Selma Garrido Pimenta - Professor Reflexivo no Brasil - Gênese e critica de um conceito

March 31, 2018 | Author: Egláia de Carvalho | Category: Knowledge, Sociology, Experiment, Pedagogy, Teachers


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TmBro Ghedin prgs.j essor proposta do Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito é discutir criticamente o conceito do professor reflexivo, amplamente apropriado e generalizado i S h n o s meios educacionais brasileiros. Para isso analisa suas raízes § | | f u n d a n t e s de modo a compreender o seguinte paradoxo: essa pers^|||pectiva conceituai tem se revelado extremamente importante para a S leitura, compreensão e orientação d o processo de formação d e p r o >' V fessores, entretanto, também tem sido apropriada por diversos atoi ! S r e s pesquisadores e reformadores educacionais, com perspectivas claramente divergentes para esse processo. Diante dessa problemática se faz necessário avaliar, investigar, aprofundar, analisar e critif '-Çcar a fecundidade de uma perspectiva teórica para uma formação dos professores e professoras na contemporaneidade brasileira que -..•.\??os valorize como sujeitos. Esta é a proposta deste livro. A <íff •í. m :M,. ••WS- Professor Reflexivo no Brasil gênese e crítica de um conceito >ÍK<IAC-O II.<ZI ; t- ^ r n rios * i*w*M no-. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Professor reflexivo no Brasil : gênese e crítica de um conceito / Selma Garrido Pimenta, Evandro Ghedin, (orgs.) - 4. ed. - São Paulo : Cortez, 2006 Vários autores. ISBN 85-249-0840-8 1. Professores - Formação profissional Garrido. II. Ghedin, Evandro. I. Pimenta, Selma 02-2061 índices para catálogo sistemático: CDD-370.71 1. Professor reflexivo : Formação profissional: Educação 370.10 Borges • Selma Garrido Pimenta Silas Borges Monteiro Professor Reflexivo no Brasil gênese e critica de um conceito ^CORTfl l %?€DITORfi .Selma Garrido Pimenta Evandro Ghedin (Orgs. B.) Bernard Charlot • Evandro Ghedin • José Carlos Libâneo José Gimeno Sacristán • Juarez Melgaço Valadares Luiz Fernando Franco • Maria do Socorro Lucena Lima Maria Isabel Batista Serrão • Marineide de Oliveira Gomes Rita de Cássia M. :(l 1)3864-0111 Fax: (11)3864-4290 E-mail: cortez@cortezeditora. 317 . Coordenação editorial: Danilo A.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL: gênese e crítica de um conceito Selma Garrido Pimenta e Evandro Ghedin (orgs. Morales Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos autores e do editor.cortezeditora.SP Tel.São Paulo . Q.com.Perdizes 05009-000 . © 2002 by Organizadores Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Bartira.br Impresso no Brasil — outubro de 2006 .com.) Capa: DAC Preparação de originais: Carmen Teresa da Costa Revisão: Jaci Dantas de Oliveira e Agnaldo Alves Composição: Dany Editora Ltda.br www. Reflexividade e formação de professores: outra oscilação do pensamento pedagógico brasileiro? José Carlos Libâneo 3. Professor reflexivo: construindo uma crítica Selma Garrido Pimenta 2. Epistemologia da prática: o professor reflexivo e a pesquisa colaborativa Silas Borges Monteiro 6. Professor reflexivo: da alienação da técnica à autonomia da crítica Evandro Ghedin 7. Superando a racionalidade técnica na formação: sonho de uma noite de verão Maria Isabel Batista Serrão 151 129 111 89 81 53 17 7 . Tendências investigativas na formação de professores José Gimeno Sacristán 4. Formação de professores: a pesquisa e a política educacional Bernard Charlot Parte II — EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS 5.Sumário Introdução Parte I — PROFESSOR REFLEXIVO: HISTORICIDADE DO CONCEITO 1. Racionalidade técnica. O professor diante do espelho: reflexões sobre o conceito de professor reflexivo Juarez Melgaço Valadares 10. pesquisa colaborativa e desenvolvimento profissional de professores Luiz Fernando Franco 219 187 163 201 . O professor reflexivo-crítico como mediador do processo de inter-relação da leitura — escritura Rita de Cássia Monteiro Barbugiani Borges 11. Redimensionando o papel dos profissionais da educação: algumas considerações Maria do Socorro Lucena Lima & Marineide de Oliveira Gomes 9.6 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Parte III — PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO E AS MEDIAÇÕES NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR REFLEXIVO 8. articulam uma reflexão sobre esses limites e possibilidades do conceito de professor reflexivo. . o conceito apontava possibilidades de aprofundamento. mas também os seus limites na prática formativa dos(as) novos(as) professores(as). À medida que o debate ia se desenvolvendo. de modo que se compreendesse o seguinte paradoxo: se essa perspectiva conceituai tem se revelado extremamente importante para a leitura. Os textos que ora tornamos público. aprofundar. como resposta a um conjunto de questionamentos nossos e que foram ampliados durante os cursos. É diante dessa problemática que se faz necessário avaliar. se propôs uma análise sistemática que permitisse ir às suas raízes fundantes e analisar a sua gênese. compreensão e orientação do processo de formação de professores. tem também sido apropriada por diversos atores — pesquisadores e reformadores educacionais — que apresentam propostas claramente divergentes para esse processo.INTRODUÇÃO 7 Este livro nasce da produção coletiva dos mestrandos e doutorandos alunos de disciplina que ministramos nos Programas de Pós-Graduação em Educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e da Universidade Católica de Goiás. Para isso. analisar e criticar a fecundidade de uma perspectiva teórica para a formação de professores(as) na contemporaneidade brasileira. inclui textos de três outros autores. nos anos de 2000 e 2001. que foram amadurecendo no decorrer das discussões. Inicialmente produziu-se um conjunto de indagações surgidas ao longo do curso. Por oportuno. investigar. A proposta inicial da disciplina era discutir criticamente o conceito de professor reflexivo. amplamente apropriado e generalizado nos meios educacionais. preocupados com a mesma problemática. e a sua influência em pesquisas e nos discursos de pesquisadores e de políticos brasileiros. e do conceito para as alternativas que nele se fundamentam. à problemática geral. Professor reflexivo: historicidade do conceito. Por isso. A segunda propõe-se uma reflexão sobre a Epistemologia da prática e autonomia da critica na formação de professores. os textos configuram um movimento que vai do conceito a possíveis propostas ou leituras de formação que o tenham como horizonte de orientação. cada autor(a) procura articular suas questões. Se isso revela os limites do próprio trabalho. no Brasil. também demonstra que as possibilidades criativas de cada um(a) colocam a reflexão sobre o conceito num novo patamar de debate. há uma outra problemática umbilicalmente ligada a ela que é a questão da formação de professores. Acreditamos que a produção deste livro é resultante dessa fertilidade. Além da questão central sobre a crítica ao conceito de professor reflexivo. analisando seus limites e suas possibilidades na formação de professores em diferentes países e. A terceira. Profissionais da educação e as mediações na formação do professor reflexivo. O livro tem como eixo articulador a necessidade de ler criticamente a realidade através de uma análise sistemática. os pressupostos. Esse movimento norteou a organização dos textos em três partes distintas e complementares. em especial. complementando as anteriores. os fundamentos e as características dos conceitos professor reflexivo e professor-pesquisador no movimento de valorização da formação e da profissionalização de professores surgido em diferentes países a partir dos anos 1990. apresenta a gênese sócio-histórica do conceito de reflexão e da perspectiva do professor reflexivo. Assim.8 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL A análise crítica contida nos textos aqui reunidos expressa uma visão possível sobre o conceito. Parte I — Professor reflexivo: historicidade do conceito Professor reflexivo: construindo uma crítica — Selma Garrido Pimenta Analisa as origens. A primeira. expressões das preocupações que emergem de seu cotidiano de pesquisa na pós-graduação. não sendo obviamente a única. Entendemos que um conceito fértil possibilita infindas leituras e a fundação de novos conceitos. Nesse sentido. põe em discussão a ligação entre o conceito e a profissionalidade do professor. percorre-se uma caminhada que vai das reflexões propostas para a formação de professores às críticas ao conceito de professor reflexivo. . Propõe ao final uma concepção mais abrangente de formação de professores inspirada na teoria histórico-cultural da atividade e nas teorias recentes da ação e à da cultura. de matiz pragmático. a intencionalidade e o "empoderamento" dos sujeitos. Aponta seus desdobramentos na área de formação de professores e as principais críticas a partir de diferentes perspectivas teóricas e de pesquisa empírica.INTRODUÇÃO 9 Procede a uma revisão conceituai a partir das propostas do norteamericano D. indaga-se até que ponto são úteis aos professores. Em razão disso. entre outras. . Apresenta seis princípios a partir dos quais se deveria elaborar um discurso mais coerente com a realidade prática dos professores. e no habüus como forma de integração entre o mundo das instituições e o mundo das pessoas. a comunicativa. considerando as contradições que emergem de sua análise. Afirma que. referindo-se ao caráter reflexivo da razão. frente à realidade. a comunitária. Conclui pela necessidade da transformação do conceito. a dialética. Propõe uma formação de professores baseada num racionalismo moderado na direção da modernidade. Constrói sua análise a partir das duas grandes tendências atuais: a pós-positivista e a pós-weberiana. na vontade como sentimento que abre um caminho otimista enraizado na inteligência. no caso brasileiro. o texto visa explicitar outros sentidos desse conceito. partindo da idéia de um senso comum culto. tende a se sobrepor aos demais significados da reflexividade. Reflexividade e formação de professores: outra oscilação do pensamento pedagógico brasileiro? — José Carlos Libâneo O texto situa a reflexividade como conceito integrante do embate modernidade — pós-modernidade. implicando a capacidade de pensar. a hermenêutica. situando um breve panorama histórico do movimento e das pesquisas sobre formação de professores anteriores à disseminação do conceito. a auto-reflexão. Schõn e dos contextos nos quais se desenvolve. Tendências investigativas na formação de professores — José Gimeno Sacristán Criticando a expansão generalizada de pesquisas no campo da formação de professores. a concepção de professor reflexivo. Analisa a apropriação desses conceitos no Brasil. situar sucintamente sua história no Brasil e discutir distinções entre a reflexividade de matiz neoliberal e outras modulações do conceito como a crítica. Aponta as bases políticas e ideológicas em confronto nas políticas de formação de professores em anos recentes. distinguindo o trabalho do professor da função de pesquisador. didaticamente distintos mas intimamente inter- . Caminha dessa relação à teoria de professor reflexivo. Diz que não existe um problema de diálogo entre teoria e prática. o texto faz três movimentos. fundada em sua revisão. A partir daí. estabelecendo uma relação intrínseca entre ambas. as práticas dos docentes e as estruturas e as políticas educacionais. uma enraizada na prática e outra que se desenvolve na pesquisa e nas idéias dos pesquisadores. Propõe que a reflexão é uma forma de labor que se torna co-labor na ação com os outros. Busca no sentido grego do labor uma fundamentação para a pesquisa colaborativa. apontada como alternativa a outros modelos de produção do conhecimento no campo educacional. Professor reflexivo: da alienação da técnica à autonomia da crítica — Evandro Ghedin Parte do pressuposto de que a técnica por si mesma traz um processo de alienação imposto pelos meios de produção. A formação profissional do professor precisa abandonar este paradigma da tecnicidade para fundar-se num outro modelo que seja de caráter reflexivo. Para tal. a questão da relação entre a teoria e a prática.10 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Formação de professores: a pesquisa e a política educacional — Bernard Charlot O texto examina questões que o autor considera fundamentais para se pensar a formação de professores: o fato de as pesquisas não atingirem a sala de aula. fundamentando a pesquisa colaborativa neste diálogo (como prática) coletivo. apontando para uma saída fundada na práxis. Afirma que os professores estão se formando mais com os outros professores dentro das escolas do que nas aulas das universidades. faz uma ponte entre a pesquisa na área educacional e a formação de professores. o que coloca em questão a possibilidade da pesquisa (colaborativa) da prática. Trabalha os conceitos de prática e de teoria. Conclui expressando-se sobre o efeito das estruturas e das práticas educacionais do aluno e do professor. Parte II — Epistemologia da prática e autonomia da crítica na formação de professores Epistemologia da prática: o professor reflexivo e a pesquisa colaborativa — Silas Borges Monteiro O texto tece considerações sobre os saberes da docência na produção do conhecimento em educação e explicita as dicotomias entre teoria e prática. entendendo-a como uma "outra prática". o que existe é um problema de diálogo entre dois tipos de teoria. as relações entre as práticas dos alunos. . não como fim em si mesma. Refletem sobre o papel e a função da pedagogia e do pedagogo.INTRODUÇÃO 11 relacionados. sua ação limita-se a ser trabalhador público ou trabalhador privado e não um artista ou artesão. na direção marxiana. Examinando o conceito de "prático-reflexivo" faz um contraponto com Elliot e Stenhouse. questionando o processo de interferência dos novos paradigmas da ciência que condiciona e amplia as atividades dos profissionais da educação na sociedade atual. Entende que a reflexão tem sentido como práxis. Superando a racionalidade técnica na formação: sonho de uma noite de verão — Maria Isabel Batista Serrão O texto parte das posições de Schõn na sua crítica à racionalidade técnica e propõe a reflexão como instrumento de formação do professor. inserindo-os como detentores de um conjunto de saberes que nascem da experiência. confíuindo para a construção da identidade do pedagogo. numa crítica ao conceito de professor reflexivo. Parte III — Profissionais da Educação e as Mediações na Formação do Professor Reflexivo Redimensionando o papel dos profissionais da educação: algumas considerações — Maria do Socorro Lucena Lima e Marineide de Oliveira Gomes As autoras propõem uma reflexão sobre a necessidade de redimensionamento do papel dos profissionais da educação. em que o trabalhador vende sua força de trabalho e. no seu processo de formação e na sua atuação profissional. Portanto. O segundo movimento vai da epistemologia da prática à autonomia emancipadora da crítica. O horizonte da reflexão deve ser a crítica. uma vez que estão inseridos numa relação de produção própria do sistema capitalista. possa ser um artesão. levantando questões polêmicas a serem enfrentadas no debate institucional e propõem uma outra qualidade para a formação docente. como propõe Schõn. nesta condição. para negar que o professor. O primeiro movimento vai do prático-reflexivo à autonomia da práxis. Sintetizam as alterações legais sobre a formação dos profissionais da educação. se constituem em saber científico e se transmitem como saberes pedagógicos. mas como meio de redimensionar e ressignificar a própria prática. porque no interior do sistema capitalista os professores das escolas públicas e das particulares não são donos de sua força de trabalho. O terceiro movimento vai da epistemologia da prática docente à prática da epistemologia crítica. ele não é dono de sua obra. 12 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL O professor diante do espelho: reflexões sobre o conceito de professor reflexivo — Juarez Melgaço Valadares Analisando aspectos da prática reflexiva na literatura acadêmica atual. dúvidas e buscas do profissional reflexivo como intelectual crítico e propõe uma reflexão no sentido de pensar a inter-relação da leitura — escritura no processo ensino — aprendizagem nos cursos de nível superior. Esperamos que os textos aqui reunidos possam ser úteis aos professores em exercício de sua profissão e aos futuros professores no sentido de ampliarem sua compreensão de questões que afetam o cotidiano do trabalho docente nas escolas. exemplifica uma prática na escola e conclui numa perspectiva dialógica para a construção da autonomia do professorado. crítico e criativo. Sintetiza as posições em torno dos conceitos de professor reflexivo e professor pesquisador e busca demonstrar. passa pelas críticas ao conceito de professor reflexivo. Partindo do conceito de profissional reflexivo. Traz para a discussão alguns elementos relacionados à importância da autonomia do professor na organização e execução de projetos pedagógicos. 0 professor reflexivo-crítico como mediador do processo de inter-relaqão da leitura — escritura — Rita de Cássia Monteiro Barbugiani Borges Discute possibilidades de ação docente na orientação do processo de interrelação da leitura — escritura por meio de uma intertextualização da teoria do professor reflexivo e da relação leitura — escritura. Racionalidade técnica. através de pesquisa empírica. destacando o papel do professor na orientação e formação de um leitor crítico e capaz de produzir a própria autoria textual com um discurso reflexivo. Conclui por valorizar os saberes da experiência como imprescindíveis para a formação de um profissional reflexivo. Apresenta uma síntese da teoria. Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. pesquisa colaborativa e desenvolvimento profissional de professores — Luiz Fernando Franco O texto faz um movimento da crítica à racionalidade técnica aos saberes da experiência como objeto de conhecimento e de reflexão. O presente livro. das contradições. os componentes da racionalidade técnica presentes na prática cotidiana dos professores. tece um diálogo entre as idéias nela contidas e uma prática concreta de professor reflexivo no município de Belo Horizonte. em depoimentos de professores. Esperamos que contribua também . deseja contribuir com o debate teórico sobre formação de professores. acreditam na necessidade de que os professores tenham seu estatuto profissional e social elevados. São Paulo.INTRODUÇÃO 13 na análise das pesquisas e das políticas na área e que estimule novas análises e investigações em todos aqueles que. outubro de 2001 Selma Garrido Pimenta Evandro Ghedin . como nós. a fim de que possam contribuir para tornar efetiva uma educação de qualidade para todos. . PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 15 < . . passou a integrar a disciplina Formação de Professores: Tendências Investigativas Contemporâneas. as discussões. no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da USP (2001). os pressupostos. Considerando a importância que assumiu no processo formativo dos pósgraduandos.br 1. da Unesp/ Marília. sob a responsabilidade da autora e dos professores Maria Isabel de Almeida e José Cerchi Fusari. As análises. Agradeço a Maria Amélia Franco e Valter Soares Guimarães pela leitura e sugestões. Teorias do Ensino e Práticas Escolares. com o título A pesquisa na área de formação de professores e as tendências investigativas contemporâneas teórico-epistemológicasmetodológicas e políticas. . com vistas a dispor aos alunos perspectivas teóricas e dados de pesquisa empírica que lhes possibilitassem uma análise crítica desse conceito. os debates e as críticas foram 1 * O texto é parte do Relatório Parcial de Pesquisa (CNPq.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 17 PROFESSOR REFLEXIVO: construindo uma crítica* Selma Garrido Pimenta** Este texto teve sua origem no curso Análise Crítica do Conceito de Professor Reflexivo que ministrei inicialmente junto aos alunos do Doutorado em Educação na Universidade Católica de Goiás (2000) e junto à linha de pesquisa Didática. no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores. Em convênio com o Programa de Pós-Graduação Educação Brasileira. 2002). ** Professora titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Feusp (2001). Teve por objetivos explicitar e discutir as origens. os fundamentos e as características do conceito professor reflexivo. sgpiment@usp. é isso que o diferencia dos demais animais. como seres humanos. 1996-2000. Por fim. anteriores à disseminação do conceito entre nós. com a participação de Manoel Oriosvaldo de Moura. . Elsa Garrido e Heloísa Penteado. aponta para a necessidade da transformação do conceito. Ora. Para esclarecer a diferença entre a reflexão como atributo dos professores (adjetivo) 2. como atributo próprio do ser humano. os professores. considerando as contradições que emergem de sua análise. os fundamentos e as características dos conceitos professor reflexivo e professor pesquisador no movimento de valorização da formação e da profissionalização de professores surgido em diferentes países a partir dos anos 1990 e a sua influência em pesquisas e nos discursos de pesquisadores e de políticos brasileiros. e dos contextos nos quais se desenvolve.18 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL significativamente ampliados com a colaboração dos colegas e dos alunos e me estimularam a elaborar o presente texto. a expressão "professor reflexivo" tomou conta do cenário educacional. desde os inícios dos anos 1990 do século XX. foi realizada em uma escola pública estadual de São Paulo junto a 24 professores. Aponta seus desdobramentos conceituais na área de formação de professores em diferentes autores e países e as principais críticas a partir de diferentes perspectivas teóricas e de pesquisa empírica por nós realizada. Sua proposta é a de analisar as origens. 2 1. Então. responsáveis pela formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental. situando um breve panorama histórico do movimento e das pesquisas sobre formação de professores. Schõn. que incorpora contribuições a partir da pesquisa empírica Qualificação do Ensino Público e Formação de Professores. Professor reflexivo — adjetivo ou conceito? Todo ser humano reflete. confundindo a reflexão enquanto adjetivo. discute as bases políticas e ideológicas em confronto nas políticas de formação de professores no Brasil nos anos recentes. Feusp-Fapesp. Analisa a apropriação desses conceitos no Brasil. por que essa moda de "professor reflexivo"? De fato. Criticando a apropriação generalizada dos conceitos. Aliás. A reflexão é atributo dos seres humanos. com um movimento teórico de compreensão do trabalho docente. Trata-se de pesquisa colaborativa coordenada pela autora. seu principal formulador. Para isso procede a uma revisão conceituai do tema a partir das propostas do norte-americano D. refletem. os pressupostos. evidenciando a fertilidade do diálogo que então se estabeleceu. De Dewey. Wittgenstein. 208). na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento. conforme a análise de Schõn. depois a sua aplicação e por último um estágio que supõe a aplicação pelos alunos dos conhecimentos técnico-profissionais. porque estas ultrapassam os conhecimentos elaborados pela ciência e as respostas técnicas que esta poderia oferecer ainda não estão formuladas. Se acarretar certas conseqüências. quando estuda o desenvolvimento cognitivo de camponeses propondo-lhes problemas e observando seus processos de compreensão e de resolução e extrai a importância de seus conhecimentos tácitos (cf. Trad. de Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. Também "pelo pensamento nós prevemos [hipótese] as conseqüências (. "sem algum elemento intelectual [a reflexão] não é possível nenhuma experiência significativa". Nesse sentido.) o que significa uma solução proposta ou tentada (p. a solução sugerida — a idéia ou teoria — tem que ser posta em prova. experimentos. John. Mas a medida do valor da experiência reside na percepção das relações ou continuidades a que nos conduz" (p.. cognitiva. "a experiência é uma ação activo-passiva. quando experimentamos. Autores que lhe dão base para configurar uma pedagogia de formação profissional. 1952). conforme Dewey. análise e problematização desta. Então. Se tal não se der. Ed..PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 19 e o movimento que se denominou professor reflexivo (conceito). 199).) é o discernimento da relação entre aquilo que tentamos fazer e o que sucede em conseqüência" (p. Observando a prática de profissionais e valendo-se de seus estudos de filosofia. 208). além de Polanyi. Nacional. De Luria. propõe que a formação dos profissionais não mais se dê nos moldes de um currículo normativo que primeiro apresenta a ciência. Para que a hipótese seja aperfeiçoada é necessário que se analise cuidadosamente "as condições existentes e o conteúdo da hipótese adotada — acto que se chama raciocínio. e o conhecimento tácito. conforme Luria e Polanyi. valorizando a experiência e a reflexão na experiência. e o reconhecimento do conhecimento tácito. não consegue dar respostas às situações que emergem no dia-a-dia profissional. São Paulo: Cia. Esse conhecimento na ação é o conheci- 3. modificamo-la e fazemos novas experiências" (p. determinadas mudanças no mundo. admite-se como valiosa. sofremos as conseqüências da mudança. Portanto. O profissional assim formado.. Como professor de Estudos Urbanos no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts. procederemos a uma gênese contextualizada desse movimento. Em sua tese de doutorado (1983). Michael Polanyi). passamos. "O pensamento ou reflexão (. Donald Schõn realizou atividades relacionadas com reformas curriculares nos cursos de formação de profissionais.. procedendo-se de acordo com ela. através da reflexão. presente nas soluções que os profissionais encontram em ato. 192). o conceito de experiência compreendida como mais do que a simples atividade. . Luria e Kuhn. envolvendo os elementos ativo (tentativas. mudança) e passivo.. Schõn propõe uma formação profissional baseada numa epistemologia da prática. especialmente sobre John Dewey. EUA) até 1998. Democracia e educação. não é primariamente. Schõn estuda Dewey. 3 Assim. (Dewey. ou seja.. 5. Londres: Temple Smith. constróem novas soluções. Dom Quixote. e não apenas ao final. que está na ação e que. colocando as bases para o que se convencionou denominar o professor pesquisador de sua prática. A partir daí. especialmente. num contexto de reformas 4. interiorizado. A esse movimento. Ver também Nóvoa. esse conhecimento não é suficiente. possíveis explicações. The Reflective Practitioner — how professionals think in action. Madrid: Paidós. Aos interessados em aprofundar a análise das propostas de Schõn e suas teorias. o autor denomina de reflexão sobre a reflexão na ação. configurando um conhecimento prático. encontramos em Schõn uma forte valorização da prática na formação dos profissionais. A fertilidade das contribuições de Schõn no campo da formação de professores As idéias de Schõn rapidamente foram apropriadas e ampliadas em diferentes países. Lisboa: Ed. Este também em espanhol: Laformación de profesionales reflexivos — hacia un nuevo diseno de la ensenanza y el aprendizaje en Ias profesiones. um diálogo com outras perspectivas. que lhes possibilite responder às situações novas. Schõn. E mobilizado pelos profissionais no seu dia-a-dia. e Educating the Reflective Practitioner — tomará a nem design for teaching and learning in the professions. uma análise. não dão conta de novas situações. uma compreensão de suas origens. obra que reúne textos de vários autores em tomo da perspectiva de professor reflexivo. 4 Assim. configurando um hábito. os profissionais criam. D. mas uma prática refletida. por sua vez. que colocam problemas que superam o repertório criado. Os professores e sua formação. Com isso. consultar. Antônio (coord. . novos caminhos. tomar a prática existente (de outros profissionais e dos próprios professores) é um bom caminho a ser percorrido desde o início da formação. enfim. 1992. como tem ocorrido com o estágio. inclusive um texto de Schõn.). nas situações de incerteza e indefinição. os currículos de formação de profissionais deveriam propiciar o desenvolvimento da capacidade de refletir. constróem um repertório de experiências que mobilizam em situações similares (repetição). além de seu próprio. No entanto. uma problematização. 1987.20 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL mento tácito. uma apropriação de teorias sobre o problema. uma investigação. Portanto. 1983. 5 2. Frente a situações novas que extrapolam a rotina. Dentre os autores que inicialmente colocam as questões de professor pesquisador para a área de formação destes estão Elliot (1993) e Stenhouse (1984 e 1987). portanto. implícito. uma contextualização. 1992. o que se dá por um processo de reflexão na ação. não a precede. Para isso. Estes. abre perspectivas para a valorização da pesquisa na ação dos profissionais. exigindo uma busca. San Francisco: Jossey Bass. a trajetória pessoal e profissional. uma vez que aí se explicitam as demandas da prática. carregadas de conflitos e de dilemas. incluindo a vida. ganhou força a formação contínua na escola. ao local dessa formação e. a formação contínua . requerendo que os trabalhadores busquem constantemente re-qualificação através de cursos de formação contínua etc. Por outro lado. as necessidades dos professores para fazerem frente aos conflitos e dilemas de sua atividade de ensinar. suas representações. O reconhecimento destes como sujeitos participantes das propostas se constituía em requisito imprescindível no sucesso da implantação de mudanças. incertas. na elaboração das propostas a serem implantadas. do esgarçamento das relações sociais e afetivas. de carreira. do desinteresse pelo conhecimento. das novas configurações do trabalho e do desemprego. temas inclusive ausentes nas preocupações de Schõn. Uma das primeiras questões tematizadas dizia respeito aos currículos necessários para a formação de professores reflexivos e pesquisadores. O que pôs novamente em pauta de discussão as questões organizacionais. a importância do trabalho coletivo. Portanto. da indisciplina. gerado pelo reconhecimento das formas de enriquecimento que independem do trabalho. E o conceito de professor reflexivo apontava possibilidades nessa direção. seus conhecimentos. Seriam estes meros executores das decisões tomadas em outras instâncias? Pesquisas já vinham apontando a importância da participação destes e da incorporação de suas idéias. no que se refere aos professores. o projeto pedagógico das escolas. que caracteriza o ensino como prática social em contextos historicamente situados. de profissionalização de professores. de salário. às condições de exercício de uma prática profissional reflexiva nas escolas. também se indagava sobre o papel dos professores nas reformas curriculares. instáveis. a história. a identidade epistemológica (quais saberes lhes são próprios?). Nesse contexto. sobretudo. da informação e do conhecimento. as novas (e complexas) necessidades colocadas às escolas (e aos professores) pela sociedade contemporânea das novas tecnologias. os processos de formação dessa identidade. as questões referentes à autonomia dos professores e das escolas.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 21 curriculares nas quais se questionava a formação de professores numa perspectiva técnica e a necessidade de se formar profissionais capazes de ensinar em situações singulares. A ampliação e a análise crítica das idéias de Schõn (e a partir delas) favoreceram um amplo campo de pesquisas sobre uma série de temas pertinentes e decorrentes para a área de formação de professores. da violência. as condições de trabalho. cujas 6. Primeiras críticas: mercado de conceitos O ensino como prática reflexiva tem se estabelecido como uma tendência significativa nas pesquisas em educação. para o qual bastaria a prática para a construção do saber docente. econômicas e políticas da atividade de ensinar? Que condições têm os professores para refletir? Sem dúvida. propõe-se que esta se configure como um projeto de formação inicial e contínua articulado entre as instâncias formadoras (universidade e escolas ). (1998). "a reflexão desenvolvida por Schõn aplica-se a profissionais individuais. em que o ensino é tomado como ponto de partida e de chegada da pesquisa. o que pode levar à banalização da perspectiva da reflexão. no entanto. 2001. apontando para a valorização dos processos de produção do saber docente a partir da prática e situando a pesquisa como um instrumento de formação de professores. essa perspectiva pode gerar a supervalorização do professor como indivíduo. ver Fiorentini et al. A partir da valorização da pesquisa e da prática no processo de formação de professores. Pimenta. ver a tese de Maria Socorro Lucena Lima. Sobre as diferenças entre educação permanente e formação contínua. fruto de uma reflexão em torno de si própria. Garrido & Moura (2000). A formação contínua de professores nos caminhos e descaminhos do desenvolvimento profissional. cabe. Concordando com a fertilidade dessa perspectiva. Faculdade de Educação — Universidade de São Paulo. de uma possível hegemonia autoritária. além de um possível modismo. indagar: que tipo de reflexão tem sido realizada pelos professores? As reflexões incorporam um processo de consciência das implicações sociais. com uma apropriação indiscriminada e sem críticas. . Nesse sentido. no entender de Rocha (1999). Para Liston & Zeichner (1993). de um possível "individualismo". 6 7 3. sem compreensão das origens e dos contextos que a gerou. Esses riscos são apontados por vários autores.22 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL não se reduz a treinamento ou capacitação e ultrapassa a compreensão que se tinha de educação permanente. ao colocar em destaque o protagonismo do sujeito professor nos processos de mudanças e inovações. se se considera que a perspectiva da reflexão é suficiente para a resolução dos problemas da prática. Sobre a relação universidades e escolas. diversos autores têm apresentado preocupações quanto ao desenvolvimento de um possível "praticismo" daí decorrente. Zeichner (1998). 7. . Essa massificação do termo tem dificultado o engajamento de professores em práticas mais críticas. como vimos. Os trechos citados referem-se a seus trabalhos de sínteses do curso. Castro et al. reduzindo-as a um fazer técnico. esse 'mercado' do conceito entende a reflexão como superação dos problemas cotidianos vividos na prática docente. facilitadores do diálogo público nos problemas sociais. Afirmam que isto ocorreu porque o autor não se colocou por objetivo elaborar um processo de mudança institucional e social. 8 Zeichner (1992) "entende que a concepção de intervenção reflexiva proposta por Schõn. Para eles Schõn não especifica as reflexões sobre a linguagem. E é isso que. A nosso ver. só a reflexão não basta. Contraditoriamente. vem ocorrendo com o conceito: um oferecimento de treinamento para que o professor torne-se reflexivo. Afirmam que Schõn concede aos profissionais a missão de mediação pública. Esses autores acreditam que Schõn tinha a consciência dessa limitação dos profissionais reflexivos. 2000).PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 23 mudanças que conseguem operar são imediatas: eles não conseguem alterar as situações além das salas de aula. M. mas somente centrar-se nas práticas individuais. Raquel A. sem os quais os professores não conseguem mudar a produção do ensino. mas não inclui qual deveria ser o compromisso e a responsabilidade pública dos professores" (Freitas. a partir de Dewey. M. Celina Abadia da & Freitas. é uma forma de sustentar a incoerência em se identificar o conceito de professor reflexivo com práticas ou treinamentos que possam ser consumidos por um pacote a ser aplicado tecnicamente. os sistemas de valores. Os trechos citados referem-se a seus trabalhos de sínteses do curso. foram alunas do doutorado da UCG em 1999. na FE-USP. Rocha. Liston & Zeichner "consideram que o enfoque de Schõn é reducionista e limitante por ignorar o contexto institucional e pressupor a prática reflexiva de modo individual. 9. O esvaziamento do sentido também se dá na identificação do conceito com a adjetivação da reflexão entendida como atributo do humano e do professor.. portanto" (Castro et al. tendo em conta suas diversas dimensões. a seu ver. quatro elementos fundamentais. esse fazer foi o objeto de crítica do conceito professor reflexivo. E mais. de forma a fazê-lo segundo ideais de igualdade e justiça. é necessário que o professor seja capaz de tomar posições concretas para reduzir tais problemas. Foram alunos do curso ministrado em 2000. Os professores não conseguem refletir concretamente sobre mudanças porque são eles próprios condicionados ao contexto em que atuam". 1999). Nesse sentido. 9 8. os processos de compreensão e a forma com que definem o conhecimento. Para Kemmis (1985). estranhamente. quanto à abordagem da prática reflexiva. entre práticas cotidianas e contextos mais amplos. uma vez que implica a imersão do homem no mundo da sua existência. 2000) que o saber docente não é formado apenas da prática.24 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Discorrendo sobre o tema. para que não se incorra numa individualização do professor. culturais. Quanto à concepção do professor como investigador desenvolvida por Stenhouse. oferecendo perspectivas de análise para que os professores compreendam os contextos históricos. Nesse sentido. torna-se necessário estabelecer os limites políticos. individualmente. pois. sendo também nutrido pelas teorias da educação. os vários autores concordam que este não inclui a crítica ao contexto social em que se dá a ação educativa. decorrente da perspectiva da reflexão. intercâmbios simbólicos. Contreras (1997) se destaca dentre os autores que realizam uma análise crítica da epistemologia da prática. pontua que a reflexão não é apenas um processo psicológico individual. organizacionais e de si próprios como profissionais. a teoria tem importância fundamental na formação dos docentes. a separação de sua prática do contexto organizacional no qual ocorre. para também apontar suas possibilidades. à reflexão e à melhoria dos problemas é uma perspectiva restrita. por exemplo. Dessa forma. Assim. considerando o ensino como prática social concreta. referindo-se a Habermas. Fica. No livro La autonomia dei profesorado realiza uma sistematização dessa crítica a partir de diferentes autores. sociais. pois dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação contextualizada. pois desconsidera a influência da realidade social sobre ações e pensamentos e sobre o conhecimento como produto . institucionais e teórico-metodológicos relacionados a esta. portanto. evitando que a ênfase no professor não venha a operar. aponto (Pimenta. reduz a investigação sobre a prática aos problemas pedagógicos que geram ações particulares em aula. A transformação da prática dos professores deve se dar. correspondências afetivas. numa perspectiva crítica. Pérez-Gómez (1992). a centralidade na aula como lugar de experimentação e de investigação e no professor como o que se dedica. evidenciada a necessidade da realização de uma articulação. Assim. um mundo carregado de valores. deve ser adotada uma postura cautelosa na abordagem da prática reflexiva. interesses sociais e cenários políticos. advinda da desconsideração do contexto em que ele está inserido. no âmbito das investigações sobre prática docente reflexiva. mas também desigual. De críticas e de possibilidades Ao colocar o papel da teoria como possibilidade para a superação do praticismo. ou seja. no sentido das desigualdades sociais. Por isso. no sentido da pluralidade de saberes. nada mais significa do que uma tecnicização do trabalho dos professores e de sua formação. no reverso da crítica ao professor reflexivo e pesquisador da prática. Nesse sentido. Assim.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 25 de contextos sociais e históricos. no discurso sobre as competências. Libâneo (1998a) destaca a importância da apropriação e produção de teorias como marco para a melhoria das práticas de ensino e dos resultados. Contreras (1997) chama a atenção para o fato de que a prática dos professores precisa ser analisada. a fertilidade desses conceitos para novas possibilidades. há que se aceitar a afirmação de Giroux (1990) de que a mera reflexão sobre o trabalho docente de sala de aula é insuficiente para uma compreensão teórica dos elementos que condicionam a prática profissional. econômicas. incluindo as esferas sociais mais amplas e ao evidenciar o significado político da atividade docente. 4. Na mesma direção. o processo de emancipação a que se refere Stenhouse é mais o de liberação de amarras psicológicas individuais do que o de uma emancipação social. de modo que se identifique o potencial transformador das práticas. como se verá. outra é reduzir o problema a esse lugar. entendo que a superação desses limites se dará a partir de teoria(s). concorda com Carr (1995) ao apontar sobre o caráter transitório e contingente da prática dos professores e da necessidade da transformação da mesma numa perspectiva crítica. que. Concordando com a crítica desses autores. que permita(m) aos professores entenderem as restrições impostas pela prática institucional e histórico-social ao ensino. . da crítica coletiva e ampliada para além dos contextos de aula e da instituição escolar. por exemplo. Também Lawn (1988) analisa que uma coisa é identificar o lugar onde o professor realiza sua função. através do processo de escolarização. considerando que a sociedade é plural. que coloca a direção de sentido da atuação docente numa perspectiva emancipatória e de diminuição das desigualdades sociais. O que se faz presente. esses autores apresentam. culturais e políticas. Esse movimento. é interessante porque impede uma apropriação generalizada e banalizada e mesmo técnica da perspectiva da reflexão. Da reflexão individual à coletiva Para compreender esse movimento. nos quais se dá sua atividade docente. podem se direcionar a objetivos democráticos emancipatórios. culturais. A) O papel da teoria Para Gimeno (1999). Os saberes teóricos propositivos se articulam. B) A reflexão coletiva Para superar esses problemas Zeichner (1992).25 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 4. O papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos. transformando-os. . enquanto prática social. além de seu poder formativo. formula três perspectivas a serem acionadas conjuntamente: a) a prática reflexiva deve centrarse tanto no exercício profissional dos professores por eles mesmos. Daí. a fertilidade dessa epistemologia da prática ocorrerá se se considerar inseparáveis teoria e prática no plano da subjetividade do sujeito (professor). uma vez que. o que leva à necessidade de transformar as escolas em comunidades de aprendizagem nas quais os professores se apoiem e se estimulem mutuamente. a teoria como cultura objetivada é importante na formação docente. duas questões são fundamentais: o que se entende por teoria e seu papel na reflexão e a compreensão de que a reflexão é necessariamente um processo coletivo. Esse conhecimento não é formado apenas na experiência concreta do sujeito em particular. possibilitando ao professor criar seus "esquemas" que mobiliza em suas situações concretas. a partir de pesquisas que desenvolve junto às escolas e aos professores. sociais. pois sempre há um diálogo do conhecimento pessoal com a ação. é fundamental o permanente exercício da crítica das condições materiais nas quais o ensino ocorre e de como nessas mesmas condições são produzidos os fatores de negação da aprendizagem. organizacionais e de si mesmos como profissionais. Assim. aos saberes da prática. portanto. pois. b) o reconhecimento pelos professores de que seus atos são fundamentalmente políticos e que. no caso). para neles intervir. podendo ser nutrido pela "cultura objetiva" (as teorias da educação. só pode se realizar em coletivos. configurando seu acervo de experiência "teórico-prático" em constante processo de re-elaboração. quanto nas condições sociais em que esta ocorre.1. c) a prática reflexiva. ao mesmo tempo ressignificando-os e sendo por eles ressignificados. dota os sujeitos de pontos de vista variados para uma ação contextualizada. Esse compromisso tem importante valor estratégico para se criar as condições que permitam a mudança institucional e social. retira dos professores a capacidade de serem autores isolados de transformações. cuja reflexão é coletiva no sentido de incorporar a análise dos contextos escolares no contexto mais amplo e colocar clara direção de sentido à reflexão: um compromisso emancipatório de transformação das desigualdades sociais. as finalidades educativas apresentam um discurso de preparar para a vida adulta com capacidade crítica em uma sociedade plural. Prosseguindo a análise da perspectiva crítica de Giroux. a identidade dos professores. para intelectuais críticos e transformadores. o tempo de ensinar. para resistir às pressões que o contexto social e institucional exercem sobre eles. para melhor entender que possibilidades a reflexão crítica pode ter no contexto escolar. as organizações escolares e os sistemas de ensino e de formação inicial e contínua dos professores. sua autonomia relativa foram colocados em pauta. abre-se a perspectiva de pautar inúmeros temas sobre o trabalho docente. Com efeito. ou seja. Contreras (1997) aponta o risco de esta não ultrapassar o nível de discurso. mas não aponta como os mesmos podem realizar a transição de técnicos reprodutores e mesmo reflexivos individualmente. o projeto político pedagógico. desenvolve a concepção do professor como intelectual crítico. É nesse contexto que temas como a gestão. Por um lado. não oferecendo. Por outro. Giroux expressa claramente o conteúdo da tarefa docente. portanto. os currículos. há que se abrir a prática educativa aos grupos (incluindo as universidades) e práticas sociais comprometidas com a contestação popular ativa. de outro. Ou: do professor reflexivo ao intelectual crítico Giroux (1990). Por isso se faz necessário analisar como estes podem manejar processos de interação entre seus interesses e os valores e conflitos que a escola representa. o trabalho coletivo. a capacidade emancipatória e transformadora dos professores e das escolas como esferas democráticas só é possível se considerar os grupos e setores da comunidade que têm algo a dizer sobre os problemas educativos. Há que se entender que a escola não é homogênea e os professores não são passivos.2. Portanto. acabam re- . Se essa perspectiva."CFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 27 4. de um lado. apontando os limites da proposta de Schõn. Para Contreras. Daí. uma vez que não está sustentada na análise das condições concretas das escolas. o trabalho docente e a vida da escola se estruturam para negar estas finalidades. uma análise das mediações possíveis para sua efetivação. E nesse paradoxo que os professores. Da reflexão à reflexão crítica. conferelhes autoridade pública para realizá-las. O que efetivamente ocorreu no cenário educacional dos anos 1980 e 90 em diferentes países. de transformação das diferenças de nossas práticas cotidianas. Como se configurava. A compreensão dos fatores sociais e institucionais que condicionam a prática educativa e a emancipação das formas de dominação que afetam nosso pensamento e nossa ação não são espontâneas e nem se produzem naturalmente. bem como para ampliar a análise. Os dois colegas portugueses passaram a vir ao Brasil com grande freqüência. trazendo textos de autores da Espanha. o contexto da formação de professores no Brasil? Alguns antecedentes A formação de professores é um antigo e caro tema em nossa história. 10 10. consultar Brezinski (1987). Gonçalves & Pimenta (1990). Estados Unidos e Inglaterra. entre outras. de outro modo. Para examinar a questão desde as suas origens. foram tão ampla e rapidamente disseminadas? Certamente porque aqui encontraram um terreno fértil. especialmente com a difusão do livro Os professores e sua formação. coordenado pelo professor português Antônio Nóvoa. Muitas pesquisas já haviam sido produzidas sobre o assunto. Portugal. Fusari & Cortese (1989). sob a coordenação da professora Isabel Alarcão. França. 1993. realizado em Aveiro. depois das associações científicas. Pimenta (1994). Ou. No âmbito deste texto me deterei ao período a partir dos anos 1960.28 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL duzindo suas preocupações e suas perspectivas de análise aos problemas internos da aula. o conceito de professor reflexivo e tantos outros rapidamente se disseminaram pelo país afora. e com a participação de significativo grupo de pesquisadores brasileiros no I Congresso sobre Formação de Professores nos Países de Língua e Expressão Portuguesas. então. 5. a partir das contribuições de Schõn. a partir de convites das universidades. depois dos governos e das escolas particulares. São processos contínuos de descoberta. nos perguntamos o porquê da admiração dos educadores brasileiros por eles. . As pesquisas sobre formação de professores no Brasil Nos inícios dos anos 1990. com referências à expansão dessa perspectiva conceituai também para a Austrália e o Canadá. por que suas pesquisas e suas experiências no campo da formação de professores. antes das influências citadas. Considerando a riqueza da colaboração de ambos e suas qualidades como intelectuais e pesquisadores. suporte da família. Luiz Pereira. iniciou em julho de 1944 a publicação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP).PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 29 Nos idos dos anos 1960. Também o Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas (INEP). com o desenvolvimento do capitalismo urbano. e que foram inviabilizadas pela ditadura militar. paciência e abnegação e de baixos salários. o que põe em pauta a necessidade do trabalho da mulher para o sustento da família. foi um dos principais promotores para a organização das Conferências Nacionais de Educação (CNEs) 1965/6/7. será profundamente alterada a partir dos anos 1960. apontando como um fator da desvalorização relativa da profissionalização docente. em uma sociedade e uma cultura essencialmente baseadas no trabalho masculino. que colocou em pauta a importância da educação no processo de democratização política. A sociedade brasileira. de instinto maternal. Aparecida Joly Gouveia e outros autores da área de Sociologia da Educação na USP já vinham inaugurando a pesquisa em educação no país. especialmente da professora que podia conciliar trabalho e afazeres domésticos. Além disso. responsável pela divulgação do pensamento educacional brasileiro e das pesquisas sobre formação de professores. a partir do amplo movimento de análise crítica da realidade educacional brasileira. criado no início dos anos 1940. em sua pesquisa denominada Magistério primário numa sociedade de classes (1969). Fatores esses aceitáveis para o trabalho de uma mulher de classe média alta. apontando para uma desqualificação do trabalhador em geral. econômica e cultural. poucas horas diárias de trabalho e prestígio ocupacional insatisfatório. Inep. criados em 1969. Cedes). O Inep. entidades de educadores da sociedade civil (Ande. ANPEd. realizará importantes e significativas pesquisas sobre a formação de professores realizada então nas Escolas Normais de Ensino Médio. constatava que a característica mais marcante do magistério primário estava no fato de ser uma ocupação quase exclusivamente feminina. órgão do governo federal criado e dirigido por Anísio Teixeira. social. utilizando dados do Censo Escolar do Brasil. no entanto. o trabalho urbano vai ampliar a demanda social por escolarização básica. Posteriormente. Essas pesquisas colocaram em evidência o distanciamento e a impropriedade dessa formação em confronto com as necessidades de uma escolaridade básica de qualidade. uma vez que pautada em características missionárias. 1965. até meados dos anos 1980. trazendo propostas de políticas públicas compromissadas com justiça e igualdade social. . Por outro lado. Dentre eles. nos anos 1980. para uma população significativamente ampliada e que trouxe para os bancos escolares as crianças dos segmentos 11 11. reeditaram sob a sigla de Conferências Brasileiras da Educação (CBEs). responsáveis pela divulgação do pensamento e das pesquisas já então produzidas nas Faculdades de Educação e nos Programas de Pós-Graduação em Educação. quase totalmente sua dimensão profissionalizante e distanciando-se da realidade das escolas primárias. Gatti & Rovai (1977). no futuro. Lelis (1983).) Ao aluno não é dada a oportunidade de refletir sobre os problemas relacionados com a escola primária e que estão a exigir soluções. Pimenta (1994). . Cysneiros (1980). as Escolas Normais padeciam de uma tradição elitista em seu currículo. tendo sofrido significativas transformações em seu currículo. especialmente depois que esta foi significativamente modificada pela Lei 5692 / 71. 12. Para isso. Candau (1986). ou mesmo não se dispunham a fazêlo (cf.30 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL sociais até então excluídos. 13. Farias (1983). distanciado das necessidades da prática. apontavam para a necessidade de se proceder a uma transformação paulatina da formação dos professores para a escolaridade básica a ser realizada no ensino superior. Mediano (1987). entre outros. a profissionalização foi tornada opcional a partir de 1982. perdendo. Pimenta. na contramão do que apontavam as pesquisas realizadas pelo Inep (cf. Pinheiro. não preparando os futuros professores para enfrentá-la. Inep. 1965) —> com formação não além da 2 série primária. nos anos 1980. Além de insuficientes numericamente — "44% dos professores primários que ensinam em nossas escolas são improvisados e sem formação" (Censo Escolar do Brasil. Diante de inúmeras pressões. que colocavam desafios que as professoras não estavam preparadas para enfrentar. que tornou obrigatória a profissionalização no Ensino Médio. O distanciamento entre os cursos de formação e a realidade da escola primária foi assim diagnosticado na pesquisa de Pinheiro (1967: 160): "(. 1994).... pois. O Ensino Normal passou a ser. apenas uma das habilitações profissionalizantes. não possibilitava a reflexão dos professores).) embora os alunos estudem Psicologia e Sociologia. contraditoriamente. Piconez (1988). Ver a propósito Brezinski (1987). As práticas decorrentes dessa medida legal caminharam. problemas concretos (. assim. não adquirem atitude psicológica e sociológica adequadas para enfrentar. um caráter difuso no Ensino Médio. com redução de sua carga horária específica. 12 33 As pesquisas desse período subsidiaram os debates e as novas propostas amplamente discutidas nas Conferências Brasileiras de Educação (CBEs). A Habilitação Magistério (HEM) assumiu. a partir de então." As pesquisas sobre a Escola Normal prosseguiram. De modo geral.. a Essas pesquisas mostravam que o Curso Normal não partia da análise da realidade (na linguagem de hoje poderíamos dizer que não realizava pesquisa da prática. 1967). a Antropologia. eventualmente. 16. Dermeval Saviani. em São Paulo. ver os Documentos da Anfope (1994 em diante). e os Programas da PUC-RJ. destacar as experiências que passaram a ser realizadas por diferentes universidades que em convênio com sistemas públicos passaram a formar. Ver Almeida (1996). mas sem a formação em nível superior. Unicamp. Brezinski (1996 e 1999). Ora. UFMG. nos cursos de pedagogia. Importantes experiências foram então desenvolvidas como a da Universidade Federal do Mato Grosso. . também poderia (e mesmo deveria) formar professores para o magistério nessas séries. mas compreendendo-a como um espaço de contradições. E importante. a Filosofia. que certificava os pedagogos como professores das disciplinas pedagógicas dos cursos de formação de professores em nível de 2 grau (antigo Curso Normal). sem negar o caráter ideológico da educação. 15. Alguns programas tiveram expressiva contribuição na análise crítica da educação brasileira. realizando pesquisa como parte do processo formativo. 34 35 o A produção acadêmica na área de educação foi significativamente impulsionada com a criação dos cursos de pós-graduação na área. produzindo as primeiras dissertações e teses. inclusive se propondo e.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 31 também concorria a intensa discussão sobre os cursos de pedagogia e a especificidade dos pedagogos. 5540/68. esses programas foram determinantes para a análise crítica da escola e da educação bem como para o recorihecimento da importância (relativa e não exclusiva) da educação escolar nos processos de democratização da sociedade. professores habilitados para as séries iniciais. A pós-graduação foi institucionalizada com a Lei da Reforma Universitária. sobre o assunto. 17. muitas vezes identificados também como professores. Gonçalves & Pimenta (1990). Monteiro & Speller (1999). ao mesmo tempo. a Habilitação Magistério. Destaque-se o de Filosofia da Educação. 26 37 14. Privilegiando um referencial marxista e gramsciniano na análise dos problemas educacionais e da escolaridade no país. da PUC-SP. dentre outros. Esses cursos passaram a assumir um caráter de formação inicial e contínua. na medida em que se destinavam a professores que já atuavam. Libâneo & Pimenta (1999). se poderia formar professores que atuariam nas séries iniciais. a Economia. pois comportavam. além da própria Pedagogia. Libâneo (1998b). Incorporando as contribuições das várias disciplinas que se ocupavam da educação como a Sociologia. Valorização essa que caminhava na perspectiva de superação das análises reprodutivistas. embates e discussões a respeito dessas questões. configuravam um espaço de resistência à então ditadura militar. Sobre os problemas. sob a coordenação do prof. dentre suas habilitações. governos democraticamente eleitos incorporaram. enquanto prática social. Ver as pesquisas realizadas por Fávero (1987 e 1992). 1989). após a redemocratização política com a retomada das eleições diretas. Essa compreensão suscitou novas propostas curriculares tanto nas legislações estaduais quanto nas práticas nas escolas. durante os anos 1980. As análises produzidas evidenciavam a ausência de projeto formativo conjunto entre as disciplinas científicas e as pedagógicas. além do desprestígio do exercício profissional da docência no âmbito da sociedade e das políticas governamentais prejudicando seriamente a formação de professores. o formalismo destas. analisar. 19. Vera Candau. que depois se ampliou para a revisão dos cursos de formação de educadores. Uma análise dessas propostas permite que nelas se identifique a importância que colocavam na pesquisa da prática como proposta formativa. o distanciamento daquelas da realidade escolar. originando a Associação Nacional de Formação dos Profissionais da Educação (Anfope). Inclusive a formação de professores. aberto o caminho para se colocar a educação e a escola em questão. em seus programas educacionais. Ilustrativo desse movimento foi o seminário "A didática em questão". formação essa então realizada nos cursos de licenciatura. problematizar.32 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Estava. 1991. não apenas para a escola básica. possibilitadas por amplos Programas de Formação Contínua. tendo surgido alternativas que caminhavam na direção de tornar a formação mais diretamente voltada aos problemas que as práticas das escolas apontavam. incluindo as licenciaturas. 20 18. Fusari & Pimenta. inúmeras foram as transformações ocorridas na então Habilitação Magistério. realizado na PUC do Rio de Janeiro. Essas pesquisas foram produzidas também no âmbito do movimento de revisão dos currículos do curso de pedagogia. 25 79 A par da produção acadêmica e das experiências de formação de professores para as séries iniciais que vinham sendo realizadas no âmbito de universidades. No que se refere à formação de professores. promovidos por Secretarias de Educação com assessoria de universidades. interpretar e propor alternativas aos problemas que o ensino. assim. especialmente quando se referiam aos estágios. 1994). Pimenta. em 1983. . apresentava nas escolas (cf. coordenado pela profa. muitas das contribuições produzidas nos anos das CBEs. André & Fazenda. que gerou livro homônimo. Entendia-se que era necessário que os professores tivessem sólida formação teórica para que pudessem ler. 20. Exemplo destas foi o Projeto Cefam (Cavalcante. 1994. mas para as demais séries. e que culminou no texto aprovado na Assembléia Final da IV Conferência Brasileira de Educação.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 33 Para a elaboração dessas propostas foi muito significativa a contribuição das pesquisas qualitativas e de análise do cotidiano escolar. Ver Menezes (1996). legislativo e judiciário). no entanto. Ver André (1995). a partir da ampla mobilização promovida pelas entidades então promotoras das CBEs. criou-se uma nova instituição. o que acabou tomando corpo na Proposta para o texto legal da nova LDBEN. pois na seqüência da Carta Constitucional iniciou-se o movimento pela elaboração das Leis Orgânicas. Para realizá-la no nível superior. Manteve-a no nível médio. Ver Pimenta (1994). dentre outros. empreendidas pela França. envolvendo outras entidades e sindicatos de educadores (Andes e CNTE) e da sociedade civil (ABI. fora da universidade e cujo modelo já vinha sendo amplamente questionado em diferentes países que haviam optado por esse caminho. A compreensão dos processos de constituição do saber fazer docente no local de trabalho abria caminhos para o estudo da escola nos cursos de formação e para novas possibilidades de se articular a formação inicial e a contínua. realizada em Goiânia. Essa instituição não desenvolverá pesquisa. entre outras). em setembro de 1986 (ver Carta de Goiânia. in: Cunha. Espanha. OAB. por mais dez anos. O capítulo sobre Educação que consta da Constituição aprovada em 1988 foi elaborado pelos educadores brasileiros. Argentina. produto de seminário realizado em São Paulo para uma avaliação das reformas no campo da formação de professores. Argentina. foi o espaço privilegiado para o qual convergiram as vozes dos educadores e da qual saiu a proposta dos mesmos para a nova LDB. 24. apenas em parte contemplou as demandas dos educadores no que se refere à formação de professores para as séries iniciais. 