Raul de Leoni Ramos

March 26, 2018 | Author: Maria Goretti Lopes De Castro de Paula | Category: Poetry, Love, Happiness & Self-Help, Romanticism, Purgatory


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Raul de Leoni Ramos(Petrópolis RJ, 1895 - Itaipava RJ, 1926) Formou-se Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro em 1916. Já atuava, desde 1914, como colaborador das revistas Fon-Fon! e Para Todos, e do Jornal do Brasil, Jornal do Comércio, O Jornal e O Dia. Amante dos esportes, venceu provas de Natação e Remo pelo Clube Icaraí. Foi membro do corpo diplomático brasileiro e serviu em Montevidéu (Uruguai), em 1918. Seu primeiro livro de poesia, Ode a um Poeta Morto, foi publicado em 1919. Em 1922 foi lançado Luz Mediterrânea, que teve nova edição em 1928. Uma antologia de seus poemas, Trechos Escolhidos, foi publicada em 1961. Raul de Leoni é considerado por alguns críticos poeta neoparnasiano, e por outros simbolista. Em sua obra, situada em momento de mudanças no panorama estético brasileiro e mundial, há elementos que podem ser relacionados ao parnasianismo, como o gosto pela descrição nítida, em versos luminosos e plenos de paisagens gregas, florentinas, pagãs. Seus últimos poemas, entretanto, em que se destacam as abstrações filosóficas, apresentam modulação simbolista. NASCIMENTO/MORTE 1895 - Petrópolis RJ - 30 de outubro 1926 - Itaipava RJ - 21 de novembro LOCAIS DE VIDA/VIAGENS 1903/1923 - Rio de Janeiro RJ 1913/1914 - Inglaterra, França, Itália, Espanha e Portugal - Viagem 1918 - Montevidéu (Uruguai) 1923/1926 - Correias e Itaipava RJ - Tratamento de saúde (tuberculose) VIDA FAMILIAR Filiação: Carolino de Leoni Ramos, ministro do Supremo Tribunal, e Augusta Vilaboim Ramos 1921 - Petrópolis RJ - Casamento com Ruth Soares Gouvêa FORMAÇÃO Convivência com Di Cavalcanti, Ribeiro Couto, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda 1903 - Rio de Janeiro RJ - Primário e secundário no Colégio Abílio 1910c. - Petrópolis RJ - Interno no Colégio São Vicente 1912/1916 - Rio de Janeiro RJ - Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro ATIVIDADES LITERÁRIAS/CULTURAIS 1914/1922 - Rio de Janeiro RJ - Colaborador das revistas Fon-Fon! e Para Todos, do Jornal do Brasil, Jornal do Comércio, O Jornal e O Dia ATIVIDADES SOCIOPOLÍTICAS 1916 - Niterói RJ - Deputado na Assembléia Fluminense 1918 - Montevidéu (Uruguai) - Membro do corpo diplomático brasileiro durante três meses OUTRAS ATIVIDADES 1915c. - Rio de Janeiro RJ - Atleta, vencedor de provas de Natação e Remo pelo Clube Icaraí 1923c. - Rio de Janeiro RJ - Inspetor de uma companhia de seguros HOMENAGENS PÓSTUMAS 1944 - São Paulo SP - Nome de rua na Vila Monumento 1979 - São Paulo SP - Nome de Escola Municipal de Primeiro Grau na Pedra Branca (Horto Florestal) MOVIMENTOS LITERÁRIOS 1893/1922 - Simbolismo LEITURAS CRÍTICAS "Se havia entre nós um poeta de espírito clássico, certo seria este, pelas proposições claras e concisas, pelas imagens puras e nítidas, pelo equilíbrio formal dos seus poemas, tanto quanto pela rara capacidade para a expressão de idéias abstratas. E era admirável o rigor lógico com que nos seus versos se desenvolvia o pensamento, animado pelo jogo preciso das imagens. Paul Valéry notou nos escritores românticos uma depressão nas qualidades abstratas do estilo e uma espécie de renúncia estranha aos meios e potencialidades que a arte literária pode tirar da operação do pensamento. Em Raul de Leoni não se observa aquela depressão nem aquela renúncia. Ao contrário: nunca sacrificou à beleza, ao pitoresco ou à raridade da expressão a geometria precisa das idéias. (...) Para Raul de Leoni, entretanto, as idéias representam seres vivos. Das aventuras de cada uma delas, é que extrai a poesia, como os épicos a extraíam dos episódios da carreira dos heróis. Ele foi entre nós, e o foi com singular grandeza, o único poeta de emoção puramente filosófica." Andrade, Rodrigo Melo Franco de, pref. [1928]. In: Leoni, Raul de. Luz mediterânea. 10.ed. p.10, p.12. Sérgio. o prazer sutil do pensamento.345-362. Temperamento irônico. 1947. a serenidade das belas coisas.6. onde tudo é exato e perfeito: ritmos." Di Cavalcanti [1964]. da idéia que do sentimento. p.186189. com a sedução de seus crimes e mistérios. Fernando. Antonio Candido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Introd.diz num belíssimo verso . (. 10.Muito representa na paisagem carioca a enseada de Botafogo. em que não encontravam ressonância os fatos passados à sua volta.ed. Aguilar. GÓES." Góes. 2. São Paulo: Livr. A vida de todo dia não lhe marcou os poemas. Diário crítico. Reminiscências líricas de um perfeito carioca. cidade de ironia e de beleza. Agenda de certas ruas cariocas. v.1263-1265. p. Olympio.69-73. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Por isso mesmo é que não há exageros ou entusiasmos em seus poemas.2. v. LEONI. E a serena elegância das idéias. Manuel. v."Foi Raul de Leoni um espírito claro e ático que amava a vida.) Raul de Leoni caminhava comigo do Flamengo a Botafogo. p. amava a perfeição. sentávamos num banco da Praia onde ele recitava-me seus sonetos feitos de sol e amor.viciosa e virtuosa. Reminiscências líricas de um perfeito carioca. Pela singularidade de seu corte delicia os olhos dos pintores. A Grécia da decadência.ed. Fernando [1960]. já que o comparava a uma velha cidade grega embebida das civilizações mediterrâneas."na dobra azul de um golfo pensativo". situada . a música dos ritmos brilhantes. "Botafogo Praia . In: ___. Agripino. e Florença .5. FONTES DE PESQUISA BANDEIRA. 1960. Pref.163-172. Ornamenta as gravuras de Debret. Agenda de certas ruas cariocas. p. 1). Raul de Leoni Ramos. Rio de Janeiro: J.5. v. 2... observou Ribeiro Couto. 1964. 1981. capaz de surpreender o lado sutil de todas as coisas. o sol. Rodrigo Melo Franco de Andrade. Poesia e prosa. rimas. com o seu paganismo. In: ___. Raul de. as palavras cantantes. DI CAVALCANTI. notando que sua poesia foi toda criada "num mundo especial de abstrações filosóficas ou de coisas evocadas". Raul de Leoni. In: ___. Panorama da poesia brasileira: o pré-modernismo. rev. GRIECO.. 