Poemas de Walt WhitmanVocê, leitor Você, leitor, que pulsa de vida e orgulho e amor, assim como eu: para você, por isso, os cantos que aqui seguem! Uma mulher espera por mim Uma mulher espera por mim, nela tudo se contém, não falta nada, No entanto faltaria tudo se lhe faltasse o sexo ou a humidade do homem certo. Tudo se contém no sexo, corpos, almas, Significados, provas, purezas, delicadezas, proclamações, efeitos, Ordens, canções, higidez, orgulho, o mistério materno, o leite seminal, As esperanças todas, bens, outorgas, todas as paixões, belezas, amores, os deleites da terra, Todos os governos, juizes, deuses, o cortejo de pessoas da terra, Tudo se contém no sexo como partes de si e justificações de si. Sem pejo o homem de quem gosto sabe e confessa as delicias do sexo, Sem pejo a mulher de quem eu gosto sabe e confessa as do sexo dela. Pois eu me afasto das mulheres insensíveis, Para ficar com a que espera por mim, e com as mulheres de sangue quente que me satisfazem, Eu vejo que elas me compreendem e não me repudiam, Vejo que são dignas de mim e eu serei delas o marido vigoroso. Essas mulheres não são em nada inferiores a mim, Têm o rosto tisnado pelo brilho dos sóis e pelo sopro dos ventos, Há na carne delas, antigas e divinas, agilidade, força, Elas sabem nadar, remar, montar, lutar, atirar, correr, bater, recuar, avançar, resistir, defender-se sozinhas, São supremas por direito próprio - são calmas, límpidas, donas de si mesmas. Puxo vocês para junto de mim, mulheres, Não as posso deixar ir. vou lhes fazer bem Existo para vocês e vocês para mim, não apenas para o nosso bem, mas para o bem dos outros, Envoltos em você dormem grandes heróis e bardos, Eles se recusam a acordar pelo toque de outro homem que não eu. Sou eu, mulheres, abro o meu caminho, Sou severo, cáustico, indissuadível, mas amo vocês, Não as machuco mais que o necessário a vocês mesmas, Derramo a substância geradora de filhos e filhas dignos destes Estados, assedio com músculo pausado e rude, Me firmo eficazmente, não dou ouvido a rogos, Não ouso retirar-me sem depositar o que há de muito acumulei dentro de mim. Através de vocês eu dreno os rios enclausurados de mim mesmo Em vocês concentro mil anos de futuro, Em vocês faço enxerto dos tão amados por mim e pela América, As gotas que em vocês destilo farão medrar moças atléticas e ardentes, novos artistas, músicos, cantores, As crianças que em vocês procrio vão procriar, por sua vez, outras crianças, Exigirei, dos meus dispêndios amorosos, homens e mulheres perfeitos, Eles irão se interpenetrar, espero, como eu e você agora nos interpenetramos, Contarei com os frutos dos generosos aguaceiros deles como conto com os frutos dos aguaceiros que ora entorno. Vou ficar à espera das ternas colheitas do nascimento, vida, morte, imortalidade Que tão amorosamente planto agora. Uma folha às mãos dadas Uma folha às mãos dadas! Vocês. vocês. vocês que passam pelo Mississipi ou pelo afluentes e alagados do Mississipi. vocês de todas as procissões que se movem ao longo das ruas . amoráveis barqueiros e mecânicos. gêmeos. vocês. difíceis. pessoas jovens ou da idade avançada.entre vocês eu quero me infiltrar até ver que passou a ser comum andarem de mãos dadas! . vocês. . Ouço tambores triunfantes.. e àqueles cujos vasos de guerra caíram nos mares. e ao sem número de heróis iguais aos grandes heróis conhecidos. . perdem-se batalhas com o mesmo espírito com que se ganham.. e a todos os heróis vindouros. foi bom ter ganho o dia? Também digo. toco grandes marchas para os conquistados e derrotados. Já ouviram dizer. Abandono-me à música alegre que se toca em sua honra.. aos mortos. Eu não toco uma marcha só para os vitoriosos. em honra dos que falharam.Um poema Isto é o toque de milhares de cornetas.. é bom perder. o choro das flautas e o bater dos ferrinhos.. E a todos os generais que perderam combates. e aos que se afundaram eles próprios. Vivas. que aí vem o teu amante. noite magnética e abundante! Noite silenciosa e sonolenta .terra das montanhas cobertas de névoa! Terra do fluir vítreo da lua cheia e azul! Terra de luz e sombra derramadas sobre a maré do rio! Terra de límpidas nuvens pálidas resplandecendo para mim! Terra de braços arrebatados ao longe .rica terra de macieiras em flor! Sorri. Aperta-me. Já baixamos bastante a cabeça. as últimas traduzo para uma nova língua. eles excederão isso e muito mais. E digo que é tão grande ser mulher como ser homem. Eu sou o que caminha entre a crescente e terna noite. Provo que a medida é apenas desenvolvimento. já imploramos.aperta-me. Canto o canto do crescimento ou do orgulho.Sou o poeta do corpo Sou o poeta do Corpo e sou o poeta da Alma. Sou o poeta da mulher e do homem.e assim te dou amor! Oh. Pródiga. E digo que não há nada maior que a mãe dos homens. deste-me amor . Já excedeste o resto? És o Presidente? É uma ninharia. Convoco a terra e o mar meio abraçado pela noite. noite. . indizível e apaixonado amor. no teu peito nu .louca e nua noite de Verão! Sorri. oh voluptuosa terra fresca! Terra das árvores adormecidas e cintilantes! Terra do sol-posto . As primeiras enxerto e reforço em mim mesmo. As aventuras do Céu estão em mim e as penas do Inferno estão em mim. ‖ Ora. as pedras. Não há palavra capaz de dizer Quanto eu me sinto em paz Perante Deus e a morte. pois imagino que esses hão de ser os poemas mais espirituais. pois eu sou curioso sobre todas as coisas e não sou curioso a respeito de Deus...Quero fazer os poemas das coisas materiais Quero fazer os poemas das coisas materiais. E farei os poemas do meu corpo E do que há de mortal.Não seja curiosa a respeito de Deus.‖ ―E à raça humana eu digo: . Cada momento de luz ou de treva É para mim um milagre. quem acha que um milagre alguma coisa demais? Por mim. Cada metro quadrado de superfície Da terra está cheio de milagres E cada pedaço do seu interior Está apinhado de milagres.existirão milagres mais estranhos? . O movimento das ondas. Escuto e vejo Deus em todos os objetos... Embora de Deus mesmo eu não entenda Nem um pouquinho. Milagre cada polegada cúbida de espaço. Os navios que vão com homens dentro . de nada sei que não sejam milagres. Pois acredito que eles me trarão Os poemas da alma e da imortalidade. O mar é para mim um milagre sem fim: Os peixes nadando. e a ameaça do que chamam de inferno para mim nada é. meu camarada. conveniência. ou muito pouco. eu não respeito e nunca respeitei experiência. nem o ridículo. eu sei que minhas palavras são armas carregadas de perigo e de morte.Quando em teu colo deitei a cabeça Quando em teu colo deitei a cabeça. pois eu enfrento a paz e a segurança e as leis mais enraizadas para as desenraizar. nem maiorias. o que eu te disse e a céu aberto eu reafirmo: sei bem que sou inquieto e deixo os outros também assim. a confissão que fiz eu reafirmo. . e por me haverem todos rejeitado mais resoluto sou do que jamais poderia chegar a ser se todos me aceitassem. meu camarada querido: eu confesso que o incitei a ir em frente comigo e que ainda o incito sem a mínima ideia de qual venha a ser o nosso destino ou se vamos sair vitoriosos ou totalmente sufocados e vencidos. como todos os tempos escolhem mal as coisas com que os adular e os recompensar. . como são caros e terríveis para o mundo. como algo de intransigente persiste na sorte deles em todos os tempos. e como o mesmo preço inexorável há de ser pago ainda pela mesma grandeza encomendada. como eles se habituam a si mesmos assim como aos demais .Precursores Como são eles colocados sobre a terra (surgindo a intervalos).que paradoxo chega a parecer o tempo deles como as pessoas respondem a eles ainda que os não conheçam. vagando A