Relatorio Final de Pesquisa Justiça criminal

March 19, 2018 | Author: Adriana Vasconcelos | Category: Trials, Criminal Procedure, Criminal Law, Crime & Justice, Crimes


Comments



Description

Relatório final de pesquisaOs novos procedimentos penais Uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08 Relatório Final - Pensando o direito CONVOCAÇÃO BRA Nº 01/2009 - Linha temática: Os novos procedimentos penais Equipe técnica Ludmila Ribeiro – coordenadora da pesquisa Julita Lemgruber – supervisora técnica Igor Suzano – Pesquisador Klarissa Silva - Pesquisadora Diogo Tebet – Advogado Carlos Eduardo Rebelo – Advogado Gustavo Sá – Advogado Leonardo Paris - Estatístico Thiago Araújo – Assistente Carolina Moreira - Estagiária Adriana Ferreira - Revisora Ana Paula Andrade - Gerente Administrativa Fernanda Terrazas - Coordenação da pesquisa junto ao Ministério da Justiça Financiamento: Ministério da Justiça (MJ) Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Execução: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC) Databrasil – Ensino e Pesquisa Universidade Candido Mendes (UCAM) 24 Sumário INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 27 Objeto da pesquisa..................................................................................................................... 31 Metodologia............................................................................................................................... 32 CAPÍTULO I - AS ALTERAÇÕES OPERADAS PELA REFORMA LEGISLATIVA ............. 36 I.1 – O tempo prescrito pelo Código de Processo Penal Brasileiro para processamento de uma dada infração – as alterações introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08. ......................... 37 I.2 – Alterações produzidas pela Lei 11.719/08 no Rito Ordinário........................................... 46 I.3 – Alterações produzidas pela Lei nº11.689/08 no Rito do Tribunal do Júri ....................... 26 I.4 – As alterações globais produzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08 sob o tempo de processamento dos crimes comuns e dos crimes dolosos contra a vida.................................... 33 I.5 – Tempo legal e tempo necessário para processamento das infrações penais ..................... 34 1.5.1 O tempo legal nos diplomas internacionais...................................................................... 35 I.5.2 O tempo necessário na justiça criminal brasileira: uma revisão dos estudos empíricos realizados sobre o tema.............................................................................................................. 51 CAPÍTULO II - ANÁLISE EMPÍRICA DO ASPECTO TEMPORAL DAS NOVAS LEIS...... 63 II.1. O tempo do processo penal no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ)................... 64 II.1.1. Metodologia – a preparação dos dados para a análise .................................................... 66 II.1.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de roubo distribuídos no TJRJ .................... 82 II.1.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de homicídio doloso distribuídos no TJRJ . 88 II.1.3 – Conclusões gerais da análise do banco de dados do TJRJ............................................ 92 II.2 O tempo do processo penal no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)........................... 94 II.2.1. Metodologia – a preparação dos dados do TJSP para a análise...................................... 95 II.2.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de roubo distribuídos no TJSP.................. 110 II.2.3 – O tempo do processo no caso dos delitos de homicídio doloso distribuídos no TJSP 114 II.2.4 – Conclusões gerais da análise do banco da dados do TJSP ......................................... 119 II.3 - Considerações finais – comparando os resultados da análise da base de dados do TJRJ e da base de dados do TJSP........................................................................................................ 120 CAPÍTULO III. A REFORMA PROCEDIMENTAL SOB A ÓTICA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.............................................................................................. 126 III.1 – Importância da análise constitucional da reforma ........................................................ 127 III.2 – Análise dos dispositivos legais sob a luz das garantias fundamentais ......................... 131 III.2.1. A dignidade da pessoa humana e o tratamento isonômico.......................................... 131 III.2.2. A presunção de inocência e o respeito à integridade física e moral do preso ............. 134 III.2.3. O Devido processo legal.............................................................................................. 136 25 III.3. Algumas considerações acerca da efetividade das garantias constitucionais pela a reforma procedimental .......................................................................................................................... 159 CAPÍTULO IV. ESTUDO DO POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS ACERCA DA REFORMA PROCESSUAL PENAL ......................................................................................... 166 IV.1 – A reforma do processo penal a partir da publicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08 . 169 IV.2 – O papel da jurisprudência na interpretação dos pontos controversos de uma dada lei 173 IV. 3 - Metodologia da pesquisa.............................................................................................. 178 IV. 4 – As decisões dos tribunais: uma análise descritiva....................................................... 183 IV.4.1 - Excesso de prazo........................................................................................................ 196 IV.4.2 - Ausência de Justa Causa para Continuidade da Prisão Cautelar ............................... 203 IV.4.3 – Identidade física do juiz ............................................................................................ 207 IV.4.4 - Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal ........................................ 211 IV.4.5 – Cerceamento do direito de defesa – Audiência Una ................................................. 214 IV.4.6 – Nulidade Processual .................................................................................................. 216 IV.4.7 - Absolvição Sumária ................................................................................................... 219 IV.4.8 - Ausência de justa causa para exercício da ação penal ............................................... 224 IV.4.9 - Critérios de Fixação de Quantum Indenizatório ........................................................ 226 IV.4.10 - Reexame necessário revogado pela Lei 11.689/08 .................................................. 230 IV.4.11 – Critérios para a decisão de pronúncia...................................................................... 232 IV.4.12 Mutatio e Emendatio Libelli....................................................................................... 236 IV.4.13 – Suspensão Condicional do Processo ....................................................................... 239 IV.4.14 – Recurso em Sentido Estrito recebido como Apelação ............................................ 242 IV.4.15 – Uso de Algemas....................................................................................................... 242 IV.5 – As decisões do STJ e STF no que se refere às Leis 11.719/08 e 11.689/08 ................ 243 IV.6 – Considerações finais..................................................................................................... 245 CAPÍTULO V - ALTERAÇÕES PRODUZIDAS PELA REFORMA LEGISLATIVA NA PRÁTICA: A VISÃO DOS OPERADORES DO DIREITO NOS TRIBUNAIS DO JÚRI E NAS VARAS CRIMINAIS DO RIO DE JANEIRO ........................................................................... 247 V.1. Introdução ........................................................................................................................ 247 V.2. Metodologia..................................................................................................................... 248 V.3. Estrutura organizacional e as novas leis .......................................................................... 252 V.5. As varas criminais e os tribunais do júri.......................................................................... 254 V.6. Percepções dos operadores sobre as novas leis ............................................................... 274 V.7. Comentários finais ........................................................................................................... 278 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 280 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 283 ANEXOS ..................................................................................................................................... 295 26 INTRODUÇÃO A pesquisa pensando o direito – os novos procedimentos penais – teve por objeto a análise empírica da aplicação das reformas operadas no Código de Processo Penal pelas Leis 11.689, de 9 de junho de 2008 e 11.719, de 20 de junho de 2008 em suas mais diversas dimensões. Essas duas legislações, em conjunto, integram o que se convencionou denominar, para fins deste relatório, de reforma penal de 2008. De maneira simplificada, tal como destacado no edital de Edital de Convocação da Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) n. 01/2009, é possível afirmar que essas reformas tiveram como principal objetivo simplificar e agilizar o procedimento processual penal, mas a partir da conciliação entre tempestiva prestação jurisdicional e fortalecimento das garantias processuais penais inerentes ao sistema acusatório. No entender de Bottini (2008), para a adequada compreensão da necessidade destas duas leis no ordenamento jurídico brasileiro, é necessário revistar alguns outros marcos legais. Isso porque desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a discussão sobre a necessidade de se reformular o funcionamento da justiça tornou-se mais premente, posto que o funcionamento inadequado desta instituição traz conseqüências graves para todos, e não apenas para os operadores do direito. Para tal compreensão, cumpre-se, portanto, começar do momento de origem do Código de Processo Penal atual. Este é do ano de 1941 e, desde o seu nascimento até os dias atuais, poucas tinham sido alterações pelas quais este diploma havia passado até a reforma de 2008. Em boa medida, esta ausência de “reformas” levou à consolidação de problemas graves no âmbito da administração da justiça criminal brasileira. Neste sentido, destaca Moreira (2001) que: Este Código, elaborado sob a égide e os influxos autoritários do Estado Novo, decididamente não é, como já não era um estatuto moderno, à altura das reais necessidades de nossa Justiça Criminal, como dizia Frederico Marques. Segundo o genial mestre paulista, continuamos presos, na esfera do processo penal, aos arcaicos princípios procedimentalistas do sistema 27 escrito (...) O resultado de trabalho legislativo tão defeituoso e arcaico está na crise tremenda por que atravessa hoje a Justiça Criminal, em todos os Estados Brasileiros. Diante desta realidade em crise desde a sua origem e há muito debatida pelos doutrinadores da área,1 o Código de Processo Penal fora objeto de vários projetos de reforma que nunca se transformaram em realidade, posto que nunca alcançaram a fase de votação no Congresso Nacional. Entre os principais desdobramentos dos movimentos realizados pela aliança sociedade civil e operadores do direito tem-se o “Pacto por um Judiciário mais Rápido e Republicano”, apresentado em dezembro de 2004, pelos chefes dos três Poderes da nação, com propostas efetivas para a reforma constitucional, infraconstitucional e administrativa do sistema judicial. Bottini (2008) salienta que este pacto trouxe em seu bojo uma série de propostas de reforma infraconstitucional: foram apresentados mais de 20 projetos de alteração do processo civil, penal e trabalhista, praticamente todos aprovados pelo Congresso Nacional. Em linhas gerais, os projetos guardam relação principiológica, no entanto, é necessário e indispensável frisar que, no que concerne ao processo penal, algumas distinções qualitativas foram feitas, diante da peculiaridade dos valores envolvidos, quase sempre direitos fundamentais e indisponíveis. Em certa medida, todos esses projetos (tanto os que lograram como os que não lograram êxito) tinham um ponto em comum: tornar o sistema de justiça criminal mais célere e mais permeável às demandas dos cidadãos, institucionalizando o ideal de acesso à justiça, tal como discutido na obra de Cappelletti e Garth (1988). 2 A exceção a esta regra – afora o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais de 1995 – foi a reforma de 2008, que alterou o procedimento ordinário (Lei 11.719/08) e o procedimento do Tribunal do Júri (Lei 11.689/08). Apesar de estas reformas terem sido amplas no âmbito de 1 Vide Quadro 01 – Temáticas debatidas e principais expoentes, localizado ao final desta seção. 2 De acordo com Cappelletti e Garth (1988: 20), o acesso à justiça está intimamente relacionado ao tempo do processo porque em razão da demora as parte podem inclusive aceitar uma solução que não consideram justa apenas para não ter de aguardarem um novo pronunciamento judicial. Apesar de as demoras serem mais problemáticas na questão do acesso à justiça no âmbito civil “quando muitas vezes as partes abandonam os seus casos ou aceitam acordos por valores inferiores àqueles que teriam direito” os seus efeitos também se fazem sentir no âmbito criminal. 28 tais institutos, alguns doutrinadores (Moura, 2009 e Queijo, 2009) destacam que elas ainda são bastante incipientes no propósito de se transformar a forma como a justiça criminal é administrada no Brasil, especialmente, no que diz respeito às mazelas da tradição inquisitorial brasileira. Ou seja: apesar de novas leis (11.719/08 e 11.689/08) terem trazido inovações importantes, especialmente, no que diz respeito às exigências de uma justiça mais ágil, moderna e mais garantidora dos direitos dos cidadãos brasileiros, elas ainda não foram capazes de transformar o cerne da ideologia fascista (Moreira, 2001) que sustenta a edição original do Código de Processo Penal (CPP) de 1941. Assim, questões que desde a publicação da Constituição Federal de 1988 restam controversas no âmbito do processo penal brasileiro, ainda permaneceram sem solução, mesmo após a edição das referidas leis. Em parte, alguns doutrinadores argumentam que isso ocorreu porque os projetos de reforma foram baseados muito mais em reclamações constantes dos cidadãos e da própria mídia do que em diagnósticos empíricos sobre o que de fato acontece no sistema de justiça criminal brasileiro. Neste sentido, tem-se o posicionamento de Coutinho (2008): Falar apenas em celeridade como parâmetro de justificação política neste caso é mais uma reafirmação do princípio da eficiência que pauta os sistemas penais em tempos de neoliberalismo. Pode-se, inclusive, argumentar que a principal causa da tão falada “morosidade” seja ligada aos problemas infra-estruturais do próprio Poder Judiciário, como por exemplo a carência de magistrados e serventuários, o que vem também demonstrar como a questão não se dá nem se soluciona no plano normativo, tampouco com o rigor da lei. Apesar das inúmeras críticas feitas à maneira como a reforma foi empreendida e à ideologia que subjaz os seus objetivos principais, fato é que as Leis 11.719/08 e 11.689/08 foram publicadas em meados do ano de 2008 e, dada a vacatio legis a que ambas foram submetidas (de 60 dias), entraram em vigor, respectivamente, em 9 de agosto de 2008 e em 22 de agosto de 2008. O foco primordial destas reformas foi, de fato, a celeridade processual, como bem salienta a maioria dos juristas que se ocuparam de analisar a natureza e a pertinência de tais institutos no 29 cenário atual.3 Mesmo porque ambas as leis estabeleceram a aglutinação de diversos atos em um único momento, sendo que tal modificação deveu-se especialmente à necessidade de se materializar o ideal de que “justiça justa é justiça ágil”. Imbuídas deste espírito, ambos os diplomas legais demarcaram de maneira mais clara os prazos processuais com o objetivo de se criar balizas mais pontuais sobre as discussões relacionadas, por exemplo, ao excesso de prazo e aos seus efeitos especialmente sobre o indivíduo privado de liberdade. No entanto, estes não foram os únicos pontos alterados pela reforma, a qual estabeleceu ainda, por exemplo, que o juiz poderá determinar, na sentença, o valor da indenização à vítima, sem necessidade de processo de liquidação, quando for de fácil constatação o quantum do prejuízo sofrido pelo ofendido (Nucci, 2008). Exatamente pela grande diversidade de pontos abordados pela reforma a proposta desta pesquisa foi a de verificar em que medida as alterações propostas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08 encontram-se adequadas do ponto de vista de sua técnica legislativa aos preceitos constitucionais de garantia. No entanto, de nada adianta a legislação infra-constitucional estar adequada aos princípios da constituição se os operadores do direito não são capazes de aplicar tais dispositivos na realidade cotidiana do sistema de justiça criminal brasileiro. Por fim, pode acontecer ainda de a lei ser perfeita do ponto de vista da técnica, ser aplicada pelos operadores do direito, mas não ser capaz de produzir os efeitos que se espera, por motivos que não foram levados em consideração pelo legislador quando da redação de tais dispositivos legais. Neste sentido, examinar os bancos de dados dos tribunais, a sua respectiva produção decisória, acompanhar a administração da justiça e ainda entrevistar os operadores do direito com o propósito de verificar os pontos apoiados e rechaçados por estes pareceram procedimentos indispensáveis para se compreender se a ficção legal tem sido capaz de se materializar na 3 Entre estes, cumpre destacar os seguintes: Pagliuca (2008); Coutinho (2008); Fuller (2008); Bottini (2008); Nucci (2008) e Queijo, (2008). 30 realidade dos tribunais ou se a nova lei permanece ainda como um dispositivo mais temido do que conhecido pelos operadores do direito. Ou seja, no intuito de verificar em que medida as leis 11.719/08 e 11.689/08 podem ou não padecer de um dos problemas acima destacados e, por isso, não é capaz de alcançar os seus efeitos esperados, e ainda no propósito de verificar quais são os institutos que gozam de ampla aplicabilidade e os que não desfrutam de status semelhante é que o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes (UCAM) se candidatou à realização desta pesquisa. A perspectiva deste centro de pesquisa era a de que compreendendo como estas regras legais encontram-se sendo aplicadas pelos operadores do direito e quais são os efeitos que essas tem sido capaz de produzir, seria possível a esta instituição colaborar com o processo de aperfeiçoamento de tais regulamentos e, por conseguinte, alcance da maior celeridade processual a partir de uma maior garantia aos direitos constitucionais do acusado. Objeto da pesquisa Como vistas a enriquecer o debate acerca da reforma processual penal tão aguardada pelos operadores do Direito, o presente trabalho visa lançar luz sobre os pontos inovadores trazidos por esses diplomas, não só sob o aspecto dogmático-processual, mas também operando uma análise crítica, empírica e interdisciplinar da matéria. Este relatório tem como objetivo analisar o impacto das leis 11.719/08 e 11.689/08 sobre a forma e tempo de processamento das causas criminais. Para tanto, este estudo pretendeu: a) analisar as alterações legislativas introduzidas e compará-las com a legislação anterior; b) construir um diagnóstico quantitativo do impacto dessas leis, com mensuração de seu efeito sobre o tempo de duração dos processos; c) elaborar um quadro dos direitos e garantias constitucionais efetivamente alterados por essas legislações na realidade do sistema jurídico brasileiro; d) estudar os caminhos adotados pela jurisprudência relativa às novas leis no período subsequente a sua publicação e; e) traçar um diagnóstico qualitativo de como são as novas leis estão sendo apropriadas pelos operadores do direito tanto do ponto material, no sentido de como eles as 31 colocam em prática como do ponto de vista simbólico, no sentido de como eles entendem os ganhos e perdas trazidos por essas novas regras. Metodologia Para análise das transformações introduzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08 no cenário brasileiro foram utilizadas diversas fontes de informação e estratégias metodológicas, dependendo do objetivo que se pretendia alcançar. Para a análise das alterações legislativas no que diz respeito à forma e temporalidade dos atos judiciais foram adotados três procedimentos metodológicos, quais sejam: 1) Contraste da legislação processual penal vigente antes e depois da publicação das leis 11.719/08 e 11.689/08; 2) Cálculo do tempo de processamento em cada um das duas legislações (CPP de 1941 e CPP reformado em 2008); 3) Revisão das pesquisas já realizadas sobre o tempo de processamento da justiça criminal no Brasil, para situar o pesquisador em qual era o cenário existente antes da publicação das novas leis. Com o objetivo de se realizar o diagnóstico quantitativo do impacto das leis 11.719/08 e 11.689/08 sobre o tempo de processamento das causas criminais, foram analisados os bancos de dados dos Tribunais de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do Estado de São Paulo. Os dados analisados foram os referentes a crimes cujo processo fora distribuído em período anterior e posterior às novas leis. Contudo, cumpre destacar que, como cada uma das leis alterou ritos processuais diferentes (a lei 11.719/08 alterou o rito ordinário e a lei 11.689/08 alterou o rito do tribunal de júri), esta análise foi realizada utilizando-se como base dois crimes particulares: roubo e homicídio doloso. O exame das garantias constitucionais afetadas pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08, por sua vez, foi realizado a partir do contraste das principais mudanças introduzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08 com os princípios constitucionais relacionados a esta temática. Em parte, as contradições existentes entre os princípios constitucionais e as novas legislações foram verificadas do ponto de vista dogmático no item anterior, foram reificadas do 32 ponto de vista empírico quando da análise da produção decisória dos tribunais brasileiros no que se refere aos pontos polêmicos das leis 11.719/08 e 11.689/08. Para a realização de tal análise foi construído um banco de dados que codificava, dentro de uma linguagem estatística, as informações coletadas nos julgados disponibilizados como “jurisprudência” no âmbito dos sites dos Tribunais Estaduais de Justiça, Tribunais Regionais Federais; Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. O recorte temporal utilizado foi o seguinte: todas as decisões publicadas entre setembro de 2008 e setembro de 2009. A partir deste catálogo, foram problematizadas as mudanças inseridas pelas novas leis em relação ao Código de Processo Penal de 1941. Cumpre destacar que a análise deste banco de dados permitiu uma concatenação interessante entre a dogmática jurídica e a produção dos tribunais. Por fim, com o objetivo de se construir um diagnóstico qualitativo da forma como as leis 11.719/08 e 11.689/08 tem sido operacionalizadas na realidade cotidiana dos tribunais, foram utilizados dois procedimentos metodológicos. O primeiro foi a observação participante dos julgamentos dos crimes comuns e crimes dolosos contra a vida que tiveram lugar no fórum central da capital entre dezembro de 2009 e fevereiro de 2010. O objetivo deste procedimento foi o de identificar como as mudanças que essas leis introduziram na forma de processamento e, especialmente, na forma condução das audiências estão sendo implementados no âmbito das varas criminais da cidade do Rio de Janeiro. Por outro lado, mas ainda com o propósito de se construir um diagnóstico qualitativo da implementação das novas leis na realidade cotidiana dos tribunais foram realizadas uma série de entrevistas semi-estruturadas com operadores do direito (juízes, promotores, advogados, defensores e funcionários de cartório), que atuam na comarca do Rio de Janeiro, com o objetivo de avaliar o sistema de crenças, valores e atitudes destes diante das novas leis. É importante destacar que, em princípio, tanto a pesquisa quantitativa como a pesquisa qualitativa encontravam-se restritas à cidade do Rio de Janeiro por diversos motivos. Primeiro, o CESeC, responsável pela realização desta pesquisa, encontra-se localizado nesta cidade, o que diminuiu os problemas de coordenação, tanto no que diz respeito ao deslocamento da equipe de pesquisa, como no que diz respeito a formação de uma rede de contatos para a realização desta análise. 33 Segundo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJERJ) é um dos poucos de toda a federação brasileira que possui um sistema de informações processuais que permite não apenas o cálculo do tempo médio de duração do processo como ainda a análise do tempo do processo de acordo com as seguintes variáveis: presença de flagrante, concurso de agentes, presença de qualificadora e presença de condenação. Somou-se a isso o fato de que em pesquisa anterior (Mensurando a Impunidade no Rio de Janeiro), o TJERJ já havia garantido o acesso aos pesquisadores do CESeC tanto para o acompanhamento das audiências, como para a consulta aos processos judiciais e, assim, tinha-se uma certa segurança de que a pesquisa era viável já no momento de sua propositura. No entanto, já na primeira reunião entre os pesquisadores do CESeC e da SAL foi colocada a necessidade, por parte do órgão financiador da pesquisa, de que esta análise contemplasse pelo menos mais um estado da federação. Após inúmeros esforços (descritos no capítulo 02 deste volume) foi franqueado o acesso dos pesquisadores ao banco de dados do TJSP. No entanto, dadas as limitações de tempo e de recursos financeiros, a parte qualitativa permaneceu restrita às varas criminais da cidade do Rio de Janeiro. É importante destacar, já na introdução, que a não realização de um trabalho de cunho mais qualitativo no âmbito do TJSP implica em determinadas limitações, especialmente, no que diz respeito ao significado que o tempo do processo tem para os operadores do direito daquela localidade e ainda aos significados que os operadores do direito desta localidade concedem às novas leis. Ou seja, este relatório apresenta apenas de um ponto de vista objetivo o tempo de processamento do TJSP, mas não discute o seu significado do ponto de vista simbólico e muito menos do ponto de vista daqueles que contribuem para que este prazo seja tanto maior ou menor. Portanto, um possível desdobramento desta pesquisa seria a replicação da metodologia desenvolvida por esta no que se refere à análise qualitativa e quantitativa de administração dos tempos pelos tribunais em outras localidades da federação. Com isso, poder-se-ia apreender particularismos regionais que podem impactar de maneiras diferenciadas na forma como as novas leis são implementadas e, por conseguinte, na forma como a celeridade processual e as garantias constitucionais do acusado são materializadas. Estes pontos são de suma importância quando se tem em mente a pesquisa jurídica como subsídio para o processo legislativo, dada a necessidade 34 de se criar regras de cunho nacional, mas cujo impacto seja o mesmo independente da localidade em questão. Destacadas estas questões metodológicas e feitas as ressalvas quanto à abrangência da pesquisa, cumpre apresentar a forma de organização deste volume. A forma de organização e o conteúdo de cada capítulo refletem os objetivos pretendidos pela pesquisa de acordo com os procedimentos metodológicos adotados para alcance destas metas. No capítulo 01, buscou-se a análise do conteúdo das referidas leis inovadoras e a identificação das alterações introduzidas especificamente no que diz respeito a forma e a temporalidade dos atos judiciais. Num segundo momento, foi feito o contraste entre os parâmetros temporais e as formas dos atos processuais antes e após a reforma legislativa, identificando-se ainda as pesquisas acadêmicas anteriores que se ocuparam desta temática sob a vigência da sistemática processual anterior. O capítulo seguinte mensura o impacto desta reforma sobre o prazo de duração dos processos de primeira instância a partir da análise dos casos de crimes de homicídio doloso e roubo distribuído no período anterior e posterior à vigência das referidas leis nos tribunais de justiça dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. No terceiro capítulo, foram examinadas as garantias constitucionais afetadas e/ou exaltadas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08, no sentido de se verificar em que medida esta reforma implicou (ou não) em sacrifício aos direitos e garantias fundamentais do acusado em sede processual penal. Já o quarto capítulo apresenta a sistematização de todos os julgados dos tribunais brasileiros que abordaram, de alguma forma, as mudanças decorrentes das novas duas leis. Na última parte da pesquisa, averiguou-se, através da observação da rotina das varas criminais do Tribunal de Justiça da cidade do Rio de Janeiro, como os operadores do direito internalizaram as mudanças veiculadas por essas novas leis no cotidiano, realizando-se ainda, série de entrevistas semi-estruturadas, a fim de compreender quais são as crenças, valores e atitudes que esses indivíduos parecem demonstrar quando o assunto é a reforma processual penal de 2008. Por fim são apresentadas as conclusões deste estudo. 35 CAPÍTULO I - AS ALTERAÇÕES OPERADAS PELA REFORMA LEGISLATIVA Uma das temáticas mais relevantes no que se refere ao direito em ação é aquela relativa à capacidade de o sistema judicial processar com eficiência as demandas que chegam ao seu conhecimento. De acordo com Santos et al (1996), um desses indicadores é o tempo despendido pelos sistemas judiciais (Cíveis, Criminais, Trabalhistas, dentre outros) no processamento do caso desde sua ocorrência até a sentença que encerra, institucionalmente, o conflito. No entender de Ferreira e Pedroso (1997), no caso da seara penal, a análise do tempo dos sistemas de justiça é importante por ser este um indicador da capacidade dos órgãos que compõem o sistema da justiça penal em implantar a própria ideia de justiça. Desta forma, se o tempo da justiça criminal é demasiadamente longo, torna-se cada vez menos provável corrigir falhas técnicas na condução administrativa dos procedimentos, por exemplo, desperdício de tempo em localizar testemunhas, eventuais vítimas e possíveis agressores. Por outro lado, se o tempo da justiça é abreviado demais, corre-se o risco de recair-se na denominada sumarização dos direitos do acusado, consistente na supressão, limitação ou atropelo de seus direitos e garantias fundamentais consagrados no texto constitucional e infraconstitucional, sendo o inverso pois um processo justo. Tendo em vista essa dicotomia, a lentidão da justiça como forma de vitimização do cidadão pelo Estado tem se tornado a tônica de vários estudos da sociologia do direito desde o início dos anos 1980 (Santos, 1996). Em conjunto, estes estudos consolidam a idéia de que uma justiça eficiente é aquela que imputa às partes envolvidas apenas o tempo necessário ao processamento de suas demandas, não prolongando demasiadamente o seu processamento, nem julgando apressadamente o conflito (Adorno e Izumino, 2007). A questão que se coloca neste sentido é como definir qual é o tempo necessário e razoável para o processamento e o julgamento de uma pessoa acusada do cometimento de um delito? Na tentativa de responder a esta questão, a sociologia do direito contemporânea tem analisado o tempo da justiça criminal a partir dos seguintes procedimentos metodológicos: (i) 36 cálculo do tempo prescrito pelos códigos para processamento de uma dada infração4; (ii) cálculo do tempo efetivamente despendido pelo sistema de justiça criminal no processamento desta mesma infração; (iii) contraste entre os “tempos legais” (estabelecidos pelos códigos) e os “tempos efetivados” pelos tribunais para processamento de um crime e (iv) implicações que a diferença entre o tempo legal e o tempo real dos tribunais no processamento das causas penais possuem para o sistema de garantias do acusado. Basicamente, estes são os quatro pontos principais que este capítulo pretende abordar. I.1 – O tempo prescrito pelo Código de Processo Penal Brasileiro para processamento de uma dada infração – as alterações introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08. No Brasil, as diversas pesquisas empíricas realizadas sobre o tempo de duração do processamento de uma conduta delituosa têm demonstrado a incapacidade dos tribunais estaduais em implementar os prazos estipulados pelo Código de Processo Penal. De acordo com estes estudos, o tempo efetivado pela justiça criminal brasileira é, em média, três vezes superior ao tempo prescrito pela legislação para tanto (Ribeiro e Duarte, 2008), sendo as causas apontadas para tal fenômeno as seguintes: excesso de formalismo judicial (Svedas et al, 2005); requisições de laudos ausentes e complementares (Pinheiro et al, 1999); solicitação de informações a outros órgãos (Batitucci et al, 2006); mandados de citação e intimação não cumpridos (Ratton e Cireno, 2007); lentidão cartorária (Vargas et al, 2005); uso de recursos – especialmente, o protesto por novo júri – (Beal, 2006), dentre outras. Um dos principais efeitos perversos deste problema é a contribuição para a disseminação da sensação de impunidade junto à sociedade, acabando por favorecer desta forma o surgimento de propostas legislativas reacionárias ou opiniões radicais, traduzidas em medidas extremas – 4 Especialmente neste caso, tal como destacado por Justo e Singer (2001), as análises tem como fonte de sustentação teórica a seguinte obra: BLACK, Donald. The behavior of law. New York: Oxford University Press, 1989. Neste trabalho, o Black (denominado de grande jurista sociológico por pesquisadores brasileiros do direito) argumenta sobre a importância de se quantificar os processos de aplicação da lei (que são eminentemente qualitativos) para se compreender como determinadas categorias legais são re-significadas pelos operadores do direito no âmbito de sua atividade cotidiana de administração da justiça. 37 fruto de campanhas punitivistas como “Lei e Ordem” e “Tolerância Zero” –, seja pelo encorajamento de se fazer justiça pelas próprias mãos, seja pela legitimação da banalização da utilização de instrumentos cautelares, notadamente a prisão cautelar, transformando o processo penal num verdadeiro instrumento de antecipação de pena5. Apenas para se ter uma idéia da gravidade do problema, de acordo com o survey LAPOP6 aplicado pela Vanderbilt University em uma amostra representativa da população brasileira no ano de 2006, 43% dos entrevistados, apoiam, em alguma medida, as pessoas fazerem justiça com suas próprias mãos quando o Estado não castiga os criminosos. Diante deste cenário de pouca credibilidade da justiça criminal, dada a visão de que esta é ineficiente no que se refere à aplicação dos dispositivos do Código de Processo Penal relativos tanto ao sistema de garantias do acusado quanto ao tempo para o processamento de uma infração, as regras que regulamentam o funcionamento do sistema de justiça criminal brasileiro passaram por uma série de transformações com o objetivo de conciliar, simultaneamente, celeridade processual e maior garantias constitucionais ao acusado. Ou seja, desde a re-abertura democrática o Código de Processo Penal (promulgado em um cenário também ditatorial – Estado Novo) e as demais regras que regulamentam o processo penal brasileiro tem sido constantemente reformuladas de maneira a viabilizar o tratamento do crime como um problema humano e político. O propósito destas reformas foi o de dotar a norma processual penal de um caráter garantista: “afiançando ao agente, que porventura acabe infringindo um dos tantos preceitos penais, a segurança de que a descrição típica se apresenta mais próxima da realidade e com elementos de fácil assimilação e percepção por parte do sujeito ativo, tornando possível uma aplicação segura e previsível do Direito Penal, subtraindo-o à irracionalidade, ao arbítrio e à improvisação” (Amaral Júnior, 2005). 5 Neste sentido, verificar: PANDOLFO, Alexandre Costi, MAYORA, Marcelo. A crise em São Paulo : a resposta (des)esperada, a reiteração da dialética dos discursos autoritários e garantistas e a necessária resistência dos operadores do direito. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.14, n.164, p. 8-9, jul. 2006. 6 O LAPOP (Projeto Latino Americano de Opinião Pública) foi iniciado há mais de duas décadas pela Universidade de Vanderbilt. Entre os seus méritos esta o fato de esta ser a única pesquisa de opinião pública democrática e comportamento que cobre as Américas do Norte e do Sul. Maiores informações encontram-se disponíveis no seguinte Web site: http://library.wustl.edu/databases/about/lapop.html. 38 A primeira destas reformas foi implementada através da Lei nº 9.099/95, que regulamentou o funcionamento dos juizados especiais, cíveis e criminais, introduzindo o procedimento sumaríssimo para os crimes cuja pena máxima cominada não fosse superior a um ano de reclusão – pena limite esta que foi alterada para 2 anos com a publicação posterior das Leis 10.259/01 e 11.313/06. Este procedimento, entre outras inovações, dispensou a realização do inquérito policial, estabelecendo que a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO – e encaminhará os envolvidos imediatamente ao Juizado Especial Criminal (art. 69 da Lei 9.099/95). Esta legislação, apesar das críticas 7, inovou também ao estabelecer algumas medidas despenalizadoras, como a possibilidade de o suposto autor do fato: (i) realizar conciliação com a vítima para a composição de danos; (ii) aceitar a proposta de transação penal oferecida pelo Ministério Público para o cumprimento de pena alternativa (pena restritivas de direitos ou de multa) sem assunção de culpa; (iv) aceitar a suspensão condicional do processo (Azevedo, 2008). A pretensão era a de que, a partir da vigência da Lei 9.099/095, os conflitos de menor potencial ofensivo recebessem uma apreciação imediata do Estado, que administraria prontamente a controvérsia evitando que esta se transformasse em algo mais grave ou de maiores proporções. Cabe ressaltar, porém que a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, por sua vez, retirou dos Juizados Especiais Criminais a competência pelas infrações de menor potencial ofensivo cometidas contra a mulher no âmbito doméstico ou familiar. Nesses casos, o processamento e o julgamento ocorrem perante os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher 8 (Gomes, 2006). 7 Sobre o tema, ver CARVALHO, SALO; WÜNDERLICH, Alexandre (org.). Diálogos sobre a Justiça Dialogal: teses e antíteses sobre os processo de informalização e privatização da justiça penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2002. 219p. 8 De acordo com Gomes e Bianchini (2006), o processamento de tais instâncias é diferenciado do processamento do JECRIM porque, nesses casos, não cabe transação penal, nem suspensão condicional do processo, nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado, deve ser instaurado inquérito policial, a denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal e em se tratando de lesão corporal leve a ação penal será de iniciativa pública incondicionada. 39 Já no plano político, registre-se que no ano de 2003, foi criada uma estrutura dentro do Ministério da Justiça denominada de Secretaria Nacional da Reforma do Judiciário. De acordo com notícias publicadas à época, a primeira iniciativa da nova Secretaria seria a de realizar um grande diagnóstico sobre os problemas e gargalos do setor, de forma a iniciar uma reforma do Judiciário eficaz e efetiva 9. No entanto, a partir do processo de implementação dessas reformas e do insucesso em relação ao alcance dos objetivos que se inicialmente pretendiam, foi possível perceber a necessidade de se realizar uma mudança mais profunda, com a reforma não apenas da legislação infraconstitucional, mas do próprio texto constitucional especialmente no que diz respeito às iniciativas capazes de resolverem problemas como a “morosidade processual” e “falta de transparência na prestação jurisdicional”. Tal tarefa foi realizada pelo constituinte derivado que promulgou a Emenda Constitucional 45, publicada em 08.12.2004 (Hertel, 2005). A Emenda Constitucional no. 45/2004 acrescentou ao art. 5º da Constituição Federal, o inciso LXXVIII, que dispõe o seguinte: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. No entanto, como este dispositivo não estabelece qual o parâmetro a partir do qual a duração de um processo passa a ser considerada como “pouco razoável” ou “morosa”, diversos diplomas infraconstitucionais foram publicados no sentido de regulamentar a previsão constitucional, viabilizando desta forma a aplicabilidade o seu comando. Ou seja, para que este dispositivo constitucional pudesse se consolidar efetivamente no âmbito da justiça criminal, em 09/06/08, o Presidente da República sancionou o conjunto de proposições da mini-reforma do Código de Processo Penal. O também chamado “Pacote da Segurança”, composto por três projetos de lei (PLs 4203/01; 4205/01; e 4207/01), fez parte do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) e teve como objetivo tornar 9 Importante salientar que até os dias de hoje esta atividade ainda não foi realizada pela Secretaria Nacional de Reforma do Judiciário. 40 o Poder Judiciário mais célere, efetivo e eficiente do ponto de vista das garantias processuais inerentes ao sistema acusatório. O PL 4207/01 se consubstanciou na Lei nº 11.719/08 e estabeleceu novas regras tanto no que se refere à temporalidade para a prática dos atos processuais penais, como ainda no que diz respeito à forma como esses deverão ser praticados. De maneira específica, entre as principais alterações introduzidas por esta lei, cumpre destacar as seguintes: 1. A citação do réu poderá ser feita também por hora certa (cf. art. 362 do CPP), ao contrário do que ocorria antes, quando ela apenas poderia ocorrer pessoalmente (o que atrasava muito o prazo dos julgamentos); 2. O réu, as testemunhas de acusação e as de defesa serão ouvidos pelo juiz em uma única audiência (cf. art. 400, CPP), ao contrário do que ocorria antes, quando eram necessárias três audiências para a prática de tais atos: uma para interrogatório do réu, uma para oitiva das testemunhas de acusação e outra para oitiva das testemunhas de defesa. Já de acordo com o relatório publicado em 09/06/08 pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República do Brasil, o Projeto de Lei 4203/01 se transformou na Lei nº 11.689/2008 e com isso, modificou as regras do Tribunal do Júri, a partir do estabelecimento, por exemplo, de: 1. Impossibilidade de protesto por novo júri caso a pena fixada fosse superior a 20 anos de prisão. Antes, a lei acabava por beneficiar o réu, que podia até ser absolvido em outro julgamento, caso fosse condenado a mais de duas décadas de prisão privativa de liberdade. Embora a defesa do réu continue podendo recorrer da decisão, o fato de uma condenação ser igual ou superior a 20 anos não será mais motivo para a realização obrigatória de novo julgamento; 2. Mudança das regras para realização de perguntas às testemunhas durante as audiências. As perguntas durante o julgamento poderão ser feitas diretamente às testemunhas, não havendo mais a necessidade da intermediação do juiz, o que não impedirá que o 41 magistrado indefira determinados questionamentos. Tal regra tornou-se aplicável a todos os procedimentos (cf. art. 212 do CPP). Para compreender o impacto destas novas legislações sobre o tempo de processamento de um delito pelo sistema de justiça criminal brasileiro, a primeira atividade realizada no âmbito desta pesquisa foi a de calcular o prazo prescrito pelo Código de Processo Penal (CPP) de 1941 e o prazo prescrito pelas mudanças introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08. Com isso, foi possível verificar, de maneira global, qual a diferença entre o prazo prescrito antes e depois da reforma do CPP. A partir deste exercício foi possível ainda verificar quais foram as fases ou os atos que alterados em termos de forma e momento de sua ocorrência. Considerando que essas leis estabeleceram mudanças diferenciadas de acordo com a natureza do rito, as análises das Leis 11.719/08 e 11.689/08 serão realizadas separadamente de acordo com o procedimento que cada qual altera: se o ordinário ou o do Tribunal do Júri, respectivamente. Esta diferenciação se faz necessária, uma vez que, no Brasil, o fluxo de processamento de um delito no âmbito do sistema de justiça criminal obedece, a partir da reforma dos procedimentos, as sequências e ritos específicos de acordo com a natureza da infração e o quantum cominado de pena a cada figura típica. 10 Aliás, um dos méritos da reforma foi estabelecer uma diferenciação mais clara sobre que procedimentos são aplicados a que crimes e quais são as minúcias aplicáveis a cada rito processual. Exatamente por isso, estas alterações serão analisadas nos parágrafos subseqüentes. Com a reforma ficou evidente que o rito ordinário é o procedimento aplicável aos crimes cuja pena máxima cominada for igual ou superior a 4 anos de pena privativa de liberdade. O rito sumário é o procedimento aplicável aos crimes cuja pena máxima privativa de liberdade seja inferior a 4 anos; e o sumaríssimo, procedimento aplicável às infrações de menor potencial 10 Neste ponto é importante salientar que para o caso dos procedimentos comuns o grande critério é o quantum da cominação da pena; para os procedimentos especiais, o critério é a natureza da infração propriamente dita. Como o tamanho da pena guarda nítida conexão com a natureza da infração, os pesquisadores da área (como Azevedo, 2008, e Sapori, 2007) terminam por afirmar que o maior critério para a diferenciação de qual rito se aplica a qual caso é a natureza da infração. 42 ofensivo, cujas as penas máximas não excedam a 2 anos (cumuladas ou não a pena de multa), sendo de competência do Juizado Especial Criminal (JECRIM). Este é ainda o procedimento aplicável às contravenções penais cuja diminuta potencialidade ofensiva faz com que esses delitos sejam processados pelo JECRIM. Por fim, cumpre ressaltar que o rito do Tribunal do Júri também foi completamente alterado por esta reforma. Estas leis introduziram mudanças na forma de classificação dos ritos processuais penais. De acordo com Borges de Mendonça (2009: 242), a partir da Lei 11.719/08, não se utiliza mais a diferenciação entre processo comum e processo especial, sendo esta terminologia substituída por, respectivamente, procedimento comum e procedimento especial. Na sistemática anterior, o procedimento comum era composto por rito ordinário e rito do júri, sendo o procedimento sumário considerado como rito especial. Com a nova lei, o procedimento continua a ser dividido em comum e especial, mas as categorias de rito que cada um inclui passam a ser distintas. O procedimento comum se aplica a uma generalidade de infrações, em situações nas quais o direito material não exige uma adaptação de procedimento. Já os especiais são aqueles cujo procedimento deve ser adaptado para o processamento de delitos específicos, como é o caso, por exemplo, dos crimes relativos a entorpecentes e dos crimes contra a propriedade imaterial. De maneira sintética, a partir da reforma processual penal de 2008, os procedimentos penais previstos na legislação brasileira, de acordo com os tipos de infração aos quais se aplicam, podem ser representados da seguinte maneira (Quadro 01): 43 Quadro 01 – Procedimentos penais de acordo com os ritos e os tipos de crime aos quais se aplicam Código de Processo Penal, Brasil - 2009 Tipo de procedimento Tipo de rito Crimes aos quais se aplica Comum: aplicável aos crimes Rito Ordinário Crimes cuja pena máxima privativa de liberdade em geral, sendo diferenciado de cominada seja superior a 4 anos. acordo com o quantum da pena Rito Sumário Crimes cuja pena máxima privativa de liberdade cominada seja superior a 2 anos e inferior a 4 anos. Rito Infrações de menor potencial ofensivo (incluindo-se Sumaríssimo contravenções) com pena máxima cominada de até 2 anos. Especial: aplicável a Outros ritos Crimes de falência, entorpecentes, contra a propriedade determinados delitos específicos. especiais material, contra mulheres, dentre outros. Rito do Crimes dolosos contra a vida. tribunal do júri Fonte: Art. 394 do CPP, alterado pela Lei nº 11.719/08 Os ritos se diferenciam por estabelecerem momentos e formas distintas para a realização de determinados atos processuais, tais como forma de realização da fase pré-processual, momento da defesa, número de testemunhas a serem arroladas, processamento de recursos e momento de publicação da sentença. De acordo com esta formulação, a partir da reforma processual penal de 2008, os ritos incluídos na categoria “procedimento comum” passaram a ser diferenciados da seguinte forma (Quadro 02): 44 Quadro 02 – Diferenças entre os ritos que integram o procedimento comum Código de Processo Penal, Brasil - 2009 Documento que Prazo para Possibilidade de reúne as AIJ (após a fracionamento dos Número de informações da fase Ritos Resposta resposta ou atos postulatórios e testemunhas pré-processual nomeação decisórios da para o exercício da do defensor) audiência opnio delicti Permitida – no caso de realização de Deve ser diligências apresentada por imprescindíveis (art. Inquérito policial 60 dias 8 Ordinário escrito, 10 dias 402), complexidade da após a citação do causa (art.403) ou réu. excessivo número de acusados (art. 403). Permitida – no caso de realização de Deve ser diligências apresentada por imprescindíveis (art. Inquérito policial 30 dias 5 Sumário escrito, 10 dias 402), complexidade da após a citação do causa (art.403) ou réu. excessivo número de acusados (art. 403). Deve ser apresentada oralmente na Termo audiência de A lei não Circunstanciado de Imediata Não permitida pela lei. Sumaríssimo instrução de define. Ocorrências julgamento, antes da apreciação do recebimento da denúncia. Fonte: Oliveira (2009) De acordo com Lopes Júnior e Badaró (2009: 150), as diferenças principais entre o rito ordinário e o rito sumário seriam o número de testemunhas e o prazo para a designação da audiência de instrução e julgamento. Exatamente por isso os autores acreditam que melhor seria criar um único procedimento, estabelecendo prazos globais distintos para o seu término de acordo com a gravidade da pena. A grande diferença existente no âmbito dos procedimentos comuns se refere, portanto, à sistemática adotada pelo procedimento sumaríssimo (ou do Juizado Especial Criminal) em relação aos demais (ordinário e sumário). Uma vez apresentadas as semelhanças e diferenças entre os ritos que integram o procedimento comum, cumpre salientar que esses se diferenciam dos procedimentos especiais em 45 quesitos outros que não os apresentados no Quadro 02, o que impede a diferenciação destes a partir da utilização de tais critérios. Cumpre ainda destacar que a Lei 11.719/08 alterou substancialmente a forma e o tempo do rito ordinário, e a Lei 11.689/08 modificou a forma e o tempo do rito do Tribunal do Júri. Assim, para a melhor compreensão das mudanças introduzidas por cada uma destas leis, subdividiu-se esta seção em duas outras, cada qual destinada ao exame de uma dada lei. I.2 – Alterações produzidas pela Lei 11.719/08 no Rito Ordinário Conforme explicitado na seção anterior, o rito pode ser entendido como uma sequência de atos em um dado fluxo que tem por objetivo o processamento de uma determinada conduta capitulada como crime pelo Código Penal. Assim, para melhor compreensão de como a Lei 11.719/08 alterou o fluxo de processamento de um crime no âmbito do rito ordinário, elaborou-se o Quadro 03, onde são apresentados os momentos previstos pelo CPP para a realização desta atividade, bem como a forma que esses atos possuíam no âmbito do CPP de 1941 e passaram a possuir após o início da vigência da legislação supra-citada. Quadro 03 – Fluxo de processamento de um delito de acordo com o rito ordinário. Forma de prática dos atos antes e depois da reforma penal de 2008 Código de Processo Penal, Brasil - 2009 Procedimento Penal Inquérito policial Oferecimento da denúncia a) Rejeição imediata da denúncia (Art. 395) b) Recebimento da denúncia (Art.396) Antes da reforma Depois da reforma Permanece enquanto tal, devendo ser concluído em 10 dias para o caso de réu preso e em 30 dias para o caso de réu solto. Permanece enquanto tal, devendo ser realizada 5 dias após a distribuição do processo em caso de réu preso e em 15 dias em caso de réu solto. Diferenciavam-se os casos de não recebimento (por falta dos requisitos da inicial) dos casos de rejeição (por Não se diferencia mais os casos de não recebimento dos casos de rejeição. falta de condições da ação). Citação do réu por hora certa, pessoalmente ou edital – Implicava em citação do acusado, no caso de o réu estar se esquivando da citação, esta ainda que este estivesse em local será realizada por hora certa. Não se admite a citação incerto. Havia possibilidade de por edital de pessoa incerta. O réu poderá ser citado por citação por edital quando o réu edital, no prazo de 15 dias, quando não for encontrado estivesse se esquivando de ser citado. por outros meios de citação. 46 Comparecimento do réu em juízo para Apresentação de resposta escrita 10 dias após a interrogatório e apresentação da defesa citação ou caso esta resposta não ocorra, nomeação prévia. de defensor público para apresentação da mesma. Absolvição Sumária (caso manifesta causa excludente da ilicitude do fato ou culpabilidade do agente; caso o fato narrado não constitua crime; caso extinta a punibilidade). Não sendo o caso de Efeitos da nenhuma destas hipóteses, o juiz receberá a apresentação da Designação de Audiência de Prova denúncia e, no prazo de 60 dias, designará dia e resposta Testemunhal. hora para audiência. Concentradas na Audiência de Instrução e Uma para cada momento processual – Julgamento (AIJ), na qual são ouvidos o ofendido, iniciava-se com a audiência para oitiva de as testemunhas (de acusação e de defesa), peritos, testemunhas de acusação, a qual era seguida assistentes técnicos e interroga- se o próprio réu. de uma audiência de testemunhas de defesa. Neste momento, podem ser realizadas ainda Após estas duas, abria-se prazo para últimas diligências como acareação e reconhecimento de diligências de ambas as partes, alegações pessoas. Por fim, abre-se espaço para sustentação finais de ambas as partes e entrega do de alegações finais, seguidas pela proferição de Audiências processo ao juiz para conclusão. sentença pelo juiz. Último ato da Audiência de Instrução e Julgamento, sendo que, a partir da Lei 11.900/09, torna-se possível a realização do interrogatório do Interrogatório do 5 dias após o recebimento da denúncia, era réu preso por videoconferência, em excepcionais réu realizado apenas de maneira presencial. condições. Forma de Inicia-se por intermédio do juiz, seguida de interrogatório do Por intermédio do juiz inquirição direta pelas partes. réu Oitiva das testemunhas de 20 dias (se réu preso) ou 40 dias. (se réu solto) após a apresentação da defesa prévia Primeiras a serem ouvidas na AIJ. acusação Oitiva das testemunhas de Logo após a oitiva das testemunhas de acusação. Segundas a serem ouvidas na AIJ. defesa Forma de inquirição das Por intermédio do juiz (repergunta) Pelas partes. testemunhas Pode ocorrer em casos de realização de diligências imprescindíveis; em casos de elevada complexidade ou em se tratando de mais de um réu – neste caso abrem-se prazos sucessivos de 5 dias Possibilidade de às partes para o oferecimento de memoriais, após fracionamento Não existia porque as audiências já eram os quais se abre o prazo de 10 dias para a sentença da audiência fracionadas. pelo juiz. Prazos sucessivos de três dias para acusação Apresentadas em audiências em prazos sucessivos e defesa após o requerimento das últimas de 20 minutos concedidos primeiro para a Alegações finais diligências pela defesa. acusação e depois para a defesa. Apresentada pelo juiz 10 dias após as Apresentada pelo juiz em audiência logo após a Sentença alegações finais da defesa. sustentação oral das alegações finais da defesa. Efeitos da citação 47 O Quadro 03 pode ser transformado ainda no Fluxograma 01, que representa, graficamente, o fluxo de atos procedimentais que um determinado caso penal deve perpassar no âmbito do sistema de justiça criminal brasileiro até alcançar uma condenação ou absolvição. 48 Importante destacar que esta representação gráfica foi concebida a partir da formulada anteriormente pelo Convênio FSEADE - IBCCRIM (www.ibccrim.org.br; www.seade.gov.br), que, por sua vez, fora concebido com o objetivo de tornar compreensível aos operadores do direito e ainda aos pesquisadores desta temática as diferentes fases do processo penal. Em razão da utilidade deste desenho enquanto instrumento de pesquisa nesta seara, a pretensão aqui foi atualizar o desenho antigo a partir das alterações introduzidas pela Lei nº 11.719/08. Contrastando o Fluxograma 01 com o confeccionado pelo IBCCRIM para o rito ordinário antes da reforma processual de 2008 (em anexo) é possível perceber que a Lei nº 11.719/08 alterou o fluxo de processamento dos crimes comuns especialmente com: 1) Alteração do momento para a prática de determinados atos processuais (como o interrogatório do réu); 2) Concentração de diversos atos processuais em um único momento: se antes as audiências para interrogatório do réu, oitiva de testemunhas de acusação e oitiva de testemunhas de defesa eram separadas, agora esses atos são realizados no mesmo momento, juntamente com as alegações finais de defesa e acusação, caso não sejam necessárias novas diligências e leitura da sentença. Caso se mostrem necessárias, abrem-se prazos sucessivos de 5 dias para cada uma das partes – defesa e acusação – ao final dos quais é aberto o prazo de 10 dias para a sentença. Por outro lado, esta legislação também produziu impacto direto sobre o tempo de processamento de um delito pelo sistema de justiça criminal brasileiro. Com o objetivo de tornar mais clara a compreensão destas mudanças, foi necessária a construção de um quadro que contrastasse o tempo previsto para a realização de cada ato pela legislação processual anterior (Código de Processo Penal – CPP – de 1941) e o prazo prescrito a partir das mudanças introduzidas pela Lei 11.719/08. Assim, contrastando as colunas 01 e 02 do Quadro 04 é possível perceber como esta lei alterou o prazo previsto para a prática de cada ato processual no âmbito do rito ordinário. Quadro 04 – Tempo para processamento dos crimes punidos com detenção ou prisão simples (rito ordinário) Antes e depois da publicação da Lei 11.719/08 Código de Processo Penal, Brasil - 2009 CPP 1941 CPP 2008 (1) (2) Procedimento Réu Réu Réu Réu processual Mudanças introduzidas pela Lei 11.719/08 solto preso solto preso Inquérito policial (art.10) Permanece como antes. 30 10 30 10 Oferecimento da denúncia (art. 46) Permanece como antes. 15 5 15 5 Duração total da fase pré-judicial 45 15 45 15 Recebimento da Art. 396 – Ao receber a denúncia o juiz ordena a citação denúncia pelo juiz do acusado para se defender em 10 dias, em detrimento de (art.800, I) designar o dia e a hora de seu interrogatório. 10 10 10 10 Art. 396A – Resposta à denúncia deve já arrolar as testemunhas a serem ouvidas na audiência de instrução e julgamento. Nesta resposta o acusado poderá arguir ainda sobre a Defesa prévia (art. 395) possibilidade de absolvição sumária. 3 3 10 10 Art. 397 – Neste caso, ao contrário do previsto na Análise da defesa legislação anterior, o juiz deve analisar a possibilidade de apresentada pelo absolvição sumária do réu ou nomeação de defensor acusado ao juiz (art. 800, público caso o acusado não apresente resposta prévia (art. 10 10 I) 396-A, §2º). Art. 400 – Todos esses atos passam a ser realizados em Interrogatório do réu um só momento - audiência de instrução e julgamento - 10 (art. 394) 10 Audiência de inquirição no qual são apresentadas as alegações finais de acusação e de testemunhas de defesa defesa e proferida a sentença, desde que não seja 60 60 e de acusação (art. 401) requerida nenhuma diligência especial. 40 20 Art. 404 – O juiz poderá determinar a realização de Pedido de diligências diligência que considerar imprescindível. Neste caso, (art. 499) utiliza-se o prazo padrão de 10 dias. 2 2 10 10 Alegações finais da Art. 403 §3º. e Art. 404 §único – Procedimentos acusação (art. 406) 5 5 aplicáveis apenas aos casos de elevada complexidade ou Alegações finais da que demandem diligências. 5 5 defesa (art. 406) 5 5 Não há mais menção na nova legislação ao saneamento de Saneamento de nulidades, que devem ser sanadas quando ocorre a nulidades (art. 502) apreciação do juiz, antes da sentença final. 5 5 Sentença do procedimento ordinário - Art. 404 § único e Sentença do processo Art. 800 §3º. – Em casos de elevada complexidade o juiz, ordinário (art. 408; art. possuirá 10 dias para proferir a sentença para além dos 10 dias já fixados em lei11. 800, I) 10 10 10 10 Duração procedimento ordinário (apenas fase judicial) 100 80 105 105 Duração global do procedimento (desde o crime até a sentença) 145 95 150 120 11 Tal como entendem Lopes Júnior e Badaró (2009: 146) 25 Considerando as informações sumarizadas no Quadro 04, é possível afirmar que a partir da publicação da Lei 11.719/08 houve um aumento no tempo global de processamento. Esses novos lapsos temporais são importantes na medida em que parecem se adequar melhor à realidade dos tribunais, uma vez que os prazos muito curtos não eram capazes de permitir que os operadores do direito realizassem suas atividades dentro do legalmente previsto. Em outras palavras: é preferível que o fluxo de processamento de um delito conte com o um prazo passível de ser implementado em sua realidade cotidiana a contar com um prazo reduzido que na prática dos tribunais não é realizado. Por outro lado, tal como destacado por Lopes Júnior e Badaró (2009), outra inovação trazida pela Lei 11.719/08 foi o fim da diferença dos prazos judiciais, propriamente ditos, para réus presos e réus soltos. Agora, em ambos os casos, apenas durante a fase pré-judicial (inquérito policial) em que se encontre investigado preso é que se verifica a redução dos prazos processuais. Contudo, a constatação mais surpreendente a ser extraída do Quadro 04 é o fato de que a reforma ampliou e não reduziu os prazos processuais. Neste sentido, cumpre aventar a hipótese de que esse aumento de prazos esteja relacionado à regulamentação explícita dos prazos de atos que antes não possuíam previsão legal do tempo que demandariam para serem realizados. Isto é, a reforma pode dar a entender que se ampliou o tempo necessário do processo quando, na verdade, apenas foi estipulado legalmente prazos para atos que já ocorriam na sistemática anterior, mas não contavam com explicitação legal do prazo dentro do qual deveriam acontecer. I.3 – Alterações produzidas pela Lei nº11.689/08 no Rito do Tribunal do Júri Se a Lei nº 11.719/08 modificou de forma substantiva o rito ordinário, a Lei nº 11.689/08 foi responsável por alterar profundamente o processamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri. Animada pelo mesmo propósito de dar ao processo penal maior celeridade, ela foi responsável, por exemplo, pela extinção do protesto por novo júri, recurso que obrigava a realização de novo júri pelo único motivo de o réu ser apenado com pena superior a 20 anos de reclusão. Para melhor se compreender o rito do Tribunal do Júri e as modificações nele inseridas pela Lei nº 11.689/08, é necessário destacar que o processamento dos crimes de sua competência 26 obedece a um procedimento bifásico. Este compreende um primeiro momento, em que é julgada a viabilidade da acusação (sumário de culpa), e um segundo momento, quando o que é julgado é o mérito da acusação propriamente dito. A primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri tem início com o recebimento da denúncia pelo juiz e termina com a decisão de pronúncia/impronúncia/absolvição sumária do acusado. Já a segunda, compreende da pronúncia ao veredicto dos jurados. Essa divisão se manteve com a promulgação da nova lei. Mesmo assim, modificações importantes, decorrentes dessa lei, tiveram lugar em ambas as fases. As diferenças entre o procedimento da primeira dessas fases, antes e depois da promulgação da Lei nº 11.689/08, são as sumarizadas pelo Quadro 05. Quadro 05 - Diferenças no processamento da primeira fase do rito do júri Antes e depois da Lei 11.689/08 Código de Processo Penal, Brasil - 2009 Procedimento Penal Inquérito policial Oferecimento da denúncia Recebimento da denúncia Efeitos da citação Efeitos da apresentação da resposta Antes Depois Permanece enquanto tal, devendo ser realizado em 10 dias para o caso de réu preso e em 30 dias para o caso de réu solto (art. 10). Permanece enquanto tal, devendo ser realizada 5 dias após a distribuição do processo em caso de réu preso e em 15 dias em caso de réu solto (art. 46). Citação do réu por hora certa, pessoalmente ou edital – No Implicava em citação do acusado, caso de o réu estar se esquivando da citação, esta será ainda que este fosse incerto. Havia realizada por hora certa. Não se admite a citação por edital possibilidade de citação por edital de pessoa incerta. O réu poderá ser citado por edital, no quando o réu estivesse se prazo de 15 dias quando não for encontrado por outros esquivando de ser citado. meios de citação (art. 406, art. 361, art. 362). Comparecimento do réu em juízo Apresentação de resposta escrita 10 dias após a citação ou, para interrogatório e apresentação caso esta resposta não ocorra, nomeação de defensor da defesa prévia em 3 dias. público para fazê-lo em mais 10 dias (art. 408). Oitiva do MP em 5 dias (art. 409).Inquirição de testemunhas e realização de diligências no prazo de 10 dias Designação de Audiências. (art. 410). Designação, pelo juiz, de dia e hora para audiência, dentro do prazo máximo de 90 dias (art. 412), contados desde o recebimento da denúncia. 27 Audiências Uma para cada momento processual – Iniciava-se com a audiência para oitiva de testemunhas de acusação, a qual era seguida de uma audiência de testemunhas de defesa. Apenas após estas duas abria-se prazo para alegações finais de ambas as partes e entrega do processo ao juiz para conclusão. Interrogatório do réu 5 dias após o recebimento da denúncia, era realizado apenas de maneira presencial Forma de interrogatório do réu Oitiva das testemunhas de acusação Oitiva das testemunhas de defesa Forma de inquirição das testemunhas Alegações finais Sentença Concentradas na Audiência de Instrução e Julgamento (AIJ), na qual são ouvidos o ofendido, as testemunhas (de acusação e defesa), peritos, assistentes técnicos e interroga-se o próprio réu. Neste momento podem ser realizadas ainda diligências como acareação e reconhecimento de pessoas. Por fim, abre-se espaço para sustentação de alegações finais, seguidas pela proferição de sentença pelo juiz (art.411). Último ato da audiência de instrução e julgamento, sendo que, a partir da lei 11.900/09, torna-se possível a realização do interrogatório do réu preso, excepcionalmente, por videoconferência. Por intermédio do juiz. Inicia-se por intermédio do juiz, seguida de inquirição direta pelas partes. 20 dias (se réu preso) ou 40 dias (se réu solto) após a apresentação da defesa prévia. Primeiras a serem ouvidas na AIJ. Logo após a oitiva das testemunhas de acusação. Últimas a serem ouvidas na AIJ. Por intermédio do juiz. Pelas partes. Prazos sucessivos de três dias para acusação e defesa após a oitiva de testemunha de defesa. Apresentada pelo juiz 10 dias após as alegações finais da defesa. Apresentadas em audiências em prazos sucessivos de 20 minutos concedidos primeiro para a acusação e depois para a defesa. Apresentada pelo juiz em audiência logo após a sustentação oral das alegações finais da defesa. Possibilidade de Não existia porque as audiências já eram fracionamento fracionadas. da audiência Prazo de 10 dias para a sentença pelo juiz (art. 411, §9º). Como no caso do rito ordinário, o processamento da primeira fase do rito do júri, exposto no quadro acima, também pode ser representado por um fluxograma nos moldes do elaborado a partir do Convênio FSEADE - IBCCRIM (www.ibccrim.org.br; www.seade.gov.br). Trata-se da representação gráfica a seguir. 28 A sentença do juiz de que trata o quadro e o fluxograma anteriores engloba quatro possibilidades, que permanecem as mesmas de antes da promulgação da nova lei: absolvição sumária, impronúncia, desclassificação e pronúncia. O que muda, nesse caso, é apenas o recurso adequado às decisões de impronúncia ou absolvição sumária. Anteriormente, o recurso cabível contra tais decisões era o recurso em sentido estrito; após a promulgação da Lei nº 11.689/08, esse recurso passou a ser a apelação. Destas possíveis decisões, a pronúncia é a que confirma a competência dos jurados para julgamento do feito, ante a presença da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, e dá início à segunda fase do rito do tribunal do júri. As mudanças introduzidas nessa fase processual pela nova lei são as sumarizadas no quadro comparativo abaixo: Quadro 06. Modificações introduzidas pela lei 11.689/08 na segunda fase do rito do tribunal do júri Código de Processo Penal, Brasil - 2009 Procedimento Antes Depois Penal Possível citação por edital no caso do Intimação da Intimação pessoal do acusado, acusado não ser encontrado, mesmo no sentença de escusável apenas em caso de crime caso de crime inafiançável (art. 420, pronúncia afiançável. parágrafo único). Extinção do libelo e contrariedade. Apresentação do libelo acusatório pela Intimação das partes para arrolarem acusação, em 5 dias (prorrogáveis por testemunhas (máximo de 5) e Preparação do mais 2), e intimação, no prazo de 3 apresentarem provas e requerimentos dias, para a contrariedade do libelo pela processo para em 5 dias (art. 422). Após isso, o juiz defesa, também em 5 dias. Após isso, o deliberará sobre as requisições das julgamento em plenário juiz deve ordenar as diligências partes, determinará diligências necessárias para saneamento de saneadoras de eventuais nulidades e eventuais nulidades. elaborará relatório sucinto do processo (art. 423). O desaforamento por excesso de prazo pode ser exigido, por comprovada sobrecarga de serviço, se o julgamento Desaforamento por não puder ser realizado no prazo de 6 excesso de prazo e Poderia ser requerido o desaforamento meses, contados do trânsito em julgado reclamação para se não ocorresse o julgamento em 1 ano da decisão de pronúncia. Se, passado julgamento desde o recebimento do libelo. esse prazo, houver possibilidade de imediato julgamento pelo mesmo tribunal, o acusado pode requisitar a realização imediata do julgamento (art. 428). 30 Instrução em plenário Só era permitida a ausência do acusado em crimes afiançáveis. O interrogatório do réu era o primeiro ato da instrução, seguido pela oitiva das testemunhas de acusação e de defesa. Era permitida a leitura de quaisquer peças do processo. O uso de algemas pelo acusado era a regra. Os depoimentos das testemunhas deveriam ser reduzidos a escrito, de maneira resumida. Os debates previam 2 horas para a acusação, 2 horas para a defesa, meia hora para a réplica e mais meia hora para a tréplica. Em caso de mais de um réu, o tempo de acusação e defesa era acrescido de 1 hora, sendo elevados ao dobro o tempo da réplica e da tréplica. Diligências essenciais durante a instrução em plenário Se a verificação de qualquer fato essencial à decisão da causa não pudesse ser realizada imediatamente, cabia ao juiz dissolver o conselho de sentença, formulando com as partes os quesitos para as diligências necessárias. Quesitos A prescrição legislativa para sua formulação era menos diretiva e mais complexa. Julgamento pelo júri Preferencialmente em sala especial, por maioria de votos. Não é mais necessária a presença do acusado, mesmo em crimes inafiançáveis. Não implica, igualmente no adiamento da sessão, a ausência do querelante, salvo se justificada em ações exclusivamente privadas (art. 457). O interrogatório do réu passa a ser realizado após toda colheita de provas. Antes serão ouvidos o ofendido (se possível), as testemunhas de acusação e as de defesa, inquiridos diretamente pelas partes ou indiretamente pelos jurados. É permitida a leitura somente de peças que digam respeito a provas colhidas por carta precatória e as provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis (art. 473). O uso de algemas pelo acusado é exceção, só permitida quando a segurança da sessão o faz necessário. O depoimento das testemunhas pode ser gravado. Os debates destinarão 1 hora e 30 minutos para a acusação, 1 hora e 30 minutos para a defesa, 1 hora para a réplica e mais 1 hora para a tréplica. Em caso de mais de um réu, o tempo de acusação e defesa será acrescido de 1 hora, sendo elevados ao dobro o tempo da réplica e da tréplica (art. 477). Se a verificação de qualquer fato essencial ao julgamento da causa não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolverá o conselho, ordenando a realização das diligências necessárias que, na hipótese de se constituírem em produção de prova pericial, fará com que o juiz e partes nomeiem perito e assistentes técnicos e formulem quesitos, no prazo de 5 dias (art. 481). O legislador guia a ordem e maneira de formulação dos quesitos pelo juiz presidente, exigindo um quesito genérico de absolvição (art. 483). Prossegue sendo por maioria de votos, preferencialmente em sala especial, mas não é mais necessária a contagem de todos os votos, dando-se por encerrada a votação do quesito assim que mais de 3 jurados expressarem a mesma orientação (art. 483). Como já explicitado, a Lei nº 11.689/08 provocou mudanças importantes na segunda fase do julgamento pelo Tribunal do Júri. Dentre essas, têm importância crucial para o cômputo do tempo de processamento dos crimes e para a efetivação das garantias processuais do acusado e dos jurados a possibilidade de citação de réu ausente por edital 31 – mesmo em crimes inafiançáveis –, a extinção do libelo e a nova sistemática da audiência em plenário, sem contar a já aludida extinção do protesto por novo júri. A possibilidade de citação do réu ausente por edital, mesmo em crime inafiançável, veio a sanar um problema criado pela legislação anterior que fazia com que, quando não fosse possível encontrar o réu para sua citação pessoal, o processo fosse suspenso sem que, por sua vez, fosse suspenso o prazo prescricional. Num mesmo sentido, a extinção do libelo-acusatório veio à tona no intuito de diminuir as arguições de nulidade derivadas da dificuldade de sua elaboração com respeito à sua grande quantidade de regras (Borges de Mendonça, 2009). No que concerne à nova dinâmica da instrução em plenário, pode-se destacar como fatores que contribuem para a celeridade processual a proibição da leitura das peças em plenário e a simplificação da formulação de quesitos, que, anteriormente – assim com o libelo –, ensejavam diversos questionamentos por nulidades. Quanto ao reforço das garantias do acusado, como a presunção de inocência, ganham destaque a proibição, em regra, do uso de algemas e a consideração de seu depoimento pessoal como meio de defesa, ocorrendo após a produção das demais provas. Cumpre destacar ainda, no que tange ao tempo legalmente previsto para o processamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, a nova regra relativa ao desaforamento por excesso de prazo. De acordo com a interpretação da redação do artigo que lhe dá suporte (art.428 do CPP), pode-se concluir que o legislador quis dar efetividade à garantia constitucional de razoável duração do processo, assegurando meios para que a segunda fase do rito do júri não ultrapasse seis meses de duração. Com isso, as alterações derivadas da Lei nº 11.689/08 fixam os prazos para finalização da primeira e da segunda fase do rito do Tribunal do Júri, respectivamente, em 90 dias e 6 meses. Assim, é possível afirmar que o tempo global de processamento para o caso do réu solto é de 315 dias: 30 dias para o inquérito policial, 15 dias para o oferecimento da denúncia, 90 dias para encerramento da primeira fase de instrução e 6 meses para encerramento da fase do júri propriamente dita. Comparando este prazo com o vigente anteriormente, tal como ocorreu com o rito ordinário, é possível afirmar que os prazos do rito do tribunal do júri, com a nova legislação, não apenas ficaram melhor delimitados como foram ainda ampliados, com o objetivo de viabilizar um tempo que seja razoável aos operadores do direito para a 32 prática de tais atos. Com isso, espera-se que tais procedimentos não venham a incorrer no que se denomina excesso de prazo. I.4 – As alterações globais produzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08 sob o tempo de processamento dos crimes comuns e dos crimes dolosos contra a vida No intuito de mensurar a alteração global produzida pela Lei nº 11.719/08 e Lei nº 11.689/08 sobre o tempo de processamento, respectivamente, dos crimes regidos pelo procedimento ordinário e dos crimes regidos pelo rito do júri, elaborou-se o Quadro 07. Quadro 07 – Tempo global de processamento (ordinário e Tribunal do Júri) Desde a data do crime até a data da sentença Antes e depois da publicação das Leis 11.689/08 e 11.719/08 Código de Processo Penal, Brasil - 2009 CPP 1941 CPP 2008 (1) (2) Tempo para processamento Réu Réu Réu Réu (desde o crime até a sentença) solto preso solto preso Crimes cuja pena máxima cominada é igual ou superior a 4 anos de prisão 145 95 150 120 Rito ordinário Crimes dolosos contra a vida 310 260 315 295 Rito do Tribunal do Júri De acordo com o Quadro 07, a partir da publicação das Leis 11.689/08 e 11.719/08, tanto o prazo para a realização do procedimento ordinário como prazo para a execução do procedimento do Tribunal do Júri foram aumentados. Em parte, este fenômeno decorre da constatação de que de nada adianta haver uma lei processual penal cujos prazos são exíguos se os operadores do direito não são capazes de adimplir este prazo. Considerando ainda essas informações, é possível afirmar que, no Brasil, atualmente, o tempo de processamento dos crimes dolosos contra a vida é, em média, 2,1 vezes maior do que o tempo prescrito para o processamento dos crimes comuns. Esses resultados apontam, por um lado, para a expectativa de um processo penal mais complexo, no caso de crimes dolosos contra a vida em comparação com o processamento de crimes comuns. Uma vez apresentadas as considerações necessárias para o entendimento de que atos são necessários para o processamento de um dado delito e ainda de qual é o tempo global prescrito para tanto, cumpre realizarmos a discussão referente ao tempo necessário para o processamento dos delitos no rito ordinário e ainda dos crimes dolosos 33 contra a vida. Para tanto, a revisão dos estudos empiricamente realizados neste sentido, no Brasil, serão sumarizados na seção seguinte. Esta revisão é importante na medida em que um dos propósitos desta pesquisa é o de verificar se as alterações legais têm surtido o efeito prático esperado, agilizando o processamento das demandas criminais e adequando-as ao tempo que o legislador elegeu como apropriado à razoável duração do processo. Assim, para que seja possível compreender se houve ou não mudanças em relação ao tempo de processamento é preciso verificar qual era o cenário anterior. I.5 – Tempo legal e tempo necessário para processamento das infrações penais Qualquer estudo que tenha como objetivo classificar o funcionamento de um determinado sistema de justiça criminal como moroso deve se iniciar pelo cálculo do tempo prescrito por esta realidade como necessário para o processamento de um dado delito. Nestes termos, o tempo legal pode ser entendido como aquele prescrito pelos códigos ou pelos tratados internacionais, ou seja, o estabelecido pelo Estado como o que deve ser utilizado pelo sistema judicial no cumprimento de todas as atividades necessárias para o processamento de um conflito (desde a sua ocorrência até a sentença que delibera sobre a controvérsia). Ao contrário do tempo legal, o tempo necessário se refere ao tempo ideal de duração dos processos, no qual estão equacionados os tempos legais previstos pelo código, os tempos necessários para a proteção dos direitos e o tempo demandado para a eficiência das práticas de cada uma das organizações que compõem os sistemas de justiça. Esta distinção entre tempo legal e tempo necessário é importante porque, apesar de os diplomas legais estabelecerem um determinado prazo para o processamento de cada infração, isso não significa que este seja o tempo realmente despendido na realidade dos tribunais. Para realizar esta discussão entre tempo legal e tempo necessário, a primeira estratégia adotada foi verificar o que os tratados internacionais estabelecem como tempo razoável para o processamento de uma infração. Esta revisão dos tratados internacionais 34 pareceu relevante na medida em que eles procuram dar conta de uma diversidade de realidades, estabelecendo para cenários essencialmente distintos prazos semelhantes. A idéia desta seção é verificar em que medida os prazos prescritos por estes tratados é ou não semelhante ao prescrito pelo CPP (antes e depois da reforma), para em seguida contrastar o prazo prescrito pelo CPP com o prazo verificado nas pesquisas empíricas sobre o tema. Realizando esta análise em duas etapas acredita-se que será possível aos interessados no tema terem uma noção mais adequada do significado que os prazos processuais brasileiros possuem em termos de consonância com as demais realidades: internacionais e nacionais. Por outro lado, a revisão dos diplomas internacionais pode evidenciar o quão antiga é esta preocupação com o excesso de prazo e ainda quais foram as soluções encontradas em outras realidades para equalizar as diferenças entre tempo legal (prescrito pelas leis) e tempo necessário (efetivado na realidade cotidiana dos tribunais). Esta revisão é de suma importância quando se considera ainda o objetivo desta pesquisa, qual seja, fornecer subsídios à Secretaria de Assuntos Legislativos para que esta possa aperfeiçoar o Código de Processo Penal no que diz respeito a tentativa de equalizar celeridade processual com garantias dos direitos fundamentais do acusado. 1.5.1 O tempo legal nos diplomas internacionais O direito ao processo penal justo e rápido foi consagrado em diversos diplomas legais que orientam o funcionamento dos sistemas de justiça criminal em todo o mundo. Entre estes, cumpre destacar os seguintes: (i) art. 10, da Declaração Universal dos Direitos Humanos; (ii) art. 6º, da Convenção Européia dos Direitos do Homem; (iii) Sexta Emenda a Constituição Federal dos Estados Unidos da América, (iv) Convenção Americana sobre Direitos Humanos (da qual o Brasil é signatário). Neste sentido, as seções subsequentes procurarão abordar como o tempo do processo penal é administrado no âmbito de cada uma destas legislações e, com isso, mapear algumas medidas que possam ser incorporadas pela Secretaria de Assuntos Legislativos como propostas de leis que tenham como objetivo conceder maior efetividade aos dispositivos do CPP que prescrevem tempos para a prática de dados atos processuais. 