1958. In: ___. (Obras completas de Agripino Grieco. In: ___. p.345. Martins. eram os lugares para onde se voltava seu pensamento. In: ___. MILLIET. Panorama da poesia brasileira: o pré-modernismo.89. São Paulo: Martins: Edusp. Seus versos vivem mais da inteligência que da emoção. p. Luz mediterrânea. Il. Luz mediterrânea. pois acima de tudo sentia esse poeta .. 1959. Raul de Leoni Ramos. Vivos e mortos. Rio de Janeiro: J. o desenvolvimento da idéia.89. do autor.ed. . p. p. 1973. Poemas Artista Ciganos Cristianismo De um Fantasma Decadência Ironia! Para a Vertigem! Pórtico Pudor Unidade VER TAMBÉM ____________ Movimento Literário Simbolismo Copyright © Instituto Itaú Cultural Canção de todos Duas almas deves ter. 1961 . Poesia filosófica: Raul de Leoni.. para os circunstantes. 1977. v. no fundo do Ser.Trechos Escol. Carlos Felipe. Poesia e realidade: ensaios acerca de poesia brasileira e portuguesa.. Andrade. Solta nas palavras nuas Que inutilmente proferes. boiando nos lábios! Uma.. p. In: ___. Uma.Luz Mediterrâ. OBRAS __________ Livros de poesia 1919 . Raul de Leoni. São Paulo: Cultrix: Secretaria da Cultura..2. MURICY. Outra.117-122. 1928 . É um conselho dos mais sábios. Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo..1122-1128.. p. Brasília: INL. 1922 . Entre sorrisos e acenos: ..MOISÉS.Ode a um Poet. In: ___.Luz Mediterrâ.. Panorama do movimento simbolista brasileiro... Que não é má nem é boa. Que a gente mostra aos passantes. Dentro da concha tranqüila. Alma que é talvez um crime. vai e vem. Alma anônima e usual. pérola rara. Que vale só porque soa. Fugitiva como as águas. Través intrincadas teias. Ingrata como as areias. Que vem e vai. Nas estradas erradias. Que compra os homens e a glória E a vaidade que reboa Alma que se enche e transborda. Larga nas mãos das mulheres. eterna e tão cara Que poucos podem possuí-la. Mas que é uma grande defesa. Que não tem porquê nem quando. Que não pensa e não recorda. Alma que passa entre apodos Ou entre abraços. Sem prazeres e sem mágoas. Que tu emprestas a todos. não sente.. não crê. pelos dias. Salamandra furta-cor. Longe do Bem e do Mal. Que é uma caixa de surpresas Nas mãos dos homens prudentes. sutil. simplesmente. Que muda ao menor rumor Das folhas pelas devesas. Mas. Profunda. Mas vai vivendo e passando No turbilhão da torrente. Alma que nunca se exprime. Não ama. Pelas horas. Mas não pertence a ninguém. Moeda falsa da Vida. ilusória..A alma volúvel da ruas. Agita nos torvelinhos. diluída. Ágil. sorrindo. Distribui pelos caminhos E gasta sem mais nem menos. A outra alma. É alma que nas entranhas Da tua vida murmura . Que é a semente divina Da tua têmpera humana. O ouro da tua Vida. aflorando num gesto. De herói.Quando paras e repousas. Nas íntimas confidências De verdade e de beleza: Milagre da natureza Transcorrendo em reticências Num sonho límpido e honesto. de mártir e de homem. Com o mesmo olhar generoso. em fundos esteiros. Num pudor silencioso.. Entre perdões e doçuras. Que é voz do mundo em surdina.. A legenda e o pedestal Que se aprofunda e se agita Da aspiração infinita No teu ser universal. Com que contempla as estrelas E assiste o sonho das flores. De idealidade suprema. Fonte do Sonho. Ora. subindo num poema. Que não te trai nem te engana. Alma que é apenas tua. Guardando. Que nunca se desvirtua. jazida Que se esconde aos garimpeiros. Alma que só se descobre Para uma lágrima nobre. Alma de santo e pastor. A redenção interior Das forças que te consomem. Para um heroísmo afetivo. Ora. A que assiste das Montanhas As livres desenvolturas Do panorama das cousas Para melhor conhecê-las E jamais comprometê-las. . Sempre o achas. meu bômbix inocente: Fia na primavera. Sob o silêncio fecundo Das horas graves e calmas. Publicado no livro Luz Mediterrânea (1922).Alma profunda e sombria..org.cfm? fuseaction=Detalhe&CD_Verbete=629#Topo Prosa & Verso. que fica no tempo.ed.04. 1959 Veja este site lá vc encontra as poesias dele http://www. Artista Por um destino acima do teu Ser. que nem usas Mas que faz tanto bem a tanta gente. Que aprendeu nas outras almas Duas almas tão diversas Como o poente das auroras: Uma. Que ao fechar-se cada dia. Te ensina a filosofia Que descobriu pelo mundo. Poema integrante da série Felicidade. 14.itaucultural. Tens que buscar nas coisas inconscientes Um sentido harmonioso. São Paulo: Liv.. que passa nas horas. Raul de. Outra. e o levas. tornaram-se . entre as amoras. (Ingratidão das musas!) Mas não faz mal.2001 Pólos da poesia Castro Alves foi uma força retórica da natureza. Martins.. In: LEONI. nem no sentes Na tua vida.. Ao sonho de outras almas diferentes. Autor de muitos dos mais belos versos da língua (alguns deles incorporados para sempre à memória coletiva) e de fulgurantes fragmentos de poesia no interior dos poemas. Rodrigo Mello Franco de Andrade. Vives humilde e inda ao morrer ignoras O Ideal que achaste. Pref. 10. sem saber. impossível de disciplinar e conter nos moldes rigorosos das artes poéticas.br/aplicexternas/enciclopedia/poesia/index. o alto prazer Que se esconde entre as formas aparentes. Luz mediterrânea.. mas ao tê-lo em teu poder Nem no pões na tua alma. A tua seda de ouro.. considere a inserção histórica "bem menos problemática". o trabalho artístico como expressão do equilíbrio espiritual. São Paulo: Martins Fontes. e o realismo de outro. Luiz Dantas e Pablo Simpson põem a ênfase. além do vocabulário fantasista ("equadores". assim como Castro Alves permanece na dele. do sentimento clássico de beleza. na inspiração social.. as rimas imperfeitas. talvez apenas coincidente. viva percepção da poesia como arte. (. "nascido exatamente no ponto ideal de encadeamento das gerações Decadentista e Modernista e estreante na fase de ascensão da segunda (. pela indignação cívica. na verdade reagiram como sismógrafos despercebidos de momentos literários peculiares. eletricidade positiva que repele. capaz de incorporar os temas políticos mais imediatos. por oposição aos excessos ou ao furor dionisíaco. vendo na década de 1870 o momento em que se iniciou uma nova idade em nossa vida intelectual. escreveu Leyla Perrone-Moisés quando se comemorou o centenário de seu nascimento: "Leoni pertence àquele período indistinto e eclético das