esmo.levantem-se: pois têm de me justificar! Eu mesmo faço apenas escrever Uma ou duas palavras Indicando o futuro. Maior que qualquer outra conhecida antes . Atlética. Casualmente passa a vista por vocês E logo desvia o rosto.Poetas de amanhã Poetas de amanhã: arautos. A esperar de vocês As coisas mais importantes. Deixando assim por conta de vocês Conceituá-lo e aprová-lo. cantores de amanhã ! Não é dia de eu me justificar E dizer ao que vim. telúrica. Mas vocês. músicos. Faço tocar a roda para frente Apenas um momento E volto para a sombra Correndo Eu sou um homem que. sem de todo parar. . de uma nova geração. nativa. ou aquela que eu andava procurando (isso vem a mim como num sonho) Com certeza eu já gozei em algum ponto do mundo uma vida de alegria contigo. ternos. Tu deves ser aquele que eu andava procurando. castos. do seu rosto. desde então não pertence somente a si. Eu não quero falar contigo. Tu me diz que já nos cruzamos ombro a ombro. em plena maturação. da minha barba. ou acordado à noite sozinho. Eu te esperarei. da tua carne e eu te retribuo com o prazer do meu peito. Quando passamos um pelo outro. teu corpo. fluidos. Eu já comi e dormi contigo. das minhas mãos. foste um rapaz comigo ou uma moça comigo. eu gosto é de pensar em ti quando estou sentado sozinho.Para um estranho Estranho que passas! Tu não sabes com que ânsia eu te fito. assim como o meu não ficou pertencendo mais somente a mim. tu me dás o prazer de teus Olhos. Tu cresceste comigo. não tenho duvida alguma de que vou te encontrar ainda. E terei cuidado dessa vez para que não te per . Preparada para as acções mais livres Com suas leis divinas _O Homem Moderno eu canto. em separado _ embora use a palavra Democracia e a expressão Massa. A vida plena de paixão. sem edifícios ou regras ou fiadores ou qualquer tipo de argumentação. e tanto a Fêmea quanto o Macho eu canto. mas em verdade eu nada tenho contra nem a favor das instituições . . e pelos campos e bosques.que tenho eu afinal a ver com elas ou com a destruição delas? Tudo o que eu quero é fundar em Mannahattan em toda e qualquer cidade destes Estados. Força e pulsam. litorâneos ou do interior. a formidável instituição do amor entre camaradas. Ouço dizer que contra mim foi alegado Ouço dizer que contra mim foi alegado que eu procurava destruir instituições. e em qualquer barco de quilha pequena ou grande singrando quaisquer águas.O próprio ser eu canto O próprio ser eu canto: Canto a pessoa em si. Eu canto o Corpo Da cabeça aos pés: Nem só o cérebro Nem só a fisionomia Tem valor para a Musa _ digo que a forma completa é muito mais valiosa. Ah e sei que poderíamos Ser irmãos ou amantes E que com eles eu estaria feliz. China ou Rússia.Neste momento terno e pensativo Neste momento terno e pensativo Aqui sentado a sós Sinto que existem noutras terras outros homens Ternos e pensativos. Falando outros dialetos. Itália e Alemanha Ou mais longe ainda No Japão. E sinto que se me fosse possível Conhecer esses homens Eu poderia bem ligar-me a eles Como acontece com homens de minha terra. . Sinto que posso dar uma espiada Por cima e avistá-los Na França. Espanha. porém. sem nada a ver com os restantes. tudo! Um livro à margem. com seus silêncios latentes. a cada página hão de estremecer maravilhadas. orgulhosas bibliotecas. pelas intenções. pois justamente o que estava faltando em suas prateleiras apinhadas. um livro que escrevi: pelas palavras do meu livro. e que não pode ser sentido só com o intelecto.Não me fecham as portas Não me fechem as portas. . Vocês. é o que venho trazer .mal acabando de sair da guerra. nada. eu pelo menos não vou enjeitá-las: venho correndo para o meio de vocês. agora dêem-me somente alegrias libidinosas. pego um baixote para meu mais caro amigo. estão aí agora. dêem-me o charco das paixões. e para vocês eu hei de ser mais que qualquer dos restantes. quando vocês vêm a mim. eu não vou mais representar ... eu hoje vou desposar as noivas da Natureza. .Momentos ao natural Momentos ao natural. bronco. um marginal. Ah. deve ser um dos condenados por outros por alguma coisa feita. eu compartilho as orgias de meia-noite dos jovens.por que haveria de me exilar de entre meus companheiros? Ó criaturas enjeitadas. ecos ressoam com os nossos nomes feios. estou com aqueles que acreditam em prazeres largados. deve ser um analfabeto. danço com os dançarinos e bebo com os que gostam de beber. a vida lúbrica e bruta. e hoje à noite também. . você concebe articulações demais. O discurso é gémeo de minha visão. O dito e o escrito não provam quem sou. você já compreende o suficiente... Com meus lábios calados confundo o maior dos cépticos. é inconstante para poder se medir. vamos. não vou ser atormentado. Walt... . Diz com sarcasmo.. Traga a plena prova e todo o resto em meu rosto. Com uma virada da língua açambarco mundos e volumes de mundos.Minha voz sai Minha voz sai em busca do meus olhos não conseguem alcançar. Está sempre me provocando. por que então Não bota tudo para fora? Ora. . cheguem mais perto.Feito Adão de manhã cedo Feito Adão de manhã cedo deixando o seu abrigo a caminhar refeito pelo sono . escutem minha voz. encostem as palmas de suas mãos em meu corpo quando eu passar: não precisam ter medo do meu corpo.olhem por onde eu passo. toquem em mim. procura-me sob teus pés.Epitáfio Eu parto com o ar . E se não conseguires encontrar-me. O que não está numa parte esta noutra Em algum lugar estarei a tua espera. Dificilmente saberás quem sou ou o que significo. Se queres ver-me novamente. . Não obstante serei para ti boa saúde E filtrarei e comporei teu sangue. Entrego-me ao pó para crescer nas ervas que amo.sacudo minha neve branca ao sol que foge Desfaço minha carne em redemoinhos de espuma. não desanimes. Enquanto eu lia o livro Enquanto eu lia o livro. tantas vezes sinto que pouco sei ou nada sei da verdadeira vida que é a minha: somente uns poucos traços apagados. marcando o caminho daqui afora. que eu busco para uso próprio. a famosa biografia: . quando até eu.Então é isso (eu me perguntava) o que o autor chama a vida de um homem? E é assim que alguém. eu mesmo.) . uns dados espalhados e uns desvios. irá escrever sobre a minha vida? (Como se alguém realmente soubesse de minha vida um nada. quando morto e ausente eu estiver. esse aí me conhece. mulher. marido. eu bem sabia que você me encontraria com tão débeis disfarces. e quando eu o encontrei percebi que também eu o reconhecia pelo mesmo em você. mas esse não. irmão ou filho.pai. . não tem parente mais chegado que eu há alguns que fazem confusão. Ah amante e perfeito semelhante.Em meio à multidão Em meio à multidão de homens e mulheres dou com alguém a chamar por mim por meio de sinais secretos e divinos: de ninguém mais toma conhecimento . Caí. reclino-me nos umbrais das delicadas portas flexíveis. sustendo. e a ti. Cadáver. reconheço que és o resíduo de muitas mortes. Vejo a mão pressionado. . levanto-me da noite. E quanto a ti. Escuto o vosso murmúrio. E desemboco no que é firme e central desde o rebento grande ou pequeno. é inútil tentarem alarmar-me. ó perpétuas transferências e promoções. caí sobre as hastes negras que apodrecem no estrume. Levanto-me da lua. da lua que desce os precipícios do crepúsculo sussurrante. (Não duvido que eu próprio já morri mil vezes). Caí sobre o lamento incoerente dos ossos secos. amargo abraço da mortalidade. Morte. e observo o alívio e a libertação. E quanto a ti. Ó sóis. centelhas do dia e do acaso. E observo a saída. Toco as folhas como lábios.E quanto a ti. ó estrelas do Céu. Percebo que a luz débil é o reflexo do meio-dia. recebendo. toco o peito lustroso dos melões. Aspiro o doce perfume das rosas brancas