O TRABALHO DOCENTE PAUPERIZAÇÃO PRECARIZAÇÃO E Proletarização.pdf

March 25, 2018 | Author: Fernandez Mandrake | Category: Capitalism, Economics, Sociology, Poverty & Homelessness, Poverty


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O TRABALHO DOCENTE: PAUPERIZAÇÃO, PRECARIZAÇÃO EPROLETARIZAÇÃO Hélio Clemente Fernandes 1 Paulino José Orso 2 Resumo: Neste artigo apresentamos alguns elementos que permitem melhor entender, caracterizar e definir o trabalho docente na atualidade. Partimos do pressuposto de que tudo está em constante movimento e mudança, em contínuo devir, o que não poderia ser diferente com o trabalho, com a educação e com o trabalho docente. Neste sentido, a partir de uma perspectiva histórica, analisamos como a sociedade foi se transformando e como estas mudanças foram exercendo influências sobre a educação e o trabalho docente, alterando sua forma, suas condições e os interesses que a permeiam. Tendo em vista isso, procuramos precisar melhor como se define e caracteriza o trabalho docente na atualidade tomando como referência os embates entre capital e trabalho, fazendo uma discussão acerca do trabalho docente a partir das categorias: pauperização, precarização e proletarização. Palavras-Chave: Educação, Capital e Trabalho, Trabalho Docente. 1 Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Licenciado em História e Filosofia. Membro do Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e educação no Brasil - GT da Região Oeste do Paraná – HISTEDOPR. 2 Doutor em História e Filosofia da Educação pela Unicamp, docente da Unioeste e Líder do Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e Educação no Brasil – GT da Região Oeste do Paraná – HISTEDOPR. O TRABALHO DOCENTE: PAUPERIZAÇÃO, PRECARIZAÇÃO E PROLETARIZAÇÃO Hélio Clemente Fernandes 3 Paulino José Orso 4 Neste artigo apresentamos alguns elementos que permitem melhor entender, caracterizar e definir o trabalho docente na atualidade. Partimos do pressuposto de que tudo está em constante movimento e mudança, em contínuo devir, o que não poderia ser diferente com o trabalho em geral, com a educação e com o trabalho docente. Neste sentido, a partir de uma perspectiva histórica, analisamos como a sociedade foi se transformando e como estas mudanças foram exercendo influências sobre a educação e o trabalho docente, alterando sua forma, suas condições e os interesses que a permeiam. Tendo em vista isso, procuramos precisar melhor como se define e caracteriza o trabalho docente na atualidade tomando como referência os embates entre capital e trabalho, fazendo uma discussão acerca do trabalho docente a partir das categorias: pauperização, precarização e proletarização. A partir de 1990, ocorreram grandes mudanças na organização social e econômica. Com isso, o Estado também assume um “novo papel”, enquanto mediador dos conflitos entre as classes. Como dizia Engels, Para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não afundem a sociedade numa luta fatal, torna-se necessário um poder colocado aparentemente acima da sociedade, chamado a amortecer o conflito e a mantê-lo nos limites da „ordem‟. Este poder, oriundo da sociedade, mas posto sobre ela e dela distanciando-se progressivamente, é o Estado (1981, p. 195). O Estado é uma construção histórica e cumpre um papel definido. Desde seu surgimento, mesmo que de forma camuflada, apresenta-se como um Estado de classe, que visa atender aos interesses da classe que detém seu controle, ainda que os apresente como se fossem de todos, ou pelo menos, da 3 Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Licenciado em História e Filosofia. Membro do Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e educação no Brasil - GT da Região Oeste do Paraná – HISTEDOPR. 4 Doutor em História e Filosofia da Educação pela Unicamp, docente da Unioeste e Líder do Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e Educação no Brasil – GT da Região Oeste do Paraná – HISTEDOPR. maioria da sociedade. Nesta condição, diante dos conflitos entre as classes, procura aparentar-se como um ente “neutro” e “imparcial” a arbitrar os interesses e como o responsável por “realizar a justiça”, mas acaba agindo no sentido de dinamizar e atenuar os conflitos de classe, perpetuando, assim, o status quo. Neste sentido, entendemos que o trabalho docente não pode ser suficientemente dimensionado sem que se leve em consideração a sua ligação com as múltiplas determinações sociais que ocorrem em âmbito geral. Neste momento, pode-se dizer que a chamada nova morfologia do