Quem Financia a Democracia no Brasil_ - Revista Interesse Nacional.pdf

March 26, 2018 | Author: André Paes Leme | Category: Elections, Democracy, Brazil, Citizenship, Republic


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ARTIGOpor José Antonio Dias Toffoli Quem Financia a Democracia no Brasil? Desafios da quarta maior democracia do mundo Em 1988, foi promulgada a atual Constituição brasileira, que refundou a Nação, com base no Estado Democrático de Direito e com forte verniz social. Desde então, o Brasil vive o maior período de estabilidade democrática de sua história: 26 anos ininterruptos de Democracia! A soberania popular concretiza-se pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto do cidadão, com igual valor para todos. Alternância no poder; controle dos abusos dos poderes político, administrativo, econômico e dos meios de comunicação. Meios de participação popular como a iniciativa de leis, que geraram a lei de combate à compra de votos e a lei da ficha limpa. Com as urnas eletrônicas, o voto dado é o voto efetivamente computado. A identificação biométrica, como a garantia de que cada eleitor expresse uma única vez sua vontade nas urnas. Com mais de 142,8 milhões de eleitores, somos a quarta maior democracia do mundo, após a Índia, os Estados Unidos e a Indonésia. Mas, ainda há muito a refletir e a avançar no esforço constante de aprimorar o processo democrático de escolha dos nossos representantes políticos, mediante campanhas livres e equânimes que concretizem a genuína vontade popular. Nosso processo de democratização ainda não foi capaz de evitar que, por meio do financiamento eleitoral, a cidadania seja capturada pelo poder econômico. Somos uma sociedade capitalista. Na proporção em que aumenta a participação popular na base democrática, também aumentam as tentativas dos setores capitalistas de capturar esta voz. Quer antes, quer depois das eleições! É legítimo, se dentro das regras do jogo. Será ilegítimo se derivar para a corrupção, a fraude e o abuso. Os dados são incontestes: a democracia brasileira tem sido financiada pelos grandes grupos empresariais. A campanha eleitoral de 2014 para presidente da República foi a mais cara da nossa história. Foram gastos por todas as candidaturas mais de R$ 648 milhões. Nas campanhas dos candidatos que concorreram ao segundo turno, Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), foram gastos, respectivamente, R$ 350 milhões e R$ 223 milhões. As contribuições de pessoas jurídicas a todos os candidatos somaram mais de R$ 579 milhões, o que corresponde a mais de 90% do total dos recursos gastos. Sob outra ótica, a presença massiva das empresas privadas acaba por apequenar a participação do cidadão na disputa. As contribuições de pessoas físicas corresponderam a apenas 2% do montante utilizado. Uma contradição, pois é o cidadão, e não os grupos econômicos, a figura central do processo eleitoral. O presente ensaio é o resultado de uma série de reflexões acerca do exercício da cidadania e da democracia no Brasil, e parte de uma perspectiva histórico-normativa sobre a influência do poder econômico na formação da cidadania nacional e na captura do nosso processo democrático por meio do sistema de financiamento eleitoral. Os caminhos da cidadania e do voto no Brasil, um panorama histórico O sistema eleitoral brasileiro é um reflexo da formação histórica e política do país. De 1822, ano da primeira legislação eleitoral brasileira, até as eleições gerais de 2014, foram 192 anos de vida eleitoral. Desde o período colonial, já havia nas primeiras vilas e cidades uma tradição democrática expressa no direito do voto. As eleições eram reguladas pelas Ordenações do Reino e tinham caráter estritamente local. O sufrágio era universal, não havendo qualificações prévias1, e o povo elegia os eleitores, os quais escolhiam, entre os “homens bons”, os representantes das câmaras municipais. Em 1821, foram realizadas as primeiras eleições gerais, regidas pelo Decreto de 7 de março, que adotava o método estabelecido na Constituição Espanhola de Cádiz (1812), inspirada na Constituição Revolucionária Francesa (1791). Tratava-se da eleição dos representantes do povo brasileiro nas Cortes de Lisboa e “o povo votava em massa, inclusive os analfabetos, não havendo qualquer restrição ao voto”2. Em 19 de junho de 1822, José Bonifácio de Andrada e Silva expede a Decisão nº 57 Reino – considerada a primeira lei eleitoral brasileira –, estabelecendo as instruções sobre as eleições para a Assembleia Geral Constituinte de 1823. Exigia-se do eleitor ser casado ou ter a idade mínima de 20 anos, excluídos os assalariados (exceto os guarda-livros e primeiros caixeiros de casas de comércio, os criados da Casa Real que não fossem de galão branco, e os administradores de fazendas rurais e fábricas) e os mendigos. O voto passava a se assentar sobre bases econômicas, sendo privilégio daqueles mais abastados, como os proprietários de terras ou os altos assalariados. A Constituição outorgada de 1824, na mesma linha, definiu quem teria o direito de votar. Eram eleitores os homens com pelo menos 25 anos de idade e com renda mínima de 100 mil réis por ano. Durante o Império, as mulheres não tinham direito ao voto, e os escravos sequer eram considerados cidadãos. No entanto, permitia-se que os analfabetos votassem, ora com autorização expressa da legislação, ora com autorização indireta, permitindo-se a ausência de assinatura nas cédulas ou que elas fossem assinadas por outrem. Conjugava-se o voto censitário, baseado na renda, com o voto dos analfabetos, o que possibilitava uma maior participação política. Segundo análise de José Murilo de Carvalho, “[para os padrões da época, a legislação brasileira era muito liberal”3, uma vez que a renda exigida era considerada baixa, permitindo que a maioria da população brasileira trabalhadora votasse. Conforme aponta o autor, “de acordo com o censo de 1872, 13% da população total, excluídos os escravos, votavam”4. Nesse período, as eleições eram uma disputa pelo domínio político local e o voto, um ato de obediência forçada ou de lealdade ou gratidão. Vários eram os especialistas em burlar as eleições: o cabalista fornecia as provas para a comprovação da renda legal exigida, o fósforo fazia-se passar pelo eleitor fictício e o capanga eleitoral era o responsável pela proteção dos partidários e pela ameaça e pelo amedrontamento dos adversários5. Era o tempo das “eleições a bico de pena”, nas quais se incluíam nas atas fraudulentas o voto de eleitores as eleições durante a Primeira República (1889-1930) tiveram baixa taxa de comparecimento. Não é o elemento trabalho. os mendigos. algumas alterações foram feitas: aboliu-se o voto censitário. “em 1886. o voto passou a ser facultativo. Com a edição da Lei Saraiva. o elemento corrupção. Uma vitória dos Liberais. o elemento povo. o elemento probidade. Permaneciam excluídos os analfabetos. o eleitor apresentava duas cédulas eleitorais. as quais eram assinadas perante a mesa eleitoral e. Para se ter eleições diretas. era importante “reduzir o eleitorado à sua parte mais educada. o elemento phosphoro. em 1881. os principais cargos de poder do país passaram a ser eleitos. Com a República.. nesse período. em 1930. Segundo se observa nos debates legislativos da época. os capangas e as “eleições a bico de pena”. Teodoreto Souto: (. Essa restrição teve efeito duradouro: a vedação do sufrágio pelos iletrados só deixou de existir mais de cem anos depois. portanto. e seu inerente sistema de reciprocidade. (. os analfabetos foram proibidos de votar e a renda exigida para ser eleitor aumentou para 200 mil réis. Com o coronelismo. Com isso. mas as fraudes e o controle do voto pelas oligarquias regionais continuaram. votaram nas eleições parlamentares pouco mais de 100 mil eleitores. em torno dos quais se arregimentavam as oligarquias locais.8% da população total. conforme retratado por Victor Nunes Leal. datadas e rubricadas pelos mesários.) o voto deve pertencer sómente aquelles que têm uma certa somma de conhecimento.. é o elemento arbítrio. Sr. O excesso de participação popular e o crescimento do movimento abolicionista começavam a preocupar. o comparecimento foi de 2. Eis a defesa dos legisladores às restrições: Sr. Com essas restrições. assim como de independência para exercê-lo. votaram 2. adotou-se. com critérios rígidos de comprovação. 