré e Barcelos (por suas condições edafoclimáticas). Considera-se também Itacoatiara e Rio Preto da Eva, ao longo da AM-010, e adjacências da sede dos municípios de Iranduba e Manacapuru, ao longo da rodovia AM-070, além de Presidente Figueiredo e ao longo da BR-174. Contudo, a logística dessas regiões é bastante precária. No Pará, encontram-se grandes projetos e investimentos voltados a produção de biodiesel, como o projeto da Petrobras Biocombustível – Projeto Belém, a empresa Biopalma da Amazônia, uma subsidiária da Vale, que busca parceria com a Petrobrás, desde janeiro deste ano, para alavancar a produção de óleo de palma, voltado ao biodiesel, e também com a Agropalma, maior empresa produtora de óleo vegetal de dendê. O Projeto Belém, de acordo com Simas e Penteado (2012), tem o objetivo de cultivar a palma em áreas degradadas do estado do Pará e promover a recuperação do solo e a reintegração econômica da região, incentivando a participação de agricultores familiares, que receberão assistência técnica e orientações. O Projeto Belém é uma parceria entre a Petrobrás e a Galp para produção de óleo de palma no Brasil e exportação do mesmo para produção de biodiesel em Portugal. A plantação da palma iniciou-se em janeiro de 2011, em uma área de 440 hectares no município de Tailândia, no Pará. Conforme relatório da Belém Bioenergia Brasil S.A (2013), entre os objetivos deste projeto estão a garantir o acesso a óleos vegetais a preços competitivos em larga escala, e o impacto ambiental e social positivos. Atualmente, o projeto conta com 60mil hectares plantados e uma produção de óleo de palma de 335 mil toneladas ano6 (GBEP, 2013). A Biopalma da Amazônia é uma sociedade da Vale com o grupo MSP, cujo objetivo é produzir biodiesel para abastecer as locomotivas e equipamentos da Vale com combustível mais limpo e agredir menos o meio ambiente. O projeto da Vale do Brasil inaugurou, em 2012, a primeira usina 6 Belém Bioenergia Brasil S.A. Global Bioenergy Partnership – GBEP, Relatório de 20-032013. <http://www.globalbioenergy.org/fileadmin/user_upload/gbep/docs/2013_events/GBEP _Bioenergy_Week_Brasilia_18-23_March_2013/3.6_ESMERALDO.pdf>. Acesso em: 28 maio 2014. 212 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer de extração de óleo de dendê da Biopalma e prevê a transformação do óleo em biodiesel a partir de 2016. A Biopalma da Amazônia possui cinco pólos produtores na região do Vale do Acará e Baixo Tocantins, no nordeste do Pará, e a previsão é de que produza 600 mil toneladas de biodiesel em 2019, quando a plantação atingir a maturidade. De acordo com a Vale7, a decisão de investir na produção de biodiesel faz parte da sua estratégia de diversificar sua matriz energética e ser um agente de sustentabilidade global. A empresa almejava transformar a Biopalma da Amazônia na maior produtora de biodiesel da América Latina e, para alavancar a produção, tem negociado um acordo com a Petrobras Biocombustível, que possui grande interesse em fortalecer o Projeto Belém. A empresa Agropalma é a maior produtora de óleo de dendê do Brasil, com capacidade de refino de 320 toneladas por dia. Entretanto, seu foco está no mercado de alimentos, vendendo sua produção para fabricantes de produtos como salgadinhos, massas, biscoitos, além de sua fábrica de margarina e gorduras vegetais. Sua produção de biodiesel está voltada para o abastecimento de sua frota de veículos e maquinários, produzindo-o a partir dos resíduos do refino do óleo, garantindo o fornecimento da matéria-prima para indústria alimentícia, demonstrando a capacidade produtiva do biocombustível sem comprometimento da base alimentar. A Região Amazônica conta também com mais quatro empresas produtoras de biodiesel, sendo a Amazonbio e Ouro Verde (RO) e a Boitins e Granol (TO). Mas a palma – apesar do destaque, da produção já estabelecida e dos incentivos à sua ampliação – não é a única fonte de matéria-prima com viabilidade de utilização para produção do biodiesel na Amazônia. Conforme Alves et al. (2008), o pinhão-manso, uma espécie da família da mamona, é uma fonte de óleo vegetal com alta adaptabilidade as condições edafoclimáticas da Amazônia e estudos estão sendo realizados para incentivar a agricultura familiar desta espécie no estado de Roraima, Apesar de ainda não ser cultivada comercialmente no Brasil, mostra-se viável para a agricultura familiar das regiões Norte e Nordeste, pois tem alta resistência à seca e boa adaptação as altas temperaturas e insolação, além de produzir em solos ácidos e de baixa fertilidade como os do cerrado da Amazônia. Estudos estão sendo conduzidos com essa cultura no estado de Roraima visando desenvolver tecnologias viáveis de produ7 Disponível em: <http://www.vale.com/PT/aboutvale/initiatives/biodiesel/Paginas/default. aspx>. Acesso em: 01 ago. 2014. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 213 ção para serem adotadas pela agricultura familiar, como uma alternativa promissora na geração de emprego e renda, promovendo a recuperação e proteção de áreas alteradas ou degradadas e permitindo o consórcio com fruteiras nativas e culturas anuais. (ALVES et al., 2008, p. 1) O pinhão-manso é considerado por alguns pesquisadores como uma das mais promissoras oleaginosas para produção de biodiesel, em razão da grande quantidade de óleo produzida por suas amêndoas e da maior facilidade de manejo e de colheita das sementes, em comparação a outras espécies de oleaginosas. Ainda, é vista como uma produção mais vantajosa que o cultivo da palma de dendê, pois é possível armazenar as sementes por longos períodos de tempo, sem que haja aumento da acidez e deterioração do óleo. O óleo do pinhão pode ser utilizado como lubrificante em motores a diesel, e sua torta, como fertilizante. Essa espécie possui uma substância tóxica que não pode ser utilizada na alimentação e sua cultura ainda não está completamente dominada, levando sua produção a ser vista como não sustentável e com alto custo produtivo; contudo, estudos estão sendo realizados para desintoxicação e para que se obtenha um maior conhecimento do cultivo no Brasil. Outra oleaginosa, presente na Região Amazônica, vista por pesquisadores como fonte para produção de biodiesel é o Babaçu. Essa palmeira, considerada nobre, é típica da Região Norte e cresce espontaneamente na floresta Amazônica com os desmatamentos e queimadas sucessivas, além de ter forte presença na região conhecida como Mata dos Cocais, região de transição entre Caatinga, Cerrado e Amazônia. O destinatário principal das amêndoas do babaçu, de onde se extrai o óleo, são as indústrias locais de esmagamento, produtoras de óleo cru, utilizado para fabricação de sabão, glicerina e para óleo comestível. Da casca da amêndoa, pode-se produzir o biodiesel-etílico. Contudo, esta espécie também não possui seu cultivo dominado, não recebendo destaque nem fomento produtivo. Segundo Sluszz e Machado (2006, p. 5), Apesar de tantas e tão variadas utilidades, por sua ocorrência não controlada do ponto de vista econômico e agrícola, o babaçu continua a ser tratado como um recurso marginal, permanecendo apenas como parte integrante dos sistemas tradicionais e de subsistência, porém já trouxe alguns benefícios para as comunidades