SANTOS, Boaventura de Souza. O Discurso e o Poder

March 18, 2018 | Author: MainaraBarbosa | Category: State (Polity), Marxism, Sociology, Discourse, Anthropology


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pSiBOAVENTURA DE SOUSA SANTOS Professor Catedrático da Faculdade de Economia de Coimbra o DISCURSO E O PODER ENSAIO SOBRE A SOCIOLOGIA DA RETÓRICA JURÍDICA SERGIO ANTONIO FABRIS EDITOR PORTO ALEGRE 1988 © Boaventura de Sousa Santos ÍNDICE Págs. (Elaborada pela equipe da Biblioteca do Tribunal de Justica do RS) Santos. Boaventura de Sousa O discurso e o poder; ensaio sobre a sociología da retórica jurídica. Porto Alegre. Febris, 1988. VI. I15p. 22cm. 1. Sociología - Retórica jurídica. I. Título. ca - Sociología. 2. Retórica jurídi- Prefácio 1 Intreducáo 3 1- «Marginalidade urbana. e produfiio jurldica 11- O discurso jurldico em Pasárgada 11.1 - A retórica da decisáo . 11.2 11.3 1104 1I.5 - A A A A retórica retórica retórica retórica do objecto . das formas e do processo da linguagem e do silencio das coisas . . . . . . . . III - O espaf'! retórico do direito de Pasárgada e do direito estatal IV - A corre/afiio sociológica entre as dimensiies da instancia jurldica e seus problemas • . . • • . . . . . . . . . . . CDU 301:347.965.45 347.965.45:301 IV.l- O problema do pluralismo jurídico IV.2 - O problema das comparacóes falsas de uma teoria • . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . 9 17 17 26 30 34 41 43 62 64 78 V - Os discursos do direito na sociedade capitalista: prolegomena Índice para catálogo sistemático 1. Sociología. Retórica jurídica , Retórica jurídica: Sociologi, 301:347.965.45 347.965.45:301 Reservados todos os direitos de publicacáo , total ou parcial. para o Brasil. a SERGIO ANTONIO FABRIS EDITOR Rua Miguel Couto, 735 Caixa Postal 4001 - Telefone (0512) 33-2681 Porto Alegre. RS - Brasil V.l- A teorizacáo das covariacñes entre os factores da producáo jurídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V.2 - A análise funcional intrafactorial. A caracterizacáo política da prática retórica . . . . . . . . . . . . . . . . . V.3 - A interpenetracáo das estruturas sociais. A oralidade e a escrita jurídicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 88 91 101 PREFÁCIO Este texto foi publicado pela primeira vez no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1980) e, posteriormente, na Revista Forense (n." 272) e, em versáo abreviada, inKarl Ladeur et al (orgs.) Verfassungstheorie , Verfassungsinterpretation und Politik, Frankfurt , Syndikat. Dada a natureza de qualquer destas publicacñes, niio foi possivel, através delas, dar a conhecer este texto a um público mais amplo e, por isso, ao longo destes anos, muitasforam as solicita~óes para que o tornasse mais facilmente acessivel, É esse o objectivo da presente edicáo e agradece ao Editor Sergio António Fabris o té-la tornado possivel, Este texto constitui a elaboracáo teórica de uma pesquisa empírica de sociologia do direito realizada numa favela do Rio de Janeiro no inicio da década de setenta, no ámbito da preparacáo de uma dissertacáo de doutoramento apresentada na Universidade de Yale. Esta dissertacáo, intitulada Law Against Law: Legal Reasoning in Pasargada Law, [oi publicada em 1974 pelo Centro Intercultural de Documentación de Cuemavaca (México) de que era director Ivan Illich. Um extenso resumo deste trabalho foi posteriormente publicado na Law and Society Review (vol. 12, 1977), sob o título, The Law of the Oppressed: The Construction and Reprodution ofLegality in Pasargada. Este último texto será em breve publicado, em versiio portuguesa, pela Editora da Universidade de Brasília. Existe alguma sobreposicáo entre O Discurso e o Poder e a Law of the Oppressed, que resulta de versarem sobre a mesma pesquisa empírica, e que se reflecte, tanto no quadro teórico, como no suporte bibliográfico. No entanto, O Discurso e o Poder náo contém nenhuma G. em minha opiniáo. La Forma Stato.descricáo detalhada dos dados empíricos e. Acresce que o facto de o quadro teórico aqui apresentado continuar a ter. O texto que ora se apresenta publicado na sua versáo original. é é o DISCURSO E O PODER Ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica Afigura-se apropriado tomar como tema a interdepend~ncia e a interpenetraoio entre os universais da ret6rica. da hermenéutíca e da sociologia e esclarecer a diferente legitimidade destes universais. de resto. a identidade entre relafoes econémicas e individuais ouatéhumanas em geral. pela primeira vez. Orss. Nova Iorque. Lineages of the Absolutist State. por sua vez. Staatsapparat undReproduktion des Kapitals. M!uBAND. a serem feitas. um produto da bourgeoisie e que. E. ANDERSON. NEGRI. KARL MARX Introdu~o Os avances verificados nas duas últimas décadas no dominio da teoria marxista do direito sao basicamente sub-produtos de trabalho te6rico sobre o estado. No entanto as altera~óes que. como na realidade. portanto. se recomendariam exigiriam um dispéndio de tempo incompativel com os prazos editoriais e. What does . 1968. 1974. The Fiscal Crisis of the State. dado o tipo da revista onde foi publicado pela primeira vez e atentas as limita~óes de espaco. pois. duas boas raziies para publicar este texto tal como ele veio. 1-53. POULANTZAS. as relafoes metcantis tornaram-se a base de todas as outras relafoes humanas. ALTVATER. tem constituído o centro da reflexáo sobre os modos de dominacáo e de controle social nas sociedades contemporáneas 1. desenvolve com maior amplitude as impíicacñes teóricas da pesquisa (por totalmente novo). Strukturprobleme des Kapitalistischen Staates. 1972. Paris. PROKLA 3. Pouvoir Politique et Classes Sociales de L' Etat Capitaliste. 1973. THElUlORN. o capítulo V textos autónomos que devem ser objecto de publicacoes independentes. 1977. Londres. O'CONNOR. HIRsCH. J. Frankfurt. ao mundo. na linguagem. de dois exemplo. por estas razáes. Por outro lado. plena actualidade (qui~á. maior actualidade agora do que quando foi pela primeira vez formulado) e o [acto. 1974. reclamarla alguma actualizacáo bibliográfica. Frankfurt. Milao. C. Escrito há vários anos. Trata-se. Londres. em compensacáo. A apro- a as 1 Restringindo-nos última década e apenas obras que abriram pistas importantes de investigacáo: N. de eu continuar inteiramente identificado com ele constituem. R. 1973. A. «Zu einigen Problemen des Staatesinterventionismuss. The State in Capitalist Society. ela pr6pria. foram tratados em nota tema que noutras circunstancias mereceriam ser incluidos no texto. o qual. P. ao meu ver. HANS-GEORG GADAMER É tanto mais [ádl ao bourgeois provar. náo menos importante. quanto é ceno que esta linguagem é. talvez comprometessem a coeréncia global do texto. usando a sua linguagem. J. ' . envolver. Londres. O nao menos importante debate sobre o estado na América Latina pode ser seguido na Revista Mexicana de Sociologia 1-77 e 2-77. BURCKHARDT. em negligenciar o estudo das . e a filosofia do direito. exj>licávet· a luz da crítica da ~. No presente trabalho exploram-se algumas das vias de acesso sociológico ao discurso jurídico a luz de investigacóes empíricas que.. cTopisches und systematisches Denken in der [urisprudenz-.socíólógicos. E.. o discurso jurídico é uma área marginal ao estudo das estruturas do poder e do controle social na sociedade contemporánea e como tal pOCle ser deixada ao dominio da especulacáo filosófica. J. Systemdenken und Systembegriff in 'j '. 1977. na verdade. tanto dentro como fora do marxismo. por um lado. Em meu entender. por outra via. interessam também para a questáo do pluralismo jurídico. Privatrechtsgeschichte der Neuzeit. existencialistas (MAlHOFER) e jus-naturalistas (em suas vers5es católicas. Km. De salientar ainda RUDOLF BARRO. etico-materialistas (SCHELER. como também o estudo do discurso e da argumentacáo jurídicos continua a ser um dos temas em que é mais absoluto o divórcio entre a sociologia e a antropologia do direito. No que diz especificamente respeito ao discurso jurídico. W. muito em especial. por seu lado. Handbuch 5: Staat. ENGISCH. HOLLOWAY e S. K. nao só a questáo da producáo jurídica nao estatal (fora do estado.~us pró rios ter~~ apenas . a sociologia positivista do direito considera-o pouco controlável pelos métodos da razáo técnica que constitüem abase da sua cientifíCl~~e. Londres. Die Altemative. a área do discurso jurídico. WRIGHT. PICCIOTTO.procederam ao «esquecimento» sistemático do estado. 1967. sob pena de ser vítima do «esquecimento» do direito e de nao avancar para além das generalidades grosseiras e dos slogans politicamente eficazes mas teoricamente pouco consistentes e pouco elucidativos. Para ambos _·üs.sEN). neohegelianas (LARBNZ). RmNACH). protestantes e humanistas-racionalistas). HARTMANN). Entre 2 Este reconhecimento é em parte o resultado da crescente frustra~ao perante as orientacñes neo kantianas (STAMMLER.em graus diferentes e por razñes distintas.paradigmas. urna perspectiva sobre o mesmo debate em língua mais acessível. do que decorreu um desvirtuamento fundamental na análise da estrutura e da funcáo do direito na sociedade. C. 1966. Mas é sobretudo urna reaccáo contra o pensamento sistémico subjacente ateoria jurídica dos tempos modernos (F. como tal. E. BRANDES et al. Concretamente o desvirtuamento consiste. em suprimir a questáo da producáo jurídica nao-estatal e. Para o importante debate na Alemanha Federal sobre o estado vide. por outro. mas em ambos os casos reflectindo uma adesáo implícita aos horizontes problemáticos definidos pela filosofia do direito e pela dogmática jurídica . Frankfurt. Frankfurt. J. Londres. A filosofia do direito tende hoje a reconhecer o carácter tópico-retórico do discurso e do raciocínio jurídicos 2. a teoria marxista terá de vencer os tabus e as divis5es de trabalho teórico tradicionais. enquanto a sociología marxista tende a ver nele um o}.' ed. como. (organizadores). a teoria sociológica do direito e. 697 e ss. the Ruling Class doWhen it Rules?. paralela ao estado ou mesmo contra o estado) é ainda hoje um dos tabus da teoria sociológica do direito. por último. 1978. 1978. 1977.tanto mais grave quanto este último esquecimento tem lugar no interior do próprio objecto teórico do direito. a consumpcáo do estudo do direito no estudo do estado pode.4 5 ximacáo recíproca da problemática teórica do estado e do direito é de saudar. DIEDERICHSEN. O. de um ou de outro modo. Introdufao ao Pensamento Juddico.j~cto teóri~() de extraccáo idealista nao' compreensível nos . V. sem dúvida a mais lúcida e coerente análise marxista do estado das socie- dades do leste europeu até hoje produzida. W. W. 1968) e por isso nao surpreende que as críticas e reservas a concepcáo tópico-retórica envolvam. por um lado. Gottingen 2. conduzir também ao «esquecimento» do direito e. State and Capital: A Marxist Debate. que tém vindo a dominar a filosofia jurídica contemporánea. CANARIS. neste caso.iÍreas em que o juridico assume maior especificidade em relacáo ao político. Lisboa. Class Crisis and the State. fenomenológicas (HUSSERL. a defesa da ideia de sistema no pensamento jurídico (U. tanto mais que durante muito tempo a sociologia do direito e a antropologia do direito . N. por sinal. o mesmo tipo de desvirtuamento . por outro. No entanto. WIEACKER. 1978. por exemplo. explicitando a lógica implícita no movimento de codihcacáo e. recorrendo para isso a provas dialéctico-retóricas. Pour une theorie de l' argumentation en philosophie.-~acte-rizar \. 1968. they are either strong or wealo. pp.) Essays in jurisprudence in Honor 01 Roscoe Pound. CASTANHElRA NEVES." ed. 3 T. no projecto constitucional do estado liberal. 1.6 os autores que mais contribuíram em tempos recentes para a consagracáo de uma tal concepcáo é justo salientar T. 1967. isto é.). a c. Frankfurt. LARENZ. por último. RECASENS-SICHES. cRefiexions sur la [ustices. 1951.m-~ converter a ciencia jurídica numa dogmática ou axiomática. 1978. ' '\ Por outro lado. que tem caracterizado o pensamento ocidental pelomenos desde ARISTÓTELES. NEWMAN (org. Il. pp. no espaco filosófico de Ííngua portuguesa. R. 1969. Chicago. levava ao \1 extremo o princípio da legitimacáo assente na racionalidade \ \' j urídico-formal. as concepc. cJustice and [ustificatiom..). Questao-de-Facto-Questao-de-Direito ou O Problema Metodológico da juridicidade. K. da qual seria possível deduzir solucóes concretas no quadro de um sistema fechado de racionalidade tecno-jurídica. entre o conhecimento¡ ¡raciocínio ~díticb.). 1963.? fa~do circunsta~oconcretO v' )J do problema.damento da autoridade política do estado moderno 8.rmuIad()--por-MAxWElmR--pa~. ALEXY." ed. 4 7 uma natureza argumentativa. París.. Frankfurt. MAmOFER (org. Grundsatz und Norm in der richterlichen FortbilJung des Privatrechts. Cfr. Munique 2. Frankfurt. razoável. a argumentacáo e deliberacáo a partir de opinióes ou pontos de vista geralmente aceites (os topoi) 6. Esta concepcáo procura situar-se na conhecida distincáo. PERELMAN e L. Direito Retórica e Comuniauiio. Neuwied. Rhetotique et Philosophie. Sao Paulo. Law in Economy and Society (seleccáo organizada por M. É com base na distin~o referida no texto que Giambattista Vico elabora em 1709 (De nostri temporis studiorum ratione) os dois tipos de método científico a que chama critico e retórico. Retorica. VIEHWEG 3. cSystemprobleme in Rechtsdogmatik und Rechtsforschungs in A. 1973. Segundo a concepcáo tópico-retórica.f sária a partir de enunciados normativos gerais 7. plausível.. mais remotamente. O conheciA" mento do discurso jurídico pressupóe.Q!lcepr. Indianapolis.' j' argumentacáo onde se de conta. -f.'1< otllii. a leitura tópico-retórica tem implícita urna concepcáo democrática do direito /. A. OLBRECHTs-TYTECA. que procurar. 3. em caso algurnredutivel a deduc. Coimbra. a mais recente reformulacáo da análise weberiana em N. m. 1952. LUHMANN. s CH. 1970. 1949. ESSER 4 e CH. 1969. Berlín. o processo da construcáo cumulativa da persuasáo que culmina na deli.. Rheinstein). através da deducáo lógica (silogística) ou da experimentacáo empírica. Theorie der juristischen Argumentation. PERELMAN. A. numa formulacáo extrema: cUnlike demonstrative reasoning. 83 e ss. LEV!. visan~iberac. Ideologie und Recht. WEBER. Ch.ao t6picoretórica tem por objectivo urna crítica. Natural Law Forum 10 (1965). Traité de 1'Argumentation. DIEMER (org. e a um nível mais amplo. TERCIO FERRAZ JR. La Nouvelle Rhetotlque. 1969). e o conhecimento¡ ¡raciocínio dialéctico-retórico. O significado sociológico desta concepcáo deve ser entendido a dois 11Íveis diferentes. 1962. PERELMAN 5. a elaboracño da dimensáo retórica.:ao analítica. 1976. 1. dassiml' ulmda teoria da \t. VIEHWEG. Methodenlehre der Rechtswissenschaft. de mo o g oba...~. 192-221.:ao lógica e neces. Meisenheim/Glan.1 ~ ----- EsSER. que aspira a verdade absoluta e recorre para isso a denio~strac. Bruxelas. arguments are never correct or incorrect. EDWARD H. 1954. Cambridge (Mass). J. que aspira a adesáo ao que é crível. Por um lado. cThe Logic of the Reasonable as Differentiated from the Logic of the Rational (Human Reason in the Making and the Interpretation of the Law)» in R. Revue de l'Institut de Sociologie. sendo dominante nos dois primeiros a elaboracáo da dimensáo tópica e no último. Um leque de concepcóes que. ) .:oes jus-filosóficas até entáo dominantes. o discurso jurídico tem ~ der jurisprudenz. 1969. Sobre esta temática cfr.(' . An Introduction to Legal Reasoning. 6 ARISTÓTELES. J. Legitimation Durch Verfahren. 7 L. PERELMAN. CH." ed. Vorverstiindnis und Methodenwahl in der Rechtsfindung. Tübingen. System und Klassifikation in Wissenschaft und Dokumentation. que pretende ser radical. 1956. 255-281." beracáo. 8 M.:aodominada e' U p~_l~~c_~_d~~~~oáv~l e. Berlin 2. cldeologie und Rechtsdogmatikt in W. Cfr. Topik undjurisprudenz. ou o recurso a violencia para fazer triunfar opinióes q~--. Nova Iorque. K. q questáo." ed.C. Em segundo lugar. Cuemavaca. j . a questáo da sociologia do conhecimento. a questiio da extensdo do espafo ret6rico ou do «campo de argumentaqdo». é mais notório em PERELMAN do que em VIEHWEG ou ESSER.4~~ório. do itinerário hermenéutico nas ciencias sociais: P. a a I( !f! ¡ • f. Hermeneutik und Ideologiekritik. Le Conflit des Interpretations. apesar de anti- e com os novos caminhos da hermenéutica de GADAMER a RICOEUR 10. n~o_~eixa de ser ~!a!ó_gico e horizontal. Paris.~ racionalmente» 9. Law Against Law: Legal Reasoning in Pasargada Law.-. Em primeiro lugar. contestar algumas das distincóes em que tem assentado a evidencia ingénua da autonomia do espa~o retórico frente a outros espa~os vizinhos. Frankfurt. isto «a afirrnacáo dogmática de teses que se apresentam sob urna falsa-~p~~¿n:cia é. DE SOUSA SANTOS. No ámbito deste trabalho. LUCKMANN. HUSSON.' (. por mim analisada com recurso aos instrumentos teóricos produzidos pela concepcáo tópico-retórica e com base num trabalho de campo realizado no início da década de 70 segundo o método socio-antropológico da observacáo participante 11. a questiio da constituicdo interna do espafo ret6rico. 1969. a questiio das condifoes sociais do regresso da retérica em geral e da retórica juridica em especial. 1970. muito diversos entre si.sta~~ialisl~lO hist6ri~0­ -c_ol1cr~t.. L.'~¡. plenamente consciente de que o tratamento global \:. GADAMER. ' de qualquer de1as nao poderá dispensar a resposta terceira tI.. e as suas condicóes de valid~de mmca transcendem o~cir~un. 2.. também P. Londres. Cfr. um certo projecto político que. portanto. entretanto. 11 B. de reprod~~ social d() operariado industrial (e do e~ércit. . na segunda metade do séc. ~~ciof~gi~ ~d~-~etórica jurídica deverá partir da concepcáo tópico-retórica e do seu duplo significado científico e socio-político para tentar responder a tres quest5es principais. aliás. estabe1ecer distincóes até agora mais ou menos suprimidas e. . The Social Construction of Reality...-O. Tübingen 1965.' . P. '" .~0 bem notou recentemente 1.tmS urba~oiE~~JS~uJ-º--~bam~~o terceiro mundo constitui urna das características mais salientes do processo. Consequentemente. 8 9 e da sociedade e. Dois exernplos. WINCH.:~-ll.? ~~<i()~bairros marginais ~~~en.. Em terceiro lugar. tem de ser visto em conjunto com o ascenso do paradigma linguístico-semiótico nas ciencias sociais 9 L.. HUSSON. ApPEL et al. por outro lado. questáo. tético. o que pressupóe. a v~~cl~de a que aspira é sempre relativa. 1974. ()' No presente trabalho procurarei responder questáo. um fenómeno que. o que pressupóe a conversáo da caracterizacáo filosófica do discurso jurídico numa variável sociológica." "11"". Wahrheit und Methode.-G. RIcouER. PEltELMANt. «Marginalidade urbana» e producáo jurídica A prolifer~~. Archives de Philosophie 40 (1977).o primeira Pi . abrindo apenas algumas pistas de acesso segunda f¡ .". a teoria da argumentacáo de PERELMAN abre urna terceira via entre as duas predominantes.I~stÜi~. por um lado. a l. BERGER e T. científica. a resposta a primeira questáo assenta numa comparacáo nao sistemática (embora minimamente controlada) entre a prática jurídica do direito estatal dos países capitalistas e a prática jurídica no interior de um grande bairro da lata do Rio de Janeiro (a que chamarei Pasárgada). cRéflexions sur la Theorie de l'Argumentation de CH.&rese~~) no 10 H. 1971. XX. O discurso jurídico em geral e o discurso judicial em particular é um discurso pluralístico que. 1966.:.. The Idea of a Social Stience and its Relation to Philosophy.. isto é. 435. constituindo brigadas de trabalho (sobretudo nos fins de semana) para melhoria das ruas e outras infrastruturas colectivas. numa conjuntura populista do poder político burgués. cantegriles no Uruguai. callampas no Chile. o que cria mecanismos cumulativos de vitimizacáo colectiva e impóe aos moradores um quotidiano particularmente duro. Como acontece em geral nas favelas. Segundo os melhores cálculos. cresceram as pressóes da burguesia urbana sobre o aparelho de estado no sentido de remover em bloco para os arredores os bairros marginais da cidade.10 11 capitalismo periférico 12.) Imperialismo y Urbanizacion en America Latina. Urbanizacion y Barriadas en AmelÍca del Sur. que entáo se constituíram (ou reconstituíram) para coordenar as accóes dos vários níveis . GUTIERREZ. J. Urbanization in Latin America: Approaches and Issues. LIMA. Buenos Aires. as favelas nao tém direito a instalacáo de equipamentos colectivos por parte do estado. C. e as lutas mais avancadas tiveram lugar a volta das associacóes de moradores. fazer subir os custos políticos e sociais para o aparelho de estado de urna eventual destruicáo ou remocáo forcadas. Os bairros rnarginais. 1973.). Las Invasiones de Terrenos Urbanos: Elementos para un diagnostico. tendo actualmente urna populacáo superior a 60 000 pessoas e ocupando urna vasta área numa das zonas industriais da cidade.. iniciou-se no princípio da década de 30 num terreno. Pasárgada é urna das maiores e mais antigas favelas do Rio.). SCHTEINGART (org. no Brasil. cerca de 1/4 da populacáo total da cidade. 1974. situado entáo nos arredores da cidade. Buenos Aires. ilegalidade tem constituído um dos problemas centrais das comunidades residenci.is marginais e nao surpreende q~e as suas lutas se tenham orientado. passando mais tarde a propriedade do estado. LEEDS. MCGEE. quer para a defesacontra as ameaps a_s?bE~:y~~__~ºlectiva decorrentes da ilegalidade da ocupacáo. gecekondu na Turquia. Cfr. Por outro lado. ranchos na Venezuela. Perante isto. quer para a c~q"ui~~~_colecti. barriadas no Peru. CASTELLS (org. no caso de Pasárgada. CASTELLS (org. Barcelona. criando várias redes de água e de electricidade administradas pelos utentes.A~. isto é. M. casas de tijolo) .. todas elas expressáo das condicóes brutais em que tem lugar a reproducáo social da forca de trabalho nos países capitalistas periféricos. Estructura de Clases y Politica Urbana en América Latina. J. A. a título de exernplo. The Urbanization Process in the Third World. tém designacóes específicas nos diferentes países: [avelas. Londres. libertando os terrenos para empreendimentos urbanísticos. sempre que as condicóes socio-políticas o permitiram. M. MATOS MAR. que em certos períodos térn um ritmo de crescimento mais rápido que o das cidades em que se integram. Bogotá. que era na altura propriedade privada. DELGADO. America Latina. C. Procuraram sobretudo maximizar o desenvolvimento interno da comunidade e é 12 A bibliografia sobre esta questáo é imensa.va da legalizacáo. Por um lado. Estas formas organizativas desenvolveram-se sobretudo no início da década de 60. mais tarde. com a valorizacáo progressiva dos terrenos cm que se implantaram as favelas e a especulacáo selvagem daí decorrente. U. A. Nova Iorque. M. esta ocupacáo ilegal e.-~~~!. Igualmente ilegais sao as construcóes (barracas precárias ou. barrios proletarios no Mexico. desde o abastecimento de água ao domicilio. o que decorre nao só da falta de título legal de posse de propriedade do terreno como também da violacáo das disposicóes legais (nacionais e municipais) sobre a construcáo de edificios nas áreas urbanas. 1975. T. As ameacas assumem múltiplas formas.). em finais da década de 60 a populacáo total das cerca de duzentas favelas do Rio de Janeiro oscilava entre 800000 a 1000 000. 3. HARDOY (org.~~~os habitantes com o objectivo de. -The Significant Variables Determining the Character of Squatter Settlements». 1971. 12 (1969). LIMA. barrios brujas no Panamá. fortalecendo as estruturas colectivas. G. slums nos E. R. 1969. Subdesarollo Urbano y Marginalidad Social en America Latina. 1969. até a rede eléctrica. villas miseria na Argentina. os habitantes das favelas sempre procuraram organizar-se de modo a melhorar as condicóes de habitabilidade. Este estatu~. chabolas em Espanha. 1968. 1973. bairros da lata em Portugal. garantir a seg~rans:::_=~_~~~i~-~~s~_~~~s:6_~. bidonvilles em Franca. Urbanizacion y Dependencia en America Latina. esgotos e pavimentacáo das ruas. 29. 217 (4). 2. 12. Até década de 60 a organizacáo interna dos bairros marginais foi praticamente ignorada pela sociologia. «Squatter Settlementss. DE SOUSA SANTOS. 1964. The Structural Character ofthe Problem of Marginal a Urban Settlements in Latin America and the Prospects [or the Future. é feita sempre em condicóes precárias (ainda que de precaridade variável). . política. no seio da qual se estabeleceu urna teia muito complexa de relacóes sociais entre os habitantes e entre estes. 70-115. Com o tempo. 1970. «Opera~ao Mutiráos. 250.. 19. A. nio era. B. Aliás. 19. BORlA. 13-4-1960 (suplemento especial). socio-económica. 1967. Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos y Regionales. efr.. 1. É preciso denunciar concepcóes (no melhor dos casos ingénuas). 1. Pasárgada é urna comunidade densamente povoada. UNECLA (Comissáo Económica das Nacóes Unidas para a América Latina). J. XXII (1970).. «Una Favela por Dentro'. em que a recusa da ideia de marginalidade parece arrastar consigo a recusa da ideia de exploracáo e dominacáo classistas. Cfr. Rros. J. Subjacente a esta concepcáo está a recusa radical das teses da marginalidade urbana. «Pobladores y conciencia sociab. 1 (1). comeca hoje a ser necessário fazer a crítica das críticas da marginalidade. Scientific American. como.. 35. Rio de Janeiro. " . Estudo Sócio-Económico elaborado por SAGMACS'. «Significado Político de las Juntas de Vecinos en Poblaciones de Santiago». Boleüm do ¡PES. MANGIN. R. J. 3. 1 (1977). Sabe-se hoje que a reproducáo social (neste caso. Nacóes Unidas. é . 2-115 e 277-324. 106 e ss. «The Urban Poor. De várias perspectivas científicas e políticas. COWLEY et a1. a de a~c~entre os viz~. cit. J. ob. inédita na comunidade. VALADARBS. 15-4-1960 (suplemento especial). MACHADO DA SILVA. DE SOUSA SANTOS. Medellin. Latin American Researcli Review. 2-114. O Mito da Marginalidade. e a comunidadc no seu todo. 2. algumas dessas associacóes passaram a assumir 13 Cfr. cit. 1976. 4 (12). NELSON. que caracterizam as sociedades capitalistas. B. Movimientos Sociales Urbanos. como o indica a bibliografia já citada sobre as favelas brasileiras.' parte in Estado de Sao Paulo. e por último J. Disruption or Political Integration in Third World Cities-. C. «A política na Pavela-. 1975. A. Mundo Nuevo. religiosa e associativa de Pasárgada. Os bairros marginais cresceram e com eles a visibilidade social e política do associativismo interno. TURNER. 35-74. Buenos Aires. Uncontrolled Urban Settlement: Problems and Policies. também J. Communitv or Class Struggle?. A Favela e o Demagogo. Porto. aliás. e nao só nas periféricas. 21 e ss. B. J. 14 Sobre as estruturas ecológica. cit. PERLMAN. em termos gerais. E.D cada vez mais problemático após a imposicáo da ditadura militar em 1964. No campo da teoria marxista sobretudo necessário nao voltar a cair no exagero (e tarnbém na ingenuidade) de poupar a Grande Teoria aresponsabilidade de contabilizar (em termos científicos e estratégicos) as díferencas materiais entre formas de exploracáo e de dominacáo e as resistencias também diferenciadas que elas suscitam por parte das classes trabalhadoras.' parte in Estado deSao Pauio. IX (3). tendo entáo início urna longa e difícil luta pela sobrevivéncia organizativa em condicóes políticas e policiais extremamente repressivas. RIOS. L. «Reforma da Política Habitacional». A. É nesta ligacáo íntima entre o dominio da producáo e o dominio da reproducáo que se forja a congruencia estrutural entre as chamadas frentes primárias e as frentes secundárias de luta. Sao Paulo. SAGMACS «Aspectos Humanos da Favela Carioca. F. A. M.. F. sobretudo naquelas que envolvessem dircitos sobre a habitac20 ou a terra. 393 e ss. individualmente. ob.• 13 12 da vida colectiva e sobretudo para defender os interesses das comunidades perante as agencias do aparelho de estado 13. Cadernos Brasileiros. Londres. 1966. Em Pasárgada a associacáo de moradores cedo passou a ser conhecida pela sua intervencáo nas relacóes sociais entre vizinhos. urna vez que continuava de modo mais sistemático e menos precário a intervencáo anteriormente assurnida por outras instituicóes comunitárias e nomeadamente pelos leaders locais 14. 1964. por exemplo.vl'~1/ enquanto que o exercício das funcóes estatutárias se tornou j. World Politics. Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos y Regionales. da gestáo colectiva dos recursos e da mobilizacáo reivindicativa por uma habitacáo condigna e por urna sociedade mais justa. 3 (18). VANDERSCHUEREN. Urna versáo resumida em «The Law of the Oppressed: The Construction and Reproduction of Legality in Pasargadas. V ANDERSCHUEREN. os trabalhos que a seguir se indicam dáo testemunho deste processo social: W. 1977. Aí se geram as lutas urbanas cujo sucesso depende de urna multiplicidade de factores mas que em geral sao tanto mais difíceis quanto mais duras sao as condicóes do processo de trabalho. CASTBLLS. entre as lutas de classes e as lutas comunitárias.. L. DE SOUSA SANTOS. 1. Lutas Urbanas funcóes nem sempre previstas directamente nos estatutos. 1977. urna intervencáo que. «Recent Research on Latin American Urbanization: a Selective Survey with Commentaryr. MEDINA. A situacáo modificou-se posteriormente. pela habitacáo) da forca de trabalho assalariada nas sociedades capitalistas. o t. Law and Society Review. 1961. algumas das e Poder Político. MORSE. Cadernos Latino-Americanos de Economia Humana. Para uma crítica destas teses cfr. ob. veiculadas sobretudo pela sociologia americana da década de 60. M. assim. camente assurnidas. As partes explicam os seus propósitos ao presidente e este.) e outros negócios jurídicos que envolvem a propriedade. portanto. o direito de Pasárgada é apenas válido no seio da comunidade e a sua estrutura normativa assenta na inversíio da norma básica (grundnorm) da propriedade._ .15 14 quais tém origem em contratos (compra e venda. Quarufc. Vém normalmente acompanhados por familiares. a intervencáo & assoclac¡:ao de moradores neste dominio visa constituir como que um ersatz da proteccáo jurídica oficial de que carecem. as normas que regem a propriedade no direito do asfalto podem ser selectivamente incorporadas no direito de Pasárgada e aplicadas na comunidade. Obviamente. em geral.'