5. e da obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário resulta para o estado o direito inauferível de privar o voto do analphabeto. Nas eleições de 1894. Permaneceram as restrições ao direito de voto implementadas com a Lei Saraiva. Com o “voto a descoberto”. mas o direito de voto era assegurado apenas aos homens maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever. mais independente”6. para a Câmara dos Deputados.falecidos ou fictícios. acrescidas ao fato de o alistamento e o voto não serem obrigatórios. as mulheres. pela primeira vez. Em 1912. Nas palavras do parecer da comissão encarregada de examinar o projeto da reforma eleitoral. pois bastava exigir a cédula como prova . Ainda estavam presentes os cabalistas.2% da população10.) Eis o que o projecto arreda. Na última eleição para Presidência da Primeira República. Em contrapartida. Houve um corte de quase 90% do eleitorado”9..) A ignorância é um obstáculo que cada um póde vencer. Quanto à base democrática.6% da população foi às urnas12. cujo elo primário era a “política dos coronéis”. os fósforos. para presidente da República. ou 0.6%11. a qualificação dos eleitores era uma forma de se promover a lisura das eleições.. Sobressai.. as lideranças tinham um controle absoluto do voto dos eleitores. Ruy Barbosa: (.. a participação “de uma massa de cidadãos mais fracos e menos civilizados fez progressivamente baixar o nível da capacidade do corpo eleitoral”7. Uma cédula era depositada na urna e a outra ficava em poder do eleitor. de ilustração. a chamada “política dos governadores”.8 Com a exclusão dos analfabetos e critérios mais rígidos de comprovação da renda. dá-se a manipulação do voto pelos chefes locais. mais rica e. depois. o voto direto no Brasil. já defendia a busca pela “verdade do voto” e pela “verdadeira representação”. se porventura foi alistado. foi editado. Outra garantia histórica foi o direito de voto às mulheres. o qual trouxe uma série de conquistas democráticas. maiores de 18 anos. Ressalte-se que.586/45 –. o Decreto-lei 7. sem eleições para a Câmara dos Deputados”17.076.4% da população votou. O voto passou a ser obrigatório para os brasileiros alfabetizados de qualquer sexo. “foi o período mais longo. pela fiscalização e pelo julgamento das eleições..438 milhão em uma população de 36. o Brasil foi o segundo a reconhecer esse direito. Assis Brasil bem resumiu o caos do processo eleitoral na época: Ninguém tem certeza de ser alistado eleitor. após o Equador (1929). Esse contínuo crescimento do número de eleitores também ocorreu nas eleições de 1950 (15.. a Itália (1946) e a Bélgica (1948)15. Foi criada. mais uma vez. assim. Fávila Ribeiro ressalta o modelo institucional da Justiça Eleitoral como eficiente “medida de sabedoria política”14. que regulou as eleições de 1945 para presidente da República e para os Constituintes. foi seguida de um período ditatorial. Ninguém tem certeza de votar. Mas. a experiência democrática. também conhecido como “Lei Agamenon”. como o voto secreto e o primeiro modelo de representação proporcional do país. a partir . A Constituição de 1934. mantendo a orientação de ampliar a participação política. foi editado o Código Eleitoral (Decreto-lei 21. desde a Independência. Mas “o contingente de adultos cadastrados para votar na primeira eleição (1933) ainda foi baixo: 3. Com o golpe de 1937. que. Como ressalta Jairo Nicolau.586. ainda. a Justiça Eleitoral. se porventura votou. O pleito ocorreu em 2 de dezembro de 1945. Seus magistrados não passam de quatro anos no exercício da função eleitoral e. visando conferir maior legitimidade aos resultados das eleições e expurgar do processo eleitoral as práticas deletérias da velha política oligárquica brasileira. reduziu a idade mínima do eleitor de 21 para 18 anos. Com a Revolução de 1930. antes da Lei Saraiva. ela não tem quadro próprio.974 milhões)”16. Sob responsabilidade da Justiça Eleitoral – restabelecida pelo Decreto-lei 7. que passou a ser o órgão da nação responsável pela organização. ultrapassando-se a participação eleitoral de 1872. Embora permanente a instituição. o que foi mantido na Constituição de 1946. ganhou força a voz de Assis Brasil. na América Latina. no chamado terceiro escrutínio (. Ninguém tem certeza de que esse voto.9% (1. Onze anos se passariam sem eleições no Brasil. interrompeu-se a incipiente experiência democrática da década de 1930. ocorreram as primeiras eleições da história brasileira com uma significativa participação popular. desde 1893. sendo um grande marco da democracia no Brasil. No Manifesto da Aliança Libertadora do Rio Grande do Sul ao País. Com a redemocratização. 13. Tudo concentrado no Poder Judiciário! Seu desenho constituiu peculiar e criativo sistema de controle das eleições. conjugando a tecnicidade e a imparcialidade do Judiciário com a temporariedade do exercício da função eleitoral. de 1932). em 1945. seja respeitado na apuração da apuração.13 Como resultado da Revolução de 1930. não atuam sucessivamente em duas eleições para os mesmos cargos.do voto dado. Foram dissolvidos os partidos políticos e fechados o Congresso Nacional e a Justiça Eleitoral. Ninguém tem certeza de que lhe contém o voto.). e o fez antes de países como a França (1944).9%) e de 1960 (18%)18. Pela primeira vez. mesmo depois de contado. 143).164. O voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para os analfabetos. “em 1960. Com a Constituição de 1988. a universalização ocorreu após a Constituição de 1988. vedou-se o voto dos iletrados – o voto passaria a ser direto e a abolição da escravatura era questão de tempo. Segundo José Murilo de Carvalho. O princípio republicano de que o povo se autogoverna. nas eleições municipais de 1985. que instituiu o Código Eleitoral exigiu dos partidos a fixação de limites de gastos e de doações. nas eleições presidenciais.5 milhões de eleitores. então. o eleitorado chegou a mais de 13% da população brasileira. curiosamente. com igual valor para todos. Foi. Na sequência. é que foram editadas as primeiras normas dedicadas a regulamentar o financiamento dos partidos políticos. Já a Lei 1. concedendo o direito de voto para os analfabetos. 26. de 1965 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos – inovou em relação à legislação anterior. Somente em 1945. além da obrigação de manter escrituração das suas receitas e despesas.740. 14 da Constituição Federal. e receber contribuição de sociedades de economia mista ou das empresas concessionárias de serviço público (art. só 3% da população votou para presidente da República. mas foi inserida por emenda substitutiva apresentada pelo deputado Noronha Filho. de 1946. nas eleições senatoriais de 1970 votaram 22. Finalmente. mas. concretiza-se pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto do cidadão. de 1985. vedado aos partidos receber contribuição de procedência estrangeira.4 milhões. permaneceu a tendência de crescimento do eleitorado iniciada em 194519. No que tange à Presidência da República. 144). precisando a origem e a aplicação dos recursos (art. as mulheres não votavam. Essa medida acabou com a restrição fixada pela Lei Saraiva e que permaneceu no Brasil por mais de um século. Evolução normativa do financiamento eleitoral no Brasil Se o direito de voto remete a uma tradição de séculos no Brasil. proibiu os partidos de receberem contribuições de procedência estrangeira (art. nas eleições presidenciais de 1989. o voto deixou de ser baseado na renda. IV). Até 1932. os analfabetos votaram pela primeira vez na história republicana do Brasil. o Brasil teve um número de eleitores maior que durante a Primeira República.de 1964. a preocupação normativa com o financiamento eleitoral é fato recente.258. para os maiores de 70 anos e para os que têm entre 16 e 18 anos. votaram 12. 48. Eis. inc. Embora o voto fosse censitário. de 1950. a Lei nº 4. As legislações eleitorais dos períodos do Império e da República Velha não regulavam o financiamento das campanhas eleitorais. proibindo as doações de empresas privadas de finalidade lucrativa (art. 56. receber de autoridade pública recursos de proveniência ilegal. o caminho tortuoso da cidadania brasileira: No Império. Atualmente. Somente após a redemocratização e a Constituição de 1946. Durante o regime militar. escolhendo seus representantes. foi promulgada a Emenda Constitucional 25. os analfabetos votavam. como posto no art. ainda. o percentual de votantes é de 75% da população brasileira. Com o fim do regime militar. Em 1881. Essa restrição não constava na versão original do projeto de lei. foram mantidas as eleições diretas no âmbito dos legislativos federal e estaduais e. com a impossibilidade de o analfabeto votar.7 milhões”20. nossa base democrática foi consideravelmente ampliada. Na primeira eleição da República. a). com a seguinte justificativa: . O Decreto-lei 9. nas de 1982. na deformação da vontade popular e na fraudação da representatividade eleitoral. as doações de entidades de classe ou sindical. Com a Lei 8. a qual vedava. na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. a Lei das . que passou a receber dotações orçamentárias da União de forma permanente (art. a competição eleitoral ficou mais acirrada e os custos das campanhas aumentaram consideravelmente. citado na justificativa do projeto. ressalte-se. basicamente. Na mesma direção.24 Com a redemocratização. os pleitos eleitorais passaram a ser disciplinados pela Lei 9.740/65 também criou o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos. IV). graus. A Lei 9. e de entidade de classe ou sindical (art. O fundo foi o mecanismo adotado para viabilizar o subsídio estatal direto aos partidos e às campanhas eleitorais. o Fundo Partidário. Suprima-se a influência nefasta do poder econômico nos pleitos eleitorais. de entidades da administração indireta ou concessionárias de serviços públicos. às doações de pessoas físicas. Note-se que essa restrição entrou em vigor num período de crescimento do partido de oposição – o MDB – nos centros urbanos. a ampliação da base democrática pós-Constituição de 1988 e o pluripartidarismo. bem como para compensar a vedação das doações de empresas. além das contribuições de empresas privadas.504. Entretanto. modalidades e latitudes. o projeto é vesgamente unilateral. uma posição mais maleável. onde a sindicalização era mais forte23. não movimentava recursos financeiros significativos. Nesse período. eis que tenta barrar a investida de corrupção de origem estatal ou governamental. admitiu o recebimento de doações de pessoas jurídicas. Os exemplos de corrupção eleitoral no Brasil aí estão a demonstrar a incontrastável influência das organizações e grupos capitalistas privados. Não se pode moralizar pela metade. adotou-se. As quantias gastas haviam sido “assombrosas” e. 38.096/95. foram as leis que se seguiram e que regem o financiamento político até hoje. embora criado desde 1965. “irreal e excessivamente rigorosa”. organizados em conjunto com empresários nacionais. [em todos] os seus aspectos. e deixa a porta aberta para a arremetida corruptora do poder econômico privado. de autoridades ou órgãos públicos.713/93. aos recursos dos próprios candidatos e dos partidos políticos. O caso do Ibad é um desses exemplos. o financiamento das campanhas eleitorais ficou limitado. a exemplo do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). Em 1971. ficando vedadas as contribuições de entidades ou governos estrangeiros. impedindo a afluxo abusivo do poder econômico. 