Pierre-Pierrard-Historia-da-Igreja-Catolica.rtf

March 27, 2018 | Author: Sabrina Alencastro | Category: Paul The Apostle, Saint Peter, Jesus, John The Apostle, Roman Empire


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HISTÓRIA DA IGREJA CATÓLICAPierre Pierrard Contracapa: Esta História da Igreja Católica, bem elaborada, acessível e estruturada, oferece ao leitor as articulações, os dinamismos, as tensões e os malogros de uma evolução que não revela apenas as lições mas ainda a inteligência da economia divina: uma Igreja no Mundo. Um clássico recomendado a quem deseja uma visão de dois milénios cristãos. OUTRAS OBRAS PUBLICADAS: Janice T. Connel, ENCONTROS COM MARIA Janice Connell fez uma pesquisa vastíssima e apresenta crónicas autênticas das aparições de Nossa Senhora, onde se destacam as do século XX, histórias - contadas e gravadas em santuários e locais de peregrinação; documentação reunida em universidades, igrejas, sinagogas, mesquitas, templos, presbitérios, conventos. Thomas Moore A ALMA E O ESPÍRITO O tão aguardado complemento de O SENTIDO DA ALMA "A espiritualidade nunca deve ser usada como um tubo de escape mas devererá catalizar este potencial para procurar novos caminhos para a vida à luz de uma nova espiritualidade. Este novo livro apresenta Moore no seu melhor, retirando os ensinamentos dos textos sagrados, das igrejas e dos púlpitos aplicando-os à realidade diária Fazendo uma abordagem dos cultos do Cristianismo, do Zen e do Tauísmo, Moore revela-nos que a religião não deverá ser usada como uma concha, mas como uma ferramenta que nos liberte e apele ao humanismo, empatia e a uma melhor forma de nos relacionarmos com os poderes criativos..." PUBLISHERS WEE *** PIERRE PIERRARD HISTÓRIA DA IGREJA CATÓLICA Dois milénios cristãos incluindo actividade pastoral de João Paulo II até 2002 em Apêndice Complementar por P. Artur Roque de Almeida PLANETA EDITORA *** A Colette Título original: Histoire de l'Église Catholique © by Pierre Pierrard Reservados todos os direitos desta obra para publicação em Portugal de acordo com a legislação em vigor por: PLANETA EDITORA, LDA. Travessa do Noronha, 21-1º F - 1250-170 Lisboa Telefone 21 397 87 56 - Fax: 21 395 10 26 www.planetaeditora.pt e-mail: [email protected]. Tradução: Serafim Ferreira Revisão Literária: Frederico Sequeira Capa: José Laranjeira Composição, impressão e acabamento: Grafitexto, Lisboa Depósito legal nº 185790/02 ISBN 972-731-135-0 Proibida a reprodução no todo, ou em parte, por qualquer meio, sem prévia autorização do editor *** NOTA DO EDITOR A História da Igreja Católica, que agora se publica em edição portuguesa a partir da 3ª edição francesa revista e aumentada em 1991, é uma das muitas que Pierre Pierrard assinou, e é desde há muito um clássico, recomendado não apenas aos iniciados na disciplina de História, mas também a quem deseja ter uma visão completa, precisa e atraente destes dois milénios cristãos. A edição francesa cobre os acontecimentos que marcaram a Igreja Universal e a actividade pastoral de João Paulo II até ao ano de 1990 e apresenta uma ampla bibliografia, classificada segundo os grandes períodos e justamente comentada. Em anexo, e depois da celebração do Bicentenário, o Autor apresenta o essencial das publicações recentes sobre a Igreja e a Revolução Francesa. E estes contributos confirmam, sem dúvida, o interesse pedagógico já elevado desta obra sempre renovada, destinada a atravessar o limiar do milénio. Esgotada a edição portuguesa, não quisemos reeditar esta obra sem atender às várias críticas feitas a determinadas falhas existentes nessa edição. Assim, para melhor servir o leitor, fez-se uma revisão profunda da tradução, aproximando-a o mais possível do pensamento do autor. Conforme assinalamos, a edição francesa termina com a actividade pastoral do papa João Paulo II até 1990 pelo que 7 decidimos solicitar a colaboração de Artur Roque de Almeida, antigo Professor de História da Igreja da Universidade Católica de Lisboa que amavelmente se disponibilizou completando e actualizando em Apêndice Complementar a actividade pastoral do Santo Padre até ao final do século XX. 8 PREFÁCIO Historia est magistra vitae: máxima admirável que condensa, ao mesmo tempo, uma experiência milenar e um princípio de elevada cultura. É urgente que, contra as reivindicações infantis de uma espontaneidade que se afirma a única criadora, se medite sobre as lições e as leis da História, tanto para o conhecimento das civilizações como na tradição viva da Igreja. O enraizamento inteligente no passado é a garantia da projecção do futuro; o presente não é mais que o ponto nevrálgico desta dialéctica. É precisamente aí que nascem os profetas. É verdade que o nosso axioma não deixa de ter alguma ambiguidade e que a própria palavra história, sobretudo na nossa língua (1), abarca conteúdos e métodos muito diferentes. O recurso à História é um método equívoco. Então, como ler esta História da Igreja, de forma a corresponder tanto à intenção do autor como à verdade do seu objecto? Seria inquietante verificar que, na Igreja em despertar evangélico, a renovação bíblica e a renovação litúrgica não engrenam, com uma sensibilidade mais viva, no movimento da História, abandonando-as a um positivismo pastoral demasiado tacanho, fora da compreensão de uma economia definida como "história da salvação", iluminada pelos "sinais dos tempos", inclusive na vida sacramental. Nota 1: Francesa e, na portuguesa, igualmente. [N. do T.] 9 Durante vários séculos, incluindo a Idade Média até cerca de meados do século XIX, considerou-se a história um conjunto de "modelos" (de exempla, dizia a língua latina medieval) e o seu objectivo uma empresa moral. Os "ensinamentos" da História não se podem resumir a estas lições, cuja referência ao passado implica o imobilismo do homem e das sociedades. Frequentemente, a História da Igreja é tratada apenas como um reportório, onde tanto o teólogo como o pastor vão buscar enunciados e normas já estabelecidos, com o perigo de se ficarem por adaptações casuísticas. Por isso, compreende-se a impaciência dos "inovadores". Trata-se de um grave malentendido, tanto da história do homem como da tradição da fé. Esse positivismo dogmático esvazia a dimensão essencial de uma economia que desencadeia e anima a entrada de Deus na História. Na verdade, a História entra no tecido da fé, que aí encontra não apenas materiais exemplares, mas também a compreensão do seu dinamismo; porque "o Espírito, que conduz o curso dos tempos e renova a face da Terra, está presente nesta evolução" (Vaticano II, Constituição da Igreja Gaudium et spes, 26). O que importa, portanto, é que o cristão, desde o momento em que nele emerge a consciência do seu ser cristão, esteja disponível ao entendimento da História, da História "sagrada", incluindo os condicionamentos terrestres que constituem o lugar de seu mistério. Não se trata de curiosidade de erudito, mas de maturidade da fé. Eis aqui, portanto, uma História da Igreja elaborada em traços rápidos e agradavelmente acessível que, estruturada com delicadeza e títulos sugestivos, revela ao leitor as articulações, os dinamismos, as tensões e os fracassos de uma evolução que não fornece apenas lições, mas também o entendimento da economia divina: uma Igreja no Mundo. M. D. Chenu 10 I A IGREJA OCULTA Capítulo I O NASCIMENTO 1. O terreno: a civilização greco-romana, o judaísmo O fundador do cristianismo é Jesus de Nazaré. Nazaré era uma pequena cidade judia perdida no seio do imenso Império Romano. Portanto, Jesus nasceu judeu, súbdito de Augusto. A sua doutrina surgiu numa terra enriquecida pela civilização greco-romana e pelo judaísmo. Quando Jesus nasceu, o mundo romano estava em paz. Nas costas do Mediterrâneo estendia-se um império admiravelmente organizado: Roma era o seu coração vivo e a sua luz; ao conquistar o mundo, o seu povo de camponeses-soldados, tinha-se educado. Mas o panteão romano - que o Olimpo grego havia reforçado e renovado - mantinha apenas o prestígio de lendas deslumbrantes. Claro, havia sempre soldados para invocar Marte, doentes para implorar a Esculápio e artesãos para pedir a protecção de Minerva. Nas províncias pacificadas, a deusa Roma e o divino Imperador ainda despertavam um sentimento de reconhecimento que poderia passar por culto. Mas o helenismo difundira amplamente no mundo mediterrânico o gosto pelas coisas do espírito, assim como uma nova concepção do homem: o cosmos, entendido como um todo animado por uma lei racional e ao qual o homem deve harmonizar a sua vida. Pregadores de linguagem realista e plena de imagens falavam de 13 um Deus universal, centro e animador do mundo; proclamavam a igualdade e a fraternidade dos homens, canonizando o exercício ascético como fonte da sua verdadeira felicidade e da paz de espírito. Por outro lado, as conquistas de Alexandre haviam colocado o mundo grego em contacto com o Oriente; ora, a Frígia, a Capadócia, a Síria e o Egipto eram ricos em cultos antropomórficos e naturalistas com ritos excitantes. De Alexandria, chegaram aos portos mediterrâneos - e daí às cidades, até mesmo a Roma - os mistérios de Isis, a deusa benfeitora, mãe de toda a civilização, e de Serápis, o protector da saúde que faz do homem o eterno contemplador dos deuses. Os marinheiros fenícios e os comerciantes sírios propagaram o culto colorido dos Baals e a ideia, tão cara aos semitas, da transcendência divina. Uma liturgia sensual e purificadora instalara-se no próprio coração de Roma, com Cibele, a grande mãe de Pessinunte. O orfismo desviava os espíritos do pensamento discursivo, levando-os a considerar que entre Deus e o coração dos homens havia intermediários, um Verbo, diziam os pitagóricos. Mas era, sobretudo, para Mitra, o jovem deus-sol dos Arianos, cujo culto se fortalecia na astrolatria caldeia, que se voltavam as almas que se sentiam convidadas a satisfazer a sua necessidade de imortalidade e de justiça. No centro deste mundo tão diversificado, simultaneamente corrompido e suspirando pela pureza, velava, irredutível ao sincretismo helenístico, o pequeno povo judeu. Era realmente um povo à parte. Na Palestina - a Terra Prometida - não passavam de um milhão. Os judeus da diâspora, cinco a seis milhões, formavam colónias importantes na Mesopotâmia, na Síria e no Egipto, sobretudo em Alexandria. No entanto, o coração de todos estava em Jerusalém, cidade única: não que ela se pudesse comparar a Antioquia ou a Éfeso, mas porque o seu Templo era a morada do Deus único, o refúgio de um monoteísmo muito elevado que dava a cada um dos filhos de Israel, por mais pobre que fosse, a consciência de uma superioridade indestrutível. Todos estavam unidos pela fé num Deus 14 santo, transcendente, que criou o homem à sua imagem, que o convida à esperança num messias libertador e numa eternidade bem-aventurada, cumulada pela contemplação das perfeições divinas. Entre este Deus - Yahweh = Javé - e o seu povo há uma ligação concreta, santa, viva: a Tora - lei de Moisés ou Pentateuco -, ao mesmo tempo fonte da vida e da sabedoria, e colectânea de preceitos religiosos e morais que completava um ensino oral transmitido de geração em geração. O sinédrio, presidido pelo sumo sacerdote, e os escribas eram os guardiães desses tesouros, cuja posse fazia dos Judeus o povo de onde viria a salvação. Mas o judaísmo alexandrino já assimilara as riquezas do platonismo e do estoicismo. Fílon de Alexandria (13 a. C. c. 54 d. C.) era um representante típico desses judeus helenizados que organizavam a doutrina extraída das Escrituras num sistema teológico e filosófico elaborado, cuja influência chegava às comunidades judaicas da Ásia Menor e da Síria. Este sistema preparará o caminho para a teologia cristã. Na Palestina, a situação era outra. No tempo dos Selêucidas, os Judeus permaneceram refractários ao helenismo. Quando Antíoco Epifânio ousou erguer um Júpiter olímpico no próprio coração do templo, levantou-se, atrás dos Macabeus, um povo inteiro armado para a guerra santa e que triunfou. Quando a força invencível de Roma acabou por sujeitar Israel à condição de vassalo, o povo de Deus apegou-se à sua fé com um fervor ainda maior e uniu à sua volta os melhores dos em O Mistério . há divergências sobre a realidade histórica da pessoa de Cristo e sobre a origem da sua mensagem. obedecendo a uma regra rigorosa. ao contrário dos saduceus. Mas. o judeu que ensinasse grego a seu filho era maldito. os discípulos de Jesus. vendedor de sonhos e de ilusões. Já Reimarus (falecido em 1768) via nos apóstolos apenas uns falsários e nos Evangelhos a expressão de uma impostura. "o primeiro socialista do Mundo" ou. desemboca-se em plena mitologia: segundo Strauss. cuja vida religiosa se centrava na meditação e na prática da Lei. os fariseus (perouschim = separados) herdeiros dos Hasidim (os piedosos) do tempo dos Macabeus. Com A Vida de Jesus. charlatão. baseando-se nos progressos da filologia e da história literária.ligava-se o ardor dos zelotas. 2. Nisso. Durante séculos. porque a seus olhos. revela acerca de Jesus ideias já feitas ou confusas: um Jesus taumaturgo. Um dos representantes mais célebres desta escola mítica foi Couchoud que. Jesus "O nome de Jesus não se inscreveu simplesmente na história do Mundo. toda a gente está de acordo. à margem da vida religiosa oficial. uma vida de cenobitas. Jesus não passava de um profeta revolucionário que fracassou. Jesus. na ressurreição. de David Strauss. foi objecto de uma fé quase sem problemas. na existência dos anjos. O homem comum. resistentes que combatiam abertamente os Romanos e representavam o nacionalismo judaico na sua forma virulenta. marcou-a profundamente". a alegria nascia dessa fidelidade aos mais pequenos mandamentos de Deus. e num conhecimento mais completo do Antigo Oriente. entre os estudiosos. filho de Deus. Exigiam a rígida observação do sabat. ao narrar a vida do Mestre. quando muito. Aliás. no século XIX. Para os fariseus.seus filhos. mantinham a fé na imortalidade da alma. escrevia Emerson. "o grande amigo" consolador.guardião da chama sagrada . a pureza leal e o pagamento das dízimas sagradas. Foi no seio deste pequeno povo indomável que nasceu Jesus. A exegese alemã. E os essénios (cerca de quatro mil) levavam. teriam criado um Cristo ideal. se não foi catequizado em profundidade. chegou a audaciosas conclusões nascidas do racionalismo. 15 Ao fervor farisaico . segundo ele. publicada em 1835. que apenas se cingiam às prescrições da Tora. O que não impede a subsistência de dúvidas razoáveis sobre a existência de Jesus. desligado da História e prestes a tornar-Se uma personagem mítica. Na falta de uma biografia no sentido estrito do termo. a escola de Lovaina. no Evangelho. seguir Jesus ao longo da sua curta vida . aplica sistematicamente ao estudo do Novo Testamento o método da Formgeschichte. Bauer (falecido em 1860) que se deixou levar pela fantasia de uma imaginação criadora. submetida ao jugo romano. é possível. chefe da escola liberal. A essa escola se opôs a escola de Tubinga. Como se vê. o Jesus da História não pode ser. a personagem que viveu e morreu na Terra. João. ultrapassar o quadro do misticismo não será mais que uma adaptação momentânea às concepções caducas da época ou uma vegetação parasita que revela as deformações efectuadas pelos discípulos na obra do Mestre. que consiste em fazer descer o Evangelho ao plano do judaísmo contemporâneo. alcançado pela investigação. Em face deste misticismo de contornos nebulosos. e o "Cristo da fé". Cerfaux. se facto. fez de Jesus o produto dos sonhos das primeiras comunidades cristãs. com L. e extrair uma mensagem que. já não se põe essa questão por se considerar inútil. a nova interrogação sobre o "Jesus da História" deriva das posições do exegeta luterano Rudolf Bultmann que aplica a Formgeschichte ("história das formas") aos Evangelhos sinópticos e manifesta a originalidade do pensamento de S. tem alguma importância para a fé. Actualmente. A. Weiss. Jesus permanece um "sinal de contradição".uma trintena de anos . A partir de 1930. a interrogação sobre o Jesus da História não se justifica teologicamente nem. particularmente representada por F. os defensores da chamada escola "da história das religiões" (Bousset e Guignebert) procuraram a origem do cristianismo num sincretismo do judaísmo com as religiões pagãs do século I. . a escola escatológica (J. C. Schweitzer) desenvolveu uma concepção aparentemente mais positiva.na Palestina. aliás. mesmo para um incrédulo.de Jesus (1924). se situa no nível mais elevado da história dos homens. graças aos Evangelhos. Hoje em dia. Loisy e A. Segundo ele. libertando-a dos pressupostos filosóficos e dos preconceitos históricos. Por seu lado. 16 Para A. Paulo e de S. von Harnack (falecido em 1930). tudo o que. E muitos superaram o abismo que alguns pretenderam estabelecer entre o "Jesus da História". fala com autoridade. vivo. os que têm fome e sede de justiça. uns magos vindos do Oriente.fundamento da sua Igreja . Deitado numa manjedoura. morrer e. afirmando que não tinha vindo para revogar a Tora.na aldeia de Nazaré da Galileia. os misericordiosos. os perseguidos. a morte na cruz e a sepultura. Foi nas margens do lago de Tiberíades que Jesus escolheu os seus apóstolos . em 28 e em 29. Foi lá que Ele proferiu as suas mais belas parábolas e foi às multidões que acorriam à Galileia que Ele ensinou o Pai-Nosso e anunciou a sua Paixão. A glória dos Ramos precede de pouco a prisão. o testemunho dos apóstolos centra-se na relação entre a morte e a ressurreição de Jesus: aquele que alguns viram agonizar. perante Pilatos. É fácil admitir a morte de Jesus. No entanto. e anunciar o Reino que virá. foi para essas multidões .. depois. sabe que será entregue aos Romanos. capaz de ser apalpado e 18 de partilhar a refeição dos seus amigos.". os que promovem a paz. solicitando que se ultrapassem as prescrições farisaicas.seu pai adoptivo . provavelmente em Abril do ano de 30. os mansos. No ano de 27. os aflitos. instalou-se com Maria e José . pois. desde o aparecimento do Homem sobre a Terra. Comentando um texto da Lei na sinagoga de Cafarnaum. passados três dias. que multiplicou os pães.. Após uma estada no Egipto.esfomeadas e pobres como Ele -. contrariamente aos escribas. de lá saiu para receber o baptismo das mãos de João. É o Cristo . todos aqueles que o "mundo" rejeita. Ainda que Jesus tenha ido a Jerusalém para a celebração da Páscoa. escandaliza ou provoca sorrisos. assombra os seus ouvintes. que O apresentou às multidões como "o cordeiro de Deus". os puros. em Belém. mas para lhe dar pleno cumprimento. o julgamento diante do sumo sacerdote e. é na Galileia que a sua mensagem ganha expressão. foi sobre elas que lançou o estranho e paradoxal programa que deveria ser a carta de uma nova humanidade: "Bem-aventurados os pobres. teve como primeiros admiradores alguns pastores e.17 Jesus nasceu da Virgem Maria. Já a sua ressurreição choca. no fim do ano de 29. idêntico a Si mesmo.e foi aí que começou a sua pregação. depois. Jesus desce lentamente até Jerusalém. no ano 5 ou 4 antes da era que tem o seu nome. Quando. "já que a Igreja é herdeira do povo judeu". dos fariseus. Pedro.ressuscitado que os seus discípulos pregarão e que constitui o fundamento do cristianismo: "Se Cristo não ressuscitou. Era uma comunidade bem temerária aquele primeiro grupo judeo-cristão que. escutai estas palavras: Jesus de Nazaré. transcendendo o ensinamento bastante elevado. homem 19 que Deus creditou junto de vós com milagres. vós condenasteO à morte. deixara em Jerusalém. depois. cujos primeiros discípulos igualmente judeus . Os membros da pequena comunidade.considerado por eles como o Messias anunciado . aquando do debate relativo ao esquema sobre a Igreja no Concílio Vaticano II. apresentavam-se como judeus que viviam a sua religião de uma forma mais pura do que os seus pais. os acusam de estarem bêbedos. foi entregue conforme o desígnio e a presciência de Deus. viveu confinado à sala superior da casa onde Jesus celebrara a Ultima Ceia. aos judeus. desde o início. aquele vendaval que enche toda a casa. que Jesus. durante algum tempo." Porque o cristianismo nasceu da pregação de um judeu.que dava o lugar primordial às disposições do coração. mas Deus ressuscitou-O e disso nós somos testemunhas. escreveu Paulo. em primeiro lugar.se dirigiram. o Antigo Testamento é inseparável do Evangelho e dos escritos apostólicos. Para o cristão. Mons. As primeiras comunidades cristãs Em 2 de Outubro de 1963. sobretudo os judeus da diáspora. após a sua ascensão. o Espírito que fortalece os corações tímidos e transforma aqueles homens humildes em arautos tão vibrantes perante quem os escuta que. mas ritualista. Van Dodewaard bispo de Harlem (Holanda)." Escutaram-no. Fazia-se eco da expressão famosa de Pio XI: "Nós somos espiritualmente semitas. fez votos para que os laços entre a Igreja Católica e Abraão e os Judeus fossem mais evidentes. o que explica . A festa judaica levara a Jerusalém uma multidão enorme. Pouco depois. Foi no júbilo da ressurreição de Jesus e. a Igreja. porque. um pescador. na expectativa de uma parúsia iminente que as primeiras comunidades cristãs se expandiram. acontece o Pentecostes. eles tinham como referência as palavras do Mestre . a nossa fé é vã". ainda ontem um renegado. dirige-se a ela: "Israelitas. 3. na sua pregação. perseguiu o cristianismo nascente. onde encontra os chefes da comunidade judeocristã."Entraste em casa de incircuncisos e comeste com eles!" . um jovem judeu da Ásia. porque Me persegues?" -. A posição avançada de Estêvão. Com um temperamento apaixonado. Antioquia. graças ao diácono Filipe. mas os murmúrios escandalizados .que em Cesareia. para se ocuparem deles. Os eunucos eram excluídos da comunidade de Israel. um dos sete. onde o encontraremos a preparar a sua primeira viagem missionária.a presença. Alexandria e Roma. esses pestilentos. foi lapidado como blasfemo. sendo atraído pelo ideal farisaico. Durante a lapidação de Estêvão aparece."Saulo. seguiu as lições de um doutor famoso. depois de Pedro e de João. mas que havia adquirido o direito de cidadania romana. passa algum tempo nos ermos do reino nabateu antes de rumar a Jerusalém. no qual não via senão impostura. . e. De Jerusalém. estabelecera-se na Cilicia. em Jerusalém.que acolhem Pedro. é uma figura de proa: não hesitando em identificar com a idolatria o culto prestado a Deus no Templo de Jerusalém. mas. Um certo número desses "helenistas" permaneceu em Jerusalém e. A sua família. Derrubado do cavalo por uma força invencível no caminho para Damasco . assinala uma primeira etapa na evolução da comunidade judeo-cristã. fortalece a sua fé em Cristo crucificado e perseguido. Estêvão. Gamaliel.da rainha da Etiópia. Muito naturalmente. em Tarso. parte para Antioquia na companhia de Barnabé. universalizando a mensagem cristã. dizem os Actos dos Apóstolos). cidade pagã. Saulo. Tiago e Pedro. pela primeira vez nos Actos. cidade amplamente aberta às rotas comerciais e aos sincretismos religiosos: foi aí que Saulo nasceu no princípio da era cristã. pela nova ordem instaurada pelo Filho do Homem. que mudará o nome para Paulo. junto deles. os discípulos de Jesus alargam timidamente o seu campo de acção. de um pequeno grupo de judeus cristãos em Damasco. porta-voz dos "helenistas".a quebrar um tabu. Os Actos relatam o episódio da entrada 20 na Igreja do eunuco . baptiza o centurião Cornélio . Temos muito poucos elementos sobre a vida de Paulo antes da sua conversão. Mais significativa ainda é a pregação do mesmo Filipe. bem cedo. aos Samaritanos. Na Palestina.um semita . como lhes chamavam os judeus. Saulo. os "doze" designaram os diáconos (em número de sete. Melhor: é o Espírito que leva Pedro . judia de origem. substituía-o. no seu regresso. a importância do papel de Pedro como intermediário entre Jesus e os outros apóstolos. por várias vezes. alguém que não viu o Mestre. na comunidade cristã. Paulo O caso de Paulo é único. que não faz parte dos doze e que. apresenta Pedro como a primeira testemunha da ressurreição: aliás. dos seus vinte e quatro capítulos. que os Actos mostram Pedro a presidir à eleição de Matias e a falar em nome dos seus. sendo o primeiro a perceber que se podia passar directamente da idolatria para Cristo."o príncipe dos Apóstolos" -. Ao lado de Pedro e da comunidade judeo-cristã. controlando os materiais de que são feitos os Evangelhos sinópticos. . cujo rasto se perde rapidamente. o rito eucarístico da partilha do pão. enquanto os Actos dos Apóstolos. na sua primeira Epístola aos Coríntios.provam que os espíritos ainda não estavam preparados para essa etapa. foi junto de Pedro que buscou a confirmação da sua missão. Aos que opõem Paulo a Pedro. É provavelmente no decurso dessas reuniões que os irmãos se interrogam sobre Jesus e a sua mensagem. porque. Nesse meio tempo. rememorando as suas lembranças. eis que surge um "novo". a sua autoridade foi de tal modo fulgurante que alguns julgaram poder ver nele o primeiro foco do cristianismo. "o apóstolo". 21 Capítulo II FORA DA PALESTINA 1.sublinham. com toda a propriedade e significado da palavra.inclusive o Evangelho de João . se lança no meio dos pagãos. 23 Isso não impede que este pequeno judeu helenizado seja. consagram quinze ao apostolado de Paulo. os ritos judaicos enriquecem-se com uma liturgia original: administração do baptismo e também por ocasião das ceias comunitárias. muito pouco nos informam acerca da actividade de Pedro . que o próprio Paulo. assumindo inesperadamente uma vocação exigente. interrogando as testemunhas da vida do Mestre. pode responder-se que os Evangelhos . Personagem excepcional. seus irmãos. Mas a jovem Igreja aparece como o verdadeiro Israel e o Antigo Testamento é atentamente examinado à luz do Novo. posteriormente. o primado do espírito sobre a letra e a liberdade dos filhos de Deus. Pedro e João. fiz-me como se estivesse sujeito à Lei. para ganhar aqueles que estão sujeitos à Lei" -. penetram na Macedónia e alcançam Filipos. acolá. Paulo. de uma fé ardente. depois. Paulo choca-se com os judeo-cristãos que pretendem ligar a salvação ao rito da circuncisão. a sua pregação orienta-se para os gentios. chamou-o de Tarso. Listra e Derbe. malgrado a resistência de muitos irmãos. de uma vontade dominadora. A controvérsia é levada a Jerusalém. os judeus incitam a multidão a apedrejálo. enquanto outros desejam adorar Barnabé. Durante um ano. Três grandes intuições deram a esta existência a sua densidade: a universalidade do reino de Deus e da salvação pela fé. Em Listra. tomam-no pelo eloquente Hermes. irradia influência em redor de Perge e. cidadão romano. Paulo contribui para este apostolado com as riquezas de uma personalidade excepcional. onde são presos. o pregador e o organizador. Regressado a Antioquia.isto é. de uma caridade insondável. procede da mesma maneira: na sinagoga toma a palavra como lhe permite o ritual judaico e esforça-se por demonstrar pelas Escrituras que Jesus é o Messias esperado por Israel. de uma inteligência apurada pelas formas quotidianas da vida apostólica e de uma dialéctica marcada tanto pelo rabinismo como pelo helenismo. percorre a Licaónia: Icónio. Não lhe faltam dificuldades: aqui. de uma sensibilidade muito viva por vezes desconfiada. de onde se irradiou a sua fama de pregador. perante os chefes da comunidade cristã. Por toda a parte. Paulo volta a sair de Antioquia para uma viagem missionária que durará três anos. Chegam a . Embora sujeitando-se às prescrições judaicas . cuja estatura evoca Júpiter. jovem grego nascido de mãe judia. Paulo e Barnabé trabalham juntos. Na Primavera de 45. depois. enfim."Para os que estão sujeitos à Lei. se bem que não esteja sujeito à Lei. Paulo não compreende que se imponha a circuncisão aos gentios desejosos de ingressar na Igreja. tornado chefe da missão. Os três atravessam a Frigia e a Galácia. a testemunha. vão para a Panfília. Paulo junta a si Timóteo. chefe da comunidade cristã. de uma saúde débil. Paulo encontra-se em Antioquia: Barnabé. depois. Antioquia da Pisídia. embarcam para Chipre e. que avalizam os métodos paulinos. 24 No Outono de 49. No ano de 44. Separa-se de Barnabé e leva consigo Silas. . o porto cosmopolita onde. permanece dezoito meses em Corinto. oferecendo a todos uma garantia ao ressuscitá-Lo de entre os mortos". estendida. Paulo. único e invisível que fez a Terra e os homens e que "fixou um dia para julgar o universo com justiça. no temor e em grandes atribulações".ele próprio faz-se tecelão de tecidos de pêlo de cabra para tendas -.onde se organiza uma importante comunidade cristã . em torno do templo 25 de Artemis ou Artemísia. Todos os dias discute na Agora com os gregos subtis e cultos. mandaram o orador de volta aos seus sonhos: "Ouvir-te-emos sobre isso outro dia!" O pequeno judeu desce a Corinto. pelas fadigas. sob o sol implacável. empreende a sua terceira viagem missionária. misturando-se com os pobres e os marinheiros . onde os judeus os acusam de actuar como adversários do imperador ao apresentarem Jesus como rei. E eis que Paulo chega a Atenas. depois de o seu ministério se ter iniciado "na fraqueza. Na Epístola aos Gálatas. pelos açoites. por um homem que Ele destinou. inteiramente branca. entre duzentos mil homens livres servidos por quatrocentos mil escravos.que Paulo remete as suas duas cartas aos Tessalonicenses que quer fortalecer na fé." É de Éfeso que Paulo remete duas das suas mais belas cartas. como o seu "combate contra as feras": "São ministros de Cristo? Como insensato digo: muito mais eu. a magnífica. uma das maravilhas do Mundo. na sua segunda Epístola aos Coríntios. trabalham numerosos orientais mais bem preparados que os gregos para receber a mensagem evangélica. vi-me em perigo de morte. E. mantendo-os na esperança do retorno do Senhor. Encontra-os no Areópago. Chegam a Bereia. Éfeso. onde anuncia um Deus desconhecido. a mais longa. muito mais. a sinagoga acolhe avidamente a palavra de Paulo.. Muitas vezes. Escolhe Éfeso como quartel-general. infinitamente mais. Após uma breve escala em Éfeso. todos os dias. pelas prisões.Tessalonica. É de Corinto . "examinando. a partir da Primavera de 53. depois de . Paulo tem de travar em Éfeso aquilo que designará. Um escravo crucificado e saído do túmulo! Com risos zombeteiros. Muito mais. Paulo retorna à Síria por mar. emula de Alexandria. Mas. Paulo adquire segurança e fala da Cruz sem receio de chocar o orgulho judeu ou de escandalizar a razão grega. as Escrituras para ver se tudo era exacto". mas cépticos e levianos. exorta-os e intima-os a sacudir definitivamente o jugo da Lei. Apesar de conduzir numerosas almas para Cristo. Aos irmãos de Éfeso que foram vê-lo. para quem a ressurreição de Cristo é justiça. que faz arrastar o assunto durante dois anos (58-60). cansado de ouvir Paulo apelar para César.. de onde ruma para Mileto. de onde envia aos Coríntios uma segunda epístola: um poderoso partido difícil de identificar . santificação e redenção. usa a sua condição de cidadão romano. acaba por enviá-lo para Roma. De Corinto. Malta e Puteoli. confidencia os seus pressentimentos: "E agora estou certo de que nunca mais vereis o meu rosto. Creta. bondade. O seu sucessor Festus. opostos aos frutos da carne: caridade. de que se conhecem apenas alguns episódios. deveria conduzi-lo à Península Ibérica.lhes relembrar a origem e a força da sua própria vocação. tentam detêlo. onde desembarca. onde vive dois anos em liberdade vigiada. mas em vão. tratar-se-ia de uma ofensiva de judaizantes ou da acção de gnósticos acobertados pela autoridade de um certo Apoio? A ética helénica e ao legalismo judaico. E com que soberano júbilo enumera os "frutos do espírito". o Pentecostes judaico (em 58) já o vê em Jerusalém: a sua presença desencadeia a cólera daqueles que o consideram um traidor do judaísmo. é preciso levar a Jerusalém o produto da colecta feita no Oriente a favor da Igreja-mãe. Paulo chega à capital do Império. conseguindo que o levem até Cesareia.] Mas não considero preciosa a minha vida. de Roma. é preso como agitador. a paixão de Paulo. correspondendo-se . escreve aos Romanos para pedir-lhes que o ajudem numa viagem que. Em Cesareia. daí que ele considerasse necessário relembrar o fundamento da sua autoridade. Paulo contrapõe a liberdade do cristão. Parte de Filipos para Tróade. antes disso. Prestes a ser linchado. fidelidade. mansidão e temperança! A primeira Epístola aos Coríntios (Primavera de 57) tornouse necessária devido às divisões que enfraqueciam a comunidade de Corinto. paz.. [. alegria. contanto que leve a bom termo a minha carreira e cumpra o ministério que recebi do Senhor Jesus. Vai para a Macedónia (Verão de 57). benignidade. Paulo é forçado a sair rapidamente de Éfeso porque um fabricante de estatuetas de Artemis provocou um grande tumulto contra os cristãos que prejudicavam o seu negócio. onde permanece três meses. onde reside o procurador Félix." 26 Começa. Passando por Sídon. paciência.. então. Para não ser flagelado. numa travessia movimentada.minava a autoridade de Paulo. Mas.. no entanto.a Tito e a Timóteo. Segundo Eusébio. no século II. Depois de 70. Jerusalém foi esmagada e destruída por Tito. mas as investigações empreendidas por ordem de Pio XII provaram que. cuja autenticidade é contestada . se sabia que um mártir muito importante e porque não Pedro? . Pedro era o chefe incontestado e. à Samaria e até a Antioquia testemunham a irradiação da Igreja-mãe que. saído da tradição judeo-cristã. Na Palestina. Mas o que aconteceu com Pedro? "Uma coisa é certa . sobrevivem alguns pequenos grupos de cristãos na Transjordânia.tinha sido enterrado numa necrópole da colina vaticana. as comunidades continuam a ter uma vida difícil.deixam supor que o apóstolo sobreviveu ao primeiro cativeiro romano. A narrativa dos Actos detém-se aí. Seja como for. onde foi crucificado por volta do ano de 60. Paulo teria sido decapitado em Roma no ano de 67 e enterrado junto de Pedro. Em 61. permaneceram inseparáveis. Tiago.mais estruturada do que o mundo paulino -. Na memória dos cristãos. O primado de Pedro é transmitido ao chefe da Igreja romana." Não se tem as provas absolutas.com os fiéis de Colossos. Pedro morreu como mártir. As cartas pastorais . 27 Pode afirmar-se que a primeira comunidade cristã de Roma foi fundada por Pedro? Parece mais certo que a semente do cristianismo tenha sido semeada em Roma por alguns judeus vindos de Jerusalém. o apóstolo dos gentios. e não se pode conceber que tenha sido mártir noutro lado que não em Roma. mais do que as comunidades da Ásia e da Grécia. a tradição católica sustenta que Pedro permaneceu durante muito tempo na capital do Império. tinham dificuldade de se desembaraçar dos laços muito fortes do judaísmo. depois dele. A sementeira cristã Na Igreja palestiniana . Se a fisionomia de Paulo é esclarecida pelos textos sagrados e se a silhueta de Pedro e do próprio Tiago se perfilam. transformar-se-ão em seitas heterodoxas contaminadas pelo agnosticismo e pelo maniqueísmo. os irmãos já são numerosos. Éfeso e Filipos. o cativeiro. quando Paulo chega a Roma. As viagens de inspecção de Pedro à Judeia. Tiago foi executado. 2. por . e Paulo. a que a 71 Epístola a Timóteo se refere. pouco depois do Pentecostes. Pedro.afirmava Renan -. separados da grande corrente. Em 62. seria a prisão no tempo de Nero. é um documento único 28 que. judeus helenizados conquistados para Cristo ou gentios convertidos. e nenhum nome de propagador ou de arauto chegou aos nossos dias. Tertuliano pretendeu que João sofresse em Roma.. acabaria por morrer já centenário. a Etiópia a Mateus. O quarto Evangelho . ensinai todas as nações. Mas trata-se apenas de uma bela lenda. vendedores ambulantes. o silêncio da História recai sobre a actividade dos seus discípulos e seus sucessores. a mais elevada autoridade espiritual do fim do século I. A Boa-Nova foi transmitida de boca em boca por mercadores. Sem dúvida. sob Domiciano. Jesus formando um só com o Pai. em Éfeso. permitia que os homens e as ..desaparecem diante do ardor dos seus escritos. Uma boa rede de relações humanas. e o Verbo estava com Deus. foi designada a cada um deles uma zona de acção: assim. na Ásia. Após a morte de Paulo. mas em João o Logos não é o pensamento de Deus. o antigo publicano revela uma rica personalidade. propagando a vida pelo amor. no essencial. Verbo."? O autor do primeiro Evangelho . no horizonte do século I.o de João . a terra dos Partos a Tomé. Mas essa obscuridade não foi infecunda. a ideia de um Verbo era familiar à filosofia da época. Terá sido escrito algo mais prodigioso do que o famoso prólogo: "No princípio era o Verbo. onde se estabeleceu a nova aliança. a terra dos Citas (Sul da Rússia) a André. e o Verbo era Deus"? Quais são as causas da progressão assombrosa do cristianismo no decurso dos três primeiros séculos? Depois de Paulo e Pedro.vezes. antes a sua Palavra incarnada. No entanto. menos pelas parábolas de Cristo do que pelas reflexões sobre os mistérios de Deus: Jesus Deus.o apóstolo que Jesus amava . relegado para Patmos. É verdade que a "missão" cristã beneficiou de um contexto histórico e geográfico privilegiado.. a da índia Citerior a Bartolomeu. mas João interessa-se menos pela Galileia.Mateus. escravos libertos. que sabemos dos outros apóstolos e da sua acção apostólica? Nada ou quase nada. João está em Éfeso: parece ter sido. onde Jesus pregou e curou. viajantes. quem poderia acreditar que algum dos doze pudesse esquecer a directriz do Mestre: "Ide. facilitada pela segurança das estradas e pela actividade dos portos. após a morte de Tiago.. do que por Jerusalém. As lendas que cercam a história de João . mas nada sabemos da sua vida. coincide com os sinópticos. Eusébio e Rufino pretenderam que. o suplício da água a ferver: teria saído são e salvo e. Luz e Pão da Vida. ressuscitou ao terceiro dia. mais tarde. Apareceu a Cefas (Pedro) e depois aos Doze" (ICor 15. e Roma. as inúmeras comunidades judaicas da diáspora e. no interior do Império. sem exército nem violência. depois. Mons. os intercâmbios necessários. em contacto com o mar Egeu e o mar Adriático. o coração do Império. segundo rezam as Escrituras. o que eu mesmo recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados. como houve um "milagre grego". sabe-se que o 29 terreno espiritual .estava pronto para receber a semente cristã. Duchesne dizia justamente que o Império Romano foi "a pátria do cristianismo". Quaisquer que tenham sido as facilidades oferecidas pelo contexto do Império Romano e pelas preparações ideológicas. foi Roma quem indicou à Igreja as suas primeiras fronteiras: a Pax Romana favoreceu. Não foi por acaso que os principais centros do cristianismo nascente foram Antioquia. Não devemos considerar o cristianismo um sincretismo. o resultado de uma amálgama de religiões misteriosas com a gnose pagã.sobretudo nas costas orientais do Mediterrâneo . a diocese. Roma forneceu à Igreja cristã os seus quadros jurisdicionais: a cidade. organizado e triunfante. encruzilhada de caravanas. porta aberta para a Macedónia. De resto.3-5). Corinto. na sua pregação. um punhado de pobres homens sem instrução nem poder. No caso do cristianismo. Tessalonica." . o grande porto da Ásia. no vocabulário e na ideologia do helenismo. porque há dois elementos que estabelecem a diferença essencial entre a religiosidade que reina no século I e a religião de Jesus pregada por Paulo: o constante recurso à Bíblia e à pessoa histórica de Cristo "Transmiti-vos. a província e. Éfeso. há um "milagre cristão". O próprio Paulo se inspirara. que faz a originalidade do cristianismo e a unidade das comunidades dispersas. segundo as Escrituras. o império eterno estabelecido por pobres pescadores mudos como peixes. as comunidades paulinas serviram naturalmente de apoio à evangelização. que encantava Bérulle: "Diante de um mundo poderoso. de entre os quais foram tirados sem intriga nem prudência. É esse cristocentrismo.ideias circulassem e se difundissem rapidamente. em primeiro lugar. De facto. ao lado da consciência da sua autonomia em relação ao judaísmo. Foi sepultado. é ele que dá um sentido típico ao termo que Paulo introduziu: a Igreja. corpo de Cristo e centro vivo do reino de Deus. na Síria. no século II. essa língua que foi o primeiro veículo do Evangelho. face . Para lá das fronteiras do império. um mundo. originários da Ásia. os mais fracos. metade dos quarenta e oito cristãos martirizados. base económica do Império. Ásia. um mundo. tinha nomes gregos. a caridade universal. os peregrini.. a de Lião. oficialmente triunfam o ouro e o estupro. Roma é o único centro cristão comprovado: parece que o cristianismo foi aí recrutar adeptos inicialmente entre os indivíduos oriundos do Oriente. mas uma sensualidade desenfreada é a expressão do desprezo pela mulher. gente sem lar nem pátria.] 30 antiga. A (Grã) Bretanha e a Sicília conhecem Cristo e encontram-se cristãos nas cidades-fronteiras. No Ocidente. no século II. o respeito medroso pelo mais forte e o desprezo pelo pobre. Existem ainda matronas à Nota 1: Os mais humildes. E foi também do Oriente que chegaram. com os seus dois primeiros bispos. Nesse mundo. No decorrer do século III. o cristianismo propõe uma doutrina e uma vida cujos elementos essenciais são a pureza. a força e o gozo. mas em que. da Ilíria à Hispânia são implantadas uma centena de igrejas: a Itália Central. em 177. de língua grega. a primeira Igreja cristã da Gália. levanta-se um mundo no qual a virtude certamente não está morta. os fundadores da Igreja da África. os tenuiores (1). a Igreja espalha-se por toda a parte: na Ásia. no qual a maioria dos homens constitui aquilo a que Toynbee chama "o proletariado interno": a massa de escravos. Foi precisamente através dos orientais que se implantou. o Sul da Gália e a costa mediterrânica da Hispânia são as zonas mais favorecidas. a Igreja cristã conta com inúmeras comunidades no Oriente: Síria. Fotino e Ireneu. [N do T. no delta e no vale do Nilo e na Cirenaica. alcança a Mesopotâmia.. É provável que Alexandria tenha conhecido o cristianismo antes do fim do século I. a pobreza e o desapego das honrarias. onde as comunidades se multiplicam e não somente junto das costas. mas renovados e ressuscitados com Cristo. cujos recursos materiais e espirituais são mobilizados em proveito de uma aristocracia. No início do reinado de Trajano (ano de 98).Diante de Jesus e dos seus humildes intérpretes. Para o Ocidente. os humiliores. os progressos são mais lentos. elementos não totalmente novos. Macedónia e Grécia. No fim da era apostólica (ano 70). apesar de tudo. sacrifícios humanos. O mais antigo documento oficial. em que se faz referência aos cristãos data do ano de 112. Na noite de 18 para 19 de Julho de 64. cuja proibição essencial era: "Non licet esse Christianos. em todo o caso. pois sabemos bem o que o imperador histrião representa na tradição cristã. 31 3. trata-se da carta dirigida a Trajano por Plínio. três quartos da cidade de Roma foram devastados por um incêndio que só seria dominado passados seis dias: a opinião pública atribuiu o sinistro parece que erroneamente .. não foi a razão de Estado que levou Nero (falecido em 68) a perseguir os cristãos. procônsul na Bitínia. M. parece que já se fez a distinção. por exemplo. desde o reinado de Nero." Os historiadores mostram-se divididos quanto a esse facto. a religião cristã fez grandes progressos. Flávio Clemente e Flávia Domitila. ganhando adeptos mesmo entre os círculos vizinhos do imperador: assim. Acusado. no entanto. A situação prolongou-se durante o tempo de Domiciano (8196). tendo-os por misantropos. Tertuliano afirma que Nero deu um instrumento jurídico à sua acção contra os cristãos: o Institutum Neronianum.aos bárbaros. na margem esquerda do Reno e na margem direita do Danúbio. e sobre ambos correm as mesmas maledicências: hábitos impuros. E o circo de Nero. primos-irmãos de Domiciano. a uma das cenas mais atrozes de um reinado fértil em ignomínias: cristãos transformados em tochas vivas iluminando os jogos e as orgias. situado no local onde actualmente se ergue a Basílica de São Pedro. e . Na última década do século I.. certamente não. O Norte de África abre-se amplamente ao Evangelho: por volta de 235. o imperador procura e encontra os culpados plausíveis: os cristãos que o povo mal conhece. Durante muito tempo. Nero! A História já depôs suficientemente contra essa personagem para que nós venhamos apertar ainda mais os seus grilhões. província na qual o cristianismo prosperava. a opinião pública confunde judeus e cristãos. ateus e homens dados a ritos orgíacos. Em Roma. A Igreja que sofre O Império Romano terá sentido a ascensão desta nova seiva? Antes do fim do século I. Mas este nascimento da Igreja realizou-se no sofrimento. um concílio reúne uma centena de bispos em torno do bispo de Cartago.à loucura de Nero. assiste durante a noite de 15 de Agosto de 64. mas. o Jovem. ao mesmo tempo. não seja nada clara. que leva as qualidades de homem de Estado ao grau supremo. mas não se deve procurá-los e deve deixar-se de lado as denúncias anónimas: todo o inculpado que se arrepender deve ser libertado. o Jovem. que são espoliados ou executados por ateísmo. o Império cai nas mãos de Trajano (98-117). mas igualmente procurar os cristãos: é. por isso. mas. Respondendo a Plínio. Heliogábalo. e o religiosíssimo Alexandre Severo (222-235) deixam adormecida a legislação precedente. devido às pressões do povo sobre o poder local. no Egipto e em África. O cruel Caracala (211-217). invejas.Acílio Glábrio. Este "rescrito" de Trajano (112) iria fazer jurisprudência. . um dos cônsules de 91. Os grandes Antoninos: Adriano (117-138). Septímio Severo (193-211) assina. Trajano vangloria-se de manter a antiga tolerância romana. pois é inegável que a cólera popular. Antonino. aqui e ali. um rescrito que visa. com efeito. devem ser punidos. se convictos. embora a atitude do poder a respeito dos cristãos. o imperador procura atingi-la. O autoritarismo e os tiques 32 físicos de Domiciano alimentam os sarcasmos da elite romana. que o consultara sobre a conduta a manter em relação aos cristãos. mas também "fazer" cristãos. por execuções de cristãos denunciados pela multidão. Quiseram fazer de Alexandre Severo um admirador de Cristo. o seu reinado foi marcado. A perseguição parece ter sido particularmente violenta na Ásia. Dois anos depois da morte de Domiciano. alimentada por maledicências. onde o cristianismo progride rapidamente. castigando os cristãos. os judeus e os cristãos: é proibido não só fazer-se cristão. o que é certamente falso. sobretudo. aliás. a justiça não deve apenas esperar as denúncias. que esse rescrito faz mais vítimas. procônsul na Bitínia. aborrecimento ou patriotismo exagerado arrastou mais de um cristão aos seus tribunais e ao suplício: a multidão sempre se mostrou covarde em relação às minorias e às pessoas vigiadas pela polícia. fixa uma norma de conduta: os cristãos. no decurso dos séculos II e III. em 202. o optimus. e Marco Aurélio (161180) nada fariam para agravar a legislação anticristã. o Pio (138-161). Mais hostis foram os Severos. eclodiriam chamas de antagonismo e tombaram mártires. um oriental desequilibrado (218-222). esporadicamente. são ateus. mas também encontra alguns resistentes que dão origem a numerosos martírios em Roma. o Fórum. houve entre os funcionários do Império mais de um discípulo de Jesus: "Nós enchemos os campos. escrevia Tertuliano. no Egipto e em África. todos aqueles que. Houve muitos mártires. as cidades. inimigo das desordens policiais.e o papel cada vez mais importante desenvolvido pelo cristianismo na sociedade romana explicam suficientemente a duração (303-313) e a violência da última perseguição. . após dez anos de anarquia. 34 Seria ilusório querer primeiros séculos bem enumerar os mártires dos três como os apóstatas. em muitos locais. no território do Império. Em 250. No entanto. Sobrevêm oito anos de paz sob o reinado de Galiano (260-268). seu associado . preocupado com que o envelhecido Império regressasse às virtudes e ao culto da antiga Roma. beneficiassem do direito de cidadania romana. através de dois éditos. as ordens vindas de cima tenham sido amortecidas pelo enfraquecimento das posições pagãs ou pela coabitação fraterna entre pagãos e cristãos. visando a cabeça do corpo cristão: bispos. eram obrigados a manifestar expressamente (através de um sacrifício. é verdade que. Mas a vontade imperial de unificação administrativa e religiosa. o Árabe (244-249). na Ásia. transformado abusivamente em cristão. Quando. a Igreja de África é dizimada. Valeriano (253-260). em meados do século III. os lapsi. com algum exagero. A aplicação desse édito provoca muitas abjurações. Diocleciano assume as rédeas do Império (284). Aureliano (268-275) não tem tempo de impor ao Império o seu sincretismo solar.33 Fenómeno idêntico no tempo de Filipe. levado pela sua consciência de cristão. padres e diáconos. o Mundo conhece um mestre. ainda que. agrava essa legislação. a impossibilidade para os cristãos de associar o culto de Jesus ao rito da adoratio essencial aos olhos de Diocleciano e de Maximiano. A grande vaga de perseguições desencadeou-se na época do valoroso Décio (249-251). de uma libação ou da participação numa refeição sagrada) a sua adesão à religião oficial: certificados (libelli) atestarão o facto e os infractores poderão ser punidos com a morte. à qual o nome de Diocleciano permaneceu definitivamente ligado. o Senado e o Palácio". cujas reformas profundas permitiriam que Roma manifestasse um derradeiro esplendor. foram. parece. Fileias de Tunes (305). dos sofrimentos dos cristãos. a ponto de se transformarem em verdadeiras canções de gesta cíclicas. As Actas dos mártires cilicanos . entre o procônsul Saturnino e Speratus. Dispomos de testemunhos suficientes em primeira mão. retocadas.por vezes voluntário . o centurião. Considerado como o grau culminante da santidade. Muitas vezes se repetiu que o "sangue dos mártires foi uma semente de cristãos". de S. Cipriano. certamente estenografado. o abuso dos bons. etc. a Paixão de S. Frutuoso. Em 177. sendo uma vitória sobre o mundo e Satã. Aqui. Incontestável e etimologicamente. de S. Maximiliano. de S.. de S. o carrasco cuja mão treme. celebrada sobre os seus túmulos. os enterros durante a noite.tem um valor apologético.os elementos da epopeia: o imperador malvado ou o procônsul dissoluto.. Mas era a um testemunho perpétuo que cada um dos membros da Igreja cristã era chamado. relativa à morte do bispo Fotino e dos seus companheiros . de Sta. O mesmo tom de autenticidade se regista nas Actas proconsulares de S. na África do Norte. As Actas de Sta. bispo de Cartago (258). num sentido edificante. por exemplo. Marcelo. por mais belas que sejam. o conscrito de Tebessa (295). para nos convencer de que muitos cristãos se mostraram corajosos perante a morte e que as Gesta Martyrum têm um valor de apologia. a severa hagiografia deve tomar o lugar das lendas. e dos seus diáconos (259). tem também um valor redentor. As Actas e as Paixões dos mártires . Sebastião. em Tingi (Tânger) (296). por vezes. Julião encontram-se entre os mais célebres desses romances piedosos. porta-voz dos seus humildes companheiros.as mais antigas peças hagiográficas . mas individualizado. um mártir é uma testemunha e o seu testemunho . . Tecla. Cecília.são um breve diálogo.entre os quais a escrava Blandina fornece um relato sem ênfase. cuja brevidade é garantia de autenticidade. as pretensas testemunhas oculares. bispo de Tarragona.particularmente numerosos. o terrífico arsenal de torturas. e ainda é. o martírio aureola 35 os seus eleitos com uma veneração de que é testemunho a própria Eucaristia que era.levados de Scillicum para Cartago em 180 . de S. uma carta-circular dirigida pelas Igrejas de Lião e de Viena às Igrejas da Ásia. interrogatórios prolixos e estereotipados. aparecendo aí invariavelmente como nos filmes de zvesterns . participam inteiramente da vida da cidade.4. Os cristãos aparecem aí como um tímido grupo conduzido por anciãos trémulos . No século II. Desta multidão gemente. espectáculos obscenos ou cruéis e divórcio -. a exclusão pública do pecador que passou para a categoria e grupo dos penitentes. do T] 36 exercitam praticando-a. Os cristãos não se distinguem dos outros homens por nenhum pormenor exterior. precedido de exorcismos. Ao relermos os documentos sobre a vida cristã dos primeiros séculos. [N. Ben Hur e muitos outros. perante os costumes pagãos . verdadeiro sacramento (confirmação). mas os seus chefes exigem que eles.excessos de luxúria.a não ser que se revelem possuídos por um profetismo grandiloquente. finalmente. o heroísmo tenso de "Polieucto" é mais sadio do que a suave graça da "Fabíola" de Wiseman. é inevitável que se imponham as imagens coloridas dos superfilmes americanos ou italianos: Barrabâs. para a arena ensurdecedora invadida pelas feras. De qualquer forma. e. A disciplina da reconciliação (sacramento de penitência) abrange: a confissão do pecado ao presbítero ou ao bispo. Orígenes. um controlo permanente dos seus gestos e dos seus pensamentos. o baptismo por tripla imersão. destaca-se um belo hércules apaixonado por uma frágil pagã ou sobressai uma linda cristã cortejada pelo filho de um procônsul: o amor impele-os para o pé da cruz e. a reconciliação que tem lugar na . reajam com firmeza. Clemente de Alexandria ou Hipólito. A Igreja que vive Quando se pretende evocar a vida dos cristãos dos três primeiros séculos. Quo Vadis. O Evangelho deve dar forma às relações quotidianas. mais tarde. ficamos com uma impressão muito diferente. Pede-se a homens fracos uma atitude viril. A iniciação dos catecúmenos e a reconciliação dos pecadores não são formalidades ou ritos destituídos de sentido: exigem uma força e uma humildade singulares. o catecumenato comporta três fases: uma. comezainas. outra que é a preparação imediata dos electi (1). deixados por Tertuliano. durante a qual os audientes (1) são instruídos na vida cristã e se Nota 1: Ouvintes. de uma longa vigília e seguido pela imposição das mãos. nas assembleias. contam-se em Roma quarenta e seis presbíteros. evocando a vida cristã e fornecendo um alimento perpétuo à catequese. cemitérios de superfície e. porque. além do serviço litúrgico. Inicialmente. e ágapes fraternas. por vezes também ela tropeçava. por vezes até à morte. a apostasia era um escândalo muito comum. então. como o baptismo. se recusavam a ficar junto de pessoas humildes. e como auxiliares activos: os acólitos. Os mais exigentes chegam ao ponto de advogar que a reconciliação seja negada nos casos graves de reincidência. os leitores. sobretudo em Roma. designado pelo povo. a partir do século II. No fim do século II. como o seu Mestre a caminho do Gólgota. em que os ritos de reuniões desempenham um papel capital: assembleia eucarística a que preside o bispo cercado de presbíteros. sete diáconos. Para os casos de adultério.escrito em meados do século II . A população cristã está dividida em sete regiões. os presbíteros e os diáconos. . Assim é. ordenados pelo bispo. muitos cristãos apegavam-se aos bens deste mundo. os cristãos reuniam-se numa sala posta à disposição por um deles. os exorcistas e os ostiários. ricos que. a penitência dura muito tempo. de facto. mas.demonstra que. embora a Igreja contasse. O pessoal eclesiástico. em galerias subterrâneas ou catacumbas. a hierarquia parece fixada uniformemente nas comunidades cristãs. onde o culto cristão se refugia em tempos difíceis: aí se desenvolve uma arte protocristã Nota 1: Eleitos ou escolhidos. depois. diáconos que traíam os interesses temporais de que eram responsáveis. O livro de Hermas . cinquenta e dois clérigos menores. Os cristãos dispõem. Na cúpula. de homicídio e de apostasia. com leituras e homilias. mosaicos e sarcófagos -. de cemitérios próprios: primeiro. No século III. o bispo. Em meados do século III.Páscoa. quarenta e dois acólitos. com a oração de consagração e a distribuição do pão eucarístico ao povo. do T] 37 frescos. assembleias quotidianas de instrução. já encontramos lugares de culto autónomos. que pouco a pouco são construídos segundo uma arquitectura específica (tipo basilical). abaixo dele. [N. tantas quantas o número de diáconos. A Igreja avançava lentamente. Os centros cristãos são essencialmente "comunidades". nem todos os cristãos foram necessariamente heróis. com numerosos santos e mártires. 38 Capítulo III A IGREJA QUE FALA 1. no entanto. admitida. no entanto. impõe-se pouco a pouco a autoridade do metropolita (mais tarde. A superioridade da virgindade sobre o casamento é. ou seja. para as viúvas. considerada como condição de ingresso na Igreja. de modo especial.quando não disciplinar . prisioneiro do seu corpo. do mundo. os cristãos que foram presos por causa da fé. especialmente judaica (os essénios de Qumrã). futuras diaconisas. alguns advogam mesmo o encratismo. a Igreja primitiva cria um lugar para os confessores.dedica-se também a funções administrativas e de assistência: em Roma. intuitivo. a sua influência doutrinal . Porque. acerca dos primeiros papas. Ireneu.porque são muitos revelam convicções comuns: o carácter essencialmente mau das operações da matéria e da carne. Ireneu perante a gnose A gnose é uma ciência religiosa. no gnosticismo. Os gnosticismos . por exemplo. Junto das ordens eclesiásticas hierarquizadas. opõe um deus desconhecido. total e beatificante: não é um "fiel".é. O gnóstico pretende possuir relativamente aos problemas angustiantes da metafísica um conhecimento directo. porque ele tem uma alma celeste. a infelicidade do homem. mil e quinhentos pobres estão permanentemente a cargo da comunidade cristã. ao criador do mundo visível . mas um "iniciado". Este excesso filia-se em numerosas deformações que representam um perigo constante para a cristandade nascente e. O primado do bispo de Roma. O fundamento da gnose é o dualismo. A escala da província e mesmo da diocese. desde logo. que é luz e bondade. em particular. a verdadeira gnose desenvolveu-se. sabeísmo) que sobreviveu na Mesopotâmia. designar-se-á por arcebispo e patriarca). a renúncia ao casamento. durante os primeiros séculos cristãos. embora possa ter existido uma gnose pré-cristã. uma gnose judeo-cristã (os ebionitas) e uma gnose extracristã (mandeísmo. segundo Sto. e para as virgens. uma forma de conhecimento superior. "uma tradição apostólica". a gnose opõe o espírito.o demiurgo -. do tempo e da sua alma inferior pecadora. A carne. Os gnósticos cristãos dos primeiros séculos oporiam o homem-Jesus ao Verbo. quase só conhecemos os nomes. . também chamado o Mago ou o Mágico. Valentim vai de Alexandria para Roma na época do papa Higino e disputa a sucessão de Pio: a sua teologia poderosa seduz muitos cristãos. personagem muito culta que os seus discípulos consideram o primeiro deus. Ela confunde os mistérios cristãos e a ideia paulina da miséria do homem com o esoterismo das religiões antigas. os sacramentos cristãos não diferem dos mistérios pagãos e das iniciações ocultas. e o pessimismo fundamental do gnosticismo ameaçam desviar a esperança cristã . as Igrejas marcionistas multiplicam-se no mundo mediterrânico. fundador de um culto de mistérios. na Síria e no Egipto. exagerando o pessimismo paulino perante a carne e a criação. Menandro apresenta-se como um mágico imortal. Nela.alimentada pela 40 .Como os seus congéneres. Na cosmopolita Alexandria. até mesmo em Roma. Para a Igreja nascente. Samaritano como Simão. sobretudo. porque corrompe a ideia judaica da transcendência divina. dado que aqueles que possuem a gnose salvadora estão colocados acima das leis morais instituídas pelo demiurgo. a gnose floresce com Basilides. mas tentador. na sua opinião. As suas posições morais são extremas: ou um ascetismo desumano ou um amoralismo total. adversário dos anjos criadores do mundo. testemunha uma proliferação das confrarias gnósticas. semelhante a Cristo. mas. o Samaritano. na Mesopotâmia. O misticismo impreciso. O Apocalipse de João denuncia dois grupos de gnósticos asiáticos: os discípulos de um certo Balaão e os nicolaítas que amaldiçoavam o Deus do Antigo Testamento e praticavam o libertinismo absoluto. Carpócrates é objecto de uma adoração póstuma. a gnose representa um perigo mortal. onde abrem caminho ao maniqueísmo. os gnósticos cristãos têm como referência ensinamentos misteriosos e vão buscá-los em parte 39 a numerosos evangelhos apócrifos. O cristianismo primitivo na Ásia. As confrarias simonianas espalham-se por toda a parte. A maioria recusa-se a acreditar na incarnação e na morte de Cristo. Mas o chefe de seita mais prestigiado é Simão. Marcião (falecido cerca de 160) foi a Roma na mesma época de Valentim. rejeita totalmente os ensinamentos do Antigo Testamento. no qual só se podia ingressar apenas passados cinco anos de silêncio completo. tal como provém das Escrituras e chegou aos fiéis através da tradição apostólica. onde Policarpo o recebe. Aos chefes de seitas. acrescentaram o testemunho da sua morte ao das suas palavras e escritos. talvez nomeado por Pedro ou por Paulo. De entre eles. Exasperando a ascese ou. através dos solavancos da história. Montano. Outros.incluindo o Antigo Testamento . mas aos profetas. mas é uma comunidade humana em marcha para um Deus ressuscitado: Ubi Ecclesia. Ireneu recapitula tudo em Cristo: a história dos homens . 41 guardado por dez soldados. discípulo do apóstolo João. Bispo de Antioquia. um livro capital. destaca-se Inácio de Antioquia (falecido em 107) e Policarpo de Esmirna (falecido em 155). feita de mansidão e equilíbrio. a gnose coloca-se contra a moral evangélica. Ainda mais quando um sacerdote frígio de Cibele convertido ao cristianismo. isoladamente. pretende penetrar mais profundamente no mistério de Deus. Todo o corpo da Igreja visível está ameaçado de morte. Em Esmirna. bispo de Lião (França).e o próprio homem. A seus olhos. avista-se com os delegados das Igrejas do Oriente e daí escreve a cada uma delas e também aos Romanos para os .para um desejo de libertação próximo do nirvana. 2. teve de fazer a longa viagem até Roma. Uma apologia pela pena e pelo sangue Ireneu morreu mártir? Há dúvidas. ergue-se Ireneu. os desejos da carne. antes ou depois dele.crença num Homem-Deus histórico . pelo contrário. a unidade é a própria condição da vida da Igreja e essa Igreja não é uma justaposição de confrarias. Ibi Spiritus. face à gnose e ao montanismo. em virtude da iminência da parúsia. Às doutrinas extravagantes. Sabe onde estão as fontes do cristianismo e é capaz de distinguir a corrente evangélica. em que cada uma. Eis porque o Adversus haereses de Ireneu é. autoridade oriunda dos apóstolos e da qual a Igreja de Roma é depositária. Face a essas doutrinas efervescentes. em que o sublime convive com o insólito. ele opõe a autoridade colegial e institucional dos bispos. para sofrer esse martírio. opõe a regra da fé cristã. que é a voz do corpo eclesial. na História da Igreja. Inácio foi condenado às feras no tempo de Trajano. Este grego de Esmirna conheceu Policarpo. mas. pretende que a preeminência da Igreja pertença não aos bispos. contra o docetismo. é um filósofo grego convertido: colocou a sua dialéctica ao serviço do cristianismo que considera o florescimento do ideal platónico. em breve. Policarpo. quase centenário. A carta com a qual os cristãos de Esmirna descrevem o relato dessa morte alimentará o fervor de várias gerações de cristãos na Ásia. Enquanto. dirigindo-se directamente ao chefe do Império. aos olhos dos poderosos.que. 3. Dois pólos de pensamento cristão: Cartago e Alexandria Em Cartago. sem ridículo. É o mais destacado dos apologistas do século II . sapateiros e lavadeiras". o cristianismo transcende as suas riquezas.Aristides. o anfitrião de Inácio.prevenir da data aproximada da sua chegada e transmitir-lhes a alegria que sente em morrer para dar testemunho de Cristo. Mas é em Alexandria e em África que a jovem Igreja encontra os seus defensores mais bem preparados.autênticas . como ironiza Celso -. Policarpo. os cristãos são em grande número e empregam quase exclusivamente o latim na liturgia. longe de renegar o helenismo.. irão receber o relato do martírio do bispo de Antioquia. depois. levado montado num burro. aqueles dois focos permitem 42 que a nova religião possa dialogar. o carácter simultaneamente divino e humano da pessoa de Jesus. ao centro do anfiteatro de Esmirna. o cristianismo não passa de uma seita de gente humilde . a autoridade unificadora dos bispos e a catolicidade da Igreja no início do século II. Justino. Melitão.. Na época de Antonino. perseguido durante muito tempo pela polícia do procônsul Quadratus. interpela-o: "Blasfema e eu te soltarei! Insulta Cristo!". . Foi Tertuliano . com o pensamento greco-latino. morto como mártir em Roma por volta de 165. mas o velho replica: "Já há noventa anos que O sirvo e Ele nunca me fez mal. manifestamente impressionado pelos gritos da multidão. As sete cartas . E ele próprio deverá renovar a gesta inaciana. Apolinário. Por que motivo haveria eu de O renegar?" O interrogatório é breve e a fogueira que devora Policarpo é feita pelos espectadores que invadem a arena."uma religião de cardadores. repleto de espectadores ávidos.que ficaram deste mártir são um monumento precioso: evidenciam. é preso e. Quadratus. anuncia aos Filipenses que. procuram demonstrar-lhe que. poder-se-ia mesmo dizer o seu génio . Tomando o lugar de Tertuliano. onde a erudição do escritor reforça a veemência da sua fé para combater a idolatria! Mas já nesta obra se revela o rigorismo moral de Tertuliano. eis Cipriano (Thascius Caecilius Cyprianus). esmagando com o seu desprezo e crueldade os fiéis comuns. ocorrida por decapitação. 43 No seu tratado De Poenitentia. chega ao ponto de só respeitar os fiéis "pneumáticos" . tão diferente do estilo oriental. cujo bisturi nem sempre respeitou a carne boa. desumanamente inacessível. cartaginês.tenha chegado a injuriar e depois a deixar a Igreja-mãe julgada demasiado sonolenta. em 258. Tertuliano ergue-se com veemência contra a longanimidade do papa Calisto que admite a remissão de todos os pecados e. ao mesmo tempo que acentua as mesquinhezes da vida quotidiana: espectáculos. ou De Praescriptione haereticorum. o cargo de advogado. E esse Apologeticum. o espectáculo da morte dos mártires que o levou ao cristianismo. depois. que foi bispo de Cartago desde 248 até à sua morte.como mais tarde La Mennais . modas e segundas núpcias. a impossibilidade que ele experimenta de partilhar a vida de uma cidade ainda pagã. à dos Rance. mesmo demasiado alto.aqueles que acreditam estar em contacto directo com o Espírito -. afunda-se lentamente no esquecimento daqueles que desligaram as suas ágeis canoas do grande e pesado barco da Igreja. Foi. nada escapa aos seus ataques. chefe dos catecúmenos. Pouco a pouco. Regressando a África. método de combate baseado na autoridade jurisdicional e histórica da Igreja. fez estudos que lhe permitiram exercer em Roma. na época de Septímio Severo. coloca todo o seu entusiasmo e talento . Porque Tertuliano pertence à classe dos convertidos intransigentes. talvez. filho de centurião. este Quintus Septimius Florens Tertullianus. O juridicismo latino faz com que o Ocidente cristão se preocupe menos com o ascetismo e a teologia do que com a disciplina. dos Huysmans e dos Bloy. Na sua obra-prima De Unitate Ecclesiae. O latim do século III deixou poucas obras tão substanciais como Ad martyres. Cipriano insiste na autoridade unificadora do bispo na comunidade cristã e . Embora se possa lamentar que Tertuliano .de jurista e de polemista ao serviço de um ideal cristão que coloca num ponto muito alto. como presbítero. dos Veuillot.(155-220) quem deu à Igreja de África e a toda a latinidade a sua linguagem teológica. Personalidade fora de série. exortação ao martírio. uma espécie de universidade. Tanto na sua cátedra como nos próprios escritos . no Egipto. o jovem toma contacto com a apologética cristã. De 212 a 231. apologéticos.o Pedagogo.. A obra escrita de Orígenes é colossal: trabalhos sobre as Escrituras. Clemente de Alexandria quer demonstrar que existe concordância entre a sabedoria antiga e o Evangelho: multiplica as analogias. lhe pede 44 para o ajudar como catequista. e uma correspondência importante. Se a Igreja romana não admitiu Clemente no seu martirológio foi porque ele. polémicos.afirma o primado de Roma. floresce uma cultura refinada. o clima é bem diferente.foram condenadas como erradas. outro grande alexandrino do século III. os Stromata. Em Alexandria. -. o seu lugar na cidade terrestre. primeiro monumento da crítica cristã -. nos seus Stromata. mas.. desenvolveu estranhas teorias sobre a gnose. mas Orígenes teve o mérito de abrir caminho a quase todas as ciências sagradas. Filho de um mártir. É claro que algumas afirmações origenistas . Demétrio. onde todos os conhecimentos humanos são recapitulados à luz do Evangelho. desembocando na miraculosa síntese da filosofia grega com o espírito evangélico. a Didascália. Nessa qualidade. exegéticos . Orígenes estava destinado às letras profanas quando o bispo de Alexandria.crença na eternidade da matéria e na preexistência das almas . mas. de quem foi discípulo Clemente (falecido por volta de 215) que deu renome a essa escola. ao mesmo tempo. depois. Tudo isso está muito longe do judeo-cristianismo e da austeridade de Tertuliano: que o cristão nunca se esqueça de que é cristão. não a considerando incompatível com a colegialidade dos bispos. Uma escola cristã alexandrina havia sido fundada por um tal Panteno. Pela refutação que Orígenes promoveu (Contra Celsum). insiste na unidade da Revelação disseminada pelo Verbo nas diversas culturas. E semelhante desventura aconteceria também a Orígenes.entre os quais as célebres Hexaplas. sem fanfarronice nem vergonha. passa a estudar a filosofia neoplatónica. centro do helenismo cristão. Orígenes dirige em Alexandria e. sentindo-a muito frágil diante da dialéctica grega. a fé se orienta para a acção. Enquanto na África latina. mas que assuma. uma literatura especulativa que atinge pontos culminantes.. em Cesareia na Palestina. .. aproximando a Bíblia dos poemas de Hesíodo e de Homero (o bonito quadro das raparigas de Jetro comparadas a Nausica na caminhada para o lavadouro!). que elaboraria uma doutrina baseada essencialmente no platonismo. por Amónio Saca.que completaram a tetrarquia. que vê no cristianismo apenas ilogismo e estupidez. no século II.incluindo o deus dos judeus e o deus dos cristãos . constituem a mais forte maquinação montada no século III contra a religião de Jesus. Constantino ou a emergência Quando.uma mesma divindade panteísta. condição de elevação da alma até ao Uno. Os quinze livros que Porfírio elaborou contra os cristãos. Uma primeira forma dessa reacção foi o sincretismo.conhece-se o Verdadeiro Discurso do filósofo pagão Celso. colocando-a na base de uma moral da pureza. Mais vigoroso é o ataque conduzido pela escola neoplatónica. No entanto. discípulo de Plotino. em 305. . o neoplatonismo torna-se violentamente anticristão. fundada em Alexandria.na sua versão deformada pela gnose. Baseando-se na filologia e na história. insistem nas divergências entre os relatos evangélicos. mas só conhece o cristianismo . Maximiano e Diocleciano abdicam a favor de Constâncio e de Galério . Plotino não persegue os cristãos. e Jâmblico (cerca de 250-330). Não pensemos que os apologistas cristãos não encontraram nenhum adversário. Fervoroso adepto do helenismo.uma religião sem ética . Conta entre os seus discípulos Plotino (205-270). isso não impede que esta. do qual Plotino aproveitou sobretudo a metafísica. Com Porfírio (cerca de 234-305). estes filósofos 45 examinam criticamente o texto da Bíblia. 46 II A IGREJA PEDAGOGA DO OCIDENTE Capítulo I DE CONSTANTINO A TEODÓSIO 1. no alvorecer do século IV esteja pronta a suceder ao paganismo. Apolónio de Tiana e Numério são os dois mais célebres representantes dessa tendência. e que foram destruídos em 448. que faz de todos os deuses . A reacção pagã desenvolver-se-ia até ao século V. indignam-se com a Paixão de Jesus e só descobrem no cristianismo incoerências e mentiras. diante dos muros de Roma. junto da ponte Milvius. total liberdade dos cultos. Licínio. em relação ao cristianismo.que fez dele um modelo de virtude? Ou no pagão Zózimo que viu nele o responsável pela decadência romana? Deve dar-se fé ao episódio lendário. no Oriente. Constantino esmagava e matava. Seis meses mais tarde. mas implacáveis. pois o vencedor de Maxêncio tivera uma visão que apresentava a cruz de Cristo com a inscrição: Neste sinal vencerás? O facto de Constantino só ter pedido o baptismo no leito da morte (337) será uma prova de falta de fervor cristão. os soldados de Constantino colocaram nos seus escudos o símbolo cristão. na Trácia. levando-o ao suicídio. só com Teodósio (390-395) é que a situação privilegiada do paganismo cessou totalmente a favor do cristianismo. filho de Constâncio. porque. na ponte Milvius. Na realidade. opuseram os imperadores ou os seus filhos. Embora a amizade de Constantino para com os cristãos tenha contribuído para preparar essa mudança. desde o início do seu reinado. o Império penetrou num período obscuro: lutas breves. uma simpatia militante de que é prova evidente aquilo que se designou impropriamente o Édito de Milão (313). Trata-se menos de um acto jurídico do que dos resultados concretos das conferências realizadas em Milão entre Licínio e Constantino: esquecimento do passado. Ao mesmo tempo. segundo o qual. o cristianismo emergia da clandestinidade. Devemos acreditar no bispo Eusébio de Cesareia o historiógrafo 49 de Constantino . Foi através de Constantino. . Maximino Daia. Constantino manifestou. o filho de Maximiano. que Galério designara como augusto por ocasião da morte de Severo (307). Licínio. vindo da Gália. que o Império reencontrou a unidade e a paz. realizava-se um milagre que o próprio Tertuliano acreditaria ser impossível: um imperador cristão.designando como césares Severo e Maximino Daia -. Maxêncio. Em 28 de Outubro de 312. reparação dos prejuízos sofridos pelos cristãos. com a instalação de Constantino no coração do Império. batia. Já não havia mais que dois imperadores: Constantino em Roma e Licínio na Nicomedia. Quando é que Constantino abraçou o cristianismo? Foi na Gália? E por que influências? E ele quem era? Eis algumas das questões a que os historiadores não cessam de dar as mais diversas respostas. apesar de os baptismos tardios serem frequentes na Igreja primitiva? O certo é que. 50 2. preocupado tanto com os interesses do Estado como com os dos fiéis de Cristo. Por volta de 320. Em breve. três anos mais tarde viesse a tornar-se protector deles. com naves sobre colunas e tectos com vigas aparentes .pela sua experiência de cristandade constantiniana. os filhos do imperador são criados no cristianismo.multiplicam-se em Roma e em todo o Império. No entanto. um padre de Alexandria. Quando Constantino. definisse que o Filho de Deus foi gerado pelo Pai. no ano de 325. graças aos cuidados do imperador. embora um concílio geral. se torna o único senhor do Império. os símbolos cristãos começam a substituir os signos pagãos nas moedas. No Ocidente. desde 323. não criado. começou a ensinar que Jesus. o vocabulário cristão infiltra-se na legislação. quando aplicada ao século IV. o imperador não se limitou a interessar-se pela Igreja cristã. criando uma "nova Roma" especificamente cristã. Mas não é menos verdade que a Igreja se tem mostrado profundamente marcada e até aos nossos dias! . É durante a crise ariana que o peso do império se mostra mais forte. e decidiu as medidas que seriam tomadas contra os hereges. embora. Uma ameaça para a Igreja: a ingerência do Estado Entretanto. seria impensável uma separação entre o temporal e o espiritual.de configuração rectangular. então.permanecendo pagão. reunido em Niceia (325). a famosa "doação de Constantino" ao papa Silvestre não passa de lenda forjada somente no século VIII. E não só: os julgamentos dos tribunais episcopais são oficialmente válidos e as Igrejas têm a faculdade de construir um património próprio. Forçado pelo bispo Alexandre. as basílicas . um concílio egípcio condenou Ario que se sabia apoiado por diversos teólogos orientais. mas quis ser também a sua "eminência parda". Poderse-á. em Niceia. Constantino permanecia na linha autoritária de Diocleciano. Foi ele quem convocou e presidiu ao primeiro concílio ecuménico. contentava-se em ser tolerante. falar de césaro-papismo? Esta expressão é anacrónica. transforma Bizâncio na esplêndida Constantinopla (324). exemplo contagioso num Estado romano fortemente monarquizado. a primeira das criaturas. e Se fez . consubstancial ao Pai. todo o Oriente estaria envolvido na querela. no século IV. desembaraçando-se de Licínio. Ario. Aliás. apenas possuía uma divindade secundária e subordinada. Assim. e. depois. a Igreja representava também um poder espiritual. do Filho e do Espírito Santo". sem o qual o próprio Império já não se poderia conceber. por seu turno. a Igreja se terá enfeudado ao Estado? Não há dúvida de que ela se cola à estrutura administrativa aperfeiçoada por Diocleciano: cada cidade com o seu bispo. Mas. Porque esta Igreja já está fortemente organizada: o primado da cátedra de Pedro que é perceptível. a confusão chegou ao seu ponto culminante. Teodósio ia mais longe: empreendeu a destruição do velho politeísmo romano e. se tornaram muito ricas. enquanto os funcionários imperiais eram "nomeados" pelo imperador. Poderá dizer-se que. ou seja. todos os povos submetidos ao Império fossem chamados "a aderir à fé transmitida aos Romanos pelo apóstolo Pedro. O catolicismo ortodoxo tornava-se a religião oficial de todo o mundo romano. no notável pontificado de Dâmaso (366-384). asseguram a . desde então. por pressão de Teodósio. também ele príncipe ariano. divididos sobre o sentido da palavra consubstancial os bispos hesitaram entre fórmulas diversas. ao mesmo tempo. no tempo de Valente.agora. fundamento de uma monarquia de direito divino. reunido em Constantinopla.carne para a salvação dos homens. Atanásio. em 381. cada província com o seu metropolita. não foi acompanhada pela queda da jovem Igreja. a importância dos sínodos provinciais e dos concílios ecuménicos. amiúde. de tal maneira que a autoridade religiosa era bem distinta da autoridade civil. no século V. No tempo de Constâncio II. os bispos eram pastores livremente eleitos pelo clero local e pela população. que consiste no reconhecimento da Santíssima Trindade do Pai. já partidário de Ario mandou exilar para Tréveros (336). Foi necessária a autoridade de Teodósio (379-395) para que. a autoridade dos metropolitas e dos bispos que. fez triunfar a fé nicena. A paz não surgiu em Niceia porque. A fé nicena encontra um arauto na pessoa do jovem bispo de Alexandria. imperador único. beneficiou o cristianismo com múltiplos privilégios fiscais e judiciais. Além do mais. a decadência do Império no Ocidente. Os bens confiscados dos templos pagãos foram entregues às igrejas que. que Constantino . sobretudo. O segundo concílio ecuménico. ajudadas pelos benefícios imperiais. por um édito assinado em Tessalonica (28 de Fevereiro de 380). 51 à fé professada pelo pontífice Dâmaso e pelo bispo de Alexandria. no Oriente. Na Etiópia. que beneficia da conversão do rei Tiridates (por volta de 280). Assim. sagrado bispo por Atanásio (cerca de 330). na sombra calma.apesar da longa perseguição de Shapur II (309-379) -. elas difundem-se ao longo do golfo Pérsico e no Curassão. preparando a penetração cristã na Ásia Central. que zonas do mundo se podem qualificar como cristãs? Para lá dos limites do Império. funda uma Igreja com um futuro notável. Jerusalém e Alexandria. Enquanto a onda bárbara avança a ponto de engolir o Império. a livre circulação das instruções e das ordenações canónicas. Terá havido infiltração cristã no Iémen e na Arábia durante o século IV? É bem possível. tentarão arrebatar-lhe o tesouro da sua pobreza e da sua liberdade. o Ocidente a Honório.o segundo fundador da Igreja persa -. o Iluminador. Nino. quando Teodósio morre. Mas. e a fluidez favorável à irradiação de fortes personalidades como Atanásio de Alexandria e Ambrósio de Milão. Frumêncio. a Igreja já encontrara a paz e a protecção necessárias aos seus grandes 52 amadurecimentos. Marutas . no curso da sua História. a Igreja da Arménia. as Igrejas prosperam. 53 Capítulo II BALANÇO DO CRISTIANISMO EM MEADOS DO SÉCULO IV 1. normalmente em redor dos mais antigos centros cristãos: Constantinopla. Gregório. é organizada por S. Os dias da velha Roma estão contados. 55 . Entalada entre Roma e o Irão. A partir dos finais do século IV.colegialidade necessária. No Império Sassânida . mas cujos primórdios se desconhecem. A Igreja georgiana tem na sua origem uma escrava cristã. Fortalecidas por S. Antioquia. a Mesopotâmia possui centros de fervoroso cristianismo em Edessa. e por seu neto Nerses. operam-se grandes agrupamentos regionais. por dezenas de vezes. jovens e incapazes: o Oriente a Arcádio. Uma visão de conjunto Teodósio deixa o império aos seus dois filhos. já dormem também os inimigos que. em 395. Selêucia (Ctesifonte) e Nísibis. os Suevos e os Vândalos. a densidade das comunidades cristãs já fosse grande na Ásia Menor. que canalizam as multidões de fiéis para as basílicas. terá mais de uma centena um século mais tarde. A elite intelectual e o cristianismo Nesta época. uma religião de cidades. desde o fim das perseguições. destinadas a um glorioso futuro. O limes (1). havia um nítido contraste entre o Oriente e o Ocidente. contava apenas com uns cinquenta bispados. em redor dos padres e dos diáconos formigam os clérigos menores. Mas até que ponto essas populações eram cristãs? 2. muito semelhante ao das cento e catorze cidades galo-romanas do Baixo Império. o mistério de Cristo unido a um corpo Nota 1: Limite. os Burgúndios. na Síria. Pouco a pouco. no Egipto. Assim. Entre os Germanos. a Itália do Norte e a Península Ibérica manifestavam um atraso que só seria parcialmente superado durante o século IV. o apóstolo da Irlanda. do T. o cristianismo é. a Gália que. fronteira. nem todos esses fiéis eram santos. a verdade é que a Gália. que os levou ao cristianismo. No interior do império. na África e também na Itália Central e Meridional. Necessariamente. Embora. Com o seu número crescente. À volta do bispo movimenta-se um clero numeroso. Ratisbona e Passau. coberto pequenas comunidades de pecados e de primitivas tinham . os Godos. por volta de 389. o cristianismo ariano vai ganhando os Visigodos. a linha fortificada romana do Reno-Danúbio estava pontilhada por numerosas comunidades cristãs. somente os Francos e uma parte dos Lombardos permaneciam fora do domínio cristão. em 313. como as de Colónia.] 56 tanto místico fraquezas.Entre o Danúbio e o Dniepre viviam tribos germânicas. na forma ariana. Patrício. e foi um dos seus prisioneiros. substituindo os caracteres rúnicos por um alfabeto original. Ulfilas traduziu a Bíblia para gótico. os Ostrogodos. E não se deve esquecer que foi a sul da muralha de Adriano que nasceu. [N. em breve seria fixado o mapa eclesiástico da antiga França. a Igreja sentia pesar sobre si o mistério da sua existência. Ulfilas. As como social. essencialmente. os últimos fogos do paganismo iriam apagar-se diante dessa intensa luz.era cristã como podia sê-lo uma massa superficial e formal: a água do baptismo tinha-a tocado. ainda considerado uma religião bárbara. viva e totalmente generosa. a vida difícil ao cristianismo: a escola filosófica de Atenas só fecharia as suas portas em 529. [N. mais tarde. essa massa cristã de que se fala e que tanto escandaliza. o século IV foi precisamente a idade de ouro dos padres da Igreja . acompanhada de forte influência doutrinal. à volta do imperador ." Os teatros e circos não haviam perdido a sua clientela. quase todos. falando do século IV . Dâmaso de Roma. promissora carreira profana interrompida pela "conversão". o século XVI conheceria. aqueles que sonham com uma Igreja despojada. "A massa escreve monsenhor Duchesne. outra coisa não foi senão uma renascença semelhante àquela que. Ora. cujo elemento principal era a admiração pela filosofia. Cassiano. jovem. porém mais efémera. cuja religião se acomodava aos costumes decadentes. cortesãos e cortesãs. Basílio de Cesareia. O neoplatonismo seria o adversário por eleição da religião do Galileu. gramáticos e sofistas tornariam ainda por muito tempo. Os três pólos do humanismo cristão: Ambrósio. igualitária e sem poesia. Gregório de Nazianzo. nunca a . Hilário de Poitiers. Jerónimo e Agostinho Os padres da Igreja pertencem.crescido privilegiando a "massa". do T. fervilhava um bando de funcionários. pelo seu peso e pela sua falta de fervor. à elite da sociedade e é notável a semelhança da sua formação e da sua Nota 1: Ou retóricos. período fortalecedor passado em solidão. pelas artes e pelas letras antigas. Filósofos. intensa actividade pastoral. Aliás. em certos meios letrados e aristocráticos. retores (1).que frequentemente era um cristão medíocre -. João Crisóstomo. A apostasia do imperador Juliano. mas o espírito do Evangelho não tinha penetrado nela. sobretudo as famílias senatoriais permaneceram durante muito tempo hostis ao cristianismo.] 57 trajectória dentro da Igreja: estudos literários que fazem deles escritores distintos. 3. educado no culto das tradições pagãs e da filosofia neoplatónica (361-363). Atanásio de Alexandria. pregados antes de serem publicados. De Officiis Ministrorum. Governador da Ligúria e da Emília com residência em Milão. derrotista. Mas o bispo de Milão não é um especulativo. os seus escritos. mas as suas cartas . cujo 58 pensamento e actividade literária pertencem ao património universal: o agostinismo a par do tomismo é uma das formas originais da filosofia cristã. Este convertido do prazer e do neoplatonismo desenvolveu. Foi como orador. que lhe sobreviveria longo tempo (falecido em 420). da sua obra-prima. por vezes. Agostinho. o latim da Igreja obtém o seu título de nobreza. como chefe e como jurista que enfrentou o paganismo e que quis dissociar do Estado romano. como uma flor perfeita! Muito diferente de Ambrósio (falecido em 397) é Jerónimo. o Africano. e que se revelaria antes de mais nada um sábio. uma actividade que ultrapassa em muito os limites da sua pequena diocese.Igreja contará tantos doutores. três séculos depois da morte de Jesus. o papa Dâmaso. dedicando-se a um gigantesco e original trabalho de exegeta. o donatismo. brilha Agostinho. visam a instrução. irradia uma paz admirável onde a moral cristã aparece. Jerónimo viveria trinta e cinco anos junto da gruta da Natividade. cisma africano . mas a sua ciência volta-se para a acção. o mestre de Belém. As centenas de sermões tinham como objectivo instruir o seu povo. Estes homens viram um mundo inteiro desmoronar-se e sabiam que a frágil cristandade contava muito com as suas palavras e os seus actos para se manter de pé. Jerónimo. em Hipona.dirigiam-se a todas as cabeças pensantes do mundo romano. Tendo deixado Roma. depois da morte do seu amigo. de tradutor (a Vulgata) e de historiador: obra imensa e diversa que ele marca com a sua personalidade vigorosa e. durante os trinta e quatro anos do seu episcopado. cujo universo espiritual lhe parecia caótico.de que se conservaram 276 . Ambrósio foi aclamado bispo aos 34 anos por um povo milanês conquistado pela sua sabedoria. onde é bispo desde 396. No outro lado do Mediterrâneo. ele sustenta a coragem dos homens que a noite ameaça envolver abruptamente. Através dele. ainda mais que dessa lista fazem parte também os três pilares do humanismo cristão do século IV: o milanês Ambrósio. enquanto a velha Roma tomba sob os golpes de Alarico (410). Os tratados de Agostinho giram ao redor daquilo que ele considerava como os três flagelos da época: o maniqueísmo. à entrada da África cristã. imitada de Cícero. Ao mesmo tempo. ainda que as massas camponesas. pelos seus milagres: os relatos hagiográficos mostram com abundância árvores sagradas cortadas. não passasse de um fenómeno natural. no século IV. como se. um Vigílio nos Alpes julianos ou um Martinho na Gália Central era. como a consciência viva do Ocidente. menos influenciadas pela cultura antiga e pelas ideias novas. Pelágio. 4. Escritor subtil a ponto de atingir a mais alta poesia.permaneceu vivo até ao século V nos campos do Ocidente: a Germânia. Os missionários cristãos depararam aí com um paganismo heteróclito. O velho pano de fundo das crenças populares . o de vencer a resistência dos camponeses pela autoridade das suas palavras e da sua conduta.. na África invadida pelos Vândalos e num mundo submerso em trevas.mais ou menos assimiladas pelo politeísmo grecoromano . Agostinho revela-se. evidentemente. mas. Trata-se de uma definição abusiva. mas. sobretudo. O objectivo dos missionários .um Jonas na Trácia.. Delicado problema era o da penetração do cristianismo no campo. a idolatria. inteiramente erradicada das cidades.provocado pelo bispo Donato. estivessem menos avançadas do que as cidades quanto à cristianização. as suas Confissões só encontram comparação nos Pensamentos de Pascal. que proclamava a força da vontade do homem em detrimento da graça divina. onde se misturavam o culto das forças da Natureza. Agostinho esforçava-se por demonstrar aos pagãos. que o cristianismo podia vivificar um mundo novo. um Victrício entre os Morinos. estátuas de deuses derrubadas. Tratava-se também de substituir as superstições pelos gestos cristãos: quantas "fontes sagradas" não foram exorcizadas pela implantação de uma cruz. resistiu durante muito mais tempo. pois é certo que os nossos ancestrais aderiram ao Evangelho com toda a sua bagagem de crenças e práticas supersticiosas. 59 das fontes e dos bosques e o culto das divindades domésticas e locais. por exemplo. na Cidade de Deus. doutrina de um monge bretão. Ao mesmo tempo. A cristianização dos campos Confunde-se muitas vezes paganismo (paganub = camponês) com rusticismo. e o pelagianismo. quantos santos não foram confundidos no culto popular com os deuses . templos incendiados. em contrapartida. que pretendia excluir os pecadores da Igreja. por isso.acumulado por quinze séculos de cristianismo produziu inumeráveis santos. É verdade que a Turena de S. facilitado pelo regime senhorial. que o bretão afastado do seu meio se torna rapidamente um indiferente. Mas o humo . e não falamos apenas dos canonizados. Mas quem poderá dizer qual a simbiose. pequenas e medíocres. João XXIII. por vezes. Não admira. eis o que não facilitava a penetração do espírito evangélico. O ritual do baptismo propagou-se muito lentamente: um clero e fiéis pouco preparados. Damião.que eles substituíam! "Onde acaba o feitiço e começa a oração?". sobretudo. a profunda corrente monástica. qual a metamorfose que presidiu ao florescimento do cristianismo na Bretanha. onde. É verdade que. perguntava o cónego Drioux. Martinho é a mesma de Rabelais e de Paul-Louis Courier. como o Oeste francês e como a Polónia. decorridos quinze séculos. . mas que simbiose de forças misteriosamente fundidas foi necessária para dar ao mundo Joana d'Arc. pois estamos perante uma operação singularmente lenta. é uma simplificação fácil. No Norte da Gália. João-Maria Vianney. se notará que a Bretanha. graças ao duplo prestígio do maravilhoso e da autoridade. Vicente de Paulo. Também brotaram muitos espinhos e plantas inúteis ou sem frutos. Mas ver na introdução e na manutenção do cristianismo apenas um fenómeno de ilusão colectiva. foram marcadas pelo feudalismo durante muito mais tempo do que outras regiões. durante três séculos. complexa e delicada: a infiltração capilar do cristianismo nas camadas mais profundas da sociedade ocidental. igrejas em número muito escasso." . com a ajuda do tempo e das forças novas. se justapuseram as crenças primitivas e o cristianismo céltico? Sem dúvida. em muitos 60 lugares. que inúmeros habitantes do campo que permaneceram fiéis praticam uma religião superficial ou de medo. o cristianismo aparece.se tenha.. João Bosco. concluído que o cristianismo se impôs pela força a uma população ignorante e embrutecida. o campesinato que alimentou. que . para citar apenas camponeses? E foi.. como uma religião puramente sociológica cujo verniz já estalou há muito tempo. que foi um dos préhistoriadores das dioceses em França.e o humo faz-se sempre de boas e más ervas . durante séculos. Houve núcleos duros de resistência.segundo a bela fórmula do professor Le Brás: "A prática religiosa em todo o Ocidente propagou-se. a idolatria sobreviveu até ao fim do século VII. Foi preciso esperar até ao ano de 438 para ver a cessação oficial dos combates de gladiadores. ainda que se tenha visto um bispo cheio de prestígio como Ambrósio exigir uma penitência pública do imperador Teodósio que. Na crista das altas vagas da História. 62 Capítulo III . mais suave em relação à condição servil e ao regime das prisões. a tirania e a crueldade do Baixo Império. a corrente monástica . a generalização da tortura e do regime pré-feudal. na África com Agostinho. a Igreja aparece. um soldado convertido.5. pelo juridicismo e 61 pelo farisaísmo. atraiu para os desertos e para os conventos milhares de homens desejosos de viver em toda a sua integridade o ideal cristão. Se o Código teodosiano tira do Cristianismo os elementos de uma legislação menos facilitista em relação ao divórcio. aparecido no Egipto com Sto. nas ilhas Lérins com Honorato. um camponês rico. o monaquismo.. por muito cristão que fosse. Ininterrupta até aos nossos dias. a Igreja não pode extirpar o uso do abandono de crianças. desde então. e Pacómio. a barca de Pedro será sempre salva do naufrágio por alguns navegantes desconhecidos. A primeira vista. pela corrupção. E as exortações morais da Igreja foram de pouco efeito sobre o terror.. em Ligugé e Marmoutier com Martinho. a vida monástica organiza-se de modo esporádico e em formas diferentes no Ocidente: em Roma com Jerónimo. Rapidamente implantada em todo o Oriente.que o mundo ignora ou finge ignorar porque ela é silenciosa não cessou de alimentar a fonte secreta de uma Igreja constantemente ameaçada pela seca. a influência cristã sobre a sociedade do século IV é superficial. Antão. O contributo essencial da Igreja para a civilização é representado pela caridade no sentido social do termo: caritativa e hospitaleira. Correntes profundas e balanço aparente Desde o fim do século III. como o refúgio dos pobres. havia mandado massacrar sete mil habitantes de Tessalonica. Mas isso não impede que se coloque ao historiador com insistência a questão de saber qual foi o contributo do cristianismo para a civilização greco-romana em declínio. os Francos avançaram até ao rio Soma. na Aquitânia e. ainda lançando os seus últimos fogachos. na Península Ibérica. Depois de depor o último imperador de Roma. a velha civilização greco-romana prolongará suavemente a sua agonia. que historiador fará compreender à posteridade que Roma combateu no seu próprio território. nesse período. Acabava de rebentar um abcesso enorme e já antigo. Então. pilharam a África cristã. arrastando consigo Vândalos e Suevos. E Jerónimo perguntava: "Quem poderá acreditar. Mené. expulsos da Hispânia pelos Visigodos. onde se instalaram os Visigodos. que reinava no Oriente e que. enquanto isso. não pela glória. e empurrando os Burgúndios: todos fugiam dos Hunos. Na Provença e na Itália. na Nórica e na Récia. envia as insígnias imperiais a Zenão. depois. No entanto. o Hérulo. Na Panónia. os Anglos forçavam os Bretões a expatriar-se.se tivermos em conta a incúria do Império do Oriente -. formado pela lenta infiltração no Império de homens vindos do outro lado do Reno e do Danúbio. o arianismo desses grandes Estados bárbaros mais ou menos romanizados . o Império Romano do Ocidente agoniza.NO OCIDENTE A IGREJA SUBSTITUI-SE AO IMPÉRIO 1. na Bélgica e na Normandia. onde o ostrogodo Teodorico age como inteligente herdeiro do Império. cujas hordas tinham sido contidas a muito custo pelos imperadores. o cristianismo é abalado durante dois ou três séculos e a Ilíria desagrega-se. os quadros eclesiásticos tinham sido perturbados . Teqel. No começo do século V. interrompidas. às portas da Mancha. viram por ocasião do ataque de Alarico a Roma a profunda fraqueza do Império. que se haviam voltado bruscamente para o Ocidente. Odoacro. no vale do Ródano. as listas episcopais são. os Burgúndios instalaram-se desde a Sabóia ao rio Sona. onde estão os Burgúndios. em paga. ela era a única força capaz de dominar o drama do Ocidente e dar-lhe um sentido. Na Renânia. irrompem Godos e Alanos. Integrados no Império Romano como federados ou instalados como conquistadores.pelas investidas dos Bárbaros. os vândalos. o faz patrício romano. Farsin Entre 410 (saque de Roma por Alarico) e 476 (tomada de Roma por Odoacro).de vários modos conforme as regiões . Entretanto. mas pela sua própria salvação?" 63 A jovem Igreja cristã iria também ser arrastada neste desmoronar? Com efeito . os Francos. na África. Outros pastores marcaram profundamente a terra onde . a figura mais notável desse terrível século V. Leão I.e o seu trabalho no Concílio da Calcedónia (451) testemunham que ele não foi apenas o chefe espiritual da Itália. também devia oficiar. proteger. O papa Leão I (440-461) é. Agostinho em Hipona assediada pelos Vândalos. quando o furacão dos Hunos. dos seus bispos e dos seus monges.muitos bispos chegaram a vender os vasos sagrados -. o bispo tinha de relembrar a todos a doutrina evangélica. Bispos e monges perante os Bárbaros É incontestável que muitos bispos das civitates desempenharam perante os Bárbaros um papel de defensores. Então. Sinésio de Cirene. Eucher de Lião. administrar os bens da comunidade. ao passar directamente do paganismo ao catolicismo. uniu os Germanos à volta dos destroços do Império 64 Romano e as rudes virtudes dos Bárbaros começaram a desfazer-se no contacto com uma civilização decadente. particularmente. onde a luta entre os vândalos arianos e os autóctones católicos só terminará em 533. levanta-se perante Átila (452). que. alimentar e salvar os pobres que.cento e setenta e três cartas que ainda se conservam . mas também o árbitro da jovem cristandade. Depois. os bispos ainda tiveram de enfrentar a situação de um mundo informe. foram. entre outros. oferecerá pouquíssima resistência ao Islão. certamente. à autoridade vacilante de Bizâncio na Itália (Ravena). são sempre os primeiros ameaçados. opõe a autoridade de Roma. e socorre a miséria dos Romanos com os seus cuidados e os seus bens. obtêm o apoio da Igreja romana. os baluartes das suas cidades. 