22. O texto que passou a integrar a LBDEN/96. Inglaterra. em vez de se valer das inúmeras pesquisas e experiências que vinham sendo realizadas pelos governos estaduais e pelas universidades que já apontavam para a importância do fortalecimento destas na realização dessa formação. que foi aprovada em decorrência da Carta Constitucional de 1988. Nessa mesma Assembléia foi constituído o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. 23. Portugal. os Institutos Superiores de Educação (ISE). resultado de inúmeras pressões. dentre as quais a da Educação (LDBEN). 21 22 Ao mesmo tempo. Novamente as CBEs. . Tailândia e Brasil. através especialmente dos estágios. Esse Fórum deu prosseguimento à atuação política junto aos órgãos representativos (executivo. mas 23 24 21. Portugal. colocava em evidência a escola como espaço institucional de práticas coletivas. crescia o entendimento da importância de se elevar a formação dos professores das séries iniciais ao ensino superior. como por exemplo. Ao expor a importância da análise das práticas dos professores em seus contextos. especialmente a de Brasília (1988). 1998). mas fundamentalmente os que existem e estão assegurados pela Constituição" (Anais da Conferência Nacional de Educação. Com a assessoria de intelectuais das universidades. profissionalização e compromisso". 841-848). Selma Garrido Pimenta e Carlos Abicalil. Aí foi se colocando em pauta as questões sobre profissionalização e desenvolvimento profissional dos professores. dentre outros (pp. A partir dessa breve retrospectiva sobre a formação de professores em nosso país. Tendo por Ministro o prof. que passou a normatizar exaustivamente a formação inicial de professores e a financiar amplos programas de formação contínua. Contribuiu para isso a intensa movimentação dos sindicatos de professores empreendida nos anos 1980. para a importância de melhor se explicitar as demais condições necessárias ao exercício profissional. a indissociabilidade entre qualidade de formação e condições de trabalho e de exercício profissional (especialmente salários). das propostas e das políticas do governo subseqüente. como Banco Mundial]. os professores José C. . realizou a Conferência Nacional de Educação para Todos (1993). a valorização profissional.. 25 26 No entanto. 26. se colocava em pauta. com a colaboração de várias entidades e fóruns de educadores de todo o país. no âmbito governamental. o capítulo XIII dos Anais. que seria nas palavras do então ministro implementado "(. Fusari. que consolidou e aprovou o Plano Decenal de Educação para Todos (1993 — 2003). Pela primeira vez. os sindicatos foram incorporando e produzindo conhecimento que lhes permitia avançar. como relatores dos documentos elaborados pelas entidades envolvidas. o então Ministério de Educação. com vistas a uma melhoria da qualidade das escolas.) Com os recursos constitucionais [acrescentados de outros. negociado e assumido entre os sindicatos e os governos estaduais e municipais. Ver.34 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL tão-somente ensino. a propósito. no qual participaram.. foi totalmente abolida dos discursos. para a elevação salarial dos professores de todo o território nacional. um amplo acordo. definida num piso salarial mínimo. comprometendo significativamente o conceito e a identidade do profissional a ser formado. No espaço de tempo entre a aprovação da Constituição de 1988 e a da LDBEN de 1996. fato inédito. intitulado "Educador: formação. incluindo salários e condições de trabalho. Murílio Hingel. pode-se perceber as preocupações temáticas que configu- 25. precedida de encontros regionais. Desse Plano consta. 1993:11). a partir das tradicionais lutas por melhores salários. nos anos recentes. a jornada remunerada. econômicas. considerando-as como um dos possíveis critérios para analisar as nossas questões. a contribuição do saber escolar na formação da cidadania. a democratização interna da escola. os espaços e os tempos de ensinar e aprender. elevando a formação dos professores da escola básica para o nível superior (fenômeno que ainda se encontra em processo). sua apropriação como processo de maior igualdade social e inserção crítica no mundo (e daí: que saberes? que escola?). investindo na formação inicial e contínua. no desenvolvimento das instituições escolares e elevando o estatuto de profissionalização dos professores. nos anos 1980. Nesses países. os alunos: quem são? de onde vêm? o que querem da escola? (de suas representações). de planejamento. dos professores: quem são? como se vêem na profissão? Da profissão: profissão? E as transformações sociais. identifica-se o reconhecimento da escola e dos professores como protagonistas fundamentais nesse processo. as condições de trabalho e de estudo (de reflexão). a organização da escola. o projeto político e pedagógico. os temas acima referidos ganharam espaço nas universidades e nas pesquisas. Numa tentativa de síntese. do mundo do trabalho e da sociedade da informação: como ficam a escola e os professores? Foi nesse solo profundamente revolvido que as contribuições de Nóvoa. colaborando para a proposição das políticas educacionais e de formação de professores. a escola como espaço de formação contínua. políticas. o trabalho coletivo. o que ocor- . incluindo a reestruturação do quadro de carreira. O que levou esses países a realizarem significativas alterações nos seus sistemas de ensino. dos sindicatos. a importância dos professores nesse processo. saindo de longos períodos de ditadura como Espanha e Portugal. Schõn e outros foram bem-vindas. dos governos nesse processo. pode-se apontar os seguintes: a valorização da escola e de seus profissionais nos processos de democratização da sociedade brasileira. das condições de trabalho e dos salários. os salários. A centralidade nos professores como fundamento de políticas educacionais: de possibilidades e de críticas Nos países que adentraram por um processo de democratização social e política. Ao menos para que pudéssemos olhar para outras experiências.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 35 raram o solo que acolheu as colaborações dos pesquisadores estrangeiros. caminhos e propostas. as responsabilidades da universidade. os currículos. 6. Alarcão. USP. especialmente com a obra de divulgação coordenada por Antônio Nóvoa. A centralidade colocada nos professores traduziu-se na valorização do seu pensar. Maria Isabel de. importante crítica às teorias de Schõn e de Stenhouse. Pérez-Gómez (1991. O que é o contraposto da concepção de professores na racionalidade técnica. os definem. como vimos. a propósito. (1985. O sindicato como instância formadora dos professores: novas contribuições ao desenvolvimento profissional. especialmente Espanha. 1992. trazem perspectivas para a re-invenção da escola democrática. investindo na valorização e no desenvolvimento dos saberes dos professores e na consideração destes como sujeitos e intelectuais. do seu sentir. o que pode ser analisado nas obras de Gimeno Sacristán. assistimos a uma rápi27. dentre outros. o desenvolvimento da profissionalização. as questões levantadas em torno e a partir do professor reflexivo. a partir dos anos 1990. de status e de liderança. Em outros países também pode se verificar o desenvolvimento dessas críticas: Inglaterra — Kemmis. Estados Unidos. se produzirá. característica dos anos 1970. nas universidades. Esse livro contempla textos de autores de países como Portugal. S. Os professores e sua formação. os processos de construção da identidade docente. São Paulo: Faculdade de Educação. 27 Do ponto de vista conceituai. a tese de Almeida. A bibliografia produzida nesses países foi amplamente difundida no Brasil. França. (1992. senão que também os elaboram. não apenas de sala de aula. Espanha. .36 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASl reu também nos sindicatos. capazes de produzir conhecimento. Ver. o que evidencia a rápida apropriação e expansão dessa perspectiva conceituai. Também nesses países. Daí a prioridade de se realizar pesquisas para se compreender o exercício da docência. de participar de decisões e da gestão da escola e dos sistemas. 1999. evidenciando uma política ineficaz para a democratização do ensino. sem resolver a exclusão social no processo de escolarização.1994 e 1999). Lislon & Zeichner (1993) e Giroux (1990). de suas crenças e seus valores como aspectos importantes para se compreender o seu fazer. Inglaterra. que resultou em controle cada vez mais burocrático do trabalho destes. de sua profissionalidade. 28. 28 Em decorrência também de extenso e significativo intercâmbio entre seus pesquisadores e os colegas estrangeiros. as condições em que trabalham. 1987 e 1989) — e EUA — Zeichner (1991).1992 e 1995) e Contreras Domingo (1997). às vezes em colaboração com as universidades e com os sistemas públicos. pois os professores não se limitam a executar currículos. os re-interpretam. Além do desprestígio que sofrem na própria academia e nas agências de financiamento de pesquisas. Ver. às vezes. Ou seja. melhor compreensão dessa formação a partir de estudos críticos e analíticos das práticas ae formação desenvolvidas nas universidades.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 37 da apropriação e expansão dessa perspectiva conceituai no Brasil. uma vez que questiona os limites do ideário de formação de professores predominante entre nós. como tal. é produto do trabalho de seres humanos e. que ? universidade é o espaço formativo por excelência da docência. O que explicaria essa apropriação? Por que essas idéias foram férteis em nosso meio acadêmico e político? Qual o cenário das pesquisas sobre formação de professores em nosso país? O que já havíamos produzido? Quais cenários sociais e políticos tínhamos sobre formação de professores. Nos limites deste texto. responde aos desafios 29. mas também trazendo contribuições significativas do campo prático dos cursos de licenciatura e do camj eórico para novos encaminhamentos aos cursos de formação. por outro. como unanimidade. uma vez que não é simples formar para o exercício da docência de qualidade e que a pesquisa é o caminho metodológico para essa formação. valendo-se do aporte das ciências da educação e mesmo das áreas de conhecimentos específicos desvinculados da problemática e da importância do ensino. campo de atuação dos futuros professores. democratização escolar e social? Quais as demandas que estavam colocadas aos pesquisadores e às políticas de formação? Como se configuravam essas políticas? Mas essa perspectiva conceituai também tem sido rechaçada. contribuindo para um. com excessiva veemência no meio acadêmico. Talvez por certo temor (ou xenofobia). Muitas vezes seus professores desconhecem o campo educacional. os cursos de formação de professores permanecem numa lógica curricular que nem sempre consegue tomar a profissão e a profissionalidade docente como tema e como objetivo de formação. Guimarães (20G1) e Rios (2001). e descartado também rapidamente. a propósito. E importante destacar que essas pesquisas têm •/«ortí-uo. faremos apenas um breve comentário sobre esse assunto. porque histórico.1. 30. parece-nos oportuna a empreitada de análise crítica do conceito professor reflexivo no Brasil. escolaridade. 6. de um lado. A centralidade nos professores nas políticas neoliberais 30 A educação é um fenômeno complexo. Inúmeras pesquisas têm sido produz ias denunciando essas qucotões. 29 Apropriado rápida e excessivamente. com vistas a colocar bases para a tese que exporemos a seguir sobre os projetos em confronto no . Algumas pesquisas sobre esse sistema têm revelado que os resultados dessa prática empobrecem significativamente a qualidade da aprendizagem. São Paulo: Feusp. Enquanto prática histórica tem o desafio de responder às demandas que os contextos lhe colocam. Braga. 1998. vincula-se profundamente ao processo civilizatório e humano. a escola. No que se refere à sociedade da informação e do conhecimento. Essa política ilustra claramente a lógica do estado mínimo. Tese de doutorado. 1999. é necessário distinguir os dois termos. Cavalcante. com a instalação do tele-ensino. porque não apresenta a eficácia dos meios de comunicação nesse processo. Hoje a informação chega em grande quantidade e rapidamente a qualquer ponto do planeta. Por isso. Em outros textos deste livro pode-se encontrar um aprofundamento dessa análise. 1998. Maria Marina Dias. gerados por uma central e que coloca os professores como monitores. o professor poderia também ser dispensado. na ótica neoliberal. Ver Bodião. por exemplo. Rosa M. A tarefa destes é proceder a mediação entre os programas de todas as áreas do currículo e os alunos. Um estudo comparativo das décadas de 1980 e 1990: caso de Boa Viagem. pois em cada sala de aula há um monitor no lugar de cinco professores em uma 5 série. Kátia Regina. mas também projeta a sociedade que se quer. b) sociedade do não-emprego e das novas configurações do trabalho. 1999. característica do neoliberalismo. A universalização do tele-ensino nas escolas públicas estaduais de I grau e a democratização do saber: o caso de Camocin. In: Novas Políticas Educacionais: críticas e perspectivas.38 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL que diferentes contextos políticos e sociais lhe colocam. São Paulo: Ed. a educação se resolveria colocando os jovens e as crianças diante das informações televisivas e internéticas. Fortaleza: UFC. 31. Quais seriam estes desafios hoje? Pelo menos dois: a) sociedade da informação e sociedade do conhecimento. tenderia a desaparecer. Fortaleza: UECE. Essa política permite uma grande economia aos sistemas. Nessa perspectiva. São Paulo: PUC-SP. Marília. 1997. operando uma nova forma de exclusão social pela inclusão quana 31 Brasil. Um exemplo dessa lógica é a política que vem sendo implantada em diferentes estados. A educação retrata e reproduz a sociedade. 1997. Sobre o cotidiano das classes de tele-ensino de uma escola da rede pública estadual do Ceará. Formação do educador e avaliação educacional: formação inicial e contínua. o . "Os financiamentos do Banco Mundial como referência para a formação do professor". Identificada como uma instituição que transmite informações. no qual as escolas são equipadas com redes de televisão que transmitem os programas das disciplinas. Dissertação de mestrado. A prática do orientador de aprendizagem na TVE-CE. e Fonseca. In: Bicudo & Silva Jr. Portanto. assim como em Torres. Idebaldo S. Unesp. "Tendências da formação docente nos ano 1990". leigos. seus já baixos salários foram corroídos por uma inflação galopante.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 39 titativa no processo de escolaridade. cultural e humanamente. Ou seja. por sua vez. Um profissional que reflete sobre o seu fazer. Conhecer significa trabalhar as informações. relacionar as informações e a organização da sociedade. esses alunos terão reduzidas oportunidades de inserção. nos anos 1980 na América Latina. o que gerou o investimento de grandes recursos em programas de formação contínua.2. Dos saberes às competências. "são ilusórias as . para um profissional preparado científica. analisar. Trabalhar as informações na perspectiva de transformá-las em conhecimento é uma tarefa primordialmente da escola. Nesta o trabalho autônomo descarta as conquistas trabalhistas. aumentaram os problemas sociais gerando maior pobreza e trazendo para a escola e seus professores novas demandas de atendimento. A conseqüência foi um aumento de professores não diplomados. levando-os ao multiemprego ou ao abandono da profissão. Conhecer é mais do que obter as informações. por exemplo. requalificações. o trabalhador desempregado necessita buscar. é trabalho para professor e não para monitor. a quantidade e a velocidade das informações na sociedade de hoje. Ou seja. Para conseguir trabalho e sobreviver. identificar suas fontes. por parte do estado. No que se refere aos professores. contextualizar. tecnológica. Nesse quadro. cujos resultados se perdem por não terem continuidade e não se configurarem como uma política de formação que a articula à formação inicial e ao desenvolvimento das escolas. S. técnica. o não-emprego é uma das características da sociedade globalizada das informações. organizar. Os programas econômicos adotados para conter a inflação. por exemplo. No mercado competitivo. cabe estabelecer a diferença entre informação e conhecimento. no entanto. pesquisando-o nos contextos nos quais ocorre. Reconhecendo. E aí pode-se compreender a imensa valorização hoje conferida aos programas de formação contínua transformando a educação em um grande mercado. estabelecer as diferenças destas na produção da informação. Realizar o trabalho de análise crítica da informação relacionada à constituição da sociedade e seus valores. com precária estabilidade e em precárias condições para ensinar. reduzindo a docência a técnicas No que se refere ao tema das novas configurações do trabalho. incluindo o Estado. que são dispendiosas para os empregadores. como são utilizadas para perpetuar a desigualdade social. por sua conta. pedagógica. emocional. sob a forma de emprego. comunicacional na escola é muito diferente de trabalhá-lo como consumo. econômica. No entanto. que são apenas um verniz que dá títulos. São perspectivas educacionais muito diferentes. terceirizar e despojar os professores de suas especializações nas áreas do conhecimento torna impossível o projeto de escola coletivamente construído. como o trabalho autônomo e terceirizado (há escolas que contratam os serviços de professores de Educação Física.40 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL propostas de baratear a formação (. por exemplo. cultural. trabalhar o corpo como desenvolvimento físico. em sua maioria. pensar a relação conhecimento — sociedade e a contribuição que os saberes disciplinares podem oferecer às problemáticas humanas e sociais. na qual a escolarização (e os professores) teriam contribuição fundamental. Nas propostas do governo brasileiro para a formação de professores.) em licenciaturas rápidas ou curtas. é possível perceber que a centralidade nos professores posta pelas demandas de democratização nas sociedades que haviam saído de períodos de ditadura e que buscavam a implantação de um modelo da social-democracia que propiciasse uma maior e mais efetiva justiça e eqüidade social. O projeto coletivo e interdisciplinar da escola aponta possibilidade para a superação dessa fragmentação. apontando as graves conseqüências que o trabalho fragmentado com os conhecimentos trazia à qualidade da escolarização. por exemplo. com outra direção de sentido. E outras. A crítica a esse modelo é a de que o ensino por fragmentos das áreas do saber dificulta. Ora. que altera a identidade dos professores em termos dos saberes necessários e do significado destes na formação dos alunos. 1996: 10-11). o trabalho ainda se realiza. A partir desse breve panorama da sociedade neoliberal.. o que ocorre nas academias. Quais as conseqüências das mudanças na empregabilidade para a organização e o funcionamento da escola? Há alguns anos nos debatíamos com a questão da divisão do trabalho no interior da escola. e por vezes inviabiliza. como a monitoria. também se faz presente. através dc academias).. a partir da reflexão sobre os problemas da educação escolar. no que se refere aos professores. Assim. É nessa reflexão conjunta que se confere o significado às áreas de conhecimento. na área de Educação Física. acrescento] deve ser requisito para formar professores" (Sandoval. a educação superior [nas universidades. política. apesar de já se anunciarem novas formas. percebe-se a incorporação dos discursos e a apro- . do conceito de professor reflexivo. através de um ensino superior. via de regra.. para que a reflexão e a pesquisa da prática viessem a se realizar. Ou por isso mesmo. mas fragmentadas como vimos. Essa substituição acarreta ônus para os professores. quantitativamente ampliado nos anos 1970. esquecendo-se que eles são também produto de uma formação desqualificada historicamente.. E. conceito esse que está substituindo o de saberes e conhecimentos (no caso da educação) e o de qualificação (no caso do trabalho). quando esses resultados são questionados pela sociedade. No contexto dessas políticas importa menos a democratização e o acesso ao conhecimento e à apropriação dos instrumentos necessários para um desenvolvimento intelectual e humano da totalidade das crianças e dos jovens e mais efetivar a expansão quantitativa da escolaridade. a área de recursos humanos utilizava-se da noção de qualificação (. são eles instados a uma busca constante de cursos de formação contínua. até o início dos anos 1980. Por outro lado. amplamente preestabelecidas em inúmeras competências. como se pode perceber a partir da citação a seguir: Na França. acompanhadas de explícitas e às vezes sutis desqualificações das universidades para realizar essa formação. e mesmo da desqualificação e da falta de incentivos para as pesquisas sobre formação de professores que estas têm realizado em escolas públicas. gerando significativo conhecimento sobre as necessidades para as políticas de formação e de desenvolvimento profissional dos professores. que suporia significativa alteração nas condições de trabalho dos professores nas escolas com tempo e estabilidade. Ou ainda as reformas na formação inicial que estão configurando um aligeiramento geral. Nessas políticas os professores também adquiriram centralidade. uma vez que o expropria de sua condição de sujeito do seu conhecimento. das escolas e mesmo dos sistemas de ensino. Não se trata de mera questão conceituai. sob a ameaça de perda do emprego real ou mesmo simbolicamente através do desprestígio social de seu trabalho. muitas vezes às suas expensas. como as políticas deformação contínua. em universidades-empresas. ao menos. que na maioria das vezes permanecem como retórica. e também frente às novas demandas que estão postas pela sociedade contemporânea à escola e aos professores.) a temática da qualificação construiu-se e desen- . o que se constata pelo refinamento dos mecanismos de controle sobre suas atividades. Ou são efetivamente implantados. responsabilizam-se os professores.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 41 priação de certos conceitos. por exemplo. E o caso. mesmo que seus resultados sejam de uma qualidade empobrecida. 1996. (Silva. para sua reprodução. conhecimento em situação. no lugar de saberes profissionais. por sua vez. Por outro lado. preestabelecido? Onde estaria o reconhecimento de que os professores não se limitam a executar currículos. Se estas não se ajustam ao esperado. os definem e os reinterpretam. definidas pelo "posto de trabalho". 1996). senão que também os elaboram. coletivamente consideradas e contextualizadas. entendido como um aperfeiçoamento do positivismo (controle / avaliação) e. do capitalismo. também com um modelo único. sobre aquilo que se faz (visão de totalidade. crêem. polissêmico. partindo de conhecimentos e saberes anteriores. Competências. Será assim que podemos identificar um professor? Não estariam os professores. Aos poucos. 1996) Nesse sentido. aberto a várias interpretações.) A noção de competência emerge nesse contexto. consciência ampla das raízes. O que é necessário para qualquer trabalhador (e também para o professor). originando uma distância entre o conjunto de saberes que o trabalhador detém e o conjunto de disposições necessárias para manter um posto de trabalho. Portanto. sendo preparados para a execução de suas tarefas conforme as necessidades definidas pelas escolas.42 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL volveu-se em universos sociais com organizações aparentemente estáveis. dos porquês e dos para quê). 1999: 94. a partir do qual o professor constrói conhecimento. Mas ter competência é diferente de ter conhecimento e informação sobre o trabalho. como objeto de análise. valorizam. novas qualificações do trabalhador" (Silva. das origens. competência pode significar ação imediata. (. facilmente poderá ser descartado. nessa lógica... problematizando-as em confronto com o que se sabe sobre elas e . sobre Dugué. o termo também significa teoria e prática para fazer algo. O termo competência. onde as pessoas adquiriam os saberes que lhes permitiam assumir postos de trabalho estáveis. O que só é possível se. é mais adequado do que o de saberes/qualificação para uma desvalorização profissional dos trabalhadores em geral e dos professores. esta situação se alterou. Minvielle. conforme as conclusões das pesquisas? (cf. 1999:87). Dugué. "O capital está exigindo. diferentemente da valorização do conhecimento em situação. dos desdobramentos e implicações do que se faz para além da situação. a partir do que pensam. com as recentes mudanças ocorridas no setor produtivo. estas. Le Botef. refinamento do individual e ausência do político. desloca do trabalhador para o local de trabalho a sua identidade. portanto. o discurso das competências poderia estar anunciando um novo (neo)tecnicismo. tomar as práticas (as suas e as das escolas). Hargreaves. fluido. ficando este vulnerável à avaliação e controle de suas competências. Isso porque assinala que o professor pode produzir conhecimento a partir da prática. avalie e supere as competências. a excessiva (e mesmo exclusiva) ênfase nas práticas. A partir delas é possível apontar possibilidades de superação desses limites que sintetizamos a seguir: 32 a) Da perspectiva do professor reflexivo ao intelectual crítico reflexivo. Assim. mas também de pesquisas empíricas que realizamos. acrescentamos] responsável pelo desenvolvimento de competências. Os saberes são mais amplos. portanto. ao longo de sua vida. Lima (2001). permitindo que se critique. Pimenta. E. 7. que terá pela frente o desafio de tomar-se competente. a inviabilidade da investigação nos espaços escolares e a restrição desta nesse contexto. ou: da dimensão individual da reflexão ao seu caráter público e ético. Garrido & Moura (2000). Essas críticas emergem não apenas de análises teóricas dos diferentes autores.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 43 em confronto com os resultados sociais que delas sc esperam. O que está disponível no mercado da formação contínua. dos saberes dos professores. Uma síntese: projetos em confronto A análise empreendida no presente texto coloca em evidência a indiscutível contribuição da perspectiva da reflexão no exercício da docência para a valorização da profissão docente. em que se estão transformando os programas de educação. 32. a ausência de critérios externos potenciadores de uma reflexão crítica. Almeida (1999). como pesquisador de sua própria prática. As críticas apresentadas indicam os seguintes problemas a essa perspectiva: o individualismo da reflexão. ou será ela responsável pela formação básica do indivíduo. 1999:101) Essa lógica coloca no trabalhador a responsabilidade para estar permanentemente buscando novas competências. . do trabalho coletivo destes e das escolas enquanto espaço de formação contínua. cabe indagar: Será a escola [e os cursos de formação de professores. somando à educação obtida na escola sua experiência de vida e de trabalho? (Silva. problematizando os resultados obtidos com o suporte da teoria. desde que na investigação reflita intencionalmente sobre ela. Para isso. É preciso uma política . como meros executores e cumpridores de decisões técnicas e burocráticas gestadas de fora. com processos formativos que tomem a realidade existente (as escolas. Assim. a partir de problematização das mesmas e da realização de projetos de coletivos de investigação. a fim de que se constituam em ambientes capazes de ensinar com a qualidade que se requer. que podem significar um descolamento da escola. o investimento na sua formação inicial e no desenvolvimento profissional e o investimento nas escolas. portanto. Os professores e as escolas não são considerados. pedagógicos e da experiência na construção e na proposição das transformações necessárias às práticas escolares e às formas de organização dos espaços de ensinar e de aprender. d) Da formação inicial e dos programas de formação contínua. São necessárias condições de trabalho para que a escola reflita e pesquise e se constitua num espaço de análise crítica permanente de suas práticas. c) Do professor-pesquisador à realização da pesquisa no espaço escolar como integrante da jornada de trabalho dos profissionais da escola.44 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL b) Da epistemologia da prática à práxis. 2) reforçar a importância da universidade na formação. compromissados com um ensino com resultados de qualidade social para todas as crianças e os jovens. aprimoramento individual e um corporativismo. com a colaboração de pesquisadores da universidade. Ou: considerar o desenvolvimento profissional como resultante da combinação entre a formação inicial. com a colaboração da universidade. ou: da construção de conhecimentos por parte dos professores a partir da análise crítica (teórica) das práticas e da ressignificação das teorias a partir dos conhecimentos da prática (práxis). o exercício profissional (experiências próprias e dos demais) e as condições concretas que determinam a ambos. por exemplo) como parte integrante desse processo e no qual a pesquisa é o eixo central. e) Da formação contínua que investe na profissionalização individual ao reforço da escola e do coletivo no desenvolvimento profissional dos professores Esses desdobramentos e possibilidades colocam em evidência que estamos nos referindo a uma política de formação e exercício docente que valoriza os professores e as escolas como capazes de pensar. Ou: 1) instaurar na escola uma cultura de análise de suas práticas. de articular os saberes científicos. "a prática profissional implica na atuação coletiva dos professores sobre suas condições de trabalho incitando-os a se colocarem em outro patamar de compromisso com o coletivo profissional e com a escola" (Almeida. ao desenvolvimento profissional. 1999:45-46). é grande. sem uma análise crítica. Estamos. que seja mais justa e igualitária. a partir dos movimentos de imigração. algumas hipóteses. é preciso elevar os salários a patamares decentes que dignifiquem a profissão docente. política. No caso. que se traduziria em medidas para a efetiva elevação do estatuto da profissionalidade docente e para a melhoria das condições escolares. no âmbito deste texto não incluímos a análise desses países cujos contextos apresentam nuances mais diretamente voltadas para as questões das desigualdades culturais. expressão de uma moda. Esse projeto confronta com os projetos da sociedade neoliberal. como vimos. mas também significativamente suas condições de exercício profissional com jornada e salários compatíveis com um exercício crítico e reflexivo e de pesquisa. nas reformas educacionais dos governos neoliberais. Embora esse desenvolvimento também tenha ocorrido na França. por sua vez. à medida em que o despe de sua potencial dimensão político-epistemológica. que não apenas transformaram as condições de formação dos professores. como se vê. capazes de aliar a pesquisa nos processos formativos. 33 Ainda sobre a questão da apropriação dos conceitos. ao mesmo tempo que des-qualifica a escola e os professores. Por sua fertilidade. sem um estudo mais consistente sobre suas origens. Concluindo A tese que defendemos é a de que a apropriação generalizada da perspectiva da reflexão. portanto. falando de um projeto emancipatório. . contribuindo para a elevação do estatuto da profissionalidade docente. econômica. Essa questão. que investe tão somente no desenvolvimento quantitativo.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 45 que transforme as jornadas fragmentadas em integrais. à semelhança do que ocorreu em outros países. a democratização social e política de países como Espanha e Portugal. está "esquecida" nas políticas do governo brasileiro. nos EUA e na Inglaterra. A sólida formação. compromissado com a responsabilidade de tornar a escola parceira na democratização social. A perspectiva da reflexão em análise foi amplamente difundida e apropriada por pesquisadores brasileiros na área. o que não é o caso do Brasil. Mas também muitas vezes descontextualizada. transforma o conceito professor reflexivo em um mero termo. só pode ser desenvolvida por universidades compromissadas com a formação e o desenvolvimento de professores. São 33. tecnológica e cultural. o que demandaria mais tempo para que uma sólida formação teórica seja apropriada no diálogo com as práticas e com as teorias nelas presentes. banalizada e meramente discursiva. considerando que a prática de que são possuidores. A questão se complica quando esses programas fazem uma formação superior aligeirada. A ausência desses cuidados que são característicos do pesquisador. em seu livro A cabeça bem feita. numa atitude que permita o emergir de critérios de validação. individualmente consideradas. também tem levado a um rápido e apressado descarte. Também se observa o ampliação dos programas de formação em nível superior destinados a professores que já atuam nos sistemas de ensino. por exemplo. uma vez que já atuam profissionalmente. conforme propõe Morin. os saberes de que necessitam são simplificados em competências. . Nesses programas observa-se uma supervalorização da prática. Por outro lado. Também presentes na desqualificação dos professores com a transformação de seus saberes em saberes-fazeres. Neste caso. considerada em si mesma. diretamente ligados à operacionalização do ensino e com a definição de novas identidades dos docentes transformando-os em tutores e monitores da aprendizagem. Esses programas sugerem um investimento mais na certificação do que na qualidade da formação. a partir de sua operacionalização em inúmeras competências a serem desenvolvidas no processo formativo inicial e em serviço. o que resulta em menores investimentos em sua formação.46 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL poucas as pesquisas empíricas que os colocam à análise. colocando as bases para uma avaliação da atividade dos professores. especialmente no Brasil e no Chile. 1999. para verificar suas possibilidades e seus limites em contextos situados. sob suspeita. também se observa uma tendência em proceder a uma tecnicização da reflexão. o que dispensaria o trabalho dos professores com estas na direção de transformá-las em conhecimento e sabedoria. a partir delas. da mesma maneira que gera uma apropriação generalizada. o que em si não é indesejável. As justificativas se circunscrevem à rapidez com que a sociedade veicula informações. Essa tendência é forte em setores expressivos de universidades norte-americanas e inglesas e vem subsidiando políticas governamentais. não tomada como objeto de análise crítica. é suficiente para dispensá-los de um processo formativo mais amplo e profundo. Alguns indicadores dessas políticas podem ser identificados. como se a moda já tivesse sido superada. numa atitude de sistemática desqualificação das universidades como espaços formativos. 1982. Discurso que se reveste de inovação. São Paulo: 1999. 1984. ALMEIDA. 1981. Projeto do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia: magistério das séries iniciais do ensino fundamental. n° 2. Assim. Campinas: Papirus. porque se apropria da contribuição de autores estrangeiros contemporâneos e dos termos novos que decorrem de suas teorias. v. 1996. Caso contrário. 1993. . ANAIS DA CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Tese (doutorado) — FEUSP. dos contextos nos quais foram produzidas e para os quais. ALMEIDA. São Paulo: Cortez. Maria Isabel de. ANAIS DA I CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. lima Passos A. Maria de Fátima B. falacioso e retórico servindo apenas para se criar um discurso que culpabiliza os professores. ignoram ou mesmo descartam a análise do conjunto de suas teorias e.). eventualmente. têm sido férteis no sentido de potencializar a efetivação de uma democracia social com mais igualdade. se transforma em mero discurso ambíguo. O Sindicato como instância formadora dos professores: novas contribuições ao desenvolvimento profissional. São Paulo: Cortez. Brasília: MEC. Cuiabá: UFMT. São Paulo: 2000. Formação continuada como instrumento de profissionalização docente. subsidia a proposta de superar-se a identidade necessária dos professores de reflexivos para a de intelectuais críticos e reflexivos. ANAIS DA II CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. Caminhos da profissionalização do magistério. . ajudando os governantes a encontrarem um discurso que os exime de responsabilidades e compromissos. No entanto. Tese (doutorado) — FEUSP. a análise das contradições presentes na apropriação histórica e concreta desse conceito. 1998. (org. ANAIS DA III CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. Referências bibliográficas ABDALLA. Isabel. 22.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 47 A análise crítica contextualizada do conceito de professor reflexivo empreendida neste texto permite superar as suas limitações. Célia S. In: VEIGA. São Paulo: Loyola. principalmente. ALARCÃO. para o que contribui a democratização quantitativa e qualitativa dos sistemas escolares. Formação e desenvolvimento profissional do professor: o aprender da profissão (um estudo em escola pública). 1996. Por que da admiração dos professores por Donald Schõn? Revista da Faculdade de Educação da USP. afirmandoo como um conceito político-epistemológico que requer o acompanhamento de políticas públicas conseqüentes para sua efetivação. evidenciadas na pesquisa teórica e empírica empreendida. 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Abrindo janelas à noção de competência para a construção de um currículo interdisciplinar: um estudo preliminar. . Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador-acadêmico. 1991. TANGUY. Uma A. 1992. In: FIORENTINI. Os professores e sua formação. pp. Apenas não me parece frutífero do ponto de vista das ações pedagógicas concretas qualquer tipo de reducionismos. Esses reducionismos podem ser explicados. 2000). por isso mesmo. histórico etc.com. muito vem enriquecendo a teoria educacional.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 53 REFLEXIVIDADE E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: outra oscilação do pensamento pedagógico brasileiro? José Carlos Libâneo* Em textos recentes sobre a especificidade do conhecimento pedagógico como campo científico da educação. o reducionismo de considerar a teoria do professor reflexivo nas visões do pragmatismo ou do reconstrucionismo social como as únicas que explicariam mais acertadamente o lugar da reflexividade na formação inicial e continuada de professores. pela fragilidade do pensamento pedagógico brasileiro nas últimas décadas. (Libâneo. resultando nos reducionismos sociológico. psicológico. venho alertando sobre os riscos de abordagens parcializadas do fenômeno educativo. sem dúvida. em boa parte. 1999. em relação ao qual poderá estar acontecendo. Não é que não se reconheça a força das contribuições teóricas e práticas dessa linha de estudos que. mais conhecido como professor reflexivo. mais uma vez. que. submete-se facilmente aos modismos e às oscilações * Libaneo@rural. por conta "do viés das várias áreas de conhecimento que se ocupam do fenômeno educativo". Algo parecido está ocorrendo com o tema da reflexividade.br . 54 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL teóricas. professor de Sociologia da Educação da USP. c) o reconhecimento 1 1. de tempos em tempos. obviamente. o cerne da reflexividade está na relação entre o pensar e o fazer. a oscilação ou flutuação ou dispersão ou variação temática parece ser. . Orlandi discutia no artigo citado a presença de textos de sociologia da educação que se erigiam como modelos de pesquisa em educação. da prática à teoria. a adoção da teoria do professor reflexivo entre nós. conforme mostram vários estudos. a sociológica. algo que se move para um lado e para outro. O termo "oscilação" tem também o sentido de flutuação. Aliás. que se manifesta em atitudes tais como o rápido abandono de linhas de pesquisa em favor daquelas supostamente consideradas mais avançadas. denotando uma flutuação sociológica da consciência pedagógica. temos discutido os posicionamentos sobre essas questões: a) relação direta e causai do pensamento para o comportamento. da perspectiva psicológica no campo educacional. É notória. Os autores que trabalham o tema da reflexão no ensino referem-se. de modo que o ponto de partida e o ponto de chegada desses textos eram a sociologia da educação e não a educação. em razão da sociologização do pensamento pedagógico. A definição do dicionário para o verbo "oscilar" é mover-se tornando a passar (ao menos aproximadamente) pelas mesmas posições. desde longa data. mas seu sentido mais apropriado é o de variação alternada. uma característica inconfundível do campo educacional no Brasil. a psicológica. Os reducionismos ainda são uma forte marca do pensamento educacional atual. ou seja. a assunção de temas da moda surgidos em outras culturas. a um exercício de reflexão em relação às ações de variada natureza. Propõe-se analisar o conceito de reflexividade para além do que já se escreveu sobre a metáfora do professor reflexivo. b) a relação direta e causai do comportamento para o pensamento. a predominância. por exemplo. em nosso país. em artigo denominado "Nota crítica sobre o pensamento pedagógico brasileiro". O presente texto aborda o significado de reflexividade e seus vários entendimentos aplicados à formação de professores. Orlandi utilizava a expressão "flutuações da consciência pedagógica" para se referir à variação do predomínio de uma ou outra perspectiva de análise do fenômeno educativo. Em relação à perspectiva sociológica. a meu ver. discutia o embate entre os cientistas sociais e os educadores. E precisamente esse fenômeno que caracteriza. o deixar para trás os paradigmas clássicos do conhecimento. Já em 1962 Luiz Pereira. a econômica (Orlandi. a um comportamento reflexivo. da teoria à prática. Em texto publicado em 1969. in SAVIANL 1980). buscando diferentes modos de compreender o papel da reflexão no desenvolvimento profissional dos professores. Ao longo destes anos. envolvendo a capacidade e a competência reflexiva no exercício profissional. entre o conhecer e o agir. As considerações a serem desenvolvidas aqui sobre a reflexividade estão longe de constituírem-se numa formulação acabada. os dois tipos básicos de reflexividade presentes no debate atual. um termo adequado para designar a capacidade racio- . todos pensamos sobre o que fazemos. nessa discussão. Reflexividade parece ser. Gimeno Sacristán (1999: 33): O problema da relação teoria — prática não se resolve na educação a partir de uma abordagem que conceba a realidade — a prática — como causada pela aplicação ou adoção de uma teoria. considerações sobre a reflexividade e o desenvolvimento profissional dos professores. Gostaria de acentuar. neste ponto. A noção de reflexividade Considerarei neste tópico dois itens: a reflexividade na filosofia e na pedagogia e a história do conceito em nossa experiência brasileira.. que procede com reflexão. representam uma tentativa de mapear os problemas e de sugerir pistas para o aprofundamento de estudos. de certos conhecimentos ou resultados da investigação. ver. reflexivo — o que reflete ou reflexiona. Antes. essa descontinuidade. 0 que é reflexividade Reflexividade é uma característica dos seres racionais conscientes. caráter do que é reflexivo. que cogita. 1. que pode ser feita comigo mesmo ou com os outros. voltar para trás. todos os seres humanos são reflexivos.) Tão-pouco estamos seguros de que a teoria válida seja aquela que se gera nos processos de discussão ou de investigação-ação entre os que estão na prática. O termo original latino seria "reflectere" — recurvar. que se volta sobre si mesmo. Não é inútil recorrer à etimologia: o dicionário Houaiss menciona reflexivo + dade. dobrar.. Serão abordados três tópicos: a noção filosófica de reflexividade. A reflexividade é uma auto-análise sobre nossas próprias ações.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 55 de certa descontinuidade entre a teoria e a prática e de que as coisas não se resolvem apenas em insistir na "relação teoria — prática". Sigo. pois. (. idealista. mas algo imanente à minha ação. de examiná-las. A reflexão não visa aos objetos em si para chegar aos conceitos deles. Ela é um sistema de significados decorrente da minha experiência. pensar sobre o conteúdo da minha mente. 1999: 837). in Abbagnano. in Abbagnano. de modificálas e combiná-las de maneiras diferentes: ela é o grande princípio do raciocínio. ou. ou melhor. cristã. (Vauvenargues. o 2 ) Num segundo significado. modifico-as. do juízo etc. a reflexão é entendida como uma relação direta entre a minha reflexividade e as situações práticas. isto é. representações e estratégias de intervenção. em que os resultados da reflexão têm o poder de dar uma configuração à realidade e de governá-la numa direção previamente definida. externa. sobre as intenções. Penso sobre minhas idéias. Nesse caso. Ela é a consciência da relação entre as representações dadas e as várias fontes do conhecimento. pelo menos. examino-as. da reflexão como conhecimento do conhecimento. sobre as construções sociais. ou melhor. um pensamento que orienta minha prática. 1999: 837). para enriquecer e modificar não somente a realidade e suas representações. quer dizer. conforme diz Dewey. é o estado de espírito em que começamos a dispor-nos a descobrir as condições subjetivas que nos permitem chegar aos conceitos. Há. Pérez Gómez (1999: 29) escreve: A reflexividade é a capacidade de voltar sobre si mesmo. Dizendo isso de uma outra maneira: a minha capacidade reflexiva começa necessariamente numa situação concreta. "o estágio o .56 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL nal de indivíduos e grupos humanos de pensar sobre si próprios. (Kant. Este é o sentido de uma reflexão interior. a inevitabilidade de utilizar o conhecimento à medida que vai sendo produzido. Supõe a possibilidade. admitindo-se uma realidade interior separada do mundo exterior. três significados bastante distintos de reflexividade: I ) Reflexividade como consciência dos meus próprios atos. de um exame de consciência sobre os atos praticados. mas também as próprias intenções e o próprio processo de conhecer. a reflexão me leva a formar uma teoria. formado no decurso da minha experiência. reflexividade não é introspeção. o ato de eu pensar sobre mim mesmo. Trata-se de uma visão platônica. Algumas definições encontradas em Abbagnano (1999:837) esclarecem essa mencionada separação entre conceito e realidade: A reflexão é o poder de dobrar-se sobre as idéias. isto é. está entre o mundo externo e a ação do sujeito.. (. seus compromissos e seus limites. essa realidade é captada pelo meu pensamento. certamente. Esta é a posição formulada por Dewey (1979: 158): O pensamento ou a reflexão (. como é o caso das abordagens fenomenológica. à reflexão. Essa realidade ganha sentido com o agir humano. o pensamento. 3 ) O terceiro caminho de entender a reflexividade é a reflexão dialética. mas que pode ser captada pela minha reflexão. é uma construção teórico-prática. A breve menção a algumas noções do campo filosófico de reflexividade é. Com isto. Sendo assim.) Na descoberta minuciosa das relações entre os nossos atos e o que acontece em conseqüência delas. reflexiva por excelência. assim.) é o discernimento da relação entre aquilo que tentamos fazer e o que sucede como conseqüência. cabendo em cada uma outras modulações e composições. dos acontecimentos. muda-se a qualidade desta. captar o movimento dessa realidade. surge o elemento intelectual que não se manifesta nas experiências de tentativa e erro. cabe ao pensamento. suas relações e nexos constitutivos. À medida que se manifesta esse elemento aumenta proporcionalmente o valor da experiência. e sua função é dar uma nova direção à minha ação.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 57 inicial do ato de pensar é a experiência". (. Mas esse conhecimento precisa ser crítico. Ainda na perspectiva dialética. a chamada teoria crítica acentua o caráter político da teoria em relação à prática. independente da minha reflexão.. A partir dessa reflexão. cada um dos sentidos que descrevemos geram diferentes entendimentos do papel da reflexividade no trabalho dos professores. eu defino meu modo de agir futuro. Primeiro.. estruturalista. dos processos. as injustiças. o que é a mesma coisa de pensar a relação entre a situação e o meu pensamento. a reflexão. as relações de dominação. Mas é preciso considerar dois pontos. Há uma realidade dada. de modo a haver continuidade entre ambas. das estruturas — é uma realidade em movimento. o . e a mudança é tão significativa que poderemos chamar reflexiva esta espécie de experiência — isto é. A realidade. e construir uma explicação do real.. implicando uma auto-reflexão sobre si próprio. que analisaremos no tópico seguinte.) Pensar é o esforço intencional para descobrir as relações específicas entre uma coisa que fazemos e a conseqüência que resulta. positivista. Aí eu reajo a essa situação. esclarecer o que devo fazer. De todo modo. essa realidade — o mundo dos fatos. incompleta. Segundo.. pois o conhecimento teórico tem a função de operar o desvendamento das condições que produzem a alienação. à teoria.. JOC (Juventude Operária Católica). no contexto teórico assumimos o papel de sujeitos cognoscentes da relação sujeito-objeto que se dá no contexto concreto para. melhor atuar como sujeitos em relação ao objeto. não só é uma descrição adequada da contínua interação da experiência. JEC (Juventude Estudantil Católica) e JAC (Juventude Agrária Católica). Escreve Freire (1976: 135): No contexto concreto somos sujeitos e objetos em relação dialética com o objeto.. Estou pontuando essa data arbitrariamente. É bastante provável que a adoção desse método por militantes católicos leigos tenha sido influenciada pelos jesuítas. também visa à formação da consciência política. b) A proposta de reflexividade de Paulo Freire — Essa proposta. pois a história da reflexividade começa desde que o homem se fez homem. (. por exemplo. voltando a este. grosso modo.) A reflexão só é legítima quando nos remete sempre (. sem poder detalhá-los agora. reflexão e ação do processo de ensino e aprendizagem... o percurso do conceito de reflexividade no Brasil desde. dentro do movimento da ação católica em que se agrupavam a JUC (Juventude Universitária Católica).58 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL A história do conceito no Brasil Podemos identificar. na caminhada deste último. através da codificação ou representação de situações existenciais dos educandos e. O objetivo deste método era sistematizar o exercício de reflexão. passa-se à descodificação feita pelo diálogo educador—educandos. tendo em vista formar a consciência histórica ou consciência crítica dos militantes.. Vou apenas mencionar alguns momentos dessa história. considerado à luz dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. tor- . Escrevem os jesuítas (1994: 32): Característica singular do paradigma da pedagogia inaciana é que. assentada no processo da ação — reflexão — ação. mas também uma descrição ideal da inter-relação dinâmica entre o professor e o aluno.. da ação e da reflexão. a partir dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. num segundo momento. No conhecido "método Paulo Freire" começa-se por tomar distância do contexto concreto para uma análise crítica dos fatos. cujos fatos busca esclarecer.. os anos 1960.) da prática e da teoria. rumo à maturidade do conhecimento e da liberdade. Estes momentos constituem a unidade (. abrindo possibilidades à análise crítica em torno da realidade codificada. a) Método de reflexão do Ver-Julgar-Agir — Essa formulação foi cunhada por volta dos anos 1960.) ao concreto. para além da forma natural e espontânea de pensamento e do domínio das chamadas "competências básicas" (matemática. uma construção teórico-prática. (. (. ciências. o homem é um criador de significados.) Esse é o âmbito no qual se expressam as diversidades.. constitutivos desses fatos. tendo em vista apanhar os nexos internos. portanto. a análise de objetos. A reflexão dialética busca apreender as leis sociais. ler e escrever).. na sua totalidade. situações. modificação.. Segundo Ianni (1988:145): A dialética compreende a realidade como movimento. na unidade teoria — prática. competências do pensar que levam à reflexão. a futura ação na qual se testa e que. apanham-se as determinações que constituem o dado. (. devir. A reflexão. iniciado no final dos anos 1970 nos Estados Unidos e na Europa. implicando. sensível e. as desigualdades. experiências. O que constituiu-se novidade nesse movimento foi acreditar que. Trata-se de refletir sobre os fatos. dos fenômenos na sua concretude. ao mesmo tempo. especialmente em oposição a uma visão positivista do conhecimento. apanha os fatos enquanto nexos de relações sociais. por isso. reflexão — ação. se deve dar a uma nova reflexão. dependem do sentido que damos a essa realidade. nas suas contradições. relações essas que os constituem. lógico-histórica. c) O método da reflexão dialética no marxismo humanista — Por volta dos anos 1980 ocorre um revigoramento do marxismo. for- .) A dialética apanha principalmente relações.. no seu contexto. (. história.) O resultado é o concreto pensado. é preciso desenvolver. de modo que os objetos sejam considerados nas suas relações. pela reflexão. a reflexão verdadeira clarifica. as divisões e outras formas de relações de antagonismo e contradição.. as hierarquias. de forma metódica. históricas. por sua vez. Iluminando uma ação exercida ou exercendo-se. d) O método da reflexão fenomenológica — Também a fenomenologia propiciou aos educadores um instrumental de leitura crítica da realidade. processos e estruturas.. se propôs atribuir à escola a preocupação com o desenvolvimento da qualidade do pensar de alunos e professores.) Assim.. O método fenomenológico compreende toda ação humana como intencional e. parte-se do dado concreto. acentuandose a idéia de formação da consciência crítica tendo como base a práxis..PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 59 nando assim possível nossa ação mais eficiente sobre eles. e) O movimento das competências do pensar — O movimento do pensar ou do desenvolvimento das competências do pensar. O que muda é a ênfase. as idéias de Bruner e outros autores. especialmente no âmbito da educação formal. que nas origens da temática do professor reflexivo está o movimento das estratégias do pensar. A formação e a profissionalização de professores é um tema que emergiu no quadro das reformas educativas. produtiva e racional o seu potencial de pensamento e que permitam torná-lo consciente das estratégias de aprendizagem a que recorre para construir e reconstruir os seus conceitos. com vinculações a diferentes aportes teóricos como a teoria piagetiana. nos anos 1980.60 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL mação e utilização funcional de conceitos. ela está explícita em Dewey. As reformas educativas expressavam essa tendência nos seguintes termos: novos tempos requerem nova qualidade educativa. f) O movimento do professor reflexivo — No final dos anos 1970 esse movimento já aparecia na literatura relacionada com os paradigmas de formação de professores. também.com/ . Lipman. criatividade. na gestão educacional. entre outros. Atualmente. por exemplo. no currículo e na metodologia de ensino. a Filosofia para Crianças de M. implicando mudança nos currículos. para atender à necessidade de melhorar a qualidade de ensino nos países europeus e fazer frente às necessidades do mercado de trabalho e à cidadania democrática. Seja por esse motivo seja pela constatação empírica do efetivo papel dos professores na melhoria do ensino. resolução de problemas.educadormarista. inclusive da América Latina. atitudes e valores" (Santos. esse movimento desenvolve-se em vários países. É certo. levando o tema da forma- 2. tomada de decisões. 2 Não é nova essa idéia de que uma das funções da escola é o desenvolvimento do pensar e de que se trata de uma capacidade que pode ser desenvolvida. já no início dos anos 1980. é certo que a abordagem reflexiva da formação de professores ou enfoque do professor reflexivo virou um movimento em torno do conceito de reflexão. Piaget. 2000a). www. Consultar. na avaliação dos sistemas e na profissionalização dos professores (Libâneo. Esse movimento foi incluído como uma das recomendações da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 1994: 101). Vygotsky. aperfeiçoada. estimulada. a teoria histórico-cultural da atividade. na construção de estratégias intencionalmente planejadas "que ajudem o aluno a utilizar de forma consciente. dentro de um conjunto de mudanças educacionais associadas à reestruturação produtiva e políticas de ajuste no âmbito do capitalismo. 2000. Zeichner utilizava o conceito de paradigma de formação de professores para referir-se a "uma matriz de crenças e pressupostos acerca da natureza e propósitos da escola. Pimenta e outros (2000) abordam as idéias de Donald Shõn mas destacam a importância das trocas reflexivas sobre as práticas entre os professores. Ludke. no início dos anos 1990. a idéia de Feldman (2001) em designar esse movimento de "programa do professor reflexivo". 1994. Não foi exagerada. 1994). Os dois tipos básicos de reflexividade O mapeamento das concepções atuais sobre formação de professores tem sido realizado por vários pesquisadores (Zeichner. Marcelo Garcia. 2000). e) Novos entendimentos de reflexividade com a crise do marxismo: a teoria crítica da Escola de Frankfurt. portanto. 2001). Não há razão para . Geraldi. a produção especializada sobre a formação de professores. No Brasil há menções na bibliografia especializada. 1993. É fértil. da escola como comunidade crítica de aprendizagens. ao lado de teorias de ensino. 1996. o intelectual crítico etc. Feldman. Marin. 1996. 1997. 2. André. Contreras. no caso. incluindo as várias modulações em cada uma. não propriamente pela legitimidade em constituir-se como tal mas pela popularização que o movimento ganhou. Daí propõem a pesquisa colaborativa. da cultura interna das escolas que também demarcam as práticas. Em todas elas estão presentes as concepções acadêmica. Em 1983. 1999). tecnológica e prática. Em vários autores observa-se a relação entre reflexividade e a prática da pesquisa (por exemplo. Nóvoa. do ensino. sobre a reflexividade e para além da reflexividade na formação de professores. Na segunda metade dos anos 1990 aparecem vários estudos que inserem a formação de professores numa perspectiva mais ampla sem se deter a apenas um aspecto dessa formação. Pimenta. que dão características específicas à formação de professores" (in Marcelo Garcia. Fiorentini & Pereira. o movimento do professor crítico reflexivo. a teoria da ação comunicativa. 1999. portanto. de obras de Perrenoud. 1998. Carr e Kemmis.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 61 ção de professores a uma visibilidade temática sem precedentes. Ludke. dos professores e de sua formação. Pérez Gómez. o professor prático reflexivo ou que abordam o tema numa linha crítica (entre outros. que destacam o papel da reflexão na prática docente no aprimoramento do trabalho. compatíveis com ideais de justiça. reconstrucionista social. eles precisam fazer e pensar. administrar a sala de aula. podendo ter posições fronteiriças. 3. Não posso deixar de insistir que dentro de cada um desses tipos básicos há variações. mas nem por isso seus sentidos filosóficos se dissolvem. já bastante divulgados. mas isso pode ser explicado. de cunho político. em princípio antagônicos. 