31). inc. para apoiar eleitoralmente grupos anticomunistas.22 A Lei 4. A partir de 1997. então. A referida legislação também reforçou o Fundo Partidário. a legislação que proibia a doação de empresas foi caracterizada como “hipócrita”.682 revogou a lei anterior e instituiu uma nova Lei dos Partidos. a Lei 5. nacionais e estrangeiros. permitindo-se que empresas privadas com fins lucrativos contribuíssem com o financiamento dos candidatos na campanha de 1994. ressalvadas as dotações do Fundo Partidário. atual Lei dos Partidos Políticos.A finalidade do art. A alteração legislativa foi resultado dos escândalos envolvendo a campanha do presidente Collor de Mello (1989) e do seu impeachment (1992).21 A vedação legal teve como fator determinante a ligação entre grupos empresariais estrangeiros e a criação de grupos de direita. Em resumo. 70 é velar pela pureza dos partidos políticos. 300 estabeleceu que cabe à lei fixar o limite de gastos de campanha até o dia 10 de junho do ano eleitoral. a Federal Election Commission (FEC).504/97). em muitos países. posteriormente. Os sindicatos passaram então a organizar comitês independentes de apoio a candidatos. No mesmo sentido da lei de 1993. que. Em 2010. também aderiram as empresas. 81. 18. foram permitidas doações por empresas privadas. a Suprema Corte americana proferiu polêmica decisão no caso Citizens United vs. § 1º. do Tillman Act. mas. acusações de que o então presidente Theodore Roosevelt estaria favorecendo grandes empresas doadoras da sua campanha presidencial resultaram na edição. O limite de doação das pessoas jurídicas é de 2% de seu faturamento bruto e o das pessoas físicas é de 10% de seu rendimento (art. durante a era do New Deal. os chamados PAC (Political Action Committees). por seu turno. foram vedadas. também. remanescendo a mesma norma desde o Código Eleitoral de 1950: os partidos e coligações comunicam à Justiça Eleitoral os valores máximos de gastos que farão por candidatura em cada eleição (art. em 1974. com a atribuição de regular e fiscalizar o financiamento eleitoral. no qual reverteu entendimentos anteriores para declarar que as corporações e os sindicatos têm o direito constitucional de realizar gastos independentes visando apoiar determinados candidatos. religiosas e esportivas. e art. as doações de entidades beneficentes. surgindo. Como a lei nunca foi editada. sindicatos. FEC.504/97). 24). assim denominados porque podem realizar gastos independentes sem limitação e . Em 2006 e em 2009. O financiamento eleitoral nos EUA e na França Assim como no Brasil. entidades de utilidade pública e pessoas jurídicas sem fins lucrativos que recebam recursos do exterior. que regulou de forma definitiva as eleições no país. caberá a cada partido fixar o limite de gastos. após relatos de abusos financeiros na campanha de Nixon (1972) e a eclosão do escândalo Watergate. da Lei 9. comunicando à Justiça Eleitoral (art. foi criada. § 1º. Em 1947. abriu-se caminho para o surgimento dos superPAC. 17-A. até então. assim. com algumas vedações tópicas (art. Nos Estados Unidos. a Lei 11. uma agência federal independente. mediante financiamento de seus próprios membros. da Lei 9. eram reguladas por legislações temporárias e específicas para cada pleito. A essa prática. em 1907. 23. o qual estendeu a proibição aos sindicatos. Uma distorção da igualdade de participação no processo eleitoral! Note-se que não se estabeleceram limites legais para as despesas dos partidos e dos candidatos nas campanhas. os tetos de doação fixados em 1993 de forma proporcional ao rendimento ou ao faturamento do doador no ano anterior às eleições. concessionárias ou permissionárias de serviço público. Na década de 1970. o tema do financiamento político também tem sido objeto de decisões da Suprema Corte. as reformas mais profundas sobre financiamento eleitoral foram decorrentes de escândalos envolvendo doações ou corrupção. não sendo essa editada. organizações não governamentais que recebam recursos públicos e organizações da sociedade civil de interesse público. Com essa decisão. em 1904.Eleições. Nos EUA. o qual proibia contribuições de empresas e de bancos nas eleições federais. como as relativas a entidades estrangeiras. Em 2006. são os próprios partidos políticos que têm definidos os limites de gastos nas campanhas. no Brasil.504/97). foi editado o Taft-Hartley Act. da Lei 9. Foram mantidos. No período colonial e no Império. ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. O programa de financiamento público opera por intermédio de um mecanismo de ressarcimento parcial das despesas realizadas em campanha. em 1993. com a conquista do voto direto. O limite de gastos dos candidatos à Presidência da República. o teto é de € 7.650. a proibição da participação de pessoas jurídicas no financiamento eleitoral e partidário. em 1995. por entender como violadora da proteção à liberdade de expressão. a Corte declarou inconstitucional a limitação (agregada) de contribuição que uma pessoa física pode fazer em determinado período. são admitidas as contribuições de pessoas físicas para candidatos no limite de € 4. estabeleceu-se teto de contribuições e. após denúncias na campanha de François Mitterrand. No final do Império. a liberdade dos escravos era iminente. mantendo a unidade da América Portuguesa. Esse tema também está em discussão no STF. política e poder econômico tem sido uma constante no exercício da cidadania e nas práticas eleitorais no Brasil. mas faltam os votos de quatro ministros para a conclusão do julgamento. vem a queda do Império (1889). A França conjugou um programa de financiamento público com um rígido sistema de controle. Como já mencionado. Os analfabetos. sob o fundamento de se acabar com o chamado “caixa 2” (doações não declaradas) e de se permitir um maior controle da prestação de contas.3 milhões.levantar recursos ilimitadamente junto a empresas. passando pelo domínio da política pelas oligarquias regionais. E. associações ou indivíduos. foi instituído um rígido sistema de controle. baseado na definição de limites de gastos e de contribuições por pessoas físicas. após o impeachment do presidente Collor de Mello (1992). até o momento atual. Foi mantido como válido o limite de US$ 2. após a abolição. Os escravos – força de trabalho do país – não votavam e não eram sequer considerados cidadãos.500 por ano. Era preciso. é de € 13. apesar dos escândalos a opção foi inversa.7 milhões. No caso de doações a partidos políticos. foi abolida a escravidão no Brasil (1888). bancos. a partir de 1988. A Corte iniciou o julgamento da ADI 4. passou-se a permitir as doações de pessoas jurídicas. haviam-se tornado um problema no processo eleitoral. sindicatos. por seu turno. o acordo tácito entre a monarquia e os escravocratas. Coincidência? Sete anos depois da Lei Saraiva (1881) e a proibição do voto dos iletrados. excluir “a massa dos cidadãos fracos e não civilizados”. na fiscalização da utilização dos recursos e na publicidade da contabilidade dos partidos. Mais recentemente.600 por eleição. da escravidão à sua abolição. Ademais. A captura da democracia pelo poder econômico A relação entre Estado. garantiu a unidade e a paz nacionais.600. No Brasil. com a criação do exército nacional. com o avanço dos movimentos abolicionistas. por exemplo. FEC. em abril de 2014. A influência econômica também estava institucionalizada na política do voto censitário. Em 1990. no qual o processo democrático é financiado pelos grandes grupos econômicos do país. no . Na França. urgentemente. que se encontra suspenso em razão do pedido de vista formulado pelo ministro Gilmar Mendes. no caso McCutcheon vs. podendo aqueles que concorrem no segundo turno elevar seus gastos até € 18. Já há maioria de votos favoráveis à inconstitucionalidade da participação de pessoas jurídicas no financiamento eleitoral.00 que um candidato pode receber por cada contribuinte particular. eu pergunto: precisam ser tão caras? Naquele país. empresários de setores dependentes ou fortemente regulamentados pelo Estado. uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa”. restou às forças econômicas do país atuar no financiamento das campanhas. “[a]s técnicas eleitorais do passado perdem sua