Revista Os PuRitanOs 2•2009EDITORIAL Manoel Canuto mos retomar aos caminhos antigos. Devemos, uma vez mais, recuperar a centralidade e a capacidade de penetração da pregação bíblica. É preciso um re- torno decisivo à pregação direcionada pela Palavra, que exalta a Deus, que é centrada em Cristo e forta- lecida pelo Espírito. Precisamos desesperadamente de uma nova geração de expositores, homens da mesma estirpe de Calvino. Pastores marcados pelo entusiasmo, pela humildade e bondade devem nova- mente “pregar a Palavra”. Em resumo, precisamos de outros Calvinos para subir aos púlpitos e proclamar, cheios de coragem e piedade, a Palavra de Deus. Charles H. Spurgeon deve ter a última palavra aqui. Este grande homem testemunhou, de primeira mão, a decadência da pregação dinâmica e publicou o se- guinte apelo: Queremos outros Luteros, Calvinos, Bunyans, Whitefelds, ho- mens preparados para marcar eras, cujos nomes inspiram ter- ror aos ouvidos de nossos inimigos. Necessitamos deles deses- peradamente. De onde eles virão para nós? Eles são presentes de Jesus Cristo para a igreja, e virão em tempo oportuno. Jesus tem poder de nos trazer de volta a era de ouro dos pregadores, e quando a boa e antiga verdade for mais uma vez pregada por homens cujos lábios foram tocados como por uma brasa viva tirada do altar, isto será o instrumento na mão do Espírito para realizar um grande avivamento da religião em toda a terra... Eu não busco outro meio de converter os homens além da simples pregação do evangelho e do abrir de seus ouvidos para que o ouçam. No momento em que a igreja de Deus desprezar o púl- pito, Deus desprezará a igreja. É por meio deste ministério que o Senhor se agrada em despertar e abençoar sua Igreja. Que a sincera oração de Spur- geon seja respondida mais uma vez hoje. Queremos mais Calvinos. Precisamos ter ou- tros Calvinos. E, pela graça de Deus, os veremos surgir no- vamente nesta época. Que o cabeça da igreja nos dê mais uma vez um exército de expo- sitores da Bíblia, homens de Deus dispostos a uma nova reforma. Soli Deo Gloria. Extraído do maravilhoso livro A Arte Expositiva de João Calvino, do Dr. Steven J. Lawson, Editora FIEL REVISTA OS PURITANOS Ano XVII - Número 2 - 2009 Editor Manoel Canuto
[email protected] Conselho Editorial Josafá Vasconcelos e Manoel Canuto Revisores Manoel Canuto; Linda Oliveira; Tradutores Linda Oliveira; Marcos Vasconcelos, Márcio Dória, Josafá Vasconcelos Projeto Gráfico e Capa Heraldo F. de Almeida Impressão Facioli Gráfica e Editora Ltda. Fone: 11- 6957-5111 São Paulo-SP OS PURITANOS é uma publicação trimestral da CLIRE — Centro de Literatura Reformada R. São João, 473 - São José, Recife-PE, CEP 52020-120 Fone/Fax: (81) 3223-3642 E-mail:
[email protected] DIRETORIA CLIRE: Ademir Silva, Adriano Gama, Waldemir Magalhães. “E ntre todos os nascidos de mulher, não houve ninguém maior do que João Calvino; nenhu- ma época anterior à dele jamais produziu al- guém igual a ele, e nenhuma época depois dele viu um concorrente seu” ― Charles Haddon Spurgeon Vivi duas épocas diferentes. Uma, onde pouco se fa- lava sobre Calvinismo e pouco se sabia de Calvino. Isso é estranho para quem nasceu em um lar Presbi- teriano. Mais estranho, porém, é quando não se sabe que o Presbiterianismo é herança Calvinista. E mais estranho ainda é se viver no Presbiterianismo e não se conhecer e não se vivenciar a prática Reformada. Outra época vejo surgir agora, onde presbiterianos, batistas, congregacionais e até pentecostais come- çam a rever suas práticas cúlticas, suas pregações, seus ensinos, sua literatura e corar de vergonha. Isso é bom! É uma época de esperança. Calvino nos deixou um legado que temos de transmitir à nossa geração, aos nossos flhos e netos. Conferências, palestras e estudos são feitos sobre a necessidade de nova re- forma em nossas igrejas. Ainda estamos acanhados, sem muita coragem para sofrer, para pagar o custo de uma mudança. Muitos estão em confito consigo mesmo, com suas igrejas e com Deus ― Isso é bom! É um bom sinal de que Deus está incomodando seu povo e falando aos seus ouvidos. Nossa conclusão é: queremos mais reformadores, queremos mais Cal- vinos. Este editorial é a conclusão do livro de um grande erudito batista, Dr. Steven Lawson, que não se envergonha de se dizer Calvinista como eram cal- vinistas os batistas que colonizaram a América do Norte. Eis o que ele escreveu: Estamos agora no século vinte e um, quase quinhentos anos distantes do tempo de João Calvino, mas nos encontramos num momento igualmente crítico na história da redenção. Da mesma maneira como a igreja organizada estava espiritual- mente arruinada no início dos dias de Calvino, assim também acontece em nossa época. Certamente, a julgar pela aparência, a igreja evangélica neste momento parece estar forescendo. Igrejas enormes estão surgindo em todos os lugares. A música cristã e as editoras contemporâneas parecem aumentar com muita rapidez. Reuniões de homens lotam grandes estádios. Ouve-se que há grupos de políticos cristãos em todas as cama- das governamentais. Contudo, a igreja evangélica é, em grande medida, um sepulcro caiado. Tragicamente, sua fachada disfar- ça sua verdadeira condição interna. O que devemos fazer? Devemos fazer o que Calvino e os reformadores fzeram há tanto tempo. Não exis- tem remédios novos para problemas velhos. Deve- Queremos mais Calvinos Revista Os PuRitanOs 2•2009 Calvino — Vivendo para a Glória de Deus Por Dr. Joel Beeke oão Calvino (Jean Cauvin) era tão “auto ― eclip- sado” que escreveu sobre si mesmo apenas três vezes em seus trabalhos: em Resposta a Sado- leto (1539), o prefácio dos seus Comentário sobre os Salmos (1557) e em seu leito de morte aos seus colegas ministros de Genebra (28 de abril de 1564), o que foi registrado por Jean Pinant. Após a morte de Calvino em 27 de maio de 1564, amigos descobriram que Calvino havia dado ordens para ser enterrado sem uma lápide. 1 Quatro dias após a sua morte, o Geneva Register escreveu simplesmente: (“Calvino foi levado a Deus em 27 de Maio do corren- te ano”). Expressando este anseio por obscuridade foi o desejo sincero de Calvino que apenas Deus fosse glorifcado. Examinando a vida e o ministério de Cal- vino, podemos permanecer féis a este motivo impul- sor de Calvino de promover somente a Deus. Anos Iniciais Calvino Nasceu em 10 de Julho de 1509, em Noyon, Picardia, no nordeste da frança, de Gerard (falecido em 1531). Teodore Beza (1519-65), o biógrafo mais antigo de Calvino, descreve os pais de Calvino como “amplamente respeitáveis e em circunstâncias con- fortáveis“. 2 O pai de Calvino esperava que ele fosse estudar para o ministério. Assim, em 1520 ou 1521, o jovem Calvino foi enviado à Paris preparar-se para o ministério. Cerca de cinco anos mais tarde, o pai de Calvino percebeu que se podia fazer mais dinheiro na juris- prudência do que no ministério, assim enviou seu f- lho para Orleans para estudar direito. Esta mudança rápida e dramática é digna de nota por duas razões. Primeiro, o treinamento legal de Calvino incentivou nele qualidades mentais ― clareza, precisão e caute- la ― que mais tarde muito bem lhe serviriam como comentador bíblico e teólogo. Segundo, foi na Uni- versidade de Orleans onde Calvino primeiro entrou em contato com a verdade da reforma. Um dos seus tutores foi Melchior Wolmar (1497-1560), um evan- gélico, que começou ensinando o grego a Calvino e pode bem ter partilhado sua fé com ele. Aprender grego foi um passo importante, pois abriria maiores riquezas do Novo Testamento para Calvino. Conversão A data da conversão de Calvino é grandemente con- trovertida entre os eruditos da reforma. A maioria dos eruditos a situam em 1533 ou no início de 1534. J. H. L. Parker, contudo, argumenta com uma data an- terior, 1529-1530 3 , como fazem alguns eruditos re- centes, incluindo James I. Packer. Embora preframos a data tradicional, mais importante para os nossos propósitos é o relato de Calvino da sua conversão. Isto é o que ele escreve em seu prefácio ao seu Co- mentário sobre os Salmos (1557): A esta busca [do estudo do direito] eu diligencio fel- mente me aplicar em obediência ao desejo do meu pai; Deus, porém, pela secreta direção da sua providência, fnalmente deu uma direção diferente ao meu caminho. A princípio, desde que eu estava muito obstinadamente devotado às superstições do papado para ser facilmente desenredado de tão profundo abismo de lama, Deus por uma conversão súbita, subjugou e trouxe minha mente a um plano dócil, que era mais endurecido em tais as- suntos do que se podia esperar de mim no meu período inicial de vida. Tendo assim recebido algum gosto e co- nhecimento da verdadeira piedade, fquei imediatamen- te infamado com um desejo tão intenso de progredir nesse particular que embora deixasse os outros estudos totalmente, eu contudo os seguia com menos ardor. 4 Veja no quadro a seguir cinco aspectos importan- tes deste breve, contudo o mais longo, relato do pró- prio escrito de Calvino sobre sua conversão deveriam ser notados. “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para glória de Deus.” (Co 10:31). J Revista Os PuRitanOs 2•2009 Antes da conversão, Calvino diz que era “obstinadamente devotado às superstições do papado” e se compara a um homem afundado em um charco, para quem o resgate é possível apenas por intermédio de uma outra mão. Ele foi introduzido na superstição papal numa idade jovem. Sua mãe levava seu flho em peregrinação a santuários e altares para ver relíquias e rogar a Deus e aos santos. 5 Calvino sentia- se tão afundado neste charco de superstição que somente Deus poderia libertá-lo. Alguns letrados pintam Calvino como frio e insensível. Mas este relato da sua conversão revela uma natureza extraordinariamente ardente. Como disse James A. de Jong, tudo que se tem a fazer é examinar as orações de Calvino para encontrar “um crente praticante de considerável... fervor”. 8 A conversão de Calvino foi nada menos que um compromisso sincero, sem re- servas com o Deus vivo. Este ardente compromisso está evidente em sua marca, ou selo, que mostra um coração sobre uma mão aberta, com o lema em- baixo: “Meu coração eu te dou, Senhor, ardente e sinceramente”. Calvino Vem para Genebra Em menos de um ano, as pessoas come- çaram a reunir-se com Calvino para se- rem ensinados na doutrina pura. Ensinar a fé evangélica era perigoso na França, e Calvino foi logo forçado a fugir por cau- sa da perseguição. Ele foi para Basel em Janeiro de 1535 onde o velho Erasmus (1466/1469-1536); Heinrich Bullinger (1504-1575), amigo e sucessor de Hul- dreich Zuringli (1484-1531) em Zurich; Guillaume Farel (1489-1565) e Pierre Olivétain estavam residindo. Enquanto ali, Calvino começou trabalhando nas Institutas da Religião Cristã, que mais tarde se tornariam uma obra clássica da Teologia Reformada. Depois de mais ou menos um ano em Basel, Calvino foi para a Itália. Ele se estabeleceu em Fer- rara onde esperava trabalhar como se- cretário da princesa Renée, cunhada de Francisco I, Rei de França. Calvino que- ria viver lá permanentemente como um obscuro literato, mas isto não funcionou, tendo ele retornado à França. Calvino permaneceu ali apenas seis meses por- que não pode concordar com as condi- ções do edito de Lyons (31 de Maio de 1536), que “permitia aos heréticos vive- rem no reino sob a condição de que es- tariam reconciliados com Roma dentro de seis meses”. 9 Calvino planejou ir para Estras- burgo a fm de ganhar algum apoio de Martin Bucer (1491-1551), o Re- formador Alemão, e conseguir para si próprio a vida calma de um literato em “algum canto obscuro”, mas a via principal estava fechada. Desse modo ele tomou um roteiro diferente através de Genebra, tencionando passar uma noite ali. Não muito antes da chegada de Cal- vino, Genebra (pop. Cerca de 15.000) declarou-se pró-reforma, grandemente devido à veemente pregação de Guillau- me Farrel, um incansável evangelista, e Pierre Viret (1511-1571). Calvino des- creve a condição de Genebra em seu prefácio ao seu Commentary on the Psalms: “O papismo fora expulso de [Genebra] pela diligência de... [Guillau- me Farel], e Peter Viret. Todavia, a si- tuação ainda não estava apaziguada e a cidade se encontrava dividida em facções perigosas e hereges”. 10 Farel descobriu que Calvino estava na cidade e foi vê-lo. Ele conheceu Cal- vino pela leitura das Institutas (1536) 11 . Ele compreendeu que Calvino era exa- tamente o tipo de homem para ajudá-lo em Genebra, especialmente desde que Farel era mais um pioneiro evangelista do que pastor e professor. Ele pediu a Calvino para fcar em Genebra e ajudá- lo. Calvino foi infexível sobre sua ida para Estrasburgo. Farel insistiu e Cal- vino mais tarde escreveu: “Percebendo que nada ganhava com os rogos, (Farel) prosseguiu emitindo uma imprecação em que Deus amaldiçoaria o meu afas- tamento e a tranquilidade dos estudos que eu buscava, se eu me retirasse e recusasse dar assistência”. Calvino foi atacado pelo terror, sentindo “como se Deus, lá dos céus, pousasse a sua pode- rosa mão sobre mim para me chamar a atenção”. 12 Assim Calvino permaneceu em Genebra. JOel Beeke 1 Cinco aspectos importantes do relato de Calvino sobre sua conversão Calvino atribui seu salvamento unicamente a Deus e não menciona quaisquer meios humanos usados por Deus para tra- zê-lo à fé. Nada diz de Wolmar; ou seu primo, Pierre Olivétain (1506-1538), que traduziu o NT para o Francês; ou do antigo mártir protestante Étienne de La Forge, com quem hospedou-se em Paris. 6 Nem menciona trabalhos infuentes escritos por Reformado- res como Lutero (1483-1546). Esta ênfase sobre a absoluta soberania de Deus na salvação era típica de Calvino e dos Reformadores. 2 Revista Os PuRitanOs 2•2009 O comentário de Calvino sobre Mateus 8:19 capta a essência do seu encontro com Farel. Mateus conta so- bre um escriba que vem ao nosso Se- nhor Jesus e lhe diz que o seguiria onde quer que Ele fosse. Calvino escreve: Nós devemos ter em mente que ele era um escriba, que tinha se acostumado a uma vida calma e fácil, tinha usufruído honras e era mal preparado para suportar descré- dito, pobreza, perseguição e a cruz. Ele de- seja realmente seguir a Cristo mas, sonha com uma vida fácil e agradável e moradia cheia de todo conforto; considerando que os discípulos de Cristo deviam caminhar por entre espinhos e marchar para a cruz em meio a ininterruptas afições. Quanto mais ansioso está, menos preparado ele é. Ele parece como se desejasse lutar à sombra e à vontade, nem importunado pelo suor nem pela poeira e fora do al- cance das armas de guerra... Vamos, por isso, considerarmo-nos alertados, em sua pessoa, não para alardear levianamente e à vontade, que seremos discípulos de Cristo, enquanto não somos afetados por qualquer pensamento da cruz, ou de afi- ções; mas, ao contrário, cedo considerar que tipos de condições nos aguardam. A primeira lição que ele [i.e., Cristo] nos dá ao entrar na escola é negarmos a nós mes- mos, e tomar a sua cruz (Mt. 16:24). 13 Primeiro Ministério de Cal- vino em Genebra (1536-38) Durante seu primeiro ministério em Genebra, Calvino foi importunado por dissensões na cidade, especialmente por alguns Anabatistas. Ele também manteve relações bastante tensas com o conselho da cidade. Logo cedo Cal- vino concluiu que se Genebra devia tornar-se completamente Reformada, a igreja necessitava de uma confssão à qual todos os cidadãos de Genebra deveriam subscrever. Depois, também, um padrão de disciplina deveria ser introduzido de modo que todos não apenas abraçassem formalmente a fé protestante, mas tornar-se-iam mais disciplinados sob a Palavra de Deus. Calvino acreditava que a igreja preci- sava de autoridade para excomungar pessoas imorais a fm de que a pureza da igreja pudesse ser mantida. O Conselho da cidade estava pre- parado para ter uma confssão de fé comum, mas não estava tão desejoso de confar o poder de excomunhão aos pregadores. Eles temiam que um tão grande poder pudesse levar à inquie- tude civil; além disso, quem sabe o que poderiam fazer pregadores instáveis? Eles poderiam excomungar até mes- mo um conselheiro da cidade! Assim o Conselho insistiu que a última autori- dade para excomunhão deveria perma- necer sob seu próprio controle. Esta tensão entre a igreja e o go- verno foi exacerbada quando Calvino e seus colegas pregadores em Gene- bra tentaram encorajar uma vida mais disciplinada na cidade. Muitos gene- brinos ressentiram-se dessa invasão de estranhos ou “pregadores de fora”. Por volta de 1535, alguns oponentes da visão de igreja de Calvino haviam sido eleitos para o Conselho da cidade. Quando Calvino e Farel insistiram que certas pessoas precisavam ser exco- mungadas antes da páscoa de 1538, o Conselho da cidade renegou. Quando então os reformadores recusaram ad- ministrar a Ceia do Senhor a todos, o Conselho da cidade exilou Calvino e Farel de Genebra por insubordinação e isso foi menos de dois anos após sua chegada. Calvino recebeu a expulsão com mistas emoções. “Genebra está tão to- talmente ligada ao meu coração que eu daria alegremente a minha vida pelo seu bem-estar”, escreveu. Ao mesmo tempo, disse ele: “Seja feita a vontade do meu mestre. Se nós tivéssemos ser- vido a homens, teríamos sido mal re- compensados, mas nós servimos a um bom mestre que nos recompensará, mesmo na expulsão”. 