trabalho se caracteriza pela intensificação dos ritmos de trabalho atingidos pelo modo de produção capitalista em escala mundial. De acordo com Maria Lúcia Melo de Souza Deitos, em meio à crise que teve por ápice o início da década de 1970, e em busca da almejada flexibilidade, então colocada como necessária para superar a rigidez do fordismo, passou a implementar estratégias que tinham por objetivo reestruturar os processos de trabalho (2008, p. 240). Nesta direção, Ricardo Antunes enfatiza que “foram tão intensas as modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise desse século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade” (1995, p. 15, grifos do autor). Dentro deste contexto torna-se relevante assinalar, também, a constatação da Harvey, segundo o qual, [...] o trabalho organizado foi solapado pela reconstrução de focos de acumulação flexível em regiões que careciam de tradições industriais anteriores e pela reimportação para os centros mais antigos das normas e práticas regressivas estabelecidas essas novas áreas (1992, p. 141). Ou seja, a inserção das ditas novas tecnologias e da acumulação flexível, significaram a exigência de um trabalhador flexível, multifacetado, com dedicação integral na execução das tarefas e capacidade de realizar várias operações simultâneas. Diante deste quadro, os empregadores passaram a exercer um controle mais intenso sobre a força de trabalho, dado o enfraquecimento dos trabalhadores, do poder sindical e do aumento dos índices de desemprego. De acordo com István Mészáros, [...] como uma grande ironia da história, a dinâmica interna antagonista do sistema do capital agora se afirma – no seu impulso inexorável para reduzir globalmente o tempo de trabalho necessário a um valor mínimo que otimize o lucro – como uma tendência devastadora da humanidade que transforma por toda parte a população trabalhadora numa força de trabalho crescentemente supérflua (2002, p. 341, grifos do autor). A configuração do capitalismo na atualidade, marcada pela inserção de novas tecnologias, pela reconstituição das relações de trabalho e dos sistemas de produção, fez com que a outrora „pequena firma‟ expulsa pelo capital monopolista voltasse a vigorar devido à “imensa mudança na aparência superficial do capitalismo a partir de 1973” (HARVEY, p. 177). No Brasil, estas transformações são sentidas de modo mais intenso principalmente após a década de 1990, quando ocorrem profundas transformações na produção e na política, desencadeando uma forte reestruturação tanto nos processos de produção como nas relações de trabalho. Nesta perspectiva, José Luís Fiori diz que o Estado brasileiro tem levado às suas últimas conseqüências um projeto de inserção internacional e de transnacionalização radical do controle dos nossos centros de decisão e de nossas estruturas econômicas, com o apoio de uma aliança de poder estabelecida por nossas elites econômicas e políticas” (2001, p. 11). Aliado a isso, ocorre o desenvolvimento da maquinaria técnico-científico- informacional e digital, que são apontadas como causa do aumento do trabalho informal, do desemprego (mutilação da força de trabalho), que tem provocando conseqüência e implicações no conjunto das relações sociais. Com isso, fragmentou-se ainda mais a classe trabalhadora e dificultou imensamente a organização sindical. Entretanto, para compreendermos melhor o trabalho docente na atualidade recorremos às categorias: precarização, pauperização e proletarização. Intentamos verificar qual delas melhor caracteriza o que acontece com o trabalho docente na atualidade, ou ainda, compreender se o que define o trabalho docente não carece da conjunção das três categorias para melhor explicá-los. Sabemos que estes conceitos ou categorias, não são estanques. O trabalho docente guarda algo de comum com o que é realizado pelos demais operários, pelos demais trabalhadores, que também são forçados a vender sua força de trabalho para poder sobreviver. Ou seja, primeirramente, o professor é um trabalhador como os demais, submetido à lógica geral de funcionamento do mercado e, enquanto tal, realiza uma atividade específica. Isto significa dizer que o trabalho produtivo está presente em toda e qualquer relação de produção capitalista, não importando se se trata de uma empresa agrícola, fabril ou uma empresa escolar, se a mercadoria produzida é soja, robô ou ensino (TUMOLO; FONTANA, 2008, p. 7). Entretanto, se há algo de comum, também há algo de específico. O que diferencia o trabalho do professor dos demais trabalhadores, não