Preconceito Linguístico Na Mídia

March 31, 2018 | Author: Andre Silva | Category: Grammar, Science, Ideologies, Latin, Linguistics


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UNIP - Universidade PaulistaCampus Teixeira de Freitas Curso: Letras PRECONCEITO LINGUISTICO NA MÍDIA André Gatti Silva/1130158 SÃO PAULO 2014 André Gatti Silva II PRECONCEITO LINGUISTICO NA MÍDIA Trabalho de conclusão de curso para obtenção do título de graduação em Letras apresentado à Universidade Paulista – UNIP. Orientadora: Maria Sirleide Lima de Melo São Paulo 2014 André Gatti Silva III PRECONCEITO LINGUISITICO NA MÍDIA Trabalho de conclusão de curso para obtenção do título de graduação em Letras apresentado à Universidade Paulista – UNIP. Aprovado em: IV “A língua norueguesa passa bem sem o senhor Hansen, mas o senhor Hansen não pode viver sem a língua norueguesa. Não é o indivíduo que forma a língua, mas a língua que forma o indivíduo”. Jostein Gaarder V RESUMO Esta pesquisa tem como tem como intenção de relatar alguns conceitos lingüísticos que são conhecidos no mundo acadêmico, porém, no senso comum não estão em rigor. Uma vez expostos e entendidos tais conceitos, estes nos fazem refletir mais criticamente a respeito da gramática e traz a atenção algumas ideias habituais que, na verdade, não resistem às análises científicas. Primeiramente serão expostos argumentos que refutam o preconceito linguístico, seus perigos, suas consequências e suas origens. Também serão apresentados alguns conceitos primordiais para a sociolinguística que ajudam a denunciar algumas ideias pré-concebidas. No terceiro e último capítulo é analisado um programa de televisão, Adelaide do Zorra Total, no campo linguístico fonológico e no campo de gêneros na televisão. VI ABSTRACT This research’s purpose is to report some linguistics concepts that are known in the academic world, but, in the common sense are unknown. Once exposed and understood these concepts, they will make us ponder more critically about grammar and bring our attention to some usual ideas that the truth is, don’t resist to any scientific analysis. Foremost, it will be stated some arguments that rebut linguistic prejudice, its danger, consequences and its origins. It will also be presented some essential concepts of sociolinguistics that will help us denounce some preestablished ideas. In the third and last chapter it is analyzed a TV program, Adelaide of Zorra Total, in its TV and linguistic genders. VII SUMÁRIO Introdução........................................................................................................08 Capítulo I: Preconceito Linguistico..................................................................12 Capítulo II: Estudo Sociolinguístico das Variedades.......................................17 Capítulo III: Uma Análise do Quadro “Adelaide”.............................................26 Considerações Finais......................................................................................33 Referências Bibliográficas...............................................................................35 -8- INTRODUÇÃO Moramos num mundo onde pessoas, ideias, países, entram em conflito e não chegam a uma conclusão mútua. Este conflito pode ser algo inato do ser humano, o que Charles Darwin (apud Gaarder, 1995) chamou de “luta pela sobrevivência” ou “luta pela vida”. Ou seja, faz parte da lei natural do ser humano querer sobreviver e para alcançar tal objetivo, quem tentar obstruir nosso anseio corre o risco de ser ceifado. É verdade que se nós tirarmos os obstáculos que nos impedem de alcançar nosso desejo de sobreviver, estes obstáculos, ou outros animais, nos ceifarão. Esta vontade do ser humano de dominar, de deixar sua descendência no poder, pode ser explicada pela teoria de Darwin. No mundo de hoje em dia não se mata com a intenção de se garantir a sobrevivência ou de legar aos descendentes a garantia da sobrevivência. A luta, ou conflito como dito antes é no campo político, ideológico, do pensamento e social. É esta luta pelo domínio, poder que Karl Marx (apud Gaarder, 1995) chama de “lutas de classe”. Este conflito que acontece num campo ideológico, social, campo que não é visível a olhos nus, tem como principal objetivo derivar da luta entre as classes ideologia e pensamentos que possam dominar no exato momento como também no futuro. Outro objetivo de tal conflito é estabelecer, não somente a ideologia e pensamentos de uma determinada classe social, como também estabelecer uma classe social dominadora. Resumindo o que foi dito até agora (Bagno) (2000), em seu livro Dramática da Língua Portuguesa, explanando sobre a ideologia gramatical diz: Como sustentam Marx e Engels (1991 [1846] : 72), o domínio de uma classe social sobre as demais não ocorre apenas no plano material pela detenção dos meio econômicos de produção, do poder político, das fontes de matéria-prima, dos bens fundiários etc. É preciso que esse domínio também se dê no plano espiritual, das ideias. -9- Assim sendo, é exatamente contra as ideologias pré-estabelecidas por classes sociais dominantes que este presente trabalho foi desenvolvido. Existe hoje em dia uma nítida percepção da diferença entre o conhecimento comum, senso comum, e o conhecimento científico. São exatamente estas ideologias, mitos, conceitos pré-concebidos que se contrapõem ao conhecimento científico. A ciência que estuda a língua é a linguística. De acordo com (Calvet) (2002) “a linguística moderna nasceu da vontade de Ferdinand Saussure de elaborar um modelo abstrato, a língua, a partir dos atos de fala”. Logo, os argumentos usados para combater tais ideologias, pensamentos não científicos que dominam o senso comum, estão encontrados no campo científico da língua, a linguística. Um exemplo de pensamento dominante no senso comum que não é corroborado no campo científico é a idéia de que no Brasil existe uma só língua. Para contrapor tal idéia não-científica, basta citar a pesquisa de BortoniRicardo (apud Bagno, 2000): A maioria dos problemas de comunicação durante as entrevistas parecem derivar de diferenças dialetais nos níveis fonológico, gramatical e semântico. Em outras palavras, o ouvinte deixa de compreender o sentido do enunciado do falante num contexto específico porque não está familiarizado com: a) determinada regra fonológica que altera a forma de uma palavra conhecida; b) determinada variante gramática; c) o significado que determina palavra assumo no dialeto do interlocutor e d) o objeto ou estado de coisas a que a palavra se refere. Este trabalho, tendo como objetivo trazer à atenção do leitor o fato de que classes sociais estão em constante luta com a intenção de deixar ideologias que dominem as classes subjugadas, tenta se diferenciar de outros trabalhos mostrando a ligação entre um assunto aparentemente diferente do de linguística, o preconceito contra as línguas e a linguística em si. Tal diferença, ou objetivo de mostrar a ligação entre o preconceito linguístico e a linguística em si, é importante, pois, revela que o agir de acordo as ideologias hoje dominantes é agir não-científicamente, já que tais ideologias dominantes não resistem à uma análise científica. Tais ideologias só servem para agirem de acordo suas intenções primordiais, intenções de quando tais ideologias foram criadas, ou - 10 - seja, servem para manter sobre subjugação outras classes sociais. Segundo Gnerre (apud Bagno, 2000) “a começar do nível mais elementar de relações como o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder. O presente trabalho não tenciona mudar o conjunto de textos escrito por linguístas e sociolinguístas sobre o assunto, seja o assunto preconceito