.: . sao concebidas como 2.Qefifi. por exemplo. com pavimentos asfaltados). e sobretudo a seriedade do compromisso para cumprir as obrigacñes recipro._. Dentro da comunidade. contratos de arren.010s de urna situadio &!9bal de explora~ao classista e. damento). T~s tém urna estrutura ~ológ~as relacñesjurídicas. longe de serem subsidiárias das teorias da marginalidade. cobrindo urna interaccáo jurídica muito intensa a margem do sistema jurídico estatal (o direito do asfalto. O teor do contrato é entáo elaborado pelo~}~L':\ J vpresidente. urna vez que dizem respeito a transaccóes sobre terrenos ilegalmente ocupados e a construcóes duplamente clandestinas. r iÍ a firmeza e autonornia da vontade das partes.. o seu objecto. arrendamento... O documento é entáo carimbado com o carimbo L 15 Do que ficou dito na nota 13 resulta evidente que a autonomízacáo analítica do direito de Pasargada e a sua caracterizacáo como sub-cultura. dade e a eS. Depois de dactilografado. enquanto forum jurídico. a volta do qual se foi desenvolvendo urna prática e um dlscurs~-Tu~lcos-=o-dlreito·-·aePasárgada. que o princípio da propriedade privada (e as consequéncias legais dele decorrentes) seja. por ser o direito que vigora apenas nas zonas urbanizadas e. o documento é lido perante os presentes e assinado pelas partes (depois de manifestarem o seu acordo com o estabelecido) e por duas testemunhas. consequentemente.. Deste modo nao surpreende. como lhe chamam os moradores das favelas. A actividade da associacáo de moradores. No entanto.. i--l~do direito oficial brasilei~o. a posse e direitos reais vários sobre a terra e as habitacóes (ou parte delas) individualmente apropriadas..f!dade ____. .. interroga-as até se considerar esclarecido sobre a natureza e legitirnidade da relacáo jurídica.. que a nível da reproducáo social (neste caso. reparte-se por duas áreas distintas: a ratificacáo de relacñes jurídicas e a resoluc¡:ao ~as __~isputa~__ QiJj. tais relac. podem vir avistar-se com o presidente da associacáo de moradores. dois ou mais moradores desejam celebrar um cont~~to (ou estabelecer entre si qualquer outra relacáo jurídica)._. depois de as ouvir. ':" "l~ :.e como t~r sao vividas pelos que nelas participam. gradualmente num forum jurídico. ----_0•.' as rctac¡:6es desse tipo estabelecidas no interior das favelas sao ilegais ou juridicamente nulas. para a determinacáo e avaliacáo das lutas de classe. contudo. capitallstas. alguns dos quais servido de testemunhas. etc. através da qual o estatuto jurídico da terra de Pasárgada consequentemente invertido: a ocupacáo ilegal (segundo o direito do asfalto) transforma-se em posse e propriedade legais (segundo o direito de Pasárgada). por vezes com base num texto preparado pelas partes.6es sao legais. estáo incorporadas numa teoria marxISta do dlrelto que se pretende atenta amultiplicidas lutas de classes nas sociedades . t~ Em certo tipo de contratos (por exemplo. a habitacáo) sao travadas nos bairros «marginais» das metrópoles capitalistas em situacóes nño-revolucionárias 15. é comum o recurso a fórmulas de rotina semelhantes rJas usadas nos contratos do mesmo tipo celebrados perante o direito oficial. portanto. acatado no direito de Pasárgada do mesmo modo é que o é no direito estatal brasileiro. A associacáo de moradores transformou-se.'í .. Efectuada esta inversáo. aliás. - . vizinhos ou amigos.JiglOs del~ emergentes.. o que.. nao deixa de ter importancia para a caracterizacáo da «sub-cultura» jurídica que Pasárgada constitui e. O direito de Pasárgada é um dircito paralelo nao oficial. . tópicos.. que a peticáo do queixoso tem um núnimo de razoabilidade e nao tem propósitos desonestos. numa data fixada. os topoi caraeterizam-se pela sua forca persuasiva e nao pelo seu conteúdo de verdade. o espar¡:o retórico do direito de Pasárgada para depois o comparar com o espar¡:o retórico do direito estatal contemporáneo e sobretudo do direito dos estados capitalistas. pontos de vista. O objec- a Urna análise detalhada do direito de Pasárgada em B. quer da competencia em razáo da matéria . Passarei de seguida a caracterizar. o presidente pode entretanto visitar o local onde se gerou o conflito. DB SOUSA Law Against Law.. 277-576. situa-se no interior de Pasárgada. para além da fixacáo da jurisdicáo da associacáo.1'~rticipantes sobre·o conteúdo da__~~l. em geral.". através do qual a associacáo contribui para a preven~ao de disputas na comunidade ao_~sc:larecer as partes e demais . pelas perguntas e pelo conhecimento directo que muitas vezes tem do caso. Como diz W ALTBll 16 SANTOS.é um processo muito complexo e subtil. dada a complexa evolueío semántica por que estes últimos ~m passado.. com algum detalhe. mais em geral. Qllalldo um cotlflito su~ge entre vizinhos. A outra parte é entáo convidada por escrito a vir a associacáo. do direito de Pasárgada 16.<:-º!:llJ.uso muito intellso."'. Este direito é accionado através de. que podem ou nao participar na discussáo. Sao antes o produto da aplicacáo gradual. sendo distribuídas cópias as partes.~. os topoi constituem pontos de vista ou opiniñes comunmente aceites. Foi este facto que me levou a analisar a reproducáo da legalidade no interior de Pasárgada. se certificar. de modo especulativo e abstracto.e . no final profere a decisáo.16 17 da associacáo e arquivado. D.quer da competencia territorial . ( . A comparéncia das partes na reuniáo para discussáo e julgamento da causa é por vezes problemática e várias medidas podem ser tomadas para assegurá-la. A discussáo. ao dotar a relar¡:ao-judClica co~~ma [otite' aut6noma de seguranr¡:a. .. 17 Uso a expressáo grega de preferencia aos seus possiveis equivalentes em portugués. é orientada pelo presidente que. objecto do conflito.o terreno ou a habitacáo. lugares comuns. através duma perspectiva teórica desenvolvida a partir da concepcáo tópico-retórica até entao elaborada para dar conta. . Esta intervencáo da associacáo . de seguida.: ':/ _ ( -: () Uma das características mais salientes do discurso jurídico de Pasárgada reside em que as decisñes nao resultam da aplícacáo unívoca de normas Ileis gerais a casos concretos. a associacao pode ser chamada a resolvé-lo e nesse caso é accionado um processo (flexível). Reportam-se ao que é conhecido.!!itos constituem os dois polos da prática jurídica centrada na associacáo de moradores e. com a facticidade concreta da situar¡:ao em análise 17.iffiid~.:!" /. As partes vém normalmente acompanhadas por amigos. O discurso jurídico em Pasárgada II.que designo por ratificafao . Dependendo do conhecimento directo que tiver do caso. tais como. 38-106. e The Law the Oppressed. provisória e sempre reversível de topoi cuja carga normativa (extremamente vaga em abstracto) se vai especificando medida que se envolve. ¿(. a interrogará de modo a certificar-se da natureza e seriedade do conflito e da competencia da associacáo para o resolver. A prevencao dos co~tº~e ªr.ili:xo__da retórica jurídica. que tipicamente tem os seguintes tramites. O caso será aceite se o presidente. por vezes animada.-'. 1 . «para tratar assuntos do seu interesse».o conflito diz respeito a direitos sobre terrenos ou habitacóes .-. Como já referi. do discurso jurídico oficial do estado moderno.-----.ll~ _di~~_l1!~jurídico c~~~e­ rl~p~l~. parentes ou vizinhos. A parte queixosa apresenta o caso na associacáo perante o presidente que. pela argumentacáo.~~<?l!!s:ao dos con.~. Na sua forma original.< ..¡~~~ill!14ica e a natureza dos compromissos asst.A ret6rica da decisao '. (Traité. 1966. quer as que no direito oficial regulam as matérias em discussáo. da justeza. GIULIANI. o que confere ao discurso jurídico a sua complexidade e também a sua ambiguidade. no pressuposto de que quem domínasse esta última facilmente dominaría a ret6rica das restantes áreas do conhecimento social (Cfr. sendo ainda hoje conhecidos pelas designacóes que entáo obtiverarn: Nemini casum sed culpam imputari. Segundo W. Tanto VIEHWEG como ESSER mostram que muitas das ideias normativas que em tempos recentes se transformaram em principios gerais de que é possível deduzir . como argumento ou ornamento. Neme plus juris adalium transferre potest quam ipse haberet.) e em todo o caso é urna distin~o útil para analisar a ret6rica jurídica onde aparecem interligados nao s6 lugares gerais e específicos como sobretudo lugares específicos de diferentes áreas. Do mesrno modo. publicam utilitatem privatorum commodis praeferandam. a mesma raíz retórica estende-se aos conceitos da jurisprudencia como. § 393).. ao tratar-se uma quaestio finita» (Elementos de Retórica Literária. e em breve a prática e a doutrina ret6ricas passaram a usar as express5es loci e loci communes indiferentemente.0 locus communis é um pensamento infinito que é aplicado. souvent d' ailleurs sous-entendues. no entanto.18 19 tivo é construir progressivamente e por múltiplas aproximacñes urna decisáo que seja aceite pelas partes e pelo audit6rio relevante (a comecar pelos vizinhos que seguem de perto o caso). . se nao facam frequentes referencias as leis do direito do asfalto. os primeiros. convincentes mas nao irrefutáveis. por fastidiosa. T AMMELO concebe o principio do rule of law (principio da legalidade. ob. 335 e ss. ARISTÓTELES (em Topica e Retorica) foi quem converteu a ret6rica numa arte ou técnica de argumentar e persuadir. ESSBR. ARISTÓTELES distingue entre lugares gerais ou comuns e lugares especiais ou específicos. European Literature and the Latin Middle Ages..). o topos da quantidade. La Theorie de L'Argumentation. and indeed often of what is exceedingly wel1 knowns. R. in Centre National Belge de Recherches de Logique. isto é. A demonstracáo convincente enquanto geradora de persuasáo é secundada pelo elemento emocional.. por exernplo.The Rule of Law and the Rule of Reason in InternacionalLegal Relationss. no decurso da discussáo do caso. principio do Rechtsstaat] como um topos ret6rico (. Isto nao significa que. sao parte integrante do discurso tópico-retórico e tém por funcáo criar urna atmosfera de oficialidade e de normatividade . plus cautionis in re est quam in persona. Nos nossos dias 1. deliberativo e epiditico. Sao Paulo. LAUSBBRG considera que .conc1usoes necessáriase foram originalmente. PBRELMAN (Traité. cit. A. 1978. H. 54 e ss. A. 149). PBRELMAN. (Interfaces of the Word: Studies in the Evolution of Consciousness and Culture. Estará aqui uma das raízes históricas da vocacáo generalista dos juristas no desempenho das fun~oes sociais? No domínio da retórica jurídica a vocacáo problemática (isto é. nao sistemática) dos topoi é particularmente notória.L'Ancienne Rhetoriques. passim. 1953. PLEBE. 64 e ss. Os topoi principais do discurso jurídico pasargadiano sao: o topos do equilibrio. por exemplo. qui interviennent pour justifier la plupart de nos choix». Nova Iorque. in Centre National Belge de Recherches de Logique. Grundsatz. do direito. •. ONG (ob. 45. simples topoi da retórica forense. Traité. O género dominante é o judicial e os autores tero chamado a at~o para o facto de ao longo dos tempos os estudantes de ret6rica terem feito a sua aprendizagem com base na retórica jurídica. para PBRELMAN . La Theotie de L'Argumentation. os segundos. ao contrário do que sucede com os silogismos propriamente ditos da lógica apoditica. E.. ARIsTÓTELES distingue tres géneros retóricos: judicial. § 25. . 44 e ss. aplicáveis apenas numa área (por exemplo. cit. 149) esta distin~ao nao sobreviveu. o topos do justo e do injusto pode ser aplicado no direito ou na ética mas nao na física). De facto. Breve Histária da Retórica Antiga. por outro lado. Mas a distin~ao é de algum modo retomada por CH. em suma . ainda que mais raramente.. nunca sao necessitantes das decisóes. mantenha contudo urna carga de persuasáo suficiente para marginalizar ou estigmatizar os recalcitrantes. Cfr.que reforce os objectivos retóricos e sublinha as linhas do discurso no seu percurso para a decisáo.. Ithaca. Aos entimemas está ligada a teoria do dugares». a dimensáo psicag6gica da ret6rica que é sobretudo not6ria no livro II da Retorica (Cfr. in all its senses the term (topos) has to do in one way or another with exploitation of what is already known. dos topoi. CURTIUS.. . Communications. que se pode aplicar tanto em física como em política). Lovaina.urna retórica institucional. 172 e ss. ou que. 1977. Lisboa.). nao significa que sejam arbitrárias ou inúteis. Aliás. LAUSBBRG. quer. o topos da cooperacáo e o topos ONG. na jurisprudencia romana c1ássica. do mais e do menos. como.Ces lieux constituent les prémisses les plus générales. A ret6rica procede de premissas prováveis para conc1us5es prováveis por meio de entimemas. Tais referencias. as que regulam as actividades da associacáo de moradores.. Mas o conhecimento que transportam é extremamente flexível e moldável perante os condicionalismos concretos do discurso e do tema tratado. nao sendo aceite por todos. 1963. 16 (1970).L'Element 'Juridique' dans la Logique Medievales. Lovaina. os quais sao de facto para-silogismos. ROLAND BARTHES. aplicáveis em qualquer área do conhecimento (por exemplo. da ética e da política. conceito de causa Gusta causa}. 112 e ss. 1963. De modo incisivo. u». o que. ou silogismos ret6ricos. H. sao-no) pelas partes e pelos demais participantes na discussáo do caso. a medida do discurso e o discurso medido. Deve. o termo médio entre a adjudicacáo e anegoé ciacáo 19. já que é ele quem domina o discurso jurídico que se centra na associacáo. em geral). Sao usados sobretudo pelo presidente. Os topoi nao sao usados indiscriminadamente mas antes segundo a lógica da economia retórica dos casos e assim. sem deixar de ser um produto do discurso. a decisáo tende a assumir a forma de mediacáo. a medida só é inteligível perante o discurso no seu todo. ético-jurídico. O discurso retórico. é também o discurso produzido. captada ao nível de um dado acto ou momento do discurso. isto é. quer a luz das regras definidoras da competencia e da jurisdicáo. e. 114. o segundo topos tem curso em qualquer dos tipos de conflitos mencionados 18. esconde-se ou revela-se como medida louca que mede e desmede e faz preceder o que sucede. assenta numa compulsáo da medida. o terceiro topos tende a dominar nos confliros que opóem o interesse individual de algum morador aos interesses da comunidade no seu todo (por ex. A estrutura da mediacáo é a topografia de um espa~o de mútua cedéncia e de ganho recíproco. A decisáo tende a ser investida do propósito de contabilizar em pormenor os méritos relativos das diferentes pretensóes. Porque a estrutura do processo se condensa na conclusáo. PERELMAN. é. enquanto o primeiro topos tende a dominar nos conflitos entre vizinhos (por ex. finalmente. A declara ter comprado uma divisáo do barraco enquanto B considera que. de algum modo. distinguir-se a mediacáo da negociacáo. um morador que. mas de que os participantes tém conhecimento directo. ao contrário do que sucede na forma de adjudicacáo (vencedor/vencido). Daí que o tracado da decisáo entre por vezes em áreas que seriam consideradas proibidas. mas esta. Cfr. na mediacáo o juiz desempenha um papel activo e constitutivo.. em linguagem da antropologia jurídica). no entanto. A construcáo retórica do processo de decisáo condiciona a própria decisáo. o resultado nunca é de soma-zero. quer a luz dos critérios da lógica jurídico-sistemática. Traité. O discurso retórico. A negociacáo é uma estrutura decisória. ao reconstruir o seu barraco. no acto pelo qual as partes fazem sua a decisáo. A mediacáo é. N o entanto. em que o juizjárbitro (a «terceira parte». quando existe. como o pre~o pago o atesta. 19 O termo adjudicacáo é aqui usado no sentido técnico que lhe é atribuido na antropologia do direito e designa um modelo de decisáo que se caracteriza pela imposicáo de urna determinacáo. sendo simulta18 Estes topoi tem um perfil complexo. dada a sua forte dimensáo reactiva. urna característica que é também a dominante do discurso jurídico pasargadiano no seu todo. no qual se tece a distanciacáo que lhe permite afirmar-se como sede da decisáo. normativamente fundada. avancou de tal maneira a parede frontal que quase obstruiu a rua). e sobretudo o discurso jurídico. que hoje largamente dominante nos sistemas jurídicos oficiais dos estados capitalistas (se nao mesmo do estado moderno.. No domínio da retórica geral. neamente dialógico e antitético. na medida em que aspira a sua auto-negacáo na adesáo das partes.21 20 do bom vizinho. mesmo daquelas que a partida se situam fora do objecto da causa. mas podem ser usados (e muitas vezes. se trata antes de um arrendamento). Entre os topoi estabelecem-sehierarquias flexíveise pode também suceder que dois topoi contraditórios entrem em conflito na argumentacáo de um caso concreto. . ainda que se trate de uma distanciacáo precária. PERELMAN charna a aten~ao para a contradicáo entre o topos clássico da superioridade do duradouro e estável e o topos romántico da superioridade do precário e momentáneo. é também digressivo e lateralizado. Ainda que uma das partes possa ser mais vencedora do que outra. simultaneamente. é mera correia de transmissáo de uma sequéncia de propostas e contra-propostas das partes com vista a convergencia possíveL Ao contrário. de estrutura próxima da dos topoi. como mediacóes. Law in Culture and Society. a continuidade das relacñes por sobre o coníiito tende a criar um peso estrutural a cuja equilibracáo só a mediacáo se adequa 20. para além do mais. (1971) 1087 e ss. Esta correspondencia é simultaneamente estrutural e con textual. Baltimore. COHN. 20 Sobre esta questáo ver a bibliografia indicada na nota anterior. É hoje muito vasta a bibliografía sobre os estilos de decisáo dos conflitos. sempre que as partes estáo envolvidas em relacóes multiplexas. <Some Notes on Law and Change in North Indias. como hipótese. Cfr. B. Sociology of Law. Cfr. 1973.). A. Chicago 1969. D. e a probabilidade de que esta ocorra e se acumule de modo alargado é maximizada pela adopcáo de um modelo mediacional da decisáo jurídica. cit. como ja se refenu.). Stanford Law Review. 1969. Oxford. The Ideas in Barotse jurisprudence. AUBERT (org. 69 e ss. Garden City. in LAURA NADER (org. BOHANNAN (org. passim) foi o primeiro a elaborar o conceito de rela~5es multiplexas no ambito da antropologia jurídica. segundo a teoria dos jogos. in L. NADER. ainda que aí se trate de uma retórica institucional que corre paralela a retórica do problema e que. cA Comparative Theory of Dispute Institutions in Societys. Law and Society Review. . P. GLUCKMAN. M. E. propondo. separacáo que domina a estrutura processual do direito do estado capitalista e que é a principal responsável pela superficializacáo da conflitualidade social na sua expressáo jurídica. New Haven. 1965.. H. M. ECKHOFF. [ustice and judgment among the Tiv. 1967. só a mediacáo pode subverter a separacáo entre o conflito processado e o conílito real. GULLIVER. sao usados muitos outros instrumentos retóricos: uns. 171 e ss.. 1955. Law In Culture. a título de exemplo. onde a dimensáo da persuasáo e a dimensáo da coercáo se misturam sob a dominancia da primeira. a negociacáo e a rnediacáo . (org. cDispute SettlementWithout Courts: The Ndendeuli ofSouthem Tanzanias. GLUCKMAN. No caso da distincáo relacñes multiplexas/uniplexas o que está em causa é a configuracáo da distanciacáo social entre os participantes no litigio e a sua relevancia para o processamento deste. urna solucáo orientada pelo princípio minimax (eceder um pouco ganhar um poucos).. Mass. 139 e ss. a é . Law anJ Warfare. porque. como está hoje amplamente documentado na literatura antropológica. porque. ainda de M. se distinguem entre SI pelo papel desempenhado pela terceira p~e e pelo gra~ ~e imposicáo possivel. in P. The judicial Process among the Barotse o( Northern Rhodesia. quando intensas. isto é. cThe Mediator and the [udges. entra numa área de interaccáo extremamente complexa e subtil. por ex. ob. Mas a correspondencia da mediacáo ao direito de Pasárgada é também contextual.). Law and Ritual in Tribal Society..que. L. Londres 1957. uma observacáo que terá forcosarnente de ser tomada em conta na análise do processamento oficial dos litígios sobretudo nas zonas rurais de Portugal.tém por objectivo um compromisso entre os litigantes.. 217 e ss. É hoje comunmente reconhecido que as relacóes multiplexas.. NADER. Os topoi sao as perras fundamentais da engrenagem retórica do discurso jurídico de Pasárgada. 23. BOHANNAN. ao pretender estabelecer uma atmosfera de oíicíalidade. dando origem a tipos diferentes de litigios e a modos/processos também diferentes de resolucáo. a reproducáo da juridicidade tem de assentar na cooperacáo. Isto.. Para além dos topoi. Manchester. M. P.22 23 A estrutura da mediacáo corresponde de tal modo as necessidades argumentativas do discurso jurídico de Pasárgada que chegam a apresentar-se.). HOEBEL. como. Ao contr~rio. Dada a precaridade do aparelho coercivo ao servico deste direito. cStyle~ of Court Procedure: To Make the Balances. 1954. tambérn B. T. vencedor/vencido ou ainda. comandam todo o contexto da decisáo do litigio e de tal modo que o objecto ostensivo deste representa por vezes a expressáo mínima de urna relacáo antagonística de longa duracáo entre duas farnílias ou grupos (cfr. Cambridge. cit. mas nao as únicas. GLUCKMAN (ob. que este recurso fun~ao positiva da distanciacáo entre os participantes (cThe Social Organization of Arreso. relacóes de múltiplo vínculo (opostas as relacóes de vínculo único que se estabelecem entre estranhos). Estrutural. R. in V.). Já mencionei as referencias a legalidade do asfalto. provérbios. BLACK utiliza este factor na explicacáo do recurso intervencáo da policia em caso de litigios na sociedade americana. GLUCKMAN parte da ideia de que as estruturas sociais africanas produzem relacóes sociais distintas das que dominam nas sociedades ocidentais. que clara e inequivocamente favorece urna das partes com exclusáo da(s) restanteís) (decisáo ou/ou. ABEL. 156).. decisóes que sao de facto adjudicacóes (falsa mediacáo). Politics. 1965.~ecisao d~ soma~zc::ro). COHN. The Law of Primitive Man. . FALLERs. c'est un objet d'accord qui s'exprime régulierement d'une certaine maniere. objective. sofrer alteracóes bruscas. como. Sobre a mudanca das insígnias dos magistrados franceses depois da Revolucáo Francesa. que o presidente recolhe nos primeiros contactos com o litígio. pour ainsi dire. l'important. 223. JaKoB GRIMM. como aceleradores/retardadores retóricos . 164). o modo como as partes se dirigem ao juiz). 2. ala fois. le cliché est. sobretudo no tempo de Nixon. Berlim. 1969. aforismas e máximas foram considerados elementos constitutivos da prática forense e como tal foram estudados. Por exemplo. CH. ao gelo da rejeicáo. 1955. 23 Os slogans assumem a estrutura formal dos provérbios e máximas mas. Chamam a atencáo pelo é seu ritmo. Um discurso jurídico dominado pelo uso de topoi necessariamente um discurso aberto e permeável as influencias de discursos afins. por oposicáo ao discurso lógico-sistemático. Cfr. ELSENER. une liaison de phénornenes ou un rapport entre personnes . nao tém de ter um perfil distintamente jurídico e podem ser retirados de outras áreas da accáo social. Traité. PEREMAN. une valeur. indépendarnment de toute intentionnalités. provérbios e máximas que. cujo uso permite dosear a velocidade relativa. PERELMAN sobre sinais e índices: . provérbios. Sociologus. L' indice. sobre os clichés: . . Todos estes efeitos e atributos (muito especialmente a direccáo) sao interiores ao discurso. en vue de cette évocation. Vide R. Zeítschrift für Geschichtliche Rechtswissenschaft. provérbios e máximas jurídicos em G.The Nature of Akan Native Law: a Critical Analysis-. 24 CH. que a pouco e pouco se vai afunilando. a estrutura tópico-retórica do discurso transforma-se num antídoto eficaz do legalismo.. num período revolucionário. o que caracteriza o discurso retórico. une formule stéréotypée qui se répete•. Pode reconhecer-se o eco da importancia dos aforismas. Der Humor im Deutschen Recht. En effet. U. no entanto. Hemstadt. ou mais propriamente até a consolidacáo do movimento de codíficacáo. GIERKE.Von der Poesie im Recht-. d'une fa~on. Os clichés (por exemplo. 1964. os desvios e a direccáo do discurso jurídico.Keine Regel ohne Ausnahme-. permet d'évoquer un autre phénomene. est l'intention de communiquer par laquelle ils sont caracterisés.. 167. outros. aliás. ancorada num consenso tradicional. Grundsiitze der Deutschen Rechte in Spruchwottem. de estrutura bastante diferente. por ex. nomeadamente na Alemanha (Rechtssprichwiirter)." ed. dans la mesure ou ils sont utilisés dans un acte de communication. Sao criados para produzir ac~5es específicas em circunstancias determinadas. Law without Precedent: Legal Ideas in Action in the Courts of Colonial Busoga. 1759 (consultei a edicáo preparada por WALDMANN e publicada em Berlim em 1935 sob o título: Deutsches Recht in Sprichwiirtern). é a possibilidade permanente do acidente total. forma concisa e de fácil memorizacáo. ABEL. índices e sinais 24. Qu'ils soient linguistiques ou non. clichés 22 e slogans 23. 11 (1816) 1. Assirn o discurso jurídico de Pasárgada é investido de uma tonalidade ético-social que impede a cada momento a autonomizacáo ou insularizacáo da sua dimensáo jurídica. nao visarn constituir urna normatividade estável e duradoura. O. Cfr. . cfr. 22 Ch. J. Estugarda. Podem. MAzARD. -Les insignes des magistrats et des auxiliaires justice sous la révolutions. Chicago. Festschrift für dem 45. pour nous. o ritmo. No ambito da antropología do direito é conhecido e tem sido estudado o uso de provérbios e máximas na resolucáo de litígios. podem ser verbais ou nao e tendem a ter grande durabilidade e difusáo. Aliás. 311-319. ob. J..Nous entendons par signes tous phénomenes susceptibles d' évoquer un autre phénomene. par contre. 1963. Karlsruhe. A partir da pré-compreensáo do caso. por exemplo. teve. as paragens. 23-40. em Portugal 1974-75 em comparacáo com os períodos anteriores e posteriores). Por outras palavras. 25 21 Até ao nosso século.. 1886. É o que nos mostra MENSAH-BROWN no seu estudo sobre o povo Akan do Ghana (. fond et forme. cit. do regresso ao zero. um impacto importante na administracáo da justica. Traité. nos E. vol. EISENHART. estabelece-se um horizonte limitado de alternativas. 220 (1970).auténticos pace-makers do coracáo argumentativo -. PERELMAN. Aphorismen zur Rechtsweisheit. F. (Traité. RADBRUCH. Cótringen. 25 No domínio da antropologia do direito um dos autores que mais atencáo tem dedicado a questáo do legalismo é L.Cette formule [o cliché] résulte d'un accord sur une maniere d'exprimer un fait. 123. a medida que o discurso progride. Todos estes recursos funcionam como lubrificantes do discurso. nota 225). ao contrário destes. o slogan . ainda que tal processo/ /progresso nao seja de modo nenhum irreversíve1. A.Law and arder. e do recomecar de novo. . Deutschen ]uristentag. Urna análise recente de alguns aspectos desta temática em F. Do ponto de vista jus-sociológico é sobretudo importante investigar a variabilidade das consequéncias decorrentes da nao observancia dos clichés (por exernplo. 25-99 (consultei a reimpressáo publicada em Darmstadt em 1957).24 25 máximas 21 e referencias bíblicas. Festschrift Guido Kisch. 27 26 II. Os propósitos do presidente. 27 M. Apesar disto.A ret6rica do objecto A partir da retórica da decisáo. uma fonte comum de atritos em razáo da hostilidade (defensiva) do bairro contra a corrupcáo e a arbitrariedade da polícia 26. o objecto da investigacáo era mantido restrito sempre que se tratava de litigios entre estranhos. que exercem na construcáo do processo e nas decisóes do juiz faz com que sejam de facto juízes intersticiais. portante. como. designarei por extrínsecos e intrínsecos. propriedade. O objecto do conflito nao é fixado de uma só vez no início do processo. nao tém de coincidir com os das partes (ou com os de uma delas). a decisáo será inútil se nao cobrir a área litigiosa principal. vizinhanca. as partes nao sao necessariamente iguais perante o forum (e o presidente). quer ainda porque o presidente conclui que o objecto processado do conflito é uma parcela mínima do objecto real do conflito e que. O objecto do litigio pode suscitar urna intervencáo múltipla (multifuncional) do conselho. A separacáo mantém-se enquanto forma organizativa do discurso e apenas relativizada e subordinada as necessidades argumentativas concretas ou as proto-políticas judiciais adoptadas. entre objecto real e objecto processado. enquanto terceira parte. por ignorancia. pelo menos. Nesta. procurou conscientemente usar o [orum com propósitos capciosos. Aos termos desta negociacáo nao é estranho o poder relativo dos participantes. M. caso em que a área social inicialmente coberta pela iniciativa das partes no litigio será substancialmente ampliada. e a argumentacáo que a este propósito se gera faz com que o objecto do conflito seja. passim) verificou que o kuta tendía a ampliar o objecto da investigacáo judicial sempre que se tratava de litigios entre pessoas ligadas por relacóes multiplexas ou de múltiplo vínculo (por exemplo. de tal modo que o conílito processado pode vir a centrar-se em questóes nao originalmente suscitadas pelas partes mas trazidas a discussáo pelo presidente.a entre matéria relevante e matéria irrelevante. No primeiro caso. a intervencáo do presidente pode ser orientada por duas ordens de factores que. o facto de o presidente entender ser preferível nao envolver a associacáo em matérias que digam respeito a actuacáo da polícia no interior da favela. cortando as múltiplas raízes da hostilidade entre as partes. por vezes decisiva. GLUCKMAN. relacóes de parentesco. por exemplo. é . amizade. The Judicial Process. o processo nao apresenta um critério inequívoco que permita distinguir com segurans. as partes nunca o sao exclusivamente e a influencia. uma negociacáo em que a matéria relevante vai sendo sucessivamente resolvida e reaberta. Neste donúnio. quer porque urna delas. Cfr. típica do direito oficial. N o segundo caso. GLUCKMAN [The Judicial Ptocess. No seu conjunto. até a decisáo final. ao contrário. do objecto do conflito tal como é processado pelo [orum jurídico que a associacáo de moradores constitui. A sua apresentacáo pelas partes é apenas um ponto de partida para a intervencáo constitutiva do presidente. Nesta ponderacáo. sem excessivo rigor. e as suas posicóes relativas influenciam a medida da participacáo. o Conselho (Kuta) além da fUn~o judicial exerce tambérn as funcóes legislativa e administrativa. e ainda que desigualmente. incluem-se o que designo por proto-políticas judicíais. melhor se compreenderá a retórica do objecto. objecto de negociacáo entre os participantes. 26 Entre os Lozi. 9 e 69. 2 . ponha realmente fim ao conflito 27. trabalho) e que. ele próprio. como noutras instancias. é a própria estratégia argumentativa que reconstr6i o objecto de modo a maximizar a possibilidade de uma decisáo que. quer porque as partes. que tanto pode ir no sentido da limitacáo como no do alargamento da proposta inicial. nao souberam sintonizar o objecto do conflito com o [orum em que se propuseram discuti-lo. e do facto de adoptar um modelo de decisáo assente na mediacáo. consoante sao necessitados pelo contexto ou pela estrutura do discurso. o direito de Pasárgada nao elimina totalmente a separacáo. 