2. em que triunfavam a corrupção e a crueldade. Máximo de Turim e o bispo de Roma. Paulino em Nola. mediadores e sustentáculos de uma civilização. Nicásio em Reims. Como chefe. em meados do século V. nas crises. Um facto curioso: são as populações germânicas menos marcadas pelo romanismo. "trono sagrado de Pedro". A sua correspondência .provoca a inimizade das comunidades de obediência romana e. quando Belisário reinstalar os Bizantinos nessa África cristã que. enfraquecida pela crise donatista. entrar em contacto com os bárbaros estabelecidos na sua Igreja. Aignan em Orleães. trabalhar na libertação de cativos . Em 511. com a vitória de Vouillé (507). com João Cassiano (falecido cerca de 430). bispo de Clermont e poeta como alguns dos seus pares. como dizia brilhantemente Sto. primaz dos Burgúndios. na Provença (Aries e Vaison) e noutros lugares. depois. Clóvis. fundador da Igreja portuguesa. Leandro e.trabalharam e onde se criou. graças a eles. Martinho de Braga. Vítor de Marselha. porque. desempenharam um papel semelhante. Honorato fizera de Lérins. provavelmente no Natal 65 de 496. mas é a influência de Clotilde. um alfobre de bispos e de doutores. Não se trata ainda de um monaquismo vigoroso. Clóvis intervém decididamente nos assuntos do clero. alimenta os órfãos. Hilário de Aries foi o animador da Gália Meridional fortemente romanizada. É verdade que os concílios provinciais que se multiplicavam em Itália. juntamente com inúmeros companheiros. depois .. em Espanha (Toledo). S. desde o fim do século IV. Por outro lado. senhores da Gália do Sul. impôs-se sem fanfarronices à atenção do brutal guerreiro: "Socorre teus concidadãos. Auvergne deve muito a Sidónio Apolinário.. se torna senhor do Sudoeste visigótico.após a derrota e morte deste (486) -. protege as viúvas. mas também para Lião. a lembrança de Remígio de Reims permaneceu bem viva. ao falar dos monges." A ambição leva Clóvis a combater os Burgúndios e os Visigodos arianos. sua esposa. que faz com que ele. se tinham tornado imperiosos devido à necessidade de reagrupar as forças espirituais que se haviam dispersado no tempo das invasões. o rei franco . onde o eremitismo e o cenobismo se combinavam. Asán em Aragão (fundado por Sto. A acção da Igreja estava intimamente ligada à acção dos monges. a primeira rede de igrejas rurais. aos olhos dos bispos. uma "ilha de santos". Pedro Crisólogo em Ravena. Genebra e Troyes. Emiliano) e Dúmio na Galiza.único soberano bárbaro católico tornava-se o seu protector natural e propagandista de eleição da religião cristã entre os Bárbaros. se decida a ser baptizado por Remígio. reuniria em Orleães o primeiro concílio nacional da Gália franca: como primeiro imperador cristão. formavam. Avito de Viena. encoraja os aflitos. Quando Clóvis. não somente para a Provença. Em França. "um episcopado . Acontecimento importante. do jovem rei dos Francos. Súbdito de Siágrio e. a Gália inteira saúda nele um "novo Constantino". mas da irradiação de algumas grandes comunidades autónomas. sobrinha católica de Gondebaud. o seu irmão Isidoro em Sevilha. Hilário de Poitiers. insuportável para os Italianos. irmão de Hermenegildo. pouco depois. tenta negociar com seu pai que o mandou executar (585).muito especial". pois o domínio bizantino. o Ostrogodo.França. Em Itália .menos unificada que os seus dois vizinhos -. mas os seus sucessores são incapazes de evitar a reconquista da Itália por Justiniano (535-553). Teodorico empreende a tarefa de restaurar a civilização romana. depois da . 66 No Ocidente a Igreja Substitui-se ao Império Os Francos católicos eram. Aliás. reina. Um ano mais tarde. que passara para o catolicismo havia já trinta anos. "cônsul de Deus" Os três futuros bastiões da Igreja Católica romana . já demonstrara a força de que é capaz a aliança entre os bispos e os monges. arrependido. a sobressair na massa ocidental. depois. Entre 493 e 526. sucedia a Leovigildo e. Recaredo. a situação é mais confusa. mas o facto acaba por assumir contornos políticos: o filho do rei. onde o poder de Bizâncio é apenas teórico. Gregório Magno. Teodorico.começavam.pai dos cónegos regulares -. Espanha e Itália . abraçava a fé romana. que tinha renegado o arianismo por influência de Leandro de Sevilha. sobre a península. Na Ibéria. mas o mesmo não aconteceu com os Visigodos. quem dominou o fim do século VI no Ocidente? 3. Começava a história da católica Espanha. Hermenegildo. tenazes arianos como os Vândalos de África. Os Bizantinos mantêm apenas os territórios costeiros e o exarcado de Ravena. ainda em vida de Clóvis. depois. Gregório I. depois da morte prematura do rei (511). abre caminho ao domínio dos Lombardos. ao reunir à sua volta uma pequena comunidade fraterna de padres e ao dar-lhes um regulamento. o bispo de Hipona. É verdade que bispos e monges colaboravam estreitamente. esboça-se uma reviravolta a favor de Niceia e de Roma. a conversão dos Suevos arianos fez-se sem grandes choques (por volta de 450). a Burgúndia (534). coloca-se à frente de uma sedição de católicos. não foi precisamente um monge tornado Papa. em 572. então. uma reconquista brutal e desastrosa. ampliaram as possessões francas. além de efémera. cujo rei Alboíno se instala. a velha Provença (532) e. Quando Leovigildo subiu ao trono de Toledo (567). os senhores da Aquitânia visigótica. a partir de Ravena. Agostinho . no palácio de Teodorico em Pavia. mas até da sua própria alma. A sua correspondência revela que nada que se refira à vida da cristandade o deixa indiferente. será a vez de a Igreja anglo-saxónica influenciar todo o continente. Gregório trata directamente com os Lombardos. juntava a experiência do diplomata e do funcionário.o Tratado de Pastoral. porque. toma a seu cargo ou controla as funções civis. apesar de tudo. "Cônsul de Deus". Em 590. nos Lombardos que prepara pacientemente para a conversão. de Gregório I. mas também o facto de vários pontífices se terem esquecido da bela definição do pontífice romano.morte de Alboíno. testemunhas da decadência geral da cultura antiga. ignorando o débil exarca. Mas. à santidade de monge. Começa a surgir a Igreja medieval. fora também prefeito de Roma. e nos Anglos. o papado parece estar moribundo. Em breve. o tempo não é para os doutores. Gregório e os seus sucessores assumem o papel do Império ferido: tornam-se os pedagogos do jovem Ocidente. a quem a posteridade chamou "Magno". deposita as suas esperanças nos povos germânicos. mais jovens. dada por Gregório I: Servus servorum Dei. entrega-se a uma pregação voluntariamente prática. humilhado 67 pelo orgulho de Bizâncio e pela indignidade de muitos dos seus colaboradores. . ao mesmo tempo. enviando alguns monges romanos levados por Agostinho que se fixa em Cantuária. é forçoso confessar que a exegese e a teologia desse tempo são. mas para os pastores . menos embrutecidos: nos Francos. pela sua pobreza. além de Roma. Mas. a quem deu provas da sua predilecção. Foi nesta altura que o papado se viu obrigado a desempenhar um papel salvador. atormentados pelo miserável estado da Itália e de uma capital assolada pela inundação e pela peste. ficará na História. Voltando as costas a Bizâncio. além de apocrisiário em Constantinopla. uma feudalidade militar reparte os seus Estados e toda a Itália se vê reduzida àquilo que será até meados do século XIX: uma "expressão geográfica". sobretudo as que se referem à assistência e à educação. Bispo de Roma. poderemos lamentar não só a sua dureza e o seu paternalismo. serve a cidade terrestre visando edificar a Cidade de Deus. o povo e o clero romanos elegem como Papa o patrício Gregório que. aliás. eis como o autor desconhecido do seu epitáfio chama a Gregório Magno. Ameaçado a norte e a sul pelos ducados lombardos. Numa Roma esvaziada não apenas da sua glória. Gregório I. aliás. no entanto. Arnulfo em Metz. Do outro lado estava o corpo episcopal. a simonia era já uma praga secreta da Igreja e poderíamos citar inúmeros pastores que não passavam de indivíduos sem escrúpulos. amiúde no seu próprio círculo. representaram. já não é o órgão vivo de um grande corpo político. Se. o eixo das influências. inclusive entre os leigos. Mas essa escolha não era necessariamente má. os bispos eram. A dinastia dos Merovíngios herdeiros de Clóvis . vox Dei beatificou tantos bispos: Pretextato em Ruão. por um lado. No horizonte merovíngio. O povo é formado essencialmente pelos servos da gleba. a presença do bispo evita a sua morte.Vox populi. O "palácio" é frequentemente um inferno de ódio. o rei pode exigir muito dos homens livres. Milão e Ravena) para as margens do Sena e do Mosa. vigiados muito de perto pelo rei que os escolhia pessoalmente. entre . Leger em Autun e Elói de Noyon. infiltrando-se no direito germânico. ela conseguiu fazer brilhar uma luz muito diferente da dos incêndios. Sem dúvida. no Ocidente. quando não desaparece no culto apaixonado das relíquias. transferiu-se de Itália (Roma. frequentemente dizimada pelas epidemias e épocas de fome. de cupidez e de luxúria: o assassínio e a libertinagem provocam habitualmente a morte prematura dos reis. Mas nunca como na época merovíngia o povo cristão . ela apresentava a sabedoria dos seus monges e a pureza das suas virgens. Como tinham a missão de vigiar os condes. A um mundo em que a crueldade e o estupro faziam lei. pelo seu senhor. a cidade galo-romana. cuja piedade ingénua ainda se alimenta de superstições pagãs. dado que no Ocidente merovíngio não existe Estado e o reino é considerado.foi essa Igreja que fez com que os seus cânones conciliares. E o que dizer de rainhas como Fredegunda? Numa sociedade essencialmente rural que se imobiliza. em certa medida. funcionários. um património pessoal a partilhar em cada sucessão. acabassem por humanizar os costumes bárbaros. uma massa nem melhor nem pior que a de outras épocas. 68 4. A Igreja e os Merovíngios Em meados do século VI. anémica. cuja memória ficou ligada para sempre à de Dagoberto.(511-571) torna-se a principal força política: uma realeza absoluta e dura. em contrapartida ele não lhes presta nenhum serviço. As doações e as imunidades haviam-no tornado rico e poderoso. ] . mas graças ao zelo e à sabedoria de Patrício. luzes nas trevas. ainda hoje significam escrivão. talvez com exagero. Mas foi da brumosa Irlanda que surgiu um novo tipo de monge e de missionário. em francês. pois a cultura havia decaído muito. vestígio desse tempo. em inglês. Stavelot. para as escolas episcopais. Uma luz na bruma: o monaquismo celta Sem choques nem mártires. Saint-Denis. o "milagre irlandês" consiste no facto de este país (onde Roma não tivera acção directa) ter sido o local de onde partiu a salvação do continente: o espírito errante e o fervor dos Celtas impeliram-nos a levar a luz até ao outro lado do mar. funcionário.tantos outros. e clerk. A cultura greco-latina. todos aqueles que sofriam com a crueldade da época. há muito abandonadas. Os bispos francos não descansavam: entre 611 e 614. 5. do T.. Alguns dos maiores nomes da história monástica . Saint-Médard de Soissons. Implicitamente. era sob a protecção da Igreja que se encontravam todos os fracos. e a gramática era o único domínio em que se fazia alguma reflexão. seu herói nacional. procurando manter as escolas presbiteriais. Sainte-Croix de Foitiers. estava coberta de mosteiros-bispados: Bangor.. onde jovens clérigos tonsurados viviam em comunidades. favorecendo-os com a sua protecção e as suas doações. refluíra das cátedras de retórica e de gramática.Saint-Germain des Frés.. Desde o fim do século V. Murbach.. praticamente ignorada pelos leigos. realizaram-se na Gália quarenta e dois concílios e. entraram na história do Ocidente na época merovíngia. A palavra clérigo (1) tanto designava o homem da Igreja como o homem culto. [N. ao mesmo tempo. como o Estado 69 merovíngio não se preocupava com a assistência e a instrução. antepassadas das nossas escolas de aldeia. Clouard. Armagh. reis e bispos contavam com os monges para manter terra cristã sempre pronta para voltar a ser semeada. a Irlanda passou do druísmo para o cristianismo mais ardente. focos de cultura e de ascetismo. Nota 1: A palavra clerc. que eram. O que se passou a chamar. Brieuc. cujo hagiógrafo traça com prudência a sua vida maravilhosa: Malo. em que as mais pequenas fraquezas eram evitadas a golpes de disciplina e de chicote. onde nasceria a cristandade caledoniana e de onde partirão os evangelizadores da Islândia. nos Alpes.. onde tantas "paróquias" mostram ainda as marcas de monges e de bispos. Luxeuil. que Deus fez aparecer aquele que seria o Pai dos monges do Ocidente. Guénolé. Arbon. que mal é conhecida. no Jura. na Sabina romana. Mas Columbano era um furacão. Podemos vê-lo nos vales do Loire. tão exigente com os outros como consigo mesmo. Cada etapa de Columbano é marcada pela fundação de um mosteiro e a sua morte. Ora. ocorrida em Itália. A sua vida (480-547). fundador do convento de Iona.. foram pólos activos de desbravamento. Saint-Riquier. Saint-Bertin. e de repreensões violentas. A longo prazo. Jumièges. um gigante e um profeta. Bóbio. do Mosela.70 Bem cedo começou a extraordinária epopeia dos monges irlandeses cercada por uma espécie de auréola dourada. exigia dos seus monges uma vida incrivelmente austera. enfrentando perigos de toda a natureza. A hierarquia episcopal depressa considerou incómodo este profeta que. Estabelecidos quase sempre em regiões montanhosas ou florestais... 71 6. Saint-Armand. foi marcada por duas grandes etapas: Subiaco. foi precisamente num país de sol.. É impossível seguir o trajecto de todos os grandes giróvagos que. de colonização e também de reconquista cristã onde as invasões tudo tinham destruído. foi dado a Bento da Núrsia restabelecer o equilíbrio. eis alguns dos prestigiosos mosteiros que nasceram do trabalho dos monges irlandeses. de que toda a vida monástica recebe a sua razão de ser. Saint-Gall. Bento ou o equilíbrio Com efeito. Cansar-nos-íamos. onde o jovem . se pretendêssemos seguir o rasto do maior desses missionários irlandeses: Columbano (falecido em 615).. de resto. este cristianismo forçado iria afastar os homens de boa vontade nascidos sob céus mais luminosos do que o céu da Irlanda. do Sena. Gildas. não esmorece o entusiasmo dos seus discípulos.. Cadoc. os apóstolos da Armórica. atravessaram os mares: Columbano. um vento que passava sem se preocupar com os obstáculos nem com os homens. A comunidade beneditina não é uma congregação de privilegiados. do trabalho manual reabilitado e do estudo. Rapidamente. mas também através de uma vida comum. onde. Germanos evangelizam Germanos Vimos partir para a Inglaterra Agostinho . mesmo aparentemente seco.é a sua regra. chocado com a corrupção romana.e os seus monges enviados pelo papa Gregório Magno. a antiga probidade. foi para os homens deste século desumano que a regra beneditina foi feita: oferecia o caminho para Deus. da reconquista da Itália por Bizâncio e das invasões lornbardas.eis o objectivo primordial de Bento. O velho tronco beneditino. Os contemporâneos não se enganaram ao considerarem a regra de Bento como a regra de vida por excelência. leva uma existência de eremita até ao dia em que os seus discípulos são em número suficiente para formar uma comunidade. um molde suave do qual saíram centenas de milhares de monges. O essencial da obra de Bento . diversos ramos e novas folhas. feita de experiência e intuição. 7.e por isso a História deve contá-lo na sua elite . faria 72 brotar constantemente. Bento . O Norte da Inglaterra era domínio . Deus é mais bem servido e amado graças ao testemunho da vida monástica . Na sua base. vinte e três papas. Aliás. fraterna. a ordem de São Bento nunca deixou de ser um celeiro de missionários. Desse texto emana uma tal serenidade que se chega a duvidar que tenha sido elaborado numa época tão conturbada. os reinos anglo-saxões do Sul passaram ao cristianismo. mas um porto seguro para os leigos ávidos de estabilidade e de paz. constrói um mosteiro que ainda hoje é o coração da grande família beneditina. monte Cassino. menos santificada pela mortificação do corpo do que pela suave autoridade do abade (abbas = pai) e pela elevação do coração. pobres e ricos se viam arrastados ao sabor de um século de terror. cinco mil bispos. que a humildade e a obediência evangélicas sublimam. A regra beneditina propagou-se de tal forma que. através da oração litúrgica (lectio divina). sobre as ruínas recentes de um templo de Júpiter.nobre. numa época em que Romanos e Bárbaros. está a honestas romana.ele próprio um filho de S. "beneditino" e "monge" seriam quase sinónimos. Desde o século VII. e até aos nossos dias. durante séculos. uma obra-prima de discrição e equilíbrio. uma regra vivida. o monge Vilibrordo (falecido em 739). em 635. um mosteiro que se tornaria o principal centro religioso e cultural dos Anglos. mais tarde. que. arcebispo de Cantuária. a Cronologia e. Ludgero foi quem prosseguiu a sua obra. O Wessex era o feudo do bispo Wini e o Sussex era domínio do intransigente Vilfredo.possui os seus quadros eclesiásticos e os seus centros de irradiação. depois vai ao estuário do Escalda e ao futuro Luxemburgo. bispo de Lindisfarne. Beda estudava tudo. glória da abadia de Melrose e. em 690. cuja figura não deixa de revelar aspectos comuns com os de Thomas Becket. desembarcou. em Iorque e Cantuária estão os seus dois arcebispos. o . a Inglaterra forneceu alguns missionários às regiões germânicas.que beneficiou da efervescência celta e da ponderação romana . Além disso. sobretudo. fundou a escola de Iorque (por volta de 750). a História. deixou o primeiro Martirológio crítico e. em Northumberland. os reis de Mercie e do Essex pediram o baptismo. de onde sairiam Alcuíno e outros mestres da Renascença carolíngia. Um discípulo de Beda. no início do século VIII. regressa à Frísia. Teodoro (falecido em 690). Egberto. não surge ninguém comparável a Beda. No fim do século VII. no Concílio de Hertford. fundador da abadia de Wearmouth. É uma terra de santidade e de cultura cristã. legou um documento 73 insubstituível sobre as origens inglesas. Mas. com a sua História Eclesiástica da Nação dos Anglos. atravessa a Mancha para ir buscar livros e relíquias. na Frísia: com o apoio do conquistador Pepino de Herstal evangeliza o país. como genial iniciador: a Métrica. Por volta de 650.dos monges celtas . do continente. Bento Biscop Baducing (falecido em 690). ainda bárbaras. na Germânia. por diversas vezes. o Venerável (falecido em 735): passou quase toda a vida no mosteiro de Jarrow. a Inglaterra cristã .uma teologia então reduzida apenas à explicação dos textos das Escrituras -. o continente logo conhece o nome dos seus filhos: Cuthbert (falecido em 687). A Germânia Ocidental e Meridional recebera missionários celtas desde o século VII: Fridolino. depois. Aidan estabelecera. Um discípulo de Vilfredo.pouco desejosos de colaborar com os missionários romanos: na ilhota de Lindisfarne (Holy Island). continuando sempre como professor de Teologia . submete a Igreja inglesa à disciplina romana. a morte de Pepino (ocorrida em 714) obrigou-o a refugiar-se no mosteiro que tinha fundado em Echternach. que multiplica as escolas monásticas e que. Bonifácio. onde pululam os clérigos concubinários. a esplêndida Constantinopla. e recebeu o nome de um mártir. ficando essa tarefa reservada a Bonifácio. Quando Bonifácio é morto pelos Frisões (em 754). Bonifácio esboça uma restauração da Igreja franca. mais passional e que não se fizera para se entender com a . Anglo natural de Wessex. iniciada na Frísia. mais colorida. juntamente com cinquenta e dois 74 dos seus monges. mais quente. Mas esses bispos-viajantes não conseguiram estabelecer uma organização eclesiástica duradoura na Germânia. o Breve . Rupert na Baviera. a Bélgica. monge beneditino. Corbiniano no Tirol. promotor designado de toda a reforma. Enviado à França Ocidental por Pepino. Ratisbona. a Alemanha Central e Meridional.que ele sagraria rei dos Francos -. depois. acerca da qual um concílio declarará: "O bispo de Constantinopla terá o primado depois do bispo de Roma. estendeu-se à Turíngia e ao Hesse. o escocês Kilian na Turíngia. Suitbert na Renânia. Constantino fez de Bizâncio. Salzburgo e. à volta de um primaz. guerreiros e caçadores. O difícil diálogo com o Oriente Em 330." Uma Roma oriental. com o apoio de Carlos Martel. 75 Capítulo IV A UNIDADE QUEBRADA 1. que se torna o seminário das missões germânicas e o centro religioso e cultural mais importante da outra margem do Reno. no Hesse. Arcebispo de Mainz. a antiga colónia megariana. fundador em Reichenau da primeira abadia estabelecida em terras germânicas. Mas não consegue organizar o episcopado franco segundo o modelo inglês. A sua missão na Germânia. o Ocidente já se valorizara com territórios que seriam chamados a desempenhar um papel capital no enriquecimento da civilização cristã: os Países Baixos. dá um pastor a Erfurt e Vurzburgo na Francónia. e a Buraburgo. Freising.beneditino Pirmin. Em 741. porque Constantinopla é uma nova Roma. funda a abadia de Fulda. Bonifácio organiza os quatro bispados bávaros: Passau. Vilfredo foi encarregado pelo papa Gregório II de uma missão oficial: a organização da Igreja germânica e o despontar da Igreja franca. 77 Com efeito. factores de unidade. mais ainda. em 476. evidenciou ainda mais esses antagonismos. os monofisitas. só Justiniano (527-565) . . os Godos. do Império do Ocidente. quando o papa Leão I. e também da multiplicidade das querelas teológicas centradas sobre a pessoa de Cristo e nascidas das subtilezas gregas. os movimentos de uma multidão instigada por monges apaixonados pela teologia. conduzidos pelo velho monge Eutíquio. mas uma só pessoa em Jesus Cristo. terceiro ecuménico animado por Cirilo de Alexandria. como sustentavam a escola de Antioquia e o patriarca de Constantinopla. a sua sobrevivência até 1453 não foi um acontecimento fortuito. Perante os Bárbaros. No entanto. Eslavos e Búlgaros. A partilha do Império depois da morte de Teodósio.por pouco tempo e de forma incompleta . da ausência de uma regra precisa de sucessão. quarto ecuménico. criaram uma confusão que apenas acalmou em 433. fortalecido por um helenismo e por um cristianismo antigos.outra. O monofisismo foi condenado pelo Concílio de Calcedónia. Nestório? O Concílio de Efeso. Entretanto. em 451. então. de facto. divino do poder imperial. a realista. afirmou que existem duas naturezas. explodiram. a Roma latina. o imperador de Constantinopla pretendeu assumir toda a herança de Roma. as intrigas da corte e. definindo simultaneamente a unidade da pessoa em Jesus e a maternidade divina de Maria. numa carta ao patriarca Flaviano de Constantinopla. definindo a união hipostática e. mostrava-se um organismo muito mais sólido do que o Ocidente bárbaro. como pensava a escola de Alexandria (monofisita).pôde constituir um Mediterrâneo bizantino. condenou Nestório em 431. que aderiu à doutrina de Leão. dando ao mundo duas capitais. Árabes. Jesus. o Império Bizantino sofreu por causa do carácter absoluto. Depois da queda. da confusão do plano político com o religioso. A verdade é que o Império Bizantino. o Ocidente e o Oriente reagiram de modo diferente: enquanto Roma os integrava ou os federava esperando ser submersa por eles. Deus como o Pai/ era também um homem? Tinha somente a natureza (physis) divina. ou duas naturezas e duas pessoas. Mas as intervenções nos sentidos diferentes do imperador e dos seus funcionários. Constantinopla desviava para a Itália os seus incómodos vizinhos. a sua longa história confunde-se com uma luta quase incessante contra as dissensões internas (a palavra bizantino tornou-se sinónimo de ocioso e de intempestivo) e as pressões externas: Persas. por isso. desencadeou-se uma crise extremamente grave que dividiu até aos nossos dias as Igrejas orientais. mas edificou. disputada por Bizantinos e Sassânidas. E. uma Igreja nacional dita nestoriana que. estendeu-se pela Etiópia. Mas nós. Deste modo. poesias sagradas.. Tiago Baraddai. a partir do Egipto. 78 No Egipto. se desenvolveu à margem da Igreja universal. A Arménia. A partir da invenção de um alfabeto arménio por Mesrop. assim. ocidentais. o monofisismo. de cujas consequências toda a Igreja ainda sofre. um terreno favorável. como Severo de Antioquia. falada por um povo pouco helenizado. mas este cisma não deve fazer esquecer como despontou no século VI o génio nacional da Arménia. tornou-se o veículo de uma fé que fez do patriarca de Alexandria o chefe de uma Igreja separada. tratados científicos. o nestorianismo passara para a Pérsia onde. desenvolveu-se uma forte corrente antibizantina e os cânones de Calcedónia foram considerados uma expressão da opinião dos "imperiais" ou melquitas (do siríaco melek . Bizâncio não se limitou a fazer frente aos invasores. mau-grado a perseguição masdeísta. do nome de um dos seus primeiros chefes. também designada Igreja jacobita (1). na Mongólia e na China. com notáveis doutores. A Igreja monofisita síria. onde os primeiros convertidos se colocaram sob a obediência do patriarca de Alexandria. romanizámos de tal forma as nossas perspectivas que ainda temos a tendência de ignorar as riquezas que Bizâncio durante dez séculos fez frutificar. crónicas. a oposição às decisões do Concílio de Calcedónia foi a expressão de unidade nacional: a antiga língua copta. entre o Ocidente latino e o o Oriente asiático.imperador). nessa velha província cristã. também foi ganha em grande parte pelo monofisismo. no século XIII. o espírito bizantino provocara alguns cismas. se propaga na Ásia Central.. em redor de Antioquia. Eliminado da Síria. que chegará a contar cerca de duas centenas de bispos nestorianos: trata-se de um cristianismo mitigado. sobretudo no século VI. a mais brilhante . e alguns importantes centros de vida religiosa. Na Síria. mas ainda suficientemente vivo para que. o monofisismo encontra. de tal modo. um missionário como Piancarpino ou um viajante como Marco Polo encontrem uma verdadeira elite entre os nestorianos da Mongólia. multiplicam-se as diversas obras: traduções da Bíblia. contou. assim. e também teológico. No entanto. privando-se um e outro das suas riquezas recíprocas. Bizâncio foi a pátria de poetas. que têm nela o seu único contacto com a Beleza. império cristão. Sérvios.papa ou basileu? -. do T. um monaquismo em crescimento constante. iria ser muito mais gravemente ameaçada por uma vaga formidável nascida no . Mas a integridade cristã. marcou profundamente a nossa civilização. Independentemente da desmesura. Sofia. Romenos e Russos. São dois mundos diferentes. O Oriente Bizantino foi a terra do monaquismo. Antagonismo político . Além disso. João Crisóstomo. um estilo de vida diferente. em hebraico e latim. onde nasceu uma liturgia dramática. Bizâncio dos ícones: a iconoclasia de certos imperadores do século VIII não foi apenas uma heresia. como Romanos. é preciso ter em conta que a distância entre Constantinopla e Roma é infinitamente superior aos mil e quinhentos quilómetros que as separam. que Nota 1: Jacob. no século VII. ou João Damasceno. o Melodioso. desde o século V. Os dois rios transbordantes não encontraram o ponto de confluência.] 79 pagou com a vida por se ter levantado contra a hipócrita corrupção da corte de Eudóxia e contra a tibieza dos cristãos. à unidade romana sucedeu prontamente a divisão da História em "Oriente Bizantino" e em "Idade Média Latina".grego ou latino? -. cujo código de leis. sobretudo. Assim. o pequeno homem de boca de ouro. Efrém e. cultural e litúrgico . Búlgaros. se inspirou largamente no Evangelho. as fez afastar-se mais uma da outra. foi também uma grave falta de psicologia. ainda continuam a fascinar-nos. de doutores brilhantes como Cirilo. por exemplo. do hieratismo e das contradições características do Oriente. devido a Justiniano I. Bizâncio. cujo diálogo sempre se revelou difícil e que. mas de tal forma comunitária. prolixa e sumptuosa. para a admiração de pessoas humildes e de bárbaros. nos edifícios brilhantes.civilização da Idade Média: Ravena. o historiador ocidental pode facilmente descobrir belezas e fervores. Sicília e Sta. que se desenvolve. Bizâncio. truculento e fervoroso: anacoretas empoleirados em colunas ou enterrados vivos em túmulos e cenobitas desbravadores de florestas que atraíam homens ávidos de uma existência equilibrada. sobretudo. Bizâncio mostrou-se educadora dos povos da Europa Oriental: Arménios. [N. Morávios. mas. lentamente. onde. possuída por uma fé nova que a tornava uma força respeitável. Os habitantes de Meca não podiam admitir que os seus ídolos e o seu egoísmo fossem postos de lado pelo zelo de um jovem que.deixou a sua cidade natal.portador de uma mensagem divina . depois. até então. leitura por excelência. a ressurreição dos mortos. é não só a palavra incriada de Deus. Quando regressa triunfalmente a Meca (630). os quatro primeiros califas e. Maomé . abriu-se ao mundo uma nova era: até mesmo em extensas províncias da antiga romanidade ir-se-ia apagar a lembrança do nascimento de Jesus Cristo. em 24 de Setembro de 622. montanheses. à inteira submissão à vontade de Deus. partindo para Iatribe (Medina). Segundo Maomé. transmitida a Maomé pelo arcanjo Gabriel. isto é. o antepassado ancestral dos Árabes. felás e nómadas . Maomé. não se explica somente pela audácia . embora Maomé só tivesse empunhado a espada para cortar as resistências na Arábia.nascida do desprezo pela morte e da expectativa da presa . o mundo oriental impaciente por sacudir o jugo dos Bizantinos e dos Sassânidas. já é o senhor de quase toda a Arábia. fiscal e . tratava-se de um retorno à pura religião de Abraão. os Omíadas. 80 onde a sua acção encontra resistência. não contente em chamá-los ao Islão. tem a sua origem principal no ódio das populações autóctones . já que a Tora dos Judeus e o Evangelho dos Cristãos haviam alterado as revelações primitivas. de quem Maomé se dizia ser profeta. viu a sua autoridade estender-se a todos os beduínos. Alá. criador todo-poderoso e juiz soberano. Porque. mas também uma colectânea de dogmas e de preceitos que são as bases do direito muçulmano. O Corão. Meca. 2. De uma península. Pouco a pouco.à tirania teológica. Voltado para o jovem Estado árabe. fizeram da guerra um meio de expansão do islão.deserto da Arábia. ele fizera levantar-se uma potência unificada. um Deus único. encontraria nele um guia e no islão um poderoso factor de unidade. dois anos antes da sua morte. O islão Quando. ainda lhes pregava a imortalidade da alma.rurais. predominava o egoísmo tribal.dos cavaleiros de Alá nem mesmo pela sua adaptação à guerra no deserto. mestre de Medina. O espantoso avanço dos Árabes na Ásia e em África. nos séculos VII e VIII. já se encontravam nas fronteiras da índia. superficialmente atingidos pelo cristianismo bizantino. A língua árabe substituiria rapidamente o grego como veículo de civilização. durante muito tempo cartaginesa.O Livro . Creta e Rodes. a velha civilização greco-romana e cristã daria lugar a uma civilização semita. e os dialectos púnicos da Andaluzia aparentavam-se com o árabe. no Egipto. em 673 e 718. a vitória árabe foi mais rápida: Alexandria é tomada em 638. A Síria foi a primeira a cair: Damasco capitulava já em 635 e Jerusalém em 638. na Síria. em 712. não resta outra saída aos cristãos godos a não ser esconder-se nas montanhas do Nordeste da Hispânia. doze mil berberes muçulmanos desembarcam em Gibraltar e. por duas vezes. onde. tal como o aramaico no "Crescente Fértil": Palestina. apesar da sua valentia. uma moral muito pouco . no tempo de Chapur II e Heraclio. de se instalar no vale do Indo e no Turquestão. base de um novo impulso que transportaria o islão até à Indochina e à Insulíndia. a Tripolitana é invadida e bastam apenas oito anos (700-708) para atirar ao mar os últimos bizantinos de África e ocupar o Magrebe até ao Atlântico. acabavam de se degladiar numa guerra desgastante. um culto sem complicações. Em 718. além de manual de ciência e de educação. explica a cumplicidade 81 de que o islão beneficiou perante um Império Sassânida e de um Império Grego que. A vaga árabe avançou e o mundo cristão teve de contar as suas perdas. porque os dialectos berberes do Norte de África. sem clero nem liturgia. em ocupar Chipre. e de chegar à Mongólia. na África do Norte e na Hispânia. aliado à ignorância religiosa das massas. em 713. Um ódio que. muito elevada: a transcendência de Deus. mas os Francos de Carlos Martel obrigam-nos a regressar à Hispânia. Em 711. na Mesopotâmia. o fluxo muçulmano se detivera. além disso. pois possuía uma dogmática clara e. A partir daí. Para oeste. Constantinopla. Síria e Caldeia. Mas. O islão também era uma religião que facilmente se impunha aos espíritos simples. mais próxima das origens populares. O Corão . os muçulmanos atravessam os Pirenéus.tornar-se-ia a base do ensino primário. guardiã da Ásia Menor e da Europa Oriental. Sem dúvida. os Árabes não tiveram nenhuma dificuldade em submergir o Império Persa.política dos Gregos e dos Persas. não parecia poder sucumbir tão depressa. lembremos uma página belíssima de A Viagem do Centurião. o centro mais brilhante.82 exigente no plano pessoal e não excedendo o quadro das prescrições rituais e.. era precisamente nisso que residia o ponto de discórdia entre o islamismo e o cristianismo. fazendo eclodir no plano social as virtudes da hospitalidade. Na Gália. opondo constantemente ao cristianismo missionário um bloco insuperável.embora incrédulo . A Inglaterra. compara a grandeza dos seus pobres companheiros muçulmanos à ridícula satisfação consigo mesma da sociedade farta de Paris: "[.] Aqui. todavia. que de Lyautey a Massignon. reina a superstição e a violência. o conhecimento das coisas essenciais. Seja como for. Por exemplo. o desprezo pelos bens terrestres. [. sem nenhuma unidade política. a distinção entre os verdadeiros bens e os verdadeiros males. Uma estrutura: o Império restabelecido no Ocidente Enquanto o diálogo entre Roma e Constantinopla é interrompido por silêncios cada vez mais prolongados. os Merovíngios chafurdam na devassidão e apenas a Austrásia. o que. de Psichari a Foucauld. apesar de uma longa decadência parcialmente ligada à do Império Otomano.. enquanto. A ." Mas o próprio Psichari . graças aos prefeitos do palácio.se indignava com a máxima muçulmana: "A tinta dos sábios vale mais do que o sangue dos mártires". aumentou o seu domínio na Ásia e na África Negra. está dividida em pequenos reinos hostis uns aos outros.] Havia nesse deserto pessoas prudentes que sabiam evitar as tempestades da luxúria e os escolhos do orgulho. causaram a admiração dos cristãos que quiseram ver para além das aparências. o Ocidente saído das invasões bárbaras procura um guia. 83 III A IGREJA FEUDAL Capítulo I RUMO À EUROPA CRISTÃ 1. no silêncio do deserto. uma parte substancial do velho mundo se torna muçulmano. Por todo o lado. de Tíflis a Tânger e às Astúrias... da generosidade e da fidelidade. onde Psichari. o islão desde o século VIII. a seus olhos. consagrava a superioridade deste último. emerge da anarquia. segundo ele. a sagrada exaltação do espírito. Pouco a pouco. Pepino de Landen. pelo filho deste último. confirmava solenemente a ascensão de sua família ao trono. que o papa Estêvão II. tornado desde 719 o verdadeiro senhor de todo o reino franco. depois. sistematicamente. Dinis a sagração de Pepino. no espírito de Estêvão II. O filho de Carlos Martel. o Papa. Além disso. Esse império. . cujo chefe. Ora. em Champagne. avançarão até Autun. Carlos Martel. Então. Pedro". a sul por contingentes de salteadores muçulmanos os Sarracenos . tinha sido substituído por seu neto Pepino d'Herstal e. vai-se formando a ideia entre as elites pensantes que eram todas da Igreja . na própria Roma. o Breve. vê-se apertado entre as possessões bizantinas a sul e os rudes Lombardos a norte. Pepino. em 725. os pontífices romanos voltaram-se para os prefeitos do palácio. caberia a um homem que a Providência designaria ao Papa que. desembaraçou-se do último merovíngio e fez-se sagrar rei dos Francos por Bonifácio. a prestigiosa família da Austrásia. a leste pelos Avaros.que. O conjunto a que se chama Europa está ameaçado a norte pelos FrisÕes e Saxões.Hispânia cristã está reduzida a uma estreita marca. rei dos Lombardos. renovando em S.da criação de uma Respublica Christiana que. senhor do "território de S. Na Itália. herdeiro do Império Romano. Em Ponthion. Foi no seu reino. em 754.manifestavam um autoritarismo orgulhoso e severo. a independência do Papa. 87 aparecia como a mais alta autoridade do antigo mundo romano. por volta de 750.que iria fazer com que os Lombardos lhe devolvessem os direitos sobre Roma: uma dupla expedição de Pepino em Itália (756) fez com que o papa se tornasse o único senhor do ducado de Roma e do exarcado de Ravena. desde Gregório Magno. desligando-se decididamente de Bizâncio. Foi a Carlos Martel que Gregório II confiou a protecção do bispo missionário Bonifácio. em Soissons (751). introduziria as noções evangélicas no Direito e nas instituições. isso representava uma garantia de independência. cujas teses teológicas (monotelismo e iconoclasia) se opunham às suas e cujos representantes na Itália . Pepino prometia ao papa que alegava a (falsa) doação de Constantino . se refugiou. tinha nascido o Estado pontifício. foi selada a aliança entre o papado e o rei franco: enquanto o Papa.os exarcas . os Lombardos pressionavam as fronteiras pontifícias e a aristocracia romana atacava vivamente. ameaçado pelas pretensões de Aistulfo. o papado encontrava-se em conflito com o basileu. o Breve (falecido em 768). Mas o rude bárbaro foi realmente um génio que.pelo terror -. Quem foi Carlos Magno? Encontramo-nos diante de uma personalidade poderosa. Mais ainda do que Constantino e Teodósio. considerando-se como o representante de Deus na terra. do 88 massacre de quatro mil e quinhentos saxões de Verden. Desde logo. o poder de imperador? A opinião pública está preparada. visando os seus interesses. cuja complexidade escapa aos nossos olhos de homens do século XX. Leão III coroa Carlos Magno imperador dos Romanos. Todos os súbditos do imperador devem ser cristãos. Agostinho. Em 1165. na noite de Natal de 800. Mas o imperador do Oriente só reconheceria o seu "irmão" do Ocidente passados doze anos. sobretudo. entre outras. Carlos Magno construiu um império. tudo deve terminar . Em certos aspectos. Frederico Barba-Ruiva.A fase decisiva foi alcançada por Carlos Magno. e da sua memória resta a lembrança. Instalou-se na Aquitânia. o rei franco não foi nenhum santo: nunca se conseguiu calcular o número das suas concubinas nem dos seus filhos bastardos. o aspecto espiritual e o temporal. e aplaude quando. Uma obra notável. apossou-se da coroa de ferro dos Lombardos vencidos e submeteu a Itália meridional. E. Ora. Criou a província da Bretanha e a da Hispânia diante dos muçulmanos que não conseguiu derrotar. Em 774. A Saxónia e a Frísia foram convertidas e cristianizadas . na qual se distinguiu o general e chefe saxão Witukind que acabou por aceitar o baptismo. o imperador Carlos trata de acabar a obra do rei Carlos. onde os Francos eram mal vistos. constantemente e com toda a sinceridade. no plano das instituições e da cultura. de facto. A Renascença carolíngia A partir de então. arrancará a Pascal III a canonização de Carlos Magno. enquanto os Avaros e os Eslavos se proclamavam seus vassalos. desejou instaurar a Cidade de Deus sonhada por Sto. Carlos Magno confunde. pergunta-se: o título de imperador deverá ser usado por quem apenas o herdou ou por quem possui. em Roma. 2. filho e sucessor de Pepino. enquanto o Ocidente se reagrupa pelas mãos de Carlos Magno. apoderou-se da Baviera e da Caríntia. Bizâncio cabe por sucessão a Irene. Durante trinta anos. como no tempo de Augusto e de Constantino. depois de uma longa luta. a corte de Aix-la-Chapelle devia assemelhar-se à do Baixo Império Romano. optaram geralmente pela separação. tudo isso é regulamentado pelas capitulares. quando Carlos Magno assume o trono dos Francos.na capela imperial. teologia e prática religiosa. de quem ele faz abade de São Martinho de Tours. Sem dúvida. Pedro de Pisa e Paulo Diácono.os letrados da época como Alcuíno. Córbia. o velho paganismo galo-romano foi. esta empresa formidável foi. 89 Em contrapartida. os bispos participam das batalhas. mas presta um imenso serviço à civilização ocidental. à base de gramática e de métrica. as cópias forneciam textos aos . acrescentam-se grandes ilustrações à moda antiga ou ornatos à irlandesa. pouco a pouco. o ibérico Teodolfo e Aícuíno mestre-escola de Iorque. têm já uma boa reputação. o Ocidente já possui alguns centros intelectuais: Lindisfarne. as obras dessa época não são originais: a cultura. De facto. liturgia. Ao mesmo tempo. por isso. No século IX. desemboca com demasiada frequência numa literatura pomposa e numa teologia servil. dita carolina. o Breve. talvez. o imperador estimula a actividade desses centros intelectuais.a cuidar dos doentes e dos pobres. com algum exagero. a salvação de um Ocidente mergulhado nas trevas: em todo o caso. a hierarquia eclesiástica depende quase inteiramente do imperador que nomeia e controla. O território cristão cobriu-se de mosteiros e centros de cultura. em Itália.na famosa Escola do Palácio . o mais belo título de glória de Carlos Magno foi aquilo que se chamou.de quem o imperador exigia um mínimo de instrução e uma conduta exemplar . mesmo em relação às decisões conciliares: costumes. no quadro da reforma eclesiástica começada por Pepino. nomeado bispo de Orleães. Graças a Carlos Magno. Fulda e Bóbio. As capitulares têm força de lei. Saint-Gall. difunde o uso da minúscula perfeita. varrido do continente e ganhou-se o hábito de ver os clérigos . Deveremos lamentar esta clericalização da sociedade? Põe-se aqui o eterno problema das relações Igreja-Estado. os pares de missi dominici são geralmente compostos por um bispo e um alto funcionário. ou Teodolfo. questão que os homens do século XX baseando-se na experiência. não se concebia a instauração de uma civilização que não fosse cristã. onde os monges recopiam os manuscritos da Bíblia ou dos Antigos com um zelo que. Reunindo à sua volta . a pouco e pouco. ao manter vias de comunicação com a Antiguidade Clássica através dos pântanos bárbaros. órgão centralizador composto por clérigos. a Renascença carolíngia. nessa época. pois a unidade política. Luís. era o garante da unidade cristã. o Piedoso. 3. desempenharam um papel importante nessas lutas. que minaram o Império e enraizaram o regime feudal. 90 O grande mérito de Carlos Magno foi. Pascásio Radberto. a partir de 817. apoiado em textos cuidadosamente corrigidos. Rábano Mauro e Hincmar. Ainda se confundia clericalismo e cultura. Uma estrutura que se revela frágil No plano político. o Piedoso. perpétuo reconstrutor das dunas. Os homens da Igreja. expressa-se em concílios anuais realizados em Aix-la-Chapelle. Mas. geralmente num sentido unitário. mas o século IX não findaria sem se realizar uma notável transferência de poder das mãos de Carlos Magno para as mãos do Papa. Luís X. Carlos. Wala de Córbia. ameaça 91 constantemente. subordinando Luís e Pepino a Lotário associado ao Império e atribuindo. o imperador impulsiona a Renascença carolíngia. contas e gramática -. a reforma eclesiástica. o de legislador. Verdadeiro homem da Igreja. os mais elevados espíritos do tempo. a Igreja foi tão plenamente dona e senhora do poder no Ocidente. Ele pretendia que cada mosteiro tivesse a sua escola. o império de Carlos Magno desaba rapidamente. o Piedoso . revelava mais inclinação para a administração e para a reforma eclesiástica do que para as actividades guerreiras. um ensino simples . uma grande parte dos seus Estados a um quarto filho. Pepino e Lotário. Não se trata ainda de depor os imperadores. sobretudo. Luís.cantos. Preparou com antecipação. preparando clérigos e monges suficientemente instruídos para poderem cumprir perfeitamente as suas obrigações. o Piedoso ou o indulgente (814-840).missionários. problema sempre novo. mas o comportamento do soberano devia ser julgado pela autoridade espiritual. Para tanto. o Calvo . O seu filho e sucessor. Nunca como sob Luís. aos olhos desses agostinianos. deposita toda a confiança num . em 829. desencadeia guerras fratricidas."o rei dos bispos" -. confiando um reino a cada um dos três filhos: Luís.nascido de Judite da Baviera -. salmos. a sua sucessão. quer sobretudo restaurar nos mosteiros o fervor e a austeridade que o tempo. Agobardo de Lião. Em 815. Da igreja bávara nasceu.de facto. no tempo de Svatopluk (por volta de 870). A vaga eslava havia submergido a Rússia e alcançado o Elba e o Saale. Bento de Anian teve o mérito de reagir contra a ignorância dos monges e o isolamento dos mosteiros. estritamente observada. Com os Germanos submissos e nominalmente catequizados. dos Prjemyslides e dos Slavniks. por necessidade política. Bento que. o Piedoso. viviam as tribos búlgaras ainda pagãs. mas o cristianismo só fez reais progressos entre eles quando os Francos forçaram os Croatas da Dalmácia e da Panónia a reconhecerem a sua dominação: em 833. em Aniane. uma pobre comunidade. Os missionários francos trabalharam também na Morávia e na Boémia: por volta de 845. de Aniane perto de Aix-la-Chapelle. o principado de Kiev -. 4.o capitulare monasticum . restavam os Eslavos e os Escandinavos. atraía trezentos religiosos e rapidamente se estende por todo o Império. Essa emulação teve. se estendia sobre a Boémia e a Hungria Oriental. rival de Bizâncio. que viria a ter um futuro glorioso. Haviam surgido três Estados eslavos: a Bulgária. os chefes das casas principescas da Boémia. e faz dele o animador de um sínodo do qual sai uma capitular célebre . a grande Morávia que. nas margens do lago Balaton. e Bizâncio.que. a expansão franca foi acompanhada de avanços missionários. 92 Para lá da Panónia. por prestígio. Os Croatas tinham sido atingidos muito antes de Carlos Magno.monge. em 782. como na de Carlos Magno. cobiçaram simultaneamente o benefício da conversão dos Búlgaros. fundou na Provença. aspectos de competição. Roma e Bizâncio interessaram-se. Mesmo que Inden não tenha podido representar o papel centralizador que Cluny desenvolveria no século X. em 847. do Danúbio aos Balcãs. em que a regra beneditina. Esforço missionário para norte e para leste Tanto na época de Luís. por vezes. Por volta . cobrindo a Boémia e a Bulgária até aos Balcãs. ao mesmo tempo. Os Francos e o papado. em Inden. em setenta e cinco capítulos. o imperador instala Bento. a Igreja panónia. receberam o baptismo em Ratisbona juntamente com muitos dos seus vassalos. pormenoriza os deveres dos monges. o arcebispo de Salzburgo consagrava a igreja de Nitra. e a Rússia . pela evangelização dos Eslavos. na actual Eslováquia. O cristianismo penetra entre esses guerreiros . príncipe búlgaro. convertendo quase toda a Morávia e criando um clero nativo. morto em 869 -. Imediatamente Rastislau se aliou aos Bizantinos e pediu-lhes alguns missionários gregos que conheciam a língua eslava. construída através do istmo de Schleswig. o Piedoso. com sede em Sirmium. foram denunciados ao papa que os apoiou: Adriano II nomeia Metódio como bispo regional da Grande Morávia. e voltou-se para os Francos. príncipe dos Morávios. o bispo alemão de Nitra obtém de Estêvão V a supressão da liturgia eslava e a partida dos discípulos de Cirilo e de Metódio. logo nos primeiros anos do século X. data da morte de Metódio . O regente de Bizâncio. haviam-se detido no curso inferior do Elba. Mas isso não se fez sem dificuldades. Com a morte de Metódio. depois de ter hesitado entre Roma e Constantinopla. Cirilo. De 864. 93 Carlos Magno e Luís. criou um. acabou por ligar a Igreja búlgara a Fócio (870). os cristãos refugiados na Rússia kieviana introduziram aí a escrita cirílica como veículo do cristianismo. discípulo de Cirilo. sabendo que os Morávios não tinham alfabeto que os ajudasse a transcrever a sua língua. ancestral do alfabeto búlgaro e versão búlgara do eslavo. até 884. a jovem Igreja não possuía uma língua litúrgica: Clemente. e o patriarca Fócio aproveitaram a oportunidade e designaram dois missionários tessalonicenses. No entanto. isolava a província saxónica -a mais setentrional . forneceulhe uma. rompeu com Rastislau. Permanentemente perseguidos pelos bispos bávaros que se inquietavam com as suas inovações e consideravam o uso litúrgico do eslavo um sacrilégio. Os missionários gregos refugiaram-se na Bulgária. Bóris. baseada no alfabeto cirílico. Cirilo e Metódio. Bardas. combinando o grego com elementos hebraicos e coptas: foi o alfabeto glagolítico que permitiu a tradução para o eslavo antigo (o eslavónio) dos livros sagrados e dos livros litúrgicos. homem excepcionalmente inteligente. cujo rei Bóris fora baptizado (cerca de 864). diante da muralha do Danevirk que. dois irmãos.que sobrevivera a Cirilo. a Grande Morávia desapareceria sob a vaga dos Magiares.de 860. data da sua chegada. Quando os Bizantinos conquistaram a Bulgária no século X.do grande império dos Viquingues! As incursões na Europa Ocidental e Meridional desses escandinavos davam bem a medida da sua força. Bizantina de cultura. os missionários gregos realizaram uma obra notável. os Normandos sobem os rios. refugiado entre os Francos. 94 Capítulo II OS SÉCULOS NEGROS 1. Haraldo. Os monges fogem diante deles. então. levando as suas relíquias. os ousados marinheiros escandinavos. em Sevilha e. no lago Mälar. tinha exigido que pedisse o baptismo (826). Quando Haraldo quis voltar à Dinamarca. Seria preciso esperar pelo século X em França. levou ao abandono a missão escandinava. pagando tributos ou entregando-lhes províncias para pilhagem. sulcavam os mares do Norte e o oceano à procura de zonas ribeirinhas ricas e mal defendidas. Instalados em ilhas fluviais. e pelo século XI noutros lugares. mesmo.adoradores de Odin e de Thor por intermédio de um chefe dinamarquês. o Piedoso. como autênticos comerciantes viquingues. teve como acompanhante o picardo Anscário que. no Gironda. porto da Dinamarca. O grande terror escandinavo Navegando em barcos leves e rápidos. ocorrida em 865. O século IX. enquanto os príncipes compram a sua fuga. depois. o Ocidente desmembrado vivia sob o terror dos Viquingues. na Suécia. traficavam com Bizâncio através do Neva e do Dniepre. Com a morte de Carlos Magno. outro em Birka.de onde se torna bispo .sitiada quatro vezes em quarenta anos -. massacrando. E. puderam ver-se os Escandinavos e os Normandos a destruir portos nas costas da Europa Ocidental. A sua morte. os Noruegueses já apareciam na Irlanda e os Dinamarqueses nas costas inglesas. É verdade que. em Chartres. Por diversas vezes perseguido. mas continuando constantemente a sua acção a partir de Hamburgo . para ver os terríveis Normandos dos mares fixaremse em Estados poderosos e originais. Podemos encontrámos em Hamburgo e Antuérpia. nos quais se instala a anarquia 95 . já pertence aos chamados séculos negros. praticamente sozinho. depois da morte de Carlos Magno. Anscário pôde criar dois centros cristãos: um em Riba. penetrou em pleno país viquingue. Bremen.e. queimando e pilhando. em Pavia. Blois e Paris . a quem Luís. desde há muito tempo. desde o fim do século VIII. Ao Estado de tipo romano .deixa de ser privilégio do rei. as cidades . superpõem-se a um regime essencialmente rural. Com o desaparecimento de Luís. mas há pior: os clérigos também se . O rei já não é o doador de terras do século anterior e o serviço de vassalagem . A terra transforma-se na única riqueza. tampouco. provocando o seu parcelamento. O guerreiro é.que faz parte do corpo social da época . 2. depois Carlos.à excepção dos portus dos grandes rios . o Império foi dividido em três partes. À integração na hierarquia administrativa do Estado 96 imperial sucede a ameaça de dissolução na nova sociedade. e. uma Lotaríngia artificial.já existente no tempo dos merovíngios . grandes bispos para fazer frente às incursões normandas.esvaziamse. A predominância de uma classe de guerreiros e a classificação generalizada em vassalos e suseranos.no Ocidente. Luís a futura Alemanha (Francónia Oriental) e Lotário.vê-se evidentemente afectada pelo regime feudal que representa um novo perigo. o Calvo. Carlos. O recuo da Europa Nesta altura. o regime feudal ganha os seus verdadeiros contornos em vários territórios do Ocidente. tentam reunificar e fortalecer o Império. em 840. passaram a atrair naturalmente os homens livres. recebe a futura França (a Francónia Ocidental). o Gordo (885). A autoridade real de tipo carolíngio desmorona-se. o Calvo (875). por vezes até condes. Não há chefes nem. senhor e proprietário. A Igreja .um Estado de funcionários -. mas já é demasiado tarde. Os senhores secularizam de boa vontade as terras eclesiásticas e os seus rendimentos. ao mesmo tempo. Homens fortes. cujas relações substituem a sujeição ao Estado. em que a presença de Roma e de Aix-la-Chapelle não bastava para esconder a fragilidade do seu título e do poder imperial que lhe coubera. é verdade que os subtis marinheiros não operam com base em vagas poderosas como os Germanos do século V que não davam muitas hipóteses de réplica. sucede um conjunto hierarquizado de proprietários fundiários. que o soberano não estava em condições de proteger. o Piedoso. Carlos. ameaçados pelos Normandos ou pelos Sarracenos. segundo as cláusulas dos juramentos de Estrasburgo (843). adentro das suas fronteiras ameaçadas. que afirma a autoridade espiritual de Roma perante os metropolitas e os reis. caiu um grande véu negro sobre o Ocidente. sob o pontificado do incompetente papa Estêvão V. de Córbia. foi deposto por incapacidade (887). Inicialmente. o Gordo -. 3. Nos mosteiros.sido raptada por um amante. a vida regular é gravemente ferida.Carlos. a Carlos. Ao tempo da partilha de Estrasburgo. Carlos. revelaram-se pouco dignos da confiança do papa. um homem de aço. "Desde o bem-aventurado Gregório escrevia Réginon . o Gordo. De Luís.nenhum papa se pôde comparar a Nicolau. João VIII (872-882) tenta lutar contra as incursões sarracenas e contra o crescente ataque dos leigos. reina Nicolau I (858-867). tendo a sua mulher . que enriqueceu o canto da Igreja com novas fórmulas. o polígrafo Rábano Mauro. a Igreja terá de aguentar e que já estavam em incubação desde meados do século IX. toda a sua acção reformadora ficou evidentemente paralisada. Os historiadores Nithard e Hincmar. o Calvo. Mas nem por isso todos os centros espirituais foram eliminados. Sobretudo Carlos. fortalecendo a autoridade imperial: mas os dois titulares seguintes da coroa imperial . a Renascença carolíngia prossegue a sua acção.encomendam a um senhor que se toma assim o governante das Igrejas. o Gordo. mas. Pascásio Radberto. Século X. de Reichenau. durante dois séculos.todos esses homens da Igreja continuam a fazer frutificar o património cultural da Humanidade. clérigos reduzidos à mendicidade e padres administradores. Quando. que não conseguiu opor aos Normandos e à crescente anarquia mais que 97 uma covardia revoltante. Abades indignos ou concubinos. o Piedoso. mas também oferecer à Igreja a oportunidade de guiar essa sociedade sem mestres. bispos caídos em desgraça." Muitos anos passariam antes que outro Nicolau surgisse. cujo manual da Sagrada Escritura faria escola. A longa disputa das investiduras já reunia todos os seus elementos. Valfredo Estrabão. abade de Fulda. teólogo da Eucaristia.porque ele fora casado . Adriano II (867-872) pretendeu agir. o "seculum obscurum" . o papado parece não só escapar ao feudalismo romano. o universal João Escoto Eriúgena . e Carlos. o Calvo. o grande poeta Notker de Saint-Gall. distribuindo os títulos eclesiásticos. são os males que. cuja desgraça havia sido o facto de se ter apaixonado por Marózia. Durante quinze anos. No interior. No século X. Marózia chegou mesmo a ser a única dona da cidade. morto na prisão. resultando daí um filho adulterino. como . depois da morte de Formoso e de Arnulfo. lutas sangrentas opuseram. condenada. 98 marquês de Espoleto. marido de Marózia. subiu nos céus de Roma a estrela do senador Teofilacto. subiu à cátedra de Pedro o filho bastardo de Marózia e do papa Sérgio III. Por volta de 900. por vezes carregados de ignomínia. a simonia . Um dos sucessores de Sérgio III. depois da morte de Alberico. julgada. Os Sarracenos sobem os vales alpinos sem encontrar resistência. dominaram Roma. Tendo o papa Formoso (891-896) coroado um bastardo como imperador. o episódio mais atroz foi o "concílio cadavérico" de Janeiro de 897: a múmia de Formoso foi retirada do túmulo. em detrimento de outro descendente de Luís. A instalação dos Viquingues na rica Normandia (911) não põe termo às suas depredações. Talvez tenha estado ligado aos sangrentos episódios que conduziram ao trono pontifício Sérgio III (904).compra de cargos sagrados . quando o papa João X . foi ela quem "fez" os seus dois efémeros sucessores. teve questões com Alberico. sucedem-se papas-fantoches e muitos deles deixaram-nos apenas os seus nomes. tornados herança de família. João X (914-928). agravando a secularização dos bens da Igreja e o domínio dos feudais sobre as eleições episcopais e sobre os mosteiros. Também em Roma se instala o feudalismo.Para os historiadores italianos o século X é um século de ferro. Mas o cúmulo foi quando.e o concubinato dos clérigos são cancros naturalmente alimentados por um corpo social enfraquecido. que tomou o nome de João XI. a sociedade feudal torna-se mais densa e ramifica-se. E todo o século é abalado pelo terror das hordas húngaras que avançam até Orleães. onde grandes casas feudais se tornam donas do trono pontifício. o saeculum obscurum. vestida com os paramentos pontificais. Arnulfo da Germânia. Leão VI e Estêvão VII. sentada numa cadeira. em 931. os pobres pululam. filha de Teofilacto. Mas. o Piedoso.que desejara libertar a Igreja . marido de Teodora. Lamberto de Espoleto. a dupla Alberico-Marózia e. espoletanos e antiespoletanos. sucessor de Leão V.foi asfixiado com um travesseiro. desnudada e lançada ao Tibre. a dupla Marózia-Guido de Toscana. mais religioso do que a mãe. Adelaide. João XIII (965-972) não foi mais do que um arquicapelão do imperador. Prevêem-se longas lutas que hão-de ocorrer nos séculos XI e XII: a Igreja só sairá vitoriosa porque o Sacro Império saído do feudalismo. 4. O Sacro Império RomanoGermânico . o imperador. ainda há muitas faltas. sua esposa. em 963. filho de Alberico II. tornava-se Papa com o nome de João XII um jovem de 19 anos.Marózia havia casado. mesmo confirmando os direitos do papa sobre os territórios romanos. Mas Otão e os seus sucessores da dinastia saxónica não foram insensíveis à reforma eclesiástica. assim fundado. porém. toma o título de "príncipe e senador de todos os romanos". terceiro sucessor de Otão. Octaviano. mãe de Otão I. Otão da Saxónia. Bruno de Colónia e Henrique II. revolta-se. embora Leão VII (936939) tenha apoiado a reforma cluniacense. Alberico II. em terceiras núpcias. Mas a Igreja ainda não tinha chegado ao fundo: em 16 de Dezembro de 955. nunca será o que haviam sido os impérios de Constantino e de Carlos Magno: uma monarquia centralizada. Mesmo que deixemos de lado as acusações mal-intencionadas de Liutprando de Cremona. um nobre mais devasso do que pontífice. Itália e Borgonha -. e a sua família também não deixava de ter os seus santos: Matilde. Otão I faz e desfaz os papas: destituição de João XII. a própria 99 eleição do papa ficava submetida à sua escolha ou ao seu veredicto.Germânia. estabelecia um controlo estrito da administração pontifícia. O Sacro Império e os papas "alemães" No dia 2 de Fevereiro de 962. e de Bento V. lançando na prisão a sua mãe e João XI. as suficientes para esmagar João XII. filho de Alberico. O seu reinado foi. Entretanto. Desde o começo. Alberico II. assente em bases frágeis. Os quatro papas que "reinaram" durante os vinte anos do seu patriciado não passaram de fantoches de Alberico II. Bento VII . marcado por um acontecimento capital: o restabelecimento do Império no Ocidente. com Hugo da Provença (932). João XII coroava imperador o rei da Germânia. este Império Germânico fez incidir sobre a Igreja romana uma pesada hipoteca: por uma espécie de concordata assinada por Otão I e João XII (Privilegium Ottonianum). apenas desaparecerá em 1806. em 964. a teoria dos "dois gládios" inflecte em detrimento do espiritual. a Igreja abandonou a zona sombria: ir-se-ia desencadear a reforma pré-gregoriana. ao passo que Bento VIII (falecido em 1024) foi pessoa da família de Túsculo. a disputar o trono de Pedro com Gregório VI (falecido em 1046). alcançava todo o Ocidente. voltou a mergulhar a Itália e Roma na anarquia: os Crescenzi "fizeram" João XVII (falecido em 1003). tendo protegido também Cluny e as suas filiais. Otão III designa como Papa um verdadeiro pastor. O seu curto reinado ilumina o final do século X e o ano mil carregado de terror. Enquanto Roma se revela apenas o coração ressequido de uma Igreja asfixiada pelo feudalismo. que nomeia Clemente II (falecido em 1047) e. Silvestre II luta com intransigência pela liberdade da sede apostólica. seguindo de perto a de Otão III. que escolheu o nome Silvestre II (999-1003).fora mestre de Teologia em Reims -. isso não quer dizer que os dias sombrios da Igreja romana houvessem acabado: a morte violenta de João XIV e do seu adversário Bonifácio VII (984). presidiu a diversos concílios destinados a combater a simonia. Sérgio IV (falecido em 1012). Bento IX 100 (falecido em 1045). preparada pela santidade e pela fecundidade de Cluny. descobre-se uma nesga de céu: em 999. o seu antigo professor. De repente. encorajado pelo imperador. aliás um pontífice notável. Um grande senhor feudal de idade avançada. Uma fonte viva: Cluny Como tantas vezes acontece ao longo da História da Igreja. cuja reputação de homem de ciência. . eis que uma fonte brota num valezinho da Borgonha. Dâmaso II (falecido em 1048). esperando que Otão III "fizesse" Gregório V (996). João XVIII (falecido em 1009). 5. é nas suas próprias profundezas que o grande corpo em perigo encontra as forças salvadoras. nos seus sermões e nos seus actos perpassa já um sopro gregoriano. depois. a dominação da família romana dos Crescenzi que "faz" João XV (985). mas ambos foram depostos por Henrique III. Quando o sínodo de Worms designa o alsaciano Bruno de Toul com o nome de Leão IX. Assiste-se a um novo escândalo: um rapazinho do partido tusculano. Era um erudito . mesmo deformada (porque alguns fizeram dele um alquimista e um feiticeiro). são acontecimentos escandalosos. A morte de Silvestre II. No entanto. o monge arvernês Gerberto.(974-983). cuja fama e glória só encontraram similar na sua longevidade. Odilão (9941049). a tal ponto que se podia falar. na Aquitânia e na Itália. em 931. seu sucessor (927-942). prestando contas única e directamente a Roma. para que ali se construísse um mosteiro em honra de S. que Cluny se elevou acima de todos os mosteiros do Ocidente. vinhas e moinhos. mas foi com Odão. Odão estabelece a sua influência na Borgonha. A cláusula capital do acto de doação outorgava a Cluny uma liberdade cheia de promessas: o mosteiro será autónomo em relação a todas as autoridades civis ou religiosas. e se estabelecessem os beneditinos. de "centro real da Igreja" e de "capital espiritual da Europa". duque da Aquitânia. possuía em Cluny uma bela casa de campo. o autorizou a colocar na sua dependência todos os mosteiros que ele reformasse. dependendo estritamente da abadia-mãe. a da abadia de Cluny. nomeado pelo de Cluny. Mayeul (948-994) restaurou muitos mosteiros 101 romanos e reanimou vários focos de cultura já extintos: Marmoutier. La Charité-sur-Loire. Paulo.Guilherme. Hugo alia os talentos de construtor: é a ele que a Idade Média deve a sua mais vasta e mais sumptuosa igreja. Hugo (1049-1109) reformou. o reformador da abadia de Beaume-les-Messieurs. doou-a. O privilégio . em 1109. o Piedoso. A influência da ordem cluniacense sobre a civilização ocidental foi considerável. das quais oitocentas e oitenta e três em França. Saint-Bertin e Vézelay. Encorajado pela imperatriz Adelaide e pelo papa que. sem exagero. que restauraram mosteiros arruinados. Pedro e S. a maioria delas é dirigida por um superior (prior) passível de substituição. sob a direcção de Bernão. em 909. bosques. Ao fervor do religioso e à prudência do diplomata. mil cento e vinte e quatro casas. juntamente com os seus servos. além de fundar postos avançados diante da Espanha sarracena e também um mosteiro de beneditinas em Marcigny-sur-Loire. fez com que o número de casas ligadas a Cluny passasse de trinta e cinco para sessenta e cinco. um homem pequeno de vontade férrea. entre outros. infelizmente destruída em 1823. Saint-Martin-des-Champs. e ainda ajudado por inúmeros bispos e senhores feudais. Se algumas mantinham um abade. Bernão foi um religioso entusiasta. A morte de Hugo assinala o apogeu da ordem cluniacense que conta. Lérins e Saint-Bénigne de Dijon. cansado das alegrias deste mundo. A sua obra foi continuada por uma extraordinária linhagem de abades. a favor do trabalho intelectual.embora subsidiariamente . e a sabedoria acumulada de quatro grandes abades. todas as fraquezas. sete mil pobres foram alimentados pela abadia borgonhesa.caracterizaram Cluny e garantiram a sua influência numa sociedade rural dominada pela violência e pela imoderação. com o esplendor dos frescos. A paz e a moderação . Aplicando os seus recursos na construção de numerosas igrejas e claustros. a supressão quase total do trabalho manual em favor do ofício divino cantado solenemente nas amplas igrejas por grupos compactos de monges (duzentos a trezentos em Cluny). num domingo da Quinquagésima de determinado ano. com a moda dos portais com imagens. todas as concessões feitas ao mundo pelos clérigos. a sua administração centralizada e independente do regime feudal. mas substanciais. Cluny foi testemunha do Evangelho vivido.de isenção pontifícia. Todas as ignorâncias e terrores de um simples povo cristão reduzido à servidão. enriquecendo-a com a adopção de capitéis esculpidos. Mas foi através dos seus monges que foram papas que Cluny actuou mais fortemente numa cristandade enfraquecida. Cluny renovou a arquitectura cristã: os seus abades itinerantes popularizaram a arte romana no Ocidente. Esta vida consagrada essencialmente à oração litúrgica e à vida do espírito necessitava de um contrapeso material: os "usos e costumes" cluniacenses previam sempre refeições sem carne. ainda que Cluny não desenvolva nesse domínio o papel que assumirá nos séculos XVII e XVIII a congregação beneditina de SaintMaur. numa época de economia fechada. em que surgiam frequentemente grandes surtos de fome e desgraças. prelados e papas. As características próprias da reforma cluniacense são: aumento do número de monges-padres. e também . do abadado de S. os mosteiros cluniacenses foram os principais refúgios dos pobres. dando uma nova importância à celebração da missa. Hugo.os dois fundamentos 102 da ordem beneditina . e todas as depredações e cobiças dos poderosos acabavam por se dissolver nesses "vasos de eleição" que eram Cluny e suas filiais. Além disso. permitiram que Cluny alimentasse uma poderosa corrente de reforma monástica e cristã. 103 . Mesmo não inovando em matéria de liturgia e de observância. entre 927 e 1109. de futuro. sem solicitar a investidura imperial. depois de terem consultado os cardeais-padres e cardeais-diáconos. fazendo-se eleger apenas pelo clero e pelo povo de Roma. E entrega-se. um loreno. admirador de Leão IX. Tais ideias encontraram uma incidência canónica num decreto de Nicolau II (1059-1061) que estipulava que. reunindo diversos sínodos. Os papas duniacenses Leão IX (1049-1054) não foi um Papa como os outros. os padres e os diáconos principais (cardinais) dos Estados do Papa. o abade do monte Cassino. estigmatizando ao mesmo tempo o vício simoníaco e a intervenção dos poderes laicos nas eleições episcopais. Mas. Embora Vítor II (1055-1057) ainda esteja na linha dos papas "alemães". condenando as doutrinas antieucarísticas de Berengário de Tours (1050) e coligindo a colecção dos "Setenta e Quatro Títulos". mas nada adiantou. pedindo contas aos dignitários eclesiásticos simoníacos e fornicadores. de simples conselho. marcado pela grande figura do cardeal Humberto. primeiros elementos do direito Canónico. em 1057. futuro Gregório VII. imediatamente. Assim. faz um autêntico golpe de Estado. foi eleito no Concílio de Worms por vontade do imperador Henrique III. a eleição dos papas seria da competência exclusiva dos cardeais-bispos. que se tornou Papa com o nome de Estêvão IX (1057-1058). os cardeais eram apenas os bispos. Bispo de Toul. numa patética inovação. este publicou o tratado Adversus Simoniacos. Rodeia-se de auxiliares decididos a secundá-lo nessa tarefa. o bispo de Luca foi designado . em 1061.Capítulo III O RETORNO DO PAPADO À RIBALTA 1. porque. nunca abandonou a sua atitude de 105 independência durante o seu curto pontificado. até então. e o cluniacense Hildebrando. Este natural da Lorena. vai a Roma vestido de peregrino e faz-se reeleger canonicamente pelo clero romano. afirmando por toda a parte o poder supremo de Roma em matéria espiritual. ao espírito de reforma que inspirou a sua acção pastoral na Lorena. o seu corpo tornava-se um colégio eleitoral. Leão IX viaja muito. sobretudo na Alemanha. os mais notáveis foram dois monges: o cardeal Humberto. A reacção foi viva. o amor pela paz e uma longa prática das Escrituras. inicialmente. seria eleito com o nome de Gregório VII. com autoridade. fortalecido. o Simoníaco. sobretudo em França. se tornaram senhores da Sicília. O Papa adoptou. em 22 de Abril de 1073. Este eremita de Ravena. um salteador. a ideia de uma reconquista cristã encontrou nele um defensor. Gregório VII teria preferido "converter" estes príncipes e associá-los à sua acção reformadora. onde a liturgia romana substituiu a liturgia moçárabe. as suas companheiras. aquilo a que se chamou "a reforma gregoriana" não foi mais do que o culminar de um já longo trabalho. em 1072. Este monge toscano tinha haurido. depois de expulsarem os Sarracenos. O Papa. com Guiscardo. pôde prosseguir a obra de regeneração moral e disciplinar iniciada pelos seus antecessores. Estava preparado o terreno para Hildebrando que. em Espanha. o que distingue Gregório VII é a sua tenacidade em fazer observar a legislação eclesiástica e a severidade das sanções (interdição e excomunhão) aplicadas em todos os . a caridade. Mas o seu silêncio incitou-o.Pedro Damião e o cardeal Estêvão .com o imperador Henrique IV. quando se ergueu. e com o rei de França. cujo adultério endémico escandalizava a cristandade. criado cardeal de Óstia. Pressionado pela nobreza romana e pelo imperador. no Concílio de Roma de 1074. a acabar com as duas manchas do clero: a simonia e o nicolaísmo. Foi decisiva a sua intervenção a favor de Alexandre II.os clérigos e monges debochados e. os seus legados . 106 2. As bulas de Alexandre II atestam que os juizes de Roma já eram considerados irreformáveis. a piedade.o seu Gomorrhianus é particularmente violento . Filipe I. apoiou a acção dos normandos de Guiscardo que.apenas pelos cardeais com o nome de Alexandre II. ameaçado por um concorrente imperial. a fé. Gregório VII queria coroar a obra dos seus antecessores. mais ainda. estigmatizava através dos seus escritos e sermões cheios de força . a voz de Pedro Damião (falecido em 1072).apoiavam a sua autoridade. o método de conciliação -o mesmo que Pedro Damião preconizara . O Papa encorajou o desembarque normando em Inglaterra. ele estava prestes a voltar aos velhos erros. Gregório VII A Igreja acabava de escolher um dos seus maiores pontífices. na fonte cluniacense. Embora já muitos o tenham salientado. porque o imperador apoiava-se no feudalismo eclesiástico da Alemanha que lhe permitia lutar contra os grandes senhores feudais. naturalmente. considerável. No Concílio de Roma. como Hermano de Bamberga e Manassés de Reims. circularam vários folhetos antigregorianos. não deixaram de o enfrentar. mas é incontestável que a centralização pontifical se fortificou durante o seu reinado.. onde o concubinato era corrente.países cristãos por legados vigilantes. Algumas semanas mais tarde. uma guerra que . vinte e quatro proposições extremamente enérgicas. O Normando em Inglaterra. expressas em termos pouco habituais. senão um meio de alcançar o seu objectivo último: a moralização dos costumes sacerdotais. [. Como a História registou apenas os casos de resistência." A teoria da supremacia pontifícia encontra aí a sua codificação. em Fevereiro de 1075. acrescentando-lhes um cânone que proibia os bispos e os padres de receberem os seus cargos das mãos de um leigo: isto era subverter uma situação de facto quase universal. Com a Germânía e o imperador. Mas a centralização administrativa e a libertação das Igrejas não eram. A oposição a tal política foi. em detrimento dos primazes. sobretudo no plano moral.] É-lhe permitido depor os imperadores.. A acção do Papa tendia a fazer-se sentir até ao nível dos fiéis. [. A intervenção do Papa na condução dos Estados do Ocidente foi suportada mais ou menos pacientemente pelos príncipes. depois. Bispos símoníacos. dos 107 metropolitas e até dos bispos.. Os decretos gregorianos foram mal recebidos. o Capeto em França.] Apenas o pontífice romano merece ser chamado universal. é difícil fazer um balanço da reforma de Gregório VII. foram inseridas nos registos pontifícios: são os Dictatus Papae. Gregório VII retomou-os.. no espírito do Papa. desafiaram publicamente o Papa. A luta pessoal entre Henrique IV e Gregório VII foi patética e dura. "Luta do Sacerdócio e do Império" haveria de se prolongar durante quase dois séculos. já que o Papa alargou a numerosos regulares o privilégio da isenção pontifícia. onde se encontram frases como estas: "A Igreja romana foi fundada pelo Senhor. por meio de legados permanentes ou itinerantes dotados de poderes excepcionais. travou-se uma luta aberta. No baixo clero.conhecida pelo nome de "Querela das Investiduras" e. fingindo submeter-se às directrizes do Papa. . 109 . tinha sido acolhido com bastante frieza em Bizâncio. O imperador mobilizou os seus teólogos. Desde o século IV. o clero. cujas exacções obrigaram o Papa a retirar-se para Salerno. O restabelecimento do Império Romano a favor de um bárbaro. e. a origem eterna do Espírito Santo era explicitamente relacionada apenas com o Pai. que se mostravam escandalizados por ouvir cantar esse Filioque aos latinos de Jerusalém. vulgarizaram a fórmula "que procede do Pai e do Filho" (.. abandonado pelos seus vassalos. Henrique IV humilhou-se em Canossa (1077). sitiado no Castelo Sant'Angelo. Uma etapa em direcção à ruptura Constantinopla: hlicolau I e Fócia entre Roma e No momento em que. No entanto. Carlos Magno entusiasmouse com esta adição que tinha a vantagem de apanhar os Gregos em falta. a Igreja alcançava a dimensão da sociedade feudal. onde acabou por morrer. excomungado em 1076. o assunto foi enterrado durante sessenta anos. finalmente. o diálogo entre o Oriente e o Ocidente tinha sido interrompido com uma frequência cada vez maior. mas o movimento de reforma que Gregório VII tinha relançado era irreversível. depois. emergiria da sociedade feudal e. afirmou suficientemente a sua distância em relação ao mundo para o guiar e iluminar. desde finais do século VI. a Igreja franca. Ainda por cima. Lentamente. in Spiritum Sanctum qui ex Patre procedit"). o fosso que separava Roma e Constantinopla alargava-se bruscamente. em 810. 108 Capítulo IV O PRIMEIRO RASGÃO NO MANTO SEM COSTURA 1. mas Roma resistiu às ordens imperiais e. apoiado pelos monges. Gregório VII. mesmo que não fosse plenamente digno dessa missão. Filioque procedit)... desligados canonicamente dos seus deveres feudais. veio juntar-se à questão do Filioque.. O Credo de Niceia-Constantinopla (381) dizia: "Creio no Espírito Santo que procede do Pai (Credo. no ano de 800. deposto novamente em 1080. foi libertado por Guiscardo. fez eleger Guiberto com o nome de Clemente III e foi instalar-se em Roma. A sua morte foi tomada como uma derrota do papado.Deposto pelo Papa. Ora. a Igreja de Espanha. pouco a pouco. na medida em que o Filioque aparecia como um erro romano por excelência. onde deveriam informar o basileu de que a Bulgária era decididamente latina. Inácio renova os laços com Roma. de 857 a 1057. cujo rei Bóris. o apagamento do papado feudal contrasta com o esplendor e a força da dinastia macedónica que reina em Constantinopla. enviando alguns missionários para a Bulgária.. tinha sido indicado para substituir o patriarca Inácio que fora deposto. mas estes permanecem frágeis. Esta intromissão dos latinos na proximidade das suas fronteiras provocou a cólera dos Gregos. Olga. O papel de Fócio foi capital na ruptura entre Roma e Constantinopla: foi o primeiro defensor da ortodoxia diante do Papa. um erudito tornado dignitário da corte de Constantinopla. A primazia da honra do bispo de Roma não era contestada. aparece a grande figura de Fócio. os legados do Papa foram expulsos em 866 e Fócio enviou uma carta aos patriarcas orientais estigmatizando a conduta daqueles "ocidentais bárbaros". vai à capital . hesitava entre a obediência a Roma e a obediência a Bizâncio. que morreu nesse mesmo ano.a quem arrancou Antioquia 110 e conquistador da Bulgária. cujas inovações dogmáticas e disciplinares (jejum ao sábado. Durante o século X. os legados do Papa e os outros três patriarcas orientais ratificaram o acontecimento que o papa Nicolau I recusara reconhecer em 863. celibato eclesiástico. recentemente baptizado. Nicolau ripostou. Um concílio reunido em Constantinopla (867) depôs Nicolau I.Em 858. presos antes de terem entrado no território imperial. Este aristocrata bizantino. deixou um império que nada tinha a invejar ao de Justiniano. Basílio II (963-1025). dez dias antes de Fócio ter sido destituído na sequência de uma revolução palaciana. ainda mais que. Fócio recupera momentaneamente o seu prestígio. a princesa de Kiev. A Bulgária. de 879 a 881. a Igreja grega começara a conduzirse como Igreja ortodoxa. vencedor dos árabes fatímidas . que não conseguira obter de Roma um patriarcado nacional. levando os Russos ao cristianismo: em 957. Constantinopla afirmou a sua autoridade espiritual. Restabelecido na sede patriarcal.) eram denunciadas em termos veementes. passa-se inteiramente para Bizâncio. mas o basileu tomou partido a favor de Fócio. mas a sua jurisdição espiritual chocava com a dos patriarcas orientais. Filioque. sobretudo quando souberam que os legados de Roma estavam a caminho de Constantinopla. viúva de Igor.. em carta de um bispo búlgaro a um bispo 111 italiano -.. Leão IX talvez tenha errado ao confiar a réplica ao cardeal Humberto. vai a Santa Sofia à hora do serviço solene e entrega o .. em 15 de Julho de 1054. pois a verdade é que. Despachado para Constantinopla. a ruptura entre Roma e o mundo bizantino tinha sido consumada. um metropolita instala-se em Kiev: o primeiro titular foi um grego. fortalecia pela "Renascença macedónia". Quando Miguel I Cerulário subiu ao trono patriarcal em 1043. por interposta pessoa . mas muitos incidentes revelaram a sua fragilidade. desde 1054. A criação do Sacro Império Romano-Germânico que renovava o gesto do ano de 800 .que. Vladimiro. assim. Nicolau. as quartas núpcias do imperador Leão VI opuseram a sede romana ao patriarca de Constantinopla. O novo patriarca julgou que não tinha obrigação de anunciar a sua eleição ao Papa. os laços entre Roma e Bizâncio eram dos mais tensos. concebeu o projecto de aliar os dois impérios cristãos (1052). o triste Bento IX. para rechaçar Normandos e Sarracenos do Sul da Itália. e enriquecidas pelos Búlgaros. cuja impulsividade e tom eram inadequados para sufocar o desprezo que Cerulário manifestava a respeito dos "Bárbaros do Ocidente". a união foi superficialmente salva. que a Rússia . acusou Roma no plano da liturgia: uso do pão ázimo. bagatelas. Os contactos entre russos e latinos eram quase inexistentes. Depois veio Leão IX . padres sem barbas. que considerava a tetragamia uma fornicação.. implanta definitivamente o Evangelho na Rússia kieviana: os seus delegados ficaram de tal forma maravilhados com as cerimónias religiosas de Bizâncio ("Nós já não sabíamos se estávamos no Céu se na Terra"). Foi nas traduções para eslavo dos tesouros literários e patrióticos. Cerulário Depois da morte de Fócio. Parece que Cerulário receou que a sua autoridade sofresse com essa iniciativa.um papa reformador . deixados por Cirilo e Metódio. aspirava à autocefalia. 2.a terceira Roma . que Vladimiro decidiu que o seu povo abraçaria o cristianismo bizantino.se alimentou espiritualmente. No começo do século X. o Místico.e a reforma prégregoriana conduzida num sentido centralizador haviam representado um golpe nas pretensões da Igreja bizantina que. Em 1039.bizantina receber o baptismo e seu neto. na acção mediadora das Igrejas orientais que permaneceram unidas a Roma ou que. que mandou queimar o texto de excomunhão na praça pública. Mas o silêncio que aumentaria com os anos tornou cada vez mais sensível um antagonismo que vários acontecimentos. sobretudo. orientais unidos. 3. Toda a Bizâncio tomou partido pelo seu patriarca. cerca de dez milhões de católicos para cento e setenta milhões de fiéis das Igrejas separadas. os 112 maronitas. Leão IX já tinha morrido havia três meses. a quem Alexandre IV deu um patriarca (Antioquia) em 1254. e as pequenas comunidades e unidades de rito bizantino. posteriormente. sírio. se iniciar um novo diálogo. iriam agravar: as Cruzadas. exasperaram o ódio dos gregos em relação aos latinos espalhados pelo Oriente. Ora. o gesto dos latinos voltou-se contra si próprios. Mas nós. Um ortodoxo ateniense geralmente ignora quase toda a riqueza espiritual da Igreja Católica. nos nossos dias. A intervenção mediadora do patriarca de Antioqua não obteve nenhum resultado. estamos na fronteira entre os dois mundos. não contarão com alguma adesão das populações do Império do Oriente. retoma todos os velhos motivos de queixa anti-romanos e afirma que a única Igreja ortodoxa era aquela que estava reunida em redor do basileu e do patriarca de Constantinopla. Um católico romano nem sempre tem consciência da perda que representa para a riqueza da Igreja o Cisma do Oriente. Nem Roma nem Bizâncio se aperceberam imediatamente da gravidade deste rasgão feito no manto sem costura da Igreja." E acrescentava: "Nós somos a ponte entre o . arménio. o legado não estava habilitado para realizar este gesto. de qualquer forma. Aliás. da Ucrânia e dos Estados Unidos.texto de uma sentença de excomunhão contra Cerulário. As aproximações oficiais registadas no século XIII (Concílio de Lião) e no século XV (Concílio de Florença) representarão apenas actos políticos sem continuidade e que.. caldeu e copta: ao todo. pelo menos em parte. se colocaram sob a sua obediência: os uniatas e os rutenos da Europa Central. consequentemente. uma esperança Se. ocorridos depois. Um padre uniata escreveria em 1963: "Nós somos as dolorosas testemunhas do cisma. Um escândalo.. Reunido um sínodo por sua iniciativa em 24 de Julho. convirá confiar. Entretanto. a sua acção beneficiou. da Anatólia e da Rússia sem contar as Igrejas copta e síria saídas de anteriores cismas . foi um dos filhos espirituais de Hildebrando." (1) Com efeito. Gebardo de Salzburgo. endureceram um pouco mais as posições dos ortodoxos. de facto. A partir de então. Quando o abade do monte Cassino se tornou papa com o nome de Vítor III. toda a bacia oriental e meridional do Mediterrâneo fica separada de Roma. da Bulgária. unidos pela sua ligação a Roma. tomando o nome de Urbano II. monge de Cluny e antigo legado em Itália. do T. Aliás. liturgia cuja sacralidade é mais manifesta e mais popular do que a nossa. nos . privados das riquezas exploradas pelos nossos irmãos do Oriente: vida mística intensa. Ivo de Chartres. Henrique IV estimulou a difusão na cristandade de libelos difamatórios para a memória de Gregório VII. Em meados do século XI. culto fervoroso do Espírito Santo e da Ressurreição. entre os canonistas e os polemistas. Anselmo 3e Luca.Oriente e o Ocidente.] 113 IV A JUVENTUDE DA EUROPA Capítulo I NAS PEGADAS DE GREGÓRIO VII 1. a maior parte da Sérvia. devido ao Islão e ao cisma. a Igreja romana passa a ser confundida. que sucedeu a Vítor III. temos estado. nos séculos XI e XII. preparação do segundo advento de Cristo. desde há dez séculos. era frequente acontecer que os imperadores tivessem um antipapa de reserva. Nota 1: Podemos afirmar também que os orientais. o francês Eudes de Châtillon.seguem caminho fora das águas romanas. da Grécia. julgou-se que a sua obra reformadora não lhe sobreviveria. como latinos. a partir de 1054. foi por vontade dos Normandos de Itália (1086): a falta de autoridade desse pontífice erudito beneficiou Henrique IV e o seu antipapa Clemente III Porque. [N. de uma viva corrente a favor das ideias gregorianas: Deusdefit. Manegoldo de Lautenbach e outros esclareceram vivamente. Urbano possuía a ciência e a firmeza de Gregório. com a Europa Ocidental ainda adolescente. A caminho do primeiro Concílio de Latrão Morto Gregório VII. da Roménia. De facto. sentido muito vivo da oração de adoração. contribuindo de forma poderosa na edificação da monarquia pontifícia. o segundo. condenando a investidura laica. O Papa Gelásio II (1118-1119) excomungou Henrique V que lhe opõe um fantoche. em 23 de Setembro de 1122. Henrique I.o Sacro Colégio . seu país natal. Ainda não tinha renovado as medidas anteriores.se associaria ao governo pontifício. Gregório VIII. entretanto. só que com menos segurança. recebe cuidados especiais do Papa: ele comparece para intervir nas divergências que opõem bispos e regulares. mesmo. por momentos. Anselmo . sucessor de Gelásio. cedeu a Henrique V. expulsando o arcebispo reformador de Cantuária. superioridade que podia ser exercida através de um controlo permanente e. o Papa excomunga o adúltero rei de França.segue as pegadas de Urbano II. o nicolaísmo e a investidura leiga. que o vigiava. inspirando um opúsculo saído em Liège. Filipe I. Pascoal. ele percorreu pessoalmente a Europa.onde se realiza o concílio da Primeira Cruzada -. o Concílio de Plaisence (1094) decreta o retorno às legações permanentes. numa Roma atacada pelos partidos alemães. resolveu acabar com esta querela que dividia a cristandade.seus escritos. decide que os filhos de padres seriam afastados das funções sacras e que o colégio dos cardeais . Calisto II (1119-1124). Calisto II. Urbano II manifestava um horror instintivo pelas depravações dos sentidos entre os clérigos. em Clermont (1095) . Sto. pela possibilidade de depor o soberano. o rei de Inglaterra. e o jovem imperador Henrique V faziam reviver a querela dos dois gládios: o primeiro.mais um monge de Cluny . a seus olhos obra de salvação pública. No Concílio de Melfi (1089). Pascoal II (1099-1118) . em que a tese germânica sobre a investidura se expressava com violência. a doutrina da superioridade do Papa sobre o imperador. Depois de longas conversações e baseando-se numa teoria do canonista Ivo de Chartres distinção entre a investidura espiritual e a investidura temporal -. assinou em Worms com Henrique V uma concordata que consagrava a . Durante muito tempo. em suma. 117 Modelado e penetrado pela ascese cluniacense.teólogo genial que aprofundou o mistério da Redenção no seu Cur Deus Homo -. Natural de Ravena. multiplicando os privilégios monásticos. mas os protestos do clã gregoriano obrigaram-no a retractar-se: morreu pouco depois. desmascarando a simonia. A França. obrigando o rei a renunciar à investidura pelo báculo e pelo anel. monárquica e colegial da Igreja romana. o imperador mantinha a sua autoridade propriamente feudal sobre o bispo eleito. libertos das sujeições feudais e eleitos pelo povo e pelo clero. Tanto os legados pontifícios como os concílios provinciais podiam aplicar com eficácia as disposições romanas: uma nova geração de pastores. devido ao absolutismo de Henrique I. Preocupados em pacificar e alargar o seu próprio domínio. tantos quantos no curso dos onze primeiros séculos da nossa era e mais do que do séculos XV ao século XX. a reforma gregoriana encontra mais obstáculos. e que protegiam contra as pilhagens dos senhores feudais. ao mesmo tempo. A assembleia de 1123 .facto significativo -. Mas também é verdade que as Igrejas orientais ortodoxas nunca mais participaram nos concílios. A Concordata de Worms exigia uma confirmação solene no plano eclesial: daí o I Concílio de Latrão que se realizou na igreja episcopal do Papa . em contrapartida. os primeiros Capetos . Quererá isto dizer que. a reforma gregoriana caminhava muito lentamente.Luís VI e.regiões profundamente desconjuntadas pelo regime feudal ou pelo particularismo das cidades -. de facto. filho do 119 Conquistador. de 10 de Março a 11 de Abril de 1123.renúncia do imperador à 118 investidura pelo báculo e pelo anel e registava a sua promessa de respeitar a liberdade das eleições pontifícias e episcopais. realizar-se-iam sete concílios "ecuménicos". A autoridade. sobretudo. após duzentos e cinquenta anos de lutas ou de anarquia. nas usurpações laicas e nas violações da Trégua de Deus. encheu os quadros da Igreja francesa. esta reforma tão solenemente aprovada tenha sido. na Alemanha e na Itália . ia poder afirmar-se: de 1123 a 1312. e à resistência feroz de uma parte do clero à . dos quais quatro em Latrão. a Igreja tinha alguns aliados mais seguros entre as jovens realezas de França e da Inglaterra.trezentos bispos e abades . votou vinte e cinco cânones que incidiram sobretudo na condenação da simonia. Luís VII . Sinal de um despertar da Igreja: tratava-se do primeiro concílio ecuménico (estilo romano) convocado desde 870.apoiavam-se nos clérigos e nos monges que cumulavam de doações e prebendas. nas profundezas da sociedade cristã.codificou e desenvolveu todo o trabalho de reforma iniciado no século XI. No reino anglo-normando. aplicada? Enquanto. não deixaram de ser testemunhas mudas de um Evangelho nunca suavizado. Bruno no fim do século XI num agreste e solitário ponto das montanhas de Grenoble. Não havia seminários e só um em cada cem clérigos frequentava as escolas. Em Espanha. mais numeroso e muito menos bem formado. nos primeiros anos do século XI.à qual o culto da Virgem não foi estranho . uma vasta classe de padres vinculados ao ministério paroquial. era profundamente cristã? 2. o . os cónegos de Latrão. Vítor em Paris. Em contrapartida. No século XII. na sua peugada. de Saint-Maurice de Agaune. de Grand-Saint-Bernard. deparamos com papas e bispos que lutam contra o adultério. sobretudo os premonstratenses. Os austeros cartuxos. Agostinho tinha compreendido desde há muito que só a "comunidade" poderia salvar o padre da mediocridade e da decadência. a "catequese" era empírica e a residência dos párocos não era um hábito. Estêvão) e Boleslau I. Windesheim na Holanda. cujos membros renunciavam à propriedade privada. Porém. perto de Laon. Uma sociedade cristã? O clero secular desse tempo era muito diferente do nosso. Norberto. falava-se muito de "amor cortês". Percorrendo as compilações canónicas dos numerosos concílios ou sínodos realizados no Ocidente durante o século XI. a rivalidade que opunha o arcebispo de Toledo ao de Compostela prejudicava o progresso da reforma e da Reconquista. papas e bispos favoreceram a constituição de "colégios de presbíteros". tinham conseguido fazer com que as suas Igrejas se desligassem do Império. fundados em 1120 por S. Era todo o povo feudal que a Igreja se esforçava por erguer ao nível do Evangelho. poderá dizer-se que a civilização ocidental. Agostinho: S. cujos fundadores. Os cónegos regulares estimularam. Estêvão I (Sto. 120 ao trabalho e ao poder.encontrou na Igreja uma aliada. já agrupava um milhar de comunidades. quaisquer que tenham sido os êxitos do papado. Assim se desenvolveram as sociedades de "cónegos regulares" inspiradas numa regra que se atribui a Sto. ao dinheiro. em 1230. A promoção da mulher . instalados por S. dava um sentido ao amor. no século XII. Sto. essa mensagem que.instauração do celibato eclesiástico. no século XII. verdadeiramente incorporada na vida. o papado encontrou um sólido apoio em dois jovens reinos cristãos: a Hungria e a Polónia. a seguir. Aliás. em Clermont (1094). Um sínodo de Narbona (1054) decide que seriam sagradas as datas litúrgicas do Advento. de que o suserano era depositário.até então uma casta de combatentes 121 a cavalo . Natal. Desde o século XI. Um dos fenómenos mais importantes da Idade Média foi a transformação da cavalaria . o jovem tomava um banho e passava a noite em oração: a espada estava pousada em cima do altar. Um concílio provincial em Elna (1027) interditou a guerra privada desde a tarde de sábado até à manhã de segunda-feira. já que as violências estavam excluídas pela promessa solene. sobretudo." O I Concílio de Latrão (1123) ameaçou com a excomunhão aqueles que roubassem os peregrinos. Da França. Quaresma e as festas da Virgem e dos Apóstolos.divórcio. No século XI. mas também respeito a Deus. que protegia os não-combatentes. inspirou o seguinte cânone: "Os monges. vícios que a violência feudal favorecia. no decurso da qual. a missa da manhã era seguida de um festim e. João VIII propôs aos senhores feudais que dirigissem o seu ardor bélico contra os infiéis.essência do sacramento . Urbano II. se elas forem atacadas de segunda a sexta-feira. depois. o rapto e a luxúria. a Alemanha e a Itália.de ritos solenes e expressivos. o jovem nobre devia fazer prova da sua força e destreza. a violação. estas instituições de paz passaram para a Espanha. na França Meridional. em 1041. os clérigos e as mulheres beneficiam todos os dias do benefício da paz de Deus. cuja violação era punida com pena de morte. desenvolveu-se um movimento a favor da paz que assumiu duas formas complementares: a Paz de Deus. Desde 878. através do repouso dominical e dos pobres. a ruptura dessa paz só é autorizada para as outras pessoas. e a Trégua de Deus. que limitava a guerra a certos dias. em Nice. A violência feudal atacava. os fracos. a interdição cobria quase toda a semana . os canonistas elaboraram nessa época a legislação sobre o casamento: a Igreja rodeia o pacto conjugal .num corpo privilegiado devotado a um ideal religioso. em presença do seu suserano e dos seus pares. mas. Respeito pela mulher. o . pelo menos habituaram os senhores feudais a resolver os seus litígios pela via do direito. impondo-se algumas sanções eclesiásticas sobre os contraventores. a Igreja intervém na cerimónia de armar os cavaleiros. embora não tenham conseguido pôr termo às guerras. como o uso da aliança e a bênção do leito nupcial.de quarta a segunda-feira. A arquitectura determina todas as outras formas de arte: é com a pedra. na história do mundo cristão ocidental. um S.jovem nobre. também ela benzida por um padre e. Seria absurdo afirmar que todos os cavaleiros foram fiéis a esse juramento e que as guerras da Idade Média se revelaram isentas de qualquer outro propósito. tirada do modelo evangélico. de uma poesia interior e de tanto equilíbrio psicológico. a maior parte das vezes. perante numerosa assistência. segundo uma vigorosa lógica) que o homem travou o seu diálogo com Deus. recebia a espada benzida com o talabarte. Enriquecida pelas experiências dos séculos anteriores.aquela que se espalha pela cristandade no século XII . Foi por intermédio da parede (construída num chão. ouvia o oficiante proclamar que era seu dever proteger especialmente os fracos.apanágio do verdadeiro cavaleiro -. a arquitectura românica . nunca mais se encontrará essa conjunção de uma técnica perfeita. em que os homens encontraram na sua fé o equilíbrio necessário para a produção das suas obras-primas. o homem se tornou senhor. de uma vida religiosa activa. serão as humildes e maravilhosas igrejas dos séculos XII ou XIII que definirão as etapas dessa viagem imaginária. e abster-se de toda a violência. cujo tranquilo esplendor atesta ter havido um tempo. não será isso pela sua longa tradição? Um Bayard. cobriam-no com a sua armadura. depois de ter recebido as insígnias do seu padrinho. Uma arte ao alcance do homem cristão Pegue num guia de uma das nossas províncias mais antigas e deixe-se perder voluntariamente numa estrada local desconhecida. mesmo assim. a técnica procede da adaptação de fórmulas inspiradas por Roma . finalmente. que a arte da Idade Média se exprime. ao mesmo tempo. Luís não teriam sido possíveis. tantas e tão perfeitas flores de 122 pedra. Nunca mais. o mais nobre material. os pobres. se o termo "cavalheiresco" permaneceu carregado de nobreza. se uma certa gentileza . de que. se talharam.rainha do . A História Geral encarregar-se-ia de desmentir tal ingenuidade. E essa viagem conduzirá inevitavelmente a alguma abadia ou catedral.beneficia de uma espantosa série de conquistas técnicas: a abóbada de pedra substitui decisivamente as vigas visíveis. as viúvas e os órfãos. não houvesse humanizado os cavaleiros herdeiros dos brutos Francos. Mas. 3. cúpulas sobre pendentes.. Uma arquitectura de possibilidades infinitas. sem nos sentirmos como que purificados das nossas manchas. a catedral. cujos santos com rostos de artesãos ladeiam monstros. Charroux. de miniaturistas anónimos.ou pelo Oriente Bizantino que era tributário da Pérsia e da Mesopotâmia. um povo que já não tinha de percorrer um demorado caminho para encontrar Deus. o reflexo de uma contemplação. Nunca a pedra construída e a pedra esculpida tiveram relações tão íntimas! E nós.. S. Tournus. filas de cúpulas. o cómico quotidiano."grande aparelho" . a quem um povo inteiro emprestava 123 as suas mãos. A igreja. paróquias e igrejas. que valoriza a mais exuberante escultura. abóbadas em semicírculo.e esta lista nem sequer é um resumo da arte românica . bispos e abades -. o feudalismo permitiu a multiplicação de aldeias. o Românico. as lutas feudais.príncipes.. em que as flores se perdem em arabescos abstractos. Albano. Bento. Sto. embora se tenha podido difundir sobretudo na França dos Capetos . semeadas de igrejas) a arte românica. onde se misturam a Bíblia. de pintores. a tocante tragédia humana. soma das artes do tempo. desenvolve-se com uma extrema diversidade: esta arte universalista e humanista é também uma arte flexível que extrai a sua seiva em todos os territórios e recebe as ideias que viajavam mais livremente na jovem Europa: abóbadas em forma de berço aplicadas a volumes alongados. abóbadas de arestas sobre compartimentos isolados. um povo no qual o gosto pelo maravilhoso e pela crendice se misturavam com um sentido do sobrenatural incentivado pela prática dos . que pertencemos à geração dos prefabricados e dos buildings medonhos. de pedreiros. Alargando a sua estrutura.. abóbadas em semicúpula nas ábsides. tornou-se a verdadeira casa do povo. Hildesheim. nunca enfrentamos Moissac. Montmajour. embora as estradas. a vinha. Arte de Igreja e de cristandade: porque (embora tenha sido encorajada pelos poderosos . tivessem sido.e. Arte de sábios. Embora a arquitectura românica se baseie numa relação vigorosa das forças e das formas.sem um sentimento de inferioridade. foi essencialmente uma arte monástica. de arquitectos. nunca seremos capazes de entrar numa dessas igrejas frescas como um celeiro e puras como a noite. naturalmente.o país mais bem organizado do Ocidente . que se abriam aos peregrinos de Compostela ou às Cruzadas. Viterbo ou Ripoll . o pão. e numerosas foram as vilas e as cidades que se formaram em redor de um prior ou de uma abadia de beneditinos ou de cistercienses! Nos confins do Ocidente. cujas crónicas e poesias revelam os seus vícios. porque a complexa sociedade feudal tinha considerado todos os leigos prisioneiros dos latifúndios e. aí se encontravam instalados. o servo estava. pela sequência litúrgica do calendário. Nos púlpitos de Bréscia. na primeira metade do século XII . é verdade. que revelou aquilo que tornou transcendente uma civilização: a fé. ele reclamava a supressão de toda a propriedade eclesiástica e gritava contra os padres dissolutos e os bispos ávidos de bens. se adaptaram à vida sedentária na grande bacia do Danúbio. a influência do mosteiro ao qual. É evidente que Anoncefaite à Marie não é uma página de história da Idade Média. O povo cristão vivia rodeado por um clero secular próximo dele. Algumas seitas de "pobres" intransigentes. os clérigos enriquecidos ao longo de sete séculos de doações e prebendas. Mas esse poder espiritual da Igreja não seria um germe de riqueza temporal? 