linguístico, fonologia, ortografia, fenômenos lingüísticos etc. Pelo contrário, esta pesquisa é um hibridismo de vários textos e conceitos científicos de autores de variadas áreas da linguística. Sendo a intenção de ideologias pré-concebidas por classes dominantes de estabelecer um pensamento dominante na sociedade, percebe-se que tais ideologias não são condizentes com a ciência moderna. De acordo com Bryan Magee (apud Bagno, 2000) A principal novidade da ciência moderna foi sua insistência em testar as teorias pelo confronto direto com a realidade, verificando-as pela observação e pela medição dos dados que se esperava que elas explicassem. Antes disso, as teorias tinham sido testadas, sobretudo pela discussão e pelo debate. Assim sendo, o presente trabalho pretende mostrar que, sendo uma afirmação não comprovada cientificamente, não devemos a considerar como verdadeira. Afinal, uma pessoa pode crer que a terra é o centro do universo, só não pode esperar que nós concordemos com ela. Ou seja, este trabalho pode e deve ser lido por pessoas que pretendem ver alem daquele conceito no legado de que linguisticamente só existe o certo, o que está na gramática e dicionário, e o errado, o que não se encontra em ambos os lugares. Pegando como exemplo a citação de Lévi-Strauss, o presente trabalho tenciona passar para o leitor uma atitude filosófica para com a língua e a gramática. Uma atitude filosófica no sentido de que se indagada tudo radicalmente. Assim sendo a atitude filosófica de Lévi-Strauss (apud Bagno, 2000) é válida e um exemplo, quando ele fala que: - 11 Minha hipótese, se correta, nos obriga a reconhecer o fato de que a função primária da comunicação escrita é favorecer a escravidão... Ainda que a escrita não haja sido suficiente para consolidar o conhecimento, ela foi talvez indispensável para fortalecer a dominação... A luta contra o analfabetismo está então em relação com um crescimento da autoridade dos governos sobre os cidadãos. Todos têm que ser capazes de ler, de forma que o governo possa dizer: a ignorância da lei não é desculpa. - 12 - CAPÍTULO I - PRECONCEITO LINGUÍSTICO Hoje em dia temos uma ideia, legada pelo renascimento e ascensão da idade moderna, por volta do século XIII, que dá muita relevância aos fatos científicos. Da idade média para a idade moderna temos uma enorme diferença. Na idade média predominava uma ciência baseada nos valores religiosos e da igreja; enquanto na idade moderna, junto com o renascimento, predominou uma ciência descritiva dos fenômenos e objetos concretos encontrado em nosso meio, assim, caracterizando um rompimento com a ciência da idade média. É exatamente esta ciência que predomina hoje, uma ciência que descreve os fenômenos baseado em fatos, longe de ser ideológica e de ser baseada em achismos. Portanto, temos, como falou (Bagno) (2000), das pseudociências como Astrologia e Alquimia a base para as ciências como Astronomia e Química. Ou seja, temos uma evolução das pseudociências para ciências de fato. Citando alguns exemplos do autor, (Bagno) (2000) “assim como a Astronomia herdou diversos termos e conceitos da Astrologia (por exemplo, o nome das constelações tradicionais), também a Alquimia legou à química uma grande quantidade de termos (elexir, álcool, matéria-prima) inclusive o próprio nome da ciência: (al-)quimia”. Tendo na Astrologia e Alquimia a base para a Astronomia e Química, ciências modernas, seria algo muito incomum, para não dizer errado, recorrer à Astrologia e Alquimia para tentar solucionar, descrever fenômenos da época presente. Com isso em mente, com toda essa evolução científica, devemos refletir se estamos seguindo o mesmo modelo para com a nossa língua. Existe no senso comum, uma ideia de que a gramática é a mesma coisa que a língua portuguesa. Ou seja, a gramática é a mais perfeita ciência que estuda, representa o português. Porém, como afirma Buescu (apud Bagno 2000): - 13 Não podemos esquecer que ‘Ancilla Theologiae’, como designa Isodoro de Sevilha, a gramática (latina) estivera, na idade média, associada a intenções e práticas teológicas e canônico-litúrgicas e fora utilizado como instrumento científico e suporte do discurso político e administrativo. Sabendo de umas das intenções das quais a gramática foi elaborada, para “instrumento científico e suporte do discurso político e administrativo”, temos também a colaboração de Luiz Antonio Marcushi (in Bastos 1998) que diz que todas as línguas, por menor que seja o numero de falantes, sempre haverá diversidade lingüística e que nem todas podem ser padrão, ou seja, varias variedades serão não-padrão. Assim, A decisão de ensinar só o padrão ou levar em conta apenas o padrão é tomada com base em critérios que geralmente não obedecem a princípios lingüísticos e sim políticos, sociais e econômicos. Portanto, o dialeto padrão de uma língua é um dos tantos dialetos e não a língua como tal. Como Marcushi no texto está falando sobre o ensinamento da norma-padrão na escola, se trocarmos “ensinar só o padrão” por “elaborar uma norma-padrão” será percebido com clareza o que o autor quer passar: a norma padrão (às vezes confundida com gramática normativa) só existe por questões sociais ou políticas e não linguísticas. Para citar mais um autor que combate esta confusão entre gramática normativa e língua, basta lermos o trabalho de (Bagno) (1999) “Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapamúndi não é o mundo... Também a gramática não é a língua”. Para ficar explicita a diferença entre a gramática tradicional e a gramática normativa, que já foi descrita parágrafos atrás, será descrita agora a gramática normativa, suas características e divergências da tradicional. Para explicitar sobre a gramática tradicional e deixar explícito a diferença entre esta e a gramática normativa, o livro de (Bagno) (2000) deixa bem claro a diferença: A GT (gramática tradicional) é a ‘alma’ de um ‘corpo’ chamado gramática normativa. A GT é o ‘espírito’, a ‘mentalidade’, a ‘doutrina’ (a ideologia) que dá alento, vigor e ex-sistema ao ‘ser’, ao ‘objeto’, à ‘coisa material’ que podemos adquirir, manusear e submeter aos nossos sentidos, chamada gramática normativa. - 14 - Tendo estas diferenças sido expostas por Bagno, podemos, sucintamente, dizer que a Gramática tradicional é o “espírito” e a Gramática normativa é a “matéria”. Sabendo esta diferença, fica fácil entender a afirmação, acima, de Buescu, e esta de Bagno (2000) “As gramáticas foram escritas precisamente para descrever e fixar como ‘regras’ e ‘padrões’ as manifestações linguísticas usadas espontaneamente pelos escritores considerados, numa determinada época, dignos de admiração, modelos a ser imitados”. Fica mais fácil, pois, depois de entendermos a diferença entre a Gramática tradicional e a Gramática normativa, compreende-se que a gramática normativa foi criada, numa época, com o intuito de satisfazer um anseio ideológico, seja um anseio de criar uma gramática para ficar associada às intenções e práticas teológicas; para ter na gramática normativa um suporte de discurso político e administrativo ou para satisfazer uma ideologia de que, para ser um escritor renomado, tem de que seguir uma regra gramatical para que sua obra possa ser considerada boa. Como Marcushi falou, nenhum critério linguístico foi utilizado ao se criar a norma-padrão e como Bagno falou, a Gramática normativa é a matéria de uma ideologia. O preconceito linguístico ocorre, quando fazemos desta ideologia, das regras e padrões que os escritores têm que seguir para escreverem seus livros, uma ideologia a ser seguida por todos. Ou seja, o preconceito linguístico acontece quando impomos a todos escreverem de uma forma