que o utilizam, favorecendo o desenvolvimento dessas com a sua inclusão na cadeia produtiva do biodiesel. Outro ponto a ser estudado, para que se venha a investir na cultura de babaçu para produção de biodiesel, é o modelo de manejo da espécie, que 214 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer hoje é feito de maneira artesanal, por famílias locais. A quebra da casca das amêndoas é realizada por mulheres e crianças das comunidades que vivem da comercialização da mesma, fora dos critérios de manejo adequado, gerando discussões quanto ao risco dessas comunidades perderem suas fontes de renda. Existem ainda pesquisadores que são favoráveis à produção de biodiesel como uma forma sustentável de desenvolvimento das comunidades mais afastadas da Amazônia, uma vez feita a extração do óleo de espécies nativas como o Tucumã. Conforme Figliuolo et al. (2009), o biodiesel produzido a partir do óleo vegetal, extraído de forma sustentável de espécies nativas, como o Tucumã do Amazonas, é uma das melhores alternativas energéticas para a região. O fruto dessa palmeira é bastante apreciado pela culinária amazonense, mas é de sua amêndoa, com alto valor calorífico, que se obtém o óleo para produção de biodiesel. Não há restrição quanto ao uso de óleos vegetais de espécies nativas da Região Amazônica sob o ponto de vista técnico, a questão é somente econômica. Conforme a mídia, os setores público e privado, em 2007, investiram R$ 2,20 milhões no plantio de espécies nativas para processamento de óleos vegetais e em pesquisas científicas8. A Eletrobrás tem feito investimentos e fechado acordos com ONGs e outras empresas para produção de bioenergia, tendo como uma das fontes o biodiesel produzido na Amazônia. A Embrapa Ocidental tem investido em pesquisas de novas matérias-primas e híbridos de espécies nativas como a palma-africana, também para produção de biodiesel. A região conta também com o Programa Desenvolvimento & Cidadania Petrobras, da própria Petrobras, que desenvolve diversos projetos voltados às áreas de desenvolvimento humano, social e econômico em todo País. Nos estados da Região Amazônica, os projetos são direcionados, principalmente, à viabilização da geração de renda nas comunidades mais distantes, elevando os ganhos familiares e promovendo a cidadania na região. Também promovem a instalação de infraestrutura e de programas de capacitação, com o intuito de aumentar a capacidade produtiva, visando a consolidação das cadeias locais da agricultura familiar e o manejo do pescado, avicultura e horticultura. Um dos projetos de qualificação profissional propõe a estruturação e fortalecimento do curso médio profissionalizante com foco na agropecuária, inclusão digital, capacitação em georreferenciamento e informações específicas da base técnica. O fortalecimento de redes de cooperati8 Disponível em: <http://www.biodieselbr.com/noticias/bio/biodiesel-alternativa-energeticaestado-26-03-07.htm>. Acesso em: 01 ago. 2014. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 215 vas da Federação das Cooperativas da Agricultura Familiar também recebe atenção nas propostas dos projetos do programa. O governo federal instituiu ainda dois programas, voltados a incentivar a produção de biocombustível especificamente na região. O Programa de Produção Sustentável da Palma de Óleo (PPSPO), lançado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, que procura sanar a situação da pequena participação da agricultura familiar, mediante instrumentos de regulação da atividade para disciplinar a expansão do cultivo de óleo de dendê no território brasileiro, zoneando as áreas onde poderão ser produzidas (zoneamento Agroecológico da Palma – ZAE); e a criação de uma linha de crédito, o Pronaf-Eco, para agricultores enquadrados no Programa Nacional de Agricultura Familiar do MDA, com juros de 2% ao ano em até 14 anos e carência de 06 anos, para produtores de dendê (BECKER, 2010). O Plano Palma Verde, no Pará, provocou incentivo a pesquisas e assistência técnica, proporcionando uma corrida pela atividade do plantio e produção do óleo. Elevou o número de hectares plantados de 66.800 ao todo no país, para uma área plantada de 235,5 mil hectares nos estados do Pará, Bahia, Roraima e Rondônia. Os incentivos vieram também das linhas de crédito aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que determina juros reduzidos de 2% a 6,75% ao ano, com carência de seis anos e prazo de até catorze anos para pagamento, para produtores de dendê. Para ter acesso ao crédito oficial, o produtor terá que firmar contrato de longa duração com a indústria, que deverá garantir o pagamento ao produtor na cotação internacional do dia (BECKER, 2010). Atualmente, os maiores produtores de dendê são Indonésia e Malásia, enquanto que o Brasil está em posição ascendente, mas não muito expressiva, embora possua a maior área cultivável global. Porém, por razão de seu grande potencial produtor de óleo vegetal, a Amazônia passou a ser foco para investimentos e pauta em acordos internacionais, estando inserida no Memorando de Entendimento Brasil-EUA sobre Biocombustíveis (2007) e no Projeto Brasil 3 Tempos. O Memorando de Entendimento Brasil-EUA sobre Biocombustíveis (2007) tem o objetivo de receber atividades de capacitação, além dos acordos entre órgãos norte-americanos de energia e as Universidades Federais do Pará e do Amazonas para criação de cursos de treinamento e estudos voltados a identificar opções energéticas de baixo custo (BENEVIDES; PAIVA 2011, p. 17). Esse acordo pode ser utilizado para favorecer melhores preços à importação de óleo vegetal, que, devido à alta procura do óleo por parte dos Estados Unidos, apresentou uma clara tendência de expansão de valores no mercado internacional. De acordo com Santos 216 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer (2008), em 2007 o preço do óleo chegou a uma marca histórica de US$ 950,00/tonelada. O Projeto Brasil 3 Tempos, fruto do termo de cooperação técnica internacional celebrado entre a República Federativa do Brasil e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Decreto 5.151/04 e Portaria MRE 717/06), tem por objetivo criar subsídios, estratégias e ações que permitam o governo brasileiro articular com os diferentes setores da sociedade civil em busca da implementação de políticas publicas de longo prazo que promovam o crescimento econômico e a inclusão social do País. Nesse contexto, uma das medidas adotadas foi o investimento em consultoria na área de produção de biocombustíveis na Amazônia, com o edital 7/10, que dispõe sobre a: “(...) contratação de consultoria (...) para prestar apoio técnico para subsidiar a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República no desenvolvimento de propostas de políticas públicas para produção de biocombustíveis e de bioeletricidade, obtidos a partir de oleaginosas e de resíduos da agropecuária e da agroindústria na Amazônia Legal”. O relatório publicado em 2010, referente a esse Projeto, descreve a Agroenergia e os Biocombustíveis e menciona que cerca de 70 milhões de hectares de área antropizada estão localizados na Região Amazônica. Desse total, 40% a 50% apresentam condições edafoclimáticas para a produção de dendê e outras