Parentesco e Sociedade Primitiva - Adam Kuper

March 27, 2018 | Author: diegofmarques | Category: Darwinism, Charles Darwin, Science, Anthropology, Natural Selection


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Parte IA Idéia de Sociedade Primitiva O arrogante desprezo que um povo civilizado nutre pelos seus vizinhos bárbaros tem causado uma negligência singular nas observações sobre estes, e esta falta de cuidado tem sido agravada às vezes pelo medo, pelo preconceito religioso, e mesmo pelo uso destes próprios termos – civilização e barbárie – transmitindo às pessoas a impressão de uma diferença não somente em grau, mas também em espécie. (Henry Summer Maine, Ancient Law (1861), pp. 116-17)* * Todas as citações do presente livro foram traduzidas pela tradutora. As referências da página das citações, no entanto, são da edições originais utilizadas pelo autor, cujas referências bibliográficas se encontram no final do livro. Capítulo I O MITO DA SOCIEDADE PRIMITIVA A sociedade primitiva foi considerada inicialmente um assunto para estudiosos do Direito. O pai fundador da antropologia britânica, E.B. Tylor, comentou em 1865 que a investigação de questões tais como a forma do matrimônio primitivo “pertence propriamente a este tema interessante, mas difícil e praticamente pouco desenvolvido, da Jurisprudência Comparativa de raças inferiores; e ninguém que não fosse versado em Direito Civil poderia lhe fazer justiça.”1 Os estudos pioneiros foram escritos por juristas– Henry Maine, Johannes Bachofen, J. F. Mc Lennan, Lewis Henry Morgan. As questões que eles investigaram – o desenvolvimento do matrimônio e da família, da propriedade privada e do Estado – foram concebidas em termos legais. Sua fonte inicial, seus estudos de casos comuns foram fornecidos pelo direito romano. Se há um livro a ser colocado à frente dos estudos vitorianos sobre sociedade primitiva, é provavelmente Ancient Law de Henry Maine, publicado em 1861, dois anos depois do A Origem das Espécies. A maior parte das idéias específicas de Maine foram logo descartadas; porém ele redefiniu uma noção clássica da condição humana original, e a fez parecer diretamente relevante para os interesses de seus contemporâneos. Maine supôs que os primeiros seres humanos eram membros de um grupo coletivo familiar comandado por um pai despótico. Gradualmente, os patriarcas mais poderosos atraíram párias da sociedade para se juntar a eles. A associação local se tornou cada vez mais importante. Por fim, as sociedades baseadas no parentesco foram substituídas por sociedades baseadas no território. Esta transição do sangue para a terra, do status para o contrato, foi a grande revolução na história humana. No mesmo ano em que Ancient Law foi publicado, um professor suíço de direito romano, Johannes Bachofen, releu os mitos gregos como um documeto sociológico e chegou à surpreendente conclusão que a estrutura original familiar não era patriarcal, mas sim matriarcal. Em 1865, um jurista escocês, J. F. Mc Lennan, reagindo às teorias de Maine, obteve semelhante conclusão à de Bachofen, mas aparentemente sem conhecer o trabalho deste. A publicação de Primitive Marriage mas os juristas geralmente se sentiam mais em casa com as idéias de Herbert Spencer e dos utilitaristas. Ele incluía a história do direito. e Morgan. e prontamente deu espaço para histórias especulativas sobre a origem da lei na sociedade primitiva. Eles também reagiram às descobertas da filologia alemã. naturalmente. Juntos eles arbitraram as disputas entre Maine. mediadas na Grã-Bretanha por Max Muller. Sociedade Primitiva. As unidades constituintes da sociedade eram grupos descendentes associados. que então se dividiu em dois ou mais blocos idênticos em construção. Tylor e James George Frazer se estabeleceram como autoridades principais no assunto na Grã-Bretanha. um campo restrito. exógamos. a desenvolver a mais influente destas imagens novas de instituições sociais primordiais. E. que mantinham bens e mulheres em comum. McLennan. A sociedade primitiva era originalmente um todo orgânico. Stubbs. E eles trocaram idéias sobre as origens e a evolução humana nas novas sociedades “antropológicas”. foram . Seu livro mais conhecido.B. os quais delineariam as recentes teorias sobre história e sobre a natureza humana. apareceu dezesseis anos depois de Ancient Law. naqueles dias.de McLennan por sua vez inspirou um advogado americano. e iniciativas similares se seguiram em Londres em 1863 e em Berlim em 1869 (cada uma. (Esta idéia remetia a Spencer). e definiram as características mais gerais das sociedades humanas primordiais. À medida em que a Antropologia começou a ser profissionalizada no final do século XIX. mas o direito em si não era. Macaulay. Estas formas sociais. A Société d’Anthropologie de Paris foi fundada em 1859. com sua própria revista). O casamento se fazia em termos de trocas regulares de mulheres entre homens de grupos de ascendência diferentes. A presença maciça de Darwin pairou sobre todas as discussões a respeito do desenvolvimento humano na Inglaterra vitoriana. Grandes questões filosóficas foram levantadas para debates. Em torno de 1880 havia um amplo acordo (apesar da discordância contínua de Maine) de que estes grupos eram originalmente “matriarcais”. O livro ecoou o título de Maine e pertenceu ao mesmo universo de discurso. Esses não eram textos convencionais de direito. Freeman. traçando uma descendência apenas pela linhagem feminina. geralmente denominados clãs ou grupos familiares [gents]. e Froude os confrontaram com novas teorias sobre as origens antigas da constituição britânica 2. Lewis Henry Morgan. não mais existentes. 