MÉTODO DE AçÃo MUNICIPAL: ESTRATÉGIA METODOLÓGICA PARA AIMPLANTAÇÃO SUSTENTÁVEL DOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE DESENVOLVIMENTO DO BRASIL NO ESTADO DO CEARÁ, NORDESTE Cezar Wagnerde Lima Góis VISÃO DE MUNDO E METODOLOGIA DO TRABALHO COMUNITÁRIO 151 PREFÁCIO 173 CONSIDERAÇÕES SOBRE PRÁXISE PRÁTICACOMUNITÁRIA Prol Leoncio Camino Coordenador do Mestrado em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba Ana Luísa Teixeira de Menezes PARTE lU - APRESENTANDO EXPERIÊNCIAS DO CAMPO DE IDENTIDADESFRAGMENTADASNA LOUCURA CAPS: RECONSTRUÇÃO MariaAparecidaAlvesSobreiraCarvalho O CONHECIMENTOCOLETIVO PSICOLOGIA COMUNITÁRIA DE UM PROCESSO GRUPAL n 181 191 DO COTIDIANO DA CIDADE DE FORTALEZA Zulmira Áurea Cruz Bomfim NA RECICLAGEM DE LIXO: AS ENTRELINHAS Ana Luísa Teixeira de Menezes n n 201 PARTE IV - REFLETINDO SOBRE A CONSTRUÇÃO DO FUTURO PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNITÁRIA Israel Rocha Brandão MEMORIAL DOS AUTORES DESTE LIVRO SIGLAS UTILIZADAS NESTA OBRA 213 231 237 Quando os membros do NUCOM (NÚcleo de Psicologia Comunitária da Universidade Federal do Ceará) me solicitaram fazer a apresentação de sua primeira obra coletiva, acredito que estavam pensando em mim como um vizinho, como um parente, enfim, como alguém próximo a eles. E de fato, se tratando de uma obra de psicologia comunitária que não duvida em acentuar, sem temor, suas relações íntimas com o local de moradia e as vivências quotidianas que nele se desenvolvem, pode-se afirmar que a relação que possuo com o NUCOM se expressa muito adequadamente nesses termos regionais e comunitários. É, portanto, a partir das imagens concretas que surgem (~enossa convivência na comunidade nordestina que gostaria de apresentar as reflexões e emoções que a leitura deste livro tem me produzido. O primeiro marco que moldura as vivências entre eu, um paraibano de adoção, e meus amigos cearenses é precisamente o contraste entre proximidade e distância. Vivemos em estados vizinhos da região do Nordeste, mas de fato, praticamente mil quilômetros (l0 horas de ônibus) nos separam. Conforme avançava meu passeio nestes jardins da psicologia comunitária (o meu por que não quintal, mata, roçado, termos comuns no nordeste) mais me tomava, por um lado, a sensação de proximidade, de identidade, de experiência comum, de intimidade mesmo. Mas, por outro lado, crescia em mim o sentimento de dis- Masnãosão . a construção da psicologia comunitária no Ceará. que o objetivo último desta prática. sim. É esta ignorância que me leva a incorrer. mas colegas) se engajassem na obtenção dos objetivos comuns do Núcleo. não redutível. anunciado já na primeira página. não poderia ser outro que "a busca de colocar a ciência psicológica a serviço das classes oprimidas. conjuntamente com seus colegas. É evidente. foi se socializando na dinâmica das relações que manteve com as diversas comunidades com as quais colaborou. Mas quem. Neste sentido. os valores e normas que formam a sua identida~e social. de maneira nenhuma. entre os quais situa-se a vontade da razão prática. é através desta participação ativa e engajada que osjovens estagiários vão construindo. onde praticamente 2/3 da área construída é dedicada às salas de aula. Mas no caso do NUCOM pensamos que a transformação desta prática em verdadeira praxis pressupõe a combinação mágica da concepção de uma realidade social concreta. na qual as atividades em sala de aula representam a base da remuneração. Este objetivo fundamental desdobra-se tanto na necessidade de compreender os moradores e suas práticas enquanto pessoas e cidadãos como na vontade de facilitar processos de mudança social na comunidade. mesmo no interior de uma grande sel!1elhança. quanto à maneira como se distribuem as tarefas dos professores. de diferenciação. sendo as outras atividades consideradas freqüentemente como justificativas do regime da dedicação exclusiva. no meu ponto de vista.tância. de uma experiência acadêmica clássica. constata que não se trata. I( Na medida em que o NUCOM se colocou. etc. a priorização de uma intervenção psicológica sobre uma intervenção sócio-política. mas também. Fica evidente. Trata-se de uma experiência que se afasta radicalmente da noção de ensino que permeia todo nosso sistema universitário. não decorre dos fundamentos teóricos que são expostos nesta obra coletiva. numa heresia científica. do parentesco. São ücis capítulos enriquecedores. concernentes a perspectiva materiéilistae crítica utili~adana análise da realidade como a visão cósmica e biocêntrica proposta no 3Q capítulo como base epistemológica. neste momento. vem acompanhando há um bom tempo a prática deste grupo. criou condições efetivas para que os participantes (não mais alunos. Assim a prática no interior do NUCOM tem constituído não só fonte de desenvolvimento profissional dos estagiários participantes. relativamente contraditórios. verdadeiramente dialética. Basta observar tanto os nossos campi. subtraídas do acesso a esse saber". portanto. surpreendeu-me muito agradavelmente ver um conjunto de jovens alunos preocupados não com as mazelas acadêmicas de carga horária. relatórios. mas com o destino do NUCOM e as tarefas concretas impostas pelo desenvolvimento dos objetivos deste. o NUCOM. uma primeira característica comum me chamava a atenção: o acento na aprendizagem e não no ensino. De fato. Alias. como primeiro objetivo. Esta aprendizagem apoia-se tanto na prática dos estagiários com os comunitários quanto na prática destes (~omsua própria comunidade. o enorme acúmulo teóric9 que o NUCOM tem elaborado na sua trajetória. O NUCOM foi constituído inicialmente como um núcleo de estágio supervisionado de psicologia comunitária da UniversidadeFederal do Ceará. Do lado da vizinhança. que tem permitido o formidável acúmulo teórico do NUCOM que se manifesta neste livro. Não é que os ache mal elaborados ou pouco interessantes. totalmente contextualizada e em contínuo movimento. E é esta pratica. Não me perguntem como os meus amigos do Ceará fizeram esta alquimia. na leitura deste livro que o NUCOM por sua vez. como eu. mas na sua participação ativa ajudam o NUCOM a construir suas normas e a sua identidade social. Nada disso. a explicações psicologizantes e de uma profunda sensibilidade a este devenir dialético da realidade social ou que pressupõe. Aliás. desde o seu início. Pelo contrário. de estranheza. o NUCOM construiu um espaço muito rico de aprendizagem. onde são descritos dois pólos ou duas categorias. tem colocado a prática comunitária como o núcleo central de sua existência. Refiro-me tanto aos pressupostos apresentados no 2QCapítulo. Não saberia responder. fonte do desenvolvimento do NUCOM e das comunidades em que ele tem colaborado. Mas estes jo\'ens não se adaptam a um grupo ou instituiçãojá existente. nos primeiros contatos com o grupo do Professor Cezar Wagner. O Jardim era também um local na antigüidade clássica onde mulheres. escravos e cidadãos se encontravam para procurar a felicidade.ardim da infância. pois a atual sede do Núcleo é recente. que nada é mais prático que uma boa praxis. além de lideranças comunitárias. crianças. a afetividade vivenciada. É o lugar onde'se aprende a prática da psicologia comunitária e prepara-se o caminho para a profissionalização. professores e estudantes. políticos. Por um lado acredito que ele seja bastante rico e diversificado. talvez o que mais assemelhe o NUCOM e a história da psicologia comunitária cearense a um jardim é que este define-se como um local repleto das mais variadas espécies de flores. agradável e propício às paixões e à poesia. Entretanto. Por lá já passaram artistas. Por outro lado. Seria portanto justo deixar a cada leitor fazer suas próprias descobertas. dado ao seu caráter vivencial pressupõe-se que ele adquirirá facetas diferentes para cada leitor. educadores. neste caso.estas categorias que. portanto. APRESENTAÇÃO A idéia de um jardim é recorrente na história dos que fazem e fizeram o NUCOM. jardim dá a impressão de início: as crianças começam a sua incursão pelo mundo da educação formal. podemos nos perguntar qual é este acumulo teórico. Diria. um ambiente perfumado. Além disso. Finalmente. Os psicólogos também procuram a felicidade e o Núcleo sempre foi um espaço de encontro festivo de todas as pessoas. explicam a fertilidade da prática concreta do NUCOM. Ora o segredo da longevidade do NUCOM. Talvez no caso do NUCOM não se aplique o famoso enunciado: não existe nada mais prático que uma boa teoria. Primeiro porque praticamente toda a trajetória dos atores que passaram pelo movimento de psicologia comunitária feve como cenário dos encontros e reuniões do grupo justamente os jardins do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará. o prazer de estar junto com o grupo e a crença coletiva na proposta de trabalho. ao longo destes 18 anos. É um espaço onde se pode aprender um ofício. O NUCOM tem sido o jardim da infância dos estudantes de psicologia. ao meu entender. pelas aulas no . tem sido o cuidado que cada um sempre teve com o companheiro. os abraços dados com vontade e com carinho. Sempre chamou a atenção de todos no Departamento de Psicologia da UFC como aqueles jovens se abraçavam e sorriam e como . à zona rural e à periferia da cidade. a criança sonhadora. as pessoas simples das comunidades. Os ORGANIZADORES PARTE I ASPECTOS HISTÓRICOS E BASES TEÓRICAS . enfim.voltavam felizes das viagens ao campo. O perfume fica por conta da satisfação de estabelecer uma relação de ajuda com quem carece dela: a mulher trabalhadora. o homem do campo. 