AS RELAÇÕES NATURAIS comédia em quatro atosPERSONAGENS: 1 Impertinente Consoladora Interpreta, 16 anos. Júlia Marca mulheres da vida. Mildona Um indivíduo Truquetruque Mariposa Inesperto, criado. Malherbe Rapazes. .. e para muitos. Vivo na cidade de Porto Alegre. Pedro do Sul. pretendia ao menos conversar com quem m'o havia oferecido Entretanto não sei se o farei! Não sei porém o que me inspirou continuar no mais improfícuo trabalho! Vou levantarme. capital da Província de S. já me parecia grande felicidade para esta freguesia o não dobrarem os sinos. Podendo estar em casa de .) São hoje 14 de maio de 1866. sem nada ver (muito zangado). continuá-lo. aproxima-se de uma mesa. e já que a minha ingrata e nojenta imaginação tirou-me um jantar. a oração pela alma desse a cujos dias Deus pôs termo com a sua Onipotente voz ou vontade! E será esta a comédia em 4 atos. — Império do Brasil. grita:) Leve o diabo esta vida de escritor! É melhor ser comediante! Estou só a escrever. e consultando a mim mesmo. Já se vê pois que é isto uma verdadeira comédia! (Atirando com a pena.ATO PRIMEIRO Cena Primeira IMPERTINENTE Já estava admirado. molha em tinta. a que denominarei — As Relações Naturais. e sem nada ler. (Levanta-se-se. e talvez escrever em um morto: talvez nesse por quem agora os ecos que inspiram pranto e dor despertam2 nos corações dos que os ouvem. . a escrever. E para eu mesmo não ouvir os tristes sons do fúnebre bronze! Estava querendo sair a passeio. e começa a escrecever. fazer uma visita. pega uma pena.. (Mais brabo'1 ainda. e por não ver a pessoa que ontem me dirigiu as mais afetuosas palavras! (Ao sair. veste-se. não sabes. e concluir este meu útil trabalho! (Caminha de um para outro lado. resmunga: toma tabaco ou rapé. — Ora. estou aqui me incomodando! Levem-me trinta milhões de diabos para o Céu da pureza. São? (mostrando-se indignada. formosa. Não vê que eu já estou aborrecido das mulheres! (Ã parte:) É preciso dizer-lhe o contrário do que penso! Como a sra. . e achaste5 que IMPERTINENTE CONSOLADORA .) Estava (ao aparecer) eu já ficando ansiado de tanto escrever. se eu pegar mais em pena antes de ter. encontra uma mulher ricamente vestida.) Vou portanto vestir-me. asseada e bela para tua companhia?! Pensas que ignoro o que pensas. .) Irra! Irra! Com todos os diabos! Vivo qual burro de carga a trabalhar! A trabalhar! Sempre a me incomodar! E sem nada gozar! Não quero mais! Não quero mais! E não quero mais! Já disse! Já disse! E hei de cumpri-lo! Cumpri-lo! Sim! Sim! Está dito! Aqui escrito (pondo a mão na testa). e dentro do peito! (Pondo a mão neste. o que fazes!? Não vês. coça a cabeça.JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO alguma bela gozando. chamada Consoladora. .. Sra. está feito. e sai da sala para um quarto. e batendo um pé no assoalho) — Bárbaro! Cruel! Não vives a pedir uma mulher jovem. .) Cena Segunda CONSOLADORA — Onde vai. meu caro Sr. e sai o mais jocosamente que é possível.? Não lhe preveni eu de que hoje teria em seu palácio a mais bela das damas de São. . e sair para depois rir-me. ora. não conheces que sou mágica!? Atrevido! Não te lembras que ainda ontem ou anteontem olhaste4 para mim. se abalança ainda a falar em damas na minha presença!? Só se são damas de folgar. Sim! Sim! Antes de ter numerosas moças com quem passe agradavelmente as horas que eu quiser. e depois de alguns saltos. o mais belo e