eficácia. a captura do processo democrático é resultado principalmente da conjugação da falta de limites efetivos para despesas e doações eleitorais com o financiamento por empresas privadas de partidos e campanhas eleitorais. resultado da aliança entre as elites oligárquicas dos estados de São Paulo e de Minas Gerais. qual o interesse de as empresas realizarem doações para campanhas eleitorais? Eis o método vicioso: de um lado. Victor Nunes Leal já ressaltava.25 Como anota Barbosa Lima Sobrinho. que se manifestava. Com o advento da República. Surgiu. tanto que fazem doações simultâneas para candidatos adversários. Como consequência. na República Velha. Nas suas palavras. Nesse novo modelo. Para ser senador. Ademais. de outro. esquece a antiga brutalidade dos processos policiais e adota as luvas de pelica do poder econômico”26. os limites de doações baseado na renda do doador perpetuam a decisiva influência econômica sobre o pleito eleitoral. obediente aos novos tempos. sem o voto de cabresto. o coronelismo era “antes uma forma peculiar de manifestação do poder privado. a chamada “política do café com leite”. (…) O poder político. temos uma corrida desenfreada por recursos. a qual tinha como base o “coronelismo”. A renda também estava presente nos requisitos de elegibilidade. hoje. de se impedirem as fraudes eleitorais e de se garantir o voto secreto. Por outro lado. com interesses em algum setor de atuação do Estado. Sem o voto censitário. o limite de gastos dos candidatos à presidente da República é de € 18. talvez. com a criação da Justiça Eleitoral e a preocupação. afastou-se o voto censitário. com custos de campanha cada vez mais altos. financia . ficando partidos e candidatos reféns das contribuições e de seus doadores. a cada eleição. Na França. por exemplo. por exemplo. Antes. ou seja. quem estabelece o teto de gastos é o próprio partido político. No Brasil. percebe-se que o financiamento eleitoral pelos grandes grupos econômicos nada mais é do que uma reminiscência dessas práticas oligárquicas e da participação hipertrofiada do poder privado na nossa realidade eleitoral. nas eleições.3 milhões (com segundo turno). com perspicácia. partidos e candidatos buscando fontes para custear suas dispendiosas campanhas. Qual a relação? Um grande grupo econômico. atinja o cerne de muitos dos problemas que hoje vivenciamos. um olhar atento sobre a participação de pessoas jurídicas no processo eleitoral. as empresas não têm ideologia. já que não impedem que a desigualdade de recursos entre os concorrentes seja fator preponderante para o sucesso na disputa. Ora. Sendo assim. Nesse contexto. mas os analfabetos continuavam afastados do processo eleitoral. cada vez maior. mas tem um custo”. IV. as empreiteiras e as grandes indústrias. Mas. 45. da Constituição de 1824). diz-se com frequência que “a democracia não tem preço. a natureza desse fenômeno histórico. o cidadão tinha de ter uma renda anual de no mínimo 800 mil réis (art. na forma do “voto de cabresto”. diante da nova realidade política.qual o exercício do voto era condicionado pela condição econômica. contudo. as elites agrárias – os produtores de cana-de-açúcar e de café –. as elites empresariais – as instituições financeiras. desde que dentro de limites. estimulando-se a reaproximação entre partidos políticos. com a cooperação e o compartilhamento de informações com instituições financeiras e autoridades fiscais. O candidato eleito. observando-se a proporcionalidade da representação política expressa nas urnas pela vontade popular. a duração atual tem-se mostrado dispersiva e desgastante. a Justiça Eleitoral. tais como: (i) exigência de os partidos informarem as doações para os candidatos. celeridade e eficiência na análise das contas. Outra proposta que merece reflexão é a redução do tempo de campanha eleitoral de 90 para 45 dias. O dinheiro investido nas doações acaba retornando para as empresas na forma de contratos. o cidadão retomará seu imprescindível papel no exercício da soberania. ainda. sem distinção. como detentor por excelência da soberania popular. o tempo da propaganda gratuita no rádio e na televisão de seis para três semanas. enfim: lucro. há sempre o risco de que os partidos e os candidatos busquem a via das doações proibidas e acima dos limites legais ou que retomem o chamado “caixa 2”. Para mitigar esses riscos. afastado o financiamento por empresas privadas e fixados limites uniformes de gastos e de doações por pessoas físicas. o direito. com recursos do Tesouro Nacional. os ilícitos eleitorais. empréstimos subsidiados. conforme já previsto na lei partidária brasileira. de modo a aprimorar o formato dos programas – que devem focar as propostas dos candidatos e seus planos de governo – e a limitar os efeitos tecnológicos e pirotécnicos. indicando os doadores originários. além de deixar o país inerte por meses com a paralisação do Legislativo e do Executivo. no julgamento ainda em andamento da ADI 4. sendo obrigatória a constituição de advogado. É o que chamo de financiamento democrático das eleições: o financiamento privado de partidos e candidatos. São medidas simples. evitando assim a chamada doação oculta. candidatos e eleitores. viabilizando sua análise antes das eleições. que. é importante reduzir-se. assim. tem buscado evoluir para fiscalizar e reprimir. e (v) imposição de penas . De toda sorte. financiarão novamente as eleições seguintes. a quem cabe fiscalizar o aporte de recursos para o jogo político democrático. (ii) a assinatura das contas de campanhas por profissional de contabilidade. de modo mais eficiente. (iv) maior eficácia. no sentido de não ser admitida pela nossa Carta a vedação da participação do indivíduo na manutenção e no apoio financeiro aos partidos e às candidaturas de sua preferência. Exatamente por isso já me pronunciei no STF. favorece os interesses daqueles que o financiaram. recebendo essas benesses. com mais duas semanas para o segundo turno. e assim por diante.as campanhas eleitorais dos principais concorrentes. (iii) apresentação de contas de campanhas parciais com a indicação dos doadores. defesa de seus interesses. com limites isonômicos. pelos próprios eleitores aliado à manutenção do Fundo Partidário. o debate acerca do financiamento eleitoral foi muitas vezes reduzido a uma solução bifurcada entre o financiamento público exclusivo e o financiamento privado por parte de pessoas naturais e jurídicas. O cidadão tem. É um investimento! Uma proposta: o financiamento democrático das eleições No Brasil. quando empresas doam para candidatos por meio dos partidos. Dessa forma. Além do evidente benefício de reduzir os custos das campanhas.650. no exercício do seu mandato. gerando gastos elevados e pouco contribuindo para pôr em relevo temas de real interesse da população. Nessa mesma linha. de contribuir financeiramente para a vida democrática. Fávila. 37-38. p. 12 CARVALHO. cit. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Brasília: Câmara dos Deputados. 15 NICOLAU. jan. 11 NICOLAU. p. cit. 44. a importância da divulgação das contas de campanha na internet. cit. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. 7 CÂMARA. ed. 2 Idem. p. 31 5 Idem. p. op. 38. cit. p. 17 Idem. 16 Idem. 101. anais. sessão de 25/05/1880. 131. Rio de Janeiro: Forense. . sem prejuízo de eventual responsabilização em ação penal. O “voto consciente e livre” do cidadão incentiva o controle recíproco entre os partidos. 2013. n. Quem pode e como deve ser financiada a democracia? O caminho é sempre proteger a base democrática. sessão de 19/06/1880. p. anais. José Murilo de. Cadernos Adenauer. 2005. 167. 15/05/1965. 3 CARVALHO. p. Resenha Eleitoral. p. p. 1983. a qual possibilita uma maior transparência e um maior conhecimento pelo eleitor dos financiadores do seu candidato. 2012. 35. discutir financiamento eleitoral é discutir o próprio financiamento da democracia. 146. 23 Idem. p. 312. op. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A regulação do financiamento político no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. 13 ASSIS BRASIL. 20 Idem. op. Brasília: Senado Federal. Rio de Janeiro: Fundação KAS. 234. p. p. 4 Idem. Coronelismo.-jun. Victor Nunes. 45.severas como a perda do mandato ou dos recursos do fundo partidário e a proibição de contratar com o poder público. 42-43. p. Cíntia Pinheiro Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 40. Direito Eleitoral. 34. p. 39 10 CARVALHO. Destaque-se. 22 SOUZA. por fim. Manoel Rodrigues. Joaquim Francisco de. 7. 29. op. Jairo. v. Notas: 1 FERREIRA.. VI. p. História do voto no Brasil. antologia. p. n. 19 Idem. ajustando sua conduta às exigências da opinião pública e aos parâmetros legais. enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 167. 157. 24 SPECK. 36-37. 1988. 40. 14 RIBEIRO. Enfim. 8 CÂMARA. 2002. cit. Bruno Wilhelm. 21 Diário do Congresso Nacional. 2001. além do constante e relevante acompanhamento da imprensa. 6 CARVALHO. 2. A evolução da regulação do financiamento de campanha no Brasil (1945-2006). a soberania popular. p. 25 LEAL. p. p. 3. p. p. 2001. p. 3181. 18 CARVALHO. A democracia representativa na República. 36. op. a liberdade de voto e a confiança e a integridade das políticas estatais. 