1996).21 o NÚCLEODE PSICOLOGIACOMUNITÁRIA À GUISA DE UM BREVEHISTÓRICO Ana Roberta Matos Mendes Silvia Barbosa Correia A compreensão da trajetória do Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM) é extremamente relevante para o entendimento da construção da psicologia comunitária no Ceará. Este projeto de atendimento psicossocial. uma vez que a partir de sua instituição. (GÓIS. quando o termo psicologia comunitária ainda não era muito empregado no Ceará. Os JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOBRE A TRAJETÓRIA DE UM MODELO TEÓRlCO-VIVENCIAL ' . em --- seu lugar de moradia e convivência. Nessa perspectiva. NUCOM desde sua origem. além de facilitar processos de mudança social no bairro. Utilizou-se. passou a ser uma das principais instâncias de referência para a construção desse novo enfoque da psicologia e para a formação de psicólogos comunitários. então. bem como o processo de crescimento de sua atuação junto'à comunidade rumo a transformação da realidade social e humana. que vinha sendo desenvolvido no Bairro Nossa Senhora das Graças do Pirambu desde 1980. que nasceu da busca de colocar a ciência psicológica a serviço das classes oprimidas. O NUCOM é fruto do processo de constr-ução da psicologia comunitária no Ceará. o nome de psicologia popular para um projeto que o Professor César Wagner de Lima Góis cadastrou no Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). tinha o objetivo de compreender os moradores e suas práticas enquanto pessoas e cidadãos. considerando a construção de sua organização interna. subtraídas do acesso a esse saber. Seus primórdios são vislumbrados no ano de 1982. este artigo pretende resgatar a trajetória do . VIVENCIAL / . havendo uma maior sistematização do trabalho a ser realizado. tornando-se evidente o crescente número de interessados pela psicologia comunitária entre os estudantes da UFC. tais como: dinâmica de grupo. gerenciando uma equipe de realização. 1996). Coordenação de treinamento e desenvolvimento. 1994). A atuação nos campos estava desenvolvendo-se. objetivando a avaliação e o intercâmbio entre 'as equipes dos campos. em abril de 1993. utilizando-se de instrumentos. o núcleo estruturava-se em torno de atividades administrativas internas. com uma pessoa responsável pelo desenvolvimento de cada atividade.que nessa época caminhava decisivamente rumo à especificidade. ficando a responsabilidade por cada atividade diluída entre seus integrantes. em 1992. direcionadas principalmente a atuação nos campos. a integração dos membros da comunidade. Os trabalhos iniciados no Pirambu. o trabalho comunitário desenvolvido objetivava a construção da identidade comunitária. o NUCOM apresenta às pessoas interessadas em integrá-Io. o Núcleo constituía-se pela Coordenação geral e de finanças.22 Em 1988. a Estrutura de Coordenações (ARAÚJO. Essa estrutura representou um salto qualitativo em termos de engajamento dos estagiários no desenvolvimento das atividades. grupos de estudo. a sua primeira forma de organização interna. No início de 1993. com supervisões regulares aos estagiários. A supervisão e assessoria ao núcleo eram desenvolvidas por César Wagner de Lima Góis. iniciou-se a elaboração do Método de Ação Municipal (MAM) que se consolidaria mais tarde nos municípios de Quixadá (1992 e 1993) e Icapuí (1993 e 1994). através dos municípios de Beberibe e Pedra Branca. o projeto de extensão transforma-se no Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM). uma Secretaria. na Praia da Taíba. Neste último. círculo de cultura. numa permanente busca de construção da psicologia comunitária. através de atividades com grupos de jovens. emjulho de 1992. que visava a capacitação dos estagiários e. a politização e a formação da consciência crítica.o projeto passa a ser identificado como Projeto de Psicologia Comunitária. um corpo de atuação e um saber específico . Assim. nacionais e internacionais. bem como na capacitação dos novos integrantes para posterior inserção nos campos de trabalho. enfim. com a missão de cuidar do seu funcionamento geral. Nesse período. são selecionados novos estagiários para o Núcleo. onde era desenvolvido um trabalho junto à Secretaria Municipal de Ação Social. o fortalecimento dos laços afetivos. rompendo com a estrutura eminentemente teórica do Curso de Psicologia da UFC. o município de São Gonçalo do Amarante. Ao final deste ano. Como fruto do aprofundamento da experiência. A metodologia baseava-se já na análise e na vivência da atividade comunitária. Nessa época. aliado ao esforço contínuo de sistematização teórica e de organização. Tal fato devia-se sobretudo a uma curiosidade em conhecer essa nova área da psicologia social. ZULMIRA ÁUREA CRUZ BOMFIM (ORGANIZA DORES) 23 des regularmente desenvolvidas eram coral. divulgação e trabalhos de campo. acompanhando o processo de constituição da psicologia comunitária . que cuidavam da infra-estrutura e atividades gerenciais. Com a realização do I Seminário de Planejamento do NUCOM. a Gerência de Atividades. com atividades para o crescimento e fortalecimento individual e das relações humanas de grupos específicos. em São Gonçalo do Amarante (CE). a melhoria das condições de vida. participação e promoção de eventos e capacitação profissional. aliada à necessidade de uma atuação junto à sociedade. institui-se uma nova forma de estruturação interna. engajada na promoção e participação em eventos locais. finalmente. foram ampliando-se para outros bairros de Fortaleza e para o interior do Ceará. As atividaISRAEL ROCHA BRANDÃO. os membros do núcleo agrupavam-se em equipes. conseOs JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOBRE A TRAJETÓRIA DE UM MODELO TEÓRlCO. Coordenação de acompanhamento e integração de campos. com método e campo próprios. de forma mais estruturada. ganha uma nova dimensão. o trabalho estava mais centralizado no processo de estruturação interna do núcleo. demarcando. assumindo uma postura de determinar e alcançar metas. Coordenação de divulgação e eventos. A partir daí. Os campos de atuação incluíam o município de Quixadá. oficinas de criatividade e biodança. com lugar fixo e próprio. responsável pelas atividades administrativas. nesse período (1992 a 1993). além da inserção na vida cotidiana da comunidade (GÓIS. sendo reconhecido como um espaço de crescimento acadêmico e de grande importância para a comunidade. Desde então. Nesta. objetivados pelo Núcleo. no município de Beberibe. que fazia parte do Conselho gerencial. Itaitinga. Nesse encontro foi definida a missão do núcleo: "FaciUtar a construção da identidade humana como expressão da vida social e comunitária". favorecendo a autonomia e autogestão. Na busca dessas metas. a professora Zulmira Áurea Cruz Bomfim . Jucás. Icapuí e Beberibe.Divulgar a produção teórica e artística do núcleo para um maior intercâmbio e integração no âmbito da psicologia comunitária. o NUCOM-Consultoria que. 1995). representou um marco para o NUCOM. pois. Foi criado. Os extensionistas atuavam nos municípios de São Gonçalo do Amarante. legitimando a necessidade de psicólogos comunitários para o des~volvimento social dos municípios. composto pelos cinco gerentes e três coordenadores gerais do núcleo. III . também fora do âmbito do Estado. considerando sua afinidade e disponibilidade para atingir cada objetivo. Nesse planejamento.. 