3 E necessário assinalar meu entendimento de que as duas acepções têm origens epistemológicas na mesma fonte teórica: a modernidade e. o iluminismo. embora não seja propriedade do discurso teórico neoliberal. não precisam se perguntar se são neoliberais ou críticos para que aconteçam. A oposição é. Cumpre reconhecer. que algumas concepções da proposta do professor reflexivo incorporam temas e processos investigativos próximos do que vem sendo chamado de "pensamento pós-moderno". é considerada intrínseca ao ser humano. Mas há que se considerar certas nuances desse projeto: a) A orientação em formação de professores chamada de "prática" em oposição à "técnica" tem modulações bastante distintas variando de liberais a críticas. Visando a uma compreensão mais detalhada dos vários posicionamentos sobre a reflexividade. A modernidade tem uma crença forte na supremacia da razão.62 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL reproduzir aqui esses estudos. hermenêutica. Supõe a necessidade de utilizar o conhecimento para mudar a realidade. comportamentos. . Alguns leitores estranharão essa expressão "relativamente opostos". No campo crítico. todavia. crítica-reflexiva. dignidade humana. ainda. procedimentos. O que me proponho fazer é sugerir dois tipos básicos relativamente opostos de reflexividade: a reflexividade de cunho neoliberal e a reflexividade de cunho crítico. comunitária. b) o termo "reflexividade". falase da reflexividade crítica. atitudes. c) no âmbito das práticas escolares e docentes. igualdade. nesse sentido. nossas representações e o próprio processo de conhecer. o método reflexivo situa-se no âmbito do positivismo. métodos. são apropriados no sistema conceituai de outra. sobre as construções sociais. surgiu no contexto desse pensamento. formulo o quadro a seguir. A potencialidade reflexiva. É a capacidade de pensarmos sobre nossos atos. o que significa dizer que certas características do pensamento reflexivo se mantêm nas concepções tanto à direita como à esquerda. No campo liberal. ambiental. econômica. mas também para mudar nossas intenções. indicando posicionamentos frente às formas de vida social. tomar decisões. Vem ocorrendo hoje um grande transvasamento de discursos pelo que termos e significados de uma posição teórica. para indicar características de ambos os tipos. do tecnicismo. do neopositivismo ou. cujo denominador comum é a racionalidade instrumental. Embora importe muito a direção de sentido que os professores dão às suas práticas. dentro dela. representações e estratégias de intervenção. adotar métodos. evidentemente. comunicativa. sobre as intenções. PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 63 TIPOS BÁSICOS DE REFLEXIVIDADE CARACTERÍSTICAS COMUNS DO CONTEXTO • Alteração nos processos de produção decorrente dos avanços científicos e tecnológicos • Estreita ligação ciência — tecnologia • Reestruturação produtiva • Intelectualização do processo produtivo • Empoderamento dos sujeitos — Flexibilidade profissional Reflexividade crítica Reflexividade neoliberal (linear. relação entre teoria e prática • Agente numa realidade pronta e acabada • Atuação dentro da realidade instrumental • Apreensão prática do real • Reflexividade cognitiva e mimética Orientações teóricas • Paradigma racional-tecnológico • Cognitivismos • Ciência cognitiva e teoria do processamento da informação • Pragmatismo • Tecnicismo • Construtivismo piagetiano Características do professor críticoreflexivo • Fazer e pensar. dicotômica. pragmática) Características do professor reflexivo • Fazer e pensar. a relação teoria e prática • Agente numa realidade social construída • Preocupação com a apreensão das contradições • Atitude e ação críticas frente ao mundo capitalista e sua atuação • Apreensão teórico-prática do real • Reflexividade de cunho sociocrítico e emancipatório Orientações teóricas Marxismo Ineomarxismo • Construtivismo histórico-cultural ou socioconstrutivismo ou interacionismo sociocultural Reconstrucionismo social • Reflexividade crítica Fenomenologia • Apreensão subjetiva do real • Reflexividade subjetiva (compreensividade) Teoria da ação comunicativa • Reflexividade comunicativa • Reflexividade hermenêutica . principalmente em decorrência dos avanços científicos e tecnológicos. por exemplo. sabemos que o uso do termo reflexão na formação de professores foi incorporado pelos educadores brasi- . Pérez Gómez. Para isso. típico da chamada sociedade pósindustrial. automonitoramento dos trabalhadores). Essa reflexividade pode ser desenvolvida tanto pela via da psicologia cognitiva quanto pelo tecnicismo. cada visão interpretando-o de forma diferente conforme interesses políticos. visando ao empoderamento dos sujeitos. a uma forma de autocontrole da conduta pelo próprio indivíduo de modo que se obtivesse um sujeito "conscientemente" submisso aos controles sociais. suas práticas educativas tidas como propiciadoras da autonomia e da liberdade visariam. como processo de solução de problemas. Beck & Lash. O modelo de reflexividade neoliberal é explicado por Scott Lash (Giddens. Alguns estudos têm destacado. requerendo um sistema de produção flexível. ou seja. ou seja. ideológicos. ou seja. requer-se mais conhecimento intelectual e menos trabalho material. 1997). mais de um autor tem acentuado o uso indiscriminado do termo "reflexão" pelos que defendem a visão instrumental e técnica do ensino em que o raciocínio técnico se apresenta como pensamento reflexivo. Esse sistema de produção flexível — ou seja. A ampliação da capacidade reflexiva. 2000. 1998). na realidade. 1997. Silva. produtos adequados a maior consumo (quantidades menores de determinados produtos. Contreras. No fundo. mesmo as pedagogias chamadas emancipatórias seriam formas de manipulação da subjetividade a serviço da manutenção das relações de poder vigentes (cf. Marcelo Garcia. 1997). A reestruturação produtiva se baseia na alteração dos processos de produção. mas mais opções de produtos) — requer que as empresas inovem muito mais rapidamente. De acordo com esse autor. Quanto à reflexividade crítica. Este processo. mais reflexividade (auto-reflexividade. identifica-se com uma sociedade em que o consumo é cada vez mais especializado. levando à intelectualização do processo produtivo. libertação das estruturas fordistas limitadas por regras. Quanto ao tecnicismo. a utilização do construtivismo piagetiano como forma de desenvolver o governo do "eu". tomando a reflexão como prática individual (cf. mas especialmente no trabalho e na escola.64 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Uma primeira observação desse quadro indica que o contexto econômico e social é o mesmo para ambas as orientações teóricas da reflexividade. "a tese da modernização reflexiva tem como suposição básica a libertação progressiva da ação em relação à estrutura". precisa ocorrer em vários âmbitos. Alguns textos são bastante explícitos em atribuir a ênfase na formação de professores às políticas da Comunidade Econômica Européia e às reformas educativas decorrentes. O livro apresenta a visão de vários autores sobre o tema. é a de que o professor possa "pensar" sua prática. especialmente as que ressaltam uma marca individualista e imediatista das práticas reflexivas. No ambiente atual. Para se compreender melhor as propostas de Schõn e Zeichner. As propostas de reforma focam sobretudo os problemas das escolas e as áreas em que a reforma deverá incidir. como as discutidas por Contreras (1997). Observa-se uma preocupação crescente em fornecer aos professores uma maior autonomia. no entanto. Tal capacidade implicaria da parte do professor uma intencionalidade e uma reflexão sobre seu trabalho. é necessário distinguir a posição pragmática do primeiro e a posição pragmático-reconstrucionista do segundo. A idéia. algo também desejado dos demais trabalhadores em face da intelectualização do processo produtivo e da necessidade de automonitoramento. 4 Não há como contestar a validade dessa ressignificação do termo reflexão ou reflexividade. em- .PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 65 leiros a partir do livro de Antônio Nóvoa. maior autonomia e maior capacidade de tomada de decisões em seus espaços de trabalho. Zeichner. Seja como for. implantadas na Europa e nos Estados Unidos. Os professores e a sua formação (1992). captada especialmente nos artigos de D. os autores posicionam-se francamente contra a adoção do modelo da racionalidade técnica na formação de professores. privilégios e estatuto. Para Zeichner. uma das retóricas principais relaciona-se com a profissionalização do ensino. levar-se em conta as restrições feitas a essas concepções. cujo foco é conceber o ensino como atividade reflexiva. que o professor desenvolva a capacidade reflexiva sobre sua própria prática. entendendo que os professores também têm teorias que podem contribuir para a construção de conhecimentos sobre o ensino. Palavras como reflexão e poder de decisão dos professores são uma referência contínua na planificação e nas práticas da reforma (Popkewitz. ou em outros termos. Schõn e K. 1992: 37). considerando os professores como profissionais reflexivos ou artistas reflexivos ou investigadores reflexivos. o movimento da prática reflexiva atribui ao professor um papel ativo na formulação dos objetivos e meios do trabalho. mas é impossível deixar de admitir que o desenvolvimento da capacidade reflexiva estaria associada a maior flexibilidade profissional dos professores. a desconsideração do 4. Conviria. in Nóvoa. Em relação ao professor artista. Marcelo Garcia. Almeida. atualmente. Apple. Consultar a esse respeito: Pérez Gómez. que precisa ser refletida na prática docente. 1999. dirigem-se à consciência e realização dos ideais de emancipação. De certa forma. o ensino crítico tem uma orientação eminentemente ética. Contreras (1997:110) aponta o seguinte problema: (. isto é. portanto o ensino como atividade crítica. 1980. mas não se está revelando nenhum conteúdo para dita reflexão. igualdade ou justiça. O que está aqui em dúvida é se os processos reflexivos. não se está propondo qual deva ser o campo de reflexão e quais são seus limites. a falta de compreensão crítica do contexto social e simultaneamente a pouca ênfase no trabalho coletivo e na influência da realidade social e institucional sobre as ações e os pensamentos das pessoas. dentro de uma situação problemática concreta. Donald Schõn é um dos autores que defendem o enfoque reflexivo sobre a prática ou o ensino como atividade prática dentro do pragmatismo de Dewey. investigador ou reflexivo. É a partir desta distinção que se pode dizer que a proposta "reflexiva" pode levar a acreditar que a reflexão sobre a prática gera por si só formas de intervenção. a identificação entre ação e pensamento. por suas próprias qualidades. incluem-se nesta linha autores como Giroux.. um filósofo influenciado pelas idéias de Dewey. A reflexão é um processo ligado intrinsecamente à experiência. isto é. como um programa de orientação geral na formação de professores. de modo que compreenda não apenas as características do processo de ensino—aprendizagem mas as do contexto social em que ele acontece. de modo que o conhecimento prático é um processo de reflexão na ação. Zeichner situa-se na perspectiva de reflexão na prática para a reconstrução social. a não-valorização do conhecimento teórico. a outras três filosofias modernas de ensino: paidocentrismo. 1998. Em relação ao que chama de "programa reflexivo". O autor sugere que o "programa reflexivo" é um novo programa pedagógico que vem se somar. Pressupõe-se que o potencial da reflexão ajudará a reconstruir tradições emancipadoras implícitas nos valores de nossa sociedade. 5. mas que desenvolveu uma teoria própria baseada no caráter transformador da educação tendo em vista uma nova ordem social.66 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL contexto social e institucional. embora com algumas diferenças teóricas. Nesta perspectiva. ditos valores não são só os que representam emancipação mas também dominação. 5 bora ambos se posicionem contra a perspectiva técnica ou racionalista-técnica. Feldman (2001) faz uma importante distinção: a reflexão pode ser considerada como metodologia de trabalho para resolução de problemas específicos e como "prática reflexiva". a não-consideração da cultura como práticas implícitas configuradoras de comportamentos. Entretanto. Portanto. O reconstrucionismo social é um movimento nascido nos Estados Unidos no final dos anos 1950 sob a liderança principal de Theodore Brameld.) define-se uma configuração das relações entre certas pretensões e as práticas profissionais num contexto de atuação.. portanto intencional. 1967. Brameld. o que pode não ser verdadeiro. progressismo . Kemmis. PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 67 A influência das teorias pedagógicas e de ensino nas representações dos professores não tem, necessariamente, equivalência com seus procedimentos, atividades, valores postos em prática nas salas de aula. Além disso, muitas teorias perdem seu poder de ação precisamente porque não provêm os suportes técnicos para serem viabilizadas. Pode-se dizer, por outro lado, que muitas vezes professores aderem a teorias que conferem sentido ao seu modo usual de agir na sala de aula, não a teorias que lhes sao trazidas de fora. Feldman (2001; 107) escreve a esse respeito: (...) qualquer posição teórica é difícil de ser assimilada por professores e educadores se não resolve o problema prático de aprender e ensinar. (...) Nesse sentido, a interação e a negociação significativa sobre conteúdos instrumentais pode ser um passo necessário para a reformulação das teorias. Além disso, trabalhar sobre propostas que resultem em práticas exitosas e possíveis de realizar pelos professores pode abrir melhores possibilidades para a reconstrução dos fundamentos teóricos, desenvolver princípios e ampliar a base aplicável dos conhecimentos. Contreras aponta outra ordem de dificuldades: o professorado tende a limitar seu mundo de ação e reflexão à aula e ao contexto mais imediato e, com isso, prefere submeter-se às rotinas e à sua experiência imediata sem conseguir ver os condicionantes estruturais do seu trabalho, da sua cultura e das formas de sua socialização. Em razão disso, faz-se necessária uma teoria crítica que permitiria aos professores ver mais longe em relação à sua situação, teoria essa que parte do reconhecimento dos professores como intelectuais críticos. Estaríamos frente a uma reflexividade emancipadora, a caminho de uma real autonomia intelectual e política do professorado. Smyth (Contreras, 1997) resume o enfoque da reflexão crítica em quatro fases da reflexão: 1. Descrever: o que estou fazendo? 2. Informar: que significado tem o que faço? 3. Confrontar: como cheguei a ser ou agir desta maneira? 4. Reconstruir: como poderia fazer as coisas de um modo diferente? A reflexividade comunicativa proposta por Habermas supõe não apenas uma ação comunicativa voltada para o entendimento e consenso e construtivismo, o que sugere pretensões ou ao menos uma sugestão de constituir-se em mais uma teoria de ensino. 68 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL mas, também, um desvelamento das formas de coação, às vezes tomadas como "naturais", que restringem os processos de auto-reflexão. A teoria crítica adquire caráter emancipador à medida que favorece a criação das condições pelas quais os grupos sociais podem buscar, sem coações, as formas práticas de relação, ou seja, os acordos intersubjetivos. A racionalidade comunicativa seria o meio pelo qual a intersubjetividade pode resistir ao sistema e ampliar o espaço do mundo da vida. De acordo com Contreras (1997:127): A teoria crítica não é uma simples perspectiva externa sobre os processos de transformação que assumem os grupos sociais. Seu compromisso com a emancipação (...) se integra no processo de transformação, ajudando os grupos a interpretarem-se nas formas de dominação a que se encontram submetidos e a vislumbrarem as possibilidades de ação que se lhes abrem. Outros autores falam de uma reflexividade hermenêutica, compartilhada, solidária, comunitária. Trata-se de retomar a preocupação com as coisas e com as pessoas, nas práticas sociais cotidianas, em um mundo compartilhado, constituindo-se uma comunidade reflexiva de compartilhamento de significados (Lash, in Giddens, 1997). Pérez Gómez (1999: 39) parece expressar bem essa proposta: (...) se aceitamos como fundamento do respeito às diferenças culturais o caráter histórico e contingente de toda formação cultural, não é difícil assumir a exigência de utilizar esse mesmo fundamento para desmitificar o caráter natural que pretendem adquirir alguns elementos internos da própria cultura, e aceitar pelo menos a possibilidade de que o intercâmbio conceituai, experiencial e crítico, não meramente mercantil, entre as diferentes culturas seja uma estratégia ou procedimento enriquecedor da própria bagagem cultural. Esta é a tarefa fundamental das ciências humanas, o objeto da cultura crítica ou cultura intelectual: promover a reflexão compartilhada sobre as próprias representações e facilitar a abertura ao entendimento e experimentação das representações alheias, distantes e distanciadas no espaço e no tempo. (...) Faz-se inevitável assumir a exigência de um processo de construção compartilhada, a adoção de acordos, o intercâmbio de pareceres e interesses e a busca de representações e valores comuns que permitam praticar procedimentos consensuais. Para Gimeno Sacristán (1998), entre o conhecimento e a ação introduz-se a mediação do sujeito, que atua com uma intencionalidade guiada por necessidades, desejos, emoções, que marcam seu pensa- PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 69 mento. Ou seja, entre a teoria e a prática intervém a subjetividade, portadora de uma cultura subjetiva, alimentada pela cultura social objetivada. As ações apresentam-se aos sujeitos como inteligíveis à consciência, de modo que o que fazemos tem a ver com o que pensamos, e vice-versa. A reflexividade consiste, precisamente, nesse processo de tomar consciência da ação, de tornar inteligível a ação, pensar sobre o que se faz. Entretanto, diferentemente da reflexividade em Dewey, o primeiro saber que acompanha a ação não é o instrumental, é o que decorre de esquemas interiorizados de ação, de teorias subjetivas. Isso quer dizer que há, sim, uma relação entre o pensar e o atuar, mas esses atos são de natureza distinta. A prática é condição do conhecimento, mas isso não significa que frente a uma ação ou uma prática não haja esquemas mentais prévios, adquiridos a partir do que vemos nos outros, do que os outros contam, o que vai constituindo o conhecimento sobre a ação. Não é só de prática que vivem os seres humanos, como também não só de teoria. Escreve Gimeno Sacristán (1998: 85): É inerente à ação do agente que educa, um efeito de acumulação que facilita e economiza as atuações humanas ao longo da sua experiência de vida, de modo a não ter que partir do zero em cada experiência concreta. Empreendemos novas ações apoiados no saber fazer acumulado (conhecimento do como), com uma bagagem cognitiva sobre o fazer (conhecimento sobre) e com uma determinada orientação de que dá certa estabilidade (componente dinâmico, motivos estabilizados, valores e t c ) . O autor argumenta que a principal característica do pensamento é o distanciamento dos fenômenos, precisamente para entendê-los melhor. Por essa razão, a proposta de refletir na ação dá muito poucas oportunidades ao pensamento. O que fazemos é, ao invés disso, pensar sobre a ação possível ou a já realizada. (...) O que fica ressaltada é a quase impossível coexistência da reflexão sobre a prática enquanto se atua. (...) o distanciamento nos permitirá utilizar toda a cultura para racionalizar as ações, que é o que dá sentido à educação e à formação do professorado. (...) É míope a interpretação de que só os que estão atuando e são protagonistas de uma prática é que melhor podem elaborar conhecimento para a prática". (Gimeno Sacristán, 1998: 70) Por essa razão, para Gimeno, os processos reflexivos devem incidir na fase prévia (planejamento) e posterior (revisão, crítica). A ligação 70 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL teoria-prática, a reflexão e investigação na ação é uma metáfora, não significa refletir na ação. Portanto, a rigor, é melhor usar a expressão investigação sobre a ação do que investigação na ação, pois "na ação é tão difícil fazê-lo quanto seria inútil, por exemplo, alguém pôr-se a pensar quando está perdendo o equilíbrio ao atravessar o rio por uma passarela suspensa". A partir destes posicionamentos, Gimeno apresenta três níveis de reflexividade. O I nível corresponde a um distanciamento da prática para vê-la, entendê-la, avaliá-la. Refere-se ao mesmo tempo à prática e à apreensão cognitiva da prática, a partir do fazer cotidiano, do senso comum. O professor atua de acordo com suas teorias subjetivas (senso comum, representações), ou seja, o pensamento do professor é o saber deduzido de suas ações. O 2 nível é o que incorpora a ciência ao senso comum, embora sem substituir o senso comum. O 3 nível é a reflexão sobre as práticas da reflexão, a meta-reflexividade, tarefa para a qual a pedagogia e as ciências da educação têm um papel crucial, pois que se trata de pensar as características dos dois níveis anteriores de reflexividade. o o o Esta breve menção de vários entendimentos de reflexividade — e, certamente, há outros — possibilita um cotejamento com as premissas teóricas que dão suporte à visão pragmática de reflexividade, levando a mirarmos outras possibilidades teóricas e práticas de inserção da reflexividade no trabalho formativo de professores. Uma concepção crítica de reflexividade que se proponha ajudar os professores no fazer-pensar cotidiano ultrapassaria a idéia de os sujeitos da formação inicial e continuada apenas submeterem à reflexão os problemas da prática docente mais imediatos. A meu ver, os professores deveriam desenvolver simultaneamente três capacidades: a primeira, de apropriação teórico-crítica das realidades em questão considerando os contextos concretos da ação docente; a segunda, de apropriação de metodologias de ação, de formas de agir, de procedimentos facilitadores do trabalho docente e de resolução de problemas de sala de aula. O que destaco é a necessidade da reflexão sobre a prática a partir da apropriação de teorias como marco para as melhorias das práticas de ensino, em que o professor é ajudado a compreender o seu próprio pensamento e a refletir de modo crítico sobre sua prática e, também, a aprimorar seu modo de agir, seu saber-fazer, internalizando também novos instrumentos de ação. A terceira, é a consideração dos contextos sociais, políticos, institucionais na configuração das práticas escolares. tipo algoritmo. numa palavra. como elemento do apreender a pensar. mas de associar de modo mais eficaz o modo de fazer e o 6. Em outras palavras. partindo da reflexão sobre a ação? Que ingredientes do processo de ensino e aprendizagem (e que integram. Ensinar a pensar.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 71 A apropriação teórica da realidade implica o desenvolvimento dos processos do pensar em relação aos conteúdos. Tais questões levam as instituições formadoras a perguntas como: Como ajudar os professores a se apropriarem da produção de pesquisa sobre educação e ensino? Como potencializar a competência cognitiva e profissional dos professores? Como enriquecer as experiências de aprendizagem de modo a que os futuros professores aprendam a pensar? Como introduzir mudanças nas práticas escolares. é desenvolver autonomia de pensamento. resolva problemas. O aprender a aprender. A escolarização significa a apropriação de significados sociais com sentido pessoal e. prática no sentido de envolver uma ação intencional marcada por valores. Não se trata de voltar ao tecnicismo. a apropriação de instrumentos de ação supõe a idéia de que o professor desenvolve uma atividade prática. faça pensar. o processo de internalização de significados requer a aprendizagem do pensar. não haveria nenhuma impropriedade em incluir. é preciso aprender a pensar. o aprender a aprender. desenvolver recursos próprios para uma educação continuada. cujo pleno sentido é saber buscar informação. para que isso ocorra. é preciso propiciar o desenvolvimento cognitivo. analise seus próprios processos de pensamento (acertos e erros). aprender a pensar. são expressões que uso no sentido que lhes pode ser atribuído na teoria histórico-cultural de Vigotski. Por sua vez. Além disso. também. nessa mesma abordagem. de que a escola é uma mediação cultural de significados. e que planeje e promova na sala de aula situações em que o aluno estruture suas idéias. Parece claro que às inovações pedagógicodidáticas introduzidas no ensino das crianças e jovens correspondam mudanças na formação inicial e continuada de professores. . não tem apenas o sentido excluído que muitos críticos lhe atribuem de uma forma mecanizada de aprender. Sabe-se que são consideráveis as deficiências do professorado em relação ao aprender a pensar. expresse seus pensamentos. O professor pode aprimorar seu trabalho apropriando-se de instrumentos de mediação desenvolvidos na experiência humana. é necessário que seu processo de formação tenha essas características. as práticas de formação continuada em serviço) levam a promover uma aprendizagem que modifica o sujeito e o torna construtor de sua própria aprendizagem? 6 Se quisermos que o professor trabalhe numa abordagem socioconstrutivista. de modo que eles próprios necessitam dominar estratégias de pensar e de pensar sobre o próprio pensar. sociais. mais do que saber coisas. 2001:111) 7 Em relação aos contextos políticos. desde que os princípios básicos estejam expressos em instrumentos adequados e possam ser utilizados em um ambiente significativo. estratégias. necessariamente. Considerações finais sobre reflexividade e desenvolvimento profissional de professores Não se trata. certamente. colocar-se frente à realidade. assentados em uma recriação das possibilidades através da busca e da utilização prática de instrumentos didáticos (modelos de ensino. sustentado pela participação de pessoas com diferentes graus de conhecimento e operação desse tipo de tarefa e de seus fundamentos. institucionais. para isso.72 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL princípio que lhe dá suporte. Nem seria sen- 7. Feldman alerta que é possível propor um enfoque instrumental que não seja tecnicista. não se trata de acreditar que novas teorias ou bons princípios levam. mais do que receber uma informação. as instituições precisam formar sujeitos pensantes. Pensar é mais do que explicar e. Aos leitores que estariam vendo nisto uma recaída tecnicista. Defendo que um enfoque instrumental não é tecnicista porque recupera a dimensão prática da tarefa de ensino e a deliberação prática em âmbitos coletivos". Segundo Feldman. ou seja. sujeitos que desenvolvam capacidades básicas em instrumentação conceituai que lhes permitam. racional e autônoma mediante processos significativos. (Feldman. desde que instrumental seja entendido como o desenvolvimento de meios para obtenção de algum objetivo. E preciso associar o movimento do ensino do pensar ao processo da reflexão dialética de cunho crítico. . mas pode ter um sentido psicológico de instrumentalidade. mas também de fazer leitura crítica da realidade. (Uma abordagem instrumental) sustenta que novas compreensões serão possíveis. técnicas específicas etc). de descartar a ênfase na capacidade reflexiva dos seres humanos inclusive no campo profissional. há que se considerar que não se trata apenas de buscar os meios pedagógico-didáticos de melhorar e potencializar a aprendizagem dos professores pelas competências do pensar. apropriar-se do momento histórico de modo a pensar historicamente essa realidade e reagir a ela. capazes de um pensar epistêmico. Isso pode ser feito na ótica da racionalidade instrumental e todo o seu caráter de suporte técnico no âmbito do capitalismo. "Este enfoque sugere que é possível aumentar nossa capacidade para uma prática mais consciente. a mudanças na prática nem que a revisão das práticas aconteça por um trabalho de reflexão sistemática. 3. ou melhor. a aposta é de que as concepções de ensino e aprendizagem de orientação vigotskiana. saber-agir impregnados de reflexividade. Todavia. Mais especificamente. carece de um conteúdo que abranja toda a complexidade das relações entre ensino e aprendizagem. com todos os desdobramentos que isso implica em termos de teorias do ensino e da aprendizagem.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 73 sato ignorar as possibilidades de enriquecimento teórico e para a pesquisa propiciadas pelos autores do "programa reflexivo". Considerará a reflexividade que se reporta à ação mas não se confunde com a ação. os princípios e processos de aprendizagem válidos para os alunos das escolas comuns. os mesmos processos e resultados que devêssemos esperar da formação geral dos alunos das escolas regulares deveriam ser conteúdos da formação de professores. e quase sempre pode ser compreendida como um processo articulado de ação — reflexão — ação. O que sugiro a seguir é apenas o esboço de uma opção de estudos mais aprofundados sobre a questão da reflexividade. no currículo e na metodologia. a um saber-fazer. seja. se pauta por objetivos de aprendizagem que incluem as capacidades e competências esperadas no exercício profissional de professor. seja porque a noção de reflexividade de forma alguma é nova. podem trazer sólidos princípios de práticas educativas aplicadas à formação de professores. a atividade pensada de aprender. seja porque os aportes teóricos são insuficientes para constituir-se numa teoria de ensino. A busca de uma teoria mais abrangente para se pensar a formação profissional evitará a estabilização dos educadores em visões reducionistas. modelo esse que carrega consigo uma forte tradição na teoria e na ação. Penso que o melhor programa de formação de professores seria aquele que contemplasse melhor. seria temerário acreditarmos que estamos frente a uma nova teoria do ensino ou da aprendizagem baseada na reflexão ou diante da grande solução para a formação de professores. Nesse sentido. A reflexividade se insere como um dos elementos de formação profissional dos professores. a reflexão mas a atividade de aprender. a um pensar sobre a prática que não se restringe a situações imedia- . associada às teorias da ação e da cultura. O aprender a ser professor. o princípio dominante na formação não seria. em primeiro lugar. no quadro da teoria histórico-cultural da atividade. porque. do ponto de vista didático. na formação inicial ou continuada. mas tendo seu suporte na atividade de aprender a profissão. com a contribuição das teorias conhecidas de ensino e aprendizagem e inclusive com a própria experiência. ainda. Em outras palavras. Os professores aprendem sua profissão por vários caminhos. A teoria da atividade histórico-cultural foi. enquanto Leontiev acrescentou a idéia de mediação por outros seres humanos e pelas relações sociais. Rios (2001) propõe quatro dimensões da competência profissional de professores. Mas a técnica precisa ser fertilizada por objetivos. ao menos. A teoria sódo-histórica da atividade. Recentemente. compromissos coletivos (dimensão ética e política) e pela sensibilidade e criatividade (dimensão estética). espera-se seja bom para quem é educado. Estamos. conteúdos instrumentais que assegurem o saber-fazer. valores. uma estrutura de organização e gestão das escolas que propicie espaços de aprendizagem e de desenvolvimento profissional. A afirmação dessas crenças não distoa de posicionamentos de outros autores em busca de uma visão de conjunto do trabalho docente. tal como aparece na visão da racionalidade técnica e tal como aparece também na concepção de senso comum que se tem sobre formação que ainda vigora fortemente nas escolas e nas instituições formadoras. técnica e político-social. a política. Somente por meio da relação com outras pessoas o . a técnica. uma base de convicções ético-políticas que permita a inserção do trabalho docente num conjunto de condicionantes políticos e socioculturais. que cunharam o conceito da ação orientada a um objetivo e mediada por instrumentos. permite juntar esses componentes da prática do professor num todo harmônico. coletivas. formulada por Vigotski e desenvolvida por Leontiev e Luria. Mediado por ferramentas. uma competência para intervir eficazmente no processo educativo. A técnica é o suporte da competência porque ela se revela na ação dos profissionais. Vigotski desenvolveu a conhecida idéia do caráter mediado das funções psicológicas humanas. com a contribuição dos recentes estudos sobre teorias da ação e da cultura. em suas bases. buscando práticas de formação que considerem. na forma de se fazer algo. Há anos Candau (1983) ressaltava a multidimensionalidade do processo de ensino e aprendizagem. Hadji (2001) atribuiu ao professor-educador três intenções: um desejo de educar o aluno para certos valores. a partir das práticas correntes no contexto de trabalho e não a partir do trabalho prescrito. a uma postura política que não descarta a atividade instrumental.74 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL tas e individuais. Ela possibilita compreender a formação profissional de professores a partir do trabalho real. o trabalho é também executado por meio de atividades conjuntas. a ética e a estética. quatro requisitos: uma cultura científica crítica como suportes teóricos ao trabalho docente. pois. um saber que. articulando-se nele as dimensões humana. habitus. normativamente. desde o seu início. ou. a educação é um processo de apropriação de signos culturais.) O trabalho ou a atividade. (Leontiev. são requeridas capacidades e habilidades específicas. Também Bourdieu tem uma contribuição sobre essas formas de interiorização de conceitos.. a reflexão mental nos seres humanos está ligada ao processo da atividade orientada para um objetivo e mediada por esse processo. o que se está querendo mostrar é que será útil aos pesquisadores. práticas.. O tornar-se professor é uma atividade de aprendizagem e. A atividade de aprendizagem estaria ligada aos fazeres que seriam o suporte do desenvolvimento do pensamento teórico. (.) a mente humana constitui uma extensão das mãos e das ferramentas que você utiliza e das funções às quais você as aplica.. Bruner (2001:146) acrescenta sobre isso algumas idéias interessantes. mediado socialmente. (. a prática. Para Leontiev. modos de agir) que mobilizam nossa atividade cognitiva e nosso desenvolvimento cognitivo e que "nossas formas de fazer as coisas habilmente refletem formas implícitas de se afiliar à cultura que muitas vezes vão além do que "sabemos" de forma explícita. Entendo que Bruner quer dizer que a cultura fornece "as coisas" (ferramentas. que são predominantes na sociedade em que os sujeitos vivem. como um processo mediado por ferramentas e. A importância deste modelo é que ele acentua a primazia da aprendizagem pela atividade. teorias. às instituições formadoras e aos professores da linha de frente do sistema escolar apostar nas vantagens de um posicionamento mais abrangente sobre a formação de . o que leva a que o trabalho surja. aos formadores de professores.) Freqüentemente sabemos fazer as coisas muito antes de conseguirmos explicar conceitualmente o que estamos fazendo ou.. tácita. in Zamberlan. através do processo de internalização (Vigotski. fornece um protótipo de cultura. Estes seriam "instrumentos psicológicos" que ajudariam os indivíduos a organizar seu comportamento e suas ações. 2000: 2).. 1984). modos de agir. ao mesmo tempo.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 75 homem pode se relacionar com a própria natureza. regras. e não apenas como algo já consolidado como princípios. por que deveríamos estar fazendo-as. de maneira geral. Segundo Vigotski. (.. acentuando a noção de cultura como prática implícita. para isso. Para finalizar. mas entendendo que ela ocorre mediante a assimilação da experiência sociocultural e a atividade coletiva dos indivíduos e mediante um processo de internalização. na sua ingenuidade. julgamento. aprender a pensar e agir. 9. a escola é lugar da formação da razão crítica através de uma cultura crítica.76 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL professores. Aí é que se destaca o papel da teoria.. sem ajudá-lo a tomar consciência de suas práticas (muitas delas inadequadas) e a desenvolver as competências necessárias para o desenvolvimento profissional. de desenvolvimento da reflexividade. portanto. mas como apoio à reflexão sobre a prática" (Libâneo. portanto. a experiência refletida não resolve tudo. procedimentos. eu apontava a seguinte observação a esse respeito: "é preciso certa cautela quanto à valorização do pensamento e do saber de experiência do professor. especialmente naqueles aspectos que vimos acentuando. insegurança. penso que não chegaremos a lugar nenhum sem o desenvolvimento de capacidades e competências do pensar — raciocínio. a importância da formação teórica. Meirieu: "chamamos capacidade uma operação mental estabilizada e reprodutível em diversos campos de conhecimento. Em outro livro. para além da cultura reflexiva. não como direção da prática. o de ser uma ação ética orientada para objetivos (envolvendo. Mas. . A reflexão sobre a prática não resolve tudo. e aqui já se apresenta um dos sentidos da reflexividade. para não ocorrer uma recaída no populismo pedagógico em que se quer descobrir uma 'essência' de professor. que ajudam a melhor realizar o trabalho e melhorar a capacidade reflexiva sobre o que e como mudar. Utilizo-me aqui das definições de capacidade e competência de Ph. de uma cultura crítica. Se queremos um aluno crítico reflexivo. Mas é preciso alargar esse campo de preocupações. Adquirir conhecimentos. na sua experiência. atendo-se exclusivamente ao mundo de sua experiência corrente. análise. ao prático reflexivo ou ao intelectual crítico. 9 8. implica sempre a reflexividade. 1998:17). Tanto em relação ao professor crítico reflexivo. principalmente. a aceitação da existência de pressupostos interpretativos e valorativos na atuação e nas decisões profissionais. infelicidade. condição de luta pela emancipação intelectual e social. na sua cotidianeidade.. é preciso um professor crítico reflexivo. O "programa reflexivo" vem trazendo aportes valiosos para a pesquisa como a recusa do professor meramente técnico. reflexão) e o de ser uma atividade instrumental adequada a situações. desenvolver capacidades e competências. A escola é um dos lugares específicos do desenvolvimento da razão. sem dúvida. entendido em dois sentidos. São necessárias estratégias. que propicia a autonomia. a afirmação da prática docente como uma ação consciente e deliberada. e competência um saber identificado colocando em jogo uma ou mais capacidades em um campo determinado e dominando os materiais de que se serve" (Meirieu. deve-se considerar que o trabalho de professor é um trabalho prático. 2000). a correspondência entre teoria e prática nas ações cotidianas. Há que se considerar. 8 Em segundo lugar. além de uma sólida cultura geral. autodeterminação. modos de fazer. avaliação. Domingo J. . O poder da educaçãco. articulando eficazmente estruturas de gestão e organização com ações de formação continuada. São Paulo: Loyola. — para que um professor se torne crítico reflexivo de sua atividade? Ou seja. estruturas de organização e gestão.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 77 Terceiro. que significa considerar os determinantes políticos e socioculturais. num esforço de instaurar nas escolas uma prática de gestão e convivência lastreada na construção de significados e entendimentos compartilhados a partir das diferenças e da busca de valores universais comuns. por sua vez inserido em contextos políticos e socioculturais. 1994. O papel da pesquisa na articulação entre saber e prática docente. é preciso a reflexividade comunitária. currículo. ver Libâneo (2001: cap. práticas formativas e situações reais e trabalho. de. Dicionário de filosofia. o desenvolvimento de capacidades e competências reflexivas implica um tratamento de conjunto da vida escolar. 1967. ALMEIDA. de convivência. 1980. Madrid: Morata. 10 Os três ingredientes se completam com uma visão crítica da realidade. Nicola. 1997. a reflexividade compartilhada. espaços de reflexão etc. 2001. é preciso nos perguntarmos: quais são as condições prévias e meios — por exemplo. Utopia e educação: o pensamento de Theodore Brameld. CONTRERAS. Organização e gestão da escola. A didática em questão. COMPANHIA DE JESUS. BRUNER. constituindo a cultura organizacional. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. A cultura da educação. La autonomia dei profesorado. A. Sobre o conceito de cultura organizacional. Pedagogia Inaciana. para além de uma reflexividade cognitiva. na formação continuada. Maria Angela V. São Paulo: Zahar. ações de assistência pedagógica ao professor. 1983. 10. Nesse sentido. Porto Alegre: Artes Médicas. Referências bibliográficas ABBAGNANO. associando. Para isso. BRAMELD. ANDRÉ. Marli E. são políticas. 1994. 1999. mas também no sentido interno de que as próprias práticas de ensino. Anais do VII Endipe. São Paulo: Martins Fontes. V). o trabalho de professor ocorre num marco institucional. Theodore. não apenas no sentido externo de que as decisões tomadas na escola e nas salas de aula são decisões "políticas". de gestão. Jerome. projeto pedagógicocurricular. CANDAU. Vera M. Petrópolis: Vozes. Anais áo VIII Enáipe. Campinas: Papirus. Rio de Janeiro: DP&P. A. Formação inicial e construção da identidade profissional de professores de I grau. 1998. 2000. GIMENO SACRISTÁN. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Compreender e transformar o ensino. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Vera M. . 1959. Poderes inestables en educación. 1979. 2001. 1992. FIORENTINI. IANNI. sim. . . Diálogos vygotskianos.). S. Como pensamos. M. A. Formação de professores e nova qualidade educacional — Apontamentos para um balanço crítico. tradição e estética na ordem social moderna.). para quê? São Paulo: Cortez. Natasha. Goiânia: Editora Alternativa.. D. GERALDI. 2000c.. Antônio (coord. J. (org. Porto Alegre: Artes Médicas. GIDDENS. São Paulo: Editora Unesp. Madrid: Morata. . FELDMAN. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1999. A pesquisa na formação do professor. 43-70.. Adeus professor. Os professores e sua formação. v. Porto: Porto Editora. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Porto Alegre: Artes Médias. PEREIRA.. . 2000a. C.. Pensar e agir a educação — Da inteligência do desenvolvimento ao desenvolvimento da inteligência. Modernização reflexiva — Política. 1988. 2001. A função e formação do professor/a no ensino para a compreensão: diferentes perspectivas. BECK. jan. 1994. Aprender. Produção de conhecimentos na escola: suspeitas e apostas. LIBÂNEO. E.-dez. John. Cartografias do trabalho docente. . Democracia e educação. Formação áe professores — Para uma mudança educativa. Petrópolis: Vozes. PÉREZ GÓMEZ. LUDKE. U. 1997. 2000. 2000b. Goiânia. In: GIMENO SACRISTÁN. Educação continuaáa.. In: CANDAU. pp. . mas como? Porto Alegre: Artes Médicas. LIPMAN. São Paulo: Cortez. Philippe. adeus professora. PÉREZ GÓMEZ. . 1999. A. FREIRE. Paulo. Porto Alegre: Artes Médicas. Menga. 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A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. 2000. FIORENTINI. 2001. ZANBERLAN. DARIO. (org. 1998. Selma G.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 79 PIMENTA. ELIZABETH (orgs. PIMENTA. 1998. VIGOTSKI.) Formação continuada. SILVA. Petrópolis: Vozes. Campinas: Mercado de Letras. 1993. . (org. GERALDI. 1994. Demerval. Florianópolis. pedagogia e didática — Uma revisão conceituai e uma síntese provisória. et al. SANTOS. Kenneth M. Anais do VIII Endipe. Tomaz T. RIOS. 1984. Lisboa: Livros Horizonte. 1980. In: MARIN. L. São Paulo: Cortez. ZEICHNER. São Paulo: Cortez. 1996. Eduarda Moniz dos. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. A pesquisa colaborativa na escola como apendizagem facilitadora para o desenvolvimento da profissão de professor. Maria C.). SAVIANI. Terezinha A. Selma G. Para uma ressignificação da didática — Ciências da educação. . política e epistemológica pode ser uma explicação do que tem sido a investigação sobre professores. Caxambu-MG.-dez. a . A primeira é de que os professores trabalham.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 81 TENDÊNCIAS INVESTIGATIVAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES* José Gimeno Sacristán** Inicialmente desejo fazer três advertências ou expressar três suspeitas. jul. 25(2). Diz-se que fazemos o mesmo tipo de trabalho. Não falamos sobre a nossa própria prática mas sobre a prática de outros que não podem falar. que não têm capacidade de fazer discursos. Texto originalmente publicado na InterAção. com poderes muito diferentes. * Texto de exposição oral apresentada pelo autor na 19 Reunião Anual da ANPEd. Transcrição de gravação e tradução de José Carlos Libâneo. Goiânia. na realidade. A publicação da tradução foi autorizada pelo autor. A terceira advertência: quando consultamos os repertórios bibliográficos da produção científica em revistas e catálogos que editam livros sobre nossa especialidade. mas. A segunda advertência é de que não é possível falar sobre professores. Esta situação sociológica. Isso é algo que não costuma ocorrer com os militares que não investigam sobre os coronéis. é algo suspeito. setembro de 1996. 2000. fazemos coisas muito diferentes. que quase sempre é o professor do ensino fundamental. porque entre minha pessoa e um professor do ensino fundamental há muito poucas semelhanças. ** Professor da Universidade de Valencia — Espanha. enquanto nós fazemos discursos sobre eles. Revista da Faculdade de Educação da UFG. a preços muito diferentes. com status muito distintos. Isso quer dizer que o fato de o professor da universidade falar sobre o professor em geral. encontramos o professorado como um dos temas de investigação preferidos. é porque a ciência não a pode me dar. Como sabem. O pós-positivismo formula alguns juízos bastante aceitos sobre a prática pedagógica. O pós-positivismo nega a possibilidade de que da ciência se deduza a técnica educativa. que "busca" em seu próprio âmbito x . Um dos principais é o de que da "ciência" pedagógica não se pode deduzir a técnica da prática pedagógica. para sua saúde mental. pois. parcial. Isto implica um juízo muito crítico de minha parte a respeito da investigação sobre o professorado. Temse. o professor que trabalha não é o que reflete. o pós-positivismo vem depois do positivismo. E algo que não ocorre. que não entra na essência dos problemas.. em pessoas que refletem sobre a prática. duas grandes tendências. Essas considerações fornecem as senhas para eu falar do estado da questão em relação à investigação sobre formação de professores. a pós-positivista e a pós-weberiana.82 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL nem com o corpo médico que não costuma investigar sobre os médicos. muito agradável. o professor que trabalha não pode refletir sobre sua própria prática. a elaboração da metáfora reflexiva. O pós-positivismo apresenta-se em metáforas muito atraentes. porque não está baseada no conhecimento científico e — serei muito mais agressivo — não pode estar baseada no conhecimento científico.. E investigar sobre a prática não é o mesmo que ensinar técnicas pedagógicas. Outra metáfora bastante bonita. Positivismo que primeiro foi condutista ou behaviorista. Suspeito que a maior parte da investigação sobre a formação dos professores é uma investigação enviesada. do pedagogo europeu L. a prática educativa não pode ser técnica pedagógica. se com a reflexão busco a prática. que depois foi cognitivo. Stenhouse: o professor como alguém que indaga. não tem recursos. Esta afirmação deveria levar-nos a pensar. desestruturada e descontextualizada. até porque. é melhor que não reflita muito. porque não tem tempo. não uma técnica. tem sido a do professor investigador em aula. e que hoje é dominantemente cognitivista. também. a nós que acreditamos estar fazendo ciência. Quer dizer. A situação atual da formação e da investigação sobre a formação de professores se caracteriza por dois grandes traços. que é a metáfora com mais cotação no mercado intelectual da investigação pedagógica atualmente. com os sacerdotes que investigam sobre Deus e não sobre os sacerdotes. E dar importância à metáfora reflexiva significa reconhecer que. como a de converter os professores em profissionais reflexivos. na verdade. A prática pedagógica é uma práxis. quando. existem as comunidades educativas. as políticas e as inovações. lamentável: no momento em que são divulgadas as mais belas metáforas sobre professores. a pós-positivista e a pósweberiana ou pós-política. Há outras metáforas. subtraído. em parte política. a prática não pode ser inventada pela teoria. quem manda não é a ciência e sim. do professor autônomo. sobretudo. Daí que existam duas grandes correntes. em parte mística. estes se encontram em situações . independente. a capacidade de racionalização que poderiam ter os professores para dá-las aos consumidores. não pelos que estão trabalhando as práticas em educação. a crise de concepção dos sistemas educativos como unidades coerentes e racionais. como quiserem. E a entrada do mercado na educação tem roubado. político-crítico. existem os professores colaborando entre si. Além disso. a prática é inventada pelos práticos. isoladamente. meio políticas. E o professor se converte num produtor que faz o que manda o mercado.. O segundo grande traço da investigação pedagógica sobre os professores poderia se caracterizar como pós-weberiano. do professor mediador do currículo. a crise de que há uma pirâmide já estabelecida que serve para propagar as idéias. que aborda a crise do pensamento sobre as grandes organizações. como membros de uma comunidade em parte profissional. Os professores genericamente considerados não existem. existe nos centros escolares. A racionalidade do sistema organizativo-educativo não existe como unidade. Todas elas coincidem em um princípio que caracteriza a situação atual: não há conhecimento firme. Existe um grande enfrentamento entre o discurso elaborado pelo pós-positivismo e a realidade flagrada pelo pós-weberianismo e as políticas de privatização. não o que manda a ciência. O problema é saber o papel que cumpre a teoria na invenção da prática. é preciso atentarmos para o fato de que são metáforas criadas pelos que elaboram discursos sobre educação. A descentralização educativa obriga a parcelar o corpo docente e os países que estão descentralizando vêm rompendo as estruturas organizativas do professorado como unidades profissionais reivindicativas e de pensamento. que possibilite uma prática correta. o gosto do consumidor.. como a do professor intelectual. seguro. meio cognitivas. porque a prática deve ser inventada pelos práticos.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 83 de trabalho. e este modelo weberiano está em crise há algum tempo e. foi acentuado com o neoliberalismo e nas práticas de privatização. Dá-se uma situação paradoxal. Na ideologia do mercado. Quer dizer. na atualidade. cultos. Creio que elaboraríamos um discurso mais coerente com a realidade prática dos professores se partíssemos de alguns princípios derivados da Filosofia da Ação e da Sociologia da Ação. para os quais senso comum é o sexto sentido que caracteriza o homem e a mulher inteligentes. do contrário vem a desesperança. é um handicap com o qual se precisa contar. sábios. . E uma alternativa que não é nada útil. os sistemas de formação não podem atrair os melhores produtos do sistema educativo e da sociedade. pessoais e de formação bem piores do que já estavam. idéia de um senso comum culto. nada prática. assim. Não me refiro ao sentido vulgar da expressão senso comum. Já se disse que o drama da educação é que ela não pode aproveitar os melhores indivíduos que saem do sistema educativo para utilizá-los como reprodutores da cultura no sistema educativo. as condições de formação nunca serão as melhores possíveis como podem ser os estudos de medicina. Os professores não' têm uma profissão em ascensão na sociedade atual. Para avançar um pouco dentro do escasso tempo que temos. Refiro-me. Serei coerente com algumas premissas da visão pós-moderna do conhecimento científico.84 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL laborais. porque creio que do pensamento não se deduzem técnicas. A linha que me parece mais conveniente percorrer é a do paradigma do senso comum. atinados. proporei uma alternativa ao pós-positivismo e ao pós-weberianismo. nem nos países mais desenvolvidos e nem naqueles em desenvolvimento (embora não seja uma forma politicamente correta falar na atualidade em povos subdesenvolvidos). a um senso comum bastante culto e não. em relação à profissionalização dos professores. Os melhores titulados. Apresentarei a seguir seis princípios. ao menos em meu país. não quero que pensem que do meu pensamento possa se tirar uma solução. Não é esse o mais comum dos paradigmas e nem o mais fácil de divulgar. • O primeiro ponto de reflexão neste entendimento de senso comum: dadas as características laborais. mas ao sentido que na trajetória ocidental da filosofia lhe foi dado por filósofos como Tomás de Aquino. não costumam seguir os estudos de formação do professorado. Portanto. Sendo assim. dadas as condições de trabalho dos atuais professores. intuitivos. A investigação educativa tem se preocupado com os discursos e não com a realidade que flagra a realidade profissional na qual trabalham os professores e as suas condições de trabalho. a um vulgar. de leis etc. de um ponto do vista estritamente social. Gadamer. Com isso. Vico e. não podem dar cultura. Não tem ocorrido aos pesquisadores analisar os conteúdos culturais dos professores para fazer investigação útil ao professorado. Mas. não ciência. o pensamento é parte da ação. é preciso que sejam mais bem pagos. de acordo com a Filosofia da Ação. É o que se poderia chamar o I nível da reflexividade.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 85 • Ninguém pode dar o que não tem. Atuamos de acordo com o que pensamos. creio que o professor pensa não de acordo com a ciência. ela pode servir para pensar. mas transmitir-lhes a ciência não eqüivale a que pensem de maneira diferente. atenção: o pensamento não é a mesma coisa que a ciência. • O terceiro princípio desta lista elementar do senso comum. o • O quinto princípio diz que o pensamento não explica a ação. ajuda a reflexão de alguém que realiza um trabalho com menor grau de exigência. Mas. Entretanto. O grande fracasso da formação de professores está em que a ciência que lhes damos não lhes serve para pensar. pode-se pensar através da ciência. o • Em quarto lugar. mas de uma maneira imperfeita. Isto diz respeito ao 2 nível de reflexividade. se eles não podem dar o que não têm. mais considerados. que sejam cultos. para usar um termo bem atual e que está na moda em determinados âmbitos acadêmicos. enuncio assim: nós todos atuamos na prática de acordo com o que pensamos. são disciplinas científicas. Em segundo lugar. Pensar é algo muito mais importante para os professores do que assimilar ciência. se eles não a possuem em profundidade. é preciso. E assim. E sobre este princípio elementar há muito pouca investigação. que ocorre quando a reflexão de alguém muito culto. No melhor dos casos. Pressupondo que nem sequer as coisas que fazemos são ciência. o cientista. mas não é toda a ação. os conteúdos do nosso pensamento não são os conteúdos da ciência. não podem ensiná-la sequer nos níveis mais elementares. não à ciência. mas conforme sua cultura. A ciência pode ajudar o pensamento dos professores. para poderem oferecer cultura. se os professores não são bons profissionais. farei uma afirmação forte: ainda que o pensamento não seja a ciência. A idéia de que apenas . antes de mais nada. E se os professores não cultivam a cultura. em qualquer caso. Em primeiro lugar. porque os conteúdos do pensamento se devem à cultura-raiz da qual provém o professorado. O aspecto prático que se deduz dessa constatação é evidente. a ciência pode ajudar-nos a pensar. porque pensar é algo muito mais complexo do que transmitir ciência. É necessário distinguir o "pensar" da ciência. mas não educamos os motivos. Isso quer dizer que eu. E alguns pais fazem isso bastante bem. não necessito estudar o professorado. do cientificismo e do positivismo científico. ser respeitoso com vocês. Necessito. apesar de ele saber que não devia fazer caso de que as sereias cantassem. para dizer o que estou dizendo agora. para entender como atuam e por que atuam e como queremos que atuem. isso é vontade. não educamos a vontade. Mas o pensamento não se reduz à ação. as idéias. Recordemos que. não é uma derivação só do conhecimento. são pessoas que sentem e querem. Larson. pois temos educado as mentes mas não o desejo. educam seus filhos e. um projeto. O apóstolo São Paulo. Isso quer dizer que devemos dar bastante importância aos motivos de ação do professorado. Isto significa que é muito importante atender às raízes culturais das quais se nutrem os professores. falar o mais claro possível. faço o mal. não freqüentam nenhuma faculdade de educação. parcial. que fazemos coisas que não queremos. é querer fazer. por mais que pareça estranho. dizia: "sei o que devo fazer. por um projeto de emancipação social. o "como". na epístola aos romanos. Cada cidadão é capaz de ajudar seus semelhantes sem saber "como" fazê-lo. Foi Hannah Arendt. Os motivos. da "sensatez". a forma de ser dos professores é uma forma de comportamento cultural. Como disse M. Damos conhecimentos.. manejar a linguagem. a mãe. Isso não é ciência. Esta é uma verdade muito elementar que tem uma profunda tradição filosófica ocidental. querer transformar. ao longo do século XX. as motivações do professorado têm sido um capítulo ausente da formação de professores e da investigação sobre a formação de professores. mas se deve à matriz cultural da qual provém o professor. não uma forma adquirida nos cursos de formação. sim. Para educar é preciso que se tenha um motivo. A Filosofia da Ação e a Psicologia Profunda têm mostrado. pessoal etc. E querer transformar implica ser modelado por um projeto ideológico. no entanto. entre outros autores. não só pensam. E algo que procede do bom senso.86 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL pensamos quando agimos é uma característica do racionalismo ocidental.. adquirido na formação ou no processo de formação. vítima do racionalismo estreito. saber me comunicar com vocês. Os professores. • O paradigma do senso comum diz que o saber-fazer. que sintetizou essa idéia de que a vontade é a grande faculdade esquecida da filosofia ocidental. conheço o mal e o faço". na Odisséia de Homero. uma ideologia. O fato de a professora ser mulher intro- . o pai. como fazemos coisas sem saber por que as fazemos. Ulisses quis ser atado à vela de seu barco para não sucumbir ao canto das sereias. Por exemplo. Não digo que isso seja negativo ou positivo. Um racionalismo moderado. mas um viés. antes de mais nada. como tal. o habitus. é uma pessoa de uma cultura que. como forma de integração entre o mundo das instituições e o mundo das pessoas. é conservadorismo. minha filosofia em relação à investigação sobre a formação de professores se resume em três pontos: 1. bem enraizada e é auxiliada pela inteligência.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 87 duz um viés na profissão docente. Para concluir. é costume. O habitus é cultura. A vontade pode transformar montanhas. O habitus em educação é mais importante do que a ciência e do que os motivos. as condições de trabalho em que vai trabalhar. porque ainda creio na modernidade. Isso quer dizer que o professor. 2. no valor do argumento — mas creio que temos de ser moderados. continuidade social e. na ciência provisional. quando é culta. ensina muito melhor. A formação do professor deve considerar o significado do que P. mas é. quando é forte. 3. também. Recordem a máxima de Gramsci: para que a inteligência seja pessimista é preciso o otimismo da vontade. os contextos nos quais eles surgem. . O fato de a professora ser da raça negra também etc. Bourdieu discutiu há muito tempo. pode produzir outras práticas diferentes das existentes. no pensamento e na verdade provisional. E dizer que um professor se nutre das raízes culturais e não da ciência nos obriga a considerar os ambientes de aprendizagem. Educar não só a razão mas também o sentimento e a vontade. . 2001. Em primeiro lugar. Transcrição e revisão do material: Jany Elizabeth Pereira e Vera Tachinardi Mizurini. mas porque não sabemos o que é exatamente o professor. da relação com a escola — questão relacionada com a formação de professores. mas rapidamente. porque não é tão fácil formar professores. quero refletir sobre um problema que sempre é mal colocado: a questão da * Palestra proferida pelo professor Bernard Charlot. em 28. Teorias de Ensino e Práticas Escolares". ** Professor da Universidade de Paris VIII. O centro das minhas pesquisas não é a formação de professores. sob a coordenação da professora Selma Garrido Pimenta. . no auditório da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. é a questão da relação com o saber. como atividade desenvolvida no âmbito da área temática de "Didática.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL £9 Bernard Charlot** Vou organizar a minha fala dando algumas indicações de minha trajetória. E não é porque não sabemos formar que não é tão fácil. numa equipe de pesquisa. Formar o professor sem termos uma definição precisa de seu trabalho é muito difícil. tive a oportunidade de refletir mais sobre a questão das relações entre a formação e a pesquisa. porque o que importa. Em segundo lugar. é que fiquei anos fazendo de conta que formava professores. Não é por acaso que estou dizendo "fazendo de conta". vou partir de uma situação e de uma reflexão: por que a pesquisa educacional não entra na sala de aula? Acho que esta é a situação de fato. ou o que é exatamente o ofício do professor. o que pode ser interessante saber. Depois entrei na universidade e.3. Falarei sobre três pontos. e a pesquisa. inclusive ideologicamente. digo ao meu estudante: "Quem te elegeu o porta-voz do povo?"'