Professor GecivaldoEste blog visa provocar e difundir debates sobre temas polêmicos pertinentes ao Direito Penal, além de transmitir conteúdos básicos dessa disciplina. sábado, 24 de abril de 2010 SINOPSE DE AULA (RESUMO) - CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO (PRIMEIRA PARTE) Autor: Gecivaldo Vasconcelos Ferreira Versão para imprimir: Clique aqui 1. FURTO O tipo básico desse delito está assim insculpido: “Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”. 1.1. Objeto jurídico Tutela-se o patrimônio, tanto sob o aspecto da propriedade quanto da posse. 1.2. Objeto material A coisa alheia móvel. Não podem ser objeto de furto: a) o ser humano vivo, visto que não se trata de coisa; b) o cadáver, sendo que sua subtração pode, em regra, se constituir crime contra o respeito aos mortos (art. 211 do CP). Quando, contudo, o cadáver for propriedade de alguém (instituição de ensino, por exemplo), pode ser objeto do crime de furto, visto possuir valor econômico[1]; c) coisas que nunca tiveram dono (res nullius) e coisas abandonadas (res derelicta); sendo que quem se assenhora desses bens adquire a propriedade dos mesmos, segundo art. 1.263 do Código Civil, portanto não comete crime nenhum; d) coisa perdida (res derelicta). Quando alguém se apropria dolosamente de coisa perdida por terceiro comete, em tese, o crime de apropriação de coisa achada (CP, art. 169, parágrafo único, II). Não se considerada perdida a coisa que simplesmente é esquecida pelo proprietário em local determinado, podendo ser reclamada a qualquer momento[2] (por exemplo: pessoa que esquece um livro em sala de aula. Acaso alguém se apodere do mesmo, comete o crime de furto); e) coisas de uso comum (res commune omnium), como o ar, luz do sol, água do mar ou dos rios, exceto se forem destacadas do local de origem e exploradas individualmente (por exemplo: água encanada para uso exclusivo de alguém[3]). Lembra-se, ainda, que existe o crime de usurpação de águas (art. 161, § 1º, I, do CP), consistente na conduta de desviar ou represar, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias. Portanto, quem desvia curso natural de água (de um igarapé, por exemplo) para se beneficiar do mesmo, evitando que ele passe pelo terreno do vizinho (que antes era seu caminho natural) comete o crime de usurpação de águas, afastando-se a possibilidade de furto; f) os imóveis. Podem ser objeto de furto: a) coisas ligadas ao corpo humano, como, por exemplo, olhos de vidro, perucas, dentaduras, próteses mecânicas, orelhas de borracha etc[4]; b) segundo alguns doutrinadores (a posição não é pacífica), o ouro da arcada dentária do defunto, visto que pertenceria a seus herdeiros[5]. Nesse caso o crime de violação de sepultura seria absorvido pelo crime de furto; c) semoventes (animais), visto que fazem parte do patrimônio do respectivo proprietário. O furto de gado é conhecido como abigeato; d) navios e aeronaves, visto que para o direito penal não vale a noção cível de imóveis. São penalmente considerados móveis todos os bens corpóreos que são passíveis de remoção de um lugar para o outro; e) coisas que estejam fora do comércio, como bens públicos e bens gravados com cláusula de inalienabilidade, desde que tenham dono[6]; f) talão de cheque e folha avulsa de cheque, posto entender-se que possuem valor econômico, causando também o fato prejuízo à vítima, visto que terá que pagar taxas para o cancelamento da cártula. Quanto à subtração de cartão bancário ou de cartão de crédito, entende-se não haver crime de furto, pois sua reposição é feita sem ônus para a vítima[7]. Ressalve-se que tais entendimentos não são pacíficos. 1.3. Sujeito ativo Trata-se de crime comum. Qualquer um pode praticá-lo, exceto o proprietário do bem ou o seu legítimo possuidor. O proprietário não pode cometer referido crime, visto não haver a possibilidade de furto de coisa própria (pode ocorrer em tal circunstância, no máximo, o crime previsto no art. 346 do CP)[8]. O legítimo possuidor, acaso se aproprie da coisa de terceiro que se encontra em seu poder, comete o crime de apropriação indébita (art. 168 do CP). Fala-se em famulato quando o furto é realizado pelo empregado em detrimento dos bens de seu patrão. Ressalte-se que mesmo que o empregado tenha a posse de determinado bem pertencente a seu empregador, se acaso subtrai-lo, comete o crime de furto, isto se a posse for desvigiada. É o caso, por exemplo, do caixa de um supermercado, que subtrai dinheiro que está manuseando. Nesse caso, não ocorre o crime de apropriação indébita (art. 168 do CP), visto este exigir que o sujeito passivo tenha a posse desvigiada do bem apropriado. Quando o bem fica sob o poder do empregado apenas no local de trabalho, entende-se que tem mera detenção ou posse vigiada da coisa[9]. 1.4. Sujeito passivo Pode ser, no dizer de Fernando Capez (2006, v.2, p. 374): “Qualquer pessoa, física ou jurídica, que tem a posse ou a propriedade do bem. Tal assertiva afasta da proteção legal aquele que detém a transitória disposição material do bem, como, por exemplo, a balconista de uma loja, o operário de uma fábrica. Nessa hipótese, a vítima do furto é o proprietário do bem”. Portanto, o sujeito passivo do crime de furto será o proprietário ou o legítimo possuidor da coisa subtraída[10]. Ponto interessante é levantado por Cleber Masson (2010, v. 2, p. 309), no caso de ladrão que furta de ladrão, conforme segue: O ladrão que furta ladrão, relativamente à coisa por este subtraída, comete crime de furto. O bem cada vez mais se distancia da vítima, tornando ainda mais improvável sua recuperação. O sujeito passivo, porém, não será o primeiro larápio, mas sim o proprietário ou possuidor da coisa, vítima do delito inicial. Mesmo que não seja identificada a vítima (sujeito passivo) do furto, entende a doutrina ser possível a punição do sujeito ativo, se houver a certeza que houve a subtração de bem de terceiro, considerando que o crime em referência é de ação penal pública incondicionada[11]. 1.5. Tipo objetivo O tipo básico do art. 155 do CP é de extrema clareza: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Subtrair significa, basicamente, retirar de outrem (proprietário ou possuidor) alguma coisa, sem o seu consentimento. É necessário, ainda, que essa coisa seja móvel. “Móvel: é a coisa que se desloca de um lugar para outro. Trata-se do sentido real, e não jurídico. Assim, ainda que determinados bens possam ser considerados imóveis pelo direito civil, como é o caso dos materiais provisoriamente separados de um prédio (art. 81, II, CC: „Não perdem o caráter de imóveis: II – os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem‟), para o direito penal são considerados móveis, portanto suscetíveis de serem objeto do delito de furto” (NUCCI, 2006, p. 659). Nesse sentido também ensina Capez (2006, v.2, p. 372): “É irrelevante o conceito fornecido pela lei civil, que considera imóveis determinados bens, como os navios, por pura ficção legal. Nesse caso, pouco importa a definição civil, pois, para fins penais, serão considerados móveis”. Sintetiza muito bem Cleber Masson (2010, v. 2, p. 308), que subtrair engloba duas hipóteses distintas: (1) o bem é retirado da vítima; e (2) o bem é espontaneamente entregue ao agente, mas ele, indevidamente, o retira da esfera de vigilância da vítima. A primeira hipótese é a mais comum. Pode ocorrer por vários meios, considerando que o furto é um crime de forma livre (de conteúdo variado). É possível, por exemplo, o agente utilizar uma criança ou um animal treinado para subtrair bens de terceiros, assim como pode agir na presença ou ausência do proprietário ou possuidor do bem. Quando age na presença do proprietário ou possuidor, não poderá o sujeito ativo utilizar de violência ou grave ameaça para intimidação da vítima ou do mero detentor do bem; visto que nessa hipótese, e também quando a vítima é reduzida à impossibilidade de resistência (quando é dopada, por exemplo), haverá crime de roubo (art. 157 do CP). Na segunda hipótese, em que a vítima entrega o bem ao agente que o subtrai, temos o seguinte exemplo: alguém chega em uma concessionária de automóveis e pede para dar uma volta no pátio da empresa (sob vigilância do vendedor) em um carro que encontra-se à venda, para testar o veículo. Entra no carro, começa a rodar lentamente, porém repentinamente acelera e foge, subtraindo o bem. Alerta-se que não se pode confundir a segunda hipótese, com a ocorrência do crime de estelionato (art. 171 do CP), visto que neste o agente utiliza de meio fraudulento para fazer com que a vítima lhe entregue voluntariamente a vantagem indevida, sem esperar a imediata devolução. No furto, quando se tratar de forma de execução parecida, a vítima entrega o bem esperando a devolução imediata, porém em ato contínuo, o agente foge com o bem[12]. 1.6. Tipo subjetivo Além do dolo de subtrair (animus furandi), exige o tipo em evidência a intenção do agente de assenhoramento definitivo da coisa (em benefício próprio ou de terceiro) – animus rem sibi habendi, que fica evidente na expressão “para si ou para outrem”. Há, portanto, a exigência da presença do chamado elemento subjetivo do tipo específico. Não é necessária a intenção de lucro (animus lucrandi), de modo que acaso o agente subtraia bens, por exemplo, para dar aos pobres ou apenas para prejudicar a vítima (por exemplo, depois de subtrair destrói o bem), mesmo assim estará cometendo o crime em evidência. Há também a seguinte hipótese vislumbrada pela doutrina (MASSON, 2010, v. 2, pp. 310-311): “Se um credor subtrai bens do devedor para se ressarcir de dívida não paga, o crime não será de furto, em face da ausência do animus rem sibi habendi, mas de exercício arbitrário das próprias razões [...], na forma prevista no art. 345 do Código Penal”. Não há furto culposo. 1.7. Consumação e tentativa Dissertando sobre o momento da consumação do crime de furto, Rogério Sanches Cunha (2008, v.3, pp. 119-120) bem sintetiza a polêmica que norteia referida temática: No que tange à consumação, há quatro correntes disputando a prevalência: a) contrectacio: a consumação se dá pelo simples contato entre o agente e a coisa alheia, dispensando o seu deslocamento; b) amotio (ou apprehensio): dá-se a consumação quando a coisa subtraída passa para o poder do agente, mesmo que num curto espaço de tempo, independentemente de deslocamento ou posse mansa e pacífica; c) ablatio: a consumação ocorre quando o agente, depois de apoderar-se da coisa, consegue deslocá-la de um lugar para outro; d) ilatio: para ocorrer a consumação, a coisa deve ser levada ao local desejado pelo ladrão para ser mantida a salvo. O STF e o STJ adotam a segunda (amotio). As quatro correntes acima referidas, segundo Greco (2009, v.III, pp. 15-16), atualmente resumem-se basicamente em duas, com as seguintes orientações: a) o furto se consuma no momento em que a res é retirada da esfera de posse e disponibilidade da vítima, ingressando, consequentemente, na do agente, ainda que não tenha ele a posse tranqüila sobre a coisa; b) a consumação somente ocorre quando a res é retirada da esfera de posse e disponibilidade da vítima, ingressando, consequentemente, na do agente, que, obrigatoriamente, deverá exercer, mesmo que por curto espaço de tempo, a posse tranqüila sobre a coisa. São, portanto, duas correntes que divergem, basicamente, sobre a necessidade ou não do agente exercer a posse tranqüila sobre a coisa, depois de tê-la retirado da esfera de disponibilidade da vítima. […] Nossos Tribunais Superiores têm descartado a necessidade da posse tranquila sobre a coisa […]. Capez (2006, v.2, pp. 375-376), a seu turno, assevera que, independentemente da polêmica sobre a regra geral para o momento consumativo, deve-se considerar que o furto se consuma nas seguintes situações especiais: a) extravio (perda) do bem subtraído; b) prisão em flagrante de um dos agentes e fuga dos demais com a res; e c) subtração de parte dos bens que o agente se dispõe a furtar. Tratando-se de crime material, é perfeitamente possível a tentativa no delito em estudo, ocorrendo esta quando o agente, por razões alheias à sua vontade, não consegue retirar o bem do domínio do seu titular. Diante de tudo que foi dito, resta claro que atualmente prevalece no Brasil a teoria da inversão da posse[13] para explicar o momento em que o furto se consuma, descartando-se a necessidade de posse tranquila. Há também debate sobre a necessidade ou não do bem subtraído ser retirado da esfera de vigilância da vítima para o crime se consumar. Isto porque pode o larápio, segundo pensamos, não ter a posse tranquila do bem, mas já tê-la retirado da esfera de vigilância da vítima (por exemplo: o agente após subtrair o bem empreende fuga, sendo que a vítima o perde de vista, porém durante a fuga – ainda não há posse tranquila – alguns policiais desconfiam do larápio e o abordam, vindo a descobrir que houve o furto). Diante dessa polêmica já se manifestou o STJ reiteradamente dizendo que não é necessário que a coisa subtraída seja retirada da esfera de vigilância da vítima para se consumar o delito, segundo bem pontuado no seguinte aresto[14]: […] I – O delito de furto se consuma no momento em que o agente se torna possuidor da res subtraída, pouco importando que a posse seja ou não mansa e pacífica. Assim, para que o agente se torne possuidor, é prescindível que a res saia da esfera de vigilância da vítima, bastando que cesse a clandestinidade (Precedentes do STJ e do c. Pretório Excelso). II – “A jurisprudência do STF (cf. RE 102.490, 17.9.87, Moreira; HC 74.376, 1ª T., Moreira, DJ 7.3.97; HC 89.653, 1ª T., 6.3.07, Levandowski, DJ 23.3.07), dispensa, para a consumação do furto ou do roubo, o critério da saída da coisa da chamada ‘esfera de vigilância da vítima’ e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da ‘res furtiva’, ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata” (cf. HC 89958-SP, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 27-4-2007). (Grifos nossos) […] (STJ, Quinta Turma, REsp 1.104.153/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe 22-6-2009). Nesse andar, se o agente subtrai o bem (sendo a subtração percebida somente depois de concluída), empreende fuga, sendo imediatamente perseguido e capturado, o crime de consuma, mesmo que a coisa não saia da esfera de vigilância da vítima[15]. Não se trata nesse caso, portanto, de crime tentado, mas sim de delito consumado. Em outro vértice, quando o agente pretende furtar bens que se encontram dentro de um determinado imóvel é possível vislumbrar as seguintes situações[16]: a) acaso seja surpreendido subindo uma escada, colocada a partir da rua, para ingressar em um imóvel, há mero ato preparatório (não sendo punível); b) se após ingressar no imóvel é surpreendido andando pela casa, sem estar, ainda, tentando se apoderar de algum objeto (só responde por violação de domicílio, visto não ter iniciado a subtração); c) acaso esteja dentro do imóvel já se apoderando de objetos (há tentativa de furto). Nessa última hipótese, necessário esclarecer que enquanto o agente está dentro da casa, mesmo que já esteja com os objetos que pretende subtrair em mãos, ocorre apenas tentativa. Diferentemente, se é surpreendido já na rua com os objetos subtraídos, após sair da casa, têm-se o crime como consumado[17]. No caso do agente ser surpreendido no momento que ainda está dentro da casa se apoderando do objeto, mesmo que fuja para a rua com o mesmo, sendo depois capturado, a hipótese é de tentativa. Em sentido semelhante já decidiu o STJ, sustentando que não houve consumação do delito na seguinte hipótese: “In casu, conforme descrito no acórdão recorrido, não houve a cessação da clandestinidade, uma vez que o réu foi visto quando ainda se encontrava no interior do veículo da vítima e perseguido com a coisa escondida embaixo da camiseta, tendo-a dispensado pelo caminho” (REsp 1151839-RS, 5ª Turma, DJe 29-03-2010). Explica a doutrina, ainda, que não é imprescindível que a coisa seja transportada de um lugar para outro para o furto se consumar. Exemplifica-se que estará consumado o furto caso a empregada doméstica esconda uma joia da patroa em seus pertences pessoais[18]. Nesse caso não seria necessário que a doméstica saísse da residência para o crime se consumar, visto que seria eliminada a possibilidade de disponibilidade do bem por parte da proprietária, mesmo ele ainda estando em sua residência, pois se encontraria escondido, ou seja, já sob a disponibilidade de quem furtou. Reconhecemos, não obstante, que este entendimento tem a possibilidade de ser combatido pela orientação jurisprudencial (STJ e STF) que exige a cessação da clandestinidade para que o furto se consume. 