14 Calvino em Estrasburgo (1538-41) Calvino desejava ir para Basel, mas ele considerou o convite urgente de Martin Buser para assumir a li- derança da congregação de refugia- dos protestantes de língua francesa, com cerca de quinhentas pessoas em Estrasburgo. Calvino viveu em Estrasburgo por três anos ― alguns dos anos mais felizes da sua vida. Ele pode livremente não apenas seguir seu longo e acariciado desejo de continuar sua carreira acadêmica Calvino diz que sua conversão foi “súbita”, que tirado do Latim súbita, pode signifcar “inesperada”. A conversão de Calvino não foi o resultado de seu próprio desejo ou intento. 7 Em verdade, Calvino era conhecido como resistente a mudanças. Mas Deus irrompeu na sua vida causando um dramático levante que mudou sua visão de Deus e levou-o a abraçar a doutrina evangélica. 3 Deus superou a obstinação natural de Calvino. Como diz ele, “Deus subjugou e trouxe minha mente a uma forma educável”. 4 Calvino foi tão “inspirado por um gosto da verdadeira religião” que perdeu o interesse pelo estudo das leis. Com relação ao seu pai, ele não desistiu do programa das leis, mas esse estudo tornou-se menos crítico do que seu alvo primário de progresso na verdadeira piedade. 5 CalvinO — vivendO PaRa a GlóRia de deus Revista Os PuRitanOs 2•2009 em Estrasburgo, mas sua experiência ali, sob a infuência de Buser, impactou- o de inúmeras maneiras. Primeiro, Bucer inspirou Calvino a ser um comentarista bíblico. Embora Calvino visse Bucer como um mentor de perspicácia e erudição agudas, ele sen- tia que as exposições bíblicas de Bucer eram muito persuasivas. Bucer infuen- ciou Calvino a começar sua carreira como um grande comentarista bíblico em Estrasburgo, o que foi algo em que Calvino muito excedeu ao seu mentor. Segundo, Calvino fcou impressiona- do pela ordem da igreja que Bucer es- tabeleceu em Estrasburgo. Bucer pro- moveu quatro ofícios: doutor/mestre, pastor, presbítero e diácono. Calvino mais tarde implementou esta estrutu- ra em Genebra como o modelo que ele reputou como o mais bíblico. Terceiro, impressionou-se com a or- dem de culto que Bucer introduziu na vida da igreja de Estrasburgo. Enquan- to em Estrasburgo, Calvino criou uma ordem de culto de acordo com a prá- tica local. Sua ordem de culto ulterior em Genebra apoiou-se pesadamente neste trabalho. Quarto, Calvino foi infuenciado pelo sistema escolar que Bucer e seu líder educacional, Johann Sturm (1507- 1589), estabeleceram em Estrasburgo. Calvino ensinou na nova academia de Sturm, que mais tarde serviu de mode- lo para a própria academia de Genebra de Calvino, para o treinamento de mi- nistros e jovens. Finalmente, Calvino foi impressiona- do por uma jovem viúva Anabatista de Estrasburgo, Idelette de Bure (c. 1499- 1549), a quem ele, mais tarde, despo- sou. Calvino foi tão impressionado por Idelette que disse uma vez que preferia antes viajar para a eternidade com os sapatos dela do que com os de ninguém mais no mundo. Os nove anos de casa- mento com Idelette, contudo, não foram sem nuvens. O único flho que lhes foi dado, Jacques, morreu pouco tempo do nascimento. Os católicos Romanos viram a incapacidade de Calvino de ter flhos como um ato de julgamento de Deus contra ele, mas, a resposta de Cal- vino foi que ele tinha miríades de flhos espirituais em todo o mundo, dos quais Roma era totalmente ignorante. Embo- ra Calvino herdasse dois flhos de Ide- lette, um flho e uma flha de um prévio matrimônio e tornara-se seu único pai sobrevivente após a morte dela, nada pode tomar o lugar da sua cônjuge. A morte de Idelette foi um pesado golpe. Calvino escreveu para um amigo: “Sou forçado a continuar, mas é difícil a cora- gem para fazê-lo”. 15 CONTINUA NO PRÓXIMO NÚMERO 1. G. R. Potter e M. Greengrass, John Calvin (New York: St Martin´s Press, 1983), 171. 2. The Life of John Calvin in The Banner of Truth, 227-228 (1982), 11. 3. T. H. L. Parker, John Calvin: A Biografhy (Philadelphia: West- minster Press, 1975, 1975), 22, 162-5. 4. Commentary of The Book of Psalms, trad. James Anderson (reimpresso Grand Rapids: Baker Book House, 1979), 1:xl-xli. 5. Ronald S. Wallace, Calvin, Geneve and the Reformation (Grand Rapids: Baker Book House, 1988), 2. 6.Wallace, Calvin, Geneve and the Reformation, 7. 7. Parker, João Calvino, 163. 8. Citado J. Nigel Westhead, “Calvino e o Conhecimento Ex- perimental de Deus” em Adornando a Doutrina: Trabalhos lidos na Conferência de Westminster em 1995 (Londres: A conferência de Westminster, 1995, 16. 9. Parker, John Calvin, 52. 10. Commentaru of The Book Psalms, 1: xlii. 11. Notavelmente, Calvino escreveu as Institutas com a ida- de de 26 anos, apenas poucos anos após sua conversão. A primeira edição consistiu de seis capítulos que cobriram a Lei (os dez mandamentos), um sumário de fé (Credo dos Apóstolos), oração (a Oração do Senhor), os sacramentos e liberdade Cristã e a responsabilidade. Ela foi imediatamente saudada pelos protestantes como uma realização maior na produção e apologia e uma introdução à fé protestante. A primeira edição foi apenas um quinto do tamanho da edi- ção fnal que apareceria em 1559, cinco anos antes da morte de Calvino. Ele continuou a trabalhar a maioria da sua vida expandindo e refnando seu clássico teológico. Cf. François Wendel, Calvin: Origins and Development of His Religious Thought, trans. Philip Mairet (Grand Rapids: Baker, 2002), 111- 49. 12. Prefácio ao Commentary on the Psalms, 1:xlii. 13.Comentário sobre uma Harmonia dos Evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas trans. William Pringle vol. 1 (reim- presso Grand Rapids: Baker Book House, 1979), 388. 14. Citado John T. Mc Neill, The History and Character of Calvi- nism (Oxford: Oxford University Press, 1954), 143. 15. Mc Neill, History and Caracter of Calvinism, 156-7. JOel Beeke Confssão de Fé de Westminster Capítulo II De Deus e da Santíssima Trindade I. Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infnito em seu ser e perfeições. Ele é um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões; é imutável, imenso, eterno, incompreensível, — onipotente, onisciente, santíssimo, com- pletamente livre e absoluto, fazendo tudo para a sua própria glória e segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável. É cheio de amor, é gracioso, misericordioso, longânimo, muito bondoso e verdadeiro remunerador dos que o buscam e, contudo, justíssimo e terrível em seus juizos, pois odeia todo o pecado; de modo algum terá por inocente o culpado. Ref. Deut. 6:4; I Cor. 8:4, 6; I Tess. 1:9; Jer. 10:10; Jó 11:79; Jó 26:14; João 6:24; I Tim. 1:17; Deut. 4:15-16; Luc. 24:39; At. 14:11, 15; Tiago 1:17; I Reis 8:27; Sal. 92:2; Sal. 145:3; Gen. 17:1; Rom. 16:27; Isa. 6:3; Sal. 115:3; Exo3:14; Ef. 1:11; Prov. 16:4; Rom. 11:36; Apoc. 4:11; I João 4:8; Exo. 36:6-7; Heb. 11:6; Nee. 9:32-33; Sal. 5:5-6; Naum 1:2-3. Revista Os PuRitanOs 2•2009 Thea B. Van Halsema oão Calvino, ainda buscando sossego para po- der estudar e escrever, viajava em direção à fronteira germânica e Rio Reno. Louis du Tillet o acompanhava a cavalo, levando consigo dois empregados, tendo deixado o seu trabalho e os seus livros encadernados de couro para estar com seu amigo. Os amigos cavalgavam para o nascente, direção a Metz, a trezentos e vinte quilômetros de Paris. O inverno frio os castigava com picante vento. Em cada pensão onde paravam, os viajantes imagina- vam a possibilidade de serem descobertos e entre- gues como hereges. Calvino viajava com mais dois companheiros: dor de cabeça e desarranjo estomacal. E como se isso tudo não bastasse, os amigos acor- daram certa manhã para descobrir que um dos em- pregados havia furtado a bolsa de dinheiro. O ladrão tinha fugido a cavalo, deixando-os sem vintém. Não podiam pedir dinheiro sem revelar as suas identida- des. O outro empregado, pessoa de melhor estirpe, emprestou-lhes o sufciente para que atravessassem a fronteira e chegassem a Strasbourg, onde Calvino tinha amigos entre os ministros Protestantes. O pas- tor Martin Bucer lá estava ajudando os refugiados franceses que fugiam da perseguição. Calvino tinha- lhe escrito em favor de um desses refugiados. Talvez não houvesse paz sufciente em Strasbourg, pois Calvino e du Tillet seguiram para o sul. Há uma história que conta que Calvino parou nesta viagem para visitar o sábio holandês Erasmus. Erasmus recu- perou para o mundo o Novo Testamento ao traduzi- lo novamente no grego. Mas este grande homem, que havia aberto o caminho para a Reforma, descobrira que “do ovo que botou, um pássaro completamente diferente havia sido chocado por Lutero e Zwínglio”. Erasmus recuara então da sua nova fé e fzera as pazes com o papa, o qual lhe oferecera um chapéu cardinalício pela sua mudança de coração. Seria lem- brado na história como um erudito humanista, ou- trora vinculado à Igreja de Roma. Quando Calvino o visitou, Erasmus estava velho, quarenta anos mais do que Calvino, e a poucos anos da morte. Teria recebi- do com indiferença o jovem líder francês que parara para visitá-lo? Em princípios de 1535, os amigos chegaram a Ba- sel a cavalo, o centro suíço de estudos e de publica- ções. Ali por mais de um ano, terminaram as suas pe- rambulações. Calvino tinha encontrado, fnalmente, o seu retiro. Alugou um quarto numa casa suburbana pertencente à Srª Catherine Klein, fechou a porta e pôs mãos à obra. Assumiu o nome de Martinius Lucanius, estranha- mente parecido com o de Lutero. Somente um punhado de pessoas conhecia a ver- dadeira identidade de Lucanius. Uma delas era Ni- colas Cop, o ex-reitor da Universidade de Paris, ago- ra residente em Basel. Cop não havia visto Calvino desde o dia em que havia sido avisado a caminho do palácio e Calvino tinha escorregado por uma corda de roupas de cama para esquivar-se dos beleguins à sua porta. Longe de Paris, aguardavam ambos com ansiedade as notícias das terríveis perseguições que ocorriam no seu torrão natal. As notícias não eram nada boas. Algum prisioneiro tímido, para poupar a sua vida, tinha indicado as ca- sas daqueles que participavam das reuniões secretas. O ódio tinha caído sobre eles, embora não tivessem afxado os audaciosos cartazes. De La Forge, aquele homem piedoso e generoso e cuja casa era um refú- gio para os crentes, tinha morrido na fogueira. Sua esposa estava na prisão. Calvino não podia imaginar a Casa do Pelicano sem esses queridos amigos. O sa- pateiro paralítico Milon tinha sido atirado na carroça que o levou à morte por lenta torrefação. Calvino o conhecia bem — o homem que não podia caminhar, mas cujo meio de vida era fazer sapatos para quem As Institutas — um Livro a um Rei “Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens,” (ITm2:1). J Revista Os PuRitanOs 2•2009 podia. Du Bourg, um rico negociante que havia estado nas reuniões secretas, estava morto também. E Poille da mes- ma forma, cuja língua tinha sido gram- peada à sua bochecha porquanto, ao ser levado ao pelourinho, não cessava de falar sobre o seu Salvador. Haveria muitos lugares vazios nas reuniões se- cretas em Paris. O rei Francisco I não mais agia com volubilidade para com os Protestan- tes. Os apelos de sua irmã Margarida não mais o comoviam. Mas teve ainda a bondade de soltar três ministros da prisão e mandá-los a um mosteiro. Dois deles ali se arrependeram de suas con- vicções Protestantes e voltaram à Igre- ja de Roma. O terceiro, Corault, quase cego, conseguiu escapar, tendo che- gado até Basel. Ali encontrou-se com Calvino, a quem relatou o que estava acontecendo em Paris. Era evidente que Francisco I acha- ra conveniente inventar uma grande mentira sobre as suas perseguições. Era sufcientemente sagaz para perce- ber que outros países, especialmente os estados Protestantes da Alemanha, o odiariam por suas crueldades. Preci- saria destes países como aliados seus contra o imperador Carlos V que o havia derrotado em Pavia. Francisco I escreveu, pois, aos príncipes ger- mânicos, explicando que os homens que havia lançado nas prisões e nas fogueiras eram da pior espécie: re- beldes, agitadores, um amontoado de anabatistas que desejavam separar a igreja do estado. Teriam sido rebeldes e agitadores — o generoso de La Forge, o paralítico Milon, os outros cujas faces Calvino co- nhecia, e todos os demais que ele lem- brava como irmãos no Senhor? Não havia na França quem poderia falar por aqueles que morreram na fogueira. Não havia quem falasse a verdade so- bre a fé dos mártires. Mas um francês no exílio podia falar. O francês que estava hospedado com a Srª Klein em Basel sentou-se à sua escrivaninha e mergulhou sua pena no tinteiro. Trabalhou febrilmen- te para concluir o que estava escreven- do. Era o fm do verão quando escreveu a carta dedicatória. Acrescentando a carta aos seis capítulos já concluídos, Calvino foi à casa de Thomas Platter, o tipógrafo cuja ofcina se encontrava na tabuleta do Urso Preto. Um Livro a um Rei O homem a quem o livro de Calvino foi dedicado jamais chegara a ler a carta de vinte e uma páginas que lhe fora endereçada. “À sua Majestade Cris- tã, Francisco, Rei dos Franceses e seu Soberano, João Calvino almeja paz e salvação em Cristo”. Assim começava a carta, em latim. Mas a “sua Majestade Cristã, Francisco”, estava ocupado com suas amantes e seus bailes, com seus esquemas para fazer alianças contra seus inimigos. Talvez tivesse lido a carta e os capítulos que a seguiam se alguém o tivesse convencido que o tal livro, após quatro séculos, ainda seria incluído entre o punhado de obras que moldariam o pensamento do mundo. O rei Francisco não podia adivinhar que a carta que lhe fora endereçada seria considerada uma obra-prima de elo- quência candente, e que seria lida por milhões em muitas línguas. As Institutas da Religião Cristã, por João Calvino de Noyon, não haviam começado como um apelo ao rei da França. Tinham a intenção de ajudar os novos Protestantes que precisavam co- nhecer as verdades da Bíblia. Ninguém da Reforma tinha escrito estas verda- des numa forma ordenada. A grande contribuição de Lutero tinha sido a tradução da Bíblia para o alemão, e havia também escrito outras coisas so- bre vários assuntos. A Igreja de Roma tinha um grande sistema daquilo que considerava ser a verdade. O povo da Reforma tinha a Palavra de Deus, mas quem os conduziria a compreendê-la no todo? Quem lhes mostraria o que ela dizia sobre Deus e Jesus Cristo e o Espírito Santo, sobre os sacramentos e a igreja, sobre fé e oração, sobre a lei e liberda- de na vida cristã? Tal manual, um pequeno livro, es- tava sendo preparado pelo asilado francês em Basel quando chegou-lhe a notícia das mortes ardentes dos seus amigos. Veio-lhe, depois, notícia sobre as mentiras de Francisco I. Com um re- pentino lampejo de propósito, Calvino percebeu como poderia defender pe- rante o mundo a verdadeira fé daque- les que estavam sendo tão falsamente acusados. Ele viu, também, como pode- ria até comover o coração do próprio rei. O livro tornou-se mais do que um manual de estudo. Transformou-se numa magistral confssão de fé — a fé que estava sendo selada com a carne carbonizada dos mártires da França. “Quando iniciei este trabalho, Exce- lência”, diz Calvino ao seu rei, “nada mais longe dos meus pensamentos do que a idéia de escrever um livro que seria mais tarde presenteado à vossa Majestade. Era intenção minha so- mente formular alguns princípios ele- mentares pelos quais os interessados... pudessem ser instruídos sobre a natu- reza da verdadeira piedade. Empreendi tal labor em prol, principalmente, dos meus patrícios franceses, multidões dos quais vi estarem sedentos de Cristo, mas pouquíssimos possuindo qualquer conhecimento real a respeito... Mas quando vi que a fúria de determinados homens perversos no vosso reino tinha crescido a tal ponto de não deixar lugar no país para a sã doutrina, considerei que eu seria melhor usado se no mes- mo trabalho eu lhes entregasse minhas instruções, como também vos exibisse minha confssão, para que soubésseis a natureza daquela doutrina que é o thea B. van halsema Revista Os PuRitanOs 2•2009 objeto de tanta cólera incontida por parte daqueles loucos que ainda agora estão convulsionando o país com fogo e espada...” “Eu vos rogo, por conseguinte, Ex- celência — e certamente não é um pedido exorbitante — tomar para vós a compreensão cabal desta causa que até aqui tem sido agitada, confusa e descuidadosamente, sem qualquer or- dem legal, e com afrontosa paixão em vez de seriedade judicial. Não penseis que esteja eu agora delineando minha própria defesa individual a fm de operar um retorno seguro para meu país natal; porquanto, embora eu sinta por ela a afeição que todo o homem deva sentir, mesmo assim, nas atuais circunstâncias, não lamento que eu esteja dela removido. Pleiteio, porém, a causa dos piedosos, e, consequen- temente, do próprio Cristo... Certa- mente, Excelência, não desviareis os vossos ouvidos e pensamentos de tão justa defesa. (...) Esta é uma causa que é digna da vossa atenção, ... digna do vosso trono...”