Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio

March 25, 2018 | Author: Carlos Augusto Vailatti | Category: Free Will, Liberty, God, Religion And Belief, Bible


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Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ARTIGO TEOLÓGICO 1 Qöheºlet öheºlet öheºlet öheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio por Carlos Augusto Vailatti RESUMO Este artigo tem por objetivo analisar a perícope bíblica de Qöheºlet 3.1-15 (Eclesiastes 3.1-15) a partir da relação dialética existente entre os conceitos filosóficos e teológicos do determinismo e do livre-arbítrio. E, para podermos alcançar esse objetivo, daremos três passos básicos. Primeiro, daremos a nossa própria tradução do texto original hebraico, a qual será acompanhada por algumas breves observações lexicais e semânticas. Em segundo lugar, forneceremos quatro pontos de vista sobre a relação existente entre o determinismo e o livre-arbítrio. E, em terceiro lugar, faremos a leitura da perícope estudada através da ótica do determinismo e do livre-arbítrio. Neste terceiro item, nos valeremos principalmente das opiniões e comentários emitidos por fontes judaicas. Palavras-Chave: Qöheºlet, Eclesiastes, Determinismo, Livre-Arbítrio, Interpretação. RESUMEN En este artículo se pretende analizar el pasaje bíblica de Qöheºlet 3,1-15 (Eclesiastés 3,1-15) a partir de la relación dialéctica entre los conceptos teológicos y filosóficos del determinismo y del libre albedrío. Y con el fin de lograr este objetivo, vamos a dar tres pasos básicos. En primer lugar, vamos a dar nuestra propia traducción del texto hebreo original, que será acompañada por unas breves observaciones léxicas y semánticas. En segundo lugar, vamos a dar cuatro puntos de vista sobre la relación entre el determinismo y el libre albedrío. Y en tercer lugar, leemos el pasaje estudiada a través del lente del determinismo y del libre albedrío. En este tercer punto, sobre todo vamos a utilizar las opiniones y los comentarios de las fuentes judías. Palabras Clave: Qöheºlet, Eclesiastés, Determinismo, Libre Albedrío, Interpretación. ABSTRACT This article aims to analyze the biblical passage of Qöheºlet 3.1-15 (Ecclesiastes 3.1- 15) from the dialectical relationship between the theological and philosophical concepts of determinism and free will. And in order to achieve this goal, we will give three basic steps. First, we shall give our own translation of the original Hebrew text, which will be accompanied by some brief lexical and semantics observations. Secondly, we will provide four views on the relationship between determinism and free will. And thirdly, we will read the passage studied through the lens of determinism and free will. In this third item, we will use especially the views and comments made by Jewish sources. Keywords: Qöheºlet, Ecclesiastes, Determinism, Free Will, Interpretation. 1 Este artigo foi apresentado originalmente como trabalho em 06/2011 para a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (Departamento de Letras Orientais) da Universidade de São Paulo (USP). Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 2 INTRODUÇÃO O livro de Qöheºlet (em hebraico, -:¬¡), também conhecido como Ekklēsiastēs (em grego, VEkklhsiasth,j), termo este derivado da Septuaginta, já foi chamado, e com muita justiça, de “o mais filosófico dos livros bíblicos”. 2 Esse livro sapiencial, que foi escrito provavelmente entre os séculos IV e III a.C., 3 é, no mínimo, “um livro estranho”, para usar as palavras de Haroldo de Campos. 4 E essa “estranheza” se deve, segundo Robert Balgarnie Young Scott, a três fatores principais: 1) à divergência radical entre o conteúdo de Qöheºlet e aquele encontrado no resto da Bíblia Hebraica, 2) à língua na qual o livro foi escrito e 3) ao nome do livro. De acordo com Scott: No caso de Eclesiastes, não há (...) possibilidade (...) de harmonizá-lo com o tom e o ensino do resto da Bíblia. Ele diverge muito radicalmente. Na verdade, ele nega algumas das coisas sobre as quais os outros escritores colocam a maior importância – especialmente que Deus tem revelado a si próprio e a sua vontade para o homem, através do seu povo escolhido, Israel. Em Eclesiastes, Deus não é apenas desconhecido para o homem através da revelação; ele é incognoscível através da razão, o único meio pelo qual o autor acredita que o conhecimento é alcançável. Tal Deus não é Yahweh, o Deus da aliança de Israel. Ele é bastante misterioso, um Ser inescrutável cuja existência deve ser pressuposta como aquela que determina a vida e o destino do homem, em um mundo que o homem não pode mudar e onde todo o seu esforço e valores são esvaziados de sentido. (...) Um segundo elemento de estranheza é a língua na qual o livro foi escrito, um tipo de hebraico diferente de qualquer outro no Antigo Testamento. Ele possui características que se assemelham ao hebraico da Mishná (200 A.D.) e a algo do rolo de cobre anterior de Qumrã; aparentemente, este foi um dialeto desenvolvido em certos círculos sob a influência do aramaico, pouco antes do 2 FRIEDMAN, Richard Elliott. O Desaparecimento de Deus: um mistério divino. Rio de Janeiro, Imago, 1997, p.284. 3 CERESKO, Anthony R. Introdução ao Antigo Testamento numa Perspectiva Libertadora. São Paulo, Paulus, 1996, p.299. Para maiores informações sobre a data em que Qöheºlet foi escrito, veja: ARCHER, Gleason L. The Linguistic Evidence For the Date of “Ecclesiastes”. [Journal of the Evangelical Theological Society].Vol.12, nº3, Louisville, Evangelical Theological Society Press,1969, pp.167-181. 4 CAMPOS, Haroldo de. Qohélet = O-que-sabe: Eclesiastes: poema sapiencial. São Paulo, Editora Perspectiva, 1991, p.17. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 3 início da era cristã. (...) Em terceiro lugar, o nome ou designação do autor, Qöheºlet (...) é um antigo enigma. Ele tem a forma de um particípio feminino ativo do verbo q-h-l (não encontrado no tronco simples no Antigo Testamento), do qual é derivado o substantivo q`h`l, “uma reunião, assembleia, congregação”. “Qöheºlet” parece significar, portanto, “aquele que reúne uma corporação ou congregação”. No contexto do movimento de Sabedoria, o termo ou título poderia designar um mestre ou acadêmico que reúne em torno de si alunos ou discípulos, como, aliás (nos é dito em xii 9), Qohelet fez. 5 Todavia, apesar de ser “estranho”, Qöheºlet é, ao mesmo tempo, um livro fascinante e bastante atual. 6 O livro é fascinante pela profunda sabedoria atemporal de vida que ele exibe em suas páginas e também é, concomitantemente, atual, pois, segundo alguns estudiosos, o Qöheºlet advoga filosofias tais como: o pessimismo, o ceticismo, o agnosticismo, o racionalismo, o secularismo, o antropocentrismo, o conformismo, o epicurismo, o hedonismo, o materialismo, o fatalismo e o determinismo, dentre outros, elementos estes que também podem ser percebidos em larga escala em nossa sociedade contemporânea pós-moderna. No que se refere ao propósito que motivou a escrita de Qöheºlet, Stephan de Jong acredita que o livro tenha sido escrito com o propósito de reagir contra o espírito tecnocrático helenista, uma vez que a cultura helênica era a cultura dominante daquela época. Tal espírito, que era caracterizado por um grande otimismo e por um sentimento de superioridade helênicos, estava influenciando, sobretudo, a aristocracia judaica, e, por isso, Qöheºlet se dirige contra essa fé nas possibilidades ilimitadas do homem. 7 Haroldo Reimer, que segue uma linha de pensamento semelhante à de Jong, afirma que o propósito do livro de Qöheºlet é 5 SCOTT, R. B. Y. [Ed.]. Proverbs, Ecclesiastes. Vol. 18. [The Anchor Bible]. New York, Doubleday, 1965, pp.191,192. 6 Ceresko, comentando sobre o conteúdo de Qöheºlet, afirma: “a obra quase soa moderna em suas inquisitivas reflexões”. (Cf. CERESKO, Anthony R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo, Paulus, 2004, p.100). 7 JONG, Stephan de. “Quítate de Mi Sol!”: Eclesiastés y La Tecnocracia Helenística. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana], Nº 11, 1992, p.1. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 4 duplo. Primeiramente, o Qöheºlet visa refletir criticamente sobre qual é o proveito real que se pode tirar do trabalho, uma vez que se vive debaixo de um sistema de dominação, isto é, o sistema helenístico. Em segundo lugar, Reimer ainda acredita que o Qöheºlet foi escrito para incentivar o judeu, que está dominado por um sistema estrangeiro, a praticar o seu carpe diem. Tal postura seria uma forma de contestar o sistema de trabalho helênico escravizante em Judá, o qual vigorava na metade do III século a.C. 8 Seja como for, em nosso trabalho, buscaremos tratar basicamente da relação dialética existente entre o determinismo e o livre-arbítrio a partir da análise da perícope bíblica de Qöheºlet 3.1-15. E, a fim de podermos atingir o nosso objetivo, daremos três passos básicos. Primeiro, daremos a nossa própria tradução do texto original hebraico, a qual será acompanhada por algumas breves observações lexicais e semânticas. Em segundo lugar, forneceremos quatro pontos de vista sobre a relação existente entre o determinismo e o livre-arbítrio. Em terceiro lugar, faremos o comentário do texto ora estudado, a partir da ótica da relação dialética existente entre o determinismo e o livre-arbítrio, visando compreender melhor o seu significado. Neste terceiro item, nos valeremos principalmente das opiniões e comentários emitidos por fontes judaicas. Depois disso tudo, mencionaremos finalmente algumas conclusões às quais chegamos ao término do nosso trabalho. Feitos estes esclarecimentos, avancemos, então, em nosso estudo. 8 REIMER, Haroldo. “Y ver la parte buena de todo su trabajo” (Eclesiastés 3,12) – Anotaciones Sobre Economia y Bienestar en la vida del Eclesiastés. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino- Americana], Nº51, 2005, p.1. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 5 I – O TEXTO DE QOHÉLET 3.1-15 E A SUA TRADUÇÃO Antes de começarmos a fazer a nossa análise sobre a perícope de Qöheºlet 3.1-15, é necessário dizer que o nosso estudo se baseará principalmente no texto massorético (TM) encontrado na BHS. 9 Esse texto é visto atualmente como o mais confiável da Bíblia Hebraica tanto por eruditos judeus, quanto por eruditos cristãos em todo o mundo. A nossa tradução desse texto buscará ser a mais literal possível, a fim de valorizar as nuances e características do texto hebraico clássico (bíblico). Eis o texto hebraico de Qöheºlet 3.1-15 e a sua respectiva tradução: Qöheºlet öheºlet öheºlet öheºlet 3.1-15 Traduzido Qöheºlet öheºlet öheºlet öheºlet 3.1-15 em Hebraico 1 Para tudo (há) um tempo determinado E um tempo para todo propósito debaixo dos céus. ¸:· ::: 1 ·:·::¬ -~ - ¦e~::: -r· 2 Tempo para nascer E tempo para morrer Tempo para plantar E tempo para colher -·:: -r 2 -·:: -r · -r:: -r ·r·:: ··¡r: -r· 3 Tempo para matar E tempo para curar Tempo para destruir E tempo para construir ‘.··¬: -r 3 s·e·: -r · ¦··e: -r ·-·::: -r · 4 Tempo para chorar E tempo para rir Tempo de se lamentar E tempo de dançar ‘-·::: -r 4 ¡·~c: -r · ··e: -r ···¡· -r· 5 Tempo para lançar pedras E tempo de amontoar pedras Tempo para abraçar E tempo para afastar-se de abraçar :·::s ¸·::¬: -r … 5 :·::s :·:: -r· ¡·:~: -r ·¡:~ : ¡~·: -r· 9 Cf. ELLIGER, K. & RUDOLPH, W. (Eds.). Bíblia Hebraica Stuttgartensia. [Editio Quinta Emendata]. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft,1997. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 6 6 Tempo para buscar E tempo para perder Tempo para guardar E tempo para lançar ‘:¡:: -r 6 ·:s: -r · ··::: -r ·¸·::¬: -r· 7 Tempo para rasgar E tempo para costurar Tempo para calar E tempo para falar ‘r··’¡: -r 7 ··e-: -r · -·:~: -r ··:·: -r · 8 Tempo para amar E tempo para odiar Tempo de guerra E tempo de paz ‘:¬s: -r 8 s:c: -r · ¬:~:: -r ·:·:: -r· 9 Que proveito (tem) O trabalhador No que ele trabalha? ‘¸··-·¬: 9 ¬c·r¬ ·::r s·¬ ·: s: 10 Eu tenho visto a tarefa Que deu Deus Aos filhos do homem Para estarem ocupados nela. ¸·:r¬-s ·-·s· 10 :·¬:s ¸- : ·:’s :·s¬ ·::: ··: -·:r: 11 Tudo fez belo em seu tempo; Também o mundo deu no coração deles, De tal modo que não descubra o homem A obra que fez Deus Desde o princípio e até o fim ·-r: ¬e· ¬cr ::¬-s 11 :::: ¸-: ‘:: r¬-s :. :·s¬ ss:·s: ·: s ·::: :·¬:s¬ ¬cr·:s ¬cr:¬-s ·¡·:·r· :s·: 12 Eu sei que não há nada Melhor para eles Que se alegrarem E fazerem (o) bem em sua vida ¸·s ·: ·-r·· 12 :: :·: ~·:c::s ·: ····~: :·: -·c r:· © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 7 13 E também todo homem Que coma e beba E veja (o) bem Em todo seu trabalho Isso (é) um dom de Deus ‘:·s¬:: :.