5. As histórias convencionais da antropologia transpassam uma sucessão de teorias quase filosóficas. apesar do fato de que a investigação empírica sistemática das sociedades “primitivas” remanescentes começou a ser empreendida em todas as escalas apenas na última década do século XIX. As sociedades mais primitivas eram baseadas em relações pautadas pelo sangue. 2. 6. mas todas estas teorias levaram à mesma idéia de sociedade primitiva. grupos de descendência formados pelos descendentes de um homem na linhagem masculina. A propriedade era comum a todos. (Havia. os direitos de propriedade privada foram estabelecidos. sua persistência é ainda mais extraordinária.preservadas nas línguas (especialmente em terminologias de parentesco) e nas cerimônias de povos “primitivos” contemporâneos. no entanto. e um Estado territorial emergiu. talvez a maior na história humana. a família moderna nasceu. No entanto. que era reverenciado. 3. 4. depois de uma grande revolução. Os casamentos eram proibidos entre homens e mulheres que fizessem parte do mesmo clã. Isto era “totemismo”. Finalmente. quase todos os especialistas estariam de acordo com as seguintes proposições: 1. e as mulheres eram mantidas coletivamente pelos homens do clã. A rapidez com a qual os antropólogos desenvolveram a idéia de sociedade primitiva estarrece. 7. os grupos de descendência definharam. ou de uma mulher na linhagem feminina. muito debate se teria havido ou não um período anterior de “promiscuidade primitiva”). Os “remanescentes” destas instituições poderiam ser identificados nas cerimônias ou em formas de linguagem das sociedades primitivas contemporâneas. Na década final do século XIX. É impressionante a consonância que havia mesmo em termos de detalhe. As unidades básicas da sociedade eram “clãs” ou “gentes” – isto é. Cada clã era concebido como descendente de um deus animal ou vegetal. . Este protótipo persistiu por bem mais de cem anos. No entanto. na África. a revolução marcou a transição da longa era Paleolítica para o Alto Paleolítico.000 anos. Estes humanos plenamente modernos estão associados a uma grande revolução cultural. apesar de lentas.000 anos atrás. O conceito como um todo é fundamentalmente débil. Ele presumivelmente define um tipo de sociedade que antecede formas mais modernas.Nada disso seria particularmente notável se a noção de sociedade primitiva fosse substancialmente pontual. e alguns arqueólogos sugerem que ganhou força na Europa apenas 25-20. o movimento de longa distância e/ou a circulação de bens. e uma variação crescente de tamanho. Há cerca de 30. modificações muito grandes aconteceram no modo de viver humano. análogo à história evolucionária das espécies naturais.000 anos. Os primeiros traços desta foram achados no Oriente Médio. os chifres e a pedra macia. igualmente de origem africana. as sociedades humanas não podem ser traçadas retroativamente até um ponto singular de origem.000 anos atrás. Mas ela não o é. a arte.5 milhões de anos atrás3. Tampouco há algum meio de reconstituir formas sociais pré-históricas. Richard Klein julga que a transição para o Alto Paleolítico “sinaliza a mudança mais fundamental no comportamento humano que o registro arqueológico pode revelar” desde a invenção das ferramentas de pedra há 1. os ornamentos pessoais. O ponto inicial do Alto paleolítico Os seres humanos plenamente modernos se desenvolveram na Africa há cerca de 150. Os primeiros migrantes foram para o Oriente Médio há mais de 40. Não há nenhuma via sensata na qual se pode especificar o que é uma sociedade primitiva. chegou na Europa. Entretanto. a mudança das sociedades da Média Idade da Pedra para as da Alta Idade da Pedra ocorreu há apenas 20. que representava uma variação humana anterior. O termo implica algum ponto de referência histórico.000 anos. Não há fosséis de organização social. tais como o osso. duração e conteúdo de lugares”. os novos materiais. Em termos arqueológicos. Lewis Binford enfatiza particularmente “a elaboração do enterro. ou de classificá-las e alinhá-las eu uma série temporal. Não foi uma revolução veloz. Aqui eles gradualmente deslocaram a população de Neanderthal. Esta quantidade de inovações levou .000 anos e entraram na Europa há cerca de 35. Paralelamente. O fogo era controlado e utilizado para cozinhar. havia provavelmente variações locais em crenças e costumes. É apenas com o desenvolvimento da escrita. Seu objetivo explícito era encontrar equivalentes vivos das primeiras populações forrageadoras nas planícies .Binford a concluir que uma revolução mais profunda aconteceu. Entretanto. Para os antropólogos vitorianos. se o eram. é muito difícil dizer como eram as sociedades do Alto Paleolítico. no entanto. No entanto. Tais mudanças fundamentais devem ter criado repercussões na maneira pela qual as comunidades estavam organizadas. A linguagem se desenvolveu. Estes devem sua proeminência aos estudos conduzidos nas década de 1960 e de 1970 por Richard Lee e seus associados. e foi a linguagem que criou as condições para a “aparecimento da cultura”4. O próprio Darwin comparou variações entre espécies vivas a fim de fazer deduções sobre seus ancestrais comuns. Em suma. Ao contrário. Há. Alguns acadêmicos especulam que a arte das cavernas reflete crenças em um mundo espiritual.000 anos atrás. e há sinais do que devem ter sido fogos domésticos. quem as habitava. Eram claramente de pequena escala. em torno de 7. um veículo criativo e flexível. não se pode supor que todas as sociedades do Alto Paleolítico eram similares. talvez uma indicação de sentimentos religiosos. ou se mulheres e homens possuíam tarefas diferentes. o povo mais próximo a Idade da Pedra eram ou os caçadores-coletores americanos ou os aborígenes australianos. pode-se dizer pouco além sobre as idéias