#Revista Guia do Estudante Vestibular+Enem - Português (2018)

March 29, 2018 | Author: Ellaholt2016 | Category: Abortion, Pregnancy, Arts (General), Languages


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VESTIBULAR+ENEM 2018W W W . G U I A D O E S T U D A N T E . C O M . B R português Fundada em 1950 VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA (1907-1990) (1936-2013) Conselho Editorial: Victor Civita Neto (Presidente), Thomaz Souto Corrêa (Vice-Presidente), Alecsandra Zapparoli, Giancarlo Civita Presidente do Grupo Abril: Walter Longo Diretora Editorial e Publisher da Abril: Alecsandra Zapparoli Diretor de Operações: Fábio Petrossi Gallo Diretor de Assinaturas: Ricardo Perez Diretora da Casa Cor: Lívia Pedreira Diretor da GoBox: Dimas Mietto Diretora de Mercado: Isabel Amorim Diretor de Planejamento, Controle e Operações: Edilson Soares Diretora de Serviços de Marketing: Andrea Abelleira Diretor de Tecnologia: Carlos Sangiorgio Diretor Editorial – Estilo de Vida: Sérgio Gwercman Diretor de Redação: Fabio Volpe Diretor de Arte: Fábio Bosquê Editores: Ana Prado, Fábio Akio Sasaki, Lisandra Matias, Paulo Montoia Repórter: Ana Lourenço Analista de Informações Gerenciais: Simone Chaves de Toledo Analista de Informações Gerenciais Jr.: Maria Fernanda Teperdgian Designers: Dânue Falcão, Vitor Inoue Estagiárias: Giovanna Fontenelle, Marcela Coelho, Sophia Kraenkel Atendimento ao Leitor: Sandra Hadich, Walkiria Giorgino CTI Andre Luiz Torres, Marcelo Augusto Tavares, Marisa Tomas PRODUTO DIGITAL Gerentes de Produto: Pedro Moreno e Renata Aguiar COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Consultoria e textos: João Jonas Veiga Sobral e Vicente Castro Pereira Reportagem: Yuri Vasconcelos Arte: 45 Jujubas (capa) e Tereza Bettinardi (ilustrações) Revisão: Bia Mendes e texxto comunicação www.guiadoestudante.com.br GE PORTUGUÊS 2018 ed.8 (ISBN 978-85-69522-27-0) é uma publicação da Editora Abril. Distribuída em todo o país pela Dinap S.A. Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo. A PUBLICAÇÃO não admite publicidade redacional. IMPRESSA NA GRÁFICA ABRIL Av. Otaviano Alves de Lima, 4400, CEP 02909-900 – Freguesia do Ó – São Paulo - SP !/ !.%0$+.6..-$1#(*)$   .023)3814(12*%3+$0(-(,.6..-$1#(*)$!.%0$+ #*&(-2($120. (0(*0$('*2$'./.0*1$-'0$$2*$1!6. $3+. %0*+   /*+ &,  3*$'.123'$-2(!   ('     .023)381 9-)3$/.023)3(1$0$,52*&$  .023)381 #(12*%3+$0"923+.!.%0$+.6..-$1#(*)$ (0(*0$ #*&(-2($120.#$2*$1*1$-'0$#!70*(     APRESENTAÇÃO Um plano para os seus estudos Este GUIA DO ESTUDANTE PORTUGUÊS oferece uma ajuda e tanto para as provas, mas é claro que um único guia não abrange toda a preparação necessária para o Enem e os demais vestibulares. É por isso que o GUIA DO ESTUDANTE tem uma série de publicações que, juntas, fornecem um material completo para um ótimo plano de estudos. O roteiro a seguir é uma sugestão de como você pode tirar melhor proveito de nossos guias, seguindo uma trilha segura para o sucesso nas provas. 1 Decida o que vai prestar O primeiro passo para todo vestibulando é escolher com clareza a carreira e a universidade onde pretende estudar. Conhecendo o CAPA: 45 JUJUBAS grau de dificuldade do processo seletivo e as matérias que têm peso maior na hora da prova, fica bem mais fácil planejar os seus estudos para obter bons resultados. CALENDÁRIO GE 2017  COMO O GE PODE AJUDAR VOCÊ O GE PROFISSÕES traz todos os Veja quando são lançadas cursos superiores existentes no Brasil, explica em detalhes as carac- as nossas publicações terísticas de mais de 270 carreiras e ainda indica as instituições que oferecem os cursos de melhor qualidade, de acordo com o ranking MÊS PUBLICAÇÃO de estrelas do GUIA DO ESTUDANTE e com a avaliação oficial do MEC. Janeiro Fevereiro GE HISTÓRIA 2 Revise as matérias-chave Para começar os estudos, nada melhor do que revisar os pontos Março Abril GE ATUALIDADES 1 GE GEOGRAFIA mais importantes das principais matérias do Ensino Médio. Você GE QUÍMICA pode repassar todas as matérias ou focar apenas em algumas delas. Maio GE PORTUGUÊS Além de rever os conteúdos, é fundamental fazer muito exercício GE BIOLOGIA para praticar. Junho GE ENEM  COMO O GE PODE AJUDAR VOCÊ Além do GE PORTUGUÊS, que você GE REDAÇÃO já tem em mãos, produzimos um guia para cada matéria do Ensino Julho GE FUVEST Médio: GE HISTÓRIA, Geografia, Redação, Matemática, Biologia, GE ATUALIDADES 2 Química e Física. Todos reúnem os temas que mais caem nas pro- Agosto GE MATEMÁTICA vas, trazem muitas questões de vestibulares para fazer e têm uma Setembro GE FÍSICA linguagem fácil de entender, permitindo que você estude sozinho. Outubro GE PROFISSÕES 3 Mantenha-se atualizado O passo final é reforçar os estudos sobre atualidades, pois as pro- Novembro Dezembro vas exigem alunos cada vez mais antenados com os principais fatos Os guias ficam um ano nas bancas – que ocorrem no Brasil e no mundo. Além disso, é preciso conhecer com exceção do ATUALIDADES, que em detalhes o seu processo seletivo – o Enem, por exemplo, é bem é semestral. Você pode comprá-los diferente dos demais vestibulares. também pelo site do Guia do Estudante: guiadoestudante.com.br  COMO O GE PODE AJUDAR VOCÊ O GE Enem e o GE Fuvest são verda- deiros “manuais de instrução”, que mantêm você atualizado sobre FALE COM A GENTE: todos os segredos dos dois maiores vestibulares do país. Com duas Av. das Nações Unidas, 7221, 18º andar, edições no ano, o GE ATUALIDADES traz fatos do noticiário que podem CEP 05425-902, São Paulo/SP, ou email para: cair nas próximas provas – e com explicações claras, para quem não [email protected] tem o costume de ler jornais nem revistas. GE PORTUGUÊS 2018 5 CARTA AO LEITOR 8 EM CADA 10 APROVADOS NA USP USARAM O GUIA DO ESTUDANTE O selo de qualidade acima é resultado de uma pes- quisa realizada com 300 estudantes aprovados em três dos principais cursos da Universidade de São Paulo: Direito, Engenharia e Medicina.  8 em cada 10 entrevistados na pesquisa usaram algum conteúdo do GUIA DO ESTUDANTE durante sua Múltiplas leituras preparação para o vestibular. TESTADO E APROVADO! Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significa- � Pesquisa quantitativa feita nos dias 13 e 14/2/2017. do, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos � Total de estudantes aprovados nesses cursos: 1.566. para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que o seu autor � Margem de erro amostral: 5 pontos percentuais. pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a essa leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo uma outra não prevista.” Esse trecho, da obra Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo, de Marisa Lajolo, fez parte de uma das questões da prova de Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias do último Enem, em 2016. Não por acaso, também escolhi essa questão para abrir o MAIS CONTEÚDO PARA VOCÊ simulado da página 134. É porque ela toca num ponto crucial, que tem a ver também As publicações do GE contam agora com o recurso com a proposta desta publicação: não só apresentar os conteúdos mais pedidos de mobile view. Essa tecnologia permite que você aces- Língua Portuguesa nos principais processos seletivos, mas valorizar a importância se, com seu smartphone, conteúdos extras em algu- da leitura, no seu sentido mais amplo – o que também é exigido nos vestibulares. mas aulas e reportagens dos nossos guias. A presen- O ato de ler, reconhecer o sentido de um texto, formar repertório e relacionar infor- ça desses conteúdos, principalmente em forma de mações nos torna capazes de fazer outras leituras. Assim, passamos a compreender vídeos, será sempre identificada com o ícone abaixo: também o que está subentendido nas entrelinhas (ou nas palavras e nos comporta- mentos das pessoas), conseguimos perceber a intenção do autor (ou daqueles que nos cercam) e conectar os conteúdos (ou os fatos). Essas são condições fundamentais para nos colocarmos no mundo como sujeitos autônomos e cidadãos críticos. Para ajudar você tanto nas provas como no seu percurso de leitor ou leitora, apresento a linha mestra deste GUIA DO ESTUDANTE PORTUGUÊS VESTIBU- LAR + ENEM 2018. Seus sete capítulos – organizados por ordem cronológica dos Usar o recurso mobile view é simples: movimentos literários – iniciam sempre com um assunto da atualidade. A partir dele é estabelecida uma relação com a literatura e, na sequência, novos textos 1 • Baixe em seu smartphone o são agregados, literários e não literários, com a análise conjunta dos aspectos aplicativo Blippar. Ele está disponível, de literatura, interpretação de texto e gramática. Esses conteúdos, por sua vez, gratuitamente, para aparelhos com associam-se a outros tipos de linguagens que costumam aparecer nos exames, sistema Android e iOS em lojas virtuais como letras de música, anúncios publicitários, obras de arte, tirinhas e charges. como Google Play e AppleStore. Espero que este guia seja um ótimo material de estudo e permita que você se aprimore cada vez mais na leitura dos textos e da realidade à nossa volta. 2 • Depois, basta abrir o aplicativo e usar Um abraço e boa sorte! o celular nas matérias que apresentam o ícone do mobile view – seguindo as  Lisandra Matias, editora – [email protected] orientações em cada página. © TERESA BETTINARDI 6 GE PORTUGUÊS 2018 SUMÁRIO  Português LITERATURA DO REALISMO/NATURALISMO VESTIBULAR + ENEM 62 Favelas em chamas Incêndios são recorrentes em habitações precárias, que ainda sofrem com a falta de amparo do poder público 2018 64 Interpretando Como identificar a ironia em um texto 66 Realismo Em oposição à subjetividade e às idealizações, Machado de Assis e Eça de Queirós fazem um retrato crítico do seu tempo 72 Naturalismo Impulsionado pelo progresso das ciências, os autores se centram nas descrições minuciosas e nos relatos quase científicos ÍNDICE REMISSIVO 74 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo 8 Lista, em ordem alfabética, dos assuntos abordados neste guia COMO USAR 9 Entenda como a publicação está organizada e conheça suas seções LITERATURA DO PRÉ-MODERNISMO 76 O drama da seca No Nordeste, a maior estiagem dos últimos cem anos LINHA DO TEMPO afeta nove estados e 23 milhões de habitantes 10 As principais escolas literárias, do século XII ao XX 78 Interpretando Os tipos de texto: narração, descrição e dissertação 80 Pré-Modernismo Na passagem do século XIX para o XX, o debate sobre os problemas do país faz surgir um nacionalismo crítico 84 Parnasianismo Construções sofisticadas e vocabulário rebuscado LITERATURA MEDIEVAL E RENASCENTISTA demonstram a busca pela forma perfeita do verso 12 O aborto em pauta Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) 86 Simbolismo A crítica à aproximação da arte com a industrialização analisam ação que pede a legalização ampla do aborto no país propõe uma poesia que provoque sensações e sentimentos 14 Interpretando Conheça as principais funções da linguagem 88 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo 16 Trovadorismo Os primeiros registros literários em língua portuguesa 18 Humanismo Gil Vicente e a crítica social do fim da Idade Média 22 Classicismo A valorização do homem e da razão na obra de Camões 28 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo LITERATURA DO MODERNISMO – PROSA 90 100 anos de arte moderna no Brasil Exposição em São Paulo revê o legado e a trajetória de Anita Malfatti, pioneira do Modernismo no país 92 Interpretando Os caminhos da argumentação e da persuasão LITERATURA COLONIAL 94 Modernismo – 1ª fase A ruptura com a tradição e a afirmação de 30 Na era da pós-verdade Nas redes sociais, diferentes interesses e uma literatura autêntica brasileira opiniões flexibilizam os conceitos de verdade e mentira 100 Modernismo – 2ª fase A discussão de questões sociais marcam as 32 Interpretando Metáfora, antítese e outras figuras de linguagem obras dos autores do período, como Jorge Amado e Graciliano Ramos 34 Quinhentismo Relatos de viajantes, como a Carta de Caminha, e 104 Modernismo – 3ª fase A experimentação estética de Guimarães Rosa textos de evangelização inauguram a literatura produzida no Brasil e o intimismo e a sondagem interior de Clarice Lispector 36 Barroco As contradições entre razão e fé marcam a obra dos 112 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo principais nomes do período, como Gregório de Matos e Padre Vieira 40 Arcadismo Ideais libertários do Iluminismo inspiram uma produção poética que ressalta a natureza e a simplicidade 42 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo LITERATURA DO MODERNISMO – POESIA 114 Remédios para todos os males O aumento no consumo de calmantes e antidepressivos preocupa médicos e especialistas 116 Interpretando Os mecanismos de coesão e coerência LITERATURA DO ROMANTISMO 118 Modernismo em Portugal Fernando Pessoa e seus heterônimos 44 Índios sob ameaça Governo tenta alterar regras para demarcação 120 Modernismo no Brasil A obra poética de alguns dos autores de terras indígenas, mas sofre críticas e recua modernistas mais expressivos, como Manuel Bandeira, 46 Interpretando Aprenda a reconhecer a intertextualidade, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto as relações entre os textos 130 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo 48 Romantismo – 1ª geração O Indianismo e a exaltação dos elementos nacionais nas obras de José de Alencar e Gonçalves Dias RAIO X 54 Romantismo – 2ª geração O pessimismo, a melancolia e o 132 Decifre os enunciados de questões que costumam cair nas provas sofrimento marcam a produção dos autores ultrarromânticos do Enem e de outros processos seletivos 56 Romantismo – 3ª geração O engajamento social e a linguagem grandiloquente de Castro Alves, o poeta dos escravos SIMULADO 60 Como cai na prova + Resumo Questões comentadas e síntese do capítulo 134 40 questões extraídas do Enem e dos principais vestibulares do país GE PORTUGUÊS 2018 7 ÍNDICE REMISSIVO Lista de temas Função poética ........ 14, 15, 46, 79, 110 Onde/aonde .......................................56 Função referencial................ 14, 15, 79 Onomatopeia ...................................109 Relação, por ordem alfabética, dos as- Funções da linguagem ............... 14, 15 Orações coordenadas ......................83, suntos tratados neste guia: 100, 124 Literatura Gramática Interpretação G Gênero dramático ............................. 21 Orações subordinadas adjetivas .........68 Gil Vicente....................................18, 20 Origem das palavras ........................113 A Adjetivos ................... 19, 41, 55, 80, 83, Gonçalves Dias ..................................50 Osman Lins .......................................... 21 94, 103, 125 Graciliano Ramos ...........................102 Oswald de Andrade ....... 35, 98, 99, 121 Advérbios ...............50, 67, 86, 118, 122 Gregório de Matos............................38 Alberto de Oliveira ...........................84 Guimarães Rosa .............. 108, 109, 110 P Padre Antônio Vieira .......................36 Aliteração ...................................86, 125 Paradoxo ................................ 22, 32, 82 Alphonsus de Guimaraens..............86 H Helena Morley ..................................69 Paráfrase .............................................47 Aluísio Azevedo ................................ 72 Hipérbole ....................... 32, 67, 78, 110 Paralelismo ..........................36, 37, 122 Álvares de Azevedo ..........................54 História em quadrinhos ............. 17, 51 Paródia .......................46, 47, 51, 96, 99 Almeida Garrett ................................ 27 Humor............................................ 17, 51 Pepetela ..............................................49 Ambiguidade ............................111, 120 Pero Vaz de Caminha .......................34 Anáfora ...............................................22 I Ideologia ............................................. 18 Persuasão............................... 38, 40, 92, 93 Antítese ..................................24, 46, 86 Imagens (leitura de) ........... 19, 23, 39, Personificação (veja Prosopopeia) Anúncio publicitário .................. 25, 71 53, 57, 83, 85, 87, 95, 105, 107 Pleonasmo ........................................ 110 Argumentação ................ 41, 79, 92, 93 Intencionalidade............. 16, 18, 33, 86 Polissemia ...................................19, 129 Ariano Suassuna ............................... 21 Intertextualidade ...............23, 46, 47, Pontuação ................ 15, 29, 71, 96, 122, Artigo ................................14, 70, 71, 92 50, 51,99, 107, 129 123, 126, 127 Aspas .............................................78, 83 Ironia ............ 20, 32, 33, 38, 46, 51, 64, Porque (grafias) ......................... 58, 59 Augusto dos Anjos ............................86 65, 67, 82 Progressão textual ..........................93, 95 Pronomes demonstrativos ..............54 C Carlos Drummond J João Cabral de Melo Neto ............. 103, Pronome indefinido .........................24 de Andrade ....................... 126, 127, 129 128, 129 Pronomes pessoais........26, 37, 56, 58, 65 Casimiro de Abreu ......................... 123 Jorge Amado ....................................100 Pronomes possessivos .24, 25, 50, 54, Castro Alves .......................................56 José de Alencar .................... 48, 52, 97 67, 122, 123 Cecília Meireles ...................... 124, 125 José de Anchieta ............................... 35 Pronome relativo ........................... 36, 58 Clarice Lispector ..............19, 104, 106 José Paulo Paes ................................. 51 Prosopopeia .........33, 55, 56, 102, 104, Coesão e coerência .................. 116, 117 107, 126, 127, 129 Comparação .............................. 48, 104 L Lima Barreto...................................... 81 Concordância verbal ........................52 Linguagem coloquial ................ 18, 53, Q Que, partícula ......................68, 75, 128 Concretismo .................................... 128 96, 100, 106, 107, 108, 120, 121 Conjunções .............55, 82, 83, 111, 131 Linguagem formal .....................57, 121 R Raimundo Correia ............................84 Cruz e Sousa .................................... 125 Luís Vaz de Camões ............ 22, 24, 26 Raul Pompeia................................... 101 Crase .....................................................17 Regência verbal ...........................52, 53 M Machado de Assis .......................66, 68, 83 Relações lógicas ................................38 D Décio Pignatari ............................... 128 Manifestos ........................... 98, 99, 120 Romance regionalista ......................52 Derivação imprópria ........................ 72 Manuel Antônio de Almeida ..........53, 58 Descrição......... 34, 68, 70, 78, 79, 82, 84 Manuel Bandeira ......... 55, 85, 122, 123 S Se, funções do ...............84, 85, 86, 125 Diminutivo .................................. 46, 79 Marcadores temporais Sentido conotativo Discurso, tipos de ..........67, 70, 75, 78, e espaciais .................................68, 78, 119 e denotativo ....................................... 17, 104 79, 108, 110, 125 Mário de Andrade .............94, 96, 120 Sinestesia ...................................118, 125 Dissertação......................................... 79 Metáfora.................17, 32, 33, 35, 36, 47, Sonoridade ......................... 85, 123, 125 69, 101, 104, 111, 118, 119, 124, 129 Substantivo .................................. 19, 70 E Eça de Queirós ............................67, 70 Metalinguagem ............. 16, 23, 46, 64, Enumeração ...................... 47, 65, 92, 126 84, 118, 128, 129 T Texto científico ................................. 57 Estereótipos .....................................104 Metonímia .........15, 33, 49, 69, 111, 127 Tipos textuais ................48, 54, 78, 79 Euclides da Cunha .....................80, 81 Mia Couto.......................................... 111 Tomás Antônio Gonzaga ................ 40 Eufemismo .......................18, 33, 55, 69 Monteiro Lobato ........................ 82, 95 Murilo Mendes ................................. 51 V Variação linguística .............46, 51, 59, F Fernando Pessoa ...................... 118, 119 65, 93, 101, 103, 121 Figuras de linguagem ................32, 33 N Narração ...............................78, 79, 110 Verbos ............ 17, 48, 56, 59, 68, 78, 80, Formação de palavras ............... 108, 109 Neologismo ...................... 110, 120, 128 81, 82, 84, 103, 104, 105, 122, 124 Função apelativa ............... 15, 37, 93, 129 Vinicius de Moraes...................25, 124 Função emotiva ......................................15 O Olavo Bilac ................................... 23, 81 Vocativo ...............................................17 A NUMERAÇÃO EM NEGRITO INDICA A PÁGINA EM QUE O ASSUNTO É TRATADO DE FORMA MAIS COMPLETA. 8 GE PORTUGUÊS 2018 COMO USAR Entenda a organização deste guia Veja como estão estruturadas as seções de cada capítulo para você aproveitar melhor os conteúdos CAPÍTULOS Os sete capítulos TEMAS deste guia estão Na abertura de cada organizados com capítulo encontra-se a base nos movimentos relação dos principais literários, mas assuntos tratados. No INTERPRETANDO integram conteúdos entanto, essa lista não Nesta seção, você (de acordo com a esgota todos os temas encontra a análise de seguinte legenda) de: lá abordados. Não deixe um texto não literário Literatura de consultar o índice sob o enfoque de uma Gramática remissivo para conferir ferramenta específica Interpretação a distribuição de todo o de interpretação de texto conteúdo desta edição. de texto. CONEXÕES TEXTOS LITERÁRIOS Textos literários As obras mais são relacionados a representativas dos outras linguagens, principais autores como obras de arte, de cada período são canções, textos não analisadas em seus literários, anúncios aspectos literários, publicitários, charges gramaticais e e quadrinhos. de interpretação de texto. DIÁLOGO ENTRE OBRAS ESCOLAS LITERÁRIAS Uma análise Aqui, você conhece comparativa entre as principais textos literários de características das diferentes autores escolas literárias de um mesmo (ou de que fazem parte de outro) movimento. cada capítulo. Note que determinados PARA IR ALÉM capítulos trazem mais Recomendação de de uma escola. um filme, site, HQ ou vídeo relacionado ao conteúdo estudado, SAIBA MAIS O QUE ISSO TEM para você alargar Amplie seus conhecimentos sobre um assunto A VER COM... seus horizontes. que foi abordado na análise do texto (em geral, Indicação de conteúdo um conteúdo de gramática ou de interpretação). interdisciplinar de língua portuguesa e de outra disciplina. COMO CAI NA PROVA No final de cada capítulo, exercícios resolvidos para você reforçar o que RESUMO aprendeu e ver como Uma seleção dos os conteúdos são principais assuntos pedidos nas provas. tratados no capítulo. GE PORTUGUÊS 2018 9 1 LITERATURA MEDIEVAL E RENASCENTISTA CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO  Interpretando: funções da linguagem ......................................................14  Trovadorismo ....................................................................................................16  Humanismo .......................................................................................................18  Classicismo ........................................................................................................22  Como cai na prova + Resumo .......................................................................28 O aborto em pauta Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgam ação polêmica que propõe ampliar a legalidade da interrupção da gravidez no país N o Brasil, o aborto só é permitido em três preceitos fundamentais previstos na Constituição situações extremas: em caso de risco de brasileira, como o direito das mulheres à vida, à vida da mulher, se a fecundação for conse- cidadania e ao planejamento familiar, entre outros. quência de violência sexual ou se o feto sofrer de A ação, que não tem prazo para ser finalizada, anencefalia, uma má-formação caracterizada pela já provoca divergências. Entidades contrárias ao ausência de cérebro. Em todos os demais casos, a aborto afirmam que a interrupção voluntária da interrupção provocada da gravidez é considerada gravidez deve permanecer como crime porque há crime contra a vida, punida com pena de um a três vida desde a concepção. Já os que são favoráveis anos de reclusão. Mas isso pode mudar. à legalização dizem que a prática clandestina é um No fim de 2016, a maioria dos ministros da problema de saúde pública e uma das principais primeira turma do Supremo Tribunal Federal causas de mortalidade materna no país. (STF), ao analisar um caso específico de 2013 en- A discussão sobre o aborto é sempre muito volvendo uma clínica clandestina de aborto em polêmica, pois esbarra em princípios morais e Duque de Caxias (RJ), considerou que a prática religiosos. Questões relativas à moralidade e aos até o 3º mês de gestação não é crime, abrindo juízos de valor foram amplamente exploradas um precedente para futuros julgamentos. por Gil Vicente, o principal nome do Humanis- Além disso, no início de março de 2017, o STF mo, um dos movimentos literários tratados neste passou a analisar outra ação que propõe ampliar a capítulo. Em sua obra Auto da Barca do Inferno legalidade do aborto no país. Movida pelo Partido (1517), os mortos che- Socialismo e Liberdade (Psol) e pelo Instituto gam a um porto onde Anis, organização não governamental (ONG) de ocorre o julgamento PELA DESCRIMINALIZAÇÃO defesa dos direitos das mulheres, a ação de des- de suas ações e atitu- Mulheres participam da cumprimento de preceito fundamental (ADPF) des durante a vida. Há manifestação “Chega defende que o aborto deixe de ser considerado uma defesa clara da de Mortes de Mulheres! crime quando for realizado até a 12ª semana de moral cristã, baseada Congresso, tire a mão do gestação. Os advogados do partido e da ONG na recompensa das nosso corpo”. O ato foi argumentam que os artigos do Código Penal de virtudes e na punição realizado em São Paulo, 1940, que criminalizam o aborto, atentam contra dos pecados. em dezembro de 2016 12 GE PORTUGUÊS 2018 TOM VIEIRA FREITAS/FOTOARENA GE PORTUGUÊS 2018 13 MEDIEVAL E RENASCENTISTA INTERPRETANDO Para cada intenção, uma função O Conheça as texto abaixo consiste numa reportagem namento e os riscos das práticas clandestinas e principais publicada no site jornalístico The Inter- a falta de efetividade da criminalização. funções da cept Brasil, em 16 de março de 2017. A O uso desses recursos evidencia a presença linguagem que matéria mostra algumas das consequências da das chamadas funções da linguagem, que di- estão ligadas criminalização do aborto no país, tanto para as zem respeito às intenções do autor ao produzir aos objetivos mulheres, que se submetem a práticas clandesti- cada mensagem. As construções objetivas e de cada autor nas e pouco seguras, tanto para o Estado, que arca neutras são exemplos da função referencial. Já ao produzir sua com procedimentos emergenciais decorrentes as tentativas de influenciar o comportamento mensagem de complicações causadas por abortos ilegais. do leitor (e obter sua adesão à causa em ques- Segundo a reportagem, a cada dois dias uma tão) caracterizam a função apelativa. Também mulher morre vítima de aborto ilegal no Brasil. podemos observar as funções poética e emotiva. Ao longo do texto são destacados números e Vale lembrar que os textos não apresentam uma dados científicos, além de declarações de uma única função da linguagem. Há sempre uma especialista no assunto, para mostrar o funcio- função que predomina, mas ela não é exclusiva. FUNÇÃO POÉTICA Qual o preço que o Brasil A expressão “Brasil paga pela criminalização do APONTE O CELULAR PARA AS PÁGINAS E VEJA UMA VIDEOAULA SOBRE FUNÇÕES DA paga” é uma metonímia LINGUAGEM (MAIS INFORMAÇÕES NA PÁG. 6) (figura de linguagem em aborto? que o todo substitui a parte – no caso, o país Juliana Gonçalves, Helena Borges pela população), recurso típico da função poética Por conta da criminalização do aborto são JUÍZO DE VALOR da linguagem. gastos R$ 40,4 milhões com procedimentos emer- E ADVÉRBIO genciais decorrentes de complicações após abortos O advérbio de negação (sem) confere ao texto LOCUÇÃO PREPOSITIVA ilegais mal feitos. Já para as mulheres, o custo uma visão subjetiva Duas ou mais palavras não é apenas financeiro. e uma crítica ao risco (no caso, “apesar da”) Clínicas clandestinas cobram caro sem qualquer  proporcionado às que têm o valor de uma preposição. Estabelece garantia de segurança. Para além do dinheiro, mulheres que recorrem a relação opositiva e há várias outras questões em jogo. Entre elas, a clínicas clandestinas para fazer o aborto. encaminha o texto para liberdade e a vida. o questionamento da Apesar da criminalização, uma em cada cinco criminalização do aborto. mulheres terá abortado até os 40 anos no Brasil. ARTIGO As mais ricas pagam ginecologistas de con-  Os artigos definidos (o, FUNÇÃO REFERENCIAL, fiança para fazer o procedimento ou procuram a, os, as) são utilizados para designar seres e ARGUMENTO E JUÍZO clínicas. Quem tem menos recursos opta por objetos específicos. Já DE VALOR medicamentos como misoprostol (Cytotec) ou se os artigos indefinidos O trecho é um exemplo da função referencial arrisca até mesmo com ervas tóxicas. (um, uma, uns, umas) são da linguagem (que De acordo com a Organização Mundial da Saú- empregados para indicar transmite informação de de, a cada dois dias uma mulher morre vítima de elementos genéricos. Repare que não é clara a forma objetiva). Aqui há aborto ilegal no Brasil. É a quarta causa de morte identificação em “uma também um argumento materna no país, atingindo mais mulheres pobres. em cada cinco mulheres”. de autoridade, uma vez que a OMS é responsável (...) na internet, é fácil encontrar páginas que Por outro lado, há clareza por regular questões de oferecem o misoprostol, remédio inicialmente de identificação em “as saúde pública. A parte destinado ao tratamento de úlceras, que passou mais ricas”. final da frase apresenta a ser usado como abortivo nos anos 1990. Hoje um juízo de valor por é o método mais utilizado no mundo para a in- apontar que mulheres pobres morrem mais por terrupção da gestação. causa do aborto. (...) Vanessa Dios, doutora em saúde pública ! 14 GE PORTUGUÊS 2018 e presidente da Anis Instituto de Bioética res- ponsável pela PNA 2016 [Pesquisa Nacional de Aborto], explica o que atrai as mulheres para o uso da pílula e como sua proibição gera mais riscos: “É considerado um método seguro, princi- palmente nas 12 primeiras semanas. A forma METONÍMIA, VARIAÇÃO de se conseguir que é um problema. A mulher LINGUÍSTICA E FUNÇÃO vai ter que se deslocar para algum ambiente de POÉTICA Outro exemplo de ilegalidade. E aí que está o risco maior do uso metonímia – substitui do remédio, já que por não se ter um controle, a uma parte (a boca) pelos mulher não sabe se está adquirindo uma pílula indivíduos que propagam de farinha, por exemplo. (...)” a informação. O uso Onde é legalizado, como em alguns estados da expressão popular “boca a boca”, típica da dos Estados Unidos e países da Europa, pode linguagem coloquial, ser encontrado em farmácias ao custo médio de variante popular, US$ 45 (aproximadamente R$ 142). Já no Brasil, caracteriza a função a venda é feita no boca a boca (...)  poética da linguagem. (...) O remédio fez com que a procura por hos- pitais após o procedimento também diminuís- se, porém algumas mulheres ainda precisam do FUNÇÃO REFERENCIAL SAIBA MAIS atendimento médico (...) Predomina em textos em A curetagem após aborto é a cirurgia mais que se exige neutralidade AS SEIS FUNÇÕES BÁSICAS e objetividade. Nessa realizada pelo SUS, segundo levantamento do  passagem, por exemplo, DA LINGUAGEM Instituto do Coração (InCor). Foram 181 mil há informações sem juízo procedimentos do tipo apenas em 2015. Pela de valor, uma vez que Função referencial ou denotativa tabela de valores do Datasus, cada curetagem são dados fornecidos por Transmite dados e informações de modo neutro e ob- pós-aborto custa R$ 199,41. (...) órgãos competentes. jetivo. É a linguagem típica dos textos jornalísticos, do Em uma clínica clandestina também no Rio discurso científico, dos contratos e relatórios. O uso do de Janeiro, o valor do aborto pode custar R$ 3,5 FUNÇÕES EMOTIVA E verbo costuma ser feito na terceira pessoa do singular. mil. Em consultórios tradicionais, o preço do APELATIVA Função expressiva ou emotiva procedimento chega a R$ 6 mil. A especialista Na primeira, o uso da Manifesta uma expressão subjetiva, uma emoção ou primeira pessoa do plural pontua que um serviço caro não é sinônimo de (sabemos e ficamos) ponto de vista. As interjeições e as reticências são sinais procedimento seguro: tem a intenção de reveladores da função emotiva, assim como o uso da “Muitas mulheres morrem em clínicas. Não sa- estabelecer uma relação primeira pessoa. Ex: Nós te amamos! bemos se é o método utilizado, se é o equipamento  de cumplicidade com Função apelativa ou conativa ou a dosagem da anestesia que levam a mulher a o leitor. Na segunda, Busca interferir no comportamento do leitor, convencê-lo solicita-se a sua adesão óbito. Só ficamos sabendo depois que acontece e, ao que foi pronunciado. de algo ou lhe dar ordens ou conselhos. Presente em com isso, não conseguimos mensurar. Mas é pre- manuais, livros didáticos e de autoajuda e textos pu- ciso frisar que o aborto é um procedimento seguro FUNÇÕES REFERENCIAL blicitários. É comum o uso dos verbos no imperativo. desde que feito com orientação e profissionais.”(...) E APELATIVA Ex: Não perca esta promoção! No Brasil, a mulher que aborta pode cum- A citação da lei fornece Função poética ao leitor uma informação prir uma pena de até três anos de prisão, e  (função referencial da Elabora a mensagem de modo criativo e explora a lingua- o médico que realizar o procedimento, até linguagem). Mas essa gem figurada. Está presente na poesia, em provérbios quatro anos – as exceções são para casos de mesma informação busca e em mensagens publicitárias. estupro, risco de morte da mulher ou feto amedrontar o praticante Função fática anencéfalo. A PNA critica a criminalização por do aborto, ao mostrar Inicia, prolonga ou encerra um contato. É aplicada em si- as penas de prisão. ser contraproducente: A proposta de mudar a tuações em que o mais importante não é a comunicação, “A julgar pela persistência (...) e pelo fato do intenção do interlocutor mas sim o desejo de contato entre o emissor e o receptor. aborto ser comum em mulheres de todos os grupos caracteriza a função Predomina nos momentos iniciais e finais de qualquer men- sociais, a resposta fundamentada na criminali- apelativa. sagem ou conversa. Ex: sim, claro, sem dúvida. zação e repressão tem se mostrado não apenas Função metalinguística inefetiva, mas nociva. Não reduz nem cuida:  DOIS PONTOS Metalinguagem ocorre quando o emissor explica um por um lado, não é capaz de diminuir o número Aqui os dois-pontos (:) código usando o próprio código. Por exemplo, uma poesia de abortos e, por outro, impede que mulheres estão sendo empregados cujo tema e assunto seja poesia ou poeta. As gramáti- para esclarecer algo que busquem o acompanhamento e a informação de foi anteriormente citado cas e os dicionários são exemplos de metalinguagem, saúde necessários para que seja realizado de for- (o sentido de inefetiva e pois são palavras explicando palavras. Ex: Oração é uma ma segura ou para planejar sua vida reprodutiva nociva). sentença com sentido completo organizada em torno de a fim de evitar um segundo evento desse tipo.”(...) um verbo (para explicar a oração usamos uma oração). © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 15 MEDIEVAL E RENASCENTISTA TROVADORISMO Primeiras linhas Novela de cavalaria A prosa ficcional do Trovadorismo é represen- Cantigas e novelas de cavalaria são tada pelas novelas de cavalaria, longas narrativas as principais produções literárias do que apresentam os feitos de bravos cavaleiros. Trovadorismo (1189-1418)  O QUE ISSO TEM A Demanda do Santo Graal, pertencente ao ci- A VER COM A HISTÓRIA clo bretão ou arturiano, narra as aventuras dos T rovadorismo é o período que reúne os A Idade Média se Cavaleiros da Távola Redonda, a serviço do rei estende de 476 a 1453. primeiros registros poéticos da língua São características Artur, em busca do cálice sagrado. portuguesa. Estende-se do século XII do período a ao XV e corresponde à Idade Média. As prin- descentralização cipais produções literárias desse movimento do poder, a são as cantigas, muito vinculadas à música, e formação de feudos as novelas de cavalaria. autossuficientes, a produção agropastoril, A Demanda do Santo Graal as relações de Cantigas de amor dependência pessoal Aquele dia, hora de prima, rezada a missa, fez As cantigas de amor eram poemas musicados, (vassalagem) e o Lancelote cavaleiro seu filho Galaaz, assim como escritos em português arcaico, sobre o sofri- grande poder da Igreja era costume. E sabei que quantos lá estavam Católica. Para saber mento amoroso de um eu lírico masculino por mais, veja o GUIA DO agradavam-se de sua aparência; (...) naquele uma mulher idealizada e inacessível, à qual ele ESTUDANTE HISTÓRIA. tempo não se podia achar em todo o reino de Lo- jurava servir. gres donzel tão formoso e tão bem feito; porque em tudo era tal que não se podia achar nada em que o censurasse, exceto que era meigo demais INTENCIONALIDADE em seu modo de ser. O eu lírico deseja louvar Cantiga a dama (senhora). MEGALE, Heitor (org.). A Demanda do Santo Graal. D. Dinis Os substantivos São Paulo: Companhia das Letras, 2008. abstratos “formosura” e “bondade” são  Quer’eu em maneira de proençal empregados na descrição A ORDENAÇÃO DO CAVALEIRO fazer agora hum cantar d’amor  idealizada para ressaltar Neste trecho, Lancelote é convocado a participar da e querrei muit’loar mia senhor, a perfeição da sagração de seu filho Galaaz como cavaleiro. Note que a que prez nem fremosura non fal, mulher amada. a cerimônia está ligada aos ritos religiosos: ela ocorre nen bondade, e mais vos direi en: TEOCENTRISMO após a celebração da missa, em conformidade com a tanto a fez Deus comprida de bem  A referência feita a Deus visão teocêntrica medieval. O jovem Galaaz apresenta as virtudes idealizadas para um cavaleiro medieval. que mais que todas las do mundo val. reflete a visão de mundo Suas qualidades são ressaltadas e idealizadas. (...) medieval, marcada pelo teocentrismo e pela forte influência cultural exercida pela Igreja Católica. METALINGUAGEM O eu lírico (sujeito que expressa os sentimentos do autor) compõe um poema que trata do fazer poético (deseja fazer uma cantiga de amor conforme os modelos convencionais da Provença, região do sul da França onde surgiram os primeiros poemas desse tipo). Trata-se de um texto metalinguístico, pois utiliza o código de comunicação (a língua) como assunto ou explicação para o próprio código. É o que fazem os dicionários. O procedimento também é comum em textos literários, quando o autor se volta para as formas de construção do texto. VOCABULÁRIO proençal: provençal hum: um loar: louvar prez: qualidades [1] fal: falta comprida: repleta val: vale 16 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES DIÁLOGO ENTRE OBRAS CANÇÃO IDEALIZAÇÃO E AMOR CORTÊS CANTIGAS A obra Tristão e Isolda tem origem na tradição Nesta música de oral popular. Entre as muitas versões existentes, Queixa Caetano Veloso, há várias referências destaca-se O Romance de Tristão e Isolda (1900), Caetano Veloso às cantigas escrito por Joseph Bédier. Trata-se de um relato, medievais: a coita de bem ao gosto da Idade Média, do amor impossível, Um amor assim delicado  amor (sofrimento), cheio de misticismo e aventura. O desenlace trágico Você pega e despreza a presença da figura da história de amor – um triângulo amoroso entre o Não devia ter despertado divina, a idealização rei Marcos, seu sobrinho Tristão e a princesa Isolda da amada e a Ajoelha e não reza vassalagem amorosa – caracteriza bem o período: a morte como solução (submissão). existencial para o problema dos jovens. Em meio Dessa coisa que mete medo às desventuras amorosas toma-se contato com o Pela sua grandeza VOCATIVOS universo dos cavaleiros medievais e com a cultura Não sou o único culpado Enfatizam a trovadoresca. superioridade Disso eu tenho a certeza da mulher em (...) relação ao sujeito Você pensa que eu tenho tudo poético (“princesa”, E vazio me deixa “senhora”), a HERÓI MEDIEVAL O Romance de Mas Deus não quer força e o perigo do amor (“surpresa”, O trecho mostra o Tristão e Isolda que eu fique mudo ideal de amor cortês Joseph Bédier “serpente”), mas E eu te grito esta queixa também o afeto e a idealização na caracterização do TEXTO III e a cumplicidade herói medieval na Princesa  (“amiga”). figura de um jovem e (...) Surpresa valoroso cavaleiro.  – Criança, que sabes da arte dos instrumentos? Você me arrasou Se os mercadores da terra de Loonnois ensinam METÁFORA Serpente  A mulher amada TEMPOS VERBAIS também a seus filhos tocar harpa, levanta-te, Nem sente que me envenenou é chamada de O pretérito perfeito toma desta harpa e mostra-nos tua arte. Senhora e agora “serpente”. Trata-se do indicativo (pegou Tristão pegou o instrumento e tão lindamente Me diga aonde eu vou de uma metáfora que, e cantou) marca duas cantou que os barões se enterneceram. O Rei aqui, faz contraposição ações de Tristão. O Amiga Marcos, admirado, escutava o jovem harpista à sacralização da pretérito imperfeito Me diga amada, uma vez (escutava) mostra vindo de Loonnois, para onde outrora Rivalen que confere a ela o andamento da conduzira Braneaflor. características narrativa. E o pretérito (...) sedutoras. mais-que-perfeito HQ (conduzira) aponta TEXTO IV para uma ação anterior à de Tristão. (...) – Não – disse Tristão –, a muralha de ar já está CRASE rompida e não é aqui o pomar maravilhoso. Mas, Neste trecho  um dia, amiga, iremos juntos à terra afortunada, ocorre o encontro de onde ninguém volta. Lá existe um castelo de da preposição “a” mármore branco; em cada uma de suas mil jane- (solicitada pelo verbo “ir” ) com las brilha um círio aceso; em cada uma delas toca o artigo definido um trovador, cantando uma melodia sem fim; o [2] “a” que antecede o sol ali brilha, entretanto, ninguém sente falta da substantivo feminino  sua luz. Lá é a Terra Feliz dos Vivos! “terra”. Note que há (...) A tirinha dialoga com a visão idealizada da mulher, tal o artigo “a”, pois o como concebida pelos trovadores medievais. A palavra adjetivo “afortunada” pedestal, usada com sentido denotativo (significado especifica o Tristão e Isolda – Lenda Medieval Celta de Amor. próprio e dicionarizado), provoca o efeito de humor: substantivo “terra”. 3ª edição. Ed. Martin Claret. trata-se realmente de uma construção elevada. Geralmente, nesse contexto, a palavra é empregada em sentido conotativo (que diz respeito ao uso figurado), IDEALIZAÇÃO DO CAVALEIRO designando a elevação de uma pessoa ou situação a O texto recria o universo idealizado que circunda a uma posição de superioridade. figura do cavaleiro medieval. [1] © TEREZA BETTINARDI [2] © 2016 KING FEATURES SYNDICATE/IPRESS GE PORTUGUÊS 2018 17 MEDIEVAL E RENASCENTISTA HUMANISMO Literatura IDEOLOGIA Todo texto veicula determinada ideologia, de transição isto é, um conjunto de ideias, valores e crenças característicos de um período ou de um determinado autor. No caso de Gil Vicente, é possível reconhecer Entre o final da Idade Média e o início uma defesa de valores morais típicos do cristianismo, como a celebração das virtudes e a condenação do Renascimento, o Humanismo dos vícios. (1418-1527) coloca o homem como o responsável por seu destino INTENCIONALIDADE O BOBO Note a intenção de Gil Vicente de formar um painel O parvo (tolo) Joane tem O Humanismo situa-se numa fase de transi- representativo dos diferentes grupos da sociedade como objetivo provocar portuguesa, para apontar modos de correção dos o riso, inserindo um ção entre a decadência dos valores feudais costumes, de acordo com a moral cristã. elemento cômico em uma e o surgimento do Renascimento. Uma peça que trata da trágica  das principais obras do período, a peça Auto da realidade da morte e da Barca do Inferno foi representada pela primeira corrupção da sociedade vez em 1517. Ela integra a famosa trilogia das portuguesa. A inocência e a barcas, composta também de Auto da Barca do Auto da simplicidade de Joane são Barca do Inferno – encaradas como virtudes Purgatório (1518) e Auto da Barca da Glória (1519). que o tornarão merecedor A ação do Auto da Barca do Inferno se passa O Parvo do paraíso. Note que o em um porto, situado em um mundo além- Gil Vicente personagem é apresentado túmulo, no qual estão ancoradas duas barcas: como desatento e desinformado: dirige-se a primeira, comandada pelo Diabo, tem como “Joane. Hou daquesta! ao Diabo sem medo e o destino o inferno; a segunda, capitaneada pelo Diabo. Quem é? interroga continuamente. Anjo, seguirá para o paraíso. Nota-se uma visão Joane. Eu sô. A loucura do bobo permite de mundo cristã, baseada na crença de vida É esta a naviarra vossa? que ele aponte sem receio após a morte e na recompensa das virtudes e Diabo. De quem? de censura os problemas punições dos pecados. da sociedade portuguesa. Joane. Dos tolos. Nessa peça, Gil Vicente (1465-1536?) critica Diabo. Vossa. LINGUAGEM COLOQUIAL os setores da sociedade de seu tempo: diversos Entra! Os diálogos do Auto da representantes das classes sociais são castigados (...) Barca do Inferno estão porque cometeram práticas condenáveis pela repletos de expressões moral cristã. Apenas dois segmentos são enviados Diabo. De que morreste? populares e elementos ao paraíso: um bobo (o parvo Joane), cuja loucura Joane. De quê? característicos da linguagem coloquial o isenta de responsabilidade pelos seus atos, e Samicas de caganeira.  do período. Repare na um grupo de cavaleiros cruzados, que morreram Diabo. De quê? espontaneidade da em defesa da fé de Cristo. A própria Igreja, como Joane. De caga merdeira! fala do parvo Joane, instituição, não é poupada: um Frade é castigado Má rabugem que te dê! que assinala a origem pelo afastamento da vida espiritual. No entanto, (...) popular da personagem: a pouca instrução e a essa crítica atinge apenas o comportamento do loucura fazem com que o clero e não questiona os princípios da religião Joane. Aguardai, aguardai, houlá! Bobo possa falar tudo o cristã, defendidos pelo autor. E onde havemos nós d’ir ter? que lhe vem à cabeça (até Diabo. Ao porto de Lúcifer.” mesmo que morreu de  Gil Vicente “samicas de caganeira”). Considerado o fundador do teatro português, Ateliê Editorial suas peças foram produzidas durante a passa- gem da Idade Média para a Moderna. Apresenta aspectos conservadores (como a defesa da moral cristã) e inovadores (como a crítica à sociedade). EUFEMISMO O Diabo, em vez de dizer “inferno”, afirma que a O teatro vicentino é dividido em farsas (peças de barca tem como destino o “porto de Lúcifer” e, assim, caráter cômico e crítico sobre questões sociais) ameniza o caráter terrível do ponto de chegada. e autos (peças geralmente de cunho religioso). Trata-se do uso de eufemismo: figura de linguagem que estabelece palavra ou expressão mais agradável para suavizar ou minimizar o peso de outra palavra ou expressão mais grosseira. Outro exemplo de eufemismo: O nobre deputado é responsável pelo desvio de verbas públicas. (A expressão em destaque é um eufemismo que substitui a expressão “roubo de dinheiro público”, considerada mais direta e ofensiva). 18 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS CONEXÕES A REPRESENTAÇÃO DO BOBO PINTURA A escritora Clarice Lispector, em uma de suas crô- nicas, também tratou da figura do bobo. Algumas características gerais desse personagem lembram o parvo Joane, o bobo que alcança o paraíso no Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. Lispector utiliza a ironia para tratar da condição do bobo: ao contrário do que muitos pensam, ela é vantajosa, pois os ditos espertos desprezam a simpli- cidade dos bobos, que, na verdade, enxergam deta- lhes da vida que passam despercebidos da maioria. Da mesma forma, o parvo de Gil Vicente aponta as mazelas sociais dos personagens que comparecem à frente das barcas. O destino que Lispector reserva aos bobos tam- bém é o paraíso. O próprio Cristo, por agir de modo A cena representa uma das imagens (texto não verbal) mais recorrentes da arte medieval: as danças macabras, diferente da maioria, acabou crucificado. Perceba que mostram um desfile no reino dos mortos, com o tratamento irreverente que a autora confere à esqueletos e pessoas recém-falecidas. O Auto da temática religiosa. Barca do Inferno é um texto verbal que apresenta uma estrutura sequencial que remete às danças macabras: os personagens se alternam no palco, diante das duas barcas, numa espécie de dança. Em ambos os casos, a Das Vantagens de Ser Bobo SUBSTANTIVOS E ADJETIVOS lição, no contexto da religiosidade medieval, é uma só: o destino de todos, sem distinção de classe social, é o Clarice Lispector mesmo. A morte aparece como elemento responsável Veja que a palavra “bobo” é empregada por igualar todas as pessoas. “O bobo, por não se ocupar com ambições, tem como substantivo tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. e designa um ser (...) humano aparentemente SAIU NA IMPRENSA desatento e estúpido. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os Em outros contextos, espertos não veem. Os espertos estão sempre tão a palavra “bobo” pode atentos às espertezas alheias que se descontraem ser utilizada como A DELAÇÃO DO FIM DO MUNDO diante dos bobos, e estes os veem como simples adjetivo para caracterizar pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sa- uma pessoa ou situação O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato bedoria para viver. tola e ingênua (por no Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta exemplo: “Conheci (...) um homem bobo”). terça-feira o fim do sigilo de todos os inquéritos abertos Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem para apurar irregularidades contra políticos a partir de estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht. não teria morrido na cruz. No total, as investigações envolvem nove ministros do (...)” governo Michel Temer (PMDB), 28 senadores – incluindo o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE) – e 42 A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. deputados federais – incluindo o presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os inquéritos (...) incluem governadores, ministros (...) e outros políticos. (...) POLISSEMIA Uma mesma palavra pode apresentar múltiplos sentidos conforme o contexto em que é empregada. Veja.com, 12/4/2017 “Bobo” também pode designar, como ocorria na Idade Média, a profissão dos bufões (fanfarrões), que entretinham as cortes com demonstrações de O texto trata da aguardada delação dos executivos comportamentos pouco convencionais. da empreiteira Odebrecht. Ela ficou conhecida como “delação do fim do mundo”, devido ao seu potencial de criar um caos apocalíptico na vida pública brasileira por envolver figuras importantes do cenário político do país. As ideias de “fim do mundo”, julgamento e juízo final são típicas da literatura medieval. BERNT NOTKE/IGREJA DE SÃO NICOLAU GE PORTUGUÊS 2018 19 MEDIEVAL E RENASCENTISTA HUMANISMO ALEGORIA Auto da Auto da No teatro vicentino, elementos concretos Barca do Inferno – Barca do Inferno – podem, muitas vezes, O Frade Os Cavaleiros representar ideias Gil Vicente Gil Vicente abstratas, geralmente relacionadas a virtudes “Diabo. Que é isso, padre? Que vai lá? “Diabo. Entrai cá! Que cousa é essa? ou defeitos humanos.  Frade. Deo gratias! Som cortesão. Eu não posso entender isto! Esse recurso recebe Diabo. Sabês também o tordião? Cavaleiro. Quem morre por Jesu Cristo  o nome de alegoria. Na cena do Frade, o Frade. Por que não? Como ora sei! não vai em tal barca tordião (canção festiva) Diabo. Pois, entrai! Eu tangerei como essa! e a dama (amante do e faremos um serão. (...) padre) representam, Essa dama é ela vossa?  alegoricamente, o apego Frade. Por minha a tenho eu,  Anjo. Ó cavaleiros de Deus, aos prazeres mundanos e a luxúria, que e sempre a tive de meu. a vós estou esperando, corrompiam o clero. Diabo. Fezeste bem, que é fermosa! que morrestes pelejando E não vos punham lá grosa por Cristo, Senhor dos céus! IRONIA no vosso convento santo? Sois livres de todo mal, Vários setores da Frade. E eles fazem outro tanto! mártires da Madre Igreja, sociedade são apresentados de modo Diabo. Que cousa tão preciosa! que quem morre em tal peleja irônico. Por trás de todo Entrai, padre reverendo! merece paz eternal.” o luxo e erudição que o Frade. Pera onde levais gente? Frade deseja transparecer, Diabo. Pera aquele fogo ardente BERARDINELLI, Cleonice (org.). Antologia do Teatro escondem-se um homem que não temestes vivendo. de Gil Vicente. 3.ed. Rio de Janeiro/ hipócrita e as mazelas da instituição religiosa. Frade. Juro a Deus que não t’entendo! Brasília: Nova Fronteira/ INL, 1984. Por trás da figura E est’hábito não me val? CAVALEIROS MEDIEVAIS aparentemente inofensiva Diabo. Gentil padre mundanal, No período medieval, a relação política e social entre e desatenta do Parvo a Berzabu vos encomendo!” cavaleiros e senhores feudais originou o código de (veja na pág. 18), está cavalaria. A defesa das terras era garantida por cavaleiros um indivíduo capaz de  que juravam servir ao seu senhor com lealdade reconhecer os problemas VISÃO DE MUNDO (vassalagem). No plano cultural, a relação dos cavaleiros sociais de seu tempo e Durante a Idade Média, predominara uma visão de com os senhores feudais levou ao aparecimento, durante zombar deles. mundo teocêntrica, centrada no poder de Deus e na o Trovadorismo, do código do amor cortês, no qual um perfeição da Igreja. Na época de Gil Vicente, a realidade poeta (trovador) expressava seus sentimentos por uma já estava mudando: os hábitos religiosos não são mais dama da corte (considerada perfeita e superior). garantia para a conquista do paraíso; são as atitudes virtuosas que valem. É isso que o Diabo mostra ao Frade MORAL CRISTÃ ao convidá-lo a entrar na barca: apesar de pertencer O Auto da Barca do Inferno defende uma moral cristã. à Igreja, a vida mundana pode levar à condenação de O comportamento dos cruzados, que morreram em qualquer um. Ainda que a moral defendida pelo autor defesa do cristianismo, é visto como virtuoso. A fala do reflita uma concepção de mundo religiosa, a crítica social Anjo, destacando as qualidades heroicas dos soldados, revela a transformação da mentalidade no período. tem como objetivo estimular o comportamento virtuoso do público e a adesão à religião cristã. A recompensa pelo sofrimento terreno, para o autor, é a conquista do paraíso. PARA IR ALÉM Na versão do Auto da Barca do Inferno em quadrinhos, da Editora Peirópolis, os tipos sociais descritos nas figuras do Fidalgo, do Frade e do Parvo, entre outros, aparecem em traços modernos. O humor e o sarcasmo próprios de Gil Vicente dão o tom à história. 20 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS O JULGAMENTO FINAL PERSONAGENS ALEGÓRICAS O Auto da Compadecida, peça escrita em 1955 A peça teatral Lisbela e o Prisioneiro (1964), de por Ariano Suassuna e ambientada no Nordeste do Osman Lins, é uma comédia com diversas referências Brasil, apresenta traços muito semelhantes aos dos à cultura nordestina brasileira. O par romântico da autos de Gil Vicente. história é formado pela ingênua e sonhadora Lisbela No fim da peça, as principais personagens partici- e pelo malandro Leléu. No trecho abaixo, observa-se pam de um julgamento após a morte. Estão presentes um diálogo do casal, em que ficam evidentes as o Encourado (demônio caracterizado com trajes nor- virtudes da moça e os vícios do rapaz. Assim como destinos), que levará os condenados para o inferno, no teatro de Gil Vicente, notam-se diferentes com- e a Compadecida (Nossa Senhora), que conduzirá os portamentos humanos retratados no perfil dos per- bem-aventurados para o paraíso. sonagens centrais. Por isso, podem ser denominados Assim como no Auto da Barca do Inferno, o padre e personagens alegóricos. o bispo – representantes da Igreja – são condenados. O Encourado aponta uma série de atitudes reprová- veis que contradizem os preceitos cristãos. Lisbela e o Prisioneiro Nas duas obras, questões características da so- Osman Lins ciedade do período são apresentadas de modo a enfatizar as virtudes e os vícios humanos. (...) Lisbela: Não! Leléu, você não pode ir?  GÊNERO DRAMÁTICO A estrutura característica Leléu: Pude. Estou com dois cavalos aí fora. Mas Auto da Compadecida desse gênero é marcada pela indicação das falas era grosseria eu ir com a senhora. Ariano Suassuna e pelo caráter coloquial, Lisbela: Não precisa continuar me chamando de apropriado à senhora. “(...) encenação teatral. Leléu: Pra mim é o que a senhora há de ser sempre. Manuel – Então, acuse o padre. Chamar “você” é um exagero, não mereço tanto. Padre – De mim ele não tem nada o que dizer! Dr. Noêmio: Por que você não foi embora, rapaz? Encourado – É o que você pensa, minha safra hoje Por que voltou? LISBELA está garantida. Tudo o que eu disse do bispo pode Noiva oficial de Leléu: Por causa de Dona Lisbela, Doutor. Pra fi- se aplicar ao padre. Simonia, no enterro do ca- Dr. Noêmio, representa a car perto do chão onde ela pisa. chorro, velhacaria, política mundana, arrogância inocência e a pureza. Lisbela: Você podia ouvir minhas pisadas junto  com os pequenos, subserviência com os grandes.” de você a vida toda. Por que não me levou? Leléu: Porque a senhora não merece a incerteza  “(...) da minha vida. Não tenho eira nem beira, que tro- A Compadecida – Na verdade, João tem toda ra- no lhe podia oferecer? zão. Falei assim por falar, mas que São José era (...) um santo, não é nenhuma novidade. Planeta, 2003 Encourado – A senhora está falando muito e vê-se LELÉU perfeitamente sua proteção com esses nojentos, Esse protagonista revela-se complexo, pois apresenta mas nada pode dizer ainda em favor da mulher diferentes identidades. Ex-circense, é mulherengo e volúvel. do padeiro. A Compadecida – Já aleguei sua condição de mu- lher, escravizada pelo marido e sem grande pos- sibilidade de se libertar. Que posso alegar ainda PARA IR ALÉM em seu favor? Padeiro – A prece que fiz por ela antes de morrer. O Os filmes O Auto da Compadecida (2000) e Lisbela e mais ofendido pelos atos que ela praticava era eu e, o Prisioneiro (2003), ambos do pernambucano Guel no entanto, rezei por ela. Isso deve ter algum valor. Arraes, estão disponíveis também no YouTube. O A Compadecida – E tem. Alego isso em favor dos primeiro conta as aventuras do esperto João Grilo e dois.” seu fiel companheiro Chicó, em ótimas interpretações de Matheus Nachtergaele e Selton Mello, Agir, 2005. respectivamente. No segundo, a atriz Débora Falabella e o ator Selton Mello interpretam o casal protagonista da trama, ambientada no interior de Pernambuco. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 21 MEDIEVAL E RENASCENTISTA CLASSICISMO Em busca da forma perfeita O Classicismo (1527-1580), estética literária do Renascimento, resgata os ideais de beleza da Antiguidade Clássica e valoriza a razão O Classicismo é a estética literária do Re- nascimento. Nos textos, estão presentes os mesmos ideais que regiam as demais [1] composições artísticas: o respeito à proporção, a busca de perfeição formal, a retomada da cultura da Antiguidade clássica, a imitação de modelos de composição greco-latinos (conforme os padrões de representação mimética – imi- tativa e recriadora – da realidade), o desejo de objetividade e a valorização do ser humano. Em Portugal, a atmosfera científica e racional que impulsionava as grandes navegações se une aos ANÁFORA novos ares do Renascimento: quando o poeta O poeta recorre à anáfora Sá de Miranda retorna da Itália, em 1526, traz (repetição de uma para a literatura portuguesa as novidades desen- ou mais palavras no Amor É Fogo que Arde volvidas por Petrarca (como o soneto italiano princípio de duas ou mais frases) para estruturar o Sem Se Ver e o verso decassílabo, de dez sílabas poéticas). Luís Vaz de Camões poema: amor aparece só no primeiro verso, mas Camões lírico ressurge nas repetições Amor é fogo que arde sem se ver; Luís Vaz de Camões (1525?-1580) é o princi- do verbo ser. O recurso É ferida que dói e não se sente; pal nome do Classicismo português. Sua mais mostra a impossibilidade É um contentamento descontente; importante obra é o poema épico Os Lusíadas de definir o amor sob um É dor que desatina sem doer; único ponto de vista. (veja na pág. 26), mas também é extensa sua produção lírica (gênero em que o poeta expõe PARADOXO É um não querer mais que bem querer; suas emoções). Seus poemas revelam o uso das É solitário andar por entre a gente;  O poema se constrói novas formas poéticas – os sonetos (poemas de em torno de elementos É nunca contentar-se de contente; forma fixa, divididos em duas estrofes de quatro opostos presentes É cuidar que se ganha em se perder; na caracterização de versos e duas estrofes de três versos) compostos uma mesma realidade. na medida nova (com versos decassílabos, de Assim, o conflito entre É querer estar preso por vontade; dez sílabas poéticas). Os temas mais frequentes os contrários não é É servir a quem vence, o vencedor; da lírica camoniana são o sofrimento amoroso resolvido, e o sentimento É ter com quem nos mata lealdade. e o desconcerto do mundo. amoroso é marcado por uma tensão existencial. Mas como causar pode seu favor EQUILÍBRIO  Nos corações humanos amizade,  O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA Um elemento de se tão contrário a si é o mesmo Amor? O Renascimento é o movimento intelectual e artístico equilíbrio está presente: que ocorreu entre o século XIV e o XVI na Europa. trata-se da estrutura Sonetos de Camões, Ateliê Editorial Representa a nova visão de mundo da sociedade que simétrica e regular se forma após o grande desenvolvimento comercial do poema. A frase  e urbano iniciado no fim da Idade Média. Elementos interrogativa final UNIVERSALIDADE centrais do Renascimento são o antropocentrismo procura integrar as O soneto apresenta as contradições características (valorização do homem) e o racionalismo. Para saber oposições não resolvidas. do sentimento amoroso. Nota-se uma série de mais, veja o GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA. O efeito criado pela afirmações que procuram abarcar os diferentes aparente falta de lógica aspectos da experiência amorosa. O poeta, no período nas definições (paradoxo) renascentista, transforma-se em um homem capaz de resulta em harmonia, já representar os homens de seu entorno e de seu tempo, que o próprio sofrimento por meio da abordagem de temas universais. amoroso é complexo e surpreendente. 22 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES DIÁLOGO ENTRE OBRAS PINTURA A RETOMADA DOS VALORES CLÁSSICOS O Parnasianismo, movimento literário que ocorre na virada do século XIX para o XX, retoma mais uma vez os valores poéticos clássicos e defende uma con- cepção artística preocupada, sobretudo, com a forma dos textos. Olavo Bilac (1865-1918), o maior nome do movimento no Brasil, compôs o poema abaixo, que revela a busca do artista pela perfeição formal. OFÍCIO DE POETA Do mesmo modo com Profissão de Fé [2] que o ourives trabalha Olavo Bilac com o ouro, de maneira A tela Amor Sagrado e Amor Profano, de Ticiano, a criar joias perfeitas, representa as duas concepções de amor que se também o poeta opera (...) opunham no período renascentista: à esquerda há com a palavra à procura o amor sagrado, representado com pureza, recato da forma ideal. A inveja  Invejo o ourives quando escrevo: que o eu lírico sente e comedimento; e à direita há o amor profano, Imito o amor marcado pela paixão, sensualidade e luxúria. Eros, dos artistas que esculpem as pedras o Com que ele, em ouro, o alto-relevo o deus do amor, brinca na fonte junto às duas imagens complementares. A caracterização dessa conduz a uma reflexão Faz de uma flor. duplicidade está ligada a uma visão de mundo que sobre a escrita poética. privilegia a universalidade. Em todas as épocas e Imito-o. E, pois, nem de Carrara IMITAÇÃO A pedra firo:  lugares, a ambiguidade entre amor sensual e amor espiritualizado estaria presente e seria reconhecida Tem início um processo O alvo cristal, a pedra rara, pelos diferentes públicos. de imitação: os artistas clássicos, que não O ônix prefiro. se preocupavam com a originalidade, Por isso, corre, por servir-me, CANÇÃO procuravam seguir os Sobre o papel grandes modelos de A pena, como em prata firme composição. Também a Corre o cinzel. Monte Castelo pena do poeta buscará, de modo meticuloso, Renato Russo as palavras raras e as Corre; desenha, enfeita a imagem,  construções sofisticadas A ideia veste: Ainda que eu falasse para construir os versos. Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem  A língua dos homens Azul-celeste. E falasse a língua dos anjos, Sem amor eu nada seria. RETOMADA Torce, aprimora, alteia, lima  A intertextualidade A frase; e, enfim, É só o amor! É só o amor também está presente No verso de ouro engasta a rima,  na retomada de um texto Que conhece o que é verdade. bíblico do apóstolo Paulo Como um rubim. O amor é bom, não quer o mal, acerca do amor. Não sente inveja ou se envaidece. (...) INTERTEXTUALIDADE Antologia Poética, L&PM Editores O amor é o fogo que arde sem se ver  A canção estabelece um diálogo intencional com  (...) o soneto camoniano com METALINGUAGEM o objetivo de mostrar Assim como vimos em Literatura Medieval, Estou acordado e todos dormem. que as contradições do na página 16, aqui novamente ocorre um exemplo Todos dormem. Todos dormem. amor estão presentes em da metalinguagem. O poema trata do fazer poético e Agora vejo em parte, qualquer época e lugar. descreve o processo de composição dos poemas. Constata-se a ideia de Mas então veremos face a face. universalidade: Camões não tomou o sentimento É só o amor, é só o amor amoroso para si, mas (...) para toda a humanidade. [1] © TEREZA BETTINARDI [2] TICIANO/MUSEU GALLERIA BORGHESE GE PORTUGUÊS 2018 23 MEDIEVAL E RENASCENTISTA CLASSICISMO CONTRADIÇÕES Mudam-se os Tempos, Neste soneto, o poeta constata que o Mudam-se as Vontades Luís Vaz de Camões mundo é repleto de contradições. Espantado, Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,  percebe que os desejos ANTÍTESE e temperamentos Muda-se o ser, muda-se a confiança; Note a figura de oscilam com o passar Todo o mundo é composto de mudança, linguagem que contrapõe do tempo. Conforme o Tomando sempre novas qualidades. ideias contrárias – pensamento do filósofo formada pelo par de grego Heráclito, retoma opostos mal e bem. Ela é a visão antiga de que Continuamente vemos novidades, empregada para reforçar nada permanece igual no Diferentes em tudo da esperança; a visão de mundo decorrer da existência. Do mal ficam as mágoas na lembrança, contraditória do poeta. E do bem, se algum houve, as saudades. PRONOMES MUDANÇAS Os pronomes O tempo cobre o chão de verde manto,  Assim como as estações indefinidos “algum” e do ano se sucedem (e Que já coberto foi de neve fria, “outra” acentuam os a neve se converte em E em mim converte em choro o doce canto. sentimentos de incerteza verdor), a vida humana e distanciamento também passa por diante das mudanças metamorfoses (o canto E, afora este mudar-se cada dia,  do mundo. Já no trecho alegre é convertido em Outra mudança faz de mor espanto, do Episódios de Inês de triste choro). Que não se muda já como soía. Castro (veja na pág. 26), Sonetos de Camões, Ateliê Editorial o uso dos pronomes possessivos “sua” e “tua” revela intimidade e  DESCONCERTO DO MUNDO proximidade. Uma das temáticas da lírica camoniana são as mudanças que ocorrem no mundo. As constantes modificações acontecem em um ritmo impossível de ser acompanhado e conduzem ao sofrimento. Transforma-se o Amador AMOR PLATÔNICO O eu lírico constrói o na Cousa Amada soneto partindo de uma tese inicial, de origem Luís Vaz de Camões platônica: quando aquele  que ama se identifica Transforma-se o amador na cousa amada, totalmente com o Por virtude do muito imaginar; ser amado, alcança a Não tenho logo mais que desejar, completude. A identidade Pois em mim tenho a parte desejada. do sujeito poético vai IDEALIZAÇÃO sendo transformada pela Uma visão Se nela está minha alma transformada, observação idealizada espiritualizada da mulher, considerada Que mais deseja o corpo de alcançar? perfeita e sublime. do amor é superior aos Em si somente pode descansar, desejos físicos e Pois consigo tal alma está liada. PERFEIÇÃO carnais. Por meio do amor puro e  Note o caráter divino e Mas esta linda e pura semideia, puro da mulher, com uma idealizado, Que, como o acidente em seu sujeito, perfeição característica o sujeito é capaz de alcançar Assim co’a alma minha se conforma, do mundo elevado das ideias. O poema reflete a a plenitude teoria do neoplatonismo [1] do mundo Está no pensamento como ideia; amoroso e retrata o das ideias. E o vivo e puro amor de que sou feito, processo de purificação Como matéria simples busca a forma. da alma por meio do amor. Sonetos de Camões, Ateliê Editorial 24 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS CONEXÕES A REINVENÇÃO DO SONETO CANÇÃO O poeta brasileiro Vinicius de Moraes (1913-1980), no século XX, recuperou a forma clássica do soneto italiano (com duas estrofes de quatro versos e duas estrofes Apenas Mais uma de Amor de três versos) para tratar do sentimento amoroso. Lulu Santos AMOR PLATÔNICO Após a revolução estética promovida pelo Moder- O tema do amor nismo, a partir de 1922, a retomada de uma forma idealizado e não Eu gosto tanto de você poética tradicional não contradiz as tentativas de correspondido, presente Que até prefiro esconder renovação. Abolidas as regras que obrigavam o poeta no poema Transforma- Deixo assim ficar a compor conforme modelos preestabelecidos, é se o Amador na Cousa Subentendido Amada, permanece vivo possível o uso das convenções apenas no momento nas canções populares em que elas são de fato pertinentes. atuais. Aqui o eu lírico Como uma ideia que existe na cabeça (aquele que expressa os E não tem a menor obrigação de acontecer sentimentos do autor) prefere ocultar o intenso (...) ENCANTAMENTO amor que sente. O eu lírico deseja aproveitar ao máximo cada momento e mostra-se dedicado ao seu amor. Para aquele que ABSTRAÇÃO ama, as qualidades do ser amado são intensificadas, Repare no caráter ideal do sentimento amoroso, que se fazendo com que o encantamento seja cada vez maior. conserva como uma experiência abstrata e não precisa se realizar concretamente. Soneto de Fidelidade Vinicius de Moraes ANÚNCIO PUBLICITÁRIO  PRONOMES  De tudo ao meu amor serei atento A subjetividade Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto é reforçada pelo Que mesmo em face do maior encanto emprego de pronomes  pertencentes à primeira Dele se encante mais meu pensamento pessoa do singular. O poeta utiliza o pronome Quero vivê-lo em cada vão momento  possessivo “meu” ao E em seu louvor hei de espalhar meu canto  lado de substantivos E rir meu riso e derramar meu pranto relacionados ao universo Ao seu pesar ou seu contentamento de sua intimidade. E assim, quando mais tarde me procure EFEMERIDADE Quem sabe a morte, angústia de quem vive Considerando a rápida Quem sabe a solidão, fim de quem ama passagem do tempo e a fugacidade dos  momentos felizes, Eu possa me dizer do amor (que tive): o poeta deseja desfrutar Que não seja imortal, posto que é chama intensamente os prazeres [2] Mas que seja infinito enquanto dure. amorosos. BREVIDADE Antologia Poética. Rio de Janeiro: O anúncio acima, além de mostrar alguns estereótipos Nota-se nos versos de Editora do Autor, 1960. p. 96. relacionados aos universos masculino e feminino, Vinicius a questão da lembra outro a fim de convencer o público a adotar brevidade da vida, tema um cachorro: o de que esse animal é o melhor amigo  frequente nos textos UNIVERSALIDADE do homem. A preocupação masculina com o futebol do Renascimento. Além da forma (soneto), a presença de Camões na é ressaltada: durante a partida, o cachorro distrai a obra de Vinicius também se dá pela temática: a mulher; o interesse feminino por histórias românticas universalização do sentimento amoroso. Mas, ao também é destacado: o cachorro distrai o homem contrário de Camões, o amor em Vinicius é concreto e durante a novela. efêmero (não mais eterno e espiritualizado). E a função apelativa da linguagem aparece por meio do uso de um verbo no imperativo: “descubra por que um cão é a melhor companhia para um casal”. [1] © TEREZA BETTINARDI [2] REPRODUÇÃO GE PORTUGUÊS 2018 25 MEDIEVAL E RENASCENTISTA CLASSICISMO AMOR PROIBIDO Camões épico Um dos episódios mais famosos da história de Portugal, Luís de Camões compôs a epopeia Os Lusía- retratado por Camões em Os Lusíadas, é a história das, publicada em 1572. Esse poema épico segue de Inês de Castro, amante do príncipe dom Pedro, os modelos literários da Antiguidade clássica assassinada por causa do amor proibido e coroada PRONOME PESSOAL (como a Ilíada e a Odisseia, epopeias gregas rainha depois de morta. O episódio de Inês de atribuídas a Homero, e Eneida, epopeia latina de Castro é repleto de lirismo e possibilita Virgílio). A obra, dividida em dez cantos, narra reflexões sobre o os principais acontecimentos da história de sentimento amoroso, ao Portugal e os grandes feitos lusitanos, com base qual se dirige o sujeito no relato da viagem de Vasco da Gama às Índias. Os Lusíadas poético. Note o emprego Ao mesmo tempo que exalta os descobrimentos Luís Vaz de Camões do pronome pessoal “tu” para invocar o marítimos, Camões faz uma crítica pessimista Amor, abordagem que à ambição descontrolada dos conquistadores CANTO III – Episódios de Inês de Castro  indica proximidade e portugueses. O autor funde elementos épicos informalidade em relação e líricos e sintetiza as principais marcas do (...) a um sentimento familiar  Renascimento português: o humanismo, o ra- Tu só, tu, puro amor, com força crua aos seres humanos. cionalismo e as expedições ultramarinas. Que os corações humanos tanto obriga, CARACTERIZAÇÃO Deste causa à molesta morte sua, DO AMOR Universalidade Como se fora pérfida inimiga. Ao mesmo tempo Em Os Lusíadas, a tendência à universalidade Se dizem, fero Amor, que a sede tua que é marcado pela está ligada à valorização das potencialidades Nem com lágrimas tristes se mitiga, pureza, o amor, com  força cruel, submete os humanas, a qual é concretizada, no caso dos por- É porque queres, áspero e tirano, corações. A intensidade tugueses, pelo grande projeto das navegações. O Tuas aras banhar em sangue humano. do sentimento é desbravamento de novas terras e o poderio do incontrolável: feroz, império lusitano refletem a grandeza racional Estavas, linda Inês, posta em sossego, áspero e tirano. E muitas e empreendedora do ser humano. (...) vezes conduz a desfechos tristes e sangrentos.  