1.8. Causa especial de aumento de pena Dispõe o § 1º, do art. 155, que: “a pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno”. Aqui se prevê o que a doutrina chama de furto noturno. “Repouso noturno não se confunde com a noite. Esta é caracterizada pela ausência de luz solar (critério físico-astronômico). Repouso noturno é o período de tempo, que se modifica conforme os costumes locais, em que as pessoas dormem (critério psicossociológico)” (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 387). Afasta-se, contudo, a possibilidade de alegação que repouso noturno pode se confundir com o dia (ou seja, momento em que está presente a luz solar), mesmo que seja costume em determinado local repousar nesse horário[19]. Segundo posição majoritária (atente-se que não é pacífica[20]), é indiferente para se reconhecer a majorante que os moradores da casa violada pelo larápio estejam dormindo, devendo ser a mesma reconhecida até quando a residência estiver desabitada, desde que a conduta se dê durante o período de repouso noturno. Na realidade, a incidência da majorante não é exclusiva nos casos de furtos perpetrados dentro de residências, podendo ser reconhecida em subtrações ocorridas em via pública. Nesse passo, Cleber Masson (2010, v. 2, p. 321), em sintonia com a jurisprudência do STJ: “Destarte, a majorante é perfeitamente aplicável aos furtos cometidos durante o repouso noturno em automóveis estacionados em vias públicas, bem como em estabelecimentos comerciais”. Segundo Capez (2006, v. 2, p. 387), prevalece o entendimento de que a majorante em estudo somente se aplica ao furto em sua forma simples (art. 155, caput, do CP). 1.9. Furto privilegiado Traz o § 2º do art. 155 a seguinte regulação: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”. Convencionou a doutrina chamar essa modalidade de “furto privilegiado”, apesar do dispositivo não trazer um preceito secundário. Exige o parágrafo que, para o agente ser beneficiado, deve ele ser primário e que a coisa furtada seja de pequeno valor. Quanto ao conceito de primariedade, entende-se que primário é aquele que não é reincidente[21], mesmo que tenha maus antecedentes. Quanto ao conceito de “pequeno valor” da coisa furtada, ensina Greco (2009, v.III, p. 23) que: […] embora seja um elemento de natureza normativa, que permite valorações, a doutrina e jurisprudência convencionaram que por pequeno valor deve ser entendido aquele que gira em torno de um salário mínimo. Não podemos, como afirmam alguns renomados autores, fixar o teto de um salário mínimo vigente à época em que ocorreram os fatos para fins de aplicação do § 2º do art. 155 do Código Penal. Fugiria ao raciocínio da razoabilidade deixar de aplicar algumas das conseqüências previstas pelo mencionado parágrafo se o valor da res furtiva ultrapassasse um pouco o do salário mínimo. Por isso, nossa posição é no sentido de que pequeno valor é aquele que gira em torno do salário mínimo, ou seja, um pouco mais ou um pouco menos do que o valor a ele atribuído à época em que ocorreram os fatos. O valor do salário mínimo a ser utilizado para a aferição do pequeno valor é o da data do crime (momento da ação ou omissão – art. 4º do CP), e não o da data da sentença. Na aferição do pequeno valor não deve ser considerado o padrão econômico da vítima ou do infrator, visto que a variável eleita pelo tipo é o valor da coisa, independentemente da condição financeira do agente ou da vítima. Uma vez reconhecido que o agente preenche os requisitos da primariedade, e que a coisa furtada é de pequeno valor, cabe ao juiz atribuir, pelo menos, um dos seguintes benefícios (cuja aplicação constitui-se direito subjetivo do réu): a) substituir a pena de reclusão pela pena de detenção; b) diminuir a pena de um a dois terços; c) aplicar somente a pena de multa. Ressalta Capez (2006, v.2, p. 389) que: “Nada impede que o juiz, cumulativamente, substitua a reclusão por detenção e, em seguida, diminua esta pena”[22]. É possível o reconhecimento de furto privilegiado cometido durante o repouso noturno, ocasião em que se terá um furto privilegiado com a incidência de uma majorante. Discute-se sobre a possibilidade de reconhecimento do furto privilegiado-qualificado. A corrente tradicional pugna pela impossibilidade da admissão de privilégio ao furto qualificado. Todavia, segundo Cleber Masson (2010, v. 2, p. 325), atualmente o STF tem admitido o furto privilegiado-qualificado, desde que não haja a imposição isolada de pena de multa. Consultando a jurisprudência atual do STJ, verifica-se que este Tribunal ainda apresenta forte resistência ao reconhecimento de privilégio no caso de furto qualificado, conforme segue: “É firme a orientação deste Tribunal no sentido de que, para a incidência do privilégio inscrito no § 2º do art. 155 do Código Penal, é imperativo não incidir, à espécie, nenhuma das hipóteses qualificadoras do crime de furto, em que prevalece o desvalor da ação” (STJ, 5ª Turma, REsp 1112926-SP, DJe 03-11-2009). Sob outro aspecto, deve-se ficar atento para não confundir furto privilegiado com hipótese de incidência do princípio da insignificância; visto que este (plenamente aplicável ao crime de furto) leva à atipicidade da conduta, enquanto que o primeiro não conduz a este efeito, apenas dá base para uma atenuação na sanção a ser imposta ao agente. Se o bem subtraído, portanto, for de valor irrisório, e uma vez preenchidos os demais requisitos para o reconhecimento do crime de bagatela, resta admitir que a conduta não é típica. Aqui caberia o exemplo do furto, em condições normais, de um lápis. Nesse caso, o fato seria atípico. O STF tem reiteradamente decidido (por exemplo: HC 91920-RS, DJe 12-03-2010) que para o reconhecimento do princípio da insignificância exige-se a presença dos seguintes requisitos, examináveis diante do caso concreto: a) mínima ofensividade da conduta do paciente; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Os requisitos acima mencionados são de ordem objetiva, observando Cleber Masson (2010, v. 2, p. 303) que a jurisprudência tem também estabelecido requisitos subjetivos para a incidência do princípio em tela, quais sejam: Importância do objeto material para a vítima (situação econômica + valor sentimental do bem); e Circunstâncias e resultados do crime. 1.10. Furto de energia Estabelece expressamente o art. 155, que: “§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”. Explicando referido dispositivo, Rogério Sanches Cunha (2008, v.3, p. 122) assenta que: “O furto consiste na subtração de coisa alheia móvel para si ou para outrem. O § 3º equipara à coisa móvel a energia elétrica e outras (genética, mecânica, térmica e a radioatividade), desde que tenham valor econômico”. Especificamente quanto ao furto de energia genética, bem interessantes são as observações de Luiz Regis Prado (2008, v.2, pp. 332-333): Assim, encontra-se sob a tutela penal a energia genética, subtraída de reprodutores, através do líquido espermático. Caracteriza-se, portanto, o aludido crime, não só o ato de o agente extrair artificialmente esperma do reprodutor, para posterior inseminação artificial, como também na conduta de colocar a fêmea do seu plantel ou de outrem junto ao reprodutor visado, para que este último a fecunde. Não se trata, evidentemente, de mero furto de uso, já que, mesmo que o agente restitua imediatamente o animal ao sujeito passivo, extraiu desse o líquido espermático, que tem elevado valor econômico. No tocante ao furto de energia elétrica, diferencia a doutrina a situação em que o agente, através do chamado “gato”, faz uma ligação clandestina para subtrair a energia; daquela em que ele manipula fraudulentamente seu medidor para que acuse menor quantidade que aquela efetivamente consumida. No primeiro caso, há furto; já no segundo, ocorre estelionato (art. 171 do CP). Por fim, cabe lembrar a pertinente observação de Greco (2009, v. III, p. 26): “O furto de energia elétrica, ao contrário do que ocorre quando estamos diante, efetivamente, de coisa móvel, naturalmente corpórea, deve ser considerado de natureza permanente, uma vez que a sua consumação se prolonga, se perpetua no tempo, podendo, portanto, ser o agente preso em flagrante quando descoberta a ligação clandestina de que era beneficiado”. 1.11. Furto qualificado Apresenta o CP as seguintes figuras qualificadas do delito talhado no seu artigo 155: Furto qualificado § 4º - A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. § 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996) A grande maioria das figuras qualificadas, exceto a qualificadora do abuso de confiança, evidencia circunstância objetiva, comunicando-se, portanto, entre os agentes que atuam em concurso (art. 30 do CP). Vejamos, em seguimento, uma a uma as qualificadoras. Furto com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa Aqui está claro que a destruição ou rompimento deve ser de algo que está impedindo o criminoso de ter acesso à coisa que quer subtrair. Se a violência for direcionada ao próprio objeto visado não se aperfeiçoa a circunstância qualificadora. Esta é a posição que prevalece. Há, contudo, entendimento doutrinário e jurisprudencial em sentido contrário, alegando que o obstáculo rompido ou destruído pode ser inerente à própria coisa a ser subtraída, reconhecendo também nesse caso a presença da qualificadora[23]. Pelo entendimento prevalecente, o sujeito que quebra o vidro do carro para poder subtrair o veículo comete o crime de furto simples, se não estiver presente outra qualificadora incidente[24]. Acaso, porém, o agente quebre o vidro do veículo para furtar algo que está dentro do mesmo estará presente a qualificadora: “É pacífico o entendimento desta Corte de que a violação do veículo automotor para subtração de bens localizados em seu interior qualifica o furto (por rompimento de obstáculo)” (STJ, 5ª Turma, HC 139501- RJ, DJe 22-02-2010). Essa linha de raciocínio também é rechaçada por parte da doutrina e da jurisprudência que alega atentar contra a razoabilidade entender que uma conduta teoricamente menos grave, no tocante ao resultado (furtar algo de dentro do carro) possa ser apenada mais gravemente do que uma conduta mais danosa (furtar o próprio carro)[25]. Os defensores desse pensamento propõem que seja considerado furto simples aquele ocorrido mediante ruptura de obstáculo para subtrair bem que está dentro de um veículo. A violência contra o obstáculo pode ser levada a efeito a qualquer momento durante a fase executória do crime. Desse modo, se o ladrão, por exemplo, tendo entrado em uma casa por uma porta aberta, depois para sair arromba uma janela para fugir com a res furtiva, configurada estará a qualificadora. É indispensável a perícia para comprovar a destruição ou rompimento de obstáculo[26]. Furto com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza No abuso de confiança o agente aproveita-se das relações pessoais (amizade, parentesco, relações profissionais etc.) que tem com a vítima para efetuar a subtração. É necessário que a confiança depositada no criminoso tenha facilitado a execução do crime para a qualificadora ser reconhecida. Ex: furto praticado por empregado contra o patrão, aproveitando-se da confiança nele depositada. No furto mediante fraude, o agente utiliza-se de ardil, artifício ou outro meio fraudulento para enganar a vítima, e com isso possibilitar a subtração almejada. Deve-se ter o cuidado de não confundir o furto mediante fraude com o crime de estelionato. Neste a vítima entrega a vantagem indevida ao agente, enquanto que naquele a fraude é utilizada somente para distrair a vítima, possibilitando que o agente subtraia a coisa. Nesse sentido a melhor doutrina: “Assim, se a vítima iludida entrega voluntariamente o bem, há estelionato; se a vítima é distraída, e o agente subtrai a coisa, há furto mediante fraude” (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 394). Ex: “A subtração de valores de conta-corrente, mediante transferência fraudulenta para conta de terceiro, sem consentimento da vítima, configura crime de furto mediante fraude, previsto no art. 155, § 4º, inciso II do Código Penal. Precedentes da Terceira Seção” (STJ, Terceira Seção, CC 81477-ES, DJe 08-09-2008). A escalada consiste no uso de via anormal para ingressar no local onde se encontra a coisa visada. “Para o reconhecimento da qualificadora exige-se, ainda, que a escalada seja fruto de um esforço fora do comum por parte do agente, não bastando a mera transposição de obstáculo facilmente vencível (ex.: saltar muro baixo)” (CUNHA, 2008, v.3, p. 125). No furto mediante destreza o ladrão utiliza-se de habilidade física para subtrair a res da vítima. “Tal ocorre com a subtração de objetos que se encontrem junto à vítima, por exemplo, carteira, dinheiro no bolso ou na bolsa, colar etc., que são retirados sem que ela note. Importa dizer que se a vítima perceber a subtração no momento em que ela se realiza, considera-se o furto tentado na forma simples, pois não há que se falar no caso em destreza do agente (p. ex., a vítima sente a mão do agente em seu bolso)” (CAPEZ, 2006, v.2, p. 395). Furto com emprego de chave falsa Aqui o agente utiliza instrumento destinado a abrir fechadura com o objetivo de ter acesso à coisa visada. Daí Greco (2009, v. III, p. 34) enfatizar que: “Considera-se chave falsa qualquer instrumento – tenha ou não aparência ou formato de chave – destinado a abrir fechaduras, a exemplo de grampos, gazuas, mixa, cartões magnéticos (utilizados modernamente nas fechaduras dos quartos de hotéis), etc”. No rol desses instrumentos inclui-se a cópia (obtida ilicitamente) da chave verdadeira. A tendência doutrinária contemporânea é não reconhecer a qualificadora quando o agente utiliza-se, para efetuar a subtração, de chave verdadeira, mesmo que obtida clandestinamente[27]. Furto mediante concurso de duas ou mais pessoas Qualifica-se o furto quando o mesmo é levado a efeito em concurso de pessoas. Há, contudo, polêmica na doutrina sobre a possibilidade do reconhecimento da qualificadora quando não há mais de dois agentes participando da execução material do crime, considerando a possibilidade de haver concurso, mas no momento da execução do delito está presente somente um dos envolvidos. A doutrina se divide quanto a essa matéria. Segundo Capez (2010, v.2, p. 451), o STJ já teve oportunidade de se manifestar sobre a divergência, defendendo a necessidade de uma pluralidade de pessoas durante a execução do ilícito para que a qualificadora se aperfeiçoe (pensamento este também compartilhado por Celso Delmanto e Nélson Hungria). Capez (idem), contudo, defende que basta o concurso de pessoas (art. 29 do CP) para que a qualificadora incida, sendo este posicionamento também compartilhado por Damásio de Jesus e Mirabete. Segundo Cleber Masson (2010, v. 2, p. 342) é esta última a posição predominante em sede doutrinária e jurisprudencial. Outra discussão atual no tocante ao furto qualificado pelo concurso de pessoas, diz respeito ao fato desta circunstância elevar a pena do delito de sua forma simples, que é de 1 a 4 anos de reclusão (art. 155, caput, do CP), para 2 a 8 anos, prevista para forma qualificada (art. 155, § 4º, do CP). Nota-se que há um aumento de 100% na pena em abstrato. Alega-se que isto atentaria contra a proporcionalidade, mormente se considerarmos que o concurso de pessoas majora a pena do crime de roubo apenas em um terço até metade (art. 157, § 2º, II, do CP). Diante disso, vários acusados por furto qualificado pelo concurso de pessoas têm solicitado ao Judiciário que, por analogia in bonam partem, aplique a eles apenas o aumento previsto para o crime de roubo cometido em concurso de agentes (ou seja, aumento de um terço até metade); fazendo-o incidir sobre a pena do furto simples. O STF[28] e o STJ, contudo, têm reiteradamente rechaçado tais pleitos, que condizem com o chamado hibridismo penal. Nesse sentido: Não deve ser aplicada, analogicamente, a majorante do crime de roubo prevista no art. 157, § 2º, inciso II, do Código Penal, ao furto qualificado pelo concurso de pessoas, já que inexiste lacuna na lei ou ofensa aos princípios da isonomia e da proporcionalidade. (STJ, Quinta Turma, REsp 939837-RS, DJe 01-06-2009). A norma penal incriminadora tipifica o quantum do crime de furto qualificado pelo concurso de agentes (2 a 8 anos), inexistindo razão para que se aplique, por analogia, a previsão da majorante do roubo em igual condição (art. 157, § 2º, II, do CP). (STJ, Sexta Turma, REsp 730352-RS, DJe 19-10-2009). Quanto à concorrência de inimputáveis na prática do furto, é reconhecido que tal fato não afasta a presença da qualificadora. Se o crime, por exemplo, foi executado materialmente (e em concurso) por um maior de 18 anos e por um menor, aquele responderá pela modalidade qualificada. Furto de veículo automotor O § 5º, do art. 155, prevê a seguinte qualificadora: “A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior”. “Essa qualificadora diz respeito, especificamente, à subtração de veículo automotor. Consideram-se como tal os automóveis, ônibus, caminhões, motocicletas, aeronaves, lanchas, „jet-skies‟ etc., porém o transporte de partes do veículo não é abrangido por essa figura típica”[29]. Observe-se que para ser reconhecida a qualificadora é necessário que ocorram, na realidade, dois eventos. Primeiro, a subtração do veículo, e depois a transposição do limite estadual. Acaso não haja essa transposição, que pode ser feita por outra pessoa, não estará presente a figura qualificada em deslinde. O transporte de partes isoladas do veículo subtraído para outro estado-membro ou para o exterior não leva à caracterização da qualificadora[30]. Há discussão na doutrina se é possível a tentativa da prática do furto qualificado em epígrafe, visto que o mesmo pressupõe a consumação da subtração do veículo em momento anterior; ou seja, antes da transposição de limite territorial exigível para incidência da qualificadora já há um crime de furto consumado. Rogério Greco (2010, v. III, p. 38) afirma não ser possível a tentativa, seguindo os passos de Cezar Roberto Bitencourt. Cleber Masson (2010, v. 2, p. 346) diz ser o conatus possível, embora de difícil ocorrência na prática. Acaso presente a qualificadora do § 5º, em concurso com uma ou mais qualificadoras previstas no § 4º, deve ser aquela considerada para qualificar o crime (por ser a mais gravosa), enquanto que as demais devem ser valoradas na dosimetria da pena. 1.12. Classificação doutrinária O delito de furto: “Trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); material (delito que exige resultado naturalístico, consistente na diminuição do patrimônio da vítima); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo („subtrair‟ implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, §2º, do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo), na maior parte dos casos, embora seja permanente na forma prevista no §3º (furto de energia); de dano (consuma-se apenas com efetiva lesão a um bem jurídico tutelado); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta); admite tentativa” (NUCCI, 2006, p. 660). 