Recensão - As cruzadas vistas pelos árabes

March 19, 2018 | Author: Rita | Category: Crusades, High Middle Ages, Byzantine Empire, Al Andalus, Arabic


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Faculdade de História e Geografia...el señor de El Cairo transmite a los francos nuevas proposiciones para llegar a un acuerdo. Además del reparto de Siria, concreta su política en relación con la Ciudad Santa: una libertad de culto estrictamente respetada y la posibilidad de que los peregrinos vayan allí cuantas veces lo deseen, siempre y cuando, naturalmente, lo hagan en grupos pequeños y sin armas. La respuesta de los francos es contundente: « ¡Iremos a Jerusalén todos juntos, en orden de combate, con las lanzas en alto!» Disciplina: História do Islão Medieval e Bizâncio Docente: Doutor José M. Andrade Cernadas Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319, Erasmus “As Cruzadas vistas pelos Árabes”, Recensão Crítica por Ana Rita Faleiro Recensão Crítica “As cruzadas vistas pelos árabes”, MAALOUF, A. O livro sobre o qual nos vamos debruçar é “As cruzadas vistas pelos árabes”, de Amin Maalouf, publicado pela Aliança Editorial, sendo esta segunda reimpressão do ano de 2005. A tradução ficou a cargo de Teresa Gallego e Maria Isabel Reverte. Antes de se iniciar qualquer trabalho de recensão crítica sobre um determinado livro, é necessário perceber-se quem o escreve, para determinar da sua autoridade sobre o tema. Amin Maalouf é por formação um jornalista libanês, tendo viajado pelo mundo “oriental” para cobrir muitas vezes histórias de guerra. Daí que esteja tão bem informado sobre a sociedade oriental. No entanto, tem também estudos em sociologia e economia, pelo que se percebe que é um homem com uma formação bastante ampla e variada. Os seus romances têm em comum o facto de a sua escrita ser romanceada, quase a meio caminho entre a crónica e o romance histórico, introduzindo elementos que à partida não seriam susceptíveis de se encontrar num livro sobre matéria histórica. Isto valeu-lhe em 1933 o “Prix de Goncourt” pelo seu romance “The Rock of Tanios”. Outras obras de referência deste autor são, por exemplo, “The first century after Beatrice”, ou “Balthasar's Odyssey”. Mas em relação ao livro em questão, “As cruzadas vistas pelos árabes”, o que se pode dizer? Em primeiro lugar, há a ressaltar o facto de tratar um tema, que tradicionalmente é visto pela óptica ocidental, sob a óptica árabe. Este facto, só por si, faz com que sejam “descobertos” pormenores que nós, ocidentais, por vezes rejeitamos ou colocamos em segundo plano. E é um aspecto fundamental, Cadeira: História do Islam Medieval e Bizâncio Docente: Dr. José António Cernadas Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319 (Erasmus) Santiago de Compostela Junho de 06 2 “As Cruzadas vistas pelos Árabes”, Recensão Crítica por Ana Rita Faleiro pois todas as histórias têm duas faces, e até hoje só se tem estudado uma delas. De facto, este livro vem deitar abaixo o mito muitas vezes concebido, segundo o qual os cruzados cristãos combatiam apenas em nome da sua fé. Este pequeno livro, de fácil leitura, vem mostrar o lado político, económico, mas também estratégico de tais guerras “religiosas” cristãs. Parece-me ser quase uma tentativa de “jihad” cristã – se bem que no fundo, por vezes o elemento religioso esteja tão escondido que quase podemos esquecer que são de facto, e na teoria, guerras religiosas. Por isso mesmo, do lado árabe, as nossas “cruzadas” não são mais que autênticas e puras invasões francas. São na verdade nada mais que uma agressão sem justificação a uma sociedade que ainda por cima começava nessa altura a sua época de decadência. É imperioso que nós, Ocidentais, conheçamos qual o nosso verdadeiro passado bélico no que respeita às Cruzadas. É impossível, ao se ler este livro, não pensar numa falta de carácter por parte do Ocidente, ao aproveitar um momento de fraqueza por parte do mundo muçulmano. Será que isto pode ser “desculpado” com o argumento de que a Europa entrava nesta altura, também