Perfeição formal CANTO IV – Episódio O Velho do Restelo OLHAR CRÍTICO O poema também representa a busca estética Portugal aproximava-se pela configuração da obra perfeita. A preocu- Ó glória de mandar! Ó vã cobiça do ápice de uma crise cultural e econômica, pação com a forma é uma característica dos Desta vaidade, a quem chamamos Fama! profetizada pelo Velho movimentos artísticos de inspiração clássica. Ó fraudulento gosto, que se atiça do Restelo, que denuncia Nesse sentido, Os Lusíadas estabelece diálogo C’uma aura popular, que honra se chama! a ambição desmedida com o poema de Olavo Bilac, Profissão de Fé, que (...) dos conquistadores exemplifica a obsessão clássica pela exploração portugueses. A crítica à nação lusitana está das capacidades humanas que podem conduzir CANTO X  presente em toda a à perfeição da obra de arte. literatura portuguesa Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho – José Saramago, no destemperada e a voz enrouquecida, século XX, em obras como e não do canto, mas de ver que venho A Jangada de Pedra, dá continuidade à tradição  O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA cantar a gente surda e endurecida. de questionamento da Entre os séculos XV e XVI, países europeus, como O favor com que mais se acende o engenho realidade do país. Portugal, empreendem grandes navegações em não no dá a pátria, não, que está metida Os versos camonianos busca de riquezas além-mar. A expansão marítima resulta em importante revolução comercial, no gosto da cobiça e na rudeza refletem, ainda, a visão duma austera, apagada e vil tristeza. de que o mundo no enriquecimento das burguesias nacionais e na está sempre em formação de vastos impérios coloniais. Para saber (...) transformação – assim, mais, veja o GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA. Editora Ática a vaidade dos lusitanos poderia se converter em crise e fracasso. PESSIMISMO A epopeia camoniana não apenas exalta os grandes feitos dos conquistadores portugueses: o sujeito poético expressa à Musa que fará menção a aspectos negativos dos empreendimentos marítimos portugueses. Em tom pessimista, o poema alerta que o sonho de grandeza de Portugal corre o risco de ser prejudicado pela cobiça e pela ambição. 26 GE PORTUGUÊS 2018 SAIU NA IMPRENSA DIÁLOGO ENTRE OBRAS SIM, ELE PODE DESENCANTO E OLHAR NACIONALISTA João Pereira Coutinho Em Viagens na Minha Terra (1846), do autor por- tuguês Almeida Garrett, uma viagem de Lisboa a Hoje é dia de Super Terça nos Estados Unidos e só Santarém, em 1823, é permeada por digressões, além existe uma pergunta: como explicar o sucesso de Donald de contar a história sentimental de Carlos e Joaninha. Trump? São infinitos os artigos que repetem a pergunta A obra trava um diálogo convergente e divergente como se Trump fosse uma nova epidemia (...) com o poema épico de Camões, Os Lusíadas. O ufa- Li muitos desses artigos. Parei, por motivos óbvios: nismo de Camões se opõe ao desencanto de Garrett, já não aguentava tanto riso. (...) mas apresenta total sintonia com a profética fala Mas o único artigo com pés e cabeça foi escrito por pessimista de O Velho do Restelo (veja na página Daniel Drezner no The Washington Post: se Trump ven- ao lado). Ambas as obras, cada uma a seu modo, cer a indicação republicana, a culpa é dos cientistas apresentam um olhar nacionalista. políticos. A culpa, no fundo, é de pessoas como eu e da O autor, com seu humor ácido, também inspira “ciência” que eu pratico. Maldito seja Daniel Drezner! Machado de Assis na criação de Memórias Póstumas E não é que ele tem razão? de Brás Cubas. O processo de construção metalin- Diz Drezner que, nos últimos anos, os “cientistas” guístico de Garrett é uma referência fundamental desenvolveram uma teoria que consideravam infalível: na prosa machadiana. nas eleições presidenciais, vence quem tem o apoio do partido. Foi a confiança na “ciência” que levou o Partido Viagens na Minha Terra Republicano a desprezar a ameaça Trump. Aliás, os Almeida Garrett outros candidatos conservadores se alinharam na mesma falácia: nos debates, gastaram munições uns (...) contra os outros – e esqueceram-se de Trump, imperial Desde que entendo, que leio, que admiro Os Lusí- e ileso. Agora é tarde, Inês é morta. adas, enterneço-me, choro, ensoberbeço-me com (...) a maior obra de engenho que apareceu no mundo, Folha de S.Paulo, 1/3/2016 desde a Divina Comédia até ao Fausto. (...) Neste artigo, publicado antes da eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o autor Mas essas crenças são para os que se fizeram escreve sobre o inesperado bom desempenho do grandes com elas. A um pobre homem o que lhe então pré-candidato republicano. Ele faz referência fica para crer? Eu, apesar dos críticos ainda creio à personagem Inês de Castro, de Os Lusíadas. Para no nosso Camões; sempre cri. reforçar seu texto irônico, o autor lança mão de um dito GLÓRIA VERSUS E contudo, desde a idade da inocência em que popular português que ganhou fama por sugerir que não adianta reclamar depois dos fatos consumados: DESILUSÃO tanto me divertiam aquelas batalhas, aquelas Enquanto em Os Lusíadas aventuras, aquelas histórias de amores, aquelas “ Agora, Inês é morta”. O provérbio faz alusão à lenda são contadas as glórias de que depois de morta, Inês de Castro foi coroada de Portugal, em Viagens cenas todas, tão naturais, tão bem pintadas – até rainha por dom Pedro. Encontramos no Brasil provérbio na Minha Terra não há esta fatal idade da experiência, idade prosaica semelhante: “Não adianta chorar o leite derramado”. armas, barões nem em que as mais belas criações do espírito pare- musas, e Garrett mostra cem macaquices diante das realidades do mundo, a desilusão diante de e os nobres movimentos do coração quimeras de um país que não é fiel às tradições, ao espiritual, entusiastas, até esta idade de saudades do pas- PARA IR ALÉM porque sucumbiu sado e esperanças no futuro, mas sem gozos no ao materialismo e à presente, em que o amor da pátria (também isto O cartunista Fido Nesti imprimou cores fortes e traços ambição (representada será fantasmagoria?) e o sentimento íntimo do marcantes na sua adaptação de Os Lusíadas para HQ, pela personagem Carlos). belo me dão na leitura dos Lusíadas outro deleite da Editora Peirópolis. Nela, Camões, que também é diverso, mas não inferior ao que noutro tempo me um personagem, conduz a narrativa. São retratados deram – eu senti sempre aquele grande defeito do quatro episódios da grandiosa epopeia: Inês de nosso grande poema; e nunca pude, por mais que Castro, Gigante Adamastor, O Velho do Restelo e a buscasse, achar-lhe, justificação não digo – nem Ilha dos Amores. No YouTube, é possível assistir ao sequer desculpa. curta-metragem O Velho do Restelo, do cineasta Porto: Anagrama, 1984. português Manoel de Oliveira (1908-2015). GE PORTUGUÊS 2018 27 COMO CAI NA PROVA 1. (UNIFESP 2010) Leia o texto de Gil Vicente. c) nos assuntos que podem ser tratados em uma crônica. d) no papel da vida do cronista no processo de escrita da crônica. DIABO – Essa dama, é ela vossa? e) nas dificuldades de se escrever uma crônica por meio de uma FRADE – Por minha a tenho eu crônica. e sempre a tive de meu. DIABO – Fizeste bem, que é fermosa! RESOLUÇÃO e não vos punham lá grosa Predomina a função metalinguística, uma vez que o autor constrói uma nesse convento santo? crônica para tratar da composição desse gênero textual, enfatizando as FRADE – E eles fazem outro tanto! dificuldades envolvidas no processo de escrita. Ao resolver questões so- DIABO – Que cousa tão preciosa! bre as funções da linguagem, é importante identificar o elemento da co- municação priorizado: no caso, a ênfase recai sobre o próprio código (a No trecho da peça de Gil Vicente, fica evidente uma crônica), o que permite associar o texto ao recurso da metalinguagem. a) visão bastante crítica dos hábitos da sociedade da época. Está clara Resposta: E a censura à hipocrisia do religioso, que se aparta daquilo que prega. b) concepção de sociedade decadente, mas que ainda guarda alguns valores essenciais, como é o caso da relação entre o frade 3. (UNICAMP 2010) Propaganda do dicionário Aurélio e o catolicismo. c) postura de repúdio à imoralidade da mulher que se põe a tentar o frade, que a ridiculariza em função de sua fé católica inabalável. d) visão moralista da sociedade. Para ele, os valores deveriam ser resgatados e a presença do frade é um indicativo de apego à fé cristã. e) crítica ao frade religioso que optou em vida por ter uma mulher, contrariando a fé cristã, o que, como ele afirma, não acontecia com os outros frades do convento. RESOLUÇÃO O Auto da Barca do Inferno realiza, no contexto do Humanismo português, uma crítica às instituições sociais e religiosas. No fragmento, nota-se uma sátira à hipocrisia religiosa por meio da caracterização do Frade, Foto: Reprodução/Unicamp um personagem materialista e mulherengo, pouco praticante dos valores cristãos. As características da personagem podem ser identificadas por Nessa propaganda do dicionário Aurélio, a expressão “bom pra meio das falas dele – como a referência feita à companhia feminina ou burro” é polissêmica, e remete a uma representação de dicioná- a sugestão dos outros pecados cometidos pelos religiosos do convento. rio. Explique como o uso da expressão “bom pra burro” produz hu- Resposta: A mor nessa propaganda. RESOLUÇÃO 2. (ENEM 2014) Típica questão sobre polissemia. O humor é provocado pela duplicidade O exercício da crônica de sentido da expressão “bom pra burro”, que pode ser associada tanto Escrever crônica é uma arte ingrata. Eu digo prosa fiada, como faz um a um produto de boa qualidade quanto ao direcionamento para pessoas cronista; não a prosa de um ficcionista, na qual este é levado meio a pouco informadas (reforçando a expressão popular “pai dos burros”). tapas pelas personagens e situações que, azar dele, criou porque quis. Com um prosador do cotidiano, a coisa fia mais fino. Senta-se ele dian- te de uma máquina, olha através da janela e busca fundo em sua ima- 4. (ENEM 2016) ginação um assunto qualquer, de preferência colhido no noticiário ma- tutino, ou da véspera, em que, com suas artimanhas peculiares, possa L.J.C. injetar um sangue novo. Se nada houver, resta-lhe o recurso de olhar — 5 tiros? em torno e esperar que, através de um processo associativo, surja-lhe — É. de repente a crônica, provinda dos fatos e feitos de sua vida emocio- — Brincando de pegador? nalmente despertados pela concentração. Ou então, em última instân- — É. O PM pensou que... cia, recorrer ao assunto da falta de assunto, já bastante gasto, mas do — Hoje? qual, no ato de escrever, pode surgir o inesperado. — Cedinho. MORAES, V. Para Viver um Grande Amor: Crônicas e Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. COELHO, M. In: FREIRE, M. (Org.). Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. Predomina nesse texto a função da linguagem que se constitui Os sinais de pontuação são elementos com importantes funções a) nas diferenças entre o cronista e o ficcionista. para a progressão temática. Nesse miniconto, as reticências foram b) nos elementos que servem de inspiração ao cronista. utilizadas para indicar 28 GE PORTUGUÊS 2018 RESUMO a) uma fala hesitante. Literatura medieval e renascentista b) uma informação implícita. c) uma situação incoerente. Trovadorismo, Humanismo e Classicismo são os principais mo- d) a eliminação de uma ideia. vimentos literários que se desenvolveram no Ocidente durante a e) a interrupção de uma ação. Idade Média (476 a 1453) e o Renascimento (séculos XIV ao XVI). RESOLUÇÃO: TROVADORISMO Período que vai do século XII ao XV e reúne As reticências indicam uma informação implícita, que não foi dita. O os primeiros registros poéticos da língua portuguesa. policial se enganou (“pensou que...”) e acabou matando uma pessoa. Resposta: B • Cantiga Há duas temáticas básicas: a lírica e a satírica. Cantigas líricas Tratam do sofrimento resultante de amores impossíveis. Dividem-se nas cantigas de amor e de amigo. Cantigas satíricas Expressam críticas a personalidades e SAIBA MAIS autoridades. Contemplam as de escárnio e as de maldizer. SINAIS DE PONTUAÇÃO • Prosa O principal gênero em prosa do período é a novela de cavalaria (uma longa narrativa protagonizada por heróis Reticências que se caracterizam por virtudes nobres e guerreiras). Além da informação implícita, também indicam supressão de palavras: Amo o campo, as flores, os rios, os pássaros... Interrupções HUMANISMO Período de transição entre a decadência dos de hesitação ou dúvida: Este mal... já tive doutor? Situações em que valores feudais da Idade Média e o surgimento do Renasci- o sentido vai além do que foi dito: Deixa o coração sofrer... mento. Gil Vicente é o maior representante do período, autor de Auto da Barca do Inferno, publicado em 1517. Na obra, os Ponto personagens estabelecem diálogos com o Anjo e o Diabo, dentro Indica o término do discurso ou interrupção dele: Amanheceu. Entrei de uma visão de mundo cristã. no dia com entusiasmo. Usa-se nas abreviações: Sr. CLASSICISMO Período literário que se desenvolve na Renas- Ponto de exclamação cença, nos séculos XV e XVI. Tem influência do pensamento Depois de frases que indicam sentimentos, como alegria, surpresa, humanista e da valorização do antropocentrismo (o homem espanto etc.: Que dia lindo! Após interjeições: Ahhh, que susto! como o centro do Universo) e do racionalismo (valorização da razão). Tanto nas composições líricas como nas epopeias há Ponto de interrogação um resgate das formas e temas que vigoraram na Antiguidade Formular perguntas diretas: Você quer namorar comigo? Expressar clássica. Destaca-se o poeta português Luís Vaz de Camões, surpresa, indignação etc.: O quê? Você não foi à aula hoje? autor do poema épico Os Lusíadas. Ponto e vírgula GRAMÁTICA E INTERPRETAÇÃO Separa várias partes do discurso, que têm a mesma importância: • Funções da linguagem Em toda comunicação, há uma carga Homens de bem lutam pela dignidade do outro; os do mal, pelo de intencionalidade, que se relaciona às funções poética (ex: próprio benefício. Separa partes de frases que já estão separadas por poesia), emotiva (cartas e artigos), referencial (textos jornalís- vírgulas: Maria queria verão, praia e sol; João queria montanha, frio e ticos e científicos) e apelativa (conselho, anúncio publicitário). neve. Separa itens de uma enumeração: Pegar as crianças na escola; ir à academia; marcar dentista. • Sentidos denotativo e conotativo O primeiro diz respeito ao significado literal, dicionarizado (Chegou uma nova fera no Dois-pontos zoológico; fera = animal), enquanto o segundo se refere à lin- Antes de uma citação ou explicação: Veja o que diz a Bíblia: guagem figurada (Meu pai ficou uma fera comigo; fera = bravo). “Amai-vos uns aos outros”. Em frases com discurso direto: Antônio perguntou: – Sua mãe sabe algo sobre isso? • Substantivo É a palavra com que se denominam as coisas: ônibus, alegria, Brasil. Em relação ao sentido, há substantivos Aspas que ganham outro significado quando se altera o número Além da indicação da fala de alguém e de citações (“O amor é (singular ou plural; ex: água e águas) e o gênero (masculino fogo que arde sem se ver...” ), elas também indicam expressões ou feminino; ex: a capital e o capital). estrangeiras, gírias ou ironia: Atualmente, só lemos “fake news”. • Polissemia Uma mesma palavra pode apresentar múltiplos Vírgula sentidos. Ex: pena (parte do corpo das aves; dó; e pena judicial). Veja na pág. 123. GE PORTUGUÊS 2018 29 2 LITERATURA COLONIAL CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO  Interpretando: figuras de linguagem........................................................32  Quinhentismo ...................................................................................................34  Barroco ................................................................................................................36  Arcadismo ...........................................................................................................40  Como cai na prova + Resumo .......................................................................42 Na era da pós-verdade No debate sobre os conceitos opostos de verdade e mentira nas redes sociais, os fatos importam menos do que as opiniões e do que as pessoas escolhem acreditar “R elativo ou referente a circunstân- Brexit, que defendia a retirada dos britânicos cias nas quais os fatos objetivos são da UE, divulgou que a permanência do país no menos influentes na opinião pública bloco custava US$ 470 milhões por semana. do que as emoções e as crenças pessoais.” Esta Ambas eram informações mentirosas. é a definição de pós-verdade (post-truth, em Mas é nas redes sociais que as mentiras têm inglês) do Dicionário Oxford, uma das principais um espaço privilegiado e um terreno fértil para referências globais para catalogação de novos se disseminar. Boatos e narrativas sem base real termos e expressões. O adjetivo foi eleito a se espalham com rapidez, confundindo a opinião palavra do ano em 2016. pública e tornando turva a percepção da realidade. O termo ganhou popularidade em função, prin- Assim como os conceitos opostos de verdade cipalmente, de dois eventos recentes com reper- e mentira, a oposição de ideias e a existência de cussão mundial: as eleições presidenciais dos conflitos dualistas são fortes características do Estados Unidos, que levaram Donald Trump ao Barroco (1601-1768), movimento artístico influen- poder, e o referendo que culminou com a saída do ciado pelo final do Renascimento (e a ideia de Reino Unido da União Europeia (UE), o chamado que o homem é o centro do Universo) e o início Brexit. O uso do termo “pós-verdade” pela mídia da Contrarreforma (reação católica à expansão global cresceu 2.000% em relação a 2015, e a ex- protestante, que recoloca Deus como o centro pressão deixou de ser um termo periférico para se do mundo). A tensão entre elementos contrários tornar um conceito central nas análises políticas. (sagrado e profano, fé e A pós-verdade abriu caminho para os chama- razão, vida espiritual e dos “fatos alternativos” e as fake news, notícias vida material) e os dile- VERACIDADE falsas publicadas e divulgadas com o objetivo de mas dos artistas do pe- QUESTIONÁVEL atender a um determinado interesse. Durante ríodo refletem-se num Donald Trump, então as eleições norte-americanas, por exemplo, discurso conturbado, candidato a presidente dos a campanha de Trump alardeou que o então com o uso frequente de Estados Unidos, é filmado presidente Barack Obama era muçulmano, e que figuras de linguagem, durante seu primeiro sua oponente, a democrata Hillary Clinton, havia sobretudo de antíteses debate presidencial, criado o Estado Islâmico. Já a campanha pelo e paradoxos. em setembro de 2016 30 GE PORTUGUÊS 2018 CARLOS BARRIA/REUTERS GE PORTUGUÊS 2018 31 2 COLONIAL INTERPRETANDO Quando o texto cria imagens D As figuras de e autoria do filósofo Luiz Felipe Pondé, o seguintes, nas passagens em que faz referência linguagem estão artigo abaixo foi publicado em 27 de feve- aos produtores culturais, artistas e “especialistas relacionadas às reiro de 2017 no jornal Folha de S.Paulo. na verdade”). Para isso o autor explora de modo diversas formas O colunista analisa de forma ácida as interações intenso o recurso das figuras de linguagem – os de empregar sociais na internet em tempos de “pós-verdade” e diferentes modos de empregar uma expressão expressões do questionamento do que é falso ou verdadeiro. para além de seu sentido denotativo (diciona- em sentido Pondé relativiza sobre quem diz a verdade rizado) de modo a provocar efeitos diversos. simbólico em um mundo recheado de posições ideológicas A ironia, o paradoxo, a metáfora, a hipérbole opostas. Critica tanto as pessoas ligadas à direita e o eufemismo, entre outras figuras, têm capa- quanto à esquerda na produção de mentiras cidade de produzir imagens que apontam para (“A esquerda é tão canalha quanto a direita em uma linguagem simbólica, indireta, surpreen- matéria de era da pós-verdade”), embora con- dente ou simplesmente enfática. Ao se utilizar centre-se na crítica à esquerda (ao se referir a desses recursos, o autor enriquece seu texto e “agenda ideológica escondida” e nos parágrafos seus argumentos. No mundo das redes sociais, o relativismo virou ‘matéria paga’ IRONIA PÓS-VERDADE Pondé sugere que apenas O autor quer mostrar que Luiz Felipe Pondé os “bonzinhos” (ao longo o apoio das pessoas a do texto identificados Trump, Brexit e extrema com a esquerda) falam a direita só foi conseguido Dizem que estamos na era da pós-verdade. verdade. Ironicamente, o Trump é um exemplo. O “brexit”, outro. A extrema  por meio da divulgação autor afirma algo que vai de informações falsas. direita, outro. Enfim, só mente quem não faz parte  desconstruir. do pacote ideológico dos bonzinhos. Era da pós-verdade é a era em que sites e HIPÉRBOLE E IRONIA  PARADOXO A expressão é pessoas inventam mentiras contra candidatos, De forma bastante apresentada como um ideias ou pessoas famosas (ou não) para atingir exagerada (hipérbole), paradoxo, pois conceito o colunista defende que (pós-verdade) e definição uma meta específica, além, claro, de ganhar dinhei- “canalhas” produzem (invenção de mentiras) ro com publicidade à base de cliques. Reputações  mentiras que podem representam duas ideias podem ser destruídas por canalhas produtores de destruir (demolir, completamente opostas. mentiras veiculadas nas mídias sociais. devastar) reputações. Mas existe uma fundamentação filosófica para APROPRIAÇÃO isso: o relativismo sofista e seus descendentes. CONOTAÇÃO E IRONIA  Relativismo é um Mesmo que nenhum filósofo relativista tenha “Matéria paga” são conceito filosófico que proposto a mentira como conclusão da negação da textos publicitários que admite a existência visam a venda de algo de diversos pontos de verdade absoluta (o relativismo em si), qualquer ou atendem a algum vista. Segundo o autor, pessoa normal (inclusive alunos quando estudam interesse. O autor as pessoas chamam de relativismo) toma a autorização para mentir sugere que uma mentira verdade seu ponto de como conclusão evidente da postura relativista. (relativismo) teria esse vista e tomam como No mundo das redes sociais, o relativismo se  mesmo propósito. mentira o ponto de vista de seu oponente. transformou em matéria paga. É tudo verdade: as plataformas de redes sociais METÁFORA E IRONIA acabaram por pulverizar algo que Platão sabia. O autor cria uma  JOGO DE IDEIAS Para o filósofo grego No mundo retórico das opiniões, ninguém sabe  metáfora para designar Platão, a verdade as redes sociais: mundo onde a verdade está. Nas redes sociais, com sua retórico das opiniões. absoluta não existe. O autor usa a expressão economia dos cliques, ganha mais quem é mais O colunista sugere que a “é tudo verdade” para acessado. A sustentabilidade econômica deita “verdade” depende mais se referir a isso, criando raízes nessa economia dos cliques. do números de cliques do uma oposição de ideias. que da sua veracidade. ! 32 GE PORTUGUÊS 2018 Há um déficit de verdade na democracia con-  EUFEMISMO temporânea. A economia dos cliques é esse fato Usado para suavizar tornado mercado. Mas há outro fator, mais invisí- uma ideia. A expressão “déficit de verdade” foi vel para quem não é do ramo, e que figuras como utilizada para indicar que Trump sacaram. Muitos dos que criticam a era da se fala mentira. pós-verdade nas mídias (“fake news” ou “notícias falsas”) têm uma agenda ideológica escondida,  METÁFORA e essa agenda os desqualifica como críticos para “Agenda ideológica” grande parte da população que não frequentou indica a ideologia de um grupo. O autor as escolas da zona oeste de São Paulo ou cursos sugere que esse grupo de ciências humanas de universidades de gente defende uma ideologia rica (mesmo que públicas). Você quer saber qual de esquerda, mas de é essa agenda escondida? forma não declarada. Agenda escondida é a associação direta entre  Estariam, por isso, desqualificados para ser de esquerda e dizer a verdade. (...) criticar a pós-verdade Não tenho dúvida de que “haters” (odiadores) (pois considerariam mintam. E de que muitos sejam mesmo idiotas mentira tudo o que vai de extrema direita. E de que Trump possa ser um contra sua ideologia). sério problema para o mundo. E de que Hilary era melhor, justamente porque é um nada que faria SEMÂNTICA E um governo pró-establishment. INTENCIONALIDADE SAIBA MAIS Mas o que precisa ser dito é que grande parte O colunista usa sinônimos – “moçada do do “fake news” também é gerado pela moçada do  bem” e “bonzinhos” – AS PRINCIPAIS FIGURAS bem. Quero ver o dia em que os bonzinhos vão para se referir às pessoas DE LINGUAGEM confessar que xingam, mentem, fazem bullying de esquerda, que, Metáfora: é o uso de palavra ou expressão que virtual e destroem eventos com os quais discor- segundo ele, também estabelece uma relação de semelhança com outro dam. A esquerda é tão canalha quanto a direita produzem notícias falsas termo, numa espécie de comparação em que o termo e são “odiadores”. em matéria de era da pós-verdade. não está expresso, mas subentendido. Ex: O meu Vejamos um exemplo. A maioria esmagadora  NOVA CRÍTICA pai é um touro (o meu pai é forte como um touro). da classe de produtores culturais partilha dessa Nessa passagem, os Metonímia: estabelece uma relação entre elemen- agenda escondida. Critica tudo que não combine produtores culturais tos pertencentes a um mesmo universo, de modo são identificados com a com um governo que estimule a cultura (leia-se esquerda (partilham da que a parte substitui o todo. Ex: Tenho oito bocas “dê grana pra eles”). Consideram óbvio que se agenda escondida). para alimentar. alguém dá grana para eles é porque esse alguém Ironia: emprego de uma expressão com o obje- é legal e faz o bem. tivo de dizer o contrário. Ex: Como você está linda! Ainda teremos que voltar à vaidade como ca- METÁFORA E IRONIA (quando, na verdade, está horrível). tegoria de análise moral e política neste século De forma figurada, os Paradoxo: ocorre quando há duas ideias contradi- se quisermos pensar a sério esse comportamento artistas são denominados tórias relativas a um mesmo referente. Ex: Dormindo bichos, o que caracteriza de artistas que se vendem como arautos da ver- uma metáfora. O autor acordado, sonhei com você. dade moral e política. Pois bem. Esses artistas sugere, de forma Antítese: opõe, numa mesma frase, duas pala- apoiam governos conhecidos pela incompetência irônica, que artistas são vras ou ideias de sentidos opostos, mas sem haver econômica que destrói vidas (mas se estiverem domesticados (pagos) contradição. Ex: Estou acordado e todos dormem. financiando seus filmes, ok!), pela perseguição por governos que Eufemismo: estabelece expressão mais agradá- financiam suas obras ideológica (dar exemplos disso até dá sono, não?). artísticas. vel para suavizar o sentido. Ex: O réu faltou com a Artista sempre foi um bicho fácil de convencer.  verdade no tribunal (mentiu). Outro exemplo: acadêmicos e “especialistas PROSOPOPEIA E Hipérbole: diz respeito aos exageros e à intensifi- na verdade”, normalmente todos, votariam na METONÍMIA cação das ideias. Ex: Ela chorou um mar de lágrimas Hilary, ou seja, são de esquerda. A esquerda se O autor personifica uma antes de dormir.  corrente ideológica sente tão confortável tendo o monopólio dos me- (esquerda): ela sente Sinestesia: consiste no cruzamento de alguns dos canismos de produção de conhecimento e cultura conforto. Há também cinco sentidos. Ex: Seu olhar é tão doce (associação (por culpa mesmo da direita liberal que é tosca) metonímia porque toma de visão e paladar). que assume sem vergonha o lugar de oráculo da a parte (ideologia) pelo Prosopopeia: é a atribuição de característi- verdade. todo (pessoas dessa cas humanas a seres inanimados ou a animais. ideologia). (...) Ex: O sussurro da floresta assustou os viajantes. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 33 2 COLONIAL QUINHENTISMO O admirável CORRESPONDÊNCIA As figuras do enunciador mundo novo Carta a El Rei D. Manuel (autor) e do enunciatário (a quem se dirige a carta) ficam explícitas no Pero Vaz de Caminha Relatos de viajantes e autos de gênero correspondência. catequização compõem a literatura Senhor: A intenção da mensagem é revelada no início: do Quinhentismo (1500-1601) Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, informar sobre as terras e assim os outros capitães escrevam a Vossa descobertas. Note a A s manifestações literárias sobre o Brasil Alteza a nova do achamento desta vossa ter- estrutura convencional, têm início em 1500, com a carta redigida ra nova, que ora nesta navegação se achou, com vocativo indicando o destinatário (“Senhor”), por Pero Vaz de Caminha ao rei português não deixarei também de dar disso minha o corpo do texto (com as dom Manuel I, logo após os primeiros contatos conta a Vossa Alteza (...) notícias sobre o Brasil), a dos portugueses com os índios da Bahia e com a A feição deles é serem pardos, maneira de averme- despedida e a assinatura natureza exuberante do território desconhecido. lhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. do autor. A literatura em língua portuguesa dos viajantes Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem esti- compreende a produção informativa dos cro- mam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e DESCRIÇÃO nistas, que descreviam as riquezas naturais e os nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto.  O autor faz uma habitantes do Novo Mundo, e os textos dos mis- Ambos traziam os beiços de baixo furados e meti- descrição física dos sionários jesuítas, voltados para a conversão e dos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de com- nativos, destacando as diferenças entre eles e os a catequese dos povos indígenas. primento duma mão travessa, da grossura dum portugueses. A descrição fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. não é pejorativa, como Relatos de viajantes (...) se vê no emprego dos O documento considerado “certidão de nasci- Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é adjetivos “bons”, usado mento do país”, a carta de Pero Vaz de Caminha graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á para caracterizar os substantivos “rostos” e (1500), conserva o primeiro testemunho sobre nela tudo, por bem das águas que tem. “narizes”, e “bem-feitos”. o encontro entre índios e portugueses. O relato Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me pa- procura ser objetivo, mas os comentários sobre rece que será salvar esta gente. E esta deve ser a prin- os costumes indígenas e a apreciação das rique- cipal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.  SALVAÇÃO zas naturais revelam a admiração e as emoções (...) Em seguida, Caminha descreve fisicamente do autor da carta.  E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza a paisagem brasileira. O escrivão português deixa transparecer, do que nesta vossa terra vi. E, se algum pouco me No entanto, o destaque além disso, uma visão de mundo cristã, crente alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de da carta recai sobre na existência do paraíso terrestre e na neces- Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo. os habitantes nativos: sidade de conversão dos povos nativos. Dessa (...) o autor mostra-se preocupado com a forma, sob a aparência de imparcialidade, Cami- Beijo as mãos de Vossa Alteza. salvação das almas nha insere seu ponto de vista sobre os fatos Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, indígenas por meio observados. hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. da conversão ao cristianismo. Textos de evangelização José de Anchieta destacou-se na literatura TEXTO INFORMATIVO quinhentista por suas poesias e autos evange- Após a recomendação sobre o destino dos índios, Caminha lizadores cujo foco era impor a moral religiosa conclui a carta explicitando a intenção informativa do católica aos costumes dos indígenas. texto: a extensão do relato está ligada à necessidade de O padre também elaborou poemas que apenas prestar contas detalhadas e minuciosas ao rei. revelavam sua necessidade de expressão, como um poeta pagão. Os poemas mais conhecidos de José de Anchie- ta são Do Santíssimo Sacramento e A Santa Inês. 34 GE PORTUGUÊS 2018 A Santa Inês  CATEQUESE José de Anchieta Os poemas didáticos de Anchieta, como A Santa Inês, têm finalidade Cordeirinha linda, catequética e são Como folga o povo, inspirados nas trovas e Porque vossa vinda redondilhas melodiosas Lhe dá lume novo! medievais. Eles se assemelham a parábolas bíblicas escritas em Cordeirinha santa, versos. De Jesus querida, DIÁLOGO ENTRE OBRAS Vossa santa vida  DIFUSÃO DA FÉ O Diabo espanta. O texto trata, com O MODERNISMO E A REFLEXÃO SOBRE O BRASIL simplicidade, do Os autores modernistas lançaram um olhar agu- confronto entre o bem Por isso vos canta çado sobre a realidade nacional. O poema Erro de e o mal: a chegada de Com prazer o povo, Santa Inês espanta o Português tem um título ambíguo que, em vez de Porque vossa vinda diabo e, graças a ela, designar um desvio à norma culta da língua, se refere Lhe dá lume novo. o povo revigora sua aos problemas da colonização. Oswald de Andrade fé. O poema funciona questiona a intervenção europeia na cultura indíge- Nossa culpa escura como instrumento na. Além de aspectos formais inovadores – o verso evangelizador. Fugirá depressa, livre (não metrificado), a ausência de pontuação e o Pois vossa cabeça efeito de humor –, o autor estabelece uma contrapo- CULPA E PERDÃO Vem com luz tão pura. A noção de culpa e de sição entre o português, que veste o índio com seus perdão imposta ao índio valores repressivos, e o índio, que poderia ter despido Vossa formosura revela a intervenção o português desses mesmos valores. Honra é do povo, portuguesa, uma vez METÁFORA que a ideia de pecado “Chuva” e “sol” são Porque vossa vinda elementos metafóricos. e de necessidade de Lhe dá lume novo. Os tempos difíceis purificação não fazia parte dos valores Erro de Português iniciados a partir Virginal cabeça, indígenas. O tema do contato entre Oswald de Andrade Pela fé cortada, dessa intervenção índios e europeus são será retomado pelos comparados ao ambiente Com vossa chegada cinzento de um dia de Quando o português chegou modernistas de forma Já ninguém pereça; crítica e paródica como chuva. Se os indígenas Debaixo de uma bruta chuva no poema Erro de estivessem em vantagem Vestiu o índio Vinde mui depressa Português, de Oswald em relação ao poderio Que pena! Ajudar o povo, de Andrade. português, a situação  Fosse uma manhã de sol poderia ser diferente e, Pois com vossa vinda tal como uma manhã O índio tinha despido Lhe dais lume novo.  PARALELISMO de sol, eles teriam O português E MUSICALIDADE subjugado os invasores. A repetição do verso Vós sois cordeirinha “Lhe dá lume novo” e a De Jesus Formoso; retomada em “Lhe dais Mas o vosso Esposo trigo novo” reforça o já vos fez Rainha. processo catequético e PARA IR ALÉM confere musicalidade ao texto. A linguagem clara Também padeirinha contribui para que as O filme Caramuru – A Invenção do Brasil (2001), de Sois do vosso Povo, ideias sejam facilmente Guel Arraes, conta a história do pintor português pois com vossa vinda, assimiladas. Diogo Álvares, que, após um naufrágio, chega ao Lhe dais trigo novo. A musicalidade e a Brasil. A exuberância da paisagem e os adornos dos linguagem simples nativos que ele encontra correspondem à descrição envolvem o interlocutor feita pelo escrivão Pero Vaz de Caminha em sua carta. e o sensibiliza para a mensagem religiosa. Diogo apaixona-se pela índia Paraguaçu, com quem vive um triângulo amoroso formado por sua irmã, a índia Moema. O filme, que tem no elenco Selton VOCABULÁRIO folga: se alegra Mello, Camila Pitanga e Deborah Secco, é baseado no lume: luz poema épico Caramuru, do árcade Santa Rita Durão. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 35 2 COLONIAL BARROCO Entre o céu e o inferno Sermão de Santo Antônio EPISÓDIO BÍBLICO A abertura dos sermões aos Peixes parte sempre de um Autores do Barroco (1601-1768) vivem Padre Antônio Vieira episódio bíblico. Aqui, o dilema de conciliar razão e fé ele recorre à metáfora Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os criada por Cristo segundo A a qual os cristãos devem rte de contrastes, a literatura do período pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da funcionar de modo barroco utiliza a linguagem de maneira re- terra, porque quer que façam na terra o que faz análogo à ação do sal na buscada, empregando figuras de linguagem o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas terra, ou seja, combater (como as antíteses e os paradoxos) que reforçam os quando a terra se vê tão corrupta como está a nos- a corrupção. conflitos interiores vividos pelo homem no período sa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual PARALELISMO da Contrarreforma Católica na Europa. O sagrado será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Recursos como o e o profano, o espiritual e o material, o céu e a terra Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se paralelismo (veja no são alguns dos elementos opostos presentes nas le- não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os  Saiba mais ao lado) e a tras barrocas. pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou anáfora (veja na pág. 22) porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, são usados para justificar a pouca eficácia da Padre Antônio Vieira sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não retórica sacra. A oratória de Padre Vieira (1608-1697), sacer- querem receber. (...) Ou é porque o sal não salga, dote jesuíta que alcançou enorme prestígio como e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou CONFLITO pregador, é um bom exemplo do conceptismo porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes,  Uma característica do barroco. Essa corrente literária do século XVII em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Barroco é a tensão entre emprega construções sintáticas elaboradas e Não é tudo isto verdade? Ainda mal! os valores cristãos e os prazeres materiais. Neste imagens ilustrativas para veicular um conjun- (...) sermão, a realidade to de pensamentos complexos de acordo com Muitas vezes vos tenho pregado nesta igreja, terrena – representada princípios lógicos rigorosos. e noutras, de manhã e de tarde, de dia e de noite, pelo comportamento No Sermão de Santo Antônio aos Peixes, pre- sempre com doutrina muito clara, muito sólida, religiosamente gado pelo sacerdote português aos cidadãos do muito verdadeira, e a que mais necessária e im- questionável dos maranhenses da época – Maranhão em 1654, fica evidente o combate à portante é a esta terra para emenda e reforma se contrapõe à realidade corrupção da sociedade. Em vários momentos dos vícios que a corrompem. espiritual – simbolizada de sua fala, ele utiliza o recurso da paráfrase (...) pelo ideal religioso para construir sua argumentação.  Isto suposto, quero hoje, à imitação de Santo An- defendido pelo jesuíta. A pregação religiosa de Vieira envolve estraté- tónio, voltar-me da terra ao mar, e já que os homens gias argumentativas para persuadir o auditório se não aproveitam, pregar aos peixes. O mar está  PRONOME RELATIVO a aderir a determinados comportamentos e tão perto que bem me ouvirão. Os demais podem A estrutura sintática crenças. Na prosa doutrinária do religioso, os deixar o sermão, pois não é para eles. Maria, quer dos sermões de Vieira argumentos são sempre dirigidos aos fiéis e dizer, Domina maris: “Senhora do mar”; e posto emprega inúmeras relações entre elementos visam à conversão daqueles que apresentam que o assunto seja tão desusado, espero que me não previamente referidos. condutas consideradas viciosas. Os argumentos falte com a costumada graça. Ave Maria. Aqui, o pronome relativo fazem uso da sabedoria bíblica, bem como de Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? “que” retoma o referente imagens e descrições que facilitam a visualização Nunca pior auditório. Ao menos têm os peixes duas “os peixes”, que fora e a assimilação dos conceitos abstratos, com o boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam. introduzido no período anterior. Essas ligações objetivo de reforçar o ponto de vista defendido Uma só cousa pudera desconsolar ao pregador, que servem para articular os pelo sacerdote. é serem gente os peixes que se não há-de converter. elementos dos textos, (...) encadeando-os em uma ! unidade de sentido que permite ao leitor seguir  O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA METÁFORA a progressão dos A Contrarreforma foi um movimento de afirmação do A prosa de Vieira combina figuras de pensamento e de argumentos. catolicismo que tinha por objetivo recuperar o espaço político-religioso perdido para os protestantes, construção para atacar as vaidades humanas. após a Reforma Luterana (1517). O papa Paulo III O pregador alude à figura de Santo Antônio, que, reza convoca, em 1545, o Concílio de Trento, que condena a lenda, teria pregado para um auditório de peixes. o protestantismo e reafirma os princípios católicos. Durante o sermão, os peixes funcionam como metáfora A Contrarreforma não consegue acabar com o dos homens, aos quais se associam por causa de protestantismo, apenas freia sua expansão. Um de comportamentos semelhantes. A metáfora é a figura seus maiores êxitos é a disseminação da fé católica de linguagem que aproxima elementos pertencentes pelas colônias europeias – inclusive o Brasil. Para a universos distintos, em razão da existência de saber mais, veja o GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA. características semelhantes. 36 GE PORTUGUÊS 2018 SAIBA MAIS PARALELISMO Construções em paralelo são aquelas que apresentam a repetição intencional de uma estrutura gramatical em Ah moradores do Maranhão, quanto eu vos  FUNÇÃO APELATIVA um texto, com o objetivo de explicitar a relação existente pudera agora dizer neste caso! Abri, abri estas O pregador se dirige entre duas informações. Essas construções servem para entranhas; vede, vede este coração. Mas ah sim, diretamente ao auditório. articular ideias e expressões similares, de um modo cla- Por meio do uso da que me não lembrava! Eu não vos prego a vós, função apelativa da ro e simétrico. Há diversas possibilidades de construir prego aos peixes. linguagem (veja na pág. estruturas paralelísticas, como você pode ver a seguir: (...) 15), a argumentação de Antes, porém, que vos vades, assim como ou- Vieira procura persuadir Repare que as formas verbais são sempre semelhantes vistes os vossos louvores, ouvi também agora as o público a aderir aos e que os termos são muito parecidos: valores cristãos. Note vossas repreensões. o uso de verbos no (...) imperativo. • Não fomos à escola por ser feriado e por estar nevando. Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: (preposição + verbo no infinitivo) não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para • Não fomos à escola não só porque era feriado, mas PRONOMES PESSOAIS os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para No fim do sermão, Vieira também porque nevava. (explicação + verbo no pre- a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os abandona a metáfora térito imperfeito) Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior que aproxima homens • A superfície do planeta é coberta em parte por terra e em açougue é o de cá, muito mais se comem os Bran- e peixes. Do mar, o parte por água. (note que as estruturas são idênticas, cos. (...) Morreu algum deles, vereis logo tan- sacerdote passa a terra mudando apenas o substantivo final) para tratar da realidade tos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo.  brasileira. A ambição, • É necessário que você venha à festa e traga um presente. Comem-no os herdeiros, comem-no os testa- a mesquinhez, a cobiça (verbos no subjuntivo) menteiros, comem-no os legatários, comem-no e o egoísmo dos homens • Era um cachorro problemático, ou seja, agressivo e os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e brancos são apontados incontrolável. (adjetivos) os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que pelo sacerdote por meio de exemplos ligados à o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador morte de um cidadão Veja um exemplo em que não há paralelismo e, em que lhe tirou o sangue; come-a a mesma mulher, qualquer. Pronomes seguida, a correção segundo a gramática tradicional: que de má vontade lhe dá para a mortalha o len- oblíquos são usados para çol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a se referir ao indivíduo • Eu te amo. Você é linda.(Na primeira frase foi usado cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, morto, articulando os um pronome pessoal da 2ª pessoa do singular [te]; na o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o diferentes exemplos a segunda frase foi usado um pronome pessoal associado um mesmo referente e  não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. garantindo a unidade à 3ª pessoa do singular [você]. Para haver paralelismo Já se os homens se comeram somente depois da argumentação. seria preciso se referir à mesma pessoa.) de mortos, parece que era menos horror e menos • A gramática prescreve: Eu a amo. Você é linda. matéria de sentimento. Mas para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós. (...) Obras Escolhidas. Lisboa: Sá da Costa, 1952/ 1953. PARCIALIDADE Os sermões de Vieira têm um tom inflamado, e as frases exclamativas, que procuram impactar o público, revelam o estilo exaltado do pregador que fala no púlpito. Essas características explicitam a parcialidade do orador, defensor da moral cristã e contrário às práticas de vida que não levam em consideração os ensinamentos religiosos. Repare no tom irônico com que Vieira aborda a realidade terrena e os interesses materiais que estão por trás das ações humanas. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 37 2 COLONIAL BARROCO Gregório de Matos No período Barroco, o poeta baiano Gregório ARREPENDIMENTO de Matos (1636?-1695) compôs uma série de A Cristo N. S. Crucificado, Nas duas primeiras poemas que refletiam as tensões espirituais do Estando o Poeta na Última estrofes, o poeta expressa arrependimento e crença homem da época (dividido entre o pecado e a salvação, o humano e o divino). Na Bahia do Hora de Sua Vida no amor infinito de Cristo, Gregório de Matos para manifestar, no final, século XVII, Gregório ficou conhecido como a certeza da obtenção “Boca do Inferno”, por satirizar em seus textos Meu Deus, que estais pendente  do perdão. aspectos da sociedade política brasileira. de um madeiro, O autor é um dos expoentes do cultismo, Em cuja lei protesto de viver, IRONIA A imagem do Cordeiro corrente estética do Barroco que utiliza uma Em cuja santa lei hei de morrer, inocente é evocada pelo linguagem rebuscada, com relações de sentido Animoso, constante, firme e inteiro: eu lírico suplicante. sofisticadas, figuras de linguagem abundantes Note a ironia usada para e sintaxe requintada. No poema A Cristo N. S. Neste lance, por ser o derradeiro, manipular o Criador. Crucificado, o eu lírico (que expressa os sen- Pois vejo a minha vida anoitecer; Mais do que um pedido, há uma imposição que timentos do autor) se concentra no conflito É, meu Jesus, a hora de se ver obriga Deus a perdoar o entre matéria e espírito, dialogando com Deus A brandura de um Pai, manso Cordeiro.  pecador. Vieira lança mão a respeito das possibilidades de perdão. do mesmo recurso para Uma característica do soneto barroco é a Mui grande é o vosso amor e o meu delito; persuadir seus ouvintes. estruturação lógica baseada em tese, antítese Porém pode ter fim todo o pecar, e síntese. Num primeiro momento, é colocada E não o vosso amor que é infinito.  SILOGISMO uma ideia a ser discutida e relativizada – no caso O soneto encobre uma formulação silogística do poema A Cristo N. S. Crucificado, o inevitá- Esta razão me obriga a confiar,  – dedução formal em vel julgamento da alma do eu lírico por Deus Que, por mais que pequei, neste conflito que há duas premissas após a morte. A problematização é baseada em Espero em vosso amor de me salvar. a partir das quais, por oposições semânticas como “pecar” e “amor” e inferência, se chega a “fim” e “infinito”. Em seguida há uma síntese: a www.dominiopublico.gov.br uma conclusão (veja no Saiba mais abaixo). conclusão de que o amor divino é maior que o Ela pode ser expressa  pecado do eu lírico lhe dá esperança da salvação. assim: o amor de Cristo PERSUASÃO é infinito; o meu pecado, Assim como os homens do Maranhão, cujos vícios são por maior que seja, é apontados pelo sermão de Vieira, Gregório de Matos finito, e menor que o admite ser pecador, e não esconde a sua culpa. No amor de Jesus. Logo, por entanto, nota-se um sofisticado jogo de persuasão: maior que seja o meu ele afirma ter direito ao perdão de Deus. Para o pecado, eu espero salvar- sujeito poético, somente assim fará com que Deus me. O jogo de ideias e adquira o estatuto de piedade e onipotência que lhe conceitos, conduzindo são conferidos. Como o pecado é uma característica à formulação de um humana, o perdão das faltas é obrigação divina. O raciocínio complexo, amor e a salvação são alcançados pelo autor, em troca é uma característica da glorificação e do exercício das virtudes divinas. típica do Barroco. SAIBA MAIS RELAÇÕES LÓGICAS As frases podem ser articuladas por mecanismos lógicos, como a pressuposição, a dedução e a indução. Pressuposição Uma informação pressuposta permanece particulares: Meu pai avisou que estava chovendo. Eu como circunstância ou fato considerado como antece- saí de casa e, ao sentir pingos finos molhando a minha dente necessário a outro: Pedro parou de trabalhar na roupa, constatei que ele tinha razão. firma do pai (informação pressuposta para que a sentença faça sentido: Pedro trabalhava na firma do pai). Indução Parte de um caso particular para chegar a uma afirmação geral: Saí de casa e comecei a sentir pingos Dedução O raciocínio dedutivo consiste em uma infe- finos molhando a minha roupa. Concluí, então, que co- rência que parte de dados gerais para tratar de dados meçava a chover. Voltei para buscar o guarda-chuva. 38 GE PORTUGUÊS 2018 SAIU NA IMPRENSA CONEXÕES CULPAS E REGRAS PINTURA Contardo Calligaris (...) No movimento gay entre os anos 1960 e os 1980, a estratégia de “coming out” (de se revelar ou se des- mascarar) não era tanto uma provocação contra uma sociedade repressora quanto uma declaração pública para acabar com a culpa interna. Sem a culpa interna e a vergonha que ela produz, o poder de uma lei repressora é mínimo – ele acaba valendo apenas como um exercício de força, sem au- toridade simbólica. A culpa, em suma, não é o efeito de nossas trans- gressões da regra social. Ao contrário, a regra social aproveita a culpa para poder se impor. Ou seja, a culpa interna é uma condição, não um efeito, da repressão. [1] Em outras palavras ainda, minha culpa e minha vergonha servem para instituir e sustentar a regra que parece (mas só parece) motivá-las. Como em “O Processo”, de Kafka: primeiro sinta-se culpado, logo lhe diremos de quê. Há os casos em que a culpa interna e a repressão que ela permite são necessárias para o convívio social – por exemplo, para que a gente não se mate em cada esquina. Mas, em geral, o que acontece é que nossa neurose média nos leva a oferecer nossa culpa como um sacrifício aos deuses da cidade, como se nós esti- véssemos sempre pedindo: “Me reprimam, por favor”. (...) Folha de S.Paulo, 28/1/2016 Nesta crônica, o leitor é levado a refletir sobre o sentimento de culpa na sociedade atual. O colunista sugere que a culpa interna e a vergonha são os agentes mais eficazes para o cumprimento das regras sociais. [2] A questão da culpa aparece tanto no poema de Gregório de Matos como no sermão de Padre Vieira. No poema de Gregório de Matos, a culpa seria expiada pelo perdão divino. No sermão de Padre Vieira, os vícios Enquanto os poetas barrocos dispunham de figuras de seriam redimidos por meio da adesão ao cristianismo. linguagem (antíteses e paradoxos) para imprimir os A questão religiosa é evocada para justificar a presença contrastes típicos do período, pintores como o italiano do sentimento de culpa. Caravaggio, autor de David Vencedor de Golias (no alto), Em toda a argumentação há um conflito: de um lado, trabalharam os mesmos conflitos com base na dualidade a ideia de culpa teria sido reforçada pela moral claro/escuro e na dramaticidade das imagens. repressora da Igreja – este é o aspecto moralizante No período neoclássico ou árcade, as contradições e dos sermão de Vieira; do outro, a religião também os excessos do Barroco são substituídos pelos ideais pode proporcionar o perdão – este é o aspecto piedoso de harmonia, suavidade e equilíbrio. Como na pintura presente no poema de Matos. Cristo Crucificado (acima), do espanhol Francisco Goya, Já no Arcadismo (veja a pág. 40), a busca por uma que explora a temática religiosa, recorrente no Barroco, existência simples, voltada para o prazer (carpe diem) mas com outra abordagem. Note as linhas serenas e livre de preocupações atenuou o sentimento de e harmoniosas de um corpo limpo, sem sangue, culpa. A preocupação com a felicidade conduziu a uma que transmitem a sensação de que a morte é dor, estética baseada na exaltação dos prazeres terrenos. não agonia. Os traços fortes e as abundantes sombras do Barroco dão lugar a um dramatismo sutil, sem emoções exageradas. [1] CARAVAGGIO/MUSEU DO PRADO [2] FRANCISCO GOYA/MUSEU DO PRADO GE PORTUGUÊS 2018 39 2 COLONIAL ARCADISMO SIMPLICIDADE A inspiração Os versos revelam a Liras condição superior do da natureza Tomás Antônio Gonzaga eu lírico (que expressa os sentimentos do autor), que não cuida de No Arcadismo (1768-1836), Lira I gado alheio, tem casa a produção poética privilegia a Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,  própria e possui bens. simplicidade e a vida no campo que viva de guardar alheio gado, Esses versos são típicos do convencionalismo de tosco trato, de expressões grosseiro, e do artificialismo O movimento árcade também pode ser dos frios gelos e dos sóis queimado. árcades, em defesa chamado de “neoclassicista”, pois retoma Tenho próprio casal e nele assisto; de uma vida pastoril elementos da tradição greco-latina. A dá-me vinho, legume, fruta, azeite; e de uma paisagem europeia (acentuada por busca de equilíbrio e de simplicidade formal das brancas ovelhinhas tiro o leite, elementos como “azeite” (por oposição ao rebuscamento barroco) ca- e mais as finas lãs, de que me visto. e “vinho”), distante da racteriza os textos que, no período iluminista, Graças, Marília bela. realidade da cidade valorizavam a razão e o aproveitamento dos Graças à minha Estrela! de Vila Rica. Apesar da prazeres terrenos. descrição de aspectos da vida burguesa, o ideal No Brasil, essa mesma mentalidade, aliada Eu vi o meu semblante numa fonte: exaltado se refere a uma a acontecimentos como a independência dos dos anos inda não está cortado; vida simples, ligada ao Estados Unidos, motiva jovens estudantes e os Pastores que habitam este monte desprezo pelos bens poetas de Vila Rica (atual Ouro Preto, em Minas respeitam o poder do meu cajado. materiais. Gerais) a promover uma nova estética na produ- Com tal destreza toco a sanfoninha, ção poética, ao mesmo tempo que organizam a que inveja até me tem o próprio Alceste: VALORIZAÇÃO DA NATUREZA Inconfidência Mineira, a fim de libertar o Brasil ao som dela concerto a voz celeste Dirceu propõe a sua do domínio português. nem canto letra, que não seja minha. amada uma ida ingênua Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), poeta (...) ao campo. O tema da que adotou as convenções pastoris e bucólicas do fuga da cidade atualiza a Arcadismo, compôs um longo poema dedicado à Lira XIII expressão clássica fugere urbem. A natureza passa amada Marília, no qual exalta a vida campestre Ornemos nossas testas com as flores.  a ser vista como o lugar e constrói uma argumentação que convida, de E façamos de feno um brando leito, ideal e privilegiado para acordo com a ideia do carpe diem (viver o dia Prendamo-nos, Marília, em laço estreito, os idílios amorosos e intensamente), a aproveitar os momentos breves Gozemos do prazer de sãos Amores.  para uma vida amena. e efêmeros da vida. Sobre as nossas cabeças, PRAZERES TERRENOS Sem que o possam deter, o tempo corre; A simplicidade e a pureza E para nós o tempo, que se passa, do comportamento  O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA Também, Marília, morre inocente dos pastores Iluminismo é a corrente de pensamento dominante Com os anos, Marília, o gosto falta, são reforçadas pela na Europa, no século XVIII (conhecido como “século E se entorpece o corpo já cansado; amenização do discurso das luzes”), e defende o predomínio da razão e da erótico, disfarçado em ciência sobre a fé, representando a visão de mundo triste o velho cordeiro está deitado, imagens bucólicas da burguesia. Os ideais iluministas foram reunidos e o leve filho sempre alegre salta. e descrições de na Enciclopédia, organizada pelos filósofos Diderot A mesma formosura travessuras infantis. e D’Alembert. Para saber mais, veja o GUIA DO (...) No entanto, por detrás ESTUDANTE HISTÓRIA. Ah! Não, minha Marília, da suposta pureza e contemplação, há o Aproveite-se o tempo, antes que faça desejo de concretização INSTANTES O estrago de roubar ao corpo as forças dos prazeres do corpo. PASSAGEIROS E ao semblante a graça. A experimentação dos prazeres materiais não www.dominiopublico.gov.br é vista sob o signo do pecado e não causa  arrependimento. PERSUASÃO A existência é O uso de uma linguagem simples, sem construções formada por instantes sintáticas sofisticadas, chama atenção para os ideais passageiros, e o tempo de simplicidade defendidos pelo movimento. deve ser aproveitado O processo persuasivo acontece sob a forma de um para desfrutar a convite – e não necessariamente de um convencimento felicidade terrena direto e explícito. (atualiza-se a expressão clássica do carpe diem). 40 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES SAIBA MAIS CANÇÃO ADJETIVOS ARGUMENTAÇÃO O adjetivo – que acompanha o substantivo, indican- Ainda que o tempo do qualidade – pode desempenhar várias funções nas os separe por dois séculos, ambos os Pelados em Santos sentenças, conforme o contexto em que está inserido. apaixonados vivem Mamonas Assassinas situações parecidas: Adjetivos indicando característica ou qualidade desejam conquistar a Mina, • A conferência internacional reuniu representantes de amada. Para isso, usam Seus cabelo é “da hora”, países pobres e de países ricos. (neste caso, pobres e técnicas argumentativas Seu corpo é um violão, ricos são adjetivos ) similares. Gonzaga quer mostrar à sua musa seus Meu docinho de coco, dotes (fazenda, gado). Tá me deixando louco. Adjetivos utilizados como substantivo Já o eu lírico de Pelados • Robin Hood roubava o dinheiro dos ricos e entregava em Santos conta com sua Minha Brasília amarela aos pobres. (as palavras destacadas funcionam como Brasília amarela Tá de portas abertas, substantivos) e alguns presentes no processo de sedução Pra mode a gente se amar, burguesa. Pelados em Santos. Adjetivos usados como advérbio Os adjetivos podem acompanhar um verbo e indicar Pois você minha “Pitxula”, as circunstâncias da ação VALORES BURGUESES A canção apresenta Me deixa legalzão, • João era um garoto tímido e baixo. (aqui, tímido e baixo valores da burguesia: Não me sinto sozinho, são adjetivos que se referem ao substantivo garoto) o conquistador tenta se Você é meu chuchuzinho! • João era um garoto tímido e falava baixo. (tímido é adjeti- passar por um integrante Music is very good! (Oxente ai, ai, ai!) vo, mas baixo torna-se um advérbio ligado à ação de falar)  dessa classe, mas termos populares (oxente) revelam sua condição: Mas comigo ela não quer se casar, Alteração de sentido em razão da colocação (antes trata-se de um sujeito Na Brasília amarela com roda gaúcha, ou depois do substantivo) pertencente às camadas Ela não quer entrar. • João será, provavelmente, um homem grande. (= alto) populares. • João será, provavelmente, um grande homem. (= virtuoso) É feijão com jabá Desgraçada num quer compartilhar Mas ela é lindia DISTINÇÃO Muitcho mais do que lindia O tênis Reebok e a Very, very beautiful calça Fiorucci, produtos importados do Paraguai, davam a distinção Você me deixa doidião necessária ao rapaz, Oh, yes! Oh, nos! assim como os produtos Meu docinho de coco “importados” (azeite (...) e vinho), produzidos na fazenda de Dirceu, em Liras. Pro Paraguai ela não quis viajar, Comprei um Reebok e uma calça Fiorucci,  ADJETIVO Ela não quer usar. Reebok é o adjetivo que acompanha o substantivo tênis, Eu não sei o que faço que está subentendido. Pra essa mulé eu conquistchar Neste caso, podemos Por que ela é lindia dizer que Reebok é um (...) adjetivo substantivado (veja outros usos do adjetivo no Saiba mais MESMA PROPOSTA ao lado). Da mesma forma que no poema árcade Marília de Dirceu, um sujeito apaixonado convida uma jovem para ir a um local afastado da cidade, propondo diversões inocentes que ocultam as reais intenções de aproveitar os prazeres sensuais da vida. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 41 2 COMO CAI NA PROVA 1. (UFRJ 2011 – ADAPTADA) b) contraposição ao litoral, na concepção dada pelos caiçaras, que identificam o sertão com a presença dos pinheiros. SONETO c) analogia à paisagem predominante no Centro-Oeste brasileiro, tal [Moraliza o poeta nos ocidentes do sol como foi encontrada pelos bandeirantes no século XVII. a inconstância dos bens do mundo] d) metáfora da cidade-metrópole, referindo-se à aridez do concreto e das construções. Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, e) generalização do ambiente rural, independentemente das Depois da Luz se segue a noite escura, características de sua vegetação. Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. RESOLUÇÃO A palavra “sertão” é uma metáfora para interior do Brasil, usada em Porém se acaba o Sol, por que nascia? contraponto à cidade ou à metrópole, caracterizada pela aridez do Se formosa a Luz é, por que não dura? concreto e das construções. Ao mencionar o material de que é feito Como a beleza assim se transfigura? o violão, o poeta não alude à vegetação típica do sertão, mas sim à Como o gosto da pena assim se fia? simplicidade do povo do interior que usa os recursos de que dispõe para desenvolver uma cultura popular representativa do meio a que Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, pertence (“meu violão/ Feito de pinheiro da mata selvagem/ Que enfeita Na formosura não se dê constância, a paisagem lá do meu sertão”). E na alegria sinta-se tristeza. Resposta: E Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza 3. UNICAMP (2012 ADAPTADA) A firmeza somente na inconstância. Há notícias que são de interesse público e há notícias que são de in- teresse do público. Se a celebridade “x” está saindo com o ator “y”, is- MATOS, Gregório. Obras Completas de Gregório de Matos. Salvador: Janaína, 1969, 7 volumes. so não tem nenhum interesse público. Mas, dependendo de quem se- jam “x” e “y”, é de enorme interesse do público (...) Todo soneto apresenta a estruturação: tese, antítese e síntese. Fernando Barros e Silva, O jornalista e o assassino. Folha de São Paulo (versão on line), 18/04/2011. Acessado em 20/12/2011. Com base nessa informação, faça o seguinte: a) Explique de que maneira a síntese do soneto de Gregório de A palavra público é empregada no texto ora como substantivo, ora Matos vincula-se ao projeto estético do Barroco. como adjetivo. Exemplifique cada um desses empregos e apresen- b) Descreva como a relação entre os sentimentos de “alegria” e te o critério que você utilizou para fazer a distinção. “tristeza” ganha novo sentido no desenrolar do soneto. RESOLUÇÃO RESOLUÇÃO Em “Há notícias que são de interesse público (...)”, a palavra público a) A síntese do soneto (“A firmeza somente na inconstância”) relaciona-se tem função de adjetivo, uma vez que qualifica o substantivo ao projeto estético do Barroco pela problematização de uma ques- interesse. Já em “(...) há notícias que são de interesse do público”, tão central: conciliar o inconciliável, ou seja, aproximar concepções a palavra público aparece como substantivo e nomeia povo, grupo antagônicas como, por exemplo, tristeza/alegria e luz/sombra, o que de pessoas. caracteriza o típico conflito barroco. b) A concepção mais comum de que a alegria é inviabilizada por contínuas tristezas é reconstruída, ou seja, alegria e tristeza podem coexistir (“E na alegria sinta-se tristeza”). 4. (IFBA 2016) 2. (FUVEST 2013 ADAPTADA) São Paulo gigante, torrão adorado Estou abraçado com meu violão Feito de pinheiro da mata selvagem Que enfeita a paisagem lá do meu sertão Tonico e Tinoco, São Paulo Gigante. Nos versos da canção dos paulistas Tonico e Tinoco, o termo “ser- Analise a imagem acima e identifique a figura de linguagem em evi- tão” deve ser compreendido como dência no título da manchete. a) descritivo da paisagem e da vegetação típicas do sertão existente a) Metáfora. b) Hipérbole. c) Hipérbato. na Região Nordeste do país. d) Metonímia. e) Pleonasmo. 42 GE PORTUGUÊS 2018 RESUMO RESOLUÇÃO Literatura Colonial Na capa do jornal foi usado o nome da localidade (Rio de Janeiro) para se referir aos profissionais do estado ou da cidade. Ou seja, não é o Rio QUINHENTISMO (1500-1601) Período que abrange as pri- de Janeiro quem investiga, mas sim os profissionais que lá moram. meiras manifestações literárias produzidas no Brasil, à época O uso de um termo (localidade) para tratar do sentido de outro (pessoas de seu descobrimento. Inclui a literatura de informação – os que lá moram) é característico da figura de linguagem metonímia. relatos dos viajantes europeus, como a carta de Pero Vaz de Resposta: D Caminha ao Rei dom Manuel – e os textos dos missionários jesuítas, como os do padre José de Anchieta, para a evange- lização dos indígenas. 