PLUTARCO - LICURGO-1

March 19, 2018 | Author: Osíris Moura | Category: Sparta, Oracle, Apollo, Love, Currency


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1LICURGO 1— Nada pode afirmar-se com segurança acerca do legislador Licurgo. A sua origem, as suas viagens, a sua morte, finalmente as suas próprias leis e a forma de governo que estabeleceu são relatados diferentemente pelos historiadores; mas, no que eles menos concordam é na época em que viveu. Uns, consideram-no contemporâneo de Ífito e dizem que ajustou com ele o armistício que se observa durante os jogos Olímpicos. Pertence a este número o filósofo Aristóteles, que invoca como prova da sua asserção um disco olímpico em que aparece, gravado o nome de Licurgo. Eratóstenes, Apolodoro e outros, que contam o tempo pela sucessão dos reis de Esparta, julgam-no anterior de muitos séculos à primeira olimpíada. Como houve em Esparta dois Licurgos, em épocas diferentes, Timeu supõe que se atribuem as acções de um e outro àquele que teve maior reputação; e crê que o mais antigo não viveu longe do tempo de Homero e até mesmo, segundo alguns autores, tinha sido contemporâneo do poeta. Xenofonte1 dá a entender que ele seria antiquíssimo quando diz que viveu no tempo dos Heráclidas. De facto, os últimos reis de Esparta também eram da raça de Héracles; mas é provável que este historiador se refira apenas aos primeiros descendentes, que viveram pouco depois deste herói. Todavia, no meio das incertezas em que a história flutua a respeito de Licurgo, procuraremos, recolhendo o que sobre ele se tem escrito, cingir-nos ao que tiver menos contraditores e mais testemunhos dignos de crédito. 2 — O poeta Simônides diz que Licurgo era filho de Pritanis e não de Eunómio; mas a maior parte dos escritores atribue outra genealogia a Licurgo e Eunómio. Segundo eles, Sous teve por pai Patroclo, filho de Aristódemo; de Sous nasceu Euritíone, de Euritione nasceu Pritanis, de Pritanis Eunómio que, de sua primeira mulher, teve Polideto e da segunda, chamada Dianasse, nasceu Licurgo. O historiador Eutíquidas diz que Licurgo era o sexto descendente de Patroclo e o undécimo a partir de Héracles. Sous foi o mais célebre dos seus antepassados. No seu reinado, os espartanos reduziram os hilotas à servidão e aumentaram o seu território à custa duma parte da Arcádia. Conta-se que este príncipe, vendo-se cercado pelos clitorianos, numa posição difícil, onde não havia água, lhes propôs abandonar as terras conquistadas pelos espartanos se o deixassem beber e ao seu exército, numa fonte próxima do acampamento deles. Os clitorianos aceitaram a proposta; e, depois dos juramentos feitos dum lado e outro, Sous retiniu as suas tropas e disse-lhes que cederia a realeza a quem, dentre todos, se abstivesse de beber; mas nenhum teve essa coragem. Depois de todos terem bebido, desceu ele, em último lugar, até à fonte; e, limitando-se a refrescar o rosto na presença dos inimigos, retirou-se e conservou as terras, sob pretexto de que não tinha bebido todo o exército. Contudo, apesar do apreço que as suas belas acções lhe tinham grangeado, não foi o seu nome que se transmitiu aos descendentes, mas o do filho, Euritíone; e chamaramlhe a família dos Euritiónidas. Deve-se isso, sem dúvida, ao facto de ter sido Euritíone o primeiro que moderou, a favor do povo cujas boas graças queria conquistar, a autoridade excessivamente absoluta das reis de Esparta. Esta moderação, tornando o povo audacioso, fez que os reis que lhe sucederam caíssem no desagrado do povo quando pretendiam reprimi-lo pela força, ou suscitassem o seu desprezo se transigiam por condescendência e por fraqueza. Assim, durante muito tempo, Esparta foi pasto da licença e da anarquia. O pai de Licurgo chegou a ser vítima disso: querendo separar uns homens que brigavam, foi ferido com uma faca de cozinha e morreu, deixando o trono a seu filho Polídeto. 3 — Polídeto morreu pouco depois, sem f i lhos, e toda a gente supôs que Licurgo ia ser rei; foi-o de facto, enquanto se ignorou o estado de gravidez da rainha, sua cunhada. Desde, porém, que se soube disso, ele declarou que se ela tivesse um filho pertencer-lheia a coroa; e, a partir desse momento, governou o reino na qualidade de tutor. Os lacedemônios dão o nome de “pródicos”aos tutores dos reis órfãos. Todavia a viúva comunicou-lhe secretamente que, se ele quisesse desposá-la quando fosse rei, ela provocaria um aborto. Licurgo ficou horrorizado com a sua infâmia, mas não lhe rejeitou a proposta; mostrou até que a aprovava e consentia nisso: disse-lhe apenas que não tomasse nenhuma beberagem que pudesse prejudicá-la e comprometer a sua saúde, ou mesmo pô-la em perigo de vida; que, logo que a criança nascesse, ele procuraria os meios de se desfazer dela. Entreteve-a assim até o fim da gravidez e, mal soube que 1 “República de Esparta” 5 — Entretanto os lacedemônios. no Egito. apressou-se a copiá-las e reuniu-as num só corpo para as levar para a Grécia. onde fez uma classe à parte dos operários e artífices e estabeleceu assim a forma de governo mais nobre e mais pura. Havia então em Creta um homem afamado pela sabedoria e pelo conhecimento da ciência política. Licurgo fez vela para a Ásia. levaram-no a afastar-se. (Aristóteles. o caminho de Licurgo para a instrução dos lacedemônios. Todavia. com os seus rogos e provas de amizade. Foi lá provavelmente que ouviu pela primeira vez as poesias de Homero que estavam nas mãos dos descendentes de Cleófilo. porque todos os presentes manifestaram a maior alegria e louvaram a magnanimidade e justiça de Licurgo. VIl. Segundo Aristóteles. para se por ao abrigo de qualquer suspeita. Leônidas. Ela teve um filho. desgostosos com a sua ausência. Políbio apresenta entre eles algumas diferenças importantes. levarem-lho imediatamente onde quer que estivesse. Ao todo. e. filho de Hiparco. enviou-Ihe pessoas de confiança para assistir ao parto e cuidar dela. ao passo que em Licurgo reconheciam a aptidão 2 Carilau significa alegria do povo. moderavam insensivelmente o espírito dos auditores. Como um médico compara corpos sãos e robustos com corpos fracos e doentes. caps. disse-lhe saber muito bem que ele reinava. realmente. 3 . 4 — Partiu. através deste confronto. se fosse um rapaz. audaciosamente. que se tenha transportado até à índia para conversar com os gimnosofistas. enquanto Licurgo ceava com os magistrados. até que seu sobrinho tivesse um filho para lhe suceder. as diferenças que os costumes introduzem nos governos. tendo admirado sobretudo a que separa os homens de guerra de todas as outras classes do povo 4 . Política. Em seguida pô-lo na cadeira real e pôs-lhe o nome de Carilau 2 . De Creta. a transportou para a Lacedemônia. Preparou assim. se o jovem príncipe morresse. Platão e Xenofonte. pois. a quem Licurgo persuadiu. As suas odes eram outras tantas exortações à obediência e à concórdia. ele tomou-a nos braços e disse aos assistentes: “Espartanos. como hábil legislador. acusassem Licurgo de se ter desfeito dele. neste ponto. eis o nosso rei que nasceu”. a confiarem às criadas. julgando que a moral e a política que elas encerram não tem menos de útil que as suas ficções e lendas de agradável. o governo de Esparta foi organizado nos moldes do de Creta. Estas poesias eram já vagamente conhecidas aí e algumas pessoas tinham fragmentos delas que se espalhavam dum lado para outro. não sei de nenhum outro escritor que o tenha dito além de Aristócrates de Esparta. À frente deles estavam os parentes e amigos da mãe do rei que se considerava ludibriada. 4 Os guerreiros constituíam. Chamava-se Taletas e era poeta lírico. Essas pessoas tinham ordem para. O desgosto que teve e o receio dos acontecimentos. Alguns historiadores estão de acordo. ele quis. sempre incertos. ao que parece. VII). no entanto. de certo modo. onde observou cuidadosamente o governo e teve frequentes conferências com os homens de maior reputação. Houve. propalava os mesmos boatos. com os do Egito.2 estava com as dores. tendo-o insultado um dia. comparar os costumes simples e austeros dos cretenses com a vida voluptuosa e requintada do jônios e conhecer. A constituição de Cartago era também semelhante. VI. ao mesmo tempo cheias de doçura e de veemência. mas conservou sempre a estima dos seus concidadãos e a maior parte obedecia-lhe muito mais por respeito à sua virtude que por receio da grande autoridade de que estava revestido como tutor do rei. outras houve que rejeitou. se nascesse uma menina. conduzia-se. apoiadas na medida e na harmonia. mas que tenha ido à Líbia e à Ibéria. a ir estabelecer-se na Lacedemônia. por sua vez. e. e entre as suas instituições. porque tinham reis que apenas se distinguiam do simples povo pelo título e pelas honras. II. invejosos que quiseram aproveitar-se da juventude do rei para lhe criar atritos. Queria torná-lo suspeito com esta calúnia e prevenir todos contra ele. inspirando-lhes o amor da virtude e fazendo cessar os ódios que os dividiam. para que. tendo-lhe apresentado a criança. não tinha reinado mais que oito meses. mas parecendo que compunha apenas peças de canto. e dirigiu-se primeiro a Creta3. A mãe de Carilau. Os criados entraram na sala e. enviaram-lhe várias deputações a pedir-lhe que voltasse. decidiu-se a viajar. uma classe aristocrática à qual era vedado exercer qualquer outra profissão. Os egípcios pretendem que Licurgo viajou também entre eles. irmão da rainha. liv. Mas Licurgo foi o primeiro que as tornou geralmente conhecidas. Concordou plenamente com algumas das suas leis e coligiu-as para as aplicar quando regressasse a Esparta. a fim de se impor pela força àqueles que quisessem resistir-lhe. e era necessário. como refere Tácito. um regime inteiramente novo. Ela acrescentou que Apolo lhe satisfazia o pedido que ele lhe havia feito de dar boas leis ao seu país e estabeleceria aí o melhor de todos os governos. logo que chegou a Esparta expôs os seus projectos às principais pessoas da cidade e instou-as a que o secundassem. Quando se manifestou o tumulto causado por esta diligência. refugiou-se no templo chamado Calcieco. porém. Destes trinta. reunirás o Conse5 O santuário de Delfos. As respostas eram atribuídas aos deuses e dava-se-lhes o nome de or á c u l o s . ordenou a trinta dos mais notáveis que comparecessem armados na praça pública no dia seguinte. ofereceu um sacrifício ao deus e obteve a célebre resposta pela qual a Pítia 6 o declarava amigo dos deuses e até mais um deus do que um homem. Tendo encontrado. colocada entre estas duas forças opostas. ora para a democracia. quando tiveres dividido o povo em tribos e estabelecido um Senado de trinta membros.3 natural para governar e o poder de captar os espíritos. caíam num estado de delírio durante o qual respondiam às preguntas que os consulentes lhes faziam. no dizer de Platão. como era naturalmente bondoso. foi como um lastro e um contrapeso que as manteve em equilíbrio e deu ao governo uma posição mais firme e mais estável. incluindo os dois reis. Na minha opinião. ao despontar do dia. impelido ora para a tirania. concebido nestes termos: “Quando tiveres construído um templo a Zeus Silaniano e a Atenea Silaniana 10 . Este organismo que ele associou aos reis. Este havia oscilado. Segundo Aristóteles. os seus humores viciosos. contando que a sua presença servisse de freio à licença e à indocilidade do povo. até então. a Júpiter e Minerva. Mas Esferus afirma que desde o começo apenas vinte e oito pessoas faziam parte do seu projecto. concordou com a orientação do tio. cuja autoridade era excessiva. pelos reis. ainda que elas fossem feitas mentalmente. se ele nem sequer é mau para os próprios maus?” 7 — De todas as novas instituições introduzir das por Licurgo. 