crescendo. Se não dizeis nada que poderei eu dizer? Do turvo charco na floresta do Outono. ó erva dos túmulos. A parteira acorre ao seu trabalho sem demora. Vida. Morte E quanto a ti. penso que és bom adubo mas isso não me ofende. Com você Desconhecido. se você vier passando e der comigo e me quiser falar . por que também não haveria de falar com você? .por que não há de falar comigo? E eu. de quanta vez andamos. sua arquitetura. costumes. tradições. de novo nos deixamos. .posso afirmar que só me lembro mesmo dessa mulher que se apegou a mim apaixonadamente. embora dessa cidade eu agora me lembre apenas de uma mulher que encontrei ao acaso e me deteve por amor de mim e juntos estivemos dia por dia e mais noite por noite . de novo ela a pegar-me pela mão. com suas mostras.Certa vez numa cidade Certa vez eu passei por uma cidade bem populosa. nos amamos. guardando no meu cérebro impressões para futuro emprego. e eu sem precisar ir: vejo-a bem perto a meu lado de tristes lábios trêmulos calados. Canto da estrada aberta 1. A pé e de coração leve eu enveredo pela estrada aberta, saudável, livre, o mundo à minha frente, à minha frente o longo atalho pardo levando-me aonde eu queira. Daqui em diante não peço mais boa-sorte, boa-sorte sou eu. Daqui em diante não lamento mais, não transfiro, não careço de nada; nada de queixas atrás das portas, de bibliotecas, de tristonhas críticas; forte e contente vou eu pela estrada aberta. A terra é quanto basta: eu não quero as constelações mais perto nem um pouquinho, sei que se acham muito bem onde se acham, sei que são suficientes para os que estão em relação com elas. (Carrego ainda aqui os meus antigos fardos de delícias, carrego - mulheres e homens carregos-os comigo por onde eu vou, confesso que é impossível para mim ficar sem eles: deles estou recheado e em troca eu os recheio.) Canto da estrada real - 01 A pé, alegre, sigo pela estrada real, Saudável e livre, o mundo diante de mim, O amplo caminho da terra morena à minha frente me conduz aonde me agrada. Daqui por diante não interrogarei o destino, eu mesmo serei o destino. Darei um fim às queixas de quartos cerrados, de bibliotecas de críticas plangentes, Forte e contente, sigo pela estrada real. A terra, e isto basta. Não desejo que as constelações estivessem mais próximas, Sei que elas estão muito bem onde estão, ( Até aqui trago minha antiga e venturosa carga. Levo-os, homens e mulheres, levo-os comigo aonde quer que eu vá. Juro que me é impossível deles me desfazer, Eu deles me impregnei, em troca quero impregná-los). Canto da estrada real - 15 Vamos! O caminho está aberto à nossa frente! Ele é seguro, eu já experimentei, meus pés já o provocam cuidadosamente: que nada te retenha! Que as folhas fiquem abertas sobre a mesa, e os livros sem abrir em seu armário! Que os instrumentos permaneçam nas oficinas! Que o dinheiro permaneça sem ser ganho! Que repouse a escola! Não importam os brados dos mestres! Que o pregador pregue em sua cátedra! Que arrazoe o advogado no tribunal, e o juiz exponha a lei. Camarada, dá-me tua mão! Eu te dou meu afeto mais precioso que o dinheiro, eu te dou a mim mesmo em vez de prédicas e de leis. Queres dar-te a mim? Queres seguir comigo? Seguiremos juntos, um ao lado do outro, enquanto durarem nossas vidas! Eu me dispersarei entre os homens e as mulheres do meu caminho. Escutarei os outros. por mim será bendito e me abençoará. Quem me aceitar. Quero ao largo dos caminhos absorver forças novas para mim e para vós. Aspiro grandes golfadas de espaço. senhor total e absoluto de mim mesmo. . Irei aonde eu quiser. Espargirei uma alegria e uma nudez nova entre eles. Posso sem cessar repetir aos homens e mulheres. Se alguém me repelir. Vós me fizestes tanto bem que eu desejaria outro tanto devolver-vos. ordeno a mim mesmo: liberta-te dos limites e das linhas imaginárias. não me perturbarei. ele ou ela. hei de me esquivar aos compromissos que me queiram aprisionar.05 A partir desta hora. examinarei atentamente o que dizem. O leste e o oeste me pertencem. mas com vontade indomável. E mansamente. aceitarei. meditarei. Tudo me parece admirável.Canto da estrada real . o norte e o sul me pertencem Sou maior e melhor do que eu pensava Eu não sabia que em mim continha tantas coisas boas. Deter-me-ei. que a paga é certa De uma forma ou de outra.Às vezes com a pessoa a quem amo Às vezes com a pessoa a quem amo Fico cheio de raiva Por medo de estar só eu dando amor Sem ser retribuído. mas foi daí que tirei estes cantos. (Amei certa pessoa ardentemente e meu amor não foi correspondido.) . Agora eu penso que não pode haver amor Sem retribuição. as formas. o dom de ver. que não foi fácil para mim passar e não foi fácil seguir adiante. me agradou tanto o passo inicial.Ao começar meus estudos Ao começar meus estudos. o mais pequeno insecto ou animal.o passo inicial. torno a dizer. e me agradou tanto. o amor . pois eu teria querido ficar ali flanando o tempo todo. os sentidos. o poder de movimento. me assustou tanto. a simples conscientização dos factos. . cantando aquilo em cânticos extasiados. nem ante o de sua espécie que viveu há milhares de anos. Nenhum se ajoelha ante o outro.Animais Penso que poderia desviar-me e viver com os animais. Não me aborrecem discutindo suas obrigações para com Deus. longamente. Eles não se angustiam nem se lamentam por motivo de sua condição. Não ficam acordados nas trevas chorando por seus pecados. Nenhum é respeitável ou infeliz sobre a terra inteira . Paro e fico a olhá-los. são tão plácidos e retraídos. longa. A você Seja você quem for. e diante de mim surge você em corpo e alma verdadeiros. dissipam-se a afastar-se de você. fazendas. à parte das tarefas. preocupações. morrer. comer. crimes. negócios. alegrias. beber. conversa. do comércio. a casa. lojas. trabalho. casa. comprar. costumes. maneiras. receio que você esteja trilhando as trilhas das ilusões: receio que essas supostas realidades venham a derreter-se de baixo dos seus pés e suas mãos mesmo agora os seus traços. . loucuras. sofrer. roupas. vender. generoso e saudável como a Natureza! Antes que o sol a rejeite.eu sou Walt Whitman. . antes que as águas se neguem a rebrilhar para você ou as folhagens a sussurrar por você. fique à vontade comigo . minhas palavras não se negarão a rebrilhar e a sussurrar por você. eu não a rejeitarei.A uma prostituta respeitosa Tranquilize-se. tratando o ser humano como uma criatura de políticos. governantes e sacerdotes. a vida como ela se deixa ver. tomando o pulso da vida que raramente se deixa entrever (o grande orgulho do homem consigo mesmo): cantor da Personalidade. tem explorado só o lado de fora.A um historiador Você. tratando-o como ele de fato é em seus plenos direitos. habitante dos Alleghanies. . que fala de coisas passadas. agregados. as superfícies das raças.o que eu projeto é a história do futuro. Eu. rascunhando o que ainda está por vir ... pois cada átomo que a mim pertence também a vocês pertence. Celebro a mim mesmo e canto a mim mesmo: e o que eu assumo. Crenças e escolas em estado latente. Folgo e convido minha alma. nem costume nem lição. eu.Canto a mim mesmo 1. vocês devem assumir. Folgue comigo na grama. se forma deste chão. por enquanto afastadas um pouquinho. nem você deve rebaixar-se ao outro. deito-me e folgo à vontade vendo no estio uma lança de capim. 