35 A - Declaração Universal dos Direitos do Homem e Convenção Européia dos Direitos do Homem Um dos primeiros tratados internacionais a se preocupar em definir o que é um prazo razoável para processamento de uma determinada demanda foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual estabelece em seu art. 10 que: “Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.” Com objetivo de tornar alguns dispositivos acordados por diversos países no âmbito da Declaração Universal dos Direitos do Homem mais explícitos e com isso garantir, dentro de uma perspectiva mais factual, os Direitos do Homem bem como suas Liberdades Fundamentais tem-se, no ano de 1950, a publicação da Convenção Européia dos Direitos do Homem. Este diploma legal, em seu art. 6º., I, explicita que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. Uma vez signatários desta convenção, os países devem aplicar em seus respectivos territórios estes princípios. Assim, a questão que se coloca para os administradores dos sistemas de justiça criminal destas diversas localidades é a seguinte: o que se entende por prazo razoável no âmbito do processo penal? Na tentativa de responder a esta questão, a bibliografia disponível no âmbito do Conselho Europeu de Direitos Humanos foi revisada, bem como os casos célebres que servem de baliza para julgamento de casos posteriores que questionam a violação de direitos fundamentais do indivíduo em razão do excesso de prazo para a instrução criminal. Um dos primeiros casos célebres neste sentido é o Lawless v. Ireland, o qual foi julgado (e diversos outros) pelo Conselho Europeu de Direitos Humanos em 1961. Neste caso, Gerard Richard Lawless, militar irlandês, fora preso em 11 de julho de 1957, quando cruzava do Rio Unido para a Irlanda, sob a acusação de crime contra o 36 Estado. Lawless permaneceu preso e sem qualquer tipo de julgamento até o ano de 1961. Em 01 de julho de 1961, o mérito do caso foi julgado pelo CEDH e Lawless foi condenado por crime privativo de militares. A importância deste caso está relacionada ao fato de este ter sido o primeiro processo a ser analisado por uma corte internacional no qual houve a aplicação de tratados de direitos humanos para dirimir uma disputa entre um indivíduo e o Estado. Afinal, o que Lawless pleiteava não era a sua liberação, mas o direito a ser julgado por um tribunal, num prazo razoável (European Union, 2010) Contudo, foi a partir dos anos 1990 que causas de indivíduos pleiteando o direito de serem processados e julgados em um período razoável de tempo passaram a aparecer com mais freqüência perante o CEDH. Em todos estes casos, o que os acusados questionavam não era a sua culpabilidade, mas o direito a ter o seu processo encerrado no menor lapso de tempo, cabendo a corte entender se este tempo pleiteado pelo acusado era ou não viável e, por isso, se cabia ou não o questionamento por excesso de prazo. Diversos foram os casos de cidadãos europeus que acionaram o Conselho Europeu de Direitos Humanos para garantir a efetividade do direito a instrução criminal em um razoável espaço de tempo ao longo da década de 1990. Em todos eles, o CEDH procurou equalizar os direitos fundamentais do indivíduo a realidade das cortes da cada país, produzindo uma medida de prazo razoável de acordo com cada caso, em detrimento de estabelecer uma única medida, válida para todos os contextos em todos os tempos. No ano de 1999, o caso Ferrari, A.P. v. Italy e o caso Di Mauro and Bottazi v. Italy demonstraram que as demoras sistemáticas da justiça Italiana eram incompatíveis com a Convenção Européia dos Direitos do Homem da qual este país era signatário. Estes processos foram emblemáticos porque representavam, na realidade, uma série de outros casos que eram levados ao CEDH em razão da incapacidade da justiça Italiana em processar em um razoável espaço de tempo as demandas que eram levadas a seu conhecimento. Visando dissuadir os indivíduos a recorrer ao tribunal supranacional, o CEDH colocou a possibilidade de aqueles que se sentissem lesados com a demora poderem questionar no âmbito doméstico (justiça italiana) uma indenização entre 1.500 e 2.000 37 euros para cada ano de atraso no julgamento da ação em relação ao prazo previsto pela legislação italiana, desde que não houvesse recurso ao CEDH. Contudo, ao contrário do que se previa, o estabelecimento da possibilidade de indenização não foi capaz de reduzir substancialmente o número de queixas em desfavor da justiça italiana junto ao CEDH. Este fato, aliado à constatação de que várias causas relacionadas ao excesso de prazo no processo criminal eram bastante semelhantes, fez com que este órgão publicasse uma espécie de “guia prático para a implementação do art. 6 da Convenção Européia dos Direitos do Homem” (Mole e Harby, 2006). De acordo com esta publicação, o tempo do processo tem como marco inicial o dia do recebimento da denúncia (e não o dia do crime, como muitos estudos fazem) e como marco final o dia em que o processo alcançou a instância máxima de julgamento possível em cada país. O caso não precisa ter chegado à última instância para que a CEDH o examine em relação à dissonância existente entre este e o tempo razoável, mas o momento do processo no país de origem é levado em consideração por este órgão até para se verificar quantos atos ainda precisariam ser praticados para que este chegasse à sua instância máxima. Interessante notar que a cartilha “The right to a fair trial: a guide to the implementation of Article 6 of the European Convention on Human Rights” não estabelece um prazo fixo para duração máxima do processo penal. Apenas estabelece que os tempo dos casos criminais serão examinados pela CEDH de acordo com as seguintes variáveis: (i) complexidade do caso; (ii) conduta da pessoa que recorreu a corte; (iii) conduta do Poder Judiciário e das autoridades administrativas da nação de origem e (iv) o que o acusado pretende recorrendo ao CEDH e questionando a violação ao art. 6º da Convenção (Mole e Harby, 2006). Ainda de acordo com este documento, a CEDH preferiu não fixar um limite fixo de tempo porque, dependendo da complexidade do caso e da necessidade de provas a serem reunidas, a razoabilidade pode ser distinta. Assim, estabelecer um tempo que a própria corte poderia justificar o seu desrespeito pareceu a este órgão algo pouco prático: em detrimento de fixar o limite máximo de tempo, o que o CEDH fixou foram as balizas para se considerar o tempo de processamento de um crime. Soma-se a isso o entendimento desta corte de que o processo no prazo razoável não é o processo em sua 38 celeridade máxima, mas aquele capaz de equilibrar a garantia da ampla defesa com o tempo adequado para a instrução e julgamento do acusado. Nestes termos, o que esse tribunal tem observado é que diversos países têm procurado fixar estes limites temporais de tal maneira que apenas os casos que excedam este prazo sejam submetidos a exame da corte internacional. Estes mesmos países têm procurado estabelecer medidas para que o atraso na instrução criminal não resulte em dano ao acusado. Assim, especialmente para os casos nos quais o indivíduo está mantido em custódia, há um limite para encerramento do processo. Caso este limite não seja respeitado, o indivíduo deverá ser colocado em liberdade, ainda que o seu processamento continue. A idéia que norteia este procedimento é a de que o indivíduo não pode ser punido pela dificuldade do Estado em implementar uma justiça ágil. Por outro lado, com o objetivo de garantir que os Estados venham a implementar esta idéia de justiça dentro de um tempo razoável, o Conselho Europeu tem sugerido aos diversos países a implementação de multas para quem der ensejo à demora e ainda a possibilidade de o acusado pleitear indenizações distintas em razão da demora no julgamento de sua causa. A Holanda, por exemplo, estabeleceu no ano de 2006, a partir de jurisprudência de seu Supremo Tribunal, que o prazo máximo para a persecução criminal é de dois anos. Depois disso, caso o réu esteja preso, ele deve ser imediatamente colocado em liberdade, já que após este prazo o Estado perde o direito a processar o indivíduo mantendo-o em custódia. A exceção a esta regra é colocada no caso de o atraso no exame da causa ter sido ocasionado pelo réu. O direito de indenização por excesso de tempo é contemplado nesta realidade desde 1993 (ano da reforma do Código de Processo Penal Holandês). Desde então, poucos foram os casos que siguiram até a corte européia questionando a violação ao art. 6º. da Convenção (Jehle, 2006). Já a Inglaterra prevê que qualquer processo com duração de mais de um ano ofende a dignidade da pessoa humana e, por isso, os processos criminais devem ser encerrados antes deste limite. Caso contrário, é possível indenização do acusado pelo excesso de prazo (European Union, 2009). Estes dois países são exemplos de como a definição do tempo razoável para processamento e julgamento de um crime é algo extremamente complexo: o que parece 39 razoável em uma localidade nem sempre é em outra (em termos de número de dias). As medidas garantistas asseguradas ao acusado para que este não seja lesado, seja pela prisão cautelar injusta, seja pela demora na instrução criminal, também são diferenciadas dependendo da localidade em questão. Ou seja: o significado do tempo razoável não é algo que possa ser imediatamente descolado do contexto imediato de processamento da infração. Este é um conceito construído socialmente, já que o tempo a partir do qual o processo pode ser considerado como em excesso de prazo é distinto dependendo da realidade em análise. No entanto, o que os documentos relacionados à administração do tempo da justiça criminal na Europa e o art. 6º da convenção parecem denotar é o estabelecimento de: (i) indenizações ao acusado não julgado em tempo razoável, (ii) medidas como a soltura do réu encarcerado após um dado número de dias sem encerramento da instrução e (iii) multas para os operadores do direito que deram ensejo ao excesso de prazo. Essas são políticas que, na perspectiva destes países, contribuem senão para a redução do tempo de processamento, para a não violação ao direito do acusado em ter um julgamento justo e rápido. Além destas medidas, o que se percebe é a concessão de um poder cada vez maior às promotorias de Justiça para a realização de acordos na fase pré-processual com o acusado para que o caso não venha a se tornar um processo. O que se pretende é que, especialmente no caso de pequenos crimes, ou de infrações de menor potencial ofensivo, o promotor de Justiça negocie com o acusado a aplicação imediata de uma pena, a aplicação de uma medida despenalizadora (que seria o equivalente a transação penal) e a suspensão condicional do processo (Smit et al, 2005). Países como Holanda, Suíça, Alemanha, França e Bélgica são exemplos de localidades nas quais a justiça passou a ser considerada como mais eficiente, especialmente no que se refere ao tempo de processamento, desde que esta política passou a ser implementada. Neste contexto, apenas casos de elevada complexidade são submetidos ao exame dos magistrados, sendo que o restante sequer chega a ser registrado pelas cortes, encerrando-se no Ministério Público (Jehle e Wade, 2006). Este procedimento vai ao encontro do ideal de justiça, na medida em que o caso penal é efetivamente examinado por uma autoridade judicial competente e o acusado recebe algum tipo de sanção (que pode variar desde pagamento de multa até a prisão 40 propriamente dita) em momento não muito distante de sua ocorrência. Exatamente por isso este procedimento tem sido amplamente estudado no âmbito da União Européia e aceito como ideal de funcionamento do sistema de justiça criminal de maneira mais justa. B - Speed Trial Act – O direito a razoável duração do processo nos Estados Unidos da América O art.6º da Constituição Federal dos Estados Unidos da América estabelece que em todos os processos criminais é direito do acusado ter um julgamento rápido e público, realizado por um júri imparcial do estado ou do distrito no qual o crime aconteceu. Este distrito deve ter previamente disposto em lei as regras para a persecução criminal e deve informar ao suspeito a natureza e causas da acusação. O distrito deve viabilizar ainda que as versões do acusado sob o fato sejam confrontadas com as versões de diversas outras testemunhas sob a assistência de um advogado particular ou patrocinado pelo Estado. De acordo com Siegel e Senna (2007), neste cenário, a polêmica em torno do tempo despendido pelos sistemas judiciais no processamento de um conflito, seja no meio acadêmico, seja na sociedade como um todo, se tornou evidente quando do julgamento do caso “Klopfer vs. North Carolina” no ano de 1967. No julgamento deste caso, ocorrido em 08 de dezembro de 1967, ficou decidido que um promotor não poderia, indefinidamente, processar um indivíduo sem fornecer uma razão para tanto à corte. Neste caso, Klopfer sentia-se vencido por um promotor que, incapaz de conseguir a sua condenação num primeiro julgamento, decidiu suspender a acusação indefinidamente. Klopfer, o réu, pressionou a justiça para obter um julgamento ou um acordo mais rapidamente. Sem sucesso, ele questionou que a decisão do promotor em processá-lo indefinidamente feria a Sexta Emenda da Constituição Norte-Americana, a qual garantia o direito a um julgamento rápido para todos os indivíduos. A Suprema Corte, ao aceitar os argumentos apresentados por Klopfer, determinou ainda que nestes casos a garantia a um julgamento rápido deveria acontecer de acordo com os padrões estabelecidos pelo governo federal. Com isso, a 41 Suprema Corte apresentou a sua primeira interpretação do significado da Sexta Emenda a um julgamento rápido. Nesta decisão, o tribunal assegurou que o direito a um processamento rápido era “um fundamento como qualquer outro dos direitos segurados pela Sexta Emenda”. Além disso, a Suprema Corte determinou que, embora o acusado não estivesse sob custódia nem sob nenhum tipo de restrições ao seu movimento, “a ansiedade e o interesse em acompanhar uma acusação pública”, assim como o desprezo do Estado em relação ao encerramento do seu processo, transgrediam o seu direito a um julgamento rápido (386 EUA/ 213, 1967). A partir do julgamento do caso “Klopfer vs. North Carolina”, o direito a um processamento ágil foi incorporado ainda no âmbito da 14ª Emenda à Constituição Norte-Americana (Listokin, 2007). Na exposição de motivos desta interpretação, foi colocado que o direito ao julgamento rápido deveria ser efetivado em todos os casos, na medida em que apenas desta forma seria possível: (i) aumentar a credibilidade no processo, fazendo com que a testemunha pudesse se apresentar ao tribunal o mais rápido possível; (ii) evitar que os acusados permanecessem presos por um tempo superior ao necessário; (iii) afastar a excessiva publicidade dos tribunais que, muitas vezes, colocam estas instâncias como pouco efetivas ou excessivamente morosas; (iv) evitar que os promotores de justiça viessem a interpor recursos desnecessários; e (v) evitar qualquer tipo de demora que pudesse afetar a habilidade do acusado em se defender (Siegel e Senna, 2007). A grande questão colocada do julgamento do caso “Klopfer vs. North Carolina” foi, portanto, compreender o que deveria ser entendido como um processamento rápido. Este cenário teve ainda como consequência não apenas o aumento do interesse de criminólogos por esta temática, mas, ainda, sucessivos debates públicos sobre o que seria um tempo justo e o que deveria ser, dentro deste cenário, definido como morosidade. A resposta a este questionamento ocorreu apenas em 1974, após o julgamento do caso Baker vs. Wingo Factors. Este caso motivou o Congresso Americano a publicar, no ano de 1974, uma interpretação da Sexta Emenda Constitucional, que estabelecia o direito do réu a um julgamento ágil. Esta interpretação foi denominada Speed Trial Act (Miller, 1986). Esta medida estabelecia que o tempo para a averiguação da autoria e materialidade do delito e, por conseguinte, apontamento de um suspeito (indictment) 42 não poderia ser superior a 30 dias. A partir da acusação de um suspeito, o processamento (trial) deveria se encerrar em até 70 dias (Listokin, 2007). O Speed Trial Act assinalava que a demora na administração do sistema de justiça criminal era um problema que deveria ser solucionado dadas as implicações que a morosidade poderia ter sobre os demais direitos garantidos pela Constituição NorteAmericana. Em termos práticos, o Federal Speed Trial Act estabelecia que todos os casos criminais, a partir de certo limite temporal, deveriam ser necessariamente objeto de apreciação pelo juízo competente, e este ato apenas não ocorreria caso as partes (defesa e acusação) acordassem em sentido contrário. Para se garantir, por um lado, o direito do réu de ser julgado no menor tempo possível e, por outro lado, a credibilidade dos tribunais no âmbito da sociedade americana, o congresso havia fixado, em 1974, 100 dias como prazo médio de duração dos processos criminais. Em 1978, este dispositivo legal foi reforçado pela Suprema Corte, com destaque especial para os casos nos quais o réu encontrava-se preso. Com isso, ficou estabelecido que: “Under the provisions of the federal Speedy Trial Act, the maximum permissible time for processing criminal cases initiated after July 1, 1978, is 100 days from arrest to trial.” Trotter e Cooper (1981: 114) Esta medida foi entendida por vários operadores do direito como uma solução “mágica” para a morosidade da justiça criminal. A perspectiva era de que a mudança na legislação seria capaz de, em um passe de mágica, fazer com que todos os processos passassem a ser encerrados no momento estipulado pela lei. De outro lado, esta solução foi amplamente criticada pelos criminólogos. De acordo com eles, o problema é que este tipo de solução (publicação de uma interpretação que fixa o prazo do processo em um determinado número de dias) não seria capaz de alterar as práticas cotidianas dos tribunais. A perspectiva era a de que o tempo de processamento reflete uma série de crenças, valores e atitudes dos operadores dos indivíduos e não o resultado combinado da aplicação de determinados dispositivos legais. Assim, não se trata de mudar a lei tão somente, mas de mudar a cultura organizacional. No entender de Talarico (1984) apenas mudar as regras temporais, sem mudar a realidade prática dos tribunais, não implicaria em nenhuma alteração no tempo de 43 processamento. Em certa medida, esta crítica parece ter sido confirmada pelas pesquisas que se sucederam à publicação do Federal Speed Trial Act. A revisão dos estudos sobre esta temática realizada por Ribeiro (2009) indica que, no ano de 1966, eram necessários, em média, 180 dias para se encerrar o processamento de uma causa criminal. Já no ano de 1996, eram necessários 259 dias para a realização desta mesma atividade. Por fim, entre todas as cortes que tiveram o tempo médio mensurado em 30 anos de estudo sobre o tema, poucos foram os tribunais capazes de apresentar um tempo médio de processamento inferior ao prescrito pelo Speed Trial Act. Aqueles que conseguiram materializar o tempo prescrito pelo Speed Trial Act o fizeram a partir da institucionalização de mecanismos como: (i) punição daqueles que deram ensejo ao excesso de prazo, (ii) liberação imediata do suspeito preso no caso de o processamento não se encerrar dentro do prazo prescrito; (iii) instituição de órgãos responsáveis pelo monitoramento constante das atividades dos operadores do direito de maneira a alertá-los quanto às conseqüências que o não respeito ao prazo implica. C - Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o direito a razoável duração do processo na América Latina A Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi assinada em 22 de Novembro de 1969 em São José da Costa Rica. Contudo, esta apenas entrou em vigor na ordem internacional em 18 de Julho de 1978, em conformidade com o artigo 74.º, n.º 2. deste mesmo tratado. Neste diploma legal, o direito ao processo penal em um prazo razoável encontrase prescrito no art. 7º e no art. 8º, sendo a diferença primordial entre estes o fato de o primeiro se referir a pessoas detidas enquanto, o segundo se referir a todos os indivíduos em geral: “Art. 7º. Toda a pessoa detida ou retida deve ser conduzida sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade sem prejuízo de que prossiga o processo. A sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem a sua comparência no juízo.” Grifos nossos 44 “Art. 8º. Toda a pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, no apuramento de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, de trabalho, fiscal ou de qualquer outra natureza.” No que se refere às implicações de cada artigo, tem-se que, no caso do indivíduo detido, o desrespeito ao prazo prescrito como razoável por cada país signatário implica, necessariamente, em sua liberação. Em parte, esta medida pode ser explicada pela idéia de que a prisão provisória para além do prazo razoável para a instrução criminal implica em execução antecipada da pena e, portanto, fere o princípio de presunção da inocência. Exatamente por isso, em se tratando de indivíduos mantidos em custódia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que a análise do tempo deve ser diferenciada. O Brasil é signatário desta convenção desde 25 de setembro de 1992 e, desta forma, o art. 7º teria aplicabilidade no ordenamento jurídico nacional. Isso significa dizer que, entendendo os prazos prescritos pelo Código de Processo Penal (CPP) como razoáveis para a instrução criminal, em todas as circunstâncias nas quais o indivíduo estiver custodiado provisoriamente, caso o seu processo ultrapasse tal lapso temporal, o indivíduo deverá ser imediatamente colocado em liberdade. Como bem destaca Andrighi (2005: 08): “à luz dos preceitos constitucionais, o Brasil integra o sistema internacional de proteção de direitos humanos, cuja base jurídica iniciou-se com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. A inserção do País no sistema da ONU e da OEA deu-se mediante adesão voluntária aos principais tratados de direitos humanos pontificados por estes organismos internacionais, com o nítido propósito de beneficiar-se de mecanismos auxiliares de reforço às tentativas nacionais de defender e promover os direitos humanos, entre outros. Como resultado da adesão a esses instrumentos internacionais, o Brasil passou a dialogar com os principais órgãos voltados para o controle do cumprimento das obrigações convencionais, tais como a Comissão de Direitos Humanos – CDH, a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH da OEA. Grande parte do trabalho incumbido a CIDH, consiste na tramitação de petições sobre denúncias de violações de direitos consagrados na Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual o Brasil aderiu em 1992.” 45 De acordo com Lopes Júnior e Badaró (2008: 29), o fato de o Brasil ser signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos faz com que o direito ao processo no prazo razoável já fosse assegurado no ordenamento nacional antes mesmo da Emenda Constitucional n. 45/04. O mesmo poderia ser dito em relação ao direito do acusado preso cautelarmente ser colocado em liberdade se o processo penal superasse a duração razoável. Isso significa ainda que, desde 1992, sempre que um acusado sentisse que o seu direito a ser julgado em um prazo razoável de tempo estava sendo colocado em questionamento, este poderia recorrer diretamente a CIDH. Aliás, Vários são os casos envolvendo o Brasil que se encontram em trâmite no âmbito da CIDH (Gráfico 01). 46 Gráfico 01 - Total de casos em trâmite na CIDH por país Relatório anual de atividades, 2007 Fonte: http://www.cidh.oas.org/annualrep/2007sp/cap3ab.sp.htm#Estad%C3%ADsticas, 14/03/2010 acesso em Apesar de, no ano de 2007, o Brasil apenas possuir, no âmbito da CIDH, menos processos que Peru, Argentina, Colômbia e Equador, como os relatórios deste órgão não discriminam a matéria abordada em cada um desses casos não é possível saber qual o percentual destes que se referem à questão do excesso de prazo. No entanto, a simples possibilidade de a instrução criminal que dura muito mais do que o previsto legalmente para tanto poder ser questionada em um tribunal internacional já se configura como medida assecuratória dos direitos fundamentais do acusado. Mas, por outro lado, a apresentação de uma demanda desta natureza perante a CIDH tem como efeito deletério reduzir o grau de confiabilidade no sistema de justiça criminal brasileiro como um todo (tanto do ponto de vista interno - - cidadãos brasileiros - como do ponto de vista externo – comunidade internacional). Andrighi (2005: 09) salienta que a tramitação de uma demanda relacionada à violação do direito de um acusado a ser julgado em um prazo razoável pelo Estado Brasileiro junto a CIDH segue um modelo quase judicial, contemplando réplicas, tréplicas e audiências. Ao final, caso não seja possível alcançar uma solução amistosa no curso da tramitação regulamentar, o caso é concluído e inicia-se a fase de elaboração 47 de um relatório final, no qual poderá constar a declaração da responsabilidade do Estado violador dos direitos humanos em um determinado caso específico. Neste caso, a sentença do CIDH obrigará o Estado Brasileiro a fazer cessar a violação que lhe é imputada e, ainda, a indenizar a vítima ou seus herdeiros legais. Neste sentido, analisando a jurisprudência compilada pelo site do IBCCRIM, foi possível constatar a existência de 42 decisões do STJ que fazem referência a este pacto e ao direito ao julgamento em um prazo razoável. Um exemplo de jurisprudência desta natureza é a seguinte: “Jur. ementada 1633/2001: Processo penal. Excesso de prazo na formação da culpa (CADH, art. 8º). Morosidade estatal. Revogação da prisão. STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N° 10.823 –PI (2000/0137411-7) (DJU 18.11.01, SEÇÃO 1, P. 158, j. 13.03.01) RELATOR : MINISTRO JORGE SCARTEZZINI RECORRENTE: J.L.B. E OUTRO ADVOGADO : JUSCELINO LOPES BEZERRA E OUTRO RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ PACIENTE : E.P.S. (PRESO) EMENTA PROCESSO PENAL EXCESSO DE PRAZO - CRIME DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO - PRISÃO PREVENTIVA – DEMORA POR CULPA EXCLUSIVA DO ESTADO. - Como alertado pela douta Subprocuradoria-Geral da República, às fls. 74/78, a despeito da possível necessidade da segregação cautelar, o ora paciente foi preso em 12.02.2000, sendo somente interrogado em 11.05.2000, e, até o presente momento, nenhuma testemunha arrolada na denúncia foi ouvida, conforme atestam as informações de fls. 40/41. Há uma patente morosidade na conclusão da fase instrutória, sem que a defesa tenha concorrido para tanto, o que evidencia constrangimento ilegal. Recurso provido para que o acusado seja posto em liberdade decorrência do excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal.” Neste sentido, qual o papel efetivamente desempenhado pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 no que se refere ao direito à garantia de um processo penal em um tempo razoável quando o Brasil é signatário de um tratado internacional que estabelece não apenas um limite temporal sobre o que é um prazo razoável como ainda medidas a serem adotadas em caso de excesso de prazo na instrução criminal? De acordo com os resultados sumarizados nas seções precedentes, a grande inovação destas leis foi estabelecer limites mais claros acerca do que se deve compreender como um tempo razoável, uma vez que no âmbito da legislação anterior estes prazos eram de difícil compilação. Ao estabelecer limites mais claros para a contagem do prazo viabiliza-se ainda que aquele indivíduo que se sentir lesado pelo 48 Estado em relação ao tempo despedindo pelos tribunais na realização de sua instrução criminal poderá questionar tal problema junto a CIDH. Contudo, as novas leis ainda parecem falhas em termos de garantias do acusado, especialmente em relação ao preso provisório, na medida em que esta não acolheu o direito a liberação deste indivíduo sempre que o prazo verificado na realidade cotidiana dos tribunais ultrapassar o prescrito no diploma legal e, ao contrário da sistemática anterior, rechaçou a diferenciação entre réu preso e réu solto para regras de contagem do prazo processual. A contemplação de medidas como a liberação imediata do preso provisório quando do excesso de prazo na instrução criminal, de maneira explícita na legislação nacional, poderia contribuir se não para a redução da lentidão processual de maneira substancial, pelo menos para a não violação do direito a presunção de inocência. Se o indivíduo tem uma instrução criminal muito longa, durante a qual este encontra-se privado de sua liberdade, pode-se inclusive argumentar que este está sendo submetido a uma execução antecipada da pena, o que viola diretamente o direito constitucional acima referido. Alguns juristas brasileiros também parecem concordar com esta realidade ao colocarem que o problema da legislação anterior (CPP vigente antes da reforma processual) não era a ausência de prazos claros, mas a inexistência de medidas punitivas para aqueles que dão ensejo aos prazos mortos. “No dia-a-dia forense brasileiro é comum a demora para a conclusão do inquérito policial, oferecimento da denúncia, para a citação do réu, intimação de testemunhas, realização de audiências e, principalmente, o enorme tempo morto nas pilhas dos cartórios e gabinetes dos juízes e tribunais. Neste caso, evidencia-se a efetiva mora jurisdicional. O problema não é a dilação dos prazos fixados em lei, mas a ausência de mecanismos que impeçam os “tempos mortos”.” (Lopes Júnior e Badaró, 2009: 71). Isso significa que outras mudanças na legislação instituindo mecanismos que supervisionem o trabalho dos operadores do direito, no que se refere ao tempo de processamento, mas que equalizem esta demanda por maior controle da atividade judiciária com o princípio da independência dos juízes ainda se fazem necessárias. Mas, por outro lado, esta revisão das mudanças ocorridas na legislação pátria e ainda da forma como tempo é administrado em outras localidades deixam evidente que 49 o problema atual não parece ser apenas de ausência de regulamentação legal do problema. O ponto neurálgico do fenômeno é, na realidade, a inexistência de mecanismos organizacionais propriamente ditos que viabilizem uma maior supervisão e controle das atividades dos funcionários das repartições públicas. A ausência de tais institutos pode, inclusive, contribuir para que os operadores do direito não se sintam obrigados a adimplir o prezo prescrito pelo CPP, uma vez que esta não ação não implica em nenhum tipo de sanção. No entanto, o que esses operadores parecem esquecer é o fato de que o excesso de prazo na instrução criminal viabiliza a abertura de um processo contra o Estado Brasileiro junto a CIDH. O maior problema de os processos cuja instrução é extremamente longa serem levados ao conhecimento da CIDH não é o custo financeiro de se ter um processo tramitando em território outro que não o Brasil, mas o fato de que a inadimplência das obrigações internacionais relativas aos direitos humanos acarreta custos políticos ao País, tais como: “arranhaduras em sua imagem e credibilidade nas relações exteriores e diversos reflexos econômicos na conjuntura nacional que poderão alcançar desde a diminuição do fluxo de turistas estrangeiros no país até o acréscimo de exigências condicionantes à concessão de créditos por parte de organismos financeiros, todas predispostas a ver cumpridas obrigações relativas a direitos humanos.” Andrighi (2005: 09) Em um cenário como este é preciso não apenas o conscientizar os magistrados brasileiros acerca da possibilidade do Estado ser responsabilizado pelo atraso injustificado na tramitação dos processos (Andrighi, 2005; Lopes Júnior e Badaró, 2009), como ainda instituir uma série de mecanismos que obriguem os operadores da justiça a não apenas adimplir os prazos legais como ainda a não violar garantias fundamentais dos acusados pelo excesso de prazo. Aliás, estas são exatamente as previsões que os demais tratados analisados nesta sub-seção apresentam como medidas para se equalizar o direito a celeridade processual com respeito a garantias fundamentais do acusado (Quadro 08). Quadro 08 - Elementos que viabilizam a aproximação do tempo necessário (ou tempo efetivado pelos sistemas de justiça criminal) do tempo legal (estabelecido por leis ou códigos) - Medidas previstas nas legislações internacionais revisadas nesta seção para administração do excesso de prazo Localidade Medidas adotadas para evitar o excesso de prazo. Países que i) indenizações ao acusado não julgado em tempo razoável, (ii) medidas como a integram o CEDH soltura do réu encarcerado após um dado número de dias sem encerramento da 50 Holanda, Suíça, Alemanha, França e Bélgica Estados Unidos da América Países que integram o CIDH instrução e (iii) multas para os operadores do direito que deram ensejo ao excesso de prazo Concessão de poder cada vez maior às promotorias de Justiça para a realização de acordos na fase pré-processual com o acusado para que o caso não venha a se tornar um processo (i) punição daqueles que deram ensejo ao excesso de prazo, (ii) liberação imediata do suspeito preso no caso de o processamento não se encerrar dentro do prazo prescrito; (iii) instituição de órgãos responsáveis pelo monitoramento constante das atividades dos operadores do direito de maneira a alertá-los quanto às conseqüências que o não respeito ao prazo implica (i) liberação imediata do suspeito preso no caso de o processamento ter duração superior àquela que a legislação pátria estabelece como razoável ou necessária a instrução criminal. Essas medidas são importantes de serem destacadas porque enfatizam que o direito à justiça compreende não só a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do cidadão, mas, principalmente, a entrega da prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável (Andrighi, 2005; Lopes Júnior e Badaró, 2009). Assim, no sentido de se verificar em que medida os tribunais brasileiros eram ou não capazes de efetivar o ideal de processamento do acusado em um prazo razoável de tempo, tem-se a seção seguinte. Esta analisa as pesquisas sociológicas sobre o tempo de processamento dos tribunais brasileiros discutindo as diferenças entre as idéias de tempo legal e tempo necessário e como a pesquisa empírica aponta para as necessidades de equalização entre as dissonâncias legais e operacionais do sistema de justiça criminal brasileiro. I.5.2 O tempo necessário na justiça criminal brasileira: uma revisão dos estudos empíricos realizados sobre o tema Nesta seção serão apresentadas apenas as pesquisas já realizadas sobre o tempo de processamento da justiça criminal brasileira. Este fenômeno faz com que o pressuposto inicial de estudos que visem à avaliação do tempo de duração de um processo penal seja, exatamente, a definição do delito a ser estudado, já que infrações diferenciadas podem implicar modalidades distintas de processamento e, por conseguinte, tempos prescritos diversos. Neste sentido, ressalta-se que a maioria das pesquisas já desenvolvidas sobre esta temática tem como foco de análise o delito de homicídio doloso. As razões apontadas pelos autores para a escolha de tal delito são múltiplas e variadas. Dentre as principais, destaca-se a maior confiabilidade que os dados desta natureza apresentam por se tratar de um dos crimes mais graves para a sociedade brasileira e que, por isso, 51 tende a contar com um registro mais completo (em termos do seu andamento processual) do que os demais delitos. É interessante notar ainda que maioria das pesquisas aqui sumarizadas foi realizada sob a vigência da legislação anterior. Como marco do tempo legal, serão considerados os prazos de 145 dias para o processamento dos crimes comuns e de 310 dias para o dos crimes dolosos contra a vida. Por fim, cumpre destacar que o propósito desta seção é apenas descrever os estudos já realizados sobre esta temática e não criticar sua metodologia ou a composição de suas bases de dados ou ainda a pouca possibilidade de generalização dos resultados. Adotando uma perspectiva histórica para a apresentação dos estudos sobre o tempo de processamento da justiça criminal já realizados no Brasil, é possível afirmar que o primeiro destes foi o intitulado “Continuidade Autoritária e Construção da Democracia”. 12 Esta pesquisa, coordenada por Paulo Sérgio Pinheiro, teve como objetivo analisar os processos de linchamentos 13 ocorridos no Brasil no período compreendido entre 1980 a 1989. Neste período, foram identificados aproximadamente 3.519 casos de linchamentos ocorridos em todo o território brasileiro. Diante do volume de casos e, por conseguinte, da impossibilidade de se analisar detidamente todo esse universo, os pesquisadores realizaram uma seleção de apenas alguns casos para serem examinados em profundidade. Os critérios adotados para tanto foram os seguintes: presença da opinião pública por intermédio da mídia; intervenção do poder público por meio das agências policiais, judiciais e judiciárias; e participação da sociedade civil, organizada e não organizada, seja em virtude da identificação das comunidades onde os casos ocorreram, seja em virtude da intervenção dos movimentos sociais. O resultado desse trabalho foi a identificação de 162 casos, ocorridos no eixo Rio–São Paulo. Destes, foi possível ter acesso aos inquéritos e processos penais de 28 casos ocorridos no estado de São Paulo. A análise desses, por sua vez, permitiu verificar que o tempo médio deste processamento era de 74,34 meses, tempo este 738% maior 12 Este trabalho baseou-se nas pesquisas desenvolvidas pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e centrou-se na investigação do tempo de processamento de casos de violação de direitos humanos. Esta ressalva é importante na medida em que a maioria dos estudos realizados sobre este tema, no Brasil, se utiliza não apenas da metodologia empregada por este centro de pesquisa como ainda as distinções teóricas que estes analistas fazem entre tempo legal, tempo ideal e tempo efetivado pelos tribunais para o processamento de um dado delito. 13 Assim classificadas pela pesquisadora os homicídios qualificados praticados em co-autoria ou participação. 52 que o estabelecido pelo Código de Processo Penal como necessário à duração deste tipo de ação penal. Tabela 01 – Tempo médio (em meses) de duração dos processos de linchamentos APENAS casos que resultaram em condenação São Paulo, Estado - 1980 a 1989 Comarca competente Tempo médio (em meses) Campinas 120,33 Lapa 101,41 Ribeirão Pires 100,34 Itapec. Serra 92,28 Carapicuíba 91,3 Mauá 68,48 Praça da Sé 61,11 Jardim Noronha 22,52 Osasco 11,29 Média das médias 74,34 Tempo do CPP 10,16 Fonte: Pinheiro et al (1999: 785). A segunda parte do estudo se concentrou na análise dos determinantes do tempo necessário para o processamento de um delito, os quais dizem respeito, basicamente, às requisições de laudos ausentes e complementares, à solicitação de informações a outros órgãos, a mandados de citação e intimação não cumpridos. Ou seja, nos casos de linchamentos ocorridos e processados em São Paulo, no período de 1980 a 1989, as causas para a extensão do prazo prescrito do CPP são relacionadas a uma série de atividades que são indispensáveis ao andamento do processo e que, em razão do excesso de formalismos, implicam um tempo demasiado longo para serem cumpridas (Pinheiro et al, 1999). O segundo estudo desenvolvido neste sentido foi realizado por Izumino (1998), que coletou informações sobre casos de violência contra a mulher, registrados nas delegacias especializadas de atendimento à mulher de São Paulo, no ano de 1996. A partir desta amostra, a autora analisou a intervenção judicial em conflitos nas relações de gênero que resultaram em desfecho fatal para mulheres ou em lesões corporais. A autora constatou que, nos casos com desfecho fatal, 40,96% dos processos instaurados foram encerrados entre 12 e 24 meses. Em idêntica proporção (21,69%), situam-se processos que tiveram desfecho em menos de 12 meses ou entre 24 e 36 meses. É bem menor a proporção de processos encerrados em 48 meses (8,43%), e menor ainda a proporção daqueles que consumiram tempo superior a 48 meses (1,20%). Portanto, de acordo com a autora, para casos de violência doméstica nos quais ocorre a morte da mulher pelo parceiro ou por alguém da família, espera-se que o 53 encerramento do processo criminal que coloca a punição ou a absolvição do autor do fato ocorra em um prazo médio de 12 a 24 meses, contados da data do delito. No livro intitulado Morosidade da justiça: causas e soluções, o tempo da justiça é analisado por diversas monografias de direito organizadas por Svedas et al (2001) para a publicação em um único volume. De acordo com os autores, a morosidade processual, apesar de ainda não se constituir enquanto foco dos estudos diretamente relacionados ao funcionamento dos tribunais, deve ser melhor compreendida para que soluções pontuais possam ser propostas para o tema. Segundo Beal (2006, p.97), a causa maior da morosidade processual no Brasil reside no formalismo processual, que faz com que muitos processos que chegam até o Supremo Tribunal Federal gastem de 3 a 5 anos para que se decida quem é o juiz competente ou se é adequado este ou aquele caminho procedimental. No que diz respeito aos responsáveis – ou seja, a quem dá ensejo a esta morosidade –, verifica-se que os funcionários dos cartórios são os que mais contribuem para a extensão dos prazos processuais para além dos limites previstos em lei. Isso porque, de acordo com o levantamento dos autores, os juízes são responsáveis por 10% do tempo de uma ação, os advogados e membros do Ministério Público por 20% da demora e o cartório (a burocracia) retém o processo 70% do tempo total de processamento (Svedas et al: 2001). O estudo dos determinantes do tempo de processamento foi realizado de maneira detalhada por Vargas (2004), ao analisar todos os Boletins de Ocorrência de Estupro 14 registrados na cidade de Campinas entre 1980 e 1996. Para proceder à descrição do tempo despendido nas fases de processamento, a autora utilizou informações sobre 446 registros iniciais de estupro e seus desdobramentos. Os primeiros registros datam de 1988 e os últimos desdobramentos na justiça datam de 1999. A análise estatística do tempo entre o registro da queixa e a sentença neste caso demonstrou que são fatores que influenciam o tempo de processamento dos casos de estupro: a) a idade da vítima, já que réus acusados de estupro de vítimas com até 14 anos de idade têm seus processos tramitando quase quatro vezes mais rápido do que aqueles com vítimas de 14 anos ou mais; e b) prisão durante o processo, posto que o 14 É importante destacar que a análise de Vargas (2004) se restringiu ao crime de estupro porque este delito possui regras diferenciadas no que se refere ao tempo de processamento quando a vítima tem menos de 14 anos. Isso porque, nesses casos, de acordo com o art. 224 do Código Penal, há presunção de violência e, por conseguinte, aumento do juízo de reprovação sobre este delito. 54 fato de o réu ter sido preso neste momento diminui em cinco vezes o tempo do registro da queixa até a sentença. Apesar da grande contribuição do trabalho de Vargas (2004) para o entendimento do tempo da Justiça Criminal, bem como dos fatores associados à morosidade processual, sua análise restringiu-se a poucos casos, não permitindo identificar padrões e regularidades e, menos ainda, fazer generalizações. Em estudo publicado em 2005, Vargas, Blavatsky e Ribeiro analisaram o tempo de tramitação dos processos de homicídio no estado de São Paulo a partir de duas bases de dados: a da Fundação SEADE (que possuía informações sobre homicídios simples e qualificados registrados e processados em todo o estado de São Paulo no período compreendido entre 1991 e 1998) e a resultante da análise de todos os casos de homicídios dolosos cujo arquivamento do processo ocorreu em 2003. A base de dados da Fundação SEADE foi analisada por interligar as informações relativas às bases de dados das instituições da área de Justiça, de Segurança Pública e administração penitenciária do Estado de São Paulo, viabilizando, dessa forma, a análise longitudinal dos crimes de homicídio (simples e qualificados) iniciados e encerrados no período compreendido entre 1991 e 1998. As análises estatísticas dos casos com informações completas (7226) desta base indicaram que o delito de homicídio doloso demorava, em média, 2,69 anos (993 dias) para ser julgado pelos tribunais. A segunda base trabalhada pelas autoras referia-se a todos os processos de homicídio arquivados pelo tribunal do júri de uma cidade paulistana em 2003. Após uma análise minuciosa de todos os 93 processos e reunião das informações em uma base estatística, foi possível constatar que são variáveis que afetam o tempo compreendido entre o registro da ocorrência e a sentença final (Quadro 09): Quadro 09 – Principais variáveis que explicam o tempo de processamento do homicídio doloso. Casos encerrados em 2003 em Campinas (93 no total) Variável Direção de causalidade com o tempo de processamento Tipo de crime Crimes mais graves aumentam o tempo de processamento, pois, em regra, contam com a presença de advogado particular a utilizar os recursos processuais protelatórios que podem levar à materialização da prescrição. Réu revel Implica em aumento do tempo, dada a dificuldade dos funcionários judiciais em se comunicarem com outros cartórios e delegacias de polícia para, desta forma, encontrar o réu. Problemas na fase policial A fase com maior tempo de duração é a do inquérito policial, dada a dificuldade de obtenção de provas, de demora na realização de perícias e, inclusive, de identificação do autor do delito. Adiamento do julgamento O adiamento do julgamento, em qualquer fase do processo, faz com que o tempo de processamento seja aumentado. Advogados particulares manejam este instituto neste sentido e a ausência de defensores públicos faz com que 55 Dificuldade na localização de testemunhas Prisão do indivíduo ao longo de todo o processo ou em algum momento deste Natureza da defesa Número de recursos ele termine por ocorrer sucessivas vezes. Implica em aumento do tempo em razão da demora dos tribunais em processarem as cartas precatórias. Fazem com que o tempo de processamento seja muito menor, pois, a maioria desses casos pede urgência dos tribunais. Advogados particulares fazem com que o processo dure mais, ou para que seu cliente seja beneficiado com a prescrição ou para que este alcance uma pena menor. O uso de recursos legalmente previstos visa atender aos interesses do acusado da prática do delito de homicídio, dado que os atrasos no processamento podem implicar em uma punição menor ou mesmo na extinção do processo pelo decurso do tempo. Fonte: Vargas, Blavatsky e Ribeiro (2005) Com a análise dessas duas bases de dados, as autoras puderam constatar que as variáveis determinantes do tempo das três fases principais do procedimento (inquérito policial, denúncia, processo) atuam seguindo a seguinte relação: para cada dia de acréscimo em cada um destes tempos há o acréscimo de uma unidade na probabilidade de se ter um processo mais moroso. Ou seja, demanda-se mais tempo do que o delimitado pelos códigos para percorrer todas as fases previstas entre o registro da ocorrência e a sentença final do júri. Este resultado enfatiza ainda a constatação de Santos (1996: 442) acerca da morosidade nos tribunais portugueses, qual seja: “A morosidade é tanto mais forte quanto mais variadas, intensas e cumulativas forem as suas causas.” Em 2006, ocorre a publicação do trabalho intitulado “Fluxo do crime de homicídio no sistema de justiça criminal em Minas Gerais”, desenvolvido pela Fundação João Pinheiro sob a coordenação de Eduardo Cerqueira Batitucci. O trabalho analisou uma amostra de processos de homicídios dolosos baixados e arquivado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que foram julgados pelos tribunais do júri das comarcas de Belo Horizonte, Ipatinga e Coronel Fabriciano entre 1985 e 2003. Os resultados indicam que a maior parte do tempo de processamento é referente ao encerramento do Inquérito Policial, que demora, em média, 304 dias. Quando o Inquérito Policial, já terminado, é devolvido pelo Ministério Público à Organização Policial para a continuidade das investigações, o tempo médio ultrapassa 680 dias. Ao final, a pesquisa constatou, a partir do estudo de 90 casos de homicídio doloso, que o tempo médio de processamento para o período analisado era de 1611 dias. Estes resultados, de acordo com Batitucci, Cruz e Silva (2006), evidenciavam a falência do modelo investigativo adotado pela Polícia Civil em Minas Gerais e sua incapacidade institucional de fazer frente às demandas dos casos de homicídio doloso. 56 Ainda neste ano, em dissertação de mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, Ruschel (2006) analisou os casos de homicídio doloso, julgados em primeiro grau em 2004, na cidade de Florianópolis. Com isso, o autor pôde constatar que: os réus foram processados em um tempo médio de 784 dias, sendo que o menor tempo dos Processos Penais estudados foi de 303 dias e o maior, de 2378 dias. Ou seja, o tempo máximo identificado foi sete vezes maior que o menor tempo. No que se refere aos elementos que podem dar ensejo à morosidade, a pesquisa constatou que as cartas precatórias e os recursos de habeas corpus, bem como outros pleitos ao Juiz, prolongaram a duração do Processo Penal. Casos com recursos aos tribunais superiores são os que demandam mais tempo, pois, para tanto, são necessários de 1 a 9 meses para a volta da resposta ao Fórum, acrescidos de mais dois meses para agendamento de uma nova data para o julgamento, na concorrida agenda do juiz. Uma análise recente, porém circunscrita ao tempo policial – ou seja, a fase compreendida entre a data do fato e a data de início do caso na justiça criminal –, é a coordenada por Ratton e Fernandes (2007). Este trabalho analisou os casos de homicídio doloso que ocorreram na cidade de Recife, entre 2000 e 2004 e cuja autoria foi esclarecida. Os resultados desta pesquisa apontam para o fato de que o tempo médio de duração do período compreendido entre a data do fato e a de sua distribuição no judiciário é de 86,55 dias para casos que envolvem apenas um réu e 150,29 para os de mais de um réu. Considerando que o tempo previsto para a duração desta fase é de 35 (se o réu estiver preso) ou 65 dias (se o réu estiver solto), é possível afirmar que os casos de homicídio doloso ocorridos em Recife sofrem de certa morosidade para o encerramento do inquérito policial. Em 2007, ocorre a publicação do trabalho de Adorno e Izumino (2007), que analisaram a questão da morosidade no julgamento de crimes específicos, como os casos de linchamentos. Para tanto, eles se basearam nos resultados relativos a dez casos de linchamentos, que tiveram lugar em são Paulo, no período compreendido entre 1980 e 1989 e que se constituíam em parte da base de dados resultante do projeto temático de pesquisa realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), sob a coordenação de Paulo Sérgio Pinheiro. A maior preocupação dos autores consistia em mensurar o tempo médio real para o processamento de 71 casos de linchamento ocorridos e processados em São 57 Paulo. Para tanto, utilizaram como base os dados estatísticos relativos ao tempo de processamento destes crimes julgados pelo IV tribunal do júri do Fórum Regional da Penha (município de São Paulo) no período compreendido entre 1984 e 1988. Estes dados encontram-se sumarizados na Tabela 02: Tabela 02 – Tempo médio (em meses) de duração dos processos de linchamento na cidade de São Paulo APENAS casos julgados pelo IV tribunal do júri do Fórum Maria da Penha - 1984 a 1988 Natureza da Sentença Absolvição Condenação Desclassificação Total Tempo médio de duração N % N % N % N % < 12 meses 26 37% 70 41% 20 37% 116 39% 12-24 meses 32 45% 73 42% 27 50% 132 44% 24-36 meses 9 13% 24 14% 7 13% 40 13% 36-48 meses 3 4% 2 1% 5 2% Sem informação 1 1% 3 2% 4 1% Total 71 100% 172 100% 54 100% 297 100% Fonte: Adorno e Pazinato (2007: 148) A pesquisa de Adorno e Izumino (2007) apontam para o fato de que a maioria dos casos de linchamento julgados no Fórum da Penha no período compreendido entre 1984 e 1988 demorou entre 12 e 24 meses para receber uma sentença de absolvição, condenação ou desclassificação do delito. Ribeiro e Duarte (2008) analisaram 624 casos de homicídio doloso cujo processo foi iniciado e encerrado nos quatro tribunais do júri da cidade do Rio de Janeiro entre 2000 e 2007. A vantagem desta base de dados diz respeito ao fato de ela ser uma cópia do sistema original de movimentação processual do próprio tribunal de justiça. Ou seja, para esta análise foram considerados os dados oficiais do processo. O estudo desta base de dados permitiu às autoras constatar que o tempo de processamento global médio destes casos é de 707 dias (desde a data do crime até a data da sentença). Isso significa que o TJERJ demora, aproximadamente, 1,93 anos para decidir o destino dos réus que praticaram este delito. No que se refere aos fatores processuais capazes de explicar o tempo de processamento (únicos disponíveis nesta base de dados) evidencia-se que apenas as variáveis flagrante e condenação foram estatisticamente significantes. De um lado, o flagrante atua como fator de redução da morosidade necessária. Por outro lado, o fato de o caso se encerrar com uma condenação atua como fator de extensão do tempo global de processamento do caso. Já as outras variáveis (homicídio qualificado, homicídio praticado com concurso de agentes e presença de testemunhas) não interferiram expressivamente no tempo de duração do processo. 58 Por fim, dois estudos recém publicados permitem ainda uma maior compreensão de quais são os fatores que contribuem para o maior ou menor tempo de processamento de uma causa e ainda qual é o tempo despendido pelos tribunais brasileiros. Analisando 131 casos de homicídio doloso ocorridos entre 1977 e 1992 e cujo arquivamento do processo criminal se deu em um dos quatro tribunais do júri do fórum central da cidade do Rio de Janeiro em 1996, Ribeiro (2009) pôde concluir que para o processamento global de tais crimes são necessários, em média, 1915 dias. Os resultados encontrados pela análise estatística realizada pela autora apontaram que, controlando pelas características dos envolvidos, características legais e características processuais dos casos de homicídio doloso ocorridos na cidade do Rio de Janeiro entre 1977 e 1992, as variáveis idade do réu, sexo da vítima, presença de assistente da acusação, presença de arma de fogo e presença de flagrante são as que melhor explicam a variação do tempo da justiça criminal brasileira. De maneira sucinta, verifica-se que: a) Idade do réu: aumenta o tempo de duração do processo, ou seja, para cada ano acima de 18 anos, o tempo de processamento do delito é acrescido em 0,2 %; b) Sexo da vítima: se a vítima é do sexo feminino, o tempo de duração de seu processo é inferior quando comparado ao tempo de duração de processos cuja vítima é do sexo masculino; c) Presença de assistente da acusação: reduz o tempo de duração do processo penal em comparação com os casos nos quais esta figura não se faz presente; d) Presença de arma de fogo: crimes cometidos com o uso de arma de fogo tendem a demandar 33% mais dias do que crimes cometidos com outros instrumentos; e) Presença de flagrante: se o processamento do caso foi iniciado a partir de flagrante, sua duração é 64% menor do que a de processamentos iniciados por motivos outros (como o caso em que a investigação policial é iniciada por portaria). Ribeiro, Cruz e Batitucci (2009) analisaram uma base de dados referente a 51 casos de homicídio doloso registrados entre 1978 e 2002 na cidade de Belo Horizonte e julgados pelos Tribunais do Júri desta comarca no período compreendido entre 1982 e 2002. Com isso, os autores puderam constatar que o tempo para o processamento de tais casos era maior do que o prescrito pelo CPP – o tempo médio em Belo Horizonte era de 1580,14 dias enquanto o maior tempo prescrito pelo CPP para processamento deste tipo de infração era de 310 dias. Ou seja, uma diferença de 510%. 59 Portanto, no Brasil, até 2009, as pesquisas sobre o tempo de duração do processo penal tiveram como foco, primordialmente, os casos de homicídio doloso. Em todos eles, ficou evidente a incapacidade dos tribunais estaduais em implementar os diapositivos do Código de Processo Penal no que se refere ao tempo de processamento. Em nenhuma das análises o tempo dos tribunais foi, sequer, equivalente ao tempo calculado pelos autores. Em todos os casos, o tempo necessário foi, pelo menos, três vezes o tempo máximo de processamento previsto pelo CPP. Por outro lado, é importante ressaltar que as pesquisas que utilizaram as bases de dados originais dos tribunais (como é o caso de Vargas, Blatavisky e Ribeiro, 2007; Ribeiro e Duarte, 2008) tendem a apresentar tempos globais menores do que as demais bases, construídas pelos pesquisadores a partir da consulta aos documentos jurídicospenais (inquéritos e processos). Em parte, este fenômeno pode ser explicado pelo fato de que, quando se analisa a base de dados do próprio sistema, os casos excessivamente rápidos contribuem para redução do número médio de dias que um crime leva para ser processado. No entanto, esta revisão dos estudos sobre o tema foi realizada com o objetivo de discutir o tamanho da diferença existente entre os prazos prescritos pelo Código de Processo Penal e os prazos efetivados pelos sistemas de justiça criminal brasileiro. Assim, elaborou-se o Quadro 10, que sumariza os resultados de todas as pesquisas que calcularam o tempo global (ou seja, desde a data do crime até a data da sentença) dos casos de homicídio doloso. Quadro 10 – Sumário das pesquisas empíricas sobre o tempo da justiça criminal. Apenas estudos que tiveram como foco o delito de homicídio doloso. Brasil – 1999 a 2009 Referência bibliográfica Pinheiro et al. (1999) Vargas, Blavatsky e Ribeiro (2005) Vargas, Blavatsky e Ribeiro (2005) Batitucci et al. (2006) Ruschel (2006) Ribeiro e Duarte (2008) N. de casos analisados 28 7226 93 90 17 624 Natureza dos casos analisados Homicídios dolosos (linchamentos) ocorridos e processados no estado de São Paulo Homicídios dolosos ocorridos e processados no estado de São Paulo Homicídios dolosos cujo processo fora arquivado em Campinas Homicídios dolosos julgados em Minas Gerais Homicídios dolosos julgados em Florianópolis Homicídios dolosos processados na cidade do Rio Recorte temporal Tempo de processamento global (do fato à sentença em dias) 1980-1989 2230 1991-1998 993 2003 1648 1985-2003 1611 2004 784 2000-2007 707 60 Ribeiro (2009) 131 Ribeiro, Cruz e Batitucci (2009) 51 Média das médias (em dias) de Janeiro Homicídios dolosos cujo processo fora arquivado na cidade do Rio de Janeiro 1996 Homicídios dolosos julgados na cidade de Belo Horizonte 1982-2002 1915 1580 1434 Entendendo que a média do tempo das médias de tempo de processamento calculadas pelas pesquisas empíricas sobre homicídio doloso é uma medida acurada do tempo necessário para o processamento de um delito, contrastando este tempo (1434 dias) com o tempo máximo previsto pelo Código de Processo Penal antes de sua reforma em 2008 (310 dias), é possível afirmar que os sistemas de justiça criminal brasileiros despendem 4,6 vezes mais tempo que o prescrito para o processamento do delito de homicídio doloso. A partir desta conclusão, é possível afirmar que essa distinção entre tempo legal e tempo necessário é relevante para a análise de como a garantia dos direitos do cidadão encontra-se vigente na realidade do sistema de justiça criminal. Por exemplo: pode acontecer de, em virtude das circunstâncias de encarceramento do acusado, o processamento ter de ser mais ágil do que o previsto nos códigos porque, caso contrário, a vida do réu pode ser colocada em perigo. Por outro lado, casos em que a coleta de provas é complicada podem demandar um maior tempo do que o previsto pelos códigos, o que não compromete o processo como um todo, na medida em que pode implicar no alcance de um resultado mais justo para o réu. Apesar de esta distinção entre tempo legal e tempo necessário ser controversa, esta converge para a idéia de que determinados parâmetros estabelecidos por normativas externas à própria lógica dos sistemas judiciais devem ser relativizados diante da lógica de funcionamento do sistema e da necessidade do caso. Em outras palavras, caso a realidade dos sistemas de justiça criminal fosse capaz de se acoplar perfeitamente ao tempo previsto nos códigos legais, a distinção entre tempo legal e tempo necessário não faria sentido. Portanto, o que esses estudos sobre o tempo de duração dos processos de homicídio doloso denotam é o fato de que a justiça criminal brasileira desrespeita o tempo previsto pelo Código de Processo Penal para processamento deste tipo de ocorrência ultrapassando-o em 4,6 vezes. Este resultado, por sua vez, permite afirmar que existe uma discrepância entre o tempo previsto nos códigos e o tempo efetivado 61 pelos tribunais e, por isso, uma reforma que tenha como objetivo fixar prazos passíveis de serem implementados pelos tribunais brasileiros quando do processamento de um delito poderia ser uma estratégia interessante no sentido de tornar o sistema de justiça criminal mais eficiente. As análises realizadas nas seções precedentes indicam que os tempos prescritos pela legislação processual penal brasileira estão longe de serem verificados na realidade cotidiana dos tribunais. Ou pelo menos, este era o cenário vigente antes da reforma de 2008, quando foram coletados os dados utilizados nas análises supra-citadas. Isso significa ainda que, a julgar pelas pesquisas empíricas realizadas no cenário da legislação pretérita, o Brasil poderia ter tido a eficiência do seu sistema de justiça criminal amplamente questionada no âmbito da CIDH, já que a média do tempo de processamento de um delito de homicídio doloso era 4,6 maior do que a prescrita como razoável pela própria legislação penal. Esse fato é preocupante, por outro lado, quando se discute a credibilidade dos tribunais brasileiros e ainda a sua capacidade em transmitir confiança para a população. A questão que se coloca neste sentido é se a legislação atual, que apresenta mudanças na forma e no tempo para a prática dos atos processuais, mas que não apresenta medidas assecuratórias para o cumprimento de tais prazos foi ou não capaz de reduzir a diferença existente entre o tempo legal e o tempo necessário para o processamento de crimes comuns e crimes dolosos contra a vida. No capítulo que se segue, é feita a análise dos bancos de dados dos tribunais de justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo a fim de mensurar o impacto dessas leis sobre o prazo de duração dos processos de primeira instância a partir da análise dos casos em que se processam homicídio doloso e roubo distribuídos no período anterior e posterior à vigência da referida legislação nos respectivos estados. 62 CAPÍTULO II - ANÁLISE EMPÍRICA DO ASPECTO TEMPORAL DAS NOVAS LEIS O objetivo deste capítulo é apresentar uma análise empírica do tempo de processamento dos delitos de roubo e homicídio doloso nos tribunais de justiça dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Para tanto, o recorte adotado foi a análise do tempo de duração dos processos em curso nos anos anteriores e no ano posterior à reforma operada pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08. A proposta desta análise é verificar em que medida a mudança das regras relacionadas ao tempo de processamento no âmbito do CPP foi ou não capaz de implicar em um cenário de menor diferença entre tempo legal e tempo necessário (conceitos estes discutidos em detalhe no capítulo anterior). Estes estados da federação não foram escolhidos aleatoriamente. Pelo contrário. A principal dificuldade para a operacionalização de estudos sobre o sistema de justiça criminal no Brasil diz respeito à inexistência de um sistema oficial de estatística que congregue informações sobre todas as fases, desde a policial até a execução penal. Soma–se a isso o fato de que instituições de mesma natureza (como os tribunais de justiça) podem possuir bancos de dados diferenciados ou podem até não possuírem nenhum mecanismo de registro sistemático de suas informações. Assim, com o propósito de se mapear quais tribunais poderiam disponibilizar as informações necessárias para a realização desta pesquisa, em maio de 2009, foi realizada uma reunião em Brasília entre o CESeC, a SAL/MJ e a Diretoria de Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como é sabido, um dos projetos que o CNJ vem executando desde sua criação (realizada no bojo da Emenda Constitucional nº 45/04) é a implementação das tabelas processuais de tal maneira que seja possível, a este órgão, monitorar o tempo do processamento no âmbito dos diversos tribunais existentes no país (CNJ, 2008). A partir desta primeira reunião, alguns tribunais foram identificados como aqueles que possuíam sistemas de informação condizentes com o objetivo da pesquisa. Então, a SAL enviou ofícios aos tribunais de justiça dos estados de Sergipe, Minas Gerais, Porto Alegre e ainda ao Distrito Federal solicitando o repasse dos respectivos sistemas de informação. 63 Os tribunais do Rio de Janeiro e São Paulo, depois de alguns meses (aproximadamente outubro de 2009), responderam os ofícios enviados pela SAL se prontificaram a ceder os dados. Neste mesmo mês, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal informou não possuir tais informações. Cabe registrar que os demais sequer responderam à solicitação feita. Contudo, é importante destacar que a resposta aos ofícios não significou o repasse imediato dos bancos de dados. Pelo contrário. Além desta resposta, foram necessários diversos contatos telefônicos com os administradores dos respectivos sistemas de informação de cada tribunal e ainda visitas com o objetivo de se garantir que estas informações seriam recebidas antes do encerramento da pesquisa. Ao final, os dados do Rio de Janeiro foram recebidos em 18/11/2009 e os dados de São Paulo em 10/12/2009, apesar de ambos terem sido solicitados em Junho de 2009. Portanto, Rio de Janeiro e São Paulo foram os únicos inseridos nesta análise por possuírem e terem cedido bases de dados que contemplam questões como: data do crime, data da denúncia, data da sentença final e tipo de crime, bem como por terem se disponibilizado a ceder as bases para este estudo. Como as bases de dados possuem informações distintas, os procedimentos adotados para a análise do tempo do processo também foram diferenciados. Assim, este capítulo será dividido em duas seções: uma relacionada aos procedimentos e ao tempo de duração dos processos no Rio de Janeiro e outra relacionada às mesmas questões, mas para o estado de São Paulo. Ao final serão apresentadas as conclusões deste estudo. II.1. O tempo do processo penal no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Para a análise do tempo de duração dos processos criminais de roubos e homicídios dolosos no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), a primeira providência foi a requisição da cessão de uma cópia do sistema de informação deste órgão no que se refere a todos os processos distribuídos (independente de estes terem ou não sido encerrados) no período compreendido entre os anos de 2000 e 2009. Como em pesquisa anterior15 o CESeC havia trabalhado com uma cópia da base de dados do TJRJ, além da requisição das informações relacionadas a datas (crime, 15 A pesquisa foi a "Mensurando a Impunidade no Rio de Janeiro" que foi coordenada por Ignacio Cano a partir dos recursos da Secretaria Nacional de Segurança Pública que teve como objetivo analisar processos de homicídios dolosos que se encontravam na fase de execução da sentença de condenação no período compreendido entre os anos de 2000 e 2004 64 denúncia, sentença) foram solicitadas ainda as seguintes informações: Tipo de crime; Peça de origem 16; Situação do Processo (ativo ou baixado); Tipo do Processo (comum, execução, recurso, sumário); Natureza da sentença; Presença ou Ausência de Testemunhas. Estas são exatamente as variáveis que compõem o banco de dados cuja análise será realizada nas seções seguintes. As informações solicitadas foram encaminhadas ao CESeC em novembro de 2009 e correspondem aos processos de roubos e homicídios dolosos distribuídos e encerrados em primeira instância entre 01/01/2000 e 30/09/2009. Esta ressalva é importante de ser realizada na medida em que alguns processos existentes no âmbito desta base de dados encontram-se classificados como ativos, apesar de possuírem sentenças terminativas do feito. Isso significa, inclusive, fenômenos diferenciados dependendo do delito em questão. Para os casos de roubo, o processo é considerado como ativo se a sua sentença ainda não transitou em julgado ou se a sua sentença de primeira instância está sendo discutida em segunda instância. Para os casos de homicídio doloso, o processo é considerado como ativo se: (i) o procedimento ainda não alcançou a fase de plenária do júri, ou seja, alcançou apenas a fase da pronúncia; (ii) a sentença de plenária ainda não transitou em julgado; (iii) a sentença de pronúncia ou de plenária está sendo discutida em segunda instância. Isso significa que os dados repassados pelo TJRJ ao CESeC são aqueles cujo processo recebeu pelo menos uma sentença, qualquer que seja a natureza desta. Como antes da reforma de 2008 a pronúncia era também considerada uma sentença e não uma decisão, os homicídios dolosos processados até esta fase também foram incluídos na base de dados. Isso significa que apesar de a solicitação do CESeC ter enfatizado que a cópia do sistema deveria ser de todos os casos distribuídos independente de estes terem sido ou não objeto de sentença (qualquer que fosse essa), apenas foram repassados os dados referentes aos casos que alcançaram pelo menos alguma decisão. Esta forma de repasse de dados possui implicações diretas especialmente para a análise do impacto da nova legislação sobre o tempo de processamento. 16 Esta variável se refere ao primeiro documento policial existente no âmbito do processo penal – o qual pode ser: registro de ocorrência, auto de prisão em flagrante ou inquérito policial. Para preservar todas estas informações, foram criadas três variáveis que identificavam a ausência ou presença de cada uma destas peças. Este procedimento é importante na medida em que ele viabiliza a conservação desta informação mesmo quando a unidade de análise deixa de ser o indivíduo para ser o processo. 65 Contudo, para uma melhor compreensão de todos os procedimentos adotados para preparação desta base de dados desde o seu recebimento, passemos para a subseção metodologia. II.1.1. Metodologia – a preparação dos dados para a análise O primeiro procedimento realizado após o recebimento da base de dados foi a agregação das informações de tal maneira que cada registro correspondesse a um processo. Isso porque a unidade de registro do TJRJ corresponde ao indivíduo que está sendo processado e não o caso (ou o processo). Assim, como um mesmo processo pode ter dois réus, que foram denunciados e sentenciados no mesmo momento, a não realização desta operação poderia implicar a contagem do caso por duas vezes e, por conseguinte, a distorção da análise da média de tempo, dentre outras análises relevantes. Por outro lado, tal como evidenciado em pesquisa anterior (Ribeiro e Duarte, 2008), no caso de um processo com dois réus ser desmembrado, cada qual recebe uma numeração específica 17. Ou seja, de acordo com a sistemática adotada pelo TJRJ, o réu julgado em primeiro lugar permanece com a numeração antiga, enquanto o réu julgado em segundo lugar recebe uma nova numeração. Pode acontecer ainda, por problemas técnicos ou outras questões, de o caso contar de maneira duplicada no âmbito do banco de dados e, assim, para evitar que este caso seja contado duas vezes na análise do tempo (o que pode distorcer o resultado) é necessário retirar a repetição. Apenas para se ter uma idéia do universo de repetições no banco de dados, foi criada uma variável que identificava quantas vezes um processo de mesmo número aparecia repetido neste sistema. Se o número era zero (0), isso indicava que aquele processo fora computado no banco de dados apenas uma vez. O número um (1) significava que o caso contava com ele e mais uma repetição, sendo que os demais números possuíam exatamente o mesmo significado. Os resultados de tal operação encontram-se consolidados na Tabela 03. 17 Isso ocorre porque, no âmbito do Código de Processo Penal, há uma série de circunstâncias que permitem a cisão do processo principal e, com isso, a abertura de outros processos (um para cada réu). Neste caso, como há nova distribuição, há uma nova numeração e este se torna mais um caso no banco de dados dos Tribunais de Justiça. Apenas para se ter uma idéia de quando este tipo de situação pode acontecer, tem-se o art. 413 do CCP, o qual estabelece em seu parágrafo único que “o processo não prosseguirá até que o réu seja intimado da sentença de pronúncia”, e, havendo “mais de um réu, somente em relação ao que for intimado prosseguirá o feito”. 66 Tabela 03 – Distribuição absoluta e percentual do número de repetições dos processos de roubos e homicídios dolosos presentes na base de dados consultada. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Roubos Números Percentual Número de repetições Absolutos Válido Nenhuma repetição 3.256 16,7% Uma repetição 15.188 77,8% Duas repetições 556 2,8% Três repetições 509 2,6% Quatro repetições 4 0,0% Cinco repetições 2 0,0% Seis repetições 1 0,0% Sete repetições 1 0,0% Oito repetições 1 0,0% Nove repetições 1 0,0% Total 19.519 100,0% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Homicídios dolosos Números Percentual Absolutos Válido 3.130 36,8% 5.082 59,8% 159 1,9% 126 1,5% 1 0,0% 1 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 8.499 100,0% De acordo com as informações sumarizadas na tabela anterior, um mesmo processo poderia estar contemplado na base de dados apenas 1 (uma) vez ou até 9 (nove) vezes. A maioria dos casos de roubos conta com processos com uma repetição (77,8%), sendo raros os casos nos quais o processo aparece de maneira única (16,7%). Nos processos de homicídios dolosos, apesar de pouco mais de 1/3 dos casos aparecerem sem nenhuma repetição (36,8%), mais da metade do conjunto observado conta com uma repetição na base de dados (59,8%). Estes dados indicam que apenas 1/4 dos registros do banco de dados do TJRJ, relacionados aos casos de roubos e homicídios dolosos, distribuídos e julgados entre 01/01/2000 e 30/09/2009 não contavam com repetições, ou seja, referiam-se a apenas um processo. De acordo com Cicourel (1995 (1968)), os números registrados pelas organizações que compõem o sistema de justiça criminal são destinados a se constituírem em abstrações numéricas de determinadas realidades. Assim, não é possível analisar tais números sem compreender o que eles significam para os seus próprios operadores. Caso a análise dos números produzidos pelas agências seja realizada sem considerar o significado que as agências que o produzem concedem a eles,as informações extraídas das tabelas e gráficos serão abstrações que estarão longe de corresponder à realidade. Neste caso, após inúmeras conversas e entrevistas com os operadores do sistema de informações do TJRJ realizadas no âmbito da pesquisa “Mensurando a Impunidade” foi possível verificar que como um processo com vários réus pode ser desmembrado e, 67 desta forma, ter um andamento distinto, parece útil ao TJRJ ter acesso em alguma medida a esta informação. Daí porque se ao invés de computar em uma coluna o número de réus ele computa tantas vezes o número do processo quanto ao número de réus. As informações repassadas pela Diretoria Geral de Tecnologia da Informação, que foi o setor com quem a equipe entrou em contato para a obtenção da base de dados, estiverem corretas, indicam que apenas 1/4 dos processos de roubos e homicídios dolosos distribuídos e encerrados entre janeiro de 2000 e setembro de 2009 se referem a apenas um indivíduo. Todos os demais casos se referem a processos com mais de um réu. Destaca ainda Cicourel (1995 (1968)) que as tabelas de informações no âmbito do sistema de justiça criminal tendem a materializar a rotina de determinados operadores do direito e, por isso, em boa parte dos casos, elas tentam armazenar tanto informações sobre procedimentos como informações sobre indivíduos. Neste caso, pode-se dizer que o sistema de informações do TJRJ armazena tanto informações sobre processos como sobre os acusados. Estas informações parecem mais claras quando se analisa a Tabela 04. Tabela 04 – Distribuição dos números absolutos de processos e de indivíduos processados Roubos e homicídios dolosos Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Unidade Roubos Homicídios dolosos Total Processos 10.850 5.671 16.521 Indivíduos 19.519 8.499 28.018 Razão 1,8 1,5 1,7 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Isso significa que para o período compreendido entre janeiro de 2000 e setembro de 2009 existia aproximadamente 1 processo para cada 1,8 acusados de roubos e 1 processo para cada 1,5 acusados de homicídios dolosos. Diante da tabela anterior, a segunda pergunta que a equipe se fez foi a seguinte: será que o número de processos (distribuídos e encerrados) e o número de ofensores crescem em tendência proporcional ao longo dos anos analisados? Esta pergunta pareceu interessante à equipe porque de acordo com a teoria desenvolvida por Cicourel (1995 (1968)) para explicar a organização e o funcionamento do sistema de justiça criminal destinado aos menores infratores nos Estados Unidos, estas curvas de números devem possuir tendências semelhantes. Assim, fazendo os cálculos para o Rio de Janeiro, tendo como base de análise o ano da distribuição do 68 processo, foi possível perceber que o número de indivíduos cresce proporcionalmente à quantidade de papéis, considerando os dois crimes. Gráfico 02 (a): Variação anual do número absoluto de indivíduos processados e número absoluto de processos por roubos Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Gráfico 02 (b): Variação anual do Número absoluto de indivíduos processados e número absoluto de processos por homicídios dolosos Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 (ano de distribuição dos processos) Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Ambos os gráficos denotam que a movimentação do número de processos e do número de réus processados segue tendência constante ao longo do tempo, quando comparados entre si. Assim, considerando a razão número de indivíduos por processos, 69 de acordo com o ano de distribuição do processo, é possível perceber que a tendência é exatamente a mesma nos dois crimes analisados (Gráfico 03). Inclusive, o movimento das curvas de razão (número de indivíduos processados por processo) é bastante similar às curvas mostradas nos gráficos anteriores. Gráfico 03 – Variação anual dos valores da proporção entre número de indivíduos e número de processos, para roubos e homicídios dolosos Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Uma vez apresentadas as informações existentes na base de dados em relação ao número de processos e processados e seguindo a mesma linha de análise desenvolvida por Cicourel (1995 (1968)), o passo seguinte foi decidir qual unidade de análise deveria ser utilizada como referência da pesquisa. Como este estudo pretende mensurar o tempo do processo e como, de acordo com as informações repassadas pela DGTEC, sempre que um processo que conta com mais de um réu é desmembrado ele recebe um novo número, seguindo apenas apenso ao original, a unidade de análise escolhida foi o processo em detrimento do indivíduo. Assim, a estratégia adotada para esta seleção de informações foi a preservação do número inicial de cada processo e o caso considerado foi aquele cujo processo possuía o maior número de informações (datas e demais informações constantes no banco de dados). Contudo, para não se perderem as informações relacionadas ao número de réus (inferida do número de repetições) foi criada uma variável contemplando exatamente esta informação. 70 Para a análise do tempo propriamente dito, a primeira variável submetida ao escrutínio dos pesquisadores foi a denominada “situação processual”, a qual basicamente classifica o processo em ativo (A) e baixado (B), foi possível perceber o seguinte (Tabela 05): Tabela 05 – Distribuição absoluta e percentual dos processos analisados De acordo com tipos de crimes e situação processual Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Roubo Homicídio doloso Situação Processual Números Absolutos Percentual Válido Números Absolutos Percentual Válido Baixado 6.085 56% 2.746 48% Ativo 4.765 44% 2.925 52% Total 10.850 100% 5.671 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Processos ativos são aqueles que ainda estão tramitando no Judiciário. Processos baixados são aqueles que já transitaram em julgado, ou seja, aqueles em relação aos quais já se tomou uma decisão judicial definitiva qualquer que seja ela. Os dados sumarizados na Tabela 05 indicam que 44% dos casos de roubos e 52% dos casos de homicídios dolosos distribuídos entre os anos de 2000 e 2009 estavam ativos, isto é, em trâmite no TJRJ em outubro de 2009. Este procedimento é importante porque, para fins desta análise, interessa sobremaneira comparar os casos iniciados antes da reforma operada pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 e iniciados depois das referidas leis. Assim, o procedimento seguinte foi identificar quais eram os casos iniciados antes e depois das novas leis. Isso porque, conforme será destacado nos capítulos seguintes da presente pesquisa, a regra estabelecida no art. 2 do CPP18 é a da autoaplicabilidade da lei processual penal, ou seja, a lei processual penal se aplica a todos os processos em curso desde o momento de sua vigência. Mas, há toda uma polêmica em torno do momento de aplicação desta lei está relacionada à possibilidade de esta retroagir ou não para beneficiar o réu 19. Neste sentido, casos cuja distribuição se operou após a vigência das novas leis estão imunes a esta polêmica, posto que foram iniciados sob a égide do CPP reformulado, não existindo, portanto, dúvida acerca de que procedimento aplicar. 18 Art. 2o A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. 19 Vide capítulo IV. 71 Desta forma, considerando a referida polêmica, é possível afirmar que todos os casos iniciados após o momento de vigência das novas leis deveriam ser processados de acordo com o novo procedimento. A idéia que subjaz esta separação é a de que o efeito das leis 11.719/08 e 11.689/08 apenas pode ser mensurado se comparados os tempos dos casos iniciados antes da nova lei com os iniciados depois das novas leis, quando não há dúvida sobre qual procedimento aplicar. Contudo, como para a seleção destes casos é necessário primeiro a identificação dos casos que foram iniciados antes e depois da nova lei. Para tanto, é necessário ainda identificar os casos cujo processamento fora completado, já que são esses os que possuem informações completas sobre o tempo de processamento. Para a identificação de tais casos, foram utilizadas as variáveis relacionadas a sentenças no banco de dados, quais sejam: primeira sentença (data e natureza) e última sentença (data e natureza). Assim, passou-se ao entendimento das categorias das variáveis “primeira sentença” e “última sentença”. Primeiro foi criada uma variável que identifica se uma sentença era igual a outra. Com isso foi possível perceber que a maioria das sentenças de roubos – classificadas como primeiro e segunda – eram iguais, enquanto que para o delito de homicídios dolosos, um grande percentual de sentenças era diferente (Tabela 06). Tabela 06 – Distribuição absoluta e percentual da relação entre as variáveis “primeira e última sentença” Processos de roubos e homicídios dolosos. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Roubos Homicídios dolosos Relação entre a primeira e a última Número Percentual Número Percentual sentença Absoluto Válido Absoluto Válido Sentenças iguais 10.661 98% 3.225 57% Sentenças diferentes 189 2% 2.446 43% Total 10.850 100% 5.671 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Depois foi criada uma segunda variável que identifica se a data da primeira sentença era igual a da última sentença. O objetivo com isso era verificar se este banco era realmente relacionado a casos apenas da primeira instância e se as suas informações eram consistentes. Os resultados encontram-se sumarizados na Tabela 07. Tabela 07 – Distribuição absoluta e percentual da relação entre as variáveis “data da primeira e data da última sentença”, para os processos de roubos e homicídios dolosos. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Roubo Homicídio doloso Relação entre a primeira e a última Número Percentual Número Percentual sentença Absoluto Válido Absoluto Válido 72 Iguais 10.291 Diferentes 559 Total 10.850 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 97% 5% 103% 3.083 2.588 5.671 54% 46% 100% As distribuições percentuais observadas na tabela anterior permitem inferir que em quase todos os casos de roubos as datas da primeira e da segunda sentença eram iguais (97%), enquanto em pouco mais da metade dos casos de homicídios dolosos essas datas eram diferentes (54%). A pergunta passou a ser então porque os casos de homicídios dolosos contavam com um número menor de sentenças iguais e de datas de sentença iguais. Analisando as informações relacionadas à primeira sentença (que eram distintas da segunda sentença) foi possível perceber que a maioria destas se referia exatamente às decisões que o juiz pode tomar ao final da primeira fase do procedimento do júri. A distribuição percentual para tais tipos de decisões encontram-se sumarizadas na Tabela 08: Tabela 08 – Distribuição absoluta e percentual dos tipos de primeira sentença que não eram iguais aos tipos de segunda sentença nos casos dos homicídios dolosos. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Tipos de 1a. Sentença Número absoluto Percentual Pronúncia 2.206 85,01 Condenatória 115 4,43 Ext. punibilidade - morte do agente 54 2,08 Impronúncia 47 1,81 Desclassificação 43 1,66 Mista 40 1,54 Absolutória 34 1,31 Ext. punibilidade - outros motivos 27 1,04 Absolvição sumária 10 0,39 Ext. punibilidade - prescrição, decadência ou perempção 7 0,27 Art. 269 I CPC - Com mérito - procedência 3 0,12 Art. 76 da Lei 9099/95 - Transação penal 2 0,08 Extinção do Processo sem Exame de Mérito 2 0,08 Art. 269 I CPC - Com mérito - improcedência 1 0,04 Art. 89 §5 da Lei 9.099/95 1 0,04 Ext. punibilidade - retroatividade de lei 1 0,04 Outras Sentenças 1 0,04 Rejeição de Denúncia 1 0,04 Total 2.595 100 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro A tabela anterior denota que a maioria dos casos (85%) são pronúncias, confirmando que a primeira sentença, nos casos de homicídios dolosos, é na realidade a decisão que encerra a primeira fase do procedimento do júri. Mesmo porque apenas com a reforma penal de 2008 esta decisão deixou de ser classificada como sentença. Outras categorias que também se enquadram neste critério são a impronúncia, a 73 desclassificação20 e a absolvição sumária 21. Esses casos foram, portanto, reclassificados em uma nova variável denominada “decisão da primeira fase do júri”. A pronúncia foi contemplada com uma variável “pronúncia” já que estes são os casos que poderão alcançar uma decisão de plenária do júri e, por isso, estes são os casos que devem ser levados em consideração quando da análise do tempo da segunda fase deste rito. A segunda categoria mais freqüentemente classificada como primeira decisão no caso dos homicídios dolosos foi a condenação (4,43% dos casos). Estes são os casos nos quais o juiz, ao desclassificar o delito de homicídio doloso para homicídio culposo simples aplica imediatamente a pena, ao invés de remeter o processo para as varas criminais comuns. Esta situação é especialmente rotineira nas varas criminais do interior, já que consistem em varas únicas, onde o juiz da vara comum é também o juiz do tribunal do júri. Como esta base inclui todos os casos de homicídios dolosos processados no estado do Rio de Janeiro no período correspondente, esta explicação parece bastante pertinente. O mesmo é aplicável à categoria sentença mista (1,54%). Mas, como explicar que essas sentenças (primeira) são distintas da segunda? Como a pesquisa qualitativa sobre o funcionamento da justiça criminal se concentrou apenas na cidade do Rio de Janeiro e como este banco de dados se refere apenas a casos de primeira instância, a opção foi, para estes casos, utilizar apenas as informações relacionadas na segunda sentença. Alguns outros casos se referem à extinção da punibilidade, as quais se referem às circunstâncias previstas, em sua maioria, no art. 10722 do Código Penal23 e implicam o encerramento do processo pela perda do direito do Estado em punir o acusado. Como para estes casos os cruzamentos com a variável última sentença revelaram que há mudança na causa da extinção da punibilidade, mas não na decisão propriamente dita, 20 Trata-se de caso no qual o juiz desclassifica o delito de doloso para culposo e remete os autos ao juízo competente. 21 Quando presente causa que exclua o crime. Para maiores detalhes, capítulo IV desta pesquisa. 22 Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. 23 A ressalva em sua maioria deve-se ao fato de outras causas extintivas da punibilidade estarem contempladas em legislações extraordinárias ao Código Penal Brasileiro. 74 estes casos também foram computados como encerramento da primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri. Algumas questões curiosas também apareceram. Primeiro, a aplicação da suspensão condicional do processo (Art. 89 §5 da Lei 9.099/95) e da transação penal (Art. 76 da Lei 9099/95). Como a equipe não possuía informações sobre por que essas medidas despenalizadoras foram aplicadas aos homicídios dolosos, quando a pena de tal crime não permite o uso de tais institutos, estas categorias foram sumariamente excluídas. A atividade subsequente foi a de compreender o que o tribunal classifica ou não como “última sentença”, já que analisando as variáveis anteriores foi possível perceber que um grande número de casos conta com informações para a “última sentença”, apesar de uma grande quantidade de casos ser classificada pelo tribunal como processos “ativos”. Os resultados desta operação encontram-se sumarizados na Tabela 09. Tabela 09 – Distribuição absoluta da classificação da última sentença De acordo com a situação do processo (ativo ou baixado) para os casos de roubos e homicídios dolosos. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 (Ordenados por ordem alfabética) Roubo Homicídio doloso Tipo de sentença Baixado Ativo Total Baixado Ativo Total Absolutória 1.375 461 1.836 191 64 255 Arquivamento da Representação 1 0 1 38 31 69 Art. 267 I CPC - Indeferimento da petição inicial 0 0 0 0 1 1 Art. 267 IV CPC - Ausência de pressupostos processuais 1 1 2 0 1 1 Art. 267 V CPC - Perempção, litispendência ou coisa julgada 10 13 23 4 17 21 Art. 267 VI CPC - Falta de condições da ação 2 12 14 10 0 10 Art. 267 XI CPC - Outros casos 2 1 3 5 0 5 Art. 269 I CPC - Com mérito - improcedência 2 0 2 1 0 1 Art. 269 I CPC - Com mérito - procedência 0 0 0 1 0 1 Art. 74 Lei 9.099/95 - Homologatória (comp. de danos civis) 1 0 1 0 0 0 Art. 76 Lei 9.099/95 - Homologatória de transação penal 0 1 1 4 0 4 Art. 82 do CP - Extinção da pena 1 1 2 12 5 17 Art. 89 §5 da Lei 9.099/95 12 5 17 113 190 303 Condenatória 3.891 3.679 7.570 28 27 55 Desclassificação 2 1 3 160 77 237 Ext. punibilidade - morte do agente 133 71 204 134 22 156 Ext. punibilidade - outros motivos 160 21 181 1 0 1 Ext. punibilidade - prescrição, decadência ou perempção 32 12 44 124 32 156 Ext. punibilidade - ren. à queixa ou perdão (ação privada) 0 0 0 0 1 1 Ext. punibilidade - retratação 0 0 0 0 1 1 Extinção do Processo sem Exame de Mérito 34 5 39 8 1 9 Habeas Corpus denegado 1 0 1 0 0 0 Impronúncia 1 0 1 390 147 537 75 Mista 115 Pronúncia 0 Reabilitação 1 Rejeição de Denúncia 3 Total 5.780 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 211 2 1 2 4.500 326 2 2 5 10.280 19 109 3 1.355 2.710 37 1.067 0 1.721 3.442 56 1.176 3 3.076 6.152 A Tabela 09 possui informações, no mínimo, surpreendentes. Primeiro, a maior parte dos roubos conta com sentença condenatória, apesar de classificados como ativos. Isso pode estar indicando que estas sentenças estão sendo questionadas em segunda instância e, por isso, o processo ainda não fora “baixado”. No entanto, como os novos procedimentos penais se aplicam apenas até a prolação da sentença em primeira instância, estes casos cumprem os requisitos necessários para a análise. Segundo, ainda no âmbito dos roubos, alguns casos foram classificados como “pronúncia” o que nos permite conjecturar que esses podem ser casos de latrocínio, que o juiz entendeu por bem remeter ao júri. No caso dos homicídios dolosos, foi possível perceber que mesmo na última decisão há uma grande quantidade de casos classificados como “pronúncia”, “impronúncia” e “desclassificação”. Assim, estes casos foram “retirados” da variável última sentença e computados na variável “primeira decisão do procedimento do júri”. Os casos cuja primeira e segunda sentenças são iguais na data e na natureza foram adicionados à variável anteriormente criada e denominada de decisão da primeira fase do júri. Interessante destacar ainda que em ambos os casos, para a decisão sobre a procedência ou não da extinção do processo, o juiz se vale do Código de Processo Civil. Como estes casos podem ser considerados como sentenças terminativas do feito, eles também foram considerados na análise. A partir destas discussões, as sentenças foram reclassificadas em: absolvição, condenação, extinção do processo (categorias que aplicam o procedimento do processo civil), extinção da punibilidade, outras sentenças (que incluem as sentenças mistas divididas em capítulos cíveis e criminais24, e as suspensões condicionais do processo), decisões da primeira fase do júri e decisões não terminativas. Utilizando estas categorias, a variável última sentença ficou reclassificada da seguinte maneira (Tabela 10). 24 Para mais detalhes, vide capítulo IV, na seção “critérios para fixação de quantum indenizatório”. 76 Tabela 10 – Distribuição absoluta e percentual da natureza da última sentença Para os casos de roubos e homicídios dolosos Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Roubo Homicídio doloso Total Número Percentual Número Percentual Número Sentença final Absoluto Válido Absoluto Válido Absoluto Absolvição 1937 18% 1037 18% 2974 Condenação 7894 73% 1593 28% 9487 Extinção do processo (categorias que aplicam o procedimento do 82 1% 48 1% 130 processo civil) Extinção da punibilidade 534 5% 825 15% 1359 Outras sentenças – mista e lei 9.099/95 35 0% 139 2% 174 Decisões da primeira fase do júri 359 3% 2020 36% 2379 Decisões não terminativas 9 0% 9 0% 18 Total 10850 100% 5671 100% 16521 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Percentual Válido 18% 57% 1% 8% 1% 14% 0% 100% Outra questão que pareceu relevante foram as implicações que a análise concentrada apenas nos casos que já possuíam algum tipo de decisão poderiam ter para a compreensão dos efeitos das Leis 11.719/08 e 11.689/08 sobre o tempo de processamento. Para responder esta questão, um ponto de partida interessante é a construção de gráficos com curvas do número de processos de roubos e homicídios dolosos distribuídos e sentenciados a cada ano (Gráficos 04a e b). Gráfico 04a – Variação anual do número de processos de roubos considerados para cálculo do tempo processual, considerado o ano de distribuição e o ano de encerramento do processo. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 77 Gráfico 04b – Variação anual do número de processos de homicídios dolosos considerados para cálculo do tempo processual, considerado o ano de distribuição e o ano de encerramento do processo. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Os gráficos acima não deixam dúvidas de que à medida que se caminha no fluxo de processamento, considerando o marco inicial de 01/01/2000, tem-se um número maior de casos sendo encerrados e um número menor de casos distribuídos para os crimes de roubos e de homicídios dolosos. Como o tempo médio de processamento destes crimes, de acordo com as pesquisas prévias realizadas neste campo 25 é superior a um ano, isso significa que casos distribuídos em 2009 e que não podem ser classificados como muito rápidos apenas serão incluídos nesta base nos anos seguintes. Por outro lado, comparando os números iniciais e finais das séries seria possível afirmar que o número de processos decaiu enquanto o número de sentenças aumentou substancialmente. Contudo, esta conclusão é equivocada uma vez que a forma como a base de dados foi construída faz com que o número de casos que preenchem os requisitos para sua inclusão na análise seja decrescente. Ou seja, se o critério para a inclusão do caso no banco de dados é que o processo tenha sido iniciado E encerrado no período compreendido entre 01/01/2000 e 30/09/2009, isso significa que os casos mais antigos têm mais chances de serem incluídos nesta base que os casos mais novos. 25 Para mais detalhes sobre esses estudos, vide capítulo I. 78 Tal como apresentado no capítulo I, as pesquisas empíricas sobre este tema denotam que o tempo médio de processamento dos delitos de homicídios dolosos é de 1.434 dias (ou 3,98 anos). Isso significa que se todos os casos deste crime seguirem este prazo médio, a base apenas possuirá informações completas sobre todos os processos distribuídos até julho de 2005. Depois desta data, especialmente para os homicídios dolosos, apenas os casos substancialmente rápidos poderiam ser contemplados. Em suma: como a base inclui apenas processos distribuídos e sentenciados ao longo do período analisado ao invés de processos distribuídos (independente de estes terem ou não alcançado uma sentença) isso faz com que, para os anos posteriores a 2005, apenas os casos mais rápidos possam ser contemplados como objeto de análise. Como os casos mais rápidos são apenas uma parte do total de casos registrados, o número de processos incluídos na base decai ao longo do tempo, dando a falsa impressão de que o número de processos de roubos e homicídios dolosos distribuídos no TJRJ decai ao longo do tempo. A forma como a base de dados foi construída também é problemática quando se pretende analisar o tempo do processo e o impacto de leis editadas no ano de 2008 sob este tempo 26 . Isso porque ao considerar apenas os casos distribuídos e encerrados no período, os casos “muito rápidos” (que são aqueles distribuídos e encerrados em poucos dias) terminam por reduzir a média de dias, dando ainda a falsa impressão de que o TJRJ é cada vez mais eficiente no processamento dos crimes que chegam ao seu conhecimento. A partir de todas estas análises decidiu-se considerar como casos para os quais os novos procedimentos eram aplicáveis aqueles cuja distribuição ocorrera após a publicação das novas leis. A distribuição foi tomada como categoria de análise por vários motivos. Entre estes cumpre destacar o fato de que é a partir deste momento que o processo começa a existir no tribunal. Além disso, foi esta a variável que orientou a própria geração do banco de dados, pois foi a partir dela que todas as demais informações foram geradas. A equipe escolheu estes casos por entender que impactos de procedimentos como a audiência una e outras questões apenas poderiam ser verificadas a partir da análise dos processos distribuídos depois da lei, uma vez que a base de dados não 26 Outro detalhe interessante é o fato de que a forma como esta base de dados foi construída inviabiliza ainda a realização de análises de fluxo, as quais procuram mensurar o percentual de perdas entre as respectivas fases de processamento. Para maiores detalhes sobre este tipo de análise vide 79 apresenta informações sobre a data da audiência. Além disso, os processos distribuídos depois do início da vigência das novas leis não podem ser incluídos na discussão supracitada posto que não há dúvida sobre qual o procedimento aplicável e ainda não há que se falar em retroatividade, já que o caso não existia antes da lei27. A partir da criação destas variáveis, que só se aplicam ao crime que estas regulamentam, foi possível perceber o seguinte (Tabela 11). Tabela 11 – Distribuição absoluta e percentual dos processos distribuídos antes e depois da lei ao qual o seu procedimento se sujeita. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Lei 11.689/08 Lei 11.719/08 Aplicável aos homicídios Aplicável aos roubos dolosos Número Percentual Número Percentual Natureza do caso absoluto Válido absoluto Válido Caso distribuído antes da lei em questão 16.147 98% 16.317 99% Caso distribuído depois da lei em questão 374 2% 204 1% Total de casos na análise 16.521 100% 16.521 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro A partir desta tabela, ficou evidente que apenas uma quantidade muito diminuta de casos fora distribuída depois do início da vigência da reforma de 2008. Assim, os resultados apresentados devem ser analisados com cautela, posto a existência de um percentual muito pequeno de casos distribuídos após o início da vigência das novas leis. Esclarecidos os critérios a serem considerados na análise, a equipe se ocupou da análise dos tempos de processamento de acordo com as datas existentes no banco de dados. Contudo, antes de apresentar os resultados, é importante salientar a própria qualidade dos dados recebidos. Primeiro, vários são os campos referentes a datas que restam sem preenchimento pelo tribunal, especialmente, no que se refere à data do delito, data da denúncia e data do recebimento da denúncia. Segundo, cumpre destacar a qualidade do preenchimento destas informações. Isso porque várias datas são inconsistentes, fazendo, por exemplo, que o caso tenha uma sentença antes mesmo de ser distribuído ou ainda antes mesmo de o crime ter ocorrido. Assim, apenas para se ter uma ideia da magnitude dos problemas destacados, tem-se a Tabela 12, a qual apresenta a quantidade de casos sem informação e com data negativa em cada uma das fases para as quais se possuía informação sobre data. 27 Este assunto será analisado em detalhe no capítulo IV deste relatório. 80 Tabela 12 – Distribuição dos números absolutos dos processos de roubos e de homicídios dolosos que apresentaram “informação negativa” e que estavam “sem informação”, de acordo com a fase processual em questão. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Roubo Percentual casos informação negativa de com Percentual de casos em branco Tempos levados em consideração Tempo entre a data do crime e a 0,1% data da distribuição do processo Tempo entre a data de distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 0,4% Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data da primeira sentença 1,9% Tempo entre a data da distribuição e a data da primeira sentença 2,5% Tempo entre a data da primeira sentença e a data da última sentença 0,1% Tempo entre a data da distribuição e a data da última sentença 0,3% Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data da última sentença 0,1% Tempo entre a data do crime e a data da última sentença 0,0% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Homicídio doloso Percentual de casos com Percentual de casos em informação branco negativa 66,7% 0,2% 61,9% 63,9% 1,5% 48,7% 63,9% 2,8% 48,7% 0,0% 3,6% 0,0% 0,0% 0,1% 0,0% 0,0% 1,3% 0,0% 63,9% 0,4% 48,7% 66,7% 0,0% 61,9% As informações sumarizadas pela Tabela 12 apontam que os maiores problemas de não preenchimento estão relacionados às primeiras fases do fluxo de processamento (desde o crime até o recebimento da denúncia). Já as datas de distribuição do processo, da primeira sentença e da última sentença são mais bem preenchidas pelos funcionários dos cartórios, mas ainda assim apresentam alguns problemas. Não obstante, os problemas relacionados à consistência do preenchimento permanecem. Isso porque, especialmente para a fase entre a distribuição e a primeira sentença, há um grande número de casos com informações negativas e, dada a impossibilidade de o processo ter sido sentenciado em primeira instância antes de ter sido distribuído, isso denota que uma percentagem significativa de casos apresenta problemas. Por fim, considerando que um caso pode ter data negativa em um momento, mas também em outro (ou seja, o mesmo caso foi sistematicamente mal preenchido), foi criada uma variável que contava o número de “tempos negativos” que o caso possuía, 81 denotando a quantidade de casos a ser excluída da análise em cada um dos momentos (Tabela 13). Tabela 13 – Distribuição absoluta e percentual do número de vezes que o mesmo processo apresentou informações negativas em relação às datas, de acordo com o tipo de crime Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Roubos Homicídios dolosos Número de tempos negativos que cada caso Número Percentual Número Percentual possuía absoluto Válido absoluto válido O caso não tem tempo negativo 10.507 97% 5.307 94% O caso tem um tempo negativo 112 1,0% 179 3,2% O caso tem dois tempos negativos 220 2,0% 171 3,0% O caso tem três tempos negativos 11 0,1% 15 0,3% Total 10.850 100% 5.671 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Isso significa que em razão do inadequado preenchimento das datas necessárias para cálculo de cada uma das fases, foram excluídos 3,4% dos casos de roubos e 6,2% dos casos de homicídios dolosos. Uma vez realizadas todas estas seleções e filtragens, o passo seguinte foi a reconstituição do fluxo de processamento de um delito, em termos temporais, a partir das informações disponíveis no banco de dados do TJRJ de acordo com os fluxogramas desenhados no capítulo I. A proposta aqui é testar a aderência da legislação à realidade do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Contudo, não serão novamente mencionadas as etapas pelas quais o caso deve passar desde a sua ocorrência, já que todas essas informações foram apresentadas de maneira detalhada no capítulo anterior. II.1.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de roubo distribuídos no TJRJ Os delitos de roubo, de acordo com a sistemática do Código de Processo Penal Brasileiro, devem ser processado pelo rito ordinário. Na legislação anterior, o prazo para a realização de todas as atividades relativas ao processamento do indivíduo desde a ocorrência do delito até a sua sentença final, se este estivesse preso, era de 95 dias. Na legislação atual, este prazo é de 120 dias. Ou seja, tal como destacado no capítulo I, a reforma ampliou e não reduziu o tempo de processamento para os crimes comuns para o caso dos réus presos. No caso dos réus soltos a extensão do prazo foi menor, saindo de 145 dias para 150 dias. Em termos de tempos, a Lei 11.719/08 não alterou a fase do inquérito policial, mas tão somente o procedimento judicial e, entre as várias mudanças promovidas, tem- 82 se o fim da redução dos prazos processuais para quem se encontrava custodiado durante a fase processual. No entanto, esta diferenciação de prazos ainda se faz presente durante a fase policial 28 Ou seja, se antes da reforma o CPP estabelecia que o réu solto deveria ser processado em 145 dias e o réu preso em 95 dias (contados desde a data da consumação do delito), com a reforma de 2008, estes prazos passaram a ser, respectivamente, de 150 e 120 dias, sendo a diferença de 20 dias entre estes devida, tão somente, à fase policial. Isso significa dizer que tanto antes, quanto depois da reforma, tal como prescrito pelo art. 10 do CPP 29, o inquérito policial deve ser encerrado em 10 dias para os casos de réu preso e em 30 dias para os demais casos. A denúncia, da mesma forma, deve ser oferecida em 5 dias após a distribuição do processo, para o caso de réu preso e em 15 dias após a distribuição do processo, tal como prescrito pelo art. 46 do CPP 30 . Mas, após a reforma, uma vez que a denúncia é recebida, os prazos processuais prescritos são exatamente os mesmos, independente de o réu estar ou não custodiado. Assim, esta análise foi dividida em três momentos. O primeiro apresenta o tempo de processamento dos casos de roubos antes da Lei 11.719/08; o segundo apresenta o tempo de processamento dos casos de roubos depois da Lei 11.719/08; e a terceira seção faz um contraste destes resultados levando em consideração o tempo prescrito em cada uma das duas legislações (CPP – 1941 e CPP reformado em 2008). Considerando o período anterior à Lei 11.719/08, o que inclui nesta base de dados todos os casos de roubo distribuídos entre 01/01/2000 e 22/08/2009 e julgados até 30/09/2009 (data em que a base de dados em análise foi repassada ao CESeC), foi possível constatar algumas questões interessantes, como destacado na Tabela 14. 28 Interessante destacar que, neste caso, o Brasil reformulou a sua legislação em sentido contrário ao que se observa no restante do mundo, onde a grande preocupação é em garantir que o processo do acusado custodiado dure o menor número de dias possível. 29 Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. 30 Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos. 83 Tabela 14 – Tempos das fases processuais para processos de roubos distribuídos entre jan/2000 e o 31 momento de início da vigência da Lei 11.719/08 (em dias) Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a ago/2008 Número de casos com informações Valor Valor Desvio 32 válidas Tempo considerado mínimo máximo Média Padrão Tempo entre a data do crime e a data da 3.219 0 17.323 238 611 distribuição do processo Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 3.327 0 3.152 83 323 Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data da última sentença 3.327 0 3.177 339 324 Tempo entre a data do crime e a data da última sentença 3.219 34 18.128 641 796 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro De acordo com a Tabela 14, um primeiro fenômeno a ser destacado é a qualidade dos dados. Por mais eficiente que o sistema de justiça criminal possa ser, seria impossível a ele realizar todos os atos relacionados ao processamento de um delito de roubo exatamente no mesmo dia. Assim, os zeros como tempos mínimos terminam por reforçar a negligência de muitos funcionários ao completar os campos dos sistemas dos tribunais de justiça com informações que, nem sempre, são as constantes no processo. Apenas para a fase entre a data do crime e a data da última sentença, o valor mínimo não é zero, mas 34 dias. Considerando cada uma das fases processuais para as quais se possui informação, tem-se que para os casos de roubo distribuídos ainda sob a égide da legislação anterior tem-se que: 1. A fase policial - que computa o número de dias transcorridos desde a ocorrência do crime até a distribuição do processo em juízo33 - durava, em média, 238 dias; 2. A fase do Ministério Público - partindo do pressuposto que este teve acesso aos autos no dia da distribuição e que juiz recebeu sua denúncia imediatamente 34 - durava, em média, 83 dias; 31 Lembrando que neste caso já foram excluídas as sentenças não terminativas do feito e os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos. 32 Considerando apenas os casos cujas informações não eram inconsistentes ou cujos campos estavam em branco. 33 Já que por força do art. 23 do CPP o delegado deverá enviar primeiro o processo ao juiz para que este envie ao Ministério Público e quando do envio do processo ao juiz este deve ser distribuído. “Art. 23. Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial oficiará ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal e à pessoa do indiciado.” 34 Já que os casos de rejeição de denúncia foram excluídos da análise do tempo. 84 3. A fase processual propriamente dita, se considerada a data entre o recebimento da denúncia e a sentença, durava, em média, 339 dias. O tempo global médio, considerando o período compreendido entre a data do crime e a data da última sentença era de 641 dias. Isso significa que, sob a égide da legislação passada, os casos de roubos demoravam 4,3 vezes mais tempo que o prescrito legalmente para a duração de um processo desta natureza para os casos de réus soltos. Por outro lado, considerando os processos de roubo distribuídos após o início da vigência da Lei 11.719/08, isto é, após 22 de Agosto de 2008, é possível afirmar que (Tabela 15). 35 Tabela 15 – Tempos das fases processuais para processos de roubos distribuídos depois do início da vigência da Lei 11.719/08 (em dias) Rio de Janeiro, Estado: ago, 2008 a set/2009 Número de casos com informações Valor Valor 36 válidas mínimo máximo Tempo considerado Tempo entre a data do crime e a data da 197 0 2.968 distribuição do processo Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 337 0 300 Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data da última sentença 337 0 386 Tempo entre a data do crime e a data da última sentença 197 57 3.109 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Média Desvio Padrão 250 474 23 42 153 79 423 481 Antes de iniciar a análise, duas ressalvas devem ser realizadas. Primeiro, mais uma vez, fica evidente o problema da qualidade das informações judiciais, uma vez que o único valor mínimo que não é zero é o da fase entre a data do crime e a data da última sentença, o qual é de 57 dias. Por outro lado, os tempos médios para casos iniciados após a reforma são menores que para os casos iniciados antes da reforma. Contudo, é preciso cautela ao analisar estas informações, já que a forma como a base de dados foi construída pode levar a distorções nos resultados, posto que, para os anos finais da série, apenas os casos substancialmente rápidos podem ser incluídos nesta análise. Soma-se a isso o fato de que o número de casos considerados para a construção desta análise é substancialmente menor que o número de casos considerados para cálculo do tempo do processo na legislação passada. 35 Lembrando que neste caso já foram excluídas as sentenças não terminativas do feito e os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos. 36 Considerando apenas os casos cujas informações não eram inconsistentes ou cujos campos estavam em branco. 85 Assim, considerando as informações disponibilizadas pelo TJRJ, foi possível constatar que, os processos iniciados e encerrados após a reforma, demandaram, em média: a) 250 dias para realização da fase policial; b) 23 dias para realização da fase do Ministério Público; c) 153 dias para realização da fase judicial. Por fim, o tempo médio global de processamento dos delitos de roubos cujo processo foi iniciado após a vigência da reforma de 2008 e encerrado até Setembro de 2009 foi de 423 dias. Este tempo é 180% maior que o prescrito pela legislação atual, mas 34% menor que o verificado no período anterior à vigência da nova lei. No entanto, dados os vieses que podem surgir em termos de interpretação destes resultados e dada a forma como esta base de dados foi construída, optou-se por se construir um gráfico com a média de tempo do processo de acordo com o ano da distribuição. Para tanto, foi utilizada como referência a variável “tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data da última sentença” (Gráfico 05). 86 Gráfico 05 37 – Variação do tempo médio de duração processos de roubos De acordo com o ano em que foram distribuídos. Rio de Janeiro, Estado: Jan/2000 a set/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro O gráfico acima denota questões interessantes. Primeiro, a grande maioria dos casos de roubo tem o seu intervalo de tempo concentrado em até 1000 dias. O intervalo de tempo (variação de dias entre o menor e o maior tempo) de 2001 é maior que o tempo de 2000 (provavelmente porque este ano tem um número substancialmente maior de casos, tal como destacado nos gráficos 02 a 04), mas depois este vai diminuindo progressivamente, assim como os tempos médios. Ou seja, este gráfico parece denotar que a redução do tempo de processamento dos delitos de roubo não pode ser atribuída às novas leis, posto que este fenômeno vem ocorrendo desde o ano de 2002. 37 Este gráfico, também chamado de Blox Plot, apresenta os valores centrais dos dados e alguma informação a respeito da amplitude deles. a caixa central inclui os 50% dos dados centrais. As linhas inferiores e superiores ("whiskers") mostram a amplitude dos dados, isto é a diferença entre o maior e o menor valor. A simetria é indicada pela caixa e pelas marcas ("whiskers"), as quais localizam, entre outras coisas, a média e a mediana. Este gráfico é bastante utilizado por ser relativamente fácil comparar grupos, construindo diagramas de caixa lado a lado, tal como será realizado nos diversos gráficos desta natureza construídos neste relatório. 87 Por outro lado, a forma como a base de dados encontra-se estruturada também não viabiliza nenhuma afirmação relacionada à progressiva redução do tempo de processamento dos casos de roubos, posto que, especialmente para os últimos anos, tem-se um pequeno número de casos incluídos neste sistema de informação. II.1.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de homicídio doloso distribuídos no TJRJ Conforme destacado anteriormente, as grandes inovações trazidas pela Lei 11.689/08 quanto ao tempo de processamento dos crimes dolosos contra a vida foram: a previsão do prazo de 90 dias para conclusão da primeira fase do procedimento judicial,38 o fim da distinção de prazos entre réu preso e réu solto, a extinção do protesto por novo júri, o desaforamento por excesso de prazo e a concentração dos atos. Em suma: foram grandes inovações no que diz respeito ao tempo de processamento, mas uma alteração mister de ser destacada é o fato de independente de o réu estar ou não em custódia, a decisão que decide pela pronúncia (ou não) do suspeito deverá ocorrer em até 90 dias a partir do recebimento da denúncia pelo juiz. 39 Concomitante com este dispositivo, tem-se que o art. 428 do CPP 40 estabeleceu a possibilidade de desaforamento 41 quando tiverem transcorrido mais de seis meses do trânsito em julgado da pronúncia. A doutrina 42 tem entendido que o prazo para o desaforamento pode ser aplicado de maneira analógica como limite máximo para a duração da segunda fase do júri e, assim, quando se concatena o art. 412 com o art. 428 do CPP, tem-se que o prazo máximo para duração do processamento dos casos de competência do júri é de 270 dias ou nove meses (90 dias até a pronúncia e 180 dias entre a pronúncia e a decisão do júri). 38 Art. 412. O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias. 39 Mesmo porque é a partir do recebimento da denúncia (art. 406) que se inicia a contagem do prazo para que o juiz ou absolva sumariamente ou mande citar o réu para responder a acusação que lhe é feita. 40 Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. 41 O desaforamento é o deslocamento de um processo de competência do Tribunal do Júri, já iniciado, de um foro para outro, transferindo-se para este a competência para o seu julgamento, o qual deve ocorrer imediatamente. 42 Ávila, Thiago André Pierobom. “O novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida (Lei nº 11.689/08)”. In: BuscaLegis.ccj.ufsc.br (http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/18820/public/18820-18821-1-PB.pdf), acesso em 26/02/2010. 88 Contudo, há que se destacar que este é o prazo judicial e, portanto, para cálculo do prazo processual global a este deve ser acrescido o prazo do inquérito policial (10 dias para réu preso e 30 dias para réu solto) e o prazo para oferecimento da denúncia (5 dias para réu preso e 15 dias para réu solto). Assim, apesar de a reforma ter acabado com a diferenciação do prazo judicial para réu preso e réu solto, o prazo processual permanece diferente, dependendo se o réu encontra-se ou não em custódia, sendo este de 295 dias para réu preso e 315 dias para réu solto. Da mesma forma que na seção anterior, serão realizados os cálculos para cada uma das fases para as quais se tem informação, excluindo-se os casos que apresentaram problemas de inconsistência e ainda os casos que não alcançaram desfecho. Por outro lado, no caso específico dos homicídios dolosos, serão considerados, primeiro, todos os casos que alcançaram a fase da decisão de pronúncia e depois todos os casos que seguiram desta decisão em diante. Feitas todas essas ressalvas, utilizando as datas disponíveis no banco de dados do TJRJ, foi possível constatar que para os processos distribuídos antes da vigência da Lei 11.689/08 os tempos de duração de cada fase são os seguintes (Tabela 16). Tabela 16 – Tempos das fases processuais para processos de homicídios dolosos distribuídos entre jan/2000 e o momento de início da vigência da Lei 11.689/08 (em dias). Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a ago/2008 Número de casos com informações Valor Desvio Valor 43 válidas Padrão mínimo máximo Média Tempo considerado Tempo entre a data do crime e a data da 1.921 0 18.938 538 1.129 distribuição do processo Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 2.480 0 3.197 169 435 Tempo entre o recebimento da denúncia e a decisão de pronúncia 1.056 0 2.884 521 453 Tempo entre a decisão de pronúncia e a última sentença 1.712 0 1.319 20 111 Tempo entre o recebimento da denúncia e a última sentença 2.480 0 3.123 683 512 Tempo entre a data do delito e a última sentença 1.921 36 19.490 1.430 1.305 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Mais uma vez, a quantidade excessiva de zeros é algo que merece destaque, já que dificilmente todas as fases poderão ser encerradas no mesmo dia. A única exceção 43 Considerando apenas os casos cujas informações não eram inconsistentes ou cujos campos estavam em branco. 89 neste caso é a variável final, a qual computa como tempo global mínimo de processamento o número de 36 dias. Por outro lado, de acordo com os dados sumarizados pela Tabela 16, para os delitos de homicídio doloso, cujo processo fora distribuído entre 01 de janeiro de 2000 e 09 de agosto de 2008 (data do início de vigência da Lei 11.689/08), é possível afirmar que: 1. A fase policial - entre o crime e a distribuição do processo - durava, em média, 538 dias; 2. A fase do Ministério Público - entre a data da distribuição e data do recebimento da denúncia - durava em média 169 dias; 3. A primeira fase do procedimento do júri - entre o recebimento da denúncia e a decisão que encerra a primeira fase do júri - durava em média 521 dias; 4. A segunda fase do procedimento do júri - entre a pronúncia e a plenária do júri durava em média 20 dias. O tempo de processamento global era, em média, de 1.430 dias, contados desde a data do delito até a data da sentença de plenária do júri. Considerando que o prazo máximo previsto pelo CPP, para o processamento do acusado de um delito de homicídio doloso que não estivesse preso era de 310 dias, é possível afirmar que o tempo despendido pelo TJRJ era 4,61 vezes maior que o tempo legal. Calculando os tempos para os casos de homicídio doloso, distribuídos depois do início da vigência da Lei 11.689/08, foi possível constatar que (Tabela 17): Tabela 17 – Tempos das fases processuais para processos de homicídios dolosos distribuídos entre 09 de Agosto de 2008 e 30 de Setembro de 2009 (em dias) Rio de Janeiro, Estado: ago, 2008 a set/2009 Número de casos com informações Valor Valor 44 válidas Tempo considerado mínimo máximo Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do 62 0 4290 processo Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 173 0 238 Tempo entre o recebimento da denúncia e a pronúncia Média Desvio Padrão 549 934 29 43 131 9 364 155 74 Tempo entre a decisão de pronúncia e a última sentença 203 Tempo entre o recebimento da denúncia e a última sentença 173 0 290 7 32 0 364 158 78 44 Considerando apenas os casos cujas informações não eram inconsistentes ou cujos campos estavam em branco. 90 Tempo entre a data do delito e a última sentença Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 62 65 4352 744 Em primeiro lugar, cumpre destacar o número reduzido de casos que preencheu todos os critérios de análise neste item 45 em comparação com o número de casos que preencheu o critério estabelecido para a geração da tabela anterior. Em todo caso, considerando as informações sumarizadas na tabela acima é possível afirmar que para casos de homicídio doloso cujos processos foram distribuídos já sob a égide da Lei 11.689/08, o tempo da fase policial foi, em média, de 549 dias. Já o tempo da fase do Ministério Público foi, em média, de 29 dias, enquanto o tempo entre o recebimento da denúncia e a decisão de pronúncia foi de 155 dias. Entre a pronúncia e a decisão final foram necessários, em média, apenas sete dias, prazo este que é bem próximo aos cinco dias previstos no art. 422 46 para a preparação do processo para julgamento em plenário. Ao final, a fase judicial durou, em média, 158 dias, prazo este inferior aos 270 dias prescritos pela legislação atual para encerramento desta fase. Por fim, entre a data do delito e a data da sentença de plenária foram despendidos, em média, 744 dias. Mas, há que se destacar que apenas 64 casos de homicídios dolosos cujos processos foram distribuídos após a nova legislação possuíam informações completas de maneira a viabilizar este cálculo. Da mesma forma que na seção anterior, para se verificar como o tempo de processamento dos casos de homicídios dolosos tem se transformado ao longo do tempo, tem-se o Gráfico 06. 45 Processo de homicídio doloso, distribuído após a lei 11.689/08, encerrado até 30/09/09 e sem problemas de inconsistência em nenhuma das datas. 46 Art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência. 91 926 Gráfico 06 – Tempo de processamento do delito de homicídio doloso por ano da distribuição. Rio de Janeiro, Estado: jan/2000 a set/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Da mesma forma que nos casos de roubo, o intervalo de tempo para processamento dos delitos de homicídio doloso (considerando desde a data de recebimento da pronúncia até a data da última sentença) tem se reduzido ao longo dos anos vis-à-vis a própria média de tempo de processamento. Em parte, isso se deve à forma como a base de dados foi construída, o que faz com que um número muito pequeno de casos distribuídos, especialmente após o ano de 2005, possa ser incluído neste sistema de informação. Por outro lado, estes resultados parecem evidenciar que a redução do tempo de processamento dos delitos de homicídios dolosos não pode ser atribuída à edição das novas leis. II.1.3 – Conclusões gerais da análise do banco de dados do TJRJ A proposta desta seção é responder à seguinte questão: considerando as seções precedentes, quais são, portanto, as conclusões gerais da análise da base de dados do TJRJ para os casos de roubos e homicídios dolosos? Os processos sentenciados nos últimos anos têm tempo de duração médio substantivamente menor que os processos sentenciados nos anos iniciais da série. Primeiro, porque para estes anos há um número maior de casos, o que diminui a 92 possibilidade de vieses na média. Segundo, porque considerando a forma como a base de dados foi construída para estes anos, tanto os casos mais rápidos como os mais lentos estão incluídos, denotando um retrato mais fiel da situação. Há que se destacar desta forma, que poucos foram os casos distribuídos e encerrados sob a égide da legislação atual (CPP reformado pela Lei 11.719/08 e Lei 11.689/08) e, por isso, as informações sumarizadas neste relatório devem ser analisadas com cautela, especialmente no que se refere à possibilidade de generalização dos resultados. Esses resultados ficam evidentes quando se analisa o número de casos considerados para cálculo do tempo, de acordo com o ano de distribuição e o ano da última sentença do processo (Gráficos 04a e b). Dessa forma, os efeitos das Leis 11.689/08 e 11.719/08 apenas poderão ser mensurados com precisão em alguns anos, quando um número maior de casos tiver sido distribuído e encerrado sob a égide desta legislação. Apesar disso, os resultados apresentados indicam tendências que poderão, num futuro breve, ser contrapostas no intuito de comprová-las ou não, desde que a metodologia aqui empregada seja preservada. Portanto, o tempo de processamento dos dois crimes parecer ter sido reduzido após a edição das novas Leis, tanto quando se considera o tempo global (desde o crime até a sentença) como quando se considera apenas o tempo judicial (desde a distribuição até a sentença – de acordo com os critérios dos analistas de sistema – ou desde o aceite da denúncia até a sentença – de acordo com os critérios adotados pela doutrina). Esta redução pode ser relacionada muito mais à forma como a base de dados foi construída, do que a uma redução real, já que quando se compara o tempo de processamento de acordo com a data de distribuição com o tempo de processamento de acordo com a data da sentença é possível verificar que os casos sentenciados nos últimos anos são aqueles substancialmente mais longos. Contudo, é importante salientar que a fase policial em ambos os casos e em ambos os momentos (antes e depois das novas leis) é o período mais longo quando se considera o tempo global de processamento. Como as Leis 11.719/08 e 11.689/08 não alteraram quaisquer dispositivos dessa fase e, como no entender de diversos doutrinadores (como Domenico, 2009), a atividade investigativa é o principal instituto que precisa ser reformado no âmbito do processo penal brasileiro, é possível afirmar que os resultados encontrados a partir da análise da base de dados do TJRJ, em certa medida, confirmam este entendimento (Tabela 18). 93 Tabela 18 – Tempo de duração de cada fase processual, de acordo com o delito e lei em análise (em dias). Rio de Janeiro, Estado: Jan/2000 a set/2009 Roubos Homicídios dolosos Antes Antes da Depois da Diferença da lei Depois da Diferença lei lei (Depois – 11.689/ lei (Depois – Fase em questão 11.719/08 11.719/08 Antes) 08 11.689/08 Antes) Tempo entre o crime e a distribuição do processo 238 250 12 538 549 11 Tempo entre a distribuição do processo e o recebimento da denúncia 83 23 -60 169 29 -140 Tempo entre o recebimento da denúncia e a sentença final 339 153 -186 683 158 -525 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro A Tabela 18 parece bastante ilustrativa do argumento desenvolvido anteriormente, já que a fase policial foi a única que teve o seu período de duração ampliado, em ambos os casos. Mas, antes de encerrar esta seção, é importante fazer novamente a ressalva: apenas um pequeno número de casos distribuídos após reforma pôde ser analisado, uma vez que as novas leis ainda são bastante recentes. Assim, apenas o monitoramento contínuo do tempo dos casos de roubo e os de homicídio doloso processados pelo TJRJ demonstrará se a reforma processual penal de 2008, de fato, logrou o alcance de seus objetivos, especialmente no que diz respeito à ambição de “agilizar o procedimento, tentando conciliar a tempestiva prestação jurisdicional ao fortalecimento das garantias processuais penais inerentes ao sistema acusatório”. 47 II.2 O tempo do processo penal no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Para a análise do tempo de duração dos processos criminais relativos a roubos e homicídios dolosos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a primeira providência foi a requisição da cessão de uma cópia do sistema de informação deste órgão no que se refere a todos os processos distribuídos (independente de terem ou não sido encerrados) no período compreendido entre os anos de 2000 e 2009. As informações solicitadas foram encaminhadas ao CESeC em dezembro de 2009 e, por isso, casos iniciados até 07 de dezembro de 2009 foram incluídos nesta 47 Anexo I, pp. 12-13, edital de convocação pensando o direito “os novos procedimentos penais”. 94 base. Ao contrário do caso do TJRJ, esta base está sendo analisada pelos pesquisadores pela primeira vez neste relatório e, por isso, várias das questões que foram surgindo com a análise de tais informações foram objeto de correios eletrônicos direcionados à diretoria de sistema de informações deste tribunal 48. A base de dados repassada pelo TJSP ao CESeC possui as seguintes informações: 1) Número do Processo; 2) Tipo de crime; 3) Data do crime; 4) Tipo de inquérito (flagrante ou portaria); 5) Data de distribuição do processo; 6) Data de aceite da denúncia; 7) Situação do processo; 8) Data da sentença; 9) Natureza da sentença. Essas são exatamente as variáveis existentes neste banco de dados e que, por conseguinte, serão analisadas neste relatório. Os procedimentos utilizados para a análise desta base de dados foram bastante semelhantes aos procedimentos utilizados para o caso das informações oferecidas pelo TJRJ e, por isso, esta seção seguirá a mesma organização da anterior, sendo iniciada pelo tópico metodologia. II.2.1. Metodologia – a preparação dos dados do TJSP para a análise O primeiro procedimento adotado foi a verificação da unidade de análise do banco de dados do TJSP: se indivíduos ou processos. Ao contrário do verificado no Rio de Janeiro, apenas 4,4% casos de roubos e 12,4% casos de homicídios dolosos apareceram como casos duplicados. O pequeno percentual de casos repetidos denota que a unidade de análise neste caso é o processo e não o indivíduo, tal como observado nesta pesquisa no âmbito do TJRJ e até tal como observado por Cicourel (1995 (1968)) no funcionamento da justiça para menores nos EUA. Assim, a equipe optou por considerar como casos válidos todos os registros existentes no banco de dados, não excluindo esta informação. Por outro lado, como a base do TJSP não possui nenhuma variável que permita a identificação do número de réus em cada processo, todas as análises referentes à relação indivíduo X processo realizada na seção anterior não puderam ser realizadas nesta seção. O segundo procedimento foi a análise da natureza ou do significado dos dados repassados pelo TJSP ao CESeC, já que, conforme salientado na seção anterior, a forma 48 No entanto, é importante destacar que, talvez, para a melhor compreensão de como os dados são inseridos neste sistema ou ainda como os operadores do direito administram ou não as novas leis, seria necessário e interessante a realização de um extenso trabalho de campo sobre como as novas leis são administradas na realidade cotidiana das varas criminais deste estado. 95 como a base é construída pelos operadores do sistema de justiça influencia diretamente os resultados obtidos em sua análise. De acordo com o TJSP, o banco de dados repassado dizia respeito a todos os casos distribuídos entre janeiro de 2000 e dezembro de 2009, independentemente de esses terem sido ou não objeto de sentença. No entanto, era preciso ter certeza desta informação e, assim, a primeira variável submetida ao escrutínio dos pesquisadores foi a situação do processo. A variável “Situação do Processo” original possuía nove categorias, quais sejam: Andamento; Arquivado; Ativo; Cancelado; Desarquivado; Distribuído; Inquérito; Remessa; Remetido; Reunificado. Estas nove categorias foram reagrupadas em três, que pareciam melhor refletir a situação de cada processo. São elas: Ativo; Baixado; Unificado com outro processo. Foi criada ainda uma categoria adicional, denominada de “sem informação”, já que alguns casos não tinham esta coluna preenchida (Tabela 19): Tabela 19 – Distribuição absoluta e percentual dos processos roubos e homicídios dolosos De acordo com situação processual. São Paulo, Estado – jan/2000 – dez/2009 Roubos Homicídios dolosos Números Percentual Números Percentual Situação do processo Absolutos Válido Absolutos Válido Ativo 171.963 73,73 85.424 68,43 Baixado 60.633 26,00 39.054 31,28 Unificado com outro processo 618 0,26 347 0,28 Total de casos válidos 233.214 99,99 124.825 99,99 Sem informação 14 0,01 10 0,01 Total 233.228 100,00 124.835 100,00 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Tal como no caso da base de dados do TJRJ, a maioria dos processos existentes na base de dados do TJSP, considerando-se ambos os crimes, refere-se a casos ativos. Mas, será que como no exemplo do Rio de Janeiro isso significa que esses casos continuam em trâmite aguardando a sentença transitar em julgado ou aguardando a decisão de segunda instância? Ou será que esses casos realmente se referem a processos que apesar de distribuídos (ou seja, registrados no âmbito do TJSP) ainda não foram apreciados de nenhuma maneira por este tribunal? Para responder a estas questões, passou-se à análise da variável “natureza da sentença”. A variável “natureza da sentença” original apresentava mais de 42 categorias, além de um substantivo número de casos sem informação, tal como denota a Tabela 20. 96 Tabela 20 – Distribuição absoluta e percentual Processos de roubos e homicídios dolosos de acordo com a natureza da sentença. São Paulo, Estado – jan/2000 – dez/2009 Roubos Homicídios dolosos Números Percentual Números Percentual Natureza da sentença Absolutos Válido Absolutos Válido Sem informação 94.320 40% 70.911 57% Sentença - Condenatória 99.316 43% 13.717 11% Sentença - Absolutória 17.822 8% 4.961 4% Sentença - Pronúncia 69 0% 21.414 17% Sentença Resumida - Extinção 5.639 2% 3.370 3% Sentença - Condenatória / Absolutória 7.970 3% 842 1% Sentença Resumida - Arquivamento 2.853 1% 2.730 2% Sentença - Impronúncia 25 0% 3.070 2% Sentença - Condenado a pena privativa 1.294 1% 382 0% Sentença - Desclassificatória 205 0% 1.405 1% Sentença - Outros 402 0% 541 0% Sentença Resumida - Aceitação de Embargos 700 0% 162 0% Sentença - Absolutória / Extintiva 449 0% 404 0% Sentença Resumida - Outros 357 0% 131 0% Sentença - Absolutória / Medida de Segurança 245 0% 211 0% Sentença Resumida – Retificação 296 0% 59 0% Sentença - Condenatória / Extintiva 147 0% 157 0% Sentença Resumida - Rejeição de Denúncia 209 0% 16 0% Sentença Resumida - Rejeição de Embargos 197 0% 26 0% Sentença Resumida – Declaração 141 0% 43 0% Sentença Resumida – Transação 90 0% 64 0% Sentença – Anulatória 106 0% 25 0% Sentença Resumida - Embargos de Declaração 110 0% 14 0% Sentença Resumida – Desclassificatória 24 0% 90 0% Sentença - Condenatória / Medida de Segurança 37 0% 15 0% Sentença Resumida - Reabilitação 48 0% 2 0% Sentença Resumida - Aceitação de Denúncia 34 0% 8 0% Sentença Resumida - Concedida a Ordem 19 0% 21 0% Sentença Resumida - Exceção de Litispendência 38 0% 1 0% Sentença Resumida - Exceção de Incompetência 12 0% 8 0% Sentença - Perdão Judicial 2 0% 16 0% Sentença Resumida - Deferimento do Pedido 10 0% 4 0% Sentença Resumida - Denegada a Ordem 8 0% 3 0% Sentença Resumida - Deserta a Apelação 8 0% 3 0% Sentença Resumida - Exceção de Coisa Julgada 10 0% 0 0% Sentença Resumida - Indeferimento do pedido 5 0% 4 0% Sentença - Condenatória / Perdão Judicial 5 0% 3 0% Sentença Resumida - Interpelação Deferida 1 0% 1 0% Sentença Resumida - Rejeição da Queixa 2 0% 0 0% Sentença Resumida - Aceitação da Queixa 1 0% 0 0% Sentença Resumida - Artigo 28, I 1 0% 0 0% Sentença Resumida - Justificação Defesa 1 0% 0 0% Sentença Resumida - Pedido de Explicação 0 0% 1 0% Total 233.228 100% 124.835 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Em primeiro lugar, cumpre destacar que a natureza das sentenças apresentadas pela base de dados do TJSP é mais detalhada que a natureza da sentença do TJRJ. Soma-se a isso o fato de que várias categorias existentes no âmbito da base de dados do TJRJ não se fazem presentes nesta base de dados. Ou seja: apesar dos esforços do CNJ 97 em instituírem as tabelas de movimentação processual para adequarem o sistema classificatório dos tribunais, a partir da análise das bases de dados do TJRJ e TJSP é possível verificar que, especialmente no que diz respeito à natureza da sentença, cada qual utiliza as categorias que parecem melhor refletir as formas de administração da justiça em uma dada realidade. Uma vez constatada esta questão, o passo seguinte foi a agregação destas 43 categorias de sentença em nove, de tal maneira que estas pudessem ser analisadas do ponto de vista estatístico. Apenas algumas ressalvas devem ser realizadas para que a forma como esta agregação foi realizada possa ser plenamente compreendida. Primeiro, as decisões classificadas como rejeição da denúncia, rejeição da queixa, ou rejeição da inicial foram classificadas como processos arquivados, já que neste caso, dificilmente, o processo não segue adiante. Claro, é possível que o Ministério Público ou o interessado apresente recurso em segunda instância para que o juiz aceite a inicial, mas dificilmente isso ocorre. Somou-se a isso o fato de que estas categorias, quando contrastadas com a situação do processo eram, em sua maioria, processos classificados como baixados. As exceções foram classificadas como “Processo continua em curso - a sentença não termina o feito”, posto que quando aceitas estas implicam a nulidade dos atos decisórios, tal como disposto no art. 11049 e art. 56750 do CPP. Isso significa que o julgamento deverá ser novamente realizado e, por isso, o processo não pode ser considerado como encerrado. As sentenças que se encaixam como decisões que encerram a primeira fase do rito do júri também foram classificadas em uma categoria separada, tal como realizado para o caso do Rio de Janeiro. Ao final, a nova variável ficou estruturada da seguinte maneira (Tabela 21). Tabela 21 – Distribuição absoluta e percentual dos processos de roubos e homicídios dolosos de acordo com a natureza da sentença reclassificada. 51 São Paulo, Estado – jan/2000 – dez/2009 Roubos Homicídios dolosos Natureza da sentença Números Percentual Números Percentual 49 Art. 110. Nas exceções de litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada, será observado, no que Ihes for aplicável, o disposto sobre a exceção de incompetência do juízo. 50 Art. 567. A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente. 51 Lembrando, neste caso, que os dados se referem até 07 de dezembro de 2009 98 Absolutos Sem informação 94320 Condenação 100799 Absolvição 18516 1a Fase do júri – Pronúncia 69 Arquivamento 8598 Condenação e absolvição 7970 1a Fase do júri – Impronúncia 25 Desclassificação 229 Outras sentenças - que terminam o feito 1181 Processo continua em curso - a sentença não termina o feito 1521 Total 233228 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Válido 40,44 43,22 7,94 0,03 3,69 3,42 0,01 0,10 0,51 Absolutos 70911 14274 5576 21414 6125 842 3070 1495 785 Válido 56,80 11,43 4,47 17,15 4,91 0,67 2,46 1,20 0,63 0,65 100,00 343 124835 0,27 100,00 A primeira questão a ser destacada quando da análise da Tabela 21 é o grande número de casos sem informação acerca da natureza da sentença. Isso pode indicar que a base do TJSP não se refere apenas aos casos distribuídos e encerrados no período requisitado. Mas, a casos que foram distribuídos independente de estes terem ou não alcançado uma decisão, o que, conforme destacado na seção anterior, permite uma melhor análise do tempo de processamento do delito. Para a análise desta questão, as datas de distribuição e de sentença do processo foram contrastadas. Apenas para facilitar esta análise, foram utilizados os anos de cada uma destas datas e não a data completa. Além disso, os casos sem informação foram computados como zeros, de tal maneira que ficasse visível no gráfico o ano em que o processo fora iniciado e se ele fora encerrado (ano) ou não (valor zero). Os resultados de tais análises encontram-se sumarizados na Figura 01. 99 Figura 01 – Ano da distribuição em relação ao ano da sentença Delitos de roubo e homicídio doloso. São Paulo, Estado – jan/2000 – dez/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Algumas questões interessantes devem ser destacadas. Primeiro, o fato de que alguns anos de distribuição ultrapassam os anos para os quais as informações foram solicitadas. Ou seja: apesar de o CESeC ter solicitado apenas informações referentes a casos distribuídos entre os anos de 2000 e 2009, casos anteriores a este período também foram repassados. Estes podem ser, por exemplo, os casos de reabilitação do processo. Contudo, para garantir a comparabilidade com a base do Rio de Janeiro, foi criado um filtro que selecionava apenas os casos distribuídos entre os anos de 2000 e 2009 52. Com isso, os gráficos acima foram novamente construídos considerando-se apenas o período em questão. 52 No que se refere ao cálculo do tempo, a exclusão destes casos também se mostra necessária na medida em que esses podem distorcer a média de tempo. Como eles foram inicialmente distribuídos em períodos longínquos, o número de dias médio necessário para o processamento termina estendido. Exatamente por isso, estes casos não foram considerados na análise. 100 Figura 02 – Ano da distribuição em relação ao ano da sentença, para o delito de roubo e homicídio doloso – Considerando apenas os casos distribuídos no Estado de São Paulo Período compreendido entre 01 de janeiro de 2000 e 07 de dezembro de 2009. Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Os gráficos acima deixam evidente o fato de que esta base se refere a todos os casos registrados no TJSP no período (e não apenas os registrados e encerrados), dado o grande número de interseções entre o valor zero com algum ano de distribuição. Assim, alguns dos problemas verificados na análise do banco de dados anterior poderão ser contornados nesta seção, dado que este banco de dados possui informações completas para o período. Contudo, para se ter certeza de que os casos classificados com “sem informação” de fato se referem aos casos classificados como em andamento pelo sistema de informações do TJSP, foi criada a Tabela 22. 101 Tabela 22 – Relação entre a natureza da sentença e a situação do processo São Paulo, Estado – jan/2000 – dez/2009 Unificado com outro Ativo Baixado processo Números Percentual Números Percentual Números Percentual Natureza da sentença Absolutos Válido Absolutos Válido Absolutos Válido Sem informação 129060 50% 37579 38% 795 82% Absolvição 13254 5% 10821 11% 15 2% Condenação 82073 32% 32925 33% 60 6% Condenação e Absolvição 6095 2% 2710 3% 7 1% Desclassificação 899 0% 708 1% 3 0% 1a Fase do júri – Impronúncia 1775 1% 1317 1% 1 0% 1a Fase do júri – Pronúncia 16725 6% 4683 5% 63 7% Outras sentenças - que terminam o feito 1080 0% 515 1% 7 1% Processo continua em curso - a sentença não termina o 79 0% 22 0% 0 0% feito Arquivamento 6301 2% 8404 8% 14 1% Total 257341 100% 99684 100% 965 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo A partir da Tabela 22 ficou evidente que a não informação não significa, necessariamente, que o processo ainda está em trâmite. Isso porque, considerando o total de casos classificados como baixados, 38% não possuem informação sobre a sentença. Ou seja, o que parece indicar, no âmbito da base do TJSP, se o caso está ou não em trâmite é, de fato, a situação do processo e não a natureza da sentença. Em parte, os resultados apresentados pelas tabelas anteriores, em conjunto, parecem indicar que o problema da base do TJSP não é a forma como esta foi construída para repasse aos pesquisadores do CESeC, mas a forma como as informações são inseridas neste banco de dados no cotidiano de funcionamento do tribunal. Daí porque um número substantivo de casos aparece como “sem informação” quanto à sentença, variável esta que revelou ser, na realidade, a natureza do último andamento do processo. Esta ressalva é importante porque, na seção anterior, ficou evidente que o fato de o banco de dados do TJRJ contemplar apenas casos distribuídos e encerrados fez com que generalizações sobre o tempo de processamento não pudessem ser realizadas. Contudo, este não parece ser o caso de São Paulo, dado que um número substancial de casos desta base encontra-se classificado em categorias de sentença que indicam que o caso permanece em andamento. 102 Ou ainda, considerando os casos para os quais não há informação sobre a natureza da sentença, um número substancial de casos está classificado como “em andamento”. Neste cenário, é possível inferir que apesar dos problemas e inconsistências dos registros esta base de dados, de fato, se refere a casos de roubos e homicídios dolosos iniciados em São Paulo independente de estes terem sido encerrados ou não até o ano de 2009. Com o objetivo de tornar este argumento mais claro, foram desenhados alguns gráficos. Os primeiros (Figura 03) contrastam o ano de distribuição com o ano de sentença dos processos. A idéia aqui é verificar, apenas para os casos com informações completas (ou seja, que já foram sentenciados) quando esta sentença ocorreu. Figura 03 – Ano da distribuição em relação ao ano da sentença Para o delito de roubo e homicídio doloso. São Paulo, Estado: Jan/2000 a dez/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo A primeira informação relevante colocada pela Figura 03 é o fato de alguns casos terem sido distribuídos entre os anos de 2000 e 2009, mas terem sido sentenciados entre 1925 e 2009. Em parte, esta situação pouco provável pode ser devida a dois fenômenos diferenciados. Primeiro, ela pode ser um retrato dos processos desarquivados, que foram novamente distribuídos, mas que constam com sentença anterior. Elas podem ser resultantes ainda da precária alimentação do sistema de informações do TJSP, que acaba computando datas incongruentes. Assim, no sentido de evitar problemas na análise dos dados, os casos considerados como sentenciados em períodos anteriores aos anos de 2000 e 2009 foram 103 também excluídos da análise. Para tanto, foi criada uma segunda variável “ano da sentença” que classificava esses dados como informação incongruente e que, por isso, deveriam ser desconsiderados da análise. Após este procedimento, foram construídos dois gráficos que contrastam exatamente o número de casos distribuídos e sentenciados, de acordo com o ano e de acordo com o delito em questão (Gráfico 07a e 07b). Gráfico 07a – Variação anual do número de processos de roubos considerados para cálculo do tempo processual, considerando os casos distribuídos e encerrados no período. São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 104 Gráfico 07b – Variação anual do número de processos de homicídios dolosos considerados para cálculo do tempo processual, considerando os casos distribuídos e encerrados no período São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Os gráficos anteriores denotam que, de fato, esta base contempla todos os processos distribuídos no período, independente de esses terem ou não alcançado um desfecho. Esta informação fica evidente pelas curvas ano de distribuição e ano da sentença, as quais permitem, inclusive, a realização de análises outras, como as de fluxo do sistema de justiça criminal. De acordo com as análises relacionadas a esta temática (Vargas, 2004; Cano, 2006 e Ribeiro, 2009), é natural que se verifiquem perdas na passagem de uma fase a outra ao longo do processamento do caso pelas diversas agências que compõem o sistema. Assim, é esperado que o número de crimes seja maior que o número de denúncias; que o número de denúncias seja maior que o número de processos e que o número de processos seja maior que o número de sentenças. Vários são os fatores apontados para estas perdas. Os casos podem não possuir informações técnicas suficientes para seguirem no fluxo e, por isso, são arquivados em determinadas fases (isto é o que ocorre, por exemplo, quando há a rejeição da denúncia). Pode ocorrer ainda de o réu morrer, motivo que leva ao encerramento do caso em uma dada fase sem prosseguimento à subseqüente. E, por fim e mais problemático, pode ocorrer de o caso restar esquecido em uma das mesas ou cartórios 105 judiciais, fazendo com que este não seja processado adequadamente pelo sistema de justiça criminal. Mas, qualquer que seja o motivo em questão, fato é que diversos casos são iniciados e não encerrados pelo sistema de justiça criminal. A forma como a base do TJSP foi construída deixa evidente este fato denotando que vários casos iniciados no período ainda não foram sentenciados. Os gráficos denotam ainda que à medida que se caminha no fluxo um número maior de casos é sentenciado, já que o tempo necessário para tanto é adimplido e, com isso, o caso se encerra. Por fim, estes gráficos denotam que os “outputs” têm movimento semelhante aos “inputs”. Ou seja, as curvas de número de processos distribuídos e número de processos sentenciados possuem formato semelhante, denotando que a “produtividade” dos cartórios é uma função da quantidade de demandas que esses recebem. A última ressalva a ser realizada é relacionada, portanto, ao fato de a base do TJSP possuir uma estrutura muito distinta da base de dados do TJRJ, já que a primeira contempla todos os casos registrados no período independente de estes terem ou não alcançado um desfecho. Já a segunda base de dados contempla apenas os casos iniciados e encerrados no período. Assim, análises de fluxo não são possíveis de serem realizadas a partir da base de dados do Estado do Rio de Janeiro, mas são possíveis de serem realizadas a partir da base de dados do Estado de São Paulo 53. Contudo, como a temática deste relatório é o impacto das Leis 11.719/08 e 11.689/08 sobre o tempo de processamento dos delitos de roubo e homicídio doloso, o passo seguinte foi a contagem do número de casos distribuídos após a publicação das referidas leis. Tal como na seção anterior, decidiu-se considerar como casos para os quais os novos procedimentos eram aplicáveis aqueles cuja distribuição ocorrera após a publicação das novas leis. Os motivos para este corte são exatamente os mesmos apresentados na seção anterior. Para o caso de São Paulo, a partir da criação das variáveis Lei 11.719/08 e Lei 11.689/08 foi possível perceber o seguinte (Tabela 23). 53 Para uma análise detalhada de como os dados do TJSP podem ser utilizados para a construção de uma análise de fluxo do sistema de justiça criminal de São Paulo, vide as seguintes referências: Cano (2006); Vargas e Ribeiro (2008). 106 Tabela 23 – Distribuição absoluta e percentual dos processos distribuídos Antes e depois da lei ao qual o seu procedimento se sujeita. São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009 Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Aplicável aos homicídios dolosos Aplicável aos roubos Número Percentual Número Percentual Natureza do caso absoluto Válido absoluto Válido Caso distribuído antes da lei em questão 196456 84% 110758 89% Caso distribuído depois da lei em questão 36760 16% 14040 11% Total de casos na análise 233216 100% 124798 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo A partir desta tabela, ficou evidente que, ao contrário do caso do Rio de Janeiro, uma quantidade substantiva de casos fora distribuída depois do início da vigência da reforma de 2008. Como esta base engloba quase 10 anos de atividade do TJSP, é de se esperar que cada ano responda por, aproximadamente, 10% do total de casos e isso parece estar evidente na tabela anterior. Isso porque, 16% do total de casos de roubo contemplados nesta data se referem a processos distribuídos após a vigência da Lei 11.719/08. Já para o caso de homicídio doloso, 11% dos casos correspondem a processos distribuídos após a vigência da lei 11.689/08. A partir da definição dos critérios a serem considerados na análise, a equipe se ocupou da análise dos tempos de processamento de acordo com as datas existentes no banco de dados. Contudo, antes de apresentar os resultados, é importante salientar a própria qualidade dos dados recebidos. Primeiro, vários são os campos referentes a datas que restam sem preenchimento pelo tribunal, especialmente, no que se refere à data do delito e data da denúncia. A data da distribuição não apresenta casos em brancos por ter sido a variável considerada para geração do banco de dados. Segundo, cumpre destacar a qualidade do preenchimento destas informações. Isso porque várias datas são inconsistentes, fazendo, por exemplo, que o caso tenha uma sentença antes mesmo de ter ocorrido. Assim, apenas para se ter uma ideia da magnitude dos problemas destacados, tem-se a Tabela 24, a qual apresenta a quantidade de casos sem informação e com data negativa em cada uma das fases para as quais se possuía informação sobre data. Como o número dos casos de roubo e os de homicídio doloso na base de dados do TJSP é substancialmente maior que o número de casos existentes na base de dados do TJRJ, esta tabela foi construída levando-se em consideração o percentual de casos 107 que, em cada fase, apresentava ou informações de tempo negativas ou não apresentava informações para aquela fase. Tabela 24– Distribuição dos números absolutos dos processos de roubos e de homicídios dolosos que apresentaram “informação negativa” e que estavam “sem informação”, de acordo com a fase processual em questão. São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009 Roubo Homicídio doloso Percentual de Percentual de casos com Percentual casos com Percentual informação de casos em informação de casos em Tempos levados em consideração negativa negativa branco branco Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do processo 0,21% 19,56% 0,31% 16,02% Tempo entre a data de distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 27,83% 34,41% 11,08% 54,73% Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a sentença 0,25% 43,79% 0,31% 62,35% Tempo entre a data da distribuição e a sentença 0,56% 40,44% 3,54% 56,81% Tempo entre a data do crime e a data da sentença 0,08% 0,00% 0,07% 0,00% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Antes de seguir na análise da qualidade da alimentação do sistema de informação do TJSP, duas ressalvas são importantes de serem realizadas. Primeiro, o grande número de casos sem informação para o tempo entre a data de distribuição e a sentença e a data de recebimento da denúncia e sentença não deve ser entendido apenas como má alimentação do sistema. Isso porque, tal como destacado nas páginas anteriores, esta base de dados contempla casos que, apesar de distribuídos, não tiveram o seu processo encerrado neste período. Por outro lado, é importante destacar que todos os casos com informação acerca da data da sentença contam com informação razoavelmente consistente acerca da data do crime. Nesta categoria, menos de 1% do total de casos possui valor negativo. Nenhum caso foi considerado como informação ausente. Isso pode estar indicando que, de alguma maneira, o TJSP utiliza esses dados para a administração do tempo destes delitos 54. 54 No entanto, como a administração do sistema de informações deste tribunal não foi analisada do ponto de vista qualitativo, nada pode ser afirmado com absoluta certeza neste sentido. Ou seja, a forma pela qual o banco de dados do TJSP é operacionalizado na atividade cotidiana do tribunal é uma indagação que permanece sem resposta, já que não foi possível a realização de nenhum trabalho qualitativo no âmbito do TJSP acerca de como essas informações são utilizadas pelos operadores do direito nesta localidade. 108 A questão das datas negativas no âmbito da base de dados do TJSP foi tratada da mesma forma que no âmbito da base de dados do TJRJ, ou seja, a partir da criação de uma variável que identificava não apenas se o caso possuía ou não informações negativas em quaisquer das fases, mas que contabilizava ainda o número de fases para as quais o caso possuía problemas de inconsistências quanto ao seu registro temporal. Estas informações encontram-se sumarizadas na Tabela 25. Tabela 25 – Distribuição absoluta e percentual do número de vezes que o mesmo processo apresentou informações negativas em relação às datas, de acordo com o tipo de crime. São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009 Roubos Homicídios dolosos Número de tempos negativos que cada caso Número Percentual Número Percentual possuía absoluto Válido absoluto válido O caso não tem tempo negativo 167255 72% 110060 88% O caso tem um tempo negativo 64630 28% 10460 8% O caso tem dois tempos negativos 1166 0% 4200 3% O caso tem três tempos negativos 121 0% 65 0% O caso tem quatro tempos negativos 44 0% 12 0% O caso tem cinco tempos negativos 0 0% 1 0% Total 233216 100% 124798 100% Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo De acordo com a Tabela 25, apenas 72% dos registros de roubos não possuem problemas de inconsistência no preenchimento das datas enquanto que 88% dos registros de homicídios dolosos não possuem problemas de inconsistências. Os casos que não apresentam problemas de inconsistência em quaisquer das fases são os casos que foram considerados para a análise do tempo de processamento dos delitos de roubo e homicídio doloso. Tal como realizado na seção referente à análise da base de dados do TJRJ, uma vez realizadas todas estas seleções e filtragens, o passo seguinte foi a reconstituição do fluxo de processamento de um delito, em termos temporais, a partir das informações disponíveis no banco de dados do TJSP. Esta atividade foi realizada de acordo com os fluxogramas desenhados no relatório de pesquisa 01. 109 II.2.2 – O tempo do processo no caso dos delitos de roubo distribuídos no TJSP Conforme destacado nas seções precedentes, antes da reforma realizada pela Lei 11.719/08 no âmbito do procedimento ordinário, o CPP estabelecia que o réu solto deveria ser processado em 145 dias e o réu preso em 95 dias (contados desde a data do delito). Com a reforma de 2008 estes prazos passaram a ser, respectivamente, de 150 e 120 dias, sendo a diferença de 20 dias entre esta devida, tão somente, à fase policial55. Da mesma forma que na seção precedente, esta análise foi dividida em três momentos. O primeiro apresenta o tempo de processamento dos casos de roubos antes da Lei 11.719/08, o segundo apresenta o tempo de processamento dos casos de roubos depois da Lei 11.719/08 e a terceira seção faz um contraste destes resultados levando em consideração o tempo prescrito em cada uma das duas legislações (CPP – 1941 e CPP reformado em 2008). Calculando o tempo do processo de roubo para os casos distribuídos junto ao TJSP no período anterior à Lei 11.719/08, foi possível constatar algumas questões interessantes, como destacado na Tabela 26. Tabela 26 – Tempos das fases processuais para processos de roubos Distribuídos entre jan/2000 e o momento de início da vigência da Lei 11.719/08 56 (em dias). São Paulo, Estado: jan/2000 a ago/2008 Número de casos Valor com informações mínim Valor 57 válidas o máximo Média Tempo considerado Tempo entre a data do crime e a data da distribuição 106991 0 37403 80 do processo Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 74330 0 3305 123 Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data sentença 65859 0 3525 461 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data da sentença 73141 0 3599 564 Tempo entre a data do crime e a data da sentença Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 61442 1 18331 627 Desvio Padrão 288 262 451 551 615 55 Já que esta foi a única fase não reformada e o principal objeto de discussão das atuais reformas do Código de Processo Penal, que pretende, entre outras questões, instituir um juiz das garantias para acompanhar a fase do inquérito policial. Para maiores questões relacionadas a esta reforma, vide: MAYA, André Machado. O juiz das garantias no projeto de reforma do código de processo penal. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 17, n. 204, p. 06-07, nov., 2009. 56 Lembrando que neste caso já foram excluídos os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos. 57 Considerando apenas os casos cujas informações não eram inconsistentes ou cujos campos estavam em branco. 110 Os dados do TJSP relacionados ao tempo de processamento para os delitos de roubo padecem também de problemas anteriormente verificados para a base de dados do TJRJ, quais sejam: a qualidade da informação. Isso porque alguns casos considerados na análise também possuem valor igual a zero. Outras informações interessantes apresentadas pela tabela anterior, que se refere a todos os processos de roubo que alcançaram uma sentença no período compreendido entre 01/01/2000 e 22/08/2008, são as seguintes: • O tempo para a realização da fase policial, entre a data do crime e a data da distribuição do processo, era de 79 dias; • O tempo para a realização da fase do Ministério Público, entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 58, é de 123 dias; • O tempo para a realização da fase do judiciário, entre a data do recebimento da denúncia e a data da sentença, é de 462 dias. Ainda de acordo com informações sumarizadas na tabela anterior, o tempo global de processamento era de 627 dias, sendo que a fase que mais contribuía para que o processamento de um delito de roubo fosse caracterizado como moroso era a judicial, a qual demorava, pelo menos, 4 vezes mais tempo do que as demais fases. Por outro lado, contrastando o tempo global de processamento dos processos de roubos (que era de 627 dias) com o tempo previsto na legislação anterior como máximo para a realização de tais atos (145 dias) é possível afirmar que os casos de roubos demoravam 4,3 vezes mais tempo que o prescrito legalmente para a duração de um processo desta natureza. Considerando os processos de roubos distribuídos após o início da vigência da Lei 11.719/08, isto é, após 22 de Agosto de 2008, é possível afirmar que (Tabela 27): Tabela 27 – Tempos das fases processuais para processos de roubos 59 Distribuídos depois do início da vigência da Lei 11.719/08 (em dias) São Paulo, Estado: ago/2008 a dez/2009 Número de casos com Valor Valor Tempo considerado informações válidas mínimo máximo Média 58 Desvio Padrão Assumindo-se que a denúncia foi aceita na data de seu oferecimento. 59 Lembrando que neste caso já foram excluídas as sentenças não terminativas do feito e os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos. 111 Tempo entre a data do crime e a data da distribuição do processo 20574 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data do recebimento da denúncia 12839 Tempo entre a data do recebimento da denúncia e a data sentença 5804 Tempo entre a data da distribuição do processo e a data da sentença 6232 Tempo entre a data do crime e a data da sentença 5097 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 0 11364 73 209 0 444 26 53 0 455 153 75 0 461 165 80 1 2042 186 115 De acordo com os dados sumarizados na Tabela 27, os tempos para as fases anteriormente descritas, após o início de vigência da lei 11.719/08, passaram a ser os seguintes: • 73 dias para a fase entre o crime e a distribuição do processo; • 26 dias para a fase entre a distribuição do processo e o recebimento da denúncia; • 153 dias para a fase entre o recebimento da denúncia e a sentença que encerra o processo. No que se refere ao tempo global de processamento, este passou a ser de 186 dias. Como a lei 11.719/08 prescreve que os casos processados sob a égide do rito ordinário devem ser encerrados em até 120 dias, os dados sumarizados na tabela anterior indicariam que os casos demoram apenas 1,55 vezes mais tempo que o prescrito na legislação. Comparando as duas tabelas apenas em termos absolutos, poder-se-ia, em um primeiro momento, afirmar que para os casos distribuídos após a vigência da nova lei todos os prazos processuais foram diminuídos. Contudo, para se evitar conclusões apressadas foram adotados dois procedimentos. O primeiro foi a construção de um gráfico que apresenta o intervalo de tempo de acordo com o ano de distribuição do processo (Gráfico 08). 112 Gráfico 08 60 - Variação do tempo médio de duração processos de roubos De acordo com o ano em que foram distribuídos. São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo De acordo com as informações sumarizadas neste gráfico, a média de tempo não tem diminuído substancialmente nos últimos anos. O que parece ter sido diminuído é o intervalo de tempo (diferença entre o maior e o menor tempo de processamento) de acordo com o ano de distribuição. Por outro lado, conforme destacado na seção anterior, especialmente para os casos distribuídos nos últimos anos, é de se esperar que apenas os casos mais rápidos tenham chegado a julgamento. Assim, o gráfico anterior deixa evidente este fenômeno também acontece no âmbito da base de dados de SP, mas por considerar todos os casos distribuídos no período, ele denota que as diferenças de médias (marcadas por um traço no meio da barra) não são substancialmente distintas para o período compreendido entre os anos de 2005 e 2009. 60 Tal como destacado anteriormente, este gráfico, também chamado de Blox Plot, apresenta os valores centrais dos dados e alguma informação a respeito da amplitude deles. a caixa central inclui os 50% dos dados centrais. As linhas inferiores e superiores ("whiskers") mostram a amplitude dos dados, isto é a diferença entre o maior e o menor valor. A simetria é indicada pela caixa e pelas marcas ("whiskers"), as quais localizam, entre outras coisas, a média e a mediana. Este gráfico é bastante utilizado por ser relativamente fácil comparar grupos, construindo diagramas de caixa lado a lado, tal como será realizado nos diversos gráficos desta natureza construídos neste relatório. 113 Assim, esta análise do banco de dados do TJSP parece denotar as seguintes alternativas conclusivas: 1) a Lei 11.719/08 ainda não foi capaz de produzir os efeitos esperados, no que se refere ao aumento da celeridade processual; 2) os operadores do direito de São Paulo ainda não se apropriaram das novas leis e, por isso, o tempo médio de duração do processo ordinário, após a nova legislação, parece ser similar ao tempo médio de duração do processo ordinário antes da nova legislação. II.2.3 – O tempo do processo no caso dos delitos de homicídio doloso distribuídos no TJSP Conforme destacado no capítulo anterior, a grande inovação trazida pela Lei 11.689/08 é o fato de que a decisão que decide pela pronúncia (ou não) do acusado deve ocorrer em até 90 dias a partir do recebimento da denúncia pelo juiz.61 Na égide da legislação anterior este prazo era de 82 dias. No que se refere à segunda fase do procedimento do júri, tem-se que o prazo máximo estabelecido pela nova legislação é de 180 dias, enquanto que na égide da legislação anterior este prazo era de 65 dias (Ribeiro, 2009: 131). 62 Contudo, há que se destacar que este é o prazo judicial e, portanto, para cálculo do prazo processual global a este deve ser acrescido o prazo do inquérito policial (10 dias para réu preso e 30 dias para réu solto) e o prazo para oferecimento da denúncia (5 dias para réu preso e 15 dias para réu solto). Assim, apesar de a reforma ter acabado com a diferenciação do prazo judicial para réu preso e réu solto, o prazo processual permanece diferente, dependendo se o réu encontra-se ou não em custódia, sendo este de 295 dias para réu preso e 315 dias para réu solto. Da mesma forma que na seção anterior, serão realizados os cálculos para cada uma das fases para as quais se tem informação, excluindo-se os casos que apresentaram problemas de inconsistência e ainda os casos que não alcançaram desfecho. Por outro lado, no caso específico dos homicídios dolosos, serão considerados, primeiro, todos os casos que alcançaram a fase da decisão de pronúncia e depois todos os casos que seguiram desta decisão em diante. 61 Mesmo porque é a partir do recebimento da denúncia (art. 406) que se inicia a contagem do prazo para que o juiz ou absolva sumariamente ou mande citar o réu para responder a acusação que lhe é feita. 62 Como na legislação anterior os prazos eram distintos para réu preso e réu solto, para este caso específico foram considerados os prazos relacionados ao réu preso como contraponto com os prazos previstos pela nova legislação. 114 Feitas todas essas ressalvas, utilizando as datas disponíveis no banco de dados do TJSP, foi possível constatar que para os processos distribuídos antes da vigência da Lei 11.689/08 os tempos de duração de cada fase são os seguintes (Tabela 28). Tabela 28 – Tempos das fases processuais para processos de homicídios dolosos Distribuídos entre jan/2000 e o momento de início da vigência da Lei 11.689/08 (em dias) 63 São Paulo, Estado: jan/2000 a ago/2008 Desvio Número de casos com Valor Valor Tempo considerado informações válidas mínimo máximo Média Padrão Tempo entre a data do crime e a 80780 0 38515 129 477 data da distribuição Tempo entre a data da distribuição e o recebimento da denúncia 39599 0 3310 306 424 Tempo entre a data da denúncia e a data da decisão de primeira fase do júri 19240 0 3180 587 471 Tempo entre a data da denúncia e a data da decisão de segunda fase do júri 10277 0 3531 1003 651 Tempo entre a data de distribuição e a data da decisão de plenária do júri 15137 2 3585 1062 741 Tempo entre a data do crime e a data da decisão de plenária do júri 13085 6 39495 1246 932 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Para o delito de homicídio doloso, cujo processo fora distribuído no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entre 01 de janeiro de 2000 e 09 de agosto de 2008 (data do início de vigência da Lei 11.689/08), é possível afirmar que: • A fase policial - entre o crime e a distribuição do processo - durava, em média, 129 dias; • A fase do Ministério Público - entre a data da distribuição e data do recebimento da denúncia - durava em média 306 dias. A contabilidade do tempo de acordo com o procedimento bifásico ficou, em parte, prejudicada porque não havia uma segunda variável que permitisse o cálculo do tempo entre a pronúncia e a sentença de plenária. Assim, o que foi realizado foi o cálculo do tempo de duração da primeira fase com base nos casos cujo desfecho poderia ser considerado como desfecho desta etapa e cálculo do tempo de duração global do processo com base nos casos cujo desfecho poderia ser considerado como relacionado à decisão de plenária do júri. 63 Lembrando que neste caso já foram excluídos os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos. 115 Esta divisão denotou que, em média, os casos demoram 587 dias, contados do aceite da denúncia, para alcançarem a fase de decisão da primeira etapa do rito do Tribunal do Júri e 1002 dias, contados do mesmo momento, para alcançar a segunda fase do júri. Ou seja, considerando que esses dados são inseridos corretamente, são necessários, em média, 415 dias entre a decisão que decide pela pronúncia do réu e a sentença de plenária do júri. O tempo de processamento global era, em média, de 1246 dias, contados desde a data do delito até a data da sentença de plenária do júri. Considerando que o prazo máximo previsto pelo CPP, para o processamento do acusado de um delito de homicídio doloso que não estivesse preso era de 310 dias, é possível afirmar que o tempo despendido pelo TJSP era 4 vezes maior que o tempo legal no período anterior à reforma processual. Calculando os tempos para os casos de homicídios dolosos, distribuídos depois do início da vigência da lei 11.689/08, foi possível constatar que (Tabela 29): Tabela 29 – Tempos das fases processuais para processos de homicídios dolosos 64 Distribuídos depois do início da vigência da Lei 11.719/08 (em dias). São Paulo, Estado: ago/2008 a dez/2009 Número de casos Valor com informações Valor Tempo considerado mínimo máximo Média válidas Tempo entre a data do crime e a data da 11243 0 19326 164 distribuição Tempo entre a data da distribuição e o recebimento da denúncia 2496 0 455 55 Tempo entre a data da denúncia e a data da decisão de primeira fase do júri 611 0 408 167 Tempo entre a data da denúncia e a data da decisão de segunda fase do júri 117 0 464 214 Tempo entre a data da distribuição e data da sentença 308 0 471 188 Tempo entre a data do crime e a data da sentença 256 10 8012 646 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Desvio Padrão 646 83 79 118 118 1321 Assim, considerando os casos de homicídios dolosos processados após o início de vigência da lei 11.689/08 tem-se que: • A fase policial durou, em média, 164 dias; • A fase do Ministério Público durou, em média, 55 dias; 64 Lembrando que neste caso já foram excluídas as sentenças não terminativas do feito e os casos com problemas em razão de terem apresentado tempos negativos. 116 • A primeira fase do júri durou, em média, 167 dias e; • A segunda fase do júri durou, em média, 47 dias. O tempo global de processamento foi de 646 dias, enquanto que a nova lei prescreve que este deve ser de 315 dias. Isso significa que os casos distribuídos após a nova legislação tiveram um tempo de processamento duas vezes maior do que o prescrito pela lei. Contudo, as informações apresentadas na tabela anterior devem ser interpretadas com cautela. Primeiro, como atrasos no tempo de processamento são freqüentes, tal como denotado por diversas análises revisadas no âmbito desta pesquisa, é possível que estas médias não traduzam a realidade do tempo de processamento dos casos de homicídio doloso. O que elas podem estar indicando é que apenas os casos mais simples ou cujo conjunto probatório era mais substantivo alcançaram a fase final do fluxo até o momento da passagem dos dados do TJSP para o CESeC. Esta hipótese se torna ainda mais consistente quando se considera apenas o tempo da fase policial. Como esta base de dados possui informações sobre todos os casos distribuídos no período, independente do desfecho por ele alcançado, é possível calcular o tempo considerando onde o caso encontra-se estacionado e comparar padrões entre as duas tabelas. Nestes termos, quando se compara o tempo de duração da fase policial antes e depois da nova lei é possível perceber que houve um certo acréscimo em termos de número de dias entre um período e outro para esta fase (ou 129 e 164 dias respectivamente). Este fenômeno pode estar referendando o fato de que apenas os casos mais rápidos puderam ser encerrado e, assim, as médias apresentadas pela Tabela 11 podem ser um pouco distorcidas em relação ao padrão efetivo de processamento destes casos. Este fenômeno parece ficar evidente quando se analisa o tempo do processo em razão do ano da distribuição (Gráfico 09). Com esta figura é possível perceber que a média do tempo da fase judicial (entre o aceite da denúncia e a sentença de plenária) vai se reduzindo ao longo do tempo porque a amplitude entre o maior e menor tempo de duração do processo penal também se reduz neste período. 117 Gráfico 09 - Variação do tempo médio de duração processos de homicídio doloso De acordo com o ano em que foram distribuídos. São Paulo, Estado: jan/2000 a dez/2009 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Este gráfico parece indicar, da mesma forma que ocorreu com o tempo de processamento do delito de homicídio doloso no âmbito da base de dados do TJRJ, na última década, a média do tempo de processamento parece ter se reduzido porque, na realidade, a diferença entre o maior e o menor tempo de processamento se reduziu. Este dado confirma a hipótese de que ainda é muito cedo para se avaliar o efeito das novas leis sob o tempo de processamento dos delitos de homicídio doloso do ponto de vista quantitativo, uma vez que apenas os casos mais rápidos conseguiram ser encerrados até o momento em que a base de dados dos tribunais de justiça foi repassada ao CESeC para respectiva análise. Contudo, como não foi realizado nenhum tipo de trabalho qualitativo no âmbito do TJSP não é possível afirmar, por outro lado, que especialmente nos anos de 2008 e 2009 a redução do intervalo de tempo ocorreu porque os operadores do direito desta 118 localidade se apropriaram dos novos procedimentos penais e, por isso, a hipótese mais plausível como explicação para os dados apresentados acima é a supra-citada. II.2.4 – Conclusões gerais da análise do banco da dados do TJSP As análises realizadas a partir do banco de dados do TJSP denotaram que o tempo de processamento dos delitos de roubo e homicídio doloso parecem ter se reduzido ao longo dos anos como um todo e, exatamente por isso, ainda parece ser um pouco cedo para atribuir tal redução à reforma do CPP implementada no ano de 2008. Esta ressalva parece ganhar ainda mais fôlego quando se analisa o tempo do processo de acordo com o ano da distribuição deste, uma vez que as médias parecem não ter se alterado substancialmente, mas o intervalo de tempo sim. Soma-se a isso o fato de que, quando se contrasta o tempo da fase policial, não se percebe grandes diferenças em ambos os crimes, para o período anterior e posterior as novas leis (Tabela 30), o que leva a crer que as conclusões baseadas apenas na análise quantitativa ainda são prematuras e, por isso, podem induzir a equívocos. Isso porque, quando se compara a média de tempo judicial para o período anterior e posterior as novas leis, percebe-se uma redução no tempo. Tabela 30 – Tempo de duração de cada fase processual De acordo com o delito e lei em análise (em dias). São Paulo, Estado: Jan/2000 a dez/2009 Roubos Homicídios dolosos Depois da Diferença Depois da Diferença Antes da lei lei (depois Antes da lei lei (depois 11.719/08 11.719/08 antes) 11.689/08 11.689/08 antes) Fase em questão Tempo entre o crime e a distribuição do processo 80 73 Tempo entre a distribuição do processo e o aceite 461 153 da denúncia Tempo entre o aceite da denúncia e a sentença final 627 186 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo -7 129 164 35 -308 306 55 -251 -441 1002 187 -815 Contudo, como o tempo para encerramento do processamento de um delito nos tribunais brasileiros é essencialmente longo, é possível que esta redução deva-se ao fato de a base de dados analisada considerar apenas os casos cujo processamento foi essencialmente rápido. Esta afirmação também poderia ser confirmada ou refutada se as bases de dados possuíssem um número maior de variáveis que permitissem uma melhor 119 compreensão dos determinantes do tempo de processamento para além do seu cálculo. O mesmo poderia ser realizado se a pesquisa tivesse se ocupado de um extenso trabalho qualitativo no âmbito do TJSP, compreendendo não apenas como os casos são inseridos neste sistema de informação, mas ainda, como os operadores do direito têm ou não se apropriado dos novos procedimentos penais. De posse de tais informações seria possível lançar novas interpretações aos resultados quantitativos obtidos nesta seção. Por outro lado, as análises do banco de dados do TJSP se mostraram mais consistentes que as análises do TJRJ. O número de casos com informações completas é substancialmente maior e o fato de o banco de dados contar com todos os casos que foram distribuídos no período compreendido entre os anos de 2000 e 2009, independente destes terem ou não alcançado uma sentença fez com que determinadas distorções e problemas verificados na seção precedente não fossem verificados nesta seção. II.3 - Considerações finais – comparando os resultados da análise da base de dados do TJRJ e da base de dados do TJSP A primeira conclusão deste estudo empírico do tempo de processamento diz respeito a uma questão muito mais técnica que substantiva propriamente dita. Primeiro, ficou evidente que os tribunais registram fenômenos distintos e, exatamente por isso, a base de dados do Rio de Janeiro apresenta uma riqueza de informações muito maior que a base de dados de São Paulo, a qual se circunscreve as datas de movimentação processual e a última decisão “vivenciada” pelo projeto. Em um segundo momento, é importante destacar que o acesso garantido pelos tribunais às informações é refletido, diretamente, nos resultados propiciados pela análise. Como o Rio de Janeiro, por motivos desconhecidos, não enviou a base de dados completa para os pesquisadores do CESeC a sua análise restou prejudicada, denotando algumas inconsistências que são difíceis de se sustentar como, por exemplo, o fato de aparentemente o número de processos distribuídos ter diminuído enquanto o número de processos sentenciados ter aumentado, fazendo com que nos últimos anos se tenha mais processos sentenciados do que distribuídos. A base de dados do TJSP é mais consistente, inclusive, com o que se espera em termos de trabalhos da criminologia contemporânea que se destinam a analisar o funcionamento dos tribunais de um ponto de vista quantitativo. O número de casos 120 sentenciados a cada ano é percentualmente menor que o número de casos distribuídos, mas as curvas seguem movimentos semelhantes, tal como esperado pelos estudos sobre fluxo do sistema de justiça criminal. Por fim, uma constatação, referente não aos dados tribunais, mas à natureza do trabalho em si é a relativa ao pequeno espaço de tempo entre a publicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08 e o momento desta análise. Isso porque, conforme verificado no capítulo 1, as pesquisas empíricas já realizadas sobre este tema denotam que para o caso do homicídio doloso são necessários, em média, 1434 dias para que o processamento deste delito seja completado. Sendo assim, ainda que a nova lei tenha estabelecido que agora o processamento global deste delito deve ser de até 315 dias (contados desde a data do crime) e que o processamento judicial deste delito deve durar até 270 dias, é de se esperar que após anos ou mesmo décadas operando de uma determinada forma, as organizações demorem um tempo para se adaptar às novas regras. Ou seja, os novos procedimentos penais viabilizaram definições mais claras do tempo de processamento porque, além de definirem melhor este prazo no âmbito da lei, concentraram atos processuais que antes eram realizados separadamente, contribuindo para a extensão do prazo. Mas, se até mesmo o conhecimento e a internalização destas práticas pelos operadores do direito demandam um tempo para ocorrer, é possível inferir, por conseguinte, que a constatação do efeito prático destas leis sob o tempo de processamento apenas poderá ser realizada em alguns anos. Por outro lado, assumindo que essas leis já produziram algum efeito nos processos distribuídos após a sua vigência (os quais já passaram a ser processados, por exemplo, com o uso da audiência uma) e comparando o tempo de processamento da fase judicial após a publicação das novas leis com o tempo de processamento previsto pelo CPP tal como vigente na atualidade é possível constatar que em ambas as realidades os tempos de processamento se revelam semelhantes 65. 