ela, num período de decadência, e em que necessitava de novas terras e novas fortunas? Isto é normalmente um dos argumentos usados para defender a aparição das cruzadas neste início da idade média em vez de aparecerem noutra altura. Por outro lado, podem ter sido uma reacção ao domínio árabe no Ocidente (al-Andaluz); mas se fosse este o caso, porque razão esta reacção tardaria tanto em aparecer? Mais uma vez, voltamos ao ponto de partida, têm que existir motivos políticos e não apenas religiosos detrás das cruzadas, mas o que é facto é que, coincidência ou não, se aproveitaram de um mau período político, social e memo económico do mundo árabe Isto é de facto verdade, tanto mais se nos lembrarmos que por esta altura (os primeiros cruzados chegam a Jerusalém em 1096) o mundo muçulmano se Cadeira: História do Islam Medieval e Bizâncio Docente: Dr. José António Cernadas Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319 (Erasmus) Santiago de Compostela Junho de 06 3 “As Cruzadas vistas pelos Árabes”, Recensão Crítica por Ana Rita Faleiro encontrava numa fase de ainda identificação religiosa1, com vários grupos e subgrupos que se asfixiavam uns aos outros (lembremos por exemplo os ashashin, assassinos, seita surgida como derivação dos ismaelitas, e a caracterização que deles faz Maalouf, bem como o papel importante que tomam nos desenvolvimentos políticos do mundo muçulmano; o autor mostra-nos as acções de Hasan, que se rebela contra o chiismo, ao que numa primeira fase adere, pois vê que já não passa de uma doutrina perseguida; encontrando no Cairo muitos homens com as mesmas preocupações, não tem dificuldade em formar um movimento chefiado pelo próprio filho do Califa, que não quer ser como o seu pai, um autêntico fantoche nas mãos de um vizir. Assim, em 1090 toma a fortaleza de Alamut, que se tornará no bastião dos hashashin. Esta seita, mostra-nos Maalouf, caracteriza-se por um grande mistério na hora de enviar os seus espias – ou melhor, ou “missionários”, que normalmente andam disfarçados para não serem reconhecidos – mas um grande acto público na hora de concretizar a missão de que tinham sido imbuídos, isto é, perpetravam os seus crimes ante o maior número possível de espectadores – normalmente uma mesquita, a uma sexta feira, de preferência na oração do meio-dia... Há também a realçar o facto de que o crime é considerado por Hasan como uma dupla lição: o castigo da vítima e o sacrifício tão apreciado do executor2. Maalouf é exímio na hora de mostrar como Hasan – sozinho a partir de 1092, pois Nizar, filho do califa, fora emparedado vivo - soube jogar de maneira a infiltrar os seus adeptos em Alepo, junto à corte de Ridwan; isto foi de tal forma que “según Kamal alDin, ningún habitante de Alepo puede conseguir el menor favor del monarca o resolver Apesar de eu dizer “ainda”, a verdade é que praticamente desde a morte do Profeta os vários grupos que querem aceder ao poder se degladiam entre si. Basta relembrar a matança omíada, levada a cabo pelos abássidas, e cujo único sobrevivente foi o que se converteu em Abd al-Rahman I, fundador do emirato andaluz de Córdoba. Pois não nos podemos esquecer que eram executados logo no momento. No fundo, creio poder afirmar-se que se está a ver o gérmen do terrorismo suicida, que nos últimos anos tem sido apontado como característica do mundo muçulmano. 2 1 Cadeira: História do Islam Medieval e Bizâncio Docente: Dr. José António Cernadas Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319 (Erasmus) Santiago de Compostela Junho de 06 4 “As Cruzadas vistas pelos Árabes”, Recensão Crítica por Ana Rita Faleiro un problema de administración sin pasar por uno de los innumerables sectarios infiltrados en los círculos allegados al rey”3 ). Esta “jihad” cristã tem uma única – mas fundamental – diferença em relação à guerra santa islâmica, e ao longo de todo o livro isso é bastante visível. Esta diferença é explicada pelo próprio Saladino, através de uma expressão mesmo no início da obra: “Vejam os frany! Vejam com que encarniçamento se batem pela sua religião, enquanto nós, os muçulmanos, não mostramos desejo nenhum de partir para a guerra santa!”