primeiras décadas do século XX.. no outro pólo. em grande poesia. recendendo a tinta de imprensa. a emoção contida. de forma que dois poetas tão diversos e até opostos em inspiração e temperamento. com suas antíteses arrebatadoras e o pensamento travestido. tudo em larga medida compensado (ou perdoado. Assim. Org. o "dado geracional" resolveria o problema. que em poesia tanto pode ser chamado de neoparnasiano. sem excluir o contingente intrínseco de artesanato e da tradição literária.) ele tanto poderia ser um dos definidores/ ulteriores da Decadista quanto um dos precursores/ introdutores da Modernista". "infinitos"). por paradoxo. A luz mediterrânea.. em contraste com as reverberações do sol tropical no novo mundo. enquanto Raul de Leoni viveu na fronteira do Parnaso que se extinguia em face do modernismo que se anunciava. O livro deste último "já nasceu antigo".. mas não ignoram o momento de transição em que viveu o poeta: "A poesia social de Victor Hugo já havia feito uma temporada por aqui.. como de prémodernista. conforme se olhe para o passado ou para o futuro" ("Inútil poesia e outros ensaios breves". e notas Pedro Lyra. por isso mesmo. mas na dos próprios poetas.). a freqüente pobreza intelectual. por assim dizer. um dos pólos de nossa sensibilidade. como costumavam morrer os poetas românticos: Castro Alves com 24.proverbiais os seus desleixos de metrificação (como a síncope silábica nas palavras que excediam a medida (séc’lo. estamos todos de acordo. Temos de concordar com Sílvio Romero. provavelmente sem tanto relevo antes. Acrescente-se o pormenor perturbador. pelo empenho profundo nos ideais de justiça social ("Espumas flutuantes & Os escravos". embora. ao seu cabedal poético. por exemplo. das duas inspirações.) Mas o espírito romântico é que mudava e era. às vezes. de terem morrido jovens e tuberculosos. É o pólo em que se situa.. luz de velhas civilizações clássicas. agora redescoberto e revalorizado ("Luz mediterrânea e outros poemas". quando é nele. neo-simbolista.. apesar de tudo. De qualquer maneira. c’roa.. estabelece as diferenças. como é óbvio. É conjuntura idêntica à que ocorreu na segunda década do século XX. que o problema consiste. no sentido forte da palavra. São Paulo: Companhia das Letras. Ambos destinados. a meditação sobre o destino em face dos arroubos e dos discursos em praça pública. Int. e fixação de texto Luiz Dantas/Pablo Simpson. Enquadramento com que concorda Pedro Lyra. ao mesmo tempo. Organizando a nova edição de "Espumas flutuantes & Os escravos". Esse é. 2000). as soluções de facilidade. Raul de Leoni. de um lado. com inevitáveis ou instintivas repercussões renovadoras na criação literária. org. etc. mas em parâmetros inconfundíveis: . 2000). 2000). Int. porque o poeta continua na sua fronteira. Esta é a poesia apolínea. vinha repercutir não só na voz do orador de tribuna. à glorificação póstuma. e Raul de Leoni com 31 anos. Um acontecimento como a Guerra do Paraguai.) pelo vigor tribunício. precisamente. em duas divergentes visões do mundo: Castro Alves na terra de ninguém que separava o romantismo. o legendário Raul de Leoni. por assim dizer físicas. segundo pensa. mas existe entre elas a curiosa simetria que situa os poetas nas fronteiras de duas idades literárias ou mentais. Rio: Topbooks. que passaram de súbito ao seu lado". hoje em dia.com.) mas é a única que se aplica perfeitamente neste caso. metodicamente indignado.. Se fosse. A imagem pode ser forte. Mas isso nunca foi verso-livre. Raul de Leoni como objeto de culto na pequena capela secreta de poucos admiradores.agulha. pois. Raimundo Correia. (achei este artigo em : http://www. na sua terceira obra – Ritmo dissoluto). qualquer brotinho desiludido do namorado.. discute de maneira precisa inúmeros conceitos de poesia e. como bem lembra José Guilherme Merquior. Alberto de Oliveira se estilhaça marmoreamente em mil pedaços. ao discutir os conceitos de poesia e verso. a proliferação de poetas. em Muriaé-MG (lugosil@terra. Resultado: hoje qualquer subescriturário de autarquia em crise de dor de cotovelo. ao fim do substancioso trabalho. sem vozes que de longe o orientem. colocam-se em campo inteiramente oposto. É como o sujeito que solto no recesso da floresta deva achar o seu caminho e sem bússola. é professor de Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia. qualquer pessoa poderia pôr em verso até o último relatório do Ministério da Fazenda.br) O experiente e sempre inimitável Manuel Bandeira.. ofendida. lança-lhes terrível olhar repleto do mal secreto da indignação. qualquer balzaquiana desajustada no seu ambiente familiar se julgam habilitados a concorrer com Joaquim Cardozo ou Cecília Meireles. A observação feita por Bandeira subsiste. e bons! Contudo.. subliminarmente. foge em direção ao Parnaso. com toda a sua força e toda a sua extensão. a praticar indiscriminadamente a fatura de sonetos! Proh pudor! Bilac se estorce de dor em seus restos. Ciências e Letras Santa Marcelina. Luz . chega a ser assustadora..revista. apenso ao Itinerário de Pasárgada. E com um detalhe: quanto mais ruins. obedecendo tão somente às pausas do pensamento. sem os grãozinhos de feijão da história de João e Maria.. O modernismo teve isso de catastrófico: trazendo para a língua o verso-livre. E talvez seja pelo fato exatamente de a poesia se encontrar falta de valores mais consistentes e. uma geração incômoda de subprodutos poéticos de qualidade discutível e de valor medíocre. sem dúvida. que a Topbooks lançou.. Rio de Janeiro [1957]. Há-os. quase kitsch (esse agradável-que-não-reclama-raciocínio. deu a todo mundo a ilusão de que uma série de linhas desiguais é um poema. em 1924. é necessário um esforço enorme do artista: [.nom.br/wilsonmartins080. eternos. qual uma centaura assustada.] De fato.] Basta dizer que no verso-livre o poeta tem criar o seu ritmo sem auxílio de fora. como tais. para se atingir o chamado verso livre (que ele esculpiu de maneira genial a partir do poema Gesso. Sem dúvida não custa nada escrever um trecho de prosa e depois distribuí-lo em linhas irregulares. vem grassando. ao lado desses legítimos valores que vêm despontando aqui e ali no campo da poesia. mais