que, inicialmente, não foi destinada a todos. Para combater a este preconceito linguístico, não recorremos à gramática, mas sim à linguística, pois, segundo (Bagno) (2000): Como a gramática normativa, porém, passou a ser um mecanismo ideológico de poder e de controle de uma classe social dominante sobre as demais, surgiu essa falsa “consciência”, esse senso comum essa “base real de ponta-cabeça” de que os falantes e escritores da língua é que precisam da gramática normativa como se ela fosse uma espécie de fonte mística invisível da qual emana a língua “bonita” e “pura”. A língua passou a ser subordinada e dependente da gramática normativa. - 15 - Resumindo-se, talvez, o que vem a ser preconceito linguístico, pode-se dizer que é uma confusão entre o que é gramática e o que é a língua portuguesa; confusão entre o que é um gosto estilístico gramatical, a preferência de uma variedade linguística, uma ideologia pessoal e o que é erro. Cunha (apud Bagno 2000) nos alerta sobre esta confusão dizendo A justificação da norma prescritiva é de caráter nitidamente ideológico e baseia-se no conceito de ‘uso’, manipulado com intenções definidas. A norma passa a identificar-se como o bom usage da língua, e ambos, ao fim e ao cabo, se confundem com a própria língua, reduzida à parte normativamente legitimada. Daí o percurso de estigmas que vão desde ‘isso não é bom português’ até ‘isso não é português. Outra razão pelo preconceito linguístico acontecer é que ”uma variedade linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais” Gnerre (apud Bagno, 2000). Segundo (Sherre) (2005) em concordância com Gnerre diz: De forma geral, as pessoas crêem que há uma língua estruturalmente mais certa do que outra, que há um dialeto mais certo do que outro ou que há uma variedade mais certa que outra, e poucos percebem que as formas consideradas certas e/ou de prestígio são às que pertencem à língua, aos dialetos ou às variedades das pessoas ou grupos que detêm o poder econômico ou cultura. Outro motivo pelo qual o preconceito linguístico ainda está vívido em nossa sociedade é a ideologia gramatical (Bagno, 2000). Outra maneira de uma classe social conseguir dominar as demais, além das formas já conhecidas como a retenção do poder político, dos bens fundiários, é a dominação das ideias (Bagno, 2000). A dominação da ideologia gramatical, a ideia de que, deve-se escrever assim e falar assim porque assim está na gramática normativa, domina os nossos jornais impressos e online, dominam as redes sociais, onde nestas, pode-se ver, facilmente, - 16 - pessoas sendo ridicularizadas e humilhadas por não seguirem a gramática normativa. Esta dominação linguística tem seu auge nos livros de gramática que, subjetivamente pensam que as gramáticas normativas são válidas “para todo e qualquer falante do português, em qualquer lugar, em qualquer época, por serem equivalentes às ‘normas de polidez’ dos manuais de boas maneiras” (Bagno, 2000). Assim fica clara a tentativa de domínio ideológico gramatical quando, Cegalla (apud Bagno 2000), na sua novíssima gramática da língua portuguesa (1990: XVII) diz: A gramática, segundo conceituamos, não é nem deve ser um fim, senão um meio posto a nosso alcance para disciplinar a linguagem e atingir a forma ideal da expressão oral e escrita. Maldizer da gramática seria desarrazoado quanto maldizer os compêndios de boas maneiras só porque preceituam as normas de polidez que todo civilizado deve aceitar. Este fenômeno, o que Cegalla diz em sua gramática, é o que Bagno (2000) chama de “inversão da realidade”. O fato é que, os gramáticos normativistas é que necessitam de uma língua, variedade, para servirem de corpus para sua análise e descrição desta variedade linguística. Os gramáticos invertem essa realidade e fazem parecer como que é a língua que precisa da gramática, o que nos faz perguntar como que algumas línguas, antigamente, unicamente orais, sobreviveram até hoje? Como que os autores dos livros Ilíada e a Odisséia escreveram estes livros que, para nós hoje, são considerados clássicos da literatura, sendo que ainda não existiam gramáticas na época? Em concordância com o que (Bagno) (2000) fala a respeito de civilidade e boas maneiras, (Scherre) (2005) vai de encontro com a conclusão do autor. A linguista Scherre afirma que, se partirmos da ideia de que existem formas aceitáveis de se falar – e estas formas aceitáveis equivalem às boas maneiras, como não arrotar na mesa e não jogar lixo no chão – logo existem maneiras não aceitáveis de se falar. Esta ideia de que existem línguas, variedades, melhores que outras, (Scherre) (2005) diz: “a visão de que há línguas estruturalmente melhores do que outras; mais ricas e complexas – o que já se sabe que, do ponto de vista da estrutura linguística, não é verdade”. Aqui se pode claramente ver uma - 17 - interdiscursividade entre (Bagno) (2000), quando este autor fala da ideologia gramatical, e (Scherre) (2005) falando sobre as boas maneiras. O perigo do preconceito linguístico, está no fato de que quando acontece o preconceito, o que o sofre, tem sempre a voz silenciada, a ideia oprimida. Segundo Scherre (2005) as línguas são uma reflexão de um povo e de uma cultura, as línguas “são, também, reflexo da cultura de um povo. São ainda mais do que isto: são mecanismos de identidade”. Em concordância com (Shecerre) (2005) e nos advertindo mais profundamente sobre as consequências desumanas do preconceito, (Bagno, 2000) diz: Como diz Mey (in Signorini, 1998:81) “não há línguas em si, somente falantes das línguas”, palavras que encontram eco nesta afirmação de Auroux (1998:19) “a língua em si não existe. Não existem, em certas porções de espaço-tempo, senão sujeitos, dotados de certas capacidades linguísticas. Lendo as posições destes dois doutores da língua portuguesa, se pode chegar a uma conclusão que abrange ambos os autores. Menosprezar ou ridicularizar a variedade linguística ou fala de uma pessoa é a mesma coisa que menosprezá-lo ou ridicularizá-lo como ser humano. Isso se dá, pelo fato de que a língua, mais do que um mero instrumento de comunicação, reflete a cultura e identifica um indivíduo. CAPÍTULO II - ESTUDO SOCIOLINGUÍSTICO DAS VARIEDADES A língua é viva. Querer que ela fique estagnada, parada, é algo que vai de contra sua natureza. Assim aconteceu com o Português, fruto de uma evolução do Latim, que por sua vez é fruto das línguas Indo-europeias. A comunicação, a vontade de falar e de ser entendido é que faz com que as línguas mudem. Foi assim com o Latim, que com as guerras batalhadas, e vencidas, pelo império Romano, foi expandindo o Latim para os territórios conquistados. Foram ensinando sua cultura e língua, e também aprenderam com os povos. Os Romanos, - 18 - por exemplo, aprenderam com os Gregos, e sob a influência Grega “o Latim escrito com intenções artísticas foi sendo progressivamente apurado até atingir, no século I a.C., a alta perfeição da prosa de Cícero e Cesar, ou da poesia de Vergílio e Horácio” (Cunha&Cintra, 2008). Como resultado dessa influência grega e intenções artísticas, obtive-se uma separação entre essa língua literária, o Latim clássico, e o latim corriqueiro, o Latim vulgar. Foi com esse Latim misturado que os soldados e funcionários romanos levaram para os territórios conquistados e daí se tornou em várias variedades, que hoje conhecemos como as línguas românicas. Clarita Gonçalves de Camargo falando sobre por quem o latim vulgar fora falado, diz na revista Língua Portuguesa (n.37, p.15): “Desta maneira, o Latim vulgar nada mais era do que uma variedade praticada pelas classes incultas do império originadas pela fala arcaica de Roma; este uso coloquial da língua provocou o surgimento