PD Psicodiagnóstico Interventivo - Evolução de Uma Prática - S. Ancona-Lopez.pdf



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Silvia.São Paulo : Cortez. ISBN 978-85-249-2262-6 1.). Brasil) Psicodiagnóstico interventivo [livro eletrônico] : evolução de uma prática / Silvia Ancona- Lopes (org. Psicoterapia I. e-PUB Vários autores. 3.192 . Psicologia existencial 3. Psicodiagnóstico interventivo : Psicologia 150. 2014. SP. -. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro.1. 14-09310 CDD-150. ed. Psicologia fenomenológica 4. Ancona-Lopez. -.2 Mb .192 Índices para catálogo sistemático: 1. Psicodiagnóstico 2. . . br www.cortezeditora.2014 .) Capa: de Sign Arte Visual Preparação de originais: Ana Paula Luccisano Revisão: Andréa Vidal Composição: Linea Editora Ltda. © 2013 by Silvia Ancona-Lopez Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre.com.com.hondana.com.PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO: evolução de uma prática Silvia Ancona-Lopez (Org.br Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos autores e do editor.br Publicado no Brasil . Morales Produção Digital: Hondana . 1074 – Perdizes 05014-001 – São Paulo – SP Tel. Coordenação editorial: Danilo A.http://www. Q.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 E-mail: cortez@cortezeditora. Visita domiciliar: a dimensão psicológica do espaço habitado Ligia Corrêa Pinho Lopes IX. A compreensão da religiosidade do cliente no psicodiagnóstico interventivo fenomenológico- existencial Marizilda Fleury Donatelli VI. O psicodiagnóstico interventivo sob o enfoque da narrativa Giuliana Gnatos Lima Bilbao IV. Interlocuções entre a clínica psicológica e a escola no psicodiagnóstico interventivo Lucia Ghiringhello e Suzana Lange P. Psicodiagnóstico Interventivo fenomenológico-existencial Marizilda Fleury Donatelli III. A importância da interdisciplinaridade no psicodiagnóstico infantil: a colaboração entre a Psiquiatria e a Psicologia . Sumário Sobre os Autores Apresentação Marília Ancona-Lopez I. Colagem: uma prática no psicodiagnóstico Ligia Corrêa Pinho Lopes. Borges VIII. Maria Fernanda Mello Ferreira e Mary Dolores Ewerton Santiago VII. Movimentos transferenciais no psicodiagnóstico interventivo Giselle Guimarães e Mariana do Nascimento Arruda Fantini V. Psicodiagnóstico fenomenológico-existencial: focalizando os aspectos saudáveis Gohara Yvette Yehia II. Lionela Ravera Sardelli. A elaboração de relatos de atendimento em psicodiagnóstico interventivo: sua importância na formação do aluno-estagiário Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti. Flávio José Gosling e Rosana F. Desafios no psicodiagnóstico infantil Rosana F. Tchirichian de Moura X. Marizilda Fleury Donatelli e Mary Dolores Ewerton Santiago XI. Tchirichian de Moura e Silvia Ancona-Lopez . Metáfora e devolução: O livro de história no processo de psicodiagnóstico interventivo Elisabeth Becker. Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo e Regina Célia Ciriano XII. UNIP. supervisora clínica no ComTato — Instituto Fazendo História. mestre em Psicologia Clínica e doutora em Psicologia como Profissão e Ciência pela mesma Universidade. Psicóloga pela PUC Campinas. Sobre os Autores Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti — CRP 06/46577-2. Psicóloga pela Universidade de São Paulo (USP). mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Especialista em atendimento nas áreas de deficiência. Médico Psiquiatra das Clínicas de Psicologia (CPA) da Universidade Paulista (UNIP). Colaboradora do Laboratório de Práticas e Estudos em Fenomenologia Existencial (LEFE) da USP. doutora em Psicologia do Desenvolvimento — Psicologia (USP). Psicóloga Clínica. residência médica em Psiquiatria da Infância. UP Mackenzie. Psicóloga Clínica pela PUC-SP. Psicóloga graduada pelo IPUSP. Médico Perito do Departamento de Saúde do Servidor da Prefeitura do Município de São Paulo. mestre e doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Elisabeth Becker — CRP 12/12168. Publicou os livros Psicologia e arte (2004) e Os anjos de Zabine (2007) pela Editora Átomo e Alínea. mestre em Saúde Mental pela FCM/DPMP/UNICAMP. Ligia Corrêa Pinho Lopes — CRP 06/35835-9. Fez aprimoramento em Psicologia Clínica e especialização em Saúde Coletiva em Trieste-Itália. Professor do curso de Especialização em Sexualidade Humana da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Exercício docente e de Pesquisadora na USP. Flávio José Gosling — CRM 98215. Médico Psiquiatra Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP). supervisora de Psicodiagnóstico e Grupos e Comunidades (UNIP). especialista em Psicologia Infantil pela UNIFESP. além de atuar como psicoterapeuta. psicoterapia e oficina de criatividade no Centro de Psicologia Aplicada da UNIP-Campinas. Professora universitária. Mestre em Psicologia Clínica pela . supervisora de estágio na mesma instituição nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. Docente da Universidade Paulista (UNIP). Giselle Guimarães — CRP 06/48676. É supervisora em psicodiagnóstico. Mestre em Psicologia Clínica (USP). Médico Psiquiatra. Giuliana Gnatos Lima Bilbao — CRP 06/51428-1. Gohara Yvette Yehia — CRP 06/411. Psicóloga Clínica. supervisora de estágio pela mesma instituição nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. supervisora de estágio nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Oficina de Criatividade. Psicóloga Clínica. Atua em consultório particular no atendimento a adolescentes e adultos. Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo — CRP 06/45952. Professora universitária. mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica — IPUSP. mestre em Saúde Mental pela FCM/DPMP/UNICAMP. 1993. Mary Dolores Ewerton Santiago — CRP 06/00345-8. Coautora do livro Psicodiagnóstico processo de intervenção. supervisora de Psicodiagnóstico e Psicoterapia Psicanalítica (UNIP). Marizilda Fleury Donatelli — CRP 06/14481. Lionela Ravera Sardelli — CRP 06/21686-5. Docente da Universidade Paulista Campinas e Limeira. Psicóloga pela UNESP/Assis. Mariana do Nascimento Arruda Fantini — CRP 06/508735. Mestre em Psicologia Clínica. doutora em Saúde Mental. Maria Fernanda Mello Ferreira — CRP 06/327029. docente e supervisora de estágio no curso de graduação em Psicologia. adolescentes e adultos. supervisora de estágio na Universidade Paulista (UNIP) nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. Professora universitária. além de atuar como psicoterapeuta.PUC Campinas. Coordenadora do Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Paulista (UNIP) da Cantareira e da Vergueiro em São Paulo. Professora universitária. doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Atua em consultório no atendimento a crianças. Psicóloga formada pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). supervisora de estágio nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. Professora universitária. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Coordenadora do Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Paulista (UNIP) em Alphaville/SP. Psicóloga Clínica. Membro da Comissão Gestora do CRP e da Comissão de Avaliação de Título de Especialista (2008- 2013). Cortez. Mestre e doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Mestre e doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. mestre e doutora em Psicologia Clínica pelo IPUSP. supervisora de estágio na Universidade Paulista (UNIP) nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. psicoterapeuta. . Lucia Ghiringhello — CRP 06/902. Coordenadora do curso de Psicologia da Unip Campinas. Psicóloga Clínica graduada pela PUC- SP. supervisora de estágio em Psicologia Clínica (Psicodiagnóstico) na Universidade Paulista (UNIP). . Psicóloga Clínica. Psicóloga Clínica. Especialista em Psicoterapia Infantil e Psicoterapia de Grupo (Instituto Sedes Sapiente). Super-visora de estágio da Universidade Paulista (UNIP) de Psicodiagnóstico e Psicoterapia. Cortez. Supervisora de estágio pela mesma instituição nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia de base Psicanalítica. Coautora do Livro Psicodiagnóstico processo de intervenção. Especialização e Especialização avançada em Saúde Mental Infantil pela UNICAMP. Coordenadora dos Centros de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Paulista (UNIP) em Campinas e na Chácara Santo Antonio/SP. 1993. Silvia Ancona-Lopez — CRP 06/2862. Mestre e doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. mestre em Educação e supervisora de estágio de Psicodiagnóstico e Psicoterapia na Universidade Paulista (UNIP). Borges — CRP 06/266033. mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos. Psicóloga pela PUC Campinas. Atuação como psicoterapeuta em consultório. Suzana Lange P. Rosana F. Docente da Universidade Paulista (UNIP) nas cidades de Campinas e de Limeira. Membro do Comitê de Ética (CEP) da UNIP. Tchirichian de Moura — CRP 06/26620. supervisora de estágio nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. Mestre e doutora em Saúde Mental pela FCM/DPMP/ UNICAMP.Regina Célia Ciriano — CRP 06/01357-4. Professora universitária. que com seus questionamentos. Lilia Ancona-Lopez. Nossos agradecimentos a dra. . Agradecemos aos nossos clientes que compartilharam conosco suas histórias de vida e seus sofrimentos e aos alunos. pela inestimável colaboração na organização deste livro. levam à revisão e à evolução da prática do psicodiagnóstico interventivo. nesse processo. Foi uma situação dramática. falar ou calar-se. Na vida cotidiana. lacanianas. procedimentos e técnicas diferentes ao realizá-lo. intuitivas. métodos. Paradoxalmente. gestálticas. doces. O universo Psi é eivado de conceitos. o psicodiagnóstico interventivo desenvolveu-se. procedimentos e técnicas. Tinha consciência. coloca o psicólogo diante das limitações do conhecimento e dos recursos de uma profissão que se baseia em um saber ainda pouco desenvolvido. o psicólogo pode agir. humanistas. transpessoais e da psicossíntese. sensíveis. entre muitas outras. A palavra drama tem muitos significados. as psicanálises e a fenomenologia existencial — e o início de um quarto eixo transpessoal originam inúmeras correntes. Apesar de essa constatação ser bastante óbvia. psicodramáticas. Na ocasião. situações exacerbadas. e simultaneamente agradáveis e cômicos. conhecer. Deles decorrem propostas teóricas que se apresentam como campo propício para a proliferação de produções que se agrupam. complicados. compreender o outro que está diante de si. Apresentação O psicodiagnóstico interventivo desenvolveu-se a partir da constatação de que teoria e prática nem sempre andam juntas. emocionais. No que diz respeito ao psicodiagnóstico. a partir da constatação de um excesso. cognitivas. com episódios inesperados. As psicologias comportamentais. dirigia a clínica psicológica de uma instituição de ensino superior e me sentia responsável pela prestação de serviço às pessoas que procuravam atendimento gratuito. que causem dano. sofrimento e dor. existenciais. evidenciam o que chamei de excesso. Para outros. difíceis. quando os conceitos se mostram estreitos e as técnicas insuficientes. winniccotianas. ela adquire tons dramáticos quando se apresenta na situação concreta do atendimento psicológico. Diferentes visões de homem e de mundo compõem paradigmas diversos. a atenção focada ou flutuante. A existência de pelo menos três grandes eixos paradigmáticos — o behaviorismo. que mereçam o estatuto de cientificidade e deem conta das demandas da prática. suaves e até mesmo cômicas. fenomenológicas. A lacuna que se faz presente na concretude da clínica. paixões. da expectativa das escolas e dos setores . algo nele fala: o desejo de compreender. também. mesmo no silêncio. o psicólogo busca apreender. Por vias racionais. tumultuosos. buscando construir corpos consistentes e coerentes. difíceis ou tumultuosos. E. cliente e psicólogo conhecem cada vez mais a si mesmos. entender. mas. que vivi décadas atrás. Diante do paciente. pode ser um drama. um conjunto de acontecimentos complicados. é uma representação com episódios que contêm elementos trágicos. cada corrente aborda e valoriza de forma singular o processo psicodiagnóstico e utiliza estratégias. também. embora possa ser um de . aplicava-se uma bateria de testes e. na qual apresentavam suas queixas pontuais e muitas vezes descontextualizadas. clientes. com os dados obtidos. Além disso. elaborar um relatório final em linguagem psicológica. Gerava-se uma nova lista de espera que. e após um longo tempo na “lista de espera” eram chamadas para atendimento. boa parte dos inscritos não respondia ao chamado da clínica. Naquela cena. ou seja. confiantes em nosso trabalho institucional.da saúde que as encaminhavam. preparando-os para os atendimentos psicológicos. na maioria das vezes. sentia-me pressionada pela necessidade de oferecer uma formação de qualidade aos futuros psicólogos. Era preciso. O tempo de espera estendia-se muitas vezes por mais de seis meses e. disputas e negociações que ocorriam em cenários pessoais. Iniciado o atendimento psicoterápico. No início do processo psicodiagnóstico. solicitava-se aos responsáveis pelas crianças que expusessem as razões da sua vinda à clínica e levantava-se a história dessas crianças por meio de uma anamnese. criando diferentes agrupamentos humanos conforme as posições que assumiam diante das inúmeras alianças. na maior parte das vezes. Em seguida. No caso das crianças. nem os pais entendiam a razão desse encaminhamento. ainda. os pais ou responsáveis que compareciam eram atendidos em uma breve entrevista de triagem. O processo todo resultava. sem considerações a respeito do contexto social geral e particular no qual os sintomas tinham sido gerados. aliada ao fato de que nem as crianças. profissionais. também a esperança dos professores. cabia ao psicólogo desenvolver um raciocínio que integrasse de forma coerente os dados oriundos de diferentes testes — originados em paradigmas diversos — as informações trazidas pelos responsáveis pela criança — obtidas em uma ou no máximo em duas entrevistas iniciais —. formulava-se uma hipótese diagnóstica com base em modelos sugeridos pelas teorias de desenvolvimento e da personalidade. Essa era. que os sintomas e as dificuldades apresentadas desaparecessem rapidamente. o que ele significava e o que podiam esperar dele. institucionais e sociais. alunos e gestores aliavam-se ou afastavam-se uns dos outros. a mando de professores ou de outros profissionais. na qual psicólogos. ou por modelos oriundos das áreas da Educação e da Medicina. as informações da escola e de outros profissionais e as observações realizadas dire-tamente com a criança. em indicação para psicoterapia. dispus-me a pensar em soluções para um fato que me atingia particularmente: crianças chegavam à clínica levadas por seus pais. O relatório psicodiagnóstico orientava a entrevista final a ser desenvolvida com os responsáveis pela criança e pelo seu encaminhamento. como os da Psicopatologia. competições. os responsáveis esperavam que a criança “melhorasse”. razão de ser da clínica-escola. professores. As crianças eram inscritas para o psicodiagnóstico e iniciavam a sua “carreira de paciente”. como consequência. além de não terem observado mudanças nas crianças durante o processo diagnóstico. Como a remoção de sintomas não é o objetivo da maior parte das psicoterapias. Na elaboração de uma conclusão diagnóstica. ocasionava uma nova leva de desistências. 6% dos clientes que haviam buscado as quatro clínicas-escola de instituições de ensino analisadas em São Paulo tinham “alta”. encerravam o atendimento em comum acordo com o psicólogo. Quanto às questões da dinâmica psíquica. Os estagiários viviam a tensão e a insegurança típicas dos primeiros atendimentos. fonoaudiológicos ou outros. no caso do psicodiagnóstico. resultante da falta ao trabalho no dia do atendimento para poder acompanhar as crianças à clínica. do fato de elas serem consideradas portadoras de alguma patologia psicológica e da não consideração das condições cotidianas tanto da vida familiar e escolar quanto de todo o contexto econômico. Os supervisores desempenhavam a contento a sua função. defrontavam-se com as vicissitudes de serem orientados a se manterem neutros e objetivos na aplicação e na avaliação de testes cujos resultados não eram questionados e nem sempre coincidiam com o que observavam nas crianças. Havia também o custo psicológico decorrente do desconhecimento do tipo de atendimento para o qual levavam as crianças. preocupavam-se com a avaliação do seu trabalho e. acrescida das despesas com a condução. No entanto. poucas crianças chegavam ao final do atendimento. político e social em que viviam. Estudos posteriores sobre a avaliação do atendimento se sucederam em diversas partes do país. aliavam a preocupação com o ensino à responsabilidade pelo resultado dos atendimentos. Para as famílias de baixa renda havia um custo financeiro. os psicoterapeutas preferiam não se ater aos detalhes dos relatórios oriundos do processo psicodiagnóstico. Mais do que transmitir um conhecimento sobre a criança. Os alunos realizavam seus primeiros atendimentos e começavam a desenvolver uma atitude clínica e uma identidade profissional. por sua vez. na seriedade do seu trabalho e no cuidado que dispendiam aos alunos e às supervisões eram a garantia institucional de que não haveria danos nem aos estagiários nem aos clientes. psiquiátricos. o relatório do psicodiagnóstico não parecia ser de grande utilidade.seus efeitos. mas desenvolver uma compreensão própria no decorrer do atendimento. organizado por Rosa Mace-do (São Paulo: Cortez). realizada em 1986 e publicada no livro Psicologia e instituição. uma questão silenciosa. mostrou que apenas 4. com os próprios recursos. A relação custo-benefício do processo psicodiagnóstico parecia-me fora de equilíbrio. Os supervisores. e um Grupo de Trabalho da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (Anpepp) trabalhou nesse assunto por muitos anos. subjacente ao andamento . com o profissional concluindo que o atendimento tinha atingido o seu fim e o cliente considerando que poderia continuar a sua vida de forma positiva. ou seja. A função do relatório psicodiagnóstico reduzia-se à de uma triagem confiável. A confiança na competência profissional dos professores supervisores. a primeira pesquisa que fiz sobre o assunto a fim de comprovar o que observava. Para os psicoterapeutas. De fato. ele aparecia como uma garantia de que as condições necessárias para o desenvolvimento da psicoterapia estavam preservadas e de que havia sido verificada a necessidade de atendimentos paralelos. mas as diferentes pesquisas não mostraram grande avanço na situação descrita. fossem eles neurológicos. Nessas reuniões formalizamos. expor os objetivos e o modo de trabalho dos profissionais de Psicologia e compartilhar o conhecimento adquirido sobre as crianças em linguagem acessível e atenta às possibilidades de absorção e compreensão. também. comigo. sentia-me inquieta. estabeleci reuniões de estudo e discussão semanais. Em uma redistribuição dos recursos administrativos disponibilizados pela instituição para a clínica- escola. sediado cada vez por uma instituição diferente. Em seguida. procuramos conhecer o que era feito a esse respeito em outros países. evitar as listas de espera. ensinar os alunos a atender às necessidades dos clientes utilizando os conhecimentos adquiridos durante o curso. no entanto. uma porcentagem menor ainda iniciava a psicoterapia. O efeito da divulgação dos resultados obtidos nos atendimentos oferecidos nas clínicas-escola na ocasião. em instituições que ofereciam atendimento a populações de baixa renda. Consequentemente. estabelecer uma relação de escuta e de respeito às histórias e aos significados atribuídos pelos clientes às suas experiências.da clínica. O benefício para os clientes era mínimo. ou seja. em um primeiro momento. eliminar o uso de técnicas desnecessárias. colocava em dúvida o serviço oferecido. Uma pequena porcentagem das crianças chegava ao fim do processo psicodiagnóstico. e a grande parte dos clientes abandonava o atendimento por iniciativa própria. sem justificativa. além de construir com os clientes novos significados e novas condutas. . Esse encontro se repetiu. grande parte dos supervisores que atuava nessa clínica envolveu-se no assunto e dedicou-se. acrescentados aos conhecimentos disponibilizados pelo supervisor e pela discussão dos casos. e hoje se encontra na sua vigésima versão. foi maior na clínica que estava sob minha responsabilidade. A divulgação da pesquisa que teve como objetivo avaliar os resultados dos atendimentos psicológicos oferecidos por quatro clínicas-escola causou algum impacto no meio acadêmico e levou-me a organizar o primeiro encontro de clínicas-escola para discutir o assunto. à semelhança do levantamento inicial sobre os atendimentos em clínica-escola. Outra situação que se mostrou extremamente favorável ao desenvolvimento de nosso trabalho foi o fato de vários supervisores estarem inscritos em programas de mestrado e doutorado. era a postura ética necessária e imprescindível para qualquer atividade voltada à formação do psicólogo. aparentemente frutuoso. em forma de horas de trabalho docente. estudando os resultados do levantamento realizado. à semelhança das clínicas-escola. Isto possibilitou que. e convidamos profissionais para palestras e workshops. a enfrentar o desafio de encontrar formas de atendimento que se voltassem ao bem dos clientes. considerou-se que a postura proposta corrigia uma situação perversa: utilizar os clientes para o aprendizado dos alunos. que o reverso dessa situação. Considerou-se. temas relacionados ao objetivo de melhoria do atendimento e da preparação de alunos fossem escolhidos para o desenvolvimento de dissertações e teses em Psicologia Clínica. Analisada a situação na perspectiva de uma das finalidades da clínica-escola — a de preparar os alunos do curso de graduação em Psicologia para o atendimento clínico —. as observações realizadas sobre o estatuto atual dos atendimentos. Como responsável por todo o serviço oferecido pela clínica-escola. sobre a vivência de exercícios de psicomotricidade em grupos de mães. Esse trabalho não se deu sem tensões na instituição. Novas discussões. escolheu-se a linguagem da fenomenologia para sua apresentação. e Christina Menna Barreto Cupertino desenvolveu uma análise de desencontros no processo. e novas dissertações e teses foram realizadas no Programa de Estudos Pós-graduados de Psicologia Clínica da PUC-SP. a psicóloga Yara Monachesi formalizou uma pesquisa sobre o problema do uso de testes originados em diferentes paradigmas teóricos no processo psicodiagnóstico e sobre o uso dos relatórios psicológicos pelos psicoterapeutas. e um artigo de Silvia Ancona-Lopez Larrabure. Além disso. a de Sonia Jubelini. a posição da criança e dos pais no processo. entre elas a de Mary Ewerton Santiago e Sonia Jubelini. Nessa esteira. Nele discute-se a prática do psicodiagnóstico. Oara Varca Moreira da Silva propôs um grupo estruturado de vivência para pais. sobre uma modalidade alternativa do psicodiagnóstico em instituição. De fato. tiveram lugar. compreendiam melhor e valorizavam o trabalho dos psicólogos. Simultaneamente. no relacionamento intraequipe e no relacionamento com os alunos. sobre o psicodiagnóstico grupal. Yu Me Yut e Teixeira. reformulações na equipe e o desenvolvimento de uma relação mais ativa e colaborativa entre alunos e supervisores. o envolvimento da equipe e as transformações necessárias para sua implantação. Silvia Ancona-Lopez Larrabure dedicou-se a uma proposta de trabalho em grupos de espera. tratou-se de transpor para uma linguagem teórica as estratégias desenvolvidas. Iniciou-se a implantação dos novos atendimentos a par dos estudos. e Gohara Yvette Yehia apresentou uma técnica alternativa de supervisão de estágio para a formação de psicólogos. mas os atendimentos traziam resultados evidentes: os clientes participavam ativamente. compreendiam de forma nova os relacionamentos familiares e os sintomas de seus filhos e ativavam seus recursos para lidar de forma positiva com a situação encontrada. Todas essas dissertações foram realizadas no Programa de Estudos Pós- graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). intitulado Psicodiagnóstico: processo de intervenção (São Paulo: Cortez. sua possibilidade como processo interventivo. reformulações exigidas para sua utilização. O fato é que o . O início dos atendimentos em modelos diferentes daqueles já reconhecidos e difundidos pela área exigiu novas reorganizações administrativas. Por fim. desta vez ocasionadas por diferentes preferências teóricas. reformulavam significados e comportamentos. Grupos de Triagem. Uma pesquisa sobre crianças no psicodiagnóstico grupal foi desenvolvida por Maria Luiza Munhoz. Gohara Yvette Yehia versou sua tese sobre os efeitos do psicodiagnóstico analisados em entrevistas de follow-up. das discussões e do desenvolvimento de pesquisas: Grupos de Espera. o livro tornou-se referência para esse tipo de trabalho. Grupos de Orientação para Pais e Grupos de Psicodiagnóstico Interventivo. Apresentei uma tese sobre o atendimento a pais no processo psicodiagnóstico infantil em uma abordagem fenomenológica. que ultrapassou o espaço da equipe e das clínicas em que o psicodiagnóstico interventivo se originou. Várias publicações se sucederam. 1995). As reflexões sobre o psicodiagnóstico interventivo foram apresentadas no livro organizado por mim. Gosling. levando-me a novas implantações e transformações tanto na área da Psicologia quanto na área da educação superior. Marília Ancona-Lopez . também. e ainda hoje. dilemas e desafios. seus procedimentos. colaborações com outras disciplinas. Gohara Yvette Yehia. Giuliana Gnatos Lima Bilbao. institucionais e sociais. Falam de aspectos saudáveis e adentram em temas até hoje pouco explorados na área da Psicologia. Lionela Ravera Sardelli. Regina Célia Ciriano. o uso de metáforas para a entrevista de devolução e a importância da elaboração dos relatos dos atendimentos na formação dos estagiários de Psicologia. Giselle Guimarães. no entanto. Por muitos anos. Mariana do Nascimento Arruda Fantini. além de estratégias como a colagem. O livro que ora apresento mostra os avanços ocorridos e expõe como o psicodiagnóstico interventivo é realizado hoje. Enfim. a visita escolar. como o da atenção à religiosidade dos clientes e de suas famílias. expor e falar desse trabalho. 13 de abril de 2013. tornou-se uma possibilidade concreta para uma atuação clínica efetiva e ética. São Paulo. apesar de minha vida profissional ter seguido outra direção. Borges são psicólogos clínicos e atuam em instituições de ensino. Mary Dolores Ewerton Santiago. O atendimento em psicodiagnóstico interventivo. continuou a ser feito tanto por colegas da equipe inicial quanto por outros profissionais que se agregaram ao trabalho. a visita domiciliar. Lucia Ghiringhello. Os autores Elisabeth Becker. Ao avançar significativamente no desenvolvimento do processo do psicodiagnóstico interventivo. o que levou a editora a solicitar uma nova publicação sobre o mesmo assunto. Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo. sou convidada a orientar. analise os procedimentos psicológicos e seus fundamentos. Silvia Ancona-Lopez e Suzana Lange P. mostram como hoje o psicodiagnóstico interventivo. O livro foi adotado.psicodiagnóstico interventivo firmou-se como estratégia de atendimento e passou a ser utilizado em diferentes dispositivos de atendimento clínico no país. os autores apontam para um modo de levar adiante a profissão: desenvolver um trabalho que integre teoria e prática. Flávio J. experimente dentro dos limites éticos e tenha por guia uma reflexão ampla e multidisciplinar que considere o contexto e os efeitos pessoais. Em seus textos apresentam os pressupostos do psicodiagnóstico. por inúmeras instituições de ensino e teve mais de 25 edições. desenvolvido de forma colaborativa com as crianças e com os seus pais. Marizilda Fleury Donatelli. Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti. Rosana Tchirichian de Moura. Maria Fernanda Mello Ferreira. Ligia Corrêa Pinho Lopes. ouse ir além dos padrões já estabelecidos. e o processo foi se aperfeiçoando. Refere-se à cura (healein. em inglês antigo). de maneira “habilidosa”. significando condição (orgânica ou organizacional) benéfica. Capítulo I Psicodiagnóstico fenomenológico-existencial: focalizando os aspectos saudáveis Gohara Yvette Yehia Um pouco de história Saúde e doença vêm sendo compreendidas de formas diferentes ao longo do tempo. Nota-se. diante da dificuldade de responder. como promoção de integri-dade e/ou cuidado. 2003). Retomando ideias desenvolvidas por Morato e Andrade. pois eram donas do destino. sendo que as mudanças no modo de entendê-las acompanham a evolução da ciência e da sociedade. o homem criou um método — construção de sistemas lógicos e coerentes que permitam explicar os fenômenos do universo e de si mesmo. a relação do homem com o mundo era marcada pela vida coletiva. com as descobertas e a ampliação do comércio. Hoje. então. de acordo com Webster (1974). aos fatos do existir. Poder-se-ia pensar na possibilidade de outra atitude existencial em face do mundo como ele é vivido (Cautella Jr. um progressivo movimento de introspecção via racionalidade. No período chamado de Moderno.. Já no Renascimento. Estas definições nos remetem a . Assim é que. de segurança. de bem-estar. e sim como parte de um único processo no qual saúde não é o simples fato de não ter doença ou vice-versa. com a consequente exclusão daquilo que não é contemplado pela razão. a multiplicidade de possibilidades traz consigo a sensação de desamparo e incertezas quanto ao destino. Assim. Nasce a necessidade de controle diante do mundo do qual o homem se afastou e que passou a ser sentido como inóspito. assentada nas tradições e na crença de entidades poderosas que exigiam submissão. saúde vem do latim salus. sabemos que saúde e doença não podem ser vistas de forma dicotômica. na Idade Média. a “doença mental” pode passar a ser pensada como a construção de “outros modos de existência”. o momento clínico inicial. antes de tudo. Desse modo. com toda sua potencialidade de promover uma confiança terapêutica através da atenção e do acolhimento. afastando-se de sua peculiaridade originária. no segundo. é reduzido a uma atividade de triagem.uma aproximação de clínica e de cuidado. hoje em dia. experienciar. Diz da dor diante do desamparo do homem na sua tarefa de existir. na medida em que se procura encaixar o outro em um esquema de referência dado pelo saber teórico. tanto a atividade clínica quanto a pedagógica não fogem a um predomínio da técnica. percebemos que o domínio do saber não funciona como lugar seguro. portador de um saber a ser transmitido. no momento do encontro com o outro. ou seja. tratarão deles. No primeiro. Na Idade Moderna. O que se propõe. o clínico é entendido e valorizado como especialista. Desse modo. Etimologicamente originário do grego pathos. em ambas as origens. é um deslocamento do saber. que acolhe a produção emergente nos diversos encontros (Andrade e Morato. em sua prática cotidiana. a tendência é negar a alteridade procedendo-se a uma redução. suportando a inospitalidade dos acontecimentos para conduzir-se adiante. que se refere ao debruçar-se sobre o leito do “doente”. mas uma construção conjunta de sentidos. cada vez mais. um “entre”. Faz-se necessário. não traz respostas exatas ou verdadeiras nem alivia a angústia perante a alteridade que aparece no encontro. A clínica. 2004). passa. Assim. Este. sofrer diz respeito a uma dor. Neste caso. trata-se de um resgate desta dimensão ética que deveria ser própria e específica do saber de ofício do psicólogo. temos o homem teórico. Em latim. exerceria a função de acolher o cliente. pois. sofrer origina-se de subferre. sofrimento refere-se à situação de ser afetado pela ambigui-dade própria da condição humana. sofrer assume o significado de sentir. Nessa composição. a privilegiar procedimentos técnicos. ao passo que. que o psicólogo se despoje do lugar de especialista. Atualmente esse modelo técnico-científico mostra sinais de esgotamento. tarefas que dizem respeito ao universo do fazer psicológico no âmbito da saúde. a qual encaminhará os pacientes aos respectivos especialistas que. tolerar sem oferecer resistência. e passe a funcionar como um mediador. referindo-se a suportar por debaixo. implicando dois significados: tolerar um peso e sustentar um peso. Não se trata aqui de descaracterizar o psicólogo de seu saber de ofício. Em nossa prática. a prática psicológica inclina-se para acolher o sofrimento humano como perda de sentido. uma outra postura ética em que não existe um saber dado a priori ou uma verdade a ser transmitida. portador de um saber racional que explica as irracionalidades (os desvios) e acredita deter os meios de controlá-las ou ajustá-las à norma. Pensada a partir destas referências e comprometida com atenção e cuidado para que o sujeito se conduza na direção de seu bem-estar. ser afetado. através da mediação da técnica. em um processo permanente de desmistificação de verdades naturalizantes e universalizantes geradoras de injustiças e exclusão sociais. diz de uma força ou de um poder ser. Pelo contrário. de resgate de sentido. . todo um corpo moral normativo. o homem só é capaz de chegar ao outro pela palavra. O psicodiagnóstico Focalizarei agora uma prática psicológica conhecida de todos. Por um lado. cuja história acompanha. dificuldade escolar ou outra. . obviamente. a cultura. ou seja. uma vez que. os pais são geralmente encaminhados pela escola. Refiro-me ao psicodiagnóstico. por sua vez. nesse âmbito. em que a diferença não aparece como algo a ser negado ou excluído. Neste sentido. sendo importante investigar qual área deve ser prioritariamente atendida. psicomotoras. de outras “formas” de afetamento. e. bem como as formas de convivência no mundo e com os outros. as mudanças nos sistemas — pensamento. fonoaudiológicas). relações. No entanto. pois considera que a condição constituinte da existência do ser humano é relacional. a do pensamento psicológico como um todo. mas exatamente como aquilo que possibilitará a criação. As instituições que oferecem atendimento psicológico gratuito à comunidade são procuradas por uma porcentagem significativa de pais de crianças com algum distúrbio de comportamento. no cotidiano da vida. neurológicas. São essas situações de encontro intersubjetivo que propiciam. costumes. Nessa medida. o comprometimento social implicado na prática de orientação fenomenológica existencial é uma dimensão que não pode ser negada nem recusada por profissionais engajados em promover o desenvolvimento pessoal e profissional de pessoas. vendo e sendo visto. ou seja. 1995). A perspectiva fenomenológica existencial foi o referencial de fundamento dessa clínica. pelo médico ou por uma assistente social para atendimento psicológico do filho. Essas práticas sob ótica fenomenológica existencial podem ampliar o espectro de ação humana para que se possa atender responsavelmente à pluralidade da condição pós-moderna da vida do homem e seu sofrimento. no âmbito da atuação psicológica. em geral oferece um psicodiagnóstico. no caso de uma criança. preceitos e normas. encontram-se sempre usos. crenças. o distúrbio pode ter a concorrência de várias causas (intelectuais. revela-se pelo encontro com o outro. o olhar voltado ao sofrimento humano contextualizado carrega uma preocupação quanto à busca de abordagens teórico-práticas que contemplem as demandas inseridas nesta problemática. mudanças para o desenvolvimento e aprendizagem do ser humano. já que inaugurou a possibilidade de atuação do psicólogo enquanto profissional.Um trabalho voltado para “trans-formações” das relações sociais exige um desmonte permanente das cristalizações que impedem a instituição de outros modos de estar no mundo. ouvindo e sendo ouvido (Figueiredo. vale dizer. emocionais. entre outros — cristalizados. A instituição. a dinâmica familiar e o desenvolvimento da criança. em 1994. produzido a partir de insatisfações de uma equipe de psicólogos que trabalhavam em clínicas-escola. são avaliados os testes com ela realizados e integradas as informações obtidas. entre os trabalhos propostos Eu mesma. Permitiu-lhe fazer uma indicação terapêutica adequada às necessidades e possibilidades do cliente. se considerarmos o psicodiagnóstico como uma coleta de dados sobre a qual organizaremos um raciocínio clínico que orientará o processo terapêutico. para o psicólogo que realizou o psicodiagnóstico. realizando entrevistas de follow-up um ano depois do término do trabalho com eles. retomei o estudo do atendimento individual a pais durante o psicodiagnóstico. durante o psicodiagnóstico. Finalmente. mostram pouca motivação para eles. passaporte para o atendimento posterior. em sua tese de doutoramento. orientação aos pais. entrou em contato com os trabalhos de Fischer. O psicodiagnóstico infantil efetuado nos moldes tradicionais[1] consta de uma ou duas entrevistas iniciais com os pais.[2] De fato. a criança é testada. verificando que havia aspectos comuns que diziam respeito à possibilidade de intervenção durante o desenvolvimento do processo. a questão que se coloca é: será que tanto para os pais como para a criança o atendimento somente deve tornar-se efetivo na psicoterapia? Tal questionamento. levaram-na a buscar outras formas de atender aos clientes que buscam atendimento psicológico. este sim considerado significativo (porque capaz de provocar mudanças). descreve o atendimento em grupo a pais. Assim. Ancona-Lopez. a fim de oferecer-lhes suas conclusões diagnósticas e sugerir os passos seguintes a serem trilhados: psicoterapia da criança. M. para que o psicólogo possa entrar em contato com a queixa. psicomotricidade. no qual o cliente encontrará acolhida para suas dúvidas e sofrimentos”. Por outro lado. revelam desconhecimento do processo pelo qual passaram. o psicólogo realiza uma ou duas entrevistas devolutivas com os pais. “um momento de transição. Em seguida. que não lhes parece ter trazido os benefícios que dele esperavam. como diz S. realizado de acordo com uma metodologia fenomenológica. . limitando-se a repetir a queixa inicial. Os pais que comparecem aos atendimentos indicados a partir desta maneira de desenvolver o psicodiagnóstico. quando compare-cem. Nessa ocasião. Alguns se mostram até mesmo decepcionados com os resultados desse atendimento. procurando torná-lo mais significativo e satisfatório. às vezes acrescentando a ela a indicação terapêutica. em 1987. baseada no entendimento do que está acontecendo com a criança e a dinâmica familiar. este se constituiu em uma etapa importante do processo de compreensão. Esses estudos visa- vam colaborar para o desenvolvimento do psicodiagnóstico como processo participativo e interventivo. Ancona-Lopez (1995). Se questionados a respeito do atendimento anterior (o psicodiagnóstico). este será. entre outras possibilidades. no nosso dia a dia. a primeira sessão com os pais desenvolve-se. estamos com os objetos de uso corrente. quando o psicólogo recebe pais encaminhados pela professora. apoio. Deste modo. fica difícil esperar que os pais estejam dispostos a levá-lo adiante. frequentemente. quando a criança começa a apresentar atitudes e comportamentos que rompem com algumas expectativas dos pais. sendo que eles mesmos apenas estariam se conformando à proposta e obedecendo a uma autoridade. Entretanto. É neste contexto que o psicodiagnóstico se propõe explicitar o sentido da experiência do cliente. é importante que trabalhe. Do ponto de vista fenomenológico-existencial. Dito de outro modo. 6 ou 7 são com os pais e o restante com a criança. agora. passamos a notar certos objetos. É neste momento que podem ser problematizadas. surge o encaminhamento ou a busca espontânea pelo psicólogo. o pediatra ou outro agente da comunidade. a compreensão que eles têm de sua própria situação e de sua relação com o filho. dos professores ou de outros agentes da comunidade. Assim. Por isso. com os outros e com o mundo. mesmo sendo a criança a precisar de atendimento psicológico. embora sempre presente. as relações dos pais e da criança consigo mesmos. sem informações. a uma descrição do processo psicodiagnóstico infantil que se desenvolve em 10 ou 12 sessões. Estes e outros estudos encontram-se no livro de M. quando há “ruptura”. em geral. senão . com nossa família. a todo momento. o mundo não é obstrutivo nem o são os objetos do mundo com os quais nos relacionamos diariamente. nos perguntarmos a respeito do significado de cada uma dessas pessoas e coisas. dos sintomas apresentados pela criança. o significado que este encaminhamento tem para eles mesmos. motivação e empenho para esse atendimento. o pagamento das sessões e os possíveis efeitos transformadores do atendimento infantil na dinâmica da família. Psicodiagnóstico: processo de intervenção (1998). com as pessoas. considera-se todo ser humano mergulhado no mundo que. Destas. a partir do questionamento a respeito do motivo da consulta. muitas vezes lhe é despercebido. sem. Similarmente. desde o início. No caso do psicodiagnóstico infantil. com nosso filho. O sentido dos objetos está na relação que eles têm com um conjunto estruturado de significados e de intenções inter-relacionadas. fica mais difícil. Ancona-Lopez. questionadas. por atribuírem a indicação a outro profissional. Consequentemente. O processo psicodiagnóstico fenomenológico-existencial com crianças e seus pais Passarei. quando falta algo que deveria haver. são os pais que arcam com muitos dos custos do atendimento infantil: o tempo para levar e buscar o filho. o trabalho com os pais visa explorar o significado da queixa trazida. considero que. Enquanto para eles a necessidade do atendimento psicológico não tiver sentido. Por isso. Nesta hora. Imaginam que a explicitação daquilo que os está movendo possa fazer com que ele “piore”. É importante identificar os acontecimentos e a forma como se desenvolveram em relação a seu contexto. Ele então a explicita a si mesmo e aos pais. muitas vezes. nas exigências várias vezes repetidas e nem sempre cumpridas por ele. distribuição de forças na dinâmica familiar. em torno da terceira ou quarta sessão. O roteiro de anamnese. os vínculos estabelecidos e os papéis desempenhados. desde o início do atendimento. o psicólogo procura conhecer as condições familiares e sociais. construindo sua própria compreensão a respeito. Outro ponto importante a focalizar é como os pais entendem o atendimento psicológico e qual sua expectativa em relação a ele. gerando a pergunta. dizendo-lhes que se trata de uma tentativa de compreensão do que está acontecendo com a criança no contexto pessoal. familiar e social. mas é. utilizado na sequência do atendimento. Até este momento. explicitando-os à medida que os vai percebendo e compreendendo. mesmo que ela não consiga expressar claramente. do projeto do cliente. focos de ansiedade. neste momento. de sua abertura e limitações para o mundo. sobretudo. podendo clarificar sentimentos e expectativas que atuam no relacionamento com a criança. às vezes é necessário voltar às fantasias dos pais em relação ao atendimento. Tais esclarecimentos lhes possibilitam entender por que sua própria participação no processo é importante e quais são os limites do trabalho.impossível. Assim. Contudo. Ao psicólogo cabe compreender a pergunta trazida. Também oferece ao psicólogo a possibilidade de observar formas de relacionamento na família. se estão dispostos a compartilhar deste projeto. Esta é imprescindível para que a compreensão conjunta do que está acontecendo com a criança e com eles mesmos possa ocorrer. o primeiro contato com a criança. permite o conhecimento do desenvolvimento biopsicossocial da criança. uma oportunidade para os pais se debruçarem sobre sua experiência passada e presente com o filho. Têm medo de contar-lhe que procuraram um profissional para falar dele e por que o fizeram. pois. através da anamnese. nem . o psicólogo não teve ainda nenhum contato com a criança. Compreender é participar de um significado comum. precipitando a crise e levando ao pedido de atendimento. que suas preocupações estão presentes no dia a dia. pode começar a formar uma imagem dela a partir do que vem sendo comunicado pelos pais. É importante mostrar-lhes. orienta os pais no sentido de dizerem ao filho que estão vindo consultar um psicólogo e por que o estão fazendo. a criança já pode perceber que algo está acontecendo. Nas sessões seguintes. nas observações que fazem a seu respeito. na forma como agem com o filho. Permitem-lhes também decidir. São-lhes oferecidos esclarecimentos a respeito da proposta de trabalho. eles não conseguem dizer ao filho por que estão consultando um psicólogo. contar com sua colaboração ativa. Antes de marcar. “se sinta diferente”. Pensamos que a dificuldade dos pais em conversar com a criança a respeito da ida ao psicólogo e do motivo da consulta revela a relação que eles mesmos mantêm com o atendimento a ser desenvolvido. Por sua vez. Por outro lado. Isto porque não haviam sido mencionados anteriormente. a fim de esclarecer o que está acontecendo com a criança. as sessões com os pais e com a criança são intercaladas. tanto do psicólogo como dos pais. observações). Os pressupostos teóricos sobre os quais este uso se baseia e como o psicólogo chegou às suas próprias observações necessitam ser explicitados. uma vez que eles não são obrigados a conhecer a cultura e os instrumentos da Psicologia. ou porque. capacidade e possibilidade de expressão verbal e gráfica. provindos do senso comum. a partir da compreensão vinda da visão dos pais e o que pode observar em seus contatos com a criança. Uma vez que o psicólogo faz uso de certos instrumentos (testes. A partir daí. para levá-los a . O primeiro encontro do psicólogo com a criança se desenvolve através de uma observação lúdica ou de uma entrevista acompanhada da execução de desenhos. quais são as preocupações a seu respeito. Ao final do processo. mesmo que. o psicólogo elabora um relatório a respeito do atendimento. podem levá-los a expectativas que não podem ser realizadas. é importante que cada instrumento utilizado seja discutido com os pais. Ele efetua assim uma espécie de tradu-ção dos conceitos teóricos numa linguagem acessível. dependendo do nível socioeconômico e cultural dos pais. mostrando que eles representam bem mais uma possibilidade de enfoque do que uma verdade absoluta. para poderem participar das decisões a respeito de quais aspectos seria importante investigar. esta participação deve ser feita a partir de bases comuns. dependendo de sua idade. Na última sessão. é necessário pesquisar mais amplamente com os pais certos aspectos da vida e do relacionamento que não se tinham mostrado relevantes até este momento. a partir da observação da criança. devendo certificar-se de que sua comunicação está fazendo sentido para os pais. o contato com a criança faz com que se abram outras possibilidades de compreensão. Consequentemente. Já que consideramos importante que eles possam participar do trabalho.da mesma maneira que os adultos. É claro que. há também um conteúdo pedagógico nas entrevistas com os pais. embora tenham sido referidos. pertencentes a um cabedal de conhecimentos técnicos e à sua disposição para conhecer a criança. outras vezes. As comunicações a respeito dos instrumentos utilizados também servem para desmistificá-los. estejam colaborando com ele. seus conhecimentos. no qual procura descrever o processo em seus passos. este relatório é lido aos pais. o psicólogo precisa usar sua linguagem de tal forma a se fazer compreender por eles. o psicólogo também confronta aquilo que esperava. Isto é necessário. contextualizá-los. Algumas vezes. Através desses confrontos pode-se modificar e ampliar a compreensão anterior. aparentemente. Este procedimento é indispensável para que os pais possam compreender melhor a partir de onde e do que o psicólogo está falando. para que a intervenção do psicólogo seja eficiente. e que síntese implica seleção. contextualizando a queixa particular para inseri-la em contexto mais amplo. . O cliente. em se tratando de uma síntese feita pelo profissional. mas apenas possibilidades de compreensão que podem ser aceitas ou não por eles. O psicólogo aceita as colocações dos pais a respeito daquilo que eles observam. Seus conhecimentos teóricos. Desenvolve um trabalho alternado de focalização e ampliação. técnicos e os provindos de sua experiência pessoal representam apenas outro ponto de vista. Em geral. antes agente passivo. margeando aquilo que ele não compreende.compreender que.