11-Efetivar. realizado em Morro Branco.Racionalizar e otimizar os do núcleo e. como com o processo entre as várias comunidades de um município Os trabalhos do Núcleo vinham se expandindo consideravelmente. a saber: a preocupação com os estudantes que estavam se graduando e pretendiam continuar a atuação nessa área e a crescente demanda de trabalhos na área de psicologia social e comunitária. 25 desenvolvidos. resultaria na instituição de uma ONG. IV procedimentos administrativos . em Fortaleza. então. na Favela do Dendê e Bairro do Itaperi. em agosto de 1993. Dois aspectos principais contribuíram para esse novo enfoque. Do NUCOM-Consultoria participavam os extensionistas que estavam no período de conclusão do curso de psicologia. visando à profissionalização de seus estagiários. pois compreendia-se que a psicologia comunitária deveria preocuparse tanto com processo interno de uma comunidade. cuja meta era dar continuidade ao compromisso social. Além da inserção comunitária. No primeiro semestre de 1994. Foi instituído o modelo administrativo da Gerência por Objetivos. sistematizar e avaliar os trabalhos de campo. Ao final de 1993. Quixeramobim. Desta forma. Atuavam. no ano seguinte. Canindé. ZULMIRA ÁUREA CRUZ BOMFIM (ORGANIZADORES) . como na estrutura anterior era coordenada por um gerente. consolidando-o enquanto espaço de profissionalização da psicologia comunitária. O II Seminário de Planejamento. Este trabalho demonstrava o reconhecimento do NUCOM enquanto referência de trabalho social e comunitário dentro e fora do Estado. A idéia era.que quando estudante havia sido extensionista do Projeto de Psicologia Popular . o Instituto Participação. estabelecia-se uma comunicação mais efetiva a respeito do funcionamento do Núcleo. Novamente o Núcleo buscava um aperfeiçoamento de sua estrutura. no Estado do Maranhão. procurando atender à realidade que ora se apresentava. surgia um outro nível: a ação municipal. solidificando seu êxito nos trabalhos desenvolvidos. desenvolvendo um trabalho junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). conquistando novos espaços de atuação no Estado. Os trabalhos desenvolvidos consistiam basicamente em 'assessoria às prefeituras municipais do Estado do Ceará. considerando a necessidade de um constante aprimoramento da prática exercida. científico e profissional. Os JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOBRE A TRAJETÓRIA DE UM MODELO TEÓRlCO-VIVENCIAL Contribuindo para esse crescimento do trabalho. V . os estagiários organizavam-se em equipes. o grupo ampliou a sua estratégia de ação.retomou ao Núcleo na condição de supervisora. As atividades passaram a estruturar-se em tomo de cinco objetivos estratégicos: I . onde o trabalho buscava o fortalecimento da identidade dos membros do grupo de jovens. Essa nova estrutura caracterizava-se por uma melhor definição das metas a serem afcançadas. em novembro de 1993.Integrar e cooperar com os movimentos progressistas da sociedade (BRANDÃO et aI. em Fortaleza. A equipe. dando um maior direcionamento aos trabalhos ISRAEL ROCHA BRANDÃO .24 lho pastoral e associação comunitária e a Favela do Dendê. objetivando o estabelecimento da troca de informações e experiências entre os gerentes de atividades. foi criado um espaço de assessoria profissional para os récem-formados que estavam trabalhando na área de psicologia comunitária. estrutura mais complexa e melhor definida que as anteriores. a profissionalização passou a ser o interesse central dos integrantes do núcleo. O NUCOM transformava-se num espaço de formação de profissionais da psicologia comunitária.Ocupar uma parcela no mercado de trabalho da área social e do desenvolvimento humano. a criação de um espaço favorável à inserção desses futuros profissionais no mercado de trabalho. Ao final de 1994 e início do ano seguinte. Foi realizado também. visando garantir a participação da comunidade na definição das metas prioritárias para o desenvolvimento do município. promovidapelo Governo do Estado em parceria com as prefeituras municipais. destacando a importância da organização e da participação do povo nas decisões político-administrativas do seu município. O ano de 1997 iniciou-se com a reestruturação da organização interna. a inserção no município de Beberibe. constitui uma proposta de gestão participativa do Governo do Estado do Ceará. o Instituto Participação e a universidade.O trabalho era pautado neste conceito e nos princípios da psicologia comunitária. que tem o exercício da cidadania como seu eixo de sustentação. gerando autonomia na busca do desenvolvimento dos municípios do Estado. sendo realizado com as crianças e suas respectivas mães. reforço da identidade. Este projeto propunha a construção democrática de uma visão de futuro para o município. publicado inicialmente em 1993. esta proposta. reflete a amplitude da atuação do NUCOM. por todo o interior do Estado. um grande passo é conquistado na consolidação da profissionalização do psicólogo comunitário com a implantação do estágio regular em psicologia comunitária na Universidade Federal do Ceará. Ainda nesse ano. além de estar mobilizado com a organização do VIIIEncontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia 80ISRAEL ROCHA BRANDÃO 27 cial (ABRAPSO). sendo utilizado na implantação dos Conselhos Municipais de DesenvolvimentoSustentável(CMDS). apresenta-se como uma rica possibilidade de contribuir para o fortalecimento da identidade dos sujeitos envolvidos. e iniciado no município de Pedra Branca (GÓIS. referente ao "Projeto Icapuí rumo ao Ano 2010". Nesse ano foi lançada a segunda edição do livro Noções de Psicologia Comunitária. foi realizado um novo treinaOs JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOBRE A TRAJETÓRIA DEUMMODELOTEÓRICO-VI VENCIA L . O engajamento neste trabalho representou um enriquecimento teórico-prático para os integrantesdo Núcleo. realizado em julho. O CMDS. motivação e a identidade. destaca-se dentre as atividades realizadas pelo núcleo. buscando facilitar o desenvolvimento da municipalidade a partir da proposta de organização comunitária. com o propósito de trabalhar a consciência crítica. através do NUCOM. Significou ainda. O trabalho enfocava à saúde. a continuidade da construção de um novo modelo de gestão municipal. como fruto sobretudo do trabalho realizado pela supervisora do Núcleo. com o Projeto Infância Feliz. alicerçado na construção da identidade comunitária. 1996). vinculado à Secretaria Estadual de Saúde (SESA). promovido pela Prefeitura Municipal de Icapuí (CE). que partiu de trabalhos pontuais com as comunidades locais e do interior para o estabelecimento de parcerias com o governo estadual e municipal. tais como. objetivando o fortalecimento da auto-estima infantil de crianças de Oa 7 anos de idade. ZULMIRA ÁUREA CRUZ BOMFIM (ORGANIZADORES) . buscando fortalecer e desenvolver formas de participação popular junto à gestão municipal. atendendo à realidade vigente.26 No segundo semestre de 1994. o NUCOM participou da implantação do "Conselho Popular de Planejamento e Desenvolvimento". Neste sentido. porque possibilitou o amadurecimento do Método de Ação Municipal. Outros grupos desenvolveramtrabalhos na área da saúde. o Conselho de Desenvolvimento Escola de Vida. propiciando um trabalho de sistematização teórica. o NUCOM cria um espaço de discussão e construção teórica da psicologia comunitária. Em 1995. um trabalho junto a uma ONG local. assessorando atividades de prevenção a partir dos pressupostos da psicologia comunitária. Mais tarde. no mesmo município. particularmente envolvido com a implantação dos CMDS. Isso tudo. Em 1996. Com a seleção de extensionistas. além de implementar uma mentalidade de planejamento estratégico participativo na administração e na população. das potencialidades latentes e da auto-estima. o NUCOM esteve juntamente com o Instituto Participação. 