5. (UERJ 2016 ADAPTADA) TERRORISMO LÓGICO BARROCO (1601-1768) A literatura usa a linguagem de ma- O terrorismo é duplamente obscurantista: primeiro no atentado, de- neira rebuscada, empregando figuras de linguagem (como a pois nas reações que desencadeia. Said e Chérif Kouachi eram descen- antítese e os paradoxos) que reforçam os conflitos morais (o dentes de imigrantes. Said e Chérif Kouachi são suspeitos do ataque ao sagrado versus o profano, por exemplo) vividos pelo homem jornal Charlie Hebdo, na França. Se não houvesse imigrantes na Fran- da época. O poeta Gregório de Matos e o padre Antônio Vieira ça, não teria havido ataque ao Charlie Hebdo. Said e Chérif Kouachi, são os dois grandes nomes do período. suspeitos do ataque ao jornal Charlie Hebdo, eram filhos de argelinos. Zinedine Zidane é filho de argelinos. Zinedine Zidane é terrorista. Said ARCADISMO (1768-1836) Os poetas buscam a harmonia e Chérif Kouachi, suspeitos do ataque ao jornal Charlie Hebdo, eram fi- com a natureza e exaltam as belezas do campo. Alguns criam lhos de argelinos. Said e Chérif Kouachi sabiam jogar futebol. Muçulma- pseudônimos, assumindo personalidade de antigos pastores nos são uma minoria na França. Membros de uma minoria são suspei- gregos. Destacam-se Tomás Antônio Gonzaga, com as Liras tos do ataque terrorista. Olha aí no que dá defender minoria... A esquer- de Marília de Dirceu, e Claudio Manuel da Costa, que tiveram da francesa defende minorias. Membros de uma minoria são suspeitos participação na Inconfidência Mineira. pelo ataque terrorista. A esquerda francesa é culpada pelo ataque terro- rista. A extrema direita francesa demoniza os imigrantes. O ataque ter- GRAMÁTICA E INTERPRETAÇÃO rorista fortalece a extrema direita francesa. A extrema direita francesa • Figuras de linguagem É o uso de determinadas palavras ou está por trás do ataque terrorista. Marine Le Pen é a líder da extrema di- expressões com sentido diferente do usual com o objetivo de reita francesa. “Le Pen” é “O Caneta”, se tomarmos o artigo em francês enfatizar uma ideia. As principais são a metáfora (Ex: Aquele e o substantivo em inglês. Eis aí uma demonstração de apoio da extre- ator é um gato), que aproxima elementos que têm caracte- ma direita francesa à liberdade de expressão (...). Numa democracia, é rísticas semelhantes; e a metonímia (Ex: Eu li Machado de desejável que as pessoas sejam livres para se expressar. Algumas dessas Assis), que, no caso, substitui o autor pela obra. expressões podem ofender indivíduos ou grupos. Numa democracia, é desejável que indivíduos ou grupos sejam ofendidos. Os terroristas que • Paralelismo São construções que apresentam a mesma atacaram o jornal Charlie Hebdo usavam gorros pretos. “Black blocs” estrutura. Exemplo de mesma estrutura gramatical é: Eu a usam gorros pretos. “Black blocs” são terroristas. Todo abacate é verde. amo, pois você é linda (os pronomes “a” e “você” referem-se O Incrível Hulk é verde. O Incrível Hulk é um abacate. à mesma pessoa, a 3ª do singular). Antonio Prata. Adaptado de Folha de S.Paulo, 11/01/2015. • Relações lógicas As frases podem ser articuladas por Antonio Prata construiu uma série de variações do argumento tí- mecanismos lógicos: pico do método dedutivo, conhecido como “silogismo” e normal- Pressuposição Circunstância ou fato considerado como mente organizado na forma de três sentenças em sequência. antecedente necessário a outro. A organização do silogismo sintetiza a estrutura do próprio méto- Ideia implícita É aquilo que se imagina ter em mente, do dedutivo, que se encontra melhor apresentada em: porém não está expresso. a) premissa geral – premissa particular – conclusão Dedução Parte de dados gerais para tratar de dados par- b) premissa particular – premissa geral – conclusão ticulares. c) premissa geral – segunda premissa geral – conclusão particular Indução Parte de um caso particular para chegar a uma d) premissa particular – segunda premissa particular – conclusão geral afirmação geral. RESOLUÇÃO • Adjetivos O adjetivo pode desempenhar várias funções nas Uma das relações lógicas possíveis é a dedução. Seu método parte sentenças, segundo o contexto em que ele está inserido, tais sempre do aspecto geral para um aspecto particular. No silogismo, como: indicar característica ou qualidade do substantivo, esse caminho se realiza da premissa geral para a premissa particular ser empregado como substantivo ou advérbio e alterar o e leva a uma conclusão. No entanto, a confusão reside no fato de que sentido do substantivo em razão de sua colocação (antes a simples associação de dois aspectos incomuns entre pessoas ou ou depois do substantivo). situações não procede. Resposta: A GE PORTUGUÊS 2018 43 3 LITERATURA DO ROMANTISMO CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO  Interpretando: intertextualidade ..............................................................46  1ª geração romântica......................................................................................48  2ª geração romântica......................................................................................54  3ª geração romântica......................................................................................56  Como cai na prova + Resumo .......................................................................60 Índios sob ameaça Governo tenta mudar o sistema de demarcação de terras indígenas, mas é obrigado a recuar depois da repercussão negativa provocada pela medida O Brasil conta atualmente com 562 terras áreas exclusivas para os índios. “Trata-se de criar indígenas, concentradas principalmente uma comissão para burocratizar a demarcação. É na região amazônica. Em diferentes está- um passo a mais para travar o processo”, disse na gios de regularização, essas áreas abrigam 58% dos ocasião o jurista e ex-presidente da Funai Carlos quase 900 mil índios brasileiros. A demarcação Frederico Marés. Pressionado, o governo voltou de terras exclusivas para ocupação indígena é atrás e, em menos de 48 horas, revogou a portaria. apontada por especialistas como um dos principais Dois meses depois, a causa indígena sofreu outro fatores para o aumento da população de índios nas abalo. Poucos dias após assumir o Ministério da últimas décadas. Entre 1991 e 2010, o crescimento Justiça, o deputado Osmar Serraglio, ligado ao demográfico foi de 205%, segundo dados do Insti- agronegócio, minimizou a importância de criação tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). de novas áreas indígenas. Para ele, essas terras No início de 2017, uma polêmica envolveu a “não enchem a barriga de ninguém”. O secretário- demarcação dessas terras. O Ministério da Justiça executivo do Conselho Indigenista Missionário, baixou uma portaria criando um Grupo Técnico Cleber César Buzatto, rebateu: “Para o índio, a Especializado (GTE) para acompanhar o proces- terra é um elemento central. Ela não só enche a so de demarcação. Até então, a responsabilidade barriga, mas enche também o sentido da vida”. pela criação de novas áreas era exclusiva da Durante o período do Romantismo no Bra- Fundação Nacional do Índio (Funai). Após fazer sil (1836-1881), a figura do índio foi elemento a devida análise, bastava ao órgão encaminhar o central. Em busca da relatório de demarcação para o aval do ministro criação de uma iden- da Justiça e do presidente da República. Segundo tidade brasileira, au- CURUMINS a nova portaria, caberia ao GTE avaliar a decisão tores como Gonçalves Crianças indígenas no da Funai antes de passá-la adiante. Dias e José de Alencar espelho d’água do Palácio A medida desagradou lideranças indígenas e encontram nos povos do Planalto, em Brasília, em ONGs de apoio à causa. A portaria, segundo eles, indígenas o herói na- 22 de novembro de 2016; na dificultaria a demarcação de novas terras e, no cional, a figura corres- data houve manifestação fundo, atenderia aos interesses de grandes lati- pondente ao cavaleiro de povos indígenas contra fundiários, historicamente contrários à criação de medieval europeu. medidas do governo 44 GE PORTUGUÊS 2018 EVARISTO SA/AFP GE PORTUGUÊS 2018 45 3 ROMANTISMO INTERPRETANDO Conversa afiada A Um texto lém do Nacionalismo (e do Indianismo, universal, o que configura, de alguma forma, um pode dialogar no caso do Brasil), a subjetividade e a ex- processo de diálogo entre textos. com outro ao pressão dos sentimentos são outras fortes O artigo abaixo, do escritor e jornalista Xico Sá, apropriar-se de características do Romantismo. Os autores desse publicado em dezembro de 2015 no site brasileiro período funcionavam como conselheiros amo- do jornal El País, trabalha tanto com a temática do sua estrutura ou rosos, e suas obras serviam como apoio para que Romantismo, ao oferecer conselhos amorosos a ideias. Perceber leitores tomassem decisões sentimentais baseadas uma leitora, como com a própria intertextualidade. essas relações é nas aventuras vividas pelas heroínas românticas. O colunista usa alusões e citações para tratar das fundamental para Muitas histórias do Romantismo brasileiro desventuras amorosas da moça e mostra que elas compreender o eram releituras de outros enlaces amorosos também estão contadas nas obras literárias e nas seu sentido vividos por personagens clássicos da literatura canções populares, sobretudo de Chico Buarque. PARÓDIA O que Só Carolina Não Viu FUNÇÃO POÉTICA  O título parodia a famosa E ALUSÃO canção Carolina, de Xico Sá O autor se refere à APONTE O CELULAR PARA AS Chico Buarque (“O tempo passagem do tempo PÁGINAS E VEJA UMA VIDEOAULA SOBRE INTERTEXTUALIDADE passou na janela/ só Carolina sabia que o seu amor estava por um de forma figurada. (MAIS INFORMAÇÕES NA PÁG. 6) Carolina não viu”). fio, mas Carolina nem em pesadelo imaginava que Estabelece uma relação Ele se refere ao desejo entre mudar a folha do da destinatária da carta o fim seria agora, nas cinzas desse 2015 que teima calendário e mudar de de não perceber que sua em não desfolhar de vez o calendário. Carol não  fato o tempo ou, até história amorosa acabou. sabia que os barracos natalinos são fatais – muita mesmo, sua história gente sai para comprar a ceia e não acerta mais o amorosa. IRONIA caminho de volta. Foi o caso. Há ironia no uso do advérbio “só”: todo Carolina não havia lido as frias estatísticas sobre METALINGUAGEM mundo percebeu o aumento do número de divórcios na virada de ano. Ao se colocar como um o fim do romance, Carolina não viu e nem leu nos olhos do moço os si- conselheiro sentimental exceto Carolina, moça nais de fraqueza e desistência. Todo homem anuncia, e fazer referência a esse sonhadora como as nas entrelinhas dos vacilos, o apocalipse. Carolina tipo de procedimento, heroínas românticas. não viu que ele andava frio na cama, acreditou nas o autor estabelece uma relação metalinguística desculpas não solicitadas do cansaço, do stress no (pois é usado o próprio VARIAÇÃO LINGUÍSTICA O colunista alude a emprego, da carga pesada do trabalho e os dias. código – a linguagem – um prato típico da O amor estava por um fio... como o assunto que está cozinha asiática (rolinho Carolina sempre escreveu a este cronista e consul-  sendo tratado). primavera) e o relaciona tor sentimental em momentos delicados. Desde o seu a histórias amorosas que, primeiro rolinho primavera amoroso, ainda em INTERTEXTUALIDADE  na expressão popular, E POLÍTICA são chamadas de “rolo”. 2000. Ela completara seus 15, pelo que me lembro. O autor faz referência ao Carolina sabe pouca coisa a essa altura. Uma fato de Chico Buarque IRONIA delas é que seu batismo, como o de milhares de ter sido hostilizado por A ironia está na moças parecidas, pode ter sido inspirado na canção simpatizantes da direita descaracterização da relação como algo sério homônima do Chico. Carolina até transa política, por ter sua imagem associada à esquerda. (ao ser chamado de mas não agora. Carolina, para se ter ideia do alhe-  “Tempo da delicadeza” é “rolinho”) e na ilusão de amento do mundo, nem comentou sobre o cerco um verso da música Todo promessa amorosa com fascista ao xará nesse tempo da indelicadeza. Nada Sentimento, do cantor. “primavera” (conhecida disse sobre o assunto. como a estação do amor). “Onde queres Leblon, sou Pernambuco”, provo-  ANTÍTESE DIMINUTIVO quei Carolina, recifense que hoje habita a cidade Referência à canção O diminutivo “rolinho” O Quereres, de Caetano de São Paulo. Veloso, que mostra torna a relação menos Mulher de 30 anos, C. confessa que nunca viu o uma relação antitética séria ainda do que “rolo”. É muito comum o uso amor vingar de fato. Contesto. O amor não precisa (um bairro rico, Leblon, do diminutivo com ser eterno. Tento ativar a memória da moça, bloque- versus uma região pobre, sentido pejorativo. Pernambuco). ! 46 GE PORTUGUÊS 2018 ada a essa altura. Relembro para ela os namoros e INTERTEXTUALIDADE rolos que deixaram algumas marcas – as cartas en- E LITERATURA viadas a este conselheiro são provas. Nada, porém, A desilusão de Carolina é associada aos dramas conforta a moça neste fiapo de infeliz ano velho.  típicos das heroínas Carolina namorava havia quase dois anos. O tipo românticas. Não faltam de namoro que demorou para incendiar as horas e menções à literatura: que ainda não havia chegado naquele estágio de “to- Mulher de Trinta Anos, dos los fuegos, el fuego”. Que vacilão esse cara, oito de Balzac, Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, anos a mais do que ela. Que vacilão, meu Deus, tudo e Todos os Fogos o Fogo, lindamente planejado por ela, incluindo o Réveillon de Julio Cortázar. na praia de Carneiros, litoral sul pernambucano. O cara simplesmente desapareceu, como na  METÁFORA lenda do homem que sai para comprar cigarros. Sair para comprar O king size sem filtro do abandono. Sem deixar cigarros (e não voltar) é uma metáfora para pelo menos um bilhete na porta, como no samba abandono. O autor cita do Arnesto. Um fumegante chá de sumiço.  um tipo de cigarro que Sim, está vivíssimo. Não foi vítima de nenhuma se vendia antigamente, violência urbana. Carolina, cujos olhos guardam sem filtro e mais forte – tanta dor, viu apenas os passos do desalmado nas como a dor de quem é abandonado. A fluidez redes sociais. Em uma daquelas festas de confra- da fumaça (fumegante ternização de amigos. Sorriso cínico abraçando a chá), que rapidamente se chefe do seu departamento na firma. esvai, reforça a ideia de Sim, haviam brigado. Desentendimento de ro- sumiço e de abandono. tina, aquelas rusgas tão comuns no final do ano dos casais. Carolina não sabia é que ele seria tão menino ao ponto de cair fora. Tempo de homens CITAÇÃO E METÁFORA SAIBA MAIS vacilões, tento de novo confortá-la. Não lhe merece Mais uma citação a Chico Buarque. Desta vez, a etc. Palavras de consolação ao vento. canção Folhetim. Note as RELAÇÕES ENTRE TEXTOS metáforas “tenta mudar A intertextualidade é o diálogo estabelecido entre Folhetim de personagem” e “vire um ou mais textos. Ela ocorre toda vez que um texto se Ah, Carolina, tenta mudar de personagem entre as  essa página” para que apropria de outro, no nível da composição da frase ou da mulheres das canções de Chico. Aconselho. Que tal ela busque uma nova ideia (veja exemplos no texto de Xico Sá). Nesse caso, um vida ou um novo amor. fazer como aquela fêmea madura e bem-resolvida, Outra canção do autor deseja, conscientemente, referir-se a outro texto, a que diz mais ou menos assim: “...E já não vales compositor também é escrito em outro momento, por outro autor (ou até por nada, és página virada descartada do meu folhetim”. citada (Mil Perdões), ele mesmo). Geralmente, os textos fontes (retomados) Vira essa página, Carolina. Sei que não é fácil, no último parágrafo. são aqueles de referência, considerados fundamentais mas o que posso dizer a essa altura? INTERTEXTUALIDADE em uma determinada cultura. Daí a importância de ter Como toda mulher revoltada, Carolina, pega E CANÇÕES POPULARES um bom repertório cultural, para reconhecer e identifi- o primeiro que encontrar pela frente, aquele ho- Mais referências a car uma relação intertextual. A intertextualidade pode mem que bebe na calçada da tua esquina. Quem canções populares: ocorrer afirmando as mesmas ideias da obra citada ou dera fosse assim tão simples, não é, minha amada Samba do Arnesto, em contestando-as. Há duas formas básicas: a paráfrase que o anfitrião some sem leitora? Ah, mata esse infeliz-das-costas-ocas, a avisar, e Ronda (“cenas e a paródia. punhaladas, nem que dê primeira página, cenas  de sangue num bar”), Paráfrase: É dizer com outras palavras o que já foi de sangue num bar da Vila Madalena. Pelo menos sobre uma apaixonada dito. Na paráfrase, o texto é reescrito, porém a ideia agora ela riu da minha proposta maluca. Rimos. que ronda a cidade em é confirmada pela nova transcrição. busca de seu amado. Vida, teu nome é tragicomédia. Paródia: Ao alterar o sentido do texto original, a pa- Ah, Carolina, escuta o Chico, o Roberto das an-  ENUMERAÇÃO ródia faz uma transposição de contexto e, frequente- tigas, o Leonard Cohen, a tua estimada Cat Power, E DOR DE COTOVELO mente, provoca um efeito de humor (veja exemplos Waldick. Vanusa... Enche a cara com um brega... O autor enumera nas páginas 51, 96 e 99). diversos cantores E fica o mantra: quando a vida dói/ drinque caubói”. populares que tratam das Atenção: não confunda intertextualidade com a cita- Mil perdões, Carolina, realmente não é uma dores de amor, como a ção pela simples citação (Isso me lembra um samba missão fácil de aconselhamento. Fica o meu afeto de Carolina, conhecidas antigo: “Tristeza não tem fim/Felicidade sim”). Neste e conte sempre com o ombro do cronista. Mais popularmente por “dor exemplo, não há apropriação da frase ou da ideia, sorte no amor em 2016. Beijos. de cotovelo”. apenas uma referência isolada. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 47 3 ROMANTISMO PRIMEIRA GERAÇÃO Sob o domínio Escrito em prosa poética, o romance indianista Iracema (1865) traça uma espécie de mito de fundação da da emoção identidade brasileira ao mostrar a história de amor entre o colonizador Martim e a índia dos lábios de mel. A valorização do indivíduo e da subjetividade no Romantismo (1836-1881) Iracema HERÓI NACIONAL O Romantismo está diretamente relacionado José de Alencar Iracema representa à consolidação do mundo burguês. o herói brasileiro por Com a ascensão da burguesia, as regras Além, muito além daquela serra, que ainda  excelência. O início do romance apresenta uma de composição clássicas são substituídas pela azula no horizonte, nasceu Iracema. índia nascida no Brasil liberdade formal; a justa medida equilibrada Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha e integrada com o meio cede espaço aos exageros dos sentimentos; a os cabelos mais negros que a asa da graúna e natural e os elementos objetividade é posta de lado em favor da sub- mais longos que seu talhe de palmeira. tropicais. A cor local e a jetividade romântica. O individualismo e o O favo da jati não era doce como seu sorriso; natureza brasileira são valorizadas pelo narrador. sentimentalismo são elementos centrais desse nem a baunilha recendia no bosque como seu há- movimento literário. lito perfumado.  COMPARAÇÃO Mais rápida que a ema selvagem, a morena Os traços próprios Primeira geração romântica: prosa virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde  da personagem são José de Alencar (1829-1877) é o principal campeava sua guerreira tribo da grande nação descritos por meio de comparações com representante da primeira vertente do Ro- tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava  elementos da natureza, mantismo brasileiro, também chamada de apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as a fim de explicitar a Indianismo. A preocupação central dos au- primeiras águas. identificação de Iracema tores desse período é a definição da identi- Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um com a terra brasileira. As dade nacional brasileira, tempos após a pro- claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra relações de comparação aproximam elementos clamação da independência (1822). Nesse da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noi- com características contexto, a valorização da figura indígena te. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores semelhantes, por meio de (considerada o herói nacional) e a exaltação sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem estruturas comparativas dos elementos típicos da cultura local (e tam- os pássaros ameigavam o canto. (“como”, “tal como”). bém da natureza brasileira) são recorrentes nos Iracema saiu do banho; o aljôfar d’água ain- Note, também, a construção idealizada textos literários. da a roreja, como à doce mangaba que corou em da personagem, feita manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma por meio da exaltação das penas do gará as flechas de seu arco, e con- de atributos físicos,  O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA certa com o sabiá da mata, pousado no galho com base em elementos A Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra na próximo, o canto agreste. naturais. segunda metade do século XVIII, e a Revolução A graciosa ará, sua companheira e amiga, brin- Francesa, em 1789, significaram a ascensão da burguesia e a decadência do Antigo Regime ca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore TEMPOS VERBAIS (caracterizado pelo poder concentrado nas mãos e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe Em textos narrativos, do rei e pelo mercantilismo). Essas duas revoluções o uru de palha matizada, onde traz a selvagem geralmente há o emprego contribuíram, respectivamente, para a consolidação seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas de verbos no pretérito do capitalismo e para o fim do absolutismo. Para da juçara com que tece a renda, e as tintas de que imperfeito (“corria”, saber mais, veja o GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA. “campeava” etc.) ao fazer matiza o algodão. descrições e relatar ações Rumor suspeito quebra a doce harmonia da habituais no passado. sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não des- No momento específico lumbra; sua vista perturba-se. que dá início à narrativa emprega-se o pretérito ! perfeito, usado para indicar ações concluídas em um momento passado (“Iracema saiu TIPOS TEXTUAIS do banho”). A partir de O fragmento articula dois tipos textuais básicos: o então, desenrola-se uma narrativo e o descritivo. Para configurar a personagem cena trazida para perto principal (Iracema) em relação ao espaço (a paisagem do leitor por meio do brasileira), integram-se aspectos de ordem física emprego de verbos no às ações da protagonista, de maneira a combinar presente do indicativo elementos estáticos e dinâmicos. (“roreja”, “repousa” etc.). 48 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS OLHAR NACIONALISTA Em Mayombe (1980), o escritor angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido como Pepe- tela, cria um painel do país no início dos anos 1970, período da guerra de independência dessa ex-colônia portuguesa. No centro da narrativa está o comandante Sem Medo, líder guerrilheiro do Movimento Popular de CAPÍTULO 2 Libertação de Angola (MPLA), que se refugia na floresta Diante dela e todo a contemplá-la está um Mayombe. Ao longo da trama percebem-se os desafios guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum enfrentados pelos revolucionários para a libertação mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco do país e para a implantação do socialismo, em meio a das areias que bordam o mar; nos olhos o azul rivalidades de tribos e casos de racismo e de corrupção triste das águas profundas. Ignotas armas e teci- entre aqueles que lutavam pela independência. dos ignotos cobrem-lhe o corpo. Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de san- DESSACRALIZAÇÃO  Mayombe gue borbulham na face do desconhecido. DO HERÓI Pepetela Podemos associar De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a Mayombe ao movimento cruz da espada; mas logo sorriu. (...) romântico devido ao (...) caráter nacionalista e - Vocês ganham vinte escudos por dia para CAPÍTULO 22 por narrar uma epopeia abaterem as árvores a machado, marcharem, (...) de guerra em meio a marcharem, carregarem pesos. O motorista ga- tribos e colonizadores. A cabana do velho guerreiro estava junto das Mas, diferentemente nha cinqüenta escudos por dia, por trabalhar formosas cascatas, onde salta o peixe no meio dos românticos, não se com a serra. Mas quantas árvores abate por dia dos borbotões de espuma. As águas ali são fres- encontra em Mayombe vossa equipa? Umas trinta. E quanto ganha o pa- cas e macias, como a brisa do mar, que passa en- heróis idealizados, ao trão por cada árvore? Um dinheirão. O que é que tre as palmas dos coqueiros, nas horas da calma. contrário, vê-se na obra a o patrão faz para ganhar esse dinheiro? Nada, dessacralização do herói Batuireté estava sentado sobre uma das lapas (veja também Identidade nada. Mas é ele que ganha. E o machado com da cascata; o sol ardente caía sobre sua cabeça, Nacional e inovação na que vocês trabalham nem sequer é dele. É vosso, nua de cabelos e cheia de rugas como o jenipapo linguagem, na pág. 111). que o compram na cantina por setenta escudos. Assim dorme o jaburu na borda do lago. E a catana é dele? Não, vocês compram-na por —Poti é chegado à cabana do grande Maran- cinqüenta escudos. Quer dizer, nem os instru- guab, pai de Jatobá, e trouxe seu irmão branco METONÍMIA mentos com que vocês trabalham pertencem ao para ver o maior guerreiro das nações. Note a figura de patrão. Vocês são obrigados a comprá-los, são linguagem em que a O velho soabriu as pesadas pálpebras, e pas- descontados do vosso salário no fim do mês. As causa (suor) é usada sou do neto ao estrangeiro um olhar baço. Depois no lugar do efeito árvores são do patrão? Não. São vossas, são nos- o peito arquejou e os lábios murmuraram: (dinheiro, salário ou sas, porque estão na terra angolana. Os macha- — Tupã quis que estes olhos vissem antes de produto do trabalho). dos e as catanas são do patrão? Não, são vossos.  se apagarem, o gavião branco junto da narceja.  O suor do trabalho é do patrão? Não, é vosso, O abaetê derrubou a fronte aos peitos, e não VISÃO CRÍTICA pois são vocês que trabalham. Então, como é que falou mais, nem mais se moveu. Mayombe também ele ganha muitos contos por dia e a vocês dá vin- não apresenta Poti e Martim julgaram que ele dormia e se visão idealizada te escudos? Com que direito? Isso é exploração afastaram com respeito para não perturbar o re- do conquistador e  colonialista. O que trabalha está a arranjar pouso de quem tanto obrara na longa vida. critica de forma clara riqueza para o estrangeiro, que não trabalha. (...) o colonialismo e a O patrão tem a força do lado dele, tem o exército, Ática, 2009 exploração dos povos. a polícia, a administração. É com essa força que  ele vos obriga a trabalhar, para ele enriquecer.(...) METÁFORA E CRÍTICA Martim é o “gavião branco”, ave de rapina que FIGURA DO COLONIZADOR representa o colonizador, o predador que vai devorar Pode-se perceber alguma conexão com a fala de a “narceja”, ave menor e frágil, metáfora para Iracema Batuireté, de Iracema, que se opunha à aproximação e para os índios. Alencar sugere, na fala do chefe entre o homem branco e os índios, porque temia que Batuireté, que o encontro entre o colonizador português estes fossem explorados ou devorados pelo “gavião com os índios não trouxe bons resultados para estes. branco” (o colonizador). © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 49 3 ROMANTISMO PRIMEIRA GERAÇÃO Publicado em Primeiros Cantos (1847), este é um dos mais célebres poemas da literatura brasileira e também Primeira geração romântica: poesia um dos mais parodiados (veja ao lado). Tipicamente Gonçalves Dias (1823-1864) é o principal nome romântico, um eu lírico (aquele que expressa os da poesia na primeira fase do Romantismo. sentimentos do autor), distante da pátria brasileira, A identificação do índio como um herói nacional evoca com saudosismo os aspectos genuínos do Brasil. idealizado e a exuberância da natureza brasileira também são frequentes em seus poemas. Além disso, pode-se observar o forte teor sentimenta- lista típico em poetas românticos que retratam VALORIZAÇÃO quadros dolorosos de amor e de sofrimento. Canção do Exílio DO BRASIL Na poesia de Gonçalves Dias nota-se a reto- Gonçalves Dias Note a presença de uma mada do estilo tradicional desenvolvido pelos valorização idealizada da terra natal: poetas medievais e clássicos, sobretudo a mu- Minha terra tem palmeiras, o autor está no exílio sicalidade, o ritmo e a escrita equilibrada com Onde canta o Sabiá; (o afastamento espacial formas rígidas, pouco usuais na poesia român- As aves, que aqui gorjeiam, é um traço romântico). tica. Entre suas obras estão Primeiros Cantos, Não gorjeiam como lá. Distante da pátria, Os Timbiras e Últimos Cantos (com destaque todas as lembranças da natureza brasileira são para o poema I-Juca Pirama). Nosso céu tem mais estrelas, supervalorizadas. Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida,  INTERTEXTUALIDADE Nossa vida mais amores. Por meio de uma relação intertextual, os versos de exaltação à pátria Em cismar, sozinho, à noite, reaparecem na letra do Mais prazer encontro eu lá; Hino Nacional, de Osório Minha terra tem palmeiras, Duque Estrada. Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores,  PRONOMES POSSESSIVOS  Que tais não encontro eu cá; Ajudam a estabelecer relações Em cismar, sozinho, à noite, com a pátria: com “minha terra”, o autor explicita  Mais prazer eu encontro lá; a ligação com seu país. Minha terra tem palmeiras, A repetição das flexões do Onde canta o Sabiá. pronome “nosso” amplia a relação de posse: a natureza Não permita Deus que eu morra, brasileira é tratada como patrimônio coletivo do povo. Sem que eu volte para lá; Sem que disfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. ADVÉRBIOS O exílio, no qual o poeta se sente incompleto, é indicado pelo marcador “aqui”. A terra natal distante é designada pelo marcador “lá”. A separação entre o autor e a pátria assinala o desejo do “eu” romântico de conectar-se de novo com o mundo natural de seu país de origem. Repare ainda no emprego do advérbio de intensidade “mais” para [1] demarcar a superioridade da natureza brasileira. Trata-se de uma concepção idealizada dos elementos naturais da terra natal, segundo a visão romântica. 50 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS CONEXÕES ROMANTISMO E MODERNISMO QUADRINHOS Entre as diversas releituras do poema de Gonçalves Dias estão as dos poetas modernistas Murilo Mendes e José Paulo Paes. Canção do Exílio Murilo Mendes Minha terra tem macieiras da Califórnia [2] onde cantam gaturamos de Veneza. VARIANTE LINGUÍSTICA O personagem Papa-Capim é o membro da Turma  Os poetas da minha terra E IRONIA da Mônica que representa os povos indígenas. Na são pretos que vivem em torres de ametista, A variante linguística tira acima, ele e um amigo conversam enquanto popular “sururu” foi caminham pela floresta. Papa-Capim apresenta dados os sargentos do exército são monistas, cubistas, empregada no lugar sobre a cultura indígena – em um reflexo da prática de de confusão para transmissão de conhecimentos por meio da oralidade. caracterizar nossa Assim como em Iracema, os elementos ligados ao os filósofos são polacos vendendo prestações. universo dos índios mantêm relação com a natureza nacionalidade. A ironia A gente não pode dormir reside no contraste local: Papa-Capim ensina os vocábulos usados para com os oradores e os pernilongos. da citação. Gioconda, designar elementos como “Lua” (Jaci) e “cobra” Os sururus em família têm por testemunha representativa da pintura (m’boi). a Gioconda. clássica, imortalizada como “Mona Lisa”, O efeito de humor, no fim da tira, não gera um riso Eu morro sufocado alegre, apesar da presença de ironia. O índio mais símbolo de bom gosto em terra estrangeira. e de refinamento, novo pergunta a Papa-Capim como os adultos da Nossas flores são mais bonitas presencia a confusão. tribo designariam um conjunto de árvores cortadas. nossas frutas mais gostosas Papa-Capim associa a cena a uma palavra em mas custam cem mil réis a dúzia. português (“progresso”). A intenção do quadrinista é IRONIA E conscientizar o leitor para os problemas ambientais. SÍMBOLO NACIONAL Ao mesmo tempo, a visão que se tem dos indígenas Ai quem me dera chupar uma carambola de A referência irônica ainda está associada ao Romantismo: eles são verdade e ouvir um sabiá com certidão de idade! é à nossa falta de representados como amigos da natureza, em autenticidade, ao oposição aos abusos cometidos pelo homem branco. reivindicar frutas e PARÓDIA pássaros nacionais É estabelecida, intencionalmente, uma relação e legítimos. intertextual com o poema original. Trata-se de uma CANÇÃO paródia: a estrutura é mantida, mas o conteúdo e a intencionalidade são alterados. Há um efeito de humor COLONIZAÇÃO e uma reflexão crítica sobre a realidade brasileira. Índios Na canção Índios, Renato Russo de Renato Russo, INTERTEXTUALIDADE estão presentes Os versos não exaltam a pátria e elogiam elementos Quem me dera alguns aspectos que, ironicamente, não são encontrados aqui. característicos ao menos uma vez da relação Ter de volta todo o ouro estabelecida entre Canção do Exílio Facilitada PARÓDIA que entreguei a quem os colonizadores José Paulo Paes Nesta outra paródia, Conseguiu me convencer europeus e as encontramos um resumo tribos indígenas bem-humorado, bem que era prova de amizade que habitavam a lá? no estilo modernista, Se alguém levasse embora costa do Brasil. A ah! das ideias centrais do até o que eu não tinha. ambição desmedida sabiá… poema original. O “lá? [...] dos portugueses é papá… ah!” representa o Brasil Que o mais simples convertida em uma idealizado com seus crítica às diversas maná… fosse visto como símbolos nacionais e de formas de interesse sofá… afeto (sabiá, sinhá etc.) o mais importante e oportunismo sinhá… que se contrapõe ao Mas nos deram espelhos que, muitas vezes, cá? incômodo de viver em E vimos um mundo doente. caracterizam as bah! terra distante (“cá? bah!”). [...] relações humanas. © TEREZA BETTINARDI [2] MAURICIO DE SOUSA EDITORA LTDA GE PORTUGUÊS 2018 51 3 ROMANTISMO PRIMEIRA GERAÇÃO A história de Til (1872) se passa em uma fazenda Romance regionalista do interior paulista. A protagonista Berta, também Autor emblemático do Romantismo brasi- chamada de Til, encarna a heroína virtuosa e capaz de leiro, José de Alencar produziu sua obra de interagir com os elementos naturais. A obra valoriza a acordo com um projeto: o de adaptar a forma natureza e o eterno conflito entre o bem e o mal. do romance europeu à realidade brasileira. Para alcançar esse objetivo, Alencar privilegiou te- mas e cenários nacionais, em um mapeamento REGIONALISMO completo do Brasil nas páginas da ficção. Uma Os escritores românticos das maiores contribuições desse autor foi tentar Til valorizam a natureza local e exploram as definir a identidade coletiva do país por meio José de Alencar imagens ligadas à da representação de elementos considerados nacionalidade. José tipicamente brasileiros, ligados à fauna, à flora Capítulo IV de Alencar combina e às tradições populares de diferentes regiões. Cerca de uma légua abaixo da confluência do a descrição de O romance Til ilustra bem as intenções literá- Atibaia com o Piracicaba, e à margem deste últi- paisagens naturais com a apresentação de rias de Alencar. Considerado exemplo de obra mo rio, estava situada a fazenda das Palmas. informações históricas regionalista, o livro registra costumes e modos Ficava no seio de uma bela floresta virgem, por-  sobre a região. de vida característicos de uma localidade do ventura a mais vasta e frondosa, das que então Brasil afastada dos grandes centros urbanos. contava a província de São Paulo, e foram con- INFORMAÇÕES vertidas a ferro e fogo em campos de cultura. (...) HISTÓRICAS Daí partiam pelo caminho d’água as expedições  O autor, ao retratar os costumes e a tradição que os arrojados paulistas levavam às regiões des- do interior paulista, conhecidas do Cuiabá, descortinando o deserto, e recupera a figura dos HEROÍNA ROMÂNTICA rasgando as entranhas da terra virgem, para ar- bandeirantes, vistos A protagonista Berta rancar-lhe as fezes, que o mundo chama ouro (...) neste trecho como é a típica heroína Capítulo XII desbravadores do território nacional, romântica, idealizada.  De Berta, que direi? Com todos brincava; a to- em busca de ouro. Ela representa o polo da dos queria bem, e sabia repartir-se de modo que bondade e da pureza no romance. dava a cada um seu quinhão de agrado. Em roda CONCORDÂNCIA VERBAL ferviam os ciúmes de muitos que a ansiavam só A forma verbal respirava para si, e penavam-se de vê-la desejada e queri- aparece no singular JÃO FERA da de tantos. Mas como um sorriso ela trocava devido ao emprego da O personagem, também tais zelos em extremos de dedicação, e o pleito já conjunção alternativa conhecido como Bugre, é um temido capanga. não era de quem mais recebesse carinho, e sim de ou no sujeito da oração (referindo-se ou à goela Encarna a imagem de um quem mais daria em sacrifício. (...) do tigre ou à língua da sujeito aparentemente Capítulo XV cascavel). Esse verbo grotesco e feroz, por  Era medonha a catadura de Jão Fera quando deveria estar no plural um lado, e do valente voltou-se. se o conectivo fosse a protetor da heroína, por outro. A fauce hiante do tigre, sedento de sangue,  conjunção aditiva e, que faria referência aos dois ou a língua bífida da cascavel, a silvar, não res- núcleos do sujeito (A pirava a sanha e ferocidade que desprendia-se goela faminta do tigre REGÊNCIA VERBAL daquela fisionomia intumescida pela fúria. e a língua fendida da O verbo escapar é Berta, ao primeiro relance, sentiu-se transida cascavel não respiravam transitivo indireto (exige de horror; e o impulso foi precipitar-se, fugir, es- a sanha e ferocidade). a preposição a ou o  capar a essa visão que a espavoria. Reagiu, po- complemento de algo). Veja mais no Saiba mais rém, a altivez de sua alma e a fé que a inspirava. ao lado. Capítulo XVI No terreiro das Palmas arde a grande fogueira. COSTUMES POPULARES Além de descrever a É noite de São João. fauna e a flora brasileiras, Noite das sortes consoladoras, dos folguedos  ou dar informações INTERLOCUÇÃO ao relento, dos brincados misteriosos. (...) históricas, o projeto O narrador utiliza o Noite, enfim, dos mastros enramados, dos fo- ficcional de Alencar pronome de segunda gos de artifício, dos logros e estripulias. inclui a descrição de pessoa (tu) para se dirigir Outrora, na infância deste século, já caquético, antigas festas e costumes à noite de São João, populares. O objetivo é evocada e personificada  tu eras festa de amor e da gulodice, o enlevo dos valorizar e preservar o como uma tradição namorados, dos comilões e dos meninos, que ar- passado nacional. genuinamente brasileira. remedavam uns e outros. L&PM, 2012 52 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS CONEXÕES A ARTE E OS COSTUMES POPULARES IMAGEM O retrato das tradições populares, com o objeti- vo de valorizar e preservar a memória da cultura nacional, está presente em várias obras literárias e pictóricas brasileiras. No romance Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida (veja mais na pág. 58), o narrador descreve um antigo costume religioso do Rio de Janeiro, desaparecido ao longo do século XIX. Em um episódio do livro, as personagens se reúnem em festejos populares ligados ao culto do Espírito Santo. COSTUMES ANTIGOS Domingo do Espírito Santo Assim como ocorre no Era esse dia domingo do Espírito Santo. Como romance Til, o narrador todos sabem, a festa do Espírito Santo é uma das de Memórias de um festas prediletas do povo fluminense. Hoje mes- Sargento de Milícias mo que se vão perdendo certos hábitos, uns bons, se refere a uma A fotografia traz a alegria e o colorido típico das tradição do passado, festas juninas tradicionais em todo o país. As pessoas outros maus, ainda essa festa é motivo de grande já modificada ou perdida aparecem vestidas com roupas típicas do interior. agitação; longe porém está o que agora se passa no momento em que a Balões sobrevoam o local enfeitado de bandeirolas daquilo que se passava nos tempos a que temos história é contada. coloridas. Essa festa típica é uma releitura popular feito remontar os leitores. (...) O primeiro anúncio das danças tradicionais da corte e mostram os festejos da festa eram as Folias. Aquele que escreve estas PRONOME PESSOAL religiosos e os costumes de gente simples. A literatura romântica foi fecunda em retratar essas festas e seu Memórias ainda em sua infância teve ocasião de O narrador faz referência a si próprio empregando caráter nacional. ver as Folias, porém foi já no seu último grau de um pronome de decadência, e tanto que só as crianças como ele  3ª pessoa, com o davam-lhe atenção e achavam nelas prazer (...) objetivo de aumentar o distanciamento O fogo no Campo em relação aos fatos narrados (antes, ele havia À hora determinada vieram os dois, padrinho e chamado a si próprio SAIBA MAIS afilhado, buscar d. Maria e sua família, segundo de “Aquele que escreve haviam tratado: era pouco depois da ave-maria, estas Memórias”). REGÊNCIA VERBAL e já se encontrava pelas ruas grande multidão de Verbos transitivos são aqueles que necessitam de com- famílias, de ranchos de pessoas que se dirigiam uns DADOS HISTÓRICOS plemento. Os chamados verbos transitivos indiretos são para o Campo e outros para a Lapa, onde, como  E ESPACIAIS acompanhados ou regidos por preposições, que antece- Assim como ocorre em é sabido, também se festejava o Divino. Leonardo Til, há aqui a mescla de dem os complementos. Em alguns casos, empregam-se caminhava parecendo completamente alheio ao marcadores espaciais também verbos transitivos diretos preposicionados. que se passava em roda dele (...) Chegaram enfim ligados a lugares reais Observe alguns verbos empregados por José de Alencar mais depressa do que supusera o barbeiro, porque (neste caso, do Rio de e as preposições que os regem:  o Leonardo parecia naquela noite ter asas nos pés, Janeiro) e informações histórico-culturais tão rapidamente caminhara e obrigara o padrinho relacionadas a festas Brincar (com) – Berta com todos brincava. a caminhar com ele. populares. Querer (a alguém) – Berta a todos queria bem. Dar (a alguém) – Berta a cada um dava seu quinhão de Penguin Companhia das Letras, 2013 agrado. Desprender-se (de algo) – A ferocidade desprendia-se daquela fisionomia. Escapar (a ou de algo) – O impulso foi escapar a essa visão. LINGUAGEM INFORMAL O tom coloquial é uma característica do romance Exemplos de outros verbos que necessitam de comple- Memórias de um Sargento de Milícias. Para aproximar mentos: gostar (de), confiar (em), aconselhar (a), agradecer o texto do universo do leitor, o narrador faz uso de expressões populares ou idiomáticas, como asas (a), ajudar (a), simpatizar (com), aspirar (a) – com o sentido nos pés, que expressam a velocidade com que o de desejar, assistir (a) – com o sentido de ver, agradar (a), protagonista Leonardo corria. preferir (alguma coisa a outra), obedecer (a), consistir (em). DIVULGAÇÃO GE PORTUGUÊS 2018 53 3 ROMANTISMO SEGUNDA GERAÇÃO Sofrimentos TIPOS TEXTUAIS O narrador tenta manter e exageros Noite na Taverna o suspense da história. Combinadas, a descrição e a narração promovem Álvares de Azevedo Ao se sentirem incompreendidos a visualização da cena e criam expectativa pela sociedade, os escritores Quando dei acordo de mim estava num lugar  sobre ela. O texto é fruto ultrarromânticos se isolam e evocam escuro: as estrelas passavam seus raios brancos da memória do autor; imagens ligadas à morte entre as vidraças de um templo. As luzes de qua- verbos no passado tro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: auxiliam a recuperação Á lvares de Azevedo (1831-1852) é o princi- era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, das lembranças. A junção desses elementos acentua pal nome da segunda geração romântica as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez a morbidez da narrativa, brasileira, também chamada de ultrarro- lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal aperta- em linha com a atmosfera mântica. Decepcionados com o mundo, os poetas dos... Era uma defunta! ... e aqueles traços todos me soturna, típica da segunda dessa geração, após o conhecimento dos pra- lembraram uma ideia perdida... – Era o anjo do ce- geração romântica. zeres físicos, sentem-se incompreendidos pela mitério? Cerrei as portas da igreja, que, ignoro por sociedade e optam pelo isolamento na própria que, eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus  PRONOME POSSESSIVO subjetividade. Textos melancólicos, nos quais braços para fora do caixão. Pesava como chumbo. Observe o uso enfático o sofrimento evoca imagens ligadas à noite e à (...) Nunca ouvistes falar da catalepsia? É um do pronome possessivo “meus”, uma vez que morte, abrem espaço para o fantasioso e o ma- pesadelo horrível aquele que gira ao acordado que  sua utilização seria cabro. A obra Noite na Taverna, representativa emparedam num sepulcro; sonho gelado em que desnecessária (pois o da prosa de ficção gótica, apresenta os relatos sentem se os membros tolhidos, e as faces banhadas mesmo entendimento mórbidos de um grupo de boêmios bêbados. de lágrimas alheias sem poder revelar a vida! (...) se teria com “tomei o cadáver nos braços”, www.dominiopublico.gov.br já indicando a ação da primeira pessoa, o “eu”). PRONOME TRAÇOS MACABROS DEMONSTRATIVO Em uma atmosfera de pesadelo, o narrador Solfieri O pronome encontra um espaço de contornos pouco definidos. Aos demonstrativo “aquele” poucos, a luz das estrelas revela um ambiente fúnebre. é empregado pelo Uma jovem está adormecida em um templo (espaço narrador para retomar o que remete ao ideal de pureza virginal), após uma termo “pesadelo” (veja crise de catalepsia. Os elementos descritos conferem no Saiba mais abaixo). traços macabros à cena. A moça revive após ser violada por Solfieri, o qual, até aquele momento, julgava se relacionar com um cadáver – a necrofilia era exaltada pelos ultrarromânticos. O tema da relação sexual com o suposto cadáver constitui o centro da narrativa. SAIBA MAIS USO DOS PRONOMES DEMONSTRATIVOS Em relação ao espaço: este (próximo de quem fala: Este livro que li é muito bom); esse (próximo de quem recebe a mensagem: Esse livro que você leu é bom); aquele (longe de ambos: Aquele livro que não lemos deve ser bom). Quanto ao tempo: este (presente e futuro: Nesta semana, vou viajar); esse (passa- do próximo: Nessa semana, viajei para Santos); aquele (passado remoto: Naquela semana, viajei para o Rio). • Esse(s), essa(s), isso(s) também retomam referentes anteriormente apresentados no texto: O deputado foi acusado de corrupção. Esse político nunca me enganou. • Este(s), esta(s), isto(s) também antecipam e anunciam um termo que será apresentado posteriormente: Antes de viajar, verifique isto: a quantidade de malas que irá carregar. 54 GE PORTUGUÊS 2018 SAIU NA IMPRENSA DIÁLOGO ENTRE OBRAS JOVENS NÃO PRECISAM DE 13 RAZÕES A MORTE PARA SE MATAR A morte foi um tema privilegiado pelos poetas da O suicídio é o tema do momento. Mas em vez de falarmos segunda geração romântica, muitas vezes tratada de sobre o problema estamos preferindo a saída fácil de maneira exagerada e sentimental. Representava uma achar culpados. forma extrema de evasão do mundo ou da realidade Daniel Martins de Barros com a qual o sujeito estava em conflito. Como tema literário, contudo, é tratada de modos diversos, Muitas pessoas me pediram para falar sobre a série conforme os autores e as épocas. Manuel Bandeira, 13 Reasons Why, enorme sucesso do Netflix que conta a poeta brasileiro do século XX, falou da finitude da história de uma jovem que se mata depois de gravar fitas existência em diversos textos. Neste, ele mostra um dizendo as razões para seu ato. Coincidência ou não, nesse sujeito poético conformado e sereno com o fim da mesmo período o tal desafio da Baleia Azul começou a ser vida, à espera da chegada da morte. comentado (no Brasil, porque a notícia é velha), trazendo SENTIMENTALISMO E para o primeiro plano o tema do suicídio entre jovens. Consoada IMPULSIVIDADE (...) Em vez de aproveitarmos o gancho para discutir O texto caracteriza o ADJETIVOS E seriamente o suicídio, criamos um pânico em torno de jovem como imaturo e CONJUNÇÃO um seriado, de um jogo, de uma moda qualquer, como se impulsivo, logo tomado Manuel Bandeira Dois adjetivos pelo sentimento e por opostos (“caroável” elas fossem as culpadas pelo problema. Cacemos a baleia ações desprovidas é carinhosa) azul. Censuremos o seriado. Quebremos o termômetro  Quando a Indesejada das de razão. Essas possibilitam uma para não ver a febre. Em que momento da vida o adulto características também gentes chegar reflexão sobre o fica tão distante do jovem a ponto de não ser mais capaz estão presentes nos (Não sei se dura ou caroável),  caráter da morte: de compreendê-lo? Todo mundo sabe que os adoles-  poetas ultrarromânticos, talvez eu tenha medo. o fim da existência como Álvares de pode vir de modo centes são impulsivos, imaturos etc. Mas acreditamos Talvez sorria, ou diga: Azevedo e Casimiro de cruel ou afável. mesmo que eles são tão estúpidos a ponto de se matar Abreu, que morreram – Alô, iniludível! Repare no uso porque um jogo mandou? Ou porque viram na TV? (...) ainda muito jovens O meu dia foi bom, pode da conjunção O suicídio é um grave problema no mundo todo – a e cujos textos eram a noite descer. alternativa “ou”, cada 40 segundos alguém se mata no planeta. Entre os tomados por emoção e (A noite com os seus que estabelece sentimentalismo. uma relação de jovens, é a segunda causa de morte. (...) sortilégios.) alternância entre Ou seja, pelos menos desde meados dos anos 80 a Encontrará lavrado o campo, duas ideias. taxa de suicídio nessa população praticamente só faz a casa limpa, crescer. E vamos continuar achando que o problema é A mesa posta,  RESIGNAÇÃO um jogo? O jogo, o seriado, as notícias espetaculosas, ANGÚSTIA E GOSTO Com cada coisa em seu lugar. O título faz PELA MORTE referência a uma tudo isso pode, sim, contribuir para a morte de jovens. O texto sugere refeição breve, Desde que eles estejam doentes – estima-se que em que depressões EUFEMISMO tomada em dias até 90% dos casos de suicídio um transtorno mental negligenciadas e o de jejum. No fim A expressão sugere a tristeza com esteja presente – e não se tratem. preconceito com os do poema, a morte que o ser humano geralmente Para um adolescente se matar, portanto, não existem transtornos mentais encontra o sujeito lida com a morte e a perspectiva podem levar a atitudes com a vida em 13 razões por quê. Existe praticamente só uma: nosso do fim da vida. Trata-se de um extremas e trágicas, ordem, pronto para preconceito com os transtornos mentais. Sim, pois não eufemismo que ameniza a dureza como o suicídio. partir (a mesa posta basta ter depressão para cortar os pulsos – é preciso que da palavra “morte”, comumente Os textos românticos retoma a ideia da utilizada. essa dor seja negligenciada, estigmatizada. Isso aumenta apresentavam esse viés, refeição). a culpa de quem sofre, acrescentando mais camadas ao sobretudo na poesia PROSOPOPEIA sofrimento. E de quebra ainda reduz a chance de procurar da segunda geração Por meio da figura de linguagem romântica, que buscava tratamento. Até que a angústia se torna insuportável.  na morte a saída para também conhecida como Aí, sim, ver um seriado, receber um desafio, o que for, personificação, o autor atribui a angústia de viver traços humanos à morte, pode estimular a busca por uma saída trágica. (...) e de existir. tratando-a como uma entidade Blogs Estadão, 19/4/2017 concreta e animada. Neste artigo de opinião, o autor propõe discutir a eventual relação da série 13 Reasons Why e de jogos como da Baleia Azul nos casos de suicídio entre jovens. A morte e o desinteresse pela vida são temas caros aos poetas ultrarromânticos. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 55 3 ROMANTISMO TERCEIRA GERAÇÃO PROSOPOPEIA Engajamento O poeta, por meio da personificação, atribui e olhar crítico Vozes d’África características humanas  (voz e sentimento) ao continente africano, que Os autores da terceira geração Castro Alves “fala” em 1ª pessoa. romântica, como Castro Alves, PRONOMES PESSOAIS voltam-se para as questões sociais Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Note a correspondência Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes  entre os pronomes reto O poeta baiano Castro Alves (1847-1871) Embuçado nos céus? (tu) e oblíquo (te). Veja no Saiba mais abaixo. pertence à terceira geração poética do Há dois mil anos te mandei meu grito, Romantismo brasileiro, caracterizada Que embalde desde então corre o infinito... ONDE E AONDE pelo engajamento em relação a questões sociais. Onde estás, Senhor Deus?... (...)  “Onde” é empregado O inconformismo do autor com a escravidão com verbos que não fez com que ele se filiasse ao movimento abo- Foi depois do dilúvio... um viandante, indicam movimento (como “estar”), enquanto licionista. A fim de chamar atenção para os Negro, sombrio, pálido, arquejante, “aonde” é empregado problemas e as injustiças da pátria, Castro Alves (...) com verbos que indicam denuncia o sofrimento dos africanos trazidos movimento (como “ir”). para o Brasil de modo forçado. E eu disse ao peregrino fulminado: CASTIGO MÍTICO O poema Vozes d’África é considerado um dos “Cam... serás meu esposo bem-amado...”  O caráter de textos fundadores, na segunda metade do século (...) ancestralidade da África XIX, da presença definitiva da figura do negro na sugere que o sofrimento literatura brasileira. A realidade degradante dos Hoje em meu sangue a América se nutre do povo africano não é escravos retrata uma sociedade problemática, Condor que transformara-se em abutre,  recente. Reza a lenda que a África fora vítima de muito distante da representação idealizada dos po- Ave da escravidão,(...) uma maldição lançada etas nacionalistas da primeira geração romântica. sobre Cam, filho de Noé. O uso de uma linguagem grandiloquente, car- Há dois mil anos eu soluço um grito...  A escravidão dos negros regada de hipérboles (ênfases expressivas, exage- escuta o brado meu lá no infinito, africanos remontaria a radas) rende a alguns autores da terceira geração, Meu Deus! Senhor, meu Deus!!... esse castigo. como Castro Alves, o adjetivo de “condoreiro”, CONDOREIRISMO por almejar voos tão altos quanto os do condor. A visão aguçada da ave PRESENTE HISTÓRICO A conjugação verbal no presente – “eu soluço” – indica simboliza a ideia de que  O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA que os sofrimentos permanecem no tempo atual. os poetas viam o mundo No Brasil, a utilização da mão de obra escrava teve Repare que há ironia no apelo dirigido a Deus, na de modo mais perspicaz. início com a produção de açúcar, nos engenhos, medida em que o Criador parece não se compadecer Cabia ao artista guiar a atravessou todo o período colonial e foi oficialmente dos sofrimentos da África. sociedade rumo a dias extinta apenas em 1888, já no fim do Império, com melhores (os ideais a assinatura da Lei Áurea. Inicialmente, foram abolicionistas ilustram escravizados os indígenas; depois, os africanos, que a preocupação social do logo se tornaram majoritários. Para saber mais, veja o poeta condoreiro). GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA. SAIBA MAIS PRONOMES PESSOAIS RETOS E OBLÍQUOS: USO DE ACORDO COM A NORMA CULTA • Os pronomes pessoais retos (eu, tu, ele/ela, nós, vós, • Deve haver correspondência entre os pronomes retos eles/elas) correspondem ao sujeito e são seguidos de e oblíquos: Ela está ficando louca: eu não a aguento verbo: Esta torta é para eu comer. mais! Tu estás ficando louca: Eu não te aguento mais! • Os pronomes pessoais oblíquos (átonos: me, te, se/o/a/ • É preciso saber o tipo de complemento (objeto direto lhe, nos, vos, se/os/as/lhes; tônicos: mim/comigo, ti/ ou indireto) que cada verbo exige para que se possa contigo, si/consigo, conosco, convosco, si/consigo) usar corretamente o pronome oblíquo: correspondem ao objeto (complemento) e podem vir Ele não a ama mais. Alguém os visitou? (amar e visitar, depois da preposição (geralmente encerram a frase): por exemplo, são verbos transitivos diretos e pedem Esta torta é para mim. objeto direto – o, a, os, as) • A preposição entre também pede o emprego do oblíquo Obedeceu-lhe apesar de não concordar com ele. (obe- tônico (quanto às duas primeiras pessoas do singular): decer é verbo transitivo indireto e pede objeto indireto Não há nada entre mim e ti. – lhe, lhes) 56 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES TEXTO CIENTÍFICO PINTURA ESTILO FORMAL A Permanência do Racismo O texto foi publicado na Sociedade Brasileira em um site acadêmico e apresenta linguagem formal e objetiva. Erika Ferraz Teixeira / Josué de Campos / A argumentação se Marlene Márcia Goelzer desenvolve em torno de um tema polêmico Neste artigo pretende-se discorrer sobre o ra-  (o preconceito étnico) e procura analisar as suas cismo no Brasil e como esse preconceito está im- consequências e mostrar a bricado na nossa sociedade. (...) situação atual da questão. Embora o racismo ainda não seja um assun- to discutido abertamente entre os brasileiros, PRECONCEITO [1] percebe-se que o preconceito sobre os negros e os  Dados históricos seus descendentes encontra-se na história recen- são apresentados para fundamentar as A escravidão foi abordada literariamente pelos poetas te do Brasil, principalmente nos três séculos de origens do problema brasileiros da terceira geração romântica, como Castro escravidão, e pelas escassas políticas de inserção em realidades que Alves. A realidade dos escravos africanos também foi desses sujeitos na sociedade, especialmente após remontam aos versos de tema de pinturas, como Le Diner, do artista francês a Abolição da Escravatura em 13 de maio de 1888. Castro Alves. O tráfico Debret (1768-1848), que esteve no Brasil no século Desde o século XVI, quando os negros oriundos de escravos marca o XIX. Seus quadros retratam as relações cotidianas início do preconceito das várias partes da África começaram a desem- em relação aos negros. entre senhores e escravos, tanto na vida privada das casas quanto no universo público das ruas, e a barcar na América portuguesa de forma forçada Apesar da abolição da tensão presente na concepção de superioridade dos para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar escravatura, os autores brancos em relação aos negros. Repare, na cena, na e nas minas de ouro, começou um longo período destacam a permanência maneira como a mulher dá o alimento à criança negra, de usurpação da sua liberdade, gerando graves de comportamentos tratando-a como se fosse um animal doméstico. discriminatórios. consequências para o seu status social. Vale des- tacar que alguns negros e mestiços trabalhavam nos centros urbanos (...). Apesar de esses escra- vos não estarem nas fazendas ou nas minas e desempenharem outras atividades, eles não esta- vam isentos do estigma de serem escravos e di- MARGINALIZAÇÃO ficilmente conseguiam ascender socialmente (...) A cultura africana Outra pesquisa, realizada em 2013, destacou: contribuiu para a O negro é duplamente discriminado no Brasil, formação da identidade por sua situação socioeconômica e por sua cor de brasileira. No entanto, ainda que alguns pele. “Tais discriminações combinadas podem afirmem que vivemos em explicar a maior prevalência de homicídios de uma democracia racial, negros vis-à-vis o resto da população”. (...) os autores questionam e Depreende-se que a questão do preconceito de  defendem a tese de que a cor continua latente na sociedade brasileira. Car- marginalização de negros e de afrodescendentes neiro (2003, p.5) afirmou que: “o Brasil sempre ainda impera procurou sustentar a imagem de um país cordial, no Brasil atual. caracterizado pela presença de um povo pacífico, sem preconceito de raça e religião [...]”. E a auto- ra completou que “Sempre interessou ao homem branco a preservação do mito de que o Brasil é um paraíso racial, como forma de absorver as tensões sociais e mascarar os mecanismos de exploração e de subordinação do outro, do diferente [...]” http://www.seduc.mt.gov.br/Paginas/A-perman%C3% AAncia-do-racismo-na-sociedade-brasileira.aspx [2] [1] DEBRET/REPRODUÇÃO [2] © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 57 3 ROMANTISMO TERCEIRA GERAÇÃO Neste romance, surge, pela primeira vez na literatura Manuel Antônio de Almeida nacional, a figura do malandro, com episódios repletos ORDEM E DESORDEM O escritor Manuel Antônio de Almeida (1830- O romance oscila entre de humor e aventura. dois polos: a conduta 1861) publica Memórias de um Sargento de Mi- oficial do major Vidigal lícias em folhetim, entre 1852 e 1853. Apesar de e as malandragens se situar em pleno Romantismo, essa obra foge cometidas pelo povo – e completamente ao ideário literário de sua época principalmente pelos e assinala uma transição para o Realismo. Se há Memórias de um Leonardos. Para o crítico Antonio Candido, é como traços românticos no romance, eles estão no tom irônico e satírico que assume o narrador. Sargento de Milícias se o Rio de Janeiro do tempo do rei estivesse Manuel Antônio de Almeida Os personagens utilizam a linguagem coloquial dividido entre o mundo da e vivem situações típicas do cotidiano da cidade (...) Voltemos a saber o que foi feito do Leonardo, a  ordem e o da desordem. do Rio de Janeiro do século XIX. quem deixamos na ocasião em que fora arrancado pelo Vidigal dos braços do amor e da folia. PRONOMES RELATIVOS Eles são usados para O Vidigal tinha-o posto diante de si, ao lado de substituir um referente, um granadeiro, e marchava poucos passos atrás. no processo de conexão de (...) sentenças, para encadear Quem estivesse muito atento havia de notar que os acontecimentos. algumas vezes o Leonardo parecia, ainda que muito Ex.: Leonardo apressava ligeiramente, apressar o passo, que outras vezes o  o passo, que ora desacelerava; neste caso, retardava, que seu olhar e sua cabeça voltavam-se “que” se refere a de vez em quando, quase imperceptivelmente, para “o passo”. a esquerda ou para a direita. O Vidigal, a quem nada COSTUMES No decorrer do romance, são disto escapava, achava em todas estas ocasiões PRONOME pretextos para dar sinais de si; tossia, pisava mais DEMONSTRATIVO descritos diversos costumes “Aquilo” é utilizado para forte, arrastava no chão o chapéu-de-sol que sempre  comuns no Rio de Janeiro da retomar o poder exercido época de dom João VI, como trazia na mão, como quem queria dizer ao Leonardo, pelo Major Vidigal numa festas populares e modos respondendo aos seus pensamentos íntimos: situação de imposição da de viver que se modificaram com o passar do anos. – Cuidado! eu aqui estou. – E o Leonardo enten- autoridade (assinala que Muitas vezes, nota-se certo dia tudo aquilo às mil maravilhas (...) Entretanto  Leonardo compreendia as atitudes de poder e saudosismo nos comentários nem por isso abandonava a sua ideia: queria fugir. comando do Major). do narrador. (...) O pobre rapaz (...) suava mais do que no dia em A FIGURA DO MALANDRO que fez a primeira declaração de amor a Luisinha. Leonardo Pataca e Só havia na sua vida um transe a que assemelhava, seu filho são típicos malandros brasileiros. aquele em que então se achava, era o que se havia No romance, transgridem passado, quando criança, naquele meio segundo com frequência as que levara a percorrer o espaço nas asas do tre- normas sociais de mendo pontapé que lhe dera seu pai.  conduta. O romance não POR QUE Repentinamente uma circunstância veio fa- tem intenção moralizante e os malandros nem Há diferentes grafias vorecê-lo. Não sabemos por que causa ouviu-se  para “porque”. Neste caso, sempre sentem culpa um grande alarido na rua: gritos, assovios e car- por seus atos. a utilização de por que reiras. O Leonardo teve uma espécie de vertigem: expressa dúvida (veja no Saiba mais da pág. ao lado). zuniram-lhe os ouvidos, escureceram-se-lhe os  PRONOME PESSOAL olhos, e… dando um encontrão no granadeiro que Nos exemplos ao lado, estava perto dele, desatou a correr. O Vidigal deu o pronome pessoal oblíquo “lhe” funciona JEITINHO BRASILEIRO um salto, e estendeu o braço para o agarrar; mas  como pronome Os personagens de Memórias de apenas roçou-lhe com a ponta dos dedos pelas possessivo (zuniram um Sargento de Milícias estão sempre tentando se dar bem costas. O rapaz tinha calculado bem: o Vidigal os seus ouvidos, na vida, mesmo que, para isso, distraiu-se com o ruído que se fizera na rua, e escureceram-se os aproveitou a ocasião. O Vidigal e os granadei- seus olhos etc.). Já em precisem recorrer a meios pouco “que lhe dera seu pai”, lícitos ou convencionais. ros soltaram-se imediatamente em seu alcance: ele é objeto indireto É o mundo brasileiro dos arranjos o Leonardo embarafustou pelo primeiro corredor (designando o pontapé e do jeitinho. que achou aberto; os seus perseguidores entraram que o pai dera em incontinenti atrás dele, e subiram em tropel o pri- Leonardinho). meiro lance da escada. (...) 58 GE PORTUGUÊS 2018 SAIU NA IMPRENSA CONEXÕES CANÇÃO MULTA PARA QUEM ESTACIONAR EM VAGA DE DEFICIENTE AUMENTA MAIS QUE 100% Rapaz folgado IMPERATIVO AFIRMATIVO Noel Rosa A canção propõe um A multa para o motorista que estaciona em vaga de conselho a um possível idoso ou de pessoas com deficiência física vai mais Deixa de arrastar  interlocutor para que que dobrar. o teu tamanco  ele abandone a vida de É para ver se inibe aquelas desculpas esfarrapadas Pois tamanco nunca malandro. O emprego do já conhecidas. Se o motorista não respeita por consci- foi sandália imperativo afirmativo na segunda pessoa do ência, cidadania e educação, agora vai ter que pensar E tira do pescoço o  singular reforça esse que isso vai pesar mais no bolso e também resultar em lenço branco caráter de conselho mais pontos na habilitação. (...) Compra sapato e gravata e de diálogo presente Seu Valdir, que mora em Belém, ouve toda hora aquela Joga fora esta navalha  na canção. desculpa esfarrapada: “Ah é só um minutinho”... que te atrapalha “O velho jeitinho brasileiro, a pessoa estaciona e fala: Com chapéu do lado VARIAÇÃO LINGUÍSTICA ‘não, eu vou aqui rapidinho, um minutinho’, embora deste rata  A expressão “deste rata” e a forma verbal no exista a legislação, embora exista a lei, mas assim, a Da polícia quero que escapes imperativo (“arranja”) população não respeita”. (...) Fazendo um samba-canção configuram elementos A partir de agora, o desrespeito às vagas de deficiente Já te dei papel e lápis da variante popular. físico e idosos é infração grave com cinco pontos na Arranja um amor  Isso dá ao conselho um carteira de habilitação. E também a multa que era de e um violão tom coloquial, como se viesse de uma pessoa R$ 53,20 passa para R$ 127,69. (...) Malandro é palavra querida que quer cuidar Site G1, 5/1/2016 derrotista do amigo. Que só serve pra tirar Todo o valor do sambista A malandragem, uma das principais características do MUDANÇA NA protagonista de Memórias de um Sargento de Milícias, Proponho ao povo civilizado  INTERLOCUÇÃO ainda faz parte do estereótipo do povo brasileiro. Não te chamar de malandro O eu lírico deixa de A reportagem mostra que muitos motoristas insistem E sim de rapaz folgado falar com seu primeiro em infringir a lei que garante vagas de estacionamento interlocutor – o suposto para idosos e pessoas com deficiência. Essa prática malandro – e passa a ilegal, de parar o carro nessas vagas especiais, é A figura do malandro foi bastante dialogar com o povo reveladora do que chamamos de “jeitinho brasileiro” trabalhada na música popular civilizado (inserido na – o hábito de burlar regras sem se sentir culpado. Esse brasileira (MPB), principalmente ordem) para que aceite o comportamento, que era visível na sociedade carioca nas décadas de 1920 e 1930. novo rótulo social (rapaz retratada por Manuel Antônio de Almeida, infelizmente Esta canção de Noel Rosa folgado) do ex-malandro. ainda é bastante comum no Brasil de hoje. promove interessante diálogo com Memórias de um Sargento de Milícias em relação à integração do malandro ao universo da ordem social. No romance, SAIBA MAIS essa integração ocorre com o casamento de Leonardinho e a sua nomeação para sargento; EMPREGO DE PORQUE, POR QUE, na canção, com a adesão do POR QUÊ E PORQUÊ personagem ao universo musical. Há diferentes grafias para “porque” conforme o sentido: • Porque: É empregado para indicar causa ou explicação: Não fui à escola ontem porque estava doente. • Por que: Serve, em geral, para expressar dúvida e é empregado em frases interrogativas diretas ou indiretas: Por que você não foi à escola ontem? PARA IR ALÉM • Porquê: Funciona como substantivo e se refere ao mo- tivo pelo qual determinado fato ocorre: Eu gostaria de Alguns vídeos disponíveis no YouTube – como o do saber o porquê de tanto choro. programa Direito & Literatura, da TV e Rádio Unisinos • Por quê: É usado como indicativo de dúvida no fim de – são bem didáticos para explicar a obra Memórias de sentenças interrogativas: Você não foi à escola por quê? um Sargento de Milícias. Confira! GE PORTUGUÊS 2018 59 3 COMO CAI NA PROVA 1. (PUC- SP 2016) a) o modo como a democracia surge no Brasil por interferência do Memórias de um Sargento de Milícias cronologicamente faz parte Imperador. da literatura romântica brasileira; no entanto, torna-se uma obra atí- b) a maneira despótica como os republicanos trataram os símbolos pica em relação ao momento em que foi escrita. nacionais. c) a postura inconsequente que sempre caracterizou os governantes Das alternativas abaixo, indique a que não valida essa afirmação do Brasil. porque d) a forma astuciosa como ocorreram os movimentos políticos no a) seu enredo é marcado por intenso e trágico sofrimento amoroso Brasil. cujo desfecho concretiza um final feliz, com a união conjugal e ascensão social dos personagens. RESOLUÇÃO b) sua linguagem é marcada pela oralidade e coloquialidade, em Além da ironia, o texto se vale também da intertextualidade. Ela ocorre tom de crônica jornalística, ilustrando a prática de que se deve quando um enunciado recupera outro, criando um novo texto. No caso escrever como se fala. do poema, José Paulo Paes recupera a cantiga infantil Vamos Passear na c) obra caracterizada pela ausência do tom açucarado e idealizador Floresta Enquanto Seu Lobo Não Vem. Seu lobo, no caso, é dom Pedro. da literatura romântica, visto que as relações sentimentais não se Durante todo o poema, o autor narra ironicamente a adoção da repú- dão nem pela grandeza no sofrimento, nem pela redenção pela dor. blica no Brasil, fazendo uma crítica aos movimentos políticos do país. d) a caracterização dos personagens ou fere a descrição sempre Resposta: D idealizada do perfil feminino ou configura traços de um herói pelo avesso mais marcado por defeitos que por virtudes. 