29 28 Se nao é clara ou irreversível a distincáo entre quest6es relevantes e questóes irrelevantes, ainda menos o é a distincáo entre quest6es explícitas e quest6es implícitas. Qualquer discurso é um tecido cornposto de linhas visíveis e invisíveis. O processo judicial estatal dos nossos dias, juntamente com a institucionalizacáo da separacáo objecto realfobjecto processual (a verdade e os autos), estabelece formalmente a irrelevancia do discurso implícito, salvo quando explicitamente determina o contrário (caso em que se nao trata de discurso implícito em sentido próprio). Tal só é possível grac¡:as ao desenvolvimento tecnológico (da linguagem) do discurso jurídico estatal e a militante recusa do senso comum em que ele assenta. Ao contrário, o discurso jurídico de Pasárgada, porque próximo da linguagem comum e sua lógica, detém urna importante dimensáo implícita (um nao dito amplamente partilhado), sem a qual, aliás, nao é inteligível o discurso explícito 28. E entre o implícito e o 28 A questáo da implicitacáo é urna das mais complexas da análise do discurso em geral e do discurso jurídico em particular. No domínio da antropologia jurídica L. FALLERS é, sem dúvida, um dos ~utore~ que mais atencáo dedicou a esta questáo [Law Witlzout Precedent, 314). E particularmente importante distinguir entre implicitacáo de conceitos e implicitacáo de fact~s (distincáo que FALLERS também faz, 319), porque desta distincáo podem ~en­ var-se correlacñes teoricamente importantes. Por exernplo, em certas situacóes susceptíveis de serem controladas é de admitir, como hipótese de trabalho, que quanto maior for a implicitacáo dos conceitos menor será a dos factos e viceversa. No domínio da sociología e da etnografía da fala é sobretudo mérito dos etnometodólogos o terem demonstrado que a fala só é compreensível no interior da interaccáo social em que tern lugar. Daqui resulta que o discurso seja sernpre indiciado ainda que o nível de indiciacáo varie. Cfr. P. PAOLO GIGLlOLl (org.), Language and Social Context, Harmondsworth, 1976, 13. Aliás desde há muito antropólogos e linguistas tém vindo a chamar a atencáo para o facto de que quanto maior é a identificacáo social entre os participantes na fala menor é o ambito de elaboracáo e explicitacáo, o que de resto se reflecte na reducáo das alternativas sintácticas e léxicas. Como diz B. BERNSTEIN, <In these relationships the intent of the other person can be taken for granted as the speech is played out against a back-drop of cor:unon assumptions, common history, comrnon interests. As a result, there IS less need to raise explícito intervém urna série de actos discursivos interrnédios, a que noutro lugar chamei genericamente semi-jormulacóes, isto é , formulacóes que terminam (ou se interrompem) antes que seja possível retirar todas as implicacóes razoáveis do que foi dito, mas de tal modo que o que permanece implícito suficientemente importante (e obscuro) para investir a fala de urna ambiguidade geral s''. A construcáo do objecto do processo nao se esgota, como óbvio, nas quest6es relevantes/irrelevantes ou nas questóes explícitas/implícitas. Para além disso, há que tomar em conta o modo de apresentaido do «material» incluído, a ditecdio da inclusáo e a interpretaoio que lhe é atribuída. Por outro lado, o ámbito da inclusáo tem nao só urna dimensáo quantitativa, em que se atentou no precedente, como tambérn urna dimensáo qualitativa, ao nível da qual preciso distinguir entre cobertura extensiva (ou de superfície) e cobertura intensiva (ou de profundidade) do «material» do discurso 30. De tudo se conclui que, visto de urna perspectiva retórica, o objecto do processo o processo do objecto. é é é é meanings to the level of explicitness or elaboration, There is a reduced need to make explicit through syntatic choices the logical structure of the cornrnunicatiom (.Social Class, Language and Socializarions, in P. P. GIGLIOLl, ob. cit., 165). No caso dos discursos profissionalizados, as regras de indiciacáo sao, por assim dizer, mais explícitas, o que, aliás, se adequa rigidez da interaccáo social cm que tém lugar. Quanto mais explícitas forem essas regras e mais controlada a interaccáo social cm que sao accionadas menor a área real de implicitacáo. Nestes termos a incompleicáo do discurso deixa de ser a medida da sua ambiguidade. 29 Cfr. B. DE SOUSA SANTOS, Law Against Law, 172; .The Law of the Oppressed», 17. 30 Cfr. B. DE SOUSA SANTOS, Law Against Law, 234 e ss.; também L. FALLERS, Law Without Precedent, 107 e J. EsSER, Vorverstandnis, 140. a é 31 30 n. 3 - A retórica das formas e do processo A estrutura operacional dos sistemas jurídicos estatais contemporáneos assenta em distincóes, mais ou menos rígidas, entre forma e conteúdo, processo e substáncia, Estas distincóes garantem a reproducáo da racionalidade formal que MAX WEBER arvorou em característica básica do direiro moderno e converteu em fonte de legitimac;:ao do poder político liberal. O que caracteriza, em seu tipo ideal, a racionalidade formal o tratar-se de uma forma de arbitrariedade simultaneamente total e totalmente controlável. Assim, a distribuicáo rígida pelas categorias polares referidas (forma¡conteúdo, processo¡ ¡substancia) está em total contradicáo com os princípios da l6gica material e é, por isso, arbitrária. No entanto, precisamente porque o é, cria uma terra de ninguém, onde se torna possível o accionamento, tendencialmente sem restricóes, de uma l6gica tecno-operacional, um accionamento tanto mais eficaz e irrestrito quanto maior for a tecnologia conceitual e linguística, a profissionalizacáo dos agentes, e a burocratizacáo institucional. Sem querer discutir agora o grau de realizacáo do tipo ideal da racionalidade formal nos sistemas jurídicos estatais contemporáneos 31, o que pode dizer-se com seguranca é que o direito de Pasárgada pouco tem a ver com este tipo de racionalidade. As distincóes acima referidas, ainda que conhecidas do direito de Pasárgada, nao tém nele qualquer rigidez. Usam-se form.as e f6rmulas e fazem-se exigencias processuais - muitas das quais resultam de aquisicóes selectivas e transformadas do formalismo processual do direito oficial - mas sempre com uma grande flexibilidade. No dornínio da prevencáo dos conflitos, o processo da elaborac;:ao dos documentos varia de é 31 FERRAZ Vide, a título de exemplo, N. [r., ob. cit., 78 e ss.. LUllMANN, oh. cit., passim; modo nao totalmente padronizado, o interrogat6rio do presidente sé tem lugar quando é necessário, os documentos nao obedecem estritamente a formulários e a qualidade do papel varia, assim como o número de carimbos impressos ou o número de c6pias produzidas. Esta falta de uniformidade, que pode surpreender ou mesmo escandalizar quem a veja com os olhos etnocéntricos do direito oficial, nao é, no entanto, ca6tica. É determinada pelas exigencias normativas e de seguranca, que se vao definindo ao longo do processo de prevencáo ou de resolucáo dos conflitos, Em Pasárgada, as formas e os requisitos processuais mantém um estrito carácter instrumental e como tal sao usados apenas na medida em que podem contribuir para uma decisáo justa da causa. Da! que ninguém possa ser prejudicado na sua pretensáo apenas por falta de cumprimento de uma formalidade ou de um requisito processual. Isto nao impede que a falta de cumprimento de requisitos formais ou processuais nao seja por vezes invocada como fundamento da decisáo, caso em que o discurso pode até parecer exageradamente formalista. Contudo, o recurso ao formalismo, em tais circunstáncias, s6 tem lugar para dar cobertura a uma decisáo substantiva sobre o mérito da causa 32. Daqui se pode concluir que, no direito de Pasárgada, os formalismos processuais sao usados como argumentos. Longe de constituírem o limite externo do discurso jurídico - como parece ser o caso no direito oficial- fazem parte integrante dele. Sao recursos da economia retórica do discurso, usados segundo as regras por esta definidas. Isto significa que muitas das questOes cuja decisáo, no direito estatal, é mais ou menos automática ou mecánica (desde o tipo de documento aos prazos processuais) sao, no direito de Pasárgada, objecto TERCIO 32 Cfr. B. DB SOUSA SANTOS, Law Against Law, 501 e ss, (caso n, o 31). 32 33 de discussáo e de argumentacáo 33. Nisto consíste o carácter relativamente informal deste direito, urna caracterizacáo, aliás, pouco adequada, por negativa. Positivamente, o que se constata é a amplitude acrescentada do espa~o ret6rico do direíto de Pasárgada em relacáo ao direito estatal. Disse-se acima que as formalidades e os requisitos processuais do direito de Pasárgada sao obtidos a partir do direito oficial. Trata-se apenas da apropriacáo da ideia .geral dessas formas e processos, isto é, daquílo que neles facilita a maximiza~ao da seguranca do comércio jurídico, sem permitir que se transformem num ónus que prejudique a acessibílidade e a eficiencia do direito de Pasárgada. Assim, por exemplo, entende-se que os contratos, sobretudo os que envolvem a propriedade im6vel, devem ser reduzidos a escrito, como no direito oficial, mas o documento que se elabora tem as características de um documento particular facílmente obtível. Se algurn dos intervenientes nao sabe escrever, recorre-se a assinatura a rogo ou a impressáo digital, mas nem urna nem outra é feita segundo os tramites específicos do formalismo jurídico estatal. O curnprimento de tais tramites, ou nao seria possível, ~u, sendo-o, seria demasiado oneroso ou complicado e retiraria ao direito a acessibílidade que o caracteriza. O que está em causa, pois, é a configuracáo geral da forma e essa cumpre em Pasárgada as necessidades da seguran~a jurídica, tal como sao concebidas pelos membros da comunidade. Desenvolve-se assim, a partir do formalismo elaborado do sistema jurídico estatal, um formalismo popular. O muito que distingue estes dois tipos de formalismo nao deve impedir o reconhecimento de homologias estruturais e sobretudo de postulados culturais por ambos partilhados. Por exemplo, ambos os tipos de formalismo assentam na distincáo estrutural entre o oral e o escrito e ambos atribuem ao último urna carga potenciada de comprometimento 34. 33 Entre essas questóes podem referir-se as que dizem respeito ao princípio do caso julgado e aos prazos de prescricáo, Ao contrário do que sucede nos sistemas jurídicos estatais das sociedades complexas, nenhuma destas questóes (excepcóes, no nosso direito) tem no direito dito primitivo urna natureza processual. Os «mesmos factoss podem voltar a ser objecto de decisáo se houver razñes substanciais para tal e, paralelamente, o facto de ter passado um longo periodo de tempo (nunca determinado com precísáo) sobre a prática dos actos que sao objecto do processo nunca é motivo, por si s6, para o accionamento automático do mecanismo da prescricáo. Por exemplo, no direito dos Soga tal facto apenas um elemento importante na discussáo da causa. Cfr. L. FALLERS, Law Without Precedent, 267 e 283. Aliás, mesmo no díreito estatal contemporáneo a aceita~o do princípio do ne bis in idem é o resultado contradit6rio de urna complexa evolucáo histórica e a controvérsia gerada asua volta foi sempre alimentada mais por consideracóes políticas globais do que por razóes científico-dogmáticas. Cfr. G. SCHWARPLIBS, Die rechtsgeschichtliche Entwicklung des Grundsatz ene bis in idem- im Strafprozess, Zurique, 1970. é 34 Embora a este respeito, como, de resto, em geral, os postulados culturais sejam em boa medida contraditórios nao restam dúvidas que a expressáo escrita é atribuido um maior poder, quer no domínio do cerimonial e ritual, quer no domínio do comprometimento social. Nos manuais de mágica os feiticos escritos sao sempre mais poderosos, mais perigosos e rnais difíceis de neutralizar. Nos manuais de amor é-se aconselhado a nao escrever cartas enquanto se nao pretender um compromisso sério, Curiosamente, no Fedro PLATAO considera superior a eficácia da palavra falada em relaf;ao a escrita. Para ele o principal defeito da palavra escrita é o nao poder adaptar-se aos diversos tipos de público (cfr. A. PLEBE, Breve História, 84 e s.). Esta relativa rigidez ou fixidez da escrita está talvez na raíz dos maiores poderes rituais e sociais que lhe sao atribuidos. De urna perspectiva diferente mas paralela, YUEN R. CHAO atribui um certo conservadorismo apalavra escrita: «In practically all the alphabetic systems of writing of the present day orthography represents the language of an earlier stages, (Language and Symbolic Systems, Cambridge, Mass., 1974, 119). É talvez ainda um reflexo dos postulados culturais sobre a oralidade e a escrita o facto de alguns linguistas folcloristas continuarem a pensar que o texto escrito é sempre mais denso e complexo que o texto oral. Mas, como bem nota W. O. HENDRICKS, «as things stand now, the greater 'complexity' of written texts is merelv an assumptions (Essays on Semiolinguistics and Verbal Art, Haia, 1973, 122). Por isso estava certo ARISTÓTELES (Retorica, ID) ao preocupar-se sobretudo com as diferencas estruturais entre a oralidade e a escrita. Voltaremos a este assunto na última parte deste trabalho. eIndicatif et impératif juridiques. Erlangen. A linguagem técnica é sobretudo importante para criar a atmosfera de oficialidade e nessa base é um instrumento da retórica institucional que corre paralela e serve de suporte a retórica casuística de que se ocupa. o público). KRA.-L. ainda J.o que pode ser sobremaneira importante num círculo de juridicidade em que. o júri. 1975 . Daí a necessidade de conhecer em pormenor a linguagem jurídica em Pasárgada. tal como o formalismo em geral. O espa~o retórico pode ser medido tanto segundo o ambito da temática coberta . XIX. KA1. advogados das partes.como segundo o ambito do auditório relevante. participar na discussáo. 397 e ss. 1968. e segundo as regras de economia que lhe sao próprias.MAN. as duas medidas só parcialmente serem distintas. esteja submetida ao ritmo e a direccáo da argumentacáo propostos pelo presidente 35. 35 Sobre o audit6rio relevante vide Pmu!I. tal recuo seja um acelerador da implantacáo persuasiva da normatividade e da decisáo que dela decorre . como é de ver. discurso da norma e discurso da ciencia do direito (ob.e langage du droit et le langage juridique. e das sancñes para o incumprimento. é um distanciador e como tal pode ser usado como expediente de recuo retórico sempre que. que podem.. jurista) (cfr.para exprimir um fenómeno social tao universal como é o direito. procuram sobretudo determinar as suas variacñes internas consoante o tipo de emissor do discurso jurídico (legislador. Por detrás de qualquer destas classificacóes respira o sonho iluminista e sobretudo montesquiano da criacáo de uma linguagern jurídica absolutamente inequívoca (um sonho que. Com intencóes convergentes.}. as testemunhas. Rechtsnorm und Semantische Eindeutigkeit. Ministério Público. sendo distribuído aos nao profissio- .. ao contrário do que sucede no direito estatal. Para alguns a linguagem jurídica representa um uso específico da linguagem comum e a sua especificidade é considerada irredutível (cfr. VISSER'T HOOFf. por exernplo.. H.INOWSKI. A circulacáo retórica entre participantes nao profissionalizados pressupñe urna linguagem comum vulgar. o juiz. distingue entre discurso judicial. urna linguagem estranha . semelhante as formas e processos. Barcelona. d. tal distanciamento nao está institucionalizado pela profissionalizacáo e burocratizacáo do trabalho jurídico 36. J. VILLEY. Archives de Philosophie du Droit. Em Pasárgada.A ret6rica da linguagem e do siléncio o discurso retórico é um discurso verbal. El Derecho como Lenguage. CAPELLA. apesar de. 25 e ss. juiz. Paris. como de resto a das partes (mas em menor grau). por exemplo.34 Il. Le Langage du Droit.. nao está muito longe da aplicacáo da lógica matemática ao direito. usados de resto com um sentido por vezes diferente do que tém no direito oficial. as designacóes dos contratos. 61 e ss. XIX.). Por outro lado. aliás. Nos estratos mais elevados da especializacáo funcional o discurso original tende e reduzir-se ao círculo profissional. 35 num dado momento do discurso. 33 e ss.ao judicial como sobretudo o facto de o discurso judicial ser de todos os discursos jurídicos aquele em que é mais imediata a tensáo entre participantes profissionalizados (juiz. Dialogue a trois voix». em primeira linha. nao profissional. «benfeitorias. tambérn M. Isto nao significa que se nao use por vezes urna linguagem técnica que. TERCIO FERRAZ JR. que define o audit6rio em matéria ret6rica como el'ensemble de ceux sur lesquels l' orateur veut influer par son argumentatiom (25).. La Theorie cit.de que falam SOURIOUX E LERAT. e é nessa linguagem que é vertido o discurso jurídico de Pasárgada. o discurso jurídico. A homogeneidade da linguagem jurídica nao pode ser presumida sobretudo no que respeita ao emissor privilegiado.o que ternos vindo a fazer . M.). foi copiada selectiva e inovadoramente da linguagem técnica do direito estataL Assim. Archives de Philosophie du Droit.-R. ainda que a sua participacáo. cfr. ZIEMBINSKI. bem como certos termos técnicos. «Semantic Basis of the Theory of Legal Interpretatiom in Centre National Belge de Recherches de Logique. dos contratantes. é sobretudo um discurso da Jala. Outros. o auditório relevante abrange nao só as partes como os demais acompanhantes. 22 e ss. sem porem em causa tal especificidade.MM. afinal. Les criteres de leur discernement-. Na variacáo interna da linguagem judicial influem nao só a pr6pria estratíficacáo interna da fun. cit.). Cfr. a linguistica jurídica da Polónia distingue tradicionalmente entre a linguagem do direito (fundamcntalmcnre a legislacáo) e a linguagern juridica (dos juristas sobre o direito) Cfr. funcionários de justica) e nao profissionalizados (as partes. A linguagem técnica. Traité. J. 4 . Archives de Philosophie du Droit XIX. 18 e ss. WROBLEWSKI. Z. a Jurimétrica. 1970). 36 A linguagem técnica jurídico-estatal é hoje uma linguagem ultra-especializada cujas relacóes com a linguagem comum sao tensas e complexas. -La philosophie du langage ordinaire et le droio. G. GARDIES. distribuicío e consumo de silencio. classes e instituicóes. in P. a primeira vista. senda o silencio apenas um vazio caótico entre as palavras faladas. a questáo do impacto da multiplicidade dos códigos sécio-linguísticos na interaccáo judicial continua a ter a máxima acuidade entre nós. ob..ao dos tribunais nas áreas rurais mais isoladas e o processarnento dos imigrantes cabo-verdianos em Portugal pela policía e pelo aparelho judicial. Dadas as elaboradas etiquetas linguísticas e convencóes estilísticas de que se rodeia. Basta reter para os objectivos do presente trabalho que o silencio. isto é.ao dos tribunais de urna grande metrópole norte-americana em processos penais envolvendo jovens delinquentes oriundos de minorias étnicas D. esta concepcáo. o que é o mesmo. GIGLIOLI. é ela também que impóe a concepcáo de linguagem comum adoptada no interior do aparelho. é um fenómeno com implicacóes sociológicas que transcendem em muito as que lhe sao tradicionalmente atribuídas na ftlosofia da linguagem. 21 e ss.•• though al! participants in this trial were ostensibly speaking English they were using two different vocabularies with two different sets of meanings. no final. a linguagem jurídica oficial. 37 Paralelamente ao que fizemos com o formalismo. as relacóes estruturais entre a linguagem e o silencio tenham sido pouco discutidos pela linguística 38. como bern nota J. apesar de o processo ser falado em ingles e de todos os participantes fazerem uso (superficial) do mesmo vocabulário. ao faze-Io. nas linguagens secretas onastery of the conventions may be more important in gaining social success than substantive knowledge of the information dispensed through these languages•. é de crucial importancia para o conhecimento das relaeñes de poder no seio dos grupos. 38 Se sao necessárias urna etnografia e urna sociologia da fala. e cToward Ethnographies of Communications: the Analysis of Cornmunicative Eventss. Refiram-se a título da exemplo duas situacóes: a penetrar. D. puramente administrativa. dá testemunho de urna inovacáo linguística visando a construcáo de alternativas institucionais. ao contrário deste. As investigacñes mais recentes mostram que a ruptura da comunicacáo se dá muito aquém dos limites da comunidade administrativa da língua.transforma-se numa quase linguagem secreta e. mas tao só em termos das palavras que. GUMPERZ. P. por exemplo. «The Speech Cornmunitys.. ainda que esta última e. A linguagem técnica. Esta verificacáo suscita a necessidade da elaboracáo de urna etnografia da cornunicacáo e sobretudo de urna etnografia da fala (cfr. -Models of the interaction of language and social settings. SWETT chegou aconclusáo de que. Wimesses did not understand or share the meanings of the vocabulary used by the professionals in the courtroom culture. Mesmo depois da eliminacáo da administracáo judicial colonial. 39 Cfr. ob. sendo a linguagem dominante no aparelho judicial. isto é. o silencio é um nao-tema. DE SOUSA SANTOS. (Cfr. pois que. 227). É. como tal. consequentemente. O conceito de linguagem técnica popular nada tem a ver com conceito de desdiscurso apresentado na nota anterior. Law and Society Review 4 (1969). nao pode por isso ser analisado em si mesmo.como. de refutar em pormenor esta concepcáo 39.98). é urna realidade comunicativa estruturante. noutro lugar. nos termos desta concepcáo que se defmem as situacóes em que deve ser requerida a intervencáo de intérpretes e tradutores no processo judicial. 2. A análise da producto. longe de ser um vazio caótico. o criam. Tive ocasiáo.36 37 De novo em paralelo com o que se passa com as formas e requisitos processuais. nao saberern sequer se tinham sido condenados ou absolvidos. cit. de resto. existe urna multiplicidade de códigos sócio-linguísticos correlacionada com diferencas sociais culturais e regionais cujo impacto na cornunicacáo é decisivo. Num estudo sobre a acr. a linguagem técnica do direito de Pasárgada nao cria urna distancia que implique ruptura. nao o sao menos urna etnografía e urna sociologia do silencio. Law Against law. 261 e ss. contida pela linguagem tal como esta é contida nais aquilo a que chamo o desdiscurso. Para estas ciencias sociais. P. quer a nivel micro-social. HYMES. a profissionalizacáo da linguagem jurídica é um reflexo (e também um indicador) da profissionalizacáo das funcóes jurídicas em geral e. B. passa em claro as importantes contribuicñes da sociologia e da antropologia sobre os limites da cornunicacáo. pela ausencia. urna vez que. in P. No entanto. quer a nivel rnacro-social. introduzimos um conceito de linguagem técnica popular entre os conceitos de linguagem técnica tout court e de linguagem vulgar ou comum. . GIGLIOLI. ou. a linguagem administrativa e a linguagem litúrgica. a ponto de os réus. SWETT comenta «. Aliás. and neither these gentlemen nor the jury understood nor shared the meanings of the vocabulary used by the witnessess (<<Cultural Bias in the American Legal Systems. 23 (1967). cit. os postulados culturais e os códigos sócio-linguísticos eram de tal modo distintos que as mensagens se tornavam reciprocamente ininteligíveis.). vol. mesmo da mais monoglota. um discurso simultaneamente de repeticáo e demolicáo em que o especialista desmonta o seu discurso original e. É urna linguagem técnica popular 37. A questáo da linguagem suscita a questáo do silencio. desdiz-se. D. [ournal of Social Issues. um tema trivial. é hoje evidente que no seio de urna dada comunidade. que altere de modo significativo e permanente o ambito do auditório relevante. Como veremos adiante. A propósito do caso The People versus Young Beartracks. o periodo inicial de silencio entre os pais e eles. esquecer-se que esse poder pode também ser exercido pela ausencia de intervencóes verbais. GIGLlOLl. nao é legitimo contrapor o silencio 1l linguagem com base na ideia de que s6 há urna forma de silencio. de revolta. as partes. por exemplo. How to do Things with Words. 1978. de aprovacáo nao-entusiástica. 44 A decjfra~ao do significado contextua! do silencio pressupóe urna leitura estrutural das relacñes de comunicacáo em que tem lugar. Traité. ainda que no ámbito da retórica jurídica aqui analisada só este último nos interesse. Aliás. etc. H. etc. dentro deste último. B. BASSO. A retórica do silencio é um dos aspectos importantes do discurso jurídico de Pasárgada. e com a linguistica do silencio que da implica. nao deve. dá-lhes também a ilusáo do controle do discurso. K. silencio processual e substantivo e. longe de representar a suspensáo da comunicacáo. é antes um periodo em que. pelo uso autónomo e controlado do silencio.. P. urna reaccáo a um qualquer factor de perturbacáo exterior ao discurso. o caso nos discursos sincréticos de tipo jurídico-religioso 43. Na realidade. Mas a articulacáo fala/silencio. o presidente. entre silencio específico e nao espe- cífico. por mais importante que seja a questáo do uso (autónomo ou nao. Oxford (1962). do lado do presidente. 42 Sobre o silencio no direito. AUSTIN 41. exclamacóes.38 39 pelo silencio 40. DE SOUSA SANTOS. ordens. cfr. L.. o que nao se pode é conceber o silencio como urna suspensáo na comunicacáo. A primeira sub-estrutura. cThe Law of the Oppresseds. o que obriga a urna série de distincroes como. por exemplo. Há uma certa tendencia na literatura jus-antropológica para medir o poder do juiz. . o seu significado para a economia retórica do discurso só pode ser plenamente avaliado luz da caracterizacrao detalhada do silencio. 83). nao é monolítica. como diria J. Há assim um silencio escrito e um silencio falado. também com o silencio nao só se dizem coisas como se fazem coisas e neste sentido o silencio é um acto de fala. 69. no entanto. podendo mesmo distinguir-se nela duas sub-estruturas. c'To Give Up on Words': Silence in Westem Apache Cultures. no estudo já referido (vide nota 40).. que tende a dominar a primeira fase do processo. in P. Com base num dos exemplos por ele dados. controlado ou nao) do silencio. H. é caracterizada.. etc. Esta estrutura adequa-se particularmente a obtencáo de informacáo sobre a matéria em conflito por parte de quem está em melhor condicóes para a fornecer. Embora esta seja urna medida adequada em muitos casos. BASSO. entrecortados por falas interrogativas multidireccionais e de curta duracáo. na medida em que recorrentemente atribuem consequéncias jurídicas específicas a actos de silencio 42. Ilustracóes paralelas se poderiam encontrar no discurso religioso cristao. quando no fim do ano lectivo os jovens apaches regressam a reserva vindos das escolas na cidade branca. PERELMAN. isto é. por exernplo. comentários. AUSTIN. ou terceira parte. sobre o silencio no discurso religioso hinduista. O dominio que o presidente da associacáo de moradores exerce no discurso assenta numa articulacáo estruturada da fala e do silencio e de tal modo que o peso excessivo (desestruturante) conferido a um deles tende a ser resposta a uma situacáo de emergencia. De facto há s6 urna forma de silencio no mesmo sentido trivial em que há s6 urna forma de linguagem. No entanto. silencio pesado e leve. entre silencio de aceitacáo. os juristas estáo de algum modo familiatizados com esta concepcáo.. erro em que cai. o que faz BASSO. no processamento da resolucáo do conflito pela sua capacidade para intervir e para dirigir o discurso através de perguntas. chega aconclusáo que entre os apaches ocidentais o silencio é urna resposta a incerteza ou imprevisibilidade nas relacñes sociais (oh.. de rejeicáo. de longa duracáo. por silencios nao específicos. através dele. cit. isto é. 41 J. cit. O silencio do presidente. o facto de o silencio nao ser específico e de. portanto. 1. os pais comunicam aos filhos os seus receios de que estes tenham perdido ou rejeitado as suas raízes apaches ap6s um prolongado contacto com a cultura branca.. 145 e s. sendo estruturada. 29 e ss. 44. 43 Cfr. K. através do silencio. podendo até suceder que o poder seja tanto maior quanto maior for o silencio como é. Tal como acontece com as palavras. oh. ao dar as partes o controle da fala. presentes de modo sequencial no processamento do litigio. nao manifestar a 40 Assim. A segunda sub-estrutura.40 preferencia por qualquer área de conhecimento ou de ignorancia. uma vez que nao existem no direito de Pasárgada os separadores mecánicos . nesta fase. O tempo dos actos discursivos é a chave da inteligibilidade do discurso no seu todo. já que ela permite a terceira parte conhecer mais da matéria que quer conhecer e ignorar mais da matéria que quer ignorar. se relacionem factualmente com o conhecimento e a ignorancia. falando. os formulários. e a legitimidade que lhe assiste nao consiste na liquidacáo da distancia. na aparencia. por exemplo. tal como o espa~o é irmáo da lógica apodítica. 5 . para além da linguagem e do silencio. o processamento do litígio.A retórica das coisas O espa~o retórico do direito de Pasárgada. de algum modo. Os artefactos sao sobretudo usados como instrumentos da retórica institucional que. Na aceitacáo reside a proximidade possível (nunca total) através da qual. o mobiliário. comunicando as partes a sua estratégia e convidando-as a reagir. a questáo do tempo e do ritmo do discurso tem sido tao negligenciada como a questáo do silencio. Na medida em que multiplica ou desmultiplica a legitimidade da associacáo como forum jurídico. apesar de correr paralela a retórica do litigio. O que os caracteriza em geral é o efeito da distanciacáo que procuram criar entre a associacáo. como já foi referido. sem deixar de ser urna expressáo sócio-política da comunidade. 