1990). de Cezar Wagner de Lima Góis. cidadania e integração. baseado na parceria entre governo e população. em Fortaleza (CE). o Método de Ação Municipal (MAM) foi aperfeiçoado. cujo objetivo é promover a cidadania e o fortalecimento do sentimento de municipalidade. fortalecendo os grupos de estudo em temas específicos. "Um conceito básico deste trabalho é o de resiliência que designa a capacidade de uma pessoa. apesar das condições de vida adversas de realizações bem sucedidas e de forma socialmente aceitáveis" (MOURA. do valor pessoal. indica91o seu constante movimento na busca do crescimento grupal. palestras e encontros envolvendo temas ligados à psicologia comunitária e social. por possibilitarem o envolvimento de um número maior de interessados na área e por oportunizarem a troca de experiências com outros estados do Nordeste. enfatizando a importância da reciclagem para o meio-ambiente e facilitando a atividade dos membros do grupo rumo ao fortalecimento da identidade e a conquista da cidadania. que criou a Sociedade de Reciclagem do Lixo do Pirambu (SOCRELP). Os extensionistas desenvolveram atividades no Programa de Desenvolvimento de Área . 1994). ZULMIRA ÁUREA CRUZ BOMFIM (ORGANIZADÓRES) Os JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOBRE A TRAJETÓRIA DE UM MODELO TEÓRICO-VIVENCIAL . instituição de Fortaleza que tem como finalidade encontrar alternativas duráveis de vida para crianças e adolescentes em situação de risco e exploração social. Especificamente na UFC. retomando-se o Conselho gerencial. Foi estabelecida uma parceria com a Associação Comunitária de Ajuda Mútua do PirambuACAMP. Sua trajetória marcada por constantes transformações. No período de 1997a 1998destacaram-se. gestados ao longo de dezoito anos de inserção nas camadas populares. simpósios. Na parceria com a Associação Curumins. o NUCOM vem assessorando regularmente a disciplina de Psicologia Comunitária. A promoção do NUCOM-Arte. uma ONG. fomentando o interesse das pessoas. repleta de novos conceitos e instrumentais de ação. projeto financiado pela Visão Mundial. Também esteve atuando junto a Associação Comunitária do Pirambu. mas satisfatório processo de fortalecimento do estudo e da prática em psicologia. momento em que os membros do Núcleo divulgam seus trabalhos artísticos para a comunidade acadêmica. no sentido de estimular a construção do conhecimento nessa área. estrutura que melhor respondia à realidade daquele momento. contato com as famílias e construção de um suporte para a formação de ISRAEL ROCHA BRANDÃO uma rede comunitária de apoio ao trabalho da associação. enriquecendo o programa a partir de sua experiência nessa área. onde o Núcleo desenvolve um trabalho de organização comunitária. o Núcleo consolidou-se enquanto extensão. ensino e pesquisa. que tem como objetivo a mudança do quadro de pobreza e miséria social do Nordeste. o trabalho concretizou-se na busca do fortale'cimento do grupo. Os extensionistas desenvolveram um trabalho de reeducação e ressocialização com adolescentes do sexo feminino em situação de risco. na tentativa de fortalecer a identidade e a auto-estima das mesmas. O projeto escolhe áreas a serem desenvolvidas na perspectiva do desenvolvimento auto-sustentável. desenvolvendo uma inserção social concreta e cotidiana que caracteriza a psicologia comunitária do NUCOM. o Núcleo tem promovido e participado de cursos. Ao longo desses anos. destacando-se os Encontros Nordestinos de Psicologia Comunitária. As atividades comunitárias desenvolviam-se principalmente no Bairro do Pirambu. principalmente os trabalhos feitos em parceria com outras entidades. Nesses últimos seis anos. através do resgate do Valor e do Poder Pessoal (GÓIS. a exemplo do trabalho desenvolvido junto à Federação das Entidades Comunitárias do Est~dodo Ceará (FECECE) durante os anos de 1994 e 1995. O NUCOM é hoje uma referência na construção teórico-prática da psicologia comunitária em todo o Brasil. também tem se tornado um prática recorrente. via de acesso às comunidades. . através do assessoramento ao Projeto Jardim da Adolescência. em Fortaleza e no município de Guaramiranga (CE) Também realizou-se assessoria às ONG's. para caminharem rumo à autogestão e auto-sustentabilidade. A participação do Núcleo nesses eventos tem contribuído para a divulgação do trabalho dos extensionistas e da psicologia comunitária.PDA. a fim de construir uma psicologia transformadora da realidade social.r I 28 29 IIi iI l!ill! Ililll mento. com um trabalho pautado na mobilização dos moradores para a conscientização da responsabilidade pela mudança do quadro de miséria social no qual estão inseridos. O Núcleo esteve atuando nos municípios de Coreaú e Caucaia. As mudanças ocorridas representam o árduo. Isto quer dizer que o movimento de transposição da ciência psicológica para as comunidades rurais e para os bairros periféricos não ocorreu apenas como uma aplicação dos conhecimentos previamente elaborados na academia. 1998. 1994. Fortaleza: Imprensa Universitária. Fortaleza. 1993. Fortaleza. ENCONTRO DE EXTENSÃO. Revista de Psicologia. 1985. mimeo. 1990.!! ARAÚJO. 1996. de L.de L. LR. 1995. GÓIS. Fortaleza.. Fortaleza: Imprensa Universitária.. mas o da prática à teoria. GÓIS.. Compreendendo o Núcleo de Psicologia Comunitária. C. Fortaleza: Imprensa Universitária. / . et a\. GÓIS.1994. Anais. Fortaleza v. ISRAELROCHA BRANDÃO ZULMIRA ÁUREA CRUZ BOMFIM (ORGANIZADORES) AS BASES EPISTEMOLÓGICAS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA Israel Rocha Brandão Desde suas origens. a saber: uma abordagém que se pretende dialética e biocêntrica. GÓIS. Anais .. portanto.. 1995./Dez. Fortaleza. o caminho percorrido pelos construtores da experiência cearense não foi o da teoria à prática. 1988. 1998. NUCOM: caminhos de sna organização interna..6(2): 25-31.. ENCONTRO DE EXTENSÃO. Anais . Fortaleza. colher material teórico para o desenvolvimento da psicologia como ciência e como profissão. 1994. Icapuí.W. ENCONTRO DE EXTENSÃO. Psicologia comunitária no Ceará: trajetória e perspectivas. Revista Psicologia e Sociedade. BRANDÃO. Embora carecendo de consistência teórica.30 31 Referências bibliográficas lil. VII. Anais .VIVENCIAL . Carta apresentada no I Simpósio Cearense de Psicologia Comunitária. Nov/1993. de L. Anais . Pedra Branca: uma experiência em psicologia comunitária. Fortaleza: Imprensa Universitária. vA. ENCONTRO DE EXTENSÃO. Seminário de Planejamento do NUCOM. PRFEITURA MUNICIPAL DE ICAPUÍ. foi gradualmente evoluindo até as suas formas atuais. Fortaleza. Jul. v. 1986. ENCONTRO DE EXTENSÃO.Noçõesde psicologiacomunitária. NUCOM. no início da década passada. Abr/1993. 1994.W. 1995. as primeiras inserções representavam a ousadia de ir a campo e construir com os sujeitos comunitários um conhecimento novo. Inversamente. ABRAPSO. GÓIS. 1996. 1997. C. 1996... GÓIS. mimeo. da C. mimeo. ENCONTRO DE EXTENSÃO. IV. de L.. Fortaleza: Imprensa Universitária. Fortaleza: Imprensa Universitária. Belo Horizonte. por outro lado. Projeto Icapuí rumo ao ano 2010.w. Fortaleza. C. III. que valorizasse o saber científico produzido na academia e que.C. Fortaleza. O paciente pobre. 1996. Fortaleza: Viver. No princípio essa inserção esteve ligada à alfabetização de adultos e. R.W. C.. deL. v.. Seminário de Planejamento do NUCOM. V. Por umapsicologia popular. Fortaleza. duplo: na atuação em campo. lI. Anais .6. 1993.W. O espírito que norteou o trabalho dessas intervenções foi. A construção da abordagem que orienta as intervenções em psicologia comunitária pelos psicólogos do Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM) e do Instituto Participação (IP) só se consolidou como um modelo novo porque nasceu de um mergulhar profundo no mundo vivido (lebenswelt) dos sujeitos comunitários. NUCOM.w. Fortaleza. 1997. Revista de Psicologia. Revista de Psicologia. tivesse impacto na vida concreta dos moradores das comunidades. no estudo e na atividade teórica. VI. quando Cezar Góis iniciou os primeiros trabalhos de intervenção no Bairro Nossa Senhora das Graças do Pirambu.. de L. ao longo dos anos. C.2. a psicologia comunitária no Ceará tem apresentado uma forte dimensão pragmática. Reflexões sobre psicologia comunitária. procurar descobrir um modus operandi que se traduzisse na melhoria da qual idaOs JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOBRE A TRAJETÓRIA OE UM MODELO TEÓRICO. ainda hoje é o ponto de partida de quaisquer trabalhos em psicologia comunitária. resultava em novos processos na atividade prática e esta. pois a psicologiacomunitária não se desenvolveuaqui de uma postura solipsista e auto-suficiente.32 de de vida dos moradores das comunidades. Ao contrário.utilizando aqui uma terminologia buberiana . que é imanente à obra de Paulo Freire. A educação popular. os primeiros trabalhos utilizavam o método que ele criou. 