· 13 ¬-:· ::s·: :·: ¬s·· ·::r::: ·s·¬ :·¬:s -- : 14 Eu sei que tudo (o) que fez Deus Ele (Isso) será para sempre Sobre ele (isso) nada (há) para acrescentar E dele (disso) nada (há) para tirar E Deus (o) fez (para) que temam em face dele ‘:·¬:s¬ ¬cr· ·:’s:: ·: ·-r·· 14 ::·r: ¬·¬· s·¬… ¡·:·¬: ¸·s ‘··:r r·.: ¸·s ·.::· ¬cr :·¬:s¬· ···:e· : ·s··: 15 O que foi Ele já (é) E (o) que será Já foi E Deus buscará o perseguido ‘¬·¬:¬: 15 s·¬ ·:: -··¬: ·:s· ¬·¬ ·:: ·¡:·:-s :¡:· :·¬ :s¬· Há algumas observações que devem ser feitas aqui sobre alguns vocábulos em hebraico que aparecem em Qöheºlet 3.1-15 e os significados correspondentes que escolhemos lhes atribuir. Em Qöheºlet 3.1, três palavras merecem a nossa atenção. Tratam-se dos termos: ¸:· (zümän), -r (`ët) e ¦e~ (Hëºpec). Em primeiro lugar, o substantivo masculino ¸:· (zümän) ocorre uma única vez em toda a perícope e significa, segundo Holladay, “tempo específico”, “hora”. 10 Gesenius, um dos maiores eruditos do hebraico bíblico, concorda com esta opinião e declara que o vocábulo significa “tempo”, fazendo referência a 10 HOLLADAY, William L. (Ed.). A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Company / Leiden, E. J. Brill, 1988, p.89. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 8 “um tempo estabelecido”. 11 Segundo o Etymological Dictionary of Biblical Hebrew (Dicionário Etimológico de Hebraico Bíblico), a raiz ¸:· (zmn) que aparece aqui significa “designado para um propósito”. Tal raiz, ainda segundo esse mesmo dicionário, possui como significado cognato o conceito de “estabelecer um objetivo”. 12 O termo aparece em outras passagens na Bíblia Hebraica para se referir, por exemplo, ao tempo determinado ou designado para as festas judaicas (Est 9.27,31) e também para se referir ao período de tempo que Neemias definiu para a sua ausência de Susã (Ne 2.6). 13 Em nosso trabalho, resolvemos traduzir zümän por “tempo determinado”, o que fazem também as traduções em português: ARA 14 e ARC. 15 Em segundo lugar, o substantivo feminino -r (`ët) que significa basicamente um “ponto no tempo”, possui outros significados a ele atrelados: 1) “tempo de um evento” e 2) “tempo para um evento”. O último possui algumas subcategorias: a) “tempo normal”, b) “o tempo adequado, conveniente ou apropriado”, c) “o tempo designado” e d) “tempo indeterminado”. 16 Contudo, apesar da grafia distinta dos termos, as duas palavras semitas, zümän e `ët significam basicamente a mesma coisa. 17 A Septuaginta (III–I século a.C.), por outro lado, traduz zümän por cro,noj (chrónos) e `ët por kairo.j (kairós). 18 Segundo o An Intermediate Greek-English Lexicon (Léxico Intermediário Grego-Inglês) de Liddell e Scott, a palavra chrónos significa basicamente “tempo”, podendo se referir a “um tempo 11 GESENIUS, H.W.F. Geseniu’s Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament. Grand Rapids, Baker Book House, 1992, p.247. 12 CLARK, Matityahu. Etymological Dictionary of Biblical Hebrew. Jerusalem / New York, Feldheim Publishers, 1999, pp.67,68. 13 Cf. NET Bible. Ecclesiastes 3:1, note 2. Disponível em: http://bible.org/netbible/index.htm. Acesso em: 23/04/2011. 14 ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Atualizada). São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. 15 ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991. 16 Cf. NET Bible. Ecclesiastes 3:1, note 3. Disponível em: http://bible.org/netbible/index.htm. Acesso em: 23/04/2011. 17 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet. [Coleção: Grande Comentário Bíblico]. São Paulo, Paulus, 1999, p.215. 18 Cf. RAHLFS, Alfred. (Ed.). Septuaginta. [Duo volumina in uno]. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 2004. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 9 definitivo, um espaço de tempo, período ou estação”. 19 Esse mesmo léxico define kairo.j como “o ponto certo do tempo, o tempo apropriado ou período de ação, o tempo exato ou crítico”. 20 Como Líndez já observou antes de nós, a versão grega não nos ajuda muito a distinguir os significados dos termos neste caso. 21 Por fim, a Vulgata de Jerônimo (IV–V século d.C.) traduziu zümän por tempus (“tempo”) e `ët por spatiis (“estação”). 22 Assim como o hebraico e o grego, o latim também não nos ajuda a identificar uma distinção nítida entre um vocábulo e o outro. Em terceiro lugar, o substantivo masculino ¦e~ (Hëºpec) pode significar “deleite, prazer, desejo, a boa vontade, vontade, propósito, negócio (em época tardia), questão (em época muito tardia)”. 23 A Septuaginta traz no lugar de Hëºpec o substantivo neutro pra,gmati (prágmati), o qual, por sua vez, é derivado do termo pra/gma (prâgma), cujos significados básicos, dentre outros, são: “o que tem sido feito, uma ação, ato, uma coisa, questão, negócio”. 24 É da mesma raiz dessa palavra que vem a nossa palavra moderna “pragmatismo”. Em nossa tradução, preferimos adotar o termo “propósito” como tradução para Hëºpec. Em Qöheºlet 3.2, os vocábulos -·:: (läleº det) e r ·:: ··¡r: (la`áqôr nä†ûª` ) também merecem atenção. A primeira expressão, läleº det, é um infinitivo construto na construção verbal Qal, o qual significa literalmente “dar à luz”. Porém, o contexto favorece a tradução da expressão no sentido passivo, porque o que está sendo enfatizado é o nascimento do filho e não o ato de a mãe dar à luz. 25 Por isso, preferimos traduzir läleºdet como “para nascer”. A LXX conserva o mesmo significado literal do texto hebraico, ao passo que a Vulgata traz aqui “tempus nascendi”, isto é, “tempo para nascer”. 19 Cf. o verbete cro, noj, in: LIDDELL, H. G. & SCOTT, R. An Intermediate Greek-English Lexicon. (Founded upon the Seventh Edition of Liddell and Scott’s Greek-English Lexicon). Oxford, Oxford University Press, 1889, p.896. 20 Cf. o verbete kairo.j, in: Idem, Ibidem, p.392. 21 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.215. 22 JÁNOS II, Pal. Nova Vulgata Bibliorum Sacrorum Editio. Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 1979. 23 BROWN, Francis, DRIVER, S. R. & BRIGGS, Charles A. Hebrew and English Lexicon of the Old Testament. Oxford, Clarendon Press, 1951, p.343. 24 Cf. pra/gma, in: LIDDELL, H. G. & SCOTT, R. Op.Cit., p.665,666. 25 LÍNDEZ, José Vílchez. Op.Cit., p.215. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 10 No que diz respeito à expressão la`áqôr nä†ûª` , o seu significado literal é “arrancar o que foi plantado”. Temos aqui a expressão la`áqôr, que se encontra no infinitivo construto do Qal e significa “arrancar” e a construção verbal passiva que aparece no Nif‘al e que pode ser traduzida como “o que foi plantado”. Apesar disso, optamos por traduzir a expressão la`áqôr nä†ûª` por “colher”, uma vez que concordamos com o argumento de Líndez, segundo quem “colher” é a tradução mais preferível por dois motivos: 1) a raiz `qr, de la`áqôr, “arrancar”, parece ser derivada da raiz fenícia `qrT, significando “armazém”, “depósito” e 2) a tradução “colher” se encaixa perfeitamente no contexto. 26 Em Qöheºlet 3.11, o substantivo masculino ‘::r (`öläm) tem sido alvo dos mais intensos debates no que diz respeito ao seu significado no citado verso. Vejamos o que Schökel tem a nos dizer sobre o significado de `öläm: Significa um tempo ou duração indefinida ou incalculável, no passado ou futuro, ou o definitivo de uma ação ou estado. A duração ilimitada pode referir-se a uma medida: no passado, o cósmico, a história; no futuro, a vida de um indivíduo, um povo, a história, o cósmico. 27 O mesmo autor ainda irá dizer mais adiante que `öläm também pode ser traduzido como “mundo”, em uma concepção mais tardia. Aliás, esta é a tradução que Schökel propõe para `öläm em Qöheºlet 3.11. 28 A LXX, por sua vez, verte `öläm por aivw/na (aiōna), substantivo no acusativo que é derivado de aivw,n (aiōn), cujos significados básicos são: “tempo, duração da vida, vida, eternidade, idade, geração, século”. 29 Por fim, a Vulgata traduz öläm por mundum, “mundo”. Curiosamente, a Bíblia Hebraica (BH) publicada pela Sêfer 26 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.215. 27 SCHÖKEL, Luis Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo, Paulus, 1997, p.483. 28 Idem, Ibidem, p.484. 29 PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1976, p.19. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 11 traduz öläm por “ânsia de compreender”. 30 Seguindo os seus passos, a Bíblia na Tradução da Linguagem de Hoje (TLH) traz “desejo de entender as coisas que já aconteceram e as que ainda vão acontecer”. 31 Na verdade, estas duas versões bíblicas refletem mais uma interpretação de öläm à luz do seu contexto imediato, do que uma tradução propriamente dita. Por outro lado, a Bíblia de Jerusalém (BJ) traz no lugar de öläm a expressão “conjunto do tempo”, 32 sendo acompanhada de perto pela Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), que traz “sentido do tempo”. 33 Além dessas versões, a versão espanhola da Bíblia, Reina- Valera, traz “eternidad”. 34 A versão em português de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada (ARA) também traz “eternidade”. 35 Finalmente, a versão em português de João Ferreira de Almeida, Revista e Corrigida (ARC) verte öläm por “mundo”. 36 Particularmente, preferi traduzir öläm por “mundo” por entender que o conceito de “mundo” possui maior materialidade e concretude de significado, sendo, a meu ver, mais condizente com o contexto de Qöheºlet 3.1- 15, que aborda aspectos “concretos” da vida humana, tais como: “nascer, morrer; plantar, colher; matar, curar; destruir, construir; chorar, rir; lamentar, dançar; lançar e amontoar pedras; abraçar e deixar de abraçar; buscar, perder; guardar, lançar; rasgar, costurar; calar, falar; amar, odiar; guerra e paz” (Qöheºlet 3:1-8). Obviamente, esta observação não significa que o autor de Qöheºlet fosse incapaz de abstrair. Aliás, a sua obra como um todo demonstra exatamente o contrário. Por fim, o sentido da última frase da nossa perícope, isto é, de Qöheºlet 3.15, também tem sido alvo de muita discussão. A frase inteira em hebraico diz: ¡:·:-s :¡:· :·¬:s¬· (wühä´élöhîm yübaqqëš ´et-nirDäp) que, 30 Cf. GORODOVITS, David & FRIDLIN, Jairo. Bíblia Hebraica. São Paulo, Editora e Livraria Sêfer Ltda., 2006. 31 Cf. A Bíblia Sagrada. (Tradução na Linguagem de Hoje). São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1988. 32 Cf. GIRAUDO, Tiago & BORTOLINI, José. (Eds.). Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus, 1985. 33 Cf. Bíblia –Tradução Ecumênica (TEB). São Paulo, Edições Loyola, 1994. 34 Cf. Santa Biblia (Versión Española Reina-Valera). Miami, United Bible Societies, 1995. 35 Cf. ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Atualizada). São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. 36 Cf. ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 12 literalmente, significa: “E Deus buscará o perseguido”. 37 Apesar disso, esta frase parece ser desconexa ou parece estar deslocada dentro do contexto no qual ela está inserida. Como a LXX acompanha o TM aqui, então, seguindo novamente a sugestão de Líndez, sou propenso a aceitar a tradução-interpretação da Vulgata como sendo a mais coerente dentro do pensamento do contexto. 38 A versão latina traz: et Deus instaurat quod abiit, ou seja, “e Deus renova o que passou”. Entre as versões da Bíblia em português, as que mais se aproximam deste sentido são as já citadas, Almeida, Revista e Atualizada (ARA): “Deus fará renovar-se o que se passou” e a Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB): “e Deus vai em busca do que passou”. Além dessas versões, a também já mencionada Almeida, Revista e Corrigida (ARC) declara: “e Deus pede conta do que passou”. E, finalmente, a Nova Versão Internacional (NVI) traz: “Deus investigará o passado”. 39 Apesar de todas essas várias traduções dadas para a frase wühä´élöhîm yübaqqëš ´et-nirDäp (Qöheºlet 3.15), eu preferi conservar o significado do texto original em minha tradução, a saber, “e Deus buscará o perseguido”. Contudo, reitero que a versão latina da Vulgata (“E Deus renova o que passou”) a meu ver, parece ser uma tradução-interpretação mais coerente com o contexto da passagem, em vez do complicado texto hebraico: “E Deus buscará o perseguido”. O já mencionado Líndez, ao explicar a sua preferência pela Vulgata como a tradução-interpretação mais apropriada para a compreensão da última frase de Qöheºlet 3.15, disse: O homem, ser passageiro, não pode ser ponto de referência do tempo que foge e se escapa; Deus, porém, [que] não está sujeito ao processo do tempo, supera-o e alcança-o em toda sua extensão mesmo de passado e de futuro, por isso não é estranho que se possa dizer que Deus vai em busca do passado. Segundo a mentalidade de Qohélet, Deus o encontra e o alcança, o homem não. 40 37 O Midrash Qohélet Rabá também traduz a construção verbal nirDäp, que aparece no Nif‘al, como “perseguido”. (Cf. GIRAUDO, Tiago & BORTOLINI, José. (Eds.). Bíblia de Jerusalém, p.1170, nota z). 