Perfume de Vampira Capitulo I

March 22, 2018 | Author: Jeancarlo Cruvinel | Category: Vampires, Motorcycle, Car, Japan, Short Stories


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Giulia Moon10º andar . 77 .01041-001 Website: www.São Paulo .br Tel/Fax: (11) 3333-3059 .com.br E-mail: [email protected] 1002 Centro .gizeditorial.com. Publicado por Giz Editorial e Livraria Ltda. Rua 24 de Maio.Todos os direitos desta edição reservados à editora.SP . Giulia Moon São Paulo. . 2009. © 2009 de Giulia Moon Título Original em Português: Kaori: perfume de vampira Editor: Ednei Procópio Assistente editorial: Juliana Medeiros Comercial: Simone Mateus Editoração Eletrônica: Equipe Giz Editorial Revisão: Martha Argel Capa: Beléto Maya Impressão: Gráfica Vida & Consciência Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro. assim como traduzida.93 Índice para Catálogo Sistemático 1. 09-07101 CDD-869. Os infratores serão punidos pela Lei nº 9. ISBN 978-85-7855-041-7 1. Giulia Kaori : perfume de vampira / Giulia Moon. sem a permissão.610/98 Impresso no Brasil / Printed in Brazil . transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações.93 É PROIBIDA A REPRODUÇÃO Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida. Ficção brasileira I. SP. 2009. Brasil) Moon. – São Paulo : Giz Editorial. por escrito do autor. Título. copiada. Ficção : Literatura brasileira 869. A Deise Fukamati e Oscar Motomura. . Sem eles. este livro não existiria. . AGRADECIMENTOS Ao editor Ednei Procópio que acreditou neste livro antes mesmo de ser concluído. pelo seu vasto conhecimento sobre a cultura japonesa. Ao Lúcio Kubo. À Seiko Yanagihara e ao Yuji Kusuno. Ao Beléto Maya pelo seu talento e arte. . por fim. ao José Roberto de Melo Franco Jr. pelo carinho e paciência. pelas informações e dicas para as cenas de ação e. E. Às leitoras beta Mônica Azevedo e Cristina Lara Fagundes pelo apoio e entusiasmo. principalmente. Foi divertido compartilhar a aventura da escrita em tão boa companhia. À Martha Argel e ao Humberto Moura pelo incentivo no dia a dia e valiosa assessoria em zoologia. . ......................................................................130 IX...............................................................13 1........17 II.................................................................................138 9.........................................121 8............................................ Takezo-san ..................... A Bióloga e o Olheiro ......... A Antiga Arte da Submissão.................................111 VIII.................................................................................................. O Ataque ......... Aquela Noite......................... Afinal ...................................................................................81 VI.......... O Perfume .90 6..................................................... Algumas Considerações sobre a Fome .......... Aqueles que Vêm com a Noite .............................. A Tocaia .....................................................102 7.............150 .................................. A Frágil Carne Humana ...........................................61 4..... Olheiro de Vampiros.......................................................... Fauna da Noite ..............75 5...... Conversa Ligeira numa Tarde de Sol ........................... O Patrocinador Discreto ............69 V........ Reencontro com Ela ............... a Beleza e a Maldade ................................Sumário Prólogo........................ A Arte......... Dois Visitantes na Montanha dos Tengus .................................97 VII...............................11 I................................................................................................................................. O Temeroso Encontro com a Mulher-Corva .......................................42 3....................... Sobre a Solidão e o Destino ........31 III..................25 2.....................51 IV.. ...............................................318 XVIII.................................................... Jogo de Vampiros ................ Acerto de Contas ..........................239 14........285 16.....................204 XIII....................................................................................274 XVI.............................250 XV..341 Epílogo........................................................................................ Convergências .................................... A Passagem do Dragão Efêmero ..................213 13.364 .............173 XI..............................293 XVII....................... Convivência Forçada ........198 12........330 18............ O Daimyô Chega à Montanha dos Tengus ....................................X............................... O Instituto se Mexe . Caça aos Olheiros .................165 10......182 11.................... Arauto da Morte ....................................................................................................................... Lua Cheia................................ O Artista Mortal........................................ Revelações............................... A Noite da Vampira .... Mais Uma Noite ........................................................................................................................ A Cortina Sobe no Teatro de Sombras ............................230 XIV............ a Musa Imortal ...............................261 15...........190 XII.................................................. Olhos Verdes na Neve Branca ..............................................................305 17................................. Os Desejos dos Homens ..................... Khimaira . O Nascimento de Um Novo Samurai ................................ As Pinturas Que Bebem Sangue ...................... atordoado. o dos humanos e o dos vampiros. maliciosa. numa última tentativa de resistência. – Por favor. Que tardava tanto. prestes a ser envolvido pelo seu abraço mortal? Errara. – Você me pertence. Em suas andanças pela noite dos vampiros. Mas ela era diferente de tudo que conhecia. Lembranças esparsas roçavam a sua mente cansada. Era o mesmo vermelho chocante dos lábios da vampira. quando o Japão era ainda um pedaço esquecido do planeta. havia pisado num caminho sem volta. Ela nascera séculos atrás.. é certo. vedado aos olhos do Ocidente. para o teto do quarto. Arriscara-se demais. chegou até ele. O perfume dela.. Prolongava. – Deixe-me ir! – Não – ela sussurrou.. adocicado. prisioneiro dela. Samuel não conseguia se mexer. Mas ela não o mordeu ainda. Samuel gemeu baixinho.. mortal. esperar. E pelas criaturas fabulosas de lendas imemoriais. da certeza de um final doloroso.. O mundo se tornara rubro. – Samuel suplicou. que estremeceu de prazer. veloz. agora. Um reino dominado por samurais e suas espadas mortais. abandonando o seu corpo. o suplício da espera. Mas quem não faria o mesmo? Era um homem acostumado a andar no limite entre dois mundos. ardente..prólogo O Perfume A vampira procurou a garganta dele. Do sangue que fluía. Por belas cortesãs e suas intrigas sangrentas. Por que estava ali. 11 .. Como a fragrância enlouquecedora que emanava daquele corpo gelado.. um odor suave. Ele olhou. Lábios gelados tocaram a pele ardente do seu pescoço. tão desejável! Samuel fechou os olhos e deixou de lutar. Só podia esperar. Da dor produzida pela mordida na sua garganta. . encarregado da administração e da segurança do império japonês. 