10 . depois de seis. e tranquilizado com os juramentos que lhe fizeram. o conselho ficasse constituído por trinta membros. A sua bondade levou Arquelau. Quando julgou o momento oportuno. destruir. numa agitação contínua. entre os romanos. formado por sete multiplicado por quatro. a Gerúsia. A princípio tinha-se dirigido secretamente aos seus amigos. uma espécie de Senado aristocrático. em seguida. a primeira e a mais importante foi a Gerúsia9. com remédios adequados. Talvez nisso tivesse atendido às propriedades deste número que. 6 Pítia era o nome que se dava à sacerdotisa de Apolo em Delfos. e. mas depois. como num corpo mal constituído e cheio de doenças. Estas designações de Zeus e de Atenea não aparecem em mais nenhum autor. a principal causa da prudência do governo e da salvação do Estado. seu colega na realeza8. Encorajado por estes oráculos. a dizer um dia diante de algumas pessoas que louvavam a doçura do jovem príncipe: “Como não havia Carilau de ser bom. os sacerdotes e sacerdotisas. empreendeu imediatamente a reforma completa do governo. foi o mais famoso da antiguidade. derivados do nome duma cidade chamada Selásia. aquele que teve um papel mais preponderante em tudo quanto ele fez e mais o ajudou a estabelecer as suas leis chamava-se Artmíadas. e que investiu dum poder igual ao da realeza. é um numero pleno e é. pelo povo. respectivamente. afim de lhe modificar a natureza. 8 9 A forma de governo em Espúria era uma monarquia governada por dois reis. ele tê-la-ia fixado em vinte e oito para que. Zeus e Atenea correspondem. sem ele. o historiador Hermipo 7 designa os vinte principais. Os vinte e oito gerontes que a formavam punham-se ao lado dos reis quando era preciso suster os progressos da democracia e fortaleciam o partido do povo para impedir que o poder dos reis degenerasse em tirania. Nos santuários. persuadido de que leis parciais não teriam nenhuma utilidade. no seu regresso. que receava que lhe quisessem fazer mal. um oráculo chamado retro. os espíritos tão bem preparados. foi. saiu do templo. utilizando processos hipnóticos. porque dos trinta cidadãos que a principio se lhe tinham associado houve dois a quem o medo fez abandonar a empresa. Atribuiu tal importância à constituição da Gerúsia que trouxe de Delfos. Nome dado em Esparta ao conselho dos anciãos. captou outros pouco a pouco e por fim chegou a interessar muita gente no bom êxito da sua empresa. 6 — Animado com este propósito. Os próprios reis desejavam o seu regresso. consagrado a Apolo. apenas para este organismo. fixou em vinte e oito o número de gerontes. informado dos verdadeiros desígnios de Licurgo. Carilau. e prescrever-lhe. 7 Autor das Vidas dos filósofos e dos legisladores. o primeiro número perfeito porque é igual às suas partes. foi primeiro a Delfos consultar Apolo5. com os dois reis. Dacier propõe que se substituam por Selasiano e Selasiana. nenhum particular tinha o direito de apresentar propostas para deliberação. como diz Platão. (Estrabão. Deste modo os reis de Esparta não se sujeitavam ao que sucedeu. O primeiro que foi nomeado pelo rei Teopompe chamava-se Elatus. Aos sagrados oráculos rendam seu preito. até. tendo por elas respeito. o luxo e as duas maiores e mais antigas 11 Nome dado em Esparta à Assembléia do povo. privada de quaisquer haveres e reduzida à miséria. Mais tarde. a avareza. O Babica e o Cnaquíone chamam-se agora o Enonte. os dois reis e os gerontes é que as apresentavam. Eles tinham tido as mesmas vantagens que estes últimos e ainda uma sorte melhor na partilha das terras13. o seguinte artigo: “Se o povo modifica ou adultera os decretos. competindo ao povo rejeitá-las ou aprová-las. Cleômeno III (236-222) tentou restaurar o poder real restringindo a influência dos iforos. enquanto todas as riquezas estavam na mão dum pequeno número. interrompem a assembléia e em vez de confirmar as decisões dele. se distraem a contemplar estátuas. os reis Polidoro e Teopompe acrescentaram. 14 Depois da ruína das duas cidades. A mulher deste príncipe censurou-o nessa ocasião dizendo-lhe que ele deixaria aos filhos a realeza mais diminuída do que a tinha recebido: “Pelo contrário. por parte dos seus súbditos. no entanto. àqueles que. sentimentos de orgulho e de vaidade. que queria banir de Esparta a insolência. que foram estabelecidos cerca de cento e trinta anos depois de Licurgo. Mais tarde. entre o Babica e o Cnaquíone. Os lacedemônios reuniam as suas assembléias neste espaço onde não havia edifícios nem pórticos ornados de pinturas. ao oráculo a que nos referimos. 12 Os éforos eram 5 cidadãos nomeados anualmente dentro da classe do povo para fiscalizarem os actos dos reis e dos magistrados. refugiou-se num templo de Atenea onde morreu de fome (477 anos antes J. acrescentando ou suprimindo alguma coisa aos decretos da Gerúsia. mas isso só mais tarde se reconheceu14 . chegava muitas vezes a alterá-los e até mesmo a desnaturá-los por completo. conservarás o poder de prolongar ou suspender a assembléia e conferirás ao povo o direito de confirmar ou anular o que lhe for proposto”. 8 — Na Apela11. Neste ponto. 10 — A segunda e mais ousada iniciativa de Licurgo foi a partilha das terras. mas nflo e conseguiu. aos quais podiam suspender ou condenar. conforme a época. constituída por todos os cidadãos que tivessem completado 30 anos. que pronunciou a Pítia inspirada: “Que em Esparta se conceda sempre aos dois reis Presidir à Gerúsia que propõe as leis. Licurgo. Licurgo estava persuadido de que estes ornamentos não se prestavam a tomar boas resoluções. quer dizer. deixar-lha-ei tanto mais acrescida quanto mais duradoura for”. bastante montanhoso. mas segundo Aristóteles.a inveja. VIII). vivia a expensas da cidade. como o povo. pô-la ao abrigo da inveja e dos perigos que acarreta. acusado de traição e condenado à morte. que eles prejudicavam. respondeu ele.). 13 O território de Esparta. a autoridade dos éforos 12 . mas. Estes reis persuadiram o povo de que este artigo tinha sido acrescentado por ordem do próprio deus. por não terem querido moderar o seu poder tornando-o mais popular. . Com efeito. Deu-se-lhe então por freio.” 9 — Foi assim que Licurgo moderou a forma de governo. como se deduz do seguinte passo de Tirteu: Eles trouxeram-nos a resposta sagrada Do deus. cujo poder excessivo ameaçava a liberdade pública. o Cnaquíone é um rio e Babica uma ponte. tirando-lhe o que ela tinha de excessivo. Nada influenciou tanto a sabedoria e previdência de Licurgo como o conhecimento das perturbações e males políticos que afectaram os povos da Messênia e da Argólida. E que os cidadãos. C. anulam o que tivesse sido alterado e deformado nas propostas da Gerúsia. aos reis de Messenas e de Argos. reconheceu-se que os trinta gerontes formavam um oligarquia absoluta. não foram felizes por muito tempo: o abuso da autoridade dos reis e a insubordinação do povo lançaram essas duas cidades na desordem e mostraram que particular favor os deuses dispensaram aos espartanos dando-lhes um legislador que tinha sabido regular e moderar o seu governo com tanta sabedoria. porém. era em geral pouco fértil. que os reis e os gerontes se retirem”. havia entre os cidadãos uma tão extraordinária desigualdade que a maior parte. ao passo que a Messénia e a Argólida eram as regiões mais ricas da Grécia. Pausanias tentou abolir esta magistratura. Mais tarde. quadros e decorações como as que se exibem nos nossos teatros para embelezar a cena. vizinhos e parentes dos espartanos. sugerindo pensamentos inúteis. reunidos para deliberar sobre os negócios públicos. liv.4 lho. setenta médimnos15 de cevada para um homem e doze para uma mulher. a conferir todas as distinções apenas ao mérito e não reconhecer outra diferença além da que resulta naturalmente do repúdio do vício e do amor da virtude. Alguns anos majs tarde. a fim de lhe fazer perder a resistência e a dureza e torná-lo inútil para qualquer outra coisa: este ferro. todas as despezas com a alimentação ficavam a cargo do tesouro público. A cor impedia que se notasse a imundície da água que os soldados são obrigados. com vinho e outros produtos em proporção. 17 Em Creta.5 moléstias de todos os governos. 