38 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.236. 39 Bíblia Sagrada (Nova Versão Internacional). Colorado Springs, International Bible Society, 2000. 40 LÍNDEZ, José Vílchez. Op.Cit., p.236. O acréscimo entre colchetes é meu. Os itálicos são do autor. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 13 Ora, depois de fornecer e justificar a nossa tradução de Qöheºlet 3.1-15, destacando, sobretudo, o significado que atribuímos a algumas de suas principais palavras, frases e expressões, podemos partir agora, portanto, para a análise dos quatro pontos de vista principais sobre a relação existente entre o determinismo e o livre-arbítrio. A análise e definição preliminar de cada um desses pontos de vista irão nos auxiliar no comentário e na compreensão do próprio texto em si que faremos no terceiro e último capítulo do nosso estudo. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 14 II – QUATRO PONTOS DE VISTA SOBRE A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE O DETERMINISMO E O LIVRE-ARBÍTRIO Há, pelo menos, quatro maneiras fundamentais de entender a relação existente entre o determinismo e o livre-arbítrio. 41 Entretanto, antes de examinarmos a cada uma delas, vejamos primeiramente o que queremos dizer com os termos determinismo e livre-arbítrio. Em primeiro lugar, determinismo é “a crença de que o pensamento, ação e sentimentos humanos são, em um maior ou menor grau, controlados por uma grande força e que os seres humanos têm pouco ou nenhum livre-arbítrio de si mesmos. Esta força pode ser chamada Deus ou Destino, ou os dois podem ser vistos como idênticos”. 42 Já livre-arbítrio (ou liberdade humana) é o nome dado ao “conceito de que os seres humanos determinam livremente seu próprio comportamento e que nenhum fator causal externo pode ser adequadamente responsabilizado por suas ações”. 43 A partir destas definições, vejamos então como se configuram os quatro pontos de vista sobre a relação existente entre estes dois conceitos que acabamos de apresentar. 41 Para obter maiores informações sobre o determinismo e o livre-arbítrio sobre o ponto de vista filosófico-teológico cristão, veja: GEISLER, Norman & FEINBERG, Paul D. Introdução à Filosofia: uma perspectiva cristã. São Paulo, Edições Vida Nova, 1996, pp.153-162; FEINBERG, John et al. Predestinação e Livre-Arbítrio: quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. São Paulo, Mundo Cristão, 1996; HUNNEX, Milton. Filósofos e Correntes Filosóficas em Gráficos e Diagramas. São Paulo, Editora Vida, 2003, pp.50-52; CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. [Vol.2 | D – G]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, pp.91-96. Já para obter maiores informações sobre este mesmo assunto, mas a partir da perspectiva judaica, confira: MAIMONIDES, Rabi Moshe ben. Guia de Descarriados. Madrid, Editorial Barath, 1988, pp.226-232; REHFELD, Walter I. Nas Sendas do Judaísmo. São Paulo, Perspectiva; Associação Universitária de Cultura Judaica; Tecnisa, 2003, p.63-65. 42 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth. [The Jewish Bible Quarterly]. Vol.XXX, Nº 2. Jerusalem, Jewish Bible Association Press, 2002, p.1. Shimon Bakon faz questão de distinguir o conceito de Providência Divina do conceito de Predestinação. Segundo ele: “Há uma considerável diferença entre estes dois conceitos, o primeiro significando participação divina, ou mesmo interferência, em assuntos humanos, o outro sugerindo uma força cósmica, predeterminando os destinos dos homens e até mesmo dos deuses. Em ambos, resta pouco espaço para a liberdade humana”. (Cf. BAKON, Shimon. Koheleth. [The Jewish Bible Quarterly]. Vol.XXVI, nº3. Jerusalem, The Jewish Bible Association Press, 1998, p.172). 43 Cf. o verbete: Liberdade Humana, in: ERICKSON, Millard J. Conciso Dicionário de Teologia Cristã. Rio de Janeiro, Juerp, 1995, p.99. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 15 2.1. Determinismo Radical Segundo o determinismo radical, a predeterminação divina de todos os acontecimentos ocorre a despeito da presciência divina das ações humanas livres. Este ponto de vista argumenta que Deus age com uma soberania tão inacessível que Suas escolhas são feitas com total desconsideração das escolhas humanas. 44 O determinismo radical também pode ser chamado de fatalismo ou, na teologia cristã reformada, de calvinismo extremado ou hiper-calvinismo. Os problemas que o determinismo radical traz consigo são basicamente dois: 1) Ele nega o livre-arbítrio humano, o qual encontra apoio em outras partes da Bíblia Hebraica e também na experiência humana e 2) Ele nega a benevolência divina, pois se Deus age desconsiderando as ações humanas, isto quer dizer que Deus é, em última análise, a origem de todas as coisas, inclusive do mal. 2.2. Determinismo Moderado De acordo com o determinismo moderado (ou calvinismo moderado, como é conhecido na teologia cristã), Deus simultaneamente tanto predetermina quanto preconhece desde toda a eternidade todos os acontecimentos, incluindo todos os atos livres dos seres humanos. Este ponto de vista afirma, em outras palavras, que Deus determinou que os seres humanos façam as coisas livremente e não que sejam forçados a fazer atos livres. 45 Este posicionamento filosófico busca encontrar um equilíbrio entre a soberania divina e a responsabilidade humana, uma vez que ele assegura as prerrogativas divina e humana sem que qualquer delas seja prejudicada na sua autonomia. Sendo assim, nossos atos são realmente livres do ponto de vista das 44 GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre- arbítrio. São Paulo, Editora Vida, 2001, p.53. 45 Idem, Ibidem, p.62. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 16 escolhas que fazemos deles, mas são, ao mesmo tempo, determinados, a partir da perspectiva da presciência que Deus tem deles como Ser atemporal. 46 2.3. Livre-Arbítrio Radical Já o livre-arbítrio radical (o qual é conhecido por vários outros nomes na teologia cristã, tais como, arminianismo radical, arminianismo extremado, teísmo do livre-arbítrio, teísmo aberto, 47 neoteísmo ou Openess of God, isto é, “Abertura de Deus”), ao contrário do determinismo radical, exalta o livre- arbítrio humano à custa do sacrifício da soberania divina. O autor, Clark Pinnock, no livro intitulado The Openess of God, menciona cinco características do livre-arbítrio radical ou teísmo aberto, as quais transcrevemos abaixo: 1) Deus não somente criou esse mundo, ex nihilo, mas pode (e às vezes faz) intervir unilateralmente nos acontecimentos na terra; 2) Deus escolheu criar-nos com liberdade incompatibilista (libertária) – uma liberdade sobre a qual ele não pode exercer controle total; 3) Deus valoriza tanto a liberdade – a integridade moral das criaturas livres e de um mundo no qual tal integridade é possível – que não atropela essa liberdade, mesmo que a veja produzindo resultados indesejáveis; 4) Deus sempre deseja o nosso mais alto bem, tanto individual como corporativamente, e assim é afetado pelo que acontece em nossas vidas; 5) Deus não possui um conhecimento exaustivo de como exatamente utilizaremos a liberdade, embora possa muito bem, às vezes, ser capaz de predizer com grande exatidão as escolhas que livremente faremos. 48 46 GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres, p.51. 47 Ware assim define o Teísmo Aberto: “Esse movimento é assim denominado pelo fato de seus adeptos verem grande parte do futuro como algo que está ‘em aberto’, e não fechado, mesmo para Deus. Boa parte do futuro está ainda indefinida e, conseqüentemente, Deus o desconhece. Deus conhece tudo o que pode ser conhecido, asseguram-nos os teístas abertos. Mas livres escolhas e ações futuras, por não terem ocorrido ainda, não existem e, desse modo, Deus (até mesmo Deus) não pode conhecê-las”. (Cf. WARE, Bruce A. Teísmo Aberto: a teologia de um Deus limitado. São Paulo, Vida Nova, 2010, p.14). 48 PINNOCK, Clark. The Openess of God, p. 156. Apud: GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres, p.117. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 17 Como já é evidente por si só, o conceito de livre-arbítrio radical traz consigo uma série de problemas, pois nega os atributos essenciais de Deus, tais como, a transcendência, a imanência, a onisciência, a onipresença, a onipotência, a imutabilidade e a soberania divinas. A meu ver, a filosofia teológica ou a teologia filosófica do livre-arbítrio radical rebaixou Deus à condição de um ser impotente, pobre e frágil e, ao mesmo tempo, promoveu o homem, deificando-o, divinizando-o e entronizando-o em seu livre-arbítrio absoluto ilusório. Neste tipo de concepção das coisas, os papéis de Deus e do homem são praticamente invertidos. Deus adquire traços humanos, enquanto que o homem acaba adquirindo traços divinos. Penso que não pode haver maior equívoco do que este. 2.4. Livre-Arbítrio Moderado Segundo o livre-arbítrio moderado, o ser humano possui a capacidade parcial de agir sem ser condicionado por alguma causa. Essa capacidade de ação é apenas “parcial” porque, muitas vezes (ou sempre), causas biológicas, culturais e até mesmo espirituais (como a vontade de Deus, por exemplo), dentre outras, o levam a fazer o que ele faz. 49 Este ponto de vista, assim como o determinismo moderado, busca encontrar uma relação de equilíbrio entre as ações humanas e a soberania divina. O conceito de livre-arbítrio moderado reconhece que o homem é livre, mas não plenamente livre, pois ele está irremediavelmente fadado a viver, em sua condição de ser humano, dentro de um mundo condicionado por certas leis naturais, biológicas, genéticas, sociais, espirituais etc. 49 CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol.3. [H-L]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, pp.866,867. Aliás, a esse respeito, Rudman declara que “o homem não é de todo o mestre de sua própria vida”. (Cf. RUDMAN, Dominic. Determinism in the Book of Ecclesiastes. Sheffield, Sheffield Academic Press, 2001, p.33). Seow chama essa liberdade parcial do homem de “determinismo de circunstâncias”. (Cf. SEOW, C.L. Ecclesiastes. New York, Doubleday, 1997, pp.171-172) © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 18 2.5. Um Apelo ao Equilíbrio Depois de descrever esses quatro pontos de vista sobre a relação existente entre o determinismo e o livre-arbítrio, eu pude chegar a duas conclusões fundamentais. A primeira delas é que tanto o determinismo radical quanto o livre- arbítrio radical devem ser rejeitados, porque ambos são extremistas em suas posições, pois negam, de um lado, o livre-arbítrio humano e, do outro, os atributos essenciais divinos. Portanto, tais posicionamentos filosófico-teológicos não nos fornecem uma resposta adequada para o nosso assunto em questão. A segunda conclusão a que cheguei é a seguinte: uma vez que tanto a soberania divina quanto a responsabilidade humana são duas verdades repetidamente afirmadas na Bíblia Hebraica, logo, se faz necessário defender um ponto de vista que leve em consideração esses dois pólos juntos. Tendo esse intuito em mente, menciono a seguir alguns comentários que defendem uma postura de equilíbrio sobre a relação entre o determinismo e o livre-arbítrio, os quais foram feitos por representantes das três maiores religiões monoteístas do mundo, a saber, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. No que diz respeito ao judaísmo, o rabi Dan Cohn-Sherbok, apoiando-se na Bíblia Hebraica e no Talmude, faz a seguinte afirmação: De acordo com a Escritura, cada pessoa é capaz de escolher entre o bem e o mal. O conceito de punição e recompensa está baseado neste pressuposto. O Talmude especifica que Deus é onisciente: não obstante, os seres humanos têm capacidade para escolher seu próprio estilo de vida. 50 Além de Cohn-Sherbok, outro judeu, Jacob B. Agus (1911-1986), em seu livro La Evolucion del Pensamiento Judio, também fala de forma equilibrada sobre a relação entre o determinismo e o livre-arbítrio. Eis as suas palavras: 50 COHN-SHERBOK, Dan. A Concise Encyclopedia of Judaism. Oxford, Oneworld Publications, 1998, p.77. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 19 (...) o monoteísmo afirma que Deus transcende a natureza e que não é idêntico a ela nem a nenhuma parte dela (...). No monoteísmo, Deus está sujeito às variações da vida mortal. 51 Já o teólogo cristão Arthur W. Pink (1886-1952), ao discorrer sobre a soberania divina e a responsabilidade humana, comenta: Duas coisas são indisputáveis: a soberania de Deus e a responsabilidade do homem. (...) Reconhecemos que existe, sem dúvida, o perigo de salientar demais uma delas e negligenciar a outra. (...) Ressaltar a soberania de Deus, sem afirmar, ao mesmo tempo, a responsabilidade do homem, tende ao fatalismo; [Por outro lado] preocupar-se tanto em manter a responsabilidade do homem, ao ponto de perder de vista a soberania de Deus, é exaltar a criatura e desonrar o Criador. 52 Além de Pink, a Confissão de Fé de Westminster (escrita em 1646), que apresenta uma das melhores e mais concisas declarações da fé cristã, em seu Capítulo III, intitulado Do Decreto Eterno de Deus, faz os seguintes comentários sobre o determinismo divino e a responsabilidade humana: Seção I. – Desde toda a eternidade, e pelo sapientíssimo e santíssimo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e imutavelmente tudo quanto acontece; porém, de modo tal que nem é Deus o autor do pecado, nem se faz violência à vontade das criaturas, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes são estabelecidas. Seção II. – Embora Deus saiba tudo quanto pode ou há de suceder em todas as circunstâncias imagináveis, contudo não decretou coisa alguma por havê-la previsto como futura, nem como algo que haveria de acontecer em tais circunstâncias. 53 51 AGUS, Jacob B. La Evolucion del Pensamiento Judio: desde la época bíblica hasta los comienzos de la era moderna. Buenos Aires, Editorial Paidós, 1969, pp.16,17. 52 PINK, A. W. Deus é Soberano. São José dos Campos, Editora Fiel, 1997, p.5. Os acréscimos entre colchetes são meus. 53 Confissão de Fé de Westminster. (Comentada por A. A. Hodge). São Paulo, Editora Os Puritanos, 1999, p.95. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 20 Por fim, além desses comentários, o pensador muçulmano, aiatolá 54 Nasir Makarim Shirazi, também defende um ponto de vista equilibrado entre o determinismo e a liberdade humana. Segundo Shirazi: (...) nós sabemos que os seres humanos têm liberdade de escolha e livre-arbítrio, ao mesmo tempo em que sabemos que Deus é o Governante sobre todas as pessoas e ações. 55 Sendo assim, por mais paradoxal que possa parecer, proponho uma posição de meio-termo, que leve em consideração tanto o determinismo moderado quanto o livre-arbítrio moderado, isto é, uma posição que leve em conta tanto o determinismo divino quanto a liberdade humana como os dois lados de uma mesma moeda. Aliás, sendo mais explícito ainda, defendo que embora a relação entre o determinismo divino e a liberdade humana seja um mistério, tal relação não implica necessariamente contradição. A finitude da nossa existência humana e a limitação da nossa razão não podem servir como argumentos infalíveis para comprovar a suposta contradição existente entre essas duas verdades. Nas palavras de Norman Geisler, “ninguém jamais demonstrou uma contradição entre predestinação e livre-escolha. Não há conflito insolúvel entre um acontecimento predeterminado por um Deus onisciente e um evento que é livremente escolhido por nós”. 56 Ora, uma vez que nós definimos e justificamos a posição que, a nosso ver, corresponde melhor às verdades do determinismo divino e da liberdade humana, partamos então para o exame de Qöheºlet 3.1-15. 54 Aiatolá é o título pelo qual são conhecidos os principais líderes islâmicos xiitas. O aiatolá é inferior apenas ao Imã. (Cf. LOVISOLO, Elena et al. Dicionário da Língua Portuguesa. (Larousse Cultural). São Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1992, p.33). 55 SHIRAZI, Nasir Makarim. Principios Basicos del Pensamiento Islamico. (Vol. IV: Justicia Divina). Tehran, Bonyad Be‘zat, 1987, p.43. 56 GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres, pp.47,48. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 21 III – O QOHÉLET 3.1-15 E A TENSÃO ENTRE O DETERMINISMO E O LIVRE-ARBÍTRIO Segundo Dominic Rudman, autor do artigo Determinism and Anti- Determinism in the Book of Koheleth (Determinismo e Anti-Determinismo no Livro de Qohélet), “dentro da erudição moderna, o catálogo dos tempos e estações em 3.1-8 e o comentário que Qohélet fornece sobre esta passagem em 3.9ss., é visto como um texto chave para a compreensão do livro como um todo”. 57 Tal observação revela a importância de Qöheºlet 3.1-15 e de seu estudo para a compreensão do tema que ora estamos abordando neste trabalho. Entretanto, antes de entrarmos no comentário da perícope em si, devemos mencionar preliminarmente as palavras de Baruch Spinoza (1632-1677) sobre a liberdade que as pessoas têm de interpretar os textos religiosos em geral e, em particular, a Bíblia. Dentro de seu Tratado Teológico-Político, no capítulo VIII, intitulado Da Interpretação da Escritura, Spinoza diz o seguinte: (...) como todos têm o pleno direito de pensar com liberdade, inclusive em matérias de religião, e não é concebível que se renuncie a este direito, cada um dispõe de uma autoridade suma de sumo direito para decidir em questões religiosas e, portanto, para lhes dar uma explicação e interpretação. Assim como o direito de interpretar as leis e a decisão soberana dos negócios públicos correspondem ao magistrado, por serem assuntos de direito político, da mesma forma cada um tem sua autoridade absoluta para julgar e explicar a religião, porque esta pertence ao direito de cada um. 58 Estas palavras libertadoras de Spinoza, as quais fornecem uma salvaguarda ao leitor e ao intérprete da Bíblia no que diz respeito ao seu direito de interpretar o texto sagrado livremente, servirão como ponto de partida para o nosso estudo de Qöheº let. Bem, analisemos então o texto de Qöheºlet 3.1-15 a partir da tensão existente entre o determinismo e o livre-arbítrio. 57 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth. [The Jewish Bible Quarterly]. Vol.XXX, Nº 2. Jerusalem, Jewish Bible Association Press, 2002, p.3. 58 SPINOZA, Baruch. Tratado Teológico-Político e Tratado Político. [Traducción y estúdio preliminar de Enrique Tierno Galván]. Madrid, Editorial Tecnos S.A., 1985, p.45. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 22 O trecho de Qöheºlet 3.1-15, assim como todo o livro de Qöheºlet de uma forma geral, emprega o paralelismo poético, até mesmo quando escreve em prosa rítmica no lugar do verso. 59 Além disso, esse trecho de Qöheºlet apresenta uma unidade coesa, mas que, estruturalmente falando, pode ser dividido em duas subperícopes: 3.1-8 e 3.9-15. Em minha opinião, enquanto que a primeira subperícope (3.1-8) possui um caráter descritivo, 60 pois ela descreve simbolicamente, de forma não exaustiva, todas as situações da vida humana, a segunda subperícope (3.9-15), por sua vez, tem um caráter explicativo, porque visa explicar o porquê das coisas acontecerem assim em Qöheºlet 3.1-8. 61 3.1. Qöheºlet öheºlet öheºlet öheºlet 3.1-8 1 Para tudo (há) um tempo determinado, e um tempo para todo propósito debaixo dos céus. 2 Tempo para nascer, e tempo para morrer; tempo para plantar, e tempo para colher; 3 tempo para matar, e tempo para curar; tempo para destruir, e tempo para construir; 4 tempo para chorar, e tempo para rir; tempo de se lamentar, e tempo de dançar; 5 tempo para lançar pedras, e tempo de amontoar pedras; tempo para abraçar, e tempo para afastar-se de abraçar; 6 tempo para buscar, e tempo para perder; tempo para guardar, e tempo para lançar; 7 tempo para rasgar, e tempo para costurar; tempo para calar, e tempo para falar; 8 tempo para amar, e tempo para odiar; tempo de guerra, e tempo de paz. 59 ALTER, Robert & KERMODE, Frank. (Orgs.). Guia Literário da Bíblia. São Paulo, Unesp,1997, p.299. Auzou diz que o autor de Qöheºlet “escreve em prosa ritmada entrecortada de sentenças e versos”. (Cf. AUZOU, Georges. A Tradição Bíblica. São Paulo, Livraria Duas Cidades Ltda., 1971, p.213). 60 Assim pensa também Loader, segundo quem, “a reflexão sobre as séries de eventos mutuamente exclusivos não é prescritiva, mas descritiva”. (Cf. LOADER, J. A. Polar Structures in the Book of Qohelet. Berlin / New York, De Gruyter, 1979, p.29). 61 Todavia, Lilia Veras possui opinião diferente da minha. Para a autora, 3.1-8 é uma reflexão sobre a incapacidade do homem de interferir na obra de Deus e 3.9-15 é uma revisão de alguns temas que o Qohélet tratou nos capítulos anteriores. (Cf. VERAS, Lilia Ladeira. Un Primer Contacto Con El Libro del Eclesiastés o Libro de Qohélet. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana], nº 52, 2005, pp.8,9). Já Zenger afirma que o trecho de Qöheºlet 3.1-15 está dentro da estrutura maior de Qöheºlet 1.3-3.22, a qual trata do desdobramento e resposta à pergunta pelo conteúdo e pelas condições da felicidade humana. (Cf. ZENGER, Erich et al. Introdução ao Antigo Testamento. [Coleção Bíblica Loyola | Nº 36]. São Paulo, Edições Loyola, 2003, p.334). © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 23 Este primeiro versículo funciona como uma introdução para todo o trecho de Qöheºlet 3.1-8. Ele nos faz pensar, por exemplo, em um provérbio atribuído ao lendário autor grego, Esopo (VI Séc. a.C.), que teria dito que “é uma grande coisa fazer a coisa certa na época certa”. 62 Contudo, dentro do contexto judaico, muitas opiniões têm surgido a fim de poder responder à seguinte questão: “até que ponto a vida humana é determinada?”. 63 No Talmude da Babilônia, 64 por exemplo, Rava 65 (nascido aproximadamente em 270 d.C.) afirma que até mesmo as questões mais elementares da vida humana estão sob a influência do zodíaco. Segundo ele: “A vida, as crianças e o sustento dependem não do mérito, mas das estrelas [mzl]” (B. Mo’ed Katan, 28a). 66 Tal influência zodiacal também é notada nos menores detalhes da natureza, conforme pode ser percebido em Gênesis Rabá 10.6: “R. Simão disse ‘Não há uma espécie vegetal única, mas ela tem uma estrela [mzl] no céu que a atinge e diz, Cresça!’”. 67 De forma bastante curiosa e, às vezes, também contraditória, o Talmude diz em um momento que Israel é uma nação predeterminada e em outro momento afirma que Israel é dotado de vontade livre. Isto pode ser visto nos seguintes trechos talmúdicos: “R. Hanina b. Hama disse: ‘As estrelas [mzl] fazem alguém sábio, as estrelas fazem alguém rico, e há estrelas para Israel’ (...) R. Yohanan disse: ‘Não há estrela para Israel’” (B. Shabat 156a-b, cf. Yevamot 21b). 68 Além disso, há que se notar também que o Targum de Qöheºlet não está imune a esse tipo de pensamento determinista 62 SCOTT, R. B. Y. [Ed.]. Proverbs, Ecclesiastes, p.221. 63 V. D’Alario faz o seguinte comentário sobre o conceito de determinismo encontrado no livro de Qöheºlet: “O emprego da palavra ¬·¡: [“acontecimento, evento, destino”] no livro de Qohélet [p.ex., em 3.19] é uma confirmação posterior da singularidade do nosso texto em comparação com outros livros do Antigo Testamento; ¬·¡: na verdade poderia evocar uma força misteriosa que determina os eventos, considerando que na Bíblia o princípio da soberania absoluta de Deus está colocado de forma incontestável”. (Cf. D’ALARIO, V. Liberté de Dieu ou Destin? Un autre dilemme dans l’interprétation du Qohélet. In: SCHOORS, A. (Ed.). Qohelet in the Context of Wisdom. Leuven, Leuven University Press, 1998, p.457). Os acréscimos entre colchetes são meus. 64 Segundo Christianson, o uso que o Talmude faz de Eclesiastes geralmente se concentra na aplicação prática, muitas vezes, em apoio à observação mais banal. (Cf. CHRISTIANSON, Eric S. Ecclesiastes Through the Centuries. Oxford, Blackwell Publishing Ltd., 2007, p29). 65 Seu nome é Rabi Abba Ben Joseph Bar Hama. 66 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, p.4. 67 Idem, Ibidem, p.4. 68 Idem, Ibidem, p.4. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 24 astrológico, o que é evidenciado pelo fato de que esse Targum lê todo o livro de Qöheºlet a partir da perspectiva determinista. A esse respeito, o filósofo francês judeu Emmanuel Levinas (1906-1995) escreveu o seguinte: Em quinze ocasiões, o Targum utiliza o termo MAZAL que eu, com sérias reservas, tenho traduzido como ‘Providência’... No Targum, Deus determina mazal (Cf. V,18; VI,2; X,6) e o bom mazal é uma recompensa dada às pessoas merecedoras (V, 17). Por outro lado, mazal é usado para descrever o destino inevitável: uma pessoa não pode fazer nada para mudar o seu mazal (IX, 11). Devido às suas características mecanicistas e deterministas, o Targum o usa para explicar desigualdades tais como o sofrimento dos justos e o bem-estar do perverso (VIII, 15). Os elementos mazal no Targum testemunham que a tradição Farisaico-Rabínica não erradicou o controle da astrologia sobre a opinião popular, mesmo nos casos onde mazal triunfou sobre zekut, isto é, mérito acumulado. “Tudo é determinado por mazal!” (IX, 2). No entanto, aqui também de vez em quando o Targum tempera este fatalismo explicando que Deus determina até mesmo o que o mazal irá trazer (IX, 12). Finalmente, o Targum inclui uma severa advertência contra o estudo e a prática da astrologia (XI,4), embora seja, ele próprio, contaminado por ela. 69 A opinião do rabino espanhol Ibn Ezra (1093-1167) 70 sobre Qöheºlet 3.1 também merece a nossa atenção. Segundo Ibn Ezra, o destino dos seres humanos estava sujeito à influência astrológica. Tal tipo de pensamento não deve nos causar espanto, pois este sábio judeu era um estudioso das ciências em geral e, mais particularmente, da astronomia. Em seu comentário sobre Qöheºlet 3.1, Ibn Ezra observa que o texto se refere aos “tempos que são vigorosos sobre a humanidade, pois o ser humano é obrigado a fazer tudo em seu tempo determinado, e o início dos tempos determinados e seu fim o restringem”. 71 Já Ginsberg (1903-1990) enxerga o Qöheºlet como alguém que se vê insatisfeito na vida por causa de seu fatalismo e de seu determinismo rígido. 69 LEVINE, E. The Aramaic Version of Qohelet. New York, Hermon, 1978, pp. 75-76. Apud: RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, pp.4,5. 70 Seu nome é Abraham ben Meir Ibn Ezra. 71 RUDMAN, Dominic. Op.Cit., p.5. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 25 Segundo ele, o “Qöheºlet considera Deus como um senhor absoluto e arbitrário do destino”. 72 Entretanto, como Rudman declara: “levada à sua conclusão lógica, uma filosofia determinista implicaria que o próprio Deus, em última análise, é responsável pela execução não apenas das boas ações dos seres humanos, mas também das más”. 73 Sendo assim, segundo penso, essa leitura determinista radical de Qöheºlet não é adequada para a compreensão do nosso texto. Contudo, além destas leituras deterministas, há aqueles que buscaram interpretar a existência humana através de uma perspectiva mais equilibrada. Maimônides 74 (1135-1204), por exemplo, buscou interpretar esta questão aliando o conceito de presciência divina ao conceito de liberdade humana. Este sábio observa que é muita ingenuidade acreditar que o mazal (sorte ou destino influenciados pelas estrelas e planetas) possa afetar a nossa vida. “Se isso fosse verdade”, declara o sábio, “a Torá não teria nenhum sentido para nós. Não existiria o conceito de recompensa e punição”. 75 Maimônides ainda afirma: Nós chegamos à conclusão de que é possível acreditar nos sinais astrológicos que guiam o destino do homem assim como na Torá. Não são os sinais que dirigem a vida de uma pessoa, mas eles foram dispostos por D’us de acordo com a maneira como a vida de uma pessoa seria vivida [presciência divina]. Pois se os signos fossem capazes de ditar a vida de uma pessoa, isso significaria que ela não tem escolha [liberdade humana]. Todos os capítulos da Torá de reprovação não teriam nenhum sentido, se as pessoas fossem guiadas pelos signos. 76 Além de Maimônides, outro sábio judeu, Moshe Alshich (1508-1593), também defende opinião semelhante, combinando o determinismo divino com a liberdade humana. Segundo Alshich, “desde a época em que D’us criou os céus e 72 GINSBERG, Harold Louis. Supplementary Studies in Koheleth, 1952. Apud: EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário. [Série Cultura Bíblica]. São Paulo, Vida Nova / Mundo Cristão, 1989, p.84. 73 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, p.3. 74 Seu nome é Moshe Ben Maimom. 75 Maimônides, in: WASSERMAN, Adolpho. [Tradutor e compilador dos comentários]. Eclesiastes. São Paulo, Maayanot, 1998, p.20. 76 Maimônides, in: Idem, Ibidem, p.20. Os itálicos e os acréscimos entre colchetes são meus. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 26 a ordem do zodíaco, Ele conhece o futuro em toda sua inteireza. Ele sabe como cada pessoa agirá e se ela merecerá recompensa ou punição por suas ações”. 77 Porém, em outro momento, este sábio declara que a palavra -r (`ët), “tempo”, em Qöheºlet 3.1, faz referência aos “sinais que são repartidos para todo propósito e coisa sob os céus. Cada objeto tem seu futuro contido nas estrelas”. 78 Já o trecho de Qöheºlet 3.2-8 nos mostra um poema que apresenta 14 pares de situações ou de ações antitéticas, as quais, embora não abranjam todas as situações da vida, devem ser vistas como elementos emblemáticos e simbólicos de sua totalidade, os quais não são de forma alguma casuais. 79 Este paralelismo antitético, observado nos 14 pares de situações juntamente com os seus respectivos opostos, nos faz pensar naquilo que está escrito no livro apócrifo de Eclesiástico 33.15, que diz: “Contempla, pois, todas as obras do Altíssimo, duas a duas estão todas uma diante da outra”. 80 Segundo Rashi 81 (1040-1105 d.C.), as expressões “tempo para nascer” e “tempo para morrer” (v.2a) se referem, respectivamente, aos limites divinamente ordenados colocados sobre o tempo de gestação e sobre o breve espaço de tempo da vida humana. 82 De acordo com Rashi, o período natural de gestação de nove meses está além do controle humano. 83 Em outras palavras, Rashi está descrevendo aquilo que eu chamo de determinismo biológico, o qual afeta a todos os nascituros. Além disso, podemos dizer de igual modo que tal determinismo biológico também alcança o ser humano no fim de seu ciclo vital. Por isso, há um “tempo para morrer”. Dito de outra forma, embora não esteja determinado que todos devam nascer (com exceção daqueles que já nasceram, é claro), todavia, está determinado que aqueles que nascerem experimentarão um ciclo de gestação no ventre materno de aproximadamente nove meses e, está 77 Alshich, in: WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20. 78 Idem, Ibidem, p.20. 79 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.216. Cf. também: ANDERSON, William H. U. Scepticism and Ironic Correlations in the Joy Statements of Qoheleth? [Doctoral Thesis in Philosophy]. Glasgow, University of Glasgow, 1997, p.72. 80 GIRAUDO, Tiago & BORTOLINI, José. (Eds.). Bíblia de Jerusalém, p.1294. 81 Acrônimo de Rabi Shlomo ben Yitschak. 82 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, p.6. 83 Rashi, in: WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 27 determinado também que, após o seu nascimento, tais pessoas deverão morrer algum dia. 84 Todavia, Blenkinsopp acredita que as ideias contidas no poema foram emprestadas da filosofia estóica por um “judeu estoicizado”. 85 E, para tentar comprovar a sua tese, ele traduz equivocadamente a expressão -·:: (literalmente, “para morrer”) encontrada no verso 2a como “dar um fim à vida de alguém”, conectando assim o poema com a ideia estóica do suicídio. 86 Porém, tal tradução é bastante forçada, pois não reflete adequadamente o significado da preposição hebraica, a qual aparece acompanhada pela construção verbal que ocorre no infinitivo construto do Qal. A continuação do verso, que diz que há “tempo para plantar e tempo para colher” (v.2b), também aponta para outro tipo de determinismo, que eu chamaria de determinismo agrário. Esse tipo de determinismo faz referência ao tempo certo de plantar e colher as várias espécies de sementes existentes, as quais possuem um tempo apropriado para a sua plantação e também para a sua colheita. 87 O Midrash, 88 contudo, explica essa frase dizendo assim: “um tempo para plantar em tempo de paz e um tempo para arrancar a planta em tempo de guerra”. 89 Já Jerônimo (347-420 d.C.) aplica todo o verso dois a Israel, dizendo o seguinte: “um tempo para nascer e plantar Israel; um tempo para morrer e ser 84 Segundo Pfeiffer e Harrison, a morte que ocorre em uma guerra, em defesa própria, por exemplo, nunca é acidental. Segundo estes autores, tal situação encontra eco na expressão moderna “era a sua hora de ir embora”. (Cf. PFEIFFER, Charles F. & HARRISON, Everett F. (Eds.). The Wycliffe Bible Commentary. Chicago, Moody Press, 1987, p.588).Rick Warren, por outro lado, enxerga a questão do nascimento e da morte de forma acentuadamente determinista. Segundo ele: “Uma vez que Deus o fez por um motivo, ele também decidiu o momento de seu nascimento e seu tempo de vida. Ele planejou os dias de sua vida antecipadamente, escolhendo o momento exato de seu nascimento e de sua morte”. (Cf. WARREN, Rick. Uma Vida Com Propósitos. São Paulo, Editora Vida, 2003, p.22). 85 O estoicismo enfatizava o controle pessoal sobre as emoções. (Cf. EVANS, C. Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião. São Paulo, Editora Vida, 2004, p.51). 86 BLENKINSOPP, Joseph. Ecclesiastes 3.1-15: Another Interpretation. JSOT, Nº 66. Thousand Oaks, 1995, pp.56-57. 87 Kathryn Imray observa que os conceitos de “plantar” e “desenraizar” (“colher”) também podem ser compreendidos aqui como metáforas para o nascimento e para a morte. (Cf. IMRAY, Kathryn. Qohelet’s Philosophies of Death. [Doctoral Thesis in Philosophy]. Perth, Murdoch University, 2009, p.70). 88 Um nome genérico que se refere normalmente a ensinamentos não legais dos rabinos da era talmúdica. 89 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 28 levado para o exílio. Um tempo para matar no Egito e um tempo para a libertação do Egito”. 90 No que se refere à frase que diz que há “tempo para matar, e tempo para curar” (v.3a), devemos dar-lhe uma explicação prévia. O Qöheºlet não estava querendo defender com estas palavras o assassinato premeditado. 91 Talvez, ele esteja se referindo aqui a situações de matanças legítimas, por mais absurdo que isso nos pareça. Tais situações poderiam ser verificadas, por exemplo, em contextos de guerra, nos casos de vingança dos vingadores do sangue, nas ocasiões de pena de morte, ou, até mesmo, em situações de autodefesa. 92 Se este for o caso, então, em Qöheºlet 3.3 nós saímos da “zona determinista” de Qöheºlet 3.1,2 e entramos no “perímetro do livre-arbítrio”. Explico: embora esteja determinado sobre todos os nascituros que eles devem cumprir certo período de gestação e que eles também deverão morrer, não está de igual modo determinado que um soldado irá necessariamente matar alguém em uma guerra ou que ele deverá matar alguém com o intuito de se autodefender. O soldado pode simplesmente se recusar a matar alguém por sua livre escolha. Um comentário lingüístico judaico sobre a Bíblia, chamado em hebraico Michlol Yofi, e escrito pelo Rav David Kimchi, o Radak (Séculos XII/XIII), explica o verso 3a dizendo que o “tempo para matar” é o tempo para a execução legal de criminosos e o “tempo para curar” é o tempo de investigação para uma possível absolvição do suspeito. 93 Na segunda parte do verso três, a expressão “tempo para destruir, e tempo para construir” (v.3b) é interpretada pelo Midrash como um tempo para destruir pela guerra e construir na paz. 94 No verso quatro, os dois pares de situações envolvem emoções humanas, primeiro as particulares (chorar/rir) e, depois, as públicas (lamentar/dançar). 95 A 90 MANNS, F. Le Targum de Qohelet – Manuscrit Urbinati 1: Traduction et commentaire. [Studium Biblicum Franciscanum]. Jerusalem, Liber Annuus, Nº 42,1992, p.152. 91 LIOY, Dan T. The Divine Sabotage: An Exegetical and Theological Study of Ecclesiastes 3. [Article]. Vol.5. South Africa, South African Theological Seminary, 2008, p.118. 92 CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. [Vol. 4 | Salmos – Cantares]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, p.2713. 93 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20. 94 Idem, Ibidem, p.21. 95 EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário, pp.86,87. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 29 frase “tempo para chorar e tempo para rir” (4a) é interpretada pelo Lekach Tov 96 assim: “chorar pela destruição do Templo em Tishá BeAv [9 de Av] e rir pela redenção de Israel”. 97 Já a frase seguinte, “tempo de se lamentar e tempo de dançar” (v.4b) é compreendida pelo Rabi David Altschuller (Séc. XVIII), em seu Metsudat David (comentários sobre a Bíblia) como uma referência ao tempo de luto pelos mortos e ao tempo de dançar em festas de casamento. 