mais agradável planeta que lá habitava? Não me pediste 6 que eu guiasse teus passos. — Ah! Ainda deixa-me a sobrecasaca! Pois irei com ela (Faz uma cortesia a ela e quer sair. minha! — Ah! (levantando-se) Sim: quer ir! Pois vá.AS RELAÇÕES NATURAIS eu era no Céu o mais lindo. que já estão um tanto velhos! (Para o público.) — Sim! Ficou ainda vestido! Pois há de ir sem chapéu. fica-lhe um boné de forma piramidal. . Cena Terceira (Entra ele com uma menina de 16 anos a quem conhecemos por Interpreta pelo braço. consegue jazê-lo. ele agarra com uma mão em cada perna. e tira-lhe a casaca. (Vai dirigir-se para tal fim.0 se continua deste modo.) — Senhora. eu sou cometa! (muito triste) — E não foi o tal cometa brilhar noutro hemisfério! Nunca mais atendo às petições de amparo. (Avança-se a ele para o tirar. ao transpor a porta") — Cuidado! Não se pise nestes tapetes. andando para . não bebes. nem a Sra. tuas palavras. Olha. guia. ou proteção a mais cometa algum. fique certa que me mato! É preciso ter juízo! Ao contrário. mas há de ir sem casaca! (Avança-se™ a ele. e sai aos pulos dizendo): Se és planeta.) CONSOLADORA IMPERTINENTE CONSOLADORA IMPERTINENTE CONSOLADORA CONSOLADORA IMPERTINENTE (para ela. tuas ações. nem serei eu. e diz-) Este homem é o diabo! Tiro-lhe as calças. . não sai daqui! (Pega uma cadeira e põe perto da porta de sair. não comes. Audaz!7 Pensas que eu não sei que ias atrás de mulheres! Para que queres mulher!? Não vives tão bem. não dormes tão descansado?! IMPERTINENTE (virando-se para o público) — Já se viu que sarna gálica me atormenta! Cruzes! (Benzendo-a.) Cruzes! Eu te desconjuro!8 — Já disse: o Sr. ficando ele de sobrecasaca). só milhares de males e transtornos se observarão na marcha geral da humanidade! — Hã! Hã! Hã!13 A menina está no mundo da lua! Ainda crê nas caraminholas que lhe encaixam na cabeça. desapareço de sua presença. olha. (Para ela. e que pretendo fazer de uma em cada mês. e que assim não sendo. como a segunda primorosa obra do Criador. . de seu avô torto. e muito menos de mentiras! (Sai. é a. . visto que segundo as últimas participações espirituais que tivemos.) (querendo pegá-la) — Meu anjo! deusa! Aonde vai! Venha cá! Minha INTERPRETA IMPERTINENTE INTERPRETA IMPERTINENTE INTERPRETA IMPERTINENTE . . pode dizer! — É uma das melhores que se podia encontrar nos maiores rebanhos desta. acompanhando este mono! Isto é um monte de carne. voltandose para ele) — Sabes que mais? Eu nunca me sustentei de palavras.JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO a frente:) Já se vê que a escolha que fiz hoje. o direito há muito que é morto! (à parte) — Em que caí eu.) Digo? Digo? INTERPRETA IMPERTINENTE — Se quiser. (aproximando-se. sem lei. — Pois chama rebanho às famílias que habitam esta cidade!? IMPERTINENTE12 — Pois o que é mais triste que um grande rebanho de ovelhas merinas!? — Eu sempre considerei de outro modo: sempre entendo que a mulher como o homem é um ente que deve ser por todos respeitado. . velho enjoado! (para ela) — Minha queridinha! Temos aqui um quarto cheio de roupa! (Apontando) Àli um outro repleto de comestíveis! Acolá um guarda-louça. sem moral. e nada vê. naquele canto a cozinha. como a escuridão ao brilhar da lua! Não me logras. sem religião! Mas ainda é tempo! Quando menos pensar. o Sr.AS RELAÇÕES NATURAIS INTERPRETA — Já lhe disse: — vou-me embora. mas enganou-se a si próprio! (Sai)14 (voltando-se) — É a trigésima. vigésima e décima vez15 que me prega estes carões! Diabo! Diabo! e Diabo! IMPERTINENTE . e aqui não entro mais. enganou-me: quis enganarme. noite de novena. e verdadeiro. não vejo (vigia no buraco da chave) se é por dentro se é por fora que está a chave. voltadas para a sala dos nossos? Hein? Anfíbios. se não andam de botas. noite de retreta. não digo (Caminhando para o centro). isto tãobém é outra cousa. . darem-me envenenamento! Com o qual eu. s e . retórico. . Para que hei de mostrar (abrindo os braços) que sou um grande dialeta. Pode ser que ficassem depois com inveja. e em terra! Hermafroditos! não. e em vez de alimento para eu continuar a brilhar com o meu grande talento a todo o momento. filósofo! Etc. o caso é (ciando com a cabeça). . . se está é às escuras! Sem dúvida a esta hora. já se sabe — por devoção! Se ao Templo. tãobém não sei se são nossos. Etc. . noite de teatro. D. .ATO SEGUNDO Cena Primeira TRUQUETRUQUE (batendo em uma porta) •— Estará ou não em casa? A porta está fechada10. Gertrudes Guiomar da Costa Cabral Mota e Melo. ou se são só meus! (Para o público:) Como chamam estes cujos pés têm as solas dos sapatos. não! Isto é cousa que anda no mar. por oração!17 E finalmente. — não é possível deixar de ter ido a alguns destes divertimentos: se à Igreja. . que a Sra. é o que é macho e fêmea! Cabrito não é. eterna ao fundo de algum dos maiores infernos que lá por baixo da terra devem existir! Ainda se me metessem aqui. e eu sairá lá no ponto oposto onde habitam os nossos. muito contra a minha vontade e vontade santíssima! possa ir fazer a viagem. que teria muito prazer. que não concordo! Cena Segunda Abre-se de repente uma porta. c que por isso não deve tocar em carne. que não têm conta. o desaforo. UMA DELAS OUTRA OUTRA OUTRA (para um indivíduo)19 — Que quer o Sr. três ou quatro mulheres. e que nós somos todas — prostitutas!? É um tolo! Safe-se daqui para fora. a petulância deste estúrdio!? Querer passar conosco a noite. maroto. . Ele já está esquecido que os discípulos o fizeram padre eterno. eu queria dormir com vocês esta noite. ELE ELAS UMA OUTRA OUTRA . e por diversas outras. olhe (mostrando-lhe o punho) — havemos de esmurrá-lo com esta mão de pilão! Minhas santinhas. outras com os cabelos desgrenhados. Senão. (dando uma grande gargalhada) — Ah! ah! ah!20 (para outra) — Não queres ver. umas em saias. pés no chão. . aparecem por ela. Sr. etc.AS RELAÇÕES NATURAIS Não me posso lembrar. que não quero. aqui? (puxando-o por um braço) — O que faz? Quem o mandou cá? Não sabe que sempre foi um homem honesto quanto a. (com muita humildade) minhas santinhas. quando nós sabemos que ele é conde e tem filhos carnais! Ah! ah! ah! Se fossem só os carnais era nada (batendo no ombro da que primeiro fala) — os espirituais é que é. Enfim dizia eu que se lá fosse habitar quando entre na terra com esses cujos pés estão virados para os nossos. mas como é de supor que a minha habitação por envenenamento18 seja a mais completa e trivial destruição — declaro que não aceito. Mana. e pendurá-lo no vácuo deste salão.JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO TODAS (apontando com o mostrador)21 — Já.) Cena Terceira ELE UMA DELAS (olhando-se) — Ora.) OUTRA OUTRA OUTRA AS PRIMEIRAS UMA DELAS TODAS . e quando saio à rua.. ainda agora é que reparo! Estou quase em fraldas de camisa! Vejam este maluco