herméticos os seus representantes. em boa hora. em ensaio do mesmo nome. Um detalhe a mais releva comentar: quando esses pseudopoetas não praticam a insensatez de chamar de poemas com versos-livres o ajuntamento caótico de palavras.. de a poesia se encontrar à mercê de qualquer um que pensa estar atingindo plenamente a nossa sensibilidade com seus joguinhos inconseqüentes de palavras.Castro Alves na praça pública e nas consagrações ruidosas. resultante de conferência pronunciada na Casa do Estudante do Brasil e publicado em De poetas e de poesia. e Francisca Júlia. pondera que o fazer poético não é uma brincadeira ingênua nem um mero jogo de palavras e que. Livraria São José. em Formalismo e tradição moderna. [. Essa enganosa facilidade é causa da superpopulação de poetas que infestam agora as nossas letras.html ) LITERATURA Luz Mediterrânea: o reflexo furta-cor da poesia Luiz Gonzaga da Silva Mestre em Letras pelo CES/JF. Estes princípios se aplicam como uma luva à poesia de Leoni que chega até à nossa sensibilidade exatamente através de Luz mediterrânea. emoldura de maneira elegante e direta o conteúdo mediterrâneo da luz poética que perpassa pelos poemas leonianos. Um Drummond. nesta 15. espalhado em revistas e jornais. são arremedos inconseqüentes de tentativas poéticas. Mirrada ao hálito nocivo Dos infiéis!. A Topbooks. o apego e o respeito demonstrados pelos maiores da poesia brasileira ao verso metrificado. a que esteve sempre exposta. andou meio esquecido.ª edição. Há livros que lemos e de que nos deslembramos minutos após. meio perdidos no caos estressante de produções medíocres. disseca a relação (instinto x idéia) estruturante da argumentação. Estranha configuração esta. de que sempre foi vítima. A poesia. um João Cabral. ponto de vista também sustentado por Manuel Bandeira. . Outras há. surge exatamente como um farol para reiluminar e talvez reorientar os caminhos da poesia.. falecido em Itaipava. de que nunca nos esquecemos. absolutamente incólume e espantosamente atual.. às rimas perfeitas. em nossos dias. quando o experimentado professor universitário se dispôs a organizar esta edição da obra do poeta petropolitano. Leoni. aludindo àquele mundo do subconsciente que todos trazemos dentro de nós e a leitura da obra de Leoni parece confirmar plenamente esta afirmação.ª edição. que também se incumbiu da revisão técnica. Note-se que nunca esmoreceu. Pedro Lyra. atenta para isso e reedita a produção leoniana para “uma visão crítica mais aprofundada de sua obra. O que se vê. contudo. Basta-nos lembrar que Luz mediterrânea foi lançada em 1922 e chega a esta 15. reencontrem os atalhos que os conduzirão ao lavor artístico e às produções de densidade poética comprovada. um Vinicius de Moraes estão aí para confirmar. Luz mediterrânea. após a qual o leitor já não é mais o mesmo que a iniciou. Schiller dizia que “a poesia é uma força que atua além e acima da consciência”. na orelha de apresentação do livro.” O organizador. que promovem uma intensa e marcante experiência de vida. um Bandeira. que acrescenta: “a poesia seria então a ponte entre o subconsciente do poeta e o subconsciente do leitor”. parece que vem passando por um de seus inúmeros momentos de crise. a iluminar suavemente um detalhe arquitetônico-escultural clássico. A capa de Victor Bourbon.mediterrânea e outros poemas. apesar de constantemente reeditado.. Há obras que se lêem e marca alguma deixam em nosso espírito. de Raul de Leoni. com apenas 31 anos. após o movimento modernista. em tom ocre. que cultivo. Sem ouropéis. escapando. a nos lembrar o sempre admirado Bilac em sua invectiva no Profissão de fé: Ver esta língua. estrutura seu trabalho de maneira bastante coerente e objetiva: começa por situar o poeta em sua geração. RJ. revigorada desses ataques estéticos. discreto. ao cultivo do soneto. Luz mediterrânea está nesse último caso. contudo. Perguntar-se-ia: qual o recurso de que se valeu Raul de Leoni para estruturá-la dessa maneira? Por que Luz mediterrânea não foi massacrada pela turma dos vanguardistas paulistas de 22? Até que ponto a obra em estudo mantém este lastro de atualidade e de modernidade desde o seu lançamento há 79 anos? Indagações como estas podem ter orientado Pedro Lyra. em primorosa edição organizada por Pedro Lyra. Schiller se referia à poesia. nos últimos anos.. O que resulta disso tudo é uma agradável leitura. considerando-a uma força que atua além e acima da consciência. entre outros detalhes. em novembro de 1926. a fim de que os verdadeiros poetas. a partir de uma rigorosa revisão textual. todas elas fracas e falsas. verifica-lhe a atitude em face do Modernismo nascente. analisa-lhe os dados formadores do pensamento. no mínimo. em Triestre. Aliás. Leoni foi um esteta. uma longa nota sobre as edições já lançadas da obra e o texto.) No mais suave crepúsculo das cousas. Estamos a viver cada vez mais inquietantemente o peso da indiferença às coisas do Belo e da Harmonia em favor da decomposição dos valores estéticos que sempre informaram as mais lídimas manifestações do equilíbrio artístico. virtuosística. por assim dizer. (. o literário. em pleno século XXI. claramente compostas e organizadas num mosaico poético em que as cores não se confundem nem se agridem: simplesmente se estruturam harmonicamente. este pensamento é explícito. antes um exercício do espírito. de sua própria lavra. É uma cidade grega decadente. Costuma-se dizer que a poesia de Leoni é de angústia metafísica e demanda um enorme esforço de compreensão da mensagem que carrega. poema que abre a coletânea: Revendo-se num século submerso. como se fosse um sinal de alerta à nossa falta de sensibilidade no campo da arte: ALMAS FRIAS Almas desoladoramente frias de uma aridez tristíssima de areia. A propósito disso. cabe transcrever um de seus mais contundentes sonetos a respeito dessa indiferença. como uma expressão fluente.. uma insensatez. cuidada e eivada. então. Leoni proporciona reflexões e meditações de apurada importância aos que buscam respostas mais ou menos imediatas para os grandes problemas que nos assaltaram no final do século XX e permanecem. a harmonia da palavra. na Itália. antes de mais nada. e antecede.. Na