41 II.. os cartazes. A articulacáo fala/silencio permite captar os diferentes ritmos temporais a que é submetido. A autoridade. de que a normatividade actuante é urna das expressóes. Urna vez que decidir é especificar e especificar é intensificar simultaneamente o conhecimento e a ignorancia. os ficheiros. a terceira parte procura sublinhar retoricamente o seu controle sobre o discurso jurídico. como se sabe. as máquinas de escrever. Designam o que deve ser conhecido e o que deve ser ignorado. e a vontade das partes. a retórica institucional acaba por se transformar num elemento da reproducáo da jurisdi~aol /competencia ao longo do processamento do litígio. Tais ritmos sao fundamentalmente os ritmos do discurso jurídico e neles se condensam as múltiplas negociacóes em que os participantes intervém ao longo do desenrolar do processo. os dossiers de legislacáo. a tecnologia conceitual. . mas tao só na aceitacáo. esta estrutura adequa-se particularmente a fase decisória do processo. Nesta sub-estrutura a fala e o silencio sao normativos.que caracterizam o direito estatal contemporáneo. enquanto instituidora de normatividade. inversa. Apesar disto. que tende a dominar a segunda fase do processo. em diferentes momentos. etc. se investe do mínimo de alteridade que lhe permite decidir sobre os litígios. a profissionaliza~ao e a burocratizacáo . é ainda composto de outros «materiais» a que dou a designacáo geral de artefactos. ainda que. Esta dialéctica da distancia e da proximidade é muito sobredeterminada. Em suma.como. por parte da colectividade relevante. Entre os artefactos salientam-se o espa~o físico (que nunca é só físico) da sede da associacáo. pois. resulta sempre da distanciacño. o tempo é o irmáo da retórica. tem sobre esta urna accáo por vezes decisiva. a terceira parte sabe que quanto menos perguntar mais sabe. O controle da fala passa para o presidente e o seu discurso é entrecortado por silencios específicos e curtos e sobretudo de índole processual. dos critérios por que se mede. Acima de rudo assinalam que. a associacáo. é. os carimbos. no caso em análise. cria um certo vazio ou confusáo direccional no discurso que as partes procuram compensar ou ultrapassar. os estatutos. Sistematizando e controlando u~ pouc~ ~ais esta co~. GUATIAlU. Assim 48. como qualquer outro fetiche. para este efeito. A isso se recorre (quando se recorre) _por raz5es de explicita~ao analítica. representam urna retonca congelada.42 No processo de ratificacáo. 46 G. Cfr. um escasso uso de leis. a forca normativa dos textos 43 nao resulta do conteúdo específico destes. contm~a~. ao transformar o discurso retórico numa var~ave~ sociológica correlacionada sistematicarnente corn outra ou outras variávels. os documentos passam da órbita privada das partes para a órbita colectiva da associacáo. um silencio das coisas que torna as palavras do discurso hiper-faladas 47. os formulários. a máquina de escrever conferia a voz do poeta. Recursos t6pico-ret6ricos. sao utilizados como fetiches jur~d~cos e. trad04~0 é . Law Against Law. Rhizome. sempre que sao empunhados pelo presidente contra vizinhos recalcitrantes com o objectivo de dramatizar a atmosfera de oficialidade e a alteridade normativa da associacáo.. uma normatividade rizomática. 439 e ss. deve ser c. ~ discurso jurídico de Pasárgada faz um grande uso de topoi e. por exemplo. Progressivamente. 227 e ss. constata-se que quaisquer que seJam os mdlcadores utilizados para determinar a variacáo do espa~o retórico. Independentemente dos elementos retóricos que duma ou doutra forma 47 45 As máquinas de estranheza sao tanto mais eficazes quanto maior é o desfasamento arqueológico entre as suas formas e as formas das coisas que preenchem (e esvaziam) o quotidiano do grupo social. Nestes casos. O produto da vontade transforma-se em produtor da vontade e é neste preciso transito que se define o carácter constitutivo da ratificacáo.fácil é concluir que o espa~o retórico ~o . a frequéncia absoluta e no sen~ldo de val~. Isto é. 1976. r~presentati~o . Nova Jorque. O uso fetichIstico dos textos oficiais particularmente bem iluscaso n. na realidade. M. simultaneamente.es ou posicñes diferenciados no interior de urna gradacáo ou.a luz do direito brasileiro que. mas do facto de serem textos e de serem oficiais. Mas porque a associacáo consolida a sua posicáo de forum jurídico através da própria iniciativa das partes de lhe submeter os seus negócios e litigios jurídicos. 1. Ao invés. Os artefactos sao como que a pontuacáo do discurso e nessa qualidade assistem (no duplo sentido do termo) ao discurso. MCLUHAN. Understanding Media: The Extensions 01 Man. ~sta mvestigacáo. 1964.o?siderado. O espa~o retórico do direito de Pasárgada e do direito estatal . a verificacño é sempre favorável ao direito de Pasárgada. XIX. Se compararmos o direito de Pasárgada com o direito oficial dos estados contemporaneos e sobretudo dos estados capitalistas. DELEUZE e F.. investindo-se da normatividade própria que esta institui. Ao invés do discurso jurídico esta~al. M. a normatividade heteróctone da associacáo nao pode nunca cortar o cordáo umbilical que a liga a normatividade autóctone do comércio entre as partes. DB SOUSA. Ilf. a mesma autonomía e independencia que. o 21 de B. A sua presen~a faz normatividade. a máquina de escrever e os carimbos sao máquinas de estranheza por que passam sucessivamente os documentos até se autonomizarem em relacáo avontade privada de que comecaram por ser expressáo 45. para usar urna expressáo derivada de DELEUZE 46. McLUHAN salienta a autonomía e a independencia da escrita produzida pela expansáo macica do seu uso nos finais do séc. pois. onde se vai implantando a normatividade vertical do discurso verbal. ~s valor~ polares sao raramente obtíveis. AlIas.direlto de Pasargada é muito mais amplo do que o do díreito estatal. a re~usa de urna teoriza~ao bipolar está implícita no objecto teor~co.• " No ~ue se segue a contraposl~ao entre o direito de Pasárgada e o direito estatal e apresentada por vezes em termos dicotómicos. Referindo-se 11 máquina de escrever. Isto mesmo pode suceder com os textos legais oficiaís sobre favelas e associacóes de moradores. Paris. segundo CHARLES OLSON. SANTOS.clusao. G~LIVER. por essa via. como se pode ver em. O direito de Pasárgada assenta no modelo da mediacáo que.:ao plena dos méritos relativos das posicóes no litígio e que. sendo muito pouco rígidas as distinc. E para além disto há toda urna série de fa. por isso. Chicago. 232 e ss. reconhecern o papel da tópica retorica no discurso jundico oficial. é 5. nem os problemas teóricos. Londres. o objecto processado do litígio _ e. «AComparative Theory». ao contrário 49 Ilustrando a advertencia feita na nota anterior.24 e ss. Daí que o espac.estu~o. nao significa automáticamente o alargamen~o_ do espaco retórico. maximiza o potencial de persuasáo do discurso e o consequente potencial de adesáo a decisáo. Law. Paralelamente.:ao do universo processual separado da conflitualidade que deu azo ao seu accionamento é sempre precária e reversível no direito de Pasárgada. tendo recebido o conceito de direito da ciencia jurídica.. é 4. por excmplo. está expressamente orientado para a contabilizac.:oes jurídicas. 1969. Law in CuItl4re andSociety.:oes entre forma e conteúdo ou entre processo e substancia.:ao da economia retórica do discurso. o discurso jurídico de Pasárgada recorre . P. A interacc. urna vulnerabilidade que se agudiza com a profissionalizacáo e a burocratizacáo das func. proc~ssan.uestao da . dentro e fo~a do marxismo. Society and Industrial ]ustice. o que há nele de quotidiano e de vulgar. L. Nov~ Iorque. por todos R. comecou por pr~sup~r ingenuamente a distincáo clara entre o jurídico e o político (na sociología. . SELZNICK. Sendo o discurso jurídico de Pasárgada de forte dominancia tópico-retórica.. deve ter-se em conta que o papel das normas jurídicas no.:o retórico cubra áreas que no direito oficial estáo vedadas é . Formalizafiio da interaccdo. efr. como nao os resolve a posicáo oposta da separacáo tendencialmente ab~ol~ta.nao restam dúvidas que estas sao vulneráveis a urna utilizacáo sistemática e dogmática. Em fa~e do precedente. AB~. Antropology of Law: A comparatwe theO?. nao tem de sublimar. Ainda que tal distancia exista e seja urna determinante estrutural do processo.cto~es~ ~obretudo de ordem política geral. a estrutura organizativa do processo da Pasárgada nao exige a fixac. P. A constituic. um discurso jurídico nao legalístico e. através dele. . Ao contrário do que sucede no direito estatal. nao admira que a q.de tal modo que a sociologia do direito disp6e hoje de amp!a prova empm~ ~e que o processamento oficial dos litígios só em parte é guiado por normas jundicas. na antropología. NADER.. POSPISIL. Socla~ Control in an African Society. ~ . A absorcáo recíproca dos deis conceitos. qualqu~r que seja o seu sentido. o pensamento jurídico que projecta é um pensamento essencialmente quotidiano e comum.:ento dos litigios nas instituicóes jurídicas estatais (sobretudo nos tribunais) nao pode ser de ~odo n~nhu~ absolutizado. ainda que em t:r~os dlfe~entes (~ue e n~ss. ainda a um complexo arsena1 de mstrumentos reteneos 2. que condicionam a accáo dessas mstituicoes. nem os práticos. onde também se mostra que n? ~0~1l1l0 da ~t~o­ pologia jurídica a questáo tem-se centrado sobretudo na distincáo entre litigios jurídicos e litigios políticos).44 sempre intervém na aplicacáo das leis a casos concretos. Constituifiio do universo processual. pelo contrário. porérn. FALLERS Law Without Precedent.. 1971.o objectivo esclarecer). 49 . L. como lhe chamaria WALTER BENJAMIN por referencia a BRECHT.:ao jurídica em muito mais informal do que a programada pelo Pasárgada direito estatal. mediante sucessivaspróteses técnicas. e~tre eles. Ao contrario do que sucede com o pensamento da dogmática jurídica. 45 do modelo de adjudicacáo. a sua fixac.. Como já está dito. Modelo decisório: mediafiio versus adjudicafiio. A sociologia jurídica (e em parte também a antropología jurídica).:ao (nunca definitiva) é func. 1969. E para além dos topoi. pode conduzir a sua reducáo e as condicóes em que isto tem lugar ocupam o centro da investigacáo no presente . «!?lspute Settlement Without Courts: the Ndendeuli of Southern Tanzanias m L.distin~ao entr~ o !UrfdlCO e o pO/(tlcO seja hoje urna das questóes centralS da teoria ~oClal d~ direito. Isto. Mas esta posi~ao tem vin~o a ser progressivamente abandonada (o próprio GULLIVER nuanc~ou consideravelmente a sua posicáo inicial. a filosofía do direito ~ tambem a sO~lOlogla e a antropologia do direito. nao resolve. A study of the Arusha: agrlcultural Masa! of Northern Tanganyka.nunca é estabelecido com rigidez pois ele mesmo objecto de negociacáo no decurso da argumentacáo sobre a matéria relevante. É um pensamento tosco (das plumpe Denken). 3.:ao a partida da distancia (a respeitar) entre o objecto real e o objecto processado do litígio. Autonomia relativa do pensamento jurídico. o próprio objecto real do litígio . Nova Iorque. 1963). Estas subversóes momentáneas. por esta via. Pode haver mesmo momentos de grande «confusáo de papéis». a seleccáo é feita em fim~ao dos pressupostos e objectivos te6ricos da investigacáo. 51 A escassez dos meios resulta de a análise sociológica comparada ter sido raramente tentada corn o carácter geral que aquí propomos. potencia a proximidade ~ntre ~ . ~ nao profissionalizacrao do juiz facilita urna circulacáo retó~lc~ ~ue tende a subverter qualquer divisáo rígida do trabalho Jundlco. aliás . o que. Urna vez feita essa comparacáo. o procedimento aconselhável consiste em comecar pela comparacáo alargada e mínimamente sistemática entre o direito de Pasárgada e o direito estatal dos países capitalistas (para este efeito representados pelo estado brasileiro). trata-se de elaborar as variáveis independentes que permitam (criar as bases para) urna explicacáo da variável dependente. lugar a ruptura linguística (quase sempre acompanhada ~a ruptura profissional) nem as consequentes amputacóes do auditório relevante que no direito estatal sao responsáveis pela objectualizacrao dos sujeitos originais do processo. dois factores ressaltam: o nivel de institucionalizacáo da funcáo jurídica e o poder dos instrumentos de coercáo ao servico da producáo jurídica.46 a argumentacrao.é a de R. 115 e ss. em que a terceira parte se senta no «banco dos réus». com o objectivo de identificar factores exteriores ao espacro retórico em que se constatem diferencas estruturais que. enquanto as partes se afirmam como juízes intersticiais. A estratégia científica que subjaz a este trabalho exige que a fundacáo teórica se comece por revelar numa base analítica ampla e multidireccional a partir da qual sejam possíveis especificacóes teóricas anteriormente impensadas (e. Sao factores distintos. ainda que ambos decisivos para a determinacáo do modo de producáo 50 No seguimento de um dos esquemas tradicionais da 'explica~ao' sociológica positivista. 1976. com os limitados meios disponíveis 51. Daí também que enquanto o direito estatal tende a ser severo no que respeita ao formalismo e indulgente no que respeita ao conteúdo ético . sao transgressóes que permitem dramatizar a legitimacáo da estrutura. cnquanto a rransgressáo ética no domínio do direito civil tem de atingir grande gravidade antes de poder ser controlada . fu variáveis independentes nao devem ser em número tal que nao possam ser realisticamente exploradas mas a sua prolifera~ao nao está neste estudo limitada apenas por critérios pragmáticos. Nao tém. a qual. assim. No ámbito da presente investigacáo. Linguagem de referéncia.urna tentativa notável. A Investigafiio nas Ciéncias Sociais. A divisao do traballlO jurídico. os demais partiClpantes e o auditório relevante. ABEL oh. O carácter da linguagem jurídica de Pasárgada é concomitante do baixo grau de especializacraojproflssionalizacrao das funcroes jurídicas. FElUUllRA DE ALMEIDA e MADUREIRA PINTO. cit. 7.. Urna das poucas tentativas neste sentido . O discurso jurídico de Pasár- gada é vertido em linguagem comum e os element?s tecnológicos que por vezes inclui sao sempre urna tecnologia leve ~ue propicia urna melhor apropriacrao da realidade sem para ~sso ter de expropriar competencias linguísticas. nao pode ser imposta rígida e mecanicamente. Ao contrário. Sobre esta questáo entre n6s. 6. a luz dos conhecimentos presentes da sociologia e da antropologia do direito. longe de por em causa a posicáo estrutural dos participantes. a dirnensao ret6rica. . Trata-se agora de procurar urna explicacáo sociológica para estas constatacóes. na ausencia de recursos institucionais ou coercitivos. 47 De tudo isto duas conclusoes parecem incomroversas: o espafo retérico do discurso juddico é susceptivel de fJariafao. passim. no melhor dos casos. revelem de modo verosímil e significativo as linhas explicativas da variacáo do espacro retórico 50. no nosso caso.no direito de Pasárgada é a tendencia inversa que domina. Lisboa. o direíto de Pasárgada tende a apresentar um espafo retórico mais amplo que o do direito estatal. ou de qualquer outro modo assume mais o papel de parte do que o de juiz.já que se atribuem consequéncias substantivas de monta a violacóes formais mínimas. impensáveis).agente privilegiado do discurso (o presidente). :ao. . contudo. O excessivo rigor neste dominio é normalmente . reconhecimento num itinerario metodológico segu. OFFE e HIRSCH citadas na nota n. Como se disse a t~rceira alternativa é por enquanto um salto no escuro. Cfr. Nas páginas que se seguem tomar-se-á evidente que na investigacáo aqui apresentada se recorre a instrumentos metodológicos da sociologia positivista com vista--a elaboracáo de urna teoría marxista do direito e do estado nas sociedades capitalistas contemporáneas.do que. WRIGHT. DC. depois de nos fornecer em O Capital (1867) a fundamentacáo teórica global deste ponto 53. a própria teoria pode nao se reconhecer mínimamente no campo analítico criado e assim inviabilizar qualquer possibilidade para nele se enriquecer e transformar. o receio de nao ceder ao nivel da lógica teórica pode dar origem a sobreposicóes analíticas mais ou menos desarticuladas. apesar de relevar directamente das relacóes de producáo. Esta distincáo. por exemplo. URRY. conduziu a uma certa funcíonalízacáo do marxismo com consequencias estratégicas igualmente derrotistas. É hoje fácil reconhecer que é tao urgente produzir investigacáo empírica quanto evitar o empiricismo. dado o estado incipiente do trabalho teórico sobre a questáo a que diz respeito. útil pelas suas virtualidades analíticas.. trabalho apresentado na reuniáo anual da American Political Science Assodation realizada em Washington. PRZEWORSKI e J. ~m dos problemas básicos da análise correlacional consiste na operaClO~O dos conceitos. a história de urna certa frustracáo (e consequente estagnacáo) no interior do paradigma sociológico marxista perante a inconsequéncia de duas opcóes anteriormente seguidas. A segunda alternativa. G.:ao. R. O primeiro diz respeito ao processo de producáo em si e as relacóes técnicas e sociais que se geram no seu seio. em oposicáo a precedente. pela hierarquizacáo técnica e social do exercício das tarefas que integram a func. em Setembro de 1977. 53 No inicio do trajecto explicativo há que fazer um esclarecimento que consabidamente nao será total. procura maximizar a contribui~ao teórica e sobretudo metodológica da ciencia social positivista (nemeadamente. uma terceira via que. Sobre esta alternativa. avanca (se avanca) por saltos no desconhecido.os dois problemas mais difíceis sao os seguintes: por urn lado. Tenta-se agora de muitos lados. no campo marxista. de que a distribuicáo e consumo sao momentos da producáo tal como esta é daqueles. por enquanto. que o que se ganhou em pureza teórica perdeu-se em consistencia analítica. avisados como estamos. Quanto ao primeiro factor. Na sua defini~o mínima aponta para uma multiplicidade estruturada de papéis sociais. SPRAGUE cA History of Westem European Socialisms. por todos. considera-se institucionalizado o exercício da func. sem abrir máo da lógica global do marxismo. Aí beberáo novas forcas tanto a teoria como a estratégia de transforma~ao social no sentido do socialismo. 52 A relacáo dialéctica entre os dois factores aqui proposta é por ora uma mera hipótese de trabalho. • • 54 O ~nc~ito de ínstitucionalízacío está originariamente ligado a ld~l~ de recorrencia de um dado padráo de comportamento. vide as obras de E. pela actuacáo padronizada e impessoal sujeita a critérios específicos de competencia e a princípios e normas de racionalidade sistémica 54. diz especificamente respeito ao modo de distribuicáo e consumo da producto jurídica 52. Esta op~ao tem urna história. desde a Introdufao a Critica da Economía Polltica (1857) de KARL MARX. O mento desta alternativa foi de algum modo excessivo na medida em que. Londres. Pode até suceder que na constituicáo que aqui lhes é dada qualquer destes factores inclua momentos de producáo e de distribuicáo da juridicidade (ainda que de modo diverso e qualitativamente desigual). A primeira consistiu em estabelecer um cordao sanitário a volta da metodología da ciencia social positivista por se temer que o seu uso (sobretudo no que respeita aos critérios de preva) viesse a corromper a pureza teórica do marxismo.e também desesperado. KEAT e J. Na mvestlga~ao aquí apresentada . dificil ~ con~ert:r esse. nao a partida menos verosímil a hipótese oposta. enquanto o segundo. partiu da crenca nas virtualidades da teoría marxista para bater o positivismo no seu próprio terreno~ submetendo as categorias marxistas aos critérios de opera~lOnali?ad. Verificou-se. C. independentemente das relacóes específicas que entre eles se possam estabelecer e que no modo de producáo capitalista. Social Theory as Science. Trata-se de urna op~ao teórica e epistemológica polémica que.:ao jurídica que se caracteriza: pela divisáo interna e externa do trabalho jurídico e a consequente tendencia para a profissionalizac. por outro lado. nao é aqui entendida em termos positivistas. atribuem ao momento da producto um papel determinante. Aliás. MARX também nos adverte na Critica do Programa de Gotha (1875). THERBORN. Da pureza teórica a pobreza teórica vai urn passo difícil de medir.48 49 social da juridicidade. o 1 e ainda A.que se ve integrada nesta terceira alternativa .o. sobretudo quando com a teoria se jogam também as estratégias políticas dela é decorrentes. ao transformar a lógica dialéctica da teoria marxista num apéndice supérfluo. de resto. 1975. nas suas versees funcionalista e estrutural-funcionalista) com vista a criacáo de campos analíticos simultaneamente vastos e rígorosamente mapeados. . ainda que um salto pujante . e o reconhecimento disso é sempre frustrante. O.e POSltlV~S~as para sobre elas constituir investigacóes empíricas lrref~táVelS. ob.). ROBERT REDFIELD. o exerdcio da fun~ao jurídica constitui um aparelho burocrático no qual. ou melhor.oes paralelas em sociedades concebidas neste estudo como tendo um baixo nivel de institucionalizacáo.). BOHANNAN (org. Nova Iorque. Londres. dando origem. Law and Warfare.. Dai que alguns autores.ao. internamente. mesmo nos paises com um nivel de institucionalizacáo da funr. D. nos nossos dias.ao jurídica nao é mais do que um tipo ideal no sentido de MAx WEBER. 43 e ss.utilizado por P. CARLIN.. Londres. AUBERT (org. podendo ser maior ou menor a divisáo do trabalho. S. 1967. 1972. cit. mais ou menos padronizada e impessoal a actuacáo.. centrando-se na organizacáo de dicotomias. O procedirnento analítico adoptado s6 pretende conhecer as estruturas dominantes e o modo dominante de as accionar. Cfr. a tenham abandonado.).. MADURllIRA PINTo. J. Basta para isso que os tipos ideais sejam convertidos em factores cuja variabilidade constitui o centro da explicar. podendo mesmo ser usadas complementarmente. Sociólogos e antropólogos tém mostrado uma grande predileccáo pela construcáo de tipos ideais e é com base neles que na sociología e antropología jurídicas se tém vindo elaborar uma série de tipos ideais dispostos em dicotomias. um elevado grau de institucionaliza~ao da fun~ao jurídica 56. ao contrário do que pensa R. O. cit. No entanto. a síntese de um conjunto muito arnplo. por exemplo. MORIONDO cThe value-system and professional organization of ltalian [udgess in V. o clireito oficial do estado capitalista apresenta. nao é possivel através dele obter informacñes precisas sobre a distribuicáo ou diversificacáo internas da instirucionalizacáo. Wisconsin Law Review. está muito próximo (embora seja bastante mais restrito no ambito) do conceito de racionalidade formal de M. É isso o que se tenta fazer neste estudo com cada um dos factores utilizados. M. 496 e ss.ao unilateralde um ponto de vista ou perspectiva. O importante que as dimensñes internas ou indicadores do factor sejam nele logicamente subsumíveis e nao possarn desempenhar isoladamente o que ao factor se atribui no seu conjunto. de fenómenos individuais organizados sob a égide do ponto de vista unilateralmente acentuado para constituir um conceito analítico (cfr. O factor da institucionalizacáo.). AUBERT (org. ob... 1964.. Lawyers and the Courts: A Sociological study of the English Legal System 1750-1965. 1971). 241 e ss.. o aparelho institucional (a dimensáo funcional propriamente dita) e o aparelho ideol6gico (a dimensáo lógico-sistemática) 55. para efeitos analíticos. De La Division du Travail Social). 116 e ss... DIAMOND. mediar. 3 e ss. WEBER.. Quando plenamente institucionalizado.). substituindo-a pela correlacáo de variáveis. ePrimitive Laws in Encyclopedia of the Social Sciences. 56 O grau de institucionalizacáo da funr. cIdeal Types and Theory Constructions in MAy BRODBECK (org. Por outro lado o componente da divisáo interna é aparentado com o conceito de díferenciacáo de papéis tal como é aplicado por R. Primitive Law Past and Present. 57 É imensa a bibliografia sobre as profissóes jurídicas. revela-se urna metodologia estática onde nao é possivel descobrir nem as relacóes entre os opostos nem as gradacóes mediando entre eles.oes podem até ser desempenhadas de modo semelhante ao que é típico das funr. ABEL (ob. ob. A fun~ao jurídica nao s6 se autonomizou em relacáo as demais fun~5es sociais como. cit.ao jurídica é determinado a nivel macro-social. ABBL-SMITH e R. WEBER. 1933. No seio de urna dada unidade social ou ordem jurídica as várias funr. Para M.) ob. A. nao a urna. nao me parece necessário contrapor nestes termos as duas metodologías. STEVBNS. TRUBEK eMax Weber on Law and the Rise of Capitalisrr». Lawyers on Their Own: A Study of Individual Practitioners.. WEBER o tipo ideal representa sempre urna cacentuar.. A sistematizacáo (padronizaeáo e o resultado (e a compensacáo) da falta de perspectivacáo te6rica de longo alcance. ABEL. E. em especial o seu último componente. ob. R.. Ao nivel de análise em que nos movemos nao é necessário entrar em especificacées que a outros níveis seriam de crucial importancia. DURKHEIM.. Aliás. mas a várias profiss5es jurídicas com tarefas rigidamente definidas e hierarquizadas 57. E.) Readings in the Philosophy of the Social Sdences. entre os quais R. BOHANNAN (org.ao (EcmoFF. Assim.. SMIGEL. FERREIRA DE ALMBlDA. 310 e ss. Por outro lado.. ABEL. eLaw faculties and the Gerrnan upper cIass... BOHANNAN para distinguir o direíto do costume (cThe Differing Realms of the Laws. podem ser significativamente diferentes os perfis ideol6gico-profissionais das várias profissóes jurídicas. WEBER (sobre este tema cfr. in V.). Um dos rnaiores riscos desta metodologia consiste em que. Algumas deseas funr. Londres. 55 A institucionalizacáo plena da funr.50 51 A institucionalizacáo admite graus diversos. pode dar origem a construcñes estereotipadas donde nao é possivel obter qualquer orientacáo válida para a elaboracáo de hipéteses. DABRENDORf. em geral.). 1962. 250 e ss.ao/adjudicar.. se deve distinguir. ob. allás. quando construidos dicotomicamente os tipos ideais dificilmente se distinguem das variáveis dicotómicas. 1970. tais como: direito primitivo ou tribal/direito moderno (RADCLIFFE-BROWN. mais ou menos rígida a hierarquizacáo. cit. ePrimitive Laws in P. 294 e ss•• é . O conceito de institucionalizacáo aqui proposto nada tem a ver com o conceito de dnsdeucíonalízacáo dupla.oes nao sao todas desempenhadas ao mesmo nivel de instirucionalizacáo. ao ser utilizada por cientistas sociaiscarecidos da erudicáo de M. difuso e heterogéneo. cit. direito repressivo/direito restitutivo (E. in P. atingiu elevada especialízacáo. cit. The Wall Street Lawyer: Professional Organizational Man? Nova Iorque.ao jurídica em geral elevado.). Nao sao necessários grandes esforcos de ínvestigacáo para concluir que. 720 e ss. Cfr. cit. 59 A caracterizacáo do legalismo enquanto ideologia profissional é urna das mais complexas tarefas da sociologia do direito. A funcáo jurídica é uma das várias desempenhadas pela associacáo de moradores e de algumas delas nao se distingue facilmente. quer ainda pelo efeito de neutralizacáo relativa resultante das accóes paralelas ou contrárias de outros instrumentos de coercáo existentes no mesmo espa~o sócio-jurídico. a participacáo no exercício das tarefas é mais determinante que a hierarquizacáo das funcñes e esta.oes jurídicas. o legalismo 59 . Por outro lado. aliás. (orgs. cit.\ 52 53 impessoalizacáo] da actuacáo derivam nao só da lógica normativa-constitucional que subjaz a filosofia política do estado liberal 58 como. reduzindo-as a um número limitado de parámetros bem definidos. é também objecto de negociacáo e argumentacáo e nao está. aliás. Por esta via se consolidam as especializacóesjdiferenciacóes funcionais e novas diviso es técnicas e sociais do trabalho jurídico. A autonomizacáo e a sistematizacáo da funcáo jurídica . mais imediatemente. Londres.oes judiciais a emergencia de um modo earbitrário» de eliminar a complexidade moral e social das questóes. Londres. B. aliás. decorre da análise precedente do seu discurso e que me dispenso agora de repetir. quer pelo tipo de condicionalismos a que tal accionamento está sujeito. sobretudo através da pesada tecnologia linguistica e conceitual e da criacáo de um universo teórico onde se segregam as coeréncias sistémicas do fragmentário e fragmentante agir técnico-jurídico. Por último. do vasto arsenal do formalismo jurídico em geral e do formalismo processual em especial e ainda da profissionalizacáo do contexto em que estes sao accionados. Comparado com o direito estatal. O procedimento analítico rnais seguro consistirá em partir das estruturas de institucionalizacáo das fun\. TheDevelopFINE et al.). sujeita a critérios rigidamente aplicados. da producáo de uma ideologia específica. Os instrumentos de coercáo podem ser mais ou menos poderosos. É este o procedimento adoptado por L.) ao ver na especializacáo das fun\. POGGI. Apesar de a associacáo. o poder dos instrumentos de coercáo ao servico da producáo jurídica. uma divisáo estruturalmente homológica da que intercede entre trabalho manual e trabalho intelectual. exerce as funcóes na associacáo. 1978. quer pelo tipo de accñes violentas que podem accionar. 1979. como. o direito de Pasárgada apresenta um grau de institucionalizacáo muito baixo. o presidente da associacáo tem um pequeno comércio em Pasárgada e é membro destacado de uma das muitas organizacóes religiosas activas na comunidade. inclusivamente a divisáo entre o trabalho prático-utilitário e o trabalho científico-dogmático.tém a sua reproducáo alargada garantida pela ciencia jurídica. na medida em que existe. O contraste entre o direito de Pasárgada e o direito estatal nao é menos flagrante no que respeita ao segundo factor. LUHMANN (ob. ser o agente privilegiado do discurso jurídico. colidiria coro o princípio de interaccáo social duma sociedade dominada por relacóes primárias de face a face.concomitantes. a par das suas actividades comerciais e religiosas. a chamada dogmática jurídica. a padronizacáo é sempre precária e sempre determinada pela lógica tópica e nao investe nunca a actuacáo jurídica de um carácter impessoal que. sobretudo das que respeitam a especializacáo e a profissionalizacáo para com base nelas reconstruir os códigos sub-culturais estruturalmente homológicos.) que converte a absorcáo de complexidade em princípio básico do processo judicial. pelo seu presidente. Esta análise coincide em geral com a de N. Os instrumentos de coercáo constituem um aparelho coercitivo quando: estáo organizados segundo o principio de eficiencia total. Por instrumentos de coercáo entende-se o conjunto dos meios de violencia que podem ser legítimamente accionados para impor e fazer cumprir as determinacñes jurídicas obrigatórias. FALLERS (ob. . and the Rule of Law. portanto. N o domínio da prevencáo dos litígios (processo de ratificacáo dos negócios jurídicos) nao existe divisáo nítida entre as funcñes do presidente e as do secretário da associacáo. Capitalism ment of the Modern State. incluindo a funcáo jurídica. o accionamento nao conhece outros condicionalismos 58 Para citar apenas duas obras de síntese recentes: G. cit. entre muitos. Surveiller et Punir. cfr. se nuns casos é verbal. 1977. 1978. E entre a repressáo da transgressáo e a ameaca há ainda que referir o domínio crescentemente importante da repressáo preventiva. ACKROYD et al. Ao contrário. Innerstaatliche Feinderkliirung in der Bundesrepublik. . Urna das suas características principais reside em que a sua eficiencia nao resulta apenas das medidas efectivamente accionadas mas também da simples ameaca do accionamento. e tal solicitacáo será certamente satisfeita em vista do empenho da polícia em conquistar legitimidade 60 Dentre a amálgama bibliográfica sobre o assunto. Londres. 