Para Uma Interpretação Crítica Da Obra de Camilo Pessanha

June 8, 2018 | Author: Cris | Category: Symbolism (Arts), Poetry, Time, Semiotics, Cognitive Science


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PARA UMA INTERPRETAÇÃO CRÍTICA DAPOESIA DE CAMILO PESSANHA João Décio A revisão da bibliografia crítica em torno de Camilo Pessanha destaca alguns trabalhos de interesse fundamental, alguns relativos outros pela maior ou menor profundidade com que se abeiraram do autor da Clepsidra. Em primeiro lugar, destaque-se o lúcido embora que breve ensaio de Óscar Lopes, "Pessanha ou o quebrar dos espelhos" onde o crítico cuidadosamente se remete ao estudo da problemática simbolista do poeta português. (1) Estender-nos-emos mais adiante, na análise da posição de Óscar Lopes, quando estudarmos minuciosamente sua contribuição à compreensão da poesia de Camilo Pessanha. Ester de Lemos comparece com u m livro: A Clepsidra de Camilo Pessanha, que constitui tão-sòmente u m estudo temático e estilístico, mas sem maiores profundidades. Trata-se aliás de uma tese de licenciatura que ligeiramente refundida se transformou em livro. Antônio Dias Miguel comparece com u m livro alentado: Camilo Pessanha: vida e obra, mas praticamente apenas no final o autor, muito timidamente, levanta uma pequena problemática de ordem conteudistica no tocante à obra. No geral fica-se n u m estudo exaustivo e por vezes cansativo dos lances biográficos de Camilo Pessanha: João Gaspar Simões é autor de u m livro: Camilo Pessanha, o homem e a obra, mas rigorosamente apenas uma pequena parte é consagrada ao estudo da poesia, riquíssima, aliás, da Clepsidra. (1) Ler e depois, p p . 194-206 em dois ou três teóricos da poesia: Carlos Bousõno. Em alguns momentos nos interessarão igualmente a análise em extensão e profundidade de alguns textos antológicos de Camilo Pestanha e aqui estamos pensando em poemas como "Caminho". de retenção de momentos de ordem psicológica. E m linhas gerais aqui estão propostas algumas das diretrizes que vão nortear esta breve introdução crítica à poesia e à poemática de Camilo Pessanha. como se realiza êle poeticamente. intentamos analisar a obra de Pessanha baseados numa teoria da poesia. Temáticamente. O primeiro é autor de u m livro fundamental. Ora. Camilo Pessanha. também nos interessará o autor da Clepsidra. ou melhor. ou melhor. porque u m texto é poético. Octavio Paz é autor de u m livro vibrante e bastante aliciador: El arco y la lyra. receptora. da coisa poética em Camilo Pessanha. fática. a angústia metafísica e o erotismo. cobrindo u m campo que vai desde a determinação do poético. considerando-a como momento de fulguração. Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. cujo título é Teoria de la expresión poética. meta-lingüística. "Estátua" e "Chorai arcadas". que incide na análise da poesia. e Georges Mounin. passageiros e maiores possibilidades de se manterem. naquilo que apresenta de mais relevante: o lírico amoroso. Enfim. e preocupa-se especialmente com o problema da poesia como conhecimento e com a simbologia poética. à luz das várias funções da comunicação literária (emotiva. Octavio Paz e Georges Mounin. é mostrar porque a poesia é poesia. "Quem rasgou.— 276 — Nesta oportunidade. quais sejam. De outro lado. interessar-nos-á a abordagem estruturalista. Assim. referencial e poética) proposta por Roman Jacobson. tentaremos dentro de uma perspectiva mais atual e moderna da crítica literária apontar o que de mais importante apresenta a poesia de Camilo Pessanha. quem poluiu meus lençóis de linho". acrescente-se que se trata também de u m poeta de grande altitude. autor de La comunication poétique. Assim cremos. desde os elementos conteudísticos até os formais. nos oferece riquíssimas possibilidades de abordagem e é o que pretendemos fazer. a fundamentação em teóricos da poesia se explica porque o que pretende agora é localizar o poético. . até determinarmos tematicamente as sugestões que o poeta oferece a autores de nomeada do modernismo. aliás. realmente Camilo Pessanha. otimista. Portanto. já nem sequer se chora nos seus versos