33 a contribuição de Paulo Freire. mas na síntese dialética dos seus estudos. o professor aparece sempre como o proprietário do conhecimento e como sujeito que deposita um arcabouço de verdades no aluno. Conforme ele. o materialismo histórico e dialético e a biodança apareceram. é a importância do diálogo no desenvolvimento da comunidade. problematizando a necessidade de uma ação transformadora coletiva. entendido como um mero receptor. As quatro fontes da psicologia comunitária do Ceará Nesse processo de formação do conhecimento é preciso falar das quatro fontes inspiradoras da abordagem da Escola do Ceará. e que foi bem incorporada à intervenção em psicologia comunitária. este desenvolvimento só foi possível mediante o contato com outras disciplinas e o estudo sobre outros paradigmas. se contrapõe à pedagogia tradicional. A Pedagogia do Oprimido estaria. é preciso salientar pelo menos quatro interlocutores. a psicologia social crítica. calcada na esperança de um mundo maisjusto. Evidentemente. Estes constructos teóricos funcionaram como background para a organização do método e das principais categorias utilizadas hoje pelos psicólogos em campo. A questão da cidadania e da transformação social já era tematizada nos círculos de cultura daquela época. através da construção coletiva e companheira do conhecimento. O aspecto da reunião. além de atender à imediaticidade da aprendizagem da leitur!ie da escrita. para o delineamento dos principais pressupostos desta abordagem. que funcionaram como bases para a emergência e a consolidação desta forma de fazer psicologia. nesta estratégia. é aquela que se dá . A circularidade dialética que se dá entre o real e o conceitual cada vez mais se fazia presente nos trabalhos em psicologia comunitária. sendo que cada construção teórica. por sua vez.conforme fora proposto pelo próprio Freire . CRUZ BOMFIM (ORGANIZADORES) Os JARDINS DAPSICOLOGIA COMUNITÁRIA~ ESCRITOS SOBREA TRAJETÓRIA DE UMMODELO TEÓRICO-VIVENCIAL . Freire propõe um modelo horizontal. que vieram a influenciar sobremaneira o modelo teórico da psicologia comunitária. o impacto da sua obra sobre a psicologia comunitária tem se mostrado como de grande relevância. A relação dialógica que. resistiram aos anos e continuam como importante instrumento da ação comunitária. Os círculos de cultura. marcado pelo respeito ao outro e pelo companheirismo. e no confronto destes estudos com a intervenção prática na vida dos moradores das comunidades.mas também era utilizado para buscar a coesão grupal e o clima de crescimento. ou em qualquer outro ramo do saber científico. Cezar Góis e Ruth Cavalcante se apropriaram do Método Paulo Freire porque ele transcendia a preocupação puramente técnica de ensinar a ler e escrever os adultos da periferia. segundo Freire (1980). a teoria não se construiu como uma forma eclética das quatro fontes. portanto. com as pessoas dispostas em círculo e discutindo algum tema gerador de uma tomada de consciência e.em uma relação eu-tu. O método emergia como importante instrumento de tomada de consciência . propostos à época. Outra consideração. de um para o I o termo educação bancária foi cunhado por Paulo Freire para definir a pedagogia tradicional. Na experiência da Escola do Ceará. Embora os trabalhos deste autor tenham sido realizados no âmbito da pedagogia. seja em psico- logia. portanto. Dentre as muitas experiências de diálogo epistemológico construídas. As fichas de cultura atendiam também ao irresistível apelo de discutir o cotidiano aprisionador e perverso que marcava o ambiente na comunidade periférica. enriquecia um modelo que se criava paulatinamente e engendrava novos constructos teóricos. As duas orientações se complementaram de forma dialética. simétrica. oriunda das experiências de campo. autoritária e bancária'. Para superar esta relação vertical e autoritária. desconsiderando ISRAELROCHA BRANDÃO ZULMlRA Á~ . A educação popular de Paulo Freire e a possibilidade do diálogo Não há como falar de intervenção na comunidade. mais profundamente. . ° adjetivo problematizadora é posto aqui pelo fato de os pesquisadores das duas correntes trabalharem com um enfoque dialético. e a psicologia sóciohistórica soviética de Vigotski e seus continuadores (Leontiev. . um pressuposto da igualdade original entre todos os seres humanos (Oliveira. o diálogo aparece como condição de possibilidade de qualquer crescimento pessoal e comunitário. muitas vezes utilizam instrumentos de pesquisa e intervenção similares. A psicologia social problematizadora2 reviravolta da identidade e a A psicologia comunitária do Ceará insere-se na mesma linha da psicologia social crítica que deu origem à Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO). que vem substituindoa categoriapersonalidadehá algumtempo em psicologia social. A ação dialógica é o primeiro passo para a autonomia da comunidade. O objetivo da intervenção psicológica na comunidade é facilitar o processo de desenvolvimento da identidade dos sujeitos comunitários em todos os seus aspectos. embora distintos no tempo e no espaço. portanto. enquanto estudiosos da subjetividade. historicista e com a preocupação com uma sociedade transformada ISRAELROCHA BRANDÃO ZULMIRA ÁUREA CIiN. ou a formação de uma consciência de classe. que estão atuando no desenvolvimento da comunidade. constitui uma exigência para qualquer processo de transformação do cotidiano. Dito de outra forma. o que garante a especificidade nossa é que enquanto os outros estão enxergando uma mudança que se concretize como conscientização. se aproximam bastante no plano teórico: a psicologia social crítica da ABRAPSO. é a marca da especificidade do papel dos psicólogos em campo. na qual cada um tem a capacidade de argumentar suas proposições diante do outro. os interlocutores o fazem como sujeitos de uma mesma ação comunicativa. enquanto célula do processo dialógico. Ao se colocarem em uma postura dialógica. mas este processo não se esgota no âmbito da conscientização.). de aceitá-Ias ou de refutá-Ias. porquanto o despertar da consciência seja entendido apenas como um momento no processo de construção da identidade humana. os psicólogos. A grande influência de autores que estão na vanguarda deste movimento sobre a Escola do Ceará se deu desde o início dos trabalhos na década passada. Enquanto profissionais.34 outro. sociologia e antropologia. o propósito nosso é o de tocar a identidade desses sujeitos. Posto desta forma. Enquanto muitos psicólogos vão a campo. Ou seja. Luria.JAIUlINSDAPSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOBREA TRAJETÓRIA DE UMMODELO TEÓRICO-VIVENCIAL nheirona construçãode um mundonovo. entendida habermasianamente como ação comunicativa. pedagogia. na aceitação do outro. O conceito fundamental da abordagem é o de identidade. educação libertadora. independentemente da categoria. em que cada um dos participantes enxerga o outro como compa- 35 por Antônio Ciampa (1994a.oestes dois grandes 2 movimentos em psicologia social que. O que nos interessa. Entretanto. Esta argumentação. iniciada por Sílvia Lane e outros fundadores do movimento em 1979. Isso só é possível quando se toca nos processos de vinculação grupais. não é o enfoque sobre a consciência. abordando os sujeitos comunitários. nos sentimentos. 1994b) e também por Sílvia Lane. mas sobre a identidade. BOMFIM (ORGANIZA DORES) . Este conceito. o diálogo. interessados em desenvolver no oprimido uma tomada de consciência da sua realidade e o despertar de uma atitude crítica com relação à sua situação. própria da dialogicidade. etc. como os sociólogos por exemplo. 1993). todos estamos. mergulhando na sua realidade e procurando com eles solução para sua problemática. por natureza. Eis aqui uma diferença profunda dos trabalhos desenvolvidos aqui no Ceará para muitos outros trabalhos de psicologia comunitária realizados na América Latina. que traduz o mundo e é a linguagem. como os outros profissionais de serviço social. como quer Paulo Freire (1979). cujos aspectos são tratados principalmente Estou chamando de psicologia social problematizadora sobretud. Portanto. o que aparece como evidência no trabalho comunitário. no valor de cada membro da comunida(I~ . pois é a palavra. permite que cada um dos interlocutores veja no outro alguém que é capaz de entender as suas idéias. é que a tomada de consciência da sua situação pelo oprimido. Urge trabalhar os mecanismos de coesão grupal e as possibilidades de construção do futuro. contradiz performativamente quaisquer formas de opressão e dominação existentes entre os seres humanos. os psicólogos comunitários estão investindo na identidade daqueles sujeitos. 