13 — Licurgo. Deste modo os espartanos não podiam comprar nenhuma espécie de mercadoria estrangeira. quando este ferro era levado ao rubro. consentir numa nova partilha. a esta partilha: dividiu as terras da Lacônia em trinta mil partes que distribuiu pelos habitantes dos campos e fez nove mil quinhões. As imundícies ficavam retidas pelo rebordo do copo e o que se bebia era água límpida. nem contadores de histórias. cinquenta e um litros. que a Lacônia parecia uma herança que vários irmãos acabassem de partilhar. a nova moeda não tinha curso entre os outros povos da Grécia. persuadiu os espartanos a pôr em comum todas as terras. tais como leitos. Esta quantidade foi considerada suficiente para os sustentar e manter sadios. seis hecteus. um carro puxado por dois bois. 16 Moeda ateniense que valia 100 dracmas ou 600 óbolos. por ano. 12 — Em seguida baniu de Esparta todas as artes frívolas e supérfluas. quando Licurgo regressava duma viagem. com o propósito de combater mais ainda o luxo e desenraizar inteiramente o amor das riquezas. atravessou a Lacônia por altura das ceifas e. Segundo outros. Na Lacônia não apareciam sofistas. não tinham nenhuma vantagem sobre os pobres. Por isso o luxo. porque os artistas. baniu de Esparta todas as injustiças: com efeito. cadeiras e mesas. porque não havia dinheiro que pudesse atraí-los. disse sorrindo. doze hemiecton. provendo a todas as suas necessidades. Procedeu. nem mesmo qualquer navio mercante acostava aos seus portos. conservaram-se necessariamente inúteis no interior das casas. e atribuiu a moedas de grande peso um valor tão insignificante que. Mas prevendo que dificilmente consentiriam nisso se pretendesse arrebatá-los duma forma directa. visto que os artistas não encontravam já quem lhes comprasse as suas obras. extorquir ou receber como prêmio dum crime o que lhe era impossível esconder. declinou e desapareceu por si. nem mercadores de escravos. já não podia ser batido nem forjado. viver daí em diante em perfeita igualdade. ou seja. nem charlatães. vendo as pilhas de feixes perfeitamente iguais. nem joalheiros. aquilo cuja posse não podia excitar inveja e. os moedeiros temperavam-no. Obrigou os cidadãos a 15 Um médimno equivalia a três triteus. Diz-se também que Licurgo fez apenas seis mil quinhões destas últimas e os outros três mil foram acrescentados pelo rei Polidoro. a beber e cujo aspecto lhes desagradaria. Deveram esta vantagem ao seu legislador. entre eles. como afirma Crítias. estabeleceu uma terceira instituição. seguiu outro caminho e atacou a avareza indirectamente. quarenta e oito chenix. para outros tantos cidadãos. era preciso ocupar um quarto e. para guardar uma importância de dez minas16. as riquezas. permitindo apenas moedas de ferro. tão bem trabalhadas. assim temperado. nem ourives. e. não tendo escoamento no público. Eis porque todos os móveis de uso diário e indispensável. forçados a abandonar as suas obras inúteis. com vinagre. convertido em moedas. com as do território de Esparta. enfim. que pode considerar-se uma das mais admiráveis: é a dos repastos públicos 17. 1 1 — Para fazer desaparecer toda a espécie de desigualdade. a riqueza e a pobreza. a maior parte delas teria desaparecido com a antiga moeda. muito cômodo sobretudo para o exército. ainda que as não tivesse suprimido. muitas vezes. . em seguida. Gaba-se também a forma do copo lacedemônio chamado cótone. empreendeu também partilhar os bens mobiliários. eram. destas nove mil partes Licurgo só tinha feito metade e Polidoro o resto. privado de tudo o que o excita e alimenta. aplicaram todo o seu talento a aperfeiçoar as coisas necessárias. para a transportar. que a não aceitavam e escarneciam dela. aqueles que possuíam maior fortuna. aos que o acompanhavam. Esta nova moeda. Começou por suprimir as moedas de ouro e de prata. por ordem de Licurgo. onde os repastos públicos tinham sido instituídos por Minos.quem quereria furtar. Cada lote podia produzir. uma vez posta em circulação. não servia para nada? Porque. alguns autores. quer porque os habituam à frugalidade e à economia. Esparta era. por despeito. a banhos quentes. O rapaz. longe de ser duro e arrogante. Licurgo. construiu um templo a Atenea. era impulsivo e assomado. diminuído com a frugalidade da mesa. condenaram-no a uma multa. dedicou-lhe a mais viva afeição e dizia aos amigos que Licurgo. Foi um grande triunfo para Licurgo o tê-lo conseguido. confusos e envergonhados. como diz Teofrasto. dia a dia. como vulgarmente se diz. no dia seguinte. a sua infatigável constância no trabalho. ao mesmo tempo. Além disso. obstinando-se em perseguí-lo. quando algum cidadão fazia um sacrifício ou ia à caça. porque os dórios daquela região chamavam óptilos aos olhos. que escreveu um tratado sobre a república de Esparta. Estes reuniram-se em grande número. quando o pobre e o rico comiam à mesma mesa. clamaram contra ele e enfureceram-se a tal ponto. Tinha conseguido escapar à multidão que o perseguia. para cevar às escondidas como animais vorazes. cinco pesos de queijo. o alcançou. como verdadeiras doenças. e ia refugiar-se num templo quando um jovem chamado Alcandro. A partir deste incidente. Os convivas contribuíam mensalmente. Proibiu-lhes que tomassem em casa as suas refeições sobre leitos sumptuosos e sobre mesas magníficas. ou antes. 15 — Estes repastos públicos. abandonando-se a toda a espécie de sensualidades e intemperanças que. sem lhe dizer uma palavra de censura. que lhe faziam desprezar a comida comum. pouco mais ou menos. que eles tenham anteposto a primeira letra desta palavra e digam fidítia por edítia. como outros autores. o espírito e o corpo. como Licurgo se voltasse para ele. que Plutos é cego. a um repouso frequente e a remédios constantes. despediu-os e mandou entrar Alcandro. Licurgo.6 comer todos juntos e a alimentar-se das mesmas carnes prescritas pela lei. não tivesse feito o sacrifício pela vitória. a quem acompanharam a casa. são chamados fidítias pelos lacedemônios. mas a principal consequência desta comunidade de refeições foi ter colocado as riquezas ao abrigo de ser roubadas. em memória deste acidente. sem se deixar abater pela dor. e. a que os cretenses chamam andrias. e. sem ser mau por natureza. nos outros dias. apanhou uma paulada que lhe vazou um olho. com o qualificativo de Optilétida. As duas únicas circunstâncias em que se podia comer em casa eram quando o sacrifício ou a caçada terminavam excessivamente tarde. como Agis. pois. era necessário comparecer aos repastos públicos. o rei Agis. Cada uma das mesas tinha lugar para quinze pessoas. quer por cimentarem entre eles a benevolência e a amizade. exprimindo-lhe o seu desgosto pelo ultraje que acabava de ser-lhe feito. era o homem mais acessível e mais afável. voltou-se energicamente para os cidadãos e mostrou-lhes o rosto ensanguentado e o olho vasado. com atenção. fez tudo quanto ele lhe mandou. Durante muito tempo os espartanos foram pontuais a comparecer neles. atacado à pedrada. que Licurgo. quem não bebia nem comia. ao verem-no assim. ele estava lá tolhido. que tivessem cozinheiros e criados de mesa. Mas nada impede que se pense. a ponderação. Licurgo vingou-se dele fazendo dum rapaz colérico e desvairado um homem cheio de prudência e moderação. mandou pedir o seu quinhão ao refeitório comum para cear com sua mulher: os polemarcos recusaram-lho. obrigam em seguida a prolongados sonos. e reprovava-se publicamente a sua intemperança ou a sua delicadeza. dois pesos e meio de figos e algum dinheiro para comprar carne. 14 — Também. enfim. Eles. dizem que Licurgo foi realmente ferido mas não cegou e foi em acção de graças pela sua cura que elevou este templo a Atenea. oito medidas de vinho. mandou retirar os criados e ordenou-lhe que o servisse. fugiu precipitadamente da praça pública. de todas as instituições de Licurgo. palavra grega que significa comer. gozá-las e ostentá-las. No entanto. de ser invejadas. que em grego se diz feido. de todos os lados. no regresso duma expedição em que venceu os atenienses. a única cidade do mundo onde se verificava. mandava para a sua mesa as primícias da vítima ou algumas peças de caça. de as ter. a bondade. sem protestar. porque não era possível usar da sua magnificência. depois de lhes ter agradecido. A ninguém era permitido comer em casa e comparecer saciado nestes repastos comuns. foi esta a que mais indignou os ricos. Tal foi o castigo de Alcandro. que. a austeridade da sua vida. Como ficou sempre junto de Licurgo e observava. mais ainda. como uma estátua sem alma e sem movimento. com um medimno de farinha. sem o maltratar. Neles se observava. de boas famílias. cada um. Licurgo. . os lacedemônios não voltaram a levar bastões para as assembléias. empregando-se fidítia em vez de filítia. como Dioscórido. e corromper. por assim dizer. entregaram Alcandro a Licurgo. porque o vaso onde se lançavam as bolas chamava-se cados. numa das suas ordenações. que homem seria bastante insensato e desprovido de gosto para levar para uma casa tão simples e até mesmo tão grosseira leitos com pés de prata. À medida que entravam na sala. Tal era o regulamento das suas refeições. disse-lhe: “Recebeis dos tebanos o merecido prêmio da aprendizagem que lhes proporcionastes. Os velhos. pelo contrário. Por isso mais tarde se censurou o rei Agesilau por ter. Bastava uma desta espécie para fazer rejeitar o candidato. 18 — Licurgo não quis que se escrevesse nenhuma das suas leis. pretendia-se habituá-los. e. . Esta bola achatada tinha o mesmo efeito que a fava furada de que se serviam para condenar nos tribunais. que o tecto da sala era magnificamente apainelado. Se alguém não sabia suportá-la podia pedir que se abstivessem de a fazer e ela cessava imediatamente. quando lho serviam. os mais velhos dos circunstantes diziam-lhes. forçado a adequar os leitos à casa. muito tempo depois. apontando a porta: “Não sai nada por ali do que se diz aqui”. achou mais útil não os sujeitar a formalidades escritas e costumes invariáveis. disse-lhe o cozinheiro. numa das suas ordenações chamadas retros. vendo-o ferido. tapetes de púrpura. os lacedemónios faziam uma sopa de enguias a que chamavam caldo branco. qualidade que era considerada particularmente conveniente a um lacedemônio. as cobertas aos leitos. com proibição de empregar qualquer outro instrumento. Não se queria admitir ninguém que não fosse agradável a todos os convivas. a andar afoitamente na escuridão. Dava-se o nome de décados aos que eram assim rejeitados. Depois de terem comido e bebido sobriamente. preguntasse ao seu hospedeiro se naquele país as árvores tinham naturalmente aquela forma. achatavam-na fortemente entre os dedos. Foi por isso que. proibiu-o. pois ele referia toda a sua legislação à educação dos homens. Antalcidas. proibiu. punham-se todos do mesmo lado e deixavam a carne para os rapazes. os que o rejeitavam. que era uma espécie de sopa de carne. num vaso conduzido à cabeça pelo escravo que os servia e andava à volta. Quanto aos contratos menos importantes e que. que o luxo e a superfluidade não podem meter pé numa casa assim construída. até. se modificam muitas vezes conforme a necessidade. mas quando o provou achou-o desagradável. baixela de ouro e toda a sumptuosidade correspondente? Não se é. num dos combates. tornado os tebanos bastante bravos para fazerem frente aos lacedemônios. como dissemos. Epaminondas. que a traição não se deixava seduzir por tal jantar. “Príncipe. muito antes dele. Licurgo tinha pensado também. antes de comer esta sopa é preciso tomar banho no Eurotas”. que os ensinavam a gracejar com finura e a suportar a troça. assim. notando.7 16 — As próprias crianças tomavam parte nestas refeições. quando ceava uma vez em Corinto. 