Sennett - A Corrosão do Caráter

March 24, 2018 | Author: NatashaFirme | Category: Power (Social And Political), Industries, Innovation, Capitalism, Time


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A CORROSÃO DO CARÁTERPREFÁCIO Capitalismo Flexível Ataca as formas mais rígidas de burocracia. Nele os trabalhadores são mais ágeis, abertos a mudanças de curto prazo e menos dependentes das leis e procedimentos formais, ou seja, são mais capazes de moldar suas próprias vidas. Essa flexibilidade alterou o próprio significado do trabalho, além de gerar ansiedade nas pessoas, pois elas não sabem se seus riscos serão compensados / que caminho seguir. Flexibilidade x Caráter Caráter: Valor ético que atribuímos aos nossos desejos e relações com os outros. Depende das ligações da pessoa com o mundo, da sua experiência emocional a longo prazo. Problemas impostos pelo capitalismo flexível: Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade que se concentra no mundo imediato? Como se podem buscar metas de longo prazo numa economia de curto prazo? Como manter a lealdade e o compromisso mútuo em instituições que são continuadamente reprojetadas? O livro aborda as questões sobre trabalho e caráter numa economia que mudou radicalmente. CAPÍTULO 1 - DERIVA Personagens:     Rico Enrico - Pai de Rico Flávia - Mãe de Rico Jeannette - Esposa de Rico O primeiro capítulo mostra a trajetória de Enrico e Rico (pai e filho). Sennett conhecera o pai de Rico em 1970, tratava-se de um faxineiro descendente de italianos que via no trabalho uma fonte de crescimento e seguridade social. Era uma época marcada pela força do sindicato, resultado do controle das oscilações comerciais geradas por investimentos empresariais irracionais que culminaram na Grande Depressão, pelas raras variações do emprego, pelas garantias do Estado assistencialista e pela existência de empresas de grande escala. Tais aspectos criavam um cenário de relativa estabilidade. surgia nele o receio da perda do controle da própria vida. No fundo. de forma que ele construiu e planejou a sua vida pessoal e familiar ao redor de uma concepção linear e estável do tempo. fazia sentido para ele. riscos. assim. As formas passageiras de associação se tornam mais úteis às pessoas que as ligações de longo prazo. À medida que experiências como essas se acumulavam. o que gerou uma dificuldade para ele em dar sentido à sua vida profissional e a construir uma narrativa coerente do seu passado e do seu presente. uma vez que os laços sociais se afrouxaram (relações como a confiança informal demandam tempo para surgir) e emergiu uma cooperatividade superficial. Tratava-se então de um mundo linear e a longo prazo que se desenvolvia num tempo previsível com uma narrativa relaxada e sem pressões profundas. fusões e incorporações das organizações no mundo do trabalho na pós modernidade. Ao contrário do seu pai. acabou como um sujeito à deriva nas correntezas do capital. os empregos . revelava tanto sucesso material quanto instabilidade profissional e confusão de valores. Rico era fruto de um mundo marcado por esperas tensas. era um personagem típico do “american way of life” e suas conquistas eram cumulativas. ou seja. O jovem foi obrigado a mudar de emprego por várias vezes devido às incertezas da nova economia. era a personificação da profunda mudança cultural ocorrida ao longo do último quarto de século. sua vida. Sennett afirma isso enumerando as principais conseqüências da nova forma de organizar o tempo de trabalho no novo capitalismo. o próprio sentido do trabalho foi alterado. Dessa forma. Enrico era capaz de guardar suas economias do trabalho para realizar os seus sonhos. Já para se tornar um consultor. Atributos esses que seu pai tinha.Weber) que consistia basicamente nas regras sindicais e nas leis governamentais. 14). Granovetter: As redes institucionais modernas se caracterizam pela “força dos laços fracos”. Além disso. numa narrativa linear” (SENNET. 2008. porém dependia de uma grande estrutura burocrática (“jaula de ferro” . este que concluiu uma formação universitária (engenharia elétrica) e. p. principalmente no âmbito do trabalho e familiar. dúvidas e inseguranças. ”Enrico conquistou uma nítida história para si mesmo em que a experiência se acumulava material e fisicamente. tornando difícil falar em compromissos mútuos. Enrico sabia exatamente o quanto receberia de aposentadoria e quando ela aconteceria.Assim. Enrico sempre sonhou com uma vida mais privilegiada para seu filho Rico (idéia de mobilidade ascendente). Com o foco voltado para o curto prazo. dada as dissoluções. a vida “flexível” se tornou uma vida à deriva. Rico teve que realizar tarefas subalternas e se sujeitar aos horários e caprichos de pessoas desobrigadas a lhe corresponder. uma vez que as questões profissionais refletiam em casa. p. A verdade é que na vida à deriva a incerteza permeia o cotidiano. sobretudo aquelas qualidades que ligam os seres humanos uns aos outros. 