1994)] e no seu poder de transformar e modificar o mundo [poder pessoal (Rogers. isto é. Complementarmente. caracteriza-as como pertencentes a um mesmo grupo social. diferente deles pela minha história e pela minha inequívoca formação acadêmica. ZULMIRA ÁUREA CRUZ BOMFIM (ORGANIZA DORES) } . 1978). mas também como vivência desta atividade. participando daquele ritual. 1989)]. Do mesmo modo. constitui um momento crucial na metodologia aqui referida. 1989) que. revolta ou indignação. a questão fundamental de todo trabalho em campo realizado até agora pela Escola do Ceará é a construção da identidade humana. diferencia as pessoas entre si. ou metamorfose (Ciampa. 1994a.Após horas de trabalho em um mutirão na granja comunitária. que naquele momento era também o meu desenvolvimento. Por isso. São as relações construídas à base do afeto que garantem a vinculação do indivíduo com o grupo. por outro. Atividade. A afetividade e as emoções são o cimento da identidade. 1994) é para nós o mais adequado. o homem do campo e da periferia assume um sentimento de inconformismo que. o que aparece como alvo não é meramente o desenvolvimento da consciência crítico-transformadora. momento. ao tomar consciência da situação de opressão social que o envolve. 1996). entendida como processo. O mesmo pode Os JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOBRE A TRAJETÓRIA DE UM MODELO TEÓRlCO. o método da análise e da vivência da atividade comunitária (Góis. mas me aproximava deles por estar ali. a vinculação afetiva dos sujeitos entre si e com a comunidade que fazem parte torna-se muito mais importante que o dar-se conta da realidade perversa. por um lado. Esta convicção não veio apenas da prática comunitária. enquanto acesso à identidade dos sujeitos comunitários. afetividade e consciência precisamser entendidas como momentos inequívocos e indissociáveis no acesso à identidade. encontrava-me comigo mesmo. pois a atividade dos sujeitos comunitários. porquanto evidencie a impossibilidade de os sujeitos emergirem apenas da construção de uma gélida racional idade. Não raramente. ao invés de gerar compromisso com a mudança. entendida como um processo complexo que só é possível com o desenvolvimento das três esferas indissolúveis e constitutivas da identidade humana: atividade. que se assenta sobre um suporte biológico (Sêve. que ele manifestará muitas vezes em direção aos seus próprios companheiros. Neste sentido. naquele. Estou me referindo ao tema da identidade. uma das muitas tarefas coletivas que envolvia o grupo e que eu vislumbrava como atividade comunitária. A solidariedade é muito mais a expressão de um gesto de amor enraizado do que a exteriorização da idéia de libertação. Portanto. A minha presença era a certeza da minha cumplicidade para com eles. de festa e de reflexão. gera ódio. não aparece aos psicólogos em campo como mero ISRAEL ROCHA BRANDÃO 37 objeto de análise. Em um trabalho realizado com lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Maranhão compreendi o efeito dialético que o método engendra: á medida que mergulhava no mundo vivido daqueles sujeitos. É por este motivo que a afetividade é tão enfatizada nos nossos trabalhos. e. Esta atividade. procurando facilitar a sua apropriação de si mesmo e do seu espaço psicossocial. Mergulhar com os sujeitos comunitários nos seus processos concretos de trabalho e de prazer. todavia.o método. mas sobretudo da leitura dos trabalhos desenvolvidos por estudiosos do assunto. como Sílvia Lane. retirava também toda pena (piedade) que um dia senti por eles. Antônio Ciampa e outros pesquisadores da vertente crítica em psicologia social. Quando se trabalha neste nível. mas o contato com aquela estrutura de representações que as pessoas fazem de si mesmas e do mundo. 1994b). escrevi no meu diário de campo: Enquanto depenava aquelas aves. admirado e dissecado por alguém que está lá fora. em determinados momentos do trabalho de campo. afetividade e consciência (Lane. tal qual um objeto visto na vitrine. funciona como acesso material à identidade. O que emerge daí é o material histórico cultural. é também acesso á própria identidade do psicólogo. com o meu potencial e com uma vontade irresistível de viver e de trabalhar pelo desenvolvimento daquele grupo. a compreensão da atividade comunitária como método do nosso trabalho não seria possível sem as pesquisas de Leontiev e sua Teoria da Atividade (1979).VIVENCIAL .36 de [valor pessoal (Góis. repleta de ações instrumentais e comunicativas (Leontiev. Sentia-me como um companheiro. A idéia de totalidade remete à compreensão do mundo como uma grande rede em que tudo se relaciona com tudo. mas uma atitude transformadora que permita intervir neste real e modificá-Io de forma radical. Não são. alguns dos profissionais e estudantes que fazem a psicologia comunitária vieram dos movimentos sociais. Se a dialética hegeliana.O tecido comunitário apresenta-se como uma totalidade na medida em que os sujeitos estão em contínua interação. 39 real. Em que pesem as diferenças entre os métodos de investigação e exposição por ele utilizados. todavia. desembocou em um sistema capaz de procurar uma fundamentação para o saber e o agir humanos. Com este método. 1982). tomando como base a economia política. o pensador alemão disseca e analisa os principais momentos da sociedade capitalista de seu tempo. contradição e movimento (Chepitulin. que visa sempre a complexidade a partir do simples. É esta postura de o materialismo histórico e dialético e a crença no potencial do oprimido Embora não seja regra geral. pré-determinadas e estão sempre situadas em um contexto. Estas interações reticulares. ou dos partidos de esquerda. Os primeiros pressupostos remontam à época pré-socrática. na qual se inserem as nossas comunidades. A psicologia comunitária situa-se na trajetória dessa psicologia social crítica e problematizadora. Reale & Antiseri. compreendem por vivência o que ela significa. deve-se a Hegel o mérito de haver elaborado um sistema calcado em uma visão dialética do mundo e do cotífiecimento. realizada por profissionais que defendem a construção de uma ciência comprometida com um mundo mais justo e mais solidário. conforme prescrevia o marxismo ortodoxo. ou simbólicos. portanto. na psicologia comunitária ele se tornou um interlocutor constante. como a cultura do lugar e a religiosidade. É por isso que ele examina o capitalismo de sua época. pois foi Heráclito de Éfeso um dos primeiros pensadores a sistematizar um pensamento dialético (Mondin. porque as relações de dominaOs JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOBRE A TRAJETÓRIA DE UM MODELO TEÓRICO-VIVENCIAL . é dialética enquanto concretização das suas várias dimensões constitutivas. como modelo de compreensão teórica do mundo. pois o desejo de construir uma abordagemde base materialista sempre moveu todos os que estiveram em campo ao longo dos anos. Para os psicólogos comunitários estes agentes da transformação não são exclusivamente o proletariado. inclusive no comunitário. Para todos estes. Este mesmo tecido comunitário está em interação com outros espaços sociais. como nos fala por exemplo Martín-Baró (1990) com sua psicologia da libertação. Entretanto. "A psicologia comunitária surge daí. 1990). foi Marx quem deu chão à pretensão hegel.iana.A idéia que move a compreensão marxiana do mundo não é apenas o desejo de manifestar uma postura crítica para com o ISRAELROCHA BRANDÃO ZULMIRA ÁUREA CRUZ BOMFIM (ORGANIZADORES) construçãodo sujeitohistóricocapazde mudaro seucotidianopelasua inserção coletiva que a psicologia comunitária persegue. há sempre a mesma postura.38 ser dito a respeito de Vigostki e seus estudos sobre a linguagem. eclesiais de base. e. Há casos de psicólogos que vieram. . Primeiro. mas ontológica. 