oleaginosas, em exploração extensiva comercial, objetivando a produção de matéria-prima para a fabricação de biocombustíveis, que podem ser obtidos também de resíduos da exploração agrícola, madeira e agroindústria. O relatório salienta a competência do governo federal na elaboração de políticas públicas para o aproveitamento das vantagens competitivas da região quanto à produção de energia renovável para atender o mercado interno e internacional. Porém, a infraestrutura logística regional deixa a desejar. A conexão entre os pólos de desenvolvimento já existentes na Região Amazônica e os países fronteiriços são fundamentais para continuidade das ações atuais e planejamento das futuras. A malha rodoviária da região encontra-se em condições precárias. A Amazônia conta com rodovias federais e estaduais que, em muitos casos não possuem condições de tráfego. Grandes espaços não possuem rodovias, cenário que dificulta o transporte, tornando-o mais caro que os valores praticados em outras regiões do país, ocasionando um subdesenvolvimento que compromete o equilíbrio socioeconômico regional. Exemplos podem ser vistos na rodovia BR-174, que liga o estado do Amazonas a Roraima, e este a Venezuela. É uma estrada que oscila sazonalmente, pois, em diversos períodos, fica em condições precárias devido à Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 217 chuva. Menciona-se ainda as rodovias Transamazônica e Perimetral Norte – dois grandes projetos que ligariam a região ao resto Brasil, com saída para o exterior, contudo, não estão concluídas e necessitam de recuperação em diversos trechos para que possam ser utilizados. Quanto ao transporte ferroviário, conforme o Conselho Federal de Administração (2013), o governo está desenhando uma matriz ferroviária, chamada de Eixo Central Ferroviário Norte-Sul-Leste-Oeste, que irá desafogar as regiões sul, sudeste e centro-oeste por meio da ligação destas regiões com o exterior, passando pelas regiões norte e nordeste. Esta rede tem como objetivo também integrar e dinamizar o comércio entre a Região Norte e o restante do país, com ligação para os oceanos Atlântico, saindo pelo Pará e Amapá, e Pacífico, passando por Rondônia e Acre. O projeto prevê duas linhas férreas para a Amazônia, a Transcontinental – integrando os estados de Rondônia (Porto Velho e Vilhena), Acre (Rio Branco, Cruzeiro do Sul e Boqueirão da Esperança), Mato Grosso (Ribeirão Cascalheira, Água Boa, Canarana e Lucas do Rio Verde) aos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais (Murié, Ipatinga, Paracatu), Distrito Federal, Goiás (Uruaçu) – e a ferrovia Cuiabá-Santarém, que tem parte do complexo denominado Ferronorte, irá integrar a Amazônica Legal ao Sul e Centro-Oeste. Será outra forma de escoamento da produção da região, por exemplo, do Pólo Industrial de Manaus (AM) para o Sul. Além do transporte rodoviário e ferroviário, a região dispõe de uma bacia hidroviária que, em boa parte, se encontra em condições navegáveis. As hidrovias são o meio natural de organização do sistema de transportes na região, além de ser o modal de menor custo. Conforme o Conselho Federal de Administração (2013), a meta do governo federal é dobrar a participação do transporte aquaviário de carga (hidrovias e navegação de cabotagem) até 2020, além de modernizar as hidrovias. A região conta com duas hidrovias em funcionamento: a Solimões-Amazonas (não possui restrições para navegação, possui sinalização náutica e permite operações regulares) e a hidrovia do Rio Madeira, que oferece um traçado em condições de navegabilidade, mas sua infraestrutura deixa a desejar (precisa de melhorias de sinalização, dragagem e limpeza do rio, principalmente para retirada de troncos, pois durante alguns períodos do ano o nível das águas pode chegar a menos de dois metros de profundidade). Além disso, a Amazônia possui mais duas hidrovias que, se forem implantadas, irão impactar consideravelmente a economia da região. São elas as hidrovias Araguaia-Tocantins e a Teles Pires-Tapajós. Ambas possuem importância estratégica, pois podem se tornar a melhor rota para o escoamento das produções na Região Centro-Oeste do Mato Grosso. Os principais portos da região são Porto de Manaus (AM); Porto de Belém (PA); Porto de Santarém (PA); 218 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer Porto Vila do Conde (PA); Porto de Macapá (AP); Porto de Itaqui/Ponta da Madeira (MA) e Porto de Porto Velho (RO). Além destas estruturas, a Amazônia conta com instalações portuárias de pequeno porte para atender aos municípios menores e terminais alfandegados de atracação privados como as da Agropalma, nos rios Moju e Acará (PA), onde o transporte é realizado por balsas. Quanto ao transporte aeroviário, a região conta apenas com um Terminal Logístico de Carga em Manaus e sua estrutura geral é bastante debilitada, assim como em todo o país. O melhor modo de transporte para biocombustível são as dutovias, ainda pouco exploradas no país, mas que oferecem grandes benefícios (como menores custos), pois reduz e/ou elimina o uso de veículos tradicionais de transporte em zonas urbanas, tem baixo custo de energia, dispensa de embalagem e reduz a incidência de transporte de materiais perigosos nos demais modais. A empresa Agropalma, por exemplo, estruturou sua própria infraestrutura logística, que conta com mais de 1.000 km de estradas próprias, e com dutos para transporte do óleo bruto até suas balsas e dois portos de atracação – um investimento grande e que somente grandes empresas podem realizar. Contudo, conforme Conselho Federal de Administração (2013, p. 91), “(...) os números favoráveis de demanda de biocombustíveis líquidos – crescimento médio anual de 8,7% para o etanol; e 9,8% para o biodiesel – devem implicar em investimentos da ordem de R$ 66 bilhões, o que representa outra circunstância positiva para a modalidade dutoviária”. 4 QUESTÕES DESFAVORÁVEIS À PRODUÇÃO DE BIODIESEL NA AMAZÔNIA A visão de um futuro positivo para a produção de biodiesel na Amazônia gerou debates em relação aos riscos do cultivo de palma na região. Discute-se os impactos socioambientais das monoculturas de oleaginosas para produção de biocombustível, em substituição à produção de alimentos, e o desmatamento gerado pela expansão da soja e do dendê para as áreas de floresta Amazônica densa, estes atrelados ao ideal de desenvolvimento sustentável e aos discursos ambientalistas. Quanto à soja, em julho de 2006, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e a Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (ANEC) assinaram um acordo, o chamado Moratória da Soja, no qual se comprometeram a não comercializar nem financiar a soja produzida em áreas que foram desmatadas na Amazônia, após a data do Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 219 acordo. Hoje, este documento está sendo revisado em razão do novo Código Florestal e uma nova agenda para produção de soja está sendo definida. Em relação ao dendê, a preocupação maior é com o desmatamento e a emissão de gases do efeito estufa. Entretanto, pesquisadores como Smeraldi (2010) apud Magalhães e Drouvot (2011), e Fligliuolo et al. (2009), apoiam a produção de biocombustíveis a partir de culturas variadas e a exploração