de dialetos”. Portanto o português é um resultado do latim vulgar. A questão aqui é se conseguimos dominar, num sentido de obstruir a evolução/mudança da língua, ou não. Os gramático e linguista (Cunha&Cintra, 2008) esclarecem a evolução do latim dizendo que: “o latim vulgar não poderia conservar a sua relativa unidade, já precária como a de toda língua que serve de meio de comunicação a vastas e variadas comunidades de analfabeto”. É o que afirma Marcushi (in Bastos, 1998) explanando em seu artigo de que não existem sociedades homogêneas ou uniformes e que, de igual modo, não existe língua uniforme ou homogênea. As línguas variam e mudam pelo fato de serem dinâmicas e por não serem determinadas de maneira rija. Falando sobre variedades, tem que se entender que elas são inevitáveis na língua, como diz Aryon Dall’igna Rodrigues (in Bagno, 2004) Na realidade, toda língua, quer sirva a uma grande nação consideravelmente extensa e muito diferenciada cultual e socialmente, quer pertença a uma pequena comunidade isolada de apenas puçás dezenas de indivíduos, é um complexo de variantes, um conglomerado de variantes. Citando alguns autores falando sobre variantes e variedades linguísticas, precisa-se, agora, explicar o que vem a ser variável e variantes linguisticas. Variantes, de acordo com Tarallo (2007), é as várias maneiras de se falar uma - 19 - mesma coisa, sem adicionar nem retirar no seu valor de veracidade. Já a variável é um conjunto de variantes. O exemplo que o autor usa em seu livro é a marcação de plural no sintagma nominal, esta sendo uma variável, e as variantes que seriam o uso do s e o não uso do s. Em concordância com o que diz o sociolinguísta brasileiro, Fernando Tarallo, o sociolinguísta Francês Louis-Jean Calvet (2002) diz que variante é: “forma linguística que representa uma das alternativas possíveis para a expressão, num mesmo contexto, de determinado elemento fonológico, morfológico, sintático ou léxico”. Tem-se na linguística uma corrente de pensamento linguístico chamada estruturalismo. O estruturalismo teve inicio com o linguista Ferdinand Saussure que, ao mesmo tempo em que é fundador da linguística (ciência que estuda a língua) é o fundador desta corrente. Saussure teve a intenção de estudar a língua pela língua, ou como ele diz em seu livro (apud Calvet, 2002) “a linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma”. Percebe-se que neste objeto criado por Saussure, o linguísta se nega levar em consideração o fator social da língua. Tentar estudar a língua sem levar em conta o aspecto social desta, é algo sem cabimento pelo fato de que “as línguas não existem sem as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes” (Calvet, 2002). Não levar em conta o aspecto social da língua nos legava a falsa avaliação da linguagem sob o conceito de certo/errado que tinha sua base no dialeto padrão. Como diz Dino Pretti (in Bastos, 1998): Assim, novas noções, como a de prestígio social da linguagem; associação entre variantes e poder político-social; ligação entre língua e poder social dos falantes; entre variantes linguísticas e fatores externos como sexo, faixa etária, profissão e status, grau de escolaridade e nível cultural dos interlocutores; mudanças de situação de comunicação e variação de registros, etc., substituíram os conceitos tradicionais de correto/incorreto, em que se consideravam apenas os paradigmas da gramática tradicional, ligada à escrita. Como se pode ver, Pretti considera que é graças à contribuição da sociolinguística que obtivemos um avanço nos estudos linguísticos. Se antes não - 20 - era-se levado em conta as variações linguísticas, depois das publicações de alguns estudiosos sobre a variação, pôde-se discutir tanto sobre as teorias das variações como discutir uma reforma das teorias já conhecidas Pretti (in Bastos, 1998). A diferença entre um estruturalista e um sociolinguista é que o estruturalista vê a língua como “um sistema só, sem variações” que insiste em estudar uma língua “parada no tempo” (Leland McCleary, 2007). Já o sociolinguista assume o “caos” linguístico. Entende-se aqui o “caos” linguístico, o que Tarallo (2007) em seu livro diz sobre a configuração de um “campo de batalha em que duas (ou mais) maneiras de se dizer a mesma (...) coisa se enfrentam em um duelo de contemporização, por sua subsistência e coexistência, ou, mais fatalisticamente, em um combate sangrento de morte”. Como foi se percebe, com a formação do Latim, que entrou em contato com outras línguas e deste contato surgiu o latim vulgar e clássico, aquele que deu base às línguas românicas e este que serviu de inspiração para os poetas e gramáticos a escreverem seus livros, percebemos que é inevitável as línguas entrarem em contato uma com as outras! Calvet (2002) diz “o plurilinguismo faz com que as línguas estejam constantemente em contato. O lugar desses contatos pode ser o indivíduo (...) ou a comunidade. E o resultado dos contatos é um dos primeiros objetos de estudo da sociolinguística”. Embora o Português Brasileiro tem pontos de contato com o português de Portugal, temos que deixar claro que o português de Portugal é diferente do português Brasileiro. Como o linguista Bagno (1999) nos alerta, realçando esta diferença dizendo que os cientistas da linguagem usam termos como Português Brasileiro e Português Europeu para deixar claro esta diferença. Deixando claro esta diferença entre estas duas línguas portuguesa, a sociolinguística quebra com o que nos vem sendo legado pela tradição, como vimos mais a cima como Scherre, de que existem línguas superiores e inferiores uma à outra. Para reforçar esta ideia de diferença e não de inferioridade, Heronides Maurílio de Melo Moura (in Silva&Moura, 2002) compara língua à música. Fazendo uma pergunta sobre o fato de termos uma norma padrão, o autor pergunta se teríamos uma música que “seria mais coerente com o espírito humano, que exploraria melhor os seus recursos?” (Moura) (in Silva&Moura, 2002). O autor logo responde: - 21 - Obviamente que não. O que temos são ouvidos acostumados a uma ou outra variedade e que valorizam um ou outro recurso, mas todas as variedades musicais exprimem ou (moldam) o espírito e a cultura à sua maneira. Para a sociolinguística, como já foi dito, não existem línguas que são eminentemente melhores e mais complexas que outras; o que existe, e principalmente no campo de educação, são formas arcaicas e raras de se falar e de se escrever. Sírio Possenti (1996) explanando sobre a mudança linguística diz: “não há língua que permaneça uniforme. Todas as línguas mudam. Esta é uma das poucas verdades indiscutíveis em relação às línguas, sobre a qual não pode haver nenhuma duvida”. Se toda língua muda, logo, temos formas antigas e formas inovadoras de se falar/escrever algo. Tentando encontrar um equilíbrio entre se ensinar formas inovadoras na escola, o que é um combate ao pré-conceito com as novas formas linguísticas de se expressar, e combater a ideia de que a forma antiga de se expressar tem de que desaparecer ou que elas são erradas, ao contrário, o autor diz (Possenti, 1996): Não se trata agora de incentivar um preconceito contra o domínio dessas formas “escorreitas”. Não se trata de achar agora que aqueles que utilizam formas mais antigas é que estão errados. Trata-se apenas de não haver preconceito contra o domínio e a utilização das formas linguísticas mais recentes, ou que mais recentemente se tornaram, de fato, o novo padrão. Ou melhor dizendo, trata-se de aceitar que se utilizem também nos teztos escritos formas linguísticas mais informais (o que não quer dizer todas), que em geral consideramos aceitáveis apenas na fala. A razão é que estas