. O livro faz-nos pensar sem dúvida em como a história é um jogo de espelhos. O Ocidente ficou estupefacto com os ataques às torres gémeas, em Setembro de 2001. Mas... o que este livro nos mostra é precisamente a origem de tais comportamentos. Afinal, a nossa estupefacção é apenas um reflexo da estupefacção que o povo árabe sentiu quando começou a ser invadido e subjugado pelos “cavaleiros cristãos”. É curioso analisar ao longo do livro um factor: as verdadeiras relações entre cristãos e muçulmanos consoante o estatuto social que detêm. Na verdade, apercebemo-nos que as verdadeiras guerras – sejam elas de religião, económicas, políticas – são travadas não pelas camadas mais baixas da população, que aprendem a conviver e até a estabelecer algum nível de amizade, mas sim entre os dirigentes politico e religiosos. O livro retrata-nos igualmente uma época de conflitos, de traições, de constantes mudanças de ideologia/fé, o que nos leva indubitavelmente a pensar se de facto a religião era algo tão enraizado e tão profundamente orientador de condutas durante a época medieval como é comum pensar-se. Na verdade, numa época de procura de identidade religiosa, o autor mostra-nos todas as facções que existiam: muçulmanos chiitas, sunitas, fatimitas; cristãos ortodoxos; cristãos arménios... Com este panorama, não devemos de todo 3 Pg. 153 do livro comentado. Cadeira: História do Islam Medieval e Bizâncio Docente: Dr. José António Cernadas Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319 (Erasmus) Santiago de Compostela Junho de 06 5 “As Cruzadas vistas pelos Árabes”, Recensão Crítica por Ana Rita Faleiro estranhar todas as alianças puramente políticas que surgem entre estes diversos grupos. No entanto, temos que referir algo importante. Maalouf não se limita a fazer uma descrição das cruzadas e das suas consequências ou antecedentes. Ou seja, apesar da sua obra se intitular “As Cruzadas vistas pelos árabes”, o que o autor faz é na verdade uma análise da sociedade islâmica – que sofreu com este movimento iniciado pelos ocidentais. É uma análise política, social, religiosa... no fundo, tal como já foi anteriormente dito, uma análise a todos os níveis. Uma das muitas partes em que esta característica melhor se vê é na “epopeia” de Nur-al-Din (considerado como um rei e um homem santo) e Saladino (o seu sucessor). Nur-al-Din foi de facto um homem importante não apenas para a questão religiosa mas também para a questão social (ainda que esta esteja indelevelmente ligada, na sociedade islâmica, à religião). Para comprovar isto, basta-nos pensar por exemplo nos meios que usa para defender a sua fé (Islão sunita): tratados, poemas, cartas, livros e ainda sessões públicas de leitura disto em mesquitas e escolas. A meu ver, é bastante importante que o autor tenha referido este facto, pois mostra a preocupação pela instrução da sua população. No fundo, apesar de o fazer com um carácter propagandístico, isto não pode deixar de nos mostrar a preocupação pela instrução e educação das pessoas, para que compreendessem melhor o que se passava e assim melhor se pudessem defender. Também sobre Saladino o autor não se limita a fazer uma cronologia das suas acções; na verdade, introduz aspectos biográficos, de índole quase íntima de Saladino, a quem apresenta como um homem sem dúvida bafejado pela Sorte e que levou a que por isso fosse considerado e apontado pelos contemporâneos como “arrogante”. Cadeira: História do Islam Medieval e Bizâncio Docente: Dr. José António Cernadas Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319 (Erasmus) Santiago de Compostela Junho de 06 6 “As Cruzadas vistas pelos Árabes”, Recensão Crítica por Ana Rita Faleiro Toda a obra está repleta de provas das diferenças culturais entre muçulmanos e cristãos; uma das melhores provas está no facto do respeito pela religião alheia. Saindo um pouco do âmbito livro comentado, sabe-se que os muçulmanos, quando conquistavam uma cidade, por