3. Iemitsu. pouco tomando conhecimento de tarefas mundanas como a árdua condução de um império. Enquanto isso. bolinhos assados recheados com pasta de feijão doce. Xógum – general e chefe militar. o proprietário. ou de ser um samurai2 sob a tutela de um rico senhor feudal.I. que avivava com um abanador as brasas do forno onde assava os dangôs. Samurai – guerreiro feudal japonês. o terceiro xógum1 da linhagem Tokugawa. Conversa Ligeira numa Tarde de Sol 1647 – Período Tokugawa. num desses estabelecimentos. fiel ao espírito guerreiro de seus ancestrais. onde os viajantes paravam para tomar chá e degustar dangôs. aquecendo-se ao sol morno de uma tarde de primavera. ocultava sentimentos não tão serenos. uma linda menina no frescor da juventude. comandava o reino com punho de ferro. 13 . mercadores e artesãos que não tiveram a sorte de nascer em famílias de linhagem aristocrática. Os tempos eram difíceis para os camponeses. Ele olhava com ternura para a única filha. multiplicavam-se as pequenas tavernas de aspecto humilde. 1. sentado no terraço num raro momento de descanso. A esplêndida floração das cerejeiras. que cobria o Japão com a sua beleza delicada e imperturbável. 2. O centésimo-décimo imperador do Japão dedicava-se a afazeres amenos voltados à arte e à meditação. estava Gombei. Edo – antiga denominação de Tóquio. Japão Era o ano do Javali. Ali. Pela estrada que conduzia a Edo3. Havia algum tempo. a casa das Bolas de Ouro. – Ora. Trabalharia até a exaustão todos os dias. Iria casar-se com algum artesão ou camponês e parir muitos filhos. de feitio simples e geométrico. 5. 14 . samurais a serviço do poderoso daimyô7. o negócio poderia ser bastante vantajoso para o taverneiro.. a menina parece doente.. – Está na hora de deixar a menina aos cuidados de mãos femininas. a okami4-san5 do Kinjurô. – disse a mulher. Na verdade. 4. Antevia para a filha uma vida igual à de todas as mulheres de sua casta.. Mesmo sendo um homem. a madama da casa de prazeres vinha enviando emissários com ofertas generosas para que Gombei lhe vendesse a menina. San – título honorífico correspondente ao “senhor” ou “senhora” em português. quimonos6. disparada por Gombei. – Kaori está muito bem aqui.Giulia Moon O bom homem andara a perceber que a garota crescera rápido e já alcançara a idade de se casar. para mim. – Mas o senhor é um viúvo. recursos para consertar o telhado precário da taverna. Já ouvira histórias inquietantes sobre as orgias sexuais organizadas pela okamisan. 6. A sua pele iria engrossar com o sol. Os cabelos perderiam a cor. Missora-san – disse o homem. Tão magrinha! Comigo. um lugar quente para passar o inverno e ele. Daimyô – senhor feudal. Okami – proprietária. fechado por uma larga faixa (obi). senhor taverneiro? Era Missora. durante as quais. boa para se deitar. Quimono – roupa longa típica japonesa. Aceite a minha oferta e transformarei sua filha numa fina cortesã. Mas Gombei temia pela filha. – Eu cuido de Kaori muito bem. As mãos minúsculas iriam enrugar-se e ressecar como um galho no longo inverno da velhice precoce. Sorriu e abanou-se com o seu leque negro. A garota teria comida. sou melhor do que muitas mulheres relaxadas e sem moral por aí. tornando-se uma mulher opulenta. – Mas por que não aceita a minha oferta. aborrecido. querendo acabar logo com a conversa. A ideia do casamento fez Gombei fechar o cenho. para insistir na proposta. diziam. oferecia suas cortesãs para as práticas violentas dos clientes. E agora lá estava ela. Missora fingiu não entender a menção à moral. em pessoa.. ela engordaria bem rápido. dona. um acontecimento deveras incomum. 