como me pôs tãobem maluca! (alisando os cabelos) — E eu com os cabelos todos desgrenhados! Se ele cair em vir cá outra vez. se qual lontra aqui o pusermos! Havemos de enchê-lo de livros. seu maroto. com as mãos com os dedos. com as palavras. é isto que se vê! Cruzes! (Cuspindo em todas elas. fazê-lo centro de tudo. então é até com seus remexidos! Mas se lhes venho à casa. ora. agora que o seja tãobém de luz •material! Sabem o que mais? — Vamos vestirmo-nos e pôrmo-nos-2 às janelas à espera de vermos os nossos namorados! Apoiado! Não percamos nossos costumes por causa de um maluco! Vamos! Vamos! (Entram todas para os quartos d'onde23saíram. hei de enforcá-lo com uma destas tranças. . .. mana. — O que tem? Esse diabo já o tem sido de luz espiritual.) Abrenúncio! Eu as desconjuro para nunca mais as ver! Não olharei mais para estas tigras' (Sai. será. como o verdadeiro espalha para todos os cantos do hemisfério que alumia! Mas isto é dar muita importância a esse Judas. com a cabeça. e se as encontro fora. Isto é o diabo! Estas mulheres chamam-me com o espírito quando estou em casa. com os olhos. — um centro! Como um sol que dardejará seus raios para todos os cantos desta casa. rua! senão. E que bonito ele há de ficar. que parece mais um velho bem doente. obediente e respeitosa. . e mais que tudo — amorosa! (irmã de Júlia. eu já vou. eu sei o quê! (pondo as mãos) 29 — Por piedade. entrando mui ligeiramente. Mamãe. eu ainda não estou vestida! Entra. Muito custa a25 criar filhas! Ainda mais26 acomodar. pegando os vestidos como quem quer dançar. e comete outros numerosos atos. menina! Chama as tuas Irmãs! Ora. . Basta.) Onde estão estas meninas? Júlia! Júlia! Sra. acabas de. Já sei. . muito mais-7 casar. chama uma das tuas Irmãs! Está bom. minha querida Mãe! Não faça de mim o menor mau juízo! Sabe que sempre fui uma de suas melhores filhas. não prossigas! Tu és. Querida Mãe! Eis-me prostrada JÚLIA MARIPOSA JÚLIA MARIPOSA JÚLIA MARIPOSA JÚLIA MARIPOSA JÚLIA MARCA . . pega-lhe na mão e beija-a) — Minha — mais que todas as mulheres. . . certa cousa. ou jazendo alguns passos de dança até chegar perto da Mãe.AS RELAÇÕES NATURAIS Cena Quarta VELHA MARIPOSA Centrando toda cheia de dengosidade. que um homem são.? Vem cá. . ao chegar. ajoelha-se. que indicam a pregoeira gaiata da presente época) — Ainda há cinco minutos. porque não é tão decente como convém a tão ilustre assembleia! (Olhando para diversos lados. e o que querem é namorar! (entrando -e sacudindo os vestidos) — Acabava eu agora mesmo. era esta sala um teatro de moças quase nuas! Acompanhadas de certo indivíduo de meia idade. . e ainda pior aturá-las!25 Pilham-se moças.24 Mamãe.? Sra. certa força que eu não quero dizer. valente e cheio de. meninas.JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO a seus pés. para pedir-lhe perdão de quantos pecados hei cometido. e sigamos a orar ao Senhor — por nós e por nossos avós! Prontos todos. pode levantar-se. a segui-la. minha MARIPOSA ELES MARIPOSA (fazendo sinal com a mão) — Deus abençoe a todos. feliz! A minha querida Ainda pela quinta vez mais desobediente. Quanto sou mãe quanto é boa! quis perdoar à sua ou mesmo — tirana MARCA MARCA Eu não sei deles. Vossa Mercê bem sabe que moro sozinha no meu quarto. (Saem TODOS . perdoa. a mana é que há de saber! Onde estão? Não me diz? Ainda não me vieram tomar a bênção. sim. (levantando-se) — Sim. Mamãezinha. vamos