. Muitas vezes. tomam-se como juizes supremos da verdade política. inclusive no Brasil. pois os professores. Não se pode misturar um discurso político e um discurso científico. E muito perigoso. Em segundo lugar. muitas vezes.. e também a questão das estruturas e das políticas educacionais — estes três pontos relacionados entre si. estão se formando mais com os outros professores dentro das escolas do que nas aulas das universidades ou dos institutos de formação. o ensino tem uma dimensão axiológica. Existe assim. porque tomar as questões políticas como verdades científicas é dar uma versão muito perigosa para a democracia. a pesquisa faz análise. o ensino está tentando realizar o que deve ser. "Quem te permite dizer a verdade do povo?". Os professores costumam dizer que a pesquisa não serve para eles e pensam. há uma diferença estrutural entre um ato pedagógico. o ato de ensino. por fim. na realidade.. a meu ver. um afastamento muito importante entre a sala de aula e a pesquisa educacional. Muitas vezes digo aos estudantes: "Vocês montam . que deve ser mais prudente. porque. nunca a pesquisa pode abranger a totalidade da situação educacional. falar sobre as relações entre as práticas dos alunos. Vale a pena refletir sobre as diferenças estruturais entre pesquisa e sala de aula que permitem melhor entender por que a pesquisa não pode ser aplicada à sala de aula. Um modelo de pesquisa educacional não serve para entender as relações entre a pesquisa e o dia-a-dia da sala de aula. o ensino visa a metas. muitas vezes. Começo com a consideração de que a pesquisa educacional não entra ou pouco entra na sala de aula. Por quê? Por várias razões. E. Assim. a pesquisa não pode dizer o que deve ser. é analítica. Acho que este problema é muitas vezes mal interpretado e gostaria de refletir sobre ele. é contra a democratização. na verdade. e o ensino é um ato global e contextualizado. Esta é uma primeira diferença. as práticas dos docentes. que deve analisar o que é e não pode dizer o que deve ser. que tudo isso é complicado. uma dimensão política. a pesquisa ocupa-se de certos aspectos do ensino.90 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL relação entre a teoria e a prática. objetivos. Acho que muitos pesquisadores. Terminarei falando das relações entre as práticas dos alunos. são as práticas dos próprios alunos. chato e. Em primeiro lugar. O pesquisador não pode fazer isso. o ponto central não são as práticas dos professores. Assim. (seria falta de cortesia dizer "sobretudo no Brasil"). mentira — é o que eles dizem. que sempre tem uma dimensão política. no dia-a-dia. mostra uma coisa extraordinária. recebeu uma lição de Didática explicando uma técnica de animação de grupos que era impossível de ser aplicada naquelas condições. Esta é uma segunda diferença estrutural. Uma terceira diferença: o docente está se defrontando com uma urgência. na situação contextualizada em que estiver vivendo. você poderia vir à minha escola para mostrar como se . "Professora. se o pesquisador diz que se deve fazer isso ou aquilo. Eram condições impossíveis. Ser professor é defrontar-se incessantemente com a necessidade de decidir imediatamente no dia-a-dia da sala de aula. Uma vez. o professor vai se virar. O papel da pesquisa é forjar instrumentos. Existem outras razões que permitem entender por que é difícil a relação entre a pesquisa e o ensino. A pesquisa não pode dar inteligibilidade a todas as mínimas ações da vida do professor na sala de aula. e a pesquisa. que é possível nesse tempo. ao longo do tempo. Esta é uma das principais dificuldades do trabalho do professor no dia-a-dia da sala de aula. uma professora brasileira me contou que estava trabalhando com mais de cinqüenta alunos. e esta é uma das principais características da profissão do professor. O professor está trabalhando toda a semana sob várias condições e. ele tem que assumir as conseqüências da decisão. de seus atos. deve provar que ele pode. ferramentas para melhor entender o que está acontecendo na sala de aula. estas não são as condições normais de trabalho do professor. é criar inteligibilidade para melhor entender o que está acontecendo ali. utilizamos resultados. a de ser professor. E. número de alunos dentro da sala de aula. fica lá três semanas. O pesquisador entra numa sala de aula. Uma coisa está acontecendo na sala de aula e o professor tem que decidir sem ter tempo suficiente para refletir. deve dizer que é possível nessas condições de trabalho.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 91 uma bola de cristal vara dizer o futuro ou vara fazer profetismo". Depois. O pesquisador ou o professor da universidade está dizendo "Eu posso provar". mas. que qualquer um pode em determinadas condições. quase todos queriam levantar-se. se ele pode provar. faz umas horas de aula com as crianças. mostrar que é possível. que não são as condições normais do professor. Quando um aluno queria sair para ir ao banheiro. Ela pediu à professora da universidade. depois de decidir na urgência. exige condições materiais. na universidade. muitas vezes. Mas. num calor de mais de quarenta graus e. Por essas diferenças estruturais tão grandes. Como já disse. o papel da pesquisa não é dizer o que o professor deve fazer. a pesquisa não pode dizer o que o professor deve ser na sala de aula. fora destas condições. acho que ninguém tem o direito de dizer ao professor o que ele deve ser na sala de aula. quando tem sorte. e a professora ficou muito magoada dizendo que era falta de cortesia. vivido pelos professores como situação de avaliação. assim. a pesquisa teve e tem efeitos na sala de aula ou. Além disso. gostaria de dizer também que. apesar de tudo isso. quando vamos a uma escola para pesquisar. pessoas que têm que saber o quanto é difícil trabalhar nessa escola. Está-se misturando. o que não significa que não devemos dizer isso a eles. Analisando a História. instrumentos. O pesquisador está analisando os processos da escola do ponto de vista da pesquisa e o professor está vendo o relatório de um outro ponto de vista. Depois de fazer esta análise das diferenças estruturais. Na França. inclusive instrumentos conceituais para que eles analisem as situações e realizem o trabalho possível. o relacionamento entre os professores e os pesquisadores é. recebe verba de instituições que exercem poder sobre o professor do Ensino Fundamental e Médio por exemplo. falar a todas essas pessoas que nunca vimos na nossa escola. já teve efeitos no discurso dos professores. O pesquisador é percebido como um meio para lhes falar. o professor acha que o pesquisador está dentro da escola para tomar. para não magoar pessoas que estão trabalhando em condições tão difíceis. por mais simpático que seja. a questão do poder administrativo e a questão da pesquisa. muitas vezes os professores nos dizem: "Vocês têm que lhes dizer". Quem é "lhes"? Um conjunto vago dos poderes e das autoridades supremas. mas que devemos saber que estamos trazendolhes ferramentas. As condições para realizar o que estamos dizendo para os estudantes na universidade muitas vezes não existem.92 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL faz?". uma Secretaria de Educação do Município. sobre alunos mais dotados ou menos . para receber sem dar — o que muitas vezes é o que acontece: o pesquisador vai coletar dados e depois não vai dar o seu relatório. Acrescente-se o fato de que o pesquisador. vai sentir uma hierarquia intelectual. o professor do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio vai sentir-se avaliado. acho que. e qualquer que seja o comportamento do professor da universidade. ao menos. Também o professor do Ensino Fundamental e Médio pertence a esse mundo do saber onde. Tudo isso vai tornar mais difícil o relacionamento entre o pesquisador e o professor. está a universidade. Muitas vezes. Além disso. posso perceber que houve um recuo no discurso dos docentes sobre o dom. acima. historicamente. numa relação hierárquica: o professor formador pertence à universidade e a universidade despenca nas cabeças a hierarquia do saber. é melhor mesmo que o pesquisador não dê o relatório. muitas vezes. a um pesquisador. Mas. Por exemplo. um discurso pedagogicamente correto. Para tentar dar conta do fracasso escolar. Que formação poderia mudar tal situação para que certas idéias não fossem apenas o discurso da moda. os professores. . Também estamos numa época de crítica ao discurso sobre as carências socioculturais. A pesquisa levou trinta anos para criar essa legitimidade oficial. a mente e a língua. persistem as idéias enraizadas na vivência e no cotidiano do professor na sala de aula. quando falam uns aos outros. O efeito da pesquisa nos estabelecimentos escolares é do tipo indolor. ainda fazem o discurso da carência e do dom. Ao contrário.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 93 dotados. O discurso é pedagogicamente correto. O que está acontecendo é que o professor está ouvindo discursos dos pesquisadores. o que podemos usar a partir das pesquisas que nos falam que o construtivismo é um caminho muito interessante para formar os estudantes? O que o professor pode tirar dessa idéia. Eu acho que a pesquisa ajudou a mudar o discurso. Existe um jeito de iniciar uma boa briga educacional: é só dizer para o outro: "Você é tradicional". quando estão falando a um professor da universidade. existe uma diferença entre a cabeça. sabem que não podem dizer isso. que às vezes são melhores do que práticas rotuladas de construtivistas. Existem inovações ruins. e sabe que existem discursos que ele não pode mais usar com legitimidade. notadamente. mas. gosto dela. E o fim de tudo! Como se fosse um argumento legítimo. "Você está ajudando a globalização"'. Ao ouvir "Você é tradicional". cada vez mais o professor vai sentir-se recriminado. Esse discurso ficou para trás como uma das conseqüências das pesquisas. construtivistas. agora existe. ser inovador significa encontrar-se respaldado pelo discurso legitimado socialmente. Assim como existe um discurso politicamente correto. mas. mas o problema é que. existem inovações boas. Mas isso é uma questão de legitimidade do discurso social. igualmente. os professores sabem que agora devem ser. existem práticas chamadas. descobri no Brasil). notadamente através das mídias. das pesquisas da Sociologia da Educação. rotuladas de tradicionais. mas entrassem realmente dentro das cabeças? E quais são as idéias mais importantes para o professor? Por exemplo. muitas vezes. e o outro fica envergonhado de ser tradicional. depende do conteúdo da inovação. mas serviu a um discurso pedagogicamente correto. que mostraram a questão da desigualdade social frente à escola. Ele está tentando se virar. automaticamente legítimo — "Você é tradicional" —. no discurso. na cabeça. a inovação não vale por si só. sabem que não podem ser tradicionais (uma coisa extraordinária. o que existe são alunos que encontram dificuldades para aprender. Não existe uma prática muda. as suas experiências. um vírus. para se dizer a prática. Prefiro falar de situações precisas. as categorias. Violência escolar: o que é isso? O que é violência? É uma categoria geral demais. Acho que este problema foi. usando categorias do senso comum. como violência (cito estas para ficar bem pertinho do chão da sala de aula). agora gostaria de desenvolver. como segundo ponto. estamos falando do fracasso escolar como se existisse um monstro escondido no fundo da sala de aula. É o aluno que está batendo no outro aluno? É o aluno que está batendo no professor? É o aluno que está dormindo em sala de aula? E o fracasso escolar? O fracasso escolar não existe. recortam o mundo. Continuando nossa reflexão. não se pode ver um não ser. abrange coisas muito heterogêneas. mal colocado. uma reflexão sobre a questão teoria e prática. palavras. uma prática que não se fala. dizer a sua prática é falar. os professores estão dizendo as suas práticas. o que existe são situações de dificuldades. muitas vezes. as suas vivências. O que é carência? É ausência. Não penso que exista um problema de diálogo entre teoria e prática. Por exemplo. seja nesse diálogo interior que cada um está fazendo dentro de sua própria cabeça. Não tenho nenhum problema com a prática dos professores. Mas isso é impossível! Ninguém pode ver uma carência. Portanto. que posso definir. Vou tentar esclarecer este ponto. os professores me dizem que eles podem ver as carências socioculturais das crianças da periferia. As palavras. mas tenho muitos problemas com as categorias que eles estão usando para . não é? Pois bem. seja num diálogo com o outro. O que existe é um problema de diálogo entre dois tipos de teoria: uma teoria enraizada nas práticas e uma teoria que está se desenvolvendo na área da pesquisa e das próprias idéias entre os pesquisadores. Os professores (e outros mais) estão também usando categorias como exclusão. Este é o problema. interpretam o mundo e. usam-se categorias. Hoje em dia. E. uma doença que está ameaçando as crianças do povo. Não se pode ver uma situação e analisá-la usando a palavra carência. que seja coerente com o seu trabalho? Este é o primeiro ponto. não se pode ver uma carência. muitas vezes. Prefiro falar de dificuldades escolares do que falar de fracasso escolar e de coisas gerais demais. porque uma carência é um não ser. O fracasso escolar tornou-se a peste da época moderna.94 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL para sua prática cotidiana. pronto para pular sobre as crianças das famílias populares. não estão dizendo "Não queremos a teoria". começando na área da pesquisa nas políticas educacionais. mas o problema são as palavras para dizer essas práticas. os professores se interessam por ela. no decorrer de sua vida intelectual. Devemos também colocar questões ao pesquisador. historicamente criado pelos professores. Eu sei que quando a teoria está falando de práticas. para sair do teorismo. também está desenvolvendo uma teoria implícita. E aí pode começar a troca entre o professor — com a sua prática — e o pesquisador. E é aí que está o problema: de que está falando o pesquisador? De que está falando a sua teoria? Acho que os professores não estão negando a teoria. E. O problema é saber se a teoria do pesquisador está falando de coisas que fazem sentido fora da teoria. Acho que existe um saber coletivo. a pesquisa e a política. no ambiente de discussões com outros pesquisadores. Assim. tenho uma prova" e o teorismo da prática. gostaria de tentar organizar um pouco mais o universo das relações entre as práticas.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 95 falar de suas práticas. depois de pesquisar tudo isso. para interpretar essas práticas. Cabe ao pesquisador perguntar ao professor: "Quais são as categorias que você está usando para dizer a sua prática!". depois de fazer de conta de formar professores e ficando. O professor. está desenvolvendo uma teoria. Falar de diálogo entre teoria e prática é abrir duas possibilidades de teorismo ideológico: o teorismo do pesquisador que está dizendo "Eu sei. eu conheço a verdade. Ambos têm legitimidade para fazer isso. e outra enraizada no desenvolvimento de uma ciência ou de várias ciências. que foram criadas a partir de suas práticas. temos que organizar esse diálogo entre os dois tipos de teoria. através das categorias que usa para dizer a sua prática. nas situações. Os professores sabem coisas. coletivamente. na área da pesquisa das práticas cotidianas. de situações que fazem sentido fora da teoria. a Psicologia ou as Ciências da Educação. Portanto. cheguei à seguinte conclusão: a questão . Este é o ponto do debate dos professores com o pesquisador e com a universidade. O pesquisador. agora. cabe perguntar ao pesquisador: "Você está falando de quê?". Depois de mudar muito. Num terceiro ponto. de passar de um posto para outro. o teorismo do professor que diz "Eu sei porque tenho a minha experiência em sala de aula". o que os professores não querem é uma teoria que só está falando a outras teorias. não se trata de diálogo entre uma prática e uma teoria. Ao professor. como a Sociologia. que temos que levar em consideração. acho que a questão é a troca entre dois tipos de teoria: uma enraizada nas práticas. O que os professores recusam é uma teoria que está falando só a outros pesquisadores e a outras teorias. com essa singularidade. acho que a eficácia das práticas do professor depende dos efeitos destas sobre as práticas do aluno. o professor tenha que ensinar. Ensinar não é a mesma coisa que fazer aprender. Se o aluno não fizer o trabalho intelectual. não a prática docente. é permitir ao aluno aprender. Mas. é fazer o aluno aprender. dizer tudo. estou explicando. como professor. Neste sentido. o que importa é a prática do aluno. Assim. o governante não pode atingir seus objetivos políticos sem a participação do outro. de um sofrimento metafísico. esse aluno sobre quem tenho poder tem um enorme poder sobre mim. muitas vezes. Vale a pena refletir sobre esse sofrimento do professor. mas. na verdade. mas é o analisando quem deve fazer o trabalho psíquico. não é o professor quem pode fazer o trabalho intelectual por ele. São três situações nas quais existe uma contradependência: tenho um poder sobre o outro e o outro tem um poder enorme sobre mim. Da mesma forma. mas é um ser humano singular e. não é a prática do professor. governar e psicanalisar. fica a prática do aluno. e ela não me entende! Gostaria de poder entrar na sua cabeça para pensar no lugar dela. Sou professor. Para aprender é preciso entrar numa atividade intelectual: esta é a verdade do construtivismo. não me importa saber se o professor é tradicio- . Não posso compreender por que ela não me entende. não vai aprender. porque só serei bem-sucedido no meu trabalho. Isto significa que. mas ela não me entende. como a minha. É a mesma situação na psicanálise: o psicanalista pode fazer tudo.96 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL central de tudo isso é a prática do aluno. tem dificuldade para entender. com uma razão. mas. existe uma situação de contradependência que é muito interessante: tem o poder do professor. Freud já disse que existem três missões impossíveis: educar. não consegue entender coisas tão simples! Estou me defrontando com o seguinte: essa criança tem uma razão universal. se o aluno fizer o essencial no seu trabalho. não me importa a moda. o trabalho do professor não é ensinar. vou fracassar. Assim. Uma coisa tão simples. na verdade. para fazer o aluno aprender. A própria definição de professor não é ensinar. também eu. Acho que estas três situações são o mesmo caso. depois de saber disso. Vou falar de uma experiência que cada um de nós já viveu como professor. um ser humano. o aluno está dependendo de mim. se quem deve aprender é o aluno. Portanto. ainda que. é ele quem deve fazer o trabalho intelectual. no centro. Estou ensinando uma coisa para uma criança. não é assim? Não posso entender por que essa criança. Bem. vai fracassar. as políticas são importantes. Penso que. Estou insistindo neste ponto. nenhuma política educacional pode. Não precisamos ser trotskistas ou do PT para ciclar as escolas. Já faz dez anos que temos escolas cicladas na França. Um exemplo disso é a escola ciclada. porque as crianças das camadas populares geralmente precisam de mais tempo para atingir os mesmos objetivos. o que importa saber é se o trabalho do professor ajuda o aluno a desenvolver uma atividade intelectual e. o que importa saber é quais são as práticas do professor e as práticas dos alunos que vão ser desenvolvidas ali. Há como organizar práticas de exclusão na escola ciclada. ou em ciclos. trancados. É por isso que estou trabalhando na questão do saber em sua relação com a escola. Importante é . Vou terminar este ponto falando do efeito das estruturas e das políticas educacionais sobre as práticas do aluno e do professor. É uma questão mais complicada. Sei que dentro de uma escola ciclada pode-se desenvolver práticas que vão no sentido contrário à própria idéia da escola ciclada. já vi desenvolvimento de práticas elitistas em escolas cicladas. mais democrática é a escola. e não foi uma revolução total. Acho que nenhuma estrutura. teoricamente. mas estou falando das políticas educacionais como organização do mundo escolar. que importa muito. Não me importa saber se o professor é tradicional. com os alunos que sempre vão ficar juntos sem adiantar nada. Estou entendendo. Pode-se organizar pequenos grupos fechados. aqui. Temos que avaliar os efeitos das mudanças políticas. Conheço um pouco a escola ciclada no Brasil porque trabalhei por um tempo com a prefeitura de Porto Alegre. por si mesma. deixei toda a metafísica pedagógica. Entretanto. se é da pedagogia nova. se não é tradicional. Não estou falando de política como projeto político simbólico.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 97 nal ou inovador. qual é o sentido dessa situação para o aluno. também. por si mesma. As estruturas são importantes. que é a relação com o sentido. quanto mais tempo uma criança tem para atingir um objetivo. pode produzir um efeito educacional. mas por seus efeitos e conseqüências. o dinheiro é importante. já vi escolas cicladas horríveis. das estruturas. atingir um resultado dado. também os meios são importantes. da pedagogia antiga. política como área organizacional. É boa ou não é boa a escola ciclada? Depende do que você vai fazer. pois. não é? De partida. os ciclos levam a uma melhora. Assim. e todo esse debate. a partir das conseqüências que estas estão produzindo nas práticas dos alunos e nas práticas dos professores. não é uma situação igual à do Brasil. para a licenciatura na área de Educação e para a pesquisa. mesmo sem entrar numa pesquisa. talvez não deva ser um impedimento para que isso ocorra. ter a seu encargo também essa mediação entre a cultura da pesquisa e a cultura da sala de aula? Parece-me que. estaremos resolvendo as questões mais importantes. sabendo que não é fácil. participar dela. Há uma separação entre as duas áreas. Mas. a outra é qual é o sentido dessa situação para o próprio aluno. Charlot: Talvez essa possa ser uma das funções do professor formador de professores. essa mediação é muito importante e. que estão preparando os estudantes. porque se o professor pensa que com aquelas crianças não pode fazer nada. e. Depende também do tipo de pesquisa. por causa de sua origem social. Acho que ele tem várias funções e esta é uma delas. A formação do professor pode ser desenvolvida a partir destas três questões. Se resolvermos estas três questões. Uma outra opção seria permitir aos professores. esse professor está com o desejo de tirar o pé da sala de aula para ter os dois pés na pesquisa. DEBATE Questão 1: Não seria o professor formador de professores o mediador entre a cultura da pesquisa e a cultura da sala de aula? Não seria difícil para o professor. No meu departamento não estamos formando professores.98 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL saber o que vai permitir ao aluno aprender a desenvolver suas próprias práticas intelectuais. O professor formador de professores está com um pé na pesquisa e outro pé na sala de aula. geralmente. que têm uma autonomia. uma terceira. Dou exemplo: na França. que é o prático reflexivo da sala de aula. qual o prazer que o aluno pode encontrar na atividade intelectual. Acho que tem várias possibilidades para organizar tudo isso. existe o que chamamos de Institutos Universitários de Formação dos Professores Mestres. incluindo a das representações que o professor tem das crianças dos meios populares. e os departamentos de Ciências da Educação — como é o caso do meu —. desde a graduação. ele não vai permitir à criança entrar em atividade intelectual. . O aluno tem ou não tem uma atividade intelectual? Esta é uma questão central. o fato de essa tradução não poder ser feita diretamente pelo professor. pela minha experiência. porque o ponto de vista da pesquisa não é o mesmo ponto de vista do dia-a-dia na sala de aula. em muitos casos. Acho que a entrevista a um aluno singular ou a um grupo de alunos vai me trazer a sua subjetividade. quando encontramos certos comportamentos. Questão 2: Dentro da Pedagogia atual. Mas. Então. E. Pensando nestas duas tendências. os psicólogos — e abordam a educação de uma forma mais ampla. no fundo. o problema das vagas da universidade. sobretudo um jovem da periferia. e que essa coexistência de duas lógicas. são esquisitas. diferente da nossa. e essa diferença faz sentido. a importância do educador como alguém que articula esse processo.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 99 Selma: Aqui nós temos as duas situações convivendo. não tranqüilamente. não sabemos que eles estão funcionando numa lógica. a das Ciências da Educação. Falar uma hora ou mais com um jovem. é um problema de vagas. e uma outra vertente. pensamos que essas crianças são loucas. uma entrevista singular. Uma coisa esquisita que descobri: um professor pode ser professor há quinze anos sem nunca ter tido a oportunidade de ficar uma hora falando com uma criança para saber como ela está vivendo a escola. Você pode escolher uma tendência ou outra. é uma das principais fontes da violência escolar. precisamos descobrir que esses pseudoloucos têm uma lógica. em que se discute o papel do educador. Aí eu lembraria um pouco as colocações de Jacques Bien Lerrout. uma lógica completamente diferente da lógica do professor. No fundo. que está funcionando numa outra lógica. e a partir do seu olhar em relação aos vários lugares que conhece. para ver o mundo com o olhar do outro. são dois problemas diferentes. como é que o senhor vê as discussões nessas duas frentes? Charlot: Posso dizer o que penso? Acho que é uma questão de distinção das vagas. são selvagens. como ele vive tudo isso. sem conhecer a lógica do outro. em que os pesquisadores trabalham com educação — os sociólogos. Não sabemos qual é o olhar dos alunos com quem estamos trabalhando. assim. cada uma se pensando a própria legitimidade. Esta é uma questão muito importante na formação dos professores. quando este fala de uma sociedade pedagógica. Já pesquisei um pouco sobre essa questão para escrever um livro sobre as Ciências da Educação . Temos que distinguir. Charlot: Na graduação. já estou exigindo dos meus estudantes que eles realizem uma entrevista com uma criança de periferia sobre a questão do sentido da escola e do saber para essa criança. o problema. em que a Educação é o núcleo central. temos discussões em que esta se subdivide em duas áreas: uma área que seria uma abordagem das Ciências da Educação. Eu descobri que é muito importante isso. como tem sido sua história escolar. nessas discussões. . para o desenvolvimento da carreira (um tipo de formação continuada). muitas vezes. que é um campo de lutas institucionais. os da Educação que estão se pensando na área de Psicologia. Recebemos também professores que vêm para aprender. E um psicólogo que está se pensando na área da Psicologia vai prestar maior atenção ao que está se produzindo na área da Psicologia. e a política enquanto projeto. que na área da Educação existem dois tipos de psicólogos: os psicólogos da Educação que estão se pensando na área das Ciências da Educação. Acho que esta é uma posição de pesquisador. não é? E esta não é uma questão teórica. Temos que distinguir as duas questões porque. negociar. precisamos de todos. por exemplo. de pesquisadores que prestem atenção ao que está se produzindo na área geral da Psicologia. estamos escondendo debates institucionais. depois. Para que escolher uns excluindo outros? Precisamos de professores. entre as questões. e — uma segunda pergunta — sobre a relação entre política. entre as respostas das várias áreas das Ciências da Educação. mas também precisamos de pesquisadores com uma competência mais desenvolvida para fazer cruzamentos entre os conceitos. com a temática do fracasso escolar. Qual é a melhor? Melhor é a que tiver vagas para os meus alunos. é uma questão institucional. na Sociologia da Educação. na área geral da Sociologia.100 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL e meus colegas me disseram. nessa relação? Charlot: Sobre o primeiro ponto. mas. atrás de grandes debates epistemológicos. fora da Psicologia da Educação. também. que tem o papel de organizar as condições para as práticas dos professores e dos alunos. Questão 3: Qual é o destino profissional dos estudantes que cursam as Ciências da Educação na França. formação e práticas dos professores e dos alunos. por exemplo. Assim. nossos departamentos das Ciências da Educação já estão produzindo profissionais. Acho que esta diferença é legal. Como é que você situa as pesquisas que vem conduzindo na área. interesses contraditórios. além da formação deles como pesquisadores. pesquisa. Prefiro dizer o que penso ser a verdade e. E qual é a diferença? É simples. na Didática — é um psicólogo com a atenção voltada às pesquisas em Educação. Queria ouvir um pouco mais sobre as relações desta política — enquanto projeto — com a pesquisa e com as práticas dos professores e dos alunos. A maioria dos nossos estudantes já estão trabalhando na escola pública e alguns na escola privada. Um psicólogo que está se pensando na área das Ciências da Educação vai prestar uma atenção maior ao que está se produzindo nesta área. estamos em luta na universidade. Você fez uma distinção entre a política enquanto organização do mundo escolar. mas estou dizendo também que é impossível construir um bom sistema de educação. O que posso saber estudando a história é que a fórmula eficaz. na PUC. não é? Ontem. é importantíssimo distinguir a questão da gestão e a questão do projeto político. Existia também práticas no dia-a-dia das salas de aula coerentes com esse projeto político. cumprimos o papel da formação continuada e também um pouco da formação inicial. pois é funcionário. ainda. ele não vai perder a sua vaga. jovens que estão entrando no mercado da formação de adultos. Nem mesmo se for um professor muito ruim e todos saibam disso. num país. há que fazer aquilo". em nosso departamento. ou para animação ou para dirigir casas para idosos. Havia um projeto político que girava em torno de valores do universalismo e da idéia da dignidade de cada um. o que também é um erro. no país dos meus sonhos". Estou insistindo para distinguir a pesquisa e o discurso político. A área da formação de adultos é muito menos institucionalizada do que a área da escola pública. que tinha um consenso.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 101 recebemos. existem duas armadilhas. O grande sucesso da escola francesa. onde temos um sistema de Estado com uma fiscalização forte. instrumentos. e isto é um problema para nós. na sala de aula. Eu respondi: "É simples. ele não vai perder a sua vaga. Respondendo à sua segunda pergunta. Na França. inclusive do trabalhador. inclusive entre a burguesia moderna e o movimento popular. A primeira. tem um sindicato forte. a do discurso político que não presta atenção aos que estão fazendo educação na sala de aula — "há que fazer isso-. mas que não serve para nada. não vão se desenvolver. Acho que o . porque o professor é um funcionário e não pode perder a sua vaga. Acho que é impossível construir uma boa educação sem referências políticas. para construir um sistema de ensino. práticas eficazes. sem uma referência política forte. porque o relacionamento hierárquico administrativo vai encontrar concorrência na fala do pesquisador. não gostam muito de pesquisa. Aí. Acho que esta é a fórmula mágica. Os fiscais que vão inspecionar as escolas. Este é um problema muito importante na França. para resolver as questões do ensino. dar mais ferramentas. porque sem perspectivas amplas. largas. Assim. é o encontro entre um projeto político forte e práticas cotidianas na sala de aula. desde que o professor não ande nu ou bêbado dentro da escola. A outra é a armadilha tecnológico-profissional. temos uma fiscalização e uma administração fortes nas escolas. uma equipe de televisão me perguntava em qual país existe uma escola ideal. pensando que basta profissionalizar mais os professores. muitas vezes. seja qual for o conteúdo. no fim do século XIX e início do XX. foi o encontro entre um projeto político forte. é possível fazer. um ensino público? Deve ser um ensino com objetivos universalistas? Deve ter uma relação com a comunidade? Isto é uma questão muito importante c que não fica claro. por seu próprio movimento. Não pode existir uma ação pedagógica sem uma dimensão política. porque. Inclusive. a comunidade é uma área de interesse particular que vai colocar os alunos dentro de um mundo particular. dizendo o que deve ser o mundo. na nossa cabeça. quando estou dizendo que ela deve ser. no Brasil. geralmente. Estou desenvolvendo um discurso que tem uma dimensão política e desenvolvo esta dimensão quando estou entrando na ação. esta questão foi resolvida através da formação dos professores. Existe uma pedagogia fascista. no Brasil. na França. que organizaram a formação dos professores com um projeto político. há pedagogias que não foram emancipatórias. E. estou saindo da área restrita do pesquisador. na França. um discurso sobre a necessidade de uma ligação entre a escola e a comunidade. num ambiente mais universalista. O que poderia ser. somos. o que não é a mesma coisa. O que sei é que é um ponto muito importante: saber qual sistema de educação pública se pode construir no Brasil. Na história. São as chamadas "École Normal". um discurso universalista. embora esteja distinguindo a questão da pesquisa educacional e a questão da política. na referência dos Estados Unidos. só se poderia fazer — mas não sei isto — dentro de uma comunidade. não posso dizer que. um sistema que tenha um pé político e um pé profissional. como intelectuais de esquerda. existe uma pedagogia no nazismo. intelectuais da esquerda na França. sabendo que. querem pesquisar a relação entre a escola e comunidade. e ser um intelectual da esquerda na França é desenvolver. muitas vezes. O tema central. Não é verdade. porque nós.102 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL problema do Brasil agora é a questão da formação dos professores. Acho que são ligações provavelmente relacionadas com a idéia de se respeitar os direitos de cada um que. mas é também a questão de um ensino público. por sua natureza. a pedagogia é emancipatória. E eu descobri. quando leio que sua pedagogia é emancipatória. O que posso dizer é que a pedagogia deve ser emancipatória. que os meus colegas que têm uma atividade política e ideológica como a minha estão desenvolvendo. o que. na . talvez. no Brasil. foi uma surpresa para mim. pesquisadores brasileiros que. mas fornecendo também instrumentos práticos para dar aula no dia-a-dia da sala de aula. Estou recebendo. "eu vou dizer a verdade política". O que não posso agüentar é ouvir o pesquisador se dizendo. Na França. dos que estão chegando na França para pesquisar. que não é emancipatória. Isto não posso agüentar. universalistas e estamos desconfiando da questão das comunidades. Por isso. tradicionalmente. Acho que o problema da formação dos professores é problema político e profissional. é que conhecíamos os métodos. mas não a prática dos professores. Quando fizemos a nossa primeira pesquisa sobre a questão da relação com o saber na escola. olhando-se de fora. sem estar fazendo uma pesquisa com todo o rigor clássico do método. não conheciam. Selma: Estamos precisando mandar outros estudantes brasileiros para a França porque. Mas acho que devemos aceitar a idéia de que. no sentido da sua entrada na sala de aula. Questão 4: Gostaria de ouvir um pouco o que o senhor pensa a respeito de como os professores da escola básica podem se inserir na pesquisa sobre a sua própria prática. porque estão se olhando de fora e. sendo ele. Ainda há outra coisa: a possibilidade de equipes. como eu já disse ao professor Charlot. mas em vários tempos. tem muitas faces. Esta é uma posição da pesquisa acadêmica. tradicional. Há também o fato de se estar trabalhando com o espírito de pesquisador. não é?". de se estar com o espírito sempre aberto para descobrir o que está acontecendo na sala de aula. também preciso das decisões políticas. eles têm problemas. os dois papéis: o de professor e o de pesquisador. o sujeito pesquisador? Charlot: Depende do objetivo. podemos fazer as duas coisas no mesmo lugar. Como é que o senhor vê a possibilidade de o professor tornar-se um pesquisador da sua prática. Depois. os pesquisadores. no sentido estrito da pesquisa. um olhar que não é o da ação. é assumir uma postura. Os professores pesquisaram conosco. em parceria com os pesquisadores da universidade. também. Tenho discutido muito com os meus estudantes brasileiros a este respeito. de conjuntos de pesquisadores mais professores. mas estava claro que nós. em certos momentos. acho que é impossível pesquisar a sua própria prática. Dois papéis diferentes. inclusive na sua própria sala de aula. mas temos que deixar claro que vamos continuar para . ao mesmo tempo. eles se tornam professores ruins. no sentido de que ela consegue mudar o discurso.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 103 ação. De um certo ponto de vista. no Brasil. eles me disseram: "Vamos continuar a trabalhar juntos. pesquisar é desenvolver um olhar. trabalhamos com os professores da própria escola. Sei que quando os meus orientandos estão pesquisando nas suas próprias salas de aula. E não podemos fazer as duas coisas ao mesmo tempo. O senhor falou bastante dos limites da pesquisa. quando um outro professor assume o cargo de ensinar. porque o objetivo da pesquisa não é o objetivo da ação. É impossível assumir. e eu disse: "Eu concordo. Mas é possível um professor ser pesquisador. Foi um tempo muito curto de trabalho com eles. a esquerda. as práticas de pesquisa que eles. os professores. os chefes não devem ser os pesquisadores. existem também estratégias de sobrevivência dos próprios alunos. sobreviver fisicamente. Sem considerarmos essa questão como ponto de partida. quanto a isso — vou falar de dentro da posição do professor —. principalmente no Brasil. Os pesquisadores já mostraram isso e temos que partir desse ponto de vista. seja de pesquisa-ação. um dispositivo coerente. Devemos construir. Quero desenvolver um pouco este ponto porque o acho muito importante. instrumentos para ele usar na sala de aula? Enfim. Por exemplo. me parece. seja outra coisa. Quanto mais difícil é uma situação. Eles não conseguiam deixar o lugar de quem estava seguindo a palavra do pesquisador. depois. Peter Hudson. a filosofia. para dirigir a situação. vocês vão dirigir". embora relacionadas. Existem lógicas que. Questão 5 : 0 senhor acha possível que a escola cumpra o seu papel político e o seu papel de formar cidadãos se. Eu estava dirigindo. depois que o discurso construtivista tornou-se o discurso pedagogicamente correto. parece que a preocupação está em que o professor aprenda como é que a criança aprende. sobreviver na sua identidade profissional e. na formação de professores. Isto não é uma questão de princípio.104 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL tirar conseqüências práticas das nossas pesquisas. estratégias de ensino. na escola. porque estamos entrando na área da ação. em cada caso. como é que ele deve ensinar e. e. seja da minha própria sala de aula. em ensinar ao professor as teorias da aprendizagem. se puder. porque existe . um pesquisador inglês. está faltando conteúdo. no momento da pesquisa. Acho que seria mais importante que o professor lesse a boa literatura e as ciências humanas. mas não tem muito o que ensinar. no momento de saber o que fazer dos resultados da pesquisa para mudar coisas na escola. mostrou bem que a prioridade. não são as mesmas. seja da de outro professor. mas. É um pouco o que estou tentando fazer. mas sempre exigindo que se reflita para encontrar um dispositivo coerente. depois. nesse momento. parece ser cada vez maior a preocupação. não podemos entender o que está acontecendo nas situações de reformas e de inovações. a sociologia. é sobreviver e. às vezes. na verdade. é a realidade: sobreviver psiquicamente.. hoje em dia. seja de pesquisa mais tradicional. Quem vai orientar a ação são os próprios professores. Existem estratégias de sobrevivência do professor.. O que importa para o aluno é sobreviver e vamos negociar a sobrevivência juntos. é sobreviver na sala de aula. como professor. não é? Este é o ponto de partida. Charlot: O que é o mais importante. mais a necessidade de sobreviver vai ser a prioridade. Foi muito difícil. formar os alunos. Deixo abertas todas as opções. Acho que ele está aprendendo a ensinar. eles estão integrando as mudanças para que nada mude. Estou tentando entender como as coisas estão acontecendo. Enquanto seres humanos somos os mesmos. de dominar tudo. descobrindo a importância do inconsciente e coisas assim. não é? A partir daí. estão fazendo outra coisa. porque mudando as condições de trabalho estamos mexendo nas estratégias de sobrevivência do professor. temos que levar em consideração a questão das estratégias de sobrevivência. sem nenhuma formação pedagógica. mas enquanto sujeitos singulares não funcionamos do mesmo jeito. a partir deste ponto de análise. porque não somos todos os mesmos. Já encontrei professores que mudaram. também. a primeira conseqüência disso é a de trazer o problema da sobrevivência ao professor. cada vez mais. não sei como posso responder à sua questão. uma inovação. mudaram suas práticas pedagógicas. . o professor vai guardar a forma exterior da mudança mas esvaziar a mudança de todo o poder de mudar realmente a situação. O que vai fazer o professor? Ele vai tentar reintegrar a demanda de reforma. ao mesmo tempo. temos que trabalhar junto com os professores para pensarmos em tudo isso. é uma tentativa para descrever e entender o que está acontecendo. não é uma escolha lógica. ao fazer isso. E. não sei. uma reforma. de que os professores estão resistindo à mudança. a demanda de inovação. está se desenvolvendo um desejo. melhor ou pior. depois de entrarem em certas áreas de conhecimento. Isso não é o que eu queria. se não podemos vender. Não podemos vender uma inovação. uma ambição de esclarecer tudo. professores que criaram novas práticas muito interessantes a partir de uma análise das próprias condições de seu trabalho. Acho que devemos levar em consideração essa heterogeneidade e deixar de lado os nossos fantasmas. no mundo inteiro. porque existem também as estratégias de sobrevivência dos alunos.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 105 a idéia. Acho que eles não estão resistindo à mudança. Estou pensando em professores de matemática que receberam uma formação na área da história da matemática e. e não só denunciar e dizer o que deveria ser o mundo. geralmente. vender uma reforma aos professores. Cada vez que estamos chegando com uma reforma ou com uma pequena inovação. E. Se quisermos mudar verdadeiramente o ensino. E. Encontrei. depois disso. para que a nova situação fique compatível com as suas estratégias de sobrevivência. Já encontrei professores que mudaram suas práticas pedagógicas. porque estou envelhecendo e queria mudar um pouco o mundo antes da minha morte. o desejo de dominar tudo e de estabelecer uma transparência total. acho que cada vez que estamos defendendo uma idéia nova. Estamos vivendo numa época em que. uma estratégia de sobrevivência que acompanhe essa mudança. temos que pensar a transferência de um conteúdo e de uma capacidade cognitiva. avaliando tudo com rigor tecnológico. Uma avaliação que não seja. nesta questão da avaliação. Qual é a relação interessante? Acho que estamos perdendo muito tempo tentando avaliar. eu vou ligar para a sua esposa ou para o seu marido. para saber se o processo tem eficácia ou não. queríamos conhecer tudo da criança. viu? e. temos que refletir sobre a questão da avaliação. ao mesmo tempo. vai poder conservar um mínimo de domínio sobre tudo e. de conhecer tudo. Qual é a avaliação que vale para um professor? E a avaliação do processo para saber se o processo que está usando para formar os alunos dá certo ou não. Um adolescente não pode se tornar publicamente transparente. uma avaliação. que a colaboração entre a família e a escola pode se tornar perigosa. no decorrer mesmo da ação. em primeiro lugar. do próprio processo é uma avaliação que não vai servir para o professor. na nossa época. o sujeito tem a sua espessura. Isso me assusta. temos sempre que colocar algumas questões: quem está avaliando? quem está sendo avaliado? o que está sendo avaliado? em nome de quê? a pedido de quem se está avaliando? por quê? para quê? em qual prazo — a curto ou a longo prazo? Uma avaliação a curto prazo. estou dizendo que o desejo de avaliação. é um discurso que responde às angústias da instituição. queremos estabelecer uma transparência total. quanto menos sabemos dominar uma situação. Temos que deixar essa idéia de total domínio e de total dominação e transparência. O discurso existente sobre a avaliação. amanhã. o que está acontecendo na comunidade. que é a avaliação pela qual a instituição opta. está tentando tratar da angústia institucional: a instituição tem a angústia de conhecer tudo. Esta questão da avaliação é muito importante na formação dos professores porque tem a história da sobrevivência: quem vai avaliar o professor? X . o que está acontecendo na sua família. Vamos matá-lo. de dominar tudo. temos que organizar tudo. E. A partir deste ponto. pode ser muito diferente de uma avaliação a longo prazo. por exemplo.106 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL assim. psicologicamente perigosa para o adolescente. Não estou dizendo que a avaliação não vale nada. de uma matéria para uma outra. a instituição está pensando que. mais estamos exigindo avaliação. ele ou ela vai me ligar para me dar notícias do que você fez ontem e do que pensa". Imagine! Crescemos nesta história e é terrível! E terrível a ideologia da colaboração total entre todas as autoridades que podem interferir na vida de um adolescente. para dizer que você estudou bem. Mas. em vez de tentar formar. Estou dizendo para os meus estudantes não fazerem a mesma coisa que algumas famílias estão fazendo: "Nesta tarde. É o nosso fantasma de dirigir tudo. fazendo isso! Eu já disse. não sei se existe o mesmo no Brasil. E uma questão que diz respeito à sensibilidade e que pode acenar para a presença da alegria no trabalho docente e discente. que também está correndo. a propósito da questão ligada à atividade intelectual do aluno. cada vez mais cedo. vai sempre saber ou não vai sempre saber? Descobrimos que estamos diante de algo mais complicado. quando um aluno não é bem-sucedido? Será que ele tem um perfil psicológico tal e carências socioculturais? A minha resposta é outra e próxima da experiência dos docentes do mundo inteiro. trabalhar? Charlot: Muito simples: não sou mágico. não é mal ele não aprender. Um professor está sempre correndo atrás do tempo (esta é também uma definição para professor). Tem um dito francês. sobre a questão do sentido e do prazer. envelhecendo. depois do aluno. Então. Charlot: Posso abrir a questão perguntando: Qual a questão que devemos nos colocar quando uma criança não consegue aprender na escola. A questão do tempo me parece muito importante. focalizando mais o que é essencial e correndo menos. outras questões devem ser colocadas: por que o aluno estudaria? qual é o sentido de estar na escola e de . mais democrática é essa escola. Muitas vezes. Acho que o tempo é o principal adversário do professor. quanto mais tempo a criança passar na escola para atingir seus objetivos. Se ele estudou. Questão 7: Gostaria de ouvir um pouco mais. penso que os alunos aprendem muito pouco. Gostaria de ouvi-lo a partir do que já tivemos oportunidade de ler também em seu trabalho sobre a relação com o saber. porque estudar não tem o mesmo sentido para o professor e para a criança do meio popular. Penso que não exista um método único que sirva para professores e também para os alunos. Eu não posso conciliar uma contradição. Isso é muito simples: será que este aluno estudou ou não estudou? Simples. Como conciliar essas duas questões. porque se ele não estudou. Questão 6: O senhor falou que. Seria melhor que o professor ficasse um pouco mais tranqüilo.PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 107 para fazer o quê? a partir de quê? É por isso que. Os alunos aprendem correndo atrás do professor. as pessoas têm que trabalhar cada vez mais cedo. o aluno passar mais tempo na escola e a necessidade socioeconômica de. que diz "Não existe nenhum método de aprendizagem de leitura que possa impedir uma criança de aprender a ler". Tem uma outra questão: nos países subdesenvolvidos. estou cada vez mais sensível à questão de respeitar a diversidade dos interesses. Acho que é importante olhar essa dimensão que a gente está chamando de estética do trabalho. ajudar os estudantes a aprender? São questões importantes. compreender. ele responde "não é minha culpa". Os esportistas sabem que o prazer vem do esforço.. "Com aquelas crianças não podemos fazer muita coisa. qual é o sentido de ir à escola? qual é o sentido de ensinar? qual é o sentido de tentar ajudar os jovens a aprender e a compreender coisas? Assim. não podemos criar uma criança sem exigência. Que sentido faz para o professor ensinar coisas. E vou mais longe: não existe prazer sem exigências. Beatriz Cornado fez uma pesquisa sobre a questão da relação dos docentes com o saber. prazer de se sentir capaz de atingir objetivos. coisas que não queremos para as nossas próprias crianças. qual sentido tem estudar. Temos que encontrar outros meios para atingir os objetivos que as crianças do meio popular também têm o direito de atingir. sem exigências. Existe uma mediação na área do prazer.. seja qual for o conteúdo da pergunta. são as seguintes: para a criança. Eu gostaria que vocês tentassem me responder às três questões: para um professor. Acho que a questão "qual o sentido para um professor ir a escola a cada manhã?" é importantíssima. mobilizar-se intelectualmente ou não se mobilizar intelectualmente. Não posso agüentar esse discurso que diz "com aquela criança do meio popular. Cada vez que começamos uma frase assim. E a primeira resposta: "não éminha culpa". não esquecendo que a questão do prazer não é simples porque não podemos separá-la da questão do esforço. É muito difícil. e qual sentido tem aprender. particularmente para a criança do meio popular. uma formação. Não existe uma educação. que é a questão do desejo e da construção do próprio sujeito. as questões básicas são as mesmas para o professor e para o aluno. não podemos deixar de lado a exigência. E. uma criação. as três questões básicas da nossa equipe. Deixar as exigências é uma prova de desprezo pela criança. prazer de se sentir funcionando bem dentro da sua cabeça. da sua mente. porque no mundo inteiro. Há ainda pouca pesquisa sobre a questão da relação do professor com o saber. estamos prestes a fazer. temos que deixar as exigências de lado. quer em outros lugares? Estas são as três questões fundamentais. ou não estudar. quer na escola. Algumas pesquisas foram feitas. a partir das quais estamos pesquisando. O que eu estou fazendo neste mundo? . em São Paulo. quando se está perguntando alguma coisa a um professor.". Sei de uma na Grécia e outra aqui em São Paulo. qual sentido tem ir à escola. a questão do prazer não é a do prazer imediato. com essa criança. que devem ser abordadas num programa de formação de professores. assim." Isso é um desprezo.108 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL estudar? e qual é o prazer que o aluno pode encontrar nisso tudo? Assim. .EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. 109 PARTE II EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS . . 2000). tanto a arcaica quanto a clássica. * Professor na Universidade Federal do Mato Grosso e doutorando na Faculdade de Educação da USP. sobre a produção de conhecimentos pelos professores e pela escola. coletivamente considerados.com. ibidem: 91) A preocupação com a implicação entre práticas docentes e teorias educacional ou mais comumente chamada de relação teoria — prática já vem ocupando as discussões na educação faz um bom tempo. é chamado de ética: um tema presente na filosofia grega. nesse campo.. as vertentes de investigação "que tomam a prática de ensinar como fenômeno concreto" de modo a cobrir aqueles estudos (. [email protected] DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. . a relação teoria — prática é um antigo tema da filosofia e.. da prática. para estudar as práticas dos docentes. Esse esforço de elaborar princípios teóricos que respondam às demandas da vivência. 111 EPISTEMOLOGIA DA PRATICA: o professor reflexivo e a pesquisa colaborativa Silas Borges Monteiro* As pesquisas sobre os saberes da docência têm ocupado boa parte da agenda da produção de conhecimento na educação.) sobre a sala de aula preocupados em conhecer e explicar o ensino e a aprendizagem em situações escolares. (idem. da cultura ocidental. A esse campo de pesquisa e investigação tem sido dada a denominação de Epistemologia da prática docente (Pimenta.. posteriormente.. nos contextos escolares. Aliás. desenvolvendo teorias a respeito dos saberes e conhecimentos docentes em situação de aula e. Inscrevem-se.br. portanto. publicado em 1793. pelo método fenomenológico. Para isso. esse é um bom exemplo de como a relação entre teoria e prática tem sido encaminhada por boa parte dos teóricos da educação no Brasil. . a autora entende que era necessário dar um passo a mais. E vejo que. minhas inquietações começaram a ter algumas respostas. pretendo argumentar sobre essa possibilidade. O conceito central para isso é o de práxis. O que é decidir? O Orientador contribui para a decisão profissional do aluno? O estudo da realidade me mostrava que não. no sentido de fazer um "erifrentamento da realidade escolar brasileira". Vemos Kant argumentando contra o senso comum que julga ser evidente a separação entre elaborações teóricas e seus resultados práticos. foi possível apreender a necessidade de pensar algumas questões: qual a essência da educação? Para que educar? Qual a essência da Orientação Vocacional? O que é a formação do Pedagogo e do Orientador Educacional? Uma interdisciplinaridade resolveria os problemas do tecnicismo na formação do educador? O problema de pesquisa inicialmente definido foi da decisão vocacional. Sua resposta é que a teoria que não responde às demandas da prática requer ser revista. pergunto: haveria espaço para outras soluções à questão da teoria—prática além da solução oferecida pelo materialismo dialético? Nesse momento. mas não serve para a prática. Em termos da produção do conhecimento na educação. seu objeto de pesquisa na ocasião.112 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL No século XVIII. Kant escreve um pequeno opúsculo intitulado Em torno ao tópico: talvez isso seja correto na teoria. Pimenta relata: Com o estudo da Fenomenologia. unidade teoria e prática? O título do livro se vale de uma linguagem bem hegeliana. Como já disse. Pelo viés marxista de dialética. Creio que Pimenta (1997) expressa bem essa concepção e essa preocupação em seu livro O estágio na formação de professores. sem captar a essência do decidir — condição fundamental para uma análise fenomenológica. Sobre a Fenomenologia como metodologia de investigação. (1999: 249) A seguir. principalmente no que se referia à Orientação Vocacional. Contudo. recupero o retrospecto feito por Pimenta (1999) sobre sua produção intelectual. se vale da Fenomenologia como forma de avançar para além do psicologismo tão presente então nas pesquisas sobre a educação. tenho visto que essa dicotomia tem sido problematizada e respondida a partir da dialética hegeliana relida por Marx. a autora dará ao termo práxis conteúdo do materialismo. pois o Orientador só trabalhava o aluno psicologicamente. Inicialmente. num primeiro momento de sua trajetória à época da pesquisa do mestrado. Em sua terceira fase. orientação. que. mais especificamente. traduzidas nas correntes e tendências da educação e.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. caminho para a formulação das teorias críticas da educação. possibilitaram avançar no tema das relações escola e sociedade. mais adiante. sobretudo. A crítica à educação prossegui nos textos de Manacorda. aulas. a autora começa a fazer perguntas que não havia feito antes. então. estudei Marx já tendo como preocupação fundamental a especificidade da e d u c a ç ã o e a importância do saber escolarizado. pertencente ao verbo theoréo) e inicia outro olhar sobre a educação. Não é isso que ela disse: "pelo método fenomenológico foi possível apreender a necessidade de pensar algumas questões"? Entendo. como ela narra: Os estudos de doutorado permitiram um conhecimento sistemático do pensamento de Gramsci em quem. 113 Minha interpretação desse "passo a mais" é que. para a organicidade dessas críticas. é preciso admirar a compreensão da escola como uma totalidade contraditória. Pimenta toma outro olhar (sentido literal da palavra grega theoria. diante do contexto adverso sob o qual a educação brasileira viveu — sob a égide da ditadura militar —> as pesquisas na educação tenderam a uma opção metodológica que tomasse como referência o conflito entre uma realidade adversa e uma intenção transformadora dessa realidade. Snyders e outros. sendo possível formular respostas para a função da escola na sociedade capitalista. As contribuições de Saviani. Na medida em que essas perguntas se esgotaram. num momento inicial. A seguir. E com o . Com a Fenomenologia. através de seus textos. Suchdolski. sua pesquisa é a investigação da relação teoria — prática em programas de formação com dinâmica tal que explicitava a intenção dessa relação durante a formação. a da produção do livro que já citei sobre estágio na formação de professores. que a opção teórica contribui para fazer perguntas. sobre a escola. a discussão das relações entre educação e política. (1999: 252-253) Podemos ver que nesse segundo momento a questão é: o que é a escola numa sociedade capitalista? Parece que a resposta mais convincente dada a ela foi: é uma totalidade contraditória. em si mesma e em relação à sociedade capitalista. Diante disso. dou atenção ao seguinte fato: a opção teórica de Pimenta ajuda-a a fazer perguntas. Insisto: o recurso teórico contribui a se fazer perguntas que não eram feitas antes de se tomar contato com ele. foi encontrada basicamente no pensamento de Gramsci. de acordo com a autora. Este termo é formado por dois outros: epi e histêmi. O segundo forma a palavra ststêmi. quero concordar com Pimenta que o conhecimento teórico "não se adquire 'olhando .) quais os conceitos de prática (e de teoria) presentes nas falas dos professores e alunos? Como este conceito tem sido considerado nos cursos de formação de professores? A Pedagogia e a Didática têm pesquisado o tema? Quais as contribuições? Os professores precisam de "mais prática" ou de "mais teoria" em seus cursos? Os estudiosos vêm falando em "unidade teoria e prática". é preciso tomar "esse existente como referência (Pimenta. tenho certa segurança em dizer . associadas à epistêmê são: doxa. technê.. 1999: 120). 7 7 7 77 77 Há um termo corrente na educação e na filosofia que serve a esse tipo de investigação. podemos deduzir que a união dos dois termos nos fala a respeito de algo que está literalmente sobre alguma coisa firme.114 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL conceito de práxis. técnica (como arte da epistêmê). pois se supõe que esteja de tal modo sobre aquilo que se pode subir com segurança e firmeza. do verbo epistamai. que a autora assume nesse momento. estudos. As palavras que ocorrem com mais freqüência. surgem novas questões: (. cirurgia (como a habilidade para). respectivamente. de contribuir para um novo olhar sobre aquilo que toca como preocupação última em termos de pesquisa. tendo como base sua experiência profissional. 'ficando ali diante do objeto . Entendo que seu esforço teórico é o de conhecer o fenômeno — no caso. olhares de outros sobre o objeto . E o grego epistêmê. 'contemplando . iatrikós e aisthêsis. de onde o português sistema. ainda mais. Por isso. E aqui vou sustentando o que disse sobre a possibilidade de a teoria trazer interrogações novas sobre determinado fenômeno. percepção sensorial (como elemento da epistêmê). Daí o uso corrente do grego epistêmê para significar ciência. na literatura grega antiga. exige que se instrumentalize o olhar com teorias. O prefixo epi significa sobre. 1999: 256) Outra vez podemos notar que um conceito — o de práxis — auxilia Pimenta a elaborar outras questões que ainda não havia feito. será essa mais uma "teoria"? É possível tal unidade? Será que já ocorre? Em quais circunstâncias? (Pimenta. ou melhor. prática docente — para modificá-lo.. e ainda mais: para olharmos (theôréô) com melhor visão. Com isso. Logo. Não há um vínculo direto entre epistêmê e verdade (alêtheia). os significados são: aparência (como oposto à epistêmê). o verbo hístêmi: fazer com que fique firmemente em pé. Também devo dizer que é possível produzir a não-relação entre teoria e prática: a primeira não-relação. com ênfase na teoria. culturais. 115 que a epistemologia diz respeito mais a uma habilidade. Ou seja. transformando-os. para nele intervir. permitido por um outro olhar (thôréô).. 1 Esses apontamentos autobiobliográficos (na produção de Pimenta). . a ênfase está mais sobre a segurança que se tem em fazer algo (pois encontra justificativa para fazer o que faz) do que basear esse fazer na verdade. a meu ver. Se ocorre de determinada teoria responder pouco à prática. a segunda. são complementares.. isso 1.. Por isso. organizacionais e de si mesmos como profissionais. ele argumenta que "entre teoria e prática se requer um termo mediador" de modo a permitir o "trânsito de uma à outra". que a epistemologia da prática refere-se à produção (technê) de um saber. A meu ver. Esse termo mediador Kant chama de "faculdade de julgar". hábito. Da "teoria na prática é outra" à "prática na teoria é outra" Nesse ponto quero argumentar sobre a necessidade da constante (re)visão das práticas. de tal modo que esse ver novamente permita modificá-la. chamaria de especulação. ambos citados na bibliografia. Creio que vale a pena ler o artigo de Heidegger intitulado: La pregunta por la técnica e relacioná-lo com o artigo de Habermas: Técnica e ciência como "ideologia". nos quais se dá sua atividade docente. auxiliam-me a argumentar. é possível teorizar sobre a prática.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. sobre o que e quê efeito (prássô). inicialmente. sociais. pois. No texto já citado escrito por Kant. toda prática (prássô) submetida a um novo olhar (theôréô) pode ser modificada. conjugados ao que expus sobre epistemologia. Mas não tratarei sobre isso neste trabalho. pois essa é observável. uma técnica (no sentido heideggeriano de produzir ) que dá segurança a quem faz por permitir um olhar sob um ponto de vista seguro.) o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos. com ênfase na prática. isso é o que diz Pimenta (2000:92) quando fala do papel da teoria: (. então as alternativas significam praticamente a mesma coisa. e toda disputa é vã. Para ele. Pimenta insere-se. Outras respostas foram oferecidas para a questão da relação entre teoria e prática. se estenderiam interminavelmente. 