124 Capítulo II UMA DIFICULDADE: A POBREZA 1. mas sofria. muitas vezes. mesmo.sacramentos. sobretudo. como na Idade Média. o pai de Violaine e de Anne Vercors. os cristãos sempre desejaram intimamente que os seus pastores vivessem. mas. Se os Húngaros. o enraizamento cristão era fruto da implantação monástica." Ao longo de todos os tempos. por exemplo. foi em grande parte devido aos noventa e cinco mosteiros que. Os "pobres" que recalcitram "O Filho do homem não tem onde repousar a cabeça. A vida monástica difundia-se em todo o Ocidente. mas a intuição de Claudel. com toda a verdade. mais ou menos bem conservada e protegida pelo clero. Mas nunca. de Zurique e. a palavra do Mestre. Durante mais de quarenta anos. mais ainda. subordinado. virulentas e. o problema da pobreza eclesiástica despertou tanta paixão. Arnaldo.depois de um Tanchelin e de um Pedro de Bruys -. . pela realização de cerimónias à maneira romana. de Roma. proliferaram numa Europa mais ou menos cristianizada. com frequência. insólitas. no fim do século XII. ecoaram na Europa as maldições de um padre de Bréscia. dessa Idade Média. de Paris. foi dizimada ou. no início do século xm. a que aderirão em 1532. onde ainda possui dezasseis paróquias. Pelo seu biblicismo absoluto. confundiu-se com movimentos semelhantes. depois de ter posto as suas duas filhas num mosteiro. da missa e da confissão auricular e pelo sacerdócio dos leigos. que terminou em dissidência. mas a maioria dos conventículos dos humilhados foram recuperados pela Igreja. Esta seita foi excomungada em 1184. se tinha deixado impressionar com as palavras de Sto. dizia-se que. Arnaldo de Bréscia foi entregue por Adriano IV ao 125 braço secular e decapitado. em 1176. mas continentes. austeras e correctas. cujo nome lhe adveio de um rico comerciante lionês. sequazes de Vacário. pela rejeição do culto dos santos.quando acusou o austero Papa cisterciense Eugênio III "de engordar o corpo e encher a sua bolsa". eram violentamente anticlericais e rejeitavam todos os actos exteriores de culto. saindo da longa letargia feudal. De facto.mesmo as já enterradas há séculos . Pierre Valdo (falecido em 1217). O seu ideal era o retorno à Igreja primitiva. As velhas ideias gnósticas e maniqueístas. ultrapassou as medidas. Mais revolucionário. os "humiliatas ou humilhados". como em Espanha. Deixava alguns discípulos. como o anabaptismo. foi o movimento valdense. Os "humilhados" eram pessoas casadas. Mas a sua hierarquia de "perfeitos" ou apóstolos. os "lombardos". Alguns deles.ressurgiram e se puseram em marcha. implantou-se nos vales piemonteses. aparentava-se com o movimento neomaniqueísta dos cátaros. Noutros territórios. também as ideias . superiores aos amigos. que tinham no trabalho da lã o seu único meio de subsistência. via animarem-se novamente os caminhos da terra e do mar que conduziam ao Oriente. como no Norte da Europa. reforçadas pelas doutrinas . ao Mediterrâneo ou ao Báltico. incluindo os sacramentos. os valdenses preparavam o caminho ao protestantismo. a partir do século XIII. nesse século XII. pobre voluntário que. abandonou tudo. de quem se sabe pouca coisa. em que a Europa. Aleixo. que surgiram nessa Lombardia mercantil rica e. vestidas com uma simples túnica cinzenta. Tendo aceitado ser o chefe do município de Roma. que talvez se tenham confundido com outros "pobres". mas. e integrados nas sociedades religiosas. no decurso de uma grande fome. arrastando consigo para uma vida de absoluta pobreza homens e mulheres que passaram a ser chamados os "Pobres de Lião". simultaneamente. obcecada pela pobreza evangélica. anti-sacerdotais 126 e anti-sacramentais, retomaram o seu vigor em contacto com a jovem Europa. O Império Bizantino, desde o século X, tinha conhecido os bogomilos e os paulicianos que professavam um dualismo mitigado: a existência eterna de um Deus reinando sobre um universo espiritual e cujo filho revoltado, Satanael, teria sido o criador do mundo material e do homem. Os ensinamentos dos bogomilos chegaram à Bósnia, à Albânia e, depois, à Lombardia, uma grande encruzilhada de caminhos; mas, a partir daí, pelos desfiladeiros alpinos, estendeu-se ao longo das planícies provençais e languedócias, onde os senhores feudais - sobretudo o conde de Toulouse -, tinham permanecido fora do império capeto e o clero estava menos preparado para lutar contra as doutrinas heterodoxas. Como a cidade de Albi parece ter sido o centro da zona de influência dos cátaros, os seguidores da seita ficaram conhecidos como albigenses. A doutrina albigense, sincrética, de inspiração maniqueísta e gnóstica, baseava-se no dualismo de Deus, na rejeição de uma Igreja corrompida desde "a doação de Constantino", na distinção entre, por um lado, uma minoria de "perfeitos", ascetas e missionários e, por outro, uma massa de fiéis que não estavam sujeitos a qualquer código moral definido, mas que, à beira da morte deveriam, para ser salvos, receber o consolamentum, uma espécie de sacramento. Uma doutrina simples, um clero edificante e persuasivo, uma moral sem dificuldades e ainda mais atraente, já que lançava a dúvida sobre a legitimidade do direito de propriedade: eis o que explica o progresso do catarismo junto do povo humilde numa época marcada por um desejo de renovação religiosa. Além disso, as pessoas da Idade Média eram naturalmente dualistas na expressão do seu pensamento; viviam na obsessão do Diabo e a sua concepção do Mundo era espontaneamente pessimista. Para os capetíngios e para o Norte da França, a França Meridional era uma espécie de província perdida que era preciso recuperar a todo o custo. Para a Igreja, o catarismo ameaçava fazer desaparecer radicalmente o cristianismo numa das mais antigas terras cristãs; talvez abusivamente, acusava os cátaros de ameaçarem a ordem social e a hierarquia feudal. Quando, junto dos "hereges", fracassaram os esforços dos cistercienses 127 e do próprio Domingos de Gusmão; quando foi massacrado um legado pontifício (1208)/ Pedro de Castelnau, uma hedionda cruzada, conduzida por Simão de Montfort, arrasou o Sul da França, desde Béziers até Marmande; e foi o Capeto quem mais lucrou com ela. A Igreja, se quis extirpar a heresia, teve de recorrer à Inquisição que, sendo inicialmente apenas um processo de averiguações, tomou, sob Lúcio III (1184), uma forma mais precisa: de futuro, os hereges obstinados podiam ser entregues pelos juizes da Igreja à autoridade secular, mas apenas no século XIII, quando uma severa inquisição monástica foi instituída pela Santa Sé com a ajuda das ordens mendicantes, a expressão "braço secular" e a condenação à morte na fogueira passaram a figurar na legislação e no vocabulário inquisitoriais. Quantos mortos fez a Inquisição? É difícil determinar, mas, embora esse número de mortos pareça demasiado elevado aos nossos olhos de homens do século XXI, a História deve registar o facto de a Inquisição ter sido a arma de uma sociedade essencialmente religiosa que não admitia a dissidência voluntária. Seja como for, no começo do século XIV, o catarismo já tinha desaparecido. 2. Bernardo ou a pobreza fecunda Todas as seitas tinham proliferado no silêncio dos clérigos e dos monges, no grande silêncio de Cluny, porque o imobilismo tinha substituído a revolução cluniacense. Os monges negros já não ofereciam à sociedade os dois princípios que eram a sua razão de ser: o trabalho e o ensino. As doações, de que os mosteiros tinham beneficiado, pouco a pouco foram habituando os religiosos a abandonar o trabalho manual, deixando-o à família monástica, composta por servos, colonos e rendeiros. Por outro lado, o ensino monástico, tão do agrado de Carlos Magno, foi negligenciado: no século XII, a abadia-mãe de Cluny, com trezentos monges, ensinava apenas seis crianças-oblatas. O monaquismo - na sua origem um refúgio de leigos - clericalizava-se; a atracção por uma vida tranquila, acolhedora, ao abrigo dos ventos frios do feudalismo, substituía a vocação de muitos monges. 128 A pretexto de que S. Bento previra certas "pitanças" extraordinárias/ reforçava-se a ementa; os monges-ecónomos apropriavam-se de rendas, enquanto os abades levavam uma vida faustosa. Quando a Europa se abriu ao comércio e aos progressos técnicos, quando a propriedade fundiária perdeu a sua preponderância em favor das cidades, os monges que viviam nos campos mostraram-se exigentes em relação aos seus arrendatários em matéria de rendas e a sua impopularidade agravou-se, pelo facto de os bispos considerarem que esses "isentos" eram perigosos concorrentes. Então, para ocupar, na casa de Dama Pobreza, o lugar dos monges negros avançaram os beneditinos vestidos de branco, conduzidos pelo borgonhês Bernardo de Fontaines. Este jovem, cujas incríveis austeridades nunca estragaram a sua beleza, estava literalmente devorado pelo zelo da casa de Deus: na Primavera de 1112, apresentou-se, na companhia de trinta jovens nobres, à porta do mosteiro de Cister, situado numa clareira da imensa floresta borgonhesa. O mosteiro de Cister, fundado por Roberto de Molesmes, em 1098, era a nudez absoluta; Bernardo mergulhou ali como num banho de purificação. A regra cisterciense - carta caritatis, a constituição da caridade, que nome belíssimo! - convinha-lhe às mil maravilhas, dedicando-se à pobreza completa, à verdadeira solidão, aos trabalhos agrícolas e a uma sobriedade que se evidenciava mesmo na oração coral e nas cerimónias litúrgicas. A partir de 1115, o abade encarrega Bernardo de fundar Claraval, na nascente do Alba: eclipsando a abadia-mãe, Claraval irá tornar-se o centro vivo da ordem cisterciense que atrairá nobres e camponeses, clérigos e plebeus, e se espalhará não só em França, mas também fora dela, a ponto de, nos finais do século XII, se contarem já quinhentas e vinte e cinco abadias cistercienses. Durante dez anos, o estudo, a doença, a penitência e a condução dos monges preparam Bernardo para o papel de "coluna da Igreja", que ele desempenhará, desde 1130 até à sua morte, em 1153. A sua santidade, o entusiasmo do seu zelo, o fogo da sua palavra e dos seus escritos difundem-se por toda a cristandade. Aos chefes de seitas, como Arnaldo de Bréscia, que pretendem criar uma Igreja pura sem a Igreja, ele chama-os 129 a uma Igreja unida. Trabalha no sentido de pôr termo ao cisma que se segue à morte de Honório II (1130); apesar de ser conselheiro de um monge de Claraval que se tornaria o papa Eugênio III, não deixa de, nas obras que lhe dedica, denunciar com veemência os abusos da corte de Roma, porque, para ele, o ministério da Igreja existe para servir e não para dominar. Bernardo é o indiscutível pregador da Segunda Cruzada, em Vézelay e nas cidades renanas; o árbitro das eleições episcopais, dos processos entre as abadias, das discussões entre os príncipes; tanto o crítico da decadência monástica como também o cantor da Virgem e da humanidade de Cristo, e ainda o comentador inspirado do Cântico dos Cânticos. O eterno doente foi a alma de um século de ferro e foi a voz dos pobres num século ávido de novas riquezas. Era assim que interpelava os prelados do seu tempo: "Os que estão nus gritam! Os que têm fome gritam e perguntam-vos: "Dizei-nos, pontífices, que está a fazer todo esse oiro no freio dos vossos cavalos? Quando o frio e a fome nos atormentam, que fazem essas vestes metidas nos armários ou cuidadosamente dobradas em alforges? São nossos os bens que dissipais; e o que gastais em vaidades foi-nos cruelmente roubado!"" Só os grandes contemplativos são capazes de semelhantes audácias. E, no entanto, o lúcido Bernardo permaneceu sempre filho apaixonado da Santa Madre Igreja. Se a Europa deve muito a Bernardo, deve também muito aos seus monges: em trinta e cinco anos, Bernardo fundou sessenta e nove abadias que, por seu turno, se espalharam de maneira que, dos trezentos e quarenta e cinco mosteiros cistercienses que existiam à data da sua morte, cento e sessenta e sete estavam dependentes de Claraval, repartidos por doze países. A regra cisterciense, que era a de S. Bento compreendida na sua literalidade, estabelecia que os monges não poderiam aceitar nem domínios nem benefícios nem servos nem dízimos e que viveriam do trabalho das terras incultas que lhes fossem entregues e que eles próprios deveriam cultivar. Para evitar a dispersão dos monges em pequenos priorados isolados em terras distantes, a ordem cria "granjas", zonas de exploração situadas a um dia de marcha da abadia: as terras eram trabalhadas por irmãos-conversos que, aos sábados, regressavam à comunidade. 130 podemos considerar os cistercienses os primeiros agricultores do século XII em França, nos Países Baixos, na Península Ibérica, na Alemanha e, até, nos postos avançados da cristandade, entre os Eslavos ou face aos Mouros. Além disso, a Ordem de Cister impôs um estilo arquitectónico bem tipificado, caracterizado por uma clara austeridade. As igrejas cistercienses, simples nas formas, mas admiravelmente proporcionadas, têm apenas uma nave, mas um amplo transepto. O conjunto é nobre e harmoniza-se eficazmente com as linhas sóbrias do mosteiro. Em boa hora os monges arquitectos adoptaram a ogiva, cuja difusão na Europa parece ser-lhes parcialmente atribuída. Por isso, ainda hoje podemos encontrar em França muitos desses lugares de isolamento e de paz: Pontigny, Bonport, Obazine, Font-froide, Sénanque e essa Escale-Dieu, cujo duplo nome evoca não sabemos que inimaginável asilo, alguma etapa para a Jerusalém celeste com que sonhavam os séculos das Cruzadas. 131 Capítulo III A NOSTALGIA DO ORIENTE 1. Rumo a ti, Jerusalém.,. Na origem do movimento das Cruzadas - que foram, ao longo de dois séculos, um dos grandes "pensamentos" do papado esteve a prática cristã da peregrinação ao túmulo de Cristo, feita em condições muito violentas, num espírito de sacrifício e de purificação, porque, desde o ano 1000, a esperança no regresso de Cristo a Jerusalém reforçava no espírito de muita gente o desejo de a salvar. Pouco a pouco, foi crescendo no Ocidente a ideia de uma guerra santa contra os Muçulmanos. Não que os Turcos, senhores da Cidade Santa depois dos Árabes (1080), se mostrassem muito menos tolerantes para com os peregrinos cristãos, mas porque o islamismo era o Anticristo. Aliás, desde que o basileu Romano IV Diógenes tinha sido esmagado por Alp Arslan, em Mantzikert (1071), entregando aos Turcos toda a Ásia Menor, o papado sentia a necessidade de se defender do lado do Oriente. Alexandre II e Gregório VII já tinham actuado contra os Mouros de Espanha, prometendo, em bulas, grandes favores espirituais aos senhores feudais aragoneses, catalães, franceses, italianos e normandos da Sicília, que iniciaram a Reconquista, celebrada em toda a cristandade, pela tomada de Barbastro (1065). Em 1074, Gregório VII parece ter manifestado o desejo de assumir a liderança 133 de uma cruzada ao Oriente, projecto sem conclusão imediata, mas que habituou os espíritos à ideia de uma reconquista cristã pela guerra, dirigida por Roma, e do estabelecimento de um reino de Deus, de que o Papa seria o soberano. Isso representou uma evolução capital da mentalidade ocidental, até então estranha à aliança entre a Igreja e as armas. Quando Urbano II, em 1095, no decorrer de uma das suas viagens por França, reuniu o Concílio de Clermont, a ideia da cruzada já estava madura. Quem seria o chefe da santa expedição? O imperador Henrique IV e o rei de França, Filipe I, estavam excomungados; Guilherme, o Ruivo, de Inglaterra não tinha ainda reconhecido oficialmente o Papa e este, não podendo contar com nenhum dos grandes príncipes cristãos, convida directamente os cristãos com vocação militar para partirem para Jerusalém: o seu sinal de união seria a cruz (27 de Novembro de 1095); o bispo de Puy, Ademar de Monteil, foi designado para representar o Papa na chefia dos cruzados. Formaram-se quatro exércitos que foram alimentados pelo feudalismo ocidental, mas sobretudo pela cavalaria francesa. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se uma cruzada popular conduzida por um monge da Picardia, Pedro, o Eremita, que explorou certamente as tendências populares para a escatologia popular e para a parúsia imediata; essa multidão ardente e miserável, inicialmente saudada com admiração e, depois, hostilizada pelas populações, foi dizimada pelos Turcos na Ásia Menor. Em Julho de 1099, Jerusalém caía nas mãos dos cruzados e tornava-se, a partir de 1100, a capital de um reino latino que, com o principado de Antioquia, o condado de Edessa e o condado de Trípoli, formaria uma espécie de confederação com ligações bastante frouxas; a ideia da formação de um Estadovassalo da Santa Sé foi rapidamente abandonada. Durante dois séculos, esses principados - aos quais se juntaram Chipre e a Pequena Arménia - mantiveram nas costas do Mediterrâneo, desde a Cilicia até Gaza, uma civilização latina e feudal com os seus castelos e as suas igrejas, as suas dissensões e a sua grandeza. Mas tal dominação, esporádica, foi efémera. 134 2. Uma instituição permanente destinada ao fracasso Durante muito tempo falou-se de oito cruzadas: uma forma cómoda para designar essas "viagens gerais", as mais marcantes das quais foram as de Luís VII (1148), a de Filipe Augusto e Ricardo I, Coração de Leão (1191), e as de S. Luís (1249 e 1268), sem contar a estranha "IV Cruzada", que se entregou ao "saque" de Constantinopla. Aliás, a ideia de cruzada sobreviveu por vários séculos, depois da tomada de Acre pelos Turcos (1291). Nos séculos XV, XVI e XVII, os papas ainda lançaram, sem grande sucesso, os cristãos contra os Turcos, como também estenderam a indulgência da cruzada aos Teutões que defendiam as cristandades da Prússia e da Livónia contra os pagãos bálticos, aos Húngaros atacados foram caindo os principados franceses da Palestina. e também um nome. esperando estender-se em direcção a Roma. No plano temporal foi um fracasso: o mundo turco tornou a fechar-se nos Lugares Santos. aos partidários de Carlos de Anjou. Tais vagas tinham as suas pausas. Para assegurar a protecção constante dos cristãos e o acolhimento dos peregrinos pobres. a cruzada foi uma instituição permanente: a cada passo. até mesmo. até Constantinopla e até ao Danúbio. pelo rei de Aragão. e também os . santuários. espoliado. o dos Francos. da Síria e de Chipre. confundido com cristãos. Sabemos quais os benefícios temporais que o Ocidente especialmente para as cidades marítimas italianas. o passivo era bastante pesado. quando os Bizantinos recuperaram o efémero império latino de Constantinopla (1261). que foram as mais célebres. O Ocidente deixava lá monumentos.obteve em dois séculos de intercâmbio entre um Ocidente em pleno despertar e um Oriente de costumes mais apurados e de riquezas muito variadas. ela que foi a sua principal instigadora? Quando. dispostos a ajudar os Francos do Oriente. Filipe Augusto e Ricardo de Inglaterra (que foram lobos um do outro). elas haveriam de se dobrar.pelos Mongóis. um por um. Nos séculos XII e XIII. em 1285. e cujo prestígio no Médio Oriente iria sobreviver a todas as humilhações e culpas. patriarcados latinos ou uniatas.e os cavaleiros de Malta ainda existem para testemunhar isso mesmo . E que haverá de mais paradoxal do que ver marinheiros venezianos a abastecer de escravos brancos da Europa Oriental os Muçulmanos que os seus irmãos cristãos combatiam?! 135 Que proveito tirou a Igreja das Cruzadas. A longo prazo. aliás esqueléticos . João de Jerusalém (mais tarde de Rodes e depois de Malta). sob os golpes dos Turcos. de onde emergiram durante algum tempo o ducado francês de Atenas e a Moreia franca. Mas cristãos eram também o maquiavélico Frederico II. mas também elevariam . os barões tomavam a cruz. como Pisa e Veneza. sob o peso das riquezas acumuladas. como os Templários.excepto os maronitas -. fundaram-se algumas ordens de monges-soldados. aos adversários dos Albigenses e dos Hussitas e. mas logo se apossavam das ligações douradas do Jardim no Oronte. mas a História desconfia sempre deste tipo de balanço. sobretudo . como os Cavaleiros do Templo (Templários) e a ordem hospitalar de S. alguns como verdadeiros peregrinos e outros como conquistadores.o ideal da cavalaria. e esses mesmos Francos que. se aliou aos Turcos contra Lascaris. lhes fossem devolvidas. Mas essas práticas não chegaram a manchar o prestígio do . A partir daí. os latinos agiram como em terra conquistada: instalaram-se no Oriente os quadros feudais e eclesiásticos do Ocidente. provocado pelas Cruzadas. quando Henrique da Flandres. todo 136 o Oriente cristão explodiu e. se incrustaram nas ruínas dos impérios cristãos. Roma passou a ser. podemos lamentar o facto de as Cruzadas terem dado lugar à fiscalidade pontifícia: para financiar as longínquas expedições. foi Constantinopla o ponto de convergência dos quatro primeiros exércitos de cruzados. mas Antioquia foi simplesmente considerada pelo normando Boemondo de Tarento sua presa pessoal. manifestaram tendência para conceder a indulgência àqueles que contribuíam com donativos para as Cruzadas. Quando o conde da Flandres e do Hainaut foi colocado no trono do basileu e o veneziano Tomás Morosini na sede patriarcal de Constantinopla (1204). a partir daí. depois de massacrarem e violarem durante três dias. Por outro lado. como certos historiadores. havia inicialmente solicitado a intervenção dos barões ocidentais e. em 1097. que a cristandade ocidental saiu mais unida e mais fortalecida das Cruzadas? Isso é discutível. colocaram uma prostituta no trono do patriarca em Constantinopla. sem escrúpulos. o agravamento. e ainda os Normandos que massacraram os Tessalonicenses. mas que houvessem pertencido aos Bizantinos. do cisma entre Roma e as Igrejas orientais. segundo imperador latino. a vergonhosa protectora de senhores feudais sem princípios e de mercadores sem fé. que fundara o império grego de Niceia (1211). Embora muitos cristãos ficassem com saudade dos Lugares Santos. os papas criaram taxas sobre as rendas eclesiásticas. aos olhos dos ortodoxos. os senhores feudais deviam pagar ou comprar a sua ausência de cada cruzada. Assim foi com Niceia. Apesar de a boa-fé dos papas permanecer intacta. poder-se-á afirmar. É aqui que atingimos a chaga secreta e viva.genoveses e os venezianos que. em 1204. aliás. Foi acordado que as cidades tomadas aos Turcos pelos cruzados. Seria preciso esperar sete séculos para ver um Papa e um Patriarca de Constantinopla abraçarem-se nos mesmos lugares em que se tinham desenrolado as Cruzadas. Bizâncio ameaçada. outros só sentiam a falta do clima de gozo que viveram no Oriente. Em todos os países do Ocidente e também no Oriente latino. Foi S." Os trinta cânones do 139 concílio limitaram-se a retomar as decisões dos concílios não "ecuménicos" realizados desde 1123 contra a usura. O primado de Inocêncio II na Europa foi também assinalado pela intervenção do Papa na escolha dos soberanos em casos de contestação. Com as mãos livres. Pelo contrário. a simonía. ao abrir o II Concílio de Latrão (Abril de 1139). do imperador Lotário III e. Na presença de várias centenas de prelados. em 1138. depois. onde o candidato romano Conrado (III) de Hohenstaufen foi preferido . com diligências pessoais. infinitamente superiores e cuja eleição era mais ajustada. era impossível resolver a questão.. O corpo de Honório não tinha ainda arrefecido e já as duas famílias inimigas provocavam uma crise religiosa de tal ordem que a obra de Gregório VII e dos seus sucessores parecia estar em perigo. Uma dupla eleição teve lugar em 14 de Fevereiro de 1130: os Frangipani elegeram Inocêncio II e os seus adversários escolheram Anacleto II. Bernardo . cujos méritos pessoais eram. Assim aconteceu na Alemanha. o papado assegurava então o comando único do Ocidente. Mas o "cisma de Anacleto" apenas se extinguiu com a morte de Anacleto II. Como não tinha sido adoptado o procedimento fixado por Nicolau II em 1059. à obediência a Inocêncio II.verdadeiro árbitro da Europa quem conseguiu a adesão do Capeto. os legados pontifícios asseguraram a aplicação das actas conciliares. pronunciou estas palavras reveladoras: "Vós sabeis que Roma é a cabeça do Mundo.papado. 137 Capítulo IV O TRIUNFO DE ROMA 1. o nicolaísmo. Quando Roma toma Claraval como referência Quando Honório II morreu (1130). a seus olhos. da Inglaterra. Roma estava dividida em duas facções: Frangipani e Pierleoni opunham-se no próprio seio do Sacro Colégio. Inocêncio pôde fazer avançar as ideias gregorianas e fortificar a centralização pontifícia.. da Itália e da Sicília. humilhado definitivamente o imperador. E o autor sonha com uma cúria romana organizada à maneira de um convento cisterciense. Por isso. Frederico. Praesis ut prosis. Bernardo: foi Eugênio III que levou Luís a empreender a Segunda Cruzada proclamada em Vézelay por Bernardo (1146). Atrás de Eugênio III está Bernardo. onde reina o maleável Luís VII. assegurando sempre a sua autoridade na Alemanha. abade de São Dinis. cujo tratado De Consideratione é um verdadeiro manual para uso dos papas. se tivessem 140 sido seguidos.que faria canonizar em 1165 pelo "seu" papa Pascoal III -.a Henrique da Baviera (1138) e também na Inglaterra. Um facto sintomático: o principal conselheiro do rei de França foi um monge. o Papa é senhor. em 1153. non ut imperes ("És chefe para servir e não para mandar"): esta admirável sentença foi endereçada por Bernardo a Eugênio III e. um canonista toscano. Na mesma época. O mesmo domínio sobre o temporal ocorreu sob o reinado de um dos discípulos de S. compreende-se bem que a História tenha mantido Bernardo entre o número dos reformadores que. 2. com S. sob o nome de "Decreto de Graciano". Bernardo. o camaldulense Graciano. o legado pontifício apoiou os direitos de Matilde contra Estêvão de Blois. na sua pessoa. o monge cisterciense Bernardo de Paganelli tornado Eugênio III (1145-1153). Tomando a sério o título de imperador romano. pretende ser o senhor efectivo de Roma e das ricas cidades do Norte de Itália. Em França. a todos os seus sucessores. centralização excessiva no domínio judiciário e usurpação de cargos puramente administrativos. se iria tornar a mais importante colectânea canónica sistemática da Idade Média: essa enorme e inteligente compilação foi colocada ao serviço da supremacia romana. conhecido como o "Barba-Ruiva". teriam evitado à Igreja as humilhações e as defecções dos séculos que se seguiram. depois da morte de Henrique I. Barba-Ruiva ou o Império humilhado Eugênio III e Bernardo morrem ambos. Frederico I de Hohenstaufen. Desde . Ora. aspira ao dominium munâi. o abade de Claraval denuncia aí os abusos nascidos da organização da monarquia pontifícia: luxo e cupidez dos clérigos da corte. do governo sacerdotal. publicou a Concórdia Discordantium Canonum que. a coroa imperial acaba de ser entregue a um vurtemburguês de trinta anos. Herdeiro de Carlos Magno . com seis semanas de intervalo. Suger. onde. mas este acto diplomático não consagrava juridicamente a predominância pontifícia. em Sens. Alexandre III acabou por vencer o imperador que. De entre os vinte e sete cânones do III Concílio de Latrão. [N. Apoiando-se nas poderosas cidades lombardas unidas contra os devastadores tedeschi (1) de Barba-Ruiva. sob o nome de Alexandre III. Tratava-se de pôr termo às ameaças de cisma e ao desregramento da cooptação: de futuro. seria para Barba-Ruiva um adversário de peso. o Concílio condena de novo o nico-laísmo. O duelo que opusera Henrique IV a Gregório VII retomava-se entretanto. onde viveu até 1165. quanto à direcção da cristandade. em Legano. ao retomar vigorosamente nas suas mãos as rédeas da cristandade. Inglaterra. Frederico opõe logo Octaviano de Monticello. seria eleito o cardeal que reunisse uma maioria de dois terços dos votos. quando. A paz de Veneza (1177) pôs termo ao cisma. cuja autoridade soberana foi reconhecida pelo concílio. que ele livra de Arnaldo de Bréscia e faz coroar em 1155. talvez ainda com mais determinação. Alexandre III convocou o XI Concílio Ecuménico (estilo romano). devendo o eleito da minoria desistir imediatamente sob pena de sanções.a eleição dos papas. A Alexandre III. tendo regressado a Itália para dirigir a luta contra o imperador que. No essencial. que se realizou em Latrão. Então. a seguir. depois da morte de Vítor IV (1164). do T. Espanha e Portugal. chamado Vítor IV. era um duelo muito mais duro porque os interesses materiais e o poder temporal do papado eram mais importantes do que no século XI. em 1159. lhe opôs Pascoal III (falecido em 1168) e. a simonia e a usura. os "dois gládios" se levantaram de novo um contra o outro. Calisto III (falecido em 1178). pois "os . que instala em Roma. o mais célebre é aquele que estabelece e ainda está em vigor . entre 5 e 22 de Março de 1179. e codifica certas instituições de paz. recolocando Frederico sob a obediência de Alexandre. o único Papa inglês da História. em 29 de Maio de 1176. ascendia ao trono pontifício o enérgico Rolando Bandinelli que.logo se mostrou aliado do papa Adriano IV (1154-1159).] 141 pelas milícias urbanas e pelas tropas pontifícias. Alexandre teve de se refugiar em França. só que com outros protagonistas: agora. reconhecido pela França. Além disso. foi esmagado Nota 1: Alemães. sobretudo a Trégua de Deus. depositava-se confiança no Papa. Mas rapidamente. ou seja. Tanto mais que. como declarou no discurso inaugural do Concílio o bispo de Assis. onde Alexandre III assumiu a causa do primaz da Inglaterra e condenou as decisões de Clarendon. na reunião de Clarendon (1164). A luta gigantesca que. considerando que um bispo não podia ser. pretendia proteger a liberdade do homem. "Becket ou a honra de Deus" A autoridade do Papa teve muitas ocasiões de ser exercida no Ocidente.muitas vezes inspirados. ameaçado de prisão. Renunciou à chancelaria.deram um vocabulário e um estilo àquilo que um historiador designou com felicidade de "empirismo centralizado" característico do governo pontifício. refugiou-se em França. por um agudo sentido de justiça . o seu Liber censuum ou livro de contas. ministro do rei e pastor da Igreja. Revelando grandes talentos. desde 1162 a 1170. o rei provoca a ascensão de Tomás a primaz de Cantuária. esperando poder controlar mais eficazmente as manobras da Igreja inglesa. Receoso das ameaças do Papa. Tomás deu aos seus clérigos e ao seu povo o exemplo de uma vida verdadeiramente evangélica. sob Alexandre III. Mais do que um teólogo. esse abandono provocou a fúria do rei. durante trinta e sete anos.já tornava pesada a burocracia romana. abandonando o seu estatuto real. mantendo a sua autonomia. ao mesmo tempo. como Henrique II pretendia subordinar a justiça real e ligar o episcopado britânico à realeza anjevina. havia um discreto nepotismo que dava ao círculo do pontífice esse ambiente de "corte" familiar que logo seria vivamente deplorado. a fiscalidade pontifícia começava a organizar-se: Alexandre III levava consigo. Mas a sua expectativa não se confirmou porque. opôs 142 Henrique II Plantageneta a Tomás Becket mostra claramente essa autoridade. Henrique II acabou por se .seus fortes ombros estão aptos a sustentar a massa da Igreja vacilante". 3. Tomás Becket tinha sido chanceler do seu amigo Henrique da Inglaterra. Alexandre III foi um canonista. cujos mais de quinhentos decretos . Mas a multiplicação dos apelos à Santa Sé . Duelo célebre ilustrativo da oposição entre uma sociedade ainda fortemente marcada pelo feudalismo e uma Igreja que.com a ajuda do direito romano . Em 1162. por toda a parte. Tomás protestou eloquentemente. que a opinião pública passa imediatamente a considerar como mártir. Luís de França. Em 25 de Janeiro de 1171. embora a nossa época. e dois homens de hábito: S. o mestre da sociologia religiosa. canonizava Tomás Becket. Jean Delumeau teve razão ao denunciar "a lenda da Idade Média cristã". talvez estas: "Não haverá ninguém que me livre desse clérigo presunçoso?" E logo se encontraram alguns cavaleiros para abater com as suas espadas. O rei. o arcebispo de Cantuária (29 de Dezembro de 1170). Francisco de Assis e S. foi profundamente religioso este pontífice. Isso não impede que a história dos homens tenha momentos privilegiados e o século XIII no Ocidente parece ter sido um desses momentos. mais papa do que santo. um rei. em 1172. Tomás de Aquino. S. que tinha ficado na Normandia. mas comete o erro de lançar algumas bulas de suspensão contra os seus sufragâneos. Henrique II teve de se submeter a uma duríssima penitência pública. repetia a cada passo que "em História. mas dos cinco. Um ponto alto da História? Gabriel Le Brás. S. democrática e anticlerical.reconciliar com Tomás que regressa a Inglaterra. a plenitudo potestatis que constantemente reivindicava. embora protestando inocência. cujo reinado (1198-1216) ocupa um ponto alto na História da Igreja romana. Foi dominado por cinco personagens: um papa. só o Papa não foi canonizado. recentemente. Domingos. permite que o rodeiem vários dos prelados suspensos e deixa escapar algumas palavras de cólera. possa subscrever perfeitamente o julgamento que o historiador protestante Paul Sabatier pronunciou sobre Inocêncio III: "Mais rei que padre. Mas pretendeu-se fazer dele o sustentáculo absoluto da teocracia. Todos eles foram homens de Igreja. 143 V A ADESÃO DO OCIDENTE À CRISTANDADE Capítulo I O SÉCULO DE INOCÊNCIO III 1. No entanto. Alexandre III lançava o interdito sobre a Inglaterra. Já não era o tempo de levantar impunemente a mão contra a pessoa de um clérigo. um doutor. na catedral. pois todo o Ocidente acabara por aceitar a cristandade." A acção política de Inocêncio. deixou na obscuridade a sua . não existe nenhum século grande" e. Inocêncio III. o Papa toma oficialmente sob a sua protecção os Irmãos Pregadores (Dominicanos). príncipes. residia na congregação de todos os homens. clérigos. 2.foi verdadeiramente o reflexo da cristandade romana pelo seu número (mil e duzentos) e pela variedade de bispos. mesmo num tempo em que as estruturas da sociedade eram cristãs. priores e embaixadores ali presentes. E foi este ideal que apresentou aos Padres do IV Concílio de Latrão. O Papa. sob o bastão de mando do "vigário de Cristo". plenamente livre. Inocêncio III multiplicou as bulas e as legações.acção reformadora que foi original e. liberal. até. quis assumir plenamente essa missão: tarefa difícil. Essa assembleia . é incontestável que esse ideal — que visava apenas erguer toda a cristandade ao nível do Evangelho . tem todo o poder. a lógica suprema. em função deste silogismo: Cristo tem todo o poder. preocupado em assegurar a pregação ao povo cristão. tornada digna da sua missão. Jurista. em 1215. monges e fiéis. perseguindo a imoralidade tanto entre os reis como entre os clérigos.se desvalorizou terrivelmente em contacto forte e rude com o século XIII . O temporal . Uma vitória demasiado cara Entretanto. Além disso. abades. logo. ainda que as decisões aprovadas tivessem marcado um momento importante na vida da Igreja: legislação precisa sobre o casamento. dando pormenores precisos sobre o que devia ser o hábito clerical. dirigida no sentido de ver a Igreja. Inocêncio III dominou todo o concílio. Inocêncio III tinha a paixão da síntese: para ele. vigiando permanentemente para que "a semente evangélica não fosse asfixiada pelos espinhos".o político . Ele próprio reduziu o nível da sua casa. Como Tomás de Aquino. eis a visão do mundo que Inocêncio III desejava que todo o homem tivesse no coração. a única salvação do Ocidente.a mais importante da Idade Média . que se considerava o administrador de Deus sobre a terra (Dei vices gerens in terris) e a cabeça da Igreja.submetido ao espiritual e este ao eterno. a obrigação da confissão e da comunhão pascal. mas também pastor. o Papa é o seu vigário. considerado como um acto sagrado. 147 como pedagoga da cristandade. condena a riqueza dos monges e dos clérigos. pois a rapacidade de Veneza e dos cavaleiros ocidentais foi mais forte que o apelo do Papa. o Belo. Filipe. Mas Inocêncio III possuía um prestígio que Bonifácio VIII não tinha.o futuro vencido de Bouvines . na Hungria. interveio em Aragão. É verdade que o Papa pretendeu intervir directamente na designação do imperador: apoiou Otão de Brunsvique que coroou. na Polónia e na Inglaterra. E a cavalgada sangrenta dos senhores feudais franceses no Languedoc atrás de Simão de Montfort só por ironia se poderá designar cruzada. Quando morreu. entre o facto de consciência e o seu dado exterior. A esperança de uma reaproximação com os Gregos afastava-se. mas também a temporal. mesmo no plano temporal. Querendo relançar a cruzada.especialmente o rei da França .já consideram pouco aceitável a pretensão romana de ligar e desligar. e quando Otão IV . O Papa não só dispôs da coroa imperial. Por diversas vezes. certos reinos ocidentais em plena formação . Estava a caminho a ideia laica de uma separação entre o temporal e o espiritual. não podemos deixar de pensar que tal facto não acrescentou nada ao prestígio do papado. Inocêncio III embate na inércia calculada de Filipe Augusto e na indiferença de João-Sem-Terra. que se tornará Frederico II. tanto mais que o Papa. em . o filho de Henrique IV. tentou comunicar a sua chama ao feudalismo. e em França. concebia a união apenas como um gesto de submissão dos Gregos à Santa Sé. Mesmo que tenha havido moderação pessoal de Inocêncio a respeito dos albigenses.se voltou contra ele. A exemplo de Urbano II. contra Filipe da Suábia. apesar das admoestações do Papa. Mas a cruzada conduzida por Bonifácio de Montserrat e Balduíno da Handres cobre-se com o sangue dos bizantinos. Filipe Augusto recusa retomar a sua esposa legítima. Inocêncio excomungou-o (1210) e substituiu-o pelo seu pupilo. como testemunham as suas cartas ao imperador Alexis Ange e ao patriarca João X Camatero. mas quis estabelecer certos laços de vassalagem entre a Santa Sé e os reinos cristãos.148 que começava. onde João-Sem-Terra coloca o seu reino sob a protecção de Roma. do rei da Hungria e dos Italianos. Numerosos historiadores alemães referiram que Inocêncio III não visava apenas a dominação espiritual do mundo cristão. em 1209. conseguiu menos avanços do que o 149 seu antecessor nas relações com o papado. tolerante e ecléctica. tinha-o feito rei da Germânia na condição de que renunciasse às suas terras italianas.a germânica e a italiana . Gregório IX (1227-1241). então.16 de Julho de 1216. Excomungado pela primeira vez por Gregório IX por ter adiado a sua partida para a cruzada. Ora. apenas com 20 anos. amigo de Raimundo Lulo. um guerreiro temível. mas antes um erudito prodigiosamente subtil. ainda meia muçulmana. consistiria em restabelecer a união das duas coroas . mas os cristãos fugiam deste excomungado. pelo menos na aparência. Mas terá ele percebido que o jovem que havia educado para lhe confiar o império. tiveram de enfrentar um adversário terrível. mas sem intenções religiosas (1228). de que pretendera ser o magistrado supremo e com que. imperador em 1220. não tinha nada de cristão? 3. apaixonado pelas artes e pelas ciências ocultas. deslocado no século de S.e. Frederico II decidiu partir 150 para a Terra Santa. uma espécie de asilo para o livre-pensamento nos confins do mundo cristão. No entanto. a cristandade tinha concordado inteiramente. Frederico II não era. com a promessa de não atacar o Egipto. o senhor do Mundo. dissoluto e faustoso. Frederico II. Frederico II ou o leopardo Durante cinquenta anos. dos Judeus e dos Árabes.Honório III (1216-1227). os quatro primeiros sucessores de Inocêncio III. Inocêncio levava consigo a visão de um mundo. era mais italiano do que germânico. obteve do sultão do Egipto a posse de Jerusalém. uma espécie de homem da Renascença nascido dois séculos mais cedo. Dos seus ancestrais normandos herdara uma duplicidade e uma falta de escrúpulos que o hão-de incitar a escolher os mais diversos meios para alcançar os seus fins. A sua verdadeira pátria era a Sicília cheia de sol. Frederico foi a Itália humilhar-se diante do Papa que o absolveu das penas espirituais em que incorrera (San . Este Hohenstaufen. Celestino IV (1241-1243) e Inocêncio IV (1243-1254) -. ao longo da última fase da luta do Sacerdócio e do Império . restaurar o Império Romano sob a sua égide. Inocêncio III. rei dos Romanos em 1216. como os seus ancestrais. ao mesmo tempo sumptuosa e andrajosa. filho de uma siciliana. com Roma como capital. Julgava-se. a Igreja romana parece não ter deixado o zénite. seu protector. depois. céptico. toda a política de Frederico II. Luís. o genovês Fieschi (1243). O imperador fortalece o seu poder na Sicília e no Norte de Itália. A assembleia foi dominada pela questão imperial. mas que. rei da França de 1226 a 1270. LUÍS 1. Uma "fonte de justiça" Todos os testemunhos concordam: Luís IX. 151 Capítulo II O SÉCULO DE S. Luís não pertence apenas à história de França. 1230). pois a sua influência foi universal. depois. Quando. O triunfo do papado foi completo. dessacralizava o papado. de 24 de Junho a 17 de Julho de 1245. pelo equilíbrio controlado do seu temperamento. após um interregno de dois anos. Pelas suas qualidades de rei e de cavaleiro. foi a mais prestigiada figura do século XIII. invade o "património de S. o imperador morreu de disenteria. Vol-taire dizia mesmo que ninguém podia ser mais perfeito do que ele. Terminava uma luta. Sinal dos tempos: não era para tratar do estado moral do clero. aos olhos do mundo. instalado em Génova e depois em Lião. Inocêncio IV regressou a Roma.Germano. nesta última cidade. porque S. convoca um concílio ecuménico que se deveria realizar. da qual o império saía enfraquecido para sempre. pela abundância de riquezas morais hauridas numa terra e numa raça cristianizadas. S. Depois de algumas tentativas de negociação com Frederico II.. Ainda resistiu durante cinco anos. quando. o novo Papa. contudo. onde nunca mais nenhum alemão se instalaria como senhor.. É verdade que a cristandade podia. S. mas apenas ou quase só do processo do imperador: Frederico II foi solenemente deposto. onde a "liga lombarda" foi esmagada (1237). glorificar-se com um rei. Luís. Luís aparece como uma figura . o mundo reconheceu que outro Inocêncio III estava decidido a fazer triunfar o papado. onde propunha a reunião de um concílio geral para julgar o Papa. A morte de Gregório IX (1241) suspendeu essa luta por algum tempo. Bonifácio VIII mais não fez do que ratificar o juízo de todo o Mundo. cujo poder temporal só se poderia comparar à sua autoridade moral. Uma bula triunfal anunciou o feliz acontecimento à cristandade. Canonizando-o em 1297. então. Excomungado pela segunda vez. foi eleito. em 13 de Dezembro de 1250. não era mais do que um homem isolado na sua Sicília. Pedro" e cobiça Roma. replica com um manifesto dirigido a todos os príncipes do Ocidente. com o nome de Inocêncio IV. S. E que terras! As mais ricas em colheitas e em igrejas. como o modelo dos tribunais de recurso. Filho submisso da Igreja. No reino. Luís era uma "fonte de justiça".semente de querelas .tomavam-no como juiz: o episódio de Vincennes não é uma lenda. Em toda a parte. Luís que as virtudes da 153 sua raça se revelaram com maior harmonia. Na França. seu rosto bem proporcionado .excepcional. Luís pertencia à velha dinastia dos capetos. Era bom e generoso para com os pobres. mas impunha-lhes deveres.a descendência masculina nunca falhou. Luís foi realmente o árbitro de uma Europa feudal. O parlamento real aparecia. uma só vez que fosse! foram os mais extraordinários "unificadores" das terras do Ocidente. S.revelava a calma tranquila herdada de sua avó Isabel de Hainaut. houve uma santidade ministerial ligada ao exercício da função real. o rei vigiou estritamente os seus oficiais. o seu título de rei cristão não era apenas um adorno. Este rei que lavava as chagas dos leprosos e pedia que se evitassem as palavras duras . esses Capetos. humilde. por sua competência e moderação. mas intratável para os que tinham um coração duro e os rebeldes.na batalha e na cruzada. Era belo. administradores e chefes de justiça. todos os espoliados . manifestava uma coragem sem igual que evidenciava um agudo sentido do "outro". aplicando-a tanto aos indivíduos como aos reis e aos Estados. nascida do acordo da Igreja e marcada por um carácter sobrenatural pela sagração de Reims: durante três séculos e meio. mesmo que fosse inimigo. S. Atento a todos os pormenores e muitas vezes perdido em Deus.e a sociedade feudal era fecunda em abusos . No sentido mais estrito. cuja complexidade jurídica e territorial era motivo de inúmeros protestos. sabia sacudir os clérigos e os monges acomodados ou indignos que alegavam possuir um poder conferido directamente por Deus e não delegado pelo Papa. Nele. Eram homens "vulgares". obrigando-os a sujeitarem-se a inquiridores que controlavam a sua gestão e . mas singularmente eficazes. os seus catorze soberanos . mas a sua humildade era a forma delicada de uma consciência. Foi um dos primeiros príncipes a ter o sentimento da unidade da regra moral. em que estavam sempre presentes as obrigações assumidas pela sagração.as feições um pouco pesadas dos Capetos . Ainda que não seja indiferente nem fortuito que tal figura vigorosa se tenha imposto nas terras de França. Foi em S. a partir da França Central e da Borgonha. Sofreu um duplo fracasso: no Egipto. a igreja dos menores em Paris. ou anónimos enxamearam o Norte da França com catedrais e igrejas. era a de não deixar que "nenhuma injustiça se escondesse". Castela. Luís surgiu como o último cruzado.e na verdade particularmente significativo -. Aragão e Navarra . Luís. a injustiça suprema. em 1270. porque a "função do rei". Luís . era a posse de Jerusalém pelos infiéis (os Turcos haviam retomado a Cidade Santa em 1244). 154 depois. Portugal nascido em 1139. ficando cativo dos muçulmanos (1250). De entre os soberanos convocados por Inocêncio IV..recebiam as queixas dos administrados. e. Carlos de Anjou da Sicília e Bela IV da Hungria) logo considerariam "messire S. 2. dizia Inocêncio III . foi no reinado de S. Para citarmos apenas um caso .. ele foi o único que tomou a cruz: primeiro.fortalecidas pela vitória sobre os Mouros em Navas de Tolosa -. que teve lugar. morria às portas de Tunes.. não somente porque manteve durante quarenta anos o seu reino numa atmosfera de paz e de fé. a flecha única no mundo". a lembrança de S. Alguns arquitectos conhecidos. Os chefes das jovens nações cristãs (a Inglaterra dos Plantagenetas. em 1248. a arte gótica foi uma arte . Aos olhos de um mundo que "não tinha fé". Em 1 de Julho de 1270. Se a arte românica se desenvolveu. em plena canícula. enquanto isso. aos olhos de Luís IX. as fortificações de Aigues-Mortes. Ora. S. dispositivos legais perseguiam todas as formas de corrupção e de abuso. o hospital de Compiègne. embarca para a Tunísia: estava tão fraco que chegaram a dizer que procurava o martírio. a consagração da Catedral de Chartres. em 25 de Agosto desse ano. "a flecha perfeita. Jean de Chelles. Assim é porque a arte gótica deve muito a Luís IX. Pierre de Montreuil."esse homem puro de coração e de corpo".. mas também porque ele próprio ordenou e dirigiu numerosos trabalhos: Royaumont.. teve de capitular perante Mansourah. como "ministro de Deus". em 24 de Outubro de 1260.está ligada aos contornos puros da Sainte-Chapelle. sobretudo. A era do gótico Para um parisiense. Luís" o modelo exemplar dos reis. os Quinzevingts. como Robert de Luzarches. utilização de uma nova forma de abóbada conhecida desde a Antiguidade: abóbada 155 de arestas ou sobre ogivas cruzadas. aos Países Baixos. a navegação e a banca se desforravam da terra. a arte gótica estendeu-se ao Sul de França.capetíngea. A economia senhorial. por vezes. à Boémia. sacrificada: apresentar-se-ão conjuntos talhados mas secos. expressão de uma fé comum. de uma graça muito estudada que. adaptando-se às condições locais. da hierarquia das criaturas. Do Norte de França e da Normandia. recuava lentamente perante uma economia jovem. menos concentrada. aos Estados francos do Oriente.elemento essencial da arquitectura . raciocinada e clara. mais altas e com janelas para deixar entrar a luz. onde tudo é ordem e harmonia. as estradas. Arte essencialmente religiosa: a paz das catedrais reflecte a paz de Deus. se o século anterior foi mestre na profusão escultural no interior dos monumentos. onde tudo testemunha a grande ideia do século XIII. ao Império latino de Constantinopla. à Itália e à Inglaterra.ser. a Igreja era o suporte da sociedade feudal e era ela . Ora. à Alemanha. 156 Capítulo III O SÉCULO DE FRANCISCO E DE DOMINGOS 1. As experiências tentadas anteriormente na Inglaterra e na Borgonha encontraram a sua aplicação na bacia do Sena: igrejas mais altas e mais bem iluminadas. permitindo que as paredes fossem menos espessas. No fim do século XIII. Francisco ou a nudez As catedrais testemunham o contributo das cidades para saírem da época feudal. à qual convinha o céu da Ilha de França. de uma unidade moral e de uma síntese espiritual que teve em Tomás de Aquino o seu teólogo. de que o castelo e o mosteiro eram os pólos. por vezes. a iconografia da pedra invade agora os portais que se tornam sumas enciclopédicas da criação. à Península Ibérica. O vitral triunfa com a arte ogival e. a Europa inteira possuía a mesma linguagem arquitectónica. em que o comércio. da inscrição da história dos homens na história de Cristo. que repartia a tensão. a ponto de a parede . evoca um sistema de peças desmontáveis. quem. confia ao pontífice as suas esperanças de pregar o Evangelho em toda a sua pureza ao mundo novo. através da cavalaria. já que a regra de Francisco consistia nestas palavras: "A vida dos irmãos menores consiste em observar o santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. a voz do Evangelho. vestido com o simples burel dos camponeses. num dia de Verão do ano de 1210. Não foi uma iluminação súbita que incitou o bom Francisco a viver na pobreza absoluta. uma corda à cintura e os pés nus 157 enfiados numas sandálias: numa linguagem simples. proclamavam a decadência de uma Igreja que se esquecera da pobreza. não os deixava perceber as transformações do Mundo e tornava ineficazes os apelos evangélicos lançados à cristandade. Filho de um rico comerciante de panos de Assis. Não havia nele nada da mística esotérica do monge italiano Joaquim de Flores (falecido em 1202). Por isso. Uma fonte pura porque se alimentava do próprio coração do Evangelho. vivendo na obediência sem ter nada de próprio. pouco a pouco. porque a família franciscana é. A sua natural generosidade levou-o. O seu egoísmo. no silêncio dos seus retiros cada vez mais prolongados. se esforçava por assegurar o reinado da justiça.que tomaram o nome duplamente modesto de fratres minores (1) -. remédio quase-jurídico aplicado ao desequilíbrio da distribuição dos bens. a mais numerosa das sociedades religiosas masculinas. conhecera a avidez da nova Itália pelos prazeres nascidos da opulência e das lutas entre cidades rivais. para um mundo sedento. Aos 23 anos. praticando a caridade oficial. mas com rudeza e violência. mas ardente. associara-se ao negócio do pai desde os 15 anos. Os forais pareciam-lhes resultar de turbulências apressadas para se desembaraçar do juramento feudal. organizando um verdadeiro regime de previdência social. levado diante . ainda nos nossos dias. a escutar. também ele defensor dos humildes. Inocêncio viu que esse Francisco Bernardone não era um desses incontáveis reformadores que. Inocêncio III fazia brotar no seio da Igreja. uma fonte pura e abundante. Ao dar o seu aval à missão de Francisco e dos seus companheiros . por toda a parte. portanto.a partir do século XII também a austera ordem cisterciense fora invadida por ele -." Fonte abundante. favorecido pelos reis. o papa Inocêncio III recebe um jovem úmbrio. nascido da riqueza . tanto os senhores como os clérigos e os monges viram com maus olhos desenvolver-se o movimento comunal. Mas eis que. Os studia dos Franciscanos iriam ser incorporados nas universidades.era um instrumento admiravelmente adaptado às necessidades espirituais do século XIII. É preciso dizer que os inconvenientes de uma vida tão despojada depressa se revelaram: na sua maioria. no tempo em que era penetrado pelos estigmas dolorosos da Paixão de Cristo. mas nos arrabaldes populares e estudantis. o rei S.que. inicialmente ocasionais e depois fixas. que gostava muito dos mendicantes pelo seu espírito infantil. escrevia um Cântico ao Sol. nesse mesmo ano. os frades eram leigos entusiastas. construções modestas. Síria e Inglaterra . em Paris. Luís. de futuro. situados não nos campos. França.foi o grito de alegria de um homem completamente despojado que. Mas como conciliar tal necessidade com a concepção bastante idealista que Francisco tinha do cumprimento evangélico? Estas divergências . comendo apenas do que mendigavam.dos magistrados e do bispo de Assis que o convidavam a regressar à casa paterna. Não se tratava já de se encerrar num mosteiro. ele atira toda a sua roupa aos pés do pai. situado no meio de terras dadas em colonato. Hungria. E cumpriu à letra: a curta vida de Francisco . a quem o Papa dava uma ordo studens tal como já tinham os dominicanos. a partir de 1230. E apenas a aquisição de uma ciência religiosa numa casa conventual poderia resolver essa dificuldade. só terá um pai. Nota 1: Frades menores. Ora. o Deus que cuida das aves do Céu. pois a Igreja queria que a ordem de Francisco se juntasse no seu . contava já com seis províncias: Alemanha. do T. os frades menores agruparam-se em conventos. [N.morreu aos 44 anos . ao testemunho da pobreza dos franciscanos devia acrescentar-se a pregação. Assim. A ordem mendicante fundada por Francisco . no século XIV. Por força das circunstâncias. proclamando que. mas pouco instruídos.aquando da sua morte. mas sim de percorrer as estradas animadas pelo comércio. pobres) aos partidários de uma fraternidade de mendicantes de estrita observância. chegariam ao cisma estalaram ainda em vida do fundador e opuseram os frades que preconizavam uma vida comunitária de religiosos estudantes e pregadores (aliás.] 158 Espanha. instalou-os perto da Porta de SaintGermain e. de viver sem tecto fixo. Gregório IX decretou que os nuntii leigos poderiam gerir as esmolas em vez dos frades. Irmãos Pregadores. Colocada à disposição da Igreja.à margem da horrível cruzada antialbigense . mantiveram largamente . à Espanha. Perante os "perfeitos" cátaros. Em 1215. de espírito.campo de acção à dos Irmãos Pregadores. Porque a ordem dominicana distingue-se das antigas ordens pelo seu carácter democrático: a autoridade. mas um "prior" escolhido pela comunidade. todos os voluntarismos. são pregadores. pela recusa das dízimas e dos benefícios. exerce-se através de eleições permanentes e renovadas. Domingos. Em 1206. os dominicanos mostram-se defensores de uma teologia da vida social. A exemplo de Francisco de Assis. com as corporações de ofícios e com as universidades. um cónego regular. pelo exemplo da pobreza vivida e da independência em relação aos senhores feudais. a todos os níveis. No regresso. com a ajuda do bispo Foulque. A regra dominicana é a chamada "regra de Sto. acima de tudo. Sabendo como os cistercienses. a companhia estendeu-se a Paris . o evangelismo implicava para Domingos uma ruptura com o regime feudal. reuniu em Toulouse alguns companheiros para quem obteve do Papa. atravessou o Languedoc e pôde ver quanto aquela velha terra cristã era sacudida por um feudalismo tenaz. Domingos ou a palavra Os dominicanos eram os filhos espirituais de um espanhol. pela controvérsia (1). Mas nunca os dominicanos se esquecerão de que.onde os frades instalados nos subúrbios de Saint-Jacques se tornaram populares sob o nome de jacobinos (2) . depois. os frades dominicanos apresentavam-se como pobres. como que instintivamente. conseguiu permissão para se fixar aí e. à qual sempre se opuseram. Agostinho" praticada pelo fundador que incorporou nela alguns elementos estruturais que tornam a Ordem dos Pregadores aparentada com as associações municipais. acompanhando o seu bispo à Dinamarca. a confirmação do seu título de fratres praedicatores. 159 pela ignorância dos clérigos e pela sedução do catarismo. daí a primazia que a sua regra dá aos estudos face ao próprio ofício. Assim. de atitude e de hábito. 2.esforça-se por fazer regressar os cátaros ao seio da Igreja. em 1217. estavam desprotegidos perante o catarismo. não há um abade à frente do convento. primitivamente enviados para o Langue-doc.e. Bolonha e Roma. Domingos . [N. mas também encontraremos franciscanos e dominicanos nos postos avançados da cristandade.a segunda ordem. não ditada por um secreto desejo de bravata.] Nota 2: Do nome Jacques. Nota 1: Debate público sobre um assunto. Além disso. Na atmosfera exigente do século XIII. mesmo a dos leigos. mas imposta por uma vocação original profunda. A revolução do ensino. cartas de foral. na Palestina. uma posição desconfortável. desde o século XIII. Daí a posição de vanguarda assumida por estes religiosos vestidos de branco.] 160 isto é. no Egipto . encontram-se uns e outros nos países submetidos ao islão ou momentaneamente ocupados pelas Cruzadas: em Marrocos. do T. os pregadores encontrar-se-ão entre os mais equilibrados inquisidores. Os frades menores assumiam de bom grado as paróquias populosas e suburbanas. E foi na Universidade de Paris que se destacaram dois grandes doutores: o franciscano Boaventura e o dominicano Tomás de Aquino. sentia a necessidade de se confrontrar com o mundo criado por Deus não no silêncio das bibliotecas ou nos círculos . 161 Capítulo IV O SÉCULO DE S. cruzadas.onde Francisco de Assis esteve -. denominação significativa da implantação das novas ordens mendicantes num mundo laical em promoção cultural e eclesial. impulso das multidões. TOMÁS 1. a religião. na Pérsia e na Guiné.aberto o seu horizonte intelectual. [N. garantias dos direitos das comunidades urbanas. os mendicantes . O paralelismo na evolução das duas grandes ordens mendicantes reside na criação de uma ordem de monjas contemplativas . neste caso. A Universidade de Paris Catedrais. clarissas e monjas dominicanas -. no coração da Ásia. ordens mendicantes devotadas a um novo mundo: são tudo componentes de um mesmo esforço. corporações.não perderam o seu carácter missionário. Instalando-se nas cidades. obras colectivas. a fé. bem como numa terceira ordem secular.franciscanos e dominicanos . do T. que recebem os estudantes pobres. os "colégios". Nasce assim uma palavra nova que engloba outra realidade: a "Associação" ou "Universidade" (1) dos "mestres e dos alunos" (Universitas magistrorum et scolarium). Formada por quatro faculdades . do T. as escolas da Ille de la Cité. A bula Parens scientiarum de Gregório (1236) permite-lhe mesmo tratar de igual para igual com o rei. [N. forçosamente. Picardia. multiplicam-se as fundações caritativas. em torno de mestres amados. não constituía propriamente uma universidade. o actual Quartier Latin. transformados . onde o dono da casa.Artes Liberais. admirados.fechados das escolas monásticas e episcopais. surgem desde os primeiros anos do século XIII e espalham-se pela margem esquerda do Sena. Como a universidade não possuía qualquer estabelecimento próprio. Se a Europa pôde vangloriar-se das Nota 1: Totalidade. Pádua. na livre discussão. por outro lado. da jurisdição episcopal. Medicina e Teologia -. Como fica situada nos flancos da colina de Sainte-Geneviève. depressa se vê submerso pelo formigueiro intelectual e pela "balbúrdia" de uma juventude numerosa. que é resultado da acção da Igreja e cujo arquétipo foi Paris. que já atraía muitos estrangeiros. Coimbra e Valhadolid. já brilhasse desde o século XII. submetidas à jurisdição do chanceler do capítulo da catedral. procurados e ligados aos seus alunos por laços fortes e queridos. embora a escola de Direito de Bolonha . Direito Canónico. depois de uma luta épica. mas "ao ar livre". em seu benefício.que representou um papel capital na introdução do Direito Romano no Direito Comum (consuetudinário) ocidental -. diferenciada pelas suas "Nações" . dado que os estudantes eram autónomos. o abade de Sainte-Geneviève. "a mais nobre cidade de toda a vida espiritual". mestres e alunos conseguem todos os privilégios de uma corporação eclesiástica. Toulouse. de Igreja. pôde fazê-lo devido à influência de Paris. Pouco a pouco. Porque.Normandia. a Universidade de Paris transformara-se numa verdadeira "instituição mundial" e eclesial. os mestres ministravam os seus cursos nesses colégios. a Universidade de Paris é liberada por Filipe Augusto de uma jurisdição laica e. Inglaterra e França -. os papas afastam-na. porque todos os estudantes e todos os professores são. Em Paris.] 163 universidades de Oxford. conjunto. Os quatro livros das Sentenças estão pejados de textos patrísticos dispostos de maneira a formar um ensino completo da fé. A Faculdade de Teologia e a Faculdade das Artes eram as mais importantes e as mais vivas: a especulação encontrava aí um terreno propício. por vezes. a seus olhos. em Paris. mesmo continuando a ser ortodoxo. Um deles. a Faculdade das Artes tornou-se uma verdadeira faculdade de Filosofia. bispo de Paris (falecido em 1160). 2. depois. passaram à disputatio (discussão). conheceriam também eles um destino especial. como o colégio de Cluny ou o de Navarra. ainda que os clérigos seculares e a universidade tenham. Entre os dominicanos. ou seja. sobretudo. Alberto Magno e Tomás de Aquino eram pregadores. Francisco. um studium ou convento de estudos e. desencadeou uma pequena revolução. as melhores condições de florescimento. passaram a desenvolver uma teologia sistemática 164 e. depois. dará o seu nome à Faculdade de Teologia e. a presença de um professor de Teologia era tão necessária ao estabelecimento de uma comunidade como a de um prior. jovem e efervescente. mas. Tomás de Aquino foram os exemplos mais extraordinários. através do simples comentário dos textos bíblicos. Os franciscanos já tinham organizado em Bolonha. a um exercício vivo e organizado em redor de um tema escolhido e animado pelo mestre. combatido a influência dos regulares. introduzindo no ensino magistral as Sentenças de Pedro Lombardo. esse espírito do qual Alberto Magno e. Bem cedo as duas grandes ordens mendicantes encontraram no meio universitário. à Universidade de Sorbonne. da simples quaestio (questão). Alexandre de Hales foi um mestre que. por volta de 1220. demasiado dependentes da Santa Sé. outros. os teólogos tiveram alguma dificuldade em romper com os antigos métodos. a . sob a influência de Oxford. Inicialmente. ainda em vida de S. de Aristóteles e do pensamento árabe. Por volta de 1250. Alexandre de Hales. onde duas cadeiras de Teologia foram ocupadas pelos melhores mestres dominicanos. o colégio de Sorbon. tornou-se rapidamente a mais prestigiosa da ordem: fortaleceu a universidade.pouco a pouco em locais de ensino. procurou fazer despertar o espírito universitário. Um modelo para o pensamento cristão: o tomismo Alexandre de Hales era um frade menor. A escola conventual da Rua de Saint-Jacques. evidência da existência de Deus. Agostinho: o universo eterno submetido a ciclos imutáveis. cujos textos e comentários eram. personificadas em Aristóteles. O seu desígnio era tornar inteligível aos ocidentais a ciência e a razão gregas. aparece Tomás de Aquino. em religião. chamado "Magno". que. como nos próprios escritos sobretudo nas suas sumas: Summa Contra Gentiles e Summa Theologica -. é a Aristóteles que me dirijo ou a qualquer outro perito na matéria. Os frades menores não aceitavam entregar-se nos estudos filosóficos. que foi lente em Paris em 1254. formados na livre espiritualidade de S. unidade e simplicidade do mundo das ideias e a autonomia impossível do mundo físico. Para Boaventura. por toda a parte. Agostinho do que nos filósofos. entre eles. quando falamos de Medicina. afirmavam-se seguidores das ideias platónicas e do ensino de Sto. próxima da iluminação doutrinal. toda a metafísica deve juntar-se a um vasto simbolismo que faz considerar a Natureza como um livro divino a decifrar. se não concordarem uns com os outros. com 32 anos. a não ser que estes pudessem servir os dogmas teológicos. não consideravam que a filosofia fosse um fruto de uma curiosidade.escrevia ele -. um futuro geral da ordem. se se tratar da natureza das coisas. esse nobre napolitano é mestre em Paris. no seu ensino. mas ampliando-o para que toda a gente pudesse nele mergulhar. Mas os frades menores. em que natureza e graça sejam igualmente solicitadas. traduzidos do grego e do árabe. vários studia generalia foram incorporados nas universidades: em 1231. mas. é preciso acreditar mais em Sto." Retomando o caminho aberto pelo seu mestre. Alexandre de Hales funda a escola conventual de Paris. Alberto de Colónia. foi o primeiro dos grandes peripatéticos cristãos: "Em matéria de fé e de costumes . Para Tomás de Aquino. essencialmente dinâmico. Desde 1257. onde afluíram muitos jovens religiosos e. 165 mas uma tendência religiosa. Tomás tende a construir a síntese teológica das verdades reveladas e a síntese filosófica das verdades acessíveis à razão. Francisco. Os pregadores mostravam-se mais preocupados em evitar uma ruptura radical entre o corpo de sabedoria profana e o sentido da fé cristã. João Fidanza da Toscana. A Teologia torna-se uma . então. a adesão à Palavra de Deus deve desencadear uma curiosidade. tomou o nome de Boaventura. o "doutor angélico".seguir. volto-me para Galeno e Hipócrates. e. então. orienta-a para o seu fim. afastado a favor do nominalismo.ciência. Nos nossos dias. desde o século XIII. razão e fé distinguem-se para se unirem. pois é nessa submissão que ela restabelece dentro de si as suas hierarquias essenciais e a ordem das suas virtudes. no entanto. da sensibilidade humana e das estruturas sociais. 166 Jacques Maritain. no centro desse século "orgânico" que foi o século XIII: "Ele leva a inteligência ao seu objecto. e a fé é sempre uma busca da inteligência. mas para chegar à sua verdadeira liberdade. contemplativa e especulativa. entrega-a à sua natureza. 167 Capítulo IV O TEMPO DA INQUIETAÇÃO 1. o seu grande mérito é o de ter mostrado que os teólogos do século XIII não foram apenas leitores de Aristóteles. Diz que ela é feita para o ser. esse século ainda não morrera e já o homem se via tentado a dissociar o mundo da Natureza do mundo da graça. vê-se confrontado com um mundo profundamente laicizado. um dos mestres do tomismo contemporâneo. na humildade e fidelidade às tarefas quotidianas . sujeita ao objecto. depois.-D. graças à acção de Leão XIII. No século XIII. das ciências. por isso. Violentamente combatido pela sua antropologia.foi a ilustração constante dessa dupla avidez do espírito e do coração.na mansidão." Quanto ao padre M. o tomismo revivificado em boa hora pela escola de Saulchoir (Chenu e Congar). pelos franciscanos imbuídos de agostinismo. mas também religiosos que encaravam a sua fé numa atmosfera espiritual. um Papa que considerava o tomismo uma doutrina. A própria vida de Tomás de Aquino . o tomismo emergiu no fim do século XIX. ao mesmo tempo. Chenu. esclareceu perfeitamente o lugar ocupado por Tomás de Aquino no coração da História da Igreja. transformado nos séculos clássicos em privilégio de uma escola. deformado no século XV pelos abusos da escolástica e. cujos princípios podiam permitir o aprofundamento da tradição e a resolução dos problemas postos pela evolução das artes. O esforço missionário da Idade Clássica . marcado pela técnica e pelo materialismo. todas as forças da Natureza e da graça participavam na construção de um sistema de pensamento cristão. As duas jovens ordens mendicantes. durante a Quinta Cruzada (1219). a cruzada de Érico. nos Búlgaros de obediência bizantina e nas estepes dominadas pelos Comenos. Le Brás) estava concluída. a dos Finlandeses em relação aos Escandinavos e a acção violenta 169 dos Cavaleiros Teutónicos retardam a penetração do cristianismo nessas populações. onde foi preciso evangelizá-los durante muito tempo. A partir de 1238. as Cruzadas foram a oportunidade de a Igreja romana tentar. desempenharam um papel de primeiro plano tanto pelas intervenções missionárias como pelas tentativas para reunificar a cristandade. No Norte da Europa. em grande parte. missões de cistercienses escandinavos e de alemães penetram entre os Bálticos e os Finlandeses. a Ibéria católica deseja incutir sangue novo na velha cristandade. para leste nos Estados Russos. franciscanos e dominicanos. da margem oriental do Adriático à Irlanda. em 1215. em 1157. a Igreja embate nos Prussianos. o rei da Lituânia pediu o baptismo. Mas a hostilidade dos Bálticos em relação ao clero alemão.Desde meados do século XII que "a coagulação da Europa" (G. Quanto à missão da Coménia. da Irlanda à Sicília. dirigida por dominicanos húngaros. era o mundo islâmico. o esforço de unidade não podia limitarse à reunião das terras cristãs. um número elevado de comenos abraça às pressas o cristianismo para se poderem refugiar na Hungria. de obediência ortodoxa. Criando os Estados Latinos. e a Península Ibérica de além-Tejo ainda é muçulmana. fundador de Riga. Uma província franciscana fora criada na Síria em 1217. conduz à anexação da Finlândia. uma penetração missionária na Ásia continental. a partir do Próximo Oriente. sobretudo no Norte. Aos olhos do papado. já instaladas em África. da Polónia. para além. enquanto os Polacos intervêm junto dos Lituanos. Francisco de Assis procurou . da Boémia e da Hungria. Mas o espinho no coração da Igreja era o imenso Oriente. é destruída em 1250 pelos Mongóis. O cristianismo romano estendia-se sobre a maior fatia da Europa Ocidental. Para norte. nos Bálticos e nos Finlandeses pagãos. onde viviam muitos cristãos afastados de Roma. o cisterciense Alberto. sagra o primeiro bispo da Estónia e torna-se arcebispo da Prússia. a partir de 1221. Os Balcãs e a Ásia Menor eram. Em 1211. os mouros na Península estão confinados ao reino de Granada. englobando a parte meridional da Escandinávia. quatro embaixadores. já havia uma comunidade franciscana em Jerusalém. Quanto ao pregador Ascelino de Cremona e o menor Pian di Carpino penetraram na Mongólia. o franciscano. elogiou e beijou um dia o Evangelho que os padres nestorianos lhe apresentaram. uma custódia na Crimeia mongólica.converter o sultão do Egipto. No fim do século XIII. da Polónia e da Boémia foram devastadas pelos Mongóis. em Constantinopla. o Grande Kubilai Khan. S. em 1245. em 1235. na Caldeia. Em 1239. os franciscanos tinham dois vicariatos na Tartária. o Ocidente cristão compreendeu o perigo que corria. Luís julgou que esse era o momento de enviar à corte do Grande Mangu Khan o franciscano flamengo Guilherme de Rubrouck que permaneceu oito meses entre os Mongóis e acompanhou o seu chefe a Caracórum. Mas quando as velhas terras da Hungria. Mas Rubrouck não conseguiu do Khan mais do que uma ordem de submissão dirigida ao rei de França. Inocêncio IV. um convento na capital dos Khans da "Horda de Ouro". foi bem recebido em Caracórum por Guyuk que. mais flexível do que o outro. se limitou a convidar o Papa a reconhecer-se seu vassalo. em Chipre e. os Latinos acreditaram que os terríveis nómadas eram cristãos. Em 1228. O franciscano Domingos de Aragão dirigiu-se para a Arménia. Muitos desses monges adoptaram os costumes e a vida dos Mongóis e acompanhavam-nos por toda a . Mas depressa correu no Oriente cristão a notícia de que um filho de Batu. De súbito. a partir do seu convento de Tíflis. podiam-se encontrar frades menores e pregadores na Pérsia. que acreditava mais na eficácia das missões do que na das cruzadas. Entrementes. segundo Marco Polo. havia recebido o baptismo. embora inclinado para o budismo. espalharam-se por entre os povos do Cáucaso. na presença de Mangu. os impérios muçulmanos caíram nas suas mãos. o dominicano André de Longjumeau foi 170 encarregado de estabelecer contacto com os prelados caldeus e siríacos separados de Roma. uma discussão religiosa com muçulmanos e budistas. Gregório IX enviava oito dominicanos à Geórgia e. fundador da Horda de Ouro. apareceram os Mongóis de Genghis Khan e os seus partidários: um após outro. então. aliás. porque a Igreja nestoriana estava implantada na Mongólia. onde numa igreja nestoriana celebrou o ofício da Páscoa e sustentou. os mendicantes ligavam-se a esta Ásia. mesmo> na índia. Durante muito tempo. onde desejavam construir uma terra cristã. fez partir de Lião. Na Arménia. onde participaram o patriarca de Constantinopla e o metropolita de Niceia. fez inúmeras conversões entre os Mongóis e os Chineses. recebeu o franciscano João de Montecorvino: o missionário conseguiu que muitos nestorianos retornassem à obediência e à fé romanas e. Khan de Quiptchac. o patriarca dos jacobitas 171 submetia-se a Roma e tomava o hábito dos dominicanos. pôs termo. João III Vatatzès. Luís. E a união das Igrejas? As ordens mendicantes foram. a maioria das dinastias mongóis tinha-se passado para o islão. Quando o imperador bizantino Miguel Paleólogo pressentiu que o irmão de S. decidiu prestar obediência e fidelidade a Roma. trinta anos mais tarde. os maro-nitas estavam prestes a aderir à Igreja romana. conquistada em 1279 pelo mongol Kubilai. senão às conversações. Em 1237. pelo menos à esperança de um real entendimento. juntamente com a dinastia mongol. também neste terreno. presidido por Gregório IX (1274). Isso aconteceu no II Concílio de Lião. Mas embora tenha havido submissão solene e oficial do basileu. Carlos de Anjou. apoiada por Frederico II. foi sob a túnica franciscana que morreu. Favorecendo por todas as maneiras o Império Latino de Constantinopla. . Mas os papas sempre se deram muito mal com Constantinopla. não se pode.parte. A queda do Império Latino. mas a missão da China foi. 2. como primeiro bispo de Pequim. em contrapartida. O fracasso das missões da Ásia incitou os papas a tentarem reaproximar-se das Igrejas separadas. mais lúcido. A China. Inocêncio IV. porque as aproximações oficiais não significavam a adesão dos povos. Todavia. no entanto. a acção dos dominicanos com vista a uma aproximação com Roma apenas dará os seus frutos no século XIV. os instrumentos do papado. expulsa de Pequim pelos Mings. todavia. Toctai. No entanto. permaneceu nas suas posições e o mesmo aconteceu com os Georgianos. sonhava apenas em reconstruir para si próprio o Império Latino de Constantinopla. a Igreja nestoriana. em 1261. dizer que fosse clara a união de coração entre as Igrejas de Roma e de Constantinopla. alimentou laços com o imperador de Niceia. em 1312. Inocêncio III e os seus sucessores puseram o clero e o povo gregos contra a Igreja romana. Todos os soberanos enviaram embaixadores a Lião. que foi o de Inocêncio III. mas ninguém se preocupa e o aragonês organiza a ilha a seu belprazer. onde pereceram os partidários de Carlos de Anjou. em 1281. Luís. o protegido do Papa: Pedro de Aragão coroado em Palermo é excomungado por Martinho V. Filipe. o título imperial. rei dos Romanos. o papado desagrada à hierarquia eclesiástica e aos clérigos seculares que ficam com menos força na sua luta contra os regulares. a união com Constantinopla é rompida. sem influência sobre a evolução do universo católico". que iria ser o coveiro da supremacia pontifícia. após a morte de Frederico II. favorecendo a autonomia das ordens mendicantes. o papado parecia não ter já adversários e o sonho de unificação do mundo cristão. não foi restabelecido e Rodolfo de Habsburgo. o Belo. No entanto. Por outro lado. O clero do Ocidente. uma situação difusa impede que se fale de uma completa vitória. não respeita muito os cânones conciliares relativos à reforma dos costumes. porque. sobe ao trono de França o neto de S. filósofos e cano-nistas fazem da supremacia pontifícia uma doutrina sólida que se expressa nas Decretais. 173 VI A IGREJA SOB ACUSAÇÃO . Três anos mais tarde (1285). parecia começar a realizar-se.3. deixa ao Papa o caminho livre em Itália. Assim é. Sente-se isso muito bem logo depois das Vésperas Sicilianas (1282). o Papa é o chefe espiritual da cristandade: teólogos. a cruzada decidida no Concílio de Lião não consegue ser organizada pela recusa dos soberanos cristãos. a interdição é lançada sobre a Sicília. já que o papado se mostrava de novo fascinado pelas 172 ambiciosas miragens de Carlos de Anjou. Sintomas de crise Quando se encerrou o II Concílio de Lião. bastante rico. dessa forma reaparece o abismo entre o Ocidente e o Oriente. Não há dúvida de que. depois de Frederico II. O nepotismo e a burocracia pontifícia limitam a acção reformadora do papado. Mas a teocracia só aparece como "uma construção de escola. mas não há dúvida de que o século XIV traz consigo os germes do mundo moderno. e purificada e aclarada pelo espírito crítico. esse mundo que iria questionar tudo. desse modo. Adversário da iluminação agostiniana e. a base de seu ensino filosófico não está nem no Livro das Sentenças nem nas Sumas escolásticas. é a vontade que tem a primazia sobre o conhecimento intelectual. Mas. só pode ser 177 interpretada validamente por filólogos que dominem a fundo o Grego e as línguas semitas. a crítica textual e a teologia positiva . Tudo parecia síntese e equilíbrio. Um facto curioso: face aos dominicanos de Paris. os "impacientes" ingleses são frades menores. ninguém rejeitou tão . a começar pela unidade do Ocidente. o doutor admirável O escocês Duns Escoto (1266-1308) foi o doutor subtil. desde que seja continuada pela experiência científica. as disciplinas do espírito eram transcendidas na Teologia. segundo ele.já se encontra no pensamento de Bacon. da especulação tomista. De Oxford partiam fortes correntes de ideias que traduziam uma verdadeira impaciência em relação aos quadros fixados pela "filosofia dos parisienses".Capítulo I A CRISTANDADE HUMILHADA 1. Uma nova atmosfera Seria ridículo comparar. organizava-se uma sociedade. o escotismo acentua a limitação do saber filosoficamente demonstrável em proveito da crença. enquanto. no conhecimento de Deus. tudo o que honra e dá vitalidade ao nosso tempo . O harmonioso monumento do tomismo foi logo ameaçado por toda parte. no começo do século XIV. Nenhum deles se voltou mais para o futuro do que Roger Bacon (1214-1292). ponto por ponto. Bacon entende ser desejável a experiência mística. cuja língua única era o latim e que parecia encontrar no cristianismo toda a sua força. Em redor do Papa e da liturgia romana. a arte era não só elegância.o movimento científico. o século XIV com o século XIII. a Universidade de Paris já não tinha o brilho e a autoridade que contribuíram para o seu prestígio. mas também simplicidade. simultaneamente. Para Escoto. mas na Bíblia que. os reis e o próprio imperador integravam-se numa hierarquia que nada parecia poder derrotar. entre esses "modernos". escrito por João de Meung. é toda a cristandade que serve de moldura à tragédia dantesca. aliás. Averróis. muito menos um corpo de doutrinas do que uma atmosfera que. bem como nas páginas libertinas da segunda parte do Romance da Rosa. o individual. o concreto. o mais admirável reflexo daquilo que foi a cristandade no fim da Idade Média. prosperava. a teoria da "dupla verdade". dos "universais". depressa se tornou célebre pela importância que dava às disciplinas científicas e pela sua independência de pensamento que chegou a ser rotulada de "libertinagem". talvez. revela que era partidário da separação dos poderes e da autonomia das ciências profanas. filósofo árabe e cordovês do século XII. o singular tomavam o lugar das ideias gerais. sobretudo em Pádua. cuja universidade. Isso representava um perigo para o pensamento cristão. o averroísmo espalhou-se pela Itália. Mas desse sistema desenvolveu os elementos racionalistas e materialistas: o carácter eterno e incriado do movimento e da matéria. Assim. pouco a pouco. Por sentir que a unidade cristã está ameaçada é que Dante se mostra severo em relação à Igreja que ama. colocando Siger de Brabante no quarto céu do seu Paraíso. impregnava as mentalidades. afirmando que apenas o conhecimento sensível garante a existência dos seres e dos fenómenos. tinha sido o mais brilhante introdutor do sistema filosófico de Aristóteles no Ocidente. Através do seu simbolismo sagrado. tornando-se muito exigente no plano científico e experimental.ardorosamente o jugo tomista como o franciscano inglês Guilherme d'Occam (1295-1350). na outra extremidade do mundo. o pensamento laicizava-se. Houve também um averorroísmo político que encontrou a sua perfeita expressão no Defensor pacis de Marsílio de Pádua. o averroísmo que S. 178 O averroísmo era. da existência de opiniões racionais que se opõem aos dogmas religiosos e a necessidade fatal dos acontecimentos. perceptível em inúmeras obras do fim do século XIII. dado que. Assim é porque houve um averroísmo moral. Occam esvaziava a metafísica e apontava como domínio da ciência o particular. sempre atraente. teórico do nominalismo e percursor do empirismo inglês: atacando o realismo. verdadeiro breviário do Estado laico. A Divina Comédia é. uma . opondo o sensível ao inteligível. isto é. Tomás havia colocado em primeiro lugar entre os seus inimigos. fundada em 1222. O próprio Dante (falecido em 1321). renovado pelo aristotelismo. Ensinado por Siger de Brabante e condenado pelo bispo de Paris em 1277. a seus olhos. esquecendo-se daquilo que faz a essência do cristianismo. que se elevaram. mas a integridade é ainda maior. mau grado os autos-defé. o neomaniqueísmo. pelo lucro. os begardos. Entre os franciscanos. pelo tráfico de influências e pelo negócio. com o nome de Fraticelos. mas embateram no papa João XXII .. nos Países Baixos .de eleger Papa com o nome de Celestino V 179 (São Pedro Celestino). os flagelantes e os penitentes que percorriam a Europa angustiada." Muitos deles não se subordinaram e. Algumas correntes subterrâneas . cujos sonhos místicos se aparentavam com o catarismo e que foram condenados em 1311 pelo Concílio de Viena. Mas houve outras vozes. na paz dos conventos nórdicos. O realista Bonifácio VIII não teve nehuma dificuldade em obter o consentimento do velho eremita para a sua reclusão perpétua. por vezes. uma maldição. porque Joaquim de Flora havia vaticinado o fim do mundo para o ano de 1260.alimentavam movimentos aparentemente espontâneos.que se deixou perverter pelo luxo. na Provença e na Toscana. pululavam. Entretanto. Ora. a feitiçaria ou o panteísmo. e.não foi mais que um longo tormento de um "faisão a esconder a cabeça debaixo da asa". protestando contra o carácter muito terrestre da Igreja de Deus e convidando os cristãos a uma vida mais despojada. Dante foi uma voz patética. as beguinas e os irmãozinhos de todos os tipos. os apostolici. mas.Igreja . os espirituais eram admiradores de Celestino V e constituíam numerosos grupos na Marca. um verdadeiro Lúcifer -.. pretendiam praticar a pobreza absoluta. anacoreta de Mont-Murrone que o cardeal Orsini. que lhes opunha a fórmula: "A pobreza é grande. como Fra Pietro. muitos monges haviam considerado como "seu" Papa esse Celestino coberto de farrapos e ainda há historiadores que consideram que a rejeição de um Papa pobre e humilde pela Igreja representou. em 1294. continuaram numerosos e populares na Itália até ao fim do século XV. mais ásperas.renuncia à tiara cinco meses depois de sua sagração .que a Inquisição não podia atingir . roçavam o evangelismo. aparentados uns com os outros: os Irmãos do Livre-Espírito. ao mesmo tempo migrantes e homens públicos. Os eremitas.a Igreja de Bonifácio VIII e dos primeiros papas de Avinhão . teve a extraordinária ideia alguns diriam providencial . provavelmente discípulos de Ortlieb de Estrasburgo. de facto. o seu curto reinado . e pela mediocridade. para ela. no flamengo João Ruysbroeck (falecido em 1381): depois de ter exercido. a identificação da sua vontade com a de Deus.e na Renânia. A ordem de São Domingos polarizou essas novas forças: algumas comunidades semimonásticas e semi-seculares colocaram-se sob a direcção dos dominicanos.despojamento. Podemos encontrar o vocabulário eckhartiano . o ministério sacerdotal em Bruxelas. Essa laicização vai ser transposta para o plano político pela luta que oporá Bonifácio VIII e Filipe. ligado ao aparecimento das línguas nacionais e dos nacionalismos.foi a alma do imenso movimento místico que se desenvolveu no século XIV no Norte da Europa. abandono. "Amigos de Deus": eis o que os discípulos de Eckhart se desejavam tornar. para os quais redigia obras. Petrarca e Dante exprimiram-se em toscano e o erudito bispo de Ruão. como várias obras de Eckhart e de Suso o eram em baixo-alemão. Alexandre III e Frederico BarbaRuiva. Oresmo (falecido em 1382). mas que procurava ultrapassar o plano da especulação teológica. em muitos aspectos. na primeira fila desses discípulos estava João Tauler (falecido em 1361) que. etc. pedia aos religiosos e religiosas o despojamento espiritual. Esses tratados eram elaborados em flamengo. cuja vida foi assinalada por incríveis austeridades e se exprimiu numa poesia ardente e patética. etc. Gregório X e Frederico II: estes antagonismos . O Espelho da Salvação Eterna. . contavam-se setenta somente na Alemanha. prenunciava João da Cruz e esse extraordinário Henrique Suso (falecido em 1366). sendo sete em Estrasburgo. É um facto muito importante.começava a deslatinizar-se. inspirada pelo Calvário. era um verdadeiro fenómeno de laicização. silêncio obscuro. cujos títulos se revelam sugestivos: As Núpcias Espirituais. 2. a literatura popular . o Belo. conseguiu atrair para Groenendael inúmeros discípulos. desenvolvia-se uma mística que não era angústia. Anagni ou o mundo laico Gregório VII e Henrique IV.e com ela a literatura de devoção . O dominicano Eckhart Mestre Eckhart . embora o latim ainda permanecesse por longo tempo como a língua dos eruditos. porque. as casas de monjas e de terceiras regulares dominicanas multiplicaram-se: em 1287. escrevia em francês. durante 180 vinte e cinco anos. conhecido pelos seus sentimentos antifranceses. quando o rei pretendeu fazer com que os clérigos contribuíssem para as despesas públicas. mas também rei devoto e. o Belo. tendo emergido do mundo feudal. o Belo. Honório IV (falecido em 1287) e Nicolau IV favorecem os Franceses. prefere gente mais humilde. diz-se. mas de uma laicização substancial dos órgãos políticos e das relações entre o temporal e o espiritual. Trata-se dos chefes dos jovens Estados ocidentais (Inglaterra. o mais fortemente organizado de todos os jovens Estados. Bernardo Saisset. político realista. Ora. estão infinitamente mais bem armados do que os antigos titulares da coroa imperial. No alvorecer do século XIV. França. No jubileu triunfal de 1300 . "muito cristão". adivinha-se em que atmosfera deliquescente assume o trono pontifício . Aragão. dominador. que já era o senhor do Mundo.do qual afastou Celestino V . depois. Intransigente na defesa dos seus direitos. Filipe replica. Em Roma. o Papa . Roma encontrase confrontada por adversários aparentemente menos temíveis. Na primeira fila. desconfiado em relação aos nobres. proibindo a exportação de prata e ouro para a Itália. sonham libertar-se das sujeições próprias de uma cristandade unificada e estática. atraiu cerca de duzentos mil peregrinos a Roma -.que. que o .) que.em termos categóricos (bula Clericis Laicos) . que acrescentaria uma segunda coroa à tiara. Já em 1296. não estava destinado a entender-se com Filipe. tornado Bonifácio VIII (1294). no sentido mais pleno do termo. meridionais imbuídos de direito romano. a França. Depois veio a conciliação e Bonifácio VIII canonizou Luís IX (1297). de facto. Não se trata somente de investiduras laicas.o cardeal Benedito Caetani. apoiados na burguesia das jovens cidades e num clero impaciente com o jugo pontifício. foi preso por ordem do rei de França. Em 1285. Este gentil-homem de grande estatura. eis que logo um dos protegidos de Bonifácio. será um dos artesãos mais activos de uma 181 poderosa monarquia. o bispo de Pamiers. chega ao seu trono Filipe IV.dominaram a longa luta que opusera o papado ao Império pelo governo do Mundo.fez a apologia das imunidades eclesiásticas. mas que. esse direito que não dava à Igreja nenhum lugar no Estado. etc. erroneamente. o Papa francês Martinho IV (falecido em 1285). legistas como Pedro Flote. o Papa acreditou. Guilherme Nogaret e Enguerrando de Marigny. a cidade eterna dividiu-se com a luta que opunha os Caetani . após dez meses de . A instalação do papado em Avinhão Roma. Numa 182 cristandade e numa França enfraquecidas. O Papa acreditara que poderia agir à maneira de Inocêncio III e Inocêncio IV. os papas viveram cento e vinte e dois anos fora de sua capital.aos Colonna. o Belo. onde morreu em Julho de 1304. administrativa e centralizada. onde estava o Papa (1303). onde estigmatizava os conselheiros do rei e preconizava uma grande reunião do clero gaulês. Pedro Flote obtém de uma assembleia de deputados das "três ordens" um voto de violentas advertências a enviar ao Papa. Bento XI estabeleceu-se em Perugia. quando Nogaret obtém de Filipe.acusava de trair a sua causa. nunca fora uma residência aprazível para os papas: de 1100 a 1304. não houve mentira fabricada por ele que não encontrasse eco: ilegitimidade da eleição pontifícia. Assim. fracassou: Bonifácio permaneceu digno e firme diante daqueles que levantavam a mão contra ele e a cidade de Anagni levantou-se em seu favor. 3. Então. ao mesmo tempo. para julgar a realeza francesa. o Belo. A expedição que conduziu Nogaret a Anagni. a prisão do Papa e a sua comparência diante de um concílio. o progressivo abandono dos papas à pretensão de governar a cristandade e o enraizamento da monarquia pontifícia. enquanto canonistas e legisladores se batiam a golpes de libelos. etc. mas os tempos tinham mudado. sem dificuldades. retornando a Roma. Escamoteada. a turbulenta. A estada dos papas em Avinhão tornaria ainda mais sensível o enfraquecimento do papado. acusações de simonia e perjúrio. Bonifácio VIII apenas sobreviveu um mês ao drama que lançara um indiscutível descrédito sobre o papado. Nogaret. aliás. Mas. para saber se o Papa era ou não senhor dos reis. preparou uma atroz contra-ofensiva. por conta de Filipe. falsificada e substituída por documentos injuriosos. tido como neto de albigenses. Com a morte de Bonifácio VIII. é aclamado por todo o povo. a bula espalhou a indignação pelo reino da França.família do falecido pontífice . E. bastante paradoxalmente essa estada iria manifestar. O Papa lança a bula Ausculta fili (1301). O ardente Bonifácio respondeu à sua maneira e de forma excessiva: a bula Unam Sanetam (1302) estabelecia a submissão ao pontífice romano como condição necessária para a salvação. Esse santo dominicano (Bento XI seria beatificado em 1736) foi substituído pelo arcebispo de Bordéus. entroncamento de estradas e domínio dos Anjou de Nápoles que. o Belo. terminadas as Cruzadas. especulação. Bertrando de Got. A Ordem Militar do Templo. prosseguira o seu papel de banqueiro universal.Clemente V aloja-se inicialmente no convento dos dominicanos (1309) -. Jacques Duèse. Clemente V dirige-se para o condado Venaissin. etc. ao invés de residir numa das pequenas cidades do condado. o Belo. nem sequer pensa em deixar o doce céu do Sul da França. proliferavam histórias infundadas como maus costumes. no dia 13 de Outubro de 1307. apenas seis são italianos: a maioria é composta de franceses e antibonifacianos. desarmada pelo ardil do rei e dos seus legistas. O antigo bispo de Avinhão. todos os templários do reino foram presos e os seus bens sequestrados. num total de vinte e quatro cardeais. Avinhão vai entrar na sombra do reino da França e os inimigos do papado não deixariam de ter razão ao censurá-lo de se deixar domesticar pelos capetos. eventualmente. mas os templários tinham má reputação: a riqueza nunca foi uma boa recomendação de uma ordem religiosa. então senhor da Aquitânia. A questão dos Templários manifestou flagrantemente a sujeição do papado à realeza francesa. Mas com que intenção? Nesse ponto. um gascão súbdito do rei da França. sucede a Clemente V (1316) com o nome de João XXII e. Nas proximidades das terras de Filipe IV. território pontifício desde 1229. desejoso de reunir um concílio geral em Viena. estabelece-se em Avinhão. sobre os tesouros monásticos.pontificado. A gloriosa Ordem do Templo pereceu nessa emboscada. Mas. 183 poderiam tornar-se protectores: trata-se de uma instalação provisória . resolveram tirar partido tanto das riquezas como das calúnias. revoga as bulas de Bonifácio VIII. Interrogados e torturados pelos juízes reais antes de serem levados à Inquisição. o Belo. na presença de Filipe. Em 1314. havia enriquecido consideravelmente nos dois últimos séculos. Nogaret e Filipe. Seja como for. bem administrada. numerosos templários . a sua fraqueza não encontra saída: absolve os autores do "atentado de Anagni" e. Clemente V não faz muito para calar tais acusações e diante de Filipe. de facto. também ele gascão. Coroado em Lião. mas a má saúde e o carácter indeciso do pontífice obrigam-no a uma estada bem longa. mas vassalo do rei da Inglaterra. a História temse perdido em conjecturas. assim. amigos quercinenses e franceses invadiram a cúria e os cargos da corte." Os papas sofreriam. arriscando-se a terem de se retractar e. tornada necessária pelo crescimento do particularismo nacional e do poder monárquico nos países da Europa. Para julgá-lo com equidade. Tiago Molay. sabia que a questão dos Templários representava uma iniquidade. não se devem esquecer as palavras de Dom Mollat: "No século XIV. com o Consistório. a administração judiciária. em Viena. foi queimado em 19 de Março de 1314. em 16 de Outubro 1311. não era possível dominar o Mundo a não ser baseando os seus meios de acção na propriedade territorial e na fortuna imobiliária. o Belo. Por outro lado. a audiência das causas do Palácio apostólico ou Rota. João XXII representa um papel essencial no fortalecimento da centralização pontifícia. Foram estabelecidos os mecanismos da administração: a Câmara Apostólica -. cujo chefe. Quando Clemente V inaugurou o XV Concílio "ecuménico". E foi assim que.confessaram crimes imaginários. depois de ter reafirmado a pureza da ordem. a Chancelaria Apostólica que se ocupava da expedição das cartas pontifícias. em 20 de Abril. presente em Viena: em 13 de Abril de 1312. Naquele mesmo ano. Os processos multiplicaram-se nas cortes de Avinhão. conjunto dos sectores encarregados dos assuntos financeiros da Santa Sé. morriam Clemente V. membros da família Duèse. João XXII (1316-1334) foi o mais criticado: esse gascão idoso e fraco foi um administrador enérgico e astucioso que fez muitos inimigos. os tribunais eclesiásticos. A . em 29 de Novembro. e Filipe IV. Clemente V pronunciava a supressão do Templo. O fortalecimento do poder temporal dos papas Tanto João XXII como Clemente V consideraram o nepotismo o prolongamento natural da monarquização do papado. a expressão "cardeal-sobrinho" iria entrar no vocabulário e na lista de títulos. Entre os papas de Avinhão. 