1.13. Ação penal É publica incondicionada, seja no furto simples, privilegiado ou qualificado. 1.14. Outras peculiaridades No tocante à infração penal ora estudada, cabe-nos, à guisa de conclusão, ressaltar algumas peculiaridades antes não pontuadas. Coisa sem valor econômico, mas de valor sentimental Entende Nucci (2006, p. 655) que a coisa que tenha apenas valor sentimental não é objeto material do crime de furto. Em sentido contrário são as colocações de Cleber Masson (2010, v. 2, p. 306): Para uma primeira posição, amplamente majoritária, as coisas de valor afetivo também compõem o patrimônio da pessoa humana. Exemplo: Há furto na subtração de porta-retrato de plástico, de ínfimo valor, que continha em seu interior a única fotografia em preto e branco que uma senhora de idade possuía do seu filho precocemente falecido. É a posição, dentre outros, de Nélson Hungria, e a ela nos filiamos. Rogério Greco (2010, v. III, pp. 13-14), após explicar que o patrimônio tem um valor de troca (apreciável economicamente) e um valor de uso (de natureza sentimental, não apreciável economicamente); afirma que em havendo a subtração de bem com valor de uso significativo, mesmo que não tenha valor econômico relevante (valor de troca), restará configurado o crime de furto. Assim exemplifica o ilustre professor: […] aquele que, depois de ingressar na residência da vítima, vier a subtrair um guardanapo de papel, que continha um autógrafo de um artista nacionalmente conhecido, responderá pelo furto, uma vez que os bens de valor sentimental não possuem valor de troca, razão pela qual não podemos chamá- los de insignificantes, a ponto de afastar a tipicidade da conduta levada a efeito pelo agente. Furto famélico Ocorre quando o sujeito ativo subtrai coisa para saciar a fome. É um caso de estado de necessidade. Deve, contudo, ser encarado com cautela, não sendo a simples pobreza do agente justificativa para furtar alimentos. Faz-se necessária a análise prudente do caso concreto. Nesse passo, esclarece Greco (2009, v.III, p. 43) que: “Apesar da possibilidade de seu reconhecimento, somente os casos extremos permitem o raciocínio correspondente ao furto famélico”. Furto de uso Não há crime se o indivíduo subtrai a coisa apenas com ânimo de usá-la, pois o art. 155 exige finalidade especial de assenhoramento do bem subtraído. Nesse passo os comentários de Nucci (2006, pp. 657-658): “Se o agente retirar a coisa da posse da vítima apenas para usar por pouco tempo, devolvendo-a intacta, é de se considerar não ter havido crime. Cremos ser indispensável, entretanto, para a caracterização do furto de uso, a devolução da coisa no estado original, sem perda ou destruição do todo ou da parte. […] Além disso, é preciso haver imediata restituição, não se podendo aceitar lapsos temporais exagerados. E, por fim, torna- se indispensável que a vítima não descubra a subtração antes da devolução do bem. Se constatou que o bem de sua propriedade foi levado, registrando a ocorrência, dá-se o furto por consumado”. Não é possível o furto de uso em se tratando de coisa fungível (dinheiro, por exemplo). Há também decisões judiciais reconhecendo que acaso o bem seja deixado em local diverso daquele de onde foi retirado, o furto se consuma[31]. Bitencourt (2010, v. 3, p. 53), com a clareza que lhe é peculiar, apresenta a seguinte síntese: De modo geral se exigem, para reconhecer o crime de furto de uso, os seguintes requisitos: a) devolução rápida, quase imediata, da coisa alheia; b) restituição integral e sem dano do objeto subtraído; c) devolução antes que a vítima constate a subtração; d) elemento subjetivo especial: fim exclusivo de uso. Lojas com vigilância ou sistema antifurto Há discussão na doutrina sobre a possibilidade do reconhecimento de crime impossível quando o agente tenta subtrair objeto no interior de estabelecimentos que possuem vigilância de seguranças ou sistema antifurto. Quanto a este ponto, afirma Capez (2010, v.2, pp. 431-432) que: “indivíduo que se apodera de mercadorias de um supermercado e as esconde sob as vestes, mas, ao sair, desperta suspeitas no segurança, que o aborda; agente que, ao realizar a apreensão de mercadorias, tem a sua ação desde o início acompanhada pelos seguranças do estabelecimento; sujeito que se apropria de mercadorias com etiqueta antifurto. Em todas essas hipóteses há tentativa de furto. Nesse sentido já se manifestou o STJ […]”. Nucci (2006, p. 658), porém, admite que: “Se um indivíduo é vigiado num supermercado o tempo todo por seguranças e câmeras internas, de modo a tornar, naquela situação concreta, impossível a consumação do delito de furto, trata-se da hipótese do art. 17. Mas se a vigilância for falha ou incompleta, cremos ser cabível falar em tentativa”. 2. FURTO DE COISA COMUM Está assim tipificado: Art. 156 - Subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. § 1º - Somente se procede mediante representação. § 2º - Não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente. O crime sob foco tem semelhança com o crime de furto, previsto no art. 155 do CP, porém possui caracteres exclusivos. O objeto material é coisa comum, ou seja, que é de propriedade do furtador em conjunto com a vítima. Trata-se de crime próprio, considerando que somente pode ser cometido pelo condômino, co-herdeiro ou sócio. Sujeito passivo também somente pode ser pessoa de uma dessas categorias. O § 1º traz outra disposição que diferencia o crime de furto do crime ora em análise, posto que neste é exigível a representação para que seja manejada a ação penal enquanto que naquele a ação é publica incondicionada. Pelo § 2º, estipula-se que, se o agente subtrai somente parcela que lhe cabe na coisa comum fungível[32] (dinheiro, por exemplo), não deve ser punido. 3. ROUBO O crime de roubo guarda certa semelhança com o crime de furto, posto que ambos têm como núcleo o verbo “subtrair” e se voltam, primordialmente, à proteção do patrimônio. No roubo, contudo, há a presença de violência (própria ou imprópria) ou grave ameaça contra a pessoa, inexistentes no delito de furto. Daí Greco (2009, v. III, p. 61) pontuar que: “A figura típica do roubo é composta pela subtração, característica do crime de furto, conjugada com o emprego de grave ameaça ou violência à pessoa. Assim, o roubo poderia ser visualizado como um furto acrescido de alguns dados que o tornam especial”. Sua figura básica está assim delimitada: Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. 3.1. Objeto jurídico Posse, propriedade, integridade física e liberdade individual, considerando ser um crime complexo[33]. 3.2. Objeto material É a coisa alheia móvel e a pessoa sobre a qual recai a violência ou grave ameaça[34]. Tem considerando a doutrina e a jurisprudência que é inadmissível a aplicação do princípio da insignificância no crime de roubo[35]. Também não existe modalidade privilegiada desse delito, mesmo que a coisa subtraída seja de pequeno valor. Há discussão se é possível o reconhecimento de crime impossível por absoluta impropriedade do objeto (art. 17 do CP), quando, por exemplo, a vítima é ameaçada pelo agente que deseja subtrair-lhe dinheiro, porém descobre que ela não traz consigo qualquer valor, indo embora sem nada subtrair. Rogério Greco[36], Cleber Masson[37] e Damásio de Jesus[38] entendem que nesse caso há crime impossível no tocante ao roubo, devendo o agente responder apenas pelos outros atos antes praticados que configurem infração penal (por exemplo: ameaça – art. 147 do CP). Os dois primeiros autores referidos citam que Cezar Roberto Bitencourt entende em sentido contrário, ou seja, que no caso tem- se como ocorrente a tentativa de roubo. Acrescente-se que também se aplica perfeitamente ao roubo a desistência voluntária (art. 15 do CP), de modo que: “Se agente empregar violência ou grave ameaça, ou qualquer outro meio que reduza a capacidade de resistência da vítima e, após, desistir voluntariamente de se apoderar dos objetos dela, não responderá pelo crime de roubo, mas sim pelos atos até então praticados (violência ou grave ameaça)”[39]. 3.3. Sujeito ativo Qualquer pessoa, exceto, por óbvio, o proprietário ou possuidor do bem subtraído. Trata-se de crime comum. Por oportuno, relembre-se que há o delito específico de furto de coisa comum (art. 156 do CP). No tocante ao crime de roubo, não há figura típica similar. Assim, acaso o agente subtraia mediante violência ou grave ameaça coisa da qual compartilha a propriedade, responderá normalmente pelo crime de roubo[40]. Desse modo, nesse caso específico o proprietário de coisa comum poderá figurar como sujeito ativo[41]. Fora dessa hipótese, quando o proprietário toma de terceiro, mediante violência ou grave ameaça, coisa que integralmente lhe pertence, pode responder por exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP)[42]. 3.4. Sujeito passivo Em regra, o sujeito passivo do crime de roubo é o proprietário ou o possuidor. Greco (2009, v.III, pp. 66-67), com razão, também inclui a figura do detentor, considerando a possibilidade deste, mesmo que não seja proprietário ou possuidor, estar apenas com a guarda de coisa alheia e sofrer violência ou grave ameaça levadas a efeito no momento da sua subtração. Em sentido semelhante são os ensinamentos de Capez (2006, v.2, p. 407): A ofensa perpetrada no crime de roubo pode ser: a) imediata: é a perpetrada contra o titular do direito de propriedade ou posse (p. ex., violência empregada contra o dono da loja para que este entregue o dinheiro do caixa); b) mediata: é a empregada contra o terceiro que não seja titular do direito de propriedade ou posse (p. ex., agente que ameaça com arma de fogo o empregado da loja para que este lhe entregue o dinheiro do caixa). Na primeira hipótese, temos um único sujeito passivo, enquanto na segunda o crime é de dupla subjetividade passiva, pois uma pessoa sofreu a grave ameaça e outra teve o seu patrimônio espoliado. No crime de roubo, em sendo espoliadas várias pessoas mediante uma única ação, há de ser reconhecido o concurso formal de crimes[43]. Nesse aspecto, pondera Capez (2010, v.2, pp. 484-485) com propriedade: a) No assalto a várias pessoas, com subtração patrimonial de apenas uma: houve uma só subtração; logo, um só crime contra o patrimônio. Crime único, portanto. Tem-se entendido que a subtração de bens de uma única família constitui crime único e não concurso formal, pois o patrimônio é familiar, portanto único. b) Na ameaça a uma só pessoa, que detém consigo bens próprios e de terceiros, a jurisprudência tem entendido haver crime único, pois argumenta-se que a posse é bem juridicamente tutelado, embora o mais correto fosse o concurso formal de crimes, pois, com uma única ação de subtrair mediante violência ou ameaça, foram lesados dois ou mais patrimônios de pessoas diversas[44]. c) Se o agente adentra em uma residência e, mantendo os moradores amarrados, retira alguns objetos e os leva até o esconderijo, e, momentos depois, retorna para retirar o restante da res, e assim sucessivamente até se apoderar de todos os objetos lá encontrados, há crime único e não crime continuado, pois ele realizou diversos atos que formam uma única ação criminosa. O mesmo autor exemplifica situação relativamente comum em grandes cidades, onde o roubo é executado, mediante ação única, contra um grupo de pessoas que têm bens efetivamente subtraídos. Nesse caso, há concurso formal e não crime continuado (ex: roubo contra vários passageiros dentro de um ônibus). A jurisprudência do STJ é vasta sobre o crime de roubo. Em seguimento destacamos alguns arestos que tratam sobre o concurso formal neste delito. RECURSO ESPECIAL. PENAL. ROUBO. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. ÚNICA CONDUTA. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. BENS JURIDICAMENTE TUTELADOS DISTINTOS. MERA REITERAÇÃO CRIMINOSA. NÃO-INCIDÊNCIA DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. 1. Quando o Réu inicia a conduta delituosa com o escopo de lesar o patrimônio de mais de uma vítima com uma só ação deve-se aplicar o art. 70, segunda parte, do Código Penal. 2. A mera reiteração criminosa não configura a continuidade delitiva prevista no art. 71 do Código Penal. 3. Recurso conhecido e provido. (STJ, 5ª Turma, Resp 690760/RS, rel. ministra Laurita Vaz, DJ 28/05/2007, p. 389) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CONTRA DUAS VÍTIMAS DIFERENTES DE UMA SÓ VEZ. CONDENAÇÃO COM BASE NO CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DO HABEAS CORPUS PARA DIRIMIR CONTROVÉRSIA LIMITADA À MATÉRIA DE DIREITO, QUANDO POSSÍVEL A ADOÇÃO DE UMA ENTRE OUTRAS TESES JURÍDICAS ADMITIDAS. ENTENDIMENTO JUDICIAL QUE NÃO SE MOSTRA ABSURDO. - Tese recursal pela afirmação da figura do concurso formal próprio no caso de indivíduo que, mediante grave ameaça, realiza, simultaneamente, a subtração de bens de duas vítimas diferentes. - Conclusão judicial pela configuração do concurso formal impróprio, pela constatação de autonomia de desígnios, por conhecer o agente a diversa titularidade dos bens jurídicos lesados e desejar ambos os resultados. - Decisão que não destoa do conjunto fático-probatório e que encontra respaldo sobretudo na doutrina, com menor apoio na jurisprudência, e que, por isso, não se mostra absurda ou teratológica. - A adoção, pelo Juiz, de uma entre outras teses admitidas em direito, afasta a ilegalidade manifesta que desafia o Habeas Corpus. - Recurso não conhecido. (STJ, 6ª Turma, RHC 16192/SP, rel. ministro Paulo Medina, DJ 14/03/2005, p. 425) Nos julgados cujas ementas foram transcritas supra se entendeu que, em havendo ataque com desígnios autônomos ao patrimônio de mais de uma pessoa, durante a execução do crime de roubo, ocorrerá concurso formal impróprio (que acarreta a soma das penas dos crimes ocorridos). Essa posição, contudo, não é pacífica. Aliás, a posição majoritária é que, em casos da espécie (subtração, mediante uma única ação, de objetos pertencentes a vítimas diferentes), há concurso formal próprio (vide, nesse aspecto, íntegra do REsp 1017296/RJ, da 5ª Turma do STJ, DJe 13/04/2009[45]). Atualmente ganha força, não obstante, a tese do concurso formal impróprio. Cleber Masson (2010, v. 2, p. 368) adota essa linha de raciocínio, conforme segue: “[...] Se o sujeito, no mesmo contexto fático, emprega grave ameaça ou violência (própria ou imprópria) contra duas ou mais pessoas, e subtrai bens pertencentes a todas elas, a ele serão imputados tantos roubos quantos forem os patrimônios lesados. […] É importante destacar a configuração, nesse caso, de concurso formal impróprio ou imperfeito (CP, art. 70, caput, 2ª parte), em face dos desígnios autônomos [...]”. No tocante ao crime de roubo cometido contra membros de uma mesma família, quando o patrimônio de mais de uma pessoa é espoliado[46], hoje tem o STJ firmado jurisprudência no sentido de haver concurso formal na hipótese. Observe-se: PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA. PRESCINDIBILIDADE. CONCURSO FORMAL. CARACTERIZAÇÃO. AÇÃO ÚNICA. DIVERSAS VÍTIMAS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A jurisprudência da Quinta Turma deste Tribunal é no sentido da prescindibilidade da apreensão e perícia da arma de fogo para a caracterização da causa de aumento de pena do crime de roubo (art. 157, § 2º, I, do Código Penal), quando outros elementos comprovem sua utilização. 2. Configura-se concurso formal, quando praticado o crime de roubo, mediante uma só ação, contra vítimas diferentes, ainda que da mesma família, visto que violados patrimônios distintos. 