1993: 3-6). porém não podem ser dadas. a partir de seu doutoramento. fosse verdadeira? Se não pode ser traçada nenhuma diferença prática qualquer. Como já observei. tais teorias "podem ser perfeitas e irreprovavelmente pensadas (por parte da razão). e as disputas em relação a tais noções são intermináveis. . a teoria só faz sentido se for uma resposta para a prática. E estou entendendo hábito ao modo de Hume. "só em uma teoria fundada sobre o conceito de dever se desvanece inteiramente o receio causado pela vacuidade" das teorias que são representadas tão-somente com conceitos. (1974:10) A resposta pragmatista é a de dissolver as disputas teóricas buscando sua base prática. predominantemente. propõe uma dialética materialista histórica: o sujeito constrói a teoria em relação direta com as condições materiais em que vive. pelo trabalho. nessa linha teórica. Outra solução foi oferecida pelo pragmatismo de William James. senão que talvez sejam elas idéias vazias das quais não cabe nenhum uso na experiência" (Kant.116 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL se deve ao "fato de que não havia teoria suficiente". de outro modo. ou seja. Marx. James define-o: O método pragmático é. A solução que quero defender é a de que devemos examinar nossos hábitos à luz da teoria. Que diferença prática haveria para alguém se essa noção. escrito em 1907. primariamente. um método de assentar disputas metafísicas que. aliado à dialética hegeliana. com todas as implicações políticas advindas dessa relação. ir além da especulação e do hábito. de preferência àquela outra. e se faz. É o mundo um ou muitos? — predestinado ou livre? — material ou espiritual? — eis aqui noções. O método pragmático nesses casos é tentar interpretar cada noção traçando as suas conseqüências práticas respectivas. quaisquer das quais podem ou não ser verdadeiras para o mundo. Em seu texto O que é pragmatismo. a seguir. o que explicarei. Hegel fala de uma relação baseada na unidade das contradições. ou seja. O que posso apreender dessa discussão é que qualquer que seja a solução ela deve tomar por base a importância de se relacionar a prática à teoria. brevemente. de modo que é necessário "aprender da experiência a teoria que falta". instrumento de humanização. . a relação entre o fogo e o calor. ao utilizar este termo. sendo.. § 5 : o todas as inferências da experiência são. nas máximas experimentais. é aquele fator que nos leva a crer que no futuro haverá semelhante relação entre eventos. mais do que o raciocínio causai. não do raciocínio.) A verdade é que um homem que raciocina sem experiência não poderia raciocinar se olvidasse inteiramente a experiência. (Idem. 1996: 62). Hume pretende acentuar um princípio da natureza humana e não dar razão última a essa tal propensão. (. efeitos do hábito.. fazemo-lo somente em sentido comparativo e supomos que possui experiência em grau mais ou menos imperfeito. Para ele. a fim de distinguir suas circunstâncias e traçar suas conseqüências. como. ibidem: 62) Sua formulação fundamental é de que o hábito (ou costume) serve como fonte de raciocínios causais. o hábito é o que dá sentido às ações humanas. sem ser impelida por nenhum raciocínio ou processo de entendimento. (Hume. (Idem. pois.) produz uma propensão a renovar o mesmo ato ou a mesma operação. Ora. portanto. parte I. a vivência repetida de um ato ou de determinada operação (. Contudo. em seu livro Investigação acerca do entendimento humano. sobre a qual dirá: A única diferença entre eles [argumentos racionais] as máximas racionais e experimentais (estas vulgarmente consideradas resultantes da mera experiência) consiste em que as primeiras não podem ser estabelecidas sem algum processo do pensamento e alguma reflexão sobre o que foi observado..EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. poderia valer-me do ceticismo humano para dizer que é a força do hábito.. o evento experienciado é exata e completamente similar ao que inferimos como resultado de uma situação particular qualquer. ou seja. defenderá a posição cética em torno da origem das inferências oriundas da experiência. tal qual já foi experimentado no passado. E aqui o filósofo inglês escreve uma grande nota de rodapé considerando a polêmica distinção entre razão e experiência. por exemplo. quando designamos alguém com esta característica. ibidem: 61). ou seja. que faz com que docentes reajam da mesma maneira em situações similares: essa é a principal .. o princípio que torna útil a experiência para torná-la prospectiva. no que diz respeito ao tema central desse trabalho — as ações docentes —. isso dirá na seção 5. 117 Hume. 118 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL crítica que tem sido feita pelos teóricos da educação. pois tem no horizonte as peculiaridades de novas circunstâncias. é: de que modo podemos introduzir mudanças nos hábitos docentes? Tenho apostado na compreensão de que nossas ações docentes tendem a tornar-se habituais. reflexão não consiste em uma série de passos ou procedimentos para serem usados por professores. (Zeichner & Liston. para dar um passo além de Hume. 1999: 267) A "outra prática" da teoria do professor reflexivo O que estou tentando defender é algo que Zeichner faz com melhor propriedade por meio do conceito de professor reflexivo. emoção e paixão. A questão que surge. Lembrando que chamo de (re)visão a operação teórica. É difícil pensar na possibilidade de educar fora de uma situação concreta e de uma realidade definida. 1992). como um programa de técnicas para professores usarem. baseadas na lógi- . uma forma de ser professor. Zeichner esforça-se por mostrar que o ensino reflexivo não é um tipo de operação mecânica que pode ser contida em um modelo fabricado e consumido por professores (Zeichner. mais do que solução-de-problemas por procedimento lógico e racional. também. Reflexão envolve intuição. Inicialmente. os hábitos dão sustentação às nossas ações. (Libâneo & Pimenta. 1996: 9) Percebe-se a crítica de Zeichner a processos formativos que tendem a reduzir a complexidade a fórmulas mecânicas. Mais do que isso. o que acabei de afirmar vai ao encontro do que Libâneo e Pimenta dizem ao escrever: As investigações recentes sobre formação de professores apontam como questão essencial o fato de que os professores desempenham uma atividade teórico-prática. essa (re)visão se faz necessária. e não é algo que pode ser acondicionado em pacotes. ele é uma forma integrada de perceber e responder a problemas. A profissão de professor precisa combinar sistematicamente elementos teóricos com situações práticas reais. reflexiva sobre as ações efetuadas ou a serem efetuadas: é o estabelecimento de uma nova prática (que tenderá a um novo hábito) por um novo olhar sobre ela. a (re)visão de nossas ações permite a transformação delas. A meu ver. Como afirma em outro texto: De acordo com Dewey. Ação reflexiva envolve. E todas as vezes que as experiências cristalizam-se em hábitos. tem método e intenção. exame efetuado à luz dos argumentos que apoiam a estas e das conclusões a que as mesmas chegam. que é refeita. Podemos dizer que a reflexão é um tipo de labor intelectual. como Arendt observa. tornaram-se sinônimas. pois. seja alterada. com o tempo. assim como todo o resto do que percebemos. por meio da reflexão. Em seu livro Como pensamos. 90). . Dewey é um dos filósofos que dão sustentação teórica para o sentido de ensino reflexivo.. voltamos nossa atenção às crenças e entendimentos dos professores.. prolongado e cuidadoso exame de toda crença ou espécie hipotética de conhecimento. (1953: 8) O que Dewey afirma — que Zeichner dá destaque — é que a reflexão não pode ser reduzida a qualquer operação mental. 0 sentido grego de labor Hannah Arendt (Arendt 1999) aponta a distinção entre duas palavras que pode nos ajudar na conceitualização da prática reflexiva: a diferença entre trabalho e labor. E ao usar a palavra labor. atualizada. ou seja. A reflexão envolvida na ação docente não pertence à lógica estímulo-resposta. mas para firmar uma crença em uma sólida base de argumentos. a distinção possui evidências fenomenológicas demais para que a ignoremos (p. 119 ca causai. (.) Então.. requer "esforço consciente e voluntário". Dewey define o ato do pensar reflexivo: O pensamento reflexivo faz um ativo. atuais ou prováveis. é necessário um esforço consciente e voluntário. fazendo com que nossa compreensão sobre a prática. para obter "x" deve-se fazer "y". São duas as palavras gregas para esses termos que. e como entender a relação entre esses entendimentos e suas práticas. tenho em mente a distinção que Arendt faz entre labor e trabalho. ou seja. pois a maioria dos idiomas mantém uma tradução diferente para cada um dos termos. como Zeichner diz: Muito do ensino está enraizado em quem nós somos e como nós percebemos o mundo..EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. (1992: 23) Foi nesse sentido que afirmei anteriormente: a elaboração teórica é uma forma de visão de mundo. Mas. Qualquer das três primeiras categorias de pensamentos pode produzir e simular este tipo. problemas. Na língua grega. por exemplo. Também significa o trabalho na indústria. portanto. como sendo seu problema. Por fim. Do ponto de vista sensitivo. ao exercício. Outro sentido é o de trabalho de produção. Esse é o sentido mais ligado à dor. trabalho é um tipo de ocupação com seus próprios negócios. também. por exemplo. podemos dizer que o termo grego para labor significa faina. o termo é mais usado como trabalho ou atividades de guerra. O termo grego érgon significa. dor. como o mar. Outro sentido é de trabalho. Finalmente. também. possessão. fazenda etc. também é usado em relação a coisas. Assim. lavrar a terra. Por isso. no contexto de tarefa ou negócios. significa trabalho duro. riqueza. o amanhar a terra. Também é usado como a atividade em concursos. podemos dizer que. Sofista (230a). para labor.21. Trabalhar. também está ligado à propriedade. do verbo pénomai. Poucas vezes o termo aparece associado ao produto do trabalho. como Platão faz esse uso em seus livros República (526c). possui o significado de labor. O político (294e). labor fala de tensão. machêês poinos é a faina da batalha. pónos. feito ou trabalhado. De forma genérica. Daí . como os jogos. Nas Ilíadas de Homero. Quando aparece na voz passiva.120 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL A palavra grega para trabalho é érgon. Timeo (40d). no grego.525. Hesíodo escreve um de seus poemas sob o título: Os trabalhos e os dias. laborar: pénomai. a coisa ou produto. Homero usa o termo no sentido de uma "façanha de guerra" ou para qualificar o engajamento na batalha. O verbo trabalhar é ergázomai. sofrimento: é o sentido que Homero mais se vale (veja llíada 19. sendo o lugar próprio para a labuta. campo. e a ação relativa à produção de algum objeto. o termo fala de sua habilidade ou capacidade de labor. a vida no mar. faina. fala de diversas ocupações. um tipo especial de labor: o exercício do corpo. está ligado ao esforço de corpo. do qual falarei um pouco mais adiante. é aquilo que é causado. quando se refere a uma pessoa. Vamos nos aproximar um pouco mais desses termos. como amanhar. Por fim. trabalho. tais como: pescaria. Por causa dessa conotação. é um tipo de ação que se liga a um produto que resulta dessa ação. refere-se. Significa.227. labor (pónos). 2. Em Homero é mais usado no sentido de faina de guerra. Pónon é a personificação de um dos filhos de Éris. trabalho duro. Heródoto fala do labor da tempestade ou sobre o labor de Medes.291). e usa a palavra ergon. em termos gerais. até estender-se a tudo quanto exigisse esforço (Arendt. podemos dizer. qualquer grande obra digna de ser lembrada. E isso é bem diferente do que se viu na modernidade. ignorância histórica. . trabalho. cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa. O labor de seu corpo e o trabalho de suas mãos. 1999: 90). à condição humana. também: tensão. devemos tomar cuidado para não lermos esses usos dos termos com nossos olhos modernos. o termo é vinculado mais às atividades do escravo.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. a meu ver. nela. são propriamente dele. observa-se Locke argumentando sobre o sentido de propriedade e o que cabe ao propriamente humano. sofrimento. é preciso empenho para retrocedermos nosso entendimento ao mundo grego. É de Arendt (1999: 90) o mérito de identificar essa passagem. generalizou-se à medida que as exigências da vida na polis consumiam cada vez mais o tempo dos cidadãos e com a ênfase em sua abstenção (skolé) de qualquer atividade que não fosse política. ele entende que labor está ligado ao corpo. Por essas razões. trabalho escravo não é trabalho menor. Julgavam-na importante para a estrutura da sociedade. Essa ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. 121 significar. Quero ilustrar essa diferença a partir da literatura grega arcaica. à manutenção da vida. O desprezo pelo labor. Em primeiro lugar. Parece que a melhor expressão da distinção entre trabalho e labor encontramos em John Locke (1993: § 27). os gregos não viam com preconceito essa atividade. resultante da acirrada luta do homem contra a necessidade e de uma impaciência não menos forte em relação a todo esforço que não deixasse qualquer vestígio. às mãos. Como diz Arendt (1999: 95): Ao contrário do que ocorreu nos tempos modernos. qualquer monumento. problema. Contudo. Estabelecer uma equação direta entre essas instituições é. O labor grego era uma escravidão às necessidades do corpo. a instituição da escravidão na Antigüidade não foi uma forma de obter mão-de-obra barata nem instrumento de exploração para fins de lucro. quando diz: Embora a terra e todas criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens. dor. originalmente. mas sim a tentativa de excluir o labor das condições da vida humana. Esse é o mesmo sentido que o dicionário Aurélio dá ao verbo trabalhar e ao substantivo trabalho: Trabalhar: [Do lat. profissão. significa: bem-nascido). int. que no grego significa luta. atividade coordenada. 8. . Se nas entranhas riqueza desejar teu ânimo. (.. Ocupar-se em algum mister. é uma conquista. assim faze: trabalho sobre trabalho trabalha. entendo que trabalho é o resultado do esforço e uso das mãos para produzir algum objeto. de trabalho. filha de Zeus e Hera (também irmãos gêmeos). lidar. Ocupar-se de algum mister. pela f. 1995: v. no seu já citado texto Os trabalhos e os dias (escrito no século VII a. esta. (gír. Negociar.C). trebalhar.] V.): batalhar. no grego. exercer o seu ofício. de caráter físico e / o u intelectual. como resultado do esforço. no caso de Éris. como já disse. 2. recorro a Hesíodo. [Sin.] 2. serviço ou empreendimento.. exercer o seu ofício. 1. Empregar esforços. Éris recebe o nome de Discórdia. 382). aplicar a sua atividade. fazer diligência. necessária à realização de qualquer tarefa. algo que possa servir como obra. Trabalho: 1. etc. 'martirizar com o tripalium' (instrumento de tortura). comerciar. Estes eram concebidos pela conjunção de eventos naturais. atos sexuais entre os deuses não geravam filhos.122 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Inicialmente. 381. vulg. o exercício dessa atividade como ocupação. Esse texto é conhecido como os Erga. aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um determinado fim. Como sabemos. esforçar-se. labor pode ser ilustrado pelo mito ligado ao termo grego correspondente: pónon. ofício. Zeus só consegue casar-se com Hera após enganá-la. 3. empenhar-se. Assim ele termina seu poema (Hesíodo. Vou contar brevemente sua história. Por essas razões. Na verdade. trabalho. aplicar a sua atividade. é um poema que reage à aristocracia grega (aristoi. O ponto central de Hesíodo é de que a virtude é resultado de esforço. irmã gêmea de Ares (deus da guerra). Pónon era um dos filhos de Éris. que se torne objeto com durabilidade.) 7. 9. tripaliare. Esforçar-se para fazer ou alcançar alguma coisa. empregar diligência. Por outro lado. ela foi concebida quando Hera tocou uma flor espinhenta ao mesmo tempo que uma brisa passava pelo local. recebe o nome de Éris. Em português. algo que fique para a posteridade. Por sua filiação e pelo evento que a gerou. conforme Hesíodo na Teogonia (v. o meu instinto. anticristã. portanto. mas com a verdade (alêthês). a não ser que era algo ruim demais para os gregos desejarem. um começo do fim? E. a má e a boa luta. adotado por Pimenta (Garrido. uma contradoutrina e uma contravalorização da vida. mas com a razão (Lógous). Batalhas (Hysmínas).EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. vemo-la provocando disputas entre os deuses. Pónon está cercado por deuses com os quais não queremos estar associados. Massacres e Homicídios (Phónous t' Androktasías). Mentiras (Pseúdeá).. da condição humana. nem mesmo nele vemos algo que possa inspirar-nos o sentido de labor. com a desordem (dysnomíên). Fome (Limón). com as disputas (Amphillogías). quero dizer que labor. 123 Nos três episódios que registram a participação de Éris na mitologia.. isto é. perderemos seu sentido vital. algo que podemos chamar imoral. Falas e Disputas (Lógous t' Amphilloías). em conseqüência. O que significa que pensar em labor imaginando um tipo de atividade sem a presença desses "deuses" é crer em algo sem base alguma na realidade. com esse livro problemático. Seus filhos mostram sua natureza. são eles: Fadiga (Pónon). Dores (Algea). Com isso. Essa condição ambígua é a condição humana. apequenamento. Litígios (Neíkeã). algo provido de maus valores. Pimenta . 226-232).. 0 labor reflexivo Por que minha insistência na palavra labor? Vou responder. o quanto esses deuses falam da vida humana. assim como tantos outros componentes da vida. mas com a norma (nomós). fundamentalmente. Desordem e Derrota (Dysnomíên £' Atên) e Juramento (Hórkon). (1992: § 5) O que aprendi com Nietzsche? Que se submetermos esses elementos à ótica da moral cristã. difamação.. um princípio de decadência. com o esquecimento (Lêthên). Não é sem um pouco de susto que lemos essa genealogia. e inventou para si. Contra a moral. convive com a luta (Éris). puramente artística. Eu estaria preso a esse nexo (de Éris e seus filhos como expressão de imoralidade) se não fosse o auxílio de Nietzsche: A moral mesma — como? A moral não seria uma "vontade de negação da vida". o perigo dos perigos?. voltou-se então. Estou num empenho em demonstrar que há grande fertilidade no conceito de pesquisa colaborativa. como um instrumento em prol da vida. Combates (Máchas). um instinto secreto de aniquilamento. À primeira vista. Só a confiança em uma natureza não-humana poderá sustentar a idéia de que qualquer iniciativa humana não seja pertencente a esses elementos contraditórios. Olvido (Lêthên). Isso significa que o termo funciona como um tipo de objeto direto. Queremos que o lógos conduza nosso pensamento. haveria um empenho em transformar esses "demônios" em seres construtores. pois tangencia a própria condição humana. Somos nós mesmos. Do labor reflexivo à reflexão colaborativa Como tenho insistido. Mas este verbo tem sua raiz em tékon. Pergunto: este termo é acusativo de qual verbo? Na Teogonia. é "parir". E o que esperamos dele? Parece-me que a expectativa que temos do lógos é que este conduza a sociedade e nossas relações. que devem ser vistos como elementos desse processo. em polêmica. a . E essa fertilidade está no fato de que qualquer atividade co-laborativa fará emergir expressões humanas que a sabedoria grega já apontava. precipitadamente) este termo grego por razão. Hesíodo nos diz: téke. não quero abordar esse tema sob a ótica da psique humana. a partir de Heidegger e Habermas. tem a ver mais com a educação do que com o controle. Mas já disse que o sentido próprio desse termo é produzir. uma vez que. com nossa idiossincrasia.124 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL & Moura. chama-se Lógous. ou seja. masculino acusativo plural. isso colocaria meu discurso no âmbito da moral cristã. Curiosamente. Mas com isso não quero dizer que a co-laboração seja um processo dialético ao modo do marxismo. Contudo. o julgamos valioso para nós e nossa sociedade. cujo sentido. isto é: queremos o lógos. domar os impulsos humanos por um condutor moral. que Hesíodo chama de lógos. aqui. O que defendo é o fato de o labor ser composto por tais elementos conflitivos. Presente ao labor está sua irmã: a fala. em labor com o outro. lidar com eles é lidar com o humano. Aqui não está em questão a transformação. em disputa. A divindade grega. essa "divindade" nos é querida. Por isso traduzimos (a meu ver. ao emergir "os filhos de Éris". o labor é uma atividade rica. ou do psicologismo que Pimenta (1981) já reagiu com propriedade. Imaginar que a co-laboração será uma atividade linear ou harmônica é desconhecer as possibilidades de reações dos seres humanos. 2000). nossa reflexão. "práxis é a atitude (teórico-prática) humana de transformação da natureza e da sociedade" (1997: 86). conceito caro a Pimenta (1997). filho de Éris. que costumamos transliterar para o português técnica. uma análise sintática dessa forma nos mostra que é um substantivo da 2 declinação. ou seja. de onde vem outro verbo: téknê. Como ela mesmo afirma. Direi: é o espaço coletivo que dá a luz ao saber. que a Fala (plural. da luta. no que diz respeito. Reelaborar a prática é o constante labor do que é feito. Este pro-cede de Éris. c filho. 1998: 210). creio que o sentido de pesquisa colaborativa é fértil para pensarmos a dinâmica dos processos escolares. c produto. 125 Temos. Pimenta & Moura. o Lógous. da disputa. Nesse processo. Isso reconfigura a formação (também no sentido de proceder) docente: Esta perspectiva reorienta os cursos de formação. por instrumento do lógos. à razão. Numa palavra: reflexão é co-labor. propiciador de trocas reflexivas sobre as práticas. tendo em vista a superação das dificuldades experienciadas no cotidiano escolar (Garrido. portanto. do conflito. os lógos da Luta: esse é o labor docente. no grego). na discórdia. dite 2. ibidem: 92). definindo-o como intelectual em processo contínuo de formação (Idem. estamos sub-traindo a palavra de seu lugar original. fica explícita a importância da atuação coletiva dos professores no espaço escolar. da batalha. Relações dialógicas. Imaginar que a razão é consenso. Por isso. no conflito.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. Téchnê diz respeito a toda produção. então. o que qualifica a profissão do professor. considerado especialista. as falas têm sua origem na luta. Para a sabedoria mítica grega. os dois lógos. irmão do labor. durante e depois da sua atuação. . às relações dialógicas entre teoria e prática e à importância da aprendizagem de procedimentos investigativos e de interpretação qualitativa dos dados. 2000: 91). que o lógos está ligado ao que nós chamamos de reflexão: o pensamento sobre o pensamento (Heidegger. é irmão de Pónon. 1998: 214). no sentido do modo humano de pro-ceder (Heidegger. 2 E com esse conteúdo dos termos que entendo o que Pimenta afirma com: A prática do professor estaria sendo constantemente reelaborada pela "reflexão sobre a ação". pela reflexão empreendida antes. m Posso dizer. que não há razão (lógos) fora do espaço do diálogo. Podemos dizer. portanto. vem ao mundo a partir da Luta (Éris). da polêmica. isto é. novamente. visando à formação dos professores e à constituição de uma epistemologia da prática: Essa sistemática de trabalho funda-se nos princípios da pesquisa colaborativa: não se pretende que o professor universitário. sobretudo. A pesquisa colaborativa na escola como abordagem facilitadora para o desenvolvimento da profissão do professor. no cotidiano da escola. 1989. Lisboa: Edições 70.126 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL os rumos das mudanças. HABERMAS. Barcelona: Ediciones dei Serbal. São Paulo: Abril Cultural. Trad. Alda Junqueira (org. MOURA. que a reflexão é da ordem do diálogo e do embate entre seus atores. GARRIDO. alternativas. Jürgen. Referências bibliográficas ARENDT. v. Trad. 2000. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Campinas: Papirus. 1994. que esse embate caracteriza nossa condição humana e deve ser assumido como tal. neste primeiro momento. Selma Garrido. Martin. 1975. pp. Diria. Hannah. a meu ver. Ambos são parceiros. Reflexões. Apesar de estar consciente de que ainda tenho de me aprofundar mais nesse campo. DEWEY. Eles são: ensino reflexivo e pesquisa colaborativa. Elsa. Godofredo Rangel. 1953. digo de novo) férteis de pesquisa colaborativa e ensino reflexivo. Esse conteúdo torna-se contundente na medida em que voltamos nossa atenção às origens desses termos na literatura grega arcaica e no tratamento filosófico que se tem dado a esses termos. Educação continuada. são férteis. s/d. ibidem: 96). Chicago/Londres: The University of Chicago Press. Técnica e ciência como "ideologia". Publicação brasileira: in Coleção Os Pensadores. Tradução brasileira: in Cadernos de tradução. The human condition. HEIDEGGER. n° 2. e que os professores da escola sejam meros executores. e que desse labor pro-cedem novas formas de atuação e inserção na escola. 48. penso que posso dar uma resposta ao desafio proposto por Pimenta e Zeichner de pensar um tipo de formação e ação docente apoiadas nos conceitos (a meu ver. responsáveis pelo projeto (Idem. PIMENTA. esse meu esforço é original na medida em que procura fugir das tradicionais leituras de origem dialética que têm sido feitas pelos teóricos da educação. 2 ed. 1999. 89-112. São Paulo: Departamento de Filosofia da FFLCH-USP. Publicação brasileira: A condição humana. Manoel Oriosvaldo. Como pensamos. In: Conferências y artículos. Considerações finais Quero insistir que meu empenho é por tentar trazer conteúdo a alguns termos da Didática que. 1997. In: MARIN. a .). La pregunta por la técnica. Artur Morão. A meu ver. John. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Friedrich. São Paulo: Abril Cultural. Itinerário teórico/ metodológico de uma pesquisadora. São Paulo: Edições Loyola. Trad. 3 ed. São Paulo: Editora Nova Cultural. IAMES. . Daniel P. organizado e traduzido por Roberto Rodríguez Aramayo. Selma Garrido. Pablo Rubén Mariconda. José Carlos. Educação & Sociedade: revista quadrimestral de Ciência da Educação/Cedes. Teogonia. LINHARES. pp. In: O nascimento da tragédia ou Helenismo e pessimismo. Márcia Sá Cavalcante Schuback. a . Formação de profissionais da educação: políticas e tendências. 2000. 1992. a o . The Second Treatise of Government. São Paulo: Cortez. 1996. Rio de Janeiro: DP&A. Elizabeth Silvares P. Mary de Camargo Neves Lafer.. Didática. 1998a. pp. 1981. 1997. A doutrina heraclítica do logos. Lógica. Publis. NIETZSCHE. Ivani. Os lugares dos sujeitos na pesquisa educacional. 1996. Trad. In: KANT: Teoria e práctica. Trad. LOCKE. A pesquisa em Didática — 1996 a 1999. . FAZENDA. Formação de profissionais da educação: visão crítica e perspectiva de mudança. ZEICHNER. (Coleção Os Pensadore). São Paulo: Companhia das Letras. Os trabalhos e os dias. Madrid: Editorial Tecnos. 78-106. Campo Grande: Editora da UFMS/Cortez/Fundação Calouste Gulbenkian. Tentativa de autocrítica.). PIMENTA. LIBÂNEO. LISTON. pero no sirve para la práctica. São Paulo: Iluminuras. pp. In: CANDAU. pp. Investigação acerca do entendimento humano. n° 69. Rio de laneiro: Relume-Dumará. David. Editado por David Wootton. Pragmatismo. Trad. a a KANT. n° 220. Selma Garrido. A origem do pensamento ocidental. Vitor. El maestro como profesional reflexivo. En torno al tópico: tal vez eso sea correcto en teoria. . HESÍODO. Immanuel.. 127 . 1999. Anoar Aiex. laa Torrano. 1993. 1992. I ed. John. 1991. In: Political Writings ofjohn Locke. In: CAMARGO. In: Cuadernos de Pedagogia. São Paulo: Iluminuras. Penguin Books Ltd. 247-271. In: Os pensadores XL. Orientação vocacional e decisão: estudo crítico da situação no Brasil. In: Heráclito. Vera Maria (org. Campinas: Cedes. William.). Nova Jersey: Lawrence Erlbaum Ass. Trad. .. PIMENTA. currículo e saberes escolares. 44-49. . In: TRINDADE. Célia (orgs. Reflective teaching: an introduction. 1 0 ed. Rio de laneiro: RelumeDumará. 1998. et al. 1995. O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática? 3 ed. 239-277. 1999. In: Heráclito. Kenneth M. 1993. HUME. 1974.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. . pós-graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília. pós-graduado em Antropologia na Amazônia e mestre em Educação pela Universidade Federal do Amazonas. O segundo movimento parte da epistemologia da prática indicando que a chegada do movimento intelectual do professor deve conduzilo à autonomia emancipadora da crítica. É preciso transpor o modelo prático-reflexivo para uma prática dialética que compreenda as razões de sua ação social. isto é. o qual impõe uma razão técnica e um modelo epistemológico de conhecimento prático que negligencia o papel da interpretação teórica na compreensão da realidade e na prática formativa dos docentes. Para isto.br / ghedin@usp. O primeiro movimento de reflexão vai do prático-reflexivo. E neste sentido que se contesta um certo tecnicismo na formação de professores orientada por um positivismo pragmático. para uma epistemologia da práxis. eghedin@bol. 129 PROFES?' da alienação da téc m r j — m m Evandro Ghedin* Introdução As reflexões que aqui se encontram são resultado de uma tripla compreensão da problemática em torno da proposta de professor reflexivo..com.br .EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. um conhecimento que é resultado de uma ação carregada da teoria que a fundamenta. começa-se afirmando * Professor de Filosofia. Doutorando em Filosofia da Educação na Universidade de São Paulo. que é uma proposta de Shõn. mas afirmamos que nem toda reflexão é do mesmo grau ou nível. Além de tudo. Partimos do pressuposto de que todo ser humano é dotado de reflexividade. pelo caráter geral de sua cultura e por ser portador da cultura humana e da cultura de uma determinada sociedade. . há sempre uma substantiva diferença e graus diferentes entre as reflexões que os diversos seres humanos produzem. político. Todo ser humano. antes mesmo de começar. esta dialética entre fazer e pensar possibilitou. que toda reflexão está sempre historicamente situada diante de circunstâncias concretas que estão ligadas ao contexto social. no humano. como alternativa de mudança. a instituição de seu ser. o trabalho é um processo contínuo e permanente de auto-construção que se faz pela abstração e concretização do mesmo. permanente e duradouro de pensar fazendo-se e ao fazer-se pensante fundamentar-se historicamente no tempo e só esta historicidade possibilita e condiciona toda a emergência de seu vir-a-ser. econômico e histórico. propõe um processo de oposição e resistência a uma missão inscrita na definição institucional do papel docente. é um sujeito reflexivo. nas condições históricas e objetivas do sujeito que reflete e. pois se constitui num contexto de uma sociedade de classes. Somos muito mais o resultado deste fazer que as possibilidades de nosso pensar sobre ele. por um lado. A reflexão crítica emana da participação num contexto social e político que ultrapasse o espaço restrito da sala de aula.130 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL que a epistemologia da prática limita o horizonte da autonomia. diríamos. O terceiro movimento parte da epistemologia da prática docente à prática da epistemologia crítica. por outro. que só se torna possível com a emancipação da crítica. O ser humano é fundado neste movimento contínuo. como ação fundante do humano e de sua condição. entendendo-a como modelo explicativo e compreensivo do trabalho do professor como profissional que dá sentido e significado ao seu fazer num dado contexto histórico. Com isto se quer dizer que o ser humano se faz num movimento contínuo e permanente através do trabalho. A questão distintiva das diversas formas sociais de reflexão são simultâneas e anteriores ao próprio processo reflexivo. no trabalho. Assim. Ele institui uma dialética do fazer-se e do fazer ser. Porém. Mais que isto. Este processo anterior e que marca radicalmente o resultado do conhecimento fundado na reflexividade situa-se. que se insere num contexto social a ser transformado. é importante que se diga. O modelo crítico. o problema de formação dos professores não está centrado tanto no como formar bons profissionais da educação e sim. Do prático reflexivo à epistemologia da práxis Revendo a literatura que aborda a questão da formação profissional do professor. Isto quer dizer que há uma necessidade intrínseca que precisa se tornar explícita no modo de tratar e propor a formação profissional dos professores. mais amplamente. mas ao estatuto da ciência da educação. mas que não fundamentam suficientemente uma perspectiva que possibilite um salto da prática. perceber e atuar na formação dos professores. um novo modo de ver. um problema se coloca evidente: o modelo de formação que se orienta no positivismo pragmático não responde às necessidades concretas de um profissional que responda. como modelo de formação. como quer o modelo tradicional de orientação pragmática. isto é. é inegável a sua contribuição para uma nova visão da formação e. mas frente a uma questão eminentemente epistemológica. a questão que precisamos nos colocar é a seguinte: em que base epistemológica se fundamenta a atual proposta de formação dos profissionais da educação? Esta é uma questão que não estamos em condições de resolver. O caminho aberto pela necessidade da reflexão. A grande crítica que se coloca contra Schõn não é tanto a realização prática de sua proposta. mas seus fundamentos pragmáticos. Isto está ligado não só à formação docente. E de- . por que não dizer. As abordagens sobre o problema estão muito centradas em situações práticas. fundada num paradigma reflexivo. propôs uma série de intervenções que tornou possível. de um paradigma esquecido pelos centros de formação. Com todas as críticas e acréscimos que se façam à proposta feita por Schõn. para a construção do saber pedagógico sistematicamente fundamentado. ao nível teórico e prático. aos desafios contemporâneos. é evidenciar uma problemática presente na proposta de formação de professores. o que se quer. Isto quer dizer que não estamos diante de um problema exclusivamente prático. A questão que me parece central é que o conhecimento pode e vem da prática. como ponto de partida. em quais os pressupostos que possibilitam e tornam possível uma proposta válida em detrimento e em oposição a outra. Portanto. mas não há como situá-lo exlusivamente nisto. 131 1.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. de certo modo. que não deixam de ser relevantes. É neste sentido que o problema da profissionalização está diretamente relacionado com a epistemologia que se constrói neste campo de saber. A racionalidade técnica defende a idéia de que os profissionais solucionem problemas instrumentais mediante a seleção dos meios técnicos. pois a racionalidade técnica consiste numa epistemologia da prática que deriva da filosofia positivista e se constrói sobre os próprios princípios da investigação universitária contemporânea (Schõn. os profissionais da prática que são rigorosos resolvem problemas instrumentais bem estruturados mediante a aplicação da teoria e técnica que derivam do conhecimento sistemático. Esta crítica não é exclusiva a Schõn. Se assim o for. ao espaço da própria técnica. para favorecer mudanças em suas instituições de modo que dêem espaço para um prático reflexivo. A capacidade de questionamento e de autoquestionamento é pressuposto para a reflexão. de algum modo. antes de tudo. como um elemento-chave na preparação de seus profissionais (Schõn. algo que desperte a problematicidade desta situação. mas está tacitamente encarnado nela e é por isso que é um conhecimento na ação. O questionamento a este tipo de profissionalização é que quando se esgota o repertório teórico e os instrumentos construídos como referenciais. o problema foi ele ter reduzido a reflexão. como proposta alternativa para a formação. mas à razão técnica. Para Schõn (1992). O conhecimento é sempre uma relação que se estabelece entre a prática e as nossas interpretações da mesma. O que Schõn está criticando é que o conhecimento não se aplica à ação. estaremos reduzindo todo saber a sua dimensão prática e excluindo sua dimensão teórica. Esta não existe isolada. 1992). E diante disto que se justifica a proposta de Schõn. e um questionamento efetivo inclui intervenções e mudanças. Isto fica evidente quando propõe que a visão geral do que denomina de um "prático reflexivo" seja uma prática que pretenda ajudar os estudantes a adquirir as formas de arte que sejam essenciais para se compreender as zonas indeterminadas da prática.132 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL corrente desta redução que se faz da reflexão situada nos espaços estreitos da sala de aula que se situa sua crítica. Para isto há de se ter. mas é resultado de um amplo processo de procura que se dá no constante questionamento entre . Defende o argumento de que as escolas profissionais devem reimplantar tanto a epistemologia da prática como os supostos pedagógicos sobre os quais assistem seus planos de estudo. 1992). é a isso que chamamos de teoria. isto é. o profissional não sabe como lidar com a situação. Mas isto não quer dizer que seja exclusivamente prático. um modo de ver e interpretar nosso modo de agir no mundo. A reflexão sobre a prática constitui o questionamento da prática. Não se trata de pensar um fato. esta transformação da consciência das coisas é pré-suposto necessário para se operar. No que diz respeito à formação de professore s. A consciência-práxis é aquela que age orientada por uma dada teoria e tem consciência de tal orientação. por conta de uma percepção alienada. nossas idéias sobre as coisas. há de se operar uma mudança da epistemologia da prática para a epistemologia da práxis. 133 o que se pensa (como teoria que orienta uma determinada prática) e o que se faz. Num processo mecânico de ensino — aprendizagem. não realiza em si uma práxis. O processo humano de compreensão-ação é. uma dinâmica que se lança continuamente diante da própria consciência de sua ação-. Para produzir mudança não basta desenvolver uma atividade teórica. Mas a ação.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. no plano teórico. um processo prático.. enquanto a teoria permanece em seu estado puramente teórico. Teoria e prática só se realizam como práxis ao se agir conscientemente de sua simultaneidade e separação dialética. Quando isto acontece. puramente consciente da ação. Para Vásquez (1977). pois a práxis é um movimento operacionalizado simultaneamente pela ação e reflexão. no seu interior. Quando se executa tal movimento permite-se o re- . A separação de teoria e prática se constitui na negação da identidade humana. a práxis é uma ação final que traz. Separá-los é arriscar demasiadamente a perda da própria possibilidade de reflexão e compreensão. intrinsecamente. a atividade teórica apenas transforma nossa consciência dos fatos. Teoria e prática são processos indissociáveis. Perceber a teoria e a prática como dois lados de um mesmo objeto é imprescindível para se compreender o processo de construção de conhecimento. a teoria se encontra dissociada da prática. não se passa dela à práxis e esta é negada. o conhecimento e seu processo são enormemente tolhidos e dificultados. os produtos da consciência têm que se materializar para que a transformação ideal penetre no próprio fato. O que acontece é que. e sim de revolucioná-lo. Assim. pois não existe teoria sem prática e nem prática alguma sem teoria. não se percebe a sua dialética. a atividade reflexiva como interpretação ou como instrumento teórico de sua transformação é sempre uma atividade intelectual teórica e. enquanto a atividade prática pressupõe uma ação efetiva sobre o mundo. Quando dissociamos estas duas realidades simultâneas.. que tem por resultado uma transformação real deste. a inseparabilidade entre teoria e prática. ruas não as próprias coisas. é preciso atuar praticamente. estamos querendo separar o que é inseparável. Porém. isto é. isto é. portanto. pela sociedade. como atividade ao mesmo tempo subjetiva e objetiva. e o educador é responsável pela transmissão deste saber produzido. realização guiada por uma consciência que.134 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL torno à negação do ser. A atividade prática implica a modificação do ideal em face das exigências do próprio real. A prática requer um constante vai-e-vem de um plano a outro. orientado para determinados fins.) na medida em que ela mesma se guia ou orienta pela própria realização de seus objetivos (Vásqucz..a negação do perguntar. a unidade entre o teórico e o prático na atividade prática. ao dicotomizar teoria e prática. A identidade é cultural. suprime-se ou reduz-se o ser humano apenas a um organismo agente. econômica. separa-se a reflexão da ação. A negação da pergunta não é u:. O ser humano age. religiosa. aquilo que tornou o ser humano possível: a reflexão instaurada pela pergunta. É uma violência porque nela se rompe a possibilidade de manutenção da identidade humana consigo mesma. isto é. ao se negar a indissociabilidade entre prática e teoria. A alienação encontra-se justamente na separação e dissociação entre teoria e prática. o que só pode ser assegurado se a consciência se mostrar ativa ao longo de todo o processo prático. a separação entre teoria e prática é uma negação da identidade ontológica do ser humano porque. Justamente aquela fundação ontológica da humanidade. na matéria através da qual se objetiva ou realiza uma finalidade: é. política. Mas há algo que é anterior a estas manifestações da identidade. sempre. As modificações impostas às finalidades das quais se partiram para encontrar uma passagem mais justa do subjetivo ao objetivo. talvez a violência primeira que está na origem de todas as outras formas de violência. Neste momento de pós-Revolução Industrial (tecnológica). sejam eles plenamente conscientes ou não. mas uma negação ontológica.. Ao operar esta "mecânica" instaura-se uma negação. que é resultado de um longo processo histórico de organização e elaboração. 1977: 243). Esta. só guia e orienta (. simultaneamente. do ideal ao real. em seu interior. como unidade do teórico com o prático na própria ação.. é transformação objetiva. e esta é a maior violência. de uma série de saberes. Resulta disso que a atividade prática é inseparável dos fins que a consciência traça. ao mesmo tempo. social. a produção e a transmissão do . A pior das violências humanas é esta intencionalidade de separação da teoria da prática. só fazem demonstrar. nega-se. real. ainda mais vigorosamente. É nesta relação entre a prática e a teoria que se constrói também o saber docente. 135 conhecimento se dão dentro de uma "ilógica" (irracionalidade) da divisão do trabalho que esfacela e divide o saber do ensino e da pesquisa. Nesta mesma "ilogicidade" a escola. Deste modo. Os saberes da experiência não são saberes como os demais. Fundar e fundamentar o saber docente na práxis (ação-reflexão-ação) é romper com o modelo "tecnicista mecânico" da tradicional divisão do trabalho e impor um novo paradigma epistemológico capaz de emancipar e "autonomizar" não só o educador. as maneiras como se trabalha. mas ele próprio se torna um especialista do fazer (teórico-prático-teórico). mas isso não é possível sem uma sistematização que passa por uma postura crítica do educador sobre as próprias experiências. cultural é fundamental para se chegar à produção de um saber fundado na experiência. a postura frente aos educandos. o conhecimento que o educador "transmite" aos educandos não é somente aquele produzido por especialistas deste ou daquele campo específico de conhecimento. Pelo fato de o conhecimento produzido (pelo especialista) não passar pelo crivo da prática. olhando-se a si e à própria autonomia. A pesquisa passa a ser tarefa do pesquisador especializado e ao professor será dada a tarefa de transmissor do conhecimento. É o professor quem procura articular o saber pesquisado com a sua prática.. livre e consciente de seu projeto político. a prática se torna o núcleo vital da produção de um novo conhecimento. frente ao sistema social. na inseparabilidade entre teoria e prática. político. É na prática refletida (ação e reflexão) que este conhecimento se produz. mas o arquiteto da nova sociedade. na experiência cotidiana. por ser resultado da sociedade na qual está culturalmente inserida. não sendo mais um agente formador de mão-de-obra para o mercado. o que chega ao educador é um conhecimento produzido e legitimado por outro. . Refletir sobre os conteúdos trabalhados. dentro da práxis. Deste modo. a partir do qual os professores procuram transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relação à inferioridade de sua prática. Os saberes da experiência e da cultura surgem como centro nerval do saber docente. interiorizando e avaliando as teorias a partir de sua ação. possibilitar a autêntica emancipação dos educandos. eles são formadores de todos os demais. que não possui a preocupação com a formação do cidadão. mas apenas em "formar" o empregado que irá ser selecionado (pela escola) para o mercado de trabalho.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. oferece os saberes deste sistema social. mas. econômico. A experiência docente é espaço gerador e produtor de conhecimento. nas suas reflexões e ações. Por isso mesmo. Porém para poder falar de uma prática reflexiva competente nas escolas "as condições do ensino teriam que ser examinadas e. Não se está . Pelo contrário. colaborando para que se gere uma mudança social e pública que possa ser mais reflexiva (Contreras. deixar de levar em consideração tal contexto como condicionante de sua própria prática. Suas análises demonstram que nem todos os profissionais se comportam de forma reflexiva. em definitivo. 1997) e ampliar o horizonte da compreensão crítica de sua atuação. Este é um contexto que representa também diferentes interesses e valores. porém isso não quer dizer que Schõn não seja consciente da limitação de sua análise (Contreras. Os professores não estão à margem da discussão pública sobre as finalidades do ensino e sua organização. e ele participa do conflito ideológico ou da contradição de interesses que se desenvolve publicamente. é evidente que sua posição não se limita a descrever uma realidade. não podem. É claro que Schõn não está tentando propor um processo para a mudança institucional e social. 1997). mas centrando-se nas práticas individuais. Ao estabelecer as relações entre a prática reflexiva do ensino em aula e a participação nos contextos sociais que afetam sua atuação. Schõn. assim como de defendê-los publicamente. E certo que os casos que analisa estão centrados em análises de processos muito vinculados às transformações imediatas de atores individuais.136 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL 2. Quando se defende a idéia do professor como profissional reflexivo não se está revelando nenhum conteúdo para a reflexão. de modo algum. a deliberação prática e o juízo profissional autônomo se realizam no contexto dos elementos que intervém na reflexão. mudadas". parece mais interessado em apresentar um modelo alternativo de descrição da prática profissional. a prática profissional desenvolvida sob uma perspectiva reflexiva não é uma prática que se realiza abstraindo-se do contexto social no qual ocorre. pois os professores têm a responsabilidade de ter opiniões informadas e critérios de valor argumentáveis. o professor reflexivo estende suas deliberações profissionais a uma situação social mais ampla. Aqui assume relevância ímpar a crítica. em princípio. Sob este ponto de vista. a partir de análises levadas a cabo sobre casos concretos de exercício profissional em diferentes campos. encontram-se precisamente no meio das contradições presentes na sociedade. Da epistemologia da prática à autonomia emancipadora da crítica Como assinala o próprio Schõn. Precisamos entender de que maneira os docentes podem manejar estes processos de interação entre seus interesses e valores e os conflitos que a escola representa. Esta tarefa requer a habilidade de problematizar as visões sobre a prática docente e suas circunstâncias. com o objetivo de entender melhor que possibilidades de reflexão crítica podem gerar-se na pertença à instituição educativa. cultural e econômico que cumpre à escola. Se realmente os professores se encontram envolvidos nesta lógica em que tudo se reduz às quatro paredes da sala de aula. o individualismo. . como se têm interiorizado os padrões ideológicos sobre os quais se sustenta a estrutura educativa. como esse sentido condiciona a forma em que ocorrem as coisas no ensino. haveríamos de aceitar o que diz Giroux (1997) de que o enfoque reflexivo finda naquilo que ignora. acabam reduzindo suas preocupações e suas perspectivas de análise aos problemas e às situações internas ao espaço da sala de aula. O que está em dúvida é se os processos reflexivos.. presentista e conservador. igualdade ou justiça. A conclusão que poderíamos tirar é que os professores. Pressupõe-se que o potencial da reflexão ajudará a reconstruir tradições emancipadoras implícitas nos valores de nossa sociedade. ou se poderiam estar a serviço da justificação de outras normas é princípios vigentes em nossa sociedade. É necessário transcender os limites que se apresentam inscritos em seu trabalho. Muitos professores tendem a limitar seu mundo de ação e de reflexão à aula. ao defender uma posição mais vantajosa. tanto sobre o papel dos professores como sobre a função que cumpre a educação escolar. o modo em que se assimila a própria função. Não se pode pretender que a situação mude apelando por uma simples transformação destas condições.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. como a meritocracia. como se um exercício de vontade pessoal por parte dos docentes fosse capaz de uma mudança. Isto supõe: que cada professor analise o sentido político. 137 propondo qual deve ser o campo de reflexão e onde estão situados seus limites. se dirigem a consciência e realização dos ideais de emancipação. ou ainda. por suas próprias qualidades. Teríamos que aceitar que a mera reflexão sobre o trabalho docente em aula pode resultar insuficiente para elaborar uma compreensão teórica sobre aqueles elementos que condicionam sua prática profissional. a tecnocracia e o controle social. A escola representa aspirações e valores que nem sempre são resultados claramente compatíveis. que a transformação possa realizar-se só por um desejo de deixar de ser individualista. superando uma visão meramente técnica na qual os problemas se reduzem a como cumprir as metas que a instituição já tem fixadas. 1998). De outro. De um lado. fundamenta a função dos professores como ocupados em uma prática intelectual crítica relacionada com os problemas e as experiências da vida diária. desenvolver um conhecimento sobre o ensino que reconheça e questione sua natureza socialmente construída e o modo em que se relaciona com a ordem social. 1997). senão que supõe ademais "uma forma de crítica" que lhes permita analisar e questionar as estruturas institucionais em que trabalham (Contreras. permite entender o trabalho docente como tarefa intelectual. A reflexão crítica não se refere só àquele tipo de meditação que podem fazer os docentes sobre suas práticas e as incertezas que estas lhes ocasionam. pois. 1997). 1997).138 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Isto indica que o trabalho docente é uma tarefa eminentemente intelectual e implica um saber fazer (Santos. ainda. Conceber o trabalho dos professores e professoras como trabalho intelectual quer dizer. participar em uma atividade social e tomar postura ante os problemas. Significa explorar a natureza social e histórica. que se encaminhe para uma configuração como intelectuais críticos. por oposição às concepções puramente técnicas ou instrumentais. assim como analisar as possibilidades transformadoras implícitas no contexto social das aulas e do ensino (Contreras. ativos e comprometidos na construção de uma vida individual e pública digna de ser vivida. Refletir criticamente significa colocar-se no contexto de uma ação. em união com os alunos e as alunas. senão que. devem desenvolver também as bases para a crítica e a transformação das práticas sociais que se constituem em torno da escola. Entende. guiados pelos princípios de solidariedade e de esperança (Contreras. como da relação entre nosso pensamento e nossa ação educa- . educando seu alunado como cidadãos críticos. tanto de nossa relação como atores nas práticas institucionalizadas da educação. Giroux (1986 e 1997) tem sido quem mais desenvolveu a idéia dos professores como intelectuais. A definição do professor como intelectual transformador permite expressar sua tarefa nos termos do compromisso com um conteúdo muito definido: elaborar tanto a crítica das condições de seu trabalho como uma linguagem de possibilidade que se abra à construção de uma sociedade mais democrática e mais justa. Facilitar a conexão de uma concepção da prática docente com um processo de emancipação dos próprios professores. na história da situação. requer a constituição de processos de colaboração com o professorado para favorecer sua reflexão crítica. que os professores devem desenvolver não só uma compreensão das circunstâncias em que ocorre o ensino. a forma que resolve tal possibilidade da auto-reflexão que desfaz as distorções da consciência é distinguindo dois tipos de reflexão: o momento da crítica do particular e o momento das formas de reflexão transcendental ou de reconstrução racional. As contradições que vivem os professores são também produto do encontro com estas diferenças irredutíveis.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA . nas interpretações. 2001). se desfazem seus poderes repressivos sobre a razão. 1997). é uma construção social e política sobre como a sociedade se organiza politicamente em função de interesses de classe. nas aspirações. ajudando aos grupos a interpretar-se nas formas de dominação a que se encontram submetidos e a vislumbrar as possibilidades que se abrem para eles. A reflexão crítica há de ser uma atividade pública. e às vezes mutuamente incompreensí- . 1987). processo pelo qual. ademais de ser uma reflexão pessoal. 139 tiva. A teoria crítica não é uma simples perspectiva externa sobre os processos de transformação que levam a cabo os grupos sociais. Seu compromisso com a emancipação não se limita a mostrar as formas emancipadoras da razão ou as diferenças entre invariantes sociais e relações hipostasiadas. e uma ação transformadora dirigida a eliminar a irracionalidade e a injustiça existentes nestas instituições (Contreras. Isto quer dizer que a teoria crítica. senão que integra o processo de transformação. nos medos e nas ilusões. como maneira de tomar consciência de suas origens e de seus efeitos. ao fazer-se consciente de tais determinantes. Porém. A reflexão crítica apela a uma crítica da interiorização de valores sociais dominantes. a partir dos quais se desenvolve o anterior momento crítico do particular (Ghedin. Isto está a nos indicar que as experiências e o conhecimento não são homogêneos nem idênticos. base dos teoremas críticos. As diferentes posições sociais dos sujeitos e suas distintas experiências de vida criam diferenças que se refletem nas emoções. Um processo de reflexão crítica permitiria aos professores avançar num processo de transformação da prática pedagógica mediante sua própria transformação como intelectuais críticos. reclamando a organização das pessoas envolvidas e dirigindo-se a elaboração de processos sistemáticos de crítica que permitiriam a reformulação de sua teoria e sua prática social e de suas condições de trabalho (McCarthy. isto requer a tomada de consciência dos valores e significados ideológicos implícitos nas atuações docentes e nas instituições. Habermas (1990) defende a auto-reflexão como a possibilidade de trazer à consciência os determinantes de uma forma concreta de estar estruturada a realidade social. 140 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL veis. das distintas perspectivas e interesses que convivem no meio escolar. diretamente. rigorosa e de conjunto de nossa própria prática. e do desejo entre a pretensão de unificar as perspectivas e interesses. por desentranhar a origem histórica e social do que se apresenta a nós como "natural". 1997). ou da renúncia. Da epistemologia da prática docente à prática da epistemologia crítica O conhecimento. atinge-nos a intimidade e questiona radicalmente os preconceitos oriundos de um fazer-ser não refletido. O desenvolvimento de uma reflexão crítica poderia estar não tanto interessado na superação das diferenças como em seu reconhecimento (Allsworth. Todos os sentimentos e emoções envolvem-se no processo de construção do conhecimento. atingenos. 1997). a eliminação e o rechaço da diferença ou de sua aceitação. Tudo isto supõe um processo de oposição ou de resistência a grande parte dos discursos. Por ele nos envolvemos. como a emancipação das formas de dominação que afetam nosso pensamento e nossa ação não são processos espontâneos que se produzem naturalmente. por conseguir captar e mostrar os processos pelos quais a prática de ensino atrapalha-se em pretensões. quando objeto sistemático de estudo. A aspiração à emancipação não se interpreta como a conquista de um direito individual profissional. que também deve transformar-se. mas como a construção das conexões entre a realização da prática profissional e o contexto social mais amplo. isto é. distanciamo-nos da realidade justamente para poder compreendê-la na sua significação mais profunda. 