4. a tentação de se esquecer do espiritual em proveito dessa propriedade e dessa fortuna. mesmo para uma potência de ordem essencialmente espiritual. cinquenta e quatro deles foram queimados como relapsos em Vincennes. em 13 de Maio de 1310. aos olhos dos cristãos. o papado perdeu nesta questão o seu carácter de magistratura soberana. dizia-se que Molay os havia denunciado diante do tribunal de Deus. mas as suas hesitações 184 foram vencidas por Filipe. . João XXII recolheu mais de quatro milhões. Marsílio de Pádua. Com a morte do imperador Henrique VII. o teórico do Estado laico. e. A acção da fiscalidade. Na verdade. Em 1328. Assim. com o nome de Nicolau V. na primeira fila. os "espirituais" tentam contra João XXII um processo de heresia. os "espirituais". nomeado "vigário de Roma". severamente controlada. João XXII obedecia a uma vontade de primazia. taxando os benefícios eclesiásticos e acumulando os impostos (anatas. entre os franciscanos da Provença. para lutar contra ele. que muitos veneravam como santo e cujas cinzas João XXII mandou espalhar. tiraram proveito das dificuldades pontifícias na Itália. provocava na cristandade vivos descontentamentos e murmúrios escandalizados. Para se justificar. que anunciavam a era do Espírito Santo. houve uma dupla escolha. a manutenção da sua corte e da sua acção religiosa e política . Mas. em 1314. depôs João XXII como herege. etc). Pedro Oliva. "a aventura romana" cai no fracasso e Nicolau V submete-se. décimas. afirmava que o próprio Cristo admitira o direito de propriedade. guardião do orgulho e da avareza. recolhidos tanto pela chancelaria como pelos cobradores pontifícios. chegavam ao ponto de apresentar João XXII como o anticristo. em 1330. cercado de inimigos de João XXII e. Luís chega a Roma. embora tivesse vivido pobre. Luís da Baviera transforma um franciscano "espiritual" em Papa. Estendendo a "reserva" a um número crescente de benefícios cuja concessão dele dependia. Então. Mas os "espirituais" eram tão persistentes quanto o Papa e.Penitenciária Apostólica eram enviados o perdão das censuras eclesiásticas e as 185 concessões de dispensas. censo. O Concílio de Viena (1311) já tinha condenado as teses de um "espiritual". direito de espólio. mas também a certas preocupações financeiras. deixando setecentos e cinquenta mil florins ao seu sucessor. durante dezoito anos. perante a fúria da multidão romana com o prolongamento do "cativeiro da Babilónia".principalmente a guerra de Itália reclamavam recursos consideráveis que os papas de Avinhão procuram obter. O Papa foi um decidido adversário de todos os misticismos e de todos os iluminismos: até condenou o "panteísmo" de Mestre Eckhart. mas o Papa pronunciase a favor de Frederico da Áustria contra Luís da Baviera que excomunga. Clemente VI compra Avinhão a Joana de Nápoles e. pelas incursões das Grandes Companhias. para chegar a Latrão em 16 de Outubro do mesmo ano. O arcebispo de Ruão . Por isso. Bento XII (1334-1342). Inocêncio VI (1352-1362) era um espírito pouco clarividente e o seu reinado foi marcado. A morte do Papa (1334) apagaria esse novo foco de discórdia. foi precisamente este Papa austero que empreendeu a construção de um palácio papal em Avinhão. sobretudo. Mas é preciso creditar-lhe os cuidados com que cerca os atingidos pela peste em Avinhão e a protecção oferecida aos Judeus. Mas um reinado tão curto e o espírito muito jurídico limitaram os efeitos dessas reformas. manda construir um segundo palácio. Depois deste combatente. Urbano V.esgota os cofres do Papa. decide restabelecer a sede apostólica em Roma: deixa Avinhão em 30 de Abril de 1367. em 1348.sucedeu a Bento XII com o nome de Clemente VI (1342-1352). que foi um Papa reformador. um humilde cisterciense dos Pirenéus. apesar de ter acrescentado uma terceira coroa à tiara. Querendo dar aos bispos e abades o exemplo da residência. Avinhão torna-se um centro de festas sumptuosas e também um centro artístico de tal vulto que se chegou a falar de Renascença. Fez regressar aos seus lugares de origem numerosos titulares de sedes episcopais que se flanavam ao sol quente de Avinhão e perseguiu os monges giróvagos. onde morreria logo depois. era um homem muito virtuoso e . imputava a epidemia. foi o "bom Papa" de Avinhão e também um homem de estudos. depois. Seu sucessor. cuja sumptuosidade ainda pode ser admirada. enquanto a peste negra avassala a Europa. sonhando dar à corte de Avinhão o fausto da corte de França que ele frequentou. O luxo da corte pontifícia Clemente compraria mil e oitenta peles de arminho para o seu guarda-roupa . ingenuamente. Em plena Guerra dos Cem Anos. retornando a Avinhão 187 em 1370.186 pretextando que o Papa afirmara que as almas dos justos não eram admitidas na bem-aventurança antes do juízo final. Mas como recomeçara a guerra entre a França e a Inglaterra. Paradoxalmente. Urbano pensou intervir como mediador. o limosino Gregório XI (1370-1378). a quem a multidão. protector das escolas e universidades.um correziano tranquilo e grão-senhor . avesso ao nepotismo. como a de Arnaldo de Cérvola que obrigou o Papa a fortificar Avinhão. um lozerense (13621370). no início de 1377. o Papa e a sua corte tornaram a Roma. penetramos num novo mundo: o nosso. os papas de Avinhão são soberanos sedentários. o bispo Durando de Mende havia elaborado um Tratado do Concílio Geral. O único concílio "ecuménico" realizado nesse período. a sua morte iria lançar a cristandade numa humilhação pior do que o "cativeiro" de Avinhão. pôde repetir tudo aquilo que fora dito anteriormente sobre o carácter absoluto do poder pontifício. e.a dos "espirituais" e a de um Wyclef. um ano mais tarde. O vulgum pecus dos cristãos revelou-se mais sensível a uma certa oposição anarquizante . se era justamente a sua voz que dominava todas as outras na Igreja? A influência espiritual dos papas de Avinhão foi limitada. não teve nenhuma repercussão no Ocidente? Por outro lado. mas. que iriam moldar a face da Igreja dos tempos modernos. cuja responsabilidade praticamente já não é limitada por decisões colegiais. limitação da prática administrativa pontifícia. sublinhar-se alguns aspectos. Portanto.. 188 5.. Será delicado fazer um balanço da longa estada do papado no vale do Ródano. O grande cisma do Ocidente O sucessor de Gregório XI. o napolitano Prignano. mas a verdade é que perdera o sentido de cristandade. restauração da constituição sinodal da Igreja e melhoria da formação do clero.do que ao belo edifício monárquico de Avinhão. com o grande cisma. porque não lhes imputariam o relaxamento geral. Preparando as sessões do Concílio de Viena. o de Viena em 1311.. será preciso lembrar que a tomada de São João de Acre. Um historiador chegou a dizer que esse concílio estava "na fronteira entre dois mundos". indicavam-se claramente projectos de reforma: fortalecimento da autoridade dos bispos. pelos Turcos. Mas o Concílio de Viena fez silêncio sobre o assunto. Apesar das queixas da gente de Avinhão e das reclamações de uma cúria apegada ao clima suave do condado. Gregório XI é saudado como o salvador da Igreja. que se tornou Urbano VI depois de uma movimentada eleição (8 de . Embora se apresente cada vez menos como o dono da cristandade. Pode. em 1291. alguns deles são mecenas e a sua acção prefigura aquilo que seria a Roma pontifícia do século XV. último bastião cristão na Palestina. no entanto. . nele. o Papa é cada vez mais o senhor da Igreja. etc.consciente da grandeza do seu papel. desde o início.da eleição de Urbano VI. Flandres e Portugal. homem de confiança do rei de França. sem excepção. o cardeal Roberto de Genebra. colocar os seus competidores nos seus devidos lugares. Não era a primeira vez que a cristandade se encontrava na presença de dois papas. Do lado de Urbano: o imperador. como nos belos dias de João XXII. culpados. A situação chegou a tal ponto que muitos não viram outra solução senão o recurso às armas. publicamente e em diversas ocasiões. Em 1378. a autoridade do papado estava enfraquecida. encontrando os cofres vazios. os nacionalismos. Carlos V: em torno dele. procissões. a Escócia e. Por todo lado. mais tarde. Em Janeiro de 1394. sob o nome de Clemente VII. Castela. de facto. queixas e opúsculos testemunhavam a participação dos cristãos nesse mal terrível que era o cisma. elegeu em Fondi. a política e os interesses pessoais endureciam as posições e opunham não somente dois papas.Abril de 1378). quando morreu em 15 de Outubro de 1389. os cardeais deram-lhe logo um sucessor. argumentando com a invalidade . era um homem virtuoso. em sua opinião. como um Papa mecenas e guerreiro. batido em Marino (1379). recuou feliz para Avinhão. um antigo chefe de caminheiros. a Sabóia. dali em diante. passou a viver novamente numa atmosfera de fausto. de viverem como príncipes faustosos. a Inglaterra. que multiplicava os favores espirituais e temporais para quem se comprometesse a reconquistar-lhe a Itália. que. A Igreja gemia. organiza-se um "partido francês" que. o cardeal de Amiens. Clemente VII não passava de um arquicapelão do rei da França. para ganhar ou manter partidários. do lado de Clemente: a França e seus aliados. As operações desenvolveram-se em detrimento de Clemente VII que. 189 o jovem Bonifácio IX. Entre eles. Avinhão. a Itália à excepção de Nápoles. O pior é que Urbano VI. a . organizou um jubileu (1390) e decretou que as anatas seriam. também multiplicava graças e benefícios e. exigidas de todos os benefícios.discutível . devotado de corpo e alma à causa francesa (20 de Setembro). com efeito. só com o seu prestígio. mas não se estava na época de um Gregório VII ou de um Alexandre II que podiam. orações. Aragão e Navarra. mas violento que. onde se encontraria entre franceses. mas dois campos inteiros. critica os cardeais. A morte súbita do Papa de Avinhão. acabou por morrer (1404). durante vinte anos. torna-se Inocêncio VII.foi a causa essencial do prolongamento do cisma. um sínodo parisiense e uma ordenação real (1398) quebraram os laços de obediência que uniam os súbditos da França a Bento XIII. Em 6 de Novembro de 1406. antes de terminar o ano de 1403. chegou-se. os cardeais de Avinhão designaram o aragonês Pedro de Luna que se torna Bento XIII (28 de Setembro de 1394). um septuagenário sem energia. por . Bento XIII procura aproximar-se de seu adversário. de subtileza de canonista e de uma elevada ideia das prerrogativas papais . mas cuja autoridade ainda era grande. inclusive.Universidade de Paris. derrotado. aliás. Por momentos. Em 5 de Junho. mas a entrevista entre os seus enviados e Bonifácio IX foi tão tempestuosa que o Papa romano. Bento XIII lança um anátema sobre o novo rival. Foi eleito um veneziano que tomou o nome de Gregório XII. oito cardeais romanos fugiram para Pisa. Pela terceira vez desde 1378. mas não foi ouvido e Cosma Migliorati. Alemães e Flamengos -. já gravemente enfermo. foi levado pela apoplexia. permanecerá inflexível. não sem prometer que forçariam o seu eleito à demissão. logo que Bento XIII abdicasse ou morresse. foi convidado a demitir-se pelo rei de França e pela Universidade.Ingleses. com a sua recusa.feita de orgulho aragonês. na presença de uma numerosa assistência. A longa obstinação do Papa de Avinhão . Entrincheirado em Avinhão. a ele se juntaram sete cardeais de Avinhão e lá organizaram um concílio. Inocêncio havia manifestado o desejo de reunir um concílio para pôr fim ao cisma. 190 O vento soprava a favor da reconciliação. os cardeais romanos se reuniram. em 16 de Setembro. Bento resiste durante quatro anos antes de fugir. depois voltaram sem nada conseguir (1407). mas. Ultrajados. que se inaugurou em 25 de Março de 1409. abandonada pelos partidários do Papa de Roma . O patriarca de Aquileia suplica aos cardeais romanos que renunciem à substituição de Bonifácio IX. parece oferecer uma saída fácil para a situação. errante perpétuo. apesar do aviso premente de Carlos VI. De seguida. a França regressava à sua obediência. preconiza o caminho da cessão (de demissão) para a solução do cisma. em 12 de Março de 1403. o que se montou foi uma sinistra comédia: cada um dos adversários deteve-se a uma jornada de marcha do outro. Na realidade. No entanto. a acertar um ponto de encontro: Savona. onde. das quais quinhentos bispos e dois mil representantes das universidades. 191 Convocado por um príncipe leigo.ainda apoiado pelos Estados ibéricos e pela Escócia . resistiu até à sua morte. no ano da graça de 1414. Expulso de Roma pelas tropas do rei de Nápoles. no dia 26. o concílio arrasta-se por muito tempo. só encontrou refúgio em Rimini. o cardeal Pedro Filárgio era eleito sob o nome de Alexandre V. que se realizaria em território alemão. 6. tomara a iniciativa de convocar um concílio geral. Bento XIII . esse Concílio "ecuménico" de Constança (de 16 de Novembro de 1414 a 22 de Abril de 1418). pois os dois papas depostos recusaram-se categoricamente a abdicar. mas morreu passados dez meses de reinado. não deu nada. Segismundo do Luxemburgo.influência determinante da Universidade de Paris. Concílio ou Papa? Um concílio fora de série. preocupando-se. A confusão chegou ao ponto culminante. em 1423. Inaugurado em 16 de Novembro de 1414 por João XXIII. aliás. Gregório XII acabou por enviar apenas dois observadores. o Papa pisano.refugia-se no rochedo de Peniscola. sobretudo. Gregório XII. quase centenário. abandonado. onde lentamente se aglomeravam cem mil pessoas. também abandonado . vai para Bolonha. Ladislau. na qualidade de "advogado e defensor da Santa Igreja" e por um edictum universale. tentava fazer esquecer um passado bastante escandaloso. Enquanto isso. Instalado em Barcelona. se por ordem se por cabeça. Bento XIII ameaça de excomunhão os prelados de sua obediência que fossem a Constança. os dois papas estavam depostos. em saber que modalidade de votação adoptaria. sendo substituído por João XXIII (17 de Maio de 1410). evitaram-no: do seu rochedo espanhol. tinha por objectivo impor ao papado o fim de um cisma escandaloso. sem abordar nenhum problema fundamental. Os papas. onde sabe que o rei dos Romanos. uma espécie de monte Saint-Michel espanhol. para grande alegria da população local. mostrando veleidades de estabilizar novamente a barca de Pedro. realizado em Roma em 1413. para contrabalançar a acção dos . a pequena capital dos Malatesta.os seus conterrâneos venezianos renegaram-no miseravelmente -. Finalmente. foi com a maior desconfiança que chegou a Constança. mas um concílio. em Constança. João XXIII. quanto a João XXIII. acata a decisão. é um facto grave. mas. de unidade da Igreja e de "reforma da cabeça e dos membros". seria obrigado a executá-los. Entrementes. mas. Para obter a abdicação do tenaz Bento XIII. em 23 de Março. O bispo de Vorchester propôs uma solução de compromisso: a eleição seria realizada imediatamente. João XXIII.um pânico que acaba com o sangue-frio de Segismundo. de qualquer condição que seja. pelo contrário. entretanto. não importa quem seja. castelhanos contra aragoneses. antes de retomar o seu lugar no Sacro 192 Colégio.conseguiram o voto por nação. só em 1417 é que o concílio aprovaria a deposição de Bento. segundo a directriz do Espírito Santo. o ex-papa permaneceu três anos na prisão. abandonado pela maior parte dos seus seguidores. chanceler da Universidade de Paris: "A Igreja ou o concílio geral que a representa é a regra que Cristo. nem por isso. onde se exasperavam os sentimentos nacionais irlandeses contra ingleses. começava a preparar o fracasso e a dissolução do concílio: em 20 de Março de 1415." O concílio seguiu Gerson e.cheia de mercadores forasteiros . Em 17 de Maio. por João Gerson. mesmo papal.italianos. decidiu que o concílio ecuménico reunido em Constança era a representação da Igreja inteira e recebia o seu poder directamente de Cristo. fugia para Schaff-house e daí para Friburgo. Com efeito. é obrigado a ouvi-la e a obedecer-lhe. discutia-se para saber se a reforma da Igreja devia ser tratada antes da eleição de um Papa ou. se. os alemães e os franceses adversários de João XXIII . mas também é grave o tom da declaração feita diante da assembleia. pelo decreto Sacro-sanctae de 6 de Abril. os ingleses. Em Julho de 1415. nos deixou. em 9 de Outubro de 1417. os decretos de reforma já prontos seriam publicados e o futuro Papa. Em Constança. o próprio Papa devia-lhe obediência em matéria de fé. seria preciso acabar com o cisma antes de promover a reforma. João XXIII foi preso em Friburgo e. Segismundo fez inutilmente uma viagem a Perpinhão. o decreto Frequens fazia dos concílios gerais uma instituição regular da Igreja . O concílio continua sem o Papa. cabendo o quinto voto ao colégio de cardeais. por decreto do concílio. o que provocou em Constança . em companhia de oito cardeais. Gregório XII demitia-se humildemente. inútil e prejudicial". o concílio aprovava a sua deposição como "indigno. em 29 desse mês. armanhaques contra borgonheses -. de sorte que qualquer homem. desiludido por não se ver confirmado no cargo. querendo permanecer fiel à letra do decreto Frequens. não pretendia sacrificar dessa maneira o poder papal. como os de Wyclef e de João Huss. Ninguém se iludiu com o alcance da declaração pontifícia publicada ao mesmo tempo que os decretos chamados de "reforma geral". Acontecimento de extrema gravidade: não é obedecido e. logo em Julho a reunião foi transferida para Sena. Eugênio IV. havia triunfado. cujo número de participantes aumentava. por muito moderado que fosse. fixaram para 1431 o próximo concílio. a ignorância dos clérigos e também pelos movimentos heréticos. em 18 de Dezembro. O seu sucessor. depois de trinta e nove anos de cisma e com alegria universal. em 29 de Setembro de 1420. 7. que rondava os espíritos por toda parte. 193 o Papa convoca um Concílio para Pavia. se fosse efectivamente aplicado. editados alguns dias antes do encerramento do concílio que ocorreu em 22 de Abril de 1418. Mas o cardeal Otão Colonna que. mesmo assim. a riqueza dos cardeais. aberto em 23 de Abril de 1423. a ideia de reforma.e uma espécie de instância de controlo do papado: decreto revolucionário que. Basileia e Florença O Concílio de Basileia começou em 23 de Julho de 1431. em 11 de Novembro de 1417. ficou demasiado dependente do Sacro Colégio para que pudesse dominar o conflito que explodiu no concílio de Basileia entre o "conciliarismo" e a doutrina do primado do Papa. Nisso. mas tiveram de se separar em 18 de Fevereiro de 1424. que deveria reunir-se em Basileia. Assim sendo. A autoridade papal. o cúmulo de benefícios. iria provocar uma reviravolta na organização e na vida da Igreja romana. não se corporizou. foi ajudado pelos desentendimentos que opunham as "nações" do concílio quanto às reformas a aplicar à Igreja devastada pelas exigências dos cobradores pontifícios. Voltando triunfalmente a Roma. Martinho V condena o chamamento do Papa ao concílio. sem nada se conseguir. no entanto. Infelizmente para o papado. de facto. pior ainda. Martinho V morreu em 20 de Fevereiro de 1431. Os poucos padres que compareceram ao Concílio de Pavia queriam pôr o dedo na ferida. muito pouco decidido. o absentismo dos bispos. se torna o papa Martinho V. renova o . mas na presença de tão reduzido número de padres. o concílio. o papa ordenou a sua dissolução. a concessão das décimas. Eugênio IV tentou aproveitar-se da situação desesperada para realizar a união das Igrejas. a maioria permaneceu em Basileia. a maior parte da cristandade coloca-se ao lado do concílio que. por anular o decreto de dissolução: os "conciliaristas" haviam triunfado. Os participantes do concílio propuseram como lugar de encontro Basileia ou Avinhão.decreto de Constança Sacrosanctae e convida Eugênio IV a justificar-se. pouco a pouco. e refugia-se em Florença. em vigor ao tempo da sua eleição. A ruptura era inevitável e ocorreu a propósito do lugar onde se realizaria um concílio de união com os Gregos. a proibição de qualquer nomeação directa feita pelo Papa. de facto. mas de tal maneira que. o Império de Bizâncio parecia a ponto de submergir. a prestação de contas dos cobradores pontifícios ao concílio. solicitando o zelo dos padres conciliares. onde o partido do Papa vence o confronto. o Papa teve de fugir de Roma. acabando. mas eram tão heteróclitos e as soluções propostas tão disparatadas que o concílio limitou-se a marcar passo. a menos que o Ocidente fosse em seu socorro. relativamente à "reforma 194 do Papa". Chegavam a Basileia os projectos de reforma eclesiástica reunião regular de sínodos.. A luta opondo o Papa e o concílio agrava-se a tal ponto que. tendo-se decretado (num momento em que Eugênio IV e a cúria careciam de (dinheiro) a supressão do pagamento das anatas e de outras taxas pontifícias. No entanto. se dirigiu para Ferrara. Mas. dependessem do consentimento dos príncipes. conduzida por Nicolau de Cusa. Duas embaixadas adversárias deslocaram-se a Constantinopla. que é proclamada República. em 8 de . a obrigação de o Papa jurar que observaria os decretos de Constança e de Basileia. mas apenas uma minoria. em meados de 1432.. etc. ainda que as suas decisões. havia um entendimento quase perfeito. Em 18 de Setembro 1437. contava com a participação de sete reis. no Concílio de Basileia. em 1433. O caso era que. mas Eugênio IV indicou Florença ou Udine. suspendeu Eugênio IV e intimou-o a comparecer em 24 de Janeiro de 1438. já se falava da próxima deposição de Eugênio IV. -. O Papa hesita. tendo-se transformado literalmente numa "assembleia soberana". em 15 de Dezembro. supressão dos apelos a Roma. Eugênio IV com toda a sua autoridade transferiu o Concílio de Basileia para Ferrara. em Junho de 1434. fazendo com que Ferrara fosse aceite como sede de uma conferência de união. Contudo. reduzido pelos Turcos a Constantinopla e à Moreia. após sua morte (1447). com poder de governar toda a Igreja. Em contrapartida. setecentos gregos . após uma paródia de conclave apenas um único cardeal permanecerá em Basileia -. em Janeiro de 1439. aderindo a Eugênio IV e a seguir. deverá dizer-se que "Florença era exactamente aquilo que não se deveria fazer em matéria de ecumenismo". que. Félix V vai para Lausana em 1442. em 5 de Novembro. já que o Papa se aproveitara da situação do Paleólogo. não se entendendo com os participantes do Concílio de Basileia. se dava ao ridículo de depor Eugênio IV e. Em breve. abdica em 7 de Abril de 1449. em conformidade com os actos e cânones dos antigos concílios. Florença pareceu aos ocidentais uma vitória do primado papal sobre um Concílio de Basileia que. os dirigentes da reunião de Basileia refugiam-se junto de Félix V que. no plano da união das Igrejas. um leigo. a Nicolau V. 195 a última linha era restritiva aos olhos dos gregos. depois. a Florença. admitindo que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. rumaram a Ferrara e. O papado romano salvara a sua autoridade e a unidade da Igreja. Mas. Expulsos de Basileia em Julho de 1448. finalmente. tornando-se Félix V. Portanto.entre os quais o imperador João VIII Paleólogo. para onde o Papa transferira o concílio. quando se iniciou o ano jubilar de 1450. a questão do primado do Papa foi regulada de acordo com a seguinte fórmula muito significativa: "A sede apostólica e o Papa possuem o primado sobre toda a Terra. pai de nove filhos. pouco a pouco. Na realidade. por questões de alojamento. eleger o duque de Sabóia. o Pai e o Doutor de todos os fiéis. Cansado. o Concílio de Florença não teve êxito: o clero e o povo gregos tinham menos repulsa pelos Osmanlis do que pelos Latinos. Enquanto sucessor de Pedro e representante de Cristo. o concílio aparecia-lhes como "o triunfo da opressão papal"." Considerada como explicativa pelos latinos. o Papa é o chefe da Igreja universal. em 25 de Junho de 1439. mas a bula de união Laetentur Coeli foi proclamada em 6 de Julho de 1439. o Ocidente vai.Fevereiro. o patriarca José de Constantinopla e mais três representantes de outros patriarcas desembarcaram em Veneza. Gregos e latinos puseram-se de acordo sobre a questão do Filioque. Após prolongadas discussões. enquanto multidões de peregrinos chegavam a Roma para . logo se revela um boémio bastante ávido. tanto leigos como clérigos. toda a nação o seguiria no cisma. Muito em breve. sabe-se que as decisões do Concílio de Basileia dependeram do consentimento dos príncipes. A concordata de Constança reforçou de tal maneira a autoridade do rei sobre o clero que o consentimento do Papa nas nomeações eclesiásticas já não passava de uma formalidade. nada daquilo que preocupava os cristãos (a reforma. Martinho V havia decidido . Por outro . A Igreja inglesa .aclamar Nicolau V . a francesa. notadamente na França. em 1483. as instituições imperiais debilitadas iriam ser substituídas pelas austríacas. O tempo das Igrejas nacionais "Mais do que uma assembleia da Igreja. o Concílio de Constança parecia um congresso das nações" (P. A Bula de Ouro de 1356 fizera do imperador um soberano alemão: de futuro. Mais do que qualquer outra.o primeiro Papa da Renascença -. Assim. E as Igrejas nacionais. cada vez com maior frequência. A concordata de 1418. francamente abordado. não atingia os abusos mais profundos e seria numa Alemanha bastante feudal e muito medieval. em primeiro lugar) havia sido solucionado ou. a sua designação iria ser feita sem coroação romana nem ratificação pontifícia. se o rei rompesse com Roma. a italiana e a espanhola. aliás.anglicana já era uma Igreja real. pelo pensamento de João Wyclef (1320-1384). habituavam-se a voltar-se para seus príncipes. O desmembramento da cristandade 196 era correspondido pela exaltação de monarquias seculares que. garantiam a vida religiosa dos súbditos. Nos territórios que ocupavam em França. profundamente. 8. não só negara a suserania pontifícia como também condenara as indulgências e preconizara a secularização dos bens do clero. Martinho Lutero. os Ingleses tinham a reputação de ser hereges. a inglesa. que nasceria. onde o patronato se exercia em todos os níveis. que a opinião pública inglesa ficara marcada. mesmo fazendo recuar a influência da cúria sobre o império. Além disso. um professor de Oxford que.antes de encerrar o Concílio de Constança assinar uma concordata particular com cada uma das cinco nações que compunham a assembleia: a alemã. não conseguindo conciliar os interesses de cada nação. É bem verdade. a Igreja inglesa não aceitava o jugo de Roma. na época do grande cisma. ao menos. frequentemente negligenciada. Ourliac). sobre Cristo como o único mediador entre Deus e os homens. essencialmente evangélica e de tom revolucionário. eram admiradores ou. mesmo. sobre o carácter infame das cerimónias romanas e do luxo dos dignitários romanos. que se atinham. os hussitas dividiram-se em duas tendências. os padres conciliares prefeririam uma abjuração infamante a uma condenação à morte que poderia ser considerada um martírio. podendo ser compreendidas sem os comentários da Igreja. sob a direcção de Wat Tyler. João Huss tinha. Os Miarás. Wyclef sustentava que as Escrituras eram bastante claras. ao esquema de João Huss livre pregação da palavra de Deus. Excomungado duas vezes. era agitado pelas teorias joaquímitas. cujo pensamento alimentava o anticlericalismo e o antipapismo da plebe. comunhão sob as duas . E eis que. onde se apresentou munido de um salvo-conduto do imperador Segismundo que. em 1402. mais do que nenhum outro na Europa Central. mas Huss recusou retractar-se. momentaneamente enfraquecido. mas a sua pregação. Os moderados ou calistinos (de cálix ou cálice). não seria nenhum exagero ver em Wyclef um ancestral. João foi intimado pelo Concílio de Constança. Husss não possuía uma doutrina original. o ódio que os Checos sentiam em relação aos alemães que se infiltravam nas suas cidades estendia-se à Igreja romana. sendo. o abandonou nas mãos do concílio. porque preconizava um retorno à Igreja primitiva. se revoltaram em 1381. por isso. Jerónimo de Praga. 33 anos: marcado pelo ocamísmo. havia estudado os tratados de Wyclef que o seu amigo Jerónimo de Praga levara de Oxford. 197 Na Boémia. os poorpriesters que pregavam uma vida cristã baseada unicamente na autoridade da Escritura e os camponeses que. tomava a palavra na capela praguense de Belém e clamava também contra os abusos eclesiásticos. entretanto. Esse país. valdenses e wiclefianas sobre as Escrituras. considerada como sua cúmplice.lado. sofreria a mesma pena. condenado à fogueira (6 de Julho de 1415). foi protegido pelo povo de Praga que não deixou que o decreto de condenação fosse proclamado publicamente. ele chegou a apelar para Jesus Cristo como único chefe da Igreja. Em 1414.fundada em 1348 -. sem dogmatizar. Em 30 de Maio de 1417. Enquanto a Boémia se unia toda contra a Igreja romana e contra os Alemães. discípulos de Wyclef. o reitor da jovem Universidade de Praga . João Huss. tocava profundamente a gente humilde. único fundamento da fé. então. senão o precursor do anglicanismo. os oficiais de um soberano. rejeitavam toda a tradição. iria levar o rei a intervir frequentemente na vida da Igreja francesa. o rei da renovação. foram eloquentes defensores da teoria conciliar. Em 1438. abolição do poder temporal e da riqueza da Igreja. Os cobradores pontifícios encontravam um país arrasado e. cujas necessidades financeiras cresciam com os seus poderes. da palavra latina utraque. proclamava-se uma ordenação em vinte e três artigos que. Carlos VII consultou o seu clero em Bourges: a 7 de Julho.espécies (utraquismo. como "rei cristianíssimo". homologada pelo rei. Unidos contra Roma e contra o império com prestigiosas vitórias. castigo de todo pecado mortal. calistinos e taboritas dividiram-se depois. continuaram numerosos os apelos à corte de Roma. Em 1433. tinha consciência das suas responsabilidades em relação à sua Igreja. provocando rivalidades por toda a parte. assinaram com os padres do Concílio de Basileia as compactata que só lhes permitiam a comunhão sob as duas espécies. para que a paz se restabelecesse na Boémia. dos sacramentos. associando o seu triunfo à defesa das liberdades galicanas. O galicanismo já era antigo. dois representantes prestigiados da Igreja francesa. mas a luta entre Filipe IV e Bonifácio VIII tinha-o fortalecido. o regime de benefícios. esse acto regulava unilateralmente a disciplina geral da Igreja . a Croácia e o Sul da Alemanha se mostraram sensíveis às suas doutrinas democráticas e socialistas. era homem piedoso e. muito naturalmente. Os taboritas (do monte Tabor). e 198 condenavam todo o luxo no culto. pelo contrário. o seu património eclesiástico estava arruinado. constatando-se que a Hungria. A concordata assinada em Constança em 1418 e a de 1425 não resolveram nada de essencial. Quando a França saiu da Guerra dos Cem Anos. muito próximos dos valdenses. substituir o movimento hussita na Boémia. João Gerson e Pedro d'Ailly. ao passo que os taboritas mais violentos se passaram para os "Irmãos Morávios". Foi preciso esperar que os taboritas fossem esmagados em Lipany (1434). a Universidade de Paris e o Parlamento nascente haviam-se feito seus defensores. os Checos reconheceram Segismundo. mas a reforma luterana iria. uma e outra. se transformou na Pragmática Sanção de Bourges. contra eles. Cansados de tantas lutas. Denunciando a incúria pontifícia. só consideravam o baptismo e a eucaristia. Em Pisa e Constança. as duas). Carlos VII. restabelecia a eleição dos bispos e abades pelos capítulos. de facto. até 1789. salvaguardando os direitos dos soberanos pontífices. Mas embora. longamente humilhada. a Pragmática Sanção continuaria a ser. retirava à Santa Sé os seus direitos em matéria de recebimento dos benefícios eclesiásticos. Já a Igreja espanhola distinguia-se pela sua fidelidade à unidade cristã e pelo carácter apaixonado da sua vida religiosa. ideias e aspirações. dividida em quatro reinos rivais. a cristandade estava em gestação. A prática dos benefícios não encontrava muitos obstáculos na Itália. . antes dos reis católicos. Mau grado a sua exploração por uma realeza francesa de tendências cada vez mais absolutistas. depois. afirmava a superioridade dos bispos reunidos em concílio sobre o Papa.da França e as suas relações com a Santa Sé. se comparadas com a nação alemã (uma comunidade cultural) e com os dois Estados modernos (a França e a Inglaterra). enquanto não se esgotassem as jurisdições intermédias e limitava a prática das excomunhões. a carta da Igreja galicana. Em Espanha. iniciando uma transformação que fará dela uma capital das artes em vez de foco de renovação religiosa. cidades e principados) e a Espanha. 200 Capítulo II A CRISTANDADE EM ACÇÃO 1. os reinos concluíram acordos com o papado. A Itália (um mosaico de reinos. Mas este magnífico monumento não pode fazer esquecer o profundo abalo provocado na cristandade ocidental pelas forças. podiam parecer fiéis à "ideia papal". a Igreja parece estar salva: a monarquia pontifícia ocupa novamente o seu lugar próprio e os seus mecanismos funcionam bem.em que o Papa e o rei dividiram entre si as nomeações -. Em meados do século XIV. A "devoção moderna" Quando o papado se reinstala em Roma. cristãos e mouros vivessem em bom entendimento. a que se adapta perfeitamente o epíteto de "modernas". apesar da concordata de 1516 . 199 contestava o princípio dos julgamentos com apelo a Roma. o anti-semitismo iria revestirse de fanatismo. moroso e com a presença do terror. preocupados com uma hábil diplomacia. culto mais vivo da Eucaristia. Os dois séculos que precederam a reforma protestante viram engrossar uma extraordinária corrente de misticismo. a chamar para junto de si Francisco de Paula como se fosse um curandeiro. nos túmulos. o monumento luminoso de Tomás de Aquino é submergido pela sombra do nominalismo. as relíquias. Porque a unidade cristã está quebrada. para o Cristo da pietà (1) e para a Virgem das Dores. O ideal de S. triunfante. a atroz peste negra de 1348. As devoções tornam-se mais humanas. "flagelantes". a miséria. Luís é substituído pelos de Maquiavel. porque os homens dessa época têm medo: a 201 guerra endémica. As efígies suaves do século XIII sucedem-se. aos pastores seguidos por seus rebanhos sucedem-se monarcas de tríplice coroa. As "danças macabras" povoam os frescos. Via-Sacra. as miniaturas e os poemas. Os homens já não recebem orientações comuns e cada um volta-se para si mesmo. As peregrinações transformam-se. os cristãos voltam-se para o Cristo supliciado. em actos supersticiosos. festa do Precioso Sangue. sobretudo entre a gente humilde. pensará tornar-se senhor. o século XV voltar-se-iam para um futuro. anatomias arruinadas pela doença e pela velhice. dos Médicis e de Luís XI. e acumulam as indulgências tendo em vista a eternidade. Trata-se de um processo. mulheres bonitas. Mas a superstição não é mais do que um parasita indestrutível da verdadeira devoção.O século XIV e. Na sua origem esteve aquilo a que os historiadores chamam "a devoção moderna" (devotio moderna). as pessoas procuram. A pessoa de Jesus é o centro da devoção. as epidemias. uma nova orientação da vida espiritual . misturando no mesmo desprezo papas. obscuramente. reis. A demonologia e a alquimia perturbam os espíritos e têm numerosos seguidores. marcadas pela vida. mais ainda. sentia cheia de ameaças. mais quentes: Ave-Maria. as pilhagens e a revolta dos pobres colocam-nos em contacto permanente com a morte. verdadeiras ou falsas. Claro que esta patética devoção é acompanhada por abusos e desvios. do qual o homem da Renascença. sofregamente. com frequência. Muito naturalmente. Os "mistérios" tornam-se "paixões" e os peregrinos. mas que a consciência da cristandade. os assaltos. moribundo. por vezes. a Virgem do Calvário e do Sepulcro. clérigos e monges. nunca se consegue distinguir o santo do feiticeiro: basta lembrar Joana d'Arc acusada de feitiçaria e Luís XI. Gerardo Groot. as comunidades reagiam espontaneamente. alimento fácil para a meditação. não é quietismo. de Deventer (falecido em 1384). já o vimos a propósito de Ruysbroek e dos dominicanos renanos. reitor do colégio de Montaigu: em 1499. O velho tronco beneditino apresentava sempre alguns rebentos verdes: os oli-vetanos. no entanto. O papa Eugênio IV (1431). que a escola mística se desenvolveu. Entre os mendicantes. que rapidamente chegarão a ter uma centena de fervorosos mosteiros. visando a perfeição cristã e a união com Deus num abandono ou entrega que. a de Melk na Áustria (1418) e a de Bursfeld em Hanôver (1430). acessível a todos. embora não se pretenda afirmar que tenha sido Standonck quem inaugurou a grande reforma do clero secular. aliás. um sangue novo suscita reformas mais gerais. [N. a reforma de Sta. Paralelamente ao movimento cismático dos . fundou a Sociedade dos Pobres.um terreno particularmente fértil. que se pode considerar o primeiro seminário da França. provocou uma cisão entre os carmelitas que opôs os "observantes" aos "conventuais" ou mitigados. encorajadas pelo Concílio de Basileia.caracterizada pela perda de prestígio das teorias sábias e por um método de oração simples. A obra que teve a mais extraordinária repercussão (dela conhecemos oitocentos manuscritos) foi incontestavelmente a Imitação de Jesus Cristo. um discípulo de Ruysbroek. mais propícios a este processo. Mas não chega à venerável congregação de Cluny que não conseguia despertar da rotina. através de Standonck. ao pretender suavizar o rigor da antiga observância. Dos Países Baixos. Nota 1: Da piedade.] 202 Nos Países Baixos. em certos lugares. a devotio moderna alcançou a França. num espírito evangélico. o corpo monástico estava arruinado pelo cancro da comenda e das prebendas. Tomás de Kempis (falecido em 1471): o seu conteúdo alimentou a vida espiritual de numerosíssimos cristãos. Por seu turno. do T. A maior parte dos escritos místicos do século XV são colectâneas de sentenças sem ligação aparente. mas ascese. composta por um irmão da vida comum. Justina de Pádua (1409). Foi nos países do Norte. racional. foi o verdadeiro fundador desta devotío moderna que encontra entre os cónegos regulares de Windesheim e entre os irmãos da vida comum fundados por Groot . nascidos perto de Siena (Itália) no século XIV. prova da qual ela saiu intacta.encontra uma segunda fundadora na pessoa de uma reclusa. multiplicou as menos conformistas experiências e. que a Igreja iria canonizar. foram salvos por frágeis mulheres. a ponto de. em 1415. Joana d'Arc (falecida em 1431). a religião dos cristãos desse tempo era afectiva e popular. Aliás. Coleta de Córbia (falecida em 1447). "a desorganização . pela sua eloquência tempestuosa e truculenta. durante quarenta anos.as Clarissas . Angela de Foligno (falecida em 1309). primeiro passo para a divisão da ordem: em 1517. Sem esquecer a maior e mais misteriosa de todas. um decreto pontifício instituir um vigário-geral de toda a reforma. Francisca Romana (falecida em 1440). Porque foi a época daquilo a que Albert Dufourcq chamou. cujas Revelações juntam dramáticas visões da vida de Cristo e da Virgem e admoestações. suplicando à Igreja que voltasse à sua pureza. uma estigmatizada que exerce junto de Gregório XI e de Urbano VI o papel exercido por Bernardo junto dos papas do século XII. Dois vigários dos 203 observantes alcançariam renome universal: João de Capistrano (falecido em 1456) e Bernardino de Siena (falecido em 1564). Paralelamente. com o seu sadio frescor de camponesa e a sua vocação indomável e explosiva. desprezado pelo seu radicalismo. encontramos o extraordinário Raimundo Lulo (falecido em 1316) que foi chamado doutor iluminado. séculos de inquietações e angústias. fundando os Mínimos. multiplicaram-se os observantes entre os frades menores. cuja curta epopeia foi passada e repassada pelo mais severo crivo da história. Catarina de Siena (falecida em 1380). pretendeu fazer reviver o espírito do poverello. materializando-se em devoções. cuja vida espiritual intensa se orientava naturalmente para a acção reformadora: Brígida da Suécia (falecida em 1373). Vicente Ferrier (falecido em 1419) foi o mais célebre dominicano na época do grande cisma. em relação aos dogmas e à Bíblia. Bastante espectacular . A segunda ordem franciscana . O franciscano Francisco de Paula (falecido em 1507). mas também.testemunha disso é o gótico flamejante -."fraticelos". usou um método pacífico de conversão dos Muçulmanos. Ana de Montepulciano (falecida em 1317). sobretudo. Juliana Falconieri (falecida em 1341) e tantas outras. bastante autónoma e individual. com inteira justiça. os menores da observância regular separaram-se dos conventuais. os séculos XIV e XV foram séculos de santas. as profecias joaquimitas. Pode compreender-se perfeitamente por que motivo o espírito dos cristãos era assaltado pela ideia de reforma. Anseios de reforma A ideia de reforma. montado num burro e protegido por guardas junto de largas massas humanas.. como alimento substancial. hoje. muito humanas. foi excumungado e queimado vivo. mais ou menos confusamente. um dos seus irmãos em religião. desenvolveu-se a pregação popular em vernáculo e. aos Irmãos do Livre Espírito e a João Huss. por um regresso ao espírito evangélico. De Valdo a Wyclef. o dominicano Vicente Ferrer. é muito anterior a Lutero. Nos primeiros tempos da Igreja. e por uma renovação espiritual de todos os cristãos.. e sobretudo. uma atitude rebelde. em primeiro lugar. simultaneamente evangelista. a Igreja tem cálices de oiro e os prelados são de madeira."Vede estes prelados dos nossos dias: só têm pensamentos para o mundo e para as coisas terrenas. alguns deles chegaram ao visionarismo. Todas as classes da sociedade. que a Igreja devia renovar-se não apenas no sentido de uma correcção dos abusos. nos séculos XIV e XV. . de reformação . pietista. 204 2. foi designado como "o pregador do fim do Mundo". a preocupação pelas almas já não lhes toca o coração. de facto ou no seu coração. Outros. mas. sem renegar a Igreja. perante enormes multidões prontas a vibrar. Os franciscanos Bernardino de Siena. em pleno reinado de Alexandre VI Bórgia. João de Capistrano e Olivier Maillard dispuseram de auditórios tão grandes que os de hoje são meros grupinhos. puritana e democrática." Depois. os cálices eram de madeira e os prelados de oiro. até. com os seus sermões à moda da época . muitos romperam.esta palavra é bastante mais forte que a primeira -.individualista". todas as elites pressentiram. faziam estremecer as paredes desse velho edifício. às Sagradas Escrituras. a cristandade carecia de direcção espiritual. mas também. cujas estruturas demasiado visíveis. os pregadores insistiam e citavam de bom grado o Apocalipse e. mas desde há muito. que lhe pedia contas das suas profecias. o monge branco impôs-se na capital dos Médicis através de uma verdadeira ditadura na base da austeridade. Jerónimo Savonarola (1498). com a Igreja romana. sacudiu a opulenta Florença. Sessenta anos mais tarde. como assumiu em relação a Alexandre VI. não lhes pareciam interessar a uma reforma. mas distantes das visões apocalípticas) também sonhavam com a reforma. à frente deles. na sua Imago mundi. Leida. cuja universidade. o fogo novo nascido na Itália espalhou-se por toda a parte. optimista e crítica do homem e da Natureza. Gerson foi também o teórico da monarquia. neles. porque a palavra Renascimento engloba uma realidade extremamente viva: um humanismo que propõe uma nova arte de viver.. Teórico do poder conciliar. a Roma dos papas. Nuremberga. os professores da Universidade de Paris. uma observação e um conhecimento aprofundados dos autores. revelava-se também um místico subtil e terno . Paris e o Colégio de França. um desejo de síntese jamais saciada. um autor de opúsculos piedosos e populares. com o mais importante de todos: João Gerson (falecido em 1429). situava na mesma linha que a devoção ao rei do céu. Alcalá de Henares. Basileia. mais próximo de S. Alguns lugares privilegiados favoreceram essa irradiação. uma ruptura voluntária e reflectida com uma escolástica ultrapassada e fechada. Estavam na primeira linha os teólogos e. Calcula-se que. Boaventura do que de S. setenta e cinco 206 por cento do total produzido pelas tipografias. uma cultura universal alimentada pela filologia. mas este teólogo. entre 1445 e . ao dissociarem a razão e a fé. A invenção e a difusão da imprensa contribuíram largamente para saciar essa "fome sagrada". esteve na origem da primeira Bíblia poliglota. um pregador de linguagem familiar. uma visão. Tomás. As gerações seguintes mostraram-se ainda mais exigentes. José -. ao mesmo tempo. o cardeal Pedro d'Ailly (falecido em 1420) que. no sentido em que. Montpellier. favoreciam a experiência mística pessoal e davam a Deus uma larga parte na economia da salvação. entre outros: a Florença dos Médicis e das suas academias.foi ele o verdadeiro criador da devoção a S. dos sábios e dos artistas gregos e latinos. pelo menos. pôs o problema da esfericidade da Terra -. porque pensava que a reforma da Igreja devia começar pelos mais jovens.205 Havia outros que (embora fora das normas. sua contemporânea. desse culto pelo rei de França que Joana d'Arc. e também um educador. Na segunda metade do século XV. já são modernos. o occamismo e o nominalismo. o triunfo do leigo sobre um sacerdócio desvalorizado.. fundada por Cisneros. um cotejo constante de todas as disciplinas. Gerson e o seu amigo. pelo desejo de uma Igreja evangélica e tolerante. Em diversos aspectos. este evangelismo aparentava-se com o que se exprime na obra truculenta e muito optimista de Rabelais (falecido em 1553). considerava o cristianismo o ponto de convergência de todas as formas anteriores do pensamento humano. as traduções da Bíblia. tendo por única lei o Evangelho. nos sábios de todos os povos. aproximando do cristianismo a própria filosofia grega. mas também pela fidelidade ao corpo da Igreja romana. os infiéis se converteriam e o cristianismo se tornaria universal. morto aos 31 anos (1494). o toscano Marsílio Ficino (falecido em 1499) junta-se com o cardeal alemão Nicolau de Cusa (falecido em 1464) que. desde que se despojasse e se interiorizasse. caracterizado por uma concepção optimista do homem. depressa se espalhou uma teologia neoplatónica. uma efervescente Renascença cristã. em particular. professor de Oxford. por certas interpretações abertas dos dogmas. muito antes de Galileu. Na Alemanha.1520. que considera que as verdades essenciais da religião de Cristo se encontram presentes. Nesta procura de uma religião simplificada. Por isso. O extraordinário erudito Pico de Mirândola. as riquezas do passado fundiam-se com as exigências do novo humanismo que beneficou da protecção da rainha de Navarra. por uma maior ligação às experiências místicas do que às dissertações teológicas. Se. João Colet (falecido em 1519). também sabia que o caminho mais curto para chegar até Deus é o mesmo que Jesus Cristo pobre proclamou. que será chanceler de Henrique VIII. essencialmente optimista. ao aprofundar-se a mensagem da sua própria religião. embora escondidas. tendo-se multiplicado. evocava na sua Utopia uma terra ideal em que triunfariam a mais pura democracia e a partilha de todos os bens. Muito naturalmente o humanismo conduziu a uma filosofia que. centro de cultura medieval. atingiu uma espécie de wiclefismo. confiante de que. um humanismo cristão marcado pelo culto da exegese bíblica. foi de obras religiosas. Margarida de Angolema. abandonou o geocentrismo e a explicação literal da Bíblia. Tomás Moro (falecido em 1535). cujas inquietações religiosas se encontram em obras poéticas francesas tão intensamente . Verificou-se. se exprimiu também como um neoplatonismo cristão. desde logo. na Inglaterra. João Reuchlin (falecido em 1522) foi o iniciador do estudo científico da língua hebraica. irmã de Francisco I. 207 Em França. amigo de Savonarola. como o papado estava bastante ocupado. um exegeta e um místico que sonhava levar a Igreja romana a sair do espartilho do juridismo. devolvia-se ao papado a missão de o canalizar. um mestre de pensar na Europa. Briçonnet. um filósofo aristotélico. normalmente. porém. nos séculos XV e XVI. Aliás. que esteve na origem do progresso das ciências sagradas." (L. era realmente cristão. tradições.que formavam o grosso da população -. Lefèbvre d'Étaples. Margarida era confessada e dirigida pelo bispo de Meaux. se pensarmos apenas nos rurais . costumes e práticas. Este professor era um erudito nunca satisfeito. em vésperas da reforma luterana. Mas será ao genial holandês Erasmo (falecido em 1536) que se ficará a dever o facto de propor o humanismo cristão como programa de renovação em toda a Europa. mostrava-se digno dele. uma série 208 completa de cerimónias. Mas seria esse terreno já propício e teria os antídotos suficientes? Uma primeira verificação: qualquer homem. "Do nascimento até à morte. preocupado com a reforma da sua diocese. foi considerado de vários modos. embora a vasta e poderosa corrente do humanismo cristão já transbordasse as suas margens. é verdade que no começo do século XVII ainda muitos deles permaneciam dominados pela mentalidade . se os homens desse tempo estavam profunda ou superficialmente cristianizados. mesmo que a Faculdade de Teologia de Paris tenha duvidado da sua ortodoxia. agarrava o homem contra a sua vontade e tornava-o prisioneiro. o seu vigáriogeral.marcadas de evangelismo. cristãs ou cristianizadas. um teólogo. Febvre) Resta saber. os seus principais méritos foram o de ter abandonado as malhas da teologia positiva. não seria o povo de Deus capaz de se reformar a partir de dentro? 3. Ora. por mais que afirmasse que era livre. e o de ter imposto os métodos rigorosos da História ao estudo da Revelação. podendo também ser considerado como o mestre do humanismo cristão em França. um verdadeiro pastor. A sua autoridade de exegeta e de reformador fez de Erasmo. Personalidade excepcional. E o povo cristão? Os historiadores contemporâneos mostram-se naturalmente interessados no estado real da cristandade em vésperas da Reforma protestante. dos condottieri.animista. Muitos deles refugiam-se friamente nos braços de Deus e da Virgem. os mandamentos da Igreja sobrepõem-se muitas vezes aos mandamentos de Deus e a superstição mal se distingue da devoção. No entanto. Mas há ainda mais grave: o próprio papado dá o exemplo e parece esquecer as suas responsabilidades. sendo naturalmente os seus filhos os ajudantes da missa. do luxo e da volúpia. de facto. entre os membros mais humildes.não tenham sido padres indignos. XV e XVI a Igreja tenha contado com muitos bispos piedosos. quer por viverem com uma mulher. a sua falta de zelo e a não-resistência que caminha a par da inflação sacerdotal. Em muitas consciências cristãs. mais ou menos folclórico. enquanto a Igreja. a sua ignorância. 4. embora . sucederam-se dez papas que. na Itália de Maquiavel. não será propriamente a concubinagem dos padres que fará sacudir uma parte da Europa e a colocará ao lado da reforma protestante. podia comportar de violências e comprometimentos. ainda que nos séculos XIV. príncipes seculares com tudo o que. Os papas da Renascença Os setenta anos que decorrem entre o advento de Nicolau V (1447) e a publicação por Lutero das suas teses contra as indulgências 209 (1517) pesaram duramente sobre o destino da Igreja romana. estava em estado de reforma. instruídos e edificantes. pautado por um processo de paganização e onde as sobrevivências do paganismo galo-romano continuavam numerosas. revelam-se muitas vezes abaixo das suas tarefas. a sua falta de formação. eles adoptaram os gostos . na sombra dos ostensórios e nas dobras das casulas. Foram os "papas da Renascença" e a História não deixa de registar esse título. porque sentem à sua volta a tremenda presença do Demónio. os encantamentos e os ritos da feitiçaria ou da magia ocupavam largo espaço no "cristianismo". Enquanto a Europa Ocidental era literalmente sublevada pela Renascença. Quanto aos padres. Esses defeitos podem encontrar-se em muitos prelados. que significa mais vergonha que glória. Nesse tempo perturbado que fazia florescer muitas riquezas. foram. quer por levarem uma vida dissoluta. sobretudo.à excepção de Alexandre VI . Muitos são concubinos. quando não se tornam até os seus sucessores. será. João de Capistrano. Embora não se possa argumentar apologeticamente a favor da Igreja pelo facto de não ter perecido por causa dessas negligências.sem que o Ocidente esboçasse o mínimo gesto -. o Papa esbarra constantemente com o prestígio crescente dos reis. Nicolau V acreditou que podia pôr alguma ordem naquela Itália fragmentada. não foram mais do que o picante dessas festas mundanas. porque. Alguns projectos de cruzada lançados pelo Papa e pelo imperador rebentaram como bolhas ou. 1450: o jubileu reúne em redor de Nicolau V uma imensa multidão. Roma saiu arruinada de vários séculos de anarquia e de guerras civis.construir sobre o Vaticano uma cidade . enquanto alguns legados percorrem a cristandade: Nicolau de Cusa. onde as ambições se agudizam. como o célebre "Voto do Faisão". como aconteceu com Carlos VII que. mas a Paz de Lodi e a Liga Itálica (1454) foram um esboço sem futuro da unidade italiana. 1449: o último antipapa da História.como homem da Renascença . serão chefes de um dos Estados dessa Itália.artísticos e as preocupações políticas em vez de assumir inteiramente os sofrimentos e as aspirações espirituais. Podemos pensar que regressaram os dias gloriosos do século XIII. Nicolau V quis torná-la digna do seu título de capital dos cristãos. os cardeais italianos são em maior número. se tornou o chefe da Igreja galicana. afirmava-se que tudo aquilo que fizera a unidade do 210 Mundo se destinava ao desaparecimento. em 29 de Maio de 1453 . Aliás. na França. também não é menos verdade que a cristandade saiu desse período muito dilacerada. Não há por que escondê-lo: Nicolau V e os seus sucessores imediatos serão mais papas italianos do que pontífices universais. Félix V. Na Europa. na Europa Central. Além dos enormes e necessários trabalhos de reconstrução. o papa pretendeu . o Bom. no Sacro Colégio. abdica. o cardeal de Estouteville. Constantinopla caía nas mãos dos Turcos: era engolido o último bastião do Império Romano. Ou melhor. na Alemanha. pronunciado em Lila por Filipe. é verdade que a autoridade desse habsburgo sem prestígio em nada é comparável à dos Hohenstaufen do século XI e Nicolau V não é Ino-cêncio III. em Março de 1452.. pela Pragmática Sanção. a verdade é que a corrente de santidade a percorria sempre nas suas profundezas. Frederico III fazia-se coroar em Roma.. com um passado pouco edificante. se tornará Alexandre VI. conduzido por João Hunyadi e animado por João de Capistrano. pelo menos sentia-se a alegria de ver o exército húngaro. acumulou muitos manuscritos antigos. simultaneamente palácio e fortaleza. Mas Calisto III cometeu o erro de fazer do nepotismo uma verdadeira instituição: desejoso de limitar o direito de controlo dos cardeais. sucedeu-lhe com o nome de Paulo II (1464-1471). sobre cujas ruínas se erguerá. pouco a pouco. a Basílica de São Pedro. mas este Valois manhoso foi. Este homem superior apreciava os objectos artísticos e os carnavais romanos. que acordou o Ocidente do seu torpor e fez com que a Itália abandonasse as suas lutas . Calisto III. entre outras coisas. A obra literária deste italiano frouxo. Pietro Barbo. não era desprezável. colocou os Bórgias ou espanhóis nos postos-chaves da Cúria e concedeu a púrpura a três dos seus sobrinhos. decidiu uma 211 cruzada contra os Turcos que nunca se chegou a realizar. Nicolau V foi o criador da Biblioteca do Vaticano onde. teve apenas um objectivo: retomar a luta contra os Turcos que tinham alcançado o Danúbio. mas a sua estada preferida era no Palácio de Veneza. Como os seus predecessores. Em resumo: foi mais como humanista do que como pastor que Pio II captou a atenção dos doutos deste mundo. Com Pio II . Durante os três anos do seu pontificado (1455-58). Um patrício de Veneza. se obtivesse de Luís XI a ab-rogação da Pragmática (1462). um Bórgia de Espanha. deter o islão diante de Belgrado (14 de Julho de 1456). Rodrigo. terra veneziana. Já que não era possível conseguir que os cristãos organizassem uma cruzada. em França. mais tarde. em Roma. em 1459.(1458-1464) pode dizer-se que o Humanismo se instalava na cadeira de S.pontifícia separada do resto da cidade. Mas foi a instalação dos Turcos em Négrepont. apanhando o que tinha parecido abandonar. mandou demolir a velha Basílica de Constan-tino. dos quais o mais devasso. Nesta perspetiva. como bibliófilo e humanista sensato. Pio II foi o último papa com tendências universalistas: a sua bula Exsecrabilis (1460) condenou em termos enérgicos tudo o que restava das teorias conciliares e um congresso reunido em Mântua.Aeneas Sylvius Piccolomini . preconizava a rápida convocação de um concílio geral para reformar a Igreja. Além disso. Pedro. também não respeitou o pacto eleitoral que tinha acompanhado o conclave e que. Pio II julgou que triunfaria. João de Médicis. lutou até à morte contra os Colonna e os Médicis.. manietado pelas miseráveis tramas de uma política estritamente italiana. tinha feito uma obra de reformador. Mas que representavam esses esplendores em relação à decadência da cristandade? 5. Pinturicchio. ao chegar ao trono pontifício. Durante os treze anos do pontificado de Sisto IV (14711484). o Magnífico. Paulo II criou a Quindécima. Sisto IV. Perugino. levando para Roma obras de Boticelli. a aplicação de dízimas tornou odioso o nome do Papa. Para se conseguir dinheiro. a Biblioteca do 212 Vaticano possuía 3500 volumes manuscritos e o Papa tinha aberto ao público o Museu do Capitólio.. mas sobretudo na Europa Central e Setentrional. A venalidade dos cargos tornouse uma armadilha do governo pontifício... Entretanto. fazia nascer alguma esperança: sabia-se que. tirando o valor às actas autênticas do pontificado. É evidente que. Mas houve pior: Inocêncio VIII celebrou o casamento do seu filho Franceschetto Cibo com Madalena. mas 62 mil ducados foram o fruto da criação de vinte e quatro novos postos de secretários apostólicos. Sisto IV foi unicamente um príncipe amante da vida faustosa. o papa multiplicou os empregos. por vezes comparado a Lúcifer.intestinas. instalado em Roma. . o irmão mais novo. como geral da sua ordem. setenta anos mais tarde. havia um colégio de cem solicitadores. Sisto IV tornou obrigatória a "Composição". no fim do reinado de Sisto IV. apoiado pelos Pazzi.seis deles foram cardeais -. ao mesmo tempo. Mas. Pelos seus sobrinhos . por isso. Por toda a parte. A caminho do V Concílio de Latrão O genovês Inocêncio VIII (1484-1492) . a camarílha dos Delia Rovere invadiu a administração romana. ligando ainda o seu próprio nome à Capela Sistina.. em 1482. uma criança de 13 anos. como recompensa. haveria de ser estigmatizada por Du Bellay. Viram-se falsas bulas fabricadas por funcionários da Cúria com pressa de se indemnizar a si próprios e. espécie de imposto sobre os benefícios detidos pelos religiosos.dois filhos naturais deram-lhe uma deplorável reputação .fracassou em todas as suas combinações políticas. Francisco delia Rovere. filha de Lourenço. retribuição pelo beneficiário de uma graça pontifícia. o filho deste último. As personalidades indignas que rodeavam o pontífice deram o tom a uma corte corrupta que. César e Lucrécia . Foi durante o pontificado de Alexandre VI Bórgia (1492-1503) . desejoso de ser o verdadeiro senhor da Itália. E chegou o tempo de Juliano delia Rovere. tinha atentado contra os Bórgias em termos como estes: "Outrora. oriundo de Siena. Pio III. Este Papa brusco. de quem todos os cardeais unanimemente pensavam que a Igreja precisava. rapidamente limpou os seus Estados de todo o banditismo. Igreja infame! Igreja prostituída! Descobriste as tuas vergonhas perante os olhos do universo inteiro!" Em 18 de Agosto de 1453 [nota da digitalização: erro da edição em papel. . os barbari. ainda restariam abusos.sobre Alexandre e os seus quatro filhos . voltou-se contra os Franceses. quando os padres tinham filhos. mas reinou apenas durante alguns dias. logo a seguir. embora. excessos e violências suficientes para se poder lamentar que um homem como Rodrigo Bórgia tenha sido o pastor supremo da Igreja. os hábitos estabelecidos voltaram com 213 toda a força. disse-se que teria sido envenenado..e do pior! . a lançar uma bula de reforma. mas eles resistiram. em 1497. mas de paternidade.sobretudo. Na altura do assassínio do seu filho preferido. depois.. mas têm filhos.recebeu a púrpura cardinalícia. montou em redor da poderosa Veneza e com o auxílio de Luís XII de França um cerco que se revelou eficaz. filhos verdadeiros. o "uomo terribile".. Em 1498. o nome Bórgia forneceu matéria a uma vasta literatura mais próxima do romance negro do que da História.que. Alexandre VI colocou os seus talentos de diplomata ao serviço da sua insaciável família. Com este sedutor espanhol não se trata já de nepotismo. agora não têm sobrinhos. tivera da bela romana Vannozza Catanei. o homem forte.eleito na sequência de um conclave rodeado de intrigas e negociatas . Mas. a simonia e a luxúria. durante seis anos. é 1503]. E Maquiavel pôde mostrar a sua alma escoltada até Deus pelas suas três "criadas fiéis": a crueldade. depois da morte de Gaston de Foix. Incapaz de refrear os seus apetites. mas. a fogueira desembaraçara o Papa do terrível Savonarola que.. como cardeal.que a Igreja romana chegou ao fundo da sua humilhação. Mesmo que se coloque a memória desta família fora do quadro de todas as infâmias acumuladas durante os últimos quatro séculos. o duque de Gândia incitou-o. Escreveu-se tudo . designavam-nos como sobrinhos. depois. Alexandre VI morria brutalmente. mais soldado do que pontífice. Júlio II (15031513). mostrou-se decidido a acabar com essas vergonhas. cujas disposições serão. graças a ele. Júlio II dispunha-se a expulsar de Nápoles os espanhóis. O gosto de Leão X pela erudição. O Papa apressou-se também a pôr termo às lutas contra os Franceses e. É verdade que o pacífico Leão X (15131521). a sua ortodoxia não deixaria de se afirmar. a sua submissão ao rei não a impedirá de ser o guia de outras Igrejas. restabeleciam-se as anatas sobre o território do reino e a França renunciava às teorias conciliares. depois de Marignan. até à Revolução Francesa. O Concílio de Latrão avançava. quando a morte o derrubou. não colocou o dedo na ferida nem abordou a reforma geral da Igreja. Foi ainda Júlio II quem. "rei cristianíssimo". muitas vezes no futuro. fez a convocatória de um concílio ecuménico para Latrão (19 de Abril de 1512). por iniciativa de Luís XII. O rei voltaria a fazer a nomeação para os benefícios superiores . de facto. Este Concílio de Latrão (1512-1517). mas só o Papa detinha o direito de investidura canónica. então. não queria chegar tão alto. alteradas em seu proveito. sacrificada a classe dos plebeus -. governada por Rafael. concedeu todas 214 as atenções às artes. O rei de França foi o principal beneficiário desse tratado. "Depois de Vénus e de Marte. quase lado a lado. pelas artes e também pela caça e pela festa romana ficava demasiado dispendioso. pouco antes da sua morte. o filho mais novo de Lourenço.tivessem de deixar a península. apesar das chicotadas de alguns padres conciliares. Rafael a decorar a Câmara dos Actos e Bramante a iniciar a instalação do estaleiro de onde surgiria a Basílica de São Pedro. Miguel Angelo no seu Julgamento Final. sucessor de Júlio II. é verdade que se tratava de pregar uma partida a um concílio antipapal laboriosamente posto de pé em Pisa. o genial decorador das câmaras do Vaticano e das loggie. embora os abusos fiscais da administração pontifícia tivessem sido agravados. que fracassou imediatamente.sendo. de facto. encontrou-se em Bolonha com o jovem rei Francisco I e assinou com ele (em Agosto de 1516) a Concordata que. quase exclusivamente composto por bispos italianos perfeitamente submetidos ao Papa. Quanto à Igreja galicana. o Magnífico. Minerva" (1). diziam as más línguas que logo acrescentavam ser Roma. regularia as relações de Roma e da Igreja de França. como a . mais do que nunca. Este Médicis. dispunha da fortuna da Igreja de França e. Este chefe militar foi um mecenas inteligente e. Roma viu trabalhar. e condenação da superstição e da bruxaria.dizia Newman .do geral dos agostinhos: "Os homens devem ser transformados pelos santos e não os santos pelos homens. E. estudioso. Estudante. Martinho Lutero foi um fervoroso eremita de Sto. mas "esta aceitação é . Martinho Lutero afixava as suas noventa e cinco teses no átrio da igreja do castelo de Vitemberga. A sua formação teológica é muito medíocre: um occamismo mal explicado ensinou-lhe que. Lutero procura alcançar e abraçar Deus." A 16 de Março de 1517. os actos humanos só se tornam meritórios. é só ver as suas aparências ou uma paródia a um grande drama. os padres do concílio dispersaram-se. e considerar essa revolução apenas o resultado das ambições políticas alemãs ou uma consequência da crise económica e social que a Europa atravessava. restrição sobre a comenda. de Gutenberg e de Colombo. Mas. a Igreja e a Escritura "É impossível .] 215 Capítulo III A CRISTANDADE DILACERADA 1. padre (1507) e professor na Universidade de Vitemberga a partir de 1511. pela devassidão romana que escandalizava e revoltava um jovem religioso. embora fiel à espiritualidade inquieta do seu tempo. as artes. Sete meses depois. se Deus os aceitar. após doze sessões ao longo de cinco anos. em 31 de Outubro. Nota 1: Depois do amor humano e da guerra. Lutero. depois. Agostinho. apenas houve uma alusão a esse facto enviada de Espanha: "A Justiça deve começar na casa do Senhor.que o protestantismo dure há trezentos anos sem uma grande verdade ou uma grande parte de verdade. [N." Explicar a revolução luterana pelos apetites de um monge obrigado a quebrar os seus votos ou. ninguém ousou atirar-se aos vícios do papado. embora o homem seja capaz de ultrapassar o pecado por sua própria vontade. desejoso de ir para lá das aparências e das palavras. entrou aos 22 anos no convento de Erfurt "para conquistar a sua salvação" (1505). na época dos Fugger. essas medidas não passaram de meras intenções. pelo contrário. censura ao Sacro Colégio pelo seu luxo. do T. excepto nalgumas dioceses." Promulgaram-se alguns úteis decretos de reforma: proibição do acúmulo de benefícios. serão o centro de toda a sua actividade doutrinal e apostólica. De súbito. Esse "milagre" é feito pelas Escrituras que. servir para saldar as dívidas que o prelado fizera para pagar as taxas impostas por Roma na altura da junção de três dioceses (1515). tarifada segundo o seu nível de riqueza. tirada do Evangelho. a luz invade o seu espírito e a paz enche o seu coração. e tendo realizado certos ritos entregassem uma oferenda. Irmão Martinho lança-se na prática de um ascetismo religioso com uma vontade vigorosa. vai constantemente questionar. estudando Sto. Tauler -. Ao mesmo tempo. Nesse tempo." Trata-se da "descoberta da misericórdia". Até então.absolutamente incondicional". delegado pelo arcebispoelei-tor Alberto de Brandeburgo a pregar uma indulgência. de que o homem se salva apenas pela graça de Deus. Então. Agostinho. a Epístola aos Romanos fornece-lhe a resposta: "O homem é justificado pela fé. Não que deva rejeitar as obras. essas Sagradas Escrituras. ultrapassando a exegese sábia dos humanistas. de futuro. no mais profundo de si mesmo. como "um vendedor ambulante"."contritos de coração e confessados de boca". cujas receitas deviam. justo?". andava pela Alemanha. de que se pôde afirmar que foi a origem da Reforma. havia apenas um exagero na doutrina da Igreja respeitante às indulgências. mas Tetzel errava 218 . unicamente recebida pela fé. servindo o resto para financiar a conclusão da Basílica de São Pedro de Roma. o dominicano Tetzel. simultaneamente. sempre justo e sempre arrependido. Lutero descobre que à segurança dada pelas obras se opõe a certeza. Ora isso 217 pode conduzir ao desespero. procura "essa passividade amorosa que lhe permitirá atingir. independentemente das obras da lei.sobretudo." Lutero fará este comentário famoso: "O cristão sabe que é sempre pecador. mas é a fé que as deve suscitar. os místicos e a Theologia deutsch . E é graças às Escrituras que ele resolve este aparente paradoxo: "Como é que Deus pode ser misericordioso e. enquanto prepara os cursos de exegese bíblica. mas com um coração intranquilo. o Deus imanente". Os florins caíam abundantemente nas caixas de Tetzel porque ele prometia a plena remissão de todos os pecados àqueles que . durante o Inverno de 1512-1513. em parte. pouco manuseadas pela teologia do seu tempo e que Lutero. automática e imediatamente. o apelo à autoridade das Escrituras contra o magistério e as tradições da Igreja. Lutero afixava na porta da igreja do castelo de Vitemberga as suas 95 teses contra as indulgências.quando afirmava que a indulgência a favor das almas do purgatório também ela tarifada era eficaz. aplicada à alma do purgatório designada pelo seu nome. mas cuja viva inteligência também tinha pressentido. mas que não pensava de modo nenhum romper com Roma. Na altura da disputa de Leipzig (1519). o ataque à noção de mérito. em que a última esclarecia todas as outras: "É preciso exortar os fiéis a entrar no céu através de muitas atribulações. defendeu João Huss contra as decisões do Concílio de Constança e pretendeu afirmar que a Igreja tinha apenas um chefe: Cristo. os graves problemas que se colocavam à Igreja. o documento era conhecido em toda a Alemanha. apesar do próprio título. Lutero. empurrado pelo doutor dominicano Eck. Denunciado a Roma. muitos pressentiram que. 219 O Manifesto à Nobreza Alemã (Agosto de 1520) é. em vez de descansar na segurança de uma falsa paz. protegido pelo eleitor da Saxónia. independentemente da doutrina das indulgências. A explosão do luteranismo Depois de ter sido condenado pelas Universidades de Paris."a vermelha prostituta de Babilónia" -opõe o sacerdócio universal dos cristãos e exige também a . Em 31 de Outubro de 1517. mas o agostinho replicou com aquilo a que os protestantes designaram os três "grandes escritos da reforma". pela bula Exsurge Domine de Leão X (15 de Junho de 1520). recusou sujeitar-se às razões do cardeal Caetano que não só tinha apontado no pensamento de Lutero alguns erros essenciais: a justificação pela fé. através de Lutero. independentemente do estado de graça. a submeter-se nos próximos sessenta dias. era o conjunto de uma reforma religiosa e de uma renovação espiritual que o monge saxónico estava prestres a abordar. um apelo a todos os cristãos: às pretensões dominadoras de Roma . Lutero. copiado e espalhado por estudantes entusiastas." Duas semanas depois. Colónia e Lovaina. Lutero foi intimado. aliás conforme um procedimento universitário corrente. 2. e chegava mesmo a afirmar que essa indulgência era. exige a comunhão sob duas espécies e opõe a Sagrada Escritura à acção automática dos sacramentos. recusa retractar-se e é expatriado do império (1521). pietista e iluminista. porque já alguns. Lutero entra na fase mais . As coisas precipitam-se imediatamente. depois. Lutero queima publicamente a bula Exsurge Domine. os erros e os excessos que foram consequência da pregação da "liberdade cristã" por Lutero levam-no a afastar o "democratismo" e a refugiar-se atrás da autoridade dos príncipes passados ao luteranismo: cada um é encarregado de fornecer uma constituição à Igreja do seu próprio Estado. confrontado com as guerras civis: a dos pobres cavaleiros do Sul (1522-1523) e a dos camponeses (1524-1525) que. aproveitando-se do carácter complacente de Melâncton. A partir de 1525. No Natal de 1520. de que apenas fazem parte aqueles que vivem da verdadeira fé. utilizam a mensagem luterana de uma forma temerária. mas autoritário. de Zuínglio. a penitência.reforma da Cúria e a supressão do celibato eclesiástico. Escondido em Vartburgo. Aliás. Lutero é levado a regulamentar a liturgia que se baseará no "culto" dominical: nele. no Cativeiro de Babilónia (Outubro desse ano). apagando-se. lembrando que a "verdadeira reforma" deve fazer-se no coração do homem. em 1522.preconizam "uma Igreja dos santos". no entanto. a ceia e. Contra sua vontade. Lutero mantém apenas o baptismo. começa a tradução da Bíblia para alemão e. opõe a autoridade única das Escrituras. rompe com o humanismo cristão de Erasmo e com o humanismo reformista. Aliás. esboça uma doutrina dos sacramentos. deste modo. Mas é num latim destinado aos teólogos que. Lutero define a Igreja como uma Igreja invisível. cujos membros estariam em comunhão directa com o Espírito Santo. em alemão. assente nas Escrituras e na Tradição. Num sentido radical. deve regressar a Vitemberga. Karlstadt e Munzer este é o pai dos anabaptistas . ensanguentam a Alemanha Central e Meridional. à autoridade da Igreja. em rigor. vê-se. amigo e colaborador de Lutero. Lutero mantém um quadro litúrgico. em nome das novas ideias. dá-se o lugar principal à leitura. à pregação da palavra de Deus e à oração comum sob a forma de cantos corais. todos os vestígios da Igreja visível. Lutero combate-os e. critica a missa e a transubstanciação. 220 reagindo contra Karlstadt. No pequenino tratado Da Liberdade Cristã (Setembro do mesmo ano). Levado perante Carlos V na Dieta de Worms. até. Lutero tinha leitores e discípulos em Antuérpia. em 18 de Dezembro de 1546. Assim. o anabaptismo desapareceu. em 1537. atraíram para o luteranismo muitos dos grandes senhores feudais. Os amigos de Lutero foram realmente os primeiros luteranos e o seu grupo foi rapidamente reforçado por membros do clero regular. mas ainda permanecem algumas das suas ideias entre os baptistas. redige os seus catecismos.que as desaprovou . que secularizou a sua Ordem Teutónica e se fez duque da Prússia (1525-1526). Embora. instaurava uma Igreja dinamarquesa-norueguesa. liberta dos padres e dos príncipes. conclui a tradução da Bíblia.tranquila da sua vida: casa com uma cisterciense. escreve contra Erasmo o seu tratado De Servo Arbítrio.muitos nobres empobrecidos e muitos rurais. Em 1526. a guerra dos cavaleiros e a dos camponeses tenham afastado de Lutero . Com os Artigos de Esmalcaída (1537).e muitas vezes contra ele -. já o rosto da cristandade se encontra profundamente modificado. pretendia construir uma sociedade comunista.que se espalhara de Estrasburgo a Amesterdão e a Múnster . a Dinamarca passava também para o luteranismo e Cristiano III. Quando Martinho Lutero morre. na sua cidade natal de Eisleben. Esmagado atrozmente pelo sangue (1535). partindo do princípio de que Lutero não tinha promovido senão uma reforma religiosa. o anabaptismo . onde se rejeita tudo o que pareça contrário às Escrituras.não só negava qualquer valor ao baptismo das crianças. mas também pela oportunidade de se oporem ao imperador. Catarina von Bora. em que defende a ideia da predestinação. tentados não só pela secularização dos bens da Igreja. Gustavo Vasa secula-rizava os bens de um clero mais ou menos desacreditado e organizava uma Igreja luterana estreitamente ligada à coroa. tal como o episcopado. desenvolviam-se alguns movimentos mais violentos. Na Suíça. por um lado. na qual o baptismo dos adultos seria um sinal distintivo. Depois de ter libertado a Suécia da dominação dinamarquesa (1523). 221 Nas fronteiras do luteranismo . como os votos monásticos. mas também. aceita-se tudo o que não for contrário às Escrituras. a Confissão de Ausburgo constitui a base da doutrina luterana. é o caso de Alberto de Hohenzollern. em 1530. Desde 1518. onde se refugiara depois da ruptura com Lutero . mas também vieram importantes contingentes da burguesia das cidades imperiais em luta contra os seus bispos. por outro. aprova a Confissão redigida por Melâncton e apresentada à Dieta de Ausburgo. Berna e Schaff-house antes de 1530. Karlstadt preparou o caminho para Zuínglio que. atribuía maior importância ao problema da santificação do que ao da justificação. De resto. no plano espiritual. Se a reforma zuingliana se impôs em Estrasburgo. em 6 de Agosto. a piedade zuingliana é sobretudo social. um cartaz de inspiração zuingliana foi afixado nos apartamentos do rei. na esteira de Karlstadt. quando. Embora exigisse o recurso exclusivo à Bíblia como fundamento da fé e da autoridade. isto é. Schwyz. que Zuínglio acabou por ser morto em 1531. Desde 1521. todos eles estranhos ao luteranismo. pregou na igreja colegial de Zurique sobre o conjunto dos textos evangélicos e do Novo Testamento. e também por um racionalismo. Uri. segundo as normas do reformismo erasmiano. paramentos sagrados e música . João Vallière. mandava para a fogueira o primeiro mártir protestante da França. mas simples memoriais. este tornou-se perseguidor de um protestantismo francês. em Kappel. os velhos cantões montanheses da Helvécia Lucerna. .. impondo-se aos edis de Zurique e exercendo aí um verdadeiro césaro-papismo. e o uso da língua alemã na liturgia. Assim. essa reforma foi efectuada através da autoridade. quis devolver a Igreja à sua simplicidade original. sem dúvida. se mantinha ligado ao humanismo cristão. a afirmação da comunhão dos fiéis.permaneceram católicos e foi a combatê-los. a Sorbonne levantava-se contra as teses do monge saxónico e. na noite de 17 para 18 de Outubro de 1534. o zuinglianismo justifica-se ou caracteriza-se por um humanismo e um radicalismo.e tendia a confundir a Igreja e o Estado. No entanto. Calvino e a fundação de uma Igreja Em França. Quando a política aproximou Francisco I de Clemente VII e. Zuínglio mostrava-se contrário às formas de culto imagens. e as ideias e as obras de Lutero foram aí recebidas com simpatia. 222 O zuinglianismo preparou. aliás pouco vigoroso e que competia a João Calvino .(1522). a acção levada a cabo por Calvino. em vez de comentar simplesmente o Evangelho do dia. reconhecendo a este último o direito de intervir nos problemas religiosos. o reformismo humanista encontrou um terreno favorável. Basileia. Mas muito rapidamente o evangelismo exaltado por Margarida de Angolema se distanciou do "protestantismo".. 3. o baptismo e a ceia já não são sacramentos. que na sua juventude levara uma vida confortável junto de um eclesiástico impregnado de humanismo. que se tornará um dos mais prestigiados centros humanistas. depois de ter fundado uma activa comunidade zuingliana. Calvino revela-se um homem de uma concepção pessimista e a sua doutrina sobre a justificação irá mesmo até ao predestinacianismo. um emigrado francês. Mas. Como Lutero. Calvino consegue criar uma Igreja presbiteriana constituída por pastores eleitos. Apesar das dificuldades.animar. será aí que. obra escrita em latim. um dos clássicos da jovem língua francesa. pelas suas qualidades de lógica e de concisão. pois. em 1533. em 1536. converteu-se depois às ideias novas. o campo de experiência de Calvino. Calvino é o senhor da cidade. Genebra será. por isso. Estão. mas que. depressa traduzida para francês (1539). julga que. Guilherme Farei. a sua teologia é essencialmente teocêntrica. para apoiar o esforço dos fiéis para a santidade. Lutero era um monge muito desprotegido perante a sociedade. nascido em Noyon em 1509. O culto. encarregados de ensinar as Escrituras e que se reuniam em sínodos. em 1555. por um consistório de ministros e de leigos e por diáconos. indo além de um simples desejo de salvação. Calvino é um leigo que. o Consistório de Genebra recebe do Conselho da cidade o direito de excomungar. Este picardo. mas revela-se também social: a piedade calvinista sente-se chamada à acção social. científica e estética "para afirmar por toda a parte o reino do Eterno". onde teve de refugiarse. mas embora a Suíça continue a ser influenciada . mas é sobretudo a expressão de uma experiência vivida. se tornará. é preciso uma Igreja que pregue a palavra de Deus e um Estado que faça reinar a ordem. Durante dez anos. em contacto 223 com o Mundo. Calvino envia para França algo explosivo. A Instituição é uma suma. Calvino exige que o cristão honre a Deus e O sirva. assim. o que pressupõe um público conhecedor e atento. o retém. A reforma é assegurada por uma pregação incessante de que a Bíblia é assunto único. multiplicam-se as escolas elementares e cria-se o "Colégio de Genebra". ainda que tenha apresentado a predestinação como um mistério imposto pela noção de omnipotência de Deus. A Instituição da Vida Cristã. esses pastores são secundados pelos doutores. de Basileia. Em 1536. é levado à sua simplicidade primitiva. que se dirige unicamente a Deus. quebradas as oposições. pelo zuinglianismo, Calvino começa a influenciar toda a Europa, sobretudo a França; a Academia protestante de Genebra, de que Teodoro de Bèze é o primeiro reitor, tornase um viveiro de ministros reformados. Genebra tornara-se "aquilo que Vitemberga não conseguira ser: a capital da Reforma militante". Em França, o protestantismo reformado - designado calvinismo nos meios católicos -, penetrou no meio dos artesãos e dos comerciantes, atingindo a grande nobreza; tendo encontrado defensores como António de Bourbon ou Coligny, os hu-guenotes realizaram o seu primeiro sínodo nacional em 1559 e a Confissão de La Rochelle e a Disciplina Eclesiástica foram adoptadas como cartas do calvinismo francês. Em 1566, contavam-se já centenas de Igrejas reformistas, mas depressa as guerras religiosas fariam da França um campo de batalha, em que se opunham católicos e calvinistas. A partir de 1540, as ideias reformistas de Calvino tinham-se estendido aos Países Baixos, a Antuérpia sobretudo, "a Genebra 224 do Norte"; penetraram na burguesia mercantil das províncias setentrionais, aquelas mesmas que, revoltando-se contra os Espanhóis em 1579, constituirão as Províncias Unidas. Dos Países Baixos e de Genebra, o calvinismo alcançou o vale do Reno, mas fixou-se definitivamente apenas no Palatinado, graças a Frederico III (falecido em 1576). Na Europa Oriental, a Livónia e a Polónia foram arrancadas ao calvinismo que aí penetrara em 1548; e a Igreja evangélica da Lituânia teve o seu primeiro sínodo em 1557. A Batalha de Mohacs (1526) dizimou o clero húngaro e, em 1537, a Hungria tinha apenas três bispos: a partilha do país entre Habsburgos e Turcos favoreceu o desenvolvimento do calvinismo. Mas o caso da Grã-Bretanha é particular. Na Inglaterra, onde a ideia de uma Igreja oficial era familiar, Henrique VIII tinha, desde o começo do seu reinado, tomado a iniciativa de uma reforma disciplinar, aliás bastante hostil ao luteranismo; mas, desejando a ruptura do seu casamento com Catarina de Aragão, tia de Carlos V, o rei não conseguiu que o Papa lhe permitisse o divórcio. Então, o Parlamento, sob pressão de Henrique VIII, votou a subordinação da Igreja à coroa (11 de Fevereiro de 1531), enquanto o chanceler Tomás Moro continuava a perseguir os luteranos. Encorajado por Tomás Cranmer, teólogo de Cambridge, o rei casou com Ana Bolena, sendo, a seguir, excomungado (1559). Tomás Moro e outros, como João Fisher, pagaram com a vida a sua oposição ao soberano que, no Book ofarticles (1537), definiu um evangelismo ainda próximo do catolicismo; como na Escandinávia, manteve-se a hierarquia episcopal, mas os bens da Igreja foram vendidos e o bill dos seis artigos (1539) criou um sistema de repressão inquisitorial. Até à morte de Henrique VIII (1547), houve apenas cisma. Sob o reinado do seu jovem filho Eduardo VI (falecido em 1553), o protector Somerset inspirou uma segunda reforma no sentido do calvinismo, porque este já penetrara na Inglaterra graças a um discípulo de Calvino, João Knox. O Book of common prayer de 1549 e o bill dos 42 artigos de 1553 suprimiram a missa e autorizaram o casamento dos padres. Após o intervalo sangrento da católica Maria Tudor (1553-1558), que eliminaria as instituições republicanas dos reformistas, o advento de Isabel I (1558) 225 provocou um retorno ao anglicanismo e rejeitou o calvinismo presbiteriano na oposição puritana; três bills votados em 1559 restabeleceram a supremacia completa da coroa inglesa sobre a Igreja. Contra Isabel, Roma tinha julgado poder contar com a Escócia, mas a queda de Maria Stuart (1567) e a entusiástica pregação de João Knox - que, desde 1560, fizera adoptar uma Confissão de fé -, conseguiram fazer triunfar, no reino escocês, uma Igreja reformada presbiteriana, estritamente calvinista, republicana e sem bispos. Em 1564, em Genebra, morria João Calvino; pode dizer-se que ele foi o "fundador de uma civilização". 4. Fogo contra a cristandade? Quando Calvino morre, o mapa religioso da Europa é como um espelho quebrado que deforma o rosto da Igreja. Ao Norte, o protestantismo domina: o luteranismo conquistou dois terços da Alemanha; o imperador, numa guerra frouxa e através do Tratado de Ausburgo (1555), reconheceu a existência oficial de Igrejas e de Estados protestantes no Império, onde é aplicada a fórmula cujus régio, hujus religio, ou seja, que os sujeitos devem conformar-se à religião do seu Governo. O catolicismo manteve fortes posições no Sul e no Oeste alemão e esta situação revela-se cheia de dificuldades, de que apenas se sairá no século XVIII, com a terrível Guerra dos Trinta Anos. A Prússia, a Curlândia, os Países Bálticos e a Escandinávia romperam com Roma. Os Países Baixos e a Escócia são os bastiões do calvinismo. A Suíça e a Alsácia mostram-se fortemente influenciadas pelo zuinglianismo. A Boémia e a Hungria estão também marcadas, mas a Polónia não está indemne nem a Áustria. Em França, um calvinismo militante que, durante muito tempo, se verá mergulhado em lutas terríveis contra o Estado católico - instalou-se ao longo do país: vale do Reno, Baixo Languedoc, Cévennes, Sudoeste, Poitu, Normandia e Picardia. Enquanto o reino de Inglaterra se confunde com a Igreja anglicana ou Igreja "estabelecida", o presbiterianismo calvinista triunfa na Escócia. A Irlanda, com excepção do Norte, permanece fiel 226 a Roma: é verdade que a luta contra o anglicanismo e o calvinismo é aí uma forma de resistência ao opressor britânico. A Itália, Espanha e Portugal (este sob domínio espanhol entre 1580 e 1640) vêem-se rapidamente depurados dos elementos protestantes, pela acção conjugada dos papas, dos Habsburgos, da Inquisição e também por uma vigorosa reforma católica. Tornando-se capital para o futuro do catolicismo, a Espanha e Portugal países de navegadores revelaram-se precisamente como os pioneiros das grandes descobertas e os fundadores dos dois primeiros impérios coloniais. Os Portugueses estavam a caminho, desde o começo do século XV, das costas de África, dos Açores ao cabo da Boa Esperança, que foi dobrado em 1487. Desde 1479, as Canárias tinham sido reunidas à coroa espanhola e em 1492 - o ano da tomada de Granada -, Colombo descobria a América, ao desembarcar no Haiti. Então, a pedido dos Reis Católicos, interveio Alexandre VI; através das chamadas cartas alexandrinas - a principal é a segunda bula Inter cetera (28 de Junho de 1493), designada a "bula de demarcação" -, o papa fazia doação aos reis de Espanha de todas as terras descobertas ou a descobrir pelos Espanhóis e separava o seu domínio do dos Portugueses por uma linha imaginária que passava a cem léguas a oeste e ao sul dos Açores e das ilhas de Cabo Verde. Em contrapartida, os soberanos católicos comprometiam-se a converter ao catolicismo as populações submetidas. O Tratado hispano-português de Tordesilhas (7 de Junho de 1494) alargou para duzentas e setenta léguas mais a oeste a linha de demarcação, mas a ignorância em que se estava das terras a descobrir e da sua configuração, custou aos Espanhóis o Brasil, que se tornará terra portuguesa. Foi assim que quase toda a América se tornou espanhola e católica. Os Portugueses, que se contentavam em trazer para a Europa as riquezas da África e da Ásia, ocupavam apenas alguns pontos costeiros. Numa zona reclamada entre Espanhóis e Portugueses, as Filipinas conheceram, em 1571, a mesma sorte da América Latina. Por isso, quando a Europa Ocidental se encontrava dilacerada, o Novo Mundo passava inteiramente para o catolicismo. Será necessário esperar pelo começo do século XVII, com a instalação dos Holandeses calvinistas na Insulíndia e a chegada 227 à Nova Inglaterra dos presbíteros que fugiram aos Stuarts, para se desenvolverem, fora da Europa, algumas zonas de influência protestante. A geografia da Reforma na Europa Ocidental escapa a qualquer explicação sistemática, porque o movimento protestante é de origem essencialmente religiosa; podemos lamentar que não tenha evoluído no quadro da velha Igreja o que poderia ser a "segunda reforma interior" - tendo a primeira ocorrido nos séculos XI e XII. A princípio, houve um fortíssimo desejo de regressar a um Evangelho vivo, e a uma religião pura e despojada, de proclamar a graça de Cristo e a transcendência de Deus. Não se trata, como muitos católicos pretendem, de uma atitude negativa, puramente protestatária; a espiritualidade dos reformados centrou-se na palavra de Deus, constantemente confrontada com o comportamento social. O reformado desconfia daquilo que, então, se designa como "realidade sensível", que o católico considera como origem de renovação, mas que também pode ser para ele uma tentação de facilidade, como os sacramentos e as devoções. A Igreja aos olhos do reformado não pode ser uma instituição hierarquizada e monarquizada, de magistério infalível; mas tem de ser a comunidade invisível dos verdadeiros crentes, "as Igrejas", em que as suas diversas instituições não devem ser mais do que "manifestações visíveis mas insuficientes da sociedade espiritual". Ao sacerdócio especializado dos católicos, os reformados opõem, sobretudo, o sacerdócio universal dos crentes. A seus olhos, a unidade do catolicismo não passa de um monolitismo estéril: "Agradanos, Monsenhor, pertencer a Igrejas que mudam, Ecclesia reformata semper reformanda", retorquira jurieu a Bossuet, autor das Variações das Igrejas Protestantes. Salvo algumas excepções, as relações entre católicos e protestantes foram, desde a Reforma do século XVI, as de irmãos inimigos; os contactos tornaram-se muitíssimo mais difíceis do que com os ortodoxos - que, no Oriente, formam massas homogéneas -, porque os protestantes viviam num universo conquistado pela Inglaterra dissidente e pela França católica, vendo-se, por isso, constantemente confrontados com os "papistas". Em França, na Alemanha, na Suíça e nos Países Baixos, as minorias 228 religiosas estiveram, durante muito tempo, ou num estado de agressividade ou de defesa. A desconfiança mútua continuará a ser regra, muito depois de se terem acalmado as lutas violentas como as guerras religiosas e que serão inflamadas por certas atitudes sectárias, como a de Luís XIV na Revogação do Édicto de Nantes. No século XIX, para a opinião comum, os protestantes ainda não deixam de ser "caixeiros-viajantes vestidos de negro que desejam impor as suas Bíblias falsificadas e desfiguradas" (La Revue catholique, 1836); por sua vez, os protestantes continuarão a anunciar que "as três coroas do Papa hão-de cair todas ao mesmo tempo" (Athanase Coquerel, O Catolicismo e o Protestantismo, 1864). Contudo, muito lentamente, alguns protestantes começam a descobrir os valores católicos: o valor de uma liturgia mais viva, o mistério do sacramento, a vida monástica e a mariologia; certos agrupamentos importantes permitiram às Igrejas protestantes concentrar as suas riquezas e as suas forças. Por seu lado, os católicos aperceberam-se de que a Reforma podia interessar-lhes, sobretudo pelo sentido das próprias Escrituras, da Bíblia - de que muitos católicos se desviaram ao longo de séculos -, a necessidade de um regresso à simplicidade nas relações entre os membros da Igreja, a colegialidade fortalecida e o papel do leigo na Igreja. Nessa altura, opera-se uma aproximação - que ainda não se sabe quando chegará ao fim - facilitada pela acção de João XXIII, pelo II Concílio do Vaticano e pelo movimento ecuménico lançado pelos protestantes há meio século. Além disso, a Igreja anglicana desempenha um papel de Igrejaponte (Bridgechurch), porque reúne "a constituição tradicional da Igreja Católica com a liberdade de se dirigir directamente a Deus através de Cristo": uma Igreja Católica com elementos protestantes, mesmo que a declarada compreensão do anglicanismo não deva incitar os cristãos a um sincretismo inconsistente. Mas terá sido necessário que a Europa cristã se despedaçasse durante o século XVI, para, finalmente, se poder chegar a esta esperança de unidade? Podemos responder que "os caminhos de Deus são insondáveis"; os católicos censuram Lutero por não ter sido o seu grande reformador, por não ter utilizado 229 todas as suas capacidades e coragem "para limpar as ervas daninhas do jardim de Deus" no interior da Igreja romana. Mas a isso os protestantes respondem que Lutero não pretendeu "reformar" a Igreja, mas "salvar o homem pecador e perdido" e dar o seu contributo ao catolicismo. A incontestável reforma católica do século XVI é, pois, aos olhos dos católicos, a prova de que o cisma luterano não era necessário; e os protestantes pensam que os reformadores católicos não fizeram mais do que "retomar as posições que fizeram a força do protestantismo" (E. G. Léonard). Por seu turno, o historiador limita-se a afirmar a verificação de uma ruptura que lançou uns na dissidência e impôs a outros uma posição defensiva, rasgando o manto da própria Igreja. 230 VII A IGREJA À DEFESA Capítulo I A REFORMA CATÓLICA 1. Reforma ou Contra-Reforma? A expressão "contra-reforma" tornou-se corrente. Era, evidentemente, cómodo apresentar o grande movimento religioso que sublevou a Igreja Católica, desde meados do século XVI até meados do século XVII, como uma simples reacção à Reforma protestante, como um brutal despertar durante a tempestade. Ora, no século XVI, a ideia de reforma (tão velha como a Igreja) tinha penetrado até às profundezas da sociedade cristã. Depois da ruptura entre católicos e protestantes, a reforma foi continuada, "nos dois lados da barricada, por um bom número de almas sinceras e pacíficas, preocupadas em cumprir a mensagem de Jesus Cristo" e que deixaram "aos controversistas o trabalho das hostilidades contra as outras confissões" (A. Willaert). Por isso, houve simultaneamente uma "reforma católica", enriquecimento de uma fonte desde há muito alimentada, e uma "contra-reforma", recurso católico destinado a colmatar as Aos protestantes que vêem no Livro inspirado directamente apreendido e livremente interpretado . na comemoração do encerramento do Concílio de Trento. Além disso. quatro séculos antes. o Concílio de Trento não tem uma excelente reputação. não são simples alimentos da fé dos fiéis nem sinais. É sintomático o facto de os observadores não católicos no II Concílio do Vaticano se terem abstido de participar. É claro que os padres do Concílio de Trento tomaram posição face ao protestantismo e opuseram à Confissão de Ausburgo certas definições canónicas que incidiram em três pontos essenciais: a Escritura. ao abrigo de cobiças. Aí está a explicação das objecções da França . Aliás. a Europa mediterrânica preferiu o estabelecimento de uma fronteira rígida. A uma obra difícil e. contêm realmente a graça. Mas o Concílio de Trento foi também "o ponto de encontro de todas as forças católicas da Reforma". sob a vigilância de um pontífice supremo com poderes acrescidos. não convocado pelo . em 1520. para reconquistar as zonas submersas. sob a influência dos mediterrânicos . talvez.à "recepção" de um concílio que denunciava qualquer possibilidade de conciliação. a Escritura e a Tradição. prematura de síntese. depois. o concílio afirmou que a justificação não se obtém exclusivamente pela fé nem pela convicção de que se está justificado. em 3 de Dezembro de 1963. para sempre. opuseram a missão orientadora da Igreja: vigiar pela integridade das duas fontes da fé. As coisas. o papel da fé e das obras. em que todos os tesouros estariam.italianos e espanhóis representados no Concílio de 233 Trento -. e os sacramentos. quando. O Concílio de Trento foi ao encontro dessas duas correntes. Na verdade. O próprio Lutero. são menos simples e as realidades.brechas abertas pelo protestantismo e. Quanto aos sete sacramentos. Contra Lutero. a assembleia adoptou uma atitude radical que correspondia à também radical dos luteranos. mas pela conjunção das obras e da fé. a expressão "contra-reforma" engloba a primeira fase do movimento. até mesmo. ou seja. porém. em 1518 e. alguns católicos manifestam certa desconfiança a respeito de uma assembleia que se estenderá por dezoito anos e censuram-lhe o facto de ter encerrado a Igreja romana numa fortaleza dourada. tinha apelado para um concílio "cristão e livre".que se inclinava para uma solução irénica .a fonte única da Revelação. mais profundas. A Dieta de Worms aceitou esse princípio. sentiu-se muito feliz por se poder desculpar com a má vontade de Francisco I para adiar a sua convocação.] . Tal pontífice era incapaz de organizar um concílio que. Sinal de um tempo. que não passava de Nota 1: O equivalente ao nosso actual presidente da câmara. a que o Papa. tornando-se Papa. um Farnésio que ficou a dever a sua nomeação a sua irmã. por toda a parte. Alexandre Farnésio colocou toda a sua tenacidade em promover uma reforma que. do T. um 234 holandês. O Sacro Colégio. Lutero estava ainda em Vartburgo. o seu sucessor. propôs a realização de um concílio ecuménico numa cidade alemã.cuja desastrada política de reunificação cristã se fazia ao gosto dos desejos pontifícios -. ora adversário de Carlos V . confiou a Miguel Angelo a direcção dos trabalhos da Basílica de São Pedro e a execução dos frescos da Capela Sistina. para o conseguir. em que. que. aliás. Seguiu-se Paulo III (1534-1549) que. à primeira vista. tivera já quatro filhos e praticou o nepotismo. sempre se adiava. a Igreja romana via amontoarem-se as ruínas e não lhe serem poupadas as humilhações. [N. por isso. prisioneiro no Castelo de Sant Ângelo. de papa em papa. mais faz lembrar um vulgar podestà italiano (1) do que um pastor de almas.papa. os historiadores mostram-se de acordo em dizer que o seu pontificado foi decisivo: porque. disposto a estragar os antigos hábitos. teve de assistir (5 de Maio de 1527). Clemente VII conheceu a maior vergonha de que a Cidade Eterna jamais se viu fustigada: o saque de Roma pelas tropas imperiais. ao lembrar-se de Constança e de Basileia. mas recusou a cláusula luterana do direito dos leigos de participar e votar nesse concílio. em que os padres e leigos tivessem voto deliberativo. temia. Ora aliado. Adriano VI. era um "papa da Renascença". porque a Igreja romana recebeu como chefe o prelado menos destinado a promover uma reforma profunda: um bastardo de Juliano de Médicis. quando Leão X morreu (1 de Dezembro de 1521). foi muito mal recebido por Roma que achou ridículo este pequeno "Bárbaro" carrancudo. No entanto. Adriano VI quis sinceramente "o restabelecimento da disciplina eclesiástica no seu antigo esplendor" e. amante do futuro Alexandre VI. Depois da morte do Papa (14 de Setembro de 1523)/ tudo foi posto de novo em causa. pelas suas artimanhas diplomáticas. transformado em Clemente VII (1523-1534). Mas nenhum protestante. lançava a bula de convocação para um concílio que devia realizar-se em Mântua e que. 2. Depois. o seu cânone: a Vulgata 236 de S. na presença de. foi depurado e viu-se entrar nele João Fisher que. Esta magra assistência e o recomeço da guerra entre Carlos V e Francisco I fizeram adiar o concílio sine die (21 de Maio de 1539). Jerónimo foi declarada autêntica.235 uma "latrina de intrigas". ao mesmo tempo. e Giovanni Morone Con-tarini. suficiente para a demonstração dogmática. Em 1537. É claro que se estava muito longe da assembleia democrática reclamada por Lutero. então. foi capital. em Abril de 1546. na realidade. fixando-se. na reforma da Igreja. este foi a alma da Comissão Preparatória do Concílio Geral.. A segunda bula. Contudo. A abertura oficial fez-se somente em 13 de Dezembro. acompanhados por quarenta teólogos. o Tratado de Crépy entre o imperador e o rei de França permite a Paulo III convocar o concílio para terras do império. com exclusão dos mandatários. O Concílio de Trento Apesar dos interesses. com a presença de uns trinta padres. depois. essa comissão fazia aparecer um documento capital: Conselho dos cardeais escolhidos e outros prelados sobre a reforma da Igreja. em 1542. os gerais das ordens e os representantes das ordens monásticas tinham direito de voto. se efectuou em Vicência. cinco padres conciliares. A quarta sessão. com início em 15 de Março de 1545. Paulo III decidiu realizar esse concílio. porque definiu que as tradições apostólicas deviam ser aceites com o mesmo respeito que as Escrituras. nacionalismos e hábitos. futuro Paulo IV. dos representantes dos corpos eclesiásticos e das universidades. mas apenas os bispos. só Deus sabe que dificuldades foram surgindo no seu caminho! Em 29 de Maio de 1536. O Concílio de Trento propôs-se trabalhar na definição dos dogmas católicos e. morreu nas prisões de Henrique VIII. Em 7 de Janeiro de . A direcção do concílio estava assegurada por três legados pontifícios. Gian Pietro Caraffa.. ambições. por isso. quer dizer. evitou-se o emprego da fórmula de Constança e de Basileia: Ecclesiam universalem repraesentans. não alcançou sucesso algum. em Trento. os protestantes aceitaram participar no Concílio de Trento .não no de Bolonha -. ao longo do Outono. Contra a não-residência dos bispos. Em Bolonha. Quase à força. a ruptura luterana talvez tivesse sido evitada.uma minoria de padres tinha-se recusado a abandonar Trento -. pressionado pelas tropas do eleitor da Saxónia. nada se fizera de decisivo e. define a doutrina sobre os sacramentos. em Fevereiro de 1550. com a condição de que não estivessem sob a direcção do Papa e se discutissem de novo os decretos conciliares anteriormente apresentados.o interim d'Ausburgo . quando Júlio III. o concílio acabou uma vez mais por . cujas únicas concessões eram a comunhão sob as duas espécies e o casamento dos padres. do hábito clerical e do direito de padroado. por aplicar as sanções aos culpados apenas depois de uma ausência ininterrupta de seis meses. o que fazia pensar que a Reforma católica fora desencadeada com algum tempo de atraso. sucedeu a Paulo III. Essas mesmas reservas ainda permaneciam. mas o esmagamento dos protestantes em Mühlberg (24 de Abril) destruía qualquer esperança de reconciliação entre as duas confissões.de inspiração católica. em 3 de Março. Alguns historiadores pensaram que. para evitar um cisma . Carlos V propôs que se fizesse um compromisso com os vencidos . a maioria dos padres conciliares decidiu a mudança do Concílio para Bolonha. No dia 11 de Março. a extrema unção foi declarada sacramento e definida a necessidade da confissão oral. Os trabalhos prolongaram-se durante o Verão de 1551. O novo Papa impôs como objectivo a retomada do Concílio de Trento.na realidade. Todavia. foi consagrado o termo transubstanciação. mas no V Concílio de Latrão. A sétima sessão. embora também se abordassem os problemas da 237 comenda . mas. se esse decreto fosse aprovado não em Trento. que fugira de Innsbruck. proíbe a acumulação de bispados e regulamenta a função episcopal em função das exigências pastorais. a doutrina católica sobre a justificação foi exposta em dezasseis capítulos: insistiu-se principalmente na colaboração da vontade humana com a graça santificante. sob o pretexto de epidemia . na Dieta de Ausburgo.1547 (sexta sessão). o decreto de 25 de Fevereiro não foi mais que uma "solução menor". Paulo III suspendeu o concílio (Janeiro de 1548). A passagem de alguns teólogos luteranos não resultou em nada e depois o imperador. para escapar à iniciativa do imperador -.velha praga e chaga da Igreja -. Reclamando a participação de leigos no concílio. rígido nos seus hábitos. haverá durante muito tempo. Júlio III morria e Marcelo II reinou apenas durante alguns dias. Os padres conciliares abandonaram Trento em 6 de 238 Dezembro de 1563 e a bula Benedictus Deus. como auxiliar na renovação da disciplina. etc. adoptaram os cânones relativos ao sacrifício da missa considerada como a comemoração e a reiteração do sacrifício de Cristo. o admirável Carlos Borromeu. mas o problema da residência dividiu-os durante muito tempo. Paralelamente. julgou que podia realizar a reforma sozinho: transformou a fisionomia do Sacro Colégio. mas a sociedade do . atacou a Dataria. para a Catedral de Trento em 18 de Janeiro de 1562. mas o novo Papa. defensores da supremacia do Papa. em toda a cristandade. partidários de um acréscimo do poder episcopal. em Julho. opuseram-se violentamente aos Italianos. definiu-se a nomeação e os deveres dos cardeais. onde os homens zelosos e instruídos formavam uma maioria. esforçaram-se por levar por diante um grande projecto de reforma. perseguiu os monges giróvagos em Roma e. Não se definiu nenhuma doutrina sobre a Igreja. No começo de 1555. Depois. A penetração do calvinismo em França sob Henrique II fazia recear a eventualidade de uma França protestante. nesta matéria. por isso. Franceses e imperiais. que podemos considerar a essência da reforma tridentina.um esquema de reforma geral . as indulgências e o culto dos santos. de 26 de Janeiro de 1564. Espanhóis.que o adoptaram em Novembro e Dezembro de 1563 . por isso. O legado Morone tirou o concílio desse impasse ao propor aos padres . deploráveis e perigosas aproximações. a organização dos sínodos e dos seminários diocesanos. que eram em número de 114. a visita à diocese feita pelo bispo.ser adiado (Abril de 1552). Lutero falava como profeta. O seu sucessor Pio IV (1559-1565) nomeou o sobrinho. gabinete dos favores pontifícios e principal fonte de receitas da Santa Sé. Pio IV convocou de novo os padres conciliares. Em 26 de Fevereiro. assim. confirmou as decisões do concílio e comunicou-as à cristandade. Mas as "falhas" do concílio tornaram-se evidentes. a reforma dos capítulos e das ordens monásticas.de Refor-matione . a seguir. Foi eleito Gian Pietro Caraffa com o nome de Paulo IV (15551559). assinada por Pio IV.em quarenta e dois artigos. o decreto fametsi regulava as condições de validade do casamento e definia os cânones sobre o purgatório. Mas o Concílio de Trento não teria sido mais do que uma longa e inútil discussão. se os muitos e santos padres nele 239 presentes não tivessem. mas seria possível esse diálogo na atmosfera de violência mantida pelos príncipes cristãos? Podemos. a doutrina católica mostra-se mais definida. Por um lado. Nascidas de um desejo de extirpação e de defesa. embora só muito lentamente tenham penetrado na "carne e no sangue da Igreja". ao mesmo tempo. única pela sua importância na História da Igreja. a reforma do breviário (1568) e do missal (1570). para esses santos padres. as condições de uma liturgia viva e da vida sacramental. talvez a Igreja tivesse evitado um desperdício de forças. De .século XVI tinha ainda uma ideia muito vaga acerca do leigo. de que ainda sofre.a própria audiência da Igreja? Mas a obra levada a cabo pelo Concílio de Trento revela alguns aspectos positivos. a sua acção foi perturbada pela qualidade de soberano absoluto de um Estado italiano que teve os seus aliados. o aparecimento do Catecismo do Concílio de Trento (1566). Aliás. os seus adversários. as suas "combinazioni".a longo prazo . 