3. (FUVEST 2015) RESOLUÇÃO Em Memórias de um Sargento de Milícias, não há “intenso e trágico sen- timento amoroso”. Como explicado na alternativa C, o livro se afasta da idealização romântica. O personagem principal da obra, Leonardo, é o primeiro anti-herói da literatura, o famoso malandro. Por isso, apesar de ter sido escrita no Romantismo, ela também apresenta traços do Re- alismo, antecedendo a escola posterior. Resposta: A Fernando Gonsales, Níquel Náusea: Cadê o ratinho do titio? São Paulo: Devir. 2011. a) De acordo com o contexto, o que explica o modo de falar das 2. (UNICAMP 2016) personagens representadas pelas duas traças? Cem anos depois b) Mantendo o contexto em que se dá o diálogo, reescreva as duas Vamos passear na floresta falas do primeiro quadrinho, empregando o português usual e Enquanto D. Pedro não vem. gramaticalmente correto. D. Pedro é um rei filósofo Que não faz mal a ninguém. RESOLUÇÃO a) Na última tira, o rato atribui a nova linguagem das traças, cheia de Vamos sair a cavalo, pronomes oblíquos (como o “vos” e o “me”) e conjugações na segunda Pacíficos, desarmados: pessoa, duas marcações de norma culta, ao fato de estarem roendo a A ordem acima de tudo, Bíblia, que é toda escrita dessa maneira. A comicidade se dá pelo em- Como convém a um soldado. prego dessa linguagem de forma equivocada e em conversas usuais. b) Reescrevendo-se as falas e respeitando a norma culta, elas ficariam Vamos fazer a República, da seguinte maneira: Sem barulho, sem litígio, – Como foi o seu dia? Sem nenhuma guilhotina, – Queria que tivesse sido melhor. Sem qualquer barrete frígio. Vamos, com farda de gala, 4. (INSPER 2015) Proclamar os tempos novos, 2015: o ano em que chegamos ao futuro Mas cautelosos, furtivos, Quem assistiu a trilogia De Volta Para o Futuro não esquece. E como Para não acordar o povo. poderia? No segundo filme, o protagonista Marty McFly viaja no tempo, deixando 1985 para ir a 2015. Entre as tantas situações apresentadas José Paulo Paes, O Melhor Poeta da Minha Rua, em Fernando Paixão (sel. e org.), no futuro hipotético, as mais marcantes são o skate voador e o tênis Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 2008 autoajustável usados pelo personagem. E a Nike confirmou: esse ano O tom irônico do poema em relação à história do Brasil põe em o calçado vai ser lançado. Em evento realizado em Long Beach, Califór- evidência nia, nos EUA, o designer e diretor de inovação da empresa norte-ame- 60 GE PORTUGUÊS 2018 RESUMO ricana Tinker Hatfield prometeu que o produto chega ao mercado com Literatura do Romantismo os Power Laces (os cadarços que se arrumam sozinho). http://www.jornaljr.com.br/2015/01/19/2015-o-ano-em-que-chegamos-ao-futuro/ ROMANTISMO (1836-1881) O movimento surge no contexto da ascensão da burguesia. Valores como o individualismo, o No texto acima, há uma construção sintática em desacordo com a sentimentalismo, a subjetividade e a liberdade formal são prescrição da norma culta. Assinale a alternativa na qual esse des- seus elementos centrais. lize está corretamente identificado. • Primeira geração Em busca da exaltação dos valores a) No título, a preposição “em”, que antecede o pronome relativo nacionais, escritores como José de Alencar (Iracema) e Gon- “que”, está incorreta, pois está associada ao verbo “chegar”, que é çalves Dias (Canção do Exílio) veem nos índios os legítimos regido pela preposição “a”. heróis das narrativas. Alencar também é autor de romances b) No primeiro período, faltou o acento indicador de crase, uma vez regionalistas, como Til. que o verbo “assistir”, no sentido de “ver”, exige preposição “a” c) No primeiro período, há um erro associado ao emprego do verbo • Segunda geração O sentimento amoroso se exacerba, “esquecer”, que é pronominal e deve ser acompanhado pela como na poesia de Álvares de Azevedo (Noite na Taverna), preposição “de” o principal nome do Ultrarromantismo. d) No quarto período do primeiro parágrafo, ocorre uma falha associada ao emprego da voz passiva, já que o verbo “usar” • Terceira geração Caracteriza-se pelo engajamento social. rejeita essa construção. Nos poemas de Castro Alves, a linguagem grandiloquente, e) No último parágrafo, há uma falha na correlação verbal, pois o carregada de hipérboles (exageros), é posta a favor de sua verbo “chegar”, ao se relacionar à ideia de “prometer”, não pode luta contra a escravidão. ficar no presente. • Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio RESOLUÇÃO de Almeida, diferencia-se da estética da época por seu tom O verbo assistir pode ser tanto transitivo direto quanto transitivo in- satírico e por introduzir a figura do malandro. direto. Quando ele significa dar assistência, é transitivo direito e não pede preposição. Já quando seu significado é o mesmo de ver, ele é GRAMÁTICA E INTERPRETAÇÃO transitivo indireto e por isso rege a preposição “a”. Por isso, a forma • Intertextualidade Trata-se do diálogo entre dois textos correta que deveria ter sido utilizada no texto é “assistiu à trilogia”. – acontece quando um autor deseja referir-se a outro texto, Na primeira alternativa, a preposição “a” regida pelo verbo chegar es- produzido em outro momento. Uma das maneiras de se tá presente no “ao futuro”; o “em que” é uma marcação temporal. Na estabelecer uma relação intertextual entre dois escritos é terceira alternativa, a regra está correta, porém o “esquecer” utiliza- por meio da paródia. do no texto não é pronominal, por isso não pede preposição. A quar- ta alternativa está incorreta, pois o verbo “usar” pode ser emprega- • Regência verbal Determinados verbos são acompanhados do na voz passiva. E, na última, o emprego do presente do indicativo por complementos com funções específicas. Ex.: gostar (de), está relacionado a um futuro iminente pontual, situação na qual es- confiar (em), aconselhar (a), simpatizar (com), ajudar (a). se tempo verbal pode ser utilizado. Resposta: B • Pronomes demonstrativos No contexto em que estão associados a espaço, este é próximo de quem fala (este livro que li é muito bom); esse é próximo de quem recebe a 5. (FGV 2016 ADAPTADA) mensagem (esse livro que você leu é muito bom); e aquele As ideias de especialização e progresso, inseparáveis da ciência, são é longe de ambos (aquele livro que não lemos deve ser inválidas para as letras e as artes, o que não quer dizer, evidentemente, muito bom). que a literatura, a pintura e a música não mudem nem evoluam. Mas, diferentemente do que se diz sobre a química e a alquimia, nelas não • Pronomes pessoais retos e oblíquos Os pronomes pesso- se pode dizer que aquela abole e supera esta. (...) ais retos correspondem ao sujeito da oração e são seguidos Mario V. Llosa, Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. de verbo. Ex.: É para eu fazer o jantar? Os pronomes pessoais oblíquos correspondem ao objeto da oração e podem suceder Identifique o referente de cada um dos seguintes pronomes: “ne- preposições. Ex.: Esta comida é para mim? las”, “aquela”, “esta”. • Porque A palavra apresenta diferentes grafias, cada uma RESOLUÇÃO delas com um significado diferente: porque (causa ou ex- Os referentes dos pronomes demonstrativos pedidos são os seguintes: plicação), por que (dúvida), porquê (substantivo) e por quê Nelas – Literatura, pintura e música (o conjunto dito no período anterior). (no fim de sentença). Aquela – Química (palavra mais distante na frase). Esta – Alquimia (a palavra mais próxima). GE PORTUGUÊS 2018 61 4 LITERATURA DO REALISMO/NATURALISMO CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO  Interpretando: ironia .....................................................................................64  Realismo .............................................................................................................66  Naturalismo.......................................................................................................72  Como cai na prova + Resumo .......................................................................74 Favelas em chamas O elevado número de incêndios em habitações precárias no país é resultado não apenas das condições inadequadas dessas moradias, mas também do descaso do poder público N o início de março de 2017, os morado- de mais alta renda é um fenômeno conhecido res da favela de Paraisópolis, uma das como gentrificação. O documentário Limpam maiores da cidade de São Paulo, foram com Fogo (2015), do jornalista Conrado Ferrato, vítimas de um incêndio de grandes proporções mostra exatamente essa relação entre os incên- que destruiu cerca de 300 barracos. O fogo con- dios e a especulação imobiliária. O filme também sumiu rapidamente as moradias, deixando 1.200 denuncia que o poder público faz pouco para desabrigados. Não houve registro de mortes. reduzir a vulnerabilidade dessas comunidades. Menos de dez dias depois, um novo caso de in- Favelas, como a de Paraisópolis, são o retrato cêndio atingiria a mesma comunidade, desta vez de um antigo e grave problema social brasileiro: afetando dezenas de moradias. Segundo o Corpo a falta de moradias. Segundo o mais recente de Bombeiros, foram mais de cem ocorrências do censo demográfico do Instituto Brasileiro de tipo no estado de São Paulo nos primeiros dois Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, as 6.329 meses de 2017. No ano anterior, a corporação favelas existentes no país abrigavam cerca de registrou 325 chamados de incêndio em favelas 11,4 milhões de pessoas. paulistas, 230 deles só na Grande São Paulo. Um misterioso incêndio também acontece em A precariedade das favelas brasileiras, onde O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, o prin- prevalecem barracos feitos de madeira e papelão, cipal romance naturalista brasileiro. Na obra, ligações clandestinas de energia elétrica e botijões o português João Romão, dono do cortiço, o de gás mal instalados, explica a elevada frequência reconstrói, dando-lhe com que incêndios atingem essas comunidades. nova feição, já que Essa situação acaba indo ao encontro dos dias antes do ocorri- VIDAS DESTRUÍDAS interesses de grandes construtoras e incorpora- do ele havia feito um Morador da comunidade doras, que, assim, adquirem os terrenos ocupados seguro. Vemos, então, de Paraisópolis, em São por favelas por um preço mais baixo e erguem uma semelhança entre Paulo, tenta controlar o nesses locais condomínios, edifícios comerciais incêndios e empreen- incêndio que atingiu cerca e shopping centers. A remoção de populações dimentos lucrativos de 300 moradias, em março carentes para bairros mais periféricos com a que aparecem logo de 2017. Favela é uma das consequente reocupação do lugar por pessoas após a tragédia. maiores da cidade 62 GE PORTUGUÊS 2018 EDUARDO KNAPP/FOLHAPRESS GE PORTUGUÊS 2018 63 4 REALISMO/NATURALISMO INTERPRETANDO A subversão do sentido A A ironia é a figura ssim como Aluísio Azevedo se destacou no “golpista”. Sua intenção é mostrar que essa crítica de linguagem Naturalismo, no Realismo temos também exagerada não tem sentido – pois, segundo ela, ser que afirma o um expoente máximo: Machado de Assis, chamado de “golpista” ultrapassou seu sentido um dos principais nomes da literatura brasileira original (aqueles que apoiaram o afastamento da contrário do que e mundial. O autor tem, entre suas principais presidente Dilma Rousseff, considerado um golpe parece dizer. características, o uso da ironia. Embora chegue por seus críticos), para se estender a todos os que Ela também ao humor em certas ocasiões, sua ironia possui vivem e compartilham de algum valor da sociedade pode se mostrar uma sutileza e um refinamento que só a fazem capitalista – trabalhar numa grande empresa e de modo mais perceptível a leitores de sensibilidade já treinada. comprar bens de consumo considerados caros, por sutil, no contexto, O artigo abaixo, da escritora e roteirista Tati Ber- exemplo. Com muita ironia, ela desqualifica esse como no exemplo nardi, publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 3 de discurso extremado e conclui que, sendo assim, março de 2017, é um exemplo desse tipo de recurso. toda a classe média é “golpista”. Ao captar a abaixo A colunista elabora um texto extremamente irô- ironia de cada passagem do texto, conseguimos nico para se defender daqueles que a consideram perceber seu sentido e intenção. Desabafar num jornal IRONIA E POLARIZAÇÃO A autora sinaliza, de considerado golpista não é coisa de escritor sério IRONIA E REFERÊNCIA forma irônica, as opiniões A cronista faz uma que recebeu. “Nem referência provocativa e pintada de vermelho” Tati Bernardi irônica à Rede Globo, já alude aos simpatizantes que parte de seus colegas de esquerda. Já a frase Ganhei o prêmio Bertha Lutz do Senado Federal a chamam de “golpista” “Senado é do povo”, dos e dividi a opinião de amigos. Alguns disseram  por trabalhar lá. A defesa simpatizantes da direita, “vai lá buscar, claro, Senado é do povo” e muitos dela consiste em ironizar é uma clássica ironia o fato de que toda e (pois são conhecidos por outros me alertaram “nem pintada de vermelho, qualquer grande empresa não aderirem a questões são todos uns golpistas, recuse o prêmio”. Fui será considerada por populares). salva por uma reunião da Globo, emissora na qual parte de seus amigos e trabalho, na exata data e horário da cerimônia. leitores de golpista, como IRONIA E VOCABULÁRIO Sim, a Globo. Outra questão sempre muito tensa  podemos confirmar ao A autora ironiza os colegas nas mesas de bar (não que eu vá a muitas mesas longo da crônica. que frequentam bares de bar, na real não vou a nenhuma, mas me refiro e discutem ali temas da agenda nacional. Busca  à galera mais festiva-opinativa-intelectual que desqualificá-los com o me cerca). Para eles eu jamais deveria trabalhar termo “festiva-opinativa- para uma empresa golpista cheia de golpistas IRONIA E intelectual”, sugerindo que só disseminam pelo mundo o ódio a todos METALINGUAGEM que discutem de forma que não são golpistas. Ao citar o próprio jornal pouco séria. onde suas crônicas são Mas escrever sobre isso aqui neste jornal, con-  publicadas, a cronista IRONIA E ALUSÃO siderado golpista por tantos amigos, não é um faz uso irônico da A colunista ironiza sua desabafo digno de um escritor sério. E escrever metalinguagem (veja condição social (possui  de um Macintosh novo, com tanto PC velho definição na pág. 15), pois, um Macintosh novo e ar-condicionado) com precisando de uma família, deveria encerrar para se defender e dizer que não está alinhada a algum sarcasmo, uma de uma vez por todas a minha carreira. Sim, golpistas, escreve em um vez que há quem defenda tenho ar-condicionado: julguem-me. jornal que seus colegas que, por isso, ela poderia consideram golpista. ser considerada golpista. ! 64 GE PORTUGUÊS 2018 CRÍTICA E IRONIA A cronista enumera símbolos estereotipados atrelados à ideia de Moro num bairro que, pela quantidade de gente golpismo. Ironiza tanto batendo panela na época que ainda se batia pane- a direita (que seriam os la, pode ser considerado golpista. Olho da minha “verdadeiros” golpistas) janela a faculdade PUC, povoada de garotos  quanto a esquerda (por golpistas, filhos de pais e mães que trabalham considerá-la golpista). em bancos golpistas, firmas golpistas, hospitais CRÍTICA E ENUMERAÇÃO golpistas, escolas golpistas, multinacionais pra lá Observe que a de golpistas, e me pergunto se hoje vai ter barulho enumeração mais uma vez critica a visão infernal de batuque carnavalesco. Mas pensar isso abrangente e imprecisa é ser golpista, querer sossego individualista em um demais para definir ambiente público chamado cidade é ser golpista. golpistas. Sendo assim, Enfim, aceitei o prêmio, mas não estarei pre- todos, de alguma forma, sente. Muitos amigos acharam que eu não deveria são golpistas. nem aceitar, uma vez que apenas feministas são VARIANTE LINGUÍSTICA agraciadas e eu sou apenas uma garota formada Expressões típicas da em marketing (aff, golpista!), que escreve filmes  linguagem oral (“aff”, de grande bilheteria (virge, golpista!), livros fa- “virge” e “nuuussa”) lando de si mesma (nuuussa, golpista!) e vendeu são usadas de forma sua alma a toda uma mídia diabólica. Mas eu me gradativa para ironizar quem a desqualifica. recusei a recusar. É como se ela estivesse Primeiro eu pergunto a vocês, pessoas tão antecipando o que eles maravilhosamente isentas de qualquer contato poderiam falar. com golpistas: como pagam as contas? Onde guardam dinheiro? Leem notícias? Nunca se  IRONIA E RETÓRICA divertem com a TV ou um filme comercial? A autora lança perguntas Respiram? Ou estão nuas em uma praia deserta retóricas (em que a resposta está embutida no Uruguai vivendo de ideais? Depois, desafio  na questão). Desta você, tão pleno de certezas protegidas pela dis- forma, desafia seus crição, a aturar todo santo dia a opinião do amigo opositores a viverem de internauta te xingando de velha, histérica, vaca, forma diferente da sua.  “alguém engravida essa mulher que ela para Note que a pergunta final “Respiram?” é a síntese de falar” e mesmo assim continuar escrevendo de que todos, então, todo santo dia. Eu só acredito em militante que seriam golpistas. trabalha. SAIBA MAIS Eu admiro você, jamais vendido, jamais gol-  IRONIA E SARCASMO pista, concentrado em seu quinto mestrado em “Eu admiro você” é a OS CAMINHOS DA IRONIA pau-brasil e há 11 anos escrevendo um roteiro formulação mais clássica A ironia nega aquilo que foi afirmado, propondo o da ironia – nega o que sem nenhuma verba ou incentivo ou produtor afirma. A cronista diz que oposto do que na realidade se pensa ou se escreve. ou distribuidor ou emissora ou patrocínio (ou aqueles que a atacam Um exemplo bem simples seria: Ana adora a sua sogra! história). Roteiro esse que vai viajar o mundo, ocupam-se de projetos (quando, na verdade, Ana a detesta). No texto em que mas também as comunidades ribeirinhas e vai irrelevantes. predomina a ironia, o leitor deve abandonar o plano arrebatar as únicas 47 pessoas que vão tomar referencial concreto e real para entrar em um outro conhecimento da sua existência. Me empresta  IRONIA E SUGESTÃO plano de sentido, que subverte o primeiro. esse avô rico aí e seremos melhores amigos. A cronista sugere que Há, no entanto, ironias mais finas, em que o discurso essas pessoas podem se não trabalha nesse plano tão óbvio de contraste. Ocor- IRONIA E REFERÊNCIA dedicar a projetos que não rendem dinheiro re nas relações intertextuais, nas referências, ou ainda A autora toma o Uruguai, de forma irônica (viver nas escolhas de palavras, como você pode conferir no de ideais), como exemplo de país progressista e porque são sustentadas antigolpista, uma vez que foi governado por Mujica, por avôs ricos. E pede texto ao lado. célebre expoente da esquerda, e legalizou a maconha. emprestado (no sentido A ironia está presente em textos diversos. Para se financeiro) um avô rico observar a ironia é preciso prestar bastante atenção na PRONOMES PESSOAIS para que ela também possa se dedicar a construção do discurso – a intenção do texto, o tipo de A autora faz uso da linguagem coloquial e emprega dois pronomes pessoais distintos quanto à uniformidade de projetos pouco rentáveis. palavra escolhida, o humor etc. – e no repertório cultural tratamento (“você”, da 3ª pessoa do singular; e “te”, e social que aparece ao longo do texto. O contexto é da 2ª pessoa do singular). fundamental para a compreensão da ironia. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 65 4 REALISMO/NATURALISMO REALISMO A vida como ela é Publicado em 1881, Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance revolucionário em vários aspectos. No Realismo (1881-1922), A quebra do enredo convencional, a estratégica utilização de um narrador-defunto que se anuncia as idealizações dão lugar à observação autor da obra e a negação de toda e qualquer redenção objetiva e rigorosa da sociedade de personagens em toda a narrativa tornam esse romance a maior ruptura realista feita no Brasil. E m contraste com o Romantismo, os es- critores realistas concebem a realidade segundo uma visão objetiva e materialis- ta. Defendem a produção de obras que retratem o real de modo documental, sem distorção nem Memórias Póstumas idealização, e muitas vezes com uma linguagem de Brás Cubas próxima do rigor científico. Em geral, os textos Machado de Assis servem como instrumentos de denúncia das desigualdades sociais. A burguesia é criticada CAPÍTULO 1: ÓBITO DO AUTOR NARRADOR-DEFUNTO por transformar as relações sociais e os próprios (TRECHO INICIAL) Brás Cubas narra, depois indivíduos em simples mercadorias. Ocorrem Algum tempo hesitei se devia abrir estas me- de morrer, as lembranças da vida. O lugar do qual o também ataques ao clero e à Igreja Católica. mórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria narrador fala é estratégico: O movimento se desenvolve durante a segunda em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morto, sua voz alcança fase da Revolução Industrial (a partir de 1870), morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo maior distanciamento em e o capitalismo torna-se um dos alvos centrais nascimento, duas considerações me levaram a relação aos fatos e aos das obras do período. Os personagens ganham adotar diferente método: a primeira é que eu não seres humanos. personalidades mais complexas, se comparadas sou propriamente um autor defunto, mas um de- ANTI-HERÓI ROMANESCO aos românticos. Em um mundo marcado por funto autor, para quem a campa foi outro berço; a Ao contrário dos heróis divisões econômicas, as fronteiras entre o social segunda é que o escrito ficaria assim mais galante românticos idealizados, e o psicológico muitas vezes remetem ao jogo e mais novo. (...) Brás Cubas é um indivíduo realista de “aparência versus essência”. repleto de defeitos, egoísmos e ambiguidades. CAPÍTULO 75: COMIGO O romance moderno, Machado de Assis Podendo acontecer que algum dos meus leitores gênero representativo do O maior ficcionista de sua época e um dos tenha pulado o capítulo anterior, observo que é mundo burguês, privilegia grandes escritores da literatura mundial, Ma- preciso lê-lo para entender o que eu disse comigo, protagonistas que não são chado de Assis (1839-1908) tornou-se famoso logo depois que Dona Plácida saiu da sala. O que modelos exemplares de conduta nem apresentam pelos contos e romances que publicou. Sua eu disse foi isto: uma trajetória comum, produção realista é marcada pela consciência – Assim, pois, o sacristão da Sé, um dia, aju- com todos os problemas das contradições de um Brasil dividido entre dando à missa, viu entrar a dama, que devia ser humanos. Nesse sentido, o desejo de modernização (segundo modelos sua colaboradora na vida de Dona Plácida. Viu-a ele se aproxima do capitalistas da burguesia liberal europeia) e a outros dias, durante semanas inteiras, gostou, personagem Leonardo, de Memórias de um Sargento manutenção das estruturas conservadoras de disse-lhe alguma graça, pisou-lhe o pé, ao acen- de Milícias. poder (o sistema patriarcal e escravocrata que der os altares, nos dias de festa. Ela gostou dele, ainda vigorava no país). O olhar crítico e aguçado acercaram-se, amaram-se. Dessa conjuncção de do Machado ficcionista explorará ao máximo  luxúrias vadias brotou Dona Plácida. E de crer essas oposições, desmascarando-as aos olhos que Dona Plácida não falasse ainda quando nas- do leitor. Para além das questões brasileiras, ceu, mas se falasse podia dizer aos autores de seus Machado de Assis utiliza a matéria histórica dias: – Aqui estou. Para que me chamastes? E o nacional para tratar de problemas e sentimentos sacristão e a sacristã naturalmente lhe responde- comuns a todos os seres humanos, em qualquer  riam: – Chamamos-te para queimar os dedos nos parte do mundo. tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não co- ! DOMÉSTICA E AGREGADA Dona Plácida foi abandonada pela filha – também PARA IR ALÉM bastarda – e sustentou a mãe, até que esta morresse. Após ouvir a história da agregada, a ironia e o rancor saltam aos olhos de Brás Cubas: Dona Plácida serve de álibi para que Utilizando os recursos oferecidos pelas HQs, ele e Virgília concretizem o amor adúltero. Os amores dos pelo menos três editoras criaram um novo jeito de dois são conjunções de luxúrias vazias, origem de Dona conhecer o clássico Memórias Póstumas de Brás Plácida, cujo destino é viver trabalhando, adoecendo e se Cubas: Ática, Desiderata e Escala Educacional. curando, até que morra decrépita. 66 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS CIÚME E ADULTÉRIO A traição é tema recorrente nos romances realistas. Após trair o marido, a sonhadora Luisa, de O Primo Basílio, é acometida pela culpa, que a leva à morte. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o narrador é o amante do triângulo amoroso, completado por Virgília e seu marido. Ao contrário de Luisa, Virgília é prática, tipicamente realista, e mantém um caso sem dramas com Brás Cubas. Nas duas obras, o adultério é incontestável. Já em Dom Casmurro, como a nar- ração é em primeira pessoa, não há como dizer que mer, andar de um lado para outro, na faina, ado- Capitu traiu Bentinho. O suposto adultério pode ter ecendo e sarando, com o fim de tornar a adoecer sido invenção do ciumento narrador. Dúvida parecida e sarar outra vez, triste agora, logo desesperada, paira no livro modernista São Bernardo, de Graciliano amanhã resignada, mas sempre com as mãos no Ramos. A infidelidade de Madalena seria uma fantasia tacho e os olhos na costura, até acabar um dia na FRUSTRAÇÃO do narrador, seu marido, Paulo Honório? lama ou no hospital; foi para isso que te chama- O projeto do emplasto mos, num momento de simpatia. Brás Cubas, medicamento revolucionário por meio do qual o narrador- O Primo Basílio CAPÍTULO 160: DAS NEGATIVAS Eça de Queirós personagem sonhava Entre a morte do Quincas Borba e a minha, me- alcançar a glória diram os sucessos narrados na primeira parte do pessoal, acabou por “Sentia então como um alívio doloroso, em ver livro. O principal deles foi a invenção do emplasto levar indiretamente seu o fim do seu longo martírio! Havia meses que ele Brás Cubas, que morreu comigo, por causa da mo- idealizador à morte. durava. E pensando em tudo o que tinha feito e léstia que apanhei. Divino emplasto, tu me darias que tinha sofrido, as infâmias em que chafurdara e ADVÉRBIO o primeiro lugar entre os homens, acima da ciên- O título do capítulo, Das as humilhações a que descera, vinha-lhe um tédio cia e da riqueza, porque eras a genuína e direta negativas, repercute na de si mesma, um nojo imenso da vida. Parecia-lhe inspiração do Céu. O caso determinou o contrário; série de frases declarativas que a tinham sujado e espezinhado; que nela nem e aí vos ficais eternamente hipocondríacos. negativas presentes no  havia orgulho intacto, nem sentimento limpo; que Este último capítulo é todo de negativas. Não texto, nas quais o advérbio tudo em si, no seu corpo e na sua alma, estava en-  alcancei a celebridade do emplasto, não fui mi- não acentua o caráter de xovalhado, como um trapo que foi pisado por uma negatividade e frustração nistro, não fui califa, não conheci o casamento. do narrador-protagonista. multidão, sobre a lama. Não valia a pena lutar por Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a uma vida tão vil. O convento seria já uma purifi-  boa fortuna de não comprar o pão com o suor do IRONIA cação, a morte uma purificação maior... – E onde meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida, Brás Cubas se refere estava ele, o homem que a desgraçara? Em Paris, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas ironicamente às sucessivas retorcendo a guia dos bigodes, chalaceando, go- umas cousas e outras, qualquer pessoa imaginará ações fracassadas de vernando os seus cavalos, dormindo com outras! sua vida, resultantes da que não houve míngua nem sobra, e conseguinte- E ela morreria ali, estupidamente! E quando lhe fraqueza e da leviandade. mente que saí quite com a vida. E imaginará mal; A ironia é o recurso textual escrevera a pedir-lhe que a salvasse, nem uma porque ao chegar a este outro lado do mistério, frequentemente usado palavra de resposta; nem a julgara digna do meio achei-me com um pequeno saldo, que é a derra- pelo autor para tratar das tostão da estampilha! (...) Oh, que estúpida que é a deira negativa deste capítulo de negativas: – Não questões humanas. vida! Ainda bem que a deixava!”  tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o PESSIMISMO  legado da nossa miséria. O desiludido narrador Editora Ática, São Paulo, 1998 Record, 1998 apresenta uma perspectiva pessimista da existência. Ele declara HIPÉRBOLE E DISCURSO INDIRETO LIVRE PRONOME POSSESSIVO não haver deixado Por meio do discurso indireto livre, o narrador recupera O uso do pronome possessivo “nossa” tem o efeito de descendentes em vida os pensamentos de Luisa: a personagem, em seu criar cumplicidade e ironia: a miséria não seria só de e, portanto, não tem sofrimento, exagera a percepção da realidade e carrega Brás Cubas, mas de toda a humanidade. a quem transmitir o suas reflexões de contornos trágicos. A imagem da alma legado da existência humilhada e pisada é construída de modo hiperbólico. humana (ironicamente A hipérbole é a figura dos exageros e da intensificação constituído de misérias). das ideias. Ela funciona também como um advérbio, um recurso de intensificação. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 67 4 REALISMO/NATURALISMO REALISMO Os capítulos iniciais de Dom Casmurro (1899) mostram o estilo solitário de vida do narrador Bentinho. A obra PARA IR ALÉM guarda um dos mais célebres enigmas da literatura brasileira: a incerteza sobre a traição de Capitu. Destaca-se Na minissérie Capitu, o jogo complexo narrativo e a desconfiança nas palavras exibida pela TV Globo de Bentinho – tornadas duvidosas pela parcialidade do narrador-personagem, envolvido nos fatos. em 2009 e dirigida por Luiz Fernando Carvalho, a adaptação combina elementos da ópera, do teatro e da cultura pop, o que resulta em Dom Casmurro figurinos, cenários e Machado de Assis trilha sonora originais. Disponível em DVD e, MARCADORES ESPACIAIS CAPÍTULO 2: DO LIVRO PRESENTE E PRETÉRITO alguns capítulos, pela E TEMPORAIS Vivo só, com um criado. A casa em que moro é O autor usa no início O ponto de partida da internet. própria; fi-la construir de propósito, levado de um verbos no presente, que narração é a compra destacam as condições da residência atual, desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, de vida do narrador. Em reformada para mas vá lá. Um dia, há bastantes anos, lembrou-  seguida, os fatos são tornar-se igual à casa  me reproduzir no Engenho Novo a casa em que narrados no pretérito, onde ele vivera na me criei na antiga Rua de Matacavalos, dando- a fim de evocar as infância. A passagem do lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, lembranças do narrador. tempo é representada pela alteração do que desapareceu. Construtor e pintor entenderam espaço físico, recurso bem as indicações que lhes fiz: é o mesmo prédio estilístico importante na assobradado, três janelas de frente, varanda ao composição da narrativa. fundo, as mesmas alcovas e salas. Na principal  DESCRIÇÃO destas, a pintura do teto e das paredes é mais ou O método descritivo é menos igual, umas grinaldas de flores miúdas usado com frequência pelos realistas: para e grandes pássaros que as tomam nos bicos, de representar a realidade, espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as detalham os traços COMPARAÇÕES figuras das estações, e ao centro das paredes os constitutivos de espaços O narrador faz duas medalhões de César, Augusto, Nero e Massinissa, e pessoas. Mas não se comparações: entre os tempos passado e com os nomes por baixo... Não alcanço a razão trata mais de descrições idealizadas, como no presente (mostrando que, de tais personagens. Quando fomos para a casa de período romântico: a para lidar com a passagem Matacavalos, já ela estava assim decorada; vinha realidade é retratada de dos anos, quis reconstruir do decênio anterior. Naturalmente era gosto do modo objetivo e fiel. a casa em que vivia na tempo meter sabor clássico e figuras antigas em infância) e entre as vidas no interior da residência e pinturas americanas. O mais é também análogo e no mundo exterior (uma, parecido. Tenho chacarinha, flores, legume, uma ORAÇÃO SUBORDINADA pacata; outra, ruidosa).  casuarina, um poço e lavadouro. (...) Enfim, agora, ADJETIVA como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida O pronome relativo interior, que é pacata, com a exterior, que é ruidosa.  “que” é empregado O meu fim evidente era atar as duas pontas da para construir orações PERSONAGENS subordinadas adjetivas vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, se- explicativas (responsáveis COMPLEXOS O desejo do narrador  nhor, não consegui recompor o que foi nem o que por acrescentar uma é articular o início e fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é dife- informação complementar o fim da existência. rente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem sobre os referentes – no A construção da casa consola-se mais ou menos das pessoas que perde; caso, a vida interior e busca conectar épocas a vida exterior à casa mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui de Bentinho). Mais diferentes. No entanto, a aparente recuperação da está é, mal comparando, semelhante à pintura que acima, a construção infância por meio da casa se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conser- “em que” foi empregada não foi bem-sucedida: a va o hábito externo, como se diz nas autópsias; o para construir orações essência da juventude interno não aguenta tinta. Uma certidão que me subordinadas adjetivas não pode ser recuperada. restritivas (responsáveis desse vinte anos de idade poderia enganar os estra- por especificar que, entre Na estética realista, os personagens são mais nhos, como todos os documentos falsos, mas não a todas as casas existentes, o narrador se refere à complexos do que os do ! própria residência). período romântico. 68 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS DE CRIANÇA A MULHER Em Minha Vida de Menina (1942), livro diário que com- preende o período de janeiro de 1893 a dezembro de 1895, Helena Morley faz um retrato da sua vida na Dia- mantina do século XIX. No livro, como sugere o crítico literário Roberto Schwarz, “assistimos à transformação da criança observadora e crítica na mocinha espertíssi- ma”. A força sedutora dos modos despachados e poucos convencionais de Helena e um erotismo ambíguo (me- nina/mulher) a aproximam de Capitu, a protagonista mim. Os amigos que me restam são de data recente; de Dom Casmurro. todos os antigos foram estudar a geologia dos cam-  EUFEMISMO pos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de O narrador usa um quinze anos, outras de menos, e quase todas creem eufemismo para fazer referência à morte dos Minha Vida de Menina na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos ou- amigos (“foram estudar Helena Morley tros, mas a língua que falam obriga muita vez a con- a geologia dos campos- sultar os dicionários, e tal frequência é cansativa. santos”). [12 de novembro de 1894] Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida an- Joviano, que já é normalista, veio contratar tiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe  SENTIDO DA EXISTÊNCIA com meu pai lições de inglês. Tem vindo todas achei; mas é também exato que perdeu muito espi- Para tentar atribuir as tardes das cinco às seis, e tem me atrapalhado sentido à existência, o nho que a fez molesta (...) Quis variar, e lembrou-me muito no estudo e também na vida em casa. narrador opta por escrever escrever um livro. uma obra autobiográfica Nossa casa é pequena e todo rebuliço se escuta e retomar passagens da na sala. Eu e Luisinha temos uma infelicidade CAPÍTULO 32: OLHOS DE RESSACA própria vida. conosco; meu pai não gosta de nos ver rir muito. Tinha-me lembrado a definição que José Dias Mas parece até pirraça e juro que não é: quando dera deles, “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. meu pai está na lavra, só rimos quando há motivo; Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada mas se ele está em casa, uma não pode olhar para sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu a outra que disparamos no riso. deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que Depois que Joviano está vindo, meu pai re- era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário; comendou que não ríssemos nem falássemos a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demo- cá dentro, pois o rapaz ficava de ouvido alerta ra da contemplação creio que lhe deu outra ideia do para escutar o que falávamos e não prestava meu intento; imaginou que era um pretexto para atenção à aula. mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, Nós não fazemos barulho; mas deixar de rir, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que en- sendo proibido, é impossível. Meu pai chega a trassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com gritar da sala para acabarmos com isso. tal expressão que... METÁFORA Hoje, conversando com Maricas, irmã dele (Jo- Retórica dos namorados, dá-me uma comparação A bela e estonteante viano), eu lhe contei o caso e o nosso sofrimento exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos metáfora dos “olhos de de rirmos à toa, principalmente depois que o de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, ressaca”, presente no título irmão está vindo dar lições. Ela disse: “É porque sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram deste capítulo, ressalta o Seu Alexandre ainda não desconfiou que ele gosta poder sedutor de Capitu, e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que traga Bentinho como mais de ouvir você rir do que das lições. Ele disse que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não  areia movediça. lá em casa que gostava de ver você rir e falar sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que perto dele o dia inteiro. Não se lembra daquela arrastava para dentro, como a vaga que se retira da bobagem que você fez no dia que a levamos para praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, METONÍMIA a casa com aquela chuva? Você estava com umas agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos Os olhos dão também a botinas de elásticos arrebentados e encharcadas e braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas ideia metonímica (a parte da porta da rua foi sacudindo as pernas e atirando tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía  substituindo o todo) do as botinas no corredor. Viano falou na mesa que que Capitu vai representar delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando para o narrador: o poder sabe que vai ficar solteirão, porque só se casará envolver-me, puxar-me e tragar-me. avassalador que ela terá com uma moça que faça aquele gesto perto dele L&PM editores, 1997 sobre ele. e sabe que não encontrará”. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 69 4 REALISMO/NATURALISMO REALISMO Eça de Queirós Neste último livro de Eça de Queirós (1901), publicado Um dos marcos do movimento realista em um ano após sua morte, a temática do campo versus cidade é o cerne da história. O autor mostra Portugal é a publicação, em 1874, do primeiro a futilidade reinante na cidade e satiriza as ideias conto ligado à nova estética escrito em língua por- positivistas que predominavam na época. tuguesa: Singularidades de uma Rapariga Loura, de Eça de Queirós (1845-1900). O autor, um dos principais nomes da literatura de Portugal, fixa importantes referências estéticas para o período. O romance A Cidade e as Serras, uma de suas A Cidade e as Serras ARTIGO principais obras, trata da onda de cientificismo Eça de Queirós O artigo “a” define e modernização que influenciou a cultura euro- civilização: trata-se desta civilização, e não peia na segunda metade do século XIX. No caso Eu murmurei, das profundidades do meu assom- de outra. Veja outros específico de Portugal, havia uma expectativa brado ser: significados que os de equiparação do país em relação ao desen- – Eis a civilização!  artigos podem exprimir volvimento tecnológico observado nas demais Jacinto empurrou uma porta, penetramos numa no Saiba mais da página nações do continente europeu. nave cheia de majestade e sombra, onde reconheci a ao lado. Eça de Queirós, por meio dos projetos ino- biblioteca por tropeçar numa pilha monstruosa de DESCRIÇÃO vadores do protagonista, Jacinto (defensor da livros novos. O meu amigo roçou de leve o dedo na O procedimento civilização), e das intervenções do narrador-per- parede; e uma coroa de lumes elétricos, refulgindo descritivo, muito sonagem, José Fernandes (oriundo do campo), entre os lavores do teto, alumiou as estantes monu- empregado pelos realistas, explicita o contraste entre o progresso urbano mentais, todas de ébano. (...) é usado para evidenciar a ânsia de modernidade de e a tradição rural. Ele erguera uma tapeçaria – entramos no seu Jacinto (representativa As Cidades e as Serras apresenta também gabinete de trabalho, que me inquietou. [...] Sedas  de boa parte da elite traços do romance de tese, aquele que, por meio verdes envolviam as luzes elétricas, dispersas em portuguesa da época). da história narrada, defende uma ideia. Neste lâmpadas tão baixas que lembravam estrelas ca- Por meio da apresentação caso, a narrativa concretiza as oposições entre ídas por cima das mesas, acabando de arrefecer da casa do protagonista, Eça realiza uma sátira dos campo e cidade, simplicidade e tecnologia. e morrer (...) E entre aqueles verdes reluzia, por costumes burgueses. sobre peanhas e pedestais, toda uma mecânica suntuosa, aparelhos, lâminas, rodas, tubos, en- SUBSTANTIVOS grenagens, hastes, friezas, rigidez de metais... Após enumerar uma série (...) de componentes dos aparelhos (designados por – E acumulaste civilização, Jacinto! Santo Deus...  substantivos concretos), Está tremendo, o 202! o narrador explicita, por Ele espalhou em torno um olhar onde já não fais- meio de substantivos cava a antiga vivacidade: abstratos (“frieza” e – Sim, há confortos... Mas falta muito! A huma- “rigidez”), o caráter impessoal e artificial nidade ainda está mal apetrechada, Zé Fernandes... das máquinas. Em todo E a vida conserva resistências. o romance, ocorre a Subitamente, a um canto, repicou a campainha decepção de Jacinto com do telefone. (...) Jacinto acudiu, com a face no te- o “mundo moderno”. lefone: DISCURSO DIRETO – Vê aí o telégrafo!... Ao pé do divã. Uma tira de As exclamações de Zé papel que deve estar a correr.  Fernandes, reproduzidas – E, com efeito, duma redoma de vidro posta por meio de discurso numa coluna, e contendo um aparelho esperto e di- direto, visam a quebrar o ligente, escorria para o tapete como uma tênia, (...) longo trecho descritivo e inserem no texto aspectos ligados ao dinamismo ! e à ação. O leitor tem a impressão de ver os ANSIEDADE E CONSUMISMO personagens conversando Jacinto encarna a ansiedade do indivíduo moderno, no gabinete de Jacinto. sedento de velocidade e simultaneidade. Ao mesmo tempo que fala ao telefone, pede a Jacinto que verifique a chegada de uma nova mensagem no telégrafo. Na prosperidade material e nas posses de Jacinto, nota-se o apego ao consumismo, estimulado pelo capitalismo burguês e industrial. [1] 70 GE PORTUGUÊS 2018 Neste outro trecho do mesmo livro, Zé Fernandes, preocupado, consulta seu fiel criado Grilo sobre o CONEXÕES desânimo de Jacinto. Ele diz que o patrão (Jacinto) sofria de “fartura”. Esse fastio vai desencadear no personagem mudança de rumo e de ares. Trocará o ANÚNCIO PUBLICITÁRIO tédio da cidade por uma vida nova no campo. Uma noite no meu quarto, descalçando as bo- NARRADOR EXCÊNTRICO Zé Fernandes não é tas, consultei o Grilo: somente um típico – Jacinto anda tão murcho, tão corcunda... narrador. É um Que será, Grilo? observador da trajetória O venerando preto declarou com uma certeza do protagonista. O tédio imensa: proporcionado pela “fartura” aborrecera – Sua Excelência sofre de fartura. o “Príncipe”– nome Era fartura! O meu Príncipe sentia abafada- carinhoso e irônico mente a fartura de Paris; e na Cidade, na simbó- usado para designar lica Cidade, fora de cuja vida culta e forte (como o mimado Jacinto. [2] ele outrora gritava, iluminado) o homem do sé- culo XIX nunca poderia saborear plenamente Os contrastes entre o progresso urbano e o sossego a “delícia de viver”, ele não encontrava agora do campo, apontados em A Cidade e as Serras, forma de vida, espiritual ou social, que o inte- mantêm-se nos dias de hoje. No romance, a mudança ressasse (...) Pobre Jacinto! Um jornal velho (...) de Jacinto, da agitada Paris para o agrário Portugal, não enfastiaria mais o solitário, que só possuísse mostra, primeiramente, a superioridade da vida rural na sua solidão esse alimento intelectual, do que o ARTIGO ENFÁTICO e, no fim da obra, uma síntese dos dois ambientes. O O artigo definido anúncio acima é um exemplo de como a sociedade parisianismo enfastiava o meu doce camarada! (o, a) empregado em moderna também tem buscado unir o melhor dos Se eu nesse verão capciosamente o arrastava a conjunto com o pronome dois: a praticidade das cidades e a tranquilidade do um café-concerto (...), o meu bom Jacinto, cola- possessivo assume valor campo. Essa tendência é expressa na multiplicação de do pesadamente à cadeira, com um maravilhoso semântico de ênfase, uma condomínios residenciais, cuja publicidade emprega ramo de orquídeas na casaca, as finas mãos aba- vez que a particularidade termos bucólicos, como “natureza” e “área verde”. expressa pelo possessivo Delineia-se a promessa de viver num espaço ao mesmo tidas sobre o castão da bengala, conservava toda dispensaria o artigo. Seu tempo verde e urbano, atraente para quem acredita ser a noite uma gravidade tão estafada, que eu, com- emprego, porém, torna possível ter a calmaria de um refúgio rural sem perder padecido, me erguia, o libertava, gozando a sua  mais clara a ideia de que o conforto da cidade. pressa em abalar, a sua fuga de ave solta... (...) o protagonista é descrito Não se ocupara mais das suas sociedades e com- aos olhos do narrador. panhias, nem dos telefones de Constantinopla, nem das religiões esotéricas, nem do bazar espi- ritualista, cujas cartas fechadas se amontoavam sobre a mesa de ébano, de onde o Grilo as varria tristemente como o lixo de uma vida finda. Tam- PERSONAGEM bém lentamente se despegava de todas as suas ENFASTIADA SAIBA MAIS convivências. As páginas da agenda cor-de-rosa Eça descreve Jacinto como um típico burguês murcha andavam desafogadas e brancas. E se enfastiado com a O ARTIGO ainda cediam a um passeio de mail-coach, ou a  vida social. O autor É a palavra que costuma preceder o substantivo, indi- um convite para algum castelo amigos dos arre- busca caracterizar no cando-lhe o gênero (masculino ou feminino) e o número dores de Paris, era tão arrastadamente, com um personagem um arquétipo (singular ou plural). Pode ser definido (o, a, os, as) ou esforço saturado (...) da elite portuguesa, indefinido (um, uma, uns, umas). Do ponto de vista da a qual criticava. Jazer, jazer em casa, na segurança das portas semântica, os artigos podem expressar diversos signi- bem cerradas e bem fendidas contra toda a in- ficados, como: trusão do mundo, seria uma doçura para o meu • Adjetivo: Fernanda Montenegro é a atriz! (= excelente) Príncipe se o seu próprio 202, com todo aquele  PONTUAÇÃO • Ideia de aproximação: Sharon Stone tem uns 60 anos. tremendo recheio de Civilização, não lhe desse O ponto de exclamação (= aproximadamente) uma sensação dolorosa de abafamento, de atu- enfatiza o retrato de tédio • Ênfase: Estou com uma fome! (= muito intensa) que o narrador busca lhamento! fazer de Jacinto. Dessa • Generalização: O homem é um animal racional... (...) forma, ele ironiza o que (= todos os homens) Nobel, 2009 o protagonista outrora • Indicação de posse: Roberto Carlos rapou a cabeça chamava de civilização. novamente. (= dele) [1] © TEREZA BETTINARDI [2] REPRODUÇÃO GE PORTUGUÊS 2018 71 4 REALISMO/NATURALISMO NATURALISMO Relatos quase Publicado em 1890, O Cortiço traça o perfil da sociedade brasileira no fim do século XIX. Pela janela, um narrador científicos assiste à formação de um cortiço ao lado de seu sobrado. O autor registra a ascensão de uma classe social que não medirá esforços para enriquecer e atingir o poder Os autores do Naturalismo político. Portugueses, negros e mulatos experimentam a pobreza e a desigualdade social em leituras (1881-1922) se colocam como animalizadas do ser humano. observadores imparciais diante de seu objeto de estudo – os personagens C onsiderada por muitos especialistas a radicalização do Realismo, a estética O Cortiço naturalista se estabelece na Europa e Aluísio Azevedo no Brasil na segunda metade do século XIX, impulsionada por uma série de avanços cien- Uma bela noite, porém, o Miranda, que era  DERIVAÇÃO IMPRÓPRIA tíficos, principalmente nos campos da biologia homem de sangue esperto e orçava então pelos O adjetivo “bela” é e da sociologia.  seus trinta e cinco anos, sentiu-se em insupor- empregado como um pronome indefinido Além de observarem a realidade, os autores tável estado de lubricidade. Era tarde já e não (“uma noite qualquer”). naturalistas procuram explicar os acontecimen- havia em casa alguma criada que lhe pudesse  A escolha da palavra tos com base em teorias científicas. O romance valer. Lembrou-se da mulher, mas repeliu logo esta “bela” cria uma se converte numa espécie de laboratório, no ideia com escrupulosa repugnância. Continuava anteposição à noção de  qual temas considerados polêmicos pela so- a odiá-la. Entretanto este mesmo fato de obriga- grotesco presente na relação do casal, na qual ciedade do período são expostos sem ideali- ção em que ele se colocou de não servir-se dela, a não há nenhuma indicação zação nem contornos atenuantes. A influência responsabilidade de desprezá-la, como que ainda  de amor e de belo. do meio sobre o indivíduo (determinismo) e mais lhe assanhava o desejo da carne, fazendo da a evolução dos seres vivos (darwinismo) são esposa infiel um fruto proibido. Afinal, coisa singu- COISIFICAÇÃO Com o objetivo de algumas das ideias incorporadas por escritores lar, posto que moralmente nada diminuísse a sua criticar os valores para explicar o comportamento dos personagens repugnância pela perjura, foi ter ao quarto dela. civilizatórios burgueses (e, desse modo, interpretar a própria realidade). (...) Ah! ela contava como certo que o esposo, e a descaracterização da No Brasil, Aluísio Azevedo (1857-1913) retratou desde que não teve coragem de separar-se de casa, “humanidade” do homem, o modo de vida das classes populares e também havia, mais cedo ou mais tarde, de procurá-la de alguns personagens se tornam coisas ou objetos. o comportamento animalesco que pode estar novo. Conhecia-lhe o temperamento, forte para O texto deixa transparecer por trás das aparências de civilidade. É autor, desejar e fraco para resistir ao desejo. o papel da criadagem nesse entre outros, de O Mulato (1881), que marca o ! processo de coisificação do início do Naturalismo no Brasil, e de O Cortiço ser humano. (veja ao lado), considerado o principal romance naturalista brasileiro. VOCABULÁRIO A escolha da forma verbal “orçava” revela o caráter ambicioso de Miranda, que resumia tudo a dinheiro  O QUE ISSO TEM A VER COM A BIOLOGIA e a benefício próprio. A seleção vocabular é um O inglês Charles Darwin desenvolveu a teoria da procedimento essencial para a construção de um texto. evolução das espécies pela seleção natural. Segundo a teoria, os indivíduos nascem com pequenas diferenças, e algumas delas facilitam sua sobrevivência. Elas são APARÊNCIA VERSUS ESSÊNCIA transmitidas aos descendentes, e o meio ambiente Após verificar a traição de Estela, Miranda toma PARA IR ALÉM funcionaria como filtro para selecionar os organismos providências. No entanto, tais medidas só se estendem mais adaptados. Para saber mais, veja o GUIA DO à vida privada. Na vida pública, mantinham a aparência O Cortiço foi adaptado ESTUDANTE BIOLOGIA. de casal unido. Interesses financeiros e reputação para os quadrinhos social estão em jogo. Lobo Neves, marido de Virgília, pela Editora Ática, por toma uma atitude semelhante à de Miranda; no entanto, quando percebe que o adultério da mulher Rodrigo Rosa e Ivan Jaf, pode prejudicar sua vida pública, afasta os amantes. que fizeram intensa pesquisa para reconstituir SEXUALIDADE a paisagem carioca com Há uma visão não espiritualizada dos afetos humanos. seus cortiços no século O retrato da sexualidade aflorada, muitas vezes XIX. Essa versão traz uma por meio de hipérboles e adjetivos, é tipicamente naturalista. nova linguagem, sem deixar de lado o humor e a acidez da crítica social presentes na obra original. 72 GE PORTUGUÊS 2018 SAIU NA IMPRENSA Consumado o delito, o honrado negociante sen- MACACOS TÊM AVERSÃO À INJUSTIÇA tiu-se tolhido de vergonha e arrependimento. Não Fernando Reinach teve ânimo de dar palavra, e retirou-se tristonho e (...) murcho para o seu quarto de desquitado. Em 2003, Frans de Waal publicou um experimento Oh! como lhe doía agora o que acabava de pra- clássico. Colocou dois macacos em jaulas vizinhas e ticar na cegueira da sua sensualidade. os treinou para que devolvessem pedras colocadas (...) no interior da gaiola. Para cada pedra entregue eles NATURALISMO No dia seguinte, os dois viram-se e evitaram-se A descrição física ligada ao recebiam uma fatia de pepino (...) Mas algo espantoso em silêncio, como se nada de extraordinário hou- corpo é muito explorada acontecia quando um dos macacos era recompensado vera entre eles acontecido na véspera. pelos naturalistas para com uma uva em vez de uma fatia de pepino. (...) o ou- (...) representar os aspectos tro, que podia observar o pagamento superior recebido Mas, daí a um mês, o pobre homem, acometido instintivos e naturais do pelo vizinho (a uva) se revoltava. Parava de entregar a ser humano. As descrições de um novo acesso de luxúria, voltou ao quarto apelam para o grotesco e pedra ou atirava o pepino no cientista. da mulher. o animalesco. O homem, (...) (...) que passa a ser objeto de Recentemente, um novo tipo de comportamento foi de- Miranda nunca a tivera, nem nunca a vira, assim investigação científica, é tectado, mas agora somente em chimpanzés e crianças tão violenta no prazer. Estranhou-a. Afigurou-se-lhe descrito com precisão e humanas. É a chamada aversão secundária à injustiça. detalhamento. estar nos braços de uma amante apaixonada: Nesses experimentos, foi demonstrado que em certas descobriu nela o capitoso encanto com que nos situações o chimpanzé ao qual é oferecido o pagamento embebedam as cortesãs amestradas na ciência do mais valioso (uva) se recusa a receber o pagamento, a gozo venéreo. Descobriu-lhe no cheiro da pele e no DINAMISMO não ser que seu par receba o mesmo pagamento ou A repetição da forma cheiro dos cabelos perfumes que nunca lhe sentira; verbal “gozou” um semelhante. (...) Nada mal para um macaco, algo notou-lhe outro hálito, outro som nos gemidos e nos reforça o caráter de muito difícil de observar entre seres humanos adultos, suspiros. E gozou-a, gozou-a loucamente, com delí-  dinamismo conferido mas quase automático entre crianças de até 4 anos. rio, com verdadeira satisfação de animal no cio. à narrativa e insere o (...) E ela também, ela também gozou, estimulada leitor ao momento de Talvez devêssemos investigar melhor nosso lado delírio vivido pelos por aquela circunstância picante do ressentimento personagens. animal. Será que encontraremos outras características que os desunia; gozou a desonestidade daquele ato hereditárias, hoje inibidas pela educação, capazes de que a ambos acanalhava aos olhos um do outro; nos tornar animais melhores? estorceu-se toda, rangendo os dentes, grunhindo,  ANIMALIZAÇÃO debaixo daquele seu inimigo odiado, achando-o O desejo ligado ao O Estado de S. Paulo, 18/10/2014 também agora, como homem, melhor que nunca, cio é frequente na literatura naturalista.  sufocando-o nos seus braços nus, metendo-lhe pela Os personagens boca a língua úmida e em brasa. Este artigo, redigido por um biólogo, relata pesquisas sofrem um processo de L&PM editores, 1998. sobre o senso de justiça entre os macacos. O texto animalização conhecido realiza uma característica inversa à executada pelos por zoomorfismo. autores naturalistas. Estes usavam a zoomorfização, ou seja, por trás da aparente civilidade, mostravam o DESEJO comportamento animalesco e os aspectos instintivos Estela é movida pelo desejo físico (evidenciado pelas inerentes às ações dos personagens. Já os estudos descrições naturalistas), ao contrário de Virgília, de apontam para o caminho contrário. Humanizam os Memórias Póstumas de Brás Cubas (motivada pelo desejo animais e revelam que muitas das características de alcançar status, aspecto assinalado com a ironia geralmente atribuídas a humanos, como a capacidade machadiana voltada para as relações sociais), e de Luisa, de de se incomodar com injustiças ou de solidarizar-se com O Primo Basílio (que deseja viver uma aventura romântica). o próximo, não são exclusividade da nossa espécie. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 73 4 COMO CAI NA PROVA 1. (FUVEST 2016 ADAPTADA) a) recorre à tradição bíblica como fonte de inspiração para a Texto para a questão. humanidade. – Pois, Grilo, agora realmente bem podemos dizer que o sr. D. Jacinto b) desconstrói o discurso da filosofia a fim de questionar o conceito está firme. O Grilo arredou os óculos para a testa, e levantando para de dever. o ar os cinco dedos em curva como pétalas de uma tulipa: – Sua c) resgata a metodologia da história para denunciar as atitudes Excelência brotou! Profundo sempre e digno preto! Sim! Aquele irracionais. ressequido galho da Cidade, plantado na Serra, pegara, chupara o d) transita entre o humor e a ironia para celebrar o caos da vida cotidiana. húmus do torrão herdado, criara seiva, afundara raízes, engrossara e) satiriza a matemática e a medicina para desmistificar o saber de tronco, atirara ramos, rebentara em flores, forte, sereno, ditoso, científico. benéfico, nobre, dando frutos, derramando sombra. E abrigados pela grande árvore, e por ela nutridos, cem casais* em redor o bendiziam. RESOLUÇÃO Eça de Queirós, A Cidade e as Serras O autor do texto constrói uma visão da história tomada pelo humor e *casal: pequena propriedade rústica; pequeno povoado. pela ironia. Essa figura de linguagem consiste em dizer o oposto do que se quer expressar, mas pode se manifestar de outras formas também. Tal como se encontra caracterizado no excerto, o destino alcançado Aqui, ela se expressa por meio da visão ácida dos aspectos negativos pelo personagem Jacinto contrasta de modo mais completo com a da vida e da história, que são narrados de forma leve e bem-humorada. maneira pela qual culmina a trajetória de vida do personagem Resposta: D a) Leonardo (filho), de Memórias de um Sargento de Milícias. b) Jão Fera, de Til. c) Brás Cubas, de Memórias Póstumas de Brás Cubas. 3. (ENEM 2014) d) Jerônimo, de O Cortiço. e) Pedro Bala, de Capitães da Areia. RESOLUÇÃO Jacinto, aristocrata e membro da elite, contrasta com Brás Cubas, uma vez que este fracassou em todos os projetos em que se envolveu, en- quanto Jacinto rejuvenesce indo para Tormes. As classes sociais, a ori- gem de cada um deles e as circunstâncias não permitem confundir es- ses personagens, mas há pontos de contato que podem levar à confusão. Em relação às outras alternativas: a) ainda que Leonardo, persona- gem simples de gente do povo, tenha se casado com Luisinha e se tor- nado sargento de milícias, sua trajetória não mostra nenhum mérito seu, uma vez que foi ajudado em todas as circunstâncias de sua vida, enquanto Jacinto ajudava aos necessitados. Sobre b e e) Jão Fera, bugre e capataz, e Pedro Bala, garoto delinquente e depois líder gre- vista, não se assemelham ao nobre e aristocrata Jacinto. No que diz respeito à d) a trajetória de Jerônimo incluiu um processo de degra- dação, o que não o faz semelhante a Jacinto, que não passa por es- A publicidade, de uma forma geral, alia elementos verbais e imagé- ses percalços e tampouco é influenciado pelo meio como Jerônimo. ticos na constituição de seus textos. Nessa peça publicitária, cujo Resposta: C tema é a sustentabilidade, o autor procura convencer o leitor a a) assumir uma atitude reflexiva diante dos fenômenos naturais. b) evitar o consumo excessivo de produtos reutilizáveis. 2. (ENEM 2015) c) aderir à onda sustentável, evitando o consumo excessivo. Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. d) abraçar a campanha, desenvolvendo projetos sustentáveis. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, e) consumir produtos de modo responsável e ecológico. as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a fi- losofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então RESOLUÇÃO surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos É papel de um texto publicitário convencer alguém de algo. No caso desta sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram peça publicitária, ela solicita não só a adesão do leitor para a campanha inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada “garanta sua sacola retornável”, mas também o invoca a ter ações susten- um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança. táveis. Em relação às alternativas incorretas, vale destacar que a inten- BONASSI, F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: MORICONI, Í. (Org.). Os Cem Melhores Contos do Século. ção de um texto publicitário é modificar o comportamento do leitor e não Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. apenas sugerir a ele reflexão (a). As ideias contidas nas outras alternativas A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um também aparecem, mas não é o que prevalece. Perceba que os elemen- painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do tos verbais e não verbais solicitam o uso específico da sacola retornável. olhar contemporâneo manifesta uma percepção que Resposta: D 74 GE PORTUGUÊS 2018 RESUMO 4. (FGV ECONOMIA 2014) Literatura do Realismo/Naturalismo Identifique e explique o tipo de discurso presente nos trechos REALISMO (1881-1922) No fim do século XIX, em oposição à transcritos. subjetividade romântica, os escritores realistas concebem a realidade segundo uma visão materialista e objetiva. A obser- a) — Neste momento, Tupã não é contigo! replicou o chefe. O Pajé riu; vação atenta de paisagens, pessoas e fenômenos é feita com e seu riso sinistro reboou pelo espaço como o regougo da ariranha. precisão rigorosa. Em lugar de heróis, os personagens são — Ouve seu trovão e treme em teu seio, guerreiro, como a terra em pessoas comuns, cheias de problemas e limitações, geralmente sua profundeza. Araquém, proferindo essa palavra terrível, avançou vivendo em ambientes urbanos. até o meio da cabana; ali ergueu a grande pedra e calcou o pé com força no chão; súbito, abriu-se a terra. • Principais autores Em Portugal, destacam-se Eça de Quei- José de Alencar, Iracema rós (A Cidade e as Serras) e Antero de Quental. No Brasil, Machado de Assis torna-se precursor do novo movimento b) Rubião interrompeu as reflexões para ler ainda a notícia. Que era com Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881. bem escrita, era. Trechos havia que releu com muita satisfação. O diabo do homem parecia haver assistido à cena. Que narração! Que NATURALISMO (1881-1922) O surgimento do Naturalismo, viveza de estilo! Alguns pontos estavam acrescentados – confusão assim como do próprio Realismo, está condicionado ao amplo de memória – mas o acréscimo não ficava mal. desenvolvimento científico ocorrido na segunda metade do século Machado de Assis, Quincas Borba XIX. A primeira obra naturalista brasileira é O Mulato (1881), de Aluísio Azevedo, autor também de O Cortiço. RESOLUÇÃO • Características Os escritores retratam cenas e personagens a) O primeiro trecho apresenta discurso direto. As falas são com rigor quase científico. São enfatizados os aspectos mais transcritas literalmente, sem a intermediação do narrador. primitivos do ser humano, muitas vezes comparado aos animais. O uso do travessão e de verbos declaratórios que introduzem as falas, como replicar e proferir, são marcas desse tipo de discurso. GRAMÁTICA E INTERPRETAÇÃO • Ironia Uma das figuras de linguagem mais frequentes nos b) O segundo trecho é um exemplo de discurso indireto livre, pois textos literários, a ironia consiste no uso de palavra ou frase as palavras e pensamentos da personagem são incorporados de sentido diverso ou oposto ao que deveria ser empregado, ao discurso do narrador. O discurso indireto livre não apresenta ressaltando, dessa forma, a verdadeira intenção do autor. verbos declarativos. • Oração subordinada adjetiva Esse tipo de oração apresen- ta informações sobre um referente. Pode ser de dois tipos: Restritiva É a oração subordinada adjetiva que especifica os SAIBA MAIS componentes de um conjunto (“As mães preferiam aquelas que aceitavam as ordens...”, ou seja, de todas as babás, as TIPOS DE DISCURSO mães preferiam as que tinham tal atitude). Durante o processo de elaboração de um texto, um autor escolhe o Explicativa É aquela que, introduzida pelo pronome relativo, modo de reprodução de palavras enunciadas por outras pessoas. insere uma informação complementar (“Só aos 34 anos tirou Reconhecer esses mecanismos é importante para identificar quem férias, após descobrir o sindicato, do qual hoje é presidente.”). está falando no texto. Discurso Direto Reproduz exatamente as palavras de outra pessoa, • Artigo Além de indicar o gênero (o, um – masculino; a, separando-as da fala do narrador por dois pontos, travessão ou uma – feminino) e o número (a – singular; as – plural), aspas. Ex: O pai estava inconsolável: “Não sei onde está meu filho”, também expressa diferentes significados, como a ideia de disse. Há um verbo para introduzir a fala de alguém, como anunciar, aproximação (ex.: o universo tem uns 14 bilhões de anos) e afirmar, comentar, declarar (-se), dizer, exclamar, falar, murmurar, de ênfase (ex.: estou com um sono!). perguntar, responder etc. Discurso Indireto A fala da personagem é mediada pela fala • Partícula “que” Pode ocupar diferentes classes grama- do narrador e se subordina a ela. O leitor fica sabendo o que a ticais, como pronome relativo (Apressava o passo, que ora personagem disse indiretamente, por meio do discurso do narrador. desacelerava), advérbio de intensidade (Que malandro!), Ex: O pai, inconsolável, disse que não sabia onde estava seu filho. interjeição (Quê! Seu marido foi preso?), substantivo (Ele Discurso Indireto Livre O narrador conhece a interioridade da tem um quê malandro) e preposição (usada para ligar o personagem e, ao discurso de quem narra, são incorporados verbo ter, com sentido de “dever”, a um verbo auxiliar. os pensamentos e sensações de outra pessoa. Ex: O pai ficou Ex.: Ele teve que fugir), entre outras. preocupado e sentia culpa por não saber o paradeiro do filho (veja mais um exemplo na pág. 67, em Diálogo entre obras). GE PORTUGUÊS 2018 75 5 LITERATURA DO PRÉ-MODERNISMO CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO  Interpretando: tipos de texto ......................................................................78  Pré-Modernismo ...............................................................................................80  Parnasianismo..................................................................................................84  Simbolismo ........................................................................................................86  Como cai na prova + Resumo .......................................................................88 O drama da seca Região Nordeste sofre com a mais severa estiagem dos últimos cem anos, mas transposição das águas do Rio São Francisco pode minimizar seus efeitos U ma seca severa castiga o Nordeste brasi- Paraíba e Pernambuco. O projeto prevê a cons- leiro. Dados do Ministério da Integração trução de um segundo trecho, que levará água ao Nacional apontam que 835 municípios sertão do Ceará e do Rio Grande do Norte. Sua da região encontravam-se em estado de emer- inauguração está programada para o fim de 2017. gência em março de 2017. A estiagem, que teve Iniciada em 2007, a transposição já custou início em 2012, já é a mais longa dos últimos cem 9,6 bilhões de reais aos cofres públicos e divide anos, conforme dados da Fundação Cearense de opiniões. Se os nordestinos beneficiados com a Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). chegada da água a consideram positiva, entre Com a ausência de chuvas, o nível dos re- aqueles que moram nas margens do rio o clima servatórios no sertão nordestino caiu a níveis é de apreensão. O maior temor é que a retirada drásticos e atingiu 13,8% de sua capacidade. Dos de água prejudique o manancial, reduzindo 533 açudes monitorados pela Agência Nacional seu nível de água e prejudicando a irrigação e de Águas (ANA), 152 estavam sem água. No o abastecimento das comunidades. Ceará, um dos estados mais atingidos, o volume O tema da seca é bastante presente em Os Ser- armazenado nos reservatórios era de apenas tões, de Euclides da Cunha, um dos principais 10% do total. A situação é mais grave na região nomes do Pré-Modernismo brasileiro. Na obra, do semiárido, zona do agreste que compreende há uma forte crítica ao abandono, ao isolamento 53% do território nordestino e onde vivem 23 e às dificulades vividas pelos sertanejos devido milhões de pessoas. A falta de água prejudica às condições adversas os pequenos agricultores, que perdem suas ligadas à natureza (cli- plantações e não conseguem manter o rebanho. ma) e à terra (sistema NA POEIRA DO SERTÃO Para tentar solucionar a situação e amenizar latifundiário). Segundo Morador de Baraúna (PB), os efeitos da seca, o governo federal inaugurou Euclides da Cunha, a município que tem um em março de 2017 o primeiro trecho da obra de seca é uma maldição dos menores índices de transposição do Rio São Francisco. Por meio de imposta ao sertanejo, água encanada do país. 217 quilômetros de túneis, canais artificiais e bar- e o torna adaptado e O abastecimento depende ragens, as águas do “Velho Chico” agora chegam integrado miseravel- da retirada de água de poços a 4,5 milhões de moradores de 168 municípios da mente a essa condição. ou de caminhões-pipa 76 GE PORTUGUÊS 2018 DANIEL MARENCO/FOHAPRESS GE PORTUGUÊS 2018 77 5 PRÉ-MODERNISMO INTERPRETANDO Qual é a sua forma? A narração, O site de notícias do jornal O Povo, do nós, no dia a dia: a narração e a descrição de a dissertação e Ceará, trouxe, em 9 de janeiro de 2017, situações vividas, presenciadas e sabidas. a descrição são uma reportagem sobre a seca que assola O texto dessa reportagem se caracteriza, ainda, os principais o Nordeste brasileiro, considerada a maior dos pela linguagem coloquial e pelo uso do discurso últimos cem anos. A matéria mostra a situação direto (as declarações, entre aspas, que repro- tipos de textos. de diversos moradores das regiões atingidas e as duzem diretamente a fala dos entrevistados). Cada modelo saídas que eles têm encontrado para sobreviver Observe também que os marcadores temporais está ligado à frente às perdas que sofreram na atividade agrí- e o uso de diferentes tempos verbais são funda- intenção e ao cola e na pecuária devido à estiagem. mentais na construção de sentido do texto, pois conteúdo que se Para narrar e descrever a história de cada mo- eles pontuam a sequência dos fatos e mostram quer transmitir rador entrevistado, o autor do texto reconstrói a a articulação das ações. Além, disso, há ocor- sucessão de acontecimentos e o ponto de vista das rência de recurso típico de texto dissertativo, pessoas envolvidas. Note que esse tipo de texto se como a apresentação de opinião por meio do assemelha bastante com o que ocorre com todos discurso direto. Nordeste enfrenta maior APONTE O CELULAR PARA AS seca em 100 anos PÁGINAS E VEJA UMA VIDEOAULA SOBRE TIPOS E GÊNEROS DE TEXTO (MAIS INFORMAÇÕES NA PÁG. 6) Com voz desanimada, Valdecir João da Silva,  NARRAÇÃO, ESPAÇO E DESCRIÇÃO OBJETIVA PERSONAGEM de 53 anos, conta os cadáveres do seu pequeno Visa reforçar as Em um relato ou rebanho que não resistiu à fome, à falta de água características reais do narrativa ocorre ser ou do objeto descrito a identificação do e às doenças causadas pela desnutrição. Em uma sem juízo de valor. Os personagem, do espaço área afastada da pequena casa onde vive com a substantivos e adjetivos e da trama para que o família, ele juntou 12 animais mortos ao longo dos empregados (“ossos” e leitor seja inserido na 2 últimos meses. De alguns, restam os ossos.  “inchados”) ou as cenas história relatada. De outros, mais recentes, os corpos inchados. descritas tendem a ser reais e objetivos. “Morreram de fome”, resume ele, que prefere deixá-los aos urubus a enterrá-los. Ele tenta sal- NARRAÇÃO E VERBOS var os 20 animais que restam com mandacaru, a MARCADORES A sequência de verbos planta símbolo do Nordeste. “Ração não dá para TEMPORAIS em tempos diferentes  comprar, pois está muito cara. O saco de milho que Inserem o leitor no tempo (“custava”, no passado; (11 meses, meados de e “sai”, no presente) custava R$ 18 há dois anos hoje sai por R$ 65.” dezembro) e, às vezes, garante a progressão e a No sertão de Petrolina, quinta maior cidade  também no espaço (no articulações das ações, de Pernambuco, não choveu por 11 meses. Em sertão de Petrolina - PE) sinalizando a passagem meados de dezembro, caiu uma chuva forte, mas do tempo. logo parou. O receio dos sertanejos do semiárido  PRETÉRITO PERFEITO é de que se repita o ocorrido em janeiro passado, É o tempo verbal HIPÉRBOLE E ASPAS  quando a chuva veio forte, “sangrou” açudes, escolhido para a narração, uma vez que Hipérbole é a figura de mas durou só duas semanas. (...) indica um fato ocorrido linguagem que intensifica “Vou vender a qualquer preço porque não quero uma ideia. e encerrado (“caiu” e As aspas foram voltar com eles”, afirma Francisco Agostinho “parou”). empregadas para mostrar Rodrigues, de 64 anos, que levou à feira 23 de o sentido conotativo seus 60 animais. “A gente vende algumas para  DISCURSO DIRETO e exagerado do termo dar de comer às outras.” A feira semanal de Dor- É comum o uso da “sangrou” (que, aqui, mentes reúne, em média, 3,6 mil animais e atrai linguagem coloquial indica transbordamento). para reproduzir a fala A expressão reforça o compradores da região e de outros estados. Em fiel de uma pessoa ou caráter descritivo do tempos bons, tudo é vendido. Agora, em razão personagem. Repare na texto. da crise e da seca, o número de animais expostos expressão popular “dar caiu à metade (...). de comer” (alimentar). ! 78 GE PORTUGUÊS 2018 Após cinco anos seguidos de volume de chuvas DESCRIÇÃO SUBJETIVA abaixo da média histórica, a seca do semiárido Adjetivos associados a já é considerada a maior do século. A região in- advérbios (“tão severa” e “o mais quente” – clui Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, veja no antepenúltimo Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e o norte de parágrafo) expressam o Minas Gerais (...) estado de ânimo ou juízo Segundo Raul Fritz, da Fundação Cearense de de valor e acentuam o Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), modo como se deseja retratar um determinado “Não se via seca tão severa para um período  personagem ou situação. consecutivo desde 1910”, quando dados sobre as chuvas passaram a ser coletados. O Ceará é o estado em pior situação. (...) FUNÇÃO REFERENCIAL Vários rios e açudes também secaram. Muitos Predomina em textos moradores, inclusive em grandes cidades, só têm que exigem neutralidade e objetividade, como acesso à água fornecida por caminhões-pipa (...) textos jornalísticos, Em Pernambuco, onde boa parte dos 185 municí-  informativos e SAIBA MAIS pios está em situação de emergência, a perda chega dissertativos. Nesta a R$ 1,5 bilhão só na pecuária. O rebanho bovino, passagem, informa sobre AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS formado por 2,5 milhões de cabeças em 2011, di- os estragos provocados DOS TIPOS TEXTUAIS pela seca com base minuiu em 554 mil cabeças no ano passado. (...) em dados e valores Na região rural de Acauã (PI), primeira cidade monetários. • Narração: Apresenta os seguintes elementos: per- a ser beneficiada pelo programa Fome Zero junto sonagens, tempo (momento ou duração no qual os com Guaribas, em 2003, Hortêncio Francisco fatos se desenrolam), espaço (lugar onde a história Rodrigues, de 78 anos, conta que, até 2012, tinha DIMINUTIVO acontece) e narrador (voz que conta os fatos ocorri- 20 cabeças de gado, mas hoje tem quatro: “Pra- Note que o uso do dos). Os textos têm, muitas vezes, um percurso que ticamente mandei colocar no caminhão e levar; diminutivo também parte de uma situação inicial de equilíbrio que é aba- revela juízo de valor. vendi baratinho, pois ninguém queria”. (...) Neste caso, indica lada por um problema. O desfecho só é alcançado Rodrigues ficou contente com a chuva de de- menosprezo à chuva depois que o conflito, intensificado até atingir um zembro, mas ressalta que “ chuvinha pouca não  pequena ou fraca. clímax, é resolvido. conta”. Desde então, o sol voltou a ser “o mais Alguns aspectos de um texto narrativo: quente da vida”, como define ele. NARRAÇÃO, DESCRIÇÃO • Linguagem coloquial: confere mais vivacidade e De sorriso fácil, Rodrigues afirma que o valor E FUNÇÃO POÉTICA proximidade na interlocução com o leitor. recebido da aposentadoria é que tem ajudado a O trecho selecionado • Articulação: pronomes, verbos e conectivos são em- além de representar manter parte das despesas da casa, principalmen- ações indica também pregados para garantir o encadeamento das ações. te com os remédios da esposa, Luzia, de 79 anos. descrições. O emprego • Locuções e modos verbais e marcadores tempo- Com seis filhos (dos quais dois já morreram), um de termos em linguagem rais: garantem a sequência das ações e a unidade número de netos que perdeu a conta e 31 bisnetos, figurada (“secas mais progressiva. ele diz que parte da família deixou o sertão. Alguns  duras” e “envelopado”) indica o uso da função migraram para São Paulo, “à caça de emprego”. poética da linguagem. • Descrição: É usada para caracterizar ações, pensamen- Apesar das secas constantes, umas mais duras, tos e traços físicos de seres e ambientes. Tem como outras menos, não pensa em ir embora. “Nasci DISCURSO DIRETO E objetivo fazer com que o leitor visualize os elementos aqui e só saio envelopado”, brinca. ARGUMENTAÇÃO apresentados. É frequente o emprego de adjetivos. O vizinho José Teixeira de Macedo, de 64 anos, Narrativas não dispensam opiniões, já viveu da plantação de algodão nos anos 80, mas elementos típicos de • Dissertação: Tem o objetivo de defender uma tese perdeu tudo por causa da praga de bicudos. Parti- textos dissertativos. (ponto de vista) sobre um determinado tema. Par- cipou de frentes de trabalho na grande seca de 1983 Normalmente, isso tindo da apresentação do assunto, o autor procura e agora cria ovinos e planta milho e feijão quando aparece no discurso convencer o leitor a aderir à ideia defendida (veja chove. (...) Ele e um dos filhos cuidam da roça e direto e indireto livre nas págs. 92 e 93). ou na voz do narrador. também não pensam em abandonar o sertão. Já Nas falas dos moradores a neta, Samara, de 16 anos, pretende mudar-se das regiões, podemos Atenção: Não confunda gêneros e tipos de texto. Não para uma cidade maior e estudar Administração. perceber suas opiniões há uma lista completa e fechada de gêneros textuais, “Não vou morar aqui; vejo o sofrimento dos avós  ou questionamentos a pois novos gêneros vão sendo criados de acordo com e dos pais e não quero isso.” (...) respeito da situação em as necessidades de comunicação. Exemplos de gêneros que vivem. textuais: bilhete, notícia, poema, romance, receita etc. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 79 5 PRÉ-MODERNISMO PRÉ-MODERNISMO Brasil redescoberto A discussão dos problemas nacionais parte, no Pré-Modernismo, da falta de melhorias no cenário social e econômico após a Proclamação da República No Pré-Modernismo (1902-1922), (1889). No fim do século XIX, a Guerra de Canudos serve os autores lançam seu olhar para os de matéria-prima para Euclides da Cunha escrever problemas do país e tentam revelar Os Sertões, em 1902. sua verdadeira identidade TEORIAS CIENTÍFICAS T radicionalmente, denomina-se “pré- Ao descrever os grupos modernista” a literatura produzida no sociais brasileiros, Brasil nos primeiros anos do século XX. Os Sertões o autor ainda está imbuído das teorias À primeira vista, o olhar crítico sobre os proble- Euclides da Cunha científicas – darwinismo mas sociais do país funciona como eixo comum e determinismo capaz de unir obras muito diversas. Alguns crí- De sorte que o mestiço – traço de união entre as – do século XIX. ticos consideram que os autores desse período raças, breve existência individual em que se com- O MESTIÇO tenham sido precursores das inovações estéticas primem esforços seculares – é quase sempre um Para exaltar o homem apresentadas pelos escritores modernistas com desequilibrado. (...) E o mestiço – mulato, mame- sertanejo, Euclides da a Semana de Arte Moderna de 1922. Outros, luco ou cafuzo – menos que um intermediário, é Cunha constrói uma observando limitações nas obras do período um decaído, sem a energia física dos ascendentes argumentação que desvaloriza os demais pré-modernista, preferem relacioná-las ao mo- selvagens, sem a altitude intelectual dos ances- grupos miscigenados vimento realista/naturalista. trais superiores. que compõem a Um dos principais nomes do Pré-Modernismo (...) sociedade brasileira. brasileiro é o escritor e jornalista fluminense O fator étnico preeminente transmitindo-lhes as ten- Euclides da Cunha. Sua obra-prima, Os Sertões, dências civilizadoras não lhes impôs a civilização.  PRESENTE HISTÓRICO é considerada o marco do movimento. O livro Este fato destaca fundamentalmente a mestiçagem As qualidades do situa-se na fronteira entre história e literatura e dos sertões da do litoral. São formações distintas, sertanejo são descritas no presente do indicativo, nasce de uma viagem feita pelo autor a Canudos, senão pelos elementos, pelas condições do meio. O o chamado presente como correspondente do jornal O Estado de S. contraste entre ambas ressalta ao paralelo mais histórico, para dar a Paulo. Outro autor igualmente importante é simples. O sertanejo tomando em larga escala, do ideia de permanência. Lima Barreto (1881-1922). Dono de um estilo de selvagem, a intimidade com o meio físico, que ao Já para ressaltar a força escrever inovador, ele retrata em Triste Fim de invés de deprimir enrija o seu organismo potente, do sertanejo foi usado o pretérito perfeito na forma Policarpo Quaresma (1915) o cotidiano da po- reflete, na índole e nos costumes, das outras raças negativa (não lhe impôs) pulação marginalizada dos subúrbios cariocas. formadoras apenas aqueles atributos mais ajus- para descaracterizar o táveis à sua fase social incipiente. papel da civilização.  O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA É um retrógado; não é um degenerado. Sob liderança do pregador Antonio Conselheiro, (...) ASPECTOS FÍSICOS milhares de pessoas juntaram-se no Arraial de O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o O discurso científico Canudos, no sertão da Bahia, em 1896. Conselheiro convocava os fiéis a combater a República e fazia raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos faz uso frequente de descrições objetivas. duras críticas à Igreja Católica, além de se recusar a do litoral. A sua aparência, entretanto, ao pri-  Os aspectos físicos pagar impostos. Em 1897, o povoado foi destruído por meiro lance de vista revela o contrário. Falta-lhe  que caracterizam os tropas federais, deixando milhares de mortos. Para a plástica impecável, o desempeno, a estrutura sertanejos nordestinos saber mais, veja o GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA. corretíssima das organizações atléticas. É desgra- parecem se opor à ideia cioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, de força, defendida pelo autor. Nesse sentido, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O os aspectos físicos  andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante seriam antagonistas. e sinuoso, aparenta a translação de membros de- sarticulados. Agrava-o a postura normalmente ADJETIVOS PARA IR ALÉM abatida, num manifestar de displicência que lhe Os adjetivos que descrevem o sertanejo não dá um caráter de humildade deprimente. são positivos. Ainda assim, A principal obra de Euclides da Cunha foi adaptada Lacerda, 2005 não se opõem à resistência para uma versão em graphic novel da Editora interior (a principal forma Desiderata. O texto é de Carlos Ferreira e as de força) defendida pelo ilustrações, de Rodrigo Rosa. O trabalho é mais FORÇA E FRAQUEZA autor no decorrer do texto. Para estabelecer a relação paradoxal entre força e centrado na terceira parte da obra original: A luta. fraqueza, o autor evoca a imagem de dois personagens Para recontar a história da Guerra de Canudos, representativos da mitologia e da literatura: o herói os autores recorreram ao diário pessoal de Euclides grego Hércules (forte e sublime) e o corcunda de Notre da Cunha, entre outras fontes históricas. Dame (fraco e grotesco). 80 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE TEXTOS DIÁLOGO ENTRE OBRAS DOIS OLHARES SOBRE CANUDOS EM FOCO, OS MARGINALIZADOS O conflito de Canudos ganhou espaço no jornal Os Sertões e Triste Fim de Policarpo Quaresma O Estado de S. Paulo com visões bem díspares. O poeta revelam a realidade do país: personagens margina- parnasiano Olavo Bilac, em sua crônica Vossa Insolência, lizados, os sertanejos e a população dos subúrbios publicada em 9/10/1897, reproduz o discurso oficial do cariocas, respectivamente. Outro ponto de contato governo brasileiro, para quem os seguidores do beato é a revisão da posição política de Policarpo, que eram fanáticos religiosos dispostos a destruir a ordem passa de ufanista a crítico do governo. Também nacional instaurada pelo governo republicano. Para o Euclides reexamina suas visões. Ele vai a Canudos a poeta, a morte de Conselheiro e de todos os insurgentes fim de registrar a insurgência monarquista e acaba é o símbolo da integridade pública reconquistada. retratando a má sorte dos sertanejos, esquecidos Euclides da Cunha, que cobriu o conflito como cor- pelo governo republicano. respondente do mesmo jornal, opõe-se a Bilac e chama atenção para o desequilíbrio injusto entre o poder de fogo do governo e o dos seguidores de Antônio Con- selheiro. No final de Os Sertões, o autor compreende Triste Fim de que a Guerra de Canudos não fora um conflito entre a Policarpo Quaresma monarquia e a República, como as elites defendiam, Lima Barreto mas uma dolorosa, sangrenta e injusta guerra civil. REQUERIMENTO Repare na estrutura rígida do texto de IV – Desastrosas consequências de um re- Quaresma, adequada ao querimento (trecho incial) caráter oficial do gênero Vossa Insolência requerimento. “Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, fun- Olavo Bilac cionário público, certo de que a língua portuguesa HERANÇA ROMÂNTICA é emprestada ao Brasil; (...); sabendo, além, que, A língua é considerada Enfim, arrasada a cidadela maldita! Enfim, dentro do nosso país, os autores e os escritores (...) expressão do espírito do dominado o antro negro, cavado no centro do povo, como faziam os não se entendem no tocante à correção gramatical, adusto sertão, onde o Profeta das longas barbas românticos. A primeira (...) vem pedir que o Congresso Nacional decrete o sujas concentrava sua força diabólica, feita de fé tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo  fase do Modernismo e de patifaria, alimentada pela superstição e pela retoma essa discussão. brasileiro. rapinagem! Cinco horas da madrugada, hoje. O suplicante, deixando de parte os argumen- Num sobressalto, acordo, ouvindo um clamor de tos históricos que militam em favor de sua ideia, NACIONALISMO clarins e um rufo acelerado de caixas de guerra. pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta O requerimento em favor Corro à janela, que defronta o palácio do gover- da adoção do tupi sintetiza manifestação da inteligência de um povo, é a sua no. Uma escura massa de gente, na escuridão da a defesa ufanista dos criação mais viva e original; e, portanto, a eman- antemanhã, está agrupada na rua. Calam-se os valores pátrios. Quaresma  cipação política do país requer como complemen- clarins e as caixas de guerra. Há um curto silên- defende a independência to e consequência a sua emancipação idiomática. cio e, logo, dos instrumentos de metal, estropam, em relação a referências Demais, Senhores Congressistas, o tupi-guarani, estrangeiras e evita e dos tambores que esfalfam rufando, como co- produtos e costumes língua originalíssima, aglutinante, é a única capaz rações atacados de hipercinesia, rompe, alto e desvinculados das raízes de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em relação vibrante, o Hino Nacional. brasileiras. com a nossa natureza e adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais (...). FUTURO Seguro de que a sabedoria dos legisladores sabe- Os Sertões Quaresma, num  rá encontrar meios para realizar semelhante medi- Euclides da Cunha convincente recurso da e cônscio de que a Câmara e o Senado pesarão o retórico, usa o futuro do seu alcance e utilidade presente do indicativo, Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda que indica fato certo, a P. e E. deferimento.” a história, resistiu até ao esgotamento completo. fim de persuadir seus Nobel, 2010 Expugnado palmo a palmo, na precisão integral interlocutores. do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caí- ram os seus últimos defensores, que todos morre- ram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados. GE PORTUGUÊS 2018 81 5 PRÉ-MODERNISMO PRÉ-MODERNISMO MISCIGENAÇÃO Monteiro Lobato A personagem é nomeada Monteiro Lobato (1882-1948) é geralmente por conta da cor da pele, conhecido como autor de livros infantojuvenis, Negrinha e o narrador enfatiza sobretudo aqueles que contam as aventuras dos Monteiro Lobato a violência por trás do moradores do Sítio do Pica-Pau Amarelo. No processo de miscigenação étnica no Brasil, fruto das entanto, o escritor também produziu obras para Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Pre- interações entre brancos, o público adulto e, no período pré-modernista, ta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos  negros e índios. alguns de seus contos tornaram-se famosos por ruços e olhos assustados. retratar temas relacionados com as camadas mais Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus  ESCRAVIDÃO pobres da sociedade. É o caso, por exemplo, da primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros A escravidão fora abolida em 1888, mas ecos desse denúncia dos problemas de saúde de moradores da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. sistema permanecem nas do interior, como o personagem Jeca Tatu. Outro Sempre escondida, que a patroa não gostava de desigualdades sociais. O retrato das desigualdades sociais pode ser veri- crianças. autor demonstra isso ao ficado no conto Negrinha, publicado em 1920, Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona retratar o preconceito em em que fica explícita a condenação do racismo do mundo, amimada dos padres, com lugar certo relação a Negrinha. e dos preconceitos ainda existentes no Brasil. na igreja e camarote de luxo reservado no céu. (...) Recentemente, Monteiro Lobato tem sido alvo Ótima, a dona Inácia.  IRONIA Um texto por vezes afirma de polêmicas devido a alguns trechos de sua Mas não admitia choro de criança. (...) o contrário do que parece obra, em particular relativos à personagem Tia Assim cresceu Negrinha (...) Batiam-lhe sem- dizer. Ao qualificar dona Nastácia, do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Algumas pre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mes- Inácia como “ótima”, após colocações da personagem Emília têm sido con- mo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, descrever sua crueldade, sideradas racistas, e os textos do escritor passa- ora castigos. (...) o narrador denuncia as hipocrisias sociais. ram a ser criticados. Vale considerar o contexto Certo dezembro vieram passar as férias com em que o escritor viveu e produziu sua obra, Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas,  DESCRIÇÃO na primeira metade do século XX. Apesar de a lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas O autor usa diferentes escravidão ter sido abolida em 1888, permanece em ninho de plumas. (...) adjetivos para contrastar uma forte mentalidade escravocrata na sociedade. Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira a aparência física e o comportamento das uma boneca e nem sequer sabia o nome desse personagens, chamando brinquedo. Mas compreendeu que era uma crian- atenção para as diferentes ça artificial. (...) condições sociais. IGUALDADE Varia a pele, a condição, mas a alma da criança PARADOXO E IRONIA Monteiro Lobato é a mesma – na princesinha e na mendiga. E para condena aqui a Lobato, ao juntar o ambas é a boneca o supremo enlevo. (...) substantivo “coisa” ao discriminação racial e afirma a igualdade das Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia  adjetivo “humana”, cria crianças, espantadas da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! um paradoxo irônico. diante do brinquedo, Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si Porém, o desfaz ao dar independentemente da e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor a condição humana a cor da pele. Negrinha. de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente huma- no. Cessara de ser coisa – e doravante ser-lhe-ia  CONJUNÇÃO ADITIVA impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! O conectivo “e” articula ideias e informações Se sentia! Se vibrava! (veja o Saiba mais ao lado) Assim foi – e essa consciência a matou. Terminadas as férias, partiram as meninas le- vando consigo a boneca, e a casa voltou ao ra- merrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada. Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava PRETÉRITO MAIS- tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de co- QUE-PERFEITO O dia em que Negrinha ração, amenizava-lhe a vida.(...) brincou com a boneca Brincara ao sol, no jardim. Brincara!... Aca- já está muito distante. lentara, dias seguidos, a linda boneca loura, tão As formas verbais boa, tão quieta, a dizer “mamã”, a cerrar os olhos empregadas para indicar para dormir. Vivera realizando sonhos da imagi-  um tempo anterior aos fatos narrados estão nação. Desabrochara-se de alma. no pretérito mais-que- perfeito. Contos Completos. São Paulo: Biblioteca Azul, 2014. 82 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS CONEXÕES PRECONCEITO RACIAL PINTURA NA LITERATURA BRASILEIRA Brás Cubas, narrador-personagem do romance Me- mórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (veja mais na pág. 66), ao relatar lembranças da infân- cia, oferece um retrato cruel e irônico do tratamento conferido aos negros escravizados no Brasil. No início do livro, Brás Cubas conta como, antes da abolição da escravatura, ele maltratava os empregados de casa, incluindo um garoto negro chamado Prudêncio, tratado como cavalinho pelo pequeno patrão. Mais adiante, no romance, Prudêncio, já adulto, reproduz as relações hierárquicas injustas entre senhor e escravo ao castigar fisicamente um homem negro. A obra Palmatória, do francês Jean Baptiste Debret, que Memórias Póstumas esteve no Brasil entre 1816 e 1831, mostra escravos em um ambiente de trabalho fora das senzalas. Observe que de Brás Cubas entre eles há um que está sendo disciplinado com base em castigo físico, com o uso da palmatória. Era comum a Machado de Assis existência de relações hostis entre brancos, senhores de escravos, e negros, tanto no ambiente familiar, como na passagem de Memórias Póstumas de Brás Cubas, quanto Capítulo XI – O menino é pai do homem no profissional, conforme retrata a pintura. Cresci; e nisso é que a família não interveio; cresci naturalmente, como crescem as magnólias e os gatos. Talvez os gatos são menos matreiros, ADJETIVAÇÃO e, com certeza, as magnólias são menos inquietas O narrador-personagem do que eu era na minha infância. Um poeta dizia descreve a si próprio e que o menino é pai do homem. Se isso é verdade, emprega adjetivos para vejamos alguns lineamentos do menino. destacar suas próprias características quando era Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de criança. Os defeitos são “menino-diabo”; e verdadeiramente não era ou- vistos como qualidades, tra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo, o que evidencia o caráter arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por duvidoso de Brás Cubas. SAIBA MAIS exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma es- DISCRIMINAÇÃO crava, porque me negara uma colher de doce de Brás Cubas reproduz a ORAÇÕES COORDENADAS coco que estava fazendo, e, não contente com o hierarquia entre senhor Algumas orações, apesar de independentes sintatica- malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e escravo ao submeter mente, apresentam relações de sentido, evidenciadas e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha Prudêncio aos seus pelas conjunções que as articulam. Trata-se das orações mãe que a escrava é que estragara o doce “por caprichos. Negrinha coordenadas, classificadas em cinco tipos: também é explorada pirraça”; e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio,  pelos desmandos dos Aditivas: Adicionam ideias e informações. Ex.: A criança um moleque de casa, era o meu cavalo de todos senhores brancos. nascera na senzala e fora criada pela dona da casa. os dias; punha as mãos no chão, recebia um cor- Adversativas: Estabelecem oposição entre ideias e del nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ASPAS informações. Ex.: Dona Inácia aparentava bondade, São usadas para marcar ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, a diferença entre a voz mas não admitia choro de criança. dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia  do narrador e a fala das Alternativas: Apresentam alternância de ideias e infor- – algumas vezes gemendo –, mas obedecia sem personagens. Prudêncio mações. Ex.: A mesma palavra ora provocava risadas, dizer palavra, ou, quando muito, um “ai, nho- é retratado como alguém ora provocava castigos. que não tem direito de nhô!”, ao que eu retorquia: “Cala a boca, besta!” Explicativas: Apresentam uma explicação para um expressão; já a fala de Brás Cubas revela a tirania fato. Ex.: A menina se escondia porque a patroa não Editora Moderna, 2012. do protagonista. gostava de crianças. Conclusivas: Explicitam a conclusão de um raciocí- nio. Ex.: Dona Inácia era preconceituosa, portanto não gostava da menina. DEBRET/REPRODUÇÃO GE PORTUGUÊS 2018 83 5 PRÉ-MODERNISMO PARNASIANISMO A arte pela arte Os poemas abaixo têm características marcantes do Parnasianismo, como a objetividade, questões estéticas e o uso de vocabulário rebuscado. Os poetas do Parnasianismo “SE” COMO REALCE (1882-1922) comparam seus poemas a O uso de “vai-se...”, além joias e trabalham minuciosamente as de permitir a obtenção palavras e as frases para atingir o belo do verso decassílabo e a forma perfeita As Pombas (12 sílabas) e evitar a Raimundo Correia cacofonia (“vai a ...”), tem N a função apenas de um o Brasil, a poesia parnasiana (durante reforço de expressão. um período contemporânea do Pré-Mo- Vai-se a primeira pomba despertada ...  dernismo) representou uma oposição à Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas VERBOS Note a refinada construção sentimentalidade romântica. A racionalidade e De pombas vão-se dos pombais, apenas sintática: o sujeito “elas” o tratamento objetivo dos temas tinham bases Raia sanguínea e fresca a madrugada ... (relativo às pombas) liga- clássicas e buscavam alcançar a perfeição for- se aos verbos seguintes mal. O ideal estético é a principal questão para E à tarde, quando a rígida nortada (tanto os que estão no os parnasianos: os autores não demonstram Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,  gerúndio, indicando ação em curso, quanto o preocupação com os problemas sociais e valo- Ruflando as asas, sacudindo as penas, que está no presente do rizam o princípio da “arte pela arte” (segundo Voltam todas em bando e em revoada... indicativo, sugerindo uma o qual a poesia é válida pela beleza expressa). ação habitual). O soneto e a métrica regular são privilegiados. Também dos corações onde abotoam, São frequentes as alusões a temas mitológicos Os sonhos, um por um, céleres voam,  COMPARAÇÃO O poema estabelece uma clássicos e a informações eruditas. A linguagem Como voam as pombas dos pombais; comparação entre o voo rebuscada e a adoção de um vocabulário pouco das pombas e o percurso usual exigem a atenção do leitor. Olavo Bilac é  No azul da adolescência as asas soltam, dos sonhos humanos. o maior nome do Parnasianismo no Brasil (veja Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,  DIFERENÇA mais sobre o autor na pág. 23). Forma a “tríade E eles aos corações não voltam mais... Uma diferença é parnasiana” ao lado de Alberto de Oliveira e Melhores Poemas, Global Editora, 2001 estabelecida: enquanto as Raimundo Correia. pombas retornam à tarde MARCADOR TEMPORAL aos pombais, os sonhos O trecho remete à manhã (quando as pombas partem) juvenis não são retomados e se refere aos sonhos da juventude. e, geralmente, não voltam aos corações humanos. METALINGUAGEM PERFEIÇÃO FORMAL A metalinguagem é um O eu lírico descreve o recurso frequente em poesias que falam de Vaso Chinês momento de contemplação Alberto de Oliveira de um refinado vaso chinês. procedimentos artísticos. A perfeição das peças No Parnasianismo, é decorativas inspira comum uma obra de Estranho mimo aquele vaso! Vi-o, a perfeição formal arte tratar de outra e dos Casualmente, uma vez, de um perfumado  que se procura alcançar mecanismos do fazer Contador sobre o mármore luzidio, nos poemas. poético. Aqui, o eu lírico exalta o detalhismo Entre um leque e o começo de um bordado. PRETÉRITO perfeccionista do MAIS-QUE-PERFEITO inspirado artesão.  Fino artista chinês, enamorado, O poeta diz que viu Nele pusera o coração doentio  (pretérito perfeito) o vaso, Em rubras flores de um sutil lavrado, no qual o artista antes já Na tinta ardente, de um calor sombrio. tinha colocado o “coração DESCRIÇÃO DE doentio”. “Pusera” é DETALHES uma ação anterior a “vi”, O poema realiza um  Mas, talvez por contraste à desventura, portanto, pretérito mais- procedimento de análise Quem o sabe?... de um velho mandarim que-perfeito. da obra de arte: para Também lá estava a singular figura. compreender o todo SENSIBILIDADE (no caso, a obra de arte O eu lírico mostra como o chinesa), o autor se Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a, artista chinês conseguiu concentra na observação Sentia um não sei quê com aquele chim  estimular a sensibilidade dos detalhes constitutivos De olhos cortados à feição de amêndoa. do espectador da obra das partes do objeto. Melhores Poemas, Global Editora, 2007 de arte. 84 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES DIÁLOGO ENTRE OBRAS ESCULTURA SÁTIRA À FORMA O poema Os Sapos, de Manuel Bandeira, foi lido por Ronald de Carvalho na noite de 14 de fevereiro, no segundo dia da Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo. Trata-se de uma feroz sátira aos versos formais e retrógrados das estéticas literárias atreladas ao passado – entre elas o parnasianismo. SUPERIORIDADE Os Sapos A referência ao suposto Manuel Bandeira ar de superioridade parnasiano aparece Enfunando os papos, como escárnio. Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. TRADIÇÃO A alusão aos títulos de A luz os deslumbra. nobreza e ao parentesco é uma crítica ao Em ronco que aterra, tradicionalismo das Berra o sapo-boi: estéticas literárias  – “Meu pai foi à guerra!” O século XVI testemunhou inúmeras modificações do passado. no modo de ver o mundo. O teocentrismo medieval – “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”. cedeu lugar à visão antropocêntrica, e o ser humano passou a ser valorizado. A perfeição formal, buscada O sapo-tanoeiro, pelos poetas da estética clássica – tanto no Classicismo Parnasiano aguado, FORMALISMO quanto no Parnasianismo –, constituía também o ideal Diz: – “Meu cancioneiro A crítica ao formalismo dos demais artistas do Renascimento. Michelangelo, parnasiano é reforçada um dos grandes mestres renascentistas, introduz É bem martelado. ao classificá-lo como profundas mudanças artísticas ao valorizar a figura “aguado”, sujeito humana. Uma de suas principais obras, Davi, é uma Vede como primo desagradável e chato. gigantesca escultura que retrata o herói bíblico antes Em comer os hiatos! da batalha com Golias. Essa luta, da qual Davi saiu Que arte! E nunca rimo  BUSCA DA PERFEIÇÃO vitorioso, era considerada impossível de ser vencida Nova provocação é feita – a escultura, exaltando a força do herói, revela a Os termos cognatos. ao ridicularizar o gosto confiança depositada nos poderes humanos. parnasiano pelo O meu verso é bom poema perfeito. Frumento sem joio. Faço rimas com SAIBA MAIS Consoantes de apoio. PRINCIPAIS FUNÇÕES DO “SE” (...) A palavra “se” desempenha diversas funções em português: Clame a saparia • Pronome reflexivo: Indica que o sujeito pratica a Em críticas céticas: ação sobre si mesmo: A pomba se machucou. Não há mais poesia, • Conjunção subordinativa condicional: Para cons- Mas há artes poéticas...” truir orações subordinadas adverbiais condicionais: Se as pombas voarem, poderão partir dos pombais. Urra o sapo-boi: • Conjunção subordinativa integrante: Introduz – “Meu pai foi rei!”– “Foi!” orações subordinadas substantivas: Preciso ver se SONORIDADE  – “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”. as pombas voaram. A sonoridade para imitar (...) o coaxar dos sapos é • Construção de sujeito indeterminado: Precisa-se puro deboche. O eu lírico de um novo pombal. compara a classe dos Carnaval. Poesia Completa e Prosa. • Construção de voz passiva: Compôs-se um novo poetas aos sapos. Rio de Janeiro: Aguilar, 1974, p.158 (fragmento). poema parnasiano (= Um novo poema parnasiano foi composto). MICHELANGELO/ACADEMIA DE BELAS ARTES DE FLORENÇA GE PORTUGUÊS 2018 85 5 PRÉ-MODERNISMO SIMBOLISMO A exploração A liberação sensorial e a exploração das emoções são duas características marcantes da literatura simbolista. dos sentidos Repare nos poemas abaixo a preponderância de emoções e sentimentos intensos sobre a racionalidade. No Simbolismo (1893-1922), ALITERAÇÃO a produção poética evoca sentimentos Repare na aliteração e sensações por meio da sugestão (repetição de A dança da psique consoantes). Os sons A sibilantes (representados estética simbolista (durante um período Augusto dos Anjos pelos fonemas /s/ e /z/), contemporânea do Pré-Modernismo) se sugerem um movimento opõe aos avanços da industrialização e A dança dos encéfalos acesos sutil e sinuoso. do progresso tecnológico próprios do século Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços XIX. É comum que os textos simbolistas mani- As cabeças, as mãos, os pés e os braços  INTENCIONALIDADE festem uma visão decadente sobre a realidade, Tombam, cedendo à ação de ignotos pesos! A intenção do texto é bem como uma oposição ao comportamento descrever um instante específico durante racional. O Simbolismo valoriza os sentidos, É então que a vaga dos instintos presos o qual o eu lírico as sugestões evocadas pelas palavras, a musi- – Mãe de esterilidades e cansaços – experimenta várias calidade e o ritmo dos poemas. O misticismo, Atira os pensamentos mais devassos sensações intensas. a subjetividade e a sinestesia (combinação de Contra os ossos cranianos indefesos. sensações) são aspectos altamente explorados CONSTRUÇÕES ATÍPICAS O autor usa um pelos poetas do movimento. Subitamente a cerebral coreia vocabulário inusitado e João da Cruz e Sousa (1861-1898), autor de Bro- Para. O cosmos sintético da Ideia  construções sintáticas quéis e Missal (1893), é um dos principais nomes Surge. Emoções extraordinárias sinto... não convencionais para do período (veja mais na pág. 125). Na produ- expressar emoções. ção poética também destacam-se Alphonsus de  Arranco do meu crânio as nebulosas. Note o emprego da ordem inversa: o Guimaraens (1870-1921), que escreveu Câmara E acho um feixe de forças prodigiosas objeto “emoções Ardente (1899), e Augusto dos Anjos (1884-1914). Sustentando dois monstros: a alma e o instinto! extraordinárias” precede Este último foi um poeta inclassificável. Sua o verbo “sinto”, em uma poesia flertou com as estéticas diversas de seu Obra Completa, Nova Aguilar, 1994 construção com sujeito tempo – há em seus poemas influências parna- oculto (“eu”). IRRACIONALIDADE sianas (na forma), naturalistas (na linguagem As impressões do sujeito poético são valorizadas. A alma e e na ambientação), simbolistas (na temática) e o instinto, elementos não racionais, predominam sobre pré-modernas (na ousadia linguística). a razão, ao final do poema. SONHOS As questões oníricas (relativas ao sonho) são PRONOME REFLEXIVO Ismália privilegiadas, em detrimento A palavra “se” explicita Alphonsus de Guimaraens da razão e da objetividade. uma ação reflexiva, ou PAPEL DA LUA seja, a ação verbal recai Quando Ismália A lua é um símbolo sobre o sujeito. enlouqueceu, frequentemente associado ao universo feminino. A ANTÍTESES  Pôs-se na torre a sonhar...  loucura de Ismália subverte O uso das antíteses Viu uma lua no céu, a percepção da realidade e “queria subir” e “queria Viu outra lua no mar. ela imagina ver dois astros descer” assinala a distintos (e não apenas o inconstância dos desejos de Ismália e a inquietação No sonho em que se perdeu, reflexo da lua no mar). que a arrebata ao Banhou-se toda em luar... ADVÉRBIO DE LUGAR contemplar a lua.  Queria subir ao céu, Os advérbios de lugar Queria descer ao mar... “perto” e “longe” MUSICALIDADE revelam a ambiguidade A torre simboliza a  E, no desvario seu, do estado em que concentração do sujeito Ismália se encontrava. Na torre pôs-se a cantar... na própria interioridade.  Os extremos do céu e do A musicalidade, traço do Estava perto do céu, mar reforçam a antítese período, está presente no Estava longe do mar... (...) e acentuam a agitação canto de Ismália. Cosac Naify, 2006 interior da personagem. 86 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES CANÇÃO PINTURA Bandalhismo João Bosco e Aldir Blanc Meu coração tem butiquins imundos, Antros de ronda, vinte e um, purrinha, Onde trêmulas mãos de vagabundo ESCATOLOGIA Batucam samba-enredo na caixinha. Expressões que escapam ao ambiente lírico Perdigoto, cascata, tosse, escarro, (escarro, vomitei) um choro soluçante que não para, surgem em abundância piada suja, bofetão na cara e conferem à canção atmosfera decrépita. e essa vontade de soltar um barro... [1] Como os pobres otários da Central O Simbolismo tratou das diversas sensações já vomitei sem lenço e sonrisal HUMOR CORROSIVO experimentadas pelo ser humano. Em grau extremo, o P.F. de rabada com agrião... A imagem construída as emoções de Ismália, personagem de Alphonsus de com “quebrei o vídeo Guimaraens, conduzem ao suicídio. No poema, a união da televisão” aponta Mais amarelo do que arroz de forno, para a sátira ao apego da figura feminina com as águas do mar simboliza o voltei pro lar, e em plena dor de corno reencontro do sujeito com a natureza. A integração ao mundo onírico ou do ser humano com a realidade objetiva, com base na quebrei o vídeo da televisão.  distante da realidade. exaltação dos sentimentos, foi abordada por inúmeros artistas plásticos do século XIX. Na tela acima, o pintor inglês John Everett Millais retrata a morte de Ofélia para A parceria de João Bosco com Aldir Blanc rendeu exprimir essa integração. O suicídio da personagem de inúmeros clássicos à música popular brasileira. Hamlet, de William Shakespeare, serviu de inspiração A canção Bandalhismo é um exemplo do vigor para a articulação entre realidade subjetiva e realidade da dupla. A intertextualidade com o decadentismo objetiva. Ao decompor-se, o cadáver de Ofélia entra (visão decadente sobre a realidade) e com a poética de novamente em harmonia com o mundo natural e Augusto dos Anjos se dá nos planos formal (emprego restaura a unidade entre sujeito e mundo. do soneto), temático (exploração da melancolia) e linguístico (uso de expressões que fogem do lirismo). O poeta pré-moderno não costumava ousar na forma, mantendo o padrão clássico vigente no fim do século XIX, mas inovou com versos repletos de termos escatológicos e de atmosfera sombria. [2] [1] JOHN EVERETT MILLAIS/TATE [2] © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 87 5 COMO CAI NA PROVA 1. (UNIFESP 2015) teiro Lobato no conto Negrinha. Ele classifica dona Inácia como ex- É preciso ler esse livro singular sem a obsessão de enquadrá-lo em um celente senhora, por exemplo, ironizando justamente seu caráter ra- determinado gênero literário, o que implicaria em prejuízo paralisante. cista e sua maldade, que são apresentados ao longo da história. Em Ao contrário, a abertura a mais de uma perspectiva é o modo próprio de outra passagem, após descrever as atrocidades que a patroa faz com enfrentá-lo. A descrição minuciosa da terra, do homem e da luta situa-o Negrinha, ele a caracteriza como virtuosa dama. no nível da cultura científica e histórica. Seu autor fez geografia humana Resposta: C e sociologia como um espírito atilado poderia fazê-las no começo do sé- culo, em nosso meio intelectual, então avesso à observação demorada e à pesquisa pura. Situando a obra na evolução do pensamento brasileiro, 3. (ENEM 2014) diz lucidamente o crítico Antonio Candido: “Livro posto entre a literatura e Tarefa a sociologia naturalista, esta obra assinala um fim e um começo: o fim do Morder o fruto amargo e não cuspir imperialismo literário, o começo da análise científica aplicada aos aspec- Mas avisar aos outros quanto é amargo tos mais importantes da sociedade brasileira (no caso, as contradições Cumprir o trato injusto e não falhar contidas na diferença de cultura entre as regiões litorâneas e o interior).” Mas avisar aos outros quanto é injusto Alfredo Bosi. História Concisa da Literatura Brasileira, 1994. Adaptado. Sofrer o esquema falso e não ceder Mas avisar aos outros quanto é falso O excerto trata da obra Dizer também que são coisas mutáveis... a) Capitães da Areia, de Jorge Amado. E quando em muitos a não pulsar b) O Cortiço, de Aluísio de Azevedo. – do amargo e injusto e falso por mudar – c) Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. então confiar à gente exausta o plano d) Vidas Secas, de Graciliano Ramos. de um mundo novo e muito mais humano. e) Os Sertões, de Euclides da Cunha. CAMPOS, G. Tarefa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. RESOLUÇÃO Na organização do poema, os empregos da conjunção “mas” arti- O clássico livro brasileiro com sua divisão tripartite entre a terra, o culam, para além de sua função sintática, homem e a luta, e que trouxe registros jornalísticos minuciosos pa- a) a ligação entre verbos semanticamente semelhantes. ra o jornal O Estado de S. Paulo é o célebre Os Sertões, de Euclides da b) a oposição entre ações aparentemente inconciliáveis. Cunha. Justamente por ser uma obra de não ficção, baseada em uma c) a introdução do argumento mais forte de uma sequência. investigação jornalística, o livro apresenta caráter sociológico, que, d) o reforço da causa apresentada no enunciado introdutório. mesclado a uma obra literária, gerou esse texto singular e incapaz de e) a intensidade dos problemas sociais presentes no mundo. ser classificado em um gênero. Por fim, Euclides se valeu do pensa- mento científico para analisar Canudos, o sertão e o sertanejo. Ainda RESOLUÇÃO que haja presença de textos jornalísticos em Capitães da Areia, não é A alternativa C é a correta, pois a conjunção “mas”, neste caso, intro- possível afirmar que ocorra mistura de gêneros. Os demais livros não duz o argumento mais forte na sequencia de três proposições. Quan- apresentam essa possibilidade. to às alternativas incorretas: a) a função da conjunção “mas” no tex- Resposta: E to é adversativa, sendo assim ela não liga ideias semelhantes; b) por ser adversativa, ela faz a ligação entre ideias contrárias, mas que não são, necessariamente, inconciliáveis. Assim, as duas primeiras alterna- 2. (UNICAMP 2016) tivas implicam a aceitação da situação negativa, enquanto a terceira Quanto ao conto Negrinha, de Monteiro Lobato, é correto afirmar que: propõe uma ação contrária ao que aceitou. A alternativa D está incor- a) O narrador adere à perspectiva de dona Inácia, fazendo com que reta, pois não há enunciado introdutório no poema. E, por fim, o erro o leitor enxergue a história guiado pela ótica dessa personagem e da alternativa E está no fato da conjunção não exprimir intensidade. se torne cúmplice dos valores éticos apresentados no conto. Resposta: C b) O modo como o narrador caracteriza o contexto histórico no conto permite concluir que Negrinha é escrava de dona Inácia e, portanto, está fadada a uma vida de humilhações. 4. (UERJ 2016) c) A maneira como o narrador comenta as características atribuídas A EDUCAÇÃO PELA SEDA às personagens contrasta com as falas e as ações realizadas por Vestidos muito justos são vulgares. Revelar formas é vulgar. Toda re- elas, o que caracteriza um modo irônico de apresentação. velação é de uma vulgaridade abominável. d) O narrador apresenta as falas e pensamentos das personagens Os conceitos a vestiram como uma segunda pele, e pode-se adivi- de modo objetivo; assim, o leitor fica dispensado de elaborar um nhar a norma que lhe rege a vida ao primeiro olhar. juízo crítico sobre as relações de poder entre as personagens. Rosa Amanda Strausz. Mínimo Múltiplo Comum: Contos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990. RESOLUÇÃO O conto contrasta dois tipos de texto em sua estrutura. Enquanto A ironia é a figura de linguagem que consiste em dizer o contrário do o segundo parágrafo se configura como narrativo, o primeiro pa- que se quer dar a entender. Esse recurso é muito utilizado por Mon- rágrafo se aproxima da seguinte tipologia: 88 GE PORTUGUÊS 2018 RESUMO a) injuntivo Literatura do Pré-Modernismo b) descritivo c) dramático PRÉ-MODERNISMO (1902-1922) Situa-se em um momento d) argumentativo histórico de transição do regime monárquico ao republicano. Muitas obras debatem os problemas do país e alimentam um RESOLUÇÃO sentimento nacionalista. Destacam-se personagens e situações Enquanto o modo narrativo se estrutura na enunciação de fatos (tra- afastadas da realidade das classes sociais economicamente zendo personagem, ações e temporalidade típicos das histórias), o privilegiadas, como Os Sertões (1902), marco do movimento, modo argumentativo se pauta no encadeamento de ideias. Na primei- de Euclides da Cunha, e Triste Fim de Policarpo Quaresma ra parte do texto, a autora dispõe essas ideias de forma a construir um (1915), de Lima Barreto. argumento final, o de que toda revelação é vulgar. • Monteiro Lobato Mais conhecido por seus livros dirigidos a Resposta: D crianças e jovens, o autor também escreveu para o público adulto. Alguns de seus contos pré-modernistas retratam temas relacionados às camadas mais pobres da sociedade. 5. (ENEM 2015) PARNASIANISMO (1882-1922) Os poetas parnasianos traba- Carta ao Tom 74 lham o verso e o poema em busca da perfeição estética. Para Rua Nascimento Silva, cento e sete atingir a harmonia das formas, usam construções gramaticais Você ensinando pra Elizete sofisticadas e herméticas e vocabulário rebuscado. Objetos As canções de canção do amor demais raros e preciosos, como vasos, estátuas e joias, compõem a Lembra que tempo feliz temática. Olavo Bilac é considerado o maior poeta parnasiano Ah, que saudade, do Brasil. Ao lado de Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, Ipanema era só felicidade formam a “tríade parnasiana”. Era como se o amor doesse em paz Nossa famosa garota nem sabia SIMBOLISMO (1893-1922) Ao escolherem um vocabulário com A que ponto a cidade turvaria múltiplas possibilidades semânticas, os poetas simbolistas Esse Rio de amor que se perdeu buscam a transcendência. As construções poéticas conferem Mesmo a tristeza da gente era mais bela ritmo e musicalidade e evocam sentimentos e emoções por E além disso se via da janela meio da sugestão. Destacam-se Cruz e Sousa e Alphonsus de Um cantinho de céu e o Redentor Guimaraens. É, meu amigo, só resta uma certeza, É preciso acabar com essa tristeza GRAMÁTICA E INTERPRETAÇÃO É preciso inventar de novo o amor • Tipos de texto Os principais tipos textuais são: Narração Presente em diversos gêneros literários, apresenta os MORAES, V.; TOQUINHO. Bossa Nova, Sua História, Sua Gente. São Paulo: Universal; Philips,1975 (fragmento). seguintes elementos: personagens, tempo, espaço e narrador. Descrição É usada para caracterizar ações, pensamentos e O trecho da canção de Toquinho e Vinícius de Moraes apresenta traços físicos de seres e ambientes presentes nos textos – fa- marcas do gênero textual carta, possibilitando que o eu poético zendo com que o leitor visualize os elementos apresentados. e o interlocutor Dissertação Tem o objetivo de defender uma tese (ponto de a) compartilhem uma visão realista sobre o amor em sintonia com o vista) sobre certo tema. Partindo da apresentação do assunto, meio urbano. o autor procura convencer o leitor a aderir à ideia defendida. b) troquem notícias em tom nostálgico sobre as mudanças ocorridas na cidade. • Orações coordenadas Podem ser assindéticas (aquelas que c) façam confidências, uma vez que não se encontram mais no Rio não possuem conectivos, sendo ligadas por vírgulas) ou sin- de Janeiro. déticas (que possuem uma conjunção coordenativa fazendo d) tratem pragmaticamente sobre os destinos do amor e da vida a ligação entre elas). As conjuções coordenativas estabelecem citadina. relações de adição (e), oposição (mas), explicação (porque), e) aceitem as transformações ocorridas em pontos turísticos conclusão (portanto) e alternância (ou). específicos. • Funções do “se” A palavra “se” pode desempenhar diversas RESOLUÇÃO funções nas frases, como pronome reflexivo (vestiu-se); con- Na letra da canção, os autores recordam tempos passados e expres- junção subordinativa condicional (Se ela for embora, eu vou sam a saudade dos momentos em que viviam num Rio diferente e pra- também); índice de indeterminação do sujeito (Precisa-se de zeroso. Em tom nostálgico, sugerem a Tom Jobim que a única coisa ajudante); e partícula apassivadora (Fez-se uma grande festa). que resta a fazer é acabar com a tristeza e reinventar o amor. Resposta: B GE PORTUGUÊS 2018 89 6 LITERATURA DO MODERNISMO – PROSA CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO  Interpretando: argumentação e persuasão............................................92  Modernismo 1ª fase.........................................................................................94  Modernismo 2ª fase.......................................................................................100  Modernismo 3ª fase.......................................................................................104  Como cai na prova + Resumo .....................................................................112 100 anos de arte moderna no Brasil Exposição em homenagem à pintora Anita Malfaltti comemora o centenário da primeira mostra da artista, considerada o estopim do Modernismo no país O Museu de Arte Moderna de São Paulo O escritor qualificou o trabalho da artista como (MAM) promoveu, entre fevereiro e “arte degenerada” em seu famoso artigo Pa- abril de 2017, uma grande exposição em ranoia ou mistificação? (veja mais na pág. 95). homenagem à pintora Anita Malfatti (1889-1964), A mostra comemorativa no MAM resgatou uma das mais importantes artistas brasileiras do esse importante momento da história da arte século 20. Intitulada Anita Malfatti: 100 anos de brasileira. Dividida em três partes, ela debru- Arte Moderna, a exibição comemorou o centená- çou-se sobre a trajetória da artista, desde os rio de uma polêmica exposição individual feita primeiros anos no exterior, que deram forma pela artista em 1917, que é considerada a primeira ao Modernismo brasileiro, até chegar aos tra- mostra modernista realizada no país e o evento balhos realizados nos anos 1930 e 1940, focado precursor da Semana de Arte Moderna de 1922. em temas populares e nos retratos de amigos, O impacto da Exposição de Pintura Moderna familiares e pessoas da elite. realizada por Malfatti há um século na capital Anita Malfatti contribuiu imensamente para que paulista foi provocado pelo aspecto expressionista as vanguardas europeias se instalassem no Brasil e das 53 obras expostas, uma novidade para os pa- fossem digeridas num processo antropofágico bem drões da arte brasileira daquele período. A pintora ao estilo dos artistas modernistas – a antropofagia havia estudado na Alemanha e nos Estados Unidos seria a deglutição dos elementos culturais estran- e incorporara em seu trabalho traços básicos da geiros de modo que fossem recriados para dar arte moderna, como a liberdade de composição, origem a manifestações a pincelada livre, os tons fortes usados de forma tipicamente brasileiras. não convencional e a iluminação que fugia da O cotidiano recriado CONTEMPLAÇÃO dicotomia do claro-escuro tradicional. como arte foi o mote Visitante observa obras Na ocasião, a mostra foi recebida com es- de sua pintura e tam- de Anita Malfatti em panto e curiosidade. Nomes que mais tarde se bém da literatura dos exposição no Museu de consagrariam como expoentes do Modernismo autores modernistas Arte Moderna (MAM) de – entre eles o artista plástico Di Cavalcanti – a da primeira fase, como São Paulo, em março de elogiaram. Por outro lado, recebeu críticas im- Oswald de Andrade e 2017. Artista foi uma das piedosas, como as feitas por Monteiro Lobato. Mário de Andrade. pioneiras do Modernismo 90 GE PORTUGUÊS 2018 RICHARD CALLIS/FOTOARENA GE PORTUGUÊS 2018 91 6 MODERNISMO – PROSA INTERPRETANDO Argumentação eficaz U Todo texto ma das propostas da literatura modernista 2 de abril de 2017. Nele, o colunista também trata opinativo era buscar redefinir a identidade brasilei- de um símbolo nacional – o futebol – e defende apresenta ra por meio de manifestos que defendiam que a mudança significativa no desempenho da estratégias para símbolos nacionais e populares (veja Manifesto seleção brasileira e o resgate de nossa confiança convencer o da Poesia Pau-Brasil e Manifesto Antropófago no esporte se devem à relação que o técnico Tite leitor a aderir nas págs. 98 e 99). Manifestos são textos argu- estabeleceu com os jogadores e a torcida. a determinado mentativos, que têm o objetivo de persuadir Apesar de este artigo não constituir um exemplo ponto de vista o leitor a favor de determinado ponto de vista. de texto dissertativo com divisão rígida entre tese, Outros exemplos desse tipo de texto são os argumentação e conclusão, percebemos a presença artigos de opinião, como este do cineasta Ugo Gior- de todos esses elementos na exposição das ideias getti, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em do autor e na progressão textual e persuasiva. OPINIÃO Tite e a diferença Antes de apresentar Confiança vem do sentimento que se difunde sua tese, o colunista entre os jogadores de que esse é “o cara” assegura que não vê absolutamente Ugo Giorgetti nada de novo ou de INTRODUÇÃO E inovador no trabalho do EXPLICAÇÃO técnico que justifique Procuro ver o que há de novo na seleção Apresenta as questões sua popularidade e centrais, que serão brasileira de Tite e não consigo ver nada. desenvolvidas ao longo desempenho. Sou informado que Tite gosta e aplica o 4-1-4-1,  do texto: os métodos já informação que agradeço quase comovido. Para conhecidos do treinador ENUMERAÇÃO mim é o mesmo método e a mesma tática do e sua vantagem em A enumeração das velho Tite do Corinthians e de sempre. É assim relação aos demais técnicas que Tite técnicos (a relação que reconheço a seleção. Muita troca de passes, pessoal que estabelece desenvolve em seu trabalho com a equipe compactação defensiva, aproveitamento do com os jogadores). contribui para mostrar atleta no lugar perfeito para suas caracte- ao leitor que os aspectos rísticas e, sobretudo, confiança mútua entre técnicos são tão elenco e técnico. ARTIGO E importantes quanto Talvez devesse dar mais destaque para a con- INTENSIFICAÇÃO os interpessoais (entre técnico e jogadores). fiança. Sou tentado até a dar todo o destaque para O artigo definido não funciona apenas como essa relação pessoal de Tite e seus comandados. um agente especificador Não confundir com união. União é uma coisa do substantivo. Ele pode CONTRA-ARGUMENTO que vem de fora, algo combinado. Pode se con- desempenhar também Aqui o colunista trabalha seguir unir a despeito das desconfianças, num papel intensificador, a oposição entre as momento de particular necessidade, por exemplo. como o grau aumentativo noções de união e de dos adjetivos. Repare confiança. Mostra que Mas geralmente não dá certo. que o artigo “o” torna o técnico não trabalha A confiança vem de outra coisa. Ela vem de um o substantivo “cara” o apenas a união, mas a sentimento que se difunde entre os jogadores, às maior de todos. confiança – daí seu êxito. vezes velozmente, de que esse é “o cara”. Esse é  o responsável que vai conduzir o time em rumo ARGUMENTO E COESÃO certo. Em momentos ruins, de crise, “o cara” é O pronome sempre esperado. Não só no esporte, é claro. Na demonstrativo “esse” retoma a afirmação política também. O desespero, às vezes silencioso, do período anterior de que alguma coisa precisa ser feita desencadeia (“o cara”) e reforça o a esperança pelo “cara”. argumento sobre a força carismática de Tite, por encarnar essa figura. ! 92 GE PORTUGUÊS 2018 A seleção brasileira, principalmente depois PROGRESSÃO dos 7 a 1, tinha chegado no fundo do poço. Pior  PERSUASIVA impossível. Ninguém sabia direito o que fazer, As expressões “fundo do poço” e “mal a pior” falava-se em técnico estrangeiro, procurava-se contribuem para criar por toda parte e nada. De repente, quando tudo o cenário típico para a ia de mal a pior, ele chegou. E veio a modificação  figura do “salvador”. rápida, quase milagrosa sem que se perceba qual- Note que o autor reforça quer mudança fundamental, tática ou estratégica. a ideia de que não são as qualidades técnicas que Mas não há nada de milagroso nisso. É um sen- definirão o papel de “o timento, primeiro do elenco de jogadores, depois, cara” para Tite. à medida que o time ganhava, da torcida, de que tinha chegado alguém. Falo “sentimento”, que é TESE E ÊNFASE quando grupos, e depois multidões, identificam O autor apresenta duas numa pessoa, só através de meios emocionais, não teses: Tite restabeleceu a racionais, qualidades que apenas vislumbram, confiança dos jogadores (veja no 2º parágrafo) e é adivinham, mas que “sentem” que pode tirá-los um técnico carismático da situação desesperada. Estamos, então, em  (ao lado). Para isso, presença do carisma. É isso o carismático. Alguém emprega expressões sobre o qual se depositam esperanças por quali- contundentes, como dade apenas adivinhadas e suspeitadas. Só com “sem dúvida”. esses indícios nos convencemos de que a salvação VARIANTE LINGUÍSTICA chegou. Tite é, sem dúvida, alguém com carisma. O autor usa a expressão Embora a palavra seja agora usada a torto  popular “a torto e a e a direito para classificar qualquer rostinho direito” com o objetivo SAIBA MAIS agradável, ou qualquer pessoa que se pretende de desqualificar o sentido “diferente”, carisma é muito mais e prevê quali- de carisma atribuído pelo COMO UM TEXTO ARGUMENTATIVO senso comum. Segundo dades especiais, a principal delas fé em si mesmo ele, “carisma é muito É CONSTRUÍDO e nos demais em quem confia totalmente. Tite mais e prevê qualidades Todo texto que manifesta uma opinião ou defende não inventou um só jogador, não tirou da cartola especiais”. um ponto de vista parte da apresentação da ideia ninguém, só mostrou que confia em quem está com que será discutida (tese). As linhas iniciais dos textos ele. O carismático exige, para que surja, primeiro  PROGRESSÃO TEXTUAL E argumentativos costumam trazer uma introdução uma situação desesperada, depois um pequeno PERSUASÃO ao assunto, na qual se explicita também o posicio- número de fiéis, de preferência que já tivessem O autor retoma o conceito namento do sujeito enunciador. de carisma e reforça a vivido com o carismático outras experiências. ideia de que o técnico não • Persuasão: É o processo de levar o interlocutor Desse grupo de fiéis, se o “cara” tiver mesmo ca- mostrou necessariamente (aquele com quem se fala) a aderir à ideia e à ação risma, a coisa se espalha e ganha cada vez mais nenhuma novidade propostas pelo enunciador (aquele que articula corpo. E finalmente, num movimento irresistível, técnica para seu e envia uma mensagem). domina multidões. excepcional desempenho. • Argumentos: São todos os elementos – afirma- Quem hoje grita ‘Tite!’ não são apenas corin- ções, comparações, exemplos – apresentados tianos, são brasileiros que não sabem explicar PERGUNTA RETÓRICA E para reforçar a tese do autor. bem por que o Brasil mudou tanto nos últimos FUNÇÃO APELATIVA • Contra-argumentos: O texto argumentativo pode jogos, mas sabem que foi por causa dele. Já vimos A pergunta induz o prever algumas reações contrárias ao ponto de  interlocutor (leitor) a isso em política muitas vezes, não é mesmo? É dar a resposta esperada vista defendido e, na tentativa de reforçar a ideia evidente que Tite é um carismático querido e pelo emissor (o autor). em questão, rebate antecipadamente esses pos- benéfico. Porque, às vezes, a multidão se enga- Pretende-se fazê-lo aderir síveis argumentos. na e o carismático tem muitos problemas para ao que foi proposto. • Conclusões: Ainda que diversas questões polê- manter o cargo e, muito frequentemente, a pele. micas não cheguem a uma conclusão categórica, Carisma, portanto, é bênção e maldição ao mesmo CONCLUSÃO todo texto argumentativo tem um acabamento tempo. Mas, de qualquer maneira, é animador ver  autor reafirma sua tese O final. O fechamento de um texto deve ser coerente alguém sobre o qual se deposita tanta confiança inicial e diz que em um com as ideias apresentadas nos parágrafos ante- país sem muita confiança num país onde, com toda a razão, o povo não em seus representantes riores e deve reforçar o ponto de vista defendido. consegue enxergar qualquer espécie de carisma é bom ter um homem As últimas linhas recuperam a tese inicial e, a nos que o representam. confiável e carismático à partir dos argumentos apresentados, reafirmam frente da seleção. a proposta central. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 93 6 MODERNISMO – PROSA PRIMEIRA FASE Inovação e ruptura No processo de ruptura com a arte acadêmica e tradicional, os artistas do Modernismo, como o escritor e poeta Mário de Andrade, compuseram inúmeros Na primeira fase do Modernismo manifestos e textos críticos, nos quais apresentavam (1922-1930), uma nova estética propostas estéticas inovadoras e inauguravam ADJETIVO SUPERLATIVO reafirma a identidade nacional correntes artísticas de vanguarda. O prefácio de Pauliceia Desvairada (1922)  N explicita seu processo a primeira metade do século XX, no composicional. O adjetivo contexto dos avanços tecnológicos e da usado no grau superlativo I Guerra Mundial, a arte moderna ins- objetiva intensificar o taura uma série de rupturas com os fundamentos Prefácio Interessantíssimo  interesse sobre o texto. artísticos defendidos pelos movimentos ante- Mário de Andrade SINTAXE FRAGMENTADA riores, criando uma atmosfera de radicalidade. As frases nominais Revoltados com a arte acadêmica e tradicional, Leitor: (curtas e sem verbos) os modernistas desejam libertar-se dos anti- Está fundado o Desvairismo. são típicas da dicção gos modelos de composição. Movimentos de Este prefácio, apesar de interessante, inútil.  do autor. A síntese e a vanguarda, como o Surrealismo (que explorou Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. concisão estão presentes na sintaxe fragmentada e muito o sonho e a criação de novas realidades), o Para quem me aceita são inúteis ambos. Os direta de Andrade. Cubismo (que trabalhou com formas geométricas curiosos terão o prazer em descobrir minhas con- de modo pouco usual), o Expressionismo (que clusões, confrontando obra e dados. Para quem LEITOR PARTICIPATIVO valorizou a percepção do sujeito sobre o obje- me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes  O autor se dirige to), o Dadaísmo (que rompeu com os limites do de ler, já não aceitou. diretamente ao público sentido) e o Futurismo (que exaltou o progresso Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem e estimula a curiosidade do leitor, que auxiliará no e a inovação), legitimaram o tratamento de rea- pensar tudo que meu inconsciente me grita. Pen- processo de atribuição de lidades fragmentárias, incompletas e irracionais. so depois: não só para corrigir, como para jus- sentido à obra. Os valores defendidos pelos modernistas estão tificar o que escrevi. Daí a razão deste Prefácio associados ao histórico de destruição e caos pro- Interessantíssimo. HUMOR E SERIEDADE vocados pela guerra e exploram o inconsciente Aliás muito difícil nesta prosa saber onde ter-  O inacabamento e a humano, à luz das modernas teorias psicanalí- mina a blague, onde principia a seriedade. Nem perda de contornos rigidamente definidos ticas, criadas por Sigmund Freud. eu sei. entre o humor e a (...) seriedade são traços da Semana de Arte Moderna Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repi-  arte moderna. O marco do Modernismo brasileiro é, conven- to-o. Tenho pontos de contacto com o futurismo. cionalmente, a Semana de Arte Moderna, ocor- Oswald de Andrade, chamando-me de futurista, FUTURISMO rida em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal errou. A culpa é minha. Sabia da existência do Apesar da semelhança dos poemas de Mário de de São Paulo. No decorrer de toda a década de artigo e deixei que saísse. Tal foi o escândalo, que Andrade com os textos 1910, porém, os artistas brasileiros já propunham desejei a morte do mundo. Era vaidoso. Quis sair futuristas (verificável na mudanças nos padrões estéticos e expunham da obscuridade. adoção do verso livre, criações que desafiavam o gosto tradicional. (...) no apelo à tecnologia Um dos eventos mais conturbados desse pe- Um pouco de teoria? nas metrópoles), o autor inicialmente não se ríodo foi a exposição de obras da pintora Anita Acredito que o lirismo, nascido no subcons- considera filiado a uma Malfatti (veja na pág. ao lado), que provocou ciente, acrisolado num pensamento claro ou corrente específica. severas reações da crítica conservadora – a confuso, cria frases que são versos inteiros, sem exemplo do artigo Paranoia ou Mistificação?, prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação  PSICANÁLISE publicado pelo pré-modernista Monteiro Lo- determinada. As teorias psicanalíticas bato (1882-1948).  A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer em- fundamentaram as criações da arte pecilho a perturba e mesmo emudece. (...) moderna. A noção de inconsciente permitiu RODRIGUES, A. Medina (et al). Antologia da a defesa de princípios Literatura Brasileira: Textos Comentados. como a escrita São Paulo: Marco, 1979. vol. 2, p. 28-32 automática (praticada pelos surrealistas) e a afirmação da liberdade composicional. COMPOSIÇÃO ESPONTÂNEA Para o autor, a racionalidade é um obstáculo à expressão poética genuína. Este prefácio se legitima por abrir espaço para as reflexões racionais após a composição espontânea dos poemas. 94 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES ARTIGO PINTURA Paranoia ou mistificação? Monteiro Lobato Há duas espécies de artistas. Uma composta DOIS GRUPOS dos que veem as coisas e em consequência fazem O autor divide os arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e artistas em dois grupos. Um formado pelos adotados, para a concretização das emoções esté- acadêmicos, fiéis aos ticas, os processos clássicos dos grandes mestres. modelos clássicos de (...) composição, e o outro A outra espécie é formada dos que veem anor-  pelos modernistas. Ele malmente a natureza e a interpretam à luz das os desqualifica, usando os adjetivos “efêmeras”, teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de es- “estrábica” e “rebeldes”. colas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. [1] ARTE DEGENERADA (...) O texto liga a arte Embora se deem como novos, como precurso-  moderna a um suposto No quadro Caipira Picando Fumo, de 1893, Almeida res de uma arte a vir, nada é mais velho do que processo de decadência Júnior retrata a simplicidade de um homem do campo. a arte anormal ou teratológica: nasceu como a dos valores ocidentais. Todo o contexto reflete a realidade singela da pessoa, paranoia e a mistificação. Lobato qualifica as desde suas roupas até a casa de pau a pique. produções como “arte (...) degenerada”, fruto de A desolação do local e a passividade do homem Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impres- lembram Jeca Tatu, caipira imortalizado por Monteiro perturbações mentais. Lobato. Ao contrário de Abaporu (abaixo), esta pintura sionismo e tutti quanti não passam de outros está de acordo com os padrões acadêmicos de arte ramos da arte caricatural. É a extensão da cari- defendidos por Lobato.  