manejada e sustentada de oleaginosas nativas da Amazônia para produção do biocombustível. Conforme Fligliuolo et al. (2009), esta forma de produção é uma alternativa que harmoniza geração de energia e os riscos ambientais. Para evitar a substituição da indústria de alimentos pela indústria de biodiesel, buscou-se a utilização de matérias-primas diferentes dos alimentos básicos – a cana-de-açúcar e a soja – para a produção do biocombustível na Amazônia. Mesmo que a palma seja utilizada na indústria de biocombustível, o contexto regional de extração do óleo de dendê não configura ameaça à indústria alimentícia. Na região, encontra-se a maior produtora de óleo deste vegetal, que mantém seu foco no mercado de alimentos e, conforme Becker (2010), quase toda a produção de dendê na Região Amazônica é destinada à indústria de alimentos, mesmo que o mercado de biocombustíveis seja bastante atrativo. Ademais, a produção de biodiesel não tem somente a palma como base, pode-se utilizar outras espécies como o pinhãomanso, babaçu e tucumã, que não são espécies utilizadas na indústria alimentícia. Outro fator que garante a manutenção da matéria para indústria alimentícia é que o óleo utilizado na produção do biocombustível pode ser extraído da casca das amêndoas das palmáceas, inclusive da palma de dendê, que é considerada como resíduo do refino de óleo destinado à indústria de alimentos. Um exemplo disso é a produção do biocombustível da empresa Agropalma. Burtler e Laurence (2009) alegam que os incentivos à produção de biodiesel a partir do dendê, que gera a formação de monoculturas de oleaginosas, podem induzir os pecuaristas e agricultores a ocuparem áreas de mata densa. Entretanto, este padrão já tem sido observado, em razão das lavouras de outras espécies que não estão necessariamente voltadas à produção de biodiesel, como a soja, cana-de-açúcar e milho. Para diminuir esse impacto, faz-se necessário a criação de políticas públicas voltadas a controlar tal problema. Francisco de Assis Costa (2010, p. 348 apud MAGALHÃES, DROUVOT, 2011) expõe o problema da utilização da mão de obra do pequeno agricultor por grandes indústrias de biodiesel: a dependência deste agricultor em relação à indústria. Magalhães e Drouvot (2011, p. 348) afirmam que os programas não mencionam a dificuldade de participação do pe- 220 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer queno produtor no desenvolvimento dos projetos das grandes indústrias de biodiesel e sempre há o risco de se criar um modelo unilateral, e não uma verdadeira parceira entre o pequeno agricultor e a indústria. Porém, esses problemas ocorrem em diversas outras formas de produção industrial e a maneira de diminuir os impactos negativos desta relação encontra-se novamente na instituição de políticas públicas, voltadas a defender e assegurar os interesses, de forma que ambos possam se beneficiar sem que haja prejuízos maiores para o lado mais fraco havendo a necessidade de fiscalização da aplicação destas políticas. Outro fator de debates é a questão do uso de agrotóxicos e fertilizantes em monoculturas, que pode causar sérios impactos ambientais e sociais. Entretanto, diversas pesquisas vêm sendo realizadas para amenizar este problema. Além disso, pesquisadores brasileiros defendem que cultivos perenes, como o dendê, oferecem grandes vantagens quando já estabelecidos, como a proteção do solo contra erosão, além de criar condições de fixação para elementos da fauna, conforme Homma et al., (2000 apud BECKER, 2010). O risco de pragas e doenças que se geram na palma-africana também é levado em consideração para colocar o cultivo dessa oleaginosa em dúvida. Mas esses fatores também são um risco não só do monocultivo de palma como de todas as monoculturas. Conforme Becker (2010), pesquisas estão sendo desenvolvidas para criar alternativas a esses problemas, envolvendo ainda espécies híbridas com nativos nacionais. A Embrapa Ocidental está investindo fortemente neste tipo de pesquisa e colocou no mercado, desde 2010, o BRS Manicoré, um híbrido de dendê criado a partir do cruzamento entre o dendezeiro africano e o dendezeiro-do-Pará, de grande aceitação. Além disso, o cultivo de espécies típicas da Amazônia, como o babaçu e o tucumã, podem também diminuir os impactos e problemas das doenças e pragas. Conforme Machado et al. (2012), resultados de pesquisas demonstram que há expectativas em relação ao desenvolvimento da palma e seus derivados para diversas áreas tecnológicas, incluindo o biodiesel, e ressalta que as equipes de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PD&I, da Embrapa, estão preocupadas em aplicar os resultados de suas pesquisas na área da “agroenergia”. Pode-se perceber que, apesar de todas as dúvidas e debates quanto aos possíveis problemas socioambientais ocasionados pelos incentivos a produção de biodiesel (a partir do dendê) na Amazônia, buscam-se formas de estabelecer fundamentos sólidos para projetos de desenvolvimento local, incluindo o fomento a produção de outras oleaginosas e investimentos governamentais para normatizar e orientar a produção de biodiesel, visando a sustentabilidade do setor na região. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 5 221 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se observar que o governo Lula criou projetos locais de estimulo à produção e uso de biocombustíveis em todas as regiões do país. Entretanto, alguns merecem maior atenção e devem ser revisados para que tenham melhores condições de funcionamento e alcancem seus objetivos. As condições sociais, econômicas, ambientais e geográficas são fatores que definem o modelo para produção de biocombustíveis e as matérias-primas utilizadas em cada região do Estado. Sua produção tem como objetivo não só os benefícios ambientais, mas também o desenvolvimento econômico regional, como é o caso da Amazônia. A escolha pelo cultivo de dendê na Amazônia está associada a interesses não apenas socioeconômicos, mas também políticos. O dendê se valoriza no cenário internacional como fonte de biocombustível, além de ter possibilidade de participar do mercado de sequestro de carbono. Contudo, a produção de biodiesel na região não depende da palma, outras espécies nativas podem ser utilizadas. Atualmente, utiliza-se pouco óleo vegetal na fabricação de biodiesel. Ao nível internacional, acredita-se haver uma irregularidade nos investimentos privados e deficiências na gestão de projetos, que adicionados aos problemas de distribuição da matéria-prima, dificultam o desenvolvimento dos arranjos produtivos locais. Mas a região enfrenta não só desafios logísticos referentes ao transporte de matérias-primas e à irregularidade, aos poucos contornada, dos investimentos agroindustriais. A Amazônia se depara com a dispersão dos agricultores, com o desequilíbrio energético causado pelo uso do diesel fóssil para transportar o biodiesel e o elevado valor do diesel mineral utilizado na indústria tradicional, bem com as dúvidas e receios de produtores rurais, em virtude dos problemas de regularização fundiária, que criam um cenário de instabilidade para os projetos voltados a produção de biodiesel. Problemas de regularização fundiária ensejaram o final do Projeto Pará