. “Que mais direi? Deveis rever, Exce- lência, todas as partes da nossa causa e considerar-nos pior do que a mais abandonada parcela da humanidade caso não descobrirdes claramente que ‘labutamos e nos esforçamos sobremo- do, porquanto temos posto a nossa es- perança no Deus vivo’, porque cremos que ‘a vida eterna é conhecer o único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem Ele enviou’. Por causa desta es- perança estamos alguns acorrentados, outros fagelados com açoites, outros carregados daqui para ali como palha- ços, outros torturados cruelmente, ou- tros que escapam pela fuga...”. Com a mente aguda de exímio ad- vogado, Calvino argui cada acusação levantada contra os Protestantes. Cita as Escrituras abundantemente. Cita os santos pais da igreja. Sua linguagem é, às vezes, incisiva e forte. Ele está plei- teando com o rei, mas pleiteia a verda- de e não tem receio de usar linguagem candente. “Somos pacífcos e honestos”, é a maneira de descrever a si mesmo e àqueles na França que são acusados como agitadores. “Mesmo agora no exílio, não deixamos de orar para que toda a prosperidade vos acompanhe e ao vosso reino”. Aprendemos, “pela graça divina”, a sermos mais pacientes, humildes, modestos. Se alguns usarem o Evangelho como um “pretexto para tumultos”, tendes as leis para puni-los. Mas não culpeis, então, o Evangelho de Deus. “Excelência,... não perdemos a espe- rança de recuperar o vosso favor se lerdes com calma uma única vez... esta nossa confssão, que pretende ser nos- sa defesa perante vossa Majestade. Se ao contrário, porém, os vossos ouvidos estiverem tão preocupados com os co- chichos dos mal-intencionados a ponto de não permitir aos acusados a oportu- nidade de falarem por si mesmos, e se aquelas fúrias afrontosas, com a vossa conivência, continuarem a perseguir com aprisionamentos, açoites, torturas, confscações, e chamas, seremos, indu- bitavelmente, como ovelhas destinadas ao matadouro, reduzidos às maiores agruras. Mesmo assim, com paciência, possuiremos nossas almas e aguarda- remos a poderosa mão do Senhor, a qual incontestavelmente se manifesta- rá a bom tempo, mostrando-se armada para resgatar os pobres das suas afi- ções e para punir os seus desprezado- res, os quais agora exultam amparados por perfeita segurança. Queira o Se- nhor, o Rei dos reis, estabelecer vosso trono com retidão, e o vosso reino com equidade”. Estas foram algumas das sentenças eloquentes que Francisco, rei da Fran- ça, jamais leu. O livro cresceu nos anos seguin- tes. Geralmente chamado as Institutas, cresceu como uma planta cresce da se- mente. Em quatro edições, Calvino au- mentou-o de seis para oitenta capítulos, constituindo quatro volumes grandes. Nada havia nos oitenta capítulos que já não estivesse na semente dos seis ca- pítulos. O homem doente de cinquen- ta anos que mais tarde labutaria para concluir a edição fnal não interpretava a Palavra de Deus de modo diferente daquele moço de vinte e cinco anos es- condido em Basel. Na sua última edição de 1559, as Institutas seguiram a ordem do Credo dos Apóstolos na discussão das “verda- des da religião cristã”. Três das quatro edições foram publicadas em latim es- correito. A outra, num francês vívido e magnífco. Nos dias de hoje as Insti- tutas podem ser lidas em, pelo menos, dez línguas. Foi assim que apareceu a poderosa obra que recolheu da Palavra de Deus um completo sistema doutrinário. As Institutas começaram com Deus, con- cluíram com Deus e encontraram todas as coisas em Deus, o Deus triúno. Cal- vino escreveu com clareza, com uma lógica de advogado. Escreveu eloquen- temente, como um autor que maneja com perícia as suas palavras. Escreveu brilhantemente, com uma mente que aprende a inteireza da verdade de Deus Calvino escreveu com clareza, com uma lógica de advogado. Escreveu eloquentemente, como um autor que maneja com perícia as suas palavras. as institutas — um livRO a um Rei 10 Revista Os PuRitanOs 2•2009 como é possível ao homem conhecê-la. Escreveu apaixonadamente, com um coração devotado inteiramente ao seu Senhor. E escreveu humildemente, por- quanto sua vida tinha sido resgatada do lodaçal do pecado unicamente pela graça de Deus. Ninguém havia escrito assim ante- riormente. E, posteriormente, ninguém conseguiu escrever de maneira a apro- ximar a magnifcência com que Calvino expôs as “verdades da religião cristã”. Mas João Calvino de Noyon não tomou conhecimento deste sucesso. Preferiu, mesmo nos dias da primeira edição, fcar às escondidas, por detrás de porta fechada, usando nome fctício. “Que o meu objetivo não era a aquisi- ção de fama transpareceu no seguinte: logo após a publicação saí de Basel, e ainda do fato que ninguém lá sabia que eu era o autor”. O pensionista da Srª Klein, Marti- nius Lucanius, tinha gasto muito do seu tempo na ofcina marcada pelo Urso Preto. Estava lendo as provas do livro cuja página inicial dizia em latim: “João Calvino de Noyon”. Era fevereiro de 1536. Quando concluiu a revisão, antes do livro aparecer à venda em março, Lucanius e seu companheiro du Tillet haviam saído da cidade. Na estra- da ao sul de Basel, Lucanius tornou-se Charles d’Espeville, um nome que sig- nifca Cidade de Esperança. Du Tillet tornou-se Louis de Hautmont, que sig- nifca Montanha Alta. Os senhores Cidade de Esperança e Montanha Alta estavam a caminho da Itália, a terra do papa, sede da Igreja de Roma. Extraído do livro João Calvino Era Assim (edição de 1968, pgs 41-50) que será publicado pela Editora Os Puritanos em 2009. thea B. van halsema Dê o Melhor de Si Enquanto Seus Filhos São Jovens William Gurnall Vocês também falham consigo mesmos quando deixam seus flhos em um estado de ignorância, amontoando sobre si mesmos as consequências dos pecados deles além dos seus próprios. Quando uma criança quebra um dos mandamentos de Deus, é pecado dela; mas também é do seu pai se ele nunca a ensinou sobre qual era o mandamento de Deus. Filhos maus tornam-se cruzes pesadas para seus pais. Quando um pai ou uma mãe tem que investigar a fonte da maldade até chegar à sua negligência em treinar a criança, cruz é posta sobre cruz e a carga torna-se insuportável. Pode haver maior pesar nesta vida do que ver seu próprio flho correndo a toda velocidade para o inferno, e perceber que foi você quem o equipou para a corrida? Oh, faça o seu melhor enquanto eles são jovens e estão sob seu cuidado constante, para ganhá-los para Deus e colocá-los na estrada que conduz para o céu. Ainda mais importante, você falha com o próprio Deus quando cria uma criança ignorante. As Escrituras falam daqueles que detêm a verdade pela injustiça. Entre outros, isso inclui aqueles pais que escondem o conheci- mento da salvação dos seus flhos. Qual é o pai que roubaria a casa do seu próprio flho? No entanto é isso que você faz quando negligencia a educação espiritual dele. Porque você guarda em seu próprio bolso o talento de ouro que Deus pretendia que você desse a seu flho. Se você não deixar nenhuma herança piedosa, o que acontecerá quando você morrer, e a verdade do evangelho for enterrada ao lado de seus ossos apodrecidos? Se você é flho de Deus, então seus flhos usufruem de uma relação mais íntima com o Pai celestial do que as crianças dos incrédulos. Deus espera que você crie seus flhos assim como você foi criado, e proteja-os, a todo custo, da educação do diabo. Treinar seus flhos nos caminhos do Senhor não é uma recomendação casual. Sua recusa em obedecer, seja deliberadamente ou por negligência, será recompensada com um salário extrema- mente amargo quando você se levantar diante do Rei dos reis no dia do julgamento. Extraído de www.bomcaminho.com A fonte original é o clássico puritano de William Gurnall: The Christian in Complete Armour (O cristão com a armadura completa). Tradução: Juliano Heyse Revista Os PuRitanOs 2•2009 11 João Calvino — Professor de Evangelismo “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina.” (ITm 4:2). Dr. J.R. Beeke ão poucos estudiosos fcam surpresos com o título deste artigo. Alguns poderão dizer que o catolicismo romano manteve a tocha evangelística do Cristianismo via as poderosas forças do Papado, dos monastérios, e da monarquia, enquanto Calvino e os outros Refor- madores tentaram extingui-la. 1 Outros irão afrmar que João Calvino (1509-1564), o pai da doutrina e teologia Reformada e Presbiteriana, foi preponderan- temente responsável pelo ressurgimento da tocha do evangelismo bíblico durante a Reforma. 2 Alguns ainda irão creditar a Calvino ser o pai teo- lógico do movimento missionário Reformado 3 . Visões da atitude de Calvino sobre o evangelismo e missões tem ido desde ao moderado, ao rico suporte do lado positivo, 4 até quase um silêncio indiferente e ativa oposição do lado negativo. 5 Veja no quadro da próxima página algumas carac- terísticas daqueles que veem o evangelismo de Calvi- no negativamente. Para chegar corretamente à visão de Calvino sobre evangelismo, temos que entender o que ele mesmo tem a dizer sobre esta matéria. Nós devemos olhar pelo completo escopo da visão de Calvino, tanto no seu ensinamento como na sua prática. Neste artigo, nós iremos imaginar as referências ao evangelismo nas Institutas da Religião Cristã, nos seus comentá- rios, sermões e cartas. Então, talvez, em futuros arti- gos, nós possamos olhar o trabalho evangelístico de Calvino (1) em seu rebanho, (2) em seu período na cidade de Genebra, (3) na grande Europa, e (4) em oportunidades de missões além mar. Como iremos ver, Calvino foi mais evangelista do que é geralmente reconhecido. Através de sua instrução e prática, ele reacendeu a tocha do evangelismo bíblico e reforma- do, centrado em Deus. Como era o ensinamento evangelístico de Calvi- N no? Em que sentido ele exortava os crentes a pro- curarem a conversão de todas as pessoas, inclusive aqueles que estavam dentro da Igreja, como também daqueles que estavam fora dela, no mundo? Assim como os outros Reformadores, Calvino en- sinava evangelismo, de forma geral, por meio da pro- clamação do evangelho e pela reforma da igreja de acordo os requisitos bíblicos. Mais especifcamente, Calvino ensinou o evangelismo enfocando a univer- salidade do Reino de Cristo e a responsabilidade dos cristãos em cooperarem na extensão deste Reino. A universalidade do Reino de Cristo foi um tema frequentemente repetido no ensinamento de Calvi- no. 6 Nestes ensinamentos ele dizia que todas as Três Pessoas da Trindade estão envolvidas na propagação do Reino. O Pai não irá mostrar “apenas em um canto, o que a verdadeira religião é, mas Ele enviará Sua voz aos limites extremos da terra”. 7 Jesus veio “para estender Sua graça sobre todo o mundo”. 8 E o Espírito Santo descendo para “alcançar todos os confns e extremi- dades do mundo”. 9 Em suma, uma incontável multi- dão “a qual será levantada por toda a terra”, irá ser nascida de Cristo. 10 E o triunfo do reino de Cristo irá se tornar manifesto em qualquer lugar entre as na- ções. 11 Como irá o Deus Trino estender o seu reino atra- vés do mundo? A resposta de Calvino envolve tanto a soberania de Deus como nossa responsabilidade. Ele diz que a obra do evangelismo é obra de Deus e não nossa, mas que Ele usará os Seus servos como Seus instrumentos. Citando a parábola do semeador, Cal- vino explica que Cristo semeia a sua palavra de vida em todo o lugar (Mt 13:24-30), fazendo crescer Sua Igreja não por meios humanos, mas pelo poder celes- tial. 12 O evangelho “não cai das nuvens como chuva”, no entanto ele é “trazido pelas mãos de homens que vão onde Deus os mandou”. 13 Jesus nos ensina que Deus “usa o nosso trabalho e nos impulsiona para 12 Revista Os PuRitanOs 2•2009 ser Seus instrumentos no cultivo do Seu solo”. 14 O poder reside em Deus, mas Ele revela a Sua salvação através da pregação do evangelho. 15 O evange- lismo de Deus causa o nosso evangelis- mo. 16 Nós somos os seus cooperadores, e Ele nos permite participar da “honra de constituir Seu Filho governador do mundo inteiro”. 17 Calvino ensinou que o método or- dinário de “tornar coletiva a igreja” é por meio da voz exterior dos homens; “porque Deus mesmo pode trazer por sua secreta infuência, no entanto ele ainda emprega a agência do homem e desperta em nós uma ansiedade sobre a salvação um do outro”. 18 Calvino vai mais longe, chegando a dizer: “Nada retarda mais o progresso do Reino de Cristo do que a insufciência dos mi- nistros”. 19 Embora a palavra fnal não seja por nenhum esforço humano. É o Senhor, diz Calvino, que faz “a voz do evangelho ressoar não apenas em um lugar, porém longe e amplamente atra- vés do mundo inteiro”. 20 O evangelho não é pregado ao acaso às nações, mas pelo decreto de Deus. 21 De acordo com Calvino, esta ligação entre a soberania de Deus e a respon- sabilidade humana no evangelismo oferece as seguintes lições: A Como evangelistas reformados, nós devemos orar diariamente pela extensão do reino de Cristo. Como Calvino disse: “Nós devemos diariamente desejar que Deus reúna as igrejas para Ele mesmo, de todos os lugares da terra”. 22 Desde que Deus se apraz em usar nossas orações para completar os Seus propósitos, devemos orar pela conver- são dos pagãos. 23 Calvino escreve: “Isto deve ser um objetivo em nossos de- sejos diários, de que Deus reúna as igre- jas para Ele mesmo de todas as nações do mundo; que possa ampliar o seu nú- mero, enriquecê-las com dons e estabe- lecer uma ordem legítima entre elas”. 24 Através da oração diária para que venha o reino de Deus, nós “professamos que somos servos e flhos de Deus profundamente comprometidos com Sua reputação”. 25 B Nós não devemos fcar desencora- jados pela falta de sucesso visível no esforço evangelístico mas devemos persistir orando. “Nosso Senhor exercita a fé dos Seus f- lhos; é por isso que Ele não faz tão fa- cilmente com Sua mão as coisas que Ele prometeu. Isso é uma coisa especialmen- te aplicada ao reino de Nosso Senhor Je- sus Cristo”. Calvino escreve: “Se Deus passa todo um dia ou um ano [sem nos dar frutos], isto não é para nós desistirmos, ao contrário, devemos orar e não duvidar que Ele ouve a nossa voz”. 26 Devemos nos manter em oração, crendo que “Cristo irá manifestadamente exercitar o poder que lhe foi dado para a nossa salvação e para a salvação do mundo inteiro”. 27 C Nós devemos trabalhar diligente- mente pelo aumento do reino de Cristo sabendo que nosso trabalho não será em vão. Nossa salvação obriga- nos a trabalhar pela salvação dos ou- tros. Calvino diz: “Nós fomos chamados por Deus nesta condição, para que cada um possa pos- teriormente levar outros à verdade, para restaurar os desgarrado ao caminho cer- to, para estender a mão de ajuda aos ca- ídos, e dar o que temos ganhado àqueles que não têm”. 28 No entanto, não é sufciente para cada homem estar ocupado com ou- tras maneiras de servir a Deus. “Nosso zelo deve ser ampliado para trazer outros homens”. Devemos fazer tudo, dentro de nossa capacidade, para trazer todos os homens da terra para Deus”. 29 Existem muitas razões porque te- mos que evangelizar. Calvino oferece as seguintes: 1 Aqueles que veem o evangelismo de Calvino negativamente são: Pessoas que falham em entender a visão do evangelismo de Calvino em seu próprio contexto histórico. 2 Teólogos que trazem preconcebidas noções sobre Calvino no escopo de sua teologia. 3 Críticos, entre os quais estão aqueles que afrmam que a doutrina da eleição exposta por Calvino nega o Evangelismo. 4 Pessoas que falham em estudar os escritos de Calvino antes de tirarem suas conclusões. dR. JOel Beeke Revista Os PuRitanOs 2•2009 1 Deus nos manda fazer isso. “Devemos nos lembrar que o evangelho é pregado não apenas pela ordenança de Cristo, mas pela Sua arguição e direcio- namento”. 