20 — Alude-se a uma terceira ordenação de Licurgo. segundo a qual proibia aos cidadãos que fizessem muitas vezes guerra aos mesmos inimigos. sempre mais forte que a necessidade quando é a consequência da educação. falando da sua mesa. 18 Além do caldo negro. que houvesse leis escritas. Eles são mais firmes porque tem por esteio a vontade. rei de Esparta. Entendia que nada tinha mais poder e força para tornar um povo feliz e cordato do que os princípios radicadas nos costumes e nos espíritos dos cidadãos. dizia. comendo eles o caldo. para os jovens. aos quais o hábito de se defenderem tornaria mais aguerridos. deixando aos homens instruídos o cuidado de Ihes acrescentar ou tirar o que as circunstâncias lhes fizessem reputar necessário. e todos os outros móveis às cobertas ? Foi este hábito de construir assim as casas que fez que o antigo Leotíquidas. o papel de legislador. que desempenha. Não lhes era permitido utilizarem luzes nem nesta ocasião nem em qualquer outra. sem dizer nada. com as suas frequentes expedições à Beócia. levavam-nas lá como a uma escola de temperança onde ouviam discursos sobre o governo e encontravam mestres que os escarneciam livremente. Para que um cidadão pudesse ser admitido a estes repastos era necessária a aprovação dos outros e a prova consistia no seguinte: cada conviva fazia uma bola de miolo de pão que deitava. 17 — O seu caldo negro18 era o manjar que preferiam a qualquer outro. Um rei de Ponto comprou expressamente um cozinheiro lacedemônio para que lho preparasse. Com efeito. respeitando apenas a objectos de interesse. 19 — Uma segunda ordenação aboliu toda a magnificência: estabelecia que devia empregar-se o machado para fazer os sobrados das casas e a serra para as portas. Os que aprovavam o pretendente limitavam-se a deitar a sua bola no vaso. saíam sem luz. eram também um incentivo para o casamento. a dar uma volta à praça. a lisonjeá-las mais do que convinha e a dar-lhes o título do donas. a do amor. respondeu ela. mas que renunciou a isso por não ter podido refrear a sua licença nem diminuir a excessiva autoridade que tinham tomado sobre os maridos. um dia. assim como lhes davam louvores quando os mereciam. Na velhice eram privados das honras e do respeito que os jovens dispensavam aos velhos. durante o inverno. . para que os filhos que concebessem fossem melhor constituídos e elas próprias. dirigiam a propósito gracejos mordentes de troça quando tinham cometido alguma falta. Lacedemônias. para não passar pela vergonha de ser pressentido pelas pessoas da casa. acostumou-as a aparecer nuas em público. cortava-lhe o cabelo. mas sóbrio. respondeu a uma mulher estrangeira. Para evitar a moleza duma educação sedentária. porque a virtude lhes servia de véu e afastava toda a idéia de intemperança. mostrando-lhes que podiam compartilhar com os homens no prêmio da glória e da virtude.”Licurgo chamou retros a estas três ordenações. dos gerontes e dos próprios reis. obrigados a ir frequentemente para a guerra. que Licurgo tivesse elaborado primeiro as leis sobre as mulheres. suscitava entre elas uma viva emulação de vigor e de força. os quais. aliás. o legislador dispensou-lhes toda a atenção de que eram susceptíveis: quis que as raparigas se fortalecessem exercitando-se em corridas. tendo comido sempre no refeitório comum. Quando um mancebo raptava uma rapariga. que de ordinário não era bêbado nem afeito aos prazeres. Não é exacto. aquela que tinha preparado o casamento levava-a para casa. discípulo de Aristóteles. porque isso se passava diante de todos os cidadãos. Pelo contrário. entendeu que devia prepará-la de longe. 21—Persuadido de que a educação da juventude era a mais bela e importante obra dum legislador. esse jovem não se levantou para lhe ceder o lugar e disse-lhe: “Não tens filhos que possam ceder-me. Licurgo ligou ao celibato uma nota de infâmia: os celibatários eram excluídos dos combates gímnicos das raparigas e os magistrados obrigavam-nos. desligava-lhe a cintura e levava-a para um leito. O recém-casado. mulher de Leônidas. e só ia visitar a mulher com precaução e como que secretamente. A sua vida era sempre a mesma: passava os dias e as noites com os camaradas. saia orgulhoso com os elogios que tinha recebido. onde costumava dormir como os outros mancebos. que lhe dizia: — “Vós outras. Assim se compreende que ninguém condenasse o que um jovem lacedemônio disse a Dercílidas que era. como afirma Aristóteles. endurecidas por estes exercícios. Aquele que era louvado por qualquer acto de coragem e cujo nome era célebre entre as raparigas. despertava-lhes elevados sentimentos. Este uso fazia-lhes adquirir hábitos simples. Por isso as mulheres espartanas podiam pensar e dizer confiadamente o que Gorgo. Depois de ter passado pouco tempo junto dela. nas suas canções. 22 — Estas danças e exercícios que as raparigas executavam neste estado diante dos rapazes. sem luz. A nudez das raparigas nada tinha de vergonhoso. como os rapazes. como oráculos que lhe tivessem sido ditados pelo próprio Apolo. pois eles se sentiam atraídos. se viam forçados a abandonar-lhes o governo da casa. que lançamos homens ao mundo”. sois as únicas mulheres que mandais nos homens”. — “É que somos as únicas. completamente nus. mas por uma necessidade mais forte ainda. no lançamento de disco e de dardo. um general de grande prestígio. acrescenta que havia em Esparta uma festa na qual os homens eram obrigados a dar uma volta ao altar e as mulheres lhes batiam com varas. Pelo contrário. Era um duplo incentivo que excitava no coração dos rapazes a emulação do bem e o amor da virtude. usava de 19 Clearco. aos quais. mas na força da idade e em condições de terem filhos. que não deviam escolher nem muito pequenas nem muito novas. a dançar e a cantar em certas solenidades na presença destes.8 sem isso. não pela necessidade geométrica de que fala Platão. eles não quereriam nem saberiam combater. pelo seu lado. Não contente com isso. Um dia em que ele entrava na Apela. as troças mordentes que os outros sofriam não lhes eram menos sensíveis do que as mais severas censuras. suportassem com mais coragem e facilidade as dores do parto. A mulher. na luta. retirava-se pacatamente para a camarata. fazia-a deitar sobre uma enxerga e deixava-a só. 23 — Os que desejavam casar eram obrigados a raptar as mulheres. entoando uma canção feita contra eles e que dizia terem sido punidos com justiça por desobedecerem às leis19. introduzia-se junto da rapariga. regulando primeiro o que dizia respeito ao casamento e ao nascimento. o seu lugar”. dava-Ihe um fato e calçado de homem. não só o excluir do casamento a violência e a desordem mas também permitir-se o terem filhos em comum aos que fossem considerados dignos disso. o adultério não era conhecido sequer na Lacedemônia. a pagar um touro tão grande que do monte Taigeto pudesse beber água no Eurotas”. 21 . —“Mas. nascidos de pessoas robustas são eles próprios bem constituídos e vigorosos?”Era guiado nisto por razões tiradas da natureza e da política. o mau humor e até as lágrimas—todos os sinais de fraqueza e de pusilanimidade 21 : por isso os estrangeiros preferiam as amas lacedemônias. se mostrava vigor. vigiam-nas com cuidado para que só tenham filhos dos maridos. a quem um estrangeiro preguntou qual o castigo que se infligia no seu país às adulteras. Em primeiro lugar. chamado Géradas. Em segundo lugar.— “Seria condenado. acostumavam-nos a não ser esquisitos com a alimentação. davam ordem para que o sustentassem e assinalavam-lhe para herança um dos nove mil quinhões de terra. não podendo suportar a força deste líquido. a não ter força nem saúde. para ele nem para o Estado. caiam em coma e morriam. porque se supunha que os epiléticos e doentios. 20 Apótetas significa lugar onde se expõem as crianças. se tinham uma compleição sadia. como encontrar um touro tão grande?” —”E respondeu Géradas sorrindo. não era conveniente. desde o nascimento. o vinho dava-lhes. não os homens vulgares. — “Mas se houvesse?”insistiu o estrangeiro. enfermos ou decrépitos. Mas. emboram estes sejam. considerando o casamento uma sociedade isolada que não admite partilha. para as suas cadelas e para as suas éguas os melhores cães e os melhores cavalos: obtem-nos daqueles que os possuem à custa de rogos e de dinheiro. os que. e algumas vezes havia homens que tinham filhos sem nunca se terem mostrado em público com as mulheres. nascidos em terreno excelente e que tivessem os melhores e mais virtuosos progenitores. a contentar-se com as comidas mais simples. Isto prolongava-se por muito temp. não há adultério. sendo destinado. Entendiam que. entre nós”. a este respeito. 15) insurge-se contra o costume de impedir as crianças de gritar e chorar. hábil e mãe de filhos perfeitos. a evitarem-se os gritos.9 toda a habilidade para lhe facilitar as ocasiões de ir ter com ela sem ser visto. um homem bem nascido que visse a outro uma mulher bela. vizinho do monte Taigeto. conservavam um e outro um resto da chama que mantinha neles o desejo de encontrar-se com a mesma ternura. perguntou o estrangeiro. e às mulheres encerram-nas em casa. mas as pessoas mais virtuosas. não os lavavam com água. conservava o entusiasmo do seu primeiro impulso. como coisa honesta. além de os habituar à temperança e à prudência. classificava de estultícia e vaidade as prescrições dos outros legisladores sobre o casamento. disse-lhe Géradas. mandavam-no lançar num precipício. — “Meu amigo. As parteiras. muitas vezes. Do mesmo modo. Licurgo pretendia que os filhos não pertencessem em particular aos pais. longe destes usos tornarem as mulheres tão fáceis como o foram mais tarde. não se ocupou menos de banir o vão ciúme. Eles observavamno: se era bem conformado. que se chamava Apótetas 20 . cap. 24 — Depois de ter posto tanta ordem e recato nos casamentos. mais próprio de mulheres. A dificuldade que havia em encontrarem-se. IV. As amas. pois. vingam com homicídios e guerras as intimidades que houve com suas mulheres. Fez-lhes encarar. introduzir junto dela um mancebo virtuoso por quem tivesse estima e amizade. e. liv. Se era disforme ou duma compleição fraca. por seu lado. 25 — Nenhum pai era senhor de educar o filho. dizia ele. punham muito cuidado e habilidade na maneira de os criar. deixavam-lhes os membros inteiramente livres. que os cidadãos tivessem por pais. para experimentarem a sua constituição. Escarnecia daqueles que. Mas não será para sua própria infelicidade que pais disformes geram filhos defeituosos? Pelo contrário. renovava o seu amor e evitava a saciedade dum convívio habitual que consome o sentimento