7. . Dangô-ya – casa onde se vende dangôs 15 .. – Bobagens! Arrumou as coisas dela e foi-se. senhora? – Ah. – Isso é boato de gente invejosa. irritado. Missora levantou-se de repente. Oharu. Não a viu partir na semana passada? – Não.. servindo dangôs a vagabundos de beira de estrada.. eu tenho o coração mole! – Ohana. okami-san. Parece que todas as suas garotas estão abandonando o Kinjurô nos últimos meses. Ou carpindo a roça como um cavalo.. Omiti.. Passe bem.. – Não me ameace.. As mulheres direitas não riam assim. – Não foi atrás dela. Ela deu uma gargalhada vulgar. Gombei-san. okami-san. a boca escancarada. expondo a cavidade que prometia prazeres 8. E de sua ousadia em me ofender. A flor estava murcha. Gombei. – Que patroa generosa! – Não sou mesmo? – E Okazu. okami-san. Ninguém a viu ir embora. – Espero que não se arrependa de sua teimosia... – Por quê? Ela viverá bem mais do que viveria.. A mulher riu.. Atirou no chão uma camélia que estivera desfolhando. Eu até lhe dei algum dinheiro. okami-san. retrucou: – Será mesmo.. – Histórias? – Orin. a garota de sardas. Boa sorte com a sua valiosa Kaori. Calçou as sandálias e desceu do terraço do dangô-ya8. a gordinha sorridente? – Fugiu com um cliente. okami-san? Ouvi algumas histórias sobre as suas protegidas.. Onde anda? – Voltou para a província dos pais. só a senhora. onde estava sentada.kaori – Não quero que a minha filha seja uma cortesã. Mas logo o seu fogo se extinguiu ao ouvir as palavras da mulher: – Ora.. – Isso mesmo. impassível. Mas Gombei era orgulhoso demais para admitir que acabara de fazer uma inimiga poderosa. okami-san. Karma – conceito de causalidade do hinduísmo e do budismo. isso mesmo. dançou sobre o assoalho da varanda do dangô-ya. excitado pela risada. quem sou eu para ameaçá-lo. Corria pelas redondezas o boato de que Missora era uma das filhas bastardas do próprio daimyô. Um gesto tolo numa conversa ligeira. Toda ação boa ou má gera uma reação que retorna com a mesma qualidade e intensidade a quem a realizou.. Gombei-san? Pode me humilhar. 16 . A última coisa que a okamisan do Kinjurô poderia ser era uma mulher fraca e desprotegida. Gombei-san. remexendo a língua e os olhos pintados. me ofender. perturbado. – Cada um sabe do seu karma9.Giulia Moon de alcova. a liteira da cortesã afastar-se sem pressa pela estrada. a contragosto. Não é? Gombei deu de ombros. não teria forças para isso. desenhada pelo morno sol de primavera. Sou apenas uma mulher fraca e sozinha.. Tenho que me curvar à força dos homens. O taverneiro fitou.. Mesmo se eu quisesse matá-lo e tomar para mim a sua linda filhinha. A sombra do taverneiro. 9. Gombei sentiu-se. nesta ou em encarnação futura. Sempre escreviam o sobrenome com “s”. Alguns murmuravam palavrões. Em frente à galeria do 17 . Piotr Jouza. em plena avenida Paulista. O difícil era chamar alguma atenção em meio àquela agitação.1. ali. inglês. transformando-o num simples e comum Souza. Já perdera a conta das vezes que teve que corrigir o nome grafado errado. mas as peculiaridades de sua profissão o tornaram antissocial e cheio de manias. O olheiro de vampiros esgueirou-se em meio à babel de conversas em português. Era justamente o que tentava fazer o cara ao lado. que. com a pele pintada de branco. incomodados em dividir o pouco espaço livre da calçada. e continuavam a marchar. Pudera. moderninhos de piercings e executivos em ternos impecáveis. só poderia mesmo tornar-se um sujeito desconfiado e arredio. desviou-se de estudantes barulhentos. impacientes. junto com os fartos cabelos castanho-claros e o rosto anguloso esculpido na pele branca. para os pontos de ônibus ou a entrada do metrô. Samuel não era um homem desagradável de se ver. um improvável Cristo Redentor em pleno centro de São Paulo. deixara-lhe mais uma herança: os olhos cinza. o seu bisavô tcheco. Olheiro de Vampiros 2008 – São Paulo. numerosos naquele trecho repleto de hotéis entre as ruas Padre João Manuel. Brasil SAMUEL JOUZA – com “j”. davam-lhe uma aparência de estrangeiro. casais gays. Os únicos interessados na atuação do homem-estátua eram os turistas. moças com uniformes de fastfoods. vivendo por mais de dez anos como olheiro de vampiros. Augusta e Haddock Lobo. Além do sobrenome. Os passantes só o notavam quando esbarravam nele. espanhol e chinês. às sete horas da noite. Passar despercebido era fácil. os