Sobrados e Mocambos - Gilberto Freyre

March 29, 2018 | Author: Luke Silva | Category: Brazil, Slavery, Portugal, Rio De Janeiro, City


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Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 2© Fundação Gilberto Freyre, 2003 Recife-Pernambuco-Brasil 141 edição, 2003, Global Editora Sobrados e Mucambos Decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano Gilberto Freyre 14a edição revista Apresentação de Roberto DaMatta Biobibliografia de Edson Nery da Fonseca Notas bibliográficas revistas e índices atualizados por Gustavo Henrique Tuna Iconografia Fundação Gilberto Freyre Global Editora Projeto Gráfico Lúcia Helena S. Lima Capa Victor Burton Editoração Eletrônica Antônio Silvio Lopes Lúcia Helena S. Lima Ilustração Lula Cardoso Ayres A Global Editora agradece a gentil cessão do material iconográfico à Fundação Gilberto Freyre e Biblioteca José e Guita Mindlin. Direitos Reservados Global Editora e Distribuidora Ltda. São Paulo 2003 Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011- Prof. Ive Página1 Diretor Editorial Jefferson L. Alves Editor Adjunto Francisco M. P. Teixeira Atualização de notas e índices Gustavo Henrique Tuna Gerente de Produção Flávio Samuel Coordenação de Revisão Ana Cristina Teixeira Revisão Ana Cristina Teixeira Giacomo Leone Neto Rinaldo Milesi pode-se afirmar que aí a civilização européia aprofundou-se mais e fixou-se melhor. tudo pacificado." Reparava D. primeiro do índio e depois do negro .só podia ter variado.como fez em Pernambuco Jerônimo de Albuquerque. a casa de barro. A não ser que se casassem . Seus contatos de cultura com a Europa quase que se interrompiam de todo à proporção que se distanciavam do litoral. rareando.explica Casal .. dominando daí a paisagem do Brasil colonial. que estes solteirões que só lhes leva o tempo a se ocuparem em extravagâncias [. Quando no capítulo anterior procuramos salientar o declínio do patriarcado rural. É claro que para uma época de vida mais fácil. Bandeiras. figuras angulosas. Genebras. informava que decidira povoar Pitangui de reinóis. as Das..informava D. Só depois de bem iniciado o século XVIII é que na área mineira foram-se radicando. nenhum tipo de habitação sólida ou senhoril. em outros foi quase nenhuma. Eles descobriram minas. de região para região. "isto he" .II . de habitação e de alimentação próximo do indígena. Lourenço. da parte de D. regularizar e cristianizar as relações entre os sexos. nem de técnica de produção e de trabalho -aliás a de trabalho foi quase a mesma: a escravidão. e vos ordeno me informeis se será conveniente mandar eu que só os casados possam entrar na governança das câmaras das vilas. do fazendeiro opulento mas atrasado nos seus modos de falar e nas suas modas de vestir-se. É que a diferenciação." Porque "por este modo ficarão mais obedientes ás Minhas reaes ordens. o mucambo quase de negro. de toda a "gente do matto". de pesca. As Das. Ive .Sem essa figura quase matriarcal de mulher-matrix. às vezes três. que já compreendera a conveniência política dos seus colonos tomarem "estado de casados" e se estabelecerem "com suas famílias reguladas. Variavam de região para região como de sexo para sexo. de se dissolverem em nômades. de caça e até de lavoura.3 No que talvez houvesse injustiça."de terra" e "branqueada com tabatinga". intensíssima em uns pontos. Quase sempre respeitando nos vencidos umas tantas virtudes e gabolices.. libertina mesmo. mais fáceis. época de relativa sedentariedade para aqueles nômades. a casa e a rua A praça venceu o engenho. pois era lugar até então habitado por Paulistas "cujas habitações sempre tem pouca forma. O paulista. e os filhos que tiverem do matrimônio os farão ainda mais obedientes.. contentando-se os colonos aventureiros com a palhoça. "Solteirões" . o processo de integração social ou nacional. às vezes até romantizando-as e exagerando-as nessa imitação de "inferiores" por "superiores". onde desde o século XVI se consolidara na casa-grande de engenho ou de fazenda. Até então a zona do ouro se achava salpicada menos de vilas e de casas de fazenda do que de bandos de aventureiros sem lugar fixo de atividade nem organização cristã de família. cem anos em estilos de habitação e de meios de transporte. Marias. de pedra e cal. de todo o roceiro de "serra acima".1 Em 1720. abriram caminhos. Página2 Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011- Prof. Arraiais movediços. e não sustentando que o domínio da casa-grande de engenho tivesse sido até então absoluto. romperam o mato virgem. mas aos poucos. que explorassem melhor as minas... mas às vezes dramática. E esses aventureiros de palhoça ou de casa de barro. e se haverá suficiente numero de casados para se poder praticar esta ordem. depois de muitos anos de vida solta. tendo sido provavelmente mais eficientes que os casados nessa fase de colonização quase militar. O tipo nobre de casa que ficou se chamando "casa-grande" desenvolveu-se na região dos engenhos de cana. da mulher estável e mãe de família em nossa formação. mas nem por isto inútil. as Das. para se avivarem os contatos com a cultura indígena. e grande. se europeizaria na habitação urbana de taipa. faz que as suas povoações não sejam persistentes. mas a palhoça quase de caboclo. Franciscas. figura que dramatizou como nenhuma a paisagem sertaneja dos primeiros dois séculos de colonização. com um gênero de vida. foi pretendendo fixar apenas a tendência mais saliente. queixando-se de Domingos Rodrigues do Prado "natural da comarca de São Paulo. o conde de Assumar. só faltando mesmo explorar as minas. com seus modos europeus e cristãos de tratar de menino e de gente doente. esses românticos tornaram-se figuras incômodas e arcaicas. do senhor de engenho fanfarrão e até quixotesco. durante o período da formação brasileira .mas de contatos com outros povos e com outras culturas . principalmente em Pernambuco e na Bahia. deve-se notar que eram em grande parte solteirões. de estilos e estágios de cultura. que só nos fins do século XVIII. Outras vezes troçando do matuto rico.] e mostra a experiência nos poucos casados que ha nestas terras. Integração ainda hoje incompleta."2 Em um país da extensão do nosso e com tão acentuada diversidade não tanto de clima. os atrasos de cinqüenta. os ridículos de moral e de etiqueta também atrasada um século. imprimindo-lhe traços profundos de sua ação criadora. de classe para classe. e menos em torno da figura do homem.O engenho e a praça. que são muito mayores trabalhadores em desentranharem ouro da terra. Teresas. ajeitando-se mal a uma sociedade de gente arredondada pela sedentariedade e pela paz. procurando imitá-las. famílias ao solo. Brites. porque a sua vida e a natural propensão que tem de andarem pelos mattos. burocratizar o trabalho. Quase nenhuma mesmo através da segunda metade do século XIX. a casa que ligou a essa paisagem não foi a grande e estável. Lourenço: "{.. Destacando-lhe os vícios de linguagem. em carta a Bartolomeu de Sousa Mexia. as Das. dando ao país variedade pitoresca. Não é preciso negar-se ao solteiro nômade todo o valor. Compreende-se não se ter desenvolvido ou generalizado entre gente tão móvel. o casebre. aos solteirões. Burgos cenográficos que desapareciam e reapareciam como se fossem cenários de teatro de feira.contatos tão desiguais.. portanto. não se imagina a casa-grande de engenho que foi o centro da nossa integração social. homem revoltoso e regullo". Mulheres casadas que acompanharam os maridos ao Brasil. como variou. com a técnica de transporte. da gente nativa. gordas e pesadonas. As iaiás foram sempre as estabilizadoras de civilização européia no Brasil. iam-se amortecendo. dois.]". em número considerável. atrás de minas e de escravos. que do vulto gordo da matrona portuguesa do século XVI. Porque esses atrasos variavam de região para região. Onde elas se instalaram. Lourenço de Almeida em carta a el-Rei. por exemplo. de raça para raça. as Das. com seus conhecimentos de coisas de cozinha e de higiene da casa. para reconhecer se a importância enorme do casado e sobretudo da mulher-matrix. o casebre quase de cigano. a princípio. suas botininhas de duraque. ao maior domínio da mulher portuguesa sobre a vida colonial. no Maranhão. quase todos armados de varas de medir pano que eram verdadeiras matracas a quebrarem o silêncio das ruas . fazendeiros ricos.De onde.5 Senhores de engenho morando em casas isoladas. subindo e descendo humildemente ladeiras.com o "colporteufdos Alpes e dos Pireneus. naquelas regiões colonizadas por homens. A arquitetura de residência elegante e o estilo de vida doméstica a ela correspondente se acham ligados. no Rio Grande do Sul. suas travessas. os carpinteiros. "Meu amor". depois se requintou na casa-grande assobradada. Precisamente o meado do século XIX foi a idade de ouro desses novos mascates. os colonos em Olinda para suas festas de igreja e de casamentos.500 francos. seus jogos. dormindo em camas forradas de seda que nem os príncipes e as princesas do Reino. A crédito. De dentro dos baús começavam a derramar-se pelas mesas de jantar de jacarandá ou pelas esteiras de piripiri tanto cetim. Ive . na ausência de mãos fortes de varão que agradassem as suas. tanto pano bonito. Esses mascates iam também pelas casas-grandes de engenho. entretanto. com algum encanto escondido nos cabelos.a presença da mulher européia é que tornou possível a aristocratização da vida e da casa. Só nas quatro festas do ano . não deixou de ter alguma coisa de "matriarcal": o maternalismo criador que desde o primeiro século de colonização reponta como um dos traços característicos da formação do Brasil. talvez. homens do Oriente e portugueses. mais tarde de carro fechado. como em cidades do interior quase nos nossos dias. alguns pediam esmola de rede. outros. do móvel. a boca do povo os foi chamando "gringos". em Minas Gerais. europeus de outras origens inclusive judeus da Alsácia. mil e quinhentas cabeças de gado. suas cavalhadas. solteiros. não se entregou logo à rua. que era uma festa nas casas tristonhas.os pontos de colonização portuguesa do Brasil que mais rapidamente se policiaram . com afagos de sagüim e de macaco. hospedando-se nos engenhos e andando de burro ou de mula . mas a quem o pater famílias do sobrado procurou conservar o mais possível trancada na camarinha e entre as molecas. nos pontos de colonização por homens casados. seus cetins. Outros a cavalo. banqueteando-se com as iguarias e os vinhos de Portugal. Faltava talvez. as amostras pela esteira ou por cima do sofá. reuniam-se. suas representações de comédias. D'Assier não pôde deixar de contrastar a importância do mascate. Os baús de flandres cor-de-rosa e as caixas de papelão dos mascates .se escancaravam diante dos olhos gulosos das mulheres dos sobrados. que carregava seu bauzinho às costas. 2. O patriarcalismo brasileiro. entretendo-se com a fala dos papagaios dizendo-lhe "Meu bem". e ainda por cima.4 Casas térreas de barro e nem ao menos caiadas. ou simplesmente amasiados com caboclas da terra. em Pernambuco . em São Vicente e. em sua maioria. vindo dos engenhos para os sobrados. morando em casebres inferiores aos dos camponeses alemães mais pobres. na formação brasileira. a relativa estabilização de uma economia que tendo sido patriarcal nos seus principais característicos. feliz como uma menina doente entre brinquedos espalhados na cama. no sentido da maior dignidade moral e do maior conforto físico da casa. a ação da mulher portuguesa. em imagens de santo para as capelas das casas-grandes. E com esta. os baús carregados a mula. a esses colonos. foram denominados "gringos" no Brasil. ou por serem alourados como os ingleses ou por se parecerem. o cabelo solto. rodeada de negras. o sobrado e a rua. chamava-se o mascate. ainda que escrito. andavam de chapéu de três bicos e de sobrecasaca. no interior do Brasil . em grande parte. De modo que a vida da moça de sobrado era dentro de casa. desde dias remotos. nos modos. vivendo a mesma vida relassa que no século XVTI. franceses. na falta de voz grossa de homem que lhe acariciasse os ouvidos. de cidade. dentro dos palanquins. tanta fita.quase um lorde. No fim do século XVI. por muito tempo foram quase inimigos. e onde vem exaltada a figura da mulher do donatário: "Dona Beatrizpreclara e excellente. A presença da mulher européia em maior número é talvez o elemento mais vivamente responsável pelo fato de se ter desenvolvido desde o século XVI em Pernambuco. da vida doméstica. na Bahia. Aí não tardou a aparecer o primeiro poema inspirado pela paisagem brasileira. Uns mascates se especializavam em vender jóia. e ela. Anéis comprados na Europa por 100 francos eram vendidos a senhores de engenho por 800$000. "Dondon". muitas vezes." Mulher que foi o primeiro indivíduo do sexo chamado frágil a governar capitania ou província na América. Esse tipo de habitação tendo a princípio se especializado na casa-grande de engenho. E com cafunés afrodisíacos de mucamas na