[3] A reavaliação da atitude do psicólogo levou a uma mudança de postura. Tanto os pais como o psicólogo observam a si mesmos e uns aos outros. O psicólogo não é mais o técnico. Por outro lado. o psicólogo procura promover novas possibilidades existenciais na medida em que trabalha com o outro a transformação de seu projeto. procurando ampliar seu campo de visão. é importante eles dizerem se tal síntese corresponde a sua própria compreensão do processo. uma situação de cooperação. está na reavaliação do papel desempenhado pelo cliente e pelo psicólogo nesta situação. A situação de psicodiagnóstico torna-se. uma vez que se estiver distante deste campo. Assim. apreenderem e compreenderem constitui a base indispensável para o trabalho. na qual a capacidade de ambas as partes observarem. ela deve pertencer ao campo de possibilidades do cliente. Esses assinalamentos não são considerados verdades. sendo a partir dele que as falas do psicólogo terão sentido ou não. Ele observa e assinala aos pais aquilo que consegue apreender da relação deles com o filho e entre si. eles podem propor modificações. procurando explicitar o significado dos fenômenos para os pais e para si mesmo. na abordagem fenomenológica- existencial: uma mudança de atitude Uma das contribuições do psicodiagnóstico interventivo. acréscimo ou eliminação de situações ou de termos. torna-se um parceiro ativo e envolvido no trabalho de compreensão e eventual encaminhamento posterior: é corresponsável pelo trabalho desenvolvido. pensam e concluem. sugerir alterações. procurando compreender o que está sendo vivenciado. poderá não ser entendida ou ser recusada por ele. através de suas intervenções. no caso de comparecimento do casal. na abordagem fenomenológica-existencial. o detentor do saber que procura oferecer respostas às perguntas trazidas pelos pais. então. já que a compreensão dos pais e a do psicólogo são equivalentes e compartilhadas. O conhecimento que o cliente traz é valorizado. Psicodiagnóstico interventivo. Em outros momentos. seja diretamente. Algumas vezes o psicólogo faz colocações pessoais. questionamento e/ou ampliação. Desta forma. procurando favorecer uma mudança do investimento na . dependendo do momento. podendo ser feitas a partir das associações dos pais a elas. Entretanto. a partir da compreensão da dinâmica familiar. em detrimento dos patológicos. trazem questões e colaboram com observações informais do filho em novas situações. o psicodiagnóstico fenomenológico-existencial envolve um trabalho de redirecionamento dos pais a partir da compreensão da criança e da dinâmica familiar. as perguntas não são consideradas intervenções para ajudar os clientes. os pais acompanham o estudo do filho. como lembra Tomm (1987). o psicólogo procura descrever como compreendeu os comportamentos que lhe apareceram. O estilo das intervenções do psicólogo No início do atendimento. O psicólogo mostra-se compreensivo e acrítico em relação às vivências relatadas pelos pais. na medida em que elas focalizem algum aspecto ou tema que não estava explícito. A partir de seus contatos com a criança. com os outros e com o mundo. várias intervenções se colocam no âmbito de conselhos e de informações pedagógicas. mostrando-lhes não ser detentor de um saber. há uma tentativa de salientar os aspectos positivos. apenas acompanha os pais. suas intervenções se apresentam como possibilidades de compreensão. Pode lançar mão de confrontações e incitar ativamente os pais a se defrontarem com suas angústias. para favorecer a observação de como esta última se relaciona consigo mesma. Em certos momentos. sendo explicitados o objetivo e os princípios gerais subjacentes a eles. Dá apoio aos pais. dar sugestões a respeito daquilo que lhe parecia poder promover um desenvolvimento mais harmonioso. adaptativos e saudáveis. propiciar novas formas de interação e abrir novas perspectivas experienciais. Nesse sentido. elas podem ter efeitos terapêuticos. ainda durante o psicodiagnóstico. sendo suas intervenções de apoio. O uso de qualquer instrumento é discutido tanto com os pais como com a criança. Em geral. exploram as informações. com o objetivo de facilitar o relacionamento. visando diminuir a distância entre ele e os pais. Frequentemente os encoraja e manifesta sua simpatia para com eles. seja indiretamente. Compartilha com os pais sua experiência acerca de como foi o contato com a criança a partir das situações propostas. as intervenções são sobretudo exploratórias e visam entender melhor as preocupações dos pais para com a criança. através das respostas verbais e não verbais dadas a elas. A partir das conversas com os pais e do conhecimento da criança. o psicólogo pode sugerir alternativas de ação para os pais. Assim. Em geral. Ele também pode. permitindo- lhes falar. já que. é necessário recorrer a testes de nível intelectual. muitas vezes. consideramos as situações propostas pelo teste de inteligência. Entre estes se destacam a observação lúdica. apenas com outros pressupostos. uma crença nas suas possibilidades de crescimento e uma tentativa de promover a separação psíquica entre eles e o filho. como metáforas de situações vividas pela criança em seu cotidiano escolar e mesmo no familiar e no social. Afinal. dirigindo-se ao problema de identificações recíprocas e projeções. O resultado numérico serve apenas de referência para uma classificação em relação àquilo que seria esperado para a idade da criança. durante a aplicação dos testes. São muitas as críticas que algumas abordagens em Psicologia fazem à utilização deste tipo de instrumento. mais utilizada com crianças pequenas. Dirige-se o atendimento. trata-se de psicodiagnóstico. portanto. utiliza o princípio de focalização. no sentido de favorecer uma individualização das partes.[4] A atitude do psicólogo não é passiva e neutra no sentido de acompanhar as associações dos pais. mesmo depois de elas serem adaptadas para a população brasileira.[5] A utilização dos testes psicológicos Cabem aqui alguns comentários a respeito de como são considerados os testes nesta forma de atuar. Mais relevante para a compreensão do que está ocorrendo com ela é a relação estabelecida entre a criança e o psicólogo.criança. quando utilizado seguindo as normas da psicometria. em se tratando de dificuldades de aprendizagem. Como se sabe. Para conhecer a criança. entrevistas e testes. a recusa desses instrumentos parece-nos uma atitude extremada. portadores de suas ambições e desejos frustrados. é a interação pais versus filho. por exemplo o WISC III. Entretanto. que consiste em polarizar sua atenção sobre um conflito central do qual decorreriam os problemas principais. buscamos compreender com ela a partir de sua maneira de lidar com os estímulos apresentados. esses testes pertencem à tradição positivista. o profissional faz uso de diversos instrumentos. estimula-os a se confrontar com suas angústias. Desta forma. O ponto de impacto da intervenção. existe numa determinada quantidade e pode ser medida. na qual uma das suposições básicas é de que qualquer coisa que exista. Para isto. os filhos são considerados extensão dos pais. bem como sua forma de entrar em contato com . pertencentes ao cabedal de recursos dos quais o psicólogo clínico dispõe para atender a um cliente. Frequentemente. no psicodiagnóstico. Diante disto. uma vez que pode levar à rejeição de possibilidades de interação com a criança nas situações propostas pelo teste (uma vez que reproduzem algumas daquelas que a criança vive em seu dia a dia). Como há um limite para a duração do trabalho. podem-se observar e. Outros recursos utilizados: a visita domiciliar e a visita à escola • Visita domiciliar Propomos. reativadas por um estímulo portador de uma problemática latente.eles: suas inseguranças. com os outros e com o mundo. redimensionar queixas em relação à criança. a realização de uma visita domiciliar. assim como a ressignificação de falas e observações ocorridas durante as sessões. recorre-se a uma entrevista com a professora. Estes. Referem-se à experiência em outra situação. Ela permite a observação. Resumindo. ainda torna possível orientar a professora a partir da compreensão da criança. As repercussões deste trabalho sobre os pais . Pensamos. Assim. ou seja. consideramos os testes organizadores que possibilitam a emergência de vivências que ocorrem no cotidiano da criança. Por essa ocasião. através da visita. às vezes. Deste modo. a maneira como soluciona os problemas apresentados. o resultado do teste articula-se com a compreensão do vivido pela criança. permitindo-nos compre- ender. com o consentimento do cliente. à observação da criança na sala de aula e no recreio. que as imagens propostas pelo teste possam colocar a criança diante de uma situação geradora de possibilidades metaforizadoras. junto com ela. O psicólogo conversa com a criança a respeito de suas observações. provêm da tradição psicanalítica e supõem que o material do teste sirva de suporte a uma projeção global das representações inconscientes. in loco. sua postura em geral. sendo ela quem orienta as sugestões quanto ao que fazer. a partir das quais ela poderia revelar sua construção do mundo de uma determinada maneira. Dependendo da disponibilidade da escola. também. em vez disto. • Visita à escola Outro recurso utilizado é a visita à escola. por sua vez. relacionando a situação presente às situações que ela vive em seu cotidiano. da família. Situação similar se apresenta quando são utilizados os testes projetivos. como está sendo percebida sua relação consigo mesma. a sua própria forma de construir esta imagem e aos pressupostos implicados nesta construção. evitando investimentos desnecessários e frustrantes de ambas as partes. decorrentes do rompimento da trama do cotidiano pelo surgimento de algo desconhecido a ser renomeado. Para permitir acompanhar essa observação. é possível instalar-se um campo interacional. no qual os pais e o psicólogo viverão experiências. talvez. este seja um aspecto positivo. formulados através de verbalizações. a partir desses movimentos. ao mesmo tempo que. pois é aqui que intervêm sua flexibilidade. É esse o momento em que os aspectos terapêuticos do processo se manifestam mais claramente. ele gera as condições para a ocorrência de acontecimentos. Em outros casos. geralmente. ambos precisam estar disponíveis para a possibilidade de irrupção do desconhecido e a vivência da angústia. é como se os participantes pairassem numa espécie de vazio. Em alguns casos. Entretanto. não sabem o que fazer. e ela pode não estar sendo reconhecida ou estar sendo atribuída a fatores externos ao relacionamento entre pais e filho. Estes movimentos ocorrem mais intensamente em torno da quinta sessão. Neste primeiro momento. o trabalho se encerra nesta primeira fase. tornando-se dependentes das indicações do psicólogo. De fato. é preciso que a desconstrução da imagem do filho. as possibilidades destes de se confrontarem com novas formas de ser com o filho. De fato. trata-se de clarificá-la. obrigatoriamente. uma vez que a desistência ocorre no início do processo. parecem ter perdido seus referenciais. Ou seja. tomando o cuidado de ajudá-los a tornar estes momentos produtivos. quando os pais não estão motivados para o trabalho proposto. quando eles relatam modificações em sua compreensão da criança e tentativas de mudança em sua forma de se relacionarem com ela. com a finalidade de chegar a um consenso quanto ao trabalho a ser desenvolvido. portanto. A instalação e eficácia deste campo dependem tanto dos pais como do psicólogo. Agora. sua capacidade para compreender de outro ponto de vista. enquanto esta nova construção ainda não se deu e a antiga encontra-se abalada. com a sensação de que perderam o pé. há a possibilidade de existência de uma crise. . sua abertura para possíveis reinterpretações das situações vividas. desistem do atendimento. avaliar a plasticidade dos pais. por se mostrar distante de suas expectativas ou muito ameaçador. não importando quem tenha sido o agente do trânsito para a nova situação de compreensão. O psicólogo pode. Os contornos desta nem sempre são claros. Eles foram sendo preparados e aconteceram sem ter sido. associada a uma maneira de ser dos pais. Quando os pais vêm para a consulta. porém. mas podem surgir até antes. voltemos ao início do processo. podem aparecer com a angústia própria à novidade da situação. Em vários casos estudados. a fim de se implicarem de outro modo nessa relação. em torno da quinta sessão. É então que o psicólogo deve estar pronto para acompanhar os pais nesta trajetória. também. nota-se um movimento dos pais que culmina. favoreça uma nova construção. ou seja. Quando e se este campo está bem instalado. Pensamos que. Para ele. o assunto é retomado e procura-se chegar a um consenso. Por essa perspectiva. na medida em que eles se confrontam de uma só vez com vários aspectos de sua experiência mencionados ao longo do processo. pois passam a apreender as vantagens de o filho ser como é. Os pais revelam. a leitura do relatório no final do atendimento se constitui em um momento significativo do processo. o trabalho realizado através do psicodiagnóstico permite frequentemente desdobramentos . ainda. O psicólogo também se defronta com momentos de angústia. pode-se compreender a importância da elaboração do relatório final. as mães sentem-se mais seguras para lidar com o filho. descrevendo o que ocorreu neste período de atendimento. um impacto sobre os pais. É redigido pelo psicólogo. dizem conseguir aceitar que o filho não seja um prolongamento de si próprios. não sabendo como compreender aquilo que está sendo trazido nem qual o caminho a seguir. neste trabalho. O follow-up A entrevista de follow-up é realizada com a finalidade de retomar. passado algum tempo. é pelas lacunas e ambiguidades entre a expectativa e a vivência que pode procurar um novo conhecimento. registram-se as duas versões. Visa verificar se ele retrata. Insisto. Nessas ocasiões. mantendo-os atentos e mais abertos em relação a ele. O relatório final permite verificar a consistência e a coerência das conclusões às quais se chegou. também. ainda que isso não coincida com suas expectativas. caso eles não concordem com este. a capaci-dade de separar o que é deles e o que é do filho. também. A leitura provoca. Sua compreensão de algumas atitudes da criança se alterou. busca-se sempre focalizar os aspectos saudáveis da criança e dos pais. a dos pais e a do psicólogo. Desse modo. o psicólogo está aberto para alterações do texto. gerando mudanças em sua forma de se relacionar com ela. para poder ser mais ele mesmo. o processo vivido. Assim sendo. também do ponto de vista dos pais. Pudemos perceber que. a fim de conhecer sua fecundidade e eficácia. Para isso. a experiência vivida pelos pais durante o psicodiagnóstico. Quando isto não é possível. Os pais ainda se referem a mudanças do filho que podem funcionar como elemento de retroalimentação para suas próprias mudanças. Ele tem a finalidade de constituir-se em uma síntese do processo. fazendo apelo à abertura de novas possibilidades de estar-com em vez da busca de uma adequação a algo considerado “normal” pela ciência. passado um ano do atendimento. É frequentemente neste momento que o psicólogo percebe aspectos que não valorizou durante as entrevistas ou que foram sendo esquecidos ao longo do processo. respeitando a cultura e o contexto familiar. uma vez que seria difícil que fosse elaborado em conjunto. Desse modo. The client’s role in diagnosis: three approaches. 1987. M. T. T. Torna-se. A. Psychodiagnosis: a person center perspective. as crenças e os padrões utilizados pelas pessoas para lidar com sua ansiedade. Psicodiagnótico: processo de intervenção? In: ANCONA-LOPEZ.. abrindo novos horizontes. podem aparecer agora como figura. São Paulo. por si mesma. realizar follow-up. Por outro lado. prática pouco difundida em nossos meios. v. Person Centered Review. 9. mas podem deixar de sê-lo após um período. M.] BOY. qual o objetivo de um trabalho em psicologia clínica? Depende da demanda do cliente no momento da procura. 4. Referências bibliográficas ANCONA-LOPEZ. p. nesse sentido. v. H. n. pudemos perceber que a entrevista de follow-up também propicia aos pais uma pausa reflexiva para se confrontar com seu momento atual de vida. tanto psicólogo como cliente mudam ao longo do tempo. ANDRADE. Aqui. tornando necessárias uma reinterpretação e uma rediscussão das necessidades no momento atual. P. reduzindo a vivência a algo já conhecido. n. 171-82. 1989. CAIN D. Para uma dimensão ética (e moral) das práticas institucionais. por sua própria condição humana. Estudos de Psicologia. V. Assim considerado. levando a novas perspectivas. um momento de encontro que pode propiciar acontecimentos. 1995. 2. . 2. Psicodiagnóstico processo de intervenção. 4. São Paulo: Cortez. H. um momento significativo de atenção e cuidado tanto para o profissional como para o cliente. passados alguns meses. S. pode abrir novas perspectivas no campo da pesquisa em Psicologia Clínica. Atendimento a pais no processo psicodiagnóstico infantil: uma abordagem fenomenológica. maio/ago. 1989. já que. N. Nessa perspectiva. ______. 2. Tese (Doutorado) — Pontifícia Universi-dade Católica. levando a outras crises em momento posterior. p. As teorias. 132-51. o follow-up pode propiciar possibilidades de revisão por parte do psicólogo e do cliente. Para uma dimensão ética da prática psicológica em instituições. J. MORATO. relegados a um segundo plano. ou seja. pareciam eficientes. Assim. v. P. MORATO. Afinal. A. Natal. já que o fundo se modificou. esta pode se modificar ao longo do tempo. 2004. ANCONA-LOPEZ. além de tornar-se. Ora. [Texto não publicado. aspectos que não haviam sido valorizados na época da realização do psicodiagnóstico.fecundos no que se refere à compreensão do filho e a como se relacionar com ele. nos encontramos em um terreno movediço. Person Centered Review. n. Dissertação (Mestrado) — Pontifícia Universidade Católica. T. n. 1981. 4. 1990. Uma prática psicológica em instituição psiquiátrica: atenção à inclusão e cidadania. Tese (Doutorado) — Pontifícia Universidade Católica. G. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São Paulo: Martins Fontes. p. Dissertação (Mestrado) — Universidade de São Paulo. N. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética nas práticas e discursos da psicologia. 135-42. 1974. Boy’s person-centered perspective on psychodiagnosis: a response. Psicodiagnóstico fenomenológico existencial: espaço de participação e mudança. YEHIA. 1995. n. GILLIÉRON. 2.CAUTELLA JR. 2003. C. L. Instituto de Psicologia. 2004. 115-22. MAICHIM. 1. Person Centered Review. K. 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Essa prática postulou diferenças significativas. estabelecer vínculo com o paciente e fazer intervenção. cabendo ao psicólogo analisar esses dados com base na nosologia psicopatológica e dar o encaminhamento possível para o caso. pediatra.). Psicodiagnóstico como processo de intervenção Durante muito tempo. Capítulo II Psicodiagnóstico interventivo fenomenológico- existencial Marizilda Fleury Donatelli Este capítulo tem por objetivo apresentar o psicodiagnóstico interventivo. 1. que se caracterizava somente pela investigação. neurologista etc. Evitavam-se. seguindo os passos e utilizando instrumentos indicados por outros (psiquiatra. história de vida pregressa e atual. psicanalista. Acrescentou-se ao processo. um caráter interventivo. a investigação do que este faz frente aos estímulos apresentados. O objetivo fundamental de seu contato com o paciente era. o psicodiagnóstico foi entendido como um processo que se desenvolvia a partir de um levantamento de dados do cliente (queixa. Descrevo a seguir os principais aspectos deste modelo de atendimento psicológico. 13) comentam: O psicólogo tradicionalmente sentia sua tarefa como o cumprimento de uma solicitação com as características de uma demanda a ser satisfeita. nesse processo. ao contrário. Também argumentam a favor de devoluções parciais e de realizar um trabalho em conjunto com o paciente. cuja subjetividade se constitui pelas relações que o indivíduo estabelece no decorrer de sua existência. os pais ou responsáveis também são clientes e têm participação ativa no referido processo. no Brasil. clarificações. como já mencionado. o pagamento das sessões (quando estas são gratuitas. envolvida no problema. No psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial. p. o tempo para levar e buscar a criança. de algum modo. p. esse processo pressupõe a implicação da família na problemática. na década de 1980. foram as precursoras na introdução do psicodiagnóstico interventivo. 2. em conjunto. No caso do psicodiagnóstico infantil. o que fundamentalmente o caracteriza é a possibili-dade de intervenção. fazendo do atendimento um processo ativo e cooperativo. Parte da ideia de que. nos Estados Unidos. rompe com o modelo anterior. como diz Yehia (1995. Dessa forma. isto é. nos anos 1970. acerca do mundo interno do cliente. as questões trazidas pelos clientes são ao mesmo tempo investigadas e trabalhadas. e M. Não se trata apenas de um processo investigativo. apropriar-se de algo sobre si mesmo e ressignificar suas experiências anteriores. Ancona-Lopez. 118): […] mesmo sendo a criança a precisar de atendimento psicológico. Além disso. na queixa. São assinalamentos. o pagamento das conduções) e os possíveis efeitos transformadores do atendimento infantil na dinâmica da família. como indica o próprio nome. As intervenções no Psicodiagnóstico Interventivo se caracterizam por propostas devolutivas ao longo do processo. se a criança apresenta um comportamento que atinge os pais. possíveis modos de compreendê-las. que permitem ao cliente buscar novos significados para suas experiências. são os pais que arcam com muitos dos custos do atendimento infantil. Psicodiagnóstico como prática colaborativa . Santiago (1995. a família está. Fischer. o qual. a fim de que se possam construir. A esse respeito. considera o ser humano como um ser sempre em relação. 17) informa que os profissionais […] reconhecem a necessidade de fazer certos apontamentos ao paciente durante o processo Psicodiagnóstico por considerarem que o trabalho alcança uma dimensão mais ampla e compreensiva. pontuações. da concepção de homem e de mundo postulada pela fenomenologia existencial. Esse modo de compreender o psicodiagnóstico decorre. atribuída à criança. mobilizando-os a procurar por um psicólogo. em que a capacidade de ambas as partes observarem. O psicodiagnóstico é visto como uma prática conjuntamente realizada pelo psicólogo. permitindo novas experimentações. “é uma prática colaborativa. diante de quem se abre um leque de possibilidades. Para S. à forma de compreensão do problema do filho. compreenderem constitui a base indispensável para o trabalho. 87). se oferecem como possibilidades para ampliar o campo de consciência da pessoa. ao contrário. Nessa medida. em seu “estar no mundo”. juntos. pelos pais e pela criança. 120) complementa: “A situação do psicodiagnóstico torna-se então uma situação de cooperação. Os pais e a criança têm uma participação ativa nesse tipo de diagnóstico. como uma pessoa consciente. capaz de fazer escolhas e de responsabilizar-se por elas. atribui-se grande valor às informações trazidas pelos pais. obtidas por meio de suas percepções. quando efetuado numa abordagem fenomenológico-existencial. às fantasias e expectativas construídas antes e no momento da procura do psicólogo. No psicodiagóstico interventivo fenomenológico-existencial. o processo de psicodiagnóstico interventivo. Psicodiagnóstico como prática de compreensão das vivências O registro das experiências que as pessoas vão tendo ao longo da vida e às quais atribuem sentido constitui seu campo fenomenal. Essa é uma posição derivada da Psicologia Fenomenológica. contextual e intervencionista”. p. . não há uma relação verticalizada. pois o psicólogo não se põe no lugar de quem “detém o saber”. 3. dialoga com os clientes no sentido de construírem. permitindo que estes as legitimem ou ainda as transformem. As intervenções do psicólogo. o psicólogo compartilha com os clientes suas impressões. na medida em que entende o indivíduo. Psicodiagnóstico como prática compartilhada Em tal modalidade de atendimento. Ancona-Lopez (1991. um novo sentido. que possibilite diminuir ou eliminar o sofrimento psíquico da criança e da família. apreenderem. p. possíveis modos de compreensão acerca do que está acontecendo com a criança. Entende-se que é no compartilhar de experiências e percepções que pode emergir uma nova compreensão. o psicólogo busca compreender esse campo fenomenal e evita que as explicações teóricas se anteponham ao sentido dado pelo cliente. 4. às explicações prévias. Yehia (1995. desconstruir a situação apresentada e buscar seu significado principal. observa que ele se apoia no conceito de intersubjetividade. com os clientes. Ancona-Lopez (1995. evitando guiar-se perante o caso apenas a partir de referências teóricas. como nível mental e outros. M. A prática. Portanto. 94). assim como a necessidade de se trabalhar desde o início de modo conjunto e participativo. (1995. portador de comportamentos e construtor de significados. 94) discorre: A queixa deixou de ser vista de modo isolado para tornar-se via de acesso ao mundo do sujeito. . o qual afirma a possibilidade de “reconhecer o outro como um outro eu. Desse modo. é preciso mergulhar no mundo do cliente. é uma tarefa que exige. considerando-se o esclarecimento dos significados ali presentes como processo necessário para uma possível re-significação e consequente modificação do modo de estar consigo e com o outro. A fim de que possa compreender o campo fenomenal. a partir das definições das características de personalidade e fatores específicos. Ancona-Lopez (1995) comenta que. deixar-se enredar por sua trama de sentidos e. embora planejada a partir de indicações teóricas. ocorreu na equipe que o desenvolvia uma mudança no modo de compreender a relação entre teoria e prática. é preciso que haja um envolvimento existencial. ultrapassa a teoria de referência. que. p. p. busca obter um diagnóstico do indivíduo. conseguir uma distância suficiente que permita refletir sobre a situação. possuindo um corpo inserido em um mundo. torna-se local privilegiado para apontar lacunas do conhecimento teórico e produzir questionamentos. M. O psicodiagnóstico interventivo como prática descritiva O Psicodiagnóstico. expondo o psicólogo a experiências que não são abarcadas pelos conceitos teóricos. conforme concebido tradicionalmente. constitui a si e ao mundo”. A identificação da experiência do outro. e aos conflitos nele instalados. ao mesmo tempo. de alguma maneira. bem como seu significado. referindo-se a esse aspecto. que o psicólogo se reconheça nesse outro. compartilhar seus códigos. Ancona-Lopez (1995. o psicólogo deve. 5. M. classificando-o quanto às patologias. 93). quando do desenvolvimento do processo de psicodiagnóstico interventivo. p. Segundo Ancona-Lopez. No Psicodiagnóstico essa posição trouxe como consequência a valorização do conhecimento pessoal do cliente e de seus pais. a seus objetos intencionais. participam da construção de uma compreensão sobre o que acontece com eles. Entrevista inicial Para a entrevista inicial convoco somente os pais. em ambos os casos. em psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial. p. O psicodiagnóstico interventivo e o papel do psicólogo e dos clientes Convém reiterar que os clientes. Nesta descrição. focalizando seu modo de estar no mundo. Nesse sentido. O psicodiagnóstico interventivo evita classificações. mostrando-se como uma forma possível de significação. caindo por terra a ideia de que existem aspectos que não devem ser mencionados pelo psicólogo ao cliente: o importante é como dizer. ou seja. e não o que dizer. 6. DESCRIÇÃO DO ATENDIMENTO EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO NA ABORDAGEM FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL Essa modalidade de atendimento pode ser realizada individualmente. As etapas do processo são as mesmas. diz M. 98): Pais e psicólogo engajam-se no processo de criação de sentido e. ou com mais frequência. Em seguida. O psicólogo solicita e valoriza a sua colaboração na intenção de que o esforço conjunto possa produzir novo entendimento para as questões por eles trazidas. têm um papel ativo. apresento minha forma de trabalhar. tanto as experiências do cliente quanto as impressões do psicólogo sobre elas são compartilhadas. Ancona-Lopez (1995. Não pretende montar um quadro estático sobre o sujeito. nas instituições. com os significados nele implícitos. 1. Inicio com os cumprimentos e apresentações habituais e deixo-os falar sobre como vieram até mim. compartilho com eles o fato de o psicodiagnóstico ser um . Desse modo. nesse atendimento. É um modelo descritivo na medida em que faz um recorte na vida da pessoa. individualmente. diminuída a assimetria na relação. em dado momento e em determinado espaço. converso sobre minha forma de trabalhar. por que e o que esperam. o conhecimento profissional perde seu caráter de verdade. precipitando a crise e levando ao pedido de atendimento. e que. Enfatizo que não se trata de um diagnóstico feito somente por mim. que eles são parte ativa do atendimento. mas no qual. de sua abertura e limitações para o mundo. na relação com o filho. funções e jogos familiares. Ancona-Lopez (1995. p. É importante identificar os acontecimentos e a forma como se desenvolveram em relação a seu contexto. A esse respeito. responsabilidade e autonomia do cliente para imprimir direções à sua existência leva os psicólogos a privilegiar na relação clínica a participação dos pais. Deixo que eles falem sem interrupções. Procuro observar os temores. por meio de seu discurso. do projeto do cliente. . gerando a pergunta. as fantasias. 120) diz: Compreender é participar de um significado comum. Assim Yehia (1995. M. os pais estão implicados nela. horário. a valorização do esforço pessoal e a abrir espaço para as crenças e construções explicativas que criaram para dar conta das angústias levantadas pelos conflitos gerados pelos papéis.processo cujo objetivo é compreender aquilo que ocorre com a criança e com eles. as angústias que eles demonstram ao se referir à criança. também me reconheço. mas que buscaremos juntos compreender o que se passa. procuro fazer eventuais intervenções de esclarecimento e pontuações. tento compreender se ambos têm as mesmas demandas e se atribuem a elas os mesmos significados. falo a respeito do sigilo. 98) relata: O valor atribuído à escolha. No caso de comparecer o casal. de algum modo. de tal forma que possa compartilhar com eles minhas impressões e eles possam ou não legitimá-las. Busco entender os aspectos manifestos e latentes da demanda. Certifico-me de que os pais compreenderam minha fala e pergunto-lhes se concordam com o que apresentei. por essa razão. As eventuais dúvidas ou perguntas que tenha a fazer deixo para depois que os pais derem sinal de que concluíram o que tinham para comunicar. p. bem como o que é possível fazer para ajudá-la. a participação deles no processo é fundamental. pais. vou sendo transportada para outro universo que não é o meu. Combino dia. Explico ainda as visitas domiciliar e escolar que fazem parte do atendimento e que serão realizadas durante seu curso. a si mesmos e à vida de modo geral. Explico que parto da ideia de que se a criança tem uma dificuldade. e que tanto as informações por eles fornecidas como seu modo de entender a criança são essenciais para a efetivação do processo. Começo a notar quais são as explicações que constroem para dar conta de sua queixa. Após essa primeira imersão na teia de significados construídos pelos clientes. dos sintomas apresentados pela criança. Procuro. Desse modo. dos motivos que levam a criança a apresentar determinados comportamentos. entender as expectativas em relação ao processo. É nessa interação entre o que eles me falam e o que eu apreendo do que me dizem que vamos estabelecendo um modo de trabalho que permite emergir de nós possibilidades de compreensão. que é a contextualização da queixa e o esclarecimento da forma de trabalho e. Detenho-me nas especificidades apenas se isso for necessário. o modo de ser. a teoria subjetiva que construíram a esse respeito. dedicaremos a esse tema um ou dois encontros. p. Geralmente. formulo aos pais hipóteses sobre o que pode estar acontecendo. conversamos sobre o prosseguimento da entrevista no próximo encontro. Ancona-Lopez (1995). Começo a história de vida da criança pelo período em que os pais se conheceram. . entretanto. às quais os pais respondem livremente. Converso sobre os planos e os projetos daquela época. que pode ser feita de duas formas. verifico se a sessão atendeu ao objetivo. caso não tenham sido mencionadas no discurso do casal. para que eles contribuam com elementos que as ampliem. faço perguntas abertas. entender o projeto de vida. Informo aos pais que o atendimento posterior será destinado a conhecer a história de vida da criança e que. revivendo sua história. Além disso. A partir daí. se consultaram outros membros da família em relação às informações etc. ou seja. Nesse ponto. Meu objetivo é sempre o mesmo: penetrar naquele mundo repleto de significações. 2. desvendar o sistema de valores. A ideia embutida nesse procedimento é apresentar novas formas de ver a situação. Outra forma de encaminhamento da questão é entrevistar os pais ou responsáveis durante o atendimento. de crenças. como as analisam e o que está em jogo nessa análise. História de vida da criança O segundo encontro destina-se à anamnese. Ancona-Lopez (1995. provavelmente. Segundo M. procuro verificar como os pais reagem diante delas. Isso me dá condições de observar tanto o comportamento verbal como o não verbal enquanto falam da criança. sigo o roteiro clássico de anamnese. sentir as emoções que os pais refletem a cada pergunta ou cada etapa da vida do filho. Essa é a maneira que prefiro utilizar em meu trabalho. no qual pretendo também aclarar determinados pontos. caso ainda existam dúvidas. conversam com o profissional sobre suas respostas e sobre como responderam ao questionário: se apenas o pai ou a mãe o fez ou se a família se reuniu em torno dos temas. é possível entregar o questionário de anamnese aos pais. pois me permite ver. Quando retornam ao atendimento. ou seja. que o levam para casa e lá o respondem. M. novas possibilidades de pensar o fenômeno em questão. sobre namoro. casamento e gravidez. 100) refere: O cuidado em apresentar hipóteses como possibilidades interpretativas e de escutar como e em relação a que os pais as examinam esclarece as redes cognitivas. na tentativa de alinhavar os dados da queixa com os da anamnese. índios e soldados de plástico. de cor e de cera. descontrole de esfíncteres etc. bonecos da família. mas não lhes falarei a respeito do que ela fez ou contou no consultório. mesa. falo sobre o sigilo da relação e aviso que manterei contato com seus pais. ou seja. Depois dessas preliminares. explico que seus pais a trouxeram por estarem preocupados com determinado comportamento seu. e noto ainda que ela se encontra distante e defensiva em relação a mim. duas condutas são possíveis. converso sobre a queixa por ela identificada. móveis de casa como cama. poderemos voltar ao assunto. ambulância. se a criança responde negativamente à pergunta inicial. Contato inicial com a criança Inicio o primeiro contato com a criança apresentando-me: informo que sou psicóloga e pergunto- lhe se ela sabe o que faz um psicólogo. digo-lhe que entendo que naquele momento ela não possa falar sobre o fato e que. cujo conteúdo inclui material gráfico: lápis preto. todas essas informações são dadas em uma linguagem que a criança possa entender. armário. ou seja. panelas. Evidentemente. relações com mãe. 3. pois me interesso em observar se ela toma a iniciativa de . fogão. carros de diferentes tipos. utensílios domésticos. bem como se conhece os motivos pelos quais foi trazida a esse atendimento. Em seguida. se dessa feita ela consegue expressar sua visão do assunto. jogos de varetas. na ocasião em que se sentir em melhores condições. facas. Quando ocorre de a criança negar algum conhecimento a esse respeito. dominó. garfos. Meu propósito é conhecer quais fantasias e temores ela expressa diante do problema e do atendimento propriamente dito. Entretanto. Caso conclua a anamnese em um único encontro. carro de polícia. A primeira sessão com a criança é uma observação lúdica. irmãos ou colegas. pincel. buscando que sentido tem isso para ela. revólver e/ou espada. digo aos pais que tragam a criança para o próximo atendimento. animais. aviso sobre a continuidade da entrevista. combino data e horário. trabalho com caixa lúdica. colheres. mico. e sim de minhas interpretações e percepções sobre seu comportamento e que tudo isso será também conversado com ela. bacia e pano. papel sulfite. se noto que a criança não fala sobre o motivo da consulta. Apresento a caixa fechada para a criança. como desempenho escolar. que um psicólogo conversa com as pessoas para auxiliá-las em suas dificuldades. pratos. que significado dá ao fato de estar ali. genericamente. tinta. prossigo o diálogo conforme descrevi há pouco. pai. geladeira. Comento que as crianças vão ao psicólogo por motivos diversos. pergunto-lhe se sabe por que razão está ali. Caso a criança responda afirmativamente. Por outro lado. quebra- cabeça. canetas coloridas. Se isso não ocorre. cadeiras. Se percebo que a criança não pode se expressar por algum motivo. explico a ela. pois este lhe causa ansiedade e sofrimento. Para realizá-la. como automóvel. mas não está em uma posição distante ou defensiva em relação a mim. damas. sofá. informo a ela. com o objetivo de facilitar o relacionamento. permitam melhor desenvolvimento da criança. no sentido de dar conta da situação que os aflige. Durante a sessão. com a expectativa de que possa referendar e ampliar minhas percepções. Ancona-Lopez (1995. 4. 5. a partir da aliança que estabelecem comigo. faço assinalamentos a ela. propiciar novas formas de interação e abrir novas perspectivas experienciais. Yehia (1995. de modo geral. faço orientações que. a meu ver. Sempre que possível. Se a criança solicita que eu brinque com ela. sempre usando as situações clínicas como metáforas das situações vividas”. Procuro fazer com que os pais se apropriem delas ou mesmo as sugiram. Assim. Neles. Encontros com a criança: uso de testes psicológicos . tomando o cuidado de perguntar o que quer que eu faça. Trabalho também os sentimentos dos pais diante da situação. os recursos internos e as características de comportamento dos pais para que tais orientações não tenham o tom de uma “receita médica”. Além disso. ou melhor. p. enfim. se espera por minha ajuda para fazê-lo. converso com a criança a respeito de sua produção e tento estabelecer relações entre seu comportamento no atendimento e suas ações em sua vida. Segundo M. é importante. o Psicodiagnóstico Fenomenológico-Existencial envolve um trabalho de redirecionamento dos pais a partir de uma compreensão da criança e da dinâmica familiar. compartilho minhas percepções sobre a criança.abri-la. Sessões devolutivas com os pais Esses encontros são realizados alternadamente entre criança e pais. se reproduz aspectos de sua vida. conversar com a criança sobre as observações feitas. que papel devo representar ou quais são as regras do jogo que pretende jogar. Entretanto. procuro observar e compreender a natureza e o conteúdo do seu brincar: se há criatividade. 108). Discuto com eles a respeito dos procedimentos que vou utilizar e quais as motivações de minha ação. “ao final de cada sessão. eu a atendo. procuro levar em consideração a disponibilidade. Dependendo do que percebo. p. sua realidade. 119) diz: Desta forma. para ver qual sua reação em situação desconhecida. suas angústias e possibilidades de ajuda à criança. seu comportamento no atendimento e como eles se articulam com a queixa de modo geral. se há agressividade. Digo a ela que pode abrir a caixa e que pode brincar da forma como quiser com o que está lá dentro. tento entender qual é sua lógica. Os testes psicológicos. dependendo das peculiaridades de cada criança e do decorrer do atendimento. a compreensão dos testes é coconstituída. comentam: A característica principal do uso de testes nessa abordagem é o fato de que tanto a aplicação quanto a avaliação são compartilhadas com o cliente. quais são os mecanismos dos quais se utiliza em sua vida. A escolha do procedimento a ser utilizado é feita caso a caso. Essa visão a respeito dos testes psicológicos foi inicialmente formulada por Fischer (1979). Assim. Nas sessões com a criança posso usar testes psicológicos. explorar o significado dado às várias partes dos testes e às avaliações que se podia extrair delas. seus resultados se apresentam como definições objetivas a respeito do cliente. Pretendo compreender o comportamento da criança no teste. teceram críticas à maneira tradicional como os testes eram usados e apresentaram uma nova visão no que diz respeito à utilização deles: Na avaliação dos testes. categorizar. 62). Valorizo a análise qualitativa dos testes e não tenho a intenção de. observação lúdica. costumo apresentar à criança minhas percepções ou hipóteses sobre suas produções no teste. p. Essa não é a forma como compreendo as informações obtidas a partir dos testes psicológicos. Buscavam novas informações e solicitavam ajuda para compreender melhor as respostas. Ao usar um teste. portanto. esses psicólogos procuravam. eram considerados como dados secundários. M. considerou que os psicólogos das abordagens fenomenológico-existenciais. Ancona-Lopez e Corrêa (2004. classificar ou definir patologias no comportamento do cliente. independentemente da relação estabelecida com o examinador e da história de vida da pessoa. articulando-o com suas experiências de vida. Assim. os escores. relacionando-as com sua vida. e estas eram explicadas ao sujeito. Os resultados objetivos dos testes. Acredito que os resultados de qualquer teste só podem ser compreendidos no contexto das experiências do indivíduo e que as interpretações podem ou não ser legitimadas pelo cliente. em sua maioria. p. ao falar dos testes psicológicos e de seu uso. conjuntamente com o cliente. Ancona-Lopez (1987. Essas percepções também são discutidas com os pais. foram concebidos como instrumentos objetivos. Procuro verificar se minhas observações fazem sentido para ela e se pode acrescentar algo ao que foi dito. ou ainda intercalar essas e outras estratégias. válidos apenas como referências das instâncias para as quais haviam sido estabelecidos. recursos como colagens. a partir deles. um conjunto padrão de procedimentos definidos anteriormente. referindo-se ao uso de testes psicológicos. 379). capazes de medir e avaliar aspectos de personalidade. não existindo. Isto é. minha intenção é conhecer o funcionamento da criança. é construída em conjunto pelo psicólogo e seu cliente […] . na década de 1970. S. ao propor um “diagnóstico centrado na vida”. o desempenho escolar da criança e seu relacionamento com colegas e professores. 2. já que nesse trabalho conjunto se estabelece uma forte aliança com os pais e a criança. Pergunto ao responsável sobre as condições de ensino. Ou seja. A visita domiciliar só ocorre se a família concordar. o que produz uma configuração. Entendo que ela mostra e elucida a maneira como aquela família está no mundo. experiências. constituída por pessoas. produzindo uma gestalt. 7. Alinhavar as percepções ocorridas durante o processo. procuro observar as instalações da escola. Peço que ela. suas condições de cuidado e higiene. naquele momento. Ela é agendada previamente em horário determinado pela família. Essas visitas têm por objetivo entender a criança em relação às circunstâncias em que vive. lugares. deixo a critério da escola a indicação da pessoa com quem devo falar. a parte física. Na visita. na medida do possível. Visita escolar e vista domiciliar Durante o processo de psicodiagnóstico. provoca associações. enfim. no . influenciadas pela presença do psicólogo. os móveis. Avaliar conjuntamente o processo. cujo rompimento produz sentimentos diversos que merecem ser discutidos e trabalhados. suas possibilidades. Esse mundo interno é projetado sobre os espaços e sobre os objetos. geralmente. Trabalhar o desligamento do processo de psicodiagnóstico. em que aspectos atingimos nosso objetivo em comum. acontecimentos associados a sentimentos. p. valores. por sua vez. tenho cinco objetivos: 1. 62) diz que os espaços cotidianos da vida são modelados e modificados de acordo com a imagem do mundo que cada um carrega dentro de si e que é. esteja reunida. Durante a visita interesso- me por observar a casa. sua conservação. 3. Últimas sessões com os pais Nas últimas sessões com os pais. essa ligação entre o espaço — mundo concreto — e subjetividade — mundo abstrato — estabelece uma relação de similaridade entre eles. estabelecer um fio condutor que delineie o que foi trabalhado aos poucos. Procuro comunicar aos pais e à criança as razões da visita escolar. usualmente faço duas visitas: uma à escola da criança e outra a sua casa. estabelecendo uma via de mão dupla entre o mundo interior — eu — e o espaço exterior — mundo. Acompanho as conversas durante as visitas sem deixar de considerar que elas podem estar. Corrêa (2004. Marco o contato por telefone e. ou seja.6. 34) refere: . já que relata o processo da primeira à última sessão. por alguma razão. p. Ancona-Lopez (1995. Devolutiva final para a criança O fechamento do processo para a criança pode assumir diferentes formas. não pôde ser elaborado até aquele momento. 2002). assim como os pontos de discordância entre pais e profissionais e este é lido para os pais e transmitido às crianças. p. contendo os encaminhamentos decididos em comum. Esse procedimento baseia-se nas propostas de Fisher (1998). Ele é descritivo e é lido na íntegra para os pais. faço um relatório escrito. seus conflitos e o próprio atendimento psicodiagnóstico. e é lido e entregue a ela no último atendimento. Quando monto o livro. 4. cujos personagens são representados por animais pelos quais a criança tenha manifestado preferência. Santiago (2001. Apontar os aspectos importantes que podem permitir aos pais e à criança continuar suas vidas mais fortalecidos. tudo o que fez parte do atendimento. Trabalhar eventuais encaminhamentos ou o desligamento do consultório ou instituição. 5.[1] desenvolvidas no Brasil por Becker (2001. enfim. em linguagem acessível. como um modo de fechar o trabalho. Relatório final Ao final do processo. 9. que mudamos etc. 104) diz: Elabora-se um relatório descritivo do caso. (2001. Santiago (2001) Santiago et al. Uma delas consiste em fazer um livro cuja história é a própria história da criança. A esse respeito. do qual constam as informações dadas pelos clientes. (2003). O livro não contém nome do autor tampouco o nome da criança. as questões trabalhadas durante o diagnóstico. O propósito é que a criança leve consigo algo que lhe permita continuar elaborando aquilo que. Donatelli et al. 2004). faço o texto acompanhado por legendas e gravuras. 8. O enredo em si contempla a história de vida da criança. que podem retirar ou acrescentar algo ou ainda sugerir modificações. M. /dez. Supomos que o trabalho de elaboração psíquica pode ocorrer após o encerramento do psicodiagnóstico. Marília. Tese (Doutorado) — Pontifícia Universidade Católica. 2001. 1982. São Paulo. 1984. Programas e resumos. Introduzindo o psicodiagnóstico grupal interventivo: uma história de negociações. ______. Tese (Doutorado) — Pontifícia Universidade Católica. jul. A psicanálise da criança: teoria e técnica. 21. e seu texto ou gravuras podem servir de estímulo para que gradativamente se aproprie das analogias. 1987. ao contrário de suas produções. p. Revista Temas: Teoria e Prática do Psiquiatra. São Paulo. Diagnóstico psicológico: a prática clínica. São Paulo. Marília. 417-24. 1991. Grupos de Espera e Psicodiagnóstico: um modelo que deu certo. Silvia et al. Atendimento a pais no processo de psicodiagnóstico infantil: uma abordagem fenomenológica. não necessariamente terá que relacioná-lo consigo mesma. v. Referências bibliográficas ABERASTURY. ANCONA-LOPEZ. 2002. 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Neste sentido. as histórias e sua história: uma especificidade na devolução do psicodiagnóstico interventivo. Psicodiagnóstico: processo de intervenção? In: ANCONA-LOPEZ. ANCONA-LOPEZ. ______. AUGRAS. In: TRINCA. 1995. São Paulo. O contexto geral do diagnóstico psicológico. Psicodiagnóstico: processo de intervenção. o que permite à criança uma compreensão de sua problemática na medida de suas possibilidades egoicas. . 1986. Grupo de orientação a pais: um estudo fenomenológico-existencial. A. Tese (Doutorado) — Pontifícia Universi-dade Católica. Visita domiciliar: recurso para a compreensão do cliente no Psicodiagnóstico Interventivo. 2001. Campinas. Psicodiagnóstico: processo de intervenção. F. CUNHA. 2004. ______. 2000. Individualizing psychological assessement. E. Portugal. . L. Programas e resumos. São Paulo: Ômega. DONATELLI. 70-6. SANTIAGO. et al. M. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. T. 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Capítulo III O psicodiagnóstico interventivo sob o enfoque da narrativa Giuliana Gnatos Lima Bilbao Neste artigo. outros sequer cogitados. como no giro de um caleidoscópio. exposição. os campos e os mares. as narrativas são formas de comunicação florescentes no mundo artesão de outrora e que corriam as cidades. Nas narrativas não se pretendia transmitir a coisa narrada como mera informação. a palavra revela o seu poder. Criam-se significados. Segundo ele. O narrar se dava em um trabalho artesanal. discutir. Segundo o dicionário (Ferreira. A construção e a descoberta do inesperado surgem no discurso. Essas narrativas foram substituídas. as palavras vão se juntando em histórias. tomado como um processo de intervenção (Ancona-Lopez. esperando o momento de exposição através da fala. que ora trazem momentos do passado e do futuro. raciocinar. ora levantam percepções e sentimentos que assumem formas não previstas pela própria pessoa. O discurso seria. Benjamin (1936) trata de uma das formas possíveis de discurso: a narrativa. dar largas explicações. discorrer. 