verdade. Nada mais falso. o acoplamento dessa tendência filosófica de base metafísica com a forma perfeita em que se engasta.. Raul de Leoni não se considera ultrapassado. . Não é latente o pensamento filosófico que expõe ao longo de seus versos. num apêndice. Amou o ritmo. ainda. Achegado às ideologias claras e espontâneas que lhe vêm da Renascença que cultua e ama. a plasticidade do poema. estudos e considerações críticas de Rodrigo Melo Franco de Andrade. aqui e ali. É.A um prefácio recheado de argumentos precisos e de considerações estéticas de altíssimo nível. semeia. nelas não vingam essas suaves poesias que a alma das cousas.. Assis Brasil. nota-se o conteúdo do eterno a ressumar de seus versos. cálida. a que se segue uma bibliografia tanto quanto possível atualizada de e sobre o autor. O exame atento e perceptivo dos poemas que enfeixam o conjunto poético de Luz mediterrânea proporcionará ao leitor um dos mais gratificantes exercícios de cultura e de refinamento intelectual. uma cronologia da vida e da obra de Leoni bem como. O certo é que furtar-se à (re)leitura dos poemas de Luz mediterrânea. Meu pensamento.. um esgrimir de idéias. aguçando o processo de autoconhecimento e de mergulho nos grandes temas arquetípicos do humano. numa época de conhecimentos globalizados e de visão fragmentária de um mundo em convulsão é. Lyra acrescenta uma elegia composta por Ribeiro Couto. intitulado “Um instintivismo hedonista”. havendo. O contacto com o mundo poético da obra traz a qualquer um o necessário momento de reflexão a que nos temos de submeter nesses nossos dias tão confusos. ao passar. nunca se entrega ao extravazamento vazio dos românticos derramados. como confessa em Pórtico. evidente. Franklin de Oliveira e Fernando Py. sempre muito humano. de uma adjetivação de reconhecido valor estético.. instigantes neste início do século XXI. histrião..Desesperadamente estéries e sombrias. Odeias-me.br/poiesis/97/raul_leoni. compreendem o quanto custa enfrentar a nossa própria verdade. (este artigo está em: http://www.. por dentro estalas. Nada mais apropriado que a leitura de Luz mediterrânea para tanto. como filósofo. o meu cavalo. não: De todos os excessos se receia. Raul de Leoni proporciona. Bem antes que te exponha o meu desejo Já pronto estás correndo a executá-lo. eterna. Atento tu me escutas quando falo.netterra. em rancor.com.. O certo é que.. maio de 2001. onde passam (triste aura as rodeia!) deixam uma atmosfera amarga.. se eu quisesse. enfrentar o descer às nossas próprias profundezas. SONETO 534 MANCOMUNADO . mesmo fazendo o bem. essas almas que nunca deram flor. como homem. essas sombras que nunca amaram nada. sua própria virtude mete medo. mas. Mais do que nunca. Não lhe foi gratuito nem fácil descer às profundezas dos inúmeros problemas existenciais com que nos defrontamos em nosso difícil aprendizado da vida. cheia de desencantos e melancolias. sentem.htm ) algumas poesias: DESCONFIANDO Tu pensas como eu penso. Beijas-me as mãos por não poder cortá-las. Só os que se arriscaram a isso sabem.. oportunidade imperdível para os que gostam de poesia curtir com todas as letras o mais suave de todos os mergulhos nas águas límpidas e cristalinas da Arte.. Achas em tudo um venturoso ensejo De servir-me de servo e de vassalo.. vês se eu vejo. O exercício poético de Leoni tem um endereço certo: a nossa percepção sensível frente à poesia. E ele o fez. Na conjugação do humano e do divino e na sutil elegância de sua dicção poética... Muriaé. Serias. é urgente o retorno aos modelos canônicos da Arte poética.. que eu sei.. com Luz mediterrânea. enfrentar a clarividência da nossa relatividade humana. sua mão é pesada. Mas não penses que estólido eu te creia Como um Patroclo abnegado. portanto. Nessa árida rudeza de rochedo. Perdoa-me a verdade num gracejo. Como são tristes essas vidas sem amor. como poeta. Virtuose — restaurando os velhos mapas Do gênio antigo. Encarnada num príncipe humanista. tuas botas que mais ralas! Por dentro. de bruços. ADOLESCÊNCIA Eu era uma alma fácil e macia. então. Intrigando a política dos papas. te fazes de mandão. Harmoniosa e sutil. flor amável do Helenismo. Com a perfídia elegante de um sofista. Vejo-a. sensual e egoísta. me revolto quando as lambo. mas brinco que te amasse a ponto de inalar o odor que exalas. cavalo. Sinto-a. entre exegeta e artista. Formada na moral da Renascença. Odeio-te. meu Rambo. E ao mesmo tempo. Claro e sereno espelho matinal Que a paisagem das cousas refletia.. meu Átila! Porém sem compromisso! Glauco Mattoso Eis o panorama da obra sonetística de Leoni: MAQUIAVÉLICO Há horas em que minha alma sente e pensa. Com a lucidez cantante do cristal. por fora me sorris.Te beijo as mãos por não poder cortá-las e os pés por não poder pisar-te a face. serei teu cavalariço. . de molambo. Bem sei que habitarei tuas senzalas porque não tens quem mais se dedicasse a teu prazer: ninguém que assim abrace. me crês submisso. Num tempo nobre que não mais se avista. assim.. por diletantismo. até! Serás meu Thor. Sob o Lírio Vermelho de Florença. Se queres. Filha do idealismo epicurista. nessa histórica presença. eu. Eu sou meu próprio Proteu. cínico e confuso.Tendo os instintos por filosofia. Faço jogos sutis de idéias no ar Entre saltos brilhantes e mortais.. difuso.. De instante a instante. Sinto. Comigo mesmo. num pesar profundo... Com a mesma petulância singular Dos grandes acrobatas audaciosos E dos malabaristas de punhais. A alma a mudar. Teço lógicas trêfegas e abuso Do equilíbrio na Dúvida flutuante. Ágil. Entretinham-me as ricas tessituras Das lendas de ouro. Esta que o Acaso me deu... .. Entre as cousas humanas me conduzo Como um destro ginasta diletante.. Bailarino dos círculos viciosos. Tem tantas almas consigo Que eu nem sei bem quem sou eu. assim. E eu passava entre as cousas e as criaturas. lascivo. Todas as almas do Mundo.. Jamais na Vida consigo Ter de mim o que é só meu. a me olhar. Era um ser mansamente natural. cheias de horizontes E de imaginações maravilhosas.. a mudar. plástico. CONFUSÃO Alma estranha esta que abrigo. Minha vida é um sofisma espiralante. MEFISTO Espírito flexível e elegante. Em cuja meiga ingenuidade havia