cobrir nossos véus. Está perdoada. sendo entretanto mais de oito horas! (Entram os outros filhos. Sim. sim? MARIPOSA Sim. são horas de missa. cruel. ou guisados hei comido! Perdoa.) a obedecê-la. Mas não torne a cair em outra! Eu conheço seus crimes. que eu o faço em particular a cada um.) (estendendo as mãos) Mãe. filha! sim. Sua bênção. pois não estou resolvido a perdê-los! Cena Segunda MALHERBE (amo muito espantado. . . Ainda mais mol. velha e má! Se há de ainda ir ver as moças. isto não pode continuar assim! Ou hei de deixar de ser criado desta casa. é isto todos os d i a s . . e assim com tudo o mais que se achava arrumado). ou as cousas hão de conservar-se nos lugares em que eu arrumo! São honras que a ninguém eu c e d o . Todos os dias arrumo esta casa. . dormitório. que INESPERTO . este tagarela. nada. Inesperto? Onde está tua Ama? Qual enlouqueci. sempre encontro esta sala. .31 mais ruim. mulher feia. a fim de que paguem-me os prêmios. ou não sei que mais — desarrumado! Nada. . com uma bandeja no chão. . ou como o quiserem chamar. nem obedecerem — não pagamme tãobém nem a quinta parte dos salários comigo contratados! Mas nada me hão de ficar a dever! Quando retirar-me. este quarto. O que porém é mais notável é que além de me não respeitarem. e em todos os dias nela acho que arrumar. .ATO TERCEIRO Cena Primeira INESPERTO (criado) — Por mais que arrume (atirando com uma bota para um lado. câmara. entrando) — Que é isto. com um espanador para um canto. hei de levar o dobro do que houver licitamente ganho. e ainda pergunta-me por minha ama. Judas? Enlouqueceste30. com um livro para outro. — Tu. nem [meio] bêbado: nunca estive eu em meu tão perfeito estado de juízo ou de mais completa saúde! (Entrando) — Ih!.JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO este meu amo (para o amo. má. dize-me: o que comeste 32 hoje? Bebeste33 vinho? champanha. coçando a barba. feia. ou mostrar-nos que é Senhor desta casa.) Adeus.. seu Judeu Errante! MALHERBE — Este diabo está hoje com o demo nas tripas!. eles para cá hão de vir (dando alguns passeios. . dando com a mão): Vá-se embora daqui para fora. vamos nós saindo em boa paz! (Enfia o braço na ama.. minh'ama. que não faz senão o que está vendo! O Sr. . não são entes da espécie humana.) Cena Terceira INESPERTO MARIPOSA MALHERBE MARIPOSA INESPERTO MALHERBE (só) — Estes diabos têm tentado devorar-me por todos os modos! Mas eu os hei de pôr no estado o mais deplorável que se pode imaginar! Deixemos. Sr. tu não enxergas. — Diz bem. teu criado. parece-me cego. que espalhafato fez o Judeu hoje! (Querendo arrumar tudo. tome juízo. Embalde (metendo os dedos nos olhos do marido) tem dois fogões nesta cara.) É melhor — velha. vinagre. e tuas filhas. compondo o cabelo etc. . O' Judas. senão — o matam. . . . estúrdio! Adeus. São malditas feras que aqui habitam para flagelar-me! (Para ambos:) Fora daqui! Se demoram pego em tudo isto (agarrando as mesas) e penduro quais rosários nas cabeças de vocês dois!.) . até mais ver! (Saem. deixemos. que nenhuma! (Abanando com a mão. para o marido:) Senhor. água-forte? Que diabo tens tu hoje? Estás bêbado? — Qual bêbado. (para o criado) — Sabes o que convém fazer: é safarmo-nos!