formas, na verdade, são hoje as corretas, são elas que constituem a língua padrão, porque já são faladas e escritas pelas pessoas cultas do país – coisas de que elas, eventualmente, não se dão conta. Tendo em mente as várias formas de se falar uma mesma coisa; o fato de que as línguas entram em contato, fica a questão: como se elege, numa sociedade onde coexistem diferentes variantes, uma norma padrão? Como os gramáticos falam que esta, ou aquela língua é a mais “culta”, a “melhor” de ser estudada e a “melhor - 22 - de se usar em contextos específicos”? Têm eles embasamento científico para suportarem tais afirmações? Mais acima já se foi falado um pouco sobre tais pontos. Foi combatida a ideia de que existem formas inerentemente melhores de se falar algo, citando parágrafos e autores que, em livros que contestam o preconceito linguístico, não concordam com esta ideia de “beleza inerente”. Agora, recorrendo aos sociolinguístas, veremos alguns autores e parágrafos que combatem a esta ideia. Segundo (Tarallo, 2007) As variantes de uma comunidade de fala encontram-se sempre em relação de concorrência: padrão VS não padrão; conservadoras VS inovadoras; de prestígio VS estigmatizadas. Em geral, a variante considerada padrão é, ao mesmo tempo, conservadora e aquela que goza do prestígio sociolinguístico na comunidade. Por exemplo, no caso da marcação de plural no português do Brasil a variante [s] (variante s é quando se tem a marcação de plural no sintagma nominal) é padrão, conservadora e de prestígio; a variante [ø] (variante ø é quando não se tem a marcação do plural no sintagma nominal), por outro lado, é inovadora, estigmatizada e não padrão. Desde muito tempo é conhecido alguns provérbios ou formulas préfabricadas, que deixam explícitos os preconceitos dos indivíduos contra outras línguas. Embora não são somente contra outras línguas que se podem perceber preconceitos; algumas variantes geográficas também são alvos de preconceitos. De acordo (Calvet) (2002) “à língua corresponde uma comunidade ‘civilizada’, aos dialetos e aos patoás, comunidades de ‘selvagens’, os primeiros agrupados em povos ou nações, os segundos, em tribos”. Como foi analisado à cima, as variantes não escapam do preconceito linguístico, já que este, ao dizer que uma maneira é melhor que a outra, despreza as outras formas de se expressar e como já vimos que não existem línguas por si só, o que na verdade existe são falantes das línguas, se desprezamos uma variante, desprezamos também um ser humano. Lembrando as citações feitas à cima sobre a ideologia gramatical; com qual intenção foi criada a gramática, pode-se citar, novamente, (Bagno) (2000) para deixar claro que o valor de uma norma padrão, entre outras várias, dentro de uma sociedade ou país, não está ligada a valores inerentes, mas antes “uma variedade - 23 - linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais” (Gnerre apud Bagno 2000). Assim sendo, uma variante só é “melhor” que outra variante por convenções sociais e não linguísticas. Sabendo que não existe uma forma linguísticamente inerente melhor de se falar algo, mas pelo contrário, temos de que usar certa variante que foi escolhida por questões sociais, o que Bagno diz na Revista Brasileira de Linguística Aplicada (v.5 n.1, p.78) ajuda a esclarecer essa questão se a norma padrão foi/é estabelecida por critérios linguísticos ou sociais, pois ele fala: Ora, um dos princípios norteadores de toda a ciência linguística moderna é o de que todas as línguas e todas as variedades de língua se quivalem no que diz respeito a suas complexidades estruturais e a seus recursos expressivos, não existindo, portanto, línguas/variedades “primitivas, nem línguas/variedades “inferiores” a outras, supostamente mais “desenvolvidas”. Assim, a simples afirmação de que um indivíduo “fala errado” já constitui um atentado aos seus direitos linguísticos. Nesse sentido, uma das tarefas mais delicadas da educação linguística é deixar bem claro e evidente que o respeito às variedades linguísticas estigmatizadas não significa negar aos seus falantes o direito ao pleno conhecimento e domínio das formas linguísticas de prestígio. Essas formas padronizadas se vinculam, tradicionalmente, às práticas sociais de letramento mais prestigiadas, e é dever do Estado, e portando, da escola, garantir que, sem prejuízo de sua variedade de origem, todos os cidadãos possam conhecer e utilizar, conforme lhes pareça conveniente, as formas linguística que, por razões históricas, culturais e sociais (e não por supostas qualidades linguísticas intrínsecas), foram erigidas em padrão de comportamento linguístico apropriado às interações sociais mais monitoradas, mais formais, faladas e/ou escritas. Relembrando um pouco com quais intenções foram criadas as gramáticas; como é escolhida a variante para se tornar a padrão; a questão de certo e errado, linguísticamente, toma rumos não muitos aceitos por gramáticos e conservadores. Como nos alerta (Possenti) (1996) Se nossas perguntas são sempre sobre o que é certo ou errado, e se as nossas respostas a essas perguntas são sempre e apenas baseadas em dicionários e gramáticas, isso pode revelar uma concepção problemática do que seja realmente uma língua, tal como ela existe no mundo real, isto é, na sociedade complexa em que é falada. - 24 - Possenti, em seu livro por que (não) ensinar gramática na escola, depois de já nos ter alertado a não sermos obcecados por perguntas de certo VS errado, explica um pouco sobre duas concepções de erro. A noção de erro mais comum, de acordo o autor, é contra a gramática normativa. A definição de gramática normativa é “conjunto de regras que devem ser seguidas” (Possenti, 1996). E essa concepção de erro é “tudo aquilo que foge à variedade que foi eleita como exemplo de boa linguagem” (Possenti, 1996). Porém o autor faz uma consideração muito importante (Possenti) (1996): “Os exemplos de boa linguagem” são sempre em alguma medida ideais e são sempre buscados num passado mais ou menos distante, sendo, portanto, em boa parte arcaizantes, quando não já arcaicos. Certamente [...] os exemplos de boa linguagem utilizados pelas gramáticas são mais arcaizantes do que os encontrados em jornais e nos textos de muitos escritores vivos de qualidade reconhecida. A outra noção de erro, de acordo Possenti, é na perspectiva da gramática descritiva. Possenti diz que a gramática descritiva é um “conjunto de regras que são seguidas – é a que orienta o trabalho dos linguistias, cuja preocupação é descrever e/ou explicar as línguas tais como elas são faladas” (ibd.). Assim sendo, para o autor, na perspectiva da gramática descritiva, só seria erro: A ocorrência de formas ou construções que não fazem parte, de maneira sistemática, de nenhuma das variantes de uma língua. Uma sequência como “os menino”, cuja pronúncia sabemos ser variável (uzmininu, ozminino, ozmenino etc.), que seria claramente um erro do ponto de vista da gramática normativa, por desrespeitar a regra de concordância, não é um erro do ponto de vista da gramática descritiva, porque construções como essa ocorrem sistematicamente numa das variedades do português (nessa variedade, a marca de pluralidade ocorre sistematicamente só no primeiro elemento da sequência – compare-se com “esses menino”, “dois menino” etc.). (ibd, p.79) Em concordância com o que diz Possenti, Bagno (1999) também questiona, cientificamente, a noção do erro. Para (Bagno) (1999) “do ponto de vista cientifico, - 25 - simplesmente não existe erro de português”. Para explicar esta frase “ousada” o autor (Bagno) (1999) fala de modo bem convincente que: Todo falante nativo de uma língua é um falante plenamente competente dessa língua, capaz