e as forças: quando se separavam. mas com vinho. Aristóteles (Política. onde se reuniam os anciãos de cada tribo. Era permitido a um velho. como encontrar em Esparta um adultério?”Eis o que se conta das prescrições de Licurgo sobre os casamentos. não fazem a felicidade dos pais. Em vez de os enfaixar. replicou Géradas. davam-lhes uma forma desembaraçada. uma têmpera mais forte e os seus corpos tornavam-se mais resistentes. e reconhecer como seu o filho que nascesse dum sangue generoso. por assim dizer. imbecis. podia pedi-la ao marido para ter dela filhos bem conformados. a não se assustar com a escuridão ou a solidão. casado com uma jovem. Cita-se. dizendo que isso contribue para dificultar o seu desenvolvimento. “Eles procuram. Queria. a frase dum antigo espartano. deixa-lo viver. mantinha-lhes também o vigor e a fecundidade. mas sim ao Estado. Logo que este nascia levava-o a um sítio chamado Leché. introduzindo-se lá com tanta precaução como destreza. as punições que lhes impunha. as crianças de Esparta. executavam todas as suas ordens e suportavam. a fim de conhecer melhor o seu carácter. era espartana. se tornassem necessariamente mais as tutos e mais intrépidos. . Não havia um só momento e um só lugar onde a criança que cometesse uma falta não encontrasse alguém que se encarregasse de a repreender e de a castigar. os mais fracos traziam n os legumes que iam roubar às hortas ou aos re feitórios públicos. t i n h a m s a í d o d a i n f â n c i a . c o m v i n t e a n o s d e i d a d e . Roubavam igual mente a carne que podiam apanhar. em cada ano. ou não os deixa expandir senão em largura. Era sobretudo por este motivo que os deixavam comer pouco: uma razão acessória era faze-los crescer. e e mt e m p o d e p a z s e r v i a . Os anciãos assistiam aos seus jogos e provocavam muitas vezes motivos de disputa e de briga entre eles. a escravos comprados.s e e s t e n o m e à q u e l e s q u e . cortavam-Ihes o cabelo rente. A túnica era o vestuário que usavam sobre a pele. os professores e edu cadores de todas essas crianças. m adava-os buscar lenha. h a v i a d o i s a n o s . As crianças tinham sempre os olhos postos nele. por seu turno. excepto em alguns dias do ano em que lhes era permitido esse regalo. sendo muito hábeis em aproveitar as ocasiões quando viam alguém dormir ou descuidado. mas Péricles. todo o resto da sua instrução consistia em saber obedecer. Era nesta idade que os que começavam a adquirir boa reputação tinham rapazes que se ligavam a eles e os seguiam por todo o lado. D á . aplicavam-nos em exercícios mais violentos. Anda vam sempre sujos e nunca se penteavam nem perfumavam. estendiam sobre estes juncos uma es pécie de mantas a que chamavam licofone. Os pais não tinham liberdade de os educar à sua vontade: logo que atingiam sete anos de idade. Os anciãos. À medida que avançavam em idade. sem murmurar. e quase sempre os faziam brincar juntos. castigavam-nos com um azor rague e obrigavam-nos a jejuar: em geral. que tende a dar-lhes uma bela 22 23 Primeiro Alcibíades. a que chamavam i r e n o s. obrigados a prover eles próprios às suas neces sidades. so bre enxergas que eles próprios faziam com as extremidades dos juncos que crescem nas mar gens do Eurotas e colhiam partindo-os com as mãos. deixavam de usar túnica23 e não lhes davam. Deste modo. mais que um simples manto. que escolhia para chefe de cada companhia o mais hábil e corajoso dos jovens. mas com tanto interesse como se fossem os pais. m 2 8 — O i r e n o . eles tinham por governador um dos principais e mais virtuosos cidadãos. 27 — Chegados à idade de doze anos. De inverno. no dizer de Platão 22 . Não o fa ziam negligentemente. verificar se eram ousados e se seriam incapazes do fugir diante do inimigo. Se eram apanha dos em flagrante. para serem educados em comum sob a mesma disciplina e habituar-se a brincar e trabalhar juntos. às quais se atribuía a virtude de aquecerem. que amamentou Alcibiades. suportar os trabalhos e vencer. completamente nus. Além disso. Isso influe até na beleza: corpos delgados e leves obedecem melhor à natureza.ra f a z e r a c e i a . sem empregar nenhum instrumento. cujo peso os retém e deprime. vigiavam-nos mais e eram mais assíduos aos seus exercícios. toda a sua educação era propriamente uma aprendizagem da obediência. 26 — Licurgo não consentia que se confiassem a mercenários. Cada bando dormia na mesma camarata.s e d e l a . Aprendiam as letras apenas no indispensável. Se fossem surpreen didos eram espancados rudemente por terem sido negligentes ou inhábeis. pa A o s m a i s r o b u s t o s . c o m o d e e s c r a v o s . porque o corpo desenvolve-se em comprimento quando os espíritos animais não tem que elaborar muitas carnes. Cada classe tinha por chefe o jovem que se tivesse manifestado mais inteligente e mostrado mais valente nos combates. deulhe por pedagogo um escravo chamado Zópiro que em nada era superior aos indivíduos da sua condição. fa ziam apenas uma refeição ligeira a fim de que. Eles elevam-se então facilmente por causa da sua leveza. obrigavamnos a andar descalços. c oa n d a v a a s u a c o m p a n h i a n o s m c o m b a t e s . eram distribuídos em diferentes classes. e o corpo torna-se esbelto porque nada se opõe ao seu crescimento.10 Amicla. e o d ee l i r e n o s à s c r i a n ç a s m a i s v e l h a s . aos seus combates e aos seus jogos. propunha qualquer questão cuja resposta exigisse reflexão e juízo moral. porque a matéria de que o seu corpo é formado é mais subtil e cede mais facilmente à natureza que lhe imprime forma. Os jovens que se ligavam a estas crianças partilhavam da sua boa ou má reputação. quando tem. Quando as castigava não era nunca interrompido. não é possível garantir que estas cartas e outras semelhantes sejam dele. Um ateniense zombava um dia. qual era o homem mais virtuoso da cidade. temperada de graça. Assim os habituavam. com cuidado. e preferiu morrer a ser descoberto. Quanto a mim. tinha dado à moeda de ferro grande peso e pouco valor. Deixemos a outro o cuidado de lhe investigar a causa. deusa da caça. dos costumes dos cidadãos. que uma delas. ou o que pensava ele dum determinado acto. acho que o estilo lacônico. sem soltar um único grito. Tal é a que se refere ao governo. como já dissemos. o seu embaraço era considerado sintoma dum temperamento pusilânime ao qual nenhum sentimento de honra excitava à virtude. era ele próprio punido se tinha posto no castigo excessiva severidade ou demasiada indulgência. “No entanto. Algumas vezes. desde a infância a julgar as acções virtuosas e a informar-se. mas. Aliás. Aquele que fosse negligente na resposta era castigado pelo ireno. De resto. A resposta devia de ser pronta. e que encerrasse conceitos profundos em poucas palavras. O próprio Licurgo era muito conciso e conceituoso na sua linguagem. e dizia que os saltimbancos as enguliam facilmente em pleno teatro. pelo contrário. apesar da sua brevidade. o ireno. para ver quem tornaria o seu amigo mais virtuoso. que lhe mordia no polegar. se vêem. segundo consta. se deixou rasgar o ventre. mas estas ligações não suscitavam nenhum ciúme: eram. Pelo contrário. replicou Agis. sobre os sacrifícios. vai direito ao fim e impressiona aqueles que o ouvem. e conta-se que tendo uma criança. por estabelece-la na tua casa”. que deu a um homem que o aconselhava a estabelecer a democracia na Lacedemônia: “Começa. tenhamos sempre com que honrar os deuses”. das espadas curtas dos lacedemônios. a avaliar pelas respostas dele que são conhecidas. Se a criança a quem se preguntasse qual era o melhor ou o pior cidadão hesitava a responder. e enunciada em poucas palavras. dentro de si. a intemperança da linguagem torna o discurso frouxo e vazio de sentido. se contivessem pensamentos de grande valor. disse-lhe ele.11 conformação. por uma prolongada prática do silêncio. apoiada em argumentos ou numa prova. ainda no refeitório. 29 — Terminada a ceia. cidadãos intrépidos”. ainda hoje. a serem conceituosas e concisas nas suas réplicas. crianças de Esparta expirar sobre o altar de Artemisa24 Órtia. Do mesmo modo que frequentes orgias debilitam e tornam estéreis os que a elas se entregam. à verdascada. ordenava a uma das crianças que cantasse. quando se batia com outra. Este facto facilmente se acredita. 30—Acostumavam as crianças a uma maneira de falar animada e atraente. coisas acertadas mas fora de 24 Nome grego de Diana. disse ele. aqueles a quem uma alimentação excessiva engorda demasiado resistem-lhe pela sua inércia. um motivo de amizade entre os que estimavam as mesmas pessoas. que ocultava sob o manto. Citam-se ainda outras respostas análogas tiradas das suas cartas aos espartanos: “Perguntais-me como repeliremos as incursões dos nossos inimigos: será conservando-nos sempre pobres e não querendo ninguém possuir mais bens que os outros”. quando lhe preguntaram porque tinha ele prescrito vítimas tão pequenas e de tão pouco valor: “A fim de que. no menor número de palavras simples. soltado um grito que denunciava falta de coragem. Os lacedemônios não gostavam de longos discursos como se demonstra pelas frases que vou referir. com a moeda do discurso procedeu em sentido inverso: quis que. diante de Agis. que nós abatemos os nossos inimigos”. a fim de que eles pudessem julgar se as punia a propósito e com justiça. essas crianças receavam tanto ser descobertas quando roubavam. Um homem dizia. disse ele. era na presença dos anciãos e dos magistrados que lhes infligia os castigos. trabalhavam à compita com o máximo zelo. tendo apanhado um rapozinho. pelos dentes e unhas do animal. como por exemplo. Tinham-lhe perguntado se construiria muralhas à volta da Lacedemônia: “Nunca uma cidade está desguarnecida de muralhas. Habituou as crianças. quando. Esta ainda acerca dos combates: “Proibi apenas aos cidadãos os combates em que se estendem as mãos”. O amor era tão casto na Lacedemônia que as mulheres mais honestas se ligavam também a raparigas. depois das crianças se terem retirado. rei de Esparta. o seu amigo foi castigado pelos magistrados. . Ve-se que as crianças cujas mães foram purgadas durante a gravidez são mais belas e tem uma estatura mais elegante. numa ocasião. Esta outra. a outra. é com estas espadas tão curtas. Licurgo. admitido a uma das suas ceias. respondeu ele. muito bons propósitos”. que os eleatas sejam. Nas festas públicas. próprios para educar os costumes. Um rapaz oferecia a um amigo uns galos que se deixavam matar combatendo: “Não quero desses. Nas suas poesias havia uma espécie de aguilhão que