3. Recurso especial provido para redimensionar a pena imposta, reconhecendo a majorante pelo emprego de arma de fogo e a incidência do concurso formal, tornando-a definitiva em 6 anos, 7 meses e 10 dias de reclusão, mantendo-se os demais aspectos da sentença. (STJ, 5ª Turma, REsp 1050270/RS, rel. ministro Arnaldo Esteve Lima, DJe 30/03/2009) 3.5. Tipo objetivo A ação nuclear (“subtrair”) é idêntica a do crime de furto. Também se exige que a conduta se volte a coisa alheia móvel. Há necessidade, contudo, que o delito seja praticado mediante grave ameaça ou violência à pessoa[47], ou por qualquer meio que reduza à impossibilidade de resistência, conforme está claro no tipo penal: “Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”. Emprego de grave ameaça (“vis compulsiva”) a pessoa se dá quando o agressor promete que praticará mal grave[48], verossímil e iminente caso a vítima não permita a subtração. Referida ameaça pode ser levada a efeito mediante palavras, gestos ou mesmo através de simples porte ostensivo de arma de fogo. Acrescentando Capez (2006, v.2, p. 405) que mesmo a simulação de porte ostensivo de arma de fogo constitui meio intimidatório idôneo à prática do crime de roubo. O mesmo ocorrendo com a arma desmuniciada ou defeituosa, ou ainda, de brinquedo. Ambas figuram como instrumentos idôneos para intimidação da vítima, levando à configuração da infração penal em deslinde. A violência a pessoa referida no art. 157 diz respeito à violência física (vis corporalis) empregada para impedir ou dificultar a defesa da vítima. Segundo Gonçalves (2004, p. 22): Caracteriza-se pelo emprego de qualquer desforço físico sobre a vítima a fim de possibilitar a subtração (socos, pontapés, facada, disparo de arma de fogo, paulada, amarrar a vítima etc.). Os violentos empurrões ou trombadas também caracterizam emprego de violência física e, assim, constituem roubo. Já empurrões ou trombadas “leves”, desferidos apenas para desviar a atenção da vítima, de acordo com a jurisprudência, não caracterizam o roubo. Para que a violência implique a tipificação do roubo ela deve ter sido empregada contra a pessoa (o dono do objeto ou terceiro) e nunca apenas contra a coisa. Cleber Masson (2010, v. 2, p. 361) também entende, em consonância com a jurisprudência do STJ, que no caso da “trombada” (no contexto da subtração), acaso ela seja leve e tenha o propósito único de distrair a vítima, estará caracterizado o crime de furto; no entanto, se a “trombada” provocar lesão corporal na vítima ou caracterizar vias de fato, em ambos os casos tendentes a eliminar ou reduzir sua defesa, a hipótese será de roubo[49]. No caso de subtração de bem preso ao corpo da vítima (corrente de ouro presa ao pescoço, por exemplo), tem entendido o STJ que ocorre o crime de roubo[50]. Fernando Capez (2010, v. 2, p. 462), divergindo dessa conclusão, entende que há no caso o crime de furto, visto que a violência é dirigida contra a coisa e somente acessoriamente contra a vítima. Na fórmula genérica consistente em qualquer outro meio que reduza a vítima à impossibilidade de resistência cabem outros meios que não se constituam violência física ou grave ameaça, mas que atinjam determinantemente a capacidade de resistência da vítima com vistas a propiciar a subtração, como, por exemplo: fazê-la ingerir bebida alcoólica, sonífero ou substância entorpecente; ou mesmo hipnotizá- la. 3.6. Roubo próprio e roubo impróprio O roubo próprio está previsto no caput do art. 157, cujo teor já foi transcrito ao norte. O §1º do mesmo artigo estabelece a espécie imprópria do delito em estudo. Está assim redigido: “§1º. Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro”. Tendo em mira os dispositivos legais mencionados, Victor Eduardo Rios Gonçalves sintetiza (2004, p. 26): a) No roubo próprio, a violência ou a grave ameaça são empregadas antes ou durante a subtração, pois constituem meio para que o agente consiga efetivá-la. No roubo impróprio, o agente inicialmente quer apenas praticar um furto e, já se tendo apoderado do bem, emprega violência ou grave ameaça para garantir a impunidade do furto que estava em andamento ou assegurar a detenção do bem. b) O roubo próprio pode ser cometido mediante violência, grave ameaça ou qualquer outro meio que reduza a vítima à impossibilidade de resistência. O roubo impróprio não admite a fórmula genérica por último mencionada, somente podendo ser cometido mediante violência ou grave ameaça. Cabe repisar que no roubo impróprio é imprescindível que sirva como meio para garantir a subtração (ou a impunidade), a violência ou grave ameaça. Qualquer outro meio, mesmo que reduza ou elimine a capacidade de resistência da vítima, não se presta para caracterizar a figura delitiva. Essa é a posição doutrinária predominante, segundo bem destaca Greco (2009, v. III, pp. 71): “Entendemos assistir razão à corrente, por sinal majoritária, que somente admite a violência contra pessoa (vis corporalis) e a grave ameaça, praticadas logo após a subtração (compreendida, aqui, no sentido que defendemos anteriormente), para efeitos de reconhecimento do roubo impróprio, descartando-se, em obediência ao princípio da legalidade, a inclusão da denominada violência imprópria”. Questão interessante é aventada pela doutrina na hipótese do agente já ter em mãos o bem alheio visado (sem que a subtração, contudo, esteja consumada), porém após ser surpreendido emprega violência ou grave ameaça para fugir sem levar a coisa (quer dizer: a violência ou grave ameaça não é praticada no intuito de garantir a subtração, mas somente de garantir a fuga, desprezando-se o bem[51]). Nesse caso, opina Bitencourt (2010, v. 3, pp. 74-75) que haverá tentativa de furto em concurso com eventual crime contra a pessoa[52]. É esta a posição majoritária[53]. Também se depois de consumado o furto o agente emprega violência ou grave ameaça contra a pessoa, a hipótese não será de roubo impróprio, mas sim de furto (consumado) em concurso com o crime contra a pessoa eventualmente praticado. Para que haja o roubo impróprio é necessário que a violência seja empregada antes que o furto esteja consumado, pois a conduta se volta justamente para garantir o seu sucesso[54]. 3.7. Tipo subjetivo Além do dolo de subtrair, exige o art. 157 o especial fim de agir consistente no ânimo de assenhoramento do bem visado. No roubo impróprio (art. 157, § 1º) percebe-se também a presença da finalidade “[...] de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro”. Quanto ao roubo para uso, assevera CUNHA (2008, v.3, p. 130) que: O roubo de uso é crime (TJDFT 44/180), não importando se a real intenção do agente era subtrair para ficar ou subtrair apenas para usar momentaneamente (o uso da coisa é um dos poderes inerentes à propriedade, da qual o agente se investe mediante violência ao real proprietário). Reconhecemos, porém, importante parcela da doutrina lecionando que o animus de uso exclui o crime. Referida posição, como o próprio autor ressalta, não é pacífica, havendo divergência quanto ao tema[55]. Não há roubo culposo. 3.8. Consumação e tentativa O roubo próprio (art. 157, caput), segundo posição doutrinária majoritária, se consuma com a retirada do bem da esfera de disponibilidade e posse da vítima (teoria da inversão da posse), dispensando-se a posse tranquila[56]. O raciocínio é semelhante àquele explicitado no tocante à consumação do crime de furto. Nesse ponto, bem exemplifica Capez (2006, v. 2, p. 410): Por exemplo: agente que depois de apontar uma arma na cabeça da vítima se apodera de sua carteira. O crime se consuma nesse instante, ou seja, com o apoderamento do bem, pois nesse momento a posse do agente substituiu a da vítima, já não tendo esta o poder de disponibilidade sobre o bem. Ainda que venha a perseguir continuadamente o agente e consiga recuperar a res, já houve a anterior espoliação da posse ou propriedade da vítima. É a nossa posição. Nesse sentido também a jurisprudência atual do STJ: “De acordo com a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, considera-se consumado o crime de roubo, assim como o de furto, no momento em que o agente se torna possuidor da coisa alheia móvel, ainda que não obtenha a posse tranquila, sendo prescindível que o objeto subtraído saia da esfera de vigilância da vítima para a caracterização do ilícito” (STJ, Sexta Turma, REsp 1079202-RS, DJe 05-04-2010). No caso referido no julgado, os acusados após realizarem subtração violenta de um veículo automotor que transportava várias mercadorias, foram logo depois (uma quadra após o local do roubo) perseguidos e presos por policiais militares que desconfiaram do automóvel que passava em alta velocidade[57]. Para a corrente doutrinária e jurisprudencial mencionada, exige-se para a consumação do roubo: “(a) emprego de violência à pessoa (própria ou imprópria) ou grave ameaça; (b) apoderamento da coisa, com a cessação do constrangimento ao ofendido”[58]. No roubo impróprio (art. 157, § 1º), como não há, inicialmente, subtração violenta, a consumação somente se dá quando é empregada violência ou grave ameaça para garantir a impunidade pelo crime ou a detenção da coisa (para si ou para outrem) antes subtraída. Se não houver violência ou grave ameaça subseqüente, a hipótese será de furto. O ato subseqüente (violência ou grave ameaça) deve ter relação de imediatidade com a subtração, pois caso contrário não haverá crime de roubo, mas sim o de furto em concurso com o delito que caracterizar a violência ou a grave ameaça[59]. No roubo próprio é perfeitamente admissível a tentativa. Ocorre quando o agente, antes de consumar a subtração (mas já tendo iniciado os atos executórios), é impedido por circunstâncias alheias à sua vontade. Seria o caso do criminoso que, com uma arma apontada para a vítima, exige a entrega do relógio, porém é, nesse exato momento, surpreendido pela polícia e preso. Quanto ao roubo impróprio, diverge a doutrina sobre a possibilidade da forma tentada. Há quem entenda ser possível a tentativa quando o agente tenta empregar violência ou grave ameaça após a subtração não violenta, mas não consegue[60]. A posição dominante, não obstante, é aquela que pugna pela impossibilidade da forma tentada[61]. Nesse andar o magistério de Prado (2008, v. 2, pp. 350-351): A consumação do roubo impróprio ocorre com o emprego da violência ou grave ameaça à pessoa, logo após a subtração da coisa. No tocante à admissibilidade da tentativa nessa figura há controvérsia, existindo a respeito dois posicionamentos. Para uma corrente, mais acertada, o crime não comporta o conatus, porque a tentativa de usar a violência ou grave ameaça é juridicamente irrelevante nessas circunstâncias. Consumada a subtração e, em seguida, a violência ou grave ameaça, ter-se-á o roubo impróprio. Caso contrário, se apenas se tiver a subtração, desprovida da violência ou grave ameaça, caracterizado estará o delito de furto. Não é admissível, pois, a tentativa. Para uma segunda, configura-se a tentativa se o autor é flagrado no momento em que procura empregar a violência ou grave ameaça, mas sem conseguir êxito. Por fim, se a subtração é apenas tentada, e existindo violência ou grave ameaça na fuga, instaura-se concurso material entre o furto tentado e aquele correspondente ao emprego da força, porque, nessa situação, falta a vontade de usar a violência ou grave ameaça para obter a coisa ou assegurar a impunidade do crime. (Grifos nossos) 3.9. Roubo majorado O § 2º do art. 157 estabelece as seguintes causas especiais de aumento de pena inerentes ao roubo: § 2º. A pena aumenta-se de um terço até metade: I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II – se há o concurso de duas ou mais pessoas; III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância; IV – se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. Vejamos em seguimento cada uma das majorantes[62]. Emprego de arma A arma aqui mencionada, utilizada como instrumento na execução do crime de roubo, pode ser tanto própria (especialmente criada para defesa ou ataque, como armas de fogo e armas brancas[63]) como imprópria (objetos precipuamente utilizados para outros fins, mas que podem ser eficazmente utilizados para levar a efeito violência ou grave ameaça, como machado, foice, barra de ferro etc.). Tem predominado atualmente o entendimento de que, para caracterizar a majorante, a arma, além de poder intimidatório, deve apresentar potencialidade ofensiva à vítima[64]. O uso de arma de brinquedo, por exemplo, leva à caracterização do roubo, mas não conduz à incidência da majorante, considerando a ausência de capacidade lesiva[65]. Em outro vértice, deve ser também lembrado que o dispositivo em estudo (art. 157, § 2º, I) exige o emprego da arma, de sorte que a mesma tem que ser efetivamente utilizada na violência ou grave ameaça inerentes ao roubo, não bastando seu porte ostensivo[66]. Daí Greco lecionar (2009, v. III, p. 78) que: “Empregar a arma significa utilizá-la no momento da prática criminosa. Tanto emprega a arma o agente que, sem retirá-la da cintura, mas com a mão sobre ela, anuncia o roubo, intimidando a vítima, como aquele que, após sacá-la, a aponta em direção a sua cabeça”. É possível o concurso material entre os crimes de porte ilegal de arma de fogo e roubo majorado pelo emprego de arma, mas somente quando os fatos ocorrerem em contextos distintos[67]. Por exemplo: depois de perambular a noite toda em via pública portando ilegalmente arma de fogo, já na madrugada o agente resolve praticar um roubo utilizando referido armamento. In casu o simples fato dele andar armado já caracterizou o porte ilegal, sendo o roubo um evento distinto. O emprego de arma de fogo constitui-se circunstância de natureza objetiva, comunicando-se entre os coautores e partícipes que tenham ciência da mesma (art. 30 do CP). Por exemplo: se durante um roubo, levado a efeito por três comparsas, apenas um emprega arma, todos devem responder pela majorante, considerando estarem os concorrentes desarmados cientes da circunstância. Destaca Cleber Masson (2010, v. 2, p. 375) que “O entendimento atual do Plenário do Supremo Tribunal Federal é no sentido de serem desnecessárias, para fins de aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, a apreensão da arma e sua respectiva perícia, desde que o emprego da arma e seu potencial lesivo sejam provados por outros meios, tais como declarações da vítima e depoimentos de testemunhas” [68]. Essa prova da capacidade lesiva da arma por outros meios parece-nos não ser muito fácil na maioria das situações, pois para tanto alguém deve, em regra, ter presenciado disparo(s) executado(s) pela arma para poder assegurar sua capacidade vulnerante[69]. Não obstante, no julgado do STF referido por Masson[70], segundo noticiado no Informativo-STF nº 536, defendeu-se o seguinte entendimento: “Assentou-se que, se por qualquer meio de prova – em especial pela palavra da vítima, como no caso, ou pelo depoimento de testemunha presencial – ficar comprovado o emprego de arma de fogo, esta circunstância deverá ser levada em consideração pelo magistrado na fixação da pena. Ressaltou-se que, se o acusado alegar o contrário ou sustentar a ausência de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal evidência, nos termos do art. 156 do CPP, segundo o qual a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”. Consoante essas colocações, nota-se que o entendimento do STF nesse julgado foi no sentido de ser desnecessário o acusador comprovar a capacidade vulnerante da arma, bastando a comprovação de seu uso, cabendo ao réu comprovar a ausência de capacidade lesiva, caso utilize essa alegação em sua defesa. Diante disso, observando que a orientação predominante é no sentido da arma de brinquedo não majorar o roubo, mas que STF e STJ dispensam a apreensão e perícia da arma para comprovar a sua potencialidade lesiva, muito bem pondera Cleber Masson (2010, v. 2, p. 382), in verbis: Em princípio, a utilização de arma de brinquedo não caracteriza a causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal. Mas, como a apreensão da arma não é obrigatória para a aplicação da majorante, é possível a declaração em juízo, pela vítima, no sentido de ter sido o roubo praticado com emprego de arma. E, se a arma não foi apreendida, muito menos periciada, presumir-se-á que se cuidava de arma verdadeira, e não de um mero brinquedo. Em que pese tratar-se de presunção relativa, será muito difícil o réu comprovar ter utilizado na execução do delito uma arma “finta”. Em suma, inverte-se o ônus da prova, e dele será complicado o acusado desvencilhar-se com êxito. Concurso de duas ou mais pessoas Há divergência na doutrina sobre a necessidade de estarem presentes durante a execução do crime pelo menos duas pessoas para que incida a majorante em comento. Mesmo os que exigem a presença de uma pluralidade de pessoas, admitem, contudo, que não é necessário que a violência ou grave ameaça seja levada a efeito por mais de um agente para a majorante se aperfeiçoar, bastando para tanto a presença física. Quanto a este particular disserta Cunha (2008, v.3, pp. 131-132): “Assim como no furto, sustenta HUNGRIA a necessidade de que todos os agentes se façam presentes no momento da ação, ainda que não cooperem materialmente (op. cit., v. 7, p. 58). GUILHERME DE SOUZA NUCCI (op. cit., p. 691) e MIRABETE (Manual de direito penal cit., v. 2, p. 227), no entanto, consideram dispensável a prática de atos executórios por todos os agentes”. A tendência doutrinária contemporânea, entretanto, é considerar suficiente o concurso de pessoas (art. 29 do CP) para que a causa de aumento em questão esteja