5. Lembro como uma vez nos espichamos numa certa manhã de verão transparente. Minha língua. deste ar: nascido aqui. agora com trinta e sete anos. em plena saúde vou contando não parar até à morte. quanto para elas basta. nem palavras nem música nem rimas estou querendo. . cada átomo do meu sangue. por melhor que seja: eu gosto é do acalanto do murmúrio valvar da tua voz. afrouxe o nó da garganta. de pais aqui nascidos de pais quanto a isso iguais e os pais deles também. Creio em você. porém não esquecidas. minha alma: o outro que sou não deve rebaixar-se a você. ao bem e ao mal dou guarida e em qualquer circunstância me permito falar .natureza sem confronto com a energia original. e eu sei que o espírito de Deus é irmão do meu. a ele ou ela. Cada espécie por si e para si. que igual sorte é .e as mulheres. 7. a mim o macho e a fêmea. pilhas de pedras. irmãs e amantes minhas e que o esteio da criação é o amor e ilimitadas são as folhas secas ou caídas nos campos. e eu sei que a mão de Deus é promessa da minha. mas eu sei). e as cicatrizes dos líquens nos mourões tortos da cerca. Eu passo a morte com os agonizantes e o nascimento com os bebês lavados e não me sinto contido entre o chapéu e os sapatos. e as formigas castanhas nos buraquinhos por debaixo delas. Docemente cresceu e se espalhou em torno a mim a paz-sabedoria além de todo argumento da terra. musgo e espinhos. Não sou uma terra nem função de terra alguma. Teria alguém julgado uma sorte . nem dois iguais e todos eles bons: a boa terra e as boas estrelas e o bom de tudo o que vai por elas. sou o colega e companheiro de pessoas tão imortais e inesgotáveis todas elas quanto eu próprio (não sabem o quanto têm de imortais. flores silvestres. e isso eu sei. a mim os que já foram rapazolas e amam mulheres. .nascer? Apresso-me a informar. Manuseio objetos de formas variadas. e que todos os homens já nascidos são também meus irmãos .como forçaste a cabeça nos meus quadris e me rasgaste a camisa no osso do peito e enfiaste a língua em meu coração nu e foste assim até tocar-me a barba e foste assim até tocar-me os pés.morrer. mas ela bem que os viu e os adorou. e eu não posso ser mandado embora. vinte e oito moços e todos tão amigáveis. teimoso. crianças e criadores de crianças. Aonde é que vai assim. Dançando e rindo vem pela linha da praia o banhista número vinte e nove. e fico em volta. a mim os lábios que já deram riso e a mim os olhos que já deram lágrima. Descubram-se! Vocês para mim não são culpados nem maus nem descartáveis: eu vejo através da roupa de lã ou de algodão. sem indagarem quem estende a mão para eles: . os outros não a viram.a mim o homem que tem seu orgulho e sabe como dói ser desconsiderado. Os moços nadam de costas. Qual o moço de que ela gosta mais? Ah o mais caseiro de todos é para ela o mais bonito. e bem vestida e simpática ela se esconde por trás das venezianas da janela. Uma invisível mão também passava pelos corpos deles. as mães e as mães de mães. Vinte e oito moços tomando banho na praia. senhora? Estou só vendo: vejo você se espalhando naquelas águas. Ela é a dona da bonita casa na subida da encosta. 11. e a lhes caírem das compridas cabeleiras pequenos fios d'água lhes escorriam pelos corpos todos. As barbas dos moços resplandeciam de gotas d'água. a mim a namorada e a virgem velha. ainda que fique aí dentro do quarto parada feito um pau. se sim ou se não. claras barrigas ao sol. vinte e oito anos de uma vida de mulher e todos tão solitários. descendo trémula das frontes aos quadris. interessado. com minhas cometas e meus tambores: não toco hinos só para os vencedores consagrados. Esta é a relva que cresce onde quer que haja terra e haja água. as sobrancelhas curvadas e vacilantes. não são originais meus. e se eles não se colocam tio perto quão distantes parecem. Vocês já ouviram dizer que ganhar o dia é bom? Pois eu digo que é bom também perder: batalhas são perdidas com o mesmo espírito com que são ganhas. Eu rufo e bato o tambor pelos mortos e sopro nas minhas embocaduras . 17. não valem nada. Estes são realmente pensamentos de todo homem em qualquer tempo e lugar. que foram todos heróis! E ao sem-número dos heróis desconhecidos. Eu rufo e bato o tambor pelos mortos e sopro nas minhas embocaduras o que de mais alto e mais jubiloso posso por eles. Com música forte eu venho. toco hinos também para as pessoas batidas e assassinadas. este é o ar comum que banha o globo. não significam nada. e se não são de vocês tanto quanto meus não querem dizer nada ou quase nada. equivalentes aos heróis maiores que se conhecem! 18. nem lhes ocorre que estejam salgando alguém com a água que respingam.não sabem eles quem enche o peito e desiste. e se não são a pergunta e a resposta à pergunta. Vivas àqueles que levaram a pior! E àqueles cujos navios de guerra afundaram no mar! E a todos os generais das estratégias perdidas. nu? Como é que eu tiro energia da carne de boi que como? O que é um homem. A gemer e acovardar-se. Vivas àqueles que levaram a pior! E àqueles cujos navios de guerra afundaram no mar! E a todos os generais das estratégias perdidas. nem mais nem menos um grão de mostarda. vocês podem dizer que é de vocês: de outro modo. Por que iria eu rezar? Por que haveria eu de me curvar e fazer rapapés? Tendo até os estratos perquirido. analisado até um fio de cabelo. eu ponho o meu chapéu como bem quero. que foram todos heróis! E ao sem-número dos heróis desconhecidos. consultado doutores e feito os cálculos apropriados. Em toda pessoa eu vejo a mim mesmo. .o que de mais alto e mais jubiloso posso por eles. cheio de pós para inválidos. eu não encontro gordura mais doce do que a inserida em meus próprios ossos. Não ando pelo mundo a lastimar o que o mundo lastima em demasia: que os meses sejam de vácuo e o chão seja de lama e podridão. dentro ou fora de portas. e o bem ou mal que falo de mim mesmo falo dela também. Quem é que vai por aí aflito. equivalentes aos heróis maiores que se conhecem! 20. escutar-me seria perder tempo. o conformismo pode ficar bem para os de quarta categoria. místico. enfim? O que é que eu sou? O que é que vocês são? Tudo o que eu digo que é meu. todos estão escritos para mim e eu tenho de saber o que significa o que está escrito. Existe um mundo que toma conhecimento. O lugar de meus pés está lavrado e ajustado em granito: rio-me do que dizem ser dissolução . Se a mim mesmo eu chegar hoje. eu contente me sento. Sei que sou imortal. isso é o que basta: se ninguém mais no mundo toma conhecimento.conheço bem a amplitude do tempo. e este é o maior para mim: o mundo de mim mesmo. (Eu reconheço que.) Existo como sou. Eu sei que sou majestoso. para mim num permanente fluir convergem os objetos do universo. e se cada um e todos tomam conhecimento. Sei que não passarei assim que nem verruga de criança que à noite se remove com um alfinete flambado. não levo meu orgulho além do nível a que elevo minha casa. as delícias do céu . não vou tirar a paz do meu espírito para mostrar quanto vale ou para ser compreendido: tenho visto que as leis elementares jamais pedem desculpas. posso alcançá-lo agora bem-disposto ou posso bem-disposto esperar mais. daqui a dez mil ou dez milhões de anos. afinal de contas. 