excitava a coragem. sabe também quando deve faze-lo”. disse-lhe Teopompe. disse ele. Outro. disse: Ouve-se a límpida harmonia de mil vozes: Vê-se ali florescer a forte juventude. para expulsar os maus”. Preguntavam a Arquidâmidas quantos espartanos havia: “O número suficiente. se se consideram as poesias lacedemônias que chegaram até nós e as canções militares que cantavam com acompanhamento de flauta. O ardor da juventude — dignos filhos de Marte — A espada reluzente. Censuravam o sofista Hecates porque. somos os únicos que de vós nada aprendemos de mau”. disse-lhe o rei Leônidas. a um tempo. em cinco anos. a dança. a que me referi. o dos mancebos. pela equidade dos seus juízos. O primeiro. Convidavam uma vez um espartano a ir ouvir um homem que imitava perfeitamente um rouxinol: “Tenho ouvido. Faz reinar a abundância e amadurece a prudência. exclamou: “Praza aos deuses que eu nunca me sente num lugar donde me não possa levantar diante dum ancião!” Esta linguagem sentenciosa e animada levou a dizer-se. “Valia mais. Em geral. depois de ter lido o seguinte epitáfio: Enquanto extinguiam a ardente tirania. declarou Arquidâmidas. começava assim: Na juventude. tivemos A coragem. falando da Lacedemônia. Mais coragem e mais glória. os cidadãos eram divididos em três coros. as mais das vezes. um dia. Os seus próprios gracejos permitem-nos apreciar o hábito que tinham de não dizer coisas inúteis e não proferir nenhuma palavra que não encerrasse um sentido profundo. no elogio dos que morriam. disse-lhe Plistonax. estivera calado enquanto durou a refeição: “Aquele que sabe falar. O primeiro. o das crianças. lhes inspirava um verdadeiro entusiasmo e os exaltava para as belas acções. respondeu: “É porque são necessárias poucas leis àqueles que falam pouco”. disse ele. terminava assim: Nós teremos. O estilo era simples e vigoroso. nos jogos Olímpicos: “Que grande maravilha. formado pelos velhos. Um retórico ateniense tratava os espartanos de ignorantes: “Tendes razão. Outro. respondeulhe: “É aquele que menos se parece contigo”. segundo as idades. como herança. vós tendes. assim continham a promessa de vir a ser virtuoso. Conforme convinha às idades. O segundo. que vos chamassem o amigo dos vossos concidadãos”. por terem extinguido a tirania em vez de a deixarem arder por completo”. reconhece-se que Terpandro e Píndaro tinham razão em associar a bravura com a música. sobrinho de Licurgo. experimentai-nos! O terceiro.12 propósito: “Meu amigo. “Mereceram a morte. os assuntos sérios. descrevendo a sua vida triste e desgraçada. ou o glorioso testemunho de já o ser. disse ele. quando lhe perguntaram a razão porque este legislador tinha feito tão poucas leis. Um dia. fora de propósito. E a equidade rigorosa. o próprio rouxinol”. importunado com perguntas despropositadas dum maçador que lhe preguntava constantemente qual era o homem mais virtuoso da Lacedemônia. respondeu o outro. quando marchavam para o inimigo. no seu país. Píndaro disse também: Esparta simboliza. mas sim dos que matam os adversários”. com as suas leis mais úteis. ou na censura dos que tinham mostrado medo. em defesa da pátria e cuja felicidade se exaltava. Demarato. o conselho dos anciãos. que laconizar era menos aplicar-se aos exercícios físicos do que ao estudo da sabedoria. Junto de Selinonte perderam a vida. Eis alguns exemplos de réplicas curiosas e temperadas de graça. Consistiam. podeis crer. a música . Não é descabido fazelo compreender melhor com um exemplo. na presença de Agis. vendo uns homens que iam de liteira para o campo. louvavam os eleatas. Carilau. lhe chamavam o amigo dos lacedemônios. com razão. respondia: Somos bem dignos de vós: Não duvideis. justos um dia!”Um estranjeiro que pretendia provar a sua dedicação aos espartanos dizia que. 31—Não os instruíram com menos cuidado a compor versos e canções do que a falar com elegância e clareza. A música harmonisa-se com o som estridente das armas. A própria cidade era como um acampamento. como a voz dum homem que lhe manifestava a sua surpreza e o censurava por não obrigar os seus concidadãos a tomar parte numa festa tão solene. o seu gênero de vida menos duro. relincham satisfeitos. onde todos estavam compenetrados de que não pertenciam a si mesmos. para os incitar. persuadidos de que não era generoso nem digno dum povo da Grécia matar e esquartejar pessoas que se confessavam vencidas recorrendo à fuga. Era um espectáculo que tinha tanto de majestoso como de terrível. Mas Demétrio de Falero pretende que ele nunca fez a guerra e estabeleceu o seu governo em tempo de paz. caminhando com passo grave e ar alegre ao encontro dos maiores perigos. Foi imediatamente procurar Ífito. ouviu atrás de si. Alguns escritores. de princípio. ao som da flauta. Antes do combate. cuidavam-no mais ainda nestes dias de perigo: perfumavam-nos e penteavam-nos. os prazeres e a alegria pública! Estes dois poetas apresentam-nos os espartanos tão apaixonados pela música como pela guerra. que nascem da confiança que depositam na protecção dos deuses. tendo-se encontrado ali. não o perseguiam senão na medida em que isso interessava para lhes assegurar a vitória. mas não tendo visto ninguém. 34 — O solista Hípias diz que Licurgo foi um grande cabo de guerra e tomou parte em várias expedições. enquanto assi stia aos jogos. 33 — Quando as suas tropas estavam em armas na presença do inimigo. em honra de Zeus. Embora depois da infância cuidassem do cabelo. Ele próprio entoava o canto. sem nunca romperem as suas fileiras. e entre eles Hermipo. o rei sacrificava sempre às Musas. mas. sorrindo: “Marcharei à frente do rei quando entrar em combate. como os poldros que. . houve alguém que lhe disse: “Que vantagem apreciável te confere agora a tua vitória?”. que se chamavam úlamos.13 As festas. de quatro a quatro anos. que uma longa cabeleira aumenta a beleza e torna a fealdade mais terrível. 26 Eram celebrados. afrouxava o rigor da disciplina a que os mancebos eram obrigados: não os impediam de cuidar do cabelo. certamente para lembrar aos soldados a educação que tinham recebido e o juízo que deles se fazia. com esta lembrança. achavam mais vantajoso fugir que fazer-lhes frente. o rei. enfeitar os fatos e as armas. em dia de batalha. demonstra um carácter moderado e pacífico. que era o sinal da carga. 35 — A educação dos espartanos estendia-se até aos adultos: a ninguém se permitia a liberdade de viver a seu bel-prazer. a sua conduta menos sujeita a ser devassada. Os seus exercícios eram mais suaves nos acampamentos que nos ginásios. Os espartanos eram o único povo do mundo para o qual a guerra era uma compensação dos trabalhos com que se preparavam para ela. Com efeito. O rei marchava para o inimigo acompanhado por um dos vencedores nos grandes jogos da Grécia. que mantenham uma firmeza. fi xou com ele as cerimônias dos jogos e deu-lhes mais brilhantismo e estabilidade do que elas tinham tido até então. disse um dos seus poetas. 32 — Nestas ocasiões. em regulamentar com Ífito o que respeitava a estes jogos. Voltou-se para ver quem lhe falava. composta cada uma delas por cinquenta cavaleiros que formavam em quadrado. sem um sinal de temor. para não combater nos jogos olímpicos 2 6 . ordenava aos soldados que pusessem coroas 25 na cabeça e aos músicos que tocassem na flauta a ária de Castor. via-se com prazer que eles fossem alegres e fogosos de vivacidade. vendo que faziam mão baixa nos que lhes resistiam e poupavam os fugitivos. onde se levava o gênero de vida prescrito pela lei. Recordavam-se da frase de Licurgo. v a r i a n d o o s e u s i g n i f i c a d o c o n f o r m e a r r go n a t u re z a d a s p la n ta s c o m q u e e ra m e n tre te c id a s . Quando não tinham recebido ordens particulares e nada tinham que 25 O u s o d e c o r o a s e r a m u i t o f r e q u e n t e e n t ge e o s s . uma segurança inabaláveis. Depois de vencer o adversário. e ele respondeu. Filostéfano atribue-lhe a divisão da cavalaria em companhias. mas à pátria. considerou essa voz como uma advertência dos deuses.”Quando venciam e punham o inimigo em debandada. Facilmente se compreende que homens assim dispostos não sejam perturbados pelo temor ou pela cólera. dizem que Licurgo não tinha pensado. Esta conduta não lhes era menos útil que honrosa: os que se batiam contra eles. depois de ter sacrificado uma cabra. É certo que a instituição da trégua que se observa durante os jogos olímpicos e se lhe atribue. Conta-se a este respeito que um atleta lacedemônio recusou uma soma considerável que lhe ofereciam. numa das suas viagens. a afrontar os perigos e a praticar acções dignas de ser celebradas. onde cada qual sabia o que devia fazer para o público. vê-los marchar em cadência. um arrojo. por acaso. Paravam então. soube que acabara de ser condenado por vadiagem um cidadão que no momento voltava para casa muito triste. queria que. caçadas. tendo apenas como regalia o não poderem ser vendidos. desprezáveis. tudo apimentado com chalaças e risos. durante todo o tempo que não consagravam às expedições militares. se entregassem com entusiasmo aos negócios da pátria. numa palavra. À sua eleição fazia-se da seguinte forma: O povo reunia-se na praça pública: uns homens escolhidos encerravam-se numa casa vizinha. estes estrangeiros renderam-lhe os melhores elogios e disseram que Esparta não tinha outro cidadão tão valente como ele. ouviam apenas o barulho do povo que. se escolhesse para o substituir o mais virtuoso dos cidadãos que tivesse ultrapassado os sessenta anos. é da parte do nosso chefe”. banquetes. Os eleitores. então o espartano pediu que o apresentassem àquele indivíduo “condenado por viver como homem livre”. a Gerúsia com os que o tinham auxiliado na sua empresa. que lhes preguntou se o filho tinha morrido como homem de honra e digno espartano. sem dúvida. mas o mais sábio e o mais virtuoso entre os virtuosos e os sábios alcançava o prêmio da virtude para todo o re sto da sua vi da. ensinavam-lhes alguma coisa de útil ou instruíam-se eles próprios com os velhos. Polistrátidas. exercícios físicos e conversas nos locais de reunião. temperando assim a penosa austeridade da vida espartana. ou da sua república: “Se formos bem sucedidos. Não tinham necessidade de trabalhar. espontaneamente. donde não podiam ver ninguém nem ser vistos. A maior parte desses encontros era consagrada ao elogio das boas ações e à crítica das más. como as abelhas. Sosíbio conta que ele mandou erigir uma pequena estátua ao Riso na intenção de introduzir a alegria e os passatempos nos banquetes. —“Que dizeis vós? — respondeu-lhes Argiléonis—Brásidas era um homem de valor. fora enviado como embaixador perante generais do rei da Pérsia que lhe perguntaram se vinham da parte do seu chefe. festas. cercado de amigos desolados que lhe partilhavam o desgosto. segundo a ordem que a sorte tivesse assinalado. acostumava os cidadãos a não saber nem querer viver isolados. sobre tábuas enceradas. registravam. Pedárito. formara. como dissemos. encerrados na casa vizinha. voltou-se com a face radiante. Uns anfipolitanos tinham ido à Lacedemônia visitar Argiléonis. os seus maiores interesses. Era. o corpo comunitário. de cada vez. nestas eleições. porque dele dependiam a vida. proibindo-lhes que se ocupassem de qualquer espécie de trabalho mercenário.14 fazer. a tal ponto os lacedemônios estavam convictos de que não toca senão a escravos o exercício de uma profissão e o esforço para ganhar dinheiro! 