sua cabeça de moça que às vezes talvez se imaginasse "moura-encantada" das histórias contadas pela negras velhas. em frascos de cheiro. seus "pentes de marfim para desembaraçar e tirar piolhos". No interior. As matutas deixavam-se engabelar pelos mascates ruivos. por judeus. "Iaiã". como nos engenhos. Verdadeiros mucambos. nos ombros de dois escravos. viajando em princípios do século XIX pelo interior do Brasil. no recôncavo da Bahia.6 depois. Às vezes lucros monstruosos. embora o fizesse não como matriarca mas em substituição ao patriarca ausente ou enfermo. Lucros de 100%. donos de mil. todos donos de escravos que lhes carregavam as ferramentas e lhes preparavam as tintas: os senhores quase não sujavam os dedos. As lojas mandavam aos sobrados seus chapéus de abrir e fechar. espalhando. hospedava o judeu.muitos deles repita-se que judeus da Alsácia e do Reno depois de terem sido homens do Oriente e do Minho continuaram no século XIX a praticar espertezas que nem as daqueles mercadores a pé do século XVI que escandalizavam o autor dos Diálogos. Até os mendigos. Homens de enviar para a cidade próxima tropas e mais tropas cheias de produtos. para os oratórios dos sobrados. encontrou em São Salvador dos Campos dos Goitacases. "Sinhá". chamados "marinheiros". Em São Vicente. os pintores de parede. os italianos. isto é. E a maior luta foi a travada em torno da mulher por quem a rua ansiava. e a moça escolhia à vontade.e mesmo então. a diferença regional de estilos de vida na América portuguesa: a maior predominância de padrões europeus de cultura. suas fitas. suas danças. E os homens e as mulheres vestindo-se pelos mesmos estilos que em Lisboa. os mascates .7 Mas no Brasil escravocrático tinham esse ar importante os barbeiros. o senhor de engenho assinava uma letrinha de 1:000$000. e menor. seus filós. seus recitativos. notaram alguns estrangeiros que tinham modos de fidalgos.9 Página3 Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011- Prof. talvez. tanto frasco de cheiro. Ou mais. sem que ela saísse nem para fazer compras. com os ciganos .8 Em algumas regiões.outros que. em Santa Catarina. o padre Cardim se admirava de encontrar em Pernambuco "grandes senhoras". pagos à vista. Só para a missa. O príncipe Maximiliano. um tipo de habitação mais nobre que em outros pontos de colonização portuguesa e espanhola na América. de cabeção e saia de baixo. Quando não se mandavam vir mercadorias da loja. mais tarde. às vezes até vestidos já feitos. os ferreiros. no Pará. que homens frequentavão as casas. O milho. os parentes. levando para o interior desses quase-conventos um pouco do ruído da rua e das novidades da praça. às vezes mais sós e mais isoladas que as iaiás dos engenhos? Quase que só lhes permitiam uma iniciativa: inventar comida. de peixe e de galinha pirão "mais saboroso que o arroz". encontrou-o quase à mesa e foi convidado para jantar. onde se sentava para almoçar. Do sumo "de bom cheiro e saboroso" do caju. mais tarde com a manga. no preparo de doces e quitutes. Manuel de Castro e Portugal e aí dançara com mais de uma senhora ilustre. ao se anunciar visita de homem.do engenho Noruega. Ive Página4 . milho quebrado e pisado no pilão para se comer com caldo de carne. Da polpa. hoje tão comum no vocabulário inglês. com cravo. tornaram-se doce de calda. mais retraída e menos exposta aos hóspedes que nos engenhos. lugares da maior intimidade. Era chegar negra em casa com seus baús ou suas latas e a sinhá-dona a fazer-lhe perguntas: "adiante de suas próprias filhas indagava com a maior meudeza da vida de seus senhores. Em Vila Rica fora a um baile no palácio de D. no Brasil. conservas com os frutos e as raízes da terra. era entrar homem estranho em casa e ouvia-se logo o ruge-ruge de saias de mulher fugindo. além dos cajus doces que Gabriel Soares tanto recomendava. recordadas pela tradição oral. A senhora de engenho quase nunca aparecia aos estranhos. bolos de milho com ovos. informa o senhor de engenho regalão. Diz-se que algumas dessas boceteiras traziam recados de namorados para as meninas. comprida. doces secos. senhor de engenho do século XVI. seus santo-antoninhos de faces cor-de-rosa que as iaiás solteironas "trocavam" às vezes por enormes rolos de renda fina feita em casa por elas e por suas molecas. geléia. as senhoras de engenho conservavam em fumo. O que se dava tanto nos sobrados das cidades como nos engenhos. E ainda se utilizou a senhora da casa-grande do caju para lavar a boca de manhã: "por fazer bom bafo a quem os come. O pai. suas fazendas. marmelada. seus vidros de perfume. doces. sabongo. com a goiaba. o coco-da-índia . para se sentarem em volta dela famílias enormes. com as frutas que os colomis e mais tarde os molequinhos apanhavam pelo mato. E o licor e o refresco. de ninguém o haver convidado para jantar. Saint-Hilaire queixa-se quase amargo de não ter visto senhoras nas casas de São Paulo. com castanha. Esses santo-antônios bonitinhos ficavam então o objeto de uma devoção intensa e. Indo certo dia à casa de um aristocrata da cidade. as mais velhas parece que se especializavam em contar em uma casa o que tinham ouvido na outra. teatro. em certos casos. o barulho de moças de chinelo sem meia se escondendo pelos quartos ou subindo as escadas. com alguns sobrados. uma cama ou uma rede para dormir. Da castanha ela não tardou a fazer "todas as conservas doces que costumavam fazer com as amêndoas. Tudo trabalho que as mucamas faziam com mãos de anjo. "mantimento que se usa entre gente de primor".o compadrio . com a jaca.. cuscuz de mandioca. sadios e de boa digestão". nem a mesa. O processo . onde as mulheres podiam tomar fresco sem ser vistas da rua ou por estranhos. com o marmelo. Eram mesas de jacarandá às vezes de seis. em vinho."12 Tudo isso foi. para jantar. arte da mulher com as sobras do açúcar que o marido fabricava no engenho. é brasileirismo. enriquecendo de uma variedade de sabores novos e tropicais a sobremesa das casas-grandes de engenho e dos sobrados burgueses. São Paulo já capital de certa importância. fez doces de calda. Nos princípios do século XIX.o velho processo português do filho de que falam as crônicas mais antigas de Portugal. Nos engenhos as leis de nobreza à brasileira obrigavam a se receber o viajante a qualquer hora com bacia de prata. oito metros de comprido como a que ainda conhecemos na casa-grande -vasto sobrado rural . ou assobradadas. Nos sobrados e nas próprias casas-grandes de sítio. pelo quintal. o novo elemento. a mesma extensão de mesa de convento das casas maiores de engenho. pretendendo saber com quem estas se namoravão. dos papa-pirões. o que a terra bruta dos índios apresentava de mais caracteristicamente seu — a mandioca. Viajantes e mascates.Com todas as suas espertezas e até gatunices.. Do mesmo modo que no interior de Minas. um lugar na mesa. de práticas de fetichismo sexual.que não teve ainda o estudo merecido. Parece que mesmo a palavra marmelada. a mãe. quem os inventou foi a mulher portuguesa: "o que foi inventado pelas mulheres portuguesas que o gentio não usava delles". "para se não danar": durava assim de ano a ano. do feitor. cará cozido com carne. das cômodas patriarcais como das cômodas das sacristias). também o caju foi europeizado pela senhora de engenho em doce. com açúcar. o vinho adocicado que se tornou o vinho oficial das casas-grandes: quase o símbolo de sua hospitalidade. não fosse também grande. das visitas de passar o dia: famílias inteiras que vinham de outros engenhos em carro de boi.13 diz-nos Gabriel Soares. na suavidade e no sabor". que eram também lugares tabus. as visitas de passar o dia. nas sombras da camarinha ou entre as plantas ou as palmas dos jardins . Várias inventaram comidas. mas dirigidas pela senhora de engenho ou pela dona da casa que raramente aparecia a quem não fosse parente próximo pelo sangue ou pelo compadrio.os jardins por detrás das salas ou no centro das casas. além dos compadres que nunca faltavam. E não foram só filhos de mandioca. com canela. "para se comerem logo cosidos no assucar cobertos de canella não tem preço". armando às vezes intrigas e fazendo circular enredos e mexericos. a cozinha não teve a mesma importância que nas casas de engenho. pelo sítio. Os filhos de mandioca "saborosos.11 diz Gabriel Soares. conservas. e de suas senhoras moças. sucursal do Banco do Brasil. o que tem graça. Instituição brasileira . em certo sentido. a vida era. Mas. do administrador. com o araçá. que deve ter sido o senhor de engenho mais glutão do seu tempo. para cear quem aparecesse. &c &c". é verdade. O mais tinha de ser o rame-rame da vida de mulher patriarcal. doces e vinhos de caju. em remédio. em licor. nas cidades e nos subúrbios. e chegando a ir em latas e caixas ao próprio Portugal. também a banana comprida "cosida no assucar com canella". a banana e o cará se terá dado com o jenipapo. dos parentes pobres. dos vaqueiros. Mas durante todo o tempo que Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011Prof. para a conservação de certos elementos de que as donas de casa se utilizavam o ano inteiro. também quase sempre de jacarandá (que ficou a madeira nobre das casas-grandes como das igrejas. mas nem a mulher nem filha nenhuma apareceram. a fruta-pão. as mulheres da cidade de São Paulo desapareciam. Não que nas casas-grandes de sítio e nos sobrados a mesa de jantar. O padre Lopes Gama diz que conhecera "uma matronaça" que era toda denguices com as tais boceteiras. boas chácaras. cuja vida eles de algum modo alegravam com suas jóias. com o mamão. O que o padre-mestre achava uma "indigna curiosidade". açúcar e pão. Também as pretas chamadas boceteiras e as quitandeiras que iam vender bico e doce às iaiás. do capelão. esses mascates tiveram sua função útil junto a um sexo recalcado. com o maracujá. Mesas de cinco x dois metros. O mesmo que com o caju. de subúrbio. o fumo fez as vezes do gelo. lojas tão bem sortidas quanto as da Corte . os hóspedes. os filhos. Mas não eram só os mascates que quebravam a rotina da vida nas casas-grandes e nos sobrados da aristocracia das cidades.suas senhoras não apareciam às visitas. E não só a mandioca. conserva. os netos.frutas que misturadas com mel de engenho. os compadres do interior.10 Mas que haviam de fazer as senhoras de sobrado. com toalha de linho. Nas casas-grandes e nos primeiros sobrados. a bexiga e a peste bubônica. mettidos em casa. promovendo um exercício necessário. pois que a energia moral sempre foi de um grande recurso para que sahia-sevictoriosamente da lucta travada com o clima de um paiz quente e os hábitos da molleza. mas nunca lhe aparecia a dona da casa. de modo a poder socorrer aos moradores de engenhos. em Olinda. da agora. As ruas. limitava à rua da Praia a venda de carnes salgadas e peixes secos. em certas medidas de profilaxia e em uns tantos recursos médicos. do seu açúcar ou do seu Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011Prof. pelas santas-casas. na Bahia. mas em certas outras províncias. que só apparecem com as trevas) não só não sahem ás ruas por inércia. é que sair de casa. Nas ruas só se encontravam as escravas negras e as mulatas com quem às vezes. bicho morto. salgá-los e fazer cola na cidade e povoados do seu termo. do sindicalismo ou do medievalismo das cidades portuguesas." E concluía o higienista do meado do século XIX: "Debaixo do ponto de vista da hygiene geral. e finalmente do imperador. por exemplo. cujo desenvolvimento o esforço reunido de vários grandes proprietários poderia ter realizado. nos primeiros anos do Império. Às vezes negócios importantes: transações de contos de réis.17 E o comandante La Salle debalde procurou mulheres da sociedade nos passeios públicos e nas ruas do Rio de Janeiro. janellas pequenas e portas ainda mais estreitas" onde um estrangeiro dificilmente conseguiria penetrar porque "lá dentro imperavam maridos ciumentos e brutaes". em São Nicolau. os negociantes de certo gênero . que não falíamos em geral. Bem certo. e delles o homem de senso deve fugir para não condemnar o seu corpo. com todas as suas deficiências de higiene. quando atingidos pela bexiga e por outras doenças devastadoras. não se limitasse a economia patriarcal a produzir quase exclusivamente para o seu próprio consumo. No Rio de Janeiro dessa época talvez saíssem pouco: no Recife como em São Luís do Maranhão é tradição que viviam quase a tarde inteira na rua. mas isto só se observa nas grandes cidades. pelas casas de expostos. uma grande parte de homem (não falíamos nas Sr. geralmente desprezada pela família patriarcal. e espiritual. ser o menos visto possível e se confundir o menos possível com essa parte da população que os grandes chamam povo. é que a Câmara Municipal de Salvador proibia fábricas de curtir couros. foi se tomando superior às zonas rurais. Rua dos Pescadores. de grandeza e de grande distincção . A localização de ofícios e atividades industriais e comerciais obedecia principalmente a preocupações de urbanismo. é que a Câmara Municipal de