cosmológicas correntes durante o Alto Paleolítico com segurança. em alguns casos através de longas distâncias. que uma pré-história sociologicamente informada se torna possível. mas os representantes da Idade da Pedra mais famosos na antropologia moderna são os bosquímanos !Kung do deserto do Kalahari. e. Afinal. havia diferenças tecnológicas significativas entre assentamentos vizinhos. Havia provavelmente pouca estratificação. mas nenhuma conclusão pode ser traçada sobre estes terem sido unidades domésticas. As pessoas enterravam seus mortos. a tratar populações vivas como substitutas das sociedades da Idade da Pedra. em uma visão mais ingênua. uma estratégia alternativa para a reconstrução do passado remoto. Sua economia era baseada na caça e na coleta. Em todo o caso. tampouco sobre a extensão da conformação dessas a um padrão comum. linguagem no sentido moderno. o que levou à troca de bens. a evidência arqueológica pouco pode nos dizer sobre a natureza das sociedades do Alto Paleolítico. Os antropólogos sempre foram tentados. planejamento e cooperação. eles se sustentavam com uma quantidade surpreendentemente pequena de trabalho. que deviam estar à beira da hipérbole. No caso dos humanos. devem ter experenciado uma prosperidade ainda maior que os !Kung.6 No entanto. Os adultos trabalhavam em média o equivalente a dois dias e meio por semana. apenas os homens caçavam. consumia tempo. No entanto. Marshall Sahlins aclamou os !Kung como uma sociedade afluente original7. de acordo com a maior parte dos padrões nutricionais estabelecidos. que habitaram ambientes mais brandos. roupas e bolsas de pele e arcos e flechas simples. Macacos africanos raramente se voltam a caça. a não ser em situações causuais ou oportunistas. Mas a carne era apreciada. “Não podemos evitar a suspeita de que muitos de nós foram levados a viver e trabalhar entre os caçadores por sentir que a condição humana tendia a ser mais claramente delineada aqui do que entre outros tipos de sociedades”. e durante o ano um/uma !Kung garantiria entre trinta e quarenta por cento de suas calorias através da carne. Durante a maior parte do ano. de algum modo. Alguns teóricos então argumentaram que o desenvolvimento da caça teve um papel crucial na evolução humana. e ainda assim a sua dieta era mais que adequada. e eles tinham que sobreviver em um semi-deserto. Os !Kung não possuíam ferramentas além de bastões de cavar. apenas vinte por cento do influxo de alimentos era proporcionado pelos caçadores. A economia dos !Kung se baseava na divisão de trabalho. e os alimentos vegetais forneciam o cerne da dieta !Kung. Ambos homens e mulheres colhiam alimentos plantados. Parece igualmente . Era também menos confiável que a coleta. que deu particular atenção às maneiras pelas quais pequenas populações de caçadores-coletores se adaptavam a ambientes naturais. e em estações de máxima produção a caça providenciava até noventa por cento da comida para o acampamento. mas pareceu razoável supor que os antigos caçadores-coletores. A caça era.da Africa Oriental. recipientes de água feitos de casca de ovo de avestruz. era custosa em termos de gasto de energia. Isso contradisse a antiga visão de que caçadores-coletores viviam uma existência marginal. uma atividade paradoxal: arriscada. embora as mulheres gastassem mais tempo nesta atividade que os homens. a caça bem sucedida requer sofisticação técnica. Mas eles imaginaram estar descobrindo o estado natural da humanidade.5 Os pesquisadores dos !Kung participavam de um novo movimento na antropologia americana. Se os !Kung não eram um típico bosquímano.8 Os !Kung passaram logo a ser usados como padrão na interpretação dos materiais arqueológicos sobre as sociedades do Alto Paelolítico. Por dois séculos eles formaram parte de uma complexa sociedade do sul da África. EdwinWilsem. por . na qual todos se contentavam em ajustar-se com apenas o suficiente para viver. Os forrageadores do Kalahari viveram em contato intímo com os grupos pastoris por pelo menos mil anos. uma economia de ordem doméstica modesta. Um par macho-fêmea seria. havia ainda menos razão para supor que eles poderiam servir como o tipo ideal de todos os caçadores coletores através da história. e chamaram a atenção para as diferenças de língua. e isso favoreceria a evolução da família. Mulheres coletam os alimentos próximos à casa. portanto. Os Hazda da Tanzânia. onde elas podem manter os olhos nas crianças. aborígenes malasianos. os pigmeus da floresta ituri no Congo. os aborígenes australianos. lançou o que veio a ser chamada uma tese revisionista 9. crença religiosa. que havia ele próprio feito um longo estudo de campo sobre os !Kung. que incluía fazendeiros europeus e falantes de bantu. Eles descobriram a variedade de adaptações que os bosquímanos fizeram às condições ecológicas locais. Sua crítica central era de que os evolucionistas tiraram os !Kung de seu contexto histórico real. sem mencionar os favoritos dos vitorianos. Os !Kung eram uma subclasse em um Estado moderno. No entanto. Eles não poderiam ser tomados para representar (em uma frase de Lee que Wilsen lançou de volta a ele) “os forrageadores em um mundo de forrageadores”. e arranjos de parentesco. Em 1972. na prática. Marshall Sahlins agregou todos eles em seu Stone Age Economics. Alan Barnard mostrou. Julian Steward e Elman Service sugeriram que todas estas pessoas viviam em bandos patrilineares. caçadores-coletores amazônicos.depender. E tampouco esses possuíam quaisquer instituições que lhes fosse única. de uma divisão de trabalho. padrões de assentamento. vários grupos inuit. Este argumento poderia ser generalizado. eram exemplares igualmente plausíveis. mas havia evidência abundante de que a