30 ·Deus nos direciona pelo exemplo. Como nosso gracioso Deus fez conosco, nós de- vemos estar com nossos “braços esten- didos, como Ele fez, aos que estão fora” de nós. 31 ·Nós queremos glorifcar a Deus. Ver- dadeiros cristãos desejam estender a verdade de Deus por todo lugar e assim “Deus estará sendo glorifcado”. 32 ·Nós queremos agradar a Deus. Como Calvino escreveu: “É um sacrifício de agradecimento a Deus contribuir para a propagação do Evangelho”. 33 Para cinco estudantes que foram sentenciados a morte por pregarem na França, Calvino escreveu: “Vendo que [Deus] emprega as suas vidas em tão sublime causa como o de serem testemunhas do evangelho, não duvidem que isto é precioso para Ele”. 34 ·Nós temos um dever para com Deus. “É muito justo que devamos labutar para o aprofundamento do progresso do evange- lho”, disse Calvino. 35 “É nosso dever procla- mar a bondade de Deus a cada nação”. 36 ·Nós temos um dever para com os peca- dores. Nossa compaixão para com os pe- cadores deve ser intensifcada por nosso conhecimento de que “Deus não pode ser sinceramente invocado por qualquer outra pessoa senão por aquelas a quem, por meio da pregação do evangelho, foram dados conhecer Sua bondade e ternos sentimentos”. 37 Consequentemen- te, cada encontro, com outros seres hu- manos deve nos motivar a trazê-los ao conhecimento de Deus”. 38 ·Nós estamos gratos a Deus. Aqueles que estão em débito com a misericórdia de Deus estão constrangidos a se tornar, como o salmista, um verdadeiro “publi- citário” da graça de Deus a todos os ho- mens. 39 Se a salvação é possível para mim, um grande pecador, então é possível para os outros também. Se eu não evangelizo, sou uma contradição. Como diz Calvino: “Nada pode ser mais inconsistente no que concerne à natureza da fé que aquela indiferença que leva um homem a des- prezar seus irmãos e manter a luz do seu conhecimento... apenas em seu próprio coração”. 40 Nós devemos, em gratidão, trazer o evangelho para outros, não pa- recendo assim, indiferentes ou ingratos a Deus pela nossa própria salvação. 41 Calvino nunca defendeu que a tare- fa missionária estava completa com os Apóstolos. Ao invés disso, ele ensinou que cada Cristão deve testifcar pela Palavra o ato da graça de Deus a qual- quer um que ele encontrar. 42 A afrma- ção de Calvino do sacerdócio universal de todos os crentes envolve a partici- pação da igreja, no mistério profético, sacerdotal e real. Ele comissiona os crentes a confessarem o nome de Cris- to a outros (tarefa profética), para orar pela salvação deles (tarefa sacerdotal), e para discipliná-los (tarefa real). Isto é a base para a poderosa atividade evangelística por parte da igreja viva “até os confns da terra”. 43 Dr. J.R. Beeke é pastor da Congregação Reformada de linhagem Holandesa em Grand Rapids, Michi- gam (USA). NOTAS: 1 William Richey Hogg, “The Rise of Protestant Mis- sionary Concern, 1517-1914”, in Theology of Chris- tian Mission, ed. G. Anderson (New York: McGraw- Hill, 1961, pp. 96-97 2 David B. Calhoun, “John Calvin: Missionary Hero or Missionary Failure?”, Presbuterion 5, 1 (Spr 1979): 16- 33 — to which I am greatly indebted in this article; W. Stanford Reid, “Calvin’s Geneva: A Missionary Centre”, Reformed Theological Review 42,3 (1983): 65-74. 3 Samuel M. Zwemer, “Calvinism and the Missio- nary Enterprise”, Theology Today 7, 2 (July 1950): 206-216; J. Douglas MacMillan, “ Calvin, Geneva, and Christian Mission”, Reformed Theological Journal 5 (Nov 1989): 5-17. 4 Johannes van den Berg, “Calvin’s Missionary Mes- sage”, The Evangelival Quartely 22 (1950): 174-87; Walter Holsten, “Reformation und Mission”, Archiv fur Reformationsgeschichte 44,1 (1953): 1-32; Char- les E. Edwards, “Calvin and Missions”, The Evangeli- cal Quartely 39 (1967): 47-51; Charles Chaney, “The Missionary Dynamic in the Theology of John Calvin”, Reformed Review 17,3 (Mar 1964): 24-38. 5 Gustav Warneck, Outline of a History of Protestant Mission (London: Oliphant Anderson & Ferrier, 1906), pp. 19-20. 6 John Calvin, Commentaries of Calvin (Grand Rapi- ds: Eerdmans, 1950f.), on Psalm 2:8, 110:2, Matt. 6:10, 12:31,John 13:31. (Hereafter the format, Comentary on Psalm 2:8, will be used). 7 Commentary on Micah 4:3. 8 John Calvin, Sermons of M. John Calvin on the Epistles of S. Paule to Timothy and Titus, trans. L. T. (Edinburgh: Banner of Truth Trust reprint, 1983), ser- mon on 1 Timothy 2:5-6, pp. 161-72. 9 Commentary on Acts 2:1-4. 10 Commentary on Psalm 110:3. 11 T.F. Torrance, Kingdom and Church (London: Oli- ver and Boyd, 1956), p. 161. 12 Commentary on Matthew 24:30. 13 Commentary Romans 10:15. 14 Commentary Matthew 13:24-30. 15 John calvin, Institutes of the Christian Religion, ed. John T. McNeill and trans. Ford Lewis Battles (Phila- delphia: Westminster Press, 1960), Book 4, chapter 1, section 5. )Hereafter the format, Institutes 4.1.5, will be used). 16 Commentary on Romans 10:14-17. 17 Commentary on Psalm 2:8. 18 Commentary on Isaiah 2:3. 19 Jules Bonnet, ed., Letters of Calvin, trans. David Constable and Marcus Robert Gilchrist, 4 vols. (New York, reprint), 4:263. 20 Commentary on Isaiah 49:2. 21 Commentary on Isaiah 45:22. 22 Institutes 3:20.42. 23 Sermons of Máster John Calvin upon the Fifthe Book of Moses called Deuteronomie, trans. Arthur Golding (Edinburgh: Banner of Truth Trust reprint, 1987), sermon on Deuteronomy 33:18-19. (Hereafter Sermon on Deuteronomy 33:18-19). 24 Institutes 3:20.42. 25 Institutes 3:20.43. 26 Sermon on Deuteronomiy 33:7-8. 27 Commetary on Micah 7:10-14. 28 Commetary on Hebrews 10:24. 29 Sermon on Deuteronomiy 33:18-19. 30 Commentary Matthew 13:24-30. 31 John Calvin, Sermons on the Epistle to the Ephe- sians, trans. Arthur Golding (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1973), sermon on Ephesians 4:15-16. 32 Bonnet, Letters of Calvin, 4:169. 33 Bonnet, Letters of Calvin, 2:453. 34 Bonnet, Letters of Calvin, 2:407. 35 Bonnet, Letters of Calvin, 2:453. 36 Commentary on Isaiah 12:5. 37 Institutes 3:20.11. 38 Sermon on Deuteronomiy 33:18-19 39 Commentary on Psalm 51:16. 40 Commentary on Isaiah 2:3. 41 Sermon on Deuteronomiy 24:10-13. 42 Institutes 4.20.4. 43 Sermon on Deuteronomiy 18:9-15 JOãO CalvinO — PROfessOR de evanGelismO 1 Revista Os PuRitanOs 2•2009 Esforço para Ser Santo John Owen Se quisermos conservar o privilégio e a preeminência das nossas naturezas e pessoas; se quisermos progredir diariamente para a gloriosa e eterna bem-aventurança; se quisermos ser verdadeiramente úteis no mundo, então precisamos nos esforçar ao máximo para pare- cer mais e mais com Deus, O qual é a nossa santifcação verdadeira. Temos que exercitar constantemente a fé e o amor, duas coisas que têm o poder especial de promover a semelhança de Deus em nossas almas. A fé é uma parte da nossa santifcação; é uma graça que nos foi concedida pelo Espírito Santo; é o princípio regente que purifca o coração. Ela age efcazmente pelo amor. Quanto mais se exercitar a fé, tanto mais santos seremos e, por conseguinte, tanto mais se- melhantes a Deus seremos. As propriedades gloriosas do caráter de Deus são reveladas em Jesus Cristo. Elas reluzem à Sua face. As gloriosas excelências de Deus são-nos apresentadas em Cristo e pela fé as contemplamos. Que resulta disso? Somos transformados na mesma imagem de glória em glória (2Co.3:18). É esse o grande segredo do crescimento vigoroso para a santidade na semelhança de Deus; é esse o gran- de caminho determinado e abençoado por Deus. Poremos a nossa fé constantemente no evangelho, para ver e contemplar as excelências de Deus, Sua bondade, santidade, justiça, amor e graça conforme reveladas em Jesus Cristo. Deveremos usar e aplicar a nós mesmos e à nossa condição tudo aquilo que vemos de Deus revelado em Cristo, conforme a promessa do evangelho. Se abundarmos em fé, temos que progredir frmemente em santidade. O amor tem o mesmo poder de nos tornar santos. Quem quiser se assemelhar a Deus deve ter a certeza de que O ama, ou todas as suas tentativas fracassarão. Quem ama a Deus ver- dadeiramente, se esforçará ao máximo para ser como Ele é. O amor amolda a mente na fôrma do objeto amado. O amor ao mundo torna os homens mundanos. Suas mentes e desejos se desenvolvem terrena e libidinosamente. O amor a Deus torna o homem piedoso. O amor apega-se a Deus pelo que Ele é em Si mesmo, como revelado em Jesus Cristo. É sempre transformador apro- ximar-se de Deus por amor e deleite ardentes. O amor meditará nas excelências de Deus em Cristo (Sl.30:4, 63). O amor admira o ser ama- do. Assim o amor aplica o seu tempo na contemplação da excelência de Deus vislumbrada em Cristo. O amor deleita-se em obedecer e agradar ao amado. Os sete anos de servidão de Jacó por Raquel lhe pareceram curtos e leves por causa do seu amor por ela. O amor diz a Deus: “agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração está a tua lei” (Sl.40:8). Revista Os PuRitanOs 2•2009 1 A Morte de Calvino Se a Casa Terrestre se Desfaz “Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfzer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus.” (2Co 5:1). Por Thea B. Van Halsema homem togado de preto, caminhando pela rua estreita, parecia mais morto do que vivo, com exceção dos olhos que lu- ziam tão brilhantemente quanto antes. O corpo estava meio-morto, estropiado, protestando e recusando-se a fazer a sua parte. Mas o espírito invencível exigia que o corpo fzesse suas rondas diárias. A mente por detrás dos olhos penetrantes não havia perdido nada da sua vivacidade. Calvino continuava a ocupar o púlpito de Saint Pierre. Lecionava no pequeno auditório junto à Igre- ja. Subia esbaforido os degraus que o levavam às sa- las de aulas na Academia. Retornava então para casa e para a cama. Secretários cercavam seu leito. Escre- viam as palavras que eram pronunciadas entre fôle- gos sôfregos e ásperos. Enviava cartas, especialmente para a França onde a guerra civil ameaçava estourar entre Protestantes e Católico-Romanos. Um novo co- mentário foi dedicado. Outro opúsculo foi concluído sobre uma doutrina controvertida. Despedia-se de missionários na véspera de suas partidas. Dava re- comendações às igrejas. Livros saíam dos prelos. E o trabalho assim continuava ininterruptamente. “Por companhias, por esquadrões, e por ataques individuais tenho sido invadido por uma turba de inimigos”, escreveu Calvino a alguns médicos sobre as suas enfermidades. “Há vinte anos que não vivo sem dores de cabeça”. Artrite e gota mutilavam-lhe as juntas das pernas e braços. Cálculos nos rins, grandes demais para serem expelidos, causavam- lhe uma agonia imensa. Parecia que um grande peso jazia sobre o seu peito, causando-lhe difcul- dade em cada respiração. Mas não havia nenhuma queixa deste homem atacado por este exército de indisposições. Com um humor a toda prova, escre- veu a Beza, que estava viajando: “V. me escreve às altas horas da madrugada, ao passo que estou na cama às sete, como é meu costume. Mas é este o fm de homens gotosos como eu”. Certo dia, em 1562, Calvino ainda encontrou for- ça sufciente para sair da cidade. Pela segunda vez, a tragédia do adultério havia caído sobre o círculo da sua própria família. Não aguentava fcar na casa da Rua do Canhão, por estar tão envergonhado e abatido. Na primeira vez, em 1557, tinha sido Ana, a mulher de Antoine, apanhada em adultério com Pierre, o mordomo corcunda de Calvino. Pierre ti- nha roubado do seu mestre por uns dois anos — isto fora descoberto também. Ana tinha sido banida da cidade. Antoine conseguiu um divórcio, casando-se mais tarde. A casa na Rua do Canhão nunca voltou a ser a mesma. E agora, em 1562, era Judite, a flha de Idelet- te, a moça que todo mundo respeitava como sendo virtuosa e piedosa. Havia casado seis anos antes e vivia feliz — e eis que agora comparecia perante o Conselho da igreja, confessando o adultério do qual era acusada. Acabrunhado e envergonhado, Calvi- no conseguiu chegar até o sítio de Antoine para es- conder-se por alguns dias. Voltou depois à Rua do Canhão. Voltou ao trabalho. Quando amigos lhe im- ploravam que descansasse, que parasse, sacudia sua cabeça e respondia: “O quê? Gostariam que o Senhor me encontrasse desocupado quando Ele chegar?”. No domingo, 6 de fevereiro de 1564, Calvino ocupava pela derradeira vez o púlpito habitual de Saint Pierre. Pregava sobre a harmonia dos evange- lhos quando foi acometido da tosse. Não conseguiu estancá-la desta vez. O sangue lhe subia quente à boca. Lenta e relutantemente, desceu pela escada circular, deixando seu sermão inacabado. A congre- gação olhava ansiosamente em silêncio. Na quarta-feira anterior Calvino tinha pregado sobre os livros dos Reis. E, na Academia, na tarde do mesmo dia, tinha dado sua última aula sobre Eze- quiel. O 1 Revista Os PuRitanOs 2•2009 Estava na hora das despedidas Primeiramente, ao prédio dos Con- selhos de representantes, onde tinha tantas vezes, na derrota ou na vitória, convidado ou não. Foi carregado para ali no fm de março. Queria apresentar ao Pequeno Conselho um novo reitor para a Academia. Beza deixaria a reito- ria para ser o sucessor de Calvino. Não mais havia degraus para subir ao terceiro andar, onde se localizava a sala do conselho. Para reduzir o esfor- ço de Calvino, os Conselhos tinham há algum tempo construído uma rampa no lugar das escadas. Calvino subiu por ela pela última vez, sustentado por amigos em ambos os lados. Era tudo tão conhecido: passava-se por uma grande sala de espera até a primeira porta da sala do Pequeno Conselho. Aqui se pos- tava o arauto no seu leão de madeira e com o seu bordão prateado. Pela pri- meira porta, entrava-se num pequeno corredor estreito. Neste corredor havia uma íngreme escada espiral que descia a uma das prisões, donde prisioneiros eram trazidos para o julgamento. Mais adiante, no fm do pequeno corredor, uma segunda porta que dava entrada à sala do Pequeno Conselho. Tinha qua- tro janelas, mesas entalhadas, e, num canto, um fogão de tijolos, verde e com cinco lados, para aquecer a sala. O novo reitor foi apresentado e em- possado. Então Calvino, segurando o gorro na mão, falou brevemente ao Pe- queno Conselho. Agradeceu-lhe as de- monstrações de bondade durante sua enfermidade. Disse que tinha se senti- do melhor dois dias antes, mas agora parecia “que a natureza não aguenta mais”. O secretário introduziu sua pena no tinteiro e escreveu que Calvino fa- lou “com grande difculdade na respi- ração e com uma gentileza maravilho- sa que quase trouxe lágrimas aos olhos dos conselheiros. E foi esta a última vez que ele veio à sala do conselho”. Sobre a porta pela qual deixou o prédio dos conselhos de representan- tes estava o lema no escudo de Ge- nebra: Post Tenebras Lux. “Luz Após Trevas”. Mais do que qualquer outro homem, Calvino tinha tornado em re- alidade aquela legenda na cidade junto ao lago. E agora a Saint Pierre. Era o domingo da páscoa, dia 2 de abril. Calvino foi carregado na sua ca- deira de sua casa na Rua do Canhão e colocado perto do púlpito donde tinha pregado centenas de sermões. Beza pregava agora. Celebrou-se a Ceia do Senhor. Calvino recebeu os elementos das mãos de Beza. Teria recordado, ao sentar-se ali pela última vez, da Páscoa que precedeu seu exílio quando recu- sara celebrar a Santa Ceia por causa da maldade do povo? A congregação ergueu-se para ento- ar o último hino. O uníssono comoven- te vibrou por todos os cantos da igreja. Calvino cantou também, com júbilo em sua face. “Agora, Senhor, despede em paz o teu servo, segundo a tua palavra” — foi este o hino fnal. Da sua cama, uma carta fnal em francês foi enviada à Duquesa de Fer- rara na França, animando-a e instan- do-a a ganhar uma sobrinha para a fé Reformada. Uma carta fnal em latim foi enviada a Bullinger, o reformador de Zurich, com as últimas notícias da França e da Alemanha. Mesmo no seu leito de morte Calvino mantinha um olho atento sobre o mundo. Em nenhu- ma carta fazia menção da morte que se aproximava. Um tabelião foi chamado para fazer o testamento de Calvino. Não por que havia muito a ser legado. O maior lega- do que Calvino tinha recebido não po- dia ser contado em dinheiro. Mencio- nou primeiro. “Em primeiro lugar, dou graças da Deus”, falou Calvino enquan- to o tabelião escrevia. “Ele livrou-me do abismo... e me trouxe para a luz do Seu evangelho... Tanto estendeu a Sua mi- sericórdia para mim que usou-me e o meu trabalho para... anunciar a verda- de do Seu evangelho... Ele mostrar-Se-á o Pai de pecador tão miserável”. “Os poucos bens terrenos” foram