1986. A dialética é a própria lógica de expressão da realidade e da vida. políticos. a essência a partir do aparente. O real é sobretudo movimento e devenir. A dialética que se apresenta como substrato do modelo hegelomarxiano. a saber: a construção de um conhecimento que seja capaz de transformar o mundo pela ação coletiva dos homens. é anterior a Marx e aos modernos. um método científico. A natureza da dialética não é epistemológica. A realidade. Particularmente. e refaz o caminho da aparência à essência proposto por Platão. aprofundando os trabalhos de Kant e Fichte. ou Rubinstein e o problema da consciência. No processo de transformação da realidade. em qualquer nível. para nós. há que existir os sujeitos que são os agentes desta transformação. psicólogos comunitários. 1988: 27). A dialética. portanto. de uma psicologia social que tenta se contrapor a essa situação (de desigualdades sociais)" (Góis. não é meramente um método de apreensão do real. inclusive. como outras comunidades. portanto. se constituem de forma contraditória. o marxismo sempre foi visto como a fonte inspiradora de todas as lutas sociais no continente latino-americano. do seio da própria comunidade rural ou periférica e. sobretudo enquanto totalidade. cujas formas mais profundas nem sempre se dão pela via material. estéticos e transcendentais (Toro. para ser entendida. centrada na vida. em casa. através da vivência. por outro lado. a tarefa que a biodança assume é. Se há o senhor e se existe o escravo. Por isso o trabalho é realizado com as comunidades e com o oprimido. ZULMIRA ÁUREA CRUZ BOMFIM (ORGANIZADORES) . 1988). mas muitas vezes pela via espiritual (Feuerbach. Severiano. renovação orgânica e reaprendizagem dasfunçães originárias da vida" (Tora. inclusive dentro de muitos movimentos pretensamente revolucionários. se a possibilidade de libertação coubesse ao senhor. É o princípio da "autopoyesis" de Humberto Maturana (apud Toro. está na família. Está. Este fenômeno é também algo que se dá no nível micro. a vitória da razão iluminista sobre o desejo e o instinto. negados ou reprimidos pela culturas. É uma abordagem que enfatiza o encontro humano. numa sociedade muito mais complexa. Abraçar o minotauro interior significa inaugurar um estilo de vida em que os referenciais sejam cenestésicos. 1991). envolvendo pessoas das mais variadas culturas e nações. resgatar a dimensão auto-criadora do homem. é o escravo quem se liberta e não o senhor que o faz. de realizar os seus potenciais bloqueados. por exemplo.1988). reproduzir estas mesmas relações assimétricas com os seus familiares. Este compromisso não ocorre apenas por solidariedade com a condição do que padece. Todos estão de acordo que a biodança pretende ser não uma abordagem psicológica. ISRAEL ROCHA BRANDÃO . 1992). Para Toro. 1990). Os papéis de oprimido e opressor são mutáveis. O compromisso da psicologia comunitária é com o oprimido em qualquer circunstância. Naquela época.então não há ali o homem. Para Toro. pois estão sempre inseridos em uma relaçã03. Diante da situação inumana de opressão. ou da própria identidade. porquanto sobreviva a crença de que somente o oprimido pode se libertar de qualquer situação de exclusão ou opressã04. mas pela crença de que enquanto há oprimidos e opressores não há seres humanos.Na comunidade uma mesma pessoa pode ser oprimido socialmente pela miséria e pelo poder econômico e. a partir do trabalho grupal Para Góis (1991) ela é um "sistema de desenvolvimento humano que visa o estudo e ofortalecimento da expressão dos potenciais humanos através da música. 1988): a morte do minotauro. segundo o qual o ser humano é capaz de criar. hoje em dia. por Teseu. em última análise. mas uma pedagogia do encontro humano. Segundo. o medo do minotauro interior é o medo de si mesmo. medianteo desafio de assumiros próprios medos. 5 Os JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOB!(t A TRAJETÓRIA DE UM MODELO TEÓRJCO-VIVENCIAL Como substituição à idéia do proletariado como única categoria emancipadora. E Roberto Crema (1992) diz que é uma poética do encontro. Mas. auto-gerir-se e. Os primeiros trabalhos com biodança começaram em 1965. como expressão de uma violência simbólica ou como controle da subjetividade pela criação de falsas necessidades humanas (Marcuse. portanto como uma prática onipresente nos dias de hoje. 1979. diz Hegel. 1992). Se na época de Marx. a sua preocupação era descobrir novas técnicas de humanização da Este processo de repressão dos potenciais naturais humanos é simbolizado no mito do minotauro (Toro. A biodança constitui hoje um movimento mundial em favor da vida. Esta é uma evidência apresentada por Hegel na sua Dialética do senhor e do escravo. constitui "um sistema de integração afetiva.40 ção e opressão não se dão apenas no nível econômico para se eleger o proletariado como única classe oprimida. 1993). 41 A biodança e a vida como princípio 3 Atualmente há uma compreensão mais ampla das relações de dominação e opressão. simboliza. do ponto de vista do fundador da biodança. Neste contexto. conforme observa Foucault.mas duas deformaçõesde sua humanidade em direções diametralmente opostas e absurdas (Oliveira. os trabalho de psicologia comunitária seriam feitos com os grandes gerentes do poder econômico. cujo cenário é o transe musical e cujo pressuposto básico é a crença na existência de um movimento primordial que pulsa e impulsiona o ser humano à vida. na comunidade e na escola. exercicios de comunicação em grupo e vivências integradoras". Na vivência procura-se reconciliar o lagos e o instinto. as relações de opressão estão em todos os lugares e não apenas na dominação de uma classe sobre as outras. porque a opressão não é algo inerte que se possa definir estes como oprimidos e aqueles como opressores. 4 PauloFreiretambémfoiumdosprimeirosa utilizaro termooprimidonestaacepção. estas relações se manifestavam sobretudo na dimensão econômica. buscando um ser integrado e plenamente humano. A dominação deixou de ser encarada como algo que se dá apenas no nível sistêmico e estrutural (Habermas. A aniquilação do minotauro representa simbolicamente a aniquilação da vida na sua inteireza. É retomar os processos de nutrição e conexão com a vida pela expressão da identidade. quando Rolando Toro trabalhava no Hospital Psiquiátrico de Santiago no Chile e era membro docente do Centro de Estudos de Antropologia Médica da Escola de Medicina da Universidade do Chile. Toro treinou profissionais. Colômbia. a biodança chega ao Nordeste do Brasil com criação da primeira escola de biodança da história. Na experiência na favela do Dendê. os psiquiatras Tarcísio Diniz (1986) e Severo Júnior (1990) realizaram experiências distintas com psicóticos em dois importantes hospitais psiquiátricos de Fortaleza. . que se mobilizaram em torno de uma estratégia de prevenção e combate aos entorpecentes. as localidades rurais e as favelas com o intuito de Para verificar a eficácia da biodança neste tipo de trabalho. por outro lado. As intuições deste modelo alternativo surgiram quando observou os efeitos positivos que as festas tinham no desenvolvimento dos pacientes. Belo Horizonte e Brasília. começa o processo de expansão dos grupos regulares de biodança pelo continente europeu. segundo ele. para aprofundar a vinculação daquele grupo consigo mesmo e com as suas potencial idades. por exemplo. mas inserido neste. Ainda na década de oitenta. a partir daí. neste caso. que Toro aprofundou os seus primeiros trabalhos com psicodança e já em 1976 começa a difundí-Ia nas cidades de São Paulo. Venezuela e Chile. Em um outro trabalho. não surge a demanda por um grupo de biodança. Góis (] 994) fala deste tipo de estratégia. Em outras situações. como no movimento biodança. substituir o uso de determinados psicofármacos pelas sessões de biodança. Peru. ISRAELROCHA BRANDÃO ZULMIRA ÁUREA CRUZ BOMFIM (ORGANIZADORES) 43 construir uma psicologia problematizadora e crítica e. ou seja. ao lado do círculo de cultura. Pode se falar da biodança como instrumento em duas situações distintas: há aqueles casos em que aparece a demanda por um grupo regular de biodança durante o trabalho comunitário. no Maranhão. Era o ponto de partida para a evidência de que estes efeitos seriam potencializados se associados a determinado tipo de música (integradoras) e aos movimentos corporais6. Surgiram então as primeiras associações nacionais. na