3. de sua construção. que não se encerra senão no fim da vida. uma resistência a aceitar como missão profissional aquela que já aparece inscrita na definição institucional do papel docente. no mais íntimo de nosso ser. do . O que sugere o modelo do professorado como intelectual crítico é que tanto a compreensão dos fatores sociais e institucionais que condicionam a prática educativa. A figura do intelectual crítico é assim a de um profissional que participa ativamente no esforço por desvelar o oculto. O real. como resultado de uma reflexão sistemática. O intelectual crítico está preocupado pela captação e potenciação dos aspectos de sua prática profissional que conservam uma possibilidade de ação educativamente valiosa (Contreras. às relações e às formas de organização do sistema escolar. pois ela nos toca em todos os níveis. apud Contreras. relações e experiências de duvidoso valor educativo. EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA... 141 mesmo modo que implica uma vontade mtima de entender-se nas coisas que se vai procurando compreender. O conhecimento não só é uma construção social como também uma possibilidade de resgatar a dignidade do ser humano no interior da cultura à qual pertencemos. O ideal que se coloca diante da nossa vontade de poder ser, que representa o mundo, torna possível um processo de humanização através do conhecimento que deseja, acima de tudo, por meio dele, afirmar a própria vida cotidiana num horizonte de compreensão de seu sentido. Alimentar as possibilidades infinitas das habilidades cognoscitivas dos sujeitos deve ser uma tarefa essencial de todo o processo educativo, pois é apenas diante da necessidade de um vir-a-ser que é possível a construção de um ser cidadão politicamente comprometido com as transformações radicais da sociedade. Não há o que possa explicar melhor o sentido de nossas práticas pedagógicas educativas do que os limites e as possibilidades de estabelecer-se em nós um processo sistemático de reflexão sobre elas. O que fazemos não se explica pelo como fazemos; possui sentido diante dos significados que lhe são atribuídos. Estes significados não são latentes mas emanam, de fato, dos sentidos que construímos. O fazer prático só tem sentido em face do horizonte de significações que podemos conferir ao nosso por que fazer. Porém, isto pode estar marcado, inconscientemente, por um processo de dominação ideológica e alienante. O horizonte dos significados possibilita-nos um descortinar dos sentidos de nossa prática em relação às outras práticas sociais. Um fazer não refletido sistematicamente impede-nos o horizonte do sentido. Conhecer é desvendar, na intimidade do real, a intimidade de nosso próprio ser, que cresce justamente porque a nossa ignorância vai se dissipando diante das perguntas e respostas construídas por nós, enquanto sujeitos entregues ao conhecimento, como dependência da compreensão de nosso ser no mundo. Se há um sentido no ato de conhecer é justamente este: ao construirmos o conhecer de um dado objeto, não é somente ele que se torna conhecido, mas essencialmente o próprio sujeito, isto é, o conhecimento de algo é também, simultaneamente, um autoconhecimento. Esta dinâmica, imbricada no processo de construção e autoconstrução do conhecimento do real e nele do próprio sujeito cognoscente, é o essencial de todo ato de conhecer. Se é possível sistematizar algo do sig- 142 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL nificado real das coisas, isto acontece porque toda vida do sujeito está envolvida neste feixe de significações que possibilita a compreensão. Compreender o fazer humano não é uma tarefa fácil numa sociedade radicalmente marcada por um pragmatismo tecnicista, em que tudo se explica por sua utilidade. Por isso mesmo, a compreensão supõe uma reflexão analítica, crítico-criativa que possa, a partir do fazer-ser pedagógico, superar os enganos cognitivos que dificultam o conhecimento de nossas próprias práticas. Isto quer dizer que a atividade pedagógica está, também, radicalmente marcada por um fazer político, do mesmo modo que a ação política implica um fazer pedagógico. Os caminhos (métodos) do conhecimento não se articulam por si mesmos. Eles são o resultado de uma experiência que se soma qualitativamente uma vez que possamos fazer deles objetos de nossa própria reflexão. Isto quer dizer que o ato reflexivo é uma atividade que implica uma mudança ativa (política) no interior da sociedade. Se não for assim, é mero exercício intelectual marcadamente alienante e não a construção filosófica do mundo. Aliás, a reflexão que não se torna ação política, transformadora da própria prática, não tem sentido no horizonte educativo. O olhar que se destina à percepção do concreto explica-se pela habilidade de abstração que adquire sentido quando, dialeticamente, pode voltar-se à própria concreticidade das coisas para torná-las evidentemente conhecidas. O ato de conhecer torna-se uma habilidade de captar as coisas e os seres no seu processo dinâmico de manifestação radical, no horizonte cotidiano em que se dá a experiência da vida. As confirmações que buscamos nas outras reflexões (teorias e pensamentos), por mais que pareça um ecletismo, são uma tentativa de não nos isolar na auto-afirmação da opinião pessoal. Se parecer exagero uma mescla de infindas definições, adquire sentido pelo significado abrangente do próprio objeto sobre o qual nos debruçamos. Poderíamos dizer que conhecer é tornar-se hábil em descortinar os horizontes escondidos por trás das aparências. E na superação dos próprios limites que o conhecimento adquirido e produzido fomenta-se de sentido em nós. Nisto, somos tocados e tocamos as coisas que custam um exercício permanente de busca. No processo de construção do conhecimento amadurecemos com os nossos sofrimentos, mas também com as alegrias das descobertas que vamos fazendo de nós mesmos, do mundo e dos outros. Uma tarefa realizada não pode, de modo algum, gerar acomodação. Ao contrário, deve gerar uma desinstalação, um choque no real, que seja capaz de impulsionar-nos para além de onde chegamos. Isto porque o conhecimento que EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA.. 143 acomoda não é conhecimento no sentido filosófico, mas alienação e ideologia. Se o conhecimento não nos desinstalar da poltrona confortável da acomodação irrefletida, não é digno deste nome. O sentido último do conhecimento que nos dignifica como sujeitos é justamente a desinstalação e o espanto que lançam cada ser humano, em particular, na direção de outros significados que transformam nosso modo de ser no mundo. É neste sentido que o conhecimento nos toca no mais íntimo de nosso ser, apesar de ser algo que não depende desta intimidade pessoal, mas da relação intrínseca com as coisas. Somos modificados pelos sonhos que temos quando somos capazes de redimensioná-los diante de novas situações. As feridas se abrem na ausência dos sonhos, na ausência da utopia; as cicatrizes são as marcas desta ausência. Nada substitui o sonho senão a nossa capacidade de sonhar, e nada eBmina esta capacidade revolucionária, a não ser a desistência própria. Numa época de crise como a nossa, o caminho da busca de um tempo possível que não está presente é uma necessidade impulsionadora de nossa afirmação enquanto humanidade em construção. O conhecimento é real porque toca a possibilidade de uma proximidade daquilo que está distante. Os limites do conhecimento são limites de nossas habilidades criativas, não da infinidade da realidade. Por isso, ele é busca permanente que possibilita, ao longo de toda trajetória, o descortínio de nosso próprio ser no horizonte do mundo. É surpreendente a descoberta de si no próprio objeto e é por isso que, muitas vezes, o próprio sujeito torna-se "objeto" de investigação e de construção de conhecimento. E o horizonte da descoberta o descortinador da lógica da pesquisa, isto é, é o caminho sistemática e criticamente refletido que demonstra a possibilidade de uma construção metódica do próprio processo. Todas as construções possíveis são possibilidades de realização do ser que somos. O que "revelamos" no objeto conhecido é parte de nós na mesma medida em que somos sujeitos integrantes do mundo. Ser sujeito que interage no mundo é um sentimento de pertença demonstrado pelos apegos emotivos que representam nossa vontade permanente de ser mais. A realidade que fala em nós e por meio de nosso ser é o descortinar de um processo dinâmico na tarefa cotidiana de dissipar a ignorância das coisas, que tanto nos conduz ao sofrimento. O apego ao saber é a descoberta de uma possibilidade de superação dos limites que a sociedade de classes nos impõe (Ghedin, 2000). Não há conhecimento pronto e acabado, do mesmo modo que não há vida absoluta. Tudo é processo contínuo de construção e de autocons- 144 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL trução. Olhar o que estamos fazendo, refletir sobre os sentidos e os significados do fazer pedagógico é, antes de tudo, um profundo e rigoroso exercício de compreensão de nosso próprio ser. Marcar o ato cognitivo unicamente pelo resultado de um processo ou fundamentar um conhecimento unicamente no método ou no objeto é empobrecer as dimensões de um processo totalizante que possui, também, causas subjetivas e, às vezes, inconscientes, que nos movem. O que nos atrai na construção de um "dado objeto" é justamente a nossa identidade com uma realidade concebida na mesma proporção que é um exercício de identificação subjetivada objetivamente no cotidiano em que a vida explode na busca constante de explicação. A objetividade do subjetivo demonstra-se pelo objeto-sujeito emanado de um longo processo de reflexão crítica, que vai às causas de todas as coisas, para identificar-se no horizonte da compreensão interpretativa, possibilitando-nos o entendimento num momento determinado de nosso fazer. A construção do objeto-sujeito é, antes, uma autoconstrução. É por isso que o real nos toca tão diretamente no mais íntimo de nosso ser. O conhecimento adquire e tem sentido na medida em que nos toca existencialmente. Indicamos que conhecer implica, por conta do próprio processo, uma ação política calcada no compromisso ético-político para com a sociedade. O conhecimento é essencialmente o processo de uma atividade política que deve conduzir o sujeito que o produz a um compromisso de transformação radical da sociedade, e se ele tem algo a dizer é justamente isto: conduzir-nos a uma ação comprometida eticamente com as classes excluídas para que possam lançar mão deste referencial como exigência de mudança, emancipação e cidadania. Pensar na reflexão refletida nela própria é uma tentativa de compreender qual é sua estrutura, função e finalidade. Como estrutura poderíamos dizer que é onde o ser humano se revela e se conhece quando se questiona; como função ela é a facilitadora do processo de sistematização do pensamento, fazendo-o permanecer como filosofia que compreende ou busca compreender o Ser; como finalidade é aquela que possibilita a instauração da crítica e da criatividade. A reflexão é instauradora do ser. Ela recoloca o ser no espaço do ente e, simultaneamente, lança o ente no ser. Assim, se poderia afirmar que o ente é manifestação do ser do mesmo modo que o ser se manifesta nos entes (Heidegger, 1988). A consciência desta presença se dá pela sistematização da compreensão de nosso ser-no-mundo. O filosofar se cons- e nesta situação de seu processo encontram-se os seus limites. A reflexão é a ontologia da compreensão no sentido de que ela é instauradora do sujeito e se constrói como uma negação de todas as formas de negação do ser humano. O entendimento acontece sob muitas vias. nossa indivisibilidade.. A ignorância destas dimensões de nosso ser no mundo impossibilita a compreensão de nós mesmos. Isto porque o entendimento é uma visão do funcionamento de um dado processo e a compreensão. E quando ignoramos a totalidade de nosso ser e as partes por ele compostas que surgem os enganos e as ideologias como formas de manipulação da consciência. É nestas dimensões de nosso ser que somos o que somos. isto é. É o rompimento e a permanência. ao permanecermos nele lançamo-nos de volta à origem de nosso ser existente. Isto quer indicar que o sujeito só está em condições de assumir-se como tal ao executar um movimento de pensamento reflexivo crítico e criativo. constitui-se no rompimento biológico de nosso ser. Diríamos que a reflexão. 145 titui na essência mesma do ser humano. Então. como ontologia da compreensão. Porém. Seria a "biologia" de nosso estar no mundo. especialmente naquele processo carregado de crítica e de criatividade. apesar de todos os limites impostos historicamente ao pensamento. O processo de reflexão é instaurador de uma ontologia da compreensão da existência humana. A reflexão se dá numa realidade situada histórica e socialmente.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. nossa unicidade. Sem esta habilidade os entes tornam-se meros objetos manipulados pelos sistemas políticosideológicos. E através dele que encontramos nossa identidade. da sociabilidade e de nossa historicidade. mas um pensar reflexivo-crítico-criativo pode possibilitar a compreensão de nosso ser-no-mundo. ao romper com a normalidade biológica lança-nos numa compreensão "revolucionária" do que somos. o processo de reflexão constitui-se numa ontologia não só da compreensão. além disso. mas do próprio sujeito enquanto sujeito. Por ele nos damos conta da nossa corporeidade. é uma experiência vivida no processo. este sempre se situou num horizonte de rompimento com a tradição e como instaurador de novas compreensões. nossa singularidade. nossa irreptibilidade. isto é. a reflexão é instauradora do sujeito que pensa. A ontologia da reflexão é aquela . do mesmo modo que supõe o corpo como portador da possibilidade reflexiva. o processo reflexivo-crítico-criativo rompe com a normalidade das coisas. espaços de reflexão crítica e criativa. caso quisermos construir uma sociedade e uma humanidade distinta desta marcada radicalmente pela exploração. Reflexão e Educação são temas indissociáveis ou. deveriam ser. diante do horizonte. Isto se concretiza por meio de um processo reflexivo-crítico. o lugar geográfico da construção e do diálogo crítico. A busca de tal possibilidade passa por uma mudança de postura diante do mundo.146 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL que possibilita a compreensão do ser e o rompimento com todas as formas de alienação do sujeito. é uma especificidade que nos permite ultrapassar os muros da mera reprodução das informações e dos conhecimentos produzidos por outros. no ensino. na escola. A reflexão como alternativa à educação. através do ensino. A reflexão. a possibilidade da cidadania ocorre na mesma proporção em que tal processo possa ser instaurado. um rompimento radical com os mesmos. Educar para e na reflexão é a tarefa essencial do presente. há de buscar e cumprir esta tarefa de olhar o todo e suas relações com as partes e não as partes isoladas da totalidade. Se é possível que a educação do presente seja aquela que propicie. Se a essencialidade do processo educativo situa-se na reflexão. diante de todos os limites. isto é. A tarefa primordial de um processo reflexivo no ensino é a de proporcionar a si e a toda a educação um caminho metodológico que possibilite a formação de cidadãos autônomos. pelo menos. ela implica. como condição necessária à socialização e à humanização. Significa que precisamos recolocar o lugar das coisas diante de novas perspectivas. Tal situação impõe e imprime a construção de uma metodologia que possibilite a sua sistematização no espaço do ensino. também. a escola deve ser. para que cada ser humano seja sujeito produtor de um conheci- . o caminho da construção da condição propriamente humana. pois é nele que abrimos. Construir este caminho é uma necessidade urgente. A possibilidade de instauração de um processo de reflexão tem na escola o seu lócus privilegiado. A negação da objetivação do sujeito se dá na ontologia da compreensão. das coisas e dos outros. como horizonte de autocompreensão. no contexto da globalização. expressa no filosofar como processo de reflexão. Formar mentes reflexivas é lançar-se num projeto de inovação que rompe com as formas e modelos tradicionais de educação. um novo horizonte de compreensão do sentido da existência humana e de todas as suas relações sociopolíticas. O caminho percorrido pelo horizonte da reflexão é a direção que possibilita. necessária e essencialmente. não propicia espaços para a existência da reflexão e a educação. 147 mento que se faz como práxis comprometida politicamente. Todavia o ser humano possui uma tendência permanente à acomodação. desinstala-nos do momento presente. É um processo que requer paciência. do novo. pois os resultados não são visíveis a curto prazo. pois todo conhecimento implica um comprometimento radical ou nasce desta radicalidade. Quem não se sentir atraído pela vontade de mudar e de inovar não será autônomo. compreender o seu horizonte de sentido. em particular. mas um meio possível e necessário para que possamos operar um processo de mudança no modo de ser da educação. A possibilidade de mudança criativa e qualitativa passa pela instauração de um processo reflexivo-crítico. como podemos esperar alunos reflexivos? A introdução de metodologias de formação reflexiva no nível dos alunos e dos professores tem de ser progressiva e atender à maturidade dos sujeitos envolvidos. Mas tal fato há de iniciar-se. Sem isto o conhecimento não é possível ou é apenas parcialmente atingido. o conhecimento não está situado no nível da informação. não raro reduz-se à transmissão de conteúdos mais do que à reflexão sobre eles e as suas causas geradoras. Se não há um professor com postura reflexiva. em conhecimento está na mesma medida em que. O processo reflexivo não surge por acaso. de modo geral. A reflexão nos retira do enigmático. Nós estamos propondo que tal processo tenha início pelo ensino em todos os níveis. ele é uma sistematização reflexiva a partir das informações que a realidade nos apresenta. traduzindo-se como neutralidade diante dos fatos. continuará dependente. 1996). tendo-se concedido a si mesmo tornar-se uma coisa (Alarcão. possamos explicar suas causas geradoras e. enquanto fatos. da revolução . Ele vai muito além disso. Ninguém deve ser obrigado a ser reflexivo. A possibilidade de transformar informações. Não é algo impossível de realizar-se. o conhecimento adquire-se através da reflexão crítica. Há sempre um desejo de mudança. primeiramente. Isto quer dizer que a reflexão não é fim em si mesma.. pela reflexão.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. A informação transmite-se. É difícil porque a sociedade em que nos encontramos. por meio delas. neutralidade que não passa de um ardil ideológico. Ele é resultado de uma longa trajetória de formação que se estende pela vida. As informações não são mais que fatos "secos" que não se explicam por eles mesmos. embora todos devam ser estimulados a sê-lo. Isto é. pois é uma maneira de se compreender a própria vida em seu processo. pelo próprio professor. propõe uma reflexão sistemática sobre o fazer educativo de modo que as práticas pedagógicas possam passar por ele como horizonte facilitador de um processo que torna possível a construção de novas realidades e métodos educativos. quebrando-se com determinados modelos tradicionais impostos como única alternativa de perpetuação da educação. A questão central é como desinstalar em nível cognitivo. Tal processo não é nunca automático. Todos queremos que as coisas mudem. mas como alternativa à democracia. radicalmente comprometida com as classes populares na construção e na organização de uma sociedade civil. que o processo reflexivo-crítico se sustenta no horizonte da educação. O caminho da reflexão é o meio pelo qual se poderia propor outra forma de cognição. tornando possível a ampliação do poder de autodeterminação. é ter a coragem de romper consigo mesmo para poder instaurar uma nova compreensão da ação e dela imprimir uma nova ação reflexiva. mas resultado de uma série de conflitos e transgressões possibilitando a autonomia do humano que se desacomoda para romper e. através dele. Tal apologia da reflexão tem por suporte a mais firme razão de que sem ela não podemos ter acesso ao ser da humanidade. Educar. O paradigma reflexivo em educação. como meio para que o humano se torne possível. É nesta. tornando possível a democracia participativa e a negação da democracia deliberativa. se assim pudermos chamá-lo. Diante da tensão permanente entre mudança e acomodação é que se faz necessário a instauração do processo reflexivo-crítico-criativo pois. sem se impor como sistema político. psíquico e prático a acomodação emergente de um mecanismo inconsciente. Somente desta maneira poderemos possibilitar a construção da cidadania responsável. percebe-se autonomamente ele próprio sujeito de sua história. Pensar a reflexão como caminho exige-nos um ato de vontade e um ato de coragem gerador e impulsionador de mudança.148 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL que é abafado pelas dificuldades e pelos riscos que ela implica. mas temos certo medo diante da desinstalação. Todos os limites impostos à reflexão não são mais que portas abertas em direções que ainda não havíamos percebido. a tensão é mantida viva e na sua vivacidade possibilita a construção de novos horizontes de ação. . Esta é uma tendência "nata" no humano. Um projeto de tal natureza implica uma mudança revolucionária. e só por esta razão. A primeira institui a plena liberdade e a segunda vende-a aos mercenários da politicanalhagem que imprimem sobre todos a alienação e a dominação. como tendência das instituições. pois ele é marcado pela busca da estabilidade e da burocratização. rompendo. diante deste horizonte. E v a n d r o . pp. condena-se a um destino imposto pelos instintos e não a uma autodeterminação. pois muitas delas são formas de ditadura disfarçada. como alternativa. a reflexão sistemática. Isabel (org. GARRIDO.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. Esta ação cotidiana e criativa é que pode tomar possível o advento de uma humanidade. mas é um processo de luta que começa com a reflexão e se traduz em ação concreta. 76-141.7. especialmente a violência política. Por isso. Assim sendo. que amplia a compreensão de si e permite-se o descortínio da humanidade comprometida ética e politicamente com sua construção. th . 1996.). GHEDIN. Referências bibliográficas ALARCÃO. Alda Junqueira (org. imprimindo nova reflexão e um novo fazer diferenciado. CONTRERAS. José. reproduzido ideologicamente por meio da escola. 1986). Tal situação não se dá de forma mecânica. World Assembly — Teacher Education: The Challenges of Change. In: ICET 4 6 . a sociedade que negligencia a reflexão. é a possibilidade de superação de todas as formas de violência que nos atingem. Isto quer nos dizer que o horizonte da reflexão no ensino é a potencialidade ou deve ser potencializador do questionamento radical de si mesmo e da educação como possibilidade de rompimento da exploração. A pesquisa colaborativa na escola como abordagem facilitadora para o desenvolvimento da profissão do professor. Reflective Teacher: from Technical Alienation to Criticai Autonomy. In: MARIN. mas a construção política de uma sociedade democrática. Gobiemo de Chile — Ministério de Educacion. PIMENTA. Selma Garrido. rigorosa e de conjunto (Saviani. oriunda de sua sustentação no poder econômico. nascida na potencialidade dos níveis diferentes de pensar. Manoel Orisvaldo de. Educação continuada. 1997. além de condenar a todos ao não-ser da irreflexão. Elsa. atuante no ensino. propõe-se como reflexão radical de nosso ser no mundo. 89-112. criticar e criar enquanto pensamento que age e reflete sobre o sentido e o significado social de tal ação-reflexiva. refletir. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão.). Aliás.2001. La autonomia dei profesorado. juntamente com todo o processo educativo. ICET — International Council on Education for Teaching. pp. Santiago — Chile. não mais fundada no princípio do poder e da violência. Campinas: Papirus. Porto: Porto Editora. 149 O ponto de chegada da reflexão não é ela própria. 2000. MOURA. nem mesmo o ensino. porém não de qualquer democracia. 23-27. Madrid: Morata. Brasil e Argentina. GIROUX. PIMENTA. Rio de faneiro: Paz e Terra. Educação e despolitização: a tese de Habermas. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Ser e tempo (Tomo I e II). São Paulo: Cortez — Autores Associados. Universidade Federal do Amazonas. Henry A. Educação: do senso comum à consciência filosófica. abril. In: XV Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste: Educação. Porto Alegre: Artes Médicas. Barcelona: Paidós. 19-22 de junho de 2001. Evandro. VALDÉS. Thomas. ano 1. Pátio. Selma Garrido. McCARTHY. . 2000. 1992. 1997. Kenneth. v. In: PIMENTA. HABERMAS. Para além das teorias de reprodução. La Teoria Crítica de Jürgen Habermas. Mudanças curriculares na Espanha. Manaus. Petrópolis: Vozes. 1990. 1997. SAVIANI. Saberes pedagógicos e atividades docentes. Teoria crítica e resistência em educação. América Gonzáles. Adolfo Sánchez. Martin. Demerval. Laformación de profesionales reflexivos. SCHÕN. HEIDEGGER. losé Gimeno. III. Rio de laneiro. lürgen. Selma Garrido (org. Milton. Tempo e Presença. n°. 1986. 44-49. Cuadernos de Pedagogia. 15-34. El maestro como profesional reflexivo. 1986. Petrópolis: Vozes. Donald A.150 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL GHEDIN. O professor como intelectual na sociedade contemporânea. Hacia un nuevo diseno de la ensenanza y el aprendizaje en Ias profesiones. VÁSQUEZ. Madrid: Tecnos. a . Águas de Lindóia-(SP): 1998. desenvolvimento humano e cidadania. Filosofia da praxis. Prycrea. La Habana: Editorial Academia. 1987. ZEICHNER. 1992. 6 ed. . São Paulo: Cortez. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. A Filosofia no ensino: a formação do pensamento reflexivo-crítico. 1977. UFMA. 1988. (Dissertação de Mestrado).). n° 220. 011. 2000. SACRISTÁN. pp. In: Anais do IX Enáipe. Formação de professores: identidade e saberes da docência. 1995. São Luís. pp. Pensamiento reflexivo y creatividaá. SANTOS. fortalece a hierarquia tanto dos saberes como das profissões. que deve ser considerado de modo diferenciado ao comumente referenciado no processo de formação de profissionais. apesar da necessidade imposta pelo acelerado ritmo das mudanças sociais e tecnológicas.br. Opondo-se à racionalidade técnica. a prática é um campo de produção de saberes próprios. o que se objetiva é tecer introdutoriamente algumas considerações acerca das contribuições teóricas referentes às características do professor como um profissional reflexivo. Schõn (1992a) apresenta os problemas da dicotomia entre teoria e prática e.com. mais especificamente. que vêm obrigando as tradicionais áreas de conhecimentos a diluírem suas rígidas fronteiras. do entendimento da prática como um campo de aplicação de teorias e do exercício de utilização de instrumentos técnicos. E-mail: belserrao@uol.. 151 SUPERANDO A RACIONALIDADE TÉCNICA MA FORMAÇÃO: sonho de uma noite de verão Maria Isabel Batista Serrão* Sendo este texto resultado de um estudo bibliográfico. que estrutura a formação acadêmica de diversos profissionais segundo o desenvolvimento da capacidade desses últimos em resolverem problemas práticos por meio da aplicação de teorias e instrumentos técnicos. além de outros aspectos.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. Para Schõn. . Considera o autor que essa racionalidade. Fundamentan- * Doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e professora da Universidade Federal de Santa Catarina. elabora um sistema de valores que transforma-se em critérios normativos para a prática profissional. por exemplo: surpreender-se com os alunos. que por sua vez proporciona ao professor reconstituir o trajeto percorrido desde a surpresa até a solução do problema originalmente advindo da ação docente. qual seja. pela própria experiência vivida em conhecer. mas sim numa manifestação de seu entendimento. (. propõe uma outra racionalidade para o processo de formação de profissionais. apropriar-se-á verdadeiramente de conhecimentos. a crise central pela qual passa baliza-se no "conflito entre o saber escolar e a reflexão-na-ação dos professores e alunos" (1992b:80. Os mecanismos de controle e de legitimidade do saber escolar regidos pela burocracia e meritocracia são os principais obstáculos para a prática reflexiva. concebendo esse sujeito como um "practicum reflexivo". É uma visão dos saberes como factos e teorias aceites. E ainda defende a reflexão como o principal instrumento de apropriação desses saberes. significando uma profunda e quase mística crença em respostas exactas (1992b:81). A lógica burocrática é o parâmetro da vida cotidiana escolar e seu regulador é o saber escolar. Esse processo é denominado pelo autor como o momento da reflexão na ação que deve ser seguido pela reflexão sobre a reflexão na ação. que oferece elemen- . Nesse percurso a incerteza é seu motor. Assim. Mas como se processa essa reflexão quando se trata da formação de um profissional em especial. como proposições estabelecidas na seqüência de pesquisas. no que se refere à educação. Em suma. pois acredita que somente o sujeito. caberá ao professor organizar as condições para a realização dessa experiência de aprendizagem.. buscar as razões dessa surpresa para poder compreendê-la. pautada pela reflexão na ação. Nessa perspectiva. entendido por Schõn como um tipo de conhecimento que os professores são supostos possuir e transmitir aos alunos. o professor? Schõn afirma que. grifos do autor). A confusão ou o erro apresentado pelo aluno não se constitui em obstáculos para aprendizagem. Tal prática exige determinados comportamentos do professor como. isto é.) É tido como certo. orientando todo esse processo..152 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL do-se em Jonh Dewey propõe o aprender fazendo como princípio formador. formulando problemas e hipóteses de resolução que serão possíveis de serem verificadas. na epistemologia da prática. reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação. dentre outros aspectos. tal epistemologia tão comum.. As- . No entanto.. apesar de se manifestar em cada realidade particular. E de conhecimento público que essa racionalidade. Para Schõn. pode-se concluir que para a formação do practicum reflexivo faz-se necessário. Assim. no que tange aos limites da prática. deita suas raízes em âmbitos mais amplos e complexos. por último. que. assumiriam uma perspectiva outra de organização do sentido de direção de sua prática. especialmente às universidades. A busca da superação da racionalidade técnica na formação de professores também está presente nas formulações de Stenhouse (1994 e 1987) e Elliot (1990). tem-se um practicum cujo objectivo é aplicar à prática quotidiana os princípios da ciência aplicada" (1992b:91). parece que o enfoque dado centra-se no âmbito individual. o verdadeiro obstáculo é a racionalidade burocrática que. a qual tanto se critica. 1997). exige um modo padrão de quantificação de conhecimentos específicos. pois concebem a investigação como inerente ao exercício profissional nesse campo. que requerem soluções a fim de prosseguir seu trabalho. visto que. dependendo principalmente da ação volitiva dos sujeitos envolvidos nesses processos. podendo chegar ao entendimento de que a categoria prática reduz-se a ações realizadas por um sujeito em particular e tanto o critério de verdade como as possibilidades de mudanças estariam também circunscritos a ela própria. Isto parece acarretar um relativismo que pouco poderá contribuir para a superação da racionalidade técnica. se resume em ensinar primeiramente "os princípios científicos relevantes. desde o processo de formação inicial. balizada em parâmetros morais. romper com o paradigma da racionalidade técnica e burocrática que rege as instituições educacionais. mesmo ao se tratar da prática escolar. Entendem os autores que o professor.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. Há também um risco de interpretação do que foi escrito por Schõn a esse respeito. E tal dimensão parece que não é considerada (cf. assume características próprias da já mencionada racionalidade técnica. cotidianamente. como caracterizado anteriormente. Outro obstáculo para a formação do practicum reflexivo refere-se à epistemologia da prática. aqueles relacionados ao saber escolar. O professor recupera o que tem acumulado para solucionar os problemas encontrados. Contreras Domingo. que consideram a prática docente como locus de produção de conhecimento. uma vez decididos. depois a aplicação desses princípios e. depara-se com problemas oriundos de sua prática. Nesse sentido. 153 tos para o professor orientar e reorientar o sentido da ação educativa. ou qualquer outro professor.154 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL sim. . produzindo sempre um mesmo produto. controla o ritmo e o resultado da sua produção e é capaz de. O conhecimento. por meio de diversas linguagens. não abordando o modo de produção. individualmente. valores éticos e estéticos. Contreras Domingo (1997) observa. visando à transformação dessa última. pois o que guiará a ação de investigação do professor é o seu senso crítico. oferece os elementos para compreender que a prática desenvolvida por um sujeito volta-se para o exercício do bem. que sempre será único. Segundo Contreras Domingo (1997). uma vez que ela se torna fonte de problemas que geram ações e saberes e o professor torna-se. é produto da sua experiência. que se constitui por uma ética e uma estética configuradas pela racionalidade prática. portanto. visando romper ou imprimir uma outra lógica em seu trabalho. Mas realiza ações mecânicas e repetitivas. recorre à metáfora do artista em oposição à do artesão. a teoria assume um papel de mediação entre uma prática passada e uma prática presente. Tal categoria. Desse modo. um pesquisador. produz necessariamente conhecimentos. também fica evidente a singularidade de cada prática docente desenvolvida. retomada de Aristóteles. tampouco as relações sociais de produção estabelecidas. então. produzir o que se propôs. E mais. Nesse sentido. prosseguindo o pensamento de Stenhouse e msistindo na idéia de que o professor é capaz de produzir teoria na própria prática. Portanto. que a dimensão da crítica do contexto social no qual está inserida a prática desse chamado "professor-investigador". Já no que se refere a uma prática na qual a racionalidade técnica foi superada e a reflexão é concebida como o principal meio de produzir aquela prática. o professor é comparado a um artista. não necessitando de crítica externa. Um profissional que conhece os processos de trabalho possui o conhecimento e os instrumentos de produção do que pretende realizar. na tentativa de resolvê-los. Quando os autores recorrem a essa metáfora estão tecendo a crítica sob a ótica do sujeito que realiza as ações. ainda. Elliot. age intencionalmente. parece que falam do posto de trabalho do profissional e do processo de trabalho. expressa. Um sujeito que é capaz de elaborar um projeto possui os meios de produção para concretizá-lo. o que se sobressaem são as características do professor como um artesão. em seu produto. Em uma prática regida pela racionalidade técnica. os sujeitos visam realizar bem suas práticas em busca do bem. é ausente nas formulações de Stenhouse. alerta para a necessidade de um exercício cuidadoso ao se investigar de forma concreta a realidade educacional brasileira. que há aspectos que configuram a prática do professor que são de ordem institucional e política. mediante a pesquisa realizada por Pimenta (2000). são bastante distintos. pois quem não gostaria de ser um sujeito de sua prática? Quem não gostaria de poder exercer a autonomia e a autoria em seus saber-fazer e fazer profissional docente? A ocorrência desse tipo de apropriações foi evidenciada em recentes produções acadêmicas brasileiras. para a realização de ações necessárias para o exercício da pesquisa. o estudo. particularmente no Brasil. Mesmo concebendo a escola como "instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis" (Gramsci. ao analisar o grau de abstração que tais produções apresentam. 1985:9). Ademais. o risco de apropriações acríticas dessas formulações é iminente. na maioria das produções. Explicar a complexidade das relações capitalistas de produção em poucos parágrafos tende a ser. dadas suas peculiaridades forjadas historicamente. leviandade! Por isso. não oferecem as mesmas condições de trabalho das instituições educacionais de pesquisa. enfim. no mínimo.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. uma gama de recursos e uma infra-estrutura para a investigação bibliográfica. acreditando se tratar de ações que dependem primordialmente de sua atitude reflexiva e crítica diante daquele estado de coisas que conformam sua prática profissional. 155 Tais formulações desconsideram também. portanto. da fertilidade da metáfora do professor como artesão ou artista. possa desejar rompê-la. Os aspectos apresentam-se organizados a partir de uma trama social complexa e contraditória que dificultará provavelmente as possíveis ações de um professor que. nestas últimas. quer pública quer privada. não são levadas ao termo e ao cabo. Mesmo aquelas instituições escolares privadas que entendem ser a reflexão e a pesquisa importantes instrumentos no exercício do trabalho docente. que. os contextos de produção da investigação acadêmica e as condições de trabalho do professor de uma escola. Há. como já mencionado em relação a Schõn. o que se . A autora. a leitura. Processo de trabalho e relações sociais de produção Processo de trabalho e relações capitalistas de produção são duas categorias que poderiam nos auxiliar a pensar os limites e as possibilidades do trabalho dos professores e. ainda que nas instituições públicas tais condições estejam precárias. realizado sob novos processos dc trabalho. independente de qualquer forma dessa vida. O trabalho assalariado. que se constituiu por um longo processo de alienação do trabalhador. 1 No entanto. 1974:150) . Para Marx. tampouco do produto de seu trabalho. Possuem apenas uma única mercadoria que podem colocar à venda nes1. traçar em linhas gerais algumas das peculiaridades do trabalho que geralmente é realizado sob o modo de produção capitalista. apenas. De um lado. subordinou toda e qualquer outra relação social de produção. é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso. portanto. (Marx. além de sua própria força de trabalho. essa forma de trabalho foi historicamente superada pelo trabalho assalariado. para que se possa ter em mãos alguns instrumentos analíticos e. Neste caso. do produto de seu trabalho. Meio de trabalho é "uma coisa ou um conjunto de coisas que o trabalhador coloca entre si mesmo e o objeto de trabalho e que lhe serve como condutor de sua atividade sobre esse objeto". Se tomarmos novamente o exemplo do artesão e o localizarmos no período do feudalismo e no da transição deste para o capitalismo. condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza. apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas. portanto. elemento fundamental da relação de produção capitalista. o processo de trabalho em geral. condição natural eterna da vida humana e. dessa forma. livre proprietário de mercadorias únicas. ou como um artista. constrangido pela racionalidade técnica. considerado independentemente de qualquer forma social determinada. inicialmente pela cooperação e posteriormente pelo advento da grande indústria e da empresa capitalista em geral. sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais (1974:153). o trabalho artesanal é considerado aquele por meio do qual o artesão produzia valores de uso e valores de troca.156 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL pretende aqui é. A relação capitalista de produção é estabelecida entre sujeitos livres e proprietários de mercadorias a serem comercializadas em um mercado comum. compreender os limites e possibilidades de se conceber o trabalho do professor como um artesão. possuía os conhecimentos necessários para a realização das ações voltadas ao fim proposto e tinha a propriedade dos meios de produção — objetos e meios de trabalho — e. iremos encontrar características típicas. sujeitos que não mais possuem a propriedade dos meios de produção. que é um valor para além do valor da força de trabalho. ou ainda. um professor pesquisador. mesmo que essa se assuma juridicamente fundacional. sem fins lucrativos. sua força de trabalho. pago na forma de salário. a relação social de produção estabelecida pelo proprietário da mercadoria. Se. embora com a competência técnica exigida. uma empresa capitalista. um bom profissional aos olhos institucionais. na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento toda vez que produz valores de uso de qualquer espécie" (Marx. vende o serviço educacional de ensino como a mercadoria. o professor não só está alienado do produto de seu trabalho como também do valor excedente que produziu. O seu proprietário. necessitam comprar essa mercadoria especial — força de trabalho — a fim de que produzam valores de uso e de troca. por mais competente tecnicamente. Mas o curioso é que essa mercadoria apresenta um atrativo muito grande. por esses aspectos da relação de produção que estabeleceu. força de trabalho do professor. o valor produzido pelo professor tem uma grandeza maior do que o valor da força de trabalho. "o conjunto das faculdades físicas e espirituais que existem na corporalidade. 157 se mercado. isto é. respeitando princípios éticos e estéticos estipulados pela instituição que o contratou. O que significa dizer que ele pode agir . Desse modo. nem assim será um artesão. como defendem Stenhouse (1984 e 1987) ou Elliot (1990). por sua vez. fundamentalmente. no entanto. pesquisa e reflexão. ou seja. por mais reflexiva que tenha sido sua prática pedagógica. tomarmos um outro professor que se propõe ser. a autonomia de seu trabalho estará configurada. talvez. como define Schõn (1992a e 1992b). Assim. mas continuará sob a égide do trabalho assalariado. se tomarmos o professor de uma escola privada. Ora. por melhores que sejam as condições de trabalho para o estudo. teremos um trabalhador que vende sua força de trabalho ao proprietário da escola. Contudo. Se for professor há muitos anos e realizar práticas repetitivas. portanto. Um valor a mais do que vale! Uma mais-valia. Será. configurou o modo pelo qual irá organizar o seu processo de trabalho e principalmente o nível de autonomia e criação das ações que realizará. um practicum reflexivo. ele próprio. De outro lado. 1974:139). Ela é capaz de produzir um valor maior do que o necessário para a garantia da sua produção e reprodução. no sentido de garantir apropriados determinados conhecimentos previamente estabelecidos a este fim..EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. por mais criativa que tenha sido sua aula. sujeitos que detêm a propriedade dos meios de produção e que. por esse motivo. seja ele de escola pública seja de escola privada. conseqüentemente. vendedor de força de trabalho. trabalhador assalariado. que não estão presentes nas relações de produção dos professores de escola pública e de escola privada. rompendo a lógica imposta à instituição escolar. Assim. ele não vende sua força de trabalho para um capitalista. portanto. Ora. já descaracteriza a relação especificamente capitalista. senão de sua força de trabalho. não mais vender sua força de trabalho. Isso significa dizer que. o professor de escola pública. não existirá a continuidade de seu trabalho pedagógico. o professor de escola pública. professor de escola privada e de escola pública. Ape- . o que o obriga a vender a única mercadoria de que dispõe. dos produtos por eles produzidos e. por sua vez. embora sejam relações de produção fundamentalmente diferentes. Tanto o artesão como o artista são proprietários dos meios de produção e do produto de seu trabalho e. por essa razão. estabelece uma relação de produção de natureza distinta. conforme caracterizado anteriormente. apresentam elas características comuns. sua força de trabalho. O professor de escola pública é. vendedores das mercadorias que produziram — não da força de trabalho — de acordo com as condições necessárias aos respectivos processos de trabalho. ou seja. o professor de escola pública não produz valor de troca e. e este fato. eventualmente de forma crítica. são justamente essas características. nem artista. Se o professor de escola privada estabelece uma relação de produção especificamente capitalista. ele também estabelece uma relação de exploração. Ambos. em decorrência disso. o trabalho do professor. Entretanto.158 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL intencionalmente. não são proprietários dos meios de produção e. como alguns autores defendem que possa ser. não são vendedores de outras mercadorias. nesta condição. mais-valia e capital. Assim. assim como parcela considerável da população. não poderá ser concebido como trabalho do artesão ou do artista. Não obstante serem relações de produção de conteúdos distintos. é desprovido da propriedade de meios de produção e. vale dizer. Diferentemente do professor de escola privada. mas se ferir a condição fundamental do contrato social ao qual subordinou sua prática profissional. de início. não pode produzir mercadorias e vendê-las no mercado. proprietário dos meios de produção. mesmo que sejam garantidas as condições materiais e institucionais para a viabilização e organização do trabalho de pesquisa e reflexão. que definem a relação de produção do artesão e do artista. ainda que diferenciada da relação de exploração especificamente capitalista. será. conseqüentemente. Ademais. Madrid: Morata. da apropriação e formulação dos conceitos "professor reflexivo" e "professor investigador". por mais criativo que o professor seja. J. 159 sar de poder ser capaz de criar. Madrid: Morata. ELLIOT. Entretanto. ainda que de forma preliminar e introdutória. poder-se-ia. Assim. da racionalidade técnica criticada. e com os quais se pudesse desenvolver uma análise concreta de situação concreta. o que parece manifestar-se é algo semelhante ao que William Shakespeare escreveu em Sonho de uma noite de verão. por fim. fica a indicação da necessidade de se prosseguir investigando e aprofundando um tema tão complexo e tão em moda. em uma utopia. considerando os limites e as possibilidades. mesmo que não seja àquela burocrática e meramente técnica que tanto se deseja superar.EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA. Referências bibliográficas CONTRERAS. Há muito mais que investigar e analisar a esse respeito. que podem se tornar "intelectuais orgânicos". relembrando Gramsci (1985 e 1986). La autonomia dei profesorado. especialmente pensando na necessidade de apreender concretamente parcela da realidade educacional brasileira. La investigación-acción en educación. de exploração humana e. . Parece que os desejos tão ardentes podem de igual forma e de maneira efêmera serem realizados como delírios ou verdadeiramente como sonhos. Sujeitos. E ainda. por um movimento de organização das ações com uma determinada finalidade. político e profissional de sujeitos pertencentes a uma determinada classe social. que também não permite ao ser humano se constituir em sua onmilateralidade. Domingo José. não poderá vendê-los como sua criação.. pela natureza de um texto como este. Ao contrário. 1990. 1997. portanto obedecerão a uma "racionalidade". conforme defendia Marx (1974). autores de um projeto utópico de sociedade capaz de superar as formas convencionais de desigualdade social. transformar um sonho de uma noite de verão em um exercício teórico. ao mesmo tempo concebendo-se a realidade como síntese de múltiplas determinações. realizar ações com relativa autonomia e construir produtos únicos e saberes próprios. tendo ou não a consciência da intencionalidade. talvez. se fossem recuperados os "velhos" instrumentos teórico-metodológicos e utilizados na pesquisa educacional como ferramentas para compreensão da realidade. suas ações serão sempre regidas por uma lógica. Formar professores como profissionais reflexivos. Didática. 1987. 1992a. L. STENHOUSE. La investigación como base de la ensenanza. 1984. 2000. Selma Garrido. Os intelectuais e a organização da cultura. Os professores e a sua formação. 1992b. Rio de Janeiro: DP&A. Aída Maria Monteiro et al. PIMENTA. Donald. MARX. Lisboa: Dom Quixote. Antônio. . SCHÕN.160 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL GRAMSCI. . Investigación y desarrollo dei currículo. In: SILVA. Madrid: Morata. currículo e saberes escolares. . In: NÓVOA. Prefácio à Crítica da Economia Política. Concepção dialética da História. Barcelona: Paidós. . São Paulo: Abril. 1986. A pesquisa em Didática — 1996 a 1999. Madrid: Morata.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Karl. La formación de profesionales reflexivos: bacia un nuevo diseno de la ensenanza y el aprenáizaje en Ias profesiones. Antônio (coord. 1974. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1985. 161 PARTE III ONAIS DA EDUCAÇÃO E AS MEDIAÇÕES NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR REFLEXIVO ..PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. . reflexão na ação..br ** Professora de Didática do Centro Universitário da Fundação Santo André/SP. que tem recebido a simpatia e ampla adesão dos(as) educadores(as). Para Schõn (docente do Massachusetts Institute of Technology).br 1. no enfrentamento das situações divergentes da prática. o interesse suscitado pela idéia do(a) professor(a) reflexivo(a) vem da atualidade * Professora de Didática e Prática de Ensino da Universidade Estadual do Ceará. se desenvolve através da competência de refletir sobre a ação. José Marinho do Nascimento do Centro Universitário da Fundação Santo André. em 1987.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. com a pesquisa: "Do 'eu' ao 'nós': caminhos na construção da identidade do educador de crianças pequenas". com a pesquisa: "Formação contínua dos professores. Essa idéia. doutoranda pela FE-USP. com um trabalho proferido em Congresso da American Educational Research Association. 1 De acordo com estudos realizados por Alarcão (1996). corrigindo e inventando através do diálogo que estabelece com essa mesma realidade. parte de Donald Shõn. criando uma nova realidade. doutora pela FE-USP.com. Por outras palavras. o pensamento reflexivo do(a) professor(a). o professor sc desenvolve através da reflexão. neide@kbonet. . 163 REDIMENSIONANDO 0 PAPEL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO: algumas considerações Maria do Socorro Lucena Lima* Maríneide de Oliveira Gomes** Introdução As propostas de professor reflexivo têm sido a tônica dos cursos de formação de professores(as) nos últimos tempos. experimentando. Agradecemos a revisão textual feita pelo prof.com. os (des)caminhos da qualificação". azeriche@hotmail. reflexão sobre a reflexão na ação. 164 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL dos temas que ela contempla. momentos de grandes incertezas que se traduzem de variadas maneiras na vida humana em geral e. Eu perco a hora Eu chego no fim. Não moro mais em mim!" . a aproximação entre a teoria e a prática e a proposta de formar para a reflexão. quais sejam: a necessidade da eficiência. eu não acho as palavras. É antes uma prática que deve expressar o nosso poder de reconstrução social. culturais e políticos. ela pressupõe relações sociais. tempo que deixa suas marcas em cada um de nós na sua marcha de globalização. nas instituições educacionais. Tempo de transformações muito rápidas. Em muitos momentos podemos até pensar como nos versos cantados por Adriana Calcanhoto: "Eu perco o chão. a reflexão não é uma atitude individual. permitindo o mergulho em conceitos. não é um processo mecânico nem tampouco gerador de novas idéias. É preciso considerar ainda as condições objetivas de vida e de trabalho docente e até que ponto o(a) professor(a) pode ser reflexivo(a) nessas condições. de tantas desigualdades e distâncias sociais. ou seja. não perdendo de vista os(as) professores(as) como uma categoria profissional. Tais perguntas merecem ressignificação quando trazidas para o nosso contexto. Eu deixo a porta aberta. A proposta de professor reflexivo nos cursos de formação de professores(as) e profissionais da educação pode adquirir novas nuances se considerarmos o compromisso histórico com a educação e com a profissão docente. hoje. Vivemos. valores e crenças que trazemos submersos em nossas práticas. um conhecimento produzido na ação e sobre a ação de ensinar (ação/reflexão/ ação refletida). Entendida dessa maneira. A alternativa que propõe a epistemologia da prática. Eu ando tão triste. Pensamos que a reflexão necessária para os(as) pedagogos(as) e demais educadores(a) nesse momento histórico é aquela que tem como ponto de partida e de chegada um projeto de emancipação humana. É preciso termos clareza a respeito de que reflexão estamos falando e a quem ela interessa. em particular. eu ando pela sala. faz a contraposição ao racionalismo técnico e revela receber em sua base filosófica a influência de John Dewey por sua perspectiva de resolução de problemas. revela valores e interesses sociais. Vamos utilizar. Perdem o chão quando não se sabe para onde se vai. em vez de proporcionarem ao homem a oportunidade de ter uma qualidade de vida. Já na terceira parte buscamos resgatar a 2. a refletir sobre essas preocupações e partilhar essas reflexões. 165 Os trabalhadores(as) em educação e todos os outros "perdem o chão" quando vêem seu emprego ameaçado pela empregabilidade e pela terceirização. Objetivamos examinar nesse artigo. A tais perguntas. historicamente representadas nos movimentos de lutas dos educadores. são tomados como arma para ser um fator de exclusão. na história da humanidade. e. infelizmente. o trabalho do(a) professor(a) e os seus desafios no contexto atual e. .PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. nesse caso. quando as condições de vida e trabalho estão longe de se aproximarem das propagandas oficiais. Defendemos. em sua primeira parte. as novas tecnologias. analisamos o tipo de profissional da educação que tem sido objeto da atual Política Educacional Brasileira. nos fazemos outros questionamentos. algo aparentemente óbvio — que. 2 Queremos. qualidade. buscando reafirmar — pelo menos no âmbito da linguagem — a existência dessa construção. também. pela minimização dos direitos profissionais conquistados com muita luta. professor reflexivo/pesquisador. tais como democratização. convidar você. como seres humanos em toda a sua inteireza. como. O discurso que foi construído pelas demandas da área. ainda se faz necessário afirmar devido às grandes desigualdades sociais que vivemos —> que é o respeito à condição dos dos(as) alunos(as). trabalho coletivo. Perdem o chão quando o avanço. ao longo deste trabalho. a partir dessas questões. em que o homem tenha a compreensão dos seus direitos e a fruição de direitos já conquistados. por exemplo: Qual a função do(a) professor(a) na sociedade informatizada? Fazemos parte daqueles(as) educadores(as) que defendem e investem na formação de professores(as) na certeza de que o seu trabalho é cada vez mais necessário para o estabelecimento de articulações que busquem condições mais justas. pela exploração de sua força de trabalho. leitor. especialmente aquelas vivenciadas pela pedagogia e pelos(as) pedagogos(as) brasileiros(as). professores(as) e profissionais da educação em geral. as expressões no masculino e no feminino visando respeitar a construção das relações de gênero. já não é mais uma referência que designa a opção política da qual ele se originou. mais uma vez. A segunda parte assinala as implicações geradas pelo impacto das grandes mudanças do cenário educacional. Denomina "crise" a perda da confiança epistemológica. pode nos dar uma dimensão desse momento que atravessamos: Para que a lagarta se converta em borboleta. ajuda-nos a elucidar esse mesmo cenário. aponta para um caminho em que as novas descobertas e certezas se elaboram. Lembramos. recorrente em suas obras. Edgar Morin. deve encerrar-se numa crisálida. também presente no debate sobre os novos paradigmas da ciência. com as asas grudadas. aliada à insuficiência de o paradigma dominante apontar o próximo paradigma. pressupõe compreendêlas e colocar em relação com novos paradigmas acerca das funções do conhecimento. o exercício da insegurança e não o seu sofrimento (Santos. para essa construção. A única coisa que se mantém é o sistema nervoso. Conclui-se o artigo com uma proposição acerca da função dos cursos de pedagogia e do(a) Pedagogo(a) para o contexto educacional brasileiro. E quando começamos a nos inquietar por ela. compreendendo o ser humano ao mesmo tempo sujeito e objeto de sua construção e do mundo. quase imóvel. incapaz de desgrudá-las. Os novos paradigmas da ciência e os profissionais da educação na sociedade atual Entender as instituições educacionais. 1988). da relação escola — sociedade e das interações produzidas nesses contextos. a vemos aparecer. a perguntar-nos se poderá abrir as asas. E quando esta consegue romper a crisálida. Defende. O que ocorre no interior da lagarta é muito interessante: seu sistema imunológico começa a destruir tudo o que corresponde à lagarta. 1. Os(as) estudiosos(as) da área da educação têm sido quase unânimes em confirmar a complexidade que envolve a instituição escola. sociólogo português. na busca do "ser" e do "saber". para isso. Boaventura de Souza Santos. com- . hoje. de repente a borboleta alça vôo (Morin. pensador francês contemporâneo que. oferecendo elementos de aproximação acerca das contribuições da atual política educacional brasileira para o conceito de professor reflexivo. O uso de metáforas.166 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL trajetória das alterações legais no que se refere à formação de professores(as) e às questões polêmicas presentes nesse debate. Assim é que a lagarta se destrói como tal para poder construir-se como borboleta. alguns pensadores que têm contribuído com estudos nessa área — entre eles. Questiona o papel do conhecimento científico acumulado no enriquecimento ou no empobrecimento prático de nossas vidas. 1996: 284). Ao efetuarmos uma breve análise das reformas educacionais dos últimos vinte anos.. 4. mobilizando ações no sentido de entendê-la como estratégia de alívio da pobreza. sutilmente. sem a participação daqueles que de fato fazem a educação no "chão da escola". mostram a premência por ações de formação que dêem conta de atender às reais necessidades da escola. nunca houve tanta ênfase na função dos(as) professores(as) como agentes das mudanças requeridas pela nova ordem mundial emergente. entre outros. Porque este. aos mais gigantescos empreendimentos internacionais. então.No cenário político brasileiro das últimas décadas. da política neoliberal ditada pelo capitalismo. que o sistema capitalista globalmente dominante. Pablo Gentili (1994) e Perry Anderson (1996). Por outro lado. não menos que a agricultura. especificamente. a f o r m a ç ã o de professores(as). 4 3. juntamente com as mudanças curriculares e o incentivo aos materiais didáticos. . entre outros. para que essa questão possa ser entendida. a educação. carregada de ambigüidades e contradições. No entanto. percebemos que na esteira dessas reformas. Sobre esse tema. encontram-se na ordem do dia (Sacristán. i n c l u s i v e no B r a s i l . Pablo Gentili (1992) e Sacristán (1999). científica e técnica. os(as) próprios(as) professores(as). sujeita a saúde não menos que o comércio. 3 Quem seriam. na insistência dos órgãos governamentais em definir políticas de fora para dentro da escola. "totalitário". 167 preendida nas dimensões humana. 1999). os agentes capazes de decifrar tal complexidade e concretizar as mudanças nas instituições educacionais? Apenas os(as) professores(as)? Aos(às) docentes caberia a responsabilidade de operar tais transformações? O tema sobre formação de professores(as) apresenta-se hoje como tema de destaque em variados cenários. A esse respeito. que se apresenta real. e das relações pessoais mais íntimas aos mais complexos de poder de tomada de decisões dos monopólios industriais. sempre favorecendo o forte contra o fraco. Nessa linha de análise. implant a d a s em d i f e r e n t e s p a í s e s . a educação tem sido considerada pedra de toque dos governantes. podemos citar. multifacctada. desde as menores unidades de seu "microcosmos".PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. é preciso explicitar sua dimensão política. à semelhança da sociedade. Da parte dos órgãos governamentais. vários autores vêm apontando a inconsistência dessas políticas em face da real demanda por uma escola de qualidade para todos. aos menos imperativos cruelmente superimpondo a tudo o próprio critério de viabilidade. de variadas formas. denunciam a verdadeira afronta feita aos profissionais da educação. nesse sentido. a arte. não menos que a indústria manufatureira. sobre a qual o professor francês Istvan Mészáros (1995:1) explica: Não se pode imaginar um sistema de controle mais devorador (que atrai para si) e. entendendo a reflexão como uma atitude a ser desenvolvida nos professores. especialmente pela distinção que esse autor faz entre a ação reflexiva e a ação rotineira. vários autores brasileiros e estrangeiros buscam alargar essa concepção. Partindo dos conceitos fundamentais da prática pedagógica. novas análises. Existiria assim. das relações interpessoais. o autor defen- . numa clara abordagem que se contrapõe ao ensino / aprendizagem de técnicas e à instrução. há um perigo ao se considerar a reflexão como um fim em si mesma. A primeira estaria ligada diretamente à consideração ativa. A segunda estaria dirigida pelos impulsos. para Dewey. buscando meios para alcançar os fins e resolver problemas que são. persistente e cuidadosa de toda crença ou prática à luz dos fundamentos que as sustentam e das conseqüências a que conduzem. a atitude de responsabilidade e a sinceridade (apud Zeichner. temas como "Produção da profissão docente/ professor reflexivo-pesquisador". de maneira geral. emoção e paixão. Especialmente a partir da década de 1970. três atitudes consideradas necessárias para a ação reflexiva: a abertura intelectual. Os profissionais que não refletem sobre seu exercício docente tendem a aceitar de maneira acrítica a realidade cotidiana das escolas. autor que têm se destacado por sua abordagem criteriosa sobre formação de professores e que tece críticas à forma como o conceito de professor reflexivo tem sido tratado nas últimas reformas educacionais dos Estados Unidos. desconectada de quaisquer outros objetivos mais gerais (Zeichner. 1992). Nesse cenário ambíguo. de desenvolvimento humano.168 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL É importante. remontam ao contexto do movimento denominado "Escola Nova" — através de John Dewey — as concepções acerca do pensamento reflexivo do(a) professor(a). Entre nós. tais como o conhecimento na ação e reflexão na ação e sobre a ação. sobretudo após os estudos de Donald Schõn (1992). A reflexão. dessa maneira. constituindo-se em um processo que ultrapassa a solução lógica e racional de problemas. indissociável da atitude de pesquisa. pela tradição e pela autoridade. associados a palavras como desenvolvimento de habilidades e competências. decididos pelos outros. mais uma vez. entre outras. vêem à tona e buscam apresentar um perfil de professor(a) que dê conta das novas dimensões do conhecimento. 1992). recorrer ao contexto da política neoliberal diante das mudanças propostas e pela implementação de medidas advindas dos organismos internacionais. implicaria intuição. Para Zeichner. para Dewey. instigando. para eles. um profissional que reflete a ação deverá refletir também sobre a estrutura organizacional. De acordo com Contreras. compreender a base das relações sociais e de trabalho em que ela se realiza e a que interesses poderá servir. entre elas a oposição à racionalidade técnica. pois a reflexão não é um processo mecânico.. voltado para as questões do cotidiano. A reflexão guarda estreita vinculação com o pensamento e a ação. culturais e ideológicas. nem tem seu uso adaptável a qualquer corrente pedagógica. pois pressupõe relações sociais que servem a interesses humanos. O professor como sujeito que não reproduz apenas o conhecimento pode fazer do seu próprio trabalho de sala de aula um espaço de práxis docente e de transformação humana. Não é uma atividade individual.. através de sua análise e implicações sociais. Deve. não é neutra. os pressupostos. os valores e as condições de trabalho docente. uma vez que ambas possuem semelhanças. a reflexão não é um processo puramente criativo para a elaboração de idéias. econômicas. Assim. nas situações reais e históricas em que os professores se encontram. os estudos de autores como Alarcão (1996) e Contreras (1996) fazem uma análise das idéias de Schõn. Para Contreras. antes. No entanto. não é garantia de salvação dos cursos de formação de professores. é uma prática que expressa o poder de reconstruir a vida social e. dentro de um processo permanente. Contreras (1997) faz uma análise sobre a teoria de Schõn (professor reflexivo) e de Stenhouse (professor investigador).PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. E na ação refletida e na redimensão de sua prática que o professor pode ser agente de mudanças na escola e na sociedade. entretanto. Nesse sentido. Deverá compreender ainda como o modo de organização e controle do trabalho do professor interfere na prática educativa e na sua autonomia profissional. Alarcão (1996:174) diz que o homem no final do século precisa reaprender a pensar. sociais. . dessa forma. O simples exercício da reflexão. portanto. culturais e políticos e. sendo vista a partir dos condicionantes que determinam os contextos sociais dos docentes. a reflexão não encerraria uma concepção concreta sobre si mesma. 