3. numa Europa dilacerada que era apenas cristã de nome. definem a estrutura hierárquica bem como o regime de benefícios. as suas finanças. a verdade é que modelaram fortemente o seu futuro. certas instituições como a Congregação da Suprema e Universal Inquisição ou Santo Ofício (1542) e o Index (1557) não terão limitado . se se instaurasse um verdadeiro diálogo entre católicos e reformados em Trento. lamentar que os padres de Trento não tenham conseguido realizar a reforma da Cúria romana e que os fantasmas de Constança e de Basileia tenham podido reduzir a colegialidade apenas aos dignitários da Igreja. a transformação do calendário e do martirológio (1582) foram as principais aplicações práticas dessa obra dogmática. os decretos tridentinos de reforma. pois. Em termos precisos. É claro que. graças a um trabalho colectivo considerável em que colaboram teólogos bem informados. uma sede apostólica? Um facto é certo: a maioria dos papas pós-tridentinos foram sacerdotes dignos. criado um clima favorável à reforma católica. os deveres dos clérigos e também os dos príncipes. piedosos e zelosos. mas. "No sangue e na carne da Igreja" Mas não será preciso encontrar. a edição da Vulgata. aborda-se a reforma in membris. mais sedentários. As missões estrangeiras devem muito a Gregório XV (1621-1623). criador da Congregação da Propaganda. mas. cujo reinado assistiu à conclusão da Basílica de São Pedro de Roma. nem sempre escaparão às tentações da centralização e às pressões de um séquito fortemente italianizado. um bom caminho. impôs aos bispos a visita ad limina e organizou as congregações cardinalícias sendo o número de cardeais fixado em 70 . isso depois não voltou a acontecer. o encheu de alegria. As susceptibilidades nacionalistas.futuro.para a administração judiciária nos Estados pontifícios e na Igreja universal. em 1622. embora o corpo episcopal actual pertença por inteiro à elite da Humanidade. é verdade que. os papas. missal e breviário entraram. Pio V (1566-1572) o primeiro papa canonizado depois de Celestino V (falecido em 1296) e o último antes de Pio X (falecido em 1914) . O sucessor de Pio IV (falecido em 1565). O facto de Clemente VIII (1592-1605) ter elevado ao cardinalato sábios como o historiador Barónio e o teólogo Belarmino 240 prova a sua preocupação em fazer do Sacro Colégio um corpo de elite. mas foi desconsiderado pelo seu nepotismo e pelo apoio financeiro que concedeu ao imperador durante a Guerra dos Trinta Anos. graças a ele. por vezes. Paulo V (1605-1621). eles próprios italianos. nos hábitos clericais. tentou aplicar os decretos triden-tinos sobre a residência episcopal e a comunhão frequente. mais burocráticas do que pastorais. Com os bispos. se a vitória de Lepanto conseguida em 1571 sobre os Turcos.foi um verdadeiro santo: catecismo. A Gregório XIII (1572-1585). Em todo o caso. pois. por Don Juan da Áustria. O irmão mais novo dos Peretti tornado Sisto V (1585-1590) colocou os seus cuidados na visita canónica regular dos conventos. também as regras actuais da eleição dos papas datam do seu pontificado. de que é impossível traçar um quadro de conjunto. a ingerência dos princípes no próprio seio do conclave e o veto efectivo oposto por certos Estados cristãos à aplicação dos decretos de Trento hão-de enfraquecer ainda a posição dos papas em relação ao Mundo moderno. no fim do século . cujas preocupações serão. A Renovatio in capite (reforma da cabeça) era. deve-se a fundação de uma vintena de seminários e da Universidade Gregoriana e foi ele quem concedeu às nunciaturas permanentes o seu carácter definitivo. um sábio. arcebispo de Bordéus. não faltavam na Igreja os pastores zelosos e fervorosos: por exemplo. foi durante vinte anos arcebispo Nota 1: Faz parte do número dos grandes padres conciliares tridentinos o português Dom Frei Bartolomeu dos Mártires. a renovação da pregação pastoral. mas. ou o sábio bispo de Salerno. arcebispo de Polock. quando quarenta e três dos cento e quarenta bispados franceses estavam desprovidos de titulares e um cardeal como Carlos de Lorena (falecido em 1607). isso tinha o seu valor como exemplo. Pasmany (falecido em 1637). No entanto. o humanismo. bispo de Verona. a visita metódica da diocese. a administração digna dos sacramentos. do T. Prévost de Sansac (falecido em 1591). cujas ideias reformadoras influenciaram certos decretos de Trento (1). no século XVI.] 241 de Milão: o ensino metódico do catecismo. O cardeal Hosius (falecido em 1579). [N. Pensemos em 1579. em constantes visitas pastorais e grande moralizador do seu clero. Wilfgang Von Salm em Passau. arcebispo de Braga. bispo de Meaux. Mas aquele de quem se pode dizer que "refez o episcopado da Europa" pelo sentido do seu exemplo foi Carlos Borromeu (falecido em 1584).eis alguns dos aspectos capitais da acção de Borromeu que podem dar a ideia de o ultrapassarem. arcebispo de Cápua. e o seu sucessor François de Sourdis (falecido em 1628). tratandose de um bispo. a diplomacia e a guerra eram perfeitamente compatíveis com o episcopado considerado então como uma carreira. arcebispo de Valença. Giberti (falecido em 1543). foi titular simultaneamente de seis outros bispados e abade comendatário de inúmeras abadias. depois de ter animado os últimos debates do concílio. a restauração do espírito de penitência. bispo de Ermland. beatificado em Outubro de 2001. fundador do Seminário Conciliar da arquidiocese. Tomás de Villeneuve (falecido em 1555).XVII era uma desolação. Briçonnet (falecido em 1534). Nos hábitos do tempo. a política. sobrinho de Pio IV. . a realização regular dos sínodos diocesanos e provinciais . Seripando (falecido em 1563) ou outros como Roberto Belarmino (falecido em 1621). Josaphat Kuncevicz (falecido em 1623). Sadoleto de Carpentras (falecido em 1547). o primaz da Hungria. cujos rendimentos eram destinados às obras hospitalares que fundara. arcebispo de Reims durante nove anos. sobretudo. tudo isso tinha sido deplorado no Concílio de Trento. sob Filipe II. A condição essencial de uma reforma clerical era. perante a indiferença. o Angelicum. Lovaina. substituindo o ofício do coro pela oração mental na forte tradição da devotio moderna. pois. substituindo a estabilidade de um mosteiro pela obediência reforçada. muitas dioceses italianas e espanholas já possuíam um seminário. Douai e. uma sólida formação intelectual e espiritual dos futuros padres . dos futuros bispos -. com as suas faculdades de Teologia. antes do fim do século XVI. Tal como no século XI a instituição dos cónegos regulares insuflara no clérigo paroquial um pouco do fervor monástico. a Gregoriana. Alcalá de Henares. Toulouse e a velha Sorbonne. que sedução não devia provocar um livro como a Instituição Cristã de Calvino sobre os espíritos embotados pelo charlatanismo dos pregadores da época! Clérigos giróvagos. nos Países Baixos. por consequência. O tempo dos santos padres "A descida do episcopado corresponde a decadência do clero. a inveja dos colégios tradicionais." A chaga do clero do século XVI era a ignorância. essa prescrição só será aplicada muito lentamente. foi também a idade das universidades ibéricas de irradiação universal: Salamanca. caracterizadas pela manutenção do espírito monástico adaptado "à mobilidade de um apostolado num mundo em transformação". clérigos incapazes de pronunciar as fórmulas válidas de um sacramento. A maior parte dessas fundações foram italianas ou espanholas: os Teatinos (1517). fundados por Gaetano de Thienne (falecido em 1547) e Caraffa (Paulo IV). colocando obstáculos que.situam-se. Em Roma. em França. devidos ao . 4. A idade de oiro espanhola. entre muitos outros. também o século XVI viu multiplicar-se os "padres reformados" ou os "clérigos regulares".e. em França. foram. sem bispo. Bordéus. os Somascos hospitalários. Um decreto de Trento (1563) tinha prescrito a cada igreja catedral a manutenção de um seminário. Salzburgo. na Alemanha. Por isso. No entanto. na tradição borromiana. sociedades religiosas novas. Valladolid e Coimbra. a falta 242 de professores. os centros de reforma e os centros de formação clerical. nos seminários e nas universidades. os Barnabitas (1530) do cremonês António Maria Zaccaria (falecido em 1539). só serão levantados no século XVII. a Sapiência. para educação das crianças do povo. colocar-se ao serviço do Papa. os monita secreta. é esquecer que tal género de obediência não é a abdicação da personalidade. mas fazer dos jesuítas os escravos obstinados de forças ocultas sob o pretexto de que a Companhia está fortemente hierarquizada e a obediência é a sua lei essencial. Escreveu-se de tudo sobre os jesuítas: um historiador de sucesso.. fez de Inácio e dos seus discípulos 243 simples iniciados na cabala e no ocultismo! A palavra jesuíta teve honras duvidosas pela sua "derivação própria e imprópria". entre muitos outros. É evídentíssimo que nem todos os duzentos mil jesuítas que viveram depois de Sto. antes um quadro para o verdadeiro exercício da liberdade. a mais poderosa das ordens religiosas modernas. Em Roma. A extraordinária vitalidade da ordem . Quando. fundados em 1540 em Espanha pelo português João de Deus. ainda recentemente. jesuitizar. do romano Camilo de Lellis (falecido em 1614). de castidade. os Clérigos Regulares das Escolas Pias. a diversidade do seu apostolado. de humildade.trinta e cinco mil membros em 1990 -. a mais célebre comunidade de clérigos regulares e. O jesuíta Basílio de Béranger e d’Estaunié. o jesuíta laxista de Pascal. no caso de ser isso impossível. em 1540. que foi dada a honra de criar. uma vez mais ainda um espanhol. etc. não pensava então fundar uma congregação religiosa. as necessidades do apostolado incitaram os companheiros a agrupar-se definitivamente. o "Papa negro" e a "Congregação" são. a facilidade com que enfrenta todos os problemas têm como fundamento vocações profundamente testadas por uma sólida formação intelectual e espiritual. de evangelizar os infiéis e de. Inácio foram santos. os epítetos que a História carreou e que a ignorância popular engrossou. a Companhia de Jesus era reconhecida por Paulo III. cuja vocação se aproxima da dos Irmãos da Misericórdia. No entanto. o jesuíta mumificado pelo famoso perinde ac cadáver. Inácio se tornou estudante em vez de soldado e pronunciou com alguns companheiros os votos de pobreza. com a Companhia de Jesus. como dizem os gramáticos: jesuitério. os clérigos regulares ministros dos enfermos ou Camilianos. . o aragonês José Calasans (falecido em 1648) fundou. de facto. jesuitismo. Mas foi a Inácio de Loiola (1491-1556). numa capela de Montmartre..veneziano Jerónimo Emiliano (falecido em 1537). os jesuítas foram levados. discípulos do . Filipe de Néri (falecido em 1595) . bondoso e brincalhão. os carmelitas descalços tornaram-se numa ordem independente. Inácio. Assim."Pepo buono". Aliás. os servitas e os trinitários descalços. tendo criado um colégio em Messina que conheceu sucesso. em 1562. sobretudo. já se contavam dezassete em Espanha. como equipa missionária. em muitos aspectos. porque a antiga Ordem do Carmelo estava também dominada pela decadência: uma carmelita espanhola. fundou o primeiro convento das carmelitas descalças. Teresa de Almunada (falecida em 1582). tudo isto dava um lugar importante à disciplina que. ao mesmo tempo. já dirigiam cento e quarenta e quatro -. O século XVI foi também o século dos monges descalços. em 1593. fixando-se nas fronteiras dos países ganhos para o protestantismo. graças ao grande místico João da Cruz (falecido em 1591). os carmelitas descalços. preconizavam uma reforma austera em oposição aos mitigados ou não descalços. Inácio criou outro em Roma: o colégio romano .Um instrumento tão flexível e tão temperado foi. do T. o Oratório tornar-se-á um elemento capital da Reforma católica. ao teatro e à controvérsia1. que é a alma da Companhia (1551). imediatamente. Espalhando-se pela França no começo do século XVII. Entre os franciscanos. estava próxima do ideal de Montaigne. a adoptar o ministério do ensino. Avançando através da Europa. cujos membros vivem em comunidade para trabalhar na pregação e no ensino.em 1580. pela aplicação dos Exercícios Espirituais de Sto. isto é. para o povo simples . [N. nas antigas ordens. decidiu reagir e. em Ávila. sociedade sem votos públicos. utilizado pelos papas reformadores. onde se formou a elite europeia: a sua originalidade e o seu êxito deviam-se a uma pedagogia fortemente clássica e.] 244 Uma outra forma de renovação clerical foi aplicada por um padre romano. houve os eremitas descalços de Sto. vinte anos depois. levada por uma vocação excepcional. Em primeiro lugar. a reforma ganhou ainda a ordem masculina.le Gesú -. os jesuítas multiplicaram os colégios . duas vagas de renovação: a dos "minoritas da mais estrita observância".que lançou as bases do Oratório. aberta às ciências. os jesuítas tornar-se-iam os guias das almas desejosas de encontrar um itinerário simples para chegar até Deus. a partir de 1547. dos que. Agostinho. Nota 1: Debate público sobre assuntos de interesse. o dos capuchinhos. a sua caridade e a sua predilecção pelos pobres fizeram deles a ordem mais popular. sobretudo os jesuítas. sobretudo. de sumptuosidade. temos hoje o direito de perguntar se foram sempre inspiradas pelo espírito evangélico. de invenção. marcado por atrozes sevícias. como aconteceu com Ana Askew. A "lei da traição" foi de novo aplicada no tempo de Eduardo VI e.é o caso de Tomás Moro . Em 1525. espalhar-se-á pela Espanha. a arte barroca é diferente dessa procura de equilíbrio e de harmonia que formará o ideal clássico. Assim. Na Itália. Assim.como entre os calvinistas. a arte barroca. Com os clérigos regulares. expressão essencial 245 da reforma católica. A partir de Itália. França. E opõe-se também à austeridade querida pelo protestantismo. Para uma Igreja maior As tendências absolutistas dos monarcas do século XVI não podiam acomodar-se à dissidência religiosa. Henrique VIII mergulhou a Inglaterra num terror que fez mártires tanto entre os católicos . chamada "a sanguinária": e O Livro dos Mártires de João Fox . Durante dez anos. Alemanha e Europa Central. mas sempre bastante entusiástica. desenvolveu-se o aspecto sensível da religião. em traços largos. de Itália e de Espanha uma forte corrente mística estendeu-se pela Europa católica.revela-se. que renovou a iconografia religiosa pela sua vontade de deslumbrar e de comover. sob a católica Maria Tudor. o observantino Mattea Baschi deixava furtivamente o Convento de Montefalcone para ir solicitar ao Papa que lhe consentisse observar à letra a regra franciscana. porque actualmente são uns quinze mil: a bonomia dos capuchinhos. guerras medonhas e o espectáculo escandaloso de "um Evangelho armado". Arte de imaginação. depois.espanhol Pedro de Alcântara (falecido 1562). que foi um prodígio de penitência e. nasceu assim a arte barroca. com as suas diversas formas. foi essa a origem da Ordem Franciscana Autónoma dos Capuchinhos. aquecendo os corações e inclinando-se para uma devoção menos inquieta do que no século anterior. que teria uma enorme prosperidade. de contrastes. O pano de fundo da Reforma . 5.protestante e católica . a vida espiritual dos católicos seria renovada. Quanto às conquistas e reconquistas que acompanharam a Contra-Reforma. Essa fraqueza foi mantida pelos seus sucessores e também pelas cobiças estrangeiras: a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) é não só a última guerra religiosa. que conferiu aos protestantes as garantias suficientes. animadas pela família de Orange. mas também a mais atroz . mas os homens frios do Norte não cederam. portanto. a França conheceu trinta anos de horror: uma longa guerra santa agravada pela intervenção dos Espanhóis e dos Ingleses. Filipe II escapou a um calvinismo decidido. numa situação trágica de que Henrique IV faz sair a França através de um acto de grande sabedoria: o Edicto de Nantes. foi o senhor de um magnífico império. no centro. de El Greco. executando 144.deixará a Alemanha exangue: a sua população reduzida a metade e o seu apagamento político durante dois séculos. Os "Reis Católicos" tinham-lhe dado um instrumento tremendo: a Inquisição espanhola. as . a Espanha.enriquece-se com duzentos e setenta e sete nomes. foi em vão que Carlos V se esforçou por reunificá-la. o de Cervantes. de Inácio de Loiola e de João da Cruz. Filipe II (falecido em 1598). Entre 1562 (massacre de Wassy) e 1598 (Edicto de Nantes). da sua polícia perseguiu os padres chegados do continente. herdadas da Borgonha. reforçado pelo seu patriotismo. depressa as sete províncias setentrionais fizeram a sua secessão (1586): foram as Províncias Unidas a Holanda . que reclamavam uma reforma pelo espírito. que soube utilizar para extirpar das suas terras o islão. os exércitos de Isabel esmagaram os irlandeses rebeldes ao Acto de Supremacia. E o último Valois. A seguir. o Conselho do duque de Alba (falecido em 1582) não se cansou de multiplicar as condenações à morte . que já estava no "século de oiro". filho de Carlos V. encontrou-se entre os extremistas da Liga católica e o Estado huguenote. os iluminados (alumbrados).fala-se em 1800 -. mas a Alemanha saíra territorialmente dilacerada das lutas religiosas. Lutero tinha contribuído fortemente para dar consistência ao sentimento nacional alemão. e também os primeiros indícios espanhóis do protestantismo: por exemplo. No entanto. Bartolomeu (1572) fez algumas dezenas de milhares de vítimas e marcou o auge do sectarismo. os Judeus. e os presbíteros calvinistas tiveram de entrar na clandestinidade e aí continuaram sob o reinado dos Stuarts. A Noite de S. 246 Henrique VIII. Nas ricas províncias dos Países Baixos.com um prodigioso futuro. o erasmiano Valdés teve de se exilar. em 1595. por vezes de modo indiscreto. Colónia. Fernando da Áustria. Segismundo III que conduziram a Polónia inteira à obediência romana. Em 1549. por diversas vezes. assim. pelos governos católicos. Na Itália. os papas.províncias do Sul (as da futura Bélgica). O fracasso da Invencível Armada lançada por Filipe II contra a herética Isabel I (1588) consolidou. porque estes povos conduziram as frentes da colonização e da evangelização. da Caríntia e da Carniola a abandonar o protestantismo. depois. obrigando os seus chefes Ochino. em actas oficiais. Apenas os valdenses. a Inquisição de Paulo III. 6. das regiões renanas. resistiram: em 1545. Henrique Bathory e. Alexandre VI concedeu à Coroa espanhola o dízimo recebido da América e impôs-lhe. Munique. Na Hungria. na Inglaterra. o .a fugir. depois. Os jesuítas pensaram na Escandinávia. 247 Vermigli e Vergerio . que tinham aderido à Reforma. Caraffa. Bransberga e Praga foram alguns dos pontos de apoio dos jesuítas auxiliados pelos seus "alunos": Alberto V e. o jesuíta Pázmany (falecido em 1637) tornou-se primaz e dotou o país de um clero autónomo. durante trinta anos. a reconquista católica utilizou armas mais pacíficas ou dispôs. os Rutenos faziam a sua adesão ao Papa. Guilherme V da Baviera. a Companhia de Jesus foi associada ao movimento missionário subsequente à formação dos impérios coloniais espanhóis e portugueses. na Rússia e. de um exército admiravelmente preparado: a Companhia de Jesus. sobretudo. "com base em colégios e pregações". foi apoiada. mantiveram-se fiéis a Roma. Gratz. mas também numerosas famílias magiares voltaram ao catolicismo. cuja acção. onde os jesuítas eram numerosos e onde se impunha a prestigiada Universidade de Lovaina. em 1501. foi a alma da reconquista do Sul da Alemanha. A Igreja fora da Europa Muito naturalmente. ligaram o estabelecimento de igrejas coloniais à implantação europeia. instalou-se em Ingolstadt o jesuíta Pedro Canísio que. ao fundar em Viena o seminário Pázmaneum. o sentimento nacional em que um dos elementos era o antipapismo. Aliás. que obrigou a nobreza da Estíria. sufocou os evidentes progressos da Reforma. não só instalou a sua ordem nas cidades protestantes. da Boémia e da Polónia: Friburgo. centenas deles foram massacrados no vale de Durance. em contrapartida. onde reinava o islão. esse missionário cheio de zelo era inteligente e soube corrigir os seus primeiros erros. não se insistirá nunca muito sobre a extraordinária irradiação dos jesuítas em Pequim. Cochim.considerará que os ritos tradicionais do culto dos antepassados e do confucionismo não têm nada de idolátrico. quanto ao padre de Nobili (falecido em 1656).Goa. tornou os missionários parcialmente responsáveis pelos excessos da colonização.o misterioso reino do Preste João -onde os jesuítas não puderam penetrar. A viagem que fez ao Japão (1549-1551) convenceu Francisco Xavier da necessidade de uma adaptação e de uma formação especiais para os missionários que tivessem de abordar o Extremo Oriente. dominado pela escravatura. o navarro Francisco Xavier (falecido em 1552) lançou-se sobre a índia portuguesa . portar-se-á como um brâmane entre os brâmanes. Na verdade. Os seus sucessores não esqueceram. no Congo."as almas e a pimenta" -. logo foi contestada a eficácia do seu apostolado. as lições: o padre Matteo Ricci (falecido em 1610) . Podemos considerar como missionários os bispados estabelecidos em Marrocos (1421). sobretudo na América Latina. Portugal. protectores. país pequeno. os missionários portugueses não passaram de párocos dos colonos. nos Açores (1534). -. Com um zelo devorador.. desencadeados pela sede das especiarias e do oiro. Fundadores.que uma "lenda negra" exagerou . administradores da Igreja nas índias Orientais e Ocidentais. Nas índias Orientais. dispunha de poucos homens para fazer mais do que estabelecer feitorias e postos periféricos nas costas de África e da Ásia. 248 misturando o espiritual com o temporal . Esses excessos. mas sem um conhecimento suficiente dos costumes e das riquezas do hinduísmo. Mas se a maioria dos jesuítas pretendia . uma jovem Igreja indígena (1490) não teve futuro. Macau. tal como aconteceu em Moçambique (1561). pois. na Madeira (1514).. os Portugueses cometeram o erro fundamental de impor aos autóctones "convertidos" as regras de um catolicismo europeu estreitamente ligado aos interesses lusitanos. Colombo. são bem conhecidos: trata-se menos de massacres . sobretudo no século XVII.Li Mateou para os letrados chineses . na Etiópia .do que de um violento regime colonial. os reis ibéricos instauraram aí o regime do "patronato" que.encargo de fundar e dotar algumas comunidades cristãs. Aliás. um dos discípulos de Inácio de Loiola. em Angola (1560). Dioceses. Las Casas teve de sofrer a dor de ver aquela ser substituída pelo tráfico dos negros levados de África: miseráveis. o encomendem. Mas embora tenha estado na origem das Novas Leis que prepararam a progressiva extinção da encomienda. mas a acção da Igreja teve de se harmonizar com uma instituição oficiosa. Desta oposição nasceu a excessiva e interminável "querela dos ritos" (1645-1744) que agravou a luta travada pela Igreja no Ocidente contra as sequelas do paganismo e que terminou pela derrota dos jesuítas no tempo de Bento XIV. O mais corajoso protestatário foi o dominicano Bartolomeu de Las Casas (falecido em 1566): em 1542. de quem o jesuíta Pedro Claver (1654) se tornará um apóstolo cheio de amor. na América. dirigiu a Carlos V a Brevíssima Relação da Destruição dos índios. É sintomático que um edicto do cardeal Ximenes de 1516 tenha obrigado que cada navio que deixasse a Espanha a caminho da América levasse consigo pelo menos um padre. dominicanos e depois jesuítas foram auxiliares dos colonos. Enquanto os Portugueses . os Espanhóis. escolas. os franciscanos e os vigários apostólicos saídos das Missões estrangeiras exigiam conversões completas. porque tal intransigência acabaria por produzir frutos bem amargos. Na Igreja. No Brasil português.excepto no Brasil . a exploração das minas e a rápida diminuição do povoamento índio. a encomienda assegurou a constituição de vastas explorações agrícolas.desocidentalizar o cristianismo e admitir nas civilizações da Ásia tudo 249 o que não era incompatível com o Evangelho. Associada à prática do repartimiento . por terem um pacto com os exploradores. alguns dos quais acreditavam na ideia de que os índios não tinham alma ou sublinhavam mesmo a sua intangível inferioridade moral. seminários organizaram-se assim em território americano. franciscanos. No imenso Império Espanhol.se furtaram aos sistemas filosóficos ou às religiões sólidas (islão. em face deles os dominicanos. etc).requisição assalariada apenas em teoria -. bramanismo. os donatários representaram um privilégio semelhante ao dos encomenderos. . tão pouco cristã quanto possível: a encomienda. igrejas. muitos ficavam calados. cujo título é dramaticamente sugestivo. que colocava um vasto território e os seus habitantes índios na total dependência de um colono. fizeram muito facilmente tábua rasa da teocracia militar das civilizações ditas précolombianas. Aliás. já que a ideia de um clero indígena não era sequer concebível na atmosfera colonialista da época. Os jesuítas. Este regime de tutela não causa admiração porque. com frequência formalista. a religião associava-se a um sistema económico-social bastante duro. "os bons selvagens". Acosta. um século francês. não se pode contestar que os missionários católicos mostraram realmente interesse pelos índios. ainda se confundem com uma religião mestiçada. Por outro lado. no Peru. do T. ela mal começava. e que eles mesmos dirigiam. não era para os fazer aceder ao sacerdócio. por exemplo a P. geradoras de injustiças. A idade de oiro da Igreja em França . Quanto à América do Norte. sendo aos olhos dos missionários a barreira natural contra os vícios dos "civilizados". se os missionários conduziam os índios para o cristianismo. assim. O papel dos missionários franceses revelou-se aqui preponderante e é verdade que o século XVII foi. também no plano religioso. que concentraram quase cem mil autóctones. Muito poucos missionários e mal preparados podiam ver nos "americanos" outra coisa que não fossem infiéis. no Paraguai e no Brasil "reduções" (1).250 Contudo. criaram no Uruguai. organizaram aldeias. as línguas indígenas.] 251 Capítulo II O TEMPO DA IGREJA EM FRANÇA 1. mas cujas estruturas semifeudais. enquanto o padre Anchieta foi o autor de uma gramática e de um dicionário tupi-guarani. no princípio do século XVII. onde os colonos não entravam. a entrar em comunicação com a Igreja. permitiram ainda. uma vez que só em 1790 o México e a América do Sul contarão sete arcebispados e trinta e sete bispados. oficialmente um "continente católico". compor catecismos em línguas quíchua e aimara. desde o fim do século XVI. havendo somente duas sés (Quebeque e Baltimore) ao norte do rio Grande. Nota 1: Reservas. incidindo muitas vezes num substrato de superstição e quase de crueldade: eis o que podem esclarecer ainda alguns dos problemas actuais da América Latina. o franciscano Sahagún foi um especialista da língua huatle. [N. Para os proteger contra a corrupção espanhola. uma teologia mística alimentada pelo agostianismo. Assim. Toda a vida espiritual moderna foi informada por essa teologia que professa a transcedência de Deus. Em Paris. Luís XIV beneficiará dos esforços de duas gerações de santos. Madame Acarie. . pelo humanismo cristão. mas exalta o mistério de Cristo incarnado. a contemplação da vida de Cristo são os aspectos marcantes da escola francesa de espiritualidade. Calvino . pela mística espanhola e pela corrente renoflamenga. mas mantendo um tom muito francês pelo seu sentido do equilíbrio e pela sua aptidão para realizar obras úteis e duradouras. uma procura das "consolações" e uma iconografia adocicada e moralizante.propõe às numerosas almas que dirige um heroísmo sorridente. Com a França bourboniana. polemista anti-calvinista. um esplendor espiritual único. uma religião individualista. um papel principal. muito próximo das suas origens e cheio de sumo. podemos dizer que essa Igreja vai representar durante muito tempo. esse belo gentil-homem optimista. o único capaz de sublimar o vazio do homem. A virtude da religião. o "puro amor". apesar das aparências de um francês espontaneamente exuberante. é lá que encontra um jovem padre humanista. muito franciscano de espírito . Bispo de Genebra-Annecy. mantido por uma das suas penitentes. de que a oração mental é o alimento principal. a gentileza de Francisco de Sales (falecido em 1622). a Igreja galicana sobe no horizonte do século XVII nascente. na história da Igreja universal.A chegada ao poder de Henrique IV em França corresponde ao apagamento da Espanha e da Itália que tinham sido o centro da reforma católica.que seria demasiado fácil opor a outro genebrino. o mestre a quem Bremond chamou primorosamente "humanista devoto". herdando assim "o mais belo reino do Mundo". num clima de recolhimento e de cultura. pregador. Na sua origem. cujos desvios se poderão adivinhar: um 253 quietismo. Não havia frivolidade entre os pioneiros. Francisco de Sales frequenta o círculo Acarie. escritor (Tratado do Amor de Deus e Introdução à Vida Devota). Mas a sua idade de oiro será conhecida ao longo dos sessenta anos que hão-de decorrer entre o Edicto de Nantes e a morte de Mazarino e. uma religião pessoal e consciente. não nos deve iludir acerca da sólida cultura deste saboiano que foi aluno dos jesuítas. que justamente foi apontada como "a animadora de toda a Paris espiritual". depois da conjura de Châtel. A influência carmelita juntamente com a dos jesuítas contribuirá para centrar sobre Cristo a escola beruliana. bispo de Belley. "eminência parda" de Richelieu. e Surin (falecido em 1663). Mas toda a espiritualidade viva se exprime naturalmente nos actos e nas obras. o dominicano de Chardon (falecido em 1615). Ou ainda como o franciscano Bomai. que agrupará a partir de 1630 uns cinquenta mosteiros espalhados por vários lugares e . como Condren (falecido em 1641). também ele aluno dos jesuítas. Bremond falou de "invasão mística" e. fundador dos salesianos e das salesianas. Em 1604. na altura da sua morte (1641). Na França de Luís XIII. Maria da Incarnação . instrutor do terceiro ano e cuja elevada doutrina modelou várias gerações na Companhia.Pedro de Bérulle (falecido em 1629). Francisco de Sales funda em Arvnecy. Da capital. em 1610. o bispo de Annecy encontrou em Joana de Chantal uma alma gémea e." Segundo uma forma de colaboração frequente na história dos santos. Bourgoing (falecido em 1662). a vida religiosa refloresceu. autor de uma Introdução à Vida Espiritual.espalham-se por toda a França. então. A "santa estima ou santa amizade" salesiana inspirará no século XIX a obra benemérita de João Bosco. em que se destacam jesuítas como Luís Lallemand (falecido em 1635). E muitos outros. João Eudes (falecido em 1680) e a sua Vida e o Reino de Jesus. a Ordem da Visitação de Maria. formada em 1605. Amar e Louvar Deus. as teresianas . com efeito. os géiseres brotam por toda a parte. como Camus 254 (falecido em 1652). A velha ordem beneditina renova-se em "congregações" e as duas mais célebres são francesas: a Congregação de Saint-Vanne (de Verdun). mesmo o carmelita João de Saint-Simon (falecido em 1636) e depois os discípulos de Francisco de Sales. aberta a saúdes delicadas e cuja vida interior se exprime nestas palavras: "Que toda a sua vida seja para se unir a Deus e ajudar a Igreja. autor das Considerações sobre os Mistérios de Jesus Cristo. e negoceia a instalação em Paris do primeiro carmelo reformado. Bérule consegue duas vitórias: obtém de Henrique IV o regresso dos jesuítas banidos em 1595. tornando-se. o capuchinho Joseph du Tremblay. Olier (falecido em 1657) e a sua célebre jornada Cristã. Richeome (falecido em 1625) com a sua Pintura Espiritual ou a Arte de Admirar. já se contará mais de uma centena de conventos das visitandinas.às quais se junta Madame Acarie. os discípulos de Bérulle. cujo centro será a velha Abadia de Saint-Germain-des-Prés: Dom Tarisse. da qual Richelieu. Tal balanço. a ignorância e a imoralidade do baixo clero. continuam a reinar a comenda e a opulência. uma tarefa oficial que foi dificultada pelos hábitos adquiridos. em Cluny e em Cister. a comenda. nos Estados-Gerais de 1614. "receber" os decretos do Concílio de Trento. sem contar os quarenta colégios fundados em sete anos pelos jesuítas. ursulinas. pela Guerra dos Trinta Anos e pela Fronda que semearam tudo de ruínas. Os principais males da Igreja de França consistiam no facto de. por um lado. não deve iludir o verdadeiro estado da Igreja galicana. em que mauristas como Mabillon. do piedoso rei Luís XIII e. Das cento e dezoito comunidades que. De todo o lado afluem a França religiosas e religiosos: carmelitas. Ruinart e Montfaucon serão famosos. as guerras de religião e os benefícios eclesiásticos se terem tornado para a realeza uma caixa de pensões. transforma a abadia cisterciense de Notre-Dame de Trappe. apesar das tramóias do rei e da resistência dos parlamentos. em 1664. pela acção de alguns padres santos que tinham um duplo objectivo: a formação de um clero . filhas de S. avançando a pouco e pouco.de. a miséria e o embrutecimento do povo continuarem a grassar. dizia que "estava inteiramente despida do seu antigo esplendor e nem sequer era reconhecível". Richelieu . a jovem abadessa Angélica Arnauld abriu à sua abadia uma grande e 255 terrível carreira. e a Congregação de Saint-Maur. 82 delas foram fundadas no século XVII e 48 durante o reinado de Luís XIII. a abadia cisterciense feminina de Port-Royal conheceu também o seu Pentecostes: recusando definitivamente ao Mundo o acesso à sua comunidade. favorável aos regulares. Em 25 de Setembro de 1609. criada em Paris em 1618.orientados pela regra de Monte Cassino. em França. mais prestigiosa. Mas coube a honra aos representantes do clero nos Estados Gerais de 1614 . Aliás. o primeiro superior-geral. por outro. Bernardo que Armando de Rance. mas que foi bastante ajudada pela protecção de Richelieu. teatinas e bernardas.e ao seu porta-voz. não se contentou em reformar os mosteiros da sua obediência (poderão contar-se 191 no fim do século XVII): orientou a actividade dos seus monges para a erudição histórica. Tomás. num centro de austeridade que. na Normandia. em 1789. A reforma católica tornava-se. e. contra a sua vontade. haverá em Paris. animará a extraordinária Ordem dos Trapistas. sobretudo. E é para reagir contra o esquecimento dos ensinamentos de S. como o tempo "que corrompe todas as coisas. numa casa da Rua de Saint-Jacques. a autoridade ficou entregue aos prelados. cinco padres que foram os primeiros membros da Congregação do Oratório formada de padres "reunidos e retirados em conjunto para se disporem à perfeição do estado sacerdotal. também foram sendo divididas pelo espirito do homem e pelo espírito do mundo. no sítio do actual Val-de-Grâce. embora colocado no coração do mundo. Na Igreja primitiva . exigirá a prática das mais elevadas virtudes. a luz de Deus. graças a ele. a instrução e a atenção pelas camadas populares. Depois. “o religioso de Deus seu Pai". a santidade de Deus. em 1615. Nos seminários nascidos da reforma católica vai ser doravante. Um novo padre A prolongada degradação do clero e a agitação trazida por Lutero e pelos reformadores à própria noção de sacerdócio obrigaram a Igreja pós-tridentina a institucionalizar uma classe sacerdotal de quem. e aquelas suas três qualidades (autoridade. que os primeiros padres eram não só os santos. no futuro. O ideal de Bérulle ao lançar as bases do Oratório era reabilitar o estado sacerdotal aos olhos dos cristãos. muito habituados a desprezá-lo.fervoroso e zeloso. Neste domínio a França do século XVII fará escola. mesmo até aos nossos dias. foi relaxando a grande maioria do clero."o clero manifestava tão profundamente gravada em si mesmo a autoridade de Deus. O público. santidade e doutrina) que o espírito de Deus tinha juntado. mas também os doutores da Igreja". fazerem colectivamente o voto de dedicação (1) perpétua a Jesus Cristo e à Humanidade deificada.escreve Bérulle . cuja perfeição deverá exceder a 256 dos religiosos e cuja acção terá de estar constantemente associada à de Cristo.. 2.. a santidade aos religiosos e a . vai habituar-se a a ver os padres andar de batina por toda a parte e aliar a uma cultura sólida uma preocupação de perfeição que Bérulle leva ao ponto de os oratorianos e o seu fundador. Foi em 1611 que Pedro de Bérulle reuniu. Trata-se de um verdadeiro regresso as origens. segundo o seu sentido original e para exercerem as suas funções na obediência e dependência dos bispos". modelado um tipo muito característico de padre: um ser isolado. que o destinara a uma vocação excepcional. Vicente revela-se aos 45 anos um homem de grandes obras. depois. entre 1631 e 1644 se formaram mais de quinhentos padres e clérigos vindos de toda a França. ter tocado o fundo da miséria humana. [N. juncadas de crianças abandonadas.doutrina às Academias". Este padre charnequenho. humildade. enxameadas de pobres e vagabundos. paciência e uma actividade tenaz: foi essa a maior graça do século XVII: ter conhecido esse milagre na pessoa de S. dentro de três orientações principais: a evangelização dos campos. João Eudes (falecido em 1680). fundava em Caen a Congregação de Jesus e de Maria. Vicente de Paulo (falecido em 1660). um padre normando.] 257 seminário interdiocesano de Saint-Sulpice três espécies de estratos: um corpo de directores .os "Messieurs de SaintSulpice" ou Sulpicianos -. as aldeias entregues à miséria e à desmoralização. desamparadas por um baixo clero indigno ou esmagadas pelas colectas eclesiásticas! Para tratar destas chagas era necessário um homem que reunisse em si as virtudes do camponês e do padre. uma reserva de padres santos e um viveiro de aspirantes ao clero. poderia ter-se contentado com a comodidade vantajosa de um lugar de capelão junto da rainha Margot ou ao pé dos opulentos Gondi. Mas Deus. por ter conhecido como pároco de Châtillon-les-Dombes "a grande piedade das igrejas de França" e por. como capelão das galés. por ter sido amigo de Francisco de Sales. multiplica os seus encontros e experiências aparentemente sem ligação entre si. manifestasse bom senso. cujos membros . formando no Nota 1: "Escravidão" foi a palavra usada. Olier (falecido em 1657). Por ter tido Bérulle como director espiritual. a formação dos padres e a protecção dos pobres. saído de uma pobre família de agricultores.tomaram a seu cargo a maioria dos seminários da Normandia para aí poderem preparar os padres para o seu apostolado junto das massas. em Paris. Na mesma altura (1643). O pároco da imensa paróquia Saint-Sulpice. que acabaram por alargar ao infinito o seu campo de acção. Três outras personalidades fizeram também uma obra duradoura em matéria de formação do clero. alarga a experiência de Bourdoise.os eudistas . As massas! Cidades fustigadas pela guerra. . O excêntrico Bourdoise (falecido em 1655) formou a comunidade paroquial de Saint-Nicholas de Chardonnet onde. do T. Em muitos casos. a dor quotidiana e monótona". Urbano VIII (1623-1644). Para os clérigos que se preparam para as ordens (para os ordinandos). mas as Filhas da Caridade ainda conservam o timbre do seu hábito tradicional. algumas mulheres .oferecem-lhe a sua ajuda. funda as 258 Conferências da terça-feira que. depois. é preciso um clero santo. haverão de reunir a elite do clero francês. no rasto de Vicente. em 1633. E os seus sucessores. as vicentinas são as únicas intermediárias entre a Igreja e as gentes mais simples. cada vez mais incomodados pelos medíocres Estados pontifícios que os rebaixam à categoria de pequenos príncipes italianos serão. que é a cor da sombra. uma delas. Inocêncio X (1644-1655) e Alexandre VII (1655-1667) não dominaram o seu tempo. os dias vulgares. Vicente de Paulo é a de um bom rosto que se inclina sobre os doentes. os pobres e os abandonados. Louise de Marillac. 3. Mas. para os "antigos". esse azul tão do século XVII que simboliza a França camponesa. A imagem que se guarda de S. acabará por criar o grupo mais amado que o mundo havia conhecido: as Filhas da Caridade ou "vicentinas". a quem recomenda acima de tudo que evitem "as pregações alineadas" à maneira do tempo. destaca-se e. É necessário dizer que o impulso dado pelos santos não se estendeu à escala do mundo por ausência de um papado que os Tratados de Vestefália (1648). com delicadeza: "De um cinzento-azulado sombrio e profundo. se tornaram servas dos pobres. afastaram completamente do "concerto europeu". do qual Jean Guitton diz.Aos pobres dos campos. do pensamento e da solicitude.as "Dames de Charité" . apenas quatro humildes camponesas que. A princípio. A harmoniosa fachada da Igreja em França Costumam identificar-se os sessenta anos do reinado de Luís . as grandes asas do antigo toucado das vicentinas quase desapareceram. mas. ora os "maus padres" ainda são demasiado numerosos. Vicente envia equipas sacerdotais os lazaristas -. confrontados com as querelas doutrinais levantadas sob os raios do Rei-Sol. como também lhes chamam: inicialmente. até à morte do santo. Vicente organiza retiros ou exercícios e. depois. da noite clara. Por comodidade. para um povo que se deseja fiel. longe de poderem entregar-se a uma acção universalista. fazendo triunfar os nacionalismos. missionários dos campos. como as grandes asas das Irmãs da . se aliavam à glória e à etiqueta. As missões multiplicam-se: missões estrangeiras (a sociedade e o seminário das Missões Estrangeiras são constituídos regularmente em Paris. Mascaron em Agen. deixa aí espalhadas três famílias espirituais: a Companhia de Maria (montfortinos). o Seminário do Saint-Esprit para a formação de um clero adaptado às regiões mais pobres. Roquette em Autun. mais tarde Irmãos de S. que inaugura uma forma de vida religiosa adaptada ao ensino popular: religiosos não-padres.do Palácio de Versalhes. entregam-se inteiramente a uma tarefa pela qual o seu criador fundou uma pedagogia sem pedantismos.ao lado dos jardins . as instituições do período anterior trazem os seus frutos. tendo trabalhado nos campos de Saint-Malo a Saintes. Mas isso é esquecer as misérias e os vícios que. A sua solidez e a sua vitalidade não sofrem contestação. Claude Poullard des Places funda. João Baptista de La Salle (falecido em 1719). as missões populares têm como animadores Schacht e Jeningen na Alemanha. aluno de Olier. o cabeção branco dos irmãos "ignorantinos" serão. em escolas cristãs. Flèchier em Nimes. mas sobretudo missões internas. populares.XIV com a harmoniosa fachada . cuja silhueta se tornou quase tão popular como a das "vicentinas". microcosmos da Igreja universal. Massilon em Clermont. No Oeste encontra-se Louis-Marie Grignion de Montfort (falecido em 1716). mas de boas qualidades apostólicas/ que. Fénelon em Cambrai. para retomar um vocábulo carregado de familiaridade. que se revela um missionário frouxo. Lascaris em Limoges. atrás desse admirável alinhamento. a fórmula perfeita é encontrada por um padre. o mantode mangas largas. em 1702. A Igreja de França. A instrução das crianças do povo é uma iniciativa do século de Luís XIV. López e González em Espanha. 259 apresenta o mesmo contraste. muitos são os pastores atentos cujo talento como escritores e pregadores por vezes não tem paralelo: Bossuet em Meaux. Para as crianças. em 1664). Gabriel. Camus em Gre-noble. mas tão prática quanto possível. Sob os passos de um clero mais bem formado. as Filhas da Sabedoria. Segneri na Itália. mas que encobre muita gratidão. rurais. Ao lado de prelados da corte. os Irmãos do Espírito Santo. E o grande chapéu tricórnio. Fora de França. nascem e prosperam as obras. Pupulam já as congregações locais de religiosas e muitas aldeias possuem as suas "boas irmãs". pretendendo referir assim que as massas sempre foram difíceis de dominar e sempre se mostram dispostas a um verdadeiro paganismo. do alto do próprio trono. em condições de melhor representarem o seu papel de "educadores da fé". Controlo da coroa sobre a Igreja. aliança íntima do poder e da religião. um pouco como a "salvação" das pobres gentes. O sucesso do culto do Sagrado Coração. Le Brás levam a acreditar que a prática religiosa "nunca foi mais generalizada do que entre 1650 e 1789". Nesta época. é da parte de Luís XIV um acto de tirania que torna mais duvidosa a "fidelidade" de certas campanhas.cinquenta anos de educação jesuística impregnaram de fé a vida de muitas famílias aristocráticas e burguesas. testemunha que a mística cristológica não morreu. E nem vale a pena contar as conversões mais retumbantes. de que João Eudes e a visitandina Maria Alacoque (1690) são os propagandistas. as verdades evangélicas. desordem dos costumes . Embora os fiéis sejam mais exigentes com a sua Igreja e os seus pastores. estão mais bem formados e revelam-se mais dignos. A Igreja fora de França . E é aqui que surge o reverso do Grande Século. muitas vezes agravadas. ou. 260 Cinquenta anos de cultura clássica alimentada de cristianismo . As sondagens feitas em numerosas paróquias rurais pelo sociólogo G.elemento de beneficência e também de paralisia -.eis algumas da fraquezas da Igreja galicana. 261 4. imensa fortuna do clero . porque em Versalhes o próprio Luís XIV entende lembrar duramente. porque as forças católicas se mostram em declínio. em todas as Igrejas nacionais. mas podemos encontrá-las. nasce-se cristão como se nasce francês. domesticação do alto clero. estes respeitam o dever de residir na paróquia. é-se oficialmente cristão porque os refractários ao dever pascal são interditos pelo bispo de se casar na igreja. Mas este mesmo historiador dirá em seguida: "Não existe um grande século na História da Igreja". seja. privando os huguenotes de qualquer personalidade civil. Sob o reinado de Luís XIV. a literatura religiosa é numerosa e não espanta muito ver Corneille ler as suas Horas e traduzir a Imitação ou Madame de Sévigné mergulhada nas obras de devoção. A revogação do Edicto de Nantes (1685).Caridade. mas bastante acomodado. as duas comunhões encontram-se em Nota 1: Holanda. as missões e os colégios de jesuítas. do T. mas no interior dos Estados as minorias sofrem muitas vezes medidas repressivas.Nessa altura. em plena decadência. a Inquisição. aliás. mas o Cisma de Utreque. no começo do século XVIII. A vida religiosa alemã. os seminários de Bois-le-Duc (1625) e de Antuérpia (1638). não está morta. ainda que as suas devoções se revelem por vezes pueris. Este país de seis milhões de almas. como Francisco de Geromino (falecido em 1716). alguns missionários zelosos. está em parte ligado aos fidalgos. deram as suas cartas de nobreza à hagiografia. Algumas "conversões" principescas de uma e de outra parte compensam aqui e ali. que se flagela perante um público reticente. sem dúvida. a queda de Jaime II. conta setenta mil eclesiásticos. supersticiosas e intolerantes. influenciada pelo pietismo. publicando as Acta sanctorum. o esplendor de Lovaina são elementos de que precisamos lembrar-nos a propósito da admirável Bélgica. ele "prospera" sob o regime do patronato. onde Carlos II impõe aos funcionários o repúdio da transubstanciação e a prestação de um juramento em favor da supremacia real (1673). Quanto ao imenso império da América. depois dos Tratados de Vestefália .que fizeram passar no Norte catorze bispados para o protestantismo -. enfraquecerá as suas posições.os bolandistas . foram os jesuítas belgas . torna mais severa a política anticatólica que. A tolerância não é um facto nos países escandinavos. nem na Inglaterra. Nas Províncias Unidas (1) calvinistas.que. O alto clero de Espanha. em 1688. os trezentos mil católicos beneficiam muito rapidamente de uma tolerância efectiva. O povo espanhol é bastante religioso. imensamente rico. de quem se gostaria de dizer que formam um clero esclarecido. onde qualquer "papista" é indesejável. mas o clero italiano não tem a importância do clero francês e a doce Itália vive um catolicismo colorido. é aplicada à Irlanda com rigor.uma impressão bem diferente: a reforma católica é aí intensa. sofre . De resto.em breve austríacos . Nos Países Baixos espanhóis . Na Alemanha. a Itália está estagnante e aí se encontram.] 262 aberta hostilidade. [N. depois do Tratado de Limerick (1690). que não conduziram a nada. Inocêncio XI sofreu com a incapacidade da sede apostólica para refazer a unidade dos cristãos. com efeito. mas não tendo podido fazer melhor do que colocar de pé uma Santa Liga sempre periclitante. para não sublevarem uma parte notável da população. por não serem as Igrejas muito sensíveis àquilo que as opunha. A 263 Congregação da Propaganda. O clero polaco. Depois de 1660. na Nova Escócia. houve mesmo controvérsias anglicano-romanas. sob a influência. o protestantismo é posto fora da lei. e à exclusão dos Turcos da Hungria. No fim do século XVII. o reinado de Inocêncio XI (1676-1689) brilhou com algum esplendor: o Papa devia agir depressa e conter o avanço dos Turcos. têm de condescender muito. por volta de 1700. da Carniola e da Silésia a escolha entre a conversão e a emigração. os primeiros vigários apostólicos . Ultrapassando o patronato/patroado ibérico. que foram eclipsados pelo seu parceiro Luís XIV. mas na Hungria os Habsburgos. entre católicos e protestantes (correspondência entre Bossuet e Leibniz de 1678 a 1702). a Propaganda quis dar uma direcção das missões aos bispos apenas dela dependentes. A Polónia tinha sido inteiramente reconquistada para o catolicismo e o povo polaco.necessariamente com essa situação. possuía oitocentos e sessenta mil servos e a comenda era um flagelo que os reis. favoreceu as negociações irénicas. das ordens religiosas. Na Boémia. os seus colégios de jesuítas e as suas ricas ordens religiosas. Por isso. os seus esforços levaram à libertação de Viena por João Sobieski. criada em 1622. que permitiam ganhar novos fiéis. sobretudo. Os papas contaram muito com a Polónia. Permaneciam as missões exteriores. estabeleceram-se alguns contactos entre católicos e Russos. Após Clemente IX (1667-1669) e Clemente X (1670-1676). desejando a formação de um clero indígena para auxiliar os missionários europeus. para fornecer o recrutamento das missões. Como os seus predecessores. os Estados hereditários dos Habsburgos revelam-se um bastião do ultramontismo e da contra-reforma. enraizou-se numa piedade colectiva e entusiástica que não o abandonou ao longo de três séculos de vicissitudes. sempre falidos. com as suas três universidades. O decreto de 1651 impõe aos protestantes da Caríntia. erigiam como instituição. representou um papel essencial com a ajuda da França instalada desde 1604 em Acádia. em 12 de Setembro de 1683. Pouco a pouco. porque pretendiam afirmar que apenas a imputação do mérito de Cristo pode encontrar a salvação. Mas foram ainda os jesuítas que fizeram. Violentas controvérsias se verificaram no centro principal que foi a Faculdade de Teologia da Universidade de Lovaina: já em 1567 as teses pessimistas de Baius. à elaboração do Augustinus. não produzia o seu efeito senão pela decisão do livre-arbítrio. O problema das relações entre a graça divina e a liberdade humana ou livre-arbítrio. foram dispensados do juramento feito aos vigários apostólicos (1689). Sto. evitou definir as relações do livre-arbítrio e da necessidade da graça. tinham sido condenadas por Roma. Em 1658. A grande vaga do jansenismo "O jansenismo . 264 Capítulo III O ANTI-ROMANISMO UNIVERSAL 1. entre 1628 e 1636. Como na América Latina. insistiu particularmente na omnipotência da graça. um debate teológico. das ingerências portuguesas e somente os jesuítas das índias. que afirmou que a graça. Lutero e Calvino apoiaram-se nisso. em 1547.favoreceram a criação em Paris. chanceler dessa Universidade. as posições agostinianas foram atacadas por teólogos jesuítas.foi em primeiro lugar. agrupando-os em aldeias onde os ensinaram a cultivar a terra: estes "rudes" mostraram-se particularmente dóceis. Delumeau). tornava-se bispo do Quebeque. e na miséria e a fraqueza do homem. na época. sobretudo por Molina (falecido em 1601)." (J. por motivos de polémica contra a heresia pelagiana. sedentarizaram os índios. na Rua do Bac. no Extremo Oriente. mas o Concílio de Trento. enfraqueciam as posições da Igreja na Europa. Agostinho. da Sociedade das Missões Estrangeiras e do seu seminário (1664). como a Reforma protestante. os missionários foram libertados. vasta súmula composta por outro 265 . Uma intransigência semelhante presidiu.nunca é de mais repetir isso . diocese francesa impermeável às querelas anti-romanistas que. muitos deles à custa do próprio sangue. o Canadá francês. Sião e China. Na segunda metade do século XVI. em 1674. sempre assediou a teologia cristã. suficiente para fazer o bem. MontmorencyLaval foi nomeado vigário apostólico da Nova França e. O auxílio veio-lhes de um convertido. bispo de Ypres a partir de 1635. apresentava a comunhão eucarística não como um meio de se santificar. tratado essencialmente doutrinal. depois de ter condenado as cinco proposições heréticas que a Sorbonne extraíra do Augustinus. Saint-Cyran extraiu do Augustinus. sobretudo em França. Arnauld publicou o Tratado Da Comunhão Frequente. era desde há vários anos director espiritual do mosteiro cisterciense de Port-Royal de Paris. SaintCyran. foi também uma eclesiologia que exaltou o episcopado em detrimento das ordens religiosas e do papado. que . composto por pessoas. portanto. para combater o "laxismo" dos jesuítas. para uso das religiosas de Port-Royal ávidas de santidade. foi preso em Vincennes. Jansénio. ajudado pelos seus sobrinhos Le Maistre que. João Duvergier de Hauranne. chefe do "partido devoto". Blaise Pascal (falecido em 1662). muitos outros em Paris. em que. mas como uma recompensa adquirida pela mortificação e. matemático e físico de génio.doutor de Lovaina. donde apenas saiu para morrer. Augustinus aparece apenas em 1640. António Arnauld. onde um amigo pessoal de Jansénio e também discípulo de Bérulle. o mais novo irmão de Angélica. raramente merecida. não deixaram pelo contrário de aplaudir. aceitou a substituição com brio. sobretudo os inimigos dos jesuítas. confrontou-se com os jansenistas que afirmavam que o livro não 266 as continha. o jansenismo não foi apenas uma teologia e um rigorismo. mas reabre então a querela sobre a graça. dos campos foram para Port-Royal. Formou-se assim em redor de Port-Royal e dos Arnauld um "partido jansenista". de que Angélica Arnauld era abadessa. depois da morte de. como as cistercienses de Port-Royal. muito alargada e esclarecida pela "guerra cruel". Se Vicente de Paulo e Olier reagiram contra esse rigorismo. cujo modo franco de falar e independência desagradavam a Richelieu (1638). por piedosos leigos entregues a si mesmos como os Arnauld e mesmo por clérigos galicanos. Em 1643. e cujas tendências presbiterianas são evidentes. O partido enfrenta constantemente as decisões de Roma: Inocêncio X em 1653. a que se entregam esses dois homens. uma espiritualidade original. se tornaram os seus primeiros "solitários". Portanto. abade de Saint-Cyran (falecido em 1643). que levavam uma vida santa (embora marcada por um secreto orgulho). Jansénio. os clérigos jansenistas foram privados de qualquer apoio episcopal e. Um Caso de Consciência. dispersas pela província. o seu bonito outono) o ponto de encontro de toda uma grande elite. A Paz Clementina (1669-1679) não foi mais que uma trégua. mas foi também o tempo dos Granges em Port-Royal dos campos e dos grandes "solitários": Lancelot. Aliás. o mosteiro iria desaparecer. As dezoito Cartas Provincianas que lançou (1656-1657) sobre os jesuítas casuístas acusados de acomodarem a religião às exigências e aos vícios do século. desde logo. quatro bispos franceses imitaram-nas nessa recusa. Em 1713. o jansenismo enleou-se em várias querelas ligadas ao galicanismo parlamentar e dividiu-se a propósito da autenticidade dos "milagres" que tiveram lugar sobre o túmulo 267 do diácono jansenista Paris. Mas a resistência a essa bula não foi popular. o oratoriano Quesnel (falecido em 1719). Luís XIV. aliás. um escrito de Eustáquio. não podia suportar mais a dissidência. já velho. Hamon. No entanto. em 1664. fosse sob que forma fosse. depois nas Províncias Unidas. a bula Unigenitus de Clemente XI. por falta de meios. confessor da comunidade de Port-Royal. O profetismo e a expectativa escatológica com o culto das relíquias de Port-Royal foram outros aspectos do declinante jansenismo. Nicole. em 1712. Quando morreu no exílio. mas. Depois. não salvou os jansenistas que Mazarino e o jovem Luís XIV consideravam personagens que faziam sombra ao poder real. a sorte das cistercienses se precipitou: excomungadas (1707). as religiosas recusaram assinar o formulário que condenava Jansénio e foram reunidas nos campos. Assim. Le Maistre de Sacy. O partido jansenista não estava ainda destruído. permanecem como uma obra-prima em que o fervor e a indignação inspiraram uma verve feroz. até o cemitério das religiosas era devastado. instalado nos Países Baixos. não deixaram atrás de si mais do que simples ruínas. um grupo importante de eclesiásticos franceses reclamou do Papa a realização de um concílio geral. então.na "noite de fogo" de 23 de Novembro de 1654 tinha "apostado" a favor de Deus. Port-Royal dos campos tornou-se (tendo sido. Este lance. porém. A partir de 1730. Arnauld (1694). tornou-se o chefe do jansenismo. tendo condenado 101 proposições extraídas das Reflexões Morais de Quesnel. expulsas. foi condenado por Clemente XI e. Em 1661. apesar do auxílio das Nouvelles . as noviças e as educandas de PortRoyal foram expulsas. para fazer do baixo clero um activo elemento da Revolução. o jansenismo foi menos uma tomada de posição doutrinal do que uma atitude de espírito: liberdade de pensamento. contribuiu certamente. Para poder fazer-se um julgamento sobre o jansenismo. tratase de uma crise religiosa interna que prolonga na ortodoxia o choque inicial da Reforma quanto ao problema da graça. do humanismo da Renascença. Em primeiro lugar. austeridade. com muitas as variedades. Do pré-jansenismo do fim do século XVI aos clãs esotéricos do século XIX. o Código Curial do jansenista Maultrot. Fora da França. antijesuitismo ou admiração por Port-Royal. teve alguma oposição ao Papa no seio do corpo episcopal. o feroz teocentrismo e ao mesmo tempo se explicam também as suas relações profundas com o cristocentrismo de Bérulle ou dos grandes espirituais da Escola francesa. Em contrapartida. pelo mais político e parlamentar do começo do século XVIII. "o partido não passou de um nome e de um espantalho". em 1705. Varlet. O último aspecto não se revela menos paradoxal. a submissão era completa. o que espanta no jansenismo é a participação activa dos . o jansenismo reage contra a sua época porque recusa tudo o que. salientando deliberadamente o papel dos curas na Igreja. assim. onde nascera. Assim se explica. o Concílio de Trento 268 conseguiu integrar no catolicismo. De facto. em 1789. sem falar do jansenismo exaltado dos convulsionários. que aumentou durante o século XVIII com as dioceses de Haarlem e de Deventer. o jansenismo encontrou um clima favorável nas Províncias Unidas. Mas podemos extrair algumas linhas de força. seria necessário em primeiro lugar limitar exactamente o seu conteúdo. a sua influência oculta não era desprezável e.não reconhecem ao Papa senão um primado honroso e celebram a liturgia em língua nacional. provocando mesmo. De resto. Na Itália. pois. consagrou o arcebispo Stee-noven como chefe da Igreja cismática dos Velhos Católicos. bispo suspenso de Babilónia. Nos Países Baixos espanhóis. a secessão da diocese de Utreque: em 1724. Contudo. desde 1718. o jansenismo não se espalhou por muitas zonas.actualmente 13 mil fiéis agrupados em vinte e oito paróquias . mas sem afectar muito o baixo clero.ecclésiasticjues. mas. o que se torna difícil dado os diferentes aspectos que assumiu no decorrer dos séculos. passando pelo jansenismo religioso de Port-Royal. Os Velhos Católicos . gazeta impressa e divulgada clandestinamente. Com o advento do Rei-Sol. prestar-lhe juramento de fidelidade. porque se estes lutam por uma vida espiritual pessoal. saído da corrente luterana e para lá disso da devotio moderna dos países nórdicos do século XV. 2. alimentada pela Bíblia. trata-se de um paradoxo. acusada de ter defendido. Com efeito. eis as palavras de Frederico II. no seu Meio Breve e Muito Fácil para a Oração. 269 Fénelon protegeu-a. atitude contemplativa na base da passividade. que não fazia mais do que retomar as posições de Luís XIV e dos seus antecessores. isso acentua e reforça a tendência individualista do homem moderno. os bispos deviam. que o opôs ao longo dos séculos às sociedades espirituais ou temporais que o perseguiram. castigando nele a sua vontade de salvação através de caminhos individualistas. interveio directamente na querela jansenista e Port-Royal só existiu enquanto ele quis.laicos. pois. pensar e agir em relação a toda a comunidade". Quanto aos oficiais do reino. uma doutrina mística chamada quietista. Bossuet condenava Madame Guyon. porque como partido em guerra contra o homem para melhor exaltar a majestade divina. a que se referem tanto o parlamento do rei como o clero de França e este vigia para que as liberdades e os costumes da Igreja galicana sejam protegidos pelo rei contra o absolutismo romano. "A independência absoluta do rei em matéria temporal" é então um dogma. rei da Frússia. mas este fez entrar Luís XIV em acção. cujas ameaças obtiveram do Papa a condenação de vinte e três proposições extraídas do livro de Fénelon. O galicanismo "O soberano deve ver. "a união do espiritual e do temporal devia ser estabelecida como princípio de governo". de 1686. mas esquecida das exigências da moral. Inocêncio XII mostrava-se bastante hostil ao galicano Bossuet. . mas a sua bela Explicação das Máximas dos Santos (1697) atraiu sobre o doce prelado as raivas e os sarcasmos do bispo de Meaux. o jansenismo abriu finalmente caminho à afirmação de uma consciência individual. A Concordata de 1515 tinha outorgado ao rei de França a autoridade temporal sobre o clero. Foi Luís XIV que tomou pessoalmente a iniciativa de abolir com uma simples assinatura a existência legal do protestantismo em França. Em 1695. O clero de Luís XV e de Luís XVI será geralmente digno. em 1766. para o seu clero. autoritariamente. O galicanismo não estava morto e viverá ainda durante o século XVIII sob a forma parlamentar e sob a sua forma presbiteral. muitas vezes douto. sem consultar Clemente XIII. o cura galicano estará sempre disposto a resmungar contra uma sociedade que não lhe oferece o papel a que tem direito. a idade para a emissão dos votos e suprimiu muitas casas religiosas. formou uma "Comissão dos Regulares" que. a independência absoluta dos reis do ponto de vista temporal e a superioridade do concílio ecuménico sobre o Papa. Porque certos estudos recentes provam que é falso falar. ao filosofismo antimonástico. nesse mesmo dia. Luís XIV teve de se retractar. em 1693. Esta declaração foi aceite. A surpresa atingiu o . Quando o rei trata com o Papa. o rei prescreveu o seu ensino em todos os seminários. pela Assembleia do Clero e. que proclamava. Luís XIV mandou Bossuet redigir uma declaração em quatro artigos. O Parlamento tinha feito melhor quando. mas. O Parlamento intervém muitas vezes num sentido galicano e. mas facilmente prevaricador. obtivera de Luís XV o mandato geral da expulsão dos religiosos da Companhia de Jesus. na sequência de um processo civil ligado à queda de um missionário jesuíta. devendo aquele controlar o exercício da autoridade eclesiástica em França. nomeadamente. em 12 de Maio de 1682. importunado por uma espécie de presbiterianismo católico. então. esse clero será um agente activo 270 da Revolução de 1789. sobretudo.vigiam para que seja salvo o direito do rei de defender as relações entre Roma e os seus súbditos. Assim aconteceu no demorado conflito que o opôs a Inocêncio XI (1676-1698) e cuja origem foi a pretensão real à regale universelle. Perante as resistências do papa. Mas era ir longe de mais e. com o pretexto de enfraquecimento das ordens monásticas. o padre La Valette. cujas assembleias decenais se tornam para Luís XIV o melhor obstáculo às iniciativas ultramontanas. sentindo-se contrariado nos próprios desígnios. ou seja. pouco romano. fá-lo com um respeito próximo da condescendência. de "falta de vocações". sacrificando. assim. adiou. volta-se para os seus súbditos e. influenciado pelo jansenismo. considerados os principais agentes do ultramontanismo (1764). à generalização do direito de arrecadar os rendimentos dos bispados vagos e nomear para os benefícios deles dependentes. porque o século XVII cristão e monárquico escondia sob a sua massa imponente uma larga corrente de cepticismo e de epicurismo. Em pleno "Século das Luzes" e de um só golpe. pelo breve Dominus ac Redemptor (1773). a dessacralização do Mundo. o ódio pelos dogmas. uma mudança moral que teria feito do século XVIII o contratipo do século anterior. que facilmente se opõe ao "século de Luís XIV". Diderot tinha razão ao dizer que "tivemos alguns contemporâneos no tempo de Luís XIV". do jansenismo agravaram esse estado de espírito. Na realidade. afastando de si qualquer revelação. O humanismo cristão quis em primeiro lugar desembaraçar-se pelo caminho que leva ao Evangelho. o epicurismo. a fé no progresso ilimitado do homem. A esta nova humanidade faltava realmente uma nova religião: uma religião simplificada que era já a dos humanistas erasmitas e que conduziu "à árida crença num Deus simples e sem rosto". as querelas doutrinais nascidas da Reforma protestante e. o papado privava-se dos seus melhores defensores. o não-conformismo: eis alguns dos aspectos característicos deste "século de Voltaire". O século XVIII teve a mania de tudo simplificar para aí poder ver com mais clareza. o estado de fraqueza do Soberano Pontífice. cujas fontes eram profundas e longínquas. o deísmo vago. tendo essa religião como missão "manter os homens na ordem". o "homem íntegro" deu o seu lugar ao "homem honesto" que apagou o "filósofo" amante da sabedoria e das luzes. . numa obra célebre. devido à pressão das cortes. pretendeu o filosofismo que. manifestando com este acto. 3. As dúvidas de Erasmo e de Montaigne em relação aos ergotismos teológicos prepararam desde há muito o caminho a um certo 271 fideísmo. A luta contra "a infame" Paul Hazard. julgou poder vislumbrar uma "crise da consciência europeia". não se deu um brutal desvio.máximo quando se soube que Clemente XIV. quinze anos antes da Revolução. depois. fabricou uma ideal "religião natural" pela eliminação das "superstições" próprias das religiões positivistas. O pirronismo metódico e sorridente. a crítica de toda a autoridade. Pouco a pouco. tinha abolido a Companhia que contava então vinte e três mil membros. negando a necessidade que a humanidade tem de um resgate. entre todas as "fortalezas da intolerância e do dogmatismo". com as suas Notícias da República das Letras que dirige de Roterdão. desde 1701. incluindo os cristãos. os "sensíveis" inclinar-se-ão a favor do "vigário saboiano" de Jean-Jacques Rousseau. a mais violentamente atacada. mas do cartesianismo." Fontenelle (falecido em . servirá eternamente como matéria na disputa entre todas as religiões. mesmo depois de ser tão utilizado e sempre regressando "ao seu núcleo primitivo de religião natural": a caridade tornar-seá beneficência. Tindal. transplantado para França. o seu Dicionário Histórico e Crítico (1697). Collins. por Locke (O Cristianismo Racional. onde evidencia notas como esta: "É preciso verificar necessariamente que todo o dogma particular é falso quando é refutado. Pedro Bayle (falecido em 1706). a física substituirá a Revelação. perante a imensa onda avassaladora. que contará dez edições em sessenta anos. instituição alicerçada numa teologia activa. Fazendo-se eco disso mesmo no campo contrário. O padre não será para os racionalistas mais do que um "oficial de moral". seja porque é proposto através das noções claras da luz natural. Corpo visível. 1695). mas deverá ter-se sempre em conta os costumes". Saint-Evremond declarava: "A doutrina é contestada por toda a parte. Pensemos nos refugiados huguenotes da Holanda e no mais activo dentre eles. o filosofismo apenas conservará o livre exame. tornar-se-á um vago deísmo. a dúvida metódica e a concepção de um universo mecânico. cujo deísmo se acomoda a uma dogmática sem consistência. porque uma das características do século XVIII será "o eclipse do dogma e a promoção da moral". Bossuet foi. Pensemos na vanguarda.No entanto. o nivelamento por cima de certas noções admitidas por toda a Humanidade. o cristianismo mantém-se ainda de pé. seja por estar contido nas Escrituras. fortemente estruturado. Toland. mas participando nas fraquezas da sociedade em que está implantada. 272 A Igreja Católica devia necessariamente ser. o último bastião do século de Luís XIV e já denunciava. Quanto ao teísmo newtoniano. a indiferença a respeito das religiões como a "loucura do século". lutando contra todas as formas de intolerância. fortemente influenciada pelo deísmo inglês. Este moralismo penetrará profundamente a mentalidade dos nossos contemporâneos. foi por todos os lados visada e durante muito tempo quase se mostrou incapaz de resistir. a razão será uma regra universal. Diderot. cujas "flechas persas" fazem rir o mundo inteiro. panfletos. Em qualquer instrumento de que se sirva .as ordens religiosas -. a pena e em definitivo a audiência desse "simplificador hábil. sem que isso se diga abertamente. E será pela Enciclopédia. difundidas clandestinamente. ávido de tudo. em que Voltaire apenas . Clubes. A enorme produção é dominada por alguns grandes espíritos: Montesquieu. através da densidade de um texto desigual. impressas às escondidas ou no estrangeiro. estampas copiadas. "Monsieur de Voltaire . claro. que passará. sobretudo um dogmatismo baseado nas Escrituras. jornais. "uma moral disfarçada" e desumana. a Igreja Católica em que descobre ou julga descobrir o que mais detesta: a teocracia. que chegou a assinar-se "Christomoque" (1). o inimitável espírito francês e a sua frase elegante. que terão maior ressonância que o nome de Jesus.é o primeiro homem do Mundo para escrever o que os outros pensaram". as exigências de uma religião estreita e pouco esclarecida. às ideias feitas. Libelos. poema.. e isso era implicitamente homenagear o espírito. conto. no fundo. afluem aos milhares. salões e academias propagam as novas ideias. Quanto ao oratoriano Richard Simon (falecido em 1712). à intolerância. Montgolfier. o homem-orquestra do Século das Luzes. substitui. profunda e encarniçadamente 273 hostil a toda a estupidez.escrevia o seu inimigo La Beaumelle .1757) foi nos salões parisienses "o introdutor discreto das ideias ousadas" e um desses vulgarizadores científicos de que o século se encherá com nomes como os de Franklin. lá se encontra ele a perseguir "a infame".dicionário. perfeita de que se começa a degenerar. Triunfa. e condena implicitamente a aliança do trono e do altar. Depois da morte de Luís XIV (1715) e da Regência. assim. um verdadeiro ateu. animada por ele e por d'Alembert. feroz adversário do cristianismo. a sua História Crítica do Antigo e do Novo Testamento constitui o primeiro ensaio de exegese racionalista acerca da Bíblia. delicado e persuasivo". ligeira. as seitas . abrem-se todas as grandes comportas. o melhor do espírito desse século: um optimismo que repousa na confiança na ciência e na liberdade de pensamento que. cortante. Buffon. Voltaire. é.. foi verdadeiramente o "rei" deste século e do que se seguiu. Watt. cafés. o seu Espírito das Leis exalta o regime que asseguraria "ao homem o máximo de independência com maior igualdade". os abusos de poder. no espírito do leitor. claramente contestada pelos seus adversários. o dominicano Bento XIII (1724-1730) permanece fiel à austeridade da sua ordem. os lutadores mais corajosos. É verdade que Voltaire foi o defensor de alguns dos nossos bens mais queridos: a tolerância. que se batem como franco-atiradores. como Vix pervenit (1745). ascende à cadeira de . Os papas que se sucedem ao enérgico Clemente XI são padres muito respeitáveis. mas devemos convir que este espírito brilhante foi um sábio sem profundidade e um filósofo sem metafísica. o direito e a liberdade. não falham. segundo uma prática muito esquecida que utilizarão os papas do nosso tempo. A apologética da época insiste nos argumentos usados e tirados das maravilhas da Natureza ou da superioridade. para o período de 1670 a 1802. o catolicismo mantém-se na defensiva e dá evidentes sinais de fadiga" (J. pouco a par do progresso das ciências. por volta de 1760. mais de seiscentas obras apologéticas: mas a maioria delas revelam-se como obras medíocres. que se refugia facilmente num voto de compromisso. Apenas Bento XIV (1740-1758) pode ser creditado por um grande pontificado: dá vida aos seus Estados. Mas. da geologia e da história. enfrenta os déspotas obstinados e. muitas vezes eleitos num conclave dominado e sujeito às pressões seculares. mal documentadas. Clemente XIII (1758-1769) e Clemente XIV (1769-1774) são pontífices sem autoridade. na época em que brandiu a sua arma mais afiada. Perante ele. mas revelam-se bastante baços. Delumeau). algumas encíclicas doutrinais. tem a coragem lúcida de enfrentar o filosofismo a que ele opõe. Albert Monod recenseou. Voltaire revelava-se muito forte. do T. mas deixa que o turbulento Coscia governe. octogenário cego.vislumbra histórias absurdas ou cruéis e numa tradição dominada pela intolerância. sobretudo. Nota 1: Zombador de Cristo. que retoma o problema do dinheiro na conjuntura económica da época. sem brilho. A Igreja em crise "Face a tantos ataques que vão da ironia contra as superstições à crítica do dogma e à própria negação de Deus.] 274 4. Clemente XII (1730-1740). o Dicionário Filosófico. em 1775. No entanto. Inocêncio XIII (1721-1724) é um velho delicado e conciliador. é também esmagado pelo seu papel como chefe dos medíocres Estados pontifícios. da moral cristã. [N. Rogier). como acontece na Prússia com Frederico II.. incluindo os do Brasil e das índias (1759). o despotismo obstinado ganha uma forma aguda e facilmente sectária. 275 Por isso. Em Parma. Iluminados. J. João de Hontheim. Em 1763. O livro de Febronius foi largamente conhecido .. à imagem de Luís XIV pretendem não depender senão de Deus ou de si próprios. Tudo se passa como se essa discussão tivesse passado por Roma sem despertar o seu interesse. reclamava para os bispos uma grande autonomia e o regresso aos princípios do Concílio de Basileia. expulsa os jesuítas (1773). é antes o facto de a influência real de Roma sobre o avanço do Mundo se mostrar então extremamente enfraquecida. que refloresce na Roma do século XVIII. Déspotas. na Rússia com Catarina II. privou o seu império dos serviços dos filhos de Santo Inácio de Loiola.S. porque a Filosofia admite que a libertação e o progresso da Humanidade pressupõe um governo forte. o ditador Pombal condiciona a influência da Igreja. Mais doutrinário no plano religioso foi o despotismo dos príncipes católicos alemães. mas a quem irá caber a pesada provação da Revolução.] O diálogo com o Mundo nesse século XVIII tão instável foi negligenciado de forma quase sistemática" (L. Mas o aspecto mais grave não é o nepotismo. egoísta e fraco. em 1767. controlam a actividade dos corpos constituídos. Nos países de obediência romana. [. Tanucci é o senhor: suprime os privilégios dos membros napolitanos das congregações romanas e instaura o casamento civil. João Angelo Braschi. e os padres da Companhia é que pagam os custos da sua política (1767). nada se torna mais penoso do que verificar a ausência da Igreja e da sua direcção suprema na discussão dos problemas candentes. Em Nápoles. tornado Pio VI. sob Dom Carlos. Muito naturalmente. publicava. "Ao abranger com o olhar a evolução cultural do século XVIII. os "déspotas iluminados" e sem nenhum escrúpulo tentam enfrentar este papado sem vigor. imitando Carlos que se torna Carlos III de Espanha e que. que se mostra amigo do luxo. com o pseudónimo de Justinus Frebonius. mesmo a das Igrejas. na Suécia com Gustavo III e na Dinamarca com Struensee. porque. a reunião de um concílio geral não pode sequer ser levada a cabo. Em Portugal. Em tais condições. confia a censura aos leigos e expulsa os jesuítas. um tratado que criticava a forma monárquica da Igreja romana. todopoderoso após a partida de Carlos para Espanha (1759). Tillot imita Pombal. Pedro um belo italiano. coadjutor do arcebispo de Tréveros. chegaram a designá-lo como "o rei-sacristão" -. A retractação. para isso. nos seus seminários gerais vigiou de perto a formação do clero. No fim do século. a influência dos jesuítas e controlou os exames de teologia. mas foi o seu filho José II (falecido em 1790) quem deu nome e forma a uma política religiosa que visava limitar a acção de Roma apenas ao domínio dogmático. proibição de peregrinações e procissões. pois. A supressão da Companhia de Jesus levou ainda José II a suprimir os mosteiros dos contemplativos. limitou às fundações o direito de alienar bens. José II gostava de fazer pirraças e tropelias: comunicação prévia e censura dos sermões. apesar de ter sido posto no Index em 1764.na Europa e muito bem recebido. Na Baviera. Mais sistemática e mais estreita foi a aplicação das ideias josefistas no grande ducado da Toscana. Montgelas. inspirando-se. regulamentação minuciosa do culto. muito formal. levará ao máximo este despotismo anticlerical e suprimirá os mosteiros. mas essa insólita deslocação não serviu de nada. limitou a censura eclesiástica apenas aos livros dogmáticos. Teórico de vistas curtas . a Universidade de Pavia era um centro de josefismo e de jansenismo: o ensino ministrado por um Pedro Tamburini. Nos Países Baixos austríacos . em que a independência austera dos bispos se fortalecia muitas vezes com a própria posição soberana.Bélgica. Assuntos do Estado no seu verdadeiro sentido. considerados inúteis e cujos rendimentos passaram para o clero e para as escolas paroquiais. de Hontheim não impediu os avanços do febronianismo numa Alemanha federal. exigiu certas formalidades civis para o casamento. unificar a legislação dos vários Estados. os assuntos religiosos deviam ser regulados pelo soberano. rica e viva -. o josefismo foi aplicado com uma absoluta falta de tacto: contribuiu largamente para a impopularidade dos Habsburgos e os acontecimentos de 1789 mostrá-lo-ão claramente. Na Lombardia austríaca. entre outros. Maria Teresa limitou. não deixava de ter influência. Pio VI fez uma viagem até Viena (1782). Os Habsburgos consideravam que o catolicismo era a única ligação das diversas populações que constituíam os seus Estados hereditários. . 276 o "Pombal bávaro". no josefismo. Maximilíano José III (falecido em 1777) tornou mais pesado o domínio da coroa sobre o clero. Inquieto com tudo isto. reconduzir a Igreja à sua primitiva pureza e combater o misticismo. e da corrente jansenista. "decididos a evangelizar uma humanidade paralisada nas suas transformações espectaculares" e que procuram "uma nova linguagem mais bem adaptada. entre 1765 e 1790 por Leopoldo II. Rogier). Scipione Ricci. a ruptura definitiva da civilização das Luzes e da cristandade. distingue-se uma espécie de "Terceiro partido". Pedro estava mudo. de uma Aufklärung ("Filosofia das Luzes") católica. uma inserção nos grandes fermentos intelectuais do seu tempo" (B. . o josefismo e os seus irmãos não foram invenções dos leigos e não se desenvolveram fora da Igreja. Deste ponto de vista. a Igreja romana era combatida. de um "catolicismo esclarecido". mas também uma boa parte dos mosteiros. depois. obrigou os seminários a utilizar os livros teológicos idos de Viena e de Paris e apoiou a acção do bispo jansenista de Pistóia. é necessário identificar um período longo (1770-1830) da Aufklärung católica. um grupo muito activo de cristãos. "Por detrás de cada ordem josefista. Os próprios excessos do josefismo testemunham o desenvolvimento. depois de 1770. clérigos e leigos. R. Nenhuma grande obra parecia ser inspirada pelas ideias cristãs. Nos braços da colunata de Bernini. Maquiavel e Voltaire eram reis. privada desde a Reforma de muitos dos seus filhos. À mesma distância dos integristas. dominada pelo racionalismo. A tempestade que se preparava nos céus de França iria dilacerar e. A "Aufklärung" católica De facto. na Europa Ocidental e. sobretudo. aniquilar os últimos restos de cristandade? 5. A Europa não protesta e o Papa não esboçou sequer um gesto eficaz. no seu meio. "imutavelmente agarrados aos cânones do Concílio de Trento". Plongeron). Sinal dos tempos: a Polónia foi esmagada e enfraquecida por três príncipes pertencentes às três confissões cristãs: o Habsburgo católico. está um teólogo ou um canonista como inspirador" (L. impôs uma hora para o estudo da religião. a vida monástica era desprezada. desprezou a truculenta e excessiva piedade toscana.governado. 277 Deste modo. pelos seus próprios filhos: o poder papal estava realmente aniquilado. o Romanov ortodoxo e o Hohenzollern protestante. em que as revoluções de 1830 e a eleição de Gregório XI marcam um nítido corte. irmão mais novo de José II: suprimiu a Inquisição (1787). no último terço do século XVIII. mas bastante anestesiante. Enquanto num país latino. são falsas. A Aufklärung é. temas que de novo surgem nos nossos dias: uma Igreja renovada nas suas estruturas. põe fim "à mediocridade dos estudos sagrados". contribuiu fortemente para reparar o nível cultural e social do clero e dos fiéis. de um catolicismo demasiado estritamente tridentino. dessa forma. porque embora. hostilidade nos seus comportamentos como cristãos. muitas vezes. uma reacção . um espírito de procura. à entrada em prática de algumas questões de renovação eclesial.contra a piedade barroca repleta de devoções exageradas e de práticas supersticiosas. desde os estudos teológicos à formação dos padres. enquanto a literatura mística detém um enorme prestígio face às superstições ainda em voga. afastando as devoções barrocas em proveito do espírito evangélico. pelos cientistas católicos no domínio filológico. a verdade é que existe. Um certo espírito crítico. fruto do conformismo e do hábito mais do que da adesão íntima a um ideal evangélico. na Baviera e na Renânia. uma inquietude viva opõe~se também à acção persistente. de facto. É que foi precisamente isso o essencial na Reforma católica: a sua inserção na vida religiosa quotidiana. na Áustria. como testemunha o josefismo . noventa e cinco por cento dos rurais sejam praticantes. das práticas de devoção ao ministério pastoral aplicado aos problemas sociais e económicos. nesse plano. na véspera da Revolução Francesa. Mas até que ponto os cristãos de 1789 estavam realmente cristianizados? E que cristianismo . então. A Aufklärung católica encontra o seu terreno de eleição nos países germanos. sobretudo nestes países. Mas as aparências. atenta aos carismas das suas origens. assistimos. a Igreja faz o seu exame de consciência e. uma Igreja ao serviço do povo cristão. por exemplo. uma Igreja inteligível para todos e promotora da cultura popular. a atitude da Igreja face à Filosofia parece ser como a "do rochedo no meio das ondas". com 278 participação mais ampla dos corpos intermédios em detrimento de um curialismo paralisante. ou mesmo. embora a maioria deles assista à missa dominical.Na perspectiva desse catolicismo esclarecido. Um grande esforço é feito. Mas não se deve perder de vista que a política de José II. uma Igreja pobre. Tudo é renovado. uma grande indiferença.por vezes excessiva. histórico e hagiográfico. por detrás da fachada de . monges que abusam. que existe um senhor Voltaire. O catolicismo belga e alemão conheceu os mesmos impulsos e as mesmas vicissitudes que o catolicismo galicano. Basta lembrar que a Aufklàrung imposta no Sínodo de Pístóia. é sempre difícil falar da Itália do século XVIII. Assim.é o de prender as pessoas às disputas teológicas. novelistas. No entanto. saídas de famílias burguesas ou camponesas fortemente impregnadas de fé. a França representa aqui ainda um papel importante e não deixa de ser oportuno lembrar que a Europa do século XVIII foi francesa de alma e de linguagem. os seus próprios inimigos reconheceram que. em 1786. um Papa vestido como um ídolo. a Igreja. se tornará a das camadas sociais mais modestas. de impertinência.praticavam eles? Eis algumas das questões que a sociologia religiosa tem posto e ainda não foram resolvidas. de ateísmo. esse mendigo peregrino coberto de farrapos e de piolhos. é imediatamente colocado à frente de trezentos camponeses que nunca ouviram falar de Lutero nem de Jansénio. libelistas. no conjunto. pelos vendedores ambulantes. a atmosfera que se respira nas altas esferas e que. Mas isto não quer dizer que a França. eles pertencem à elite da nação. faz-se de incredulidade. até. em 1789. que há novas ideias. 279 Tendo em conta todos os abades e prelados não residentes. Pequenos poetas. Maria Alacoque ou mesmo Benoit Labre (falecido em 1783). o clero secular nunca foi tão digno como nessa época: em 1789. No entanto.". se encontre descristianizada.". porque tem na verdade má reputação.escreverá um padre francês em 1786 . curas que vivem bem. copistas e gravadores revelam ser capazes de fazer rir tanto Maria Antonieta como o cardeal de Rohan.. de quem DanielRops dizia justamente que foi "um vivo protesto contra as loucuras do seu tempo". de anticlericalismo. as numerosas e santas personagens que viverão depois de 1800 serão contemporâneas de Luís XVI. mas nos países germanos a Aufklärung católica produziu os frutos que se conhecem. pouco a pouco. Mas esse clero não é exactamente formado para uma missão da Igreja.. E poderia depois acrescentar "que sabem. de libertinagem e. Claro.. um jovem aspirante e que num exame satisfez perfeitamente sobre os mistérios da predestinação. "O sistema actual de quase todas as dioceses do reino .. encontrou na península pouco eco. durante o reinado de Fernando VI. Uma piedade calorosa. destilados por Hobbes. o sensualismo e o cepticismo. submetida como estava ao Estado. 281 . a Revolução Francesa teria. necessariamente. Mas a franco-maçonaria não foi o centro de um movimento anticristão. que elaborou quatro mil oitocentos e setenta e dois processos em oitenta anos. parte directa e preconcebida na preparação da Revolução Francesa. o franciscano de Port-Maurice (1751). cujos êxtases merecerão se torne no futuro o patrono dos aviadores. uma nova prova da incapacidade da velha Igreja romana para impor as suas opiniões a todos os seus filhos. Locke. a sua condenação por Roma em 1738 e 1751 não impediu que muitos padres nela se filiassem: e tal facto fornece. aliás. contribuiu para retomar a ideia de uma religião natural sobre o deísmo. retornava constantemente o seu trabalho missionário. vítima de uma política de luxo e da Inquisição. Paulo da Cruz (falecido em 1775). Leonardo. Portanto. sem ter. Com os seus quarenta e sete mil padres beneficiários . revela-se também de importação inglesa.contra quinze mil que efectivamente trabalhavam -. Hume e Gibbon penetraram na mentalidade europeia. enquanto corpo. fundador dos Passionistas. Pope. a Igreja de Espanha encontrava-se numa situação semelhante e. na Alemanha em 1740. instalada em França e na América por volta de 1730. O deísmo. um irmão cozinheiro. nascido de um compromisso tácito entre os antipapistas do outro lado da Mancha. Mas existem também alguns humildes religiosos.280 uma religião bem-comportada. muito italiana liberta-se das suas palavras e dos seus escritos. Os santos não deixaram de aparecer na Itália da época e com três místicos à cabeça: Afonso de Ligório (falecido em 1787). o utilitarismo. cuja vida é digna de se inscrever na lenda dourada de São Francisco: tal como José de Copertino. Conhece-se também a anglomania deste século. colorida. A Igreja portuguesa não tinha qualquer importância. A francomaçonaria. Madrid assistiu a trinta e quatro autos-defé: todas as ideias heterodoxas eram logo sufocadas na origem. de se confrontar com graves problemas religiosos. fundador da popularíssima congregação missionária de Redentoristas. e. era feita ainda uma importante transferência de influência. De resto. Os papas da Idade Média tinham realizado a unidade da Europa na cristandade. a História do Mundo esteve ligada à da França e toda a Igreja romana viveu a hora da Igreja em França. a Revolução Francesa . a Assembleia Nacional. com a laicização progressiva dos cargos próprios do clero: assistência. Podemos dizer com Mathiez que a Declaração dos Direitos do Homem (26 de Agosto de 1789). os seus exércitos iriam espalhar através da Europa as ideias que à distância dariam os seus frutos. Mas houve um facto mais Julho de 1790. o "cume" de uma revolução europeia produzida pela burguesia enriquecida. passadas seis semanas e graças aos duzentos padres deputados. que proibiu os votos religiosos congregações não-hospitalares ou educativas. nação jovem. em Assembleia Nacional Constituinte (Junho de 1789).de 1789 a 1814 -. do galicanismo e do livrepensamento. Sem dúvida. A partir de 2 de Novembro de 1789. um decreto colocava "à disposição da nação" todos os bens eclesiásticos. estruturada e dinâmica. ensino.liberdade. sobretudo. embora entrassem numa matéria prometedora -. mas a França devia muito naturalmente orientar o enorme caudal de forças: centro da filosofia das Luzes. foi.que. segundo a expressão de Barnave. a França revolucionária concentrará os espíritos em redor de algumas ideias generosas . sem e suprimiu as seguia a melhor grave: em 12 de consultar Roma. transformados. O decreto de 3 de Fevereiro de 282 1790. . foram dominados pelos elementos saídos do jansenismo. estado civil. Rapidamente . tradição josefista. além de ter sido "a condenação implícita dos antigos abusos". embora se liguem ao Evangelho através da "religião natural". "o catecismo filosófico da nova ordem". Acontecimento capital porque não apenas se desmantelava um imenso e muito antigo património.prolongada pelo Consulado e pelo Império . cujos interesses estarão de futuro ligados a uma política anticlerical.6. igualdade e fraternidade . não se inscrevem verdadeiramente num contexto cristão: o triunfo da burguesia que marcará o século XIX será acompanhado de uma laicização profunda das mentalidades.foi. os Estados Gerais. mas também porque se operava uma gigantesca mudança de bens em proveito de centenas de milhares de compradores de "bens nacionais". A Revolução Francesa: o acontecimento Durante um quarto de século . O Termidor (1794) não produziu nenhuma mudança essencial. a Igreja de França. que recebeu tardiamente (10 de Março de 1791) as ordens de Pio VI. a separação das Igrejas e do Estado aprovada pela Convenção do Termidor (21 de Fevereiro de 1795) permitiu ao catolicismo sair da clandestinidade. Por outro lado. pelas secções parisienses. chegando a mandar para o catafalço padres e religiosas.votava uma lei que reorganizava a Igreja em França. Dilacerada entre padres refractários e padres ajuramentados. pela Comuna insurreccional. alguns milhares de bispos. Enquanto em toda a Europa se albergavam. onde não apenas as circunstâncias eclesiásticas eram decalcadas na base da organização administrativa do país. empenhou-se numa política de descristianização que regressou à perseguição. pela ameaça de uma guerra antirevolucionária desejada pelas cortes da Europa e pelo próprio Pio VI. como o clero se tornava um corpo de funcionários remunerados pelo Estado ou pelas comunas. a França assediada de todos os lados. despadrava-se e secularizava 283 a vida nacional e a vida diária. servida por representantes em missão sem piedade. e que a Legislativa prevê ao declarar-se em atitude de hostilidade com a Áustria (20 de Abril de 1792). em condições muitas vezes miseráveis. porque a détente apenas serviu para os corruptos. muito imbuídos de filosofismo ou de ateísmo. eleitos pelo povo. a Assembleia Legislativa foi rapidamente conduzida a uma política anti-clerical pela acção dos deputados girondinos grandes burgueses voltairianos ou rousseaunianos -. encontrando a sua salvação apenas no terror. . mas também os massacres de Setembro durante os quais morreram muitos clérigos. enquanto o Ocidente se batia pelo rei e pela fé. e inteiramente submetidos à autoridade civil. já o decreto de 29 de Novembro de 1791 tinha qualificado de "suspeitos" os padres refractários e os primeiros reveses militares incitaram o Governo a perseguilos. encontrava-se ainda enfraquecida. e. pelas fanfarronadas dos emigrados. A Convenção. Os homens do Directório. pela imprensa de Marat e de Hébert. com prestação de juramento de fidelidade à constituição civil do clero que caucionava essa submissão. Durante o curto período de existência (1791-1792). A queda da realeza (10 de Agosto) e a aproximação dos Prussianos provocaram não só a aprovação de decretos que praticamente colocavam fora da lei a religião católica. dominada pelos clubes. padres e religiosos. sobretudo. No entanto. ano VIII. "merece mais que desprezo".preferiram a indiferença à perseguição até ao dia (Frutidor. A Revolução Francesa: os problemas O que atrás se referiu constitui uma trama de acontecimentos. mas estes englobam ainda uma massa de problemas inexplorados a que o actual estado da historiografia religiosa da época revolucionária não pode fornecer muitas respostas. constitucional. a encerrar igrejas que tinham sido reabertas. O padre Sevestre. recebeu o acolhimento entusiástico da burguesia voltairiana. Pio VI foi levado como prisioneiro para Parma e. Mal Bonaparte partiu. a revolta dos Romanos levou o Directório a proclamar a República romana (15 de Fevereiro de 1798). Mas no Brumário. loucamente aclamados. na Lombardia. A República Romana que instaurou um regime draconiano foi efémera. mas o Frutidor mudou tudo: alguns milhares de religiosos foram expulsos e. os Napolitanos. por duas vezes. No termo da sua extraordinária campanha da Itália em 17961797. como escreveu Bernardo Plongeron. os administradores franceses. a protegeram o culto decadário e a teofilantropia. Bonaparte que. tinha-se recusado a obedecer ao Directório que pretendia destruir a Santa Sé. enquanto milhares de padres belgas foram presos e algumas centenas deles deportados. a lei de conscrição de 1798 provocou um começo de revolta. o historiador do clero normando. aplicaram em princípio as leis revolucionárias com prudência. a propósito da sua parte mais desprezada: os padres abdicatários. Na Bélgica anexada. reconhece: "A boa-fé não . em Novembro de 1798 e em Setembro de 1799. apesar de se mostrar pouco benevolente com eles. porém. era encerrado na cidadela de Valença. A Igreja oficial. em França. já que a sua solução está relacionada com uma melhor compreensão da mentalidade cristã confrontada com enormes agitações: a do clero constitucional e a da descristianização. a tomada do poder por Bonaparte colocava de novo em questão toda a política religiosa da França. Dois problemas dominam os outros. onde morreria seis semanas mais tarde. 