é apenas o produto final ou o local onde o exerce, mas sim todo o processo de trabalho. De acordo com Tumolo e Fontana, em Trabalho Docente e Capitalismo: um estudo crítico da produção acadêmica da década de 1990, as investigações sobre o trabalho docente, em sua inter-relação com outras categorias profissionais, começaram a emergir como objeto de estudo na pesquisa educacional brasileira no final da década de 1970 (OLIVEIRA, 2003), tendo como temas centrais a organização do trabalho docente e a gestão da escola (2008, p. 01). Destas pesquisas, tem se percebido que, dentro da lógica do capitalismo, dado o grau de acirramento entre as classes e as mudanças nas forças produtivas, a classe trabalhadora acaba ficando mais pobre na mesma proporção em que se amplia a concentração de renda, mediante transferência do produto do trabalho de quem produz para o capitalista. Nesta forma de organização social, política e econômica, o trabalho torna-se uma mercadoria vista como um custo que precisa ser diminuido para aumentar os ganhos dos proprietários dos meios de produção, implicando na pauperização 5 do 5 Em sua tese de doutorado Amarilio Ferreira Junior, ao escrever sobre Sindicalismo e proletarização: a saga dos professores brasileiros, assim se refere ao arrocho salarial sofrido pelos professores após a queda do regime militar: “Para a Confederação de Professores do Brasil, com base nas suas resoluções congressuais, as mudanças do modelo econômico do regime militar passava, obrigatoriamente, por mudanças políticas, ou melhor: pela conquista das liberdades democráticas. Entretanto, apesar deste processo de lutas, a categoria dos professores públicos estaduais de 1º e 2º graus não conseguiu romper com a lógica das trabalhador e na precarização do trabalho. Isto, porém, está associado à condição de proletário. Apesar de o trabalhador assumir uma condição diferente, no processo de trabalho, dada a sua capacidade adicionar valor aos objetos, também não deixa de ser uma mercadoria que carrega uma dupla forma: valor de uso e de troca 6 . E enquanto mercadoria-trabalho, enquanto portadora de valor de uso e também de troca, é alienada. Isto, por sua vez, remete à condição vida do trabalhador (seja ele da educação, do chão da fábrica, do setor que for empregado ou não), que diminui em favor do capital na sua ânsia por agregar mais-valor. Neste sentido, analisando as políticas ditas neoliberais, Roberto Leher, embasado em Chomsky, afirma que seus efeitos têm se expressado como uma drástica redução dos salários e, mais amplamente, uma vigorosa redução dos direitos do trabalho. Na América Latina, o salário mínimo real declinou agudamente entre 1985 e 1992, sob o impacto dos programas de ajuste neoliberais, enquanto o número de pobres aumentou em quase 50% entre 1986 e 1990 (1998, p. 153-154). Marx (s/d, p. 1) ao escrever a Crítica da Economia Política assinala, que para os detentores do capital não interessa a explicitação de que a riqueza é resultado da exploração do trabalho do homem pelo homem. Com efeito, a empresa moderna instaurou de maneira completa o modo de produção capitalista com a incorporação real dos trabalhadores ao capital, com “métodos modernos e maquinarias sofisticadas, dentro de um empenho para planejar e controlar o processo de trabalho e torná-lo um processo dirigido exclusivamente pela gerência” (FRANCO, 1987, p. 12). O trabalho manual vem perdendo o seu espaço gradualmente, mas com o aumento da ciência e da tecnologia, a exploração também tem aumentado cada vez mais. Nesta condição, para Marx, a miséria do trabalhador aumenta na proporção do aumento da sua produção. Diz ele: “o trabalho humano produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o trabalhador” (s/d, p. 4). O classes dominantes brasileiras que, historicamente, sempre se pautou pela adoção de políticas econômicas baseadas no arrocho dos salários dos trabalhadores” (FERREIRA JR, 1988, p. 247). 