1986). O psicodiagnóstico. Enquanto a narrativa traz. da experiência vivida. tratarei o psicodiagnóstico a partir do enfoque do discurso. o resultado de um processo de raciocínio. evidencia que o discurso não é a mera explanação de algo já pronto ou o resultado de um simples raciocínio sobre o que já está devidamente delimitado. de maneira viva. a palavra discurso está associada a expor com método. o . Essa é a maneira mais usual de compreender o discurso e é a que prevalece no senso comum. o que importava era o próprio relato das circunstâncias. Eles provêm da movimentação desencadeada no processo do discurso. gradualmente ao longo da história. no discurso. explicação. outros ainda surpreendentes ou difíceis de admitir. pois. Essa definição sugere que o discurso é algo que revela um conteúdo por meio desse processo. alguns nebulosos. Ao contrário. significados e. ambos se aproximam em um ponto: são um convite ao resgate da experiência humana. a dinâmica familiar. antes de tudo.acontecimento vivido. constituímos a nós mesmos. A consciência é. Nessa unicidade consciência- objeto. mostra que. ao falar de seus filhos e de suas vidas. a narrativa não se submete à organização da vida na sociedade moderna e cai em desuso. Ao narrarem. dando-lhes forma. o processo se dá como o do artesão que modela sua escultura com determinada porção de argila: os pais. Ele afirma que a consciência é intencional. essa última seja efeito da primeira. constituindo objetos intencionais. continuando a modelagem do bloco de argila. A informação precisa ser suficiente em si e para si e precisa ser plausível e passível de verificação. Husserl (1936) postula a inexistência de um conhecimento puramente subjetivo ou puramente objetivo e nega a dicotomia sujeito -objeto. assim. dá liberdade ao leitor para interpretar a história contada e não tem compromisso com a verdade tomada no sentido factual. impactam nossas experiências. No mesmo ano em que Benjamin escreve O narrador. e esse impacto nos ajuda a compreendê-los. somos sujeitos em contínuo processo de criação de objetos. ao constituí-los. 201). relações. um modo de ser carente de histórias surpreendentes. 1936. Esses pressupostos refletem-se no modo de se aproximar das histórias contadas pelos pais no processo de psicodiagnóstico interventivo: o primeiro remete à noção de que aquilo que é contado não . Por analogia. mas as suas maneiras de significar esses fatos. Husserl escreve A crise da humanidade europeia e a filosofia. a pobreza na comunicação que se evidencia na sociedade da informação aproxima-se do empobrecimento da própria experiência humana e. sempre consciência de algo que é sempre algo para uma consciência. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes” (Benjamin. Certamente o que dizemos aos pais também os afeta. a maneira como se sentem impactados. ainda que repleto de notícias de todo o mundo. Na visão de Benjamin (1936). vista à luz das colocações de Benjamin. Por esse caráter livre e aberto. em um processo de vai-e-vem. às coisas mesmas. Eles estão. pois. os pais não estão apenas dando informações sobre o desenvolvimento. Se o ouvinte estiver suficientemente disponível à escuta. Já a narrativa é aberta. puro movimento que se contitui a si mesmo. os pais mostram mais do que os fatos acontecidos. Benjamin (1936) denuncia. narrando uma história cheia de experiências: “o narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. indissociavelmente. objetivo. Ainda que os textos sejam diferentes em seu conteúdo específico. sentirá que a narrativa toca a sua própria experiência. A situação específica do psicodiagnóstico interventivo. a escola etc. Benjamin (1936) ressalta a importância da narração como uma maneira de significar a experiência humana. a informação é destituída da experiência vivida. Enquanto Husserl (1936) salienta a necessidade de a filosofia e a ciência voltarem à experiência. ao narrarem suas histórias. fatos. talvez. seu olhar sobre eles. p. encontra apenas a recusa de nosso olhar. desolado. tinha saído de casa e deixado a garota com ela. outros desaparecem. Assim.[1] certa vez. Os pais. Ao narrar a história. aquele que na pesquisa clínica se nos apresenta diante dos olhos. Da primeira situação chegamos ao homem- abstrato e da segunda. pois o processo intencional é contínuo movimento. A tia sempre alegava que tinha medo de que a garota tivesse problemas. 267) Uma tia. No bojo dessa maneira de conduzir o psicodiagnóstico interventivo existe a concepção de que todo homem está em movimento. pois sua sobrinha estava com problemas na escola. pois. alguns conteúdos aparecem. esses são mutáveis. não ficava muito claro que problemas eram esses. ela parou de falar da sobrinha e começou a narrar a sua história e a de sua irmã. ao homem-máquina. é a sua verdade. Desde a adolescência. mas não podia entender “como ela podia gostar de outra mulher”. ao contarem as histórias de suas vidas e da vida de seus filhos. realizada a várias mãos: do psicólogo. em toda a sua humanidade. . a tia caiu em prantos. com dificuldades de comunicação e discussões. ou melhor. O psicodiagnóstico interventivo não é. é capaz de re- viver suas experiências ao relatá-las e é capaz de modificá-las atribuindo-lhes novos significados e acres- centando outros. mas é uma aventura dinâmica de construção artesanal. Nesse ponto do diálogo. porém essas aproximações parecem nos distanciar ainda mais do homem em seu acontecer. Uma segunda aproximação diz respeito ao movimento: se. pois sua mãe tinha uma namorada do mesmo sexo. procuramos acompanhá-los nesse mergulho. mas que. Disse que a amava. o que é vivido pelos pais. repensar. das crianças. ela é aberta aos novos significados que surgem no próprio processo de narrar e origina-se na experiência vivida. produzem novas formas de compreensão. ela entendia. mas não podia aceitar. os pais mergulham e encontram fatos antigos. a história contada é uma narrativa. na esperança de desvendamento do enigma do sofrimento humano. e o discurso que estava nebuloso e focado na sobrinha. Por volta da quarta sessão. transformam-se. hermética e estéril. a relação entre elas foi muito conflituosa. pensar. (p. mas aquilo que é contado. mas é alguém que participa conosco de um processo dinâmico de descoberta e construção. Nesse processo. O homem não é um objeto a ser esmiuçado com lentes investigativas. Ela é a modelagem contínua da argila e não o retrato de uma escultura acabada. ora a catalogação obsessiva de “dados”. pois se dá em uma consciência atribuidora de significados. dos pais e das demais pessoas envolvidas no processo. e nós. projetam expectativas. veio procurar atendimento psicológico. re-significar. significados surgem e ressurgem.deve ser entendido como uma verdade no sentido objetivo. Como dizem Granato e Aiello-Vaisberg (2004): frequentemente nos deparamos com trabalhos de investigação que exibem ora uma tendência à teorização excessiva. outras histórias… podem pegá-los nas mãos debruçar-se sobre eles. mergulham em sua própria experiência. um mero processo de investigação. no campo intencional. a tia. criamos o mundo e a nós mesmos e criamos significados. psicólogos. Em seu discurso. como surge perante o outro e perante o próprio ser falante. Este é o caráter não original da palavra. fora dos incômodos da fala e da comunicação. de uma maneira ou de outra. 242). pois falar é encontrar a experiência no momento. que a fala seja um simples meio de fixação. 1945. dentre as palavras existentes. mas o consuma” (p. entrelaçando-se. Merleau-Ponty (1945) coloca: “Assim a fala não traduz. No final. Um pensamento que se contentasse em existir para si. se falar fosse em primeiro lugar unir-se ao objeto por uma intenção de conhecimento ou por uma representação. não se compreenderia por que o pensamento tende para a expressão como para seu acabamento. mas seu emblema ou seu corpo (p. uma transformação não meramente cognitiva. pois.ganhou uma nova consistência. a forma de ser da pessoa. uma vivacidade diferente. intelectual. Ao estar ali. Assim. ela própria não sabia aonde o mergulho iria levá-la. Ela havia conseguido arriscar e mergulhar em sua própria experiência. A tia não estava “escondendo” a situação. p. e cada pessoa faz uso delas para se fazer entender pelo outro. É inegável que as palavras estão disponíveis no mundo segundo o legado de determinada cultura. . ou ainda o invólucro e a vestimenta do pensamento (…) É preciso que. como comumente se faz. por que o próprio sujeito pensante está em um tipo de ignorância de seus pensamentos enquanto não os formulou para si ou mesmo disse e escreveu. a palavra e a fala deixem de ser uma maneira de designar o objeto ou o pensamento para se tornarem a presença desse pensamento no mundo sensível e não sua vestimenta. A narrativa dos pais é. concluiu que era ela quem precisava de ajuda. Falar e pensar são indissociáveis na existência do sujeito. um movimento existencial. em que o ser falante procura. narrando. (Merleau-Ponty. A fala é o próprio manifestar e desdobrar do ser. mas existencial. mas. sentindo e refletindo. Não poderemos mais admitir. 241) É através da fala que o pensamento se cumpre e as significações se dão. por que o objeto mais familiar parece-nos indeterminado enquanto não encontramos seu nome. O problema emergiu de determinada forma — minha sobrinha está sofrendo —. naquele que fala. mas ele ganhou um novo sentido no decorrer do processo — eu estou sofrendo. Esse autor ainda nos diz: Se a fala pressupusesse o pensamento. uma transformação ocorre. Modifica-se o posicionamento. um pensamento já feito. o sofrimento era dela. na medida em que algo pode ser experienciado e falado. O espaço do psicodiagnóstico interventivo é esse espaço que possibilita mudanças. Usar palavras pode ser um ato quase automático. logo que aparecesse cairia na inconsciência. o que significa dizer que ele nem mesmo existiria para si. 247). interpenetrando-se e transformando os interlocutores. como o mostra o exemplo de tantos escritores que começam um livro sem saber exatamente o que nele colocarão. pensamento e fala se uniram e criaram novas configurações. E. vou tentar ser mais tolerante”. Ela estava certa de que. por sua vez. Nada podia “dar errado”. os pais também as escutam e podem vê-las e senti-las melhor. Ao pronunciarem suas experiências. A exigência de perfeição e a constante vigilância da mãe tornava difícil conseguir alguma liberdade para brincar. pois novos sentidos são acrescentados às palavras existentes pelo próprio viver dos homens e pelo modo como as usa. explicando regras. talvez. a mãe tomava medidas de grande autoritarismo. teria filhas ótimas. e os significados articulados começam a se transformar. Dizia: “mas elas têm que aprender. e. quando levada a refletir sobre suas atitudes. Surpreendeu-se com as novidades que as filhas traziam quando modificou sua postura e contava: “eu resolvi perguntar calmamente por que ela não tinha feito a lição antes de dar o castigo e ela disse que não tinha feito a lição porque tinha medo de errar! Acho que eu estou pegando muito no pé delas. dos sentidos ali impregnados. “eram folgadas”. se fizesse com que entendessem a importância dos estudos e das regras. para que elas fossem. quando a mãe está bem viva na sala de espera? Quais os sentidos de uma criança que diz: “eu comi só um pouquinho”. era evasiva e exigente. obstinadamente. temperando-as com uma pitada de flexibilidade aqui e acolá. ela começou a mudar suas atitudes rigorosas. eu quero as melhores filhas do mundo. Mesmo tendo um significado compartilhado em determinada cultura. toda fala tem um caráter inaugural. a necessi-dade de fazer lições de casa para ser “alguém na vida”. Ao longo do processo. uma mãe chegou aflita dizendo que suas filhas “não eram o que deviam ser”[2] e. . a mãe pôde refletir sobre suas atitudes e começou a suspeitar quais eram.aquela que melhor se ajusta àquilo que ele quer dizer. ainda que se sirva de um material consensual. quando sua mãe conta que ela comeu o pote inteiro de doce? As narrativas nos ajudam a construir artesanalmente os diferentes sentidos. toda mãe quer que os filhos sejam perfeitos”. Para Amatuzzi (2001). As filhas. e ela ficava. 26). ao lado delas. oferecido pela cultura — as palavras existentes —. Mesmo assim. as razões dos comportamentos irritáveis e temerosos de suas filhas. e verificou que as garotas também mudavam. para falar. segundo seu estilo pessoal e. então. “descobrir o sentimento e despertar a experiência primordial são também formas de romper o silêncio” (p. essa era a mensagem que traziam de casa. menos ainda. Certa vez. preparadas para a vida. cada ser faz uso das palavras de maneira própria e segundo sua própria história. Colocar-se à disposição de um outro que vem buscar ajuda é estar diante da tarefa de compreender as significações que a narrativa tece. liberdade para errar. Que sentidos tem a fala de uma mãe quando diz: “meu filho é nervoso” ou “meu filho é bagunceiro”? Quais os sentidos da fala de uma garotinha que diz: “minha mãe morreu”. procurar um encontro com o outro através da fala. demostravam muito medo de represálias e mostravam-se travadas em sua liberdade de experimentar as coisas. durante o psicodiagnóstico interventivo. as palavras mudam de significado ao longo do tempo. Percebíamos certa sisudez em seu modo de falar e. Ela acreditava que suas filhas não a obedeciam porque ainda não haviam compreendido “como devia ser”. aos oito anos. A avó do menino apresentou-se de forma distante e não se mostrava empática ao lidar com as aflições da criança. deixando o menino fazer o que bem entendesse. devemos saber esperar que o processo se desenvolva e não explicar as situações a partir de referências teóricas externas e classificar os clientes em categorias pré-estabelecidas. na hora lúdica. dormir quando queria. Perdia a paciência e se isolava. para os avós. na última sessão do psicodiagnóstico interventivo. O garoto. Os avós. apegava-se ao avô. um avô e uma avó obesos. significava. bastante carente de afeto. É comum receber pais ou outros responsáveis com dificuldades para colocar limites ao educar crianças. eu tive muitos problemas com estudo… não queria pra elas o que aconteceu comigo e por isso não conseguia separar as coisas e ficava tão aflita. não davam limites para o neto. Recentemente. por sua vez. Os avós sempre diziam que era preciso: “dizer para ele que ele não pode comer assim… quando foi na nutricionista. a nutricionista conversou com ele e ele entendeu”. o sobrecarregavam com todas as angústias do mundo adulto e achavam bonito que ele entendesse tanto de tantas coisas. não ser contrariado em suas opiniões. na atitude profissional de quem sabe mais e diz o que é correto ao outro. A experiência vivida ganha espaço através dessas narrativas. Ela disse isso como uma confissão e contente com o fato de poder dizer para si mesma que também tinha dificuldades. por sua vez. Eles imaginavam que tínhamos o poder de mudar as coisas por meio do simples processo de explicar ao neto o que “deveria ser feito”. psicólogos. estava acima do peso. O menino. psicólogos. Foi possível compreender esse estado de coisas no decorrer dos encontros e a mãe pôde assumir suas imperfeições e entender melhor as de suas filhas. hoje eu vejo que minhas atitudes não ajudavam e que quem tinha problemas era eu. Os avós não viam que o menino se deparava com problemas fora do seu alcance. portanto. Ser psicólogo não é saber mais sobre o outro do que ele mesmo sabe. para eles. escolher o que a avó faria de almoço. como necessitava de atenção. cujos programas divertidos com o neto. transformam os significados da experiência vivida. O processo do psicodiagnóstico interventivo. homem mais afetuoso que a avó. significava decidir sobre suas roupas e horários. levaram-no ao Serviço de Psicologia porque ele não parava de comer. narrada e compartilhada nas várias histórias. ser “muito adulto”. Era muito doce e esperto e mostrava sempre. porém. vocês me ajudaram a ver isso”. e elas. não consistiu em “mostrar à mãe o que ela tinha que saber” sobre ela mesma e as filhas. Diziam com frequência que o menino era muito adulto. a mãe sintetizou: “Eu vim até aqui pensando que minhas filhas é que tinham problemas. envolviam sempre comida. Surpreendentemente. O que aparecia como tirania para nós. responsáveis legalmente por seu neto. Nós. e foi necessário percorrer um caminho para que isso ocorresse. angustiando-se e . Ser adulto. O processo de psicodiagnóstico interventivo ajudou-a a construir novos significados para o que acontecia. e o ortopedista já havia sugerido uma cirurgia em seus calcanhares. O psicodiagnóstico interventivo é um processo artesanal que parte da experiência vivida pelas pessoas. As palavras. simultaneamente. As devolutivas para as crianças em forma de narrativas O procedimento de elaborar pequenas histórias para o encontro no qual devolvemos às crianças o que fomos compreendendo é prática proposta para o psicodiagnóstico interventivo. e nenhuma atitude era tomada para impor regras e limites. embora ambos tivessem dificuldades com a alimentação e fossem bastante ansiosos. mas sim mostrar o que se compreendeu por meio da história. certa vez. No início do processo do psicodiagnóstico interventivo. certamente diferentes dos nossos em muitos aspectos. Não estamos ali para informar “o que a criança tem”. encontram-se ocultos. A narrativa é aberta. inauguram significados originais próprios de cada falante. mas para mostrar a compreensão que pudemos desenvolver em nossos encontros. por meio de outra história. a responsabilidade da mudança recaía sobre nós: “vocês têm que falar com ele”. é desta ou daquela maneira. Mergulhamos no processo e criamos a história a partir das experiências no contato com os pais e a criança. com seus gestos. Esse modo de devolver o que percebemos e encontramos é. As palavras são polissêmicas. “como ela é”. a narrativa era outra: “percebi que nós também não temos regras e não gostamos de segui -las. elas carregam significados culturais compartilhados e. novas percepções e significados surgiam. Evitamos. uma narrativa: contamos uma história. com suas histórias. imagens. mas temos que permitir-lhe . comporta-se dessa ou daquela forma por isso ou por aquilo. Quando o menino se punha a comer. A linguagem utilizada é a da narrativa e não a da informação. Uma criança. dar explicações. a criança é livre para aceitar ou não o enredo. Estaria ela negando a identificação com o personagem? Pode ser. Esse exemplo mostra que os significados das palavras não podem ser pressupostos. A história é narrativa e. apropriar-se dele ou não. disse: “essa história não me lembra ninguém”. assim. Nos momentos finais do psicodiagnóstico interventivo. Em sua fala. mudá-lo ou não. Criamos personagens. também. não afirmamos que a criança é este ou aquele personagem. as impressões que causou com sua presença. aberta ao outro que encontrará nela significados próprios. veiculam significados comuns.comendo em demasia. Algo já estava em movimento. em sua acepção mais corriqueira e ordinária. eles não se viam implicados no problema de comer do neto. estabelecer causas e efeitos forjados teoricamente. recortes ou imagens digitais e montamos uma história que reflete a compreensão que tivemos da criança durante nossos encontros e que possa ser compartilhada com ela. portanto. na maioria das vezes. mas os seus sentidos singulares. Ao ouvir nossa história. como vamos então fazer com que ele siga e entenda que existem regras?”. nada era dito. mas é necessário um esforço de compreensão para não correr o risco de achar que sabemos o que ainda não sabemos. atribuir a ele os seus próprios significados. /dez. FERREIRA. In: ______. modificar com ela a história ou criar outra. Ao narrar sua vida. “A formiguinha come muito como eu!” etc. as crianças identificam-se com elas: “O golfinho sou eu!”. O ali e agora do psicodiagnóstico interventivo recria outras possibilidades de ser. BENJAMIN.essa liberdade. M. E é possível. as narrativas. 1986. M. discordar ou mudá-la. na maior parte das vezes. M. p. A. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. M. construímos livrinhos artesanais com nossas histórias e. 2001. Silêncio e palavra. possibilitam um resgate da própria experiência vivida. jul. B. 1994. Fenomenologia da percepção. durante todo o processo de psicodiagnóstico interventivo. São Paulo: Martins Fontes. São Paulo: Brasiliense. [1936]. n. v. M. 12.A partir do que pudemos compreender no processo do psicodiagnóstico interventivo. T. ANCONA-LOPEZ. aproximando-a de si mesma de forma lúdica e estimulante. MERLEAU-PONTY. “A mamãe e o papai tigre parecem o papai e a mamãe”. 2. São Paulo: Cortez. Mudanças — Psicologia da Saúde. 2004. [1945]. retomam o passado e o futuro no tempo presente. então. In: ______. H. Por uma psicologia humana. Referências bibliográficas AMATUZZI. Magia e técnica. O narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. (Org. 1995. concordar com ela. Ouvir a história. o psicodiagnóstico interventivo quebra o silêncio e põe em movimento a pessoa que busca o psicólogo. A meu ver. 1994.). arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. a pessoa tem a possibilidade de colocar-se como sujeito de seu próprio caminho. Tecendo a pesquisa clínica em narrativas psicanalíticas. culminando com as histórias narradas para as crianças. Mais do que um mero processo investigativo. possibilita um jogo simbólico entre os psicólogos e a criança. Campinas: Alínea. M. Novo dicionário Aurélio de língua portuguesa. GRANATO. J. T.. AIELLO-VAISBERG. Psicodiagnóstico: processo de intervenção. 253-71. M. W. . 2. Ressalto que as frases entre aspas no texto são meramente ilustrativas do sentido essencial da fala. Informações sobre os casos foram alteradas ou omitidas a fim de preservar a identidade dos clientes. . não são frases literais dos clientes.1. o psicodiagnóstico (que é realizado. diluem-se as fronteiras entre a etapa diagnóstica e a psicoterapia. (1994). ou seja.[2] conferindo um traço identitário na formação do aluno. construir uma reflexão sobre o fenômeno transferencial na prática do psicodiagnóstico interventivo em grupo[1] realizado em uma clínica-escola. em geral. a partir do referencial psicanalítico. como recomendado por Ocampo. não se encerra na coleta de dados que vão ajudar o profissional a discernir sobre o encaminhamento e orientar o futuro processo psicoterápico. Tomando o psicodiagnóstico dentro de um contexto investigativo e avaliativo. assim. fato que permite uma caracterização do tipo de vínculo que o paciente estabelece. Esta forma de conduzir a avaliação psicológica e a concepção clínica subjacente a este modelo são características marcantes na formação dos alunos da instituição. os próprios movimentos transferenciais e contratransferenciais também serão entendidos como dados a serem recolhidos. como descrito por Ancona-Lopez (1995a). não delegando. Mas. Piccolo e col. No decorrer das entrevistas é necessário entender o que o paciente transfere para o psicólogo e o que isso lhe provoca. entende-se que é fundamental intervir no presente. momento no qual as inquietações e sofrimentos do paciente o mobilizam suficientemente para ele pedir ajuda profissional. a construção. Nesta modali-dade de atendimento. De certa forma. o acabamento e a sistematização deste jeito característico de conduzir o psicodiagnóstico coincidem com a própria história deste curso de psicologia e desta clínica-escola. por profissionais que trabalham nas abordagens psicanalítica ou fenomenológica-existencial) também é encarado como um momento privilegiado para a obtenção de efeitos terapêuticos. Por valorizar o momento de busca pelo atendimento psicológico. Capítulo IV Movimentos transferenciais no psicodiagnóstico interventivo Giselle Guimarães Mariana do Nascimento Arruda Fantini Procuramos. as intervenções . Arzeno. referindo-se à avaliação individual. diante do psicodiagnóstico interventivo. neste trabalho. afirma sua certeza de que os grupos de atendimento aos pais possuem um poder enorme para produzir mudanças psíquicas nas pessoas. Para o autor. De acordo com Ancona- Lopez (1995b. Outra referência importante na construção deste trabalho é a proposta do psicodiagnóstico compreensivo de Trinca (1984). decide postergar a intervenção. alunos e supervisores trabalham em conjunto com os clientes. cabe o lugar de co-terapeutas. No entanto. após muitos anos de trabalho na Escuela para padres. favorecendo o conhecimento de si. Ancona-Lopez (1995b. sem dúvida. Sobre a eficácia do trabalho em grupo. a emergência da transferência permite ao psicólogo: respeitar as condições nas quais se dão (os fenômenos transferenciais) e lidar com eles em benefício de suas atividades. empobrecendo um encontro rico de possibilidades. ao nomear sua prática. preencheu-se o espaço entre a entrevista inicial e final com uma série de devolutivas parciais. na prática. pouco importando sob que nome este atendimento se efetue. tão relevante quanto a compreensão da cartografia emocional do paciente.somente para o processo terapêutico e para um futuro profissional ausente. construiu-se um modelo de psicodiagnóstico em grupo com o objetivo de produzir movimentos de identificação e diferenciação. Quando isto acontece. o coordenador do grupo recebe de forma mediada e compartilhada o impacto transferencial. Por não estar sozinho. p. desconsiderando este pedido do cliente. favorável à eliminação das barreiras de comunicação e à observação dos movimentos emocionais com que se defrontam os participantes do relacionamento (Trinca. fenômeno que facilita a sustentação do lugar clínico. p. . uma vez que o poder da transferência para o coordenador e entre os integrantes é muito mais forte do que o “poder do olhar familiar doentio” que rotula e produz identificações alienantes (p. No desenvolvimento do trabalho. p. Rotenberg. 33) sintetiza essa questão afirmando que: Quando o cliente busca um psicólogo espera ser atendido em suas necessidades. aos alunos. 1984. Para tanto. A presença deste garante a qualidade do atendimento ao cliente”. Ao supervisor cabe a coordenação e condução do grupo e. intercalam-se os atendimentos das crianças com as devolutivas parciais aos pais. Muitas vezes. a observação da relação psicólogo-paciente é uma situação profícua para a apreensão de fenômenos emocionais. Mais do que isso. 81). 3). o psicólogo. instala-se uma situação aberta. 23). esta forma de trabalhar permite ao aluno “experimentar o contato com o cliente e assistir ao manejo do grupo pelo supervisor. há um movimento da criança. uma vez que se vive a transferência necessitando-se da sua força para o acontecimento do processo e para a fecundidade das intervenções. As elaborações de Winnicott sobre sua experiência com as consultas terapêuticas têm contribuído muito para pensarmos no processo de psicodiagnóstico interventivo. incapazes de ajudar o filho que está em sofrimento ou apresentando comportamentos que perturbam a família. 1984. há esperança de que alguém possa auxiliá-los ao compreender a situação vivida por eles. quase sempre. Como resultado final. descobri ‘ajustando-me a uma noção preconcebida’” (Winnicott. No momento em que tomou a palavra. nos parece traduzir esse movimento transferencial. ele fundamenta essa prática na relação subjetiva de objeto que a criança estabelece com o terapeuta. em relação aos aspectos transferenciais relacionados ao momento da procura pela clínica-escola e a chegada ao atendimento. Célia iniciou agradecendo. e também de seus pais. o que tem sido difícil de acontecer… Acho que foi porque aqui ele foi recebido como ele é. E. quando há esperança de que alguma mudança possa acontecer. disse que Paulo havia se sentido bem ao vir para a observação lúdica: “Ele se sentiu bem. Assim. enfatiza também seu movimento de deixar-se colocar no lugar que havia sido dado a ele pela criança. sem críticas e sem a necessidade de ter que ser outra criança. muitas vezes da escola ou amigos. para minha surpresa. as crianças sonhavam com ele na noite anterior à consulta. Tanto os pais quanto as crianças têm expectativas em relação ao atendimento e. os pais procuram a clínica por indicação de terceiros. Sentem-se sem recursos. Célia era avó . na prática deste modelo de psicodiagnóstico. Inicialmente. ou ainda procuram atendimento espontaneamente. lá estava eu quando. entendemos que o psicólogo ou a instituição ocupam a posição de objeto subjetivo para os pais que procuram atendimento para seus filhos e também para estes últimos. ao longo dos encontros. isto é. A partir dessa compreensão. 1984). relação esta capaz de favorecer a emergência de uma comunicação significativa. que procuram criar o objeto (terapeuta) de que necessitam naquele momento. No prefácio de Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil (Winnicott. Geralmente. ao afirmar que “contudo. Quase sempre já tentaram resolver as dificuldades apresentadas como queixa em relação à criança e não obtiveram as mudanças esperadas. a partir de qual necessidade a criança nos coloca em lugar de objeto subjetivo? E qual dessas necessidades a criança necessita comunicar com mais urgência? O relato de Célia. 12). qual é a problemática que a criança precisa tratar. avó e cuidadora de Paulo. No decorrer deste livro. fato que ele entendeu como reflexo de um “preparo mental imaginativo” em relação a pessoas que supunham poder auxiliá-las. na primeira sessão de devolutiva parcial em grupo. Acho que ele encontrou um lugar para ele”. não bastaria apenas capturar o jogo transferencial do paciente como um dado relevante para compor sua caracterização psicológica. com frequência. entre outros. enquanto objeto subjetivo. precisamos reconhecer. Winnicott (1984) conta que se surpreendeu ao perceber que. p. necessariamente subjetivos. a comunicação verbal desse entendimento no momento adequado. ficaram como “apêndices” da rotina que se desenrolava e sentiram-se não vistas. A produção final apresentava duas casas. apresentava a problemática central de Paulo. O objetivo essencial é o favorecimento da integração de aspectos dissociados ou não vividos pela criança. O mesmo trabalho psicológico cabia à Célia. Nas consultas terapêuticas descritas por Winnicott (1984). o menino ainda precisava elaborar a ruptura com a sua “primeira casa” (lar materno) e encontrar um lugar legítimo e singular para si na casa da avó. consequentemente. a avó de Paulo já enunciava aquilo que seria a conclusão do psicodiagnóstico. entendemos que elas tinham vivido. no outro dia. quando favorecedores do desenvolvimento do bebê. solicitamos que desenhassem juntos. Ou seja. Considerando os sentimentos contratransferenciais das estagiárias. desenhada por Paulo. No decorrer das devolutivas. experimentado o lugar familiar de Paulo. conseguindo ser aceito “como ele é”. No decorrer dos atendimentos. posicionada ao lado da primeira. Na visita domiciliar. era a responsável por sua criação desde que ele tinha 4 anos. a alternar sua atenção. proporcionando a experiência de ilusão. não tinha um lugar singular para si na casa da avó. notamos que Paulo não tinha de fato o seu lugar. uma desenhada por Célia (próxima à casa real) e outra. Passou. se necessária. era a vez de João. Paulo havia vivido com os pais e. era sempre visto em relação ao seu irmão João. trouxe o menino para atendimento queixando-se de agressividade. de acordo com os relatos. a avó também pôde apropriar-se da percepção de que todos os cuidados eram direcionados primeiramente para João. Isto também é desejado nas relações transferenciais em seus momentos iniciais. Portanto. Dito de outra forma. Quando Paulo foi morar com Célia. sentia-se do lado de fora. Winnicott enfatizou que somente por meio dos processos de apercepção e ilusão é que o bebê passa a construir gradualmente a realidade compartilhada. um aspecto fundamental é a adaptação ativa do terapeuta às necessidades e expectativas da criança e. Os relacionamentos objetais iniciais são. um dia Paulo tirava primeiro as dúvidas da lição de casa. em uma cartolina. este cuidado havia sido muito inconsistente e precário. uma vez que elaborar a adoção não é uma tarefa unilateral. portanto. Paulo ainda precisava elaborar a adoção efetuada pela avó materna. As experiências de vida de uma criança tornam-se pessoais somente quando submetidas à sua criatividade originária. “como se não estivessem lá”. ela já criava seu irmão João desde que ele era recém-nascido. na primeira devolutiva parcial. É importante que essa mesma qualidade subjetiva inicial esteja presente na transferência das relações terapêuticas. as estagiárias responsáveis pelo caso não foram de fato recebidas. justamente ali. onde a mãe se coloca a serviço do objeto subjetivo necessitado. Na sessão conjunta entre a avó e Paulo. Paulo não conseguia inserir-se na casa da avó. Ao longo de sua obra. Até então. a casa deles. ou seja.materna de Paulo. não conseguia “trabalhar em conjunto” com ela. . Procuramos manter o enquadre específico desse tipo de trabalho. Tendo em vista a brevidade deste tipo de atendimento (cerca de três meses)[3] e. ao final do processo. existe o grupo dos pacientes que vão necessitar de um encaminhamento posterior. nos guiamos para oferecer uma resposta à pergunta do paciente. Utilizando o modelo do psicodiagnóstico interventivo. descrita por Winnicott . Por isso. facilitando a emergência de um encontro significativo. oferecendo informações sobre o desenvolvimento humano. lidamos com a obrigatoriedade de efetuarmos um encaminhamento apropriado e eficaz. Sobre essa questão. realizando devolutivas que veiculam interpretações sobre o sentido dos sintomas apresentados e que abram novas possibilidades de entendimento sobre suas formas de viver. no acontecido. Para estes casos. 45). diz que do mesmo modo. Assim. ao mesmo tempo que sustentamos a esperança pela cura. portanto. mas também promove um enriquecimento do sentido de si mesma pela reintegração dos aspectos que estavam dissociados de seu self. que possa de fato atender as necessidades do paciente e de sua família. Mesmo que tenham sido beneficiados pelas intervenções que compõem este tipo de trabalho. a eventual necessidade de realizar um encaminhamento eficiente. utilizamos como referência a experiência do jogo da espátula. busca realização. mas inclui a esperança de viver o que não aconteceu e que. não realizando um psicodiagnóstico tradicional centrado na coleta de dados. alguns casos não precisam ser encaminhados. Safra (2005. além disso. ainda precisam de ajuda especializada para superar seus sofrimentos e dificuldades existenciais. lembrando que o encaminhamento coerente seria o objetivo último de uma avaliação psicológica. Winnicott apresenta uma concepção de transferência que não se baseia apenas na repetição presente de uma relação do passado. conversando com as crianças e com suas famílias sobre suas dificuldades. pois já recebem a ajuda psicológica necessária durante a etapa diagnóstica. fazendo com que o psicodiagnóstico seja um momento significativo de encontro com o outro (terapeuta) e de confiança de que a ajuda é possível. Tecnicamente. favorecendo a compreensão de uma problemática que paralisava o desenvolvimento emocional da criança. Por outro lado. mas intervindo. Fundamentalmente. também entendemos a necessidade de o psicólogo atuar a partir desse lugar de objeto subjetivo. p. já que parte dos pacientes recebe alta e a outra é encaminhada para outro tipo de atendimento[4] dentro ou fora do Centro de Psicologia Aplicada. buscamos demarcar claramente o alcance e os contornos do processo. uma boa consulta não só leva a criança a um aumento da confiança da possibilidade de ser ajudada. na medida em que as crianças e seus pais concebem encontrar o auxílio necessário para isso. tratamos a transferência como o movimento que inicia e possibilita reparar as falhas ambientais que teriam ocorrido no processo maturacional das crianças (e da família). como já esclarecido anteriormente. ao opor-se às orientações dadas por terapeutas. no qual o paciente explora o território terapêutico e busca estruturar um campo de comunicação. lápis colorido e grafite e canetinhas. lemos o processo como tendo um momento inicial de hesitação. antes de conduzi-lo autoritariamente por um caminho que ele deveria. como modelo norteador para todo o processo do psicodiagnóstico. pois seria importante que em cada atendimento as três etapas do jogo da espátula pudessem ser concluídas. p. sistematizamos uma estratégia clínica que marca o período de encerramento do processo. que corresponde ao jogar a espátula e desinteressar-se pelo jogo. cola. quando for o caso de um encaminhamento. os estagiários intervêm contando para o paciente como será o último atendimento. recortes de revista. é importante que o terapeuta não se coloque como uma presença necessária e excessiva. o material gráfico é apresentado e os estagiários vão auxiliando a criança na reconstrução do processo de psicodiagnóstico. intervenções desta natureza centralizam no terapeuta o conhecimento. 104). ou seja. barbante. O trabalho inicia com o supervisor retomando para as crianças — pacientes — que. procurando ajudar o paciente e suas famílias a terem uma experiência completa e integrada. de fato. dificultando para os pais “jogar a espátula” e fortalecer-se no desempenho das funções parentais.[5] A atividade ainda prevê a representação do próprio dia. Dizemos que por isso vamos relembrar tudo que fizemos desde o primeiro dia e registrar na cartolina a história dos nossos encontros.(1941). Na sequência. este é o penúltimo atendimento. a criança também . tesoura. ou seja. No segundo momento. vale lembrar que esse mesmo processo também ocorre em cada uma das sessões. Para tanto. fio de lã. construímos um trajeto temporal que retoma todas as etapas do psicodiagnóstico. Quer dizer que os encontros que compõem toda a avaliação psicológica reproduzem o processo completo. neste momento. o paciente realiza a comunicação que precisava enunciar e. como já anunciado na sessão anterior. defende que “é quase sempre mais sensato ser menos apressado. No terceiro momento. Ainda sobre o jogo da espátula. Utilizamos uma cartolina. poder descobrir sozinho”. em cada uma dessas partes a essência do todo deve se reproduzir.[6] Na última sessão. esperar primeiro que o sujeito se situe na sua própria história. que corresponde ao brincar com a espátula. que são “fórmulas psicológicas”. Mannoni (2004. registra-se o momento específico e a atividade da linha do tempo como se fizéssemos uma marcação de tempo. Trata-se de uma técnica projetiva que chamamos de “linha do tempo”. podendo se despedir do psicólogo que conduziu o psicodiagnóstico e ansiando por um novo encontro também significativo. as intervenções do terapeuta seriam mais produtivas e o paciente viveria a experiência de ser compreendido. informam que vão entregar um livro de história para a criança para que ela possa levar para casa. Pensamos que especial cuidado deve ser tomado em relação às orientações dadas aos pais que dizem como fazer. ou seja. o paciente pode “ir embora” e deixar o terapeuta por ter tido uma experiência completa que resulta na possibilidade de colocar a sua questão em devir. Neste momento. Ou seja. quando nos deparamos com resistências que impedem a abertura para a cura. acompanhamos um paciente de seis anos que iniciou o psicodiagnóstico em função de dificuldades escolares. quando a transferência negativa não consegue ser minimamente cuidada. pois. desta forma. estamos descrevendo o percurso de sucesso. Observamos que. em alguns casos. reproduzindo-o na relação com ele. havia assumido este discurso que desmerecia e desacreditava o menino. o paciente reapresentou a figura do gato que apareceu nos primeiros atendimentos e. Inicialmente. No dia da atividade da linha do tempo. e dificuldades na própria compreensão da problemática apresentada pelo paciente. procura estabelecer um campo de experiência. dificuldades no relacionamento entre os pacientes. referiam-se principalmente ao ano anterior. por precisarmos adequar o número de procedimentos ao cronograma de uma clínica-escola. de certa forma. Muitas vezes. que simbolizava o seu fortalecimento e engrandecimento. busca oferecer um suporte material para este acontecimento.leva o cartaz da linha do tempo. observamos que a atividade da linha do tempo também acaba funcionando como mais um momento diagnóstico. precisamos nos satisfazer com os fatos clínicos reunidos. a criança seleciona o fato mais significativo que precisava comunicar e. Recentemente. A mãe do paciente pôde ouvir sobre os recursos e possibilidades do filho e ressignificar as dificuldades que haviam sido apresentadas pela antiga professora. Sem dúvida. que resistem à percepção do novo. o mais comum é ocorrer a desistência do psicodiagnóstico (no decorrer do processo) ou a não consecução do . dificuldades de calendário. podemos certificar as hipóteses diagnósticas. Todos esses fatores costumam interferir para que o paciente alcance uma experiência completa. mas que principalmente relutam tanto relação à compreensão do significado da demanda explícita quanto ao encaminhamento. Seguindo pelo caminho das dificuldades. para fazer o registro do dia. muitas vezes percebemos a necessidade de. Ou seja. tendo em vista os atravessamentos institucionais. intervir mais diretamente diante das resistências que impedem o desenvolvimento do processo de psicodiagnóstico. Geralmente. mas muitas vezes não conseguimos alcançar satisfatoriamente estes objetivos. que nos norteia na condução do psicodiagnóstico. percebíamos que a mãe ainda estava fixada nas constantes queixas feitas pela professora do ano anterior e. Esta atividade intenciona ajudar a criança a “jogar a espátula”. No entanto. Há intercorrências como: dificuldades com o grupo de estagiários (tanto na relação dos estagiários entre si. quanto na relação com os pacientes e com o próprio supervisor). percebemos que os problemas não eram atuais. que constrangem o movimento de mudança. desenhou um leão. No decorrer do trabalho. estas resistências aparecem nos responsáveis pela criança ao insistirem na compreensão costumeira das dificuldades apresentadas por ela e na reafirmação dos padrões relacionais da família. Identificamos também efeitos terapêuticos que podem ter surgido ao longo do processo. ao precisar representar cada atendimento. podendo se despedir do psicodiagnóstico sem continuar transferencialmente ligado ao supervisor e aos estagiários que conduziram o processo. que. AVELLAR.). São Paulo: Cortez.). a partir deste referencial. Psicodiagnóstico: processo de intervenção? In: ANCONA-LOPEZ. Psicodiagnóstico: processo de intervenção. O . MANNONI. 1995b. ANCONA-LOPEZ. da mesma forma. 1995a. em algumas situações. Outro tema também importante refere-se à transferência entre supervisor-estagiário. o psicólogo deve colocar-se em um lugar interventivo. que é a possibilidade de o indivíduo vir a encontrar algo que necessita e anseia. PICCOLO. ajudando o paciente a assumir o encaminhamento e continuando vinculado à clínica-escola. algo de que o indivíduo necessitava e não foi encontrado […] a hesitação se refere a duas situações diferentes: uma. mesmo em uma etapa diagnóstica. Jogando na análise de crianças: intervir-interpretar na análise de crianças. Introduzindo o psicodiagnóstico grupal interventivo: uma história de negociações. podemos entender as resistências como o período de hesitação descrito no “Jogo da Espátula”. Marília. Portanto. Maud. Avellar (2004. Maria Esther Garcia. 96) sintetiza o conceito retomando que. a resistência é compreendida como um temor diante do que não foi constituído. Maria Luisa Siquier de. In: ______ (Org. Referências bibliográficas ANCONA-LOPEZ. No entanto. a necessidade de lidar com a transferência negativa reforça a posição de que. Psicodiagnóstico: processo de intervenção. Silvia. 2004. principalmente a questão relativa à transferência grupal que tanto possibilita o acontecimento do grupo quanto. A primeira entrevista em psicanálise. OCAMPO. por entendermos que é este estado inicial de ilusão que possibilita e propulsiona o atendimento. Sobre o tema transferência no psicodiagnóstico interventivo. Luziane Zacché. priorizamos a discussão sobre a transferência inicial. 2004.encaminhamento. São Paulo: Casa do Psicólogo. p. de se deparar com as falhas ambientais presentes nos estágios iniciais do desenvolvimento. prazerosa e constitutiva. uma experiência nova. Marília (Org. Guiando-nos pelo pensamento de Winnicott. a resistência se trata: da constituição de algo que não foi vivido. Rio de Janeiro: Elsevier. muitas questões ainda devem ser pensadas. impede o trabalho grupal. ARZENO. Elza Grassano e col. pode ser a fonte de um aprendizado efetivo ou o impedimento do processo de aprendizagem. São Paulo: Cortez. na perspectiva winnicottiana. pois. A outra possibilidade é o paciente estar diante de angústias impensáveis. 2005. ______. São Paulo: Martins Fontes. Rio de Janeiro: Francisco Alves.d. Acesso em: 9 fev. O brincar e a realidade. [1941]. 1984. Eva. Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Disponível em: <http. Curando com histórias: a inclusão dos pais na consulta terapêutica das crianças. In: ______. 1993. ______. 2013. TRINCA. .net>. São Paulo: EPU. SAFRA. 1984.processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. Walter. Gilberto. Observação de bebês em uma situação estabelecida. [s. Donald W. WINNICOTT. 1971. Rio de Janeiro: Imago. ROTENBERG.]. São Paulo: Edições Sobornost.www. 1994. Rio de Janeiro: Imago.escuelaparapadres. Escola para pais multifamiliar. Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. Diagnóstico psicológico: a prática clínica. A técnica pode sofrer pequenas alterações. a devolutiva através da história permite à criança identificar-se com o personagem em questão dentro do seu tempo. Assim. trabalho psicopedagógico. Assim. assumindo a proposta de Winnicott (1971) de que as interpretações devem respeitar o tempo do paciente. acabamos contando com um agrupamento de pessoas que participam simultaneamente do psicodiagnóstico conduzido por determinado supervisor. pelo baixo índice de altas (4. suas organizações defensivas. fonoaudiologia. p. o trabalho não chega a ser grupal. por vezes. aplicação de técnicas projetivas. psicoterapia familiar.6%). que deve “conter a angústia básica da criança. No decorrer de seu artigo. Basicamente. entre outros. 66). muitas vezes. ou seja. as crianças devem representar as atividades realizadas em cada um dos quadrados. reencaminhamentos constantes e pelo tempo de espera que podia chegar a um ano” (p. breve ou de longa duração (neste caso o paciente é encaminhado para psicoterapeutas conveniados ao Centro de Psicologia Aplicada — CPA). Assim. que ajude na integração do self”. seguimos a proposta de Safra (2005. devolutiva final para a criança e para os pais. aplicação de testes psicológicos específicos. visita escolar. observou que existia “uma distância entre as demandas da clientela e o projeto institucional revelado pelo abandono do atendimento sem conhecimento das causas da desistência (54. Realizamos a devolutiva final para a criança através da construção de uma história romanceada sobre ela própria. já trazer pronta uma cartolina colorida com alguns quadrados de papel branco colados. por exemplo. É importante salientar que.1%). 6. não sendo invasivas. 3. dependendo da idade das crianças ou das necessidades do grupo. Ancona-Lopez (1995a) descreve as dificuldades encontradas nas clínicas-escola de Psicologia entre 1970 e 1980. 1. terapia ocupacional. não chega a constituir um grupo. sessões de família. O processo como um todo é composto da entrevista inicial. . Geralmente os encaminhamentos são para psicoterapia individual para as crianças e/ou para seus pais. encaminhamento para os CAPs (Centros de Atenção Psicossocial). que motivaram a busca por novas formas de atendimento. 48) para a montagem da narrativa. o tipo de relação objetal e um personagem que funcione como um objeto compreensivo. não ocorrendo o estabelecimento de um relacionamento terapêutico significativo entre os membros. observação lúdica. entrevista de anamnese. O número de quadrados deve corresponder ao número de atendimentos que compuseram o processo. 4. 2. 5. devolutivas parciais. visita domiciliar. depois podem usar o barbante ou fio de lã para inter-ligar os atendimentos. Mais especificamente. ambos já haviam tentado suicídio. com o que concordou. somente dois dos garotos poderiam ser atendidos. respectivamente. mais especificamente. Apresentação Este capítulo é resultado da minha experiência profissional e das muitas reflexões e angústias que ela me suscitou ao longo da vida. foi orientada a procurar atendimento familiar. Sua queixa relativa aos meninos era de que. ele havia pulado de um mastro de três metros de altura. de alguns anos para cá. Minhas observações. a mãe comentou que era de religião espírita e que. foi informada de que. oito e nove anos de idade. Um deles havia tomado dois vidros do remédio Cataflam. Como solicitou ajuda para as cinco crianças. por várias vezes. Os garotos tinham. com o objetivo explícito de acabar com a vida. Visto não ter aceitado essa orientação. dirigiram-se para as tradições. costumes e crenças familiares e. Em outra ocasião. para entender como elas constituem o universo psicológico das crianças. Há muitos anos trabalho com crianças e seus pais. naquele semestre. Durante as entrevistas inicial e de anamnese. Também já tentara se matar com uma facada no peito. Capítulo V A compreensão da religiosidade do cliente no psicodiagnóstico interventivo fenomenológico- existencial[1] Marizilda Fleury Donatelli I. O primeiro caso atendido que me levou a pensar mais detalhadamente sobre o assunto foi o de uma mãe que queria inscrever os cinco filhos para atendimento psicológico no Centro de Psicologia Aplicada da universidade onde trabalho. principalmente no processo de psicodiagnóstico interventivo. O outro filho havia aberto o bico do gás e fechado todas as portas e janelas da casa. aos . verde.sábados pela manhã. a questão do desejo de morte foi mencionada. não tem que fazer a lição. Falei disso com a mãe e ela reagiu agressivamente. se o fizesse. e por esta razão não dormia à noite. Ao retornar para a nova sessão. particularmente. tal como ocorrera com ela quando criança. Daí se iniciou minha busca. o surgimento de um grande número de religiões com uma enormidade de adeptos. disse que tinha muito medo. adolescentes. aqueles espíritos poderiam machucá-lo. Tornou-se claro para mim o efeito que os ensinamentos religiosos familiares tinham para aquelas crianças. por temer que espíritos do mal pudessem pegá-la. dizendo que eu estava questionando sua crença e sua fé. deixaram de ocupar esse lugar e. pois a mãe havia dito que “lá do outro lado é muito melhor que aqui. mas mostravam um sistema de crenças definido. altamente tecnológica e globalizada. Lembrar-se dessa experiência levou-a a compreender a angústia dos filhos e permitiu que pudesse aceitar o fato de que os garotos. as crenças dela decorrentes tiveram seu papel de destaque como centro do mundo. não podia fechar os olhos. Outros não mencionavam nada. por sua produção gráfica. foram negadas em grande parte. Muitos outros clientes vieram até mim: adultos. Voltou-lhe à memória o fato de que só ia ao banheiro se tivesse alguém para acompanhá-la. e ela e o marido tentavam transmitir aos filhos os ensinamentos da doutrina espírita. II. Posteriormente. e ele reagiu dizendo que queria mesmo morrer. tudo é branco. minha tentativa de compreender como a religiosidade das famílias constitui o universo psíquico das crianças. como determinantes dos destinos e das histórias pessoais. e nesse projeto não havia espaço para a religiosidade. O irmão. preferia urinar na roupa. os fatos mencionados fizeram-na lembrar que. ficou claro que os temas morte e religião permeavam o seu universo psíquico. 