organização local e os sistemas de parentesco dos caçadores-coletores não era uniforme. Os etnógrafos de outros grupos de bosquímanos no Kalahari sugeriram um enfoque crítico diverso. baseando-se no fato de que todos praticavam o “modo de produção familiar”. Homens caçam. mais adequado para se alimentar a si mesmos e aos filhos de uma mulher. Suas formas de vida eram adaptadas a essa situação. mas não há maneira pela qual a evidência arqueológica pode estabelecer se eles eram organizados em grupos familiares. lado a lado com vizinhos que praticavam o pastoreio ou a agricultura. pastores. milhares de anos de história intervieram. mesmo para os mais aventurosos pesquisadores de campo. As etnografias de caçadores e coletores presentes contemporâneos registra uma variedade de aventurar algumas instituições sociais e crenças religiosas. Quando estudados nos séculos XIX e XX suas vidas haviam sido definitivamente transformadas pelos encontros com fazendeiros. Afinal. e mesmo suas características comuns podem não ter sido compartilhadas pelas populações do Alto Paleolítico. não há líderes poderosos. Eram todos cidadãos ou sujeitos desfavorecidos do Estado moderno. se dividiam seu trabalho entre homens e mulheres. Todos os caçadores-coletores viveram por gerações.exemplo. uma história que tem tratado rispidamente os caçadores-coletores. milagrosamente sobrevivendo com suas instituições do Alto Paleolítico intactas. se praticavam monogamia ou poligamia. há pouca diferenciação social. Sabemos que as sociedades do Alto Paleolítico eram populações em pequena escala de caçadores e coletores. qualquer que tenha sido a sociedade forrageadora contemporânea que escolhida como representante da população da Idade da Pedra. exceto por aquela entre homens e mulheres. mesmo se se pudesse definir o que significaria sociedade primitiva. mas pode-se generalizações plausíveis. comerciantes e missionários. . relações de troca são altamente valorizadas. que os sistema de parentesco de alguns dos povos bosquímanos de Kalahari tinha mais em comum com os pastoris vizinhos Khoi ou hotentotes do que com os sistemas de parentesco de outros bosquímanos Kalahari. há diferenças substanciais entre estas sociedades. algumas vezes por séculos. Não houve primeiros caçadores-coletores. Resulta que. O casamento e a família são universais. obrigando-os a adaptaremse a vizinhos incômodos. ou se tinham chefes (muito menos se este ofício era transmitido por herança). disponíveis para investigação. esta não poderia ser estudada empiricamente. se adoravam totens. Porém.10 Em todo o caso. apenas homens caçam. direcionando-os a refúgios inóspitos. a crítica revisionista se manteve relevante. nosso éter. os antropólogos se ocuparam por mais de cem anos com a manipulação de um mito que foi construído por juristas especuladores no final do século XIX. por sua vez. uma vez que as suas afirmações básicas foram diretamente contraditas pela evidência etnográfica e pela própria lógica da teoria evolucionária. Freud. Boas e Malinowski). Até recentemente. No entanto.O termo primitivo deveria ser usado para representar o ponto de partida de uma história comum. A persistência do modelo é particularmente problemática. Ainda assim. Durkheim. através do qual todas as populações passam. homens com agendas políticas muito diversas. alimentou uma variedade de posições ideológicas. Os comentadores britânicos e americanos da sociedade primitiva estavam também reagindo a uma variedade de eventos políticos. levantaram a grande questão se os seres humanos tiveram todos uma origem comum . Certamente a idéia de sociedade primitiva poderia e. Os argumentos sobre a escravidão. e Kropotkin. esta é uma medida clássica de sucesso evolucionário. a história da teoria da sociedade primitiva é a história de uma ilusão. estavam Engels. Entre os seus mais celebrados protagonistas. uma vez que o registro arqueológico permite pouca informação sociológica. mil anos atrás. ou expandidas para abarcar a história das instituições sociais. em velocidades diferentes. de fato. estas observações não podem ser traduzidas em uma história das sociedades efêmeras com fronteiras incertas. Hoje há mais de seis bilhões de pessoas no planeta. a população humana total era de aproximadamente oito milhões. A rebelião de Morant Bay na Jamaica e a Guerra Civil nos Estados Unidos reviveram debates anteriores sobre a escravidão. Westermarck. Uma maneira comum de justificar a persistência de um mito é supor que este possui funções políticas. Uma história coletiva e progressiva da humanidade é plausível se restrita ao desenvolvimento tecnológico. e ao crescimento secular da população humana como um todo. As dificuldades foram claramente colocadas por acadêmicos notáveis no final do século XIX e início do século XX (marcadamente Maine. Mais do que qualquer outra coisa. A persistência de uma ilusão Em termos claros. É nosso flogisto [phlogisto]. que foram calorosamente debatidas em círculos antropológicos. Durkheim sobre a transformação das formas mecânicas para as orgânicas de solidariedade. Cada um concebia o novo mundo em contraste com a “sociedades tradicionais”. o desencantamento do velho mundo. portanto. Mas. Os europeus na segunda metade do século XIX acreditavam que estavam testemunhando uma transição revolucionária. era a idade da ciência. A sociedade primitiva deve ter sido. ela não era necessariamente associada a uma única posição política. A sociedade moderna era definida. mas por detrás desta “sociedade tradicional” eles discerniam uma sociedade primitiva ou primeva. no entanto. acima de tudo.ou se as raças era espécies separadas.11 O desenvolvimento do Império Indiano e a colonização da África incitaram questões