6 Marx analisa estes dois conceito na obra O Capital, no capítulo em que se refere a mercadoria, 1985, p. 45-78. trabalhador se aliena no próprio ato da produção e, portanto, produz palácios e vive em favelas; produz beleza e o que recebe é só fealdade. Com a mundialização do capital, o trabalho torna-se ainda mais pauperizado, passando a necessitar de novas noções no plano simbólico e ideológico para poder continuar a reproduzir-se. Aumenta assim a contradição, quando o cidadão, ao maximizar a produção, torna-se um cidadão mínimo, sem condições de perceber a totalidade do tecido social. Não se trata de afirmar a ocupação, a profissão e o emprego, mas sim de uma realidade desregulamentada e flexível. O ideário pedagógico vai afirmar as noções de polivalência, qualidade total, habilidades, competências e empregabilidade do cidadão produtivo (um trabalhador que maximize a produtividade) sendo um cidadão mínimo (Frigotto e Ciavatta, 2003, p. 52). Ou seja, há uma proximidade entre o trabalho realizado na escola com os demais trabalhos necessários à reprodução social. E se o trabalho em geral vem sofrendo uma precarização, isto não é diferentes com o trabalho docente. Segundo o dicionário contemporâneo de Maria Tereza Camargo Biderman, o termo precário remete ao “que não é definitivo, que é provisório” ou “que é ruim, insuficiente, inadequado” (1992, p. 740); indica o movimento constante de tornar precário o trabalho no dia-à-dia, na materialidade concreta do devir de quem trabalha. Dentre os trabalhos que tratam da precarização destacam-se os estudos de Maria das Mercês Ferreira Sampaio e Alda Junqueira Marin, que, ao escreverem sobre Precarização do trabalho docente e seus efeitos sobre as práticas curriculares (Revista Educação & Sociedade, 2004), afirmam que as condições econômicas e sociais incidem sobre a escola tornando-a frágil, insuficiente e precária, tendo em vista as necessidades do trabalhador docente. Outro texto, que busca discutir a precarização docente é de Menga Lüdke e Luiz Alberto Boing, com o artigo também publicado na Revista Educação & Sociedade (2004), com o título: Caminhos da profissão e da profissionalidade docentes. Estes autores destacam que um dos elementos que corroboram para a precarização das condições do trabalho docente é o baixo salário e apontam isto como um dos motivos que afastam os meninos e meninas do sonho de serem professores, pois, a valorização social de uma profissão - no modelo organizacional desta sociedade - liga-se à questão da remuneração. Todavia, a educação ocorre concomitantemente com o desenvolvimento das sociedades e, deste modo, sofre com a racionalidade do capital. Muito embora, por meio de seus agentes, às vezes possa produzir o seu contrário, que é a negação da “dualidade estrutural”. De acordo com Motta a “lógica do capital é perversa, supérflua, egoísta” (2007, p. 49). Assim, enquanto uma minoria esbanja futilidades, outra imensa maioria não tem o mínimo necessário para viver. Diante disso, vale ressaltar os dados fornecidos pelo documento Brasil: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos, de que o perfil da pobreza no país abrange cada vez mais a população urbana jovem: Outras mudanças também são evidentes de 1998 a 2001. A incidência de pobreza entre os jovens aumentou (o percentual de pobres com menos de 24 anos se elevou de 36% para 39% do total); a relação entre pobreza e educação apresentou uma pequena redução (a pobreza diminuiu entre pessoas com baixa ou nenhuma escolaridade, mas aumentou em todos os outros grupos escolarizados); e o vínculo entre desemprego e pobreza tornou-se mais forte (2003, p. 19). O fato é que “chegamos a um novo estágio histórico no desenvolvimento transnacional do capital: aquele em que já não é possível evitar o afrontamento da contradição fundamental e a limitação estrutural do sistema” (MÉSZÁROS, 2003, p. 39). Sendo assim, a luta pela construção de uma nova sociedade torna-se fundamental, caso contrário, a bárbarie continuará a expandir-se e, no limite, a ameaçar a destruição do próprio planeta. No novo milênio, a problemática que se coloca não é restrita à incapacidade de a maioria da população obter uma renda mínima para se beneficiar dos bens sociais básicos: educação, nutrição, saúde..., mas inclui a possibilidade da escassez de produção de alimento, das energias etc. Trata-se da ideologia do progresso, do desenvolvimento e da lógica de consumo (Motta 2007, p. 49). Este panorama possibilita compreender que existe uma ligação entre a pauperização e precarização que, portanto, precisam ser extintas e não simplesmente controladas, como nos alerta Leher, que após examinar os documentos do Banco Mundial, constatou que “a ênfase na „administração da pobreza‟ diz respeito às condições de governabilidade e, mais genericamente, à sustentação política das reformas” (1998, p. 153). A pauperização do trabalhador conduz à precarização das suas condições econômicas, sociais e culturais acarretando prejuízos para a manutenção da sua própria vida e de seus familiares e a precarização do trabalho, por sua vez, acarreta a pauperização do trabalhador em sua condição de