74). Ancona-Lopez (1995. Em devolutiva dada a uma das crianças. Na sociedade atual. por sua vez. Portanto. com o advento da ciência. caso contrário. Alguns mencionavam questões religiosas eu ouvia e nem sempre sabia exatamente o que fazer com aquilo. não estavam conseguindo compre-ender a doutrina espírita que lhes era ensinada. crianças. apresentava enurese diurna e noturna. Contudo. disse que se sentira enraivecida por minhas observações. Religião e o psicólogo clínico A religião e. No decorrer do atendimento às crianças. a família se reunia. pois. uma vez que os pais lhe haviam dito que espíritos do mal rondavam as pessoas. Construiu-se um mundo no qual habitava um homem racional e autossuficiente. quando pequena. ir na escola…”. constata-se um paradoxo: o reaparecimento da religiosidade. mostra que na clínica psicológica a maioria dos clientes é religiosa: . p. referindo-se às pesquisas realizadas sobre o fenômeno religioso. no século XX. 49% frequentam alguma igreja. 70% acreditam que há um Deus que responde às suas orações. Giovanetti (1999) diz que até pouco tempo considerava-se que um processo ou procedimento psicológico. No entanto. p. por meio de seus modelos operacionais para a ideia de que Deus não era necessário à realização do homem” (p. Os casos nos quais o aspecto religioso está envolvido colocam o psicólogo diante de várias dificuldades. e não tratá-la como se fosse outra dimensão da existência humana (1999. quando atendem às pessoas ignoram o problema. Prosseguindo em sua argumentação. todas as crenças daí decorrentes não merecem crédito. 86% acreditam em Deus. em vez de ser examinada quanto aos diversos significados e funções que pode desempenhar para os diferentes indivíduos. também radical. comenta que. consequentemente. p. 89) coloca: […] podemos dizer sem medo de errar que os psicólogos. 47% consideram a fé uma coisa importante em sua vida… Esses dados não podem ser ignorados. Uma segunda posição. deveria distanciar-se de questões de ordem religiosa. e. temos os psicólogos que simplesmente negam essa dimensão da vida dizendo que a religião é uma ilusão. há posições que interpretam a crença religiosa como defesa do indivíduo. para ser considerado científico. e mais. Giovanetti (1999. pois isso não fez parte de sua formação. tanto do ponto de vista da compreensão teórica quanto do manejo clínico. e a racionalidade passou a ser fator preponderante. O autor chama a atenção para o fato de que. inatingível. quase uma patologia a ser eliminada. Aproximadamente 90% dos clientes identifica-se com uma religião. na clínica. No âmbito psicológico. Elas se originam em pressupostos difundidos em nossa sociedade. em sua maioria (se não buscaram uma formação específica). no final do século XX houve uma grande explosão de denominações religiosas. 88). assistiu-se à exclusão de Deus da vida do homem. A Psicologia “passou a contribuir. como o de que não se devem abordar questões relativas à fé. Em primeiro lugar. O psicólogo deparou-se com o crescente surgimento de temas religiosos em seu consultório e não está preparado para enfrentá-los. particularmente quando o psicólogo trabalha com crianças e seus pais. diante dessa realidade. é reduzir a religiosidade a um mero aspecto do psiquismo. Negar a dimensão religiosa torna-se mais fácil do que procurar instrumentos teóricos para tentar entendê-la. não se preocupam com a dimensão religiosa nem dão importância a ela. inabalável. 89). podemos elencar duas atitudes mais comuns entre os psicólogos quando se defrontam com a conduta religiosa de seu paciente. . pois ela é intocável. o psicológico e o religioso. assimilados pela pessoa. por essa razão. Confirmando essa disposição. a partir de quais relações.[2] assim como nos estudos sobre . Diz que tanto a Psicologia quanto a religião reclamam para si a competência para lidar com a saúde mental. nos dias atuais. mas é importante considerar que existem os dois domínios. Nessa mesma direção. O fato é que a dimensão religiosa do ser humano esteve pouco presente no universo da Psicologia. Ellis (1962. entre outros. O psicodiagnóstico interventivo O psicodiagnóstico interventivo procura compreender o indivíduo em suas relações e. quais são os significados de Deus ou deuses. no entanto. ser ignorado. Hoje. está aberto a todo e qualquer tema importante para o cliente. como eles se alinham a outros significados e como delineiam um certo modo de existir no mundo. que função exerce. a American Psychological Association (APA) incluiu nos Princípios Éticos do Psicólogo e no Código de Ética de Conduta a importância de os psicólogos considerarem as diferenças culturais e individuais. formações reativas e sublimações”. a maior parte dos psicólogos não se refere à religiosidade de seus pacientes. reconhece-se a necessidade de incorporar esse aspecto ao campo dos estudos e conhecimentos psicológicos. de vida e morte. creio que se faz necessário refletir sobre elas. contudo. defende vigorosamente o ponto de vista de que a religião é prejudicial às pessoas e que não há lugar para esse tema nas psicoterapias. Frankl (1984) aponta para o fato de que é comum os psicólogos sustentarem que os sentidos e valores religiosos são “nada mais que mecanismos de defesa. Já em 1992. portanto. o que pode justificar o fato de que. III. e que um terapeuta qualificado pode dialogar com ambos. para quem a consolidação de um modelo de pesquisa científico clássico criou uma ruptura entre ciência e religião. que. os psicólogos manifestem dificuldades para lidar com questões religiosas. salientando nesse domínio as diferenças religiosas. embora discorde veementemente dessa posição e considere a religiosidade como inerente à personalidade humana.1977). adotando procedimentos específicos para lidar com elas. Casos como o que citei no início deste trabalho levantam para o profissional uma série de questões: que lugar a religiosidade humana ocupa no psiquismo das pessoas. Chama a atenção. como se esta não fosse passível de interrogação. a experiência profissional mostra que o aspecto religioso aparece na clínica psicológica frequentemente permeando o psiquismo humano e não deve. de bem e mal. A opinião de Giovanetti é compartilhada por Boehnlein (2000). que preferiu temas que garantissem o seu esforço para alcançar o estatuto de ciência. em todos os trabalhos já escritos sobre o psicodiagnóstico interventivo. Consequentemente. Klausner (1964) atribui as dificuldades do psicólogo clínico em lidar com as questões religiosas de seus pacientes a questões ideológicas. como ela se constituiu. Desse modo. essa informação e as experiências a ela associadas dificilmente são consideradas no conjunto do processo. encontram-se mínimas referências à religiosidade das pessoas e à dimensão que ela ocupa em suas vidas. o mito de que a religião do indivíduo não é uma área passível de interrogação impede os psicólogos de se aprofundar nesse domínio. a abordagem fenomenológica-existencial utilizada como referência no psicodiagnóstico interventivo permite entender que a criança se constitui enquanto subjetividade a partir de uma multiplicidade de experiências às quais vai atribuindo sentidos. na forma de educar os filhos. Embora na anamnese geralmente conste uma indagação sobre a filiação religiosa do cliente. Entendem que o tema carece de discussão. podemos entender seus valores e suas referências existenciais. à ausência de um conhecimento sistematizado que dê suporte à exploração dessa dimensão. As crenças religiosas podem ser saudáveis ou não. A compreensão da relação que os clientes mantêm com a religião contribui para sua visão de mundo. nada se fala sobre esse assunto. espírita ou evangélico. . mas isso só não é suficiente para dar conta de uma investigação mais profunda. e essas são atuantes.psicodiagnóstico em outras abordagens. De fato. Propõe cinco razões para que os psicólogos se ocupem da religiosidade de seus pacientes: 1. a meu ver. 2. sendo o aspecto religioso parte dele. Cada família possui uma cultura própria que se manifesta em cuidados parentais. conhecê-las é entender a maneira como a pessoa vê a vida. não há observações que mostrem um aprofundamento sobre o tema. evangélico. nos principais textos sobre psicodiagnóstico interventivo publicados no Brasil. Como consequência. estamos nos referindo à religião explícita. Mesmo pessoas ou famílias que não têm uma adesão religiosa explícita possuem determinadas concepções e crenças sobre questões últimas da existência. Contudo. as dificuldades e como lida com elas. A essa cultura familiar subjaz um sistema de crenças. e ter impacto em seus problemas ou distúrbios. Desse modo. É necessário pesquisar “como” ele é católico. de divulgação e de sistematização. Para Richards e Bergin (1998). Embora essas afirmações pareçam evidentes. não se produziu um conhecimento consistente e sistematizado sobre a religiosidade que dê suporte à prática psicológica. se a vive ou não. É preciso saber de que modo aquela pessoa ou aquela família vive a sua religião. Os autores comentam que é raro os psicoterapeutas buscarem sistematicamente informações sobre a religiosidade de seus clientes. nas expectativas e projetos que têm para si. diferentes autores mostram a dificuldade dos psicólogos em lidar com esses aspectos e atribuem o fato. Pelo contrário. Identificar que o indivíduo é católico. não quer dizer muita coisa. Ao indagar sobre a adesão religiosa da pessoa. espírita etc. em parte. Ao fazer isso. suas crianças e outros. afetam e constituem o indivíduo. seus benefícios ou malefícios dependem do modo como são vividos nos contextos pessoal. mas creem num Deus punitivo. Outra contribuição dada pela compreensão da religiosidade é a de entender a função que a religião ocupa na vida do cliente. Ela pode exercer funções de contenção e controle. Contexto cultural que compõe a trama de relações que cercam. 4. familiar e social. preocupações ou necessidades religiosas não resolvidas podem ser trabalhadas na psicoterapia. em si. IV. já que. Do ponto de vista da religião implícita. e essa representação é determinante em suas vidas. Considerações sobre procedimentos que possibilitam a compreensão da religiosidade no psicodiagnóstico interventivo Penso que para investigar a religiosidade é interessante obter informações a respeito da religião explícita e da religião implícita da pessoa. Observa-se. vive-se um paradoxo: ao mesmo tempo que o mundo atual revela uma grande busca e adesão das pessoas às religiões. Em suma. Por intermédio da investigação da religiosidade. muitas vezes. embora a pessoa não frequente nenhuma igreja ou templo. É nessa perspectiva que eu me incluo. nota-se que. Os estudos desenvolvidos no país por esses e outros autores visam à sistematização dos conhecimentos na área e à instrumentalização dos profissionais. ou de amparo e esperança. já que a posição religiosa contribui para o desenho do contexto cultural no qual o cliente está inserido. a fim de ampliar a compreensão sobre o sentido que as crenças e valores têm para o cliente. 3. Intervenções a respeito da religiosidade podem ser usadas na psicoterapia de forma produtiva. no âmbito da Psicologia. ela tem crenças de ordem religiosa que interferem positiva ou negativamente em sua vida. pois estão sempre . Dúvidas. As crenças ou a comunidade religiosa do cliente podem ser um dos recursos que o auxiliem a lidar com o mundo a sua volta e a crescer. o aumento de estudos e pesquisas sobre Psicologia da Religião. em 1998. é possível resgatar a subjetividade construída pela pessoa e pela família. pois entendo que a investigação da religiosidade do cliente permite uma ampliação da compreensão diagnóstica e possibilita intervenções importantes. nenhuma religião ou sistema de crenças é” bom” ou “mal”. Prova disso é que. criou-se um espaço na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia. os psicólogos não estão preparados para lidar com essas questões em seus atendimentos. Um exemplo disso são pessoas que não frequentam a igreja. configurado por professores doutores de programas de pós-graduação de diferentes estados da federação. 5. um grupo de estudos voltado à discussão de Psicologia e Religião. sociais —. a função que desempenham em cada caso é que pode ser mais. necessariamente. A religiosidade faz parte da vida humana.temendo que algo de mal lhes aconteça como castigo por suas ações. dando clareza aos modos de o indivíduo se colocar no mundo. a maneira como se posiciona diante da vida e das pessoas. não é algo fora do contexto das atividades da pessoa. Conforme afirmei anteriormente. O modelo funcional nesse caso é apropriado. deve olhar o indivíduo a partir de seus aspectos . saudável. Da mesma forma que se recolhem informações de diferentes instâncias da vida — aspectos familiares. estejam vinculadas a uma ou outra religião. pois as religiões por si sós não são patologizantes ou saudáveis. pois permite a emergência de significados obscuros. Conhecer a religiosidade da pessoa implica abordá-la de forma multidimensional. ou não. O entendimento do sentido da religiosidade deve contemplar diferentes perspectivas e facetas e verificar como estas são vividas pelo cliente. ao contrário. Outra situação é aquela em que os pais ensinam aos filhos que eles têm de ser bons. como também conhecer a sua trajetória. ou seja. Essa investigação auxilia a compreender determinadas condutas. as questões abordadas com a finalidade de investigar a religiosidade na vida da pessoa devem ter uma perspectiva dinâmica. a adoção de uma perspectiva evolutiva na compreensão da religiosidade permite não só informações sobre aquele momento da vida do indivíduo. ou menos. está imbricada em seu modo de ser e de estar no mundo. Para mim. Outra questão que me interessa é o fato de que o conhecimento sobre a religiosidade do cliente não deve se fixar em aspectos patológicos. sem questionamentos. devem obedecer cegamente aos pais. são difundidas em nossa sociedade e estão enraizadas em nossa cultura de tal forma que as pessoas se apropriam delas sem que. É importante. Essas representações não se restringem às doutrinas religiosas. a valores religiosos. também. escolares. permitir que sejam explorados significados atribuídos pelos clientes às suas experiências. Todas essas posições podem ser originárias da ideia de um Deus todo-poderoso e exigente. Parece-me que para conseguir compreender o sentido da religiosidade no cliente é preciso conhecer a origem de suas crenças. da família e da cultura. atreladas. portanto. Assim. A descrição das relações que a pessoa estabelece com a religião é importante. meu interesse quanto à compreensão da religiosidade do indivíduo refere-se à possibilidade de uma abrangência maior nao maneira de entender o seu modo de estar no mundo. os aspectos religiosos também precisam ser conhecidos em sua dinâmica para reconstruir a história do sujeito. possibilitar o estabelecimento de relações entre o comportamento religioso e outros aspectos de sua vida e de seus relacionamentos. que não podem sentir raiva das pessoas da família. buscar relações entre as crenças do indivíduo e a maneira como ele se comporta do ponto de vista psicológico e social. A compreensão da religiosidade pode e deve fazer parte desse processo. se há um descompasso entre aquilo em que diz acreditar e o que realmente faz e vivencia em sua vida e em suas relações. Esta pode ser uma possibilidade de ajudá-lo a atualizar seus recursos e é um dispositivo que vai ao encontro do que postula a Fenomenologia-existencial. de tal forma que possam juntos compreender os problemas que originaram a ida ao psicólogo e buscar novas possibilidades de lidar com eles. objeto deste livro. a singularidade do indivíduo. Assim. Deus. portanto. Do ponto de vista da Psicologia fenomenológica. abordagem que privilegio. o que é incompatível com as inúmeras possibilidades de comportamento humano. V. sua formulação precisa ser compatível com todo o processo. como aquele que está ao lado do cliente. Outra investigação a ser feita é compreender como o indivíduo vive suas crenças. como vida. através de perguntas que possibilitem a livre expressão do cliente. A concepção epistemológica da qual a Psicologia Fenomenológica decorre valoriza a subjetividade. é importante conhecer os significados que o cliente atribui às suas experiências. Penso. do ponto de vista formal. A compreensão da relação que o indivíduo estabelece com a religião possibilita ao psicólogo obter informações sobre o modo de a pessoa se posicionar diante das questões-limite da existência.saudáveis. propiciando a livre expressão daquilo que querem comunicar. pais e criança. não é possível . significados únicos e singulares. mas. morte. Esse é o caso dos questionários que pressupõem a existência um certo modo “correto” de se comportar. Nesse psicodiagnóstico. Compreender a religiosidade é compreender esses significados e sua função na vida do sujeito. A apresentação de uma forma de compreensão da religiosidade a ser utilizada dentro do processo de psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial tem de ser compatível com todo o processo. Devo ressaltar que o Psicodiagnóstico Interventivo. o psicólogo não se posiciona como quem tem o poder de diagnosticar o que se passa com outra pessoa. Assim. que esse entendimento pode ser obtido nas entrevistas diagnósticas. para que juntos possam entender o que está acontecendo. e. sim. O modelo investigativo para compreensão da religiosidade no psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial Proponho uma investigação por meio de entrevistas semidirigidas em que se explorem temas junto aos clientes. técnicas e procedimentos usados na avaliação da religiosidade oriundos de paradigmas diferentes dificilmente podem ser utilizados. busca um entendimento “consensual e compartilhado“ entre psicólogo. se segue os rituais correspondentes a sua religião e como o faz. Contudo. É possível. outro ponto a ser explorado é de que maneira tal crença é tratada na família. 2. ainda. Também nesse caso. está na escola com outros colegas que fazem comentários sobre fatos da TV e da mídia que ela desconhece e se vê impedida de discutir. por exemplo. 3. Ava- . é importante verificar por que isso ocorre. bem como ao sentido que esse comportamento tem para ela. Outros utilizam-nas como fonte de esperança e de amparo. e também nesse caso é importante entender o que ela tem a comunicar sobre o fato. mas não pratica os cultos referentes a ela. É possível que se obtenham respostas em que a pessoa afirma ter uma religião. que podem ser feitas em uma ou mais sessões. qual sua posição diante dos cultos religiosos. Existem pais que fazem das crenças religiosas ou da crença em Deus uma fonte de coerção ou até de punição. em uma entidade ou princípio superior Qualquer que seja a resposta. se o indivíduo frequenta uma comunidade religiosa. Aderência ou não a uma religião É importante focalizar. a não permissão para que a criança assista à televisão. de que forma ela entende a religião que professa. Significado da crença É importante entender o significado da crença para o indivíduo.estabelecer o número dessas entrevistas. é importante que o cliente explique sua crença ou não crença. essa mesma criança. Crença em Deus. as crenças religiosas são levadas a extremos. A compreensão da religiosidade decorre da compreensão de diversos aspectos entre os quais considero fundamentais: 1. é importante investigar que crenças são transmitidas para a criança no dia a dia. É frequente em certas religiões. O objetivo é ter acesso à experiência da pessoa nesse domínio. caso a resposta da pessoa seja afirmativa. O modo de lidar com a questão vai constituindo a subjetividade da criança e pode ser fonte tanto de coragem e autodeterminação quanto de insegurança e de sentimentos de menos-valia. que lugar ela ocupa em sua vida e quais as consequências disso. Para algumas famílias. ponha determinada roupa ou brinque com certos brinquedos. ocupando lugar central em suas vidas. para quem são feitas tais restrições. Em caso positivo. especialmente em relação à criança trazida para diagnóstico. que a pessoa diga que não possui nenhuma aderência religiosa. Explicando melhor. Também nesse caso é importante observar de que forma isso é transmitido para a criança. Hábito de orar. a religiosidade e a aderência a uma religião modificaram-se ao longo da vida ou se mantiveram constantes. ao serem indagados a respeito. É importante considerar que os pais nem sempre aludem a uma ligação direta entre esses aspectos. é interessante entender a posição do cliente. vida e morte Atenção especial precisa ser dada para entender o tratamento dessas questões no âmbito familiar. no entanto. em que ocasião. Caso não tenha. parece-me necessário para a compreensão do caso. bem como a forma como lida com as limitações impostas pela religião professada.liar as consequências desse modo de viver no desenvolvimento psicológico da criança. 5. Desenvolvimento da fé ou da atitude religiosa É importante verificar se a fé. Relação entre a religião ou o sistema de crenças e a queixa apresentada a respeito da criança É interessante perguntar aos pais se eles estabelecem alguma relação entre a religião ou o sistema de crenças religiosas que professam e a queixa da criança. Caso o cliente identifique modificações. 4. rezar ou meditar Caso a pessoa tenha esse hábito. Questões-limite da existência: nascimento. 7. dissociada da realidade da pessoa. se elas foram determinadas por algum fato especial e quais suas consequências. pode-se explorar seu significado. podem . especialmente no que diz respeito à criança e qual o sentido ou significado dessas instâncias. 6. Crença vivenciada em família e em relacionamentos interpessoais É interessante investigar se o indivíduo se apropriou da crença vivida na família e nos relacionamentos ou se ela é algo distante. deve-se entender como ocorreram. 8. W. A compreensão da religiosidade. (Org.). associações e questionamentos que contribuem para o enriquecimento do processo do psicodiagnóstico interventivo. Em caso de resposta afirmativa. Atualmente. Psicodiagnóstico processo de intervenção? In: ANCONA-LOPEZ. 9. O contexto geral do diagnóstico Psicológico. VI.surgir fatos.Tema livre É importante abrir na entrevista um espaço para que a pessoa possa comunicar o que quiser sobre outro tema que tenha sido mobilizado pelo assunto religião. Marília. Marília. a necessidade de entender a dimensão religiosa como forma de aprofundar o conhecimento sobre o ser humano. mais ainda. E. nota-se uma preocupação quanto ao tema. valores que. Diagnóstico psicológico: a prática clínica. 1984. alinhados a outros modos de funcionamento. Ensinamentos religiosos para a criança O psicólogo deve compreender se os ensinamentos religiosos são formalmente transmitidos ou se eles se evidenciam apenas em algumas atitudes dos adultos. se esse fato tem alguma influência ou atua de algum modo na vida da criança. permitem uma compreensão global do cliente. Psicodiagnóstico: . é interessante verificar a opinião dos pais sobre a compreensão da criança em relação a tais ensinamentos. conforme proponho neste trabalho. Referências bibliográficas ANCONA-LOPEZ. ou melhor. vivências e significados que organizam a biografia pessoal. orientam o raciocínio clínico do psicólogo e auxiliam a conhecer o modo de viver das pessoas que o procuram. fato que impediu que os psicólogos explorassem as experiências religiosas e espirituais de seus clientes. Considerações finais A Psicologia e a Religião estiveram por muito tempo distanciadas. permite o recolhimento de fatos. In: TRINCA. 10. Conhecer o indivíduo e seu mundo interno implica também conhecer suas crenças. São Paulo: Epu. ______. MAHFOUD. ______. Função transcendente na obra de Jung: definição e papel da interpretação. Washington. 1962. The American sexual tragedy. 1994. D. F. The unheard cry for meaning: psychotherapy and humanism. Encomendação das almas: mistério e mundo da vida em uma tradicional comunidade rural mineira. Religião e psicologia clínica: quatro atitudes básicas. GIOVANETTI. 1.). M. Psiquiatria e religião: a prevalência de transtornos mentais entre ministros religiosos. 1971. The Clinical Assessement of Optimal Religious Functioning: review of religious research. 1995. Journal of Pastoral Care. N. ______. Em busca de sentido.. In: MASSIMI. 1999. Márcia de Sá Cavalcanti. J. São Paulo: Cortez. Tese (Livre-Docência) — Universidade de São Paulo. New York: Academic Press. São Paulo: Loyola. M. P. M. V. E. São Paulo: Loyola. FITCHETT. (Orgs. (Orgs. O sagrado e a experiência religiosa. 1988. [1927]. Introducion. M. 1999. 1999. Petrópolis: Vozes. H. A compreensão da religiosidade no psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial. 2005. MAHFOUD. H. 1993. Assessing spiritual need: a guide to selected resources. KOENIG. G. New York. In: ______. MIGLIORINI. The case against religion: a psychoterapist’s view and the case against religiosity. LOTUFO NETO. New York: Washington Square Press. A. M. J. Dissertação (Mestrado) — UFSCar. Trad. Psychiatry and religion: the convergence of mind and spirit. W. La presencia ignorada de Dios. São Paulo.processo de intervenção. MALONY. Georgia: American Atheist Press. BOEHNLEIN.C. Diante do mistério. 1993.. G. 1993. MAHFOUD. Diante do mistério. In: MASSIMI.). M. 1984. 1986. FRANKL. New York: Lyle Stuart. 1995. Illinois: Religion Research Association Inc. J. p. 1997.). ELLIS. p. São Paulo. . DONATELLI. K. Barcelona: Editorial Herder. (Orgs. M. M. HEIDEGGER. Religion and mental health. 1996.. v. In: ______ (Ed. MASSIMI. ______. xv-xx. 2000. 30. M. Diante do mistério. São Carlos.). n. Ser e tempo.: American Psychiatric Press. 3-7. São Paulo: Loyola. ______. F. E. Petrópolis: Vozes. Tese (Doutorado) — Pontifícia Universidade Católica. A. E. P.RICHARDS. 1998. Virginia: APA. Religion and the clinical pratice of psychology. E. A spiritual strategy for counseling and psycho-terapy. 1996. . SHAFRANSKE. P.. BERGIN. New York: APA. S. em 2005. . M. defendida na PUC-SP. 2. 1 O presente capítulo baseia-se na tese de doutorado da autora. Ancona-Lopez. dra. Marília Ancona-Lopez. Psicodiagnóstico processo de intervenção? (1995). Diagnóstico psicológico: a prática clínica (1984). Ver Trica. sob a orientação da profa. deve possuir conhecimentos teóricos e dominar procedimentos e práticas com o objetivo último de que. Introdução A prática da avaliação psicológica de crianças. que os psicólogos ganharam maior autonomia. principalmente junto a crianças. que. através dos testes. Foi: Com o uso de testes. suas aptidões e dificuldades. coloca o psicólogo diante da tarefa de encontrar sentido no conjunto de informações que lhe são apresentadas e organizá-las. que lhe imprimiu forte influência. por meio de planejamento e uso de intervenções. é um processo que se propõe chegar a uma compreensão de determinado fenômeno. por definição. ao entender determinada situação-problema. Manoel de Barros 1. a capacidade intelectual das crianças. Capítulo VI Colagem: uma prática no psicodiagnóstico Ligia Corrêa Pinho Lopes Maria Fernanda Mello Ferreira Mary Dolores Ewerton Santiago Imagens são palavras que nos faltaram. Para isso. esforçavam-se por determinar. Nesse trabalho. benefícios às pessoas envolvidas. inicialmente. assim como sua capacidade escolar (Ancona- . e associou-se. possa proporcionar. na consolidação da profissão como campo de conhecimento e prática. ao trabalho médico. apresentado como “queixa” pelos pais ou responsáveis que buscam ajuda psicológica para seu filho. promovendo a saúde e o desenvolvimento psíquico. A avaliação psicológica ocupa um lugar de destaque na história da psicologia. criança e seu grupo familiar. Observamos na experiência e no contato com os supervisores dos Centros de Psicologia Aplicada da Universidade Paulista (Unip). Apesar de partirem de pressupostos e métodos por vezes diferentes para compreender o homem. uma vez que grande parte das discussões entre os profissionais das ciências humanas no país está voltada para a preocupação com processos de exclusão social. 3. teóricos ou instrumentais. tais como entrevistas com pais (entrevista inicial. testes. quanto em função das modificações pedagógicas pelas quais o curso de Psicologia passa. n. formais ou informais. usos e objetivos. sendo que. Desde a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil. tendo em vista as diretrizes do MEC para o ensino superior. . Os recursos utilizados. diagnóstico psicológico ou psicodiagnóstico. Lopez. Dessa forma. prevalece a ideia de que se faz necessária a organização de conhecimentos que se referem à vida biológica. a avaliação psicológica tem sido amplamente debatida. dez. como citado por Ancona-Lopez (1984). por princípio. ideia subjacente aos métodos classificatórios. 5). Os encontros e discussões. p. tanto em função da demanda psicológica dos clientes que buscam os Centros de Psicologia Aplicada. Há uma inquietação que se origina da constatação de que nossos recursos. visavam identificar. entrevista de anamnese. falar sobre supostas conquistas e dificuldades do dia a dia no atendimento a crianças e pais. entram em jogo questões a respeito da denominação do que fazemos. intrapsíquica e social do cliente. têm como objetivo ajudar no processo de investigação e na consequente compreensão da problemática apresentada pelos pais ou responsáveis pela criança. de qual seria o melhor termo a empregar: avaliação psicológica. 1984. A utilização de testes psicométricos que. dadas as múltiplas possibilidades de expressão da subjetividade. foi. na década de 1960. o que buscamos nesse atendimento é chegar a uma compreensão da demanda e à possibilidade de propiciar ao cliente uma compreensão e mudança. há diversidade de compreensões. passando por reflexões e modificações no que se refere a instrumentos e recursos utilizados. que trabalham com avaliação psicológica. são limitados diante das diferentes demandas psicológicas dos clientes. uma prática bastante criticada. entrevistas devolutivas). e continua sendo. entre outros. configurando uma diversidade de abordagens. como apontado na revista Diálogos (Ciência e Profissão. Mesmo assim. 2005). observações lúdicas. Essa prática passa por reformulações e adaptações constantes. concretamente. visam compartilhar experiências. visita à escola e visita domiciliar. uma postura comum. classificar e medir características. que por sua vez permitam melhor qualidade de vida aos envolvidos. p. visto que tais instrumentos não poderiam mais ser utilizados antes de passarem por uma revisão. acerca dos testes psicológicos. A atividade de colagem. tal como um pedaço de pano ou papel” (1980. conforme disposto na alínea c do art. 100) destaca que: “Um bom trabalho de colagem pode ser feito simplesmente com figuras de revistas. trouxe mais um desafio para aqueles que trabalhavam com avaliação psicológica. e também como manifestação emocional” (p. Ainda no mesmo texto. a suspensão dos procedimentos que costumávamos utilizar no processo de avaliação psicológica. p. no psicodiagnóstico interventivo. “técnica de colagem”. dado que “pode ser utilizado como experiência sensorial. proposta por Violet Oaklander (1980) como um recurso a ser utilizado no processo psicoterápico de crianças e adolescentes. 002/2003. Oaklander. 2o do Código de Ética Profissional do Psicólogo. ela acres-centa: “Muita coisa é revelada através da seleção de figuras. 1o e na alínea m do art. essa mesma suspensão nos estimulava a revisar nossa prática clínica e a buscar outros procedimentos que pudessem nos oferecer. É interessante notar que Oaklander refere-se à colagem com diversas denominações: “atividade de colagem”. resultava não somente num empobrecimento de recursos para uma compreensão mais ampla e profunda do cliente. que trabalha com referencial teórico da Gestalt. O reflexo dessa medida na prática clínica pode ser considerado a partir de duas perspectivas. a possibilidade de lidar com estas faltas. 99). pode se trabalhar com a colagem individual ou em grupo com diferentes temas e de inúmeras maneiras. a utilização de testes psicológicos que não constam na relação de testes aprovados pelo CFP. de alguma forma. por exemplo. Por outro lado. Parece claro que ela trabalha com a ideia de que a colagem é representativa do mundo interno da criança. uma tesoura. do Conselho Federal de Psicologia. Dentre os variados tipos de colagem. os desenhos e as histórias eram frequentemente utilizados como “facilitadores” do diálogo com a criança. Contudo. Vale lembrar que. considera que: “A colagem é qualquer desenho ou quadro feito grudando-se ou prendendo-se materiais de qualquer espécie a um fundo plano. como. salvo os casos de pesquisa”. Tal descrição remete a uma atividade simples e ao mesmo tempo significativa. p. O estado de espírito revelado pelo conjunto escolhido pode contar algo sobre o que a criança está sentindo naquele momento. Além disso. 101). e algum tipo de fundo”. De um lado. de seus sentimentos e pensamentos. 101. p. . No artigo 16 da referida Resolução constava: “Será considerada falta ética. ou na sua vida em geral” (ibidem. como também na falta de “mediadores” que pudessem facilitar a comunicação devolutiva com a criança. ibidem. grifo nosso). Oaklander (1980. “técnica projetiva”. 102-3). tais como: “O processo de fazer a colagem ou relato posterior acerca da mesma pode ser o mais significativo” (idem. cola. “exercício de colagem”. alguns testes projetivos infantis como CAT-A. é esta última acepção que subjaz a algumas de suas afirmativas. Ainda segundo a autora. a Resolução n. despertou nossa curiosidade e interesse. os estagiários chamam esta parte do trabalho de “recortagem”. Com o decorrer do tempo. tais como: autoimagem. animais. se ficavam motivados ou não. como pessoas. deve-se tomar cuidado para que as figuras selecionadas pelos estagiários não sejam apenas de imagens associadas a aspectos já revelados pela criança ou família. Utilização da colagem Descreveremos a seguir o nosso modo de trabalhar com a colagem. ou imagens que podem ter uma conotação imprópria. 2. limitando a análise e as associações do cliente. caso haja interesse em complementar a atividade com desenhos ou escrita. As figuras que são oferecidas na ocasião da utilização da colagem são previamente recortadas pelos estagiários e supervisores. pois o exercício desenvolve a capacidade de associações entre as imagens que selecionam e as diferentes representações possíveis. transportes. tanto para o conhecimento do cliente quanto para aplicação de intervenções. A atividade de colagem pode ser proposta em qualquer momento do processo psicodiagnóstico. Na nossa prática. tesouras. e devem abordar diversos temas. como nus ou insinuações de sexo. colas. em quantidade suficiente para permitir que haja uma escolha por parte do cliente. se rejeitavam algumas figuras. Ela costuma ser proveitosa para todos. pensamentos e . Material utilizado: figuras de revistas. Evita-se usar imagens de artistas e personagens. isto é. é preciso verificar a quantidade de figuras selecionadas e a variedade de temas antes de utilizá-las com a criança. se queriam ou não levar para casa a colagem feita em uma cartolina. quais comentários faziam e qual era sua atitude com relação ao trabalho realizado. é proposto um tema para o trabalho das crianças considerando aspectos a ser avaliados. cane-tinhas e/ou giz de cera. cartolinas para serem usadas como fundo. móveis. alimentos. Nossa pretensão inicial era apenas observar como eles (os clientes) se comportavam diante dessa tarefa. pois estas podem apresentar imagens também interessantes e que por vezes acabam sendo escolhidas pelo examinando. mas. Portanto. situações. percebemos que a atividade de colagem se revelava cada vez mais como um recurso riquíssimo. quando ocorre após alguns atendimentos e procedimentos. incluindo lápis preto e de cor. ambientes etc.. Por se tratar de figuras recortadas de revistas. pois estas podem carregar um significado cultural restrito. deve-se prestar atenção ao verso das figuras selecionadas. objetos. Foi com essas ideias que começamos a propor aos nossos clientes a realização de uma colagem. Em grupo ou individualmente. percepção de situações internas. o que é observado e discutido ao término da atividade. relatório descritivo e análise) das produções realizadas. por exemplo. algumas crianças começaram a sugerir um tipo de “jogo” de adivinhação. Discute-se a compreensão que a atividade lhes proporcionou. o que permite algumas ressignificações. mas não são escolhidas etc. Quando esta estratégia é adotada. dar um significado. ou escolham figuras que indiquem do que têm medo e quais são as suas preocupações. canetinhas e tesouras. para complementar ou modificar as figuras. Passamos então a perguntar para as crianças se gostariam que o resultado desta atividade fosse apresentado para eles na presença delas e. figuras que parecem chamar a atenção. e mostrar ali. as cartolinas são devolvidas para os clientes. muitas vezes são necessárias a discussão e a compreensão conjunta dos “acertos” ou “erros” por parte dos pais e das manifestações de felicidade ou frustração por parte das crianças. pedimos que façam uma colagem representando aquilo de que gostam ou não gostam em si mesmos. dependendo da relação estabelecida no grupo. além de facilitar a elaboração da avaliação e sua compreensão por parte dos avaliados. Nessas situações. Outras vezes. observa-se a forma de exploração. que consistia em apresentar aos pais as cartolinas de todas as crianças. as figuras recortadas são dispostas de modo aleatório. Para a realização da colagem. são escolhidas pelo cliente e coladas em uma cartolina. Nota-se que essa atividade de colagem compartilhada com os pais permite maior aproximação afetiva e reconhecimento por parte dos pais a respeito dos sentimentos e da problemática de seus filhos. Outro tema proposto com frequência é o “Álbum de família”. a criança trabalha livremente e ao final dá um título a sua produção. apenas disponibiliza-se o material sem propor um tema. A colagem também pode ser proposta para os pais ou responsáveis na presença dos filhos. ao final do atendimento convidávamos os responsáveis presentes na clínica a entrar na sala para ver os trabalhos. pede-se para que atribua um significado a ela. falas. o que pode variar. pelos pais e crianças. Neste caso. É possível que a criança utilize o material oferecido. ao serem observadas em outro momento.sentimentos. Depois de concluída a colagem. questionando-os se identificavam qual era a produção de seus filhos. Após o registro (fotos. Nessas ocasiões. o conhecimento que têm do filho. ou que apresente o seu cartaz o grupo de estagiários e para as outras crianças. observando-se a construção de um significado conjunto. promovem mais . Assim. diante de todos. notamos que as crianças queriam mostrar para os pais ou para os responsáveis as suas produções. a instrução dada costuma ser a de representar o “Álbum de família” sem explicitar se devem fazê- lo em conjunto ou individualmente. os pais se veem diante de uma mensagem simbólica que precisam decifrar. Por vezes. Durante a escolha. em caso afirmativo. Neste caso. Com a prática. que convida a criança a utilizar o material disponível para representar as pessoas de sua família. descuido etc. • Postura e modo de reação — observação a distância. canetinhas — para molduras. • Figura central e/ou localização • Recortar a figura já cortada — para caber na cartolina. uma vez . abandono da colagem para fazer desenhos. A atitude do pai contribuiu para maior compreensão da problemática do adolescente. apresentando uma organização ou aglutinação. Análise De modo geral. no momento da análise levamos em conta todos os aspectos anteriormente descritos. A colagem de “tema livre” realizada por pai e filho adolescente de 12 anos. • Tema preferido. Apesar de previamente à realização da tarefa terem combinado que dividiriam igualmente o espaço disponível e que cada um deles realizaria a atividade que quisesse. explicações. Citamos dois exemplos esclarecedores. colocada cuidadosamente. • Uso do lápis de cor. excluir elementos. Quando a colagem é realizada por pais e filhos. • Associações. o pai. complementos. no decorrer do trabalho. ou impulsividade. • Localização das figuras na cartolina. • Modo de utilização da cola — em excesso. • Sentimentos expressos. foi gradativamente ampliando “sua área”. figuras coladas. • Figuras escolhidas. mostrou aspectos significativos da interação entre ambos. restando ao filho apenas um pequeno espaço na cartolina para colar as suas figuras. impressões que a colagem causa ao ser observada. sendo o mais importante aquele que se refere à interação entre pais e crianças e as significações dadas por eles às figuras escolhidas. figuras abandonadas. coladas de forma aleatória ou ligadas. • Uso do verso da cartolina. consideram-se: • Tempo de reação.reflexões. 3. ligações. falas durante a atividade. • Tamanhos das figuras. pouca quantidade. ou para separar. que apresentava mau comportamento em casa e na escola. • Uso do espaço da cartolina. que ele não respeitava os limites acordados com o filho. Desse modo. A seguir apresentaremos outros exemplos. Autorretrato. Durante a colagem com “tema livre” cada escolha da criança era acompanhada de um comentário da mãe: “Não. ela não permitiu que a criança realmente se expressasse. 9 anos de idade Figura 1. Menina. Ficou evidente que o comportamento da mãe intensificava a atitude de dependência da filha com relação a ela. quanto nos permite fazer intervenções que ampliem o entendimento que cada integrante do grupo familiar tem sobre elas. . essa é feia”. acompanhados de imagens. “Nossa! Muito triste”. A criança de 8 anos foi levada a atendimento psicológico por apresentar dificuldades de aprendizagem e atitude de dependência em relação à mãe. essa não” etc. Ao final. mas somente aquelas aprovadas pela mãe. “Não. Outra colagem conjunta realizada por mãe e filha também resultou muito interessante. nenhuma figura inicialmente escolhida pela criança foi incluída. A observação da qualidade da interação entre pais e filhos possibilita tanto uma maior compreensão diagnóstica das dificuldades de ambos. apesar de a mãe ter mostrado disposição para colaborar com a filha no desempenho da tarefa. Os pais. Figura 2. Ela residia com a mãe e a irmã de 17 anos de idade. Acrescentou que a menina não demonstrava interesse por qualquer tipo de alimento. berinjela à parmegiana e saladas. o seu desenvolvimento decorreu dentro do que era esperado. Apesar de não comer adequadamente. compareceram juntos para a primeira entrevista. peso e altura. desejo de ver os pais juntos etc. e as meninas ficavam com o pai a cada 15 dias. por exemplo. preocupados com o fato de a filha de 9 anos apresentar falta de apetite. Álbum de família. Menina. pudemos constatar junto com os pais alguns dos desejos e interesses da menina que não eram reconhecidos por eles. como. como torta de ricota com espinafre. Ela foi encaminhada para o atendimento psicológico pela Unifesp — Ambulatório de Distúrbios do Apetite —. embora separados. Apresentava somente problemas intestinais. preocupação com a aparência. A mãe enfatizou sua preocupação com a alimentação e o pai relatou que observava dificuldades gerais. nem mesmo por doces. pois fazia acompanhamento no local há um ano. Na atividade de colagem. a teimosia e o fato de não ceder facilmente. em termos de idade. gosto por doces. a mãe contou que costumava oferecer refeições variadas. Quanto à alimentação. dando como exemplos a determinação da filha na escolha de roupas. buscando todas as formas para que as filhas se alimentassem bem. 11 anos de idade . Autorretrato. Figura 3. Figura 4. Álbum de família. Os pais procuraram atendimento psicológico por indicação da escola em função do comportamento . que era diferente do das outras crianças da sua idade. ela mostrou-se assustada. Ela se comportava como se tivesse algum tipo de “retardo”. como se ela não pudesse “errar” ao responder aos questionamentos deles relativos a quem era quem na família de figuras coladas. a menina revelou interesses variados relacionados a artes. quando comparado com o desenvolvimento do filho mais velho. 13 anos de idade . Contaram que ela era muito quieta. pinturas. relação com a mãe. que parecia não conseguir percebê-la com tal capacidade de expressão. bastante colorido e diversificado. Álbum de família dos pais. com o consentimento delas. Na presença dos pais. Percebemos que não houve uma atitude autoritária ou exigente explícita por parte dos pais naquela situação. Menino.da filha descrito por eles. O resultado final. atividades físicas etc. Disseram também que ela apresentou desenvolvimento geral mais lento. afastando-se deles e se aproximando de uma das estagiárias. porém não pelo pai. quando apresentado junto com os trabalhos das outras crianças do grupo. a postura da menina chamou atenção. Na ocasião da atividade de colagem. foi reconhecido pela mãe. Figura 5. como se quisesse evitar ser exposta ou questionada. implícito. introvertida e sem iniciativa. Quando solicitamos aos pais e à criança que realizassem a ativi-dade de colagem do “Álbum de família”. de 17 anos de idade. mas parecia haver um tratamento de cobrança sútil. pois o filho apresentava . Figura 6. Álbum de família. A mãe procurou atendimento psicológico por encaminhamento da escola. Figura 7. Autorretrato. Na presença da mãe. não respondendo aos questionamentos dos professores. De acordo com a mãe. O menino não expressou sentimentos. pois não soube falar de si e de suas próprias características. o menino mostrou dificuldade para escolher as figuras que o representassem. ou por não percebê-lo. ou por não querer aceitá-lo como se mostrava. e sim dispersa. e também não fazia suas tarefas. Parecia estar sempre “no mundo da lua”.dificuldades de aprendizagem. e ela aparentemente não reconheceu o trabalho realizado por ele. os pais não compreendiam o que acontecia em relação à aprendizagem. . indicando desejar crescer logo. na representação da família. o filho não era uma criança agitada ou agressiva. projetou a situação para o futuro. permaneceu calado. e. Apesar de a criança ter feito anteriormente uma avaliação psicopedagógica. 