169 de uma epistemologia da prática e o desenvolvimento de profissionais reflexivos. a partir da análise e explicitação dos interesses e valores que possam auxiliar o professor na formação da identidade profissional. ser compreendida numa perspectiva histórica e de maneira coletiva. a reflexão deverá estar a serviço da emancipação e da autonomia profissional do professorado. questionandoas e aprofundando o conceito de professor reflexivo. compreender a reflexão como prática social. Alarcão. intencionalizá-las. historicamente. não seria também responsável pelo saber do(a) professor(a)? Que conhecimento seria esse? Ele salienta o processo reflexivo e crítico como sendo a maneira de ultrapassar a condição de mero reprodutor e a possibilidade de levantar problemas e questionar a realidade. como prática social. mas faz um destaque para a questão epistemológica construída na prática cotidiana. Pimenta. compreender a função docente como a capacidade desse profissional em prever suas ações. A Pedagogia cabe estudar. 1998). sendo a investigação a ela inerente.1998. Busca-se. seu contexto social e a realidade em que estão inseridos. no decorrer do trabalho do(a) professor(a). pensar com a escola e não só sobre a escola. Pedagogia e Pedagogos. visto que a prática apresenta problemas que necessitam ser superados para a continuidade do trabalho (Contreras. produzindo um conhecimento no exercício da profissão. qualificar melhor os discursos oficiais que se utilizam de termos ou conceitos da moda. assim. 1992. 1997). Dessa forma. Nóvoa. Levanta ainda alguns questionamentos para reflexão: seria a ciência a única responsável pelo conhecimento? E o conhecimento que se constrói na prática. 1992. oportunizando apoio e estímulo mútuos — na forma de trabalho coletivo —> analisar os contextos de produção do ensino e da aprendizagem. 1996. à procura de espaços de educação. partilhar saberes. são atributos de um(a) profissional capaz de dar novas respostas às situações hoje demandadas por estas instituições e pela sociedade (Zeichner. assim. fortalecer a instituição educacional. ensinar. a exemplo do artesão. . Aprender.170 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Nessa perspectiva de análise. que domina o processo e o produto do seu trabalho. Gomez. ou seja. à Filosofia da Educação. fazendo parceria com a Pedagogia. caberia oferecer os fundamentos necessários para que os(as) profissionais da educação pudessem refletir criticamente sobre os seus valores. 2. o(a) professor(a) seria um intelectual em processo contínuo de formação. O caráter inconcluso do ser humano o leva. 1992. Para quê? O pesquisador Antônio Joaquim Severino lembra que o conhecimento do ponto de vista epistemológico é inerente ao próprio homem. conhecer e explicitar os diferentes modos de como a Educação se manifesta. ressignificando-os. Dessa forma. José Carlos Libâneo. vêm apontando a insuficiência dos cursos de Pedagogia. 171 Nesta mesma perspectiva teórica. Isso não significa prescindir da docência como base da formação de professores(as) para o exercício de qualquer tarefa no sistema de ensino. o que apontaria para a dimensão interdisciplinar. cujo ponto de partida e de chegada é a prática.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. reconhece a práxis como ação transformadora da realidade pelo trabalho teórico-prático humano. A dimensão dialética que ocorre no movimento de articulação. Os atuais Fóruns Permanentes de Formação de Professores(as) e Especialistas da Educação em todo o país. valendo-se das idéias de Álvaro Vieira Pinto e de Vásquez. o método dialético estaria respondendo às expectativas das pesquisas nesta área. realizado entre a continuidade da formação e o trabalho do professor. a contribuição que outras ciências possam dar ao processo educativo. para quê?. Tal concepção não diminui. A docência deve ser o chão pelo qual se construirão os caminhos para as diferenciadas funções do Magistério. No entanto. Aponta que nesses cursos. na sua multiplicidade.. é preciso conhecer e exercer essa prática. A idéia por ela desenvolvida é a de que o ensino ocorre em contextos sociais específicos. tanto na formação do(a) professor(a) para as demandas hoje colocadas pela sociedade. história. Os cursos que pretendem caminhar na busca de uma melhor qualidade na formação dos(as) educadores(as) deveriam considerar a gestão pedagógica ou a coordenação num fluxo de idas e vindas do(a) profissional que aproveitaria esse trânsito como instâncias de auto-formação e desenvolvimento profissional. A idéia cristalizada de que se é diretor de escola. em seus últimos Seminários e Congressos. de um modo geral. os alunos estudam psicologia. em seu livro Pedagogia e pedagogos. Selma Garrido Pimenta defende a Pedagogia como ciência da educação. como prática social e histórica. orientador ou coordenador perdendo a dimensão da docência . tais como nas aulas.. nas escolas e nos sistemas de ensino. porém. que é a prática refletida. é colocada como potencialidade para uma prática transformadora (práxis). pois a teoria tem também um papel fundamental e determinante na práxis. sociologia em seus campos disciplinares sem dar conta da especificidade do fenômeno educativo. que tem como objeto de investigação a educação. quanto no que se refere à formação dos(as) especialistas em Educação. na sua realidade histórico-social. faz uma pergunta instigante: "Estariam os cursos de Pedagogia ensinando Pedagogia?". Em decorrência do posicionamento e do entendimento de que a Pedagogia é ciência prática. na profissão docente existiriam três saberes que se complementam: o saber da experiência. que são ao mesmo tempo os saberes do(a) pedagogo(a). via de regra. no sentido de iniciarem o processo de constituição da identidade profissional. as pessoas têm uma experiência socialmente acumulada sobre essa profissão e o seu exercício. em trabalhar com as informações. mas não sabe ensinar". Segundo Pimenta (1998:59).172 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL necessita ser revista. professores(as) que marcaram sua trajetória de aprendizagem e se vejam como professores(as). Vale refletir ainda sobre esse tema indagando? O que estamos fazendo com o nosso conhecimento? Para que e a que /quem ele serve? Com que compromisso social temos tratado desta questão? Como transformar o conhecimento em sabedoria em nossas salas de aula e em nossas vidas. classificando-as. analisando-as e contextualizando-as. é seu primeiro estágio. de maneira geral. podendo ter maior abrangência. os(as) alunos(as) resgatem. A consciência e a sabedoria envolvem reflexão. a capacidade de produzir novas formas de existência. produzindo novas formas de progresso e desenvolvimento. A inteligência. Sobre o saber científico. Daí a importância de estarmos atentos para os saberes da docência. profissional e organizacional? Quanto aos saberes pedagógicos. como se fossem receitas desarticuladas da realidade e sem a devida contextualização e atualização. por sua vez. de forma contextualizada. isto é. isto é. O saber da experiência seria aquele saber adquirido no espaço da docência e com a prática. Esses saberes precisariam ser entrelaçados interdisciplinarmente para que possamos formar professores(as) a partir da prática social e. que nos cursos de Licenciatura. o saber científico e o saber pedagógico. de humanização. estes têm sido desenvolvidos nos cursos de formação de professores(as) de forma puramente técnica. Sabem quem são os bons e os maus profissionais e até comentam: "o professor X sabe. na tentativa de superação dos problemas do cotidiano. mesmo que não sejam professores(as). das suas memórias. dessa forma. É preciso assim. o primeiro passo para a construção dessa identidade. a autora diz que. a autora recorre a Edgar Morin (1993): Conhecimento não se reduz à informação. O saber da experiência representaria. . tem a ver com a arte de vincular o conhecimento de maneira útil e pertinente. dependendo das funções e tarefas que esse profissional venha a desempenhar. O terceiro estágio tem a ver com a inteligência. O conhecer implica em um segundo estágio. Sobre o saber da experiência. a consciência ou sabedoria. considerando a indissociabilidade dos âmbitos pessoal. • Schmied-Kowarzik. tanto na teoria como na prática. utilizando-se de autores como: • Suchodolski. o ensino. os(as) professores(as). os alunos. de acordo com Pimenta (1998:63). mas sobre o que se faz" (1995:28). que considera a Pedagogia uma ciência sobre a atividade transformadora da realidade educativa. que considera a Pedagogia a ciência da e para a educação. e somando-se a outras formas de luta de e d u c a d o r e s ( a s ) brasileiros(as). a ilusão do saber-fazer". Diz ainda "a especificidade da formação pedagógica. conferir dizeres de autores e da mídia. . 3. as representações e os saberes que têm sobre a escola. que é a Pedagogia. Nesse ponto. 173 reinventar e recriar os saberes pedagógicos. não é refletir sobre o que se vai fazer. exatamente devido ao seu caráter histórico e social. tanto a inicial como a contínua. Problematizar. • Jean Houassaye ao afirmar que "a Pedagogia busca unir a teoria e a prática a partir de sua própria ação. É preciso ainda.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. E nesta produção específica da relação teoria-prática em educação que a Pedagogia tem sua origem. a ilusão do saber pesquisar. é necessário definir as possibilidades de atuação do(a) educador(a) pedagogo(a) no campo educacional. dando assim sua contribuição para a busca de espaço e de reconhecimento para a Pedagogia e para os pedagogos. propor e desenvolver projetos nas escolas. se cria. Os estudos de Pimenta e Libâneo nas suas últimas publicações. defendem a Pedagogia como ciência da educação. mais do que nunca. nas escolas reais. o(a) pedagogo(a) tem muito a contribuir. como elemento de transformação social e de humanização do homem. (1995:31) É importante que os(as) educadores(as) tenham a firmeza de juntar os esforços. Este mesmo autor assinala que os cursos de formação são pautados em ilusões e isso precisa ser corrigido para que a Pedagogia seja ressignificada: "a ilusão do saber didático. se inventa e se renova" (1995:28). Sobre a identidade do(a) Pedagogo(a) Neste momento. uma vez que o seu saber científico se constitui da própria ciência da educação. nem sobre o que se deve fazer. de somar as lutas em torno da profissão magistério e na defesa do lugar do(a) educador(a). a ilusão do saber das ciências do homem. de sua história de vida. a oferecida em nível médio. Artigo 62: A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior. com o surgimento do segundo grau profissionalizante. em Universidades e Institutos Superiores de Educação. é um processo historicamente situado: Uma identidade profissional se constrói a partir da significação social da profissão (. 4. ficou evidenciada a tendência dos cursos de Pedagogia a também formarem professores(as) para atuar nas séries iniciais do ensino fundamental. como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. ..) Constroem-se também pelo significado que cada professor. Supervisão e Inspeção Escolar.. em curso de licenciatura. o curso de Graduação em Pedagogia. Com a Reforma do Ensino Superior em 1968. Pimenta enfatiza que a identidade não é algo imutável. a dissolução do Curso Normal. Um breve resgate das últimas alterações legais sobre a formação dos(as) profissionais da Educação Entendemos ser a partir da promulgação da última Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional — Lei Federal 9394/96 — e de todo o movimento de regulamentação de seus dispositivos que se concentram as formulações pelas quais poderemos nos pautar para apresentar o cenário atual dessas mudanças: 1) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9394/96 — em seu artigo 62 — traduziu antiga reivindicação da categoria docente.) assim como suas relações com outros professores. no sentido de qualificar melhor as atribuições de pedagogos(as). de seu modo de situar-se no mundo. Já na década de 1970. sindicatos e outros agrupamentos (Pimenta. consolidaram-se as habilitações em Administração Escolar. de suas representações (..174 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL No Brasil.. 5 5. assim como as de professores(as). e o debate presente à época da docência como base para a formação. aderiu ao modelo da Escola Normal Superior Francesa. Orientação Educacional. de graduação plena. Parece que a definição da identidade do(a) pedagogo(a) apresenta-se como necessária nos tempos atuais. em seus primeiros passos. enquanto ator e autor confere à atividade docente no seu cotidiano. na modalidade Normal. admitida. através da LDB 5692/71. sendo que esse curso destinava-se a formar professores(as) para o Curso Normal. 1998:58). nas escolas. a partir de seus valores. supervisão e orientação educacional para a educação básica. através da Secretaria de Educação Superior (SESU) (em setembro de 1999). 2) Movimento de definição/regulamentação de diretrizes gerais/ curriculares para a formação de profissionais da educação em nível nacional: Foi instalada pelo Ministério de Educação e Cultura. O Curso Normal Superior (CNS) nova/velha modalidade de formação teria a prerrogativa de formar professores(as) para a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. A lei ainda se refere a programas de educação continuada para professores(as) em exercício.. defende a existência de uma base comum nacional de formação. na educação básica. admitindo-se ainda. segundo a referida lei. trabalho coletivo e interdisciplinar. Apresenta também a proposta da Escola Única de Formação — organizada pelas Universidades e Centros de Educação. além da necessidade de existir um Sistema Nacional de Formação de Professores(as). inspeção. A primeira. da Unicamp/SP. formação inicial e contínua. A segunda. acompanhamento e desenvolvimento de projetos pedagógicos das Instituições de Ensino Superior que oferecem cursos de formação de professores. existência de princípios norteadores da formação.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. protagonizada pelas posições assumidas publicamente pela Associação Nacional de Formação de Professores e Profissionais da Educação (Anfope). duas tendências se fizeram presentes. a formação em curso de Pedagogia ou em nível de pós-graduação (artigo 64). Tal formação em nível superior ocorrerá. sólida formação teórica e interdisciplinar. através da profa. ou venham a atuar. gestão democrática. planejamento. em Universidades ou nos Institutos Superiores de Educação (ISE). mesmo que seja admitida ainda a formação mínima em nível médio /Normal. programas de formação pedagógica para alunos portadores de diploma de nível superior (cursos seqüenciais) e programas de pós-graduação lato e stricto sensu. 175 ao exigir formação em nível superior para os(as) professores(as) que atuam. c o m p r o m i s s o social e político. Ao longo desse debate. dra. uma Comissão de especialistas para definição das diretrizes curriculares referente à formação de professores(as) e profissionais da educação que apontaram diretrizes para a formação. apresentada especialmente por ocasião da Comissão do MEC que iniciou o debate acerca das Diretrizes Curriculares para os . Helena Maria de Freitas. unidade teoria e prática. ter a docência como base para a formação do(a) professor(a) e do(a) especialista. para as tarefas de administração. garantindo conteúdo da formação de forma articulada e comum aos profissionais da educação básica. autonomia e inovação presentes na referida lei. dois Pareceres do Conselho Nacional de Educação buscaram apontar os pressupostos para a regulamentação desses "novos" centros de formação. defendia como locus da formação de professores para a educação básica a Faculdade de Educação. Como vemos. Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores (CFPD). que apresenta o curso de Pedagogia para a formação do(a) especialista e pesquisador(a) em educação. considerados incompatíveis com a diversidade e desigualdade existentes no país. que ofereceria o curso de Pedagogia para a formação do(a) pedagogo(a) com pluralidade de abordagens do fenômeno educativo. carecendo de explicitações. se apresentam contraditórias. que indica normas e orientações gerais para a organização dos ISE e o Parecer CNE 970/99. Para ele. O conselheiro Jacques Veloso — nessa oportunidade — discorda do Parecer. a busca de consensos. 3) Acerca do processo de regulamentação dos ISES/ CNS. o próprio Conselho Nacional de Educação (CNS) elabora um documento intitulado . apresenta-se como um processo trabalhoso. entendido como reedição da antiga Escola Normal. porque supõe o diálogo e o intercâmbio de posições assumidas no debate público que. formação de educadores(as) para contextos não escolares. rejeição também a modelos únicos de formação. a criação de um programa especial de formação pedagógica (desenvolvimento de projetos colaborativos com outras instituições). tendo como concentração de sua temática investigativa os saberes pedagógicos e a existência de um currículo orientado para a pesquisa. organizado juntamente com as Faculdades de Educação para a formação de professores(as) da educação básica. rejeição à criação do Curso Normal Superior. Indica ainda a não-autorização da Habilitação Magistério para a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental nos cursos de Pedagogia. programas de educação continuada e de pós-graduação. a definição do CNS para formação de professores(as) contrariaria o espírito de flexibilidade. realização de pesquisas na área de formação e desenvolvimento profissional de professores(as).176 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL cursos de formação de professores — representada pelos professores doutores Selma Garrido Pimenta e José Carlos Libâneo —. Tal proposta sugere ainda a criação de um Centro de Formação. alegando que o artigo 64 da LDB 99394/96 não determina explicitamente que o curso de Pedagogia formará somente o(a) especialista em educação. às vezes. Ainda sobre os Institutos Superiores de Educação. lento. prerrogativa do necessário exercício democrático. São eles: o Parecer C N E / C P 115/99. supervisão e orientação educacional para a educação básica será feita em cursos de graduação em Pedagogia ou em nível de pós-graduação. 4) Nos diferentes estados do país. Variados Fóruns de Educação. concepção de avaliação — indicando formas de organização / avaliação do trabalho didático-pedagógico. a critério da instituição de ensino.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. sobretudo no que se refere aos(às) profissionais da educação. há uma análise sobre a inadequação dos atuais cursos de formação de professores(as). delimitando assim o território da atuação do curso de Pedagogia no 6. Faculdades de Educação das Universidades públicas — federais e estaduais —> a Anfope. inspeção. 5) Sobre o perfil desejado para o curso de Pedagogia: a determinação legal e os Movimentos de Educadores: A partir da promulgação da LDB 9394/96. garantida. 6 6) Não obstante a dificuldade de produção de consenso acerca da formação de professores(as) em nível universitário e do(a) pedagogo(a). planejamento. De maneira geral. as orientações estaduais estão reafirmando as orientações de âmbito nacional. Para isso aborda: a concepção de competência (nuclear na orientação da formação inicial dos professores). . a gestão e a pesquisa. Artigo 64: "A formação de profissionais da educação para administração. atitudinal e procedimental (à semelhança do que se apontava nos Parâmetros Curriculares Nacionais a ser desenvolvido com os alunos da educação básica). a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) se colocaram de forma contrária à exclusividade do curso de Pedagogia na formação do(a) especialista em educação — de forma separada da docência. a base comum nacional". os Conselhos Estaduais de Educação também passam por momento de definição de regulamentação das medidas traçadas em nível federal. a necessidade de coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor (simetria invertida). Nesse documento. concepção de conteúdo: conceituai. o senhor presidente da República toma para si a tarefa de definir o lócus do professor da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. 177 "Projeto de Diretrizes para a formação inicial de professores de educação básica em nível superior e a estruturação do Curso Normal Superior". apontando princípios orientadores para uma Reforma nessa formação e a organização do CNS. movimentos de educadores eclodiram pelo país na defesa do curso de Pedagogia tendo como base de formação: a docência. nesta formação. 7 A par dessas manifestações. participavam do processo de construção das Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação desencadeado pelo próprio Conselho Nacional de Educação. o Conselho Nacional de Educação. de pesquisa. assim como o provável aligeiramento da formação de professores(as) para este nível de ensino. pelo menos. tanto do ponto de vista científico e cultural. a titulação acadêmica de professores(as) requerida pelos Institutos Superiores de Educação. ultrajando as demandas colocadas pelos Movimentos de Educadores em nível nacional e que inclusive. que poderá representar a qualidade educacional a ser ofertada pelo Curso Normal Superior. III — um terço do corpo docente em regime de tempo integral". 7. caiu como uma bomba nos meios acadêmicos e de formação de profissionais da educação. quanto regional e nacional. inúmeras manifestações de educadores(as) no país. de dezembro do mesmo ano. o Eclodiram. entendido como uma atitude equivocada da Presidência da República quando assume a definição de uma carreira profissional.178 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL que se refere à formação de professores(as). através de diferentes formas de representação. . II — um terço do corpo docente. Vamos a ele: Decreto Presidencial 3276/ 99 — Artigo 2 — A formação em nível superior de professores para atuação multidisciplinar destinada ao magistério na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental far-se-á EXCLUSIVAMENTE em Cursos Normais Superiores. visando "minimizar" tais demandas. A promulgação do Decreto Presidencial 3276 / 99. o artigo 52 da LDB 9394/96 assinala: "As Universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior. ao qual o Curso Normal Superior se vinculará. entendida aqui como uma modalidade pós-nível médio de caráter profissionalizante e não necessariamente com a qualidade de curso superior. denunciando inicialmente a ação presidencial. que se caracteriza por: I — produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes. apresenta-se como uma razão preocupante. Entre outras razões. a partir deste decreto. pesquisa e extensão estariam prejudicadas nesse caso. As características indispensáveis para a qualidade do trabalho universitário que se articula em ensino. A respeito das Universidades. substitui a palavra "exclusivamente". de extensão e de domínio e cultivo do saber humano. com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado. por vezes. Pelo menos três questões nos parecem emergentes. fragmentando o conhecimento necessário à docência. atuando no mercado de trabalho da educação. se circunscreve na ação das instituições formadoras em programas de Educação Continuada. A primeira: é fundamental que se defina. por "preferencialmente". na forma de diluição do que seria o ano de disciplinas pedagógicas. 179 presente no decreto. provavelmente teremos. Por essa ótica. de uma estrutu :a capaz de dar conta das polêmicas presentes nesse cenário. A segunda: refere-se à forma de articulação e elaboração de proposições dos cursos de Pedagogia junto aos cursos de Licenciatura. para além do título. buscando alternativas de consolidação. o entendimento corrente ainda é o de que a prioridade será para a formação de professores(as) de educação infantil e séries iniciais no Curso Normal Superior. As variações dessa organização curricular ocorrem. Questões polêmicas a serem enfrentadas no debate institucional ainda. Entendemos que o debate sobre esse tema ainda não está finalizado. ... 5. Mesmo assim. ao longo dos quatro anos do curso. poderão representar um diferencial na qualidade da formação. As instituições formadoras de profissionais da Educação necessitam dimensionar essas questões. em seus projetos pedagógicos. Dessa maneira. 0 chamado Esquema 3 + 1 consiste na organização do currículo dos cursos de Licenciaturas na forma de três anos de Bacharelado acrescido de um ano das disciplinas pedagógicas de formação de professores. A insuficiência dessa organização curricular para fazer frente às novas demandas de formação de professores tem sido apontada em inúmeros trabalhos na área. oportunizam aos participantes a construção indissociável enquanto su- 8 . visando emoldurar um quadro diferenciado da histórica formação fragmentada do conhecido "Esquema 3 + l". frutíferas experiências desenvolvidas entre Universidades e escolas de educação básica. 8 A terceira. denominadas "pesquisa em colaboração". profissionais formados em diferentes cursos que. buscando ampliar a relação dessas instituições com as escolas de educação básica. nos próximos anos. a identidade do curso de Pedagogia e sua vinculação institucional. e não menos importante. por parte das instituições formadoras..PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. na perspectiva de promover a formação em serviço dos(as) profissionais que já atuam nos diferentes níveis e sistemas de ensino. Além desses aspectos. do desenvolvimento profissional e do trabalho coletivo. a unidade escolar como espaço de formação docente. oferecendo suporte às investigações feitas pelos(as) professores(as) e acolhendo os resultados desses trabalhos como conhecimento socialmente válido (Zeichner. a valorização de atitude crítico-reflexiva no processo de formação docente. da valorização. 2000a). a definição de conhecimentos / competências necessários aos(às) futuros(as) professores(as). a voz e status na pesquisa educacional. qual professor(a). rompendo com os velhos padrões de dominação acadêmica. a introdução de temáticas emergentes como as relações de gênero. os privilégios. visando estabelecer indicativos que assegurem a luta pela qualidade da formação oferecida pelas instituições. em meio a esse debate sobre formação de profissionais da educação. 6. pedagogos(as) e / o u professores(as). pedagogo(a) as autoras defendem ser formado(a)? Mesmo considerando o cenário aparentemente nebuloso que se apresenta para a formação dos profissionais da educação. Por uma Pedagogia e docência de qualidade: o "locus" e o "focus" Para deixar como ponto de reflexão. Elliot. tais como: o perfil do(a) aluno(a) e dos cursos formadores.180 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL jeito e objeto do processo de aprendizagem. 1998. Trata-se mais de refletir sobre o como formar. 1996. os participantes desse processo formamse pesquisadores. a educação formal e a não formal. a definição de um padrão ético mais acentuado pelos acadêmicos nas suas relações de pesquisa com professores(as) e com as escolas. problematizando-os. concomitantemente ao processo de se construírem também educadores(as). e de professor(a) reflexivo(a). 1998. Kincheloe. Essa luta precisa resgatar a história . entre outras. a valorização dos saberes/práticas docentes. a nossa preocupação nesse trabalho não é de uma definição do "locus" e do "focus" de formação desses profissionais. a reconfiguração do tempo e do espaço de aprendizagem do aluno. Pimenta. Para além dessas questões enunciadas. São colocados em xeque nessas ações: as relações de poder. os/as leitores(as) podem se perguntar: mas afinal. a articulação teoria e prática. propondo a eliminação / delimitação entre professores(as) pesquisadores(as) e professores(as) — atribuindo papel mais decisivo aos últimos na tomada de decisões. outros temas merecem definições. a ampliação da compreensão da consciência acerca dos fenômenos da realidade. de minorias culturais e de etnias. 1997. Carr. a lutar por melhores condições de vida e . fundamentalmente. no seu cotidiano. As condições objetivas de vida e de trabalho. que se forma através da prática coletiva — de cidadão(ã) solitário(a) para cidadão(ã) solidário(a) —. ousando alternativas educacionais comprometidas com a aprendizagem do(a) aluno(a). 1992). cidadão(ã) em processo contínuo de formação. Defendemos sim um(a) professor(a) intelectual e. Para além das leis. com a igualdade e a justiça social. que tem a grande responsabilidade dos(as) profissionais que ali atuam. suas práticas são reveladoras de um conjunto de crenças e convicções que vão além das intenções assinaladas no plano formal. a tolerância e o respeito com o(a) outro(a) — o igual e. E o mais importante: que se disponha. no entanto. Quando o professor fecha a porta da sala de aula. construídas e reconstruídas no exercício cotidiano do ofício docente. fazem parte de uma teia social e humana. Ressaltando ainda a importância da formação na Universidade. Trata-se de constituir comunidades de aprendizagem de professores de modo que estes se apoiem e estimulem mutuamente. que seja capaz de construir uma identidade profissional buscando superar a suposta "neutralidade". que desenvolva a escuta. E preciso compreender essa teia. como espaço de formação para uma qualidade possível no trabalho educacional. aprendendo e refletindo sobre a última. 1998). Os professores necessitam comprovar que as situações concretas que enfrentam em seu cotidiano não estão longe daquelas situações vividas pelos seus parceiros de trabalho. superando ações de formação individualizadas (Zeichner. ressignificando esse contexto. construída e sistematizada inclusive por ele(a). perder o horizonte da luta e nem o real concreto em que estamos inseridos. que seja menos consumidor das políticas oficiais de forma acrítica. juntando os esforços da categoria. iluminada com teorias. sem. tendo o homem/ o humano como projeto (Santos. que tenha disponibilidade para o novo. fundado no futuro. 181 dos(as) educadores(as) — tanto a história individual quanto a história coletiva da educação e da categoria docente — que perpassa o debate e a explicitação das questões acima enunciadas. com o diferente. enquanto cidadão. capaz de articular a teoria e a prática. as competências e / o u incompetências de sua formação. sobretudo. parece iminente encontrarmos formas de iniciar o debate institucional que vá além das definições nos planos e projetos — que se concretize através de práticas transformadoras e criativas capazes de fazer frente à complexidade da realidade social e educacional que vivemos. queremos lembrar também o chão da escola. para ser mais produtor de conhecimentos. que seja livre para educar para a cidadania.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. famílias. para além do que acontece somente na sala de aula. função essa que tem sido desqualificada nos últimos tempos especialmente da parte dos sistemas de ensino. desviando dessa maneira da essência do trabalho docente. Além disso. a dimensão da gestão. pensada na perspectiva de organizadores de políticas públicas. necessita ser qualificada no sentido da sistematização das produções e da potencialização de ações formadoras. A problematização de práticas docentes. partindo das experiências dos próprios alunos. tais como o estágio interdisciplinar como instrumento privilegiado para a compreensão da escola e do sistema educacional. Quanto ao(à) pedagogo(a). A função docente — considerada base para a atuação dos profissionais da educação — garante o conhecimento prático necessário para a orientação. tanto em nível local quanto regional ou nacional. desenvolvendo assim uma atitude científica de olhar a realidade educacional para além do senso comum. coordenação. pouco ou nada contribuem com o trabalho do(a) professor(a). supõe compreender as relações existentes entre escola e sociedade de forma contextualizada. como uma função essencial à pratica docente. Atuar nos organismos de administração. de forma que todos os alunos consigam aprender. defendemos uma tríplice função (complementar e articulada): de docente. Nessa perspectiva. oferecendo suporte às ações de construção de sistemas e unidades escolares de fato democráticas. de pesquisador(a) e de gestor(a). ou ainda aqueles(as) que de todas as maneiras fogem da sala de aula. seja na condição de alunos ou de professores. se apresenta também como um instrumento importante na formação e desenvolvimento profissional. Trata-se aqui de estranhar o que é habitual. Por último. pesquisa e gestão de unidades ou sistemas. . profissionais da educação e as instituições do entorno e parceiras nesse processo. tornando acessível a participação de todos(as) os(as) agentes envolvidos(as) no processo educacional: alunos(as). Já a dimensão de pesquisa — fortemente assinalada no corpo deste trabalho —.182 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL de trabalho da sua categoria e nas instituições em que atua o que o(a) qualifica sobremaneira para poder desenvolver essas dimensões. criar condições para que a escola cumpra a sua função que é a de ensinar. Como orientar outros profissionais sobre um fazer que não se conhece na prática? As experiências têm mostrado a insuficiência da atuação de orientadores /coordenadores cheios de teoria e vazios de compreensão prática sobre o fazer pedagógico com os(as) alunos(as). Rio de Janeiro: 2000. programas. 9-23. 1996.). das universidades. 1996. ALMEIDA. outubro/1998. 1988 (mimeo). Painel apresentado no X ENDIPE. Referências bibliográficas ABDALLA. vem se apresentando retrataria às necessidades dos(as) professores(as) e das escolas. Políticas públicas e formação de profissionais de educação: a realidade da região sudeste. 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Terminamos perguntando: tais ações estariam contribuindo para a formação de um profissional autônomo. O que temos assistido — pelo menos no que se refere às políticas oficiais — é ainda a concepção do(a) professor(a) e/ou profissional da educação como consumidor de teorias e investigações produzidas. Rio de Janeiro: Paz e Terra. CARR. In: Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Selma G. como tivemos oportunidade de apresentar no início desse trabalho. Maria I. Maria de Fátima Barbosa. são merecedores de nossa atenção no sentido do exercício da reflexão crítica sobre o significado dessas ações no cenário atual brasileiro e mundial no tocante à produção de um tipo de profissional da educação. ANFOPE. S. GUIMARÃES. 1996. Porto: Porto Editora. Madrid: Morata. Maria A.. 133-141. pp. Balanço do neoliberalismo. 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E.. como forma de problematizar as questões referentes à relação teoria — prática na aprendizagem profissional ou na aprendizagem cotidiana. desde 1995. levantar uma crítica ao que * Mestrando na Faculdade de Educação da USP. trazemos para discussão alguns elementos relacionados à importância da autonomia do professor na organização e execução de projetos pedagógicos em suas escolas. 187 0 PROFESSOR DIANTE DO ESPELHO: reflexões sobre o conceito de professor reflexivo Juarez Melgaço Valadares* Introdução Nosso objetivo para este trabalho é provocarmos a reflexão sobre um conceito presente em diversos artigos sobre educação: o de "professor reflexivo". . a reflexão sobre a ação. considerado o pai da organização científica do trabalho. no exato momento em que os imprevisíveis e incertos fenômenos são encontrados. ocorrem as três situações citadas acima que não são encontradas no modelo tecnicista. alvo da crítica de Schõn. A concepção dos processos de ensino como simples intervenção pedagógica e a visão do professor como técnico retomam. Taylor. e. quanto maior for a parcela de intervenção que se possa regular e determinar de antemão. Após conceber a crítica à racionalidade técnica. Assim sendo. A separação entre concepção e execução. Para Schõn. analogias e metáforas. ele analisa as componentes da atividade daquele praticante diante de uma situação problemática. distinguindo três situações que são elevadas à categoria de conceitos: o conhecimento na ação. centrou seus estudos principalmente nos métodos e na organização do trabalho. e no controle sobre ele. O profissional não aborda um problema como cópia de uma teoria geral. 1998): Todo possível trabalho cerebral deve ser banido da oficina e centrado no departamento de planejamento ou projeto. uma prática social saturada de valores éticos. resistem a ser enquadrados em esquemas rígidos e predeterminados. Sob . os problemas que surgem na prática são marcados pela incerteza. ou de outros agentes que distorcem e perturbam a intervenção científica eficaz (Pérez Gómez.188 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL ele denominou racionalidade técnica: ações didáticas que se reduziam à escolha pelos professores dos meios necessários para a realização de objetivos prescritos externamente ao ambiente de trabalho. na educação. usa seu conhecimento tácito já automatizado devido a reflexões e experimentações anteriores. Os professores tinham suas ações limitadas à escolha de estratégias que fossem eficazes na intervenção prática e consecução daqueles objetivos. mais garantias existem de evitar a subjetividade na atuação do docente. O contexto da racionalidade técnica mecaniza o pensamento negando o mundo real da prática vivida. singularidade e conflitos de valores. Schõn situa os problemas que surgem em uma realidade complexa no marco da prática reflexiva. desta forma. reduzindo o conhecimento prático do professor a um conhecimento como técnica. é explicitada no princípio proposto por Taylor (apud Valadares. a reflexão na ação. o modelo taylorista de eficiência industrial. Explorando as características do pensamento de um profissional competente. e sim utilizando a intuição. Quando um profissional reflete sobre uma anomalia tendo como referência a sua experiência. ou seja. 1998). por especialistas externos. instabilidade. As reflexões na ação consistem em um diálogo com a situação. e como elas são responsáveis pelo desenvolvimento de práticas inovadoras. apontam para a fertilidade do conceito ao acentuar a possibilidade de produção do conhecimento dos saberes da docência. examinando seus nexos e suas mútuas determinações nos contextos das políticas mais amplas. mostra a preocupação com a complexidade da prática educativa e a busca de uma compreensão mais abrangente do dis- . A superação de determinadas visões sobre a função da escola e sobre os papéis que o professor deve desempenhar supõe tanto a reflexão teórica quanto ações individual e coletiva. bem como as representações sobre o professor competente. de uma reflexão sobre a ação. apontam para a valorização do sujeito/profissional professor e para a possibilidade da autoria/ autonomia na docência. Críticas ao conceito de professor reflexivo Quando falamos em professor — reflexivo estamos nos referindo a expectativas que são geradas quanto ao seu desempenho no cotidiano da escola. ao pôr em relevo essa produção no coletivo do projeto pedagógico.. Se.) as pesquisas que adentram os contextos escolares e as salas de aula. A fertilidade do conceito merece a seguinte consideração: (. 189 esta ótica. manifestam no discurso e nas ações de cada um.. O modelo de um profissional reflexivo com referência nestes três conceitos — uma epistemologia da prática — reafirma a competência pessoal gerada por meio de reflexões sobre e na experiência vivida. O diálogo do conhecimento pessoal e ação aborda a questão da teoria e prática no plano da subjetividade do sujeito. consolidando o processo reflexivo como forma de investigação e não como descoberta do já existente. por um lado. Em conseqüência. sendo posteriormente acompanhado de uma análise que o prático realiza sobre os processos de sua atuação. No estudo de Pimenta (2000) podemos notar o crescente aumento de trabalhos em torno do conceito de professor — reflexivo. ao apontar para a importância da escola na produção da docência e no desenvolvimento profissional dos professores.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. e foram construídas nas diversas interações e vivências ao longo da vida. que dependem das ações daquele profissional. Essas expectativas.. ou manutenção das existentes. os problemas não são moldados e estabelecidos de uma perspectiva externa. ou seja. Esta preocupação também é apontada no levantamento realizado por Pimenta (2000). . ressalta quatro tradições de práticas docentes existentes: a acadêmica (refletem sobre seu próprio exercício profissional eliminando as condições externas). O autor. No trabalho de Lampert (1991) podemos observar o grande número de papéis e competências implícita e explicitamente atribuídos ao professor como forma de garantir práticas pedagógicas concernentes ao atual momento que passamos. De acordo com Contreras (1997) são raros os trabalhos sobre educação que não fazem uma defesa da necessidade da reflexão sobre a prática como parte essencial da formação e função do professor no exercício de seu trabalho. por outro. sem a existência de oportunidades de reflexão sobre elas. o esvaziamento de sentido do termo nas reformas e programas de ensino sugeridos pela pesquisa acadêmica. desenvolvimentista (reflete unicamente sobre os alunos nas condições de sala de aula). e também os fundamentos e suas conseqüências para a educação escolar. como Zeichner (1998). e transformados em recursos e estratégias didáticas. Os dilemas vivenciados a partir do contato dessas proposições com os professores são que. Ficamos aqui com Elliot (1998): O conhecimento prático não envolve somente uma apreciação da cultura ocupacional de ensino. bem como a falta de argumentação para justificar a seleção de uma ou outra proposta (Almeida. por exemplo". ao mencionar sobre os perigos de uma reflexão sem finalidade. parece haver uma adesão a opiniões aparentemente contraditórias. os aspectos de uma educação ideal são freqüentemente veiculados em grande parte das teorizações acadêmicas sobre o ensino. E nesse contexto que parece ganhar fôlego a necessidade de aprofundarmos o conceito de professor reflexivo no momento atual para facilitar a superação de assimilações acríticas constatadas nestes trabalhos. 2000). Chega a ser irônico: "Há uma diferença qualitativa entre refletir sobre o racismo. a eficácia social (aplicação de regras determinadas pela investigação). Esta tarefa requer a problematização das visões sobre a prática docente e suas circunstâncias. sem que os fundamentos que lhe deram origem ou as bases que as sustentam sejam considerados. amendoim ou queijo.190 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL curso que esse conceito subentende. Para Zeichner (1992). demonstra uma discrepância dos resultados da pesquisa em educação e uma efetiva mudança educacional. Apesar desta presença. mas como e sobre o que estão refletindo". propostas de ensino. mas sua localização social. Contreras reafirma. De maneira semelhante. a pergunta não é "se os professores são reflexivos. e a reconstrução social (reflete sobre o contexto social e político do ensino e a valorização de ações nas escolas que direcionem a uma maior igualdade e justiça social). Uma incursão novamente ao atual mundo do trabalho poderá nos fornecer algumas pistas importantes. Apesar de uma aparente imagem de modernidade e autonomia do professor. um operário polivalente. questiona os princípios de Taylor. As novas tecnologias. mas permanece inexistente a legitimação destes saberes. ele integra uma equipe. tanto do ponto de vista epistemológico quanto social e político. sugerindo um retorno a uma nova versão de racionalidade técnica.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. Esta reconstrução e desenvolvimento da produção através de modelos baseados em alta tecnologia. ao informatizar e robotizar a produção. divisão das linhas de produção em uni- dades de produção flexível. Surge o Team Work. que sobre os professores pesa toda a responsabilidade na resolução dos problemas educativos. colocam. quando era precisamente contra este enfoque da prática profissional que se opunha inicialmente esta teoria. dentro das perspectivas reflexivas tem sido incluída uma sobre a racionalidade técnica (a versão de eficiência social. em que cada time pode produzir o produto . que "veste a camisa" da proposta. ainda há diferença nas relações entre trabalho prescrito e trabalho real. Em vez de uma linha individualizada. segundo denominação de Zeichner). mas permanece dentro dos marcos da separação concepção / execução. Como se observa. no lugar do trabalho desqualificado. À menção de um profissional reflexivo. contrapõe-se uma visão de professor polivalente. flexível. mas que continua sem o poder de tomar decisões sobre suas intervenções. O melhor aproveitamento do tempo é garantido pelo just in time. sujeito de seu processo. No entendimento de Contreras (1997) esta é uma das contradições envolvidas na utilização do conceito: Uma primeira questão evidente a partir desta análise é que o uso do termo tem perdido o sentido com que era usado por Schõn. concepção e execução em alguns processos de trabalhos inovadores. A produção em massa passa a ser questionada por exigência de clientes que especificam o tipo e qualidade do produto. 191 Nestas práticas identificamos uma que reformula o conceito de eficiência social. como nos mostra Contreras. que podemos caracterizar como toyotismo. A imagem habitual da reflexão como uma prática individual e a demanda sobre o que realmente deve ser objeto desta reflexão chega a supor. A novidade é que os professores têm sido chamados a incorporar seus saberes nos projetos. O trabalho em uma empresa flexível e automatizada também não faz uma ruptura com os pressupostos básicos do taylorismo. Parece-nos então que a discussão sobre o retorno às idéias de eficiência técnica encontra ressonância em esferas distintas da educação. 1997). sobremaneira. Antes havia um setor ou especialistas no controle de qualidade. Vejamos a compreensão de Valadares (1998:): Tais aspectos se vinculam ao conceito de qualidade. com sua visão sistêmica. ao psiquismo e ao comportamento do trabalhador. uma integração prática-teoria-prática. dirige-se. Afirma-se. em substituição à realização passiva de operações específicas prescritas. 1997). "zero pane". Para Grundy (apud Contreras. primeiramente. os caminhos de ação em sala de aula que sejam expressões dos ideais educativos. individualmente. Contreras. que dê conta de todas as incertezas da prática educativa. "produtividade" e "eficiência". A imagem no espelho é a de um professor que enfrenta. introduzindo termos que são incorporados no discurso cotidiano: "qualidade". ou seja. Uma das principais críticas sobre a utilização da reflexão pelos professores é que ela não transpassa os muros da sala de aula e da prática imediata (Zeichner. que avaliavam o produto final. A prescrição incumbe o trabalhador da descoberta do imprevisto para melhor funcionamento do sistema técnico.192 PUOIESSOR REFLEXIVO NO BRASIL final. sem deixar restos. E dentro de seu grupo de trabalho. por si mesmo. o foco central da diferença estaria no deslocamento da prescrição para as operações voltadas à realização dinâmica de objetivos mais amplos. Os esforços são voltados para apagar os riscos do inesperado na produção. com empregados polivalentes. O toyotismo. e com certo grau de autonomia em relação as decisões sobre como organizar o seu trabalho. uma compreensão mais ampla do contexto social na qual se desenvolve a prática educativa. que os professores devem romper a cerca imposta por esta reflexão autolimitada. ou ainda o círculo de Deming. Parece que estamos procurando uma teoria "total". E sem correr riscos. Tornou-se comum discutir e aplicar o diagrama de Ishikawa. um inventário de todas as causas de erro. é necessário desenvolver uma consciência crítica a partir da qual se pode determinar os limites que em nossa consciência dificultam a prática emancipatória e reconhecer as intervenções escolares que estão guiadas por interesses de dominação. para depois atingir a sua demanda. Atualmente todos são responsáveis pela qualidade em todas as etapas da produção. No que diz respeito à relação entre concepção e execução. Ou o diagrama de Pareto que identifica problemas-chave e principais determinando as prioridades de intervenção. Desen- . e que a prática reflexiva deve incorporar os elementos que normalmente se mostram inquestionáveis e que constituem empecilhos às ações inovadoras. 1992. associados à regulação do sistema. As capacidades acima somente podem ser exercidas no contexto de práticas inovadoras nas quais os professores são livres para experimentar e ao mesmo tempo comprometidos com o perfil de seus alunos.. 1997. Organização do trabalho na escola — reflexões a partir de um relato de experiência Para que possamos compreender melhor as possibilidades de transgressão à rotina escolar e a construção da autonomia discutiremos o conceito de professor reflexivo a partir do relato de uma experiência na Educação de Jovens e Adultos de uma escola da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte. no dizer de Contreras (1997): O que está em dúvida é se os processos reflexivos. da mesma forma. as ações dos professores coadunam-se com a construção permanente do saber-fazer tendo como referência as necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca no dia-a-dia (Pimenta. No campo escolar. A questão que parece estar colocada é a contradição que envolve o conceito de "qualidade" nas diversas variedades de prática reflexiva mencionadas por Zeichner. em seus processos de inserção na instituição escolar. neste sentido. 1998. A prática reflexiva é entendida com um propósito claro: incluir os problemas da prática em uma perspectiva de análise que vai além de nossas intenções e atuações pessoais. segundo o autor. ao não se definir o compromisso com determinados valores. três orientações para o seu trabalho: presentismo (esforços em atingir metas a curto prazo em . que afirma que os professores desenvolvem. poderia estar a serviço de justificar outras normas e princípios vigentes em nossa sociedade. o individualismo. Conhecimento. se dirigem a uma consciência e realização de ideais emancipatórios. Portanto. à autonomia do professor (Contreras. Implica colocar-se contexto de uma ação. ou se. Pacca & Villani. 2000). então. de igualdade e justiça. pois esta supõe que os professores e indivíduos são capazes de provocar mudanças sem a necessidade de uma consciência sobre as dimensões históricas e sociais em que se inscrevem seus intentos. participar de uma atividade social e tomar decisões frente a ela.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. um conceito de emancipação que se oponha àquela proposta pelo liberalismo toyotista. por suas próprias qualidades. como a meritocracia. é ação. Associa-se. Dialogaremos com o relato a partir do estudo de Lortie (apud Contreras. 1997). 193 volver. 2000). a tecnocracia e o controle social. Elliot. por outro. que podem se tornar referência motivadora para a futura vida docente (Pierson et al. o enfrentamento de situações complexas. coordenadores. sociais e culturais — como nos reconhecemos parte dela. rejeitar uma visão de meros implementadores de programas e estratégias desenvolvidas externamente e. Não só reconhecemos a escola enquanto inserida em seus múltiplos aspectos — políticos. vislumbrar complementaridades. Desde 1995 o coletivo de professores. desta forma. Mais do que considerar um relato abrangente. também a nossa identidade. de um lado. e o medo às críticas que podem surgir no grupo). 2) compreensão do currículo numa perspectiva mais ampla. Construímos. e individualismo (dificuldades no trato com o coletivo. 2000). enfim. Acreditamos que a prática de construir projetos interdisciplinares permite. como iniciar uma aventura ou elaborar o impensado. 4) compreender os novos espaços de formação de professores. e experimentar satisfações. práticas inovadoras que estão contidas no fazer docente. Foram introduzidas modificações curriculares e.194 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL suas classes). Uma interpretação inicial da experiência nos leva à elaboração de algumas metas para discussão do projeto: 1) envolver alunos e professores na elaboração do currículo. diretores —. textos produzidos por outros educadores. com um esforço permanente e contínuo de reflexão dos responsáveis pelo projeto — os professores. conservadorismo (evitar discussões. a intencionalidade do fazer educativo. a experimentação. reflexões ou compromissos com propostas transgressoras). produzimos manifestações concretas de projetos interdisciplinares que são desenvolvidos até hoje. Conforme nos indica Pimenta (2000:20): Os saberes da experiência são também aqueles que os professores produzem no seu cotidiano docente. Parte-se do pressuposto que neste relato estão contidos elementos tais como a problematização. decidiu-se a uma intervenção radical nos tempos e espaços da escola.. É em relação a um sentido mais . a negociação entre os diferentes saberes disciplinares para a construção coletiva de conhecimentos sobre a realidade permite desenvolver competências. o que aqui nos interessa é chamar a atenção para alguns aspectos pontuais das orientações mencionadas acima na dimensão do trabalho concreto. como perceber diferenças e singularidades. a partir dos elevados índices de evasão e repetência apresentados pela escola no turno da noite. num processo permanente de reflexão sobre sua prática. considerando-os sujeitos do processo. produtores de sua história. 3) construção de um projeto interdisciplinar a partir da Pedagogia de Projetos. mediatizada pela de outrem — colegas de trabalho. nesta perspectiva. os problemas contemporâneos. avaliação e acompanhamento do projeto. cm nossa prática. 1998): O que se faz nas oficinas de idéias é traçar uma metodologia que leve. . algumas de nossas práticas: • Criação da "Oficina de Idéias" (Valadares. e a partir daí são criados e desenvolvidos módulos de aprendizagem que trabalhem as problemáticas propostas. discutem-se problemas que surgem na implementação do projeto. As oficinas retomam nossa auto-aprendizagem para refleti-la coletivamente e aprender nossos métodos no próprio percurso. distintamente da preocupação de operar com objetivos específicos para cada intervenção desenvolvida. Como exemplo. o educador a proceder de forma semelhante aos educandos. é gerado no encontro de quatro eixos: o conhecimento disciplinar. Gomes & Moura. A intervenção pedagógica tem uma finalidade explícita. Empenhamos na produção de metas que são comuns a todas as disciplinas. professores que têm receio de trabalhar com projetos desenvolvem temáticas escolhidas por eles próprios para o grupo de professores. gradualmente. As oficinas permitem a apresentação de sugestões e desenvolvimento de metodologias para o trabalho coletivo. incluindo os pontos em que as áreas se encontram e podem desenvolver as mesmas dimensões formadoras. Vejamos. o conteúdo é sempre construído a partir de problematizações com nossos alunos. Nestas reuniões são realizadas leituras coletivas de obras científicas e literárias que serão trabalhadas com os alunos. Em 1999. a partir de uma reflexão dos projetos desenvolvidos em anos anteriores. resumidamente. O professor não só compartilha seus medos e receios como reconhece que seu conhecimento é sempre parcial e limitado ao conviver com as linguagens e olhares de outras áreas. pois estas permitem visualizar nossas dimensões formadoras. Analisar esse processo do ponto de vista da formação dos professores desloca o nosso olhar para a construção das estratégias coletivas de trabalho. também sujeitos e detentores de conhecimentos que tentamos resgatar na escola. O conhecimento escolar. As oficinas orientam-se pelos seguintes eixos: não podemos ter medo de lançar idéias e toda idéia considerada absurda pode ser trabalhada e aprimorada. as concepções e os interesses dos alunos. ou seja. alteramos os itens da ficha de avaliação do aluno. • Reuniões semanais para discussão. realiza-se preenchimento coletivo das fichas de avaliação dos alunos etc. 195 amplo de currículo que cabe ressaltar que.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. responder aos problemas ou situações colocados pelos atores sociais. Somente recuperando a centralidade dos sujeitos envolvidos podemos marcar nossos sentimentos e ações. refletindo no perfil de um novo profissional da educação. Uma maneira diferente de formação. encontros e serninários — na contramão de orientações tradicionalistas que somente os coordenadores e diretores. exposições de arte. Por outro lado. Assim. Considerações finais Como discutido ao longo deste trabalho. literatura etc. e do valor dado a este tempo. da música. Para professores e alunos. o conceito de professor reflexivo insere-se no contexto da separação entre concepção e execução. De aprender múltiplas linguagens. mas pela percepção e sensibilidade das possíveis manifestações de formação com que convivemos no cotidiano. Enfim. 2000). recuperar a subjetividade e a identidade perdida. nos seus saberes e em sua formação. festival de teatro.196 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Um contexto propício para o debate sobre os recursos mais eficazes e sobre as situações do cotidiano escolar que tornam o desenvolvimento dos nossos educandos mais pleno. significando não só compromisso como afirmação e defesa de uma identidade individual e coletiva. com a noção de "aula do professor" e passamos a trabalhar com "aula de todos". Tentamos romper. por não se tratar de adquirir uma competência técnica. com traços presentes da mídia. e a produção da escola (apud Pimenta. desta forma. ressalta-se que todos os professores participam de cursos de formação e relatos de experiência em outras escolas. do cinema. produzindo idéias e instrumentos de trabalho. . com a presença de todos os professores. palestras temáticas contam com a presença de todos os professores. com o currículo sendo preenchido por leituras múltiplas da realidade. Também configura-se uma nova visão do tempo educativo. devem participar destes momentos. a profissão docente. ou pesquisadores externos. Ao contrapor esse relato às orientações identificadas por Lortie — presentismo. conservadorismo e individualismo — vemos emergir os três processos propostos por Nóvoa para a formação docente: produzir a vida do professor. Queremos desvelar com esse relato a possibilidade de construção de práticas autônomas no interior das escolas adequando-se a projetos emancipatórios tanto de professores quanto dos alunos. Todos falam pelo grupo. • Participação nos diversos movimentos culturais da cidade. Festival de Arte Negra. desta forma. na escola há saberes que carregam elementos que possibilitam a sua codificação e formalização. conseqüentemente. entre trabalho prescrito e trabalho real. no desenvolvimento e na produção de saberes. existe uma zona fluida perpassada pela subjetividade dos trabalhadores. Esta mudança de mentalidade deve-se ao reconhecimento de que há no trabalho concreto. A experiência do real possui dados que podem ser formalizados. A pesquisa que ocorre no cotidiano na tentativa de solucionar problemas imprevistos pelo campo teórico acontece. a relação entre trabalho e saber é da ordem da relação do sujeito com a linguagem e com o saber. entre conceito e experiência. e continuam sendo. em que a primeira não legitima a produção de professores dos outros níveis. para a relação entre ciência e cultura. um espaço onde o saber é necessariamente colocado em trabalho. A diferença entre concepção e execução. apesar de extensa. O trabalho convoca a inteligência de cada trabalhador e do coletivo de trabalho na descoberta. Esta visão parece ecoar com as críticas de Zeichner (1998) e Elliot (1998) sobre o distanciamento existente entre universidade e o nível fundamental de ensino. codificados e simbolizados. parece que esta questão aborda diretamente a relação entre pesquisa acadêmica e prática.. O modelo de organização e gestão do trabalho presente na atualidade coloca como imperativo o resgate do saber do professor e de sua importância. É nesta direção que teceremos algumas considerações. não logrou resolver os atuais problemas do presente sistema produtivo. As soluções criadas neste espaço pelos trabalhadores sempre foram. Transborda. Como visto. a seguinte citação de Santos (1997): Questionado desde sempre pelos trabalhadores. Quanto a nós. essa discussão bifurca no entendimento do significado do termo "qualidade" em educação. apesar de ter os seus conceitos revisitados. e novas relações entre concepção e execução decorrem nos modos de estabelecer esta relação. vale a pena ver. Porém.