mais fundamentais. Tönnies sobre a mudança de comunidade para associação. sobre a natureza do governo e da própria civilização. a família monogâmica e a propriedade privada. a qual configurava a verdade antítese da modernidade. Estas questões dividiram os antropólogos vitorianos. um número de antropólogos decidiu que as questões religiosas eram ainda mais urgentes. a Sociedade Etnológica de Londres e a Sociedade Antropológica de Londres. ainda que a sociedade primitiva fosse boa para pensar. Marx definiu uma sociedade capitalista emergindo de uma sociedade feudal. Houve também uma progressão na mentalidade. Na Alemanha. A modernidade. à medida em que os intelectuais começaram a se familiarizar com o desafio de Lyell e Darwin ao relato bíblico autorizado da História. Em suma. pode ser que algo ainda mais fundamental que as preocupações religiosas ou políticas tenha feito as sociedades primitivas parecerem tão boas para pensar. O homem primitivo era ilógico e supersticioso. pelo Estado territorial. por sua vez. a burocratização. ao mesmo tempo em que a idéia de sociedade primitiva era relevante para um grande número de grandes questões políticas. Isto não significa que não houvesse . No fim. produzia mais uma mitologia que uma ciência. ordenada por laços de sangue. sexualmente promíscua e comunista. e eles formaram então duas associações rivais. com ancestrais diferentes. especulações sobre a cultura nacional e o Volksgeist alimentaram a crença comum que as sociedades eram baseadas em sangue ou terra. Além disso. Weber estava para escrever sobre a racionalização. As sociedades tradicionais eram submetidas à religião. nômade. mas estas idéias românticas eram contestadas pelos antropólogos liberais em Berlim. ao menos às vezes. Até aonde ele está correto. Mas. insiste Lévi-Strauss. este livro é em grande medida uma consideração das transformações de uma ilusão dentro de um discurso cada vez mais hermético. E. inversões e simetrias”12. há certamente uma grande diferença entre o ideal estabelecido de pensamento científico e o que Lévi-Strauss chama de “a lógica do concreto”. de acordo com Lévi-Strauss. ele desenvolveu o tema de que a imaginação “selvagem” (ou inculta. de seus predecessores. Não havia nada particularmente primitivo sobre essa forma de pensamento. “Alguns elementos saem. já é modificado através troca de narrador”. O entendimento deveria avançar. contradições. no entanto. variações das quais. “Um mito. 13 Em o Pensamento Selvagem. se um argumento avança virando um argumento anterior de cabeça para baixo. não domesticada) trabalhava em formas comparáveis ao pensamento científico sofisticado. colocando de forma simples. as transformações são realizadas por manipulações sistemáticas do mito como um todo. “O tipo de lógica no pensamento mítico é tão rigoroso quanto o da ciência moderna”. assim que passa a existir. Não se volta atrás na ciência. “e a diferença reside não na qualidade do processo intelectual. Uma série de transformações estruturais tende a acabar onde se iniciou. e são substituídos por outros. então em algum momento alguém irá efetuar uma transformação seguinte colocando-o na posição inicial.desenvolvimentos na teoria. mas mesmo as mitologias também não são estáticas. Essas transformações não resultam simplesmente em mudanças pequenas. e talvez nós todos pensemos. tais como contrários. Antes. De fato. mas na natureza das coisas ao qual este é aplicado”. ainda pertencem ao mesmo conjunto”. e aos processos que produzem grande arte. e elas produzem “relacionamentos distintos. mesmo mecânicas. em diferenças que podem ser reduzidas a “pequenos incrementos negativos ou positivos”. ainda assim. As teorias científicas deveriam ser aperfeiçoadas. cientistas podem pensar de algum modo como artistas. teorias científicas podem ter muito em comum com os mitos amazônicos. . e a estrutura modificada se move em uma série de estados. as seqüências mudam de lugares. E parece que modelos sucessivos de sociedade primitiva representam transformações diretas. como os índios amazônicos. muito menos que elas foram orientadas por alguma dinâmica interna para gerar uma série comum de transformações. Até onde eu saiba. deveria sem dúvida. mas é um tanto inacreditável que a ação desta força fosse uniforme do início ao fim. as mesmas transformações da constituição social sucedessem uma à outra em todos os lugares. que ele expôs em 1838. ao longo do tempo. Foi por estas razões que Henry Maine. As teorias darwinianas direcionam a atenção para variação. Darwin colocou esse famoso silogismo em seu “Notebook on the Man”. para a diversificação.Entra Darwin É freqüente ver a rejeição da realidade da sociedade primitiva como uma negação do Darwinismo. – Ele que entende baboon faria mais pela metafísica do que Locke.14 A origem do homem “Origem do homem agora provada. Uma vez que as variações ecológicas restringem a organização social. de forma uniforme. Uma das poucas coisas que pode seguramente ser dito sobre as primeiras sociedades humanas é que elas devem ter representado uma variedade de adaptações. Mesmo o amor divino era uma função da organização do cérebro – “oh. durante o vasto capítulo de seu crescimento. especialmente quando a tecnologia é simples. um darwiniano poderia relutar em acreditar que as primeiras sociedades tiveram todas a mesma forma. produzir um resultado uniforme. Uma grande força residindo nas profundezas da natureza humana. para a adaptação a condições locais e. um não-darwiniano. rejeitou a idéia que todas as sociedades tinham passado pelos mesmos estágios. embora fossem maiores e presumivelmente mais complexos. “Se as várias faculdades mentais gradualmente se . a despeito das grandes variedades que