36 — Os processos desapareceram naturalmente de Esparta com o dinheiro. Nesses locais se reuniam para empregar honestamente seus lazeres em grupo. mas mandavam os parentes ou amantes comprar o necessário para o lar. Os hilotas 27 arroteavam as terras e pagavam-lhes uma certa renda. por conseguinte. 38 — Licurgo que. entravam um após outro. é da parte da nossa república. Conta-se que um espartano. Porque uma das mais belas e mais felizes instituições de Licurgo foi o ter proporcionado aos cidadãos a maior ociosidade. que amenizavam as advertências e admoestações. ordenou que daí em diante. de se incomodarem para amealhar riquezas. recusado no número dos trezentos. se não formos. Em todo o país não se viam senão danças. depois de se ter feito silêncio. Mas. que seriam inúteis e. encontrando-se em Atenas num dia em que os tribunais funcionavam. Vales acrescentar que o caráter bastante sério do próprio Licurgo não era infenso à descontração. . respondeu [ele]. Não se tratava de escolher o que era superior aos outros pela força ou pela agilidade. pois que não existia na cidade nem riqueza nem indigência. privados de direitos políticos. Quanto aos mais velhos. 37 — Os que tinham menos de trinta anos nunca iam ao mercado. quais soldados apinhados em redor do capitão. de princípio. os recursos eram iguais para todos e a simplicidade dos costumes facilitava a vida. Os competidores não eram introduzidos todos ao mesmo tempo na assembléia. como em todos os outros assuntos. emitia os seus votos aos gritos. mãe de Brásidas. a integrar sempre. sem nunca falar de fortunas ou negócios comerciais. envergonharse-aim de parecer constantemente ocupados com semelhantes ninharias e ausentes a maior parte do tempo do ginásio e das lesches. Alguns de seus ditos permitem vislumbrar essa disposição de espírito. o combate mais glorioso e mais digno de competição que os homens podiam ter entre si. e este prêmio conferia uma grande autoridade na república. 28 Trata-se da escolta habitual de trezentos cavaleiros que acompanhavam os reis de Esparta nas campanhas militares. juntamente com outros. a intensidade do 27 Eram uma espécie de servos de gleba. mas a Lacedemônia tem muitos outros cidadãos mais bravos que ele”. a morte e a reputação dos cidadãos. muito feliz porque a cidade possuía trezentos cidadãos melhores que ele 28. por morte dum geronte. vigiavam as crianças. em geral. porque não queria deixá-los um só instante na ociosidade e na inacção. que se devia preservar uma cidade da corrupção dos costumes com mais cuidado do que se fecham as portas às pessoas afectadas de doenças contagiosas. mestres do vício. Terminada a ceia. de facto. tinham-nos. por meio dos quais os cidadãos se aperfeiçoavam. e eram necessariamente conduzidos e educados no bem. para o segundo. 41— Em tudo quanto temos visto. 39 — Não são menos sensatas as leis de Licurgo sobre os funerais. à vista destes grandes modelos. dizendo-lhe que tinha recebido essa ração como prêmio de honra e que como tal lha dava. nem mesmo proibiu que se colocassem túmulos junto dos templos. onde tudo se passava como de costume. das leis de Licurgo não encontramos nenhum sinal da injustiça e da violência que se lhes condena. Por isso. onde os cidadãos podiam contrair hábitos e costumes licenciosos e adoptar idéias. A Ceres dos romanos. como afirma Aristóteles. Esta crítica refere-se. àqueles a quem reconheciam mais destreza e prudência e da vam-lhes apenas punhais e os viveres indis pensáveis. para os cidadãos. 40—Foi pelo mesmo motivo que não permitia indiferentemente a toda a gente viajar ou percorrer os países estrangeiros. As outras mulheres acompanhavam-nas a casa. De facto. sem dúvida. como supôs Tucídides. entram necessariamente numa cidade novos conceitos: estes conceitos produzem novos sentimentos e estes sentimentos sempre fazem germinar grande número de paixões e de apetites que perturbam a ordem política. Cada um dos seus parentes oferecia-lhe uma refeição dizendo-lhe: “A cidade glorifica a tua virtude com este banquete”. Somente era permitido inscrever nos túmulos os nomes dos homens mortos na guerra ou das mulheres consagradas à religião. assim como na música as dissonâncias destroem a harmonia. 31 O número de hilotas. consideravelmenle maior que o de espartanos. ao que em Esparta se chamava a críptia 31 se ela foi. Depois de os ter visitado a todos. não porque receasse. a todo o momento. contrárias àquelas que lhes tinha dado. donde só saíam à noite para se espalharem pelos caminhos principais e ma tar todos os hilotas que 29 30 Era costume enterrar com os mortos os seus objectos de uso comum. Os que eram escolhidos dispersa vam-se cada um por seu lado. e como não podiam saber qual dos candidatos o tinha provocado. diante dos olhos. de tempos a tempos. pois. Em seguida coroavam-no de flores e ele ia aos templos render graças aos deuses. constituía uma ameaça permanente para estes. Entendia. abandonavam-no ao décimo segundo dia. com os estrangeiros. e assim sucessivamente. até aqui. . sobre o governo.15 barulho que tinham ouvido. Eis em que consistia a críptia. bem pouco susceptíveis de conduzir a justiça. Expulsou também de Esparta os estrangeiros que lá iam sem nenhum objectivo útil e por simples curiosidade. Foi isso que teria le vado o próprio Platão a condenar o governo de Esparta e o seu legislador. ele chamava aquela que mais estimava e oferecialhe a comida que tinha guardado. depois de fazerem um sacrifício a Deméter30. Os instruto res dos adolescentes mandavam percorrer os campos. Pretende-se que elas eram muito adequadas a inspirar coragem. prodigalizando-lhe as mesmas provas de estima que o seu parente havia recebido. instituída por Licurgo. de lhes ensinar a encará-la sem receio nem pavor e não se considerarem profanados por tocarem num cadáver ou por passarem junto de uma sepultura. a não ser o servirem-lhe duas doses. uma das quais ele punha de parte. efectuavam anualmente um massacre (a criptia) procurando exterminar os mais robustos e ou mais rebeldes. dirigia-se à sala dos repastos públicos. que adoptassem a forma do seu governo e aprendessem a praticar a virtude. conforme a ordem por que tinham entrado na assembléia. para banir dos espíritos toda a superstição. escreviam: para o primeiro. seguido por uma multidão de rapazes que porfiavam em lhe tecer elogios e um grupo de mulheres que entoavam hinos em sua honra e o felicitavam pela vida virtuosa que sempre tinha levado. Aquele que tinha obtido aclamações mais vibrantes e mais prolongadas era declarado geronte. as suas parentas compareciam à porta da sala. Limitou a onze dias a duração do luto. Em primeiro lugar. permitiu enterrar os mortos na cidade. mas sim com receio de que fossem. a fim de habituar com isso os rapazes ao espectáculo e ao pensamento da morte. Ligava sempre ao dever o encorajamento à virtude ou a repulsão do vício e enchia a cidade de exemplos vivos. para o terceiro. conservavam-se escondidos tranquilamente durante o dia em lugares escusos. Em segundo lugar proibiu que se enterrasse qualquer coisa com os mortos29 e ordenou que os envolvessem apenas num tecido vermelho e em folhas de oliveira. durante a vida. em número superior a dois mil. quis torná-las imutáveis e eternas. quando se diz que na Lacede mônia os homens livres o são tanto quanto podem sê-lo e os escravos se encontram em ex cessiva escravidão. pois. além de que se encontrava na situação mais feliz a que poderia aspirar. III. Em seguida fez um novo sacrifício. o lacedemônio. durante o espaço de 32 Timeu. sem que ninguém soubesse como tinham sido mortos. Tucídides. a duradoura posse de todos os bens que. mas que nela devem reconhecer-se as suas precedentes acções e as suas virtudes. por assim dizer. encantado com a beleza e eficácia das suas leis. durante a ausência dele. obrigavam-nos a cantar can ções obscenas. aliás a mais importante de todas. depois de tudo quanto havia feito. depois a todos os cidadãos. está preparado também para a deixar. Não se enganou nas suas conjecturas: Esparta. experimentou. para não desligar os seus concidadãos do juramento que tinham feito. lhes tinha procurado. resolveu deixar-se morrer. destinado a tornar o povo virtuoso e assegurar assim a sua felicidade. e. e que estes conduziram aos templos para agradecerem aos deuses a libertação. na sua Guerra do Peloponeso. a forma de governo que tinha estabelecido. Todos lhe prometeram inteira obediência. Quando chegou junto do oráculo fez um sacrifício ao deus o preguntou-lhe se as suas leis eram suficientemente boas para fazer a felicidade dos espartanos e torná-los virtuosos. quando. fez prestar juramento. a sua morte dar-lhe-ia o cúmulo da felicidade e garantiria aos concidadãos. assim como Deus depois de ter formado o mundo. beijou os amigos e o filho. de que manteriam sempre. nesse estado. a dançar duma forma indecorosa e ridícula. Morreu. sós e preencher a sua função. muito mais tarde. assim também Licurgo. conta que os hilotas libertos pelos espartanos. no dizer de Platão 3 2 . eles recusaram-se a fazê-lo dizendo que os seus senhores lho proi biam. de que os próprios deuses deram testemunho. Reuniu todos os cidadãos e disse-lhes que o seu governo era. desapareceram pouco de pois. Tinha atingido a idade em que o homem. Antes de os deixar. e partiu. Aristóteles diz até que os éforos. conservando ainda bastante vigor para amar a vida. Apolo respondeu-lhe que as suas leis eram perfeitas e enquanto Esparta conservasse a sua forma de governo empanaria a glória de todas as outras cidades. Portanto.16 encontravam. Não se poderia atribuir a Licurgo uma instituição tão horrorosa como a críptia. deixando de comer.nos. embriagavam-nos e conduziam. que tinham jurado observar as suas leis até o seu regresso. que faltava apenas uma coisa. Exortou-os a observar fielmente as leis que lhes tinha dado sem as modificar nem alterar. proibindo-lhes tudo aquilo que estes divertimentos tinham de correcto e honesto. por si mesma. Deste modo. quando entra vam no exercício das suas funções. . Quanto a mim. apreciando o seu carácter pela doçura e justiça que revelou em toda a sua conduta. julgo que os espartanos só cometeram estas atrocidades muito tempo de pois de Licurgo e sobretudo depois do grande tremor de terra que Esparta sofreu e de que os hilotas se aproveitaram para se sublevarem. declaravam guerra aos hilotas para que fosse permitido ma tá-los. uma viva alegria ao vê-lo efectuar os primeiros movimentos. os mais fortes e robustos desses servos. Muitas ve zes matavam até em pleno dia. e apressaram-no a partir. quanto o permitisse a prudência humana. Ali. 43 — Licurgo reduziu este oráculo a escrito e enviou-o para a Lacedemônia. de combinação com os messênios: revolta que acarretou os maiores prejuízos a todo o país e colocou a cidade em presença do maior perigo que a ameaçou. em recompensa da sua coragem. para mostrarem aos rapazes como a embriaguez era vergonhosa. Entendia também que. pois nessa altura ele cumpriria exactamente o que o deus lhe tivesse ordenado. aos refeitórios públicos. 