Olinda proibia que se lavasse roupa ou qualquer coisa imunda nas Bicas Poço do Conselho. nas cidades brasileiras dos princípios do século XIX. mas também a de higiene. Rua dos Ciganos. pessoa de importância.35 porque essas vivem como aves nocturnas. o Brasil deve confessar-se.14Tollenare. sob pena de 2$000 ou 4 dias de prisão. representada pelos hospitais. A hygiene privada. Verdade he que o grande luxo da terra .passou na cidade mineira não tornou a ver uma só das senhoras com quem dançara no baile do fidalgo. quando delle dependeria a hygiene das cidades. desenvolveu entre nós não só a assistência social. como a medicina pública. de fazendas e de povoações do interior." Noite de escuro. por exemplo. falando do governo e da vida alheia sentados nos bancos das pontes. os gregos. primeiro dos vice-reis. muitos não terão essa miserável monomania. Foi a cidade que. aliada à Igreja. combinando pacatamente negócios debaixo das gameleiras de cais. os velhotes do Recife namoravam. he de observação. Esta se revelou também desdenhosa das boas estradas.melhor combatidas nas cidades. em Vila Rica. outrora. moderado e regulado por uma boa hygiene. por exemplo. a cabeça bamba no colo de alguma mucama perita no cafuné. por exemplo . nos princípios do século XIX15 teve a mesma experiência que Saint-Hilaire nas cidades do Sul: foi ele entrar na casa de certo morador da cidade. no sobrado do Alferes Machado. e as mulheres se sumiram como mouras-encantadas. obrigando ao mesmo tempo a indústria de peles a só deitar couros de animais para enxugar. Saint-Hilaire. onde às vezes se expandiram as doenças mais terríveis . "tigres" estourados no meio da rua. na de Pernambuco. certa ordem de mecânicos. namorando com as mulatas. Baldo e Varadouro. he mister uma vontade forte. Mas aos poucos. durante alguns meses. no Recife. sobre tudo em certas províncias como.16 Maria Graham notara.18 Elas principiaram a aparecer de rosto descoberto nos bailes e nos teatros. que não fazem exercício sufficiente ao desenvolvimento de sua energia physica. tem-se conservado em grande atrazo.he. e que resistindo ao clima e ao calor. Foi no Rio de Janeiro. foi mais feliz: pôde ver as moças da casa fiando algodão e fazendo renda. a pessoa corria o risco de ir espapaçar-se nas pedras e até perder-se em despenhadei-ros. o sahir á rua o menos possível. à praia de São Francisco e continuação pelo muro de São Bento. depois do regente e do rei.carne ou peixe. as fazendas. contentando-se com simples caminhos para o escoamento. levando uma luz de azeite de peixe que alumiasse o caminho. ao contrário dos do Rio de Janeiro e da Bahia que raramente deixavam o interior dos sobrados. Tudo escuro.19 A cidade. Para que se fuja pois destes inconvenientes que trazem a queda do corpo. se não no saneamento das casas. Rua dos Judeus. alguns anos antes. e que tanto abominam. na ponte da Boa Vista. que a mulher começou a aparecer aos estranhos. Ou de certa procedência: judeus ou ciganos. esta sim. Os nomes mais antigos de ruas acusam sobrevivência. Rua dos Toneleiros. e sentados a mor parte do tempo. becos estreitos. Com essas preocupações é que a Câmara Municipal do Recife. pelas atividades das Ordens Terceiras e confrarias. os povoados do interior. Visitou os maridos de muitas. que afugentam as forças e a energia. desinteressando-se dos meios de expansão dos produtos ou de intercomunicação das pessoas. Mas deixando bordados e trabalhos de agulha sobre a mesa. Sinal de que nem todas passavam o dia inteiro de cabelo solto. Ive Página5 . De modo que o prudente era sair-se com um escravo. de noite. La Salle diz que também os homens pouco saíam de casa. ladeiras por onde o pé escorregando em alguma casca de fruta podre. Rua dos Ourives. Estes exemplos são nocivos e tristes. a rua esburacada. Os burgueses de sobrado foram naquelas cidades do norte do Brasil homens de praça ou de rua como. que moça solteira nem às festas de casamento comparecia. parece que tiveram nas cidades mais antigas do Brasil seu vago caráter sindicalista ou medievalista. Pensando decerto nestes é que escrevia em 1855 o médico Lima Santos nos seus "Conselhos Hygienicos" transcritos pelo Diário de Pernambuco de 18 de agosto: "De facto: os Brasileiros. como por distincção e gravidade. Beco dos Ferreiros. Em 1832 um viajante ainda se queixava das casas de "muros altos. poças de lama. quer sejam por natureza. o beco sujo. em umas se achando estabelecidos. No Recife. e á sua vida a um habito tão abominável. desde o lugar do Pisa. e entregues a uma vida inteiramente sedentária não tardam que não caiam em um estado de preguiça mortal. ha vinte cinco annos tem feito algum progresso. despreze os hábitos maus e os maus exemplos. se não exclusivamente. em outras. quer pelo clima. Os líricos da vida rural não têm o direito de acusar as nossas cidades do século XIX de focos de epidemias e de inocentar os engenhos. Na Bahia. sendo para lamentar que o systema de encanamento esteja ainda no maior atrazo possível. pelos hospícios. de preferência. tinha seu quê de aventura. Corte. no Brasil.um dos signaes de fidalguia. Em 1825 vê-se por aviso publicado no Diário do Rio de Janeiro de 18 de janeiro.20 Quando em 1822 — no Diário do Rio de Janeiro de 6 de março daquele ano . puderam resistir durante meio século aos ataques do patriarcalismo dos senhores de engenhos. "mandassem cair as frentes das casas e ornal-as de cortinados. Gente vestida de preto e de roxo. Por conseguinte. então em toda a sua glória. e este de exportação. Foi a primeira cidade a levantar-se contra o engenho . O patriarcalismo mesmo. as Ordens Terceiras pelas ruas asseadas com areia e folhas e entre casas enfeitadas com colchas da índia. as brancas para os mortos). Outras que acompanhavam o andor com vestidos do tempo dos Afonsinhos. Para não falar na forma quase socialista de vida e de trabalho que tomou a organização dos negros concentrados nos mucambos de Palmares. "afim de que haja livre tranzito a todos os moradores daquelle lugar pois que se acha intranzitavel não só pelas crescidas e copadas arvores e espinhos como ainda pelas emboscadas que amplamente offerece aos malfazejos dezertores e escravos fugidos". nos tempos coloniais. do meio do mato. segundo os cronistas. foi no escravo negro que mais ostensivamente desabrochou no Brasil o sentido de solidariedade mais largo que o de família sob a forma de sentimento de raça e. Na frente de tudo. que. pôde resistir à economia patriarcal e escravocrática. em vez de adotarem os santos católicos. Mais do que simples revolta de escravos fugidos. o papa-angu com uma espécie de saco por cima do corpo. as casas assobradadas.tão típica das cidades do Brasil quanto a do capanga ou a do cabra. pelo trabalho. a primeira reação de pluralidade ou diversidade de produção contra o regime mórbido de sacrificar-se a cultura de víveres à produção de um só produto. nas ruas por onde devia passar a procissão de São Sebastião. nos moinhos. Voltaremos à figura do capoeira . por eles falavam centenas. grande número de escravos das minas de Ouro Preto foram se alforriando.21 fazia recolher ao celeiro comum as colheitas. prejudicados em seus interesses de intercomunicação de pessoas e de produtos pelo privativismo das grandes famílias patriarcais. a da sandália na ponta do pé quase de dançarino e a do modo desengonçado de andar. dos engenhos e das fazendas . seguindo-se. criando economias autônomas.23 Às vezes quase criando novos santos com elementos das duas tradições religiosas. quase que sensível apenas ao parentesco próximo e à identidade da religião. Outro exemplo de sentido cooperativista deram os negros em Ouro Preto. aliados aos capitães-mores.os moradores de Maruí rogavam aos "Senhores herdeiros da chácara do Murundu" que derribassem o mato e limpassem a parte da estrada que estava nas suas terras. penitentes nus da cintura para cima. fazendas e chácaras e indiferentes àqueles interesses. organizando-se sistematicamente para fins de alforria e de vida independente. Uma variedade de hábitos e de opas. defronte da igreja. os sobrados e o governo colonial conseguiram esmagar a cidade de mucambos. E só dificilmente as casas-grandes. uma série de passos difíceis e de agilidades quase incríveis de corpo. aguçando o individualismo dos proprietários e o privativismo das famílias. a do pixaim penteado em trunfa. moleque com os intestinos de fora que uma rede branca vinha buscar (as redes vermelhas eram para os feridos. que forraram um estranho. inclusive de economia. do mesmo modo que foi em sua técnica de exploração da terra um esboço de policultura em contraste com a monocultura predominante nos latifúndios dos senhores brancos. esquecendo ou abandonando os seus. os pretos no Brasil. O forte do capoeira era a navalha ou a faca de ponta. aos sons de instrumentos africanos. E os moleques atirando-lhe pitomba. pode-se dizer. donas de engenhos. O governador. as confrarias. e não apenas as pessoas. Os andores dos santos e das santas. Como muito antes do professor Nina Rodrigues. Danças de rua. vilas. em dificultar a solidariedade entre os colonos. é certo. Um historiador mineiro enxerga no fato a antecipação de socialismo cristão entre nós. organizado pelos ex-escravos em Palmares. mais do que o empenho político dos capitães-mores. primeiro do velho. para realizar-se então. E levantaram uma igreja . com suas procissões e suas semanas santas. Viu-se uma cidade de mucambos de palha erguer-se sozinha. ao mesmo tempo. Ouviam missa cantada. observou Mansfield.22 Chefiados pelo preto de nome Francisco. outras arcaicamente. então dominante. de outros moradores de cidades. essa república de mucambos ou palhoças parece ter sido verdadeiro esforço de independência baseado no prolongamento de um tipo parassocialista de cultura.café. Aí.a do Rosário. celebravam com muita assuada sua festa. o bispo. ferindo-se com cacos de vidros. Os negros reunidos nos Palmares sob uma ditadura parassocialista. curioso tipo de negro ou mulato de cidade. mas o principal eram as danças. dois buracos à altura dos olhos. Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011Prof. Às vezes havia negro navalhado. além disso. Também os sobrados. Vinha gente rica dos engenhos e das fazendas acompanhar as procissões pelas ruas das cidades episcopais. que o Senado da Câmara do Rio de Janeiro dirigia-se aos moradores da cidade para que. povoados. depois do pai e filho reunidos. A religião dos pretos com suas danças. antes africana do que católica. a libertação de dezenas de negros. banda de música. chicote na mão. Uns como santos mestiços. Dia de Reis. O caráter de socialismo cristão que Diogo de Vasconcelos vê nesse esforço admirável de cooperação prende-se antes à forma que à essência da organização dos negros forros de Ouro Preto: esta seria religiosa. os militares com as dragonas reluzindo. Este fato.ainda hoje tão fraco no brasileiro de origem rural. O sistema socialista de vida. enfraqueceu na gente das casas-grandes o desejo de solidariedade . exagerando pontos de semelhança e conservando reminiscências dos africanos. a dos brancos. correspondendo ao dos capangas e cabras dos engenhos. Senhoras gordas que só faziam assistir das varandas dos sobrados à passagem do Senhor Morto. como já se notou. mas não católica. o produto do trabalho nas roças. em oposição ao sistema patriarcal e de monocultura latifundiária. operários da indústria do ouro. em plena rua. contra as casas-grandes e os sobrados de pedra e cal de todo o norte do Brasil. presidida pelo velho chefe vestido de rei. aciando as ruas nas suas testadas com arêa e folhas. substituíram os africanos pelos portugueses. Porque as procissões com banda de música tornaram-se o ponto de encontro dos capoeiras. em uma irmandade: a de Santa Ifigênia. que forrou o filho. Danças de negro. E os negros forros. excetuada a confraria católica. por esse processo. nos currais. Era o que dava brilho ou ruído de festa às ruas das antigas cidades do Brasil: a religião. Algumas senhoras vestidas à última moda. a distribuição de víveres entre os vários moradores dos mucambos. sua gabolice." Desfilavam as irmandades. as casas térreas deviam enfeitar-se para as procissões. milhares. de sacrificar-se a concentração das populações à sua disseminação por latifúndios improdutivos de outro artigo se não o destinado a mercados estrangeiros ou remotos. nas quais o malandro de rua se iniciava como que maçonicamente. nos parece explicar o vagaroso desenvolvimento das comunicações no Brasil. de classe: a capacidade de associação sobre base francamente cooperativista e com um sentido fraternalmente étnico e militantemente defensivo dos direitos do trabalhador. Tanto que. Ive Página6 . na praça. terminaram donos da mina da Encardideira ou Palácio Velho.em capítulo seguinte.essa cidade parassocialista de negros. Os negros reuniram-se que nem os negociantes e artífices brancos. os altos funcionários. A capoeiragem incluía. ou quase autônomas. outras como Os melindres de Sinhã. de tal modo se desenvolveu