65 Contudo, é importante, mais uma vez, destacar que essas conclusões devem ser analisadas com cautela já que apenas um pequeno número de casos pôde alcançar a fase de sentença até o momento de encerramento desta base de dados, tal como destacado nas tabelas anteriores. 121 Tabela 31 – tempos das fases processuais tal como previstas pelo CPP e tempos da fase judicial para processos de roubos homicídios dolosos (em dias) São Paulo, Estado - Ago/2008 a Set/2009 Rio de Janeiro, Estado - Ago/2008 a Set/2009 Apenas casos distribuídos depois do início da vigência das novas leis penais Procedimento CPP TJRJ TJSP Rito ordinário – Crime de Roubo 95 153 153 Rito do tribunal do júri – crime de homicídio doloso 270 158 214 Fonte: CPP, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Interessante destacar que o tempo médio de processamento do delito de roubo para o período posterior à nova lei é exatamente o mesmo em São Paulo e no Rio de Janeiro: 153 dias. Este prazo coincidente, apesar de superior ao previsto legalmente, pode estar indicando que os tribunais de justiça tendem a apresentar um padrão semelhante de processamento para determinados delitos. Estas informações podem ser compreendidas ainda a partir da utilização de alguns estudos da sociologia que se preocupam em compreender, dentro de uma perspectiva mais qualitativa, como os operadores do direito administram o processo de aplicação da lei no âmbito dos tribunais de justiça. Por exemplo: Sapori (1996) constatou que muitas vezes a eficiência é perseguida mediante a violação dos padrões formais do sistema. Assim, ainda que a lei prescreva um procedimento diferenciado, de acordo com a pesquisa do autor, os operadores do direito podem preferir administrar a realidade dos tribunais de maneira distinta, desde que isso garanta maior eficiência ou a solução mais ágil dos casos de menor complexidade, o que não deixa de violar o princípio do devido processo legal. Exatamente por isso, o autor denomina a justiça brasileira como “justiça em linha de montagem”. Assim, a partir da reforma de 2008, quando uma série de práticas analisadas pelo autor para se alcançar o processamento ágil em um pequeno espaço de tempo foram, finalmente, institucionalizadas no arcabouço normativo, é possível imaginar que essas venham a ser progressivamente apropriadas pelos operadores do direito e, com isso, o tempo de processamento real possa se aproximar do legalmente prescrito. Por outro lado, estudos como o de Assmar et al (2005) apontam para o fato de que alterações legais, quando implicam em mudanças de práticas por parte de indivíduos inseridos no âmbito de dados organizações, tendem a encontrar forte resistência na cultura sobre “como fazer” determinadas atividades. Isso significa que por mais que os novos procedimentos fossem desejados por diversos operadores do direito, 122 na medida em que eles implicam em uma mudança profunda na forma e momento para prática de determinados atos no contexto do tribunal de justiça quando do processamento de dadas demandas criminais é de se esperar que esses não venham a ser internalizados por todos os envolvidos nesta atividade da mesma maneira. Neste sentido, é importante ser levado em consideração o fato de que alguns operadores possuem interesse direto na maior duração possível do processo, como é o caso, por exemplo, dos advogados particulares que geralmente tem a sua remuneração calculada em horas trabalhadas ou em meses de duração da causa. Outros operadores manejam o caso de tal forma que este seja esquecido por um tempo e, com isso, a possibilidade de condenação ou absolvição seja menor, porque o julgamento já está “distante” do calor dos acontecimentos. Estas variáveis, que não são registradas pelos bancos de dados dos tribunais (que sequer possuem a natureza da defesa do caso) também devem ser levadas em consideração quando se analisa o efeito de novas regras que tem como objetivo acelerar a tramitação dos processos. Como a legislação brasileira não possui nenhum tipo de medida punitiva para os operadores do direito que não apenas não respeitam as determinações legais quanto ao tempo de processamento como ainda que dão ensejo a morosidade protelatória, esta forma de resistir à implementação dos novos procedimentos penais sequer aparece como um ponto a ser considerado quando se discute a difícil equalização entre celeridade processual e direitos fundamentais do acusado. Assim, a mensuração adequada do impacto das novas legislações sobre a forma e o tempo de processamento dos delitos submetidos ao procedimento ordinário e ao procedimento do Tribunal do Júri apenas poderá ser adequadamente compreendida a partir da análise qualitativa de como os operadores do direito internalizaram ou não estas novas regras. Isso ocorre porque os novos procedimentos penais, no fundo, procuraram alterar o sistema de valores e atitudes sobre o que é um processo que garante, simultaneamente, a celeridade processual e os direitos constitucionais do acusado. No entanto, como a reforma de 2008 objetivou para além de garantir a celeridade processual alcançar uma maior compatibilidade entre o Código de Processo Penal, eminentemente fascista (Barandier, 1996) e a legislação constitucional, eminentemente garantista, os capítulos subseqüentes procuram analisar exatamente estes pontos. Aliás, em última instância, o propósito das novas leis foi evitar que o juiz 123 continue a ser o operador do direito responsável pela compatibilização destas legislações cuja teoria que as subjaz é eminentemente contraditória, uma vez que: “Não é mais admissível, nem tolerável, num Estado Democrático de Direito, o entendimento de que ao juiz só caiba extirpar do trabalho do legislador ordinário — bem ou mal avisado, primoroso ou desastrado — aquilo que não pode coexistir com a Constituição, aquilo que há de representar uma afronta manifesta do texto ordinário ao texto maior" porque o juiz "não é legislador e não tem autoridade que tem o legislador para estabelecer a melhor doutrina (Franco, 1995). Assim, para que o juiz possa se ocupar da busca da verdade real de maneira célere e garantista foi preciso reformar a legislação processual penal, algo que foi realizado pelas leis 11.719/08 e 11.689/08. Mas, será que 20 anos após a promulgação da Constituição Federal a reforma do CPP foi capaz de compatibilizar os procedimentos penais e os princípios constitucionais de maneira eficiente e efetiva? E ainda, após mais de 60 anos operando de acordo com as regras do CPP de 1941 os juízes foram capazes de imediatamente aplicar os novos procedimentos e tal como previsto pelas novas leis? Com o propósito de responder a tais indagações, tem-se os capítulos subseqüentes, os quais objetivaram verificar em que medida as leis 11.689/08 e 11.719/08 reduziram as dissonâncias entre os direitos fundamentais do acusado e os princípios constitucionais e, em que medida, os tribunais tem aplicado esses novos procedimentos ou tem resistido à sua institucionalização fazendo com que esses novos dispositivos venham a ser questionados a partir de recursos à segunda instância ou aos tribunais superiores. Assim, após a análise das consonâncias e dissonâncias entre as novas leis e os princípios constitucionais e a análise dos julgados disponibilizados como jurisprudência nos sites de todos os tribunais de justiça que operacionalizam as referidas leis será possível verificar como estes operadores do direito têm sido capazes de materializar os dispositivos das leis 11.719/08 e 11.689/08 na realidade cotidiana dos tribunais ou como estas novas regras têm sido rechaçadas pela cultura dos operadores do direito, que preferem operar sob a égide da legislação anterior, fenômeno este que termina por implicar em um recurso para a discussão da matéria abordada pelas novas leis. Mas, para verificar como estes dispositivos são aplicados na administração cotidiana da justiça criminal, tem-se o último capítulo. Verificando quais são os dispositivos mais aplicados e os que ainda não se consubstanciaram em prática cotidiana dos tribunais é possível compreender com maior clareza como o tempo do 124 processo penal pode estar sendo alterado pelas novas leis e ainda porque determinadas matérias são motivos de recurso à segunda instância ou aos tribunais superiores enquanto outras não. Por fim, para compreender o que faz com que um determinado operador do direito internalize as regras estabelecidas pelas novas leis enquanto outro venha a rechaçá-la, foram realizadas uma série de entrevistas com esses atores as quais encerram este trabalho. Em última instância o propósito de se apreender o sistema de crenças, valores e atitudes desses atores teve como princípio maior verificar o que pode ser alterado por meio da atividade legislativa e o que demanda um novo processo de socialização desses. Neste último caso, trata-se de políticas que podem ser institucionalizadas a partir de cursos de formação ou ainda de grandes processos de mudança organizacional que venham a ser implementados ou pelo Conselho Nacional de Justiça ou pelos próprios tribunais de justiça. Em última instância, o propósito dos capítulos seguintes é oferecer subsídios para a elaboração de políticas públicas que sejam capazes de equalizar a celeridade processual com uma maior garantia dos direitos fundamentais do acusado. 125 CAPÍTULO III. A REFORMA PROCEDIMENTAL SOB A ÓTICA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS No presente capítulo será realizado um exame dos direitos e garantias fundamentais do acusado, previstos na Constituição Federal, e em que medida os mesmos serão afetados pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08. O intuito é verificar o impacto que a reforma legislativa operado dentro do processo penal sobre os direitos e garantias fundamentais do acusado, ou mesmo da vítima. De acordo com Nucci (2008), esta análise se faz necessária e de suma importância, tendo em vista que a aplicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08 vêm trazendo à tona pertinentes discussões sobre a correta interpretação de dispositivos legais que alteraram substancialmente a forma e o momento de realização de diversos atos processuais penais. Mesmo porque: A reforma estabelece novo paradigma para o processo penal brasileiro, a saber: a) as formalidades inúteis do atual procedimento do júri, que mais têm se prestado a servir como fonte inesgotável de nulidade, foram eliminadas; b) a atuação de assistentes técnicos indicados pelas partes passa a ser admitida; c) o juiz poderá absolver sumariamente o acusado, após a apresentação da resposta preliminar; d) a identidade física do juiz passa a existir também no processo penal; e) o art. 594 do Código de Processo Penal, que prevê o recolhimento do acusado à prisão para poder apelar, é finalmente revogado; f) a citação por hora certa, na hipótese do acusado se esquivar, dolosamente, do chamamento pessoal, é permitida; g) o interrogatório do acusado, como meio de defesa que é, passa a ocorrer somente após a oitiva de todas as testemunhas; h) o juiz poderá determinar, na sentença, o valor da indenização à vítima, sem necessidade de processo de liquidação, quando for de fácil constatação o quantum do prejuízo sofrido pelo ofendido; i) a testemunha ou o ofendido que tiver temor de depor na presença do acusado será inquirida mediante videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, o acusado será retirado da sala, dentre outras novidades. Assim, considerando que a legislação infraconstitucional não pode estar em desacordo com a Carta Magna, este texto tem, como seu objetivo, verificar quais os principais afastamentos e aproximações existentes entre as novas leis e a Constituição Federal de 1988 vislumbrando, com isso, possíveis reformulações na legislação processual penal em vigor, capazes de torná-la mais adequada ao sistema de garantias constitucionais oferecido ao acusado de cometimento de qualquer crime. 126 Em especial, este capítulo procurará abordar os problemas que tanto tem preocupado a doutrina processual penal brasileira bem como os distintos operadores do direito que estão administrando a nova lei em seu cotidiano profissional. Para tanto, esta análise encontra-se estruturada em três seções. Na primeira será apresentado o porquê do estudo deste problema. Nesta seção será explicitado que a Constituição é, acima de tudo, uma norma principiológica e, por isso, fixa as balizas mestras para a administração da justiça, incluindo, consequentemente, o processo penal. Neste sentido, cumpre destacar que as mudanças introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 devem se adequar aos dispositivos constitucionais relacionados aos temas por elas abordados, sob pena de colocarem em xeque a própria unidade hierárquica de um sistema jurídico, cuja Constituição se apresenta como ápice. Na segunda seção, por sua vez, serão apresentados os princípios inscritos na Constituição Federal brasileira que, de alguma forma, norteiam o processamento de um indivíduo acusado da prática de um delito, assim como os principais dispositivos das novas legislações que se relacionam com esses princípios. O objetivo desta apresentação é verificar as consonâncias e as dissonâncias existentes entre a Constituição e a legislação infraconstitucional alterada pela reforma. Por fim, a seção 03 pretende criticar os eventuais sacrifícios que a reforma possa ter provocado ao acusado, no tocante aos seus direitos fundamentais, assim como, igualmente, destacar em quais pontos a nova legislação, por sua vez, funcionou como catalisadora da concretização da ordem constitucional. Com base nisso, será possível propor alterações na legislação objetivando suprimir suas omissões ou desvirtuamentos, no que tange ao sistema de garantias constitucionais do acusado, valorizando, por outro lado, seus avanços nessa mesma dimensão. III.1 – Importância da análise constitucional da reforma Como dito anteriormente, a Constituição é uma norma eminentemente principiológica, razão pela qual se faz mister apreciar as novas leis sob o prisma dos princípios e garantias fundamentais nela insculpidos. No entanto, antes de adentrar nos princípios constitucionais e suas implicações para a reforma processual penal, necessária se faz uma breve análise acerca do que podemos tomar como princípios, ou seja, qual a sua conceituação e relevância. 127 A Constituição Federal é a Norma paradigma, na qual todas as outras devem buscar fundamento e validade. Esta afirmação se revela imperiosa a todos os dispositivos legais, seja qual for a matéria por eles tratada, e ganha especial relevância quando o seu escopo é a matéria processual penal, já que esta lida diretamente com a liberdade, direito cujo cerceamento deve ser sempre juridicamente respaldado e fundamentado, sob pena de o ato que o determinou quedar-se eivado de vício insanável. Em 2008, o ordenamento jurídico penal, não diretamente o direito material, mas sim o processual, materializado no Código de Processo Penal Brasileiro, passou por uma reforma em alguns de seus dispositivos mais relevantes, notadamente na parte que versa sobre seus procedimentos comuns e especiais (Bottini, 2008 e Nucci, 2008). A análise das alterações trazidas por tal reforma, patrocinada pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08, passa obrigatoriamente por saber se elas efetivamente se coadunam com a Constituição, principalmente no que tange aos direitos e garantias fundamentais, matéria cuja relevância é tamanha, que é tratada pela Constituição Federal de 1988, no §4º, inc. IV do seu artigo 60, 66 como cláusula pétrea, vedando, assim, a elaboração de Emendas Constitucionais tendentes a aboli-los. Os direitos e garantias fundamentais, em sua maioria, encontram-se positivados na Constituição em seu artigo 5º. No entanto, o rol dos direitos e garantias ali descritos é tão somente exemplificativo, na medida em que, ao longo da Constituição encontramos outros tantos, espalhados em seus mais diversos capítulos. A tutela dos direitos individuais se revelou como uma preocupação primordial da Constituição atual, na medida em que coube a ela expurgar quaisquer resquícios do regime de exceção que a antecedeu, e, no qual, era total o desrespeito ao indivíduo e seus direitos. Entre as medidas autoritárias do regime anterior, talvez uma das que mais causara revolta na sociedade tenha sido a realização de prisões arbitrárias, nas quais não era garantido ao acusado a chance de se defender das acusações que sobre ele pesavam, assim como não eram respeitados direitos como os de respeito à inviolabilidade de seu domicílio e de sua integridade física. 67 66 Art. 60, § 4º, inc. IV: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias fundamentais.” 67 Interessante destacar que, de acordo com a doutrina processualística penal, o CPP de 1941, por ter sido uma legislação publicada durante um regime autoritário, padece destes mesmos problemas. Assim, uma vez que este Código, elaborado sob a égide e os influxos autoritários do Estado Novo e considerando o fato de que 20 anos após a publicação da chamada “Constituição Cidadã” o Brasil pode ser considerado 128 Experiências como essa brasileira, mas, especialmente, os casos europeus anteriores de nazismo e fascismo, levaram à ruptura do Direito com modelos positivistas estritos, isto é, baseados na mera aplicação da lei. Contra uma visão do Direito enquanto conjunto de regras prescritas pelo Legislativo a serem reafirmadas pelo Judiciário surge no campo jurídico um novo afã por trazer à baila princípios de justiça que não podem ser desconsiderados sob nenhuma hipótese. Dessa forma, mesmo sem reafirmar um pretenso direito natural, baseado numa inquestionável natureza humana, autores da teoria jurídica contemporânea, como Dworkin (2002) e Alexy (2003), passam a destacar o fato de que qualquer sistema jurídico é formado não apenas por regras, mas também por princípios. Isto é, o Direito seria composto não apenas por mandamentos que prescrevem determinadas sanções para determinadas condutas, tornando-as, por conseqüência, permitidas, obrigatórias ou proibidas, mas também por prescrições mais gerais, sem aplicabilidade imediata, que, no entanto, dão ao conjunto de regras coerência ética, mais do que mera sobreposição aleatória. Dworkin (2002) dá exemplo disso descrevendo o caso do neto que mata o avô para receber a herança. O assassino faria jus a essa herança? – questiona o autor. Se formos fazer uso de uma interpretação positivista estrita, em não havendo nenhuma lei que estabelece como regra a proibição de ser herdeiro o assassino de quem deixa a herança, então se torna obrigatório aceitar que o neto faz jus ao espólio do avô. No entanto, fica difícil aceitar que um sistema jurídico que pune, por exemplo, a fraude, o estelionato e o latrocínio, possa aceitar isso, que, intuitivamente, vai em desencontro à nossa concepção do que é justo. Isto acontece, argumenta Dworkin (2002), exatamente porque um sistema jurídico não pode ser composto apenas por regras. Parece intuitivamente errado que o neto herde a fortuna do avô que ele mesmo assassinou, pois também compõe esse sistema o princípio de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Mesmo que esse princípio não seja explicitado em nenhuma lei, a interpretação do ordenamento como um todo coerente permite ao intérprete verificar que esse princípio está ali, informando várias de suas regras para que elas formem um todo coeso e não a mera sobreposição de caprichos do legislativo. como uma democracia em fase de consolidação, faz-se indispensável adequar os dois dispositivos legais. Em última instância, este foi o objetivo maior da reforma de 2008. 129 Tendo este arcabouço em vista, pode-se dizer que, por princípio, tem-se uma estrutura sobre a qual é possível realizar algo, um ponto de partida, o limiar introdutório dos institutos jurídicos. É neles que se pode buscar validade para normas. Fazendo uso das palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello (1996, p. 545), podemos dizer que “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos.” Todavia, conforme visto anteriormente, a revalorização dos princípios de justiça no Direito não tem a ver com o simples retorno à teoria do direito natural, baseado no inacessível âmago do que nos faz verdadeiros seres humanos. Esses princípios são extraídos do próprio ordenamento e da história institucional da comunidade a que eles se aplicam. Nesse contexto, ganha lugar de destaque a Constituição, enquanto vértice hierárquico do conjunto de normas jurídicas de determinado local. Assim, o constitucionalismo se alia a uma “positivação” de direitos naturais, gerando a inscrição de princípios de justiça numa dimensão do ordenamento jurídico menos maleável e menos sujeita às intempéries de legislativos sazonais. A inclusão de listas de direitos individuais e princípios de justiça numa Constituição realiza, assim, um duplo movimento na efetivação de seus princípios. Por um lado, dado sua natureza principiológica e lugar no ponto mais alto do ordenamento, informam o sistema como um todo, seja na produção, seja na aplicação de suas regras. Por outro, exigem para sua alteração, ou maiorias legislativas qualificadas, ou mesmo, processos revolucionários, quando sua alteração não apenas mutila a Constituição, mas efetivamente a destrói por desnaturar sua essência – daí a consideração dos direitos individuais como cláusulas pétreas. Temos ainda, aliado a isso, os processos de controle de constitucionalidade das leis, por meio dos quais as leis em desacordo com a Constituição são consideradas inválidas e extirpadas do sistema, garantindo a supremacia do texto constitucional. No Brasil, esse controle é exercido pelo Poder Judiciário, tanto de forma concentrada, pelo 130 Supremo Tribunal Federal, quando provocado especificamente para isso, quanto de forma difusa por qualquer juiz, ao decidir um caso concreto que afronte a Carta Magna. Partindo da premissa de que o ordenamento jurídico brasileiro também adotou a positivação de princípios de justiça e direitos individuais no texto constitucional da Carta de 1988, temos que a legislação produzida no país deve estrita obediência a essa ordem principiológica constitucional, para que não se corra o risco de ter seu intuito malogrado, inclusive, pelo próprio Poder Judiciário. Daí a importância de, no estudo das alterações produzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08, levar-se em conta em que medida seus dispositivos vão ao encontro dos, ou de encontro aos, ditames da Constituição Federal. Passemos, portanto, à análise dos dispositivos previstos nessas leis à luz dos princípios constitucionais que deveriam regê-los, destacando os possíveis acordos e desacordos entre essas duas fontes normativas do sistema jurídico brasileiro que precisam, obrigatoriamente, estar em harmonia. III.2 – Análise dos dispositivos legais sob a luz das garantias fundamentais Os princípios norteadores do processo penal encontram-se, basicamente, no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Dentre eles, merecem destaque: III.2.1. A dignidade da pessoa humana e o tratamento isonômico Mais do que um princípio, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República, insculpido no artigo 1º da Constituição Federal, norteando todas as demais garantias fundamentais. Esse verdadeiro metaprincípio acompanha o raciocínio kantiano de que, enquanto as coisas são meios para atingir determinados fins, possuindo, portanto, preços, o ser humano é um fim em si mesmo, não podendo ser jamais utilizado como meio para outros fins, possuindo, dessa forma, não preço, mas dignidade (Kant, 1964). Seria esse o sentido mais nuclear da dignidade da pessoa humana, que, contudo, foi ao longo do tempo assimilando novas dimensões, acompanhando o desenvolvimento da sociedade e dos ordenamentos jurídicos. 131 Segundo lição de Nicolitt (2009, p. 26-27), atualmente: “É difícil precisar o sentido do enunciado dignidade humana, porém a chamada teoria de cinco-componentes (sic) parece adequada à realidade constitucional brasileira. Transpondo para a Constituição pátria o mesmo raciocínio de Canotilho em relação à Constituição portuguesa, vê-se que a base antropológica remete ao homem como pessoa, como cidadão, como trabalhador e como administrado. Daí se extrai uma integração dos direitos fundamentais, iniciando pela afirmação da integridade física e espiritual do homem como aspectos irrenunciáveis de sua individualidade, seguindo com a garantia da identidade e integridade da pessoa através do desenvolvimento de sua liberdade e passando à chamada libertação da angústia da existência da pessoa, libertação esta através de mecanismos sociais de providências que garantam possibilidade de condições mínimas existenciais. O quarto componente é a consagração da autonomia individual através da limitação dos poderes públicos relativamente aos conteúdos, formas e procedimentos do Estado de Direito, e, por fim, o quinto componente reside na dignidade social, ou na igualdade de tratamento normativo, ou seja, igualdade perante a lei.” Pelo exposto na citação acima, podemos ver que o respeito à dignidade da pessoa humana deságua, necessariamente, em outro metaprincípio que, previsto já no caput do artigo 5º da Constituição, serve igualmente a informar as demais garantias daí decorrentes. Trata-se da chamada isonomia, o princípio que exige que todos os cidadãos submetidos a um ordenamento jurídico, sejam submetidos a ele da mesma maneira, isto é, que todos sejam considerados iguais perante a lei. Claro que a lei perde o próprio sentido de ser se não puder estabelecer distinções entre aqueles submetidos ao seu jugo, por exemplo, diferenciando a cobrança de um imposto de acordo com a capacidade contributiva de cada um. Mesmo porque, estar cega a determinadas diferenças, pode, pelo contrário, tornar sua aplicação mais desigual do que igual. Assim, o que a isonomia exige é a vedação de discriminações arbitrárias, em que pessoas são diferenciadas legalmente por características que não possuem relação com o tema tratado na lei. Voltando ao exemplo, diferenciar a cobrança de impostos de acordo com a capacidade econômica é razoável, já que se trata de um ditame legal destinado à redistribuição de riqueza. No entanto, se a mesma diferenciação fosse feita com base na cor da pele, por exemplo, a isonomia seria desrespeitada. 132 Como a dignidade da pessoa humana e a isonomia são princípios de altíssimo grau de abstração, servindo como base e suporte para garantias mais específicas, será mais fácil analisar a pertinência da reforma a tais princípios, quando da análise dessas garantias. É o caso de se observar, dentre outros, o respeito da dignidade humana no respeito à integridade física e moral do preso, e o respeito à isonomia na garantia de defesa técnica a todos. Contudo, desde já merece destaque a exigência da nova legislação quanto à fundamentação das decisões que decretam as prisões. Como se trata de medida coercitiva de um direito fundamental de estreita ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana, qual seja o direito à liberdade, a decretação de uma prisão obriga a autoridade judicial a fundamentá-la, sob o risco de ferir, indubitavelmente, tal princípio. Pensando nisso, a reforma, no §3º do artigo 413,68 exigiu, expressamente, quando da prolação da pronúncia, a motivação fundamentada por parte do juiz para a decretação da prisão, ou mesmo, para sua manutenção. Com isso, em última instância, o que a legislação procurou impedir foi a decretação automática, ou, ainda, a manutenção da impossibilidade da liberdade quando esta não se faz necessária – situação na qual uma medida cautelar chega a se transformar em mecanismo de antecipação de punição (Bandeira, 2007). Mesmo que apenas dê continuidade a um estado anterior de privação cautelar de liberdade do réu, a prisão deve, no momento da pronúncia, ser fundamentada, para além da mera decretação. Ou seja, pronúncia por si só, não é capaz de fundamentar a prisão, de acordo com a reforma pela lei. A reforma consubstancia assim, além de desdobramento dos princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º, LVII da CF) e da exigência de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX da CF), o corolário da dignidade da pessoa humana que assegura que a liberdade da pessoa humana só pode ser cerceada em casos extremos e previstos em lei. Logo, essa exceção que é a restrição da liberdade, deve contar sempre com a fundamentação jurídica pertinente para, inclusive, permitir sempre seu questionamento pela defesa do preso. 68 Art. 413, § 3º: “O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição de prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.” 133 Contudo, isso acarreta um problema que faz com que se choquem duas garantias: a da fundamentação de qualquer restrição da liberdade e a da presunção de inocência, ambas diretamente relacionadas com o respeito à dignidade da pessoa humana. Por um lado, se a pronúncia simplesmente decreta a prisão do réu sem qualquer motivo cautelar, ela incorre em desrespeito à necessidade da fundamentação de qualquer prisão. Por outro, ao fundamentar mais extensamente a prisão para além dos requisitos cautelares, ela corre o risco de influenciar os jurados em relação à culpabilidade do réu. Esse ponto será retomado mais à frente, quando se abordará especificamente o Tribunal do Júri. III.2.2. A presunção de inocência e o respeito à integridade física e moral do preso De acordo com o inciso LVII do artigo 5º da Constituição brasileira, ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Tratase do princípio da presunção de inocência, corroborado pela garantia do acusado de se reservar a permanecer em silêncio, sem que isso lhe implique presunção de culpa – inc. LXIII – assim como garantias outras como a ampla defesa. Extensivamente, a presunção de inocência aliada ao direito ao silêncio é, inclusive, o que garante que ninguém será obrigado a produzir prova contra si mesmo. De acordo com Pacelli (Op. Cit. p.33), “A não exigibilidade de participação compulsória do acusado na formação da prova a ele contrária decorre, além do próprio sistema de garantias e franquias públicas instituído pelo constituinte de 1988, de norma expressa prevista no art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, integrada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992.” Por esta razão, admite-se até que o réu se recuse a fazer a reconstituição do crime, por entender que assim agindo estaria sendo compelido a produzir prova contra si, violando o seu direito a não auto-incriminação. Logo, com relação especificamente ao direito ao silêncio, a Lei 11.689/08, pela redação dada ao artigo 478, inc. II69 veio a corroborá-lo, quando vedou que as partes fizessem, durante o julgamento, menção ao silêncio do acusado em seu prejuízo. 69 Art. 478, inc. II: “Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.” 134 Merece destaque também, ainda no que se refere à relação entre a reforma processual penal e a garantia da presunção de inocência, a extirpação do Código de Processo Penal de regra que há muito já sofria duras críticas da doutrina: a exigência do recolhimento do réu à prisão como requisito para a apelação – recurso adequado para a revisão de uma sentença judicial. Para doutrinadores como Busana (1993) e Soares (1995) essa regra não deveria sequer ser considerada recepcionada pela Constituição de 1988, por ferir o princípio da presunção de inocência. Afinal, se em decorrência do princípio da presunção de inocência ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, como exigir que o recolhimento à prisão seja condição para o conhecimento do recurso? Na esteira dessa crítica, a Lei nº 11.719/08 resolveu sanar as dúvidas sobre a recepção dessa regra e revogou o artigo que lhe dava suporte (art. 594 do CPP). Assim, a partir da reforma, em reconhecimento à presunção de inocência, deixa de ser requisito para o processamento da apelação o recolhimento do réu à prisão. Nesse sentido, a isonomia também é valorizada ao deixar de se distinguir, dentro do direito à apelação, entre o réu solto e o réu preso. Todavia, essas não foram as únicas dimensões em que as novas leis quiseram dar efetividade à garantia constitucional de presunção de inocência. Corroborando, inclusive, a Súmula do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, a Lei nº 11.689/08, em seu artigo 474, § 3º 70 também estipulou que o uso de algemas por parte do réu precisaria ser a exceção e não a regra. Como se observou que a presença do réu algemado durante as audiências do júri influenciava os jurados no sentido de prejulgarem-no como culpado, a nova lei determinou a proibição do uso das algemas, salvo quando estritamente necessário à segurança dos demais presentes naquelas audiências. Isto é, só seria possível relativizar a presunção de inocência do réu, por meio do “ar” de culpa do uso de algemas, quando isso fosse necessário à salvaguarda de outro direito fundamental, a saber: a integridade do público, dos jurados e dos funcionários da justiça. 70 Art. 474, § 3º: Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. 135 A proibição do uso de algemas, tornada lei por força da reforma, recepcionando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, também visa a atender a outra garantia constitucional, explicitada no art, 5º inciso XLIX: o respeito à integridade física e moral do preso, garantida na mesma dimensão da dos demais presentes à audiência. Se o uso de algemas pelo réu era responsável por lhe imputar culpabilidade da qual ele é presumido livre, tem-se que esse uso atingia diretamente sua integridade moral. Em respeito, portanto, também à garantia prevista no inc. XLIX, a nova sistemática do processo penal introduzida pela Lei nº 11.689/08 andou junto à Constituição na sua regulamentação do uso de algemas no júri. E, igualmente, amplificou seu sentido de respeito à dignidade da pessoa humana, que tem como dimensões fundamentais a integridade física e moral do sujeito. Mesmo assim, ainda restam controvérsias sobre a plena efetividade do princípio de presunção de inocência do réu. Isso se dá no caso, já citado anteriormente, de exigência de fundamentação da sentença de pronúncia, que, por sua vez, pode levar ao júri um réu presumido culpado. Como dito, esse caso específico será discutido mais adiante, ficando aqui apenas a ressalva da garantia do réu que, para além do processamento pelo júri, pode ser afetada por esse problema: trata-se da fundamental presunção de inocência do acusado. III.2.3. O Devido processo legal Este é o grande princípio norteador do direito processual, oriundo da Magna Carta de 1215.71 Nenhum processo deverá seguir sem seu parâmetro legal, sem seu norte delineado nas normas de processo. Assim foi a política adotada pela Constituição, que erigiu o devido processo legal à categoria de direito fundamental, em seu art. 5º, inc. LIV, quando assevera que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. É não só uma garantia ao próprio Estado, que possui organização para desenvolver sua atividade judicante, como também ao cidadão, que se sujeita a um julgamento justo, dentro de um sistema livre de arbitrariedades. Existe o dever de o 71 Declaração solene que o rei João da Inglaterra, dito João Sem-Terra, assinou, em 15 de junho de 1215, perante o alto clero e os barões do reino (Comparato, 1999). 136 Estado criar as regras, e aplicá-las a fatos posteriores à sua vigência, na mesma proporção em que é direito do homem responder a regras claramente estabelecidas. Como nos informa José Afonso da Silva (2004, p.431): “Quando se fala em processo, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais.” Tourinho Filho (2006a, p.59), citando lição de Redenti, informa que “o princípio se resume em se assegurar à pessoa a defesa em juízo, ou ‘em não ser privado da vida, liberdade ou propriedade, sem a garantia que pressupõe a tramitação de um processo, segundo a forma estabelecida em lei.” No entender ainda de Gilmar Mendes, podemos considerar que o devido processo legal abrange outros princípios comumente evocados quando se fala de garantias fundamentais na relação jurídica processual. Segundo o autor (Mendes et al, 2009, p. 639) “...cogita-se de devido processo legal quando se fala de (1) direito ao contraditório e à ampla defesa, de (2) direito ao juiz natural, (3) direito a não ser processado e condenado com base em prova ilícita, (4) direito a não ser preso senão por determinação da autoridade competente e na forma estabelecida pela ordem jurídica. (...) De fato, é muito comum entre nós fazer-se referência a uma garantia específica, como a do contraditório e da ampla defesa, ou do juiz natural e do devido processo legal. Ou, ainda, costuma-se fazer referência direta ao devido processo legal em lugar de referir-se a uma das garantias específicas.” Tendo isso em vista, esse tópico será dividido entre essas outras garantias, compreendendo: (i) direito ao contraditório e à ampla defesa; (ii) direito ao juiz natural e; (iii) direito de não ser condenado com base em provas ilícitas. Como a quarta dimensão aludida por Gilmar Mendes – isto é, não ser preso senão por determinação da autoridade competente e na forma estabelecida pela ordem jurídica – depende exatamente de regulamentação específica legal, preferiu-se não abordar tal tema. 3.1. Contraditório e ampla defesa 137 De acordo com a Constituição Federal de 88, em seu art. 5º, inc. LV, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. No entender de Humberto Theodoro Junior (2004, p.25): “o principal consectário do tratamento igualitário das partes se realiza através do contraditório, que consiste na necessidade de ouvir a pessoa perante a qual será proferida a decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo. Não há privilégios, de qualquer sorte.” Trata-se de princípio constitucional derivado do verbo contraditar, contestar, que visa garantir equilíbrio ao bom andamento processual, assegurando paridade de armas às partes, em respeito ao já destacado princípio fundamental da isonomia. Junto com o princípio da ampla defesa, integra o direito de defesa, constitucionalmente garantido. Alguns se confundem ao dizer que o contraditório é uma garantia do réu. Na verdade, o princípio do contraditório é para ambas as partes. Qualquer ato processual tomado por uma parte dá à outra o direito de contraditar, criando o dever de ciência bilateral de todos os atos judiciais. Sobre este assunto, Felipe Martins Pinto (2009) ensina que: “Dentre os instrumentos que conferem validade e eficácia ao ordenamento jurídico, o princípio constitucional do contraditório é a viga mestra que permite o confronto equânime entre as partes. Para cumprir este mister, o contraditório deve ser pleno e efetivo. Pleno porque o princípio deve informar todos os atos preparatórios do provimento final e efetivo porque, além da previsão formal, é imprescindível a presença de meios que possibilitem condições concretas para as partes poderem atuar na instrução processual na simétrica paridade de suas posições.” Ainda neste sentido, cumpre destacar a lição de Luigi Ferrajoli (apud Azevedo, 2004), para quem a disputa entre acusação e defesa apenas é leal e em condições de paridades se ambas as partes forem dotadas das mesmas capacidades e dos mesmos poderes, de tal maneira que o papel contraditor seja exercido em todos os graus do procedimento e em relação a todos os atos probatórios. Mas este princípio não deve ser mantido tão-somente entre as partes. O Juiz é obrigado a respeitar o princípio, mantendo-se imparcial e, ao surgirem novos elementos, abrindo vista às partes, para que possam se manifestar. Ainda que os elementos do processo dêem a entender que as condições de julgamento são ideais, pode haver 138 esclarecimentos ou requerimentos ulteriores que levem a uma conclusão mais próxima à esperada verdade real (Theodoro Junior, Op. Cit. p.25). A reforma corroborou este princípio, quando da redação dos artigos 384 72 e 411, § 3º – que faz referência ao anterior – que regulam a mutatio libelli, instituto jurídico aplicável quando se verifica a possibilidade de criar nova definição jurídica do fato após o fim da instrução criminal, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação. Antes da reforma trazida pela Lei nº 11.719/08, o instituto era aplicado da seguinte forma: o juiz, vendo que a definição jurídica do fato poderia ser diversa daquela apresentada, em decorrência de fatos novos não contidos na denúncia ou queixa, deveria abrir prazo para a defesa se manifestar e produzir provas. O legislador infraconstitucional quis dar fim às críticas que se fazia a este sistema, frequentemente atacado por afrontar o princípio do contraditório. Pelo princípio do contraditório não é a parte acusada quem deve inaugurar a instrução dizendo que não cometeu o crime, mas sim a acusação que, após a denúncia deve apresentar seus elementos probatórios, para que assim seja plena a defesa do acusado. Devido a isto, o legislador infraconstitucional optou pela mudança do sistema. Ao invés de a parte ré ser intimada a “se defender” de decisão interlocutória, intima-se primeiro o Ministério Público – ou ao querelante, em caso de queixa – para que este adite ou não a sua denúncia. Por esse movimento, preserva-se a iniciativa acusatória do Ministério Público – retirando-a do juiz que, na sistemática anterior, acabava por invadir competência alheia e desfigurar sua posição imparcial e inerte – e um processo cujo contraditório envolve efetivamente as duas partes, de acordo com o que cabe a cada uma, isto é, à acusação acusar e à defesa defender, necessariamente nessa ordem. De tal sorte, é de se concluir que, no que tange ao princípio do contraditório, com a reforma do Código de Processo Penal, as novas normas processuais ampliaram sua afinidade com os ditames constitucionais. 72 Art. 384: “Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa no prazo de 5 dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. 139 Já no que tange à ampla defesa, cumpre, em primeiro lugar, destacar que se trata de uma garantia baseada em duas premissas fundamentais: 1ª premissa - ciência prévia da acusação: não há como se defender sem antes saber qual é a acusação que recai sobre o réu. O juiz não pode convocar para o processo o réu e deixar ele mesmo se defender sem ao menos saber do que está sendo acusado. Ou seja, essa primeira premissa se constitui em saber qual a acusação que recai sobre o réu para ele fazer jus a sua ampla defesa. O réu tem direito de conhecer a acusação em seu inteiro teor, bem como todas as provas. Em princípio, a reforma respeitou esta premissa, como se depreende da redação dos artigos 396, 396-A caput e 406 73 do Código de Processo Penal, quando regula as formas de ciência do réu da acusação, assim como as formas como pode apresentar sua defesa. 2ª premissa - Além da auto defesa que o réu faz em seu interrogatório, a ampla defesa é um somatório da auto defesa com a defesa da técnica. Ou seja, é direito do réu contar com todos os meios disponíveis para defender sua inocência – em especial a explanação de sua própria versão dos fatos – sendo obrigatório o principal deles: a defesa especializada por operador jurídico. Não existe processo sem defesa técnica, exercida por advogado ou defensor público. Logo, a defesa técnica é obrigatória e o réu não pode abrir mão de advogado ou de defensor. Tanto o inciso LXIII – o preso tem direito à assistência da família e de advogado – quanto o LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos – do art. 5º da Constituição, demarcam que é direito constitucional do réu a defesa técnica por advogado ou defensor. É, inclusive, obrigação do Estado providenciar essa defesa, quando o acusado não puder fazê-lo com seus próprios recursos. Isso porque, se o réu não tiver recursos financeiros para se 73 Art. 396: Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação no prazo de 10 dias. Art. 396-A: Na resposta, o acusado poderá argüir preliminarmente e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. Art. 406: O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 dias. 140 defender, a ele será fornecido pelo Estado um defensor, conforme texto da mesma Constituição, em seu art. 134.74 Mais uma vez, no que tange à assistência por advogado, também houve por parte da Lei, respeito a este aspecto, na medida em que o §2º do artigo 396-A 75 determina que se não for apresentada a resposta por parte do réu no prazo legal – ou este não constituir advogado – o juiz nomeará defensor para fazê-lo, concedendo-lhe vista dos autos por 10 dias. No entanto, focalizemos agora outras dimensões mais polêmicas do contraditório e ampla defesa afetados pela reforma. No atual sistema processual penal, as diretrizes do devido processo legal se alteraram de forma a garantir a maior observância desses dois princípios: ampla defesa e contraditório, necessariamente nesta ordem. Os sistemas das Leis 11.719/08 e 11.689/08 trouxeram grandes alterações à forma de condução dos processos, de modo que o devido processo legal tomou novos rumos, mais focado para a ampla defesa do acusado, apoiado ainda em outro princípio constitucional de grande relevância: o já referido princípio da presunção de inocência. Talvez esta seja a alteração mais substancial introduzida pela reforma do Código de Processo Penal em 2008. Isso ocorre, precipuamente, em razão da mudança de pensamento acerca da natureza dos atos processuais. Não mais se concebe o interrogatório de um acusado dentro de uma perspectiva inquisitória (Azevedo 2004). É bem verdade que este meio de prova – o interrogatório – em muito serve ao Juízo a fim de alcançar a verdade dos fatos. Mas nem por isto deixa de servir como meio de defesa. Muito pelo contrário. Em razão de outros princípios constitucionais, tais como o da presunção de não-culpabilidade, não poderia ser diferente. Os meios de prova jamais devem ser usados valendo-se de presunções de culpa de parte do réu. Se esta existe ou não, somente o andamento de um processo judicial, sem vícios, poderá dizer. O Estado acusa, e para isto inaugura a persecução criminal, ao passo que o réu se defende através das diversas fases da instrução criminal. 74 Art. 154: A defensoria pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. 75 Art. 396-A, § 2º: Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 dias. 141 Por conta disso, o depoimento pessoal do acusado deixou de ser o primeiro momento do processo, quando funcionava, precipuamente, como meio de prova contra o réu. Com a reforma, o depoimento pessoal foi transferido para momento posterior à inquirição de testemunhas e produção de outras provas para que venha a funcionar, num sentido muito diverso, como meio de defesa: tendo ciência das demais provas constituídas contra ele, pode o réu dar sua versão dos fatos buscando se defender das acusações que contra ele pesarem. Trata-se, portanto, de incremento à auto-defesa e, por conseguinte, aprofundamento do direito constitucional à ampla defesa. Contudo, além da mudança de ordem de alguns atos processuais, com destaque para o posicionamento do depoimento pessoal do réu no fim e não no começo do processo, outro ponto que merece destaque na reforma, por sua incidência direta sobre a garantia da ampla defesa, é o fim do fracionamento da audiência 76, tornando-a una, nos termos do art. 400 e 41177 do Código de Processo Penal, de acordo com a redação que lhes foi dada pelas Leis 11.719 e 11.689 de 2008. Parece que diversas audiências, além de trazerem maior demora à resolução do pleito judicial, prejudicavam o bom andamento do processo pelas seguintes razões: a) É constante a promoção e aposentadoria de Juízes, fazendo com que aquele que iniciou a instrução criminal, em muitos casos não seja o mesmo a prolatar sentença, o que faz com que a defesa do acusado seja prejudicada; 76 No entanto, cumpre destacar que o atual projeto de nova reforma do CPP almeja fragmentar esta alteração que, a nosso ver, tanto contribuiu para a materialização do princípio da ampla defesa. Isso porque, de acordo com Moura (2009), a nova reforma, ainda em processo de construção, propõe o que chama de “um novo acomodamento legislativo”. Segundo a Comissão, esta realidade será alcançada ao: “i) possibilitar o fracionamento da audiência em algumas hipóteses; ii) modificar o conteúdo do procedimento sumário, com a previsão de imediata aplicação de pena mínima ou reduzida quando, nos crimes cuja pena máxima não seja superior a oito anos, o acusado confessar os fatos e a sanção for ajustada entre as partes; iii) incorporar o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais ao Código; iv) alterar as regras do procedimento do júri, aumentando o número de jurados de sete para oito e disciplinando a separação dos processos conexos, não dolosos contra a vida, dentre outras alterações”. 77 Art. 400: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. Art. 411: Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate. 142 b) No intervalo entre uma audiência e outra podem se perder provas documentais, testemunhas podem desaparecer, elementos outros podem ser criados, modificados ou extintos, o que afastaria o Juízo da verdade real, prejudicando, por conseguinte, todo e qualquer meio de defesa; c) A construção lógica de um raciocínio pode ser facilitada quando os meios de produção de prova são concretizados em único momento. Todavia, conforme se depreende da leitura da jurisprudência, a alteração parece não ter tido os efeitos esperados. Nem todos os julgadores têm respeitado esta alteração introduzida pelas novas leis. Ou seja, a mudança vem sendo relativizada pelos órgãos julgadores, sob alegação de que a ampla defesa não é prejudicada com o fracionamento de audiências, já que isto traz a possibilidade de maior apreciação das provas, individualmente consideradas. Esquecem-se aqueles que justificam tal medida que a audiência una viabiliza que o tempo da instrução seja fatalmente reduzido. No entanto, pela via transversa a ampla defesa seria prejudicada pela possível má qualidade das provas em razão da diminuição de tempo. Como se pode concluir, alguns tribunais vêm entendendo que o princípio constitucional da ampla defesa pode ser mais bem alcançado por meio do fracionamento de audiências, nos moldes do antigo procedimento. Dessa forma, há uma corrente que entende que a reforma processual não potencializou o princípio da ampla defesa, mas sim, pelo contrário, o restringiu de maneira indevida. 3.2. Juiz natural O inciso LIII do artigo 5º da Constituição de 1988 assevera que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Sendo assim, o princípio do juiz natural, tal como insculpido na Constituição da República Federativa do Brasil, consiste no respeito às regras de competência traçadas pela legislação processual pertinente. Possui a incumbência de evitar arbitrariedades ou incoerências dentro da atividade jurisdicional do Estado. Apenas a lei tem o condão de alterar a competência de um juiz. Na lição de Oliveira (2009, p.28), temos que “O princípio do juiz natural tem origem no direito anglo-saxão, construído inicialmente com base na idéia de vedação ao tribunal de exceção, isto é, a proibição 143 de se instituir ou de se constituir um órgão do Judiciário exclusiva ou casuisticamente para o processo e julgamento de determinada infração penal.” Sendo assim, tal princípio visa coibir exceções ou foros privilegiados que não os previstos pela própria Lei Maior. É um dos principais pilares da atividade jurisdicional, que tem o condão de garantir a todos um julgamento justo. Já no âmbito do ordenamento jurídico nacional, a compreensão deste princípio pode ser realizada a partir da lição de Amaral e Gloekener (2007), os quais postulam que: “Como é cediço, o princípio do juiz natural, elencado na Constituição da República no art. 5º, LII, que assevera: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, trata de uma das garantias mais elementares do indivíduo. Tal garantia é a de que, primeiramente, não haverá tribunal de exceção. Essa é a face mais visível do princípio do juiz natural. No entanto, não esgota a sua extensão semântica. O juiz natural da causa é aquele expressamente determinado por uma norma do ordenamento, anteriormente ao fato criminoso. A existência de uma autoridade a quem incumbe o julgamento, de forma prévia ao cometimento do ilícito penal, determina a fixação de uma competência, entendida desde Manzini como a “medida da jurisdição”. A competência ou o “poder de dizer o direito”, dentro de uma determinada esfera, por vezes territorial, por vezes relativa à matéria passível de julgamento, é uma condição de validade dos atos jurídicos processuais realizados no curso da ação penal e, inclusive, mesmo da fase de investigação preliminar.” Segundo Tatiana Mareto Silva (2006), em artigo publicado na rede mundial de computadores, o princípio do juiz natural tem outros dois princípios a ele intimamente ligados: o da imparcialidade e o da identidade física do juiz. A priori, a imparcialidade do juiz é garantida pela não alteração da competência, assim como por sua inércia – isto é, impossibilidade de agir sem ser provocado pelas partes. Evita-se com isso, a troca de favores e a quebra da eqüidistância ou isonomia. A mesma autora, citando Leonardo Greco, informa que “o Juiz Natural é o juiz legalmente competente, aquele a quem a lei confere ‘in abstrato’ o poder de julgar determinada causa, que deve ter sido definido previamente pelo legislador por circunstâncias aplicáveis a todos os casos da mesma espécie” (Silva, Op Cit.). De tal sorte, o princípio do juiz natural, para ser posto em prática, pressupõe dois elementos: a legalidade da atribuição judicante daquele órgão, bem como a competência deste para julgar, fixada anteriormente ao fato. Fora desta perspectiva, é possível se falar em violação. Para os fins a que se presta este trabalho, não parece possível apontar alguma alteração correlacionada ao princípio do juiz natural que seja fruto das 144 alterações introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08, pela própria definição deste princípio. Isto faz concluir que, de per si, não se vislumbra nenhuma mudança em tal princípio. De forma concreta, pode-se dizer que este princípio era e continua sendo preservado, já que foi mantida a determinação, por exemplo, de remessa dos autos ao juízo competente no caso de desclassificação – isto é, percepção de que o crime narrado não é crime contra a vida de competência do júri – feita pelo Juiz presidente na primeira fase do procedimento do júri, como se depreende do artigo 419, 78 cuja redação foi dada pela Lei 11.689/08. Em verdade não há grande inovação neste sentido, uma vez que as regras de fixação de competência se mantêm. Mas, diante das alterações do Código de Processo Penal, o que se pode dizer é que, pela via transversa, o princípio é violado sempre que a identidade física do juiz, princípio agora positivado no direito processual penal, nos termos do §2º do artigo 399, 79 sofre deturpações na prática, haja vista o fato de não se respeitar a regra que impõe que deve o juiz que presidiu a instrução ser o mesmo a prolatar a sentença, como preconizado pelo sistema criado pela Lei 11.719/08. Dentro deste mesmo tópico, portanto, será feita referência ao princípio supracitado, para que se possa entender o problema que a lei tentou resolver, e, na verdade, permanece sendo desrespeitado. Trata-se do respeito não ao princípio do juiz natural, em si, mas de subprincípio a ele diretamente relacionado: o princípio da identidade física do juiz. Quanto a este princípio, como dito acima, a grande mudança foi a sua expressa determinação no art. 399, §2º do Código de Processo Penal, inserida pela Lei 11.719/08, que inaugurou o princípio da identidade física do Juiz na seara processual penal. Tentou o legislador extinguir dúvida que se instaurava na doutrina e jurisprudência, que hesitava em dar cumprimento a este princípio no processo penal devido à falta de previsão legal. De acordo com Paulo Affonso Leme Machado: 80 “A identidade física do juiz representará, sem dúvida, um notável avanço da processualística penal diante da multiplicação assustadora de processos. Será um 78 “Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja.” 79 Art. 399, § 2º: ]“O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”. 80 MACHADO, Paulo Afonso Leme. A Identidade Física do Juiz no Processo Penal – Inovação Necessária. Disponível em: http://www.iedc.org.br/REID/?CONT=00000065 145 modo eficaz de evitar a massificação forense, impedindo que o juiz se converta numa máquina de julgar. Preservará o equilíbrio volitivo, sentimental e intelectual do julgador para a consecução dos autênticos fins da Justiça.” Conforme destacado por Wambier et al (2007, p. 72): “essa regra decorre do seguinte: o juiz que tiver contato direto, na audiência, com as partes e testemunhas, tem mais e melhores condições de proferir uma sentença satisfatória, do que aquele que não tenha presidido a audiência”. Luiz Fernando da Costa Tourinho Filho (Op. Cit. p. 57), antes da reforma processual de 2008, parecia atento à necessidade de reforma no âmbito do processo penal em tal sentido, já que a identidade física é uma garantia ao jurisdicionado, que ao ser sentenciado pelo julgador que deu início à instrução, possui maior probabilidade de ser julgado de forma justa e coerente. Assim disse o processualista, em uma clara antevisão do que ocorreria com a reforma processual de 2008: “No nosso CPP [Código de Processo Penal], ou até mesmo em qualquer lei processual penal extravagante, não há nenhuma regra que estabeleça esse princípio. Pelo contrário. É muito comum um Juiz receber a denúncia, outro interrogar o réu, as testemunhas serem ouvidas por outro e por outro ser ele sentenciado. É possível que, com as reformas, setoriais que o Processo Penal está sofrendo, venha o princípio a ressurgir.” Como daí se depreende, o princípio em voga tem como fundamento garantir um julgamento justo, já que parte da premissa de que o juiz que inicia a instrução criminal terá mais condições de prolatar sentença que se enquadre dentro dos padrões de justiça, por ter tido contato com todo o processo, colhido depoimentos, ouvido o réu, ao contrário de somente olhar para papéis. O julgador que, por exemplo, assume o processo a partir do interrogatório, não teria, de acordo com esse raciocínio, o liame necessário para entender a causa desde seu início. Tal pensamento pareceu ser o que o legislador infraconstitucional adotou, positivando o princípio no processo penal por meio da reforma. No entanto, esta prática não tem ocorrido com freqüência, como se pode verificar pelos diversos julgados proferidos pelos Tribunais brasileiros e que constam da análise jurisprudencial trazida no capítulo seguinte. Quase em uníssono, os tribunais têm relativizado o princípio, informando que não há infração em seu desrespeito e que este princípio somente se aplicaria quando houvesse prejuízo da defesa. O que se pode concluir daí é que a reforma deu nova dimensão ao princípio constitucional do juiz natural, ao fazer previsão legal do subprincípio da identidade 146 física do juiz também no processo penal. Se respeitar o devido processo legal é respeitar a forma processual prevista em lei, pode-se considerar que, com a reforma, o desrespeito à identidade física do juiz constitui desrespeito ao princípio do juiz natural e, por conseqüência, à garantia do devido processo legal. No entanto, o que se tem observado é que os tribunais têm explicitado uma visão diferente dessa. Para essa outra visão, não contando a identidade física do juiz com previsão constitucional, sua violação não acarretaria violação de garantia constitucional, em especial a do juiz natural, dentro do devido processo legal. Na verdade, pelo contrário, o princípio da identidade física do juiz, a não ser que seu desrespeito ofenda a garantia de ampla defesa – essa sim constitucionalmente prevista – pode ser relativizado em prol de objetivos outros. Por exemplo, considerando, como visto acima, que a audiência fracionada é benéfica à ampla defesa do réu, ela deve ser mantida, mesmo que isso implique desobediência ao princípio da identidade física do juiz, desrespeitando, em um só movimento, duas previsões da nova lei processual: a audiência una e manutenção do mesmo juiz para coleta de provas e prolação da sentença. De acordo com Badaró (2009), este desrespeito ao princípio da audiência una e à identidade física do juiz se torna realidade no momento de aplicação da Lei 11.719/08 em razão de problemas na própria redação do artigo, uma vez que: “O novo § 2o do art. 399 do CPP limitou-se a prever que: “O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”. Seria melhor se tivesse deixado claro que o juiz que iniciasse a instrução deveria concluí-la e julgar o processo. Se o legislador não o fez, porque acreditou que todos os processos se resolveriam em audiência una, de instrução, debates e julgamento (CPP, art. 400, caput e art. 531), merece ser criticado por sua ingenuidade. Embora o ideal seja a realização de audiência una, a prática, infelizmente, tem desmentido tal previsão. De qualquer forma, o novel dispositivo exige que o juiz da instrução deve sentenciar o processo, pelo que toda a instrução deve se dar perante um mesmo juiz.” Um último ponto, no entanto, também deve ser ressaltado no que diz respeito à incidência da reforma sobre o princípio do juiz natural. Trata-se do princípio da inércia da jurisdição, que norteia a atividade dos magistrados como forma de efetivar sua imparcialidade. Conforme já dito, a reforma processual não alterou o funcionamento do princípio do juiz natural para além da positivação do subprincípio da identidade física do juiz. Mesmo assim, ter mantido algumas das sistemáticas anteriores à reforma pode ser exatamente o problema das novas leis. O tema é levantado no que tange ao instituto 147 da emendatio libelli, que, segundo parte da doutrina, afronta a inércia e, por conseguinte, a imparcialidade do juiz. Se, no que tange à mutatio libelli, como já descrito anteriormente, a reforma atuou no sentido de preservar a inércia judicial dando a última palavra a seu respeito ao membro do Ministério Público, o mesmo não parece ter acontecido na sua regulação da emendatio. Esse instituto, regulado pelo artigo 383 81 do Código, dá ao juiz a possibilidade de classificar o fato imputado ao réu como crime diverso daquele citado na denúncia do Ministério Público, mesmo que isso implique a sujeição do condenado a pena maior. Neste sentido, cumpre destacar a lição de Queiroz (2007), que se posicionou mesmo antes da reforma, argumentando sobre a importância desta resolver a inconstitucionalidade da emendatio e muttatio libeli (CPP, arts. 383 e 384), uma vez que o juiz, ao condenar o réu por crime diverso do capitulado na denúncia, estaria fazendo as vezes de acusador, violando o sistema acusatório e, pois, agindo sem um mínimo de isenção. Isso significaria em termos práticos o seguinte: ou bem o juiz absolve o réu ou bem o condena como o órgão da acusação quer e propõe. Neste sentido, o problema parece ser o de que a reforma não sanou estas incongruências entre os princípios e as regras do próprio processo penal. Partindo da premissa de que o acusado não se defende da espécie de crime que julgam ter cometido, mas sim dos fatos que lhe são imputados, o raciocínio que mantém o instituto sem alterações mais drásticas 82 entende que nele não haveria qualquer cerceamento da defesa do réu ou mesmo invasão, pelo juiz, de competência do Ministério Público. É o raciocínio cristalizado por Tourinho Filho (2006b, p. 265) na seguinte passagem: “Se a peça acusatória descrever o fato criminoso perfeitamente, mesmo que tenha havido uma errada classificação da infração, não será obstáculo a que se profira sentença condenatória. Afinal de contas, o réu não se defende da capitulação do fato, mas sim deste.” 81 O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. 82 Além de acrescentar à redação original do artigo a expressão “sem modificar a descrição do fato”, acrescentou-lhe ainda dois parágrafos, com a seguinte redação: § 1º Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos. 148 Daniele Souza de Andrade e Silva (2009, p.13) informa que o projeto de alteração originário previa a intimação das partes acerca da nova definição jurídica apontada pelo juiz. Em razão da rejeição do mesmo, ela assevera que foi prejudicada a defesa, que toma ciência do entendimento só em fase de sentença, o que, sem dúvida, lhe traria prejuízo. Segue seu entendimento: “A emendatio libelli, portanto, assim reservada apenas ao momento da sentença, implicará sempre uma surpresa para a defesa, a menos que se proceda a requerimento expresso do acusado, caso em que este assume a culpa do crime menos grave de que resulta da desclassificação. Em todo caso, quando da prolação da sentença o juiz vislumbrar nova classificação jurídica do fato imputado, que determine rito processual mais amplo, deve converter o julgamento em diligência, possibilitando a manifestação das partes, como forma de garantir o regular processo, com respeito ao contraditório e a ampla defesa, e sob pena de nulidade.” Tal compreensão parece levar em consideração que ao réu não cabe tão-somente negar ou se defender do fato. A capitulação feita recai no denomina efeito processual da imputação. Ou seja, diante da imputação de certo tipo penal, pode-se suscitar, por exemplo, aplicação de medidas despenalizadoras (suspensão do processo), atipiciade da conduta, dentre outros. E, pelo exposto, a emendatio libelli poderia ir de encontro a isto. Dessa forma, a manutenção do instituto pela reforma, seguindo esse raciocínio, mesmo com as alterações que teve, representaria a manutenção de instituto que ofenderia, a um só tempo, a ampla defesa do réu – por só revelar o crime de que ele estaria sendo acusado quando da sentença – do juiz natural e do princípio acusatório – por quebrar a imparcialidade do magistrado ao sobrepujar sua inércia – e, mesmo, do contraditório – já que é decisão do juiz, e não do Ministério Público, que dá ao crime sua nova classificação. 3.3. Proibição do uso de provas ilícitas De acordo com o inc. LVI do art. 5º da Constituição são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos. Prova ilícita é aquela que, ao ser produzida, viola um direito individual do réu ou uma norma procedimental. A vedação atinge tanto as chamadas provas ilícitas stricto sensu, que são as que violam direitos individuais do réu, quanto as provas ilícitas ilegítimas, que violam norma procedimental. É um princípio que, no dizer de Tourinho Filho (2006a, p.58), visa reprimir os abusos estatais, em respeito à dignidade da pessoa humana. O autor informa que entre a 149 efetiva prestação jurisdicional e as garantias individuais, estas devem prevalecer. Ponderados os interesses, não podem estas garantias, alcançadas através de lutas pelas gerações, ficarem em segundo plano. Este princípio visa garantir a proteção do acusado em face de julgamentos baseados em provas que possam ser obtidas de forma desigual, ou que possibilitem quebra de imparcialidade. Estar-se-ia diante de quebra da isonomia, o que certamente vai de encontro aos princípios do Estado Democrático de Direito e aos direitos fundamentais do cidadão (Morais, 1998). Em verdade, a disposição legal sobre as provas ilícitas foi diretamente alterada pela Lei 11.690/08, que escapa ao objeto da presente pesquisa. Quanto às leis aqui contempladas, podemos dizer que a grande alteração do Código de Processo Penal, neste sentido, diz respeito ao novo texto do art. 479, e seu parágrafo único 83 que alteraram a produção de provas documentais no procedimento do Júri. De acordo com a nova redação do artigo, trazida pela reforma na Lei 11.689/08, fica proibida a leitura de documento ou exibição de objeto que não tenha sido inserido no processo há, pelo menos 3 dias úteis, e cuja inserção tenha sido de conhecimento da parte contrária. O que a nova redação fez foi apenas acrescentar à antiga redação do art. 475 84 o termo “úteis”, já que a sistemática anterior se referia pura e simplesmente a 3 dias. Além disso, com a inclusão do parágrafo único, a lista de documentos que não podem ser utilizados ficou mais clara, já que a nova redação traz rol bem mais extenso do que a mera referência anterior a “jornais e outros escritos”.85 Sendo assim, podemos dizer que a Lei 11.689/08 não instituiu novo tipo de proibição de prova nos procedimentos do júri, apenas reiterando o que já era a política do Código, dando-lhe, porém, contornos mais precisos. Em observância à ampla defesa e ao contraditório, estabeleceu-se uma antecedência mínima de tempo em dias úteis para a inclusão de novas provas nos autos, para que a parte prejudicada tenha tempo hábil 83 Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Parágrafo Único: Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados. 84 Antes da reforma, dizia o art. 475: Durante o julgamento não será permitida a produção ou leitura de documento ou não tiver sido comunicado à parte contrária, com antecedência, pelo menos, de 3 dias, compreendida nessa proibição a leitura de jornais ou qualquer escrito, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato constante no processo. 85 V. notas 21 e 22. 150 para dela se defender, não sendo pega de surpresa. Da mesma forma, para evitar controvérsias sobre que tipos de documentos estariam incluídos na proibição, expôs extensa lista de exemplos no parágrafo único do artigo alterado. Esse cuidado especial com a produção de provas na audiência do júri tem estreita ligação com o fato de seu julgamento ser realizado por corpo de jurados formado por leigos, que julgam por íntima convicção, sendo sujeitos primordialmente aos argumentos das partes (acusação e defesa). Se, por exemplo, documento novo, de que não tinha conhecimento a defesa, é apresentado na audiência pela acusação, os jurados podem ser impressionados em desfavor do réu, sem que a defesa tenha chance de produzir o efeito contrário. Em respeito ao contraditório e à ampla defesa, tal fato não deve ser permitido, restando claro que, mantendo e clarificando a antiga sistemática para a produção de provas no júri, mais uma vez, a reforma andou ao lado da Constituição. 3.4. A razoável duração do processo Esta é a mais recente das garantias constitucionais. Nascida pela reforma constitucional promovida pela Emenda nº. 45/04 surgiu devido à grande morosidade dos processos, fator que ainda hoje chama atenção nas mais diversas causas e que ganha especial relevância em se tratando de matéria processual penal. Pode-se argumentar que, contando o ordenamento jurídico brasileiro com institutos – embora de natureza material – como os da prescrição e decadência, o princípio da razoável duração do processo de certa forma já estaria contemplado, não contando apenas com previsão constitucional explícita. Afinal, se se pode perder direitos pelo decurso do tempo, é possível se interpretar que o sistema estipula que o tempo de um processo não pode ser demasiadamente extenso. No entanto, para salvaguardar o sistema jurídico de quaisquer dúvidas a respeito de sua aplicabilidade, ocorreu sua recente positivação na Carta Magna por via de emenda: Art. 5º., inc. LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” 151 A reforma processual penal de 2008 caminhou no sentido de reforçar tal garantia, instituindo, em seus artigos 400 e 412,86 prazos máximos de duração do processo, em quantidade de dias que o legislador à época entendeu por razoável. Seus fundamentos são pautados no mesmo ponto que motivou a reforma do Código de Processo Penal em 2008: a dignidade da pessoa humana. Isto porque é conhecido o fato de que a lentidão de um processo, em grande parte dos casos, faz dele ferramenta inócua que acaba dificultando o reconhecimento de um direito, ao invés do contrário. No processo penal isto fica evidente, já que a liberdade de um ser humano entra em jogo. Em se tratando de um dos mais importantes direitos fundamentais, isto torna a duração razoável do andamento do processo criminal imprescindível. Gilmar Mendes (Op. Cit. p.499) informa que: “O reconhecimento de um direito subjetivo a um processo célere – ou com duração razoável – impõe ao Poder Público em geral e ao Poder Judiciário, em particular, a adoção de medidas destinadas a realizar esse objetivo. Nesse cenário, abre-se um campo institucional destinado ao planejamento, controle e fiscalização de políticas públicas de prestação jurisdicional que dizem respeito à própria legitimidade de intervenções estatais que importem, ao menos potencialmente, lesão ou ameaça a direitos fundamentais.” Este doutrinador ainda menciona ensinamento de Günther Dürig, informando que a dignidade humana é ferida sempre que o homem fica a mercê de um processo indefinido, além do que seria o necessário à proteção judicial efetiva. O processo penal agora tenta se coadunar com esta nova realidade. Tanto é assim que os art.s 400 e 412 seguiram este rumo. Preocupado com as novas diretrizes da duração do processo, o legislador introduziu alterações facilmente perceptíveis pela leitura dos dispositivos mencionados, que estipulam número máximo de dias para práticas de determinados atos, a saber, 60 dias para realização de audiência no procedimento comum e 90 para término da primeira fase do júri. Alguns julgados do Supremo Tribunal Federal já apontavam para esta tendência, mesmo antes da emenda constitucional. Segue exemplo desta assertiva: 86 Art. 400: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. Art. 412: O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 dias. 152 PROCESSO PENAL - PRISÃO CAUTELAR - EXCESSO DE PRAZO INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) - "HABEAS CORPUS" CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, DEFERIDO. O EXCESSO DE PRAZO, MESMO TRATANDO-SE DE DELITO HEDIONDO (OU A ESTE EQUIPARADO), NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU. - Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ 180/262-264 - RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu, mesmo que se trate de crime hediondo ou de delito a este equiparado. - O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. - A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. - O indiciado ou o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoas acusadas da suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes. (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, HC 85.237/DF, DJ 29-04-2005) 153 Insta salientar, no entanto, que, em que pese haja disposição expressa no código quanto ao número máximo de dias que deve durar o processo, tal regra é constantemente desrespeitada, como foi possível verificar ao longo da pesquisa. Não raro os tribunais têm tornado o imperativo legal sem efeito algum. E atribuem isto a ausência de estrutura, falta de pessoal, e dificuldades naturais para cumprimento de diligências. Exemplos comuns da afirmação acima são o não cumprimento do fim da instrução criminal dentro do prazo de 90 (noventa dias) e a não realização de audiência no período de 60 (sessenta) dias. Diligências como cartas precatórias, solicitação de documentos de órgãos públicos, intimações de testemunhas de difícil acesso, medidas cautelares, interposição de recursos, entre outras, têm atrasado o normal andamento de um processo e têm sido utilizados como argumentos favoráveis ao desrespeito a tal princípio. Por tudo que já foi exposto pode-se concluir pela notória falta de efetividade desta norma principiológica. Os julgados que acompanham a presente pesquisa87 demonstram que a duração razoável não vem sendo aplicada conforme o tempo ideal para a realização da atividade jurisdicional, o que pode representar um desestímulo à adoção de elementos para efetuar mais julgamentos em menos tempo. Dadas as limitações estruturais da máquina judiciária brasileira, os julgadores informam que a obediência aos novos ditames temporais do código se torna impossível. A limitação no número de dias para conclusão de determinados atos, assim como a concentração de atos numa única audiência – regras que buscaram exatamente a efetivação do princípio da razoável duração do processo – tornam-se, dessa maneira, mais recomendações do que imperativos. E são mesmo outros princípios e garantias que amortizam a consecução da celeridade processual. Como já destacado, a audiência una tem sido relativizada em prol da ampla defesa do réu, de acordo com entendimento que preconiza que o fracionamento da audiência pode ser benéfico para a apreciação de provas pela defesa. Da mesma forma, o cumprimento dos prazos exigidos fica em segundo plano perante necessidades dos tribunais para a busca da verdade dos fatos e oferecimento a ambas as partes dos recursos e informações necessárias à defesa de seus pontos de vista. Dessa maneira, apoiados na vagueza do que seria uma duração “razoável”, os juízes têm colocado os 87 V. Cap. IV desta mesma pesquisa. 154 prazos previstos pela reforma em segundo plano perante demais exigências do processo cujo tempo de consecução seja por qualquer motivo retardado. 3.5. Tribunal do Júri A Constituição brasileira de 1988 reconheceu a existência e as atribuições do Tribunal do Júri em seu próprio texto. Diz o inc. XXXVIII de seu artigo 5º que: “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados a plenitude de defesa; o sigilo das votações; a soberania dos veredictos; e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.” Com isso, podemos concluir que a vontade do legislador constitucional foi a de inserir o procedimento do júri como direito fundamental. Mais do que opção possível na organização do Judiciário, a existência do Tribunal do Júri, e a sua competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, é obrigatória e se apresenta como cláusula constitucional pétrea – isto é, conforme já explicado anteriormente, aquelas garantias que não podem ser abolidas por via de emenda. O objetivo almejado foi garantir que, nos crimes de maior impacto social, pudesse o réu ser sempre julgado por seus iguais e não por um corpo técnico burocrático. Não apenas ao réu seria garantido esse julgamento mais democrático, como ao próprio povo seria assegurado o direito a ser juiz nas causas que lhe seriam as mais ofensivas, ou seja, nos atentados dolosos contra o maior dos direitos, o direito à vida. No entanto, dada a organização do Judiciário brasileiro enquanto instituição burocrática que se reconhece portadora de conhecimentos técnicos específicos que lhe permitem distinção social própria, a verdadeira excrescência que representa, nesse corpo, o Tribunal do Júri, sempre gerou fortes tensões. Sempre foi difícil à organização do Poder Judiciário reconhecer que, justo nos crimes considerados dos mais graves, a palavra final do julgamento caberia a um corpo de leigos. Por conta disso, uma série de precauções são tomadas para que os jurados não sejam influenciados por fontes inadequadas e se adequem aos mandamentos do direito. Exemplo claro da desconfiança da burocracia jurídica em relação aos veredictos do júri era o, agora revogado, protesto por novo júri. Por essa curiosa figura jurídica, as sentenças decorrentes de julgamentos pelo júri, cuja pena ultrapassasse os vinte anos de reclusão, estariam, apenas por esse motivo, condicionadas a recurso que obrigaria realização de novo julgamento. Mesmo que o quantum da pena fosse fixado pelo juiz 155 presidente e não pelos jurados, a desconfiança da justiça patrocinada pelo colegiado de leigos autorizava a colocar em suspeição condenação tão grave, uma vez que a fixação da pena, em que pese ser ato privativo do juiz presidente, fica atrelada ao reconhecimento de circunstâncias qualificadoras, agravantes, ou mesmo causas de aumento de pena por parte dos jurados quando da resposta aos quesitos. Esta perplexidade ganhava notoriedade uma vez que no julgamento de casos como latrocínio ou mesmo extorsão mediante seqüestro com resultado morte, crimes com as maiores penas em abstrato cominadas no código penal, não se fazia obrigatório recurso, talvez pelo fato de o julgamento ter sido feito por um juiz de carreira (na vara criminal comum) e não por leigos, como acontece no júri. O efeito prático daí decorrente era a corriqueira aplicação da pena de dezenove anos, onze meses e vinte e nove dias, para evitar o recurso, restringindo, de certa forma, a soberania da decisão do júri por meio de interferência técnica estratégica por parte do juiz que preside a sessão. Dessa forma, podemos dizer que, com a extinção do protesto por novo júri, a reforma ampliou a soberania do veredicto dos jurados, atuando em consonância com os ditames constitucionais, ampliando a efetividade de uma de suas garantias, que seria o julgamento soberano do júri nos crimes dolosos contra a vida, além, claro, de contribuir com a celeridade processual, indo ao encontro da razoável duração do processo. As alterações trazidas pela lei ao procedimento do júri constituem objeto maior da pesquisa, estando presentes em várias de suas partes. Mesmo porque, como bem destaca Nucci (2008) “após quase setenta anos em vigor, finalmente alterou-se a legislação processual brasileira em larga escala. O cenário das mais extensas modificações concentrou-se no Tribunal do Júri, com a edição da Lei 11.689, de 9 de junho de 2008”. Mesmo assim, serão frisados aqui alguns pontos da reforma que merecem ser contrapostos à intenção da previsão constitucional da existência e competência dos tribunais do júri. O primeiro desses pontos diz respeito à já mencionada extinção do protesto por novo júri retirado do processo penal brasileiro pela revogação dos artigos 607 88 e 608 – que faz referência ao anterior. Conforme também já destacado, essa extinção corrobora 88 Antiga redação do Art. 607: O protesto por novo júri é privativo da defesa, e somente se admitirá quando a sentença condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a 20 (vinte) anos, não podendo em caso algum ser feito mais de uma vez. 156 o texto constitucional reforçando a razoável duração do processo e ampliando a soberania do veredicto dos jurados perante a desconfiança da burocracia técnicojudiciária. Já o segundo ponto que aqui merece destaque diz respeito às novas regras previstas para o alistamento e convocação dos jurados. Nesse quesito, como a inclusão do procedimento do júri entre as garantias fundamentais tem como objetivo um julgamento popular e democrático, o que a reforma buscou foi coibir a presença dos “jurados profissionais” nas audiências. Para que o conselho de sentença não fosse reiteradamente composto pelas mesmas pessoas, as novas regras visaram dar ao alistamento dos jurados oxigenação constante, com a sucessiva e rotineira modificação de sua composição. Por fim, o terceiro ponto que merece destaque é a já referida sentença de pronúncia que nem pode, por um lado, se eximir de fundamentação, já que toda decisão judicial deve ser fundamentada, nem, por outro, conter em si “eloquência acusatória” capaz de influenciar os jurados em detrimento da presunção de inocência do réu. A princípio, a reforma resolve o problema ao proibir a leitura da decisão de pronúncia na audiência, como disposto na nova redação do artigo 478 89 do Código de Processo Penal. Dessa forma, ela não teria como influenciar os jurados e qualquer eloquência acusatória em sua redação não ofenderia a presunção de inocência do réu. Contudo, por força da redação do parágrafo único do artigo 472 90 do mesmo Código, quando da formação do Conselho de sentença, será entregue a cada jurado cópia da pronúncia e demais documentos cuja leitura foi proibida pelo artigo 478. Além disso, a garantia de acesso aos autos do processo contida no § 3º do art. 480 91 também faz com que seja possível aos jurados acessar a pronúncia. Diante desse quadro, como por exemplo, exigir do juiz que, com a extinção da figura da prisão em decorrência da pronúncia, decrete fundamentadamente a prisão do réu na pronúncia, ainda que baseado 89 Art. 478: Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado. 90 Art. 472. Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão: Assim o prometo. Parágrafo único. O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório. 91 Art. 480, § 3º Os jurados, nesta fase do procedimento, terão acesso aos autos e aos instrumentos do crime se solicitarem ao juiz presidente. 157 nos requisitos cautelares, sem que isso, no entanto, possa ser caracterizado como eloqüência acusatória capaz de influenciar os jurados? Esta questão já chegou aos tribunais superiores, como é possível verificar nos dados coletados e apresentados no capítulo IV, uma vez que tanto o STJ quanto o STF enfrentam a questão repetidas vezes e, o que talvez seja mais impressionante, com decisões absolutamente antagônicas, como se pode verificar no HC 86414-7 - PE, julgado pelo STF, no qual o paciente impetrara a ordem de habeas corpus visando o reconhecimento da nulidade da sentença de pronúncia por esta estar excessivamente fundamentada, o que fatalmente influenciaria na decisão dos jurados. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, denegou a ordem sob o argumento de que o inciso I do Art. 478 do CPP, alterado pela Lei 11689/08, impediria a leitura da pronúncia em plenário, o que impossibilitaria a mesma de interferir no julgamento dos jurados. O STJ, por sua vez, em entendimento diametralmente oposto, no julgamento do HC 84396 –SP, determinou que o juiz riscasse da sentença de pronúncia o trecho onde há juízo de valor sobre o fato, conforme se depreende da ementa abaixo: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO, SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. LEI 11.689/08. NOVO ART. 478 DO CPP. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Muito embora o STF, recentemente (HC 96.123/SP, Rel. Min. Carlos Brito, julgado em 3/2/09), tenha expressado entendimento no sentido de que, em razão da superveniência da Lei 11.689/08 – que deu nova redação ao art. 478 do CPP, impossibilitando as partes de fazerem referências à sentença de pronúncia durante os debates –, não mais haveria o interesse de agir das impetrações que alegassem excesso de linguagem, a norma inserta no novo art. 480, § 3º, do CPP permite aos jurados a oportunidade de examinar os autos logo após encerrados os debates. 2. Devem ser excluídos da sentença de pronúncia trechos nos quais o magistrado emite opinião quanto à autoria do crime, pois, de alguma forma, pode, em prejuízo à defesa, influir na convicção dos jurados. 3. Se a sentença de pronúncia subsiste de maneira independente, admitindo a acusação em face das provas até então produzidas quanto à materialidade e aos indícios de autoria (antigo art. 408 do Código de Processo Penal), não há por que anulá-la por completo. Precedentes do STJ. 4. Ordem parcialmente concedida para que o Juízo de primeiro grau risque da sentença de pronúncia o trecho no qual emite juízo de valor sobre a autoria do crime, identificado no corpo deste voto. 158 Se, por um lado, ao réu é garantida a presunção de inocência e, ao júri, a soberania de seus veredictos, por outro, isso não impede que o Estado se esforce pelo melhor desfecho do processo, mais condizente com a verdade dos fatos, fazendo uso, para isso, inclusive, do instituto da prisão cautelar. Sendo assim, como coadunar esses três interesses no caso da sentença de pronúncia? Por um lado, o réu não pode ter sua liberdade tolhida sem a respectiva fundamentação jurídica. Por outro, sendo essa fundamentação acessível aos jurados, ela pode influenciá-los afrontando o princípio de presunção de inocência do réu. E, se o Estado simplesmente se abstém, por exemplo, de fazer uso do expediente da prisão cautelar, pode estar colocando em risco, dependendo do caso, a própria efetividade do processo. Logo, temos que nesse sentido a reforma não logrou êxito na sua tentativa de simplificar os procedimentos do júri, ampliando sua soberania e diminuindo a desconfiança que paira sobre seus julgamentos. Por exemplo, com a extinção do libelo acusatório – também obra da reforma – muitas nulidades ocasionadas por essa peça deixaram de existir, simplificando e agilizando o processo. Talvez o mesmo possa ser dito a respeito da simplificação dos quesitos para votação. 