Uma alegre intuição universal. Parece que estão. Para supremo castigo. Lutando dentro de mim. Simples como a água lírica das fontes E puro como o espírito das rosas. poluída e atormentada. ferida entre os rochedos. Guarda o sonho das pérolas no fundo. e então Já o serás na verdade muito menos: Na árvore amarga da Meditação. tens na mão O maior bem entre os mais bens terrenos E chegaste à suprema aspiração. Ó Bela Adormecida da alma humana! Trevo de quatro folhas do Destino!. A concha azul envolta na cilada Das algas más. Se és feliz e o não sabes. FELICIDADE Sombra do nosso Sonho ousado e vão! De infinitas imagens irradias E.. pelo chão. refletindo-te.. FELICIDADE (II) Basta saberes que és feliz. conservas para a Vida A flor de um idealismo. mais te distancias. à surpresa de quem passa. alma simples e iludida. Entretanto. Rolou nas convulsões do mar profundo. varias. A sombra é triste e os frutos têm venenos. . Ocultando puríssimos segredos. Sobre os teus lábios dóceis a desgraça Aos poucos esvaziou a sua taça E sofreste sem trégua e sem guarida. Como todas as sombras. A Alma te vê à luz da posição Em que fica entre as cousas e entre os dias: És sombra e. Ainda e sempre.SERENIDADE Feriram-te. E te busca na selva impraticável. na dança da tua projeção... Quanto mais cresces. Mas inda assim.. O Homem não te atingiu na vida instável Porque te embaraçou na filigrana De um ideal metafísico e divino.. a ingênua graça De uma grande inocência distraída. Nessa tranqüilidade distraída.... Surdinando harmonias e sorrindo. Assim estéreis.. Sombra que só vejo.. quando a vejo. de repente. há sempre um vago instante Em que seu mudo olhar no meu repousa. sem no entanto compreendê-la.. vai distante. Mas que é tarde demais para dizê-la. mansas e sombrias.. Não sabia.. Que as almas simples sentem pela Vida. um dia. Ninhos.. não dando frutos. Felicidade... Sem mesmo perceber que estão sentindo.. Longe do Pensamento e do Desejo. CREPUSCULAR Poente no meu jardim. transformou-se. Sugerem...... Perguntei-lhe por que era. A nossa intimidade correntia Em saudações de simples cortesia E a vida foi andando para a frente. E eu sinto.. Sugerem à emoção com que as circundo Todas as dolorosas utopias De todos os filósofos do mundo. A alma ingênua dos pássaros se abriga E a tristeza dos homens se recolhe... Essas em cujo espírito infecundo Soluçam silenciosas agonias.. Nunca mais nos falamos. Que ela tenta dizer-me qualquer cousa. HISTÓRIA ANTIGA No meu grande otimismo de inocente.Que deslumbra os filósofos serenos. Desde então. Eu nunca soube porque foi... O olhar profundo Alongo sobre as árvores vazias. abrem ninhos Ao viandante exânime que as olhe.. Ela me olhou indiferentemente. ARTISTA . Mas. onde vencidas de fadiga. Seus destinos são vizinhos: Ambas. Como aquela magnífica amendoeira. com a minha mão ingênua e mansa.. sem saber. Plantei.. INGRATIDÃO Nunca mais me esqueci!.. Tens que buscar nas cousas inconscientes Um sentido harmonioso. pela vida inteira. o alto prazer Que se esconde entre as formas aparentes. e o levas.. A renúncia tristíssima da Vida! Tua existência é um pensamento fundo Levantado na pedra adormecida: Bem sentes quanto é inútil e infecundo O esforço na vertigem da subida!. TORRE MORTA DO OCASO Esguia torre ascética.. suavemente.. quando. Como és profética de longe.. Uma linda amendoeira adolescente.Por um destino acima do teu Ser.. num sonho esplêndido semeio. Daí por diante.. cresceu.. Era a mais rútila e íntima esperança. entre as amoras. e.... Vives humilde e inda ao morrer ignoras O Ideal que achaste... no mais triste símbolo do mundo. aos poucos. nem no sentes Na tua vida. ao sol-nascente. meu bômbix inocente: Fia na primavera.. Ao sonho de outras almas diferentes. Eflorescem nas chácaras vizinhas E vão dar frutos no pomar alheio.. (Ingratidão das musas!) Mas não faz mal. que nem usas Mas que faz tanto bem a tanta gente. .. esquecida Na bruma de um crepúsculo profundo! És. Eu era criança E em meu velho quintal. Todas as grandes árvores que em minhas Terras. Pendeu os ramos sobre um muro em frente E foi frutificar na vizinhança. mas ao tê-lo em teu poder Nem no pões na tua alma.. A tua seda de ouro... Sempre o achas.. Cresceu. num sino antigo. Sobre as mansas paisagens resignadas. Interpretando todos os destinos. às vezes.. nos frutos há doçuras. PRUDÊNCIA Não aprofundes nunca. Vais por todos os ventos espalhando Tua filosofia dolorosa... Trata-as assim.Na moldura do poente de ouro e rosa. Há sempre um gosto amargo nas raízes.. Os sentidos se esfumam.. Espiritualidades comoventes Sobem da terra triste.. Mas não ousam prová-las nem feri-las. Pois se.. Contenta-te com amá-las.. A HORA CINZENTA Desce um longo poente de elegia. como se fossem rosas.. Se te parecem límpidas e puras. macia. a Ave-Maria Abençoa a alma ingênua das estradas. AOS QUE SONHAM Não se pode sonhar impunemente Um grande sonho pelo mundo afora... O Pensamento se volatiliza. Uma humaníssima melancolia Embalsama as distâncias desoladas... se as bendizes. . nem pesquises O segredo das almas que procuras: Elas guardam surpresas infelizes A quem lhes desce às convulsões obscuras. Na balada sonâmbula dos sinos!. Lembra-te dessas flores venenosas! As abelhas cortejam de passagem.. Mas não despertes o sabor selvagem Que lhes dorme nas pétalas tranqüilas. imprecisa... a alma é essência. Pela tarde sonâmbula. em reticência. Longe. E entre fugas de sombras transcendentes. Andam surdinas de anjos e de fadas Na penumbra nostálgica. sobre o mesmo panorama.Porque o veneno humano não demora Em corrompê-lo na íntima semente. O Sonhador não vê. UNIDADE Deitando os olhos sobre a perspectiva Das cousas. dos homens aos insetos Vão-se estendendo todos os aspectos Que a idéia da existência pode ter. Olhando no alto a árvore excelente. Entre penumbras em deliqüescência. Mas não mostres a tua decadência Ao mundo que assistiu teu esplendor! Foge de tudo para o teu nadir! Poupa ao prazer dos homens o teu drama! Que é mesmo triste para os olhos ver E assistir. Nada é inútil. O que sempre acontece e aconteceu: Prometeu e o abutre no rochedo. A alegoria matinal subir E a ronda dos crepúsculos descer.. surpreendo em cada qual Uma simples imagem