de discernir intuitivamente a gramaticalidade ou agramaticalidade de um enunciado, isto é, se um enunciado obedece ou não às regras de funcionamento da língua. Ninguém comete erros ao falar sua própria língua materna, assim como ninguém comete erros ao andar ou ao respirar. Só se erra naquilo que é aprendido, naquilo que constitui um saber secundário, obtido por meio de treinamento, prática e memorização: erra-se ao tocar piano, erra-se ao dar um comando ao computador, erra-se ao falar/escrever uma língua estrangeira. Tendo isso em mente, algumas pessoas podem chegar à conclusão de que, para estes autores, ou para os lingüistas em geral, “vale tudo”. Ou seja, pelo fato destes autores afirmarem que não existe erro linguístico, alguns podem pensar que se pode falar de qualquer forma que não tem problema. Respondendo a acusações sem fundamento, (Bagno) (1999), combate esta ideia de que “vale tudo” diz que até gírias e palavrões podem ser usadas nos lugares certos e em contextos adequados, e continua: Uma das principais tarefas do professor de língua é conscientizar seu aluno de que a língua é como um grande guarda-roupa, onde é possível encontrar todo tipo de vestimenta. Ninguém vai só de maiô fazer compras num shopping-center, nem vai entrar na praia, num dia de sol quente, usando terno de lã, chapéu de feltro e luvas... O erro linguístico está ligado às variedades no sentido de que, uma variedade linguística diferente da variedade padrão já é considerada um erro. Como muito bem diz Possenti sobre os benefícios de adotarmos o ponto de vista descritivo sobre o erro linguístico, o autor diz (Possenti) (1996): A adoção de um ponto de vista descritivo permite-nos traçar uma diferença que nos parece fundamental: a distinção entre diferença linguística e erro linguístico. Diferenças linguísticas não são erros, são apenas construções ou formas que divergem de um certo padrão. São erros aquelas contruções que não se enquadram em qualquer das variedades de uma língua. - 26 - Assim sendo, “aquele garota me xingou” e “eu nos vimos ontem na escola” são erros “precisamente por serem agramaticais, isto é, por não respeitarem as regras de funcionamento da nossa língua” (Bagno, 1999). Bagno, tentando explicar o porquê que temos esta falsa noção de erro diz que é pelo fato de confundirmos, ou de termos como a mesma coisa, o que são o português, a gramática normativa e variedade padrão. Tomando como base, um ótimo exemplo sobre esta questão do erro, (Scherre) (2005) que, sobre o “erro” da concordância númerica diz: Certo é tudo o que está conforme às regras ou princípios de um determinado grupo dentro dos limites do próprio grupo. Considerando isto, a falta de concordância de número pode ser errada para o grupo que domina uma variedade linguística que tem esta regra ou este mecanismo. Mas para um grupo que não apresenta mecanismos de concordância em sua variedade, o errado é exatamente uma construção que exibe todas as marcas formais explícitas de concordância. Isto é facilmente entendido quando se trata de línguas diferentes: o português tem concordância de número (embora variável); o inglês, não. Nem por isso o português é considerado mais certo do que o inglês. Capítulo III - UMA ANÁLISE DO QUADRO “ADELAIDE” Adelaide é uma personagem do programa de televisão pertencente à Zorra Total. Adelaide é uma, de várias outras, personagens de Rodrigo Sant’ Anna, ator humorístico. Antes de qualquer coisa, é importante categorizarmos o programa Zorra Total em suas categorias para depois classificarmos seu gênero. Colocar o programa em suas correspondentes categorias é importante, pois, de acordo (Aronchi de Souza) (2004), a separação, primeiramente, em categorias supre a necessidade de classificar os gêneros correspondentes. Ou seja, primeiro temos a categoria e depois o gênero; tendo em mente que a categoria abrange vários gêneros. - 27 - Para categorizar o programa Zorra Total, uso como base uma pesquisa realizada por Marques de Melo e outros profissionais. Pela Abepec, são identificadas três categorias : A televisão brasileira é quase exclusivamente um veículo de entretenimento. Para cada uma hora de programas exibidos, oito se classificam nessa categoria. Complementarmente, ela dedica uma hora a programas informativos (jornalísticos) e uma hora à programas educativos ou especiais (José Marques de Melo apud José Carlos Aronchi de Souza 2004, p.39). Zorra Total não é uma exceção. Zorra Total é um programa de televisão que se encaixa, exatamente, na categoria de entretenimento. Já o gênero em que se denomina, o programa é: Humorístico. Ainda resta o formato, mas o que é um formato? Segundo (Aronchi de Souza) (2004) formato é “a característica que ajuda a definir o gênero”. Assim sendo, ainda de acordo o autor, “vários formatos constituem um gênero de programa, e os gêneros reunidos formam uma categoria”. O formato recorrente em zorra total são os quadros. Ou seja, a fala da personagem que entendo caracterizar é um quadro do gênero humorístico, que por sua vez, faz parte da categoria de entretenimento. Antes de começar, de fato, a analisar a fala da personagem Adelaide, não será avaliada a fala num sentido racial do termo. Ou seja, embora este quadro humorístico seja inapropriado e desrespeitoso para com os negros, não será falado mais sobre este assunto, será avaliada apenas a fala. Para a análise da fala da personagem Adelaide foram escolhidos cinco vídeos do quadro, cada vídeo com a duração de, no mínimo, cinco minutos. As analises a serem feitas são de cunho fonológico e gramatical. O quadro humorístico de Adelaide é um quadro onde a personagem, Adelaide, uma mendiga, entra no metro pedindo dinheiro para comprar objetos para casa, para si mesma ou para sua filha. O cenário é sempre o mesmo. Entende-se cenário como a definição dada por (Ribeiro & Garcez) (2002) “espaço delimitado do ambiente ecológico, definido pelos participantes como socialmente distintos de outros espaços, nos qual se desenrolam os eventos e as atividades de fala”. Ela - 28 - sempre entra no vagão, o cenário, pedindo “curicença” e logo após, “cinquenta centarro, vinte cinco centarro ou deiz centarro”. Ao analisar o vídeo I, pode-se perceber o que (Ribeiro & Garcez) (2002) chamam de alternância de códigos “passagem do uso de uma variedade linguística para outra que os participantes de alguma forma percebem como distintas”. No começo deste quadro, Adelaide pede licença, como normalmente, e pede seus centavos. Depois da fala, “qualquer produção de elocuções em situação de interlocução” (Ribeiro & Garcez, 2002), que ela teve com um senhor, ela vai para o vagão feminino. Ao chegar ao vagão feminino, ao invés de falar “curicença” Adelaide fala “dá licença” e logo depois fala “curicença” duas vezes. Ou seja, a alternância de código que ocorre neste vídeo é da variante “curicença” para a variante, ainda informal, mas existente, “dá licença”. Durante toda a análise pode-se perceber que no quadro Adelaide é comum o fenômeno do rotacismo, a troca do fonema /l/ pelo /r/ (Bagno, 1999; 2000). Este fenômeno fica mais claro quando lemos este relato contado pela personagem “a semana passada, semana passada que passo, teve uma catastoce lá perto de casa, hora que eu deixei o tanque rigado quando eu vi as água veio invadindo as coisa tudo, quando eu vi tava revando meur movei de mogno que eu tinha cumpado na pestação...tarra revandu mias coisa tudo, mias coisa tudo não, pó causa d’que eu num tenhu nada”. Na continuação, a personagem relatando que viu Aldo de longe diz: “veju rá ronge assim eu veju um, a minha para de açu, ae eu falei a naum, minha para de açu num vai revar porque vo arear mias panera cum que?”