42— Quando as suas principais instituições se fortaleceram com o tempo e a forma de governo se consolidou de modo a poder manter-se e conservar-se. Os espartanos tratavam-nos sempre com a maior dureza. entusiasmado por as ver marchar. enquanto não regressasse de Delfos. Alcman e Espendon. sob todos os aspectos. t. mas só poderia comunicar-lha depois de ter consultado o oráculo de Apolo. primeiro aos dois reis e aos gerontes. os te banos fizeram uma incursão na Lacônia e or denaram aos hilotas que tinham aprisionado que cantassem as poesias de Terpandro. nos campos. assinala-se justamente a diferença entre este governo e os outros. convencido de que a morte dum homem de Estado não deve ser inútil à república nem o fim da sua vida ociosa. o principal objectivo de Licurgo não tinha sido o do por a sua cidade em condições de dominar as outras: persuadido de que a felicidade duma cidade. ao passo que Licurgo. quase sempre. Zenão e todos aqueles cujas obras desta natureza tem merecido elogios. facilmente se faz se guir. e. Foi também sobre este fundamento que Platão. o discípulo de Sócrates. não pode existir. tal como as abelhas. Esparta parecia menos uma cidade prudentemente governada que a casa bem administrada dum homem sábio e religioso. Os catorze reis que sucederam à época deste legislador até Agis. Aquele que conduz bem. marca o principio da decadência de Esparta. filho de Arquidamo. e que se tenha louvado a resposta do rei Teopompe a quem lhe dizia que Esparta se mantinha pelo tacto dos seus reis para governar: “É antes. em que eles sobressaíam. Patenteando o erro dos que pretendem que o sábio. em que Pelópidas infligiu uma pesada derrota a Epaminondas. creio eu. É nisso. de quem não possuímos escritos nem discursos. as tiras de pergaminho onde se escreviam os decretos do Estado. Eles consideravam estes generais como reformadores dos povos e dos reis aos quais eram enviados. tal como é definido pelos filósofos. Diógenes. que. . nem tropas. Todavia. que ordenava aos atenienses que celebrassem mistérios e festas religiosas. também Esparta com um simples escutalo 33 e um pobre manto comandava toda a Grécia que voluntariamente se submetia ao seu jugo. mas apenas um general espartano. se reúnem com solicitude a volta dela: assim Esparta se fazia respeitar pela justiça e prudência do seu governo! Depois disto surpreende-me que se tenha dito que os lacedemônios sabiam obedecer mas não sabiam comandar. pela obediência dos seus cidadãos”. bastava enviar um embaixador e logo todos os povos se submetiam às suas ordens. Era um simples gracejo. sem mesmo pegar num escudo. diz seriamente que eles faziam lembrar aprendizes todos vaidosos por ter vencido os seus mestres34. regulou-a e orientou-a de forma que os cidadãos. em espiral. traçaram os seus planos de república. Mas os po vos não se submetem por muito tempo àque les que não sabem comandar. que tinha alcançado com a guerra. 45 — Os lacedemônios. destruiu todas as leis de Licurgo. Mas eles apenas deixaram escritos e discursos. mas Antístenes. a Calicratidas e Agesilau. obedeciam-lhe com tanto respeito como temor. que se funda a ironia de Estratónico. o dinheiro começou a entrar em Esparta e com ele a avareza e a cupidez. pacificar as sedições e. porque a instituição dos éforos. estabeleceu realmente uma república inimitável. longe de afrouxar o poder do governo. Bastava a sua arbitragem para por termo às guerras. o s calcidianos a Brásidas e todos o s gregos da Ásia a Lisandro. respondeu ele. parecia favorável ao povo e servia para favorecer a aristocracia. vendo os tebanos orgulhar-se da vitória de Leutra. incapaz de se deixar fascinar ele próprio pela atracção do ouro. quando o conseguiam. deu-lhe mais força. e a submissão dos cidadãos resulta da habilidade dos chefes. Esta mudança começou com Lisandro. aos eleatas que efectuassem jogos públicos. a do rei está em educar os seus povos na obe diência. à vista da sua rainha. Foi assim que os s i c i l i a n o s o b e d e c e r a m a G í l i p o . destruía as tiranias e os poderes injustos que oprimiam as cidades. assim como os poetas representam Héracles com uma pele de leão e a sua maça percorrendo o universo para castigar os ladrões e os tiranos.17 quinhentos anos em que observou as leis de Licurgo. no reinado de Agis. inspiravam-lhes ainda o desejo de os ter por chefes e seguir as suas ordens. fez-lhes 33 Bastão cilíndrico ao qual os espartanos enrola vam. não introduziram qualquer modificação nestas leis. nem dinheiro. e assim como a arte do picador consiste em tornar um cavalo manso e dócil ao freio. e condenava os lacedemônios a ser castigados pelas faltas que esses dois povos tivessem cometido. sempre livres e bastando-se a si mesmos. suscitou na sua pátria o amor das riquezas e do luxo. não satisfeitos com a obediência dos outros povos. Enquanto elas tinham estado em vigor. ou antes. 34 Esta batalha (371). 44 — Porém. como a dum particular. Os estrangeiros não lhes pediam barcos. deveu à previdência do seu governo e à glória que dele resultou a vantagem de ser a primeira cidade da Grécia. se mantivessem tanto tempo quanto possível na prática da virtude. mas viam sempre em Esparta a mestra das outras cidades na arte de bem viver e de bem governar. levando quantidades enormes de ouro e de prata. é o fruto da sua virtude e da harmonia de todos os seus membros. e. um único filho chamado An tioro. 46 — Eis porque Aristóteles disse que. embora Licurgo receba em Esparta as maiores honras. obteve a mesma distinção que o homem mais santo e mais querido dos deuses. com receio de que os espartanos. excepção feita para Eurípides que morreu muito tempo depois. Ele próprio lho havia pedido. este último acrescenta ainda que os cretenses mostram o seu túmulo no ter ritório próximo da estrada de Pergamia. modificassem a forma de governo que tinha estabelecido. Eis o que eu tinha a dizer de Licurgo. segundo consta. dizem. Apolotemis pretende que ele se fez conduzir a Élida. preten dessem que ele tinha voltado e. depois da morte. filho de Hi parco. Timeu e Aristoxemo afirmam que terminou os seus dias em Creta. Entendiam que os deuses os tinham querido reservar para eles. Licurgo morreu em Cirra. não tem todas as que merecia. na Macedônia. No entanto.18 ver uma cidade inteira submetida às regras da filosofia. com razão. Festas constantes [37] Eles honravam o deus Riso [38] Leis para a eleição dos gerontes [39] Os funerais e o luto [40] Leis sobre viagens e estrangeiros [41] Reflexões sobre as leis de Licurgo [42] Fez jurar aos cidadãos que as respeitariam e partiu para Delfos [43] As suas leis mantêm durante cinco séculos [44] Época e causa da decadência Os gregos e os romanos consideravam sagrados os locais onde caíam raios. Isso não aconteceu a mais nenhum dos principais personagens. Diz-se também que caiu um raio no local da sua sepultura35. . e os seus hospedeiros lhe queimaram o corpo e lan çaram as cinzas ao mar. se elas fossem removidas para a Lacedemônia. considerando-se desligados. diz que Licurgo morreu em Creta. Instituição da Gerúsia [8] Direitos do povo e dos reis na Apela [9] Autoridade conferida aos éforos [10] A partilha das terras [11] Substituição das moedas de ouro e prata pelas de ferro [12] Supressão das artes inúteis [13] Os repastos públicos [14] Sublevação dos ricos [15] Leis dos repastos públicos [16] Vantagens desta instituição [17] O caldo negro [18] A ausência de leis escritas [19] Leis sobre as construções [20] Regulamentos militares [21] Casamentos. Deixou. Aristócrates. Educação das raparigas [22] Estímulo do casamento [23] Leis relativas ao casamento 35 [24] Comunidade das mulheres [25] Primeira educação das crianças [26] Educação aos sete anos [27] Educação aos doze anos [28] Permissão do roubo [29] Como se formava o juízo das crianças [30] Réplicas breves e incisivas dos espartanos [31] A sua música e canções [32] Os seus adornos militares [33] A marcha para o inimigo [34] Se Licurgo foi um guerreiro [35] As artes mecânicas abandonadas aos hilotas [36] Ausência de processos em Esparta. e assim excedeu. visto ser o único que. como a um deus. por isso. a glória de todos aqueles que estabeleceram repúblicas entre os gregos. do seu juramento. onde todos os anos lhe oferecem sacrifícios. onde foi enterrado próximo da cidade de Aretusa: testemunho bas tante glorioso e que justifica os partidários deste poeta. quando as ossadas foram removidas para a Lacedemônia. que morreu sem descendentes e com o qual acabou a geração de Licurgo. erigiram-lhe um templo. [FIM] [Conteúdo dos capítulos:] [1] Diversidade de opiniões sobre a época em que Licurgo viveu [2] Sua origem [3] Tornou-se rei de Esparta e depois tutor do rei seu sobrinho [4] As suas viagens [5] Regresso a Esparta [6] Consulta o oráculo de Delfos [7] As suas leis. mas os pa rentes e amigos deste legislador formaram uma sociedade que subsistiu por muito tempo e se reunia em dias determinados a que davam o nome de licúrgidos. 1938. FONTE: PLUTARCO – Licurgo. Inquérito. Lisboa. honras divinas . depois da morte.19 [45] Vantagens das leis [46] Prestam-se a Licurgo.
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