21. sei que esta minha órbita não pode ser traçada pelo compasso de um carpinteiro qualquer. Eu sou o poeta do Corpo e sou o poeta da Alma.Sei que sou sólido e são. eu me sento contente. Canto o cântico da expansão e orgulho: já temos tido o bastante em esquivanças e súplicas. o segundo eu traduzo em nova língua. e digo que não há nada maior do que uma mãe de homens. Eu sou aquele que vai com a noite tenra e crescente. noite de peito nu! Aperte mais. Eu sou o poeta da mulher tanto quanto o do homem e digo que tanta grandeza existe no ser mulher quanta no ser homem. Você já passou os outros. terra dos montes cobertos de névoa! Terra do vítreo gotejar da lua cheia apenas tinta de azul! Terra do brilho e do sombrio encontro nas enchentes do rio! Terra do cinza límpido das nuvens. rica terra de macicirais em flor! Sorria: o seu amante vem chegando! . noite das poucas estrelas grandes! Noite silenciosa que me acena . por meu gosto mais claras e brilhantes! Terra que faz a curva bem distante.estão em mim e os horrores do inferno estão em mim . noite nutriz magnética! Noite dos ventos do sul. e invoco a terra e o mar que a noite leva pela metade.o primeiro eu enxerto e amplio ao meu redor. eu mostro que tamanho nada mais é que desenvolvimento. de hálito frio! Terra das árvores líquidas e dormentes! Terra em que o sol se põe longe. Aperte mais. já chegou a Presidente? É pouco: até aí hão de chegar e irão ainda mais longe. ó terra cheia de volúpia.alucinada noite nua de verão! Sorria. pouco levando em conta neutralidades e castrações. por tanto. só ela envolve e completa tudo: surpreendente maravilha mística sozinha completa tudo. Aceito a Realidade e não ouso questioná-la. aqui está o que maneja o bisturi. embora eu nelas não more: através delas eu apenas entro num terreno em que moro. aqui está o que dos velhos pergaminhos fez uma gramática. Viva a ciência positiva! Viva a experiência exata! Tomem a planta da pedra junto com cedro e ramos de lilás: aqui está o lexicógrafo. aqui está o químico. aqui está o geólogo.Pródiga. Uma palavra de fé que jamais se altera. e aqui um matemático. impregnação de materialismo do principio ao fim. vocês têm sempre as honras iniciais! As coisas que vocês fazem são úteis. da liberdade e do extravasamento. aqui marujos que levaram seu navio por mares perigosos e desconhecidos. o Tempo aceito cem por cento. Interminável desdobrar das palavras dos tempos! A minha é uma palavra bem moderna: é a palavra Massa. é amor . Só ela é sem defeito.indizível e apaixonado amor! 23. Minhas palavras são menos indicadoras de propriedades reconhecidas e mais indicadoras da vida não expressa. aqui ou daqui em diante é sempre a mesma. amor você tem dado a mim: o que eu dou a você. . Cavalheiros. 27. só o que ninguém pode negar.o que é isso? (Giramos e giramos.) Se nada houvesse mais evoluído. (Só o que se prova a qualquer homem ou mulher. que um manual de manuais é a carne . com aqueles que tramam e conspiram. é que é. Eu simplesmente me animo e tateio. e sempre voltamos ao mesmo ponto. todos nós. 30.) Um minuto e uma gota de mim tranqüilizam meu cérebro: eu acredito que torrões de barro podem vir a ser lâmpadas e amantes.e favorecem homens e mulheres totalmente equipados e fazem ressoar o gongo da revolta e fazem ponto com os fugitivos. e para mim a menos significante é grande como todas. Não tenho calosa a concha: tenho instantâneos condutores por mim todo. Ser de uma forma qualquer . a ostra em sua calosa concha deveria bastar. o peso da noite cala bem mais fundo em minha alma. Estão todas as verdades à espera em todas as coisas: não apressam o próprio nascimento nem a ele se opõem. esteja eu parado ou em movimento. é que é. e eles apreendem todas as coisas e sem dano as conduzem através do meu ser. não carecem do fórceps do obstetra. sinto com os dedos e fico feliz: tocar com a minha a pessoa de outrem é quase o máximo a que eu posso resistir. (Que pode haver de maior ou menor que um toque?) Sermões e lógicas jamais convencem. peles tostadas de sol. entregaram as armas e marcharam prisioneiros de guerra. a faina começou ai pelas cinco e meia e às oito estava tudo terminado. canções. generosos. nenhum contava mais de trinta anos. galanteios. negociaram capitulação com honra. Eram o orgulho da raça dos rangers. aqueles cento e cinqüenta estão mudos ainda em Álamo): esta é a história do assassinato a sangue frio de quatrocentos e vinte homens moços. e que num ápice ou numa flor está o sentimento de um pelo outro.de um homem ou mulher. nove vezes o que tinham em número e o preço foi cobrado adiantado. turbulentos. . enormes. o coronel deles fora ferido e a munição havia terminado. papel timbrado e assinado. inigualáveis em montaria. não escapou ninguém para contar a tomada de Álamo. e hão de ramificar-se ao infinito a começar daí até que essa lição venha a ser de todos. novecentas as vidas do inimigo que agora os sitiava. trajados à moda descontraída dos caçadores. e um e todos nos possam deleitar e nós a eles. 34. Agora eu conto o que eu soube no Texas em minha juventude (não vou contar a tomada de Álamo. No segundo domingo de manhã foram levados em grupos e massacrados: era uma linda manhã de verão. barbudos. rifles. repastos. Em retirada tomaram a formação de um quadrado vazio com as bagagens como parapeitos. amáveis e orgulhosos. minha irmã? Por ti lamento: não se mostra enciumada ou assassina em relação a mim. riqueza e variedade mais berços hão de trazer. um jovem com não mais de dezessete anos agarrou-se ao algoz até virem dois outros afrouxá-lo e ficaram os três todos rasgados e cobertos do sangue do rapaz. eu deixo de lado: chamo todos os homens e mulheres para a frente comigo rumo ao Desconhecido. o relógio. . alguns ficaram inabaláveis em pé.Nenhum se quis sujeitar à ordem de ajoelhar. alguns tentaram inutilmente correr feito uns alucinados. Marca a hora. vivos e mortos estirados juntos onde eram vistos pelos recém-vindos. Às onze horas em ponto começou a incineração dos corpos. uns meio mortos tentavam sair de rastos e eram então despachados a golpes de baionetas ou esmagados a coronhas de espingardas. alguns poucos tombaram de uma vez com tiros na fronte ou no coração. trilhões há mais pela frente e trilhões à frente deles. meu irmão. Berços nos têm trazido riqueza e variedade. Ter-se-á mostrado enciumada ou assassina a raça humana. em relação a ti. vamos ficar de pé! O que é conhecido. Eis aí a história do assassinato dos quatrocentos e vinte homens moços. mas o que é que marca a eternidade? Temos esgotado assim trilhões de verões e invernos. Está na hora de eu falar de mim. Não digo eu que um é maior e outro é menor: o que preenche bem seu tempo e seu lugar é igual a qualquer outro. 44. os mutilados e desfigurados ainda cavando o chão. Antes de eu ser parido por minha mãe. Imensas haviam sido as preparações de mim. Todas as forças foram prontamente usadas para me completarem e me deleitarem: neste ponto é que eu me levanto agora . estrelas desviavam-se nas órbitas enviando influências a espiarem o que haveria de ficar comigo.que iria eu fazer com lamentações? Eu sou um vértice de coisas feitas e um cercado de coisas por fazer. coisa nenhuma era capaz de cobri-lo. Meus pés batem num topo do topo das escadas. Aurora após aurora atrás de mim os fantasmas se curvam. e usei bem do meu tempo e nenhum mal me fez o fétido carbono. sem ser visto. lá longe eu vejo o grande Nada inicial. embaixo tudo devidamente galgado e eu a subir e a subir sempre mais. por muito e muito. plantas enormes davam-lhe o sustento. entre a bruma letárgica a dormir. sei que já estive lá e eu aguardava sempre. Por muito tempo eu estive enrolado. Por ele a nebulosa sustentava-se em órbita. Ciclos fizeram navegar meu berço. confiantes e amigáveis os braços que me amparavam.todos têm sido cordiais comigo. remando e remando sempre como animados barqueiros: para me darem lugar. não faço conta de lamentações . os longos cirros lentos amontoavam-se para aninhá-lo. gerações me indicavam o caminho: meu feto jamais foi entorpecido. sáurios gigantes nas bocas o transportavam e o pousavam com todos os cuidados. feixes de idades em cada degrau e feixes maiores entre os degraus. Por que haveria eu de querer ver a Deus melhor que neste dia? Eu vejo algo de Deus em cada uma das vinte e quatro horas e em cada instante de cada uma delas. e coisa nenhuma há de ser tão mole que não sirva de cubo às rodas do universo.Não seja curiosa a respeito de Deus. e a qualquer homem ou mulher eu digo: . embora de Deus mesmo eu não entenda nem um pouquinho. 