9 CARVALHO. p. As contribuições de pessoas jurídicas a todos os candidatos somaram mais de R$ 579 milhões. De 1822. Uma contradição. Alternância no poder. ano da primeira legislação eleitoral brasileira. a figura central do processo eleitoral. o voto dado é o voto efetivamente computado. v. somos a quarta maior democracia do mundo. Evolução dos sistemas eleitorais. set. também aumentam as tentativas dos setores capitalistas de capturar esta voz. Nas campanhas dos candidatos que concorreram ao segundo turno. um panorama histórico O sistema eleitoral brasileiro é um reflexo da formação histórica e política do país. Sob outra ótica. controle dos abusos dos poderes político. A identificação biométrica.26 SOBRINHO. n. Revista de Direito Público e Ciência Política. por meio do financiamento eleitoral. com igual valor para todos. Foram gastos por todas as candidaturas mais de R$ 648 milhões. se dentro das regras do jogo. com base no Estado Democrático de Direito e com forte verniz social. Com mais de 142. o que corresponde a mais de 90% do total dos recursos gastos. As contribuições de pessoas físicas corresponderam a apenas 2% do montante utilizado. 1961. que refundou a Nação. . Com as urnas eletrônicas. mediante campanhas livres e equânimes que concretizem a genuína vontade popular.Desafios da quarta maior democracia do mundo Em 1988. foram 192 anos de vida eleitoral. Barbosa Lima. Desde então. Nosso processo de democratização ainda não foi capaz de evitar que. econômico e dos meios de comunicação. 3. Os caminhos da cidadania e do voto no Brasil. Os dados são incontestes: a democracia brasileira tem sido financiada pelos grandes grupos empresariais. Na proporção em que aumenta a participação popular na base democrática. que geraram a lei de combate à compra de votos e a lei da ficha limpa. Somos uma sociedade capitalista. Mas. ainda há muito a refletir e a avançar no esforço constante de aprimorar o processo democrático de escolha dos nossos representantes políticos. a fraude e o abuso. Quer antes. Rio de Janeiro. e não os grupos econômicos. p./dez. após a Índia. os Estados Unidos e a Indonésia. O presente ensaio é o resultado de uma série de reflexões acerca do exercício da cidadania e da democracia no Brasil. Meios de participação popular como a iniciativa de leis. e parte de uma perspectiva histórico-normativa sobre a influência do poder econômico na formação da cidadania nacional e na captura do nosso processo democrático por meio do sistema de financiamento eleitoral. A campanha eleitoral de 2014 para presidente da República foi a mais cara da nossa história. 39. administrativo. Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). pois é o cidadão. respectivamente. R$ 350 milhões e R$ 223 milhões. foram gastos. como a garantia de que cada eleitor expresse uma única vez sua vontade nas urnas. a cidadania seja capturada pelo poder econômico. o Brasil vive o maior período de estabilidade democrática de sua história: 26 anos ininterruptos de Democracia! A soberania popular concretiza-se pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto do cidadão. IV. Será ilegítimo se derivar para a corrupção. a presença massiva das empresas privadas acaba por apequenar a participação do cidadão na disputa. quer depois das eleições! É legítimo. até as eleições gerais de 2014.8 milhões de eleitores. foi promulgada a atual Constituição brasileira. permitindo que a maioria da população brasileira trabalhadora votasse. Em 19 de junho de 1822. o voto passou a ser facultativo. A Constituição outorgada de 1824. foram realizadas as primeiras eleições gerais. Vários eram os especialistas em burlar as eleições: o cabalista fornecia as provas para a comprovação da renda legal exigida. o que possibilitava uma maior participação política. inclusive os analfabetos. Para se ter eleições diretas. com o voto dos analfabetos. os criados da Casa Real que não fossem de galão branco. o voto direto no Brasil. como os proprietários de terras ou os altos assalariados. Com a edição da Lei Saraiva. ora com autorização indireta. as mulheres não tinham direito ao voto. entre os “homens bons”. “de acordo com o censo de 1872. permitia-se que os analfabetos votassem. No entanto. na mesma linha. os analfabetos foram proibidos de votar e a renda exigida para ser eleitor aumentou para 200 mil réis. excluídos os assalariados (exceto os guarda-livros e primeiros caixeiros de casas de comércio. mais independente”6. as eleições eram uma disputa pelo domínio político local e o voto. votavam”4. José Bonifácio de Andrada e Silva expede a Decisão nº 57 Reino – considerada a primeira lei eleitoral brasileira –. excluídos os escravos. mais rica e. O excesso de participação popular e o crescimento do movimento abolicionista começavam a preocupar. O voto passava a se assentar sobre bases econômicas. portanto.Desde o período colonial. As eleições eram reguladas pelas Ordenações do Reino e tinham caráter estritamente local. “[para os padrões da época. Exigia-se do eleitor ser casado ou ter a idade mínima de 20 anos. e o povo elegia os eleitores. já havia nas primeiras vilas e cidades uma tradição democrática expressa no direito do voto. não havendo qualificações prévias1. Conjugava-se o voto censitário. baseado na renda. pela primeira vez. Tratava-se da eleição dos representantes do povo brasileiro nas Cortes de Lisboa e “o povo votava em massa. 13% da população total. Segundo análise de José Murilo de Carvalho. os representantes das câmaras municipais. Em 1821. Eram eleitores os homens com pelo menos 25 anos de idade e com renda mínima de 100 mil réis por ano. nas quais se incluíam nas atas fraudulentas o voto de eleitores falecidos ou fictícios. em 1881. Conforme aponta o autor. a qualificação dos eleitores era uma . e os escravos sequer eram considerados cidadãos. o fósforo fazia-se passar pelo eleitor fictício e o capanga eleitoral era o responsável pela proteção dos partidários e pela ameaça e pelo amedrontamento dos adversários5. não havendo qualquer restrição ao voto”2. estabelecendo as instruções sobre as eleições para a Assembleia Geral Constituinte de 1823. Uma vitória dos Liberais. e os administradores de fazendas rurais e fábricas) e os mendigos. era importante “reduzir o eleitorado à sua parte mais educada. Em contrapartida. inspirada na Constituição Revolucionária Francesa (1791). O sufrágio era universal. Era o tempo das “eleições a bico de pena”. Durante o Império. sendo privilégio daqueles mais abastados. regidas pelo Decreto de 7 de março. um ato de obediência forçada ou de lealdade ou gratidão. permitindo-se a ausência de assinatura nas cédulas ou que elas fossem assinadas por outrem. Nesse período. que adotava o método estabelecido na Constituição Espanhola de Cádiz (1812). uma vez que a renda exigida era considerada baixa. definiu quem teria o direito de votar. a legislação brasileira era muito liberal”3. Segundo se observa nos debates legislativos da época. ora com autorização expressa da legislação. os quais escolhiam. adotou-se. com critérios rígidos de comprovação. Com isso.) Eis o que o projecto arreda. Permaneciam excluídos os analfabetos. (. de ilustração. o comparecimento foi de 2. os principais cargos de poder do país passaram a ser eleitos. Nas palavras do parecer da comissão encarregada de examinar o projeto da reforma eleitoral.6% da população foi às urnas12. Com a República. é o elemento arbítrio. o eleitor apresentava duas cédulas eleitorais. os capangas e as “eleições a bico de pena”. cujo elo primário era a “política dos coronéis”. conforme retratado por Victor Nunes Leal.8 Com a exclusão dos analfabetos e critérios mais rígidos de comprovação da renda. Eis a defesa dos legisladores às restrições: Sr.8% da população total. Com o coronelismo. acrescidas ao fato de o alistamento e o voto não serem obrigatórios. No Manifesto da Aliança Libertadora do Rio Grande do Sul ao País.. assim como de independência para exercê-lo. Quanto à base democrática. depois. Sr. para presidente da República. o elemento corrupção. Com essas restrições. e seu inerente sistema de reciprocidade. nesse período. o elemento phosphoro. Ainda estavam presentes os cabalistas. 