presente, mesmo que a execução material seja realizada por uma única pessoa, sem a presença dos demais concorrentes. Nesse sentido: “Como o dispositivo não explicita de que forma deva agir cada agente, conclui-se que se aplicam, in casu, as regras gerais sobre o concurso de pessoas (art. 29, CP), ou seja, basta que qualquer um dos autores tenha praticado a violência ou grave ameaça para que a conduta caracterize o roubo majorado” (PRADO, 2008, v. 2, p. 353). Quando uma pessoa maior comete crime em concurso com um menor, deve responder também pelo crime previsto no art. 244-B do ECA (Lei nº 8.069/1990)[71]. Vítima em serviço de transporte de valores Exige expressamente o inciso III que: a) a vítima esteja em serviço de transporte de valores (por exemplo: condutores de carros-fortes, funcionários de bancos, office- boys etc.); b) que tal fato seja de conhecimento do agressor. Quando se diz que a vítima deve estar em serviço (trabalhando para outrem, mesmo que não seja empregado) de transporte de valores, entende-se que se o transporte está sendo feito pelo próprio proprietário, não incide a majorante[72]. Entendemos também que, se os valores subtraídos estiverem sendo transportados por alguém que está fazendo um favor para outrem (sem nada cobrar), não se aplica a causa de aumento, visto não estar “a serviço”. Quanto aos valores transportados, estes não se resumem unicamente em dinheiro, mas também podem ser jóias, títulos ao portador e outros congêneres, que possibilitem fácil conversão em dinheiro. Há a necessidade que o criminoso tenha efetiva consciência que a vítima está transportando valores; sendo, portanto, incabível o dolo eventual quanto a este aspecto[73]. Se, por exemplo, o roubador aborda a vítima que, por coincidência, está transportando valores, não se faz presente a majorante, mesmo que seja consumado o roubo[74]. Subtração de veículo automotor que venha a ser transportado para outro estado ou para o exterior A presente circunstância se assemelha com a qualificadora prevista para o crime de furto no art. 155, § 5º, do CP. É necessário, para sua incidência, que haja um roubo de veículo automotor, e que o mesmo seja levado para além dos limites estaduais de onde foi subtraído. Agente que mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade Esta majorante tem sua incidência circunscrita às situações em que a privação da liberdade da vítima seja utilizada como meio para a realização de um roubo ou para fugir à ação policial[75]. Assim ensina com clareza Greco (2010, v.III, p. 72): A doutrina tem visualizado duas situações que permitiriam a incidência da causa de aumento de pena em questão, a saber: a) quando a privação da liberdade da vítima for um meio de execução do roubo; b) quando essa mesma privação da liberdade for uma garantia, em benefício do agente, contra a ação policial. […] Além disso, para que seja aplicada a causa especial de aumento de pena, a privação da liberdade não poderá ser prolongada, devendo-se, aqui, trabalhar com o princípio da razoabilidade para efeitos de reconhecimento do tempo que, em tese, seria suficiente para ser entendido como majorante, e não como figura autônoma de seqüestro, ou mesmo extorsão mediante seqüestro. Segundo Capez (2010, v. 2, p. 476), embora a inclusão da majorante em epígrafe tenha sido laborada pelo legislador na intenção de incidir sobre a prática do chamado “sequestro-relâmpago”, não pode ser aplicada ao caso, posto que tal conduta criminosa não configura roubo, mas sim extorsão. Essa posição doutrinária ressoou na atividade legislativa, sendo que recentemente, através da Lei nº 11.923/2009, foi acrescido o § 3º ao artigo 158 do CP (que trata do crime de extorsão), passando a regular o sequestro-relâmpago. Gonçalves (2004, p. 33) destaca, ademais, o seguinte detalhe: Note-se que existem duas situações. Quando a vítima é obrigada a permanecer por período prolongado (algumas horas, p. ex.) em poder do roubador, caracteriza-se crime de roubo em concurso material com seqüestro (art. 148), uma vez que, nesse caso, houve privação da liberdade, que pressupõe conduta mais duradoura. Ao contrário, o art. 157, § 2º, V, não menciona a palavra “privação” e sim “restrição da liberdade”, de forma que tal dispositivo somente se aplica a hipóteses em que a vítima fica em poder do roubador por breve espaço de tempo (por alguns minutos, apenas para sair do local da abordagem, p. ex.). Necessário observar, ainda, que se a vítima permanece em poder do agente por curtíssimo espaço de tempo, destinado unicamente à subtração do bem, não incide a majorante[76]. 3.10. Roubo qualificado Traz o art. 157 o seguinte dispositivo: “§ 3º. Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além de multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa”. As circunstâncias qualificadoras em epígrafe decorrem do resultado mais gravoso. Na primeira hipótese, sobrevém à vítima lesão corporal grave ou gravíssima (art. 129, §§ 1º e 2º, do CP). Na segunda, ocorre a morte (art. 121 do CP), se dando o que a doutrina denomina de latrocínio, que é considerado crime hediondo (art. 1º, II, da Lei nº 8.072/1990). Nos dois casos é indispensável que os resultados sejam provocados, culposa ou dolosamente; durante, logo após, mas sempre em razão do assalto[77]. As qualificadoras podem incidir tanto no roubo próprio quanto no impróprio. No tocante à consumação do latrocínio, Rogério Sanchez Cunha (2008, v.3, p. 133) sintetiza: 1.Morte consumada, subtração consumada, gera latrocínio consumado, estando o tipo perfeito. 2. Morte consumada, subtração tentada, configura, de acordo com entendimento sumulado no STF (610), latrocínio consumado. […] 3. Morte tentada e subtração tentada, não há dúvida de que o latrocínio será também tentado (nos termos do art. 14, II, do CP, houve início de execução de um tipo, que não se perfez por circunstâncias alheias à vontade do agente). 4. Morte tentada e subtração consumada, há tentativa de latrocínio (se o latrocínio se consuma apenas com a morte, não havendo morte o tipo complexo do latrocínio não se perfez). Acaso os assaltantes matem várias pessoas durante o roubo para garantir o sucesso deste, mas seja violado o patrimônio de apenas uma vítima, surge a dúvida quanto à ocorrência de crime único (visto que o bem jurídico primordialmente visado pelos criminosos, e protegido pela norma, é o patrimônio) ou de concurso de crimes (mais de um latrocínio). Greco (2009, v. III, p. 85) refere que, nesse aspecto, o STJ recentemente mudou seu posicionamento que pugnava pelo crime único, passando a reconhecer a presença do concurso formal impróprio quando ocorrer mais de uma morte, mesmo que tenha havido subtração patrimonial única. Essa posição jurisprudencial, contudo, dissocia da doutrina predominante, que pugna pelo crime único in casu[78]. Em outro aspecto, note-se que é indispensável, segundo dicção do dispositivo em evidência, que haja violência física para que as qualificadoras incidam. De tal modo que, se a vítima vem a sofrer lesão grave ou morrer em decorrência de grave ameaça (por exemplo, sofre um ataque cardíaco após ser gravemente ameaçada, sabendo o criminoso que a vítima tinha patologia do coração) ou de violência imprópria, a hipótese será de concurso de crimes, e não de crime de roubo qualificado[79]. Sobre o roubo qualificado não podem incidir as majorantes do § 2º do art. 157, consoante posição já sedimentada, por uma questão topográfica: as majorantes estão previstas em parágrafo anterior ao que prevê as qualificadoras. Quanto ao roubo qualificado pela lesão corporal grave (ou gravíssima), Cleber Masson (2010, v. 2, p. 395) faz as seguintes ponderações: De outro lado, a lesão corporal leve (CP, art. 129, caput) produzida em decorrência do roubo não constitui qualificadora. Opera-se, em verdade, sua absorção pelo crime mais grave, pois funciona como seu meio de execução. O conflito aparente de normais penais é solucionado pelo princípio da consunção. Tratando-se de crime qualificado pelo resultado, o roubo qualificado estará consumado com a produção da lesão corporal grave na vítima, ainda que a subtração não se aperfeiçoe. Em derradeiro, destacamos que o art. 9º da Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990) impõe um aumento de metade na pena dos crimes nele mencionados, dentre os quais figura o latrocínio, quando as vítimas estiverem em uma das situações previstas no art. 224 do CP. Atualmente entende a doutrina, contudo, que referido dispositivo foi revogado tacitamente pela Lei nº 12.015, de 07-08-2009, visto que esta revogou expressamente o art. 224 do CP[80]. 3.11. Classificação doutrinária O roubo é: “Crime comum, tanto com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; doloso (não havendo previsão para a modalidade culposa); material; comissivo (podendo ser praticado omissivamente, caso o agente goze do status de garantidor); de forma livre; instantâneo (podendo também, em alguns casos, ser considerado como instantâneo de efeito permanente, caso haja destruição da res furtiva); de dano; monossubjetivo; plurissubsistente (podendo-se fracionar o iter criminis, razão pela qual é possível o raciocínio da tentativa)” (GRECO, 2009, v.III, p. 65). 3.12. Ação penal Ação penal no roubo, em qualquer de suas formas, será pública incondicionada. Cabe ponderar, ainda, que mesmo no latrocínio (onde há a morte da vítima), o processo correrá junto ao juízo singular, afastando-se a competência do Tribunal do Júri (Súmula 603 do STF). 4. EXTORSÃO Apresenta o CP a seguinte tipificação: “Art. 158. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa”. Tal figura se assemelha ao crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP), mas acrescida da finalidade especial de obtenção de vantagem econômica indevida. 4.1. Objeto jurídico O patrimônio da vítima, sua integridade física e sua liberdade individual, considerando ser a extorsão um crime pluriofensivo (tutela uma pluralidade de bens jurídicos). 4.2. Objeto material Pessoa contra qual recai o constrangimento[81]. 4.3. Sujeito ativo Por ser crime comum, a extorsão pode ser praticada por qualquer pessoa. 4.4. Sujeito passivo Também qualquer pessoa pode figurar como sujeito passivo. No tocante aos casos concretos, podem ser identificados como vítimas (sujeitos passivos): “a) aquele que sofre a violência ou grave ameaça; b) aquele que faz, deixa de fazer ou tolera que se faça algo; c) aquele que sofre o prejuízo econômico” (CAPEZ, 2006, v.2, p. 432). É possível, inclusive, que numa mesma infração penal da espécie haja mais de uma vítima. 4.5. Tipo objetivo O delito tem seu núcleo no verbo “constranger”, que significa obrigar, forçar, coagir. Exige o tipo que o constrangimento seja mediante violência ou grave ameaça[82] que atinja o próprio titular do patrimônio visado ou pessoa ligada a ele, forçando-o com isso a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Não se admite a violência imprópria (dopar a vítima, por exemplo) como meio executório do crime de extorsão, pois o tipo refere apenas violência (entendida como própria) e grave ameaça. Nesse aspecto bem evidencia Capez (2006, v. 2, pp. 430-431) que: A ação nuclear do tipo consubstancia-se no verbo constranger, que significa coagir, compelir, forçar, obrigar alguém a fazer (p. ex., quitar uma dívida não paga), tolerar que se faça (p. ex., permitir que o agente rasgue um contrato) ou deixar de fazer algumas coisa (p. ex., obrigar a vítima a não propor ação judicial contra o agente). Há primeiramente a ação de constranger realizada pelo coator, a qual é seguida pela realização ou abstenção de um ato por parte do coagido. Assim como no roubo, na extorsão é visada vantagem econômica, mas que não se resume em coisa móvel. Pode o chantagista, por exemplo, almejar que a vítima transfira um imóvel para seu nome. A vantagem deve ser indevida, segundo deixa bem claro o tipo ora estudado. Se for devida, pode caracterizar o crime do artigo 345 do CP. A obtenção da vantagem almejada deve, ainda, depender da colaboração da vítima. Daí afirmar Cunha (2008, v.3, p. 135) que: O crime do art. 158 não se confunde com o roubo (art. 157): neste, o agente emprega violência ou grave ameaça para subtrair o bem, buscando imediata vantagem, dispensando, para tanto, a colaboração da vítima; já na extorsão, o sujeito ativo emprega violência ou grave ameaça para fazer com que a vítima lhe proporcione indevida vantagem mediata (futura), sendo, portanto, de suma importância a participação do constrangido. Esta diferença, contudo, não impede, no caso concreto, o cúmulo de infrações [...]. A distinção entre roubo e extorsão também é descrita brilhantemente por Cleber Masson (2010, v. 2, p. 415), conforme segue: Mas qual é, então, a diferença entre roubo e extorsão? É simples. Nota-se, em uma análise preliminar, que no roubo o núcleo do tipo é “subtrair”, ao passo que na extorsão a ação nuclear é “constranger”. E daí desponta uma relevante consequência: se o bem for subtraído, o crime será sempre de roubo, mas, se a própria vítima o entregar ao agente, o delito poderá ser de roubo ou de extorsão. Estará caracterizado o crime de extorsão quando, para a obtenção da indevida vantagem econômica pelo agente, for imprescindível a colaboração da vítima. No roubo, por seu turno, a atuação do ofendido é dispensável. Na extorsão, a vítima possui opção entre entregar ou não o bem, de modo que sua colaboração é fundamental para o agente alcançar a indevida vantagem econômica. Hodiernamente utiliza-se, portanto, duas variáveis para diferenciar o roubo da extorsão: 1ª) entrega do bem visado pela vítima ao agente; 2ª) indispensabilidade da colaboração da vítima. Portanto, se o bem for entregue pela vítima sob violência ou grave ameaça, a hipótese pode ser de roubo ou extorsão, porém se for indispensável a colaboração dela para que ocorra a transferência patrimonial, a hipótese somente poderá ser de extorsão. Concordamos com essa posição. Acrescentamos que essa “entrega” do bem pode ser por vários meios, não se exigindo que a vítima passe diretamente de suas mãos para as do agente o bem almejado. Essa entrega pode se dar, por exemplo, fornecendo uma senha para que o criminoso saque valores de uma conta corrente, assinando um documento etc. Parece-nos, portanto, que o critério de diferenciação centralizado na presença de vantagem imediata no roubo e de vantagem futura na extorsão, não deve subsistir. Em derradeiro, cabe uma observação importante: é possível que o agente se utilize de fraude para constranger a vítima da qual almeja obter vantagem econômica[83]. Seria o caso, hoje infelizmente comum, da ameaça fraudulenta visando obter vantagem indevida. Por exemplo: o sujeito, após fazer um levantamento de situação, aproveita-se da ausência do filho ainda infante de uma senhora e liga para ela, determinando que a mesma deposite em sua conta determinada quantia em dinheiro sob pena de matar a criança. Cria toda uma situação, fazendo outra pessoa gritar por socorro ao telefone, levando a mãe, temerosa, a executar o que lhe foi ordenado. Nessa situação, nota-se que a ameaça não era real, porém foi idônea para intimidar. Houve, portanto, extorsão (art. 158 do CP)[84]. 4.6. Tipo subjetivo Somente é punida a extorsão em sua forma dolosa. Além do dolo genérico, exige-se a presença da finalidade especial (dolo específico) do agressor agir no intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica. Se não houver essa finalidade, a conduta poderá acarretar a prática de outro crime, como, por exemplo, constrangimento ilegal (art. 146 do CP), estupro (art. 213 do CP) ou atentado violento ao pudor (art. 214 do CP). 4.7. Consumação e tentativa A Súmula 96 do STJ apregoa que: “O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida”. Claro está, portanto, que por essa orientação jurisprudencial a extorsão é um crime formal, sendo que a obtenção da vantagem indevida constitui-se mero exaurimento. É esse também o entendimento da doutrina dominante[85], havendo uma minoria que defende ser a extorsão um crime material, exigindo para sua consumação a obtenção de vantagem indevida. É possível a tentativa no delito em estudo. Consoante bem pontua Capez (2006, v. 2, p. 434): “Desse modo, haverá tentativa se a vítima, constrangida pelo emprego da violência ou grave ameaça, não realizar o comportamento ativo ou omissivo por circunstâncias alheias à vontade do agente”. Em sentido semelhante são as lições de Nucci (2006, pp. 683): Ocorre que há, fundamentalmente, três estágios para o cometimento da extorsão: 1º) o agente constrange a vítima, valendo-se de violência ou grave ameaça; 2º) a vítima age, por conta disso, fazendo, tolerando que se faça ou deixando de fazer alguma coisa; 3º) o agente obtém a vantagem econômica almejada. Este último estágio é apenas configurador do seu objetivo (“com o intuito de...”), não sendo necessário estar presente para concretizar a extorsão. Entretanto, o simples constrangimento, sem que a vítima atue, não passa de uma tentativa. Para a consumação, portanto, cremos mais indicado atingir o segundo estágio, isto é, quando a vítima cede ao constrangimento imposto e faz ou deixa de fazer algo. Menciona a doutrina, ainda, que há tentativa de extorsão no caso de ameaça feita por escrito, vindo esta a ser interceptada antes que chegue ao conhecimento da vítima[86]. 