Bioenergia, da Petrobras Biocombustível, em 2012, pois grande parte das terras do Pará não possuem titularidade definida. A plantação de palma foi aos poucos decaindo e a usina para o processamento de biodiesel, que teria alta capacidade produtiva, acabou por não ser construída. Apesar de todos os entraves, os investimentos na produção de biodiesel no território amazônico estão crescendo e os problemas, aos poucos, estão sendo contornados em busca do desenvolvimento local sustentável. Mesmo que ainda existam questões controvertidas, existe a certeza de que a 222 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer produção do biocombustível amazônico pode abastecer unidades da indústria local e formar as chamadas “ilhas energéticas”9. Essa produção também é capaz de possibilitar a criação de fontes de renda por meio de cooperativas para extração do óleo vegetal e reduzir o valor do combustível mineral atualmente utilizado, que custa para o consumidor final valores elevadíssimos, por razão do alto preço em seu transporte. Além de dar maior representação internacional ao Brasil – que se destaca como produtor mundial de biocombustíveis – pelo interesse por parte da comunidade internacional na expertise brasileira no ramo dos biocombustíveis, provocados pelos investimentos na inclusão social, por intermédio da agricultura de matéria-prima de energia alternativa. Tal cenário demonstra que se inicia o desenvolvimento de um processo de produção de biodiesel eficiente e sustentável de grande importância para Amazônia. 6 REFERÊNCIAS ALVES, José M. A.SOUSA, Ataiza de A. SILVA, Sebastião R. G. da. LOPES, Guido N. SMIDERLE, Oscar J. UCHÔA, Sandra C. P. Pinhão-Manso: Uma Alternativa para Produção de Biodiesel na Agricultura Familiar da Amazônia Brasileira. Revista Agro@Mbiente On-Line. 2008. Disponível em: <http://saes2010.ufrr.br/index. php/agroambiente/article/view/160/92>. Acesso em: 30 abr. 2014. ANP. Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Resolução 25/08. Disponível em: <http://www.udop.com.br/download/legislacao/comercializa cao/juridico_legiscalcao/res_25_autorizacao_producao_biodiesel. pdf>. Acesso em: 10 jun. 2014. _____. Superintendência de Refino, Processamento de Gás Natural e Produção de Biocombustíveis. Boletins ANP, maio de 2014. Disponível em: www.anp.gov.br. Acesso em: 08 jun. 2014). _____. 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Relações Brasil-Estados Unidos no setor de energia: do mecanismo de consultas sobre cooperação energética do memorando de entendimento sobre biocombustíveis (2003-2007) / Neil Giovanni Paiva Benevides. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. BIODIESELBR.COM. Disponível em: <http://www.biodieselbr.com/noticias/bio/ biodiesel-alternativa-energetica-estado-26-03-07.htm>. Acesso em: 28 maio 2014). BRASIL. Decreto 5.151/2004. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5151.htm>. Acesso em: 02 jun. 2014. _____. DECRETO 7.768/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7768.htm>. Acesso em: 28 maio 2014. CFA – Conselho Federal de Administração. Plano Brasil de Infraestrutura Logística: Uma abordagem sistêmica. Parceria com CRA – Conselho Regional de Administração, Sebrae, FIEAM – Federação das Indústrias do Amazonas. 2013. 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Estado da arte das ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação com 224 Karla Rosane Raskopf e Vanessa Raskopf Schwaizer dendê e caiaué. Embrapa, Ed. Agricultura, 2012. Disponível em: <http://rural centro.uol.com.br/noticias/caiaue-e-dende-embrapa-divulga-artigo-sobre-viabilidadedo-cultivo-64013#y=1498>. Acesso em: 28 maio 2014. MAGALHÃES DROUVOT, Cláudia. DROUVOT, Hubert. O Programa de Produção Sustentável do Dendê na Amazônia: a mobilização dos grupos de interesse no reflorestamento das áreas degradadas. 6º Congresso do Instituto Franco-Brasileiro de Administração de Empresas. Franca, 2011. Disponível em: <http://www. ifbae.com.br/congresso6/pdf/28.pdf>. Acesso em: 07 jul. 2014. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Disponível em: <http:// portal.mda.gov.br/portal/saf/programas/biodiesel/2286313>. Acesso em: 02 jun. 2014. _____. Disponível em: <http://portal.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/biodisel/ arquivos-2012/PORTARIA_N%C2%BA_60_2012.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2014. 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III 225 ÍNDICE ALFABÉTICO 226 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Socioambientalismo de Fronteiras – v. III 227 Integrantes dos CONSELHOS EDITORIAIS da nas áreas de DIREITO, CONTABILIDADE, ADMINISTRAÇÃO, ECONOMIA E FILOSOFIA Adel El Tasse Me. e doutorando em Direito Penal. Proc. Federal. Prof. Universitário. Aderbal Nicolas Müller Dr. pela UFSC. Me. em Ciências Sociais Aplicadas. Esp. em Administração/Finanças. Graduado em Ciências Contábeis pela FAE Business School. Prof. Universitário. André G. Dias Pereira Me. e doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Airton Cerqueira Leite Seelaender Dr. em Direito pela Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt. Me. e graduado em Direito. Pres. do Instituto Brasileiro de História do Direito. Prof. Universitário. Alessandra Silveira Dra. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: Direito público – Direito da União Europeia, Direito constitucional e ciência política. Prof.ª da Escola de Direito da Universidade do Minho. Alessandra Galli Doutora Tecnologia e Sociedade (UTFPR/Università Degli Studi di Padova). M.ª em Direito Econômico e Social e Especialista em Direito Socioambiental (PUC/PR). Prof.ª Universitária. Alexandre L. Dias Pereira Dr. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Prof. da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Alexandre Mota Pinto Dr. em Direito pelo Instituto Europeu de Florença: Direito privado – Direito do trabalho e Direito comercial e civil em geral. Docente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Alexandre Coutinho Pagliarini Pós-Dr. pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Dr. e Me. em Direito do Estado. Prof. Pesquisador. Proc. Municipal. Aloísio Khroling Pós-Dr. em Filosofia Política. Dr. em Filosofia. Me. em Teologia e Filosofia e em Sociologia Política. Graduado em Filosofia e em Ciências Sociais. Ana Paula Gularte Liberato M.ª em Direito Socioambiental pela PUCPR. Adv. Membro da Comissão Interna de Meio Ambiente da PUCPR. Prof.ª Universitária. Andrei Koerner Dr. e Me. em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Graduado em Direito. Prof. Universitário. Anélio Berti Me. em Ciências Contábeis e Esp. em Auditoria contábil. Graduado em Ciências Econômicas. Prof. Universitário. Antoninho Caron Dr. em Engenharia de Produção e Me. em Desenvolvimento Econômico. Graduado em Administração de Empresas. Prof. Universitário. Antônio Carlos Efing Dr. e Me. pela PUC-SP. Prof. Universitário na graduação, especialização, mestrado e doutorado. Antonio Carlos Wolkmer Dr. em Direito. Me. em Ciência Política. Esp. em Metodologia do Ensino Superior. Graduado em Direito. Prof. Universitário. Antônio Veloso Peleja Júnior Mestre em Direito pela UERJ; Pós-graduado em Direito Eleitoral pela UnB; Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Arno Dal Ri Júnior Pós-Dr. pela Université Paris I (Panthéon-Sorbonne). Dr. em Direito Internacional pela Università Luigi Bocconi de Milão. Me. em Direito e Política da União Europeia pela Università degli Studi di Padova. Bel. em Ciências Jurídicas. Prof. Universitário. Artur Stamford da Silva Dr. em Teoria, Filosofia e Sociologia do Direito. Me. em Direito Público pela UFPE. Diplomado em Estudios Avanzados de Tercer Ciclo do Doutorado de Derechos Humanos y Desarrollo pela Universidad Pablo de Olavid-Sevilla, Espanha. Graduado em Direito pela Unicap. Prof. Universitário. Beltrina da Purificação da Côrte Pereira Pós-Dra. e Dra. em Ciências da Comunicação pela USP. M.