braços abertos. um dos meninos de rua que dançavam pouco antes ao redor do violinista. um velho músico negro com um terno puído tocava Carinhoso ao violino. mas tinha uma expressão vivaz que compensava o seu tamanho. quando dava com vários deles ao mesmo tempo misturados à multidão. No entanto. Mais uma esquisitice de uma longa lista. pois não suportava os refrigerantes comuns. sentiu alguém cutucar o seu braço. Sentou-se no banco alto. como queiram.. sempre eles. Era pago para encontrar e catalogar os vampiros da cidade. pois não estava com pressa. enquanto os turistas. Nessas horas. o olheiro conseguiu afinal chamar a atenção da atendente e pegar a bebida. – One dólar. não por necessidade. é claro. o olheiro tinha que se manter atento para não acabar virando o prato principal.. pois a sua cara de estrangeiro atraía os predadores. sanguessugas. eram criaturas reais. Não se incomodou com a demora. era difícil encontrá-los. embora a sua profissão fosse um pouco incomum. Os seguranças do prédio vigiavam. uma ocupação nada monótona. Nosferatus. atentos. Era pequeno e franzino. Ao olhar para baixo.Giulia Moon Conjunto Nacional. Depois de algum esforço. De repente. 18 . cercado por meninos de rua que. já que o objeto de sua observação era considerado por todo o mundo racional como um personagem de ficção. Afinal. viu um negrinho de olhos grandes e rosto redondo. fazendo uma expressão cômica de fome. Ele batia no braço do olheiro com os dedos sujos.. – ele apontava para a boca. obrigando-o a usar toda a sua habilidade para escapulir sem despertar suspeitas. e talvez por outras drogas mais pesadas. Um olheiro de vampiros observa vampiros. pousou o copo de plástico sobre a mesinha redonda e pôs-se a observar a multidão na calçada. Na entrada da galeria. jogavam moedas para os performers daquilo que consideravam um autêntico espetáculo popular. escolhendo suas vítimas como itens num cardápio. Consumia os produtos com aquele gosto peculiar de adoçante por prazer. desmortos. ao contrário das sextas e sábados. mordiscando a boca de uma garrafinha de plástico vazia. encontrava-se ali a trabalho. embriagados pelo calor do verão. Numa noite de segunda-feira como esta. cuja dieta de sangue humano os tornava caçadores ferozes. Pra comer. misterrr. Samuel não tinha muitas esperanças de obter um bom avistamento. Samuel parou no quiosque da cafeteria para pedir uma bebida light.. dançavam com a agilidade própria da idade. Nada de vampiros. tio? Então me dá cinco real. 19 . Significava noites maldormidas. – Não explora. feliz. Aqui é caro. Tô com fome. Samuel acabou rindo. Pode ser só a torta. mas se calou. Samuel olhou para o moleque. Mas foi logo substituído por uma expressão de safadice.. Limpando o nariz na manga suja da camiseta. crises de sinusite e. aí no balcão.. ainda. Comprou tudo.. tio. – Quer dinheiro pra comer mesmo ou pra comprar drogas? Samuel notou que a pergunta saíra num tom mais ríspido do que pretendia. – É que não sei dizer cinco em ingreis. Quero um xis-tudo com guaraná. mais um que o confundia com gringo. disse: – Ah. Entediado com a falta de vampiros na área. – Me dá o dinheiro. Ele tem o direito de ficar aqui e comer como qualquer um. Saco.. tá bão. Pode ser um sanduba. apressado: – Peraí... Achou que não valia a pena explicar a ele como converter dólar em real. mas o olheiro interveio: – Deixa o garoto em paz.kaori Arre.. Eu paguei pelo sanduíche. um brigadeirão e. – Eu te compro um sanduíche. se desse azar. deu um ultimato: – Pega o sanduíche ou fica sem nada. Samuel resolveu dar um pouco de atenção ao garoto. pivete. guri. – Tá bão. será que estava gripando? Uma gripe era muito mais do que um simples incômodo para ele. amigo. Um dos seguranças se aproximou com cara de poucos amigos. Irritado. – Mas é folgado.. uma infecção na garganta. tio. cercou-o e disse. não tô mentindo. para o garoto que. Tu