4.8. Extorsão majorada Estabelece o § 1º do artigo 158, que: “Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade”. Diferentemente do que ocorre no crime de roubo e furto, onde a lei prevê como circunstância desfavorável ao agente o fato de praticar o crime em concurso de pessoas, aqui o dispositivo fala em crime cometido por duas ou mais pessoas. Desse modo, entende-se que para haver tal majorante (primeira figura), torna-se indispensável que a execução do crime efetivamente se dê por duas ou mais pessoas. Se apenas um executa, afastada estará a possibilidade de incidência. Assim sendo, se um dos comparsas se limita apenas a vigiar o ambiente enquanto outro constrange a vítima, não se aperfeiçoa a causa de aumento[87]. Quanto ao emprego de arma, vale tudo o que falamos anteriormente no tocante à majorante idêntica prevista no crime de roubo. 4.9. Extorsão qualificada As qualificadoras da extorsão estão previstas nos §§ 2º e 3º do artigo 158, in verbis: § 2º. Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior. § 3º. Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6(seis) a 12(doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§2º e 3º, respectivamente. O parágrafo segundo exterioriza disposição que apenas remete para os casos de roubo qualificado; ou seja, prevê situações de extorsão em que há a morte da vítima ou que esta sofre lesão corporal grave ou gravíssima. As consequências penais, no caso, são as mesmas, tanto para o roubo quanto para a extorsão (vide tópico sobre roubo qualificado). O delito do art. 158, § 2º, é considerado hediondo, consoante art. 1º, III, da Lei nº 8.072/1990. Não se pode, contudo, aplicar o aumento de pena previsto no art. 9º da citada Lei, considerando sua revogação tácita operada pela Lei nº 12.015/2009. No tocante à disposição do § 3º, esta foi incluída no CP pela Lei nº 11.923, de 17 de abril de 2009. Visualiza-se neste dispositivo três situações distintas: 1ª) extorsão mediante restrição da liberdade da vítima como condição necessária para obtenção da vantagem econômica; 2ª) extorsão mediante restrição da liberdade da vítima como condição necessária para obtenção da vantagem econômica, resultando lesão corporal grave à vítima; 3ª) extorsão mediante restrição da liberdade da vítima como condição necessária para obtenção da vantagem econômica, resultando a morte da vítima. Todas as três hipóteses são voltadas para reprimir o chamado sequestro relâmpago, sendo que a primeira não antevê resultado qualificador; presente nas duas últimas, atraindo assim as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º. A prática do seqüestro relâmpago consiste em restringir a liberdade da vítima para que a mesma normalmente forneça cartões magnéticos bancários e senhas que propiciem aos criminosos auferirem a vantagem econômica visada. A aplicação do dispositivo qualificador, entretanto, não se limita a esta situação específica, mas sim abarca toda extorsão (onde a vítima é constrangida, mediante violência ou grave ameaça, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa) na qual o criminoso utilize como meio executório necessário a restrição da liberdade do sujeito passivo nas condições já evidenciadas. Nesse passo, deve-se adotar o raciocínio de que a restrição da liberdade deve servir como meio para auferir a vantagem indevida (meio de execução da extorsão), pois se assim não for estaremos diante de um crime autônomo. Ademais, deixa claro o dispositivo que a restrição da liberdade, para ser inserida no âmbito do crime único complexo em estudo, deve ser condição necessária para a obtenção da vantagem econômica indevida. Não se pode, contudo, confundir o sequestro relâmpago com a extorsão mediante seqüestro (art. 159 do CP), segundo bem esclarece Cleber Masson (2010, v. 2, pp. 423-424): O sequestro-relâmpago, nome popular pelo qual o crime de extorsão com restrição da liberdade restou consagrado, não pode ser equiparado à extorsão mediante sequestro (CP, art. 159), uma vez que não há privação, mas restrição da liberdade. Como se sabe, na extorsão mediante sequestro a vítima é colocada no cárcere, e sua liberdade é negociada com o pagamento de indevida vantagem como condição ou preço do resgate; no sequestro-relâmpago, por sua vez, não há encarceramento da vítima nem a finalidade de recebimento de resgate para sua soltura, mas sim o desejo de obter, em face do constrangimento, e não da privação da liberdade, uma indevida vantagem econômica. Parece-nos também que a interpretação deve se alinhar à razoabilidade no tocante ao tempo admissível de violação da liberdade da vítima; ou seja, esse tempo, por mínimo que seja (não pode, contudo, ser insignificante)[88], já acarreta a incidência da qualificadora; porém se for prolongado, elimina-se a hipótese de crime único, atraindo-se o concurso material do crime de extorsão (que pode, dependendo do caso concreto, ser qualificada pela restrição[90] da liberdade da vítima) com o delito de seqüestro e cárcere privado (art. 148)[91]. Nesse aspecto, visualizamos que os casos concretos irão demandar esforços interpretativos ímpares para bem situar a aplicação desse dispositivo. Quanto à consumação da extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, visualizamos que a mesma se dá no momento em que a violência ou grave ameaça empregada é utilizada para constrangê-la em sua liberdade de locomoção, levando- a também a colaborar com o agressor (determinando, portanto, que a mesma faça, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa), mesmo que não seja conseguida a vantagem econômica indevida visada. Seria o caso do criminoso que, já com a vítima em seu poder e de posse da senha (revelada pela vítima) e cartão da mesma, é surpreendido e preso antes de efetuar o saque intentado. Indubitavelmente, o delito qualificado se consumou em referida hipótese. Afigura-se como possível a tentativa, identificada quando a vítima tem sua liberdade restringida para os fins já especificados, mas não chega a colaborar com o agressor. Exemplo: criminoso apodera-se da vítima mediante grave ameaça e lhe conduz em direção ao banco, porém antes dela realizar o saque ou mesmo revelar sua senha, há uma intervenção policial bem sucedida no sentido de prender o agente. Nesse caso houve tentativa de sequestro relâmpago. Responde, portanto, o agente pelo crime do art. 158, § 3º, primeira parte, em sua forma tentada. Quanto à possibilidade de concurso de crimes e diferenciação do sequestro relâmpago frente ao crime de roubo majorado pela restrição de liberdade da vítima, pedimos vênia para transcrever os ensinamentos dos professores Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha[92] sobre o novel dispositivo ora estudado (§ 3º do art. 158): Duas situações diferentes: para clarificar bem a matéria, devemos fazer a seguinte distinção: uma coisa é a concretização exclusiva do seqüestro relâmpago (obrigar a vítima, por exemplo, a fazer saques em caixas eletrônicos, privando-a da liberdade) e outra (bem diferente) consiste em o agente subtrair bens da vítima em primeiro lugar (o carro, a carteira, dinheiro etc.) e depois praticar o seqüestro relâmpago. Na primeira situação temos crime único (agora enquadrado no art. 158, §3º, do CP, sem sombra de dúvida). Na segunda temos dois delitos: roubo (art. 157) + art. 158, §3º (extorsão). […] Roubo agravado pela privação da liberdade da vítima + seqüestro relâmpago: isso é possível. Vamos imaginar: o agente, durante o roubo em sua casa, priva a vítima da liberdade para a consumação do roubo (tranca a vítima no banheiro, v. g.). Em seguida coloca a vítima no carro e vem a praticar o seqüestro relâmpago. O que temos? Roubo agravado (art. 157, §2º, V) + seqüestro relâmpago (art. 158, §3º). São duas privações da liberdade diferentes (para finalidades distintas). Daí a pertinência do roubo agravado pela privação da liberdade + seqüestro relâmpago. […] Distinções: haverá roubo quando o agente, apesar de prescindir (não necessitar) da colaboração da vítima para apoderar-se da coisa visada, restringe sua liberdade de locomoção para garantir o sucesso da empreitada (da subtração ou da fuga). Ocorre extorsão comum (seqüestro relâmpago) quando o agente, dependendo da colaboração da vítima para alcançar a vantagem econômica visada, priva o ofendido da sua liberdade de locomoção pelo tempo necessário até que o locupletamento se concretize. Por fim, teremos extorsão mediante seqüestro quando o agente, privando a vítima do seu direito de deambulação, condiciona sua liberdade ao pagamento de resgate a ser efetivado por terceira pessoa (ligada, direta ou indiretamente, à vítima). […]. Já em outro foco, relembramos que a parte final do § 3º do art. 158, traz previsão de crimes qualificados pelo resultado, conforme segue: a) extorsão mediante restrição da liberdade da vítima como condição necessária para obtenção da vantagem econômica, resultando lesão corporal grave à vítima; b) extorsão mediante restrição da liberdade da vítima como condição necessária para obtenção da vantagem econômica, resultando a morte da vítima. A pena nesse caso será a mesma aplicada à extorsão mediante sequestro qualificada, ou seja: a) resultando lesão grave ou gravíssima, de 16 a 24 anos; b) resultando a morte, de 24 a 30 anos. Esta última é a maior pena privativa de liberdade prevista no ordenamento jurídico pátrio[93]. Quanto a este ponto, após comparar as sanções previstas para o roubo qualificado (art. 157, § 3º, do CP) com as estipuladas para a extorsão qualificada por resultados semelhantes (art. 158, § 3º, parte final, do CP), assim se manifesta Fernando Capez (2010, v. 2, p. 494): “A previsão das sanções, nesse contexto, fere o princípio da proporcionalidade das penas, na medida em que, muito embora sejam crimes autônomos, são praticamente idênticos, pois muito se assemelham pelo modo de execução, além de tutelarem idêntico bem jurídico”. Referindo-se à mesma situação, Rogério Greco (2010, v. III, p. 99) aponta como ofendidos frontalmente os princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade. Cleber Masson (2010, v. 2, pp. 424- 427), a seu turno, discorda desse entendimento, argumentando ser perfeitamente aceitável as penas fixadas, considerando a gravidade do delito. Assim como na extorsão mediante sequestro, os resultados previstos no art. § 3º do art. 158, podem sobrevir tanto a título de dolo quanto a título de culpa do agente; porém é necessário que atinjam a própria vítima. Assim, acaso durante a empreitada criminosa, p. ex., alguém tente socorrer a vítima do sequestro relâmpago e o criminoso mate esse terceiro, deve ele responder pelos crimes de sequestro relâmpago (sem o resultado agravador) em concurso com homicídio (art. 121 do CP). O reconhecimento da extorsão qualificada (tanto pelas circunstâncias do § 2º quanto do § 3º), inviabiliza a aplicação das majorantes previstas no art. 158, § 1º, visto que as qualificadoras estão posicionadas em parágrafos posteriores à previsão das majorantes[94]. Apesar da gravidade do crime previsto no art. 158, § 3º, do CP, não deve ser o mesmo considerado hediondo, considerando que a Lei nº 8.072/90 a ele não faz referência. 4.10. Classificação doutrinária O delito de extorsão é “Crime comum, tanto no que diz respeito ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; de dano (embora Fragoso concluísse que „o crime se consuma com o resultado do constrangimento, isto é, com a ação ou omissão que a vítima é constrangida a fazer, omitir ou tolerar que se faça, e por isso pode-se dizer que, em relação ao patrimônio, este crime é de perigo‟); doloso; formal; comissivo (podendo ser praticado via omissão imprópria, caso o agente goze do status de garantidor); de forma livre; instantâneo; monossubjetivo; plurissubsistente; transeunte (ou não transeunte, dependendo da possibilidade de realização de perícia no caso concreto)” (GRECO, 2009, v.III, pp. 101-102). 4.11. Ação penal É pública incondicionada. Mesmo havendo morte da vítima, não resta atraída a competência do Tribunal do Júri, considerando a natureza predominantemente patrimonial do ilícito. 5. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO A figura básica de tal delito está assim descrita: “Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço de resgate: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.” 5.1. Objeto jurídico A inviolabilidade patrimonial e a liberdade pessoal[95]. Ressaltam Mirabete e Fabbrini (2008, v. II, p. 238) que na forma qualificada da extorsão mediante seqüestro também são protegidas, de forma indireta, a incolumidade pessoal e a vida. 5.2. Objeto material A pessoa contra qual recai a privação da liberdade[96]. 5.3. Sujeito ativo Qualquer pessoa pode praticar a infração penal em destaque, visto tratar-se de crime comum. 5.4. Sujeito passivo Tanto a pessoa que tem sua liberdade violada quanto aquele cujo patrimônio é lesionado[97]. 5.5. Tipo objetivo Seqüestrar significa tirar a liberdade. O artigo em comento exige, ainda, que a conduta delituosa seja levada a efeito com o fim de obter (dolo específico) vantagem como condição ou preço de resgate. Quer dizer, ao violar a liberdade de alguém, o agente visa com isso levar terceira pessoa a lhe proporcionar vantagem. Essa vantagem, segundo a doutrina majoritária, deve ser de cunho econômico (patrimonial)[98], embora o tipo não exprima de forma explícita esse detalhe, visto mencionar “qualquer vantagem”. Referido raciocínio, não obstante, decorre do fato do art. 159 está inserido no CP no âmbito dos crimes patrimoniais, donde se deduz que a intenção da lei é repelir o ataque ao patrimônio em um plano primário. Entende-se, ademais, que a vantagem almejada deve ser indevida. “Na hipótese de vantagem devida, não estará caracterizado o delito de extorsão mediante sequestro, mas os crimes de sequestro (CP, art. 148) e exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345), em concurso formal”[99]. A vantagem exigida pelo agressor deve funcionar como preço ou condição de resgate. Consoante ensina Nucci (2006, p. 686): Condição: é uma obrigação que se impõe à(s) vítima(s) para que possa haver a libertação. Preço: é a recompensa ou o prêmio que proporcionará a libertação. Desse modo, o seqüestrador impõe condição ou preço em troca da libertação (resgate) do seqüestrado. Observe-se que o tipo também refere que a vítima do sequestro deve ser pessoa. Desse modo, se alguém captura, por exemplo, um querido animal de estimação alheio e pede resgate para libertá-lo, não haverá crime de extorsão mediante sequestro, mas sim extorsão (art. 158 do CP). 5.6. Tipo subjetivo Está claro no dispositivo em mira que, além do dolo genérico de seqüestrar pessoa, deve haver o dolo específico (elemento subjetivo do tipo específico) consistente na finalidade especial do agente obter, para si ou para outrem, vantagem como condição ou preço de resgate. Quer dizer, não basta o agente dirigir sua conduta finalisticamente no sentido de sequestrar, tem que preencher também as demais elementares subjetivas específicas. De fato, aí reside uma diferença entre o crime em estudo e os delitos de extorsão mediante restrição da liberdade (art. 158, § 3º, do CP) e seqüestro ou cárcere privado (art. 148 do CP). No caso do sequestro simulado, no qual a vítima, combinada com o suposto sequestrador, constroem uma irreal privação de liberdade para exigir resgate de familiares, a hipótese não será de extorsão mediante sequestro. Nesse caso haverá crime de extorsão (art. 158 do CP)[100]. Observe-se não haver na hipótese o dolo de sequestrar, mas sim simplesmente a vontade de extorquir. 5.7. Consumação e tentativa No dizer de Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 685): “[…] tratando-se de crime formal, pune-se a mera atividade de seqüestrar pessoa, tendo a finalidade de obter resgate. Assim, embora o agente não consiga a vantagem almejada, o delito está consumado quando a liberdade da vítima é cerceada”. Filiamo-nos, ademais, ao entendimento de que, mesmo no cerceamento de liberdade por curto período, ainda assim estará consumado o crime do art. 159, se atendidas as demais elementares[101]. Confira-se o excelente exemplo fornecido por Rogério Greco (2010, v. III, pp. 114-115): Assim, imagine-se a hipótese em que o agente, almejando praticar o delito em estudo, vá até o local de trabalho da vítima e, logo após sua saída, mediante o emprego de violência, a coloque no interior de um veículo utilizado durante a empresa criminosa, dirigindo-se, logo em seguida, ao cativeiro. Suponha-se que, para a sorte da vítima, alguém perceba a ação criminosa e avise a polícia, que dá início à perseguição. Poucos minutos depois, o automóvel é interceptado, sendo a vítima libertada, e o agente preso em flagrante. Assim, pergunta-se: O crime de extorsão mediante sequestro foi consumado ou tentado? Note-se que no exemplo fornecido o agente sequer teve a oportunidade de fazer uma ligação telefônica para os familiares da vítima, exigindo o pagamento do resgate em troca de sua liberdade. No entanto, podemos afirmar que o delito foi consumado, e não tentado, pois, mesmo que por um espaço curto de tempo, houve a privação da liberdade ambulatorial da vítima. Ficando, portanto, clara a intenção mercenária do agente, basta que haja a privação da liberdade da vítima por curto espaço de tempo para o crime se consumar. A extorsão mediante seqüestro constitui-se crime permanente, de modo que sua consumação se protrai no tempo, indo desde o início da privação da liberdade da vítima até sua libertação. É admissível a tentativa, segundo pontua Mirabete (2008, v. II, p. 240): Embora formal, o crime em estudo admite tentativa, já que a conduta permite fracionamento. Exemplo seria o da prisão do agente quando procura arrastar a vítima para o automóvel que a levará para outro local. Enquanto não se possa dizer que a vítima está, efetivamente, privada da liberdade, existirá tentativa. 