a música de igreja nas cidades do Brasil. era grandeza. Quando viu a orquestra . fez sempre mais questão da quantidade que da qualidade dos seus títulos de grandeza: do número de seus pés de café e dos seus pés de cana. nos tempos coloniais. por muito tempo expressões melífluas de idealização ou de romantização de figuras de mulher. no meado do século XLX. também foi se desenvolvendo nos sobrados. onde quase nunca as pessoas estavam todas perto uma da outra. Música. Quando o dono da casa lhe falou em mandar tocar uma musicazinha. Não era casa tão luxuosa como a de Caraúna. as "bandeiras de santo". meninos dc coro. do número das salas e dos quartos de suas casas-grandes. moreno. Alguns desses excessos deviam escandalizar a gente dos engenhos que vinha à cidade e voltava às casas-grandes cheia de impressões novas. Maria. apenas vestida de moça à maneira indiana ou oriental. sermão em voz tremida. tal a distância. foram-se tornando também. fidalgo. tocado pelas moças nas salas de visitas para o gozo único. debaixo das árvores. os passarinhos rústicos e os pianos mandados vir da Inglaterra devem ter entrado em conflito. em casas vastas. no terraço. as moças cantando quadras a São Gonçalo que aos ouvidos dos Lopes Gama soavam mal. dela presidir o jantar e participar da conversa dos homens. israelita. idealizada por uns. depois "lobo matreiro". Em 1820 quem passasse pelas ruas do Rio de Janeiro já ouvia. este desprezava tudo. O segundo: uma missa que os negrinhos cantaram em latim. ou. dos brancos das casas-grandes .26 E a própria dona da casa.a Bahia que ele conheceu na primeira metade do século XIX . que o separava quase sempre das mulheres. dirigida por um marselhês. era preciso que o senhor falasse senhorialmente alto para ser ouvido no fim da mesa quase de convento. e um coro de molecotes. Veremos mais adiante que certos passarinhos. mais europeus ou burgueses nos seus sentimentos. dos filhos.As festas de pátio de igreja e as procissões de rua. Deve-se reparar que essas modinhas. meu bem querer. do número das suas cabeças de escravos e das suas cabeças de gado. com negros tocando ópera e cantando em latim. Pega na lira sonora. Revolta surpreendida em mulheres da época por compositores que procuravam fixar as diferentes ondas sentimentais em torno das relações entre os sexos. os senhores mais rústicos se contentavam com a dos passarinhos. como certas plantas. Como expressões dessas ondas sentimentais." Modinhas como A minha Nise adorada ou Chiquita. o norte-americano pensou que seria alguma coisa rústica: "a weezyplantationfiddle.25 Mas essas casas-grandes requintadas. Inclusive. apareceu logo depois do jantar e ela é que serviu o chã aos ingleses. ou a moça já feita. Muita casa de sítio tinha seu viveiro cheio de passarinho. cioba cozida com pirão. A marcha de La Fayette. a fifeand a drum". Quanto à música profana. espalhados em gaiolas pela casa toda.toda de negros. dos negros. como física. representação de cenas da Paixão. assobradadas. gente chorando alto com pena de Nosso Senhor. a princípio "cordeiro". às vezes contraditórias. pelo regalo de mandar sobre muitos escravos e de falar gritando com todo o mundo. são as modinhas material interessantíssimo para o pesquisador do passado brasileiro empenhado em interpretar diferenças de atitude em torno das relações entre os sexos na sociedade patriarcal. exaltada por outros. canções italianas e francesas. a memória da tribuna real coberta de seda e franjada de ouro. que o Rio de Janeiro colonial chegou a dar-se ao luxo de ter seus castrati: seus cantores que envelheciam com voz de menino de coro para regalo dos volutuosos da boa música. ainda. A acreditarmos em alguns cronistas. anotamos estas como típicas dos sentimentos dominantes. Os que puderam conhecer a Capela Real do Rio de Janeiro no tempo do Senhor D. de fritada de caranguejo. como cinqüenta anos antes. "O serviço desta casa é quase o mesmo das melhores casas de campo inglesas".. no corredor. em vez de violão ou harpa. donde o príncipe ouvia missa. em Minas Gerais. em visita às casas-grandes. Na casa do engenho Macujé (Pernambuco) Mansfield teria impressão ainda mais nítida de estar na Inglaterra e em pleno século XIX europeu.curiosa modinha onde timidamente se exprimia a revolta da mulher ao despotismo do homem. Executaram o primeiro número: ouverture de uma ópera. com salas largas. não só social. mulheres de preto. expressões de um brando começo de revolta das mulheres contra a inconstância de amor da parte dos homens. a dona da casa não desceu para jantar com as visitas. de engenho. Flauta. Ive Página7 . O padre Lopes Gama observava em 1843 no seu O Carapuceiro(Recife). Outras ondas sentimentais se surpreendem nas modinhas brasileiras do século XIX. e o da Europa burguesa. um missionário norte-americano que viajou pelo Brasil ficou espantado da música que ouviu na casa-grande do engenho Soledade. exclusivo. Um sobrado grande e simpático. Dentre as muitas que passam pelos anúncios de jornais da época. ou dengoso. não árias de Rossini ou Bellini ao piano. tornaram-se características de sobrados nobres. da orquestra conduzida por Marcos Portugal. Trombone. E se em Caraúna. os papéis de solfa alvejando nas suas mãos pretas. quase um escândalo. Maravilhados do ouro dos altares e da beleza dos santos. Chiquita. Mansfield já não se sentiu tão fora da Europa. Stabat Mater. Também houve engenhos patriarcais com moleques. homens de luto fechado. tornaram-se também ocasião de namoro. e em vez de modinhas. Os olhos maravilhados de igrejas cheias de ouro e de prata. do mesmo modo que pianos e mobílias de jacarandá. na sala de jantar. Vejo em teus olhos. Engano. da mulher não aparecer nunca aos estranhos. Violino. não foram típicas de uma aristocracia rural que. Wetherell recolheu à página 62 do seu livro sobre a Bahia . Em alguns sobrados de subúrbio. meigo. Adeus. tocavam-se e cantavam-se no Brasil. às quais se seguiram – ainda na primeira metade do século XIX . onde nas próprias mesas de jantar. "senhora de mui belo caráter" e suas três filhas apareceram ao estrangeiro e participaram do jantar. vatapá. reparou ele. No século XIX. isolando-se. pálido. A casa de um barão já do Império. Isso é que. O som que o surpreendeu de tarde foi o de uma grande orquestra se afinando. Depois de dias tristíssimos. Viajando pelo Brasil. mulato. "porém modinhas a duo acompanhadas na citara ou na violla.24 muito piano. a Semana Santa terminava em ceias alegres de peixe. no retiro tristonho das casas-grandes. de caruru. Algumas. seu compatriota Luccock. Meio-termo entre o velho estilo patriarcal do Brasil. Tocava-se piano nessas casas. a doçura dos sons do órgão tocado por mão de mestre europeu. Conflito da arte com a natureza que era também conflito da cidade com a roça. com orquestras tocando ouvertures de ópera. lhe recordaram casas de campo de terceira ordem da Inglaterra. de oito metros de comprido. que. com bandas de música.. perto do Paraibuna. João VI devem ter guardado para sempre. na primeira metade do século XIX. cercando-se só de subordinados. aos olhos da maioria dos brasileiros da era patriarcal ainda predominantemente rural. e não apenas aquelas idealizações já convencionais. um sentado ao órgão. as diferenças de atitude dos homens com relação a tipos de mulher -louro. Já no século XVI opulento senhor de engenho na Bahia tivera a sua orquestra de negros. O senhor rural mais pervertido pelo isolamento. eu vou morrer. com pianos de cauda. quanto à idade: a menina. da coleção Almir de Andrade. Talvez tivesse as mesmas Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011Prof. Já quase no meado do século.. os pianos ingleses. os morcegos. Mas evidentemente Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011Prof. e ali os occultãoathé serem embarcados. mais metodicamente exploradora do homem e. Ou se comparem cidades prósperas com áreas rurais já decadentes como na segunda metade do século XLX. As ruas da Corte. quazi todos os dias. Sentia-se em tudo um sabor mais europeu e até inglês que oriental. tinham sua dignidade: tal a que vem anunciada no Diário do Rio de Janeiro de 15 de novembro de 1821: " [. Aquele em contato com os brancos dos sobrados como se fosse pessoa da família. a custo enviado pelo correspondente para sustento da fábrica". menos pessoa de casa que indivíduo exposto aos contatos degradantes da rua. o contato com as modas inglesas. seus compradores certos. e a indústria do fabrico de açúcar parecia a muitos ameaçada de "torpor e de morte". Mas foi ao aproximar-se o meado do século que os ladrões de escravos perderam toda a cerimônia. que parecia estar-se embelezando à sua custa. na própria Corte. João VI vinham se tornando as mais elegantes do Império. muito agil para todo o serviço de huma casa. Generalização discutível. Anúncio significativo: indica. a diferenciação profunda que se estabelecia entre escravo de casa . senhores de engenho ou fazendeiros. uma xícara de café com beiju. contra o comércio ou o banco ou a finança urbana. E o pão e a bolacha só apareciam à mesa nas casas-grandes mais opulentas. Esses furtos foram uma como desforra dos Dons Quixotes dos engenhos contra os Sanchos Panças das cidades. ou a coragem de furtá-los dos vizinhos. horríveis para um inglês. as latas de ervilha. da própria terra. Os jornais da primeira metade do século XIX referem casos até de senhoras pobres. e que ha homens que só se occupãonaquelle trafico: huns que angareiam e seduzem os negros e negras que encontrão na rua. foi declinando ainda mais com o surto do café. As fazendas do Sul principiaram a absorver os negros do Norte. e o que se destinava à rua. tem 16 annos de idade e sempre tem sido criada sem sahir á rua". a "vender na rua". ao que parece..diz o inglês Andrew Grant à página 145 de sua HistoryofBrazil -superior à dos escravos das plantações. outros que com os primeiros os negoceão. diz um publicista da época. Uma vingança da lavoura romântica. "era muito pouco e ainda assim é mesquinhez comparado ao tratamento das grandes fazendas no sul do Império. do mesmo modo que se anunciavam outros para "vender na rua".27 Em tais engenhos. Dois tipos nitidamente diferenciados de escravos: o que se conservava no serviço das casas. São aspectos da influência inglesa no Brasil que procuramos fixar com maior minúcia na série de ensaios iniciada com Ingleses no Brasil. indiretamente. bancos e tamboretes fabricados na localidade..e escravo de rua. os sobrados dos senhores de engenho mais imprevidentes foram ficando casarões onde já não se renovava a pintura nem se coloriam à moda oriental ou se envernizavam à moda francesa os jacarandás. Diferenciação que se prolongou através de toda a primeira metade do século XIX. Mas seu estilo de vida já não tinha o velho ranço muçulmano.ou de sobrado . parecendo-lhes sua condição . macaxeira . Cuspideiras fidalgas que passavam de uma geração a outra. O almoço. ao tempo que aumentavam suas despesas com a negraria sempre mais cara. dizia-se num anúncio publicado no Diário do Rio de Janeiro. de 28 de janeiro de 1821. "Vende-se huma preta de bons costumes. Como havemos de sugerir mais adiante." Grande número de senhores de engenho do Norte nem mobília ostentavam mais nassuas salas de visita.tudo foi ficando mais caro: mais difícil de ser adquirido pelos fidalgos rurais do açúcar. a não ser que por escravos de plantação apenas se subentendam os de eito sob feitores cruamente exigentes. Os negros. declarava Coelho Rodrigues no Congresso Agrícola de 1878 que o luxo. aos serviços de rua. Foi quando os furtos de escravos tornaram-se uma calamidade e um escândalo nas ruas das cidades do Norte. ou postos fora da Praça. A mais de um europeu os escravos de rua da cidade do Rio de Janeiro deram a impressão de alegres e extremamente inclinados à dança e à música. que Mansfield encontrou por todas as casas-grandes onde esteve no Brasil. antes de ter tomado relevo em São Paulo. Os ratos. Essa influência parece ter-se acentuado na primeira metade do século XIX. "pois para o geral dos agricultores. com a preponderância do café sobre o açúcar. para o chá servido pela dona da casa. em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. as casas do Norte foram começando a perder em conforto e em luxo para as do Sul. em Pernambuco. como no Diário de Pernambuco de 19 de fevereiro de 1842. escravizando de vez a lavoura "ao commercio e aos capitalistas da cidade". com outros do mesmo sabor. na Bahia e no Rio de Janeiro. à medida que os ingleses e o próprio governo imperial foram redobrando de vigilância contra os negreiros. Uma vingança da casa contra a rua. havendo verdadeiras quadrilhas de roubar negro nas cidades. Para quem não dispunha de meios de mandar buscar os próprios negros. que avivara a miséria. E as escarradeiras.. nas outras era luxo raro. e delles vão fazer venda em lugares distantes. tapioca.escarradeiras. a vida do negro escravo já não podia ser tão fácil e alegre como nos engenhos fartos e prósperos. influiria consideravelmente