acompanham a luta inexorável pela existência. e nunca estagnada. haveria diferenças consideráveis na estrutura social. Isto era óbvio para alguns dos antopólogos vitorianos.”15. seu Materialista!”16 Huxley havia demonstrado que os cérebros humanos eram estruturalmente similares aos de outros primatas. senão simultânea. o qual não está ainda totalmente escrito. não há nada na história registrada da sociedade que justifique a crença de que. Seu tema central era que todas as atividades mentais podem ser reduzidas a processos neurais. – A metafísica deve florescer. conseqüentemente. Em base puramente teórica. Nada poderia ser menos verdadeiro. e que eram os mais hábeis ao se defender. . concluiu Darwin. ainda que elas tenham sido um sucesso para a comunidade. comparado com a mesma proporção no gorila ou no orangotango.”22 Havia um paradoxo aqui. criariam um número maior de filhos. “Sabe-se que os selvagens sofrem severamente de fomes recorrentes. mas seu alto desenvolvimento entre seres humanos foi o resultado de uma seleção natural “auxiliada pelo hábito adquirido”. o cérebro quase certamente se tornaria maior”. está claramente associada com seus poderes mentais maiores”17 A especialização do cérebro foi uma conseqüência da seleção natural.desenvolvessem. As “qualidades morais” se desenvolveram e se espalharam através da seleção natural. quando o cérebro é inculcável. “Podemos ver que. nos costumes e nas tradições da nação. e reforçados pela opinião pública. eles não reforçam sua comida por meios artificiais. eu presumo. Eles raramente abstém-se do casamento. eles devem estar sujeitos a ocasionais lutas severas pela existência.20 Inteligência e princípios morais se desenvolveram juntos. à medida em que as sociedades avançaram. Porém. elas ficaram progressivamente adeptas a assimilar valores morais. neste estado mais rudimentar de sociedade. e de um um alto padrão de excelência. cresceriam em número e suplantariam outras tribos. e geralmente se casam jovens.” 21 “Assim. Os selvagens viviam nas mesmas condições que os outros animais. Um senso moral podia ser encontrado entre outros animais. que inventavam e usavam as melhores armas ou armadilhas. “Ninguém. Estes indivíduos favorecidos também se reproduziriam fora do grupo. as qualidades morais e sociais tenderiam a avançar lentamente e a serem difundidas pelo mundo. impresso pelos homens mais hábeis e melhores. isto aconteceu com algum custo ao indivíduo. os indivíduos que eram mais sagazes. “As causas mais eficientes do progresso parecem consistir de uma boa educação durante a juventude. As tribos que incluíam o maior número de homens dotados dessa forma. e os favorecidos sobreviverão sozinhos”18. E. Conseqüentemente.”19 O desenvolvimento do cérebro também promoveria qualidades sociais e morais (as quais Darwin reconheceu serem de uma importância maior que a simples inteligência). duvida que a grande proporção que o tamanho do cérebro do homem ocupa em seu corpo. A sobrevivência era extremamente incerta. incorporado nas leis. e. as ferramentas e vários estratagemas para procurar comida e se defender. As pessoas protegiam seus parentes mais fracos e até os encorajavam a se reproduzir..argumenta que o homem. e nas espécies domesticadas o reprodutor impõe suas próprias exigências. Darwin lamentava que os homens agora escolhiam suas mulheres com critérios frívolos. e por se sacrificar pelo bem comum. a seleção natural tornava-se menos decisiva. seriam vitoriosos sobre a maioria das outras tribos: e isso seria seleção natural. ele citou as visões de Alfred Russel Wallace.. selecionando por qualidades que podem não funcionar muito bem na natureza.Não deve ser esquecido que. Riqueza e poder eram herdados. Darwin observou com preocupação que os ganhos da seleção natural estavam sendo dissipados inconseqüentemente nas sociedades modernas mais avançadas.24 “Evolucionismo” ou Darwinismo? .. enquanto que os pobres reproduziam como coelhos. obediência. depois de ter adquirido parcialmente aquelas faculdades morais e intelectuais que os distingüe de animais inferiores. teria se tornado pouco propenso a modificações corporais através da seleção natural ou quaisquer outros meios. com a ajuda do fogo. ele achava que os seres humanos haviam se tornado espécies domesticadas. por possuir em alto nível o espírito de patriotismo. Uma tribo incluindo muitos membros.. estiveram sempre prontos a ajudar um ao outro. fidelidade. co-autor da teoria da seleção natural: Sr Wallace. mesmo se os herdeiros fossem inaptos. ainda assim um aumento no número de homens bem-dotados e um avanço do padrão de moralidade certamente dará uma vantagem imensa de uma tribo sobre a outra. cozinha o alimento que seria indigesto de outra foma. Quando migra para um clima mais frio usa casaco. Mesmo em um tempo remoto ele praticava alguma divisão do trabalho. Ele auxilia seus companheiros de muitas maneiras e antecipa eventos futuros. No entanto. Sobre esse assunto. e que homens ambiciosos e bem-sucedidos tendiam a adiar o casamento e ter poucos filhos.23 Mas isto é seleção natural? Parece mais com o que hoje é desdenhosamente descrito como “seleção grupal”. A doutrina de Darwin tratava da seleção natural funcionando sobre os indivíduos. embora um alto padrão de moralidade garanta pouca ou nenhuma vantagem ao indivíduo e seus filhos sobre os outros homens da mesma tribo. constrói abrigos e faz o fogo. Tampouco os indivíduos mais adequados eram necessariamente recompensados com vasta prole. Darwin concluiu que.. Ele inventa as armas. os quais. coragem e simpatia. à medida em que a tecnologia avançava. outrora do HMS Beagle. esses antropólogos pioneiros foram convencionalmente agrupados como “evolucionistas”.”25 Admitamos. J. mas