fugitiva Da infinita harmonia universal. . a cada instante e a cada dia. E lembra... Faze a tua sagrada penitência. Uma revelação vaga e parcial De tudo existe em cada cousa viva: Na corrente do Bem ou na do Mal Tudo tem uma vida evocativa. Fecha-te num silêncio superior. Queres sonhar? Defende-te em segredo. O Calvário do Filho de Maria E a cicuta que Sócrates bebeu! PUDOR Quando fores sentindo que o fulgor Do teu Ser se corrompe e a adolescência Do teu gênio desmaia e perde a cor. e até ignora A cilada rasteira da Serpente. Que os frutos de ouro esplêndidos enflora.. com a sombra recolhida. mais distante é o fim. Nada! E ao Poente. hoje.. efêmera e vazia: Um adiamento eterno que se espera. Mais sábia que o ascetismo de Pascal....E o que deslumbra o olhar é perceber Em todos esses seres incompletos A completa noção de um mesmo ser. Da fantasmagoria universal! És a minha verdade. Leva uma crença vaga. depois.. — Almas recônditas de sensitivas — Cheias de intimidades fugitivas." Ontem. LEGENDA DOS DIAS O Homem desperta e sai cada alvorada Para o acaso das cousas. As horas morrem sobre as horas. o Homem. à saída. melindres e pudores.. . E a Vida passa. indefinida. De escrúpulos.. Mais se afasta o horizonte pela esfera.. Dentro da formidável ilusão.. Numa eterna esperança que se adia.... Volta. Invencível Edipo. Mais ele avança.. INSTINTO Glória ao Instinto.. De achar o Ideal nalguma encruzilhada.. lei eterna da criação.. pensando: "Se o Ideal da Vida Não veio hoje. assim. Mais bela do que o sonho de Platão! Pura sabedoria natural Que move os seres pelo coração.. De todas as esfinges da Existência!. Ao teu sereno fatalismo cego. e. PLATÔNICO. e. e a ti entrego. eterno e mudo. virá na outra jornada. A minha linda e trágica inocência! Ó soberano intérprete de tudo. amanhã. a lógica fatal Das cousas.. As idéias são seres superiores. são obras-primas. IMAGINAÇÃO Scherazade do espírito. Mas. derrubando As colunas do Templo da Ilusão!. Um dia. Colhe-as na solidão. na tua esplêndida eloqüência. Na fúria da tua obra desgraçada. perfume..Por onde andares e por onde fores. .. Foste. A vida. Com teu consolo que nem sempre engana. Para com elas teceres. Era um conto de fadas para o olhar. na subida. aluindo. Estremecendo.. Na tua voz o nosso olhar alcança As Mil e uma Noites da Esperança E a esfera azul dos sonhos e das lendas! Quando o despeito da Realidade Nos fere. A coroa votiva do teu Sonho E a legenda imperial da tua Vida. És o sexto sentido da Existência E a memória divina da alma humana! FORÇA MALDITA Eras fraco e feliz. como um tristíssimo Sansão. ah! homem ingênuo. E na tua consciência vaga e obscura. E sonhaste a ciclópica aventura De o espírito das cousas penetrar. únicas prendas Que nos vieram dos deuses como herança! Transformando em alhambras nossas tendas. Que têm pólen. sob um luar de iluminura.. Porque. sem meditar. Que vieram de outros tempos e outros climas Para os jardins de tua alma que transponho. és quem de novo nos persuade. Cuidado com essas flores pensativas. órgãos e cores E sofrem mais que as outras cousas vivas. desde quando Deste o primeiro passo da escalada. que rendas Num fio ideal de verossimilhança O Símbolo e a Ilusão. um rude e pérfido avatar Vestiu-te de uma força ingrata e impura. circular o Moinho. passando. incautos e efêmeros passantes. Como a árvore espontânea que retrata Todas as qualidades da semente! O que te infelicita é sempre a ingrata Aspiração de uma alma diferente. Vem de um nada fortuito. todo o fim a que chegamos.. Que vão desviando. Sem mesmo olhar o rumo das passadas. deves sempre conservar-te Nas confluências do Mundo errante e vário.. entretecido Nas surpresas das horas em que vamos. Não é o Moinho que anda: é a água corrente Que faz. envolvem-nos ciladas De pequenos acasos inconstantes. no isolamento. Formado dos encontros da torrente! Moves-te porque ficas no caminho Por onde as cousas passam. Vaidosas sombras desorientadas. Quando és na Vida um simples redemoinho. PARA A VERTIGEM! Alma. Crês que te moves espontaneamente. — Vamos andando para fins distantes... diariamente. Então.... . Do contrário... Para adiante! Ó ingênuos peregrinos! Foi sempre por um passo distraído Que começaram todos os destinos. A espiral. sutis.. É meditares tua forma inata. Entre forças que vêm de toda parte..VIVENDO. serás. a todos os instantes. homem prudente. EXORTAÇÃO Sê na Vida a expressão límpida e exata Do teu temperamento. A linha leviana das estradas.. Nós. cujo giro imaginário É apenas a Ilusão do Movimento!. Por isso.. em teu delirante desalinho. Um dia.. Não sofras mais à espera das auroras Da suprema verdade a aparecer: A verdade das cousas é o prazer Que elas nos possam dar à flor das horas.. Vê que a Vida afinal.. — sombras.... e vive distraído Do enigma eterno sobre que repousas. num assomo De quem procura por si próprio o fundo Da eterna sensação que as cousas têm! Existe. choras Sobre o mistério do teu próprio Ser. de harmonia com tua alma... Essa outra que desejas. . Ouve e medita bem.. EGOCENTRISMO Tudo que te disserem sobre a Vida. vaidades — É bela. pensando.. mas continua Com a mesma alma liberta e distraída! Interpreta a existência com a medida Do teu Ser! (a verdade é uma obra tua!) Porque em cada alma o Mundo se insinua.. Numa nova Ilusão desconhecida.. como Se antes da tua sombra sobre o Mundo Não houvera existido mais ninguém!. Essa felicidade ingênua e calma. Que é a tendência recôndita das cousas!.Querendo transformá-la. que flutua. em suma. de repente! Deixa-te ser!. se ela existe. que ignoras Todos os fins e que. SABEDORIA Tu que vives e passas. é louca e bela.. Sem a graça encantada da incerteza. por ti mesmo. Vai pelos próprios passos. Sobre o destino humano. ET OMNIA VANITAS.. Sem nunca interpretar o seu sentido! E terás.. e que a Beleza É a mais generosa das verdades. sem saber O que é a vida nem porque é. Deve ser muito fria e quase triste. ser o Rei De todo esse Universo ilimitado Das idéias que nunca alcançarei.. Viste que a Vida é uma aparência vaga. Numa felicidade fugidia: A piedosa ilusão de cada dia E o bailado de sombras das lembranças... O Horto de Mágoas sob um céu virgiliano. Porque as idéias nunca tinham