5.8. Formas qualificadas Encontram previsão nos §§ do art. 159, in verbis: § 1º. Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 20 (vinte) anos. § 2º. Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 16 (dezesseis) a 24 (vinte e quatro) anos. § 3º. Se resulta a morte: Pena – reclusão, de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos. A primeira qualificadora (§ 1º) diz respeito a três situações diferenciadas: a) duração do seqüestro; b) idade da vítima; c) crime cometido por quadrilha ou bando. Quanto à duração do seqüestro e a idade da vítima, não comporta muitas discussões o que está expresso no tipo, considerando sua objetiva clareza. Cabe somente enfatizar que no tocante à duração de mais de 24 horas, deve a mesma ser contada a partir do momento em que a vítima se vê privada de sua liberdade (termo a quo)[102] até sua libertação (termo ad quem). No tocante à idade do seqüestrado, entendemos que deva ser considerada aquela correspondente ao momento do seqüestro, enquanto ele durar (por exemplo: se a vítima foi seqüestrada quando tinha 17 anos de idade, e foi libertada apenas quando já tinha 18, deve incidir a qualificadora; ou ainda, se a vítima foi seqüestrada quando tinha 59 anos, mas somente foi libertada após completar 60, também presente estará a qualificadora). É que a conduta caracterizadora do tempo do crime (art. 4º do CP)[103], segundo pensamos, persiste desde o início do cerceamento da liberdade até a libertação da vítima. Quanto ao crime cometido por quadrilha ou bando, referida circunstância diz respeito à execução do delito por mais de três pessoas, cuja reunião tenha caráter estável e permanente, para fins de praticar crimes. Nesse aspecto, assim se pronuncia Greco (2009, v. III, p. 124): Para que se possa aplicar a qualificadora em estudo, é preciso que exista, efetivamente, a formação de quadrilha ou bando, nos moldes preconizados pelo art. 288 do Código Penal. Portanto, deve haver a associação não eventual de pessoas, que exige uma certa estabilidade ou permanência, com o fim de praticar crimes, vale dizer, um número indeterminado de infrações penais. Caso ocorra a reunião eventual de mais de três pessoas com o fim específico de praticar um único crime de extorsão mediante seqüestro, restará afastada a qualificadora. Acaso a extorsão mediante seqüestro seja praticada por quadrilha ou bando, devem os agentes responder pelo crime do artigo 159 em concurso material[104] com o crime do art. 288 do CP[105]. As qualificadoras previstas nos §§ 2º e 3º do art. 159 induzem a possibilidade de crimes qualificados pelo resultado. Nos dois casos o evento qualificador (lesão corporal grave ou morte) pode sobrevir tanto a título de dolo quanto a título de culpa. Ressalta Capez (2006, v. 2, pp. 444- 445) que: “Conforme entendimento da doutrina, se a vítima desses resultados agravadores não é o próprio seqüestrado, mas, sim, terceira pessoa, por exemplo, um segurança da vítima ou a pessoa que estava efetuando o pagamento do resgate, haverá o crime de extorsão mediante seqüestro na forma simples em concurso com crime contra a pessoa”. Observa-se, outrossim, que a morte ou lesão corporal grave, no presente caso, pode não decorrer, necessariamente, de violência própria, como se exige no roubo e na extorsão. Segundo conclui Masson (2010, v. 2, p. 441), quanto à extorsão mediante sequestro: “É possível, portanto, seja o resultado agravador provocado não só pela violência física (ou própria), mas também pela grave ameaça (violência moral) ou pela violência imprópria (exemplo: uso de narcóticos, dosagem excessiva de medicamentos etc.)”. 5.9. Extorsão mediante seqüestro majorada Primeiramente, deve ser lembrado que a Lei nº 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos), em seu art. 1º, IV, considera como delito hediondo a extorsão mediante seqüestro, tanto em sua forma simples quanto em suas formas qualificadas (art. 159, caput e §§1º, 2º e 3º, do CP). Em seu artigo 9º, por remissão ao art. 224 do CP, estabelecia ainda que deveria incidir um aumento de metade sobre a pena de tal delito (dentre outros especificados) se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. Ocorre, todavia, que o art. 9º em referência foi revogado tacitamente pela Lei nº 12.015/2009 (que revogou expressamente o art. 224 do CP), segundo doutrina majoritária. Desse modo, hoje a extorsão mediante sequestro continua a ser crime hediondo, porém não incide mais a causa de aumento prevista no art. 9º da Lei nº 8.072/1990. 5.10. Delação premiada Dispõe o art. 159, § 4º: “Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. Trata-se do instituto da delação premiada, funcionando como causa minorante (de diminuição da pena) na extorsão mediante seqüestro para o agente que contribuir com as autoridades para a libertação do sequestrado. Do próprio dispositivo é possível se inferir as condicionantes da concessão do benefício, quais sejam: a) crime cometido em concurso de agentes – o delito deve ter sido levado a efeito por pelo menos duas pessoas; b) denúncia feita por um dos criminosos a autoridade – no conceito de autoridade inclui-se o delegado, juiz, promotor, dentre outros. Capez (2006, v.2, p. 446) explica que: “Autoridade, para os fins do texto, é todo agente público ou político, com poderes para tomar alguma medida que dê início à persecução penal. Portanto, o delegado de polícia, que pode instaurar o inquérito policial, o promotor de justiça e o juiz de direito, que podem requisitar a sua instauração. A jurisprudência pode vir a incluir outros agentes nesse rol”; c) a denúncia deve facilitar a libertação do seqüestrado – nesse ponto enfatiza Nucci (2006, p. 688) que “observa-se ser requisito fundamental ocorrer a libertação da pessoa seqüestrada. Sem esta, não há aplicação do prêmio para a delação, que, no caso presente, não se liga unicamente à identificação e prisão dos responsáveis pelo crime. Por outro lado, é indispensável que a informação prestada pelo agente delator seja útil para a referida libertação (vide o emprego do verbo „facilitando‟). Se a libertação for conseguida por outros meios, sem o uso da informação prestada pelo denunciante, não se aplica a redução da pena”. Presente a delação premiada, quanto maior for a contribuição do delator para a libertação do seqüestrado maior deve ser a proporção de redução de sua pena. Referida diminuição é um direito subjetivo do agente, de modo que, uma vez presentes os requisitos, o juiz está obrigado a aplicá-la. O art. 13 da Lei nº 9.807/1999[106] também prevê, mas com maior número de requisitos, a delação premiada para o sequestrador, favorecendo-lhe, nesse caso, com perdão judicial. Destarte, a delação premiada do art. 159, § 4º, do CP, conduz apenas a uma redução de pena, enquanto a prevista no art. 13 da Lei nº 9.807/1999 possibilita o perdão judicial, livrando o delator de qualquer pena[107]. O art. 14 da Lei nº 9.807/1999 também prevê redução de pena em caso de delação, estabelecendo requisitos diferentes[108]. 5.11. Classificação doutrinária “Trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito cujo resultado naturalístico previsto no tipo penal – recebimento do resgate – pode não ocorrer, contentando-se, para a sua configuração, com a conduta de seqüestrar); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo („sequestrar‟ implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, §2º, do Código Penal); permanente (o resultado se prolonga no tempo); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta); admite tentativa. Trata-se de crime hediondo (Lei 8.072/90)” (NUCCI, 2006, p. 686). 5.12. Ação penal É pública incondicionada. Mesmo havendo morte do sequestrado, a competência para o julgamento será do juízo singular. 6. EXTORSÃO INDIRETA Encontra a seguinte tipificação no CP: Art. 160. exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Transcreve Bitencourt (2010, v. 3, p. 129) trecho da Exposição de Motivos do Código Penal, da lavra do ministro Francisco Campos, no qual se deixa claro o objetivo da tipificação da extorsão indireta: Destina-se o novo dispositivo a coibir os torpes e opressivos expedientes a que recorrem, por vezes, os agentes da usura, para garantir-se contra o risco do dinheiro mutuado. São bem conhecidos esses recursos, como, por exemplo, o de induzir o necessitado cliente a assinar um contrato simulado de depósito ou a forjar no título de dívida a firma de algum parente abastado, de modo que, não resgatada a dívida no vencimento, ficará o mutuário sob a pressão da ameaça de um processo por apropriação indébita ou falsidade. O objeto jurídico do tipo em evidência é o patrimônio e a liberdade individual. Tem-se como objeto material o documento que pode servir para instaurar persecução penal contra a vítima[109]. Trata-se de crime comum, tanto no tocante ao sujeito ativo quanto no concernente ao sujeito passivo, de modo que qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo ou vítima do delito[110]. O tipo possui dois núcleos: “exigir” e “receber”, constituindo-se, portanto, crime de conteúdo variado (ação múltipla). O agente pode, portanto, abusando da situação de alguém, "exigir" (não precisa receber para o crime se configurar) documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou terceiro. Na forma “receber”, o agente aceita documento fornecido pela própria vítima nas mesmas condições já descritas[111]. Em ambos os casos não se necessita da instauração do procedimento criminal mencionado para a consumação do delito. A exigência de documento ou recebimento deste deve ser em garantia de dívida (já existente, ou que está sendo contraída no momento). O sujeito ativo, portanto, aproveitando-se de uma situação de desvantagem da vítima, dela exige ou recebe um documento que pode lhe ser útil como instrumento de ameaça de instauração de procedimento criminal, aí se incluindo inquérito policial ou ação penal. Neste documento pode constar confissão de crime efetivamente praticado pela vítima ou por terceiro a ela vinculado[112]. O importante é que a existência do documento seja idônea a causar temor de instauração de persecução penal; e que o próprio documento seja apto a esse fim. Imagine-se a seguinte hipótese: o sujeito, precisando de dinheiro para custear o tratamento de sua filha, procura um agiota que impõe como condição para lhe emprestar determinada quantia, que ele assine uma nota promissória falsificando a assinatura de seu patrão. Nota-se claramente no caso a hipótese de incidência do art. 160 do CP. Necessário observar, ainda, a existência da possibilidade do credor que recebeu o documento na circunstância proscrita repassá-lo a um terceiro de boa-fé, que poderá descobrir a fraude e querer providenciar a punição do emissor. Comprovada a extorsão indireta, contudo, não há como responsabilizar criminalmente a vítima desta[113]. Este crime admite somente a modalidade dolosa. Consoante Mirabete e Fabbrini (2008, v. 2, p. 244): O dolo é a vontade da prática do ato de exigir (impor, obrigar, constranger) ou de receber (aceitar) o documento que possa dar causa à instauração da ação penal. Exige-se que o sujeito ativo tenha consciência dessa circunstância. O tipo inclui, ainda, o elemento subjetivo do tipo (dolo específico) ao exigir que o agente obtenha o documento como garantia de dívida (dolo de aproveitamento). Se não existir essa finalidade, poderá ocorrer outro crime (extorsão simples, constrangimento ilegal etc.). Na forma de “exigir”, o delito é considerado formal, pois se consuma quando a exigência chega ao conhecimento da vítima, independentemente dela ceder à imposição. Nesse caso, admite-se a tentativa quando a exigência é feita por escrito, sendo interceptada antes de chegar ao conhecimento da vítima. Na forma de “receber”, tem-se como consumado o delito somente com o efetivo recebimento do documento; sendo, nesse caso, um crime material. A tentativa, nessa hipótese, é plenamente possível (por exemplo: já estando ajustadas as partes que haveria a entrega do documento oferecido pela vítima, no momento do ato há a interferência de um terceiro que impede a concretização da entrega). Afirma Cleber Masson (2010, v. 2, p. 453) que: “A extorsão indireta é absorvida pelo crime de usura, definido pelo art. 4º da Lei 1.521/1951 – Crimes contra a Economia Popular”. Caso o credor receptor do documento emitido pelo devedor em situação de extorsão indireta, sabendo que o mesmo é inocente do crime materializado no documento emitido como garantia de dívida, mesmo assim o utilize para fazer instaurar persecução penal contra a vítima, deve também responder pelo crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP), em concurso material[114]. O crime do art. 160 do CP é de ação pública incondicionada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2006. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte especial, v. 3. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte especial, vol. III. 7ª ed. rev.,ampl. e atual. – Niterói: Impetus, 2010. GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte especial, vol. III. 6ª ed. rev.,ampl. e atual. – Niterói: Impetus, 2009. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal, parte especial, vol. 2. 7ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : RT, 2008. MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal, parte especial, v. II. 25ª ed. São Paulo : Atlas, 2008. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte especial, v. 2. 6ª ed. São Paulo : Saraiva, 2006. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte especial, v. 2. 10ª ed. São Paulo : Saraiva, 2010. ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal. 4ª ed. São Paulo : Saraiva, 2008. CUNHA, Rogério Sanches; coordenação de Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. Direito penal – parte especial, v. 3. – São Paulo : RT, 2008. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Dos crimes contra o patrimônio (sinopses jurídica – vol. 9). 7ª ed. São Paulo : Saraiva, 2004. MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – parte especial, vol. 2. 2ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Método, 2010. GOMES, Luiz Flávio; SANCHES, Rogério Cunha. Seqüestro relâmpago deixou de ser crime hediondo: Lei 11.923-2009 é mais favorável ao réu. Disponível em www.lfg.com.br. 20 de abril de 2009. [1] BITENCOURT, 2010, v. 2, p. 4. [2] GRECO, 2010, v. III, p. 234. Capez (2010, v. 2, p. 564) dá o seguinte exemplo: “(...) vítima que esquece a sua bolsa no sofá de uma loja, podendo a qualquer momento retornar para pegá-la, tendo sido, no entanto, apropriada por terceiro. Comete este crime de furto, pois a coisa não é perdida”. [3] CAPEZ, 2010, v. 2, p. 426. [4] MASSON, 2010, v. 2, p. 300. [5] Nesse sentido a opinião de Cleber Masson (2010, v. 2, p. 300). [6] MASSON, 2010, v. 2, p. 301. [7] MASSON, 2010, v. 2, p. 307. [8] BITENCOURT, 2010, v. 3, p. 5. [9] CAPEZ, v. 2, p. 455. [10] Não é sujeito passivo o mero detentor, segundo posição doutrinária predominante (GRECO, 2010, v. III, p. 13). [11] Nesse sentido: GRECO, 2010, v. III, p. 45; MASSON, 2010, v. 2, p. 310; e BITENCOURT, 2010, v. 3, p. 5. [12] BITENCOURT, 2010, v. 2, p. 5. [13] Vide: MASSON, 2010, v. 2, p. 313; e CAPEZ, 2010, v. 2, pp. 429-430. [14] Em igual sentido o HC 136527-SP, julgado pela 6ª Turma do STJ, DJe 14-12-2009: “De acordo com a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, considera-se consumado o crime de roubo, assim como o de furto, no momento em que o agente se torna possuidor da coisa alheia móvel, ainda que não obtenha a posse tranquila, sendo prescindível que o objeto subtraído saia da esfera de vigilância da vítima para a caracterização do ilícito”. [15] STJ, 5ª Turma, REsp 1.112.926-SP (vide voto do relator, acolhido por unanimidade), DJe 03-11- 2009. [16] CAPEZ, 2010, v. 2, p. 431. [17] “No caso, mostra-se desnecessário o aprofundado exame de provas para se constatar a consumação do furto, haja vista que, pela simples leitura dos autos, observa-se que o paciente foi surpreendido por populares quando saía da residência da vítima, cerca de 10 metros do local do fato, evadindo-se após deixar os bens caírem no chão, sendo preso, logo em seguida, pela polícia militar, que certificou a ocorrência do arrombamento” (STJ, 6ª Turma, HC 99761-MG, DJe 06-10-2008). [18] MASSON, 2010, v. 2, p. 314. [19] MASSON, 2010, v. 2, p. 321. [20] Bitencourt (2009, v. 3, p. 18), por exemplo, entende que para ser reconhecida a majorante em epígrafe a casa (outro lugar que sirva de moradia) deve estar habitada e com pessoa repousando. Ressalva Capez (2010, v. 2, p. 441), contudo, que a posição majoritária já foi referendada por julgados do STJ e STF. Cunha (2008, v. 3, p. 121) também confirma que a corrente que defende a desnecessidade da casa estar habitada ou dos moradores estarem dormindo é a predominante, apesar de discordar da mesma. [21] A regulação da reincidência é esmiuçada nos artigos 63 e 64 do CP. Basicamente, à luz do art. 63 do CP, a reincidência será reconhecida: i) quando existir condenação anterior transitada em julgado pela prática de crime; ii) quando o condenado vir a cometer uma nova infração penal após essa condenação. Expressa o art. 64 do CP, que não será considerada para efeitos de reincidência a condenação anterior por crimes militares próprios e políticos, assim como aquela condenação anterior (pela prática de qualquer crime) cuja pena já tenha sido extinta ou cumprida há mais de cinco anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação [22] Em sentido semelhante: MASSON, 2010, v. 2, p. 323. [23] MASSON, 2010, v. 2, pp. 330-331; e HC 77.675-PR, STF. [24] Nesse sentido: CUNHA, 2008, v. 3, p. 123. [25] Em recente julgado, veiculado no Informativo-STJ nº 429, decidiu a Sexta Turma deste Tribunal no seguinte sentido: “Discute-se, no crime de tentativa de furto, se o rompimento de obstáculo (quebra do vidro de veículo para subtrair aparelho de som) tipifica o delito de furto qualificado e, se reconhecido tal rompimento, a pena aplicada fere o princípio da proporcionalidade. Para o Min. Relator, o rompimento de porta ou vidro para o furto do próprio veículo é considerado furto simples. Não seria razoável reconhecer como qualificadora o rompimento de vidro para furto de acessórios dentro de carro, sob pena de resultar a quem subtrai o próprio veículo menor reprovação. Assevera, assim, que, nos casos como dos autos, considerar o rompimento de obstáculo como qualificadora seria ofender o princípio da proporcionalidade da resposta penal, que determina uma graduação de severidade da pena em razão da prática do crime, apesar de a jurisprudência deste Superior Tribunal considerá-la como qualificadora. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus. Precedentes citados: AgRg no REsp 983.291-RS, DJe 16/6/2008, e REsp 1.094.916-RS, DJ 13/10/2009. HC 152.833-SP, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 5/4/2010". [26] STJ, Sexta Turma, HC 136455-MS, DJe 22-02-2010. [27] Nesse sentido: PRADO, 2008, v. 2, p. 338; e GRECO, 2009, v.III, pp. 34-35. [28] HC 95.351-RS e HC 94.283-RS. Vide a respeito: MASSON, 2010, v. 2, pp. 343-344. [29] Capez (2006, v.2, p. 398). [30] MASSON, 2010, v. 2, p. 345. [31] Vide GRECO, 2009, v.III, p. 41. [32] Susceptível de ser substituída por outra de mesma espécie, qualidade e quantidade. [33] CAPEZ, 2006, v.2, p. 404. [34] GRECO, 2009, v.III, p. 66. [35] CAPEZ, 2006, v. 2, p. 408. [36] 2009, v. III, p. 92. [37] 2010, v. 2, p. 356. [38] Apud MASSON, 2010, v. 2, p. 356. [39] CAPEZ, 2010, v. 2, p. 465. [40] MASSON, 2010, v. 2, p. 356. [41] GRECO, 2010, v. III, p. 58. [42] PRADO, 2008, v. 2, p. 348. [43] NUCCI, 2006, p. 673. [44] Quanto a este ponto pedimos vênia para transcrever os ensinamentos de Cleber Masson (2010, v. 2, pp. 368-369), que não possuem simetria com a colocação de Capez, in verbis: “Se o agente emprega grave ameaça ou violência (própria ou imprópria) contra uma só pessoa, subtraindo bens de titularidades diversas que estavam em seu poder (exemplo: abordagem da secretária de um médico e subtração do seu relógio e de dinheiro do seu patrão), deve ele responder por vários crimes de roubo, em concurso formal impróprio ou imperfeito, dependendo do número de patrimônios lesados. Convém advertir, porém, ser aplicável esta regra somente quando o ladrão sabe que atinge patrimônios diversos, sob pena de caracterização da responsabilidade penal objetiva”. [45] Na ementa deste julgado assenta-se que: “[...]2. O crime de roubo, praticado no mesmo contexto fático, contra vítimas diferentes, constitui concurso formal. Precedentes do STF e STJ.[...]”. O voto do relator melhor esclarece o entendimento: “Dos fatos narrados na denúncia, reconhecidos no próprio acórdão recorrido, „o crime de roubo realmente o fora em concurso formal, eis que cinco foram os patrimônios atingidos [...]‟. Assim agindo, atingiu, por meio de uma única ação, o patrimônio de diversas vítimas, praticando mais de um crime, situação que caracteriza precisamente o concurso formal perfeito. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes dessa Corte: [...]”. (Grifei). No mesmo sentido também: HC 145071-SC, STJ, Sexta Turma, DJe 22-03-2010. [46] Se apenas o patrimônio familiar (comum) for subtraído, a hipótese será de crime único. [47] Perceba-se que a violência deve ser contra a pessoa, e não contra a coisa. Quanto a este aspecto, interessante observar situações em que a violência contra a vítima se dá apenas de forma secundária. É o caso, enfatizado por Capez (2006, v. 2, pp. 406-407), de arrebatamento de objeto preso ao corpo da vítima. Nesse caso, segundo o eminente jurista: “[…] há duas posições na jurisprudência: a) como a violência foi empregada contra a coisa, não existe constrangimento à pessoa, configurando-se o furto; b) o arrebatamento acarreta lesões corporais, as quais atuam como conditio sine qua non para a consumação da subtração; logo, a conduta é tipificada no art. 157 do CP. Entendemos mais acertada a primeira posição, pois se a violência é empregada só acessoriamente contra a pessoa, a hipótese será mesmo a do art. 155 do CP”. De nossa parte, nos filiamos à corrente que considera configurado o crime de roubo no caso. Pensamos que a violência contra a pessoa não teve um aspecto secundário, mas sim foi um meio para a subtração. É lógico para o criminoso que ao puxar uma corrente de ouro do pescoço da vítima irá nela produzir lesões, exceto se a corrente for muito fina. Ao direcionar sua conduta nesse sentido, certamente intenta (ou pelo menos prevê a possibilidade) de ferir a vítima para atingir seu objetivo de subtrair. Se a vítima sofre lesão corporal grave ou morre, a hipótese será de roubo qualificado, segundo defendemos. [48] “Seu potencial intimidatório [da ameaça] deve ser aferido no caso concreto, baseado nas circunstâncias ligadas à prática do crime, tais como o sexo e as condições físicas do agente e da vítima, o local e o horário do delito, entre outras” (MASSON, 2010, v. 2, p. 357). [49] No mesmo sentido: CAPEZ, 2010, v. 2, p. 462. [50] Nesse sentido: MASSON, 2010, v. 2, p. 352, que cita o REsp 631.368-RS, STJ, 5ª Turma, j. 27.09.2005. [51] Note-se que se o agente empregar violência ou grave ameaça desejando fugir com o bem, mesmo que não consiga, o crime de roubo impróprio restará consumado (BITENCOURT, 2010, v. 3, p. 75). A hipótese, portanto, é diferente. [52] No mesmo sentido: MASSON, 2010, v. 2, pp. 371-372. [53] Concordando com este posicionamento, assim exemplifica Rogério Greco (2010, v. III, p. 81), situação que, segundo ele, caracteriza tentativa de furto seguida de lesão corporal: “[...] imagine-se a hipótese daquele que, no interior de uma residência, quando agia com animus furandi, depois de ser descoberto, querendo tão somente escapar, deixa para trás os objetos que por ele já haviam sido selecionados, agride a vítima com a finalidade de fugir, almejando evitar sua prisão em flagrante”. [54] MASSON, 2010, v. 2, p. 372. [55] Vide CAPEZ, 2006, v.2, pp. 407-408. [56] Rogério Greco (2010, v. III, pp. 63-64) discorda dessa posição, entendo ser necessária a posse traquila da coisa subtraída para que o roubo se consume. [57] Circunstâncias narradas no voto do relator, ministro Og Fernandes. [58] MASSON, 2010, v. 2, p. 367. [59] MIRABETE, 2008, v. II, pp. 224-225. [60] CUNHA, 2008, v.3, p. 130. [61] CAPEZ, 2006, v. 2, p. 413. No mesmo sentido: MASSON, 2010, v. 2, p. 373, mencionando que essa é a posição, dentre outros, de Damásio de Jesus, Bento de Faria e Magalhães Noronha, assim como do STJ (REsp 1.025.162-SP, 5ª T., j. 11-09-2008). [62] Quanto ao reflexo das majorantes em evidência na pena em concreto, enfatiza Greco (2009, v.III, p. 76): “Dessa forma, segundo a posição por nós assumida, quanto maior a presença, no caso concreto, de hipóteses que dão margem à majoração, maior será o percentual de aumento, que poderá variar de um terço até a metade. Assim, a presença de mais de uma causa especial de aumento de pena permite ao julgador a fuga do patamar mínimo de aumento (um terço), levando-o em direção ao percentual máximo (metade), lembrando sempre que toda decisão deverá ser fundamentada, não se podendo aceitar, simplesmente, a determinação de um percentual de aumento acima do patamar mínimo sem que haja motivação suficiente”. Nesse ponto, enfatiza Cunha (2008, v. 3, p. 132) que: “Prevalece no STF que a presença de pluralidade de circunstâncias qualificadoras faz com que o aumento da pena se aproxime da metade. Já o STJ, em jurisprudência recente, entende necessária a demonstração da imprescindibilidade de sua imposição, que não decorre abstratamente do número daquelas qualificadoras (JSTJ 185/107)”. Vide também a respeito: MASSON, 2010, v. 2, pp. 391-393. [63] Considera-se arma branca aquela dotada de ponta ou gume e idônea a matar ou ferir (ex: punhal, faca de cozinha etc) – MASSON, 2010, v. 2, p. 375. [64] No tocante à potencialidade ofensiva, entende-se atualmente, de forma predominante, que o uso (na execução do roubo) de arma de brinquedo, verdadeira desmuniciada ou por qualquer outra razão incapaz de produzir disparos, não se presta como circunstância majorante (GRECO, 2009, v.III, pp. 77-78). Há, contudo, a configuração de roubo simples. [65] A Súmula 174 do STJ, que sustentava a incidência da majorante no caso do emprego de arma de brinquedo durante o roubo, foi cancelada em 24-10-2001, DJU 06-11-2001. [66] CAPEZ, 2006, v. 2, p. 415. [67] Vide CAPEZ, 2006, v.2, pp. 416-417. [68] HC 96.099-RS, STF, Plenário, j. 19-02-2009. Vale ressaltar que esse entendimento não é pacífico dentro da própria Corte Suprema. [69] CAPEZ, 2010, v. 2, p. 472. [70] HC 96.099-RS, STF, Plenário, j. 19-02-2009. [71] MASSON, 2010, v. 2, p. 384, e CAPEZ, 2010, v. 2, p. 452. [72] GRECO, 2009, v. III, p. 80. [73] GONÇALVES, 2004, p. 32. [74] GRECO, 2009, v. III, p. 80. [75] CAPEZ, 2006, v.2, p. 420. [76] MASSON, 2010, v. 2, p. 390. [77] “Importa frisar que a morte deve decorrer do emprego de violência pelo agente com o fim de se apoderar da res ou assegurar a sua posse ou garantir a impunidade do crime. Se, contudo, a morte advier de motivos outros, como ciúmes, vingança etc., haverá o crime de roubo em concurso com o crime de homicídio” (CAPEZ, 2006, v.2, pp. 423-424). [78] Vide CUNHA, 2008, v.3, pp. 133-134. [79] MASSON, 2010, v. 2, p. 395. [80] GRECO, 2010, v. III, pp. 76-77; e MASSON, 2010, v. 2, pp. 407-409. [81] GRECO, 2009, v.III, p. 102. [82] Consoante o magistério de Mirabete (2008, v. II, pp. 23-24): “A ameaça pode constituir-se na promessa de revelar um segredo. Diz Hungria: „Uma das mais freqüentes formas de extorsão é a praticada mediante ameaça de revelação de fatos escandalosos ou difamatórios, para coagir o ameaçado a comprar o silêncio do ameaçador. É a chantage, dos franceses, ou o blackmail, dos ingleses‟. Segundo se decidiu, constitui crime a ameaça de revelar segredo (RT 554/377), de aplicar elevada multa a industrial (JTACrSP 24/218), de depor em juízo em declarações desfavoráveis (JTACrSP 24/171) e de prisão por falso policial (RT 331/100)”. [83] CAPEZ, 2010, v. 2, p. 495. [84] “EXTORSAO POR TELEFONE. PARTICIPACAO DE MENOR IMPORTANCIA. NAO CARACTERIZACAO. Direito Penal. Condenação por extorsão qualificada. Prova testemunhal. Responsabilidade penal da acusada devidamente demonstrada. Versão plausível apresentada pelas vítimas. Reconhecimento da acusada, que foi presa em flagrante quando estava recebendo parte do resgate. Correta tipificação do delito. Crime de estelionato que não se configura. Grave ameaça na atuação dos agentes, consistentes em prometer matar as duas vítimas que supostamente haviam sido sequestradas. Idoneidade e eficácia da grave ameaça comprovada pelo fato de uma das vítimas ter pago parte do resgate. Bens não recuperados. [...] Comprovada a grave ameaça na conduta praticada pelos agentes, configura-se o crime de extorsão. Neste, o agente submete a vítima à sua vontade mediante coação, diferentemente do estelionato, em que a vítima se despoja de seus bens em favor do agente de forma espontânea, mas sua vontade está viciada pelo erro acerca da realidade dos fatos, induzido ou mantido pelo estelionatário. Comprovação da causa de aumento consistente no concurso de agentes. Divisão de tarefas na execução do crime, o que afasta também a tese que se baseia na participação de menor importância. Atuação da apelante decisiva e essencial. Aumento exagerado da pena-base. Excesso na exacerbação da pena-base. Diminuição. Reincidência. Reforma parcial da sentença. Parcial provimento do recurso”. (TJRJ. AC - 2007.050.03863. JULGADO EM 06/12/2007. SETIMA CAMARA CRIMINAL - Unanime. RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO). Grifos nossos [85] CAPEZ, 2006, v. 2, p. 433. [86] PRADO, 2008, v.2, p. 361; e CUNHA, 2008, v. 3, p. 135. [87] CAPEZ, 2006, v.2, p. 435. [88] Por exemplo: não podemos dizer que houve sequestro-relâmpago, se já estando a vítima no caixa eletrônico, chega o criminoso com um revólver e obriga a mesma a sacar determinada quantia e lhe entregar, mantendo, portanto, a vítima durante esse curtíssimo espaço de tempo em seu poder. Nesse caso, parece-nos não estar presente a restrição de liberdade exigida pela qualificadora. Diferentemente, se o agente encontra a vítima na frente do banco e força a mesma a se dirigir até o caixa eletrônico e sacar o dinheiro para lhe entregar, vislumbramos como presente restrição de liberdade a justificar a incidência da qualificadora, apesar de tudo poder ocorrer em questão de minutos. [89] Vide anteriormente os comentários sobre o momento consumativo de tal delito. [90] Observar que a lei fala em restrição e não em privação da liberdade. Entendemos que a restrição é efêmera, enquanto que a privação pode se prolongar no tempo. [91] Por exemplo: o agente restringe a liberdade da vítima por tempo necessário à consecução da vantagem indevida da extorsão; mas depois disso, contudo, ainda mantém a mesma em seu poder por período razoável para garantir o sucesso de sua fuga para outra cidade. [92] GOMES, Luiz Flávio; SANCHES, Rogério Cunha. Seqüestro relâmpago deixou de ser crime hediondo: Lei 11.923-2009 é mais favorável ao réu. Disponível em www.lfg.com.br. 20 de abril de 2009. [93] MASSON, 2010, v. 2, p. 426. [94] Mesmo raciocínio que se tem no tocante ao crime de roubo, através do qual se conclui ser inviável aplicar ao roubo qualificado (art. 157, § 3º, do CP, as majorantes previstas no § 2º do mesmo artigo). [95] PRADO, 2008, v.2, p. 365. [96] GRECO, 2009, v.III, p. 120. [97] CAPEZ, 2006, v. 2, p. 441. [98] CAPEZ, 2006, v. 2, p. 441; GRECO, 2009, v.III, p. 119 e CUNHA, 2008, v. 3, p. 137. [99] MASSON, 2010, v. 2, p. 433. [100] MASSON, 2010, v. 2, p. 431. [101] CUNHA, 2008, v. 3, p. 137. [102] GRECO, 2009, v. III, p. 123. [103] CAPEZ, 2006, v. 2, p. 444. [104] Observar que o momento consumativo dos dois crimes é diferente (o crime de formação de quadrilha se consuma, na hipótese, antes do crime de extorsão mediante seqüestro), assim como a conduta proscrita em um é diferente da conduta proibida em outro, daí se justificando o concurso material. [105] MIRABETE, 2008, v. II, p. 241; e CAPEZ, 2006, v. 2, p. 444. No mesmo sentido: MASSON, 2010, v. 2, p. 440, citando jurisprudência do STJ para avalizar sua opinião (HC 59.305-PR, STJ, 6ª Turma, j. 05-05-2009). [106] “Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III – a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso”. [107] MASSON, 2010, v. 2, pp. 446-447. [108] CAPEZ, 2010, v. 2, pp. 505-506. [109] GRECO, 2010, v. III, p. 127. [110] PRADO, 2008, v. 2, p. 371. [111] CAPEZ, 2010, v. 2, p. 508. [112] BITENCOURT, 2010, v. 3, p. 131. [113] MASSON, 2010, v. 2, p. 452. [114] CUNHA, 2008, v. 3, p. 139. Postado por Gecivaldo Vasconcelos Ferreira às 14:32 5 comentários: 1. Anônimo13/11/11 19:36 Ótimas explicações! Ótima didática! Continue ensinando as pobres almas espalhadas pelo mundo! hahaha Gracias Responder 2. Anônimo3/1/13 16:02 Excelente Professor. Material didático e sucinto. Beijos :)) Responder 3. Anônimo30/5/13 02:46 Excelente! Me salvou deum uma N3... haha Responder 4. Anônimo1/6/13 23:12 Obrigado por partilhar conosco o seu conhecimento professor! Responder 5. Anônimo8/8/13 09:44 MATERIAL MUITO BOM. Responder Adicionar comentário Carregar mais... Comente aqui Links para esta postagem Criar um link Postagem mais recente Postagem mais antiga Início Assinar: Postar comentários (Atom) Explicação necessária Para acessar as postagens clique em uma das categorias (vide abaixo), considerando a seguinte correlação: Direito Penal I - Até o art. 25 do CP; Direito Penal II - Arts. 26 a 120 do CP; Direito Penal III - Arts. 121 a 212 do CP; Direito Penal IV - Arts. 213 a 361 do CP e Legislação Especial. 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