possivelmente foi seu tio rico. a teoria darwiniana ofereceu um número de pistas distintas.Nas duas décadas que se seguiram à publicação da Origem das Espécies. Os autores destes livros (que incluíam mais notavelmente Maine. classicistas e teólogos. Ele não foi certamente o pai da antropologia evolucionária. “mas é um tipo de importância impossível de estimar precisamente. A tese de que os seres humanos tinham evoluído dos macacos africanos perturbou profundamente muitos contemporâneos. Lobbock. Charles Darwin. ao menos. o qual ocorreu em Oxford. Tylor. McLennan e Morgan) desenvolveram um discurso coerente novo. em 1859. Quando a antropologia se estabeleceu nas universidades no século XX. No entanto. através de vários estágios intermediários. e foi possível selecionar dentre elas. surgiram uma série de monografias que lidavam de uma maneira nova e urgente com a sociedade primitiva. O Bispo Wilberforce quis saber se Huxley descendia de um . e a elevação da ciência em detrimento da magia e da religião. para o companheiro de um das suas viagens. eles geralmente concordavam (embora Maine tenha tido suas dúvidas) que um avanço direto poderia ser estabelecido a partir da sociedade primitiva. e as histórias da disciplina começaram a ser escritas. “Darwin foi sem dúvida importante”. e estavam mais impressionados pelas lições de filologia comparativa que pela biologia darwiniana.W. Em termos de profissão. os antropólogos pioneiros eram juristas. até a sociedade moderna.26 Fitzroy estava suficientemente preocupado a ponto de comparecer ao famoso debate sobre A Origem das Espécies de Darwin. “eu. em junho de 1860. Burrow protestou contra a invocação ritual do nome de Darwin para explicar a natureza da antropologia vitoriana. não posso achar nada 'enobrecedor' na idéia de ser um descendente mesmo do mais antigo primata”. Referindo-se mutuamente aos seus trabalhos. a evolução do casamento e da família. No entanto. concluiu Burrow. e a despeito das diferenças sobre muitas questões que pareciam ser para eles de importância decisiva. “Meu querido e velho amigo” escreveu o capitão aristocrático Robert Fitzroy. um tio rico não deve ser desconsiderado. Eles estavam mais suscetíveis à influência de historiadores e filósofos do que aos achados dos cientistas naturais. Tylor prefere decididamente falar simplesmente em 'desenvolvimento' da cultura. por sorte. James George Frazeer. Porém.. escreve Burrows. caso contrário. Houve uma comoção na sala. Huxley murmurou ao seu vizinho. Mesmo o fiel Huxley era cético. Marrett . tampouco Tylor ou Mc Lennan fizeram muito uso da teoria da seleção natural”. E. embora gostassem de citar o mote de Spencer sobre “a luta pela sobrevivência”. “e Spencer a utilizou apenas como um adorno para uma teoria que ele já havia desenvolvido”.28 O considerado pai da antropologia britânica. e expressou seu arrependimento por ter dado a Darwin a oportunidade de coletar fatos para basear uma teoria tão chocante. e respondeu: “Se eu tivesse que preferir um primata miserável como avô ou um homem altamente dotado pela natureza e possuidor de grandes meios e influência.a preferencialmente sonora frase 'evolução'. “O Senhor o entregou em minhas mãos”. talvez sem prestar muita atenção às suas implicações filosóficas. durante a qual Fitzroy se levantou.27 Darwin. Até mesmo os antropólogos mais simpaticamente inclinados trataram o restante da teoria darwiniana como um menu a la carte.. seu darwinismo não foi tão longe. mas. agitou uma cópia da bíblia. a doutrina da descendência comum havia sido amplamente aceita pelos biólogos e antropólogos britânicos. No entanto.30 O antropólogo de Oxford R. quando ele publicou The Descent of Man em 1871. “Embora ele usasse ocasionalmente. mas que emprega estas qualidades com um mero propósito de trazer o ridículo para uma discussão científica séria – eu afirmaria sem hesitação minha preferência pelo primata”. a qual Darwin tomou de Herbert Spencer.B. estava muito doente para comparecer à reunião em Oxford (problemas estomacais).macaco pelo lado da família de sua avó ou da de seu avô. “Nem Maine. Os antropólogos em geral ignoraram a questão. Ele hesitou por uma década antes de se expor novamente. implorou à audiência para acreditar na palavra sagrada de Deus.R. Afinal.Tylor foi um ortodoxo suficientemente darwiniano “sempre quando ele deve se pronunciar sobre os problemas físicos relacionados à descendência humana” observou seu biográfo. o princípio da seleção natural foi contestado por biólogos que estavam próximos a Darwin.”29 O antropólogo vitoriano mais amplamente lido. não mostrou interesse algum pela teoria darwiniana. ele não estava otimista com a recepção de suas idéias. em seu livro Antropologia. ou evolução. No entanto. O lamarckismo tinha seus altos e baixos. à medida em que progrediam. ou lei. De acordo com Lamarck. publicada em 1934. a qual ele teve que proferir em seu papel de secretário permanente da Academia Francesa de Ciências). que a contribuição principal de Darwin era estabelecer a origem natural das espécies humanas. O grande biólogo francês Cuvier havia denunciado o lamarckismo logo após a morte de seu autor (usando a ocasião da discurso fúnebre formal. assim como Marett. e que eram transmitidas à seus descendentes. Julian Huxley chamou este momento de “eclipse do darwinismo” e isto durou até a síntese evolucionária das décadas de 1930 e 1940 ter unido a teoria darwiniana e a genética mendeliana. Não apenas espécies inteiras mudaram e melhoraram. Alfred Haddon. Ele concluiu. todas as espécies tinham um desejo inato de progredir e. o darwinismo perdeu espaço entre os biólogos na última década do século XIX. o próprio Darwin. Além do mais. elas se tornavam cada