21). em que o trabalhador é submetido a atividades que lhe demandam uma parcela insignificante da sua capacidade. Os argumentos mais favoráveis faziam um elogio à repetição. não era tão evidente assim que a rotina fosse um mal. embora estivesse diante de uma falta de controle sobre o processo. o capitalismo de curto prazo corrói o caráter humano. Ele apresenta então autores que defendiam o lado positivo (Diderot) e que defendiam o lado negativo (Adam Smith). A conclusão não pode ser outra. Isso.ROTINA Para entender como a incerteza foi incorporada à vida profissional. O autor expõe que na época do capitalismo industrial. 2009. O comportamento profissional flexível de Rico pouco lhe serviria em seu papel de pai e ele mesmo se sentia responsável por isso. relacionando com a própria atividade artística que requer o mesmo processo para o seu aprimoramento. outra destrutiva” (SENNETT. CAPÍTULO 2 . “Em meados do século dezoito. 35). ao ter que treinar repetidamente certo acorde refletia a mesma dignidade de um trabalhador em uma linha de produção. interpretavam a rotina laboral como uma forma de aprendizado e aperfeiçoamento. um violinista. Sennett faz uma reflexão crítica sobre a rotina. Nesse caso. 2009. p. Já os argumentos menos favoráveis apresentam a redução do aspecto humano na rotina do trabalho industrial. A sua vida profissional não podia servir de exemplo de como se portar eticamente para os seus filhos. oprime a simpatia ao . uma positiva e frutífera. por que o princípio de curto prazo corrói valores importantes como a lealdade e o compromisso. Os problemas continuavam quando Rico precisava equalizar a vida profissional e a vida familiar. “As qualidades do bom trabalho não são as mesmas do bom caráter” (SENNETT. parecia que o trabalho repetitivo podia levar a duas diferentes direções. a rotina é autodestrutiva. Para esses autores.passaram a ser substituídos por projetos / campos de trabalho e as empresas começaram a distribuir tarefas que eram permanentes antigamente a pequenas firmas / empregados com contratos de curto prazo. Emergia então o problema do exemplo. por exemplo. mas também compor uma vida” (SENNETT. Apesar disso. as dores da rotina culminaram. passando pelo processo produtivo e vendas. c) Lógica do tempo métrico: Voltada para o controle. para que todos saibam o que o trabalhador deveria estar fazendo naquela determinada hora. alguns trabalhos de psicologia industrial foram implantados. tudo é centralizado nos departamentos de planejamento. quanto menos fossem distraídos pela compreensão do projeto do todo. Experiências mostraram que toda a atenção dada aos trabalhadores como seres humanos sensíveis melhorava sua produtividade. Ford: Ao industrializar seu processo de produção. mas também proteger. 2009. ele discute o fordismo e o taylorismo a luz dos dois tipos de argumentação. do tempo métrico e da hierarquia. aqueles que realizavam operações que não demandavam uma alta qualificação. na verdade.ponto de tirar a espontaneidade do indivíduo ao perder o controle sobre seus próprios esforços. o pai faxineiro. os técnicos e administradores eram afastados do chão de fábrica. mas não havia necessidade de os trabalhadores entenderem essa complexidade. Na geração de Enrico. Inclusive o pagamento é feito por horas. não faz um elogio ingênuo à rotina. Taylor: Acreditava que a maquinaria e o projeto industrial poderiam ser altamente complicados numa grande empresa. pode decompor o trabalho. E o autor trabalha as narrativas de Eurico. a) Lógica da dimensão: Simples. b) Lógica da hierarquia: Mais complexa. pois seu pai. Por esse motivo. ligada às superestruturas que organizam e dirigem a produção. As empresas eram gigantes e montadas sob 3 pilares: A lógica da dimensão. É importante destacar que Sennett. maior e mais eficiente. mas não abolir o tédio naquela jaula de ferro do tempo. Enrico criou uma narrativa positiva para sua vida dentro desse sistema. Muito pelo contrario. Ou seja. favoreceu o emprego dos trabalhadores especialistas. Concentrava toda a produção em um lugar. mais eficientemente se ateriam aos seus próprios serviços. Com isso. p. 49). incluindo os críticos mais severos ao trabalho rotinizado. cronograma e projeto. Sennett queria que Rico compreendesse a época em que vive. para demonstrar isso. Sennett concluiu então que: “ A rotina pode degradar. porém os psicólogos estavam cientes: eles podiam temperar as dores do tédio. desde os fornecedores. a rotina não é em si um problema. mesmo . em relação aos artesãos qualificados. ao recuperar argumentos de Diderot. Ou seja. Então por que o ímpeto pela mudança? Por que quando ela é anunciada. uma variedade maior de produtos no mercado. Para tanto.sendo um iletrado foi capaz de interpretar em qual das esferas estava inserido e com isso conseguiu extrair positividade até da Rotina. flexibilidade é a capacidade de ceder e recuperar-se. ou seja. mas ficam amedrontados pela possibilidade de também serem demitidos. ela não produziu maior liberdade. as organizações são pressionadas a provar a sua capacidade de mudar. compostas por três elementos. 