fa- cilmente distribuídos. Ao “meu querido irmão Antoine”, uma taça de prata que Calvino tinha recebido de um amigo. Fora um gesto de amor, para que o di- nheiro fcasse para os flhos de Antoine. Dez coroas cada, e trinta a cada uma das flhas — com exceção do sobrinho Davi, o qual receberia somente vinte e cinco coroas “por ter sido inconsidera- do e inconstante”. E se porventura hou- ver mais na minha herança do que es- tas coroas, o resto deverá ser também repartido entre sobrinhas e sobrinhos, “não excluindo David, caso Deus lhe te- nha dado graças para ser mais mode- rado e sóbrio”. Seis ministros e um pro- fessor assinaram como testemunhas do testamento em voz alta. Havia ainda algum tempo para men- sagens fnais àqueles que prossegui- ram no serviço da igreja e da cidade. No dia 30 de abril, o Pequeno Con- selho, togados e em cortejo solene, veio à Rua do Canhão, agrupando-se ao redor do leito de Calvino. Calvino novamente agradeceu-lhes por todas as suas demonstrações de bondade. Pediu-lhes perdão pelos seus momen- tos de raiva e pelos outros pecados co- metidos durante os anos em que tinha servido. Aconselhou-os, advertindo e encorajando-os. “Lembrai-vos sempre”, falou-lhes, “que é Deus somente que dá forças a estados e cidades”. Orou ardentemente pelos Conselhos e pela cidade. Deu a cada homem a destra de despedida. Os homens saíram do quar- to, chorando “como se tivessem recebi- do a derradeira bênção de um pai”. Os ministros vieram no dia seguin- te. Calvino conseguiu encontrar força sufciente para falar-lhes também, e por longo tempo. Fazia reminiscências. Po- thea B. van halsema Revista Os PuRitanOs 2•2009 1 dia ainda sentir os cães nos seus calca- nhares, latindo e mordendo sua toga e pernas, atiçados por cidadãos inconfor- mados. Podia ouvir os tiros de quarenta ou cinquenta trabucos descarregados sob sua janela antes da sua viagem para o exílio. E a cena no pátio do prédio dos conselhos quando os Duzentos tiveram um entrevero — tal acontecimento foi também revivido por Calvino. “Tereis difculdades, também, quando Deus me chamar”, advertiu aos pastores. “Mas tende coragem... porquanto Deus usará esta igreja e a manterá, e vos promete que Ele a protegerá”. “Meus pecados sempre me desgosta- ram... Rogo-vos, que me perdoeis o mal, e se porventura tenha havido algum bem... fazei dele um exemplo”. Quanto à minha doutrina, “Ensinei com fdeli- dade, e Deus deu-me a graça de escre- ver tão felmente quanto estava em meu poder”. “Vivi nesta doutrina e nela quero morrer. Perseverai nela, todos vós”. “Amai-vos uns aos outros. Que não haja inveja”. Houve novamente o aperto de mão para todos. E outra vez a fla de ho- mens em pranto saindo para a Rua do Canhão. Havia uma mensagem. A quem não senão Farel, o amigo de muitos anos. Farel queria vir. Calvino pensou na ve- lhice do seu amigo e desejava poupar- lhe a viagem de Neuchâtel. “Adeus, bom e querido irmão”, escreveu seu irmão Antoine colocando no papel as palavras. “E por que Deus quer que V. seja o sobre- vivente, lembre a nossa amizade, a qual tem sido útil para a igreja de Deus, e cujos frutos nos aguardam no céu. Não se canse em vir até mim. Já estou respi- rando com difculdade, e espero a cada hora que o fôlego me falhe de uma vez. Basta que eu viva e morra para Cristo, que é a recompensa para aqueles que são d’Ele, na vida e na morte. Entrego-o, e os irmãos que estão com V., aos cuida- dos de Deus. Fielmente João Calvino”. Mas Farel veio assim mesmo, e sen- tou-se junto ao leito daquele a quem ordenara fcar em Genebra vinte e oito anos atrás. Os dois amigos conversa- ram. E o velho Farel, com setenta e cin- co anos de idade, voltou então para sua casa, caminhando como tinha vindo. Viveria mais um ano antes de unir-se ao seu amigo. Calvino viveu até o dia 27 de maio. Orava continuamente, em voz alta ou silenciosamente, movimentava os lá- bios. Nos estertores, atribulado pela dor, clamava com frequência: “Por quanto tempo, Ó Senhor?”. Ou: “Senhor, Tu me esmagas, mas eu me conformo de que seja a Tua mão”. Morreu em paz, como alguém que pega no sono. Numa noite de sábado — o fm do dia, o fm da semana, o fm de uma vida. Um grande servo estava agora com o seu Mestre. Ao ouvir a notícia, o povo de Gene- bra juntou-se silenciosamente do lado de fora da casa da Rua do Canhão. O Pequeno Conselho reuniu-se em sessão especial. O secretário, tentando regis- trar os sentimentos dos conselheiros, escreveu com sua pena: “Deus o mar- cou com um caráter de tanta majesta- de e altivez”. Nas atas do Conselho da igreja, ao lado do nome de Calvino que estava marcado com uma cruz, havia estas palavras: “Levado por Deus, no dia 27 de maio do ano corrente (1564), entre oito e nove horas da noite”. Na tarde de domingo, às duas horas, o cortejo foi ao campo-santo da igreja, o cemitério Planin-Palais fora dos mu- ros da cidade. Professores, ministros, conselheiros, e cidadãos estavam na grande multidão que seguia o ataúde de pinho. Somente o som de muitos passos interrompiam a quietude domi- nical. Calvino tinha pedido no seu testa- mento que “meu corpo... seja enterrado na maneira usual, para aguardar o dia da abençoada ressurreição”. Não hou- ve, por conseguinte, palavras junto à sepultura. Nenhuma pedra foi coloca- da para marcar o lugar. Em pouco tem- po ninguém sabia onde jazia o corpo de Calvino. A sepultura continua des- conhecida até hoje. Mas algo maior, alguma coisa viva restou. As idéias e obras do homem de Genebra continuam poderosamente vivas através dos séculos. Inspiradas pela Palavra viva, elas penetraram em todo o mundo cristão. Por intermédio delas o pregador de Saint Pierre tem ensinado e moldado a igreja de Cristo. Ele tem falado nas vidas de homens e de nações. João Calvino era assim, extraordi- nário servo de Jesus Cristo. Era assim o homem humilde que viveu sob um lema. Soli Deo Gloria, dizia. Glória so- mente a Deus. Extraído do livro João Calvino Era Assim (edição de 1968, pgs 198-206) que será publicado pela Editora Os Puritanos. a mORte de CalvinO Morreu em paz, como alguém que pega no sono. Numa noite de sábado — o fm do dia, o fm da semana, o fm de uma vida. Um grande servo estava agora com o seu Mestre. 1 Revista Os PuRitanOs 2•2009 Como o Princípio Regulador Liberta Por D.G. Hart Geralmente, na discussão a respeito da adoração, o Princípio Regulador sempre aparece como vilão. Ele é restritivo, opressor, confnador, como é geralmente chamado por seus oponentes, e afnal de contas não é isso que a palavra “Regulador” implica? Regular ou estabelecer regras para enrijecer o estilo de adoração da Igreja. De fato, o Princípio Regulador limita a adoração corporativa (que é supervisionada pelo Conse- lho), ao que a Confssão de Fé de Westminster chama de elementos “Ordinários”: Leitura das Escrituras, Pregação, Cânticos de Louvor, Sacramentos e Oração. Se nós buscarmos agradar a Deus na adoração, desde que Ele é nossa “audiência”, não temos outro guia melhor para agradá-lo ou de como devemos adorá-lo do que a Bíblia. A Bíblia, os Presbiterianos crêem, nos ordenou a adorar a Deus desta forma e não de outra. Mas perderemos o elemento fundamental do Princípio Regulador se nos esquecermos que o seu propósito maior é proteger a liberdade de consciência. A Confssão de Fé de Westminster nos ensina que “Deus somente é o Senhor da consciência” e “a deixa livre das doutrinas e man- damentos dos homens, os quais são de alguma forma contrários à Sua Palavra como também em matéria de fé e adoração”. Esta afrmação é o outro lado da moeda, de que nós só podemos adorar a Deus como Ele ordena. Se um Conselho inclui no culto alguma coisa não ordenada por Deus, então está escravizando a consciência daqueles que se reuniram para adoração. So- mente o Senhor pode escravizar nossa consciência e nós sabemos que sob o Seu Senhorio nós encontramos verdadeira liberdade. Mas quando a Igreja tenciona uma prática para a qual não pode encontrar clara sustentação bíblica, então estará usurpando o Senhorio de Cristo, neste caso. Se a igreja não é capaz de dizer sobre a sua adoração prática: “Assim diz o Senhor”, então ela está substituindo os mandamentos de Deus pelo dos homens. Ao reconhecer a estreita conexão das doutrinas do Senhorio de Cristo e Liberdade Cristã, isso livra o Princípio Regulador da sua refutação negativa. Ao invés de restringir o que fazemos na adoração ele de fato, protege a liberdade individual dos cristãos da tirania da sabedoria huma- na. Colocando-o de forma diferente, o Princípio Regulador coloca limites sobre o que os ofciais da igreja podem requerer na adoração pública; mas concede ao crente a liberdade de recusar as práticas não sustentadas nas Escrituras. Assim, enquanto esta doutrina signifca que o Con- selho não pode usar estandartes na adoração (uma violação do 2º mandamento), isto também livra o crente, incluindo ministros e presbíteros, de serem forçados a adorar numa igreja cheia de apetrechos e estandartes. Como J. David Gordon escreveu:“‘Algumas respostas acerca do Princípio Regulador’ no West- minster Teological Journal (out/93). O Princípio Regulador é acima de tudo uma doutrina ecle- siológica que é designada para proteger a liberdade de consciência do abuso de poder da igre- ja”. A questão não é fazer distinção como a Bíblia regula a adoração e como ela regula o resto da vida cristã, mas seu único propósito é distinguir entre aqueles aspectos da vida governada pelos presbíteros da igreja e aqueles que não são sujeitos ao poder da igreja. Aos ofciais da igreja foi dada a responsabilidade de supervisionar a adoração corporativa segundo o ensino bíblico. Nesta solene obrigação, o Princípio Regulador instrui que eles devem ter muito cuida- do para não abusar das prerrogativas do seu ofício. Revista Os PuRitanOs 2•2009 1 Batalha Espiritual Com Armas Espirituais “Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim... contra as forças espirituais do mal.” (Ef 6:12) Dr. David Murray orém, das cidades destas nações que o Se- nhor, teu Deus, te dá em herança, não dei- xarás com vida tudo o que tem fôlego” — Dt. 20:16 Em Deuteronômio, Deus ordena que os israelitas removam uma série de nações e povos da Terra Pro- metida matando todos os homens, mulheres, e crian- ças que vivessem ali. A difculdade de vindicar Deus por esta ordem, e a Seu povo por esta ação surgiu numa carta que recebi. Como ela nos dá um claro resumo desta difculdade e das questões que ela pro- voca, irei citar parte dela: Ainda estou desconcertado com o difícil problema de Jericó... Minha dúvida poderia ser: por que os is- raelitas foram tão agressivos? Estou certo de que na- queles dias havia bastante terra para todos; foi real- mente necessário pinicar uma cidade inteira deixan- do apenas uma família? Sim, eu sei que a penalidade para o pecado é a morte, mas eles não podiam pelo menos ter tentado convertê-los? Essa atitude assas- sina é a mesma que os muçulmanos tiveram quando Maomé tentou desesperadamente iniciar sua religião. Essa é uma das histórias que muitas pessoas usam para pregar contra o Cristianismo, especialmente muçulmanas. Como podemos chamar os muçulma- nos de sanguinários? Como podemos nos intitular pacifcadores? Se temos no Antigo Testamento exem- plos da destruição de Jericó por Israel, não devería- mos também degolar os incrédulos? A questão, então, é: “Devemos matar nossos ini- migos espirituais?” Ou, no contexto de nosso corres- pondente: “Devemos matar os muçulmanos e outros fortes opositores do evangelho?”. Primeiramente, al- gumas negativas. Os Cananeus não morreram porque Israel era bom. Israel foi especifcamente proibido de chegar a essa conclusão (Dt 9:4). Nem os Cananeus foram mortos porque Deus era mau. Não devemos pensar que as ações de Deus são arbitrárias, capri- chosas, ou intempestivas. Como podemos ver, havia um propósito sábio, previamente pesado e elabora- do por trás da ordem para matar os Cananeus. Além disso, devemos discordar daqueles que explicam esta ação afrmando que Deus mudou entre o Antigo e o Novo Testamentos — de irado para amável, de enco- lerizado para gracioso. Deus é imutável em Seu ser. O que então podemos dizer em defesa da ordem de Deus e das ações do povo de Israel? Eu gostaria de falar sobre dez pontos: 1. Os Cananeus foram um dos povos mais perversos que já existiram Há alguns anos, os historiadores e arqueólogos des- cobriram numerosos vestígios e artefatos que clara- mente retratam o fosso moral, social e espiritual em que os Cananeus submergiram. Eles eram inimagi- nável e inadjetivamente depravados. Na pontuação geral, eles provavelmente ocupam o terceiro lugar da pior raça que já existiu — depois da geração de Noé e do povo de Sodoma e Gomorra. E, como tais, longe de serem inocentes vítimas de uma injusta e cruel po- lítica estrangeira, eram um câncer moral que amea- çava toda a raça humana. A maior bondade que Deus poderia fazer com a humanidade, então, era extirpar cada ramo e raiz deste povo perverso, cujo estilo de vida pedia um julgamento divino amplo, internacio- nal. Além do que, Deus deu aos Cananeus centenas de anos para que se arrependessem (Gn 15:16). Deus lhes deu tempo, mas um dia a hora chegou. A medida da iniquidade desse povo estava transbordando, e en- tão, em razão disto, sobreveio a ira e o juízo de Deus. Mas, embora isto demonstre a santa justiça divina, vemos a misericórdia de Deus ao oferecer paz para muitas das cidades Cananitas em derredor (Dt 20:10- 11). Se elas se rendessem a Israel, seriam poupadas. E, mesmo se não o fzessem, Israel iria poupar as mu- “P 20 Revista Os PuRitanOs 2•2009 lheres e as crianças destas cidades. Podemos ver aqui uma fgura da graça do evangelho para os homens e mulheres perversos e vis de toda par- te? Deus tinha anunciado a sentença de juízo sobre toda a raça humana: “A alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18:4). Contudo, no evangelho, os ter- mos de misericórdia e paz são sussur- rados àqueles que têm ouvidos para ouvir. Você aproveitou essa oportuni- dade para se render? 2. É exposta aos israelitas a excessiva vileza do pecado Nesses campos de morte, os israelitas aprenderam de uma maneira nova e impossível de esquecer que “o salário do pecado é a morte” (Rm 6:23). Eles viram diante de seus olhos o sangue e as consequências fatais de se pecar contra Deus. Mas, alguém dirá: Por que foi necessário matar com as próprias mãos? Por que Deus não enviou um de- sastre natural — digamos, uma praga ou uma inundação? Bem, Deus execu- tando de forma pessoal os povos ím- pios, Israel entenderia melhor Seu ódio pelo pecado. Ao invés de ouvir a notícia de milhares de mortes em terras e cida- des distantes, as mortes dos cananeus foram uma experiência diária, exausti- va e angustiante. Imagine que terrível despertar sabendo que matar a sangue frio homens, mulheres e crianças será a atividade do dia. Imagine como era ir dormir depois de um dia neste serviço, sabendo que havia ainda muitos destes dias pela frente. Quanto espanto e te- mor ensinou a Israel a respeito da vile- za do pecado; pecado que requer uma tal justiça! Uma das razões por que as pesso- as são incapazes de compreender a necessidade da conquista dos cana- neus é a inaptidão para entender quão odioso e digno de punição é o pecado. A conquista dos cananeus aconteceu em razão de sua rebelião pecaminosa contra Deus. A conquista dos cananeus é uma causa de rebelião pecaminosa em você? Quanto mais abandonarmos nossa visão míope do pecado e enten- dermos mais e mais de sua verdadeira natureza, mais iremos compreender não só a conquista dos cananeus, mas a graça que poupou e salvou a nós, que também merecíamos juízo e morte. 3. A honra dos atributos de Deus estava em jogo Uma das consequências do estilo de vida cananeu — quer dizer, “estilo de morte” — era que ele punha o caráter de Deus em desafo. As pessoas viam o que os cananeus estavam fazendo, sem qualquer aparente consequência, e concluíam: “Deus não pode ser san- to se Ele não age contra esse tipo de comportamento”. Ou eles podiam di- zer: “Se Ele é santo, não deve ser pode- roso, porque nós não vemos ação divi- na evidente”. O caráter de Deus estava em xeque, e a conquista dos cananeus ajudou a restaurá-lo aos olhos do povo. Posteriormente, os espectadores pode- riam concluir com convicção: “Deus é santo e poderoso”. Mas, se pode dizer: “A morte de mu- lheres e crianças não foi uma mancha nos atributos de Deus?”