61 Cfr. Este aparelho coercitivo. de resto. o conjunto de medidas accionadas para desmantelar tudo o que o aparelho coercitivo define como plano de transgressao da legalidade 61. Pode mesmo dizer-se que o dispendioso apetrechamento tecnológico e profissional do aparelho coercitivo das sociedades capitalistas avancadas nos últimos anos tem visado sobretudo a repressáo preventiva. Mas trata-se tao só de formas de pressáo mais ou menos difusas. o direito de Pasárgada dispóe de instrumentos de coercáo muito incipientes e de facto quase inexistentes. aliás. D. gerindo os conflitos sociais de modo amante-los dentro de níveis tensionais toleráveis do ponto de vista da dominacáo política de classe que ele contraditoriamente reproduz. Berlim. BRUCKNER e A. a actuacáo é monopolística na medida em que assenta na liquidacáo de instrumentos coercitivos concorrentes. Por outro lado. «Estado de Direito e Repressáo. 1958. que envolve várias forcas policiais. MELOSSI e M. em geral.) The Technology of Political Control. Carcere e Fabrica. familiares próximas da accáo directa. Cfr. o direito do estado capitalista procede a consolidacáo (contraditória) das relacóes de classe na sociedade. Bolonha. A associacáo participa na organizacáo de formas colectivas de coercáo contra um vizinho transgressor que se nao deixa persuadir pela retórica jurídica no sentido da reposicáo da legalidade. SYKES. 1976.. ICNATIEFF. estando embora o accionamento dos mecanismos de controle violento subordinado a normas e regulamentos gerais. Harmondsworth. do discurso da violencia que. Nao restam dúvidas que a producáo jurídica dos estados capitalistas contemporáneos. também P. para além do universo totalitário das instituicóes que integram o sistema prisional 60. Paris. 1979. 1975. Para além disto. as quatro seguintes obras representativas de outras tantas perspectivas teóricas sobre o universo prisional: G. 1977. em caso de emergencia. é facilitado pela invisibilizacáo do controle por via da sofisticacáo tecnológica com que é executado 62. o controle torna-se tanto mais íntimo quanto mais remoto. o critério de eficiencia tende crescentemente a dominar o critério de legalidade. M. Sao accóes e náo-accóes de estrutura muito fluida e de consistencia muito precária. 3. M. Revista Ctitica de Cihlcias Sociais. o que. a Beruftverbot na Alemanha Pederab. para-militares e militarizadas e. Apoiado neste forte e diversificado dispositivo de coercáo. A Just Measure of Pain. FoucAULT. está na raiz da conversáo do direito em centro de disciplinacáo e de controle social do estado capitalista. por si. Por outras palavras. a análise mais recente da repressáo preventiva na Alemanha Federal em SOUSA RmElRO. PAVARINI. noutros resulta tao só da presen«¡:a demonstrativa (agressivamente silenciosa e silenciante) dos artefactos da violencia legal. C. isto é. The Society of Captives: A Study ofa Maximum Security Prison. e em que o papel da associacáo nunca é. Dez. as próprias forcas armadas. a associacáo pode solicitar o apoio do destacamento policial sediado no bairro para impor. pela forca. tém ao seu servico um poderoso e complexo aparelho coercitivo detentor do monopólio da violencia legítima. que visam ir tornando progressivamente intolerável a manutencáo de um certo curso de accáo. determinante para o seu accionamento. uma sua decisáo. (orgs. Staatsftinde. 62 Cfr. KROVOZA. Princeton.54 55 se nao os que decorrem da aplicacáo de normas e regulamentos gerais. isto é. inscrito desde o início na lógica do modelo constitucional do estado liberal. The Penitentiary in the Industrial Revolution 1750-1850. sabe que qualquer envolvimento com a polícia significaria a perda da legitimidade da própria associacáo. mas obtida com custos muito superiores para as partes. o discurso da violencia.tais sociedades e seus respectivos direitos tém sido concebidos como entidades sociologicamente antónomas. em Pasárgada os principais instrumentos de coercáo sao as ameacas. no é 63 As referencias bibliográficas sobre o processamento de litígios na antropologia jurídica feitas ao longo desta seccáo e da precedente constituem no seu conjunto o suporte empírico para as generalizacóes feitas no texto pelo que me dispenso de as repetir neste lugar. do novo direito estatal moldado. isto é. «costumeiro». as instancias mais típicas e mais tratadas na literatura sao o colonialismo e o pós-colonialismo. o caso em discussáo fosse processado pelo direito oficial a decisáo ou seria idéntica a da associacáo. por isso. na situacáo pós-colonial. na medida em que através delas o presidente procura sugerir que se. corroiria a sua imagem junto dos moradores. trata-se sobretudo de urna retórica da forca. Do confronto resulta com clareza que nas sociedades em que o direito apresenta um baixo nível de institucionalizacáo da funcáo jurídica e instrumentos de coercáo pouco poderosos. Algo de semelhante se passa com muitas das referencias ao direito oficial no decurso do processo de prevencáo ou de resolucáo dos conflitos jurídicos. do confronto dos resultados da investigacáo sociológica em Pasárgada com os resultados de outras investigacóes sócio-jurídicas que constituem. pois. ele próprio. Mas porque se trata de ameacas de quase impossível concretizacáo. Trata-se do reforce de um discurso decaído. ao nível do espac¡:o retórico do discurso jurídico há-de partir. urna imagem já de si sujeita as vicissitudes políticas do processo de organizacáo comunitária. «nativo». daí que e presidente procure a todo o custo explorar a lógica do razoável antes de passar a «lógica do irrazoáveb. ou seria mais desfavorável para urna ou ambas as partes consoante as situacóes.56 57 no seio da comunidade e vencer a hostilidade e o ostracismo a que é votada pelos moradores. «autóctone» e do direito colonial ou. Daí que. ser valorado a luz de urna teoria global da sociedade capitalista e da posicáo estrutural que nela ocupa a instancia jurídica. conluir-se que. a análise monográfica dominou em absoluto sobre a análise comparada . parte integrante do discurso jurídico. . pouca atencáo tem dedicado a retórica jurídica . até há pouco tempo. Mas esse confronto. Este topos representa sernpre urna retórica de recurso e só é accionado quando a obstinacáo de urna ou ambas as partes fez falhar o topos da cooperacáo. retoricamente desnutrido. pois. só em circunstancias extremas é concretizado. no que aqui interessa. Pode. o discurso jurídico tende a caracterizar-se por um amplo espac¡:o retórico 63. há-de. a coexistencia no mesmo espac¡:o do direito «primitivo». por hipótese. Sempre que a unidade de análise é ampliada de modo a abranger espac¡:os geo-políticos mais vastos em que tais sociedades estáo integradas. É certo que esta última característica nao analisada explicitamente na literatura . como acima se disse. Conclui-se. ciente disto.mas pode com seguranc¡:a inferir-se das análises minuciosas do processamento da resolucáo dos litigios nessas sociedades. No entanto. em aspectos decisivos. que quer quanto ao nível de institucionalizacáo da func¡:ao jurídica quer quanto ao poder dos instrumentos de coercáo o direito de Pasárgada e o direito do estado capitalista ocupam posicóes estruturalmente distintas. Sao referénciasjameacas. a associacáo sabe que seriam elevados os custos de tal colaboracáo. a sociologia e a antropologia do direito. como se disse. na sua totalidade. Na tradicáo dos estudos antropológicos . embora o recurso a polícia seja frequentemente referido como arneaca.em que. de um topos de intimidacáo que é. A relevancia da variacáo ao nível destes factores para a explicacáo da variacáo também já constatada.que. «tradicional». seudo. Nestas situacñes. muito menos. Em qualquer dos casos. por exemplo. WALTHAM (Mass. nao pode ainda criar urna ordem jurídica adequada as suas necessidades de desenvolvimento social. R. Chicago.o que na situacáo colonial é particularmente evidente . ser entendido no ambito restrito dos factores seleccionados pela estratégia analítica adoptada neste trabalho. por isso. as quais se podem formular. Como 65 Ternos vindo a pressupor a distin~o entre institucionalizacáo da fun~o jurídica e poder de coercáo. cNotes Towards a Theory of Law and Ideology: Tanzanian Perspectivess.:as estruturais obtidas por meio de drásticas reducóes analíticas e susceptíveis de ganhar corpo e sentido muito diversos consoante os contextos sociológicos em que se manifestam.:ao jurídica e o poder dos instrumentos de coercáo) 65. contrariamente ao direito tradicional.s African Law Studies. 80 e ss. Sobre esta questáo e outras conexas cfr.). Concluí-se que.para evitar rupturas políticas e administrativas graves . SALTMAN A Restatement of Kipsigis Customary Law. BOHANNAN diria que as normas do costume passaram a normas jurídicas pelo processo de dnstitucionalízacáo duplas). o direito estatal tende a apresentar um mais elevado nível de institucionalizacáo da funcáo jurídica e mais poderosos instrumentos de coercáo . por urn lado. a possibilidade de medicáo rigorosa dos valores relativos de cada um deles e. 31 e ss.a manter ou a adoptar as estruturas jurídicas do estado capitalista de cujo donúnio colonial se libertou. African Law Studies 13 (1976). Trata-se de semelhanc. 1963. Assim sucedeu nas colónias e ex-colónias británicas com o chamado movímento do Restatement (P.. YASH P. em termos de correlacáo.e concornitantemente o seu discurso jurídico tende a ter um espac. 17 (1969) 573 e ss. «Customary Laws ofWrongs in Kenya: an essay in research methods. pela prática dos tribunais. o contraste entre o direito tradicional e o direito estatal oferece algumas semelhancas com o contraste verificado entre o direito de Pasárgada e o direito estatal brasileiro. CHANOCK. 16 (1978). TWINING. a ter forca de lei. especializado e profissionalizado. M. The Place of Customary Law in the National Legal Systems of East Africa. da seguinte forma: A amplitude do espafo retórico 64 A reducáo do espaco retórico teve igualmente lugar naquelas situa- ~i5es em que o direito tradicional foi passado a escrito para efeitos cientí- fiCOS e administrativos e passou. W. cNeo-Tradicionalism and the Customary Law in Malawi. o paralelismo nos contrastes deve.:o retórico mais reduzido 64 sempre mais reduzido na situacáo colonial. Assirn. Tal .:as nao menos importantes e nao escondem o facto de o direito de Pasárgada nao ser um direito «tradicional» no sentido em que o sao. o facto de o proletariado urbano das favelas de urna grande metrópole capitalista viver em condicóes materiais de producáo e reproducáo muito diferentes das dos camponeses das rnicro-sociedades rurais do continente africano no período colonial ou mesmo pós-colonial. entre os factores que na estrutura das correlacñes funcionam como variáveis independentes (o nível de institucionalizacáo da func. Esta formulacáo da covariacáo múltipla entre factores pressupóe.58 59 direito do estado ex-colonizador. A separacáo entre estes dois factores é fundamental para que funcionem ambos como variáveis independentes integrados num conjunto internamente diversificado de covariacáo. no entanto. forc. GHAI.:a que as diferenc. um movímento de éxito muito duvidoso mas que certamente contribuiu para a construcáo de um sistema jurídico centralizado. n 4 do discurso juddico varia na razdo inversa do nivel de institucionalizafao da funfao jutldica e do poder dos instrumentos de coerfao ao servico da produfao juddica.. 1971. As semelhancas existem a par de diferenc. M. apesar de inspiracáo e orientacáo anti-capitalistas. resulta com seguranc. American [ournal ofComparative Law.:as verificadas entre o direito de Pasárgada e o direito estatal sao expressáo de variacóes significativas entre os factores (ou variáveis complexas) analisados. urna vez que a dominacáo/repressáo colonialista se reproduz de modo directo na dominacáojrepressáo das línguas «nativas». o direito estatal ou é o direito de um estado capitalista colonial ou pós-colonial ou é o direito de um estado pós-colonial que. por outro lado.:ado . ABBL. a determinacáo das relacóes internas. os direitos africanos nem. a luz do conhecimento antropológico e sociológico do direito. 2 C 1 C i ~ R como variável contextual ou de mediacáo Como também ficou dito. 66 Pode objectar-se que ao longo desta sec~ao está implícita. do dominio da distribuicáo social da juridicidade. a teoria de H. Oxford. Embora reconheca que mesmo depois de urna década de esforco nem sempre é fácil fugir a tentacáo evolucionista (e nao estou certo de eu próprio sempre o con- as . Como mero exercício.sobre a distincáo entre normas primárias e normas secundárias). 1974.. Também no dominio da filosofia do direito sao recorrentes as vibracóes da ideia evolucionista (veja-se. duas situacóes seriam pensáveis. separacáo de factores nao é. quer por razóes epistemológicas mais gerais e decisivas que nao vem ao caso explorar aqui . Na análise aqui proposta a separacáo dos factores implica que eles influem de modo autónomo (ainda que articulado) nas variacóes do espaco retórico. STANLEY. ABEL que. Tal ideia tern de facto servido de suporte ideológico as teorias burguesas da rnodernizacáo e em particular teorias funcionalistas do direito e desenvolvimento social (urna visao crítica em D. a institucionalizacáo está ligada a um processo histórico de concentracáo (e. de expropriacáo) das competencias para derimir os conflitos e nesta medida pode considerar-se constituída internamente por urna dimensáo de poder. L. reduz a análise causal a diferenciacáo estrutural e dela faz decorrer as variacóes no processamento dos litígios (do qual o uso diferenciado dos instrumentos de coercáo é um dos indicadores). F. Madureira Pinto os comentários sobre esta sec. Chicago. pelo menos) do domínio da produ~¡¡:o social da juridicidade e os instrumentos de coercáo. Cfr. a título de exernplo.. representadas simbolicamente do seguinte modo: Figura 2 2.a correlacáo deve ser lida. CAMPBELL J.quer pelos limites actuais do conhecimento neste domínio. nao se exclui que a relacáo entre 1 e C possa ser alterada ou mesmo invertida no interior da teoria marxista. Experimental and Quasi-Experimental Designs [or Research. Por agora. neste momento. na esteira de FALLERs. Pode até suceder que um dado factor pertenca geneticamente a área da producáo e sistematicamente a área da disrribuicáo. Contudo. pois que estáo ainda por determinar as relacóes de articulacáo entre os dois factores. conhecer a relacáo d para conhecer com exactidáo as restantes relacóes do conjunto (por exemplo.. na organizacáo das variáveis. urna vez feita a traducáo {trai. Em todo o caso. trata-se de urna simples hipótese de trabalho teoricamente fundada. urna ideia evolucionista nos termos da qual os sistemas sécio-jurídicos evoluem linearmente no sentido da mais elevada institucionaliza. e por mera hipótese. Também se referiu a dificuldade (impossi- 2. Graficamente podemos definir a situacáo analítica do seguinte modo: é bilidade?} de traduzir (atrai~oar?) esta rela~ao em termos positivistas. ob. no entanto.. um poder organizacional. D. dada a inviabilidade de tais situacóes nos nossos dominios científicos. SÓ distinguindo esta forma de poder da que reside no uso da violencia física (própria dos instrumentos de coercáo) é que se toma possível separar analiticamente os dois factores. nestes termos: quanto mais elevado é o nivel de instítucionalizacáo da fun'rao jurídica menor tende a ser o espa'r0 retórico do discurso jurídico. para os nossos objeetivos teóricos do momento o importante é manter a autonomia entre os dois factores. Procedemos diferentemente de R.ao?}. PINTO.The Concept of Law.ao e do maior poder dos instrumentos de coercáo. inequívoca.ao do trabalho. dt. Ficou dito acima (nota 52) que para os efeitos teórico-analíticos do marxismo.Espaco retórico + Falta. 98.1 Figura 1 I--+C--+R C como variável interveniente c+ 1 . GALANTER.60 61 nenhum destes pressupostos se verifica . A. Assim. fazer variar o outro e analisar os efeitos produzidos em R. e vice-versa. de modo menos pretencioso mas mais realista. e vice-versa 66.Institucionalizacáo da jurídica e- Instrumentos de fun~¡¡o coer~¡¡o R . pois. quanto mais poderosos sao os instrumentos de coercáo ao servico da producáo jurídica menor tende a ser o espa'r0 retórico do discurso jurídico. TRUBEK e M. DE ALMEIDA e M. a solucáo mais próxima seria comparar duas ordens sócio-jurídicas muito semelhantes mas diferentes quanto a 1 ou C e analisar numa sequéncia temporal os efeitos em R da variacáo desse factor. se considera a institucionalizacáo da fun~o jurídica como sendo (predominantemente. <Scholars in Self-Estrangemeno. Para que o seja necessário distinguir entre as formas de poder que lhes subjazem. 1961 . portanto. HART . 1062) e a coberto delas a dominacáo imperialista tem grangeado um verniz científico. Agrade~o ao DI. Numa situacáo experimental bastaria manter um dos factores constantes (supondo controladas todas as possíveis alternativas). embora se conheca as direccóes de a e b nao se conhecem os seus pesos relativos sobre R). 1970. Wisconsin Law Review. a expansáo dos tribunais de vizinhos no Chile durante o período da' Unidade Popular (O. apesar de diferenciados na sua estrutura. reduz a explicacáo dos fenómenos sociais 11 sua previsáo. um momento que nao é nem o primeiro (como querem alguns) nem o último (como querem outros) de uma elaboracáo teórica cuja cientificidade..explicart os fen6menos senáo em termos de variacñes concomitantes com outros fen6menos. B. intencáo política e impacto social. possível ir para além de um e de outros fen6menos e explicá-Ios pelas estruturas que lhes estao subjacentes e onde ocupam lugar central as transformacñes. Assim. finalmente. URRY ob. Law and Society Review. em geral. A medida que se avanca no nexo «ausab o campo analítico alarga-se e a teoria social que o cobre (ou a que aspira) aumenta de abstraccáo. o facto que tal ideia é estranha 11 estratégia teórica aqui delineada. em suma. 68 Convenhamos que para o positivismo inteligente a formulacáo de correlacñes deverá ser sempre vista como uma simples etapa da investigacáo científica. A construido da justi~a popular nalguns países africanos de Ungua portuguesa. Nova Jorque.Experiencias de justicia popular en poblaciones». pois do que se trata é de utilizar o inestimável conhecimento sociológico obtido por técnicas de investigacáo sofisticadas. Mas a aporia básica do universo (pseudo) teórico do positivismo reside precisamente em nao poder . a construcáo da justica popular nos países africanos de lingua portuguesa (cfr. Ao contrário. CUELLAR et al. desenvolvidas sobretudo pela sociologia positivista. por exemplo. que dizem respeito aos «materiais» que foram utilizados nessa construcáo. S. E só nao se vai até ao infinito porque todas as teorias tem um atilho com que a dada altura estrangulam os rebentos mais rebeldes da trepadeira causal. KEAT e ]. Por exernplo. nao se pauta pelas virtualidades explicativas concebidas segundo a epistemologia positivista 68. pondo-o seguir). das relacóes de producáo na sociedade em causa. dnstitutionalizing Neighborhood Courts: Two Chilean Experiencess. em vários países capitalistas avancados estáo a ser tomadas medidas no domíni~ ~ a~~tra~o da !usti~ que bem podem ser consideradas como de desinstitucionalizacáo relativa da fun~o jurídica (cfr. J. é 63 ao servico de estratégias científicas anti-positivistas. R. DE SOUSA SANTOS. R. e problemas extrínsecos. porque para nós a correlacáo é apenas um momento (nao meramente descritivo) do trabalho científico. 139 e ss. 1228 e ss. que dizem respeito ao plano e sentido da construcáo da correlacáo. a determiaacáo exacta do estatuto gnoseológico da correlacáo constitui um problema decisivo.) The Politics of Informal justice. aliás. . o nível de institucionalizacáo será atribuído 11 densidade social ou 11 diferencíacáo social geral.) e. Columbia Law Review 69 131).). . J. 13. depois de epistemologicamente «transfigurado. Os problemas intrínsecos nao tém em geral de nos preocupar aqui. Na etapa seguinte será preciso eexplicao a pr6pria ocorréncia dos factores que na etapa anterior funcionaram como variáveis independentes e que por essa via se transformam agora em variáveis dependentes. BERMAN.Mao and Mediation: Politics and Dispute Resolution ID Comunist Chinas. 153. Nao é. Sao dois os problemas extrínsecos principais: o problema do pluralismo jurídico e o problema 67 O que está em causa é o próprio conceito de causalidade uma vez que o positivismo. 1. Cuadernos de la Realidad Nacional. uma relativa desinstitucionalizacáo da funcáo jurídica e urna também relativa reducáo do poder dos instrumentos de coercáo. Podem distinguir-se duas ordens de problemas: problemas intrínsecos. California Law Review 55 (1967). e tanto que progressivamente se transformou num autentico dilema para a sociologia positivista: a correlacáo contém em si uma explicacáo causal ou é mera descricáo de covariacáo? As respostas tém sido várias e delas nao temos de curar 67. ao longo do tempo. significam. pois só seriam decisivos se nos movéssemos no universo da sociologia positivista e dos pressupostos e dilemas epistemológicos que lhe sao próprios. Cfr. em preparacáo).. Tal porém nao é o caso. os comités de mediacáona China P?PuI:u" (cfr. Neste con~exto se devem entender a criacáo dos tribunais populares em Cuba depois da revolucáo (Cfr. Por exemplo. 8 (1971).62 IV. a resolucáo dos problemas extrínsecos é decisiva para a credibilidade e a consistencia da estratégia científica aqui apresentada. 1980). cit. . SPENCE. Mas mesmo em situacóes nao revolucionárias o processo está longe de ser linear ou unidireccional. ao contrário do marxismo. Pelo contrário pretende-se dar conta de fenómenos que ocorrem sobretudo nos processos revolucionários (mas também fora deles) e que. -Cuban Popular Tribunal». Voltaremos a este tema na parte final deste estudo. ABEL (org. A correlacáo sociológica entre as dímensñes da instancia jurídica e seus problemas Mesmo na forrnulacáo leve a correlacáo nao é isenta de problemas. LUBMAN. por vezes. Qualquer destes problemas é bastante complexo e seria despropositado dar-lhes um tratamento profundo neste lugar. enquanto a antropologia do direito se ocupou do direito das sociedades «tradicionais». Pressupóe-se. o problema do conceito de direito e o problema do pluralismo jurídico propriamente dito. IV. Nao s6 a sociologia comecou a ocupar-se das sociedades que entáo se passaram a designar por «sub-desenvolvidass ou do «terceiro mundo». onde existia urna rica tradicáo de ciencia jurídica com sofisticada elaboracáo te6rica sobre o conceito de direito. se o nao for. no mesmo espacro geo-político. neste caso o estado-nacáo brasileiro. Trata-se tao s6 de apresentar os resultados principais da discussáo de cada um deles. Mais concretamente. deste modo. A construcáo te6rica do presente trabalho assenta numa comparacáojcontraste entre o direito de Pasárgada e o direito estatal brasileiro enquanto expressáo representativa do direito do estado capitalista contemporáneo. Já o mesmo nao podia suceder com a antropologia do direito. os contributos das restantes. nos termos da divisáo de trabalho acima referida. na minha investiga~¡¡o em Pasárgada no inicio de década de 70. haja mais do que um direito ou ordem jurídica. que.O problema do pluralismo [uridico o problema do pluralismo jurídico pode formular-se do seguinte modo. neles ecoam. como se verá. Dado que. Nos termos da divisáo do trabalho científico-social estabelecido nos finais do século XIX. Foi neste contexto científico que o conhecimento antropol6gico saiu do «gueto primitivo» para enriquecer e acabar por dominar a problemática do conceito científico-social do direito. cai pela base a comparacáo e com da a teoria que se pretende elaborar. «metro- 69 Este sincretismo reflecte-se. O problema do conceito de direito tem ocupado desde sempre as várias disciplinas que tém por objecto o direito. tem de ser provada e. procurando submeté-los a urna transíormacáo ou triagem capaz de os adequar aanálise da problemática global da reproducáo jurídica na sociedade capitalista. para a dupla subversáo desta divisáo de trabalho. . As alteracóes políticas e ideol6gicas do p6s-guerra abriram caminho. 1 . «sdvagens». a sociologia do direito ocupou-se do direito das sociedades «ocidentaiss. por exemplo. de que partia o antropólogo. na década de 60. pressupóe-se que o direito de Pasárgada seja um autentico direito. nao s6 porque se ocupava do direito de sociedades sem ciencia jurídica.64 65 das comparacóes falsas. Ora a verificacáo deste pressuposto nao pode ser assumida. politanass. da filosofia e da teoria do direito a ciencia jurídica em sentido estrito e a sociologia e antropologia do direito. ainda hoje em processo de evolucáo 69. Al se seguem os métodos e as teorias desenvolvidos pela antropologia em geral e pela antropologia do direito em especial. Este problema desdobra-se em dois sub-problemas. a tendencia dominante foi no sentido de a sociologia do direito absorver ou adoptar acriticamente os conceitos propostos pela ciencia jurídica. como também a antropologia se orientou para o estudo das sociedades metropolitanas. Deu-se assim origem a um sincretismo te6rico e metodol6gico. «primitivas». a sociologia do direito comecou por se concentrar no estudo do direito das sociedades metropolitanas. O presente trabalho tem de curar apenas dos contributos das duas últimas disciplinas mas. como porque esse direito se apresentava tao diferente daquele que vigorava na sociedade metropolitana. sobretudo para o estudo das áreas problemáticas deficientemente cobertas pela sociologia. dndustriaiss ou «complexas». sendo certo que o primeiro tem urna amplitude problemática muito superior a do segundo. que nao fazia sentido transferir para a análise dele os conceitos da ciencia jurídica produzida nesta sociedade. Entre muitos. G. cujo conhecimento nao estava tao estreitamente determinado quanto o da ciencia jurídica pela fenomenologia do direito metropolitano. LECLBRC. ]ustice and]udgement Among the Tiv. 1968. nao deixou de recorrer aciencia jurídica. o conceito de direito. mais ampla. Entre as primeiras saliente-se a posicáo de L. afilosofia do direito. por exemplo. 5. nomeadamente pela constatacáo de que as diferencas entre os dois autores ou sao mais aparentes que reais ou nao sao insuperáveis. cujas implicacóes imperialistas sao muito mais vastas e envolvem o processo global do trabalho científico. ainda que merit6rio. nos seus resultados. GLUCXMAN citadas em notas anteriores e as seguintes de P. 1973. COPANS et al. valha a verdade) agrupá-Ias em tres grandes grupos: as que se aproximam de GLUCKMAN. assim se exconjurando o perigo de. reimpressáo. a sua discussáo tenha envolvido. Nao vem ao caso percorrer aqui os meandros desta discussáo e muito menos discutir as minúcias técnicas das diferentes posicóes. como se verá. É esta. consiste em saber se é legítimo (GLUCKMAN) ou ilegítimo (BOHANNAN) usar na análise de outras sociedades e culturas conceitos. nao havendo outra alternativa senáo utilizar os conceitos e categorias mativos» das sociedades estudadas. que sao originariamente conceitos-folk (conceitos populares ou étnicos) da sociedade e cultura a que pertence o antropólogo. FALLERS. a longa discussáo sobre o conceito de direito na antropologia tem sido mais frutuosa pelas questóes que tem levantado do que pelos resultados a que tem chegado. . do etnocentrismo. A controvérsia. 1974. que é meritória e importante. International Encyclopaedia of the Social Sciences. nunca pode ser levado ao ponto de eliminar todos os resíduos de etnocentrismo e de imperialismo cultural. e é conhecida por «debate GLUCKMAN-BOHANNAN» por ter sido protagonizada por estes dois antropólogos ainda que. como. esse esforco analítico. J. Critica da Antropologia. A argumentacáo básica de M. para BOHANNAN. no entanto. e as que procuram uma síntese ou posicáo intermédia. desenvolver pela nossa imaginacáo um conjunto plenamente elaborado de conceitos culturalmente neutros para analisar comparativamente as sociedades» 71. ainda que com argumentacáo distinta. duma forma ou doutra. é antes o idealismo da denúncia. 71 72 . mas é possível sem dificuldade (nem surpresa. para quem é preferível reconhecer a irradicabilidade de algurn etnocentrismo na investigacáo social. Antropologia. Lisboa. ocidentalizar e. todos os antropólogos trabalhando nesta área 70. distorcer as observacóes empíricas. que se prende com a questáo. portanto. as que se aproximam de BOHANNAN. As posicóes perante este debate sao muito variadas. pelo seu uso. Ciéncia das Sociedades Primitivas? Lisboa. a posicáo por mim perfilhada. 70 Em geral sobre esta controvérsia vide as obras de M. ao separar o processo de construcáo conceitual do modo de producáo do conhecimento antropológico no seu todo. senáo impossível. mesmo o daqueles que decidem usar (em texto escrito em língua cocidental») as categorias e os conceitos «nativos» 72. Cfr.Law and Legal Institutionse. Law Without Precedent. Mesmo assim. Uma das questóes mais discutidas e talvez a mais dilemática diz respeito ao estatuto epistemológico do conceito de direito lla antropologia. urna vez que «é difícil. A. sobretudo se contabilizarmos todas as suas nuances. em dado momento. também. cfr. 9 (1968). 73. L.66 67 Daí a necessidade de uma elaboracáo te6rica aut6noma sobre o conceito de direito que. para além das já citadas. GLUCKMAN é no sentido de que os conceitos da cultura «ocidental» nao sao utilizados em antropologia antes de serem submetidos a urna reducáo analítica que os liberta das principais conotacóes etnocéntricas (ideol6- gicas). FALLERS. Ao contrário. Nova Iorque. e sobretudo. Apresentam-se as linhas gerais e os resultados mais recentes. BOHANNAN. O que critico em BOHANNAN nao é a denúncia do etnocentrismo (tantas vezes «ingénuos]. sistema analítico comparado 74. enquanto unidade de análise. alguns autores. como tudo o resto na sociedade capitalista. HONIGMANN (org. Por último. NADER e B. GULLIVER. seguiram a via pragmática de se eximirem as dificuldades de elaboracáo do conceito de direito. e com boas razñes. ABEL 77 e W. 1973. o litígio. 75 Para além das obras já citadas. o que de resto tem acontecido historicamente. sendo o 'direito" um termo e um conceito ocidentais devia ser definido segundo critérios ocidentais com a consequéncia de o 'direito'.. Law in Culture. Obs. procedendo a substituicáo deste. na medida em que considera a controvérsia terminada desde que se aceite a substituicáo da escala analítica tradicional. P. mais sofisticada. 