fazenda Diamante Negro. Foi. em Buenos Aires. as escolas de biodança e. a partir de então as duas abordagens formaram um binômio indissociável na prática daqueles que adentravam os bairros periféricos. substituiu o termo psicodança por biodança. J . desejosos de contribuir efetivamente para a mudança social em um estado que sempre fora marcado pela pobreza e pelo c1ientelismo. A diferença é que. Nestas circunstâncias o grupo regularcontribui para o desenvolvimento comunitáriocomo uma atividade complementare inseridonas outras estratégiasde vivência da atividade comunitária. de uma postura antropocêntrica para um horizonte biocêntrico. Diniz constatou que pacientes submetidos ao tratamento utilizando biodança apresentavam desenvolvimento mais rápido do que aqueles que passavam apenas pelas técnicas usuais. Argentina. como sendo composto de uma parte mais verbal e outra mais vivencia!. posteriormente. A Escola Nordestina foi organizada sob a liderança de Cezar Wagner Góis em 1982na cidade de Fortaleza. à medida que o grupo caminhava em um sentido . de potencializar os processos de mudança. havia também um trabalho de vinculação entre aqueles jovens e a sua comunidade mediada pelo grupo de biodança.42 ciência médica e da psiquiatria. em alguns casos. Opsicólogo utiliza várias técnicas oriundas daquela abordagem na tentativa . Ela emergia. em Imperatriz. utilizamos também a biodança como instrumento. Em 1978. Severo Júnior pôde. durante o trabalho comunitário. Como Cezar Góis acumulava o papel de principal liderançatanto no movimentode psicologia comunitária. quando descreve o processo de um grupo regular. além dos trabalhos envolvendo grupos de jovens. com inúmeros seminários e cursos ministrados por Toro e por seus colaboradores através do mundo inteiro. pois percebera que aquele movimento não poderia reduzir-se ao recinto psicológico e que o modelo teórico evoluíra. a influência da biodança sobre a psicologia comunitária emergiria em dois níveis: ela apareceria como instrumento de trabalho no campo e também como base teórica da ação prática em psicologia comun itária. comjovens lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). inicialmente. Este trabalho foi realizado por Zulmira Bomfim. entretanto. não havia um grupo de biodança como atividade paralela ao círculo de cultura. formando facilitadores e consolidando o movimento com trabalhos no Brasil. realizado por Altamir Aguiar e por mim. com a fundação da Escola de Milão e. em 197]. mas. Ambos constataram que a biodança ajudava significativamente no trabalho com os pacientes. Nessa relação dialógica que se estabeleceu entre as abordagens.mais de vinculação afetiva e consolidação coletiva ou mais de compreensão crítica e Os JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOSSOBRE A TRAJETÓRIA DE UM MODELO TEÓRJCO-VIVENCIAL r. 1992. ZULMIRA ÁUREA CRUZ BOMFIM (ORGANIZADORES) \ . A idéia de vida aqui é sinônimo de transformação e mudança. 1995).Esse paradigmasobreviverádurante a idade média e só será superado com o surgimento da ciência moderna. mergulhávamos com eles nos círculos de encontro ou nos círculos de cultura. O outro nível no qual a biodança sempre apareceu no trabalho remete não exatamente ao posto em discussão. Estou falando dos princípios do profissional facilitador. mas uma máquina que os homens podem manipular e transformar segundo as suas necessidades. 1992. para os facilitadores de biodança. O trabalho em psicologia comunitária procura tematizar a compreensão de uma ecologia integral que respeite a vida em todas as possibilidades que ela se apresente. para a qual o universo não é algo sagrado (Hoykaas. Isto quer dizer que. A reposição da idéia do universo como sistema vivo significa não um retorno ao naturalismo grego ou ao animismo pré-sumeriano. 1989). as desigualdades sócio-econômicas e a opressão em todos os níveis são vetores que obliteram a identidade e que funcionam como expressão da antivida. 1996). Isto quer dizer que os profissionais que estão em campo não mais estão mo\i4dos apenas pela busca política do socialismo. por outro lado. a grande maioria dos psicólogos que passaram pelo NUCOM foi profundamente influenciada pela biodança.44 desejo de transformar a realidade . Apenas o que não está vivo está inerte. a idéia de um universo regulado. 06). 1995. o universo. mas dentro de uma concepção antropomórfica. para não dizer prazerosa.Brandão. Essa visão biocêntrica do mundo tem marcado profundamente a psicologia comunitária da Escola do Ceará. mas a evidência de que os seres vivos. mas aos pressupostos do trabalho comunitário.colocávamos como instrumento um ou outro tipo de estratégia: se o momento era mais para o despertar da consciência crítica. Em última análise. o estudo do princípio biocêntrico e o compromisso com a transformação social. Emergiam as condições de cultivar o material saudável e o potencial criativo em uma estratégia concreta e até mesmo lúdica. Ambos serviam como óculos que permitiam compreender a sociedade. o planeta e o universo estão em uma interação profunda e em constante movimento. Mesmo a complexa religião popular grega também se enquadrava nessa forma de entender o universo. a fome.p. Substituiu-se a preocupação meramente política por uma outra. Góis. se o que estava em jogo era o desejo de naquele instante reforçar os vínculos de companheirismo e identificação com o outro e com a categoria social. mas que constitui um grande sistema auto-regulado e em constante movimento. sexualidade. Dizer que o universo está vivo não significa dizer que ele imita a vida humana. O materialismo permitia apreender teoricamente a tecitura daquela realidade perversa presente e. pois havia um ambiente favorecedor ao contato com esta abordagem. Os JARDINS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: ESCRITOS SOBRE A TRAJETÓRIA DE UM MODELO TEÓRICO-VIVENCIAL . afetividade e transcendência (Toro. muito mais ampla. Conforme dissera anteriormente. garantea continuidadedo universovivo. Vida é o mesmo que auto-regulação. ou ainda nas oficinas de poesia coletiva ou colagem. 1991. com a biodança. não é visto apenas como uma ISRAEL ROCHA BRANDÃO 45 engrenagem gigantesca a ser manipulada pelo homem. organizado racionalmente como kosrnos. Góis. 7 A idéia do universo como algo vivo é antiquíssima e sempre esteve presente na história do conhecimento. Por outro lado. Nas civilizações pré-sumerianas havia o pensamento animista de um universo em movimento. A vida é entendida como té/os da intervenção comunitária e a identidade só pode ser pensada como pulsação do sentir-se vivo. 1995. A miséria. da opressão e da fome que obliteram a expressão da identidade humana na sua forma mais radical. em desafio às compreensões positivistas e mecanicistas da ciência moderna. O homemdo mundoantigocontemplao kosrnoscom admiração. surgia a possibilidade de enxergar os potenciais daqueles sujeitos imersos naquele mundo gélido e desencantado. ecológica. Neste nível de influência da biodança sobre a psicologia comunitária é que surge a discussão sobre o princípio biocêntrico (Toro. Com o advento da filosofia. criatividade. a caminhada companheira da psicologia comunitária com a biodança garantiu à primeira a possibilidade de eficácia e concretude e à segunda criticidade e inserção na problemática da miséria. O clima de vinculação afetiva entre os participantes. faziam do materialismo e da biodança presenças inconfundíveis no colocar-se frente aos problemas nas comunidades.A compreensão de que o universo se organiza teleonomicamente para a vida é um dos pressupostos fundamentais da biodança (Toro. era o momento de trabalhar utilizando técnicas oriundas da biodança e que tinham como tema as linhas fundamentais daquela abordagem: vitalidade. mas pela realização da vida na sua plenitude. mas como a expressão de um grande sistema vivente7. 1983. R. Histórico efundamentos dapsicologia comunitária no Brasil. F. São Paulo. Lisboa. Tempo Brasileiro. & DORAY. Identidade. Fortaleza. 1988. G. 1982 CIAMPA. Curso de filosofia. 1996. H. A mediação emocional na construção dopsiquismo. Princípio biocêntrico e holismo. & JIMÉNEZ. Brasília. Lisboa. C. História da filosofia (I)~ São Paulo.P. Manifesto do partido comunista. H.Noçõesde psicologiacomunitária. C. M. 1989. B. Conscientização. 1990. F. 1978. 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