PROGRESSÃO TEXTUAL catura a regiões onde não havia até agora pene- A cada argumento, Lobato trado. Caricatura da cor, caricatura da forma – retoma a tese inicial. mas caricatura que não visa, como a verdadeira, Note os mecanismos ressaltar uma ideia, mas sim desnortear, aparva- de progressão textual, ligados à alternância lhar, atordoar a ingenuidade do espectador. entre informações novas (...) e antigas. A pintura da sra. Malfatti não é futurista, de modo que estas palavras não se lhe endereçam  ANITA MALFATTI em linha reta; mas como agregou à sua exposição Lobato volta-se ao alvo uma cubice, queremos crer que tende para isso de seu texto: os quadros como para um ideal supremo. de Malfatti. O autor se (...) coloca como exceção diante da receptividade com que parte dos http://www.pitoresco.com.br/brasil/anita/lobato.html críticos acolheu a pintura da artista. Para além das críticas à exposição de [2] Neste artigo, Monteiro Lobato faz uma ácida crítica ao Malfatti, ele tomou o fato trabalho da pintora Anita Malfatti e ao dos modernistas concreto como pretexto em geral. para vociferar contra os ideais estéticos Em Abaporu, de 1928, Tarsila do Amaral usa cores do Modernismo. associadas ao Brasil e subverte as proporções convencionais. Uma figura humana é representada com os membros em tamanho deformado – algo impensável para as estéticas clássicas. No Modernismo, temas ligados ao país (como a natureza tropical) recebem um olhar crítico – não são mais idealizados, como no contexto romântico. O pé gigante que toca o chão busca provocar uma reflexão sobre a ordem aparente do mundo real. [1] JOSÉ FERRAZ DE ALMEIDA JÚNIOR/PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO [2] TARSILA DO AMARAL/MALBA GE PORTUGUÊS 2018 95 6 MODERNISMO – PROSA PRIMEIRA FASE Macunaíma (1928) incorpora elementos folclóricos para Mário de Andrade traçar um perfil do brasileiro, criando o “herói sem A arte moderna valoriza as diferenças e as nenhum caráter”. O personagem pertence ao rol de especificidades do mundo, em detrimento da malandros nacionais, como Leonardinho, de Memórias harmonia e do reconhecimento familiar da de um Sargento de Milícias, e Brás Cubas, de Memórias arte acadêmica. Em literatura, a produção mo- Póstumas de Brás Cubas. dernista da primeira fase (1922-1930) também  prioriza elementos capazes de chocar o público PARÓDIA e promover certo estranhamento diante de uma O início da obra faz nova realidade, questionando e rompendo com uma paródia de textos a identificação do público diante da obra. Passa Macunaíma indianistas (como a predominar uma preocupação com os proces- Mário de Andrade Iracema, de José de sos artísticos de composição das obras, e não Alencar). O nascimento de Macunaíma ocorre na importa mais a representação fiel da realidade. No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, mata, no contato com Os escritores da primeira fase estavam preocu- herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do  elementos naturais. pados em descobrir a identidade do país e do medo da noite. Houve um momento em que si- Em todo o texto, porém, brasileiro. A reflexão crítica sobre a realidade lêncio foi tão grande escutando o murmurejo do não há a idealização brasileira é uma das preocupações centrais do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma positiva do herói. escritor Mário de Andrade (1893-1945).  criança feia. Essa criança é que chamaram de JEITINHO BRASILEIRO Macunaíma. No bordão de Já na meninice fez coisas de sarapantar. De Macunaíma, bocejando primeiro passou mais de seis anos não falando. de preguiça, ocorre  Si o incitavam a falar exclamava: uma inversão dos – Ai que preguiça!... e não dizia mais nada.  valores habitualmente considerados positivos. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de Macunaíma é um herói paxiúba, espiando o trabalho dos outros e prin- preguiçoso e malandro, cipalmente os dois manos que tinha, Maanape representante típico do já velhinho e Jiguê na força do homem. O diver- “jeitinho” brasileiro. Ele timento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia não gosta de trabalhar e não cultiva valores deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Ma- heroicos nem guerreiros. cunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do ba- LIBIDO nho dando mergulho, e as mulheres soltavam Desde pequeno, gritos gozados por causa dos guaiamuns diz que Macunaíma tinha a habitando a água-doce por lá. No mucambo si  sexualidade aflorada. Ao alguns cunhatã se aproximava dele pra fazer perturbar as índias no rio festinha, Macunaíma punha a mão nas graças ou assediar as mulheres dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na na tribo, o garoto já revelava a licenciosidade cara. Porém respeitava os velhos e frequentava  que o caracterizaria com aplicação a murua a poracê o torê o baco- durante a vida. rocô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo. PONTUAÇÃO O autor trabalha com Belo Horizonte/Rio de Janeiro: os elementos da cultura indígena, subvertendo Garnier, 2004. as regras convencionais de escrita. Repare na PARA IR ALÉM CRIANÇA FEIA ausência de pontuação, quando são enumeradas O adjetivo usado para caracterizar Macunaíma é as danças típicas A editora Peirópolis lançou, em 2016, uma adaptação essencial para a configuração da personagem: era uma praticadas pelos índios. de Macunaíma para HQ. O “herói sem nenhum caráter” criança “feia”, por oposição aos retratos idealizados aparece nos traços de cores fortes da dupla mineira dos românticos. Angelo Abu e Dan X, que preservou a irreverência da obra original. Além da história principal, a edição ORALIDADE E LINGUAGEM COLOQUIAL Note a oralidade da escrita. A palavra “se” é grafada com traz os bastidores da elaboração da HQ – também o som da fala “si” do português brasileiro. A referência à numa divertida história em quadrinhos – usando a linguagem oral é típica da primeira fase modernista. linguagem adotada no livro de Mário de Andrade. 96 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS CONEXÕES HERÓI E ANTI-HERÓI CANÇÃO Macunaíma resulta do anseio da primeira fase modernista pela criação de uma identidade nacional. O epíteto “herói sem nenhum caráter” designa a ausên- Homem-aranha cia de um caráter brasileiro definido, pois este ainda Jorge Vercilo estaria em formação. Macunaíma simboliza aspectos relevantes da história do Brasil, como a miscigenação. Eu adoro andar no abismo A identidade nacional também preocupou os românti- Numa noite viril de perseguição cos. Contudo, para eles a expressão máxima do nacio- saltando entre os edifícios nalismo estava na figura do índio anterior à coloniza- vi você ção. Peri, personagem de O Guarani, de José de Alencar Em poder de um fugitivo (1829-1877), reúne as características desejáveis ao Que cercado pela polícia, te fez refém melhor europeu: católico, forte, destemido e honrado. lá nos precipícios Contrariando o ideal romântico do herói nacional, Foi paixão à primeira vista PERSONAGEM Macunaíma, assim como Leonardinho e Brás Cubas, me joguei de onde o céu arranha O super-herói enfrenta são covardes e não têm grandes aspirações na vida. problemas cotidianos e te salvando com a minha teia torna-se vulnerável Prazer, me chamam de Homem-Aranha à rotina diária. Seu herói  O Guarani José de Alencar Hoje o herói aguenta o peso RECUSA DO TRABALHO das compras do mês Assim como Macunaíma, De repente, entre o dossel de verdura que cobria o anti-herói da canção se No telhado, ajeitando a antena da tevê esta cena, ouviu-se um grito vibrante e uma pa- nega a desempenhar o Acordado a noite inteira pra ninar bebê lavra de língua estranha: papel heroico e privilegia — Iara! a relação amorosa. Chega de bandido pra prender,  É um vocábulo guarani: significa a senhora. de bala perdida pra deter (...) VISÃO CRÍTICA Eu tenho uma ideia: De pé, fortemente apoiado sobre a base estreita Nota-se um olhar Você na minha teia questionador acerca que formava a rocha, um selvagem (...) metia o Chega de assalto pra impedir,  da sociedade, em um ombro a uma lasca de pedra que se desencravara processo de reflexão Seja em Brasília ou aqui do seu alvéolo e ia rolar pela encosta. sobre a realidade já Eu tive a grande ideia: O índio fazia um esforço supremo para suster o desenvolvido pelos Você na minha teia peso da laje prestes a esmagá-lo; e com o bra- autores modernistas. Hoje eu estou nas suas mãos A violência combatida ço estendido de encontro a um galho de árvore Nessa sua ingênua sedução pelo herói é equiparada à mantinha por uma tensão violenta dos músculos corrupção que ocorre no que me pegou na veia o equilíbrio do corpo. plano político. Eu tô na tua teia A árvore tremia; por momentos parecia que pedra e homem se enrolavam numa mesma volta, e preci- http://www.vagalume.com.br/jorge-vercilo/ pitavam sobre a menina sentada na aba da colina. homem-aranha-letra-sem-erros. (...). html#ixzz3aDwM4cKw Uma larga esteira que descia da eminência até o lugar onde Cecília estivera recostada, mostrava Nesta canção, de Jorge Vercilo, aparece também a linha que descrevera a pedra na passagem, ar- a figura de um anti-herói: um personagem cujo rancando a relva e ferindo o chão. (...) comportamento não serve como exemplo ou modelo O fidalgo não sabia o que mais admirar, se a força de conduta. Surge um super-herói problemático, e heroísmo com que ele salvara sua filha, se o mi- às voltas com os problemas do nosso tempo. lagre de agilidade com que se livrara a si próprio da morte. (...) — Como te chamas? — Peri, filho de Ararê, primeiro de sua tribo. Editora Ática, 2010 © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 97 6 MODERNISMO – PROSA PRIMEIRA FASE Publicado em 1924 no Correio da Manhã, Oswald de Oswald de Andrade Andrade defende, em tom paródico e festivo, uma Em países colonizados por outras nações, poesia que não siga modelos ou regras preestabelecidos como é o caso do Brasil, os escritores moder- de composição. nistas rompem com a tradição e propõem uma  afirmação da identidade nacional, bem como a libertação definitiva da herança dos coloni- zadores. Trata-se da defesa de uma literatura autêntica e pessoal, visando à afirmação da Manifesto da nacionalidade de modo crítico, sem a idealiza- Poesia Pau-Brasil ção característica dos românticos. Oswald de Oswald de Andrade Andrade (1890-1954) viaja para a Europa e, ao retornar, traz consigo o repertório das vanguar- A poesia existe nos fatos. Os casebres de aça- das artísticas do continente. Ao lado de outros frão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul intelectuais, participa da Semana de 22. No cabralino, são fatos estéticos. Manifesto da Poesia Pau-Brasil, mostra o desejo O Carnaval no Rio é o acontecimento religio- de que a cultura brasileira seja exportada, assim so da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante como ocorreu com a árvore pau-brasil, e passe os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A for- a influenciar a própria cultura europeia. No mação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. Manifesto Antropófago, lançado em 1928, pro- A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. põe que o Brasil “devore” a cultura estrangeira. (...) A poesia Pau-Brasil, ágil e cândida. Como uma criança. (...) Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. (...) A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natu- ral e neológica. A contribuição milionária de to- dos os erros. Como falamos. Como somos. Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas e os outros. Uma única luta – a luta pelo caminho. Divi- damos: poesia de importação. E a Poesia Pau- -Brasil, de exportação. (...) Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leito- res de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil. SAIBA MAIS MANIFESTOS O gênero manifesto é caracterizado pela linguagem direta e exaltada, em caráter provocador, com que se defende um tema. Na primeira geração do Modernismo brasileiro, os manifestos de Oswald de Andrade explici- tam os objetivos principais do movimento. A crítica e o humor aparecem combinados, a exemplo dos manifestos vanguardistas europeus, em textos que mesclam a lin- guagem artística e o registro popular, com a finalidade de difundir as ideias para o grande público. Outra característica é o uso de conclamações, com o [1] emprego de vocativos e de verbos no imperativo, como na famosa frase do Manifesto Comunista (1848), de Karl Marx e Friedrich Engels: “Proletários de todo o mundo, uni-vos.” 98 GE PORTUGUÊS 2018 O conceito de antropofagia (ingestão de carne humana), associado à cultura indígena e, portanto, ligado ao passado pré-colonial do Brasil, é usado por Oswald de CONEXÕES Andrade em referência à estética do Modernismo. PERSONAGENS MOVIMENTO ANTROPÓFAGO O manifesto defende o Manifesto Antropófago  nacionalismo e propõe Oswald de Andrade a deglutição canibal dos elementos culturais estrangeiros, para que Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Eco- estes possam, depois, ser nomicamente. Filosoficamente. recriados artisticamente Única lei do mundo. Expressão mascarada de no país, dando origem todos os individualismos, de todos os coletivismos. a manifestações De todas as religiões. De todos os tratados de paz. tipicamente brasileiras. Tupi, or not tupi that is the question.  PARÓDIA Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos O autor parodia o verso Gracos. de Shakespeare (“To be Só me interessa o que não é meu. Lei do ho- or not to be, that’s the question”) e “deglute” mem. Lei do antropófago. o repertório estrangeiro (...) adaptando-o à cultura Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carna- nacional. A paródia é uma val. O índio vestido de senador do Império. Fin- forma de se estabelecer [2] gindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar intertextualidade. Ao mudar o sentido do texto cheio de bons sentimentos portugueses. original, costuma provocar Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a lín- um efeito de humor. gua surrealista. A idade de ouro. [...] Contra as sublimações antagônicas. Trazidas  IDENTIDADE NACIONAL nas caravelas. Nosso passado colonial Contra a verdade dos povos missionários, de- é atacado pela sátira mordaz; por outro lado, finida pela sagacidade de um antropófago, o Vis- os elementos da cultura conde de Cairu: – É mentira muitas vezes repe- indígena ressurgem como tida. parâmetros definidores (...) da nacionalidade e da Se Deus é a consciênda do Universo Incriado, identidade cultural. Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais. JOGO TEMPORAL Dois fatos passados (...) relacionam-se entre O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. si – o período anterior Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso? (assinalado por “tinha Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o  descoberto”) e o posterior [3] Brasil tinha descoberto a felicidade. à descoberta do Brasil. O passado mais antigo é Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Ma- valorizado, em detrimento ria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D.  dos tempos coloniais. Antônio de Mariz. (...) Os elementos brasileiros foram representados de  Contra Anchieta cantando as onze mil virgens A FIGURA DO ÍNDIO maneiras diferentes pelas histórias em quadrinhos, Oswald se opõe à no decorrer do século XX. Após a II Guerra Mundial, do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João representação romântica os estúdios de Walt Disney desenvolveram uma visão Ramalho fundador de São Paulo. e idealizada dos estereotipada do brasileiro, encarnada pelo malandro indígenas, no molde Zé Carioca (no alto), um papagaio brasileiro, amante Revista de Antropofagia, Ano 1, nº 1, maio 1928 dos cavaleiros europeus dos prazeres e da vida fácil. Já o brasileiro Ziraldo e impregnada de utilizou personagens e temas do folclore nacional INTERTEXTUALIDADE elementos estrangeiros. para criar A Turma do Pererê (acima), encabeçada A oposição à cultura trazida pelos europeus retoma Note a referência a Peri, pela figura do saci e de um índio (representativos da a figura da índia Iracema e estabelece um diálogo protagonista cultura brasileira). Oswald de Andrade era favorável intertextual com o romance indianista de José de Alencar. de O Guarani, de José à representação crítica da realidade brasileira por de Alencar. autores nacionais. [1] © TEREZA BETTINARDI [2] REPRODUÇÃO [3] © TURMA DO PERERÊ/ZIRALDO GE PORTUGUÊS 2018 99 6 MODERNISMO – PROSA SEGUNDA FASE Um novo olhar Publicado em 1937, Capitães da Areia retrata o cotidiano de um grupo de meninos de rua, mostrando suas para o país ações violentas, mas, também, as aspirações e os pensamentos ingênuos comuns a qualquer criança. Questões sociais e políticas denunciam os problemas nacionais na segunda PEDRO BALA fase do Modernismo (1930-1945) Capitães da Areia Líder dos Capitães da Areia, ele possui uma O s romances regionalistas da segunda Jorge Amado cicatriz de navalha no fase do Modernismo brasileiro procu- rosto, fruto da luta em ram apresentar faces do Brasil que não Quando o levaram para aquela sala Pedro  que venceu o antigo chefe do bando. Seu pai costumavam figurar no conjunto dos romances Bala calculava o que o esperava. Não veio era estivador e liderara brasileiros tradicionais – estes últimos marca- nenhum guarda. Vieram dois soldados de polícia, uma greve no porto, onde dos, geralmente, por uma ambientação urbana. um investigador, o diretor do reformatório. foi assassinado. Afastando-se dos grandes centros da Região Fecharam a sala. O investigador disse numa voz Sudeste do país, os autores regionalistas prio- risonha: LINGUAGEM COLOQUIAL Os diálogos literários rizam o tratamento de realidades diversas e se – Agora os jornalistas já foram, moleque. Tu do Modernismo voltam para os problemas sociais do país. agora vai dizer o que sabe queira ou não queira. regionalista tentam O diretor do reformatório riu: reproduzir a comunicação Jorge Amado – Ora, se diz... informal e, por meio da Um dos escritores brasileiros mais populares, O investigador perguntou: linguagem, reforçam Jorge Amado (1912-2001) retratou o cotidiano as caracterizações dos – Onde é que vocês dormem? membros de certos grupos da população baiana – os marinheiros, as mães Pedro Bala o olhou com ódio: sociais (veja no Saiba mais de santo, os menores abandonados das ruas de – Se tá pensando que eu vou dizer...  da pág. ao lado). Salvador. O romance Capitães da Areia (1937) – Se vai... narra as aventuras de um grupo de garotos mar- – Pode esperar deitado. CONFLITOS O conflito entre grupos ginalizados, moradores de um velho trapiche e Virou as costas. O investigador fez um sinal oprimidos e autoridades estigmatizados por sua condição social. A repre- para os soldados. Pedro Bala sentiu duas é frequente na literatura sentação de tipos comuns e o heroísmo presente chicotadas de uma vez. E o pé do investigador regionalista. Em Vidas em episódios simples do dia a dia são marcas da na sua cara. Rolou no chão, xingando. Secas, por exemplo, literatura regionalista do Modernismo brasileiro. – Ainda não vai dizer? – perguntou o diretor do  esse aspecto surge na oposição entre Fabiano e reformatório. – Isso é só o começo. o Soldado Amarelo. – Não – foi tudo o que Pedro Bala disse. Agora davam-lhe de todos os lados. INJUSTIÇA Chibatadas, socos e pontapés. O diretor do E CRÍTICA SOCIAL reformatório levantou-se, sentou-lhe o pé, Pedro A mando do diretor do reformatório e do Bala caiu do outro lado da sala. Nem se levantou. investigador de polícia, Os soldados vibraram os chicotes. Ele via João Pedro Bala é espancado. O Grande, Professor, Volta Seca, Sem-Pernas, o autor descreve nesta cena Gato. Todos dependiam dele. A segurança de uma relação de abuso. Um todos dependia da coragem dele. Ele era o chefe,  menor preso e torturado não podia trair. Lembrou-se da cena da tarde. por aqueles que devem manter a ordem moral, Conseguira dar fuga aos outros, apesar de estar a educação e a justiça. preso também. O orgulho encheu seu peito. Não falaria, fugiria do reformatório, libertaria Dora.  ORAÇÕES E se vingaria... Se vingaria... COORDENADAS  Grita de dor. Mas não sai uma palavra dos ASSINDÉTICAS Note como a sequência seus lábios. Vai te fazendo noite para ele. Agora de períodos simples e já não sente dores, já não sente nada. No entanto, orações coordenadas os soldados ainda o surram, o investigador o assindéticas (que não soqueia. Mas ele não sente mais nada. possuem conectivos, sendo ligadas por ! vírgulas) confere LEALDADE agilidade ao texto. Pedro Bala aguenta as pancadas e não revela o local onde vive o grupo porque sabe que é o líder do bando e deve manter lealdade a ele. 100 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS DA INOCÊNCIA À MATURIDADE O Ateneu (1888) relata a vida de um pré-adolescente em um internato para garotos. Esta obra de Raul Pompeia e Capitães da Areia, de Jorge Amado, retra- tam meninos que são vítimas da exposição precoce à vida adulta, embora em contextos e classes sociais diferentes. Sérgio, estudante de classe média alta, – Desmaiou – diz o investigador. descobre o mundo no colégio interno; o menor Pedro – Deixe ele por minha conta – explica o Bala, nas ruas de Salvador. diretor do reformatório. – Eu levo ele pro reformatório, lá ele abre a boca. Garanto. E eu dou o aviso a vocês. ESPELHO O colégio interno espelha O Ateneu (...) o mundo exterior e a Raul Pompeia O bedel Ranulfo (...) o levou à presença do incerteza diante diretor. Pedro Bala sentia o corpo todo doer do desconhecido. “Vais encontrar o mundo, disse-me meu  das pancadas do dia anterior. Mas ia satisfeito, pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.” METÁFORA porque nada tinha dito, porque não revelara Bastante experimentei depois a verdade deste O narrador utiliza o lugar onde os Capitães da Areia viviam. diversas imagens aviso, que me despia, num gesto, das ilusões Lembram-se da canção que os presos cantavam metafóricas (figura de de criança educada exoticamente na estufa de na madrugada que nascia. Dizia que a liberdade linguagem que aproxima  carinho que é o regímen do amor doméstico; é o bem maior do mundo. Que nas ruas havia sol objetos pertencentes diferente do que se encontra fora, tão diferente, a universos diferentes, e luz e nas células havia uma eterna escuridão que parece o poema dos cuidados maternos um que apresentam porque ali a liberdade era desconhecida. (...) características artifício sentimental, com a vantagem única semelhantes) para fazer de fazer mais sensível a criatura à impressão Companhia das Letras, 2009. referência ao aconchego rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vida doméstica. da vitalidade na influência de um novo clima  rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com MEMÓRIA Depois dessas idas e saudade hipócrita dos felizes tempos; como se a SAIBA MAIS vindas temporais, o mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não narrador adulto centra-se nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de VARIAÇÃO LINGUÍSTICA no pretérito imperfeito longe a enfiada das decepções que nos ultrajam. e no presente para A língua não é uniforme ou homogênea. Ela apresenta (...) repassar, na memória, variações condicionadas por diferentes fatores, como: os maus bocados de Eu tinha onze anos. • Variação histórica: ocorre ao longo do tempo e pode sua estada no colégio. (...) ser verificada por meio da comparação entre textos de Esse efeito só é possível  Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha diferentes épocas ou pelo contato entre pessoas de dife- graças à intersecção mãe beijou-me a testa, molhando-me de rentes gerações (por exemplo, o pronome você, corres- entre tempo cronológico lágrimas os cabelos e eu parti. e psicológico. pondente à antiga forma de tratamento vossa mercê). • Variação geográfica ou regional: relacionada às pala- Ateliê, 1999. vras e construções específicas dos diferentes territórios PRIMEIRA PESSOA em que uma mesma língua é falada (por exemplo, o Ainda que o livro possua vários aspectos naturalistas, vegetal mandioca é conhecido como aipim ou maca- como a descrição rica em detalhes e quase científica xeira, conforme a região do Brasil). do colégio, a obra afasta-se do modelo clássico do • Variação sociocultural: influenciada por fatores como movimento, já que o foco em primeira pessoa subverte os preceitos naturalistas de isenção e distanciamento. idade, sexo, profissão ou nível de escolaridade do falan- te (como as gírias de determinados grupos ou os jargões empregados por profissionais de diferentes áreas). • Variação individual: presente na adequação realiza- PARA IR ALÉM da por um mesmo falante, de acordo com o grau de formalidade da situação em que se encontra (contex- O filme Capitães da Areia (2011) é dirigido por Cecília tos formais exigem o uso da norma padrão da língua, Amado, neta de Jorge Amado. Ela buscou o mesmo enquanto contextos informais permitem a adoção de olhar crítico do livro. O elenco é todo formado por não um estilo mais coloquial). atores, a fim de se criar uma Bahia verossímil e atual. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 101 6 MODERNISMO – PROSA SEGUNDA FASE Em Vidas Secas, o drama da família de retirantes Graciliano Ramos obrigada a se mudar constantemente por causa da seca A obra do autor alagoano apresenta cenários é narrado em um estilo com economia de adjetivos, e personagens pertencentes à Região Nordeste característico de Graciliano Ramos. Dessa forma, o autor do Brasil. Em Vidas Secas (1938), por exemplo, consegue transmitir a seus leitores a aridez do ambiente. Graciliano Ramos (1892-1953) narra a trajetó- ria de uma família de retirantes que procura sobreviver às condições adversas impostas pelo meio natural, como a seca e a caatinga, e pela realidade social, como o latifúndio e o drama dos Vidas Secas ANTAGONISTA O espaço desempenha retirantes. Como o título do livro indica, a seca Graciliano Ramos um papel fundamental que assola o sertão nordestino é responsável por na configuração do enfraquecer as perspectivas de vida e submeter Entrava dia e saía dia. As noites cobriam romance. O sertão é a existência humana à escassez de recursos, à a terra de chofre. A tampa anilada baixava, apresentado como o antagonista central, na fome e à miséria. escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões medida em que dele Segundo críticos literários, a primeira fase do poente provém o sofrimento dos modernista se concentrou na “revolução na Miudinhos, perdidos no deserto queimado,  personagens. literatura”, ao defender a liberdade de compo- os fugitivos agarraram-se, somaram as suas sição e o verso livre; já a segunda fase, voltada desgraças e os seus pavores. O coração de  PERSONAGENS para o regionalismo e para a denúncia de pro- Fabiano bateu junto do coração de Sinhá Vitória, Refletem uma situação blemas sociais, teria incorporado “a literatura um abraço cansado aproximou os farrapos que social que os escritores regionalistas procuraram na revolução”. os cobriam. Resistiram à fraqueza, afastaram-se explicitar: o sentimento de envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo desamparo dos segmentos a luz dura, receosos de perder a esperança que os marginalizados da  O QUE ISSO TEM A VER COM A GEOGRAFIA alentava. sociedade (no caso,  A caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro. Iam-se amodorrando e foram despertados a família de retirantes Apesar do clima semiárido, possui “ilhas de capitaneada por Fabiano). por Baleia, que trazia nos dentes um preá. umidade”, de solo extremamente fértil. A vegetação é adaptada ao clima seco e à pouca quantidade de Levantaram-se todos gritando. O menino água. Além da caatinga, os outros biomas brasileiros mais velho esfregou as pálpebras, afastando são a Amazônia, o cerrado, a Mata Atlântica, pedaços de sonho. Sinhá Vitória beijava o o pampa e o Pantanal. Para saber mais, veja o focinho de Baleia, e como o focinho estava  DESUMANIZAÇÃO GUIA DO ESTUDANTE GEOGRAFIA. ensanguentado, lambia o sangue e tirava O solo árido e o rio  proveito do beijo. seco não oferecem possibilidades de Aquilo era caça bem mesquinha, mas adiaria sustento nem de a morte do grupo. E Fabiano queria viver. Olhou sobrevivência, fazendo o céu com resolução. A nuvem tinha crescido, com que a família sinta agora cobria o morro inteiro. Fabiano pisou com fome e sede em meio segurança, esquecendo as rachaduras que lhe ao cenário de natureza morta. A dureza da estragavam os dedos e os calcanhares. vida vai aos poucos ! realizando um processo de desumanização dos personagens. FRAQUEZAS E CONFLITOS Os personagens não são descritos de modo idealizado. A força e a resistência advêm da superação dos obstáculos, mas as fraquezas e os conflitos são PARA IR ALÉM apresentados de modo cru e direto. PROSOPOPEIA Em 2008, o romance Vidas Secas, de Graciliano A prosopopeia, figura de linguagem que realiza a Ramos, completou 70 anos do seu lançamento e personificação de animais e seres inanimados, é ganhou uma edição especial da Editora Record. empregada para atribuir gestos e emoções à cachorra A famosa obra que narra a seca do sertão nordestino Baleia. Por outro lado, a família de retirantes apresenta comportamentos que se aproximam da animalização. e a peregrinação do protagonista Fabiano e sua O mesmo pode ser observado em O Cortiço, de Aluísio família foi relançada com seu texto integral, Azevedo (veja na pág. 72). Já em Iracema, de José de acrescida de fotografias produzidas especialmente Alencar (veja na pág. 48), a prosopopeia tem a função para o livro, por Evandro Teixeira. O fotógrafo refez de idealizar a índia. os caminhos percorridos pelos personagens e pelo próprio Graciliano Ramos no Nordeste. 102 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS OS RETIRANTES Na peça Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto (1920-1999) apresenta a trajetória de Severino, obrigado a migrar para a cidade para fugir da seca. A dor do personagem o aproxima dos retirantes retratados por Graciliano Ramos, em Vidas Secas, e por Cândido Portinari, no quadro Retirantes (veja na pág. 107). Por outro lado, a vida dos nordestinos que tentam escapar da miséria sem sair do sertão Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, faz parte da temática de Os Sertões, de Euclides da encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro Cunha (veja na pág. 80). dos animais um pouco de lama. Cavou a areia com as unhas, esperou que a água marejasse e, VARIAÇÃO LINGUÍSTICA debruçando-se no chão, bebeu muito. Saciado, A bolandeira e a caiu de papo para cima, olhando as estrelas, forma popular de Morte e Vida Severina que vinham nascendo. (...) O poente cobria-se tratamento “seu” (em João Cabral de Melo Neto vez de “senhor”) são HOMEM COMUM de cirros – e uma alegria doida enchia o coração recursos linguísticos que O protagonista de Fabiano. Pensou na família, sentiu fome. procuram trazer, para o – O meu nome é Severino, se apresenta em Caminhando, movia-se como uma coisa, para universo do romance, como não tenho outro de pia. primeira pessoa. bem dizer não se diferençava muito da bolandeira aspectos da fala popular Como há muitos Severinos, O nome popular de seu Tomás. Agora, deitado, apertava a do sertão (veja no Saiba que é santo de romaria, indica uma história semelhante à de barriga e batia os dentes. Que fim teria levado a mais da pág. 101) deram então de me chamar outros que vivem bolandeira de seu Tomás? Severino de Maria na miséria e em Olhou o céu de novo. Os cirros acumulavam- como há muitos Severinos condições precárias. se, a lua surgiu, grande e branca. Certamente ia  CÓDIGO NÃO VERBAL com mães chamadas Maria, chover. Seu Tomás fugira também, com a seca, a Apesar de analfabeto, fiquei sendo o da Maria CONFLITOS SOCIAIS bolandeira estava parada. E ele, Fabiano, era como o sertanejo Fabiano do finado Zacarias. Os conflitos sociais a bolandeira. Não sabia por quê, mas era. Uma, consegue compreender Mais isso ainda diz pouco: são explicitados por o código não verbal dos duas, três, havia mais de cinco estrelas no céu. A lua elementos naturais. há muitos na freguesia, meio da menção das estava cercada de um halo cor de leite. Ia chover. por causa de um coronel  relações de poder. Bem. A catinga ressuscitaria, a semente do gado que se chamou Zacarias ADJETIVO voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro  FUTURO DO PRETÉRITO e que foi o mais antigo Em toda a peça, daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de Fabiano dá início a uma senhor desta sesmaria. o vocábulo idealização do espaço ossos animariam a solidão. Os meninos, gordos, sertanejo, imaginando (...) “severino” passa vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, o fim da seca. Note o E se somos Severinos  por mudanças de Sinhá Vitória vestiria saias de ramagens vistosas. emprego de verbos no iguais em tudo na vida, classe gramatical: de substantivo para As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria futuro do pretérito para morremos de morte igual, indicar as esperanças e adjetivo. toda verde. mesma morte severina: os sonhos de Fabiano. (...) que é a morte de que se morre  DETERMINISMO Lembrou-se dos filhos, da mulher e da cachorra, de velhice antes dos trinta, A morte severina é que estavam lá em cima, debaixo de um juazeiro, de emboscada antes dos vinte resultado do meio onde se vive. com sede. Lembrou-se do preá morto. Encheu de fome um pouco por dia a cuia, ergueu-se, afastou-se, lento, para não SOBREVIVÊNCIA (...) O trecho reitera a TEMAS derramar a água salobra. Subiu a ladeira. humanização de Baleia, Mas, para que me conheçam A fuga dos retirantes, (...) que entende a miséria da melhor Vossas Senhorias a fome e a miséria Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E como família e espera a hora de e melhor possam seguir montam um retrato não podia ocupar-se daquelas coisas, esperava com  pegar seu osso. Retrata a história de minha vida, não idealizado da paciência a hora de mastigar os ossos. um momento duro de passo a ser o Severino vida no Nordeste do luta pela sobrevivência Depois iria dormir. que em vossa presença emigra.  país e são temáticas diante das dificuldades comuns da segunda impostas pela seca. fase modernista. Record, 1979. Alfaguara, 2007. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 103 6 MODERNISMO – PROSA TERCEIRA FASE A Geração de 45 Neste conto de Laços de Família, a personagem Ana, uma dona de casa carioca, tem uma revelação durante um trajeto de bonde. Voltando das compras, ela observa um Na terceira fase do Modernismo (a homem cego parado em um ponto e, cheia de piedade, partir de 1945), autores de diferentes reflete sobre a própria vida. perfis exploram uma nova linguagem A terceira fase do Modernismo, também cha- mada de Geração de 45 ou Pós-Modernis- ESTEREÓTIPOS mo, é marcada pela profundidade reflexiva. Amor A personagem Ana é apresentada como uma Enquanto a segunda se preocupava com o Clarice Lispector dona de casa tradicional. homem coletivo, o Pós-Modernismo explorou Ao longo do conto, ela o “eu” individual, mas sem perder de vista as Um pouco cansada, com as compras defor- passa a ter uma visão questões sociais. Sobressaem o intimismo e mando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. mais aprofundada de si mesma e da vida. Clarice a sondagem interior de Clarice Lispector e o Depositou o volume no colo e o bonde começou Lispector levará o leitor regionalismo universalista e a consciência es- a andar. Recostou-se então no banco procurando a questionar a condição tética (experimentalismo) de Guimarães Rosa. conforto, num suspiro de meia satisfação. feminina no Brasil, na Os filhos de Ana eram bons, uma coisa ver-  agitada década de 60. Clarice Lispector dadeira e sumarenta. (...) A cozinha era enfim COMPARAÇÃO Escritora e jornalista, Clarice Lispector (1920- espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O E METÁFORA 1977) é autora de Perto do Coração Selvagem calor era forte no apartamento que estavam aos A comparação (1943), Laços de Família (1960) e A Hora da Estre- poucos pagando. Mas o vento batendo nas corti- associa elementos la (1977), entre outras obras. Um elemento funda- nas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se com características semelhantes. O trabalho mental em seus textos é o tempo psicológico, em quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o de Ana é comparado ao de que o narrador segue o fluxo do pensamento e o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela planta-  um lavrador. Na metáfora, monólogo interior das personagens, que condu- ra as sementes que tinha na mão, não outras, mas a associação é implícita. zem o leitor às profundezas do ser. O enredo tem essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua  Árvores designam a vida importância secundária, num universo dominado rápida conversa com o cobrador de luz, crescia doméstica construída por Ana. pelas personagens femininas, sofridas e afeta- a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, das pela epifania – uma revelação, a tomada de crescia a mesa com comidas, o marido chegando  PRETÉRITO IMPERFEITO consciência de algo nunca antes percebido, que com os jornais e sorrindo de fome, (...) As formas verbais pode mudar a vida da personagem para sempre. O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até repetitivas servem para ressaltar a rotina Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que cotidiana da protagonista EPIFANIA olhou para o homem parado no ponto. (...) e mostram como a Uma situação cotidiana Era um cego. (...) vida parecia ser simples e comum provoca uma transformação na O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mas- e previsível. percepção de mundo da cando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal PROSOPOPEIA personagem. A imagem estava feito. (...) Atribuição de do cego faz com que Ana E como uma estranha música, o mundo reco- características ou atitudes reavalie o mundo sob meçava ao redor. (...) A piedade a sufocava, Ana  humanas a objetos ou outras perspectivas. respirava pesadamente. (...) seres inanimados. Nesse MONÓLOGO INTERIOR O que chamava de crise viera afinal. E sua marca caso, o sentimento de Na literatura modernista, piedade, que Ana sente era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, pelo homem cego, é capaz a voz do narrador sofrendo espantada. (...) Um cego mascando chicles de sufocar a protagonista. e o pensamento da personagem por vezes se  mergulhara o mundo em escura sofreguidão. confundem. O discurso Só então percebeu que há muito passara do  PRETÉRITO MAIS- indireto livre é empregado seu ponto de descida. (...) QUE-PERFEITO para mergulhar na Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, Essa forma verbal é interioridade utilizada para indicar atravessou os portões do Jardim Botânico. (...) ações anteriores a outras da personagem. Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de ações no passado (neste DENOTAÇÃO árvores, pequenas surpresas entre os cipós. (...) caso, para informar que  E CONOTAÇÃO A moral do Jardim era outra. Agora que o cego Ana já havia passado do Diferentemente do a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos ponto quando percebeu início do conto, aqui o onde estava). substantivo árvores é de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias- empregado em sentido régias boiavam monstruosas. (...) denotativo (literal). Um cego me levou ao pior de mim mesma, pen- sou espantada. (...) Rocco, 2013. 104 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES ENSAIO HISTÓRICO IMAGENS “A entrada em massa de mulheres casadas – ou seja, em grande parte mães – no mercado de trabalho e a sensacional expansão da educação superior formaram o pano de fundo, pelo menos nos países ocidentais típicos, para o impressio- nante reflorescimento dos movimentos feminis- tas a partir da década de 1960. Na verdade, os movimentos de mulheres são inexplicáveis sem esses acontecimentos. (...) Na verdade, as mulheres como um grupo tor- navam-se agora uma força política importante, como não eram antes.” HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos - O Breve Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. [1] O inglês Eric Hobsbawn (1917-2012), um dos maiores historiadores do século XX, analisa as mudanças sociais, econômicas e políticas que marcaram esse A primeira imagem, extraída de um anúncio publicitário século. Entre as décadas de 1960 e 1970, como da década de 1960, representa a mulher segundo ele afirma, o movimento feminista questionava o padrões tradicionais de comportamento da época. estereótipo feminino e propunha igualdade de direitos A personagem Ana vivia dessa maneira, voltada apenas entre homens e mulheres, por exemplo, em relação ao para as atividades domésticas e para a família. mercado de trabalho. Já a segunda imagem retrata o movimento feminista, Apesar de viver em uma época de profundas conforme também descrito no texto de Eric Hobsbawn. transformações do papel da mulher na sociedade, a personagem Ana, do conto Amor, ainda é uma típica dona de casa tradicional. Clarice Lispector chama FILME atenção para o fato de que, por trás da imagem aparentemente simples e caseira da protagonista, existe uma ânsia por liberdade e um processo de descoberta da complexidade interior. Depois dos acontecimentos narrados, Ana é levada a rever a sua vida. SAIBA MAIS A SEMÂNTICA DOS TEMPOS VERBAIS Os verbos podem ser empregados em determinados tempos cujos significados nem sempre correspondem aos indicados pela nomenclatura oficial. Destacamos [2] alguns usos do pretérito no conto. Veja mais alguns exemplos com outro tempo verbal: O filme As Horas (2002), do diretor Stephen Daldry, • Presente do indicativo: além do momento pontual mostra a vida de três mulheres em momentos (Ana senta no banco), ele também pode expressar: diferentes do século XX. Baseado no romance • Hábito: Repete-se periodicamente (Ana cozinha homônimo de Michael Cunningham, apresenta a diariamente). escritora inglesa Virginia Woolf, cujo estilo, marcado pela introspecção e por monólogos interiores, é muitas • Presente histórico: Confere destaque a um fato vezes comparado ao de Clarice Lispector. Uma das já concluído (D. João inaugura o Jardim Botânico). personagens, vivida por Nicole Kidman, é uma dona de • Futuro próximo: Indica um fato que ocorrerá em casa que, a partir de uma situação cotidiana, tem uma breve (Amanhã Ana volta ao parque). revelação que transforma sua vida. [1] MARTY LEDERHANDLER/AP PHOTO [2] DIVULGAÇÃO GE PORTUGUÊS 2018 105 6 MODERNISMO – PROSA TERCEIRA FASE Em seu último romance, a autora cria um narrador fictício que relata o cotidiano, os sonhos e os conflitos da jovem nordestina Macabéa. A Hora da Estrela SARCASMO O narrador Rodrigo S.M. é Clarice Lispector sarcástico ao zombar de sua personagem central, ESCOLHA LEXICAL Esqueci de dizer que era realmente de se espan-  Macabéa, ressaltando Para descrever a tar que para corpo quase murcho de Macabéa tão suas qualidades anti- esquisitice de Macabéa, heroicas: corpo magricela vasto fosse o seu sopro de vida quase ilimitado e e sonhos esquisitos. o narrador utiliza-se de substantivos e adjetivos tão rico como o de uma donzela grávida, engravi- O paradoxo estabelecido sem nenhum brilho, dada por si mesma, por partenogênese: tinha so- entre o corpo murcho ao melhor estilo do nhos esquizoides nos quais apareciam gigantescos e o sopro de vida vasto  realismo-naturalismo no animais antediluvianos como se ela tivesse vivido reforça o tom irônico. século XIX, recorrendo em épocas as mais remotas desta terra sangrenta. a uma associação de termos científicos e Foi então (explosão) que se desmanchou de re- psicológicos, os quais pente o namoro entre Olímpico e Macabéa. Na- NOMES GLAMOUROSOS definem a personagem moro talvez esquisito, mas pelo menos parente de Repare no nome do como uma “coisa”, um algum amor pálido. Ele avisou-lhe que encontra- ex-namorado de bicho estranho, tudo, ra outra moça e que esta era Glória. (Explosão) Macabéa e no de menos gente. Macabéa bem viu o que aconteceu com Olímpico  sua nova namorada. e Glória: os olhos de ambos se haviam beijado. Eles se contrapõem à simplicidade do nome Diante da cara um pouco inexpressiva demais da protagonista. LINGUAGEM COLOQUIAL de Macabéa, ele até que quis lhe dizer alguma O namorado de Macabéa gentileza suavizante na hora do adeus para sem- a humilha, embora pre. (...) seja nordestino e  – Você, Macabéa, é um cabelo na sopa. Não dá marginalizado como ela. Ao usar o pronome vontade de comer. Me desculpe se eu lhe ofendi, pessoal oblíquo “me” mas sou sincero. Você está ofendida? no início da frase e – Não, não, não! Ah, por favor quero ir embora! o pronome oblíquo Por favor me diga logo adeus! “lhe” como objeto (...) direto (ao contrário do que prega a norma Macabéa, esqueci de dizer, tinha uma infelici- gramatical), Olímpico dade: era sensual. Como é que num corpo caria- se revela usuário da do como o dela cabia tanta lascívia, sem que ela norma popular da soubesse que tinha? Mistério. Havia, no começo língua, confirmada pela do namoro, pedido a Olímpico um retratinho 3x4 oralidade na expressão onde ele saiu rindo para mostrar o canino de ouro “cabelo na sopa”. e ela ficava tão excitada que rezava três pai-nos- sos e umas ave-marias para se acalmar. Na hora em que Olímpico lhe dera o fora, a re- ação dela (explosão) veio de repente inesperada: DIÁLOGO COM O LEITOR pôs-se sem mais nem menos a rir. Ria por não ter O narrador não perde a se lembrado de chorar. sua personagem de vista (...) em momento algum, Depois que Olímpico a despediu, já que ela não até o fim da narrativa, quando finalmente ela era uma pessoa triste, procurou continuar como se terá sua epifania, recurso nada tivesse perdido. (Ela não sentiu desespero, etc. comum a narrativas etc.) Também que é que ela podia fazer? Pois ela era  psicológicas. O diálogo crônica. E mesmo tristeza também era coisa de rico, com o leitor, em diversos era para quem podia, para quem não tinha o que fa- momentos, faz do narrador um personagem, zer. Tristeza era luxo. [1] que questiona inclusive seu estilo de narrar. Rocco, 2006 106 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES CANÇÃO PINTURA Gente Humilde INTERTEXTUALIDADE A canção apresenta uma Chico Buarque de Holanda, personagem sofrida e Garoto e Vinicius de Moraes humilde, assim como Macabéa. O autor, no Tem certos dias entanto, demonstra respeito pela gente do Em que eu penso em minha gente subúrbio, ao contrário E sinto assim do narrador de A Hora da Todo o meu peito se apertar Estrela, que ridiculariza Porque parece sua personagem. Ambos Que acontece de repente diferem do tom dramático da pintura. Como um desejo de eu viver Sem me notar Igual a tudo LINGUAGEM COLOQUIAL Quando eu passo no subúrbio  Termos e expressões Eu muito bem comuns à linguagem oral (“me dá”) aproximam a Vindo de trem de algum lugar canção do contexto social E aí me dá do morador do subúrbio Como uma inveja dessa gente (veja Variação linguística, Que vai em frente na pág. 101). Sem nem ter com quem contar [2] São casas simples PROSOPOPEIA A personificação das Com cadeiras na calçada flores, em sua tristeza, Retirantes (1944), de Candido Portinari, aborda o E na fachada demonstra que não sofrimento dos migrantes nordestinos assolados Escrito em cima que é um lar há lugar para alegria pela miséria da seca e da fome. A caracterização dos Pela varanda  num espaço tão pobre retirantes apresenta grupos formados por indivíduos Flores tristes e baldias e sem perspectivas. esqueléticos, roupas humildes e rostos sofridos, com Como a alegria poucos bens materiais e isolados na agreste paisagem do sertão nordestino. Eles são retratados esquálidos, Que não tem onde encostar assim como a personagem de A Hora da Estrela (o que E aí me dá uma tristeza DENÚNCIA explicaria a “sensualidade estranha” dela). Ambos, (...) A descrição física do impotentes, abandonados à própria sorte, veem na ambiente confere De eu não ter como lutar  ao texto caráter migração a única solução para escapar do destino E eu que não creio prenunciado, o que se pode verificar na trouxa no denunciador contra o ombro do homem e na cabeça da mulher. A figura Peço a Deus por minha gente abandono dessas pessoas fantasmagórica do bebê dá um tom fúnebre à cena, É gente humilde pelo governo, bem como bem como os urubus esperando pelo alimento que Que vontade de chorar a marginalização que ainda está em pé, insistindo em não morrer. A presença sofrem. de indivíduos velhos e novos acentua o fato de que a seca atinge diferentes gerações e permanece como uma SENTIMENTO questão não resolvida. A denúncia contra o abandono DE IMPOTÊNCIA do nordestino também foi retratada por Graciliano Diante da constatação de Ramos, em Vidas Secas, e, anteriormente, por Euclides que não tem condições da Cunha, em Os Sertões, durante o Pré-Modernismo, de socorrer essas quando o escritor considerou o sertanejo “antes de pessoas, o eu lírico apela tudo um forte”. para a religiosidade e “entrega” os suburbanos a Deus, apesar de ser ateu, criando um paradoxo. O sentimento de impotência também está presente em Macabéa e no quadro de Portinari. [1] © TEREZA BETTINARDI [2] CANDIDO PORTINARI/MASP GE PORTUGUÊS 2018 107 6 MODERNISMO – PROSA TERCEIRA FASE Sagarana marca uma revolução na literatura brasileira, Guimarães Rosa pelo emprego criativo de neologismos e tratamento de Escritor e diplomata, João Guimarães Rosa temas e uso da linguagem característicos do sertão. (1908-1967) é um dos maiores nomes da litera- tura brasileira de todos os tempos. Criou um REDENÇÃO estilo particular, unindo termos típicos do sertão O personagem principal nordestino, palavras praticamente em desuso e deseja sacrificar-se neologismos, explorando a narrativa em toda a A Hora e Vez de para tentar alcançar a sua extensão linguística. Retratou o sertão de Augusto Matraga salvação. Isso só poderia ser feito por meio da forma universalizante, revelando os costumes Guimarães Rosa fé, do esforço e de um e cenários sertanejos em seus mistérios. Suas conjunto de virtudes que principais obras são os livros de contos Sagara- Mas aí Nhô Augusto calou, com o peito cheio; to-  o tornam semelhante a na (1946) e Primeiras Estórias (1962), além do mou um ar de acanhamento; suspirou e perguntou: um herói mítico. romance Grande Sertão: Veredas (1956). − Mais galinha, um pedaço, amigo? − ‘Tou feito. LINGUAGEM INFORMAL Ao incorporar a oralidade − E você, seu barra?  ao texto, o autor registra - Agradecido...(...) ‘Tou cheio até à tampa! expressões comumente Enquanto isso, seu Joãozinho Bem-Bem, de ca- usadas pelos habitantes  do sertão. beça entornada, não tirava os olhos de cima de Nhô Augusto. E Nhô Augusto, depois de servir a PROTAGONISTA X cachaça, bebeu também, dois goles, e pediu uma ANTAGONISTA FORMAÇÃO das papo-amarelo, para ver: O conto trata da DE PALAVRAS Em português, as − Não faz conta de balas, amigo? Isto é arma rivalidade entre Matraga, que cursa longe... que no passado fora um palavras também podem homem mau, e Joãozinho ser formadas pelo − Pode gastar as óito. Experimenta naquele Bem-Bem, líder de um acréscimo de um sufixo  pássaro ali, na pitangueira... bando de jagunços. A após o radical. É o que − Deixa a criaçãozinha de Deus. Vou ver só se  narrativa apresenta um acontece em palavras como “pitangueira”, corto o galho... Se errar, vocês não reparem, por- protagonista complexo e que faz tempo que eu não puxo dedo em gatilho... ambíguo, dividido entre “criaçãozinha” o bem e o mal, em uma e “mandona”. Fez fogo. luta de vida ou morte. − Mão mandona, mano velho. Errou o primeiro,  mas acertou um em dois... Ferrugem em bom ferro! DISCURSO DIRETO Mas, nesse tento, Nhô Augusto tornou a fazer o Os diálogos, marcados ESPAÇO SERTANEJO pelo-sinal e entrou num desânimo, que o não lar- com travessões, Guimarães Rosa reproduzem diretamente recria, em sua obra, gou mais. Continuou, porém, a cuidar bem dos seus a fala dos personagens. o espaço simples e hóspedes, e como o pessoal se acomodara ali mes- Aqui, a voz do narrador humilde do sertão, com  mo, nas redes, ao relento, com uma fogueira acesa cede espaço à conversa personagens e situações no meio do terreiro, ele só foi dormir tarde da noite, informal dos jagunços, característicos do quando não houve mais nenhum para contar histó- em uma estrutura de universo de vaqueiros e discurso direto. jagunços. Para reforçar rias de conflitos, assaltos e duelos de exterminação. a caracterização, a Cedinho na manhã seguinte, o grupo se despe- linguagem e os costumes diu. (...) do espaço sertanejo são Nhô Augusto não tirou os olhos, até que desa- igualmente valorizados. parecessem. E depois se esparramou em si, pen- sando forte. Aqueles, sim, que estavam no bom, DISCURSO  INDIRETO LIVRE porque não tinham de pensar em coisa nenhuma O monólogo interior de salvação de alma, e podiam andar no mundo, de Augusto Matraga é DISCURSO INDIRETO de cabeça-em-pé... (...) inserido à narrativa, O leitor fica sabendo, Uma tarde, cruzou, (...), com um bode amarelo de maneira a mesclar por meio do narrador, e preto, preso por uma corda e puxando, na ponta o pensamento da o que o homem cego da corda, um cego, esguio e meio maluco. (...) personagem e a própria teria dito a Augusto voz do narrador. E explicou: tinha um menino-guia, mas esse-um  Matraga. Quando ocorre a mediação do narrador havia mais de um mês que escapulira; e teria rou- e o relato do que foi bado também o bode, se o bode não tivesse berra- dito pelas personagens, do e ele não investisse de porrete. Agora, era aque- temos discurso indireto. le bicho de duas cores quem escolhia o caminho... Sagarana. Nova Fronteira, 2015. 108 GE PORTUGUÊS 2018 Este outro conto de Sagarana também é uma parábola, e os animais aparecem com características humanas. Aqui temos a história de Tiãozinho, guia do carro de bois, SAIBA MAIS e a dos animais, que, juntas, formam uma crítica aos desmandos e à injustiça. FORMAÇÃO DE PALAVRAS Guimarães Rosa explora, de modo criativo, o siste- ma linguístico do português. Em diversos momentos, o autor cria novos termos (os chamados neologismos) a partir de processos de formação de palavras previs- Conversa de Bois tos na língua. Em outros casos, Rosa emprega palavras Guimarães Rosa já existentes, formadas pela união de radicais ou pelo acréscimo de prefixos (morfemas colocados antes dos — Que foi? Que há, boi Buscapé? — É o boi  radicais) e sufixos (colocados após o radical). Conheça Capitão! É o boi Capitão! Que é que está dizen- os principais processos de formação de palavras em do o boi Capitão? — Mhú! Hmoung!... Boi... língua portuguesa:  Bezerro-de-homem... Mas, eu sou o boi Capitão! • Derivação – consiste no acréscimo de prefixos e sufixos Moung!... Não há nenhum boi Capitão... Mas, ao radical: todos os bois... Não há bezerro-de-homem!... To- • Derivação prefixal: acrescenta-se um prefixo antes dos... Tudo... Tudo é enorme... Eu sou enorme!... do radical (pré-escola, anti-herói, imoral). Sou grande e forte... Mais do que seu Agenor • Derivação sufixal: acrescenta-se um sufixo após o Soronho!... Posso vingar meu pai... Meu pai era radical (pitangueira, mandona, ferreiro). bom. Ele está morto dentro do carro... Seu Age- • Derivação parassintética: acrescentam-se simul- nor Soronho é o diabo grande... Bate em todos REDENÇÃO E taneamente um prefixo e um sufixo ao radical (de- os meninos do mundo... Mas eu sou enorme... MANIQUEÍSMO salmado, engaiolar, emudecer). A fala dos bois revela Hmou! Hung!... Mas, não há Tiãozinho! Sou que eles são expressão aquele-que-tem-um-anel-branco-ao-redor-das- de uma força maior, • Composição – consiste na união de dois vocábulos -ventas!... Não, não, sou o bezerro-de-homem! uma unidade cósmica, ou radicais: Sou maior do que todos os bois e homens jun- que junta homens e • Composição por justaposição: as palavras ou ra- tos. — Mû-ûh... Mû-ûh!... Sim, sou forte... Somos animais. Os bois vingam dicais são colocados lado a lado e não ocorre perda a humilhação imposta ao fortes... Não há bois... Tudo... Todos... A noite é menino e a eles mesmos fonética (unha-de-gato, passatempo, couve-flor). enorme... Não há bois-de-carro... Não há mais e reinstauram a justiça. • Composição por aglutinação: durante a fusão dos nenhum boi Namorado... — Boi Brabagato, boi Aqui se mostra a luta vocábulos ou radicais, ocorre perda fonética (aguar- Brabagato! Escuta o que os outros bois estão fa- do bem contra mal de dente, pernalta, planalto). lando. Estão doidos?!... — Bhuh!... Não me cha- forma bem marcada e maniqueísta. Já em mem, não sou mais... Não existe boi Brabagato! A Hora e Vez de Augusto Tudo é forte. Grande e forte... Escuro, enorme e  Matraga, o bem e brilhante... Escuro-brilhante... Posso mais do que o mal se misturam num seu Agenor Soronho!... só personagem. VEREDICTO E PERSONIFICAÇÃO No diálogo, os bois falam sobre o homem que os maltrata. Vale comparar com o poema Um Boi Vê os Homens, de Drummond (veja na pág.126). Ambos, de alguma forma, veem no homem a fragilidade e a crueldade juntas. ONOMATOPEIA O uso das onomatopeias restauram a noção de que os bois são animais e servem para marcar seus resmungos e incômodos. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 109 6 MODERNISMO – PROSA TERCEIRA FASE A obra destaca-se pela linguagem e pela originalidade de estilo presentes no relato do ex-jagunço Riobaldo, que relembra sua vida. REINVENÇÃO Grande Sertão: Veredas DA LINGUAGEM Guimarães Rosa Com onomatopeias, associações incomuns  Mesmo estranhei, quando fui notando que o ti- de prefixos, inversões e neologismos, o autor cria roteio da rua tinha pousado termo; achei que fazia NARRAÇÃO uma atmosfera mágica. um certo minuto que o fogo teria sopitado. Cessa- E DINAMISMO O idioma constrói-se ram, sim. Mas gritavam, vuvu vavava de conversa Traço da narrativa sem compromisso com ruim, uns para os outros, de ronda-roda. Haviam do autor, a cena vai a gramática normativa, de ter desautorizado toda munição? Olhando, de- sendo descrita num apenas com o sentido crescente angustiante: que se quer transmitir: sentendi. Atirar eu pudesse? Acho que quis gritar, os grupos rivais param o do sobressalto do e esperei para depoismente, mais tarde. Mesmo o de atirar, desafiam- personagem. que vi: aquele mexinflol. (...) se, puxam as facas e Conheci o que estava para ser: que os dele e  arremetem uns contra os meus tinham cruzado grande e doido desafio, os outros. A descrição NEOLOGISMO conforme para cumprir se arrumavam, uns e é cinematográfica, O recurso de criar novas construída pelas palavras. outros, nas duas pontas da rua, debaixo de for- palavras explora as possibilidades do sistema ma; e a frio desembainhavam. O que vendo, vi linguístico e promove a Diadorim – movimentos dele. Querer mil gritar, renovação do léxico. e não pude, desmim de mim-mesmo, me tontea-  va, numas ânsias. E tinha o inferno daquela rua, SENTIDOS DISCURSO DIRETO Esse recurso narrativo para encurralar comprido... Tiraram minha voz. O narrador se utiliza principalmente de expressa a inquietação (...) Boca se encheu de cuspes. Babei... Mas eles sensações para construir reflexiva do protagonista, vinham, se avinham, num pé-de-vento, no desa-  o ambiente de terror o jagunço Riobaldo, na doro, bramavam, se investiram... Ao que – fechou durante a batalha, a busca de respostas para o fim e se fizeram. E eu arrevessei, na ânsia por ponto de o personagem as perguntas que ele se faz a vida toda: o diabo um livramento... Quando quis rezar – e só um perder os sentidos e desmaiar. Boca cheia de existe? O que é o bem? pensamento, como raio e raio, que em mim. Que o cuspes, dentes batendo O que é o mal? O que é, senhor sabe? Qual: ... o Diabo na rua, no meio do e olhos turvos ajudam realmente, o amor? redemunho... O senhor soubesse... Diadorim – eu a transmitir a tensão  queria versegurar com os olhos... Escutei o medo de Riobaldo, de forma FUNÇÃO POÉTICA claro nos meus dentes... O Hermógenes: desuma- angustiante. A descrição poética que no, dronho – nos cabelões da barba... Diadorim expressa o lirismo de foi nele... (...) Riobaldo é reforçada pela E assim eu estava vendo! (...) Assim, ah – mi-  rima interna sangrar/ matar. Esse recurso rei e vi – o claro claramente: aí Diadorim cravar  PLEONASMO foi muito utilizado no e sangrar o Hermógenes... Ah, cravou – no vão – e É o recurso linguístico Romantismo. Em Iracema, ressurtiu o alto esguicho de sangue: porfiou para que dá ênfase a uma José de Alencar descreve ideia, estado ou bem matar! (...) sentimento etc. “Claro a bela índia de forma Diadorim tinha morrido – mil-vezes-mente – claramente” reitera o  platônica, por meio de linguagem poética e para sempre de mim; e eu sabia, e não queria saber,  espanto do personagem, ornamentada. meus olhos marejaram. mal acreditando na cena que via, após o redemoinho passar. Nova Fronteira, 2005 HOMOSSEXUALIDADE HIPÉRBOLE O autor toca na questão O numeral mil ganha também a função de hipérbole da homossexualidade, (figura de linguagem da intensificação das ideias), pois Riobaldo demonstra acrescido do sufixo mente, que transforma a expressão amor sensual pelo amigo (neologismo) num advérbio: o narrador expressa de Diadorim, sem saber que modo exagerado a dor pela perda do amigo. este era, na verdade, uma mulher. 110 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS CONEXÕES IDENTIDADE NACIONAL CANÇÃO E INOVAÇÃO NA LINGUAGEM Os escritores brasileiros do período modernista são referências fundamentais para os autores africanos CONJUNÇÃO Romance de Riobaldo de língua portuguesa. O Brasil (assim como Angola, Para manter a métrica e Diadorim Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e dos versos, a conjunção Príncipe), após a independência de Portugal, foi palco Antonio Nóbrega subordinativa “que” foi de um processo cultural de definição da identidade suprimida da oração nacional, iniciado no Romantismo e aprofundado subordinada substantiva. Quando eu vi aqueles olhos, A oração coordenada criticamente no Modernismo. O escritor moçambicano Verdes como nenhum pasto, adversativa, à frente, Mia Couto (1955-) é leitor e admirador de Guimarães cria um paradoxo, Cortantes palhas de cana, Rosa: os neologismos, a transcriação do espaço regio- expressando a contradição De lembrá-los não me gasto. nal e a valorização dos saberes populares são marcas no desejo do eu. Desejei não fossem embora, presentes na produção do autor moçambicano. E deles nunca me afasto. AMBIGUIDADE O poeta cria uma atmosfera religiosa (...) Terra Sonâmbula ao retratar a morte Mia Couto da amada como um Na noite-grande-fatal,  “encantamento”. O meu amor encantou-se. Paradoxalmente, revela- Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. se desencantado quando Desnudo corpo inteiro Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, foci- vê o corpo de mulher (e Desencantado mostrou-se. nhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mes- não de homem). O jogo E o que era um segredo, tiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se de palavras “A deus” cria Sem mais nada revelou-se. pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que ambiguidade: a alma da amada foi entregue tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousa- a “Deus”, deixando ao Sob as roupas de jagunço, dia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tor- amado um triste “adeus”. Corpo de mulher eu via. nara impossível. E os viventes se acostumaram ao A deus, já dada, sem vida, chão, em resignada aprendizagem da morte. O vau da minha alegria.  METÁFORA E METONÍMIA A estrada que agora se abre a nossos olhos Vau é um trecho de rio Diadorim, diadorim... raso. Metaforicamente, não se entrecruza com outra nenhuma. Está Minha incontida sangria representa quanto a mais deitada que os séculos, suportando sozinha alegria do eu lírico foi toda a distância. Pelas bermas apodrecem car- rasa, desembocando Apesar de a letra ser uma homenagem a um romance ros incendiados, restos de pilhagens. Na savana numa sangria sem fim – modernista, há forte presença da segunda geração em volta, apenas os embondeiros contemplam o metonímia para substituir romântica, na figura erotizada da amada morta, tristeza. Cria-se, assim, mundo a desflorir. o que era comum em obras como Noite na Taverna, um paradoxo. Ao usar Um velho e um miúdo vão seguindo pela es- essa construção para de Álvares de Azevedo (veja na pág. 54). trada. Andam bambolentos como se caminhar  fechar a música, o poeta fosse seu único serviço desde que nasceram. Vão sugere que a tristeza era o para lá de nenhuma parte, dando o vindo por não fim esperado do amor ido, à espera do adiante. Fogem da guerra, dessa de Riobaldo. guerra que contaminara toda a sua terra. Vão na ilusão de, mais além, haver um refúgio tranquilo. Lisboa: Caminho, 1992. MARCAS DO PASSADO No início do romance, o narrador descreve os vestígios da devastação e da violência deixados pelas guerras anticolonial (1965-1975) e civil (1976-1992). Para explicitar a história do país, Mia Couto cria protagonistas pertencentes a duas gerações diversas: um idoso, representante da ancestralidade valorizada na África, e um menino (miúdo, em Portugal e Moçambique), símbolo do futuro e da nova geração. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 111 6 COMO CAI NA PROVA 1. (FUVEST 2016) 2. (ENEM 2015) Omolu espalhara a bexiga na cidade. Era uma vingança contra a cida- de dos ricos. Mas os ricos tinham a vacina, que sabia Omolu de vacinas? Exmº Sr. Governador: Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos reali- Era um pobre deus das florestas d’África. Um deus dos negros pobres. zados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928. [...] Que podia saber de vacinas? Então a bexiga desceu e assolou o povo de ADMINISTRAÇÃO Omolu. Tudo que Omolu pôde fazer foi transformar a bexiga de negro em Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. alastrim, bexiga branca e tola. Assim mesmo morrera negro, morrera po- De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aber- bre. Mas Omolu dizia que não fora o alastrim que matara. Fora o lazare- ta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame. Pro- to*, Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhinhos negros. O la- clamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas histó- zareto é que os matava. Mas as macumbas pediam que ele levasse a be- ricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os aconteci- xiga da cidade, levasse para os ricos latifundiários do sertão. Eles tinham mentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha – um dinheiro, léguas e léguas de terra, mas não sabiam tampouco da vacina. telegrama; porque se deitou pedra na rua – um telegrama; porque o O Omolu diz que vai pro sertão. E os negros, os ogãs, as filhas e pais de deputado F. esticou a canela – um telegrama. santo cantam: Ele é mesmo nosso pai e é quem pode nos ajudar... Omo- Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929. lu promete ir. Mas para que seus filhos negros não o esqueçam avisa no GRACILIANO RAMOS seu cântico de despedida: Ora, adeus, ó meus filhinhos, Qu’eu vou e tor- RAMOS, G. Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins Fontes, 1962. no a vortá... E numa noite que os atabaques batiam nas macumbas, nu- ma noite de mistério da Bahia, Omolu pulou na máquina da Leste Brasi- O relatório traz a assinatura de Graciliano Ramos, na época, pre- leira e foi para o sertão de Juazeiro. A bexiga foi com ele. feito de Palmeira dos Índios, e é destinado ao governo do estado Jorge Amado, Capitães da Areia de Alagoas. De natureza oficial, o texto chama a atenção por con- trariar a norma prevista para esse gênero, pois o autor *lazareto: estabelecimento para isolamento sanitário de pessoas a) emprega sinais de pontuação em excesso. atingidas por determinadas doenças. b) recorre a termos e expressões em desuso no português. c) apresenta-se na primeira pessoa do singular, para conotar Considere as seguintes afirmações referentes ao texto de Jorge intimidade com o destinatário. Amado: d) privilegia o uso de termos técnicos, para demonstrar I. Do ponto de vista do excerto, considerado no contexto da obra a conhecimento especializado. que pertence, a religião de origem africana comporta um aspec- e) expressa-se em linguagem mais subjetiva, com forte carga to de resistência cultural e política. emocional. II. Fica pressuposta no texto a ideia de que, na época em que se passa a história nele narrada, o Brasil ainda conservava formas RESOLUÇÃO de privação de direitos e de exclusão social advindas do perío- A variação linguística é o emprego da língua de formas diferentes de do colonial. acordo com seu contexto histórico, geográfico, social e cultural. O que III. Os contrastes de natureza social, cultural e regional que o tex- confere tom jocoso ao texto é o fato de Graciliano Ramos ter empregado to registra permitem concluir corretamente que o Brasil passou uma variante subjetiva e emocional da língua quando a ocasião (um por processos de modernização descompassados e desiguais. documento oficial da prefeitura para o governador do estado) pedia a norma culta. Um relatório desse tipo, em geral, tem como marca Está correto o que se afirma em linguística a objetividade. Além disso, o autor também utiliza a ironia a) I, somente. para fazer uma crítica à burocracia excessiva do serviço público. b) II, somente. Resposta: E c) I e II, somente. d) II e III, somente. e) I, II e III. 3. (UNICAMP 2016 ADAPTADA) RESOLUÇÃO O poema abaixo é de autoria de Manoel de Barros e foi publicado Todos os itens estão corretos. O primeiro acerta ao sublinhar o caráter no Livro Sobre Nada, de 1996. de resistência da religião africana, perseguida pelas classes sociais mais “A ciência pode classificar e nomear todos os órgãos de um sabiá altas e pela polícia, por ser associada a práticas rebeldes dos escravos. mas não pode medir seus encantos. A ciência não pode calcular quan- Até hoje as religiões de matriz africana sofrem preconceito na sociedade tos cavalos de força existem nos encantos de um sabiá. Quem acumu- brasileira. Em Capitães da Areia, essa luta pela liberdade religiosa também la muita informação perde o condão de adivinhar: divinare. Os sabi- está exposta. O segundo item também pode ser ligado à perseguição ás divinam”. religiosa, prática herdada do colonialismo, além das relações profun- Manoel de Barros. Livro Sobre Nada. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 53. damente desiguais entre negros e brancos, pobres e ricos. Por fim, o terceiro item ressalta o caráter desigual da modernização, expressa no Considerando que o poeta joga com os sentidos do verbo “adivi- texto na falta de acesso à saúde pública de qualidade para os pobres. nhar” e da sua raiz latina divinare, justifique o neologismo usado Resposta: E no último verso. 