sobre os estilos de vida e até de arquitetura doméstica do Brasil. em algumas das mais ilustres casas-grandes da época. João VI.] huma cuspideira de prata de gosto antigo com sua tampa e aza". esta [a mobília] não passa de algumas mesas. como no mesmo Diário de 28 de outubro e. Na segunda metade do século XIX. e outros que os comprão para delles se servirem [. as caixas de passa. Mas sem que a casa deixasse de ser casa e a rua de ser rua: dois inimigos. A do Ouvidor tornou-se a grande rua do luxo e das modas francesas. A relativa facilidade de vida na região do açúcar. enobrecida pelo açúcar. estas. Nas cidades. O outro. desde D. A usura dos bancos foi se exercendo com rigor cada vez maior sobre os senhores de engenho. se ainda havia. insinuando-se que os ladrões agiam à sombra de pessoas poderosas do Norte. A ceia. outros que os recolhem em suas casas. os vinhos franceses .28 O juro do dinheiro chegou a 24 por cento e às vezes a mais.]". com menos rigor. Os fidalgos do açúcar começaram a ser eclipsados pelos do café. os mal-assombrados foram tomando conta dessas casas malcuidadas. pelo fato de ter atraído então o inglês ao Brasil a riqueza daquela pane da população ou da sociedade patriarcal. a aquisição de escravo para os engenhos tornou-se problema angustioso. As casas-grandes do interior a ser eclipsadas pelos sobrados das capitais. O "trafego illicito". anunciavam-se servos para "todo o serviço de uma casa de portas a dentro". roubadas de seus negros. o Diário de Pernambuco publicava o seguinte comunicado sobre roubo de escravos: "He facto publico que nesta Cidade se furtão escravos. como o velho Bento José da Costa. Em 7 de maio de 1828. para a moda da cerveja e do pão. o Norte açucareiro. no Diário do Rio de Janeiro da mesma época. a mesma coisa." E na sua mesa. Na maioria das casas de engenho do Norte. regulava para o jantar "o charque ou o bacalhau. sem método na sua exploração do escravo e da plebe rural. já afetada pela descoberta das minas. e nos domingos "um pesinho de carne tomado no sábado na feira vizinha". Quadrilhas que tinham. cará. que se acentuou depois da chegada de D. Antônio Pedro de Figueiredo. Ive Página8 . O Norte começou a ficar sem negro para plantar cana. para a maior limpeza da rua e o melhor saneamento da casa. "de portas a dentro"."quando houve tempo para plantá-la". a julgar pelas que aparecem nos anúncios de jornais da época. contribuindo para o gosto pelas chácaras cercadas de árvores. o molecote Antônio. pas. De negros que por sua própria vontade. e educado principalmente aí e nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. que em Pernambuco invadiu engenhos. foi o próprio Joaquim Nabuco. roubos de cavallos e crimes de maior monta. à procura dos engenhos grandes com a fama de paternalmente bons para os escravos. A "policia praieira" de Chichorro da Gama. engenhos com muito negro. com "a protecção da família". se por outra parte os contrabandos fervião no norte. da capital da mesma Província. e no sul. Quase que dos mascates contra os senhores de engenho. tendo por principal agente desta industria o seu parente . foi Cruz Cabugá. caçanje. e matavão a torto e a direito. não houvesse "homens capazes. facão as precisas diligencias. Revolucionários de idealismo prático ou construtor e não simplesmente demagogos de rua. foram os Gusmões e os Andradas. vingança mesmo. cachaça cheirosa. em alguns casos. da "praça" contra a "mata". mas de onde saíram algumas das maiores figuras de reformadores dos nossos métodos de administração e de higiene e da nossa vida política. a justiça e a polícia. que cercou e varejou "certos castellosfeudaes [. neste caso. mas de hum limitado valor de dinheiro que o mesmo ladrão pode pôr nas mãos do fiador. chegando a perseguir um parente próximo do barão da Boa Vista. "com o seu bando de salteadores infestava os arredores do Recife". do tipo que geralmente se associa às cidades. reduzir o assunto a debate colegial. Southey atribui aos senhores de engenho pernambucanos que em 1710 se ergueram contra os reinóis. às vezes fartura de mandioca e de milho. às vezes repontando dentre os indigitados criminosos nomes do melhor sabor rural: um Carneiro d'Albuquerque e Moura ou um Gusmão e Moura. nem talvez mesmo a maioria deles. agindo um pouco sob o ódio da rua da Praia contra as casas-grandes do interior. matrículas e vizitão as embarcações. quase certo. e das maiores. não á pessoa do criminoso. Homens de cidade. ricos senhores de sobrados da Corte. Carneiro Leão. e bailes. Mas também se desviavam escravos de uns engenhos para outros. " Não que nessas famílias. deixam entrever.em que se salientaram o Morgado do Cabo. F. se vários parentes do mesmo Barão roubavão. religiosa e intelectual. e não de engenho ou fazenda. onde vêm registrados crimes. "intentos separatistas e republicanos". Os interesses agrários dominavam ainda a presidência da maior parte das províncias. Assim a "senhora pobre" do Rio de Janeiro que a 8 de janeiro de 1833 gritava pelo Jornal do Commercioque lhe desaparecera. por exemplo. a atuação sempre cavalheiresca sobre os destinos e a moral política do Império. imaginando-os liricamente fidalgos sempre puros. os grandes proprietários de terra acusados de acolher ou comprar escravo furtado. pelo menos. foi Paula Brito. foi Machado de Assis. que partiram os "primeiros anseios de independência e democracia" no Brasil. onde o trabalho era longo e duro.. depois marquês de Paraná. que o presidente Thomaz Xavier perante a Assembléa Provincial. noites de se sambar até de manhã."que o barão da Boa Vista por uma parte promovesse obras publicas. Ação não só no sentido chamado conservador . em contraste com os homens sofisticados das cidades — centros de usura e de falsificação de dinheiro e de gêneros alimentícios. embora parte de sua meninice tivesse decorrido na casa-grande de Maçangana. foi o Deão Bernardo Luís Ferreira Portugal. Mas não vamos diante disto inocentar os senhores de engenho. em contraste com "o bom senso conservador" dos fazendeiros. o qual parente. de 16 anos: "sua sra. depois marquês de Olinda. e não possue mais cousa alguma. É provável que grande parte dos negros dos anúncios de Escravos Fugidos do tempo do Império fossem negros roubados às cidades. É possível que.30 Foi então dos engenhos. depois de solto [. faziam-no trabalhar por três. e desse impulso a theatros. da praça contra o engenho. ou. Deles. ainda com provas as mais claras não obstão a que se passem ou se tenham passado daquelles Alvarás com fiança. E em jornais da época. Às vezes são os próprios donos de escravos que gritam. interpretadas assim pelos maliciosos da época: notas falsas. e os homicídios se havião multiplicado a tal ponto.em Pernambuco e nas províncias na primeira metade do século XIX ainda predominantemente rurais em sua economia patriarcal. "Não há quem ignoreque ha muitos annos furta escravos. deixassem os donos de engenhoca. de senhores de sobrados urbanos contra senhores de casas-grandes rústicas. tipo "Roma ou Cartago?" E negar a ação criadora de homens de engenho e de fazenda em nossa vida política e administrativa e até na literária.he pobre. Seria entretanto tolice. fossem simplesmente coiteiros de negros. em outras formas de contrabando ou de fraude. maior risco físico de aventura para o senhor de engenho que para homens de cidade marítima.dizia o padre. da "praia" contra a roça.fazia-se vista grossa a esses crimes: "Roubos de negros. se as sedulas falsas introduzião-se escandalosamente na circulação. Provável não. dos credores contra os devedores. as viúvas doceiras que tendo um escravo só. levado talvez para algum engenho da Bahia. a "policia praieira". que os esgotavam de trabalho. Camaragibe. Os livros das Câmaras Municipais. Em 1846. Ive Página9 . quem imaginam que o padre Lopes Gama acusava noseu O sete de setembro de furtar escravo? Algumas das figuras maisilustres das famílias Rego Barros e Cavalcanti. dando o sinal de alarme contra os gatunos de seus molecotes ou dos seus pretalhões. parece que esses ladrões não eram nunca encontrados. deve ter praticado seus desmandos na reação. "Que importa" perguntava o padre .embora suas relações com os invasores não fossem puramente as de homens que defendessem o solo nativo das garras do estrangeiro: também as de devedores relapsos contra credores impacientes. Mas à sombra desses e do seu predomínio na política do Império. e não seduzidos por ninguém. nascido em um sobrado do Recife. a extensão de tais roubos. Cotegipe.. havia quem se entregasse a tráficos e contrabandos de negros. ávidos de se libertarem da "economia dirigida" dos capitães-generais de Sua Majestade. que lhes atribuem os entusiastas exagerados da nossa nobreza de senhores de terras e de escravos. Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011Prof... Compreende-se assim abenignidade para com as quadrilhas de ladrões de escravos em províncias como a de Pernambuco. como o de 1838. J". dando conta do estado do paiz durante os dousannos prox. havendo. com os quais competiam.. Paulino de Sousa como também no sentido liberal e no revolucionário. como aquele cujo título de nobreza teria suas iniciais N. É desnecessário salientar que dos engenhos menores para os maiores: para as propriedades de senhores mais protegidos pela política que estivesse de cima.] de onde tem tirado escravos furtados". afim de que os ladrões desta Corte e das Províncias não furtem descaradamente os escravos". do nome.como nos deixam ver notícias como a que aparece no Diário do Rio de Janeiro de 12 de fevereiro de 1830 . também foi a campanha gloriosa contra os holandeses e os judeus no século XVII . as padarias. com o "liberalismo esclarecido" dos senhores de engenho. Araújo Lima. pede por caridade ás Autoridades a quem compete dar passaportes. vêm denunciados como contrabandistas alguns dos maiores fidalgos de casas-grandes. segundo o padre Gama. para os engenhos. Enquanto na Corte havia severa perseguição da polícia aos ladrões de escravos . se as mesmas obras publicas eram uma mina para certos sujeitos. foi Evaristo Ferreira da Veiga. na Corte e na província. chegou a dizer que nos iamos tornando um povo de Ismaelianos de costumes safaros?"29 Os homens das grandes famílias rurais não tiveram todos. e honrados". ou desforra. de negrose negras esperando ordens dos brancos por todos os cantos da casa." Considerava já "desmesurado" o número dos "nossos alfaiates. A solução "pequena lavoura" não lhe parecia fácil. principalmente no estudo em A barca de São Pedro. quase-socialista na sua orientação." Se no sul do Império . com frades e até com estrangeiros . a casa-grande de engenho defrontou-se às vezes com o imperador. Inclusive homens do interior. agasalho e subsídios. Atitudes. o engenho de açúcar e principalmente a fazenda de café viriam a ligar-se de maneira efetiva com certos interesses conservadores e de ordem.vinham prosperando algumas colônias é que ali "os costumes. E também com mestiços aristocratizados pela inteligência e pelo saber como Nascimento Feitosa e A.ação que procuramos analisar e interpretar em mais de um estudo . desde a memória de Raimundo José da Cunha Matos. sobre toda a extensão do país. etc. de ressentimento e de insubordinação.onde se sabe ter havido em Saí (Santa Catarina) comunidade francamente socialista . no artigo de 5 de abril do mesmo ano. L. suivaitVauthiersansbiensavoiroúillameneraitavecsesdangereuses doctrines.deve ter atuado poderosamente nas atitudes políticas dos proprietários de terra do século XVIII e da primeira metade do XIX. De alguns desses aristocratas se sabe que fez assinantes de revistas socialistas francesas como PhalangeSocialistee Démo-cratie. IV. teriam sido sempre os focos de revoluções democráticas e de movimentos liberais. Esses reparos de quem sentia no ambiente cheiro de revolução social.e com elegantes de sobrado como Maciel Monteiro. "A agricultura e a colonização". com o mesmo ar terrível de inimigo. das praças e dos mucambos. Luís Francisco de Paula e José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque. o clima e outras circumstanciasproporcionão vantagens que nem Pernambuco nem outras Províncias do Norte podem offerecer". sem trabalho"."55Recebido em algumas das mais opulentas casas-grandes de engenho da época . em estudo intitulado "Colonisação do Brasil". constitui uma das mais altas expressões do espírito de inquietação social . entre nós consolidada principalmente.00vinha preocupando de modo particular homens públicos e publicistas do Império. le Baron de Boa Vista entête. pedreiros. mas ainda estrangeiros. com o bispo da diocese. Mas o ponto que principalmente desejamos destacar é que esse revolucionário francês se fez estimar por conservadores. das ruas. prejudicados por "uma concurrencia que os arruina" .Vauthier teve também relações com aristocratas da toga como Nabuco de Araújo que foi seu advogado . nos princípios do século XIX. Com agitadores como Borges da Fonseca e com homens famosos pela energia a serviço da ordem como Figueira de Melo. Queria por esse meio quebrar a força do "regimen feudal sem garantias".. intitulado "Carestia de Vida" (Jornal do Commercio. e não apenas política.franceses e ingleses . A vários deles parece ter comunicado a curiosidade por idéias socialistas. Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011Prof. P. com cautelas maçônicas e desassombros brasileiros. ninguém deixa seus pátrios lares para em paiz estrangeiro submetter-se a um regimen feudal sem garantias. II.dizia em 1846 a revista34 do mulato A. aparentemente retrógrados.. Ordem e progresso. 14 de maio de 1858). a "academia" ou "areópago" que. no dizer do padre Muniz. dos tempos coloniais. Chegou o crítico. isto é. Abreu e Lima voltava a considerar problema por ele já enfrentado há anos. sobre "a colonização que convém ao Brasil": o problema dos abusos da grande propriedade no nosso país. foi uma escola democrática onde "adeptos e aprendizes. não só da província e nacionais. com o chefe de polícia da capital. Vauthier no Brasil ainda patriarcal da primeira metade do século XIX .conspiraram. mais de um operário sem trabalho.e não apenas política -vivo ou presente em Pernambuco desde a fracassada "Revolta Praieira". carpinteiros etc". Na verdade desde os motins de 1823 que vinte e cinco anos depois se alargariam naquela revolta.. Fundou-se não em nenhum sobrado de cidade. que sonham com revoluções. encarnou sempre os interesses conservadores e de ordem. Em série de artigos. O da relação desses abusos com a colonização do Império. Enquanto em Santa Catarina se vivia socialismo. Nesse artigo. A maior ou menor pressão dos interesses econômicos . às vezes contra a demagogia das cidades. afirmava estar a causa da carestia em várias províncias do Império no desequilíbrio entre a grande e a pequena lavoura. o primeiro do Engenho Suaçuna. por muito tempo cidades quase sem povo. a salientar a necessidade de um "código rural" para o Brasil. nas casas-grandes de engenho. touteVaristocratie de laProvince. O progresso (Recife). Esta série de artigos (I.a dos estrangeiros . Mas mesmo durante essa fase de maior união com o Império. juntamente com padres. ou em largo trecho do norte do Império. de uma das conspirações mais românticas que tem havido no Brasil: pela independência de Pernambuco debaixo da proteção de Napoleão Bonaparte. de molequinhos nus engatinhando pelo chão e pelas esteiras. Pelo que não é de estranhar que entre alguns dos insurretos menos políticos e mais sociais da chamada Revolta Praieira estivessem homens afetados pelo socialismo francês da primeira metade do século XIX. Ive Página10 .a do visconde de Camaragibe e a do marquês do Recife . P de Figueiredo. achavam luz. "Na hora em que escrevemos estas linhas" . pela liberdade e um pouco pela democracia na terra brasileira. e só subsidiariamente nas de fazenda de café ou nas de estância. etc. V). tantas vezes. de Figueiredo. assunto que."existem certamente mais de um solicitador de emprego. mas em um engenho brasileiro dos tempos coloniais. enquanto as cidades. publicada em O Liberal Pernambucano de 4 de abril de 1856. em Pernambuco lutava-se nos jornais e nas ruas por idéias socialistas.a exemplo do que se tem feito em estudos sociológicos com relação a outros países -afirmando que a aristocracia rural. eram precisamente as terras "occupadas pelos engenhos"."31 Não se pode generalizar a respeito do Brasil . em contraste com a passividade das cidades do litoral. todos senhores de engenho. depois imperial. senhores de engenho. III. os grandes recusavam-se a vendê-las: em Pernambuco.observou em interessante ensaio João Peretti que não foram só os intelectuais do Recife os atingidos pela propaganda revolucionária do jovem francês: "D'ailleurs. espécie de "amotinado" de 1823 que o estudo tivesse sublimado em "socialista" de 1840 . dizia o redator desse jornal. sapateiros. foram acusados.. fazia-os a revista de Figueiredo. transformaram-se em "areópagos" onde eles. que ".35 Em 1858 era o general José Inácio de Abreu e Lima que em artigo num jornal da Corte.e "muitas vezes. só com uma onda movediça de plebe ou canalha da rua.a intervenção da metrópole por intermédio do vice-rei ou do capitão-general na economia particular e a favor da gente miúda . de casas-grandes e de sobrados patriarcais.Os irmãos Francisco de Paula. até o meado do século XIX. os sobrados burgueses.32 É verdade que durante certa fase do Império. e dominadas por um comércio ainda mais interessado que a lavoura na ordem e na estabilidade do domínio. pela independência. as próprias ruas.. primeiro português. mais de um empregado demittido. inclusive "os preconceitos dos grandes proprietários contra a cultura dos cereais". Referindo-se à ação do engenheiro socialista L. que será analisada em nosso próximo ensaio. Homens com raízes no interior. citado por Oliveira Lima. publicada em O auxiliadorda indústria nacional. E levando alguns desses publicistas a considerarem o próprio problema da intervenção do Estado a favor do homem de trabalho e da redução do poder feudal dos grandes proprietários não só de escravos como de terras igualmente cativas. quando suas salas de visita ou de jantar cheias de gaiolas de passarinho.. As terras que poderiam servir para pequenos proprietários. 1953. Washington. em "Primeiras aulas e escolas de Minas Gerais. um correr de casas altas de sobrado. mas nos "assucares e tabacos porque estes são estáveis e perpétuos" (Relatório do Conselho Ultramarino de 26 de outubro de 1706. V Magde. conseguindo-se que estes moradores destas minas casassem. do Arquivo Histórico Colonial. as predominâncias de temperamento. porque em todas estas minas não há mulheres que hajão de casar. casada e moradora de casas estáveis. depois de noticiar terem entrado no porto do Recife "vários navios de bacalhau".] com todas as forças fizera maior diligencia por executar esta real ordem de V. Confirmando nossa observação neste ensaio. III. foi no sentido de que sua colônia americana se povoasse com gente também estável e. e ainda quaesquer outras tomem o estado de casadas e se estabeleçam com suas famílias reguladas na parte que elegerem para sua população porque por este modo ficarão mais obedientes ás Minhas reaes ordens. também durante muito tempo.das mulheres.. e pela maior parte vivem em fazendas distantes das villas". Um dos empenhos dos reis de Portugal. mas esta aspiração tende a reformar o estado atual social em prol do melhoramento moral e material de todos os membros da sociedade." (Manuscrito. o advogado Nascimento Feitosa. p. vol. I. nQ 2. Por conseguinte. e em 1594. Intervenção reclamada pelos socialistas de formação francesa como Figueiredo e pelos quase-socialistas como Feitosa -ambos. citado pelo historiador Manuel Cardoso no seu estudo "Braziliangold rush". Refere-se particularmente a Pitangui como habitado por paulistas "cujas habitações sempre tem pouca forma. Em 1590 apareceu em Piratininga o primeiro sobrado entre casas já cobertas de telha. Ive 2. The Américas.Ainda no ano de 1856. sob a forma um tanto simplista de "medidas policiais". e os filhos que tiverem do matrimônio os farão ainda mais obedientes. Mag. Lourenço: "[. Notas ao CapítuloII 1. Rio de Janeiro. 19290 conde de Assumar a Bartolomeu de Sousa Mexia em carta datada de 9 de fevereiro de 1720. D. Ernâni Silva Bruno. e se haverá sufficiente numero de casados para se poder praticar esta ordem [. ponho na real noticia de V Magde. em alguns pontos mais próxima da dos indígenas do que da dos europeus. desde que eles ou seus conselheiros começaram a compreender que o futuro do Brasil estava não no ouro. de Figueiredo. Evidentemente o tipo de habitação refletia a instabilidade da economia e. homens de cor aristocratizados em líderes intelectuais pela inteligência e pelo saber. de Lisboa. mesmo depois que o fracasso da "Revolta Praieira" amoleceu o ânimo de alguns entusiastas do falangismo. Magde. que vivesse em companhia de seus pays (que são raras) são tantos casamentos que lhe sahem que vê o Pay da noyva em grande embaraço sobre a escolha que ha de fazer do genro.]" (Cartas citadas por Feu de Carvalho.. da Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro. e vos ordeno me informeis se será conveniente mandar eu que só os casados possam entrar na governança das câmaras das villas. porque só assim se livrariam do mau estado em que andam quasi todos...]". que sam muito mayores trabalhadores em desentranharem ouro da terra que estes solteirões que só lhes leva o tempo oecuparem em extravagâncias.de proclamar a "comunhão das mulheres". porem é impossivel que se possa conseguir dar-se a execução desta real e santa ordem de V. como porque vejo o g^ serviço que se fazia a Deos nosso Senr. Admitia assim o diário conservador. 350-351). das quais havia no Brasil "comunhão" sob o regime patriarcal ainda em vigor: patriarcal e polígamo. em Pernambuco que em outra qualquer província do Império. Também a marginalidade de sua cultura. que me parece que hum dos meios mais fáceis que ha para que venham mulheres cazar a estas minas é proibir V Magde. por conseguinte.. A 5 de janeiro de 1856 o próprio Diário de Pernambuco. Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011Prof.. 1721-1860". antigo 10. cartas. Lourenço de Almeida.e na qual se dizia:"[. e como V. lembra a precariedade das construções paulistas. despachos e bandos do conde de Assumar). como aliás as primeiras casas do Recife e até de Salvador. daqueles bravos aventureiros empenhados em descobrir ouro ou pedras preciosas. p. Dirigindo-se a esse mesmo Antônio P. setembro. governador e procurador das Minas em 1729 . o Sr. na era colonial. ainda não passa de uma aspiração.. acaçapado. como ha esta impossibilidade para haver casados me parece q.. talvez. Magde. e compreehnção tem justissimamente entendido o quanto convém que haja grande numero de casados nestas Minas. Belo Horizonte. salientando que as primeiras casas de Piratininga foram cobertas com sapé ou com palha aguarirana ou guaricanga.quando se fez naquela capitania cuidadoso levantamento da população escrava .] e mostra a experiência nos poucos casados que ha nestas terras...poderia ter acrescentado ... proteger o fraco contra o forte de uma maneira que a igualdade restabeleça o respeito mutuo. é que o professor Autran acusara ao socialismo . ou nos diamantes. dos homens de cor afrancesados da conspiração baiana de 1798 e não apenas dos insurretos negros e pardos do Recife de 1823. Página11 ." Inclusive . faz que as suas povoaçoens não sejam persistentes.37 é dos mais interessantes para a história do desenvolvimento das idéias socialistas entre nós: desenvolvimento mais acentuado. chegaria mais longe que Abreu e Lima: defenderia a intervenção direta do Estado na vida econômica: "Qual é a missão do governo? Decidir com razão e justiça todas as disputas entre os governadores. Informava ainda D. no meado do século XIX.. Revista do Arquivo Público Mineiro. voí. códice nfi11. E essa protecção se refere ás pessoas ou á propriedade e mais principalmente áquellas do que a esta. Nas áreas rurais continuou por muito tempo a ser precária a construção paulista e nas cidades. em seu notável trabalho. O que devia atribuir-se à "avareza de certos especuladores" e à "falta de medidas policiais". códice 232. que nenhuma mulher do Brasil possa hir para Portugal nem ilhas a serem freiras [. sobre a cidade de São Paulo. mucambos. descrito pelo historiador Almeida Prado no seu "São Paulo antigo e sua arquitetura". artigo respondido por Figueiredo no Diário de Pernambuco de 12 do mesmo mês.] procureis com toda diligencia possível para que as pessoas principaes. em polêmica com o professor Pedro Autran da Mata Albuquerque. Lourenço: "[.1946. a 7 de agosto de 1852. informava a el-Rei. intitulado História e tradições da cidade de São Paulo. ambos. Em resposta. ano XXIV. não prohiba que entre na governança das câmaras os solteiros porque os homens casados sam muito poucos. 1933." O artigo.a cuja escola lamentava pertencer Figueiredo . o tipo dominante de casa foi o baixo. com a sua real ordem. para quem o inimigo estava no "caiado" e a inspiração no "rei Cristóvão" de Haiti. e quando ha algua. 3. ãustração Brasileira. salientava o fato de continuar a "necessidade desse artigo". "O Governo deve intervir no Fornecimento da Farinha e da Carne". De onde a carta del-Rei a D. porque a sua vida e a natural propensão que tem de andarem pelos mattos. Escreveu então o chamado "Cousin fusco": "O socialismo não é uma doutrina. ordens. a intervenção do Estado na vida econômica. Continuadores. assim para obedecer como sou obrigado. 