48. nem Deus.) Escuto e vejo a Deus em todos os objetos. e dar uma vista d'olhos ou mostrar uma vagem no seu galho confunde o aprendizado de todos os tempos. e não existe emprego ou desemprego em que um homem não possa ser herói. (Não há palavra capaz de dizer quanto eu me sinto em paz perante Deus e a morte. assim como também eu não entendo que possa alguém ser mais maravilhoso do que eu. e que eu como vocês sem um tostão no bolso posso comprar o que o mundo tem de melhor.com minha alma robusta. para ninguém é mais do que a própria pessoa. Tenho dito que a alma não é mais do que o corpo e tenho dito que o corpo não é mais do que a alma. nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo a Deus e no meu próprio rosto em cada espelho. . pois eu sou curioso sobre todas as coisas e não sou curioso a respeito de Deus. e quem anda duzentas jardas sem vontade anda seguindo o próprio funeral vestindo a própria mortalha.Deixem que se levantem as almas de vocês tranqüilas e bem postas ante um milhão de sóis! E à raça humana eu digo: . e que nada. e eu as deixo onde estão. Dificilmente saberão quem sou ou o que eu quero dizer. 52. mantenham a coragem: se me perderem num lugar. Também não sou nem um pouquinho acomodado também não sou fácil de traduzir. sacudo os cabelos brancos ao sol que se está indo embora. dando ao sangue de vocês pureza e energia. puxa a imagem de mim depois das outras e fiel como as outras no inóspito das sombras. O último passo do dia demora por minha causa. Se logo de saída não me acharem. procurem achar-me noutro: em algum ponto eu hei de estar parado à espera de vocês. faço tinir meu dialeto bárbaro sobre os telhados do mundo.acho cartas de Deus caídas pela rua e todas assinadas com o nome de Deus. Eu parto que nem ar. . mas mesmo assim eu hei de ser para vocês boa saúde. e me arrasta para o vapor e a treva. O gavião malhado cai-me em cima e me acusa e reclama da minha parolagem e do meu andar à toa. é só me procurarem debaixo das solas dos seus sapatos. derramo em remoinhos minha carne e deixo-a flutuando em pontas rendilhadas Eu me planto no chão para crescer com a relva que eu amo: quando vocês de novo me quiserem. sei muito bem que aonde quer que eu vá outras me hão de chegar pontualmente sempre e por todo o sempre. mas entre os meus amantes e no cantarolar destas canções. eu não duvido jamais que aquilo seja realmente eu.A sombra imagem minha A sombra imagem minha que para cá e para lá vai procurando um jeito de viver através da conversa.quantas vezes eu dou por mim parado a ver por onde ela passa. ah. da barganha . . quantas vezes indago e ponho em dúvida que quilo seja realmente eu. primeiro vigiando por milhas em volta para que ninguém se aproxime sem avisar. assim me deixe agora antes que se complique mais. . mas muito diferente. nem são os candidatos ao meu amor (a não ser no máximo alguns poucos) os que sairão vitoriosos. sem uma coisa tudo será inútil. não sou o que você supôs. talvez até mais. assim me deixe e siga o seu próprio caminho. ou não nascido. com o beijo prolongado do camarada ou o beijo do recém-casado. nem meus poemas farão apenas bem. onde poderei sentir os soluços do seu coração ou repousar sobre o seu quadril. pois sou o recém-casado e sou o camarada. talvez destrutivo. ou possivelmente com você a velejar no mar. Mas examinando estas folhas você se arrisca. nem em companhia. cuidado!. toda a teoria passada da sua vida e toda a conformidade com as vidas ao seu redor teriam de ser abandonadas. mesmo quando você pensar que me apanhou de modo inquestionável. você teria de desistir de tudo o mais. e nas bibliotecas permaneço como quem é mudo. pois a estas folhas e a mim você não entenderá. mas muito possivelmente com você numa colina alta. é o melhor. você logo verá que lhe escapei. eu sozinho haveria de ser seu estandarte único e exclusivo. dou-lhe um honesto aviso antes que você me tente mais.Quem quer que seja você a segurar agora a minha mão Quem quer que seja você a segurar agora a minha mão. carregue-me quando for através das terras e dos mares. ou atrás de uma rocha ao ar livre (pois em nenhum quarto coberto de nenhuma casa eu imerso. o resultado incerto. aqui eu permito que você coloque seus lábios sobre os meus. nem é pela leitura dele que você o ganhará. metendo-me entre suas roupas. Ou. ou numa praia do mar ou numa ilha sossegada. pois apenas tocar você assim é o bastante. e tocando você assim eu adormeceria em silêncio e seria carregado eternamente. tire a mão dos meus ombros. me largue e siga o seu próprio caminho. Pois não é pelo que coloquei neste livro que o escrevi. ou parvo. aquilo que sugeri. seu noviciado seria pois longo e exaustivo. eu certamente o iludirei. pois tudo é inútil sem aquilo que você poderá suspeitar em muitas ocasiões sem compreender. nem são esses que me admiram e me elogiam com jactância aqueles que me conhecem melhor. Quem é aquele que deseja se tornar meu seguidor? Quem se apresentaria como candidato às minhas afeições? O caminho é suspeito. eles também farão mal. para tentar apenas. ou morto). Ou então furtivamente em alguma floresta. elas o iludirão no princípio e mais ainda depois. se você quiser. alguns caminham ao meu lado e alguns atrás. por tudo isso eu passo). longe na mata. e aqui o que eu retiro da água. com um ramo de pinheiro. ou perambulando tarde no verão. provenientes dos campos. sozinho eu pensara: mas logo uma tropa se reúne ao meu redor. solitário. ora me adentrando um pouco. e este. este será para sempre o sinal dos camaradas. se acumularam (flores silvestres e parras e ervas brotam em meio às pedras e as cobrem parcialmente. cercado por uma multidão de espíritos. e um monte de laranjeiras silvestres e castanhas. um lírio. tudo isso eu. sentindo o cheio da terra. sem temer a umidade. distribuindo. mas somente àqueles que amam como eu mesmo sou capaz de amar. aqui. do meu bolso. aponto ou toco quando passo. longe. aqui. ora à margem do lago. e ramos de groselha e o cheiro das ameixas e o cedro aromático. um pouco de musgo que retirei de um carvalho que se vergava para o solo na Flórida. e nunca o devolvam!). aqui. e galhinhos de bordo. ou jogo a esmo a partir de mim. ó jovens. e eu no meio.Eis o que cantando na primavera Eis o que cantando na primavera eu colho para os amantes (pois quem senão eu entenderia amantes e toda a sua mágoa e alegria? e quem senão eu seria o poeta dos camaradas?). colhendo. mas o que retirei da água à margem do lago. pegando como lembrança uma coisinha aqui e ali. isso eu reservo e o hei de dar. um punhado de sálvia. jogando para quem estiver perto. dando alguma coisa a cada um. colhendo atravesso o jardim do mundo. lá eu caminho ao lado deles. mortos ou vivos – se ajuntam mais. parando aqui e ali no silêncio. antes de me perguntar para onde vou. folhas de louro e cravina. ora junto à cerca de mourões onde as pedras ali jogadas. e alguns me tomam pelo braço ou pelos ombros. uma grande multidão. indicando para cada um o que ele terá. troquem-no uns com os outros. vagueando. eles – os espíritos dos amigos queridos. (oh. mas logo passo pelos portões. passeando à margem do lago. foi aqui que eu vi por último aquele que me ama ternamente e que retorna para jamais se separar de mim. cantando. . esta raiz de cálamo será. quando andei sozinho pela praia e. chegou meu amigo. a me felicitar. e naquela noite.Quando ouvi ao final do dia Quando ouvi ao final do dia que meu nome fora recebido com aplausos no capitólio. aí sim o respirar me pareceu mais doce. e o braço descansava suavemente sobre meu peito – e naquela noite eu