vez mais complexas e eficientes. publicado em 1911. que a “Antropologia é o filho de Darwin”. mas cada indivíduo devia adquirir características novas e melhores em seu próprio curso de vida. muitos biólogos notáveis na França se descreveriam como lamarckianos até o final do século XIX e. que iniciou a carreira como biólogo. na Alemanha. Um movimento neolamarckista floresceu nos Estados Unidos durante a década de 1880. Os avanços tomavam forma de grandes saltos. Qual é a verdade que o darwinismo supõe? Simplesmente que todas as formas de vida no mundo estão relacionadas. Ernst Haeckel era tão darwiniano quanto lamarckista. E que as relações manifestas no tempo e no espaço entre as diferentes vidas são suficientemente uniformes para serem descritas sob uma fórmula geral. Jean-Baptiste de Lamarck.admitiu.32 Uma teoria lançada em 1800 por um biólogo francês. mesmo na Inglaterra. ao menos algumas vezes. Esta noção de que os traços adquiridos em uma geração poderiam ser passados às próximas foi compartilhada pela maioria dos biólogos ainda no fim do século XIX e início do XX.31 Sua contrapartida em Cambridge. Lamarck também acreditou que as mudanças evolucionárias eram de fato revolucionárias. fez apenas duas breves referências a Darwin em seu History of Anthropology. incluindo. voltou a ficar em voga. ele enfatizava a teoria da descendência comum e não tinha nada a dizer sobre seleção natural. mas assim como Tylor. quando adquiriu . “do absurdo de Lamarck da 'tendência ao avanço'.34 Ao contrário. Darwin oferecia a garantia de que a história dos seres humanos era uma.quase todo o mundo civilizado. 'adaptações a partir da lenta disposição dos animais'. Charles Lyell. “Que os céus me protejam”. ainda que em passos lentos e interruptos.uma tendência fortemente teológica. e Spencer por sua vez influenciava um número de pensadores sociais. e o próprio Darwin olhava a teoria com desprezo. de uma condição baixa para um padrão mais alto até agora obtido através do conhecimento.. na moral e na religião.35 . Ele também propiciou uma explicação biológica para o progresso gradual de racionalidade – na medida que os seres humanos se desenvolviam. é ter uma baixa e desprezível visão da natureza humana. Burrow está certamente correto: a influência direta da teoria darwiniana sobre o pensamento das primeiras duas gerações de antropólogos foi difusa e freqüentemente superficial. Nós deveríamos olhar para trás e exultar: Dificilmente poderia haver dúvida de que os habitantes de. Mas ele não perturbou as idéias sobre progresso cultural que os vitorianos herdaram dos filósofos do século XVIII. e a moralidade junto com ela. incluindo vários dos antropólogos vitorianos. Darwin estava confiante que a civilização havia progredido. É aparentemente uma visão mais verdadeira e mais animadora a de que o progresso tem sido muito mais amplo do que o retrocesso. etc”33 Mas o tratamento de Lyell foi tão suave que ele converteu o filósofo social Herbert Spencer ao Lamarckismo. Acreditar que o homem foi civilizado de forma aborígene e depois sofreu degradação completa em tantas regiões. Na Grã-Bretanha. Frazer e Marret. escreveu ele devotamente. estiveram alguma vez em uma condição de barbárie.. Para Tylor. de que o homem tem emergido. seus cérebros se tornavam maiores. Morgan. mesmo se pudesse ser conferida maior ou menor importânciase à diferenciação racial. o mentor de Darwin. havia publicado toda uma crítica a respeito de Lamarck. 200. 250.19 30 O índice para a biografia oficial. Descent of Man. Jr. Wilmsen.114 26 Janet Browne. Lee.J. 1871. 218-19.Marrett. pp. 1989.115 29 R. 675. 1936. Land Filled With Flies: A Political Economy of the Kalahari.p. Ver Janet Browne. Descent of Man. Capítulo 7. Women and Work in a Foraging Society. Man the Hunter. Charles Darwin: the Power of the Place. Darwin.94 27 Para uma narrativa completa da famosa reunião de Oxford. 31 R. p. Darwin. 1989. The Naked Man. Charles Darwin. Descent of Man. Essas teorias foram lançadas em Lee and DeVore.81. Adrian Desmond and James Moore. p. 1989. Capítulo 1. W. 196. 5 Richard Lee and Irven DeVore (eds) 1968. Descent of Man.G. p.Frazer. 199. p. Victorian Anthropology. 1974. p. p. Stocking. Descent of Man. 6 R. 2002. 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 Darwin. p. 1963. Charles Darwin: the Power of the Place. Jordanova. 281. Ver Alan Barnard. Tylor. 220. p.Burrow. p. p. Gruber. 1966. 4 Lewis Binford. pp. p. Researches into the Early History of Mankind. 35-6. Descent of Man. Burrow. Capítulo 5 35 Darwin.R. 1883. p. Marrett. 195-196 25 J. 277. Darwin on Man. 33 Citado em L.224 . Victorian Anthropology. pp.94 28 Burrow. Evolution and Society. Darwin. The !Kung San: Men.Trinkhaus (ed. 8-9 32 Ver Peter J. 1987. p. 7 Marshall Sahlins.Descent of Man. Man the Hunter.R. 'The original affluent society' in Sahlins Stone Age Economics. and Selection in Relation to Sex. Claude Levi-Strauss. 1983. 1987. Structural Anthropology. J. The Eclipse of Darwinism. B. 230. ix. p. p. Anthropology. p.W. Darwin. Ver J. p.106 34 George W. 203. Tylor. 1911.1 2 E. 8 9 10 11 George W. 1991. Darwin. Dissertations on Early Law and Custom.) The Emergence of Modern Humans. Henry Maine. Descent of Man. p. 1984. The Human Career. B. Hunters and Herders of Southern Africa. Howard E. Claude Levi-Strauss. Stocking. A Liberal Descent: Victorian Historians and the English Past. The Descent of Man. 1972. 906. 1981. 1865. Edwin N. 1992. 1981. Evolution and Society. 'Isolating the transition to cultural adaptations' in E. p. 3 Richard Klein. 1979. de Robert Ackerman (1987) possui apenas três breves referências a Darwin. Bowler. p. Darwin. Darwin. Lamarck.
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