12 anos de idade Figura 8. demonstrando também uma autoimagem empobrecida. A mãe referiu-se a ele como “cabeção”. A figura do avô apareceu como sendo de grande importância para ele. não demonstrava interesse e não prestava atenção nas aulas. Na atividade de colagem. Autorretrato. Menino. sendo que o resultado final evidenciava um vazio na cartolina. junto com sua irmã de dois anos. mais uma vez. Outras análises Alguns comentários poderiam ser acrescentados com a finalidade de ressaltar a riqueza expressiva . além disso. Fez posteriormente “Álbum de família” utilizando muitas figuras de prédios. a dificuldades afetivas. Sua caligrafia era feia e escrevia em letra bastão. A única representação humana foi por meio da figura de um exército. com a queixa de dificuldade de aprendizagem. entregava sempre as provas “em branco”. visto que a mãe como arquiteta desenvolvia seus projetos em casa. contou que o filho sempre foi uma criança “atrasada em tudo”. indicando possivelmente carência afetiva revertida em característica consumista. que refletia a sua vivência familiar. Quando a produção da criança foi apresentada à mãe. Figura 9. que poderia simbolizar a falta de identidade somada a aspectos de repressão e de controle. Na ocasião. notou-se que o menino representou a si mesmo com uma grande quantidade de figuras de objetos de seu interesse. Na atividade de colagem com o tema “Autorretrato”. o menino ficou aparentemente amedrontado com a decepção que ela mostrou em relação ao seu trabalho. mas em prova oral respondia a tudo. A mãe procurou atendimento psicológico por indicação da escola. Álbum de família. Embora fosse descrito pelos professores como uma criança inteligente. falou com quase três anos. que aprendeu a andar no “último prazo”. a ausência de figuras humanas remetia. que apresentou refluxo no início da vida e. tais como situações que envolvem uso de drogas. Alguns indícios de criatividade podem ser observados quando a criança integra em um todo harmônico o uso dos materiais disponíveis. Sakamoto e Bacchereti (2007) abordam a utilização da técnica de recorte-colagem na psicoterapia. excluindo ou dividindo as partes constitutivas do todo de uma figura. A imagem fica destituída então de uma parte. Outra conduta da criança que merece destaque é a de recortar uma figura já cortada com o objetivo de separar ou excluir alguns de seus elementos ou.da colagem. tanto com as crianças. Vale lembrar que desenhar ou escrever. central ou não. Exceções ocorrem quando ela teme que sua produção não seja identificada pelos pais no “Jogo de adivinhação”. ou cola as figuras umas sobre as outras. dependendo da posição que ocupa na cartolina. excluir um dos membros da figura de uma família. a imagem escolhida tem maior significado. parece obedecer à necessidade da criança de explicitar seu desejo. como também ocorre às vezes. no material oferecido. orientação profissional e psicodiagnóstico de adolescentes e de adultos. Enfatizam. completando com desenhos as imagens escolhidas. por vomitar na perua escolar. Tal comportamento pode ser entendido como uma oposição ao psicólogo ou como uma resistência em realizar a tarefa. foi apelidado de “mister vômito” por seus colegas. a criança utiliza todo o espaço. Algumas vezes. Por exemplo. A primeira figura escolhida por ele foi de uma mãe amamentando um bebê colocada de ponta-cabeça no centro da cartolina. porém não trazem detalhes de suas experiências clínicas. prisão e alcoolismo por parte de algum membro da família. simplesmente. sendo que. na concepção de Oaklander (1980). são habilidades que surgem em etapas posteriores do desenvolvimento da criança. que. anteriormente mencionado. quanto com os pais. para fazê-la caber na cartolina. Tais imagens oferecem a possibilidade de incluir esses assuntos nas intervenções a serem realizadas. Raramente ocorre de a criança abandonar a colagem para fazer desenhos utilizando o material gráfico oferecido. Um exemplo curioso deste fato ocorreu na colagem de um menino de 8 anos de idade. ou quando ela tem necessidade de reafirmar sua identidade. O ato de recortar. Outras vezes. sua importância para viabilizar a expressão de pacientes . contudo. a colagem remete a criança a experiências sensoriais primitivas baseadas no tato e na visão. constam diversos tipos de configurações familiares. invertida ou não. o uso do espaço também é um indicador importante. A escolha de figuras para realização da colagem também pode ser utilizada pela criança para revelação de segredos familiares. o que indica que a criança não quer aceitar o significado a ela atribuído. Menos frequente ainda é a criança assinar ou escrever o seu nome ao término da colagem. resultando em uma produção caótica que pode refletir tanto aspectos emocionais como comprometimentos de outra ordem. Como nos referimos anteriormente. Naquele momento em que nos vimos sem a possibilidade de utilizar os testes projetivos antes usados nos psicodiagnósticos de crianças. Enfim. por se tratar de uma atividade conhecida por todos que um dia frequentaram a escola. seja criança. de modo geral. Referências bibliográficas ANCONA-LOPEZ.muitos ansiosos ou com dificuldades de comunicação. expressos de forma simbólica. Descobrindo crianças: abordagem gestáltica com crianças e adolescentes. dez. a colagem foi introduzida como um novo recurso e tem-se mostrado muito valiosa para a observação e compreensão não só dos aspectos intrapsíquicos. seja adolescente. consideramos que a atividade de colagem tem um caráter projetivo na medida em que expressa sentimentos e conflitos. como também das interações familiares quando a tarefa é conjunta. 4. Constatamos com a prática que as intervenções do psicólogo durante o psicodiagnóstico interventivo são facilitadas por meio da colagem. São Paulo: Summus. 1980. ou seja. pessoas de diferentes faixas etárias e de diferentes condições socioeconômicas costumam realizar tranquilamente a tarefa proposta. DIÁLOGOS CIÊNCIA E PROFISSÃO. V. Tradução de George Schlesinger. Walter (Org. ou dos pais. revisão científica da editora e direção da coleção de Paulo Eliezer Ferri de Barros. Considerações finais Notamos que a realização da colagem é. 3. de fácil aceitação por parte do cliente. Contexto geral do diagnóstico psicológico In: TRINCA. Do ponto de vista psicológico. Concluímos que o uso da colagem como material expressivo na clínica de crianças contribui sobremaneira para a compreensão diagnóstica que ultrapassa a individualidade da criança e oferece efetivamente material de intervenção que está além dos limites de uma comunicação verbal. Diagnóstico psicológico: a prática clínica. São Paulo: EPU. n. aspectos do mundo interno das crianças e também de seus pais que são desconhecidos para eles. M.). . 2005. O aspecto lúdico dessa atividade parece também atuar como motivação para sua realização e para compreensão de aspectos subjetivos. 1984. OAKLANDER. L.PSICOLOGIA. 2007. O olhar criativo sobre a prática em psicologia. A técnica de recorte-colagem e suas aplicações nas práticas psicológicas. SAKAMOTO. F. Resoluções e Recomendações para a Prática Profissional. Legislação. C.).. . K. São Paulo: Mackenzie. In: ______ (Org. 2011/2012. BACCHERETI. Publicação do Conselho Federal de Psicologia. p. São queixas que. orientadores etc. Capítulo VII Interlocuções entre a clínica psicológica e a escola no psicodiagnóstico interventivo Lucia Ghiringhello Suzana Lange P. Dessa maneira. sendo ao mesmo tempo um espaço físico e um campo relacional que envolve professores. papéis sociais e relações interpessoais que são experienciados pela pessoa em desenvolvimento”. é importante conhecer os projetos de futuro que os pais tecem para o filho. o que vai bem além das características físicas” (apud Koller. Propomos a inclusão desse contexto não só como parte do processo de avaliação. 57). do qual faz parte a escola. aparecem relacionadas com o ambiente escolar. Soma-se a esse trabalho compreender a forma como a família se relaciona com a escola da criança e quais as expectativas em relação ao papel que esta deve cumprir. funcionários e direção. por exemplo —. — ou em casa — em relação à frustração da expectativa dos pais. Borges Grande parte das queixas apresentadas no encaminhamento das crianças para atendimento psicológico está relacionada a dificuldades/ problemas na aprendizagem. os sonhos de uma vida melhor como resultado de maior escolaridade. É comum os pais falarem da esperança de que o filho consiga atingir um grau de . Essa concepção de escola aproxima-se do conceito de microssistema tal como definido por Brofenbrenner: “Um contexto no qual há um padrão de atividades. através de devolutivas e orientações em relação à queixa apresentada. que incluem. Entendemos por escola uma instituição cujas funções são o ensino e a formação dos alunos. frequentemente. 2004. alunos. independentemente de surgirem na escola — a partir das avaliações dos professores. O psicodiagnóstico interventivo tem como pressuposto compreender a criança no seu contexto. mas também como objeto de nossa intervenção. A ênfase no termo experienciado indica “a maneira como a pessoa percebe e dá significado ao que vivencia no ambiente. lá a criança é avaliada e. A escola aparece nesse sentido como possibilidade de mudança e oferta de oportunidade: é lá que a criança faz conquistas. O conhecimento sobre esses aspectos contribuirá para contextualizar a queixa escolar. avaliando se favorece atividades em grupo. os livros e recursos audiovisuais disponíveis. poderá ser humilhada (Gonçalves Filho. acesso à direção etc. Maichin (2006) recomenda que o foco da visita escolar se volte para as relações sociais que a criança . • A disposição do espaço e do mobiliário. a qualidade dos materiais pedagógicos. descobre amigos. quais significados atribui processo de aprendizagem e como se relaciona com o contexto escolar. adquire autonomia e se exercita para ser um futuro adulto e cidadão. 2007). A visita contribui também para aproximar o psicólogo clínico da escola e para desmistificar a sua atuação (que há alguns anos se restringia ao trabalho no consultório. culpabilizando a criança por suas dificuldades. reduz os riscos de toda a problemática infantil ser atribuída apenas a problemas intrapsíquicos. Para compreender a criança nesse contexto. julgada. • Higiene ambiental. Avoglia (2006) propõe que na visita escolar observem-se os seguintes aspectos: • Espaço físico: considerando o espaço por onde as crianças transitam. pois esta pode abrir novas possibilidades para a compreensão de como a criança está relacionada à queixa. Para que a visita escolar contribua efetivamente para uma melhor compreensão da criança. contato com os professores fora da sala de aula. à escolarização e ao seu relacionamento com os educadores e os colegas. além de concordarem com a sua realização. No processo do psicodiagnóstico inter-ventivo. realizamos uma visita à escola. 2007). e tanto ela como seus pais e a escola precisam ser esclarecidos quanto aos seus objetivos. Pensamos que a visita escolar pode ser considerada obrigatória quando a queixa se refere à escola e ao processo de ensino-aprendizagem. quais os brinquedos/equipamentos disponíveis. fato que impedia uma visão mais global das queixas apresentadas) e. especialmente quando essa avaliação aborda a queixa escolar. como está organizado para recebê-las. orientações se há presença de inspetores etc.escolaridade para além do deles. mas concordam que a visita escolar tem contribuições importantes a oferecer ao processo do psicodiagnóstico. ao mesmo tempo. A realização de uma visita escolar no decorrer do processo do psicodiagnóstico é proposta também por Avoglia (2006). muitas vezes. Maichin (2006) e Souza (2007). “para que não tenha que passar pelo que passei”. As autoras partem de referenciais teóricos diversos. é preciso tomar alguns cuidados: ela deve ser marcada após o primeiro contato com a criança. • A merenda. será necessário conhecer o significado que ela atribui ao processo de aprendizagem. Além disso. Por outro lado. independentemente de qual seja a queixa trazida pelos pais. ou sofrer preconceitos (Souza. durante a visita. sala de informática. No entanto. sugerimos que a criança seja observada em sala de aula e em atividades mais livres. se e como participam de festividades e reuniões pedagógicas. Da nossa parte. para tanto. recomenda-se abreviar a duração deste procedimento. o psicólogo deve buscar uma relação . considerando a queixa e as características da criança. Além da observação. procuramos compreender sua didática. recreio). Nessa entrevista o psicólogo investigará também como a professora se conduz diante das dificuldades apresentadas pela criança. Caso a escola elabore o relatório. a não elaboração do relatório não constitui um impeditivo para a visita. Souza (2007) relata como procede para que a interlocução com a escola seja efetiva. cuidados com higiene e manutenção. como o coordenador ou diretor. biblioteca. procurando compreender como se relaciona com os professores e colegas. atividades semiestruturadas ou não estruturadas (merenda. Para Souza (2007). tais como. ao conhecer a escola e seus atores. envia um roteiro por meio dos pais. sem que se possa impedi-la ou interferir. como se organiza para a realização das tarefas que lhe são propostas. Quando nos decidimos por ela. ou como uma criança problemática. Avoglia (2006) propõe fazer uma entrevista com a professora para saber como a criança se comporta na sala de aula e como é o seu relacionamento com ela e com os colegas. A autora ressalta que. consideramos importante que na visita escolar sejam observados: o espaço físico (construção e entorno). A opção de fazer ou não uma observação da criança em sala de aula deve ser adotada criteriosamente. é preciso tomar o máximo cuidado para que a criança não fique exposta diante dos colegas e seja identificada como aquela que está sendo observada. seu relacionamento com as crianças e o que deixa transparecer de sua relação com a profissão. espaço para brincadeiras. Na observação da professora durante a aula. Se nesta situação a professora comentar o desempenho da criança ou seus problemas. Segundo a autora. tem o cuidado de procurar garantir a presença da professora e de um membro das instâncias decisórias. ao programar a visita. como os pais acompanham a escolaridade do filho. É oportuno lembrar que. mas também de toda a escola. este se constituirá no ponto de partida para a visita escolar.estabelece com os colegas e professores e como é percebida por eles. Sugere também que se procure compreender. Ela descreve que inicia seu contato com a escola solicitando um relatório e. como se relaciona com a aprendizagem. na perspectiva da professora. com esse procedimento ela sinaliza que o processo de aprendizagem de uma criança é da responsabilidade não só da professora que está com ela no dia a dia. é importante que o psicólogo entreviste a professora para conhecê-la e poder apreender como percebe o aluno. playground para que as crianças possam se desenvolver de forma global. seu envolvimento e interesse. procurando identificar os recursos que oferece. o uso dos cadernos escolares se difundiu e passou a ser amplamente adotado pelas escolas. pode ser interpretada a partir de diferentes perspectivas. na perspectiva do psicodiagnóstico interventivo. para podermos entender de que forma analisar os cadernos escolares durante o diagnóstico interventivo. que levante questões. as relações pessoais que ela estabelece no ambiente escolar. Sabemos que é relevante a maneira como o aluno percebe e vivencia a situação que encontra na escola. 118) relata que “o caderno é um instrumento comum do aluno de colégio desde o século XVI” e situa a generalização do uso do caderno escolar na França no primeiro terço do século XIX. É importante que o psicólogo ouça a versão da escola a respeito da queixa. zonas de harmonia e de conflito. Os cadernos registram o conteúdo das matérias ministradas. pois só assim ele poderá entrar em contato com a realidade escolar na perspectiva dos educadores e buscar apreender como a criança é vista nesse contexto. As várias interpretações a respeito da criança compõem uma visão caleidoscópica da qual emergem concordâncias. recursos e condições da escola.horizontal e a suspensão de crenças. Para que o contato com a escola se constitua efetivamente como elemento importante do psicodiagnóstico. 2005). Antes desse período. ao mesmo tempo. são meios de comunicação entre pais e docentes. as informações eram registradas em pequenas lousas. como instrumento utilizado no cotidiano e como material da criança. abrindo-se para a experiência direta com a escola concreta e com pessoas singulares. Concordamos com Souza a respeito da necessidade de o psicólogo adotar essa postura. no que tange às questões de ensino-aprendizagem (Santos e Souza. abordando a estrutura. A realidade é múltipla. divergências. um dos mais tradicionais nos diferentes níveis do sistema educacional. p. Possui inúmeras funções e adquiriu vários significados tanto para os professores quanto para os alunos. O caderno escolar. é necessário que os aspectos escolares façam parte da devolutiva aos pais. possibilitando inúmeras versões. Por essa razão. O caderno escolar é. entre os instrumentos didáticos. facilitam o acompanhamento das atividades realizadas pelos . aprendizagem e processo de escolarização. No século XX. reconheça e valorize os esforços e recursos da escola quanto às dificuldades da criança. Hébrad (2001. fraturas e configurações que nos permitirão avançar na compreensão da queixa trazida pelos pais e fazer intervenções. e às crianças. apresente informações pertinentes e. sendo visto como um instrumento de controle. concluída a visita preparamos uma sessão para os pais na qual expomos nossas impressões sobre o papel da escola na etapa do processo de aprendizagem em que a criança se encontra. juízos de valores e preconceitos. Desde que se instituiu o ensino formal com a criação das escolas. oferece o registro de fragmentos do dia a dia escolar e permite apreender as relações que se estabelecem nesse contexto. É importante atentarmos aos diversos significados e usos que foram e são atribuídos a esse instrumento na e pela escola. os cadernos estão ligados à ideia de educação. folheando-o de forma cuidadosa para que se tenha uma ideia de sua completude antes de se realizar uma análise pontual”. As funções cognitivas e executivas são a base para a criança poder planejar e executar as atividades escolares. p. 2002. do começo ao fim. planejamento. linguagem. solicitando que vá “explicando” algumas situações. especialmente na etapa inicial de escolarização. mas também suas expectativas em relação ao estudante. atenção sustentada e inibição de impulsos. p. no entanto. o que. poderá não corresponder às expectativas dos professores ou dos pais e acarretar conflitos. 1981): lógica. tais como memória. Santos (2002) mostra que os cadernos escolares são como um retrato da criança e que a análise deste material permite compreender melhor a sua capacidade de entrar em contato com a realidade. muitas vezes. fará isso a seu modo. resolução de problemas. estratégia. Cada criança. organização. As relações com os cadernos escolares não representam a totalidade das relações vividas no cotidiano escolar.professores e pela coordenação da escola. habilidades visuais e espaciais. raciocínio hipotético- dedutivo. tais como atividades repetitivas. O professor espera que o aluno perceba e dê sentido a estas mensagens e tente atendê-las. estes são instrumentos didáticos que medeiam decisivamente muitas das experiências vividas na escola (Santos. Mas. mas são também uma forma de controlar o que o professor ensina e acompanhar a maneira como o aluno realiza as atividades propostas. percepção. o melhor desenvolvimento de suas capacidades. Outro aspecto importante a ser verificado nos cadernos escolares é como a criança expressa o grau de desenvolvimento das funções executivas (Luria. 136). Os cadernos expressam as relações entre o professor e o aluno. imprimindo a sua singularidade. manejo de tempo. A maneira como o professor se dirige ao aluno expressa muitas vezes não apenas uma avaliação dos conteúdos ministrados. memória de trabalho (habilidade de manter informações na mente. possibilitando. Sadalla (1999. Além disso. As anotações e bilhetes redigidos pelo professor permitem observar a relação que se estabelece entre ele e a criança. Para a autora. 171) aponta que precisamos estar bastante atentos a alguns aspectos importantes antes de analisar os cadernos escolares: “É fundamental olhar o material da criança como um todo. o ideal é pedir à própria criança que “apresente” seu material. Detectar possíveis dificuldades nestas áreas permite que pais e professores as auxiliem através de estratégias específicas. são uma fonte de informações que amplia a visão dos professores em relação às possíveis dificuldades de aprendizagem e fornece pistas de como as crianças se relacionam com a escola e como vivenciam o processo ensino-aprendizagem. atividades não realizadas ou realizadas . perceber e conhecer os objetos que nela se encontram e fazer uma avaliação das funções cognitivas. desta maneira. enquanto executa uma tarefa). Os cadernos pertencem às crianças e são utilizados por elas. atenção aos erros cometidos. provas. observar a diferença de desempenho nestas situações. uso da borracha.parcialmente e os “bilhetes” da professora. quando usar letras maiúsculas e minúsculas. Necessitam adquirir o domínio de algumas normas bastante específicas. aos pais e aos professores. organizar os itens registrados e reproduzir conteúdos apresentados na lousa. de que gosta e de que não gosta (Sadalla. tendem a supervalorizar aspectos como capricho. qual o auxílio dado pelo professor). organização. É preciso observar como os conhecimentos anteriores foram interiorizados. No exame dos cadernos. identificar de que modo uma produção foi realizada (cópia da lousa. sempre que possível buscar. pular linhas. possibilitaremos às crianças e adolescentes a oportunidade de se expressarem em situações que foram vivenciadas na execução destas tarefas. valorizando a sua vivência. entre outros. que delimitam o espaço para a escrita do aluno. ao analisar a produção do material escrito pelos alunos. respeitar as linhas de margem à esquerda e à direita. 1999. 138): avaliar o nível de letramento em que se encontra o aluno. Com esta prática. p. p. no entanto. de cima para baixo. devemos estar atentos a: tamanho e legibilidade da letra. como linguagem verbal. escrever da esquerda para a direita. Santos e Souza (2005) apontam que muitas escolas. convém pedir aos professores que mostram a produção de outros alunos da mesma série. além do cuidado com o material escolar. limpeza. correções feitas pelos professores. O aluno aprenderá também que o preenchimento das folhas deve obedecer à sequência cronológica das tarefas. produção individual. O exame dos cadernos deve ser contextualizado no ambiente em que foi produzido e à situação global da criança. e a etapa em que a criança se encontra poderá ser identificada através de seus cadernos. como. em grupo. sobre as atividades em que se sente competente. e saber que nada deve ser escrito ultrapassando as margens. o que permite uma análise comparativa. Esta estratégia possibilita compreender melhor como este professor percebe seu aluno no que se refere aos progressos e retrocessos que apresenta na aquisição de determinados conhecimentos. sempre que possível. Pedir que conte o que pensa sobre o seu caderno. que os títulos enunciam as atividades. as crianças que iniciam o processo de escolarização precisam de algum tempo para se familiarizar com as regras para a utilização dos cadernos e para que estas se consolidem. por exemplo. Sadalla salienta que. fatores que são indicadores do desenvolvimento cognitivo. fichários e folhas avulsas possa ser compreendido. 172). habilidades gráficas. informações complementares a fim de que aquilo que está registrado nos cadernos. organização. Não levam em consideração. . linearidade e demais elementos que envolvem o preparo para alfabetização. junto ao aluno. De acordo com Santos (2002. Segundo Santos (2002). a análise do material escolar e das visitas à escola fornece indicadores que auxiliam a pensar em vários aspectos que poderão ser abordados com os professores. . versos. ditam-se cinco palavras relacionadas ao universo de cada criança. depois trissílabas. após o contato com esse material. utilizando-o de uma forma mais livre. pais e crianças. se são capazes de associar a figura à letra. A sondagem inicial pode ser feita por meio de jogos diversos (disponíveis em lojas especializadas em materiais educativos) que utilizam palavras. Nessa avaliação. mesmo quando não há uma queixa escolar. realizamos com a criança um trabalho no consultório. A análise dos cadernos escolares mostra-se um instrumento útil na compreensão de crianças que são encaminhadas para avaliação psicológica. Os professores devem transmitir a ela que nos cadernos terão os registros de suas conquistas no campo dos conhecimentos adquiridos. Segundo a mesma autora. No entanto. sílabas e letras. e como aprendem a formar e soletrar palavras. uma vez que traduzem sua maneira de ser no mundo. a criança seja orientada pelos professores de maneira adequada para que aprenda a usar o caderno e como manuseá-lo. No processo de psicodiagnóstico interventivo. solicitamos à criança que leia tudo o que escreveu. Espera-se que. caricaturas. como associam as palavras e suas iniciais. ou só copia. Para tanto. e por último. que se estabelecem diante das dificuldades. sua família e a escola. Começa-se com palavras polissílabas. através dos quais podemos verificar se as crianças conhecem as letras. pede-se que escreva uma pequena frase. a partir do 4o ano do ensino fundamental. e a descobrir novas estratégias para lidar com estas situações. Em um segundo momento. investigar o desenvolvimento da criança na escrita e leitura de modo bem específico. Pode ajudar a mediar situações de conflito familiares ou escolares. Ficamos ao lado dela e pedimos que leia devagar e vá indicando. no período inicial de escolarização. mas não lê. Em nossa prática clínica. somente nas séries mais avançadas. mensagens de colegas de classe. notamos que muitos pais que procuram atendimento psicológico para seus filhos apresentam a queixa em termos absolutos: dizem que a criança não lê e não escreve. Concluída essa escrita. tomando como referência os níveis identificados por Emilia Ferreiro (1999). dissílabas e monossílabas. ou escreve. em seguida. no qual a criança nele pode registrar desenhos. se juntam desenhos e descobrem como se formam as palavras. pois estes são hábitos que ela precisa desenvolver. solicita-se que a criança escreva seu nome e. realiza-se uma avaliação formal com o objetivo de verificar o nível conceitual da escrita. Passa a ser um lugar de expressão de sua singularidade e. não somente para registro dos conteúdos das disciplinas. é necessário trabalhar com a criança e com os pais para concluirmos nossa avaliação e investigação sobre a queixa apresentada e podermos melhor intervir junto à criança. então. a criança começa a conquistar um espaço próprio no uso do caderno. poemas. É necessário. Nesta etapa o valor sonoro torna-se imperioso. Este nível é subdividido em duas fases: fase pictórica. Exemplo: A criança sabe que os sons L e A são grafados LA. LI (gato) ou EI (gato) sem valor sonoro. isto é. será enviado à escola. agendamos uma segunda entrevista com a escola para a entrega e discussão do relatório. em que a criança registra símbolos ou letras misturadas com números. No final do processo do psicodiagnóstico interventivo. elaboramos um relatório que sintetiza e organiza o que foi compreendido. Exemplos: conheceno. juntos. obtida sua autorização. • Nível alfabético — a criança reconstrói o sistema linguístico e compreende a sua organização.com o dedo apoiado no papel. significam LATA. sugerindo situações capazes de gerar novos avanços na aprendizagem dos seus alunos. Em seguida. o psicólogo pode contribuir propondo alternativas para reorientação da prática pedagógica utilizada pelo professor até o momento. desenhos ou símbolos. e fase gráfica primitiva. cabe ao psicólogo estabelecer um diálogo com o professor para. vamus. as sílabas. Exemplos: TRAQ (casa). que sirvam também de material de pesquisa para definir as possíveis . • Nível ortográfico — nesta etapa dos níveis conceptuais linguísticos. Na devolutiva. a criança apresenta-se na fase alfabética e necessita de intervenção do professor na ortografia. O relatório é apresentado inicialmente aos pais e. podemos utilizar testes psicopedagógicos específicos para avaliação da leitura e da escrita. pasarino etc. Nessa visita procuramos envolver o professor e motivá-lo a colaborar com os ajustes possíveis para atender às dificuldades da criança. focalizando a criança no seu todo a partir da queixa inicial. AIVNOAXE (abacaxi). Essa investigação possibilita identificar em que fase de aquisição de escrita e leitura a criança se encontra: • Nível pré-silábico — nesta fase a criança começa a diferenciar letras de números. juntos. A noção de que cada sílaba corresponde a uma letra que pode acontecer com ou sem valor sonoro convencional. • Nível silábico-alfabético — verificamos que este é um momento conflitante para a criança. Exemplo: TOAT (tomate). lipesa. na qual a criança registra garatujas e desenhos. buscar estratégias de ensino que se mostrem adequadas ou não para aquela criança. que T e A são grafados TA e que. e coloca um símbolo (letra) para cada pedaço. Nesse sentido. pois ela precisa negar a lógica do nível silábico. No caso das crianças alfabetizadas. a palavra que está lendo enquanto fazemos um registro de suas respostas. • Nível silábico — nesta etapa a criança conta os “pedaços sonoros”. Exemplos: AO (gato) ou GT (gato) com valor sonoro. Incluímos no relatório orientações e recomendações para os pais e professores no sentido de favorecer o processo de aprendizagem. e a criança começa a acrescentar letras principalmente na primeira sílaba. convesa. possivelmente decorrente das constantes mudanças de professores nas séries iniciais. No decorrer das sessões lúdicas e de jogos psicopedagógicos com Pedro. Poucos foram os que aderiram a esta proposta. e a professora de Pedro optou . buscando sensibilizá-lo a desenvolver um novo olhar e criar novas estratégias para as dificuldades escolares dos alunos. Disseram perceber as dificuldades escolares de Pedro. Já as coordenadoras revelaram-se educadoras mais sensíveis e dispostas a ajudar não somente Pedro. embora tenham continuado a comparecer juntos aos atendimentos do filho. já que até então era um menino muito contido. Segundo a professora. mas não tinham muito como ajudá-lo. no transcorrer do psicodiagnóstico. que todas as suas dificuldades eram decorrentes de problemas familiares e pouco havia a fazer. possuía capacidade de abstração. verificamos que ele tinha muita dificuldade para expressar seus sentimentos e emoções. o que era reforçado pelos bilhetes da professora em seu caderno: “Não fez a lição”. Esta se mostrou descrente dos resultados da avaliação e firmou sua posição no sentido de que Pedro não estava alfabetizado. Podia-se dizer que se encontrava no nível alfabético. o aluno não estava alfabetizado.intervenções e obter dados sobre o processo de aprendizagem de cada criança. descreveremos um caso de uma criança. que tinha dez de anos de idade quando foi encaminhada pela escola para avaliação psicológica. Em nenhum momento encontramos alguma anotação que valorizasse sua produção. procurando restabelecer sua autoestima. As coordenadoras solicitaram uma ação psicológica junto ao corpo docente. a análise dos cadernos escolares. aos poucos. “Preste atenção”. Por outro lado. as devolutivas aos pais e a interlocução com a escola no processo do psicodiagnóstico interventivo. cursando somente até a segunda série (atual 3o ano) do ensino fundamental I. a quem chamaremos de Pedro. Pedro mostrava o desejo de aprender e sentia-se envergonhado por se perceber como alguém incapaz. efetuava operações matemáticas. pois haviam frequentado a escola por pouco tempo. Para ilustrar como utilizamos a visita escolar. Em visita à escola. tinha problemas de comportamento e era muito quieto. “Veja os erros que cometeu!”. decidiram separar-se. Seus pais relataram dificuldades em seu relacionamento e. Este aspecto foi trabalhado com ele. embora ainda cometesse erros ortográficos em consequência de um processo de alfabetização deficitário. mas também outros alunos que apresentavam dificuldades semelhantes. reconhecia letras e sílabas e construía palavras simples com certa facilidade. Os professores foram convidados a participar de um grupo de reflexão sobre as dificuldades que encontravam no seu dia a dia com alguns alunos que não vinham apresentando progresso em seu processo de alfabetização. O menino cursava a 4a série (atual 5o ano) do ensino fundamental I e apresentava dificuldades nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. conversamos sobre o que havíamos observado com as duas coordenadoras e a professora. Pedro começou a se expressar mais. “Lição incompleta”. ). São Paulo. Avaliação psicológica: a perspectiva sócio-familiar nas estratégias complementares à prática clínica infantil. Referências bibliográficas AVOGLIA. este comportamento de Pedro era extremamente construtivo para seu processo de aprendizagem. 2007. jan. 115-41. HÉBRAD.por não participar. pois puderam trocar experiências e compartilhar suas angústias buscando. Do ponto de vista das coordenadoras e dos demais educadores.). 1999. Ana. In: SOUZA. Ela se considerava uma profissional experiente. Mencionaram que a professora de Pedro passou a se queixar de que ele estava um “menino mais danado”. Programa de Pós-graduação Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia. É importante formar uma compreensão que englobe as percepções de cada um dos envolvidos no processo. com a ajuda dos psicólogos. Revista Brasileira de História da Educação. São Paulo: Casa do Psicólogo. Porto Alegre: Artmed. José Moura. 2004. São Paulo: Casa do Psicólogo. Nessa medida. fazendo com que as questões possam circular e ser compartilhadas. alunos. Silvia Helena (Org. FERREIRO. compartilhar percepções. Ecologia do desenvolvimento humano: pesquisa e intervenção no Brasil. 2001. O caso descrito mostra que. n. GONÇALVES FILHO. estava prestes a se aposentar e acreditava que não tinha mais como contribuir para o aprendizado do aluno. pais e escola. Orientação à queixa escolar. Emilia. que começou a fazer perguntas quando não compreendia a matéria e a interagir com os colegas de maneira mais espontânea. na tentativa de penetrar de maneira espontânea nas intuições. que possibilitam melhor compreender a vivência da criança em relação às questões escolares. Por uma biografia matéria das escritas ordinárias: o espaço gráfico do caderno escolar (França — séculos XIX-XX). Beatriz de Paula (Org. Jean. é possível através do psicodiagnóstico interventivo procurar maneiras de ajudar alunos e professores a resolver essas questões. KOLLER. TEBEROSKY. Cabe ressaltar que o alcance e a abrangência dessa interlocução dependerão dos diversos personagens envolvidos nesse processo. quando uma criança ou adolescente apresenta dificuldades de aprendizagem. realizando intervenções e construindo novas formas de atuação para o psicólogo. Humilhação social: humilhação política. 1. p. sentimentos e sensações. Psicogênese da língua escrita. deixando de lado preconceitos. . Hila Rosa Capelão./jun. Ao longo do trabalho realizado nesta escola. novas formas de atuação com seus alunos. Tese (Doutorado em Psicologia) — Universidade de São Paulo. o psicodiagnóstico interventivo permite às pessoas envolvidas abrir-se ao outro. os educadores que participaram do grupo relataram o quanto foi significativo. 2006. LAURENTI, Roseli Bacili. Psicopedagogia: um modelo fenomenológico. São Paulo: Vetor, 2004. LURIA, Aleksander Romanovich. Fundamentos de Neuropsicologia. São Paulo: Edusp; 1981. MAICHIN, Vanessa. Visita escolar: um recurso do psicodiagnóstico interventivo na abordagem fenomenológico-existencial. Dissertação (Mestrado em Psicologia) — Pontifícia Universidade Católica, Programa de Pós-graduação. Área de Concentração: Práticas Clínicas, São Paulo, 2006. SADALLA, Ana Maria Falcão de Aragão et al. Roteiro de observação e análise de material escrito. Psicologia Escolar e Educacional, v. 3, n. 3, p. 171-74, 1999. SANTOS, Anabela Almeida Costa e. Cadernos escolares na primeira série do ensino fundamental: funções e significados. Dissertação (Mestrado) — Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia, São Paulo, 2002. ______; SOUZA, Marilene Proença Rebello de. Cadernos escolares: como e o que se registra no contexto escolar. Psicologia Escolar e Educacional, Campinas, v. 9, n. 2, dez. 2005. SOUZA, Beatriz de Paula (Org.). Orientação à queixa escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. Capítulo VIII Visita domiciliar: a dimensão psicológica do espaço habitado Ligia Corrêa Pinho Lopes “Nós vos pedimos com insistência não digam nunca isso é natural! Sob o familiar descubram o insólito sob o cotidiano desvelem o inexplicável que tudo o que é considerado habitual provoque inquietação na regra descubram o abuso e sempre que o abuso for encontrado encontrem o remédio.” Bertold Brecht Encontra-se disponível na literatura uma gama variada de referências à visita domiciliar. Grande parte dessas referências coloca a necessidade das visitas em face das diversas impossibilidades de o paciente comparecer ao consultório, como no caso de consultas médicas, de reabilitação fisioterápica ou de pacientes que tiveram a sua mobilidade física comprometida após acidentes traumáticos, ou ainda que, diante destes, passaram a necessitar de acompanhamento psicoterápico: Padilha, Carvalho, Silva e Pinto (1994); Mazza (1994); Colacique (1996); Barbosa (1998); Oliveira (1999); Palma, Barros e Macieira (2000); Parra, Palau, Barrueco, Amilibia, León, Oltra e Escarrabill (2001); Burns, Cain e Husaini (2001); Darden, Ector, Moran e Quattlebaum (2001). No âmbito da Psicologia, também encontramos relatos de psicoterapeutas que vão ao encontro de seus pacientes em hospitais ou nas residências destes, em função de suas dificuldades para se dirigir ao consultório. No entanto, apesar de estas situações apresentarem-se como excepcionais para a reflexão da prática clínica, tornam-se casos isolados, em que o profissional que se vê no exercício desta prática deixa de registrar o seu atendimento na literatura da área, até mesmo por receio de críticas da sua classe profissional, principalmente por tratar-se de prática clínica diferente da comumente adotada por aqueles que trabalham em consultórios, com alterações do setting terapêutico. Alguns psicólogos que atuam na área de terapia familiar consideram o espaço residencial um elemento a mais para a compreensão da dinâmica da família que está em processo psicoterapêutico. Dentre eles destaco Berenstein (1988), Vidal (1999), Muxel (1999), Aubertel (1999), Darchis (1999). Para eles, a casa é o primeiro nicho da identidade, e o espaço residencial da família reflete, através de suas configurações, disposição, orientações, divisões e organização, um psiquismo grupal. Ressaltam ainda que o espaço negociado na coexistência das relações familiares revela a experiência afetiva daqueles que o habitam. O ambiente familiar concretiza, de certa maneira, o corpo familiar e a organização das ocupações cotidianas, e atualiza o modo de estar em família. Outra crítica comum se refere à alteração dos comportamentos habituais da família em razão da presença de um estranho, mascarando informações que seriam importantes para a compreensão da dinâmica. A ela, Ackerman (1986, p. 137) responde que as mudanças se dão apenas em grau, e não na qualidade. Podemos não ver a mãe perder a paciência com o filho em casa nem no consultório, mas, seja seu comportamento estritamente típico ou não, podemos observar a qualidade de suas atitudes e relações com o filho. Ainda segundo Ackerman (1986), os psicoterapeutas resistem à visita em razão da sua insegurança e, consequentemente, tendem a considerá-la uma invasão e uma ameaça à família, o que pode acarretar complicações no processo psicoterápico. A prática da visita domiciliar foi descrita por Ramos (1966) ao abordar a avaliação da criança portadora de “retardo mental”.[1] Esta visita consistia em uma observação da criança em sua casa, mantendo-se o observador o mais neutro possível. Em alguns casos, a visita não era realizada pelo profissional que fazia o psicodiagnóstico, mas por alguém indicado por ele, visando manter a distância necessária para proceder a uma boa avaliação. Na literatura pesquisada, só foi encontrado um autor, Ackerman (1986), que realiza a visita domiciliar em diagnóstico. Trata-se, no entanto, de um diagnóstico familiar, cujos procedimentos diferem daqueles adotados no psicodiagnóstico interventivo de base fenomenológico-existencial. Sendo assim, a visita domiciliar tem funções diferentes nos dois contextos. Passo, então, a apresentar alguns dos principais pontos de vista deste autor. com o objetivo de relacionar o comportamento da família como um grupo com o comportamento de um membro da família. Neste sentido. Outras vezes. então. p. 137). 134) acredita que a primeira dificuldade que o profissional da área de saúde mental encontra […] é a obtenção de dados suficientes e seguros que o capacitem a fazer diagnósticos corretos e agir inteligentemente para o sucesso do tratamento. ibidem. A função da visita é basicamente observar os padrões de interação familiar e a adaptação ao papel familiar. 137). 136). 136). p. de que maneira isto se deu. o que. Tem ainda um interesse especial no clima emocional da casa. Ackerman propõe que a visita a casa deve ser informal e pode durar de duas a três horas. Algumas vezes o visitante é visto como aliado. p. Em muitas famílias o visitante torna-se um vetor ou catalisador de interações familiares (Ackerman. Ackerman (1986. p. configuraria uma visita semiestruturada. p. uma vez que fazer anotações na hora poderia prejudicar a espontaneidade da experiência. Passo a contar. . 135). Em relação ao diagnóstico familiar. Apesar de apontar as vantagens do conhecimento prévio da demanda. acrescenta que […] na tentativa de explorar os problemas de saúde mental da vida familiar. p. acredita que as visitas também podem ser feitas “[…] sem o conhecimento prévio do problema ou antecedentes familiares” (idem.1986. no psicodiagnóstico que faço. O profissional que realiza tal visita deve fazer seu relatório de memória. sua aprovação é necessária e sua atenção disputada. A visita domiciliar. 136) afirma que: “Uma certa neutralidade emocional. Sem que apresente detalhes de como é acordada essa visita preliminar. ela deve ter em mente os dados que compõem um roteiro com direcionamentos para as observações a serem realizadas. ele é visivelmente excluído. As reações da família ao visitante podem ser bastante interessantes. Ackerman (1986. a visita aos lares torna-se um instrumento valioso (idem. ibidem. na identidade psicossocial da família e na sua expressão em um ambiente definido. Mas nem sempre ela foi realizada da mesma forma. ibidem. tem outra forma de ser realizada e comporta objetivos diferentes dos apresentados até agora. falta de seletividade e evitação de preconceito é atingida quando a história clínica não é conhecida” (p. neste caso. porém. Ela “é apenas um meio de avaliar a família e deve ser integrada a outros achados” (idem. As mudanças aconteceram no decorrer do tempo e da aquisição de maior experiência profissional. outro fosse um receio acerca da atuação de estagiários inexperientes. de anamnese e as sessões com a criança. Essas explicações me aquietavam temporariamente. . não era parte imprescindível do processo. que essa visita só se realizava mediante a concordância da criança e dos pais. mas não impediam que novas questões me assediassem e. após as entrevistas iniciais. Também éramos orientados a observar cada membro da família e as suas interações. a de permanecer por uma hora na casa do cliente. deixar que a visita ocorresse na parte da casa escolhida pelos familiares. mesmo com esse argumento. Então. agendavam-se as visitas (escolar e domiciliar) com os pais. O objetivo principal da visita domiciliar era o de ampliar a compreensão das relações que se estabeleciam na família. ou seja. Não questionávamos os motivos desta orientação. Mas. se poderíamos chamar a família toda para uma ou mais sessões? A essas perguntas seguiam-se respostas explicativas: a proposta não era apenas conhecer as pessoas da família que não participavam do processo psicodiagnóstico. pois eram acordadas com eles e seus filhos por ocasião do contrato. já que. isto é. Por que uma hora? Por que não cinquenta minutos? Ou uma hora e quinze? Porque este seria o tempo necessário e suficiente para a ocorrência das observações sem cansar o cliente — pais e criança — ou a família. As devolutivas acerca de nossas observações e compreensões deveriam ser feitas somente no setting terapêutico. não só com quem ela vivia. Ela não era obrigatória. Meu contato inicial com esta prática se deu quando eu ainda era estudante. mas como vivia. mas acredito que um deles fosse o próprio objetivo — a observação. Apenas observávamos. provavelmente. ainda. não era somente ampliar a compreensão das relações estabelecidas. como estagiários. percebíamos. Para a sua realização. novos esclarecimentos fossem acrescentados. Dentre elas. Novas respostas para novos questionamentos. a partir delas. A visita domiciliar deveria ser marcada quando todos ou a maioria dos familiares ou a maioria deles estivessem presentes. que já tinham conhecimento delas. e não a intervenção — e. antes mesmo que eu pudesse vivenciar esse modo tão diferente de entrar em contato com os aspectos da criança e tão diferente dos demais recursos comumente propostos no psicodiagnóstico. observar os aspectos da casa que mais chamavam a atenção. dúvidas me assaltavam: qual era então a diferença da visita domiciliar para a entrevista familiar? Por que ir à casa do cliente. Só íamos quando achávamos que ela poderia confirmar as nossas hipóteses ou acrescentar-lhes algo. mas não fazíamos qualquer tipo de intervenção. Enfatizavam-se orientações gerais em relação à postura e atitude ética. o uso desse procedimento no psicodiagnóstico de base fenomenológico-existencial se justificava pela necessidade de compreender a criança a partir da rede de relações na qual ela se encontrava inserida. É importante destacar. mas também tinha como objetivo entrar em contato com o espaço da casa da criança. Na ocasião. recebíamos várias orientações. Nem mais nem menos. havia muitos enfeites. O apartamento pequeno era bastante organizado. a fala desses pais foi confirmada (e aparentemente apenas confirmada) pelo que o ambiente apresentava. E este era o meu foco. mantinham-se muito bem conservados. Na ausência de uma direção específica. Acreditavam que uma criança atrapalharia os planos profissionais de ambos. Nas entrevistas iniciais e de anamnese. localizada entre a poltrona e um dos sofás e encostada na parede. sem pretender. E o que fazer com eles. o olhar vagava ao redor. Por ocasião da visita domiciliar. girar em torno dos membros da família: como se relacionavam. Entretanto. Havia dois sofás de dois lugares. eu percebia que o ponto principal de nossas observações. deveria. não tínhamos experiência alguma). estava uma mesinha de centro repleta de pequenos animais de cristal e um cinzeiro. com a atenção toda voltada para os movimentos relacionais da família. nenhum bichinho de cristal quebrado. quem sabe. ou seja. um com a foto do casal e outro com a foto do menino. registrando pequenos detalhes que serviam mais para ocupar o tempo. sem uma . entretanto. Tudo na mais absoluta ordem. Por ali. como já disse. qual a dinâmica que se estabelecia etc. consequentemente. eles acabavam ficando “soltos”. quando ainda era bebê. me acolhia. à história da criança já contada por ela própria ou por seus pais. Algumas visitas. mas ao mesmo tempo insegura. nenhum sinal de mãozinhas sujas ou pezinhos travessos. conto algumas histórias. Os estofados. depois de algum tempo na casa. no entanto. Entre os sofás. meu olhar passara a captar detalhes que me remetiam. pois nenhum deles possuía o desejo de ter filhos. contudo. por ali. além de um pequeno vaso de planta. Acreditava que o setting terapêutico de certa forma me abrigava. Sentia-me motivada para fazer algo totalmente diferente. Na mesinha de canto. faziam sentido. esta não era uma atividade das mais comuns dentro da prática psicológica. e todos os móveis eram claros e muito limpos. às vezes. havia dois porta- retratos.contávamos com “pouca” experiência (na verdade. Os pais de um garoto de três anos trouxeram a queixa da agressividade do filho e a sua dificuldade para acatar os limites que lhe eram impostos. era assim que eu entendia. contaram que a criança não havia sido planejada. um de frente para o outro. me protegia da minha pouca experiência. de alguma forma. nenhum vestígio de criança. uma poltrona. pelo menos. sem que eu pudesse reconhecer a sua importância. durante a visita. as análises e as conclusões dos psicodiagnósticos realizados. e entre eles. da cor marfim. relegados a um segundo plano. É claro que nos registros das observações e. sem dúvida. ou. Na sala. relatar aqui os procedimentos adotados. começaram a ser reveladoras. sobravam-me alguns minutos. nas devolutivas para os pais e criança apareciam esses outros aspectos da casa. Só para permitir ao leitor que me acompanhe. Apesar da recomendação aos estagiários para observar particularidades da casa. já que não deveria encerrar a visita antes de uma hora? Ou. Além do mais. pata, com um meio rabo, uma única orelha, enfim… Era preciso algum esforço para não me esquecer de que ali, naquele lugar, também morava uma criança. De apenas três anos. Havia ainda dois quartos: um do casal e o outro, que continuava sendo um escritório adaptado para o filho. Permaneciam, no ambiente, estantes de escritório; de um lado da parede, livros de pedagogia da mãe e do outro lado, os de direito do pai e, no centro, acima da cama do menino, três prateleiras com seus brinquedos. Eu estava diante de um quarto-escritório ou de um escritório-quarto de uma criança de apenas três anos. A organização do espaço, a cor clara dos móveis preservados, os enfeites de cristal, tudo causava certa estranheza. Principalmente, quando eu pensava na queixa: dificuldade de aceitar os limites impostos e agressividade. Como uma casa tão atraente para uma criança de três anos se mantinha tão arrumada, se o garoto não tinha limites? Por outro lado, a fala dos pais, nas primeiras entrevistas, sobre a falta de espaço dentro deles para receber um filho se ratificava naquele apartamento arrumado para um casal. O quarto-escritório do menino deixava claro que ele entrou no meio das carreiras profissionais de ambos. Literalmente concretizado no espaço físico: a sua estante de brinquedos situava-se entre as estantes de livros de seus pais. O único espaço que tinha, portanto, ainda era dividido com eles. Parecia-me então que o garoto tinha limites. A organização da casa era reveladora disto. Tudo tinha o seu lugar. Talvez esses pais não soubessem onde colocar esse menino sem que desarrumasse a ordem do casal. Neste contexto, a agressividade foi entendida como uma reação a esta situação. Vamos a outra história. Uma menina de sete anos, que também foi atendida na mesma ocasião, havia sido encaminhada pela diretora da escola em que estudava por apresentar-se apática, sem vontade, muito calada e com dificuldade para se relacionar com os colegas. Os pais, durante as entrevistas, diziam não compreender o motivo do que traduziam por uma grande tristeza, já que faziam tudo que estava ao alcance deles para agradar a única filha. Mas tinham a impressão de que nada lhe agradava efetivamente. Ressaltavam o fato de ser uma criança que não gostava de sair de casa sem os pais, por medo de carro, de cachorro, entre outros. Quando saía com o pai, exigia que a mãe fosse junto e, quando saía com a mãe, solicitava igualmente a presença do pai. Eram pais batalhadores que trabalhavam excessivamente para conseguir manter o sustento da casa. Mas não se mostravam queixosos da vida; ao contrário, enfrentavam-na com vigor. Na sessão da anamnese, a mãe, que compareceu sozinha, passou boa parte do tempo contando a sua história de vida. Relatou ter perdido a mãe de forma inesperada e brutal, aos sete anos. Ficou morando com o pai e suas duas irmãs mais novas. Dois anos após o acidente