284 7. evitando enfrentar uma opinião fortemente marcada pelo antijosefismo. Pio VI permaneceu na Roma ocupada pelos Franceses. em 13 de Julho. ano V) em que os jacobinos regressados ao poder se puseram a deportar padres. libertaram Roma. embora os Belgas tivessem reagido com inércia à aplicação da lei sobre a venda dos bens da Igreja. a facilidade e a tentação instalaram-se no coração de alguns párocos de aldeia. contentaram-se em regressar ao seio da sua família. mas indomável em matéria de doutrina e de fé". desta maneira. em mais de um aspecto. dois mil. se mostrou violentamente hostil à despadrização e muito duro a respeito dos lapsi. sem se revelarem traidores ou apóstatas. como muitos bispos constitucionais. sendo. chegou o medo. bispo constitucional de Aude e futuro concordatário de Cambraia. explicam em parte 285 a vida difícil da Igreja constitucional. no ex-jesuíta Dufraisse. ao menos poderem continuar a viver. nesse Pierre-Joseph Peugniez. Quanto a Gregório. ainda. empregou "toda a sua autoridade moral para alterar as estruturas de uma cristandade que queria vivesse em simbiose com o ideal revolucionário". pensemos no cura ajuramentado de Castelnaudary. Mas não é menos verdade que a Igreja constitucional. Mas a pressa das ordenações. cura ajuramentado de Vitry-en-Artois que morreu corajosamente no cadafalco de Arras em 1794. dando mais importância à colegialidade e à pastoral. "lúcido acerca da realidade humana. bispo do Cher ou. sobretudo nas dioceses em que dominavam os não-ajuramentados. Mas apenas em parte porque. segundo Gregório que. Quantos padres ajuramentados se casaram? Dez mil. mesmo aqueles que continuaram no cisma. o casamento dos padres oficialmente decretado (1793). o chamamento de muitos exreligiosos para o apostolado paroquial. verdadeiro chefe espiritual da Igreja constitucional. com a despadrização. mais próxima do povo do que a antiga. literalmente abandonados pelo céu e pela terra. contudo. que dentro da Igreja concordatária se mostrarão como zelosos pastores. com padres de 30 anos casando-se "oficialmente" com a sua governante sexagenária ou mesmo octogenária. avançar números precisos. Seria fácil evocar muitos dos padres e bispos constitucionais que procuraram manter uma Igreja viva. até porque houve casamentos fictícios. alguns trabalhos como os de Bernardo Plongeron mostram que esse padre. por isso. E depois. que era mau conselheiro. a indiferença. Por exemplo. Gregório. segundo Consalvi. muitos dos padres ajuramentados. para. com a descristianização orquestrada pelo governo revolucionário.esteve ausente entre os ajuramentados e. na altura da queda de Robespierre (Julho de . provaram-no pelo seu zelo religioso e pelos seus esforços incansáveis de reorganização". um precursor. O estado actual dos trabalhos históricos não permite. o austero Luís Belmas (falecido em 1840). por vezes. ou seja. Recebidos como santos perseguidos nos Estados do Papa. mais perseguidos noutras partes. Precisam de trabalhar com as suas próprias mãos. para sempre lembradas nas suas existências clandestinas e heróicas! Alguns milhares de outros padres passam ao exílio: em 1795. seis mil na Itália. de Ruão. onde o acolhimento é muito mais amplo. na desconfiada Espanha. durante o século XIX. futuro vigário-geral de Auch. mas também se encontram espalhados pela Alemanha. nos Estados Unidos e no Canadá. aquilo a que se chamou . a elevada atitude moral dos padres franceses contribui para fazer cair muitos dos preconceitos antipapistas. se encontrava em completa desordem. mesmo contra a sua vontade: desde o abade de Belloc. ao cura de Pommard que se torna pintor da construção civil em Friburgo. em termos elogiosos e romanescos a epopeia dos padres escondidos. deformou. que na Vestefália faz tricô. outros tantos na Espanha e Suíça. apesar da sua vida de pobreza extrema. embatem. Mais em segurança nas grandes cidades e nas "melhores" regiões. são suficientemente substanciais para nos encher de admiração e merecer o nosso respeito. tornam-se padres-operários. do padre Regnault que conquista óptima reputação como alfaiate nos Países Baixos. entre 1792 e 1795. ao cónego Baston. com todos os preconceitos antifranceses e são proibidos de circular nas grandes cidades. como Flandres. mesmo. merece mais do que desprezo. Uma imensa literatura exaltará."a Igreja francesa do silêncio". exilados e mártires. socorrem doentes e moribundos.e bem . há uma longa história colorida e . Há matéria para a história de uma verdadeira "resistência". Não se revela apenas como matéria para "peças de teatro piedoso" nos episódios da vida clandestina de milhares de padres refractários. Que belas almas as de Jean-Marie Vianney. uma vez decantadas. esta merece mais que o silenciamento dos factos heróicos que a piedade popular. Nos países protestantes. a obra secular dos filhos de Olier. As Acta sanctorum do clero francês durante a Revolução. e depois entre 1797 e 1799. 286 prosseguem. ou de Felicité de Lamennais. de Vicente e de João Eudes. Mas temos ainda os refractários. Vendeia e Alvérnia. em Saint-Malo. esses padres celebram a missa às escondidas. em Eculliy. Se a outra. pela Rússia e. que se torna cesteiro em Tortosa. contamse dez mil na Inglaterra. uma resistência pacífica mas perigosa.1794). a Igreja oficial. com as vítimas do Terror e da guilhotina. Abadias transformadas em prisões. na Guiana. a Igreja galicana não passa de uma ruína. 287 O objectivo do Directório (1797-1799) é o fundo do abismo: Pio VI. em Ré. no entanto. Foi o caso da relativa acalmia nascida da reacção termidoriana e prosseguida no começo do Directório (1795-1797). na noite de 19 do Brumário. perante esta miséria. A venda dos bens nacionais que provocou a desafectação.. tornaram irreconhecível o rosto carnal da França religiosa. sujos e destruídos no meio da palha ou no estrume . em colégios e em oficinas..verdadeiramente edificante para escrever. o deboche e a especulação. O segundo Directório. aldeias em que os vasos sagrados. prisioneiro aos 83 anos. Quando Napoleão Bonaparte. e. E Gregório denuncia então o regresso dos refractários "que pululam como gafanhotos do Egipto". as igrejas vazias. o incrível vandalismo dos "bandos negros". cidades sem campanários. com os Luis-Joseph Hauwel ou com os Charles Ochin. propagam-se nas aldeias a proliferação dos cultos de substituição (culto decadário. muitas vezes. e nas cidades. extensões de parede abandonados aos "coleccionadores" de pedras.. o vandalismo e o abandono. teofilantropia) e o paganismo. Esses exilados. Mas eis que logo o advento quase simultâneo de Bonaparte (Dezembro de 1799) e de Pio VII (Março de 1800) faz renascer a esperança na França devastada e no seu clero dizimado. em Oléron. ano VIII. a guerra civil no Oeste. tendo em conta que se mostra extremamente difícil concentrar uma realidade na palavra "descristianização". Bernardo Plongeron mostrou que muitos prelados do antigo regime encontraram na emigração a sua função de doutores da Igreja universal e isso pelo exercício da colegialidade entre eles e com os prelados estrangeiros. não deixavam de estar sujeitos aos ventos políticos que lhes permitissem retomar o seu apostolado em França. cavalariças ou armazéns. escancaradas. com os Noe Pinot. há uma preocupação maior com as acções descristianizantes do que com o resultado dessas acções. a depradação ou a destruição de milhares de edifícios religiosos. se torna senhor absoluto da França. de estuques ou de tijolos.. tanto mais que. O segundo problema essencial colocado pela Revolução é o da descristianização. Mas logo esses "gafanhotos" são esmagados. igrejas transformadas em forjas. faz aumentar em centenas de padres (alguns deles constitucionais) mortos lentamente pela "guilhotina sem lâmina" em Rochefort. Quando o bispo constitucional da Somme. A dramaturgia do Reitor da Ilha do Sena.sem haver um padre que os purifique. neste domínio. de Quéffelec (Deus Precisa dos Homens) também aconteceu no Ain. ao sermão. como diz B. É ao nível da vida sacramental que o cristianismo. uma aceleração da descristianização em França. desempenha um papel revelador. em Yvonne. sob formas insólitas. pois. não é um fenómeno passageiro e superficial. É. e sobretudo. Em primeiro lugar. em Aube. gosta-se mais de sinos sem padres do que de padres sem sinos.. que a descristianização entre 1793 e 1799 e mais particularmente durante o Terror (1793-1794) -. nas paróquias sem padres. tudo era bom. a absolvição e os outros sacramentos". A longa cessação do culto em muitos locais.falso . no Loiret. já não se trata. com teses já admitidas. tais como as "missas brancas". mas confessar-se. na Normandia. Plongeron. durante a reacção termidoriana (1795)." Eis o que se revela sintomático e grave. as ruínas espirituais. Nos campos. a destruição dos sinais do culto e a abdicação dos padres não são mais do que factos episódicos cujos efeitos desapareceram 288 logo que as ideias foram reabertas. concordando. aliás. às vésperas. onde estava em missão na altura do golpe de Estado do Brumário: "Ir à missa. . "conduzidas por leigos promovidos a funções sacerdotais pela vontade da comunidade". de "querelas de sacristia".de que os ajuramentados não consagram validamente. minado desde há muito tempo por hábitos preguiçosos ou viciados.. Ainda durante a Restauração.. os dissidentes (quer dizer. com o pretexto . afirma "que é notório que nesta diocese como nas outras. Mas às ruínas materiais juntam-se. Primeiro. ainda. comungar e fazer abstinência não era prática comum senão em ocasiões especiais e pouquíssimas vezes no ano. Mas como observava o general Lacuée a propósito de Orleães. se apagará. É um quadro de miséria que só. ligado a uma situação excepcional e explosiva. Plongeron teve o mérito de estabelecer. essa fé que sobreviveu aqui e ali. neste nível da fé que Bernardo Plongeron convida a situar o problema da descristianização. um "delírio colectivo" sem futuro. "uma cristandade já hesitante vê-se confrontada com duas representações da fé". reuniões eucarísticas de fiéis sem padre.. são mestres-escolas os oficiantes. a bênção nupcial. aos poucos. os refractários) repetiram o baptismo. sofre um grave dano por causa da Revolução Francesa que. depois, "a partir de 1790, contesta-se a Igreja que se apresenta dividida entre dois episcopados"; finalmente, inocula-se o "veneno do relativismo no interior da vida sacramental" numa opinião que está absolutamente confusa. Por isso, não admira que, em Ruão, por exemplo, numerosos cristãos "se declarem publicamente pela neutralidade em relação aos dois cleros", preferindo, por consequência, que "os filhos cresçam sem instrução, sem confissão nem primeira comunhão e que, por fim, se casem sem a bênção nupcial". 289 VIII A IGREJA CONTEMPORÂNEA: DO CASAMENTO FORÇADO AO DIVORCIO E AO DIÁLOGO Capítulo I REENCONTRADO O CAMINHO PARA ROMA 1. Napoleão e a Igreja concordatária Se Bonaparte como Primeiro Cônsul pretendeu pôr termo à anarquia religiosa, não foi porque obedecesse a um Movimento de fé, mas porque possuía um "sentimento muito forte da influência do padre sobre as massas populares", influência que "a sua experiência de Itália melhor confirmou". Católico na Vendeia, muçulmano no Egipto e ultramontano em Itália, considerava que a religião é um mecanismo indispensável do governo de um Estado e da sua pacificação. Como considerava o catolicismo a religião a que, apesar de dez anos de perturbações, a maioria dos franceses continuava ligada, percebeu que era preciso restabelecer o culto católico, custasse o que custasse. A Igreja constitucional, muito activa no início do Consulado, como testemunha o concílio nacional organizado por ela em Junho de 1801, poderia fornecer-lhe o quadro de uma ressurreição da Igreja galicana. Mas o entendimento com o catolicismo romano, com o papado - admirável "alavanca de opinião no resto do Mundo" -, apresenta para Bonaparte muitas outras vantagens: além da mais importante fracção dos franceses, da imensa maioria dos belgas e dos renanos (então sob o domínio dos Franceses) preferirem Roma à Igreja galicana constitucional, a irradiação da França junto dos Estados católicos da Europa 293 - face ao poderio e antipapismo da Inglaterra - só teria a ganhar com um acordo com Pio VII. Mas podemos pensar com B. Plongeron que, "se se fortalecesse o curialismo, as concordatas europeias do começo do século XIX destruiriam as esperanças" da Aufklärung católica. Com Napoleão Bonaparte cônsul, em 1800 e, depois, imperador (1804-1814), a política de descristianização desaparece; a Igreja retoma outra vida, mas, ao mesmo tempo, o galicanismo na sua forma mais despótica reafirma-se, porque Napoleão é um déspota e não um rei. A sua ditadura, nascida da anarquia, fortificada por qualidades geniais, nada tem a ver com a legitimidade dos reis de França: face à Igreja e ao seu chefe, actuará com uma desenvoltura e uma brutalidade que apenas se podem explicar por uma vontade sem freio e uma ambição sem limites dentro da antiga noção de "rei cristianíssimo". Jacobino saído do Século das Luzes", empurrado para a frente por uma burguesia em grande parte voltairiana cuja ascensão ele protegerá, de todas as formas. Todavia, Napoleão conhece a força do sentimento religioso. Desejando construir uma França e um império (Bélgica, Itália, Renânia...) sólidos, coloca o acento na própria religião. Desde 7 do Nivoso, três decretos consulares garantem a liberdade dos cultos, prelúdio para a paz religiosa; mas o primeiro cônsul não pode nem quer edificar essa paz, tão necessária, senão com o Papa, pois não há nada mais estranho à sua concepção da Igreja do que o episcopalismo e o presbíterianismo. O sucessor de Pio VI, Barnabé Chiaramonti, era um frade beneditino que, em 14 de Março de 1800, se tornou Pio VII Para se reencontrarem, depois de dez anos de cisma, o papado e a França deviam percorrer um longo caminho; mas foi o papa que deu a maioria dos passos nesse sentido. Porque, a Concordata assinada em Paris, em 15 de Julho de 1801 (e que deveria ter muita influência no imenso império francês), não só devolveu à França o livre exercício do culto, mais exactamente dos cultos, mas também restabeleceu a hierarquia eclesiástica e manifestou com evidência o primado do Papa, embora com algumas e enormes concessões feitas ao pequeno corso, cujas pretensões absolutistas superavam em muito o galicanismo dos reis de França! O antigo episcopado era, pois, literalmente sacrificado: 294 doze bispos constitucionais foram impostos ao Papa e só se toleravam "monges" por serem úteis ao povo nas escolas e nos hospitais; a venda dos bens nacionais era interrompida e o catolicismo posto em pé de igualdade com outros cultos. Mas houve pior: Bonaparte mandou acrescentar à Concordata setenta e sete artigos orgânicos de espírito galicano e josefista, que impunham, sobretudo: autorização governamental para a introdução em França das actas pontifícias, ensino da Declaração dos Quatro Artigos de 1682 nos seminários, proibição de todas as manifestações de colegialidade episcopal, codificação muito apertada da organização do culto, ingerência do Estado na organização eclesiástica... Os protestos de Roma nada puderam contra isso. A velha Europa ficou escandalizada com tamanha longanimidade; aqui e ali formaram-se "pequenas Igrejas" cismáticas hostis aos bispos nomeados pelo usurpador. O espanto atingiu o auge, quando Pio VII, fazendo um gesto único na História, se dirigiu pessoalmente a Paris para o rito oficial da unção do "novo Carlos Magno" (2 de Dezembro de 1804). Mas a comparação com o grande carolíngio não vai além da cerimónia da sagração. Carlos Magno tinha sido "o bispo" dos seus súbditos, preocupado em introduzir os valores evangélicos no sangue do jovem Ocidente. Napoleão teve, sem dúvida, o mérito de devolver vida à Igreja; para ele, contudo, a religião não passava de um mecanismo essencial, é certo - da enorme máquina imperial; o clero concordatário, dominado, vigiado e rigidamente hierarquizado, estava submetido a um bispo, qual "prefeito de batina", senhor absoluto da sua diocese e guardião dos costumes e da ordem: as suas orações e as suas acções de graças por ocasião das vitórias do imperador não podiam senão consolidar a fidelidade do povo ao regime. O Catecismo Imperial, imposto em 1806 a todas as igrejas do império, comporta, no capítulo do quarto mandamento de Deus, uma surpreendente adenda relativa aos deveres dos sujeitos em relação ao imperador e estabelece sanções graves - indo mesmo até à condenação eterna - para quem a tal se expusesse. De facto, o Estado era laico e, muito pior, a atmosfera geral não era cristã. A corte do imperador, debaixo da solene couraça imposta por ele, permanecia jacobina; a elite intelectual - os 295 "ideólogos" - mostrava-se dominada pelo voltairianismo e pelo racionalismo, e tais posições não podiam ser contrariadas pela brilhante, mas frouxa apologia do Génio do Cristianismo, de Chateaubriand; além disso, o clero, pouco numeroso e absorvido nas necessidades, tinha falta de espíritos pensantes. O Código Civil de Napoleão fundamentos da nova sociedade francesa - foi forjado no espírito revolucionário, sendo obra de burgueses liberais, para quem a não-confessionalidade do Estado, a protecção feroz da propriedade individual e a laicidade dos vínculos matrimoniais eram realmente coisas essenciais. De resto, o monopólio imposto ao ensino pela Universidade imperial não deixava de inquietar muitos católicos, sobretudo nos departamentos criados fora das fronteiras de 1790. Porque o espírito laico e também a exaltação da noção de lucro em detrimento da noção de serviço, impregnaram as mentalidades na Europa. Houve, aqui e ali, algumas reacções, como na Bélgica, na Baviera, na Itália e, sobretudo, na Espanha uma Espanha de monges armados contra a "França ateia" -; fortaleceram-se com as humilhações impostas ao Papa, a partir de 1809, pelo imperador, cujas concepções absolutistas não suportavam a posição independente dos Estados pontifícios no Centro da Itália. Em 2 de Fevereiro de 1808, as tropas francesas ocupam Roma e Pio VI responde, recusando-se a dar a instituição canónica aos bispos apresentados pelo imperador. Em 17 de Maio de 1809, os Estados pontifícios foram anexados ao império e, em 6 de Julho, o Papa é levado de Roma e instalado em Savona. O imperador está no auge do seu poderio e nada parece poder resistir-lhe; em Janeiro de 1810, a oficialidade de Paris pronuncia a nulidade do seu casamento com Josefina e, três meses mais tarde, desposando Maria Luísa, Napoleão entra na mais antiga família reinante da Europa; em 1811, nasce um filho a quem, orgulhosamente, dá o título de "rei de Roma". E, recorrendo a um processo tantas vezes repetido ao longo dos séculos, convoca para Paris um concílio (1811), do qual espera obter a instituição episcopal que o Papa lhe recusa; mas a maioria dos bispos franceses, italianos, belgas e alemães ali reunidos recusa contrariar a vontade papal. Em Junho de 1812, Napoleão manda levar Pio VII a Fontainebleau e arranca-lhe um projecto de 296 Concordata, cuja aplicação teria feito do imperador o senhor da Igreja (25 de Janeiro de 1813); mas, a partir de 24 de Março, o Papa retracta-se. Entretanto, os reveses do Império mudam completamente o rumo dos acontecimentos; no começo de 1814, Napoleão liberta o Papa, cuja única vingança será albergar, depois dos Cem Dias, a família do exilado de Santa Helena. Então, a Revolução é renegada por toda antigo regime ressuscitado. Mas as restaurações sociais que se operam irão, de facto, provocar do espírito religioso? E a Igreja romana irá algum benefício? a parte e o políticas e um regresso tirar disso 2. As Restaurações: aparências e realidades Com o imperador derrotado, os Bourbons regressam a Paris, a Madrid e a Nápoles, os Braganças a Lisboa, os Habsburgos a Milão e a Florença, os Oranges instalam-se em Bruxelas, os Hohenzollern no Reno, o Czar em Varsóvia, Pio VII em Roma... Parece que a Europa revela como preocupação primordial lançar - por cima do abismo da Revolução - algumas pontes que a voltem a ligar a um "antigo regime", de que - queria continuar a acreditar - nada de essencial a separava. Esse regresso ao passado fez-se, ora com prudência ora, pelo contrário, com violência, segundo as circunstâncias e o estado dos espíritos. Em França, onde as ideias revolucionárias impregnavam o povo, Luís XVIII teve de transigir, e mesmo proclamando-se rei por direito divino, manteve a estrutura social edificada por Napoleão; a concordata de 1801, por instantes ameaçada pela acção dos "ultras", não foi modificada. Pelo contrário, nos Estados pontifícios, o governo de Rivarola apressou-se a destruir tudo o que pudesse lembrar os Franceses: até se restabeleceu a Inquisição; a acção inteligente de Pio VII e do seu secretário de Estado Consalvi limitou felizmente as consequências desse sectarismo. Em Espanha, Fernando VII reagiu com a mesma violência; associou tão intimamente o trono ao altar que, a partir daí, a História religiosa do país será apenas uma alternância de explosões anticlericais e de regressos brutais ao clericalismo. A contra-revolução teve os seus teóricos. A frente deles estavam Louis de Bonald e Joseph de Maistre, sendo este um escritor 297 de raça, mais bem preparado para opor aos filósofos uma teoria da História - que rejeita a de Bossuet -, para iluminar com uma luz trágica a estreita solidariedade das gerações e as consequências inelutáveis das revoltas do espírito humano. Mas os reis - de facto, foi Alexandre I, influenciado por uma iluminada, Madame de Krudener quiseram institucionalizar a contra-revolução, constituindo a Santa Aliança (1815), cujos preâmbulos edificantes escondem muito mal os fortes apetites regalistas. A Igreja, quase em bloco, associou-se ao movimento contrarevolucionário. Ao sair do que considerava um período de privações, reagiu violentamente contra a Revolução e as suas sequelas. Diversas gerações de padres e de católicos viverão a ansiedade de um regresso a 89 e a 93, no horror das lembranças, com saudades do Antigo Regime e sempre à espera da sua ressurreição. Até ao fim do século XIX - e mesmo depois dele - a Revolução aparecerá como a raiz do Mal, mergulhando numa terra envenenada pelo racionalismo, pelo voltairianismo, pelo laicismo e pela maçonaria. Altar, Trono e Sociedade são os três bens essenciais, a que se sentem ligados os "sequazes de Satã" ou "demónios vivos" que tinham posto o Estado no lugar de Deus, o povo no lugar do rei, lugar-tenente de Deus, e uma burguesia egoísta no lugar de uma aristocracia, cuja vocação era apenas a de servir. Católico, Legitimista e Conservador serão palavras que, embora nem sempre nos factos, pelo menos na mentalidade se mostrarão inseparáveis. Em França, sob Carlos X (1824-1830), a aliança do trono ao altar foi oficializada com uma lei votada em 1825 - mas que não se ousou aplicar - que condenava à morte o crime de sacrilégio; e pregaram-se algumas missões espectaculares através de todo o país que provocaram, por vezes, grande entusiasmo e regressos a Deus, mas chocaram frequentemente uma opinião mal preparada para sofrer pressões indiscretas e cujas disposições, em matéria religiosa, não se tinham modificado muito. Aliás, na alta sociedade, a religião oficial encobria uma indiferença polida e um galicanismo virulento que manifestava um sentido confuso da Igreja, atirando-se particularmente à Companhia de Jesus, restaurada por Pio VII, em Agosto de 1814No campo oposto - porque se trata, realmente, de uma guerra -, estão os liberais. O liberalismo "saiu bem armado da Revolução 298 e quer influenciar tudo: o Governo, as relações sociais, o trabalho, a indústria e as relações internacionais. A sua doutrina, racional, idealista e optimista, enraíza-se na filosofia do século XVIII, rejeita todo o despotismo, sobretudo se é religioso, arranca as máscaras atrás das quais desconfia que se esconde um jesuíta. Tudo o que vibra, principalmente a juventude - mas também os "garantes" da Revolução -, se afirma, ufanosamente, liberal. O liberal intelectual é, muitas vezes, doutrinário e diz-se seguidor, sobretudo, de Voltaire, cujas obras têm numerosas reedições no tempo da Restauração; mas o liberal da rua, da oficina e o seu anticlericalismo fácil e o seu patriotismo vibrante que é apoiado pelo culto a um Napoleão inesperadamente promovido a modelo dos liberais. cansados da sufocante atmosfera da Restauração. estimulado pela extraordinária fecundidade intelectual do protestantismo germânico (Schleiermacher). No entanto. La Mennais opunha um encontro dos homens nas águas vivas e profundas de um cristianismo livre e. Renan escrevia a Berthelot: "Quanto mais avanço. o padre Luís Bautain vai também esforçarse. embora isoladamente. nas "lembranças do povo". a uma Santa Aliança hipócrita. assinada.clérigos e leigos -. Contudo.da caserna é sentimental à maneira de Béranger. o seu epicurismo barato e o seu teísmo imediatamente satisfeito forneceram uma espécie de "catecismo" que. Porque a preeminência do pensamento teológico alemão. muitos dentre eles serão os edificadores da Igreja na França contemporânea. Mas 299 já choviam em Roma as denúncias contra esse "louco furioso" do La Mennais. nunca se poderá avaliar a influência profunda das canções de Béranger: a sua brejeirice ingénua. o dos "homens de preto" vindos de Roma e cujo Deus cruel estava o mais distante possível do "Deus das pessoas de bem". em seguir o exemplo dos teólogos católicos alemães. no entanto. sem o Papa. Esse entusiasta padre bretão atraiu uma multidão de jovens . a liberdade foi reivindicada por cristãos que prolongavam o esforço da Aupdãrung católica. Mas o facto de ter sido ele o único eclesiástico que marcou a evolução religiosa dos primeiros trinta anos do século XIX e se separou da Igreja mostra claramente a carência intelectual do clero francês nesse tempo. por alguns déspotas. a mais perigosa e a mais diabólica aliança de palavras naturalmente inimigas. melhor vejo despontar no presente os elementos de uma religião nova: a revolução não será já a personificação de uma ordem de ideias que. se tornaram sagradas e objecto de veneração?" E. Em primeiro lugar. Em 1847. permanece . devia muitas vezes substituir o outro. largamente aberto à fonte que está em Roma. porque na atmosfera da época a expressão católico liberal destoava muito: era a mais insidiosa. por um padre genial.a Igreja abafada pelo poder aliado e a contra-Igreja revolucionária . Felicite de La Mennais (falecido em 1854) que pretendia que entre os dois sectarismos . para nós.havia lugar para uma Igreja livre e viva. ao mesmo tempo. e que não conseguia disfarçar o afastamento das massas em relação ao Evangelho. "pelo seu vigor e pela sua independência. cujas forças serão absorvidas pelo movimento da "Jovem Itália" de Mazzini. muito vivas e muito activas. Independente em 1830. na Baviera e entre os Habsburgos da Áustria e da Itália. segundo a expressão de um historiador francês. a aristocracia e os funcionários da Cúria defendiam duramente os seus privilégios. conheceu. desembaraçados dos Franceses . se revoltara a América Latina. tornada prussiana em 1814.indiscutível com um Gõrres e um Dóllinger. a Bélgica. permanecia uma terra de extremos.à custa de que heroísmo! -. Nos Estados pontifícios. Em contrapartida. É preciso dizer que a situação religiosa nas jovens repúblicas de língua . a Igreja da Bélgica será. Nas províncias belgas do reino dos Países Baixos. mesmo na corte do papa os zelanti erguiam-se contra qualquer forma de liberalismo. colocar-se-á na esteira da França. por exemplo. em meados do século XIX. mas viva. Mais paradoxalmente a Renânia. graças a Frederico Guilherme IV. mais ambíguo. cuja população geralmente iletrada não fora muito motivada pelo protestantismo nem pela irreligião revolucionária. Sobre a Espanha e Portugal. mas o endémico banditismo e a indiferença da administração favoreciam o desenvolvimento do carbonarismo e do movimento liberal neoguelfo. uma espécie de ideal para as outras Igrejas europeias". Num contexto muito diferente. a Concordata de 1818 colocou a Igreja numa situação privilegeada. com muito mais força por ter sido em nome do liberalismo que. melhor. 300 mas o antigo feudo de Murat foi o centro de um carbonarismo violento. pequena. ou. No reino de Nápoles. mais inspirado do que seu pai. porque a revolta lhe aparecia como um fruto perigoso da Revolução Francesa. durante o século XIX. A Itália. a burocracia josefísta impõe-se ainda por muito tempo. voltou a cair a capa de uma tradição simultaneamente absolutista. uma liberdade de que a Igreja Católica se aproveitou: as dioceses renanas acabariam por se mostrar. então. A ressurreição da Universidade de Lovaina (1834) será para muitos o começo dessa renovação. o sentimento nacional fortalece-se com a resistência dos católicos à política do protestante Guilherme I. sectária e galicana. o movimento católico na Irlanda e na Polónia reforçou o movimento nacionalista: o papado não teve nenhuma repugnância em lutar com a Grã-Bretanha e com a Rússia. de formação francesa. oficializando as relações . concentrar-se à volta de um papado.. teriam um futuro promissor. ameaçadas pela Revolução. Junto dele. mas supersticiosas. Consalvi. os laços que prendiam a cristandade ao papado foram singularmente relaxados: a reforma protestante. Consalvi praticou a política muito ultramontana das Concordatas . as ocupações materiais e as preocupações territoriais de certos papas. 3.de 1814 a 1855 assinaram-se três dezenas . colocou a sua alta inteligência ao serviço desse prestígio reencontrado. obteve das potências a restauração da maior parte dos Estados pontifícios e a confirmação do direito de precedência acordado aos núncios apostólicos sobre todos os embaixadores. mostrando-se um pedinchão junto de Viena (1782) e apenas conseguindo arrancar palavras delicadas a José II. nascidas das correntes revolucionárias vindas de França. proclamando no Concílio de Lião a deposição do imperador Frederico II (1245). Em 1820. 301 Comparemos Inocêncio IV. quarenta e dois embaixadores ou ministros plenipotenciários estavam acreditados em Roma.. reduziram o papel da Santa Sé. se voltavam naturalmente para Roma: pouco a pouco.que.espanhola e portuguesa era bastante lamentável: as massas eram católicas. não apenas no Mundo. sobretudo -. representando o Papa no Congresso de Viena. relaxado e muito agarrado aos seus privilégios. as velhas Igrejas da Europa iriam. ora. mas no próprio seio da Igreja. É verdade que essas jovens Igrejas. com Pio VI. desperta de um longo pesadelo. o clero pouco numeroso. de origem irlandesa. também elas. e o catolicismo canadiano. o secretário de Estado. a política particularista dos soberanos católicos . Na América do Norte. mas o fundo religioso era mais sólido: o catolicismo americano. Pio VII saiu engrandecido das provações infligidas pelo Império: surgiu perante a Europa. as aparências eram menos evidentes. O eclipse das igrejas nacionais Desde o século XIV. havia apenas vinte e sete.Bourbons e Habsburgos. enquanto a elite intelectual e governante tinha impulsos de febre anticlerical. sobre as quais não pesava um passado de galicanismo ou de josefismo. cuja autoridade não deixará de crescer. como "o símbolo do princípio da ordem e da autoridade face à revolução ameaçadora". em 1789. explicam por que motivo a maior parte dos Estados. a Concordata de 1801 tinha fustigado duramente a orgulhosa Igreja galicana. com Roma. para a Polónia. aliás muito favorável à Igreja. Mas foi em França. a velha Alemanha particularista ia abrir-se à influência romana. os artigos orgânicos levaram este último. Assim. Os Estados mais reticentes foram precisamente os mais oficialmente católicos e também os mais reaccionários: a Áustria e a Espanha. que os progressos do ultramontanismo foram mais rápidos e mais decisivos. com o czar. Outros elementos contribuíram para a morte rápida do anti-romanismo em França: a resignação dos "ultras" quando. órgão de Luís Veuillot. Consalvi concluiu ainda concordatas com a Suíça e. aos jesuítas e aos redentoristas. fortaleza do galicanismo. concluída entre Francisco José e Roma. da Prússia à Baviera. assinaram algumas convenções com Roma. Sob Pio VII. outrora bastante galicano.dos Estados. é entre os párocos de aldeia que VUnivers. a implorar a protecção de Roma: portanto. acusada de exercer sobre o catolicismo uma tutela inadmissível. 302 Aliás. a atitude ultramontana dos católicos submetidos a soberanos protestantes e o cuidado dos príncipes reinantes em evitar a constituição de uma Igreja nacional alemã. submetendo estreitamente aos bispos o baixo clero. o Papa se recusou a substituir a Concordata de Bonaparte por uma nova. mesmo não-católicos. em 1817. O mapa da antiga Alemanha tinha sido perturbado pela Revolução e pelo império: o desaparecimento dos príncipes-bispos. A Concordata de 1855. de recusar a liberdade de ensino e de limitar a autoridade pontifícia sobre a . arauto entusiasta do ultramontanismo. mas teve na prática um carácter medieval "teocrático" que escandalizou os liberais na Europa. que em seguida foi combatida por Espartero e pelos liberais. O fantasma da Revolução devolveu a Roma o clero francês. encontrará durante vinte e cinco anos os seus leitores mais aguerridos. reforçaram as ligações dos fiéis e do clero com a sede apostólica. devolveu a autonomia à Igreja austríaca jugulada pelo josefismo. foi na Alemanha que se assinaram concordatas em maior número. E só em 1851 é que o governo de Isabel assinou com Pio IX uma convenção. a longa campanha levada a cabo por La Mennais em L’Avenir contra a política da Monarquia de Julho. graças sobretudo à escola de Mainz. obrigando todos os bispos a inclinar-se perante as decisões papais. a uniformização da disciplina e da piedade. cuja obra foi muitas vezes mal compreendida. pela primeira vez. ao mesmo tempo ligados às suas prerrogativas e persuadidos de que a perda de uma certa autonomia episcopal. aos . militou eficazmente pela adopção generalizada da liturgia romana. e Gerbet como filósofo.este último exaltando o papel dos "monges do Ocidente" -. a propósito do Vaticano I. antes de aí voltar com o hábito branco dos dominicanos. O espírito antimonástico dos galicanos fora derrotado pelos ultramontanos. Ozanam. a adopção de formas de vida e de fórmulas muito italianas iriam fazer com que a velha Igreja galicana perdesse virtudes que já tinham dado provas e um fermento que tinha sido a força da Aufklàrung católica. E. núncio em Paris durante sete anos (1843-1850). Rohrbacher e Montalembert como historiadores . é preciso lembrar que a Igreja se encontrava. no púlpito de NotreDame. Foram precisamente os partidários de La Mennais que representaram um papel determinante na "romanização" da Igreja galicana: Guéranger restaurou a ordem beneditina em França (1836) e. em presença de uma razão inteiramente autónoma e do advento histórico de uma descrença socialmente generalizada. então. ordem que reimplantou na sua pátria. Lacordaire.pela proclamação da infalibilidade pontifícia. convocado "para encontrar os remédios necessários aos males que afligem a Igreja". um público voltairiano. a orientação dada ao Concílio Vaticano I (1869-1870) que. E isso justificou. a submissão imediata dos seus discípulos torna mais manifesta a autoridade romana. 303 Um núcleo de oposição ao ultramontanismo subsistiu graças a alguns teólogos e também a bispos como Affre. as suas afirmações doutrinais. é verdade .prematuramente. tornado o primeiro abade de Solesmes. mais eloquente e menos indiscreto foi o mais querido discípulo do mestre. quando La Mennais. o primeiro que enfrentou. tudo isso foi quebrando as resistências. as repetidas condenações do Index contra as obras suspeitas de galicanismo. o truculento Combalot retomou as ideias romanas no púlpito e nos presbitérios. a intervenção de Pio IX nas questões religiosas locais. trabalharam para orientar para Roma as correntes do passado. Sibour e Darboy que se sucederam em Paris. sobretudo a proclamação do dogma da Imaculada Conceição (1854). rompe com a Igreja (1834). No entanto. Mas a acção de Fornari.Igreja em França. terminou . condenado por Gregório XVI. Nos Países Baixos (Holanda). porque o seu centro principal foi a Universidade de Oxford. por um movimento intelectual e espiritual intenso que se designou genericamente como "movimento de Oxford". se consolidará numa posição autocrática. Algumas provações como a fuga para Gaeta (1848) e a tomada de Roma (1870). sobretudo. Keble. seu secretário de Estado. um verdadeiro "despotismo burocrático" que tomou uma forma quase institucional no tempo de Pio IX (1846-1878).Pio IX abandonará ao seu secretário de Estado. e a Constituição de 1848 afirma o princípio da liberdade religiosa. onde jovens clérigos juraram despertar a Igreja estabelecida: 304 à frente deles. que permanecerá fiel ao anglicanismo. Mas é preciso salientar que se o ultramontanismo. Enquanto a política anticatólica que. a administração temporal dos seus Estados -. e Newman . Pio IX restabeleça a hierarquia: um arcebispo em Utreque e quatro sufragâneos. teve como revés uma centralização administrativa. Wiseman. cujo longo pontificado. em 1845. tornado padre e prelado romano. se dissolve com o triunfo do Papa. votada pelos Whigs em 1829. com o auxílio de Lambruschini. e. em 1853. um aumento do magistério pontifício. o mesmo Papa tinha reorganizado a Igreja Católica na Inglaterra: essa ressurreição fora preparada pela emancipação dos católicos. do colégio inglês de Roma saiu Wiseman. permitiu à Igreja reagrupar as suas forças espirituais . confrontado com a escalada das forças antireligiosas. Antonelli. Três anos antes. Este movimento tinha sido iniciado sob Pio VII (falecido em 1823) e Leão XII (1823-1829). o austero Gregório XVI (1830-1846) instaurou. com mais força. sob o nome de kulturkampf. cujos excessos foram denunciados aquando da segunda sessão do Concílio Vaticano II (1963). Newman com maior delicadeza. a popularidade do Papa ligada ao seu encanto pessoal. depois do reinado de vinte meses de Pio VIII (falecido em 1830). continuará a estimar os seus antigos correligionários. tal como o concebeu um século marcado pela Revolução. é conduzida durante sete anos por Bismarck (18611868). chegaram até ao culto de admiração e respeito que .que.olhos dos padres conciliares. embora. dois velhos países dissidentes abrem-se à influência romana. é fundado um jornal católico.uma das almas mais profundas do século . de quem Pio IX fez o primeiro arcebispo de Westminster. devolverão ao catolicismo inglês o seu lugar. alguns manifestavam para com o soberano pontífice: essa atitude suscitou as críticas dos descrentes que apenas viam no papado "uma espécie de lamaísmo" (Renan) e forneceu aos protestantes. Mas o pior era que. sobretudo. em 1900. dois terços dos missionários católicos em todo o mundo eram franceses. o quadro de Um Século da Igreja em França. antes. a pretexto de barrar o caminho ao liberalismo. Nunca suscitou em parte alguma mais vocações e raramente gerou mais santos e santas. desejoso de tomar conta pessoalmente da vida da Igreja. responder aos seus adversários no terreno deles. adversários de uma teocracia pessoal. portanto. No clima tempestuoso do século XIX. reduziu o Sacro Colégio dos cardeais a um corpo sem vida própria: os consistórios reduziram-se a um solilóquio papal. Mons. através do Mundo. Pio IX. Uma prodigiosa explosão de forças Ao traçar. administrativa e judiciária ." O reitor das faculdades católicas de Lille não exagerava: o século XIX libertou na Igreja Católica enormes forças que fizeram erguer. um argumento de peso. em cento e dezanove padres que morreram nas missões durante um século.intelectualmente menos evoluídos do que os meios católicos de França e da Alemanha e pouco ao corrente das tendências modernas -. A organização governativa. viu os seus poderes aumentar: "apelar para Roma" tomou-se uma expressão familiar entre os eclesiásticos. em primeiro lugar. Por outro lado. Nunca edificou tantas igrejas e tantos conventos nem abriu tantos refúgios para todas as misérias. aí enraizada desde o século XV e. às centenas. Neste aspecto. contra os católicos liberais. 305 tal procedimento levava por vezes à denúncia... os meios romanos . mas. muitas vezes desconfiaram "dos métodos críticos e dos resultados da ciência contemporânea". muito italiana. noventa e cinco nasceram em França e três quartos das congregações religiosas fundadas . quando católicos conservadores e católicos liberais se confrontavam com dureza. muitíssimas obras. a suspeição exerceu-se. Baunard escrevia: "A Igreja de França nunca ergueu ou manteve à sua custa tantas escolas nem fundou tantos colégios cristãos. considerados defensores das ideias subversivas. o papel da Igreja em França foi primordial: em 1900.a Cúria -. lançar na acção e pôr ao serviço dos homens as forças que o ultramontanismo permitira reunir. É verdade que a Igreja do século XIX não pretendia. 4. um terço dos padres eram religiosos. ou salesianas. tornaram-se muito populares. actua um padre lionês. dos Marianitas. Revolução de 1868 em Espanha. Na Itália. nos Estados Unidos.. sobretudo. No mesmo sentido. . dos Padres do Sagrado Coração. Entre as novas congregações. a II República e. e apesar das escaladas febris antimonásticas . pôs ao seu serviço a Sociedade de São Francisco de Sales. cujos membros . como os paulistas instalados aí através do padre Hecker (1859). como as dos Maristas. porém.o aumento de congregações foi considerável. surgiram congregações laicais e de ensino similares . simultaneamente. o II Império favoreceram a restauração das antigas ordens e a multiplicação das congregações hospitalares e de ensino. os carmelitas.. Assuncionistas. com essa dupla vocação muito apreciada nas aldeias. as Irmãzinhas dos Pobres. Chevrier.Guerra do Sonderbund na Suíça (1848). em 1863. particularmente. leis Cavour na Itália. unicamente dedicadas aos velhos indigentes. esse modesto padre piemontês que se entregou aos "blusões negros" e aos garotos desprotegidos do seu tempo. uma verdadeira família de quarenta mil membros. fundador .durante o século XIX eram francesas.que. o século do ultramontanismo foi o século dos religiosos e das religiosas.. aliás. Atrás dos Irmãos das Escolas Cristãs. Os jesuítas foram. com os capuchinhos.os salesianos -.contavam-se treze em 1854. Por reacção contra o galicanismo e o josefismo hostis aos monges. dirigiam já três mil e trinta e oito instituições públicas. os redentoristas. onde em 1900 haverá onze milhões de católicos. que conheceram grande prosperidade. os mestres das "missões" 306 internas. os seus colégios multiplicaram-se e foram fundadas inúmeras congregações clericais. ao lado de muitíssimos frati adormecidos nos seus conventos confortáveis. Fora de França. ergueu-se João Bosco . de ensino e de cuidados de saúde. pertencentes aos irmãos maristas e aos irmãos de S. Em França. formam com as Filhas de Maria Auxiliadora. os dominicanos e. que controlavam oito mil escolas públicas e cinco mil e quinhentas escolas livres. A Inglaterra contará cento e sessenta e três conventos em 1862.. contavam-se oitocentas e dezassete congregações femininas. dos Padres do Santíssimo Sacramento. Gabriel . quase todas. enquanto no Canadá numerosas congregações locais se expandiram pela América.Dom Bosco -. a Prússia novecentos e cinquenta e cinco em 1872. Em 1899. perseguidos pelos drusos (1860). contava-se na Indochina quatrocentos mil católicos e havia quinhentos mil na Indochina francesa. domínio dos lazaristas e da Sociedade das Missões Estrangeiras. A índia foi marcada por um missionário de génio.e mesmo diversas congregações femininas . de ambos os sexos. A maioria dessas ordens religiosas . entre os extremos da xenofobia dos Chineses e da indiscreta penetração europeia. a Querela dos Ritos tinha paralisado toda a acção missionária no Extremo Oriente e. onde. em 1900. Esta expansão foi favorecida pela acção pessoal de Gregório XVI e de Pio IX. na Palestina. Mons. pouco permeável ao catolicismo. No Próximo Oriente. na China. entre 1853 e 1884. No Império do Meio. fechado para a Europa até 1868. sinal infalível de prosperidade monacal: a Companhia de Jesus. Pio IX restabelecera o patriarcado latino de Jerusalém. etc. E isso é também verdade para o Egipto. desde 1847. passou de cinco mil para onze mil e quinhentos membros. revelou-se. sobretudo. na Cochinchina e no Senegal. os jesuítas. onde o patriarca Máximo III reorganizava uma Igreja melquita católica. os dominicanos espanhóis e os franciscanos italianos tiveram um apostolado difícil: em 1870. o estabelecimento da França no Norte de África. pela Obra da Sagrada Infância (1843). durante muito tempo perturbados pela acção dos Ingleses. o Japão. Os arquipélagos da Polinésia foram evangelizados sobretudo pelos padres de Picpus e pelos maristas. no século XVII. pela empresa eficaz da congregação romana da Propaganda. O declínio do Império Turco. para a Pérsia e até para a Anatólia. as explorações africanas e os progressos da navegação a vapor contribuíram também para o desenvolvimento das missões. a intervenção das potências ocidentais no Oriente e na China. pela Obra das Escolas do Oriente (1856). foram protegidos pela França. ele não se esquecia de que.olhavam facilmente para lá dos mares. que aplicou certos métodos de apostolado muito adaptados. os lazaristas. na Síria.da obra do Prado (1860). como . escolas e colégios religiosos multiplicaram-se: a audiência do catolicismo romano encontrou-se assim mais alargada. como no Líbano. Bonnand. A África. pelos enormes recursos postos à disposição das missões pela Obra da Propagação da Fé (1822). Por sua vez. no seu conjunto. onde os maronitas. O século XIX foi incontestavelmente o século dos missionarios 307 franceses: eram trezentos em 1789 e setenta mil. "um grande homem". missionários que invadem os colégios franceses ávidos de relatos coloridos. um clero concordatário. para os missionários. de um ministro dos cultos. arcebispo de Cartago.. Mas quando Mons. estudar o seu significado. Um clero digno e um laicado activo Diz-se muito mal do clero do século XIX que foi. de religiosos.] . Anais da Sagrada Infância. Claro. aos quais não escapou o corpo clerical cujo nível intelectual deixou a desejar durante muito tempo. igualmente. os Missionários Africanos de Lião e também as Irmãs de S. viagens do padre Huc pela Tartária. José de Cluny fundadas pela extraordinária Madre Javouhey. deve lembrar que certas massas como o islão ou o hinduísmo foram quase engolidas pelo catolicismo e que a acção missionária se revelou por vezes uma simples transposição em terra estranha dos métodos e da mentalidade da metrópole.continente novo. [N. A ambição. em França. ofereceu à Igreja uma grande dose de generosidade. os suores e as lágrimas de milhares de padres. é exacto no Que diz.. do T. segundo Luís Filipe. dependente da hierarquia eclesiástica e. uma congregação marselhesa. foi a colonização. as mesquinhezes e o conformismo tranquilo são defeitos. No entanto. de religiosas e de auxiliares não podem ser desprezados.o século XIX. subordinado. os Padres do Espírito Santo 308 de Libermann. ter em conta a tremenda campanha que. embora pouco clarividente e facilmente satisfeito consigo mesmo. É evidente que a História deve tratar com precaução os números de "conversões". No extremo norte-americano estabeleceram-se os Oblatos de Maria Imaculada. existe um certo folclore missionário no século XIX: resgate dos chinesinhos. para quem não era indiferente ser bem ou mal "notado" (1). Podemos sorrir com tudo isso. Baunard afirma que o clero francês do século XIX foi "casto e caritativo". sobretudo. na maioria dos países da Europa e. Mas o sangue de um Perboyre na China.. Com alguns cambiantes e tendo em conta o regime Nota 1: Estar ligado ao ultramontanismo ou ao galicanismo. de um Chanel nas ilhas Wallis ou de um Vénard em Aname.. 5. suscitou maior número de sociedades missionárias especializadas: os Padres Brancos e as Irmãs Brancas de Lavigerie. . A acção do clero . no seu conjunto. digno e zeloso. administração dos sacramentos. o episcopado foi. Durante quarenta e um anos. Wiseman na Inglaterra. os seus chefes foram mais homens de acção e lutadores do que teólogos. o padre de paróquia que um longo tempo de seminário mais austero do que adaptado formou para toda a abnegação e para todos os sacrifícios.um aspecto novo do século XIX . das suas ovelhas..pregação. catecismo.. 310 Veuillot. Um modelo foi proposto na pessoa de um pobre e humilde cura de uma miserável aldeia dos Dombos: quando. os cantores do catolicismo foram leigos: Chateaubriand. este elogio pode aplicar-se ao conjunto da Igreja. em 1818. Ketteler em Mainz.. que.. chega a Ars.foi coadjuvada por um laicado. Ledochowski na Polónia. Lavigerie de Cartago. podendo mesmo dizer-se que. Jean-Marie Vianney ouve dizer pelo seu predecessor que a maioria dos trezentos e setenta habitantes "nada tem que os distinga dos animais senão o baptismo". Gibbons nos Estados Unidos.. em França. pela mortificação e pela pobreza. Hofbauer na Alemanha. mas que possui no mais alto grau a inteligência do coração humano. Falloux. Balmés na Espanha. permanece em comunhão perpétua com Deus. Mermillod na Suíça. na Bélgica e na Alemanha . embora tivesse havido na Áustria.prelados delicadamente instalados no seu palácio episcopal ou que frequentavam os corredores do poder.309 mais feudal da Europa Central e Meridional. Freppel de Angers. por elevar um pouco o nível espiritual. O século XIX católico não teve a oportunidade de dispor de um Bossuet nem de um Ambrósío. Mas cada país tem os seus santos padres: Cottolengo e Cafasso na Itália. Triest na Bélgica. pela oração. Ao redor do seu campanário. Mas. Strossmayer na Croácia. esse padre pouco instruído. no humilde cumprimento dos seus deveres . esforça-se.. Cochin os irmãos de Melun. Montalembert. transforma radicalmente a sua paróquia e atrai de todos os lados penitentes e admiradores. Dupanloup de Orleães. Mas não podemos deixar de falar em homens como Pie de Poitiers. Sterck em Malines. Rauscher em Viena. na Espanha e na Itália mais do que em França. celebração dos ofícios. mais conservadores do que atentos aos apelos do seu tempo. tantas vezes muito baixo. tudo estava prestes a alcançar tal objectivo. o padre Rayez prestou homenagem à espiritualidade do século XIX. de juventude. Não houve cidade que não tivesse os seus homens e as suas mulheres dedicados às "obras". Por isso. de facto. mas desde as "Donzelas Virtuosas" aos Filhos de Maria . Ao longo de muito tempo. as sagradas famílias. mas muitos deles revelaram-se verdadeiros "santos leigos". com que se contentaram durante muito tempo os católicos pouco interessados nos estudos bíblicos e 311 que só mais tarde reagiram aos esforços de Dom Guéranger para instaurar uma caridade litúrgica e para impor o canto gregoriano. aristocratas ou grandes burgueses: o snobismo piedoso e o paternalismo condescendente não foram sempre estranhos às suas diligências. A Igreja alemã foi dominada pela personalidade de Von Gõrres. cujo culto se mostrou reforçado pelas aparições de Lourdes.. ao Santíssimo Sacramento. Francisco Xavier. embora também haja autores. José e. Trata-se de um alimento espiritual muitas vezes indigente.. as condições em que se desenvolveu . Vicente de Paulo. Na Bélgica. Os manuais de caridade. são.. teve a ambição de ser o ponto de encontro de todas as obras católicas: com os seus apêndices. as obras para militares. de Scheeben ou de Mons.. manifestações de piedade. por Ozanam e seis jovens estudantes. cuja enumeração seria exaustiva: obras de caridade. obras a favor do sacerdócio e das igrejas. das crianças. mais ou menos inspirados na devoção italiana . indulgenciados ou não. cujo estilo piedosamente exagerado não escapa a uma ingenuidade pateta. quando esse impulso foi interrompido pela política neogalicana do II Império já quase no seu fim. o Partido Católico forneceu muitos leigos militantes. de La Salette e da Rua do Bac! Os seus "regulamentos". de Ségur que são realmente seguros. de grupo. absolutamente desinteressados. os patronatos para as crianças órfãs ou desprotegidas. dos pobres. E as confrarias. os seus estandartes e as suas imagens invadiram as capelas das igrejas. A Sociedade de S... sobretudo..sobretudo na de Sto. a S. os "guias" do "jovem cristão" e os "missais" com iluminuras góticas tornaram-se repositórios de orações. fundada em 1833.Albert de Mun. à Virgem. as associações piedosas dedicadas ao Sagrado Coração. Mas também obras de outra natureza.nem sempre é fácil distinguir a virtude sólida do mero sentimentalismo. dos prisioneiros!. Afonso de Ligório -ou na mística fervorosa de Faber. sociedades de S. o culto católico foram mediocremente formadoras. Que grandes obras inspirou a pintura cristã? Durante muito tempo. habituarão." E pensemos que se tratava do mais inteligente dos prelados franceses. SaintSulpice deixou o seu nome ligado à escultura em gesso. A revolução operada pelo organista de Santa Clotilde. sério e regular na sua vida espiritual. teve uma grave falta de perspectivas e uma preparação intelectual muito fraca. em 1846. a Igreja romana assemelhava-se a um cabo ameaçado por todos os lados. É verdade que esse clero. "Opera muito bela. pouco a pouco. César Franck. o clero sucumbiu perante o complexo de estar "instalado" e insistiu demasiado na santidade da sua própria causa para confundir os adversários e atrair aqueles que se afastavam dele. observava Hippolyte Taine ao sair de um grande casamento parisiense por volta de 1860.. cânticos ferozmente individualistas e fracamente adaptados a áreas de "Pont-neuf" ou a vaudevilles do século de Luís XV. generoso. eis como se exprime o cónego Aubert referindo-se ao clero do século XIX. Mons. os fiéis não ouviram senão ecos de uma música romântica. "Uma imaginação pastoral limitada". a um último refúgio do Antigo Regime. 312 Capítulo II O AFRONTAMENTO 1. Em 28 de Agosto de 1847. feita em série e sem alma. sobretudo o gótico. pastorais. a da Schola cantorum de Carlos Bordes. oratórias. que foi em Orleães um pastor vigilante. Uma arquitectura sem imaginação contentou-se com pastiches dos estilos de outrora. Dupanloup. ao socialismo. com alguma religiosidade insípida: missas com grande orquestra. de que os cristãos do século XIX sentiram saudades. Face ao liberalismo. nem sempre podemos acompanhar de perto os avanços da impiedade. dos órgãos das igrejas. ao cientismo ou muito simplesmente ao mundo moderno. análoga ao quinto acto de Robert-le-Diable. ao ateísmo. e. A Igreja e a sociedade laicizada Quando Gregório XVI faleceu. mas nada . confessava: "Absorvidos pelos pormenores e pelas milhentas obras das nossas dioceses. quase no fim do século. os fiéis "a rezar com a beleza". Renan escrevia: "É já para mim tão evidente que chegará o dia em que o cristianismo estará morto e bem morto. mas Robert-le-Diable é mais religiosa".. Lamentavelmente. ou seja.se poderá fazer para lhe valer nem. havia um ano que Mastai reinava em Roma: um jovem pontífice. depois da efémera "primavera dos povos" de 1848. dos Ferry. Com que paixão os homens da geração positivista seguiram os . Luís Napoleão. afirmando-se como moral altruísta e como religião da Humanidade. 313 a violenta explosão de descontentamento operário reafirmou a reacção de bispos e católicos: as suas vozes e as suas exortações contribuíram para a eleição à Presidência da República e. cujo passado caritativo. encorajado pelo seu poderoso e impopular secretário de Estado Antonelli. depois. ultrapassando a teologia e a metafísica. a Revolução de Fevereiro parecia ter selado a aliança da democracia com o catolicismo. o vago deísmo evangélico de muitos dos homens de 48 foi sepultado pelo anticlericalismo militante dos Gambetta. de liberalismo. algumas de cujas fontes remontavam já ao século XVIII. para a posse do império do "homem forte". uma plêiade de intelectuais que.. pelo cientismo ou religião da ciência. dos Clemenceau e dos Edmond About. Entre 1848 e 1860. em 1860. Tinham sido influenciados não só pelo neocriticismo kantiano de Renouvier que negava toda a metafísica e propunha uma moral puramente racional.." Ora. a partir das jornadas de Junho. graças às tropas francesas. bastante artificial. Pio IX. aliás. Pio IX. Em França. foi reforçada por alguns afluentes importantes. Pio IX. pelo racionalismo científico. tinham entre 20 e 30 anos. Os católicos. quando. transformálo. se limitava a observar os fenómenos e a determinar as leis que os regiam: um positivismo que. De futuro. sorriso encantador e reformas que introduzira nos Estados pontifícios e garantias que parecia ter dado ao movimento nacional italiano lhe tinham granjeado uma reputação. porque a oposição ao trono imperial incarnou numa geração cujas posições filosóficas eram violentamente anticatólicas. Em primeiro lugar. Mas. renovou-se a aliança do trono com o altar. mas também pelo positivismo de Auguste Comte. mostrar-se-á hostil a tudo que possa identificar-se com o liberalismo. aliança muito mais perigosa do que no tempo de Carlos X. ao menos. desembocava em plena sociologia. voltou a instalar-se na sua capital. de Littré e de Taine que. acompanharam o Papa na sua actuação. Com efeito. Esta corrente positivista. depois de ter fugido da República romana proclamada por Mazzini e Garibaldi (1848). O desmentido chegou quase logo. de um Michelet. não existem grandes teólogos. Mas. a opinião francesa estava pouco a par da evolução da exegese bíblica. mais tarde.revelavam-se. à dos padres. enquanto Strauss (falecido em 1874) considerava a história evangélica um mito saído da ideia preconcebida de que o povo judeu tinha um Messias. pelo menos entre os latinos: numa época em que o espírito crítico reina. bastante estranhas nos meios católicos. Durante quarenta anos. A . os bispos. ignóbeis dos católicos e elogios cegos de alguns dos seus adversários. em História da Igreja. 314 Mas foi esse mesmo Renan que. de um Vítor Hugo e.trabalhos de Boucher de Perthes (falecido em 1868). provocou um dos mais espantosos escândalos do século. A audiência de um Sainte-Beuve.com excepção de Lovaina e dos bolandistas na Bélgica. A Vida de Jesus de Renan rapidamente envelheceu. eram êxito de livraria as compilações medíocres de Rohrbacher e de Darras. em 1860. publicando A Vida de Jesus (1863). pai da Pré-História e de uma concepção evolutiva do homem através dos séculos! O transformismo de Lamarck (falecido em 1829) e de Darwin (falecido em 1884) deu lugar a uma extraordinária admiração. de um Claude Bernard. de um Quinet. frequentemente ingénua e por vezes sectária. cujo título é já por si um sinal de sucesso. Tendo em conta o progresso da exegese. a escola de Tubinga e a escola de Mainz na Alemanha . porque se sabia que ameaçava as velhas posições da Igreja quanto à origem do homem. onde Dom Pitra e o abade Migne eram excepções e a obra dos maristas era prosseguida pela Academia das Inscrições e das Belas-Letras. Renan guardou na gaveta o que considerava um manifesto do seu tempo: O Futuro da Ciência. mas não se pode esquecer os serviços que prestou ao sacudir o catolicismo latino até aí adormecido. de um Berthelot. A bibliografia de Renan é quase inteiramente tirada de trabalhos devidos aos protestantes e a alemães. de um Charcot não se podia comparar. nos meios pensantes. onde desde há muito Reimarus insinuara que Cristo não passava de um impostor e Paulo de um charlatão genial. os pregadores e os escritores eclesiásticos recorrem sobretudo à atitude oratória da teologia romântica que satisfaz mais o sentimento religioso do que o espírito. sobretudo na Alemanha. na Itália. Renan atraiu sobre si os insultos. Nesta época. embora admirável mas sem dimensão metafísica. por vezes. as ciências históricas e filosóficas . na Espanha. na Áustria e também na França. Apresentando ao grande público um Jesus sonhador. na moral. da civilização industrial e da fé cristã. mantendo unicamente a "substância moral do cristianismo" e apenas se fechando à intolerância clerical. será nela que. Poder-se-ia. livre-pensamento. Porque as forças novas e aliadas . e. mas as inúmeras "sociedades dos bons livros" e outras "bibliotecas católicas" iludem o problema capital da conciliação do espírito científico. materialismo de Le Dantec e niilismo de Nietzsche .cooperam. o recrutamento sacerdotal relativamente elevado e a renovação católica do século XX seriam inexplicáveis sem algumas correntes subterrâneas de santidade e de vida. atrás de Jules Ferry. Félix Pécaut e Jules Steeg. Assim. sobretudo em França. baseada numa escola nova completamente autónoma em relação à Igreja. dizer que a manutenção de numerosas obras na Igreja. que se revelam também importantes. são esses homens que animam a oposição ao império. laica e anticlerical.moral e a apologética invadem a literatura religiosa. a construção de uma "cidade liberal". A moral parece tornar-se autónoma em relação a um culto desincarnado e a um dogma sem raízes profundas. em proporções variadas. dado que se confunde com uma pudicícia ridícula 315 e repousa numa educação sexual puramente negativa. Mas o positivismo teve outros aliados. Por outro lado. a "pureza" ocupa um lugar excessivo. De uma enorme produção. a franco-maçonaria que. racionalismo. que pregava um cristianismo liberal sem dogmas obrigatórios. no entanto. em oposição à maçonaria anglo-saxónica. confrontaram-se duas Franças: a conservadora e . Por um lado. ora isto é tanto mais grave quando essa "pureza" obsessiva esconde outros problemas morais. a ala esquerda do protestantismo com Ferdinand Buisson. panteísmo. seguiu o caminho do republicanismo e do racionalismo. apoderam-se do poder republicano e prosseguem. Em França. para o aparecimento de homens de acção. com leis anticongregacionistas de 1901-1904 e da separação das Igrejas e do Estado (1905) a assinalar o ponto de ruptura. de ordem comunitária. alguns oportunistas face aos radicais fazem com que essa política jacobina se prolongue até 1914.positivismo. se recrutarão alguns dos fundadores do laicismo em França. Uma religião reduzida a uma espécie de autodefesa espiritual ou a um entesouramento egoísta não tinha nenhuma possibilidade de seduzir as massas comprometidas com movimentos mais amplos. o futuro reterá muito pouca coisa. depois. em 1879. sem milagres nem autoridades sacerdotais. A Espanha do século XIX . -. Segui o vosso Deus morto ao seu sepulcro sombrio. Vítor Hugo porá na boca do Papa estas palavras: Eu sou a autoridade. Artigos de L’Univers e brochuras corajosas de muitos bispos . Mas a Igreja não se apercebeu imediatamente da gravidade desses ataques. se volta decididamente para um futuro de que Deus está ausente. era uma fortaleza que pode proteger contra os maus ventos.. durante uns trinta anos a partir de 1850.católica. incluindo os ensinamentos pontifícios. E o meu isolamento. chegar o pânico. regalista.. quando o poder temporal do Papa foi ameaçado. Em França. pois. silêncio. anti-religiosa. Era evidente que o Pontífice Romano.Pie. vale a tua solidão.Entre os católicos.foi dilacerada por certos pronunciamientos anticlericais. acentuaram-se as divisões entre os liberais Dupanloup.sobretudo de Dupanloup . por vezes. tal como o Grande Turco. a ofensiva liberal e anticlerical teve como objectivo a escola. quando Napoleão III começou o seu périplo através da sua diplomacia labiríntica. os favores do II Império adormeceram. 317 .tal como as suas antigas colónias da América . aqueles desejavam poder lançar uma ponte entre Roma e essa nova "terra prometida". socialismo e racionalismo.organizaram-se em torno de um duplo documento emanado de Pio IX: a encíclica Quanta cura e o Syllabus (8 de Dezembro de 1864). porque estes afirmavam que a doutrina da Igreja. os católicos tinham sido afastados da vida política por vontade do papa. eu sou a certeza. .o grito de um agonizante.e os integrais . Veuillot.. ó meu Deus. Montalembert. anticlerical e. durante dez anos. tudo o que constituía os trunfos da sociedade laica. o episcopado e o clero para. ou seja. Na Bélgica também. a esquerda estava no poder 316 em Itália. a partir de 1876. com frequência.que impedia qualquer diálogo com os descrentes . liberto pela ciência. depois.. por isso. em que o homem moderno. a republicana. Os adversários da Igreja consideraram essa atitude .. cujas fórmulas secas do texto precisam as condenações da encíclica ao princípio do Estado laico e a todos os erros modernos: liberalismo. era o homem doente da Europa nova: Silêncio. aproxima-se da Igreja: mas isto não quer dizer que as suas reacções essenciais. "A primeira exprime uma religião qualitativa.foi um dos fenómenos importantes do século XIX. determinada parcialmente pelos acontecimentos políticos e sociais . 318 a segunda. manifesta-se evidentemente por um abandono. mas quase sempre por fidelidade à educação recebida nos colégios religiosos. que estará no poder. De resto. onde os padres vêem a sua audiência reduzir-se a favor de notáveis liberais. Mais grave. porém. Nos campos. sobretudo perante o amor. Mas é também meritório que tenha sido o processo da burguesia bem-pensante .Mas quanto mais os católicos tinham a sensação de estarem a ser cercados tanto melhor percebiam que as suas fileiras diminuíam. das práticas do culto. mas sobretudo pela paganização dos costumes e das mentalidades. migração. tenham sido necessariamente uma resultante do espírito evangélico. a primeira traduz a fidelidade a uma mensagem evangélica mais bem compreendida. Verifica-se.dos panfletos de Léon Bloy às Palavras de Jean-Paul Sartre . do que verificar-se que. entre 1870 e 1900. evolui para um jacobinismo cada vez mais anticlerical. desenvolvimento dos meios de transporte e de difusão . A burguesia divide-se. a Igreja não teria sobrevivido à longa tormenta do século XIX. assegurará a renovação do pensamento católico. repita-se. uma vez mais. mais ou menos profunda segundo os países e as regiões. como testemunhou Péguy.esse antipároco.código civil. um conformismo que vai estalando à medida que a civilização se transforma" (J. uma a subir e a outra a descer. então. Uma parte. Delumeau).que. se torna. mobilidade social. sobretudo do professor primário . mais ou menos rápida. um servidor entusiasta da república laica. maltratado antes de 1870 por uma legislação muito clerical. a morte e o dinheiro. o fenómeno observado desde o século XVIII: o de duas curvas que se cruzam. bens nacionais. a massa dos intelectuais se mostrou hostil ao . a segunda uma adesão quantitativa. que sem a santidade escondida de um pequeno número dos seus membros. por vezes por interesse. quase anti-religioso A outra. total ou parcial. como dizia Thiers . que pressupõe muitas vezes uma cristianização incompleta ou superficial e o enfraquecimento de um certo cristianismo.que tenha contribuído para manter uma elite que. Porque a descristianização do Ocidente. industrialização. Essa descristianização. nos tempos mais tempestuosos. que erguera como dogma a liberdade de mercado. mantiveram os hábitos cristãos." Mas uma apostasia pressupõe uma adesão. Aliás. tinha poucas cabeças pensantes. mostravam-se incompatíveis com uma vida cristã paroquial já reduzida pela desafectação geral em relação à Igreja. um não-cristão. criado. em parte. limitando a muito pouco ou mesmo nada os tempos de instrução. num clima de concorrência implacável e do egoísmo. se tenha confundido o proletário com o pobre. piedoso e zeloso. Porque o próprio Jesus tinha dito: "Tereis sempre pobres entre vós" e. terá sido o fracasso quase total da Igreja face ao socialismo e ao proletariado. uma fé anteriores. desenraizando os homens. se tratava também de uma forma de resistência à assimilação.catolicismo. sobretudo no último caso. Não que o operário seja. num contexto essencialmente materialista. E a . De resto. de prazer e de reflexão. o clero não via nada de anormal no facto de que o trabalho ao serviço de outrem provocasse naturalmente a pobreza. enquanto classe. ainda se falava de oficinas em que o patrão presidia à oração da tarde dos trabalhadores. Portanto. 2. os Irlandeses trabalhavam na Inglaterra e. como a própria indústria. o clero administrativo. é verdade que. as Igrejas concordatárias não dispunham das nossas luzes: a formulação histórica e sociológica dos padres era medíocre. por volta de 1840. o Estado evitava empurrar para as primeiras filas padres 319 do tipo de La Mennais. não tinha a liberdade de acção do actual clero. não nos devemos espantar de que. o episcopado. durante longo tempo. Mas as próprias estruturas da grande indústria. A mão-de-obra da indústria manufactureira foi muitas vezes fornecida pelos campos relativamente "tradicionais": os Flamengos estabeleceram-se na zona industrial do Norte da França. pela Revolução Francesa. A Igreja e os operários Citam-se com frequência as palavras de Pio XI: "O maior escândalo do século XIX foi a apostasia da classe operária. muito dependente do Ministério dos Cultos francês. que é a pobreza em estado endémico. quase o pauperismo. por definição. deslocando a família. a não-intervenção do Estado e o carácter nefasto dos corpos intermédios. durante muito tempo. o proletariado contemporâneo nasceu e cresceu. à margem da Igreja. ora. corporações ou sindicatos. assim. a massa dos operários da grande indústria se vê submetida. considerado simplesmente um elemento do preço de custo. noutro lado. caminhava por si. 320 3. na Bélgica. o operário levava os filhos para a fábrica para melhor poder . O salário. tanto na França. aliás. não vejo o mistério da Incarnação. escrevera: "Na religião. seria um crime sacudi-la.desigualdade social ia progredindo. cooperativas. mas. mas que "o rico auxilia o pobre". obras familiares ou de higiene. uma demarcação. na Renânia. se não houver uma autoridade que lhe diga: Deus assim o quer. era fixado pelo empregador em função das flutuações económicas: o operário era livre de recusar. muito cristãmente. o pobre trabalha para o rico e o rico auxilia o pobre." Eis um tema retomado cem vezes pelos pregadores. círculos e corporações): eis o processo habitual de conceber o "dever social". mas. sociedades de beneficência. sintomática. porque é preciso que haja pobres e ricos. tal como o pároco de Saint-Maurice. a harmonia da sociedade resulta dessa diferença entre os seus membros. Porque o próprio Napoleão. mas o da ordem social. a partilha far-se-á de outra forma. A contra-Igreja socialista Ora. dominado pela implacável lei da oferta e da procura e da concorrência sem freio. é a uma verdadeira escravatura que. fundador da "nova sociedade". sendo intangível de direito divino. todos se contentam. feita de boa-fé. como nos países não-católicos. A protecção do operário pelo seu patrão (a palavra. encontraria a mesma lei pesada. Existe nisso uma subtileza. ajuda social. em cuidar das chagas físicas e morais provocadas pelo industrialismo triunfante. a intervenção maciça dos padres. passou de moda no vocabulário corrente). é-lhe impossível entender essa diferença. na Itália e na Espanha. Quando um homem morre de fome ao lado de outro que arrota. encerrados durante um tempo considerável numa fábrica dirigida por um patrão distante ou anónimo. mas que viria a custar caro à Igreja. Por isso. em Lille. como a do órgão deriva da grossura desigual dos tubos. Mal pago. depois e durante a eternidade. Viram-se confrontados com máquinas perigosas consideradas o capital essencial e que os "libertariam"." Não se diz que "o industrial paga ao operário". dos homens e das mulheres na prática da caridade (patronatos. declarando em 1841: "A desigual repartição dos bens é necessária para manter a felicidade na terra. A sociedade saída da Revolução. o cristianismo não era mais que uma fase para um paraíso terrestre feito de amor universal. salvo algumas excepções. umas vezes pela religião. Fourier. tudo isso provocava uma mortalidade elevada. povo sacrificado! Não sabes que a paciência tem limites e a dedicação também? Até quando continuarás a dar ouvidos a esses oradores do misticismo que te mandam rezar e esperar. como Proudhon.." Com Proudhon. a Igreja . ainda pior. pelo poder. Mas o trabalho em casa conhecia também condições muito pesadas. Para Saint-Simon. outras. a taberna. o que as caracteriza é que consideram o cristianismo. absolutamente incapaz de dar uma resposta global à questão social ou. Apoiado pelo Estado... Para Blanqui.. e mais particularmente o catolicismo. que se julga e que se mata! Povo humilhado. povo deserdado. já Marx tinha compreendido que a "morte de Deus" era a condição essencial da libertação e da promoção do homem e que. Pierre Lenoux. ameaça e oprime. que acusava a Igreja romana de ser "adúltera em relação a Cristo" redentor do proletariado. vencendo as trevas e afirmando-se por toda a parte como inimigo do progresso. refúgio natural de uma vida sem alegria. vexado e proscrito! Povo que se aprisiona. mas o trabalho excessivo e duro. domina. a resignação cristã era uma ilusão: "Ó povo de trabalhadores. O capital oferece-lhe todos os meios. o obstáculo principal à emancipação dos trabalhadores. caminhava-se para uma "variedade anárquica" desse humanimo ateu de que Hegel e Feuerbach se tomaram os teóricos e de que Marx fez a essência do socialismo científico: "A crítica da religião é a primeira condição de toda a crítica." Muito antes de Nietzsche. pregando a salvação. Filosofia da Miséria) Em resumo: é com o marxismo que. em todos os países marcados pela Revolução Industrial que Durkheim designará como "o imenso grito de sofrimento" e que provocou a elaboração de doutrinas visando uma reforma radical da organização da sociedade. uma alimentação fraca e o albergue . e cuja palavra veemente e sonora te cativa?" (Proudhon. Do ponto de vista da Igreja. 321 considerando-o um bom auxiliar. é este estado de coisas que se encontra. geralmente pela supressão das classes sociais: a palavra "socialismo" foi comodamente adoptada para as designar.porque. com certas variantes. nunca houve uma política de alojamento -. sobretudo entre os mais novos. ou melhor a sua última hipótese de salvação. Portanto. governa. "o exército negro dos padres avança em plena fúria.viver.. ao longo dos anos. como é o espírito de uma civilização de onde o espírito está excluído. era a única capaz de erguer como virtude teologal e social a posição do dinheiro" (Paul Lafargue. Esta cidade será universal.. e catolicismo quer dizer universalidade. Esta nova religião tem os seus dogmas. no episcopado e no conjunto dos leigos. durante muito tempo. com uma sociedade injusta e opressora. que são definidos em vários catecismos. Jules Guesde exclamará um dia perante os deputados católicos: "Nós somos hoje o verdadeiro. durante muito tempo. avilta a sua dignidade e o habitua a suportar com paciência a sua sorte iníqua e miserável. é verdade que os católicos reagiram tarde em número muito reduzido e. Quanto ao resto. Os princípios sociais do cristianismo revelam-se servis e o proletariado é revolucionário" (Karl Marx). Em todo o caso. poderá escrever: "Marx expulsou Deus da história. graças a Marx. 1905). como o Catecismo Comunista de Engels e o Ensaio de Catecismo Socialista de Jules Guesde. muito naturalmente. não se situa já. o operário foi identificado com o pobre e a justiça social com a caridade. mesmo. caracterizada pelo desaparecimento das classes. opõe uma nova religião que condena a caridade cristã. a alma do mundo sem coração. sempre a medo . A cidade socialista.. A sociedade capitalista. "essa intermediária cínica que corrompe o pobre. mas toma-se uma certeza inelutável. Ela é o ópio do povo. "Não vedes que. e.se verá mais frequente e tragicamente confrontada. E é num tom triunfante que Lafargue. se impregnardes o operário de . num futuro aleatório. a corporação do antigo regime foi considerada a nostálgica instituição a que era necessário regressar. cuja realização pode ser apressada pela acção dos homens. em 1895." A Igreja Católica. o seu último refúgio. E tal facto pode encontrar uma explicação ou. cujos fiéis se recrutam sobretudo entre os 322 pobres. que conduz ao extremo limite a exploração do pobre. o único catolicismo.à proletarização da classe operária." Mas a religião será tranquilamente afastada dessa cidade como coisa naturalmente perniciosa: "A religião é tanto o suspiro da criatura oprimida. internacional e realização de um verdadeiro ecumenismo. o socialismo marxista opõe uma contra-Igreja. uma desculpa no terror que a revolução exercia no papado. sim. ilusões perigosas para a ordem social. A uma religião que se identifica com uma civilização condenada. à Igreja cristã. o catolicismo social não revelou mais do que um punhado de homens que.Charles de Coux.. Esforços dos católicos sociais Não se poderá. entre os legitimistas.. que denuncia o liberalismo económico como portador de morte para o operário-máquina. Gerbet. mas como uma explosão de ódio infernal. Nas obras de alguns dos seus discípulos . . embora desembocasse em importantes realizações. que permitiram aos católicos possibilidades de contactarem com a miséria e assim se prepararem para uma acção social mais ampla. já estamos na extrema-esquerda do catolicismo social. E também em Ozanam. por mais longas que tenham sido as suas hesitações. o apaixonado. Mas aí. Buchez. como a Sociedade de S.como o cardeal Giraud." Esta censura dirigida aos socialistas é de 1866 e foi feita por Mons. surgiram inúmeras "obras". mas roubais-lhes a resignação e a esperança. La Mennais. é preciso dizer que alguns bispos . animadores da "Sociedade de Economia Caritativa" e do catolicismo paternalista que caracteriza o período de 18481870 e se encontrará desamparado perante a Comuna de Paris.. 323 4. as soluções preconizadas situavam-se numa perspectiva muito mais apertada..encontram-se espantosas fórmulas de condenação do capitalismo. cuja "economia política cristã" preconizava a fundação de "colónias agrícolas". Não é preciso esconder isso: se. que se revelavam em maior número. tornais-lhes intoleráveis os seus sofrimentos e forneceis argumentos terríveis à sua inveja. pertenciam às classes dirigentes. passar em silêncio os pioneiros do catolicismo social. levantar-se-á sobretudo contra "o novo feudalismo" depois de abandonar a Igreja. Dupan-loup que passava por ser o mais liberal dos bispos de França. estabeleceu os limites de um "socialismo cristão" que pretendia reconciliar a revolução e o catolicismo. Vicente de Paulo. o visconde Alban de VilleneuveBargemont. indo mais longe. Ao serviço desse novo "pobre" que era o operário. considerada não num contexto histórico e sociológico. Por exemplo. em 1871. aliás. sem injustiça. Todavia. influenciado muito cedo pelo "desprezo pelo homem" proclamado pela sociedade industrial. se a sua audiência .ateísmo e de sensualismo. o entregais a todas as cupidezes impetuosas? Soprais-lhe no coração a sede ardente dos gozos materiais.ousaram condenar solenemente "a exploração do homem pelo homem". Armand e Anatole de Melun. arcebispo de Cambraia . com Gregório XVI e Pio IX à frente. dentro de um mesmo corpo de estado e cujos membros são agrupados em "associações de piedade". é uma "sociedade religiosa e económica". fundando em 1871 os Círculos Católicos de Operários. Este segundo catolicismo social encontrou em França os seus representantes mais notáveis. atribuem-na à acção das "más doutrinas". simultaneamente social e contra-revolucionário. inspirando. 324 Noutros países. por vezes. ou. como na Espanha ou na Itália. como Albert de Mun e Renê de La Tour du Pin que. os Círculos abrandaram. na Universidade de Lovaina. patrões e operários.que não deixa qualquer espaço para a vida paroquial favorecendo o embrutecimento intelectual e a atrofia espiritual. com o barão de Vogelsang. na Áustria. bispo de Mainz. ao deplorarem a descristianização das massas. à sua falta de perspectivas. sangrentas. a responsabilidade regressa ao silêncio da hierarquia. de greves monstruosas e.é limitada.mais evoluída do catolicismo social: o corporativismo que reforçará o paternalismo de tipo patriarcal expresso na Reforma Social (1864) de Le Play. A frente os "homens-bons sociais".fábrica. depois do abalo de 1848. uma nova forma . fundada livremente por chefes de famílias industriais. casa e taberna . Entretanto. inspiram. onde desperta a sociologia religiosa e Charles Périn exalta a associação operária. na Bélgica. Na Alemanha. nos Estados Unidos. Depois de um rápido sucesso. se preferirmos. o mesmo silêncio. tendo absorvido a clientela de obras. pretenderam fazer com que as "classes dirigentes" e as "classes populares" se encontrassem. por vezes mais opaco. o seu espírito paternalista seduzia pouco o operário da fábrica nesses anos de crises económicas. as convicções de Lenming e de Dõllinger sobre o papel decisivo da Igreja no acerto da questão social. não vêem que o liberalismo económico é a forma mais desumana e grosseira de todas as misérias. assim. quando se formavam partidos operários . mas não percebem a sua ligação com o "triângulo maldito" . embora papas e bispos condenem o liberalismo. com Manning. que preconiza as "associações operárias". em diversas regiões desabrocham alguns centros: na Inglaterra. através sobretudo de artesãos e empregados. onde d'Azeglio é um pensador solitário. onde o cardeal Gibbons protege e defende a poderosa associação operária dos Knights of Labour. "o cardeal dos pobres". a acção de von Ketteler. A corporação tal como a entende esse catolicismo. em que o espírito marxista se impunha pouco a pouco. entusiasta. os socialistas negavam violentamente aos católicos qualquer direito de ingerência no problema social. dando. em 1885.. Corajosamente. como La Cronique . Mons. mas as massas: Associação Católica da Juventude Francesa (1885). muitas vezes infamemente anticlerical. o Papa "proclamava uma verdade esquecida desde o fim da Idade Média: que a moral evangélica tinha muitos prolongamentos sociais e nenhum crente tinha o direito de os desconhecer". uma carta social ao catolicismo. convidando os católicos franceses a ligarem-se à República (1892). Mermillod organizou. nela. cujo trabalho inspirou as intervenções do Papa. a Mun e aos seus amigos deputados Keller. num dia de 1896. Pio IX no Paraíso. participavam na feitura de uma legislação social. a de Léon Harmel que. Na Alemanha. Leão XIII caucionou e libertou o catolicismo social. enquanto uma proliferante "pequena imprensa". une o fraternalismo corporativo ao esforço associativisra.que. como Naudet. dos padres e dos católicos considerava subversiva qualquer obra não especificamente caritativa e recusava qualquer intervenção da Igreja no domínio económico. a federação das sociedades operárias católicas (1868). Gayrand e Lemire. Thellier de Poncheville. "padres democratas". Mas isso não impedia certas realizações por vezes originais: assim. com a encíclica Rerum novarum (1891). na sua fábricamodelo do Val-des-bois. basta lembrar os panfletos de Lafargue. O que fizestes dele. corajosamente. e. o catolicismo social avançava por entre tremendas dificuldades: o conjunto dos bispos. e de Guesde. Surgiu uma nova geração. congressos operários (1893). que se ligou decididamente à democracia e agrupou não os privilegiados. Aliás. no seu meio natural. o zentrum de Wind-thorst e o volkverein desempenharam um papel importante na elaboração das leis sociais sob Guilherme II. a que se deu o nome de União de Friburgo. porque. por um lado. na Bélgica.. o círculo romano de estudos sociais em Itália. encontros sociais internacionais.. Com efeito. Doutreloux e do padre Mellaerts. por outro lado. perguntava Jules Guesde. o congresso das obras sociais e a acção de Mons. Na Suíça. círculos de estudos sociais. Papa do seu 325 Estado. "O passado pertence-vos: é todo vosso e unicamente vosso.. em França. secretariados permanentes de acção social.. fazia do "padre" o aliado natural "patrão". . ó senhores cristãos?". Carta ao Senhor Leão XIII. trata-se do conjunto de . o anti-semitismo antidreyfusiano. os Secretariados Sociais (1906). fundado por alunos das escolas cristãs.verdadeira universidade itinerante -. era animado sobretudo por intelectuais e burgueses. que foi o embrião da CFTC.. assim. Mas muitos padres e a massa dos "fiéis" censuravam violentamente esses católicos ousados que se submetiam à "meretriz". VAction Populaire (1903). a "direita" católica e regalista tinha procurado sucessivas compensações: o boulangismo. desejoso de separar o movimento operário da colusão entre a democracia e o anticlericalismo. E neste terreno desenvolveu-se . ao mesmo tempo que recebia os sorrisos dos democratas-cristãos ou de um padre Lemire. a lei capital de 1884 autorizando a formação de sindicatos profissionais inspirou algumas iniciativas católicas.em França. De resto. Às suas decepções políticas e nacionais. Esta ala esquerda do catolicismo social nem sequer receou associar-se às 326 iniciativas da República. na sua maioria já ganhas por um socialismo de realizações mais imediatas. o catolicismo social estava ainda embrionário. como o Sindicato dos Empregados do Comércio e da Indústria (1887).Sociale de Lyon (1892). perseguia as congregações. vasto movimento democrático e social animado por Marc Sangnier. Em 1914. dispersava-se em "obras" generosas. e também da fraqueza do seu substrato ideológico e teológico. penoso e obscuro realizado a partir de 1870 por uma minoria de católicos ia trazer frutos depois da Primeira Guerra Mundial e assegurar ao catolicismo uma audiência que os contemporâneos nunca julgavam ser possível. mas empíricas. a Acção Francesa. Roma sem os Estados romanos A "questão romana" é um acontecimento com implicações políticas que contribuiu para agravar as relações da Santa Sé com a sociedade moderna. as massas operárias. enfraqueceu momentaneamente a democracia cristã. De facto. a essa república que. 5. mais reformistas do que revolucionários: faltavam-lhe. aproveitava-se mesmo das fraquezas dos "católicos sociais": do esbanjamento dos seus esforços que limitava a sua acção sindical e eleitoral. A condenação do Sillon (1910). as Semanas Sociais (1904) . na Bélgica e na Itália .um ideal de democracia cristã. sobretudo. E no entanto.. o trabalho persistente. no termo da guerra de Itália. e. o último Estado cristão da Europa. Mas Pio IX e a maioria dos católicos calculavam que a posse de um Estado era para o papado a única caução da sua independência espiritual. muitos pensavam como Edmond About que. que as terras pontificais seriam. um acto revolucionário e sacrílego. organizou um exército de voluntários estrangeiros chamados zuavos pontifícios que. Pio IX. e os vendedores ambulantes familiarizaram os lares mais humildes com o rosto afável do "papa-mártir". denunciou às potências de então a miséria e os abusos que reinavam nas terras pontifícias e que foram o assunto de uma brochura célebre publicada em Londres (1859) por Edmond About. como no decurso desses anos 60. padres e fiéis em redor do Papa na própria Roma. ao rejeitar a lei italiana das Garantias (Maio de 1871). O restabelecimento do poder papal por Oudinot. em que o exército italiano ocupou Roma. essa chama ateou-se ainda mais. A Sociedade Nacional Italiana de La Farina explorou as aspirações unitárias das populações submetidas à Santa Sé e. quando. foram derrotados em Castelfidardo (18 de Setembro de 1860). comandados por Lamoricière. A partir de então. de facto. em 1849. Cavour. em Março de 1860.327 problemas postos pela sobrevivência do Estado pontifício num mundo em que todos tinham sido secularizados depois da Revolução. Aliás. O ultramontismo devorou como um fogo os restos do galicanismo. que a espoliação seria uma ofensa grave ao direito público. quando as Marcas e a Úmbria votaram a sua integração no reino sardo . prosseguiu a investida e a conquista dos Estados pontifícios: em Novembro de 1860. se viram tantos bispos. o seu prestígio espiritual crescia. no Congresso de Paris (1856). reino de Itália .até à sombria jornada de 20 de Setembro de 1870. Um facto curioso: à medida que o poder temporal de Pio IX se desfazia. o mais augusto dos dois perderia necessariamente a sua independência". A anexação de Roma parecia essencial aos partidários da unidade italiana. que lhe 328 .em breve. não se contentando com excomungar Vítor Emanuel. as Legações revoltadas foram incorporadas no reino sardo. Além disso. finalmente. Nunca. tinha deixado esse problema intacto. "a partir do dia em que o espiritual e o temporal estivessem ligados pelo ventre como dois poderes siameses. ao Sumo Pontífice por defender os direitos essenciais do indivíduo e lembrar algumas grandes verdades. até 1914 e mesmo depois. Sem abandonar o depósito da fé. por isso. onde os cânticos exaltavam Gesta Dei per Francos.. dos Direitos do Homem. Em França.. está reconhecido embora confusamente . Mas o facto de o papado ter sido afastado das preocupações temporais e territoriais pela força. mas também sem multiplicar os anátemas. também muito combativas (dos Patriotas. pela incomunicabilidade entre as "duas cidades" obrigadas a combater-se e a ignorar as suas virtudes recíprocas. Leão XIII.assegurava as prerrogativas soberanas e a extraterritorialidade do Vaticano e do Latrão. da Pátria Francesa. os seis antecessores de Paulo VI pertencem à elite da história contemporânea. especialmente da III República Francesa. Saindo vencedor da luta contra a kulturkampf na . É preciso ter em conta que a "questão romana" deturpou certas perspectivas e manteve um sectarismo de "direita" que. num momento em que o Ocidente é sacudido pelos progressos científicos. a causa de Pio IX esteve ligada à de Henrique V e as peregrinações a Frohsdorf tiveram o mesmo significado que as peregrinações a Paray-le-Monial. já não se confunde com a cristandade.. na verdade. Perante certas ligas (do Ensino. na verdade. que tem vistas largas. Porque o laicismo e todas as leis que inspirou foram o reflexo de defesa das democracias nascentes. ver a sua autoridade irradiar num mundo que. marcada pela ruptura confessional. mas que. marcado por uma civilização desumana e materialista. da Action Française. 6. embora saiba que o mundo já não é cristão.. Leão XIII e a iniciação ao pluralismo Leão XIII (falecido em 1903) sucede a Pio IX (falecido em 1878).). o seu desejo é fazer deles realidades cristãs.) ergueram-se outras ligas. esforça-se por distinguir os temas de 329 pensamento incompatíveis com a doutrina católica das realidades do mundo moderno. Incontestavelmente. era uma resposta a um sectarismo de "esquerda". enquanto a burguesia jacobina assenta o seu poder e o proletariado operário começa a tomar consciência da sua existência como classe. iria permitir-lhe elevar-se. Pio IX se considerou prisioneiro voluntário. Toda a vida pública seria. distanciar-se e. Conhece-se a retumbância da encíclica Rerum novarum. sobretudo. à sua apoteose. que Leão XIII decidiu intervir. sobretudo através da tradução em 1897 de A Vida do Padre Hekter. Se o Papa apresenta como princípio a . pelo menos as conversões ao catolicismo multiplicam-se no Reino Unido. "reina" em França o "paizinho" Combes e a prosperidade burguesa acaba de assistir. pela carta apostólica Testem benevolentiae (1899). depois. Em Immortale Dei (1885) e. com a Exposição de 1900. Embora não se tenha chegado à validação das ordenações anglicanas. mas apoia a tarefa de aproximação com a Igreja anglicana de que Lorde Halifax e o padre Portal se tomam defensores. Mas. contra o americanismo. o Papa define o legítimo lugar das liberdades populares e da liberdade em si mesma. foi por essa tendência já ser conhecida na Europa. O Papa acalenta o projecto de manter relações permanentes com o Governo inglês. e os socialistas consideram uma aberração a incursão da Igreja no campo social. por isso. quatro anos depois da ruptura provocada pela política anticlerical de Frère-Orban. o mundo ocidental está longe de se unir à Igreja. Como escreve Jean-François Six: "Há nas encíclicas de Leão XIII duas coisas que são radicalmente novas e que os teólogos e os canonistas que se limitaram a repetir os grandes princípios nem sequer viram: em 330 primeiro lugar. Leão XIII favorece também a expansão do catolicismo nos Estados Unidos. o facto de Leão XIII ter exprimido a sua inquietação de ultrapassar as preocupações do seu tempo e de se recusar a pronunciar anátemas. preconiza a ligação dos Franceses à República e faz as pazes com a Bélgica (1884). recua perante as reclamações do cardeal Manning. que é uma tendência para enfraquecer a doutrina da Igreja com vista a adaptá-la à vida moderna influenciada pela descrença. Esta acção de envergadura tem partidários entusiastas. em Libertas (1888). Quando o Papa morre.Alemanha e na Suíça. porque Leão XIII manifesta uma espantosa lucidez para discernir o permanente do variável. mas atrai contra Leão XIII inimizades sólidas: os católicos "integrais" escandalizam-se e muitos republicanos sentem dificuldade em acreditar numa "Igreja liberal". Mas não é menos verdade que Leão XIII traçou e marcou os novos caminhos que permitirão ao catolicismo contemporâneo abandonar os seus guetos. mas previne os fiéis. Quando o Governo francês. a própria democracia e as suas doutrinas socializantes nunca mereceram a simpatia de Pio X. Pio X ou a fidelidade Portanto. em 1905. também oferece dois princípios que contêm um germe activo de desenvolvimento e o próprio fundamento de uma possibilidade do diálogo: o princípio da liberdade da consciência religiosa como garantia dos direitos da pessoa e o princípio do bem comum como norma de fidelidade ao Estado. cujo anticapitalismo revelava um antisemitismo violento. denunciou a Concordata de 1801 e proclamou a separação da Igreja e do Estado. cada qual na sua ordem -.teve de enfrentar os mais graves problemas nascidos de uma época sem entraves. reformando o breviário (1905) e refundindo o Código de Direito Canónico. 331 A democracia cristã. testemunhará a sua verdadeira santidade . Em contrapartida. um ensino mais sistemático da religião (encíclica Acerbo nimis. tolerou .demasiado fácil até! . a menos que "o partido" estivesse estritamente submetido ao episcopado. ao canonizá-lo em 1954. o sólido Partido Social-Cristão. o "centro" alemão era . sobretudo da comunhão eucarística. Pio X condenou essa ruptura unilateral e as Associações de Culto (1906): deste modo. 1905). ele sujeitava a Igreja de França a condições materiais difíceis." 7. que manteve no trono pontifício atitudes de pároco de aldeia. Porque antes de se considerar Pio X um "integrista limitado".comparar Leão XIII. libertava-a para tarefas exclusivamente espirituais. convém lembrar a atmosfera tempestuosa em que se desenrolou o seu pontificado. o diplomata subtil. Por isso.e até encorajou . é fácil .o Partido Católico belga que crescia à sombra do cardeal Mercier (falecido em 1926) e. na Áustria. Pio X quis pôr à disposição dos membros da igreja instrumentos mais adaptados de santificação. Mas este papa eminentemente religioso . ao seu sucessor Pio X (1903-1914). uma frequência mais regular dos sacramentos.da Igreja e do Estado. Preconizando a reforma da música sacra (1903).independência e a soberania das duas sociedades . que considerava mesmo a formação de um "partido católico" algo de incompatível com a constituição monárquica da Igreja. ao mesmo tempo.Pio XII. A sua divisa instaurare omnia in Christo revela um Pio X menos preocupado em inovar do que em aprofundar e defender. mas. do ensino eclesiástico tradicional com as novas ciências religiosas que se constituíram longe do controlo das ortodoxias e. Poulat). servindo-se das forças sociais do catolicismo. Sangnier submeteu-se. fascinados pela "Igreja da ordem". por vezes comparado a La Mennais. esqueciam-se do agnosticismo de alguns dos seus mestres. Pio X reagiu violentamente contra uma democracia cristã que já não era. mas Pio X não era Alexandre VI. uma das mais graves crises da História das ideias e da História da Igreja. Em França e na Itália. muitas vezes. Em França. a partir de um princípio revolucionário: a aplicação dos métodos positivos num domínio e a textos até aí considerados como fora do seu alcance" (E. a condenação de dois jornais dirigidos por "padres democratas" foi seguida pela do Sillon de Marc Sangnier (1910). inovadores e tradicionais. os animadores de um movimento mais bem definido. Os antigos partidários serão. integristas. No essencial. a movimentos progressistas reaccionários. No campo oposto. E essa crise agravou-se ainda mais por . tendo-se vivido. no entanto. o da Action Française. movimento muito activo e cujo objectivo era não somente reconciliar a Igreja com a República. os contornos doutrinais demasiado vagos e a liberdade revelada por esse movimento não agradavam muito a alguns bispos. então. Romulo Murri. A crise modernista Sillon e Acção Francesa. encontravam-se muitos padres e católicos que. em sua opinião. Ao contrário de Muni. uma iniciativa autenticamente religiosa. contra elas. "a crise modernista nasceu do choque brutal :. antes de 1914 o catolicismo conservador dominava. Pio X excomungou um padre italiano. Em 1909. 