92 Porém, no que tange à sentença de pronúncia, o mesmo intuito não foi alcançado, tendo em vista a confusão que pode ser gerada tanto pela falta de fundamentação, quanto pelo excesso, já sabendo que, nas mãos da parte interessada, o exato equilíbrio não vai parecer ter sido alcançado nunca. III.3. Algumas considerações acerca da efetividade das garantias constitucionais pela a reforma procedimental O que o contraponto entre a reforma patrocinada pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 e a Constituição Federal de 88 demonstra é que, no geral, as modificações inseridas no processo penal pelas novas leis atuam no sentido de dar maior efetividade aos princípios e garantias fundamentais incidentes sobre o processamento criminal. Como exemplo disso, temos a proibição do uso de algemas pelo réu durante os debates do júri. Como foi observado que se tratava de medida atentatória contra a 92 Talvez, porque pode haver incompatibilidade entre a simplificação dos quesitos e a complexidade das teses da acusação ou da defesa, tornando possível o levantamento de nulidades por desrespeito à ampla defesa e o contraditório. 159 presunção de inocência do réu, em respeito a esta presunção e em concordância com a preservação da dignidade da pessoa humana na dimensão da integridade física e moral do réu, a reforma atuou no sentido de coibir tal prática, fazendo do uso de algemas pelo réu a exceção e não a regra no procedimento do júri. O que antes era orientação jurisprudencial, com a reforma tornou-se preceito positivado em lei. O mesmo expediente encontra ainda vetor de funcionamento em outra alteração trazida pela reforma: a que proíbe a referência ao silêncio do réu em seu prejuízo. Tratase de mais uma medida visando dar efetividade, no processo penal, a direitos constitucionalmente garantidos, como é o caso do direito do réu ao silêncio, e a princípios de justiça, como a presunção de inocência. Contudo, essas são as medidas menos polêmicas da reforma, como também é a extinção do protesto por novo júri que, a um só tempo, reforça o texto constitucional tanto na ampliação da soberania dos veredictos do júri, como na efetivação da garantia da razoável duração do processo. Trata-se de medidas implementadas pela reforma que têm encontrado amplo respaldo na doutrina jurídica e mesmo nos julgamentos penais. Há, todavia, aspectos outros da reforma, que não gozam da mesma natureza incontroversa. Mesmo que buscassem justamente a efetivação das garantias constitucionais do devido processo legal, da razoável duração do processo e do direito ao processamento dos crimes dolosos contra a vida pelo júri, tais medidas geraram polêmica perante o texto constitucional e talvez requeiram alterações na legislação para que se façam plenamente vigentes. A primeira dessas polêmicas diz respeito ao fim do fracionamento da audiência. Em tese, uma audiência única facilitaria a ampla defesa, assim como garantiria o princípio da identidade física do juiz e contribuiria com uma duração razoável do processo, estando a reforma em consonância com o espírito constitucional. No entanto, há quem levante a hipótese de que a audiência fracionada, possibilitando apreciação parcelada das provas, atenda a um formato mais propício para a garantia, especificamente, da ampla defesa, que gozaria de superioridade perante o princípio da identidade física do juiz e do objetivo de maior celeridade no andamento dos processos. E, há mesmo, quem sustente que a complexidade da maioria das causas penais não permitiria sua correta resolução numa audiência única, conforme almejado pela reforma. De fato, existe uma tensão inescapável entre a celeridade processual e a ampla defesa, sendo a duração razoável do processo aquela que consegue equilibrar duas dimensões temporais fundamentais: por um lado, o tempo necessário para que o réu 160 disponha de todos os meios para sua defesa e o Estado disponha dos meios legítimos para alcançar a verdade dos fatos; e, por outro, o tempo necessário para a finalização mais rápida possível do processo, de forma que sua angústia não se prolongue demasiadamente no tempo. Foi o equilíbrio entre essas duas dimensões o objetivo buscado pelas alterações trazidas pela reforma no que diz respeito à estipulação de novos prazos processuais e novo formato das audiências. No entanto, parece que o resultado não foi alcançado, sendo considerado, em muitos casos, que a reforma, privilegiando uma resolução mais rápida dos processos, prejudicou a ampla defesa do réu e a busca pela verdade do Estado-juiz. É possível que o equilíbrio entre as duas dimensões aludidas nunca seja plenamente alcançado. Afinal, qualquer ponto de equilíbrio de um sistema que busca, ao mesmo tempo, a celeridade processual e a ampla defesa, permitiria, por um lado, ao réu com perspectivas maiores de ser absolvido, acusar o sistema de falta de celeridade, e, por outro, ao réu com perspectivas maiores de ser condenado, acusar o sistema de falta de atenção ao seu direito de ampla defesa. E a previsão constitucional de uma duração “razoável” do processo, dada a vagueza do termo, não resolve o problema. Se o intuito é fazer valer os prazos previstos pela reforma, assim como a sistemática da audiência única, o primeiro passo é verificar se essas alterações são factíveis. Isto é, verificar, junto aos operadores do direito, sua aplicabilidade fática, com o cuidado sempre de distinguir entre os fatores que realmente impedem a efetividade das mudanças e meros vícios advindos da sistemática anterior à qual estes operadores estão acostumados e que não lhes permite enxergar as possibilidades de transformação. Este foi exatamente o propósito das entrevistas realizadas no âmbito desta pesquisa, as quais tiveram por objetivo não apenas compreender o que pensam os operadores do direito sobre os novos procedimentos penais, como ainda, como esses operacionalizam as novas regras tendo em vista as velhas limitações materiais ou funcionais. Este trabalho qualitativo objetivou ainda compreender quais são os principais argumentos utilizados pelos operadores do direito para não efetivarem determinados procedimentos ou negar-lhes a validade prescrita pela lei. Com isso, torna-se possível verificar quais são os cenários ideais para que reformas como as de 2008 possam ser implementadas. Sabendo se, e em que circunstâncias, essas alterações são viáveis, devem então ser estipuladas diretrizes plausíveis, dando aos juízes e tribunais um prazo igualmente plausível para sua adaptação ao novo modelo. Passado esse prazo para resolução de 161 problemas que impediriam a implementação da reforma – como excesso de processos anteriores em atraso, falta de recursos humanos e tecnológicos, etc. – finalmente, a nova sistemática poderia ser exigida, inclusive, por meio de sanções diante de seu descumprimento. Claro que isso não seria tão simples, sendo aplicada mecanicamente a todo juiz ou tribunal que extrapolasse o prazo previsto na nova lei, a sanção prevista. Casos nebulosos iriam surgir, merecendo análise particular. Mas exatamente por meio da decisão desses casos é que seria possível a publicação de resoluções e diretrizes (ou até enunciados de Súmula Vinculante) que tornariam mais claras as situações específicas que permitiriam, ou não, a dilação do prazo processual para além do previsto pela reforma, e que permitiriam, ou não, o desrespeito à concentração dos atos da audiência. Outra polêmica, que igualmente chamou atenção na análise constitucional da reforma diz respeito à positivação do princípio da identidade física do juiz no processo penal. Se a garantia do devido processo legal é a garantia do processo na forma prevista em lei, desrespeitar as novas diretrizes estipuladas pela Lei 11.719/08, tal como o princípio da identidade física do juiz, deveria significar o desrespeito àquela garantia. No entanto, mesmo contando agora com expressa previsão legal, o princípio da identidade física do juiz não deixou de ser relativizado e desrespeitado. Isso porque, sem expressa previsão constitucional, essa garantia é encarada como menos importante que outras como a ampla defesa. Sendo assim, se se entende, por exemplo, como dito acima, que a audiência fracionada é mais benéfica à ampla defesa do réu (sempre que evidentemente suscitado pela defesa técnica), por mais que implique maiores probabilidades de o juiz responsável pelo pronunciamento da sentença não ser o mesmo responsável pela coleta de provas, ela deve ser mantida, mesmo que isso gere sacrifícios ao princípio da identidade física do juiz. Perante esse quadro, uma saída para dar maior efetividade ao princípio da identidade física do juiz, seria alçá-lo também ao patamar constitucional, exigindo desta forma maior fundamentação para os casos de sua inobservância. Melhor seria, talvez, contudo, insistir-se na efetivação (e a observância) da sistemática das audiências unas, para que não houvesse possibilidade fática de desrespeito ao novo princípio. Outra polêmica que merece igual destaque é a regulação, pela reforma, dos institutos da mutatio e da emendatio libelli. Se, quanto à nova redação do artigo 384, que regula a mutatio libelli, a reforma foi feliz, realçando os princípios constitucionais do juiz natural e do contraditório, reforçando a inércia do magistrado e aumentando a 162 responsabilidade do Ministério Público no instituto, o mesmo não pode ser dito quanto à redação do art. 383. Este artigo, que, por sua vez, regula a emendatio libelli, sofreu alterações importantes, mas segundo alguns doutrinadores, não foi modificado suficientemente. Isto porque a atual redação ainda daria ao juiz um poder muito grande ao permitir que ele altere a classificação do crime sem consulta ao Ministério Público e sem possibilidade de manifestação da defesa. Segundo o entendimento em que se baseou a reforma, essa reclassificação do crime por parte do juiz não ofenderia o contraditório e a ampla defesa, pois tanto a acusação quanto a defesa focalizariam seus argumentos nos fatos alegados e não no tipo penal definido. Entretanto, como a defesa não tem como escopo único negar os fatos que são imputados ao réu pela acusação, mas também engloba aspectos relativos à tipicidade penal, há quem sustente que o instituto da emendatio libelli, permanecendo como está, incorreria em vícios constitucionais graves. Por um lado, daria ao juiz – que, na nova tipificação que der ao crime pode estipular pena mais grave do que a prevista na denúncia – força acusatória que lhe feriria a inércia, fundamental no que diz respeito ao princípio do juiz natural. E, por outro, estreitaria a ampla defesa do réu, que só tomaria ciência do tipo penal de que é acusado quando da sentença. Tendo isso em vista, talvez o correto fosse estender à emendatio libelli o mesmo funcionamento da mutatio libelli, retirando sua competência do juiz e transferindo-a ao Ministério Público, ou, ao menos, exigindo sua aprovação por parte deste. Com isso, seria respeitada a inércia do juiz e o processo seria devolvido à lógica do contraditório, com a acusação acrescentando nova dimensão à sua denúncia a ser contradita ou aceita pela defesa, para só depois disso ser permitida a manifestação do juiz. Por fim, uma última polêmica que merece destaque diz respeito a problemas relativos à decisão de pronúncia. Esses problemas concernem a duas possibilidades contidas na fundamentação dessa peça: ou essa fundamentação é demasiadamente exígua e rompe com a garantia do réu de ter fundamentadas as decisões em seu desfavor, ou ela é demasiadamente ampla, e rompe com a garantia do réu de chegar ao júri gozando ainda de presunção de inocência. A questão se torna ainda mais complexa com a extinção da figura da prisão em decorrência da prolação da pronúncia, fazendo com que, se o juiz achar necessário o recolhimento do réu à prisão para melhor prosseguimento do processo – e que esteja diante dos requisitos cautelares do fumus commissi delicti e periculum libertatis – fundamente essa decisão. Contudo, os jurados terão acesso a tal decisão e, por mais que 163 ela faça referência a aspectos processuais sem relação direta com a culpabilidade do réu, é difícil garantir que ela não os influencie. Por exemplo, se o juiz determina em peça acessível aos jurados que o réu deve ser mantido preso por ter ameaçado uma testemunha, o júri pode estar sendo influenciado a respeito da culpabilidade do réu por argumento do juiz e não da acusação. Por conta disso, talvez o melhor fosse estipular regras claras para a confecção da pronúncia, evitando sua nulidade tanto pelo excesso quanto pela falta de fundamentação. Por exemplo, a decisão do juiz poderia abdicar de termos próprios, fazendo apenas referência ao discurso utilizado pela acusação. Da mesma forma, decisões relativas ao encaminhamento do réu à prisão ou necessidade do uso de algemas durante a audiência, poderiam ser exigidas sempre em peças distintas que contivessem, em destaque, os dizeres de que se trata de medida de ordem processual, sem qualquer relação com a afirmação ou negação da culpa do réu pela prática do crime pelo qual está sendo julgado. Esses casos polêmicos revelam que tensões entre a ampla defesa e a razoável duração do processo, ou entre a ampla defesa e o princípio do juiz natural, ou entre a presunção de inocência do réu e a necessidade de fundamentação das medidas de restrição de direitos, têm retirado das novas leis sua força vinculante. Assim, por mais que a análise demonstre que a reforma processual penal tenha sido, sem dúvida, animada pela efetivação dos direitos e garantias fundamentais previstos no texto constitucional, podendo mesmo se dizer que ela não incorrera em nenhum caso de flagrante inconstitucionalidade, nem por isso ela logrou êxito em todas as suas intenções. Por conta disso, novas reformas, mesmo que não possam evitar novas a velhas tensões entre direitos, garantias e princípios, podem focalizar a efetividade de determinados ditames, tornando verdadeiras regras os textos legais que a atual reforma não pôde tornar mais do que recomendações relativizáveis. 164 165 CAPÍTULO IV. ESTUDO DO POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS ACERCA DA REFORMA PROCESSUAL PENAL Esta parte da pesquisa tem por objetivo verificar como as Leis 11.689/08 e 11.719/08 têm sido apropriadas pelos tribunais brasileiros a partir da análise do conteúdo de decisões proferidas pelos tribunais estaduais (TJs), pelos tribunais regionais federais (TRFs), bem como pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A escolha de analisar as decisões dos tribunais superiores deve-se ao fato de que uma decisão proferida por um magistrado de primeiro grau ou mesmo por um colegiado de segundo grau é passível de revisão em grau de jurisdição superior, como por exemplo pelo Superior Tribunal de Justiça (no caso de violação à legislação federal) e o Supremo Tribunal Federal (sempre que houver violação a princípio ou garantia constitucional). No âmbito processual penal, essa atuação dos tribunais se faz mais presente devido a possibilidade de impetração de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Do princípio do duplo grau de jurisdição se infere que as decisões proferidas pelos magistrados podem sempre ser questionadas na instância superior, uma vez que, tal como destacado por alguns doutrinadores, nenhum magistrado está imune a equívocos quando da formação de sua convicção. Certo é que os juízes não aplicam da mesma forma determinadas leis. Assim, é de se esperar que pontos eminentemente controversos no âmbito da doutrina também apareçam como pontos questionados pelos operadores do direito junto aos tribunais. Em outras palavras: a reforma é recente, a doutrina ainda não foi capaz de construir posições pacíficas sobre a natureza e a aplicabilidade de alguns institutos introduzidos ou transformados pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 e, por conseguinte, os operadores do direito ainda não possuem um entendimento claro de como estes dispositivos devem ser implementados no propósito de se garantir plenamente os direitos constitucionais do acusado. Em um cenário como este, cabe aos tribunais se posicionarem em relação aos questionamentos das partes sobre a forma como os juízes vêm aplicando os novos 166 procedimentos penais. Assim, a análise de tais decisões auxilia no conhecimento dos momentos em que os magistrados consideram pertinente a aplicação dos novos institutos, as ocasiões em que, pelo contrário, na visão destes operadores, os novos procedimentos devam ser rechaçados, além dos problemas técnicos da redação das leis e, ainda, as questões que caberão à doutrina compreender com maior profundidade para auxiliar o magistrado em sua atividade jurisdicional, isto é, de declaração de direitos. Com o objetivo de construir este arcabouço, foram compiladas decisões de segunda instância de todos os tribunais brasileiros que possuem competência no âmbito das matérias tratadas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 (Tribunais Estaduais de Justiça – TJ; Tribunais Regionais Federais – TRF) e ainda as decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, as decisões analisadas neste capítulo foram aquelas disponibilizadas como “jurisprudência” 93 nos sites dos referidos tribunais, de acordo com o recorte temporal estabelecido pela pesquisa: decisões publicadas entre setembro de 2008 e setembro de 2009. 94 Todas as decisões encontradas de acordo com este recorte foram adequadamente armazenadas, catalogadas e, por fim, quantificadas de acordo com o seu teor 95 . Neste capítulo serão apresentadas, de maneira sumarizada, as principais informações extraídas da análise agregada destas decisões. Para tanto, esta edição encontra-se dividida em seis seções. 93 O termo jurisprudência pode gerar controvérsias acerca de seu entendimento, pois também pode significar, numa acepção mais estrita, o conjunto das decisões apenas dos tribunais superiores, ou ainda, conjunto de decisões judiciais reiteradas que apresentam uma interpretação uniforme de determinados dispositivos legais controversos. No entanto, essas duas últimas definições podem gerar confusões, porque tanto os tribunais estaduais também disponibilizam suas decisões em área reservada à “pesquisa de jurisprudência”, como existem mecanismos classificados como de uniformização de jurisprudência, tal qual a súmula vinculante, que impedem que o termo seja referente apenas a decisões assemelhadas. Da mesma forma, uma outra acepção ordinária de jurisprudência, que assim considera qualquer decisão de um tribunal, confunde o termo com o próprio termo “julgado”. Há ainda traduções inadequadas ao uso corrente na nossa língua do termo em inglês jurisprudence que, na tradição jurídica inglesa e norteamericana, representa algo completamente distinto do que é para nós a jurisprudência, pois sua tradução mais exata corresponderia a “teoria jurídica” ou “ciência jurídica”. Por isso tudo, opta-se neste estudo pela utilização do termo jurisprudência como conjunto de julgados de um tribunal sobre determinado tema. Nesse sentido, podemos dizer que aqui nos ocuparemos da jurisprudência produzida pelos tribunais brasileiros sobre as leis 11.719/08 e 11.689/08. 94 Este recorte foi estabelecido levando-se em consideração o período de vacatio legis de ambas as leis, que foi de 60 dias após a sua publicação. Assim, a lei 11.689/08, publicada em 09 de junho de 2008 entrou em vigor em 9 de agosto de 2008. Já a lei 11.719, publicada em 22 de junho de 2008 entrou em vigor em 22 de agosto de 2008. Dessa forma, a análise de toda a jurisprudência produzida pelos tribunais brasileiros sobre essas leis entre setembro de 2008 e setembro de 2009 faz menção, exatamente, àquelas decisões que foram proferidas em razão de dúvidas das partes sobre a forma como as novas leis estavam sendo aplicadas pelos juízes e tribunais nas fases iniciais do processo. 95 Estes procedimentos serão detalhados na seção 03 deste capítulo. 167 A primeira procura discutir o contexto da reforma e assim criar os subsídios para a segunda seção, que, por sua vez, destaca de que forma a análise da jurisprudência produzida pelos tribunais (estaduais, regionais federais, STJ e STF) pode auxiliar na compreensão de quais são as questões controversas no processo de aplicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08. A terceira seção apresenta a metodologia desta pesquisa e os recortes que tiveram de ser realizados para que esta análise empírica pudesse ser efetivada. A quarta seção apresenta os principais resultados da pesquisa empírica, considerando as decisões mapeadas em todos os tribunais e o significado destes resultados. A quinta seção discorre sobre as principais temáticas abordadas nas decisões do STJ e STF. Primeiramente porque o Supremo Tribunal Federal tem no Brasil, após a Emenda Constitucional no. 45/04, o poder de editar enunciados de Súmula Vinculante, que consistem em publicação de verbetes que representam o resumido entendimento pacificado do Pretório Excelso sobre determinada matéria, que haja sido objeto de reiterada apreciação num mesmo sentido pelas turmas do tribunal, possuindo força vinculante em relação a todas as instâncias judiciais, bem como a Administração Pública. Assim, conhecendo o posicionamento atual deste órgão (e se o mesmo for pacífico) em relação a determinadas matérias, torna-se possível inferir os rumos das “súmulas vinculantes” ou das “súmulas persuasivas” que podem vir a ser editadas nos anos vindouros, em relação às leis atuais. Em segundo lugar, as súmulas do STJ, por mais que não sejam vinculantes, são enunciados que resumem o entendimento pacificado deste tribunal sobre determinados temas, cuja interpretação já esteja consagrada. Dessa forma, esse tribunal também ocupa posição de destaque na estrutura judiciária, influenciando diretamente as decisões dos tribunais estaduais e regionais federais. Por fim, na sexta seção, são apresentadas as principais conclusões deste estudo. 168 IV.1 – A reforma do processo penal a partir da publicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08 De acordo com diversos doutrinadores da área96 os questionamentos de qual deve ser a melhor forma de aplicação dos institutos introduzidos pelas novas leis (lei 11.719/08 e lei 11.689/08) estão intimamente relacionados ao fato de que essas reformas são essencialmente controversas e, por isso, sequer os doutrinadores são capazes de concordar ou com a forma como os novos institutos foram inscritos no âmbito da nova lei ou ainda com a forma como estes se encontram aplicados na realidade cotidiana dos tribunais (a partir da análise da jurisprudência, ou mesmo, dos textos publicados pelos magistrados e disponibilizados no âmbito dos respectivos tribunais de justiça). No sentido de se compreender o que vem sendo discutido pelos processualistas brasileiros no que se refere aos institutos criados ou reformados pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 e, considerando o papel desempenhado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), tanto no processo de consultoria para a elaboração do projeto de reforma, quanto no debate desta a partir da realização de seminários, workshops, palestras e outros eventos, a equipe desta pesquisa se concentrou, em um primeiro momento, na leitura de todos os artigos publicados nos boletins desta instituição e que se encontravam disponíveis em seu respectivo endereço eletrônico (www.ibccrim.org.br) em janeiro de 2010. Isso significa que ao final foram lidos e classificados mais de 70 artigos sobre o tema. A idéia era a de que o mapeamento dos pontos polêmicos da reforma no âmbito doutrinário criaria subsídios teóricos necessários para análise dos principais pontos polêmicos encontrados quando da análise da jurisprudência dos tribunais. Contudo, como mais de um autor pode abordar um mesmo ponto “controverso” da reforma e um autor pode abordar várias vezes o mesmo ponto (o que, aliás, é mais comum), a equipe montou um quadro (Quadro 11) com os temas da reforma que são mais recorrentes nos boletins do IBCCRIM e os respectivos autores a elencar a discussão realizada por cada qual dos artigos lidos. 97 A partir desta atividade, foi 96 Para a construção deste capítulo foram utilizados os diversos artigos disponíveis no site do IBCCRIM relacionados a esta temática. Todos estes artigos encontram-se referenciados na bibliografia. 97 No entanto, os artigos que serão citados ao longo deste trabalho encontram-se detalhadamente referenciados na seção “referências bibliográficas” deste projeto. 169 possível verificar quais são os temas, que do ponto de vista da doutrina, ainda têm a sua aplicação controversa considerando tanto os dispositivos remanescentes tais como na redação original do CPP, bem como os princípios constitucionais que orientam o funcionamento do ordenamento jurídico. 98 Quadro 11 – Pontos polêmicos da reforma processual de 2008, de acordo com a produção doutrinária Boletins do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Brasil, 2010 (ordem alfabética) Autores que abordam a temática Questão controversa Absolvição Sumária Márcio Bártoli Paulo Henrique Aranda Fuller Celeridade processual: aumento das garantias do Jacinto Nelson de Miranda Coutinho acusado ou violação destas? Cerceamento do direito de defesa Robson Antonio Galvão da Silva Flávia Rahal Ludmila de Vasconcelos Leite Groch Citação do acusado e conseqüências de tal ato José Barcelos de Souza (nomeação do defensor e revelia) Critérios para a determinação do excesso de prazo Gustavo Octaviano Diniz Junqueira Consonância entre a nova proposta de reforma e a Maria Thereza Rocha de Assis Moura reforma de 2008 Discussões doutrinárias de caráter geral – Porque da Pierpaolo Bottini reforma e princípios gerais que esta procura abordar em Guilherme Souza Nucci detrimento de análise específica dos dispositivos que as Maria Thereza Rocha de Assis Moura novas leis alteram Identidade física do juiz Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró Momento do interrogatório do réu e conseqüências Daniel Romeiro e Marcelo Gaspar Gomes deste momento, especialmente, no que se refere ao Raffaini princípio da ampla defesa e do devido processo legal Reinaldo Daniel Moreira Momento processual adequado para o recebimento da Paulo Henrique Aranda Fuller denúncia ou queixa e a absolvição sumária (art. 397 do CPP) Novos mecanismos de prova Fernanda Regina Vilares e Mariângela Lopes Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Nulidades na nova sistemática do Processo Penal Maria Elizabeth Queijo Antonio Santoro 98 Assim, esta atividade de mapeamento é importante dada à elevada probabilidade de que as questões controversas na doutrina sejam também as questões controversas no âmbito dos tribunais. 170 Prisão Cautelar – justa causa e prazo máximo de sua duração Questões não reformadas pelas leis, mas que dificultam ou criam polêmicas quando de sua implementação. Reforma do tribunal do júri Supressão do recurso de ofício na hipótese processual de absolvição sumária decretada nos casos de crimes dolosos contra a vida Antonio Scarance Fernandes Sylvia Helena Steiner Malheiros Carla Domenico Guilherme de Souza Nucci Reinaldo Daniel Moreira José Carlos Gobbis Pagliuca Esta leitura revelou ainda outros pontos interessantes. Primeiramente, em todas as discussões doutrinárias há sempre menção à necessidade das novas leis de transformarem o ordenamento jurídico com o propósito de este ser célere e, por conseguinte, mais eficiente e efetivo do ponto de vista das garantias do acusado em ter um julgamento rápido e justo. A divergência neste sentido parece ser quais são os institutos novos, reformados ou abolidos capazes de lograr este êxito em encurtar o tempo de processamento das causas criminais sem ferir as garantias constitucionais do acusado. Em segundo lugar, é importante destacar que vários dos artigos mapeados no site do IBCCRIM fazem referência ainda aos pontos deixados de fora da reforma. Especialmente, os problemas do inquérito policial99 e da tradição inquisitorial são questões que continuam em pauta, reclamando, portanto, uma reforma mais geral e menos fragmentada que a atual. 99 Neste sentido, cumpre destacar especialmente duas questões. Primeiro, a pesquisa empírica sobre o inquérito policial realizada nas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Brasília sob coordenção nacional do professor Dr. Michel Misse (UFRJ), em meados de 2008 e, segundo, o projeto de lei que visa alterar a forma como este procedimento administrativo é realizado. Os resultados das pesquisas encontram-se sumarizados em: BRAGA DE MORAES, Luciane Patrício (ed). “Reflexões sobre a Investigação Brasileira através do Inquérito Policial”. In: Cadernos Temáticos da CONSEG, Ministério da Justiça – Ano I, 2009, n. 06. Brasília, DF, 76pp. Já o projeto de Lei que visa alterar o Inquérito Policial é o 4209/2001 e tem como objetivo reduzir a influência inquisitorial a partir de duas alterações específicas: traz duas alterações significativas: 1) ao contrário do que ocorre no Código de Processo Penal atual, onde o juiz pode requisitar a instauração do inquérito, no projeto não há previsão de tal modalidade; 2) O arquivamento do Inquérito não mais necessita ser submetido à aprovação do juiz, ficando a cargo do Ministério Público fazê-lo, dando ciência deste fato ao órgão superior dentro do próprio M P, deixando claro, assim, a intenção de acabar com a redação atual do art. 28 do CPP. Tal como este artigo encontra-se formulado, o promotor deve requerer o arquivamento ao juiz e este, caso concorde, manda arquivar e, caso não concorde, remete os autos ao Procurador Geral de Justiça ou da República, dependendo se o âmbito for Federal ou Estadual, para que ele decida se é ou não caso de arquivamento. Este procedimento revela um nítido resquício inquisitorial, com o juiz interferindo na persecução penal. Contudo, apesar de este projeto ter sido apresentado em conjunto com os que resultaram nas leis 11.719/08 e 11.689/08, estes ainda não lograram êxito no âmbito do Congresso Nacional. 171 No que tange às reformas realizadas em 2008, também os artigos do IBCCRIM, destacam as alterações realizadas pela reforma no sentido de tornar o processo penal brasileiro mais democrático. Questões como identidade física do juiz, concentração dos atos em um único momento, inversão do momento do interrogatório do réu, dentre outras, são questões que há muito se fazem presentes em países que adotaram a perspectiva originária do modelo acusatorial 100 . Mas este não era o caso brasileiro, no qual o juiz ainda dizia o que deveria ser e não ser perguntado ao réu pelas partes, limitando desta forma o poder destas em construir uma “boa” acusação ou uma “boa” defesa. Contudo, a reforma do processo penal de 2008 reduziu alguns destes problemas ao adotar os princípios do sistema acusatório anteriormente citados, seguindo, inclusive, os demais processos de reforma que tiveram lugar no século passado nos países europeus também classificados como filiados à tradição da civil law, tal como destacado por Cappelletti e Garth (1988: 76): “Pelo menos desde o início do século (XX), tem havido esforços importantes no sentido de melhorar e modernizar os tribunais e seus procedimentos. No continente europeu, por exemplo, podemos apontar os bem conhecidos movimentos de reforma que foram agrupados sob a designação de “oralidade” e ocuparam-se essencialmente com a “livre apreciação da prova”, a “concentração” do procedimento e o contato “imediato” entre juízes, partes e testemunhas.” Na medida em que a reforma de 2008 procurou implementar características do sistema acusatório no âmbito do sistema penal de ranço inquisitorial, tal como realizado por outros países europeus, cumpre analisar como os juristas receberam estas alterações: seja aplaudindo o seu implemento, seja pela discussão das possibilidades e os limites de sua implementação. Assim, a revisão do conteúdo das decisões dos tribunais brasileiros referentes às Leis 11.719/08 e 11.689/08 teve como propósito verificar os pontos controversos no âmbito da aplicação das leis e, inclusive, em que medida a aplicação dessas leis está ou não de acordo com os princípios maiores do ordenamento jurídico e da própria doutrina processual penal. 100 Como bem destaca Gomes (2006), a Carta Magna de 1988 assegura o sistema acusatório no processo penal, garantindo a tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV); o devido processo legal (art. 5º, LIV), o acesso à justiça (art. 5º, LXXIV), o juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), o tratamento paritário das partes (art. 5º, caput e inc. I), a ampla defesa (art. 5º, LV, LVI e LXII), a publicidade dos atos processuais e motivação dos atos decisórios (art. 93, IX) e a presunção de inocência (art. 5º, LVII). 172 A partir desta pesquisa espera-se criar um sólido material empírico de consulta à disposição, especialmente de magistrados, de tal maneira que estes possam refletir sobre os dilemas e soluções encontradas por seus pares nos momentos de dúvida sobre como as novas leis (Lei 11.719/08 e 11.689/08) podem ou não ser aplicadas. Neste cenário, esta pesquisa visa em última instância, constatar como os juízes têm interpretado as novas leis no contexto maior dos princípios do ordenamento jurídico, especialmente, no que diz respeito aos direitos constitucionais do acusado. Para tanto, o seu objeto de análise são as decisões dos tribunais estaduais e regionais federais, além das do STJ e STF. Estas decisões foram escolhidas como objeto de análise porque, dentro da idéia de publicidade das decisões judiciais, a maioria dos tribunais estaduais e regionais federais brasileiros mantém um sistema de consulta à sua jurisprudência. Neste sentido, tornou-se possível, a partir da utilização de determinados critérios de busca,101 mapear esta produção decisória no que se refere às Leis 11.719/08 e 11.689/08 e organizá-la de tal maneira que ela pudesse ser analisada por métodos quantitativos e qualitativos. Contudo, antes de se apresentar os dados coletados diretamente e para que o leitor possa compreender a importância de uma análise como a que se pretende desenvolver no âmbito deste relatório, tem-se a seção seguinte, sobre o papel da jurisprudência na compreensão de uma dada lei. IV.2 – O papel da jurisprudência na interpretação dos pontos controversos de uma dada lei Contra a concentração de poderes em torno de um só agente, a separação entre os detentores das funções de criação e aplicação das leis remonta à clássica distinção, feita pelo Barão de Montesquieu, entre os poderes Legislativo e Judiciário. Segundo o pensamento desenvolvido pelo autor, até hoje profundamente influente no imaginário político, dar a uma parcela do corpo político o direito a formular leis e a outra a obrigação de aplicá-las, garantiria à primeira a expectativa de uma atividade legiferante de cunho universalista e, à segunda, imparcialidade nos julgamentos. Nesse contexto, um horizonte ideal para as instituições políticas e judiciárias apresentaria um quadro no qual o Poder Legislativo elaboraria um catálogo exaustivo de 101 Identificados na seção 03 deste relatório 173 leis capazes de regular a totalidade das relações sociais, e o Poder Judiciário aplicaria tais leis de forma silogística, julgando sua adequação ou não ao caso concreto sob seu juízo. Daí a célebre metáfora de Montesquieu em que o juiz aparece como a mera “boca inanimada da lei”, isto é, o canal neutro por meio do qual o que já havia sido previamente dito pela letra da lei se faz ouvir. A distinção entre criar e aplicar a lei passa a ser então, um ponto chave de definição da atividade judiciária. Especialmente numa democracia de amplo sufrágio, os juízes devem se ater a apenas aplicar a lei, reservando o direito de criá-las aos representantes eleitos pelo povo, selecionados por meio do voto – instrumento de mandato que lhes dá legitimidade de ação, que não encontra equivalente no processo de nomeação dos juízes. Partindo desse princípio, os responsáveis pela aplicação do direito são orientados a obedecer única e exclusivamente ao chamado direito positivo, isto é, as orientações estabelecidas por leis em sentido amplo – leis, códigos, tratados, constituições, etc. Elaboradas pelo poder efetivamente mandatário do povo, essas leis devem ter sua letra seguida à risca por operadores do direito responsáveis, e principalmente por entes da Administração Pública, que não extrapolem suas funções. Daí o dogma juspositivista de considerar que, para a decisão judicial, a única fonte possível para seu embasamento reside na lei. Esse seria o ideal da jurisdição dentro da tradição jurídica de origem romanogermânica, conhecida como tradição da civil law. Há também a tradição angloamericana da common law, em que o direito é prioritariamente baseado nos precedentes, isto é, nas decisões judiciais anteriores, de que são exemplos os sistemas jurídicos consuetudinários da Inglaterra e dos Estados Unidos. Contudo, não obstante a tendência contemporânea de aproximação entre as duas tradições, o direito brasileiro pode ser facilmente classificado como derivado da tradição civilista da Europa continental, com seus vários códigos e profunda assimilação da função jurisdicional como atividade de subsunção de um caso concreto à letra da lei. Tudo seguiria bem, nesses termos, se a mera sobreposição das leis criadas pelo Poder Legislativo pudesse efetivamente originar um sistema coerente e pleno, capaz de abranger a totalidade das relações sociais sem cair em contradições. No entanto, a realidade não funciona assim. Dessa forma, simples problemas na tarefa de redação das 174 leis, além da própria ambigüidade inevitável de certos termos, já causariam sérias complicações à consecução do dogma positivista. Contudo, essas complicações vão além. Por exemplo, é possível a existência de leis contraditórias entre si, dentro de um mesmo ordenamento jurídico? Suponhamos que, sob a égide de uma mesma constituição, leis originárias de locais e tempos – e, consequentemente, legislativos – diferentes, tratem do mesmo tema de formas díspares. Como pode um juiz, nesse caso, decidir simplesmente aplicando a lei? Para casos como esses, foram criadas regras de hermenêutica jurídica capazes de solucionar esses impasses com passos de interpretação precisos, como a supremacia da lei criada posteriormente, da lei hierarquicamente superior – contida, por exemplo, na constituição – ou da lei que trata mais especificamente do caso examinado. Todavia, ainda assim, a confusão persiste em casos como aqueles nos quais há conflito entre uma lei que trata mais especificamente do caso, e outra que trata do caso menos especificamente, mas goza de posterioridade e superioridade hierárquica no sistema. A questão se torna ainda mais complexa em conciliar contradições entre leis de origens distintas no tempo, e também adequar tais leis a princípios cujo significado não se torna claro apenas com a inserção de seu nome no texto da lei, como, por exemplo, os princípios da igualdade e da razoabilidade. Essa lista de dificuldades demonstra e ressalta o papel primordial desempenhado pelos juizes. A aplicação da lei permanece como ponto de suporte da legitimidade das decisões judiciais. Mas ela não esgota seu sentido nem antes nem depois da decisão judicial, sendo constante e necessariamente, reapropriada e reinterpretada conforme a particularidade do caso concreto. É isso inclusive que confere vivacidade e dinamismo ao ordenamento jurídico, pois, se, por um lado, a positivação das leis permite a ruptura com o tempo eternizado do direito natural, nem por isso ela dá à mudança do direito a mesma velocidade das mudanças sociais a que tais leis se referem: apenas sua possibilidade de reapropriação e reinterpretação é capaz de lhes tornar mais próximas da velocidade com que muda a sociedade que devem regular. Por conta disso, a fantasia de ter a lei como fonte única da decisão judicial não consegue se sustentar, abrindo espaço para outras formas de fundamentação para além da mera referência ao que foi produzido pelo Legislativo. E, apesar da idéia inicial da 175 nossa tradição jurídica ser exatamente fugir a isso, torna-se central como fonte das decisões judiciais, aquilo produzido pelo próprio Poder Judiciário. Trata-se do conjunto de decisões judiciais tomadas anteriormente por tribunais que aplicam determinada interpretação à lei, que é usada como base para justificar as decisões seguintes, e que a cultura jurídica, ao menos no Brasil, convencionou chamar de jurisprudência. 102 Assumindo a jurisprudência como fonte do direito, os juízes e tribunais podem solucionar casos de lacunas, ambigüidades e incoerências na interpretação das leis seguindo a solução dada anteriormente para caso semelhante por outros magistrados que lhes sejam hierarquicamente superiores. Fazendo uso desse expediente, eles produzem um duplo movimento. Por um lado, eles conferem integridade e segurança jurídica a um ordenamento que, num dado ponto, se apresenta nebuloso na mera aplicação das leis. E, por outro, ao reforçar o entendimento de dado tribunal superior sobre determinado tema, eles evitam que esse tribunal venha a reformar suas decisões por via de recurso. Nesse duplo movimento, fundamentado em uma estrutura judicial hierarquizada – cuja organização o próprio movimento ajuda a consolidar – a jurisprudência acaba por se constituir como fonte inescapável da efetivação rotineira do direito. Dadas as recorrentes inconsistências do arcabouço legal que fundamenta o ordenamento jurídico, a decisão judicial acaba por ser, muitas vezes, a aplicação da lei em concordância com a jurisprudência. Daí a importância de, ao se proceder a uma análise da influência de determinada legislação, ser levada em conta também a jurisprudência que foi produzida sobre ela. Afinal, o direito não é apenas a lei, mas sua aplicação pela decisão judicial. E a decisão judicial não é a repetição da lei, mas sua interpretação diante do caso concreto, influenciada, pelos motivos já expostos, pelas demais interpretações sobre o mesmo tema, em especial por tribunais hierarquicamente superiores. 102 Conforme já destacado, para nós o termo jurisprudência tem sentido completamente diverso do termo jurisprudence no sistema anglo-saxão, já que este se referiria à teoria do direito e não às decisões dos tribunais, tratadas nessa cultura jurídica como precedentes. Mas o precedente tampouco se confunde com o que no Brasil é tratado como jurisprudência, haja vista que na cultura jurídica anglo-saxã o precedente representa uma das fontes primárias do direito, enquanto na tradição romano-germânica brasileira a jurisprudência é uma fonte complementar à lei, essa sim sua fonte principal. Inclusive, leituras estritamente positivistas da tradição civilista negam à jurisprudência o caráter de fonte do direito, restringindo esse caráter apenas à lei. Contudo, mesmo sem negar a tradição da civil law que subjaz o sistema jurídico brasileiro, a concepção sociológica, de índole realista, que permeia este estudo, não permite à equipe de pesquisa a adoção de tal postura, haja vista que, rotineiramente, os juizes e tribunais fazem uso da jurisprudência para fundamentarem suas decisões. 176 Pesquisar a jurisprudência produzida acerca de determinada lei é, portanto, conhecer a lei “viva”; como ela se manifesta quando instada a parecer coerente perante o sistema como um todo e como ela realmente produz seus resultados. Pois muitos são os casos em que a lei, tal como aplicada de fato, não confirma exatamente seu texto, mas sim entendimento jurisprudencial diverso que lhe despe das contradições internas e das inconsistências perante a totalidade do ordenamento jurídico do país. De onde decorre a necessidade de se conhecer, para além da letra da lei, a forma como ela vem sendo aplicada nos tribunais, o que em muito definirá o que ela é, não enquanto mera prescrição contida num código, mas como efetiva norma de conduta. No caso das Leis 11.719/08 e 11.689/08, a análise das decisões de grau superior se mostra fundamental por uma série de motivos. Para além da mera problemática redacional, em que a formulação das leis apresenta problemas de ambigüidade e vagueza, deve-se atentar também para o fato de que as mesmas visam concretizar um princípio de altíssimo índice de abstração: a razoabilidade, na forma da razoável duração do processo. Além disso, seus dispositivos possuem estreita ligação com os direitos e garantias fundamentais do réu. Sendo assim, trata-se de texto de lei cuja aplicabilidade envolve alto grau de interpretação principiológica, razão pela qual conhecer as decisões dos tribunais sobre ela é passo inescapável para seu mais profundo entendimento. Para compreender em que medida as decisões analisadas por esta pesquisa são capazes de ilustrar as questões controversas surgidas quando da aplicação das novas leis, mister se faz, em um primeiro plano, destacar a própria estrutura do Poder Judiciário. Com isso, se tornará evidente porque esta pesquisa decidiu analisar certo conjunto de decisões e não outro. O Poder Judiciário brasileiro é formado, dentre outros órgãos especiais, por juízes singulares, por tribunais estaduais, tribunais regionais federais e tribunais superiores a estes, que seriam, para o propósito desta pesquisa, o STJ e o STF. Apenas estes últimos podem ser consideradas instâncias máximas da jurisdição nacional para decidirem, respectivamente, questões gerais e questões que envolvam valores constitucionais. Por meio de recursos diversos, 103 é possível que a decisão de um juiz 103 O termo diverso aqui não se refere à diversidade de recursos para uma mesma situação, mas sim à diversidade de recursos decorrente da diversidade de situações. Afinal, de acordo com o princípio da unirrecorribilidade das decisões, que rege a teoria geral dos recursos no âmbito do processo penal, tem-se 177 singular seja reformada por um tribunal e ainda que a decisão de um tribunal seja reformada pela decisão de um tribunal que lhe seja superior. Como a pesquisa “Os novos procedimentos penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08” tem entre seus objetivos compreender as inovações trazidas por estas leis, para além de seu texto, na sua aplicação cotidiana, as decisões que elas têm gerado são dados que não podem (e não devem) ser negligenciados. Por meio da análise dessas é possível conhecer a recepção das novas normas pela comunidade jurídica e, em quais pontos, elas têm sido consideradas incoerentes internamente e perante o restante do ordenamento jurídico. Dessa forma, a investigação no campo da jurisprudência dos tribunais também atende a outro objetivo da pesquisa que é contribuir com subsídios para a melhoria na aplicação da lei ou na sua própria redação. Distinguindo os impasses interpretativos nos quais a plena efetividade das novas leis esbarra, é possível avaliar em que sentido estas leis podem ser modificadas, de forma que não evitem a efetividade almejada por normas como o limite de prazo dos processos ou o uso indevido de algemas pelo réu, por exemplo. IV. 3 - Metodologia da pesquisa Conforme destacado anteriormente, a preocupação central foi a de sistematizar toda a jurisprudência catalogada pelos sites do STJ e STF, dos tribunais regionais federais (TRFs) e dos tribunais estaduais (TJs), no que se refere à aplicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08. Os termos utilizados para a realização desta pesquisa foram: Lei 11.689/08 e Lei 11.719/08. Esses critérios foram estabelecidos levando-se em consideração o fato de que todas as decisões dos tribunais analisados, necessariamente, devem fazer referência à legislação que originou a controvérsia. Assim, ainda que a discussão seja referente a que cada decisão judicial apenas é passível de questionamento se o recurso utilizado pelo operador jurídico se coadunar com o que a lei prevê para esta matéria específica. Isso significa que o recurso impetrado pelas partes (advogado ou promotor de justiça) apenas será apreciado pelo tribunal no qual ele é interposto se e somente se este for o instrumento jurídico aplicável à questão que o operador do direito pretende discutir. Caso contrário, o recurso será rechaçado por não atender às formalidades legais que caracterizam o ordenamento jurídico brasileiro (Bonfim, 2009). 178 um dado tema específico, o número da lei, necessariamente, deverá ser contemplado nesta decisão. Em alguns casos, a palavra “lei” foi suprimida, uma vez que sua inclusão implicava a apresentação de todas as decisões de todas as matérias que continham a palavra “lei”, mesmo que sem vinculação ao objeto da pesquisa. Afinal, lei é algo que está escrito em quase todas as decisões judiciais, independentemente da área do direito em questão. Importante destacar ainda que a variedade de critérios para armazenamento da jurisprudência nos sites dos diversos tribunais do país fez com que fosse necessário incluir palavras chaves, tais como: “reforma”, “procedimento”, “júri”, “processo penal”, “2008”, “alteração”. Esta inclusão se fez necessária porque, em algumas situações, o baixo quantitativo de decisões encontradas fez com que os pesquisadores acreditassem que aquele tribunal estava discutindo a reforma do Código de Processo Penal sem a menção direta à legislação e sim aos temas alterados por ela. Portanto, contemplar estas palavras chaves viabilizou a inclusão de novos julgados na análise. Não obstante o êxito logrado com estas mudanças e alterações, alguns problemas foram notados, especialmente quanto ao critério de apresentação de dados pelos sites dos Tribunais, a saber: a) Os Tribunais de Justiça dos Estados do Piauí, Paraíba e Alagoas não fornecem opções de pesquisa jurisprudencial por palavra chave, mas apenas por número do processo, inscrição do advogado na OAB ou nome da parte. Assim, esses Tribunais não puderam ser examinados no âmbito desta pesquisa; b) Os Tribunais de Justiça do Estado do Amazonas e Acre não possuíam em seus registros nenhuma menção às leis 11.719/08 e 11.689/08, nem aos demais critérios adotados para coleta de decisões. Importante destacar que esta ausência de decisões não se deve ao critério de pesquisa adotado, uma vez que utilizando o termo “lei 8.245/91” foi possível detectar diversas decisões. Neste sentido, conjectura-se que as matérias ainda não foram enfrentadas por estes tribunais, ou os critérios de pesquisa utilizados não foram capazes de atender aos seus sistemas classificatórios de decisões; 179 c) Foi encontrada uma decisão no Tribunal de Justiça do Amapá com fulcro na Lei 11.719/08, sendo que o sistema do site não permitiu abertura do arquivo; d) O Tribunal de Justiça do Distrito Federal não fornece os números dos processos em segunda instância, tampouco qualquer outra identificação fazendo com que o critério de uma chave única de identificação exigida pelas técnicas estatísticas para a organização dos bancos de dados fosse violado. Apesar deste problema, as decisões coletadas foram analisadas neste relatório; e) Também foram detectados alguns problemas no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Inicialmente surgiram mais de cem decisões utilizando os termos já mencionados. No entanto, a análise minuciosa destes documentos denotou que o problema deste web-site é a forma como as decisões são armazenadas, já que aos critérios adotados misturaram-se decisões de outros ramos do direito além do direito penal e a cada nova pesquisa eram apresentas decisões aleatórias; f) Todos os critérios de pesquisa adotados resultaram em apenas dez decisões no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. No entanto, ao realizar a pesquisa através de um caso concreto em especial, surgiu outra decisão além das que foram encontradas pela pesquisa instantânea (por tema). Isso pode indicar que o quantitativo de decisões deste tribunal relacionadas às novas leis pode ser maior que o quantitativo analisado neste relatório. Assim, este caso termina por se enquadrar nos casos considerados como “problema” pela equipe, tal como Piauí e Paraíba, haja vista que se a equipe possuísse o número de todos os processos que discutiram este tema nessa instância, provavelmente, o quantitativo de decisões seria substancialmente maior. g) O Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe não disponibilizou o inteiro teor das decisões e, portanto, a inclusão de seus julgados na base de dados desta pesquisa teve de ser restrita às informações contidas nas ementas destes. Portanto, na medida em que os sites dos Tribunais de Justiça dos estados de Alagoas, Amazonas, Acre e Piauí exigem que sejam fornecidas informações específicas sobre o caso (como número do processo, nome das partes, nome do advogado, nome do 180 relator, dentre outras), o conhecimento do que esses tribunais têm discutido no âmbito das controvérsias geradas pela aplicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08 foi inviabilizado. Nestes termos, estes tribunais não serão sequer mencionados no restante desta pesquisa, uma vez que não foi possível conhecer nada acerca da sua produção decisória. Por outro lado, os tribunais do Distrito Federal e Sergipe foram incorporados, mas é importante ressaltar que os dados coletados no âmbito destes tribunais possuem algumas limitações, como ausência de identificação ou o fato de os dados coletados estarem restritos à análise das ementas das decisões. Portanto, para a construção da base de dados analisada neste relatório foram realizadas buscas na jurisprudência de todos os tribunais nos quais suas decisões estavam amplamente acessíveis para consulta pública em seus respectivos endereços eletrônicos. Os documentos obtidos (inteiro teor da decisão) foram salvos em Word ou PDF, seguindo a mesma estratégia de nomenclatura estabelecida por Carvalho et al (2009: 15)104 em sua pesquisa sobre critérios de aplicação de pena no Brasil. Para que todas as decisões classificadas como jurisprudência pelos tribunais analisados pudessem ser avaliadas pela equipe da pesquisa, foi criada também uma tabela para inserção de informações. Além de orientar a análise qualitativa, esta tabela tinha ainda como objetivo organizar as decisões coletadas e permitir a comparação entre essas dentro de uma perspectiva mais quantitativa. Tal tabela possuía os seguintes campos: 1) Número do recurso / ação impugnativa; 2) Tribunal; 3) Natureza da sentença (Acórdão e Outros); 4) Lei a que se refere (Lei 11.719/08 ou Lei 11.689/08); 5) Natureza do recurso / ação impugnativa que suscitou a decisão;105 6) Matéria discutida (relacionadas a questões alteradas pelas leis em análise, de acordo com os temas apontados pela doutrina como controversos); 7) 104 Na pesquisa de Carvalho “As buscas ocorreram nos sites dos Tribunais e os documentos obtidos (inteiro teor da decisão) foram salvos no banco de dados em arquivos no formato PDF ou DOC, respeitando a seguinte regra de nomenclatura: sigla do recurso/número do processo/estado da federação (p. ex.: RESP 896874- RS) – e armazenados em pastas correspondentes à respectiva palavra-chave (p. ex.: pena mínima).” Nesta pesquisa, a diferença foi o armazenamento das decisões de acordo com o tribunal no qual elas foram encontradas e dentro do tribunal foram criadas duas pastas, cada qual referente a uma das leis em análise. 105 V. nota anterior. 181 Decisão final do recurso (ordem denegada, recurso não conhecido, etc); 8) Pequeno resumo (descrição detalhada do que era o caso). Para preenchimento do campo “matéria discutida”, foi adotado o seguinte critério. Primeiro deveria ser inserida a principal questão analisada ou aquela que constasse na ementa da decisão (por exemplo, excesso de prazo). Contudo, como poderia acontecer de mais de uma matéria relacionada às novas leis ser discutida na mesma decisão (por exemplo: na ementa constar apenas excesso de prazo, mas no inteiro teor do acórdão constar referências à identidade física do juiz), o campo pequeno resumo deveria contemplar uma descrição completa do caso. Ao final do primeiro preenchimento da tabela, a equipe analisou as questões recorrentes no campo “pequeno resumo” e a partir de uma rotina criada no âmbito do programa SPSS106 foi construída uma segunda variável “matéria adicionalmente discutida”. No entanto, esta segunda coluna foi pouco utilizada, pois foi observado apenas um pequeno número de decisões que na análise de uma dada matéria mencionavam também outro ponto controverso em relação às Leis 11.719/08 e 11.689/08. Por outro lado, na variável “questão repetida” deveria ser incluída ainda uma menção expressa ao fato de o tribunal, em sua decisão, fazer menção à decisão de outro tribunal qualquer que fosse (TJs, TRFs, STJ e STF) na fundamentação de seu posicionamento. Com isso, esta variável foi classificada como dicotômica (ou seja, ou 1. a questão era repetida – a fundamentação da decisão era a mesma fundamentação da decisão de um caso semelhante julgado por outro tribunal; ou 2. a questão não era repetida – não fundamentava a decisão com base em outra decisão de outro tribunal). Nas seções subseqüentes serão apresentados os resultados extraídos desse banco de dados construído a partir da análise da jurisprudência coletada nos sites dos Tribunais Estaduais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, referente às decisões sobre a aplicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08. 106 SPSS – Statistical Package for Social Science – programa geralmente utilizado nas ciências sociais para a realização de análises de cunho quantitativo. 182 IV. 4 – As decisões dos tribunais: uma análise descritiva O trabalho de varredura da jurisprudência disponível nos sites dos tribunais estaduais, federais e STF e STJ viabilizou a quantificação da produção decisória destes no que se refere à administração de controvérsias relacionadas às Leis 11.719/08 e 11.689/08. Nesta primeira triagem, foram relacionadas 637 decisões que foram classificadas, em um primeiro momento, de acordo com seu tribunal de origem. Uma vez finalizada a busca geral, passou-se à análise do teor destas decisões com o objetivo de se verificar se elas estavam ou não dentro dos propósitos da pesquisa. Esta leitura foi indispensável para se verificar se estes documentos versavam ou não sobre a reforma do processo penal de 2008. Em parte, algumas decisões terminaram excluídas, uma vez que, apesar de mencionarem as Leis 11.689/08 e 11.719/08, não se relacionavam diretamente a estas. Utilizando este critério, foram excluídas 34 decisões e o quantitativo a ser analisado a partir deste momento passou a ser de 603 julgados. A partir desta limpeza, o primeiro trabalho da equipe foi o de verificar o número de decisões relacionadas a cada uma das leis por tribunal (Tabela 31). Tabela 31 – Quantitativo da jurisprudência dos tribunais referente às Leis 11.719/08 e 11.689/08 Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 – por lei Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TJ/SP 79 14 93 STJ 50 37 87 TJ/RS 49 17 66 TJ/MG 49 0 49 TJ/GO 19 18 37 TRF3 36 1 37 TJ/PR 25 0 25 TJ/PA 21 3 24 TRF1 22 0 22 TRF2 17 2 19 STF 10 6 16 TJ/SE 10 6 16 TJ/PE 9 6 15 TJ/MT 14 0 14 TRF4 10 4 14 TJ/CE 3 9 12 TJ/ES 3 7 10 TJ/MA 8 2 10 TJ/RN 6 4 10 TJ/RJ 8 0 8 TJ/SC 6 2 8 TJ/BA 3 1 4 TRF5 3 1 4 TJ/RO 2 0 2 183 TJ/MS Total Fonte: Dados da pesquisa 1 463 0 140 1 603 De acordo com a Tabela 31, o tribunal no qual foi encontrado maior número de decisões relacionadas às leis em análise, foi o de São Paulo (93), seguido pelo STJ (87). Por outro lado, a Tabela 31 denota ainda que: 1) Vários tribunais estaduais (Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro e Rondônia) e o Tribunal Regional Federal da Primeira Região – TRF1 (cuja jurisdição inclui os seguintes estados: Acre; Amapá; Amazonas; Bahia; Distrito Federal; Goiás; Maranhão; Mato Grosso; Minas Gerais; Pará; Piauí; Rondônia; Roraima e Tocantins) – não possuem nenhuma decisão de segunda instância relacionada à Lei 11.689/08. 107 Interessante destacar que, neste sentido, os estados de Minas Gerais e Mato Grosso parecem não ter casos nem no âmbito estadual nem no âmbito federal que suscitem controvérsias em relação a esta legislação; 2) A maioria das decisões recursais, considerando todos os tribunais, se refere à Lei 11.719/08, a qual alterou os procedimentos do rito ordinário, tal como apresentado no capítulo 1. A segunda questão analisada no âmbito desta pesquisa é referente à figura jurídica utilizada para a rediscussão da decisão da instância inferior. De acordo com Depine Filho (2005), o duplo grau de jurisdição (que faz com que a decisão de um juiz ou tribunal venha a ser reanalisada por outro tribunal de grau e jurisdição superior) integra o sistema de garantias constitucionais do acusado no item devido processo legal, o qual, por sua vez, se encontra inscrito no inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal. Este princípio tem como fundamento a garantia de que uma dada parte não será prejudicada por “maus” julgamentos (Souza, 2003), posto que, na maioria das vezes, estes podem ser reformulados em instâncias superiores garantindo, desta forma, o bem julgar a que se refere Garapon (1997). 107 Sobre esta lei junto aos TRF’s é explicável, pois só se admite júri no TRF quando a vítima é servidor público federal (sendo o crime é cometido em razão e no exercício da atividade), ou caso o homicídio seja cometido a bordo de navios ou aeronaves (art. 109, IX, CF). 184 Com o objetivo de alcançar este “bom julgamento” do caso, o Código de Processo Penal prevê uma série de recursos que podem ser interpostos pelos distintos operadores do direito (juiz, no caso do recurso de ofício, advogado, defensor e promotor de justiça). De acordo com a parte majoritária da doutrina, 108 o processo penal consagra o princípio da unirrecorribilidade das decisões, o que significa dizer que a cada decisão corresponde um único recurso. Em tese, isso significaria que um dos requisitos de admissibilidade dos recursos seria exatamente a adequação entre o recurso interposto e a matéria que ele pretende discutir. Contudo, é importante destacar que o próprio CPP procura flexibilizar este princípio impedindo que as partes sejam por ele prejudicadas ao estabelecer o princípio da fungibilidade recursal, em seu Art. 579 o seguinte: “Art. 579: Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro. - Parágrafo único: Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível” Com a reforma, 109 ficou consolidado o entendimento de que, em princípio, só se efetiva o duplo grau de jurisdição se e quando o que sucumbiu apresentar recurso contra a decisão de primeiro grau. 110 Ou seja, para que uma dada decisão que se julga equivocada, incoerente ou injusta venha a ser revista, há necessidade de nova provocação do órgão jurisdicional. Só excepcionalmente, em casos expressamente previstos em lei e tendo em vista interesses públicos relevantes, a jurisdição superior entra em cena sem provocação da parte. Este é o caso da sentença que concede o Habeas Corpus (art. 574, I) 111 ou da que 108 Grinover et al (2004). 109 Antes da reforma de 2008, a regra da voluntariedade dos recursos não era válida para a sentença que a absolvia desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (quando o juiz fundamentava tal decisão com fulcro no art. 411 do CPP). Contudo, como o próprio conteúdo do art. 411 foi drasticamente alterado pela reforma, é adequado pressupor, tal como apontado pela doutrina, que o recurso de ofício no caso da absolvição sumária do réu, nos casos de crimes dolosos contra a vida, deixou mesmo de existir. 110 A reforma extirpou a obrigatoriedade do recurso ex officio da sentença de absolvição sumária no caso de crimes dolosos contra a vida, que era uma das hipóteses de aplicação deste recurso na legislação anterior. Contudo, ainda existe o recurso ex officio da sentença que concede habeas corpus (art. 574, I, CPP) 111 Art. 574. Os recursos serão voluntários, excetuando-se os seguintes casos, em que deverão ser interpostos, de ofício, pelo juiz: I - da sentença que conceder Habeas Corpus; II - da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, nos termos do art. 411 185 concede a reabilitação (art. 746 112 ). Esta é a devolução oficial, ou remessa necessária, que alguns textos legais ainda insistem em denominar "recurso de ofício" e, por isso, esta será a denominação utilizada neste texto. Considerando que as figuras jurídicas (recursos e ações impugnativas) que podem ser manejadas pelos operadores do direito são distintas dependendo da matéria e do momento processual em questão, a equipe da pesquisa organizou as principais formas de “pedido” de reexame das decisões judiciais contempladas no âmbito do CPP de maneira sumarizada no Quadro 12. Quadro 12 – Formas de solicitação do reexame de uma decisão no âmbito do processo penal De acordo com a matéria a que esta se aplica Brasil, Código de Processo Penal & Constituição Federal, 2010 Figura jurídica Hipóteses em que este pode ser interposto Recurso em Este recurso pode ser interposto diante da decisão, despacho ou sentença: sentido estrito I – que não receber a denúncia ou a queixa; (art. 581 do II – que concluir pela incompetência do juízo; CPP) III – que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição; IV – que pronunciar o réu; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) V - que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante; (Redação dada pela Lei nº 7.780, de 22.6.1989) VII - que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor; VIII - que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade; IX - que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade; X - que conceder ou negar a ordem de habeas corpus; XI - que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena; XII - que conceder, negar ou revogar livramento condicional; XIII - que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte; XIV - que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir; XV - que denegar a apelação ou a julgar deserta; XVI - que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial; XVII - que decidir sobre a unificação de penas; XVIII - que decidir o incidente de falsidade; XIX - que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado; XX - que impuser medida de segurança por transgressão de outra; XXI - que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774; XXII - que revogar a medida de segurança; XXIII - que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação; XXIV - que converter a multa em detenção ou em prisão simples. Apelação Este recurso poderá ser interposto quando das sentenças definitivas de condenação ou (art. 593 do absolvição proferidas por juiz singular; das decisões definitivas, ou com força de CPP) definitivas, proferidas por juiz singular e das decisões do Tribunal do Júri. No caso das decisões do tribunal do júri a apelação apenas é possível de ser interposta se: ocorrer nulidade posterior à pronúncia; for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança ou for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. Embargos Este recurso pode ser interposto apenas em relação à segunda instância já que é Infringentes cabível apenas quando não for unânime a decisão proferida pelos desembargados em 112 Art. 746. Da decisão que conceder a reabilitação haverá recurso de ofício. 186 (art. 609 do CPP) Embargos de declaração (art. 619 do CPP) Revisão criminal (art 621 do CPP) Recurso extraordinário (art. 638 do CPP) Carta Testemunhável (art. 639 do CPP) Habeas Corpus (art. 647 do CPP) Recurso Especial desfavor do réu. Daí porque Souza (2003) considera que este é mais um dos recursos privativos da defesa. Este recurso, ao contrário dos anteriores, apenas pode ser interposto diante da decisão de segunda instância, apenas quando nesta houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. De acordo com Souza (2003), este é um recurso que apenas é manejado pela defesa uma vez que o CPP estabelece que este é cabível apenas quando: a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. De acordo com o CPP, o recurso extraordinário apenas é cabível quando a decisão contrariar dispositivo constitucional e, por isso, este recurso será processado e julgado no Supremo Tribunal Federal na forma estabelecida pelo respectivo regimento interno. É cabível no âmbito da segunda instância diante da decisão que denegar o recurso ou da decisão que, admitindo o recurso, obstar à sua expedição e seguimento para o juízo ad quem, isto é, para o juízo de origem. De acordo com Bonfim (2009), o Habeas Corpus é a ação impugnativa cabível sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. O próprio CPP, em seu art. 648 estabelece os casos que podem ser considerados como coação ilegal. São estes: I - quando não houver justa causa (para a prisão ou continuidade desta); II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI - quando o processo for manifestamente nulo; VII - quando extinta a punibilidade. O Recurso Especial (REsp) é um recurso direcionado exclusivamente para o STJ. Seu cabimento está previsto no art. 105, III113, da Constituição Federal. Já o procedimento que deve ser seguido para sua interposição encontra-se disciplinado nos arts. 26 a 29 113 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. 114 Art. 26 - Os recursos extraordinário e especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos no prazo comum de quinze dias, perante o Presidente do Tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: I - exposição do fato e do direito; II - a demonstração do cabimento do recurso interposto; III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida. Parágrafo único - Quando o recurso se fundar em dissídio entre a interpretação da lei federal adotada pelo julgado recorrido e a que lhe haja dado outro Tribunal, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, ou indicação do número e da página do jornal oficial, ou do repertório autorizado de jurisprudência, que o houver publicado. Art. 27 - Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista pelo prazo de quinze dias para apresentar contra-razões. § 1º - Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso, no prazo de cinco dias. § 2º - Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo. § 3º - Admitidos os recursos, os autos serão imediatamente remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. § 4º - Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado. § 5º - Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial daquele em decisão irrecorrível, sobrestará o seu 187 da lei 8.038/90114. Este é o recurso cabível quando a decisão contra a qual se recorre contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Em suma, o Recuso Especial serve para discutir questões cujo problema esteja estritamente ligado a qualquer lei federal, mas desde que este problema não seja afeto à constituição (para essas questões usa-se o Recurso Extraordinário para o STF). Por outro lado, é importante destacar ainda que um requisito essencial do REsp é o pré-questionamento anterior da matéria na decisão recorrida. Assim, o tribunal que proferiu a primeira decisão deve ser demandado a se posicionar sobe o tema controverso. Apenas após este ter se manifestado sobre o tema e somente se ele se manifestar é que cabível o REsp (caso o tribunal não se manifeste, é possível a 115 interposição de embargos de declaração) . Fonte: Código de Processo Penal Atualizado No que se refere especificamente ao Habeas Corpus, é importante destacar alguns pontos. Em primeiro lugar, destaca-se que esta figura jurídica por vezes aparece relacionada nos manuais de direito como um recurso, mas diversos doutrinadores entendem que o Habeas Corpus é um remédio constitucional e não um recurso estrito senso, como é o caso da Apelação. Daí porque diversos autores, como Bonfim (2009), entendem que o Habeas Corpus apresenta natureza jurídica de ação impugnativa de uma dada decisão judicial. julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para julgar o extraordinário. § 6º - No caso de parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em despacho irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial. Art. 28 - Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de cinco dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso. § 1º - Cada agravo de instrumento será instruído com as peças que forem indicadas pelo agravante e pelo agravado, dele constando, obrigatoriamente, além das mencionadas no parágrafo único do art. 523 do Código de Processo Civil, o acórdão recorrido, a petição de interposição do recurso e as contra-razões, se houver. § 2º - Distribuído o agravo de instrumento, o relator proferirá decisão. § 3º - Na hipótese de provimento, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito do recurso especial, o relator determinará, desde logo, sua inclusão em pauta, observando-se, daí por diante, o procedimento relativo àqueles recursos, admitida a sustentação oral. § 4º - O disposto no parágrafo anterior aplica-se também ao agravo de instrumento contra denegação de recurso extraordinário, salvo quando, na mesma causa, houver recurso especial admitido e que deva ser julgado em primeiro lugar. § 5º - Da decisão do relator que negar seguimento ou provimento ao agravo de instrumento, caberá agravo para o órgão julgador no prazo de cinco dias. Art. 29 - É embargável, no prazo de quinze dias, a decisão da turma que, em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, observando-se o procedimento estabelecido no regimento interno. 115 Algumas súmulas do STJ aplicáveis ao REsp (em matéria penal): 211 – É inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo; 207 - É inadimissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no Tribunal de origem; 126 - É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário; 123 - A decisão que admite, ou não, o recurso especial, deve ser fundamentada, com o exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais. 188 Em segundo lugar, de acordo com Grinover et al (2004), o uso do Habeas Corpus é muito freqüente por propiciar o reexame de qualquer tipo de provimento e em razão da celeridade e simplicidade de seu procedimento, bem como pela possibilidade de sua utilização preventiva, impedindo qualquer ameaça ao cerceamento da liberdade de locomoção. No entanto, apesar de seu uso freqüente, é preciso cautela ao se afirmar que isso ocorre por ser esta ação impugnativa mais célere que os demais recursos existentes no âmbito do processo penal. Isso porque, tal como destacado por Oliveira (2004), “nos dias atuais, como regra na grande maioria dos tribunais brasileiros, o processo de Habeas Corpus tem demorado muito para ser julgado, ou seja, negada a liminar, a prisão se efetivará ou perdurará por, no mínimo três ou quatro meses (ou ainda mais)”. Mesmo assim, diante da possibilidade que os operadores do direito têm em manejar o Habeas Corpus sempre que da presença do fumus boni júris – “fumaça do bom direito” 116 – e do periculum in mora – “perigo na demora” 117 (Oliveira, 2004) – é de se esperar que este seja o mecanismo mais utilizado para questionamento das leis em análise. Isso porque o desrespeito aos dispositivos alterados por esta legislação, quando estes se encontram em consonância com os princípios constitucionais que estruturam o ordenamento jurídico brasileiro, implica verdadeira lesão ao sistema de garantias do acusado118. Em um cenário como este, com o objetivo de se garantir que todas as decisões judiciais consubstanciem o ideal do bem julgar (Garapon, 1997), fazendo do judiciário o garantidor das promessas inscritas na letra inanimada da lei (Souza Santos, 1997), o Habeas Corpus termina por se consubstanciar no instrumento mais propício à 116 Diz-se quando existem indícios suficientes para crer que o pretendente tem direito ao julgamento pretendido. 117 Diz-se quando a demora na prestação judicial pode inutilizar a demanda jurídica solicitada. 118 Tal como disposto na Constituição Federal, Art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Ainda no âmbito deste artigo a constituição federal estabeleceu expressamente em seu inciso XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e, por isso, tal como disposto no Inciso XXXVI – “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Contudo, caso aconteça de a aplicação de uma dada lei implicar em lesão ou ameaça a direito ou ainda caso a nova lei prejudique direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada, de maneira violenta ou que resulte em coação a liberdade de alguém, o mesmo art. 5º estabelece a possibilidade de se manejar o Habeas Corpus para evitarem-se tais violações, ao prever em seu inciso LXVIII que “conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. 189 garantia de que todos os tribunais julguem bem as causas que chegam ao seu conhecimento (Souza 2003). Os dados coletados pela pesquisa confirmam esta hipótese, sendo o Habeas Corpus a ação impugnativa mais utilizada como mecanismo para evitar que as interpretações dos juízes acerca de como as Leis 11.719/08 e 11.689/08 devem ser aplicadas venham a se tornar coações ilegais ou lesões a garantias constitucionais. A sua presença, em relação aos demais recursos ou ações impugnativas, que objetivam reexaminar a aplicação dos novos procedimentos penais, nos tribunais brasileiros, é numericamente e proporcionalmente superior (Tabela 32). Tabela 32 – Natureza das figuras jurídicas utilizados para a discussão das Leis 11.719/08 e 11.689/08 Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 – por lei Figura jurídica Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total (%) Habeas Corpus 302 69 61,5% Apelação 105 8 18,7% Recurso em Sentido Estrito 47 29 12,6% Recurso Ex Ofício 1 19 3,3% Agravo de Instrumento 2 4 1,0% Correição Parcial 2 4 1,0% Mandado de Segurança 2 4 1,0% Recurso Especial 2 2 0,7% Revisão Criminal 0 1 0,2% Total 463 140 100,0% Fonte: Dados da pesquisa De acordo com os dados sumarizados pela Tabela 32, os institutos utilizados para discussão das interpretações realizadas pelos juízes em relação à forma de aplicação das leis 11.719/08 e 11.689/08 pelos tribunais são, prioritariamente, os seguintes: Habeas Corpus (61,5% do total) Apelação (18,7% do total), Recurso em Sentido Estrito (12,6% do total) e Recurso Ex Ofício (3,3% do total). As demais figuras jurídicas listadas no Quadro 12 são pouco utilizadas (juntas somam apenas 3,8% do total de casos considerados como válidos). Conforme já salientado, a facilidade e generalidade de impetração do Habeas Corpus – relativamente às demais ações de natureza penal – pode justificar sua preponderância quantitativa quando da análise do mecanismo jurídico utilizado para questionamento da forma de aplicação das referidas leis. 119 Contudo, resta ainda saber qual é o conteúdo das discussões apresentadas no julgamento desses recursos, ações impugnativas e outras medidas das quais os 119 Resultado semelhante foi encontrado por Boiteux et al (2009) quando da análise da classe dos processos que discutem a forma da aplicação do art.33 da nova lei de drogas. 190 operadores do direito lançaram mão para rechaçar uma dada interpretação das leis 11.719/08 e 11.689/08. Para responder a esta questão, foi utilizada a coluna “matéria discutida” existente na tabela que orientou a coleta das informações. A análise desta coluna de acordo com os critérios estabelecidos (temas apresentados nas decisões e temas apresentados como controversos na doutrina) permitiu que as decisões fossem agrupadas em 19 palavras chaves. É importante destacar que a classificação das decisões dentro de uma dada matéria, tal como destacado anteriormente, foi realizada de maneira exclusiva nesta coluna considerando o principal tema tratado na decisão. Isso significa que para esta classificação não foi considerada a discussão de mais de um tema numa mesma decisão. Ou seja, cada julgado foi classificado de maneira única e exclusiva em uma matéria discutida. As matérias adicionalmente discutidas em uma mesma decisão, tal como explicitado nas páginas precedentes, foram classificadas em outra variável, a qual, contudo não foi utilizada nesta análise. No entender da equipe, estas 19 matérias discutidas parecem ilustrar as principais questões controversas no processo de aplicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08 (Tabela 33). Tabela 33 – Número de decisões coletadas de acordo com cada uma das palavras chaves utilizadas como critério de indexação e em consonância com a lei objeto de questionamento Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 – por lei Lei Lei Assunto 11.719/08 11.689/08 Total Excesso de Prazo 117 25 142 Ausência de Justa Causa para Prisão Cautelar 84 16 100 Identidade Física do Juiz 58 2 60 Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal 35 22 57 Nulidade Processual 50 6 56 Cerceamento de Defesa – Audiência una 33 10 43 Absolvição Sumária 14 13 27 Ausência de justa causa para exercício da ação penal 26 0 26 Critérios de Fixação de Quantum Indenizatório 21 0 21 Reexame necessário revogado pela Lei 11.689 0 17 17 Critérios de Pronúncia 1 15 16 Mutatio / Emendatio Libelli 10 0 10 Suspensão Condicional do Processo 10 0 10 Recurso em Sentido Estrito Recebido como Apelação 0 6 6 Uso de algemas 2 4 6 Suspeição de Jurado 0 2 2 Protesto por novo júri 0 2 2 Pedido de novo julgamento 1 0 1 Pedido de Produção de Prova através de meio magnético 1 0 1 Total 463 140 603 Fonte: Dados da pesquisa 191 De acordo com a Tabela 34, algumas questões apareceram apenas no âmbito de uma dada lei, enquanto outras apareceram no âmbito das duas leis. Isso se deve ao fato de que apesar de ambas as legislações visarem a simplificação dos procedimentos penais, a Lei 11.689/08 o fez no âmbito do procedimento júri e a Lei 11.719/08 o fez no âmbito do procedimento ordinário. Assim, por serem os ritos distintos, os procedimentos e os seus institutos em alguns pontos também o são e, por isso, nem sempre os pontos mais controversos em uma legislação o são na outra. Contudo, quatro temas apareceram com freqüência nas decisões de grau recursal de ambas as legislações, quais sejam: excesso de prazo, ausência de justa causa para a prisão cautelar, momento de aplicação do novo procedimento e cerceamento do direito de defesa. Estes podem ser considerados, então, em alguma medida, como os pontos mais polêmicos da reforma, posto que além de presentes em grande número no total de decisões mapeadas, também aparecem em grande número no total de decisões mapeadas para cada lei. De maneira gráfica, o total de decisões coletadas pela pesquisa pode ser classificado percentualmente de acordo com o tema da seguinte maneira (Gráfico 10): Gráfico 10 - Percentual de decisões de acordo com cada uma das palavras utilizadas como critério de indexação Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Fonte: Dados da pesquisa 192 A partir do Gráfico 10 foi ainda estabelecido o critério para análise dos temas do ponto de vista qualitativo. Neste sentido, o ponto de corte adotado foi a temática possuir pelo menos 1% de referências considerando o total de decisões coletadas e validadas para análise na pesquisa. Isso porque, menos de 1% significa que o tema foi tratado por apenas um ou duas decisões em um dos 25 tribunais incluídos neste estudo e, por isso, esta pode ser até uma questão interessante do ponto de vista doutrinário, mas não se apresenta como controversa do ponto de vista de administração do sistema de justiça criminal. Assim, foram temas excluídos da análise quantitativa: Suspeição de Jurado; Protesto por novo júri; Pedido de novo julgamento; Pedido de Produção de Prova através de meio magnético. Optou-se pela exclusão desses temas em razão do pequeno número de decisões que se enquadravam nesta categoria. Caso estas fossem incluídas, estar-se-ia fazendo, praticamente, uma análise de caso em detrimento de uma análise dos pontos controversos da aplicação das Leis 11.719/08 e 11.689/08. Para garantir que esta decisão não excluiria temáticas que poderiam ser as únicas abordadas no âmbito de cada tribunal, foi criado ainda um gráfico que elencava os tribunais em razão do número de matérias tratadas (considerando os temas mapeados). Com isso foi possível perceber que apenas o tribunal do Mato Grosso do Sul chegou a analisar apenas um dos temas que apareceram neste mapeamento de jurisprudências, sendo esta análise relacionada ao cerceamento do direito de defesa (Gráfico 11). 193 Gráfico 11 – Número de temáticas analisadas nas decisões relacionas às Leis 11.719/08 e 11.689/08 de acordo com os tribunais mapeados Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Fonte: Dados da pesquisa Por outro lado, o Gráfico 11 permitiu que os tribunais fossem classificados em termos de variedade de matérias que esses analisam no grau recursal no que se refere aos dispositivos das Leis 11.719/08 e 11.689/08. Primeiro, foi possível constatar que nenhum dos tribunais foi questionado em todas as temáticas mapeadas, o que parece indicar que nem sempre os tribunais estão simultaneamente discutindo as mesmas questões. Segundo, também foi possível averiguar que nem sempre o tribunal com maior número de decisões em absoluto é também o tribunal que analisa o maior número de temas (Gráfico 12). Por exemplo, o STJ apesar de possuir 87 decisões relacionadas às novas leis, analisou apenas 9 dos temas mapeados. Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, apesar de possuir 66 dessas decisões, trabalhou com 13 dos temas mapeados. Ou seja: nem sempre possuir um grande número de decisões significa que o tribunal esteja discutindo “muito” a reforma, já que além do número de decisões proferidas é preciso se levar em consideração também a diversidade de questões analisadas. Gráfico 12 – Número de decisões proferidas em grau de recurso e número de temas tratados no âmbito da reforma, de acordo com o tribunal analisado 194 Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Fonte: Dados da pesquisa Também a partir da análise do Gráfico 12, foi possível perceber que, em média, os tribunais proferem em grau de recursos três decisões para cada um dos temas mapeados no âmbito deste estudo. Assim, o critério de se analisar uma temática apenas se ela possuísse pelo menos 1% do total de casos válidos parece corroborado, já que, com exceção do tema critérios para a pronúncia (que possuía 4 decisões), todas as demais temáticas excluídas possuíam menos de 3 decisões classificadas como tal. Por outro lado, foram temas incluídos na análise qualitativa a ser processada na seção seguinte: Recurso em Sentido Estrito Recebido como Apelação; Uso de algemas; Mutatio / Emendatio Libelli; Suspensão Condicional do Processo; Critérios de pronúncia; Reexame necessário revogado pela Lei 11.689/08; Critérios de Fixação de Quantum Indenizatório; Ausência de Justa Causa para Recebimento da Denúncia; Absolvição Sumária; Nulidade Processual; Cerceamento de Defesa / Audiência Una; Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal; Identidade Física do Juiz; Ausência de Justa Causa para Prisão Cautelar; Excesso de Prazo. A seção seguinte apresenta uma análise crítica das matérias selecionadas e do seu significado dentro da reforma empreendida no âmbito do processo penal brasileiro pelas leis 11.719/08 e 11.689/08. 195 IV.4.1 - Excesso de prazo No entender de Lopes Júnior e Badaró (2009: 131), o direito a ser julgado em um prazo razoável nasceu da constatação de que o processo que se prolonga indevidamente conduz a distorções na forma como a justiça funciona por imputar ao acusado um tempo além do necessário para recebimento da prestação jurisdicional. Por outro lado, em momentos de reforma, é importante atentar para o fato de que uma aceleração exacerbada do processo pode se consubstanciar em uma medida antigarantista, na medida em que encurta a possibilidade de uma ampla defesa. Isso porque, no caso de a legislação estabelecer um curto prazo de duração do processo, impede-se que o imputado possa exercer todas as faculdades próprias de um processo penal adequado a um cenário democrático. Em suma, uma legislação eminentemente democrática, do ponto de vista do processo penal, deve se equilibrar no meio de dois extremos: a aceleração antigarantista e a dilação indevida. Apenas evitando estes extremos é que o legislador será capaz de garantir a duração razoável do processo sem lesar as garantias constitucionais do acusado (Dotti, 1995). Isso posto, cumpre discutir o que era um prazo razoável na legislação processual penal original e o que a reforma de 2008 passou a considerar como tal. De acordo com a própria exposição de motivos das Leis 11.719/08 e 11.689/08 o fim maior destas foi agilizar o processo penal, tornando-o mais eficiente, do ponto de vista do seu tempo de duração. Logo, é natural que seja exatamente essa intenção que provoque maior controvérsia entre os operadores do direito no momento de sua aplicação. Antes de iniciar a discussão de como esta controvérsia pode ser apreendida a partir das decisões proferidas pelos diversos tribunais brasileiros, cumpre, no entanto, destacar o fato de que as inovações se concentraram no que a doutrina denomina fase judicial propriamente dita, sem alterar nem os procedimentos nem os tempos de duração do inquérito policial, o qual, na tradição brasileira, é de natureza administrativa e, por isso, fase pré-processual. 120 120 De acordo com Lopes (2007), apesar de a legislação estabelecer que o inquérito policial não passa de “simples peça de informação”, na realidade dos tribunais este documento possui uma dimensão muito maior e, por isso, o autor afirma que “talvez a investigação criminal até seja mera peça informativa, mas 196 Por outro lado, como o tempo de duração do procedimento do Tribunal do Júri (regulamentado pela Lei 11.689/08) é distinto do tempo de duração do procedimento ordinário (regulamentado pela Lei 11.719/08) achou-se por bem dividir esta seção em duas partes. A primeira discute o excesso de prazo no âmbito do primeiro rito citado, enquanto a segunda discute o excesso de prazo no âmbito do segundo. Esta divisão também faz sentido do ponto de vista empírico, pois considerando as 603 decisões que estão sendo analisadas neste capítulo, das 142 classificadas como discutindo o excesso de prazo, apenas 25 se referem à Lei 11.689/08. Interessante destacar ainda que, independente do tribunal analisado, no que se refere à temática “excesso de prazo” a maioria das decisões analisadas tem mesmo como base a Lei 11.719/08 (Tabela 34). apenas para aqueles que não figurem como suspeitos da prática de uma infração penal, posto que para os investigados, certamente, ela não o é”. Exatamente por isso, inúmeros doutrinadores têm questionado o fato de que a reforma de 2008 sequer tocou em institutos tão basilares como o inquérito policial, o qual, inclusive, muitas vezes, é o maior responsável pela duração excessiva do processo. No entanto, cumpre destacar que na sistemática atual o inquérito policial ainda é atividade pré-processual e, por isso, muitas vezes, o seu tempo não é computado como duração do processo, posto que este se inicia com a denúncia. 