norma respeitavam o local sagrado, e muitas das vezes, mediante o pagamento de um imposto, deixavam os cristãos realizarem os seus cultos, pois também eram um dos Povos do Livro. Mas... será que os cristãos fizeram o mesmo? Basta lermos as crónicas de Usama para percebermos que não: em tempo de domínio frany de Damasco, se bem que os Templários já estivessem acostumados aos métodos “estranhos” que os muçulmanos usavam para rezar (como se sabe, voltados para Meca), bastava chegar um forasteiro, cristão, frany, que não deixava prosseguir o culto, interrompendo, criticando, tendo intenções de ensinar! Muito mais haveria para dizer sobre esta obra, pois toda ela está ceia de pormenores curiosos e interessantes. No fundo, o que o autor quer mostrar ao longo destas páginas, divididas em 6 partes e epilogo, é o “azar”, por assim dizer, da sociedade muçulmana. Não deixa de ser irónico notar o seguinte: nos seus fundamentos, o Islão prega o Deus único. O Cristianismo também. Então, o que fica por esclarecer é a razão do ataque de duas religiões que pregam e defendem o mesmo, ainda que com nomes diferentes. Para além disso, o livro é perfeito para “pôr a mão” numa das imensas feridas da Igreja Católica, as Cruzadas, que ao longo de toda a obra se podem considerar como guerras políticas, económicas, sociais, guerras de intolerância e de intransigência, guerras de tudo menos de religião. São no fundo, um “exercício de Bestialidade Aplicada”, designação que podemos encontrar se pesquisarmos na Internet, e que resultam em fracassos militares. Cadeira: História do Islam Medieval e Bizâncio Docente: Dr. José António Cernadas Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319 (Erasmus) Santiago de Compostela Junho de 06 7 “As Cruzadas vistas pelos Árabes”, Recensão Crítica por Ana Rita Faleiro São uma época de traições, de deserções, de lutas políticas mascaradas de luta religiosa em que convivem actores muçulmanos, actores cristãos, actores bizantinos, chefes de tribos, Papas. Os cruzados mataram, passaram muçulmanos a fio de espada, despojaram-nos de terras, bens e famílias quando finalmente conquistam a Terra Santa (assim chamada porque é precisamente lugar de culto dos três Povos do Livro). E o mais irónico de tudo vem ser que, depois de actos “religiosos” como os que se acabaram de descrever, entoam um Te Deum, agradecendo pela vitória conquistada. Creio não podermos dizer que todos os cruzados estavam corrompidos ao ponto de apenas verem nas Cruzadas um movimento político, económico e social (se não, como se justificaria a cruzada de Pedro, o Eremita?); no entanto, os chefes militares, os que comandam, Maalouf, com um ritmo ameno e dinâmico, mostra-nos bem o que entendiam por esse movimento. O livro termina quando, após o final da oitava cruzada, quando os muçulmanos poderiam finalmente descansar sobre a sua própria terra, um novo perigo aparece: os mongóis, que vão representar a continuação da degradação da vida e da sociedade muçulmanas. É um relato, em conclusão, da inutilidade da guerra, pois não sofrem apenas os que caem. Sofrem os que ficam e que perdem a sua cultura, a sua gente, vêem-se condenados pelo que acreditam. Depois de ler este livro, será de facto de estranhar a tensão OrienteOcidente?... Fica a reflexão. Bibliografia Cadeira: História do Islam Medieval e Bizâncio Docente: Dr. José António Cernadas Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319 (Erasmus) Santiago de Compostela Junho de 06 8 “As Cruzadas vistas pelos Árabes”, Recensão Crítica por Ana Rita Faleiro  Maalouf, A., “Las Cruzadas vistas por los árabes”, Alianza Editorial, 2005  http://www.lapaginadefinitiva.com/historia/biblioteca/maalouf .htm  http://cuantoyporquetanto.com/htm/libros/libros_lascruzadasv istasporlosarabes.htm  http://www.criticanarede.com/lds_cruzadas.html Cadeira: História do Islam Medieval e Bizâncio Docente: Dr. José António Cernadas Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319 (Erasmus) Santiago de Compostela Junho de 06 9
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