. Percebendo o fato de que a personagem troca o fonema /l/ por /r/, o inverso não acontece, ou seja, a personagem não troca o fonema /r/ por /l/. Muito pelo contrário, nas frases da personagem pode-se encontrar a pronuncia do fonema /r/ nitidamente sem nenhuma dúvida. Como, por exemplo, a pronuncia dos nomes de seu marido e de sua filha “Jurandi” e “Britty” e “arear”, como vimos mais acima. Outro exemplo do fato de que o fonema /r/ é pronunciado é no vídeo II, quando Adelaide explica como que ela e sua família dormem em casa, ela fala: “que dorme assim: dorme eu né, ai vem o Jurandi em cima, que é meu esposo; ai vem assim a Cradinha, que é a menor; ai em cima vem a Brittney Spint, que é a do meio e em cima vem o Maicom e Marrone”. Nos três vídeos que foram analisados, percebe-se que a personagem sempre usa o pronome Tu, que é a segunda pessoa singular do pronome pessoal reto. Este - 29 - uso, linguisticamente falando, já não é muito comum pelo fato de que o pronome “você” é o mais usado (Bagno, 1999). Igualmente, no vídeo II, numa fala em que Adelaide elogia os brincos de Lady Katy, outra personagem do programa Zorra Total que estava pegando o metrô, Adelaide fala “é bunitim esse brinco teu, é bunitim”. Nesta frase percebem-se duas coisa, primeiro, o pronome possessivo masculino da segunda pessoa, que está correto e o fato dela ter falado brinco. Até mesmo na fala da outra personagem, no vídeo II, pode-se perceber o fenômeno do rotacismo. Quando Adelaide fala que vai fazer uma cirurgia para “ligar as trompas”, Lady Katy achando que ela ia ligar para alguém fala: “ tem pobrema naum, liga daqui, eu tenho monte de cledito”. Nesta personagem, Lady Katy, é quem de fato, em sua fala, troca tanto o fonema /l/ por /r/ quanto o /r/ por /l/, como podemos ver nas palavras “pobrema” e “clédito”. Também na fala desta personagem encontramos outro fenômeno, que também encontramos no dia a dia (Tarallo,2007)(Bagno,2000), que é a omissão do fonema /r/. Quando Adelaide falou que ia fazer a cirurgia mencionada a cima, a índia, outra personagem que estava com Lady Katty, fala que Adelaide faria a cirurgia para “fechar a cuia”, então Lady Katty fala “disso você lemba né? De safadeza você lemba de tudo né?”. Já no vídeo III foi analisado a questão do plural. Só de começo, quando a personagem começa a pedir dinheiro, já se pode perceber o fato de que ela fala “centarroø” ao invés de “centarros”, um fenômeno muito bem descutido em (Tarallo,2007). Um fato interessante que ocorre no vídeo três é que, Adelaide, ao pedir dinheiro a uma personagem e recebe cinquenta centavos, ela fala “será que tu não tem ai mar vinte e dois pa compreta vinte dois e cinquenta?”. Logo após, Adelaide conversando com outra passageira, explica que está querendo construir um quarto para filha e fala “eu tarro querendu construiø um quartim pá mia fira, né?”. Nesta frase percebe-se duas coisas: a omissão do /r/ como vimos que acontece com Lady Katty e o acerto na flexão do substantivo, quando ela fala “um quartim” ao invés de “um quartins”. O mesmo se percebe quando ela fala “eu queria sabe se tu não tem cinquenta centarro pa ajuda na construção civil, compa um tijoro pa faze um quartim”. Assim como vimos algumas frase no singular de Adelaide, também se têm alguns exemplos no plural, como esta fala “eu queria uns quartim pa era i tal”. Percebe-se que, em comparação a fala anterior, Adelaide demonstra o plural no artigo e omite o plural no substantivo, um fenômeno também comum hoje em dia - 30 - (Tarallo, 2007)(Possenti, 1996) (Bagno, 1999). Em outra ocasião, quando Adelaide fala para uma passageira que ama seus filhos, ela diz “meus firo é minha vida, né?”, estrutura gramatical que segue a mesma que foi descrita neste parágrafo. Outra frase que demonstra plural com o substantivo feminino “pessoal” é quando ela fala “as veze o pessoal não anda com dinheiro”. Outro fato sobre o vídeo III é que Adelaide só usa o pronome “nós” e não “a gente”. Maria Marta Pereira Scherre (2005) nos chama a atenção para o fato de que “a gente” é o pronome mais usado no dia a dia, tanto aqui quanto em Portugal. Isto fica claro quando a ouvimos argumentando do por que ela anda com uma maquina de cartão de crédito, ela fala “você, moça, tem que sabe que nós têm que acompanha a modernidade”. Um fato interessante sobre esta frase falada é que ao falar o “têm”, que é o plural do verbo ter, não se difere do “tem” singular, assim sendo a diferença só se encontra na escrita. Partindo duma premissa que Adelaide usou a forma no plural, pelo fato dela ter usado “nós”, percebe-se um raciocínio por trás desta frase, pois, se “eles têm”, “nós também têm”. É um raciocínio lógico que é bem provável de acontecer hoje em dia no nosso idioma, e ao invés de rirmos dos “erros”, podemos encontrar uma lógica por trás do “erro” e refletir criticamente sobre a gramática. Em outros exemplos analisados, ao formar frases no plural Adelaide continua a formar o plural com nós ao invés de usar “a gente”. Percebe-se isso quando ela explica para Lady Katty porque que ela e seu esposo se chamam de pai e mãe, ela fala “nós chama de mãe e pai pas criança pode fala ingual”. Como já dito, percebese o fato de que se usa o pronome “nós” e não “a gente” e o fato de que o plural se encontra no artigo e não no substantivo. No próprio lema da personagem pode-se encontrar este fato, marcação de plural no artigo, ao falar “eu só queru que Deus irumina cada canto dos teus(seus) caminhu”. Dos cinco vídeos analisados, em apenas um Adelaide fala “seus” e nos quatro restantes ela fala “teus”. Já no vídeo IV percebemos uma marcação de plural, no começo, um pouco mais nítida. Ao relatar sobre uma “catastoce” que aconteceu em sua casa, Adelaide diz “ora, mar nós tava rá, daqui a poço ceho uns cara com umas tocas assim de ninja”. Nesta frase reconhecemos o fenômeno já comum na frase de Adelaide, onde ela demarca o plural no artigo e não no substantivo, mas, também vemos uma demarcação de plural tanto no artigo quanto no substantivo quando ela fala “umas tocas assim”. Por ser algo incomum na fala de Adelaide, foi encontrada uma - 31 - explicação para essa exceção ter ocorrido, é o fato de que, depois de “tocas” ela usa o advérbio “assim”. Deste modo, falar “tocas assim” é mais fácil do que “toca assim”, pois você precisa dar uma pausa após o “toca”, ao falar “tocas” acontece uma rima e uma facilidade fonológica maior de ser pronunciada. Outro fenômeno encontrado na fala de Adelaide é o fato de que ela, ao conjugar todos os verbos da primeira pessoa do singular, embora com a omissão de um /r/, conjuga corretamente. Como se pode ver no exemplo, ao pedir dinheiro para comprar algo para sua filha mais nova ela fala “pa eu compa as coisa pa mia fira mar nova”. Como podemos ver os fonemas /r/ estão ausentes no verbo comprar, mas, a conjugação está correta, pois ela usou para (eu) comprar e não para (eu) comprei. Outro exemplo onde Adelaide conjuga o verbo corretamente é quando ela relata o que ela falou para os bandidos e diz “vai embora casdeque eu num tenhu nada”. Percebe-se o fato de que ela, embora falando “tenhu” ao invés de “tenho”, conjugou o verbo corretamente ao invés de “eu não tens”. Possenti (1996) explicita sobre este fato onde ele descreve sobre combinações possíveis e impossíveis, ele diz: “podese ouvir “nós vamos” ou “nós vai”, mas não se ouve “eu vamos”. Ou seja, há combinações possíveis e outra impossíveis” (Possenti, 1996). Pode-se perceber que é para as outras conjugações que Adelaide tem dificuldade, pois, como podemos perceber neste exemplo do vídeo IV quando ela pergunta para uma passageira se ela está passando dificuldades por causa de dinheiro, ela fala “tu tá com dificuldade por causa de quinze reais?”