8. movimento monárquico e nacionalista. materialista e opressiva. mas também realizar em França uma república verdadeiramente democrática. se a tendência é actualmente mais favorável à "esquerda". como Maurras. actuais e e 332 clivagem que separava as duas tendências do catolicismo háde prolongar-se até aos nossos dias. pelo seu entusiasmo e popularidade: fundador da Liga Democrática Italiana.muito independente aos seus olhos. aos seus anátemas contra a civilização moderna. depois da Primeira Guerra Mundial. misturava expressões dignas de Savonarola. ao acaso. George Tyrrell (18611909) é um calvinista convertido que se tornou jesuíta. Quanto ao grande romancista e poeta espiritualista António Fogazarro (1842-1911). ensina a história do cristianismo na Universidade de Roma e reivindica. a livre investigação histórica. director de um certo número de revistas. Apologista de renome. exprime uma necessidade de abalar "uma tutela eclesiástica mais pesada do que noutros lados". pretende subordinar o carácter intelectual da Revelação às emoções da piedade. procura conciliar a sua fé com as 333 teorias da ciência moderna. Suspenso a divinis em 1907. . sobretudo. esta tendência. a Alemanha e. em 1907. passou a ser Rivista di Cultura. mas desempenhará um papel parlamentar de pouca importância. Ernesto Buonaiuti e António Fogazzaro. Três personalidades dominam o modernismo italiano: Rornulo Murri. pois. abre aos modernistas a sua revista Cultura sociale que. excomungado em 1909. a Grã-Bretanha. a França. será eleito deputado radical. onde se verificaram lutas entre os modernistas desses países que se devem. Mas é ainda necessário conceder um lugar especial à efémera revista Rinnovamento. Ernesto Bvionaiuti (18811946). Na Grã-Bretanha. contra a autoridade eclesiástica. Excluído da Companhia de Jesus em 1906. sobretudo do evolucionismo. sobretudo da Rivista storico-critica delle scienze teologiche (1905-1910). falacioso imaginar uma espécie de complô modernista organizado à escala internacional. sendo excomungado em 1926. sobretudo. padre em 1893. Romulo Murri (1870-1944). o modernismo situa-se na linha do Risorgimento e desenvolve-se essencialmente sobre dois campos: a acção social e a cultura religiosa. cuja influência na Inglaterra se exerceu menos sobre os meios católicos do que sobre os anglicanos. Seria. suspeito de modernismo. será condenado pela Igreja e a ela se submeterá. fundador da Democracia Cristã. irá valer-lhe a hostilidade dos meios eclesiásticos. Quatro países foram atingidos pela crise modernista: a Itália. a que se mistura uma crítica bastante dura das hipocrisias religiosas. Na Itália.ser evidente a distância entre a mediocridade do ensino eclesiástico e o dinamismo das ciências religiosas. padre em 1903. privado dos sacramentos em 1907. o modernismo é essencialmente representado por George Tyrrell e o barão Friedrich von Húgel. fundada em 1907 por um grupo entusiástico de jovens católicos e que desaparecerá em 1909. Na Alemanha. Morreu prematuramente sem se ter reconciliado com a Igreja. tornando-se suspeito pela audácia das suas ideias. em 1908. História Criticado Texto e das Versões do Antigo Testamento (1892).prega a excomunhão salutar e edita sobretudo The Programme of Modernism (1908). publica a sua obra essencial: The Mystical Element ofReligion. Mas o modernismo alemão pretendeu permanecer à margem do modernismo latino e anglo-saxónico. o antiultramontanismo de François-Xavier Kraus (1840-1901). 334 Loisy utiliza ousadamente os métodos da filologia moderna no seu ensino e nas obras (que apareceram antes na sua revista L'EnseÍgnement biblique): História do Cânone do Antigo Testamento (1890). no século XIX. do Novo Testamento (1891). Em 1902. Padre em 1879. sempre preocupado em dialogar. Poulat) é incontestavelmente o exegeta Alfred Loisy (1857-1940). Foi ele quem iniciou Tyrrell na escola francesa do dogmatismo moral e Alfred Loisy na crítica. Como filósofo. publicou O Evangelho e a Vida (1902). Privado da sua cátedra em 1893. aproveitou bem a sua saída para prosseguir nos trabalhos sobre as Escrituras. depois. na ordem religiosa. homem muito culto e de grande coração. concebendo um Cristo histórico distinto do Cristo da fé. As ousadias teológicas de Herman Schell (1850-1906). pretendia afirmar que. ensinava a independência absoluta da crítica bíblica e da história eclesiástica em relação à Revelação e aos dogmas. as teorias reformistas da revista Zwanzigste Jahnindert são algumas das manifestações de um movimento muito particularista. é uma espécie de protector e confidente dos modernistas europeus. originário de uma grande família austríaca. onde a apologia da Igreja coincide com a negação das suas origens evangélicas. país apaixonado pelas ideias. cuja Dogmática foi posta no Index em 1898. Mas foi em França. as ideias não passavam de metáforas e de símbolos. professor de Hebraico (1881) e. que o modernismo encontrou o seu terreno de eleição. o modernismo desenvolve-se "na corrente de liberalismo universitário e de reformismo católico que. de Sagrada Escritura (1889) no Instituto Católico de Paris. Como historiador. A obra foi censurada pelo arcebispo de . Quanto ao barão Friedrich Frelherr von Húgel (1852-1925). a pretexto de refutar A Essência do Cristianismo do exegeta protestante Harnack. marcou toda a história deste país". "A sua personagem epónima" (E. Para se defender e responder às críticas provocadas por O Evangelho e a Vida. Julho de 1902). in: Revue de métaphysique et de morale. Mons. Louis Duchesne (1843-1922). com mais quatro das suas obras. desenvolveu a chamada doutrina "da imanência" nos seus Ensaios de Filosofia (1903). dos Annales de philosophie chrétienne. 1899. Outros autores. Houtin deixou oficialmente a Igreja em 1912 e tornar-se-ia publicista e historiógrafo do modernismo. oratoriano e director. a partir de 1905. exegético. Hébert preferiu abandonar a Igreja. a sua História Antiga da Igreja será posta no índex (1912). Hébert foi levado. No decurso das suas pesquisas de filosofia religiosa. a considerar os dogmas como simples símbolos desprovidos de qualquer fundamento histórico (Souvenirs d'Assise. Pio X decidiu condenar solenemente o modernismo teológico. A Volta de Um Livrinho. na esteira do símbolo-fideísmo do pastor Albert Sabatier (1858-1928). à inspiração e à historicidade dos livros . Obrigado a retractar-se. filosófico e histórico. "La Dernière idole". porque o seu ensino sobre os testemunhos do dogma da Trindade ou sobre as origens das Igrejas da Gália fizeram com que fosse declarado suspeito. livro que foi colocado no Index em 1906. atingiu ao mesmo tempo duas obras do padre Albert Houtin (1867-1926): La Question bibíique chez les catholiques de Trance au XIX siècle (1902) e Mes difficultés avec mon évêque (1903). Loisy escreveu uma apologia. Mais tarde. o livro Dogma e Crítica do filósofo Edouard Le Roy (1870-1954). O decreto Lamentabili sane exitu (3-4 de Julho de 1907) condenou sessenta e cinco proposições heterodoxas relativas à autoridade do magistério da Igreja. historiador da Igreja antiga e do papado. director da Escola Fénelon em Paris. que. e grande conhecedor de lendas.Paris (1903). 335 o padre Marcel Hébert (1851-1916). que evoluíram em diversos domínios. O padre Lucien Laberthonnière (1860-1932). O decreto do Santo Ofício de 4 de Dezembro de 1903. teve de abandonar a Faculdade de Teologia do Instituto Católico e passar para a Escola Superior de Letras. Nos Annales de philosophie chrétienne e no Bulletin critique brilhou durante muito tempo o nome de um amigo de Duchesne. no próprio ano em que era condenado. foram também considerados próximos do modernismo e tratados como tal. que condenava cinco obras do padre Loisy. por pragmatismo. foi condenada pelo Santo Ofício em 1903. poderiam ajudar os pensadores católicos a retomar. Alguns padres democratas como Desbuquois. integridade com velhice. fica-se pasmado a ver este intransigente conservador arrastar na lama muitos dos espíritos mais elevados que a Igreja tinha.e contribuiu para que se interrompessem muitos impulsos e se destruíssem corações e carreiras. o documento pontifício visava. tiveram de sofrer.historiadores e exegetas -. Finalmente. ortodoxia com imobilismo. os excessos de zelo do "intransigentsimo 336 católico". pouco propício ao diálogo. em Itália por Mons. e a imanência vital. sobretudo representado em França pelo padre Emannuel. sob a capa de modernismo. o trabalho dos pioneiros. Na verdade. Six. especialmente durante o pontificado de Pio X. que anula todas as demonstrações com base racional. Lacroix. Foi o tempo do medo. Um balanço positivo? É verdade que estas condenações. A delação ajudou . não impediu o extraordinário movimento de . o padre Lemire e Eugène Duthoit. todas as formas. Benigni. a encíclica Pascendi completava essa condenação. fulminando os excessos de anarquia intelectual. sobretudo sociais e políticas. ou ainda Mons. os dois aspectos essenciais que constituíram a filosofia modernista: o agnosticismo. Mons. Pio X impunha a todos os padres o juramento antimodernista e com este acto se conclui a história exterior do modernismo. Mas. Infelizmente. ou Sapinière. à instituição e constituição da Igreja. animador da Sodalitium Pianum.porque Roma parece ter sido favorável a uma determinada forma de zelo . em 1 de Setembro de 1910. além de numerosos clérigos e católicos. numa atmosfera mais tranquila. ao desenvolvimento do dogma. embora a crise modernista tenha afectado durante muito tempo o grupo dos investigadores católicos . quando se percorre a volumosa História do Catolicismo Liberal do padre Barbier. muitos espíritos ditos integristas continuaram a denunciar. os seus adversários confundiram facilmente moderno com modernista.sagrados. do liberalismo. através do motu próprio Sacrorum antistitum. que faz brotar a verdade religiosa das necessidades da própria vida. bispo de Tarentaise. às noções fundamentais de revelação. sobretudo. 9. Dois meses mais tarde (8 de Setembro de 1907). Barbier. Boutroux e Bergson. na mesma época.. nem todos os intelectuais. pela Action française de Maurras. cuja descrença lúcida chocava constantemente com o problema do inal. Brunbes. Huysmans. Fonsegrive. pela Civilità Cattolica dos jesuítas romanos e pelos democratas-cristãos austríacos. reagem contra a injustiça de que são vítimas os seus irmãos judeus: trava-se. permitem a certos crentes. Mas também há Gide. afirmar isso seria ridículo. E houve. recolocada no seu contexto histórico assume um sentido revolucionário. chamando a juventude para as verdades postas no coração da religião cristã: Péguy. o advogado lionês Léon Chaine. estarão ausentes durante muito tempo). claro. a exemplo de Charles de Foucauld. chefe do Governo francês em 1914. Durkheim e Sabatier. Paul Viollet ou Laberthonníère dialogar com homens como Jaurès. Psichari e Claudel.retorno à Igreja e às fontes do Evangelho que se operou. Imbard de la Tour e Joseph Lotte. Massis. Pichot e Brugerette. a massa dos burgueses sem metafísica ou anticlericais primários. como Paul Bureau. depois. ergue-se um pequeno grupo de católicos (padres Frémont. Bloy. orgulha-se de ter "apagado todas as estrelas". a quem não satisfazia nem o cientismo irreligioso nem o materialismo simplista nem o anticlericalismo tacanho de muitas pessoas bem colocadas. que não podem ser considerados homens sem interesse. embora não tenham preferido consumir a sua vida como testemunho... Por outro lado. então. E. como franco-atiradores ou no seio do Comité Católico para a Defesa do Direito. os professores geralmente . nem todos os pensadores se enquadram no âmbito da Igreja. Alain e o íntegro Martin du Gard. quase geniais. o seu Jean Barois é um testemunho tal como o é Le Voyage du centurion. Bourget. e os encontros internacionais de Pontigny. começou-se a falar de "fracasso da ciência" entre filósofos como Blondel. Da Universidade saem Goyau. movimentos como a União pela Acção Moral. Maritain. entre os jovens intelectuais. Em 1914. Entretanto. talvez envelhecida. um diálogo judaico-cristão. Mas sejamos sinceros. Bazin e Barres e uma grande plêiade de jovens romancistas. a grande escalada de "convertidos" de talento. cuja obra "bem-pensante". o mesmo aconteceu com Brunetière. Paul Viollet. e também Péguy) que. onde os católicos constituem uma pequena minoria (em Itália. Viviani. 337 Ternier. depois. ainda há as assembleias legislativas. Face à vaga de anti-semitismo provocada pelo caso Dreyfus e ampliada pela Libre Parole de Drumont. racionalistas e. a Igreja está bem unida em redor do seu chefe.com vinte e cinco mil padres. Bento XV e o nascimento de um mundo novo O curto pontificado de Bento XV (1914-1922) foi quase inteiramente obscurecido pela mancha de sangue que. cobriu os campos de batalha da Primeira Guerra Mundial. entregando-se a uma guerra civil atroz de que sairiam exangues. estarão ainda vivas essas esperanças? 338 Capítulo III CINQUENTA ANOS DECISIVOS 1914-1963 1. E. o catolicismo será tacitamente posto em causa. Exasperadas por um nacionalismo revanchista e reivindicativo. em 1 de Agosto de 1917. que se habituará depois a dissociar a noção de civilização do conceito de Europa Ocidental. Bento XV. se compararmos a situação da Igreja em vésperas do primeiro conflito mundial com o que ela era ao tempo da queda de Napoleão. outrora. que lamentava o horror da luta fratricida. os milhões de proletários. no entanto. Enquanto se limitou a iniciativas humanitárias troca de prisioneiros feridos. enfraquecidas e desconsideradas mesmo aos olhos do mundo. religiosos e seminaristas mobilizados para o triunfo da civilização cristã. sobretudo. a opinião internacional não reagiu. constituíam a cristandade não compreenderam que se estavam a devorar umas às outras. quando a guerra acabar. Por isso. especialmente. durante quatro anos. o cristianismo e. os católicos franceses. consideraram que a acção neutralista e pacifista 339 do Papa se devia à influência dos impérios da Europa Central e mais particularmente da Áustria católica. Mas quando. descanso dominical nos campos de prisioneiros -. começa a libertar-se das suas obsessões contra-revolucionárias e a tomar consciência do lugar que ocupa no mundo moderno. convencidos de que lutavam . cuja aceitação . dos quais só um pequeno número segue as palavras de ordem de Roma. os "ganhos" saltam aos olhos. as nações europeias que. Em 1914. A posição do Papa face ao conflito mundial revelou-se delicada. Mas. enviou aos beligerantes uma nota diplomática com vista à cessação das hostilidades. as iniciativas de Bento XV não conduziram a nada. avião. atravessada 340 frequentemente por tempestades: greves assustadoras. das garçonnes. provocou. Em 1917. um vivo horror e um secreto desejo de que se afundasse. dos vestidos curtos. o catolicismo via o Ocidente nas garras do "pós-guerra": da détente depois do esforço sobre-humano. O "cordão sanitário" dos Aliados nada pôde fazer. pela sua brutalidade inicial e pela sua política antireligiosa. no Tratado de Versalhes (1919).em Roma era conhecida. A sua voz. Roma descobria outros perigos. entre os católicos. mal se ouviu no rumor das batalhas nem teve qualquer impacte nas conversações da paz. A Sociedade das Nações nunca se abriu à Santa Sé. Ameaçado pela formidável "Igreja marxista".. reconhecia uma elevada autoridade moral. Seguiu-se uma certa desafeição em relação à Santa Sé e um novo empenhamento por parte dos movimentos nacionalistas. nesses tempos de euforia. um marxismo que. A descristianização avassalava as massas e as cidades desumanas como as de Fritz Lang ou de Charlie Chaplin: assim era Paris com as suas paróquias de oitenta mil habitantes. No entanto. assim era a Metropolis de Fritz Lang e a Chicago de Al . tinha antecipadamente excluído o papado do futuro Congresso da Paz. períodos de desemprego. Sonnino. excedendo pela primeira vez o plano doutrinal. Numa Europa laicizada.. mais particularmente. No fim do século XIX. a sua zona imunda e os arredores pagãos. No conjunto. aliás. expressão de um desequilíbrio social escandaloso. mas a Igreja não ganharia muito em invocar esse precedente. polarizaram as esperanças do proletariado no mundo inteiro. De resto. muito fraca. uma atmosfera fácil. em quem. do jazz. os Soviéticos não apenas se implantaram. o ministro italiano dos Negócios Estrangeiros. entre os Ocidentais e. já a consulta tinha afastado Leão XIII da Conferência de Haia e. Ora. dos cabelos cortados. cinema. pagã. desde Abril de 1915. mas. se tornava a própria essência de um novo regime que. Poucos se lembravam de que Consalvi estivera no Congresso de Viena. rádio. quando fizeram de Moscovo o centro da Terceira Internacional ou Komintern (1919). foi incluído um artigo que obrigava as potências da Enterite a salvaguardar os interesses das missões. do fox-trott. era imposto na Rússia. graças a Lenine. dos "anos loucos". pelo Tratado de Londres. da entrada dos costumes americanos e da pressão de uma civilização sacudida pelos progressos técnicos automóvel. Da ruptura da "união sagrada" e do "bloco nacional" sai. um exército pacífico. Um movimento como a Cruzada Eucarística (1915). 341 No conjunto. depois." Poucos problemas surgem na América do Norte. mas os católicos. determinado bispo insurgia-se contra este imobilismo: "E necessário uma grande reforma: redução do número de dioceses. enquanto a Hungria sofre o domínio de Bela Kun e. não se mostram insensíveis aos sinais do nacionalismo revanchista. é característica de uma época em que se referem facilmente as virtudes heróicas dos cavaleiros andantes." Em Itália. os católicos sentem-se amarrados às formas do passado. porque muitas são boas e podem ser cristianizadas. muitos já viam em Hitler o "salvador". abandonar muitas das devoções e infundir em todos os graus do sacerdócio o espírito de Cristo. se acreditam nela ou não. um desses chefes . a Federação Nacional Católica (FNC). A diminuição sensível das vocações sacerdotais tornava mais difícil a aproximação a esses meios.a de Cristo. embora pensassem que a cruz gamada nunca chegaria a apagar a outra . sobretudo. escreverá Jean-Paul Sartre em As Palavras. conservam ainda a nostalgia da realeza e dos séculos de fé. sacode ou disfarça a sua humilhação: claro. desde Abril de 1919. A Áustria mutilada respira com dificuldade e pensa. A Espanha e Portugal vêem-se dilacerados por lutas políticas e miséria. estudos sagrados e profanos do clérigo de acordo com as necessidades do nosso tempo. sobretudo na Baviera. a Renânia vê os katholikentag reunir multidões enormes. aliás mais dinâmica que as antigas "congregações". os noventa deputados do Centro alcançam uma total paridade. por momentos submersa pelo comunismo. onde os Estados Unidos e o Canadá conhecem um catolicismo jovem e dinâmico. a propósito dos burgueses de "antes de 14". a canonização de Joana d'Arc (1920) é para eles a consagração de um ideal de fidelidade e de coragem. mas demasiado satisfeito consigo mesmo. Em 1925.Capone. A Alemanha arruinada. em 1924. a ditadura militar. Unamuno julgou poder falar da "agonia do cristianismo". de seminários e de paróquias. "A boa sociedade acreditava em Deus para não falar dele". Em França. harmonizá-lo com as necessidades e as aspirações do nosso tempo. E Julien Green observava em 1924: "Os católicos mergulharam no hábito da sua religião a ponto de já não se inquietarem em saber se é verdadeira ou falsa. em sobreviver. dirigida pelo general Castelnau. em Espanha. o catolicismo participa largamente na expansão da literatura do pós-guerra. depois da guerra. acalenta em si um antigo combatente. povoam a capela secreta de qualquer católico que. do T. A Acção Popular instala-se em Paris. Canadá e em França atraem. de Francisque Gay. com cento e quarenta mil aderentes.prestigiados que. Bernanos. mas alarga a sua acção e aprofunda as suas posições doutrinais. em 1919. No entanto. frequentemente.] 342 eleição de cem deputados e se torna a espinha dorsal da Câmara italiana. falecidos em 1914. Bélgica. não apenas acompanha. O catolicismo inglês e holandês está. um público mais numeroso em redor dos temas principais. porque na peugada de Péguy e de Psichari. Montherlant e muitos outros. Bento XV autoriza o Partito Populare Italiano de Don Sturzo que. Na Itália. As reuniões das Semanas Sociais. com Mangin. em pleno avanço. no quadro da lei de separação. esse pequeno grupo dos católicos sociais. La Vie catholique. Jammes. em 1919. logo a seguir. Melhor. Lyautey. como o "papel económico do Estado" (1922). e neste mesmo ano constitui-se a Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos (CFTC). Ao mesmo tempo. Foch e Pétain. proibindo os católicos de participarem na vida política e. violentamente anti-republicano. enquanto Champetier de Ribes funda o Partido Democrata-Popular (1924). Em Lille. Na Itália. é levantado tacitamente o non expedit (1) de Pio IX. o Papa prepara os caminhos para a normalização das relações com o Estado. Bento XV tem outros motivos para se sentir satisfeito. todos os anos. deseja aliar a fidelidade ao Papa com a liberdade do cristão. e também a Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos. organizam-se as Semanas dos Escritores Católicos. A ACJF forma os futuros quadros da democracia cristã. [N. consegue a Nota 1: Não convém. A independência da Polónia e da Irlanda reforça o grupo das nações tipicamente "romanas". cujo nacionalismo "integral" alimenta por vezes um cristianismo "integral". Claudel. São homens muito semelhantes que se encontram nas fileiras da Acção Francesa. Itália. a Associação Católica da Juventude Belga (1919) faz um trabalho semelhante. fiéis às palavras de ordem políticas e sociais de Leão XIII. Eugène Duthoit dirige a União de Estudos dos Católicos Sociais. com Mauriac. favorece um modus vivendi com a República Francesa: . o conclave escolhe Achille Ratti. De facto. A margem da Igreja oficial. tinha sido até então. declinou o convite para uma conferência internacional realizada pelos primazes da Escandinávia. que tomou o nome de Pio XI. as reviravoltas da política afastaram rapidamente o Cartel e sepultaram os seus projectos. Quando faleceu. Mas Bento XV deu passos importantes para uma reaproximação com o Oriente separado. legava ao seu sucessor alguns novos e preciosos instrumentos. em França. 2. salvo algumas excepções. A fraternidade das trincheiras contribuiu para adormecer o anticlericalismo radical e. foi a palavra de ordem do padre Doncoeur seguida por todos os religiosos antigos combatentes. tiveram lugar as Entretiens de Malines. assim. Entre 1920 e 1926. em 1918. e tendo em conta a total impreparação dos espíritos na Igreja Católica. em 1919. Pio XI. o pastor veemente Em 6 de Fevereiro de 1922. Pedro e sobre as ordenações anglicanas. Na prática. Herriot e o Cartel das Esquerdas julgaram poder retomar a política de Combes e aplicar integralmente as leis que visassem as congregações religiosas. Aos 65 anos. em 1919. Mas o ecumenismo. cujos principais protagonistas foram o cardeal Mercier e Lorde Halifax. Contudo. um Papa modesto e desconhecido. formação de associações diocesanas dotadas de um estatuto pelo Conselho de Estado. direito de controlo do Governo sobre as nomeações episcopais. criando 343 simultaneamente (1917) a Congregação para a Igreja Oriental e o Instituto Pontifício dos Estudos Orientais. o ecumenismo marcava alguns pontos. o Papa manteve uma atitude negativa e. vestindo à civil. em 22 de Janeiro de 1922. Bento XV tinha um espírito ecuménico. tal como hoje o entendemos.restabelecimento da nunciatura e da embaixada francesa no Vaticano. coisa dos protestantes: a Conferência Internacional de Edimburgo (1910) foi o ponto de partida. . arcebispo de Milão. o papa Bento XV. em 1924. nova recusa a propósito de uma reunião organizada pelo movimento protestante "Fé e Constituição". não se ousou aplicar as leis laicas à Alsácia e à Lorena recuperadas. "Nós não iremos embora!". aliás. estes encontros incidiram essencialmente sobre o primado de S. as comunidades religiosas reconstituíram-se numa quase clandestinidade. a Checoslováquia laica e a Roménia ortodoxa. como verdadeira concordata. de resto. portanto. em 1933.com um nacionalismo integral e. Este bibliotecário. manifestavam a vontade do Papa de distinguir o espiritual e o temporal. para Maurras. e sobretudo com a Itália (1929): 344 os acordos de Latrão esvaziaram a irritante "questão romana". a Acção Francesa exercia sobre a juventude . muito hostil ao Ralliement. aos olhos do Papa. Charles Maurras. misturava o nacionalismo positivista porque o catolicismo não representava. autoritário. na Bélgica e noutras partes . sobretudo. Teresa do Menino Jesus. esses acordos deram à Igreja italiana uma posição privilegiada. Ao mesmo tempo sensível a todos os avanços modernos e profundamente piedoso. que os livros não esclerosaram . criou a Rádio Vaticano (1931) e a Academia Pontifícia das Ciências (1936). Este Papa que tanto falou e escreveu . revelou-se logo desde o começo um grande pontífice. apenas tinha exercido durante cinco meses uma função pastoral. mas também com a Alemanha. sem receio de ser atacado de anacronismo. reforçara-se em redor da Action française e do seu chefe prestigiado. senão um papel de "princípio de autoridade" .não era um doutrinário. principalmente. monarquista. um milhar de discursos oficiais . as concordatas assinadas com a Letónia protestante. Sta. vivo.uma viva atracção.em França. Em 29 de Dezembro de 1926. cuja doutrina. mas a sua carreira fizera dele um diplomata e um sábio. aos olhos do Papa. Esses actos.este homem atarracado. pronunciou doze mensagens radiofónicas e. assinou dezoito concordatas. instituiu a festa do Cristo-Rei e colocou o seu pontificado sob a protecção de uma jovem religiosa contemplativa. o melhor antídoto ao orgulho de uma sociedade em rápida mutação. Causaram surpresa. que rapidamente iria desiludi-lo. Em França. O seu realismo levou-o a oferecer a todos os católicos condições jurídicas suficientemente sadias para lhes permitir desempenhar o seu papel na sociedade. além de trinta encíclicas. sobretudo com os novos Estados nascidos dos tratados de paz. prodigiosamente inteligente e culto. que sofreu na carne o ateísmo do mundo moderno e cuja simplicidade era. em matéria de ensino e matrimonial. tão afastados do Syllabus. depois. o .deixou. Ora.o padre Ratti era um alpinista consumado -. reconhecendo ao Papa a soberania sobre o pequeno Estado do Vaticano (quarenta e quatro hectares). uma espécie de galicanismo político. que colaboram. Esta aprendizagem anuncia a aceitação do pluralismo e do diálogo com os nãocrentes. mas é a plenitude do nosso pensamento e a perfeição do nosso amor. Libertando-se das amarras do passado. numa acção espiritual e intelectualmente bem alimentada. muitos católicos entregaram-se a uma acção temporal incarnada na democracia. apenas teve de encorajar a iniciativa de um padre belga. visando constituir verdadeiras comunidades paroquiais. aparecia. na extensão do reino de Deus. Six). De facto. os contraventores. já que.Santo Ofício promulgava um decreto do Index condenando diversas obras de Maurras e proibindo o jornal L'Action française. Refaire La Renaissance: "[. Pio XI tinha esboçado as grandes linhas da acção católica. a acção entre os homens não é uma vocação ocasional à procura de títulos de nobreza. agir através dos seus serviços de imprensa e de informação sobre a opinião pública. da sua diversidade" Q." "Então. que passava para França e irradiava pelo mundo inteiro. Em Outubro de 1932. Organizou-se ao mesmo tempo uma acção católica geral. foi "o fim de uma época". no seu próprio meio. os católicos fazem a aprendizagem. F. Desde a encíclica Ubi arcano Dei (1922).. até 1939.. mas também extremamente 345 benéfica. proliferou um tipo de católico preocupado em manifestar a sua fé e confrontar o seu tempo com os dados evangélicos. Mas estas medidas provocaram uma crise dolorosa entre inúmeros padres e intelectuais que tinham considerado a Acção Francesa "o prolongamento natural" da sua fé.] Denunciámos os pecados do materialismo: pensar sem viver o nosso pensamento e aonde ele nos conduz seria algo de sacrílego. Portanto. é nesta perspectiva de humanismo integral incarnado e também de uma redescoberta da Igreja no seu mistério (corpo místico de Cristo). Para nós. os leigos haviam sido considerados apenas capazes de se dedicarem às tarefas caritativas ou intelectuais. contando em 1948 já duzentos e cinquenta mil aderentes. desenvolvendo ainda uma acção católica especializada e . em 1924. Fórmula revolucionária. o manifesto de Emmanuel Mounier. lançava a JOC (Juventude Operária Católica). que se situa uma das grandes iniciativas de Pio XI: a acção católica. por vezes dolorosa. apostolado organizado dos leigos. na prática. até aí. A excomunhão e o interdito atingiram. o abade Cardijn. no número 1 de Esprit. que. Nos anos 30. fundado em 1925 por Dom Lambert Beauduin e transferido em 1939 para Chevetogne.adaptada aos meios de estudantes (JEC). O sindicalismo cristão ganhou verdadeiramente corpo sob o seu pontificado: a CFTC contava quinhentos mil aderentes. a Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos agrupará mais de seis milhões de membros.para impregnar a civilização de cristianismo. oitocentos mil.. Paul Conturier. a colecção Unam saneiam fundada em 1937 pelo padre Congar. dos teólogos. a que se juntaram os Escuteiros. o que a acção católica não fez. sublinhou. sobretudo. nova prova de aceitação pela Igreja de um pluralismo vivificante: em 1923.. 346 No que respeita à questão social. colocou em toda a parte . embora falte fazer muito . diga-se também que o trabalho realizado desde há quarenta anos pela Acção Católica foi considerável. Alguns centros de encontro e de estudo trabalham num silêncio fecundo. Sem esquecer a acção de um padre lionês. na sua encíclica Quadragésimo anno (1931). em 1926. da hierarquia e do clero. no Centro Istina. em mais de vinte e seis mil e oitocentas missões.desde as fábricas às assembleias deliberativas -. Pio XI dedica todos os cuidados à formação e à exaltação do clero autóctone. habituou o mundo moderno a dialogar com os católicos e a contar com eles. mas. homens e mulheres que. animado por um dominicano. as Guias. de jovens rurais (JAC). de marinheiros (JMC) e aos meios burgueses QIC). o movimento alemão Una sancta de Mons. em 1948. alargou ainda as conclusões da Rerum novarum. É então que o ecumenismo católico sai da sombra. "Papa das missões". sagrava o primeiro bispo indiano e. mais de dez mil serão indígenas. a revista inglesa Eastern Churches quarterly de Dom Bede Winslow.quase tudo . etc. em 1939. Échec de l’action catholique?. em 1962. Metzger. Alguns movimentos de adultos e movimentos femininos corresponderam a esses movimentos de jovens. as Organizações Internacionais Católicas coordenaram o trabalho de conjunto. como acontece com o Mosteiro da União em Amay. os Corações Corajosos. os seis primeiros bispos chineses. Em 1950. Um livro recente. A conjunção deste testemunho múltiplo e do trabalho de informação e de aprofundamento dos intelectuais. Mas. De Friburgo. promotor da "Semana da Oração . são parte viva e actuante do seu próprio meio. Pio XI. o padre Dumont. especificamente como cristãos. a Cruzada Eucarística e as Federações Desportivas. Mein Kampf e O Mito do Século XX tornaram-se a bíblia de milhões de homens e sabemos as trevas horríveis que provocaram. em 1928. e na Bélgica. onde crescia todos os dias em seu redor o entusiasmo de multidões esmagadas pelo pós-guerra. A França. para o governo autoritário do general Franco: a Igreja de Espanha estará durante muito tempo intimamente ligada a um poder que a favorece. os Cruzes de Flechas. embora. mas poucos eram os espíritos suficientemente clarividentes para entenderem a alienação da liberdade imposta pelo império do fascismo. atingida também pela crise. 347 A Itália estava consciente de ter sido arrancada à anarquia por Mussolini. realmente. Mas. acabou por adormecer nos braços de um regime moribundo. a apologia da guerra e da violência. de uma grave crise económica que acentuou o desequilíbrio moral e fez pesar sobre a democracia uma trágica ameaça. perpetuamente dividida entre anarquistas. Na Roménia. depois de uma breve experiência da Frente Popular. na Eslováquia. o pontificado-entreduas-guerras: uma breve euforia seguida. A miséria. a anarquia e o desemprego lançaram os povos em posições extremas: as ditaduras proliferaram no terreno revolvido. Mas Hitler. feito de palavras de ordem brutais. rapidamente. Adolfo Hitler era o senhor da Alemanha. passou da ditadura de Primo de Rivera para a Frente Popular e. na Europa. parecia entre 1934 e 1937 estar prestes a mergulhar na guerra civil. enquanto Mons. anticlericais e militares apoiados na Igreja. os Rexistas. O pontificado de Pio XI foi. faziam a corte a Hitler. os homens de botas cardadas se congratulavam com isso. A partir de 1926. a partir de 1929. a noção de Nietzsche do super-homem. em 1938. Portugal tornou-se uma república unitária corporativa de que. na sequência da terrível guerra civil (1936-1939). o anti-semitismo levado até ao genocídio. na Hungria. mas Hitler era também um doutrinário: o nacional-socialismo. exaltava a superioridade da raça germânica.Universal" pela santificação de cada um dos grupos cristãos. A Espanha. o lamentassem. quando. tinha admiradores e imitadores. A partir de 1933. favoreceram o Anschluss. a Áustria e o seu clero. levantou-se no Vaticano um homem vestido de branco: . depois. dirigia o Estado mais anti-semita do Mundo. Tiso. Salazar passou a ser o chefe e a Igreja tirou vantagens disso. no meio da floresta de braços e punhos estendidos. se a Boémia foi anexada pela força. a Guarda de Ferro. mas. estava sozinho, mas tinha a certeza de estar a defender o que a Humanidade possuía de mais precioso. A partir de 1931, na sua carta Non àbbiamo bisogno, denunciou a incompatibilidade do cristianismo com a "estatolatria pagã" própria do fascismo mussoliniano. Em Março de 1937, com um intervalo de cinco dias, condenou o comunismo ateu e o seu materialismo dialéctico (encíclica Divini Redemptoris) e, na encíclica Mit brennender sorge, estigmatizando todo o estatismo, o racismo e o paganismo essenciais ao nacionalsocialismo, lembrou os direitos inalienáveis do "homem enquanto pessoa". A guerra, seis meses depois da morte de Pio XI, revelaria a que abismos podia realmente conduzir o desprezo do homem. 348 3. Um doutor: Pio XII A Pio XI, em 2 de Março de 1939, sucedeu sem sobressaltos o seu secretário de Estado, Eugenio Pacelli, que se tornou Pio XII. Não é cómodo falar sem paixão de Pio XII, cujo autoritismo e hieratismo facilmente se opõem à bonomia do seu sucessor João XXIII; uns descobrem nele um conservadorismo inspirador de medidas ultrapassadas a respeito dos pioneiros de um ecumenismo, de uma renovação teológica e de um apostolado missionário de vanguarda; outros, como reacção, consideram-no como o mais santo Papa dos tempos modernos. A representação da peça de Rolf Huchhuth, O Vigário, onde se apresenta o Papa, durante a guerra, recusando condenar os excessos do nazismo e, sobretudo, os campos de extermínio, ainda avivou mai as querelas. Podemos discutir infinitamente sobre esse silêncio oficial de Pio XII - mesmo que todo o mundo saiba do acolhimento paternal que o Papa fez aos judeus refugiados no Vaticano -, mas essa censura parece demonstrar a existência de uma auréola moral que rodeia o papado contemporâneo. Este diplomata de elite era também um contemplativo: Pio XII pôs a sua vasta cultura - diz-se que tinha o dom das línguas -, constantemente avivada por um trabalho sobre-humano de meditação, ao serviço do mundo contemporâneo; e teve um discernimento profético sobre alguns dos problemas desse mundo. Aqueles que o criticam nunca leram certamente a interminável lista de encíclicas, constituições, mensagens pela rádio e discursos dirigidos aos públicos mais diversos: as mais elevadas questões teológicas - em 1 de Novembro de 1950 define solenemente o dogma da Assunção - identificam-se aí com os temas mais profanos: o ensino, a mulher, a medicina, os problemas jurídicos e o desporto. O que atormentava o Papa - através desses factos em que a erudição se exprime numa frase magnífica - era a instauração do espírito cristão em todas as actividade humanas. Ora, o segundo pós-guerra pôs imediatamente à Igreja Católica novos e mais graves problemas. De repente, uma grande parte da Europa Central e Oriental passou para a obediência comunista, o que - no tempo de Estaline, senhor implacável, e até à sua morte em 1953 - se traduziu em muitas perseguições, 349 expulsões, prisões e, até, na constituição de uma "Igreja do Silêncio" em oposição às Igrejas nacionais ligadas ao regime e desobedientes a Roma. Aliás, a força de expansão do marxismo manifestou-se, quando, em 1949, a China toda se tornou comunista, polarizando à sua volta as esperanças das massas do Extremo Oriente e de outras paragens; a partilha da Coreia (1950) e do Vietname (1954) estabeleceu os limites das conquistas futuras. O catolicismo foi naturalmente apresentado como a religião do colonialismo e, depois, do neocolonialismo. Em 1959, em Cuba, charneira entre as duas Américas, Fidel Castro instalou-se no poder; em princípio, sensível a um certo caudilhismo social, a América Latina, dominada pelas suas estruturas semifeudais, tornou-se cada vez mais sensível à experiência global do castrismo. Ora, a América Latina, oficialmente católica, tem falta de padres (um padre para cinco mil trezentos e cinquenta habitantes; em França, um padre para novecentos e vinte e dois) e a maioria deles, se não são estrangeiros, saíram das classes privilegiadas; uma fé espectacular esconde mal a ignorância religiosa; a passagem de uma estrutura rural para uma estrutura industrial e urbana interrompe os meios de transmissão da religião: desenraizado, o proletariado das cidades mergulha muito mais rapidamente num paganismo, por ser mais miserável. A fundação, em 1955, do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) permitiu ao episcopado tomar consciência dos problemas de conjunto de uma civilização inextricavelmente unida ao catolicismo; por isso, em Maio de 1964, os bispos do Brasil declararam: "Os sentimentos religiosos do nosso povo não devem servir de cobertura àqueles que deformam a verdade, corrompem os costumes ou se entregam aos abusos do capitalismo liberal." Na América do Norte, o catolicismo mantém as características de juventude, dinamismo e generosidade, mas, sobretudo nos Estados Unidos, coloca o acento nos valores exteriores; um certo conservadorismo teológico e pastoral, uma certa religiosidade e a consciência ingénua de uma superioridade material incontestável são defeitos tipicamente americanos. A África Negra conhece, depois de 1960, os efeitos da aceleração da História: aí, a Igreja anda ligada à revolução 350 africana marcada pelo acesso à independência e a revalorização das tradições pré-coloniais; embora tenha sido considerada um elemento da colonização, a sua africanização ganha - em quaze mil padres, cinco mil são autóctones permite-lhe entregar-se, sem grandes hesitações, às suas próprias tarefas. A África do Norte, também ela chegada a independência depois de anos dolorosos, tanto para os colonos como para os autóctones, coloca alguns problemas mais difíceis a Igreja Católica: a islamização completa das massas e a coincidência dos grupos religiosos cristão e muçulmano com certos grupos sociológicos incompenetráveis. Quanto à velha Europa Ocidental, saiu da Segunda Guerra Mundial exangue e inteiramente entregue à influência americana Acabadas as lutas heróicas da Resistência ao nazismo e ao fascismo - em que os católicos tiveram um papel importante -, as divisões políticas, o deixa-correr e o salve-se-quem-puder reconstituíram uma atmosfera de "anos loucos" com algumas diferenças essenciais; a jovem geração, engolida por uma, demografia galopante, desviou-se depressa do passado – “Hitler? não conheço...” -, desligou-se do presente e virou-se para um futuro que os avanços técnicos, as explosões atómicas e as conquistas espaciais dos astronautas tornaram sedutor, mas também ameaçador. O sectarismo e o anticlericalismo estão cada vez menos na moda, ainda que, em França, a questão escolar se mantenha como uma chaga que se julgava curada. Em 1953 a hierarquia católica foi restabelecida na Suécia, Dinamarca e Noruega. Nos países libertos do regime ditatorial - Alemanha Áustria e Itália - e também em França e na Bélgica, onde o catolicismo social tinha ganhado raízes desde há muito, acederam simultaneamente ao poder ou participaram activamente na resolução dos problemas, com o empenhamento dos cristãos. Uma certa lucidez persistente permitiu que os católicos tomassem consciência das relações sociais, da transformação das estruturas e de uma descristianização, cujas reflexões e trabalhos de sociólogos religiosos, de pastores como o cardeal Suhard, de missionários como o padre Godin – “França, país de missão?” - denunciam a gravidade. O catolicismo ocidental torna-se facilmente introspectivo, preocupado com uma espiritualidade 351 encarnada, disposto ao diálogo: a sua ala esquerda tende mesmo para um progressismo que nenhuns consideram temerário, porque a minoria integrista, mais sensível à transcendência do cristianismo do que à sua implantação, reage violentamente contra o que considera uma demissão: um anticomunismo apaixonado que chega a ser doentio, certas posições políticas extremas que, por vezes, reforçam a sua oposição. A França, que segundo a fórmula de Paulo VI, "colhe o pão intelectual da cristandade", é sob Pio XII o terreno privilegiado das experiências e dos choques, graças ao "aguilhão permanente que suscita uma reflexão aprofundada", mas os grandes teólogos franceses, Chenu, Congar e De Lubac passam pela prova de fogo (1954). A "Missão de França", a "Missão de Paris" e a experiência abortada, mas muito sugestiva, dos "Padres Operários", são, entre outras, certas realizações revolucionárias e sedutoras que, embora fortemente criticadas por alguns, são uma fase para um apostolado missionário mais desenvolto e mais adaptado. Por toda a parte se espalha esse espírito de renovação: pastoral paroquial, liturgia, catequese e teologia em contacto mais estreito com a tradição, com a história e com a ciência (Teilhard de Chardin). O movimento bíblico sacode e ajusta as perspectivas da caridade e da meditação. Mas é ainda uma vez mais a vida religiosa que não se adapta bem à criação dos institutos seculares. No entanto, a intuição essencial deste tempo revela o novo papel apontado ao leigo na Igreja. O padre de Montcheuil, morto tragicamente em 1945, que tinha construído toda a sua eclesiologia sobre a ideia da Incarnação permanente e de uma Igreja como "organismo visível pelo qual Cristo vê e actua neste mundo", tinha já desenvolvido aprofundadamente as responsabilidades de um laicado insubstituível. Emmanuel Mounier, em Feu la chrétienté (1950), convida o cristianismo, na hora das massas, a tornar-se plebeu. Quanto ao cardeal Suhard, na sua célebre carta pastoral de 1947, Essor ou aéclin de l'Église, não vê a via de renovação cristã possível no mundo materialista senão pelo empenhamento total do cristão leigo na vida da cidade. Mas essa honra coube ao padre Congar, ao ter, finalmente, definido o leigo à luz do Evangelho e das necessidades modernas; "Um leigo é um 352 homem para quem as coisas existem, para quem a sua verdade não é engolida e abolida por uma referência superior. Porque, cristãmente falando, o que lhe interessa é referir ao Absoluto a própria realidade deste mundo, cuja figura passa." Quando Pio XII morre em Outubro de 1958, o velho tronco da Igreja já renovou a sua seiva. 4. O bom papa João Em 28 de Outubro de 1958, enquanto o mundo esperava um papa jovem, o conclave elegia um homem de 77 anos, o cardeal Roncalli, patriarca de Veneza. Em França, onde tinha sido núncio entre 1944 e 1953, passava por ser um bom monsignore, muito franco, mas um pouco retrógrado, de quem se repetiam alguns ditos espirituosos. Imediatamente lhe chamaram "Papa de transição", até porque, muito curiosamente, escolhera o nome de João porque, como declarara ao Sacro Colégio, os vinte e dois soberanos pontífices que usaram este nome "tiveram quase todos um pontificado de curta duração". Mas logo brilhou o que, por vezes, se designou como "o milagre Roncalli": o que parecia ser apenas simples bonomia italiana revelou-se delicadeza e caridade profunda; a tenacidade e a malícia do rural de Bérgamo desdobraram-se neste Papa na humildade e na indulgência dos verdadeiros padres e na lucidez dos santos. Se Pio XI tinha imposto o respeito e Pio XII, a admiração, João XXIII iria impor o amor. A sua agonia, no Pentecostes de 1963, foi acompanhada pelo mundo inteiro e, facto único na História da Igreja, a sua morte provocou em milhões de pessoas, crentes ou não, lágrimas verdadeiramente sentidas. João XXIII trouxe ao soberano pontificado e ao seu cargo de bispo de Roma um estilo novo: passeava a pé, era visto nas ruas da cidade - cento e cinquenta vezes passou os limites do Vaticano! - para visitar os seus padres, doentes e presos de delito comum, mostrando em toda a parte um outro rosto, desconhecido ou esquecido, do papado, em que dominava a bondade. Mas o "bom papa João" não foi apenas um "pai do povo", mas também o pastor universal, preocupado em derrubar as 353 barreiras que por toda a parte o egoísmo dos homens tinha erguido ou as que a história levantou entre os cristãos. Por isso, João XXIII multiplicou os contactos pessoais, entre outros, as audiências concedidas ao moderador da Igreja presbiteriana da Escócia, ao metropolita Damaskinos, aos presidentes das Igrejas episcopaliana e baptista dos Estados Unidos e aos metodistas ingleses, e, sobretudo, à filha e ao genro de Khruchtchov, manifestando desse modo até onde ia o acolhimento do Papa. Por outro lado, João XXIII foi, com Jules Isaac, o iniciador de uma amizade judaico-cristã que marcasse nos factos e se esforçasse por fazer desaparecer as raízes e os vestígios de um anti-semitismo que foi alimentado pelos cristãos, pouco conscientes de que os judeus são seus pais na fé. Das oito encíclicas de João XXIII, duas atingiram mais particularmente a opinião pública: Mater e Magistra (15 de Maio de 1961) sobre a questão social e, sobretudo, o testamento do velho pontífice, a extraordinária "carta aberta ao Universo", Pacem in terris (11 de Abril de 1963): a seu respeito, um publicista falou de sinfonia - não inspirou ela Darius Milhaud? -, cujo tema fundamental, que retoma por nove vezes, ecoa nestas palavras: "A paz entre todos os povos exige a verdade como fundamento, a justiça como regra, o amor como razão e a liberdade como clima." Se, para inúmeros protestantes, João XXIII foi um grande Papa, um deles chegou mesmo a afirmar que foi ele, realmente, o primeiro Papa que escutou, "reconheceu e compreendeu o alcance e a profundidade do movimento ecuménico". O ecumenismo foi, na verdade, o centro do pensamento do Papa e, nesse domínio, o seu pontificado foi decisivo porque empenhou a Igreja romana num movimento, em que, até então, os esforços de reagrupamento tinham sido feitos, quase exclusivamente, por cristãos separados de Roma. Por isso, em 1962, inaugurou-se em Taizé uma "igreja da reconciliação" católica e protestante. 354 Capítulo IV A IGREJA PERANTE UM MUNDO NOVO 1. A grande luz do Vaticano II Com essa espécie de empirismo genial que é próprio dos grandes chefes e dos profetas, João XXIII apontou imediatamente para muito alto. Em 25 de Janeiro de 1959, anunciava aos cardeais espantados a sua intenção de convocar em Outubro de 1963. os pobres abandonados e deixados fora da Igreja. os padres conciliares soubessem quem seriam eles.do que pela atmosfera que presidiu aos debates e que a discrição desejada pelo Papa tornou mais vivificante embora não muito inesperada. Alguns grandes temas pareceram constantemente subjacentes às discussões sobre a Igreja. a 11 de Outubro de 1962. sobre os meios de comunicação social . Quando a assembleia .se recusou a eleger imediatamente os membros das dez comissões. mas como uma assembleia destinada a "tornar a Igreja presente no Mundo e a sua mensagem sensível à razão e ao coração do homem empenhado na revolução técnica do século XX". antes disso. os coptas e a Igreja síria enviaram representantes ao Concílio que foi aberto no Vaticano. A primeira sessão do concílio 355 sob João XXIII (de 11 de Outubro a 8 de Dezembro de 1962) e a segunda sob Paulo VI (de 29 de Setembro a 4 de Dezembro de 1963) foram menos importantes pelas decisões tomadas decretos sobre a liturgia.impulsionada pelo cardeal Liénart . todas as comunidades cristãs não-romanas eram convidadas a enviar os seus observadores ao concílio. Em 5 de Junho de 1960. foi enviado para a comissão de estudo. O acolhimento foi praticamente feito sem reservas entre os protestantes e entre os velhos católicos. apenas os russos. considerado inadequado e dentro das definições do Concílio de Trento. com uma dupla intenção: assegurar a renovação da Igreja face ao mundo moderno e preparar a unidade cristã. a apaixonados debates. os excessos do juridismo da Cúria. com uns cinquenta observadores não-católicos.um concílio.. sobre a Igreja. sentiu-se que um sopro de reforma passava sobre essa Roma que se dizia estar exageradamente ligada à burocracia vaticana. quando. em Novembro. o papel próprio dos leigos na Igreja. na presença de dois mil quinhentos e quarenta padres. enquanto de entre os ortodoxos. graças ainda ao bispo de Lille. dizendo que era preciso que. entretanto. sobretudo a confrontação das posições católicas com as riquezas das Igrejas separadas. era criado o Secretariado para a União dos Cristãos e. A terceira sessão de (14 de Setembro a 21 de Novembro de .. a colegialidade dos bispos que deu lugar. a liturgia ou o ecumenismo: a pobreza ultrajante de dois terços da Humanidade. o esquema sobre as origens da Revelação. O discurso de abertura causou sensação porque o Papa utilizou uma linguagem de esperança e apresentou o concílio não como um círculo fechado de teólogos. Paulo VI anuncia a criação de um sínodo episcopal. a regulação da natalidade. incidiram na liberdade religiosa. em geral. Onze documentos são promulgados durante esta sessão: a Constituição dogmática sobre a Revelação. na última congregação do concílio. as declarações sobre a educação cristã. em 11 de Outubro. algum mal-estar. na Revelação.manifestamente muito ousado comporta algumas lacunas e também bloqueios. a Constituição pastoral sobre a Igreja e o mundo contemporâneo mais conhecida sobre o nome de Gaudium et Spes. a ordenação de padres casados. os casamentos mistos e. Paulo VI. particularmente. Três documentos foram promulgados no fim dessa sessão: a Constituição dogmática sobre a Igreja. que será reexaminado pelo sínodo episcopal de 1967. sobre as missões. publica um motu próprio para a reforma do Santo Ofício. Àqueles que desejavam que tudo mudasse de repente dentro da Igreja. os decretos sobre a tarefa pastoral dos bispos. Mas não deixa de ser um balanço positivo e rico não só pelas realizações imediatas. A sessão terminou com . nos Judeus. fala. o decreto sobre o ecumenismo e o decreto sobre as Igrejas orientais católicas. No seu discurso 356 inicial. sobre as religiões não-cristãs e sobre a liberdade religiosa. lembrou oportunamente que a Igreja é um corpo "que vive. o Papa. Foram evitados ou adiados temas muito candentes como a justiça no mundo. sobre os seminários. Em 18 de Novembro. afastava-o do próprio concílio. o lugar da mulher na Igreja. sobre a vida e o ministério dos padres. sobre a renovação adaptada da vida religiosa. Quanto ao problema do celibato eclesiástico. As discussões mais importantes. por vezes muito apaixonadas. sobre o apostolado dos laicos. Em 6 de Dezembro. nas religiões não-cristãs e. no apostolado dos leigos. na sua homilia de 29 de Outubro de 1965. Este enorme trabalho . pensa.1964) debruçou-se sobre duas situações significativas: a admissão de mulheres no Concílio e o envio de observadores por Constantinopla. Por . nos seminários e no casamento. Além disso. mas pelo número de pistas traçadas para o futuro. tendo o Papa juntado à constituição sobre a Igreja uma nota relativa ao primado pontifício e feito algumas emendas restritivas ao decreto sobre o ecumenismo. cresce e se constrói". A quarta sessão (14 de Setembro a 8 de Dezembro de 1965) é caracterizada por um trabalho intensivo. o Concílio transmite ao papa um voto sobre os casamentos mistos. Paulo VI anuncia a abertura dos processos de beatificação de Pio XII e de João XXIII. o termo aggiornamento. a depuração do conceito de tradição que já não se confunde com o respeito cego pelo passado. "Muitos ciclos. tantas vezes indevidamente aplicado ao Vaticano II. a humanidade inteira. o sentido da necessidade da ajuda de Deus.-F. Entre as pistas traçadas pelos padres conciliares. a seus olhos. o sentido da fraqueza humana. Aliás. têm as dimensões do mundo. 2. as dimensões que. os desejos adquirem proporções imensas. nestes pontos mais do que em quaisquer outros. assumia o II Concílio Vaticano. muitos períodos e muitas eras acabam . nestes pontos mais que em quaisquer outros. até à obsessão. a elaboração de uma nova antropologia que devolva ao universo o seu sentido religioso. em relação ao sofrimento." Paulo VI mostrava assim. graças aos mass media. o primado dado ao destino comum dos bens sobre a propriedade privada. "a confiança dada ao mesmo tempo às pessoas e ao 357 homem" (J. mas como uma primavera cheia de esperança e servida por uma nova seiva. "Os homens não pensam suficientemente que.isso. pôde acompanhar o imenso fervilhar de ideias de que se revestiu o Concílio Vaticano II. o sentido da insuficiência radical do homem e o tormento dos grandes desejos a par do reconforto das grandes esperanças. temos. nas formas de tornar compreensiva a mensagem evangélica. o alargamento da noção de colegialidade a toda a hierarquia eclesiástica em detrimento do curialismo. o caminho largamente aberto a uma participação cada vez mais activa do laicado na vida eclesial. os homens não se enganaram a esse respeito e é hoje comum falar-se de uma Igreja pós-conciliar. a entrada oficial no grande movimento do ecumenismo. em Setembro de 1965. A Igreja e o Mundo em crise A crise da nossa civilização não tem precedentes. de olhos amplamente abertos sobre um mundo que anda longe da fonte que é Cristo. a afirmação da liberdade religiosa. é preciso salientar como particularmente inovadoras: o reconhecimento do pluralismo dentro e fora da Igreja. deve ser entendido não como uma mudança fundamental. Os homens não entendem muito bem que. Six). se mostra interessada. O povo de Deus. finalmente e sobretudo. de uma Igreja que. Guitton).que têm fome. só provoca choques. aliviado pelo computador. O sentido do mistério decresce e uma civilização essencialmente laica e técnica despreza todos os mitos. mas. avisados pela . o catolicismo toma cada vez mais os traços de um mundo livre. Entre as gerações abrem-se enormes fossos que as tornam estranhas umas às outras. Portanto. mas também a existência da família e. do juridismo romano. cada vez mais solidários mesmo contra a sua vontade. A era industrial. Jesus Cristo. Tudo se passa como se "Deus estivesse morto" e os homens. a Igreja. vê crescer o seu desejo de prazer e de liberdade. a da arma absoluta. então. sem que se possa prever os aspectos da nova era que vai começar" (Jean Guitton).os mais numerosos . Nestas condições. que são mais sensíveis aos tesouros abandonados do que às riquezas de um "renascimento" -. também a religião é atingida. a procura de uma linguagem que sirva de veículo à Palavra libertadora. não será fecunda se se realizar apenas no seio da Igreja. por conseguinte. De outro. tanto mais que ainda subsiste nela algo "do espírito judeu. corpo vivo formado por homens enraizados no mundo. comunitário e popular. sente crescer dentro de si o desespero. Esta admirável movimentação que. De um lado. aos cristãos. um mundo que.simultaneamente.sobretudo por parte dos tradicionalistas. uma fonte de vida. até. se encontrassem também cada vez mais isolados no "deserto do amor". a própria noção da natureza humana. uma instituição que se diz e se julga capaz de dar à humanidade o meio de se salvar. impõe-se às pessoas da Igreja. em que o homem apenas utilizava as energias físicas. o seu cérebro. sucede a era da energia escondida na matéria e. com uma violência desconhecida até então. que é a indiferença. Por sua vez. longe de Cristo e da sua Igreja. da honra feudal e da estabilidade burguesa" (J. naturalmente. fosse tocada pela crise da civilização. era inevitável que a Igreja Católica. Sabem isso muito bem os católicos holandeses que. à medida que se exalta com os seus triunfos. As sociedades fechadas tendem a desaparecer e a riqueza dos povos desenvolvidos exaspera os povos . da subtileza grega. O homem evade-se da terra. que se instala no seu paraíso terrestre. 358 a biologia põe em questão não apenas o uso e a finalidade da sexualidade. escândalos ou raivas . sobretudo na forma mais perigosa. a não ser que os seus excessos e as suas indignidades levem os jovens a refugiarse noutros mitos. também. até. De onde. um pouco mais "serva e pobre". uma solução para esse problema essencial. É possível que na Igreja se fale demasiado.semper reformanda . assembleias plenárias.experiência vivida. Consequentemente. Se existe uma crise da fé. Extrair do Evangelho as consequências concretas na vida quotidiana. a curto prazo. exegético. uma crise grave de vocações tradicionais e um colocar em causa existencial do estatuto sacerdotal. apologético. como a Igreja . renovamo-la. Não se pode viver a fé sozinho. é porque já não há ou quase já não há comunidades evangélicas. todos os dias. colóquios e. o sacerdócio parece estar afastado de qualquer relação autêntica. mas. sendo esse um sinal global dado pelo conjunto do povo de Deus. mas sem esquecer o próprio Evangelho nem o reduzir às suas consequências meramente humanas nem ignorar todo o contributo teológico. de que os não-crentes precisam. mas que mal lhe advirá. uma esperança de um "parto feliz". reconhecendo as suas omissões. 359 canónico. consideram o cisma como uma mutilação. Mas. apesar de tudo. Ela experimenta-o quando se interroga e se emenda. a Igreja tem esperança. e. as suas insuficiências e. Mas que corpo. mesmo. se os cristãos . procura constantemente os meios mais adequados para transmitir e fazer que se viva a mensagem evangélica. na nossa sociedade. uns com os outros. O drama do cristianismo não está no facto de os homens se afastarem dele. o drama dos padres que. comissões. comunidades de base.em perpétua interrogação? Não se muda a religião. Por isso. finalmente. mas em "ele próprio estar profundamente descristianizado". tornando-se. para dar aos clérigos e aos leigos os instrumentos que farão deles melhores educadores da fé. uma brutal interrogação que incide no papel primordial dos leigos na vida da Igreja: a tímida experiência de um diaconado renovado e a ambiguidade que continua a pairar sobre a noção do celibato sacerdotal não são factos que nos forneçam. histórico e patrístico de vinte séculos de Igreja. o espírito colegial que se manifesta a todos os níveis: sínodos. os seus erros. mas podemos vivê-la no seio da Igreja com outros. sim. E rejeitando sempre o opulento fardo que séculos de "civilização cristã" lhe impuseram. daí. e. mais que os outros cristãos. têm consciência da discordância existente entre a sociedade dos homens e a Igreja. está. o concílio e a paz. Eis. tendo como eixo o sentido do cristianismo como uma economia da salvação da História. simplificação e reforço dos meios de comunicação social. esforço e contributo do laicado. Paulo VI aprofundou a obra de reforma do seu predecessor. Porque são menos conservadores. alguns dos limites de uma renovação autêntica da Igreja moderna que se revela cada vez menos "europeia" e cada vez mais voltada para as experiências e para a vitalidade das Igrejas africana. desde 1963. os cristãos são.em todos os domínios. renovação da espiritualidade conjugal e redescoberta de uma religião popular mergulhada. a renovação espiritual.reencontrarem a teologia da palavra e do diálogo? Renovação pastoral. profundo . mas. desde há séculos. numa religião de clérigos. A colegialidade. pesquisas 360 teológicas. forma visível da mudança. a necessidade da oração e do silêncio. será o fogo que Cristo veio trazer à Terra? 3. testemunham com um fervor adaptado à sensibilidade contemporânea. começa a impor-se. lutas pela paz e a justiça. compromisso dos cristãos . catequética. Mesmo que se possa afirmar que o mundo é menos "cristão" do que era. muitas vezes. se a Igreja mantém . asiática e americana. com que os grupos carismáticos. que são revolucionários. Ao morrer. pois. lenta mas seguramente. avanços ecuménicos muito mais fraternos. que se multiplicam. João XXIII tinha dito ao cardeal João Baptista Montini. E." E ninguém ficou admirado quando este herdeiro de um grande pensamento se tornou o 260º sucessor de S. das camadas profundas da cristandade para o cume. diz-se. Paulo VI. sobretudo. que viera de Milão: "Confio-lhe a Igreja. sacramental e litúrgica no sentido de uma verdadeira educação da fé. apesar de tudo. mesmo. renovação da vida religiosa. com menos serenidade talvez. e. mas com um sentido mais agudo das realidades e das dificuldades. de facto. sentido do pluralismo. um papa aceite e contestado O homem que. experiências missionárias mais autênticas. assegura a terrível vocação de estar no coração dessa formidável mudança é o papa Paulo VI. evolução da Acção Católica no sentido de uma maior responsabilidade. mais cristãos do que outrora.e. do diálogo. Pedro (Junho de 1963). Com um temperamento diferente. Quanto à carta Octogésimo anno (1971). introduzindo nela um mínimo de arquitectura orgânica. Por isso. em política.cuja publicação provocou reacções importantes. mas contraditórias . e a encíclica Humanae vitae (25 de Julho de 1968) . a proceder à reforma litúrgica (generalização da língua vernácula.convida os fiéis e os homens de boa vontade a elevar-se ao nível de um dos seus mais importantes deveres: o de transmitir e proteger a vida. convida os cristãos a exercerem livremente. limitando os poderes curiais. 12 de Agosto de 1967. A nomeação de um francês. tanto na letra como no espírito. No entanto. fundador em 1942 de Économie et humanisme. Para contribuir para colocar . para o lugar de secretário de Estado (1969) revela-se. inspira-se. o Papa estabelece e prossegue a reforma da Cúria (Motu próprio Pro comperto sane.361 a hierarquia que lhe é própria. nos ensinamentos do padre Lebret. por exemplo. Paulo VI não se julga autorizado a transigir com os ensinamentos da Igreja em proveito dos protestos que lhe parecem perigosos. relativa ao desenvolvimento integral do homem e ao desenvolvimento solidário da Humanidade no seio da civilização técnica. a encíclica Sacerdotalis celibatus (23 de Junho de 1967) expõe a validade moral e o valor do celibato eclesiástico. internacionalizando o recrutamento das congregações e do Sacro Colégio. A encíclica Populorum progressio (26 de Março de 1967). a sua iniciativa responsável. leva Paulo VI a simplificar o aparato decorativo pontifício e também a pôr em prática um novo diaconado. Mas porque é um servidor. simplificação e aprofundamento dos ritos) e à do calendário. trata-se cada vez mais de uma hierarquia de servidores: no cume está verdadeiramente "o servo dos servos de Deus". desse ponto de vista. e Constituição Regimini Ecclesiae universae. muito sintomática. o cardeal Jean Villot. das decisões do Vaticano II. A aplicação. Paulo VI mostra-se particularmente atento à transmissão da essência da mensagem evangélica ao coração dos homens e à adaptação dos dados da fé às exigências do Mundo moderno. tentando acabar com o carreirismo. A principal característica do Vaticano II é a importância e a eficácia do seu prolongamento. Paralelamente. cuja expansão é mundial. 15 de Agosto). multiplicando os pastores junto dos administradores. Da reforma do Direito Canónico ao estatuto do padre. na quarta assembleia do movimento "Fé e Constituição" em Montreal. cuja primeira sessão teve lugar em Roma. A expressão "Igreja-comunhão" encontra aí a sua aplicação. todos os problemas candentes são debatidos aí. a quinta em 1977. em 1967. diversos organismos permaneceram em funções: o Secretariado para a Unidade dos Cristãos (1963). observadores católicos na III Assembleia Geral do Centro Ecuménico das Igrejas em Nova Deli. a terceira em 1971. a velha Universidade de Lovaina. Outros organismos entram em vigor nos anos seguintes. aprofundam-se e renovam-se uma à outra para se encontrarem. em Genebra (1969). o Conselho para a Aplicação da Constituição sobre a Liturgia (1964). O luteranismo. na divisão dos novecentos e quinze milhões de cristãos. católicos e protestantes . pelo menos ao nível dos clérigos. à luz das experiências locais. o Secretariado para os Não-Cristãos (1965). e a espiritualidade católica que obedece a uma lógica de integração. Ou. Os encontros multiplicam-se: presença de observadores protestantes no Concílio. por exemplo. criação em Énugu (1965) de um grupo de trabalho misto. recebe solenemente o primaz . Sob Paulo VI. Um episódio significativo entre muitos outros: em Maio de 1963. por vezes com algum sofrimento. da reforma dos seminários à crise da fé e à catequese.pelo menos.362 em prática as decisões e orientações do concílio.multiplicam os trabalhos de aproximação. aos olhares de uma humanidade descristianizada. em 1963. porque os leigos não ocupam ainda senão um lugar insignificante nas instâncias do Vaticano. antes. o ecumenismo torna-se uma preocupação permanente para uns e outros. a quarta em 1974. Ramsey (1966). a espiritualidade protestante que obedece a uma lógica de ruptura e de depuração. a segunda (extraordinária) em 1969. o Conselho para as Comunicações Sociais (1964). mas cada um pressente o que há de escandaloso. encontra a forma universal de existir da Igreja e a Igreja romana redescobre o significado da Igreja local. visita do Papa ao Conselho Ecuménico das Igrejas. mas o prolongamento mais importante do Concílio Vaticano II continua a ser o Sínodo Episcopal. por vezes muito distantes. Embora separados por posições doutrinais. bastião da reforma 363 católica face ao protestantismo. a sua elite . recepção por Paulo VI do Dr. a entrada em vigor de um texto ecuménico do PaiNosso e a inauguração. Bombaim. prelúdio para um diálogo com o mundo. 364 Concebida e longamente elaborada num espírito essencialmente pastoral. Sudeste da Ásia e a Oceânia recebem sucessivamente a sua visita. pelos erros cometidos durante a Reforma.. sobre a regulação dos nascimentos. não desejava aceitar nada dele. em 1965). foi em Jerusalém que deu o beijo fraterno ao patriarca de Constantinopla.". Colômbia. de 25 de Abril de 1968. Ancara. suscita várias reacções . "Um milagre.numa atitude inaudita -. Uganda. quebrando uma tradição bem enraizada. franqueia as fronteiras da Itália e também as da Europa. Sardenha. serve cada vez menos para designar um partido de devotos e chegará o tempo em que retomará o brilho da sua própria origem. a verdadeira catolicidade. "é universalidade. Fátima. quem pediu perdão. sobretudo. em nome da Igreja Católica. o projecto de uma Bíblia ecuménica (1965). Paulo VI deu um passo que se pode considerar histórico: em Janeiro de 1964. de um Instituto Ecuménico de Estudos. questão posta por toda a História. se o Ocidente se dava facilmente com o resto do mundo.. em 1971. personalidade cuja extrema sensibilidade é levada a deter-se tanto nos aspectos positivos como nos negativos de cada problema. Em relação ao Oriente. O termo "católico" liberta-se lentamente da poeira dos séculos. Paulo VI. simultaneamente sensível no corpo da Igreja e no comportamento do Papa. E ninguém esqueceu a frágil silhueta do Papa suplicando aos representantes da humanidade que renunciassem à guerra (ONU. No entanto. E foi este mesmo Papa ..da Igreja anglicana.. em Jerusalém. segundo Paulo VI. de uma questão de primado. oferenda de todas as línguas. não deixou de repetir o cardeal Bea ao abandonar a recepção aos observadores não-católicos por João XXIII. o fim do pontificado de Paulo VI caracteriza-se por uma certa tensão. a encíclica Humanae vitae. Mas é preciso salientar a importância de Taizé. Até então. como se a Ásia e a África nada tivessem para dar! Ora. onde as reticências se revelam mais sensíveis porque se trata. presença em todo o mundo. destino de todos os povos. Levando a sério o título de representante de Deus na terra. um verdadeiro milagre". esse ponto de eferência axial do ecumenismo em terras borgonhesas. Uma fase importante: a criação (Maio de 1964) do Secretariado para os Não-Cristãos. convite de todas as civilizações. Pelo contrário. ao papel do laicado. à atitude da Igreja face à modernidade. reduzindo-os a um mero humanismo. Algumas correntes e. a ordenar alguns padres. mais ainda. sobretudo. em 1966. É preciso dizer que uma inquietação mais razoável. contrariamente aos critérios elaborados pelo Concílio Vaticano II. outros inquietam-se com uma derrapagem em direcção a um "paraconcílio". talvez. Marcel Lefebvre. como os teólogos Joseph Ratzinger e Henri de Lubac. Paulo VI. caucionou um catecismo nacional muito distante do modelo tridentino . instituída em 1969. partilhada por Paulo VI. a encíclica de Paulo VI represente um caso típico do exercício não colegial do magistério. que rejeitava radicalmente todas as disposições e. da Igreja holandesa que. mantém-se renitente. em redor de Mons. A Comissão Teológica Internacional. vê-se confrontado com as dificuldades de aplicação do concílio. Por seu lado. num plano mais geral. com o rótulo de integrista. entre os teólogos moralistas: alguns deles consideram que. Em primeiro lugar. como imposição do magistério. o próprio cristianismo. e também o casal da sua liberdade de escolha quanto à forma de gerir a ligação entre o desejo carnal e a sua vocação à fecundidade. até. a encíclica priva indevidamente a consciência moral do leigo da sua responsabilidade ética num domínio bastante pessoal. despertou maior interesse nas fileiras daqueles que estavam entre os pioneiros do aggiornamento conciliar. uma corrente.censuram Roma por refrear o dinamismo renovador do Vaticano II. mais tarde 365 cardeais. . antigo arcebispo de Dacar e antigo superior-geral dos espiritanos. Mons.como é o caso. as orientações do Concílio. sobretudo no que respeita à colegialidade. arrastando. pelas suas intervenções a constante preocupação do Papa de lembrar aos cristãos que. criando. em 1976. contra uma ordem expressa do Papa. No extremo dessa corrente tradicionalista constitui-se. embora o Vaticano II lhes tenha recomendado que estivessem no mundo. Tendo fundado o seu próprio seminário em Ecône (Suíça) e continuando. é suspenso a divinis. a um "metaconcílio". que conduziria o catolicismo à perda da sua identidade. uma situação cismática. Dolorosamente atingido por essa oposição. o da sexualidade.cuja violência se revela pouco habitual. realmente. certas Igrejas locais . várias conferências episcopais lamentam que. traduz bem. Lefebvre. Em Medellin. para uma nova leitura do Vaticano II. em Genebra." 366 Capítulo V A IGREJA NO LIMIAR DO SÉCULO XXI 1. uma teologia da libertação que rompe com a pastoral da elite cara aos europeus. implicitamente. as Igrejas europeias ocidentais são convidadas a uma "revisão de vida". em Julho de 1969. o acento é colocado nas reformas de estrutura que os países do Terceiro Mundo reclamam para assegurar o seu desenvolvimento. e a Primeira Conferência dos Bispos Asiáticos. a partir da sua base popular. consagrado à evangelização do mundo contemporâneo. através de uma prática evangélica. Além do mais. em Novembro de 1970. O sorriso efémero de João Paulo I (1978) O aggiornamento conciliar devia necessariamente alterar a . se realiza o Conselho das Conferências Episcopais Latino-Americanas (CELAM). Paulo VI declara: "As imensas despesas com armamento nunca poderão ser justificadas. chamada pós-industrial. e. elabora. a Igreja da América Latina vai muito mais longe: deixando de considerar como directivas as tendências da reflexão teológica de origem europeia. Verifica-se isso nas duas assembleias maiores. enquanto a humanidade sofredora continuar a viver na pobreza e na fome. igualmente com a presença do Papa. Essa teologia deve conduzir. que se realiza em Campala. Por isso. coloca-se no centro das preocupações da Igreja. Por sua vez. oprimido não só materialmente. onde. E alguns meses antes da sua morte.não os levou a ser do mundo. a uma consciencialização do povo cristão. mesmo pela oposição às estruturas e aos regimes injustos. é conduzido pelas jovens Igrejas. a que Paulo VI assiste: o Simpósio Pan-Africano dos Bispos. em Setembro de 1968. as jovens Igrejas extra-europeias pretendem tirar partido e vantagem da grande esperança que era o Vaticano II. a partir de comunidades constituídas essencialmente por pobres. o aspecto estrutural da injustiça segregada pela civilização. cujo peso é crescente (em 97 conferências episcopais representadas. o Sínodo romano de 1974. 70 pertencem ao Terceiro Mundo). mas também no papel que deveria ser o seu na grande comunidade eclesial. na altura da Conferência Internacional sobre Desarmamento. em Manila. " Uma frase cheia de humildade que dá o tom ao que será um dos mais curtos. italianos. perante a oposição da Cúria. no quarto dia de escrutínio e por uma forte maioria. patriarca de Veneza. um verdadeiro pastor. que o fizera cardeal. sobretudo. bispos residenciais. pela primeira vez. Paulo VI também revelou o desejo de introduzir nele alguns bispos não cardeais. foi eleito papa o cardeal Albino Luciani. um homem de conciliação e um bispo que sinta a colegialidade. já que. alargava a todos os continentes a internacionalização do Sacro Colégio. mas um dos mais significativos pontificados da história contemporânea. alargava-o e chamava para ele. em conclave. os cardeais da Cúria não eram mais do que 30 em 111 eleitores e que os 54 cardeais não-europeus eram quase tantos como os 57 cardeais europeus. na altura do Angelus de 27 de Agosto. como lembrança ao mesmo tempo do bom papa João XXIII. representativos das conferências episcopais nacionais. 28 dos quais. Pela constituição apostólica Romano Pontifici Eligendo. Em 1973. disposto a servir a Igreja. ocorrida em 6 de Agosto de 1978. Mas. Os membros do conclave parecem ter-se posto rapidamente de acordo sobre a designação de um homem que melhor correspondesse a esse perfil. de Novembro de 1975. A opinião é igualmente sensível ao facto de a maioria dos eleitores não esconder a sua convicção de que 367 a Igreja. e de Paulo VI. que declara querer adoptar o nome de João Paulo I. Na altura do Sínodo de 1969. contentou-se em fechar o Colégio Eleitoral aos cardeais com mais de 80 anos. no entanto. mas estou no seu lugar e. a uma enorme multidão concentrada na Praça de São Pedro: "Não tenho nem a sabedoria de coração do papa João nem a preparação e a cultura do papa Paulo. seu predecessor em Veneza. cuja função é eleger. precisa de um Papa que seja ao mesmo tempo um verdadeiro cristão. portanto. ao mesmo tempo. o conclave reuniu-se em Roma. na altura da morte de Paulo VI. preferentemente. pronto a renunciar a todos os privilégios de prestígio e a dar prioridade aos humanos mais desprotegidos. mas. teve de desistir desse propósito. . alguns bispos tinham preconizado abrir esse colégio aos delegados do conjunto do episcopado mundial. de 66 anos. o Soberano Pontífice. E pôde logo de seguida declarar. em 25 de Agosto e compreendeu que.composição do Colégio Cardinalício. profundamente afectada pelas mudanças do mundo contemporâneo. e. João Paulo II ou o rochedo polaco . para conhecer a organização da Santa Sé. Como dirá uma habitante de Marselha ao cardeal Etchegaray: "João Paulo I tinha alcançado o máximo da sua santidade. antes que um concorrente mais hábil devolvesse à sua solidão esse santo homem. ávido de pureza e de autenticidade. foi desatar a ler o Anuário Pontifício. em 6 de Setembro. lembra aos Romanos que quer pôr à sua disposição as suas "pobres forças". porque Albino Luciani tem uma grande experiência pastoral e é demasiado puro para ter medo.fala. 2. de que o bispo de Roma pode ser menos Sumo Pontífice para ser cada vez mais o Servo dos Servos de Deus. era mais "romano" do que João Paulo I que ingenuamente confessará: "A primeira coisa que fiz. Contudo. diz ele. a 23 de Setembro.que ignora. trinta dias depois da sua eleição. Deus chamou-o para junto de Si. Mas João XXIII. "o nosso carro não venha a cair numa cova" e recomenda aos seus ouvintes que sejam "humildes. mas a Roma de 1978 não é a do tempo dos Bórgias." O papa Luciani . sorri e graceja (diz que gosta da "virtude do gracejo")." Com efeito. como o faria São Francisco de Assis: cita publicamente Júlio Verne e 368 Montaigne. no seu último discurso. foi levado pela morte. é possível que alguns não tenham exagerado ao lamentar a perda de um Papa que não era de modo nenhum "como os outros". em São João de Latrão. um Papa que . pelo contrário. Alguns avançarão que alguém teria acelerado esse fim. cujos olhos não se tinham ainda habituado à luz de Roma. abandonara oficialmente em 1964 . mas isso não impede que este papa insólito tenha um carisma particular que lembra o do "bom papa João". simultaneamente santo e ingénuo. então. aquele que teve ainda tempo de pregar "um cristianismo quotidiano lúcido e sorridente".Alguns compararam João Paulo I a Celestino V. aquele eremita que. mal fui eleito Papa. embora fugido à diplomacia vaticana. foi arrancado à sua obscuridade para ser conduzido ao soberano pontificado. aliás. pede que se reze para que. com o tempo haveria de acabar por convencer este mundo. no fim do século XIII. e lê um poema de amor francês diante de jovens casados. como é evidente. humildes". a tiara que Paulo VI. na noite de 28 de Setembro. Aquando da primeira audiência geral. sim. Uma comparação excessiva.são muitos os que assim pensam -. sobretudo quando se tratou do esquema De Ecclesia. arcebispo de Barcelona. porém. se encontram. propõem um papabile. Enquanto em Agosto o consenso fora rapidamente estabelecido sobre a pessoa de Albino Luciani. quando alguns eleitores influentes como o cardeal Narciso Arnau.Nada. em Roma. impede que os 111 cardeais (que. Representou também um papel muito importante durante o IV Sínodo dos Bispos em Roma. mais "conservadores" e mais próximos da Cúria. Embora. pela segunda vez no ano de 1978. Trata-se de um homem ainda novo .nascido em Wadowice. outros preconizam a eleição do antigo braço direito de Paulo VI. verdadeiramente aceitável na pessoa do cardeal Karol Wojtila. arcebispo de Viena. um tanto disfarçada. Durante o Concílio Vaticano II. por desejo de continuidade. que foi também capelão de estudantes. desta vez os cardeais italianos mostram-se divididos: uns. a necessidade não de um compromisso. antes de entrar no seminário. o cardeal Giovanni Benelli. uma forte experiência pastoral. notado por várias das suas intervenções. em 18 de Maio de 1920 -.discípulo do padre GarrigouLagrange. arcebispo de Florença. a propósito da evangelização do mundo contemporâneo. em 16 de Outubro de 1978. adopte o nome de João Paulo II. Esta opinião mostra-se menos utópica. apoiam a candidatura. a iniciativa dos cardeais eleitores deve . Bispo aos 38 anos. arcebispo aos 44. arcebispo de Génova. o arcebispo de Cracóvia afirmou-se partidário de uma eclesiologia de comunhão e de uma IgrejaPovo-de-Deus com um grande espaço para o laicado activo. 369 mas de uma opção até aí impensável: a designação de um papa não-italiano que pusesse fim ao famoso "privilégio do papado". de a Igreja da Itália gozava havia 400 anos. defensor das Igrejas e dos povos do Terceiro Mundo. em 1974. o cardeal Wojtila seja eleito Papa e. do cardeal Guiseppe Siri. arcebispo de Cracóvia. tornando-se. está muito a par das experiências missionárias francesas do pós-guerra (Missão de França e Missão de Paris) e é um entusiasta defensor do personalismo cristão proclamado por Emmanuel Mounier. exerceu uma profissão manual e escreveu para o teatro. imediatamente. para escolher o sucessor de João Paulo I) tenham de enfrentar um difícil problema. a 14 de Outubro. fala diversas línguas e alia a uma grande segurança doutrinária . e o cardeal Franz König. Karol Wojtila. O bloqueio assim provocado é de tal ordem que os conclavistas vêem. fisicamente sólido. cardeal aos 47. um desportista que. foi professor de Moral -. considerar-se uma vitória da imaginação sobre a rotina e as combinações. à custa do Povo de Deus. logo a seguir. A partir de Janeiro de 1979 (deslocação à República Dominicana e ao México). com os das Igrejas do Terceiro Mundo. de que foi vítima em Roma João Paulo II. em 13 de Maio de 1981. apoiando-se no seu magistério secular e no seu carisma particular. paternal e entusiasta. até. João Paulo II. desse "Segundo Mundo" que é a Europa de Leste. é um homem. na sua pessoa. sem se esquecer da sua querida Polónia. muito ricos e muito orgulhosos a seus olhos. onde volta por diversas vezes. O Vaticano. bem-disposto e austero. o magistério ou. o Papa realiza todos os anos algumas longas viagens. A popularidade do Papa mede-se pela intensidade da emoção que percorre o mundo com a notícia de um atentado terrorista (manobra búlgara ao serviço do comunismo internacional?) felizmente não mortal. e o que ela tem de mais humano e de mais dinâmico. Aqueles que criticam este Papa itinerante de querer concentrar. João Paulo II responde que essas viagens-peregrinações são essenciais à sua missão catequética e pastoral. não será mais que uma espécie de porto de matrícula ou porto de controlo para um pastor que respira a dimensão do Mundo. em grande parte. que ele transforma para o tornar mais funcional e mais acolhedor a multidões mais numerosas. pela América Latina e pela África Negra. em apoiar a promoção dos sectores do mundo mais desfavorecidos e dar má consciência aos ricos. João Paulo II mostra-se. mas João Paulo II torna-se o globe-trotter do Evangelho. toda a realidade eclesial e assim reforçar. aos olhos das populações. pólo de resistência em terra comunista. provocando à sua passagem um entusiasmo e um fervor sem precedentes. O que não o impede de visitar e admoestar os velhos países europeus. por um lado. um Papa capaz de congregar em si o que a Igreja tem de mais firme 370 e de mais antigo. como objectivo de sua predilecção. Moderno e tradicional. Não só o novo Papa não é italiano. um cristão. Aliás. cujos problemas ligados ao marxismo aí reinante convergem. inaugura uma prática inédita do papado. Paulo VI tinha sido o primeiro papa a sair de Itália. o monarquismo romano. aos . como também não pertence ao mundo ocidental. Seja como for. vai passar rapidamente aos actos com o vigor de um atleta. realizando várias vezes a volta ao mundo. Uma missão que consiste. para fazer o ponto da situação vinte anos depois do encerramento do concílio. sendo particularmente reforçados dois eixos: a aproximação aos anglicanos. a 28 de Janeiro de 1979. em 13 de Abril de 1986. mesmo opondo-se à ordenação das mulheres. entre 25 de Novembro e 8 de Dezembro de 1985. passando ainda pelas suas duas encíclicas sociais Laborem exercens (14 de Setembro de 1981) e Sollícitudo rei socialis (19 de Fevereiro de 1988). logo de seguida.. aceite por uma parte dos anglicanos. o diálogo judaico-cristão. A defesa da dignidade do homem e instauração de uma civilização de solidariedade baseada na obra da Redenção (garante da autonomia legítima do homem e da sua inalienável dignidade): eis o tema.indivíduos e aos povos. Seja como for. O diálogo com as outras Igrejas e as outras religiões prossegue." Deste modo. isto é. por outro lado.. até ao seu discurso de 22 de Abril de 1990. durante a sua homilia de entronização. reforçar a identidade do povo cristão. Manifesta-se sobretudo na altura da realização da Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos. é um acontecimento sem precedentes. fortemente carregado de significação. aparecem. mas rejeitada por Roma. A fidelidade de João Paulo II ao Concílio Vaticano II não conhece nenhum eclipse. Alguns meses mais . que foi escutada por bilião e meio de telespectadores: "Não tenhais medo!" Isto é: "Não tenhais medo do Concílio! Abri. em Puebla. logo a seguir à derrocada do estalinismo. em Praga. abri todas as grandes portas da humanidade a Cristo!" O que também significa: "Não tenhais medo do mundo que Cristo venceu e permanecei fiéis à grande disciplina da Igreja deste Cristo!. e. o Papa polaco não vive só para dentro: o equilíbrio interior que o caracteriza manifesta-se no exterior por uma linha de conduta sem rupturas e pela fidelidade ao apelo lançado 371 por ele. que se efectua em Roma. constantemente retomado e comentado por João Paulo II. desde a sua alocução na abertura dos trabalhos da III Conferência do Episcopado Latino-Americano. apesar do caso do Carmelo de Auschwitz. lugar "sagrado" e simbólico do Holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial. em 22 de Outubro de 1978. os dois elementos que irão constituir o aparente parodoxo de João Paulo II: homem do Concílio e também homem da tradição cristã. A visita do Papa à Sinagoga de Roma. da manutenção durante muito tempo de um carmelo no perímetro do campo de extermínio de Auschwitz. mas um Povo. logo a seguir. Mas. os bispos dos Países Baixos. É assim que. três teólogos católicos . no seio de uma instituição ainda muito clerical. designado prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. o francês Jacques Pohier e o suíço Hans Kúng . o sentido da fé católica e. trata-se de um procedimento insólito que manifesta a vontade do Papa de controlar o destino da Igreja. a própria autoridade do magistério romano. insiste ainda no facto de todos os baptizados serem responsáveis na Igreja. chamados à ordem. mesmo. Estas atitudes repugnam aos católicos tradicionalistas que criticam o Papa de conduzir o catolicismo à sua ruína. a distância e a distinção entre clérigos e leigos continua a ser considerável. o chefe da tendência integrista mais importante.tarde. um porta-voz muito vigilante.de perturbar o desenvolvimento de uma "horizontalidade" que vai no sentido pretendido pelo Concílio. na prática quotidiana. verifica-se que. quatro bispos em Écône (Suíça). Mons. reúne em Roma. A VII Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos. em 30 de Junho de 1988. Despontando graves divisões na Igreja holandesa. em 27 de Outubro.são. considerada particularmente favorável ao acordo da Igreja conciliar e da modernidade. em sínodo particular. realiza-se a 372 reunião cimeira de todas as religiões. Marcel Lefebvre. Em particular. realizada em Roma de 1 a 30 de Outubro de 1987. Desta maneira. a "verticalidade" hierárquica da Igreja romana dá a impressão . em Janeiro de 1980. alinhando com as outras religiões. O papa encontra na pessoa do cardeal Joseph Ratzinger. A firme atitude de João Paulo II a respeito dos católicos que não reconhecem o Concílio manifesta-se também em relação àqueles que. Roma não quer teólogos que "perturbam os fiéis com teorias e hipóteses que eles não são capazes de julgar".uma impressão cada vez mais sentida . João Paulo II. marcada por uma bela oração comum. por sua conta. afirmando que a Igreja não é uma Sociedade. parecem fazer perigar a ortodoxia.o holandês Edward Schillebeeckx. sendo excomungado. abalando as barreiras. volta as costas à Igreja consagrando. em graus diferentes. mais ainda: 373 . incide na "Vocação e missão dos laicos na Igreja e no Mundo vinte anos depois do Concílio Vaticano II". durante o ano de 1979. nesta matéria. à situação. separa a opinião comum e a Igreja. e à condenação de todas as formas de contracepção e de aborto. 374 3. em 10 de Março de 1987. A exortação apostólica Familiaris consortio. pela "irresistível dissolução da coerência de uma visão do Mundo" (Robert . para os divorciados recasados. por um decreto de 14 de Outubro de 1980. um fosso cuja importância se revela logo depois da publicação. condenação da união livre e manutenção da exclusão. em todos os pontos do Globo. reafirma muito fortemente a doutrina tradicional da Igreja no que respeita ao casamento católico: rejeita a coabitação juvenil (o chamado "casamento à experiência"). A Igreja em processo perante a modernidade? O fim do século XX e o despertar do século XXI caracterizamse. da Instrução da Congregação Romana para a Doutrina da Fé. dos divorciados recasados. consagrado às "Tarefas da família no mundo moderno". pelo menos no Ocidente dito cristão. considerada irregular. João Paulo II declara solenemente: "O homem e a mulher não são donos nem árbitros da sua capacidade de procriar. da comunhão eucarística. Esta exortação retoma e amplia as conclusões do Sínodo Episcopal de Setembro de 1980. que entrou pela porta grande nos hábitos contemporâneos. condenando todos os métodos de procriação artificial e sobretudo a fecundação "in vitro". Os numerosos pedidos de muitos padres para passarem ao estado laical obriga Roma. cujo comportamento sexual beneficia da evolução de uma ética e de uma ciência médica mais adaptada às realidades da vida dos homens e das mulheres do fim do século XX. de 22 de Novembro de 1981. participam na decisão de Deus para criar.o papel da mulher na Igreja permanece hipotecado por uma misogenia de facto que pretende justificar-se com argumentos teológicos. impedindo qualquer escapatória: o comportamento sexual dos católicos." Mas é certamente neste domínio que o desacordo se mostra mais evidente entre os ensinamentos da Igreja e a prática dos católicos. Mas há um domínio em que a autoridade romana se compromete a fundo. a fixar as normas muito mais restritivas na concessão da dispensa do celibato sacerdotal. Podemos mesmo falar de um fosso que. um celibato cujo carácter absoluto é reafirmado em todas as ocasiões por João Paulo II e pela hierarquia. padres e leigos. Em todas as circunstâncias. herdada dos séculos de cristandade. liquidando. a "preocupação consigo próprio" (Michel Foucault) triunfa sobre os idealismos e renuncia.. dado que há sociedades e continentes aos quais ainda se não abriu. tinha colocado no lugar de Deus toda a espécie de produtos de substituição .. um livro que em 1987 fez grande sucesso: "O cristianismo não é fecundo senão quando aceita a confrontação. fazer estalar o seu centralismo clerical e . caminhar-se-á para a esterilização da fé cristã.converter-se radicalmente. a Igreja romana deve . levados pelo dinamismo em grande parte inaplicado do Concílio Vaticano II e do seu compromisso pessoal. o mito da sua incompatibilidade com a Razão. o Homem. o ateísmo pós-moderno ignora os absolutos de substituição. numa base ética. Enquanto o ateísmo da época moderna. é-se tranquilamente ateu ou é-se alegremente materialista. O que foi verdade ontem.profundamente divididas . podemos esperar que nos encontremos no começo do cristianismo. de Marx a Sartre. o eixo central do cristianismo não seria o de governar a sociedade. particularmente nos países da velha cristandade. sobre a atitude a adoptar face a uma modernidade cujo rosto é tão insólito. para muitíssimos. a Igreja não é nem pode ser insensível a esta indiferença maciça que traduz. a todos os fundamentos da ética. O declínio dos absolutos parece ser um elemento muito importante do pensamento pós-moderno. a Liberdade. Para chegar lá. Mas as pessoas da Igreja estão divididas . Catholicisme et société moâerne. da Europa Ocidental e da América Setentrional.sobre a resposta a dar à grande questão colocada aos cristãos por essa indiferença. como o dos "mestres da suspeita". de uma vez por todas. -. numa queda vertical da prática religiosa. Pelo contrário. a Igreja estabelecesse com ela uma aliança duradoura. Hoje. como: "Não tenhais medo! Já não há mais nada a esperar!" Obviamente. o debate com outra religião. os meios de viver a existência humana. o individualismo. quereriam que. Alguns.Muchembled).a Razão. O "Não tenhais medo!" de João Paulo II ecoa. mas o de suscitar liberdades para que elas inventem. uma modernidade que é absolutamente inevitável e interfere na vida quotidiana dos homens. Como escreve Paul Valadier em Église en procés. outras fecundidades virão. sem escrúpulos." Por isso.diz-se . Se o cristianismo se encerrar sobre si mesmo. é verdade hoje. se aceitar jogar o jogo do processo com alguém 375 diferente dele. é necessário dar novamente força à Tradição eclesial e. apesar das críticas crescentes. um sacerdócio efectivo no interior do qual se distinga. o sacerdócio ministerial. dos pastores . Portanto. como o provam. da vida comum despojada e carismática. é o facto de o papa João Paulo II (cujo prestígio e influência. para si. Esta posição e esta orientação são fortemente contestadas. um concílio cuja aplicação foi. muito marcada por um liberalismo deletério. Então. homens e mulheres. de instaurar a "era dos bispos". no seu comportamento quotidiano. sem dúvida. continuarem a ser consideráveis) ser um pregador entusiasta da "nova evangelização" de uma Europa e de um mundo em vias de laicização. Ora. o responsável pelo "depósito sagrado da fé". o Papa não esconde que. de identidade cristã. portanto errada. menos temerária e menos hedonista do Concílio Vaticano II. O que conforta o "campo" dos partidários de uma "recentralização" de uma Igreja que julgam estar a perder as suas forças. mas que goza de uma liberdade maior para viver a sua fé de forma responsável. vai-se afirmando que a catequese tem o seu projecto próprio: transmitir a fé na sua integridade e responder de uma forma clara às expectativas do Mundo que. Uma evangelização com novos custos que será assegurada por uma Igreja que terá encontrado uma identidade forte. com uma insistência crescente. dispersando-as e abandonando-as ao subjectivismo. do testemunho insubstituível da 376 transcendência. numerosos cristãos. oferece resistências mais fortes do que outrora à interrogação espiritual. ao magistério papal que é o garante dessa tradição. da oração colectiva e pública. realizado em Roma entre 30 de Setembro e 28 de Outubro de 1990 pretendeu arrancar a um profundo desencanto e recolocar na perspectiva do Concílio de Trento. sem se separar. começa-se a falar. padres e leigos. opõem o "retorno das certezas" e uma avaliação menos utópica. quase combatidas. instaurar no seu seio um verdadeiro diálogo que permita ao Povo cristão assumir o seu papel próprio no dinamismo da fé e situar-se francamente na perspectiva eclesiológica conciliar: a do sacerdócio comum dos fiéis homens e mulheres -.autoritário. que vira no padre "o religioso de Deus". portanto. Por isso. pelos cristãos que. à imagem do padre que no VIII Sínodo dos Bispos. a uma modernidade considerada secularizadora. a seus olhos. trata-se de responder e de novamente chamar a si uma comunidade que é muito assediada. de uma assembleia especial do Sínodo dos Bispos europeus. numa estabilidade assegurada por uma hierarquia obediente. cuja fé. Igrejas cujas aspirações e experiências vão no sentido de uma verdadeira libertação humana e espiritual." A conjuntura parece ser favorável a uma operação que substitua um cristianismo de resistência pela coabitação e pelo diálogo com o Mundo: em 20 de Agosto de 1989. a Igreja vê-se submetida a forças opostas: àqueles que não vislumbram a sua salvação senão na imutabilidade. ou. declara: "No próprio coração das sociedades mais secularizadas surge uma nova geração de crentes. está na linha de perdição espiritual. opõemse os que a consideram não como uma sociedade estabelecida. escapará ao materialismo normalmente segregado pelo capitalismo liberal. perante a Assembleia Plenária do Secretariado para os Não-Crentes. sob as aparências de prosperidade.investidos de uma autoridade mais tranquila. Apelo semelhante é lançado em 22 de Abril de 1990. como a maioria dos países de Leste. Em Março de 1988. acerca de que nada nos garante que. formação bíblica e teológica. de dar determinação à acção. apesar de tudo. depois do malogro da ideologia marxista. depois de a Checoslováquia se ter desembaraçado. em 1991. como um Povo diferente e vivo. É verdade que não faltam cristãos que consideram estas visões como "sonhos". . literalmente incitado por quinhentos mil jovens europeus concentrados em Compostela. de afastar o desencanto e a incerteza. grupos de oração e de reflexão. Resumindo: neste final do século XX. ávida de pontos de referência éticos e de valores religiosos permanentes. o "eurocentrismo" eclesial já passou. que procura novas formas para a expressão da fé: pequenas comunidades e grandes concentrações. pois julgam que se está a avançar depressa 377 de mais e a antecipar temerariamente um futuro. da ditadura estalinista: convencido de que o afundamento da "utopia vermelha" abre um imenso espaço livre à renovação cristã. e de imprimir um novo impulso salvador. celebrações festivas. E também é verdade que. o Papa polaco anuncia a realização. de revigorar a fé. pelo menos. dando lugar às jovens Igrejas dos outros continentes. mas como uma vasta comunidade. vivificada pela acção no coração do Mundo. João Paulo II lança um apelo solene a esses cruzados dos tempos modernos a que sejam a vanguarda dos novos evangelizadores de um continente que. pode enfrentar todos os riscos.] Pode não se gostar dele. essa nova "crise" testemunha de facto uma vitalidade que se inscreve na História e está ligada ao carácter irredutível da vocação da própria Igreja: ser o veículo do Evangelho. pois já ali estão apresentadas as linhas mais significativas deste pontificado. 378 Apêndice Complementar por Artur Roque de Almeida O PAPA DO MUNDO João Paulo II é o Papa da passagem do milénio. abrange vinte séculos de um itinerário.] A sua figura de grande crente abraçou o mundo e nesse abraço os homens todos. 32). [. olhando para trás.. Testemunho de Esperança. dos vários credos e religiões. a biografia de João Paulo II 1. 22.. é indispensável o "Pedro vivo". E. de uma crise tanto mais aguda quanto se inscreve numa história sujeita a uma constante aceleração. que é animada pelo Espírito Santo. contínuo e caótico.. É o que hoje chamamos o "serviço petrino" do Papa. Cardeal Patriarca de Lisboa no prefácio de George Weigel. porém. Não aconteceu assim com o próprio Jesus Cristo? D. JOSÉ DA CRUZ POLICARPO.. [. fortalece os teus irmãos" (Lucas. fala-se de uma Igreja "em crise". É certo que a história da Humanidade não se faz apenas com figuras de primeiro plano/ mas também com a contribuição 381 de todos. uma vez mais. E esta não é uma simples verificação cronológica. Para o historiador que. . mas este Papa não deixou ninguém indiferente. No caso da Igreja. a quem Cristo confiou um serviço: "E tu. Pastor e Mestre O magistral estudo sobre João Paulo II atrás descrito e posto em dia até 1990 deixa-nos pouca margem para alguma novidade. uma vez convertido. descobriram-se amados por Deus. 2. após o atentado de 1981.não apenas religioso. declarado "Pai e Mestre da Juventude" por João Paulo II em 1988. à Nigéria. a Igreja e o Homem".sobre o mundo contemporâneo.Quando os futuros historiadores se debruçarem sobre as personalidades mais influentes do século XX. que se revestem sempre de especial significado. João Bosco. E a acusação de ser um "Papa político"? Talvez até seja verdade. João Paulo II continua a ser a voz moral mais influente do nosso tempo.como tem o máximo cuidado em afirmar . como atesta a quase centena de viagens. de retomar as suas viagens apostólicas. em Janeiro de 1979.ao encontro do Homem. sempre orientada para o sentido apostólico da Salvação proposta por Cristo. Benim. numa população de . ao encontro do mundo mergulhado em problemas morais e sociais e sobretudo . no primeiro centenário da sua morte: "A minha política é a política do Pai Nosso!" O que afirmamos como verdade comprovada pela sua vida é que ele é um Pontífice com uma grande sensibilidade pastoral. logo de 12 a 19 de Fevereiro de 1982. às vezes até da parte de seus irmãos. pois com este "serviço petrino e 382 paulino de solicitude por todas as igrejas" continua um novo e dilatado ciclo de evangelização. ao deixar bem claros os grandes propósitos que vão nortear o seu pontificado: "Jesus Cristo. de amor e sofrimento. A última que até agora fez (a nonagésima quarta) foi à República da Ucrânia. Mas nem sempre percorre um "caminho de rosas". Gabão e Guiné Equatorial (a décima segunda). aliando a ousadia e a prudência num equilíbrio admirável. Também sofre contestações. Poucos indivíduos exerceram maior impacto . de 23 a 27 de Junho de 2001 a convite do Presidente Leonid Kuchma e dos bispos católicos (os católicos são uma minoria. cerca de seis milhões de rito bizantino e um milhão de rito romano. trocando o "seu" Vaticano pelo mundo inteiro. no sentido em que dizia S. o nome do papa João Paulo II assumirá um papel preponderante nos seus registos. o Papa não desiste da sua paixão. fundador da Congregação Salesiana (Padres Salesianos). A paixão das viagens apostólicas Apesar de muito debilitado na saúde. mas também social e moral . logo manifestada três meses depois da sua eleição. ortodoxa. reuniu na cidade de Assis. quer latinos. quer greco-católicos. a 24 de Janeiro de 2002. 