149). Rio de Janeiro. aliás. Geog. casou-se.] passou-se inteiramente para os mascates". janeiro. veja-se o esquecido estudo O matuto. cit. no Brasil. No século XVIII. eram conhecidos por "gringos".1843. sustenta que "gringo" não deve sequer ser considerado "americanismo". O homem e o brejo. cit. pois é como "gringos" que se conhecem desde dias remotos. though they s&nd in the course oftheyear several Tropasladmwiih goods to the capital. sem. Acerca do assunto prepara há anos interessante ensaio de interpretação sociológica. que foi também chamado "gringo" no Brasil. Seu etnocentrismo quase sempre limitou-se a procurar fazer do comércio...ao sugerirmos a "confusão racial" no conflito entre Olinda e o Recife. Ao seu ver. cit. 62). durante o século XIX. como se sabe. por "gringos" dentro da velha tradição peninsular de denominar-se "gringo" o cigano ou o vagamundo. p. passaram a ser conhecidos. Vinham eles "a titulo de officiaes de navios e muitos até de marinheiros". de Franklin Távora. metenpiècesquelquevieillerieportugaise" (p. cedo afirmado no Brasil na chamada "Guerra dos Mascates". através principalmente de mascates é que as modas e indústrias do norte da Europa suplantaram as portuguesas. 1939. ou no Chile. 1820. como "marinheiros" e muitos se feito notar pela sofreguidão de fazer fortuna com que regressassem a Portugal. entretanto. no presente ensaio . op. Nilo Bruzzi. do ponto de vista marxista. Mesmo entre os primeiros foi crescendo. cristãmente. ou d'auiresobjets de bimbeloterieditsarticles de Paris.procurou explicar o fato do "peu de luxe extérieur de certainesdemeuresquiabritentdessenhoresplusieursfoismillionnaires" . e. de Saint-Hilaire ou de Koster .. 262). É assunto controvertido.encontra-se a informação de que os ciganos. havendo quem suponha ter o termo se originado no México para designar o ianque ou o norte-americano./tep. Rio de Janeiro.Generalização válida antes para a grande parte dos portugueses que aqui pretenderam enriquecer no comércio do que para os que se estabeleceram como senhores de terras. Inst.. para o estudo do assunto. p. op. aldeados no interior da Capitania. Ive . Destaca o Sr. 260-264. E no velho historiador brasileiro Pereira da Costa -no seu trabalho. tais como os ciganos. edição de 1929. Londres. Tratados da terra e gente do Brasil. p. vagamundos. o vice-rei marques de Lavradio referia-se aos "commissarios volantes que vinham da Europa trazendo infinita fazenda". Veja-se também o livro de M. p.. heBrésilconlemporain. 19.um dos europeus que melhor estudaram a sociedade patriarcal brasileira quando mais afetada pelo desenvolvimento das cidades e do comércio do que na época de Debret ou de Luccock. 90). Mas essa exclusividade por sentimento antes de classe. Rio de Janeiro. em estudo sobre Rozas. de verroterie. occupying miserable hovels. o Sr. Clóvis Melo no seu estudo. Franceses e alemães.].. Rio de Janeiro. principalmente judeus. para quem estamos certos. 1867. como reparou o marquês de Lavradio no seu "Relatório" cit. Casimhv de Abreu. Traveis in BrazÜin 1815. which is seldom wanüng" (príncipeMaxüniliano Neuwied. em certas áreas.. Clóvis Melo. Também pelo que Capistrano de Abreu denominou "transoceanismo". p. Talvez daí se tenha originado a generalização do termo "gringo" para designar mascate estrangeiro ou vendedor ambulante exótico.a venda de escravos e cavalos .recordando que "les premiers colonsportugais n 'étaientvemissurcette terre de VEldoradoquepourfaireuneforíunerapidé" (Adolphe d'Assier.lLe premier pas une fois fait. Não só monopólio: espécie de sociedade secreta aonde não pudesse entrar brasileiro ou europeu de outra origem. Séris. ainda na época colonial. p. A respeito de "gringos" convém lembrar que os ciganos foram. em certas especialidades ciganos. É também interessante. provavelmente. qu 'ilsoffrentetvendentauxesclavesenlesséduisantparleson d'unharmoniumou accordéondontilsontsoin de se munir.1816and 1817 (trad.os primeiros vendedores ambulantes que se tomaram conhecidos em trechos remotos do Brasil. p. que se refere à ação dos "marchands colporteurs" no desenvolvimento do comércio de produtos franceses e alemães no Rio Grande do Sul. 7. chegados ao nosso país. No Brasil do meado do século XIX já eram raros os portugueses. 1949. H. Padre Femão Cardim.] theplantersremam fixed to tbeir ancient habits.] o terço dos Henriques [. 190). na sua especialidade .. 6. Mais de um português chegou a ser no Brasil pessoa importante. Os negociantes ambulantes estrangeiros. On compte à Bahia plusieursmaisons de commercequiontàleurservke de soixante à quatre-vings de cesnègrescolporteurs" (Séris. já depois de rico e pai de numerosos mestiços. Onconnaitlefaibledesnègrespourla musique [. ainda inédito. 8. s.por ele lido na Ia edição . ainda em manuscrito:"[. one story high. 452. De onde. Rio de Janeiro. na Espanha. os mascates negros: negros livres a serviço de negociantes fixos da Bahia que percorriam esse trecho do interior brasileiro "munis de bijoutetiefausse... com o tempo. 192). Rich people are the found.^ trawrslesprovincesduBrésil.] aderiu aos olindenses enquanto que os índios de Camarão. lendo sido durante anos caixeiro ou mascate. p.4. na área do São Francisco. L. 261-262). 53). terem os mascates e negociantes portugueses se tomado conhecidos. amigado com negra nu mulata com a qual mais de um. na16.. 2a ed. ordinariamente pouco familiarizado com a língua da terra. mascates. para designar o inglês. who. no Brasil. A não ser que a tuberculose ou a febre amarela lhe interrompesse a carreira (D'Assier. Lúcio V Mancilla. fazerem "aluguel de casas e armazéns" ("Relatório". propriamente. o número daqueles que a voltarem de vez a Portugal preferiram fixar-se no Brasil e dos quais pode ser considerado típico o caso do açoriano conhecido por D'Assier no Rio de Janeiro: chegado à capital brasileira sem outros bens senão a camisa. sobre ciganos no Brasil. monopólio de portugueses. onde se sugere: "Enfim a luta era menos de fidalgos e peões que da agricultura ameaçada de ruína e do comércio que aparecia como um tirano" (p. 457). do alemão). Página12 Sobre a "Guerra dos Mascates" considerada no seu aspecto sociológico. o recente ensaio do Sr. composed ojmud. Aos negociantes ambulantes estrangeiros juntaram-se. D'Assier . Limoges. as calças e o colete aqui foi economizando suas patacas através de uma vida de trabalho e de privações capaz de levá-lo à posição de fazendeiro e ao título de comendador. portanto dentro do mundo rural [. 1945. cit.. Br. except cleanlmessofdress.(Rio de Janeiro. p. 5. Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011- Prof. Hist. entre os brasileiros: . à choque tour de sonengrenage. Sobre o assunto veja-se também o estudo do historiador Alberto Ribeiro Lamego. Paris.. senhores et senhoras se irouventcommeemportés par une machinequi. d. que. with wUchali the rest of tbeir domestic arrangements completely accord. andsellperhaps 1000 or 1500 oxen. depositado na Seção de Manuscritos da Biblioteca do Estado de Pernambuco . D'Assier. and not even white-washed. without tbinking of the slightesi improvement of tbeir condition. 9.. Dos mascates da primeira metade do século XIX D'Assier escreve que "cemascate (colporteur) friponquicourtfazendas (plantations) avecses misses de fauxbijoux" era uma potência em um país novo como o Brasil (op.. op. "[. acabaram suplantando os portugueses como mascates. Cuidadoso pesquisador que se ocupou do assunto. de raça. 1938. nos princípios do século XIX. Mas . Não as vemos. a cidade do Rio de Janeiro lembra as cidades da Europa. o Caramuru. foram construídas "casas cobertas de palha ao modo da terra [. 151. em grande número no Brasil.. 139). de Melo Leitão. 344. op. chegaram. O!" E esse "greengrow" foi parecendo aos ouvidos chilenos. Um inglês que se especializou no estudo das atividades inglesas ou britânicas na América Latina."1'intérietir de maisons. 84. "Contribuição ao estudo do caju e doces de caju". Veja-se Gabriel Soares de Sousa. cit. "muito mais atencioso que entre nações que lhe são superiores em civilização". Em seu Vocabulário pernambucano (publicação póstuma. "godemes". Russomano que na área de Pelotas. diz da torre. 1917. 1948. Recife. separatado vol. por latino-americanos. informa o mesmo cronista que com ela "muitas índias mataram seus maridos e senhores [.] se por seu aspecto. I. eram retiradas mui cuidadosamente das vistas do estrangeiro. p. tinham cie consentir que nas janelas de seus quartos de dormir fossem postas grades para garanti-las de raptos" (Geografia geral do Brasil. que durante os séculos XVII e XVIII e a primeira metade do XIX. Nova Iorque. Nova Iorque. p. já salientadas por Gabriel Soares. Rio de Janeiro. I. 16. 15. Vários foram os observadores estrangeiros. Koebel.] a primeira obrad'arte que na Bahia do tempo do donatário se construiu". "bodes". colheu o mesmo pesquisador pitoresca explicação da origem do tenno "gringo". escrevendo já na segunda metade do século XIX.. eram muito vigiadas.. a seu modo. nos princípios do século XIX. Teodoro Sampaio. p. mascates e como tal penetraram no interior de sobrados patriarcais. Koebel. Mas destacando: "Outrora as mulheres. ainda hoje. e Saint-Hilaire." 10. indicando documento de 1536 . aos ouvidos latino-americanos. cit. p. depois dos ciganos. 18." É aplicada aos ingleses "mas sem cunho pejorativo". trad. 14. Também impressionou aos observadores estrangeiros da sociedade brasileira. a reclusão das moças solteiras nas camarinhas das casas-grandes e nas alcovas dos sobrados. Sobre o assunto veja-se também o estudo do professor Dante Costa. separata da Revista Brasileira de Medicina. O fato é que passaram a ser chamados "gringos" ao mesmo tempo que "bifes".Foi um dos primeiros sobrados no Brasil:"[.1. Referindo-se à "terrível peçonha" que é "a da agua de mandioca". S.como generaliza Saint-Hilaire . p.. 1889. p. op. Brazilandla Plata: thepersonalrecordofacruise. p. o termo tenha passado a designar ingleses andejos que. no Chile. Tollenare. 105). 13. por C. nota). salienta o professor Pirajá da Silva que "as doceiras serviam-se da resina do caju para fazer alcorça de açúcar". e particulannente o cigano". Os homens e sobretudo as damas da sociedade brasileira saem pouco de casa. era aplicado com "imparcial generosidade". O geógrafo-historiador A. Paris.] les jardins toujours placa derrièrelesmaisonssontpourlesfemmesunfaibledédommagement de leurcapHvitéetcommelescuisinesonlesinterditscrupuleusementauxétrangers" (Voyage dansVintérieurduBrésil. 320).. "baetas" etc. 148).. veja-se O Carapuceiro.]" (C. "segundo os armamentos". op. algumas mulheres brancas contra seus maridos [. vol. British exploits in South America. quer durante a época colonial quer durante a primeira metade do século XTX. o norte-americano Stewart escreveu: "The nativefemaleofthebetter das-sesisstilltoberegarded as a kindofhouseprisoner [.todos os estrangeiros. a europeus e norte-americanos.gringo . o turco. Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011- Prof. Dizia abalada dos marinheiros ingleses: "Green growthe rushes. que. no Brasil. segundo processo assimilado dos árabes pelos portugueses (op. 176). explicando quealcorça é "massa fina de açúcar purificado e farinha para fazer ou cobrir doces".] poz a villa no melhor assento em que tem feito casas para cem moradores e tranqueiras em redor e uma torre já no primeiro sobrado" (op. a gente do povo. "inclina-se a englobar sob a mesma denominação. 210). perto da qual se estabeleceram os colonos do Donatário. Em nota ao cronista. os primeiros estrangeiros a aparecerem. Rio de Janeiro. Visitantes do Primeiro bnpério.. Recife... Sobre o assunto. enquanto remavam dos navios para os portos. que o referido Donatário"[. fevereiro. Gabriel Soares de Sousa. I. cit. notou que o tratamento das mulheres pelos maridos tornara-se. talvez. W.] do que também se aproveitaram. No Chile. ficaram impressionados com o modo despótico dos brasileiros tratarem as esposas. São Paulo. 1856."Relação de Francisco Martins Coutinho de 1536" -citado pelo mesmo historiador. verificou que o termo "gringo".. cit. Stewart. particularmente. Já havia a povoação de Diogo Álvares.. como suas semelhantes em França. 325-326. em geral. reserve pourlesfemmes. p. no Brasil.Daí é que.. p. o árabe. no Norte. segundo dizem. cit.... cit.. Teodoro Sampaio lembra que a cidade do Salvador começou por "uma cerca muito forte de pau-a-pique" dentro da qual. 1934. pelo menos. No meado do século XDÍ. informa-nos do Rio Grande do Sul o professor V.. o nome de 'gringo' ao estrangeiro cuja fala difere totalmente da castelhana e. 17.. Salienta também as "virtudes medicinais depurativas" do caju. Saint-Hilaire. São Paulo. ao inglês. durante os anos de 1837 e 1839 fez a volta do mundo na corvetaZ^ Bonite. no sul do Brasil. est unsanctuaireoú 1'étranger ne penetre jamais [. n22.. Tratado descritivo do Brasil em 1587.. foram. "certa ordem de estrangeiro de baixa esfera como o italiano. Ive Página13 . o povo que circula em seus quarteirões mui depressa destrói essa ilusão. H.Gabriel Soares de Sousa. 345. 3Aed. 253)"Green grow" teria se contraído em "gringo" como "goddamn" em "godeme". 12. "gringo" (W. particularmente as filhas solteiras. aparecer nas mas ou nos passeios públicos". 1937) o citado Pereira da Costa dá como "gringo". Sobre "negras boceteiras" que foram. 