é brasileiro. tio. até o tal do brigadeirão. Samuel deu uma fungada.. O olheiro ia falar algo.. Samuel vigiava a calçada apinhada. eu compro noutro lugar. – Cinco reais é bem mais do que um dólar. sim. acocorou-se no chão perto do quiosque e começou a comer. O garoto. Um sorriso de dentes brancos surgiu na carinha do guri. Mas o menino não pareceu amedrontado. hein? Quer sobremesa também? O menino emendou. Sentiu o nariz entupido. ao perceber que Samuel começava a se levantar. mais que depressa: – Pode ser uma torta de chocolate. aproximadamente 95 quilos. sobre ela. um homem forte. Este peste tá sempre por aqui. mas Samuel sabia que ele estava atento a tudo o que acontecia ao redor. – Olha só o que o senhor fez. O diabo é que ia ser difícil seguir o bicho a pé. com a colher de plástico e um pedaço de torta na boca. O rosto largo tinha a palidez de um boneco de cera. Essas vestimentas eram 20 . misturando-se às pessoas no ponto de ônibus. a suas vítimas. O olheiro parou. dizia a Samuel com todas as letras: tinha avistado o primeiro vampiro da noite. E. murmurando. irritado. usando roupas que pertenceram. Em geral. aparentando uns 25 anos. havia uma motocicleta preta reluzente. molestando todo mundo. Dois olhos faiscantes despontavam sob o cabelo longo dourado. que até agora se mostrara infalível.. ainda mais num modelo caro como aquele. não estava ouvindo.. disse: – Num ouviu o moço não. cabelos louros batendo no ombro.. forte. pois algo mais importante tinha surgido. mané? Eu posso ficar aqui o tempo que quiser! O segurança bufou. Ele não está incomodando ninguém. – Sei – o segurança afastou-se. Samuel. deixe pra lá. no entanto.90 m. – Criança hoje. Guardou o caderninho no bolso e suspirou. fazendo careta pra mim! Peste! Samuel contemporizou: – Calma. Um espécime em ótimo estado. O vampiro ainda falava ao celular. E agora ele tá botando banca. bandido amanhã. novo na região. E era dos grandes. O seu instinto.Giulia Moon O homem olhou contrariado para a criança e disse: – Acabe logo e suma daqui! O garoto. Não raro Samuel topava com desmortos de aparência patética. Não era muito comum encontrar vampiros de moto.. os vampiros não tinham muito dinheiro. 1. Em meio aos carros parados no congestionamento da avenida. Mas ia tentar. O olheiro recolocou a mochila nas costas e saiu para a calçada. vestido com jaqueta negra de couro e jeans surrado metido para dentro dos canos altos da bota militar. Ele tirara o capacete para falar ao celular. Anotou no seu caderninho a placa da moto e os dados do avistamento: um desmorto macho. é só uma criança. evidentemente. Espere só alguns anos pra ver. Era um carrão reluzente. entre restaurantes caros e casas noturnas privês. Avistar um espécime desses era um golpe incrível de sorte. mantinham a presa sob o domínio psíquico. Em geral matavam os doadores depois de algum tempo para não despertar suspeitas. pois a janela do automóvel se fechara e os 21 . sugando o seu sangue aos poucos. Não pôde observar muito mais do que isso. Era um vampiro. Depois. e para quem os humanos eram caça ocasional. aparentando cerca de quarenta anos. se preciso. extasiado com a visão do sujeito dentro do carro. ainda por cima. por fim. O olheiro não fez nenhum esforço para segui-lo. Eram criaturas sem pedigree. enquanto o doador prosseguia a vida sem se lembrar de nada. um espécime muito interessante. existiam os puros-sangues como o sujeito na moto. Ocupado com a observação do vampiro. andava com motorista num carro de luxo. O vampiro recolocou o capacete na cabeça e foi-se. disse para si mesmo. os espécimes mais poderosos da raça e os mais difíceis de serem avistados. O motociclista pareceu reconhecê-lo e trocaram algumas palavras inaudíveis. pois eles preferiam atacar os humanos mais fracos e menos corpulentos. uma raridade que. Calma. Ficou ali parado. pois era mais seguro livrar-se da vítima