197 Tabela 34 – Quantitativo de decisões classificadas como “excesso de prazo” por tribunal e por lei analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TJ/SP 42 2 44 STJ 14 5 19 TJ/GO 10 4 14 TJ/PA 8 0 8 TJ/PR 8 0 8 TJ/RS 3 4 7 TJ/MA 6 0 6 TJ/SE 3 3 6 TJ/MG 4 0 4 TJ/MT 4 0 4 TJ/PE 2 2 4 STF 3 0 3 TRF3 3 0 3 TRF4 1 2 3 TJ/ES 1 1 2 TJ/RN 2 0 2 TRF2 1 1 2 TJ/CE 1 0 1 TJ/SC 1 0 1 TRF5 0 1 1 Total 117 25 142 Fonte: Dados da pesquisa. De acordo com Lopes Júnior e Badaró (2009), na sistemática do CPP de 1941 o procedimento do júri não possuía prazos muito bem definidos e, em boa medida, tanto a doutrina como os operadores do direito terminavam por contabilizar parte dos prazos prescritos para o procedimento ordinário como prazos prescritos também para o procedimento do júri. No entanto, com a edição da Lei 11.689/08, o procedimento do júri ganhou não apenas uma sistemática específica, como ainda prazos delimitados e distintos dos prazos do procedimento ordinário. Do ponto de vista da duração razoável do processo, a grande novidade é a previsão do prazo de 90 dias para conclusão da sua primeira fase. 121 Por outro lado, ao contrário do que ocorria na sistemática anterior, não há distinção de prazos entre réu preso e réu solto, sendo que em ambos os casos, a decisão que decide pela pronúncia (ou não) do suspeito deverá ocorrer em até 90 dias a partir do recebimento da denúncia pelo juiz. 122 121 Art. 412. O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias. 122 Mesmo porque é a partir do recebimento da denúncia (art. 406) que se inicia a contagem do prazo para que o juiz ou absolva sumariamente ou mande citar o réu para responder a acusação que lhe é feita. 198 Concomitante com este dispositivo tem-se que o art. 428 do CPP 123 estabeleceu a possibilidade de desaforamento 124 quando tiverem transcorrido mais de seis meses do trânsito em julgado da pronúncia. Portanto, quando se interpreta sistematicamente o art. 412 com o art. 428 do CPP, tem-se que o prazo máximo para duração do processamento dos casos de competência do júri é de 270 dias ou nove meses (90 dias até a pronúncia e 180 dias entre a pronúncia e a decisão do júri). Considerando este arcabouço normativo, indaga-se: quais são as questões polêmicas relacionadas ao excesso de prazo no âmbito desta lei? A análise dos julgados denotou que os tribunais têm se posicionado em dois extremos. De um lado, há aqueles que têm procurado implementar a nova disposição, impedindo que o acusado tenha o seu direito constitucional à razoável duração do processo violado. Neste sentido, tem-se o Desaforamento n° 990.08.091069-8, julgado pelo TJ/SP. Esta decisão analisou um pedido de desaforamento em virtude da data de julgamento ter sido marcada para três anos após a pronúncia. Em virtude das alterações trazidas pela Lei 11.689/08 este pedido foi deferido nos seguintes termos: Julgamento designado para data superior a três anos do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. Ofensa ao art. 428 do CPP; _ com a redação dada pela Lei n° 11.689/08. Partes que não concorreram para a demora. Excesso de serviço que impede o julgamento no prazo legal. Desaforamento deferido” No entanto, em posição diametralmente oposta, tem-se a decisão do STJ que ao analisar o pedido de HABEAS CORPUS Nº 123.058, proveniente de caso julgado pelo Tribunal de Justiça da Bahia, afirmou que os prazos prescritos pela nova lei não poderiam ser aplicados sem uma análise do caso concreto, posto que “a razoável duração do processo não se mede por valores pré-definidos, mas sim por uma morosidade excessiva, cabendo ao juiz fazer um juízo de proporcionalidade”. No entanto, como o referido tribunal não informa em sua decisão quais são as balizas que o 123 Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. 124 O desaforamento é o deslocamento de um processo de competência do Tribunal do Júri, já iniciado, de um foro para outro, transferindo-se para este a competência para o seu julgamento, o qual deve ocorrer imediatamente. 199 juiz deve se utilizar nesta proporcionalidade não foi possível inferir o que este tribunal entende como razoável duração do processo. Ou seja, as decisões coletadas neste quesito (excesso de prazo e Lei 11.689/08) denotam que a razoabilidade do tempo de duração dos processos de competência do júri, apesar de claramente inscrita na lei, pode ou não ser aplicada pelos tribunais dependendo do entendimento que esses possuem do que é um prazo razoável. Os advogados de defesa têm pleiteado o cumprimento dos novos prazos impetrando recursos e ações impugnativas. Diante destes questionamentos, alguns juízes têm deferido os referidos pedidos, outros têm denegado, sustentando que esses prazos não são mandatórios e, por isso, podem ser flexibilizados dependendo das circunstâncias do caso. E o que dizer da controvérsia sobre a duração do procedimento ordinário? De acordo com os prazos estabelecidos pela Lei 11.719/08 desde o registro inicial do crime pela polícia até a sentença que encerra o procedimento em primeira instância estão previstos 120 dias (Lopes Júnior e Badaró, 2009: 146). Quando questionados sobre esta questão, o posicionamento dos tribunais tende a ser bastante diverso, dependendo essencialmente do caso em tela. Alguns deferem os pedidos imediatamente, afirmando que o direito à razoável duração do processo (cuja métrica é a estabelecida pelo CPP) não pode ser violado pelas cortes, posto ser este uma garantia constitucional do acusado: “HABEAS CORPUS. Prisão. Excesso de prazo. Não atribuível ao paciente. princípio da razoabilidade. Inaplicabilidade. Ordem deferida. Constatado o excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal, não atribuível a defesa, impõe a concessão do writ e a imediata soltura do réu, pois a duração razoável do processo é uma garantia fundamental (inc. LXXVIII do artigo quinto da CF), que assume ainda mais relevância nos processos criminais com a edição da lei n. 11.719/08.” (TJGO, Segunda Câmara Criminal, Habeas Corpus 35020-1/217, Rel. Des. Carlos Alberto Franca) Em outras situações, os tribunais relativizam as regras das leis e as interpretam sob a perspectiva de que os tempos prescritos pelos códigos são meros guidelines para os operadores do direito, que sempre podem estendê-los de acordo com a realidade do caso concreto. 200 Na hipótese, não se vislumbra, ao menos nessa etapa, em juízo cautelar, o alegado constrangimento de que estaria sendo vítima a paciente, eis que a Corte impetrada destacou haver a ação penal adquirido regular andamento após iniciais vicissitudes enfrentadas pelo Juízo processante, tendo sido os réus citados em 3-9-2008 para apresentação das respectivas respostas escritas à acusação, consoante o novo rito trazido na Lei n. 11.719/08. Apontou também que a pluralidade de denunciados demanda um maior intervalo para a prática dos atos processuais (fls. 34/35). Ademais, a motivação que dá suporte ao pedido confunde-se com o mérito do writ, devendo a questão ser analisada mais detalhadamente quando da apreciação e julgamento definitivos do remédio constitucional. Diante do exposto, indefere-se a liminar.” HABEAS CORPUS Nº 126.318 - PE (2009/0009608-4) STJ Mas, o que a análise qualitativa destas decisões denota em termos da matéria excesso de prazo? Primeiro, que os advogados têm pleiteado o respeito aos prazos estabelecidos pelo CPP no âmbito das duas leis, sendo tal questionamento mais freqüente no âmbito da Lei 11.719/08 por ser este o rito que se aplica à maioria dos crimes existentes no Código Penal Brasileiro. Segundo, os tribunais têm se valido do princípio da independência dos juízes e defendido que “o prazo para a instrução criminal não é absoluto, podendo ser razoavelmente prolongado diante do caso concreto” (HABEAS CORPUS Nº 126.028 – MG, julgado pelo STJ). Terceiro, as novas regras processuais, ao contrário do que muitos doutrinadores têm afirmado, ampliaram o prazo de duração do procedimento, especialmente o ordinário. Tanto é assim que em algumas decisões analisadas o pedido do advogado fora denegado porque este “se baseara, provavelmente, em antigo entendimento doutrinário e jurisprudencial de 81 dias para encerramento da instrução criminal. Entendimento este que não mais se coaduna com o ditado pela lei 11.719/08, que regulamentou o prazo da instrução criminal em 120 dias” (Recurso em Sentido Estrito 10528-1/220 – TJ/GO). Portanto, as novas regras deixaram mais claro para o acusado que se ele estiver sendo processado por crime doloso contra a vida o seu processo deve ser encerrado em 270 dias a contar da data do recebimento da denúncia. Isso significa que o acusado tem agora em suas mãos regras temporais claras para questionar o excesso de prazo. Contudo, para os casos que se sujeitam ao procedimento ordinário ainda existe controvérsia quanto aos 120 dias, posto que a doutrina (Lopes Júnior e Badaró, 2009) 201 computa este valor levando em consideração o tempo de duração da fase policial e como se esta pudesse durar sempre 10 dias, o que não é o caso, posto que este é o prazo processual para o réu preso. De acordo com Dezen (2008), as hipóteses nas quais estas flexibilizações dos novos prazos podem ocorrer já se encontram prescritas nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, as quais se referem, basicamente, a situações excepcionais. Com base nestes tratados, estabeleceu-se, então, a chamada doutrina dos três critérios sobre o tema. Isso significa que há três critérios que devem ser considerados para a verificação da indevida duração do processo: complexidade do caso; conduta processual do acusado; conduta das autoridades judiciárias. A complexidade do caso não é como aquela advinda da profundidade da questão jurídica abarcada, mas sim o complexo trabalho de produção de provas, que demanda dilação excepcionalmente maior. A anormal conduta processual do acusado, que permite a ultrapassagem do prazo estabelecido, não se confunde com a regular produção da prova — eis que a possibilidade de participar da produção da prova é inerente ao contraditório — mas sim com a excepcional necessidade de provas especialmente demoradas como perícias incomuns ou expedição de cartas rogatórias. Como conduta da autoridade judiciária deve ser ponderada não só apenas a iniciativa do juiz na condução célere do feito, como também dos demais envolvidos no trâmite do processo, como a procrastinação do feito pela acusação, ou a incapacidade da estrutura do juízo em dar cumprimento célere aos atos processuais determinados. Desta forma, importa dizer que para a doutrina o excesso de prazo apenas é justificado se o caso apresenta os três critérios acima destacados. No entanto, como estes critérios encontram-se, na realidade, contemplados na Teoria dos Três Critérios criada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e que se aplica no Brasil (Dezen, 2008), talvez uma forma de aumentar as garantias constitucionais do acusado neste sentido, seria a inserção destes três critérios de maneira explícita na legislação processual penal brasileira. Outra questão que deveria ser deixada mais clara é o prazo para encerramento da segunda fase do júri já que o entendimento da aplicabilidade dos 6 meses é dado por analogia ao desaforamento, que é medida excepcional admitida quando o “juiz natural da causa” não consegue implementar o prazo prescrito em lei. 202 Já no caso do procedimento ordinário, uma proposta seria a criação de um artigo que estabelecesse de maneira explícita o tempo de duração desta fase, mais de acordo com a mesma regra de contagem do prazo da primeira fase do rito do júri. Ou o estabelecimento de um artigo que firmasse a aplicabilidade do art. 412 para o procedimento ordinário, inclusive no que se refere à possibilidade de extensão do prazo prescrito. Com a inserção de tais dispositivos na atual sistemática processual penal brasileira acredita-se que o acusado terá maiores garantias no que se refere ao direito de ter o seu processo encerrado em um prazo razoável e, com isso, evitar-se-á ainda o grande número de recursos pleiteando a aplicação destes dispositivos. IV.4.2 - Ausência de Justa Causa para Continuidade da Prisão Cautelar Conforme salientado por Lopes Júnior (2000), as medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e eficaz aplicação do direito de punir ao possibilitar, por exemplo, a prisão do acusado para garantia da instrução criminal. O que se pretende com uma medida como esta é possibilitar o regular desenrolar do processo, especialmente no campo probatório. As inovações introduzidas pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 tiveram como mérito obrigar os operadores da justiça a justificarem de maneira pormenorizada porque o réu deve ser excepcionalmente privado de sua liberdade, no momento da pronúncia, enquanto aguarda a sentença que determinará o seu recolhimento ao cárcere de maneira definitiva (isto é, após o trânsito em julgado da sentença). Por ser a “ausência de justa causa para a continuidade da prisão cautelar” um tema afeto às duas legislações, o quantitativo das suas decisões pode se distribuir de maneira diversificada entre as leis. Assim, para se verificar a quantidade de decisões que cada tribunal tem proferido dentro de cada uma das legislações no que se refere ao tema em questão, tem-se a Tabela 35. Tabela 35 – Quantitativo de decisões classificadas como “ausência de justa causa para a prisão cautelar” por tribunal e por lei analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total STJ 13 7 20 TJ/SP 14 0 14 TRF3 11 0 11 TJ/MG 10 0 10 203 TJ/PA TJ/RS TJ/GO TRF1 STF TJ/CE TJ/RN TJ/PE TJ/PR TJ/SC TRF2 TJ/MA TJ/MT TRF4 Total Fonte: Dados da pesquisa. 7 5 4 4 3 2 2 1 2 1 2 1 1 1 84 1 2 2 0 0 1 1 1 0 1 0 0 0 0 16 8 7 6 4 3 3 3 2 2 2 2 1 1 1 100 Mais uma vez, a Lei 11.719/08 recebeu mais questionamentos que a Lei 11.689/08 no que se refere a um tema polêmico no âmbito das novas leis. No âmbito da Lei 11.689/08, a maioria dos questionamentos à ausência de justa causa para a prisão cautelar diz respeito ao fim da possibilidade da prisão por pronúncia, que na sistemática anterior era automática – apesar de tal dispositivo ter sido considerado como nãorecepcionado pela Constituição Federal de 1988 – e agora, de acordo com o §3º do art. 413125 deve ser fundamentada. Esta era uma mudança há muito desejada, uma vez que a regra é a liberdade do acusado, sendo a prisão, quando ainda da instrução, medida excepcional e, por isso, justificada apenas em circunstâncias nas quais a liberdade do acusado traz prejuízos para o bom andamento do processo, nos termos do artigo 312 do CPP. 126 Neste ínterim, no âmbito da Lei 11.689/08, as decisões mapeadas apontam no sentido de que os questionamentos solicitam que os juízes fundamentem o porquê de se manter o acusado privado de sua liberdade quando da pronúncia. Exemplo desta situação é o Habeas Corpus 2009.0002.1871-0/0, impetrado junto ao Tribunal de 125 Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. § 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. § 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. 126 Art. 312: a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. 204 Justiça do Ceará em face de decisão que decretou a prisão cautelar do acusado, sem obedecer ao que dispõe o art. 413 § 3º do CPP, razão pela qual foi acolhida a ordem para libertar o acusado. Ou seja, no que se refere à Lei 11.689/08, os tribunais têm entendido que a mudança apenas favorece o sistema de garantias do réu de ter um processo justo. Por isso, os questionamentos relacionados à prisão por pronúncia e recolhimento ao cárcere determinados em primeira instância, mas sem fundamentação do juiz, têm sido acolhidos em segunda instância, fazendo com que os magistrados sejam forçados a sempre justificarem o porquê do uso desta medida excepcional. Já no que tange à Lei 11.719/08, merece destaque o fato de ter sido revogado o art. 594127, que estabelecia a obrigatoriedade da prisão por sentença condenatória recorrível para que a condenação pudesse ser discutida em segunda instância por meio de apelação. No mesmo sentido, tem-se a inclusão do parágrafo único ao art. 387 128 que deixou expressa a regra de que o juiz deve fundamentar a necessidade de se recolher o réu ao cárcere quando este ainda puder discutir a propriedade de tal desfecho processual. Entendeu o legislador que se o réu ainda possui mecanismos para rever a decisão condenatória proferida em seu desfavor, este apenas deve ser recolhido ao cárcere quando estiver caracterizada a possibilidade de se inviabilizar a continuidade do processo em grau recursal. Contudo, há que se destacar que a maioria dos recursos ou ações impugnativas impetradas com fundamento neste artigo procurava revogar prisões cautelares que tinham sido determinadas antes do início do período de vigência da lei 11.719/08. Assim, alguns tribunais têm entendido que, em razão do princípio de que Tempus Regit Actum, 129 a nova legislação não poderia ser aplicada, inobstante a existência do princípio constitucional da necessidade da fundamentação das decisões 127 Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto. (Revogado pela Lei nº 11.719, de 2008). 128 Art. 387 - Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). 129 Tempus regit actum: é o nome do princípio que rege a aplicação da lei penal no tempo. Significa que a lei Penal incide sobre fatos ocorridos durante a sua vigência 205 judiciais e da presunção de inocência. Exemplo de decisão neste sentido é o Habeas Corpus 2008.03.00.037183-7 SP, julgado pelo TRF da 3ª. Região. Trata-se de Habeas Corpus no qual se requereu a revogação da prisão cautelar, sob alegação de a mesma estar fundamentada em alegações genéricas, algo que não é mais aceito pela nova legislação (e já não o era com o advento da CF/88), apesar de a prisão ter sido decretada antes da vigência da Lei 11.719/08. Em suma: requereu a retroatividadeda da Lei 11.719/08, eis que benéfica ao autor. Entretanto, pelo princípio do tempus regit actum, o tribunal denegou o pedido. No entanto, outros tribunais, baseando-se no princípio de que a “lei penal não irá retroagir salvo para beneficiar o réu” têm acatado estes questionamentos. Exemplo disso é o HABEAS CORPUS 85.369-2 SÃO PAULO – STF. Esta ação impugnativa foi impetrada contra decisão que julgara deserto o recurso de apelação do réu em virtude de não ter ele sido recolhido à prisão para apelar. A ordem foi concedida para determinar a apreciação do recurso independentemente de recolhimento à prisão – face à inconstitucionalidade do artigo 594, hoje revogado, que determinava a prisão para poder apelar – insistindo também no fato de que não teria havido no caso em tela, a fundamentação da decisão exigida pela nova redação do artigo 387. Ainda neste sentido, tem-se: 'HABEAS CORPUS'. PRISÃO CONDENATÓRIA RECORRÍVEL. CAUTELAR DECRETO DO DECORRENTE AUSÊNCIA PRISIONAL. DE DE SENTENÇA FUNDAMENTAÇÃO REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA NÃO DECLINADOS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 387, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ENTRADA EM VIGOR DA LEI 11.719/08.- De acordo com a nova redação conferida pela Lei 11.719/08 ao artigo 387, parágrafo único, do Código de Processo Penal, a imposição de prisão, na sentença condenatória, depende da fundamentação cautelar, não bastando a simples determinação para recolhimento do réu à prisão. (TJMG, 2ª Câmara Criminal, Habeas Corpus nº. 1.0000.08.487565-7/000(1), Rel.Des. Renato Martins Jacob) O que estas decisões parecem ilustrar é que a grande controvérsia no que se refere à ausência de justa causa para a prisão cautelar está relacionada à questão da possibilidade de a nova lei alcançar casos de prisões cautelares decretadas ainda quando da vigência da lei anterior. Assim sendo, espera-se que à medida que processos iniciados antes da reforma forem sendo encerrados, a controvérsia deixe de existir. Contudo, diante deste cenário, não há que se falar em reformas da legislação. 206 IV.4.3 – Identidade física do juiz No entender de Badaró (2009), até a edição da Lei n. 11.719/2008, não vigorava no processo penal brasileiro a regra da identidade física do juiz. Mais do que a ausência de uma previsão expressa, a não adoção da identidade física do juiz decorria da estrutura do procedimento até então adotada. Em parte isso pode ser explicado pelo fato de que a identidade física do juiz é um dos corolários do sistema da oralidade. Assim, não faz sentido a sua adoção isolada, sem que seja previsto um procedimento concentrado, com instrução em audiência una ou em poucas audiências, realizadas em momentos próximos, e imediaticidade na produção da prova. Assim, o princípio da identidade física do juiz foi inserido no bojo de uma reforma mais ampla, que concentrou vários dos procedimentos e ganhou positivação explícita com a nova redação do § 2o do art. 399 do CPP. 130 O princípio da identidade física significa que o juiz que colher a prova fica vinculado ao julgamento da causa. Como na sistemática anterior, os depoimentos não eram transcritos na íntegra, mas apenas tinham os seus pontos mais importantes ditados pelo magistrado que os coletou, o juiz responsável pela sentença ficava adstrito ao que o seu colega havia julgado como importante de ser registrado para a decisão daquele caso. Com a identidade física isso não ocorre porque quem profere a decisão é quem colhe a prova. Antes de entrar na análise das decisões dos tribunais propriamente ditas, é mister destacar que apesar de esta alteração ter se processado no âmbito da Lei 11.719/08, duas decisões mencionaram como fundamento a Lei 11.689/08 (Tabela 36). Tabela 36 – Quantitativo de decisões classificadas como “identidade física do juiz”, por tribunal e por lei analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TJ/MG 11 0 11 TJ/SP 10 0 10 STJ 7 0 7 TJ/PR 5 0 5 TRF3 4 1 5 TJ/RS 4 0 4 TJ/MT 3 0 3 TJ/RJ 3 0 3 130 Art 399 - § 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). 207 TJ/RN TJ/BA TJ/ES TJ/MA TJ/RO TJ/SC TJ/SE TRF1 TRF2 TRF4 TRF5 Total Fonte: Dados da pesquisa. 2 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 58 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 60 Analisando estas decisões foi possível constatar que no caso do TRF da 2º região – TRF2 – quando do julgamento do Habeas Corpus 2009.02.01.008604-2, entendeu que com o advento da Lei nº 11.689/08 foi facultado aos réus serem reinterrogados, e que, por analogia à nova redação do § 2o do art. 399, estes deveriam ser interrogados pelo mesmo magistrado que coletou as provas. Já o TRF da 3ª. Região – TRF 3 – entendeu por conceder a ordem no Habeas Corpus Nº 2009.03.00.008656-4/SP, que procurava alterar a decisão de primeira instância que condenava o acusado pelo crime de roubo uma vez que: Verifica-se que a sentença foi proferida em 23/09/2008, portanto, quando já em vigor a Lei 11.689/08, que alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, dentre eles o Art. 399, § 2º, que atualmente estabelece o princípio da identidade física do juiz, nos seguintes termos: "O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. Ou seja, neste caso trata-se de erro do próprio tribunal que confundiu que lei alterou que procedimento, sendo que este erro se refletiu na própria coleta de dados, denotando como a metodologia adotada pela pesquisa para entendimento do que os tribunais estão discutindo no grau recursal quanto às novas leis se mostrou pertinente, posto que capaz, inclusive, de apontar as falhas destes. Retomando a análise do conteúdo desta inovação tem-se que, de acordo com os doutrinadores da área, o princípio da identidade física do juiz foi introduzido no âmbito do processo penal para se garantir que o juiz fique intensamente comprometido com a verdade dos fatos ao longo de toda a instrução criminal e, em conseqüência: “As decisões produzidas no seu âmbito dependem, freqüentemente, de uma maior proximidade do juiz com a prova dos autos, avaliando as reações emocionais e o comportamento do réu no interrogatório, a franqueza e a credibilidade das 208 testemunhas, a sinceridade e as emoções da vítima do crime.” (Borges de Mendonça, 2009: 279). A legislação não previu expressamente nenhum caso de exceção ao princípio da identidade física do juiz. Contudo, como bem destacam alguns doutrinadores (Borges de Mendonça, 2009), é claro que haverá hipóteses em que será impossível o respeito a este princípio, como acontece em se tratando de morte, aposentadoria, convocação para atuar em outro tribunal, licença e promoção. Nestes casos, o juiz que substituir o anterior pode, inclusive, mandar repetir as provas produzidas anteriormente dado que diante do silêncio da lei penal, alguns autores entendem ser possível a aplicação analógica do art. 132 131 do Código de Processo Civil. Aliás, cumpre destacar que algumas decisões mapeadas por esta pesquisa tiveram como objetivo reiterar este entendimento doutrinário. Este é o caso do conflito de competência Nº 583740-5, julgado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, o qual destacou o seguinte: Identidade física do juiz. Princípio introduzido no processo penal pela lei 11.719/08. art. 399, § 2º, do CPP. Preceito legislativo que exige interpretação analógica às regras do processo civil. Inteligência ao art. 3º do CPP. Instrução presidida e encerrada por juíza substituta. Posterior nomeação ao cargo de juíza de direito na entrância inicial, em comarca diversa. Circunstância que se assemelha à promoção. Competência atribuída ao juiz titular da comarca em que tramita o processo-crime. precedentes desta corte. Conflito procedente.” Contudo, cumpre destacar que a maioria das decisões encontradas no que se refere ao princípio de identidade física do juiz destacam que, apesar de a norma processual penal se aplicar imediatamente, especialmente para beneficiar o réu, os tribunais têm colocado que, se à época de início de vigência da lei a instrução já havia sido iniciada, este princípio pode ser rechaçado. Neste sentido, cumpre destacar a decisão da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acerca do conflito de 280/2009: Conflito negativo de jurisdição, correlato ao princípio da identidade física do juiz; contido no artigo 399 § 2º do Código de Processo Penal, na alteração dada pela Lei 11719/2008. Suscitação por magistrada que encerrou a instrução, dando vista para alegações finais, sendo que outro juiz realizou o interrogatório e ouviu uma testemunha, e outra juíza inquiriu outras 131 Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor 209 testemunhas. Parecer ministerial pela rejeição do Conflito. Razão manifesta. Interrogatório efetivado antes da vigência da norma inovadora. Instrução que houve em atos diversos, não por fracionamento decretado, mas ainda dentro do rito pretérito. Contato pessoal do juiz que não se reputa imperioso em se restringindo ao acusado, mas abrangendo as testemunhas arroladas pelas partes. Conjugação que impende ser feita, na espécie, entre o dito dispositivo e o artigo 132 do Código de Processo Civil, aplicável por analogia. Conflito que se desacolhe, dando-se pela competência, acerca da Sentença, da Magistrada que o deflagrou.” Mas, há que se destacar que parte da doutrina não concorda com o entendimento acima exposto. Por exemplo, Badaró (2009) expressa sua discordância ao afirmar que inexiste lacuna quanto ao marco cronológico para a vinculação, pois, no processo penal, um único juiz deve conduzir toda a instrução. Não há necessidade de se definir qual, entre os diversos juízes que tenham participado da instrução, irá sentenciar o feito, se toda a prova deve se colhida por um mesmo juiz. De acordo com o referido autor esta diversidade de interpretações decorre do fato de que a alteração realizada pela Lei 11.719/08 foi incompleta neste quesito, uma vez que: a previsão da identidade física do juiz no § 2o do art. 399 do CPP pecou por ser incompleta. O dispositivo prevê, apenas, que “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”. À primeira vista, parece que apenas há uma vinculação do juiz da instrução à sentença. Mas, é preciso perceber, ainda, outro significado, que realmente permitirá realização de uma efetiva oralidade, com todas as vantagens dela decorrentes: a expressão “juiz que presidiu a instrução” deve ser entendida como a previsão de que toda a instrução deve se desenvolver perante um único juiz, que deverá ser o mesmo que sentenciará o feito” (Badaró, 2009). Estas informações se tornam ainda mais sensível quando os dados sumarizados no capítulo 1 são levados em consideração. De acordo com a revisão das pesquisas sobre o tempo da justiça criminal, a média de tempo necessário para processamento e julgamento de um delito de homicídio doloso é de 1.433 dias ou 3,5 anos. 132 Isso equivale a dizer que neste momento, o judiciário brasileiro pode estar processando e julgando causas relativas a crimes cometidos em 2006. 132 Para mais detalhes, vide revisão feita no cap. 1 desta mesma pesquisa. 210 Desta forma, o que as decisões que se referem ao princípio da identidade física do juiz mapeadas nesta pesquisa parecem indicar é que, apesar de a lei se aplicar a todos os processos em curso quando de sua publicação, os tribunais estão entendendo que esta legislação deve ser aplicada apenas para os crimes registrados após o início de vigência da lei. Este entendimento, por sua vez, fere diretamente a segurança jurídica e o princípio da aplicação imediata da norma processual penal, de ter o réu o direito de ver seu processo julgado pela lei vigente no momento de seu processamento. Frise-se que, de acordo com os doutrinadores, o princípio da identidade física do juiz foi pensado para que o juiz que presenciou a emoção do acusado no momento de seu depoimento seja o mesmo que irá proferir a sua absolvição ou condenação. Ou seja, esta inovação trazida pela reforma foi pensada para beneficiar apenas e em última instância o réu. Mas, este não parece ser o entendimento de alguns tribunais, inclusive do STJ, o qual, no HABEAS CORPUS Nº 35.825 - RJ (2004/0075993-5) afirma que “aos fatos que se deram antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/08 não há a exigência de que o Juiz sentenciante seja o mesmo que presidiu a instrução. Em situações como esta, não há que se falar em quaisquer nulidades”. Em certa medida, esta discussão se coaduna com o ponto subseqüente, o qual discute exatamente a partir de que momento os dispositivos das novas leis devem ser aplicados. IV.4.4 - Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal Como bem destaca Bonfim (2009), a norma processual entra em vigor imediatamente e se aplica a todos os processos em curso, por força do princípio tempus regit actum, previsto no art. 2º. do CPP. No entanto, como destaca Badaró (2008), a reforma do Código de Processo Penal foi sui generis inclusive no momento de sua aplicação, posto que ao invés de estabelecer uma vigência imediata de seus procedimentos, teve uma vacatio legis 133 de 60 dias. Isso significa que a Lei 11.689/08 entrou em vigor no dia 9 de agosto de 2008, enquanto a Lei 11.719/08 entrou em vigor no dia 22 de agosto de 2008. 133 Vacatio legis é uma expressão latina que significa "vacância da lei" e designa o período que decorre entre o dia da publicação de uma lei e o dia em que ela entra em vigor, ou seja, tem seu cumprimento obrigatório. 211 Para iniciar esta discussão, cumpre apresentar quais são os tribunais que parecem ter maiores questionamentos sobre como estas novas leis devem ser aplicadas. Esta informação encontra-se sumarizada na Tabela 37. Tabela 37 – Quantitativo de decisões classificadas como “Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal” por tribunal e por lei analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TJ/RS 15 4 19 STJ 1 11 12 TJ/MG 6 0 6 TJ/SP 2 4 6 TJ/ES 1 2 3 TJ/PR 2 0 2 TJ/SC 2 0 2 TRF3 2 0 2 STF 1 0 1 TJ/GO 0 1 1 TJ/PA 1 0 1 TJ/SE 1 0 1 TRF2 1 0 1 Total 35 22 57 Fonte: Dados da pesquisa. A Tabela 37 revela questões curiosas. Primeiro, apesar de, no geral, a discussão de ambas as leis ter apresentado o mesmo número de decisões, esta se encontra concentrada em basicamente dois tribunais: o momento de aplicação da Lei 11.689/08 está com a discussão concentrada no âmbito do STJ e a discussão do momento de aplicação da Lei 11.719/08 está concentrada no âmbito do TJ/RS. Os demais tribunais possuem pouca produção neste sentido. Quanto aos problemas relacionados ao momento de aplicação da lei, cumpre destacar que esta controvérsia foi iniciada porque a reforma de 2008 trouxe em si não apenas dispositivos relacionados ao processo penal puramente, mas ainda ao direito penal material, colocando ainda mais dúvidas sobre qual seria o momento de início de sua vigência, posto que: No Direito Penal, o problema da sucessão de leis no tempo é resolvido segundo a garantia constitucional de que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (CR, art. 5º, inc. LV). Já no campo processual penal, a norma geral de Direito intertemporal é expressa pelo princípio tempus regit actum, previsto no art. 2º do CPP: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.” (Badaró, 2008). 212 Neste sentido, quais casos as novas leis alcançam? De acordo com Badaró (2008), considerando a sistemática vigente no âmbito do direito penal e processual brasileiro no que se refere ao direito intertemporal, seria possível estabelecer as seguintes regras de vigência: 1 – A regra geral de Direito intertemporal no processo penal é, nos termos do art. 2º do CPP, 134 a aplicação imediata da lei nova: tempus regit actum. 2 – As leis processuais penais materiais, ou leis processuais mistas, tendo em vista que seu conteúdo diz respeito a garantias constitucionais do acusado, em especial envolvendo seu status libertatis, disciplinando prisões cautelares e liberdade provisória, devem seguir mesma regra intertemporal direito material: a lei nova não retroagirá, salvo para beneficiar o acusado (CR, art. 5º, inc. LV). 3 – No caso de regras que alteram o procedimento, nem sempre será possível a aplicação do princípio geral tempus regit actum, devendo ser aplicado o sistema das fases processuais, quando a aplicação imediata puder comprometer a atuação integrada dos diversos atos que compõem um procedimento unitário. 4 – Quanto aos recursos, a regra de Direito intertemporal é que a lei vigente no momento em que a decisão recorrível foi proferida deverá continuar a disciplinar o cabimento, os pressupostos de admissibilidade recursal, o procedimento e os efeitos do recurso, mesmo depois do início de vigência da lei nova. A doutrina tem procurado esclarecer o problema acerca de qual deve ser a norma aplicável estabelecendo estas quatro regras a serem observadas quando da implementação dos novos dispositivos. Não obstante, a polêmica continua no âmbito dos tribunais. Em parte, esta continua dada a dificuldade de se estabelecer se a matéria tratada pelas novas leis é meramente processual (caso em que a lei aplicável é a do momento do procedimento), ou se a matéria tratada pelas novas leis é mista, isto é, apesar de ser uma norma processual ela também inclui questões relacionadas ao direito penal material, caso em que a lei pode retroagir, desde que seja para beneficiar o réu. A maioria dos julgados classificados nesta temática estava relacionado a pedidos para que as novas leis alcancem casos ou decisões pretéritas e, assim, o réu seja beneficiado. Contudo, neste sentido, a maior parte dos tribunais tem entendido por bem 134 Art. 2º. A norma processual penal se aplica imediatamente, ou seja, a todos os procedimentos em curso. 213 denegar o pedido do recorrente posto que as novas leis (11.719/08 e 11.689/08) tratam de “regras aplicadas ao direito processual” e, assim, estas possuem “aplicabilidade imediata e não retroativa” (neste sentido, apelação 1.0686.08.220816-2/001(1) julgada pelo TJ/MG; apelação 2009.040787-8 julgada pelo TJ/SC; apelação 70025515602, julgada pelo TJ/RS, dentre outras). Então, o que resta ao legislador fazer para dirimir a controvérsia? Neste caso, parece à equipe que a controvérsia se resolverá naturalmente, posto que com o passar do tempo, os processos antigos serão finalmente decididos em última instância e, com isso, esta discussão não fará mais sentido. Contudo, para evitar que isso aconteça novamente, em legislações futuras, sugere-se que se ressalte ao final que a nova lei alcança todos os procedimentos em curso e ainda retroage nos casos de benefícios ao réu. IV.4.5 – Cerceamento do direito de defesa – Audiência Una Em geral, a discussão relacionada ao cerceamento do direito de defesa está intimamente conectada com o princípio da audiência una e exatamente por isso optou-se por uma classificação que incluísse os dois temas na mesma categoria. Isso porque a nova legislação estabeleceu que o magistrado poderá indeferir todas as provas que sejam irrelevantes, impertinentes ou protelatórias com o objetivo de assegurar a unidade da audiência, tanto no âmbito dos procedimentos ordinários como no âmbito dos procedimentos do Tribunal do Júri, de forma que essa é uma matéria que aparece relacionada às duas leis (Tabela 38). Tabela 38 – Quantitativo de decisões classificadas como “cerceamento do direito de defesa” por tribunal e por lei analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal TRF3 TJ/GO TJ/SP STJ TRF1 TRF4 TJ/ES TJ/MG TJ/PA TJ/RJ TJ/SE STF TJ/MT TJ/PR TJ/RS Lei 11.719/08 11 2 3 2 3 1 0 2 2 2 0 1 1 1 1 Lei 11.689/08 0 2 1 1 0 2 2 0 0 0 2 0 0 0 0 Total 11 4 4 3 3 3 2 2 2 2 2 1 1 1 1 214 TRF2 Total 1 33 0 10 1 43 Fonte: Dados da pesquisa De acordo com Borges de Mendonça (2009: 283), uma prova irrelevante é aquela que, apesar de tratar do objeto da causa, não possui aptidão de influir no julgamento da causa. As provas impertinentes, por sua vez, são as que não dizem respeito, diretamente, à questão objeto da discussão. Por fim, as provas protelatórias são aquelas que não buscam o esclarecimento da verdade, mas apenas retardar o prosseguimento do rito. Ocorre que, parte da doutrina tem questionado que ainda que a prova pareça ao magistrado irrelevante, impertinente ou protelatória, a sua produção pode levá-lo a transformar a sua opinião sobre o caso e, por isso, se não implicar prejuízos para o réu a sua produção, esta deve ser autorizada. Como a Constituição consagra o princípio da ampla defesa, alguns autores (como Rahal e Groth, 2009) entendem que a recusa à produção de provas deve apenas ocorrer de maneira excepcional e devidamente fundamentada. A maioria das discussões classificadas como relacionadas ao cerceamento de defesa fazem menção ao art. 400, § 1o do CPP,135 o qual foi incluído pela Lei 11.719/08, ao conceder ao juiz a faculdade de deferir ou não a produção de provas, de acordo com a utilidade ou necessidade destas à instrução criminal. Esta situação pode ser exemplificada pelo Habeas Corpus 74706, julgado pelo TJMT: HABEAS CORPUS - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PRISÃO PREVENTIVA - NECESSIDADE - ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL - CERCEAMENTO DE DEFESA - REQUERIMENTO DE DILIGÊNCIA - ESTUPRO PSICOLÓGICO E CONTRA PROVA DE PERÍCIA - INDEFERIMENTO - DISCRICIONARIEDADE REGRADA DO MAGISTRADO - ORDEM DENEGADA. 1 - Estando presente prova da materialidade do crime, indícios suficientes de autoria do delito, atrelado a presença de um dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, é o bastante para embasar o decreto preventivo, como é o caso presente, uma vez que o paciente logo após a comunicação dos fatos à autoridade policial evadiu-se do local da culpa, sendo necessária a custódia 135 Art. 400 -§ 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias 215 cautelar para assegurar a aplicação da lei penal. 2 - O deferimento de diligências (prova pericial) na fase do art. 402 do CPP, com redação da pela Lei nº 11.719/2008, que revogou o disposto no antigo art. 499 do Caderno Processual Penal, é ato que se inclui na esfera de discricionariedade regrada do magistrado processante, que poderá indeferi-las de forma fundamentada, quando as julgar protelatórias ou desnecessárias, ou ainda sem pertinência com a instrução do processo, nos termos do art. 400, § 1º do CPP. 3 - Ordem de Habeas Corpus denegada.” Interessante notar que este parece ser o exemplo clássico de como a reforma processual, apesar de ambicionar a simplificação e agilidade do procedimento, não foi capaz de combinar a tempestiva prestação jurisdicional ao fortalecimento das garantias processuais penais inerentes ao sistema acusatório. Isso porque em nome da audiência uma, o juiz pode indeferir a produção de uma série de provas que, na perspectiva do réu, são indispensáveis à sua defesa, mas que, na perspectiva do magistrado, são eminentemente irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. IV.4.6 – Nulidade Processual A nulidade no Processo Penal pode ser conceituada como um defeito jurídico que torna inválido ou destituído de valor um ato ou o processo, total ou parcialmente. São, portanto, defeitos ou vícios no decorrer do processo penal. São classificadas como absolutas (ocorre de uma violação de norma de interesse público, princípio constitucional, cujo prejuízo é presumido e insanável) e relativas (quando o defeito não é tão grave, cabendo a parte postular o seu reconhecimento, demonstrando o prejuízo processual sofrido). Como as Leis 11.719/08 e 11.689/08 alteraram substancialmente a forma e o momento de prática de diversos atos processuais é de se esperar que as decisões classificadas como nulidade no âmbito das decisões em análise estejam questionando se o procedimento é ou não válido de acordo com as novas leis. Para análise cuidadosa deste fenômeno, o primeiro passo foi verificar que tribunais estão discutindo a questão da nulidade processual e dentro de que lei (Tabela 39). Tribunal STJ TJ/MG TJ/SP Tabela 39 – Quantitativo de decisões classificadas como “nulidade processual” por tribunal e por lei analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total 12 4 16 8 0 8 6 0 6 216 TJ/SE TRF1 TJ/GO TJ/PA TJ/RS TRF3 TRF4 TRF5 TJ/BA TJ/MT TJ/PE TJ/PR TJ/RJ TRF2 Total Fonte: Dados da pesquisa 3 4 2 2 2 2 2 2 1 1 0 1 1 1 50 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 6 4 4 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 56 A Tabela 39 mostra questões interessantes. Mais uma vez, o STJ é o tribunal mais chamado a dirimir as dúvidas suscitadas pela aplicação das novas leis.136 Segundo, de acordo com o mapeamento realizado pela pesquisa, das seis decisões classificadas como nulidades no âmbito da Lei 11.689/08, quatro são provenientes desta corte. Neste cenário, uma pergunta que pareceu interessante à pesquisa foi: quais são os tipos de nulidade que estão sendo discutidas no âmbito de cada uma destas leis? A análise qualitativa dos julgados denotou que a maioria dos questionamentos surgidos no âmbito da Lei 11.689/08 podem ser classificados como “nulidades da sentença”. Estes são os casos nos quais os operadores do direito estão questionando que a sentença proferida pelo júri é nula porque não seguiu os novos critérios de quesitação estabelecidos pela Lei 11.689/08. Já no âmbito da Lei 11.719/08, uma das temáticas mais recorrentes foi a denominada de “nulidade da citação”. Isso porque, em razão das alterações trazidas pela Lei 11.719/08, a nulidade de citação não mais pode ser sanada pelo comparecimento espontâneo do réu. É direito deste ser regularmente citado, tal como denota a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: Todo acusado tem direito à citação regular, porquanto é um corolário do princípio da ampla defesa que o réu seja cientificado da existência do processo e de seu desenvolvimento. II - A nova dicção do art. 363 do Código de Processo Penal enseja fôlego à antiga discussão, porquanto faz referência 136 Em certa medida, considerando que essas leis são federais e considerando a competência do STJ isto é mais do que esperado, pois se a controvérsia não é sanada no âmbito dos tribunais estaduais, necessariamente, caberá as parte recorrer a este tribunal, através de recurso especial, para que esta questão seja dirimida. 217 expressa à citação como condição de formação da relação processual que inexiste, pois, sem o referido ato citatório. III - A falta de citação, pois, não pode mais ser convalidada com a presença do acusado judicialmente, na forma do preconizado pelo art. 570 do diploma processual penal. É nulidade relativa - não absoluta - o comparecimento do réu solto ao interrogatório, sem citação pessoal, carecendo, para ser reconhecida, de alegação oportuno tempore e de prova de efetivo prejuízo. - Preliminar rejeitada (TJMG, 5ª Câmara Criminal, Apelação Criminal nº. 1.0686.06.177447-3/001(1), Rel. Alexandre Victor de Carvalho). Então, considerando a citação acima, é possível afirmar que diante do comparecimento do réu, se este considerar que a ausência de sua citação não o prejudicou, é possível que o processo siga o seu curso normal. Em certa medida, parece óbvio que se o réu comparece a uma audiência é porque tomou conhecimento do seu andamento processual e está interessado na regularidade dele. No entanto, considerando o princípio da ampla defesa, é possível imaginar que em determinadas citações por edital o conhecimento acerca da audiência não tenha chegado a tempo de viabilizar a preparação de uma defesa consistente. Por outro lado, de acordo com outros tribunais, a forma como esta questão foi estruturada levou ao reconhecimento da possibilidade da revelia no processo penal. Neste Habeas Corpus do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, a discussão é exatamente sobre este tema, sendo que os recorrentes visavam à nulidade da decretação de revelia em razão de cerceamento de defesa. Ocorre que os réus foram citados pessoalmente, e, ainda assim, não compareceram à audiência. Assim decidiu o TJ/SE: APLICABILIDADE DA NOVEL REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.689/08 AOS ARTS. 420 PARÁGRAFO ÚNICO E 457 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - NATUREZA JURÍDICA DAS NORMAS - NORMA PROCESSUAL - APLICAÇÃO IMEDIATA (ART. 2º DO CPP) - BREVE RELATO HISTÓRICO DAS LEGISLAÇÕES SOBRE O TEMA APLICABILIDADE DA NOVA REDAÇÃO PARA O CASO DE RÉU REVEL CITADO PESSOALMENTE - INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DADA AOS DISPOSITIVOS PARA ALCANÇAR OS ACUSADOS CITADOS POR EDITAL DEFENDIDOS POR DEFENSOR PÚBLICO (OU DATIVO) EM TODOS OS ATOS PROCESSUAIS - NÃO INFRIGRÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - DENEGAÇÃO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS”. (HABEAS CORPUS Nº 0209/2009, VARA CRIMINAL DE ITABAIANA, 218 Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, Relator: DES. NETÔNIO BEZERRA MACHADO, Julgado em 07/07/2009) Portanto, em consonância com as alterações perpetradas pela Lei 11.719/08 e segundo o entendimento de Souza (2009), se o réu é citado por edital e não comparece, este deve ser citado pessoalmente. Por outro lado, se citado por edital e comparece, este ato pode ser entendido como cerceamento de defesa, posto que o réu pode ter tomado conhecimento da existência de um processo crime contra ele em um lapso temporal que não viabilizou a elaboração de uma defesa que de fato comprovasse a participação deste na autoria do fato. Ainda segundo o autor, isso ocorre porque a nova sistemática decorrente da Lei 11.719/08 confundiu tanto a realização da citação que tornou possível o seu questionamento de diversas maneiras. No anterior sistema o réu era citado para comparecer apenas para ao interrogatório em dia e hora determinados. Após a reforma, com a citação, deve o réu apresentar resposta à acusação, e sua falta, gera nulidade absoluta. No entanto, a categoria de nulidade que parece mais relevante para os propósitos desta pesquisa é a nulidade da ação penal por inadequação ao novo rito (de maneira geral e não específica como é o caso da citação). Estas decisões foram proferidas, em boa parte dos casos, pelo Superior Tribunal de Justiça em processos que questionavam determinadas nulidades em razão do processo em tela não estar “adequado ao novo rito”, o que violaria o princípio do devido processo legal. Ocorre que nestes mesmos casos, havia um recurso pendente de julgamento no âmbito da instância estadual e assim as decisões mapeadas apenas afirmam “Impossibilidade de apreciação da liminar enquanto pendente o julgamento em outra instância. Supressão de instância vedada.” (HABEAS CORPUS Nº 132.202 – SP; HABEAS CORPUS Nº 133.558 - RJ); ou “Não foi verificada causa suficiente para a concessão da tutela liminar. Aguarde-se o julgamento do mérito.” (HABEAS CORPUS Nº 134.004 – SC); ou ainda “Impossibilidade de apreciação da liminar devido à complexidade da matéria, que deve ser apreciada em plenário.” (HABEAS CORPUS Nº 133.558 – RJ). IV.4.7 - Absolvição Sumária 219 A reforma do Código de Processo Penal, realizada pelas Leis 11.719/08 e 11.689/08 instituiu a possibilidade de o juiz, após a apresentação da resposta escrita, julgar antecipadamente o mérito da acusação com a finalidade de absolver o acusado (nunca com o propósito de condená-lo antecipadamente). Assim, tal como destacado nas demais matérias analisadas, a primeira atividade da equipe de pesquisa foi verificar que tribunais estão discutindo esta matéria, de acordo com cada lei. Estas informações encontram-se sumarizadas na Tabela 40. Tabela 40 – Quantitativo de decisões classificadas como “absolvição sumária” por tribunal e por lei analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total TJ/GO 0 5 5 TRF1 5 0 5 TJ/RS 1 3 4 TRF4 3 0 3 TJ/MG 2 0 2 TJ/PA 0 2 2 TRF2 2 0 2 TJ/ES 0 1 1 TJ/PR 1 0 1 TJ/SC 0 1 1 TJ/SP 0 1 1 Total 14 13 27 Fonte: Dados da Pesquisa No âmbito do procedimento ordinário, a Lei 11.719/2008 dispôs sobre as possibilidades inovadoras absolvição sumária do acusado após a apresentação da resposta escrita, conforme previsão do novo art. 397, 137 sendo estas algumas das modificações mais relevantes da reforma processual (Bártoli, 2009). Já para o procedimento do Tribunal do Júri, o que os doutrinadores têm entendido é que apesar de a Lei 11.689/08 não ter contemplado esta disposição expressamente para o caso de recebimento da denúncia, aplicar-se-á, por analogia, o art. 397, abrindo-se, portanto, a possibilidade da denúncia por crime doloso contra a vida também ser contemplada com absolvição logo no início (Füller, 2008). 137 Art. 397: “Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I – a existência manifesta de causa excludente de ilicitude do fato; II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV – extinta a punibilidade do agente”. 220 Contudo, no caso deste procedimento em especial, o juiz pode ainda, antes do momento da sessão plenária do júri, absolver sumariamente o acusado por força da nova redação do art. 415,138 dada pela Lei 11.689/08 (Pagliuca, 2009). Na sistemática anterior, contudo, caso o juiz já tivesse recebido a denúncia e, posteriormente vislumbrasse manifesta a atipicidade ou a extinção da punibilidade, não poderia reconsiderar a sua decisão, devendo o processo tramitar até ao final (Borges de Mendonça, 2009: 266). Qual seria, portanto, a controvérsia? Os artigos parecem claros e bastante pontuais quanto aos momentos e as causas que ensejam a sua aplicabilidade. Nesta situação específica, ao que tudo indica, o principal problema parece ser com o Ministério Público. Inadaga-se o porque deste órgão oferecer denúncia mesmo estando presentes: 1) causa de excludente de ilicitude; 2) causa de excludente de culpabilidade; 3) o fato narrado não ser crime; e 4) já ter ocorrido a extinção da punibilidade do agente. Em situações como esta, os promotores questionam as decisões dos magistrados alegando que as denúncias, quando oferecidas, partem do pressuposto de que nenhuma das quatro circunstâncias elencadas no art. 397 está presente, posto que se este fosse o caso, o próprio Ministério Público demandaria a absolvição sumária. Este é o caso da Apelação 1.0024.08.141392-4/001(1) julgada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Nesta apelação, o acusado requer a absolvição sumária em razão de configuração de crime impossível acerca de sua conduta, já que os meios adotados seriam impróprios para atingir o resultado esperado. Contudo, os julgadores entenderam que se o MP, baseado nas provas dos autos não requereu tal medida, a absolvição sumária não pode ocorrer, posto que ausentes os requisitos do art. 397 do CPP, com as alterações feitas pela Lei 11.719/08. Em sendo desta forma, o procedimento deveria seguir até a fase de sentença para se evitar que um indivíduo que realmente cometeu um delito seja absolvido injustamente. Outros tribunais entenderam que melhor seria continuar a aplicar o procedimento previsto na legislação anterior, dada a possibilidade de se absolver sumariamente alguém que, de fato, era responsável pela prática de um dado delito. Este 138 Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. 221 é o caso da Apelação 2009.02.01.013158-8/RJ julgada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª. Região. Este caso trata de Habeas Corpus que visava reconhecer, liminarmente, hipótese de absolvição sumária em favor do acusado. A liminar restou indeferida, pois que o relator optou por aguardar a resposta do acusado em primeira instância, e, verificar se haveria reconhecimento da absolvição sumária. Esta ocorreu, e o mandamus restou prejudicado. Esta mesma temática aparece em recursos que procuram questionar a legitimidade da pronúncia ante a possibilidade de se absolver sumariamente o réu. Este é o caso do Recurso em Sentido Estrito no. 70024594509, o qual foi parcialmente provido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Neste recurso foi requerido, preliminarmente, a nulidade da decisão de pronúncia e conseguinte absolvição sumária do réu, eis que não haveria nenhum elemento caracterizador de autoria em seu desfavor. Ocorre que o art. 415, que foi alterado pela Lei 11.689/08, só admite absolvição sumária dentro do rol taxativo de referido diploma legal. Todavia, entenderam os desembargadores que a tese apresentada pela defesa é subjetiva (descriminante putativa), o que não autorizaria a absolvição sumária, que se caracteriza por critérios objetivos, que independam de valoração das provas constantes dos autos. Neste sentido, rejeitou-se a preliminar de absolvição sumária por descriminantes putativas. A polêmica neste caso esta relacionada à aplicação do princípio do in dubio pro societates. De acordo com Netto (2009), este princípio implica dizer que “o interesse público deve prevalecer ao direito do acusado”. Contudo, o que a doutrina há muito tem questionado é a própria validade deste princípio, uma vez que: No Brasil adotou-se como valor-fonte e irradiante de todo o seu sistema jurídico a dignidade da pessoa humana. Tem-se, portanto, como aviltante a este fundamento um princípio que traça como diretriz a preponderância do interesse de uma determinada coletividade ao direito de liberdade de pessoa individualmente considerada. Outrossim, a característica principal de um Estado Democrático de Direito, como sói ser o Brasil, é a prevalência dos direitos humanos, ainda que eventualmente contrarie interesse da maioria, sob pena de o regime democrático tornar-se a capa de uma indisfarçável ditadura” (Neto, 2006). 222 Isso implica dizer que o interesse do acusado no processo penal pode ser preterido em detrimento do restante da sociedade se, e somente se, esta ação não implicar desrespeito aos princípios da dignidade da pessoa humana ou ainda se esta aplicação não comprometer todo o restante do sistema de garantias constitucionais do acusado. Ainda neste sentido, cumpre destacar o posicionamento de Lins e Silva (2001) antes mesmo da nova lei, segundo o qual, hoje há estudiosos que: estão desfazendo o mito de que nos casos de competência do Tribunal do Júri, deve ser adotado, invariavelmente, o critério da remessa do processo ao julgamento dos jurados, desprezando o aforismo irrecusável e milenar do "in dubio pro reo" e preferindo outro, incerto, e ambíguo do "in dubio pro societate", inteiramente inaplicável, porque não se pode contrapor o genérico direito da Sociedade a expresso direito individual de qualquer membro e componente dessa mesma sociedade. O raciocínio não é lógico. Sobretudo agora, quando estamos formalmente em pleno domínio do regime neoliberal, em que o respeito aos direitos individuais é verdadeiro dogma, que não pode ser alijado na sua aplicação ou suplantado por apenas aparente resíduo estatista, de que está impregnado o nosso Direito Penal e Processual Penal, pela notória fonte de que se nutriu: a legislação fascista italiana” (grifos do original). No entanto, tal como salientado por Antonini (2007), a confusão gerada por este princípio, está relacionada ao fato de o CPP ter estabelecido expressamente que restando dúvida quanto à autoria do crime e quanto à “circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu” o réu deve ser pronunciado. Ou seja, se no caso de um crime doloso contra a vida, havendo dúvida quanto a autoria do delito, deve-se remeter o acusado para julgamento “pela sociedade que senta nos bancos do júri”, o mesmo raciocínio pode ser aplicado diante do dilema entre colocar, ou não, o réu imediantemente em liberdade, quando o conjunto probatório do caso for frágil, optando por seu recolhimento à prisão. Contudo, esquecem-se os defensores desta idéia que a Lei 11.689/08 terminou por aniquilar este princípio ao estabelecer nova redação ao Art. 414. Desde então, “não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado”. Ou seja, a partir da reforma processual de 2008, é possível afirmar que o princípio máximo da aplicação da lei penal é mesmo o in dúbio pro reo, posto que, na dúvida, deverá ser o suspeito da prática de um delito colocado em liberdade. 223 Diante do exposto, parece que a própria reforma trouxe em seu bojo a solução de como os novos procedimentos devem ser aplicados e de como o princípio in dúbio pro societate resta relativizado no âmbito da legislação processual penal brasileira. Isso porque ao reformar o art. 414, o que a Lei 11.689/08 fez foi consagrar o princípio de que o processo penal deve, em última instância, preocupar-se com a dignidade da pessoa humana e, em sendo desta forma, ainda que se esteja falando de questões processuais, se estas beneficiarem o réu de alguma forma, estas podem, inclusive, alcançar atos processuais pretéritos. IV.4.8 - Ausência de justa causa para exercício da ação penal De acordo com Borges de Mendonça (2009: 253), embora a doutrina já tivesse identificado a necessidade de justa causa para o exercício da ação penal, extraindo-a do Art. 648, I 139 do CPP, ainda não havia previsão expressa de tal requisito no âmbito do referido diploma legal. Esta inovação ficou por conta da alteração dos requisitos para aceitação / rejeição da denúncia, os quais passaram agora a integrar o Art.395, III 140 do CPP. Analisando os dados coletados foi possível constatar que por ser esta uma questão alterada pela Lei 11.719/08, esta temática não foi classificada por nenhum tribunal como relativa à Lei 11.689/08 e, por isso, preferiu-se ilustrar os tribunais que discutiram esta questão a partir de um gráfico. 139 Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal: I - quando não houver justa causa; 140 Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. 224 Gráfico 13 – Quantitativo de decisões classificadas como “ausência de justa causa para exercício da ação penal” por tribunal e por lei analisada Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Fonte: Dados da Pesquisa A partir do início da vigência da Lei 11.719/08, para que a denúncia ou queixa possam ser aceitas, além de apresentarem as condições da ação, bem como os pressupostos processuais e ainda a sua capacidade em produzir os efeitos esperados, elas devem possuir também justa causa para existir. No entendimento de Borges de Mendonça (2009), o conceito de justa causa poderia ser traduzido como lastro probatório, o que equivaleria a dizer que o juiz, para aceitar a denúncia ou queixa crime, deve verificar se esta possui: 1. Possibilidade jurídica de subsistir ao longo do tempo (ou possibilidade jurídica do pedido). Para que isso aconteça é necessário que a conduta narrada nesta peça seja, eminentemente, um crime; 2. Legitimidade ou pertinência subjetiva da ação, que é a existência do ofendido ou do MP no pólo ativo da relação processual e do indiciado como autor da infração no pólo passivo; 3. Interesse de agir, ou seja, necessidade, utilidade e adequação do provimento jurisdicional para se realizar a pretensão punitiva; 225 1. Justa causa ou capacidade de comprovar os requisitos anteriores, de demonstrar que esta ação penal é realmente necessária no tempo e em relação à pessoa do ofensor. No entanto, é importante destacar que o novo art. 395, III não estabeleceu o que se deve compreender como justa causa e, se alguns doutrinadores entendem que este termo equivale a lastro probatório, outros entendem que esta condição deve ser analisada de acordo com a situação. Uma decisão que procura delimitar o que se deve entender como justa causa é a do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, a qual estabeleceu que: PENAL. PROCESSUAL PENAL. PREFEITO MUNICIPAL. DENÚNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. RECEBIMENTO. 1. Para o recebimento da denúncia é suficiente a comprovação da materialidade delitiva e a exposição dos fatos tidos por criminosos (CPP, art. 41). 2. A rejeição da inicial acusatória só se admite quando for manifestamente inepta, faltar pressuposto processual, condição ou justa causa para o exercício da ação penal (CPP, art. 395, com a redação dada pela lei 11.719/2008). 3. Denúncia recebida. 4. Decisão unânime. (TJMA, Ação Penal Originária nº. 89672007, Rel. Des. Raimundo Nonato de Souza). O que se percebe é que o fato de a lei ter estabelecido que é necessária justa causa para que a relação processual possa se formar e não ter estabelecido o que ela entende por justa causa faz com que as dúvidas sobre o real sentido do instituto floresçam. Incumbe a cada magistrado dizer o que é justa causa e, ainda que este venha a se alinhar com a doutrina majoritária, entendendo este termo como existência de um conjunto probatório capaz de garantir a instrução até o final, subsiste a subjetividade de quais são as provas efetivamente consideradas para tanto, uma vez que o processo penal brasileiro não comporta o princípio de hierarquia de provas. IV.4.9 - Critérios de Fixação de Quantum Indenizatório Uma das grandes inovações colocadas pela Lei 11.719/08 foi a alteração da redação do art. 387, IV do CPP 141 e, com isso, a contemplação da possibilidade de o 141 Art. 387 – O juiz, ao proferir sentença condenatória - IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido 226 juiz fixar diretamente uma indenização mínima à vítima, em razão dos danos causados pelo crime. Além disso, pela inserção de um parágrafo no Art. 63142 do CPP, a lei contemplou também a possibilidade da execução de tal valor sem que isso implique a impossibilidade de uma outra ação para que se discutam os danos financeiros causados pelo crime para além da indenização fixada nos termos do Art. 387, IV. Esta era uma demanda antiga de todos os operadores do direito da área criminal, uma vez que o art. 91 do Código Penal apenas estabelecia que um dos efeitos da condenação era a obrigatoriedade do acusado em reparar o dano causado à vítima. Apesar desta obrigação certa por parte do acusado e do direito da vítima em pleiteá-la em juízo, o fato era que na sistemática anterior, uma vez encerrada a instrução criminal, caberia ao prejudicado recorrer ao juízo civil para a “liquidação de sua sentença”, ou seja, para a transformação deste direito em um valor monetário. Em resumo: a partir da alteração dos art. 63 e 387 do Código de Processo Penal, o direito do ofendido que antes era certo, mas ilíquido, passou a ser líquido e certo. Na lei anterior, a sentença que condenava o acusado reafirmando que o ofendido foi lesado era um título ilíquido porque não fixava o valor deste dano, cabendo ao interessado proceder ao seu cálculo no juízo civil. Nesta liquidação, embora não fosse possível rediscutir a lide ou modificar a sentença que a julgou (art. 475-G), era necessária a produção de provas acerca do valor do dano existente (Borges de Mendonça, 2009: 231). A intenção explícita do legislador, neste caso, foi agilizar a indenização, uma vez que o ofendido não precisa mais iniciar um novo processo (de liquidação da sentença) para ter o seu direito reconhecido. Esta mudança visou ainda dar maior segurança ao ofendido, que já no âmbito penal tem conhecimento do valor que receberá por ter sido lesado por uma conduta criminosa. Importante salientar ainda que a fixação do valor da indenização não pode ser entendido como uma violação do princípio da inércia do magistrado, uma vez que é 142 Art. 63. Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. 227 efeito automático de toda e qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado impor ao réu o dever de indenizar o dano causado. A inteligência do legislador foi, portanto, evitar que a vítima tenha que esperar ainda mais pela reparação do dano. Agora já na sentença que condena o acusado, o juiz diz qual é o valor que este deve pagar à vítima a título de indenização pelos danos sofridos. Quais foram, portanto, os pontos polêmicos da reforma neste sentido? Em primeiro lugar, há de se registrar que esta disposição afeta o princípio da correlação da acusação e sentença e da ampla defesa. Com essa reforma, permite-se ao juiz definir questões que não foram objeto do pedido da acusação na denúncia. O MP, na seara criminal, pede a condenação do acusado, e é dela que se defende o réu. Ou seja, não há pedido de indenização, nem tampouco instrução e/ou debate acerca do quantum indenizatório à vítima. Falece ao réu meios para se defender deste arbitramento de valor (que seuqer foi demandado pela parte autora/acusação), posto que somente o fará quando demandado na esfera civil. Inobstante este fato, a equipe analisou se existia alguma decisão que por erro ou algum outro motivo que mencionasse a Lei 11.689/08. Mas, neste item, não se constatou nenhuma incongruência na classificação das decisões e, por isso, ao invés de uma tabela apresentando quantas decisões cada tribunal proferiu em relação a cada lei, neste caso, a informação será apresentada a partir do Gráfico 14. 228 Gráfico 14 – Número de decisões classificadas como “critérios para a fixação de quantum indenizatório” por tribunal Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Fonte: dados da pesquisa. Uma vez constatado que o tribunal mais questionado no que se refere aos critérios de fixação de quantum indenizatório eram os do Rio Grande do Sul e Minas Gerais, a pesquisa se concentrou na análise qualitativa dos julgados. Com isso, foi possível perceber que, neste caso, as decisões estão relacionadas a pedidos para que esta indenização seja contemplada já na sentença. A análise dos julgados mapeados pela pesquisa demonstrou que os juízes parecem estar imbuídos do espírito da reforma, posto que as ações e recursos que questionavam a não aplicação deste dispositivo tiveram, em sua maioria, seu mérito reconhecido. Da mesma forma, aquelas ações e recursos que pleiteavam a anulação de tal medida, por seu turno, foram rechaçados. Este é o caso da decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que deu provimento ao Habeas Corpus 18918, que visava, entre outras coisas, anular a condenação no que se refere à determinação de indenizar imposta ao acusado. Este Habeas Corpus alega existir constrangimento ilegal, haja vista a ausência de pedido da parte interessada, configurando-se, destarte, concessão para além do pedido da acusação. Ocorre que este tribunal entendeu haver fiel cumprimento ao 229 determinado pelo art. 63 do CPP, com as alterações feitas pela Lei 11.719/08, em que pode o juiz fixar o quantum indenizatório levando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto ainda que a vítima não tenha solicitado. Por fim, cumpre destacar que, de acordo com alguns doutrinadores (Borges de Mendonça, 2009), na nova sistemática, se o magistrado se omitir de tratar do dano na sentença ou, ainda, tiver os elementos para fixação do valor do dano, ainda que minimamente, e não o fizer, de ofício, estará este juiz incidindo em omissão, posto que este encontra-se adstrito ao dever legal de se manifestar de ofício sobre esta matéria. IV.4.10 - Reexame necessário revogado pela Lei 11.689/08 De acordo com Pagliuca (2008), a Lei 11.689/08, ao reformar o art. 415143 do CPP suprimiu o reexame necessário relativo à absolvição sumária nos casos de crimes dolosos contra a vida. Com o intuito de verificar que tribunais têm discutido esta matéria, tem-se o Gráfico 09. Mais uma vez, por se tratar de dispositivo que foi alterado apenas no âmbito de uma dada lei, os tribunais fazem referência apenas à lei que alterou este dispositivo e não a ambas. 143 Vide discussão sobre absolvição sumária 230 Gráfico 15 – Número de decisões classificadas como “Reexame necessário revogado pela Lei 11.689/08” por tribunal Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Fonte: Dados da pesquisa. Mas o que a análise qualitativa dos julgados demonstrou? Primeiro, os tribunais têm corroborado o principio da voluntariedade dos recursos, o qual sempre esteve, mas igualmente sempre com ressalvas e exceções, as quais foram reduzidas com a reforma de 2008. A análise qualitativa dos julgados revela que caso as partes se sintam inconformadas com a sentença do juiz, poderão recorrer usando para tanto a via da apelação. Neste sentido, tem-se a decisão do Reexame Necessário Nº 2000.0222.13695/1 do Tribunal de Justiça do Ceará REMESSA EX OFFICIO - Reexame necessário. Sob a regência processual anterior, se o juiz, no rito dos delitos contra a vida, absolvesse sumariamente o réu, deveria recorrer de ofício. Com as novas disposições trazidas pela Lei nº 11.689/08, o recurso cabível é a apelação, extinto, por decorrência lógica, e em boa hora, o impropriamente denominado recurso ex officio. Impugnativo não-conhecido. -Unanimidade. Interessante notar que, como a decisão do TJ/CE foi uma das primeiras a serem publicadas neste sentido, outras decisões encontradas fazem referência a este julgado. Mas, o que entende a doutrina desta mudança em relação ao sistema de garantias do 231 acusado e em relação às garantias da própria sociedade? A doutrina ainda não possui posicionamento pacífico neste sentido. De acordo com Pagliuca (2008), esta mudança teve como objetivo acelerar o procedimento penal e ocorreu sem prejuízo ao sistema de garantias do acusado, que se vê absolvido de maneira definitiva mais rapidamente. Do outro lado, tem-se o entender de Nucci (2008), para quem esta alteração implica comprometimentos diretos para o sistema de garantias do acusado e para o devido processo legal. Isso porque, com a mudança, caso o magistrado absolva equivocadamente o acusado e, porventura, o promotor não recorra, o Tribunal Popular terminaria por perder o seu sentido, ou melhor, a sua soberania, posto que a sua decisão a respeito de um delito doloso contra a vida poderia não ser implementada. Para a equipe da pesquisa, o entender de Nucci (2008) parece equivocado, já que o tribunal popular apenas deve ser chamado nos casos em que este pode desempenhar a função de julgar um delito para o qual há indícios suficientes de autoria e de materialidade. Assim, se o juiz absolve sumariamente o acusado e a acusação não recorre, é porque, neste caso, estes elementos não se fazem presentes. De tal modo, o direito do acusado a se ver livre de acusação que não procede deve prevalecer em relação a todos os demais princípios. IV.4.11 – Critérios para a decisão de pronúncia A Lei 11.689/08 estabeleceu mudanças no que refere à pronúncia a partir da alteração da redação de todo art. 413144 do CPP. Entre as principais mudanças promovidas pelo legislador tem-se agora o fato de a fundamentação desta decisão limitar-se aos indícios de autoria e materialidade do delito não podendo mais o juiz emitir nenhum juízo de valor sobre a possível condenação do réu, decisão esta que cabe ao corpo de jurados. 144 Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. § 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. § 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. 232 Na sistemática anterior, em que o juiz podia fazer tais apreciações quando da decisão de pronúncia, era comprometido o princípio de presunção da inocência do réu, já que o veredicto no caso de crime doloso contra a vida (que é o crime ao qual cabe pronúncia) é incumbido ao corpo de jurados e não ao juiz. Com isso, o acusado era virtualmente condenado, antes mesmo de seu caso ser apreciado por seus pares. O juiz podia fazer tais apreciações porque ele deveria fundamentar a pronúncia explicitando os motivos do seu convencimento, ou seja, porque ele estava convencido de que o acusado deveria ser levado a julgamento pelo júri, tal como denota a redação antiga do Art. 408. “Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.” Pela legislação atual, na pronúncia, o juiz “limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena” (art. 413, § 1o ) Por outro lado, esta sistemática comprometia ainda a soberania do júri, que muitas vezes tendo acesso ao conteúdo da decisão de pronúncia, poderia ser influenciado em sua decisão e, assim, em vez de julgar de acordo com a sua consciência poderia julgar de acordo com as direções já traçadas pelo juiz. No entanto, apesar de as mudanças terem sido diversas, poucos são os tribunais que têm apresentado questionamentos neste sentido, fenômeno este que pode ser vislumbrado na Tabela 41. Tabela 41 – Número de julgados classificados como “critérios de pronúncia” de acordo com a lei a que se referem. Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Lei 11.719/08 Lei 11.689/08 Total STJ 1 6 7 STF 0 4 4 TJ/CE 0 1 1 Total 1 11 12 Fonte: Dados da pesquisa A Tabela 41 apresenta questões interessantes. Primeiro, o maior número de julgados mapeados foi oriundo do STJ e STF, sendo que apenas um julgado foi mapeado no âmbito dos tribunais estaduais. 233 Segundo, há uma decisão que faz menção à Lei 11.719/08 em detrimento da Lei 11.689/08. Este é o HABEAS CORPUS Nº 66.162 - PR (2006/0198632-0) julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual ao invés de citar a nova redação do art. 413 para a necessidade de fundamentação dos critérios de pronúncia decidiu utilizar a nova redação do Art. 395 145 que se refere aos critérios para a denúncia. A lógica foi que os elementos necessários para uma peça também se fazem necessários para a outra. Então, a pergunta cabível neste momento é a seguinte: o que estes tribunais estão discutindo quanto à reforma no âmbito dos novos critérios para a decisão de pronúncia? A análise qualitativa dos julgados denotou que os operadores do direito têm questionado exatamente o não respeito do magistrado à nova redação do art. 413, que ampliou o sistema de garantias constitucionais do acusado. Ou seja: as decisões de pronúncia são questionadas por ter o juiz opinado abertamente acerca da culpabilidade do réu, comprometendo a presunção de inocência. Um exemplo de julgado desta natureza é o Habeas Corpus 86.414-7, que foi julgado pelo STF e estabeleceu o seguinte: SENTENÇA DE PRONÚNCIA – FUNDAMENTAÇÃO. A sentença de pronúncia há de estar alicerçada em dados constantes do processo, não se podendo vislumbrar, na fundamentação, excesso de linguagem. Estas decisões exemplificam que a aplicação da legislação atual realmente se mostra mais atenta às garantias do réu no sentido de impedir que ele tenha a sua culpabilidade afirmada pelo juiz quando da sentença de pronúncia. Mesmo assim, é interessante destacar que este entendimento de que a pronúncia deve ser um documento que indica quem é o suspeito da prática do delito e quais são as provas de autoria e materialidade do delito em questão, em detrimento de ser uma peça acusatória, é reforçado por outra mudança ocasionada pela mesma Lei 11.689/08. Trata-se da nova redação do art. 478,146 o qual estabelece a impossibilidade de as partes, durante os debates orais em plenário, fazerem referência à decisão de pronúncia 145 Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. 146 Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; 234 ou quaisquer outras decisões anteriores constantes no processo, independente de estas fazerem boas ou más referências ao réu. Este artigo reforça o anterior na medida em que, caso o juiz tenha, ao contrário do disposto em lei, feito qualquer tipo de apreciação valorativa da conduta do réu em sua decisão de pronúncia, esta não será mencionada em plenário e, por conseguinte, não virá a influenciar os jurados. Com base nisso, por exemplo, o STF, no HC 86414/PE, se posicionou da seguinte forma: SENTENÇA DE PRONÚNCIA - FUNDAMENTAÇÃO. A sentença de pronúncia há de estar alicerçada em dados constantes do processo, não se podendo vislumbrar, na fundamentação, excesso de linguagem. SENTENÇA DE PRONÚNCIA - LEITURA NO PLENÁRIO DO JÚRI - IMPOSSIBILIDADE. Consoante dispõe o inciso I do artigo 478 do Código de Processo Penal, presente a redação conferida pela Lei nº 11.689/08, a sentença de pronúncia e as decisões posteriores que julgarem admissível a acusação não podem, sob pena de nulidade, ser objeto sequer de referência, o que se dirá de leitura. A impossibilidade de menção da decisão de pronúncia em plenário, especialmente quando esta se encontra eivada de erro do magistrado que, indevidamente, emite juízo de valor sobre a culpabilidade do réu, garante que os jurados julguem o caso de acordo com os fatos e com a sua consciência. Como exemplo de decisão que conjuga as duas questões abordadas tem-se o julgamento do Habeas Corpus Nº 84.396 - SP (2007/0129991-5) pelo STJ: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO, SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. LEI 11.689/08. NOVO ART. 478 DO CPP. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Muito embora o STF, recentemente (HC 96.123/SP, Rel. Min. Carlos Brito, julgado em 3/2/09), tenha expressado entendimento no sentido de que, em razão da superveniência da Lei 11.689/08 – que deu nova redação ao art. 478 do CPP, impossibilitando as partes de fazerem referências à sentença de pronúncia durante os debates –, não mais haveria o interesse de agir das impetrações que alegassem excesso de linguagem, a norma inserta no novo art. 480, § 3º, do CPP permite aos jurados a oportunidade de examinar os autos logo após encerrados os debates. 2. Devem ser excluídos da sentença de pronúncia trechos nos quais o magistrado emite opinião quanto à autoria do crime, pois, de alguma forma, pode, em prejuízo à defesa, influir na convicção dos jurados. 235 A polêmica que se abre sem encontrar ainda solução no âmbito jurisprudencial é, portanto, entre a falta de fundamentação que torna a pronúncia carente de motivação e o excesso de motivação que a torna, equivocadamente, peça acusatória. Como visto no exemplo acima, a reforma não logrou êxito em solucionar o problema, causando controvérsias entre o entendimento sobre o tema de um lado, do STF e, do outro, do STJ. Talvez o caso fosse de nova reforma dirimir essas dúvidas por meio de descrição clara da estrutura e requisitos da decisão de pronúncia. IV.4.12 Mutatio e Emendatio Libelli A Lei nº 11.719/2008 alterou ainda a redação dos art. 383 147 e 384148 do CPP e, com isso, modificou a forma dos institutos da emendatio e da mutatio libelli. O que o legislador buscou com a referida alteração foi corrigir os problemas ocasionados pela aplicação desse instituto nos termos da regulamentação anterior. No entanto, para evitar qualquer interpretação equivocada, cumpre iniciar esta seção definido os termos, posto que, apesar de inter-relacionados, estas são figuras jurídicas distintas. A emendatio libelli é a disposta pelo art. 383, a qual estabelece que o juiz pode atribuir definição jurídica diversa aos fatos narrados na denúncia. Neste caso, não há violação ao sistema acusatório, nem necessariamente comprometimento da imparcialidade judicial, porque o juiz simplesmente dá a sua própria interpretação aos fatos, conforme é seu dever (Queiroz, 2007). 147 Redação anterior: Art. 383. O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. Redação atual: Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos. 148 Redação anterior: Art. 384 - Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de oito dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas. Redação atual: Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. 236 A reforma não alterou este ponto substancialmente uma vez que o juiz ainda pode realizar a emendatio libelli e, inclusive, em razão desta “emenda”, tornar possível a aplicação da Suspensão Condicional do Processo. 149 A mudança realizada pela Lei 11.719/08 foi a inserção da ressalva “sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica” no caput do referido artigo, dando mais segurança ao réu quanto ao crime pelo qual ele será processado. Agora, como antes, o juiz pode atribuir definição jurídica diversa aos fatos, mas sem que isso implique nova definição dos fatos propriamente. No entanto, no que se refere ao instituto da mutatio libeli o CPP realizou uma verdadeira mudança há muito conclamada pelos próprios operadores do direito. Isso porque, tal como destacado por Queiroz (2007) quando da vigência da sistemática anterior: Ao admitir que o juiz possa, de ofício, e indiretamente, “aditar” a denúncia (art. 384, caput), suprindo omissão ministerial, ofende-se o sistema acusatório, pois o co-responsabiliza pela acusação, transferindo-lhe parte do ônus de acusar. Compete ao Ministério Público, por isso, promover a tempo o aditamento por iniciativa própria; se não o fizer, o juiz só poderá condenar nos termos da denúncia ou absolver, mas não poderá se substituir àquele órgão, razão pela qual é manifesta a incompatibilidade da mutatio libelli com o sistema acusatório” Entendia, portanto, a doutrina que a redação dos art. 384 permitia ao juiz condenar o réu por crime diverso do capitulado na denúncia o que implicava usurpação, por parte do juiz, das funções do Ministério Público, posto que, agindo desta forma, estaria ele fazendo as vezes de acusador. Para a maioria dos doutrinadores este instituto precisava ser reformulado porque “ou bem o juiz absolve o réu ou bem o condena como o órgão da acusação quer e propõe”, mas este nada deve fazer em termos de “mudar” o pedido do órgão acusador (Fudoli, 2008). Com a nova redação do art. 384, ficou expresso que o juiz não tem mais poder para mudar a peça acusatória quando do final da instrução, cabendo ao Ministério Público realizar tal atividade. De acordo com Fudoli (2008), esta alteração deve ser considerada uma mudança relevante e que prestigia os princípios do contraditório e da 149 Tal como analisado na seção 03 deste relatório. 237 ampla defesa, porque, no sistema antigo, era possível que o réu tivesse se defendido durante a instrução de um determinado fato (por exemplo, da imputação referente a ter subtraído, para si, coisa alheia móvel) e posteriormente condenado por fato diverso (por exemplo, por ter obtido, mediante fraude, vantagem ilícita em prejuízo de outrem), o que surpreendia a defesa, enfraquecendo os referidos princípios constitucionais. Esta mesma legislação esclareceu que o Ministério Público só poderá aditar a queixa se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação penal pública. Naturalmente, o Ministério Público não podia (e continua não podendo) aditar a queixa, em se tratando de ação penal de iniciativa privada própria, pois não possui legitimidade para tal. No sentido de conferir maior segurança ao réu em termos dos seus direitos de ampla defesa, o novo § 1º do art. 384 150 previu que, não procedendo o Ministério Público ao aditamento, o Juiz deverá aplicar o art. 28 do CPP, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça (no âmbito da União, à Câmara de Coordenação e Revisão da Ordem Jurídica Criminal do Ministério Público Federal ou do Distrito Federal e Territórios - Lei Complementar n. 75/93), para que o Chefe da Instituição mantenha a acusação, nos termos postos pelo membro do Ministério Público com atuação na primeira instância, ou para que adite a inicial, ou ainda para que designe outro membro do Ministério Público para fazê-lo. Feitas estas considerações, fica patente que o instituto realmente reformado pela Lei 11.719/08 é a mutatio libelli e não a emendatio libelli, que foi simplesmente aperfeiçoada. Este cenário fica visível também nos dados coletados a partir da análise dos julgados, posto que dos 10 casos classificados nesta categoria, sete se referem ao primeiro instituto e apenas três ao segundo (Tabela 42). Tabela 42 – Número de decisões classificadas como “Emendatio Libelli” e “Mutatio Libelli” por tribunal Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Tribunal Emendatio Libelli Mutatio Libelli Total TRF2 2 0 2 TJ/GO 0 1 1 TJ/MG 0 1 1 TJ/PA 0 1 1 TJ/PR 0 1 1 TJ/RS 0 1 1 TJ/SE 1 0 1 TJ/SP 0 1 1 150 Art. 384 - § 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código. 238 TRF3 Total 0 3 1 7 1 10 Fonte: Dados da pesquisa As decisões analisadas demonstraram o clamor pela correspondência entre as alterações introduzidas pela nova lei e a realidade dos tribunais. Como exemplo especial desta discussão, tem-se o caso de uma apelação visando anular sentença proferida em sede de denúncia que imputou furto tentado, sendo certo que na decisão houve qualificação diferente da inicial, uma vez que o juiz classificou o delito como furto consumado, fundamentando sua decisão no art. 384 do CPP. Ocorre que com a nova redação deste artigo este tipo de procedimento resta terminantemente proibido, dada a prevalência do princípio de correlação entre acusação e defesa: APELAÇÃO - FALSIFICAÇÃO DE REMÉDIOS -PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE DENÚNCIA E SENTENÇA - AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DO DOLO EVENTUAL - NECESSIDADE - NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA DOS FATOS - APLICABILIDADE DO ART. 89 DA LEI 9099/95 - SENTENÇA ANULADA. Viola-se o princípio da correlação entre a exordial e a sentença quando a condenação se dá por elemento subjetivo diverso daquele mencionado na denúncia, ainda que a diferenciação ocorra dentro do mesmo gênero, no caso, dolo. O acusado tem o direito de se defender de uma imputação precisamente delimitada e juridicamente idônea, impondo-se a descrição do dolo eventual na denúncia para que seja condenado pelo crime imputado nesta referida modalidade subjetiva. (TJMG, 5ª Câmara Criminal, Apelação Criminal nº. 1.0702.03.083337-1/001(1), Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho) Portanto, a nova redação dada aos art. 383 e 384 ampliou sua afinidade com os ditames constitucionais e, por isso, pode-se dizer que estes institutos foram aperfeiçoados pela reforma de 2008. IV.4.13 – Suspensão Condicional do Processo A Lei nº 11.719, de 2008, alterou o § 3º do Art. 383 151 do CPP para esclarecer que, ao proferir a sentença, o juiz, caso atribua ao fato descrito na denúncia ou queixa definição jurídica diversa e essa nova definição permitir a concessão da suspensão 151 Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. 239 condicional do processo, deve proceder de acordo com o disposto no art. 89 152 Lei nº 9.099/1995, que é a legislação que regula o funcionamento de tal instituto. Ou seja, abertura de vista ao membro do Ministério Público para o oferecimento da medida despenalizadora, no caso de o acusado preencher todos os requsisitos legais. De forma sucinta, é possível afirmar que a suspensão condicional do processo é uma alternativa à jurisdição penal, sendo ainda um instituto de despenalização, mas no âmbito do qual não há a exclusão do caráter ilícito do fato. O que o instituto procura é evitar a aplicação da pena e a continuidade do processo, fazendo com que o suspeito abra mão do direito de ser processado pelo Estado em troca do cumprimento de dadas obrigações, dentre as quais cumpre destacar a de comparecer em juízo periodicamente. De acordo com Borges de Mendonça (2009), a suspensão condicional do processo pode ser entendida como um acordo entre o acusado e o Ministério Público, no qual ambos cedem uma parte de seus direitos para composição de seus interesses: o MP cede o seu direito a continuar a persecução criminal e o acusado uma parcela de seus direitos e garantias, posto que poderia alcançar uma absolvição, mas abre mão da continuidade do processo para cumprir determinadas condições e, com isso, encerrar o seu caso sem julgamento do mérito. Exatamente por isso, o ideal – e o previsto em lei (art. 899, Lei 9.099/95) – é que a suspensão condicional do processo ocorra antes de se iniciar na análise do mérito da pretensão, ou seja, antes de o acusado apresentar a sua defesa inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional do devido processo legal. A Lei 11.719/08 não alterou o funcionamento deste instituto, mas apenas aclarou um novo momento para oferecimento da Suspensão Condicional do Processo. O problema que se coloca é a não explicitação da forma para oferecimento da suspensão condicional do processo quando o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, atribuir-lhe definição jurídica diversa e com isso tornar possível a aplicação do referido instituto. 