fim..E vive assim.. por mim mesmo aclamado.. De tudo. Um cristianismo sem renúncia e sem martírios.. Que mais resta da fúria malograda? Um bailado de frases a cantar. Como filosofia O Prazer. ficou somente em mim O pavor tenebroso de pensar. esse anjo rebelado Tombou sem ter sabido a eterna lei: Pensei demais e.. vencendo o Destino.. Quis. Que a ironia das águas lê e apaga.. Um pequeno mosteiro em meio de um pomar. Rei da Criação.... como glórias e esperanças Uma vida espontânea e correntia E um gesto irônico ao que não alcanças! Seja a vida um punhado de horas mansas. A ÚLTIMA CANÇÃO DO HOMEM.. Entre loureiros-rosa e vinhas de todo o ano. E todo o imenso sonho que semeias. A vaidade das formas. Ama as cousas inúteis! Sonha! A Vida. distraída.. e mais nada. CRISTIANISMO Sonho um cristianismo singular Cheio de amor divino e de prazer humano. Num misticismo lírico....... A beatitude com mais luz e com mais ar... Inteligência. Na memória volúvel das areias!. . agora. Uma legenda de ouro. apenas sei Que tudo que eu pensei estava errado.. então. a sonhar Na orla florida e azul de um lago italiano..... Desesperadoramente estéreis e sombrias... Como todo prazer vicioso é triste e doente.. sua mão é pesada. TRANSUBSTANCIAÇÃO Esta carne em que existo há de tornar-se um dia Em húmus germinal... mas simplesmente O hábito melancólico de ser. Vai-se vivendo.. Nenhuma outra intenção. Essas almas que nunca deram flor. que já não somos mais nada Do que os sobreviventes de nós mesmos!.. Essas sombras que nunca amaram nada. Porque o Vício é a doença do Prazer... é o costume de viver Que nos faz ir vivendo para a frente.. Como são tristes essas vidas sem amor. E um dia chega em que tudo que somos É apenas a saudade do que fomos.. que não existe. ao passar.. e muitas vezes nem sentimos Que somos sombras.. Onde passam (triste aura que as rodeia!) Deixam uma atmosfera amarga. semeia.. Temperado na graça natural.. cheia De desencantos e melancolias..Sem a pureza melancólica dos lírios. vive-se demais... Cristianismo de bom-humor. E se esse vício dá qualquer prazer à gente.. é o vício de viver. Onde a Tristeza fosse um pecado venial.. Vai-se vivendo.. ALMAS FRIAS Almas desoladoramente frias De uma aridez tristíssima de areia. Nelas não vingam essas suaves poesias Que a alma das cousas. Nessa árida rudeza de rochedo... Onde a Virtude não precisasse ser triste. DECADÊNCIA Afinal.. Sua própria virtude mete medo. Mesmo fazendo o bem. . em seiva fecundante.. Vai-se vivendo.... MEMÓRIA! Cala a boca. o espírito e os destinos. não se deve Falar de quem morreu. Sei de todas as cousas. E que o teu braço nunca mais me leve À sepultura da Felicidade! Segue um conselho meu. recolhe-te à tua soledade.. assim. eu mesmo transformado. a todo instante.. E. de ora em diante: Junto a quem está de luto. Memória leonoclasta. CALA A BOCA. dores antigas. Princípio. A forma. Vidas da minha Morte. Piedade.. Que pareces até minha madrasta Quando me vens cantar tuas cantigas. irei buscando a Perfeição perdida.. Não despertes... Memória! Basta. há de ser a energia De vidas que sobre ela hão de viver adiante. a tábida apatia De um movimento novo. SEI DE TUDO Sei de tudo o que existe pelo mundo. instante para instante. Sei da vida das almas e aprofundo O mistério dos seres pequeninos. intérmino e constante. tu me obrigas. Borboletas iriais e anêmonas olentes. sei o fundo Da terra e os grandes mundos submarinos. Sua ruína será a feraz embriogenia De outros tipos de Vida.. muitas vezes. Vai.Decompondo-se em Pó. Sei da ciência do Espaço. o modo. basta! O que o Tempo te disse não me digas. Há de um horto florir por sobre o seu passado. a teoria Do Universo e as longínquas perspectivas Que emergem da expressão das cousas vivas. . Será fonte. Vivendo na Emoção de seres diferentes Que a Morte é a transição da Vida para a Vida. Tua voz me faz mal e me vergasta.. sei o Som e o elo profundo Que há entre os passos humanos e os divinos. E a chorar. Sei o Sol. assim. Frisando em tudo o símbolo mais puro. às vezes dirigindo-se ao leitor num tom pretensamente aconselhador. Gritam em nós todas as nobres taras Daquela Grécia esplêndida e tranqüila. Que (ouço ao longe o oráculo de Elêusis). O seu gênio de artista mais se esmera Na teoria sutil do claro-escuro. não tem a contundência teratológica dum Augusto dos Anjos (a quem se assemelha pela . profundo. Eu.... Com que exalta a verdade mais austera.. O nosso amor conceberia um mundo. Se um dia eu fosse teu e fosses minha.. Raul de Leoni Ramos (Petrópolis RJ 1895-1926) Se defini Cecília Meireles como "rainha da reticência".. Ela fecunda com o ânimo seguro De quem muito medita e delibera.. embora resvale o cientificismo. tal a insistência com que usa "cousas".. só não sei quem sou. porém sem a agudeza lapidar dum Bastos Tigre. Tens legendas pagãs nas carnes claras E eu tenho a alma dos faunos na pupila. além de "ingenuidade".Sei de tudo e — oh! tristíssima ironia! — Pelo caminho eterno por que vou.. não dá para ser classificado de simbolista. VELHA NATUREZA Tudo que a velha Natureza gera Vai sempre rumo do melhor futuro. Às belezas heróicas te comparas E em mim a luz olímpica cintila.. Para dar mais relevo e mais alcance À soberba estatura das montanhas... que sei tudo. Como cavou o Abismo nas entranhas. Só faz o Mau e o Hediondo para efeito De projetar mais longe e sem nuance A alma cheia de luz do que é perfeito. É tanta a glória que nos encaminha Em nosso amor de seleção. para definir sua vaga e ingênua filosofia das coisas.. Embora fale muito de almas. E do teu ventre nasceriam deuses. posso definir Leoni como "rei das cousas". dessa argila De que são feitas as criaturas raras. EUGENIA Nascemos um para o outro.. Considero.htm . ao qual não pude deixar de replicar com o "Mancomunado": http://paginas. por motivos pessoais.terra. Uma coisa é certa: Leoni trabalha magistralmente o soneto e manipula as imagens com desenvoltura rara. sua obra-prima o soneto "Desconfiando".obra única e irrotulável).br/arte/PopBox/sonetario/leoni.com. razão pela qual seu livro LUZ MEDITERRÂNEA não passou despercebido mesmo tendo saído simultaneamente ao modernismo.
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