-34O homem hoje está resoluto a matar. despeça esse maldito. para o amigo:) — O CRIADO MALHERBE . via. e não te enxergava! Sim. gritando:) Não quero mais servi-lo! Não quero! Não quero! já disse. e serás sempre minha por todos os séculos dos séculos. assim como eu me cubro com ele. mas a jovem a quem o Sr. Cena Quinta (A 'moça [Mildona] sai do quarto. ter descanso e tranquilidade em suas habitações! (entrando de bengala) — Ah! ainda estás aqui! Toma! (Dá-lhe com a bengala até que sai disparando por uma das portas. está portanto relacionado com um homem. facas. Amém! (Saem. Mãe ou filha que pudesse.) Cena Quarta (entrando. não reparou bem. tãobém há de me cobrir esta noite um bom moço! E assim é que não havia Pai. nem por cinco minutos. punhais ou lanças! Mas os amáveis que desprezando todos os direitos dos cidadãos brasileiros matavam e roubavam a seu belo prazer! O1 tal meu amo entendia que cada botina que comprava. sois minha.AS RELAÇÕES NATURAIS MILDONA MALHERBE MILDONA ELE (entrando) — Que saudades eu tinha de meu querido Pai! Ah! és tu. eu não sou a sua encantadora filha. minha mesmo queridíssima filha! O Sr. era uma mulher que condenava ao matadouro dos seus desejos! E a tal minha ama procedia do mesmo modo quanto ao chales 30 que a cobria. dizia (pegando. pé-ante-pé) — Amolei tudo! Não pensem que farão espadas. sempre há confessado tributar amor! Ah! onde estava eu!? Sonhava. minha estimadíssima. nem filho. e que calçava. és minha. e entra apressadamente na sala. minha querida Mildona? Quanto é doce vermos feitos de nossos trabalhos de longos anos!35 Um abraço. e por isso. e pondo um chales. pensava em ti.) isto é masculino. é novo. em vez de amizade. ! Entrou aqui algum ladrão! Algum assassino! O Sr. e foge espavorida entra assim para um dos quartos. vai à porta. chega tãobém à porta. e sentam-se em um sofá. conversam sobre várias cousas. levanta-se a moça. que é isto. gritando e dando pancada! MALHERBE (muito terno) — Não é cousa alguma. podemos gozar tranquilos de uma existência feliz! (Dão dons ou três passeios pela sala. . Milhares de luzes descem e ocupam o espaço do cenário. ouvem baver. dá um grito de dor. Sr.) . de bengala.. diz:) São eles! São eles! São eles! (Cai desfalecido. foi apenas uma lição que quis dar a este mariola. que tem o título de meu criado: quis fazer-se de amo! Agora porém que já lecionei.JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO Que é isto. Levanta-se ele cheio de espanto. menina.? Que é isto. e assim termina o segundo ato. ATO QUARTO Cena Primeira Tudo corre. tudo grita (mulher. e aqui deixarem-me exposto. por espaço de alguns minutos. por não querer acompanhá-las em seus modos de pensar e de julgar! O melhor é retirar-me! Vou descansar por alguns minutos. e todos atiram água para o ar. filhos. ou o incêndio não real. Incêndio! Incêndio! Incêndio! Venham bombas! Venha água! (E um labirinto. os incómodos de todas as espécies! Santo Deus! por que não crucificais aqueles que desrespeitam vossos santos preceitos!? Mas. chega uma bomba pequena. já que . a fumaça que se observa. MALHERBE (depois de todos tranquilos) — Sempre a desordem nas casas sem ordem! Sempre as perdas. e aos das outras mulheres. 