logo após o ataque. Se não fosse pelo rosto pálido e os olhos rutilantes. E.kaori sempre apertadas. controlando a euforia. ziguezagueando com a moto entre os carros presos no engarrafamento. também. ele poderia se passar por mais um dos paulistanos endinheirados que passeiam suas posses nos Jardins. Siga as etapas básicas do avistamento. Hoje em dia nenhum vampiro adotava esse tipo de comportamento. silencioso e de rodar macio. Um espécime asiático... que caçavam o seu alimento em alto estilo. o que o tornava mais velho do que a maioria dos desmortos. macho. Após a primeira mordida. Havia também os sanguessugas clássicos. que preferiam os doadores de sangue constantes. A janela traseira do veículo foi aberta e um rosto oriental assomou atrás do vidro escuro que deslizou com suavidade. que se alimentavam na maior parte do tempo com sangue de ratos e pombos. repetiu na sua cabeça as características do espécime: oriental. Samuel só notou o Mercedes negro quando ele emparelhou com a moto. Sem dúvida nenhuma. Sem ousar puxar a caderneta de anotações. memorizou a placa do carro para rastreá-lo mais tarde. seu moleque? Vou ter uma conversinha com a tua mãe. gesticulando. Era o suficiente por uma noite. Samuel seguiu o Mercedes pela calçada. Era o vampiro de cabelos loiros. Além disso. – O que você está fazendo aí? Não disse que ia direto pra casa. Samuel não era religioso. era tarde para arrependimentos. O menino estava imóvel. pois um vampiro no momento da caça era ainda mais perigoso. Seja o que Deus quiser. Na rua Pamplona. um vulto de moto dobrou a esquina. Nesse momento. era apenas uma expressão que usava quando não tinha outra saída a não ser ir em frente. Samuel caminhando a passos rápidos e o Mercedes avançando com lentidão pela Paulista. pois o vampiro já percebera a sua presença. O olheiro marcou o número do prédio na caderneta e virou-se para retornar à avenida Paulista. único indício externo do pavor que sentia por dentro e não podia manifestar. Que merda! pensou o olheiro. Avançou para a moto. pensou. Samuel não conseguia afastar os olhos do garoto. Samuel hesitou. O predador e a sua presa pararam no semáforo perto de Samuel. o carro pegou à direita e depois à esquerda na alameda Santos. Todos os sinais de uma vítima submetida ao poder hipnótico do vampiro estavam lá. Foda-se. 22 . Não era qualquer um que aguentava o olhar fulminante de um desmorto. Que seja. Do jeito que Deus quiser. Prosseguiram assim por alguns minutos. no mesmo ritmo do congestionamento. O garoto tinha sido capturado pelo vampiro. O olheiro sentiu os cabelos da sua nuca se eriçarem. que não pôde deixar de olhar para o garoto. E havia também a questão da sua própria segurança. então. com os olhos parados.Giulia Moon carros começaram a andar. tá ouvindo? O vampiro ergueu devagar o visor do capacete e encarou Samuel com os olhos gélidos. – Davi! – inventou um nome qualquer. A atitude exigida de um olheiro profissional era a não-interferência. a quem pagara um sanduíche no quiosque. desta vez não se tratava de qualquer um. Samuel correu para não perder o Mercedes de vista e conseguiu ver a traseira do veículo desaparecer na garagem de um prédio de luxo. a boca entreaberta e um pequeno tremor no corpo. No entanto. trazendo na sua garupa alguém que fez Samuel gelar: o menino falante. era ruim demais. os carros atrás da moto estavam impacientes. deixando o olheiro e o garoto lívidos de terror. mandou uma forte bofetada no rosto do garoto que. com uma presença de espírito que surpreendeu até mesmo Samuel. tio! Eu juro que não fujo mais! – disse ele. – Tudo bem. – Sou o tio dele – respondeu o olheiro. A mentira era evidente. ao lado da moto. ao redor. correu para os braços do olheiro e fingiu um choro descontrolado. – o olheiro abraçou o menino. começando ele próprio a correr. demonstrando um talento inato para representar. e tentou