152 Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). 240 Em verdade, apenas o TJ/RS e o TJ/SP apresentaram discussão neste sentido, posto que das 10 decisões encontradas quanto a este tema, 9 se referem ao primeiro tribunal e 1 se refere ao segundo. Contudo, em ambos os casos, os tribunais têm agido no sentido de sempre utilizarem a suspensão condicional do processo quando esta é aplicável. Parte-se do pressuposto de que, com o uso de tal instituto, há uma economia tanto em termos de tempo como ainda em termos de recursos despendidos em um processo que, ao final, pode não ser julgado por insuficiência de provas, por exemplo. Alguns tribunais, como é o caso de São Paulo, chegam até a determinar que caso a suspensão condicional do processo, quando cabível, não tenha sido oferecida pelo Ministério Público, cumpre ao juiz anular todos os atos praticados após a denúncia, posto que a garantia processual do réu, de ter o seu processo suspenso, fora violada. Como exemplo de tal posicionamento vale mencionar o caso da suspensão condicional do processo que, nos termos da Lei 9.099/95, deve ser oferecida pelo Ministério Público. É questão controversa a possibilidade de o juiz suprir o não oferecimento por parte do membro do parquet quando cabível, diante da recusa do mesmo em oferecê-la, pois, de acordo com a súmula 696 do STF, deve o juiz remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, na forma do art. 28 do CPP, para que este analise e reveja a oportunidade do seu oferecimento. O TJSP se manifesta entendendo que caso o Ministério Público não tenha oferecido a suspensão condicional do processo quando esta era cabível, cumpre ao juiz anular todos os atos praticados após a denúncia, posto que a garantia processual do réu, de ter o seu processo suspenso fora violada. Neste sentido: HABEAS CORPUS n° 990.08.073265-0 -Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, conceder a ordem para anular os atos processuais praticados a partir do recebimento da denúncia, a fim de que seja na origem efetivada pelo MM. Juiz audiência de proposta de suspensão processual, ou que, então, caso se faça necessário, que lance mão do disposto no artigo 28, do Código de Processo Penal, ante a recusa ministerial em ofertar a proposta devida, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. 241 À equipe da pesquisa, o mais razoável seria a inserção no parágrafo 1º do art. 383 de tal maneira que ficasse claro que o procedimento a ser adotado seria a do art. 89 da Lei 9.099/95. IV.4.14 – Recurso em Sentido Estrito recebido como Apelação Nos crimes afetos ao Tribunal do Júri, com o advento da nova lei, quando o juiz impronuncia o réu, o recurso cabível contra essa decisão é a apelação. Antes da entrada em vigor da Lei 11.689/08, o recurso adequado era o recurso em sentido estrito. Contudo, dada a existência do art. 574 do CPP, apesar da mudança, no período de transição, um recurso pode ser recebido como o outro com o objetivo de não se prejudicar o acusado. Este foi o posicionamento adotado no julgamento dos seis recursos mapeados e classificados sob este título, todos oriundos do TJ/SP. In verbis: Em face das recentes alterações promovidas pela Lei n° 11.689, de 2008, no Código de Processo Penal, e, com. observância do art. 20, do mesmo Caderno, recebe-se o recurso interposto como apelação (art. 416), acolhendose as razões nele deduzidas” Recurso em sentido estrito" n° 993.04.021637-0 Como este problema é oriundo da fase de adaptação dos próprios operadores do direito à nova lei, acredita-se que nos anos vindouros esta questão não seja mais suscitada no âmbito dos tribunais. IV.4.15 – Uso de Algemas A Lei 11.689 /08 inovou ainda ao estabelecer, no § 3º do art. 474, 153 a excepcionalidade do uso de algemas, não permitindo que o seu uso durante o período em que o acusado estiver no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. Os fundamentos para tal mudança na lei referem-se ao entendimento de que o uso de algemas em plenário entra em confronto com a ordem jurídico-constitucional, uma vez que, em diversas situações, o uso de algemas submete o acusado à humilhação 153 Art 474, § 3o Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes 242 e a impressão de que o réu é considerado culpado antes mesmo de seu julgamento. Esta temática foi detalhadamente regulamentada em 7.8.2008, quando da publicação da súmula vinculante 154 no. 11 pelo Supremo Tribunal Federal. Um exemplo deste tipo de discussão é o Rcl 6928 / PR - PARANÁ impetrado no STF. Neste caso o reclamante alega que a autoridade reclamada, ao mantê-lo injustificadamente algemado durante toda sessão de julgamento do Tribunal do Júri que o condenou a 12 anos de prisão, teria afrontado a nova lei e que tal medida foi justificada pelo juiz de forma genérica, o que teria violado o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A autoridade reclamada, ao prestar informações, afirma que o julgamento do réu ocorreu em data anterior à edição da Lei n. 11.689/2008 e que o contingente de policiais era insuficiente para garantir a segurança dos presentes à sessão do Tribunal do Júri. O Tribunal acolheu a reclamação sob o argumento de que restou demonstrado no caso em exame a necessidade do uso de algemas. Ou seja, o uso de algemas pode se consubstanciar em constrangimento ilegal quando o acusado não representa perigo algum aos presentes na sala de audiências, quando há policiamento suficiente para conter qualquer distúrbio que o acusado possa ocasionar e, mesmo assim, ele permanece algemado durante todo este momento processual. Aliás, é interessante destacar que este tema foi tratado em apenas seis decisões, sendo quatro delas provenientes do STF e duas provenientes do STJ. Contudo, dado o papel diferenciado que esses dois tribunais possuem no ordenamento jurídico brasileiro, tem-se a seção subseqüente. IV.5 – As decisões do STJ e STF no que se refere às Leis 11.719/08 e 11.689/08 O STJ e o STF foram analisados em separado porque possuem o poder de editar súmulas, que abrangem a jurisdição da federação como um todo, já que são estas as cortes de mais alta hierarquia no Brasil. As súmulas são enunciados objetivos que resumem o entendimento dos tribunais sobre determinados temas, cuja interpretação já esteja consagrada. De acordo com 154 Este assunto será tratado em detalhe na seção seguinte. 243 Bottini (2004), elas surgiram no ordenamento jurídico brasileiro sob o pretexto de agilização de nosso sistema de justiça criminal, escoltadas pelo argumento da sobrecarga de processos nos tribunais superiores. Apesar da controvérsia sobre a utilidade ou não deste instituto com esta finalidade, fato é que estas decisões expressam o entendimento predominante das cortes superiores quanto a pontos controversos. Contudo, é importante destacar que nem sempre as temáticas apreciadas por cada um destes dois tribunais são as mesmas, uma vez que estes possuem competências distintas: o STF decide assuntos relacionados à matéria constitucional, enquanto o STJ decide assuntos relacionados à matéria infraconstitucional em última instância, ou seja, quando esgotadas todas as demais possibilidades de discussão de violação da lei federal. No que se refere ao objeto desta pesquisa, cumpre destacar ainda que o STF tem o poder de editar súmulas vinculantes, enquanto o STJ apenas edita súmulas persuasivas que, embora não tenham efeito vinculante, servem de referência sobre a posição dominante na Corte (Fux, 2005). Assim, como a reforma do Código de Processo Penal é uma legislação infraconstitucional, mas que afeta alguns direitos e garantias constitucionais do acusado, ambas as cortes têm se pronunciado em relação às referidas leis nos seguintes assuntos (Tabela 43): Tabela 43 – Matérias apresentadas nas decisões do STF e STJ relacionadas aos novos procedimentos penais Brasil - setembro de 2008 a setembro de 2009 Matéria STF STJ Total Ausência de Justa Causa para Prisão Cautelar 3 20 23 Excesso de Prazo 3 19 22 Nulidade Processual 0 16 16 Aplicação do Novo Procedimento - Direito Intertemporal 1 12 13 Critérios de Pronúncia 4 7 11 Identidade Física do Juiz 0 7 7 Uso de algemas 4 2 6 Cerceamento de Defesa 1 3 4 Protesto por novo júri 0 1 1 Total 16 87 103 Fonte: Dados da pesquisa. A matéria mais discutida no âmbito do STJ é a ausência de justa causa para a prisão cautelar, enquanto que no âmbito do STF têm-se a questão do uso de algemas e critérios de pronúncia como as questões mais decididas. 244 Interessante destacar que no âmbito do STJ já existe uma súmula sobre a ausência de justa causa para a prisão cautelar, a qual, contudo, foi publicada antes mesmo da reforma de 2008. Esta é a súmula 347, que estabelece o conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão.155 Logo, diante da análise dos novos procedimentos penais, é seguro afirmar que este entendimento foi consagrado no âmbito da própria legislação. Já no âmbito do STF, até o momento foi publicada apenas uma súmula vinculante relacionada às matérias tratadas pela reforma do processo penal de 2008. Esta é a Súmula vinculante 11, a qual foi aprovada em Sessão Plenária de 13/08/2008 e estabeleceu que: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. 156 Como uma nova súmula é editada cada vez que a jurisprudência do Tribunal encontra-se solidificada em determinado sentido, é possível concluir que de todas as matérias controversas analisadas neste relatório apenas o uso de algemas possui um entendimento solidificado e, por isso, sumulado. Mesmo assim, trata-se de questão cuja polêmica também antecedia a publicação da lei, fazendo com que lei e súmula fossem publicadas quase que simultaneamente e em harmonia. IV.6 – Considerações finais A proposta deste capítulo foi a de mapear as principais discussões relacionadas à Lei 11.719/08 e à Lei 11.689/08 no âmbito dos tribunais brasileiros. A partir do exame das decisões destes diversos órgãos, a intenção foi verificar quais são as questões polêmicas trazidas pelas novas leis. Verificar como a letra da lei se transforma em matéria viva no âmbito dos tribunais não é tarefa fácil no cenário brasileiro. Conforme destacado por diversas 155 In verbis: "O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão." 156 Informações disponíveis no site do Superior Tribunal de Justiça http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante&pagina=sumula _001_016, acesso em 26 de Janeiro de 2010. 245 pesquisas (Adorno e Izumino, 2000; Kant de Lima et al, 2000), a coleta de informações sobre o funcionamento do judiciário e, ainda, sobre o conteúdo de suas decisões, ainda é bastante difícil de ser realizada. Especificamente no caso deste relatório, as principais dificuldades da equipe disseram respeito ao fato de alguns tribunais (como Piauí, Paraíba e Alagoas) ainda não publicarem as suas decisões de forma que todos os interessados no assunto possam consultá-las livremente. Soma-se a este problema o fato de a decisão estar disponível para consulta pública não significa que esta possa ser imediatamente apreendida, em termos da matéria tratada ou ainda em termos da contribuição que esta apresenta para o tratamento da questão (no caso, a aplicação das leis 11.719/08 e 11.689/08). Isso porque há tribunais que publicam apenas a ementa da decisão e não o seu inteiro teor (este é o caso, por exemplo, do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe), dificultando a operacionalização de uma pesquisa como esta. No extremo oposto está o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cujas decisões mostram um esmero até exagerado, no que concerne, por exemplo, às formalidades legais e administrativas. Em outras situações, as informações relacionadas à natureza da demanda ou à questão constitucional envolvida são bastante precárias e, com isso, apesar de a decisão parecer relacionada a um determinado tema, é difícil dizer com segurança qual a sua contribuição para os demais operadores do direito. Vencidas essas limitações, foi possível mapear 603 julgados, sendo que as análises detalhadas de diversos temas catalogados de acordo com os critérios sumarizados na seção 03 deste capítulo permitiram à pesquisa não apenas conhecer os temas controversos das novas leis na visão dos operadores do direito, mas ainda verificar quais são os pontos que podem ser aperfeiçoados de maneira a dirimir estas controvérsias. 246 CAPÍTULO V - ALTERAÇÕES PRODUZIDAS PELA REFORMA LEGISLATIVA NA PRÁTICA: A VISÃO DOS OPERADORES DO DIREITO NOS TRIBUNAIS DO JÚRI E NAS VARAS CRIMINAIS DO RIO DE JANEIRO V.1. Introdução A pesquisa “Os novos procedimentos penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08” apresentou, até o momento, quatro pontos de reflexão sobre os possíveis impactos das novas leis no âmbito da operacionalização do Direito na capital Rio de Janeiro especificamente. Num primeiro momento, buscou-se compreender as alterações produzidas pela reforma legislativa partindo de comparações entre as legislações anterior e atual, além de enfatizar pesquisas sociológicas relacionadas ao tema no Brasil. Ainda neste primeiro momento, as pesquisas sociológicas foram revisadas com o objetivo de se compreender como o tema é trabalhado pelas diversas ciências que se ocupam em analisar o fenômeno. Dando continuidade às discussões sociológicas sobre o tempo decorrido para os trâmites processuais, elaborou-se uma análise quantitativa tendo como fonte de dados as informações geradas e processadas pelos Tribunais de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do Estado de São Paulo. Foram analisados os aspectos temporais dos processos de roubo e homicídio doloso nas respectivas capitais. Em terceiro lugar, produziu-se uma discussão que contempla a reforma à luz dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Um quarto ponto versou sobre o posicionamento dos tribunais no que concerne à reforma processual penal. Nesse momento, foram analisadas centenas de jurisprudências produzidas pelos tribunais estaduais, regionais, Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agora, como fechamento da pesquisa, o que se propõe é um texto de cunho etnográfico, quando da inserção de pesquisadores no campo propriamente dito. Esta seção tem como objetivo apresentar, em linhas gerais, como os operadores do Direito foram ou não capazes de se apropriar das novas legislações em sua atividade cotidiana. Para a construção desta parte da pesquisa, além da observação participante em audiências do procedimento sumário, ordinário e do tribunal do júri, foram realizadas diversas entrevistas com advogados criminalistas, defensores públicos, promotores de 247 justiça, juízes e funcionários de cartório no sentido de se compreender quais são os maiores dilemas e desafios que estes profissionais acreditam existir para que a celeridade processual possa ser efetivada no âmbito do processo penal sem que isso implique o comprometimento do sistema de garantias constitucionais do acusado. Afinal, este foi o grande propósito das leis 11.719/08 e 11.689/08. V.2. Metodologia Entre dezembro de 2009 e fevereiro de 2010, os pesquisadores realizaram os seguintes procedimentos para a coleta das informações que serão analisadas nesta seção: 1. observação de audiências de instrução de julgamento nos tribunais do júri e nas varas criminais do Fórum Central, 2. observação de sessões do júri, 3. entrevistas com operadores do sistema de justiça. Com tal metodologia de pesquisa, foi possível compreender em que medida as novas leis têm causado impacto e mudanças na prática rotineira dos operadores: juízes, promotores de justiça, defensores públicos, advogados e serventuários da comarca da capital Rio de Janeiro. Quanto às observações das audiências, a estratégia adotada pelos pesquisadores consistia em chegar ao fórum cerca de meia hora antes do início das mesmas, de modo a ter tempo de olhar as pautas diárias nas diversas varas e escolher assistir o que fosse mais adequado naquele dia. Uma vez escolhida a audiência, retirava-se uma espécie de extrato com as informações do processo nos terminais disponíveis. Feito isso, os pesquisadores dirigiam-se até o cartório a fim de obter outras informações sobre o processo, tais como a data do recebimento da denúncia e quem assinou o despacho. Neste momento, eram solicitados esclarecimentos sobre o magistrado responsável pelo feito, se era titular ou substituto, e há quanto tempo estava à frente da vara criminal. Em geral, os pesquisadores foram recebidos com educação em todos os cartórios visitados. Alguns servidores mostravam-se curiosos sobre o tema da pesquisa, mas poucos manifestaram grande interesse sobre o assunto. Pode-se dizer que a curiosidade era mais uma desconfiança do que um interesse. Não raro, a equipe era confundida com possíveis funcionários da Corregedoria, o que criava certo constrangimento e a necessidade de maiores explicações a respeito. As perguntas mais comuns eram: “mas essa pesquisa é pra quem? Onde você trabalha?”. De qualquer forma, algumas das informações que mais interessavam à equipe não podiam ser respondidas ali no cartório, 248 pois os processos em questão geralmente já tinham sido deslocados para a sala de audiências. Desta maneira, os pesquisadores passaram a buscar essas informações diretamente nas salas de audiência, tanto com os oficiais de justiça, quanto com os secretários dos juízes. Algumas vezes, a equipe teve a oportunidade de folhear diretamente o processo antes das audiências. Em outras, a própria secretária manuseava os autos e ia respondendo às perguntas dos pesquisadores. Particularmente nas varas criminais comuns, houve muita dificuldade em encontrar processos relativos ao rito sumário. Ao final, foi possível perceber que esta dificuldade se devia ao fato de este rito já quase não existir mais nas varas criminais comuns, uma vez que a maior parte dos crimes considerados mais brandos é julgada diretamente nos juizados especiais criminais. Desta forma, apesar de muito ter procurado, só foi possível assistir a audiências de processos que corriam pelo rito ordinário. Ainda nas varas criminais comuns, na primeira semana de campo, a equipe procurou assistir apenas a uma audiência por vara, buscando, com isso, observar o trabalho de uma variedade maior de juízes. Entretanto, logo se percebeu que essa estratégia atrasaria muito o cumprimento da meta de assistir a vinte audiências, o que contemplaria metade do número de varas criminais existentes na comarca. Fazendo desta forma, seria viável assistir em média somente uma audiência por dia, visto que o tempo de espera era sempre muito grande. Quando saía da primeira audiência já era tarde para acompanhar audiências em outras varas. A estratégia adotada, então, foi escolher uma vara criminal por dia de campo e assistir a toda a programação de audiências marcadas para aquele dia. Assim, além de assistir a um maior número de audiências, tornava-se possível ver o que acontecia nos intervalos e, dessa maneira, conseguir uma brecha para falar com os juízes e promotores, facilitando o entendimento sobre a rotina das audiências criminais. O quadro 01 apresenta o cronograma das audiências observadas nas varas criminais comuns. Quadro 01: Cronograma das audiências observadas nas varas criminais comuns do Fórum Central da comarca do Rio de Janeiro Data Processo Artigos Estelionato (Art. 171 - CP) C/C Lesão Corporal Leve (Art. 129 - Cp) 02/02/2010 2006.001.130225-2 Roubo (Art. 157 - CP) 02/02/2010 2008.001.433375-7 Furto Qualificado (Art. 155, § 4o. - CP). 02/02/2010 2008.001.393274-8 Latrocínio (Art. 157, § 3º, 2ª parte - CP); Crime Tentado. 03/02/2010 2009.001.248337-7 249 04/02/2010 2009.001.319804-6 08/02/2010 2009.001.154896-0 08/02/2010 2009.001.027691-5 08/02/2010 2009.001.099098-3 08/02/2010 2009.001.009277-4 09/02/2010 2009.001.105958-4 09/02/2010 0371528.042009.8.19.0001 09/02/2010 2006.001.132063-1 0373938-3524/02/2010 2009.8.19.0001 24/02/2010 2009.001.113233-0 24/02/2010 2008.001.110157-4 24/02/2010 2009.001.099096-0 01/03/2010 2009.001.222209-0 01/03/2010 2009.001.141044-5 038339901/03/2010 31.2009.8.19.0001 01/03/2010 2009.001.142245-9 Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Permitido (Art. 14 - Lei 10.826/03); Posse Ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito e Outros (Art. 16 Lei 10.826/03). Receptação (Art. 180 - Cp), E 311 DO CP N/F Concurso Material (Art. 69 Cp) Crimes Contra as Relações de Consumo (Art. 7º - Lei 8.137/90) Receptação (Art. 180 - Cp) Violação de Direito Autoral (Art. 184 - Cp) E Crimes da Lei de Proteção À Propriedade Intelectual de Programa de Computador (Lei 9.609/98) N/F Concurso Material (Art. 69 - Cp) Praticar Homicídio na Direção de Veículo Automotor (Art. 302 - Lei 9.503/97) Tráfico de Drogas e Condutas Afins (Art. 33 - Lei 11.343/06) E Associação para a Produção e Tráfico e Condutas Afins (Art. 35 - Lei 11.343/06) E Posse Ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito e Outros (Art. 16 Lei 10.826/03) Art. 241 da Lei 8.069/90 - Fotografar ou publicar cena de sexo explícito envolvendo criança Furto (Art. 155 - CP) Receptação (Art. 180 - Cp) E Uso de documento falso (Art. 304 - CP) N/F Concurso Material (Art. 69 - Cp) Roubo (Art. 157 - Cp) Furto (Art. 155 - CP) Roubo (Art. 157 - Cp) Receptação (Art. 180 - Cp) Roubo (Art. 157 - Cp), NA FORMA DO ARTIGO 14, II DO CÓDIGO PENAL Furto de Energia Ou Assemelhadas (Art. 155, § 3º - Cp); Furto Qualificado (Art. 155, § 4o. - CP), , II do CP O mesmo aconteceu em relação às audiências dos tribunais do júri. A meta, neste caso, era assistir a duas audiências de instrução e julgamento e duas sessões do júri em cada um dos quatro tribunais. Cada tribunal do júri reserva dois dias da semana para a realização das audiências e dois dias para as sessões do júri, restando um dia, geralmente a sexta-feira, para os trabalhos internos, de gabinete. O quadro 02 apresenta o cronograma das audiências e sessões do júri observadas. Quadro 02 – Cronograma das audiências e sessões do júri observadas no Fórum Central da comarca do Rio de Janeiro Data Processo 09/11/2009 2009.001.024203-6 11/11/2009 1999.205.102358-0 25/11/2009 2005.205.001599-7 27/11/2009 2003.001.137465-7 01/12/2009 2008.001.332235-1 01/12/2009 2009.001.190055-2 Artigos Tipo Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP) Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP) Homicídio Simples (Art. 121, caput CP) Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP) Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP) Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP), II E Crimes do Sistema Nacional de Armas - Lei 10.826/03, art. 12 N/F Concurso Material (Art. 69 - Cp) Audiência de Instrução e Julgamento Sessão do Júri Sessão do Júri Sessão do Júri Audiência de Instrução e Julgamento Audiência de Instrução e Julgamento 250 10/12/2009 2006.001.165385-2 10/12/2009 2008.001.163937-9 25/01/2010 1996.001.132089-3 27/01/2010 1985.001.501023-6 28/01/2010 2009.001.169871-4 02/02/2010 2008.001.359810-1 02/02/2010 2008.001.258994-3 10/02/2010 2009.001.169850-7 22/02/2010 2006.204.002492-0 Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP), I e IV Homicídio Simples (Art. 121, caput CP) Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP), INC. II N/F Crime Tentado Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP) C/C Concurso de Pessoas (Arts. 29 a 31 - Cp) Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP); Concurso de Pessoas (Arts. 29 a 31 - Cp) Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º., I e III) Homicídio Qualificado Tentado (Art. 121, § 2º., II e IV) Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º - CP) Homicídio Qualificado (Art. 121, § 2º., I e IV) Audiência de Instrução e Julgamento Sessão do Júri Audiência de Instrução e Julgamento Sessão do Júri Audiência de Instrução e Julgamento Audiência de instrução e julgamento Audiência de instrução e julgamento Audiência de instrução e julgamento Sessão do Júri Já nos fóruns regionais, houve uma maior ênfase na observação das práticas cartoriais e nas conversas com esses serventuários, escrivães e processualistas. Concomitante à atividade de observação das audiências foram realizadas diversas entrevistas com os operadores do Direito. Em parte, estas foram dificultadas porque o tempo reservado para a sua realização coincidiu com as férias de muitos dos operadores. Diante das portas fechadas das varas e dos tribunais do júri, não houve outra alternativa à pesquisa a não ser adotar o esquema de “bola de neve”, onde se escolhem alguns entrevistados iniciais e cada qual indica uma ou mais pessoas a serem entrevistadas. O esgotamento do assunto ocorreu após 12 entrevistas previamente agendadas e gravadas, sem contar as inúmeras conversas com os operadores nos corredores ou em seus próprios gabinetes após um dia inteiro de trabalho157. As entrevistas estruturadas com os operadores do direito foram transcritas e, com isso, as falas dos diversos operadores puderam ser utilizadas, literalmente, para ilustrar como eles entendem a reforma e ainda como eles se apropriam destas novas leis em sua atividade cotidiana. Descrita a metodologia de campo, a estrutura deste relatório consiste em inserir o leitor no cenário em que os pesquisadores se localizaram durante esses três meses. Após essa contextualização passa-se às análises das audiências e sessões do júri, sobretudo enfatizando as dificuldades observadas in loco. As percepções dos operadores 157 De acordo com os critérios éticos das pesquisas nas áreas de Antropologia e Sociologia, os nomes dos entrevistados não serão tornados públicos. Este foi um compromisso assumido pela equipe junto a esses operadores. Apenas serão indicados os cargos, como: juiz, promotor, defensor, advogado criminalista e serventuário. 251 são interpretadas no terceiro tópico do relatório e apontam para os dois extremos, as mudanças positivas e as negativas, o que vem sendo colocado em prática e o que transcorre como nos moldes anteriores às novas leis. Ao final, são tecidas as considerações acerca da cultura organizacional do sistema de justiça do Rio de Janeiro, comarca da capital. V.3. Estrutura organizacional e as novas leis A estrutura organizacional da justiça criminal da comarca do Rio de Janeiro contempla um fórum central e cinco fóruns regionais: Bangu, Santa Cruz, Madureira, Jacarepaguá e Campo Grande. No fórum central há quarenta varas criminais e quatro tribunais do júri. Em cada um dos fóruns regionais, há duas varas criminais, mas não há tribunais do júri. A descentralização da justiça criminal do Rio de Janeiro se deveu a uma iniciativa de tornar a justiça mais próxima da população das localidades mais distantes e mais populosas da capital, além da tentativa de tornar a justiça mais célere e mais eficaz. Tal iniciativa está diretamente ligada ao aumento da população e ao aumento do acesso à justiça pelos cidadãos. Esta forma de organização pode ser comparada ao que ocorre em cidades menos populosas, do interior do Estado, conforme explicado por um dos juízes entrevistados. Tradicionalmente, cria-se uma vara única (ou seja, varas responsáveis pelos processos cíveis, criminais e de responsabilidade do júri) e, posteriormente, com o passar dos anos, desmembram-se as varas em cíveis, criminais e criam-se tribunais do júri. Há todo um rearranjo institucional motivado a propiciar um pouco mais de racionalidade organizacional ao sistema. Foi exatamente esse pensamento que norteou a descentralização da justiça no Rio de Janeiro. Apesar de alguns desses fóruns se localizarem próximos a delegacias de polícia e seus servidores não se sentirem inseguros ao ir trabalhar, em outros locais ocorre justamente o oposto. Alguns problemas se mostram presentes nos dias de hoje, tais como a coação social em relação às vítimas e testemunhas e ao risco de fuga dos presos conduzidos aos fóruns quando da realização de interrogatórios. Uma vez que os fóruns regionais se localizam próximo à vizinhança das vítimas e testemunhas, a identificação das mesmas se torna ainda mais visível, o que tende a aumentar a sensação de insegurança e medo por parte dessas pessoas. Do mesmo modo, os locais onde os fóruns se encontram localizados se mostram mais acessíveis a grupos de criminosos motivados a libertar o preso 252 conduzido. Diante disso, os fóruns de Leopoldina, Ilha do Governador, Méier, Barra da Tijuca e Pavuna não possuem mais varas criminais, apenas cíveis; e as varas criminais do fórum de Campo Grande mudaram-se recentemente para a sede do fórum central, ou Palácio da Justiça. Pode-se perceber que há uma tendência clara de a justiça criminal do Rio de Janeiro retornar aos moldes antigos, ou seja, à centralização física. As entrevistas com os operadores do sistema, bem como as observações às audiências e às sessões do júri pautaram-se especificamente nas modificações produzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08, respectivamente relacionadas ao rito do júri e ao rito ordinário. Retomando os quadros 03 e 05, do produto 1 desta pesquisa, tem-se respectivamente as principais alterações no rito ordinário e da primeira fase do rito do tribunal do júri. Como se percebe, as mudanças são muito semelhantes. A primeira delas refere-se à citação do réu por hora certa, pessoalmente ou por edital. A apresentação da resposta escrita deve ocorrer no prazo de 10 dias, mas, no caso de não ocorrer, tem-se a nomeação de defensor público para o fazer em novos 10 dias. Pode haver absolvição sumária posteriormente à resposta da citação. Caso contrário, o juiz recebe a denúncia e designa dia e hora para audiência no prazo de 60 dias. As audiências passam a ser unas e não mais fracionadas como anteriormente. Antes, o réu era interrogado 5 dias após o recebimento da denúncia, devendo estar presente para tal. Agora, ele é o último a ser ouvido e seu depoimento pode ser realizado por meio de videoconferência quando estiver preso e o caso assim o exigir. O interrogatório e as oitivas de testemunhas são feitas diretamente pelas partes e não mais indiretamente pelo juiz. A ordem passa a ser a seguinte: vítimas (se for o caso), testemunhas de acusação, testemunhas de defesa e o réu. Não há mais prazo para as alegações finais por escrito. Estas devem ser feitas oralmente no tempo de 20 minutos para acusação e 20 minutos para a defesa no contexto da audiência. Em seguida, tem-se a sentença proferida pelo juiz. O procedimento do júri passa a se diferenciar a partir da segunda fase. As principais modificações quanto a esta fase encontram-se no quadro 06, do relatório 1 desta pesquisa e um dos pontos a ser destacado é a possibilidade de o réu ser citado por edital quando da intimação da sentença de pronúncia. Outro é o fato de não haver mais a necessidade da presença do acusado no momento da instrução em plenário juntamente com a alteração da ordem dos depoimentos, garantindo ao réu ser interrogado após toda a colheita de provas. Ainda quanto aos depoimentos, as pessoas são inquiridas 253 diretamente pelas partes (defesa e acusação) e indiretamente pelos jurados e suas falas podem ser gravadas. Destaca-se, ainda, o uso de algemas ser exceção à regra. O tempo das falas das partes também merece atenção, posto que, agora, acusação e defesa possuem 90 minutos cada uma para construção de seus argumentos, mais 60 minutos para réplica e tréplica, respectivamente. Anteriormente, a quesitação era diretiva e complexa, sendo agora guiada pelo legislador quanto à ordem e maneira de formulação dos quesitos pelo juiz158. A dissolução do conselho permanece, mas a formulação de quesitos deve ser feita no prazo de 5 dias. Por fim, destaca-se o encerramento do julgamento após a soma superior a três votos. Esta seção teve como objetivo apresentar como o sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro, comarca da capital, está estruturalmente organizado. Em seguida, foram retomados os principais pontos modificados pelas leis 11.719/08 e 11.689/08. Na próxima seção, passaremos às análises sobre as Varas Criminais e os Tribunais do Júri do Fórum Central e, posteriormente, analisaremos as Varas Criminais Regionais. V.4. As varas criminais e os tribunais do júri Antes de se proceder à análise das observações das audiências de instrução e julgamento do rito ordinário e das audiências e sessões dos tribunais do júri, cabe descrever o aspecto físico do ambiente. 158 Art. 483: os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa de diminuição da pena alegada pela defesa; V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. § 1º. A resposta negativa, de mais de três jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado. § 2º.Respondidos afirmativamente por mais de três jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: “o jurado absolve o acusado?”. §3º. Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre: I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa; II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. §4º. Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2º, ou 3º, quesito, conforme o caso. §5º. Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito. §6º. Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão formulados em séries distintas. 254 Quem vai ao Fórum Central do Rio de Janeiro, ao entrar pela portaria principal, passa pelo aparato de segurança composto por um detector de metais e um raio-x para as bolsas de mão, exatamente como é feito no embarque dos aeroportos. As varas criminais localizam-se na chamada “lâmina 2”, distribuídas do quarto ao nono andar. Localizam-se em corredores longos bem próximos aos elevadores, o que facilita sobremaneira seu encontro. Os corredores do Fórum são compridos e abafados. A temperatura é praticamente a mesma da rua (ou seja, no verão carioca, em torno de 35º.C a 40º.C, só que sem vento). Existem banheiros masculinos e femininos em todos os andares, assim como recipientes de álcool gel nas paredes para que as pessoas higienizem as mãos. Para quem vem pelo corredor, cada vara criminal se divide em duas salas, identificadas por suas respectivas portas, uma em frente à outra. De um lado tem-se o cartório, onde trabalha a maioria dos serventuários e ficam guardados os processos. Do outro lado se vêem as salas de audiência. As portas sempre estão fechadas, algumas (geralmente de cartórios) até trazem escrito a frase “entre sem bater”, mas a impressão é que esta mensagem só é captada pelas pessoas que ali trabalham ou que já estão familiarizados com a rotina dos cartórios, como advogados e estagiários que entram e saem sem a menor cerimônia. É fácil notar pessoas “perdidas” com papéis na mão aguardando do lado de fora do cartório sem saber se devem ou não entrar ou mesmo batendo nas portas sem resposta. São elas geralmente partes, familiares de partes ou testemunhas envolvidas em processos e audiências. A saída que essas pessoas encontram para esclarecer suas dúvidas, na maior parte dos casos possíveis de observar, é a de abordar a primeira pessoa de terno e gravata que passar no corredor e pedir uma informação. Um dos pesquisadores foi abordado várias vezes. No que se refere à rotina das varas, tanto as audiências nas varas criminais como as do tribunal do júri normalmente são agendadas a partir das 13:00hs. Dessa maneira, a partir desse horário os corredores começam a ficar mais cheios. Existem bancos de três ou quatro lugares próximos às paredes que nem sempre dão conta de acomodar todo o público. É comum a existência de um quadro com a pauta das audiências do dia afixado na parede justo acima de um desses bancos, o que dificulta a leitura caso esteja alguém sentado naquele lugar. Em outras varas, principalmente nos tribunais do júri, a pauta é colada diretamente na porta da sala de audiência ou plenário, no caso dos tribunais do 255 júri. Na referida pauta, além do horário e o tipo penal correspondente a cada audiência, é possível encontrar o nome das partes e de todas as testemunhas arroladas. Seria interessante um maior cuidado por parte do cartório em tornar a pauta mais visível aos interessados, e se possível, com letras maiores e destaque no nome dos participantes da audiência para facilitar a identificação dos interessados. A maioria dos cartórios têm o cuidado de afixar as pautas com pelo menos meia hora de antecedência do início das audiências. É comum a presença das famílias dos acusados, principalmente pais, cônjuges e filhos pequenos, ainda que não envolvidos diretamente com a audiência, geralmente motivados pela esperança de ver, mesmo que rapidamente no movimento de abrir e fechar de portas da sala de audiências, seu parente preso. Outro motivo é o de obter informações sobre o futuro de seu parente, em outras palavras, se ele vai ser solto. Normalmente as intenções das famílias acabam frustradas, visto que são poucos os juízes das varas comuns que permitem que parentes do acusado entrem e assistam à audiência. Este é um fator que merece destaque posto que as audiências são públicas desde que o processo não tramite em segredo de justiça. Alguns até permitem que ao final do feito, as famílias entrem rapidamente para abraçar seu parente, outros alegam que aquele não é dia nem horário de visitas. Da mesma forma, não é comum os familiares do acusado serem informados sobre os resultados da audiência após o fim desta, isso só é comum quando o réu é representado por advogado particular. Somente em uma audiência de vara criminal observada, foi possível perceber uma defensora pública ir ao corredor após o término para explicar ao pai de um acusado o que lhe havia ocorrido. Ao contrário, as audiências do rito do júri são públicas e os parentes dos acusados geralmente estão presentes, sentados ao lado de estagiários de Direito e de outros interessados no tema, como nós, pesquisadores. Desta forma, o resultado da audiência é mais notório aos parentes do acusado, embora estes não tenham contato direto com eles. Em uma das audiências, onde o acusado preso há 6 meses, teve seu pedido de liberdade deferido pela juíza, nas vésperas do Carnaval, foi possível perceber nitidamente a emoção do irmão que assistia à audiência quando a juíza, muito nova, em torno de 30 anos, disse: “aceito o pedido de liberdade do réu. Expedir alvará de soltura. [e, virando-se para o acusado] Você irá passar o Carnaval em casa”. Tal foi a emoção daquele homem jovem, forte, alto, policial militar, acusado de matar a namorada, e também de seu advogado que o cumprimentou com um tapinha no ombro. 256 No caso das varas criminais, apesar de as audiências serem sempre agendadas a partir das 13:00hs, os atrasos são muito corriqueiros. É quase unanimidade as varas criminais agendarem duas ou três audiências para o mesmo horário como estratégia para que as pessoas envolvidas cheguem com antecedência. Por exemplo: duas audiências marcadas para as 13:00hs, duas marcadas para as 13:30hs, e mais duas marcadas para as 14:00hs. Desta maneira, têm início primeiro aquelas que já estão “completas”. Raramente, a sequência de audiências termina antes das 17:00hs, não raro chegando às 19:00hs. No caso dos tribunais do júri, apesar de não existir o agendamento de audiências para o mesmo horário, estes reservam dois dias na semana para as audiências e dois dias para as sessões do júri. O dia restante, geralmente uma sexta-feira, é dedicado ao trabalho de gabinete. Obviamente, cada tribunal realiza apenas 1 júri por dia, mas elencam três a quatro audiências para um mesmo dia. Houve um episódio em que o dia de audiências terminou às 21hs. A espera acaba sendo grande e cansativa. A partir disso, pode-se conjecturar que tal postura do Judiciário acaba por contribuir para a manutenção da idéia vigente na sociedade de que a Justiça é morosa. Afinal, como se falar em celeridade processual e respeito às garantias constitucionais da pessoa humana, quando a Justiça trata o seu público de forma morosa e desrespeitosa? Foi possível acompanhar audiências das varas criminais que tiveram início com mais de três horas de atraso. Soma-se o fato de que as audiências são marcadas bem na hora do almoço, fazendo com que as pessoas que moram distante do centro da capital e que demoram no deslocamento até o fórum cheguem lá apenas tendo tomado o café da manhã. Sorte dos vendedores ambulantes que transitam a todo tempo pelos corredores, oferecendo um lanche composto por um sanduíche e um suco ao preço de R$ 6,00, além de café, água, dentre outras coisas. Esta acaba sendo a única opção de alimentação daqueles que, apesar do atraso, temem se ausentar da frente da sala de audiências e terem seus nomes chamados neste justo momento. Outro grupo fácil de identificar pelos corredores é o de policiais. Estes com bastante freqüência são chamados a atuar como testemunhas de acusação em processos relacionados a casos em que tiveram participação no flagrante. A presença deles é mais freqüente nas varas comuns. Os policiais, ainda que aguardando serem chamados em varas diferentes, costumam ficar juntos com os policiais que trabalham no fórum fazendo a segurança deste, formando grupos. Normalmente se mostram mais 257 descontraídos e menos tensos que os familiares do acusado, posto que já acostumados a essa rotina profissional. Um dos pesquisadores chegou a presenciar uma cena bem marcante num dos corredores das varas criminais, onde uma mulher que aguardava a audiência de seu marido preso, acompanhada de seu filho que aparentava ter uns sete anos, explicava ao menino, apontando para um policial que aguardava a mesma audiência, que teria sido aquele moço o responsável pela surra e pela humilhação que o pai dele havia sofrido. O menino desviou a atenção do mini vídeo game que jogava por alguns instantes e passou a xingar o policial. Mesmo tendo notado e ficado constrangido o policial nada falou, somente se afastou um pouco e continuou a conversa com seu colega. De tempos em tempos, aparecem os oficiais de justiça saindo das salas de audiência para fazer o pregão, lendo em voz alta o nome dos participantes de cada audiência e pegando os documentos de identidade dos que já estão presentes. Na sala das varas criminais comuns onde as audiências acontecem, percebe-se, logo que se entra, a grande mesa em formato de “T”, onde no eixo e dois degraus acima se posiciona o juiz. Do seu lado direito e um degrau abaixo fica o promotor de justiça. Na outra ponta, do lado esquerdo do juiz, posiciona-se o escrivão, que possui um computador a sua frente. Na parte comprida da mesa, à direita do juiz e à frente do promotor senta-se o representante da defesa. As testemunhas são inquiridas à esquerda do juiz, em frente ao escrivão. O acusado senta-se na cabeceira oposta, mas somente no momento em que é ouvido pelo juiz. Junto à parede do fundo da sala fica o “banco dos réus”, onde o acusado se posiciona enquanto não é ouvido e também onde aguardam os demais acusados, caso haja mais de um. Na parede à direita do juiz ficam cadeiras para que qualquer pessoa interessada assista à audiência caso esta não esteja sendo realizada sob segredo de justiça. Todas as salas de audiência das varas criminais comuns visitadas possuem um crucifixo localizado na parede atrás e acima do juiz, outras ainda possuem quadros onde se lê a missão organizacional do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Algo que se mostrou no mínimo intrigante aos pesquisadores localizados nas varas criminais foi o porquê de o acusado se sentar tão distante de seu defensor. Este posicionamento torna muito mais difícil o contato entre eles durante a audiência. Outro fator que chamou a atenção foi a posição em que as testemunhas são inquiridas, visto que o monitor do computador praticamente encobre a visão do juiz e faz com que o escrivão tome a termo o depoimento sem conseguir enxergar a testemunha. 258 Os plenários dos tribunais do júri apresentam padrão um pouco distinto das salas de audiência das varas criminais comuns. Os plenários podem ser comparados a ambientes como teatro e igreja (Schritzmeyer, 2001). A parte destinada ao público é separada da área onde acontece o “espetáculo” por uma grade baixa com duas portinholas laterais por onde entram as pessoas devidamente autorizadas, como os jurados escolhidos para compor o conselho de sentença, por exemplo. De frente para a platéia há uma espécie de bancada onde ao centro, num nível mais alto, localiza-se o juiz. Ao seu lado direito e abaixo, o local reservado ao Ministério Público. Ao lado esquerdo do juiz, localizam-se o serventuário responsável pela digitação das falas dos depoentes e o oficial de justiça, responsável pelo pregão e condução das testemunhas até o local. Situados lateralmente, em clara oposição, dispõem-se o banco dos réus, onde permanecem o acusado e seu defensor, e de frente para ele, as sete cadeiras que devem ser ocupadas pelos jurados quando das sessões do júri. Ao centro, uma cadeira e mesa onde as pessoas se sentam quando da tomada de depoimentos. Acima do juiz, um crucifixo com a imagem de Jesus Cristo. Ao fundo do palco, duas portas que se destinam aos bastidores: gabinetes do promotor, defensor e juiz, sala de testemunhas, sala de detenção e a sala secreta, onde os jurados votam individualmente, e em silêncio, às quesitações, respondendo sim ou não a cada uma das perguntas separadamente. Todos são obrigados a falar no microfone e, em um dos plenários, há monitor para juiz, escrivão, promotor e defesa. Mas, nos outros plenários, não há monitor para o defensor. Este é obrigado a se posicionar atrás do juiz para ler e certificar-se de que os depoimentos estão sendo transcritos da maneira mais fiel possível às falas das pessoas. Caracterizado o ambiente onde a equipe de pesquisadores se localizou ao longo dos três meses de campo, passa-se agora às observações das audiências de instrução e julgamento de ambos os ritos processuais e das sessões do júri, especificamente. Nas Varas Criminais Comuns Para as observações das audiências de instrução e julgamento das varas criminais comuns, foram enfatizadas modificações e elaborada uma planilha na qual o observador deveria anotar os fatos (ver anexo 1). Chamamos a atenção para os seguintes aspectos: identidade única do juiz, ordem dos depoimentos, tempo da sustentação oral 259 ou prazo para apresentação de memorial quando das alegações finais ainda que em casos não considerados de elevada complexidade. Em quinze das vinte audiências acompanhadas, foi possível observar que mais de um juiz assinou despachos ao longo do mesmo processo. Parece uma prática comum na justiça criminal devido à longa duração dos processos e às constantes trocas de juízes nas varas criminais. Muitos acumulam duas varas para cobrir férias e aposentadoria de outros juízes. Depreende-se disto que o princípio da identidade única do juiz não vem sendo seguido na prática. No dia 1º de março, por exemplo, foram observadas quatro audiências da 26ª vara criminal que foram deslocadas em cima da hora para a 29ª vara criminal. Segundo o oficial de justiça, isso ocorreu em virtude da aposentadoria do juiz titular daquela vara (2009.001.222209-0; 2009.001.141044-5; 0383399- 31.2009.8.19.0001; 2009.001.142245-9). Em conversa com um dos juízes, foi explicado que estava sendo aguardado naquele mesmo momento em outra vara criminal para realizar audiências. Depois de se certificar pelo telefone de que o defensor público daquelas audiências também não tinha comparecido, ordenou o cancelamento de toda a pauta, apesar de muitas testemunhas estarem presentes. Em dezesseis casos acompanhados, a sentença não pôde ser proferida em audiência. Desta forma, não foi possível observar se o exposto no § 2º do artigo 399159 foi cumprido. Nas quatro audiências restantes a sentença foi dada em audiência pelo mesmo juiz que acompanhou a instrução. Dessas, três tiveram a concessão do benefício da suspensão condicional do processo e em apenas uma houve julgamento. O curioso, é que na referida audiência onde houve o julgamento, a juíza, após as alegações finais orais, limitou-se a ditar a sentença à escrivã, deixando de lê-la em voz alta. O acusado, ao ser retirado da sala pelo policial, perguntou à juíza se ele havia sido absolvido ou não. A juíza respondeu que sim, mas que naquela noite ele ainda voltaria para a custódia devido ao “avançado da hora”. Somente no dia seguinte seria entregue o alvará para a sua liberdade. O acusado foi orientado pela juíza a conversar com o defensor público depois da audiência. 159 Art. 399: Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, do seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. §1º. O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação. §2º. O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. 260 Em uma audiência observada em 24 de fevereiro de 2010, continha no processo o despacho de recebimento da denúncia, com data de 13 de julho de 2009, onde o juiz alegava que por estar acumulando aquela vara com a sua de origem onde era titular, aguardaria o retorno do juiz titular desta para a designação da audiência, de acordo com sua conveniência. Ressaltava ainda que esse atraso no processo não traria prejuízos ao réu, visto que este se encontrava em liberdade (2009.001.248337-7). Em uma audiência observada em 24 de fevereiro de 2010, continha no processo o despacho de recebimento da denúncia, com data de 13 de julho de 2009, onde o juiz alegava que por estar acumulando aquela vara com a sua de origem onde era titular, aguardaria o retorno do juiz titular desta para a designação da audiência, de acordo com sua conveniência. Ressaltava ainda que esse atraso no processo não traria prejuízos ao réu, visto que este se encontrava em liberdade (2009.001.113233-0). O prazo de 60 dias para a realização da audiência de instrução e julgamento previsto no caput do artigo 400160 só foi respeitado em uma audiência observada. Nas demais AIJs isso não ocorreu. Foi possível perceber que em muitos processos, outros despachos e decisões interlocutórias são proferidas entre a data do recebimento da denúncia e a data da AIJ, tais como expedição de mandados, requisição de FAC (ficha de antecedentes criminais), pedido de pareceres e decisões sobre liberdade provisória e relaxamento de prisão. No que se refere ao respeito à ordem dos depoimentos, não foram identificados problemas, com exceção de um caso bastante confuso acompanhado em 02 de fevereiro. Segundo o juiz, a audiência havia sido designada por ele com o objetivo único de se proceder ao interrogatório do acusado, mas o advogado do mesmo insistia na hipótese de uma testemunha de defesa, voluntariamente presente, também ser ouvida. Segundo o advogado, deveria o juiz ouvi-la em nome da celeridade e da economia processual, visto que evitaria marcar uma nova data e ainda não seria necessária nenhuma diligência para a intimação. Houve impasse e discussão, mas o juiz acabou ouvindo o depoimento da referida testemunha. Nesse caso, a ordem de tomada das declarações não foi respeitada, 160 Art. 400: Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvando o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. §1º. As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinente ou protelatórias. §2º. Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes. 261 pois é direito do acusado só se manifestar depois que todas as testemunhas tenham sido ouvidas e todas as demais provas tenham sido produzidas. No entanto, foi o próprio advogado do acusado quem insistiu para que isso fosse possível (2008.001.433375-7). Somente em oito casos, toda a fase de tomada de depoimentos ocorreu em uma única audiência, sendo ainda que dessas oito citadas, três tiveram todas as testemunhas dispensadas em virtude da opção do magistrado e aceitação do Ministério Público e acusados na suspensão condicional do processo. Em cinco audiências, todas as testemunhas e partes arroladas compareceram permitindo que o exposto no caput do artigo 400 fosse totalmente cumprido. Um dos fatos que mais chamou a atenção durante os dias no fórum, foi a dificuldade do tribunal de justiça em intimar de forma eficaz testemunhas e partes a serem ouvidas nos processos. Parece ser impossível cumprir a nova exigência de se produzir todas as provas em audiência única sem a correta intimação das pessoas envolvidas, obrigando sempre o magistrado a despachar uma nova diligência de intimação e ainda marcar uma nova data (dificilmente antes de trinta dias) para dar continuidade ao feito. Em dez casos acompanhados, a audiência teve que ser interrompida e remarcada para outro dia em virtude de não realização ou realização sem sucesso de intimações. A dificuldade é ainda maior quando se trata de procedimentos envolvendo partes ou testemunhas que residem fora do município do Rio de Janeiro, onde são necessárias diligências através de carta precatória. Nesses casos, além da excessiva demora para o cumprimento da diligência, esta geralmente retorna negativa aos autos. Em 24 de fevereiro, foram acompanhadas duas audiências que tiveram sua continuidade interrompida devido a problemas na realização das intimações. O que pareceu mais grave aos pesquisadores, é que geralmente nem mesmo o juiz, na hora da audiência, consegue ter acesso à informação sobre o êxito ou não da diligência. Desta maneira, o magistrado fica sem saber como agir, visto que permanece a dúvida de se a parte/testemunha foi devidamente intimada ou não, e se a audiência deve continuar apesar da ausência ou se deve ser repetida a diligência e marcada nova data. No primeiro caso, duas testemunhas haviam faltado, mas o acusado estava presente e esperava ser ouvido. Era sabido que ambas tinham sido intimadas por carta precatória, a primeira em Nova Iguaçu/RJ, e a segunda em Vila Velha/ES. Como não havia resposta sobre o êxito desses feitos, o juiz interrompeu a audiência, pedindo que o acusado aguardasse o contato com as respectivas varas responsáveis pelos 262 procedimentos de intimação. Era necessário obter essa resposta para que a audiência tivesse continuidade. O primeiro contato telefônico foi feito com a 6ª Vara Criminal de Nova Iguaçu, chegando a resposta negativa via fax cerca de meia hora depois. O segundo e mais difícil contato telefônico ocorreu com o cartório da 2ª Vara Criminal da comarca de Vila Velha. Depois de várias tentativas frustradas, o contato foi feito, mas a resposta não foi dada naquele momento. Uma hora depois o juiz ligou novamente para o referido cartório, mas a funcionária que havia atendido antes e se comprometido em procurar a resposta não estava mais presente. Tudo foi explicado novamente. A audiência foi suspensa e outra da pauta teve início, mas o juiz optou por não liberar o acusado, visto que a informação poderia chegar a qualquer momento. Por volta das 17:00hs (cerca de três horas depois do início da audiência) o juiz se lembrou de liberar o acusado, visto que já havia “perdido as esperanças” de que a informação chegaria. Requereu novas diligências e marcou a audiência de continuação para 04 de maio de 2010 (2009.001.113233-0). A audiência seguinte foi interrompida pelo mesmo problema, não tendo o juiz conhecimento sobre a intimação da vítima, que morava no município de Duque de Caxias/RJ. Cerca de trinta minutos depois chegou a informação de que a intimação não havia sido realizada com êxito. Segundo o oficial de justiça responsável pelo ato, a vítima encontrava-se passando férias em Búzios/RJ. O réu preso foi dispensado, retornando para a custódia (2008.001.110157-4). Neste mesmo dia foi possível conversar rapidamente com o juiz no intervalo entre as audiências. Ele explicou que não existe um sistema informatizado para o acompanhamento das intimações e demais diligências realizadas em outras comarcas. Nestes casos, resta somente a opção do contato telefônico diretamente com os cartórios, o que nem sempre é eficaz. A partir daí a conversa tomou outro rumo, passando o juiz a dizer que teve conhecimento de que naquele dia, um projeto de lei que tenta reduzir a maioridade penal havia sido aprovado em primeira votação na câmara dos deputados. O juiz posicionou-se inteiramente a favor da medida, sustentando que “não há espaço para hipocrisia na justiça”, principalmente em casos de presunção de violência em crimes sexuais praticados contra adolescentes “numa sociedade que aceita o sexo com naturalidade”. Chegou a contar sobre dois casos que havia julgado. A promotora fazia que concordava com movimentos de cabeça, mas interrompeu o juiz dizendo que em 263 um desses casos, onde ela atuava, não abriria mão do recurso por conta do seu dever de ofício como promotora pública. Segundo ela, mesmo achando “a lei ultrapassada, esta deve ser cumprida enquanto for vigente, afinal, tratava-se de um menor de idade (sic)”. Logo em seguida a audiência interrompida foi retomada. Em apenas duas audiências, testemunhas e partes que haviam sido regularmente intimadas não compareceram, no entanto, foi observado que os atrasos são muito frequentes. Quanto aos atrasos de uma forma geral, pode-se dizer que há boa vontade por parte dos magistrados. Em dois casos, o juiz reabriu a audiência para ouvir acusados que haviam chegado após o término de suas audiências. Quanto a proferir ou não sentença ao fim da audiência, alguns juízes resistem em proceder desta maneira ainda que todas as provas já tenham sido produzidas. Somente em uma audiência foi oferecido prazo para alegações finais orais ao Ministério Público e defesa. Por coincidência ou não, tratava-se da única audiência agendada na pauta da 39ª vara criminal para aquele dia e teve cerca de duas horas de duração. Diante de tal fato, é possível conjecturar que realmente deve ser difícil realizar cinco ou seis audiências completas como essa no mesmo dia. Nas demais audiências onde aparentemente toda produção de provas havia sido realizada, foi oferecido prazo para alegações finais através de memoriais, primeiramente ao Ministério Público, em prazo não necessariamente igual ao previsto no § 3º do artigo 403161. Em um despacho lido pela equipe, o juiz concedeu prazo de 10 dias ao MP, e em seguida mais 10 dias para a defesa, para que apresentassem as alegações finais, não citando em quanto tempo proferiria a sentença (2009.001.154896-0). Dentre os quatro casos acima citados, apenas dois tiveram o critério da elevada complexidade levado em consideração, revelando que ainda havia provas periciais e documentais a serem produzidas, abrindo em seguida prazo para as alegações finais. No primeiro, tratava-se de a requisição de um laudo pericial que não constava anexo aos 161 Art. 403: Não havendo requerimento de diligência, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10, proferindo o juiz, a seguir, sentença. §1º. Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual. §2º. Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse, serão concedidos 10 minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa. §3º. O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 dias para proferir a sentença. 264 autos e essencial para o julgamento, sobre o suposto material explosivo e substância entorpecente encontradas no flagrante em domínio do acusado (0371528.042009.8.19.0001). O segundo caso era para a apresentação de um auto de desinterdição expedido pela vigilância sanitária que o acusado alegava ter, e que segundo ele, permitia manter seu comércio em funcionamento mesmo depois da apreensão de carnes estragadas feita pela delegacia de proteção ao consumidor. Nos dois casos, houve dificuldades para compreender o que estava acontecendo no momento da audiência, visto que a maior parte dos juízes não possui o hábito de justificar ou explicar suas ações. Isso fez com que o pesquisador saísse da audiência pensando que todas as provas haviam sido produzidas, mas posteriormente, ao ler a íntegra dos despachos na internet ele pôde entender corretamente o ocorrido, qual seja: de que seria necessária a produção de outras provas, além do depoimento das testemunhas para que a sentença pudesse ser proferida pelo juiz (2009.001.027691-5). Nos outros dois casos nenhum motivo que justificasse a medida foi apontado pelo juiz em despacho, mas em um deles foi possível perceber claramente que o juiz estava impaciente e irritado com o atraso das audiências, tendo sido esta a quarta de seis audiências marcadas. Dos três casos onde foi proposta a suspensão condicional do processo, não houve alegações finais. Outro fato que chamou a atenção foi o da impossibilidade de comprovação, na hora da audiência, de que o acusado cumpre os requisitos para a concessão do benefício penal. Em nenhuma das audiências o juiz possuía a FAC (ficha de antecedentes criminais) do acusado em mãos. Desta maneira, o juiz perguntava se o acusado já respondia por algum outro crime, e caso a resposta fosse negativa, o juiz fazia a proposta. Somente no despacho que propõe o sursis processual, o juiz costuma requisitar a juntada da FAC para então analisá-la e “oficializar” a concessão do benefício. Este tópico visou descrever em detalhes as audiências de instrução e julgamento ocorridas nas varas criminais do fórum central da capital Rio de Janeiro. O que se pode dizer é que as novas orientações vêm sendo seguidas em parte pelos operadores do sistema de justiça criminal do rito ordinário. Observamos que há tentativas de aplicar as modificações, mas nem sempre isso se mostra possível como no acúmulo de duas ou 265 mais varas por um único juiz, fato que pôde ser visualizado em função da época em que o campo foi feito. Da mesma maneira, nem sempre é possível realizar a audiência em sua completude devido à ausência de testemunhas. Além disso, foram poucos os casos em que houve alegações finais orais, sendo comum a prática de determinar prazo para entrega de memoriais. Nos cartórios das Varas Criminais Comuns Os cartórios podem ser vistos como o local que dita o bom funcionamento de uma determinada agência. Estudos sobre Polícia Civil mostram a importância de tal setor, bem como a importância dos escrivães. Não raro, esses operadores são chamados de “escravães” pelos colegas, tamanho o volume de trabalho a que estão submetidos. Não raro, em uma delegacia de polícia, o escrivão faz as vezes do delegado, deixando este como mero coadjuvante da peça inquérito policial (Silva e Soares, 2009; Ministério da Justiça, 2009). Diante disso, entendeu-se ser importante conversar com os serventuários dos cartórios das varas criminais comuns, a fim de verificar se o mesmo que ocorre no âmbito da Polícia Civil se dá, também, no Judiciário. Foram visitados quatro cartórios das varas criminais regionais, oportunidade em que foram ouvidos os escrivães e os processantes, aqueles por possuírem uma visão geral das atividades cartorárias e estes por cuidarem diretamente da movimentação dos processos. Partiu-se da premissa de que este contato físico mais direto traria informações de grande valia, pois que há alguma dose de tecnicismo no trabalho, embora o maior volume seja puramente burocrático. Em cada uma das conversas foram retiradas importantes informações dos cartorários, daquelas que não se encontram em livros e decisões judiciais, e que não se discutem em congressos e encontros de juristas. Ao contrário do que se imaginava, nem sempre o acesso aos escrivães é fácil. Muito pelo contrário. O clima de desconfiança era notório, salvo raras exceções. Tal como observado com os operadores das varas criminais comuns do fórum central, aqui também ficou a impressão de que eles suspeitavam de se tratar de alguma “armação” de órgãos de fiscalização e controle do Tribunal, tais como a Corregedoria. Pode-se falar num certo “temor” por parte dos operadores quando se fala em Corregedoria, principalmente depois que desembargadores nomeados através do quinto constitucional assumiram estas posições de poder no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Inclusive 266 há quem ateste alguma melhora na qualidade da prestação jurisdicional desde que a Ordem dos Advogados do Brasil e o Tribunal de Justiça passaram a manter relações mais estreitas, facilitadas por estas alterações nas relações de poder. Observando o cotidiano desses operadores, tornou-se possível pensar nos roteiros típicos por eles seguidos, algo incorporado ao modus operandi, seguindo todos um comportamento-de-tal-tipo (Garfinkel, 1967; Beato Filho, 1991 e 1992). Pode-se falar em algo semelhante a uma espécie de mecanização do Judiciário. O trabalho dos serventuários é repetitivo, não raro moroso e burocrático. Operam como numa organização do tipo linha de montagem (Sapori, 2000). Exemplo disso pode ser o caso em que uma petição foi eliminada por não ter sido apresentada via protocolo. Tratava-se de um caso excepcional, de emergência, em que o Juiz havia deferido o pleito, mas esta foi perdida pelo cartório, em razão de não constar o canhoto comprovando sua apresentação. Neste caso, o apego ao formalismo acabou prejudicando um direito, o chamado “princípio da instrumentalidade das formas”, vigente no direito processual. Esta automação cartorária se torna muito visível quando atrelada à preocupação de alguns profissionais com a produção do cartório, em “bater as metas”. Salvo algumas exceções, os cartórios, em geral, são invisíveis ao público em geral, ou seja, não é possível ter visão das dependências do cartório, posto que em muitas situações, o ambiente é composto por escaninhos que “escondem” pastas e processos dos olhos dos usuários comuns. Uma das escrivãs entrevistada entende que as alterações perpetradas pela Lei 11.719/08 trouxeram significativa melhora ao processo penal brasileiro, e efetivamente, tornou o andamento dos processos mais célere. Entretanto, destacou que em razão de ter o quadro de serventuários ideal preenchido, a tarefa certamente se tornou mais fácil. Na visão de alguns serventuários, os juízes, em geral, têm conseguido realizar audiências tal como a nova forma prescrita pelas alterações da Lei 11.719/08, mas, em muitos casos, a atividade se torna impraticável tal como em audiências em que serão ouvidas muitas testemunhas, ou quando são necessárias a apresentação de perícias. Apesar de alguns dos serventuários terem dito que questões como o processamento melhoraram, foram feitas severas críticas ao modelo da audiência uma. Eles entendem que há uma maior demora no andamento dos processos, uma vez que todo um aparato se torna necessário para disponibilizar ao juiz todos os elementos que são necessários para a realização do ato processual em comento. Por outro lado, alguns operadores afirmaram que os juízes não vêm adotando as novas regras. Para esses casos, a opinião é 267 de que o cartório não sentiu os efeitos da mudança. Ainda em relação às audiências unas, outros disseram que em razão da audiência em processo penal agora ser una, a preocupação com nulidades processuais aumentou, tornando maior o volume de trabalho de um cartório. Foi salientado que fatores externos fazem com que o andamento processual fique prejudicado, tais como demora no envio da folha de antecedentes criminais (FAC) do acusado - que atualmente é feita on line - ou demora de entrega de dados por institutos periciais. Quanto à identidade única do juiz, alguns dos serventuários reconheceram a dificuldade de operacionalização de tal medida, já que não raro um juiz acumula duas varas, substituindo o colega licenciado ou de férias. Para alguns serventuários, a defesa do acusado deve ser vista com mais atenção ao ser analisada para fins de processamento. Criticou-se a defesa nos moldes atuais, pois em muitos casos a defesa deve ser apresentada, mesmo que o advogado ou defensor público não tenha tido contato anterior com o réu, muitas vezes, preso. Como alternativa, foi comentada uma iniciativa de um dos cartórios, um procedimento extralegal, que consiste em marcar entrevista do advogado/defensor público com o acusado em cartório. De certo modo, garante-se o direito à ampla defesa do réu. Ainda que externa à discussão sobre as mudanças oriundas com a lei 11.719/08, para alguns, o número de servidores abaixo do idealizado pelo Tribunal influencia no resultado, comprometendo a celeridade do trâmite processual. Estes apontaram que as varas criminais comuns têm número de servidores bem abaixo das varas competentes para processar e julgar outros tipos de causas. Sob um aspecto geral, a resposta à alteração procedimental foi vista com bons olhos, e, segundo os serventuários, os processos têm tido uma resolução mais célere, posto que a nova lei facilitou o trâmite. Para eles, em regra, a instrução criminal tem obedecido aos limites de prazo impostos, salvo em casos mais complexos. Como pontos positivos, atestaram quanto à melhora da alteração legislativa, que trouxe enxugamento das pautas de audiência, possibilitando ao juiz efetuar julgamentos de forma mais célere. Por conseqüência direta ao trabalho deles, os processos apresentam uma melhor tramitação. Um fato interessante que merece ser narrado, refere-se à menção de um dos serventuários à Resolução Conjunta nº 01 de 2009 do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, que versa sobre a execução provisória da 268 pena, quando se iniciou a conversa sobre as reformas de 2008. Ao associar a celeridade que a lei 11.719/08 propiciou aos feitos processuais penais a esta medida, notou-se que o pensamento seria o de produção e quantidade a qualquer custo, independentemente de como e por que alcançar isto. Um ponto de vista de um dos entrevistados que chamou atenção da equipe foi a aceitação das medidas de cumprimento da pena provisória: “depois é difícil pegar o preso de novo e aí o Estado fica no prejuízo” (escrivã). Esta parece ser uma tendência condenatória observada em algumas varas criminais comuns. Diante de todas as conversas tidas com os serventuários das varas criminais comuns, a priori, pode-se dizer que a Lei 11.719/08 vem atendendo a sua finalidade, que seria garantir celeridade ao procedimento ordinário. Facilitou-se o término dos julgamentos com maior celeridade, o que, em casos de absolvição do réu ou cumprimento de pena abaixo do que seria imaginado traz a liberdade mais rápido. Entretanto, a alteração do rito, tornando a relação jurídica processual completa tão-só após a citação faz com que o perigo das nulidades seja maior. Sob o ponto de vista prático, realmente a lei não tem o condão de consertar vícios crônicos de órgãos fora do Judiciário. Neste sentido, alguns elementos, tais como a audiência em único ato podem ficar prejudicados, pois para que haja êxito, faz-se mister que elementos externos ao Poder mencionado cheguem a tempo para a audiência, malgrado seja freqüente o atraso. Outro aspecto que se pode tirar como conclusão é acerca dos serventuários e seu comportamento perante o sistema. De forma crônica é possível relatar que o Judiciário se preocupa em produzir quantitativamente, o que pode acarretar na diminuição de qualidade. A celeridade e o julgamento justo parecem se confrontar nesta hipótese, e aquela parece estar vencendo a batalha. Nos Tribunais do Júri162 162 Agradecemos a colaboração das pesquisadoras Natasha Elbas Nery e CarolinaGrillo pela indicação de algumas audiências de instrução e julgamento e sessões do júri, quando elas estavam em campo pela pesquisa “Autos de Resistência: uma análise dos homicídios cometidos por policiais na cidade do Rio de Janeiro”, financiada pelo CNPq e localizada no Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Necvu/UFRJ). Com isso, conseguimos ampliar nossa observação de campo e enriquecer nosso 269 Ao longo dos meses de dezembro a fevereiro de 2010 foram observadas 13 audiências de instrução de julgamento e 7 sessões de júri, nos quatro tribunais do júri da comarca do Rio de Janeiro. Ressalta-se que poderia ser um número maior, não fossem os constantes atrasos e adiamentos de audiências, fato que se mostrou muito recorrente. Nas audiências de instrução e julgamento dos tribunais do júri, primou-se pela observação dos seguintes procedimentos: ordem dos depoimentos, oralidade e tempo das alegações finais e fundamentação do juiz (ver anexo 2). Nas sessões do júri, foram privilegiados as seguintes mudanças: composição do conselho de sentença partindo de 25 jurados para serem escolhidos 7, realização do júri mesmo sem a presença do réu, se os jurados receberam cópia da sentença de pronúncia, a ordem das falas e da inquirição de testemunhas, se houve perguntas por parte dos jurados e se estas foram feitas por intermédio do juiz, se as partes perguntam diretamente ao acusado, exceção do uso de algemas, forma de registro dos depoimentos, se o tempo das falas, réplicas e tréplicas está sendo respeitado, se as partes não fazem referência à pronúncia e se o silêncio do réu não é utilizado em seu prejuízo, a forma de quesitar, se o juiz perguntou expressamente ou não aos jurados sobre a absolvição do réu e se o juiz explicou aos jurados o significado de cada um dos quesitos (ver anexo 3). Das audiências observadas, apenas uma ocorreu em sua completude. Trata-se do caso de um rapaz que estava sendo acusado de ter matado o próprio pai (2009.001.024203-6). Foram ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa, os esclarecimentos do exame de corpo de delito, interrogatório do réu e as alegações finais do promotor e do defensor público de forma oral. Em algumas horas, foi realizado todo o procedimento e o juiz pronunciou o réu ao julgamento do júri, encerrando, assim, a primeira fase desse tipo de rito. Em outro caso, foram ouvidas todas as testemunhas, interrogado o réu, mas não houve as alegações finais proferidas oralmente, nem a sentença do juiz. Como se percebeu claramente, as AIJ’s do rito do tribunal do júri geralmente não são concluídas no mesmo dia, dada a ausência de muitas testemunhas. A nova regra diz que enquanto não se ouvirem todas as pessoas de um grupo de envolvidos não se pode avançar nas demais oitivas. Melhor dizendo, se a vítima não comparecer à olhar. Registramos aqui a saudável troca de experiências e reflexões a respeito do tema entre os pesquisadores. 270 audiência, as testemunhas de acusação também não poderão ser ouvidas, ainda que todas estejam presentes. Caso falte uma única testemunha de acusação, nenhuma testemunha de defesa poderá ser ouvida e, por fim, caso falte alguma testemunha de defesa o réu não poderá ser interrogado. Assim, o juiz é obrigado a remarcar a audiência do ponto onde ela parou. Em um dos casos observados, foram arroladas quatro testemunhas de acusação, mas apenas três estavam presentes. As três testemunhas de defesa estavam presentes e não puderam ser ouvidas porque o promotor de justiça insistiu na quarta testemunha de acusação. A defensora pública tentou argumentar no sentido de que suas testemunhas estavam ali presentes pela segunda vez (a audiência já havia sido remarcada pela ausência da mesma testemunha em outro momento) e que estavam sendo ameaçadas de morte na comunidade onde residiam. O réu também estava presente, e o promotor fez uma contra-proposta à defensora: caso ela desistisse de suas três testemunhas, ele abriria mão de ouvir a testemunha ausente em outro momento e eles passariam então ao interrogatório do réu e às alegações finais. Diante da negativa da defensora, a audiência foi remarcada pela terceira vez. O intervalo de tempo entre as audiências foi de aproximadamente 30 dias. Em outro caso, todas as testemunhas de acusação, defesa e o próprio réu foram ouvidos, mas foi concedido prazo para as alegações finais serem feitas por escrito. O réu estava preso e lhe foi negado o alvará de soltura. Além do grande percentual de ausência de testemunhas, que pode ser visto como um reflexo do sentimento de insegurança e medo dessas pessoas, não raro as audiências também são adiadas pela ausência de um dos próprios operadores: defensor público, promotor de justiça e até mesmo do juiz. Não fosse o alto índice de ausência de testemunhas, realidade que extrapola o previsto nas novas leis, é possível dizer que em geral as mudanças vêm sendo aplicadas com algumas exceções. O artigo 474, parágrafo 3° da legislação atual diz que “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”. Dentre os casos observados, em apenas três foi possível verificar o uso de algemas. No primeiro caso, eram dois rapazes ligados ao tráfico de drogas (2008.001.332235-1). O segundo caso era de um negro, alto, gordo, forte, que estava preso há 6 meses. No momento da audiência, uma das testemunhas de acusação solicitou prestar depoimento na ausência 271 do acusado. Ele então foi retirado do ambiente e reinserido assim que a testemunha terminou o seu depoimento. Mas, no decorrer da audiência, a juíza atendeu ao pedido do advogado de retirar as algemas dada a enorme dificuldade que o réu apresentava ao assinar os depoimentos. Ele voltou a ser algemado apenas no final da audiência, para sair do plenário. O último caso tratava-se de um senhor, réu primário (1996.001.132089-3). Ele foi absolvido sumariamente, e, aparentemente, não havia motivos para estar algemado. Em duas audiências foi possível observar o vício de alguns operadores em continuar realizando as perguntas ao juiz para que este as traduza para o depoente. Nesses casos, a juíza fez algumas perguntas, mas logo em seguida retaliou a defesa: “por favor, faça o senhor mesmo as perguntas à testemunha”. Apesar da prevalência da oralidade, ainda é o juiz que dita ao serventuário o quê e como deve constar nos autos, tal como ocorria na prática antes das novas leis. O que se pode perceber é que hoje, o juiz não apenas reproduz ao serventuário o que é dito pelas pessoas, como reconstrói todo o discurso, construindo uma linha “de raciocínio lógico, com início, meio e fim” (juiz), o que é ainda mais grave do ponto de vista da construção social do crime. Não raro, a equipe se surpreendia com a impressão de que “não foi isso que a testemunha falou” diante da reprodução do juiz. Alem disso, foi possível perceber, ainda, que o juiz faz um recorte, ressaltando apenas “aquilo que é relevante aos autos”, omitindo algumas situações narradas pelo depoente. Tal prática pode ser interpretada como o momento em que o juiz enaltece e reproduz, de fato, o seu poder simbólico, afinal, ele decide o que é ou não relevante constar nos autos do processo e, portanto, no mundo – lembrando o jargão “o que não está nos autos não está no mundo”. Em relação aos júris observados, um primeiro ponto a ser dito refere-se à composição do conselho de sentença. Para a composição do conselho de sentença, sorteiam-se 25 pessoas da sociedade civil de uma lista com milhares de nomes à disposição do Tribunal de Justiça. Desse conjunto, são escolhidas 7 pessoas que irão compor o conselho de sentença. Serão alçados à condição de juízes temporários, não togados, a fim de julgarem seus pares. O juiz coloca todos os 25 nomes dentro de uma caixa, sorteando-os em seguida. À medida que os nomes são lidos, defesa e acusação podem rejeitar até três pessoas cada parte. Recusa e aceite dependem de cada caso. Em um deles, por exemplo, o réu era deficiente físico e mental (2003.001.137465-7). A defesa procurou escolher mulheres para compor o júri. Outro caso a servir de exemplo foi de um senhor que estava sendo acusado de um crime praticado na época da ditadura 272 militar (1985.001.501023-6). Nesse caso, foram aceitas pessoas com mais idade, que tivessem vivenciado a época. A equipe teve a oportunidade de acompanhar um júri cujo crime causou alguma repercussão na imprensa local. Foi possível perceber certas mudanças na rotina dos tribunais. Nessas ocasiões, o plenário fica repleto de espectadores, a mídia está presente, e se tem todo um aparato de segurança para “garantir a paz” dentro do plenário. Foi o caso da sessão do júri quando do caso da boate Baroneti, em que o réu era acusado de matar o jovem Daniel Duque (2008.001.163937-9). A sessão durou mais de 12 horas, tendo sido o acusado absolvido por unanimidade pelo conselho de sentença, que entendeu que o disparo fora acidental. Nessa sessão, foi possível verificar a presença de vários advogados de defesa. Outro ponto a ser destacado ainda sobre este caso refere-se à postura do promotor, que sustentou o pedido de absolvição do réu pelo fato de os depoimentos das testemunhas de acusação não serem consistentes. Em sua alegação, disse: “a qualquer réu a lei assegura o benefício da dúvida. O único caminho para se fazer justiça é a absolvição”. Um caso raro observado foi o de dissolução do conselho de sentença. Depois de mais de cinco horas de debate entre acusação e defesa, o juiz perguntou aos jurados se algum deles havia alguma dúvida quanto ao que foi exposto durante a sessão. Um dos jurados pediu para rever um vídeo que continha o depoimento da principal testemunha de acusação posto que ele não havia conseguido ouvir com nitidez o que o depoente falou. De fato, as condições sonoras do vídeo não eram favoráveis à compreensão do fato. O juiz então concedeu um intervalo de 30 minutos para lanche e descanso enquanto o serviço técnico do Tribunal de Justiça tentava melhorar o áudio do vídeo. Passaram-se 45 minutos e foi retomada a sessão. Mas, diante da impossibilidade de apresentação da prova com a devida qualidade, o juiz se viu obrigado a solicitar novas diligências no sentido de providenciar a transcrição total do depoimento e a inclusão de legenda ao filme. Deu-se a dissolução do conselho, 7 horas após o início dos trabalhos. Em conversa posterior com o defensor e com o próprio juiz, ambos reconheceram desanimados: “um dia inteiro jogado fora”. No próximo julgamento, é escolhido outro conselho de sentença e tudo é refeito. Por fim, em um terceiro julgamento, Ministério e Defensoria Públicos argumentaram no mesmo caminho. Ambos pediram aos jurados que condenassem o acusado pelo crime de homicídio doloso, mas que respondessem negativamente às 273 qualificadoras do crime. Ou seja, ambos pediram a condenação do réu por homicídio doloso simples. Em relação às audiências de instrução e julgamento e sessões do tribunal do júri, o que se pode dizer é que os atrasos constituem um dos maiores desrespeitos aos indivíduos que ali estão para contribuir com a justiça, testemunhando em relação a um fato. Contrariamente, a ausência das testemunhas acaba por emperrar o acontecimento das audiências unas. Apesar das perguntas diretas por parte da acusação e da defesa, o juiz permanece controlando, transcrevendo, interpretando, resumindo as falas dos depoentes e, portanto, construindo o crime. Esta segunda seção teve por objetivo situar o leitor no cenário, no palco, onde a equipe se localizou ao longo de três meses. Foi possível observar as mudanças colocadas em prática pelos operadores a partir das novas leis e, de outro lado, os empecilhos à vigência das mesmas em sua totalidade. No próximo tópico, serão analisadas as percepções dos operadores do sistema de justiça criminal quanto à aplicabilidade ou não das novas leis. V.5. Percepções dos operadores sobre as novas leis Foram entrevistados formalmente três juízes, um promotor de justiça, quatro defensores públicos, dois serventuários e dois advogados criminalistas. Todos eles possuíam experiências tanto nas varas criminais quanto no tribunal do júri. Desses doze personagens reais, quatro eram mulheres e três estavam atualmente lotados em varas regionais. Entretanto, quase todos já haviam atuado nas varas regionais antes de chegarem às varas centrais. Somando-se todas as entrevistas, foi possível obter 11 horas de gravação sobre o tema, o que demonstra a riqueza do material produzido nesta etapa qualitativa da pesquisa. Os principais tópicos levantados pelos operadores em relação às novas leis convergiram para os aspectos constitucionais que versam sobre a garantia dos direitos fundamentais dos acusados. Neste sentido, foram enfatizadas as mudanças em relação à condução das audiências; ao uso de algemas; à oralidade; à identidade única do juiz e ao tempo de processamento (ver anexo 4). Especificamente quanto ao rito do júri, foram destacadas a alteração do tempo de fala da acusação e defesa no momento da sessão do júri e a mudança acerca da formulação dos quesitos ao conselho de sentença (ver anexo 5). 274 Como já aventado por esta pesquisa, antes da reforma, marcava-se primeiro o interrogatório do acusado, depois ouviam-se as vítimas (se fosse o caso), depois as testemunhas de acusação e, por último, as testemunhas de defesa. Cada audiência em um dia específico. Só então eram elaboradas as alegações finais da acusação e defesa, em texto escrito para posteriormente o juiz poder proferir sua sentença. Depois de 2008, a regra diz que todos os envolvidos devem ser ouvidos num único dia na seguinte ordem: vítima (se for o caso), testemunhas de acusação, testemunhas de defesa e, por último, o acusado. Tal alteração visa claramente a ampliar o direito de defesa do réu, posto que ele pode presenciar todas as falas dos envolvidos e, desse modo, elaborar melhor seu discurso de defesa. As alegações finais de acusação e defesa devem ser feitas logo em seguida, de forma oral, e a sentença do juiz logo após as alegações finais. Como já dito, tudo no mesmo dia. De acordo com os operadores, nem sempre é possível implementar todas essas novas determinações. Por exemplo, elaborar as alegações finais naquele momento, muito menos a sentença, sobretudo quando se trata de casos com muitos envolvidos. Principalmente os juízes comentaram sobre a dificuldade e o temor de se proferir uma sentença sem refletir sobre o caso. Outro ponto dificultador, como colocado na sessão anterior, refere-se ao não comparecimento de testemunhas fundamentais ora pra acusação, ora pra defesa, fazendo com que a audiência seja remarcada para outra data. Como já esperado, os defensores viram positivamente o fato de o acusado ser o último a ser ouvido, principalmente, se ele tiver a oportunidade de ouvir todos que falaram antes dele. Ao contrário, o promotor e um juiz viram como negativo, posto que aumentaria a probabilidade de o réu mentir. Assim, ele teria oportunidade de achar brechas nos discursos das testemunhas e, com isso, elaborar sua versão mentirosa, a seu favor. Eles apontaram que houve uma queda significativa do número de confissões depois desta alteração. Um ponto comum entre os operadores converge para o fato de os processos estarem tramitando um pouco mais rápido, principalmente quando todos os envolvidos comparecem às audiências. Entretanto, enfatizaram que os casos que já andavam rápido antes passaram a andar ainda mais rápido depois da reforma, mas os casos que ficavam emperrados permanecem emperrados porque o que dita rapidez ou morosidade são fatores extras às novas leis, tais como a presença das testemunhas nas audiências, a qualidade dos laudos periciais e o reconhecimento do indivíduo como autor do crime. 