o pessimismo patético de Camões. porque se atém às razões do interesse despertado pelo autor da Clepsidra. pelo desprezo à glória literária. se tenha uma tão grande predileção por este poeta assim. porque desperta a curiosidade a poesia de Pessanha? E a resposta vem. nada de u m esteticismo de u m Eugênio de Castro. embora tão demissionário na obra e na vida oferece u m interesse muito grande à crítica literária. à revelia do poeta. e apesar de tudo. Antero ou Nobre". E é por isso que rigorosamente é o único simbolista que bem na l i nhagem poética de u m Paul Verlaine ou de u m Mallarmé. por outro lado. da renovação da poesia em Portugal. renovação que se const i t u i numa verdadeira viragem operada pela linguagem essencialmente simbólica e antiliterária de Pessanha. tão demissionário: Camilo Pessanha? É que. no início do trabalho: "Como compreender que se seja professamente. operada pela breve obra do poeta. tão desistente. refoge . começando pelo já lembrado ensaio de Óscar Lopes: "Pessanha ou o quebrar dos espelhos". um Antero ou u m Nobre. reaparece-se. Nada de romantismo remanescente senão decadente de u m Antônio Nobre.— 277 — E dentro do plano proposto. No trabalho em questão importa anotar inicialmente a seguinte idéia proposta por Óscar Lopes. o interesse reside especialmente nesta estranheza que é a temática e a linguagem da poesia de Camilo Pessanha. pelo menos na aparência. A pergunta ou melhor a interrogação é importante. Portanto. porque se lê. crendo que a vida faz (mediante nós) u m sentido. indiscutivelmente uma voz nova e estranha que surge no panorama literário de Portugal. revejamos a bibliografia. pelo fato de ter sido o único poeta rigorosamente simbolista. Sim. é que Camilo Pessanha. Quanto à aproximação com o pessimismo de u m Camões. que não publicou nada em vida ou quase nada e nem antes da morte revelou interesse em que sua obra poética fosse publicada. em primeiro lugar. de que tudo vale a pena se quisermos e que. pela excentricidade de sua poesia. porque se interessa. 194). da certeza atingida. têm. fria a consumados. e o homem revela-se numa unicidade temporal. nem pessimista nem otimista. a l q u i m i a d e c o n t r á r i o s . Aqui Óscar Lopes entra fundamente na temática e na posição mental de Camilo Pessanha. " alegria (p. visíveis à pedrinhas. mos. a p e n a . autêntica 195). antes de m a i s n a d a .— 278 — a isso. à s u f o c a ç ã o das grandes ou p e q u e n a s ânsias. A poesia de Pessanha. da superação do ser a si mesmo. Mais adiante diz Óscar Lopes: " A s i m p a t i a . u m a e x p l i c a ç ã o genérica- É que u m a alegria funda n u n c a p o d e n a s c e r de u m a i n s e n s i b i l i d a d e à d o r . agudamente apontada por Óscar Lopes é que assinala que a poesia de Pessanha está além de pessimismo ou do otimismo. com outros de extrema espiritualidade (é o caso de "Caminho". expressa na Clépsidra e nos poemas esparsos que na primeira edição não fizeram parte do volume. p e l o m e n o s e m p r i m e i r a a b o r d a g e m . a o tédio. unicidade carnal e espiritual. contemplapedacinhos transparência de u m a água sobre a q u a l u m n a v i o s i n g r a . esperanças. aliás. lírica d a a g o n i a . q u e u m l e i t o r c o m b a t i v o p o d e s e n t i r por certas personalidades literárias a f e i t a s a s e n t i r s o b r e t u d o o l a d o n e g a t i v o d a v i d a . d o a f o g a m e n t o . i n o d o r o e p o r isso t a m b é m e l a m i n e r a l i d a d e simples". os poemas de Pessa- . ou naquela d o naufrágio mas já f a s e f i n a l e m q u e s e r e n a m e n t e os e v o c a m o s . p o r vezes t e r n u r a . (p. daí que se integrem na sua poesia uma intensa vivência erótica (é o caso de "Vénus" e "Lúbrica" (sua primeira composição aliás). A segunda idéia de Óscar Lopes que nos leva a uma funda reflexão é a seguinte: " O q u e essa o b r a i n s i n u a é. u m a água que é a i m a g e m d o p u r o t e m p o i n c o l o r . A única observação que nos permitimos fazer nesta oportunidade é que essa lírica da agonia. pois sua poesia. nos seus v e s t í g i o s d i m