112 GE PORTUGUÊS 2018 RESUMO RESOLUÇÃO Literatura do Modernismo – Prosa O neologismo ocorre quando há criação de palavras novas, por meio da união de dois vocábulos ou radicais ou do acréscimo de prefixos e MODERNISMO – 1ª FASE A Semana de Arte Moderna (1922) sufixos. No poema, Manoel de Barros cria o neologismo “divinam” a assinala o início do movimento. Ao criticarem a arte clássica, partir do verbo “adivinhar” e da palavra divinare, sua raiz latina. Por acadêmica e tradicional, os modernistas defendem uma liber- ser muito parecida com o substantivo “divino”, a nova palavra assume tação dos modelos rígidos de composição. Outra característica também esse significado, conferindo ao sabiá uma sabedoria divina. do movimento é a prioridade a elementos capazes de chocar o público, promovendo certo estranhamento, e a defesa de um novo nacionalismo, crítico e definidor dos costumes brasilei- 4. (FUVEST 2017 ADAPTADA) ros. Entre os maiores nomes do período destacam-se Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Graça Aranha, A adoção do cardápio indígena introduziu nas cozinhas e zonas de servi- Ronald de Carvalho e Menotti del Picchia. ço das moradas brasileiras equipamentos desconhecidos no Reino. Ins- talou nos alpendres roceiros a prensa de espremer mandioca ralada pa- MODERNISMO – 2ª FASE O marco inicial é a publicação de A ra farinha. Nos inventários paulistas é comum a menção de tal fato. No Bagaceira (1928), de José Américo de Almeida. No contexto inventário de Pedro Nunes, por exemplo, efetuado em 1623, fala-se num da Revolução de 1930 e do entreguerras, os autores voltam-se sítio nas bandas do Ipiranga “com seu alpendre e duas camarinhas no para o conteúdo social e político, engajando-se na denúncia de dito alpendre com a prensa no dito sítio” que deveria comprimir nos tipi- aspectos da realidade social, e expõem as múltiplas faces da tis toda a massa proveniente do mandiocal também inventariado. Mas população brasileira. Os expoentes dessa fase são Graciliano a farinha não exigia somente a prensa – pedia, também, raladores, co- Ramos (Vidas Secas) e Jorge Amado (Capitães da Areia). chos de lavagem e forno ou fogão. Era normal, então, a casa de fazer fa- rinha, no quintal, ao lado dos telheiros e próxima à cozinha. MODERNISMO – 3ª FASE Também chamada de Geração de Carlos A. C. Lemos, Cozinhas, etc. 45, esta fase é responsável por um intenso período de experi- mentação estética, com ênfase no fazer artístico e nas questões Além de “tipitis”, constituem contribuição indígena para a língua ligadas ao processo de criação das obras de arte. Guimarães portuguesa do Brasil as seguintes palavras empregadas no texto: Rosa (Grande Sertão: Veredas) e Clarice Lispector (A Hora da a) “cardápio” e “roceiros”. Estrela) estão entre os principais nomes do período. b) “alpendre” e “fogão”. c) “mandioca” e “Ipiranga”. GRAMÁTICA E INTERPRETAÇÃO d) “sítio” e “forno”. • Argumentação Os principais elementos de um texto argu- e) “prensa” e “quintal”. mentativo são: tese (apresentação da ideia a ser discutida); argumentos (elementos que permitem a defesa do ponto de RESOLUÇÃO: vista); contra-argumentos (defesa antecipada de possíveis Mandioca e Ipiranga são palavras de origem indígena, que foram incorpo- reações contrárias) e conclusão (considerações finais). radas ao português. São amplamente empregadas em nosso cotidiano. Resposta: C • Variação linguística O modo como uma língua é falada varia de acordo com diversos fatores, entre eles a região ou o país dos falantes, o grupo social ao qual pertencem e o grau SAIBA MAIS de formalidade da situação. Ela também sofre mudanças no decorrer do tempo, de acordo com as transformações CONTRIBUIÇÕES INDÍGENAS E AFRICANAS sofridas pela própria sociedade. PARA A LÍNGUA PORTUGUESA Os africanos trouxeram para o Brasil os seus costumes e tradições. • Tempos verbais Os verbos podem ser empregados em Assim como os povos indígenas, influenciaram nossa cultura determinados tempos cujos significados nem sempre cor- e língua. Há muitas palavras de origem africana e indígena no respondem ao nome: português contemporâneo, que foram completamente assimiladas Presente do indicativo: pode indicar passado histórico (Dil- pelos falantes. A maior parte delas apresenta caráter informal, uma ma telefona a Obama) e até futuro (Amanhã eu lhe telefono). vez que a transmissão dos vocábulos foi feita através da oralidade. Futuro do presente: pode expressar o presente (Estaremos, Exemplos de palavras de origem africana: na religião (axé, hoje, prontos para viajar?). umbanda, Iemanjá), na dança e música (berimbau, samba), na culinária (acarajé, farofa, fubá, moqueca), na fauna e na flora • Neologismo É a criação de novas palavras ou expressões (camundongo, marimbondo). numa língua. O recurso foi muito utilizado por Guimarães Exemplos de palavras de origem indígena: na fauna (arara, Rosa (ex.: descriado – criado ao desamparo, desnutrido; capivara, cutia, jacaré, sabiá, tucana), na flora (caatinga, capim, ipê, e fraternura – ternura de irmãos). samambaia), na culinária (abacaxi, açaí, aipim, jabuticaba, pitanga, tapioca), na geografia (Copacabana, Guarujá, Itapuã, Maceió, Pará). GE PORTUGUÊS 2018 113 7 LITERATURA DO MODERNISMO – POESIA CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO  Interpretando: coesão e coerência ..........................................................116  Modernismo em Portugal............................................................................118  Modernismo no Brasil .................................................................................120  Como cai na prova + Resumo .....................................................................130 Remédios para todos os males O alto consumo de calmantes, antidepressivos e outros medicamentos de tarja preta levanta a suspeita do uso indiscriminado dessas substâncias no país A crescente procura de remédios para qual- Essa visão é compartilhada pelo Fórum sobre quer tipo de problema – inclusive para a Medicalização da Educação e da Sociedade, tristeza humana – tem chamado a atenção uma articulação de entidades acadêmicas e da de médicos e de outros profissionais da saúde, sociedade civil criada com o objetivo de debater em todo o mundo. O Brasil é um dos maiores o uso excessivo de remédios pela população. A mercados mundiais de clonazepam, o princípio entidade alerta para a existência de uma lógica ativo do Rivotril, indicado para ansiedade, e de medicalizante em nossa sociedade, que trans- metilfenidato, a base da Ritalina, droga usada forma problemas e questões sociais, culturais para tratar déficit de atenção e hiperatividade. O e econômicas em doenças. consumo de Rivotril, conhecido como a “pílula A temática da angústia e das incertezas hu- da felicidade”, passou de 10 milhões de caixas manas faz remissão à obra Claro Enigma (1951), em 2010 para 23 milhões em 2015, segundo a de Carlos Drummond de Andrade, poeta que consultoria IMS Health, que reúne dados de passou pelo movimento modernista em quase comercialização da indústria farmacêutica. toda sua extensão. No contexto do final da Se- O rápido aumento na venda desses dois me- gunda Guerra Mundial, a obra de Drummond dicamentos de tarja preta – cuja comerciali- mostra o poeta perplexo, inconformado e sem zação só pode ser feita sob prescrição médica esperança, apenas com a certeza de que um – preocupa, pois o consumo abusivo dessas grande vazio espera o homem. O poema Canti- substâncias pode causar dependência. ga de Enganar mostra isso: O mundo não vale o Autor da obra Voltando ao Normal, o psiquiatra mundo, / meu bem. / norte-americano Allen Frances acredita que há Eu plantei um pé-de- um exagero na tendência de diagnosticar e me- -sono, / brotaram vin- COLORIDAS E PERIGOSAS dicar qualquer tipo de sofrimento, muitos deles te roseiras. / Se me Drogas usadas para inerentes à vida moderna. “Nem toda angústia cortei nelas todas / e recuperar jovens é transtorno psiquiátrico, e não há uma pílula se todas se tingiram / e adolescentes para cada problema”, declarou Frances, que de um vago sangue diagnosticados com esteve no Brasil em 2013 para o lançamento de jorrado / ao capricho depressão e dependência seu livro. “Muitas emoções e comportamentos dos espinhos, / não foi de internet, em um centro são simplesmente da natureza humana.” culpa de ninguém. de tratamento em Pequim 114 GE PORTUGUÊS 2018 KIM KYUNG-HOON/ REUTERS GE PORTUGUÊS 2018 115 7 MODERNISMO – POESIA INTERPRETANDO Compreensão imediata E Os mecanismos sta entrevista, publicada na revista Épo- que possibilitam o processo de articulação das de coesão e ca, em 23 de setembro de 2016, trata da palavras e das frases no texto (coesão), assim coerência questão da medicalização excessiva – o como a sequência de ideias, de modo a promover permitem que aumento na procura por remédios para todos os a continuidade de sentido (coerência). O em- uma sequência males, até mesmo para a angústia comum provo- prego de palavras e de expressões com função de frases e de cada por problemas do cotidiano. A publicação remissiva e de conectivos que possibilitam a palavras se torne escolheu como entrevistado um especialista no articulação textual favorecem a compreensão um texto e tenha tema, o médico norte-americano Allen Frances. do que se propõe comunicar no texto. sentido Todo texto apresenta uma intencionalidade, Note que neste formato de entrevista (com mas o efeito desejado só é alcançado se as ideias a pergunta e sua respectiva resposta, chamada estiverem devidamente organizadas – de manei- de “pingue-pongue”) há delimitação da fala do ra coerente – e se as palavras e frases estiverem entrevistador (no caso, a revista) e do entrevis- bem articuladas – de modo coeso. Ao longo desta tado. A comunicação ocorre em turnos, como entrevista, podemos perceber diversos recursos em um diálogo, com o uso do discurso direto. “Receitamos remédios psiquiátricos a gente COESÃO POR REMISSÃO saudável”, diz o médico Allen Frances O pronome reto “eles” retoma a ideia anterior e faz remissão a remédios. Por Rafael Ciscati Ocorre o mesmo com o pronome oblíquo “o” (na O psiquiatra americano Allen Frances acha que usamos remédios de-  forma “los”) que refere- mais, e para tratar gente que passaria bem sem eles. Frances é professor  se a transtornos mentais. emérito da Universidade Duke, nos Estados Unidos. Entre as décadas de O autor sustenta a ideia sem repetir as palavras. 1980 e 1990, participou da elaboração do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), um livro publicado pela Sociedade Ame- ricana de Psiquiatria que relaciona transtornos mentais diagnosticáveis COESÃO POR e faz recomendações de como tratá-los. (...) SUBSTITUIÇÃO ÉPOCA O senhor ajudou a escrever um guia, o DSM, que, de certa manei- O emprego gradativo de sinônimos (“transtorno”, ra, tem a difícil missão de definir o que é um comportamento normal e o “problemas” e “males”) que é um transtorno mental. Como distinguir o que é normal do que não é? apresenta uma Allen Frances O problema é que não existe uma fronteira clara que separe progressão de ideias, fenômenos inerentes à condição humana. Determinar qual tipo e qual reforçando o sentido nível de angústia constitui um transtorno psiquiátrico foge ao trivial. Os  danoso das patologias. médicos e cientistas conseguem ser muito claros e precisos ao diagnosticar problemas psiquiátricos severos. Temos tratamentos para esses males, COESÃO E CONTIGUIDADE como a esquizofrenia. (...) A coesão e a unidade De outro lado, tentar distinguir as angústias provocadas pela vida coti-  discursiva entre as duas diana de uma doença psiquiátrica é algo quase virtualmente impossível. frases marcadas se dá E, comumente, essa tentativa leva a um uso excessivo de medicamentos. pelo uso de elementos Tratamos pessoas que estão, essencialmente, bem. Mas que estão vivendo  do mesmo universo semântico (angústias e sob circunstâncias difíceis. (...) A solução fácil – e enganadora – é justa- circunstâncias difíceis). mente tomar uma pílula para tentar lidar melhor com essa inquietação. Mas ainda não temos sinais de que existe uma pílula para cada um dos COESÃO POR nossos problemas. SUBSTITUIÇÃO ÉPOCA As pessoas se sentem melhor ao tomar essas pílulas, mesmo sem precisar  As palavras “pílulas” delas? e “remédios” são Frances As pesquisas mostram que a resposta dessas pessoas aos remédios  retomadas a fim de garantir o processo não é muito maior do que a resposta a um placebo. Muitas pessoas que coesivo, uma vez que se tomam uma pílula acabam se sentindo melhor. Mas isso não é resultado evita repetir o mesmo do princípio ativo da pílula. A melhora é resultado da expectativa de que termo. 116 GE PORTUGUÊS 2018 ! o remédio vai funcionar. Ou da resiliência que COESÃO POR surge com a passagem do tempo. (...) O melhor que CONTIGUIDADE temos a fazer é buscar soluções mais eficientes, Note que o termo “antidepressivos”, em lugar de melhores soluções médicas. palavra mais específica, ÉPOCA – Como assim? designadora de Frances (...) Quando as taxas de desemprego medicamento, alude aumentam, as taxas de depressão aumentam por contiguidade à também. Melhor do que receitar antidepressivos  palavra “remédio”, termo genérico. para as pessoas seria garantir-lhes melhor apoio social, para ajudá-las durante o tempo em que estiverem desempregadas. Países como a Dina- COESÃO E SÍNTESE marca não têm esse problema – essa correlação  As palavras “problema”, entre uso de antidepressivos e desemprego não “tendência” e “questão” funcionam como termos existe. Porque o governo oferece apoio adequado resumitivos para indicar àqueles que estão desempregados. o uso excessivo de ÉPOCA Como reverter essa tendência ao uso ina-  medicamentos. dequado de medicamentos? Frances Essa questão se transformou em um problema cultural. A solução passa por educarmos COESÃO E CONOTAÇÃO melhor as pessoas. Muitas pessoas alimentam  A expressão figurada a ilusão de que um diagnóstico médico e uma “alimentam a ilusão” reforça por coesão a ideia pílula serão eficientes para tratar problemas de que o uso inadequado para os quais elas não serão úteis.(...) . Sou muito de um medicamento favorável ao uso de medicamentos. O movimento para uma patologia antipsiquiátrico me detesta por isso. A questão que não existe torna-se é que eu sou favorável a usar medicamentos nos ineficiente. momentos em que eles são necessários. Para SAIBA MAIS tratar transtornos claramente diagnosticados. Não é questão de dizer que os remédios são ruins COERÊNCIA A IMPORTÂNCIA DA COERÊNCIA e inúteis. Ou que são, em sua totalidade, perfeitos.  O entrevistado explica E OS ELEMENTOS COESIVOS Eles são úteis quando bem usados e é maravilhoso que os remédios devem Um bom texto é aquele em que o leitor é conduzido à ser ministrados apenas que possamos contar com eles. O que ocorre é a pessoas que de fato compreensão imediata. Para isso, ele deve ser coerente que os remédios são úteis somente para aquelas necessitam deles. (apresentar nexo entre as ideias e sequências lógicas poucas pessoas que realmente precisam deles. Reforça também que entre os termos e as frases) e coeso (interligar de modo (...) não é contra o uso de claro esses elementos). ÉPOCA O senhor diz que o DSM é parcialmente cul- antidepressivos, porém A organização de um texto está atrelada à disposição alerta que o uso deve ser pado por essa tendência a medicar pessoas saudáveis. adequado ao diagnóstico dos termos nos períodos, à escolha do vocabulário, às Por quê? e à doença. Assim substituições e às referências feitas, à conexão estabe- Frances Eu trabalhei na elaboração do DSM III, garante a coerência de lecida entre os termos e à sequência lógica e progres- que foi publicado em meados dos anos 1980. Aque- seu discurso ao longo de siva. A coesão se dá por referência (normalmente com la foi a primeira edição a se tornar um best-seller. toda a entrevista. o uso de pronomes e conectivos) e por sequência (em Ficamos embasbacados com o grau de influência geral, marcadores temporais e verbos garantem essa que o manual conquistou. Foi desproporcional. continuidade lógica).  O DSM deveria ser visto como um conjunto de Confira alguns elementos coesivos (e veja os exemplos recomendações para facilitar o diagnóstico psi- no texto ao lado): quiátrico, e não como uma bíblia. Por remissão: os pronomes estabelecem relações (...) remissivas sem que se faça repetição de termos. Por substituição: um elemento substitui o outro sem prejuízo de sentido. Para isso, empregam-se sinôni- mos, por exemplo. COESÃO POR INFERÊNCIA Por repetição ou reiteração: confere sentido de ênfase O entrevistador sugere que o manual (DSM) deveria ser usado como referência e não como uma “bíblia” e garante a unidade textual. (tomado como verdade absoluta). Dessa forma, infere- Por contiguidade: estabelece unidade discursiva por se uma crítica aos médicos que o utilizam dessa forma. apresentar elementos de um mesmo campo semântico. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 117 7 MODERNISMO – POESIA MODERNISMO EM PORTUGAL O poeta dos ADVÉRBIO DE MODO heterônimos Este advérbio reforça a intensidade do processo Autopsicografia Fernando Pessoa ficcional, capaz de Fernando Pessoa é o principal nome transformar em objeto do Modernismo português estético um elemento do O poeta é um fingidor. mundo real. Finge tão completamente O Modernismo português tem início ofi- SENTIMENTO ESTÉTICO Que chega a fingir que é dor cialmente em 1915, com a publicação do O poeta não expressa  A dor que deveras sente. primeiro número da revista Orpheu. O os sentimentos tal E os que leem o que escreve, poeta Fernando Pessoa (1888-1935) integrava como percebidos Na dor lida sentem bem, o grupo de escritores envolvidos no lançamen- individualmente, mas Não as duas que ele teve, explora a sensibilidade to do periódico. Pessoa tornou-se um grande Mas só a que eles não têm. por meio das palavras e nome da literatura portuguesa do século XX cria um novo sentimento, E assim nas calhas de roda por haver criado inúmeras teorias estéticas e Gira, a entreter a razão,  de natureza estética. diversos heterônimos (personalidades artísticas OBRA DE ARTE Esse comboio de corda com estilo próprio) para assinar suas obras. As No jogo das palavras, Que se chama coração. principais criações heteronímicas são Alberto o processo racional de Caeiro, um sábio homem do campo; Ricardo composição trabalha com as emoções e cria uma METALINGUAGEM Reis, um amante da poesia clássica; e Álvaro de O poema reflete sobre o fazer poético, obra de arte. Campos, um engenheiro que trata dos avanços criando mundos e realidades concebidos tecnológicos do início do século XX. Existem artisticamente. textos assinados pelo próprio Fernando Pessoa (trata-se da poesia ortônima), como é o caso da obra Mensagem (1934). METÁFORA O Guardador O eu lírico considera de Rebanhos que seus pensamentos, Alberto Caeiro transitando livremente, são como animais de um rebanho. O universo IX campestre está presente Sou um guardador de rebanhos até mesmo na criação O rebanho é os meus pensamentos  das imagens poéticas. E os meus pensamentos são todos sensações.  SENSAÇÕES Penso com os olhos e com os ouvidos Alberto Caeiro não é adepto de uma visão de E com as mãos e os pés mundo racionalizante. E com o nariz e a boca. Para ele, o importante é o Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la conhecimento do mundo E comer um fruto é saber-lhe o sentido. por meio dos sentidos. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto. FILOSOFIA DE VIDA E me deito ao comprido na erva, A exemplificação é um dos principais recursos E fecho os olhos quentes, argumentativos Sinto todo o meu corpo deitado empregados para na realidade, concretizar uma ideia. SINESTESIA Sei a verdade e sou feliz. Caeiro comprova sua É a figura de filosofia de vida com a linguagem que experiência de um dia O Eu Profundo e os Outros Eus, Nova Fronteira, 2006 mistura vários ensolarado no campo. tipos de sensação em uma imagem HOMEM DO CAMPO – neste caso, a Alberto Caeiro é considerado o mestre de todas as experiência tátil outras vozes poéticas de Pessoa. É o homem do campo é associada ao que se aproxima da visão de mundo pagã e apresenta órgão da visão. um pensamento lúcido, simples e sábio. 118 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES Quando, Lídia METÁFORA As estações do ano Ricardo Reis apresentam-se CANÇÃO metaforizadas nas fases Quando, Lídia, vier o nosso outono  da vida do eu lírico. Com o inverno que há nele, reservemos A compreensão tranquila Casa no Campo Um pensamento, não para a futura da vida é representada Zé Rodrix e Tavito pela forma como o eu Primavera, que é de outrem, lírico compreende as Nem para o estio, de quem somos etapas e fases que devem Eu quero uma casa no campo mortos, ser cumpridas como Onde eu possa compor muitos Senão para o que fica do que passa se apresentam. rocks rurais O amarelo atual que as folhas vivem E tenha somente a certeza E as torna diferentes Dos amigos do peito e nada mais Eu quero uma casa no campo ESTOICISMO Onde eu possa ficar no tamanho da paz Ricardo Reis era adepto do estoicismo, E tenha somente a certeza doutrina que propõe viver de acordo com Dos limites do corpo e nada mais a lei racional da natureza. Nos últimos versos, o comportamento sereno do eu (...) lírico considera, sem juízo de valor, que cada momento da vida é diferente do outro. Eu quero o silêncio das línguas cansadas Eu quero a esperança de óculos Meu filho de cuca legal ALEGORIA E METAFÍSICA Eu quero plantar e colher com a mão A presença da cruz na A pimenta e o sal Cruz na Porta porta é a representação da Tabacaria! da morte de Alves e do assombro do eu lírico Eu quero uma casa no campo Álvaro de Campos diante da finitude da Do tamanho ideal, pau a pique e sapé vida, tema metafísico Onde eu possa plantar meus amigos Cruz na porta da tabacaria! por excelência. Meus discos e livros Quem morreu? O próprio Alves? Dou E nada mais Ao diabo o bem-estar que trazia. Desde ontem a cidade mudou. A canção acima retoma a visão idealizada de que a vida MARCADORES no meio rural pode trazer mais felicidade que a vida Quem era? Ora, era quem eu via. TEMPORAIS no meio urbano. Assim como na poesia de Caeiro, no Todos os dias o via. Estou A repetição reforça a romance A Cidade e as Serras ou nos poemas árcades, Agora sem essa monotonia. ideia de transformação nota-se uma oposição implícita entre cidade e campo, Desde ontem a cidade mudou.  na vida do eu lírico. com valorização da vida junto à natureza. É como se “desde ontem” houvesse a descoberta da Ele era o dono da tabacaria. temporalidade da vida e Um ponto de referência de quem sou da sua insignificância nos Eu passava ali de noite e de dia. centros urbanos. Desde ontem a cidade mudou. Meu coração tem pouca alegria, SOLIDÃO E E isto diz que é morte aquilo onde estou. MODERNISMO PARA IR ALÉM Horror fechado da tabacaria! O tema da solidão é típico em Álvaro de Desde ontem a cidade mudou. Campos, que disseca O Vento Lá Fora (2014) é um documentário sobre a vida anônima nas a poesia de Fernando Pessoa, dirigido por Marcio Mas ao menos a ele alguém o via,  grandes cidades. Debellian. A cantora Maria Bethânia e a professora Ele era fixo, eu, o que vou, A constatação de que Cleonice Berardinelli, da Academia Brasileira Se morrer, não falto, e ninguém diria. ele também morrerá e de Letras (ABL), leem os versos do poeta. Elas não seria sequer notado Desde ontem a cidade mudou. o angustia e revela sua apresentam a obra de Pessoa e destacam diversos condição solitária. aspectos, como os heterônimos. Manuscritos e Quando Fui Outro, Objetiva, 2006 imagens raras completam o filme. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 119 7 MODERNISMO – POESIA MODERNISMO NO BRASIL A poesia brasileira AMBIGUIDADE A sonoridade presente no século XX Ode ao Burguês  no título provoca ambiguidade: ode é Mário de Andrade um poema dedicado De Mário e Oswald de Andrade a a explorar um tema João Cabral de Melo Neto, alguns dos Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,  específico; no entanto, nomes mais expressivos da produção o burguês-burguês! a expressão sugere poética do país no período A digestão bem-feita de São Paulo! também a leitura “ódio ao burguês” e enfatiza a O homem-curva! o homem-nádegas! crítica à burguesia. N a primeira fase do Modernismo, o caráter O homem que sendo francês, brasileiro, revolucionário do movimento, assim italiano, NEOLOGISMO como ocorre na prosa (veja pág. 94), é sempre um cauteloso pouco a pouco! O poeta cria novos propõe uma renovação artística na poesia capaz substantivos compostos: “burguês-níquel” de modificar os valores tradicionais da própria Eu insulto as aristocracias cautelosas  explicita a relação entre sociedade. Exemplo disso é a obra poética de a burguesia e o dinheiro; Mário e Oswald de Andrade. Os barões lampiões! os condes Joões! “burguês-burguês” Já Manuel Bandeira, Carlos Drummond de os duques zurros! reforça, por meio da Andrade e Vinicius de Moraes passaram pelo que vivem dentro de muros sem pulos; repetição, os defeitos da burguesia. movimento modernista em quase toda sua ex- e gemem sangues de alguns mil-réis fracos tensão, com trajetórias bastante singulares. Para para dizerem que as filhas da senhora efeitos didáticos, muitas vezes os dois últimos falam o francês MANIFESTO são associados à segunda fase do movimento. e tocam os “Printemps” com as unhas! A recorrência de frases A partir de 1945, na terceira fase, a poesia exclamativas confere ao poema um caráter tem maior apuro do verso, da palavra e do rit- Eu insulto o burguês-funesto!  de manifesto, isto é, mo, contrariando o anarquismo inicial. Têm O indigesto feijão com toucinho,  de oposição a uma expressão João Cabral de Melo Neto e, na fase dono das tradições! realidade estabelecida concretista, Décio Pignatari e os irmãos Haroldo Fora os que algarismam os amanhãs! e de defesa de valores e Augusto de Campos. Olha a vida dos nossos setembros! revolucionários. Fará Sol? Choverá? Arlequinal! LINGUAGEM COLOQUIAL Mário e Oswald de Andrade A valorização da O poema Ode ao Burguês, de Mário de Andra- Mas à chuva dos rosais linguagem coloquial de, apresenta os ideais da primeira geração mo- o êxtase fará sempre Sol! é uma das marcas do dernista e critica a vida materialista e limitada do (...) Modernismo. O tom de combate e zombaria mundo burguês. Mário de Andrade escreve de se vale de expressões acordo com o programa estético do movimento, Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! populares de repúdio que reflete criticamente sobre o Brasil, com o Ódio fundamento, sem perdão! para combater os ideais objetivo de subverter a ordem vigente. No plano Fora! Fu! Fora o bom burgês!...  e valores da burguesia. sonoro, o título do poema é pronunciado como “ódio ao burguês” e a burguesia (sobretudo a Pauliceia Desvairada, Edusp, 2003 paulistana) torna-se o grupo social represen- tativo dos costumes, da falta de preocupação com o país e da ostentação de bens materiais. CRÍTICA À BURGUESIA O poema Vício na Fala, de Oswald de Andrade, O comedimento aristocrático, os títulos de nobreza questiona a norma culta e urbana como a única e a imitação dos valores civilizatórios europeus são variedade linguística aceitável. De acordo com os principais elementos burgueses combatidos pelos os ideais modernistas de valorização dos saberes ideais artísticos modernistas. e da cultura popular, Oswald exalta a coloquia- CONTRAPOSIÇÃO lidade e a linguagem informal. O autor mostra Vale observar como este poema se contrapõe às Liras as equivalências e a eficácia comunicativa da de Tomás Antônio Gonzaga (e à canção Pelados em língua falada por grande parte dos brasileiros: Santos; veja nas págs. 40 e 41), em que há uma defesa as formas padronizadas (exemplificadas em dos valores e bens burgueses para conquistar a mulher palavras como milho, melhor, pior, telha e te- amada. lhado) são equiparadas às variantes populares NOVOS VALORES (mio, mió, pió, teia, teiado) e, de modo crítico, o A intenção do poeta é romper com os costumes autor ressalta o fato de que o povo brasileiro é o tradicionais e instaurar novos valores, menos exatos e verdadeiro responsável pela construção do país. equilibrados. 120 GE PORTUGUÊS 2018 FALA POPULAR A expressão, satirizada pelo poeta, revela CONEXÕES originalmente uma Vício na Fala concepção linguística Oswald de Andrade CANÇÕES normativa e prescritiva. Este poema, ao contrário, Para dizerem milho dizem mio valoriza a fala popular e a linguagem coloquial. Para melhor dizem mió Burguesia Para pior pió Cazuza VARIAÇÃO LINGUÍSTICA Para telha dizem teia O humor e o poema que Para telhado dizem teiado A burguesia fede desconstrói a forma E vão fazendo telhados A burguesia quer ficar rica  fixa ajudam a definir a estética oswaldiana. No Enquanto houver burguesia  fim do poema, mostra- Não vai haver poesia ORALIDADE se como a variação O autor se vale da oralidade do A burguesia não tem charme nem é discreta linguística não impede Com suas perucas de cabelos de boneca a comunicação nem a brasileiro comum para expor um transformação retrato da realidade linguística A burguesia quer ser sócia do Country da realidade. nacional e, assim, legitimá-la. A burguesia quer ir a New York fazer compras (...) http://letras.mus.br/cazuza/43858/ NORMA-PADRÃO O início do poema mostra Pronominais A canção, de modo semelhante ao poema de Mário de Andrade, faz uma crítica explícita ao comportamento e a norma gramatical Oswald de Andrade aos valores da burguesia brasileira. Cazuza aponta os sobre a colocação dos defeitos da sociedade burguesa e, assim como faziam pronomes oblíquos (após Dê-me um cigarro os artistas do Modernismo, estabelece uma oposição  o verbo, quando este Diz a gramática entre os costumes tradicionais e a possibilidade do vem no imperativo). fazer poético. A busca pelo dinheiro, a futilidade e o Do professor e do aluno materialismo são, segundo o compositor, alguns dos E do mulato sabido principais defeitos dessa classe social. LINGUAGEM COLOQUIAL No dia a dia, em Mas o bom negro e o bom branco linguagem coloquial, Da Nação Brasileira em situações informais, Dizem todos os dias colocamos o pronome Deixa disso camarada Cuitelinho antes do verbo no Renato Teixeira imperativo. O projeto Me dá um cigarro  modernista de Oswald incluía a valorização Cheguei na beira do porto  dos saberes populares Onde as onda se espaia RELAÇÕES DESIGUAIS nacionais. O poema registra as relações As garça dá meia volta desiguais que existem e se afirmam E senta na beira da praia por meio de imposição cultural. E o cuitelinho não gosta Que o botão de rosa caia, ai, ai (...) A tua saudade corta SAIBA MAIS Como aço de naváia O coração fica aflito LINGUAGEM COLOQUIAL Bate uma, a outra faia Quando nos comunicamos com alguém no dia a dia, E os óio se enche d´água nosso principal objetivo é ser compreendido. Por isso, é Que até a vista se atrapáia, ai... preciso adequar o estilo (formal ou informal) à situação de comunicação. Todo falante deve ter à disposição re- http://letras.mus.br/renato-teixeira/298332/ cursos formais para empregar em situações que exigem a norma culta, que é a forma escrita por excelência, padronizada pela gramática tradicional, mas também Na letra de Cuitelinho, que tem origem em uma canção deve saber utilizar o estilo coloquial em ocasiões de folclórica do Pantanal mato-grossense, nota-se o emprego e a valorização da variante popular da língua. menor formalidade. A linguagem coloquial caracteriza-se A presença de traços de oralidade (coloquialidade e pelo uso de gírias, expressões idiomáticas e marcas ausência de concordância) se assemelha às palavras e da oralidade (expressões típicas da fala), entre outros. expressões utilizadas por Oswald de Andrade. GE PORTUGUÊS 2018 121 7 MODERNISMO – POESIA MODERNISMO NO BRASIL Manuel Bandeira Poeta pioneiro do movimento modernista, LEMBRANÇAS Manuel Bandeira (1886-1968) renovou as formas O poema remete ao Profundamente contexto temporal composicionais ao tratar de temas ligados, sobre- Manuel Bandeira das populares festas tudo, à passagem do tempo e às relações entre juninas, responsáveis por vida e morte. Tuberculoso, a sombra da doença o despertar as lembranças Quando ontem adormeci acompanhou por toda a vida e deixou marcas em do eu lírico.  Na noite de São João sua produção. O lirismo de Bandeira deu origem Havia alegria e rumor PONTUAÇÃO a alguns dos mais belos poemas em português, A ausência de pontuação  Estrondos de bombas luzes de Bengala como os reunidos na obra Libertinagem (1930). pretende explicitar o Vozes, cantigas e risos fluxo de memórias do Ao pé das fogueiras acesas sujeito poético, ligadas à atmosfera de festa da No meio da noite despertei noite passada (veja Saiba mais na pág ao lado). Não ouvi mais vozes nem risos Apenas balões Passavam, errantes  PREDICADO VERBO-NOMINAL A passagem dos balões Silenciosamente é assinalada por um predicado verbo- Apenas de vez em quando nominal, que associa O ruído de um bonde uma ação (“passavam”) a Cortava o silêncio um predicativo do sujeito Como um túnel (“errantes”). Onde estavam os que há pouco PASSADO E PRESENTE As palavras dessa estrofe Dançavam aparecem no fim do Cantavam poema, mas com uma E riam diferença: o verbo “estar” Ao pé das fogueiras acesas? no passado (“estavam dormindo”) remete à  – Estavam todos dormindo ideia de lembrança e, no presente (“estão Estavam todos deitados dormindo”), à de morte. Dormindo Profundamente. INFÂNCIA Na segunda parte do *** Quando eu tinha seis anos  poema, o eu lírico trata de uma festa junina mais Não pude ver o fim da festa de São João antiga, da sua infância. Porque adormeci PARALELISMO As duas partes do Hoje não ouço mais as vozes poema começam com daquele tempo o advérbio “quando”. Minha avó Esse paralelismo objetiva Meu avô relacionar as diferentes épocas da vida do sujeito. Totônio Rodrigues Tomásia PRONOMES Rosa  POSSESSIVOS Onde estão todos eles? O eu lírico recorda, com saudade, os membros da ADVÉRBIO DE MODO família. Ao contrário das – Estão todos dormindo E DE INTENSIDADE pessoas desconhecidas Estão todos deitados No fim da primeira parte PARA IR ALÉM da festa do dia anterior Dormindo do poema, o advérbio  (fato que assinala a Profundamente. “profundamente” indica O curta O Habitante de Pasárgada, documentário solidão do eu lírico), o modo de dormir das os entes queridos são pessoas; no fim do sobre o poeta Manuel Bandeira, dirigido pelo escritor acompanhados por texto, tem o sentido Fernando Sabino e por David Neves, está disponível pronomes possessivos ou intensificado por estar no YouTube. Inspirado no poema Vou-me Embora pra evocados afetivamente ligado ao final da Pasárgada, mostra cenas do poeta no seu cotidiano. com nomes próprios. existência. 122 GE PORTUGUÊS 2018 CONTRA AS CONVENÇÕES DIÁLOGO ENTRE OBRAS Poética O autor se opõe ao comedimento do Manuel Bandeira gosto burguês e das MEMÓRIA E LEMBRANÇAS convenções poéticas A fuga no tempo e o retorno ao passado foram temas Estou farto do lirismo comedido  tradicionais. cultivados pelos poetas românticos da segunda geração Do lirismo bem-comportado LIBERDADE FORMAL (veja mais na pág. 54). É o caso, por exemplo, de Casimiro Do lirismo funcionário público O eu lírico condena o de Abreu (1839-1860), que compôs poemas nos quais os com livro de ponto expediente desejo de precisão e tempos de infância foram valorizados como épocas de protocolo e manifestações de apreço perfeição dos poetas inocência e despreocupação. Em conformidade com a parnasianos, que se ao Sr. diretor. idealização e o sentimentalismo típicos do Romantismo, preocupavam demais Estou farto do lirismo que para  com o requinte do a saudade percorre o texto de Casimiro de modo muito e vai averiguar no dicionário vocabulário. mais explícito do que nas recordações de infância o cunho vernáculo de um vocábulo. registradas por Manuel Bandeira. Abaixo os puristas REVOLUÇÃO ESTÉTICA A arte moderna e a (...) literatura modernista Quero antes o lirismo dos loucos  exaltam a loucura e a O lirismo dos bêbedos sensibilidade. O lirismo difícil e pungente dos bêbedos INTERTEXTUALIDADE Meus Oito Anos O lirismo dos clowns de Shakespeare O poema dialoga com Casimiro de Abreu INFÂNCIA Ode ao Burguês, de Oh! que saudades que tenho A passagem – Não quero mais saber do lirismo Mário de Andrade (veja definitiva do tempo que não é libertação. na pág. 120), ao retratar Da aurora da minha vida, é comum em textos com ironia e rebeldia os Da minha infância querida que veiculam o valores burgueses de Antologia Poética, Nova Fronteira, 2001. Que os anos não trazem mais! discurso da saudade. correção e ordem. Que amor, que sonhos, Os fatos passados só que flores, podem ser vividos e recuperados por Naquelas tardes fagueiras meio da memória. SAIBA MAIS PONTUAÇÃO À sombra das bananeiras, O eu lírico enumera as Debaixo dos laranjais! PONTUAÇÃO: A VÍRGULA lembranças da infância, (...) A pontuação é um recurso importante para reconhecer mas obedece ao uso de Oh! dias da minha infância!  PRONOMES pontuação, empregando as intenções do autor do texto. Além de demarcar pau- as vírgulas segundo a Oh! meu céu de primavera! POSSESSIVOS sas na leitura e separar elementos de uma sequência, Que doce a vida não era Os pronomes convenção escrita possessivos a vírgula tem outras funções: (por oposição ao poema Nessa risonha manhã! permitem ao autor de Bandeira). Em vez das mágoas de agora, apropriar-se não • Vocativo Quando a vírgula é usada após um voca- Eu tinha nessas delícias apenas de pessoas e tivo (que expressa a quem o enunciador se dirige), De minha mãe as carícias objetos (acentuando indica um chamado: Mãe, só tem uma! (por exemplo, E beijos de minhã irmã! a sua afetividade), mas dos fatos na situação que o filho diz à mãe que só resta uma que narra e dos Livre filho das montanhas,  bolacha no pote). Sem a vírgula, teríamos: Mãe só SONORIDADE elementos naturais. tem uma (a palavra mãe é o sujeito da sentença). A sonoridade do poema, Eu ia bem satisfeito, • Acréscimo de informação Ex.: O homem, que estava representada pelas Da camisa aberta o peito, rimas, cria a impressão ouvindo a conversa do casal, resolveu intrometer-se. do fluir das lembranças – Pés descalços, braços nus – Aqui, o trecho entre vírgulas é uma sentença informati- e do movimento Correndo pelas campinas va, que explica algo a respeito do termo O homem, da delicado do sujeito pelos À roda das cachoeiras, sentença principal. Sem o uso das vírgulas, o sentido se caminhos da memória. Atrás das asas ligeiras alteraria. Ex.: O homem que estava ouvindo a conversa Das borboletas azuis! do casal resolveu intrometer-se. Neste caso, o pronome (...) relativo que exerce um papel restritivo, selecionando, Oh! que saudades que tenho de um conjunto possível de homens, aquele homem Da aurora da minha vida específico que ouvia a conversa do casal. (...) • Indicação de circunstâncias A vírgula é usada para As Primaveras, isolar advérbios ou expressões adverbiais de tempo, Martins Fontes, 1972. espaço, modo etc. Ex.: No inverno rigoroso do sul, usamos roupas de lã. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 123 7 MODERNISMO – POESIA MODERNISMO NO BRASIL Vinicius de Moraes Vinicius de Moraes (1913-1980) foi poeta e compositor de canções. Em alguns momentos, ROSA DEVASTADORA  A Rosa de Vinicius recuperou a forma clássica do soneto; em A tragédia de Hiroshima, ocorrida no Japão Hiroshima outras ocasiões, deu vazão aos sentimentos em durante a II Guerra Vinicius de Moraes versos livres. Na segunda metade do século XX, Mundial, inspirou este participou de movimentos, como a bossa nova, poema. A imagem do Pensem nas crianças que revolucionaram a música popular brasileira. cogumelo atômico que Mudas telepáticas destruiu milhares de Pensem nas meninas vidas é associada à figura Cecília Meireles de uma rosa devastadora. Cegas inexatas A poesia de Cecília Meireles (1901-1964), Pensem nas mulheres delicada e musical, tratou das mais diversas Rotas alteradas situações da existência humana, passageira VERBOS NO IMPERATIVO Pensem nas feridas e marcada por intensos momentos líricos. As Os verbos “pensem” Como rosas cálidas viagens realizadas, o contato com a natureza, e “não se esqueçam” Mas oh não se esqueçam  convocam os leitores do  a percepção sensível de detalhes do cotidiano e Da rosa da rosa METÁFORA poema (e os ouvintes da a compreensão das emoções humanas tornam música) à compaixão e à Da rosa de Hiroshima A metáfora da rosa, Cecília Meireles uma das principais represen- reflexão pelas vítimas da A rosa hereditária comumente associada tantes da vertente espiritualista da segunda fase bomba atômica. A rosa radioativa a situações de lirismo amoroso, é explorada em do Modernismo brasileiro. No extenso poema Estúpida e inválida outro campo: o sujeito Romanceiro da Inconfidência, a artista se debruça A rosa com cirrose poético faz alusão sobre acontecimentos da história do Brasil. A antirrosa atômica à nuvem radioativa. (...) EROTISMO SOMBRIO Neste poema, de inspiração surrealista, as  A Mulher na Noite formas da mulher Vinicius de Moraes são descritas por elementos distantes da (...) Eu estava imóvel – tu caminhavas idealização física, para como se materializassem os sentidos aguçados e mim como um pinheiro erguido aterradores do eu lírico. E de repente, não sei, me vi acorrentado no descampado, no meio de insetos LEITURA SENSORIAL E as formigas me passeavam pelo  O erotismo transpira pelo corpo úmido. vocabulário – herdeiro do Do teu corpo balouçante saíam cobras Simbolismo – e conduz o leitor a uma dupla que se eriçavam sobre o meu peito leitura sensorial. E muito ao longe me parecia ouvir uivos de lobas. (...) APROXIMAÇÃO Uma angústia de morte começou a se  DA MORTE apossar do meu ser A experiência amorosa se aproxima da morte, não As formigas iam e vinham, os insetos por idealização, como em procriavam e zumbiam do meu desespero tempos românticos, mas E eu comecei a sufocar sob a rês que por volúpia e temporária me lambia. perda da razão. Nesse momento as cobras apertaram o ORAÇÕES meu pescoço E a chuva despejou sobre mim torrentes  COORDENADAS SINDÉTICAS amargas. Repare como as orações Eu me levantei e comecei a chegar, coordenadas sindéticas me parecia vir de longe (que possuem a conjunção “e”) conferem  E não havia mais vida na minha frente. maior dinâmica e agilidade ao poema. Poesia Completa e Prosa, Nova Aguilar, 2004. 124 GE PORTUGUÊS 2018 SONORIDADE É um elemento essencial neste poema. O ritmo DIÁLOGO ENTRE OBRAS acompanha a progressão Romanceiro rumo à revolta dos inconfidentes mineiros. da Inconfidência POEMAS SONOROS Cecília Meireles A sonoridade da poesia de Cecília Meireles permite o As rimas tornam a leitura diálogo com a produção dos poetas simbolistas do fim fluida e auxiliam o seguimento da ação.  Através de grossas portas, do século XIX, como Cruz e Sousa (1861-1898). As inova- sentem-se luzes acesas, ções propostas pelo Simbolismo (como a exploração APROXIMAÇÃO – e há indagações minuciosas dos elementos sensoriais e a sondagem de aspectos As ações sugerem a dentro das casas fronteiras: oníricos e fantásticos) exerceram grande influência conspiração que se arma. A vigilância cria suspense  olhos colados aos vidros, sobre as diversas correntes do Modernismo. e aproxima o leitor dos mulheres e homens à espreita, personagens históricos. caras disformes de insônia,  vigiando as ações alheias. Abelhas DETALHES Pelas gretas das janelas, Cruz e Sousa Os detalhes espaciais pelas frestas das esteiras, e cotidianos são  RIMA agudas setas atiram Gotas de luz e perfume,  enfatizados em uma Promove a fluidez do a inveja e a maledicência. Leves, tênues, delicadas,  versão paralela à poema e contribui para objetividade do relato. Acesas no doce lume as sugestões evocadas Palavras conjeturadas De purpúreas alvoradas. pelo eu lírico. SONS E IMAGENS A poesia explora sons  oscilam no ar de surpresas, (...)  ALITERAÇÃO e imagens. Trata-se de como peludas aranhas Nas doudejantes abelhas A figura de linguagem um recurso frequente na na gosma das teias densas, Que dentre flores volitam que consiste na corrente espiritualista da rápidas e envenenadas, E do sol entre as centelhas repetição intencional segunda fase modernista. de consoantes (/l/) engenhosas, sorrateiras. Resplendem, fulgem, palpitam. é responsável por (...) Zumbem, fervem nas colmeias intensificar o fluxo do HISTÓRIA E rumorejam no enxame voo das abelhas. Elementos históricos, como a derrama, o Atrás de portas fechadas, Pelas flóridas aleias imposto que provocou à luz de velas acesas, Onde um prado se derrame.  IMAGENS a Inconfidência Mineira, uns sugerem, uns recusam, (...) A intenção do sujeito estabelecem a ligação uns ouvem, uns aconselham. Com as suas asitas finas, poético é descrever as entre literatura e história. impressões causadas De etérea de fluida gaze. pelo movimento rápido Se a derrama for lançada, Ah! quanto são adoráveis  POETAS ÁRCADES das abelhas entre as há levante, com certeza. Os favos que elas fabricam!  A retomada de fatos flores. As imagens históricos do século XVIII Corre-se por essas ruas? Com que graças inefáveis percebidas pelo sujeito permite relacionar este Corta-se alguma cabeça? Se geram, se multiplicam. poético em instantes poema à produção dos líricos, carregados de Do cimo de alguma escada, (...) poetas árcades. elementos sensoriais profere-se alguma arenga? E nas ondas murmurosas e de musicalidade, são Que bandeira se desdobra? Dos peregrinos adejos  PARTÍCULA “SE” o ponto de partida de A expectativa sobre as Com que figura ou legenda? Vão dar ao lábio das rosas grande parte da poesia ações (indicadas por (...) O mel doirado dos beijos. simbolista. verbos acompanhados pelo “se” apassivador) conduz ao clímax E diz o Poeta ao Vigário, O Livro Derradeiro, 1961. da narrativa. com dramática prudência: “Tenha meus dedos cortados SINESTESIA antes que tal verso escrevam”  DISCURSO DIRETO É a figura de linguagem que aproxima O discurso direto é LIBERDADE, AINDA sensações diferentes. Neste verso, empregado para conferir QUE TARDE, a luz (elemento visual) é aproximada maior concretude ao texto, de modo a ouve-se em redor da mesa. do perfume (elemento olfativo). favorecer a visualização E a bandeira já está viva, ADJETIVOS das cenas. e sobe, na noite imensa. A necessidade de registrar as impressões do sujeito poético Editora Letras e Artes, 1965. conduz à abundância de adjetivos para designar, com precisão, as percepções individuais. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 125 7 MODERNISMO – POESIA MODERNISMO NO BRASIL Carlos Drummond de Andrade O poeta Carlos Drummond de Andrade (1902- 1987) é um dos grandes nomes da literatura SENTIMENTO E REFLEXÃO  Amar brasileira. Os principais temas de sua vasta Em Claro Enigma, Carlos Drummond de Andrade produção poética envolvem reflexões sobre Drummond resgata a o fazer literário, o papel desempenhado pelo relação entre sentir Que pode uma criatura senão, poeta em sociedade, a infância e a família, as e pensar proposta no entre criaturas, amar? emoções e injustiças humanas, o conflito entre Poema de Sete Faces amar e esquecer, (veja ao lado). Mas, aqui, indivíduo e mundo. Lança seu primeiro livro, o espaço da reflexão amar e malamar, Alguma Poesia, em 1930. O estilo dos poemas, é bem maior. O poeta amar, desamar, amar? coloquiais, breves e irônicos, é influenciado pe- busca compreender o sempre, e até de olhos vidrados, amar? los primeiros modernistas. No início da década sentimento e reconhecer de 1940, Drummond escreve poesias de fundo seus caminhos. Constata Que pode, pergunto, o ser amoroso, que não podemos fugir social, com um olhar crítico sobre o período sozinho, em rotação universal, senão da condenação imposta entre a I e a II Guerras Mundiais, o que dá o pelo amor. rodar também, e amar? tom do livro Sentimento do Mundo, de 1940. A amar o que o amar traz à praia, partir dos anos 1950, com a obra Claro Enigma, ENUMERAÇÃO o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, volta a registrar o vazio da vida humana e o Na busca incessante por é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? absurdo do mundo. amor, o homem se sujeita a amar em condições  Amar solenemente as palmas do deserto, adversas: o inóspito, o áspero, um vaso sem o que é entrega ou adoração expectante, flor etc. A enumeração e amar o inóspito, o áspero, contribui para reforçar um vaso sem flor, um chão de ferro, a busca fatigante por e o peito inerte, e a rua vista em sonho, um amor incapaz de  e uma ave de rapina. retribuição. PONTUAÇÃO Este o nosso destino: amor sem conta, As enumerações são distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, intercaladas por vírgulas doação ilimitada a uma completa ingratidão, com o acréscimo da e na concha vazia do amor a procura medrosa, conjunção coordenada aditiva “e”. Após a paciente, de mais e mais amor. vírgula, a leitura recebe uma segunda pausa, o Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa que sugere um obstáculo amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita. a mais para transpor nessa busca. IRONIA E EXPRESSÃO Um Boi Vê os Homens POPULAR Carlos Drummond de Andrade O poema propõe observar os homens PROSOPOPEIA a partir do olhar Tão delicados (mais que um arbusto) e correm Também chamada de contemplativo do boi. e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos personificação, esta A expressão popular de alguma coisa. Certamente, falta-lhes figura de linguagem é “olhar bovino” sugere não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres usada para conferir ao “olhar burro, estúpido”. e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves, boi, animal irracional, No entanto, são os capacidade de reflexão. homens vistos sob o até sinistros. Coitados, dir-se-ia que não escutam Percebe-se, no olhar olhar do boi que parecem nem o canto do ar nem os segredos do feno, do boi, uma piedade estúpidos, com sua como também parecem não enxergar o que é visível em relação à angústia imensa incapacidade de e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes humana de ser e de estar observar e compreender e no rasto da tristeza chegam à crueldade. no mundo. o essencial. (...) Claro Enigma, Companhia das Letras, 2012 126 GE PORTUGUÊS 2018 CONEXÕES Poema de Sete Faces Carlos Drummond de Andrade CANÇÃO Quando nasci, um anjo torto  PROSOPOPEIA desses que vivem na sombra Esta figura de linguagem, Até o Fim disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. também chamada de Chico Buarque personificação, é usada para conferir às casas As casas espiam os homens  (objetos inanimados) Quando eu nasci veio um anjo safado que correm atrás de mulheres. a capacidade de ver O chato dum querubim A tarde talvez fosse azul, (característica humana). E decretou que eu estava predestinado não houvesse tantos desejos. A ser errado assim PONTUAÇÃO Já de saída a minha estrada entortou O bonde passa cheio de pernas: Mas vou até o fim  A ausência de pontuação pernas brancas pretas amarelas.  serve para intensificar Para que tanta perna, meu Deus, o fluxo dos elementos Inda garoto deixei de ir à escola pergunta meu coração. enumerados. Cassaram meu boletim Porém meus olhos Não sou ladrão, eu não sou bom de bola não perguntam nada.  PERSONIFICAÇÃO Nem posso ouvir clarim A observação de detalhes Um bom futuro é o que jamais me esperou O homem atrás do bigode do cotidiano dá origem Mas vou até o fim a novas personificações é sério, simples e forte. (prosopopeia): o coração Quase não conversa. do eu lírico faz perguntas Eu bem que tenho ensaiado um progresso Tem poucos, raros amigos (a imagem do coração Virei cantor de festim o homem atrás dos óculos e do bigode. também é representativa Mamãe contou que eu faço da totalidade da pessoa), um bruto sucesso ao contrário dos olhos. Meu Deus, por que me abandonaste Em Quixeramobim se sabias que eu não era Deus Não sei como o maracatu começou se sabias que eu era fraco.  GRANDEZA DO MUNDO Mas vou até o fim O conflito entre a (...) pequenez do indivíduo Mundo mundo vasto mundo, e a grandeza do poder se eu me chamasse Raimundo divino reforça a oposição Não tem cigarro acabou minha renda seria uma rima, não seria uma solução. entre sujeito e mundo, Deu praga no meu capim Mundo mundo vasto mundo, recorrente nos poemas Minha mulher fugiu com o dono da venda mais vasto é meu coração. de Drummond que O que será de mim ? tratam do papel do poeta Eu já nem lembro pronde mesmo que vou na sociedade. Eu não devia te dizer Mas vou até o fim mas essa lua mas esse conhaque Como já disse era um anjo safado botam a gente comovido como o diabo. O chato dum querubim Que decretou que eu estava predestinado Alguma Poesia, Record, 2001 A ser todo ruim Já de saída a minha estrada entortou Mas vou até o fim CONTRADIÇÕES Num diálogo invertido com o texto bíblico da Anunciação, o anjo profetiza ao enunciador uma vida Nesta canção, Chico Buarque retoma a imagem do conflituosa. A imagem do artista desajustado reflete as sujeito gauche – desajustado e deslocado socialmente contradições entre o sujeito poético e a sociedade. –, proposta por Drummond no Poema de Sete Faces. O sujeito poético é um indivíduo problemático e nada METONÍMIA exemplar, cuja vida foi marcada sucessivamente Outra figura de linguagem é utilizada para reforçar por fracassos e decepções. Uma vez mais, o conflito o caráter de sensualidade do poema: as pernas entre personagem e o mundo serve de tema para (que representam as pessoas) chamam a atenção a construção de obras de arte, nas quais aparecem do eu lírico. concretizadas situações de derrota e persistência. GE PORTUGUÊS 2018 127 7 MODERNISMO – POESIA MODERNISMO NO BRASIL METALINGUAGEM João Cabral de Melo Neto O verso dialoga com o Em razão de seu estilo meticuloso, João Cabral ditado popular “uma de Melo Neto (1920–1999) recebeu a denomina- Tecendo a Manhã andorinha sozinha não ção de “engenheiro das palavras”. Sua expressão João Cabral de Melo Neto faz verão”. A poesia é poética norteou-se pelo raciocínio rigoroso, bus- comparada a uma teia (ou tecido), que vai sendo cando o universo dos objetos, paisagens e fatos  Um galo sozinho não tece a manhã: costurada pelos fios sociais, numa constatação objetiva da realidade, ele precisará sempre de outros galos. poéticos (galos), como um em vez do sentimentalismo do “eu”, o que levou De um que apanhe esse grito que ele  verdadeiro tricô e crochê. a crítica a considerar sua poesia “antilírica”. e o lance a outro: de um outro galo Entre as principais obras estão Pedra do Sono, que apanhe o grito que um galo antes  PRONOME RELATIVO A Educação pela Pedra e a peça teatral Morte e e o lance a outro; e de outros galos “QUE” Cada termo omitido Vida Severina (1955). que com muitos outros galos se cruzem aparece na oração os fios de sol de seus gritos de galo seguinte, diretamente ou Concretismo para que a manhã, desde uma teia tênue, retomado pelo pronome O Concretismo surge em São Paulo, em 1956, se vá tecendo, entre todos os galos. relativo que, introdutor com a Exposição de Arte Concreta. Consiste das orações subordinadas adjetivas, que garantem a em um movimento que explora o grafismo e E se encorpando em tela, entre todos, coesão do texto. as formas visuais da escrita, constituindo uma se erguendo tenda, onde entrem todos, ruptura radical com o lirismo. O experimen- se entretendendo para todos, no toldo  NEOLOGISMO talismo e a eliminação dos traços sintáticos (a manhã) que plana livre de armação. Os termos destacados demonstram o buscavam expandir os sentidos da poesia, in- A manhã, toldo de um tecido tão aéreo processo pelo qual a corporando o signo visual como elemento de que, tecido, se eleva por si: luz balão. manhã nasce: entre significação, multiplicando as possibilidades de (preposição), entrem sentidos. Destacam-se Décio Pignatari e os irmãos A Educação pela Pedra, Alfaguara, 2008. (verbo) e o neologismo Haroldo e Augusto de Campos. entretendendo (soma de ambos), associados ENGENHARIA GRAMATICAL E RUPTURA a todos, simbolizam o Os dois primeiros versos apresentam estrutura sintática entrelaçamento dos tradicional: sujeito, verbo e complemento; já os cinco fios, formando o tecido seguintes quebram essa convenção, e as orações são (manhã). interrompidas e retomadas nos versos seguintes, inclusive com alguns termos apenas subentendidos. DESMONTAGEM O poema explora a COCA-COLA LEITURA Pode se dar em palavra, de forma fria e Décio Pignatari diferentes sentidos, crítica, longe do lirismo como cola (vício), tradicional – assim BEBA COCA COLA caco (sem qualidade), como faz João Cabral BABE COLA babe (alienação do em Tecendo a Manhã. consumidor). Assim, O autor parte do famoso BEBA COCA o produto não deveria, slogan Beba Coca-Cola, BABE COLA CACO pela leitura do poeta, o qual é desmontado CACO ser ingerido pela boca, e remontado várias COLA mas lançado à cloaca vezes, para que nele seja C L O AC A (fossa, esgoto). encontrado o significado que o poeta vê por trás da propaganda do refrigerante. 128 GE PORTUGUÊS 2018 DIÁLOGO ENTRE OBRAS INTERTEXTUALIDADE O poema dialoga com Catar Feijão Procura da Poesia João Cabral de Melo Neto O FAZER POÉTICO (ao lado), evidenciando O poema de Drummond trata dos procedimentos uma preocupação com 1. ligados ao fazer poético. Assim como João Cabral, o a seleção rigorosa das Catar feijão se limita autor orienta seus leitores (alunos) a não se preocu- palavras para o ato de escrever. com escrever: parem com fatores externos ao escrever, como se joga-se os grãos na o poema fosse um “manual prático de poesia”. Nos água do alguidar dois poemas, a preocupação com a importância da METALINGUAGEM  O poeta compara e as palavras na folha linguagem para a construção da poesia é a mesma; as metaforicamente o ato de papel; palavras, assim como o próprio verso, têm seu objetivo de escrever ao de catar e depois, joga-se fora próprio, não precisam de elementos externos nem do (escolher) os feijões o que boiar. estado emocional do poeta. (palavras) antes de Certo, toda palavra prepará-los, para que boiará no papel, Procura da Poesia o cozido (poesia) não contenha impurezas, água congelada, por que alterariam seu sabor. chumbo seu verbo: Carlos Drummond de Andrade pois para catar esse feijão, soprar nele, FUNÇÃO APELATIVA (...) METÁFORA Verbos no imperativo e jogar fora o leve e oco, Penetra surdamente no reino  As palavras leves são lembram os preceitos secas como a palha: palha e eco. e recomendações dos das palavras. devem ser sopradas; antigos tratados de Lá estão os poemas que esperam as que boiarem sobre 2. poética e reforçam ser escritos. a água (folha de Ora, nesse catar feijão o caráter de texto Estão paralisados, mas não papel) são ocas e sem instrucional. expressividade, devem entra um risco: há desespero, ser lançadas fora; as o de que entre os grãos há calma e frescura na superfície que afundarem são pesados entre PROSOPOPEIA intacta. pesadas, têm significação um grão qualquer, pedra A personificação dos Ei-los sós e mudos, em estado profunda, portanto, ou indigesto, poemas confere a eles de dicionário. darão vida à poesia, status de seres vivos, um grão imastigável, de Convive com teus poemas, antes  sem artificialismos. Essa ideia reforçada pela metáfora expressa bem quebrar dente. retomada por meio de de escrevê-los. a “dureza” poética de Certo não, quando ao pronomes relativos, Tem paciência se obscuros. Calma, João Cabral, afastada do catar palavras: o que conota que nem se te provocam. sentimentalismo. a pedra dá à frase seu todos os poemas estão Espera que cada um se realize e consume grão mais vivo: prontos para ser escritos; com seu poder de palavra a poesia seria um ser, obstrui a leitura fluviante, e seu poder de silêncio. com vontade própria. flutual, (...) açula a atenção, isca-a Chega mais perto e contempla as palavras. POLISSEMIA  como o risco. O sujeito poético faz Cada uma tem mil faces secretas sob a face referência à polissemia neutra Poesias Completas, das palavras e à e te pergunta, sem interesse pela resposta, José Olympio, 1986. multiplicidade de pobre ou terrível, que lhe deres: significações conforme o Trouxeste a chave? contexto de emprego. (...) TEXTO INSTRUCIONAL A preferência por uma organização sintática A Rosa do Povo, Record, 2001. extremamente didática, em forma de explicativas (uso constante de “:”), convida ao processo da elaboração poética, como se o poeta fosse realmente um professor conduzindo seus alunos à investigação do objeto, no caso, a própria poesia, o que torna o texto, também, instrucional. © TEREZA BETTINARDI GE PORTUGUÊS 2018 129 7 COMO CAI NA PROVA 1. (UFAL 2014 ADAPTADA) 2. (FUVEST 2015) Onde nasci, morri Como sabemos, o efeito de um livro sobre nós, mesmo no que se re- Onde morri, existo fere à simples informação, depende de muita coisa além do valor que E das peles que visto ele possa ter. Depende do momento da vida em que o lemos, do grau do muitas há que não vi. nosso conhecimento, da finalidade que temos pela frente. Para quem pouco leu e pouco sabe, um compêndio de ginásio pode ser a fonte re- Sem mim como sem ti veladora. Para quem sabe muito, um livro importante não passa de posso durar. Desisto chuva no molhado. Além disso, há as afinidades profundas, que nos de tudo quanto é misto fazem afinar com certo autor (e portanto aproveitá-lo ao máximo) e e que odiei ou senti. não com outro, independente da valia de ambos. CANDIDO, Antonio. Dez Livros para Entender o Brasil. Teoria e debate. Ed. 45, 01/07/2000. Nem Fausto nem Mefisto, à deusa que se ri Constitui recurso estilístico do texto deste nosso oaristo, I. a combinação da variedade culta da língua escrita, que nele é predominante, com expressões mais comuns na língua oral; eis-me a dizer: assisto II. a repetição de estruturas sintáticas, associada ao emprego de além, nenhum, aqui vocabulário corrente, com feição didática; mas não sou eu, nem isto. III. o emprego dominante do jargão científico, associado à explo- ANDRADE, Carlos Drummond de. Sonetilho do Falso Fernando Pessoa. In Claro Enigma. ed. 10. Rio de Janeiro: Record, 2001. ração intensiva da intertextualidade. O poema acima integra o livro Claro Enigma, de 1951, obra em que Está correto apenas o que se indica em Carlos Drummond de Andrade opera uma mudança de direção em a) I. b) II. c) I e II. d) III. e) I e III. relação à sua trajetória poética anterior, mais ligada ao engajamen- to social, como se evidencia num livro como A Rosa do Povo. Dian- RESOLUÇÃO te disso, é correto afirmar que o autor: [I] Verdadeiro. Tanto o registro culto (por exemplo, “um compêndio de ginásio”) quanto o informal (“não passa de chuva no molhado”) estão a) Elabora uma rede intertextual com a obra de Fernando Pessoa, presentes no trecho, apesar do predomínio do primeiro; poeta representante da segunda geração romântica brasileira, ao [II] Verdadeiro. O paralelismo sintático (repetição de uma estrutura fazer referência à “falsidade” da poesia, evidente no último verso. gramatical), de sentido didático, está presente em “Para quem (prepo- b) Nega a estética do Modernismo, movimento a que se pode associar sição + pronome relativo) pouco leu (verbo + advérbio) e pouco sabe, um Drummond, ao fazer uso do soneto, uma forma poética fixa, muito compêndio de ginásio pode ser a fonte reveladora. Para quem (preposição comum em movimentos como o Barroco, Arcadismo e Romantismo. + pronome relativo) sabe muito (verbo + advérbio), um livro importante c) Representa a dificuldade do homem moderno em se estabelecer não passa de chuva no molhado.” enquanto uma unidade e o consequente estado de depressão [III] Falso. Não há ocorrência de vocabulário científico ou presença que esse fato acarreta, evidenciado nos dois primeiros versos. intensiva de referências a textos exteriores ao escrito. d) Dialoga, por meio de versos como “E das peles que visto/ Resposta: C muitas há que não vi”, com a heteronímia de Fernando Pessoa, fenômeno pelo qual o poeta português se multiplicava em outros poetas, cada um com personalidade diversa da dos outros. 3. (ITA 2013 ADAPTADA) e) Oferece uma visão poética das dificuldades de entendimento O emprego da vírgula no trecho, “A década era a de 1870 e o apa- entre variantes da língua portuguesa, uma vez que Drummond é relho que ele usava para mandar e receber mensagens, um telé- brasileiro e Fernando Pessoa, português. grafo”, é semelhante em: a) Para quem busca uma diversão na tarde de domingo, este filme é RESOLUÇÃO o mais recomendado. O poeta se multiplica, como podemos observar nos primeiros versos b) Ainda que não sejam os de menor custo, os alimentos orgânicos do texto ( “E das peles que visto...”) e ao longo do poema. E o diálogo são os mais indicados pelos nutricionistas. com Dizem que finjo ou minto, de Fernando Pessoa é explícito: Dizem c) O professor de desenho prefere os alunos criativos e o de lógica, que finjo ou minto/ Tudo que escrevo. Não./ Eu simplesmente sinto/ os ousados na teoria. Com a imaginação./ Não uso o coração. d) Os testes de QI (Quociente de Inteligência), atualmente, são Quanto às alternativas incorretas: a) Fernando Pessoa não é represen- desacreditados por diversas correntes teóricas da Psicologia. tante da segunda geração romântica; b) o Romantismo era marcado e) Pôr circuitos eletrônicos em envoltórios é uma prática comum, pela liberdade formal, não sendo comum o uso de sonetos; c) os conhecida como encapsulamento. primeiros versos não trazem traços de depressão, como afirmado na questão; e e) o poema não discute as diferentes variantes linguísticas RESOLUÇÃO e não explora o tema em nenhum momento. Na frase “A década era a de 1870 e o aparelho que ele usava para Resposta: D mandar e receber mensagens, um telégrafo”, a vírgula é utilizada para 130 GE PORTUGUÊS 2018 RESUMO indicar a elipse (supressão) do verbo – no caso o verbo “era”. O mesmo Literatura do Modernismo – Poesia acontece em “O professor de desenho prefere os alunos criativos e o de lógica, os ousados na teoria”, com a supressão do verbo “prefere”. MODERNISMO EM PORTUGAL Tem início em 1915, com o Resposta: C lançamento da revista Orpheu. O grande nome do movimento é o poeta Fernando Pessoa, criador de diversos heterônimos. 4. (ENEM 2016 ADAPTADA) MODERNISMO NO BRASIL A adoção da forma livre de constru- O senso comum é que só os seres humanos são capazes de rir. Isso não ção dos versos e a reflexão crítica sobre a realidade brasileira é verdade? marcam as obras dos modernistas da primeira geração, como Não. O riso básico – o da brincadeira, da diversão, da expressão físi- Mário de Andrade e Oswald de Andrade. ca do riso, do movimento da face e da vocalização – nós compartilha- mos com diversos animais. Em ratos, já foram observadas vocaliza- • Poetas singulares Três nomes passaram pelo movimento ções ultrassônicas – que nós não somos capazes de perceber – e que em quase toda a sua extensão: Manuel Bandeira, cujos poe- eles emitem quando estão brincando de “rolar no chão”. Acontecen- mas abordam aspectos ligados à existência humana; Carlos do de o cientista provocar um dano em um local específico no cérebro, Drummond de Andrade, que fez reflexões metalinguísticas o rato deixa de fazer essa vocalização e a brincadeira vira briga séria. da realidade estilhaçada do século XX; e Vinicius de Moraes, Sem o riso, o outro pensa que está sendo atacado. (...) autor de sonetos sobre a temática amorosa. Além deles, vale Disponível em: http://globonews.globo.com. Acesso em: 31 maio 2012 (adaptado). destacar os seguintes poetas modernistas: A coesão textual é responsável por estabelecer relações entre as • Cecília Meireles A autora de Romanceiro da Inconfidência partes do texto. Analisando o trecho “Acontecendo de o cientista destaca-se pelo fazer poético lírico e musical. provocar um dano em um local específico no cérebro”, verifica-se que ele estabelece com a oração seguinte uma relação de • João Cabral de Melo Neto A racionalidade pode ser en- a) finalidade, porque os danos causados ao cérebro têm por trevista na meticulosidade dos detalhes com que constrói finalidade provocar a falta de vocalização dos ratos. seus poemas. b) oposição, visto que o dano causado em um local específico no cérebro é contrário à vocalização dos ratos. GRAMÁTICA E INTERPRETAÇÃO c) condição, pois é preciso que se tenha lesão específica no cérebro • Coesão e coerência Coesão é a articulação das palavras e para que não haja vocalização dos ratos. frases que formam o texto, enquanto coerência é a articula- d) consequência, uma vez que o motivo de não haver mais ção das ideias no texto, de modo a promover a continuidade vocalização dos ratos é o dano causado no cérebro. do sentido. e) proporção, já que à medida que se lesiona o cérebro não é mais possível que haja vocalização dos ratos • Linguagem coloquial Usada no dia a dia, caracteriza-se pelo uso de gírias, expressões idiomáticas (sequências de RESOLUÇÃO palavras que não fazem sentido quando entendidas em seu A relação estabelecida é de condição, pois se o cientista provocar um significado literal) e marcas de oralidade (usos da língua co- dano no cérebro de um rato, ele deixará de produzir a vocalização. muns em conversas cotidianas, como a abreviação de verbos). Além disso, o uso do verbo no gerúndio (“acontecendo”) indica condição. Seria possível reescrever a frase da seguinte forma: “Caso • Língua culta padrão Usada em ocasiões formais e em textos aconteça de o cientista”... ou “Se acontecer de o cientista...”