275 Quanto ao privilégio da oralidade em detrimento da escrita, os operadores concordam que tal medida vem sendo aplicada em parte. Isso porque os tribunais não possuem tecnologia áudio-visual que permita gravar as audiências. Ou seja, apesar de alguns juízes aplicarem a nova regra no sentido de garantir que acusação e defesa façam suas respectivas perguntas diretamente aos envolvidos, eles acabam por ter que ditar as falas das pessoas ao serventuário que digita os depoimentos. Trocando em miúdos, o que vai para o papel, o que fica nos autos de fato, continua sendo a “tradução” do juiz em relação à fala das pessoas, o famoso “que diz que” (Vargas, 2000). Apesar disso, o fato de as partes perguntarem diretamente, sem ter que passar pelo juiz, permitiu, na opinião de alguns operadores, maior independência operacional, no sentido de que o que se pergunta é o que se quer perguntar de fato. Um dos juízes entrevistados afirmou continuar realizando as audiências como anteriormente, ele mesmo reformulando as perguntas das partes aos envolvidos. A justificativa por ele dada, e confirmada por seus serventuários, é a de que alguns operadores, sobretudo os advogados particulares, não sabem formular as perguntas da maneira como deve ser, prolongando-se demasiado em suas falas, não sendo objetivos quanto às perguntas. Na opinião dele, tais práticas tendem a confundir as pessoas que estão prestando depoimentos e acabam por tornar a audiência mais demorada. Além disso, ele teria que não apenas ditar as falas, mas reordená-las de modo a dar uma sequência lógica ao depoimento, já que muitas vezes, “as partes fazem as perguntas sem uma ordem racional” (juiz). A identidade única do juiz foi outro ponto de convergência entre os operadores, sobretudo entre os juízes, que se viram em condições melhores de serem neutros e imparciais em suas decisões. Segundo eles, o olhar nos olhos das pessoas e ouvi-las diretamente dizem muito mais do que as palavras postas nos papéis dentro dos processos, o que facilita a tomada de decisões. Além disso, ver e ouvir, acompanhando o caso desde o início poupa-lhes tempo, já que as histórias ficariam melhor gravadas em suas memórias. De acordo com os operadores, além disso ser um ponto positivo é algo que está sendo aplicado na prática. O não uso de algemas foi um ponto altamente positivo para os defensores e advogados e negativo para os promotores e para um dos juízes. A justificativa dada por esses operadores é a de que se o indivíduo está preso é porque a periculosidade dele já está confirmada. Portanto, o uso da algema é necessário, principalmente quando se trata 276 de audiências. Mas todos foram taxativos quanto ao não uso das algemas nas sessões do júri de modo a não influenciar de antemão os jurados à condenação do sujeito. Sobre os novos procedimentos a serem adotados nas sessões do júri, os defensores tenderam a reclamar da mudança do tempo de fala. Segundo eles, antes da reforma eram duas horas de fala para cada parte, acusação e defesa e, posteriormente, mais 30 minutos para réplica da acusação e mais 30 minutos de tréplica para a defesa. Após a reforma, tem-se 90 minutos de fala para cada parte, 60 minutos de réplica e 60 minutos de tréplica. A alegação deles é a de que a promotoria ocupa todos os 90 minutos iniciais sustentando todo seu argumento, sem pedir a réplica. Com isso, a defesa se vê obrigada a “gastar” todos os recursos nos 90 minutos iniciais, já que não se pode esperar pela oportunidade da tréplica. Mas, em tendo a réplica, a defesa estaria “sem munição” para a tréplica. Com o tempo de fala inicial maior, era quase certo não haver réplica e, portanto, não haver a tréplica. Quanto à quesitação ao conselho de sentença, foi unânime a opinião entre os operadores que a nova forma de se perguntar aos jurados é mais clara, mais objetiva e, portanto, mais justa ao acusado. Outro ponto específico quanto ao rito do júri diz respeito a não haver mais a possibilidade de “protesto por novo júri”. Tal recurso era muito utilizado pela defesa, sobretudo quando a pena consistia em 20 anos ou mais de privação de liberdade. O Código anterior reza que em caso de pena igual ou superior a 20 anos, o réu tem direito a novo júri, posto que se trata de uma pena muito alta. Com a nova redação, não há mais esse recurso. De um modo geral, pode-se dizer que os operadores vêem as reformas como avanços legislativos, embora muitos tenham entendido que as leis poderiam ter avançado mais, alargando mais os passos pretendidos. Em contrapartida, outros operadores sustentaram que as reformas podem ser entendidas como uma precipitação do legislador, posto que tais alterações poderiam ter esperado pela reforma completa do Código de Processo Penal, ainda em trâmite no Congresso Nacional. Mas todos eles concordam que as reformas podem ser comparadas a uma colcha de retalhos, que visam tapar buracos na lei antiga de 1941, formulada no contexto do Estado Novo e, portanto, com claras influências fascistas. Outro ponto nevrálgico dessa discussão é a aplicação prática das novas leis. Foi opinião recorrente entre alguns operadores a resistência por parte de alguns juízes a implementar as mudanças. Muitos continuam a formular as perguntas em detrimento da fala direta entre acusação/defesa e acusado/testemunhas. Em geral, dizem eles, os juízes 277 que agem dessa maneira formaram antes de 1988 e, portanto, atuam de maneira conservadora, tradicional e, principalmente, criminalizadora e condenatória. Mais que isso, permitir que defesa e acusação elaborem suas perguntas diretamente aos depoentes, seria um reconhecimento da perda de seu poder, poder de fato e poder simbólico. Uma informação relevante ao estudo é que logo no início da implementação das novas leis, alguns juízes não as acataram prontamente, continuando a atuar conforme a legislação anterior. Tais casos foram anulados pelo Superior Tribunal Federal e, só depois disso é que as leis começaram a ser aplicadas de fato. Conversar com os operadores do Direito no sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro trouxe apontamentos importantes quanto à aplicação prática das leis 11.689/08 e 11.719/08. Pode-se dizer que as novas leis vêm sendo atendidas em parte, dadas as dificuldades extra-legais, tais como ausência de testemunhas nas audiências. V.6. Comentários finais Essa etapa da pesquisa consistiu em técnicas qualitativas da metodologia em Ciências Sociais, sobretudo etnografia, com observação das audiências de instrução e julgamento das varas criminais comuns e dos tribunais do júri e entrevistas semiestruturadas com os operadores do sistema se justiça criminal da comarca do Rio de Janeiro. A época destinada à realização desta etapa da pesquisa coincidiu com boa parte das férias de muitos operadores, restando à equipe recorrer à estratégia conhecida por “bola de neve”, onde um entrevistado indica outro para conversar com a equipe. Para observação das audiências, os pesquisadores chegavam ao Fórum com antecedência e escolhia uma vara ou um tribunal para acompanhar o dia de trabalho. Assim, foi possível assistir a 20 audiências em varas criminais, 11 audiências nos tribunais do júri e 4 sessões do júri. Foi possível conversar com 12 operadores, dentre advogados, defensores públicos, promotores de justiça, juízes e serventuários do cartório. A justiça criminal no Rio de Janeiro capital passou por um processo de descentralização, quando se criaram os fóruns regionais. Entretanto, tal iniciativa de tornar a justiça mais próxima da população carioca mostrou-se problemática em algumas regiões e hoje há somente 5 fóruns regionais. Nota-se que os tribunais do júri estão todos localizados no Fórum Central. No que concerne às modificações produzidas pela reforma no que diz respeito ao rito ordinário (11.719/08) e à primeira fase do rito do júri (11.689/08), merecem 278 destaque as audiências unas, com nova ordem dos depoimentos e a prevalência da oralidade, sendo que as partes fazem as perguntas diretamente às pessoas e não mais indiretamente, via juiz. Agora, ouvem-se primeiro as vítimas (se for o caso), as testemunhas de defesa, as testemunhas de acusação e, por último, os acusados. Reza a nova lei que as alegações finais devem ser feitas após as tomadas dos depoimentos e do interrogatório, oralmente pelas partes e, em sequência, tem-se a sentença do juiz. O uso de algemas passa a ser uma exceção, aplicável somente nos casos de réus que apresentam indisciplina ou que já apresentaram comportamento perturbador em outras ocasiões. Em linhas gerais, foram tais mudanças que nortearam o olhar dos pesquisadores quando da observação das audiências das varas criminais comuns e dos tribunais do júri. O que se notou foi que tais mudanças vêm sendo aplicadas em parte pelos operadores. Há juízes que continuam fazendo as perguntas em detrimento das perguntas pelas partes e, o que se mostra mais grave, é que todos eles continuam ditando, reproduzindo as falas dos depoentes ao serventuário, que as digita. Não apenas ditam, como não raro foi perceptível a reordenação dessas falas, já que eles buscam dar um “início, meio e fim aos relatos”. Ou seja, o princípio da oralidade permanece intocado. A identidade única do juiz foi outro aspecto observado e o que se viu foi uma grande dificuldade de tal implementação devido ao fato de alguns juízes acumularem mais de uma vara criminal comum. No âmbito do rito do júri é mais perceptível a manutenção da identidade do juiz na primeira e segunda fase. Nas varas criminais comuns, é mais corriqueiro o preso permanecer algemado durante a audiência. Fato que chamou a atenção da equipe foram os constantes e extenuantes atrasos para o início dessas audiências, o que vem a reforçar, no imaginário social, a máxima de que a Justiça é morosa. As alegações finais raramente são feitas de forma oral e no momento da audiência. É mais comum os juízes distribuir prazo para a entrega dos memoriais e dar a sentença por escrito após isso. Foi observado, ainda, que as audiências do júri apresentam o complicador do medo e da coação social por parte das testemunhas sendo muito recorrente a ausência de uma ou mais pessoas. E, diante disso, a audiência deve ser remarcada para nova data, na prática, não inferior a 30 dias. As principais mudanças previstas para a segunda fase do rito do júri (lei 11.689/08) refere-se ao tempo de fala das partes, ao não uso de algemas pelo réu, à quesitação, incluindo a pergunta “o réu deve ser absolvido?”. A nova lei pôs fim ainda ao chamado “protesto por novo júri” quando o réu era condenado a 20 anos ou mais de 279 cárcere. A oralidade é aqui também priorizada, devendo as partes se dirigirem diretamente aos envolvidos, exceto os jurados que devem remeter suas questões ao juiz para, este sim, remetê-las ao depoente. Os jurados devem receber cópia da sentença de pronúncia e as partes, sobretudo a acusação, não podem se valer desta sentença para argumentação. Além disso, a acusação não pode mais usar o silêncio do réu, direito dele, em seu prejuízo dizendo algo como: “está vendo, senhores jurados, quem cala consente. Ele é culpado”. As regras em relação à segunda fase do rito do júri têm sido aplicadas, com raras exceções. Isso foram as análises a partir das observações de campo. Mas o que pensam os operadores em relação a tais mudanças? As entrevistas com alguns deles mostraram que as novas leis podem ser vistas como remendos, retalhos que vêm a tapar os buracos produzidos no Código de 1941. Para os mais conservadores, tais novidades poderiam ter esperado a reforma completa do Código, projeto ainda em trâmite no Legislativo. De outro lado, para os garantistas, as reformas constituem avanços significativos no que se refere à garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana, nestes casos, dos réus. Mas, em geral, foi possível perceber que os operadores têm uma opinião mais positiva, elogiosa, que crítica quanto à reforma. Para muitos, uma necessidade urgente para a sociedade brasileira. Não foram apontadas falhas às novas leis, antes, observações quanto ao fato de poderem ter avançado mais. Segundo alguns, foi uma reforma tímida, mas suficiente. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo maior da reforma realizada no âmbito do processo penal a partir das Leis 11.719/08 e 11.689/08 foi o de conceder maior celeridade ao processo penal, dotando-lhe de maior simplicidade e, simultaneamente, garantindo maior eficácia aos direitos fundamentais do acusado. Quase um ano e meio após o início de vigência destas novas leis, pareceu oportuno a sua avaliação, mas não apenas do ponto de vista de sua técnica legislativa, como ainda de sua capacidade em se traduzir em um feixe de regras, valores e atitudes realizados e reificados na práxis cotidiana do sistema de justiça criminal. Para o alcance de tais propósitos esta pesquisa foi dividida em diversas “frentes” cada abordando as novas leis dentro de uma perspectiva diferenciada e, por isso, 280 utilizando-se de técnicas de pesquisa distintas. De maneira sintética, é possível afirmar que esta pesquisa buscou alcançar cinco objetivos diferenciados a partir do emprego das seguintes metodologias (Quadro 13): Quadro 13 Estratégia metodológica utilizada de acordo com o objetivo a ser alcançado pela pesquisa Objetivo pretendido Estratégia metodológica Análise das alterações 1 - Contraste da legislação processual penal vigente antes e depois da legislativas no que diz publicação das leis 11.719/08 e 11.689/08. respeito à forma e 2 - Cálculo do tempo de processamento em cada um das duas legislações (CPP de 1941 e CPP reformado em 2008) temporalidade dos atos judiciais 3 – Revisão das pesquisas já realizadas sobre o tempo de processamento da justiça criminal no Brasil, para situar o pesquisador em qual era o cenário existente antes da publicação das novas leis. Diagnóstico quantitativo Análise do banco de dados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de do impacto das leis Janeiro e do banco de dados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 11.719/08 e 11.689/08 para crimes cujo processo fora distribuído em período anterior e posterior às novas leis. sobre o tempo de processamento das Como cada uma das leis alterou ritos processuais diferentes (a lei 11.719/08 causas criminais alterou o rito ordinário e a lei 11.689/08 alterou o rito do tribunal de júri) esta análise foi realizada utilizando-se como base dois crimes particulares: roubo e homicídio doloso. Exame das garantias Contraste das leis 11.719/08 e 11.689/08 com os princípios constitucionais constitucionais afetadas relacionados a esta temática. pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08 Análise da jurisprudência Construção de um banco de dados a partir de informações coletadas nos relativa às novas leis julgados disponibilizados nos sites dos Tribunais Estaduais de Justiça, Tribunais Regionais Federais; Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal referentes às polêmicas relacionadas às alterações introduzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08. Diagnóstico qualitativo Observação participante dos julgamentos dos crimes comuns e crimes da forma como as leis dolosos contra a vida, com o objetivo de identificar como as mudanças na 11.719/08 e 11.689/08 forma de processamento e, especialmente, condução das audiências, tem sido implementadas no âmbito das varas criminais da cidade do Rio de Janeiro. tem sido operacionalizadas na realidade cotidiana dos tribunais. Análise das opiniões e Entrevistas semi-estruturadas com operadores do direito (juízes, promotores, visões dos operadores do advogados, defensores e funcionários de cartório) com o objetivo de avaliar o direito quanto à sistema de crenças, valores e atitudes destes diante das novas leis. pertinência e adequabilidade das alterações introduzidas pelas leis 11.719/08 e 11.689/08. Os resultados de cada uma destas frentes de pesquisa foram consolidados em distintos capítulos neste relatório. Com isso, ficou evidente que o maior problema que esta legislação procurou abordar foi o relacionado à morosidade dos tribunais brasileiros. No entanto, de acordo com a doutrina, jurisprudência, bancos de dados e entrevistas com os operadores do direito, este é o problema que permanece ainda sem 281 solução, especialmente no que diz respeito a um equacionamento com os direitos e garantias do acusado. O resultado combinado das análises empreendidas em cada um dos capítulos que integram este volume aponta para a necessidade de a nova lei contemplar limites claros para a duração do processo penal, até para que seja possível o questionamento da “justiça” do excesso de prazo no âmbito dos tribunais superiores através desses standards. Sem isso, as normas terminarão como na legislação anterior: simples programas de ação que podem ou não ser implementados na realidade cotidiana dos tribunais. Neste sentido, cumpre reproduzir o posicionamento de Lopes Júnior (2005), que apesar de publicado em momento anterior à reforma, parece bem refletir o problema da legislação processual penal passada e presente no que se refere ao tempo de duração do processo: É óbvio que o legislador deve sim estabelecer de forma clara os limites temporais do processo e das prisões cautelares, até porque, as pessoas têm o direito de saber (dimensão democrática), de antemão e com precisão, qual é o tempo máximo que poderá durar um processo penal. Estamos diante de exercício de poder e que, portanto, necessita e exige limites e controle (inclusive temporal). Trata-se de um mínimo de respeito às regras éticas do jogo (e aqui emprego o conceito de Calamandrei, il processo come giuoco, ou de guerra, de James Goldschmidt). O que ficou claro na análise das pesquisas que focalizavam a legislação anterior é que a mera previsão legal de prazos é incapaz de garantir sua obediência, não impedindo o desrespeito rotineiro de seus ditames. Logo, o que parece fundamental é definir claramente o prazo máximo de duração do processo penal não apenas fixando o tempo para a prática do ato, mas ainda as implicações que o não respeito a este tempo deve possuir para os operadores do direito – seja do ponto de vista processual (extinção do processo sem julgamento de mérito), seja do ponto de vista funcional (sanções administrativas) – especialmente os órgãos da Administração Pública e auxiliares da justiça, visto que grande parcela da morosidade da Justiça recai como visto sobre os chamados “tempos mortos”, produtos da ineficiência dos órgãos públicos. Contudo, na medida em que essas leis também alteram a forma como o ato processual penal é praticado, torna-se relevante analisar o impacto dessa legislação no que se refere ao seu propósito de reduzir a complexidade dos procedimentos judiciais, especialmente no que diz respeito à forma como a audiência de julgamento (seja essa de plenária do júri ou não) é conduzida. Estas análises denotaram que, para além dos 282 problemas relacionados ao excesso de prazo, outras questões também foram consideradas como controversas (processamento de cartas precatórias/rogatórias) e que, por isso, merecem ser objeto de aperfeiçoamento legislativo. Neste sentido, de acordo com os temas que foram mais recorrentes em toda a análise, foram formuladas algumas alterações em termos de técnica legislativa, as quais se encontram sumarizadas no quadro abaixo de acordo com o tema a que se referem. Quadro 14 Principais temas controversos mapeados e possíveis formas de dirimir a controvérsia a partir da reformulação legislativa Tema polêmico Como resolver o problema em termos legislativos na reforma Excesso de prazo Art 310. O prazo para encerramento da instrução criminal nos casos processados pelo rito ordinário é de 95 dias, a contar da data do recebimento da denúncia. § 1º. o prazo de que trata este artigo apenas poderá ser estendido desde que devidamente justificado em relação às seguintes situações: I. complexidade do caso; II. número elevado de acusados; Identidade física do juiz Suspensão Condicional do Processo Critérios para a decisão de pronúncia emendatio libelli Art 412- A- O prazo para encerramento da segunda fase do procedimento do júri é de até 6 meses, ou seja, 180 dias a contar do trânsito em julgado para pronúncia § 1º. o prazo de que trata este artigo apenas poderá ser estendido desde que devidamente justificado em relação às seguintes situações: I complexidade do caso; II número elevado de acusados Art. 399 § 2o “O juiz que iniciou a instrução deverá concluí-la, sendo competente para o julgamento do processo” Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto no art. 89, da Lei 9.099/95. I- Na hipótese mencionada no parágrafo anterior, deverá ao juiz remeter os autos ao Ministério Público para que este, verificando a possibilidade de oferecimento da Suspensão Condicional do Processo, requeira ao juiz citação do acusado para comparecimento a audiência especial para o oferecimento da referida medida. Estipular regras claras para a confecção da pronúncia, evitando sua nulidade tanto pelo excesso quanto pela falta de fundamentação Retirar sua competência do juiz e transferindo-a ao Ministério Público, ou, ao menos, exigindo sua aprovação por parte deste REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, S. e W. P. IZUMINO. Justice in time and the time of justice. Tempo Social, São Paulo, v.19, n.2. 2007. 283 ADORNO, Sérgio; IZUMINO, Wânia Fontes de Dados Judiciais. D. CERQUEIRA, J. LEMGRUBER e L. MUSUMECI. Fórum de Debates: Criminalidade, Violência e Segurança Pública no Brasil: Uma Discussão sobre as Bases de Dados e Questões Metodológicas. Rio de Janeiro, IPEA, CESEC. 2000. ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoria de los principios. Universidad Externado de Colombia, 2003. ALVES, Fábio Wellington Ataíde. Morosidade e pobreza na justiça penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 193, p. 4-5, dez. 2008. AMARAL, Augusto Jobim do; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. A Lei 8.038/90 e o princípio do juiz natural. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 181, p.16-18, dez. 2007. AMARAL JÚNIOR, Ronald. O direito penal garantista. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.153, p. 19, ago. 2005. ANDRADE E SILVA, Daniele de Souza. A emendatio libelli e a mutatio libelli na Reforma do Código de Processo Penal, Revista CEJ, Brasília, Ano XIII, nº. 44, 2009. ANDRIGHI, Fátima Nancy. A responsabilidade do estado pela violação do direito à justiça num prazo razoável. Publicado em Boletim de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em 16.06.2005. Disponível em htttp.//bdjus.stj.gov.br, acesso em 13.03.2010. ANTONINI, José Roberto. Pronúncia: “in dubio pro societate”. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 177, p.13-14, ago. 2007. ASSIS, Araken de. Eficácia civil da sentença penal. São Paulo: RT, 2000. AZEVEDO, André Boiani e, BALDAN, Édson Luís. A preservação do devido processo legal pela investigação defensiva : ou do direito de defender-se provando. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.11, n.137, p. 6-8, abr. 2004. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Problemas de direito intertemporal e as alterações do código de processo penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 23-25, jul. 2008. 284 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A regra da identidade física do juiz na reforma do código de processo penal. Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 200, p. 12-13, julho 2009. BANDEIRA, Katherine Lages Contasti. O “positivismo” social e a cultura da agressividade: a punição como fundamentação da prisão.Revista da ESMAPE.v.12 n.25. jan./jun.Recife: ESMAPE, 2007. BÁRTOLI, Márcio. Recebimento e rejeição da denúncia, e absolvição sumária. Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 202, p. 7, set. 2009. BATISTA, Fernando Natal. A fragmentariedade da sentença de pronúncia . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1335, 26 fev. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9536>. Acesso em: 10 mar. 2009. BATITUCCI, E. C., CRUZ, M. V. et al. Fluxo do Crime de Homicídio no Sistema de Justiça Criminal de Minas Gerais. 30º Encontro da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Caxambu, Anais... ANPOCS, 2006. BEAL, Flávio. Morosidade da Justiça = Impunidade + Injustiça. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. BEATO FILHO, Cláudio Chaves. (1991). Relatos e Reflexividade: a etnometodologia do suicídio. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Tese de Doutorado em Sociologia. (mimeo) BEATO FILHO, Cláudio Chaves. (1992). Definição de um fato: homicídio ou suicídio?. Análise & Conjuntura. Vol. 07, no. 2 e 3, maio/dez. Belo Horizonte, Brasil. BONFIM, Mougnot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2009. BORGES DE MENDONÇA, Andrey (2009). Nova Reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2009. BOTTINI, P. C. Aspectos gerais da reforma processual. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 26-27, jul. 2008. 285 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Aspectos gerais da reforma processual. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 26-27, jul. 2008. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Aspectos gerais da reforma processual. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 26-27, jul. 2008. BOURDIEU, Pierre. (2005). O poder simbólico. 8ªed., Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. [Primeira edição, 1989]. BARANDIER, Antonio Carlos da Gama. Em pleno Estado Novo, STF estigmatizou o art. 594 do CPP. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.42, p. 05, jun. 1996. BRASIL. Código do Processo Penal 1942. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. BRASIL. Código Penal Brasileiro 1940. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. BUSANA, Álvaro. Presunção de inocência obsta a execução provisória da pena [Comentário de jurisprudência]. Boletim IBCCRIM. Jurisprudência. São Paulo, v.1, n.7, p. 13, ago. 1993. CAMPOS, Walfredo Cunha. A falácia do in dubio pro societate na decisão de pronúncia. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.14, n.164, p. 18, jul. 2006. CANO, I. Mensurando a Impunidade no Sistema de Justiça Criminal do Rio de Janeiro. 3º. Congresso Latino-Americano de Ciência Política: Democracia e Desigualdades, Campinas, Anais... Unicamp, 2006. CANO, I. Mensurando a Impunidade no Sistema de Justiça Criminal do Rio de Janeiro. 3º. Congresso Latino-Americano de Ciência Política: Democracia e Desigualdades, Campinas, Anais... Unicamp, 2006. CARVALHO, Salo de (coord). Dos critérios de aplicação da pena no Brasil: análise doutrinária e jurisprudencial da conveniência da determinação da pena mínima. Relatório final de pesquisa. Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos, 2009. CICOUREL, A. The Social organization of juvenile justice. New Jersey: Transaction Publishers, 1996. 286 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo, Ed. Saraiva, 1999. CORRÊA, Tatiana Machado. A mutação jurisprudencial como fundamento da revisão criminal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 191, p. 17, out. 2008. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. As reformas parciais do CPP e a gestão da prova: segue o princípio inquisitivo. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 11-13, jul. 2008. CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. São Paulo: Saraiva, 1980. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo. Malheiros Editores, 2004, 23ª Ed. DEPINE FILHO, Davi Eduardo. O duplo grau de jurisdição e o devido processo penal. In: Raízes Jurídicas. Número 01, Volume 01, jun/dez de 2005. DEZEM, Guilherme Madeira; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Prazo para encerramento do processo. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 29, jul. 2008. DOMENICO, Carla. Juiz inquisidor e a reforma do código de processo penal: uma questão controvertida. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 192, p. 11-12, nov. 2008. DOTTI, René Ariel. Simplificaçäo e eficácia do processo penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.35, p. 14, nov. 1995. DWORKIN, Ronald. (2002) Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes. 2002. FADUL, Tatiana e TARGA, Eliane. Mandado de segurança contra ato judicial do magistrado vinculado ao Juizado Especial Cível ? In: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - 04 de Outubro de 2008. Disponível em http://www.lfg.com.br/public_html/, acesso em 26 de janeiro de 2010. 287 FERREIRA, A. C. e J. PEDROSO. Os tempos da justiça: ensaio sobre a duração e morosidade processual. Oficina do Centro de Estudos Sociais, Coimbra, v.99. 1997. FRAGA, Ricardo Carvalho. Fatos e jurisprudência: reflexões iniciais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 541, 30 dez. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6119>. Acesso em: 17 nov. 2009. FRANCO, Alberto Silva. O juiz e o modelo garantista. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.56, p. 02, jul. 1997. FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Inovações referentes a procedimentos penais. Lei nº 11.719/2008. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1820, 25 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11429>. Acesso em: 02 dez. 2009. FULLER, Paulo Henrique Aranda. Reforma do procedimento comum (Lei n. 11.719/08: o momento processual adequado para o recebimento da denúncia ou queixa e a absolvição sumária (art. 397 do CPP) Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 192, p. 9-10, nov. 2008. FUX, Luiz (2005). A súmula vinculante e o superior tribunal de justiça. BDJur, Brasília, DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/9150>. Acesso em: 26 de Janeiro de 2010. GARAPON, Antoine. Bem Julgar: Ensaio sobre o Ritual Judiciário. Lisboa, Instituto Piaget, 1997 GARFINKEL, Harold. (1967). Studies in Ethnomethodology. Englewood Cliffs: Prentice Hall. GELMAN, A.; HILL, J. Data analysis using regression and multilevel/hierarchical models. Cambridge ; New York, Cambridge University Press, 2007. GOMES, André Luís Callegaro Nunes. Uma herança inquisitiva no sistema processual penal acusatório. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.14, n.164, p. 6-7, jul. 2006 GRECO, Lucas Silva e. As alterações implementadas pela nova Lei nº 11.689/08. O novo "judicium causae". Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1808, 13 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11380>. Acesso em: 04 dez. 2009. 288 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES Antonio Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães, As Nulidade no Processo Penal, 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004 JESUS, Damásio Evangelista de. Código de processo penal anotado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. JOHNSON, A. G. The Blackwell Dictionary Of Sociology : A User's Guide To Sociological Language. Malden, Mass., Usa, Blackwell, 1995. JUNIOR. Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. Rio de Janeiro. Editora Forense. 2004, 41ª Ed. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista Estudos Históricos, FGV, Rio de Janeiro, n. 18, 1996. KANT DE LIMA, Roberto ; MISSE, Michel . Violência, criminalidade, segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia. BIB. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 50, p. 45-123, 2000. KANT de LIMA, Roberto. Ensaios de Antropologia e de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. KANT DE LIMA, Roberto. Polícia e Exclusão na Cultura Judiciária. Tempo Social, São Paulo, v.1, n.9, p.169-183, maio de 1997. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafisica dos costumes. São Paulo: Nacional 1964. LIMA, Walberto Fernandes de. Embargos de declaração no processo penal: suspendem ou interrompem o prazp para a interposiçäo de outros recursos?. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.54, p. 09-10-11, maio 1997. LOPES JR, Aury Celso Lima. Breves considerações sobre o requisito e o fundamento das prisões cautelares. Buscalegis, América do Norte, 0 2 04 2000. 289 LOPES JÚNIOR, Aury e BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao processo penal no prazo razoável. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2009. LOPES JÚNIOR, Aury. A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo razoável no processo penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.152, p. 4-5, jul. 2005. LOPES, Fabio Motta. O inquérito policial é mera peça informativa? Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 181, p.10, dez. 2007. MARINHO NETO, Alfredo José. Suspensão condicional do processo: pode o juiz oferecê-la de ofício? Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 180, p. 14-15, nov. 2007. MAYA, André Machado. O juiz das garantias no projeto de reforma do código de processo penal. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 17, n. 204, p. 06-07, nov., 2009. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. 8ª Ed. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet et. al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Saraiva. 2009. 2ª Ed. MENDONÇA, A. B. Nova Reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2009. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. (2009). Cadernos Temáticos da Conseg: Reflexões sobre a investigação brasileira através do inquérito policial. 1ª. Conferência Nacional de Segurança Pública, ano I, 2009, n. 6, Brasília-DF. MIRABETE, J. F. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2000. MISSE, M. e J. D. VARGAS. O fluxo do processo de incriminação no Rio de Janeiro na década de 50 e no período 1998-2002. XIII Congresso Brasileiro de Sociologia Desigualdade, Diferença e Reconhecimento, Anais... Recife, 2007. MORAES, Alexandre de. Provas ilícitas e proteção aos direitos humanos fundamentais. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.63, p. 13-14, fev. 1998. 290 MOREIRA, Reinaldo Daniel. A reforma do código de processo penal e a dimensão político-criminal do interrogatório no processo penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 194, p. 15, jan. 2009. MOREIRA, Reinaldo Daniel. Um breve panorama da recente proposta de reforma do código de processo penal no procedimento do júri. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 187, p. 13-14, jun. 2008. MOREIRA, Rômulo de Andrade. A reforma do código de processo penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.9, n.107, p. 26-28, out. 2001. MOURA, Fernando Galvão e FERREIRA, Letícia Fazuoli. Súmulas vinculantes e o princípio do livre convencimento do juiz: evidente inconstitucionalidade. In: Revista Jurídica FAFIBE (on-line) ANO I - Nº. 1 – 2007. ISSN 1981-6294. Disponível em: http://revistajuridica.fafibe.br/?pagina=artigo. Acesso em 26 de janeiro de 2010. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Breve notícia sobre o projeto de lei do Senado Federal 156/2009, que trata da reforma do código de processo penal. Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 200, p. 04-05, julho 2009. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Reformas necessárias ao código de processo penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.155, p. 13-14, out. 2005. NETTO, Alexandre Orsi. A falácia do in dúbio pro societate como princípio no processo de execução criminal. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 17, n. 204, p. 14-15, nov., 2009. NICOLITT, André Luiz. Manual de processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. NUCCI, Guilherme de Souza. A esperada reforma processual penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 8, jul. 2008. NUCCI, Guilherme de Souza. A reforma do Tribunal do júri no Brasil. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 8, jul. 2008. NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do júri. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 97. 291 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2009. 11ª Ed. OLIVEIRA, Paulo Sérgio de. Liminar em habeas corpus : uma vissão garantistas. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.145, p. 12, dez. 2004. PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. Absolvição sumária e recurso de ofício na reforma processual. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 191, p. 10, out. 2008. PERES, César. Sentença de pronúncia : in dubio pro societate. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.146, p. 14-15, jan. 2005. PINHEIRO, Paulo Sérgio et al. Continuidade autoritária e construção da democracia. São Paulo: NEV/USP, 1999. PINTO, Felipe Martins.O Princípio do Contraditório sob o Princípio do Estado Democrático de Direito. Disponível em: http://www.pontojuridico.com/modules.php?name=News&file=article&sid=86 PODVAL, Roberto. Das restrições aos direitos e garantias individuais para combate ao terrorismo. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.23, p. 02, nov. 1994. QUEIJO, Maria Elizabeth. O tratamento da prova ilícita na reforma processual penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 18-19, jul. 2008. QUEIROZ, Paulo. Sistema acusatório e emendatio libelli. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 176, p. 4-5, jul. 2007. RAHAL, Flávia; GROCH, Ludmila de Vasconcelos Leite. Transparência e direito de defesa. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 197, p. 4, abr. 2009. RATTON, J. L. e F. FERNANDES. Homicídios no fluxo do sistema de Justiça Criminal em Pernambuco (2003-2004) Recife: MP - PE. 2007. RIBEIRO, L. M. L. Administração da Justiça Criminal na Cidade do Rio de Janeiro: uma análise dos casos de homicídio. Rio de Janeiro: IUPERJ 2009. (Tese de doutorado) RIBEIRO, L. M. L.; DUARTE, T. L. Padrões de seleção no processamento dos homicídios dolosos: o tempo dos casos julgados pelo Tribunal de Justiça do Rio de 292 Janeiro entre os anos 2000 e 2007. 32º Encontro da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Caxambu, Anais... ANPOCS, 2008. RIBEIRO, L.; CRUZ, M.; BATITUCCI, E. Morosidade necessária ou impunidade? O tempo dos Tribunais do Júri em Minas Gerais. XIV - Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia. Rio de Janeiro, Anais... SBS, 2009. RIBEIRO, Ludmila. The Constitutional Amendment 45 and the access to the justice. Rev. direito GV [online]. 2008, vol.4, n.2 [cited 2010-01-27], pp. 465-491 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180824322008000200006&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1808-2432. doi: 10.1590/S180824322008000200006. ROMEIRO, Daniel. RAFFAINI, Marcelo Gaspar Gomes. O momento do interrogatório e as novas reformas da lei processual penal: a expedição de carta precatória para oitiva de testemunha suspende a realização do ato de interrogatório? In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 17, n. 205, p. 09-10, dez., 2009. SANTORO, Antonio. A “nova” lacuna no sistema legal de nulidades causada pela reforma processual. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 194, p. 12-13, jan. 2009. SANTOS, Boaventura de Souza e outros. Contemporaneas. Lisboa: Afrontamento. 1996. Os Tribunais SANTOS, Diego. Paradoxo da Tese vinculatório-sumular. <http://www.Odireito.com. Acesso em 26 de janeiro de 2010. nas Sociedades Disponível em: SAPORI, L. F. "A administração da justiça criminal numa área metropolitana." Revista. Brasileira de Ciências Sociais no.29. 1995. SAPORI, Luis Flávio. (2000). Uma Abordagem Organizacional da Justiça Criminal na Sociedade Brasileira, in Fórum de Debates – Criminalidade, Violência e Segurança Pública no Brasil: Uma Discussão Sobre Bases de Dados e Questões Metodológicas, 4º Encontro: Julgamento e Penalização/ Sistema Judiciário, IPEA, CESeC. SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. (2001). Controlando o poder de matar: uma leitura antropológica do Tribunal do Júri – ritual lúdico e teatralizado. Universidade de São Paulo. São Paulo. Brasil. Tese de Doutorado (mimeo). 293 SCHUTZ, Alfred. (1979). Fenomenologia e Relações Sociais. Zahar Editores. Rio de Janeiro. Brasil. [Primeira edição, 1970]. SILVA, Evandro Lins e. Sentença de pronúncia. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.8, n.100, p. Encarte AIDP, mar. 2001. SILVA, Robson Antonio Galvão da. A sustentação oral e a prevalência do direito de defesa. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 191, p. 9, out. 2008. SILVA, Tatiana Mareto. O princípio do juiz natural e a distribuição de processos nos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Espírito Santo. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, nº. 8, Junho de 2006. SILVA, Klarissa Almeida e SOARES, Danilo Brasil. (2009). “Do Inquérito Policial à Denúncia: investigando a investigação criminal para roubos, furtos e estelionatos em Belo Horizonte/MG”. XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, GT31: Violência e Sociedade. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 28 a 31 de julho, 2009. SOARES, Olavo Berriel. A presunção de inocência e o direito de recorrer em liberdade [Comentário de jurisprudência]. Boletim IBCCRIM. Jurisprudência. São Paulo, v.3, n.28, p. 93, abr. 1995. SOUZA, José Barcelos de. Morosidade da justiça e novos recursos - dois deles já utilizados na justiça penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.11, n.131, p. 8-10, out. 2003. SOUZA, José Barcelos de. Os recursos cabíveis a)da decisão que indefere pedido de revogação da suspensão do processo; b)da decisão que determina a suspensão do processo; e c)da que nega a suspensão [Comentário de jurisprudência]. Boletim IBCCRIM. Jurisprudência. São Paulo, v.13, n.152, p. 905-907, jul. 2005. SOUZA, José Barcelos. Problemas decorrentes da reforma processual de 2008: citação do acusado, nomeação de defensor e sua constituição apud acta. Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 203, p. 12-13 , out., 2009. SOUZA, Sérgio Ricardo de. O razoável prazo de duração da prisão cautelar e a jurisprudência dos 81dias . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 759, 2 ago. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7092>. Acesso em: 18 nov. 2009. 294 SVEDAS, Andreia Mendes. Morosidade da Justiça. São Paulo: Consulex, 2001. TOURINHO FILHO, Luiz Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 1. São Paulo. Saraiva. 2006a, 28ª Ed. TOURINHO FILHO, Luiz Fernando da Costa. Processo Penal, Vol. 4, São Paulo, Saraiva, 2006b, 28ª Edição. VARGAS, Joana Domingues. (2000). Crimes Sexuais e Sistema de Justiça. São Paulo, IBCCrim. 224p. VARGAS, J. D. Análise comparada do fluxo do sistema de justiça para o crime de estupro. Dados, Rio de Janeiro, v.50, p.671-697, 2007. VARGAS, J. D. Estupro: que justiça? Sociologia, IUPERJ, Rio de Janeiro, 2004. Morosidade processual na Justiça Criminal. Brasília: Ministério da Justiça, 2005. VARGAS, J. D., I. BLAVASTKY, RIBEIRO, et al. Metodologia de tratamento do tempo e da Morosidade processual na Justiça Criminal. Brasília: Ministério da Justiça, 2005. VIEIRA, Luís Guilherme, SIQUEIRA, Amilcar. A correição parcial na justiça federal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.8, n.89, p. 8, abril 2000. VIEIRA, Oscar Vilhena. Que reforma?. Estudos Avançados. 2004, vol.18, n.51, pp. 195-207. VILARES, Fernanda Regina; LOPES, Mariângela. Manifestação do assistente técnico e a reforma do código de processo penal: meio de prova atípico; procedimento. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 194, p. 14, jan. 2009. WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo et al. Curso Avançado de Processo Civil, V. 1. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2007. 9ª Ed. ANEXOS 295 296 297 298 Tabela A - Crimes e procedimentos aplicáveis Procedimento Tribunal do Júri Ordinário Crimes aos quais se aplica o procedimento (com artigo do Código Penal referente a sua aplicação) Art. 121 – Homicídio simples e qualificado; Art. 122 – Induzimento, instigação e auxílio ao suicídio; Art. 123 – Infanticídio; Art. 124 – Aborto provocado pela gestante; Art.125 – Aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante; Art.126 – Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante; Art. 127 – Aborto provocado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante, mas do qual resulta lesão corporal ou morte da própria gestante. Art. 129 §§1º; 2º e 3º - Lesão Corporal Grave, Gravíssima e seguida de morte Art. 130 §1º - Perigo de Contágio Venéreo Art. 131 – Perigo de Contágio de Moléstia Grave Art. 136 §§1º e 2º - Maus tratos qualificado Art. 140 §3º - Injúria Racial Art. 148 – Sequestro ou Cárcere Privado Art. 149 – Redução à Condição Análoga à de Escravo Art. 155 – Furto Art. 157 – Roubo Art. 158 – Extorsão Art. 159 – Extorsão Mediante sequestro Art. 160 – Extorsão Indireta Art. 168 – Apropriação Indébita Art. 168-A – Apropriação Indébita Previdenciária Art. 171 – Estelionato Art. 173 – Abuso de Incapazes Art. 174 – Induzimento à Especulação Art. 175 §1º - Fraude no Comércio qualificada Art. 177 - Fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações 299 Art. 178 - Emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant" Art. 180 – Receptação Art. 184 § § 1º a 3º - Violação de direito autoral Art. 202 - Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola. Sabotagem Art. 210 - Violação de sepultura Art. 211 - Destruição, subtração ou ocultação de cadáver Art. 213 - Estupro Art. 215 - Violação sexual mediante fraude Art. 217-A - Estupro de vulnerável Art 218 – Corrupção de Menores Art. 218-A – Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente Art. 218-B - Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável Art. 228 - Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual Art. 229 - Casa de prostituição Art. 230 - Rufianismo Art. 231 - Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual Art. 231-A - Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual Art. 235 – Bigamia Art. 241 - Registro de nascimento inexistente Art. 242 - Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido Art. 243 - Sonegação de estado de filiação Art. 245 §1º - Entrega de filho menor a pessoa inidônea Art. 250 - Incêndio Art. 251 – Explosão Art. 252 - Uso de gás tóxico ou asfixiante Art. 254 - Fabrico, fornecimento, aquisição posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante Art. 255 - Perigo de inundação Art. 256 - Desabamento ou desmoronamento Art. 257 - Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento Art. 259 - Difusão de doença ou praga 300 Art. 260 - Perigo de desastre ferroviário Art. 261 - Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo Art. 265 - Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública Art. 267 – Epidemia Art. 270 - Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal Art. 271 - Corrupção ou poluição de água potável Art. 272 - Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios Art.273 - Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais Art. 274 - Emprego de processo proibido ou de substância não permitida Art. 275 - Invólucro ou recipiente com falsa indicação Art. 276 - Produto ou substância nas condições dos dois artigos anteriores Art. 277 - Substância destinada à falsificação Art. 288 - Quadrilha ou bando Art. 289 - Moeda Falsa Art. 290 - Crimes assimilados ao de moeda falsa Art. 291 - Petrechos para falsificação de moeda Art. 293 - Emissão de título ao portador sem permissão legal Art. 294 - Petrechos de falsificação Art. 296 - Falsificação do selo ou sinal público Art. 297 - Falsificação de documento público Art. 298 - Falsificação de documento particular Art. 299 - Falsidade ideológica Art. 300 - Falso reconhecimento de firma ou letra Art. 304 - Uso de documento falso Art. 305 - Supressão de documento Art. 306 - Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins Art. 309 p. único - Fraude de lei sobre estrangeiro Art. 311 - Adulteração de sinal identificador de veículo automotor Art. 312 - Peculato 301 Sumário Art. 313 - Peculato mediante erro de outrem Art. 313-A - Inserção de dados falsos em sistema de informações Art. 314 - Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento Art. 316 - Concussão Art. 317 - Corrupção passiva Art. 318 - Facilitação de contrabando ou descaminho Art. 328 p. único - Usurpação de função pública Art. 329 §1º - Resistência Art. 332 - Tráfico de Influência Art. 333 - Corrupção ativa Art. 334 - Contrabando ou descaminho Art. 337 - Subtração ou inutilização de livro ou documento Art. 337-A - Sonegação de contribuição previdenciária Art. 337-B - Corrupção ativa em transação comercial internacional Art. 337-C - Tráfico de influência em transação comercial internacional Art. 338 - Reingresso de estrangeiro expulso Art. 339 - Denunciação caluniosa Art. 342 - Falso testemunho ou falsa perícia Art. 343 – Aliciar Testemunha ou perito Art. 344 - Coação no curso do processo Art. 353 - Arrebatamento de preso Art. 357 - Exploração de prestígio Art. 359-C – Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura Art. 359-D – Ordenação de despesa não autorizada Art. 359-G – Aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura Art. 359-H - Oferta pública ou colocação de títulos no mercado Art. 129 § 9º - Violência Doméstica Art. 133 - Abandono de incapaz Art. 162 - Supressão ou alteração de marca em animais Art. 163 p. único - Dano qualificado 302 Sumaríssimo Art. 172 - Duplicata simulada Art. 206 – Aliciamento para o fim de emigração Art. 207 - Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional Art. 208 - Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo Art. 212 - Vilipêndio a cadáver Art. 238 - Simulação de autoridade para celebração de casamento Art. 239 - Simulação de casamento Art. 244 - Abandono material Art. 266 - Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico Art. 278 - Outras substâncias nocivas à saúde pública Art. 280 - Medicamento em desacordo com receita médica Art. 303 - Reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica Art. 309 - Fraude de lei sobre estrangeiro Art. 310 - Prestar-se a figurar como proprietário ou possuidor de ação, título ou valor pertencente a estrangeiro Art. 322 - Violência arbitrária Art. 355 - Patrocínio infiel Art. 356 - Sonegação de papel ou objeto de valor probatório Art. 129 caput e § 6º - Lesão corporal leve e culposa Art. 130 - Perigo de contágio venéreo Art. 132 - Perigo para a vida ou saúde de outrem Art. 134 – Exposição ou abandono de recém-nascido Art. 135 - Omissão de socorro Art. 136 – Maus-tratos Art. 137 – Rixa Art. 138 – Calúnia Art. 139 – Difamação Art. 140 caput e §2º - Injúria e Injúria Real Art. 146 - Constrangimento ilegal Art. 147 – Ameaça Art. 150 – Violação de domicílio 303 Art. 151 – Violação de correspondência Art. 152 – Correspondência comercial Art. 153 – Divulgação de segredo Art. 154 – Violação do segredo profissional Art. 156 – Furto de coisa comum Art. 161 – Alteração de limites Art. 163 – Dano Art. 164 – Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia Art. 165 – Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico Art. 166 – Alteração de local especialmente protegido Art. 169 – Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza Art. 175 – Fraude no comércio Art. 176 – Outras fraudes Art. 179 – Fraude à execução Art. 180 §3º - Receptação Culposa Art. 184 – Violação de direito autoral Art. 197 – Atentado contra a liberdade de trabalho Art. 198 – Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta Art. 199 – Atentado contra a liberdade de associação Art. 200 – Paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem Art. 201 – Paralisação de trabalho de interesse coletivo Art. 203 – Frustração de direito assegurado por lei trabalhista Art. 204 – Frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho Art. 205 – Exercício de atividade com infração de decisão administrativa Art. 209 – Impedimento ou perturbação de cerimônia funerária Art. 216-A – Assédio sexual Art. 233 – Ato obsceno Art. 234 – Escrito ou objeto obsceno Art. 236 – Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento Art. 237 – Conhecimento prévio de impedimento 304 Art. 245 – Entrega de filho menor a pessoa inidônea Art. 246 – Abandono intelectual Art. 248 – Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes Art. 249 – Subtração de incapazes Art. 253 – Fabrico, fornecimento, aquisição posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante Art. 250 §2º - Incêndio culposo Art. 251 §3º - Explosão culposa Art. 252 p. único – Uso de gás tóxico ou asfixiante – Modalidade culposa Art. 254 – Inundação – Modalidade culposa Art. 256 p. único – Desabamento ou desmoronamento – Modalidade culposa Art. 259 p. único – Difusão de doença ou praga – Modalidade culposa Art. 260 § 2º – Perigo de desastre ferroviário – Modalidade culposa Art. 261 § 3º - Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo – Modalidade culposa Art. 262 – Atentado contra a segurança de outro meio de transporte Art. 264 – Arremesso de projétil Art. 267 p. único – Epidemia – Modalidade culposa Art. 268 – Infração de medida sanitária preventiva Art. 269 – Omissão de notificação de doença Art. 270 § 2º - Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal – Modalidade culposa Art. 271 p. único – Corrupção ou poluição de água potável – Modalidade culposa Art. 272 p. único – Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios – Modalidade culposa Art. 273 § 2º - Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais – Modalidade culposa Art. 278 p. único – Outras substâncias nocivas à saúde pública – Modalidade culposa Art. 280 p. único – Medicamento em desacordo com receita médica – Modalidade culposa Art. 282 – Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica Art. 283 – Charlatanismo Art. 284 – Curandeirismo Art. 286 – Incitação ao crime 305 Art. 287 – Apologia de crime ou criminoso Art. 289 § 2º - Moeda Falsa – Modalidade culposa Art. 292 – Emissão de título ao portador sem permissão legal Art. 293 §4º - Falsificação de papéis públicos Art. 301 – Certidão ou atestado ideologicamente falso Art. 302 – Falsidade de atestado médico Art. 304 – Uso de documento falso Art. 307 – Falsa identidade Art. 308 – Falsa identidade (passaporte etc) Art. 312 § 2º - Peculato culposo Art. 313-B – Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações Art. 315 – Emprego irregular de verbas ou rendas públicas Art. 319 – Prevaricação Art. 319 – A – Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo Art. 320 – Condescendência criminosa Art. 321 – Advocacia administrativa Art. 323 – Abandono de função Art. 324 – Exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado Art. 325 – Violação de sigilo funcional Art. 326 – Violação do sigilo de proposta de concorrência Art. 328 – Usurpação de função pública Art. 329 – Resistência Art. 330 – Desobediência Art. 331 – Desacato Art. 335 – Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência Art. 336 – Inutilização de edital ou de sinal Art. 340 – Comunicação falsa de crime ou de contravenção Art. 341 – Auto-acusação falsa 306 Art. 345 – Exercício arbitrário das próprias razões Art. 346 – Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção Art. 347 – Fraude processual Art. 348 – Favorecimento pessoal Art. 349 – Favorecimento real Art. 349-A – Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional Art. 350 – Exercício arbitrário ou abuso de poder Art. 351 – Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança Art. 352 – Evasão mediante violência contra a pessoa Art. 354 – Motim de presos Art. 358 – Violência ou fraude em arrematação judicial Art. 359 – Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito Art. 359-A – Contratação de operação de crédito Art. 359-B – Inscrição de despesas não empenhadas em restos a pagar Art. 359-E – Prestação de garantia graciosa Art. 359-F – Não cancelamento de restos a pagar 307 Anexo 1 – formulário de observação nas audiências de instrução e julgamento do rito ordinário Formulário para a coleta de informações qualitativas Pesquisa Pensando o Direito “Os novos procedimentos penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08” Instruções aos pesquisadores Caro pesquisador, Este formulário de coleta de dados foi pensado para ser executado a partir das seguintes estratégias: 1) entrevista com os funcionários do cartório para esclarecimento de algumas questões; 2) Xerox de determinadas partes do processo examinado em audiência; 3) presença às audiências de instrução e julgamento para verificação de como os operadores do direito estão implementando as novas leis (11.689/08 e 11.719/08). Cada um dos quadros a seguir apresenta a forma que o dispositivo era regulamentado na legislação pretérita e na atual, bem como, qual deve ser a estratégia utilizada pelo pesquisador para verificar se a regulamentação vigente está ou não sendo aplicada na vida dos tribunais. Em caso de dúvida, por favor, entrem em contato comigo 81723939. Desejo a todos um bom trabalho. Ludmila Ribeiro Coordenadora da pesquisa 308 Legislação em análise: Lei 11.719/08 Análise das audiências de instrução e julgamento dos processos referentes ao procedimento ordinário Número do processo apreciado_____________________________________________ Vara criminal___________________________________________________________ Juiz responsável pelo feito_________________________________________________ Data da coleta de informações______________________________________________ 309 Legislação atual Como verificar a mudança? Art. 394. O juiz, ao receber a queixa ou denúncia, designará dia e hora para o interrogatório, ordenando a citação do réu e a notificação do Ministério Público e, se for caso, do querelante ou do assistente. Art. 502. - Parágrafo único. O juiz poderá determinar que se proceda, novamente, o interrogatório do réu ou a inquirição de testemunhas e do ofendido, se não houver presidido a esses atos na instrução criminal. Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. . § 1o O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação. § 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. Verificar no processo examinado se quem assina os despachos referentes ao aceite da denúncia, intimação do acusado e de seu defensor é o mesmo juiz que preside o processo. Se possível, tirar Xerox do despacho do juiz recebendo a denúncia e ordenando os demais procedimentos Não regulamentava este dispositivo Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. § 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. § 2o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes. Anotar a data da denúncia, pois a partir desta e da data da seção de julgamento será possível verificar se o prazo de 60 dias está sendo respeitado. Verificar se a ordem dos depoimentos é seguida, se todos são realizados na mesma audiência. Caso isso não esteja ocorrendo, verificar as razões apontadas pelos magistrados em audiência para não respeito a este novo padrão. Legislação anterior O que foi observado na análise deste processo? 310 Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança? Art. 499. Terminada a inquirição das testemunhas, as partes - primeiramente o Ministério Público ou o querelante, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, e depois, sem interrupção, dentro de igual prazo, o réu ou réus - poderão requerer as diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução, subindo logo os autos conclusos, para o juiz tomar conhecimento do que tiver sido requerido pelas partes. Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. Verificar se a produção de provas é solicitada na audiência ou se o advogado ou o Ministério Público pedem prazo (e o juiz defere) para a apresentação destas provas. Art. 500. Esgotados aqueles prazos, sem requerimento de qualquer das partes, ou concluídas as diligências requeridas e ordenadas, será aberta vista dos autos, para alegações, sucessivamente, por 3 (três) dias: I - ao Ministério Público ou ao querelante; II - ao assistente, se tiver sido constituído; III - ao defensor do réu. § 1o Se forem dois ou mais os réus, com defensores diferentes, o prazo será comum. § 2o O Ministério Público, nos processos por crime de ação privada ou nos processos por crime de ação pública iniciados por queixa, terá vista dos autos depois do querelante Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. § 1o Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual. § 2o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação desse, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa. § 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. Verificar se na hipótese de não requisição de provas é concedida a palavra ao MP e advogado de defesa. Verificar ainda se os tempos prescritos pelo CPP para sustentação oral são respeitados. Por fim, verificar quais são as hipóteses em que o juiz concede às partes prazo para apresentação de memorial. Neste caso, nos interessa saber o que os juízes chamam de elevada complexidade. O que foi observado na análise deste processo? 311 Anexo 2 – formulário de observação das audiências de instrução e julgamento da primeira fase do rito do júri Formulário para a coleta de informações qualitativas Pesquisa Pensando o Direito “Os novos procedimentos penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08” Instruções aos pesquisadores Caro pesquisador, Este formulário de coleta de dados foi pensado para ser executado a partir das seguintes estratégias: 1) entrevista com os funcionários do cartório para esclarecimento de algumas questões; 2) Xerox de determinadas partes do processo examinado em audiência; 3) presença às audiências de instrução e julgamento para verificação de como os operadores do direito estão implementando as novas leis (11.689/08 e 11.719/08). Cada um dos quadros a seguir apresenta a forma que o dispositivo era regulamentado na legislação pretérita e na atual, bem como, qual deve ser a estratégia utilizada pelo pesquisador para verificar se a regulamentação vigente está ou não sendo aplicada na vida dos tribunais. Em caso de dúvida, por favor, entrem em contato comigo 81723939. Desejo a todos um bom trabalho. Ludmila Ribeiro Coordenadora da pesquisa 312 Legislação em análise: Lei 11.689/08 Análise das audiências de instrução e julgamento dos processos de competência do Júri Número do processo apreciado_____________________________________________ Vara criminal___________________________________________________________ Juiz responsável pelo feito_________________________________________________ Data da coleta de informações______________________________________________ Utilize este espaço para observações gerais que julgar necessário, como interação com os funcionários do cartório, juiz, recebimento da pesquisa, etc. 313 Legislação anterior Legislação atual Art. 411 Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate. § 1o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento pelo juiz. § 2o As provas serão produzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. § 3o Encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 deste Código. § 4o As alegações serão orais, concedendo-se a palavra, Não regulamenta respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez). va este § 5o Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto para a dispositivo acusação e a defesa de cada um deles será individual. § 6o Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa. § 7o Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer. § 8o A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo. § 9o Encerrados os debates, o juiz proferirá a sua decisão, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos. Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo? Assistindo a audiência de instrução e julgamento da primeira fase do processamento júri 314 Legislação anterior Legislação atual Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Art. 408. Se o juiz se convencer da § 1o A fundamentação da existência do crime e de indícios de pronúncia limitar-se-á à indicação da que o réu seja o seu autor, pronunciá- materialidade do fato e da existência lo-á, dando os motivos do seu de indícios suficientes de autoria ou convencimento. de participação, devendo o juiz § 1o Na sentença de pronúncia o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, especificar as circunstâncias recomendá-lo-á na prisão em que se qualificadoras e as causas de achar, ou expedirá as ordens aumento de pena. necessárias para sua captura. § 2o Se o crime for afiançável, o juiz § 2o Se o réu for primário e de bons arbitrará o valor da fiança para a antecedentes, poderá o juiz deixar de concessão ou manutenção da decretar-lhe a prisão ou revogá-la, liberdade provisória. caso já se encontre preso. § 3o O juiz decidirá, § 3o Se o crime for afiançável, será, motivadamente, no caso de desde logo, arbitrado o valor da fiança, manutenção, revogação ou que constará do mandado de prisão. substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo? Pedindo uma cópia da sentença de pronúncia do processo em análise ao escrivão responsável pelo cartório da vara no qual o processo está sendo julgado 315 Anexo 3 – formulário de observação das sessões do júri Formulário para a coleta de informações qualitativas Pesquisa Pensando o Direito “Os novos procedimentos penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08” Instruções aos pesquisadores Caro pesquisador, Este formulário de coleta de dados foi pensado para ser executado a partir das seguintes estratégias: 1) entrevista com os funcionários do cartório para esclarecimento de algumas questões; 2) Xerox de determinadas partes do processo examinado em audiência; 3) presença às audiências de instrução e julgamento para verificação de como os operadores do direito estão implementando as novas leis (11.689/08 e 11.719/08). Cada um dos quadros a seguir apresenta a forma que o dispositivo era regulamentado na legislação pretérita e na atual, bem como, qual deve ser a estratégia utilizada pelo pesquisador para verificar se a regulamentação vigente está ou não sendo aplicada na vida dos tribunais. Em caso de dúvida, por favor, entrem em contato comigo 81723939. Desejo a todos um bom trabalho. Ludmila Ribeiro Coordenadora da pesquisa 316 Legislação em análise: Lei 11.689/08 Análise da audiência de plenária do júri Número do processo apreciado_____________________________________________ Vara criminal___________________________________________________________ Juiz responsável pelo feito_________________________________________________ Data da coleta de informações______________________________________________ Utilize este espaço para observações gerais que julgar necessário, como interação com os funcionários do cartório, juiz, recebimento da pesquisa, etc. 317 Legislação anterior Legislação atual Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Art. 408. Se o juiz se convencer da § 1o A fundamentação da existência do crime e de indícios de pronúncia limitar-se-á à indicação da que o réu seja o seu autor, pronunciá- materialidade do fato e da existência lo-á, dando os motivos do seu de indícios suficientes de autoria ou convencimento. de participação, devendo o juiz § 1o Na sentença de pronúncia o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, especificar as circunstâncias recomendá-lo-á na prisão em que se qualificadoras e as causas de achar, ou expedirá as ordens aumento de pena. necessárias para sua captura. § 2o Se o crime for afiançável, o juiz § 2o Se o réu for primário e de bons arbitrará o valor da fiança para a antecedentes, poderá o juiz deixar de concessão ou manutenção da decretar-lhe a prisão ou revogá-la, liberdade provisória. caso já se encontre preso. § 3o O juiz decidirá, § 3o Se o crime for afiançável, será, motivadamente, no caso de desde logo, arbitrado o valor da fiança, manutenção, revogação ou que constará do mandado de prisão. substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo? Pedindo uma cópia da sentença de pronúncia do processo em análise ao escrivão responsável pelo cartório da vara no qual o processo está sendo julgado 318 Legislação anterior Legislação atual Art. 433. O Tribunal do Júri compõe-se de um juiz de direito, que é o seu presidente, e de vinte e um jurados que se sortearão dentre os alistados, sete dos quais constituirão o conselho de sentença em cada sessão de julgamento. Art. 447. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento. Art. 451. Não comparecendo o réu ou o acusador particular, com justa causa, o julgamento será adiado para a seguinte sessão periódica, se não puder realizar-se na que estiver em curso. Art. 457. O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado. § 1o Os pedidos de adiamento e as justificações de não comparecimento deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior, previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do Júri. § 2o Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor. Como verificar O que foi observado na análise deste a mudança? processo? Presença a audiência de plenária para verificar se as varas criminais estão obedecendo aos novos quantitativos de jurados Verificar as providências tomadas pelo juiz no caso de ausência do acusado ou de seu advogado. Lembrando que com a nova lei há regras diferenciadas para réu solto e réu preso. 319 Legislação anterior Art. 461. Se os réus forem dois ou mais, poderão incumbir das recusas um só defensor; não convindo nisto e se não coincidirem as recusas, dar-seá a separação dos julgamentos, prosseguindo-se somente no do réu que houver aceito o jurado, salvo se este, recusado por um réu e aceito por outro, for também recusado pela acusação. Parágrafo único. O réu, que pela recusa do jurado tiver dado causa à separação, será julgado no primeiro dia desimpedido. Art. 466 - § 2o Onde for possível, o presidente mandará distribuir aos jurados cópias datilografadas ou impressas, da pronúncia, do libelo e da contrariedade, além de outras peças que considerar úteis para o julgamento da causa. Legislação atual Como verificar a mudança? Art. 469. Se forem 2 (dois) ou mais os acusados, as recusas poderão ser feitas por um só defensor. § 1o A separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for obtido o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de Sentença. § 2o Determinada a separação dos julgamentos, será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de co-autoria, aplicar-se-á o critério de preferência disposto no art. 429 deste Código. Verificar, em audiência, como os juízes estão procedendo ao desmembramen to dos processos em razão das recusas de jurados. Art. 472 - Parágrafo único. O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo. Verificar na audiência se, após o sorteio, os jurados receberam a cópia da sentença de pronúncia. O que foi observado na análise deste processo? 320 Legislação anterior Legislação atual Art. 473. Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o Art. 466 - § 1o Depois do relatório, o defensor do acusado tomarão, sucessiva e escrivão lerá, mediante ordem do diretamente, as declarações do ofendido, se presidente, as peças do processo, cuja possível, e inquirirão as testemunhas leitura for requerida pelas partes ou arroladas pela acusação. por qualquer jurado. § 1o Para a inquirição das testemunhas Art. 467. Terminado o relatório, o juiz, arroladas pela defesa, o defensor do o acusador, o assistente e o advogado acusado formulará as perguntas antes do do réu e, por fim, os jurados que o Ministério Público e do assistente, mantidos quiserem, inquirirão sucessivamente no mais a ordem e os critérios estabelecidos as testemunhas de acusação. neste artigo. Art. 468. Ouvidas as testemunhas de § 2o Os jurados poderão formular perguntas acusação, o juiz, o advogado do réu, o ao ofendido e às testemunhas, por acusador particular, o promotor, o intermédio do juiz presidente. assistente e os jurados que o § 3o As partes e os jurados poderão quiserem, inquirirão sucessivamente requerer acareações, reconhecimento de as testemunhas de defesa. pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis. Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo? Verificar, em audiência como estes novos dispositivos tem sido aplicados pelo juiz, advogado de defesa, promotor de justiça e jurados 321 Legislação anterior Legislação atual Art. 474. A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção. Art. 465. Em § 1o O Ministério Público, o assistente, o seguida, o querelante e o defensor, nessa ordem, presidente poderão formular, diretamente, perguntas interrogará o réu ao acusado. pela forma § 2o Os jurados formularão perguntas por estabelecida no intermédio do juiz presidente. Livro I, Título VII, § 3o Não se permitirá o uso de algemas Capítulo III, no que no acusado durante o período em que for aplicável. permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. Art. 469. Os depoimentos das Art. 475. O registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou testemunhas de acusação e de recursos de gravação magnética, defesa serão eletrônica, estenotipia ou técnica similar, reduzidos a escrito, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova. em resumo, assinado o termo Parágrafo único. A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos pela testemunha, autos. pelo juiz e pelas partes. Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo? Verificar em audiência se: 1) os operadores do direito (advogado, promotor e assistente) estão fazendo perguntas diretamente ao acusado; 2) se os jurados estão formulando perguntas por intermédio do juiz; 3) se em se tratando de réu preso, se o juiz manda retirar as algemas ou se o acusado permanece algemado sem maiores justificativas Verificar se o juiz continua ditando o que deve ser anotado do depoimento das partes ou se há gravação destes 322 Legislação anterior Legislação atual Art. 471. Terminada a inquirição das testemunhas o promotor lerá o libelo e os dispositivos da lei penal em que o réu se achar incurso, e produzirá a acusação. § 1o O assistente falará depois do promotor. § 2o Sendo o processo promovido pela parte ofendida, o promotor falará depois do acusador particular, tanto na acusação como na réplica. Art. 472. Finda a acusação, o defensor terá a palavra para defesa. Art. 473. O acusador poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de qualquer das testemunhas já ouvidas em plenário. Art. 474. O tempo destinado à acusação e à defesa será de 2 (duas) horas para cada um, e de meia hora a réplica e outro tanto para a tréplica. Art. 476. Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante. § 1o O assistente falará depois do Ministério Público. § 2o Tratando-se de ação penal de iniciativa privada, falará em primeiro lugar o querelante e, em seguida, o Ministério Público, salvo se este houver retomado a titularidade da ação, na forma do art. 29 deste Código. § 3o Finda a acusação, terá a palavra a defesa. § 4o A acusação poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário. Art. 477. O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica. § 1o Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz presidente, de forma a não exceder o determinado neste artigo. § 2o Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo para a acusação e a defesa será acrescido de 1 (uma) hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica, observado o disposto no § 1o deste artigo. Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo? Assistindo a audiência e verificando se os tempos foram respeitados e se as testemunhas foram chamadas a prestar novos depoimentos em plenário 323 Como verificar a mudança? O que foi observado na análise deste processo? Art. 478. Durante os debates as Verificar se essas não partes não poderão, sob pena de ações estão, de fato, nulidade, fazer referências: acontecendo, pois, no I – à decisão de pronúncia, às momento dos decisões posteriores que julgaram debates, todos os Não regulamentava este admissível a acusação ou à meandros disponíveis dispositivo determinação do uso de algemas para os operadores do como argumento de autoridade que direito são chamados beneficiem ou prejudiquem o acusado; por estes como mecanismos que II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de comprovam a culpa requerimento, em seu prejuízo. ou inocência do réu. Art. 482. O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido. Parágrafo único. Os quesitos serão Verificar se o juiz redigidos em proposições afirmativas, perguntou simples e distintas, de modo que cada expressamente sobre Não regulamentava este um deles possa ser respondido com dispositivo a possibilidade de suficiente clareza e necessária absolvição do precisão. Na sua elaboração, o acusado presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes. Legislação anterior Legislação atual 324 Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança? Art. 479. Em seguida, lendo os quesitos, e explicando a significação legal de cada um, o juiz indagará das partes se têm requerimento ou reclamação que fazer, devendo constar da ata qualquer requerimento ou reclamação não atendida. Art. 484. A seguir, o presidente lerá os quesitos e indagará das partes se têm requerimento ou reclamação a fazer, devendo qualquer deles, bem como a decisão, constar da ata. Parágrafo único. Ainda em plenário, o juiz presidente explicará aos jurados o significado de cada quesito. Verificar se o juiz, de fato, explicou aos jurados o significado de cada um dos quesitos formulados O que foi observado na análise deste processo? 325 Legislação anterior Legislação atual Como verificar a mudança? Art. 492. Em seguida, o juiz lavrará a sentença, com observância do seguinte: I - no caso de condenação, terá em vista as circunstâncias agravantes ou atenuantes reconhecidas pelo júri, e atenderá, quanto ao mais, ao disposto nos nos. II a VI do art. 387; II - no caso de absolvição: a) mandará pôr o réu em liberdade, se afiançável o crime, ou desde que tenha ocorrido a hipótese prevista no art. 316, ainda que inafiançável; b) ordenará a cessação das interdições de direitos que tiverem sido provisoriamente impostas; c) aplicará medida de segurança, se cabível. § 1o Se, pela resposta a quesito formulado aos jurados, for reconhecida a existência de causa que faculte diminuição da pena, em quantidade fixa ou dentro de determinados limites, ao juiz ficará reservado o uso dessa faculdade. § 2o Se for desclassificada a infração para outra atribuída à competência do juiz singular, ao presidente do tribunal caberá proferir em seguida a sentença. Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: I – no caso de condenação: a) fixará a pena-base; b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates; c) imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo júri; d) observará as demais disposições do art. 387 deste Código; e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva; f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação; II – no caso de absolvição: a) mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso; b) revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas; c) imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível. § 1o Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. § 2o Em caso de desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que couber, o disposto no § 1o deste artigo. Após a audiência, entrar no site do TJRJ e baixar a sentença, salvando-a em um arquivo do Word para verificar, em que medida, o novo dispositivo tem sido aplicado ou não. O que foi observado na análise deste processo? 326 Anexo 4 – roteiro de entrevista com os operadores do rito ordinário Os Novos Procedimentos Penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08 ROTEIRO PARA OPERADORES DO RITO ORDINÁRIO – [Para o entrevistador] 1. Objeto da Pesquisa O objeto desta proposta é analisar o impacto das leis 11.689/08 e 11.719/08 sobre a forma e tempo de processamento das causas criminais. Para tanto, esta pesquisa pretende: a) analisar as alterações legislativas introduzidas e compará-las com a legislação anterior; b) construir um diagnóstico quantitativo do impacto dessas leis, com mensuração de seu efeito sobre o tempo de duração dos processos; c) traçar um diagnóstico qualitativo de como são realizadas as audiências de instrução e julgamento após a publicação de tal legislação, d) estudar os caminhos adotados pela jurisprudência relativa às novas leis no período subsequente a sua publicação e, por fim, e) elaborar um quadro dos direitos e garantias constitucionais efetivamente alterados por essas legislações na realidade dos tribunais brasileiros. A partir desta pesquisa empírica sobre como as novas leis alteraram (ou não) o funcionamento do processo penal, pretende-se sugerir à Secretaria de Assuntos Legislativos possíveis projetos de reforma de lei que, de fato, viabilizem a simplificação e a agilização dos procedimentos penais. 2. Objetivo da Pesquisa O objetivo final deste projeto é o de apresentar um diagnóstico quantitativo e qualitativo dos efeitos das leis 11.689/08 e 11.719/08 sobre o sistema de garantias processuais penais inerentes ao sistema acusatório, especialmente, no que se refere à garantia do princípio da celeridade e efetividade jurisdicional. 3. Perguntas da Pesquisa 1) Será que as alterações introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08 estão sendo aplicadas na prática? 2) Em que medida a aplicação das mudanças introduzidas por estas legislações tem ou não surtido os efeitos esperados? 3) Será que esse implemento de eficiência se fez em detrimento das garantias fundamentais do acusado? 4) Todavia, se o ganho no tempo do processamento não ocorreu, ou se a nova legislação não vem sendo corretamente aplicada pelo Judiciário, como essa omissão gera situações de desrespeito aos direitos fundamentais? 5) Em que medida os resultados da pesquisa permitem reformulações na legislação processual vigente no sentido de torná-la mais eficiente tanto no que se refere ao tempo como ao sistema de garantias constitucionais oferecido ao acusado? 4. Informar sobre os preceitos éticos da pesquisa, sobre o sigilo das informações, sobre a não identificação, sobre a necessidade de gravar a entrevista e pedir autorização para tal. Perfil do entrevistado [“quebra-gelo”] 1. Nome e contato [apenas anotar]: 2. Setor [vara, cartório... apenas anotar]: 3. Sexo [apenas anotar]: 4. Idade [se o entrevistado não se importar em dizer]: 5. Tempo na profissão: 6. Experiências anteriores: 7. Tempo no atual cargo: 8. Por que escolheu tal profissão?: 8.1. vocação, “herança familiar”, salário, estabilidade, “mudar o mundo”, “fazer um mundo mais justo”... A Reforma: a lei 11.719/08 Como disse, esta pesquisa busca analisar o impacto das novas legislações sobre o fluxo de processamento de um delito e, por conseguinte, sobre o tempo demandado para a realização de tal atividade. Gostaria de conversar com você a respeito dessas mudanças, em termos legislativos e em termos práticos 9. Antes da reforma, como se davam os procedimentos penais? 9.1.inquérito policial, denúncia, efeitos da citação, efeitos da apresentação de resposta, audiências, interrogatório do réu, oitiva das testemunhas de acusação, oitiva das testemunhas de defesa, forma de inquirição das testemunhas, possibilidade de fracionamento da audiência, alegações finais e sentença 9.2.E na prática? Você poderia me dar exemplos? 10. Depois da reforma, como se dão esses mesmos procedimentos penais? 10.1. inquérito policial, denúncia, efeitos da citação, efeitos da apresentação de resposta, audiências, interrogatório do réu, oitiva das testemunhas de acusação, oitiva das testemunhas de defesa, forma de inquirição das testemunhas, possibilidade de fracionamento da audiência, alegações finais e sentença 10.2. E na prática? Você poderia me dar exemplos? 11. De um modo geral, quais foram (ou qual foi) as principais alterações produzidas pela Lei 11.719/08? E na prática, o que mudou? 11.1. Pensando agora especificamente em termos de fluxo de processamento dos crimes comuns, o que você poderia indicar como principais mudanças? E na prática? 11.2. E em termos de tempo de processamento de um delito, o que você indicaria como principal mudança? 11.2.1. ainda quanto ao tempo de processamento de um delito, a etapa anterior deste projeto permitiu que chegássemos à seguinte mensuração: antes (CPP/1941) o tempo de processamento para réus soltos era de 100 dias e de 80 dias para réu preso. Depois da reforma (CPP/2008), tem-se 120 dias para réu solto e 90 dias para réu preso. Gostaria que você comentasse esses resultados. 328 11.2.1.1. esses prazos são possíveis de serem aplicados na realidade? Por quê? 11.2.2. Diz-se que a justiça no Brasil é morosa. Você concorda com isso? O que você entende por morosidade (e o contrário, celeridade) da justiça? 11.2.2.1. Na sua opinião, qual o principal fator (ou fatores) que torna a justiça morosa? E, de outro lado, o que a torna mais célere? Já estamos caminhando para o final de nossa entrevista... 12. De um modo geral, como você avalia a reforma, a lei 11.719/08? 12.1. A nova lei é aplicável (ou é factível de ser aplicada)? Por quê? Especificamente... 12.2. A realização da audiência una é factível? Por quê? 12.2.1. Você já participou de alguma audiência una após a nova lei? (Se sim, você poderia me contar como foi esta experiência?) 13. Antes da reforma, você havia presenciado algum processo cujo prazo foi efetivamente cumprido? E depois? 14. Qual a sua opinião quanto às restrições do uso de algemas... 15. A reforma restringiu algum direito ou garantia fundamental do réu? Qual? Poderia justificar sua opinião... Não tenho mais perguntas. Você gostaria de acrescentar alguma opinião. Dizer algo que não lhe foi perguntado. Gostaria de me perguntar alguma coisa em relação à pesquisa... fique à vontade para tecer quaisquer tipos de comentários finais. Agradecer e pedir contatos de outros operadores que possam conversar conosco. 329 Anexo 5 – roteiro de entrevista com os operadores do rito do tribunal do júri Os Novos Procedimentos Penais: uma análise empírica das mudanças introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08 ROTEIRO PARA OPERADORES DO RITO DO TRIBUNAL DO JÚRI – [Para o entrevistador] 1. Objeto da Pesquisa O objeto desta proposta é analisar o impacto das leis 11.689/08 e 11.719/08 sobre a forma e tempo de processamento das causas criminais. Para tanto, esta pesquisa pretende: a) analisar as alterações legislativas introduzidas e compará-las com a legislação anterior; b) construir um diagnóstico quantitativo do impacto dessas leis, com mensuração de seu efeito sobre o tempo de duração dos processos; c) traçar um diagnóstico qualitativo de como são realizadas as audiências de instrução e julgamento após a publicação de tal legislação, d) estudar os caminhos adotados pela jurisprudência relativa às novas leis no período subsequente a sua publicação e, por fim, e) elaborar um quadro dos direitos e garantias constitucionais efetivamente alterados por essas legislações na realidade dos tribunais brasileiros. A partir desta pesquisa empírica sobre como as novas leis alteraram (ou não) o funcionamento do processo penal, pretende-se sugerir à Secretaria de Assuntos Legislativos possíveis projetos de reforma de lei que, de fato, viabilizem a simplificação e a agilização dos procedimentos penais. 2. Objetivo da Pesquisa O objetivo final deste projeto é o de apresentar um diagnóstico quantitativo e qualitativo dos efeitos das leis 11.689/08 e 11.719/08 sobre o sistema de garantias processuais penais inerentes ao sistema acusatório, especialmente, no que se refere à garantia do princípio da celeridade e efetividade jurisdicional. 3. Perguntas da Pesquisa 1) Será que as alterações introduzidas pelas leis 11.689/08 e 11.719/08 estão sendo aplicadas na prática? 2) Em que medida a aplicação das mudanças introduzidas por estas legislações tem ou não surtido os efeitos esperados? 3) Será que esse implemento de eficiência se fez em detrimento das garantias fundamentais do acusado? 4) Todavia, se o ganho no tempo do processamento não ocorreu, ou se a nova legislação não vem sendo corretamente aplicada pelo Judiciário, como essa omissão gera situações de desrespeito aos direitos fundamentais? 5) Em que medida os resultados da pesquisa permitem reformulações na legislação processual vigente no sentido de torná-la mais eficiente tanto no que se refere ao tempo como ao sistema de garantias constitucionais oferecido ao acusado? 4. Informar sobre os preceitos éticos da pesquisa, sobre o sigilo das informações, sobre a não identificação, sobre a necessidade de gravar a entrevista e pedir autorização para tal. Perfil do entrevistado [“quebra-gelo”] 1. Nome e contato [apenas anotar]: 2. Setor [tribunal do júri, cartório... apenas anotar]: 3. Sexo [apenas anotar]: 4. Idade [se o entrevistado não se importar em dizer]: 330 5. Tempo na profissão: 6. Experiências anteriores: 7. Tempo no atual cargo: 8. Por que escolheu tal profissão?: 8.2. vocação, “herança familiar”, salário, estabilidade, “mudar o mundo”, “fazer um mundo mais justo”... A Reforma: a lei 11.689/08 Como disse, esta pesquisa busca analisar o impacto das novas legislações sobre o fluxo de processamento de um delito e, por conseguinte, sobre o tempo demandado para a realização de tal atividade. Gostaria de conversar com você a respeito dessas mudanças, em termos legislativos e em termos práticos 9. Antes da reforma, como se davam os procedimentos penais? 9.1.[primeira fase] inquérito policial, denúncia, efeitos da citação, efeitos da apresentação de resposta, audiências, interrogatório do réu, oitiva das testemunhas de acusação, oitiva das testemunhas de defesa, forma de inquirição das testemunhas, possibilidade de fracionamento da audiência 9.2. [segunda fase] intimação da sentença de pronúncia, preparação do processo para julgamento em plenário, desaforamento por excesso de prazo e reclamação para julgamento imediato, instrução em plenário, diligências essenciais durante a instrução em plenário, quesitos, julgamento pelo júri 9.3.E na prática? Você poderia me dar exemplos? 10. Depois da reforma, como se dão esses mesmos procedimentos penais? 10.1. [primeira fase] inquérito policial, denúncia, efeitos da citação, efeitos da apresentação de resposta, audiências, interrogatório do réu, oitiva das testemunhas de acusação, oitiva das testemunhas de defesa, forma de inquirição das testemunhas, possibilidade de fracionamento da audiência, alegações finais e sentença 10.2. [segunda fase] intimação da sentença de pronúncia, preparação do processo para julgamento em plenário, desaforamento por excesso de prazo e reclamação para julgamento imediato, instrução em plenário, diligências essenciais durante a instrução em plenário, quesitos, julgamento pelo júri 10.3. E na prática? Você poderia me dar exemplos? 11. De um modo geral, quais foram (ou qual foi) as principais alterações produzidas pela Lei 11.689/08? E na prática, o que mudou? 331 11.1. Pensando agora especificamente em termos de fluxo de processamento dos crimes comuns, o que você poderia indicar como principais mudanças? E na prática? 11.2. E em termos de tempo de processamento de um delito, o que você indicaria como principal mudança? 11.2.1. ainda quanto ao tempo de processamento de um delito, a etapa anterior deste projeto permitiu que chegássemos à seguinte mensuração: antes (CPP/1941) o tempo de processamento para réus soltos era de 310 dias e de 260 dias para réu preso. Depois da reforma (CPP/2008), tem-se 325 dias para réu solto e 295 dias para réu preso. Gostaria que você comentasse esses resultados. 11.2.1.1. esses prazos são possíveis de serem aplicados na realidade? Por quê? 11.2.2. Diz-se que a justiça no Brasil é morosa. Você concorda com isso? O que você entende por morosidade (e o contrário, celeridade) da justiça? 11.2.2.1. Na sua opinião, qual o principal fator (ou fatores) que torna a justiça morosa? E, de outro lado, o que a torna mais célere? Já estamos caminhando para o final de nossa entrevista... 12. De um modo geral, como você avalia a reforma, a lei 11.689/08? 12.1. A nova lei é aplicável (ou é factível de ser aplicada)? Por quê? Especificamente... . A realização da audiência una é factível? Por quê? 12.2 12.2.1. Você já participou de alguma audiência una após a nova lei? (Se sim, você poderia me contar como foi esta experiência?) 13. Antes da reforma, você havia presenciado algum processo cujo prazo foi efetivamente cumprido? E depois? 14. Qual a sua opinião quanto às restrições do uso de algemas... 15. A reforma restringiu algum direito ou garantia fundamental do réu? Qual? Poderia justificar sua opinião... Não tenho mais perguntas. Você gostaria de acrescentar alguma opinião. Dizer algo que não lhe foi perguntado. Gostaria de me perguntar alguma coisa em relação à pesquisa... fique à vontade para tecer quaisquer tipos de comentários finais. Agradecer e pedir contatos de outros operadores que possam conversar conosco. 332
Copyright © 2024 DOKUMEN.SITE Inc.