. A história de Israel revela que, com frequência, as mulheres pagãs representavam mais perigo do que os homens. Todos os poderes de Balaão e Balaque não pu- deram tocar em Israel, em Números 22-24, mas apenas um capítulo depois lemos sobre como as mulheres moa- bitas conseguiram fazer Israel pecar (Nm 25:1-5; 31:15-16). A virtude das mulheres é frequentemente uma das principais barreiras da imoralidade na sociedade. Mas, quando ela é removida, as mulheres se tornam mais perigosas do que os homens e, como podemos ver ao nosso redor, a degeneração da sociedade acelera. E quanto às crianças? Era realmen- te necessário que morressem? Bem, tem sido mostrado que as crianças seguem os hábitos e costumes de seus pais, mesmo tendo sido separadas de- les ainda muito novas. Mesmo hoje, em alguns lugares no mundo árabe, pode- mos ver o poderoso efeito da doutri- nação anti-semita na mais tenra idade. Qualquer dessas crianças cananitas poderia ter se tornado um Faraó ou um Nabucodonossor. Deus é o Oleiro e nós somos o bar- ro. Devemos, portanto, estar dispostos a sermos usados e modelados por Ele para exibirmos Seus atributos (Rm 9:21-23). A honra de Deus é mais im- portante do que a nossa. O caráter de Deus é mais importante que o nosso conforto. 4. Essa pode ter sido a maneira de Deus salvar algumas almas Apesar do terrível fm destes flhos dos cananeus neste mundo, não custa considerarmos a possibilidade de que se eles eram crianças eleitas, talvez estivessem separadas, longe dos maus — de uma vida de abuso e depravação seguida de uma eternidade no inferno. As crianças cananitas eram frequente- mente forçadas à prostituição cúltica, sodomia, sacrifício a ídolos, e outras práticas indizíveis. A morte precoce as pouparia destes traumas. E também, se cremos que há uma idade da razão nas crianças, antes da qual elas não prestam contas a Deus por suas respostas ao evangelho em razão de serem mentalmente incapa- zes, então podemos ver que a conquis- ta dos cananeus pode muito bem ter sido a maneira usada por Deus para salvar muitas crianças não só de uma vida traumática no mundo, mas tam- bém de uma eternidade de tormento no inferno. Talvez haja crianças cana- nitas no céu exatamente agora, agrade- cendo a Deus por terem sido ceifadas david muRRay Revista Os PuRitanOs 2•2009 1 na infância, antes de se tornarem cul- padas e capazes de responder por seus pecados. Você pode talvez viver uma vida lon- ga e privilegiada. Diferentemente des- sas crianças cananitas, você pode ter sido abençoado com muitas bênçãos materiais e espirituais. Mas o que você tem feito com elas? Lembre-se de que você terá de prestar contas. “Àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido” (Lc 12:48). 5. A linhagem física do Messias prometido estava sob grande ameaça Israel reivindicou a Terra Prometida para formar ali uma nação segura, e uma nação segura era necessária se o Messias prometido eventualmente nas- cesse ali. É por isto que somente seis ou sete nações e povos que ocupavam a Terra Prometida deveriam ser exter- minados, e aos outros povos distantes se ofereceu paz. Contudo, pode-se perguntar: por que Israel não fez fronteira com os ca- naneus? Como nosso correspondente escreveu, não havia terra em abundân- cia? Bem, a Escritura frequentemente registra os cananeus como agressores. A ação de Israel estava parcialmente baseada na premissa: “Matar ou mor- rer. Exterminar ou ser exterminado”. Se Israel não os conquistasse, teria sido conquistado, a descendência do Messias estaria em risco, e com ela a salvação de pecadores em toda parte. A despeito do amor pela humanidade, as ameaças físicas à segurança de Is- rael deveriam ser removidas. Não era para “salvar nada do que respira” a fm de que, posteriormente, muitos pudes- sem ser salvos (Dt 20:18). Era melhor que algumas vidas perecessem do que a verdade de Deus, o Messias de Deus, e a igreja de Deus desaparecessem. A história completa conduz para, centra-se, e fui do Messias. O plano de Deus para este mundo gira em torno de Cristo. Tudo o mais é secundário. Sua vida conduz para, centra-se, fui e gira em torno do Senhor Jesus? Tudo o mais é secundário para você? 6. Deus às vezes ordenou que outras nações guerreas- sem contra Israel As guerras do Antigo Testamento eram frequentemente uma forma de juízo. Era a maneira usada por Deus para punir os malfeitores. Como tal, Israel não estava isento. Houve tempos em que Deus ordenou a outras nações que guerreassem contra Israel, para que eles aprendessem a não desprezar o favor de Deus (Jr 4:19-31). “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia” (1Co 10:12). Es- tejamos alerta quanto a desprezar o favor de Deus. Estejamos avisados de que Deus irá castigar mesmo aqueles a quem ama, se for necessário. 7. Foi uma exigência em um período único da história redentiva No desdobramento do plano de Deus, há eventos que acontecem de uma vez por todas e jamais se repetem (ex.: a criação, o Êxodo, a entrega da lei no Sinai, a morte de Cristo, o Pentecostes, etc). A isto devemos acrescentar tam- bém a conquista da Terra Prometida. A agressiva guerra santa requerida foi limitada a nomeadamente sete nações em um período especial na história quando o povo de Deus estava se orga- nizando como nação. Devemos ser cuidadosos ao fazer- mos exceções às regras. Devemos estar alertas para o perigo de se fazer de uma exceção temporária o padrão da vida cristã. Se o fzermos, iremos “deturpar as Escrituras” para nossa própria des- truição (2Pe 3:16). Os erros das igrejas carismáticas na área dos dons do Es- pírito Santo são resultado da falha em encarar o Pentecostes como único, um evento que não se repete, e que foi ne- cessário para impulsionar a igreja do Novo Testamento dando-lhe sinais e maravilhas que confrmavam as verda- des pregadas pelos apóstolos. 8. Devemos nos maravilhar da longanimidade de Deus hoje Ao vermos o justo juízo de Deus recair sobre os cananeus em razão dos peca- dos deles, devemos nos maravilhar de que Ele não nos visite de uma forma mais severa hoje. Muitas das ímpias práticas cananitas estão entre nós. Há uma maré repleta de sangue de aborto varrendo milhões de bebês por ano. Há o homossexualismo que é agora não somente tolerado, mas promovido pela legislação, em nossas escolas, e mes- mos em algumas igrejas. Há as falsas religiões às quais se dá tratamento preferencial sobre a religião verdadei- ra de Cristo. Há a blasfêmia que enche os canais de TV. Há a pornografa que está destruindo muitos casamentos e jovens. Oh, que longanimidade de Deus! Oh, que paciência! Oh, quão tardio Ele é para irar-se! Contudo, talvez com o ter- rorismo islâmico estejamos começando a ouvir, ao longe, o sussurro do juízo divino. Talvez isto seja a nova Babilô- nia que, como a antiga, resultará numa diminuição das liberdades pessoais e um cativeiro de terror nacional. Pense sobre o terror que nos ronda em casa e em nível mundial. Estes sussurros não estão se tornando altos? O trovão não está se aproximando? Oh, que a longanimidade de Deus possa conduzir todos nós ao arrependimento! 9. Uma idéia do juízo fnal é vividamente posta perante todos Deus é descrito na Escritura como um “homem de guerra” (Ex.15:3) e o Senhor Batalha esPiRitual COm aRmas esPiRituais 22 Revista Os PuRitanOs 2•2009 das hostes (“exércitos”). Esta imagem de guerra é perpetuada no Novo Testa- mento quando se fala dos eventos que conduzem e abarcam o juízo fnal (2Ts 2:5-20; Ap 16:16). Em outras palavras, a conquista dos cananeus é uma prévia da conquista fnal de Cristo, armado com Sua espada afada e vestido com Suas vestes manchadas de sangue (Ap 19:11-16). Você está pronto para esta batalha fnal? De que lado você vai fcar? Você estará com o Conquistador ou com os conquistados? Se algumas almas esti- vessem mais preocupadas com e inte- ressadas na conquista de Cristo do que na conquista dos cananitas, quantos seriam salvos e poupados! Que a con- sideração a respeito da conquista ca- nanita possa salvar você de Cristo, o Conquistador. 10. As armas de nossa ba- talha não são carnais, mas, espirituais Como já dissemos, este período de conquista estava limitado no tempo. As armas daquela época devem ser embainhadas, desamoladas e que- bradas. A igreja do Novo Testamento não tem o direito de tomar a espada para fazer avançar a causa de Cristo de uma maneira agressiva (Jo 18:36). Mas Ele não deixa Seu povo vulnerável. Ele provê para Seu povo tanto armas de defesa quanto de ataque, feitas não de metal, mas, da verdade, paz, fé, etc. (Ef 6:13-17). Ora, os cristãos devem matar os mulçumanos para fazer avançar a igre- ja de Cristo? É claro que não. Devemos travar luta espiritual contra suas cren- ças com armas espirituais (2Co 10:4-5). Eles podem vir a nós com bombas, mu- nição e terror. Nós iremos com o indes- trutível poder da Palavra, do amor e da paz. É claro que pode ser necessário para uma nação tomar ações militares para proteger os cidadãos confados ao seu cuidado (Rm 13:3-4). Mas isto não deve ser confundido com a respos- ta dada pelos cristãos e pelas igrejas à hostilidade islâmica. A resposta corre- ta é amar os muçulmanos “até a mor- te” — amá-los até que sejam, um a um, convertidos a Cristo, e o Islã chegue ao fm. Então, seria melhor dizer, “amá-los até a vida”. Deixe o mundo inteiro saber que os cristãos são os maiores amigos dos mu- çulmanos, os maiores amigos dos cató- licos romanos, os maiores amigos do Estado secular — mesmo que eles nos tratem como se fôssemos seus maiores inimigos e desejássemos vê-los exter- minados. Vamos a eles com um Cristo crucifcado e ressurreto. Declaremos: “Viemos a vocês com o Cristo que diz: ‘Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância’ (Jo 10:10). Viemos a vocês com o Cristo que amou aque- les que o torturaram até à morte: ‘Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem’ (Lc 23:34). Nós O colocamos pe- rante vocês e dizemos: ‘Vejam e vivam’ Oh, religiões falsas, vejam o Cristo in- comparável e digno de toda honra!” Dr. David Murray ensina Antigo Testamento a Teologia Prá- tica no Puritan Reformed Theological Seminary em Grand Rapids, Michagan, E.U.A. david muRRay Confissão de Fé Belga Artigo 7/1 A Sagrada Escritura: Perfeita e Completa Cremos que esta Sagrada Escritura contém perfeitamente a vontade de Deus e sufciente- mente ensina tudo o que o homem deve crer para ser salvo [1]. Nela, Deus descreveu, por ex- tenso, toda a maneira de servi-Lo. Por isso, não e lícito aos homens, mesmo que fossem após- tolos “ou um anjo vindo do céu”, conforme diz o apóstolo Paulo (Gálatas 1:8), ensinarem outra doutrina, senão aquela da Sagrada Escri- tura [2]. É proibido “acrescentar algo a Palavra de Deus ou tirar algo dela” [3] (Deuteronômio 12:32; Apocalipse 22:18,19). Assim se mostra claramente que sua doutrina é perfeitíssima e, em todos os sentidos, completa [4]. 1 2Tm 3:16,17; 1Pe 1:10-12. 2 1Co 15:2; 1Tm 1:3. 3 Dt 4:2; Pv 30:6; At 26:22; 1Co 4:6. 4 Sl 19:7; Jo 15:15; At 18:28; At 20:27; Rm 15:4. Revista Os PuRitanOs 2•2009 Cristianismo Prático Com Armas Espirituais “Portanto tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, havendo feito tudo, permanecer frmes” (Ef 1:13). Rev. W. Macleod onfito e Divisões Nós não podemos esperar bênçãos se existe confito em nosso meio. É um sinal do baixo nível do cristianismo em nossos dias que existam tantas brigas e desvios no meio de todas as denominações cristãs. Naturalmente isto não é novi- dade. Paulo teve que rogar a Evódia e Síntique que haviam sido suas colaboradoras “... que pensem con- cordemente, no Senhor” (Fp. 4:2). Corinto era uma igreja que tinha sido ricamente abençoada, contudo havia uma ameaça para bênçãos adicionais no meio deles: “Refro-me ao fato de cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu de Cefas, e eu, de Cristo. Acaso está Cristo dividido? Foi Paulo crucif- cado em favor de vós ou fostes, porventura, batizados em nome de Paulo?” (1 Co. 1. 12, 13). Não há lugar para partidos e divisões na igreja. O apóstolo suplica: “Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa e que não haja entre vós divisões; antes, sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer” (v. 10). Certamente este é o ideal que devemos perseguir com toda nossa força. Uma marca de graça Há certas coisas que são verdade para todos os f- lhos de Deus. João especifca: “Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (I Jo. 3:14). Esta é uma grande marca distinti- va do Cristão. Nós deveríamos ter fortes perspectivas, deveríamos lutar seriamente pela fé. Nós estamos ligados à obrigação de repreender a conduta peca- minosa, mas, devemos também amar os irmãos. “... Aquele que não ama [seu irmão] permanece na morte. Todo aquele que odeia o seu irmão é assassino; ora, vós sabeis que todo assassino não tem a vida eterna permanente em si” (I Jo. 3:14, 15). Poderia João ar- gumentar mais fortemente? Se nós não amamos os nossos co-irmãos, somos assassinos. Um grande testemunho ao mundo Foi dito da igreja primitiva: ”Vejam como eles se amam”. Muitos seriam naturalmente atraídos para o cristianismo por esta razão. Em nossos dias de ego- ísmo, quando a maioria está procurando o que pode conseguir ao invés de o que pode dar, quando os ca- samentos estão se desmanchando por todos os lados, quando muitos receiam comprometer-se com rela- cionamentos duráveis e quando um grande número está desesperadamente solitário e anela por afeições, certamente a igreja tem algo a oferecer? Jesus dis- se: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que são meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo. 13: 34, 35). Estamos causando o impacto que deveríamos? Jesus coloca seu próprio amor como exemplo para nós. “Como eu vos amei”. Este é na verdade um alto padrão. Ele nos amou enquanto éramos ainda peca- dores. Ele nos amou quando nós o odiávamos. Mes- mo depois de nascer de novo nós o entristecemos por meio dos nossos pecados. Contudo, Ele nos amou tanto que morreu por nós. Devemos amar aqueles que pecam contra nós com esta espécie de amor des- prendido. Aqui não há lugar para ressentimentos. Orgulho João fala de um homem chamado Diótrefes “que gos- ta de exercer a primazia” (3 João 9). Estes tais exis- tem em todas as épocas. Eles têm ciúme de qualquer possível rival que seja elogiado. Eles gostam de der- rubá-lo. Uma vez que todos concordem com eles, es- tão felizes e bem humorados. No entanto, se alguém discorda deles, ou sugere um modo de agir diferen- te, eles sentem-se ofendidos. A ninguém é permitido C 2 Revista Os PuRitanOs 2•2009 questionar sua sabedoria. Se alguém demonstrar que eles podem estar erra- dos e revela a franqueza da sua posi- ção, então fcam zangados. É espantoso ver quão prontos e dispostos estamos em orar para confessar que somos pe- cadores, mas, quão insultados fcamos quando qualquer um dos nossos peca- dos é apontado. Deixando uma igreja Houve um tempo quando era raro al- guém deixar uma igreja, mas, hoje as pessoas levantam-se e saem pelo menor motivo. Mas, não é isto o pecado do cis- ma? Devemos naturalmente separarmo- nos de uma igreja que tolera heresia ou imoralidade, mas, nesse caso, os cismá- ticos são os que praticam estes males e se recusam a cumprir a disciplina bíblica. Todavia, deixar a igreja apenas porque alguém nos contraria ou pisa nosso pé, ou deixa de cumprir um dever para conosco, é pecar contra o corpo de Cristo. Todos nos sentimos tentados, às vezes, a resignar e sair, mas, aquela ação é muitas vezes uma expressão da humildade que glorifca a Deus. Obstinação Algumas pessoas são, por natureza, mal humoradas. É sua tentação constante e não tratam facilmente com ela. Por qualquer coisa sentem-se desvaloriza- das e que todos estão contra ela. Elas ruminam alguma palavra que lhes fo- ram ditas ou acontecimentos ocorridos. Isso as torna miseráveis e deprimidas. Acham difícil regozijar-se no Senhor e sorrir alegremente para todo mundo. Elas devem, entretanto, buscar a graça de Deus para derramar suas indisposi- ções perante Ele e deixá-las lá, e amar aqueles que a magoaram. Entristecendo o Espírito É possível entristecer o Espírito San- to, fazendo-o retirar de nós a sua pre- sença experimentada. Ele habita em nossas igrejas, mas, também em nós como indivíduos. Parte da sua obra de santifcação é encher os santos de amor uns pelos outros. O Cristão mais santo é o que ama mais. Aqueles que estão constantemente altercando com outros mostram que fzeram pouco progresso na estrada do cristianismo. Tome cuidado ao aceitar alegações não provadas ou falar sarcasticamente “pelas costas” de um irmão ou ridicula- rizá-lo. Necessitamos da poderosa gra- ça de Deus porque jamais seremos os cristãos amorosos que deveríamos ser, sem ela. Não apenas devemos evitar al- tercação um com outro, mas somos po- sitivamente devedores de desenvolver laços de amor mais e mais apertados com