estava feliz. ainda assim eu não me alegrava. . meu amante. mesmo assim não foi uma noite feliz a que se seguiu. despido. mas no dia em que. em perfeita saúde. pois quem eu mais amava dormia ao meu lado sob o mesmo teto na noite fria. aí sim eu era feliz. e durante todo o dia o alimento me nutriu melhor. rindo com as águas geladas. quando tudo estava quieto. respirando o hálito maduro do outono. e quando pensei que meu querido amigo. ou quando meus planos se realizavam. ao anoitecer. já estava a caminho. refeito. e no terceiro. e. e veio o seguinte com igual alegria. me banhei. na quietude do luar de outono sua face se inclinava para mim. quando vi a lua cheia empalidecer no oeste e desaparecer na luz da manhã. como se se dirigissem a mim num sussurro. cantando. quando eu farreava. e vi o sol nascer. e o lindo dia transcorreu perfeito. ouvi as águas fluindo lenta e continuamente ao longo da costa. me levantei da cama ao amanhecer. antes. ouvi o murmúrio suave do líquido e das areias. homens. meus queridos amigos. nos cercam e nos perpassam. e fico em silêncio. inaudita. águas brilhantes a fluir. ou nada enfim. densidades. cores. e a coisa real ainda esteja por conhecer (quão frequentemente se desligam de si mesmas como se para me confundir e zombar de mim! quão frequentemente penso que não sei nem homem nenhum sabe nada a respeito delas). e estou satisfeito. de que talvez a identidade para além do túmulo seja apenas uma linda fábula. a segurar minha mão. plantas. da incerteza afinal de que possamos estar iludidos. formas. e não me falta mais nada. talvez tudo seja (como sem dúvida é) apenas aparições. colinas. para mim essas e outras questões semelhantes são de algum modo respondidas pelos meus amantes. quando aquele que eu amo viaja comigo ou se senta segurando longamente minha mão. não posso resolver a questão das aparências ou a da identidade para além do túmulo. o sentido que as palavras e a razão não detêm. a partir de pontos de vista totalmente diferentes. os animais. de que talvez a confiança e a esperança não sejam afinal senão especulações. o impalpável.A terrível dúvida das aparências Da terrível dúvida das aparências. me satisfez completamente. talvez me parecendo aquilo que são (como sem dúvida parecem) no meu presente ponto de vista e podendo revelar-se depois (como naturalmente poderiam) como não sendo nada daquilo que parecem. ele. de que talvez as coisas que observo. quando o ar sutil. o céu do dia e da noite. . mas caminho ou me sento. então me sinto invadir por uma sabedoria indizível. indiferente. nossos. supõem-se que a homenagem a nosso país se deve a emancipação dos escravos. tu. onde revele seus problemas e empecilhos. mais do que a Coroa). hoje. nossos o anseio presente. irmão brasileiro – teu amplo lugar está pronto. que és claro. para ti se estende o nosso braço. . cheio de sol! (Deixa o futuro cuidar de si. 1889-1890) Bem-vindo. se volta a nossa cabeça – para ti se volta o nosso olho expectante. a meta democrática. uma mão amorosa – um sorriso do norte – um pronto e caloroso aceno. a aceitação e a fé). as alturas de ser esplêndida humanidade! Nota: Um dos últimos poemas de Whitman. aprendendo bem a lição verdadeira da luz de uma nação em pleno céu (brilhando mais do que a Cruz. refulgente! Tu.Uma saudação de natal (De uma constelação do Norte para uma do Sul. tu livre de embaraços. como razões. . minhas crianças. se preciso for! Alimentar o resto da vida com uma hora de completude e liberdade! Com uma hora breve de loucura e alegria. ó noivo e noiva!) Oh. o poço fundo e escuro – tudo isso a se desatar e a se iluminar! Oh. galgar os céus do amor que foi indicado para mim! Subir até lá com minha alma inebriada! Perder-me. eu dos meus e vocês dos seus! Encontrar uma nova relação – desinteressada – com o que há de melhor na Natureza! Tirar da boca a mordaça! Ter hoje ou todos os dias o sentimento de que sou suficiente como sou! Oh. qualquer coisa ainda não experimentada! Qualquer coisa em transe! Escapar totalmente aos grilhões e âncoras dos outros! Libertar-me! Amar livremente! Arremeter perigosa e imprudentemente! Cortejar a destruição com zombarias e convites! Ascender. e plantar em vocês pela primeira vez os lábios de um homem decidido. e vocês se entregarem a mim. quem quer que sejam vocês. o nó de três voltas. o quebra-cabeça. me entregar a vocês. retornar ao Paraíso! Ó acanhados e femininos! Oh. num desafio ao mundo! Oh. Oh. beber os delírios místicos mais fundamente que qualquer outro homem! Ó dolências selvagens e ternas! (Recomendo-as a vocês. não me confinem! (O que é isto que me liberta assim nas tempestades? Que significam meus gritos em meio aos relâmpagos e aos ventos rugidores?) Oh. precipitar-me onde finalmente haverá espaço e ar o bastante! Ser absolvido de laços e convenções prévias. puxar vocês para mim.Uma hora para a loucura e a alegria Uma hora para a loucura e a alegria! Ó furiosos! Oh. Dou-as a vocês. lutando hoje como sempre. hurras. sempre os ávidos olhos. batalhando como sempre.Vida Sempre a indesencorajada alma do homem resoluta indo à luta. curiosa e por fim não convencida. . palmas de boas-vindas. o ruidoso aplauso.) Sempre o cerrado mistério de todas as idades deste mundo antigas ou recentes. sempre a alma insatisfeita. (Os contingentes anteriores falharam? Pois mandaremos novos contingentes e outros mais novos. o movimento das ondas. cada pé do interior está apinhado de milagres. os navios que vão com homens dentro — existirão milagres mais estranhos? . ou siga as abelhas atarefadas junto à colmeia antes do meio-dia de verão ou animais pastando na campina ou passarinhos ou a maravilha dos insectos no ar. cada metro quadrado da superfície da terra por milagre se estende. essas e outras coisas. Cada momento de luz ou de treva é para mim um milagre. O mar é para mim um milagre sem fim: os peixes nadando. ou fale durante o dia com uma pessoa a quem amo. de nada sei que não sejam milagres: ou ande eu pelas ruas de Manhattan. ou o estranho contorno delicado e leve da lua nova na primavera. ou à mesa tome assento para jantar com os outros. ou erga a vista sobre os telhados na direcção do céu.Milagres Ora. ou pise com os pés descalços bem na franja das águas pela praia. as pedras. quem acha que um milagre é alguma coisa de especial? Por mim. ou vá de noite para a cama com uma pessoa a quem /amo. umas ligadas às outras ainda que cada uma bem distinta e no seu próprio lugar. milagre cada polegada cúbica de espaço. uma e todas — para mim são milagres. ou olhe os desconhecidos na carruagem de frente para mim. ou a maravilha de um pôr-de-sol ou das estrelas cintilando tão quietas e brilhantes. cerimónias. e para mim muitas vezes esses homens e mulheres passam sem testemunhar as verdades da vida e andam correndo atrás de coisas falsas. . gente afobada. e para mim é gente triste muitas vezes. e nada mais. e similares: para mim tudo isso a que chegam tais pessoas afunda diante delas — a não ser quando acrescenta um resultado qualquer para seus corpos e almas — de modo que elas muitas vezes me parecem desajeitadas e nuas. e o cerne da vida de cada qual (a que se dá o nome de felicidade) está cheio de pútrido excremento de larvas. e para mim uma está sempre zombando das outras e a zombar dele mesmo ou dela mesma.Das Pessoas que Atingem Posições Elevadas Das pessoas que atingem posições elevadas. estremunhados sonâmbulos tacteando no escuro. e para mim são muitas vezes pessoas que pautam as suas vidas por um hábito que a elas foi imposto. erudição. riqueza. Pensamentos Da propriedade — como se alguém apto a possuir coisas não pudesse entrar na posse delas à vontade e incorporá-las. do que uma vez