proletáro. Etimologicamente, proletário diz respeito à prole, isto é, aquele cuja posse equivale aos seus filhos. Proletário é todo aquele que para manter-se vivo (bem como, sustentar sua família) precisa vender sua força de trabalho. Isto remete ao fato de que o proletário é aquele que não é dono dos meios de produção e, por isso, para sobreviver necessita vender sua força de trabalho, em troca de salário, que implica na perda da autonomia tanto em relação aoi trabalho como da vida. É neste contexto, que a problematização do trabalho docente liga-se à proletarização. Claudia Barcelos de Moura Abreu e Sonia Regina Landini, com base em SAVIANI, HYPOLITO (1997), SILVA (1991), PARO (1986) questiona as teses de proletarização do trabalho docente. No entendimento destas autoras, o trabalho dos professores não se caracteriza efetivamente como vinculado “à lógica da economia capitalista, por não produzirem mais-valia e possuírem uma especificidade própria: o produto do trabalho – o saber – não ser submetido à relação capitalista de produção de mais-valia” (2003, p. 10). Ou seja, ao contrário do operário de uma fábrica que produz mercadorias que posteriormente são vendidas no mercado para darem lucro ao seu “patrão”, o trabalhador da educação ao ensinar não perde o conhecimento que ensina (a mercadoria produzida). Talvez, por isso, defendam que se trata de um equívoco atribuir a proletarização ao trabalhador da educação pública. Entretanto, Áurea Costa, quando escreve Entre a dilapidação moral e a missão redentorista: o processo de alienação no trabalho dos professores do ensino básico brasileiro, afirma que a proletarização é um conceito que - embora forjado no contexto do Império Romano para se referir aos que nada tinham de propriedade, a não ser sua prole - apropriado por Karl Marx nos Manuscritos econômico-filosóficos (1844-1846), caracteriza os trabalhadores despossuídos dos meios de produção que são obrigados a venderem a sua força de trabalho para sobreviverem. Diante disso, a proletarização docente, destacada pela autora, caracteriza-se pelo: 1) empobrecimento dos professores de educação básica; 2) assalariamento associado à precarização profissional; 3) perda do controle sobre o seu trabalho; 4) transformação da categoria num trabalhador coletivo, negando-se suas peculiaridades de trabalhador individual; 5) caracterização do professor como produtor de mais- valia”(COSTA, 2009, p. 95). Com efeito, foi após a Revolução Industrial, ocorrida na segunda metade do século XVIII, que o termo proletário ganha notoriedade enquanto classe antagônica à burguesa que se consolida e se impõe como dominante. Neste conflito entre a burguesia e o proletariado, interessa perceber as implicações resultantes para o campo da educação e, por conseguinte, para com o processo de desenvolvimento do trabalho docente. Sendo que o proletário é o trabalhador que não tem autonomia no que realiza, por não possuir os meios de produção, que vive de salário e que nesta categoria inserem-se todos aqueles que para viver são obrigados a alienar sua força de trabalho, entendemos que o trabalhador docente também também realiza seu trabalho na condição de proletário. Neste sentido concordamos com os autores que associam “o trabalho fabril e o trabalho docente, que foi gradativamente incorporando as características do primeiro, um trabalho taylorizado, padronizado, repetitivo, fragmentado” (TUMOLO; FONTANA, 2008, p. 10). FIDALGO, FARIA e MENDES ao partirem da premissa da proletarização docente, destacam que tem ocorrido uma hierarquização na organização do processo de trabalho escolar através da separação entre concepção e execução; a perda de autonomia por parte dos docentes; a excessiva regulamentação do ensino; a perda de controle sobre o processo e sobre o produto do trabalho; a simplificação do trabalho docente a rotinas preestabelecidas; a degradação das condições de trabalho; e o achatamento salarial (2008, p. 66). Deste modo, pode-se estender a proletarização também ao trabalho do professor, que define-se pela ausência de controle do trabalhador sobre o processo de produção, pela perda da autonomia do trabalhador que deixa de ser dono do seu trabalho, pela perda de controle tanto do que faz como do como realiza e também do resultado do próprio trabalho. Isso, aplicado ao trabalho docente revela-se como perda da autonomia do professor sobre seu trabalho. Nas palavras de TUMOLO e FONTANA, temos a “conversão dos professores em proletários no plano do processo de trabalho” (2008, p. 10). Com efeito, a proletarização, que