98 Os dois pares de situações do verso cinco parecem descrever relacionamentos humanos de amizade e inimizade. 99 Todavia, a primeira parte, do verso, “tempo para lançar pedras, e tempo de amontoar pedras” (v.5a) tem recebido quatro interpretações principais, as quais mencionamos abaixo: (i) O Targum aramaico de Eclesiastes via, aqui, uma referência a espalhar pedras num edifício velho, preparando-se para edificar-se um prédio novo; esta opinião era defendida, também, por Ibn Ezra. (ii) Outros viam, aqui, uma referência ao hábito de espalhar pedras nos campos, a fim de torná-los improdutivos (cf. 2 Rs 3.19,25; Is 5.2). (iii) Plumptre via, aqui, “uma velha prática judaica... de atirar pedras, ou terra, no túmulo, num enterro”, na primeira frase [tempo para lançar pedras], e a preparação para construir uma casa, na segunda [tempo de amontoar pedras]. (iv) Eruditos mais recentes têm visto uma referência de ordem sexual seguindo a interpretação do Midrash. 100 Já a segunda parte do verso, “tempo para abraçar e tempo para afastar-se de abraçar” (v.5b), é interpretada pelo Targum com conotações sexuais. Segundo o Targum, o texto está se referindo a “um tempo escolhido para abraçar uma mulher e um tempo escolhido para evitar abraçá-la no período de sete dias de luto”. 101 96 Também conhecido como Pessikta Zutrata, um trabalho midráshico de Rabi Tovia (ben Eliezer) Ha Gadol (1036-1108) sobre vários livros da Bíblia Hebraica, incluindo o livro de Qohélet, sendo este publicado em 1908. (Cf. WASSERMAN. Eclesiastes, p.120). 97 WASSERMAN, Adolpho. Op.Cit., p.21. Os acréscimos entre colchetes são meus. 98 Idem, Ibidem, p.21. 99 EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário, p.87. 100 Idem, Ibidem, p.87. Os acréscimos entre colchetes são meus. 101 MANNS, F. Le Targum de Qohelet – Manuscrit Urbinati 1: Traduction et commentaire, p.153. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 30 Contudo, a meu ver, todo o versículo cinco descreve, na verdade, um paralelismo de ideias cruzadas, no qual as mesmas ideias se repetem, mas com termos distintos. Em outras palavras, o “tempo para lançar pedras” e o “tempo para afastar-se de abraçar” são correspondentes e descrevem relações de inimizade. E, por outro lado, o “tempo de amontoar pedras” e o “tempo para abraçar” também possuem correspondência, mas descrevem relações de amizade. Esse paralelismo de ideias cruzadas pode ser exemplificado pelo quadro abaixo: “tempo para lançar pedras e tempo de amontoar pedras” (v.5a) A B A B “tempo para abraçar e tempo para afastar-se de abraçar” (v.5b) O verso seis, que diz que há “tempo para buscar, e tempo para perder; tempo para guardar, e tempo para lançar” (v.6) é interpretado por Rashi a partir da perspectiva da liberdade humana. Rashi lê assim esse verso: “Um tempo para buscar os espalhados de Israel e um tempo para perdê-los no exílio. Guardar quando Israel cumpre a vontade de D’us, e jogar fora quando Israel age contra a vontade de D’us”. 102 Então, neste verso, a capacidade que o homem tem tanto de cumprir quanto de descumprir a vontade de Deus, evidencia a sua liberdade de vontade e de ação em relação à vontade de Deus. Portanto, a partir da interpretação que Rashi dá ao verso seis, verificamos que na “queda de braços” entre o determinismo e a liberdade humana, a liberdade humana se sagrou vencedora. Logo, tendo em mente essas observações, podemos dizer que o homem é livre no que diz respeito à livre escolha de suas ações. Quanto ao verso sete, que diz que há um “tempo para rasgar, e tempo para costurar; tempo para calar, e tempo para falar” (v.7), Saadia Gaon 103 (892-942) interpreta a primeira parte deste verso, “tempo para rasgar, e tempo para 102 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21. Os itálicos são meus. 103 Esta é a forma abreviada de Rabi Saadia ben Yossef Gaon. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 31 costurar” (v.7a) com estas palavras: “rasgar as roupas em luto pelos mortos e costurar as roupas para as festas de casamento”. 104 Tais ações antitéticas de “rasgar” e “costurar” as roupas pressupõem, segundo penso, ações humanas livres, pois, nas situações de luto e de casamento, os atos de rasgar e costurar, embora possam ser condicionados culturalmente pela sociedade na qual se vive, constituem-se, porém, em última análise, em atos livres e autônomos por parte daqueles que os praticam ou deixam de praticá-los. Já a segunda parte do verso, “tempo para calar, e tempo para falar” (v.7b) pode ser interpretada pelo Talmude, no Tratado Berachot 6b, assim: Disse Rav Papa: A recompensa por ir à casa do enlutado – provém do silêncio, pois é o meio principal de expressar apoio e confortar o enlutado. (...) Disse Rav Ashi: A recompensa por comparecer a um casamento – provém das palavras que são ditas aos noivos. 105 Aqui, devemos voltar a nossa atenção primeiramente para a frase “tempo de calar, e tempo de falar” (v.7b). Acredito que esta frase exemplifique, melhor do que qualquer outra, a liberdade de que gozamos em nossa existência humana. Digo isso porque, o próprio Tanakh, em outras situações, fala, por exemplo, sobre o perigo de “estar em silêncio” quando se deve falar e, por outro lado, o perigo de “falar” quando se deveria estar em silêncio. Davi, em um Salmo atribuído a ele, faz o seguinte lamento: “Com o silêncio fiquei como mudo; calava-me mesmo acerca do bem; mas a minha dor se agravou” (Sl 39.2). Vemos aqui que Davi, no momento em que deveria falar sobre o bem, permanece, contudo, calado, valendo-se, portanto, da liberdade que tem de ficar em silêncio. Além disso, lemos também que “como maçãs de ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo” (Pv 25.21). 106 Aqui, o texto sagrado enaltece aquele que sabe falar no momento apropriado, o que nos leva a pensar, por outro lado, que é igualmente possível alguém falar mesmo quando a ocasião não é 104 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21. 105 ENDE, Shamai. (Ed.). Talmud Bavli. [Massechet Berachot]. Vol.1. São Paulo, Editora Lubavitch e Yeshivá Tomchei Tmimim Lubavitch, 2010, pp.49,51. Os itálicos são meus. 106 Estas duas citações bíblicas foram extraídas de: ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. (Almeida, Revista e Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 32 conveniente para isso. Em outras palavras, há muitos que “falam pelos cotovelos” no “tempo para calar” qoheletiano e há também muitos que mantém um “silêncio ensurdecedor”, por exemplo, diante da injustiça, quando, na verdade, deveriam gritar a plenos pulmões contra ela. Além disso, note-se que o Tratado Berachot 6b, que acabamos de citar, fala ainda sobre as “recompensas” que existem tanto para aqueles que se mantêm em silêncio na casa do enlutado, quanto para aqueles que falam boas palavras aos noivos em um casamento. Ora, se há uma recompensa, deve-se pensar conseqüentemente que há também uma boa ação livre que tenha sido executada e que, portanto, merece ser justamente retribuída por tal ato. Finalmente, o último verso desta primeira subperícope de Qöheºlet diz que há “tempo para amar, e tempo para odiar; tempo de guerra, e tempo de paz” (v.8). Sobre este verso, o Rabi David Altschuller, em seu já citado Metsudat David (comentários sobre a Bíblia) declarou que “pode-se amar algo hoje e detestá-lo amanhã. Há tempos em que uma nação entra em guerra com seu vizinho e outros tempos em que ela busca conviver com esse vizinho”. 107 Essas declarações do Qöheºlet acrescidas do comentário de Altschuller, mais uma vez me fazem pensar na liberdade humana. Ou seja, se o ser humano não fosse livre para poder escolher entre amar e odiar e entre guerrear e viver em paz, então qual o propósito de textos como Lv 19.18, que diz: “Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo: eu sou o Senhor”? 108 Ora, estas ordens dadas ao povo de Israel para que este não se vingue, não se ire e ame o seu próximo, só podem fazer sentido, se Israel tiver real liberdade para cumprir ou não tais ordens. Sendo assim, não há como entender as frases: “tempo para amar, e tempo para odiar; tempo de guerra, e tempo de paz” (v.8) a não ser que elas sejam vistas sob a ótica da liberdade humana. Caso contrário, se o homem não é livre para praticar ou deixar de praticar tais atos, então, por que os mandamentos de Lv 19.18, por exemplo, teriam sido ordenados? Tal pensamento não faria o menor sentido. 107 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21. 108 ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. (Almeida, Revista e Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 33 De uma forma geral, na análise que fizemos de Qöheºlet 3.1-8 percebemos que, enquanto o trecho de Qöheºlet 3.1,2 possui um tom mais determinista (mencionando, por exemplo, o determinismo biológico e o determinismo agrário), o trecho de Qöheºlet 3.3-8, por outro lado, acaba enfatizando mais a liberdade humana. Neste momento de transição entre Qöheºlet 3.1-8 e Qöheºlet 3.9-15, cabe citar aqui as perspicazes palavras de Michael Eaton: Os primeiros oito versículos declaram o controle providencial da vida, porém, com pouca interpretação ou comentário. Não se mencionou o Deus que origina e controla este programa de “tempos”. Não se explicou, tampouco, a relevância que isto tem na vida diária. Os versículos 9-15 retificam essa dupla omissão. 109 Ora, depois dessas importantes observações sobre o trecho de Qöheºlet 3.1-8, que, como vimos, possui caráter mais descritivo, partamos então agora para a análise de Qöheº let 3.9-15, que, reiteramos, busca explicar aquilo que foi escrito anteriormente em Qöheºlet 3.1-8. 3.2. Qöheºlet öheºlet öheºlet öheºlet 3.9-15 9 Que proveito (tem) o trabalhador no que ele trabalha? 10 Eu tenho visto a tarefa que deu Deus aos filhos do homem para estarem ocupados nela. 11 Tudo fez belo em seu tempo; Também o mundo deu no coração deles, de tal modo que não descubra o homem a obra que fez Deus desde o princípio e até o fim. 12 Eu sei que não há nada melhor para eles que se alegrarem e fazerem (o) bem em sua vida. 13 E também todo homem, que coma e beba e veja (o) bem em todo seu trabalho. Isso (é) um dom de Deus. 14 Eu sei que tudo (o) que fez Deus, ele (isso) será para sempre. Sobre ele (isso) nada (há) para acrescentar e dele (disso) nada (há) para tirar, e Deus (o) fez (para) que temam em face dele. 15 O que foi, ele já (é); e (o) que será, já foi; E Deus buscará o perseguido. 109 EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário, p.87. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 34 A segunda parte do texto começa com uma importante pergunta: “Que proveito (tem) o trabalhador no que ele trabalha?” (v.9). 110 Segundo James Crenshaw, a própria forma do poema sobre os tempos em Qöheºlet 3.2-8 já oferece uma resposta a esta questão. E a resposta é: “uma coisa cancela a outra”. 111 Parece, segundo Kidner, que nós estamos dançando “ao som de uma música, ou de muitas delas, que não foram compostas por nós”. 112 Como disse Líndez, esse tom cético de Qöheºlet o caracteriza e o distingue radicalmente de todos os sábios que o precederam. 113 Aliás, o tom pessimista deste verso é questionado tanto por Ibn Ezra quanto pelo Rabi Yaacov ben Yaacov Moshe de Lissa (1760-1832). Ibn Ezra pergunta: “Uma vez que tudo é governado pelo tempo, sobre o qual o homem não tem nenhum controle, que esperança existe para ele em reter o domínio sobre seus esforços?”. 114 E o Rabi Yaacov ben Yaacov Moshé de Lissa, em seus comentários sobre o Qöheºlet intitulados Taalumot Chochmá, de forma contundente, faz os seguintes questionamentos sobre a predestinação e a liberdade humana: “Se tudo está predestinado por D’us, independente da ação humana, seria próprio questionar o que o homem espera alcançar por seu aparente desperdício em labutar estudando a Torá e praticando as mitsvót”. 115 De uma forma geral, verificamos que o Qöheºlet 3.9 acaba servindo como introdução a Qöheºlet 3.10-15, versículos estes que, juntos, fornecem “a resposta teológica de Qohélet à sua grande inquietude como sábio e 110 Longman observa que a palavra yyitrôn, “proveito”, é uma palavra-chave em Eclesiastes, onde aparece nove vezes. Contudo, estranhamente, ela não ocorre em nenhuma outra parte no Antigo Testamento. Ao que tudo indica, o termo deriva do verbo ytr, “sobrar”, “restar”. (Cf. LONGMAN III, Tremper. The Book of Ecclesiastes. [The New International Commentary on the Old Testament]. Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company,1998, p.65). Os Gallazzi, ao comentarem os versos nove e dez, observam: “Tudo parece determinado, escrito, decidido. A vida parece ser um jogo com cartas marcadas. Nem o ‘amal (v.9), o trabalho escravo imposto pelo Mercado, nem o ‘inian (v.10), a fadiga incompreensível imposta por Deus, são de algum “proveito” para o trabalhador (…)”. (Cf. GALLAZZI, Ana Maria Rizzante & GALLAZZI, Sandro. La Prueba de los Ojos, La Prueba de la Casa, La Prueba del Sepulcro: una clave de lectura del libro de Qohélet. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana], Nº 14, 1993, p.10). 111 CRENSHAW, James L. Ecclesiastes. [The Old Testament Library]. Philadelphia, The Westminster Press, 1987, p.96. 112 KIDNER, Derek. A Mensagem de Eclesiastes. [Série: A Bíblia Fala Hoje]. São Paulo, ABU Editora S/C, 1998, p.26. 113 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.225. 114 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21. 115 Idem, Ibidem, p.21. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 35 como crente”. 116 Aliás, é digno de nota que no pequeno trecho de Qöheºlet 3.10- 15, o nome de Deus, :·¬:s (´élöhîm), aparece seis vezes (3.10,11,13,14 [2x],15). Tal constatação nos faz concluir que esse pequeno trecho de Qöheºlet possui “uma das reflexões teológicas mais densas” de todo o livro. 117 No que diz respeito aos dizeres do verso dez: “Eu tenho visto a tarefa que deu Deus aos filhos do homem para estarem ocupados nela” (v.10), eles são interpretados por Moshe Alshich de forma um tanto quanto confusa, pois, em seu comentário, Alshich tenta harmonizar, porém, sem sucesso, o determinismo divino e astrológico com a liberdade humana. Eis as suas palavras: Tudo é feito de acordo com o plano perfeito de D’us. Ele estabelece que o nascimento de cada homem se ajuste perfeitamente com o signo sob o qual ele nasceu, de modo que cada ação de sua parte não contradiga sua vida, conforme previsto pelas estrelas. Ele pode fazer coisas por seu livre-arbítrio, mas isso concorrerá com seu destino conforme determinado pelos sinais nos céus. 118 Ora, se, segundo Alshich, o destino do homem já foi “determinado pelos sinais nos céus”, então, não sobra o mínimo espaço para a liberdade humana atuar. Em outras palavras, de acordo com este sábio, a liberdade humana não passa de uma mera escrava nas mãos do supremo e implacável senhor zodiacal. Já o teólogo cristão, R. N. Champlin, diferentemente de Alshich, denuncia o determinismo absoluto contido no verso dez e faz o seguinte comentário: Esta (...) declaração reitera o Deus do autor, a Causa Única, mas ignora completamente que outros fatores operam no mundo – as causas secundárias, que se originam entre os homens, nas comunidades, na natureza, na lei natural e até no caos. 119 116 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.225. 117 Idem, Ibidem, p.226. 118 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.22. 119 CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. [Vol. 4 | Salmos – Cantares]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, p.2714. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 36 Em outras palavras, Champlin revela a teologia deficiente do Qöheºlet neste ponto no que se refere à sua unilateralidade determinista absoluta. A meu ver, esse determinismo qoheletiano é fruto da fé essencialmente monoteísta do autor, a qual, conseqüentemente, é ambivalente em seu caráter e, portanto, acaba por atribuir erroneamente a Deus todos os acontecimentos da vida, inclusive “a tarefa que deu Deus aos filhos do homem para estarem ocupados nela” (v.10), tarefa esta que se refere aos acontecimentos descritos em 3.1-8. Já o verso onze tem sido visto pelos exegetas como um dos versos mais difíceis de serem interpretados de todo o Qöheºlet, sobretudo, no que tange ao significado da palavra hebraica ‘::r (`öläm), que preferimos traduzir aqui como “mundo”. 120 O verso diz: “Tudo [Deus] fez belo 121 em seu tempo; Também o mundo (`öläm) deu no coração deles, de tal modo que não descubra o homem a obra que fez Deus desde o princípio e até o fim” (v.11). 122 A Teodicéia Babilônica, em sua linha 256, faz um comentário sobre a inescrutabilidade divina que lembra muito esse verso do Qöheºlet. Segundo essa teodicéia, “a mente de deus, como o centro dos céus, é remota ... seu conhecimento é difícil”. 123 De acordo com Michael Fox, o significado do verbo ¬cr (`äSâ), “fez”, no verso onze, não se refere à Criação, o que seria irrelevante para este contexto, 120 Shank chama a atenção para a característica polissêmica do termo öläm, o qual possui diferentes significados em outros trechos de Eclesiastes, tais como: 1.14; 3.11,14; 9.6; 12.5. (Cf. SHANK, H. Carl. Qoheleth’s World and Life View As Seen In His Recurring Phrases. [Westminster Theological Journal]. Philadelphia, Westminster Theological Seminary Press, 1974, p.66). 121 Segundo Caneday, aqui o Qöheºlet usa yäpè, “belo, bonito” como sinônimo de †ôb, “bom”. Cf. CANEDAY, Ardel B. Qoheleth: Enigmatic Pessimist or Godly Sage? [Grace Theological Journal]. Winona Lake, Grace Theological Seminary Press, 1986, pp.45,46. 122 Essa incapacidade humana de perscrutar a obra divina mencionada no verso onze é muito bem ilustrada por Davidson, ao dizer: “De nossa posição de criaturas debaixo do sol vemos (...) o avesso do tapete com suas muitas linhas confusas e fios soltos. Procurar desemaranhar o tapete, de nosso ponto de vista, é ficar envolvido num interminável labirinto”. (Cf. DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. [Vol.I]. São Paulo, Edições Vida Nova, 1990, p.660). Kushner também utiliza essa ilustração do tapete, mas a aplica para explicar o propósito divino que existe por trás do sofrimento humano. (Cf. KUSHNER, Harold. Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas. São Paulo, Nobel, 1988, pp.33,34). Já Gerhard von Rad comenta: “Qohelet não tem nada de um niilista que nega a Deus. Sabe que o mundo foi criado por Deus e que a sua atuação soberana perpassa o mundo constantemente, mas é catastrófico para o ser humano não poder entrar em contato com essa forma de Deus atuar, porque é profundamente oculta”. (Cf. RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. [Vols. 1 e 2]. São Paulo, ASTE, Targumim, 2006, p.443). 123 SCOTT, R. B. Y. [Ed.]. Proverbs, Ecclesiastes, p.221. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 37 mas se refere aos eventos da vida humana, tal como sumarizado pelo catálogo dos “tempos” de Qöheºlet 3.1-8. 124 Além disso, muitos comentários foram feitos sobre o possível significado de `öläm. Em um trecho, o Qöheºlet Rabá interpreta `öläm como “mundo” e diz: R. Berekias e R. Abbahu, em nome de R. Yonatan, disseram que “pôs o mundo (h-‘lm) em seu coração” (Qo 3.11) (quer dizer que) pôs o amor ao mundo em seu coração (mas também que) pôs o amor às crianças em seu coração. 125 Entretanto, em outro trecho, o Qöheºlet Rabá interpreta `öläm como “oculto”, dizendo: R. Ayawah b. R. Zeira disse que o “h-‘lm” (de Qo 3.11 deve ser entendido como) ho‘olam (se lhes ocultou) o Nome Inefável. 126 Já Sarah Japhet e Robert Salters, em seu livro The Commentary of R. Samuel Ben Meir Rashbam on Qoheleth (O Comentário de R. Samuel Ben Meir Rashbam sobre o Qohélet), declaram que este sábio interpretou a palavra `öläm, em Qöheºlet 3.11, como “eternidade”. 127 Aliás, este comentário realça bem o contraste entre o determinismo e a liberdade humana. Vejamos o que ele diz: O Santo também colocou o tempo no coração dos homens para que possam conhecer e compreender que existem tempos designados para o bem e tempos designados para o mal. Porque o homem não consegue descobrir ou conhecer [por si mesmo] os atos do Santo desde o início até o fim. Pois, se todos os tempos fossem para o bem ou todos fossem para o mal, o homem não se arrependeria diante do Santo, porque ele pensaria: “Uma vez que há um destino no mundo, ou tudo é para o bem, ou tudo é para o mal, eu deveria abandonar as 124 FOX, Michael V. Qohelet and His Contradictions. [Bible and Literature Series, 18]. Sheffield, Sheffield Academic Press, 1989, p.107. 125 LÓPEZ, Carmen Motos. La Forma Exegética M~v~l en Qohélet Rabbah. [Revista de Ciencias de las Religiones | Nº 6]. Madrid, Universidad Complutense, 2001, p.89. 126 Idem, Ibidem, p.89. 127 Mark Smith que também traduz `öläm como “eternidade”, declara: “(...) entendo que Deus constrói na pessoa humana uma intuição sobre a natureza da eternidade, algo de Divino por si só, mas sem que a pessoa humana seja capaz de apreender as outras dimensões super-humanas do que Deus faz no universo”. (Cf. SMITH, Mark S. O Memorial de Deus: história, memória e a experiência do divino no Antigo Israel. São Paulo, Paulus, 2006, p.115). © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 38 minhas más ações por isso, e qual o benefício que eu receberia em meu arrependimento?”. 128 Além desses autores, vejamos também qual é o comentário que Rashi faz sobre Qöheºlet 3.11. Segundo este sábio, que interpreta`öläm como “mundo”: “Ele [Deus] também colocou um enigma em suas mentes” (colocou o mundo no coração deles) para que não alcancem inteiramente a obra Divina e nem percebam o futuro, pois se o homem soubesse quão próximo está o dia de sua morte não construiria uma casa ou plantaria uma videira. 129 Este comentário feito por Rashi também aponta, de certa forma, para o conceito de liberdade humana em suas entrelinhas. Aliás, respeitados os seus devidos contextos, o exemplo de Rashi é totalmente verificável em nossos dias. Hoje, muitas pessoas de idade avançada que sabem que estão bem próximas da morte também não se preocupam, muitas vezes, em construir uma casa ou plantar uma semente qualquer. Diante da proximidade da morte, tais pessoas, em posse de sua liberdade, podem simplesmente escolher não querer fazer ou produzir mais nada até o seu último suspiro de vida. No verso doze, nos deparamos com a seguinte expressão: “Eu sei que não há nada melhor para eles que se alegrarem e fazerem (o) bem em sua vida” (v.12). 130 Sobre este verso, o já citado Rabi Yaacov ben Yaacov Moshé de Lissa, ao comentar o livro de Qöheºlet em seus Taalumot Chochmá, destaca aqui o papel da liberdade humana na prática das boas ações. Segundo este sábio: Não há nada melhor nos dias da vida do homem do que a alegria que ele sente quando praticou uma boa ação por seu livre-arbítrio, e ele percebe a recompensa que o aguarda. 131 128 JAPHET, Sara & SALTERS, Robert B. The Commentary of R. Samuel Ben Meir Rashbam on Qoheleth. Jerusalem, The Magnes Press, 1985, p.116. Os acréscimos entre colchetes são meus. 129 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.22. O acréscimo entre colchetes é meu. 130 Segundo Bentzen, a expressão “fazerem o bem” (la`áSôt †ôb) encontrada em Qöheºlet 3.12 é um helenismo. (Cf. BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. [Vol.2]. São Paulo, ASTE, 1968, p.215). 131 WASSERMAN, Op.Cit., p.23. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 39 Segundo este comentário, as boas ações (e, por inferência, também as más ações) são resultantes da nossa liberdade humana. Além do mais, tal pensamento parece ser tão óbvio, que os praticantes das boas ações inclusive percebem que há uma recompensa que lhes aguarda. Logo, se há recompensa, há justiça. E, se há justiça, isto significa que há também agentes livres envolvidos. O verso treze declara: “E também todo homem, que coma e beba e veja (o) bem 132 em todo seu trabalho. Isso (é) um dom de Deus”. (v.13). Sobre este verso, Moshe Alshich fez o seguinte comentário: Quando o homem deixa este mundo, lhe é mostrada a riqueza espiritual que adquiriu através do estudo da Torá. Mesmo aquele que goza os prazeres deste mundo pode merecer a riqueza espiritual no próximo mundo. Ele “verá o sucesso de toda sua labuta” na Torá. O fato de ele ter desfrutado este mundo não significa necessariamente que uma porção será deduzida de sua partilha no outro mundo, pois seu sucesso neste mundo foi um “presente” de D’us. 133 Aqui, os verbos “adquiriu” e “merecer”, juntamente com a frase “Ele verá o sucesso de toda a sua labuta na Torá”, apontam, ambos, para o conceito de liberdade humana. Ora, uma pessoa só pode “adquirir” e “merecer” a riqueza espiritual se ela “estudar a Torá”. E o ato de querer “estudar a Torá”, por sua vez, só pode ser exercido por seres humanos livres que escolham estudá-la. Quanto ao verso quatorze, este diz: “Eu sei que tudo (o) que fez Deus, ele (isso) será para sempre. Sobre ele (isso) nada (há) para acrescentar e dele (disso) nada (há) para tirar, e Deus (o) fez (para) que temam em face dele” (v.14). Neste verso vemos esboçado aquilo que Champlin chama de determinismo absoluto. Aliás, vejamos o comentário crítico desse autor sobre esse verso: 132 De acordo com Fox, a palavra †ôb possui vários significados no livro de Qöheºlet. Aqui, no verso treze, por exemplo, esse termo significa “prazer”. (Cf. FOX, Michael V. The Meaning of Hebel For Qohelet. [Journal of Biblical Literature]. Madison, University of Madison, 1986, p.419). 