. Note-se primeiro que ela usou a conjugação “tu está” ao invés de “tu estás” (Cunha&Cintra, 2008), e a segunda observação é que Adelaide de fato fala quinze reais. Outro exemplo onde se percebe que Adelaide não conjuga o verbo corretamente é quando ela relata que os ladrões que estavam na casa dela pensaram que ela estava mentindo, então ela diz “ae eres ficaram farando ‘tu tá mentindo’”. Duas coisas a respeito desta frase, primeiro Adelaide conjugou corretamente o “eles ficaram falando”, porém, quando ela usa o “tu” ela diz “tu está” ao invés de “tu estás”. No vídeo V encontramos mais exemplos destes fenômenos até aqui expostos. Por exemplo, como já dito, percebe-se o fato de que Adelaide demonstra o plural ou nos artigos ou nos pronomes, como podemos ver nesta frase quando ela pede dinheiro para comprar remédio para os filhos, ela diz “Pa eu compa um remédio pus meu firo”. Percebe-se que o plural se expressa na preposição + artigo (para + os - 32 - respectivamente) (Tarallo, 2007)(Possenti, 1996) (Bagno, 1999), e o fato de que ela conjuga o verbo comprar na primeira pessoa do singular. Assim como nós já vimos o fenômeno onde Adelaide não conjuga o verbo da segunda pessoa do singular, também se encontra neste vídeo V a ocorrência onde Adelaide não conjuga o verbo da terceira pessoa do plural nesta frase onde ela fala sobre as viroses que atacam a família dela em série “As vizore chega em série, é igual coisa da TV”. Vemos uma ocorrência onde ela não conjuga o verbo chegar corretamente e outro fenômeno é que ela não falou “ingual” como vimos no vídeo III. Outro fenômeno gramatical interessante que se encontra no vídeo V é o fato de que Adelaide forma uma frase no presente do indicativo na forma do presente do subjuntivo (Cunha&Cintra, 2008). Ao perguntar para uma passageira se ela queria que Adelaide nomeasse os filhos com nomes pobres, Adelaide pergunta “qué que eu coroque Graciane, qué que eu coroque Legiele?”. Esclarecendo o “qué”, esta é uma variação do verbo querer onde se omite o fonema /r/ no final do verbo. O fato interessante é que Adelaide usa o presente do subjuntivo ao falar “quer que eu coloque”. Contrapondo ao exemplo onde vimos que Adelaide usa a forma do presente do subjuntivo corretamente, tirando outros fenômenos como ratacismo e omissão do fonema /r/, neste vídeo V e em todos os outros vídeos, percebemos o fato de que ela já não usa a mesma regra. Sempre, ao pedir dinheiro para os passageiros e estes negarem ter dinheiro, Adelaide fala seu clichê “que ele (deus) te dá tudo de muito bom, que ele te dá em dobo tudo o que você me deu”. Pela gramática normativa, a fala correta desta frase seria “que ele (deus) te dê tudo de muito bom, que ele te dê em dobro tudo o que você me deu”. Outra ocorrência que se encontra na fala de Adelaide é a omissão do es no verbo estar. Ou seja, sempre que a personagem conjuga o verbo estar ela fala tá, to e tava, mas nunca estava, estou nem está. Vemos claramente este fenômeno quando a personagem fala que no cabelo dela estava grudado um pedaço de colchonete, ela diz “foi u conchonete que eu compre que tava na pomoção”. Percebemos duas ocorrências numa fala dela, quando ela pede para a outra passageira não interromper a conversa com o marido, ela fala “só um instantim que eu to farando, num atrapaia aqui não tá bom?”. Além do fenômeno rotacismo, encontramos este outro fenômeno onde se omite o es do verbo estar. - 33 - Resumindo a análise feita do quadro Adelaide, podemos perceber quais fenômenos linguísticos se encontram no quadro, são eles: a omissão do fonema /r/ em verbos como dar e estar etc.; a omissão do es no verbo estar; o fenômeno do rotacismo, troca do fonema /l/ por /r/; a marcação de plural nos artigos ou pronomes, nunca no substantivo em si; a conjugação correta do verbo na primeira pessoa do singular, mas nunca correta nem na segunda pessoa do singular nem na terceira pessoa do plural; a troca do fonema /v/ pelo /rr/. Destes seis fenômenos encontrados na análise do quadro, temos estudos de linguistas que de fato já nos chamam a atenção para tais fenômenos como (Tarallo, 2007); (Possenti, 1996); (Bagno, 2000) (Bagno, 1999); (Louis-Jean, 2002). O único fenômeno que não foi encontrado em um estudo por um linguista é a troca do fonema /v/ por /rr/, já os outros fenômenos podem ser encontrados. Além de analisar a fala da personagem, outra interessante pesquisa para o futuro é tomar como base este programa, ou outro programa onde tem personagens que falam “errado”, e realizar uma pesquisa social para saber se de fato, tais fenômenos existem ou foram criados pelos roteiristas para entretenimento do público alvo. Embora se tal pesquisa for, de fato, realizada, uma outra pergunta ainda fica a ser respondida, qual a intenção dos roteiristas de estabelecer tal linguajar para determinado personagem? Por que os fenômenos linguísticos acontecem com determinado personagem e não com outros personagens? CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi o objetivo de o presente trabalho chamar a atenção para o fato de que existe um conflito social e que, de tal conflito, entre as classes sociais, a ganhadora estabelece “verdades” que não são confrontadas cientificamente. Existe uma dominação no campo das ideias, no campo ideológico, assim como no campo econômico. Ficou explicito de que, quanto mais se aprofunda no assunto preconceito linguístico, ao mesmo tempo, se aprofunda em conceitos da linguística, ciência da língua, e da sociolinguística. Ou seja, vimos que para combater a um preconceito contra a língua, recorre-se à linguística. - 34 - Também ficou claro de que, tais afirmações, ideologias pré-concebidas, não resistem a uma análise científica. Estas afirmações tidas como verdadeiras são o resultado do conflito, ou seja, tais afirmações são pensamentos que tencionam subjugar outras variedades linguísticas. Elas só servem para isso, como o arame farpado para impedir outras pessoas de pensar, criticar e refletir sobre termos como gramática, certo e errado etc. Assim sendo, tal trabalho foi uma atitude filosófica linguisticamente falando, questionando o que, para a sociedade dominante, não pode ser questionado e não deve ser questionado. Eles não fazem esta reflexão, pelo fato de que, se isso ocorrer, suas armas de domínio perdem a força escravocrata. As limitações desta pesquisa são muito claras, como por exemplo: se tem de que se estabelecer uma variedade linguística para servir como a norma-padrão, quais critérios usar para fazer tal escolha? Embora o como fazer tal escolha é importante, mais importante ainda é saber o que fazer quando tal escolha ocorrer. Linguistas e gramáticos podem, facilmente, debater e chegar a uma conclusão sobre qual variedade adotar para a ter como padrão, mas, deve-se discutir minuciosamente sobre o que fazer para que tal variedade não se torne um instrumento para o preconceito linguístico. - 35 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e formatos na televisão Brasileira. São Paulo: Summus, 2004. BAGNO, Marcos. Linguística da norma. 2. Ed. São Paulo: Loyola, 2004. ______Preconceito linguístico: o que é e como se faz. 48. Ed. São Paulo: Loyola, 2007. ______Dramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia & exclusão social. 5. Ed. São Paulo: Loyola, 2010. ______Tarefas da Educação Linguística no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. 2005; Nº1: 63-81 BASTOS, Neusa Barbosa. Língua Portuguesa: História, Perspectivas, Ensino. São Paulo: EDUC, 1998. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola e agora?: sociolinguística & educação. 2. Ed. 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