78 W. por um fenómeno universal do comportamento colectivo em que o direito implícita ou explicitamente se objectiva: a disputa. -On Studying the Ethnography of Law and its Consequencess in J. em todos os tipos possíveis de disputas mas. 1 e ss. NADER (org.) coerentemente recusa a distin~o mas um tal procedimento pode levar a consequéncias absurdas a nível macro-sociológico. cit. The Injluence of Social Setting on the Forms of Dispute Processing. ABEL (ob. cits. de trés graus . Sem entrar na análise das ímplicacóes teóricas e epistemológicas das diferentes posicóes. as categorias e os conceitos elaborados pela ciéncia eocidentals sao contraditórios e nao se pode excluir a priori a possibilidade de serem utilizados como armas científicas e ideológicas na luta anti-imperialista das sociedades «nativas» sob o jugo colonial ou neo-colonial. interessa tomar posicáo geral. cThe Ethnography of Laws.o sistema folk e o sistema analítico . A esta substituicáo atribui-se a vantagem adicional de fazer incidir a investigacáo no processamento dos litígios. cfr. H. sendo assim. publicacfo especial. 224 nao partilha de modo nenhum. O que nos leva a concluir que o conceito de disputa nao representa urna alternativa ao conceito de direito e é antes urna alternativa analítica (das mais frutuosas) no interior das investigacóes sociológicas e antropológicas sobre o direito. de facto. do optimismo de L. NADER. apenas naquelas que tém urna fundamentacáo normativa e. NADER. NADER (org. cIntroductiont a cCase Studies of Law in Non-Western Societiess in L. FEL5TINER 78. o que já foi feito.). Law in Culture. Chicago. Em parte devido aos efeitos paralisantes do debate GLUCKMAN-BoHANNAN.) Handbook of Social altd Cultural Anthropology.. por urna. GULLIVER 76 e também R. A dificuldade principal desta via reside em que os autores que a seguem nao estáo interessados. YNGVE550N. a posicáo de LAURA NADER é mais ambiciosa. refira-se LAURA NADER entre os autores que procuram urna síntese das posicóes antagónicas. o que se fará a seguir. tém contrapartes equivalentes nas sociedades ocidentais.). R. dnrroducáo» in L. ob. de um ponto de vista estrutural-funcional. . H. 74 Cfr. de dois graus . cits. entre os quais LAURA NADER 75.68 69 Por outro lado. ABEL. assim definido. 73 Cfr. 221 e ss. o conceito de direito renasce das cinzas sob a forma da determinacáo dessa fundamentacáo 79. L. New Haven. e em especial cA Comparative Theorys. Obs. cit. e retirar daí urna posicáo sobre o conceito de direito. sistema analítico folk. GULLIVER para quem «nao é irrazoável a ideia de que.sistema folk. NADER. 79 Uma das reincamacñes da questáo do conceito de direito é a discussao 76 77 sobre a distin~o entre litigios (ou disputas) jurídicos e litigios (ou disputas) políticos.. 67 (6). 1972.. FEL5TINER. nao existir em muitas sociedades náo-ocidentais. P. R. dentro e fora do sistema jurídico» 73. retirando as normas substantivas e as instituicóes o exclusivo analítico de que tendem a usufruir nas investigacóes que tomam o direito por objecto imediato de análise. 12.. independentemente de nelas existirem instituicóes que. L. L. 232 e ss. Aliás. Entre os autores cuja posicáo se aproxima da de BOHANNAN é de referir P. H. American Anthropologist. EpsTBIN (org.). The Nuer. optem pela estipulacáo de um conceito de direito que se adeque as necessidades analíticas e teóricas da investiga¡. É este o domínio das regras jurídicas e aventuro-me a antecipar que a reciprocidade. chegou logicamente a conclusáo.205. tém algo de comum . demasiado pesadas para o seu cumprimento ser 80 RAnCLIFFE-BROWN. Esta tensáo tem as suas raízes nas obras dos dois fundadores da antropologia jurídica. M. Londres. Basta referir que os vários autores que tém avancado conceitos de direito que sirvam as suas investigacóes empíricas tém-no feito nos marcos estabelecidos por MALINOWSKI e RAOCLIFFE-BROWN. em artigo posterior EVANS-PRITCHARD veio a admitir que cwithin the tribe there is 1a-w. L. conc1ui de modo lapidar: «Deve existir em todas as sociedades um conjunto de regras demasiado práticas para serem apoiadas por sancóes religiosas. Crime and Custom in Savage Society. 1965. a conclusáo deEvANS-P1uTCHAIU> teria consequéncias cientificas importantes se com da se quisesse significar que os Nuer eram um POYO csem leit ou cfora da lei-. 278). cit. Por outro lado. POUNO.ao empírica. L. A dificuldade maior destoutra via reside em que ela se tem de construir sobre uma linha de tensáo inscrita na discussáo desde o início. MALINOWSKI e RAOCLIFFE-BROWN. em que sao notórias as influencias de HERMANN 81 B. e o meu próprio. 162. um dos seus discípulos mais brilhantes. Nova Jorque. EPSTBIN. e loe. Sob sua influencia. Por um lado. Struaure and Function in Primitive Society. 1971. L. ainda que recorram por vezes ao contributo da filosofia do direito como é. A. de incluirem em si «a maior parte se nao todos os processos de controle social» 80. por exemplo. EVANS-PRITCHARO. 71 deixado a boa vontade dos indivíduos. HART.com outros fenómenos que nalgumas sociedades sao c1assificados como «direitos e que a intuicáo educada do cientista social leva a assimilar sob um conceito unificador. demasiado vitais para as pessoas para serem aplicadas por urna agencia abstracta. mas é evidente que PRITCHAIU> nao pretendeu tal coisa (cfr. estruturas ou funcóes .• EVANS-PRlTCHARD. fALLERS e eu próprio. a necessidade. EpSTBIN. O que o levou a conclusáo de que «neste sentido. fALLERS. cThe Case Method in the Fidd of Laws in A. conteúdos normativos. a incidencia sistemática. Londres. definiu o direito como «o controle social através da aplicacáo sistemática da forca da sociedade politicamente organizada». Como muito bem sublinha A. RAOCLIFFE-BROWN. Allás. Daí que muitos outros autores. 82 83 . MAuNOWSKI. Generalizando a partir das suas investigacóes nas ilhas Trobriand. a despeito da sua diversidade. a necessidade de elaborar um conceito muito amplo que de conta dos mais diversos fenómenos jurídicos. a publicidade e a ambicáo viráo a ser considerados os principais factores da maquinaria compulsória do direito primitivo» 81. 67-68.70 tendo sido aliás nessa capacidade que foi adoptada no estudo sobre o direito de Pasárgada. Londres. o caso de L. L. 1940.).(cfr. segue uma estratégia conceitual em que o objectivo da especificidade tem precedencia sobre o da generalidade. 1967. em boa parte contraditória com a primeira. FORTES e EVANS-PRITCHARD (orgs. MAL1NOWSKI parte do pressuposto de que em todos os POyOS.em termos de processos. The Craft o[ Social Anthropology. ob. 212. A. os quais. qualquer que seja o grau do seu «primitivismos existe direito e consequentemente propóe uma estratégia conceitual em que o objectivo da generalidade se sobrepóe ao da especificidade. ao contrário. Nao se trata de proceder aqui a análise crítica destas posicóes. algumas sociedades simples nao tém direito» 82. os Nuer nao tém direito» 83. Afrilan Political Systems. entre os quais L. Nova Jorque. Na esteira de R. o conceito de direito. no seu estudo sobre os POyOS Nuer do Sudáo. de evitar conceitos de direito tao amplos que se sujeitem a crítica formulada por RAOCLIFFE-BROWN. 1926. de que «em sentido estrito. que segue H. o avance concomitante das concepcóes jus-filos6ficas positivistas. RechtundLeben. Padua. mas antes. como bem reconhece M. ele próprio definidor do critério de generalidadefespecificidade em que assenta o conceito. 45 e ss. constituem. como em muitas outras questoes. arbitrariamente unificado como colónia. GLUCKMAN. pois. Cambridge. que atribuem a este o monopólio da producáo do direito? Na forrnulacáo ampla que aqui lhe damos este problema tem várias frentes. Estado y Derecho. o contributo de EHRLICH para a sociología jurídica transcende em muito a questáo do pluralismo jurídico. Coimbra. o colonialismo. KANTOROWICZ. CAMPBELL). CARBONNIER. Para além das suas obras mais conhecidas (Grundlegung der Soziologie des Rechts e ]uristische Logik) cfr. o problema do pluralismo jurídico teve amplo tratamento na filosofia e na teoría do direito 85. por A. Persona. Com este propósito concebe-se como direito. The Definition of Law (org. XIX e primeiras décadas do nosso século. ainda que brevemente. a existencia de mais de um direito. Nao se trata pois de um conceito trans-teórico. Teoria Sociológica do Direito e Prática Forense. Combinando a sociologia e a ftlosofia do direito. a coexistencia num mesmo espar¡:o. 1967. CLAUDIO SOUTO. apoiado ou nao pela forfa organizada. H. 210 e ss. 1942. o conjunto de processos regularizados e de princfpios normativos. de uro momento intermédio de um processo teórico. adequado as exigencias teóricas definidas para a investigacáo empírica em Pasárgada. Como bem salienta. como resolver a questáo de reconhecer no mesmo espar¡:o geo-político.. 1958. O problema do pluralismo jurídico foi depois retomado.. o outro sub-problema. La Consuetude Come Fatto Normativo. na indirect KANTOROWICZ 84. os trabalhos reunidos por M. a consolidacáo da dominacáo política do estado burgués nomeadamente através da politizacáo progressiva da sociedade civil. portanto. . Sociologia ]ur{dica. Madrid. Berlim. Há que tratar agora. 361 e ss. «por cada definicáo que se avanca depara-se com um antagonista com urna definicáo diferente». do direito do estado colonizador e dos direitos tradicionais. No séc. de omplitude variável. nao restam dúvidas de que os fenómenos por nós investigados em Pasárgada caem no donúnio do jurídico e que. considerados justiciáveis num dado grupo. Porto Alegre. sendo certo que tal reconhecimento choca frontal- mente com os pressupostos constitucionais do estado moderno.. isto é. E. fonte constante de conflitos e de acomodacóes precárias. Esta coexistencia. O contexto sociológico básico em que se deu o interesse por este problema foi. pela antropologia do direito e é hoje um dos problemas mais amplamente tratados por esta disciplina. 1957. REHBINDER em E. 1978. em termos muito diferentes. 84 H. Aliás. Foi sendo depois progréssivamente suprimido pela accáo de um conjunto de factores em que se deve distinguir: as transformacóes na articulacáo dos modos de producáo no interior das formacóes capitalistas centrais. que contribuem para a criafao e prevenfao de litlgios e para a resolucdo destes através de um discurso argumentativo. por último. a luz dele. o direito de Pasárgada. 85 Um resumo da discussáo em G. Cfr. Trata-se de um certo conceito operativo. EHRLICH é o grande percursor deste tema. NORBERTO BOBBIO. teve nalguns casos cobertura jurídico-constitucional (por exemplo. e tao só. Para a resolucáo dos problemas em discussáo nao vem ao caso explicitar em pormenor este conceito. neste caso o estado-nacáo brasileiro.72 73 Os conceitos sao estabelecidos de modo estipulatório. EHRLICH. no seu conjunto. Impóe-se apenas apresentar a conclusáo de que. O conceito que a seguir se apresenta nao pretende captar urna qualquer esséncia do direito. DEL VECCHIO. 1979. que é propriamente o do pluralismo jurídico e que se pode formular do seguinte modo: mesmo admitindo que em termos sociológicos ou antropológicos o direito de Pasárgada existe como tal e como tal pode ser objecto de análise. também J. de que resultou o domínio cada vez maior do modo de producáo capitalista sobre os modos de producáo pré-capitalista. . The Maoris o[ New Zealand. 1967. 89 Cfr. o que se pode dizer desta investigacáo é que. Cox. em virtude de urna revolucáo social. The Cheyenne Way: Conflict and Case Law in Primitive ]urisprudence. quando nao totalmente exterminadas.74 75 rule do colonialismo ingles) enquanto noutros foi um fenómeno Nestes casos. 86 cfr. Mass. durante largo tempo. STIRLING. 9 (1957). P. MASSBLL. 359 e ss. A Comparative Theory. State and Land in Ethiopian History... 1941. 87 Cfr.. Law and Conflict Management Among the Hopi. 1971. Zinacanteco Law: A Study o[ Conflict in a Modern Maya Community. 1970. BOHANNAN (org. expressa ou implícita. politicamente dominante.). no seio da U. and the Law in Turkish Villagess. isto é. 1970. 93 Cfr. o conhecimento das clivagens sócio-económicas. POSPISIL. A Study o[ Agricultural Land Disputes in Kuni Wereda and Chercher Awraja Courts (Harer Provina). A. P. depois da revolucáo de outubro 90. Em primeiro lugar. Berkeley. no plano sociológico. 1969. tornou-se indispensável para assegurar a pacificacáo das colónias através de urna gestáo racional (económica) dos recursos coloniais. tres outros contextos de pluralismo jurídico tém sido identificados pela literatura. De um ponto de vista anti-colonialista. Norman. o pluralismo jurídico constituiu um conjunto de questóes novas para a prática jurídica do direito colonial. Berkeley. 1975 e a bibliografia al citada. LLEWBLLYN e E. antes continuando a ser utilizado por largos sectores. tendo sido.R. METGE. tanto no primeiro como no segundo casos. HOEBBL. 3 e ss. Law andWarfare. Para além do contexto colonial. R..). 1966.• . African Law Studies. B. HOEBBL. 91 Cfr. Cambridge. 1954. A. Tailándia 88 e Eti6pia 89. A. cThe Evolution of Law in Thailandt. O segundo contexto de pluralismo jurídico de origem nao colonial teve lugar quando. Marriage. sem. cLand. Mandalinci Koy: Law and Social Control in a Turkish Village. 1969. Law and Society Review. políticas e culturais em que ele assentava. a situacáo de pluralismo jurídico resultou do facto de o direito tradicional nao ter sido eliminado. cAn Analysis of Zapotec Law Casess. cMaori Warfare. 179 e ss. por todos M B. STARR. J. 90 Cfr. G. The Department of Land Reform. América Latina 92 e dos POyOS autóctones da Nova Zelándia 93 e Austrália 94. Foi a investigacáo destas questñes que coube em boa parte a antropologia e a sociologia do direito 86. Berkeley. The Law o[ Primitive Man. o caso dos países com tradicóes culturais dominante ou exclusivamente nao europeias. da Turquia 87. É o caso das populacóes índias dos países da América do Norte 91. entre outros. O caso mais conhecido é o das repúblicas da Ásia Central. A.. PANKHURST. o direito tradicional entrou em conflito com a nova legalidade.. É o caso. BOHANNAN (org. e para a ciencia jurídica que o servia. J. cLaw as an Instrument of Revolutionary Change in a Tradicional Milieu: The Case of Soviet Central Asia». Hooxss. in P. no entanto. de L. de em certos domínios continuarem a seguir o seu direito tradicional. 16 (1978). Por último. DARLING.S.. em termos sociológicos. PALIWALA et al. Legal Pluralismo An Introduaion to Colonial and Neo-colonial Laws. de tradicáo jurídica islámica. 117 e ss. há que considerar as situacóes de pluralismo jurídico nos casos em que populacóes autóctones. senáo mesmo pela maioria. pelo novo direito oficial. 338 e ss. Addis Ababa. Anthropology o[ Law. 94 Cfr. 88 Cfr. da produziu um conhecimento cujo componente científico ainda hoje se revela de valor inestimáve1 para a análise de situalYoes de pluralismo jurídico geradas em contextos sociológicos bem distintos do que lhe deu origem. International Social Science Bulletin. da populalYao. Nova lorque. Law and Wefare. K. a despeito do seu pecado original. VAYDA. aconteceu com o colonialismo portugués). HOOKER.S. por isso. dt. NADER. além das obras já citadas. sociológico e político a revelia das concepcñes jurídico-políticas oficiais do estado colonizador (o que. «nativas» ou «indígenas». No primeiro caso. C. 197 e ss. ob. Oxford. em boa parte. Londres. o direito revolucionário. 32 (1970). F. M. COLLIER. que adoptam o direito europeu como instrumento de «modernizacáoe e de consolidacáo do poder do estado. ter deixado de continuar avigorar. proscrito.in P. Review o[ Politics. o conhecimento sociológico do pluralismo jurídico. 92 Cfr. A. 2 (1968). cEconomic Development and me Changing Legal System of Papua New Guineas. 21 e ss. Vide também L. E. B. F. foram submetidas ao direito do conquistador com a permissáo.. Dual Power and Socialist Strategys in B.) Paris. de modo a cobrir situacóes susceptíveis de ocorrer em sociedades. o espa¡yo jurídico consuetudinário criado pelos comerciantes americanos. 2. o produto concreto das lutas de classes e esconde. por exemplo. Nova Iorque. sem sancionamento legal. o funcionamento dos sovietes de operários e soldados na Rússia.. 1. nos bairros da lata de Santiago do Chile sobretudo no tempo da Unidade Popular 98. 225 e ss. B. 1972. com o objectivo de facilitar as transaccóes e diminuir os custos 97. Os exemplos.). políticas e culturais particularmente complexas e evidentes. Obras Escolhidas. isto é. Paris.. Outro exemplo de pluralismo jurídico é dado pelos tribunais de vizinhos que operaram. MACAULAY. mas também intraclassistas) que nao sao nunca puramente económicas e. 98 Cfr. ANWEILER. Capitalism and the Rule of 1. representam o esboce muito precário da criacáo de urna alternativa jurídico-político com idéntica composicáo de elasse e emergente também de urna fase de agudizacáo intensa da luta de classes 96. Fine et al. Assim. Com composicáo de classemuito diferente refira-se. a «homogeneidadee é. 1966. como se calcula. tendem a configurar situacóes de menor consolidacáo (e por vezes de mais curta duracáo) quando confrontadas com as que compóem os contextos de pluralismo jurídico anteriormente mencionados. as experiencias de justica popular em Portugal. por isso.Aw.. Estas contradicóes podem assumir diferentes expressóes jurídicas. em 1975. Les Soviets en Russie. sao tecidas de dimensóes sociais. E este caso traz-nos muito perto do direito de Pasárgada que. mais ou menos segregados. 1950 (por ex. onde se reflectem conflitos sociais que acumulam e condensam ciivagens sócio-económicas. 1979. 1905-1921.). Nestas sociedades. Histoire de la Revolution Russe (2 vols. em cada momento histórico. 23 e ss. nos meses que antecederam a revolucáo de outubro. sao muitos e apenas referiremos alguns a título ilustrativo. -Popular [ustice. como facilmente se conelui. especialmente 17 e ss. reveladoras. A ampliacáo do conceito de pluralismo jurídico é concomitante da ampliacáo do conceito de direito e obedece logicamente aos mesmos propósitos teóricos. No entanto. 1978. S. a revelia das normas do direito civil e comercial oficiais. TROTSKY. 96 Cfr. dos diferentes modos por que se reproduz a dominacáo político-jurídica. cuja homogeneidade é sempre precária porque definida em termos classistas. político ou cultural) e segundo a cornposicáo da elasse. urna situacáo em que o conceito de pluralismo jurídico se funde com o de dualidade de poderes 95. 97 Cfr. constituem situacóes socialmente consolidadas e de longa duracáo. é também concebido neste trabalho como constituindo urna situacáo de pluralismo jurídico. Urna dessas expressóes (e um desses modos) é precisamente a situacáo de pluralismo jurídico e tem lugar sempre que as contradicóes se condensam na criacáo de espa¡yos sociais. na sua relativa especificidade. O. no seio dos quais se geram litígios ou disputas processados com base em recursos normativos e institucionais internos. 1. Londres. nas sociedades capitalistas. 151 e ss. abriu um espa¡yo político-jurídico alternativo ao do direito burgués oficial.76 77 Todos estes casos de pluralismo jurídico. com VIgencia sociológica reconhecida ou nao pelo direito dominante. Tém lugar em sociedades que. Com ela visa-se enriquecer o campo analítico da teoria do direito e do estado através da 95 Cfr. pelo contrário. Lisboa. Por outro lado.. contradicóes (interelassistas. Estes espa¡yos sociais variam segundo o factor dominante na sua constituicáo (que pode ser sócio-económico. tém sido designadas «heterogéneas». LBNIN. L. vol. a análise detalhada destas situacóes e sociedades revela concomitantemente a conveniencia em ampliar o conceito de pluralismo jurídico. . por isso. Em geral. (orgs.Aw and the Balance of Power: the Automobile Manufacturers and their Dealers. nota 66. vol. DE SOUSA SANTOS. políticas e culturais variamente entrelacadas. O reconhecimento jurídico deste por parte do direito dominante nao é determinante para a conceitualizacáo da situacáo como de pluralismo jurídico. Nestes termos. sempre que foi . porém. afmal. As estratégias descritivas e as categorias analíticas eram derivadas do conhecimento da sociedade metropolitana. Mesmo admitindo que o direito de Pasárgada um autentico direito e que estamos. sendo as categorias analíticas e classificat6rias desenvolvidas com base na (experiencia social da) sociedade metropolitana.79 78 revelacáo de lutas de classes em que o direito ocupa. de análise sociológica. por via deles e de muitos outros factores. Graduahnente. Os interesses colonialistas que serviam de pano de fundo a investigacáo antropológica e o etnocentrismo científico-cultural que. Logicamente. de que partia o cientista social. sociedades-objecto) nao eram analisadas em seus próprios termos e em funcáo dos seus interesses. o centro político das contraciicóes. Do que resultaram duas consequéncias principais. se continuaram a reproduzir na fase em que o trabalho antropológico se tornou explicitamente comparado. sociedade -sujeito). de múltiplas formas. só que implícitas e incontroladas. perante uma situacáo de comparacáo falsa? Disse-se acima que a investigacáo antropológica comecou por ter um carácter monográfico. a experiencia social da sociedade tradicional ou era suprimida em tudo o que nelas nao coubesse. Dois vícios prineipais devem ser referidos. Daí que a perspectiva teórica deste trabalho assente numa análise sociológica do pluralismo jurídico. é-o.O problema das comparacies falsas O segundo problema extrínseco a correlacáo proposta neste trabalho é o problema das comparac¡:5es falsas e pode formular-se do modo seguinte. a análise esgotava a sociedade «primitiva» e. Em primeiro lugar. no seu todo. o direito estatal. esgotava-se nela. Nesta cornparacáo. sao altamente questionáveis os termos da comparacáo entre o direito de Pasárgada e o direito estatal. no entanto. mais elitista e autoritário. teve campo fértil de expansáo deram origem a comparacóes multiplamente viciadas as quais. a análise daqui decorrente ignorava militante e sistematicamente (isto é. ter-se presente que mesmo na primeira fase se faziam comparacóes. Por um lado. sendo incluída. sem que para tal fosse necessário urna conspiracáo dos cientistas sociais nesse sentido) tudo o que na sociedade-objecto contradissesse de modo fundamental o interesse da sociedade-sujeito na continuacáo da dominacáo colonialista. ou. as sociedades tradicionais (sociedades coloniais. o objecto de análise. razáo por que deve ele próprio ser objecto. mais formalista e legalista. com maior poder coercitivo e com o discurso jurídico de menor espac¡:o retórico. sendo o direito mais institucionalizado. perante uma situacáo de pluralismo jurídico. contudo. Deve. ao conhecimento antropológico propriamente dito. era armadilhada em comparacóes que sistematicamente a desfavoreciam. nesta qualidade. 2. é concomitantemente o direito mais profissionalizado. mas em termos e em funcáo da sociedade metropolitana (sociedade colonizadora. correlato. em suma. Por outro lado. e o modelo científico com que se equipava assentava na comparacáo nao dita entre esta sociedade e as sociedades que se propunha estudar. Corresponderá esta caracterizacáo a realidade? Nao assentará ela nurna visáo estereotipada e deformada do direito estatal? Nao se estará. IV. para a configuracáo concreta desta. por sua vez. aliás. da perspectiva holística adoptada em que a sociedade «primitiva» constituía. por isso. foi sendo dada mais atencáo é a comparacáo entre sociedades como única via de superar o descritivismo rasteiro do trabalho antropológico e de ascender a teoria antropológica. citados por M. oficial. VAN VBLSEN. que assenta na aplicacáo da lei. a sociedade africana é normalmente concebida como uma sociedade economicamente pouco desenvolvida.) o processo é flexível e existe o prop6sito de reconciliar os litigantes. deve ser visto como um esforco no sentido de problematizar este vício ou conjunto de vícios. dispondo de um direito cujo processo é flexível. . Pela parte do direito europeu. sao baseadas em nocóes estereotipadas e idealizadas do direito británico. dispondo de um direito formalista. a comparacáo também nao é totalmente válida. acrítica. GLUCKMAN. dominada por relacóes sociais multiplexas. Cfr. Esta crítica é desenvolvida ao longo de dois temas: a flexibilidade do processo e a reconciliacáo das partes como objecto da decisáo judicial. a denúncia das comparacóes falsas teve em J. a epistemologia da antropologia social. distorcida. O primeiro comentário é que V. Ao contrário. Reconciliarion. É a área específica das comparacóes falsas. Tinham dela uma visáo apologética. o modelo científico (que. como se atesta pelos casos. Nos tribunais inferiores (magistrates'courts na Inglaterra. 137 e ss..:ao dos tribunais superiores. mesmo admitindo a legitimidade de elaborar os modelos e as categorias analíticas com base na experiencia social das sociedades metropolitanas.U. VELSEN merece-me dois comentários gerais. acima referido. Londres.). a comparacáo só é válida no que respeita a acc. Para v. O debate GLUCKMAN-BoHANNAN. grande flexibilidade. v. O segundo vício principal nao diz respeito. o que sucedeu muitas vezes foi que os cientistas sociais partiram de uma caracterizacáo errada destas sociedades. de natureza política. era também social e político) apontava para a inevitabilidade de a sociedade tradicional seguir o caminho e os objectivos de desenvolvimento já anteriormente seguidos pela sociedade metropolitana e. mas tao só a validade empírica do conhecimento antropol6gico. in M. a sociedade europeia é concebida como uma sociedade economicamente desenvolvida e dominada por relacóes simplexas (como lhes chama). ao contrário do primeiro. É preciso distinguir entre o processo de obtencáo da decisáo. Pela parte do direito africano. GWCKMAN (org.80 81 adoptada uma perspectiva dinámica e desenvolvimentista. VELSEN levantou 99 Cfr. a reconciliacáo nao é nunca o objectivo único do tribunal. ABBL ob. cit. e o processo de definicáo das sancóes (positivas e negativas). E nesta área sao muitos os vícios possíveis mas o principal consiste em que. do que resulta uma excessiva énfase no contraste polar entre os dois direitos. pressupondo pacífica a vigencia da epistemologia dominante. mesmo no donúnio das relacóes multiplexas. Ideas and Procedures in African Customary Law. também R. J. VAN VELSEN uma das vozes mais veementes 99. Por outro lado. de facto. ao longo do qual os dois direitos ocupam posicóes diferentes. nem muitas vezes o principal. dotado de um processo inflexível e em que as decisñes sao baseadas na aplicacáo das leis sem qualquer preocupacáo com a reconciliacáo das partes. em que as partes usam a litigacáo sobre um conflito justiciável para fazer detonar um outro conflito mais amplo. VELSEN considera que as comparacóes entre o direito africano e o direito británico. and False Cornparisonss. No domínio da antropologia jurídica. Cingindo-se a antropologia social inglesa. de qualquer outro modo. como se ve. eProcedural Informality. 244. razáo por que o modelo do contraste polar entre os dois direitos deverá ser substituído pelo do continuum.. 