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. Sobre este aspecto. entre trabalho prescrito e trabalho real. ou seja. entre universidade e outros níveis de ensino. fundamentais para que a produção se efetive. na aprendizagem. e. na importante dimensão do "informal". professores. também. utilizando os pro- . a partir da metade deste século esta separação passa a ser questionada também pelos próprios gestores da produção vindo a constituir um dos focos principais dos novos modos de organizar e gerir o trabalho. elemento fundante do sistema taylorista. A questão que queremos ressaltar deve-se ao fato de que. 197 e da refutação proposta por Schõn à racionalidade técnica. a formação de professores. apresenta-se como o elemento em torno do qual deve se articular o debate sobre o significado do saber do trabalhador. ao tratar os professores como sujeitos. da relação entre um sujeito e o saber. que os professores devem conviver com duas metas aparentemente conflitivas: desenvolver a possibilidade de utilização do conhecimento e. Diversas pesquisas têm sido realizadas neste sentido. a questões ligadas à subjetividade e a componentes afetivos da aprendizagem. entre trabalho prescrito e trabalho real na atualidade do mundo do trabalho. colocando seus alunos em contato com todas as tradições de ensino reflexivo. neste caso. do professor. seguindo-se uma "represcrição". Reconhecem que estas interações escapam aos limites de uma generalização. como sujeito que busca formas de legitimar o seu saber. inicial ou continuada. reconhecer que estes não estão buscando respostas fáceis ou receitas prontas. Como conseqüência. reconhecendo que o significado de um ensino adequado não é propriedade dos centros universitários e dos especialistas da educação. e. Para Zeichner (1998) um grande passo é. e propõem como meta para a formação de professores o que chamam competência dialógica: a capacidade do professor em estabelecer e conduzir uma interação pessoal com seus alunos. ao discutirem questões relacionadas à educação científica. uma regra ou planificação. Sugere dois eixos para a formação de professores: a reflexão enquanto prática social.198 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL cessos de investigação apenas como coleta de dados que permitam sugerir novas estratégias e recursos para o ensino. Aqui nos defrontamos com uma outra bifurcação: essa pesquisa pode se apresentar como "uso de si" pelo próprio professor ou como "uso de si" pelo outro. novamente. A legitimação do saber do trabalhador. Para Santos (1997). adequar-se à tradição de respeito e tolerância cultural com os saberes alternativos e do senso comum. Pacca & Villani (2000) colocam. E esta "represcrição" atua diretamente sobre a subjetividade do trabalhador. ao mesmo tempo. ou seja. mas estão desejando ser desafiados intelectualmente e reconhecidos pelo que sabem e fazem. Devemos nos reportar à subjetividade do professor quando falamos de sua formação. sobre a relação entre concepção e execução. Por isso a importância de este se ver como produtor de seu processo. a . e o trabalho com textos produzidos por professores do ensino secundário. formalizado ou não. levando-os a se envolverem em um processo de aprendizagem e a uma posição pessoal autônoma frente ao conhecimento. Retomam. e sugerem a utilização de um referencial psicoanalítico como aporte para orientações em contextos concretos. depare com a alteridade mais radical. ao olhar-se no espelho. competência dialógica. dependência total. . Ao se refletir sobre uma ação deve-se ter claro que essa análise é realizada à luz de um referencial teórico. bloqueios. a importância da vinculação da construção da subjetividade e identidade dos professores com a exploração das relações entre as leituras oferecidas pelos vários campos do saber gera um clima propício às trocas e complementação dos saberes (Pierson et al. e os mais diversos imprevistos. A formação do professor reflexivo e autônomo é importante porque na prática sempre despontam elementos perturbadores: resistências. a prática de trabalhos e planejamentos coletivos e interdisciplinares desponta com certa importância para a formação inicial e continuada. demanda passiva. transferência simbólica e assessoria) e com os colegas (dispersão. Uma excelente síntese dessas relações pode ser vista em Villani & Freitas (1998) e cabe aqui mencionar: Partimos de categorias que descrevem níveis de envolvimento com o saber (recusa ou desprezo. aprendizagem ativa e produção criativa). abertura para o risco. 199 formação e a aprendizagem são interpretadas como consistindo de uma série de mudanças na natureza da relação entre o aluno. com o possível humano existente em nós. e.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. aceitação de seu papel questionador. nunca dominará plenamente seu percurso. A capacidade do professor em monitorar o desenvolvimento dos alunos. e assim fica evidente a necessidade de uma formação teórica do professor que possibilite o resgate de sua prática.. facilitando o caminhar do professor em formação de uma situação de identificação com o saber do docente para outra marcada pela independência e criatividade. torna-se importante para intervir e fixar as tarefas que permitam a passagem entre os patamares subjetivos de aprendizagem mencionados na citação acima. disponibilidade para os questionamentos. Espera-se que o professor. O professor nunca estará acabado. Ou será a ação maior do que a teoria? Por outro lado. De forma semelhante às interações mantidas com os alunos. desta forma. transição para a colaboração e grupo operativo) e chegamos a definir um conjunto de instrumentos privilegiados para provocar as mudanças. E por isso a formação nos coloca em confronto com nós mesmos. 2000). o professor e o conhecimento. parece evidenciar-se que as reflexões são mais eficazes quando realizadas por um grupo. dependência inconsciente do líder. com o professor (rejeição ou indiferença. A formação do professor será sempre uma auto-interrogação porque as possibilidades nunca se esgotam. 77-92. 1. VALADARES. 1998.na formação inicial de professores.). GOMES. (org. César. v. São Paulo: Cortez. 5. VILLANI. 2000. 44-49. 121-142. Ciência e Educação. .. A. Trabalho prescrito e real no atual mundo do trabalho. FREITAS. VALADARES. Paulo Mendes Campos.). Investigações de Ensino de Ciências. . In: FIORENTINI. pp. Investigações de Ensino de Ciências. FREITAS. A. In: SACRISTÁN. In: NÓVOA. Formar professores como profissionais reflexivos. Selma G. n° 2. PEREIRA (orgs. El maestro como profesional reflexivo. n° 1. n° 1.200 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Referências bibliográficas ALMEIDA. Uma experiência interdisciplinar. FRANZONI. SCHÕN. v. 1998. Lisboa: Dom Quixote. Domingo José. . 1997. A. Adilton G. n° 1. n° 1. In: Universidade e Sociedade. 18. Madrid: Morata. 1998. Belo Horizonte. Expectativas sobre o desempenho do professor de Física e possíveis conseqüências em suas representações. Alberto. Brasília. 1992a. SANTOS. Eloisa H. ZEICHNER.. Monografia para o Curso Ergonomia Aplicada ao Trabalho. Cape/SMED. La formacion de profesionales reflexivos. Cartografia do trabalho docente. Tessituras. Jesuína L. Rio de Janeiro: 2000. Denise. Donald A. A pesquisa em Didática. In: X Endipe. Os professores e sua formação. (org. M.. . Campinas: Mercado de Letras. ELLIOT. Formação de professores: Saberes e identidade. & PÉREZGÓMEZ. 2000. M. pp. 2000. a PIERSON. n° 220. La autonomia dei profesorado. GERALDI. In: FIORENTINI. LAMPERT. Ensenanza de La Ciências. I. Mariza. 1997. In: PIMENTA. Juarez M. v. Compreender e transformar o ensino. Alberto. Cuadernos de Pedagogia. 1998. Campinas: Mercado dc Letras. 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Procuro sempre. . não desanimo. Mestranda em Educação pela Universidade Católica de Goiás. Se tarda o encontro. se não a encontro.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO.. e minha procura ficará sendo minha palavra.ESCRITURA Rita de Cássia Monteiro Barbugiani Borges* Certa palavra dorme na sombra de um livro raro. por meio * Professora de Língua Portuguesa do Departamento de Letras da Universidade Católica de Goiás — UCG.. neste texto. Especialista em Educação — Metodologia do Ensino Superior — pela Universidade Católica de Goiás. Carlos Drummortd de Andrade Pretende-se. Como desencantá-la? É a senha da vida a senha do mundo Vou procurá-la. discutir possibilidades de ação docente na orientação do processo de inter-relação da leitura — escritura. Vou procurá-la a vida inteira no mundo todo. 201 / PROCESSO DE INTER-RELAÇAO DA LEITURA . procuro sempre. Para tentar fazer essa intertextualização da inter-relação leitura — escritura e a prática do professor reflexivo-crítico far-se-á. pois. Então. Por último. Discutir a inter-relação leitura — escritura é ir ao encontro de multiplicidade de questões que desafiam o pensamento e a conduta pedagógica. . será apresentada uma síntese da teoria. Contreras (1997) sobre La autonomia dei profesorado. A Inter-relação da Leitura — Escritura A sociedade vigente está assentada sobre um cabedal de conhecimentos que são acumulados e registrados por escrito. visto que essa é característica essencial. juntamente a essas considerações. levando o educando a ser um leitor crítico e um sujeito capaz de produzir seu texto com um discurso autônomo. da superação do fracasso e das desigualdades escolares. A partir do discorrer dessa questão. de possuírem uma relação de interação. pois a leitura leva à escritura e esta àquela. a tentativa da minha pesquisa que visa à inter-relação da leitura — escritura no processo ensino-aprendizagem em nível superior. ou seja. a leitura tornou-se uma exigência por ser o solo. já que esse processo é circular. baseando-se na obra de J. o papel que tem o professor na orientação. a base. E evidente. criativo-reflexivo e crítico. A leitura propicia ao indivíduo os meios necessários para apropriar-se dos bens culturais registrados pela escrita. tentar-se-á a interligação dessas questões junto às análises do professor-pesquisador Ezequiel Theodoro da Silva em seus estudos sobre o processo da leitura na educação brasileira. inicialmente. reflexão e crítica no desenvolvimento de inter-relação leitura — escritura. nessa sociedade letrada. principalmente no processo do ensino superior. própria do ser humano. o suporte do conhecimento. das contradições. Este estudo tem a finalidade da busca do processo de ler e de escrever para uma melhoria do ensino superior. a leitura e a escritura serão analisadas como habilidades inter-relacionadas. Então. dúvidas e buscas do profissional reflexivo como intelectual crítico. E.202 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL de uma intertextualização da teoria do professor reflexivo-crítico e da relação leitura — escritura. 1. uma análise da relação leitura — escritura nas sociedades letradas. onde este trabalho torna-se cada vez mais necessário na mediação da melhoria do ensino. e da professora-pesquisadora Selma Garrido Pimenta quanto à importância da formação de professores na sociedade contemporânea. não haver mais esta ruptura entre a leitura e a produção textual. Dessa forma. incessantemente. portanto.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. pesquisas e produções científicas. pela leitura e escritura. e essa relação leitura — escritura vem a ser um dos mediadores para o conhecimento e para a transformação da sociedade. Compete à escola. ou seja. fragmentada. pois o homem pela leitura e escritura compreende o seu presente. pode-se caracterizar a leitura e a escritura como uma inter-relação que permite à pessoa compreender a sua razão de ser no mundo. a capacitação das gerações para o ler e o escrever e o subsídio às expectativas da sociedade em relação ao ensino eficiente da leitura e da escrita. isto é. o seu registro cultural. 1990:17). porém praticadas pelas escolas de forma dissociada. O domínio da leitura e da escritura é fator essencial para o sucesso acadêmico de qualquer estudante. mais conhecimento sobre a realidade. individual ou social. Essa inter-relação leitura — escritura é o que realmente mais pesa no que diz respeito à totalidade dos trabalhos escolares. condições de antever e transformar o seu futuro. constrói a sua memória. Essa associação leitura e escritura provocará ânimo. no que tange à busca dessa interação leitura — . registrando todos os processos e. A leitura e a escritura interligadas levarão o aluno à predisposição ou vontade de conhecer melhor o ato de ler e escrever. desde os seus primórdios. por ser leitor e escritor. inevitavelmente. a leitura e a escrita são fundamentais para a atribuição de significados do processo da vida. esse processo representa tarefa importante que proporciona ao homem possibilidades de sua participação na vida em sociedade. Então. buscando. Mais ainda. O ser humano. É preciso transpor as barreiras existentes no processo da leitura e da escritura. a leitura e a escritura são manifestações da realidade. pois. o processo da leitura implica o processo da escritura e vice-versa. É necessário ter uma metodologia para o verdadeiro aproveitamento da leitura e da escritura. insere-se na história. por meio de suas literaturas. nos diferentes níveis de evolução. além de possuir a memória desses fatos. "são indicotomizáveis" (Freire. maior eficácia e domínio dessa questão. para compreender a história. como o seu passado e tem. Portanto. É urgente a formação dos professores pelas universidades. 203 Toda sociedade. portanto. observando diretamente a concretude do real ou fazendo registros da cultura por meio de diferentes linguagens ou códigos. Forçosamente. como analisa Paulo Freire. não levando o aluno a ser realmente leitor e também a não ser eficiente na escritura. acumula-os. produto humano. televisão. Portanto. analisando os aspectos multifacetários dessa realidade: ler e escrever. favorecendo a construção do conhecimento. a partir de uma concepção multifacetária. filmes. E. reflexão. vídeos. na tela da TV. texto é toda obra de produção humana. e t c .204 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL escritura para que a prática pedagógica tenha a real eficácia na aprendizagem do aluno. A leitura e a escritura fazem parte do mundo. ainda. profissionais e/ou até literários. Com as necessidades decorrentes do desenvolvimento das instituições e das técnicas de reprodução da escrita e da imagem. Neste caso. (Furlan. jornais falados e televisionados. O crescimento intelectual do aluno surgirá a partir do aprender a pensar que terá como base a interação da leitura — escritura. livros científicos e filosóficos. a leitura e a escritura revertem-se de multifaces na textualidade. pinturas. requerendo diferentes saberes. interpretação e criatividade. artigos de revistas e jornais. para haver uma construção do conhecimento é importante desenvolver uma aprendizagem significativa. com o avanço tecnológico. o papel da escola e das universidades é fundamental para ampliação do público leitor/produtor. E. poesia. leitor crítico e produtor de textos escolares. síntese. em tempos de vários textos — textos escritos. 1998:131) Logo. São os cruzamentos dos saberes. e se expressa através dos mais variados meios simbólicos: peças de teatros. esculturas. decifração de sinais. o processo leitura — escritura facilitará o desenvolvimento cognitivo e propiciará a melhoria dos conhecimentos que se refletem na maneira de ler e de escrever desse aluno. segundo a pesquisadora Furlan. leitura e escritura devem ser entendidas como habilidades indissociáveis e não fragmentadas. bem como do material. dos modos e do ritmo de ler e escrever. computadores —> mobilizam-se distintas faces no processo da leitura — escritura. nos CDs. além das habilidades de observação. e t c . Deve-se lutar por esta conquista no processo ensinoaprendizagem da questão leitura — escritura para a formação do cidadão. que remetem infinitamente a outros textos e também às novas for- . literatura. Dizer leitura e escritura é dizer texto. etc. Atualmente. que alunos e professores estejam articulados para o resultado de uma aprendizagem significativa. Hoje. que faz com que o processo leitura — escritura esteja também na tela do computador. é imprescindível que haja a verdadeira formação do sujeito leitor-produtor e que a pedagogia da questão leitura — escritura seja revista num processo indissociável. . a refletir continuamente sobre esse uso e a criticar esse processo no contexto sócio-histórico nas suas dominações e diversidades. Haverá. do mesmo e do outro. O aspecto multifacetário da inter-relação leitura — escritura instaura um encontro de um ser com outro ser. a partir do teórico J. . do cidadão-escritor numa sociedade voltada à construção do humano. Esse processo dialético permite que o sujeito se individualize (o buscar de si mesmo) e também se socialize (o compartilhar com o outro). para conhecimento de teorias. Essa face social da leitura — escritura permite os questionamentos. então. da consciência viva a partir da concepção da inter-relação da leitura — escritura e da percepção das multifaces desse processo. voltada para a individualização. proporcionando-lhe oportunidades para debates. O trabalho com a leitura e a escritura deve ser organizado. reflexivo. Faz-se. E nessa busca pedagógica que está o interesse da atuação do professor crítico-reflexivo. 205 mas de textos que a célere evolução tecnológica vem proporcionando ao homem. A partir dessa teoria. de técnicas e da prática do ler e do escrever. Contreras. enquanto a leitura — escritura. aspectos relevantes e contraditórios do professor reflexivo tendo como base a teoria de Schõn. a partir de um suporte teórico e de uma prática emancipatória e democrática na construção do cidadão-leitor. então. 2. crítico para se instanciar das mais variadas maneiras. É preciso atentar para o ler e o escrever num processo de dialogiddade e interrogatório centrado no raciocínio do aluno. centrado em Giroux. nos educandos a sensação do amadurecimento. traz a reflexão de si mesmo.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. Só assim o sujeito terá condições de ser um leitor crítico e ter acesso à escrita com autonomia e criticidade. 0 Professor Reflexivo-Crítico Esta síntese pretende pontuar. necessário que o professor trabalhe com o aluno uma prática reflexivo-crítica em que haja a inter-relação leitura — escritura. É importante que os professores se preocupem mais com essa relação leitura — escritura para transformar essas habilidades em aprendizagem significativa. pontos importantes surgem da análise de vários teóricos para o caminho do professor reflexivo-crítico. o diálogo com o texto e sua compreensão. E preciso levar o aluno a usar efetivamente a leitura e a escritura. encontramos vários autores que têm tentado fazer uma revisão sobre o enfoque reflexivo: Zeichner (1993). Smith (1992) e Bartlett (1989). as condições de ensino teriam . percebe-se que o princípio da reflexibilidade pode ser usado para fins opostos. aprofundar essas análises para se evitar a confusão e o desgaste do princípio da reflexão. a ponto de se tornar um slogan sem o devido conteúdo. mas cumpre uma função que expressa e legitima as atuais reformas educativas. lineares para solucionar os problemas. correndo o perigo de responsabilizar os professores pelos problemas estruturais do ensino. 1997:101) A racionalidade técnica se apresenta como pensamento reflexivo. leva a supor que são eles que devem resolver os problemas educativos. A obra de Schõn está realizada sobre pressupostos profissionais que se aplicam individualmente em práticas reflexivas e que têm como objeto o que está ao seu alcance para mudanças imediatas. com este novo linguajar. levando a um repensar das condições básicas de análises e valoração que têm os profissionais. porém sua teoria não proporciona uma análise que ajude a entender a base que perspectiva esta reflexão e que questiona os limites institucionais. se reconstituem os procedimentos técnicos. Para Liston & Zeichner esse enfoque é reducionista e estreito. segundo Zeichner (1993). E. para falar de uma prática reflexiva competente nas escolas. Schõn não ignora o componente institucional da prática profissional. Porém. Esse uso indiscriminado da concepção dos docentes como profissionais reflexivos não obedece apenas a um modismo. chega-se à conclusão que o termo reflexão perdeu o sentido usado por Schõn e que esse termo denomina qualquer concepção de professor como reflexivo. limitando o sentido da prática reflexiva. E necessário. de que os docentes devem refletir mais sobre sua prática. (Smyth apud Contreras. Portanto. e. mas somente centrado nas práticas individuais. Schõn não está tentando implantar um processo para mudança institucional e social. O termo reflexão tem sido muito difundido e usado por qualquer autor ou corrente pedagógica e isso tem acarretado conseqüências. Portanto. Zeichner & Tabachnick (1993). a partir das análises. em nome da modernidade e da autonomia do professor. Essa visão da reflexão como prática individual. Liston & Zeichner (1993) têm assinalado os limites da teoria de Schõn. Então.206 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Desde a obra de Schõn (1983) a concepção do docente como um profissional reflexivo tem sido muito contemplada na literatura pedagógica. pois. na prática. Porém. mas . Sua posição não se Hmita a descrever uma realidade. Esta concepção leva à metáfora do artista de Schõn. mas a força da liberação e da autonomia do professor está na investigação. Isso não quer dizer que Stenhouse tinha uma visão do professor como limitado em suas deliberações sobre problemas de classe. A maioria dos casos que analisa está centrado em processos vinculados a transformações imediatas de atores individuais. o diálogo deve promover uma educação comprometida com a igualdade e com a justiça. a partir de análises de casos concretos do exercício profissional em diversas áreas. Apoia a posição de facilitador do diálogo público. inspirada na prática real e que se observa na maioria dos profissionais que enfrentam situações problemáticas. parece mais interessado em apresentar um modelo alternativo de descrição da prática profissional. as mudanças institucionais se produzem num tempo mais extenso que os episódios singulares da prática. em princípio. o que dificulta o surgimento daqueles que podem ser questionados e transformados nos contextos institucionais. 207 de ser examinadas e realmente modificadas. Schõn concede aos profissionais uma missão de mediação pública nos problemas sociais. evite-se um critério de contraste. há fatores externos às aulas.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. Porém não está defendendo o conteúdo concreto para essas conversações como compromisso e responsabilidade pública dos profissionais. outros têm criticado Stenhouse a respeito de sua concepção do professor como investigador. Da mesma forma que teóricos têm criticado as limitações do pensamento de Schõn. O que Liston & Zeichner temem é que. Schõn. E. como a concreção dos currículos e seu desenvolvimento. já que esta representa a capacidade de desenvolver estruturas de juízo e valorização educativas que não se encontram submetidas a autoridades. facilitando a reflexão na conversação social para entender e resolver esses problemas. mas está dirigida a defender uma forma de entender a prática profissional. no caso dos professores. Schõn está consciente dessa limitação em suas análises. O interesse de Stenhouse está centrado na necessidade de que as idéias educativas devem se traduzir numa forma prática e experimental nas aulas. A crítica de Liston & Zeichner se dirige à falta de especificidade de Schõn com relação a esses problemas. em sua opinião. não submetida ao dogma. porque. ao não se estabelecer um conteúdo específico que aponte para as preocupações sociais e políticas da prática educativa. já que este exemplo da atividade se baseia na indagação. porém não defende os argumentos referentes ao conteúdo que os profissionais deveriam defender. pois no seu trabalho há a ausência de uma compreensão crítica do contexto social no qual se desenvolve a ação educativa. 208 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRAS. conceber o trabalho dos professores como um trabalho intelectual. nem sequer se pensa que possam ser fatores explicáveis. o trabalho docente e a vida escolar se estruturam negando essas pretensões. que se mantêm inquestionadas. formulam-se as finalidades educativas como formas de preparar para a vida adulta. para desenvolver as qualidades artísticas de sua obra. e que esses professores podem não ter consciência. com capacidade crítica em sociedade pluralista. Ao não se definir esses valores. E necessário que tenham uma explicação para os problemas. não se está propondo qual deve ser o campo de reflexão e onde esta reflexão tem os seus limites. explorando seu significado e sua versão prática. os limites da reflexão levam à conclusão de que a mera reflexão sobre o trabalho docente na sala de aula pode ter um resultado insuficiente para a elaboração de uma compreensão teórica sobre os elementos que sustentam a prática do professor. onde os professores atuam só como funcionários submetidos à autoridade burocrática. em que se encontra definido o sentido de ensino e os fins que se pretende. por outro lado. à tecnocracia e ao controle social em vez da realização dos ideais de emancipação. porém não se revela nenhum conteúdo para tal reflexão. Pois o professor._ sim à busca contínua. para as instalações em que vivem e para as condições estruturais do ensino. Quando se defende a idéia do professor reflexivo. conforme explicitação do teórico Contreras (1997:113). É importante. então. dentro de uma tradição estética. da mesma forma. . A lógica do controle tecnocrático entra em contradição com a forma em que as instituições educativas expressam qual é o sentido da missão que têm encomendado. ou melhor. com seus recursos e com sua própria compreensão. A idéia do artista reflete também aquele que explora consigo mesmo. a reflexão pode estar a serviço da justificativa de princípios e normas vigentes em nossa sociedade que levem ao individualismo. investiga e trata de indagar em sua própria concepção e em seus critérios educativos. Portanto. Se. alguns autores têm justificado a necessidade de se dispor de uma análise teórica. igualdade e justiça. que permita aos professores tomarem consciência dessa situação. Portanto. Tendo em vista os limites da reflexão. de uma teoria crítica. tem-se o mesmo problema: há uma configuração das relações entre as pretensões e as práticas profissionais num contexto de atuação. desenvolvendo um conhecimento sobre o ensino que reconhece e questiona sua natureza socialmente construída e a forma como se relaciona com a ordem social. por um lado. Então. mas não expressa as relações com as experiências concretas dos docentes que já seriam possíveis.. Giroux defende que a teoria deve ter um potencial próprio para construir críticas e estabelecer uma base. De outro. a partir das idéias de Gramsci sobre a fundação dos intelectuais na produção c reprodução da vida social. para o quê devem ser os docentes. participar de uma atividade social e histórica. 209 assim como analisa as possibilidades transformadoras.. Giroux representa o conteúdo de uma nova prática profissional. permite entender o trabalho docente como tarefa intelectual. uma orientação do conteúdo para essa prática.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. Em terceiro lugar. na história da situação. Contreras faz uma leitura de Kemmis (apud Contreras. Portanto. Essa concepção dos professores como intelectuais tem sido desenvolvida por Giroux. Esse autor analisa o seguinte: (.. O programa de Giroux apresenta o que deve ser a situação dos professores enquanto intelectuais. tanto de nossa rela- .. que estão implícitas no contexto social das aulas e da docência. A posição teórica de Giroux se baseia na posição de que as teorias radicais sobre a educação não têm sido capazes de criar uma linguagem que possibilite uma mudança lógica da dominação e nos inúmeros fracassos dos professores ao enfrentar este processo. 1997: 121) e salienta que refletir criticamente significa colocar-se no contexto de uma ação. relacionada com os problemas e as experiências da vida diária. propõe a função dos docentes como envolvidos numa prática intelectual crítica. De um lado. A reflexão crítica não se concebe como um processo de pensamento sem orientação. mas na união com os alunos.) o sentido dos professores entendidos como intelectuais reflete todo um programa de compreensão e análise do que. não há uma indicação. Incluem em suas análises os problemas como tendo uma origem social e histórica. entende-se como um propósito muito claro de definição perante os problemas e atuação conseqüente. Ao contrário. e os alunos devem desenvolver também as bases para a crítica e a transformação das práticas sociais. este desenvolvimento teórico também apresenta seus problemas. mas não como certos professores que ficam apenas no limite de suas aulas podem chegar a desenvolver tal posição crítica a respeito de sua profissão. 1997:118). Porém. por oposição às concepções puramente técnicas e experimentais. que se constituem em torno de escola (Giroux apud Contreras Domingo. na qual se assentem novas formas de relações sociais. entende que os docentes devem desenvolver não só uma compreensão das circunstâncias em que ocorre o ensino. concebendo novos futuros. é importante defender uma orientação para a reflexão. a quem interessa servir e que construção social apoiar-se nela. 1997:127). Por isso. A teoria de Habermas parte dos interesses constitutivos do conhecimento e mostra "uma estrutura da relação entre as condições de comunicação e a deformação ideológica da razão" (Habermas. na profundidade de seu significado.210 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL cão como atores nas práticas institucionalizadas da educação. Todas estas propostas sobre a reflexão crítica encontram seu fundamento na Teoria Crítica e nas concepções de Habermas. de ir além das condições que marcam a prática social. mas também analisar qual é o tipo de vínculo com a ação que se pretende estabelecer. está submetido à influência de grupos hegemônicos que defendem interesses que podem ser opostos aos valores educacionais. como na relação entre nosso pensamento e nossa relação-ação educativa. porque liberta as visões acríticas. como forma de tomar consciência de suas origens e de seus efeitos. apud Contreras Domingo. enquanto prática institucionalizada. Deve-se não apenas aceitar a prática reflexiva. mais satisfatória e mais racional. ter um compromisso político expresso. os hábitos. O projeto teórico desse autor tem sua base na idéia de emancipação. Para tanto. de maneira que esta capacidade de questionamento que se pretende deles possa seguir uma lógica de consciência progressiva. ou seja. pode-se dizer que o interesse que move a reflexão crítica é a emancipação. mais justa. as formas de coerção e de dominação que tais práticas supõem o auto-engano dos professores. tratando de desvelar a sua origem sócio-histórica e os interesses a que serve. a reflexão crítica busca uma crítica da interiorização de valores sociais dominantes. O ensino. A partir dessa . 1997:123) verifica-se que é necessário trabalhar criticamente com os docentes. na fundamentação de sua razão e no papel do conhecimento dessa emancipação. Para essa pretensão. que relações sociais vai se realizar. as tradições e costumes não questionados. é necessária uma crítica sócio-histórica dos professores e das escolas. a reflexão crítica é emancipatória. reconstruindo o sentido político a respeito da função do ensino e configurar um novo significado para a prática educativa. Para Smyth (apud Contreras Domingo. Portanto. Nesse sentido. É necessário desvelar o sentido ideológico que se manifesta no ensino e descobrir as possibilidades de transformação que não são vistas. não são possíveis em uma sociedade em que os modos dominantes de produção. o acirramento da mentalidade tecnológica aplicada aos sistemas de relações humanas e aos interesses dos grupos que detenham o poder têm forçado relações que estão embasadas em uma comunicação distorcida. Há um compromisso com a emancipação. Todas as referências são sempre à participação em processos de ilustração de grupos que compartilham um interesse comum e que ocupam a mesma posição em um sistema social antagônico. dos interesses constitutivos do conhecimento. Os sujeitos devem poder saber o que fazem. porque se desconhecem as fronteiras do humano. não apenas mostrando as formas emancipadoras da razão e as diferenças entre variantes sociais. sem coações. para Habermas toda tentativa de emancipação é uma hipótese. as quais se encontram submetidas às pessoas e aos grupos sociais. . pois há seus efeitos. Na convicção de Habermas é possível dispor de uma posição teórica capaz de revelar todas as distorções ideológicas de uma posição teórica. as formas práticas de relação. mas que se integra no processo de transformação. o autor analisa que as concepções práticas que supõem uma ação comunicativa direcionada ao acordo e ao entendimento. e mostrar discursivamente uma vontade comum. Habermas assinala três funções diferentes para essa questão: os teoremas críticos (formulações de caráter teórico). Para o teórico. e sobre as concepções que sustentam o modelo do profissional reflexivo. Não se pode impor. Por conseguinte. buscar acordos intersubjetivos por meio de uma ação comunicativa não deformada. uma forma de experimentação da hipótese prática que supõe as intenções da emancipação. 211 teoria. Nesse caso. o professor reflexivo-crítico deve estar atento a essas questões levantadas pelo teórico Habermas. da qual não se sabem suas conseqüências. desembocando.. Então. inevitavelmente. Percebe-se que a crítica e a auto-reflexão são processos de desvelamento e não de posição privilegiada. ou seja. dando lugar a uma consciência deformada pela ideologia. a teoria crítica não é uma simples perspectiva externa sobre os processos de transformação. os grupos sociais devem buscar. Então.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. Para tanto. os processos de ilustração de grupos por meio dos teoremas críticos e a organização e condução da luta política. na questão das relações que estão presentes entre a teoria e a prática no campo da ciência crítica. as razões para esta posição estão na busca do entendimento da autonomia da prática política. Isso ajudará os grupos a interpretar as formas de dominação a que se encontram submetidos e a vislumbrar as possibilidades de ação existentes entre eles. por razões teóricas.. que afeta o pensamento e a ação. e construir um processo de reflexão crítica. O modelo do professor como intelectual crítico. E a busca da diferença. é que leva à busca de modelos que entendem os professores como intelectuais críticos. mas parcial também no sentido de que projeta os interesses de uma parte acima de outras. Portanto. inacabado e ilimitado. seguir valores. utopias inalcansáveis. gênero e raça. que se revela libertadora para umas pessoas. pelo qual estas podem ser teorizadas e superadas. Negar o absoluto da razão para defender o absoluto dos seres humanos que sofrem. relações e experiências . o predomínio da razão. 1997:137). traz consigo concepções implícitas que estão associadas a determinadas posições de classe. para compreender a origem histórico-social que se apresenta como "natural" e que capta e mostra os processos pelos quais a prática educativa pode atrapalhar as pretensões.212 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL A insuficiência mostrada por certas concepções sobre o professor como profissional reflexivo. na opinião do teórico Ellsworth. Para Ellsworth (apud Contreras Domingo. todo conhecimento é complexo e parcial. para Ellsworth. A função do professor intelectual crítico é a de um profissional que participa ativamente para desvelar o oculto. as teorias pedagógicas críticas alimentam ideais sociais sobre o falso suposto de que é possível construir uma perspectiva crítica da educação e da sociedade que permita liberar todas as opressões e dependências. que condicionam a prática educativa. sugere que deve ser analisada a compreensão dos fatores sociais e institucionais. como a emancipação das formas de dominação. Porém. Isso permite a compreensão de que as experiências e o conhecimento não são homogêneos nem idênticos. pois um conhecimento ou uma perspectiva de análise. e esses processos não são espontâneos. diferente da visão do professor reflexivo. E necessário ter um compromisso com a prática da problematização das próprias parcialidades perante a experiência dos outros. pode ser opressora para outras. com intenção transformadora. todo conhecimento e toda voz é parcial. Porém. como força libertadora. leva a mitos repressivos. ou seja. É possível que aquilo que compromete significativamente a experiência de muitos professores não possa ser compreendido pelas perspectivas críticas de outros. a falta de um conteúdo concreto que reflita um programa para a prática de um conteúdo concreto para a prática de um compromisso social emancipador. parcial no sentido de que é imperfeito. A teoria crítica faz acreditar que é possível identificar de forma clara as contradições e dificuldades em que vivem professores e estudantes. antes de mais nada. seu compromisso consiste não somente com um ideal a serviço da sociedade. mas também com a convicção de converter a educação em uma prática mais justa e democrática em conexão com os movimentos sociais. de ilustradores (conhecimentos que colaboram na auto-reflexão dos docentes para que superem suas distorções ideológicas) e de pontuações do mito repressivo (processo de unificação do pensamento e práticas mediante categorias fixas que assumem o significado "correto" do projeto emancipador). centrar a sua atenção sobre a realidade social brasileira. Sem dúvida. Tudo isso supõe um processo de oposição ou de resistência a grande parte de teorias. a autonomia profissional.. ou melhor. Assim. buscando a transformação e recondução daqueles aspectos que estão falhos. 213 de valor educativo. no encontro com o outro. as práticas culturais e as formas de organização que podem limitar as possibilidades da ação docente e também as perspectivas de análises e compreensão do ensino. para desvelar as formas dos valores ideológicos dominantes. Deve-se aceitar que os processos e experiências de emancipação podem ser variados. a sua autonomia profissional está na solidariedade. relações e formas de organização do sistema escolar. existência e sobrevivência. o professor reflexivo-crítico não é um profissional auto-suficiente. os processos de reflexão crítica e de emancipação necessitam de influências externas. conservando possibilidades de ação educativamente valiosas. O intelectual crítico preocupase com o potencial de sua prática profissional. Esforça-se. Esse reconhecimento não é espontâneo. 3.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. a emancipação deve se empenhar no reconhecimento do Hmite de cada um e das parcialidades como forma de compreensão do outro. para a democracia. Para o intelectual crítico. 0 Professor Reflexivo-Crítico como Mediador do Processo de Inter-relação da Leitura — Escritura O professor reflexivo-crítico como mediador do processo de interrelação da leitura — escritura deve. nem tampouco imposto por meio de verdades já estabelecidas. de suas finalidades educativas e de sua função social. buscando o desvelamento das condições de convivência. Isso decorre por- . na emancipação de um ensino voltado para a justiça. pois. sejam sob a forma de teorias críticas (leituras adequadas dos fenômenos da vida social e da educação que deve ser modificada). organizativa e social. para as diferenças. discursos. mas buscado de forma auto-exigente e trabalhosa. de forma pessoal. também. refletida e criticada. A ignorância e o conformismo acabam sendo formas de escravização da consciência. por meio da reflexão. leitura é uma prática social. a existência do fenômeno da explosão de informações está muito intensa. por conseguinte. É necessário leitores críticos. Esta é uma necessidade maior da inter-relação da leitura — escritura. Tendo em vista a necessidade preemente das práticas de leitura crítica e de um discurso pessoal crítico na dinâmica da sociedade brasileira. da produção da existência e pelos valores relevantes da circulação da cultura. pois leitura supõe escrita. As contradições estão cada vez mais presentes no quadro brasileiro.214 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL que a leitura e a escrita cumprem propósitos e finalidades de comunicação entre os homens que interagem em sociedades. produtores textuais com um discurso autônomo e crítico. escritura também é uma prática social. produzindo efeitos drásticos junto aos países periféricos. Tal será feito por meio de uma análise baseada nos estudos de Ezequiel Theodoro da Silva (1998) e que trará à tona aspectos do contexto escolar e das relações da prática educativa na inter-relação leitura — escritura. da crítica e pela ação concreta. assim como nesse processo uma questão implica a outra. A prática da seletividade visa orientar e incrementar a leitura crítica. tendo em vista. fazendo nascer valores de sujeitos críticos que acabem com a conservação e com a reprodução de esquemas daqueles que detêm o poder. levando o educando a compreender as raízes históricas das contradições e a buscar. urge analisar o valor dessa inter-relação leitura — escritura e sua importância em referência ao trabalho pedagógico. Portanto. pelos modos da organização. É necessário saber julgar a qualidade desses materiais. capaz de avaliar as informações e as idéias de um número cada vez maior . por meio dos valores neoliberais. Neste final de século o capitalismo se acirra em nível mundial. historicamente. Neste final de milênio. repensada. que se impõe como necessidade concreta e que não se pode negar. pois o aluno que sabe selecionar o que vai ler se transformará em cidadão crítico. nesse processo de seleção o uso objetivo do tempo. e esse processo está condicionado. entre as quais se destacam a dominação de uma classe sobre a outra e a hegemonia da visão de mundo da classe dominante por meio da propaganda ideológica em todos os setores sociais. E é dentro desta sociedade brasileira que a inter-relação leitura — escritura deve ser analisada. da riqueza nacional não sejam privilégios da minoria. Além dos suportes impressos. O sistema capitalista traz em seu patamar uma série de contradições. uma sociedade em que os benefícios do trabalho produtivo e. assim como escritores. há os eletrônicos fazendo crescer e desenvolver excepcionalmente a circulação da escrita nas sociedades letradas. numa sociedade de classes. considerando-se a infra-estrutura pedagógica da maioria das escolas brasileiras. não podem ser objetos de crítica. pois. uma vez que esse leitor poderá atuar também na escrita para a produção de um discurso individualizado ou coletivo. há uma hegemonia da linguagem escrita em prol de outras linguagens. apostilas. cidadania e criticidade são termos indicotomizáveis. no imaginário social. reforça-se ainda mais a necessidade da atuação do professor crítico-reflexivo para a prática da leitura crítica e da escrita crítica nas escolas por meio do desenvolvimento da capacidade crítica nos espaços concretos para colocála em prática. segundo Silva (1998: 26). ainda. pois levará o leitor ao exame criterioso. a sonora. tais como a oral. jornais. Os conteúdos transmitidos pela escola são veiculados por suportes escritos (impressos em livros. além do mais. Mais uma vez. Isso resulta em que os textos escolares escritos. Existe uma relação íntima entre a prática educativa e o mundo da escrita. a magnética. . 215 de materiais para leitura. como sinônimo de obediência e docilidade quanto à forma prevalecente da organização das relações sociais. Então. levando então esse educando a ser um cidadão emancipado politicamente. as agências publicitárias criam mensagens apelativas para a comercialização.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. Esse processo está. a linguagem escrita tem propósitos de persuasão para efeito de publicidade e propaganda. é importante a leitura crítica. O professor reflexivo-crítico precisa ensinar o educando a ler com criticidade e isso acarretará uma escrita mais autônoma e criticante. folhetos e outros). presente na leitura e na relação com a produção textual. de forma coletiva e num processo de análise sócio-histórica do local juntamente ao global para que o educando perceba as mudanças existentes no discurso ideológico do processo capitalista vigente. pois os escritos oferecidos dentro da instituição escolar não são passíveis de dúvida ou questionamentos. é tida como signo infalível no que se refere aos referenciais que veicula. E. revistas. O trabalho docente deve ser o do ensino da leitura crítica interrelacionada a uma escritura crítica. Sabe-se que o livro didático contém também suas inconsistências. Nesses campos. pois. pode servir a interesses de alienação ou de emancipação. a escrita. A escrita. à seletividade desse tipo específico de mensagens de modo a não cair em enganos irreparáveis. a menos que o primeiro termo (cidadania) seja pensado ao estilo burguês. privilegiados pelos professores. E. na sociedade de consumo. Ainda nessa questão. dependendo do tipo e do uso do discurso ideológico. A leitura e a escritura devem ser pilares para a formação do cidadão enquanto habilidades que desenvolvam a criticidade. 216 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL Urge, pois, a necessidade de uma discussão coletiva, isto é, do coletivo escolar sobre a política, a filosofia, que sustentam as ações da escola, principalmente no que diz respeito ao tipo de cidadão que essa escola deseja promover via processo ensino — aprendizagem e por meio das habilidades da leitura e da escritura. O papel do professor crítico-reflexivo deve ser o de incentivar as competências do leitor crítico e também da produção textual autônoma. Essa é uma principais funções da docência e da escola numa concepção criativa da linguagem e numa concepção libertadora de ensino. O professor reflexivo-crítico deve trabalhar o processo leitura — escritura, buscando o cerne das contradições da realidade. Dessa forma, por meio desse processo, o sujeito percebe o mundo das incertezas, elabora e dinamiza conflitos, organiza sínteses, combate as distorções ideológicas e pontua as unificações de pensamentos e práticas mediante categorias estabelecidas pelos dominantes. O professor reflexivo-crítico deve ter um projeto definido no processo leitura — escritura envolvendo uma dinâmica específica, porém voltada ao social, ao histórico, às teorias críticas, enfim à emancipação do sujeito numa prática democrática. Esse intelectual crítico deve estar voltado para uma prática de leitura orientada aos aspectos inerentes do texto e a uma análise comparativa com outros textos sobre o assunto para o desenvolvimento, no educando, da percepção intelectual crítica, ou seja, da tarefa intelectual de leitor numa prática intelectual crítica relacionada com os problemas, experiências e contradições da vida cotidiana. E, ainda, o processo da escrita, conseqüência da leitura, estar voltado para um discurso libertador, orientado, definido para as questões sócio-históricas institucionalizadas, reconstruindo o sentido social e histórico a partir de um compromisso político. Daí ser importante lembrar, segundo Silva (1991: 81), que a leitura crítica sempre leva à produção ou construção de um outro texto: o lexLo do p r ó p r i o leitor (...) a leitura crítica s e m p r e g e r a expressão: o desvelamento do SER do leitor. Assim, esse tipo de leitura é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser caracterizada como um projeto, pois concretiza-se numa proposta pensada pelo ser-no-mundo. Então, o processo leitura — escritura deve ser centrado numa atmosfera de confiança, abertura, discussão, debate para aflorar o coletivo dos estudantes numa visão emancipatória que não bloqueie o surgimento de conflitos, das parcialidades, empenhando-se no reconhecimento de cada um e na compreensão do outro. PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. 217 Na sociedade atual, cada vez mais se torna necessário perceber a função do professor e, principalmente, na função de intelectual crítico. Para tanto, torna-se necessário repensar a questão da formação de professores. E importante repensar a formação inicial e contínua, pois o trabalho do professor enquanto mediador do conhecimento e do desenvolvimento da cidadania dos alunos está num processo gradativo para a superação do fracasso e das desigualdades sociais. O professor reflexivo-crítico como mediador do processo de inter-relação da leitura — escritura deve ter uma formação inicial e contínua. O professor deve ter seu conhecimento trabalhado a partir das informações, do trabalho com essas informações e de produzir novas formas de desenvolvimento na produção desse conhecimento a serviço da vida material, social e existencial da humanidade. Deve saber trabalhar mediando entre a atual sociedade da informação e a reflexão-crítica dos alunos para a permanente construção do humano. Além desse conhecimento específico, voltado para a humanização, é necessário desenvolver os saberes pedagógicos, a partir do conhecimento e do reconhecimento por meio de estudos e das realidades escolares ou sistemas em que o ensino ocorre. E, de acordo com a pesquisadora Selma Garrido Pimenta, esse processo deve ser desenvolvido, pois é nesse contexto que as pesquisas sobre a prática então anunciando novos caminhos para a formação docente (...) tenho desenvolvido o ensino de didática nos cursos de licenciatura e realizado pesquisas sobre a formação inicial e contínua de professores (...) (Pimenta, 1999:17). Esse profissional deve ter ainda uma atitude investigativa, isto é, colocar a prática educativa como objeto de pesquisa. Pesquisar as questões do processo leitura — escritura enquanto prática social, estando esta interrelação do ler e do escrever contida em todas as demais ciências, e procurar desenvolver pesquisas sobre esse processo como princípio de estudo e também formativo na docência. Isso contribuirá para uma formação específica inicial e contínua e, ao mesmo tempo, para uma formação pedagógica que implica a dependência da teoria e da prática, da investigação sistemática da própria prática. A partir da formação inicial e contínua, específica e pedagógica numa atitude investigativa, esse professor, com consciência e sensibilidade de um projeto humano emancipatório, poderá desenvolver a inter-relação leitura — escritura numa valorização do cidadão, na formação dos educandos em constante busca da prática do discurso da solidariedade e da liberdade, num processo coletivo. 218 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL E, retomando a epígrafe inicial, o poema de Carlos Drummond de Andrade, a busca incessante da palavra, por meio da inter-relação da leitura — escritura, fará do educando um cidadão reflexivo-crítico. Essa procura, a partir de processos investigatórios, do domínio dos conteúdos específicos e do conhecimento dos conteúdos pedagógicos acontecerá possivelmente com a prática do profissional reflexivo-crítico associada à inter-relação leitura — escritura para uma visão mais ampla, reflexivo-crítica, do processo ensino — aprendizagem em nível superior. 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Da Racionalidade Técnica e Dos Saberes da Experiência Esta reflexão tem como ponto de partida a análise de depoimentos de professores integrantes da pesquisa , citados no subtítulo Manifestações de conflito e de resistência à mudança. Nesse percurso procuro destacar a dicotomia entre produtor e reprodutor de conhecimento marcante na racionalidade técnica, que segundo a leitura que está presente em depoimentos citados na pesquisa em questão. Vale destacar que a pesquisa referência é uma importante revelação de que a parceria universidade — escola pode gestar novas práticas escolares. A pesquisa se enquadra no campo da epistemologia da prática, que busca a superação de uma perspectiva individualista de reflexão para uma perspectiva pública (de compromisso social) das práticas escolares (Contreras, 1997). Levar os professores a se reconhecerem como co-autores do processo e produto da pesquisa onde pudessem dar voz e vez com orgulho à própria confusão, conforme destaca Schõn (1992b:86). Os envolvidos no trabalho de pesquisa, pesquisadores e professores do ensino básico, tomaram a prática destes profissionais no seu local de trabalho, como objeto dê refle1 * Mestrando na Faculdade de Educação da USP. [email protected]. 1. Pimenta, Selma; Garrido, Elsa; Moura, Manoel O. Pesquisa colaborativa na escola como abordagem facilitadora para o desenvolvimento profissional do professor. In: MARIN, Alda J. (org.). Educação continuada. Campinas: Papirus, 2000. 220 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL xão. Constataram a situação conjuntamente, analisaram-na e propuseram ações no sentido de provocar mudanças nas práticas escolares. Assim os pesquisadores atuaram como tutores dos professores envolvendo-os num diálogo de palavras e desempenhos, num practicum reflexivo, segundo Schõn (1992b:89). Sou provocado, também pela pesquisa base de reflexão deste texto, a pensar como efetivamente "Os saberes da docência — a experiência" (Pimenta, 1994) se constituem em possibilidade de alargamento do olhar dos professores envolvidos. A experiência não vista como apologia ao praticismo (Pimenta, 2000:8-9), mas como integrante da história de vida daqueles profissionais que interagem com os seus saberes disciplinares (conhecimento) e os saberes pedagógicos num caminho de reflexão colocado muitas vezes diante de situações imprevistas pelos envolvidos na pesquisa. Instigado pelo novo enfoque sobre esses saberes (Pimenta, 1999; Nóvoa, 1992) é possível perguntar: Qual é a importância dos saberes da experiência para um profissional reprodutor? Para pensá-la como integrante da construção do processo identitário do professor, conforme nos alerta Pimenta (1999: 20-21). A partir de Zeichner (2000:10) se revela uma nova postura diante da dicotomia criada no racionalismo técnico, em que aquele que planeja não executa as ações e o executor não planeja o trabalho por ser atividade nobre longe do seu alcance. Zeichner, reconhecendo a necessidade de aproximação entre a universidade e a escola básica, nos diz o seguinte: Algumas pessoas, inclusive eu, estão tentando trabalhar na direção de algo mais equilibrado entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento dos que estão na prática. A valorização dos saberes da experiência, articulados ao conhecimento e aos saberes pedagógicos são componentes importantes num processo de pesquisa-ação colaborativa, conforme reconhece Zeichner (2000:13), quando destaca que, ao ser convidado para acompanhar um trabalho de desenvolvimento na Namíbia, conseguiu fortalecer a idéia de que não era importando vídeos e livros dos Estados Unidos que os africanos da Namíbia atingiriam os seus objetivos. Pelo contrário, era necessário produzir conhecimento no interior do contexto africano. Portanto, partindo da experiência daqueles representantes da Namíbia dedicados à educação, e contando com o apoio de tutores, entre eles o próprio Zeichner é que o percurso poderia indicar resultados positivos. PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. 221 2. Os Depoimentos e a presença de componentes da racionalidade técnica Começando a recompor os depoimentos para pensar as influências de uma política de formação de professores pautada na racionalidade técnica, cito o depoimento de Regina: "a universidade não conhece o que a escola pública faz, nós não devemos desmerecer o nosso trabalho". Essa postura reforça a hierarquia existente nas instituições educacionais, onde a universidade não necessitava conhecer um espaço, onde grassavam conhecimentos por ela produzidos e que eram reproduzidos, via de regra, acriticamente. No entanto, para a escola pública e seus profissionais era motivo de diferenciação profissional conhecer o que a universidade produzia e as discussões por ela disseminadas. Os encontros realizados pela universidade e abertos aos professores da rede pública serviam para "envernizar" esses profissionais presentes nessas atividades. Quando de retorno ao local de trabalho, os profissionais da rede pública chegavam reluzindo e satisfeitos com a condição de reprodutor de conhecimento. Pensar, portanto, em formação profissional num contexto de hegemonia do racionalismo técnico era prolongar a dicotomia produção — reprodução do conhecimento. Penso que a frase da professora ilustra a importância hierarquizada na relação universidade — escola básica. Trabalhos como os de Zeichner (2000), Pimenta (2000) e Elliot (1998) referenciam a possibilidade de manter as características institucionais da universidade e da escola básica numa relação mais horizontal e facilitadora da produção de pesquisa numa perspectiva de parceria. Da mesma forma que a citação da professora Regina foi no início do trabalho, e portanto refletindo muito a herança da política de formação de professores fortemente presente na rede pública estadual de São Paulo, a frase da professora Terezinha, que utilizarei agora, se dá no mesmo momento da pesquisa. Terezinha alega que no início sentiam-se expostos diante dos colegas, temiam a avaliação da academia. Novamente é possível visualizar a relação verticalizada marcante no racionalismo técnico, em que a academia tem o poder de avaliar o ensino básico, mas este não possui o mesmo poder para fazê-lo em relação a academia. Reprodutor não avalia o produtor de conhecimento. Sacristán (1996), ao abordar a relação universidade — escola básica, lança o que chama de suspeitas para problematizar a formação de professores nos últimos tempos. A primeira suspeita do autor é que os professores da escola básica trabalham e os pesquisadores da academia fazem discursos sobre estes, que por sinal não possuem capacidade de fazer discursos. A segunda destaca diferenças entre o pesquisador da academia e o professor do ensino básico (status, realidade de trabalho, preços e poder). 222 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL A terceira é a de que a investigação sobre formação de professores é enviesada e não entra na essência das questões. Portanto, quando no início do trabalho os professores-pesquisadores da Feusp estabelecem a aproximação com os professores da rede pública estadual, a herança do distanciamento e da verticalização entre eles vai se revelando nas falas daqueles profissionais que estavam sendo provocados a se tornarem parceiros na elaboração de conhecimentos resultantes de um processo de pesquisa a ser desenvolvido na escola onde estavam inseridos os professores. No relato anual de Rosa e Rinaldo, a herança de uma formação profissional racionalista técnica também aparece, quando estes destacam que a atividade de -pesquisa é algo que está fora da cultura escolar. Segundo estes professores, os colegas de escola tinham dificuldades em entender aquela aproximação com os professores da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp). A imagem que os professores da escola estadual possuíam dos professores da USP indicava como a herança do racionalismo técnico dicotomizava os papéis destes profissionais. É notória a relação de subalternidade presente no olhar dos professores da escola, a partir do seguinte trecho do relato anual de Rosa e Rinaldo: Começamos a perceber um distanciamento entre os professores da Escola e da FEUSP... Percebemos, nesse instante, a imagem que nossos colegas faziam dos professores da universidade: imagem que os colocava distantes, em um lugar de quem detém o poder do conhecimento. Esta situação inicial indicava os enormes desafios que estavam colocados para os professores da escola e da Feusp, no sentido de possibilitar a inversão daquela lógica de relação universidade — escola. Em decorrência desta situação é possível compreender o porquê daquela euforia revelada quando da apresentação de relato parcial da pesquisa no IX Endipe em Águas de Lindóia (SP). A superação das dificuldades iniciais encontravam no Endipe um espaço adequado e justo para socializar aquela experiência construída por caminho de valorização e parceria entre os profissionais da educação que produziram um resultado que agradou muito aos presentes naquele fórum em 1998. 3. Dos Saberes da Experiência na Construção de um Profissional Reflexivo A necessidade de falar com a escola, e não sobre a escola, levou os pesquisadores a imergirem naquela realidade, com a finalidade de Uma parte ingressou no programa de pós-graduação desta faculdade e um deles ingressou na Universidade Federal de São Carlos — UFSCAR. . Pimenta (1999: 20-21).. A experiência é trabalhada como uma componente importante na construção de um profissional reflexivo. elementos de reflexão que possibilitam mudanças. Domingos José. reforça essa compreensão: Em outro nível. Campinas: Mercado de Letras. Cartografias do trabalho docente. La autonomia dei profesorado. os saberes da experiência são também aqueles que os professores produzem no seu cotidiano docente. 2000:1) em que A pesquisa científica pressupõe que o pesquisador adentre na realidade a ser estudada.. GERALDI. integre-se nos modos de produção da existência dessa realidade que foi criada pelos sujeitos que serão investigados. o que no mínimo atribui uma nova postura diante das necessidades de formação profissional. E aí que ganham importância na formação de professores os processos de reflexão sobre a própria prática e do desenvolvimento das habilidades de pesquisa da prática. num processo permanente de reflexão sobre sua prática. pois o acúmulo no final do processo ficou evidente. Assim. Muitos deles fizeram cursos na Faculdade de Educação da USP. Garrido & Moura.). Madrid: Morata. ELLIOT. 1997. mediatizada pela de outrem — seus colegas de trabalho. conhecer a experiência profissional daqueles professores era fundamental para a compreensão de suas práticas no interior da escola. Vale destacar que os resultados da pesquisa base desta reflexão foram extremamente positivos para os profissionais da rede pública nela inseridos. os textos produzidos por outros educadores. A escola era o retrato de prática e relações interpessoais construídas por aqueles profissionais em contato com alunos /pais e demais segmentos presentes no local de trabalho. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. 223 problematização das práticas existentes e a possibilidade de gestação de novas. que toma a sua prática e a relação coletiva que estabelece com outros colegas. 1998. Referências bibliográficas CONTRERAS.PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO. John. Situações como esta são indicadores de melhorias nas práticas educativas no interior da escola em questão. In: FIORENTINI. PEREIRA (orgs. O reconhecimento desta experiência está registrado na pesquisa (Pimenta. A. Tendências investigativas na formação de professores (Transcrição e tradução de José C.224 PROFESSOR REFLEXIVO NO BRASIL FIORENTINI. Manoel. Presença Pedagógica. Elsa. José G. ZEICHNER. Saberes pedagógicos e atividade docente.coi-n. A pesquisa em Didática.). Lisboa: Dom Quixote. Selma G.br/s monteiro/ anped. NÓVOA. Barcelona: Paidós. (orgs. Campinas: Mercado de Letras. Rio de Janeiro. Formação de professores: contato direto com a realidade da escola. Caxambu-MG. 1992a. Campinas: Papirus. jun. Pesquisa colaborativa na escola como abordagem facilitadora para o desenvolvimento profissional do professor. (org. 1996. In: Nóvoa. In: PIMENTA. Dario et al.) Profissão professor. .) Cartografias do trabalho docente. 2000. 1999. jul. Libâneo). PIMENTA. Porto: Porto Editora. GARRIDO. Selma. (Transcrição e tradução de Carlos Alberto Gohn). Alda I. 1992. de 2000. . Laformación de profesionales reflexivos. 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