'mas o fogo. estas mulheres são capazes de — pendurar-me naquela travessa. e com ela tãobém atiram água. em canecas e outros vasos. os desgostos. não passa.) Cena Segunda ELAS (umas para as outras) — Preparemo-nos para pregar um susto neste mariola! Já que ele não quer obedecer aos nossos chamados espirituais. mas o incêndio parece lavrar com mais força até que se extingue ou desaparece. que digo? Se continuo. marido. (Sai. mas aparente). Pegam em barris d'água. que ninguém se entende. que por um dia foi amo do amo). criado. ele aqui me aparece. como gosto muito do meu criado. por exemplo — como.. que não quis acompanhar-nos nas relações naturais. já se sabe o que eu de hoje em diante hei de sempre comer ou beber! (Para o marido de papelão:) E o Sr. (Preparam uma corda. importando-se sempre com direitos. e eu o gozo! Já se vê pois que. ainda que seja só por alguns momentos e divertimento! Deixemos ele vir 37 . Eu gosto de mingau de araruta ou de sagu. e o que farão depois. mana. conversam sobre os resultados >e consequências de sua empresa. (para o criado)38 — Ora muito bem! Já se vê quanto é bom viver conforme as relações naturais. é em duplicata! — É verdade. abraçado para poder acompanhá-lo. e UMA DELAS OUTRA OUTRA MARIPOSA . bebê-lo-ei. entretanto entra o criado com ele em figura forte de papelão. e porque está relacionado com certo jovem a quem amo. ele aqui também virá. vivendo conforme elas. como a comida de que mais gosto é coco. ao menos preguemos-lhe um susto! TODAS — Apoiado! Apoiadíssimo! Ou ele há de ser obediente às Leis. como o que mais aprecio é chocolate. vaidoso. e o meu prazer não será só de paladar. Sr. e porque este se relaciona com certo amigo de meu Pai. e é esta a 3ª Cena. ou orgulhoso. ou havemos de enforcá-lo. bebê-lo-ei. dizendo que cada um pode viver como quiser e com quem quiser.JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO é preguiçoso. e por idênticas razões gozarei dele e de quem não quero dizer! Mas o diabo é que assim ficam sem cousa alguma! — Pois eu. mas também aquele que provém do amar! — Pois eu. e ele é mel de abelha.) Cumprimentam-se todos muito alegremente. não vendo que o próprio direito autoriza. Tralhão' 9 . e conversam. e tudo o mais que as pode auxiliar para tal fim. eu. há de ficar aqui pendurado para eterna glória das mulheres. sobe. . levando a corda. enfim. são o diabo! Mas elas agora vão conhecer que eu sou homem. pegar nele para não cair. há de! (Balem palmas. leva esta corda. que se umas podem. porque ele está dormindo. com certa flor que lhe dei a cheirar! — Oh! então melhor! Venham as cordas! (Para o criado:) Vê uma escada. e que por isso mesmo hei de defender e amparar aqueles a quem elas quiserem crucificar! (Amarra a corda ao pescoço da figura.) Que triunfo! Viva! Viva! Agora. — Eu seguro! (pega a escada. que nós cá o amarremos pelo pescoço. sobe naquela trave. INESPERTO ELAS — Não precisamos ter trabalho. e diz:) Está bem atada! Agora vou sungá-lo! (Sobe a escada. maninha. certo grilo.. — Sim. que se umas querem. e andar com as relações à vontade dos corações! — Apoiado! Apoiado! Enforquemos tudo quanto é autoridade que nos quer estorvar de gozar.AS RELAÇÕES NATURAIS exemplo final dos homens malcriados! Contamos (para o criado) com teu auxílio. que.) — Estas mulheres não vêem — que não se pode ainda andar com as relações naturais. como se estivéssemos em uma paraíso terreal! (depois de haver prendido o corpo da figura na trave) — Pois não! Não vê que meu amo havia de ser enforcado. . e depois desce. fazerem INESPERTO MARIPOSA INESPERTO ELAS TODAS INESPERTO . e depois tu o sungas. outras não querem. trepa lá. põe em lugar próprio. mas como diabo há de ser! Ah! é preciso a Sra. e puxando:) Pesa como o diabo! Não terá dez arrobas? Mas quinze