i n u t o s de o s s o s ) vestígios m i n e r a l i z a d o s (conchas. pois é uma poesia do f i m . A supõe tensões. da sensação de ter atingido o l i m i t e . ou melhor. numa atitude em que o tempo é u m só (sua poesia parece revelar a síntese temporal presente. os m o t i v o s d e e l a n ã o v a l e r . passado e futuro). negações. "Quem rasgou quem pouluiu os meus lençóis de l i n h o " ) . revela antes a compreensão de verdades últimas para além dessas posições de pessimismo ou otimismo. que a poesia nos comunica ou u m sentimento ou uma emoção ou uma idéia. as relações essenciais do nosso estar m u n d o — essa aparente f r i e z a pode c o n t e r u m a g r a n d e e n e r g i a t e n c i a l . para apontar o predomínio das imagens sentimentais. Outra direção também importante. poesia é a comunicação de uma contemplação de u m conhecimento síntese do afetivo. c o m o P e s s a n h a . talvez. Mas voltemos às considerações de Óscar Lopes. é contida. e ainda levantada pela idéia apontada por Óscar Lopes. n o i n f i n i t é s i m o grandezas mais íntimas. o seu discurso poético no contexto da poética e da cultura portuguesa em geral. Para esse teórico da literatura. desde a extrema vivência sensorial. irradia-se para uma série de direções. até a mais forte vivência sentimental e chega à vivência metafísica. portanto percorre todos os graus do conhecimento poético. sensorial. Seria a tentativa de situar a poesia de Camilo Pessanha. De certa forma. A linguagem de Camilo Pessanha. a p u r a m . auditivas.— 279 — nha revelam posições extremas que vai desde a vivência erótica às simples vivências sensoriais menos profundas (visuais. Isto nos permitirá inicialmente. econômica. poesia é a contemplação de u m conhecimento de ordem afetiva. que muitas vezes extrapolam a própria literatura portuguesa. sugestiva. sensorial ou conceptual. este levantamento estatístico. conceptual. Como se pode deduzir do exposto. vale a pena assinalar o conceito de poesia proposta por Carlos Bousonõ. Ou mais rigorosamente. . é determinar em que sentido Camilo Pessanha continua uma tradição poética portuguesa e em que sentido êle supera e ultrapassa e dá novas dimensões à linguagem poética. até as maiores abstrações (caso dos poemas de angústia metafísica). c o m o as partículas físicas não (tão das no po- nucleares". u m levantamento estatístico. o problema do interesse que possa despertar a poesia de Camilo Pessanha. nos levará a compreender mais claramente como Camilo Pessanha i n t u i u o mundo e como no-lo transmitirá em seus poemas. sensoriais ou conceptuais nos poemas da Clepsidra. olfativas). adiante diz o crítico: E Mais c e r t a a p a r e n t e f r i e z a de a l g u n s p o e t a s q u e . E aqui. e s c o r r e m m a s s a s i n c a n d e s c e n t e s d e l a v a i m a s c o m intuição f i n a f i n a q u e p a r e c e q u a s e só i n t e l i g ê n c i a ) . Vai. quer d i zer. Novamente o crítico toca n u m ponto crucial. do tempo. parece ter sido Camilo Pessanha dos primeiros poetas a ter descoberto a dimensão do tempo. o caráter inovador do estilo e da comunicação é outro fator importante a se considerar na poesia de Pessanha. de .s e deste m o d o : incomensurabilidade (dinâmica) e n t r e os de- s e j o s . quando m e posso r e f e r i r a êle c o m u m f ô l e g o de e n s a i o ) . através de u m mundo de nebulosas vaguidades. Aliás. sequer. e os r e s p e c t i v o s o b j e t o s . n e m t e n h o q u a n t o a poeta. É a linguagem simbolista que é econômica. as r a z õ e s h u m a n a s . indecisos fora do tempo e do espaço. ou parnasiana e mesmo desconhecida do grande poeta da época do realismo do cotidiano. Cesário Verde. ou pelo menos a realidade material translingüística cede lugar a uma realidade de ordem espiritual. a tudo o mais) seu respeito ( c o m o aliás a d e f i n i t i v a m e n t e quereríamos. nisso também se antecipando à visão do tempo que nos apresenta." (p. da morte. Aliás. aqui está u m dos processos por assim dizer simbolista de Camilo Pessanha . no tocante ao tempo. ânsia d e i d e n t i f i c a ç ã o o u síntese e n