de sua mãe, seu pai casou-se novamente, tendo mais duas filhas, frutos desta nova união. Em relação à filha, dizia que tinha muito medo de morrer e deixar a filha sozinha e desamparada. Foi perguntado à mãe se, de alguma forma, a menina tinha conhecimento de seu medo, ao que respondeu que conversava muito com a filha sobre este assunto. Também a ensinava a cozinhar, costurar e cuidar da casa, para que pudesse sair-se bem caso a mãe viesse a lhe faltar. As sessões lúdicas confirmavam a fala dos pais; a menina apresentava uma feição triste, sem vida; não se interessava pelos brinquedos da caixa lúdica, passando as sessões quieta e de cabeça baixa. Quando alguma pergunta lhe era direcionada, respondia com boa vontade, mas de forma sucinta. Na visita domiciliar, encontrei uma casa bastante simples que ficava localizada nos fundos da residência da avó paterna da criança. Ao subir uma escada, entrávamos em uma cozinha que, em seu centro, tinha uma mesa redonda com quatro cadeiras. A mãe pediu à criança que me mostrasse seu quarto. Saindo da cozinha, um pequeno corredor levava aos dois quartos (do casal e da garota) e a um banheiro. A menina mostrou primeiro o quarto dos pais, que possuía uma cama de casal e um móvel onde ficavam a televisão, um aparelho de som e o vídeo. Ao sair do quarto, ela nos apontou o banheiro com a porta entreaberta e, por fim, seu quarto. Ao entrar no quarto, fui surpreendida. Eu jamais poderia imaginar ver aquilo que via. Ele parecia pertencer a outra casa. As paredes eram todas pintadas com cachorros dálmatas, e nelas havia muitas prateleiras com bonecas de todos os tipos e tamanhos. No canto, embaixo da janela e encostada em uma das paredes, situava-se uma cama com colcha cor-de-rosa e, sobre ela, uma infinidade de bichos de pelúcia. Na frente, um móvel com uma televisão na parte superior e muitas fitas de vídeo na parte inferior. Todos os espaços eram preenchidos por brinquedos muito bem cuidados e organizados. Logo após a apresentação, a mãe adentrou o quarto solicitando à filha que abrisse o armário para mostrar mais brinquedos ali guardados. Na parte superior, havia muitas caixas de bonecas, bolas e panelinhas; embaixo, muitas roupas penduradas em cabides, gavetas que guardavam mais algumas e vários pares de sapatos. Era um quarto muito diferente dos outros cômodos da casa. Estes últimos combinavam perfeitamente com o discurso dos pais. Aquele quarto tão colorido, com tantos estímulos, provocava uma sensação de que nada faltava ali para uma menina de sete anos. Ao contrário, havia tantas coisas que chegavam a sufocar. Dois mundos distintos compunham aquela casa. De um lado, a falta, a escassez, a luta pela sobrevivência entranhadas em um espaço habitado por pessoas batalhadoras pela vida e, de outro, a abundância, a fartura, o vivaz, criando um ambiente contrastante com a ausência de vitalidade de sua dona. Em ambos, o medo da morte rondando e produzindo esses paradoxos. Não deve ser difícil imaginar o impacto e o encantamento provocados pelas visitas domiciliares dos dois casos apresentados anteriormente. Para uma estagiária inexperiente, aquilo beirava a magia. Descobrir que a casa contava uma história, a de seus moradores, foi uma grata surpresa. Essas experiências iniciais, somadas a outras que foram se sucedendo me trouxeram também inquietude em relação a esses fenômenos. Havia mais para ser feito, para ser compreendido. Era sim importante compreender as relações que a família estabelecia, conhecer as pessoas que conviviam com a criança, mas tinha algo que também se revelava no ambiente, que dizia sobre seus habitantes. Contudo, a falta de experiência não me permitia arriscar nada além disto. Mesmo depois de formada, passei a adotar esse procedimento da visita domiciliar no processo psicodiagnóstico. Entretanto, esta prática foi se modificando em relação ao modelo que me fora originalmente apresentado. Alguns aspectos foram mantidos; muitos, alterados. À medida que exercitava esse fazer, fui surpreendendo-me com suas possibilidades e seus resultados, e as perguntas que surgiam foram sendo respondidas. As primeiras visitas domiciliares foram utilizadas como um recurso a mais. Hoje, no entanto, considero-as como parte do processo psicodiagnóstico. Partindo do ponto de vista de que é fundamental compreender a criança na rede das relações familiares, estratégias que permitam ampliar esta compreensão serão, sem dúvida, enriquecedoras. É neste contexto que se insere a visita domiciliar, que, no meu entender, ultrapassa a mera noção de estratégia ou técnica, podendo se constituir em um momento de grandes possibilidades interventivas e de favorecimento para consistência diagnóstica. Ela é acordada logo nas entrevistas iniciais, quando se fecham os contratos — com os pais e a criança — e, se houver a concordância da família, ela é marcada em data previamente combinada. Caso haja recusa, o processo psicodiagnóstico prossegue, contudo, os aspectos que seriam observados na visita domiciliar não o serão, uma vez que não há possibilidades de substituí-la por relatos. A recusa será explorada de tal maneira que o seu entendimento fará parte da compreensão global. A data da visita é sempre posterior ao conhecimento da história de vida da criança e o estabelecimento de um vínculo mais significativo com os clientes. Minha experiência aponta que se torna mais confortável, para pais e crianças, quando a visita é realizada no momento em que há maior grau de “intimidade” e confiabilidade, evitando a fantasia de que o psicólogo deseja “investigar” sua casa e as pessoas de sua família. Todavia, a visita não pode perder o cunho de um trabalho profissional e assumir um caráter de visita social, embora a sociabilidade da ação deva ser preservada, o que faz com que certa informalidade seja esperada. Por outro lado, acredito que a presença de um “estranho” na casa não deve ser desconsiderada, mesmo que seja alguém com quem algumas pessoas da família já têm (criança, pai e mãe) contato anterior. Penso que qualquer tipo de reação por parte dos clientes é mais um elemento para a compreensão da dinâmica estabelecida. segundo elas. Generosa[2] procurou atendimento psicológico encaminhada pela escola de sua filha Sílvia. bem cuidada. Estas possibilitam à família maior entendimento do interjogo das relações e do ambiente físico como mais um elemento facilitador ou não do desenvolvimento familiar. de 8 anos. O tempo de permanência não pode ser previsto ao certo. Indico apenas que as visitas sejam realizadas quando todos. Na primeira entrevista contou que a professora e a diretora estavam preocupadas com o comportamento de Sílvia. acredito ser o psicólogo um participante ativo que faz intervenções à medida que experimenta as situações. Apesar de não se esgotar o que pode ser observado e compreendido em um espaço que é cenário das relações humanas. ela possibilita a compreensão da estrutura e da dinâmica familiar e das relações que nela se estabelecem e. O fato de as intervenções serem feitas na casa. como já pudemos vislumbrar nas histórias citadas. Não que as observações e os relatos dos pais no setting terapêutico não ofereçam subsídios para um trabalho consistente na busca de compreensão e intervenção. havia pedido para um colega que mostrasse seu pênis a ela. As intervenções podem se reportar às situações concretas vividas na casa. que. Retomo a ideia de que a visita domiciliar não tem um caráter apenas investigativo e de observação. destoava das outras meninas de sua idade. Era uma mulher bonita e apresentava-se bem-vestida. a observação e a compreensão servem de base para as intervenções pertinentes à situação. determinado por uma avaliação do profissional em relação à suficiência de elementos para o aprofundamento da compreensão diagnóstica.. A decisão quanto à parte da casa em que a visita deve se dar é sempre dos familiares. além de falar constantemente sobre beijos. ou nas sessões devolutivas dependerá das condições de compreensão do psicólogo e de sua possibilidade de avaliar a prontidão do paciente para recebê-las e assim produzir seus efeitos terapêuticos. permite entrar em contato com o ambiente físico. A dinâmica familiar. o que facilita a compreensão das relações que lá se estabelecem. Na ocasião em que solicitaram a presença da mãe na escola. assim como o tom da visita. in loco. Nestas ocasiões. durante a visita. que revela aspectos fundamentais. situações estas que vão sendo apresentadas pelos clientes durante a visita. permite a visão das relações familiares em situações naturais da sua dinâmica. fornece dicas da propriedade ou não da intervenção. Conto agora outra história que evidencia as modificações que foram feitas na visita domiciliar. namoros etc. dependerão da interação mútua de visitante e família. somada à forma como se é recebido na casa. . comentaram que Sílvia. produzindo efeitos no cliente. é preciso estabelecer um limite para a realização da visita. pois a duração. O seu término será. De minha parte. estejam presentes. ou a maioria dos moradores. parecendo ser bastante vaidosa. ficam livres e à vontade para conduzir o visitante em seu espaço. mais do que isto. Não utilizo questionários e roteiros de observação por acreditar que o “clima emocional” do lar vai dirigindo minhas observações. então. mas a observação direta. muito limpo e . Por exemplo. mas por seus órgãos genitais. comunicativa. O apartamento era espaçoso. Entendia que se tratava de uma “perseguição” (sic). enfim. esmalte vermelho nas unhas. não revelando interesse por meninos ou namorados. calçava um sapato com saltinho anabela e se vestia como uma mocinha. ela acrescentava como eles eram feitos. coisas de mulher. Interrogada. elas excediam o que havia sido perguntado pela criança. cabelos ou vestimentas. claro e com móveis clássicos. atividades domésticas em que encarnava o papel de uma dona de casa ou de uma mulher. participava das conversas e sempre se mostrou muito curiosa. porque. Generosa e Sílvia vieram em minha direção. fora vista no banheiro dos meninos espiando pela fresta da porta. ao explicar sobre o nascimento dos bebês. Em relação às entrevistas de anamnese. esperta e curiosa. assim que entrei. perfume. esses comportamentos de Sílvia deveriam estar acontecendo há mais tempo sem que lhe tivessem informado anteriormente. a rotina de um casal. batom. Entramos primeiramente na sala de almoço e cozinha. Sílvia justificou-se dizendo que queria saber “como os meninos faziam xixi” (sic). carregava uma bolsa a tiracolo. Nestes casos. explicando que “estavam namorando” (sic). azulejos. Suas produções gráficas retratavam figuras de homem e mulher que não eram identificadas por adereços. Destacava-se apenas a informação sobre a curiosidade permanente (desde pequena) de Sílvia em relação ao nascimento dos bebês. provavelmente. A mãe comentou que estava ajudando Sílvia em suas tarefas escolares. Tudo era branco: mesas. sempre abria sua bolsa para me mostrar o que ela continha: escova de cabelo. Fui convidada a conhecer o restante da casa. Tudo muito bem cuidado. Nas sessões lúdicas. eletrodomésticos. A mãe alegou não perceber tais comportamentos na filha. Generosa comentou ter ficado muito irritada com a atitude da escola. por ser sua única filha. Comentaram também que. No meu primeiro contato com Sílvia. recentemente. mesmo quando Sílvia ainda não havia revelado essa curiosidade. Essas observações ratificavam claramente a queixa da escola. Suas brincadeiras giravam em torno de casais de namorados. ressaltando que era uma menina que brincava bastante. uma vez que ela e seu marido não participavam das atividades e das convocações feitas pela escola por “serem pessoas muito reservadas” (sic). cadeiras. Do meu ponto de vista. Na visita domiciliar. fui recebida pela empregada e. Não raramente colocava os bonecos da família mantendo relação sexual. todas as informações dadas correspondiam ao esperado para as fases de desenvolvimento infantil. me deparei com uma menina que era a miniatura de sua mãe: usava batom. a mãe sempre fornecia as explicações que julgava necessárias. Acrescentou apenas que. E o que chamava a minha atenção era o fato de Generosa não reconhecer esses aspectos sexuais nas brincadeiras de Sílvia. convivia muito com adultos. Era uma menina inteligente. cumprimentaram Francisco da mesma forma: com um beijo na boca. ela disparou: “Você viu como ela é bobinha? Ela não tem maldade. Francisco insistiu para que ocupássemos a sala de visitas. carrinho de boneca. Um verdadeiro quarto de menina: repleto de bonecas. encaminhando-nos para o quarto do casal. que. Ao entrarmos. Quebravam a alvura do ambiente as flores miúdas do tecido do estofado das cadeiras. havia um enorme colchão de água redondo. sentou-se no centro da cama e me convidou para sentar-me ao seu lado. Não permanecemos muito tempo nele. Em frente à cama. Eu não entendo por que ela faz isto na escola” (sic). O pai permanecia em pé e a mãe sentada em uma poltrona. Predominava a cor verde-água. apenas suficiente para que Sílvia me mostrasse alguns brinquedos. Ele era um homem alto. disse ela. largou imediatamente a boneca. Todo o teto do quarto era de espelho. “Olha isto aqui”. CDs e fitas de vídeo. ao escutar a filham comentou: “Ah! Ela adora ficar lá” (sic). Voltamos para o quarto e. uma enorme estante embutida. vestido com sobriedade e tinha um semblante sério. novamente.bem equipado. possuía uma enorme banheira de hidromassagem redonda. minicozinha etc. Sobre o tampo de vidro de um deles. acomodava equipamentos eletrônicos: televisão. de fato. Francisco. Parecia ansiosa para me levar ao quarto de sua mãe: “Você tem que conhecer o quarto da minha mãe” (sic). A mãe. um criado-mudo de ferro preto com detalhes em dourado. em direção à sala de visitas. mulher e filha. Após a insistência da mãe e da filha. Enquanto isto. vídeo. Generosa ofereceu-nos um suco com bolo. também de ferro preto e com detalhes dourados. Sílvia pegou sua boneca. enquanto a mãe me levava ao escritório. bichinhos. Ao entrar. De cada lado. Sílvia parou de pular e disse: “Vem ver que aqui tem uma piscina” (sic). A mãe comentou: “Você já percebeu que aqui é o parque de diversões dela” (sic). entrou no quarto e chegando à porta do banheiro. vários controles remotos. Ambas. Imediatamente. Pai e filha saíram na frente. Sílvia saiu do seu quarto com uma boneca na mão. “Está ouvindo o barulho? É água” (sic). . bem-apessoado. Em seguida passamos por um hall de distribuição que fora transformado em sala íntima e entramos no quarto de Sílvia. o pai. Pude então reparar que entre as fitas de vídeo havia filmes pornográficos. Neste momento. Apresentou-me em seguida ao marido. Entramos no banheiro. que se repetiam em um barrado na parede. sobre uma alvenaria. Generosa justificou assim a nossa presença no banheiro do casal: “Você conhece a sua filha!” (sic). subiu na cama dos pais e começou a pular. sentei-me constrangida na beirada da cama. assim como uma parede lateral. No meio do quarto. ele perguntou: “Vocês estão aqui?” (sic). Depois de alguns minutos. Sílvia se balançava de maneira a chacoalhar o colchão de água. aparelho de som. estava entranhada no espaço habitado. Respondi que sim. que a queixa apresentada pela escola já se confirmava nas sessões lúdicas. mas que Sílvia não as assistia. sua esposa. pareceu preocupar-se. O seu movimento corporal no colchão. e dele exalava seus próprios odores e impregnava o espaço psíquico de Sílvia. uma vez que tinha acabado de conhecer o pai. um ambiente extremamente excitante e sexualizado que incitava este comportamento de sua filha. onde permanecemos brincando por algum tempo até que decidi encerrar a visita. Em seguida. retornei com Sílvia ao seu quarto. Enquanto lá estávamos. A partir da visita domiciliar. Sobre a probabilidade de a menina ver ou escutar o casal mantendo relações sexuais. pois perguntou se os comportamentos de sua filha poderiam estar correlacionados com aspectos do casal. sala de almoço — era toda clara e branca. insinuando determinada compreensão daquela família. encarnava a figura sóbria de um executivo. O que parecia insólito era a impossibilidade de sua mãe ver o que estava tão claro. Diante desta fala e da oportunidade de estar sozinha com a mãe. mais oculta — quarto e banheiro do casal — me mostrava outra dimensão familiar. acompanhado de atitudes de uma mocinha. enquanto a parte mais acessível da casa — sala. neste relato. O “parque de diversão” de Sílvia — como dito pela mãe — era um parque de diversão para adultos. . A questão a ser enfocada não era o relacionamento do casal em si. Enquanto o pai. optei por intervir. cozinha. Entretanto. pude entender que havia naquela família e na casa um jogo de aparências. e foi quando o convidei para comparecer à sessão com sua esposa. perdiam seus contornos e resvalavam em Sílvia. de modo similar. tendo em vista a idade e o acesso facilitado de Sílvia ao quarto e às fitas. Disse então a Generosa que retomaríamos o assunto na próxima sessão. que se mostrou curioso com o meu trabalho. Fomos interrompidas por Sílvia. e não para uma criança. que se mostrava mais contido. mais solta. mas como essa relação e essa forma de ser de ambos extrapolavam determinados limites. A mistura de papéis também apareceu na cena em que mãe e filha. recepcionaram o pai. era tão familiar às pessoas da casa que não lhes provocavam estranhamento. tentando confirmar a minha percepção. personificava certa licenciosidade. apontando-lhe que havia naquela casa. As produções de Sílvia revelavam explicitamente uma exacerbação de sua sexualidade. O beijo na boca. As pessoas da família também apresentavam este contraste. produzindo “efeitos colaterais”. Comentei sobre as fitas de vídeo. outra parte. somado àquele ambiente sexualizado. Generosa afirmou que de fato eram fitas pornográficas. a mãe negou enfaticamente. que veio nos chamar para comermos o bolo na sala de visitas. Por exemplo. É fácil perceber. perdia qualquer sinal de inocência. conversei com o pai. mais especificamente em seu quarto. A sexualidade não estava apenas nas pessoas. Insisti nesta possibilidade. acontecimentos associados a sentimentos. de forma geral. criam e recriam as trajetórias e a história de cada um. histórias. Penso que não apenas os objetos refletem uma história. acontecimentos que são indissociáveis desse espaço. A habitação. constituída por pessoas. portanto. tanto para quem o habita como para quem o observa. ora mais leves. o que produz uma configuração que provoca associações. essa ligação entre o espaço — mundo concreto — e a subjetividade — mundo abstrato — estabelece uma relação de similaridade entre eles. sim. épocas e concepções de mundo. As casas exalam odores próprios. estabelecendo uma via de mão dupla entre o mundo interior — eu — e o espaço exterior — mundo. alegrias. Esse mundo interno é projetado sobre os espaços e sobre os objetos. entre homens e casas algo se passa. Esses espaços cotidianos da vida são modelados e modificados de acordo com a imagem do mundo que cada um carrega dentro de si e que é. é uma marca de uma operação invisível que. Os movimentos. Essa dimensão simbólica da casa diz respeito ao tecido da própria vida. ela também é contada nos movimentos de seus habitantes. Ele acredita que a arquitetura tem a capacidade de revelar o que não é da ordem da aparência e nos tornar conscientes daquilo que se mantinha invisível aos nossos olhos. entretanto carregam em si um valor adicional. frivolidades e medos. experiências. Há uma relação afetiva. No espaço real. que ele denomina de competência. ora mais densos. associações vinculadas a experiências corporais primordiais. O que está visível. sabemos de antemão o que podemos encontrar. assim como no corpo. por sua vez. então. lugares. que é a possibilidade de abrigar significados. que é balizada por várias situações. O homem organiza sua vida nos espaços aos quais dá forma e sentido. além de contemplar um grupo familiar. Escapa-nos assim a complexidade daqueles espaços e a possibilidade de retirá-los do seu sentido mais comum. Ou seja. pode ser considerada a transformação do espaço em lugar. por mais diferentes que sejam. em um quarto ou em uma sala. Então. A casa. proveniente de sua apropriação como produção de sentido. contempla também seus animais. ritmos. coisas. um centro identitário. Quando entramos em uma cozinha. já caiu no esquecimento de seus autores. paixões. relacional e histórico. a lembranças de acontecimentos. Dentre todas as alterações que fui fazendo no decorrer da minha experiência profissional. . Um espaço físico banal pela familiaridade e obviedade com que geralmente o vemos. valores. se acumulam recordações e experiências que possuem caráter de sentimentos autênticos. Os passos também moldam os espaços e fazem história. ao ser produzida. positiva ou negativa. com seus sentimentos. Ela nos possibilita imaginar coisas a respeito das possíveis redes de significação que cada habitante associa e imprime em seus espaços cotidianos. Hertzberger (1996) afirma que todos os objetos têm funções próprias para as quais foram projetados. o destaque cabe à dimensão reveladora do espaço físico. de uma conjunção ímpar de elementos heterogêneos. Na organização racional do espaço da casa. outros tantos detalhes espalhados. pelos cantos. Penso que mesmo essa possibilidade revela algo da dinâmica pessoal ou familiar. enquanto o molusco é a vida cotidiana que a casca abriga e constrange. Mundo interno e externo se comunicam por todo o tempo. mesmo com todo este cenário preparado para o evento. faxinamos. Arrumamos. organizamos na intenção de sermos bem-vistos. É isto que permite afirmar que. É com essa lente que proponho olhar a casa. em sua singularidade. as lembranças como são guardadas. onde a casa é a materialidade fixa. Flagrar esse espaço-casa emergindo. seus “produtores”. marcas que estão impregnadas nas paredes. sentimos e as associações que nos despertam. mas. mas que também a compõe com a mesma importância. É claro que sabemos que no dia a dia nem sempre é assim. aqui e ali. a seu modo. se escondem as histórias singulares de seus moradores. O que está escrito na casa não há como . Se nós produzimos o espaço da casa e ele nos reflete. incluem também o que ouvimos. nos detalhes que. É comum nos prepararmos para receber uma visita. por sua vez. móveis e adornos da casa. […] dizer de uma casa aquilo que encontramos além ou aquém de suas configurações espaciais visíveis. vão se revelar: os objetos. […] se por um lado a casa é resultado dessa combinação de elementos tão díspares entre si. p. Flagrar subjetividades sendo produzidas nesse acontecimento doméstico específico (Brandão. a seu modo. de nos apresentarmos da maneira mais aprazível aos olhos dos outros e aos nossos. percebemos marcas daquele cotidiano. Acredito que o ambiente revela nosso modo de estar no mundo. de acolher o outro da melhor forma possível. 16). Esta situação também é frequente quando marco a visita na casa dos clientes. também somos “produzidos” por ele. A preocupação mais comum que geralmente surge é de que a família não se porte de maneira natural. somos impensáveis sem as casas que nos acolheram. enfim. revelam um modo de ser daquele que habita aquela casa. Ainda de acordo com Hertzberger (1996). Eles se preocupam em ajeitar a casa da melhor maneira que lhes é possível. engendrando-nos. nos coproduziram e seguem. estamos incluídos. 2002. o modo como são escolhidos e organizados. as casas produzem homens. nos quais nós. podendo criar até o que chamamos de situação artificial. A forma como organizamos nosso espaço externo está intimamente ligada com a nossa subjetividade. já que a presença do profissional pode acarretar uma situação artificial e atípica. de alguma forma. para podermos ampliar seus significados e compreender melhor os contextos que a constituem. diluindo a fronteira que separaria um do outro. Ela pode ser considerada à semelhança de uma ostra como a relação indissolúvel entre a casca e seu molusco. que se entrelaçam em uma composição que se abre para os olhos do psicólogo. as percepções do espaço não se restringem ao que vemos. /dez. dia após dia. p. n. COLACIQUE. S. MI-JOLLA-MELLOR. W. A. 2001. S. D. 6. 3. São Paulo: Perspectiva. P. n. In: CUYNET. 3.). 1996. jul. R. Le divan familial: la maison familiale. 19. Londres: Frances Lincoln. (Orgs.At home in the world. Lições de arquitetura. BRECHT. 1988. Referências bibliográficas ACKERMAN. P. n. Oct. Revue de Thérapie Familiale Psychanalytique. A.). The Journal of Analytical Psychology. G. v. 4. 3. W. 1999. In: CUYNET. M. Maison et parentalité: faire son nid. C. L. p. HILL. a maneira pela qual recebo o outro em minha casa é a mesma que o recebo dentro de mim. J. Bras. L. 31-41. space and architecture. n. naquele lugar.. 83-94. MAZZA. M. 1263-8. Winnicott na USP. F. DARDEN. 1966. n. p. W. 2. São Paulo: Lemos. In: CUYNET. 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A. M. Enfermagem. maio 1994. 8. p. PADILHA. São Paulo: Cortez. 287-92. 1966. J. 1. Conforme terminologia da autora. 2. Os nomes citados neste relato são fictícios visando à preservação da identidade dos clientes. Capítulo IX A importância da interdisciplinaridade no psicodiagnóstico infantil: a colaboração entre a Psiquiatria e a Psicologia Flávio José Gosling Rosana F. Tchirichian de Moura Introdução O objetivo principal deste capítulo é abordar a integração entre os olhares do psiquiatra e do psicólogo na busca de compreensão dos processos psíquicos. Partiremos da nossa prática clínica com a intenção de estabelecer uma conversa entre duas áreas de saber, a Psicologia e a Psiquiatria, no que se refere ao psicodiagnóstico interventivo. Sabemos que a relação entre Psicologia e Psiquiatria é frequente na prática clínica de muitos profissionais e instituições. Procuraremos abordar as especificidades de uma prática diagnóstica, visando mostrar ao longo do processo o estabelecimento de um diálogo colaborativo que permita um enlace entre essas áreas de conhecimento, e não uma sobreposição de olhares distintos. O psicodiagnóstico tem como objetivo explorar e organizar elementos da vida biológica, relacional e social de um indivíduo, visando a sua compreensão. É bastante utilizado na clínica infantil e a forma de atuação profissional, assim como as estratégias utilizadas para a avaliação, estão diretamente ligadas às bases teóricas em que está alicerçado o conhecimento da psicologia clínica. No âmbito da psicologia fenomenológico-existencial, o psicodiagnóstico é um processo interventivo e interativo que possibilita ao cliente uma ressignificação das suas experiências. Os significados que ele atribui às suas vivências e comportamentos e o contexto no qual está inserido são elementos imprescindíveis na construção da sua própria compreensão. Um conhecimento mais amplo a respeito do psicodiagnóstico interventivo pode ser encontrado em publicação anterior.[1] A Psiquiatria tem como objetivos descrever, classificar, tratar e prevenir os transtornos mentais. Enquanto especialidade médica, utiliza a técnica a serviço da arte de diagnosticar, tratar e curar (Bastos, 2003). O termo diagnóstico é bastante amplo, origina-se do grego e significa reconhecimento. Apoiado nesta ideia, Assumpção (2003), diz que diagnosticar, ou melhor, “reconhecer”, tem como finalidade a indicação de uma terapêutica. A formulação diagnóstica da criança, bem como as intervenções subsequentes, tem suas peculiaridades, uma vez que trata de um ser em desenvolvimento. É difícil reconhecer a psicologia da criança ou a sua patologia, e mesmo aplicar uma terapêutica, se o psiquiatra desconhece o meio conflitivo no qual ela vive, a sociedade em que se desenvolve e os problemas psicológicos dos pais, que lhe oferecem suas possibilidades de formação ou até mesmo deformação. A Psiquiatria Infantil está na encruzilhada de diversas disciplinas, da Pediatria, Psiquiatria Geral, Neurologia, Psicologia, Etologia, Pedagogia e Sociologia, formas de conhecimento com as quais, por vezes, se confunde (Ajuriaguerra, 1973). A experiência do psicodiagnóstico no Centro de Psicologia Aplicada da Unip Nos Centros de Psicologia Aplicada da Universidade Paulista (CPAs-Unip), o atendimento psicológico é realizado por alunos/estagiários, sob a orientação de um psicólogo/supervisor, e há também um médico psiquiatra que avalia, quando necessário, clientes que são atendidos nas diversas áreas do estágio, auxiliando a equipe e esclarecendo questões ligadas a diagnósticos e ao uso de medicações. O atendimento psicológico infantil frequentemente se inicia com o processo de psicodiagnóstico interventivo, que é realizado conjuntamente por estagiários, supervisor e cliente, uma vez que, como dito, trata-se de um trabalho colaborativo. Esta prática clínica está apoiada nos conceitos da fenomenologia, partindo da ideia de que “entender um indivíduo do ponto de vista psicológico implica conhecer os significados que atribui às suas experiências […] em seus muitos contextos, a partir das conexões feitas com o mundo” (Donatelli, 2005, p. 22). É um processo descritivo que visa à compreensão de um fenômeno, e não à descoberta de causas e à construção de um diagnóstico que possa rotular ou classificar os clientes. Em alguns casos, no entanto, o modo de funcionar da criança desperta dúvidas no psicólogo e aponta para a necessidade de uma interlocução com a Psiquiatria, para que se possa ampliar a compreensão do seu modo de estar no mundo e para avaliar as possibilidades de intervenção terapêutica. Para ilustrar como este trabalho é realizado, descreveremos duas experiências de atendimento que procedimento utilizado no psicodiagnóstico. atrasos no desenvolvimento. Os pais relataram que a gravidez foi planejada e sem inter-corrências. nem um detalhamento das intervenções que foram realizadas. o que requeria um trabalho específico para que fosse superada. uma descrição dos procedimentos utilizados nos processos de psicodiagnóstico. uma vez que nem a família nem a escola tinham uma compreensão dos comportamentos e dificuldades do garoto. sem noção de limites e com dificuldade para respeitar regras. Caio residia com os pais e dois irmãos. Portanto. paralelamente ao psicodiagnóstico. Não foi observada agitação motora importante ao longo dos atendimentos. havia. Os comportamentos destrutivos e negativos citados pelos pais também foram observados nos atendimentos. uma avaliação psicopedagógica. Caso I Caio é um garoto de 9 anos que foi encaminhado ao serviço de Psicologia pela escola onde cursava a 4a série (atual 5o ano) do ensino fundamental. considerou-se necessária uma investigação mais aprofundada do caso através do psicodiagnóstico. era ele quem ditava as regras e não respeitava os outros. focando principalmente na solicitação da consulta psiquiátrica e em sua repercussão nos processos de psicodiagnóstico interventivo. não havendo. pois fugiríamos do seu objetivo principal. neste capítulo. e suas brincadeiras com os colegas da escola também eram agressivas. Percebeu-se . apresentaremos um breve relato dos casos. a avaliação da dinâmica familiar evidenciou que a responsabilidade de impor limites a Caio ficava a cargo da mãe. Passou por avaliação neurológica. Apresentava dificuldades de aprendizagem e não fazia as tarefas escolares. Informaram que o garoto foi amamentado pela mãe até os 3 anos de idade e sempre teve dificuldade para dormir sozinho. uma preocupação com o seu comportamento agressivo em casa e na escola. Tendo em vista essa demanda. Em casa. através da qual se identificou uma defasagem significativa no aprendizado. foi realizada. Na visita à escola. uma vez que o pai não se colocava como uma autoridade para o filho. Tentou queimar o irmão com o ferro de passar roupa. confirmaram-se as informações dos pais relativas à aprendizagem e atitudes de Caio.revelam como a integração entre duas áreas de conhecimento pôde contribuir de forma significativa na construção da compreensão de crianças que foram atendidas nos serviços dos CPAs-Unip. No processo de psicodiagnóstico. Além das questões pedagógicas. que não evidenciou patologias nessa área. por parte dos pais e da escola. Tendo em vista suas dificuldades. Foi descrito como um menino inquieto que não conseguia permanecer muito tempo brincando e não aceitava a opinião das outras crianças. Não havia um acordo entre o casal em relação ao modo de lidar com a criança. Não cabe. Caio mostrou-se um garoto inteligente. um de 6 anos e outra de 22 anos. assim como frieza e satisfação quando relatava as suas atitudes agressivas com os irmãos e colegas. segundo eles. que é mostrar como ocorre a interlocução entre os profissionais nessa prática clínica e nessas instituições. mentir. foram discutidos com o psiquiatra. No entanto. Crianças com comportamento antissocial costumam roubar. assim como aqueles que se referiam às características do filho. Tratando-se de uma criança. se deviam à dificuldade de os pais exercerem efetivamente a autoridade. a interlocução entre os profissionais de diferentes áreas foi importante. Além de explicações biológicas. isto é. o que já estava sendo tratado com os pais nas entrevistas psicológicas foi aprofundado após a consulta psiquiátrica. pois ele investia sua energia em ações destrutivas. Isso implicou um posicionamento diferente em relação ao caso. Como já referido. Desde o início do processo de psicodiagnóstico. agredir fisicamente outros ou animais e destruir a propriedade alheia. como não aceitar limites e não respeitar regras. tendo em vista que não é possível diagnosticar transtornos de personalidade em crianças pelo fato de estarem em processo de desenvolvimento. principalmente. e também a ausência de culpa quando relatava o que havia feito. como o irmão. solicitada uma avaliação médica. que. a Psiquiatria constata a grande frequência de problemas familiares e sociais na história de vida dos jovens com essas alterações de conduta. Na Psiquiatria o transtorno de conduta é entendido como um distúrbio caracterizado por comportamento antissocial. ao ver a criança e conversar com os pais. pôde esclarecer que se tratava de um transtorno de conduta. A elaboração conjunta do processo diagnóstico permite discriminações e intervenções mais . 1996). Foi possível compreender que alguns comportamentos de Caio. considerou-se que Caio teria a possibilidade de descobrir outras formas de se relacionar com o mundo. Foi.também que seu estado emocional não favorecia o aproveitamento do seu potencial intelectual. fugir de casa. nomeação psicopatológica mais adequada para “psicopatia na infância”. Aspectos da dinâmica familiar puderam ser abordados. as condições do ambiente também são importantes para compreendermos o transtorno de conduta. ficou claro que não seria possível avaliar sua conduta como um transtorno de personalidade e. os pais foram muito colaboradores e abertos para refletir sobre o modo como se relacionavam com Caio. porque permitiu o estabelecimento de um pensamento mais amplo a respeito da criança e de seu funcionamento psicológico. porque não só confirmou uma alteração psicopatológica mas. Nesse caso. então. faltar à escola sem motivo. Nesse processo. iniciar brigas. Os aspectos até então observados pelos estagiários e supervisor no que se refere à criança e à dinâmica familiar. que colocavam em risco o outro. preocupavam as suas atitudes agressivas. portanto. formulando a hipótese de uma reação às adversidades encontradas no ambiente (Bordin. uma psicopatia. Eles puderam ter uma dimensão maior da responsabilidade da família em relação ao que estava acontecendo com o filho e da necessidade de receberem orientação psicológica. a psicoterapia foi indicada para a criança. pensar num diagnóstico conclusivo. o que levou estagiários e supervisor a levantarem a hipótese de uma alteração psicopatológica. Desse modo. de utilizar o seu potencial e ter um melhor desenvolvimento. elementos importantes de sua história que levavam à compreensão da sua dificuldade de aprendizagem. mas os pais não viram melhora significativa. além da construção de uma compreensão mais ampla de suas dificuldades e do encaminhamento mais apropriado ao caso. já havia sido atendido por uma fonoaudióloga. segundo a mãe. tinha nítidos problemas de dicção. Júlio apresentava dificuldades na coordenação motora global e fina. ter um contato pobre com a realidade. Do ponto de vista cognitivo. A percepção do próprio corpo era distorcida e apresentava movimentos involuntários dos membros superiores (balançava braços e mãos). ainda que os repertórios dos especialistas sejam distintos. e o relacionamento familiar pareceu harmonioso. Júlio sofrera hipoglicemia neonatal e mostrava atraso neuropsicomotor. sugerindo um atraso . buscaram atendimento psicológico encaminhados pela escola. um funcionamento regredido. não conseguia juntar sílabas e formar palavras. Nesse sentido. Ele reconhecia apenas algumas letras. Júlio morava com os pais e um irmão de 8 anos. Quando o fazia. e o controle do esfíncter vesical ocorreu por volta dos 4 anos de idade. assim como ele. uma atitude de retraimento com relação ao mundo. apresentava problemas de fala e. procuramos mostrar de que modo a troca entre os profissionais envolvidos na avaliação de Caio foi fundamental para a discriminação do tipo de alteração psicopatológica apresentada. um menino de 9 anos. não tinha definição da dominância lateral nem domínio corporal. Como não havia uma compreensão por parte dos pais e da escola a respeito das dificuldades de Júlio. que brincava sozinha e falava pouco. falha na recepção e organização da informação. foran sugeridas uma avaliação psicopedagógica e o psicodiagnóstico interventivo.apropriadas. seu parto foi demorado e problemático. O garoto começou a pronunciar algumas palavras aos 2 anos e a falar frases completas por volta dos 5 anos de idade. Caso II Os pais de Júlio. Andou aos 2 anos e meio. além de se sentir diferente. e ausência de controle dos impulsos motores. devido ao fato de seu filho apresentar dificuldades de aprendizagem. Não se relacionava com os demais colegas da sala. através de sua produção gráfica. por isso. Júlio era uma criança reservada. Os pais se mostraram comprometidos com o bem-estar de Júlio. Mostrou. contida. constataram-se déficit de atenção e memória. Segundo a descrição da professora. dificuldades. embora ela não soubesse especificar o problema ocorrido. mas ele ainda apresentava episódios de enurese. Sobre o seu desenvolvimento é importante destacar que ele teve hipoglicemia neonatal e. A sua capacidade de raciocínio geral mostrou-se abaixo da média esperada para crianças de sua idade. Isso o levava a criar um mundo próprio e a se relacionar com crianças que tinham. não interpretava o que lia e não retinha o que aprendia. quisemos transmitir uma atmosfera de trabalho na qual a interlocução entre psicólogos e psiquiatra vai além da solicitação de um diagnóstico médico e da prescrição de medicações. neste caso. A solicitação de uma avaliação psiquiátrica. na medida em que possibilitaram um diálogo entre o supervisor e estagiários com os pais. segundo ele. uma investigação nessa área era necessária. ele interagia com as pessoas. os esclarecimentos e a troca foram imprescindíveis tanto para o atendimento psicológico quanto para o psiquiátrico.cognitivo decorrente de problemas orgânicos. justificou-se pela necessidade de maior entendimento e discriminação entre quadros de autismo e deficiência mental. a ideia de autismo foi descartada pelo psiquiatra quando conheceu a criança. A interdisciplinaridade como prática colaborativa Através dos casos apresentados neste capítulo. os esclarecimentos promovidos pelo psiquiatra e a interlocução que ocorreu entre os profissionais favoreceram a continuidade do processo. pois. Ainda que a avaliação neurológica não tenha sido realizada durante o processo de psicodiagnóstico. os movimentos dos braços e pernas não sugeriam estereotipias próprias desse quadro e. não havia sido possível compreender o balançar de braços e mãos. O quadro clínico da criança indicava a possibilidade de uma disfunção neurológica. aspecto imprescindível para um diagnóstico diferencial. No caso de Júlio. o que poderia esclarecer os movimentos corporais. O termo interdisciplinaridade não tem um sentido único. Consideramos importante destacar que a possibilidade de discutir o caso antes e depois da consulta psiquiátrica é o que permite construir. Desejamos mostrar que é na abordagem colaborativa propriamente dita e no estabelecimento de uma relação horizontal entre profissionais que a interdisciplinaridade toma corpo. No processo de Júlio. assim como no de Caio. apesar de o seu contato com o mundo ser restrito. uma compreensão do cliente. Abriu-se um espaço maior para eles falarem sobre aquilo que até então não haviam abordado. movimentos que lembravam os de uma criança autista. com fundamentos clínicos mais consistentes a respeito das dificuldades e comportamentos de Júlio. No entanto. Foi também possível orientar os pais para a realização da avaliação neurológica e para que buscassem recursos com a intenção de promover o melhor desenvolvimento social e pedagógico de Júlio. embora julguemos que este seja um recurso central e muito importante em vários casos. supervisor e psiquiatra conversem antes da consulta sobre o motivo da solicitação e aspectos do caso. Essas autoras . Nos CPAs é habitual que estagiários. em conjunto. Para Vilela e Mendes (2003). Desse modo. são a atitude e o posicionamento do profissional que revelam o caráter interdisciplinar de sua prática. como as expectativas de que o filho pudesse aprender como a maioria das crianças de sua idade e as frustrações decorrentes da impossibilidade de isso ocorrer. da discussão da avaliação psiquiátrica. o que permite mudar e flexibilizar as posições. considerando o psiquiatra não como uma figura de autoridade. como diz Cupertino (1997). de forma que o psiquiatra passa a ser mais um participante na construção de uma compreensão das dificuldades e do modo de ser do cliente. o médico psiquiatra participa de diversas interlocuções. A compreensão da interdisciplinaridade como uma prática colaborativa remete a um dos eixos fundamentais do psicodiagnóstico interventivo: a construção conjunta da compreensão de um fenômeno. e a sua descrição médica se integra ao diagnóstico psicológico. partindo de pressupostos que combatem a noção de uma verdade absoluta. uma descrição mais detalhada da criança. para que a interdisciplinaridade ocorra. além de facilitar o diálogo com o cliente. é importante que o profissional esteja bem alicerçado em uma disciplina de domínio. dentre eles Anderson (1998). bem como ampliá-las. teorizam sobre práticas colaborativas. quando se trata de compreender as causas de sofrimento psíquico. superficialidade e que promovam costuras superficiais entre campos do saber. Essa interlocução é intensa. possibilita experienciar a interlocução com outro profissional que utiliza . Do ponto de vista acadêmico. No processo do psicodiagnóstico interventivo. Nas últimas décadas. Essa interlocução contribui de forma significativa para a ampliação do conhecimento da criança. A integração de saberes se sobrepõe à ideia de um saber supremo que ficaria sob o domínio da área de conhecimento de cada profissional. dos motivos da solicitação. do seu contexto escolar e social. A prática do psicodiagnóstico interventivo norteia as solicitações de uma avaliação psiquiátrica. Legname de Paulo (2006) ressalta que. todas as contribuições são relevantes e bem-vindas na medida em que o mundo mental é um constante desafio à compreensão. Assim. Os repertórios e descrições de cada profissional são mantidos. priorizam os espaços dialógicos e o enfoque dialógico conversacional. Além disso. fornecida pela equipe do serviço de psicologia. auxilia o psiquiatra na construção do seu raciocínio clínico. da repercussão para o cliente desse tipo de avaliação e da posição do estagiário diante dessa solicitação. das suas condições familiares. bem como o uso do vocabulário teórico e técnico de cada área. valorizar suas observações e compreensão. quando necessário.referem ainda que as equipes que adotaram a interdisciplinaridade em sua atividade profissional esbarram em várias dificuldades que vão se resolvendo à medida que o exercício do diálogo e do trabalho em equipe ocorrem. a experiência de interlocução leva o estagiário a elaborar um pensamento clínico. o modo como se deu o diálogo entre a equipe do serviço de psicologia e o médico psiquiatra reproduz a atitude proposta para o psicodiagnóstico interventivo. Nos casos relatados neste capítulo. Do mesmo modo. evitando atitudes que denotem desconhecimento. alguns autores. Isso remete ao fato de que contribuições e diálogos de diferentes áreas são intercambiáveis. mas como um profissional que favorece o raciocínio clínico através dos recursos médicos. consideramos que não há uma verdade única. levando em conta que um saber não se sobrepõe a outro. Contudo. A complexidade do mundo exige análises mais integradas. considera risco maior as disciplinas permanecerem isoladas. é necessário transcender e atravessar o conhecimento fragmentado. fruto do racionalismo da era moderna. Sublinhamos a importância de os profissionais que atuam em psicodiagnóstico contarem com uma interlocução interdisciplinar no processo de construção da compreensão do cliente. para enfrentá-los e. a ética e a responsabilidade são centrais nesse processo. mimeo). conduzindo a novos conhecimentos que não seriam possíveis se não fosse essa integração. Segundo Vilela e Mendes (2003). A interdisciplinaridade pode ser compreendida como a união de componentes distintos de duas ou mais disciplinas. Para Figueiredo. deixando de serem atravessadas por eles. De acordo com Figueiredo (s. uma vez que qualquer acontecimento humano apresenta diversas dimensões e que a realidade é multifacetada.um repertório advindo de outra área de saber. incorporá-los”. Na realização do psicodiagnóstico interventivo. então. pois “um saber interdisciplinar está sempre sujeito ao risco de descaracterizar pendendo unilateralmente para algum dos campos que o constituíram”. tanto ela deve estar aberta a subdivisões internas — as novas especialidades — como deve ser capaz de ajustar-se ao que se passa nas disciplinas afins. a interdisciplinaridade “jamais será uma posição cômoda e estável”. objetivamos possibilitar novas significações que permitam uma redescrição do que é feito individualmente pelos profissionais. “fechando-se aos outros saberes. nenhuma disciplina científica pode estar segura de que seus limites estão dados de uma vez por todas. as autoras consideram que a integração de disciplinas favorece a formação de profissionais mais preparados e comprometidos com a realidade social e com a sua transformação.d. Portanto. Referências bibliográficas . Contudo. o mundo contemporâneo defronta-se com vários desafios relacionados ao pensamento. ainda são poucas as experiências de programas curriculares integrados nas áreas de Saúde. O respeito. pois entendemos que esse diálogo permite a construção de algo novo e de um pensamento mais amplo. O mesmo autor chama atenção para o fato de que “toda ciência está sempre entre outras”. 1998). Ainda segundo as autoras. Ela ocorre. de alguma forma. Com repertórios distintos. quando essas disciplinas se integram e colaboram entre si (Sabbatini e Cardoso. que elabora domínios próximos. ao conhecimento fragmentado. mas a ele se integra. BORDIN. jun. São Paulo. Rev. 2005. F. v. v. jul. 1973.. ANCONA-LOPEZ. Notas para uma palestra. L. n. São Paulo. PEREIRA. O. p. Latino- Americana de Enfermagem. Compêndio de psiquiatria. Interdisciplinariedade e o estudo da mente. O. n. 2003. M. SABBATINI. H. 4. 2003. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan. 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Uma delas é relativa à devolução das informações psicodiagnósticas à criança. são as primeiras formas de literatura de que se tem notícia. possibilita uma constante reflexão sobre as questões que permeiam essa prática clínica. Capítulo X Metáfora e devolução: o livro de história no processo de psicodiagnóstico interventivo Elisabeth Becker Marizilda Fleury Donatelli Mary Dolores Ewerton Santiago I. Diversos autores com distintos enfoques teóricos reconhecem as narrativas como vitais para a evolução da humanidade e para a formação da identidade do ser humano. Existem diferenças e semelhanças entre as três formas de narrativas. . Os mitos e as fábulas são derivados dos contos. A experiência mostra que a devolução para os pais. na medida em que espelham conteúdos intrínsecos ao próprio ser. apresentando-a à criança sob a forma de livro de história infantil. fábulas e contos de fada têm sua origem em épocas remotas. por termos em comum a comunicação mediada por palavras. onde trabalhamos como supervisoras de estágio do curso de Psicologia. Introdução O atendimento de crianças na área de psicodiagnóstico no Centro de Psicologia Aplicada da Universidade Paulista. em geral. Com as crianças há dificuldades peculiares para transmitir e compartilhar a compreensão resultante do psicodiagnóstico. sugerimos construir uma narrativa sobre os aspectos mais relevantes observados no psicodiagnóstico. ou com deuses mitológicos. contracenam entre si. Segundo Souza (2003). o mito possui uma estrutura própria. Relatam situações do cotidiano. mas divergem quanto a seus propósitos. são histórias construídas por determinado autor e seu objetivo é transmitir uma ideia moral. pressupondo portanto um ato de fé (Souza. Os contos de fada. romanceadas. que também buscou dar sentido aos fenômenos inusitados. de onde podem ser extraídos paradigmas de comportamento social. de natureza espiritual ou sobrenatural. muitos desses relatos míticos perderam seu primitivo caráter sagrado. Desse modo. de origens remotas e caráter coletivo. de caráter individual. p. transmitindo um conhecimento. Em nível de narrativa. que carecem de explicação. mas sempre tida como verdadeira. humanos ou não. como . xxx). que pretende transmitir uma realidade não racional. 