ª em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, pela Universidad de los Andes – Bogotá, Colômbia. Graduada em Jornalismo. Prof.ª Universitária. 228 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Benedito Gonçalves da Silva Me. em Controladoria e Contabilidade. Graduado em Ciências Contábeis. Graduado e Lic. em Ciências. Graduado e Lic. em Matemática. Prof. Universitário. Carlos Diogenes Cortes Tourinho Dr. e Me. em Filosofia. Esp. em Filosofia Contemporânea. Graduado em Psicologia e em Filosofia. Prof. Universitário. Carlos Eduardo Batalha da Silva e Costa Dr. em Filosofia e Me. em Direito pela USP. Graduado em Direito e em Filosofia. Prof. Universitário e Pesquisador. Carlyle Popp Dr. em Direito Civil. Me. em Direito Público. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná e da Academia Paranaense de Letras Jurídicas. Prof. Universitário. Carolina Machado Saraiva de Albuquerque Maranhão Dra. em Administração. M.ª em Marketing. Graduada em Administração. Prof.ª Universitária. Clarice von Oertzen de Araujo Dra. e M.ª em Direito pela PUC/SP. Graduada em Direito e LD. em Direito. Cláudia Viana Dra. em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade da Corunha. Prof.ª da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave. Christian Baldus Prof. da Faculdade de Direito da Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg, Deutschland (Alemanha). Director no Institut für geschichtliche Rechtswissenschaft “Instituto para a Ciência Jurídica e Jurisprudencial Histórica”: História do Direito; Direito romano; Direito civil (Direito das coisas; Direito das sucessões); Direito alemão e europeu e Direito comparado. Claudia Maria Barbosa Dra., M.ª e Graduada em Direito. Prof.ª Universitária. Membro do Instituto Latinoamericano para una Sociedad y un Derecho Alternativos – ILSA, com sede na Colômbia. Consultora ad hoc do MEC. Cleverson Vitorio Andreoli Dr. em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Me. em Ciências do Solo. Eng. Agrônomo. Prof. Universitário. Cristina Zanello M.ª em Direito Negocial pela UEL. Esp. em Direito e Negócios Internacionais pela UFSC. Graduada em Direito pela PUCPR. Graduada em Economia pela UFPR. Prof.ª Universitária. Membro do Instituto de Direito Tributário de Curitiba e Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-PR. Adv. em Curitiba, atuante no âmbito do Direito Tributário, Empresarial, Administrativo e Civil, com experiência adquirida, inclusive, na gerência de setor jurídico de empresas nacionais e multinacionais. Danilo Borges dos Santos Gomes de Araujo Dr. em Direito. Graduado em Direito e em Administração de Empresas. Prof. Universitário. Dário Manuel Lentz de Moura Vicente Dr. e Agregado em Direito pela Universidade de Lisboa. Prof. Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Deise Luiza da Silva Ferraz Dra., M.ª e Bela. em Administração. Estágio-doutoral no Centro de Investigação em Sociologia Econômica e das Organizações (SOCIUS) do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa. Eduardo Biacchi Gomes Pós-Dr. em Estudos Culturais pela UFRJ. Dr. em Direito. Prof. Universitário. Eduardo Ely Mendes Ribeiro Dr. em Antropologia Social. Me. em Filosofia. Graduado em Filosofia. Elizabeth Accioly Dra. em Direito Internacional e Diplomada em Estudos Europeus pela Faculdade de Direito de Lisboa. Prof.ª Universitária. Adv. e consultora jurídica internacional. Eloise Helena Livramento Dellagnelo Pós-Dra. pela Universidade de Essex – Inglaterra. Dra. em Engenharia de Produção. M.ª em Administração. Bela. em Administração e em Letras – Português e Inglês. Bolsa sanduíche na Escola de Administração Pública da University of Southern California (USC) em Los Angeles. Prof.ª Universitária. Everton das Neves Gonçalves Dr. em Derecho Internacional pela Universidad de Buenos Aires. Dr. e Me. em Direito, área de concentração em Instituições Jurídico-Políticas. Graduado em Ciências Econômicas e em Direito pela Faculdade de Direito. Professor. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III Fabiana Del Padre Tomé Dra. e M.ª em Direito. Graduada em Direito. Prof.ª Universitária. Fernando Galvão da Rocha Dr. em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Museu Social Argentino. Me. em Direito. Esp. em Filosofia. Graduado em Direito. Juiz do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais. Prof. Universitário. Fernando Rister de Souza Lima Doutorando pela Faculdade de Direito da PUC/SP, com estágio doutoral sanduíche na Università degli Studi di Macerata – Itália. Prof. Universitário. Filipe Avides Moreira Lic. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: Direito público e Direito privado. Formador da Ordem dos Advogados. Prof. em pós-graduações na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto. Florence Cronemberger Haret Dra. em Direito Tributário pela USP. Graduada em Direito. Prof.ª conferencista. Francis Kanashiro Meneghetti Dr. em Educação. Me. e graduado em Administração. Prof. Universitário. Francisco Carlos Duarte Dr. pela Universidade Técnica de Lisboa e pela Universidad de Granada – Espanha. Dr. em Ciências Jurídicas e Sociais. Me. em Direito. Graduado em Direito. Proc. do Estado do Paraná. Prof. Universitário. Geraldo Balduíno Horn Dr. em Filosofia da Educação. Me. em Educação. Esp. em Antropologia Filosófica. Graduado em Filosofia. Prof. Universitário. Germano André Doederlein Schwartz Dr., Me. e graduado em Direito. Estágio doutoral sanduíche na Université Paris X-Nanterre. Estágio Pós-Doutoral na University of Reading (UK). Prof. Universitário. Gilberto Bercovici Dr. em Direito do Estado. Graduado em Direito. Prof. Universitário. Gilberto Gaertner Me. em Engenharia de Produção. Esp. em: Formação em Psicologia Somática Biossíntese; Formação em Integração Estrutural Método Rolf; Formação em Bioenergia Raízes; e Psicologia Corporal – Orgone. 229 Gonçalo S. de Melo Bandeira Dr. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Me. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e Esp. em Ciências Jurídico-Criminais pela mesma instituição. Lic. em Direito. Prof. da Escola Estatal Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave – Portugal. Prof. Universitário. Helena de Toledo Coelho Gonçalves Dra. e M.ª em Direito. Graduada em Direito pela PUCPR. Prof.ª Universitária. Ilton Garcia da Costa Dr. em Direito. Me. em Administração e Direito. Graduado em Matemática. Prof. Universitário. Irene M. Portela Dra. em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Santiago de Compostela. Prof.