59) chamam este sistema de “estratégia de inovação permanente: adaptação à mudança incessante. na maioria das vezes o processo de reengenharia fracassa. para os que detêm as ações. De qualquer forma. É como se qualquer mudança fosse melhor do que permanecer como antes. descontinuando o presente do passado. Combate-se a rotina com o trabalho flexível. o autor coloca a adoção da tecnologia como meio de ampliar o controle sobre um maior número de subordinados. a organização perde o rumo. porque quando muitos trabalhadores são demitidos. o homem deve ter igualmente essa força tênsil. As empresas tornam-se disfuncionais. A reengenharia (fazer mais com menos) implica redução de empregos e estabelece uma relação direta com a desigualdade. independente se o resultado é bom ou ruim. mas a flexibilidade se concentra na força que “dobra as pessoas”. as ações sobem. ser adaptável às circunstâncias variáveis. enfim. por um menor número de administradores (desagregação vertical). mas acabou gerando novas estruturas de poder e controle. b) Especialização flexível de produção – O objetivo é colocar.FLEXÍVEL Espera-se que a flexibilidade possa ser um escape da pressão do tempo. a) Reinvenção descontínua de instituições: Trata da ruptura da forma com que tudo acontece nas organizações. Mais ou menos um divisor de águas. de ser adaptável a circunstâncias variáveis sem se quebrar. Esta discussão é feita para questionar se a flexibilidade. o saldo será positivo. Desta forma. Entretanto. com toda a incerteza que acarreta. na busca de uma reinvenção decisiva e irrevogável. seria uma solução de fato para o verdadeiro problema. em vez de esforço . porém a realidade descrita por Sennett parece desapontar esta expectativa. CAPITULO 3 . não ficam animados por serem os “eleitos” para continuar. Estes. os benefícios esperados duram pouco. mas não quebrado por elas. Piore e Sobel (p. os planos comerciais são descartados. cada vez mais rápido. Atrelada à aversão pela rotina. Como o autor aponta. há uma queda de produtividade entre aqueles que ficam. Por fim. pois. bem como a rapidez das comunicações modernas que fornecem sempre informações atualizadas de mercado. e um mais intervencionista. por exemplo. para retardá-la até que se torne socialmente suportável. a operação da produção flexível depende de como uma sociedade define o bem comum. e às vezes até diárias. e num grupo de trabalho pequeno (a distância burocrática não serve nesse modelo). a descentralização do poder (pessoas das categorias inferiores com mais controle sobre suas atividades). Naturalmente. De qualquer forma. em todo caso. o trabalhador controla o local do trabalho. O que algumas pesquisas demonstram é que este tipo de trabalhador pode até mesmo ser mais controlado do que aqueles que ficam no local da empresa. Isso pode ocorrer. a tecnologia assume importante papel nesse tipo de produção. mas o principal ingrediente é a disposição de deixar que as mutantes demandas externas determinem a estrutura interna das instituições. que os proprietários têm que cumprir. “A contestação da velha ordem burocrática não significou menos estrutura institucional”. mas agora é informe. No entanto. como demonstrou Polanyi (2000). c) Concentração de poder sem centralização – Essa terceira característica do regime flexível aborda.para controlá-la”. As tomadas de decisão devem ser mais rápidas. primeiramente. A dominação continua forte. um regime mais liberal terá que enfrentar a desigualdade de renda. SENNETT (2009. O fato é que. Outros autores enfatizam a importância da inovação em resposta à demanda do mercado. É a antítese do sistema de produção incorporado no fordismo. Em caso de problema. o autor demonstra que ele é distribuído de maneira racionada e desigual. mas não o processo. é o Estado que freia a mudança. eles serão mais diretamente responsabilizados do que em uma hierarquia. em muitos casos. demonstrando o quanto a desburocratização é enganadora. p. 65). elas passam a ter pouco espaço onde se esconder e a responsabilidade passa a ser dividida. como no regime burocrático. mudando-se as tarefas semanais. O problema é decidir qual dos males tolerar. No exemplo mais expoente que é o trabalho em casa. segundo Sennett. Discutindo as origens do chamado “flexitempo”. Uma ilusão para aqueles que esperavam maior liberdade. o desemprego. a demanda do mercado exerce o poder sobre as instituições. Um aspecto importante a ser considerado é o regime político do país em que a instituição se movimenta. cujo controle é . A grande empresa tem seu poder nas empresas dependentes – relações desiguais instáveis – concentração sem centralização. Por fim. como uma forma de pressionar as unidades a produzir muito mais do que sua capacidade imediata.instituído aplicando-se metas de produção. é uma maneira de transmitir a operação de comando numa estrutura que não tem mais a clareza de uma pirâmide. . em geral de difícil cumprimento.
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