11 Exortações Apostólicas. coincidindo com a festa litúrgica dos Santos irmãos S. as distâncias do passado. Chéquia. que trabalharam entre os povos eslavos da Morávia. 3. dialogante com os tempos. Eslováquia e Croácia. mas a exigir dele a mudança e adesão a uma cultura que respeite a vida humana e a dignidade do homem. a sugerir novos caminhos. João Paulo II pronunciou 323!). respeitando as especificidades de cada um. Numa celebração litúrgica teve a alegria de proclamar Beatos trinta filhos da Ucrânia. E a próxima nonagésima quinta viagem já está agendada para a Bulgária. Os documentos saídos da sua pena fornecem à Igreja uma doutrina renovada. A paixão da evangelização através da palavra escrita Mas este Papa viajante revelou-se simultaneamente um apaixonado escritor. Este é também o Pontífice que. e S. construindo um futuro único. mas provavelmente. Metódio. não apenas à medida do mundo. Impossível citar aqui a prodigiosa actividade literária pastoral e apostólica repartida por dezenas e centenas de Cartas Apostólicas. 13 Encíclicas. bispo. Como sempre. Solmon Passi e o responsável do protocolo da Secretaria de Estado do Vaticano. os principais dirigentes das religiões de todo o Mundo numa oração comum .como sublinha o comunicado comum do ministro dos Negócios Estrangeiros búlgaro. o Papa terá encontros com representantes das comunidades católicas. Constituições Apostólicas. Protestantes. Cirilo. monge. Discursos (só no ano 2000.cinquenta milhões) apesar do veto do Patriarcado Ortodoxo de Moscovo. Ortodoxos e Católicos Romanos vão reduzindo lenta. 29 Mensagens/ 14 Motu Próprio e ainda as Homilias (72 no Ano Jubilar). judia e muçulmana . 383 4. Padroeiros da Europa. de 23 a 27 de Maio de 2002. no que se refere ao Grande Jubileu. monsenhor Renato Boccardo. pela segunda vez. o doloroso problema da falta de união entre os cristãos rompeu o universo das "boas intenções" e já faz hoje parte da dinâmica pastoral de muitas comunidades cristãs. A Paixão da Unidade Com João Paulo II. pela Paz. c) "Pedir perdão" noventa e quatro vezes! O repetido "pedir perdão" a todos aqueles a quem a Igreja ofendeu ao longo da sua história de vinte séculos é igualmente uma atitude inovadora e fundamental. o mártir Zeferino Gimenez Malla. videntes de Fátima. uma prece a diferentes vozes mas com uma única intenção: mostrar que o genuíno espírito religioso é uma fonte inesgotável de mútuo respeito e de harmonia entre os povos. na sua visita à Universidade Católica Portuguesa. Luís Beltrame Quatrocchi e sua esposa Maria Corsini. os beatos Francisco e Jacinta Marto. Juan Diego (século XVI).disse ele no dia 12 de Maio de 1982. que contém a forma e a substância . A próxima XVII Jornada já está convocada para Toronto (Canadá) de 18 a 28 de Julho de 2002. porque também caracterizam este longo pontificado. E muito fica ainda por dizer Na brevidade deste apêndice deveríamos ainda referir alguns parágrafos que simplesmente indicamos. E alguns deles são autênticas novidades: o primeiro índio mexicano. o sexto mais longo da história da Igreja. A partir de 16 de Outubro de 2002 João Paulo II iniciou o 25º ano do seu pontificado. "Deus deu-me a graça de amar os jovens!" . a primeira beatificação em conjunto dum casal italiano. b) As Grandes fornadas Mundiais da Juventude. 5. como que a dizer que todos somos chamados por Deus a sermos santos. fuzilado por causa da sua fé. a 20 de Agosto de 1936. durante o Grande Jubileu de 2000. a) As numerosas beatificações e canonizações. Será "uma nova ocasião para encontrar Cristo e dar testemunho da sua presença na sociedade do nosso tempo e tornar-se construtor da civilização do amor e da verdade". João Paulo II fez delas uma marca do seu pontificado. o primeiro homem da raça cigana. Pensemos que se registaram apenas 302 santos e dois milhares de beatos nos 400 anos anteriores. a mais de 600 mártires da fé. Ultrapassando em muito todos os Papas seus antecessores. as primeiras crianças com apenas dez anos de idade. S. Até agora proclamou centenas de santos e perto de um milhar de beatos. no início da Guerra Civil de Espanha. 384 a presença de dois dos seus filhos sacerdotes. A "memória dos mártires" do século XX levou-o a dar as honras do altar. Amos. de Daniel (excepto Susana. de Ester (semita). Naúm. foi o que ele próprio ofereceu ao seu agressor no atentado de 13 de Maio de 1981. Ezequiel. Sofonias. o Livro por excelência (do grego. Levítico. livro das Lamentações. d) O Grande Jubileu do Ano Santo de 2000. A lista destas obras foi definitivamente fixada pelo cânone de Jamnia no final do século I da nossa era. Os escritos (Ketubim): Salmos. como única atitude capaz de provocar o "refrescamento da memória" e permitir aos homens de todas as condições o necessário e urgente encontro interior com a Paz de Cristo. Êxodo. Este capítulo será bem a síntese de todo o pontificado de João Paulo II. Malaquias. Trata-se portanto de uma versão antiga que por vezes é . I e II livros dos Reis. o jovem turco Mehmet Ali Agca. Oseias. 385 A BÍBLIA A BÍBLIA. Qohélet. é a referência comum aos judeus e aos cristãos. livro dos Números. na medida em que o Evangelho está enraizado na tradição judaica. livros de Job. reiterado durante uma visita que lhe fez em 1983. de Ruth. o conteúdo da Bíblia é diferente segundo as versões (hebraica ou grega) e segundo as confissões (católica ou protestante). Abdias. Jonas. que muito comoveu o mundo. O texto de que dispomos actualmente é o que foi vocalizado e fixado pelos Massoretas. de Esdras. I e II Crónicas. ton biblion). Cântico dos Cânticos. Bei e o dragão). Deuteronómio. Segundos profetas: Livros de Isaías. Zacarias. Para o Papa. Jeremias. Habacuc. Miqueias. Ageu. dos Provérbios. de Neemias.dum apelo tão pacífico como incómodo lançado ao mundo no Ano Jubilar de 2000. na cela da prisão de Roma. estabelecendo para sempre a "civilização do amor". Os livros dos Profetas (Nebiim): Primeiros profetas: Livro de Josué. A Bíblia hebraica é constituída por: A Tora ou Pentateuco: Génesis. sábios judeus da Palestina. entre os séculos V e VII. Joel. I e II livros de Samuel. Por isso. esta paz é o ponto de partida para a meta final da Paz. ou seja. Mas o maior perdão. livro dos Juizes. A preparar a Igreja para entrar purificada no Terceiro Milénio do nascimento de Jesus Cristo. livros dos doze profetas menores. Os livros proféticos: Livros dos quatro grandes profetas: Isaías. livro de Esdras A (III Esdras). C. No século II d. tarefa também em setenta e dois dias. sábio cristão natural de Alexandria: diversos colonos (Hexaplos) apresentavam o . Os livros históricos. Cântico dos Cânticos. teria aparecido uma outra tradução imputada a Áquila. Para tal. carta de Jeremias. I-IV Macabeus. livro de Esdras B (Esdras + Neemias). Os livros poéticos: Salmos. de acordo com uma tradição relatada por Filon e Flávio José. particularmente importante. de Tobias. indispensável à Diáspora egípcia. Provérbios. I livro dos Reis (I e II livros de Samuel e I e II livros dos Reis). dos Juizes. livro da Sabedoria. De facto. Esta versão grega da Bíblia é conhecida pela designação de Septante (LXX) porque. Trata-se de uma récita maravilhosa destinada a legitimar uma tradução do texto sagrado. Livros de Josué. as autoridades de Jerusalém teriam enviado setenta e dois sábios igualmente versados nas línguas hebraicas e gregas. a questão é muito mais complexa. 387 A este respeito. Odes.necessário corrigir quando a comparamos com a versão grega. parece que se começou por fazer uma tradução da Tora. os manuscritos de Qumrân. Paralipomenes (I e II Crónicas). são extremamente preciosos em virtude de nos darem a conhecer como era o texto datado da época romana. Lamentações. foram traduzidos os profetas e os escritos. ou obras redigidas directamente em grego na Díáspora). Estes textos diferentes foram comparados no século III por Orígenes. de Judite. Eclesiastes (Qohélet). É constituída pelas seguintes obras: O Pentateuco (idêntico). um prosélito grego. apesar de fragmentados. livro de Job. Jeremias. Salmos de Salomão. Siracidas (ou Eclesiástico). Ptolomeu II Filadélfia teria pedido autorização ao grande sacerdote Eleasar para mandar traduzir a Bíblia para grego. livro de Baruque. esses sábios teriam completado a sua. progressivamente. daí o nome Septante. Ezequiel e Daniel. livros de Ester (grego). mais antiga. A Bíblia grega está organizada de forma diferente e inclui livros suplementares (traduções gregas cujo original semita se perdeu. e seguidamente mais duas atribuídas a Teodociano e a Símaco. duas epístolas de Pedro. a sua tradução para o grego. A Bíblia cristã é constituída pelo Antigo Testamento. aos Gálatas. de Áquila. Actualmente persistem sérias dúvidas sobre as obras que efectivamente escreveu. aos Hebreus). I e II aos Tessalonicenses..Jerónimo quis colocar à disposição dos cristãos ocidentais de língua latina uma boa versão que levasse em conta o texto hebraico. os III e IV livros dos Macabeus. Vetus ítala. provavelmente em 1205.) . vindo a ser nomeado Papa com o nome de João XXI. aos Filipenses. os Actos dos Apóstolos. aos Colossenses. A Bíblia grega foi alvo de várias traduções para latim conhecida por Vetus África. Luciano. a Tito. onde está incluída a maior parte dos livros da Bíblia grega (excepto o III livro de Esdras. aos Efésios. seja efectivamente autor de todas as . de Teodociano e de Símaco. Esta tradução ficou conhecida pelo nome de Vulgata. as Odes e os Salmos de Salomão). fez os primeiros estudos na escola catedral olisiponense. as epístolas de Tiago e de Judas) e o Apocalipse. e depois em Paris. 389 LISTA DOS PAPAS Pedro Hispano Portucalense (ou Pedro Julião) Filósofo e médico. e pelo Novo Testamento. sendo difícil sustentar que . Os outros escritos são designados por apócrifos ou pseudo-epigráficos. Velha Italiana. Lucas. Vetus Latina (Velha Africana. as catorze epístolas de Paulo (I e II aos Coríntios..dada a amplidão temática e sobretudo atendendo à diversidade dos estilos de escrita -. João). as sete epístolas conhecidas por católicas (três epístolas de João. Esta lista dos livros peculiares dos cristãos é elaborada a partir do final do século II. Velha 388 Latina. nascido em Lisboa. A Bíblia da Reforma preferiu retomar o cânone da Bíblia hebraica em vez do Velho Testamento e suprimiu as epístolas católicas do Novo Testamento.texto hebraico. constituído pelo Evangelho tetramórfico (Mateus. padre cristão da escola exegética de Antioquia publica em 312 uma crítica ao Septante. Por outro lado. aos Romanos. O cânone da Bíblia católica foi definitivamente fixado no concílio de Trento. Marcos. a Filémon. I e II a Timóteo. os quatro textos da Septante. no "Tractatus" do autor português. que apesar de não ser uma ideia original de Pedro Hispano é por ele magistralmente exposta. embora com dúvidas. . dando-lhe projecção e importância bastante para figurar na Divina Comédia de Dante. A distinção referida apresenta relação com a dialéctica de Pedro Abelardo. Embora não conhecesse as mil transcrições da obra de Paulo Orósio.obras que normalmente lhe são atribuídas. à problemática de proprietatibus tenninorum. como as que se referem à copulatio e appelatio. A parte teórica mais importante desta obra é constituída pelos tratados que dão corpo à lógica modernorum e. já a "significatio de intellectibus" visava orientar a lógica num sentido mais formal. aproximando-se cada um destes conceitos. pois que Abelardo. libertos do contacto directo com as coisas. quebrando com a tradição realista. a par de outras que estuda no seu tratado. Esta distinção. são mais de três centenas os manuscritos conhecidos da sua obra e quase outras tantas as edições impressas nos séculos XVI e XVII. dentro desta. dos de "significatio" e "supositio" respectivamente. ou seja. depois chamado Summulae logicales: um manual pelo qual se procedeu ao ensino da Lógica nas mais prestigiadas universidades europeias. Pela "significatio de rebus" entendia Abelardo a "demonstração" das coisas em conformidade com a natureza destas. visa o estudo e correcta compreensão das diversas funções que as palavras podem adquirir quando utilizadas como "termos" no seio das proposições. não entendeu os universais como coisas mas como elementos integrantes do conhecimento e da linguagem. a opinião generalizada atribui a Pedro Hispano a autoria do Tractatus. para o domínio dos "nomes" e seus significados. as obras "Scientia libri de anima". No entanto. sobretudo quando este distingue a "significatio 391 de rebus" da "significatio de intellectibus". o que desde logo supõe uma forte aproximação da lógica à gramática. Além do "Tractatus" são-lhe ainda atribuídos. "Commentarium in De anima" e uma obra médica intitulada "Thesaurus pauperum". possuindo o segundo um eminente valor lógico. vulgarmente conhecida como "lógica terminista" onde se inclui a distinção entre a significatio e a suppositio. Esta temática estava por sua vez integrada na mais vasta polémica sobre os universais. até ao século XVI. para além da "Expositio librorum Beati Dionysii". *** Pedro (+ 64) Lino (67-76) Anacleto (76-88) Clemente I (88-97) Evaristo (97-105) Alexandre I (105-115) Sisto I (115-125) Telésforo (125-136) Higino (136-140) Pio I (140-155) Aniceto (155-166) Sotero (166-175) Eleutério (175-189) Vítor I (189-199) Zeferino (199-217) Calisto (217-222) Urbano I (222-225) Ponciano (225-235) Antero (235-236) Fabião (236-250) Cornélio (251-253) Lúcio I (253-354) Estêvão I (254-257) Sisto II (257-258) Dionísio (259-268) Félix I (269-274) Eutiquiano (275-283) Caio (283-296) Marcelino (296-304) Vacatura de Santa Fé Marcelo I (308-309) Eusébio (309-310) Milcíades (311-314) Silvestre I (314-335) Marcos (336) Júlio I (337-352) Libério (352-366) Dâmaso I (366-384) Sirício (384-399) Anastácio I (399-402) Inocêncio I (402-417) Zósimo (417-418) Bonifácio I (418-422) . Celestino (422-432) Sisto III (432-440) Leão I. o Grande (590-604) Sabiniano (604-606) Bonifácio III (607) Bonifácio IV (608-615) Deodato I (615-618) Bonifácio V (619-625) Honório (625-638) Vacatura da Santa Fé Severino (640) João IV (640-642) Teodoro I (642-649) Martinho I (649-655) Eugênio I (654-657) Vitaliano (657-672) Deodato II (672-676) Dono (676-678) Agatão (678-681) Leão II (682-683) Benedito II (684-685) João V (685-686) Cónon (686-687) . o Grande (440-461) Hilário (461-468) Simplício (468-463) Félix III (483-492) Gelásio (492-496) Anastácio II (496-498) Símaco (498-514) Hormisdas (514-523) 392 João I (523-526) Félix IV (526-530) Bonifácio II (530-532) João II (533-535) Agapito (535-536) Silvério (536-537) Virgílio (537-555) Pelágio (556-561) João III (561-574) Benedito I (575-579) Pelágio II (579-590) Gregório I. anti-papa (964-966)] .Sérgio I (687-701) João VI (701-705) João VII (705-707) Sisínio (706) Constantino (708-715) Gregório II (715-731) Gregório III (731-741) Zacarias (741-752) Estêvão II (752-757) Adriano I (772-795) Leão III (795-816) Estêvão IV (816-817) Pascoal (817-824) Eugênio II (824-827) Valentim (827) Gregório IV (827-844) Sérgio II (844-847) Leão IV (847-455) Benedito III (855-858) Nicolau I (839-867) Adriano II (867-872) João VIII (872-882) Mariano I (882-884) Adriano III (884-885) Estêvão V (885-891) Formoso (891-896) Bonifácio VI (896) Estêvão VI (896-897) Romano (897) Teodoro II (897) João IX (898-900) Benedito IV (900-903) Leão V (903) Sérgio III (904-911) Anastácio III (911-913) Lando (913-914) João X (914-928) Leão VI (928) Estêvão VII (928-931) João XI (931-933) Leão VII (936-939) Estêvão VIII (939-942) Mariano II (942-946) Agapito II (946-955) João XII (955-964) Leão VIII (963-965) [Benedito V. anti-papa (997-998)] Silvestre II (999-1003) 393 João XVII (1003) João XVIII (1004-1009) Sérgio IV (1009-1012) Benedito VIII (1012-1024) João XIX (1024-1032) Benedito IX (1032-1044) Silvestre III (1045) Gregório (1045-1046) Clemente II (1046-1047) Benedito IX. antipapa (1058-1060)] Nicolau II (1059-1061) Alexandre II (1061-1073) Gregório VII (1073-1085) Vítor III (1086-1087) Urbano II (1088-1099) Pascoal II (1099-1118) Gelásio II (1118-1119) Calisto II (1119-1124) Honório II (1124-1130) Inocêncio II (1130-1143) Celestino II (1143-1144) Lúcio (1144-1145) Eugênio III (1145-1153) Anastácio IV (1153-1154) Adriano IV (1154-1159) Alexandre III (1159-1181) Lúcio III (1181-1185) Urbano III (1185-1187) Gregório VIII (1187) Clemente III (1187-1191) Celestino III (1191-1194) .João XIII (965-972) Benedito VI (973-974) Benedito VII (974-983) João XIV (983-984) João XV (985-996) Gregório V (996-999) [João XVI. novamente (1047-1048) Dâmaso II (1048) S. Leão IX (1049-1054) Vítor II (1055-1057) Estêvão IX (1057-1058) [Benedito X. Inocêncio III (1198-1216) Honório III (1216-1227) Gregório IX (1227-1241) Celestino IV (1241) Vacatura da Santa Fé Inocêncio IV (1243-1254) Alexandre IV (1254-1261) Urbano IV (1261-1264) Clemente IV (1265-1268) Vacatura da Santa Fé Gregório X (1271-1276) Inocêncio V (1276) Adriano V (1276) João XXI (1276-1277) Nicolau III (1277-1280) Martinho IV (1281-1285) Honório IV (1285-1287) Nicolau IV (1288-1291) Celestino V (1294) Bonifácio VIII (1294-1303) Benedito XI (1303-1304) Clemente V (1305-1314) Vacatura da Santa Fé João XXII (1316-1334) Benedito XII (1334-1342) Clemente VI (1342-1352) Inocêncio VI (1352-1362) Urbano V (1362-1370) Gregório XI (1370-1378) Grande Cisma do Ocidente Papas romanos Urbano VI (1378-1389) Bonifácio IX (1389-1404) Inocêncio VII (1404-1406) Gregório XII (1406-1415) Papas de Avinhão Clemente VII (1378-1494) Benedito XIII (1349-1423) . Papas de Pisa Alexandre V (1409-1410) João XXIII (1410-1415) Os papas depois do Grande Cisma Martinho V (1417-1431) Eugênio IV (1431-1447) 394 Nicolau V (1447-1455) Calisto III (1455-1458) Pio II (1458-1464) Paulo II (1464-1471) Sisto IV (1471-1484) Inocêncio VIII (1484-1492) Alexandre VI (1492-1503) Pio III (1503) Júlio II (1505-1513) Leão X (1513-1521) Adriano VI (1522-1523) Clemente VII (1523-1534) Paulo III (1534-1549) Júlio III (1550-1555) Marcelo II (1555) Paulo IV (1555-1559) Pio IV (1559-1565) Pio V (1566-1572) Gregório XIII (1572-1585) Sisto V (1585-1590) Urbano VII (1590) Gregório XIV (1590-1591) Inocêncio IX (1591) Clemente VIII (1592-1605) Leão XI (1605) Paulo V (1605-1621) Gregório XV (1621-1623) Urbano VIII (1623-1644) Inocêncio X (1644-1655) Alexandre VII (1655-1667) Clemente IX (1667-1669) Clemente X (1670-1676) Inocêncio XI (1676-1689) Alexandre VIII (1689-1691) Inocêncio XII (1691-1700) Clemente XI (1700-1721) . Inocêncio XIII (1721-1724) Benedito XIII (1724-1730) Clemente XII (1730-1740) Benedito XIV (1740-1758) Clemente XIV (1769-1774) Pio VI (1775-1799) Pio VII (1800-1823) Leão XII (1823-1829) Pio VIII (1829-1830) Gregório XVI (1831-1846) Pio IX (1846-1878) Leão XIII (1878-1903) Pio X (1903-1914) Benedito XV (1922-1939) Pio XI (1922-1939) Pio XII (1939-1958) João XXIII (1958-1963) Paulo VI (1963-1978) João Paulo I (1978) João Paulo II. Tentativa de reforma do cristianismo caracterizada como uma ambição religiosa sem conteúdo muito definido e associada a certas correntes milenaristas (vide Milenarismo). Adopcionismo. quer à autoridade. Albigense. Pluralidade de dignidades e/ou de cargos eclesiásticos confiados a uma só pessoa. Vide Maniqueísmo. Anacoresia ou retiro.mas que permanecem em comunhão com ela. explica a designação atribuída a este movimento religioso nascido no século XVI. quer para fugir ao fisco. . Desde a perseguição de Valério (258) que os cristãos se retiram para as zonas desertas do Egipto para levarem uma vida solitária e este fenómeno estender-se-ia rapidamente ao deserto de Gaza e à Palestina. Anglicanismo. mas apenas seu filho adoptivo. A recusa do baptismo das crianças. Anabaptismo. A anacoresia existiu desde sempre no Egipto. Conjunto das Igrejas autónomas que se afastaram da Igreja de Inglaterra .ela própria constituída no século XVI a partir do cisma de Henrique VIII . Designa o acto de deixar a sociedade dos homens para viver no deserto. substituído pelo dos adultos. eleito em 1978 395 GLOSSÁRIO Acumulação. Heresia segundo a qual Cristo não é o filho natural de Deus. Cesaropapismo. Cátaro. Doutrina próxima do anabaptismo e segundo a qual só o baptismo dos crentes é importante. a partir do século X. autónoma. Catecumenato (do grego. na Capadócia e depois no Ocidente. Doutrina pregada pelo padre Ário e segundo a qual Cristo é uma criatura subordinada ao Pai.Aftardocetismo. Arianismo. Catolicosato. esta fase experimental foi alargada para dois anos e. Este termo também designa o cargo propriamente dito. Catholicos. no século IV. Doutrina de Júlio de Halicarnasse (século VI) segundo a qual o corpo de Cristo não se teria decomposto após a morte. Originalmente era muito breve. de uma circunscrição chamada "arquidiaconado". o arianismo difunde-se largamente pelo Oriente. A última refeição de Jesus com os doze apóstolos. comemorada na comunidade primitiva pela "partilha do pão" durante a refeição. no Egipto. Organização comunitária da vida ascética que foi fundada por Pacómio. desenvolvendo-se sob várias formas tanto no Egipto como na Palestina. dízimas). Organização eclesiástica que se destina a ensinar os candidatos ao baptismo. a partilha dos bens e está na origem de novas comunidades cristãs no século XX. Benefício. expande-o junto dos bárbaros de tal maneira que o conflito surge no Ocidente depois das Invasões. O padre Wulfila. posteriormente. É definitivamente proibido por Teodósio. a importância dos dons espirituais. "fazer soar". Ceia. Autocéfala. Bogomília. Honorários de um cargo eclesiástico e resultante dos bens pertencentes à igreja (imóveis. O Movimento Carimático é uma corrente espiritual que exalta a oração individual ou colectiva. Apesar de condenado pelo Concílio de Niceia (225). Circunscrição eclesiástica administrada por um catholicos. Baptismo. "instruir de viva voz"). Auxiliar do bispo encarregado. Vide Maniqueísmo. 397 Arquidiácono. Cenobitismo. apóstolo dos Godos. Carimático. para três anos. não depende do Papa nem de um patriarca estrangeiro. É o caso de algumas igrejas ortodoxas que elegem o seu próprio patriarca. Título ostentado pelos chefes de algumas Igrejas orientais. Sistema político pelo qual o imperador . senhorias. Igreja cuja hierarquia. Vide Maniqueísmo. Constituição apostólica. Lei disciplinar imposta por um concílio. fora da Palestina. trata-se de galout (exílio). Termo que serve para designar os judeus que vivem "dispersos". Virgem ou viúva que. 398 Decreto conciliar. Diaconisa. Após 1274. Cisão no interior da Igreja. O seu maior adversário é Optato de Milève. Conclave. É assim que se designa a adaptação feita por Tatiano no século II dos quatro Evangelhos canónicos. Usufruto de um benefício eclesiástico. Conjunto dos órgãos do governo pontifical. Posteriormente. se dedicava à missão de assistência caridosa ou à catequese. Comenda. Donatismo. Constituição dogmática. Posteriormente no século XIX o protestantismo restaurada esta função. Diáspora. sobretudo de uma abadia. No seu sentido mais restrito. sem exercer responsabilidades e sem a obrigação de residência. caso contrário. aos costumes ou à administração da Igreja católica.pretende exercer a sua autoridade absoluta tanto no domínio espiritual como no domínio temporal. ela adquire o aspecto de um movimento de reivindicação social. Heresia segundo a qual Cristo apenas tinha a aparência de homem e. . em alguns casos. Cúria. os diáconos são depois postos à experiência nas diversas comunidades cristãs e dedicam-se sobretudo às obras de caridade. por isso. Termo que serve para designar um servidor na comunidade de Jerusalém e é aplicado aos judeus da diáspora que tratam dos judeus helenistas convertidos. Consubstanciação. Tratado que contém uma decisão pontifical importante em relação à fé. Docetimo. Heresia originária do Norte de África em consequência da perseguição de Diocleciano. normalmente em relação à autoridade do papa. ou seja. Diatessarão (do grego. Cisma. Diácono. "um através de quatro"). só existe diáspora em relação a um Estado judaico. durante os primeiros séculos da Igreja. Congregacionalismo. foi instituída uma assembleia fechada dos cardeais para a eleição do novo Papa. Disposições solenes que impõem um ponto doutrinário da Igreja católica. Tese teológica pela qual a comunidade local dos crentes é a mais alta autoridade eclesiástica. não teria sofrido na Paixão. A comunidade donatista torna-se rapidamente muito poderosa. Vide Eucaristia. "deserto") .C. Esta seita forma doutores de renome e como são respeitados pela sua moral rigorosa. e cujos principais executores eram os dragões reais. Encratismo (do grego. Tese teológica segundo a qual o conjunto dos bispos possui um poder superior ao do Papa. Falsidade criada na época carolíngia em nome da qual o papado pretendia exercer direitos adquiridos sobre a Itália. Movimento junto dos cristãos de todas as confissões e que pretende promover uma reaproximação teológica ou espiritual entre as Igrejas. Associação de pessoas de forma secreta que professam os princípios da fraternidade.Donativo de Constantino. Episcopalismo. A franco-maçonaria moderna surgiu na Grã-Bretanha no fim do século XVII.a transformação da substância do pão e do vinho na substância do corpo e do sangue de Cristo -. Carta dirigida pelo Papa à cristandade e designada pelas primeiras palavras em latim do texto que a compõe. a franco-maçonaria francesa é progressivamente seduzida pelos ideais . Ecumenismo. Para os católicos. reconhecendo-se entre si através de símbolos e de emblemas e dividindo-se em "lojas". No século XIX. rejeitando o casamento sob o pretexto da iminência do Juízo Final.Designa a acção de uma pessoa se retirar para a solidão do deserto para orar e fazer penitência. Eucaristia. Fariseus. na eucaristia existe uma presença real do corpo e do sangue de Cristo com transubstanciação . depois do Edicto de Nantes. Sacramento que contém o corpo e o sangue de Jesus Cristo sob a espécie ou aparência do pão e do vinho. "autocontrolo"). o judaísmo sobreviverá na sua forma farisaica. Franco-maçonaria. Para os calvinistas só existe a presença espiritual. que atribuíam grande importância ao comentário da Escritura. e não apenas consubstanciação 399 . Após o encerramento do Templo e da proibição da liturgia. Encíclica. Membros de uma seita judaica nascida no século II a. Designa os movimentos que advogam um ascetismo excessivo. Dragonadas.a existência da substância do pão e do vinho ao lado da do corpo e do sangue como sucede no dogma luterano. Eremitismo (do grego. os fariseus são sobretudo ouvidos pelas classes mais desfavorecidas. A Igreja episcopaliana derivou do anglicanísmo. Perseguições exercidas no reinado de Luís XIV contra os protestantes do Sul de França. Sentença eclesiástica pela qual as cerimónias religiosas são interrompidas e a celebração dos sacramentos suspensa. Gnose. "Kulturkampf". "escolher").republicanos e sobretudo pelos nacionalistas. o fiel tem de realizar as obras prescritas (orações especiais. Adepto do culto das imagens. da pena do Purgatório aplicada em consequência dos pecados perdoados. Tribunal permanente encarregado pelo papado. Iconódulo. Intercomunhão. Inculturação. Inquisição. Designa as doutrinas que "fizeram uma escolha" para se constituírem em seita independente da Igreja. Idolotitas. 400 Kerigma (do grego. Interdição. Galicanismo. . desde o século XIII. Este termo designa o "conhecimento" no sentido filosófico-religioso. Doutrina que condena o culto das imagens. confissão. designa a encarnação desta religião numa determinada atmosfera cultural transformando essa cultura através da alteração dos seus objectivos mas sem considerar a sua personalidade. Membros da Igreja síria que recusou a condenação do nestorianismo por Justiniano. Heresia (do grego. Para ganhar as indulgências. Prática pela qual os fiéis das Igrejas cristãs separadas se reúnem para participarem na sagrada Ceia. A gnose apresenta a particularidade de se apoiar em cosmologias tão variadas quanto fantasiosas. para combater as heresias através dos processos inquisitoriais em que a acção é executada por um acusador. Carne dos animais sacrificados nos templos pagãos. Remissão. Este termo. Esta tentativa de tipo místico expande-se sobretudo para o Oriente grego juntamente com os escritos apocalípticos judaicos dos quais provavelmente recebeu alguma influência. excepto em casos de urgência. excepto no domínio espiritual. Iconoclasma. Designa o anúncio da Boa Nova cujo elemento central proclama que Jesus foi crucificado sob Pôncio Pilatos e exaltado pelo Pai através da Ressurreição. Conflito entre o Estado prussiano e a Igreja católica em que Bismarck queria submeter todas as actividades da Igreja ao controlo do Estado (1871-1887). comunhão). Jacobitas. "arauto"). aplicado no cristianismo. Indulgências. Teoria segundo a qual o papado deveria dar à Igreja de França alguma independência. total ou parcial. Representante do Papa em missão oficial ou particular. atribuída a Mani no século III. e o cisma donatista. Legado. Cristão sob domínio muçulmano que se mantém fiel à autoridade espiritual de Constantinopla. "ungido"). após a perseguição de Décio. Momotelismo. a palavra está actualmente reservada para o movimento religioso criado na Inglaterra do século XVIII por John Wesley. Religião dualista de origem iraniana. Doutrina de Nestório (século v) segundo a qual as naturezas divina e humana se encontram unidas em Cristo mas apenas pela vontade. Foi a fonte de inspiração de muitas heresias cristãs (paulinos. Fé exclusiva num único Deus e as três grandes religiões mono-teístas são o judaísmo. a controvérsia sobre a reintegração dos lapsi criou o cisma novaciano.Lapsi (do latim. designa a vinda de um Salvador segundo as diversas orientações do judaísmo. após a perseguição de Diocleciano. Cargo de chefia de uma província eclesiástica e sinónimo de arcebispo a partir do século IX. . Designa o sacrifício das testemunhas por excelência que pagaram com as suas vidas a dedicação à fé cristã. "testemunhar"). Designa os cristãos que se tornaram apóstatas durante as perseguições mas que depois solicitaram a sua reintegração na Igreja. Após o desaparecimento da monarquia. Messias (do hebraico. Moçárabe. cátaros ou albigenses). bogomilos. Assim. Melquita. segundo a qual a Criação é disputada entre um deus do Bem e um deus do Mal. Nestorianismo. Metropolita. Monofisismo. Martírio (do grego. Metodismo. Doutrina segundo a qual Cristo irá regressar à Terra para a governar durante mil anos. "deslizar"). o qual estava desejoso por provocar um "despertar" religioso. o cristianismo e o islão. antes da conquista desta cidade pelos Turcos em 1453. Milenarismo. Maniqueísmo. Forma atenuada de monofisismo (vide esta palavra). Em África. Doutrina pela qual Cristo apenas assumiu uma única natureza unindo a humanidade à divindade. esta teoria opõe-se portanto à definição do Concílio de Calcedónia (451) sobre as duas naturezas de Cristo. Cristão que vive sob o domínio dos Muçulmanos em Espanha. Aplicado desde o século XVI a todas as práticas de um "método" de piedade e de santidade. Designa os reis de Israel que recebiam uma unção de óleo quando eram coroados. Monoteísmo. Pietismo. esta festa coincide com a descida do Espírito Santo. Movimento no interior do protestantismo que acentua sobretudo a experiência religiosa individual. etc. Empregada no plural. ou Aliança. Paracleto (do grego. origem da palavra "padre"). Título atribuído ao chefe da Igreja grega. posteriormente. "antigo". Páscoa. e. Incontinência eclesiástica quer sob a forma de casamento ou de concubinato. Para os cristãos. Patriarca. Paz instituída pela Igreja nos séculos XI e XII para subtrair às violências guerreiras algumas categorias de pessoas ou de bens. Jerusalém e Alexandria. Heresia que nega a realidade da natureza humana de Cristo e afirma que foi o próprio Pai quem sofreu a Paixão. aos dirigentes das diversas comunidades cismáticas. Membros da seita protestante inglesa conhecida por "Sociedade dos Amigos". Presbiteriano. O puritanismo está na origem de várias confissões como a presbiteriana. Designa o Espírito Santo. Quartodecimais.401 Nicolaísmo. Nome atribuído nos primeiros séculos do cristianismo às comunidades da Ásia que. a outras cúrias (Veneza. de inspiração calvinista. Puritanos. Membros da Igreja de Inglaterra que pretendem obrigá-la a adoptar as estruturas do calvinismo. Festa judaica celebrada cinquenta dias depois da Páscoa para comemorar a entrega da Lei. Purgatório. Presbítero (do grego. segundo o Evangelho de São João. Festa judaica em comemoração da fuga do Egipto e que coincide com a festa da ressurreição de Cristo celebrada pelos cristãos. foi fundada em 1647 por George Fox e implantou-se na América do Norte. O conjunto dos presbíteros que dependem do mesmo bispo forma o "presbitério". Adepto do prebisterianismo. também não merecem o Inferno. apesar de não terem sido escolhidos. esta palavra designa colectivamente os responsáveis das antigas comunidades cristãs e. em relação à . o presbítero é um ministro ordenado que depende directamente do seu bispo. que confia o governo da Igreja a um organismo misto. Lisboa. Patripassianismo. aos bispos de Antioquia. constituído por pastores e laicos. Paz de Deus. ou "presbitério". Derivação do nome do arcebispo Nicolau (século I) que teria tomado partido contra o celibato dos padres. "defensor"). "Quakers". no Sinai. a baptista. a congregacionista. etc). a partir do século II. Período probatório para aqueles que. Pentecostes. independentemente do dia da semana e as outras Igrejas fixaram esse dia no Domingo. A partir dessa altura este termo passou a designar o tráfego associado aos sacramentos ou às coisas espirituais. Superstição. Starchesivo. Movimentos protestantes que procuram provocar um despertar espiritual nas Igrejas. ou seja. desaparecem. Revivalismos (Revivais). Para os católicos. 402 Reduções. Corrente da Igreja ortodoxa russa que dá uma importância especial às funções do staretz (monge cuja sapiência e santidade são notórias). Manifestação do Espírito e da Palavra de Deus através da Bíblia e da Tradição. Sacerdócio. Saduceus. ordem e matrimónio. são sete os sacramentos: baptismo. no 14º dia da Lua seguinte ao equinóxio da Primavera. após a destruição do Templo. as comunidades onde vivem os índios convertidos ao cristianismo reagrupados sob a autoridade de alguns padres jesuítas. Simonia. Sínodo. o Mágico. Heresia originária da teologia de Orígenes a qual ensina que a pessoa do Filho não é igual. o qual tinha oferecido dinheiro ao apóstolo Pedro para que este lhe revelasse os seus dons carismáticos. Pecado atribuído a Simão. Membros de uma seita judaica recrutados sobretudo entre as grandes famílias sacerdotais. Conjunto dos cardeais. Subordinacionismo. Tribunal judaico composto por anciões e escribas cuja origem é mal conhecida. Confiscação dos bens da Igreja pelo poder laico. Ligados por definição à liturgia oficial. no vocabulário das . como partido. as ideias de um místico espanhol do século XVIII segundo as quais é preciso dar muito menos importância às práticas e às obras do que à contemplação do "amor puro" de Deus. Símbolos sensíveis instituídos por Jesus Cristo para produzirem a graça divina e santificarem as almas. Função do padre. eucaristia (ou comunhão). Assembleia diocesana com o bispo ou assembleia dos bispos juntos com o Papa. "sossego"). Nos séculos XVII e XVIII no Paraguai. Esta palavra designa. Revelação. Secularização. penitência (ou confissão). à do Pai. fixam a Páscoa para o dia 14 de nisan. mas subordinada. Sacro Colégio. crisma. Sinédrio. Quietismo (do latim. Sacramentos. Este termo designa.cronologia do Evangelho de João. extremaunção. desejoso de aprofundar as suas pesquisas. Revelação da palavra de Deus por outras formas além da Bíblia. Vide Eucaristia. os 24 volumes da “Histoire de l’Église”. exceptuando os clássicos insubstituíveis. dita de Fliche e Martin (Bloud et Gay. Conjunto das doutrinas e das atitudes favoráveis à primazia romana nos assuntos da Igreja católica.autoridades eclesiásticas. ou seja. Foram instituídas pela Igreja nos séculos XI e XII para proibir os actos de beligerância tanto em certos dias da semana como em certas alturas do ano. Ultramontanismo. é constituída por obras escritas ou traduzidas em francês. os escritos dos doutores e dos autores eclesiásticos. uma bibliografia especializada. através dos cânones dos concílios. por sua vez. Tréguas de Deus. Fiéis das Igrejas de ritos orientais que estão em comunhão com a Igreja de Roma. escolhidos apenas pela sua importância científica ou pedagógica. 404 BIBLIOGRAFIA CLASSIFICADA E COMENTADA Esta bibliografia. poderá recorrer (1). as orações litúrgícas. Discípulos de Valdo (fins do século XII) que procuram o ideal evangélico da pobreza. 1935 e segs. uns integraram-se na Igreja e os outros foram perseguidos pela Inquisição. Tradição. Obras gerais Podemos sempre consultar. A maioria destas obras apresenta. Transubstanciação. acessível ao grande público. mas com alguma precaução. Teocracia. Poder supremo exercido no plano temporal em nome de Deus. tendo em conta os rápidos progressos da historiografia religiosa. Zelotas. geralmente por membros do clero.). todas as crenças ou práticas que se afastem. Seita judaica a que Judas o Galileu afirma pertencer. 403 Uniatas. substituída. nas . a que o leitor. do cristianismo tal como é ensinado e definido. recusa o imposto ao imperador e estimula um messianismo político cujo objectivo é a revolta armada contra Roma. trata-se de autores recentes. mesmo que muito pouco. Valdenses. A Igreja é dotada de instituições. Cujas. que é uma obra científica e monumental. "Histoire de l’Église. Fayard. Retz. sobretudo. 2 vols. de Charles Ehlinger e colaboradores. depois de 1975). sobretudo pela utilização de textos esclarecedores e significativos. de François Lebrum e colaboradores. 2 vols. Marc Vénard e Jean-Marie Mayeur. dirigida por Jean Delumeau. 2 vols. de Paul Christophe. 1984). Ouvrières. André Vauchez. Frölich.) de J. du Seuil. 1955-1975. "Les Combats de Dieu dans l'histoire des hommes" (Ed. tendo sido o autor. 1984 e segs. Michel Meslin. constituem uma fonte sempre abundante. 1980). sempre útil. dirigida por L. 1982-1984). de R. N. O recurso. cujos 5 vols. 1963-1975). J. 1989) (1). um pioneiro no domínio da grande vulgarização. algumas das quais já traduzidas em Portugal. da “Histoire de l’Église du Christ”. 1984-1986). também elas têm a sua história que progride. por uma “Histoire du Christianisme” em 14 vols. à cronologia. "Pour lire l’histoire de l'Église" (Cerf. de Jean Comby. Roger Aubert. lenta mas seguramente. Embora muito envelhecidos. O seu âmbito será mais alargado do que a da “Nouvelle Histoire de l'Église” (Éd.edições Desclée.] 405 1978). de Daniel Rops (Fayard. podem ver-se em "Histoire vécue du peuple chrétien" (Privat. depois da Segunda Guerra Mundial.. 1948-1960) continuam a ser respeitáveis. Rogier. publicados . do T. 1979). caracteriza.. Um desejo pedagógico. Dumont e colaboradores. graças aos 15 tomos (previstos) de "Histoire du droit e des institutions de l’Église en Occidente" (Sirey. (coeditada com a Fayard). 10 vols. observa-se na “Histoire de l’Église par elle-même” (Fayard. sempre que possível indicaremos a fonte da edição portuguesa ou faremos referência a outras de autores portugueses relacionadas com a História da Igreja. o "Guide illustré de l'histoire du christianisme" (Centurion. David Knowles. "l'Église et les hommes" (Droguet-Ardant.. 1982). dirigida por Charles Piétri. [N. "l’Église dans l'histoire des hommes" (Droguet e Ardant. Pontos de vista mais subjectivos. de Robert Pousseur e Jacques Teissier. mas sempre novos. depois Ed. "Les grandes dates du christianisme" (Larousse. "Les Hommes de la fraternité" (F. Panorama et chronologie" (Desclée. os 8 vols. por Jacques Loew. Nota 1: Como esta bibliografia incide sobre obras. Nathan. Guy Bedouelle e Pierre Pierrard. 1980. René Rémond.] 406 e sentido de objectividade Civilização. 1988 e segs. 1985).entre 1981 e 1990). 2ª ed. nova ed.. col. quatro grandes conjuntos de tipo clássico: "Histoire du catholicisme en France" (Spes. de Joseph Lortz. Um livro controverso. Para Portugal. 1985). 3 vols. 1957-1962). de Jean Chélini e Antonin Henry. menos confessional e menos eclesiocêntrica do que a anterior: "Histoire des catholiques en France. de Jean-Baptiste Duroselle e Jean-Marie Mayeur. 1988). 1955). Porto. 1983). de Françoise Ladouès. de Fortunato de Almeida. [N. 1985). Hachette-Pluriel. Uma breve síntese de Xavier de Montclos: "Histoire religieuse de la France" (PUF. dirigida por François Lebrun. 1964). dirigida por Jacques Le Goff e René Rémond. redigida por André Latreille. Tours. que se afirma importante pela erudição Nota 1: Edição portuguesa de Editorial Notícias. 4 vols. dirigida por Gérard Cholvy e Yves-Marie Hilaire.. (em 2 vols. Algumas curtas. mas que continua a ser consultável: "Histoire religieuse de la France contemporaine" (Flammarion. da Livraria Jesus O nosso conhecimento de Jesus foi fundamentalmente renovado pelas cinquenta obras da prestigiosa colecção "Jésus et . du 15e siècle à nos jours" (Privat. de Michel Clevenot. "Histoire de l’Église" (Médiaspaul. de Michel Lemonnier. "Histoire de l’Église" (Normand. Spiritualité du catholicisme en France et dans les pays de langue française des origines à 1914" (Beauchesne. col. "Histoire religieuse de la France contemporaine" (Privat. historiador muito singular. 1970-71). 1988). de Guy-Marie Oury. referência especial para a "História da Igreja em Portugal" (1910-1922). do T.). 1978). Finalmente. Em publicação: "Histoire de la France religieuse" (Seuil.. "Histoire du catholicisme" (PUF. "Que saisje"?. 1985-1988).. Para a França. não se pode negligenciar a obra colectiva "Histoire spirituelle de la France. "Que sais-je?". "La Longue marche de l’Église" (Bordas. de Adrien Dansette. 1984). Jean Rémy Palanque. "Breve histoire de l’Église catholique" (Desclée de Brouwer. mas excelentes sínteses: "Histoire de l’Église" (Payot.. mas verdadeiramente apaixonante. Etienne Delaruelle. 3 vols. 1986). em diálogo com os diversos saberes humanos e as outras tradições religiosas. 160 volumes. de Maurice Bellet. dirigida por Joseph Doré. de Pierre-Marie Beaude. de Charles Perrot. Poderá ler-se ainda com proveito o livro de Wolfgang Trilling (Cerf. etc. "Jésus. mas discutível. sob a responsabilidade de Joseph Doré. Alguns estudos originais. através de toda a História posterior e com a ajuda de várias disciplinas. de Jean-Paul Roux (Fayard. o que representa para aqueles que. na importante colecção "Théologie et Sciences religieuses. que foi presidente da Amizade Judeo-Cristã de França e que insiste aqui. Acessível a um público culto. 1968). 1963) e "Jésus de Nazareth" (Desclée. 1989). "Jésus devant l'histoire". depois de 1975. "Jésus-Christ dans la tradition de l’Église" (1982). distingo: "Jésus de Nazareth" (1984). em 1990. sobretudo. procura. Desclée. e Claire Huchet-Bisschop. na educação judaica de Jesus. A completar com Xavier Léon-Dufour. de Bernard Sesboué. um pouco à margem da teologia tradicional: "Le fondateur du Christianisme" (Seuil. "Jésus devant la conscience moderne. "Jésus le Christ" é o título comum de duas pequenas obras de iniciação publicadas em 1988: uma de Jean-Noël Bezançon (Desclée de Brouwer) a outra de Bernard Rey (Centurion-La Croix). intitulada "Jésus". de Aloys Grillmeier. e "Le Christ dans la tradition chrétienne" (1990). e que comporta. nessa colecção: "Jésus et l'histoire" (1980). Partindo da realidade de que Jesus é. "Un enfant nommé Jésus" (Cerf. Christ (1990). Cogitatio fidei". uma personagem da história da humanidade. Nas Éditions du Cerf. lançada em 1962. Na mesma editora. de Charles-Harold Todd. 1990). destaque merecido nesta bibliografia sobre Jesus Cristo para a obra do escritor e jornalista Guedes de .Jésus-Christ". por Claude Geffré. em todas as hipóteses. nas Ed. demonstrar a permanência da questão "Jesus-Cristo". L'Histoire perdue" (Cerf. se mostram interessados na sua figura humana e na sua mensagem única. Refiro. Uma "biografia" simpática. Em Portugal. 1983) -. por outro lado. "Les Évangiles et l'histoire de Jésus" (Seuil. 1980). dirigida. muito justamente. obra muito significativa sob a forma como os latino-americanos encaram Cristo. ou seja. uma interessante colecção ainda pouco abundante: "Jésus depuis Jésus". no seu exemplo e no seu percurso. de Juan Luis Segundo. a colecção procura por um lado o que pode significar no contexto do seu nascimento e da sua vida na Palestina do século I e no seio do povo de Israel e. vinte séculos de história das representações de Cristo. le Christ et les chrétiens" (1981). de Bernard Forte. pagãos e cristãos Para as ligações existentes entre o judaísmo e o cristianismo. sobretudo "La Civilisation de l’Antiquité et le christianisme" (Arthaud. 1988-1990). entre outras obras. "Islão e Cristandade". de Teixeira de Pascoaes. de Ernest-Marie Lapperrousaz. Paulo O estudo desta personagem complexa e capital que foi Paulo de Tarso suscitou recentemente diversos trabalhos. 1968). como aos de André-Jean Festugière (falecido em 1982). 1972). convém salientar a importância biográfica e visionária do livro São Paulo (1934). "Jésus le juif" (Desclée. por A. Vermes. Mas é preciso recorrer sempre aos estudos de Marcel Simon.Amorim. "Paul. Paul. Brunot. "Jesus Passou por Aqui" (Ed. de Norbert Hugédé. 1985). autor. sobretudo "La prédication selon saint Paul" (Gabalda. 1981). de que existe edição mais recente pela Assírio & Alvim. 407 S. 1970) e que. é preciso ler sobretudo: "Naissance de l'Église. Judeus. 1963). sa foi et la puissance de l'Évangile" (Cerf. "Saint Paul et la Grèce" (Les Belles Lettres. 1982). 1980). de G. que é uma obra importante. O meio ambiente greco-romano do cristianismo primitivo está bem esclarecido por Michel Meslin. O Século. de Henri Cazelles. L'histoire retrouvée" (Cerf. obra pedagógica extremamente inovadora de André Paul. Les écrits de saint Paul" (Centurion. 1978). "Lettres aux jeunes communautés. 1985). "Le monde et les juifs à l'heure de Jésus" (Desclée. de "L'Idéal religieux des Grecs et l'Évangile" (Gabalda. de Juan Luís Segundo. "Saint Paul et Rome" (Les Belles Lettres-Desclée de Brouwer. autor de um importante trabalho sobre "Le Christianisme dans l'Empire romain" (PUF. assinou "Le Christianisme antique" (Armand Colin. que é bastante esclarecedor para entender muitos dos aspectos abordados neste livro de Pierre Peirrard sobre a história da Igreja . "Le judaïsme et le christianisme antique" (PUF. 1983). apareceu a tradução portuguesa do livro de Alain Boissac. "Saint Paul et la culture grecque" (Labor et Fides. 1989. secte juive rejetée?" (Cerf. 1972). 1966). Em Portugal. 1967). 1986). 1967). Em edição recente. de Marcel Simon e André Benoît. com Jean-Rémi Palanque. de Louis Cerfaux. "L'attente du Messie en Palestine à la veille et au début de l’ère chrétienne" (Picard. "Le Christianisme des chrétiens. cuja obra sobre "Les Églises orientales et les rites orientaux" (Letouzey et Ané. 1960). Francis Frost. 1960). de l'Orante. 1982). cuja obra "Premiers chrétiens" (PLJF. 1963-1985). As Igrejas orientais Há quatro autores que. "L'Église des apôtres" (Seuil. de uma parte da edição francesa (21 vols. Puma. dirigida por Paul Christophe. Ainda Marcel Simon. pode ser completada por "Les Premiers chrétiens" (Seuil. À cabeça. de Jean Bernardi. 1992). Cest ainsi que l'Église a commencé (Cerf.). "Breve histoire des Conciles" (Desclée. A Igreja primitiva Jean Daniélou permanece. foram traduzidas e publicadas por André-Jean Festugière (Beauchesne. como uma referência maior. autor de "L’Église de l'Antiquité tardive 303-604" (Seuil. 1987). 1967). 1978. foram objecto de numerosos trabalhos. des origines à la fin du 3e siècle" (Seuil. particularmente com "Théologie du judéochristianisme" (Desclée. de Pierre-Patrick Verbraken. Pierre Maraval. Raymond Janin.1988). Camelot. a "Bibliothèque d'Histoire du Christianisme" (nº 15-16. Para o período posterior (séculos IV-VI 408 e segs. Nas edições Desclée. nestes últimos anos. deve colocar-se "Histoire des Conciles oecuméniques" (Ed. neste domínio. 1984). 1990). Bizâncio. coloca à disposição do grande público: "Les Conciles oecuméniques". Alain .Católica (Ed. depois de 1962). de Annie Jaubert. Desclée/Cerf. de modo especial. da clássica "Histoire des conciles d'après les documents originaux". e a reprodução. Dvornik. As actas dos dois concílios mais importantes da Igreja primitiva "Éphèse et Chalcédoine". dirigida por Gervais Dumeige. continua a ser capital. Nas mesmas edições. 1955). Paul Christophe. 1963-1985). cujos autores são Pierre-Th. renovaram os nossos conhecimentos neste domínio: F. em 1973. 1990). 1986). do alemão Cari Joseph Hegele. publicada nas edições Letouzey et Ané de 1930 a 1952. de Hubert Jedin. 1964). autor de "Byzance ou l'autre Rome" (Cerf. "Les origines du christianisme latin" (Cerf. com "Byzance et la primauté romaine" (Cerf. 1958. "Les Premiers siècles de l’Église" (Cerf. Desclée/Cerf. "Les Premiers siècles chrétiens" (Cerf. Os concílios. de HermannJoseph Veretz. 1982). 1970). Jean Decarreaux.): Henri-Irénée Marrou. "L'Église des premiers temps. von Pastor (1886-1933) foi traduzida e publicada pela Librairie d'Argences (22 vols.a ed. Sa vision de la théologie de l’Église" (Londres. na "Bibliothèque d'Histoire du Christianisme" (Desclée. de Marie-Humbert Vicaire. publicados antes de 1962).. em 1982). Sobre a teologia medieval. Mais acessível. "L'écclésiologie du haut Moyen Âge" (Cerf. 1957. fondements d'un nouvel humanisme" (Skira. 1981). acaba de fornecer. Entre pouvoir et esprit: 313-1204". 19661967). 1981). "Histoire et culture historique dans l'Occident mediéval" (Aubier-Montaigne. 1971). e eu próprio publiquei um ensaio sobre "Les Papes et la France" (Fayard. 1967). de Yves Congar. A Idade Média clássica Existem algumas panorâmicas gerais. com "l'Église byzantine. pode consultar-se: "De Constantin à Charlemagne à travers le chaos barbare" (Fayard. A Alta Idade Média A muito clássica "Histoire des Papes". e "Thomas d'Aquin. l'Europe des cathédrales. de Georges Duby.. de Jean-Remi Palanque. de 409 Georges Duby. três bons guias: "Histoire de saint Dominique" (Cerf.. 1968). reed. "La saintité en Occident aux derniers siècles du Moyen . 1969). 1977). dois estudos capitais devidos a dois grandes teólogos dominicanos: "La théologie au XIIe siècle" (3. Para penetrar no domínio da espiritualidade medieval. de Pierre Riche. de François Rapp. 1962). "l'Église et la vie religieuse en Occident à la fin du Moyen Âge" (PUF. 1979).VrÍn. 1990). 2 vols. Registe-se ainda uma visão sintética em "Les lignes de faîte du Moyen Âge" (Casterman. de Marie-Dominique Chenu. 6.a ed. um compêndio extremamente útil. graças a trabalhos tornados já clássicos como "La Civilisation de l'Occident mediéval" (Arthaud. 1959). de Jacques Le Goff e "l'Adolescence de la Chrétienté médiévale. 1967). "l'an Mil" (Julliard. 1984). de Louís Génicot. de L. que é também autor de "Écoles et enseignements dans le haut Moyen Âge" (AubierMontaigne. "Éducation et culture dans l'Occident barbare 6e-8e siècles" (Seuil. o curso de Alphonse Dupront sobre "La Paupauté et l'Église catholique" (Cdu-Sedes. de Bernard Guénée.Ducellier que. 1968). Sobre o período do que se designa por Alta Idade Média e sobre a emergência do cristianismo no mundo pós-romano. autor de uma excelente "Histoire de la papauté: de l’origine au concile de Trente" (Fayard. 1962). "Précis d'histoire monastique" (Bloud et Gay.. "Un temps d'épreuves (1274-1439)". o vol. 1956 e segs. E. forneceu também: "La théocratie. como se sabe. destacam-se os trabalhos de dois eminentes 410 historiadores: Guillaume Mollat. 2 vols.Âge" (de Boccard. l'Église et le pouvoir au Moyen Âge" (Aubier-Montaigne. 1959). autor também de uma obra sobre "La Spiritualité du Moyen Âge occidental: VIII-XII siècles" (PUF. 1989). Marcel Pacaut. 1977).. 1981). continua a ser. "Les moines" (Desclée). "Les moines en Occident" (Fayard. em "le . 3 vols. Salientemos ainda em edição recente (1990) e inaugurando o monumento de cultura que será a "Histoire du Christianisme". Sobre a acção dos papas reformadores. autor de "La papauté d'Avignon" (PUF. um papel capital no estabelecimento da cristandade e da civilização medieval. apesar dos anos. 1985). "Les Moines et la civilisation" (Arthaud. de Augustin Fliche.). 1961-1965). 1980). 1941) e Yves Renouard. Entre uma produção espantosa. 1957). autor de "Les Papes d'Avignon" (Letouzey et Ané.. de André-Jean Festugière. 1968). no que respeita ao Oriente. "Les moines d'Orient" (Cerf. sob a responsabilidade de Michel Mollat e André Vauchez. À frente dessas "heresias". publicada por Desclée-Fayard. Quanto aos papas de Avinhão. A penetração do espírito laico na cristandade desde a Idade Média inspirou a Guillaume de Lagarde uma obra fundamental. 5 vols. de André Vauchez. O monaquismo representa. obra que retomou sob outra forma na "Bibliothèque d'Histoire du Christianisme" (Desdée. "La naissance de l'esprit laïque au déclin du Moyen Âge" (Nauwelaerts. o catarismo. 1964). de Patrice Cousin. de Guy-Marc Oury. de Jean Décarreaux. 1929). XIXVIII siècles" (Mouton. Histoire et spiritualité" (Beauchesne. uma grande obra de referência. 1924-1937). destaco: "Le monachisme. de Yvan Gobry. 6. estudado entre outros por Jean Duvernoy. 1975). A teocracia papal furtou-se às pretensões dos reis de França quando os papas se instalaram em Avinhão: "Le gallicanisme" (Bloud et Gay. um clássico quase sem rugas: "La réforme grégorienne" (Bloud et Gay. Este fenómeno é acompanhado de um despertar de "heresias" e de movimentos contestatários como o demonstram bem Jacques Le Goff e seus colaboradores em "Hérésies et sociêtés dans l'Europe pré-industrielle. de Victor Martin. O Renascimento. de José Sebastião da Silva Dias. e.. As Ed. 1989). 1988-89). pelo seu valor. 1905-1946).Catharisme" (Privat. de Régine Pernoud. mais recentemente. o excelente e bem documentado estudo de António Borges Coelho.. "La chrétitenté et l'idée de croisade" (Albin Michel. com algumas obras. Caminho. instrumento de submissão e de punição de heresia. caracterizada pela escalada do humanimo racionalista e anti-romano. de Alexandre Herculano. de P. a Reforma protestante A grande viragem do século XVI. onde eu assegurei o capítulo respeitante ao século XIX. como "Les hommes de la Croisade" (Tallandier. o sarraceno. com destaque para a já "clássica" "História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal" (3 vols. Jean-Pierre Dedieu (Cerf. 1982). de António José Saraiva. entre os mais recentes salientam-se: "Les marcheurs de Dieu. Croisades et pèlerinages. suscitou inúmeros trabalhos. A imensa literatura relativa às Cruzadas tem-se enriquecido.. "Histoire de l’Inquisition au Moyen Âge". 1937).) ao velho clássico de HenriCharles Lea. 1989). "Les Vaudois" (Turin. recentemente por G. O inimigo mais longínquo do cristão é o muçulmano. Testas (PUF. ideia que inspirou muitos livros. obra dirigida por Henri Branthomme e Jean Chélini. nos nossos dias. 2 vols. de Pierre Alphandéry e Alphonse Dupront. Jêrome Millon deram vida (3 vols. mas entre os mais recentes convém destacar. "Les chemins de Dieu. a história da Inquisição tem sido também muito abordada pelos nossos ensaístas e historiadores. 1989). Sobre os valdenses. 2 vols. 1950-1960). Em Portugal. Albert Meynier. podemos consultar de Gabriel Audisio. A ideia das cruzadas está ligada à das peregrinações. 1987) e Henri Maisonneuve (Desclée-Novalis. foi estudada por muitos historiadores. 18541859). "A Inquisição em Évora" (Ed. Sigal. 1974).. 411 . de Alphonse Dupront. Images et langages" (Gallimard. "Erasmo e a Inquisição em Portugal" (1975). 1954-1959). Loubatières. 1966). "Du sacré. e por Anne Brennon em "Le Vrai visage du catharisme" (Ed. A. histoire des pèlerinages des origines à nos jours" (Hachette.. carcereiro do túmulo de Cristo. e J. A Inquisição. "Para a História da Cultura em Portugal" (3 vols. 1977). Pèlerinages et pèlerins au Moyen Âge" (Armand Colin. 1982). Fides. o estudo de Pierre Imbart de la Tour sobre "Les Origines de la Réforme en France" (4 vols. "Martin Luther. 1970).a ed. Início. 1965). Pontos de vista mais particulares em livros como "Les mythes chrétiens de la Renaissance aux Lumières" (Albin Michel. 1969). La Réforme et les protestants (Mame. Léonard (PUF.a ed.. Para completar e comparar com Paul Fath. G. la violence au temps des troubles de religion 1525-1610" (Champ Vallon. de Joseph Lortz. 3. La crise de la chrétienté. 1957. e "Église culture et sociéte: essais sur Réforme e Contre-Réforme de 1517 a 1620" (Cdu-Sedes. "Du catholicisme romain au christianisme évangélique" (Berges-Levrault. e Albert-Marie Schmidt. 2. 1986). la crise et la Renaissance" (Melun. 1982). Ed. "Les dissidents du 16e siècle entre l'humanisme et le catholicisme" (Koerner. 1948). "l'Aventure de la Réforme" (Hermé et Desclée de Brouwer. Colocar ainda em lugar de relevo as duas obras essenciais de Lucien Febvre. podem destacar-se alguns estudos contemporâneos que escapam aos antigos clichés: "Luther et l'Église confessante" (Seuil. em "À la rencontre de Calvin" (Geog. A fisionomia e a mensagem de Calvino estão bem esclarecidas por Bernard Gagnebin. "Naissance et affirmation de la Réforme" (PUF. de Lucien Febvre.. de Daniel Olivier. Genebra. de Georges Casalis. de Jacques Sole. 1975). 1957). 1951). 1968). Denis Crouzet acaba de publicar de novo a história das guerras de religião em França com "Guerriers de Dieu. "Voies et visages de la Réforme au 16e siècle" (Desclée.que se completa com outra das suas obras "l'Église catholique. 1984). 1989). de Georges Chantraine.. L'éclatement: 1220-1550" (Fayard. 1962). autor de "Jean Calvin et la tradition calvinienne" (Seuil. 1983). é sempre necessário recorrer aos três volumes de E. "O Problema da Descrença no Século XVI" (tradução portuguesa de Rui Nunes. Na colecção catequética. 1984). sem esquecer ainda "Un destin: Martin Luther" (Albin Michel. Pierre Chaunu propõe uma visão original em "le Temps des Réformes. "La Réforme de Luther" (Payot. 1979). com nova edição em Cerf. Importante como sempre. Para a história geral do protestantismo. Jean Delumeau. 1961-1963). de Marc Lienhard. 1981). 1972) e "Au coeur religieux du 16e siècle" (Albin Michel.. De la liberté du chrétien" (AubierMontaigne. A Contra-Reforma católica . embora breve. 2 vols. de Jean Delumeau. livro de iniciação de René Marlé. 1984). 1986). o excelente. nem "Le cas Luther" (Desclée de Brouwer. 1981). 1957. 2 vols. Sobre Martinho Lutero. Pierre Janton. "Erasme et Luther" (Dessain et Tolra. de N. Importante estudo é. 1976). como se demonstra na obra de Paul Brotin com o excelente estudo sobre "la Réforme pastorale en france au XVIIe siècle" (Desclée. o de Victor Baroni sobre la "Contre-Réforme devant la Bible: la question biblique" (Slatkine. "L'École française de spiritualité" (Desclée. O tempo da Contra-Reforma. posso destacar: "Bérulle et le sacerdoce" (Lethielleux. Excelente visão de conjunto da história do padre pode observar-se em "Deux mille ans d'Église en question: théologie du sacerdoce" (Cerf. e também muito desigual. 1985). "Un artisan du renouveau chrétien au XVIIe siècle: saint Jean Eudes" (Cerf. "La Contre-Réforme". desde 1967. por um renascer do clericato. de que se compreende melhor a sua importância graças a Hubert Jedin e à sua "Histoire du Concile de Trente" (Desclée.. e "L'Esprit vincentien" (Desclée de Brouwer. 1956) e Pierre Sage. 1965) e a Louis Willaert. 1981). encontra-se na obra de Raymond Deville. ou Reforma católica.. autor de uma tese original e substancial sobre "Le Bon prêtre dans la littérature française" (Droz. nova ed. 1951). 1963). Uma boa síntese. de Gustave Martelet. autor de "Après le Concile de Trente. de André Dodin. é também marcado por uma forte escalada da espiritualidade mística: fenómeno que brilhantemente foi estudado por Henri Bremond através da sua monumental e insubstituível "Histoire littéraire du sentiment religieux en France depuis la fin des guerres de religion" (Bloud et Gay. 11 vols. La restauration catholique 1563-1648" (Bloud et Gay. 2 vols. "Saint Français de Sales et l'esprit salésien" . cuja reedição está assegurada. de Pierre Cochois. 1966. 1986). de Paul Milcent. 1960). Mas é também o tempo da santidade e mais particularmente dos criadores de congregações e sociedades clericais para a orientação dos seminários. para o grande público. "Le Prêtre français du Concile de Trente à nos jours". pois.. 1987). por Armand Colin.Na origem da Reforma católica situa-se a obra do Concílio de Trento. 19161936). Davidson (Cerf-Fides. 1986). Esse esforço traduz-se. 1989) apresenta um breve. em particular. 3 vols. "Saint Vincent de Paul et la charité" (Seuil. e "Bérulle et l'école française" (Seuil. na "Bibliothèque d'Histoire du Christianisme" (Desclée. de Marcel Dupuy. 1988-1990). 1969). Numa literatura hagiográfica abundante. Eu próprio publiquei. mas luminoso esboço acerca do esforço da Igreja Católica para 412 escapar à tarefa laicizante. S. l'Église et Dieu dans la France au XVIIIe siècle". 16801715" (tradução portuguesa na Ed.é então confrontada com os progressos da primazia dada à ciência: a ciência do Universo como crítica histórica. Victor. 1962) . 1978). Roma vê-se defrontada com a poderosa corrente jan-senísta. 1978). tornam-se manifestos no fim do reinado de Luís XIV como demonstra Paul Hazard na sua obra poderosa e inteligente que é "A Crise da Consciência Europeia. 1943). O Século das Luzes (séculos XVII-XVIII) No limiar desta grande época. ed. de René Taveneaux. historiador que. que é o de Jean Quéniart (Hachette.. R.a "infame" para Voltaire. XIV-XVIIIe siècles" (Fayard. nova ed. A Igreja Católica vê-se então confrontada com novos problemas. 1988). 1966) e "La Civilisation de l'Europe des Lumières" (Arthaud. à escalada dos racionalismos. 1960). Fides. 2 vols. No seu interior. como a "descristianização" começa então a arruinar o grande edifício do catolicismo. 1986). Trevor-Rope em "De la Réforme aux Lumières" (Gallimard. M.(Seuil. encontramos Pierre Chaunu e os seus dois monumentais estudos sobre "La Civilisation de l’Europe classique" (Arthaud. "Voltaire. de Yvon Belaval e Dominique Bourel. 1971). obra que alarga os dados apresentados no livro brilhante de Jean Steinmann. nas consciências cristãs. "Jean-Jacques Olier" (Albin Michel. refiro um desses estudos. Presença. de Jean-Pierre Longchamp. sobre "Les Hommes. entre os melhores. nov. 1962) e "Saint François de Sales" (G. e "Le Siècle des Lumières et la Bible" (Beauchesne. 1966). acerca da qual se deve sempre . com alguns perigos inéditos que nascem da própria modernidade. completando-se com "Le catholicisme entre Luther et Voltaire" (PUF. 1972). recentemente. de Paul Renaudin. Lajeunie. deve consultar-se o excelente estudo "Le Catholicisme dans la France classique 1610-1715" (CDU-Sedes. de E. 413 mostra a que ponto a crença de religião resistiu. escritor sobre a influência de quem é necessário ler o ensaio de C. "Richard Simon et les origines de l’exégèse biblique" (Paris. 1980). Para o século XVII. Rins. ver: "L'affaire Galilée" (Cerf. Inúmeros e excelentes estudos universitários têm referido. A Igreja romana . de Jean Delumeau. 1978). A este propósito. A Época clássica. recherches sur les origines du matérialisme historique" (Droz. em "Peur en Occident. 1971) ou ainda H. biógrafo do "Saint du siècle des Lumières: Alphonse de Liguori" (Nouvelle Cite.consultar Jean Orcibal. René Taveneaux. ao longo do tomo 21 da "Histoire de l'Église". continua como um clássico. assinou uma sugestiva "Vie quotidienne des jansénistes" (Hachette. "le Jansénisme" (PUF. e M. a mística e a santidade não estão ausentes do século XVIII. como se demonstra em particular nas obras de Théodule Rey-Mermet. de Fliche e Martin 414 (Bloud et Gay. precisamente intitulada "Le Pontificat de Pie IX". 1961). tal como foi definida e posta em prática em França por Lucien Febvre e Marc Bloch. 5 vols. que apareceram depois da Revolução Francesa. 1973). Les jansénistes du XVIIe siècle" (Fayard. da Europa. considerada como um elemento essencial de toda a História. Pode encontrar aí verdadeiras biografias essenciais. Sobre o lugar crescente da história religiosa. ver de Jean-Marie Mayeur "L'Histoire religieuse de la France: 19-20e siècles. Do mesmo modo. as numerosas histórias gerais do Mundo. que menciono à frente desta bibliografia e convido o leitor a consultálas. e ainda Antoine Adam. sob a pena sagaz de Roger Aubert. A Revolução francesa Em anexo a esta bibliografia. através da história do pontificado de Pio IX (1846-1878). e também Louis Cognet. 1964). Três estudos recentes devem consultar-se a este respeito: "L'Église et les États concordataires 1846- . constituem cada vez mais um importante espaço para a história religiosa. Problèmes et méthodes" (Beauchesne. fundadores em 1929 dos "Annales d'histoire économique et sociale". O período contemporâneo (séculos XIX-XIX) A produção histórica sobre este período é incomensurável e não deixa de se enriquecer. "Du Mysticisme à la révolte. 1968). 1947-1962). Olphe-Gaillard.. A Igreja romana pós-revolucionária é uma potência que representa um papel importante nas relações internacionais e com os governos. 1975). da França. tal como a que se esboça. 1982). desenvolveremos melhor sobre a Revolução Francesa e as obras religiosas que ela inspirou. autor da "Théologie mystique en France au XVIIIe siècle" (Beauchesne. que se impôs como o melhor especialista contemporâneo do jansenismo. 1984). Por outro lado. Mas têm aqui um lugar de relevo as obras gerais relativas à História da Igreja. cuja "Origines du jansénisme" (Lovaina. particularmente em França. autor muito antilaico da "Histoire contemporaine de la laicité française" (Rivière e depois Nel. de Marcel Merle e Christine de Montclos. que desempenha um papel motor no movimento operário ligado à industrialização maciça que caracteriza a segunda metade do século XIX. Émile Poulat permanece como a grande referência quando se trata do modernismo. religiosos e religiosas. Durante muito tempo. pela actividade espiritual e caritativa de muitos dos seus membros. 1990) de Luc Néfontaine. e "Analyse marxiste et foi chrétienne" (Ed. permite uma visão clara sobre as sociedades secretas condenadas pela Igreja. No começo do século XX. ouvrières. 1925) e o historiador eclesiástico Louis Capéran. 1988). 1976). O admirável esforço missionário da Igreja no século XIX inscreve-se também na história das relações internacionais. Tavares Martins. Os rápidos progressos das ideias laicas. de Jean Julg. Histoire des concordats" (Nouvelle Cite. 1990). a franco-maçonaria aparece como o Deus "ex machina" do laicismo avassalador: "Église et francmaçonnerie" (Chalet. sendo essencial a sua obra "La Crise moderniste" (Casterman. Pode consultarse também "Le Modernisme" (Beauchesne. Outro adversário da Igreja é o marxismo. 1957-1961). 1983). 1980). permito-me salientar os 2 vols. autor de uma esclarecedora "Histoire de l'idée laïque au XIXe siècle" (Alcan. da minha obra "l'Église et les ouvriers en France" (Hachette. de Simon Delacroix. de René Coste. de Dominique Dubarle. duas obras de base são devidas a jesuítas franceses: "O Pensamento de Karl Marx". Sobre o afastamento da classe operária em relação à Igreja. 1965 e segs. 3 vols. laicos.. O que não impede a Igreja de ser santificada. l'Église et les États. A multiplicação sem precedentes das congregações femininas no século XIX inspirou a Claude Langlois uma obra capital: "Le 415 . "L'Église catholique et les relations internationales" (Centurion. 2 vols.1981" (Cerf. a crise modernista abala a Igreja. 1962-1979). 1984 e 1990). de Jean-Yves Calvez (tradução portuguesa em ed. de Roland Minnerath. padres. no interior. inspiraram contraditoriamente o historiador laico Georges Weill. 1960). onde a propósito merece referência um trabalho que é fundamental: "Histoire universelle des missions catholiques" (Griind..). Sobre Marx. de F.homens e mulheres . 2 vols. de Gabriel Le Bras. nova edição. 1946-1948). de Jean-Yves Calvez e Jacques Perrin. 1946. 1935). 1959). 1991). 1955) e Xavier de Montclos. 1988). Bento X e Pio XI esperam ainda os seus verdadeiros biógrafos. l'enseignement social des papes de Léon XIII à Pie XII" (Aubier-Montaigne. de Yves Marchasson. e sobretudo em "Les Papes du XXe siècle" (Desclée. que inspirou muitos trabalhos. 1976). com "Le Vatican et la Seconde Guerre mondiale" (Pedone. em parte para alterar as suas estratégias pastorais. e "La Pensée sociale de l’Église catholique: un ideal de Léon XIII à Jean-Paul II" (Albatros. 2 . 1942-1945). mas podemos encontrar elementos interessantes em "La Paupauté contemporaine". podemos consultar. a Igreja sente necessidade de contar as suas forças. de Fernand Boulard e "Études de sociologie religieuse" (PUF. ouvrières.num conjunto fervilhante. Um reparo para terminar: Leão XIII. deu motivo a inúmeras aproximações. 1989). Approches historiques" (Beauchesne. du Nord. cuja síntese foi assegurada por Bernard Plongeron em "La Religion populaire dans l'Occident chrétien. os ensinamentos sociais dos papas depois de Leão XIII ("Rerum novarum". que certos historiadores consideram. L'épreuve totalitaire" (Plon. como a grande "oportunidade" da Igreja. Em contrapartida. Dos dois fundadores da sociologia religiosa. Um século que. que assinou "Les Chrétiens face au nazisme et au stalinisme. talvez abusivamente. como a Acção Católica. entre outros trabalhos: "Premiers itinéraires en sociologie religieuse" (PUF. 1971). 1983) e que publicou os trabalhos do colóquio de Lião sob "Les églises et les chrétiens dans la Seconde Guerre mondiale" (PUF. Perante os progressos da descristianização.. foi fértil em obras e iniciativas de toda a natureza. como devia ser o século XX. Por seu lado. de que se salientam: "Église et société économique. Soc. em parte para se tranquilizar. 1891). 1878-1945 (PUF. esforço-me por situar e integrar essa acção católica dos leigos . dois autores se impõem: Paul Duelos. 1985). 1955-1956). têm sido objecto de numerosos trabalhos e estudos. Maurice Nédoncelte evidencia-se bem com "Les Leçons spirituelles au XIXe siècle" (Paris. Marc-Bonnet. Sobre a atitude da Igreja durante a Segunda Guerra Mundial. 1980). A religião popular. "Femmes et religieuses au XIXe siècle" (Nouvelle Cite.catholicisme au féminin" (Cerf. de que destaco: "L'Action catholique" (Ed. No meu livro "Les Laïcs dans l'Église de France 19-20e siècles" (Ed. Lille. que pode aliar-se com a obra de Yvonne Turin. Pio X. de Patrick de Laubier. 1986). du Cèdre. 1990): "Guerres mondiales et totalitarismes (1914-1958)". 1980). 1985). O papado contemporâneo (depois de Pio XII) Historiadores e jornalistas.vols. 1984). cuja audiência não tem paralelo com o passado.-M. de Michel Boulet. O Concílio Vaticano II (1962-1965). A sua aplicação. de Giuseppe Alberigo e Jean-Pierre Jossua. "Le Concile Vatican II" (Cerf-Fides. 1985). 4 vols. 1981). 1981). 1978). "Jean XXIII. 1978-1982).. "La Collégialité épiscopale au 2e Concile du Vatican" (Ed. Sobre a história. abundam muitos trabalhos. 2 vols. Sobre a aplicação das decisões conciliares: "Les Églises après Vatican II. Dynamisme et prospective" (Actas do colóquio internacional de Bolonha. de Henri Denis. pois. "De Vatican II à Jean-Paul II" (Centurion. de Olivier de Denichin. 1989). 1978). monumental e riquíssima que constitui o vol. Mayeur. 1988). "Église. essai biographique" (Centurion. Sobre o "bom Papa João": "L’Utopie du pape Jean XXIII" (Seuil.sempre marcante . necessária uma escolha e esforcei-me por isso: sobre Pio XII um ensaio de Jean Chélini. debates e orientações do Concílio Vaticano II. de Joseph Thomas. de Lawrence . 416 1963-1966). 1985). "Le Concile: 20 ans de notre histoire" (Desclée. de Gustave Martelet. 1985). de Antoine Wenger. 1982). "L'Héritage du Concile: le choc des médias" (Desclée. Chroniques des quatre sessions" (Centurion. Beauchesne. 1980. auxiliados pelos meios de comunicação social. 1981). 12 da "Histoire du christianisme" (Desclée-Fayard. aconselho cinco obras: "Vatican II. Acrescentemos a obra recente. de Yves Congar. "L'Église sous Pie XII" (Fayard. qu'as-tu fait de ton concile?" (Centurion. de Gérard Defois e colaboradores. Gaudium et Spes 20 ans après" (Centurion. É. sob a responsabilidade de J. Recomendo sobretudo "La Réception de Vatican II" (Cerf. 1983-1985) e as actas de um colóquio universitário (Faculdade de Direito de Aix-en-Provence): "Pio XII et la Cité" (Téqui-Presses universitaires de Aix-Marselha. de Giancarlo Zizola (Seuil. "Le Concile de Vatican II" (Beauchesne.. "Les Idées maitresses de Vatican II" (Cerf.dos últimos cinco papas. Sobre a aceitação e aplicação do Concílio. de Jan Grootaers. "Présente Église. têm à vontade explorado a personalidade . A sua aceitação. e também "L'Évêque de Rome" Jean-Marie Tillard. estes autores colocam boas questões como faz Danièle Hervieu-Léger e Françoise Champers quando se interrogam se se caminha "Vers un nouveau christianisme"? (Cerf. por seu turno. em 1973. de Paul Guilmot. familiar deste Papa. 1988). Loose.. 1988). "Jean XXIII devant l'histoire" (Seuil. pela École française de Roma sobre o tema: "Paul VI et la modernité" que depois publicou. N. O familiar do Papa polaco. e o ensaio de Georges Huber. l'aventurier de Dieu" (Carrière-Lafont. Na verdade. os dois papas João Paulo I e II são personalidades que escapam ainda à história serena. Porque a crise pode desembocar num mundo novo como pensa Gérard Leclerc.Elliott e H. 1978). 1977). pode ler-se com proveito os escritos do papa Luciani. analisou as "Voyages de Jean-Paul II" (Centurion. 1962-1986. "Jean-Paul I ou la vocation de Jean-Baptiste" (SOS. revelando alguns desses títulos qualquer coisa de apocalíptico: "Le Christianisme éclaté" (Seuil. "Le Christianisme va-t-il mourir?" (Hachette. 1980). 1974) e "Le Pape" Paul Poupard. 1990). 1988). "Fin d'une église cléricale?" (Cerf. As memórias de Jean Guitton. 2. le pape du concile" (Centurion. No entanto. é o título de um ensaio de Jean Offredo. 1986). autor de "L’Église catholique. "L'Église en panique" (Desclée. 1970). 1986). "Jean-Paul II. que é esclarecedor. 1986). A Igreja actual A crise que a Igreja vive em permanência desde o Vaticano II inspirou e inspira uma avalanche de escritos. Crise et renouveau" (Denoel. são igualmente preciosas: "Dialogues avec Paul VI" (Fayard. de Jean Delumeau. de Giuseppe Alberigo e colaboradores. de (Cerf. de Philippe Brunetière. muitas vezes subjectivos e polémicos. poderá consultar-se com vantagem: Vatican" (Paris. de geral. de Peter Hebblethwaite. em que se reuniram os discursos e outros escritos sob o título "Humblement vôtre" (Nouvelle Cite. 1967). de Michel de Certeau e Jean-Marie Domenach. 1980). confia as suas impressões em "Portrait de JeanPaul II" (Robert Laffont. Christine de Montclos. 1974). ou René Laurentin em "Église qui vient: au-delà des crises" . 1979).a ed. "Paul VI secret" (Desclée de Brouwer. A memória de Paulo VI beneficia dos trabalhos de um colóquio organizado. 417 Num plano mais "Connaissance du (PUF. 1969). André Frossard. Não beneficiando do distanciamento no tempo. 1982). "Jean XXIII. 1985). "La confusion des langues. 1984). e. entre os quais se destacam: "Des . de J. uma teologia da libertação. 1982) permanecerá certamente como um clássico. martyr du Salvador 1917-1980" (Centurion. 1969). 1990). 1976). com três jesuítas. Jean Daniélou. "Théologies de la libération: documents et débats" (Cerf. revela-se um crítico agudo da actual política do Vaticano em "Église en procès" (Flammarion. Por sua vez. 1981). sobre o freio que é necessário colocar no caminho de Vaticano II. a de Alain Besançon. Dentro da mesma linha. sobretudo. 1989). Paul Valadier. 1978). 1984).(Desclée. Centurion. 1972) e Gérard Defois. inclina-se com alguma afectação sobre "L'Occident en mal d'espoir" (Fayard. O Terceiro Mundo e a América Latina inspiram. que desembocou numa produção abundante de obras. La crise idéologique de l’Église" (Calman-Lévy. Por um lado. que lembra em vários aspectos. de Santa-Anna. desde há quinze anos. por Étienne Fouilloux. "Les Chrétiens et le tiers monde" (Karthala.outro aspecto do cristianismo contemporâneo está bem estudado por Jacques-Élie Desseaux em "Dialogues théologiques et accords oecuméniques" (Cerf. em Émile Poulat que analisa com finura as crises contemporâneas em "Une Église ébranlée" (Casterman. Yves Congar. 1970) e Henri de Lubac. "Église dans la crise actuelle" (Cerf. cujo importante trabalho sobre "Les Catholiques et l'unité chrétienne du 19e au 20e siécle" (Centurion. 1989). Quanto ao problema comunitário . 1982). esforça-se por abordar com objectividade um dos aspectos mais dolorosos da crise da Igreja. Dois pontos de vista opostos.sob a forma carismática ou não . "Autorité et contestation dans l'Église" (Genebra. de que se salientam: "l'Église de l'autre moitié du monde" (Karthala. de Bertrand Cabedoche. portanto. 1982). autor de um importante ensaio "Le désenchantement du monde: une histoire politique de la réligion" (Gallimard. O diagnóstico é mais frio e. 418 O ecumenismo . mais convincente. "Mgr Komero. 1977). 1985). Esta atitude entronca com a de Marcel Gauchet. 1980). autor de "Vulnérable et passionante Église" (Cerf. com "La Crise de l’Église et Mgr Lefebvre" (Cerf. ler os debates e trabalhos do Colóquio de Bolonha de 1983 sobre "La Chrétienté en débat" (Cerf.que modifica a situação da Igreja. Claude Geffré acredita que se avança para "Un nonvel âge de la théologie" (Cerf. Por outro lado. tem inspirado muitos escritos. senão inquirindo seriamente sobre as reacções de milhões de leigos católicos. 1982).communautés pour l'Église" (Cerf. mesmo a alguns colóquios notáveis. depois. é um pioneiro da renovação da historiografia religiosa que incide sobre a Revolução Francesa. como causa de um vasto "deserto de culto"? Como explicar. Sem dúvida. O colóquio histórico mais importante e mais original foi obra de Bernard Plongeron. que se efectuou em Chantilly de 27 a 29 de Novembro de 1986. podemos lamentar que a história religiosa tenha aí ocupado. Mas não é menos exacto que. um colóquio universitário abordava esta questão central não tanto para dar respostas definitivas. volume colectivo. a Europa ocupada pelos exércitos da Revolução. 1981). em definitivo. BIBLIOGRAFIA ANEXA A história religiosa da Revolução Francesa Como seria. de Jean Rigal. protestantes e judeus. reuniu duzentos e cinquenta participantes de dez países e organizou-se em redor do tema: "Práticas religiosas. então. Não se tem repetido muitas vezes que a França e. Esse colóquio. desde há uns vinte anos. sob a responsabilidade de Bernard Rey. muitos dos projectos elaborados a partir de 1983 e submetidos à Comissão Nacional de Pesquisa Histórica para o Bicentenário da Revolução Francesa (secretário-geral Michel Vovelle) evaporaram-se rapidamente. 1770-1820". . Como é naturalmente impossível falar desses trabalhos e colóquios de uma forma exaustiva. Sem dúvida. foi da parte dos universitários que os esforços para dar sentido e vigor ao bicentenário da Revolução se revelaram mais importantes e eficazes. a historiografia religiosa saiu enriquecida das próprias comemorações. professor do Instituto Católico de Paris e Director de Pesquisas do CNRS que. que 419 vivem a sua fé todos os dias. revelo aqui as suas linhas principais. as eflorescências religiosas do começo do século XX. mergulharam no ateísmo militante. tanto na clandestinidade como à luz da vida pública? Pela primeira vez. mentalidades e espiritualidades na Europa revolucionária. de esperar. graças a inúmeros e novos trabalhos. "Jésus vivant au coeur du Renouveau charismatique" (Desclée. 1990). "Nouveaux témoins de l’Église: les communautés de base" (Centurion. um lugar relativamente restrito na pesquisa histórica relativa à Revolução. Universidade de Provence). "La Révolution. de André Latreille. 1985. "l'Église de France sous la Révolution" (Laffont. A esta lista. Os melhores especialistas da Europa. 1988. republique de l'esprit". Escola de Altos Estudos e Ciências Sociais). 1949). "Église.. une rupture dans le christianisme limousin" (Limoges. as confrarias e as congregações. desde sempre a mal-amada dos historiadores católicos: "l'Église catholicjue et la Révolution française" (Hachette. e "la Crise révolutionnaire 1789-1846" (Bloud et Gay. de Jean Leflon. exploraram as práticas.mas sobretudo para apresentar alguns esclarecimentos inéditos sobre essa grande desconhecida: a vida religiosa dos leigos durante a Revolução. dévotions â l'épreuve de la Révolution" (Marselha. 1988. as suas atitudes e resistências perante o poder jacobino. Brepols: pelo rigor dos textos que se apoiam directamente nos arquivos. sobretudo no que respeita à Igreja constitucional. Cerf. Universidade de Clermont). Entre os inúmeros livros inspirados pela história religiosa da Revolução Francesa. Monique Cubbels e René . publicado em 1988. tomo XX da "Histoire de l’Église". Entre as obras recentes que se aproximam mais destes clássicos: "La pique et la croix. Universidade de Lille III. de Fliche e Martin). 1989). etc. nas Ed. Universidade de Haute-Bretagne. tanto mais que foram as primeiras obras a alargar os horizontes. vie religieuse et Révolution dans le Nord-Pas-de-Calais et la Belgique" (Arras. 1986. acrescente-se ainda o colóquio organizado em Toulouse. Podemos também destacar a obra antiga. é todavia de leitura perfeitamente acessível. 1951. sacramentalização e dessacralização. Entre os outros colóquios. "Midi rouge et midi blanc" (Avinhão. destaca-se "Les résistances à la Révolution. As actas deste colóquio foram reunidas num grosso volume (778 páginas). não se encontra nenhuma síntese geral semelhante às duas clássicas que sempre se podem consultar com interesse. de Bernard Cousin. as menralidades e as correntes de espiritualidade sobre casos precisos: transformações de paróquias. Vinte e nove regiões ou províncias da França e da Europa manifestaram assim as suas diferenças.° 2). nova eds. por ocasião do 2° centenário do Edicto da Tolerância (de Luís XVI em proveito dos protestantes) sobre o tema: "La tolérance. casamento e divórcio. de Charles Ledré. "Paroisses. este livro erudito e prudente nos juízos feitos. mas excelente. La Contre-Révolution" (Rennes. confréries. 2 vols. Histoire religieuse de la Révolution française" (Centurion. GrecoCNRS n. ao longo de setenta comunicações. Rennes II). 1970). em 1987. as mulheres e o seu novo papel. 1989. 1950. de Stéphane Riais e "la Contre-Révolution. 1988). Um livro breve. de Jean Dumont. mas sugestivo. 1989) . de Yann Fauchois. "Quelle religion pour la Révolution?" (Ed. 1976). François Furet. Postérité" (Perrin. 1770-1880" (Hachette. autor também de um ensaio polémico sobre "La Révolution ou les prodiges du Sacrilège" (Criterion. Origines. da Universidade Livre de Bruxelas. de Paolo Calliari (1976). Entre os autores actuais da historiografia revolucionária. as opções e as convicções pessoais não podiam. muito poucos se dedicam à história religiosa: em particular. cuja perenidade é testemunhada por essas obras. 1988). autor já de uma 420 notável obra sobre "La déchristianisation de l'an II" (Hachette. 1990). 1789-1804" (PUF. com as suas ambiguidades e excessos. De la Raison à l'Être Suprême" (Complexe. é "Religion et France révolutionnaire" (Herscher. até ao livro de Jean Chaunu (filho de Pierre Chaunu): "Droits de l’Église et droits de l'homme" (Criterion-Histoire. Noutro campo. os ensaios abundam. onde se discute desde há muito tempo. sobretudo pelas suas ilustrações. "Christianisme et Révolution" (Nouvelles éditions latines. Histoire. estar ausentes de um domínio tão escaldante. Completar essa leitura com "Révolution et contre-révolution au XIXe siècle" (Albatros. 1989).obra inspirada nos escritos de Pio VI -. Révolte contre Dieu" (Cèdre. 1989) reflecte um espírito muito fortemente laico. 1988). 1988). A contra-revolução. passando por: "1789. 1989) e de "l’Église au risque de l’histoire" (Criterion. evidentemente. de Jean de Viguerie.Moulinas. 1987). 1989). E Mona Ozouf permanece como a indispensável introdutora à "La fête révolutionnaire" (Gallimard. Mas devemos destacar o livro de Michel Vovelle. "Pourquoi nous ne célebrerons pas 1789" (Argé. 1969). deve ser estudada na perspectiva do esclarecimento feito por Jacques Godechot. o espírito contra-revolucionário. que despertou mais ressentimentos e . de Jacqueline Chauveau. 1976): "la Révolution contre l'Église. sob a direcção de Jean Tulard. 1986). que reeditou felizmente "la Contre-Révolution. A irritante e complexa questão religiosa está bem esclarecida por Jacques Sole no seu interessante ensaio: "La Révolution en questions" (Seuil. As ideologias. desde "la Conjuration de Satan" (Nouvelles édition latines. dá-lhe algum destaque na sua grande obra "La Révolution. 1984). 1987). Foi naturalmente a Guerra da Vendeia. pequeno livro em que coloquei o acento no papel maior do clero na Revolução de 1789. Inspirando-me em trabalhos de Bernard Plongeron. de Roger Dupuy. brilhante introdução à nova "crise da consciência europeia". desbrava um terreno singularmente ensombrado. 1984). Já em 1964. reuniu a partir de 1986. Nas Ed. 1988). Regards sur l'historiographie religieuse de la Révolution française" (Picard. de Reynald Schérer. À frente. La Vendée vengée" (PUF. 1987). 1973). 1964). Muito subjectivo é "Le Génocide franco-français. Logique d'un massacre" (Plon. de Elie Foumier. em que Bernard Plongeron publicou a sua "Histoire du diocèse de Paris" (1987-88). que apareceram nas monografias diocesanas. pela prestação ou não prestação. como seria de esperar. a partir de 1791. é o "cisma" que. encontramos ainda alguns elementos úteis em "Septembre 1792. de Jean-Clément Martin. 1969). do juramento cívico. Mas. e "La Vendée de la mémoire 1800-1980" (Seuil. os capítulos relativos à Revolução. de Ivan Gobry. que é um estudo essencialmente arquivístico. Beauchesne. de 1795 a 1800. 1988). Muito mais sereno e. sobre os méritos reais da Igreja constitucional e sobre a eclesiologia original aplicada. 1989). pela Igreja dos bispos-reunidos (abade . sob o título geral de "l'Église de France et la Révolution". Com uma orientação muito acentuadamente contrarevolucionária. como "La Terreur bleue" (Albin Michel. Paysans en Bretagne 1788-1794" (Flammarion. mais interessante para os estudos históricos é "De la Révolution à la chouannerie. e "Les martyrs de la Révolution française" (Librairie Académique Perrin. a do fim do século XVIII. Nem todas as produções históricas foram prejudicadas por isso. seguida ainda de "Théologie et politique au siècle des Lumières. 1770-1820" (Droz. publicando um admirável estudo: "Conscience religieuse en Révolution. Sens et conséquences d'une option: 1789-1801" (Vrin. provoca e inspira os trabalhos mais originais. 1989). Mais tarde. portanto. de Frédéric Bluche. este historiador se dera a conhecer com uma tese sobre "les Réguliers de Paris devant le serment constitutionnel. 1988). publiquei "l'Église et la Révolution" (Nouvelle Cité. com uma análise nunca feita aos diferentes juramentos. a quem se deve de qualquer forma uma reabilitação 421 racional da Igreja constitucional.deu vigor a debates nunca acabados. por regiões. é preciso colocar a obra de Bernard Plongeron. pelos membros do clero. da diocese de Toulouse. cuja obra é consagrada ao mundo rural de Cotentin e cujo relato histórico "Mille ans sont comme un jour. reuniu e apresentou alguns textos significativos de "L’abbé Grégoire. 1944-1946). E já que estou com os estudos regionais. 1989). Les prêtres dans la Révolution" (Ed. 1982). René Picheloup. enriquecida por trabalhos admiráveis da Universidade da Haute-Bretagne. na belíssima colecção "Gens de l'ouest. da diocese de Sées. eis dois notáveis: "La Vie religieuse en Haute-Garonne sous la Révolution" (Universidade de Toulouse-Le Lirail. que é um modelo. Eis aqui três desses trabalhos: Louis Costel. Vários padres-escritores contribuíram de algum modo para esse monumento. Chronique d'une liberté de conscience" (Éditions universitaíres. de Timothy Tackett. 1986). 1988). de Louis Pérouas e Paul d'Hollander. de Jean-Claude Meyer. Esperando a grande biografia que prepara sobre o abade Gregório. 1987). Tratando dos dois cleros. da história. 1989). aliás. FrankPaul Bowman. l'Église. le prêtre-citoyen" (Ed. "le Clergé à l'épreuve de la Révolution. évêque des Lumières" (France-Empire. apareceram alguns excelentes estudos: "La Révolution. de Paul Christophe. sobretudo Pierre Flament. sous la Révolution". de certos padres franceses durante a Revolução. "1789. 1982).Gregório). pouco reproduzido. de Jean Quéniart. 2 vols. . 1789-1799" (Desclée de Brouwer. Duas biografias honestas: "L'abbé Grégoire. de Nouvelle Republique. "La Révolution française. tem como herói o padre Sébastien Lebrun. autor de uma tese sobre "Les Ecclésiastiques français emigrés ou déportés dans l'État Pontifical" (Publicações da Universidade de ToulouseLe Mirail). muitas vezes emocionante. de Jean Leflon permanece como uma referência essencial para 422 a Igreja refractária. de Charles Chauvin. "Monsieur Emery" (Bonne Presse. ouvrières. 1988). cuja memória lhe é familiar. 1989). une rupture dans le christianisme? Le cas du Limousin (1775-1822)" (Les Honédières. 1989). la France" (Cerf. um pouco heteróclito. autor de um estudo serial sobre "2000 prétres normands face à la Révolution" (Librarie Académique Perrin. Bernard Plongeron deu-nos entretanto "L'abbé Grégoire ou l'arche de la Fraternité" (Letouzey et Ané. "Le clergé déchiré: fidèle ou rebelle?" (Ouest-France. autor de "Le Christ des Barricades 1789-1848" (Cerf. 1986). Existem poucas biografias novas. separados pelo Juramento. . é 9] I.. de Roger Chartier.. de Fierre Fauchon. 39 1. Fora da Palestina .. A colocar em destaque: "Grégoire et Cathelineau ou ia déchirure" (Ed. 1990). de Michel Lagrée e Francis Orhant. 32 4. que é um estudo comparativo extremamente inteligente de dois destinos tão tocantes como opostos. A Igreja que vive . 11 [nota da digitalização: erro da edição em papel. laïcité. 1988). 7 PREFÁCIO .. "L'abbé Grégoire. 16 3. A sementeira cristã . A IGREJA PEDAGOGA DO OCIDENTE Cartago e . o judaísmo .. 27 3.. O Nascimento . Dois pólos do pensamento cristão: Alexandria .. Jesus . 43 II. de Marcel Gauchet. 19 CAPÍTULO II.. de Émile Poulat. 39 2.. ouvrières. A Igreja que fala .. 1990). filosófico e espiritual que mais durou na Revolução Francesa. 13 2. 41 3. A IGREJA OCULTA CAPÍTULO I.. de Paul Viallaneix e colaboradores. Ireneu perante a gnose . 23 2... apresentamos de seguida quatro obras capitais: "Liberté... 1989).... 423 ÍNDICE NOTA DO EDITOR .. Paulo . A Igreja que Sofre . 1989). Cujas. "La Révolution des droits de l’homme" (Gallimard... Uma apologia pela pena e pelo sangue ... 23 1. Évêque et démocrate" (Desclée de Brouwer. "Les origines culturelles de la Révolution Française" (Seuil. 1987)... O terreno: a civilização greco-romana. Se se desejar entender o jogo político... As primeiras comunidades cristãs . 13 1. 36 CAPÍTULO III.. "Réforme et révolution: aux origines de la démocratie moderne" (Presses du Languedoc. La guerre des deux France et le principe de la modernité" (Cerf.1989). de Georges Hourdin.. Uma estrutura que se revela frágil . Bento ou o equilíbrio . 64 3. 96 3..... 73 ao CAPÍTULO IV.. 55 2.. 87 2... 98 4. 69 5.. Esforço missionário para norte e para leste . Uma estrutura: o Império restabelecido no Ocidente .. 89 3... Igreja substitui-se Império . Uma visão de conjunto .. "cônsul de Deus" . Os Séculos Negros .. Os três pólos do humanismo cristão: Ambrósio..... O difícil diálogo com o Oriente . O recuo da Europa . O grande terror escandinavo ... Bispos e monges perante os Bárbaros .. Uma ameaça para a Igreja: a ingerência do Estado .. 63 1. 95 2.. Mené... 51 425 CAPÍTULO II..... Uma fonte viva: Cluny . 66 4. Jerónimo e Agostinho . 87 1.. O Sacro Império e os papas "alemães" .. 49 2.. 61 CAPÍTULO III....... 59 5. 56 3. 72 7. Uma luz na bruma: o monaquismo celta . Teqel... De Constantino a Teodósio ....... A Renascença carolíngia .. 63 2. O islão .. A elite intelectual e o cristianismo . 77 2. 70 6.. 92 CAPÍTULO II. 77 1.. 105 1. 107 .. Balanço do Cristianismo em meados do século IV 55 1. o seculum obscurum . Germanos evangelizam Germanos . Os papas cluniacenses . Século X. No Ocidente. Constantino ou a emergência .. 49 1. A cristianização dos campos .... Farsin . Rumo à Europa Cristã .. 80 III... Gregório VII .... 99 5. A IGREJA FEUDAL CAPÍTULO I. 101 CAPÍTULO III.. 91 4.CAPÍTULO I.. 105 2. A Igreja e os Merovíngios . 95 1.. Correntes profundas e balanço aparente .. A Unidade Quebrada . 57 4. Gregório Magno. O Retorno do Papado à Ribalta .. .... 135 CAPÍTULO IV.. Barba-Ruiva ou o Império humilhado . A Universidade de Paris .. Bernardo ou a pobreza fecunda . uma esperança .. A caminho do primeiro Concílio de Latrão . Os "pobres" que recalcitram ...... 122 CAPÍTULO II...... Domingos ou a palavra .CAPÍTULO IV. 153 2.. 120 3.... 128 CAPÍTULO III.. Um modelo para o pensamento cristão: o tomismo . 125 1.. 157 1.... 112 426 IV... 147 147 148 150 CAPÍTULO II. Uma Dificuldade: A Pobreza .. Uma "fonte de justiça" . Uma sociedade cristã? .. O Século de Francisco e de Domingos . 117 2.. Uma instituição permanente destinada ao fracasso . 133 2.. Francisco ou a nudez . 142 V..... III . Nas Pegadas de Gregório VII . O Triunfo de Roma .. Quando Roma toma Claraval como referência ... 165 . 117 1. 157 2.. O Primeiro Rasgão num Manto Sem Costura . Cerulário . A Nostalgia do Oriente . 153 1. 133 1. 141 3.. O Século de São Luís .... O Século de São Tomás ... 139 2. Frederico II ou o leopardo ...... 109 1. 139 1.. 163 1. A ADESÃO DO OCIDENTE À CRISTANDADE CAPÍTULO I. Rumo a ti. Jerusalém . Uma etapa em direcção à ruptura entre Roma e Constantinopla: Nicolau I e Fócio .. 163 2. 109 2. 159 CAPÍTULO IV.... Um ponto alto da História? . "Becket ou a honra de Deus" . 155 CAPÍTULO III.. A JUVENTUDE DA EUROPA CAPÍTULO I. A era do gótico . 125 2.. 3.. Um escândalo. O Século de Inocêncio 1... Uma vitória demasiado cara . 2. 111 3.. Uma arte ao alcance do homem cristão . A revolução do ensino. .. 172 427 VI. 205 3.. 196 CAPÍTULO II. O Tempo da Inquietação .. O tempo dos santos padres ... 259 ...... 201 2. 213 CAPÍTULO III. Calvino e a fundação de uma Igreja . 236 3. 191 7...... 217 2. Lutero... 226 VII.CAPÍTULO V... 240 4... "No sangue e na carne da Igreja" . Para uma Igreja maior . A Cristandade em Acção .. 177 2.. A explosão do luteranismo .. O Concílio de Trento . Anseios de reforma . 253 2. 201 1... 233 1... A Reforma Católica .. a Igreja e a Escritura . A caminho do V Concílio de Latrão .. Fogo contra a cristandade? . 209 5. 223 4. 181 3... 253 1... A harmoniosa fachada da Igreja em França .. O esforço missionário da Idade Clássica .......... Um novo padre . 219 3... A Cristandade Dilacerada . A "devoção moderna" . 169 1. 185 5... 242 5.. 246 6. A idade de oiro da Igreja em França . 194 8.... Basileia e Florença ... A Cristandade Humilhada . O Tempo da Igreja em França .. 183 4.. A IGREJA SOB ACUSAÇÃO CAPÍTULO I. A IGREJA À DEFESA CAPÍTULO I. O fortalecimento do poder temporal dos papas .... Reforma ou Contra-Reforma? . 217 1. Sintomas de crise .. Concílio ou Papa? .. Anagni ou o mundo laico . O grande cisma do Ocidente ... 171 3. Os papas da Renascença . 169 2.. 189 6. 233 2... 256 3.. Uma nova atmosfera . 208 4. A Igreja fora da Europa .. E a união das Igrejas? . E o povo cristão? . 248 CAPÍTULO II. 177 1. O tempo das Igrejas nacionais . A instalação do papado em Avinhão .. 301 4. O galicanismo . Leão XIII e a iniciação ao pluralismo .... 262 CAPÍTULO III. 275 5.. O bom papa João .... A Igreja e os operários . 349 4.. A luta contra "a infame" . 319 3. O Anti-Romanismo Universal .. 367 AO ...... 309 CAPÍTULO II. Paulo VI. 331 8.. 297 3. 353 CAPÍTULO IV. A Igreja no Limiar do Século XXI ..... 313 1.. A Revolução Francesa: os problemas . A grande vaga do jansenismo ..... 293 2. 327 6.4. Um doutor: Pio XII . 271 4. 285 VIII. Um clero digno e um laicado activo ... 355 2. A Igreja e a sociedade laicizada . 339 1. 293 1.. Napoleão e a Igreja concordatária .. Roma sem os Estados romanos . Pio X ou a fidelidade .. Esforços dos católicos sociais . A crise modernista . A Igreja Perante um Mundo Novo ... 278 428 6.. 324 5... 329 7.... A Igreja em crise . A Igreja e o Mundo em crise . O eclipse das igrejas nacionais ....... Reencontrado o Caminho para Roma .. 306 5.. 313 2. 337 CAPÍTULO III. As Restaurações: aparências e realidades . Um balanço positivo? .. 321 4. 265 2.. o pastor veemente . A contra-Igreja socialista ..... Bento XV e o nascimento de um mundo novo .. Uma prodigiosa explosão de forças . O Afrontamento . 265 1. 269 3. Cinquenta Anos Decisivos 1914-1963 . 339 2.. 358 3.. A IGREJA CONTEMPORÂNEA: DIVÓRCIO E AO DIÁLOGO DO CASAMENTO FORÇADO CAPÍTULO I. Pio XI. 282 7..... 332 9.. A Igreja fora de França ...... A "Aufklärung" católica .. um papa aceite e contestado . 355 1... 361 CAPÍTULO V.. A Revolução Francesa: o acontecimento . A grande luz do Vaticano II .. 344 3.. 375 APÊNDICE COMPLEMENTAR .. 387 Lista dos Papas . 391 Glossário ... O sorriso efémero de João Paulo I (1978) . é 405] índice .. 387 [nota da digitalização: erro da edição em papel... 369 3. João Paulo II ou o rochedo polaco ..1...... 379 O Papa do Mundo ... é 425] 429 ..... A Igreja em processo perante a modernidade? . 381 A Bíblia . 397 Bibliografias .. 367 2. 423 [nota da digitalização: erro da edição em papel..
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