2003. colocando em foco as questões-limite da existência. inserindo-se neste. Seres irracionais e. diferentemente dos mitos. Para Souza […] a fábula costuma ser conceituada como uma breve narrativa alegórica. com base no bom-senso popular. p. também são criações bastante antigas. comportamentos. com princípio. a maneira de as pessoas se comportarem no dia a dia. meio e fim. fundamentada em questões espirituais e acontecimentos históricos. devido ao desaparecimento da noção de que todo o mito nasce (num determinado momento histórico-cultural) ligado às crenças de uma comunidade. paixões e sentimentos. ou com as pessoas. extremamente preciosa por seu caráter sagrado. interesses. um valor. p. possibilitando. “O mito designa […] uma ‘história verdadeira’ e. 7). ademais. A importância dos mitos enquanto narrativa foi focalizada por Eliade (1986). por sua vez. Com o passar dos séculos. que nem sempre podem ser focalizados explicitamente (2003. O que diferencia o mito da fábula é seu caráter coletivo e sua origem. desse modo. Nas palavras do autor citado: […] de acordo com o conceito mais generalizado. fantasiadas pela imaginação humana. os mitos não obedecem ao princípio da razão. Tais cenas simbolizam situações. Nela. independentemente de qualquer ligação com o sobrenatural. xxx e xxxi). que os considera uma forma de transmissão oral de conhecimentos relativos a uma cosmogonia. diluída no tempo e geralmente ligada ao sobrenatural. moralizante e didático. o mito e a fábula são narrativas que têm frequentemente uma origem anônima e popular. exemplar e significativo” (ibidem. até mesmo coisas e objetos. uma realidade não racional. Essas experiências foram dramatizadas. às vezes. Transmitem conhecimento sobre questões humanas universais. As fábulas. os personagens apresentam situações do dia a dia. constituindo-se em uma forma de transmissão de alguma experiência vital. ao homem conhecer sua origem e a origem do mundo. o mito é um tipo de narrativa alegórica e/ou simbólica. de modo geral (Oaklander. Nos contos de fada o mal e o bem existem. Gardner. Além disso. de algum modo. tal como temos feito em nossa prática clínica e usado como metáfora no psicodiagnóstico. e há um caráter moral em cada história. falando à criança muito mais que qualquer outro tipo de literatura. cabendo sempre a ela os julgamentos e. também domina os contos de fada (Bettelheim. Freud recorreu aos mitos de Édipo e de Narciso para explicar certos fenômenos psicológicos relativos ao desenvolvimento humano. os contos de fada trazem à luz comportamentos latentes e manifestos. Ao contrário. oferecem mensagens de desenvolvimento e encorajamento. Essas narrativas são úteis aos psicólogos tanto na compreensão do psiquismo quanto no atendimento a clientes. aproxima-se dos contos de fada em alguns aspectos e difere em outros. 1980. os contos de fada promovem a interiorização de certos valores. da sua história. 2003. e este também não é o propósito do livro de história. . a verdade é apresentada. seus objetivos contemplam as possibilidades criativas da criança. embora de forma metafórica.nascimento. 17). vida e morte. Outros autores descrevem os benefícios dos contos quando são utilizados como técnica nos processos psicoterapêuticos. Mas dado que a polarização domina a mente da criança. Com relação às diferenças. Gutfreind. p. não é omitida. Nos contos de fada. O caráter mágico dos contos de fada tem proximidade com o universo psíquico da criança. Assim. Quanto às semelhanças. Muitas crianças trazidas para um psicodiagnóstico têm histórias de vida trágica e estas farão parte do livro. analogias e imagens visuais que favorecem uma apreensão adequada às suas possibilidades de consciência. mas estão separados. ou o conhecimento de alguma situação peculiar ao existir humano. Para Bettelheim (1980). os contos de fada e o livro de história como devolutiva têm por objetivo a transmissão de algum conhecimento. Coelho. não raramente há a morte ou enfraquecimento de alguma figura parental e. 1993. principalmente. a criança é colocada em contato com essas questões-limite da existência. os contos de fada têm um caráter moral. na medida em que contempla a trajetória de vida e os conflitos da criança através de metáforas. 2003). de seus conflitos. nas palavras desse autor: As figuras dos contos de fadas não são ambivalentes — não são boas e más ao mesmo tempo. como o conhecimento de si. O livro de história elaborado com a finalidade de devolução diagnóstica à criança. 1980. Em ambos. o que não ocorre com o livro de história. bem como com outras batalhas que a aguardam no decorrer de sua vida. atingindo-o em suas diferentes nuances. como somos todos na realidade. as possíveis soluções para os conflitos centrais. Os contos de fada atingem diferentes camadas da psique e o livro de história também. possibilitando que ela entre em contato com suas lutas internas e problemas existenciais. contribuindo. o que permitiria explorar melhor as hipóteses levantadas e aumentar os seus possíveis efeitos terapêuticos. se as devoluções parciais são feitas ao longo do processo. ambas propuseram realizar devoluções parciais durante todo o processo psicodiagnóstico. o objetivo essencial da devolutiva deve ser. incluir aspectos acessíveis e aceitáveis ao ego do paciente do que fazer interpretações.II. contribuindo também para diminuir fantasias de doença. A devolutiva funciona. sobretudo da identidade latente do paciente. da técnica de devolução de informação psicodiagnóstica ao paciente. possibilitando perceber-se com critérios mais próximos da realidade. surgiram em nosso meio os primeiros trabalhos sistematizados acerca dos fundamentos teóricos. ao término do processo. Ocampo e Arzeno (1974. Esta autora. com menos distorções idealizadoras ou depreciativas. como outros. como mecanismo de reintrojeção. Para essas autoras. Vale lembrar a complexidade dessa tarefa. Fundamentos da devolução psicodiagnóstica Há três décadas. e é necessária para que o paciente possa integrar aspectos de sua identidade que estão dissociados. sinaliza que um único momento devolutivo. De acordo com elas. não seja necessário comunicar algo novo e que a entrevista de encerramento se destine mais a resumir tudo o que foi visto e despedir-se do paciente. talvez não seja o modo mais adequado para que isso seja obtido. Considerando a importância desse tipo de trabalho. junto a Friedenthal (1976). enriquecedores e adaptativos. desse modo. p. tanto aqueles desvalorizados e temidos. auxiliar o paciente a realizar uma integração psíquica daqueles aspectos de sua personalidade que estão dissociados. considerando-se as peculiaridades do desenvolvimento da criança. portanto. para a preservação de sua identidade. Se isto é conseguido. o conceito de devolução está baseado na ideia de projeção e posterior reintrojeção de aspectos que o paciente revelou durante o processo psicodiagnóstico. ao final deste. nessas devoluções. 402) consideram “recomendável utilizar o material de testes. A técnica de devolução e suas possibilidades Quanto à questão de como realizar a devolução. III. a devolução terá para ele um caráter terapêutico. Isso é possível na medida em que o paciente pode resgatar aspectos próprios que ele depositou no psicólogo durante o processo. Tais trabalhos foram desenvolvidos na Argentina por Ocampo e Arzeno (1974). incurabilidade e loucura. pode ocorrer que. no qual geralmente aparece condensado ou expressado . entretanto. Também para Verthelyi (1989). Argumentam ser mais apropriado. Assim. portanto. a devolução é realizada em uma ou duas entrevistas no final do processo psicodiagnóstico. IV. fazendo uso de uma linguagem simples e apropriada à criança para que ela possa compreender nossa comunicação. Considerando que contar histórias é um dos modos favoritos de as crianças se comunicarem e que elas gostam tanto de contá-las como de escutá-las. bem como focalizado a questão de que esse processo pode e deve ter um caráter terapêutico. podem ser o material mais adequado para mostrar ao paciente aspectos de si mesmo observáveis em sua produção. de aparente aceitação de tudo que lhe era dito. trabalhando em uma concepção de psicodiagnóstico interventivo. mostrou-se limitada quanto às possibilidades de contribuir efetivamente para que ela pudesse integrar alguns aspectos de seu próprio funcionamento psíquico. assim como de obter uma compreensão daquelas situações familiares. defesas. propondo-a para crianças de . desejos e maneira de se relacionar com o ambiente de modo geral. encontramos referências ao uso de histórias como forma de interpretação na psicoterapia de crianças. Estas dificuldades vivenciadas nos levaram a pesquisar a possibilidade de utilizar novos procedimentos que se mostrassem mais eficazes no sentido de alcançarmos nossos objetivos no encerramento do psicodiagnóstico interventivo da criança. Santiago (2001) comenta que a utilização de material de técnicas projetivas. o que inclui retomar a relação estabelecida com o psicólogo. por exemplo. Como supervisoras de psicodiagnóstico e psicólogas clínicas. Uma análise cuidadosa da totalidade do material permitirá privilegiar aqueles aspectos revelados cuja temática seja mais facilmente reconhecível pelo sujeito e cujos conteúdos estejam mais próximos de sua consciência. Em um trabalho anterior. a fim de facilitar a sua assimilação. para quem as técnicas projetivas. também temos utilizado devoluções parciais durante todo o processo. Opinião semelhante tem Verthelyi (1989). escolares ou sociais que estavam relacionadas à manifestação de seus sintomas. eram observadas reações de desinteresse ou atitudes passivas. como o CAT-A. bem como de seus conflitos. até expressões diretas de intolerância à devolução que lhe estava sendo dada. enquanto mediador na devolução à criança. Na literatura pesquisada. Frequentemente. Gardner criou a “técnica de relato mútuo de histórias”. podendo despedir-se dele e da situação de um atendimento de uma forma mais autônoma e integrada do que quando se iniciou o processo.plasticamente o que podemos dizer” começando sempre pelos aspectos mais adaptativos para depois abordar aqueles que são menos adaptativos. especialmente os testes gráficos e os relatos. Tais objetivos seriam possibilitar à criança apropriar-se da própria história. tentando impedir o psicólogo de prosseguir na sua comunicação. O uso de histórias na psicoterapia de crianças Um trabalho pioneiro sobre o uso de histórias em psicoterapia para comunicar à criança o significado psicodinâmico de seus sintomas foi realizado por Gardner (1993). imaginar” (Gutfreind. 146). No Brasil. Depois. Gutfreind assume como sendo extremamente relevantes as múltiplas alternativas de leituras e atribuição de significados à história. as interpretações são recebidas pelo inconsciente da criança. a autora faz um amplo uso de histórias: conta. esse autor considera a narrativa de uma história uma forma lúdica de expressão compatível com a vida mental da criança. junto a estes. Gutfreind (2003) propõe a utilização de contos no processo psicoterapêutico. o psicoterapeuta tem mais chance de ser escutado quando fala a linguagem própria da criança — a linguagem da alegoria. escreve. é elemento importante para que a criança introjete a intervenção sem se sentir invadida” (idem ibidem. 12). ainda. ouvir e imaginar. pois para ele “oferecer histórias a uma criança é promover um programa eficiente de saúde mental” (idem ibidem. apreender seu tema psicodinâmico. 2003. pelos pais. Nesta técnica. “Contar e ouvir. em seus termos. aos de Gardner. lê. Também no Brasil foi publicado um interessante e extenso trabalho em que. aliando pesquisa à atividade clínica de analista de crianças. Com esta técnica. mas introduzindo soluções de conflitos mais saudáveis do que aquelas originalmente propostas pela criança. E contando e ouvindo entrar em interação com o outro e. registra as no gravador e aparelho de vídeo para serem posteriormente vistas pela criança. . a partir desses conteúdos e dessa troca. não havendo confrontações diretas que suscitem ansiedade. O uso de histórias na psicoterapia de crianças também é relatado por Oaklander (1980). Os objetivos da utilização desta técnica se assemelham. Os resultados a que o autor chegou em sua pesquisa mostraram a diminuição ou desaparecimento do sintoma. então. pensar. em alguns aspectos. “por favorecer o aparecimento do espaço transicional. tomando-a como uma projeção. p. o psicoterapeuta estimula a criança a criar uma história.5 a 11 anos. sendo isso mais relevante que a necessidade de investigação das teorias subjacentes. Safra (1984) pesquisou um método de consulta que se utiliza das histórias infantis como meio de intervenção. Para este autor. constrói uma história que revela uma compreensão dos problemas da criança e que deve ser lida para ela. p. construir-se como ser humano capaz de ter uma identidade (feito uma personagem). o terapeuta obtém um conhecimento da criança através de um contato com ela na hora de jogo e do uma entrevista com os pais. durante certo tempo. bonecos e. p. Baseando- se nas concepções da Gestalt e tendo como objetivo ajudar a criança a tomar consciência de si mesma e de sua existência no mundo. 10). estimula a criação de histórias através de figuras. contar o conto é o aspecto essencial. de sentir. Para esse autor. que. Nesta proposta. De orientação teórica winnicottiana. na medida em que estas remetem a criança a um mundo de infinitas possibilidades de contar. formula e narra outra história para a criança com as mesmas características presentes na dela. 2003). 2002. 1989. relatou-nos suas experiências com a criação de poemas. músicas e cartas como possibilidades de informações psicodiagnósticas transmitidas a crianças e adolescentes. Donatelli. Dessa forma. interesse e atenção durante a leitura (até nas crianças muito agitadas). desde o início. 2001. transformando-se assim em um co-assessor do psicólogo com quem desenvolve um trabalho interventivo contextualizado e compartilhado. Para essa autora. 2001. disponibilidade para interagir na situação. Santiago. Consideramos que o livro de história é o resultado da compreensão de todo o trabalho realizado no psicodiagnóstico. 2001a.[1] Nesta ocasião.. bem como a expressão dos sentimentos envolvidos. 2001. por meio de seu texto sobre psicodiagnóstico e em trabalho desenvolvido com supervisores de estágio na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Supomos que. partindo de um enfoque existencial. o que confere particular importância no modo como são transmitidas pelo psicólogo as compreensões advindas de um psicodiagnóstico. Seguiram-se várias outras apresentações de trabalhos e publicações sobre essa proposta realizadas por esse grupo de supervisores (Becker. o cliente é um participante informado e.. querer compartilhar a história . embora ainda estejam presentes nas devolutivas com as crianças as alternativas mais tradicionais de usar os brinquedos. como essa autora. entre as quais o livro de história tem sido o melhor expoente. é possível dar a ela um entendimento melhor de seu problema. Pudemos observar diferentes reações das crianças durante e após a apresentação do livro de história: reconhecimento de que a história dizia respeito a ela. desse modo. 2001b. Em nossa experiência. Ele contém aspectos significativos do desenvolvimento da criança e de suas relações com o meio em que vive. a criação de uma história devolutiva exclusiva para a criança permite-lhe uma vivência psicológica também única. assim como uma compreensão de seus sintomas. a importância de oferecer à criança alternativas. a pessoa a nos inspirar e incentivar para desenvolvêssemos essa nova técnica para devolutivas infantis. assumimos. Utilizando recursos analógicos propiciados pelas identificações com personagens.. Em suas publicações anteriores. Fischer (1970. incluindo também seus recursos para lidar com as dificuldades apresentadas. 1999). contextualizando-o em sua história familiar e pessoal. bem como os estímulos à atividade expressiva gráfica e verbal das técnicas projetivas. Mas foi Constance Fischer. Becker et al. envolvido em papel ativo. 1994) expôs sua proposta de um psicodiagnóstico centrado na vida. psicóloga norte-americana. A utilização do livro de história como procedimento devolutivo no psicodiagnóstico interventivo de crianças As referências à utilização de narrativa de história como encerramento do processo psicodiagnóstico interventivo de crianças aparecem em nosso meio inicialmente como trabalho (pôster) apresentado em um encontro de supervisores de clínicas-escola (Becker. a criança parece obter uma percepção do seu sintoma. Santiago et al.V. 2002. Santiago et al. pássaros e peixes como personagens para famílias migrantes. No Brasil. Dessa compreensão e apropriação resulta um “encontro” da criança com o trabalho do psicólogo de forma mais intensa do que já vinha ocorrendo durante o processo. é fundamental que o livro de história traduza: □ a história de vida (familiar e da criança). pedir aos pais insistentemente a releitura da narrativa ou. ela se aproprie mais das analogias. Sendo assim. em uma linguagem acessível à sua compreensão. entretanto é muito importante que a criança tenha a chance de expressar sua própria solução final quanto ao encaminhamento dado. “esquecê-la” até um momento de retomada. • A história e os personagens devem ser escolhidos em função das afinidades e analogias com os conteúdos evidenciados no psicodiagnóstico. burros. com avós. parecendo favorecer e fortalecer o estabelecimento de uma área de intersecção entre estes e o psicólogo. • O final da história ainda é um tema controverso. suas dificuldades e recursos internos. às possibilidades de pesquisa quanto . gradativamente.com a professora. □ a busca de atendimento e a relação com o psicólogo. Consideramos que a elaboração do livro de histórias como devolutiva supõe alguns elementos norteadores: • O livro de histórias é uma metáfora que expressa a compreensão do psicodiagnóstico. Supomos também que o trabalho de elaboração psíquica pode prosseguir após o encerramento do psicodiagnóstico. veados. Por exemplo. necessária à continuidade do trabalho. a devolutiva dada através do livro de história tem se mostrado mais do que a etapa final de um processo de psicodiagnóstico. □ a explicitação dos sentimentos do personagem de identificação. visto que o livro é entregue a ela no final do processo e o texto e as gravuras podem servir de estímulos para que. Deve-se dar especial atenção ao emprego de personagens que têm. guardá-la. Ela remete. com colegas. sentidos conotativos. É uma síntese que contempla a história vital da criança e suas vivências durante o psicodiagnóstico. entre outras. • Quanto ao conteúdo formal. Este procedimento tem se mostrado satisfatório em termos das reações das crianças e comentários dos pais ou responsáveis no encerramento do processo psicodiagnóstico interventivo ou início da psicoterapia. □ o sintoma. visitas etc. ao contrário. culturalmente. pulgas e macaquinhos como personagens para crianças com condutas hiperativas. testes. □ a integração dos diferentes aspectos observados através da hora de jogo. urubus e gatos pretos podem ligar-se a sentidos pejorativos. Maria nasceu saudável. O nome dos clientes.ao seu caráter terapêutico. Investe muita energia nisto. o que a faz dispersar-se das tarefas escolares. estabelecendo relações cordiais e afetivas com as pessoas. Ficou muito revoltado. Para ilustrar essa prática. O desenvolvimento de Maria deu-se sem nenhuma intercorrência. Apesar de tudo. mas nota que seus esforços são insuficientes. fato que gerou muitos temores e preocupações no âmbito familiar. Procura agradá-la no sentido de suprir a lacuna deixada pela morte do pai. Os pais casaram-se e em seguida adotaram a primeira criança. Foi neste momento que a mãe engravidou de Maria. também biológico. adequada percepção visual e coordenação têmporo-espacial. de aproximadamente 3 anos. tratou-se e melhorou um pouco. A vida familiar mudou. desamparada e insegura. A família teve que reorganizar sua vida. entretanto. É extrovertida. Todos os filhos foram desejados. o pai diminuiu um pouco a bebida. do sexo feminino. Ela foi encaminhada pela escola com a queixa de falta de atenção e dificuldade de aprendizagem. Durante o processo psicodiagnóstico foi possível perceber que Maria é uma garota inteligente. assim como alguns dados. com recursos para resolver problemas do cotidiano. a gravidez de Maria tenha ocorrido num período tumultuado de sua vida. e os conflitos entre o casal tornaram-se rotina. comparando-se ao outro com a finalidade de assegurar-se de que suas produções são melhores que as de seus colegas. o quarto de sexo masculino. que foi muito bem recebida por eles. Percebe que sua mãe ainda lamenta a ausência do marido e sente-se culpada por isso. recusou qualquer tipo de tratamento e passou a beber. algum tempo depois faleceu. que chamaremos de Maria. Trata-se de uma menina de 8 anos de idade. sociável. sendo que seu contato com a menina deu-se por um curto período de tempo. Contudo. relatamos a seguir um resumo do atendimento em Psicodiagnóstico Interventivo com o respectivo livro de história. é insegura. embora. Sente-se insatisfeita com aquilo que faz e busca compensação de suas insatisfações comparando e desqualificando o trabalho de seus colegas. Isto faz com que se sinta ainda mais ansiosa. bastante competitiva. foram modificados para preservar suas identidades. denotando boa capacidade de abstração e generalização de conceitos. que era a cliente em questão. sendo a primeira filha adotiva. Os dados colhidos sobre a história de vida da criança mostravam que a família era constituída pela mãe e cinco filhos. e a última. às especificidades das histórias em função do momento evolutivo da criança e às ressonâncias na família. Apresenta boa coordenação viso- motora fina. Durante o psicodiagnóstico foi trabalhado com a mãe o fato de que o luto pela perda do . a segunda e a terceira do sexo feminino e biológicas. É capaz de reter informações oferecidas pelo ambiente. segundo a mãe. A mãe comentou que ela e o marido viviam bem e em perfeita harmonia até o momento em que ele soube que tinha uma doença grave. denotando pouca atenção/ concentração. A menina. essa peixinha se chamava NANI. Também foram feitas intervenções no sentido de que Maria precisava de mais atenção e estímulo. No final do processo. sendo encaminhada para psicoterapia infantil. embora isto tivesse acontecido havia bastante tempo. precisava ser vista e atendida em suas necessidades. como se tivesse nascido da barriguinha da mamãe Fifi. mas foi decidido em comum acordo que Maria deveria continuar o atendimento. A seguir mostramos algumas das situações que foram focalizadas no livro de história. . a adoção da primeira filha.companheiro ainda era vivido pela família. Logo que se casaram. a doença do pai e a sua morte. Nani foi tratada pelo casal com muito amor. uma peixinha ainda pequena foi morar com eles. tanto a mãe quanto a criança tinham tido algum progresso. . Sua tristeza foi tanta que Lino começou a procurar algas distantes que possuíam um néctar especial que o faziam esquecer disso.Acontece que quando todos estavam comemorando. Depois de tomar esse néctar. papai Lino começou a se sentir fraco. tão fraco que sabia que a qualquer momento poderia ser levado por uma correnteza mais forte. papai Lino voltava para casa irritado e brigava com a mamãe Fifi. Unimep- Piracicaba. PRIKA ainda era pequena quando chegou uma correnteza mais forte e levou embora o papai Lino. ______. Pôster. mas a tristeza ainda é grande no coral dos peixinhos. In: CONGRESSO DE PSICOLOGIA CLÍNICA. Contando histórias para crianças: uma aproximação entre a prática do psicodiagnóstico e a psicoterapia breve. E. Já faz tempo que isso aconteceu. 7. que já não tinha mais força para nadar. In: ENCONTRO ESTADUAL DE CLÍNICAS-ESCOLA. as histórias e a sua história: Uma especificidade da devolução no psicodiagnóstico interventivo. São Paulo. Programas e resumos. 1999.. 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Capítulo XI A elaboração de relatos de atendimento em psicodiagnóstico interventivo: sua importância na formação do aluno-estagiário Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti Lionela Ravera Sardelli Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo Regina Célia Ciriano Introdução O ensino da produção de documentos escritos referentes à atuação do psicólogo nas mais variadas áreas tem sido uma preocupação das instituições formadoras como faculdades e institutos de Psicologia. . isto é. assumindo espaço importante na formação e no exercício profissional”. devendo-se levar em conta o que será colocado nos laudos e relatórios. Assim é que os psicólogos também têm sido obrigados a rever suas formas de realização de tais documentos e de como serão utilizados os dados ali contidos. Sabemos que há uma exigência cada vez maior sobre a organização dessas informações. para que supervisor e aluno-estagiário possam juntos acompanhar as competências que estão sendo desenvolvidas. dando ênfase ao registro documental e aos prontuários. É importante que o aluno desde o início do curso de Psicologia tenha contato e/ou experiência de . Ressaltamos que a elaboração de laudos e relatos para o prontuário e para o registro documental do paciente como instrumentos técnicos. Alguns aspectos sobre a produção de documentos escritos no campo da Psicologia Pensar o psicodiagnóstico interventivo nos obriga a entender o projeto de formação acadêmica no qual se insere. isto é. prontuários seriam a dimensão organizadora da técnica. mas sim o que permeia essa experiência. Munhoz. cujo objetivo é desenvolver no aluno a integração dos conhecimentos. Portanto. não é o foco deste capítulo. em nosso caso. importante parte do processo de aprendizagem vivenciado. embora complexa. Damião e Gomes (1999) reconhecem o psicodiagnóstico enquanto disciplina. pois. Entendemos que não se pode desvincular o psicodiagnóstico do processo de formação como um todo. no encontro das descobertas que se dão na relação. a ética envolvida no contexto da relação usuários/clientes/pacientes e a produção de documentos sobre a experiência clínica no serviço-escola. Quelho. a partir da própria vivência dentro do estágio supervisionado. relatos. além da responsabilidade técnica sobre o que ocorre num atendimento e sobre o que é relatado sobre o paciente pelo estagiário. estabelecer alguns dispositivos norteadores para o aprimoramento teórico e técnico do processo de ensino-aprendizagem de seus alunos que inclua a forma de relatar o acompanhamento aos casos clínicos acompanhados dentro do psicodiagnóstico interventivo infantil grupal. Também não há como dissociar a prática psicológica da ética profissional. este capítulo utiliza-se da experiência de um grupo de psicólogos-supervisores[1] de uma clínica-escola do interior do estado de São Paulo para. os processos que são acionados para esse fim. assim como também não podemos dissociá-lo da ética envolvida nessa prática. Consideramos que o psicólogo-supervisor ocupa um lugar importante na formação do aluno- estagiário. Nosso objetivo é alinhavar a experiência da construção desse laudo técnico. como um dos alicerces do curso de Psicologia. Assim. especialmente. também se constitui como modelo e referência para este. unindo a isto a reflexão sobre a experiência de ensino e aprendizagem. tanto pelo aluno-estagiário como pelo psicólogo-supervisor. Laudos. não podemos desconsiderar o papel e a responsabilidade do supervisor neste processo. devendo-se visar sempre ao bem-estar biopsicossocial dos sujeitos envolvidos. 2009). em conformidade ao estabelecido pelo Ministério da Saúde. exame psíquico. relatando sobre o encaminhamento. Sobre o prontuário e registro documental Para melhor resultado na padronização e sistematização das atividades dos psicólogos. Visualizar o aluno como estagiário é pensá-lo também envolvido na produção de documentos e relatórios comprobatórios de sua experiência no estágio. políticas e culturais. 7). o armazenamento individual e em local específico do registro de dados e informações fornecidas por aquele que vier a fazer uso de serviços psicológicos. Destaca-se que este arquivamento é subdividido em duas partes: prontuário e registro documental. dinâmicas. limitando-se a fornecer somente as informações necessárias relacionadas à demanda. o prognóstico e evolução do caso. como determinado pelo Manual de Elaboração de Documentos do CFP (Resolução n. suas determinações históricas. O manual ainda destaca como finalidade deste laudo: […] apresentar os procedimentos e conclusões gerados pelo processo da avaliação psicológica. observação. sociais. O prontuário. consubstanciado em referencial técnico-filosófico e cientifico adotado pelo psicólogo (Conselho Federal de Psicologia. p. 2013). orientação e sugestão de projeto terapêutico. intervenção verbal). pesquisadas no processo de avaliação psicológica. 001/2009 (CFP. solicitação de acompanhamento psicológico. Como todo documento. o diagnóstico. as intervenções. testes psicológicos. 7). As determinações do CFP. caso necessário. solicitação ou petição (Conselho Federal de Psicologia. 001/2009 (CFP. pontos discutidos a seguir. 007/2003) […] descrição de situações e/ou condições psicológicas. à luz de um instrumental técnico (entrevistas. a partir de 2009. cuja finalidade dentro de um processo de avaliação psicológica é a produção de um laudo psicológico. prescrevem a diferenciação entre prontuário e registro documental. 2013. 2013. deve ser subsidiado em dados colhidos e analisados. é visto como um conjunto de documentos padronizados e ordenados nos quais são registrados os cuidados profissionais prestados . bem como. passou a ser previsto pela Resolução CFP n. inclusive daqueles que atuam nos serviços-escola e em campos de estágio. Resolução n.relatar/descrever observações e experimentos desenvolvidos num conjunto de disciplinas que antecedem o estágio em Psicodiagnóstico e o preparam para a experiência do relato de atendimentos clínicos. p. de livre acesso ao paciente e/ou seu representante legal. Entendemos que este prontuário e o resumo do atendimento ali contido devem expressar informações com objetividade e clareza. sendo sua confecção e organização obrigação e responsabilidade do psicólogo. além do registro da data de emissão. 001/2009 citada (CFP. correção e responsabilidade do psicólogo-supervisor. de forma sintética. de modo a permitir o conhecimento do caso e seu acompanhamento. não sendo de cunho interpretativo. não se referindo à melhora do quadro apresentado pelo paciente. enquanto o pai mostrou-se tranquilo durante toda entrevista. No artigo 2o da Resolução CFP n. do andamento do processo do atendimento psicológico. 001/2009. registro da evolução dos atendimentos. se emocionou. trata da descrição pontual do acompanhamento semanal realizado e. como ilustra o trecho que segue: Data (xx/xx/xxxx) Segunda entrevista com pais: realização de entrevista de anamnese. é feito com orientação. de maneira resumida. observar. quando informaram. ao abordar o nascimento da criança. avaliação de demanda e definição dos objetivos do trabalho. bem como usar uma linguagem acessível ao paciente ou ao interessado para explicar o que. não foram observadas dificuldades aparentes no desenvolvimento da criança e em suas relações. avaliação da demanda. segundo encontro com os pais. 1-2). cópia de outros documentos produzidos pelo psicólogo para o usuário/instituição do serviço de psicologia prestado. sendo este um equívoco frequente. É importante ressaltar que a mãe. a história de vida de seu filho. além de oferecer documentos comprobatórios da experiência clínica vivida entre paciente e psicólogo. são apontadas as informações que devem ser registradas no prontuário pelo psicólogo. as etapas pelas quais passaram os processos de acolher. finalidade e destinatário.ao paciente. que deverá ser arquivada. registro de encaminhamento ou encerramento. o tema central trabalhado e o resumo da compreensão minimamente elaborada. citado pela Resolução n. Por este roteiro de anamnese. como identificação do paciente. bem como os procedimentos técnico-científicos adotados. de modo que tanto o psicólogo como o paciente e sua família possam reconhecer naquilo que foi descrito. Esse item deve incluir. definição dos objetivos do . refletir. 2009. atestando o atendimento psicológico realizado a uma pessoa ou a uma instituição. compreender e intervir. Entendemos que o objetivo do item “evolução” no prontuário do paciente é o de refletir o ocorrido na relação. em conjunto com ele. como: […] identificação do usuário/instituição. a técnica utilizada. Nas instituições de ensino de Psicologia. portanto. se trabalhou e se concluiu durante o atendimento psicológico. Consideramos importante salientar que o item “registro da evolução dos atendimentos”. p. O prontuário. de forma clara. de acesso exclusivo desse profissional. Cabe aqui pontuar que entre as diversas funções do supervisor de estágio em psicodiagnóstico interventivo. o registro documental se compõe dos relatos de cada sessão realizada. os requisitos de direito do cidadão. pois garante aos usuários os seus direitos. com suas respectivas análises clínicas. neste caso. como o de ter explicitado de maneira concreta. estes feitos ao final do acompanhamento psicológico. dos relatórios conclusivos sobre o caso e das decisões sobre o encaminhamento. p. Ao mesmo tempo. assim. como forma anotações de natureza mais técnica para uso nas análises clínicas com embasamentos teóricos. que. 2009. devendo estar atualizado. no que concerne à elaboração do Prontuário. uma delas é a de fazer anotações nos relatos apresentados por seus estagiários de . o conjunto de relatos das sessões e os registros detalhados dos atendimentos. documentos estritamente técnicos resultantes de aplicação de instrumentos de avaliação psicológica e de análises clínicas. deverão ser arquivados em pasta de acesso exclusivo do psicólogo. Ao contrário do prontuário. sendo que sua confecção. um saber sobre si mesmo. tem um uso acadêmico. dando-lhe poderes como cidadão usuário do serviço psicológico na medida em que detém. 2009). 001/2009 (CFP. obrigou o profissional psicólogo a rever constantemente a forma que realiza seus registros.trabalho psicológico e apontamentos referentes à evolução. escrita e redação fazem parte da formação do aluno-estagiário. Tais relatos possibilitam ao supervisor avaliar em parte o estagiário. preenche. estão contidos no registro documental. de ordem confidencial. constituindo-se no registro documental. entre outros requisitos exigidos pelo estágio. No estágio em Psicodiagnóstico Interventivo. enquanto desenvolve no profissional um comprometimento e preocupação maior com seu exercício profissional. clara e organizada os pareceres e saberes técnicos sobre os fatos de natureza psicológica relatados. doravante. Esta mudança trouxe maior legitimidade e transparência aos processos e a entendemos como um ganho para a profissão. bem como observações detalhadas resultantes de tratamentos psicológicos. determinando que. nem sempre existiu. servindo também para discussão na supervisão clínica. por prerrogativa. Lembremos que o prontuário. de forma elaborada e cientificamente fundamentada. com sua confecção. O artigo 2o da Resolução citada (CFP. como documento de livre acesso ao paciente. bem formado e informado. A supervisão em grupo desse material permite que cada aluno aprenda com a experiência do outro. A Resolução CFP n. deu ao usuário este direito: o de poder obter livremente os dados sobre ele ali contidos. algum tipo de apontamento sobre o caso. sempre existiu para o acompanhamento e estudo próprios do psicólogo. 2-3) veio regulamentar a existência de tais registros. que é realizada em grupo. Assim. orientando a prática dos estagiários e fornecendo os conhecimentos necessários para a atuação clínica”. Archanjo e cols. [A eles] são atribuídas as responsabilidades de planejar as supervisões. correções e apontamentos que julgue necessários para a facilitação da aprendizagem técnica e teórica. Ancona-Lopez (2002. levando-se em conta que todo fenômeno clínico nunca é totalmente passível de descrição. . Assim.orientações. então. na construção dos registros documentais no psicodiagnóstico interventivo infantil. formar profissionais competentes. relatar uma sessão é um desafio tanto para o aluno-estagiário como para o supervisor. como também representam uma forma de esse aluno ser acompanhado em seu estágio. p. levando em conta a abordagem teórica e o raciocínio clínico utilizados nesse tipo de procedimento. codificação e descodificação do conhecimento. procurando mais elucidar e compreender do que classificar. para que o supervisionado tenha o mínimo de experiência e competência para a livre prática profissional. 2005. tem sido uma preocupação orientar o aluno-estagiário a construir uma forma de relatar que reflita. Para complementar. Assim. os relatos de sessões feitos pelos estagiários no Psicodiagnóstico Interventivo. revelam um processo de aprendizagem que se dá no entrelaçamento da experiência ocorrida entre aluno-estagiário. 77). 88) apontam os supervisores como: […] responsáveis pelo conteúdo prático do psicodiagnóstico. procurando oferecer informações. o psicólogo supervisor deve ser incluído no setting do atendimento com a finalidade de “acompanhar os atendimentos realizados e zelar pela saúde psíquica dos clientes e. paciente e supervisor. Entendemos. uma vez que a supervisão fornece uma orientação formalizada para suprir as necessidades de formação dos alunos. em nossa vivência nesse processo. como chegou ao conhecimento sobre o ocorrido. queremos salientar que a compreensão do caso é construída durante o processo e vivência clínica. que neste processo ocorre um estado permanente de construção e desconstrução. costumamos realizar relatos de cada atendimento ocorrido junto ao paciente e a sua família. enquanto professores. (1998 apud Freitas e Noronha. p. é importante ressaltar que. ao menos em parte. contidos no registro documental. Observa-se que tais registros são valiosos para o processo de aprendizagem do aluno- estagiário. Da supervisão e sobre a discussão dos relatos Em nossa experiência de ensinar o psicodiagnóstico interventivo. Com isso. Por isso. De acordo com a configuração proposta por M. esse atendimento faz parte de uma configuração mais ampla que inclui: • a recepção do aluno-estagiário e a preparação do atendimento. assim. Neste sentido. que é a presença do supervisor no momento do atendimento em grupo. preservando o compromisso com o usuário do serviço e contribuindo. A experiência de discutir em supervisão antes de o aluno elaborar seu relato tem se mostrado extremamente proveitosa. quando serão corrigidos pelo supervisor. Também auxilia a avaliação de conhecimentos previamente adquiridos pelo aluno em etapas anteriores de sua forma. esse psicólogo-supervisor poderá ensinar. • o atendimento propriamente dito. mas também a partir dos estudos e escritos que ele mesmo produz e que estão contidos no registro . isto é. tornando-se ímpar. já que está diretamente inserido no campo de atendimento. Esses aspectos devem ser levados em conta na elaboração do relato feito pelo aluno-estagiário. que tal presença pode causar impacto e incômodo no aluno-estagiário. A ênfase se dá no atendimento grupal e participativo como potencializador de novas significações e explorações subjetivas e possibilidades de a tríade cliente. assim. cuja presença modifica desde o atendimento até a produção dos relatos. Esta peculiaridade da presença do supervisor nas várias etapas do processo tem se revelado facilitadora e organizadora da aprendizagem do aluno e da redação posterior do relato da sessão. que dura cerca de 30 minutos. que serão entregues pelo aluno-estagiário em próximo encontro. Por se dar em grupo. Assim. inibindo-o em sua conduta não somente de relatar como também de atuar dentro do atendimento. No entanto. • a discussão e supervisão do atendimento. acompanhar e avaliar o aluno na busca por uma melhor qualidade do atendimento. realizada pelo aluno. Esta configuração diferencia o estágio em Psicodiagnóstico Inter-ventivo de outras propostas de estágio em psicodiagnóstico. De outro lado. facilita o acesso à forma de descrição e à compreensão dos fatos e dos fenômenos psicológicos ocorridos. cabe ao supervisor desfazer fantasias persecutórias. que dura em torno de 75 minutos. bem como sua disposição para pesquisa atual pertinente ao tema acompanhado nesse momento. do ponto de vista do supervisor. aluno-estagiário e do professor- supervisor chegarem a uma compreensão conjunta do fenômeno que queriam entender. seguindo-se. que dura 60 minutos. tal configuração. dependendo do ocorrido a cada encontro. para o desenrolar do processo. ele precisa apreender o processo diagnóstico interventivo grupal por meio do atendimento realizado. uma vez que introduz o supervisor nas várias etapas.existe um desafio a mais. avaliamos. Além do mais. o desenvolvimento do psicodiagnóstico interventivo está intimamente ligado às características das pessoas que compõem o grupo. não ingenuamente. outra etapa pedagógica. dirigindo-o para a percepção de que estas experiências fazem parte do processo de ensino- aprendizagem. para a confecção de relatos semanais e laudo. sendo os conhecimentos e estudos sobre entrevistas e desenvolvimento humano os norteadores dos relatos e das reflexões clínicas nesses procedimentos específicos. Ancona-Lopez (2002). Tais norteadores estão apoiados nas bases teóricas que direcionam o olhar e a percepção clínica do caso. Considerações a respeito dos relatos da primeira entrevista. o da realização de entrevistas psicológicas. Sobre os relatos de entrevistas Os primeiros relatos a serem produzidos são os referentes às primeiras entrevistas clínicas. destacando que. deve haver a convergência dos vários pontos de entendimento realizados pela tríade citada. focaremos o que consideramos importante para o aluno-estagiário filtrar em sua experiência junto ao paciente e. da hora de jogo e do uso de teste A partir deste momento. para isso. A seguir. nessa produção. o da hora de jogo diagnóstica e o da aplicação de testes psicológicos. para quem: . utilizamos referenciais que possam auxiliar nos seus relatos e reflexões. não perdendo de vista o ser da relação. a saber. Longe da pretensão de serem considerados como modelos. faremos algumas considerações sobre os relatos no psicodiagnóstico interventivo. Ao mesmo tempo. p. criamos dispositivos norteadores da redação de relatos a partir das necessidades advindas da realidade docente na qual estamos inseridos. Devemos levar em conta que tais dispositivos não refletem as necessidades que contemplam toda e qualquer experiência clínica. cuja função é orientar a ação de relatar e de construir o conhecimento. Nesse sentido. mas estão localizados dentro de um fluxo no processo do psicodiagnóstico interventivo já proposto por M. atendo- nos mais especificamente a três contextos.documental. como discutido em outros capítulo deste livro. levando em conta que outros procedimentos já foram discutidos anteriormente neste livro. sem deixar de dar espaço para o aluno se desenvolver por meio de suas próprias descobertas. a saber. Trabalhamos com o conceito de Tavares (2000. as realizadas com pais no início do processo diagnóstico grupal: a entrevista inicial semidirigida e a entrevista de anamnese. facilitam o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias à experiência clínica do psicodiagnóstico interventivo infantil. 45). costumamos oferecer aos nossos alunos-estagiários dispositivos norteadores. relacionais ou sistêmicos — indivíduo. ao reconhecer a interação entre sintomas. bem como os relatos da história do casal. Então. De modo geral. Podem ser explicitados no relato os sentimentos dos pais em relação à queixa e às mudanças ocorridas na vida familiar. em uma relação profissional. Nos relatos sobre entrevista. o aluno-estagiário poderá discorrer sobre o motivo da consulta explicitado pelos pais. é importante dizer de que forma receberam a proposta de atendimento em psicodiagnóstico interventivo. Um primeiro tópico a ser abordado no relato das entrevistas é como os pais chegaram até a instituição — apenas um dos pais. salientamos aos nossos alunos-estagiários a importância de observar determinados pontos que são comumente citados por alguns autores de referência. sinais e aspectos do funcionamento psicodinâmicos. se são solícitos. em especial na vida do casal. da concepção. com o objetivo de descrever e avaliar aspectos pessoais. A entrevista clínica é um conjunto de técnicas de investigação. amplia suas condições de compreensão. 