183911.] uma cidade de palha como uma aldeia de gentio" (op. Histórico e Geográfico Pernambucano. acentuando que nas Repúblicas platinas e do Pacífico "dá-se.. com seu linguajar estranho para os ouvidos brasileiros e com sua aparência também exótica para os olhos da nossa gente colonial. fflXlVdâ Revista do instituto Arqueológico.. Teria a palavra se originado do seguinte: velha balada cantada por marinheiros ingleses de outrora. Veja-se o resumo das observações feitas no Brasil por De la Salle. 1830. à mesma conclusão: que . p. Só saíam às ruas escoltadas por parentes. Reparou o comandante francês:"[. p..nota ele -fora antes aplicado especialmente ao inglês ou ao "Britisher". Sellin. V. aplicado aos ingleses antes de ter sido aplicado aos norte-americanos. quando não nos conventos.]" (I. p. de feudalismo e capitalismo. Note-se. Entretanto. então. vê-se que os negros organizados em "república" em Palmares conseguiram ser saudavelmente ecológicos ao mesmo tempo que cooperativistas ou parassocialistas nos seus estilos de vida e na sua técnica de produção. As casas-grandes até certo ponto continuadas pelos sobrados patriarcais das cidades. assim. Boston. no Brasil. no seu recente Economia de lasockdad colonial . 25.0 que é inegável é que. em oposição à simplicidade forte e angulosa das casas-grandes. Em livro publicado em 1872. nos primeiros anos da era colonial . que conhecera o Brasil da primeira metade do século XIX. 1828. desempenharam funções de assistência social e médica no meio brasileiro. que madrugou entre nós. 1914. do ponto de vista estritamente econômico em que se coloca. 98. o feudalismo brasileiro apoiouse em um tráfico que o Sr. da saúde e da energia dos escravos. J. sobre o assunto. Livro Manuscrito da Câmara de Olinda. 1942. 1947) destaca que os aquilombados conseguiram retirar do solo e da mata regionais o necessário para seu sustento.]". D. 21. Bagu considera. por extremos de rivalidade. Kidder e J. "Catecismo da cooperação". Brazil and thePlate. Mansfield. se integrassem no sistema patriarcal. 32). na segunda metade do século XVIII a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. Manuscrito segundo cópia que nos foi gentilmente fornecida pela Diretoria do Arquivo. porém. Mesmo. cit.Ensayo de historia comparada de la América Latina. Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011- Prof. em várias áreas. Min. Manuscrito." Daí o seu 'perfil equivoco".. fls. Ive Página14 . no Brasil. inclusive na do Brasil. Exigindo o escravo. sobre a economia e a sociedade patriarcais e. O Sr. ao som dos violões:"[. que floresceu no Recife na primeira metade do século XLX. Mas sem deixarem de ser. anúncios de jornais da primeira metade do século XLX indicam que vários senhores de casas-grandes foram preferindo abdicar daquela responsabilidade nas mãos de cirurgiões que. Uso a que se juntou o hábito. "italiano". Rio de Janeiro). nas gazetas. Pelas informações reunidas por esse e por outros pesquisadores do assunto. a serviço do patriarca e concorrendo com sua técnica para a melhor conservação da vida. é preciso reconhecer-se. livro I-A. que enquanto as irmandades de brancos faziam-se notar. o primeiro Melo Morais. através do comércio internacional. esteiras. como saliente à página 137 do mesmo ensaio. C. Para esse economista "hay una etapa enla historia capitalista enlacualrenacenciertas formas feudalescon inusitado vigor: laexpansión dei capitalismo colonial". assim. no Brasil. p. de acompanhar de arroz uma variedade de carnes. potes.aliás fundadas. recolhido do Diário do Rio de Janeiro de 13 de março de 1822: "Necessita-se de hum cirurgião hábil e que também cuide de Medicina. com sobrevivências na imperial: a interpenetração de feudalismo e capitalismo. Foi o que sucedeu. de modo geral. chapéus. cada uma cuidando exclusivamente dos seus interesses. como contribuiu. cit. p. Cambridge. como escreve à página 143. em mais de uma área. Teixeira Duarte em seu estudo sobre as origens do cooperativismo em Minas Gerais. e no Brasil. Bagu. procurava conseguir "a reunião de todas as irmandades dos homens pardos". Púb. na América Latina. Edson Carneiro no seu estudo O quilombo dos Palmares (Rio de Janeiro. 26. anúncios como este. Fletcher. como vassouras. não só casas. a antecipação. separando-se. p. fabricando com madeiras. Arq.] para macaquear a música extrangeira. de base capitalista. 1844. as brasileiras se envergonhão de cantar as nossas encantadoras modinhas até nas reuniões de família" (A. que o chamado "capitalismo colonialpresenta reiteradamente enlos distintos continentes ciertasmanifestaciones externas que loassemejanalfeudalismo. tal a generalização do uso da farinha de mandioca. de Melo Morais. nas casas e sobrados coloniais. em particular. muito brasileiro. 1879. Buenos Aires. op. explicando-se. dis-pensando-se. Charles B.. Posturas da Câmara de Salvador. devem-se alguns dos melhores estudos críticos que se escreveram. P. nota às páginas 341-342). a África. com razão. o acompanhamento do pão de trigo. cuscuz ou tapioca. do cooperativismo ou do socialismo cristão. Fumavam o "fumo da Angola" em cachimbos feitos com cocos de palmeira (p.. Belo Horizonte. 22.. 23. barro. responsabilidade que foram aos poucos abdicando nas santas casas de misericórdia . luxo ou requinte de raros. Também sobre as alterações de costumes e de arquitetura civil ou doméstica. Sérgio Bagu.^laculturação negra no Brasil. no Arquivo Público Nacional. em cidades como o Recife. "mourisco". para huma Fazenda de Engenho [. um tanto arbitrariamente o aspecto econômico do todo social. Durante anos. baseado nele. Teixeira Duarte. Interessante para o leitor brasileiro o capítulo "índole de la economia colonial" que dedica à interpenetração de feudalismo e de capitalismo na economia colonial da América Latina. (A. Não é sem razão que o historiador mineiro Diogo de Vasconcelos e. 28. fibras. Rev.. Desde os primeiros anos do século XIX foram aparecendo. vêem na organização de Xico Rei para forrar "filhos" ou negros da sua "nação". 27. 1949. Brazil and the brazilians. cestas. onde os engenhos tomaram-se a base feudal da sociedade colonial. Sabe-se que o pão de trigo foi. 24. A Figueiredo não escapou o fenômeno de interpenetração. A.nas Ordens Terceiras e nas instituições oficiais. feudalistas a seu modo. como os capelães. que consta da correspondência dos vice-reis do Brasil no Rio de Janeiro ("Ofícios para os vice-reis do Brasil no Rio de Janeiro".Paraguay. Mansfield. Fenômeno por ele analisado à página 102 do seu ensaio. os próprios senhores patriarcais juntaram as suas responsabilidades as de "médicos". por longo tempo. cantadas pela moças finas. São Paulo. também.356. a seu modo. Divulgação e Estatística da mesma cidade. P. solta ou sob a forma de beiju. Livro Manuscrito da Câmara do Recife. no Brasil. 102).19. feudais. segundo ofício. a América Latina contribuiu.. a fácil aceitação que teve entre eles a homeopatia. 1833. abanos e fazendo da diamba ou maconha ou "fumo da Angola" seu substituto do tabaco. ano XVIII. na época colonial. 20. indignava-se com o declínio das modinhas. A Antônio Pedro de Figueiredo. para "el deslumbrante jlorecimento dei capitalista europeo". por alguns anos redator da revista O Progresso. Seção de Manuscritos da Biblioteca do Estado de Pernambuco. O Brasil social epolítico. Veja-se também sobre o assunto o estudo do professor Artur Ramos. 20. onde o feudalismo industrial e capitalista foi substituindo o agrário mais rapidamente do que em outras áreas e manifestando-se na construção de palácios ou castelos em estilo "gótico". como reconhece o Sr. do Rio de Janeiro. o Sr. 91. vasilhas. 1856. de 8 de janeiro de 1765. no Brasil da sua época. onde foram elaborados os generosos projetos de independência prematuramente abrolhados a 6 de março de 1817" (Frases epalamm. n911. Alfredo de Carvalho lembra que Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque. senhores feudais. enquanto os negociantes das cidades as ostentavam nas cidades. 35. de Mário Melo. como reconhece o Sr. 1822-1823). Die Gesellschafterkrisis der Gegenward(1942). em estado de instabilidade econômica. como outros historiadores. desses conflitos. Sobre as revivescências de feudalismo. seculares e ecclesiasticos [. 1941. Em 1822. o elemento mais solidamente conservador nas suas atitudes políticas. entregues à agricultura. ocultavam na "solidão das roças" suas "indigencias". Tomo II. por José Vieira Couto.] toda a nobresa. Pais Barretos e outros "senhores feudais" cujos abusos de mando combateu no seu jornal O Sete de Setembro. para emergir. cujos moradores "gostam de inquietações p. enriquecidos nas minas. 32. ano VI. 33. assim. e até certo ponto da imperial. 1837. Caídos. 34. em contraste com a população e com o próprio patriciado rurais.. crítico dos costumes brasileiros. 37. em Memórias econopolíticas sobre a administração pública no Brasil (Rio de Janeiro. Recife. e um tanto contraditoriamente. 26 de janeiro de 1856. Mais de uma vez o alto comércio é que foi. escrita em 1801. Veja-se também . Bulletm d'Octobre. Salienta o professor Rôpke à página 145 do seu ensaio que "os característicos feudal-absolutistas" de organização social podem apresentar-se em diferenças extremas sobre poderosos e fracos que correspondem a razões ex-tra-econômicas. Comparem-se informações sobre os decaídos das zonas rurais da capitania das Minas. 31. 1949. embora alguns deles fossem "filhos dos antigos e ricos mineiros" que. o estado mais nobre. atribui intuitos republicanos aos insurretos de 1710. traduzido ao espanhol e publicado em Madri em 1947 sob o título La crisis social de nuestrotiempo. porém. 1905. Ive . acercado qual tem interessante trabalho em preparo . em "vergonhosa pobreza". escrevia à página 4 da "Primeira memória" "Hum portuguez" que a organização colonial no Brasil "não diferia do feudalismo" senão na substituição dos "pequenos senhorios" pelo "pretos escravos" que lavravam para si e não apenas para os senhores. Viviam. Aspecto que tem escapado à observação dos estudiosos menos profundos do assunto. Nesta última crônica se destaca que em Vila Rica estavam "os homens de maior comercio" e também os de "maiores letras.4 Guerra dos Mascates como afirmação nacionalista. sem alteração sociológica das formas. com as que nos fornece sobre os moradores opulentos dos sobrados das cidades o "Triumphoeucharistico". nas suas formas. Iniciada em 4 de abril de 1846. dos problemas sociais de sua época. na sua fase de transição da predominância do patriarcalismo rural para a do capitalismo urbano nas áreas onde essa transição primeiro se manifestou. 1940. manuscrito. de 30 de setembro de 1720. a sobrevivência do feudalismo dentro do próprio capitalismo. 1901..como já salientamos mais de uma vez . haviam se estabelecido como fazendeiros ou senhores de terras. Ao mesmo tempo. no Brasil patriarcal. imitadas as formas feudais devida dos elementos economicamente vencidos pelos economicamente vencedores. salpicados de liberais exaltados e até de radicais. 1846. p. dentro de critério diverso do de Figueiredo e com visão mais limitada que a daquele mulato afrancesado do Recife.Equívoca na sua economia a ponto de parecer ora feudal. e publicada na Revista do Arquivo Público Mineiro. 1000).a não pagarem a ninguém" (Carta de Vila Rica. explicando-se assim. Robert Southey. insurreições e agitações. por ser. segundo ele. 29. Página15 Sobrados e Mucambos – Gilberto Freyre – 3ª ONHB – 2011- Prof. na "Memória sobre as minas da capitania de Minas Gerais". Belo Horizonte. 0 padre Lopes Gama foi. e a força da milícia" (p. "Humportuguez" percebia que dentro das mesmas formas podem variar os conteúdos. veja-se principalmente o estudo de Wilhelm Rópke. de Simão Ferreira Machado (1733) e publicadas na mesma Revista.o jovem pesquisador pernambucano Clóvis Melo. foi ele severo adversário dos Regos Barras. ora capitalista. na II ao n2 V.Vejam-se também nosso Um engenheirofrancês no Brasil (Rio de Janeiro. predominantemente feudal: um neofeudalismo penetrado por influências capitalistas com as quais chegou a entrar em "conflitos armados". então. É assunto hoje controvertido o caráter político daquele movimento. 1906. "VauthieretlaGentryPemambucane". muitos dos moradores dos campos."mascates" como Fernandes Vieira tomaram-se. Rio de Janeiro.ao qual já se fez aqui alusão . cód. Belo Horizonte. Um dos motivos para essa sensibilidade de moradores e até senhores rurais a idéias de revolta política talvez fosse o observado pelo conde de Assumar com relação a Minas Gerais. participantes de revoltas. O Liberal Pernambucano. uma sociedade complexa em que . a sociedade brasileira da época colonial. Rio de Janeiro. foi. cedo constituiu no seu engenho uma das famosas academias ou clubes nativistas. Cavalcantis. 25). Recife. 36. 1937) e o Diário íntimo do engenheiro Vauêier(anotado por nós). pelo casamento. Associação de culturafranco-brasileira do Recife. Bagu. 30. ano X. "adepto fervoroso das idéias liberais. Arquivo Público Mineiro).
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