todos os cristãos. Cuidemos uns dos outros. Aprendamos a carregar os fardos uns dos outros. Sejamos pa- cientes uns com os outros. Tentemos sempre dar a melhor interpretação possível às ações dos outros para nós e desculpar suas faltas. A caridade ou amor cobre e desculpa uma multidão de pecados (1 Pedro 4:8). Ansiamos ardentemente por um avivamento Ansiamos ardentemente por aviva- mento em nossas igrejas, mas há obs- táculos ao avivamento. Um destes é a falta de amor entre os cristãos. Vamos nos acautelar contra divisões no meio de nós como denominação. Quão fa- cilmente elas se levantam! Amemos a verdade e permaneçamos frmemente no que é correto, mas vamos também amar um ao outro. Em nossas igrejas locais vamos pôr no seu lugar todas as disputas mesquinhas; amar e respeitar um ao outro, ver as nossas próprias faltas mais claramente do que as dos outros e orar e trabalhar juntos para o advento do reino. Rev. Willim Macleod é um ministro da igreja livre da Escócia (Continuing) em Portree na ilha de Shye, Escócia, e editor da Free Church Witness da qual este artigo é adaptado. W. maCleOd Unidade na Adoração Dr. David Murray Qual é a consequência quan- do as pessoas estão seguindo várias regras quanto ao culto? A consequência é a divisão da igreja de Cristo! Cada igreja faz aquilo que agrada aos seus próprios olhos. Um dia você entra em uma igreja, outro dia em outra igreja, e percebe uma diferença enorme entre elas (no culto). Uma diferença tão grande que estas igrejas nunca chegarão a se reunir para adorar juntas. Todas aquelas regras não bíblicas têm levado a Igreja às chama- das guerras litúrgicas. Imagi- nemos se todas as igrejas no Brasil tivessem uma reunião a portas fechadas e disses- sem: “Vamos abrir a Bíblia e, baseados na Palavra de Deus, vamos decidir o que Deus or- dena para estar presente em nossos cultos; se acharmos alguma coisa que é ordenada na Bíblia, isso estará presente; se não acharmos uma orde- nança para determinado ato de cu lto, isso fca fora”. Não temos dúvida de que muitas coisas seriam colocadas fora. Mas, imaginemos se depois dessa decisão as portas fos- sem abertas e todos se reu- nissem para uma adoração conjunta. Todos eles estariam na “mesma página”. Talvez isso requeresse algum tempo, mas todos chegariam ao mes- mo ponto. Isso uniria as igre- jas de forma extraordinária e impressionante. Impressiona- ria o mundo! Isso impactaria o mundo mais do que nossas divisões estão fazendo. Parte da palestra proferida pelo Dr. David Murray sobre Adoração Reformada, no Simpósio Refor- mado Os Puritanos/julho/2009 . Revista Os PuRitanOs 2•2009 A Despedida é uma Tão Doce Tristeza? “Convém-vos que eu vá.” (Jo 16:7) David Murray despedida é uma tão doce tristeza” é das frases mais citadas de Shakespeare. O que poucos percebem, no entanto, é que foi produzida no contexto de Julieta dizendo boa noite a Romeu, “até que seja amanhã”. A triste- za da despedida foi adocicada pelo conhecimento de que era apenas por algumas horas. Mas, e aquelas despedidas de queridos que se vão por anos e anos? Não há nada doce em tais despedidas, mas algo mui- to amargo. Que tristeza incomum quando o marido moribundo, em sua última despedida, tem que beijar sua esposa e flhos! Que amargura quando os solda- dos americanos à caminho do Iraque têm de dizer adeus a seus amados! Que agonia quando um pastor e seu amado rebanho têm de separar-se, na providên- cia de Deus, e romper a união de amor construída por anos? Tais despedidas não são “tristezas doces”, mas amargas, amargas, amargas. O Senhor Jesus conhecia a profunda tristeza de despedir-se de sua amada família e do seu rebanho, nesta terra. Repetidamente, Ele os advertiu que teria de “ir” (Jo 16:7). Isso não foi fácil para eles, mas tam- bém não foi fácil para Jesus. A Dor de Sentir Saudade Deles Para Jesus, havia uma tristeza dupla nesta despedida. Primeiro, havia a dor de sentir saudades da compa- nhia dos discípulos. Através dos anos Ele veio a amá- los e até mesmo necessitar e depender deles. Como homem, Jesus desfrutou da amizade deles. O Senhor teve prazer ao conversar com eles e deleitou-se nas variadas características e personalidades de cada um. Ele amou ver suas faces com suas variadas expres- sões. Quando Ele ouvia suas vozes familiares, Jesus poderia identifcar o humor deles. Jesus os queria junto dele na terra (Mt 26:37). Os queria junto a Ele no céu (Jo 17:24). Mas gora havia a dor da despedi- da por algum tempo. Como Ele sentiria falta deles e quanta dor lhe causaria antecipadamente! Esse pensamento amargo em ter saudade de seus discípulos, foi adocicado por Cristo pelo conhecimen- to de que Ele estava indo aos céus onde todas suas dores e tristezas seriam fnalizadas. Ele estava indo para fcar com seu povo glorifcado, onde amizade e comunhão seriam perfeitas. Para Cristo isto de algu- ma forma adocicaria a tristeza da despedida. A Dor de Causar-lhes Dor Segundo, havia a dor de causar algo doloroso ao seu rebanho. Jesus não era egoísta. Ele não desconsiderava aqueles a quem deixaria para trás. O Senhor se pre- ocupava profundamente com seus discípulos e faria qualquer coisa que não desobedecesse a seu Pai a fm deixá-los alegres. O pensamento de Seus discípulos por sentir a dor do vazio de Sua ausência e o derramar até de uma única lágrima o afetava profundamente e atri- bulava Sua sensível alma: “Porque eu vos tenho dito es- tas coisas, a tristeza encheu o vosso coração” (Jo 16:7). Aqui Jesus promete aos seus tristes discípulos que, pelo Seu Espírito, viria até eles e com eles teria comu- nhão e os confortaria. O marido moribundo, o soldado de partida, o pastor que recebe um chamado, podem almejar a capacidade de fazer o mesmo. Eles podem desejar ter o poder de deixar seus espíritos para trás com seus familiares a fm de continuar a relação e as- sim adocicar a tristeza da despedida física. Mas eles não têm esta capacidade. Porém Cristo pode, fez e faz. Querido cristão solitário e triste, Cristo promete: “Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros” (Jo 14:18). Leve toda tristeza amarga das despedidas des- te mundo ao Senhor Jesus e busque o Seu conforto, Sua doce presença na sua alma vazia e amarga. Então, e somente então, estas despedidas do mundo se torna- rão “uma tão doce tristeza”. Dr. David Murray é professor de Velho Testamento e Teologia Prática no Puritan Reformed Theological Seminary, USA. “A 2 Revista Os PuRitanOs 2•2009 Prefácio de Calvino para o Saltério “Bom é render graças ao Senhor e cantar louvores ao teu nome, ó Altíssimo.” (Sl 92:1) João Calvino a edição fac-símile de: “Les Pseaumes mis en rime françoise par Clèment Marot et Theodore de Beze. Mis em musique a quatre parties par Calude Goudimel. Par lês héritiers de François Jacqui” (1565). Publicado sob os auspícios da La Societé dês Concerts de la Ca- thédrale de Lausanne e editado, em Frances, pela Pidoux, Pierre, e em Alemão pela Amein Konrad. (Be- roenreiter-Verlag, Kassel, 1035). Uma das coisas mais requerida na Cristandade e uma das mais necessárias, é que cada um dos féis observe e sustente a comunhão da Igreja em sua localidade, frequentando as assembléias que aconte- cem tanto aos Domingos como em outros dias para honrar e servir a Deus: assim também era convenien- te e razoável que todos soubessem e ouvissem o que se deve dizer e fazer no templo a fm de receber fruto e edifcação. ENTENDIMENTO É ESSENCIAL Pois nosso Senhor, não instituiu a ordem, que deve- mos obedecer quando nos reunimos em Seu Nome, somente para entreter o mundo quando este olha e observa, antes, ele deseja que o culto seja útil para todo o seu povo; como São Paulo testemunhou, orde- nando que tudo que for feito na Igreja seja direcio- nado à edifcação comum de todos; isto o servo não teria ordenado, não fosse esta a intenção do Mestre. Mas isto não pode ser feito, a menos que sejamos instruídos a usar a inteligência em tudo que foi or- denado para o nosso proveito. Porque dizer que so- mos capazes de ter consagração, tanto nas orações e cerimônias, sem entender nenhuma destas coisas, é uma grande tolice, no entanto, muito tem sido dito comumente. Mas isto não quer dizer que esta boa afeição para com Deus, deva ser algo morto ou em- brutecido. Ao contrário, ela é resultado de um mover vivo procedente do Espírito Santo, quando o coração é devidamente tocado e o entendimento iluminado. E se de fato, alguém pudesse ser edifcado por coisas que alguém vê, sem entender o que elas signifcam São Paulo não proibiria tão rigorosamente o falar em línguas estranhas: e não usaria todo o seu arrazoado de que não há edifcação a menos que haja doutrina. Portanto, se realmente queremos honrar as santas ordenanças de nosso Senhor que usamos na Igreja, a primeira coisa que devemos fazer é saber o que elas contêm e o que elas signifcam e querem dizer e para que fm foram instituídas, para que o uso delas seja útil e salutar e, consequentemente, corretamente ad- ministradas. ELEMENTOS NO CULTO Agora há três breves coisas que nosso Senhor ordenou sejam observadas nas nossas assembléias espirituais: que são, a pregação de Sua Palavra, orações, públicas e solenes, e a administração dos sacramentos. Vou me abster de falar dos sermões desta vez, porque não há nenhuma questão a respeito deles. Tocando nas que restam, nós temos como ordenanças expressas do Espírito Santo que as orações sejam feitas em uma linguagem comumente conhecida do povo; e o Após- tolo disse que as pessoas não devem responder Amém àquelas orações que forem feitas em língua estranha. Isto porque, as orações são feitas em nome de todos, que naturalmente são participantes dela. Por isso é um grande descaramento por parte daqueles que introdu- ziram a língua Latina na igreja, onde geralmente não é entendida. E não há nem sutileza nem casuísmo que possam desculpá-los, porque esta prática é perversa e desagrada a Deus. Além disso, não há nenhuma razão para presumir que Deus esteja de acordo com aqueles que estão indo diretamente contra a Sua vontade, e as- sim falam a despeito Dele. Por isso, nada o afeta mais que ir de encontro a sua proibição e gabar-se disto como se fosse algo santo e louvável. D Revista Os PuRitanOs 2•2009 SACRAMENTO ASSOCIADO À DOUTRINA Quanto aos Sacramentos, se observar- mos a sua natureza, vamos reconhecer que é um costume perverso celebrá-los de tal maneira que as pessoas somen- te as vejam, mas não compreendam os mistérios que eles contêm. Porque se eles são a Palavra visível, (como Agos- tinho os chama), é necessário que haja não somente um mero espetáculo ex- terno, mas também que a doutrina seja associada com eles para emprestá-los inteligência. E também, nosso Senhor ao instituí-los demonstrou isso: por- que Ele diz que são testemunhas da aliança que fez conosco, e a qual con- frmou através de Sua morte. É neces- sário, portanto, dar-lhes seus próprios signifcados para que possamos saber e entender o que Ele disse: de outra sorte teria sido em vão que nosso Se- nhor abrisse sua boca para falar, se não houvesse ouvidos ao seu redor para ouvir. Assim não há necessidade de uma longa disputa a respeito disso. E quando a matéria é examinada com o senso comum, não há ninguém que não confesse que é completamente an- tiquado entreter as pessoas com sím- bolos sem signifcado algum para eles. Assim podemos facilmente concluir que estes profanam os Sacramentos de Jesus Cristo, administrando-os de tal forma que as pessoas nem mesmo entendem as palavras que são ditas a respeito deles. E de fato, pode-se ver a superstição que emerge de tal prática. Porque é comumente considerado que a consagração, por exemplo da água do Batismo, ou do pão e do vinho da Santa Ceia do Senhor, é tal como um encan- tamento, em outras palavras, quando alguém respirou ou pronunciou com a boca as palavras, criaturas insensíveis a sentimentos, sentem o poder, embo- ra os homens não entendam nada. Mas a verdadeira consagração é aquela que se faz através da palavra da fé, quan- do é declarada e recebida, como Santo Agostinho disse: aquela que é expres- samente contida nas palavras de Jesus Cristo. Porque Ele não diz ao pão que é seu corpo, antes Ele dirige sua pala- vra ao ajuntamento dos féis, dizendo: tomai, comei, e assim por diante. Se quisermos celebrar corretamente este Sacramento é necessário apropriar-se da doutrina, por meio da qual o signif- cado nos é declarado. Eu sei que pode parecer muito entranho para quem não está acostumado a isto, como acontece com todas as coisas novas; mas é muito razoável se nós como discípulos de Je- sus Cristo preferirmos sua instituição em lugar do nosso costume. E aquilo que Ele instituiu desde o princípio não deve parecer novo para nós. E se isto ainda não foi capaz de pe- netrar no entendimento de alguém, é necessário que oremos a Deus, para que se for do Seu agrado, ilumine o ignorante para fazê-lo entender quão mais sábio é que todos os homens desta terra pudessem aprender a não se fxarem nos seus próprios sentidos, nem sequer em nenhuma sabedoria louca dos seus líderes que estão cegos. No entanto, para o uso em nossas igre- jas, pareceu bem a nós tornar público, como uma coleção, estas orações e Sacramentos para que não só as pes- soas desta Igreja, mas também todos aqueles que desejarem, saibam, de que forma os féis devem comparecer e se portar quando se reunirem em nome de Cristo. DOIS TIPOS DE ORAÇÃO Nós temos então reunido em um sumá- rio, a forma de celebrar os Sacramentos e santifcar o casamento, igualmente as orações e louvores que usamos. Falare- mos mais tarde sobre os Sacramentos. Quanto às orações públicas, há dois ti- pos. Aquelas somente com palavras, e outras cantadas. E isto não é alguma coisa inventada há pouco tempo atrás. Pois desde o início da Igreja tem sido assim, conforme o testemunho da his- tória. E o próprio apóstolo Paulo fala, não apenas da oração de palavras, mas também da que é cantada. E na ver- dade nós sabemos, por experiência, que cantar tem grande força, vigor de mover e infamar os corações dos ho- mens para envolvê-los em adoração a Deus com mais veemência e ardente zelo. Sempre se deve ter cuidado, para que as músicas não sejam nem frívolas nem triviais, mas que tenham peso e majestade, (como dizia St. Agostinho), e também há uma grande diferença de músicas que alguém faz para entreter os homens à mesa ou em suas casas, e os Salmos que cantamos na Igreja, na presença de Deus e de Seus anjos. Mas se alguém quiser julgar corretamente a forma que apresentamos aqui, espe- ramos que a encontre santa e pura, di- recionada à edifcação da qual já temos falado. EXPRESSÃO ATRAVÉS DO CANTO E ainda que a prática do canto possa se estender mais amplamente; ela é, mes- mo nos lares e nos campos, um incenti- vo para nós, de certo modo, um órgão de louvor a Deus, para elevar nossos corações a Ele, e consolar-nos pela me- ditação de Sua virtude, bondade, sabe- doria e justiça: isto é, tudo aquilo que é mais do que alguém possa dizer. Em primeiro lugar, não é sem causa que o Espírito Santo nos exorta cuidado- samente através das Escrituras a nos regozijar em Deus e que toda a nossa alegria seja subjugada ao seu verdadei- ro propósito porque Ele sabe o quanto somos inclinados a nos alegrar com fu- tilidades. Como então, nossa natureza nos força e induz a buscarmos todos os meios de alegrias tolas e viciosas, as- sim, ao contrário, nosso Senhor, para nos desviar o espírito das tentações da carne e do mundo, nos apresenta todos PRefáCiO de CalvinO PaRa O saltéRiO 2 Revista Os PuRitanOs 2•2009 os meios possíveis para nos ocupar na- quela alegria espiritual que tanto Ele nos recomenda. A IMPORTÃNCIA DA MÚSICA Agora, entre outras coisas que são pró- prias para entreter e recrear o homem e lhe dar prazer, a música é tanto a primeira como a principal; e é necessá- rio pensar que este é um dom de Deus a nós delegado para tal fm. Além do mais, por causa disso, temos que ser mais cuidadosos em não abusar dele, com temor de desgraçá-lo e contaminá- lo, convertendo em nossa condenação, aquilo que foi dedicado para o nosso proveito e uso. Se não houvesse outra consideração, senão esta, já seria suf- ciente para nos levar a ter moderação no uso da música, e fazê-la servir a to- das as coisas honestas. E que ela não nos dê ocasião para dar lugar a todo tipo de dissolução, ou nos fazermos como efeminados em deleites desorde- nados, e não se torne instrumento de lascívia ou qualquer impudicícia. O PODER DA MÚSICA E ainda há mais: existe raramente no mundo qualquer coisa que seja mais capaz de virar e corromper os homens do seu caminho e da sua moral, como Platão prudentemente considerou. E como de