2011). dirigido por um entrevistador treinado. uma vez que ela tende a buscar uma posição no mundo a partir do que supõe que o discurso familiar lhe pede (Santoro. Bleger (1993) e o já citado Tavares (2000). do . ou só a mãe. a atenção ao discurso da família sobre a criança revela a expressão de uma concepção de sintoma que é precedida por uma rede significante que lhe dá um lugar no mundo mediante o desejo dos pais. como Arzeno (1995). a partir das quais se torna possível relacionar eventos e experiências. não podemos reduzir a visão que temos da criança apenas ao manifestado pelo desejo ou queixa de seus pais. estabelecer conclusões e tomar decisões. família. o que merece ser mais bem investigado. a partir da ocorrência das dificuldades relatadas. dos pais com os filhos e entre os irmãos. tornando suas intervenções mais adequadas. da gestação. se mostram cooperação ou se estão resistentes ou retraídos. em que momento o equilíbrio familiar se rompeu e a família resolveu buscar ajuda psicológica. casal. de tempo delimitado. rede social — em um processo que visa a fazer recomendações. o que pressupõe o levantamento de informações. ressaltando-se suas reações à forma de trabalho e ao contrato grupal. Dessa forma. É importante destacarem os vínculos relacionais contidos na dinâmica familiar: detalhes do relacionamento dos pais entre si. bem como da família no contexto social mais amplo. avó ou responsável —. encaminhamentos ou propor algum tipo de intervenção em benefício das pessoas entrevistadas. Para Tavares (2000). suas queixas em relação à criança. sendo que a ausência de um deles pode ter um significado. […] A investigação possibilita alcançar os objetivos primordiais da entrevista. suas dificuldades e conflitos e como os pais veem os fatos. Devem ser relatadas suas atitudes. Também. que utiliza conhecimentos psicológicos. Os antecedentes familiares. o entrevistador. que são descrever e avaliar. fazer inferências. as reações à entrada na escola ou creche. cultural e religiosa da família. Deve-se destacar se houve alguma defasagem ou problema em seu desenvolvimento inicial. já que nenhuma situação clínica ocorre sem prerrogativas específicas do momento relacional ali vivido. dando a ideia de que a . Posteriormente a isso. O relato pode conter também as ideias e fantasias dos pais sobre a personalidade e temperamento da criança. pode conter dados sobre os aspectos socioeconômicos. psicólogos. mesclando a ela também alguns pontos relativos às técnicas do atendimento grupal infantil. da amamentação e do primeiro ano de vida. tem sido largamente explorada. que lugar ocupa em seu contexto e como se adaptou ao meio desde seu nascimento. a vida social. Assim.parto. poderão ser destacadas ainda as evidências sobre a existência de recursos para mudanças. Aberastury (1992) apresenta a hora de jogo diagnóstica como um momento em que a criança vai trazer até nós. bem como sobre as expectativas de solução encontradas no discurso dos pais. Sua relevância teórica e técnica. se realizam por meio da técnica de hora jogo diagnóstica. se apresentou doenças ou sintomas significativos. seu sono. Numa perspectiva mais ampla. podendo também conter a exposição de fatos próprios do encontro que se dá nesse campo relacional. como professores-supervisores solicitamos aos alunos-estagiários os relatos dos primeiros contatos com as crianças. que. Sobre os relatos de hora de jogo diagnóstica Num outro momento. bem como suas esperanças de suplantá-los. como enfrentou as frustrações inerentes aos momentos iniciais da vida. como reagiu ao desmame e à volta da mãe ao trabalho. um segundo norteador para a realização dos relatos são os conhecimentos e estudos sobre a hora de jogo diagnóstica. desde seu uso delimitado por Aberastury (1992). seu desenvolvimento intelectual. podem ser relatados os dados coletados sobre o desenvolvimento da criança a partir do primeiro ano de vida. por exemplo. no contexto do psicodiagnóstico interventivo. com o objetivo de investigar as fantasias trazidas pelas crianças em seu primeiro contato com o terapeuta. suas dificuldades e conflitos. sua alimentação. Tais norteadores. sendo utilizada e desenvolvida por outros autores. sua saúde. Ao final. A hora de jogo diagnóstica é um dos procedimentos mais significativos para o psicodiagnóstico infantil. são de extrema importância para a compreensão do que a criança representa para a família. destacando se há sinais de possíveis aspectos psicopatológicos a serem investigados. numa descrição dos fatos em ordem cronológica: a evolução do aspecto motor. até o momento atual. não deverão pressupor uma narrativa rígida. sua “fantasia inconsciente de enfermidade e de cura”. no entanto. a progressão da fala. porém. no psicodiagnóstico interventivo infantil. para que possa expressar. sendo atendidas. com o tempo. a experiência observada e vivida junto ao grupo e à criança acompanhada.criança sabe que passa por conflitos. a teoria anteriormente aprendida e a técnica agora experimentada. buscando analisar o nível de aprendizagem da técnica alcançado e a apreensão da teoria subjacente a seu uso. o que foi ressaltado por Efron et al. Aparentemente. por meio de suas pesquisas e estudos espontâneos sobre o tema dentro da proposta delimitada pela abordagem fenomenológica-existencial oferecida no psicodiagnóstico interventivo. com o tempo o aluno-estagiário ganha habilidade para a realização dessas duas funções. bem como das condições criadas pelo estagiário para utilizá-las. de forma clara e minuciosa. desenvolvendo. isso seria um agravante para a aprendizagem. Ao ensinarmos o psicodiagnóstico interventivo. de alguns pontos de compreensão da psicologia psicodinâmica. tornando-se ferramentas indispensáveis à construção do relato da sessão. normalmente. temos solicitado aos alunos o relato da hora de jogo. em número de quatro a seis crianças. sendo responsáveis por cada uma delas uma dupla de alunos-estagiários. (1995) e Aberastury (1992). sendo esperado que seja capaz de discorrer sobre: . sendo-lhe oferecida uma caixa de brinquedos variados e material gráfico. Essa dupla teria como função observar simultaneamente a dinâmica grupal — portanto. crianças de ambos os sexos e de idade similares. as fantasias subjacentes às dificuldades e sintomas pelos quais veio procurar o atendimento juntamente com sua família. por meio do jogo livre e espontâneo. supervisores. Nessa hora. na mesma sala e no mesmo horário. é importante que relate de forma clara e muito detalhada cada movimento. entre um acontecimento e outro. Na hora de jogo. como já elucidava Klein (1932) em seus estudos sobre a técnica do livre brincar. compreendendo que uma é complementar à outra. gesto e atitude das crianças. Acrescente-se aí a capacidade de o aluno buscar novos recursos teóricos. pinçando o que é importante enquanto realiza suas próprias associações. entre falas e desenhos livres. formando uma costura crítica e reflexiva entre a experiência clínica vivida. a hora de jogo é realizada em grupo. o brincar em grupo — e o brincar individual da criança acompanhada por eles. Temos que verificar a capacidade de o estagiário observar e detectar aspectos relevantes contidos no brincar espontâneo. nós. a criança é deixada livre para brincar. bem como à construção do conhecimento sobre o caso. aceita e colabora com o atendimento psicológico. enriquecendo ainda mais suas condições e capacidade de discussão do caso com a utilização. a capacidade de fazer ligações de sentido entre um brincar e outro. nas discussões. o que acarreta uma complexidade a mais para a função de observar e coletar informações. Ressaltamos que. Levamos em conta as condições de o aluno-estagiário descrever. que tais conflitos são de natureza especial e de que ela compreende. bem como o comportamento no caminho para a sala de atendimento junto ao estagiário. o que dá indícios de estarmos ou não no caminho adequado de compreensão. por outro lado. Nesse sentido. II. as lideranças estabelecidas. I. a forma de atendimento que será realizada e como o grupo e. deve-se perceber que lugar o outro ocupa em seu jogo particular. então. as intervenções realizadas e a reação das crianças a elas. III. As condições de organização das fantasias mostram também os recursos intelectuais da criança. relatar a observação sobre como escolheram seus brinquedos na caixa lúdica e exatamente o que fizeram em cada brincadeira escolhida. IV. se parece curioso ou temeroso da nova experiência. manter a função terapêutica de pensar sobre o que ocorre nesse brincar. o que exige daquele que observa o brincar a condição de. se conversa ou permanece em silêncio. as características do brincar individual apresentado pela criança especificamente acompanhada pela dupla e seu conflito num âmbito individual. Os relatos devem referir-se desde quando as crianças são chamadas. adentrar ao mundo da fantasia infantil e. percebendo os interjogos nos relacionamentos. observando-se a existência e a qualidade das transferências em relação aos outros participantes do grupo. sua reação na sala de espera ao despedir-se de seus pais ou acompanhantes. a experiência de observar a dinâmica grupal. curiosidade prazerosa. a criança acompanhada pela dupla reagiram: se fizeram observações. em parte. o que já nos permite levantar algumas hipóteses sobre as fantasias vividas no espaço do brincar. que tipo de vínculo é capaz de realizar e como escolhe seus pares. se mostraram interesse. interjeições ou mesmo do brincar explicitado imediatamente após sua realização. Outro dado importante é se preferiram brincar em grupo ou solitariamente. dentro de sua história e contexto. descrevendo como estruturaram seu brincar. o papel ocupado por cada criança. a experiência de observação do livre brincar como forma de comunicação do conflito. O relato deve conter dados de seu vínculo com a equipe técnica e como estabelece a ligação com o próprio processo do psicodiagnóstico. que remete àquele que brinca a um espaço especial que não é a realidade propriamente dita. o sigilo terapêutico. dependendo das respostas. a coesão na consecução dos objetivos grupais e o conflito apresentado de forma coletiva. se permaneceram estagnados e se assim ficaram e por quanto tempo. que uso faz do outro como objeto de relação. se têm condições de tolerar a convivência grupal ou se evitam se frustrar ao contato com as diferenças impetradas pela presença do outro. em especial. se foram reticentes ou denotaram liberdade de agir e brincar. se solicitaram mais informações. bem como a forma como lidam com a realidade. A partir daí. as identificações realizadas. relatar como foram dadas as explicações sobre o processo ali vivido. Pode-se. . oferecendo maior possibilidade de discussão de seus significados. aparentemente sem nada fazer. O relato deve conter detalhes de cada etapa do brincar ou do desenhar. poderá solicitar a divisão da sessão. Para isso. narrando o comportamento da criança acompanhada pela dupla de estagiários. e. pois tudo o que ocorre tem um sentido. de forma concomitante. deve-se notar a capacidade de o aluno-estagiário interligar situações e fatos observados à teoria e à técnica de hora de jogo. Na fase de discussão teórico-clínica dos dados. . Sobre o uso do teste psicológico Como já se sabe. verificar o uso adequado de bibliografia complementar espontaneamente pesquisada por ele sobre esse tema. assim como buscar informações relacionadas ao desenvolvimento. no nosso caso. podendo-se utilizar o ocorrido na dinâmica grupal como complemento para a compreensão clínica. separando-a em: a) Relato do ocorrido na dinâmica grupal. pois certamente quem brinca com uma boneca ou quem chuta uma bola o faz de forma especial e diferente de qualquer outro. segundo Freitas e Noronha (2005. como peculiar do processo de avaliação devido à possibilidade de obter dados sobre a pessoa em questão. o objetivo e a finalidade. ou seja. o psicodiagnóstico compreende várias etapas. sociais. É importante destacar que o máximo de detalhes descritos será necessário à boa análise dos fatos observados. 88). cujo fim é colaborar com o diagnóstico que contempla outras técnicas além dos testes (Araujo. dentre estas é possível considerar a administração dos testes psicológicos. A escolha das estratégias e dos instrumentos dentro de um processo de avaliação psicológica é feita sempre de acordo com o referencial teórico. portanto. a fim de conhecer sua história mais detalhadamente. sendo impossível se generalizar tanto a forma de esses acontecimentos ocorrerem. Deve ser fiel ao ocorrido em ordem cronológica. a descrição do que ocorreu horizontalmente no grupo como um todo e do que ocorreu verticalmente. b) Relato sobre o caso acompanhado. às relações familiares. Tal momento é caracterizado. 2007. na análise clínica. Devem-se evitar generalizações como: “Ela brincou o tempo todo com a boneca” ou “Ele ficou a sessão toda jogando bola”. sendo que a análise clínica ficaria restrita mais à descrição do ocorrido com o caso em estudo da dupla de estagiários. ainda. p. quando necessário. aos aspectos profissionais. técnica e experiência clínica. notando-se suas condições de interligar de modo reflexivo e crítico teoria. à escolaridade. realizando. é clínica. ou mesmo do estar em silêncio. se o supervisor assim o desejar. entre outros. 42). e como é enfatizado por tais diretrizes. como o HTP. demonstram uso equivocado desses instrumentos. p. ou seja. ou seja. o uso dos testes psicológicos e o modo como a análise dos seus resultados são apresentados seguem os indicadores que os próprios instrumentos propõem em seu Manual. Conselho Federal de Psicologia — Avaliação psicológica: diretrizes na regulamentação da profissão. se assim o for. já é outra coisa que foge ao que o instrumento propõe a investigar. Villemor-Amaral (2012) reforça que a utilização de uma técnica de avaliação psicológica requer a compreensão tanto dos fundamentos que embasam as condições das conclusões extraídas dos resultados quanto a verificação de sua comprovação científica que determina a validade do procedimento e justifica seu uso. Assim. Entendemos que. Como já pontuado. ou. o fazer uso de teste psicométrico reduzindo-o a uma situação para estimulação. O compromisso com o processo de ensino-aprendizagem segue um continuum para além das disciplinas cujos planos de ensino contemplam técnicas e exames psicológicos. pautados nos princípios éticos que norteiam a prática profissional. pois. Como pontuado pelas diretrizes contidas na regulamentação da profissão (CFP. ainda. Desta forma. evitando a submissão de nosso cliente a uma bateria de teste indevidamente. Guzzo e Pasquali (2001. para se alcançar o status de um “teste psicológico” percorreu-se um “[…] processo de criação. deve-se questionar se terá a função de responder a alguma pergunta relacionada ao caso clínico. o teste será adotado desde que realmente tenha alguma contribuição a oferecer. Deste modo. porque seus desenhos são ricos como estímulos que remetem a situações familiares vividas pelas pessoas em geral. o conhecimento previamente adquirido é experimentado no estágio de Psicodiagnóstico em sua prática. 2010. p. 155) chamam a atenção para a importância e a qualidade das informações fornecidas pelo psicólogo no processo de uma avaliação psicológica. buscamos conciliar o processo de ensino-aprendizagem desses procedimentos e a futura prática profissional do aluno. validação e aprovação […]. O processo de validação requer a articulação do construto às operações do teste e a demonstração da relação do teste aos aspectos relevantes do psiquismo das pessoas”. mesmo que se tenha cuidado desta condição. p. concordamos que a maneira como os instrumentos são usados pelo psicólogo na avaliação psicológica é de importância fundamental para que a área seja vista como profissional e cientificamente responsável perante a sociedade (CFP. quando se pensa na adoção de qualquer instrumento de avaliação. 42). através do laudo . 2005). é na supervisão clínica que se constrói um espaço em que esse processo ensino- aprendizagem sedimenta-se e as reflexões produzidas a partir das discussões do caso clínico acompanhado vai abrindo a possibilidade de pensar também no uso ou não das técnicas que temos à disposição. 2010. por exemplo. pois consideramos incoerente o ensino e a adoção de qualquer técnica de investigação psicológica com outra intenção diferente que não aquela do instrumento.Ocampo. a adoção de um teste projetivo. Pautados nesses referenciais. especialmente pelo tempo despendido e pelo desgaste que qualquer situação investigativa provoca. assim como Azevedo (2002). ele procura responder a algumas perguntas relacionadas ao motivo que a trouxe até ali. a falta de outros estagiários e das outras crianças provocarão questionamentos. adequando a linguagem e o vocabulário às condições da criança. por conta deste “fazer específico”. É imprescindível que seja dito para a criança o que está acontecendo. nosso enquadre é grupal e. Pensando em colaborar com o processo psicodiagnóstico a partir do uso de teste e da comunicação dos seus resultados. durante e após a realização de uma sessão para a qual se optou pela aplicação de uma técnica. notamos também que. pareando inclusive o modo como este instrumento é construído como expressão de sua “competência profissional”. Geralmente. poderá ser confundido como um simples encontro para brincar. é possível indagá-la sobre tal motivo e conhecer um pouco mais de sua . em especial para este último. oportuniza em parte o resgate do enquadre anteriormente realizado. esta deverá ser informada sobre o que será realizado: possivelmente. como também parece colaborar com o aluno- estagiário. Assim. dando conta das mais variadas informações. 2005). Considerando a ocorrência de encontros anteriores com a criança. Detendo-nos ainda no aspecto do que pode ocorrer “antes. contribuindo para sua compreensão em relação à queixa. podendo ser oferecidas novas informações. além de estar envolvido na brincadeira. o cuidado é essencial: como se sabe. durante e após” de uma aplicação de teste. e que servisse para o relato de tal sessão. é sugerido que o aluno-estagiário busque esclarecer a criança de que naquele momento será realizada uma atividade para conhecê-la melhor e. Comunicar o que será feito é fundamental para a manutenção da aliança de trabalho. o atendimento poderá ser individual.psicológico. parece que se reorganiza à medida que consegue ajudar a criança a fazer o reconhecimento deste espaço clínico mais próximo do real — afinal não se trata apenas do brincar. com um processo psicoterápico infantil. que acrescentados a este processo maior de investigação possam torná-lo significativo. mas não é suficiente. facilmente. o que estamos percebendo ou o que vamos fazer e. Deve-se esclarecer qual a atividade a ser realizada e sua finalidade. um teste. além dos instrumentos de medidas. Nesse momento. assim. devendo coletar e observar. o processo de psicodiagnóstico. Esta comunicação deve ser oferecida. a estranheza da sala e do horário. envolve diferentes técnicas cujos resultados colaboram para a compreensão de toda a investigação (Freitas e Noronha. Esse momento parece ajudar a criança a ressituar-se na clínica-escola. melhorando a sua comunicação em um espaço que agora é tomado por um nível de ansiedade mais atenuado em relação ao início do atendimento. que deve desempenhar muitas tarefas como futuro psicólogo. Ressaltam a necessidade de os profissionais estarem em constante aprimoramento para a atuação na área de avaliação psicológica. em especial um teste projetivo. o que em parte é verdade. (re)apropriando-se do motivo que a levou até ali. Notamos que o momento de aplicação de uma técnica específica. buscamos trabalhar o levantamento de dispositivos antes. que. Técnica utilizada: neste ponto. a seguir apontamos apenas sugestões. para que nossos alunos cuidem das informações que devem ser observadas e que possam colaborar com a análise do material produzido na sessão. cabe aos estagiários iniciar a atividade. Reconhecendo as dificuldades pertinentes à tarefa de construir um relato da aplicação de teste. assim como as condições do espaço físico e sua organização. ao caso acompanhado. durante e após” a aplicação propriamente dita do teste. que devem incluir o nome da dupla de alunos-estagiários e do psicólogo-supervisor. deverá informar no que o teste poderá colaborar para a compreensão do caso que acompanha. caberá ao aluno-estagiário definir. e especificamente. levando em conta todas essas reflexões. 4. Descrição da aplicação: são incluídos aqui pontos relacionados ao “antes. já que as outras crianças e estagiários estão ausentes. podendo ocorrer o fracasso da aplicação. seguido de uma explanação dos pontos a serem valorizados nesse processo de construção do relato: 1. conforme o Quadro 1 adiante. Objetivo da técnica e sua justificativa para o uso: nesse ponto deverá esclarecer o objetivo da técnica de forma geral. 3. A partir desse ponto. número de prontuário. considerando inclusive a hora de início e fim. buscou-se trabalhar com uma divisão de sete itens.percepção a esse respeito. qual hipótese justifica seu uso. emitindo as instruções de acordo com o manual do teste. data de aplicação e o nome dos relatores. mas corre-se o risco de servirem a outro propósito quando a resposta for negativa. pois o aplicador despreparado terá dificuldades em contornar a situação. como as projetivas. assim como toda a conduta restante. como do tipo: “Você gosta de desenhar?”. Essas indagações podem servir para enriquecer o rapport. Entendemos que a autora pontuou um aspecto importante aplicável a todas as técnicas. Com o material do teste em mãos devidamente revisado. reações . que incluem somente as iniciais de seu nome. É importante chamar a atenção para perguntas delicadas do aluno-estagiário relacionadas à técnica utilizada. “Você gosta de contar histórias?”. sexo. com a sala organizada e adequada para receber o examinando e realizar a aplicação. os relatos de como ocorreu a aplicação do teste e de como se chegou à avaliação dos resultados podem ter início. Dados de identificação: são os dados sobre o examinando. Villemor-Amaral (2012) ressalta o cuidado de evitar qualquer informação que dê falsa noção daquilo que a técnica avalia ou que induza a certo tipo de resposta. a disposição do examinando a se submeter a tal atividade. marcos norteadores. 2. Assim. reações comportamentais e verbais do examinando quando se depara com uma atividade individual. ou seja. segundo o Manual. principalmente às menos estruturadas. devem constar o nome do responsável e grau de parentesco). a técnica por ele adotada. idade (quando menor de 18 anos. Tais condutas deverão ser seguidas até o final da aplicação. trata- se de um item trabalhoso. Deverá ser registrada também toda a observação quanto às reações após instruções. Quadro 1. histórias produzidas. idades etc. após correção pelo supervisor. gestos no decorrer da produção. os testes já trazem em sua composição folhas de registros ou protocolos a serem preenchidos. Portanto. se é organizado. capacidade de compreensão das instruções do teste. Levantamento dos dados interpretativos e síntese interpretativa: pressupomos aqui que houve a leitura minuciosa do Manual do teste pelo estagiário. observar a ocorrência de pausas e/ou silêncios. daquelas que foram colhidas através das entrevistas e de outras técnicas e atividades adotadas no decorrer do processo psicodiagnóstico. É importante ressaltar que este material deverá estar devidamente preenchido. a ele é sugerido que pratique esse preenchimento antes de registrá-lo oficialmente. protocolo de interpretação (HTP). quando se retoma a queixa. na qual buscaremos conciliar os aspectos relevantes contidos no resultado do teste em geral. no caso da aplicação de um instrumento de avaliação padronizado. se é flexível e colaborativo com relação à aplicação do teste propriamente dito. E. Referências bibliográficas: deverá constar nesse item toda literatura consultada. falas. Em geral. e sempre buscará a coerência no entrelaçamento dos dados. Após esta etapa. Portanto. sendo então observados os indicadores para tal levantamento interpretativo. se reage com curiosidade aos registros realizados pelo aluno-estagiário. o Manual do Teste. levará em consideração o agrupamento das informações. suas possibilidades de organização diante do novo contexto e da atividade adotada. folha de resposta. e tais considerações devem ser levadas em conta.. 7. ou seja. invariavelmente. segue a síntese interpretativa. porém nota-se certa insegurança por parte do aluno em errar tal preenchimento. Assim. também. ou seja. se é resistente ou não. e não as interpretações isoladas. existem alguns testes que indicam a consulta de tabelas normativas. afinal. Assim. o que também proporcionará melhores condições de relato do ocorrido na aplicação do teste. Anexo(s): o aluno-estagiário deverá anexar ao relato todo o material produzido durante a aplicação pelo examinando. Modelo de relato da aplicação de teste . que podem ser desenhos. para isto. dependendo do teste adotado. protocolos de forma geral do teste e/ou instrumento de medida adotado. e. o aluno-estagiário deverá fazer uso concomitante e imprescindível das informações prévias. 6. o Teste Psicológico. sua compreensão até aquele momento do processo psicodiagnóstico. pois caberá ao aluno-estagiário recorrer ao Manual para o levantamento dos dados a serem analisados. 5. Entendemos que tais divisões agregam em si valor pedagógico. o teste propriamente dito. mas como está apreendendo o significado de seus resultados na totalidade do psicodiagnóstico. o aluno revelará não só como manuseia uma ferramenta de trabalho. pois. do ponto de vista prático da formação do futuro profissional. . o ocorrido nos atendimentos clínicos e na relação terapêutica. Os norteadores também refletem as necessidades institucionais. O ensino do relatar um atendimento clínico constitui-se em tarefa delicada. dependendo do contexto vivido pela equipe de supervisores e alunos na instituição formadora. com o objetivo de exemplificar. o oferecimento de diretrizes que funcionariam. da hora de jogo diagnóstica e para aplicação de testes psicológicos. procuramos refletir sobre essa tarefa e sobre a importância dos atos de ensinar e aprender a confecção do prontuário e do registro documental. 3. podendo variar em ordem ou importância. Nesse sentido. 5. utilizando esses contextos. visto como processo dinâmico e interativo. ensinou-nos que o oferecimento de alguns norteadores que direcionam o aluno na realização da tarefa de relatar a experiência clínica revela-se como uma atividade objetiva e profícua. mesmo que parcialmente. de forma que o paciente possa reconhecer-se no material escrito produzido. que são parte integradora e formal que permeia a experiência clínica. O relato da sessão deve refletir.Considerações finais A experiência de supervisionar o estágio de um serviço-escola de Psicologia nos obriga a estar em permanente questionamento. pois pressupõe a construção de narrativas que aproximem a reflexão sobre a experiência clínica e as relações e vínculos estabelecidos na tríade aluno- estagiário/usuário-cliente/supervisor e as questões que atravessam o ensino-aprendizagem. Neste capítulo. sendo aqui explicitados os pontos referentes ao psicodiagnóstico interventivo. 2. 6. bem como em razão das especificidades que se referem à propriedade de seu uso. as ideias que empreendemos ao refletir sobre esse tema nos levaram às seguintes considerações: 1. No caso deste capítulo sobre o psicodiagnóstico interventivo. como formadores. destacamos alguns norteadores relacionados aos relatos da entrevista com pais. ao mesmo tempo. 4. respeitando-se as questões éticas e de sigilo profissional. complexa e bastante difícil. O aperfeiçoamento do ensino da produção de documentos escritos referentes ao usuário de serviços de Psicologia deve ser uma preocupação constante das instituições formadoras e normativas. devido a sua significativa importância na formação do aluno-terapeuta. . como auxiliares pedagógicos e técnicos da tarefa de relatar. Tais norteadores podem estar baseados em pontos teóricos e técnicos ligados ao procedimento utilizado para a realização do acompanhamento psicológico. A experiência vivida por nós. Resolução CFP n. AZEVEDO. 2002. G.org. J. Brasília: CFP. Análise situacional ou psicodiagnóstico infantil: uma abordagem humanista- existencial. M. V. 9. A. ed. Psicologia: teoria e prática. et al. 93-122.aspx>. importância da capacidade do supervisor de interagir e se relacionar com os estagiários de modo que resulte em um encontro produtivo. 126-41.br/publicacao/avaliacao- psicologica-diretrizes-na-regulamentacao-da-profissao/>. A. 2013.cfp. 7-38. resoluções e recomendações para a prática profissional. (Org. 1995. Psicologia — Legislação. ao mesmo tempo que atinja o objetivo de oferecer um serviço psicológico e atenda à demanda do usuário da instituição.). Acesso em: 19 jan. nos atemos a alguns dispositivos norteadores da forma de relatar no psicodiagnóstico interventivo. São Paulo: Martins Fontes. ______. n.crpsp. F. 2010. 2013. Temas de psicologia: entrevista e grupos. Universidade Estadual Paulista. p. BLEGER. ______. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. ARZENO. M. Disponível em: <http://www. Introduzindo o psicodiagnóstico grupal interventivo: uma história de negociações. p. que contribua para a formação profissional. v. p. Avaliação psicológica: diretrizes na regulamentação da profissão. São Paulo: Cortez. 017/2002. Acesso em: 27 jan. 1993. In: ANCONA-LOPEZ. Psicodiagnóstico: processo de intervenção.C. In: ANGERAMI. mas entendemos a 7. ANCONA-LOPEZ. M. Porto Alegre: Artes Médicas. Psicanálise da criança. Não há uma forma única de ensinar a elaboração de relatos de sessão. procurando contribuir para a reflexão sobre as narrativas clínicas e sua utilização na organização do prontuário e do registro documental no exercício profissional da psicologia clínica. Estratégias de diagnóstico e avaliação psicológica.org. E. D. Porto Alegre: Artes Médicas. neste capítulo. 2002. M. ARAUJO. 65-114. 2. Disponível em: <http://site. Psicoterapia fenomenológico-existencial.br/portal/orientacao/resolucoes_cfp/fr_cfp_007-03. Referências bibliográficas ABERASTURY. Manual de elaboração de documentos decorrentes de avaliações psicológicas. 1992. São Paulo. 2007. p. 3. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Psicodiagnóstico clínico: novas contribuições. Resolução . Nesse sentido. 2005. Psicanálise da criança. n. Clínica-escola: levantamento de instrumentos utilizados no Processo psicodiagnóstico.br/portal/comunicacao/jornal_crp/163/frames/fr_questoes_eticas. 155-70. KLEIN. 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Por desempenharmos nossa profissão principalmente em clínicas-escola de Psicologia que oferecem atendimento gratuito, grande parte dos clientes tem dificuldades socioeconômicas, acarretando carências em diversos aspectos, o que induz a atuações que escapam do campo tradicional da psicologia clínica. Como lembra o Conselho Federal de Psicologia (2007, p. 8), frequentemente “o trabalho profissional requer inventividade, inteligência e talento para criar, inovar, de modo a responder dinamicamente ao movimento da realidade”. Embora considerando as questões sociais e as condições do mundo atual, não é nosso objetivo fazer uma análise sócio-histórica do nosso tempo, mas levantar questões e organizar alguns elementos que contribuam para uma reflexão prática sobre o psicodiagnóstico, levando em conta o contexto no qual ele se dá. São questões que passam pelas demandas da nossa época, pelas novas formas de linguagem e comunicação, pelas novas configurações familiares e por aspectos especificamente ligados à realidade brasileira, como nossas características socioeconômicas, a crise de valores políticos e morais, a situação da educação e a cruel realidade da violência com as quais nossas crianças convivem, seja no âmbito familiar, seja no âmbito social. Frequentemente, nas clínicas-escola de psicologia as crianças comparecem para atendimento psicológico trazendo como queixa dificuldades na escolarização. Na sua maioria, são encaminhadas por escolas públicas, que esperam obter dos psicólogos clínicos explicações acerca dos motivos que as impedem de se desenvolver pedagogicamente. Atendendo a essa demanda, comumente o profissional, restringindo-se à singularidade da criança, realiza o psicodiagnóstico privilegiando os aspectos da personalidade, “que resultam em uma predisposição para a formação desse sintoma” (Bossa, 2002, p. 13), desconsideram, assim, os aspectos institucionais que contribuem para o chamado fracasso escolar. Embora haja exceções e esforços governamentais e de alguns educadores no Brasil, é fato que a escola tem se tornado cada vez mais o palco de fracassos e de formação precária, impedindo os jovens de se apossarem da herança cultural, dos conhecimentos acumulados pela humanidade e, consequentemente, de compreenderem melhor o mundo que os rodeia. A escola, que deveria formar jovens capazes de analisar criticamente a realidade, a fim de perceber como agir no sentido de transformá-la e, ao mesmo tempo, preservar as conquistas sociais, contribui para perpetuar injustiças sociais que sempre fizeram parte da história do povo brasileiro (Bossa, 2002, p. 19). Embora a situação descrita seja a mais comum, é preciso lembrar que estão sendo feitos esforços governamentais e de alguns educadores visando mudar essa condição. Rafael, 8 anos de idade, faz parte desse contingente injustiçado. Como inúmeras crianças, foi encaminhado pela escola para atendimento psicológico porque apresentava dificuldade de aprendizagem e não estava alfabetizado. A mãe, muito preocupada, temia que seu filho fosse portador de deficiência mental. Durante o processo de psicodiagnóstico interventivo, a mãe relatou que, em um mesmo semestre, o filho enfrentou quatro mudanças de professoras de alfabetização. Essa criança confrontou- se, como denuncia Souza (2007, p. 6), com: […] uma escola pública cuja má-fé institucional permite incutir, nos próprios pobres, vítimas de abandono secular, que seu fracasso escolar é culpa da própria vítima. A criança pobre, sem estímulos em casa para apreender, passa a se ver como burra, incompetente e preguiçosa, cumprindo a promessa que a sociedade lhe legou […] Concordamos com Bossa (2002), quando afirma ser comum que as escolas e os psicólogos compreendam o fracasso escolar de uma criança considerando os aspectos intrassubjetivos e relacionais, as primeiras possivelmente por uma dificuldade de se confrontar com suas próprias deficiências e os segundos apoiados na tradição da sua formação profissional que tende a privilegiar o indivíduo. Uma visão ampliada da clínica psicológica permitiria levar em conta esses dois aspectos, de tal forma que a compreensão da dificuldade de aprendizagem se construísse a partir da avaliação do contexto escolar no qual a criança está inserida. Assim, no caso de Rafael, antes de pensarmos em uma possível deficiência cognitiva, deveríamos atentar para a deficiência da instituição escolar, que, além de não oferecer a estabilidade necessária para o bom desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, culpabilizou a criança pelo seu insucesso. No Psicodiagnóstico Interventivo, cientes da limitação do fazer clínico, procuramos engajar a família e a escola num processo que visa não apenas à compreensão das dificuldades da criança, mas também encontrar formas de auxiliá-la no seu desenvolvimento. Nesse sentido, a visita escolar, que é um procedimento nesse processo e tema deste livro (ver capítulo VII), tem uma importância significativa, principalmente por possibilitar uma reflexão conjunta com as equipes das escolas sobre o seu papel na dificuldade dos alunos. Associado a isso, discriminar para os pais quais são as dificuldades de seus filhos e o que é responsabilidade das instituições escolares pode levá-los a se colocar mais criticamente em relação ao problema e se posicionarem como cidadãos ativos que podem fazer suas reivindicações junto às escolas. A participação no psicodiagnóstico interventivo pode propiciar aos pais uma mudança de atitude em relação aos seus filhos, reconhecendo e favorecendo seus aspectos positivos e ajudando-os a encontrar a melhor maneira de auxiliar a criança a superar os aspectos negativos. Entendemos que ainda temos como desafio no psicodiagnóstico interventivo ampliar nosso olhar, de modo a ir além da criança como foco da investigação e integrar outros aspectos, como os efeitos do mundo moderno sobre ela e sua família. Como é o caso do acesso aos computadores, um avanço tecnológico que já faz parte da vida escolar de muitas crianças da rede pública, e se de um lado propicia a inclusão em um mundo globalizado de informações, de outro não garante aquilo que lhes seria de direito, ou seja, aprender. Um número expressivo de crianças que chegam às clínicas de psicologia está prestes a finalizar o primeiro grau praticamente sem alfabetização. Para essas crianças, qual sentido terá o uso dos computadores e a navegação na internet? O uso dos aparelhos eletrônicos, nesses casos, não é uma forma de adquirir ou armazenar conhecimentos, mas uma ferramenta de consumo que cria para elas a ilusão de fazerem parte da modernidade e do mundo virtual, o que, de algum modo, compensaria o sentimento de exclusão no contexto escolar. Uma visão sociológica nos parece oportuna para caracterizar o mundo atual. De acordo com Baumann (1998, p. 32): O sentimento dominante, agora, é a sensação de um novo tipo de incerteza, não limitada à própria sorte e aos dons de uma pessoa, mas igualmente a respeito da futura configuração do mundo, a maneira correta de viver nele e os critérios pelos quais julgar os acertos e erros de viver. O que também é novo em torno da interpretação pós-moderna da incerteza (em si mesma, não exatamente uma recém-chegada num mundo de passado moderno) é que ela já não é vista como um mero inconveniente temporário, que com o esforço devido possa ser abandonado ou inteiramente transposto. O mundo pós-moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível. de modo confuso. Segundo Dias. também os laços afetivos (familiares. e de cada um deles teve mais dois filhos. assim como o pai. no caso das avós guardiãs. A história de Paulo não é única. Ela e a mãe participam do psicodiagnóstico interventivo do menino. em outro estado. sabe? Porque eu tenho uma irmã que… é fácil… é assim… vou começar de novo… (sic) Paulo. crianças que têm irmãos de pais diferentes. o que tem redesenhado a constituição dos laços afetivos que tem no âmbito familiar a principal matriz das formações vinculares. correspondente a um milhão e cem mil. Não é a minha… mas eu tenho um irmão de 12 que é da minha mãe. Sua mãe teve mais dois relacionamentos. são vários os fatores que têm contribuído para novos formatos das famílias. na última década. sendo que um vive com ela e o outro com o pai. meu irmão de 18 anos. alegre e conversador. casais que trazem filhos de relacionamentos anteriores e que geram outros filhos. amorosos. Dias. Marcelo. o que significa 55. dificuldades e necessidades nos lares em que os avós desempenham o papel de pais para seus netos na ausência (permanente ou de longo prazo) dos . pois. o imediatismo e o individualismo competitivo. Enfim. 192) constatam. com o irmão dele de 18. como Silva e Salomão (2003. sem dúvida. e não é do meu pai… é assim… às vezes eu me confundo. com frequência há conflitos de papéis entre ser mãe e avó. aumentou a quantidade de netos e bisnetos criados por avós e bisavós.) adquirem os atributos de volatilidade e superficialidade. Tenho um de 22 anos que trabalha em uma oficina. Na nossa prática clínica. frequentemente. de 11 anos. Quer dizer. esse quadro se reflete em algumas das configurações familiares das crianças que vêm para o psicodiagnóstico. são de curta duração. é criado pelos avós desde bebê. é que eles têm outra mãe. Na verdade. de 9 anos. São relações facilmente substituíveis que se pautam pelo compromisso provisório e. que já tinha um filho. que. começa a relatar como é a composição de sua família: Eu tenho muitos irmãos. de amizade etc. Como consequência. Grande parte é de famílias monoparentais femininas (mães solteiras ou abandonadas por seus parceiros). A avó procura ajuda psicológica para o neto. se refere a ambas como mãe. Muitos destes casos chegam às clínicas de psicologia. Hora e Aguiar (2003). se refletirão nas crianças a seus cuidados. como se observa a seguir. conflitos estes que. avós que criam seus netos. assumindo um caráter que Bauman (2004) chama de “amor líquido”. são novos modos de organização familiar.1% mais do que foi apurado em 1991. Sua mãe engravidou solteira e não assumiu a criança. Hora e Aguiar (idem) corroboram esta ideia ao afirmar que foram identificadas vantagens. O número foi de um milhão e setecentos mil. p. um menino muito inteligente. preocupada com os efeitos que essa experiência de vida possa trazer ao garoto. Esse mesmo autor aponta que a época em que vivemos tem por característica privilegiar o consumo. genitores. no Brasil. Não convido meus amigos. mas… é que… é que… acho esquisito minha mãe ser casada com uma mulher. inclusive com o amparo legal. mas a Cleuza me leva no futebol. Uma nova configuração familiar que está se consolidando. teremos famílias e pais envergonhados. p. Meus amigos vão zoar… (sic) A esse respeito. 5). Os progressos nessa área vêm se desenvolvendo rapidamente do ponto de vista jurídico. Só que tem uma coisa… eu não convido ninguém para ir na minha casa. estão longe de obter uma legitimidade social e jurídica e. não gosto. Eu acho a Cleuza legal. diante de situações novas e inusitadas para ele. e o psicodiagnóstico inter- ventivo é um momento privilegiado para esse questionamento por ter como objetivo conhecer os sentidos e os significados que as crianças e seus pais dão às suas vidas e a seus mundos. Ainda para a mesma autora. Passos (2005. a aceitação se dá mais lentamente. Se minha mãe se separar dela eu prefiro morar com ela. gosta de assistir luta livre. Resta explorarmos os sentimentos desta vergonha nas produções de subjetividade que decorrem daí. Marcelo. pais e netos. sente-se desamparado sem um balizamento para suas intervenções. mas. sobretudo em seus enredamentos afetivos (ibidem. que são insuficientes para dar conta das profundas transformações processadas nas famílias. enquanto esse quadro não se reverte. conta piada… é bom. Naturalmente escudado pelas teorias . como a legalização do casamento entre homossexuais. Minha mãe fala: vamos fazer uma festa de aniversário? Eu não quero. Já no que se refere à situação de corresidência. também o psicólogo. ainda pouco se sabe sobre as repercussões que tal condição acarreta na vida e nas relações estabelecidas entre avós. de famílias homoparentais ou não. Cabe ao psicólogo questionar de que forma essas metamorfoses nas famílias repercutem na constituição das crianças. Em alguns anos não se ouvirão mais depoimentos como o de Joaquim (12 anos) durante uma sessão de psicodiagnóstico: Eu gosto muito da Cleuza. é a das famílias homoparentais. as novas formatações familiares. p. Cabe-nos também o enfrentamento rigoroso das teorias. mantendo ainda a situação descrita pela autora. 6) comenta: […] as condições por meio das quais os homossexuais constroem seus laços afetivos. Paulo e Joaquim são crianças que vivem a necessidade de se adaptar a configurações familiares não tradicionais. do ponto de vista pessoal. Assim. colocam em xeque os apoios teóricos dos psicólogos. Minha mãe é legal. durante o processo diagnóstico. 2005. Entretanto. o bom-senso e. dada a sua complexidade. O CFP (2010. como também não pode ser analisada de forma descontextualizada da cultura e das condições impostas pela vulnerabilidade social. Gay e Costa Júnior. incluindo o abuso sexual e psicológico. em muitos casos. único e que talvez não tenha solução. A violência doméstica. o psicodiagnóstico interventivo. p. para compreendê-lo. é preciso despir-se das amarras teóricas com o objetivo de acolher o cliente e sua família. obrigatoriamente. prejudicada no seu desenvolvimento psicológico. não é fato dos tempos atuais. quando o atendimento a pais e crianças acontece em grupo (modelo usualmente utilizado em clínicas-escola e outras instituições). em circunstâncias mais adversas. na contemporaneidade. 2005) e impondo dilemas éticos que exigiriam um capítulo especial. haja vista ser tema que faz parte dos estudo no campo da Psicologia (Azevedo e Guerra. 2000). principalmente. qualquer que seja ele. O que fazer enquanto essas abordagens não surgem? A inventividade. permite enfrentar as lacunas teóricas através de uma compreensão co-constituída que se pauta pelo mundo vivido do cliente. É possível observar. o sofrimento psíquico de todas as pessoas envolvidas. contribuindo. A ocorrência de situações de violência contra crianças e adolescentes não é fenômeno exclusivo da atualidade. principalmente. são obrigadas a conviver diretamente com a violência social e familiar. procura. 38) lembra que a violência sexual é um problema complexo e delicado. enquanto profissional. Não poderíamos deixar de incluir nessa discussão nossas inquietações frente à cruel realidade de crianças que. Como lembra Passos (2005. sempre tendo em mente que.psicológicas que conhece. exigem extremo cuidado dos profissionais responsáveis pelo atendimento e de todos os integrantes da rede de proteção. . interfaces e. sem cair na armadilha de considerar que a criança ficará. deve acompanhar essas transformações e os estudos que sobre elas são realizados. que apesar das questões teóricas que o psicólogo venha a enfrentar. Suas múltiplas causas. p. no entanto. ocupando sempre. 14): “[…] é necessária a criação de abordagens que apontem para as distintas facetas da grupalidade familiar e que permitam a compreensão de diferentes formas de ser família hoje”. situar-se no mundo do cliente. auxiliando na compreensão da própria família. o psicodiagnóstico interventivo se enriquece ao facilitar a identificação e a troca entre os componentes do grupo. Além disso. ao oferecer a oportunidade de uma reflexão conjunta. para diminuir a sensação de isolamento e eliminando a impressão de que seu caso é diferente. lugar importante nas discussões a respeito do trabalho clínico com crianças (Azambuja. a reflexão poderão auxiliar o psicólogo na sua atuação. ser espancado por traficantes… Esses são apenas alguns dos casos atendidos no psicodiagnóstico. 5 anos de idade. oportuno abordar neste espaço de reflexão outra forma de violência. usuário de drogas. 2007). mantendo a neutralidade. o abuso sexual. ataque frontalmente esses temas. Segundo Campos (2004. é um episódio intrafamiliar marcado pela existência de vinculação afetiva entre seus integrantes. a competitividade e desigualdade têm provocado consequências sociais perversas que se traduzem “[…] pelo aumento de: violência. Ana. conflitos e rupturas familiares. mas que. Uma psicóloga se aproxima e vê o desenho de uma casa com uma criança ao lado e no alto um grande coração onde está escrito PAZ. Pedro. estava com seu pai quando ele foi assassinado a tiros por um assaltante. 157). Os irmãos de 9 e 7 anos de idade. a violência social que. o que fazer diante dos problemas que aqui apresentamos? A proposta do psicodiagnóstico interventivo é de que o psicólogo não atue apenas como um examinador ou avaliador. considerando tratar-se de um tema que deve ser “contextualizado e tratado conforme as vicissitudes de cada caso e jamais analisado isoladamente” (CFP. uso de drogas. ainda. presenciaram o pai matar sua mãe a facadas. conivências e vulnerabilidades. Do ponto de vista prático. assistiu a seu irmão mais velho. também com as crianças (como nos casos de abuso e violência. durante esse processo. apoiar e incentivar os pais ou . especialmente no cotidiano de crianças e famílias que vivem em regiões com alto índice de criminalidade. tem tomado forma e dimensão assustadoras. eventualmente. doenças psicossomáticas”. p. Como vemos com frequência em nossa rotina de trabalho. Otávio e Márcia. negligências. mas também questões sociais que devem ser discutidas com os pais e. Julgamos. conflitos étnicos e religiosos. dependência econômica entre os cuidadores. considerando-os não apenas fontes de desestabilização emocional das crianças. porque nem sempre essa questão é trazida prontamente pelos pais ou responsáveis ou pela própria criança. dia a dia. alienação social e política. apesar de todos os avanços que vivemos. Na sala de espera de um Centro de Psicologia Aplicada. em muitos casos. com cerca de 10 anos. A convivência com episódios violentos vem. xenofobia. Ao perguntar o que ela queria dizer com aquele desenho. a menina responde que o lugar onde mora é muito violento e que ela queria que houvesse paz. O manejo desse assunto no psicodiagnóstico é bastante difícil. ajudando-as a encontrar formas de se defender). Luiza. mas com o cuidado de não cometer imprudências. Temos como compromisso profissional zelar pelo bem-estar da criança ou adolescente. compreendidas através do seu psiquismo. Acreditamos que faz parte do papel do psicólogo sugerir. de 11 anos. se incorporando à realidade brasileira. está desenhando enquanto aguarda sua mãe. Mesmo que cheguemos a este encontro com a relativa e muito precária segurança de nossas teorias e técnicas. lidar com o outro (indivíduo. ainda. Desse modo. o que implica contemplar as questões políticas. entrar nesse mundo implica o confronto com as nossas inquietações e limitações. . procurar formas de reagir ao banditismo. algo que no outro nos obriga a um trabalho afetivo e intelectual. grupo ou instituição) na sua alteridade faz parte da nossa atividade cotidiana. Isso significa que o psicólogo não deve ater-se apenas ao espaço clínico. Se as teorias psicológicas parecem ter chegado aos seus limites. Enfim. fazendo-nos efetivamente outros que nós mesmos. a resposta para a pergunta feita anteriormente só poderá ser encontrada junto com os clientes. cabe-nos tentar. do acolhimento e do respeito. cabe-nos. algo que no outro nos propulsiona e nos alcança. entendemos que o enfrentamento dos desafios aqui apresentados é o caminho que nos levará a manter o psicodiagnóstico interventivo como um procedimento útil para a compreensão dos que vêm em busca de auxílio psicológico e para a criação de um espaço diferenciado que permita àqueles que estão envolvidos no processo compartilhar seu sofrimento e encontrar um novo modo de lidar com sua realidade. o que sempre importa é a nossa disponibilidade para a alteridade nas suas dimensões de algo desconhecido. sejamos tomados por um sentimento de impotência que quase nos leva a um estado de paralisação. como profissionais. Como profissionais da psicologia. por ser uma prática compartilhada e uma construção conjunta.responsáveis a atitudes ativas. que é o espaço da crítica. reconhecer e batalhar por seus direitos como cidadãos. Após todos estes anos de prática. especialmente. Como “profissionais do encontro” (Figueiredo. Finalmente. podemos dizer que ainda há um espaço para nossa atuação. pelo respeito ao outro e suas diferenças. sociais e econômicas que estão imbricadas na sua vida e que se não consideradas nos tornarão incapazes de atingir nosso objetivo. No que se refere ao psicodiagnóstico interventivo. da reflexão. suas condições de moradia e seu meio social. conforme dissemos. Contudo. mas pela interlocução com outros saberes. desafiante e diferente. exigir uma melhor atuação das escolas ou um atendimento adequado no que se refere à saúde. pela ética pessoal. auxiliá-los a conhecer. criação e. possivelmente não encontraremos uma saída para essas questões pelo “saber” único da psicologia. 1993). embora alguns dos dilemas discutidos neste capítulo pareçam sem solução e em muitos momentos. mas conhecer o ambiente escolar da criança. algo que no outro se impõe a nós e nos contesta. pois frequentemente nos perguntamos o que é possível fazer. compreender e respeitar o mundo do cliente. como a de organizar grupos nas comunidades para enfrentar o problema das drogas de seus filhos. desenvolver pesquisas sobre esses temas que nos desafiam e criar grupos de discussão e estudos sobre eles. como permite antecipar o exemplo acima. Em artigo intitulado Pós-evolucionismo. Paul Kendall refere-se a um robô chamado “Rex — sigla de robotic exoskeleton. os quais. p. 2. de A. de alguma forma. n. mas comprometendo-se a uma constante atualização de seus conhecimentos. Assim. Esse será o novo mundo dos psicólogos que se formarão dentro de alguns anos. Referências bibliográficas AZAMBUJA. p. exibido no Museu da Ciência de Londres. N. encontrarão desafios ainda inimagináveis para lidar com a humanidade. O artigo termina com a afirmação de um psicólogo suíço. Acreditamos que o psicodiagnóstico interventivo.. 2013). P. que foi montado pela companhia de robótica Shadow usando membros e órgão artificiais”. de que “estamos indo além das fronteiras da evolução”. 1. normal “será considerado maçante” (ibidem). ano 25. publicado no caderno Aliás de O Estado de S. de. Psicologia Ciência e Profissão. Violência doméstica: reflexões sobre o agir profissional. caderno Aliás. M. Paulo (10 fev. 19). Esse robô. da falta e a Psicologia. V. 20) quando propõe que: Atuar na valorização da experiência subjetiva do sujeito contribui para fazê-lo reconhecer sua identidade.. 2). M. a oferta de apoio psicológico de forma a interferir no movimento dos sujeitos e no desenvolvimento de sua capacidade de intervenção e transformação do meio social é uma possibilidade importante. R.) Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. p. O ser humano é o ser do desamparo. A. Bertold Meyer. sendo para isso necessário estar atento à realidade que se apresenta e na qual os clientes estão inseridos (Gelernter et al. AZEVEDO. não com a ilusão de preencher esse vazio. (Org. pode atender a essa necessidade. e de que daqui há alguns anos ter um corpo natural. . mostra que já é possível reconstruir de 60% a 70% do corpo humano e “prenuncia um futuro no qual órgãos artificiais serão melhores do que aqueles com os quais nascemos” (OESP. 2012. Operar no campo simbólico da expressividade e da interpretação com vistas ao fortalecimento pessoal pode propiciar o desenvolvimento das condições subjetivas de inserção social. vem ao encontro do CFP (2007. pelas suas características de valorização do sujeito como indivíduo e cidadão. GUERRA. A maternidade na perspectiva de mães adolescentes e avós maternas dos bebês. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP).1590/S0103-56652005000200003>. Acesso em: 13 jan. . ______. Rio de Janeiro./abr. Suporte social e família. 2012. jan. BAUMANN. N. 2013. E. fev. 2005. A escuta de criança e adolescentes envolvidos em situações de violência e a rede de proteção. 1998. In: Psicologia Ciência e Profissão — Diálogos: Direitos humanos subjetividade e inclusão. O Estado de S. C. GELENTER.org. DIAS. n.. Teor. 2.1590/S1413-294X2003000100015>. 10 fev. São Paulo: Casa do Psicólogo./10. SOUZA. 2000. R. Nádia Maria Ribeiro. 1. P. In: MELLO FILHO.php?script=sci_arttext&pid=S1516- 36872010000200013&lng=pt&nrm=iso>. 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