t r e nós e a q u i l o q u e m a i s c a b a l m e n t e n o s ( o m i n e r a l i n e r t e . da dor. na sua totalidade. Assim alguns versos dos poemas simbólicos de Camilo Pessanha abrem para uma interpretação polivalente. (cuja análise Pessanha dispensado. respeito n e m a q u i l o que. comprimida era realmente algo novo e desconhecida da poesia romântica. fluidos. da vida. do sentimento platônico e participante. como "Quem poluiu. Esta linguagem econômica. u m Mário de Sá-Carneiro ou u m Fernando Pessoa. na sua primeira parte ou em "Castelo de Óbidos". É o que ocorre com poemas como "Caminho". o poeta opta pela linguagem da sugestão. pelo processo de sugestão. contida. 200). por exemplo. Assim. pode pois s u m a r i a r . quem rasgou os meus lençóis de linho". realista.- 280 — procurando antes sugerir que dizer diretamente e muitas vezes fazendo-o com o verso reticente. pelo processo do símbolo. etc. e com o uso de poucas palavras o poeta abre uma realidade ampla em torno do mundo. a m a t é r i a m o r t a ) . do caminho. Óscar Lopes continua: deste " O q u e até a g o r a s u m a r i a m e n t e a p u r a m o s n a t e m á t i c a t e m á t i c a aliás e n c a r a d a n o c o n c e r t o d e s u a estilística não dispensaria. a importância do fluir do tempo na poesia e na vida. ânsia a c o m p a n h a d a nega pela cons- ciência m a i s o u m e n o s i r ó n i c a d e q u e n ã o n o s p o d e m o s representar. Não acreditando na possibilidade de retratar momentos inefáveis. do erotismo. langage la ... ? N ã o era ela. Nesta altura. através da reflexão. P a r i s . atingir o inatingível. P o r q u e entristeço a s s i m . Após tanto a sonhaT. Éditions d u Seuil. é Jean Claude Renard u m teórico da poesia que nos permite comprender bem o poeta e a sua poesia. . A grande poesia é feita de contrários. 11.. é minha. . Desta luta interna. jasmim..m ê m e " . É ilustrativo o poema que se segue: Se andava n o j a r d i m . Realmente depreende-se de alguns poemas pessonianos a enorme distância entre o desejo infinito e a impossibilidade total de alcançar. na busca do que o elemento sensório e sentimental apresenta de essente. enfim. é o primeiro aspecto apontado pelo crítico. A h o r a do O a r o m a do jardim. . mas quando busca a essência do próprio elemento sensorial. ou sentimental. m a s s i m ( O que eu quis abraçar). A onda do l u a r . 1970. vê-se frustrado no seu intento. Vencida. deriva a grande atitude atingida pela linguagem poética de Camilo Pessanha. O poeta sente a possibilidade da vivência sensorial simples e vulgar. quando afirma: " L e p r e m i e r p r o b l è m e d u p o è t e est d e p a r v e n i r à se s e r v i r d u l a n g a g e p o u r e x p r i m e r son propre univers tout en laissant a u 2 liberté d e s ' e x p r i m e r l u i . de contradições íntimas ao nível do poeta e da poesia. ( ) (2) Notes sur la poésie.. Q u e c h e i r o de jasmim! T ã o branca do luar! Eis tenho-a j u n t o a m i m .— 281 — A tentativa de alcançar o inalcançável. p . .. até que ocorre u m momento que o poema é uma sintese do poeta e da linguagem. em última análise. Como se processa o fato respeitante ao autor da Clepsidra. É ao que parece o momento em que se constitui propriamente o estilo poético. No momento proposto por Jean Claude Renard. em última análise. . reside na comprensão do seu particular modo de encarar e revelar realidade. em que o poeta servindo-se da linguagem consegue exprimir seu universo e concede à linguagem a possibilidade de exprimir-se a si mesmo. O estilo de u m Camilo Pessanha portanto reside naquilo que êle apresenta de pessoal na linguagem de sua poesia e naquilo que a linguagem pode oferecer de recursos para a comunicação. E a compreensão dos poemas de Pessanha. terá realizado o seu estilo. de u m lado. põe-se o problema da poesia como iniciativa do poeta e de outro como iniciativa da própria linguagem. É o que veremos em artigos posteriores e que continuarão a série que nos propomos em torno da poesia de Camila Pessanha. no seu estilo.— 282 — Quer dizer.
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