1969. sem demarcacáo nítida da matéria relevante e em que a reconciliacáo das partes tem primazia sobre tuda o mais na resolucáo dos litígios. mesmo as levadas a cabo pelos melhores antrop6logos ingleses. em que há. A posicáo de V.A. small claims courts nos E. VELSEN esta comparacáo só parcialmente é válida. Segundo ele. e esta distorcáo acabou por contaminar e falsear todo o trabalho comparativo. portanto. estereotipada ou. de os seguir sob a tutela desta. quer através do júri. E a melhor prova disto está no facto de ter convertido os factores da compara~ao em variáveis que admitem graus diferentes. económicas e políticas entre as sociedades europeias e as sociedades africanas. Também o perfil básico da profissionalizacáo do trabalho jurídico. No caso concreto da minha investigacáo. quer através dos juízes assessores. nem sequer que o formalismo processual oficial é lubrificado (e por vezes subvertido) por um certo informalismo submarino manipulado pelos profissionais do direito e demais funcionários da justica.como poderia objectar-se . enquanto dimensáo da institucionalizacáo da fun~ao jurídica. o caso n. no plano dogmático-científico. por mais radicais que sejam os contrastes haverá sempre semelhancas.pelo facto de na esmagadora maioria dos casos nao ser accionado. VELSEN sem cair nos exageros a que ele se deixou conduzir. Por esta via. ao nivelar em excesso as práticas jurídicas dos direitos africanos e dos direitos europeus. esses autores cegaram para a complexidade da ordem jurídica metropolitana e para as áreas desta consideradas menos «nobles». VELSEN. acabando por impar a resolucáo dos litígios nas sociedades tradicionais um modelo analítico baseado na ciencia jurídica metropolitana: a distincáo entre o processo de obtencáo da decisáo e o processo de determinacáo das sancñes. por desconhecer as imensas diferencas sociais. por desconhecer o papel das condicóes materiais na producáo jurídica.o 12 in M. Por último. O segundo comentário é que v. 79. cm especial. consequentemente. Trata-se. no entanto. The Judicial tais casos fazem excepcáo rara a prática esmagadoramente comum de um processo aberto e fiexível. urna excessiva énfase na prática jurídica dos tribunais inferiores das sociedades metropolitanas e. Por último. nao é abalado pelo reconhecimento da participacáo. Daqui resultou. o direito estatal é imensamente mais formalista que o direito de Pasárgada. nas práticas jurídicas respectivas. Proass. a comparacáo é feita em termos gerais. deu excessiva saliéncia aos casos em que a litigacáo é usada para outros fms. a atribuicáo de relevo exagerado ao papal da lei na obtencáo da sentenca segundo o direito africano.. resulta evidente que 100 Cfr. mas bastante mais importantes no plano sociológico. por um lado. umas mais precárias que outras. a ameaca. de uma posicáo idealista. porque verosímil. dos leigos na administracáo da justica. Por outro lado. no geral. Por exemplo. acabou por cair no vício oposto. casos que retirou sobretudo da obra de M. nao se desconhece que no direito estatal há zonas processuais informais. visando a investiga~o do conflito real entre as partes na perspectiva da obten~ao da reconciliacáo. que teráo fatalmente de se repercutir. . por outro lado. toda ela virada para a conceitualizacáo e teorizacáo da prática dos tribunais superiores e dando mesmo desta urna visáo homogeneizada e «oficial•. o poder do aparelho coercitivo nao é diminuído . Como já acima ficou dito. mantém a eloquéncia da presenca e do poder que da representa. dado o cumprimento voluntário das determinacóes jurídicas por parte dos seus destinatários. GLUCXMAN. por vezes importante. penso que soube aproveitar o que há de positivo na advertencia de v.82 urna questáo importante e abriu a possibilidade de denunciar e corrigir os erros dos que aceitaram acriticamente as concep~oes da ciencia jurídica europeia. Mas nenhum destes factos é suficiente para por em dúvida que. de facto. Esta cegueira converteu-se numa distorcáo que acabou por se repercutir nas categorias analíticas usadas e nos resultados da comparacáo. GLUCKMAN 100 onde. no calor da crítica. igualmente grave e igualmente revelador de uma posicáo idealista. mesmo que mediadamente. Advirta-se ainda que as funcóes estruturais de cada um dos factores em cada um dos contextos nao sao exclusivas. Mais importante. O espa~o retórico existe assim entre outros espa~os. b) também se verificam diferencas. Dessa integracáo decorrem duas verificacñes adicionais: a) os diferentes factores analisados desempenham diferentes funcóes estruturais no processo de aplicacáo do direito. nao é sequer aquele em que a dimensáo t6pico-ret6rica atinge o seu valor mais elevado em comparacáo com outros direitos estudados pela sociologia e pela antropologia. Os discursos do direito na sociedade capitalista: prolegomena de uma teoria Urna vez resolvidos os problemas do pluralismo jurídico e das comparacóes falsas. o direito do estado capitalista contemporáneo. árbitro. a que nos referimos no inicio deste trabalho. pois que. Torna-se assim necessário introduzir urna nova dimensáo na análise dos discursos jurídicos. Trata-se antes de um factorjdimensáo cuja variacáo é concomitante da de outros factoresjdimensñes que. esta chamada de atencáo é. que serve de modelo e base aconcepcáo filosófica em questáo.84 V. o discurso tópico-retórico «fala» entre (por cima/por baixo) o discurso do sistema e o discurso da violencia. E como cada um destes espa~os tem o seu próprio discurso. constituem os componentes mais importantes do processo de concretizacáo do direito. os participantes ou partes. juiz. a institucionalizacáo da f~ao jurídica e o poder dos instrumentos de coercáo adquíre maior consistencia analítica e fortalece os objectivos teóricos aquí definidos. Em primeiro lugar. Muítos autores tém chamado a atencáo para a ambiguídade do direito enquanto instancia de dominacáo na sociedade capitalista. Na maioria dos casos. no seio de cada factor. torna possível urna dupla refutacáo da concepcáo jus-fl1osófica sobre a natureza tópico-retórica do discurso jurídico. Sao tres os contextos principais: o agente privilegiado (a terceira parte. entre os diversos contextos da comunicacáo em que eles intervém. a correlacáo proposta no presente trabalho entre o espa~o retórico. Para já. organizada em escala. com os quais se articula de modo estruturado. no seu conjunto. nao . Entende-se por contexto da comunicacáo a referencia nuclear ou focal da comunicacáo. ambígua. No estádio actual da investigacáo. Em segundo lugar. que a refutacáo de especulacóes filosóficas idealistas é o contributo que as variacñes constatadas 85 podem dar ao enriquecimento analítico da teoria sociológica da retórica jurídica e. mediador.). o grupo social relevante. etc. o factor tópico-retórico nao constitui urna esséncia especulativamente fixada (e fixa) nem caracteriza em exclusivo o discurso jurídico que veicula a aplicacáo concreta do direito. em última instancia. o espa~o sistémico e o espa~o da violencia. da teoria sociológica do direito da sociedade capitalista. Advirta-se desde já que esta dimensáo. sao apenas dominantes e de dominancia estruturalmente ancorada. O Quadro 1 apresenta de modo sintético o conjunto das fun~oes estruturais dos vários factores ao nivel dos diferentes contextos da comunicacáo. por isso. porém. e1a própria. tem propósitos meramente heurísticos e nao bulha. com o reconhecimento teórico de que a concretizacáo prática do discurso jurídico constituí urna totalidade que confere um sentido global aos diferentes momentos e dimensóes que nela mutuamente se implicam. que de conta da diferenciacáo funcional-estrutural segundo o contexto da comunicacáo. tal contributo será maximizado pela integra~ao das variacóes numa perspectiva funcional-estrutural. urna dimensáo longitudinal. em termos marxistas. presume. em qualquer dos casos. a teoria marxista tem-se deixado monopolizar pelo aparelho coercitivo com algumas incursóes no aparelho burocrático mas. . sem. Finalmente. o Poder. ex. burocrática e coercitiva da instancia jurídica estatal da sociedade capitalista. deixando na sombra ou excluindo proselitamente as demais. como em sequéncias verticais (p. ele próprio pluri-dimensional. a génese e o significado dessa duplicidade para a reproducáo da dominacáo de classe na sociedade capitalista 101. como ainda em combinacóes de ambas (p. Persuasáo Coer\. O Quadro 1. O Esttulo.ao Am~ Participantes Processa. E com a visualizacáo que o quadro permite. Cfr. mantém-se geralmente ao nível dos contextos de comunicacáo mais restritos . de tal complexidade. ex. pelo contrário. notável em muitos aspectos. por um lado. estabelece com razoável nível de articulacáo o mapa cognitivo que ela há-de percorrer. Discurso Tópico-Retórieo Discurso do Aparellio Coercitivo Sistema Agente Privilegiado Competencia! Demons-IJurisdi\. na dimensáo retórica. estabelecer teoricamente.ao ¡ Argumenta\. A luz deste quadro tornam-se também evidentes as lacunas das diferentes linhas de teorizacáo do direito moderno. sendo certo que estas sao. A teorizacáo sociológica de origem funcionalista tem-se concentrado no aparelho coercitivo e na dimensáo institucional do aparelho burocrático.. com base no alinhamento dos seus possíveis perfis. Ao longo da sua obra. como fonte e expressáo da legitimidade e consenso. pois. o grupo social relevante. na esteira de VIEHWEG e de ESSER..Discursos do Direito 86 87 QUADRO 1 pode justamente reivindicar. As teorias do direito de extraccáo positivista e directamente emergentes do conhecimento técnico da ciencia jurídica concentram-se na dimensáo institucional-sistémica e. POULANTZAS vem concebendo o direito do estado capitalista como um misto de libertacáo e opressáo. Nao admira. a representacáo mutilada do olhar miope da teoria que as funda. argumentacáo ~ persuasáo ~ coercáo). que nao satisfacam as teorias que assentam em bases analíticas amputadas. um avance cujo mérito a 101 73 e ss•.:io Consenso Repressao mento ¡ 1 Sociedade Programa- ~o i Racionali- ! za\. A teorizacáo filosófica nao positivista tende a concentrar-se. em si. por outro. isto é.f Prescri\. pouco adianta sobre o ambito real desta e nada sobre a sua importancia teórica e prática. por último.agente privilegiado e participantes. tanto em sequéncias horizontais (p. é possível ainda determinar o ámbito. ameaca ~ coercáo ~ repressáo). no seio desta. sem pretender substituir-se teoría cuja indispensabilidade ele. 1978.. Lisboa. no entanto.ao tra\. e de terror e violencia. ex. focando apenas o contexto da comunicacáo mais amplo. apesar da sua (quase compulsiva) pertinácia analítica. Discurso do Aparelho Burocrático Contextos da Comunica~o Institui~o 1 .. programacáo ~ racionalizacáo (-~ consenso ~ repressáo).ao procurando articular as linhas da ambiguidade da instancia jurídica. o Socialismo. É esta a crítica que se pode formular a POULANTZAS. tanto mais quanto é certo que ele permite desde já concluir que a «ambiguidade» do direito é apenas leitura superficial da complexidade funcional-estrutural da tríplice dimensáo retórica.ao i. ob. 1973. pois. combinar a máxima amplitude da teorizacáo global do modo de producáo capitalista com as especificacñes tomadas possíveis pelas teorias sectoriais. A análise teórica materialista dos factores que. eles próprios unilaterais. tal teoria deverá dar conta do desenvolvimento dos diferentes factores que constituem a instancia jurídica estatal da sociedade capitalista e das relacóes estruturais entre eles. e como se tem vindo a referir. Por esta via é possível. tais como a teoria da burocracia. É sabido que o declínio da retórica. 1 e ss. É necessário. em meu entender. Para captar urnas e outras é necessário recorrer a teorias sectoriais.. no princípio do séc. Em primeiro lugar. a teoría das profissóes e a teoria do controle social. 1971. em melhores condicóes para dar cobertura ao vasto campo analítico mapeado no presente trabalho. R. Romance and Technology.-R. a nível cultural. quer a nível de comparacóes sincrónicas (capitalismo central/capitalismo periférico). DUCROT e T. em geral. O. quer a nível de comparacóes diacrónicas (capitalismo liberal/capitalismo monopolista). Pode agora concluir-se que. PLEBE. podem identificar-se as seguintes tarefas a ser curnpridas. I. WALTER ONG. A transforrnacáo interna dos diferentes factores é. Lisboa. por outro lado. 93 e ss. Foi esse também o momento V.Rhetorical Analysis: . estabelecer a ponte . LOGAN. A medida do risco pode ser ilustrada com as vicissitudes da retórica nos dois últimos séculos. XIX coincidiu com a época áurea do desenvolvimento industrial e. contra os tabus. os fantasmas e os alibis que tém juncado o seu caminho. para que tal suceda. globalmente e ao nível de cada um dos contextos da comunicacáo ou interaccáo.. constituem o modo de producáo da juridicidade na sociedade capitalista é a melhor garantia contra o risco do simplismo e a rigidez em que pode descambar a correlacáo apresentada neste trabalho e que. TODOROV. . Ithaca. com raízes históricas muito fundas. -L'Ancienne Rhetorique-. o que facilmente se ve..entre a autonomía fenomenológica dos diferentes factores e as hornologias estruturais do seu desenvolvimento. A. Paris. l-A teorizadio das covariaiiies entre osfactores da produfiio jurldica o objectivo do presente trabalho nao foi produzir urna tal teoria. 99 e ss. 192. nao é menos verdade que. SÓ assim lhe será possível abrir-se a esforcos teóricos de diferente origem. Communications. TODOROV. T. M. Literatura e Significafao. em suas relacóes recíprocas. para o que se deve recorrer as teorias sectoriais em constante reformulacáo. Rhetoric. aqui sugeridas. que «a amplitude do espaero retórico do discurso jurídico varia na razáo inversa do nível de institucionalizacáo da funcáo jurídica e do poder dos instrumentos de coercáo ao servico da producáo jurídica». dt.. estabelece. dinámicas.88 89 E se é verdade que a teoria marxista está. 102 Cfr. E para isso é necessário que comece por lutar contra si mesma. é necessário que ela afronte deficiencias. a teoria deverá fornecer urna explicacáo para a correlacáo estabelecida no presente trabalho. 1972. tao intensa que impóe a reconstruerao constante dos termos exactos da correlacáo. enquanto disciplina do saber. mas tao só a base analítica de que ela deve partir. recorde-se. aliás. 16 (1970).raramente reconhecida pelas teorias abstractizantes mas crucial no plano praxístico . em sua versáo forte. Diaionnaire Encyclopedique des Sdences du Langage. Mas para isso é preciso ter em conta que os diferentes factores que a constituem tém raízes históricas e linhas de desenvolvimento específicos no seio da sociedade capitalista. elas próprias. As homologias sao. com o movimento romántico 102. cangando-os sob a linha de menor componente ideológica e ganhando ern troca a forca universalizante e a flexibilidade que até agora e apesar de tudo nao tem tido. BARTHES. Especificando urn pouco mais. 103 Cfr. in H. poderá revelar. A questáo vital da desigualdade social perante o discurso.A.. 1 e ss. Todos estes movimentos encontram adequada expressáo na correlacáo formulada. na consolidacáo do movimento penitenciário trazido do século anterior e nos primeiros esforcos sistemáticos para por as forcas militares ao servico da «seguranc. a nível prático-utilitário. que já bem dentro da segunda metade do seco xx. ANIBAL DE CASTRO. (e ultimamente também na Europa) para informalizar e «popularizar» a administracáo da justica. Nos termos da correlacáo. 2. IX. Rhetoric and Philosophy in Conflict. comanda também o funcionamento interno de cada um num dado momento histórico. No que respeita a dimensáo coercitiva. Lacan et la Rhetorique de I'Inconscient. os autores citados na nota anterior. ser apressada e só a investigacáo concreta.. Quanto a retórica jurídica. como já foi referido. Elementos de Retórica Literária. IJSSBLING. 13 e ss. An Historical Survey. 3. que preside a articulacáo. no tempo. Lisboa. se assiste a um certo ressurgimento da retórica geral e também da retórica jurídica. em nossos dias. cfr. isto é. no entanto. ESSER e PERELMAN. a retórica jurídica. Paris. Coimbra. o seu regresso faz-se. 1966.90 91 em que se assistiu a expansáo das dimensñes burocrática e coercitiva do direito e se tornou visível a compressáo da dimensáo retórica. e também S.:a internas. 1973. Cfr. A título ilustrativo refira-se que se o inconsciente for estruturado como linguagem. entre eles. o ambito da retórica está hoje a ser profundamente redefinido. Towards a Tropology of Reading-. a questáo do impacto da desigualdade sócio-política entre os vários participantes do círculo retórico no modo de producáo da persuasáo e do consentimento.. do controle social. V. LAUSBERG. Quanto a retórica geral. toma-se possíve1 construir urna retórica do inconsciente. porém. o seu regresso no plano teórico está. New Literary History. Retórica e TeorizllfíIo Literária em Portugal. Haia. em vez de assentar a defesa desta na renúncia a um conhecimento mais ajustado da realidade. nos E. directa ou indirectamente.. enquanto o seu regresso no plano prático. a sua expansáo consubstanciou-se no desenvolvimento e diversificacáo dos corpos de polícia. No que respeita ao factor que constitui a preocupacáo central deste ensaio. como se sugerirá adiante. Acontece. Com referencia a Portugal. a nível teórico. através das ciencias da linguagem e. no pressuposto de que o conteúdo de classe. como quer LACAN. KRJ!MER-MARlETTI. ROSADO FBRNANDES «Breve Introducáo aos Estudos Retóricos em Portugal>. Esta conclusáo pode. 1976. teoricamente fundada.:ao do agente (sócio-politicamente) forte se transforma na argumentacáo (retoricamente) forte e das possíveis rupturas ou descontinuidades nesse processo. a este ascenso do factor retórico deve corresponder urna certa recessáo dos factores burocrático e coercitivo. No que respeita a dimensáo burocrática. . 1978. enquanto a expansáo do elemento institucional resultou sobretudo da consolidacáo do estado liberal como centro da dominacáo política de classe. a análise deve incidir nas determinacóes do processo pelo qual a argumentac. pelo que o seu contributo para a própria teoria da ciencia está ainda por estabelecer.U. onde se dá conta da reabilitacáo da retórica nas mais diversas áreas do conhecimento. por exemplo. E neste último caso há que reconstruir os termos da correlacáo. isto é. se se trata de urna expansáo real da dimensáo retórica ou de urna «ilusao de óptica» provocada pela transformacáo dos modos de expansáo das restantes dimensóes. ligado as obras de VmHWEG. através das técnicas de publicidade e de marketing 103. Aliás. entre outros. pode ser visto nas tentativas levadas a cabo. 624. A. A caracterizafao polltica da prática ret6rica A segunda grande tarefa teórica consiste na análise sincrónica dos vários factores. mais difícil de detectar. a expansáo do elemento sistémico resultou sobretudo do movimento da codificacáo e da ciencia jurídica que se desenvolveu para.A análise funcional intr'!factorial. o servir. nao é sequer a mais importante.(burocrático e coercitivo) do direito.e desta forma contribui para a invisibilizacáo do conteúdo c1assista da dominac. entre outras. o discurso retórico . a composicáo de c1asse do grupo social relevante. torna-se evidente que as diferentes funcóes estruturais. Cfr. em que nao se trata de urna mistificacáo total. a seleccáo e uso específicos dos topoi. como. J. a 104 Para citar apenas um titulo recente. uma distincáo central na análise das variacóes no funcionamento interno dos elementos do discurso retórico. WHALE. Londres. de resto. 1977. dos elementos que constituem as demais dimensñes da dominacáo jurídica. como já se deixou referido. retórica. a extensáo e o significado da participacáo no discurso. Uma das deficiencias da teorizacáo marxista do direito tem sido a de atribuir a este uma fun~ao política geral que. A teoria sociológica marxista compete reconstruir essa supra-individualidade em termos de c1asse social. ONG citadas ao longo deste trabalho. cfr. o grau de discrepancia entre o objecto real e o objecto processado. E nestes termos há que distinguir entre conflitos interc1assistas e conflitos intraclassistas. Este conjunto de especificacóes pode ser ilustrado com a questáo da caracterizacáo do conteúdo político específico de cada um dos factores: burocracia. sao realmente protagonizados por indivíduos.93 92 pressupóe o tratamento sociológico dos vanos contextos da comunicacáo. em cuja sede devem ser determinadas. a questáo da caracterizacáo política pode formular-se do seguinte modo: quando comparado com os restantes «liscursos. A questáo das desigualdades no interior do circulo argumentativo transcende em muito o domínio da retórica jurídica e póe-se a nível da retórica geral. como já se notou. Daí que a sociologia da retórica nao possa constituir-se margem das teorias da comunicacáo social 104. Sob a mesma perspectiva deveráo ser analisados os elementos constitutivos do discurso retórico. Atente-se. deixa sem cobertura adequada uma amálgama de funcees secundárias que. o facto de o cidadáo isolado (ou os seus ersiitze) ser o umco sujeito reconhecido dos conflitos juridicamente relevantes coloca fora da prática oficial as relacóes de c1asse . The Politics of the Media. bem como. A análise deverá incidir particularmente nas variacóes segundo a identidade sócio-económica dos participantes. sao exercidas de um ponto de vista de c1asse e como tal devem ser teoricamente avaliadas. violencia. e é nesta sonegacáo das restantes dimensñes (supra-individuais) que reside o carácter ideológico da construcáo jurídica capitalista. Resulta do Quadro 1 que a complexidade funcional-estrutural nao se compadece com uma tal solucáo. sobretudo numa época em que os meios da comunicacáo social monopolizam os recursos de maior potencial persuasivo.ao jurídica. em sua estrutura de superfície. é sabido que a individualizacáo dos conflitos é de importáncia fundamental para a caracterizacáo da dominacáo jurídico-política numa sociedade de c1asses. por exemplo. na esmagadora maioria dos casos. No domínio da dimensáo retórica. sendo certo que o próprio critério de relevancia é já informado por interesses de c1asse mais ou menos estritamente definidos. acaba por ser contabilizada a título de eambiguídades do direito. o nível tecnológico da linguagem. e segundo o tipo de conflitos ou litigios processados pelo discurso. o nível de informalidade processual. Quanto a este último factor. também as obras de W. pois que os litigios.nao só aquelas que eventualmente contribuíram para a criacáo do litigio como também as que intercedem na resolucáo deste . as desigualdades sociais entre os participantes e. as relacñes de poder entre o agente privilegiado e os demais participantes e entre o agente privilegiado e o grupo social relevante. Só que esta dimensáo individual nao é a única e. inc1uíndo a do consenso. por demasiado abstracta. fmalmente. A luz desta investigacáo. no entanto. C. pelo menos. L. CAPPIlLLBTIT e B. MnLS. Access to ]ustice. vol ID: Emerging Issues anJ Perspectives. Hermeneutik und ldeologiekritik. TRUBBK . de que decorrem solucñes necessárias (a lógica institucional-sistémica a que aspira o aparelho burocrático). foi reprimida pelas tiranias e floresceu nos períodos de maior liberdade e democracia. por exemplo. 463 -. desta forma toma-se possível vincular a teoria política da retórica a teoria democrática-pluralista produzida pela sociologia política funcionalista da segunda metade do nosso século. apesar de desempenhar ainda um papel ideológico importante.). como disciplina do saber e actividade prática. 95 sentar-se o renasclmento da retórica como um sintoma da redemocratizacáo da vida social e política depois do holocausto da guerra e do fascismo. na antiguidade. W. LINDBBRG ee al. pode formular-se. The Power EliJe. para ser persuasivo o discurso tem de ter liberdade para procurar os argumentos mais convincentes nas circunstancias. e a violencia física e psíquica do aparellio coercitivo. 1975.-Public Advocacy: Administrative Govemment and the Representation of Diffuse Interestss. Por outro lado. nomeadamente da queda da retórica no séc. in K. Entre estas duas formas de violencia. a retórica. sobretudo nos países capitalistas centrais? Em relatyao a este último período. pressupóe (como aspiracáo. in M. Que dizer dos desenvolvimentos posteriores. Lexington. É sabido que. quer ele seja dialógico ou antitético (como é. 462 e ss. no dizer de GADAMER. Stress anJ ContraJiction in MoJern Capit4lism. como hipó tese de trabalho. em face da constatacáo cada vez mais generalizada das desigualdades estruturais na distribuicáo do poder político nas sociedades capitalistas. pelo menos) a igualdade de oportunidades dos participantes no discurso. o caso do discurso jurídico). pode apre105 Cfr. tal como a questáo geral. Metakritische Erórterungen zu Wahrheit unJ Methodet. tanto dentro do marxismo (a crítica da ideologia política burguesa e a teoria do papel do estado liberal na reproducáo das relacóes sociais no seio do modo de producto capitalista) como fora dele (a teoria das elites) 106. A racionalidade tópico-retórica parece mover-se contra duas formas de violencia: a violencia dos principios e das provas absolutas. Alphen Aan Den Rijn. O que está em causa é a subversáo do principio democrático em que assenta a teoria. 1979. além das obras citadas na nota 1. de ambito mais restrito: a questáo do conteúdo democrático da retórica e a questáo do conservadorismo da retórica. ao procurar a persuasao consentida com base na lógica do razoáve1. constitui uma mistificacáo cada vez mais difícil de reproduzir socialmente. extravasam do campo jurídico. Por estas duas razóes pode dizer-se que a retórica tem um conteúdo democrático ou. 1974. a igualdade perante o direito).94 é realmente o menos violento ou é aquele que melhor dissimula a violencia? Esta questáo pode subdividir-se em duas. pela «Verzauberung des Bewusstseins durch die Macht der Redes (<<o encantamento da consciencia através do poder do discursos] 105. o espa~o ret6rico surge como o espa¡. Nova Iorque. CONNOLLY (org. H. XIX e do seu relativo renascim~to na segunda metade do séc.. 69. 1959. xx.o democrático que se impóe. que a ele aspira. Paralelamente. Frankfurt. APBL ee al. O principio da igualdade de oportunidades perante a argumentacáo pode ser considerado homólogo do principio da igualdade formal que subjaz ao projecto constitucional do estado liberal. W. Sucede que esta última teoria tem vindo a ser fortemente contestada. . GADAME1l. Hmneneuti1e unJ Lkolofieltriti1e. a nivel mais geral. o discurso retórico.-O. _Rhetorik.) The Bias of Pluralism. Em apoio desta hipó tese falou-se já nesta sec~ao da monopolizacáo dos recursos retóricos mais importantes e 106 Cfr. Quanto a primeira questáo. Nova Iorque. que também deve ser consultado para urna visa<> critica do pluralismo. duas questñes que. GARTH. que a igualdade formal perante os recursos retóricos (tal como. 1969 (citado por D.-G.. a sua resolucáo há-de assentar em análises concretas para as quais seráo carreados. Em primeiro lugar. Pelo contrário. fenómenos . ao lado da violencia burocrática e da violencia física . por exemplo. «direito estatal moderno». de orientacáo socialista} existentes no seio dessas formacóes sociais. em sua substituicáo. tém conduzido muitas vezes a práticas políticas nao muito distintas .a violencia simb6lica. Urna resposta parcial para esta questáo tem sido procurada na investigacáo . contudo. por assirn dizer. Por sua natureza. no entanto. de lugares comuns. Mas esta resposta nao cobre.estendendo a teoria as sociedades que aqui se c1assificam de socialismo de estado .que se detectam tanto nas sociedades capitalistas como naquelas que s6cio-politicamente se situam fora do bloco capitalista. de que se fazem decorrer os fenómenos detectáveis nos vários tipos de sociedades contemporáneas.96 97 da consequente manipulacáo ideol6gica das massas por parte dos meios de comunicacáo social ao servico do estado capitalista (e dos interesses de c1asse que ele veicula) ou de poderosos grupos de pressáo privados. tem-se vindo a usar exclusivamente a expressáo «iireito do estado capitalista». como. tais como.tem sido prosseguida com grande éxito. de enraizamento e de rigidez. «díreito oficial dos estados contemporáneos e sobretudo dos estados capitalistas». de modo rotineiro e acrítico. Ambos apontam para a conservacáo e consolidacáo de um certo status quo social e ideol6gico. para o automatismo da transparencia do conhecimento social condensado nos lugares comuns e reproduzido.até a sua minimizacáo radical. A questáo da caracterizacáo política da ret6rica. isto é. em qualquer das suas faces . o fen6meno burocrático . na sec~ao presente. faz sentido reconstruir critica mente a ret6rica como urna nova forma de violencia. e recorrendo. A questáo do conservadorismo da ret6rica refere-se ao conteúdo t6pico desta.da articulacáo do modo de producáo capitalista com outros modos de producáo {pré-capitalista. As muitas solucóes apontadas para esta questáo váo desde a maximizacáo radical do potencial explicativo da teorizacáo marxista do modo de producáo capitalista .como. entre outros. negando as suas virtualidades para explicar aspectos fundamentais das pr6prias sociedades capitalistas. a caracterizacáo política do estado em que a prática ret6rica (no nosso caso. os lugares comuns apontam para evidénciais socialmente constituídas e homogeneamente partilhadas. em que se trata de avancar as linhas de urna teorizacáo marxista do direito.que. «iireito estatal dos países capitalistas». Enquanto nas seccóes precedentes deste ensaio se usaram indiferentemente várias expressóes para caracterizar o outro polo da comparacáo com o direito de Pasárgada. por exemplo. medida que se avolurna e consolida a desigualdade dos habitantes do espa~o ret6rico. a entidades abstractas. ser resolvida em termos abstractos. O lugar da comunidade traz consigo as ideias de fixacáo. Urna das questóes mais complexas e mais obviamente irresolvidas da teoria social consiste em conhecer os limites do conceito de modo de producáo capitalista enquanto factor explicativo dos fen6menos e condicóes sociais ocorrentes nas formacóes sociais capitalistas. «o processo de producáo industrial» ou «post-industrial». apesar deste antagonismo.hoje bastante avancada . enquanto a comunidade do lugar acarreta a ideia de um transc1assismo radical. Estas imprecisóes e oscilacñes tém. a ret6rica jurídica) tem lugar. .conteúdo democrático. Nenhurna destas linhas te6ricas antag6nicas .nao pode. negador prosélito das tensoes sociais e dos conflitos e antagonismos existentes. urna base te6rica material. conteúdo conservador . por uma prática social sem acidentes nem rupturas. A ret6rica jurídica assenta no uso de topoi. A. os seguintes factores. nomeadamente as sociedades do socialismo de estado do leste europeu. ainda que muito embri6nico. Nao é um direito revolucionário. Apesar de toda a sua precaridade. Qualquer destes esforcos te6ricos está largamente por fazer e o facto de eu pessoahnente me concentrar. pelo menos . dt. o da teoria marxista do estado e do direito das sociedades socialistas de estado.como. Mas esta especificacáo é ainda bastante abstracta se nao for ombreada por outras especificacóes. Sao de salientar os esforcos de OFFB. embora infelizmente o sejam com frequéncia.a alternativa de uma administracáo democrática da justica. o da teoria marxista do direito do estado capitalista. o problema da integracáo destas sociedades na ordem econ6mica (capitalista) internacional. no primeiro (a teoría do direito do estado capitalista) justifica a referencia exclusiva. HIRsCH e (citados na nota 1) para o esclarecimento desta questáo. tais como o conteúdo específico de classe das diferentes práticas ret6ricas e o momento ou contexto da luta de classes em que aquelas tem lugar. R. Uma aspiracáo tanto mais notável quanto é certo que é avancada em condicóes de luta muito difíceis para as camadas populares. Sobre todos estes problemas cfr. por sua vez. Do precedente decorre com clareza que a caracterizacáo política da ret6rica nao se pode conceber a margem da natureza do estado em que a ret6rica é praticada.e como aspiracáo. visa resolver conflitos intraclassistas num espa~o social «marginal». muito inadequadamente. ao «direito do estado capitalista». uma teoria que de conta dos problemas mais sérios destas sociedades . como tal. o problema da pertinácia de estratificacóes sociais acentuadas. BARRO. o estado nao é s6 de direito e o direito nao é s6 do estado. o direito de Pasárgada representa a prática de uma legalidade alternativa e. representa uma tentativa para neutralizar os efeitos da aplicacáo do direito capitalista de propriedade no seio dos bairros da lata e. por agora. no dominio habitacional da reproducáo social. será esclarecida por dois esforcos te6ricos paralelos.a ret6rica jurídica é exercida pelo operariado industrial (e também pelo exército de reserva e por uma fraccáo do que. enquanto o uso de expressóes imprecisas nas seccóes anteriores é fruto das carencias te6ricas rnais globais e das ambiguídades que da! resultam e que nao podem nem devem ser escamoteadas. Uma das ideias centráis deste ensaio é que. Esta questáo. e o problema da concentracáo autoritária do poder político e da consequente repressáo das liberdades democráticas 108. ob. portanto. Por um lado. e nao em geral. por exemplo. dentro e fora do marxismo. Mas. POULANTZAS. a burguesia . dada a importancia da dominacáo jurídica na constituicáo do modelo político liberal. WRIGHT 108 . no estado de direito da sociedades capitalista. É com base em análises concretas como esta e contabilizando factores como os que aquí foram apresentados que se pode proceder a urna caracterízacáo nao idealista do conteúdo político da prática ret6rica. também por esta razáo . É ao nível desta análise.. por outro lado. tem sido chamado «pequena-burguesia favelada»). No caso aquí analisado . nesta seceso. que se resolveráo as questóes do conteúdo democrático e do conteúdo conservador da ret6rica.o direito de Pasárgada . a investigacáo centrar-se-á no carácter mais ou menos formal da igualdade perante o discurso. devendo ser suficientemente subtil para discriminar segundo os ramos de 107 E. um exercício alternativo de poder político.98 99 No domínio que aquí interessa. de qualquer modo. nem tem lugar numa fase revolucionária da luta de classes. o direito de Pasárgada representa. a questáo te6rica principal é a de saber o que toma capitalista o estado capitalista 107. fora do ambito do direito estatal e no seio de uma organizacáo comunitária (a associacáo de moradores) mais ou menos aut6noma.mais sérios ainda por sobreviverem a liquidacáo interna do inimigo de classe. Quanto ao conteúdo democrático. no seio de um estado autoritário com forte componente fascista. E porque se centra a volta de uma organizacáo eleita pela comunidade. que se deve determinar o caracter político da retórica jurídica de Pasárgada. aumento das rendas de casa. nas condicóes em que tém sido feitas.e do suplemento fmanceiro por eles criados. e nao em abstracto. de resto. nunca é puramente formal. Esta concepcáo. Nos parágrafos precedentes delinearam-se algumas das vias de acesso a segunda grande tarefa da teoria marxista do direito. ainda que susceptíveis de estabelecerem entre si relacóes padronizadas.A interpenetradio das estruturas SOClalS. A igualdade argumentativa nao pode pois negligenciar-se e muito menos rejeitar-se. Qualquer das grandes tarefas teóricas até agora identificadas concebe as tres dimensóes da instancia jurídica como detentoras de estruturas autónomas. tal como os restantes direitos fundamentais. A oralidade e a escrita juddicas. nao é de eliminá-la. adequada . O que aparece em geral como conservador pode estar de facto ao servico de urna estratégia de transformacáo.100 101 direito. da análise do conteúdo tópico desta. mas antes de ampliá-la e de aprofundá-la radicalmente. a elucidacáo teórica do funcionamento interno de cada um dos factores ou dimensóes que constituem o direito do estado capitalista. ilustrando os vários percursos analíticos no domínio da dimensáo retórica e. do ponto de vista marxista. da sociedade. as quais constituem. as dimensóes da producáo jurídica tal como foram elaboradas no presente trabalho e ainda segundo os contextos da comunicacáo. 