segurar a criança. tentando soar o mais natural possível. incomodado.. Por sorte. vem comigo. Chegaram esbaforidos ao metrô Trianon. – Eu te levo pra casa. 23 . As buzinas começaram a soar. cada vez mais certo de que a história não ia colar. com o impacto.. Foi fácil mantê-lo afastado por algum tempo. Um branquelo e um negrinho! – Ele é filho da minha irmã de criação – justificou Samuel. Por sorte. tentando penetrar nos seus pensamentos. furioso. – Vocês nem são parecidos. Mas esta. disparou com a moto.kaori – O que você quer? Cada palavra do vampiro se assemelhava a uma lâmina afiada sendo lançada de encontro a Samuel. O olheiro soltou um longo suspiro de alívio. Samuel fez o guri passar por baixo da catraca e ambos correram para a plataforma de embarque. – Vamos para o metrô – disse Samuel. mesmo! Ato contínuo. Nada do vampiro loiro por ali. O vampiro olhou ao redor. Samuel ainda olhou. O semáforo mudou para verde. este vampiro não possuía muita habilidade psíquica e já estava ocupado controlando o garoto. Com uma careta de raiva. mas não havia o que fazer ali. caiu no chão. temeroso. O olheiro podia sentir a mente dele espionando a sua. – Ou ele volta a pé ou vai contornar o quarteirão pra nos pegar.. O moleque disparou na frente. tudo bem. em meio a centenas de testemunhas. É um guri sem-vergonha. O vampiro grunhiu. – Este pivete foge de casa sempre que pode e vem aqui pra Paulista.. uma composição do metrô estava de saída e os dois fugitivos atiraram-se para dentro do vagão lotado. O vampiro parecia indeciso quanto à melhor forma de agir. – Desculpa. . – balbuciou o garoto. lá o loirão não me pega.. de novo. não podia dar-se ao luxo de cometer erros. O menino sumiu na direção do embarque para o centro. não foi assim que tu me chamou? – disse o menino. entendeu? – limitou-se a dizer. para os lados. Mas vou lá pro centro velho. moço. – Vê lá. não. 24 . Samuel suspirou fundo. é um nome mais bonito que o meu. – Não tenho pra onde ir.. no seu ramo. Lágrimas rolavam na sua face. Ainda sem vampiros por perto. guri? – Davi. moço. Queria insistir mais. Vou descer aqui no Paraíso e pego a Linha Azul pro centro.. – Podexá. ele começava a dar-se conta do medo. sorrindo entre as lágrimas. mas as lágrimas do garoto estavam chamando a atenção dos demais passageiros. – Pode me chamar de Davi. – Onde você mora? Preciso te levar pra casa. – Como se chama.. Passados os instantes de tensão. hein? Não volte pra Paulista. tiu.Giulia Moon – Brigado. Por enquanto estava a salvo.. Eu moro na rua. Mas acabara de fazer uma grande besteira e.. Samuel olhou.. a dama rubra do terror arrisca seu primeiro romance: Kaori . Da web ao papel.KAORI Perfume de Vampira “A narrativa de Giulia Moon é arrebatadora. a narrativa longa sugere uma espiral de eventos que se sucedem. avassalador e intenso. misturando tudo o que há de melhor na literatura de terror e suspense.” Martha Argel. Bento. concluindo e iniciando arcos. Kaori não pode ser chamado de um ‘sopro’ de talento e diversão para os leitores mais exigentes. a autora triunfa com máxima veemência. Turno da Noite e Vampiros do Rio Douro. evoluindo a trama. em sua estreia no gênero. Kaori é irresistível. autor de Os Sete.Perfume de Vampira. O Vampiro de Cada Um. Giulia Moon criou uma fábula fascinante. “Sensual e com um ritmo de tirar o fôlego. autor de O Clube dos Imortais e Diário da Sibila Rubra. Kaori é um ‘ciclone extratropical’ dos grandes. nutrindo tensão e expectativa para le grand finale.” Kizzy Ysatis. O Vampiro Antes de Drácula e O Vampiro da Mata Atlântica. “Giulia Moon é contista por excelência. autora de Relações de Sangue. Sem dúvida.” André Vianco. um dos melhores livros de vampiros que já li (e não foram poucos). Sétimo. . Vampiro-Rei. Aqui. brotaram três magníficos livros. Um desafio sobre o qual. Diferente do conto.
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