5.) o voto deve pertencer sómente aquelles que têm uma certa somma de conhecimento. as mulheres. o elemento povo. para a Câmara dos Deputados. em 1930. Nas eleições de 1894. a participação “de uma massa de cidadãos mais fracos e menos civilizados fez progressivamente baixar o nível da capacidade do corpo eleitoral”7. e da obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário resulta para o estado o direito inauferível de privar o voto do analphabeto. a chamada “política dos governadores”. Uma cédula era depositada na urna e a outra ficava em poder do eleitor.. os fósforos. que. Assis Brasil bem resumiu o caos do processo eleitoral na época: . votaram nas eleições parlamentares pouco mais de 100 mil eleitores.forma de se promover a lisura das eleições. Houve um corte de quase 90% do eleitorado”9. as quais eram assinadas perante a mesa eleitoral e. Não é o elemento trabalho. algumas alterações foram feitas: aboliu-se o voto censitário. datadas e rubricadas pelos mesários. Com a Revolução de 1930...2% da população10.. desde 1893. mas o direito de voto era assegurado apenas aos homens maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever. Permaneceram as restrições ao direito de voto implementadas com a Lei Saraiva. pois bastava exigir a cédula como prova do voto dado. dá-se a manipulação do voto pelos chefes locais. Teodoreto Souto: (. as eleições durante a Primeira República (1889-1930) tiveram baixa taxa de comparecimento. “em 1886. Com o “voto a descoberto”. Sobressai. ganhou força a voz de Assis Brasil.. as lideranças tinham um controle absoluto do voto dos eleitores. Ruy Barbosa: (. o elemento probidade.6%11. Em 1912. mas as fraudes e o controle do voto pelas oligarquias regionais continuaram. já defendia a busca pela “verdade do voto” e pela “verdadeira representação”. em torno dos quais se arregimentavam as oligarquias locais. visando conferir maior legitimidade aos resultados das eleições e expurgar do processo eleitoral as práticas deletérias da velha política oligárquica brasileira. Na última eleição para Presidência da Primeira República. votaram 2. os mendigos. Essa restrição teve efeito duradouro: a vedação do sufrágio pelos iletrados só deixou de existir mais de cem anos depois.) A ignorância é um obstáculo que cada um póde vencer. ou 0. ocorreram as primeiras eleições da história brasileira com uma significativa participação popular. mantendo a orientação de ampliar a participação política. a Justiça Eleitoral. ainda. votaram 12. desde a Independência. ultrapassando-se a participação eleitoral de 1872. Segundo José Murilo de Carvalho. que passou a ser o órgão da nação responsável pela organização. foi promulgada a Emenda Constitucional 25. seja respeitado na apuração da apuração.Ninguém tem certeza de ser alistado eleitor. 13. Ninguém tem certeza de que lhe contém o voto. que regulou as eleições de 1945 para presidente da República e para os Constituintes.7 milhões”20. mais uma vez. foi editado. na América Latina. curiosamente. a experiência democrática. maiores de 18 anos. e o fez antes de países como a França (1944). de 1932). Essa medida acabou com a restrição fixada . “foi o período mais longo. se porventura votou.4% da população votou.438 milhão em uma população de 36. nas de 1982. o qual trouxe uma série de conquistas democráticas.. reduziu a idade mínima do eleitor de 21 para 18 anos. também conhecido como “Lei Agamenon”. interrompeu-se a incipiente experiência democrática da década de 1930. como o voto secreto e o primeiro modelo de representação proporcional do país. Outra garantia histórica foi o direito de voto às mulheres. Fávila Ribeiro ressalta o modelo institucional da Justiça Eleitoral como eficiente “medida de sabedoria política”14.586/45 –. Sob responsabilidade da Justiça Eleitoral – restabelecida pelo Decreto-lei 7. pela fiscalização e pelo julgamento das eleições. Mas. Com a redemocratização. Mas “o contingente de adultos cadastrados para votar na primeira eleição (1933) ainda foi baixo: 3.5 milhões de eleitores. o Decreto-lei 7. nas eleições senatoriais de 1970 votaram 22. Com o fim do regime militar. Ressalte-se que. mesmo depois de contado. não atuam sucessivamente em duas eleições para os mesmos cargos. a partir de 1964. foram mantidas as eleições diretas no âmbito dos legislativos federal e estaduais e.).9% (1. foi seguida de um período ditatorial. Durante o regime militar. Como ressalta Jairo Nicolau. nas eleições presidenciais.13 Como resultado da Revolução de 1930.. assim. Onze anos se passariam sem eleições no Brasil. 48.4 milhões. Ninguém tem certeza de que esse voto. “em 1960. Embora permanente a instituição. em 1945. o Brasil foi o segundo a reconhecer esse direito. após o Equador (1929). no chamado terceiro escrutínio (. Foi criada. sendo um grande marco da democracia no Brasil. sem eleições para a Câmara dos Deputados”17. antes da Lei Saraiva. Seus magistrados não passam de quatro anos no exercício da função eleitoral e. Ninguém tem certeza de votar. Tudo concentrado no Poder Judiciário! Seu desenho constituiu peculiar e criativo sistema de controle das eleições. permaneceu a tendência de crescimento do eleitorado iniciada em 194519. de 1985. se porventura foi alistado. Foram dissolvidos os partidos políticos e fechados o Congresso Nacional e a Justiça Eleitoral. Esse contínuo crescimento do número de eleitores também ocorreu nas eleições de 1950 (15. a Itália (1946) e a Bélgica (1948)15. conjugando a tecnicidade e a imparcialidade do Judiciário com a temporariedade do exercício da função eleitoral. o que foi mantido na Constituição de 1946. O voto passou a ser obrigatório para os brasileiros alfabetizados de qualquer sexo.076.974 milhões)”16. ela não tem quadro próprio. O pleito ocorreu em 2 de dezembro de 1945. concedendo o direito de voto para os analfabetos.586. A Constituição de 1934.9%) e de 1960 (18%)18. Com o golpe de 1937. foi editado o Código Eleitoral (Decreto-lei 21. Pela primeira vez. com a seguinte justificativa: A finalidade do art.740. nas eleições municipais de 1985. 56. As legislações eleitorais dos períodos do Império e da República Velha não regulavam o financiamento das campanhas eleitorais. impedindo a afluxo abusivo do poder econômico. além da obrigação de manter escrituração das suas receitas e despesas. Os exemplos de corrupção eleitoral no Brasil aí estão a demonstrar a incontrastável influência das organizações e grupos capitalistas privados. os analfabetos votaram pela primeira vez na história republicana do Brasil. a). concretiza-se pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto do cidadão. o voto deixou de ser baseado na renda. como posto no art. Finalmente. Essa restrição não constava na versão original do projeto de lei.164. só 3% da população votou para presidente da República. mas foi inserida por emenda substitutiva apresentada pelo deputado Noronha Filho. 14 da Constituição Federal. vedado aos partidos receber contribuição de procedência estrangeira. na . com igual valor para todos. o eleitorado chegou a mais de 13% da população brasileira. O Decreto-lei 9. Em 1881. 143). escolhendo seus representantes. Com a Constituição de 1988. a preocupação normativa com o financiamento eleitoral é fato recente. mas. No que tange à Presidência da República. as mulheres não votavam. Atualmente. vedou-se o voto dos iletrados – o voto passaria a ser direto e a abolição da escravatura era questão de tempo. precisando a origem e a aplicação dos recursos (art. e deixa a porta aberta para a arremetida corruptora do poder econômico privado. IV). Na sequência. o percentual de votantes é de 75% da população brasileira. O princípio republicano de que o povo se autogoverna. de 1950.pela Lei Saraiva e que permaneceu no Brasil por mais de um século. nacionais e estrangeiros. a universalização ocorreu após a Constituição de 1988. com a impossibilidade de o analfabeto votar. Já a Lei 1. os analfabetos votavam. 26. Somente após a redemocratização e a Constituição de 1946. Eis. eis que tenta barrar a investida de corrupção de origem estatal ou governamental. Até 1932. de 1965 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos – inovou em relação à legislação anterior. Evolução normativa do financiamento eleitoral no Brasil Se o direito de voto remete a uma tradição de séculos no Brasil. nossa base democrática foi consideravelmente ampliada. receber de autoridade pública recursos de proveniência ilegal. de 1946. para os maiores de 70 anos e para os que têm entre 16 e 18 anos. 144). então. a Lei nº 4. inc. nas eleições presidenciais de 1989.258. Foi. Embora o voto fosse censitário. que instituiu o Código Eleitoral exigiu dos partidos a fixação de limites de gastos e de doações. Somente em 1945. proibiu os partidos de receberem contribuições de procedência estrangeira (art. proibindo as doações de empresas privadas de finalidade lucrativa (art. Na primeira eleição da República. é que foram editadas as primeiras normas dedicadas a regulamentar o financiamento dos partidos políticos. o Brasil teve um número de eleitores maior que durante a Primeira República. e receber contribuição de sociedades de economia mista ou das empresas concessionárias de serviço público (art. ainda. o projeto é vesgamente unilateral. Entretanto. o caminho tortuoso da cidadania brasileira: No Império. O voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para os analfabetos. 