. escritos, caracteriza-se pela correção gramatical. Resposta: C • Pontuação A vírgula, além de ser empregada para demarcar pausas na leitura ou para separar elementos de uma sequên- cia, pode alterar o sentido de um texto. SAIBA MAIS • Ambiguidade É quando uma sentença permite mais de um CONJUNÇÕES SUBORDINATIVAS sentido. Pode ser intencional, para criar um efeito de humor Conectam sentenças que dependem de outra para fazer sentido e ou ironia. Ex.: O rapaz bateu no homem com a bengala (o estabelecem relações de: Causa: Como estava calor, não saímos de homem que tinha a bengala ou a bengala como objeto para casa. Consequência: Estava tão calor que não saímos de casa. Com- atacar o homem). paração: João correu como se estivesse atrasado. Concessão: Embora corresse muito, não alcançou o ônibus. Condição: Se você chegar cedo, • Metalinguagem É a função da linguagem que usa o código (a iremos sair. Conformidade: Fiz a lição conforme você recomendou. língua) como assunto ou explicação para o próprio código. Em Finalidade: Escreveu a carta para que pudesse alertá-lo. Proporção: Tecendo a Manhã, João Cabral compara a poesia a uma teia. A chuva aumentava à medida que andávamos. Temporalidade: Não me reconheceu quando passei por ele na rua. GE PORTUGUÊS 2018 131 RAIO X DECIFRE OS ENUNCIADOS E VEJA AS CARACTERÍSTICAS TÍPICAS DAS QUESTÕES QUE CAEM NAS PROVAS UNICAMP 2012 TEXTO 1 DICAS PARA A RESOLUÇÃO Entre 1995 e 2008, 12,8 milhões de pessoas saíram da condição de pobreza ab- soluta (rendimento médio domiciliar per capita até meio salário mínimo mensal), Antes de responder às perguntas propriamente, permitindo que a taxa nacional dessa categoria de pobreza caísse 33,6%, passando analise cada um dos textos. de 43,4% para 28,8%. No caso da taxa de pobreza extrema (rendimento médio domiciliar per capita O texto I, um artigo científico, possui uma lingua- de até um quarto de salário mínimo mensal), observa-se um contingente de 13,1 gem bem objetiva e vários dados e informações. milhões de brasileiros a superar essa condição, o que possibilitou reduzir em 49,8% a Você vai ver que ele apresenta dois conceitos (po- taxa nacional dessa categoria de pobreza, de 20,9%, em 1995, para 10,5%, em 2008. breza absoluta e pobreza extrema relacionados a Dimensão, Evolução e Projeção da Pobreza por Região e por Estado no Brasil, Comunicados do IPEA, 13/07/2010, p. 3. determinados dados), suas respectivas definições e uma comparação da situação (número de bra- TEXTO 2 sileiros que saíram ou superaram essa condição e a taxa nacional) entre 1995 e 2008. O texto II, a charge, requer que você fique atento às relações entre os elementos verbais (a fala dos personagens nos balõezinhos) e não verbais (as imagens). Vemos então o diálogo entre dois possíveis moradores de uma favela (observe as casinhas simples), cortada por um esgoto a céu aberto. Observe que no diálogo há a tentativa de definir os conceitos de pobreza e miséria. A Os conceitos abordados no texto I são “pobre- za extrema” e “pobreza absoluta”. A relação com os termos “miséria” e “pobreza” se dá a partir das definições, baseadas no rendimento médio per capita mensal das famílias: até meio A Podemos relacionar [1] os termos miséria e pobreza, presentes no TEXTO 2, salário mínimo (pobreza absoluta) e até um a dois conceitos [2] que são abordados no TEXTO I. Identifique esses conceitos e quarto de salário mínimo (pobreza extrema). explique [3] por que eles podem ser relacionados às noções de miséria e pobreza. Assim, pobreza extrema seria uma situação ainda pior que pobreza absoluta, o que nos leva B Que crítica [4] é apresentada no TEXTO 2? Mostre como a charge constrói essa crítica. a identificar pobreza extrema com miséria e pobreza absoluta com pobreza. 1 Questão clássica de vestibulares que pede para relacionar dois textos. No caso, temos B A charge ironiza o critério para definir miséria um artigo científico e uma charge (que mistura elementos verbais e não verbais). e pobreza, mostrando sua insignificância para essa população. Há uma crítica à distância que 2 Note que a pergunta solicita, especificamente, a relação de “miséria” e “pobreza” separa a teoria (estudo acadêmico ou cientí- a dois conceitos abordados no texto I: pobreza absoluta e pobreza extrema. fico) da realidade (vida nas favelas). Ou seja, os critérios para definir pobre e miserável em 3 Além de identificar os conceitos, você terá que explicar a relação entre eles. nada altera o cotidiano e as condições difíceis de vida dessas pessoas. 4 O enunciado já afirma que existe uma crítica no texto II. Você deve interpretar a charge de modo a buscar essa informação. 132 GE PORTUGUÊS 2018 FUVEST 2016 Examine este anúncio de uma instituição financeira [1], cujo nome foi substituído por X, para responder à questão. DICAS PARA A RESOLUÇÃO A Comece refletindo sobre o contexto do anúncio. Pelo próprio enunciado, sabemos que se trata de uma instituição financeira. O texto fala sobre “conhecer profundamente os negócios de nossos clientes é só o primeiro passo(...)” e o slogan afirma que “é diferente quando você conhece”. Assim, é estabelecida a relação de sentido com a imagem, pois ela mostra uma pegada, que se liga ao “primeiro passo” da frase e dá a ideia de que “alguém esteve realmente lá” e deixou sua marca. Uma leitura possível seria a de que um funcionário da empresa X visitou o local da atividade do cliente, ou seja, o campo de soja em Mato Grosso do Sul (que vemos escrito ao lado do ícone de localização). A pegada serve como prova ou registro histórico (como a famosa pegada do pé do homem na Lua). O anúncio destaca a importância da aproxi- mação da empresa com a realidade do local onde o cliente desenvolve suas atividades. Compare os diversos elementos [2] que compõem o anúncio e atenda ao que se pede. Isso proporcionaria um melhor conhecimento A Considerando o contexto do anúncio [3], existe alguma relação de sentido entre do negócio e, dessa maneira, a oferta de um a imagem e o slogan [4] “É DIFERENTE QUANDO VOCÊ CONHECE”? Explique. serviço mais rápido e assertivo. B A inclusão, no anúncio, dos ícones e algarismos [5] que precedem o texto escrito B Observe os ícones e algarismos que precedem o tem alguma finalidade comunicativa? Explique. texto. Você vai reparar que eles são referências geográficas que informam a posição espacial exata do campo de soja. O primeiro ícone é 1 Anúncios publicitários costumam ser bastante utilizados em exames vestibulares. uma rosa dos ventos, que representa os pontos Como quase sempre envolvem uma imagem e um texto, possibilitam a formulação cardeais e serve de referência para determi- de questões sobre as relações estabelecidas entre esses dois elementos. nar as latitudes e longitudes das coordenadas 2 Repare que o próprio enunciado da questão pede para que você compare geográficas. O segundo ícone sinaliza o local os diversos elementos que compõem o anúncio: a imagem da pegada, as exato do campo de soja em um mapa. coordenadas geográficas, a localização e o texto. A finalidade comunicativa seria associar a 3 Mais um aspecto que a questão apresenta e que você deve prestar atenção: o precisão do local com o conhecimento rigo- contexto do anúncio (e qual o seu objetivo). roso da realidade do cliente, o que mostraria 4 É pedido, especificamente, que você aponte a relação de sentido entre a imagem e a eficiência da empresa. o slogan (“É diferente quando você conhece”). 5 Atenção para as coordenadas geográficas (e qual a sua função no anúncio). GE PORTUGUÊS 2018 133 SIMULADO QUESTÕES SELECIONADAS ENTRE OS MAIORES VESTIBULARES DO PAÍS COM RESPOSTAS COMENTADAS 1. (ENEM 2016) Sabei cristãos, sabei príncipes, sabei ministros, que se vos há de pedir Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, estreita conta do que fizestes; mas muito mais estreita do que deixastes a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo de fazer. Pelo que fizeram, se hão de condenar muitos, pelo que não fize- a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo ram, todos. [...] de leitura que o seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se Desçamos a exemplos mais públicos. Por uma omissão perde-se uma a essa leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo uma outra não prevista. maré, por uma maré perde-se uma viagem, por uma viagem perde-se uma LAJOLO, M. Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo. São Paulo: Ática, 1993. armada, por uma armada perde-se um Estado: dai conta a Deus de uma Índia, dai conta a Deus de um Brasil, por uma omissão. Por uma omissão Nesse texto, a autora apresenta reflexões sobre o processo de produção perde-se um aviso, por um aviso perde-se uma ocasião, por uma ocasião de sentidos, valendo-se da metalinguagem. Essa função da linguagem perde-se um negócio, por um negócio perde-se um reino: dai conta a Deus torna-se evidente pelo fato de o texto de tantas casas, dai conta a Deus de tantas vidas, dai conta a Deus de a) ressaltar a importância da intertextualidade. tantas fazendas1, dai conta a Deus de tantas honras, por uma omissão. b) propor leituras diferentes das previsíveis. Oh que arriscada salvação! Oh que arriscado ofício é o dos príncipes e c) apresentar o ponto de vista da autora. o dos ministros! Está o príncipe, está o ministro divertido, sem fazer má d) discorrer sobre o ato de leitura. obra, sem dizer má palavra, sem ter mau nem bom pensamento: e talvez e) focar a participação do leitor. naquela mesma hora, por culpa de uma omissão, está cometendo maiores danos, maiores estragos, maiores destruições, que todos os malfeitores 2. (ENEM 2016 – 2ª APLICAÇÃO) do mundo em muitos anos. O salteador na charneca com um tiro mata um homem; o príncipe e o ministro com uma omissão matam de um golpe uma monarquia. A omissão é o pecado que com mais facilidade se comete e com mais dificuldade se conhece; e o que facilmente se comete e difi- cultosamente se conhece, raramente se emenda. A omissão é um pecado que se faz não fazendo. [...] Mas por que se perdem tantos? Os menos maus perdem-se pelo que fazem, que estes são os menos maus; os piores perdem-se pelo que deixam de fazer, que estes são os piores: por omissões, por negligências, por descui- dos, por desatenções, por divertimentos, por vagares, por dilações, por eternidades. Eis aqui um pecado de que não fazem escrúpulo os ministros, e um pecado por que se perdem muitos. Mas percam-se eles embora, já que assim o querem: o mal é que se perdem a si e perdem a todos; mas de todos hão de dar conta a Deus. Uma das cousas de que se devem acusar e fazer grande escrúpulo os ministros, é dos pecados do tempo. Porque fizeram o mês que vem o que se havia de fazer o passado; porque Disponível em: www.ideiasustentavel.com.br. Acesso em: 30 maio 2018 (adaptado). fizeram amanhã o que se havia de fazer hoje; porque fizeram depois o A importância da preservação do meio ambiente para a saúde é ressal- que se havia de fazer agora; porque fizeram logo o que se havia de fazer tada pelos recursos verbais e não verbais utilizados nessa propaganda já. Tão delicadas como isto hão de ser as consciências dos que governam, da SOS Mata Atlântica. No texto, a relação entre esses recursos em matérias de momentos. O ministro que não faz grande escrúpulo de a) condiciona o entendimento das ações da SOS Mata Atlântica. momentos não anda em bom estado: a fazenda pode-se restituir; a fama, b) estabelece contraste de informações na propaganda. ainda que mal, também se restitui; o tempo não tem restituição alguma. c) é fundamental para a compreensão do significado da mensagem. Essencial, 2013. Adaptado. d) oferece diferentes opções de desenvolvimento temático. 1 fazenda: conjunto de bens, de haveres. e) propõe a eliminação do desmatamento como suficiente para a preser- vação ambiental. O alvo principal da crítica contida no excerto é a) a falta de religiosidade dos governantes. 3. (UNESP 2016.2 ADAPTADA) b) a falta de escrúpulos dos religiosos. Para responder às questões 3, 4 e 5, leia o excerto do “Sermão da pri- c) a preguiça da população. meira dominga do Advento” de Antônio Vieira (1608-1697), pregado d) a negligência dos governantes. na Capela Real em Lisboa no ano de 1650. e) a luxúria dos religiosos. 134 GE PORTUGUÊS 2018 4. (UNESP 2016.2 ADAPTADA) Martim se embala docemente; e como a alva rede que vai e vem, sua Implícita à argumentação do autor está condenar a defesa da vontade oscila de um a outro pensamento. Lá o espera a virgem loura a) contemplação. dos castos afetos; aqui lhe sorri a virgem morena dos ardentes amores. b) ação. Iracema recosta-se langue ao punho da rede; seus olhos negros e fúlgidos, c) solidão. ternos olhos de sabiá, buscam o estrangeiro, e lhe entram n’alma. O cristão d) serenidade. sorri; a virgem palpita; como o saí, fascinado pela serpente, vai declinando e) caridade. o lascivo talhe, que se debruça enfim sobre o peito do guerreiro. José de Alencar, Iracema. 5. (UNESP 2016.2 ADAPTADA) No sermão, o autor recorre a uma construção que contém um aparente Atente para as seguintes afirmações, extraídas e adaptadas de um paradoxo em: estudo do crítico Augusto Meyer sobre José de Alencar: a) “o mal é que se perdem a si e perdem a todos” (3º parágrafo) I. “Nesta obra, assim como nos ‘poemas americanos’ dos nossos poe- b) “os piores perdem-se pelo que deixam de fazer, que estes são os piores” tas, palpita um sentimento sincero de distância poética e exotismo, de (3º parágrafo) coisa notável por estranha para nós, embora a rotulemos como nativa.” c) “Desçamos a exemplos mais públicos.” (2º parágrafo) II. “Mais do que diante de um relato, estamos diante de um poema, d) “Oh que arriscado ofício é o dos príncipes e o dos ministros!” (2º parágrafo) cujo conteúdo se concentra a cada passo na magia do ritmo e na graça e) “A omissão é um pecado que se faz não fazendo.” (2º parágrafo) da imagem.” III. “O tema do bom selvagem foi, neste caso, aproveitado para um 6. (MACKENZIE 2017) romance histórico, que reproduz o enredo típico das narrativas de capa Ondas do mar de Vigo e espada, oriundas da novela de cavalaria.” Ondas do mar de Vigo, É compatível com o trecho de Iracema aqui reproduzido, considerado se vistes meu amigo? no contexto dessa obra, o que se afirma em: e ai Deus, se verrá cedo? a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. Ondas do mar levado, d) II e III, apenas. e) I, II e III. se vistes meu amado? e ai Deus, se verrá cedo? 8. (FGV-RIO 2017) Se vistes meu amigo, A única frase em que o pronome “o” está corretamente empregado é: o por que eu sospiro? a) O garoto aguardava uma proposta que o permitisse ficar em casa se e ai Deus, se verrá cedo? divertindo. Se vistes meu amado, b) Depois de assistir a algumas competições de surfe, o garoto aderiu-o o por que hei gram coidado? definitivamente. e ai Deus, se verrá cedo? c) O motorista está convicto de que os próprios passageiros o implicaram Martim Codax no acidente. d) Antes da viagem, o grupo fez uma oração pedindo que nada de mal o Pode-se afirmar que pertence ao mesmo tipo de poema trovadoresco acontecesse. de Ondas do Mar de Vigo APENAS a alternativa: e) O técnico não tolerará que os jogadores o respondam quando forem a) Dona fea, nunca vos eu loei/en meu trobar, pero muito trobei;/mais ora advertidos. já un bon cantar farei,/en que vos loarei toda via;/e direi-vos como vos loarei:/dona fea, velha e sandia! (Joan Garcia de Guilhade) 9. (UEA 2013 ADAPTADA) b) Quer’eu en maneira provençal/fazer agora un cantar d’amor/e querrei O bagre é um peixe de grande porte e é necessário manter, ao longo do muit’i loar mia senhor, a que prez nem fremusura non fal,/nem bondade, ano, bons estoques desse pescado de que dependem muitas populações e mais vos direi en: tanto fez Deus comprida de ben/que mais que todas e mercados. las do mundo val. (D. Dinis) www.oeco.com.br. Adaptado. c) A melhor dona que eu nunca vi,/per bõa fé, nem que oí dizer,/ e a que Deus fez melhor parecer,/mia senhor est, e senhor das que vi,/ de mui No trecho transcrito, observa-se que a preposição de foi empregada bom preço e de mui bom sem,/per bõa fé, e de tod’outro bem, de quant’eu para atender à regência do verbo depender. nunca doutra dona oí. (Fernão Garcia Esgaravunha) De acordo com a norma-padrão, também está corretamente empregada d) Quantos ham gram coita d’amor/eno mundo, qual hoj’eu hei,/ queriam a preposição destacada em: morrer, eu o sei,/e haveriam en sabor;/mais, mentr’eu vos vir, mia senhor,/ a) O parecer, de que acreditam muitos pesquisadores, aponta que uma sempre m’eu queria viver/ e atender e atender. (João Garcia de Guilhade) associação de causas é a responsável pelas alterações ambientais. e) Que coita tamanha ei a sofrer,/por amar amigu’e non o ver!/E pousarei b) O uso de dinamites nas construções de barragens, a que aludem alguns sô lo avelanal. (Nuno Fernandes Torneol) pescadores, seria um dos fatores para a diminuição dos peixes. c) Os estados do Pará, Amapá, Amazonas e Rondônia são aqueles a que o 7. (FUVEST 2017) bagre apresenta grande valor comercial. Nasceu o dia e expirou. d) A relação entre peixes e hábitat, de que interferem os ciclos de cheias e Já brilha na cabana de Araquém o fogo, companheiro da noite. Correm vazantes, caracteriza a dinâmica hidrológica da região. lentas e silenciosas no azul do céu, as estrelas, filhas da lua, que esperam e) As regiões, com que esses peixes chegam durante a migração, são as a volta da mãe ausente. mais elevadas dos países vizinhos. GE PORTUGUÊS 2018 135 SIMULADO 10. (UNESP 2016.2) 12. (FGV-RIO 2017) Essa nova sensibilidade artística, apesar de heterogênea, pode ser resu- Esta sinistra morada era habitada por uma personagem talhada pelo mida através da atenção à forma e ao tema, assim como ao processo. A molde mais detestável; era um caboclo velho, de cara hedionda e imunda, forma inclui cores saturadas, formas simples, contornos relativamente e coberto de farrapos. Entretanto, para a admiração do leitor, fique-se nítidos e supressão do espaço profundo. O tema deriva de fontes pree- sabendo que este homem tinha por ofício dar fortuna! xistentes e manufaturadas para consumo de massa. Naquele tempo acreditava-se muito nestas coisas, e uma sorte de respeito David McCarthy. Movimentos da Arte Moderna, 2002. Adaptado. supersticioso era tributado aos que exerciam semelhante profissão. Já se vê que inesgotável mina não achavam nisso os industriosos! O comentário do historiador David McCarthy aplica-se à obra repro- E não era só a gente do povo que dava crédito às feitiçarias; conta-se duzida em: que muitas pessoas da alta sociedade de então iam às vezes comprar a) d) venturas e felicidades pelo cômodo preço da prática de algumas imo- ralidades e superstições. Pois ao nosso amigo Leonardo tinha-lhe também dado na cabeça tomar fortuna, e tinha isso por causa das contrariedades que sofria em uns novos amores que lhe faziam agora andar a cabeça à roda. Tratava-se de uma cigana; o Leonardo a vira pouco tempo depois da fuga da Maria, e das cinzas ainda quentes de um amor mal pago nascera outro que também não foi a este respeito melhor aquinhoado; mas o homem era romântico, como se diz hoje, e babão, como se dizia naquele tempo; não podia passar sem uma paixãozinha. Como o ofício rendia, e Andy Warhol. Elvis I, 1962. ele andava sempre apatacado, não lhe fora difícil conquistar a posse do adorado objeto; porém a fidelidade, a unidade no gozo, que era o que b) sua alma aspirava, isso não o pudera conseguir: a cigana tinha pouco Henri Matisse. Interior, Jarra com Peixes mais ou menos sido feita no mesmo molde da saloia. Vermelhos, 1914. Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias. e) Para realizar seu propósito evidente de ironizar e até de desmerecer os ideais do amor romântico, o narrador valeu-se de vários recursos expressivos, alguns dos quais se encontram relacionados nas alterna- tivas abaixo. A ÚNICA alternativa que registra um recurso de expressão que NÃO se prestou a essa finalidade é a) a atribuição de sentido pejorativo à palavra “fidelidade”. Pablo Picasso. As Senhoritas de Avignon, 1907. Kasemir Malevitch. Cruz Negra, 1923. b) a associação do termo “romântico” ao termo “babão”. c) o emprego da alusão, para indicar o caráter interesseiro da dama escolhida. c) d) a designação da amada como “adorado objeto”. e) a utilização do diminutivo em “paixãozinha”. 13. (UNESP 2015.2) Ao Príncipe Pela estrada da vida subi morros, Desci ladeiras e, afinal, te digo Que, se entre amigos encontrei cachorros, Jackson Pollock. Convergência, 1952. Entre os cachorros encontrei-te, amigo! Para insultar alguém hoje recorro 11. (UNICAMP 2017) A novos nomes feios, porque vi O romance Memórias Póstumas de Brás Cubas é considerado um divi- Que elogio a quem chame de cachorro, sor de águas tanto na obra de Machado de Assis quanto na literatura Depois que este cachorro conheci. brasileira do século XIX. Indique a alternativa em que todas as ca- Fernando Góes (org.). Panorama da Poesia Brasileira, vol. 5, 1960. racterísticas mencionadas podem ser adequadamente atribuídas ao No poema de Belmiro Braga, a diferença expressiva mais relevante entre romance em questão. as duas ocorrências da palavra “cachorros” consiste no fato de que: a) Rejeição dos valores românticos, narrativa linear e fluente de um defunto a) no terceiro verso, a palavra se encontra no final; no quarto, no meio do verso. autor, visão pessimista em relação aos problemas sociais. b) ocorre rima acidental entre os dois empregos “cachorros” / “cachorros”. b) Distanciamento do determinismo científico, cultivo do humor e digressões c) no terceiro verso, a palavra é empregada como núcleo do objeto direto; sobre banalidades, visão reformadora das mazelas sociais. no quarto, como núcleo do sujeito da oração. c) Abandono das idealizações românticas, uso de técnicas pouco usuais d) no terceiro verso, a palavra é empregada metaforicamente; no quarto, de narrativa, sugestão implícita de contradições sociais. em sentido próprio. d) Crítica do realismo literário, narração iniciada com a morte do narrador- e) no terceiro verso, a palavra não tem significado definido; no quarto, o personagem, tematização de conflitos sociais significado é claro. 136 GE PORTUGUÊS 2018 14. (ENEM 2014) O modo de organização do discurso predominante no excerto é Vida obscura a) a dissertação argumentativa. Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, b) a narração. ó ser humilde entre os humildes seres, c) a descrição objetiva. embriagado, tonto de prazeres, d) a descrição subjetiva. o mundo para ti foi negro e duro. e) a dissertação expositiva. Atravessaste no silêncio escuro 16. (ENEM 2016 – 2ª APLICAÇÃO) a vida presa a trágicos deveres Fraudador é preso por emitir atestados com erro de português e chegaste ao saber de altos saberes Mais um erro de português leva um criminoso às mãos da polícia. Desde tornando-te mais simples e mais puro. 2003, M.O.P., de 37 anos, administrava a empresa MM, que falsificava boletins de ocorrência, carteiras profissionais e atestados de óbito, Ninguém te viu o sentimento inquieto, tudo para anular multas de trânsito. Amparado pela documentação magoado, oculto e aterrador, secreto, fajuta de M.O.P., um motorista poderia alegar às Juntas Administrativas que o coração te apunhalou no mundo, de Recursos de Infrações que ultrapassou o limite de velocidade para levar uma parente que passou mal e morreu a caminho do hospital. O Mas eu que sempre te segui os passos esquema funcionou até setembro, quando M.O.P. foi indiciado. Atropelara sei que cruz infernal prendeu-te os braços a gramática. Havia emitido, por exemplo, um atestado de abril do ano e o teu suspiro como foi profundo! passado em que estava escrito aneurisma “celebral” (com l no lugar SOUSA, C. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1961. de r) e “insulficiência” múltipla de órgãos (com um l desnecessário em “insuficiência” – além do fato de a expressão médica adequada ser Com uma obra densa e expressiva no Simbolismo brasileiro, Cruz e “falência múltipla de órgãos”). Sousa transpôs para seu lirismo uma sensibilidade em conflito com a M.O.P. foi indiciado pela 2ª Delegacia de Divisão de Crimes de Trânsito. realidade vivenciada. No soneto, essa percepção traduz-se em Na casa do acusado, em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, a a) sofrimento tácito diante dos limites impostos pela discriminação. polícia encontrou um computador com modelos de documentos. b) tendência latente ao vício como resposta ao isolamento social. Língua Portuguesa, n. 12, set. 2006 (adaptado). c) extenuação condicionada a uma rotina de tarefas degradantes. d) frustração amorosa canalizada para as atividades intelectuais. O texto apresentado trata da prisão de um fraudador que emitia docu- e) vocação religiosa manifesta na aproximação com a fé cristã. mentos com erros de escrita. Tendo em vista o assunto, a organização, bem como os recursos linguísticos, depreende-se que esse texto é um 15. (UNESP 2017) a) conto, porque discute problemas existenciais e sociais de um frau- Leia o excerto do livro Violência Urbana, de Paulo Sérgio Pinheiro e dador. Guilherme Assis de Almeida, para responder à questão. b) notícia, porque relata fatos que resultaram no indiciamento de um De dia, ande na rua com cuidado, olhos bem abertos. Evite falar com fraudador. estranhos. À noite, não saia para caminhar, principalmente se estiver c) crônica, porque narra o imprevisto que levou a polícia a prender um sozinho e seu bairro for deserto. Quando estacionar, tranque bem as fraudador. portas do carro [...]. De madrugada, não pare em sinal vermelho. Se for d) editorial, porque opina sobre aspectos linguísticos dos documentos assaltado, não reaja – entregue tudo. redigidos por um fraudador. É provável que você já esteja exausto de ler e ouvir várias dessas re- e) piada, porque narra o fato engraçado de um fraudador descoberto pela comendações. Faz tempo que a ideia de integrar uma comunidade e polícia por causa de erros de grafia. sentir-se confiante e seguro por ser parte de um coletivo deixou de ser um sentimento comum aos habitantes das grandes cidades brasileiras. 17. (ESPM 2017) As noções de segurança e de vida comunitária foram substituídas pelo Centrando-se, assim, no moderno, [...] faziam apologia da velocidade, sentimento de insegurança e pelo isolamento que o medo impõe. O outro da máquina, do automóvel (“um automóvel é mais belo que a Vitória deixa de ser visto como parceiro ou parceira em potencial; o desconhecido de Samotrácia”, dizia Marinetti no seu primeiro manifesto), da agres- é encarado como ameaça. O sentimento de insegurança transforma sividade, do esporte, da guerra, do patriotismo, do militarismo, das e desfigura a vida em nossas cidades. De lugares de encontro, troca, fábricas, das estações ferroviárias, das multidões, das locomotivas, dos comunidade, participação coletiva, as moradias e os espaços públicos aviões, enfim, de tudo quanto exprimisse o moderno nas suas formas transformam-se em palco do horror, do pânico e do medo. avançadas e imprevistas. A violência urbana subverte e desvirtua a função das cidades, drena Massaud Moisés, Dicionário de Termos Literários, Cultrix, p. 234 recursos públicos já escassos, ceifa vidas – especialmente as dos jovens e dos mais pobres –, dilacera famílias, modificando nossas existências O texto acima define um dos primeiros “ismos” das vanguardas artís- dramaticamente para pior. De potenciais cidadãos, passamos a ser ticas europeias que sacudiram o século XX. Trata-se do: consumidores do medo. O que fazer diante desse quadro de inseguran- a) Cubismo ça e pânico, denunciado diariamente pelos jornais e alardeado pela b) Futurismo mídia eletrônica? Qual tarefa impõe-se aos cidadãos, na democracia c) Surrealismo e no Estado de direito? d) Dadaísmo Violência Urbana, 2003. e) Impressionismo GE PORTUGUÊS 2018 137 SIMULADO 18. (ESPM 2017) A descoberta de experiências emocionais com base no cotidiano é recor- rente na obra de Clarice Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o a) comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada. b) anulação das diferenças sociais no espaço público de uma estação. c) incompatibilidade psicológica entre mulheres de gerações diferentes. d) constrangimento da aproximação formal de pessoas desconhecidas. e) sentimento de solidão alimentado pelo processo de envelhecimento. 20. (UNICAMP 2017) Levando-se em conta que Filippo Marinetti, fundador do movimento referido na questão anterior, rejeitou o passado e defendeu a extinção de museus e cidades antigas, ao afirmar que “um automóvel é mais belo que a Vitória de Samotrácia”, ele só não usou com essa frase: a) eufemismo, já que automóvel apenas suaviza a natural ideia de supe- Disponível em https://www.facebook.com/SignosNordestinos/?fret=ts. Acessado em 26/07/2016. rioridade sobre uma estátua. b) metonímia, em que o automóvel substitui toda modernidade veloz e a Do ponto de vista da norma culta, é correto afirmar que “coisar” é Vitória de Samotrácia substitui a arte grega a) uma palavra resultante da atribuição do sentido conotativo de um verbo c) comparação ou símile, pois para o autor o automóvel é mais belo artis- qualquer ao substantivo “coisa”. ticamente que a estátua grega. b) uma palavra resultante do processo de sufixação que transforma o d) metáfora, em que o automóvel simboliza o moderno e a estátua sim- substantivo “coisa” no verbo “coisar”. boliza o antigo. c) uma palavra que, graças a seu sentido universal, pode ser usada em e) antítese, pois contrapõe o conjunto da modernidade ao conjunto do substituição a todo e qualquer verbo não lembrado. passadismo. d) uma palavra que resulta da transformação do substantivo “coisa” em verbo “coisar”, reiterando um esquecimento. 19. (ENEM 2016) A partida de trem 21. (UEMG 2015) Marcava seis horas da manhã. Angela Pralini pagou o táxi e pegou sua Em gramáticas e em manuais de língua portuguesa, costuma-se reco- pequena valise. Dona Maria Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu mendar o uso da vírgula para indicar a elipse (omissão) de um verbo, do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos. A velha bem ves- como neste exemplo: “Ele prefere filmes de suspense; a namorada, tida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um filmes de aventura”. Com base nessa regra, seria necessário alterar a nariz perdido na idade, e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e pontuação da seguinte passagem: sensível. Mas que importa? Chega-se a um certo ponto – e o que foi não a) “Cruéis convenções nos convocam: estar em forma, ser competente, importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-se. ser produtivo, mostrar serviço, prover, pagar, e ainda ter tempo para Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. ternura, cuidados, amor.” Ajudara-a antes a subir no vagão. Sem que neste houvesse um centro, b) “A sociedade é uma mãe terrível, a vida um corredor estreito, o tempo ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs em movimento, um perseguidor implacável (...)” surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa c) “Só não prevíamos as corredeiras, as gargantas, os redemoinhos, a noite direção e sentara-se de costas para o caminho. lá no fundo dessas águas.” Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou: d) “É quando toda a competência, a eficiência, o poder, se encolhem e – A senhora deseja trocar de lugar comigo? ficamos nus, e sós, na nossa frágil maturidade (...)”. Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo. Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filigranado de ouro, espetado no peito, passou a mão 22. (FAMEMA 2017 ADAPTADA) pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini: “A inundação crescia sempre; o leito do rio elevava-se gradualmente; as – É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar? árvores pequenas desapareciam; e a folhagem dos soberbos jacarandás LISPECTOR, C. Onde Estivestes de Noite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980 (fragmento). sobrenadava já como grandes moitas de arbustos.”  138 GE PORTUGUÊS 2018 Nesse trecho, os verbos indicam  25. (UNESP 2017) a) fatos isolados, pontuais, inteiramente no passado.  Carpe diem: Esse conhecido lema, extraído das Odes do poeta latino b) fatos no passado, anteriores a outros fatos também no passado.  Horácio (65 a.C.- 8 a.C.), sintetiza expressivamente o seguinte motivo: c) processos contínuos inteiramente no passado.  saber aproveitar tudo o que se apresente de positivo (mesmo que pouco) d) processos contínuos que se estendem do passado até o presente.  e transitório. e) fatos que se repetem pontualmente no passado. Renzo Tosi. Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas, 2010. Adaptado. 23. (ENEM 2015) Das estrofes extraídas da produção poética de Fernando Pessoa Assum preto (1888-1935), aquela em que tal motivo se manifesta mais explici- Tudo em vorta é só beleza tamente é: Sol de abril e a mata em frô a) Nem sempre sou igual no que digo e escrevo. Mas assum preto, cego dos óio Mudo, mas não mudo muito. Num vendo a luz, ai, canta de dor A cor das flores não é a mesma ao sol Tarvez por ignorança De que quando uma nuvem passa Ou mardade das pió Ou quando entra a noite Furaro os óio do assum preto E as flores são cor da sombra. Pra ele assim, ai, cantá mió b) Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, Assum preto veve sorto E deseja o destino que deseja; Mas num pode avuá Nem cumpre o que deseja, Mil veiz a sina de uma gaiola Nem deseja o que cumpre. Desde que o céu, ai, pudesse oiá c) Como um ruído de chocalhos GONZAGA, L.; TEIXEIRA, H. Disponível em: www.luizgonzaga.mus.br. Acesso em: 30 jul. 2012 (fragmento). Para além da curva da estrada, Os meus pensamentos são contentes. As marcas da variedade regional registradas pelos compositores de Só tenho pena de saber que eles são contentes, Assum Preto resultam da aplicação de um conjunto de princípios ou Porque, se o não soubesse, regras gerais que alteram a pronúncia, a morfologia, a sintaxe ou o Em vez de serem contentes e tristes, léxico. No texto, é resultado de uma mesma regra a Seriam alegres e contentes. a) pronúncia das palavras “vorta” e “veve”. d) Tão cedo passa tudo quanto passa! b) pronúncia das palavras “tarvez” e “sorto”. Morre tão jovem ante os deuses quanto c) flexão verbal encontrada em “furaro” e “cantá”. Morre! Tudo é tão pouco! d) redundância nas expressões “cego dos óio” e “mata em frô”. Nada se sabe, tudo se imagina. e) pronúncia das palavras “ignorância” e “avuá”. Circunda-te de rosas, ama, bebe E cala. O mais é nada. 24. (ENEM 2016) e) Acima da verdade estão os deuses. A nossa ciência é uma falhada cópia Da certeza com que eles Sabem que há o Universo. 26. (FGV-RIO 2017) Poema tirado de uma notícia de jornal João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da [Babilônia num barracão sem número. Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Disponível em: www.paradapelavida.com.br. Acesso em: 15 nov. 2014. Dançou Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Nesse texto, a combinação de elementos verbais e não verbais configura- Manuel Bandeira. Libertinagem. se como estratégia argumentativa para a) manifestar a preocupação do governo com a segurança dos pedestres. A filiação do poema à estética do Modernismo revela-se na b) associar a utilização do celular às ocorrências de atropelamento de I - escolha de assunto pertencente à esfera do cotidiano humilde e crianças. prosaico, em oposição ao Parnasianismo antecendente, que cultivava c) orientar pedestres e motoristas quanto à utilização responsável do os temas ditos nobres, solenes e elevados. telefone móvel. II - utilização de objeto ou texto já pronto ou constituído, alegadamente d) influenciar o comportamento de motoristas em relação ao uso de ce- encontrado na realidade exterior, como base da composição poética. lular no trânsito. III - ruptura das fronteiras entre os gêneros literários tradicionais, que e) alertar a população para os riscos da falta de atenção no trânsito das aparecem mesclados no texto. grandes cidades. GE PORTUGUÊS 2018 139 SIMULADO Está correto o que se afirma em 29. (ENEM 2015) a) I e III, somente. Texto I b) I, somente. Um ato de criatividade pode gerar um modelo produtivo. Foi o que c) II e III, somente. aconteceu com a palavra sambódromo, criativamente formada com a d) I, II e III. terminação -(o)dromo (=corrida), que figura em hipódromo, autódromo, e) I e II, somente. cartódromo, formas que designam itens culturais da alta burguesia. Não demoraram a circular, a partir de então, formas populares como 27. ( UFSC 2017 ADAPTADA) rangódromo, beijódromo, camelódromo. AZEREDO, J. C. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008 Texto II Existe coisa mais descabida do que chamar de sambó- dromo uma passa- rela para desfile de escolas de samba? Em grego, -dromo Disponível em: <http://novaescola.org.br/lingua-portuguesa/coletaneas/calvin-seus-amigos-428892.shtml>. (Adaptado) quer dizer “ação de correr, lugar de corrida”, daí as palavras autódromo Acesso em: 24 jun. 2016. e hipódromo. É certo que, às vezes, durante o desfile, a escola se atrasa e é obrigada a correr para não perder pontos, mas não se descoloca a Com base na leitura do texto e de acordo com a variedade padrão escrita velocidade de um cavalo ou de um carro de Fórmula 1. da língua portuguesa, é correto afirmar que: GULLAR, F. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 3 ago. 2012. I) a ideia principal da tirinha é a criação de novas palavras na língua. II) as palavras “papai” (primeiro quadrinho) e “você” (quarto quadri- Há nas línguas mecanismos geradores de palavras. Embora o texto II nho) remetem ao mesmo referente, porém exercem funções morfos- apresente um julgamento de valor sobre a formação da palavra sam- sintáticas distintas. bódromo, o processo de formação dessa palavra reflete III) no segundo e no terceiro quadrinho, “a gente” é usado como pro- a) o dinamismo da língua na criação de novas palavras. nome pessoal em referência à primeira pessoa do plural e desempenha b) uma nova realidade limitando o aparecimento de novas palavras. a mesma função morfossintática nas duas ocorrências. c) a apropriação inadequada de mecanismos de criação de palavras por IV) as formas verbais “pode” (primeiro quadrinho) e “podem” (segundo leigos. quadrinho) são usadas no texto para expressar a ideia de possibilidade. d) o reconhecimento da impropriedade semântica dos neologismos. V) a partir da leitura do texto 4, infere-se que a língua pode se tornar e) a restrição na produção de novas palavras com o radical grego. um mecanismo de exclusão social. VI) no quarto quadrinho, as palavras “fiambre” e “lubrificado” e as 30. (UFES 2016 ADAPTADA) palavras “joia”, “maneiro” e “demorô” são usadas pelos dois perso- As frases a seguir compõem um fragmento de texto de Sírio Possenti1 nagens, respectivamente, com a mesma intenção: marcar expressões e estão fora da ordem em que aparecem no texto original. que são típicas da fala de duas gerações. 1) A trama é a seguinte: um repórter desempregado aceita emprego novo, responder à correspondência das leitoras de uma revista feminina. Assim, estão incorretas apenas as seguintes afirmações: 2) Um tal Pedro Redgrave, no entanto, estabelece com ele uma correspon- a) I e II. dência mais sólida. Cartas e respostas se sucedem. b) III e V. 3) “Corações solitários” é um dos bons contos de Rubem Fonseca. c) I e VI. 4) Até que um dia o repórter descobre que Pedro Redgrave é de fato seu d) V e VI. chefe. As razões pelas quais lhe escreve são ambíguas, e nisso reside o interesse principal do conto. Leiam. É ótimo. 28. (ESPM 2017) 5) Assina com nome feminino, para permitir a necessária confiança e dar Em uma das frases ocorre uma ambiguidade ou duplo sentido. Iden- credibilidade ao trabalho. Recebe cartas de todos os tipos – quer dizer, tifique-a: de pouquíssimos tipos, são as mesmas coisas de sempre – e dá respostas a) Ex-presidente recorreu ao Comitê da ONU acusando o juiz de violar estereotipadas sobre como cuidar de filhos, de filhas, de maridos, de seus direitos. amantes, da saúde etc. b) Sem placa orientadora, taxistas evitam corredor de ônibus, mesmo após liberação pela Prefeitura. ¹POSSENTI, SÍRIO. Gramáticos solidários. In: ______. Mal Comportadas Línguas. Curitiba: Criar, 2000. p. 75. c) “Pokemon Go” leva jogadores à caça em cemitérios e igrejas no Brasil. d) Líderes governamentais com tensões e saias-justas na mala vão à China Considerando as noções de coesão e coerência textual, a alternativa para o G20. que as organiza de forma que o texto daí restante produza sentido é e) O ministro do STF afirmou que os integrantes do Ministério Público a) 3, 1, 2, 4, 5. b) 3, 5, 2, 4, 1. Federal devem “calçar as sandálias da humildade”. c) 3, 1, 5, 2, 4. d) 3, 2, 4, 1, 5. 140 GE PORTUGUÊS 2018 31. (UNIFESP 2017) 34. (CÁSPER LÍBERO 2016) Leia a fábula “A Raposa e o Lenhador”, do escritor grego Esopo (620 Muito antes da internet e da publicidade direta ao consumidor, a medi- a.C.?-564 a.C.?), para responder às questões 31 a 33. cina tentava tranquilizar as pessoas acerca de suas preocupações com a saúde. Hoje, vender sintomas para os sugestionáveis tem sido uma Enquanto fugia de caçadores, uma raposa viu um lenhador e lhe pediu mina de ouro para as grandes transnacionais farmacêuticas, desde que a escondesse. Ele sugeriu que ela entrasse em sua cabana e se que começaram a fazer propaganda direta ao consumidor, no final dos ocultasse lá dentro. Não muito tempo depois, vieram os caçadores anos de 1990. O marketing das grandes farmacêuticas sugere que você e perguntaram ao lenhador se ele tinha visto uma raposa passar deveria ir correndo ao médico e se pendurar em “pílulas da felicidade”. por ali. Em voz alta ele negou tê-la visto, mas com a mão fez gestos Fonte: ROSENBERG, Martha. Medo: Matéria-Prima da Indústria Farmacêutica. http://outraspalavras.net/ postsmedo-materiaprima-da-industria-farmaceutica/ Adaptado. Acesso em 11-09-2015 indicando onde ela estava escondida. Entretanto, como eles não prestaram atenção nos seus gestos, deram crédito às suas palavras. Na farmácia Ao constatar que eles já estavam longe, a raposa saiu em silêncio e foi indo embora. E o lenhador se pôs a repreendê-la, pois ela, salva por ele, não lhe dera nem uma palavra de gratidão. A raposa respondeu: “Mas eu seria grata, se os gestos de sua mão fossem condizentes com suas palavras.” Fábulas Completas, 2013. A moral mais apropriada para fechar a fábula seria: a) Esta fábula pode ser dita a propósito de homens desventurados que, quando estão em situações embaraçosas, rezam para encontrar uma saída, mas assim que encontram procuram evitá-las. b) Desta fábula pode servir-se uma pessoa a propósito daqueles homens que nitidamente proclamam ações nobres, mas na prática realizam atos vis. c) Esta fábula mostra que os homens desatentos prestam atenção nas coisas de que esperam tirar proveito, mas permanecem apáticos em relação àquelas que não lhes agradam. Fonte: http://www.cartoonmovement.com/cartoon?p=2. Acesso em 11/09/2015 d) Assim, alguns homens se entregam a tarefas arriscadas, na esperança de obter ganhos, mas se arruínam antes mesmo de chegar perto do A crítica contida no texto e na imagem sugere que que almejam. a) Na atualidade, as pessoas possuem maior conhecimento a respeito de e) Desta fábula pode servir-se uma pessoa a propósito de um homem frouxo patologias e medicamentos, podendo prevenir-se. que reclama de ínfimas desgraças, enquanto ela própria suporta, sem b) A propaganda das indústrias farmacêuticas tem função didática e de dificuldade, desgraças enormes. esclarecimento, o que tranquiliza o paciente. c) A publicidade atual torna acessíveis aos pacientes os tratamentos e 32. (UNIFESP 2017) medicamentos modernos. “Entretanto, como eles não prestaram atenção nos seus gestos, deram d) A indústria farmacêutica divulga doenças como forma de construir crédito às suas palavras.” demanda de consumo de medicamentos e investe em publicidade. e) O objetivo das indústrias farmacêuticas é alertar a respeito de doenças Em relação à oração que a sucede, a oração destacada tem sentido de silenciosas que podem acometer as pessoas. a) causa. b) conclusão. 35. (ENEM 2013) c) proporção. Até quando? d) consequência. Não adianta olhar pro céu e) comparação. Com muita fé e pouca luta Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer 33. (UNIFESP 2017) E muita greve, você pode, você deve, pode crer Os trechos “Ele sugeriu que ela entrasse em sua cabana” e “vieram os Não adianta olhar pro chão caçadores e perguntaram ao lenhador se ele tinha visto uma raposa” Virar a cara pra não ver foram construídos em discurso indireto. Ao se transporem tais trechos Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus para o discurso direto, o verbo “entrasse” e a locução verbal “tinha Sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer! visto” assumem, respectivamente, as seguintes formas: GABRIEL, O PENSADOR. Seja Você Mesmo (Mas Não Seja Sempre o Mesmo). Rio de Janeiro: Sony Music, 2001 (fragmento). a) “entrai” e “vira”. As escolhas linguísticas feitas pelo autor conferem ao texto b) “entrou” e “viu”. a) caráter atual, pelo uso de linguagem própria da internet. c) “entre” e “vira”. b) cunho apelativo, pela predominância de imagens metafóricas. d) “entre” e “viu”. c) tom de diálogo, pela recorrência de gírias. e) “entrai” e “viu”. d) espontaneidade, pelo uso da linguagem coloquial. e) originalidade, pela concisão da linguagem GE PORTUGUÊS 2018 141 SIMULADO 36. (UFG 2014.2) 38. (UFAL 2015) Restrições à parte, eu gostava do curso. Não: eu adorava o curso. Não era o mesmo que estudar o Manifesto, longe disso, mas falava em coisas objetivas, palpáveis, úteis: geradores, acumuladores, dínamos, motores. Trabalhar com eletricidade era ingressar no terreno confortador da lógica científica, da precisão tecnológica: faça isso e acontecerá aquilo – sempre, sempre, sempre. Nenhuma margem para dúvida, ali: o polo positivo era positivo, o negativo era o negativo, e estávamos conversados. Nada de dialética, nada de uma coisa virar o seu contrário, nada de mentiras pro- gressistas e verdades reacionárias, nada de crítica e autocrítica. Um alívio, portanto, ainda que inevitavelmente acompanhado de uma pesada culpa. SCLIAR. Moacyr. Eu Vos Abraço, Milhões. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 220. No trecho transcrito, ao comparar o modo de pensar o mundo da física e o das ciências políticas, o narrador protagonista do romance Eu Vos Abraço, Milhões evidencia uma mudança central na sua forma de pensar, a qual se manifesta no fato de que a) o conhecimento de eletricidade na física é dinâmico e por isso se opõe à ideologia marxista do manifesto citado pelo narrador. Disponível em: https://agenciaailumina.spaceblog.com.br/154396/O-quiabo-veste-prada/>. Acesso em: 16/06/2015 b) os fenômenos físicos, como a acumulação e distribuição de energia elétrica, são mais importantes do que os fenômenos políticos. c) a contraposição entre verdades e mentiras, exemplificada pela carga positiva e negativa dos geradores de eletricidade, inexiste no pensa- mento dialético. d) os conhecimentos da física analisam os fenômenos elétricos de forma absoluta e por isso são mais adequados ao modo de vida do protagonista. e) a objetividade dos métodos do estudo de eletricidade contrasta com a multiplicidade de análises possíveis para os fenômenos políticos. 37. (UNICAMP 2017) Em depoimento, Paulo Freire fala da necessidade de uma tarefa edu- cativa: “trabalhar no sentido de ajudar os homens e as mulheres brasi- leiras a exercer o direito de poder estar de pé no chão, cavando o chão, fazendo com que o chão produza melhor é um direito e um dever nosso. A educação é uma das chaves para abrir essas portas. Eu nunca me esqueço de uma frase linda que eu ouvi de um educador, camponês de Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Diabo_Veste_Prada (filme). Acesso em: 16/06/2015. um grupo de Sem Terra: pela força do nosso trabalho, pela nossa luta, cortamos o arame farpado do latifúndio e entramos nele, mas quando No Rio de Janeiro, uma loja varejista de frutas e legumes inovou em sua nele chegamos, vimos que havia outros arames farpados, como o arame estratégia de marketing, criando uma série baseada em títulos de filmes da nossa ignorância. Então eu percebi que, quanto mais inocentes, tanto onde os atores principais são os próprios produtos da loja. Baseado melhor somos para os donos do mundo. (…) Eu acho que essa é uma nas imagens selecionadas que demonstram, respectivamente, a peça tarefa que não é só política, mas também pedagógica. Não há Reforma publicitária e o título do filme hollywoodiano, pode-se afirmar que Agrária sem isso.” a) Sem um vasto repertório linguístico do receptor não há como relacionar Adaptado de Roseli Salete Galdart, Pedagogia do Movimento Sem Terra: Escola É Mais Que Escola. São Paulo: o anúncio ao filme. Expressão Popular, 2008, p. 172. b) Sem a imagem do quiabo em formato de salto não há como relacionar a publicidade ao filme. No excerto adaptado que você leu, há menção a outros arames farpa- c) Sem o conhecimento prévio do receptor não há como relacionar a pu- dos, como “o arame da nossa ignorância”. Trata-se de uma figura de blicidade ao filme. linguagem para d) Sem as referências textuais da peça publicitária não há como relacionar a) a conquista do direito às terras e à educação que são negadas a todos o anúncio ao filme. os trabalhadores. b) a obtenção da chave que abre as portas da educação a todos os brasi- 39. (UFAM 2015) leiros que não têm terras. Garcia, em pé, mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de c) a promoção de uma conquista da educação que tenha como base a balanço, olhava para o teto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um propriedade fundiária. trabalho de tricô. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada. d) a descoberta de que a luta pela posse da terra pressupõe também a Nem mesmo o pio de um pássaro quebrava o silêncio. Tinham falado do conquista da educação. tempo, que naquele dia estivera excelente; de Catumbi, onde morava o casal Fortunato; de uma casa de saúde, que adiante se explicará. 142 GE PORTUGUÊS 2018 Tinham falado também de outra coisa, tão feia e grave que não lhes deixou muito gosto para tratar do jantar. Agora mesmo, os dedos de Maria Luísa parecem ainda trêmulos. No rosto de Garcia, vê-se uma RESPOSTAS expressão de severidade. 1. A função metalinguística da linguagem é aquela que usa o código (no ASSIS, Machado de. Conto A Causa Secreta, parágrafo adaptado. Assinale a alternativa que apresenta o uso da conotação: caso, a linguagem) como assunto ou explicação para o próprio código. O a) Fortunato, na cadeira de balanço, olhava para o teto trecho destacado na questão trata sobre as funções de um texto e sobre b) Nem mesmo o pio de um pássaro quebrava o silêncio o ato da leitura. Ou seja, é um texto (que precisa ser lido e compreendido) c) No rosto de Garcia, vê-se uma expressão de severidade observando exatamente a reflexão sobre o ato da leitura. d) Garcia, em pé, mirava e estalava as unhas Resposta: D e) Os dedos de Maria Luísa parecem ainda trêmulos 40. (UERJ 2017)  2. Nessa propaganda da SOS Mata Atlântica, a linguagem verbal é re- Texto para a próxima questão: presentada pelo texto “Quer continuar a respirar? Comece a preservar” e Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. De fato, se a não verbal, exercida pela imagem de duas árvores formando um pulmão desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado humano. A relação entre elas é essencial para que o público identifique é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percep- uma relação de causa (preservação da natureza, já que os pulmões são ção enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três formados por árvores) e consequência (continuar respirando). mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a Resposta: C globalização como fábula. O segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade. E o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização. 3. É possível identificar, por meio de pequenas pistas ao longo do texto, Este mundo globalizado, visto como fábula, constrói como verdade um que o alvo do sermão do Padre Antônio Vieira são os governantes e figuras certo número de fantasias. Fala-se, por exemplo, em aldeia global para públicas. Logo no primeiro parágrafo, entre as pessoas cuja atenção ele fazer crer que a difusão instantânea de notícias realmente informa as chama, há a inclusão de príncipes e ministros. Mais à frente, ele conduz seu pessoas. A partir desse mito e do encurtamento das distâncias – para discurso em direção a “exemplos mais públicos”. A partir desse momento, aqueles que realmente podem viajar – também se difunde a noção de passa a elucidar os caminhos pelos quais é possível perder o domínio de tempo e espaço contraídos. É como se o mundo houvesse se tornado, um Estado ou de um reino. Para completar, no final, ainda afirma: “tão para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é delicadas como isto hão de ser as consciências dos que governam”. apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na ver- Resposta: D dade, as diferenças locais são aprofundadas. O mundo se torna menos unido, tornando também mais distante o sonho de uma cidadania de fato universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. 4. Este sermão apresenta um teor crítico com relação à negligência dos Na verdade, para a maior parte da humanidade, a globalização está se governantes. O narrador, ao notar a falta de uma ação mais efetiva desse impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente grupo, usa seu discurso para argumentar e para cobrar essa atitude. O torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em trecho do texto em que esta ideia fica mais explícita é: “Pelo que fizeram, qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se hão de condenar muitos, pelo que não fizeram, todos”. se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades se instalam Resposta: B e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. Todavia, podemos pensar na construção de um outro mundo, mediante uma globalização mais humana. As bases materiais do período atual são, 5. O paradoxo ocorre quando há duas ideias contraditórias relativas a um entre outras, a unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o mesmo referente. A única alternativa que expressa essa contradição é “a omis- conhecimento do planeta. É nessas bases técnicas que o grande capital são é um pecado que se faz não fazendo”. O paradoxo estaria em “se faz não se apoia para construir a globalização perversa de que falamos acima. fazendo”. No entanto, “omissão” significa não mostrar ou não fazer algo, o que Mas essas mesmas bases técnicas poderão servir a outros objetivos, se resolveria o paradoxo (por isso a expressão “aparente paradoxo” no enunciado). forem postas a serviço de outros fundamentos sociais e políticos. Resposta: E MILTON SANTOS Adaptado de Por uma Outra Globalização: do Pensamento Único à Consciência Universal. Rio de Janeiro: Record, 2004. 6. Proveniente do período do Trovadorismo, o poema Ondas do Mar de Na verdade, para a maior parte da humanidade, a globalização está se Vigo é uma cantiga de amigo e, neste tipo de composição, o eu lírico (sujeito impondo como uma fábrica de perversidades. que expressa os sentimentos do autor) é sempre feminino (uma mulher). No terceiro parágrafo, as frases posteriores ao trecho citado desenvol- Ela costuma versar sobre os seus sofrimentos com relação a um “amigo” vem a argumentação do autor por meio da apresentação de: que, na verdade, é seu amado. No verso “por amar amigu’e non o ver!” esta a) hipóteses característica fica bem evidente, por causa da interlocução entre o eu lírico b) evidências feminino e o amado masculino. Entre as alternativas incorretas, o primeiro c) digressões excerto (a) é uma cantiga satírica, enquanto o restante são cantigas de amor. d) discordâncias Resposta: E GE PORTUGUÊS 2018 143 SIMULADO 7. Vamos analisar cada uma das afirmações. 10. No texto destacado, “cores saturadas” e “supressão do espaço I – A afirmação está correta, porque o romance Iracema, que pertence ao profundo” são características que só aparecem no quadro de Andy Wa- Romantismo, mais especificamente ao Indianismo, mostra uma imagem rhol, um dos expoentes da Pop Art dos anos 1960. Além disso, o final do poética, exótica e idealizada dos primeiros habitantes do Brasil. Há uma fragmento ainda oferece mais uma dica: o trecho “manufaturadas para valorização dos elementos locais (os índios e a natureza do país) para a consumo de massa” faz referência à cultura pop, que tem como um dos formação de uma identidade nacional. ícones o cantor Elvis Presley. II – Originalmente, o plano de José de Alencar era escrever Iracema na Resposta: A forma de um poema. A obra tornou-se um romance (uma prosa poética), mas tanto o ritmo como suas propriedades musicais e poéticas permane- ceram muito similares às das poesias. Portanto, esta opção é verdadeira. 11. Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra que pertence ao III – Apesar de mostrar o índio como “bom selvagem”, a afirmação está realismo brasileiro, portanto, contém algumas características típicas dessa errada. Iracema não pode ser definido como um romance histórico, que escola literária. Negando os atributos do seu antecessor, o Romantismo, o reproduz o enredo das narrativas de capa e espada (isso se refere mais movimento apresenta o abandono das idealizações românticas, faz uso de ao romance O Guarani, também de José de Alencar). Trata-se mais de um técnicas pouco usuais de narrativa e costuma tratar, muitas vezes de forma romance que mistura mito (da fundação da identidade brasileira) e história implícita, da realidade e das contradições sociais da época. Nas outras de amor (entre o colonizador e a índia brasileira). alternativas, há informações que não são representativas do Realismo Resposta: C (distanciamento do determinismo científico) ou que não estão presentes na obra (narrativa linear e crítica ao realismo literário). Resposta: C 8. O pronome “o” é caracterizado por ser pessoal e oblíquo, comple- mento de um verbo transitivo direto. A frase “O motorista está convicto de que os próprios passageiros o implicaram no acidente” é a única em 12. A única alternativa que não apresenta um exemplo de ironia que o pronome oblíquo “o” funciona como objeto direto, complemento de é a que conta com a expressão “paixãozinha”. Apesar do emprego do um verbo transitivo direto (implicar). Nas demais alternativas. solicita-se o diminutivo – recurso que costuma ser associado à ironia –, a palavra foi emprego do pronome oblíquo “lhe” ou do pessoal preposicionado “a ela”, empregada no sentido de indicar algo sem importância, ou seja, uma complementos de verbos transitivos indiretos. paixão passageira, pequena. Veja como ficariam as frases corretas: Resposta: E a) O garoto aguardava uma proposta que lhe permitisse ficar em casa se divertindo. b) Depois de assistir a algumas competições de surfe, o garoto aderiu a 13. A palavra “cachorro” carrega dois sentidos diferentes no poema de elas definitivamente. Belmiro Braga. No terceiro verso, aparece de forma figurada, ou seja, como d) Antes da viagem, o grupo fez uma oração pedindo que nada de mal uma metáfora, sugerindo que o eu lírico encontrou pessoas de má índole lhe acontecesse. entre seus amigos. Já no quarto verso refere-se efetivamente ao animal, no e) O técnico não tolerará que os jogadores lhe respondam quando forem sentido literal. Esse recurso linguístico é chamado de polissemia e acontece advertidos. quando um mesmo termo expressa diversos significados. Resposta: C Resposta: D 9. A opção correta é a b, pois o verbo aludir pede a preposição “a”: “... 14. No poema, várias expressões e passagens nos mostram o sofrimento a que aludem alguns pescadores, seria um dos fatores para a diminuição vivido pelo “ser humilde entre os humildes seres” que, provavelmente, deve dos peixes”. ter sofrido discriminação: “o mundo para ti foi negro e duro”, “o coração Nas demais opções, há erro em relação ao emprego da preposição: te apunhalou no mundo” e “sei que cruz infernal prendeu-te os braços”. a) O verbo acreditar solicita a preposição “em” e não “de”: O parecer, em A denúncia em relação à discriminação racial é característica de alguns que acreditam muitos pesquisadores, aponta que uma associação de poemas do poeta negro simbolista Cruz e Sousa. causas é a responsável pelas alterações ambientais. Resposta: A c) O bagre apresenta grande valor nos estados (em+o; a frase pede um adjunto adverbial de lugar). Assim, deve-se empregar a preposição “em”: Os estados do Pará, Amapá, Amazonas e Rondônia são aqueles em que 15. O texto pode ser identificado com um discurso dissertativo argu- o bagre apresenta grande valor comercial. mentativo. Isso porque o seu autor apresenta argumentos (exemplos e fatos) d) O verbo interferir, transitivo indireto, solicita a preposição “em” (quem para defender sua opinião (tese) – a violência urbana provoca insegurança interfere, interfere em algo): A relação entre peixes e hábitat, em que e isolamento nas grandes cidades. interferem os ciclos de cheias e vazantes, caracteriza a dinâmica hidro- Resposta: A lógica da região. e) O verbo chegar pede a preposição “a” (adjunto adverbial de lugar, “che- gar a algum lugar”): As regiões, a que esses peixes chegam durante a 16. Após a leitura tanto do título, como do texto, fica claro que se trata migração, são as mais elevadas dos países vizinhos. de um relato jornalístico – uma notícia. As informações são objetivas, com Resposta: B o propósito de descrever de modo neutro o que ocorreu. Percebemos 144 GE PORTUGUÊS 2018 o predomínio da função referencial da linguagem, caracterizada por dar 23. A alternativa que contém as palavras “tarvez” e “sorto” é a única prioridade à emissão de uma informação ou mensagem, focando no en- que apresenta termos em que a variação linguística regional acontece da tendimento adequado do leitor. mesma forma. Nas duas palavras ocorre a troca da letra “L” pelo “R” (as Resposta: B grafias na norma-padrão seriam “talvez” e “solto”). Esse tipo de variante é uma marca linguística regional bastante forte em certos locais do Brasil. Resposta: B 17. A apologia e a euforia com relação à máquina, ao automóvel e à velocidade são características do Futurismo, movimento artístico e literário que surgiu no início do século XX, com a publicação do Manifesto Futurista, 24. Nesse cartaz, elementos verbais e não verbais foram empregados do poeta italiano Filippo Marinetti. Essa vanguarda artística, além de exaltar com o intuito de passar uma mensagem e influenciar o comportamento tudo o que tinha a ver com o progresso e o mundo moderno, também rece- do motorista, em relação ao uso de celulares, no trânsito de grandes cida- beu forte influência da segunda etapa da Revolução Industrial – marcada, des. A imagem fortalece o argumento apresentado no texto e ainda serve entre outras coisas, pela criação da linha de montagem. como um exemplo concreto do que o anúncio diz (“Se você não percebeu Resposta: B a criança aqui, imagine no trânsito”). O texto também é um exemplo da função apelativa da linguagem, que busca convencer as pessoas a agirem de determinada maneira (em que é comum o uso de verbos no imperativo, 18. Na frase “um automóvel é mais belo que a Vitória de Samotrácia” há como “imagine”). a presença de todas as figuras de linguagem destacadas nas alternativas, Resposta: D com exceção do eufemismo. Esse recurso é caracterizado por suavizar o sentido de uma frase, para deixá-la mais agradável, o que não ocorre na afirmação de Filippo Marinetti (ao, contrário, há exagero e não suavidade). 25. A expressão carpe diem, usada pelo poeta romano Horácio e retomada Resposta: A pelos poetas do Arcadismo (1768-1836), valoriza o momento presente e afirma que a vida deve ser aproveitada ao máximo. Nessa poesia de Fernando Pessoa, o trecho que mais expressa essa ideia é o que afirma: “tão cedo passa tudo 19. Ao longo do fragmento, a autora descreve e destaca vários pe- quanto passa!” e “circunda-te de rosas, ama, bebe e cala”. Em suas obras, quenos detalhes que indicam a idade avançada da personagem (“A velha Fernando Pessoa fazia uso de vários heterônimos (personalidades artísticas bem vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura com estilo próprio). A autoria desses versos é do heterônimo Ricardo Reis, de um nariz perdido na idade...” e “uma velha não pode comunicar-se”). cuja poética se aproxima dos ideais da Antiguidade Clássica. Trata-se de um episódio que se refere ao processo de envelhecimento Resposta: D e também à solidão, como sua consequência (ela surpreende-se com o contato repentino de outra pessoa, que estaria preocupada com ela). Isso fica explícito na passagem: “– A senhora deseja trocar de lugar comigo?” 26. Ao analisar as três afirmações, temos: Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza (...). I – Correta. Porque a utilização de temas do cotidiano e da realidade brasi- Resposta: E leira é própria do movimento Modernista, justamente para agir em oposição aos temas nobres e a linguagem rebuscada, típicos da estética que vigorava até então, o Parnasianismo. 20. O enunciado da questão pede a análise do vocábulo de acordo II – Correta. O uso da realidade externa também é uma característica do com a norma culta da língua. Desta forma, a única alternativa que aten- Modernismo e pode ser rapidamente identificada no título do poema: de a essa condição é a que se refere à derivação sufixal. Esse processo é “tirado de uma notícia de jornal”. caracterizado pelo acréscimo de um sufixo após o radical, que é a parte III – Correta. O poema alude a um texto jornalístico e a um poema. Essa fixa e significativa da palavra. Assim, o substantivo “coisa” transforma-se ruptura das fronteiras entre os gêneros literários tradicionais é bastante no verbo “coisar”. comum na literatura modernista. Resposta: B Resposta: D 21. Em todas as alternativas, a vírgula foi usada corretamente, exceto 27. Estão incorretas apenas as afirmações I e VI. A afirmação I é incor- em “A sociedade é uma mãe terrível, a vida um corredor estreito, o tempo reta, pois a ideia principal da tirinha não é a criação de novas palavras, mas um perseguidor implacável (...)”. A alteração de pontuação para marcar a o caráter de exclusão social que a língua pode adquirir. Isso fica evidente elipse seria: “A sociedade é uma mãe terrível; a vida, um corredor estreito; no trecho do segundo quadrinho, que diz: “Quando a gente dá novos sig- o tempo, um perseguidor implacável (...)”. nificados às palavras, o nosso velho idioma se transforma em um código Resposta: B excludente”. Ou seja, as pessoas que não dominam determinado vocabulário podem ser excluídas socialmente – de uma conversa, por exemplo. A afir- mação VI também é incorreta, porque as palavras “fiambre” e “lubrificado” 22. Os verbos “crescia”, “elevava-se”, “desapareciam”, “sobrenadava” são gírias criadas por Calvin (ele lhes atribuiu significados diferentes do estão no pretérito imperfeito do modo indicativo, tempo verbal que indica que elas originalmente significam). Apenas as expressões “joia”, “maneiro” ações passadas (habituais, contínuas ou não totalmente concluídas). e “demorô” são expressões típicas de uma geração. Resposta: C Resposta: C GE PORTUGUÊS 2018 145 SIMULADO 28. Uma sentença é ambígua quando apresenta mais de um sentido charge, para alavancar suas vendas, a indústria farmacêutica investe em possível. Em “Ex-presidente recorreu ao Comitê da ONU acusando o juiz campanhas que amedrontam os consumidores ou sugere que eles podem de violar seus direitos”, o pronome possessivo “seus” confere à frase um resolver qualquer tipo de problema com medicamentos. sentido ambíguo, uma vez que pode se referir tanto ao “ex-presidente”, Resposta: D como ao “comitê da ONU” ou, ainda, ao “juiz”. Resposta: A 35. A letra da música “Até quando?” é marcada pela linguagem colo- quial. Os raps, de modo geral, apresentam um estilo muito próximo das 29. A palavra “sambódromo”, que nomeia o local onde ocorrem os situações cotidianas de comunicação. Há exemplos típicos da linguagem desfiles das escolas de samba, é um exemplo de neologismo – o processo informal, como marcas da oralidade (olhar “pro” céu, “levanta aí”) e gírias de criação de uma nova palavra, que evidencia o dinamismo de uma língua. (“se liga aí” e “te botaram numa cruz”). Resposta: A Resposta: D 30. A coesão é o mecanismo que articula os elementos linguísticos 36. A alternativa mais adequada é aquela que interpreta o texto de (palavras e frases) no texto. A coerência permite a organização das ideias acordo com a oposição entre as ciências exatas (no texto, representadas no texto, de modo que ele faça sentido. Para resolver essa questão, você pelos estudos de eletricidade) e as humanas (fenômenos políticos). A precisaria fazer diferentes tentativas de ordenar as informações. A ordem primeira trata de coisas objetivas e é regida pela lógica científica e pela dos parágrafos seria a seguinte: terceiro, primeiro, quinto, segundo e quarto. precisão, não havendo margem para a dúvida. Já a segunda é dialética, Resposta: C tem caráter subjetivo e oferece várias interpretações diferentes para um mesmo fenômeno. Resposta: E 31. As fábulas são um gênero textual de caráter lúdico, simbólico e educativo, que almejam passar um ensinamento. Por isso, sempre têm uma moral, uma mensagem. No caso do texto em destaque, a lição é com 37. O “arame da nossa ignorância” é uma metáfora para o obstáculo relação à hipocrisia daqueles que dizem uma coisa e agem de modo dife- que representa a ignorância, que só pode ser superada pela educação. rente do que falam. Ou que agem de uma maneira que parece bondosa, mas Segundo o texto, não adianta apenas cortar o arame farpado do latifúndio. que se revelam egoístas, uma vez que visam apenas o benefício próprio. É preciso educação para superar “o arame da nossa ignorância”. Resposta: B Resposta: D 32. A oração destacada exprime relação de causa. Isso acontece devido 38. A intertextualidade ocorre quando um texto dialoga com outro, à conjunção “como”, que expressa uma ideia de causalidade em relação à por exemplo, quando ocorre uma apropriação de um discurso por outro. frase seguinte. A primeira parte da passagem (“eles não prestaram atenção Neste caso, é utilizada uma propaganda em forma de paródia – ao inverter nos seus gestos”) precisou acontecer para que, só então, a situação da o sentido do texto original, ela faz uma transposição de contexto e provoca segunda parte (“deram crédito às suas palavras”) pudesse ocorrer também. um efeito de humor. Mas para entender efetivamente o cartaz e a paródia, Note que toda relação de causa implica consequência, mas o período em o leitor teria que conhecer o filme O Diabo Veste Prada e estabelecer uma destaque sinaliza apenas para causa. ligação entre a obra original e a peça publicitária. Resposta: A Resposta: C 33. No discurso direto, procura-se reproduzir exatamente as palavras 39. A conotação acontece quando uma palavra é usada em seu sentido de outra pessoa ou a fala do personagem, separando-as da fala do narrador figurado. Nesta questão, a única alternativa que exibe o uso da conotação por dois pontos, travessão e/ou aspas. Os trechos destacados ao serem é a que apresenta a expressão “quebrava o silêncio”, uma vez que o silêncio transpostos para o discurso direto ficariam da seguinte maneira: “Ele su- não pode ser efetivamente “quebrado”. A expressão, neste caso, ganha o geriu: – Entre em minha cabana!” e “vieram os caçadores e perguntaram sentido de “interrompia”. ao lenhador: – Você viu uma raposa?” Resposta: B Resposta: D 40. No terceiro parágrafo, as frases posteriores ao trecho citado eviden- 34. Utilizando as informações contidas tanto no texto (“Hoje, vender ciam o que foi afirmado pelo autor, que “a globalização está se impondo sintomas para os sugestionáveis tem sido uma mina de ouro para as grandes como uma fábrica de perversidades”: “O desemprego crescente torna-se transnacionais farmacêuticas, desde que começaram a fazer propaganda crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de direta ao consumidor...”) como na imagem (um homem comprando re- vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam médios em uma farmácia livremente, como estivesse escolhendo doces), em todos os continentes. Novas enfermidades se instalam e velhas doenças, o leitor chega à conclusão de que a indústria farmacêutica se utiliza de supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal”.   publicidade questionável para aumentar seus lucros. Segundo o texto e a Resposta: B 146 GE PORTUGUÊS 2018
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