faltava sobre a terra e que a seu tempo foi propiciado — e do que ainda está por ser propiciado. pois tudo o que eu vejo e sei creio ter seu sentido mais profundo no que ainda está por ser propiciado. e a jornada sempre a continuar). a ele ou a ela. da vista — pressupõe um olhar para trás. . atravessando o caos em formação a imaginar a evolução. a plenitude. a vida a que se chega na jornada agora (eu porém vejo a estrada continuando. não sinto inveja desses generais nem do presidente na presidência nem do rico na sua vistosa mansão. de como tudo se passou com eles. de como juntos passaram a vida através do perigo.Quando Analiso a Conquistada Fama Quando analiso a conquistada fama dos heróis e as vitórias dos grandes generais. . sem mudança por longo e longo tempo atravessando a juventude e a meia-idade e a velhice sem titubeios. do ódio. mas quando eu ouço falar do entendimento fraterno entre dois amantes. de como leais e afeiçoados se mantiveram — aí então é que eu me ponho pensativo e saio de perto à pressa com a mais amarga inveja. nada inventei. reminiscência alguma de um acto de bravura pela América. nem mesmo um livro bom para as estantes — apenas uns poucos cantos vibrando no ar eu deixo aos camaradas e amantes. nenhum sucesso literário ou intelectual. nem sou capaz de deixar para trás nenhum rico donativo para fundar um hospital ou uma biblioteca.Máquina Alguma de Poupar Trabalho Máquina alguma de poupar trabalho eu fiz. . situado a doutrina de Platão. e mesmo sem chegar a Sócrates eu vejo com absoluta clareza. tendo estudado bastante o divino Cristo.) Tendo estudado antigos e modernos. de uma cidade por outra. eu vos deixo uma palavra que fique nas vossas mentes e nas vossas memórias como princípio e também como fim de toda a metafísica. . de filhos pelos pais. a atração de um amigo pelo amigo. eu vejo hoje reminiscências daqueles sistemas grego e germânico. e sem chegar até o divino Cristo. cavalheiros. Schelling e Hegel. Fichte. e outros ainda superiores a Sócrates buscando pesquisar e situar. deparo todas as filosofias. (Tal qual o professor aos estudantes ao encerrar o seu curso repleto. eu vejo o puro amor do homem por seu camarada.A Base de Toda a Metafísica E agora. sistemas dos gregos e dos germânicos. tendo estudado e situado Kant. de uma terra por outra. de uma mulher pelo marido e vice-versa quando bem conjugados. e Sócrates superior a Platão. templos e dogmas cristãos encontro. com o meu temor de perder-te depois. separa-nos o mar irresistível levando-nos algum tempo afastados. a coesão de tudo tão perfeito! Quanto a mim e a ti. estamos salvos. me atormentas assim? Por que. me provocas só durante um breve momento? Por que é que não continuas? Por que. meu amor. olha a imensa curvatura. embora não possa afastar-nos sempre: não fiques impaciente — um breve espaço e fica certa de que eu saúdo o ar. tocar-te. todos os dias ao pôr-do-sol por tua amada causa. não estamos assim tão separados. há longo tempo fiz uma extensa caminhada apenas para te olhar. pois não podia morrer sem te olhar uma vez antes. a terra e o oceano.Do Inquieto Oceano da Multidão Do inquieto oceano da multidão veio a mim uma gota gentilmente suspirando: — Eu te amo. também sou parte do oceano. retorna em paz ao oceano. — Agora nos encontramos e olhamos. perdes logo a força? Será porque. logo me matarias com certeza? . meu amor. Ó HÍMEN! Ó HIMENEU! O hímen! O himeneu! Por que. meu amor. se durasses além do breve momento. todo o universo é uma procissão em movimento medido e perfeito. (Onde mais lançaria ele a sonda. nem é mais: ele também está no seu lugar. (Tudo é uma procissão. o maior entusiasmo e as mais profundas paixões ficam-lhe bem: o orgulho cabe a ele. nada? . de si mesmos. da mesma forma que qualquer um de vocês: cada qual há-de ter na procissão o lugar dele ou dela. É o mais humilde numa turma de operários? É um dos imigrantes de face turva apenas desembarcados no cais? São todos daqui ou de qualquer parte. é acção e força. ele também é todo qualidades. ficam-lhe bem os apetites e a ousadia. fica-lhe bem o saber e ele o aprecia sempre. fica-lhe bem o desdém.) Saberão vocês tanto. no fim é aqui que ele faz a sondagem. só — para ele e ela. da mesma forma que os bem situados. orgulho de homem à potência máxima é calmante e excelente para a alma. quaisquer que sejam o mar e o vento. que ao mais humilde chamem de ignorante? Consideram-se com todo direito a uma boa visão e a ele ou ela sem nenhum direito a uma visão? Acham então que a matéria se fez coesa na inconsistência em que flutuava e que a crosta subiu e se fez chão e as águas correm e brotam as plantas para vocês. sagrado — não importa de quem seja. tudo ele chama à experiência própria. qualquer que seja o terreno.O Macho O macho não é menos a alma. senão aqui?) Sagrado é o corpo do homem como sagrado é o corpo da mulher. nele se encontra o fluxo do universo conhecido. e o que do céu se esperava e do inferno se temia. está no lugar dela e movimenta-se em perfeito equilíbrio. Eis o núcleo — depois vem a criança nascida de mulher. tempos. tudo termina: estranhos filamentos e renovos incontroláveis vêm à tona dela. ela atrai com ardente e irrecusável poder de atração. . maré de influxo e influxo de maré. e as minhas também difusas. tudo se põe de lado — artes. A fêmea contém todas as qualidades e a graça de as temperar. a emergência do pequeno e do grande. carne de amor a inturgescer de dor deliciosamente. Não se envergonhem. curvas de pernas. e a acção correspondente é igualmente incontrolável. mulheres: é de vocês o privilégio de conterem os outros e darem saída aos outros — vocês são os portões do corpo e são os portões da alma. e de novo a saída. religiões. perdida na separação do dia de carne doce e envolvente. eis o banho de origem.Esta é a Forma Fêmea Esta é a forma fêmea: dos pés à cabeça dela exala um halo divino. vem o homem nascido de mulher. quadris. trémula geléia de amor. é ao mesmo tempo passiva e activa. displicentes mãos caindo todas difusas. inesgotáveis jactos límpidos de amor quentes e enormes. eu me sinto sugado pelo seu respirar como se eu não fosse mais que um indefeso vapor e. o que na terra é sólido e visível. a ondular para o presto e proveitoso dia. a não ser ela e eu. alucinado sopro e sumo em delírio. peitos. letras. noite de amor de noivo certa e maciamente laborando no amanhecer prostrado. cabelos. ela é todas as coisas devidamente veladas. assim como através de um nevoeiro. eu vejo Uma de indizível plenitude e beleza e saúde. com a cabeça inclinada e os braços cruzados sobre o peito — a Fêmea eu vejo. tanto filhas como filhos. . Assim como na Natureza eu vejo minha alma refletida.e está no mundo para dar ao mundo tanto filhos como filhas. Fonte: http://www. é que é. e um e todos nos possam deleitar e nós a eles. (Que pode haver de maior ou menor que um toque?) Sermões e lógicas jamais convencem o peso da noite cala bem mais fundo em minha alma.Estão Todas as Verdades à Espera em Todas as Coisas Estão todas as verdades à espera em todas as coisas: não apressam o próprio nascimento nem a ele se opõem. e para mim a menos significante é grande como todas. não carecem do fórceps do obstetra.citador. é que é.arquivors. e hão-de ramificar-se ao infinito a começar daí até que essa lição venha a ser de todos.pt/poemas/a/walt-whitman http://www. e que num ápice ou numa flor está o sentimento de um pelo outro. (Só o que se prova a qualquer homem ou mulher.) Um minuto e uma gota de mim tranquilizam o meu cérebro: eu acredito que torrões de barro podem vir a ser lâmpadas e amantes. só o que ninguém pode negar.com/ . que um manual de manuais é a carne de um homem ou mulher.