70 é velar pela pureza dos partidos políticos. graus.713/93. Não se pode moralizar pela metade. que. na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. foram vedadas. modalidades e latitudes. que regulou de forma definitiva as eleições no país. As quantias gastas haviam sido “assombrosas” e. a Lei das Eleições. IV). Em 2006 e em 2009. a exemplo do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). a legislação que proibia a doação de empresas foi caracterizada como “hipócrita”.504. A alteração legislativa foi resultado dos escândalos envolvendo a campanha do presidente Collor de Mello (1989) e do seu impeachment (1992). Em resumo. Note-se que essa restrição entrou em vigor num período de crescimento do partido de oposição – o MDB – nos centros urbanos. a qual vedava. [em todos] os seus aspectos. organizados em conjunto com empresários nacionais. O fundo foi o mecanismo adotado para viabilizar o subsídio estatal direto aos partidos e às campanhas eleitorais. foram as leis que se seguiram e que regem o financiamento político até hoje. a ampliação da base democrática pós-Constituição de 1988 e o pluripartidarismo. que passou a receber dotações orçamentárias da União de forma permanente (art. 38. os pleitos eleitorais passaram a ser disciplinados pela Lei 9. citado na justificativa do projeto. a Lei 5. O caso do Ibad é um desses exemplos. permitindo-se que empresas privadas com fins lucrativos contribuíssem com o financiamento dos candidatos na campanha de 1994. o financiamento das campanhas eleitorais ficou limitado. basicamente. às doações de pessoas físicas. a competição eleitoral ficou mais acirrada e os custos das campanhas aumentaram consideravelmente. Na mesma direção. também. entidades de utilidade pública e pessoas jurídicas sem fins lucrativos que recebam recursos do exterior.deformação da vontade popular e na fraudação da representatividade eleitoral. eram reguladas por legislações temporárias e específicas para cada pleito. além das contribuições de empresas privadas. embora criado desde 1965.096/95. sindicatos. como as relativas a entidades estrangeiras. No mesmo sentido da lei de 1993. Em 1971. até então. atual Lei dos Partidos Políticos.21 A vedação legal teve como fator determinante a ligação entre grupos empresariais estrangeiros e a criação de grupos de direita. onde a sindicalização era mais forte23. uma posição mais maleável. o Fundo Partidário. adotou-se. de entidades da administração indireta ou concessionárias de serviços públicos. as doações de entidades beneficentes. A referida legislação também reforçou o Fundo Partidário.22 A Lei 4. Com a Lei 8. com algumas vedações tópicas (art. A partir de 1997. religiosas e esportivas. Suprima-se a influência nefasta do poder econômico nos pleitos eleitorais.682 revogou a lei anterior e instituiu uma nova Lei dos Partidos. 31). ficando vedadas as contribuições de entidades ou governos estrangeiros. concessionárias ou permissionárias de serviço público. de autoridades ou órgãos públicos. as doações de entidades de classe ou sindical. foram permitidas doações por empresas privadas. ressalte-se. para apoiar eleitoralmente grupos anticomunistas. admitiu o recebimento de doações de pessoas jurídicas. ressalvadas as dotações do Fundo Partidário. bem como para compensar a vedação das doações de empresas. “irreal e excessivamente rigorosa”. Nesse período.740/65 também criou o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos. e de entidade de classe ou sindical (art. 24). inc. A Lei 9. então. não movimentava recursos financeiros significativos. organizações não governamentais que .24 Com a redemocratização. aos recursos dos próprios candidatos e dos partidos políticos. com a atribuição de regular e fiscalizar o financiamento eleitoral. em abril de 2014. acusações de que o então presidente Theodore Roosevelt estaria favorecendo grandes empresas doadoras da sua campanha presidencial resultaram na edição. Foi mantido como válido o limite de US$ 2. em 1904.00 que um candidato pode receber por cada contribuinte particular. Uma distorção da igualdade de participação no processo eleitoral! Note-se que não se estabeleceram limites legais para as despesas dos partidos e dos candidatos nas campanhas. comunicando à Justiça Eleitoral (art.recebam recursos públicos e organizações da sociedade civil de interesse público.300 estabeleceu que cabe à lei fixar o limite de gastos de campanha até o dia 10 de junho do ano eleitoral. da Lei 9. 81. foi editado o Taft-Hartley Act. . § 1º. uma agência federal independente. por entender como violadora da proteção à liberdade de expressão. em 1907. são os próprios partidos políticos que têm definidos os limites de gastos nas campanhas. os chamados PAC (Political Action Committees). a Lei 11. Como a lei nunca foi editada. sindicatos.600. em 1974. remanescendo a mesma norma desde o Código Eleitoral de 1950: os partidos e coligações comunicam à Justiça Eleitoral os valores máximos de gastos que farão por candidatura em cada eleição (art. Os sindicatos passaram então a organizar comitês independentes de apoio a candidatos. associações ou indivíduos. por seu turno. Com essa decisão. Em 1947.504/97). em muitos países. A essa prática. caberá a cada partido fixar o limite de gastos. após relatos de abusos financeiros na campanha de Nixon (1972) e a eclosão do escândalo Watergate. Em 2010. Na década de 1970. no Brasil. mediante financiamento de seus próprios membros. surgindo. Nos Estados Unidos. e art. no qual reverteu entendimentos anteriores para declarar que as corporações e os sindicatos têm o direito constitucional de realizar gastos independentes visando apoiar determinados candidatos. assim denominados porque podem realizar gastos independentes sem limitação e levantar recursos ilimitadamente junto a empresas. não sendo essa editada. durante a era do New Deal. do Tillman Act. a Federal Election Commission (FEC). abriu-se caminho para o surgimento dos superPAC. o tema do financiamento político também tem sido objeto de decisões da Suprema Corte.504/97). Em 2006. os tetos de doação fixados em 1993 de forma proporcional ao rendimento ou ao faturamento do doador no ano anterior às eleições. o qual estendeu a proibição aos sindicatos. no caso McCutcheon vs. mas.504/97). as reformas mais profundas sobre financiamento eleitoral foram decorrentes de escândalos envolvendo doações ou corrupção. também aderiram as empresas. da Lei 9. 23. a Corte declarou inconstitucional a limitação (agregada) de contribuição que uma pessoa física pode fazer em determinado período. a Suprema Corte americana proferiu polêmica decisão no caso Citizens United vs. Foram mantidos. o qual proibia contribuições de empresas e de bancos nas eleições federais. 17-A. bancos. Mais recentemente. FEC. assim. Nos EUA. O financiamento eleitoral nos EUA e na França Assim como no Brasil. da Lei 9. O limite de doação das pessoas jurídicas é de 2% de seu faturamento bruto e o das pessoas físicas é de 10% de seu rendimento (art. § 1º. posteriormente. foi criada. FEC. 18. após o impeachment do presidente Collor de Mello (1992). Os escravos – força de trabalho do país – não votavam e não eram sequer considerados cidadãos. Em 1990.650. O limite de gastos dos candidatos à Presidência da República. mantendo a unidade da América Portuguesa. o acordo tácito entre a monarquia e os escravocratas. mas faltam os votos de quatro ministros para a conclusão do julgamento. a proibição da participação de pessoas jurídicas no financiamento eleitoral e partidário. A captura da democracia pelo poder econômico A relação entre Estado. Como já mencionado. Era preciso. No final do Império. por exemplo. Os analfabetos. que se manifestava. Esse tema também está em discussão no STF. na . Para ser senador. em 1993. com a criação do exército nacional. resultado da aliança entre as elites oligárquicas dos estados de São Paulo e de Minas Gerais. no qual o exercício do voto era condicionado pela condição econômica.600 por eleição. podendo aqueles que concorrem no segundo turno elevar seus gastos até € 18. contudo. A influência econômica também estava institucionalizada na política do voto censitário. a qual tinha como base o “coronelismo”. vem a queda do Império (1889). 45. garantiu a unidade e a paz nacionais. na fiscalização da utilização dos recursos e na publicidade da contabilidade dos partidos. foi abolida a escravidão no Brasil (1888). Coincidência? Sete anos depois da Lei Saraiva (1881) e a proibição do voto dos iletrados. após denúncias na campanha de François Mitterrand. são admitidas as contribuições de pessoas físicas para candidatos no limite de € 4. com a conquista do voto direto. da escravidão à sua abolição. estabeleceu-se teto de contribuições e. mas os analfabetos continuavam afastados do processo eleitoral. A renda também estava presente nos requisitos de elegibilidade.500 por ano. sob o fundamento de se acabar com o chamado “caixa 2” (doações não declaradas) e de se permitir um maior controle da prestação de contas. A Corte iniciou o julgamento da ADI 4. a chamada “política do café com leite”. a liberdade dos escravos era iminente. que se encontra suspenso em razão do pedido de vista formulado pelo ministro Gilmar Mendes. No período colonial e no Império. por seu turno.3 milhões. Já há maioria de votos favoráveis à inconstitucionalidade da participação de pessoas jurídicas no financiamento eleitoral. o teto é de € 7. em 1995. afastou-se o voto censitário. excluir “a massa dos cidadãos fracos e não civilizados”. urgentemente. apesar dos escândalos a opção foi inversa. da Constituição de 1824). após a abolição. No Brasil. ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.7 milhões.Na França. A França conjugou um programa de financiamento público com um rígido sistema de controle. por exemplo. No caso de doações a partidos políticos. O programa de financiamento público opera por intermédio de um mecanismo de ressarcimento parcial das despesas realizadas em campanha. a partir de 1988. nas eleições. o cidadão tinha de ter uma renda anual de no mínimo 800 mil réis (art. até o momento atual. haviam-se tornado um problema no processo eleitoral. Com o advento da República. baseado na definição de limites de gastos e de contribuições por pessoas físicas. na República Velha. passando pelo domínio da política pelas oligarquias regionais. E. é de € 13. passou-se a permitir as doações de pessoas jurídicas. foi instituído um rígido sistema de controle. IV. política e poder econômico tem sido uma constante no exercício da cidadania e nas práticas eleitorais no Brasil. Ademais. no qual o processo democrático é financiado pelos grandes grupos econômicos do país. com o avanço dos movimentos abolicionistas. Surgiu. no exercício do seu mandato. obediente aos novos tempos. É um investimento! Uma proposta: o financiamento democrático das eleições . de outro. Sendo assim. as elites empresariais – as instituições financeiras. Como consequência. o coronelismo era “antes uma forma peculiar de manifestação do poder privado. Nesse novo modelo. Ora. qual o interesse de as empresas realizarem doações para campanhas eleitorais? Eis o método vicioso: de um lado. Por outro lado. Nesse contexto. recebendo essas benesses. a captura do processo democrático é resultado principalmente da conjugação da falta de limites efetivos para despesas e doações eleitorais com o financiamento por empresas privadas de partidos e campanhas eleitorais. eu pergunto: precisam ser tão caras? Naquele país. percebe-se que o financiamento eleitoral pelos grandes grupos econômicos nada mais é do que uma reminiscência dessas práticas oligárquicas e da participação hipertrofiada do poder privado na nossa realidade eleitoral. partidos e candidatos buscando fontes para custear suas dispendiosas campanhas. tanto que fazem doações simultâneas para candidatos adversários. enfim: lucro. por exemplo. esquece a antiga brutalidade dos processos policiais e adota as luvas de pelica do poder econômico”26. empresários de setores dependentes ou fortemente regulamentados pelo Estado. Sem o voto censitário. com perspicácia. ou seja. Nas suas palavras. Victor Nunes Leal já ressaltava. No Brasil. sem o voto de cabresto. restou às forças econômicas do país atuar no financiamento das campanhas. empréstimos subsidiados. temos uma corrida desenfreada por recursos. as empresas não têm ideologia. “[a]s técnicas eleitorais do passado perdem sua eficácia. favorece os interesses daqueles que o financiaram. defesa de seus interesses. as empreiteiras e as grandes indústrias. o limite de gastos dos candidatos à presidente da República é de € 18. diante da nova realidade política. com a criação da Justiça Eleitoral e a preocupação. a cada eleição.3 milhões (com segundo turno). Qual a relação? Um grande grupo econômico. O dinheiro investido nas doações acaba retornando para as empresas na forma de contratos.forma do “voto de cabresto”. uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa”. os limites de doações baseado na renda do doador perpetuam a decisiva influência econômica sobre o pleito eleitoral. financiarão novamente as eleições seguintes. quem estabelece o teto de gastos é o próprio partido político. talvez. a natureza desse fenômeno histórico. financia as campanhas eleitorais dos principais concorrentes. as elites agrárias – os produtores de cana-de-açúcar e de café –. com interesses em algum setor de atuação do Estado. com custos de campanha cada vez mais altos. que. Antes. de se impedirem as fraudes eleitorais e de se garantir o voto secreto. e assim por diante. já que não impedem que a desigualdade de recursos entre os concorrentes seja fator preponderante para o sucesso na disputa. Na França. mas tem um custo”. ficando partidos e candidatos reféns das contribuições e de seus doadores. hoje. Mas. atinja o cerne de muitos dos problemas que hoje vivenciamos.25 Como anota Barbosa Lima Sobrinho. Ademais. cada vez maior. O candidato eleito. diz-se com frequência que “a democracia não tem preço. (…) O poder político. um olhar atento sobre a participação de pessoas jurídicas no processo eleitoral. O “voto consciente e livre” do cidadão incentiva o controle recíproco entre os partidos. evitando assim a chamada doação oculta. Outra proposta que merece reflexão é a redução do tempo de campanha eleitoral de 90 para 45 dias. Destaque-se. sem distinção. além do constante e relevante acompanhamento da imprensa. ainda. com recursos do Tesouro Nacional. desde que dentro de limites.650. Nessa mesma linha. tais como: (i) exigência de os partidos informarem as doações para os candidatos. por fim. candidatos e eleitores. tem buscado evoluir para fiscalizar e reprimir. (iv) maior eficácia. gerando gastos elevados e pouco contribuindo para pôr em relevo temas de real interesse da população. o debate acerca do financiamento eleitoral foi muitas vezes reduzido a uma solução bifurcada entre o financiamento público exclusivo e o financiamento privado por parte de pessoas naturais e jurídicas. o cidadão retomará seu imprescindível papel no exercício da soberania. Além do evidente benefício de reduzir os custos das campanhas.No Brasil. Enfim. além de deixar o país inerte por meses com a paralisação do Legislativo e do Executivo. De toda sorte. a duração atual tem-se mostrado dispersiva e desgastante. com a cooperação e o compartilhamento de informações com instituições financeiras e autoridades fiscais. quando empresas doam para candidatos por meio dos partidos. Exatamente por isso já me pronunciei no STF. pelos próprios eleitores aliado à manutenção do Fundo Partidário. assim. o direito. no julgamento ainda em andamento da ADI 4. estimulando-se a reaproximação entre partidos políticos. É o que chamo de financiamento democrático das eleições: o financiamento privado de partidos e candidatos. de modo mais eficiente. Para mitigar esses riscos. no sentido de não ser admitida pela nossa Carta a vedação da participação do indivíduo na manutenção e no apoio financeiro aos partidos e às candidaturas de sua preferência. o tempo da propaganda gratuita no rádio e na televisão de seis para três semanas. a importância da divulgação das contas de campanha na internet. e (v) imposição de penas severas como a perda do mandato ou dos recursos do fundo partidário e a proibição de contratar com o poder público. São medidas simples. como detentor por excelência da soberania popular. com limites isonômicos. de contribuir financeiramente para a vida democrática. indicando os doadores originários. (ii) a assinatura das contas de campanhas por profissional de contabilidade. de modo a aprimorar o formato dos programas – que devem focar as propostas dos candidatos e seus planos de governo – e a limitar os efeitos tecnológicos e pirotécnicos. a qual possibilita uma maior transparência e um maior conhecimento pelo eleitor dos financiadores do seu candidato. viabilizando sua análise antes das eleições. O cidadão tem. é importante reduzir-se. . discutir financiamento eleitoral é discutir o próprio financiamento da democracia. Dessa forma. (iii) apresentação de contas de campanhas parciais com a indicação dos doadores. afastado o financiamento por empresas privadas e fixados limites uniformes de gastos e de doações por pessoas físicas. com mais duas semanas para o segundo turno. ajustando sua conduta às exigências da opinião pública e aos parâmetros legais. os ilícitos eleitorais. a quem cabe fiscalizar o aporte de recursos para o jogo político democrático. sem prejuízo de eventual responsabilização em ação penal. há sempre o risco de que os partidos e os candidatos busquem a via das doações proibidas e acima dos limites legais ou que retomem o chamado “caixa 2”. celeridade e eficiência na análise das contas. sendo obrigatória a constituição de advogado. a Justiça Eleitoral. conforme já previsto na lei partidária brasileira. observando-se a proporcionalidade da representação política expressa nas urnas pela vontade popular. p. 167. 24 SPECK. 36. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Bruno Wilhelm. 146. 3 CARVALHO. 23 Idem. p. 29. p. 38. Rio de Janeiro: Fundação KAS. Fávila. op. 2001. enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. anais. n. cit. Victor Nunes. p. p. 312. 26 SOBRINHO. p. Brasília: Câmara dos Deputados.com) . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 36-37.com. 35. 16 Idem. 131. cit. sessão de 19/06/1880. a liberdade de voto e a confiança e a integridade das políticas estatais. 167. p. José Murilo de. 15 NICOLAU. 19 Idem. 40. op. n. 25 LEAL. 45. Rio de Janeiro. História do voto no Brasil. p. Cíntia Pinheiro Ribeiro.. antologia. set. 2. 44. 18 CARVALHO. 40. n. cit. cit. Resenha Eleitoral. 1983. 34. p. p. p. Cadernos Adenauer./dez. 234. 39 10 CARVALHO.-jun. 1988. p. cit. Jairo. p. op. São Paulo: Companhia das Letras. 20 Idem. 13 ASSIS BRASIL. Tree (http://treedigital. 3. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A regulação do financiamento político no Brasil. anais. A evolução da regulação do financiamento de campanha no Brasil (1945-2006). p. p.Quem pode e como deve ser financiada a democracia? O caminho é sempre proteger a base democrática. 37-38. 3. 2005. p. Manoel Rodrigues. 21 Diário do Congresso Nacional. p. 22 SOUZA. ed. Rio de Janeiro: Forense. 42-43. 4 Idem. 9 CARVALHO. Barbosa Lima. p. IV. p. Evolução dos sistemas eleitorais. 1961. sessão de 25/05/1880. p. 7 CÂMARA. op. 2012. Notas: 1 FERREIRA. 157. VI. 2001. v. 2013. 2 Idem. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. op. 2016 ­ Revista Interesse Nacional ­ Todos os direitos reservados. p. 101. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. jan. 6 CARVALHO. p. 8 CÂMARA.br/) + WM (http://waltermattos. A democracia representativa na República. a soberania popular. v. 17 Idem. p. Revista de Direito Público e Ciência Política. Brasília: Senado Federal. Coronelismo. 12 CARVALHO. 3181. 2002. Joaquim Francisco de. Direito Eleitoral. 11 NICOLAU. 14 RIBEIRO. 15/05/1965. 31 5 Idem. 39. p. 7.
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