ª da Escola Superior de Gestão e Provedora do Estudante, do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave. Ivo Dantas Dr. em Direito Constitucional. Prof. Titular da Faculdade de Direito do Recife – UFPE. LD. em Direito Constitucional – UERJ. LD. em Teoria do Estado – UFPE. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas. Miembro del Instituto Ibero-Americano de Derecho Constitucional – México. Miembro del Consejo Asesor del Anuario Ibero-Americano de Justicia Constitucional, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales (CEPC) – Madrid. Prof. Universitário. James José Marins de Souza Pós-Dr. em Direito do Estado pela Universitat de Barcelona – Espanha. Dr. em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor. Jan-Michael Simon Jurista pela Faculdade de Direito de Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn – Alemanha: Direito penal, Direito processual penal, Direito internacional penal e Criminologia. Jane Lúcia Wilhelm Berwanger Doutora em Direito Previdenciário. M.ª em Direitos sociais e Políticas Públicas. Prof.ª Universitária. João Bosco Lee Dr. em Direito Internacional pela Université de Paris II. Me. em Direito Internacional Privado e do Comércio Internacional pela Université de Paris II. Graduado em Direito. Prof. Universitário. 230 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo João Paulo F. Remédio Marques Dr. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Prof. Universitário da mesma instituição. José Ricardo Vargas de Faria Doutorando pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Me. em Administração e Eng. Civil. Prof. Universitário. João Ibaixe Junior Me. em Direito. Pós-graduado em Filosofia. Pres. do CEADJUS. Joseli Nunes Mendonça Dra., M.ª e Graduada em História. Prof.ª Universitária. Jorge Cesar de Assis Graduado em Direito e em Curso de Formação de Oficiais pela Academia Policial Militar do Guatupê. Prom. da Justiça Militar. Prof. da Escola Superior do Ministério Público da União. Membro do Ministério Público da União. Julimar Luiz Pereira Me. em Educação Física pela UFPR. Esp. em Treinamento Desportivo. Graduação em Lic. em Educação Física. Prof. Universitário. José Antonio Savaris Dr. em Direito da Seguridade Social. Me. em Direito Econômico e Social. Juiz Federal. Lafaiete Santos Neves Dr. em Desenvolvimento Econômico. Me. e graduado em História. Prof. Universitário. José Augusto Delgado Esp. em Direito Civil e Comercial. Bel. em Direito. Lafayette Pozzoli Pós-Dr. pela Universidade La Sapienza – Roma. Dr. e Me. em Filosofia do Direito. Graduado em Direito. Adv. Prof. Universitário. José Carlos Couto de Carvalho Subprocurador geral da Justiça Militar aposentado. Prof. Universitário. Lauro Brito de Almeida Dr. e Me. em Controladoria e Contabilidade pela USP. Prof. Adjunto da UFPR. Jose Edmilson de Souza Lima Dr. em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Me. em Sociologia Política. Liana Maria da Frota Carleial Pós-Dra. pela Université Paris XIII, no Centre de Recherche en Économie Industrielle (CREI) – França. Dra. e M.ª em Economia. Graduada em Ciências Econômicas. Prof.ª Universitária. José Elias Dubard de Moura Rocha Dr., Me. e graduado em Direito pela UFPE. Prof. Universitário. José Engrácia Antunes Dr. em Direito pelo Instituto Europeu de Florença: Direito privado. Prof. da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto. José Henrique de Faria Pós-Dr. em Labor Relations pelo Institute of Labor and Industrial Relations – ILIR – University of Michigan (2003). Dr. e Me. em Administração. Graduação em Ciências Econômicas. Prof. Universitário. José Ramón Narváez Dr. em Teoria e História do Direito pela Universidade de Florença. Prof. associado da Universidade Nacional Autônoma do México. José Renato Gaziero Cella Dr. em Filosofia e Teoria do Direito. Me. em Direito do Estado. Pesquisador da Universidad de Zaragoza – Espanha. Prof. Universitário. José Renato Martins Dr. em Direito Penal. Me. em Direito Constitucional. Bel. em Direito. Prof. Universitário. Lúcia Helena Briski Young Esp. em Auditoria e Controladoria Interna, Gestão Empresarial e Direito, Direito Tributário e Metodologia do Ensino Superior. Luciano Salamacha Dr. em Administração. Me. em Engenharia de Produção. Pós-graduado em Gestão Industrial e MBA em Gestão Empresarial. Prof. Universitário. Luís Alexandre Carta Winter Dr. em Integração da América Latina. Me. em Integração Latino-americana. Esp. em Filosofia da Educação. Graduado em Direito. Prof. Universitário. Luis Fernando Lopes Pereira Pós-Dr. pela Università degli Studi di Firenze – Itália. Dr. em História Social. Me. em História. Esp. em Pensamento Contemporâneo e em História e Cidade. Graduado em Direito e em História. Prof. Universitário. Luísa Neto Dra. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto – Direito constitucional – Direito biomédico e Direito da medicina. Prof.ª da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III Luiz Antonio Câmara Dr. e Me. em Direito. Prof. Universitário em cursos de graduação, especialização e mestrado. Luiz Carlos de Souza Me. em Ciências Contábeis e Atuariais. Esp. em Administração Financeira e em Política e Estratégia. Prof. Universitário. Manuel da Costa Andrade Dr. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: Direito público – Direito penal e Direito processual penal. Prof. Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Manuel Martínez Neira Dr. em Direito. Prof. Universitário na Universidade Carlos III – Madrid. Mara Regina de Oliveira Dra., M.ª e Bela. em Direito. Prof.ª Universitária. Marcelo Pereira de Mello Dr. em Ciência Política. Me. em Sociologia. Graduado em Ciências Sociais. Prof. Universitário. Marcelo Weitzel Rabello de Souza MSc. em Coimbra – Portugal. Pres. da Associação Nacional do Ministério Público. Subprocurador geral da Justiça Militar em Brasília. Marcio Pugliesi Dr. e LD. em Direito. Dr. em Filosofia. Dr. em Educação. Bel. em Direito. Graduado em Filosofia. Prof. Universitário. Marcos Kahtalian Me. em Multimeios pela Unicamp. Pós-graduado em Administração de Marketing. Prof. de graduação e pós-graduação. 231 Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha Pós-doutoranda em Direito. Dra. em Direito Constitucional. M.ª em Ciências Jurídico-Políticas. Esp. em Direito Constitucional. Bela. em Direito. Prof.ª Universitária. Mário João Ferreira Monte Dr. em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade do Minho. Me. e Pós-graduado em ciências jurídico-criminais. Prof. Universitário. Masako Shirai Dra., M.