3 . entrar em linha de conta com o contexto sócio-político em que esse conteúdo é actualizado. além disso. É necessário. o principio de igualdade. ainda que o nao seja de modo homogéneo em toda a vasta área de intervencáo da instancia jurídica. É. como de resto os demais bairros da lata no interior das grandes cidades do mundo capitalista. um dos objectos principais da investigacáo. neste. que tem imensas virtualidades analíticas. que chegam a absorver mais de 1/3 do salário. é V. Por esta via. Do que se trata. o carácter conservador da prática retórica nao pode ser deduzido. Quanto ao conteúdo conservador da retórica. perda de empregos eventuais . contudo. destruicáo das relacñes sociais primárias e do enraizamento social que elas asseguram). dando particular atencáo a questáo da caracterizacáo política da prática retórica. sao factores de consolidacáo das relacóes sociais no interior de Pasárgada. Quanto maior for essa consolidacáo. E a este nível será de considerar que Pasárgada. a tópica retórica pode ser posta ao servico da utópica retórica. O direito de Pasárgada. No caso de Pasárgada. Será importante reter que nenhum prindpio jurídico-político da sociedade capitalista é isento de contradicóes e que.nas estruturas sociais em processo de rápida ou mesmo revolucionária transformacáo. É a luz destes objectivos e destas lutas (que sao afinal lutas de classe). para prevenir contra voluntarismos grosseiros. tem a sua sobrevivéncia constantemente ameacada pelos poderosos interesses dos especuladores dos solos urbanos. com a consequente desintegracáo da já de si precária economía familiar. que os momentos da consolidacáo e da conservacáo sao fundamentais em qualquer estrutura social e particularmente . um drástico agravamento das condicóes de reproducáo social (agravamento dramático dos custos dos transportes. isto é.por paradoxal que pare~a . mais intenso será o desenvolvimento comunitário e menores sedo os riscos de extincáo ou remocáo (em virtude dos agravados custos sociais e políticos para o aparelho de estado decorrentes de tais medidas). A extin~ao dos bairros e a sua remocáo para os subúrbios mais remotos da cidade implicam. gerador de consequéncias sócio-políticas materiais. nao é. antes. e muito especialmente a sua importante dimensáo retórica.os biscates . por isso. sem mais. importante salientar. porventura radical. a mais complexa e espinhosa de toda a teoria social. sao dois modos de pensar e. a identificacáo epitética como forma de desambiguacño. ainda que por outras razoes e por outras vias. A cultura oral é dominada pela necessi- dade de armazenagem e conservacáo do conhecimento. a sua unidade operacional básica. 110 Como já deixámos notado. cit. como na cultura oral. a sua prática. a investigacáo da interpenetracáo é um campo novo. com lógicas e economias de expressáo próprias. a morte da palavra como som e a sua ressurreicáo gráfica. o pensamento escrito permite-se níveis de abstraccáo inatingíveis pelo pensamento oral. CHAo. Enquanto a investigacáo da covariacáo entre estruturas tem ao seu dispor urna metodologia segura. através da elevada tecnologia da palavra que possibilita. Por outro lado. reproduzida no quotidiano e no ritual. determinante para a fixa~ao do sentido do relativo ressurgimento da retórica na segunda metade do séc. e nao na fórmula. Dilucidar esta interpenetracáo é a terceira grande tarefa te6rica e. menos interessada na aquisicáo de conhecimento novo do que na participacáo colectiva no conhecimento existente. no seu conjunto. numa dada formacáo social. A preocupacáo perante o perigo constante da desintegracáo do conhecimento confere-lhe ainda outras características. A preocupacáo na armazenagem do conhecimento social desaparece e o esforco noético concentra-se na aquisicáo de conhecimentos novoso O pensamento escrito nao precisa de se colectivizar para se apresentar a mem6ria colectiva e é. DERRIDA. ONG se apoia. sem dúvida. a relativa rigidez temática. na sua constituicáo e na sua vigencia. sobretudo aos lugares comuns. isto é. sociologicamente homogéneo ou para tal tendendo. a «contaminacáo» institucional-sistémica e coercitiva dos elementos constitutivos do espa~o retórico. ou se é tambérn uma recessáo interna. dos processos por via dos quais. é a casa da cultura oral. é. cujas obras citadas ao longo deste trabalho me inspirararn a caracterizacáo da oralidade e da escrita no que se segué. ob. a presen~a das restantes estruturas. entre as quais o conservadorismo. em última análise. É sabido que escrever e falar nao sao apenas dois modos de comunicar. centrada na continuidade noética. nao está isenta de conservadorismo. . Paris. O seu accionamento.102 103 a dar conta da interpenetracáo das estruturas. a verbosidade e a redundancia 110.. para o que recorre ao uso extensivo de fórmulas e. a questáo principal consiste em determinar se a recessáo do espa~o retórico verificada nos últimos duzentos anos é apenas urna recessáo externa. Cingindo-nos a dimensáo retórica. também J. dois tipos de cultura. a sistematizacáo deixa de ser. É urna cultura formulária. tem lugar no seio de um auditório real. No ámbito da investigacáo sociológica do direito. por isso. A cultura escrita rege-se por uma lógica e urna economia muito distintas. ONG. A escrita. tem na palavra. Cfr. que só pode ser equacionada numa perspectiva histórica de loriga duracáo. R. a escrita. isto é. um recurso externo e reflexivo para passar a ser um elemento constitutivo do pensar. Y. A memória colectiva. Consequentemente. em quem de resto W. O audit6rio da escrita é sempre fictício 109 Entre os autores que procurararn penetrar neste campo é justo salientar W. Cfr. o deslocamento das fronteiras do espa~o retórico frente a pressáo sobre elas exercidas pelos espa~os vizinhos. A resolucáo desta questáo. teórica e metodologicamente por mapear 109. por sua vez. a lógica e a economia da expressáo cultural oral. isto é . por sua vez. xx. 1967. cada urna das estruturas sociais repercute internamente. Estas características constituem. L'Ecriture et la DifJerence. Pelas mesmas razóes é urna cultura integradora. isto é. susceptível de apropriacáo individual. o leque de questóes a plantar neste campo pode ser ilustrado com as relacóes entre a oralidade e a escrita enquanto estruturas de producáo e distribuicáo do conhecimento social. entre das. testada por largos anos de trabalho sociológico. A crítica da ret6rica fez-se em nome do individualismo (frente ao colectivismo da cultura velha). por igual. 24. um fen6meno fluido e complexo que rapidamente vai evoluindo no sentido da implantacáo estrutural da cultura escrita. A. com o passado. na linguagem comum. . hábitos de pensamento e de expressáo típicos da prática noética pré-típográfica. natural e objectivo que a ciencia moderna proporciona. com o movimento romántico. W. por «fazer a escrita»-. o paradigma. Durante este período sao nítidos os resíduos da oralidade no seio da escrita. isto é. é ainda dominada pela 16gica e pela economia da expressáo oral. in P. xv a cultura europeia é essencialmente uma cultura oral 111. uma nova ordem cultural se estabelece.. ob. no plano cultural. habituados como estamos a ver na escrita o traco distintivo da cultura europeia em relacáo as culturas das sociedades esimpless. nesta fase. de facto. A escrita. desde a pedagogia. Com a descoberta da imprensa assiste-se a degradacáo progressiva da oralidade e a sua substituicáo pela escrita.104 105 e a sua homogeneidade é o correlato abstracto da individualidade do emissor escrevente. ao ponto de se presumir pertencerem. é . Rhetoric. objectivo. porém. se transforma no fundamento da esperan¡¡:a do século na racionaliza¡¡:ao. com implicacóes múltiplas nos mais diversos campos da accáo social. com a adopcáo de teorias e técnicas centradas sobre a aprendizagem escrita do conhecimento cientlfico. 112 Cfr. 311 e ss..The Consequences of Literacys.nao é por acaso que esta prática é ainda hoje designada. neste período. Deste processo hist6rico faz parte a queda da ret6rica no fim do séc. Nisto consiste a interpenetracáo das estruturas da cultura escrita e da cultura oral. ao novo medium. urna presuncáo cuja credibilidade se mantém até que o novo medium seja suficientemente interiorizado para que a sua lógica e a sua economia específicas emerjam com autonomia. apesar de todo o vigor e arrogancia com que se vai impondo. da burocracia no seu sentido mais amplo. a cultura escrita. medida que a lógica e a economia da expressáo escrita se váo impondo. isto é. Cfr. com o primeiro grande período de expansáo capitalista e. sobre este tema. científico. Inicia-se entáo o 111 Esta afirrnacáo é conscientemente polémica. Nao difícil ver nesta crítica a pujanca ideológica da burguesia numa fase eufórica de desenvolvimento econ6mico e a carninho da consolidacáo da dominacáo política. WATI. até a administracáo burocrática. A cultura ret6rica é um cultura oral e pode dizer-se que até ao séc. em suma. durante algum tempo. Trata-se tao s6 de os hábitos de pensamento e de expressáo da velha cultura oral serem ainda os mais familiares. XVIII. Sucede. ou pretende romper. cuja vigencia testemunha a dominancia da oralidade como meio de expressáo cultural ou. controlado. o medium escrito do medium oral. que a partir dos anos 30 do nosso século o som perdido da palavra foi redescoberto. urna estrutura mental que rompe. em nome do conhecimento verdadeiro. um pensamento espacial ao servico de um conhecimento racional. onde a regulamentaeío exaustiva. cit. J. da nova cultura escrita. P. ONG. Acima de tudo criticou-se o artificialismo da ret6rica e o pseudo-conhecimento que o habita. GIGUOLl (org. a matriz. nao se trata de uma adopcáo consciente da lógica da oralidade por parte da escrita 112. pelo menos. GQODY e 1.). como já se referiu. A ciencia moderna é. Como salienta W ALTER ONG. a impossibilidade de dissociar. sistematízacáo e controle das relacóes sociais. da inovacáo (frente a conservacáo) e da acumula¡¡:ao (frente a partilha). No entanto. provavelmente até ao séc. xvrn. que já desde os fins da idade média era o instrumento indispensável da prática contabilística das firmas comerciais . tomada possível pela escrita tipográfica. da originalidade (frente ao formularismo). transformou-se progressivamente no medium quase exclusivo de toda a administracáo pública e privada. coinci- dindo. os auditórios sobrepostos nao sao fictícios mas a sua realidade e homogeneidade sao produtos de urna intervencáo programada. E. a estrutura da escrita domina a da oralidade. como tern sido também designada. Pelo contrário. .Constituents of a Theory of the Medias.1972. H. Soci%gy of Mass Communications.99 e ss.Tele~~lon Wl~o~t Tears: An Outline of a Socialist Approach to Popular Televisiom. 7 e ss . E de novo este processo se apresenta prenhe de consequencias nos mais diversos domínios da vida social. a ser assim. nao está centrada na preocupacáo da armazenagem do conhecimento atr~v~s dos lugares comuns. que a lógica e a economia da cultura escrita presidem a prática da oralidade secundária. da televisáo 113. a que se liga o regresso da retórica. Desta forma. A nível teonco. de técnicas de rela~~es hum~as assentes na interaccáo primária ou de face a face. com a revalorizacáo da oralidade e a negligencia da escrita (a ponto de parecer caminhar-se para novas formas de analfabetismo culto). cfr. . A oralidade secundária obedece a urna lógica institucional-sistémica. ? oralidade o regresso ao passado ancestral da eul tura europela. isto é. S~. Significará esta nova . para cobrir espa~os amplos em vez de tempos longos. Correlativamente. até a pedagogía.).~~. melhor. mais tarde. Significará o fim da cultura escrita tal como a conhecemos nos últimos duzentos anos? Parece indesmentível estarmos perante um processo de reoralizacáo da cultura. mesmo quando o objectivo é produzir espontaneidade. O conservadorismo da retórica sincroniza-se e a rigidez temporal transforma-se em fixa~ao espacial. Reportando-nos as tres dimensóes da instancia jurídica identificadas neste trabalho e aos discursos que as constituem. isto é. do marketing e da comunicacáo SOCial audio-vlsual. sobretudo nos países capitalistas avancados. A luz desta observacáo nao é temerário avancar. A participacáo no círculo retórico tem de ser programada e controlada até ao último pormenor de modo a surgir realisticamente (ao nivel da realidade electrónica) como improvisada e espontánea. pelas máos teóricas da linguistica e pelas máos ~ráticas ~a p~bli­ cidade. 1974. ENZENSBBRGBR. 107 social do esquecimento através das rupturas publicitárias e da permanente re-tematizacáo da actualidade na comunicacáo social. enquanto no primeiro período de interpenetracáo estrutural analisado se escrevia como se falava. na segunda metade do nosso século. desde a administracáo pública e privada. a obsolescencia do conhe~ento é sobretu~o o resultado da constante repeti~ao do novo. é de reconhecer que o discurso retórico é basicamente urna fala. que se detecta com particular nitidez na questáo do auditório. O auditório ou. ou oralidade secundária. McQuAIL (org. a igualdade perante o discurso é produzida por urn aparelho detentor do controle tendencialmente monopolista dos recursos retóricos mais importantes. Uma análise detalhada deste processo revela. A aplicacáo desta investigacáo no donúnio da sociologia jurídica suscita hipó teses de trabalho frutuosas e é por isso importante para o avance científico nesta área. A nova oralidade. regresso a c~tura oral do passado pré-tipográfico. estamos de novo perante um fenómeno de interpenetracáo estrutural em que. Boston. da producáo 113 Dentre a imensa bibliografia sobre o tema. desta vez.106 período da ressonoriza~ao electrónica da palavra através da rádio e. com a introducáo. A nivel prático-utilitário. M. 35 (1977). como hipó tese de trabalho. tal é o resultado da énfase no avance científico e da reiterada superacáo do conheeimento adquirido que t~ envolve. ~ centracáo p~rece r~s~dir na obsolescencia acelerada do conhectmento. Harmonclsworth. enquanto . contudo. SOCIa/1st Rtvolution. um discurso Jito. in D. no segundo fala-se como se escreve. os lugares comuns sao orientados para accóes práticas de curto prazo. The Mind Managers. De modo pouco rigoroso mas sucinto pode dizer-se que. que nao se trata de modo nenhum de urn. DANIEL BEN-HoRIN. da expansáo e diversificacáo interna das profissñes jurídicas.108 109 o discurso institucional-sistémico é um discurso escrito e o discurso coercitivo. do princípio de que a ignorancia da Íei nao pode ser invocada para desculpar o comportamento contrário as suas determinacóes obrigatórias. é possível esclarecer alguns pontos obscuros da história e da sociologia jurídicas através da análise das interpenetra~oes estruturais entre o discurso dito e o discurso escrito no interior da prática jurídica numa e é só entáo que se impñem a lógica e a economía da escrita jurídica como factores estruturantes dominantes da prática e do discurso jurídicos. É o que decorre do princípio da nao-ignorancia da lei. quer dos objectivos mais empíricos e «cornezinhoss da preparacáo para a prática (em boa medida ainda oral) dos tribunais. A investigacác sobre a interpenetraCfao estrutural torna possível urna leitura alternativa da escrita jurídica medieval e moderna. como hipótese de trabalho. o carácter lacunoso e frequentemente contraditório da regulamenta~ao. Os marcos rnais significativos deste processo sao os seguintes: o grande movimento de codificacáo posterior a revolucáo francesa. a emergencia de uma ciencia jurídica capaz de proporcionar a prática jurídica uma consciencia teórico-abstracta e um suporte técnico. atribuindo as «imperfeiCfOeS» a precaridade dos recursos técnicos e teóricos e ao carácter empírico da formacáo jurídica e justiflCando-as enquanto momentos da pré-história do movimento de codificaCfao do séc. é difícil furtarmo-nos a urna sensacáo de estranheza perante a precária sistematiza~ao. isto é. Deixando por agora de lado. os exemplos ou iluseracóes fastidiosas. Assim. pela sua especificidade. também é feito do nao-discurso . Nao é invulgar contabilizar esta caracterizaCfao a débito da prática e da ciencia jurídicas coevas. que essa caracterizacáo nao resulta de «imperfei~oe~ ou de «impreparaCfo~. XIX. a redundancia de muitas expressóes usadas e. a aplicacáo dos princípios e critérios da administracáo burocrática a administracáo da justica. um ensino centrado na escrita jurídica e na aprendizagem do domínio técnico dos códigos com a negligencia activa dos demais objectivos possíveis. quer dos objectivos mais amplos ligados a formacáo política filosófica e social dos juristas. aliás. a tendencia para a profissionalizacáo plena da producto jurídica decorrente da aceleracáo da divisáo social e técnica do trabalho jurídico e. Como nao é difícil reconhecer na caracteriza~ao desta escrita a estrutura do discurso oral já delineado nesta seccáo. Também neste caso nao é difícil ver nas características deste processo afloramentos da estrutura geral do pensamento (e do conhecimento) escrito tal como a definimos nesta seccáo. Pode mesmo dizer-se que a escrita jurídica é de todas a que melhor preenche os requisitos estruturais do pensamento escrito OUt para usar a terminología weberiana. XVIII e se analisam as suas características estilísticas a partir dos postulados culturais gerais e jurídicos do nosso tempo. Ao fazer-se assentar a legitimidade da reproducáo jurídica num conhecimento cuja vigencia sequencia de longa duracáo. a reforma do ensino jurídico no sentido da apropriacáo monopolística deste por parte de titulares da ciencia jurídica. a que mais se aproxima do tipo ideal deste pensamento. A degradaCfao da oralidade jurídica só tem verdadeiramente lugar no séc. o discurso feito . um discurso Jeito. portanto.. XIX . por exemplo. fmalmente. a escrita jurídica é aquela em que a ficCfao do auditório atinge o seu nível extremo. a deficiente generalidade da linguagem jurídica e o pouco rigor desta. mas tao só do facto de no período histórico em causa a escrita jurídica estar ainda submetida a lógica e a economía da oralidade que dominara até entáo a prática jurídica. Quando se consulta a documenta~ao jurídica e sobretudo as eolectáncas de leis e de outras provisóes legais da idade média e mesmo da idade moderna até finais do séc.que. pode avancar-sc. nem sequer a sentenca é reduzida a escrito 115. as que dizem respeito a chamada crise fiscal do estado capitalista provocada pelo desequilibrio entre a taxa da acumulacáo capitalista (cuja última crise data de 1973 e ainda dura) e os custos da producáo improdutiva do estado 116. eleitos ou designados pelas organizac¡:oes sociais. !"he Fiscal Crisis of the Sta«. em vez de interpenetracáo em sentido estrito. se esteja perante outras formas de combinacáo estrutural. Sucede. ABEL (org. de áreas da acc. Por via de tais cons:quéncias. SOURlOUX e LERAT. negligenciáveis. em certas áreas do controle social. . O processamento das questñes é informal e oral e. a da concentracáo da escrita jurídica (e das dimensñes burocrática e coercitiva com as quais goza de forte homologia estrutural) nas áreas de controle social mais importantes para a reproducáo da dominacáo político-jurídica de classe. comunitários ou de bairro presididos por juízes leigos.' por . o é cada vez mais. A subordinacáo estrutural a que neste processo foram submetidos os resíduos de oralidade no discurso jurídico toma-se patente de múltiplas formas. como tal. mas os mais importantes sao os que dizem respeito a criacáo. as relacóes entre vizinhos e as questóes de familia. Este desequilibrio pode levar a «levolucáoe controlada a «sociedade civil. No seguimento da invesrigacáo apontada nesta seccáo. recuperando ou reactivando. 1973.. por isso. a defesa do consu11l1dor. possível que neste caso a interpenetracáo estrutural assuma novas formas ou que. a ordem e a seguranc¡:a públicas. E alguns sintomas se podem carrear neste sentido. por exemplo.) The Politics Qf Informal ]ustict Nova Iorque. e em que Cfr. em novos moldes. ob. refinamentos esses que relevam de urna lógica sistémica e. estranha a génese tópica 114. que esta tentativa de reoraliza~¡¡o da prática e do discurso jurídicos está subordinada a lógica e a economia estruturais da escrita jurídica. por todos. de uma administracác jurídica e judiciária paralela oU alternativa aquela que até agora dominou em exclusivo. por vezes. a que. inclusivamente atravé~ dos refma~ mentos analíticos e exegéticos a que foram submetidos os tOpOI por parte da ciencia jurídica.e est technique. Nova Iorque. que se tem vindo a verihcar ern tempos rece~te~. o auditório é coagido a dar cumprimento a sua própria a representacáo das partes por advogado nao é necessária ou é até proibida. onde. de resto. e sobretudo nos países capitalistas avancados. Esta redistribuicáo geo-política das estruturas jurídicas estará eventualmente ligada a mudancas mais globais na dominacáo política burguesa. 1980.plus la matier. a medida que se profissionaliza o trabalho jurídico e a ciencia jurídica se apropria da consciencia jurídica. atribuem-se consequenci~s jurídicas materiais a urna ficc¡:ao que.hip~t~e ligada a um certo revigoramento da dimensáo retórica da instancia jurídica. enquanto tal. O'CONNOR. Es~a tendencia ou movimento é detectável por muluplos smais. 64: . por acréscimo. plus les marques de l' écrit sont préponderants jusque dans l'orab. como hipótese de trabalho. contudo.ecc¡:ao. R. a geometria (que nao a imaginacáo) sociológica levar-nos-á a propor. a habitacáo. deixando para a oralidade jurídica as áreas consideradas marginais e. cit. nega ou pelo menos admite nao existir. 116 Cfr. cri~m-se tribunais sociais. 11<4 115 Cfr. já se fez referencia nest~ s. aliás. por exemplo.:ao de integra~o social e de legitimacáo do poder político. estruturas administrativas de tipo popular ou participatório há muito abandonadas ou marginalizadas.. a oralidade pode desempenhar urna prestimosa func.. urna certa tendencia para a reoralizacáo do discurso e pr~tica j~rídic~s. É.110 111 no seio do auditório o próprio principio. hoje vastamente dominante. Em áreas como a pequena delinquencia e a pequena c~minalidad~.:ao social que tinham sido absorvidas ficcáo. porérn. J. 1955 e Pour Une Sociologie du Roman. A ideia de homologia estrutural subjaz a ideia de combinacáo horizontal no sentido aqui adoptado e a esta subjaz. Nao será. Esta concepcáo engloba. 1964. ainda que implicitamente. mesmo em corte sincrónico. como ainda na de covariacáo de estruturas (que constituiu o objecto teórico principal deste ensaio) propñe-se como prineípio teórico que a articulacáo estrutural nunca é horizontal. Pelo contrário. como na de interpenetracáo de estruturas em sentido estrito. o reforce relativo da dimensáo retórica da instancia jurídica tém lugar em termos de subordinacáo estrutural. a uma estrutura globalizante (as raízes heideggerianas do pensamento de GOLDMANN) que dá coeréncia as homologias e as transforrnacóes e intranstormacóes das estruturas sociais. mais em geral. a ideia de equilíbrio posicionaL Esta última ideia tem uma inegável vocacáo estática e constitui um terreno pouco seguro para nele fundar a construcáo da historicidade. outras que sao destas meros rearranjos. Mas esta totalidade. Le Dieu Caché. Por seu lado. mas antes porque a sua «pureza» estrutural é consentida apenas na periferia da dominacáo jurídico-política e pelas razñes heteróctones de reforcar ideologicamente o estado capitalista e de garantir um controle social a prec¡:o módico. tem de se reportar. por sua vez. . integradas no proeesso de consolidacáo do estado social que entáo teve lugar. luz desta hipótese. faz-se sempre na vigencia de estruturas dominantes e de estruturas dominadas (ou recessivas) e as posicóes relativas de urnas e de outras. 1935. as homologias estruturais e a historicidade das estruturas sociais (para o que desenvolve também os conceitos de desestruturacáo e de restruturac¡:ao) 117. cuja ilustracáo acabamos de fazer. assim hipostasiada.). isto é. nunca tem lugar entre estruturas equivalentes ou equidistantes no horizonte sócio-político. Tanto na forma de combinacáo de estruturas. Na concepcáo apresentada neste ensaio. L. da nao eontemporaneidade das estruturas sociais 118. a historicidade. por isso é capaz de gerar novas articulacóes estruturais. a ideia de homologia estrutural e simultaneamente dá relevo justo a ideia. Paris. a articulacáo das estruturas sociais dá-se sempre sob a dominancia de uma delas e é nesta desigualdade que se gera a instabilidade de que decorre a mudanca e. Paris.112 113 na administracáo directa do estado na primeira metade do nosso século. 118 A nao contemporaneidade das estruturas sociais é também a nao simultaneidade ou desigualdade dos tempos sociais. Esta teoria tem afinidades com a teoria de LUCIEN GOLDMANN sobre 117 Cfr. para nao nascer em ruínas. relativizando-a. a desestruturacáo é sempre correlato de recessáo estrutural e é sempre contraditória. em última análise. corre o risco de se tornar numa entidade metafísica. contudo. Esta hipó tese será tanto mais consistente quanto mais concludente for a verificacáo de que estas transformacóes nas franjas dos vários aparelhos de estado sao acompanhadas pelo reforce das dimensóes burocrática e coercitiva (e da escrita jurídica através da qual uma e outra «discursam» na sociedade) da instancia jurídica no centro desses aparelhos. igualmente importante. 35 e ss. Esta. urnas que representam rupturas globais com as anteriores. bem como a relativa desprofissionalizacáo e informalizacáo do trabalho jurídico e. heterólogas e dominantes. a Ungleichzeitlichkeit de que fala ERN5T BLOCH (Erbschaft dieser Zeit. GOLDMANN. Zurique. A. pretencioso salientar que a concepcáo de articulacáo estrutural apresentada neste trabalho tem potencialidades para servir melhor que a concepcáo goldmanniana o objectivo de dar corpo histórico as estruturas sociais. Muito do que fica dito nesta seccáo pode ser chamado a substanciar esta verificacáo. a reoralizacáo relativa da prática jurídica. só sao detectáveis a luz de urna perspectiva histórica de longa duracáo. nao porque as suas estruturas sejam «adulteradas» pela intromissáo de outras. No domínio da sociologia jurídica.caminhos para muitos trilharem sem se trilharem. pelo contrário.114 115 De facto. permite. As ambicñes teóricas aqui esbocadas excedem em muito o trabalho individual e sao afinal o cademo de encargos de uma geracáo de sociólogos do direito e do estado. esta concepcáo teórica da combinacáo e da interpenetracáo estruturais permite ancorar materialisticamente o movimento histórico das estruturas e as contradicóes a que está sujeito. Permite.:ao empirista e o perigo do simulacro da unificacáo metafísica. com eles. foram acompanhadas de ilustracñes selectivas. diversamente. além disso. qual o factorou dimensáo que há mais tempo mantém a dominancia e com que oscilacóes ?). evitando simultaneamente o perigo da fragmenta<. há algo de arcaico ou anacrónico ou simplesmente pré-capitalista na dimensáo retórica do direito?. . é preciso. É certo que a totalidade é a soma e o resto. . a dessincronia possível entre os vários factores da producáo jurídica pode ser investigada. para maior consistencia e concretizacáo. as relacóes de poder social e as formas de dominacáo política. Com plena consciencia disto se abriram múltiplas pistas de investiga~ao empírica e de teorizacáo . aos quais é permeável a ideia de homologia. nao basta perguntar pelos movimentos estruturais homogéneos. Em resumo. por outras paiavras. quer ao nível da nao contemporaneidade dos tempos sociais que rielas. ou é. Na última seccáo deste ensaio nao se pretendeu avancar milito para além da apresentacño de hipóteses de trabalho que. conquistar a totalidade a partir das análises concretas e das práticas para que apontam. penetram (em que medida é que a combinacáo estrutural entre as dimensóes da instancia jurídica reflecte ou acompanha a articulacáo dos modos de producáo no interior de uma dada formacáo social?. mas sao as desigualdades (mutáveis) entre as parcelas da soma que determinam o montante (instável) do resto. perguntar pela eventual dessincronia desses movimentos. em que medida e de que modo (desigual) esta articulacáo se repercute no interior de cada uma das dimens6es?. quer ao nível genético (qual é o mais antigo dos factores ou dimensóes do direito identificados e qua! a importancia sociológica de tal facto?. re1acioná-lo com as lutas de classes e com as transformacóes por que váo passando os modos de producáo e. nela que discorre oniricamente a utopia jurídica?). em suma. 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