eu juro que pesa! Irra! (Puxando. . já enforcamos este. havemos de enforcar tãobém. monta na trave. agora já está seguro! (umas para as outras) — Há de ficar pendurado! Ah! ah! ah! Há de. À parte.) Irra! Arriba! Agora. outras não podem. para as Sras. 1º — Não nos meteremos Mais com relações. ou o chapéu. venham buscar cá em cima. que eu vou juntar-me ao meu muito respeitável amo. — Bárbaro! Louco! — Mais outro! (Arranca a cabeça. (Arranca um braço.) — Lá vai um estilhaço. (Levanta-se em cima da trave. Cantemos todas. atira numa delas. . 4° Tenhamos pois juízo! Cada qual com seu esposo! — Se não. Toma relação! (Atira outro braço noutra). E assim querer matar-nos. Maridos procuremos. -e sai ou desaparece .) (uma para as outras a enxugarem os olhos) — Que tirano! Que cruel! Que bárbaro! Que assassino! De modo que assim sendo. . se pode ainda hoje fazer. dizendo:) Querem mais!? Se quiserem. Pois temos corações! 2º JÚLIA INESPERTO ELAS A nenhum mais tentaremos Destruir seus sentimentos! A um só nós serviremos. Pondo todos quase enfermos. P'ra não ter duros tormentos! 3º Com nenhum nos contentarmos. não há paraíso! Tudo inferno! — nenhum gozo! .JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO quando quisessem! Boas! Lá vai bala! Relações. Ou a todos não querermos.) — Ah! INESPERTO traidor! (Encolhe-se. e atira em outra. metralha. 3. Assim no texto. 2. E mil gozos termos. Qorpo-Santo. Os corações Com as relações! 7º Os que só querem (Que desesperem!) Por relações São veros ladrões! 8° Basta o trabalho. No texto: olhastes. Para bebermos. sala nº 21. 9. 4. 8. e da comédia escrita em 14 de maio de 1866. por José Joaquim de Campos Leão. No texto: achastes. 5. despertem? Assim no texto. Assim no texto. Para vivermos. 6. NOTAS 1. Sempre a matar. no Beco do Rosário.AS RELAÇÕES NATURAIS 5º Para comermos. 7. No texto: pedistes. Assim no texto. Não precisamos De certos dramas! 6º De andar. No texto: Impertinente. O mesmo que esconjuro. . Consoladora e outros Completamos a relação das personagens. não falho. em a cidade de Porto Alegre. Fim do 4º ato. Certo. Está: a aturá-las. 11. mas apenas Ele e Ela. Custa a criar — regência tachada de incorreta pelos puristas. em outras peças. O mesmo que dedo indicador. 24. 28. 13. Tralhão ou taralhão = intrometido. No texto: comestes. ha. 38. . Por xale. No texto: feichada. Está: a acomodar. 12. 34. mas encontradiça em bons escritores. . Assim no texto. 27. 32.JOSÉ JOAQUIM DE CAMPOS LEÃO QORPO-SANTO 10. Está vestirmos-nos e pormos-nos. 22. Está: Há! há! há! Nossa leitura interpreta a interjeição como indicativa de admiração. foi adotada por Q . 21 . antes desta. 19. Assim no texto. Assim no texto. 29. já consta a mesma rubrica. 37. 15. . metediço. para um indivíduo está no fim da rubrica anterior. dentre os quais Vieira. Assim no texto. Assim no texto. 33. Está: a casar. 26. 30. 17. No texto: enlouquecestes. 35. No texto: bebestes. transpor a porta figura no texto depois de braço. 14. 39. 18. 31. Está Ha. 20. 23. Está assim no texto: Ora muito bem! já se vê (Uma delas para o criado) . 16. por mole. Sintaxe corrente na linguagem coloquial brasileira. 25. Parece faltar algo a esta fala. No texto: sajar-nos. ha. lusismo prosódico. 36. . No texto: mol. Na fala de Interpreta. encontradiça nos clássicos. Assim no texto. etc. Daqui até ao fim da cena não aparecem os nomes das personagens.S . Regência hoje desusada.