fato, sabemos por experiência, que ela tem um poder sagrado e qua- se incrível de mover corações de uma forma ou de outra. Portanto, temos que ser por isso mesmo, mais diligente em regulá-la de tal forma que nunca seja usada por nós de alguma forma perniciosa. Por esta razão os antigos doutores da igreja frequentemente exortavam a esse respeito, de que as pessoas do seu tempo, eram viciadas em canções desonestas e vergonhosas, que não sem causa, se referiam a elas chamando-as de venenos mortais e sa- tânicos por corromper o mundo. Além do mais, já que falamos de música, eu a compreendo em duas partes: o que chamamos letra, ou assunto; e segun- do, a música, ou melodia. É verdadeiro que toda má palavra (como dizia São Paulo), corrompe os bons costumes, mas quando a melodia é colocada nela, traspassa o coração muito mais forte- mente, e penetra nele, de uma maneira como através de um funil se derrama o vinho num vaso; assim também o ve- neno e a corrupção é destilado até as profundezas do coração pela melodia. PORQUE ESCOLHER OS SALMOS O que então devemos fazer agora? É preciso haver canções não somente ho- nestas, mas também santas, que como aguilhões nos incite a orar e a louvar a Deus e a meditar nas suas obras para amar, honrar e glorifcá-Lo. Além do mais, aquilo que St. Agostinho disse é verdadeiro, que ninguém é capaz de cantar algo digno de Deus, exceto aqui- lo que recebemos Dele. Portanto, quan- do procurarmos diligentemente, aqui e ali, não iremos encontrar cânticos me- lhores, por mais apropriados de sejam os seus propósitos, do que os Salmos de Davi, que o Espírito Santo falou e preparou através dele. E, além disso, Crisóstomo exorta, tanto os homens, como as mulheres e crianças a se acos- tumarem a cantá-los, afm de que este seja o tipo de meditação que os faça associados à companhia dos anjos. PORQUE É REQUERIDO CAN- TAR COM ENTENDIMENTO Como de resto, é necessário relembrar o que São Paulo disse, que os cânticos espirituais não podem ser cantados exceto com o coração. Mas o coração requer a inteligência. E sobre isso (diz St. Agostinho), encontra-se a diferença entre o cantar dos homens e o cantar dos pássaros. Pois um pintarroxo, um rouxinol, um pardal podem cantar bem, mas será sem entendimento. Mas o dom único dado ao homem é cantar sabendo o que está cantando. Após a inteligência, deve seguir o coração e a afeição, uma coisa impossível de acon- tecer exceto se tivermos o hino impres- so em nossa memória, afm de nunca cessarmos de cantar. Por essa razão, este presente livro, tanto mais pelas razões e outras que de resto foram di- tas, deve ser singular recomendação a cada um que deseja alegrar-se hones- tamente e de acordo com Deus, para a sua própria prosperidade e proveito dos seus visinhos; por tudo isso é mis- ter que seja recomendado por mim: es- perando que isto reivindique seu valor e louvor. Mas que o mundo seja bem advertido, que em lugar de canções em parte vãs e frívolas, em parte estúpidas e tolas, e consequentemente más e da- nosas, como são utilizadas no momen- to, seja acostumado, daqui para frente, a cantar estes hinos divinos e celestiais juntamente com o bom rei Davi. Tra- tando-se da melodia, parece ser a me- lhor e a mais moderada forma adotada para carregar apropriadamente o peso da majestade do assunto, e tanto para ser cantado na Igreja, de acordo com tudo que tem sido dito. Genebra, 10 de junho de 1543. Extraído da Blue Banner Articles ...ninguém é capaz de cantar algo digno de Deus, exceto aquilo que recebemos Dele. JOãO CalvinO Revista Os PuRitanOs 2•2009 Examinai as Escrituras “...examinando diariamente as Escrituras para ver se estas coisas eram assim.” (At17:11) Richard Baxter e você não quer que a obra da sua conversão venha a ser abortada, uma vez entendido o que lhe é oferecido, “examine as Escrituras todos os dias para ver se as coisas são de fato assim ou não” (At 17:11). Assim fzeram os bereanos, e o texto diz que “com isso, muitos deles creram” (At 17:12). Nós não que- remos enganá-lo, por isso não queremos que você aceite qualquer coisa que dissermos, mas aquilo que pudermos provar, pela palavra de Deus ser realmente verdade. Não desejamos guiá-lo nas trevas, mas, pela luz do Evangelho, queremos retirá-lo das trevas. Assim sendo, não recusamos submeter toda a nossa doutrina a um teste justo. Embora não desejemos que você se torne culpado por desconfar de nós injustamente, ain- da assim, não desejamos que aceite estes ensinos im- portantes e preciosos, confado meramente nas nossas palavras, porque neste caso, a sua fé seria colocada no homem, e, então, seria de admirar que viesse a ser fraca, inefcaz, e facilmente abalada. Você pode con- far em um homem hoje e não mais confar amanhã; um homem pode merecer o maior crédito de você este ano, mas no ano seguinte pode ser que outro homem, com pensamentos contrários, venha a merecer mais crédito aos seus olhos. Assim, nós não queremos que acredite em nós mais do que o sufciente para conduzi- lo a Deus, e para que o ajudemos a entender aquelas palavras nas quais você precisa crer. O nosso desejo, portanto, consiste em que você examine as Escrituras, e teste se as coisas que lhe dizemos são verdadeiras. A nossa palavra nunca alcançará o seu propósito em você, até que veja e ouça a Deus nelas, e compre- enda que é Ele, e não apenas homens, quem está lhe falando. Se você não ouvir ninguém lhe falar, a não ser o ministro, não é de admirar que ouse desdenhar dele, pois ele é um homem frágil e mortal como você mesmo. Enquanto você pensar que a doutrina que pregamos é meramente o produto da nossa própria imaginação ou conjecturas, não é de admirar que não a valorize, nem abandone tudo o que cria anteriormente, pela simples persuasão de um pregador. Mas quando você sondar as Escrituras, e vier a descobrir que o que lhe está sendo pregado é a Palavra do Deus dos Céus, ousaria você então desprezá-la? Quando você descobrir que nós não lhe dissemos mais do que fomos ordenados, e que o Deus que falou esta Palavra a sustentará, então ela certamente lhe falará mais intimamente. Você a considerará, e não mais a ouvirá com descaso. Se nós vendêssemos mercadorias defeituosas, certa- mente desejaríamos uma loja escura para esconder os defeitos. Se o nosso ouro ou prata fossem leves ou de má qualidade, nós certamente não recomendaríamos que os pesassem e testassem. Mas quando estamos convictos de que aquilo que falamos é verdade, não desejamos outra coisa, senão teste. Beleza e boa apa- rência não apresentam nenhuma vantagem sobre uma deformidade repugnante quando ambas encontram- se nas trevas, mas a luz mostrará a diferença. O erro será um perdedor quando houver luz, e assim fugirá dela. Mas a verdade será vitoriosa quando houver luz, e portanto a buscará. Deixe que os papistas escondam as Escrituras do povo, proíbam sua leitura na língua que eles conhecem, e ensinem-lhes a falar de Deus o que não entendem. Nós não ousamos fazer isso, nem o desejamos. Nossa doutrina não é pregada nas trevas. Por isso convidamos você à “lei e aos testemunhos”. Coloque nossas palavras na luz, e veja se elas não estão de acordo com a Palavra de Deus. Nada nos in- comoda mais do que não podermos persuadir nossos ouvintes a fazerem este teste. Alguns deles, entretanto, estão tão endurecidos no seu pecado e miséria, que nem sequer se darão ao trabalho de abrirem suas Bí- blias para testarem se o que dizemos é verdade ou não. Alguns deles nem sequer incomodarão suas mentes pensando sobre isto; “Deus não está em nenhum dos seus pensamentos”. Alguns já se consideram sábios S 30 Revista Os PuRitanOs 2•2009 demais para aprender, e não mais aba- terão a sua confança em suas opiniões anteriores, embora, pobres almas, sua ignorância ameace-os de condenação. Outros estão tão envolvidos com fac- ções pecaminosas, que os seus compa- nheiros não lhes darão oportunidade para que questionem o caminho em que estão, enquanto que outros, ainda dif- cilmente tomarão as Escrituras como a norma pela qual devem testar e serem provados, porém olham mais para os costumes, e para a vontade daqueles que exercem poder sobre eles. Muitos não estão querendo submeter à teste o nosso ensino, porque não estão que- rendo saber a verdade, e não poderiam suportar descobrirem-se miseráveis, nem verem o que lhes é requerido mas que não apreciam praticar. Assim, não podemos conseguir que venham a tes- tar se as coisas que lhes ensinamos são verdadeiras. É por causa disso que os homens enganam a si mesmos, e pensam en- contrar-se seguros, quando na verdade encontram-se em um estado miserável, porque não testam, pela Palavra, o que lhes é dito. Isto os torna obstinados e confantes na sua loucura, fazendo-os sorrir e cantar à beira do inferno, e que nadem alegremente rio abaixo em direção ao abismo devorador como se mal algum os ameaçasse. Isto faz com que eles, embora em profunda misé- ria, não tenham pena de si mesmos, e se empenhem tão pouco para escapar deste estado. Embora tenham tempo, meios e ajuda à disposição, ainda assim não dispõem seus corações de razões para fazer uso disto. Sim, eles lançam- se diariamente mais e mais em direção ao abismo, e tudo porque não podemos fazer com que examinem as Escrituras, para verem se o pecado é algo assim tão insignifcante, e se não terminará em amargura. Daí serem eles tão facilmente levados por uma tentação, terem aver- são a uma vida santa, e menosprezarem aqueles que buscam diligentemente a salvação, e que são mais preciosos aos olhos de Deus. Daí escarnecerem do caminho no qual eles deveriam andar, porque não examinam as Escrituras para ver o que lhes é dito quanto ao assunto. A Palavra é uma luz que ajudaria muito a abrir-lhe os olhos e a salvá-lo para Deus, se eles apenas fossem a ela com desejo de co- nhecer a verdade. Vocês pensam que os ímpios ricos e poderosos estão em melhor condição do que um homem piedoso, o qual é pobre e desprezado. E qual a razão, se não porque não entram no santuário, e vêem em que lugar escorregadio eles se encontram, e qual será o fm destes homens? Em uma palavra, esta é uma ruína de milhões de almas. Eles passam a vida toda fora do caminho do céu, e ainda assim não são persuadidos a per- guntar pelo caminho, mas precipitam- se, fecham os olhos, e entregam-se ao perigo. Milhares partem deste mundo sem que tenham gasto, no total, o perío- do de um dia testando, pelas Escrituras, se seu estado é bom e seus caminhos são certos. Não adianta; ainda que seus mestres lhes digam que precisam ser santifcados e mudar de rumo, eles dis- cordarão deles, embora não sejam tão sábios nem tenham tanto conhecimen- to quanto seus mestres, e os contradi- rão, não crerão neles, nem os considera- rão. Por causa disso, não conseguimos com que venham a nós, a fm de que sujeitem suas questões à teste, e dei- xem que a Escritura seja o juiz. Se eles apenas tomassem essa atitude, não te- riam pensamentos tão duros sobre seus mestres, nem se ofenderiam por causa do seu modo franco e rigoroso de lidar com eles. Se assim você fzesse, então diria: “Agora eu vejo que o ministro não diz estas coisas se si mesmo. Ele fala ape- nas o que Deus lhe ordena; e se ele não entregasse a mensagem do Senhor, ele seria indigno e desqualifcado para ser Seu embaixador. Ele seria cruel para comigo, se não me puxasse do fogo do modo mais franco e rigoroso. Ele me odiaria, se não me repreendesse, mas permitisse que eu fcasse no pecado. Se ele estivesse preocupado em agradar a homens, não seria um servo de Cristo. Eu sei que ele não sente prazer em me afigir ou provocar; mas ele estaria con- correndo para a sua própria destruição se não me alertasse do perigo em que me encontro. Eu não tenho razão em de- sejar que ele tenha sua alma condenada, e permita que a mesma coisa aconteça com a minha; e tudo pelo temor de me desagradar, estando eu em pecado”. Estes seriam os seus pensamentos se você apenas provasse nossas palavras pelas Escrituras, para ver se falamos ou não de conformidade com a vontade de Deus. Não há dúvida de que nossas pa- lavras penetrariam mais profundamen- te no seu coração, sendo mais fxadas e mais preciosas aos seus olhos, se você viesse a entender que elas são palavras de Deus. Esta, portanto, é a minha sú- plica, para que a obra da sua conversão não venha a ser abortada: leve tudo o que ouvir às Escrituras, e ali examine e veja se é realmente assim ou não, a fm de que retire suas dúvidas e se torne convicto, ao invés de fcar hesitante, e para que a sua fé seja estabelecida pela autoridade de Deus. Assim, a obra será divina e, por conseguinte, poderosa e efcaz, visto que as bases e razões são di- vinas. Se você não fcar satisfeito com a doutrina que o ministro prega, examine primeiramente você mesmo as Escritu- ras. Se isso não o convencer, vá a ele, e peça-lhe que mostre a você suas bases na Palavra de Deus, e que ore por você, para que Deus lhe dê um entendimento correto dela. Você questiona se há re- almente um julgamento realmente tão severo, um céu e um inferno, como os ministros lhe dizem? Examine as escritu- ras em Mt 25 e 2 Ts 1:8-10; Jo 5:29; Mt RiChaRd BaxteR Revista Os PuRitanOs 2•2009 1 13. Você questiona que um homem não possa ser salvo sem conversão, regene- ração e santifcação? Abra sua Bíblia, e veja o que diz Deus em Jo 3:3,6; Mt 18:3; 2 Cor 5:17; Rom 8:9; Heb 12:14. Você pensa que um homem pode ser salvo sem conhecimento? Deixe que a Escri- tura julgue: 2 Cor 4:3,4; Jo 17:3; Os 4:6. Você pensa que um homem pode ser salvo, comportando-se como a maioria se comporta, vivendo no caminho ordi- nário em que o mundo vive? Examine as Escrituras e veja, Mt 7:13,20; 22:14; Lc 12:32. Você pensa que uma alma não humilhada e que nunca foi contrista- da e teve um coração quebrantado por causa do pecado pode ser salva? Teste com: Is 57:15,66; Sl 51:17; lc 4:18; Mt 11:28. Você pensa que um homem pode ser um servo de Deus vivendo uma vida carnal e conservando seus pecados? Prove com Rom 8:13; Gál 6:8; Ef 5:5,6; 1 Jo 3:9,10. Você tem dúvida quanto à necessidade de fazer tanto esforço para ser salvo, e ter tanto empenho, e fazer da religião a coisa principal da nossa vida? Teste com o Sl 1:1-3; 1 Pe 4:18; Heb 7:14; lc 10:42; 13:24; Ef 5:15,16. Você pensa que um homem mundano, cujo coração está mais na terra do que nos céus, pode ser salvo? Teste com 1 Jo 2:15; Fp 3:19; Col 3:1; Lc 14:26,33. Você tem dúvidas se deveria servir a Deus com sua família, instruí-los, e orar com eles? Examine Jos 24:15; Dt 6:6,7; Dn 6:10,11; Ex 20:10. Assim, se você, em todas estas im- portantes questões, apenas for às Escri- turas, para ver se elas confrmam o que seus mestres dizem, você cedo poderia ter suas dúvidas tiradas, e isto pela au- toridade mais infalível do mundo. Você pode pensar que os seus ministros es- tão enganados, mas eu espero que ad- mita que Deus não pode estar enganado. Você pode pensar que os seus ministros são impetuosos, presunçosos, ou que falam de tal modo por terem prevenção contra você. Eu só espero que não ouse pensar assim do Senhor. Ele não tem nenhuma prevenção contra você, nem fala uma só palavra que não seja conf- ável. Você pode pensar que somos par- ciais, mas Deus é imparcial. Que melhor juiz poderia ter você do que Ele, que é infalível e, no fnal, julgará a todos? Se algum papista colocar em sua cabeça a pergunta: Quem é o juiz do sentido das Escrituras? Eu respondo: Quem é o juiz do Juiz do mundo inteiro? A lei é feita para julgar você, e não para ser julgada por você. Ninguém pode ser melhor juiz do sentido da lei do que o próprio autor da lei, embora outros devam julgar seus casos pela lei. O seu dever é discernir, entender, e obedecer a lei, e o nosso é ajudá-lo a entendê-la. Mas não é nossa tarefa, nem a sua, o ser o seu juiz pró- prio ou absoluto. Pelo menos onde fala claramente, ela não precisa de juiz. Ve- nha portanto à Palavra, com humildade e humilhação, com uma disposição ensi- nável de espírito, um desejo de aprender a verdade, uma resolução de aceitá-la, e de submeter-se ao que lhe será revela- do. Implore a Deus que Ele lhe mostre Sua vontade, que o guie verdade, e você descobrirá que Ele será encontrado por aquele que O busca. Extraído do livro “Medita Estas Coisas” de Richard Baxter (Knox Publicações, p.p. 15-52) ASSINATURA DA REVISTA OS PURITANOS Se você deseja fazer assinatura anual da Revista OS PURITANOS (periodicidade trimestral), envie cheque nomi- nal cruzado ou cópia de comprovante bancário em favor da CLIRE — Centro de Literatura Reformada, Banco do Brasil — AGÊNCIA 0007-8, CONTA CORRENTE 10.903-7, no valor de R$ 32,00 (Trinta e Dois Reais). 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