133 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.23. Neste comentário de Moshe Alshich, a frase “Ele ‘verá o sucesso de toda sua labuta’ na Torá” está baseada em Is 53.11a, que diz: “O trabalho da sua alma ele verá, e ficará satisfeito”. (Cf. ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. (Almeida, Revista e Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991). © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 40 Tudo quanto Deus faz perdura para sempre; coisa alguma pode ser adicionada ao que Ele determinou; e coisa alguma pode ser tirada do que Ele estabeleceu. Determinismo absoluto é o nome do jogo. (...) Para o autor do livro de Eclesiastes, a vida se caracteriza por um profundo sofrimento, no qual os homens vivem presos. Mas ele tinha a ideia distorcida de que Deus planejou as coisas exatamente dessa maneira, visto que o mal faz parte desse determinismo absoluto. 134 Todavia, diferentemente de Champlin, Lioy comenta o conceito de “temer a Deus” citado neste verso, relacionando-o à ideia de liberdade. Segundo Lioy: (...) o conceito bíblico de temer a Deus tem “um caráter tanto metafísico quanto ético”. Dito de outra forma, a noção “incorpora tanto uma teoria de vida quanto uma direção de conduta”. 135 Bem, se isto é realmente assim, então esse “caráter ético” embutido no ato de temer a Deus que é acompanhado por uma “conduta” adequada, só pode existir, de fato, em homens e mulheres que sejam agentes verdadeiramente livres. Somente seres realmente livres podem optar entre praticar algo que seja eticamente correto ou errado. Por fim, Rashi faz o seguinte comentário sobre o verso 14: A eterna criação de D’us e a natureza transitória do homem fazem parte do plano Divino para promover no homem um senso de dependência, um espírito de reverência. Desse modo, nada mais resta ao homem senão envolver-se na prática das mitsvót e no temor de D’us. 136 Uma vez que a prática das mitsvót e o “temer a Deus” envolvem, ambos, aspectos éticos (como acabamos de ver), então, novamente vemos a liberdade humana envolvida em tais situações. 134 CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 4, p.2715. 135 LIOY, Dan T. The Divine Sabotage: An Exegetical and Theological Study of Ecclesiastes 3, p.126. 136 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.23. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 41 Em último lugar, vejamos o que diz o verso quinze: “O que foi, ele já (é); e (o) que será, já foi; E Deus buscará o perseguido” (v.15). 137 Sobre este verso, vejamos o interessante comentário feito por Moshe Alshich que, novamente, aborda os conceitos de determinismo e liberdade humana em seu pensamento: Maimônides já afirmara que se os acontecimentos neste mundo fossem baseados no acaso ou destino toda a Torá não teria significado. Não teríamos nenhum direito de condenar o assassino, se a vítima estava predestinada a morrer assassinada. A Providência Divina supera o destino. D’us procurará aqueles que foram perseguidos e o perseguidor será punido. Uma vez que um homem torna- se assassino por seu livre-arbítrio, ele deve pagar com sua vida. Tudo tem seu propósito. O destino é coordenado de tal maneira que ele não contradiz o livre- arbítrio do homem, que finalmente é recompensado ou punido de acordo com suas ações. 138 Este comentário feito por Moshe Alshich enfatiza fortemente a liberdade do ser humano e a sua conseqüente responsabilidade diante do seu próximo. O acaso, o destino e a predestinação simplesmente não encontram espaço neste pensamento de Alshich, que, no lugar destes conceitos, prefere adotar o conceito de providência, segundo o qual a divindade participa ou até mesmo interfere nos assuntos humanos, mas não predetermina o destino do homem. 139 Dessa forma, o trecho de Qöheºlet 3.9-15 funciona como uma resposta teológica para todo o trecho de Qöheºlet 3.1-8, sobretudo, para o dilema existencial humano destacado no paralelismo antitético de Qöheºlet 3.2-8. E a resposta teológica dada pelo Qöheºlet a tal dilema é exemplificada pelo ideal de justiça localizado em Qöheºlet 3.15. Em outras palavras, ao afirmar que “Deus buscará o perseguido”, o Qöheºlet estava querendo dizer que Deus procurará 137 Friedman faz o seguinte comentário sobre esse verso de Qöheºlet 3.15: “A ideia que o livro expressa pode ser o eterno retorno, mas pode ser também a ideia de que, no âmbito do mundo que conhecemos, a vida envolve um constante re-encenar de padrões conhecidos de comportamento e acontecimentos”. (Cf. FRIEDMAN, Richard Elliott. O Desaparecimento de Deus: um mistério divino. Rio de Janeiro, Imago, 1997, p.284). 138 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.24. 139 BAKON, Shimon. Koheleth, p.172. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 42 todos aqueles que foram perseguidos, os encontrará e lhes fará justiça contra os seus perseguidores. Se esse pensamento estiver correto, então, nós encontramos aqui duas verdades simultâneas. A primeira verdade é que Deus está presente e atuante na obra da Sua criação. Ou seja, Ele a controla através do Seu infinito poder e determina muitos dos seus acontecimentos. E a segunda verdade é que o homem, por ser dotado de liberdade, pode perseguir as pessoas e até mesmo prejudicá-las. Porém, mais cedo ou mais tarde, a justiça divina se manifestará e isso demonstrará que as aparentes contradições da vida têm um propósito dentro do plano perfeito de Deus. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 43 CONCLUSÃO Bem, chegamos ao fim do nosso trabalho. Neste estudo, buscamos interpretar o trecho bíblico de Qöheºlet 3.1-15 a partir dos conceitos filosófico- teológicos do determinismo e do livre-arbítrio e, ao fazê-lo, descobrimos algumas importantes características qoheletianas, as quais queremos relembrar aqui de forma resumida. Em primeiro lugar, vimos introdutoriamente que o livro de Qöheºlet foi escrito aproximadamente entre os séculos IV e III a.C. e vimos também que o livro é singular sob o ponto de vista tríplice de seu conteúdo, de sua língua e do significado de seu título. Além disso, observamos que o propósito da escrita de Qöheºlet pode ter sido o de refletir sobre qual é o proveito real que se pode tirar do trabalho quando se vive debaixo de um sistema de dominação estrangeiro, o sistema helenístico. E, além do mais, sendo mais específico ainda, o Qöheºlet pode ter sido escrito também com o propósito de incentivar o judeu a aproveitar as coisas boas da vida (a filosofia do carpe diem), mesmo vivendo dominado por um sistema estrangeiro. Esse tipo de comportamento seria uma forma de protestar diante do sistema de trabalho helênico escravizante que havia em Judá, o qual estava vigente na metade do III século a.C. Em segundo lugar, no capítulo em que tratamos do texto original de Qöheºlet 3.1-15 e de sua respectiva tradução, verificamos que existem alguns termos e expressões encontrados nessa perícope, cujos significados são muito debatidos pelos estudiosos em geral. Nesta parte do nosso trabalho, optamos por adotar aqueles significados que julgamos serem mais condizentes com o texto bíblico estudado. Em terceiro lugar, escorados, sobretudo, na filosofia, oferecemos quatro pontos de vista principais sobre a relação existente entre o determinismo e o livre-arbítrio. Ao expormos tais pontos de vista, mencionamos a nossa predileção por uma perspectiva mais equilibrada entre essas duas vertentes. Agimos assim por entendermos que tanto a soberania divina quanto a responsabilidade humana são duas verdades claramente recorrentes ao longo de toda a Bíblia Hebraica. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 44 Por fim, em quarto e último lugar, analisamos o texto bíblico de Qöheºlet 3.1-15 tendo como ponto de partida, tanto os conceitos filosóficos do determinismo e do livre-arbítrio, quanto as fontes predominantemente judaicas. Ao pesquisar tais fontes, notamos que os vários pensadores judeus citados não chegaram a um consenso e a uma unanimidade em suas opiniões sobre o significado do conteúdo de Qöheºlet 3.1-15. Enquanto alguns pendiam para o determinismo e outros se inclinavam para o livre-arbítrio, um terceiro grupo ainda buscava defender uma posição de meio-termo. Em nosso trabalho, nos identificamos com este último grupo, por compreendermos, como já foi dito, que o determinismo e o livre-arbítrio são duas verdades complementares e não necessariamente mutuamente excludentes. Além desse resumo, ao término dessa pesquisa pude chegar a três importantes conclusões pessoais. Primeiramente, observei que o Qöheºlet é um autor extremamente ousado, pois, mesmo sendo um homem religioso (o Qohélet menciona o nome de “Deus” durante 41 vezes ao longo dos 222 versículos que compõem o livro), ele não esconde as suas inquietações, frustrações e sentimentos mais íntimos, antes os expõe corajosamente. A realidade da vida, com seus altos e baixos, com seus dilemas e paradoxos, com suas bênçãos e desventuras e com seus mistérios e revelações, fez com que o Qöheºlet expusesse toda a sua filosofia sobre a vida e a existência. O Qöheºlet filosofa sobre a vida sem nenhum tipo de receio ou pudor e sem se deixar intimidar pela força dos dogmas ou preceitos da religião oficial israelita. Ele é um homem de fé, mas é, ao mesmo tempo, um ser pensante e inquiridor, um teólogo arguto e um atento observador da vida e da efêmera condição humana. Em segundo lugar, notei também que conceitos relacionados ao determinismo e ao livre-arbítrio atravessam todo o livro de Qöheºlet como um longo fio condutor e estão presentes, inclusive, na perícope estudada de Qöheºlet 3.1-15. Entretanto, por mais que o livro aborde esses assuntos, o dilema existente entre o determinismo divino e a liberdade humana nunca é definitivamente © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1 Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio Página | 45 resolvido pelo autor bíblico. Por esse motivo, concluí que as verdades do determinismo e do livre-arbítrio são, ambas, necessárias, como o são também igualmente necessários os dois trilhos sobre os quais um trem se desloca em sua viagem. Assim como o trem precisa de dois trilhos para poder se locomover e poder chegar ao seu destino, da mesma forma, precisamos aceitar a realidade dupla do determinismo e da liberdade humana, por mais paradoxais e antagônicos que possam parecer, como dois elementos necessários sobre os quais devemos nos mover e existir. Finalmente, em terceiro e último lugar, cheguei à conclusão de que o Qöheºlet é alguém que gravita entre dois mundos, o mundo da fé e o mundo da desilusão existencial. Aliás, o filósofo e teólogo espanhol, José Luis Sicre, ao discorrer sobre o conteúdo de Qöheºlet, retratou exatamente este tipo de sensação, ao dizer: “(...) quem sabe não haja neste livro uma profunda honestidade religiosa. Não a espiritualidade falsa e estereotipada de quem presume ver Deus em tudo, mas a do sábio modesto e desencantado que se contenta em continuar crendo em Deus, apesar de todas as desilusões da vida”. 140 140 SICRE, José Luis. Introdução ao Antigo Testamento. 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Carlos Augusto Vailatti possui Graduação em Teologia pela Faculdade Betel / Instituto Betel de Ensino Superior (IBES, 1999), Mestrado em Teologia (Master of Arts in Biblical Theology), com especialização em Teologia Bíblica, pelo Seminário Teológico Servo de Cristo (STSC, 2009) e Mestrado em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica (em andamento) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) - Departamento de Letras Orientais (DLO) - da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente leciona diversas disciplinas bíblico-teológicas na Faculdade Betel / Instituto Betel de Ensino Superior (IBES) e também no Seminário Teológico Evangélico do Betel Brasileiro (STEBB). Contato: [email protected]. © C a r l o s A u g u s t o V a i l a t t i ● Q ö h e ºl e t 3 . 1 - 1 5 e a T e n s ã o e n t r e o D e t e r m i n i s m o e o L i v r e - A r b í t r i o ● 2 0 1 1
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