ª e Graduada em Direito. Membro da Comissão de Exame da Ordem da OAB-SP e da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-SP. Massimo Meccarelli Prof. Catedrático de História do Direito Medieval e Moderno. Coord. do Programa de Doutorado em História do Direito da Università degli Studi di Macerata – Itália. Melissa Folmann Mestre em Direito pela PUCPR. Diretora Científica do IBDP. Professora da Graduação e Pós-graduação em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário. Advogada. Néfi Cordeiro Dr., Me. e graduado em Direito. Graduação em Engenharia. Graduado Oficial Militar pela Academia Policial Militar do Guatupê. Desemb. Federal. Prof. Universitário. Nuno M. Pinto de Oliveira Dr. em Direito pelo Instituto Europeu de Florença: Direito privado – Direito das obrigações e dos contratos. Prof. da Escola de Direito da Universidade do Minho. Octavio Augusto Simon de Souza Me. no Alabama, EUA. Juiz do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul. Marcos Wachowicz Dr. em Direito. Me. em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa – Portugal. Graduado em Direito. Prof. Universitário. Oksandro Osdival Gonçalves Dr. em Direito Comercial – Direito das Relações Sociais. Me. em Direito Econômico. Prof. Universitário. Margarida Azevedo Almeida Doutoranda pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: Direito privado. M.ª Prof.ª do Instituto de Contabilidade e Administração do Porto, Instituto Politécnico do Porto. Osmar Ponchirolli Dr. e Me. em Engenharia de Produção. Esp. em Didática do Ensino Superior. Graduado em Filosofia. Graduado em Teologia. Bel. em Teologia. Prof. Universitário. Margarida da Costa Andrade Doutoranda pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: Direito privado. M.ª Prof.ª da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Pablo Galain Palermo Dr. em Direito pela Universidade de Salamanca – Espanha: Direito penal, Direito processual penal e Criminologia. 232 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Paolo Cappellini Prof. Catedrático de História do Direito Medieval e Moderno. Coord. do Programa de Doutorado em Teoria e História do Direito. Diretor da Faculdade de Direito Università degli Studi di Firenze – Itália. Paula Távora Doutoranda pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: Direito privado. M.ª Prof.ª da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Paulo Ferreira da Cunha Dr. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Dr. em Direito pela Universidade de Paris II. Prof. Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Paulo Gomes Pimentel Júnior Doutorando da Universidade de Salamanca – Espanha. Me. e graduado em Direito. Esp. em Direito e Cidadania. Pós-graduado em Jurisdição Constitucional e Processos Constitucionais. Paulo Mota Pinto Dr. em Direito Privado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimba. Prof. da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Deputado da Assembleia da República Portuguesa. Paulo Nalin Dr. em Direito das Relações Sociais. Pesquisa em nível de Doutorado na Università degli Studi di Camerino. Me. em Direito Privado. Prof. Universitário. Paulo Ricardo Opuszka Dr. em Direito. Me. em Direito, na área de Direito Cooperativo e Cidadania. Bel. em Direito. Prof. Universitário. Pedro Costa Gonçalves Dr. em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Prof. Universitário da mesma instituição. Rafael Rodrigo Mueller Dr. e Me. em Educação. Graduado em Administração de Empresas. Prof. do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Organizações e Desenvolvimento. Ricardo Tinoco de Góes Doutorando em Filosofia do Direito. Me. em Direito. Prof. Universitário. Rivail Carvalho Rolim Pós-Dr. na Universidade de Barcelona em Sociologia Jurídica e Criminologia. Dr. em História. Prof. Universitário. Roberto Catalano Botelho Ferraz Dr. em Direito Econômico e Financeiro. Me. em Direito Público. Prof. Universitário. Roland Hasson Dr., Me. e graduado em Direito. Prof. Universitário. Ronaldo João Roth Juiz de Direito da Justiça Militar do Estado de São Paulo. Membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar. Prof. Universitário. Rui Bittencourt Me. em Direito. Advogado. Membro do Núcleo de Pesquisa em Direito Civil e Constituição. Prof. Universitário. Sady Ivo Pezzi Júnior Me. em Educação e Trabalho pela UFPR. Pós-graduado em Gestão da Qualidade pelo Instituto de Tecnologia do Paraná. Pós-graduado em Marketing. Prof. e Coord. do Curso de Administração. Salvador Antonio Mireles Sandoval Pós-Dr. pelo Center for the Study of Social Change, New School for Social Research. Dr. e Me. em Ciência Política pela University of Michigan. Me. em Ciência Política pela University of Texas – El Paso. Graduado em Latin American Studies pela University of Texas – El Paso. Prof. Universitário. Prof. Assistente. Pesquisador convidado no David Rockefeller Center for Latin American Studies, Harvard University como J. P. Lemann Visiting Scholar. Samuel Rodrigues Barbosa Dr. em Teoria do Direito. Me. em Ciências da Religião. Graduado em Direito. Prof. Universitário. Sergio Said Staut Jr. Dr., Me. e Bel. em Direito. Prof. Universitário. Rainer Czajkowski Me. e graduado em Direito. Pró-Reitor Acadêmico e Prof. Universitário. Silma Mendes Berti Dra. e M.ª Graduada em Direito. Prof.ª Universitária. Juíza Auditora do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese. Renata Ceschin Melfi de Macedo M.ª e Graduada em Direito. Prof.ª Universitária Lic. Silvia Hunold Lara Dra. em História Social. Graduada em História. Prof.ª Universitária. Socioambientalismo de Fronteiras – v. III Tercio Sampaio Ferraz Jr. Dr. em Direito. Dr. em Filosofia pela Johannes Gutemberg Universitat de Mainz. Graduado em Filosofia, Letras e Ciências Humanas, e em Ciências Jurídicas e Sociais. Prof. Universitário. Valdir Fernandes Pós-Dr. em Saúde Ambiental. Dr. em Engenharia Ambiental. Me. em Engenharia Ambiental. Graduado em Ciências Sociais. Academic Partner do projeto Advancing Sustainability da Alcoa Foundation. Vanessa Hernandez Caporlingua Dra. e M.ª em Educação Ambiental. Graduada em Direito. Prof.ª e pesquisadora em cursos de graduação e no Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental. Vittorio Olgiati Dr. em Sociologia do Direito. Prof. Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Macerata – Itália. Vladimir Passos de Freitas Dr., Me. e Lic. em Direito. Prof. Universitário de graduação e de pós-graduação. 233 Vladmir Oliveira da Silveira Pós-Dr., Dr. e Me. em Direito. Graduado em Direito e em Relações Internacionais. Prof. Universitário. Wladimir Brito Dr. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: Direito público. Prof. da Escola de Direito da Universidade do Minho. Willis Santiago Guerra Filho Pós-Dr. em Filosofia. Dr. em Ciência do Direito pela Fakultät für Rechtswissenschaft der Universität Bielefeld. Me. e graduado em Direito. LD. em Filosofia do Direito. Prof. Universitário. Wilson Alberto Zappa Hoog Me. em Ciência Jurídica. Perito Contador Auditor. Prof. Doutrinador de Perícia contábil, Direito contábil e de Empresas em cursos de pós-graduação. Wilson Furtado Roberto Me. e Esp. em Ciências Jurídico-internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Bel. em Direito. 234 Edson Damas da Silveira e Serguei Aily Franco de Camargo Esta obra foi impressa em oficinas próprias, utilizando moderno sistema de impressão digital. Ela é fruto do trabalho das seguintes pessoas: Editoração: Elisabeth Padilha Fernanda Brunken Thamires Santos Acabamento: Afonso P. T. Neto Anderson A. Marques Carlos A. P. Teixeira Lucia H. Rodrigues Luciana de Melo Maria José V. Rocha Marilene de O. Guimarães Nádia Sabatovski Rosinilda G. Machado Terezinha F. Oliveira Índices: Emilio Sabatovski Iara P. Fontoura Tania Saiki Impressão: Lucas Fontoura Marcelo Schwb Marlisson Cardoso “.”
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