é resultado da divisão social e, portanto, da exploração e dominação social, remete à desqualificação do trabalho docente, reduz os professores a uma espécie de técnicos especializados, cumpridores de tarefas, desumanizando o trabalho. Diante disso, a escola, situada entre os embates do capital e do trabalho acaba sendo forçada a preparar a força de trabalho para a manutenção das relações de produção vigentes. Entretanto, a sala de aula também pode se revelar num espaço de luta, disputa e embate, na mendida em que o professor, ao posicionar-se de modo consciente, ao invés de justificar e legitimar a dominação de uma classe sobre a outra e de reforçar as injustiças sociais 7 , pode contribuir para sua superação. Em suma, analisando as questões educacionais e o trabalho docente a partir da totalidade social pode-se afirmar que, de fato, o trabalho docente só pode ser devidamente compreendido na sua relação com a sociedade, contemplando sua forma de organização como um todo. Deste modo, a reflexão sobre as categorias: pauperização, precarização e proletarização, nos ajudam em muito para a caracterização e compreensão do trabalho docente na atualidade. A partir do exposto, pode-se depreender que nesta sociedade em que a sobrevivência da maioria decorre da venda do trabalho, o trabalhador perde o controle sobre sua produção e também de si, isto é, aliena-se. Esta é uma condição tanto do trabalhador em geral quanto dos trabalhadores da educação. Mas, ainda que proletarização seja a categoria que melhor explique o trabalho docente, não é suficiente para explicar aquilo que se passa com o professor. 7 Sobre a função da escola na sociedade capitalista recomenda-se a leitura do livro de Gaudêncio Frigotto: A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômico-social e capitalista. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1989. Pois, em decorrência da sua condição de proletário, também vê suas condições de trabalho serem pauperizadas e precarizadas. Ou seja, a precarização, a pauperização e a proletarização caminham juntas e se interrelacionam. A precarização docente liga-se à pauperização e vice-versa e, ambas, articulam-se à proletarização. Nesta forma de organização social, política e econômica, o trabalho torna-se uma mercadoria vista como um custo que precisa ser diminuido para aumentar os ganhos dos proprietários dos meios de produção, implicando na pauperização 8 do trabalhador e na precarização do trabalho. Isto, porém, está associado à condição de proletário. Diante disso, a superação dessa condição vai muito além da capacitação dos professores para a utilização das novas tecnologias em sala de aula ou até mesmo de alguns cursinhos de “formação continuada”. Uma vez que os problemas da sociedade se fazem sentir na escola, mas não são produtos exclusivamente seus; é necessário uma ação conjunta de toda a sociedade. Como nos diz ORSO, “[...] quem acredita na educação luta ao mesmo tempo para transformar a sociedade” (2002, p.101). Parafraseando este autor, pode-se afirmar que, se queremos que a situação do trabalho docente melhore, precisamos canalizar as lutas pela transformação de toda sociedade, para a generalização da fruição da vida e sua maximização em detrimento do capital. Perante tal contexto, a melhor estratégia para a defesa dos direitos, é a luta pela extensão deles a todos os trabalhadores. Entretanto, de acordo com Francisco de Oliveira, somente “a organização dos trabalhadores poderia operar a transformação da estrutura desigualitária da renda, tal como ocorreu nos subsistemas nacionais europeus do Welfare State” (2003, p.144). 8 Em sua tese de doutorado Amarilio Ferreira Junior, ao escrever sobre Sindicalismo e proletarização: a saga dos professores brasileiros, assim se refere ao arrocho salarial sofrido pelos professores após a queda do regime militar: “Para a Confederação de Professores do Brasil, com base nas suas resoluções congressuais, as mudanças do modelo econômico do regime militar passava, obrigatoriamente, por mudanças políticas, ou melhor: pela conquista das liberdades democráticas. Entretanto, apesar deste processo de lutas, a categoria dos professores públicos estaduais de 1º e 2º graus não conseguiu romper com a lógica das classes dominantes brasileiras que, historicamente, sempre se pautou pela adoção de políticas econômicas baseadas no arrocho dos salários dos trabalhadores” (FERREIRA JR, 1988, p. 247). A luta pela emancipação em que o trabalho seja produzido de forma coletiva e humanamente viável, inclui também a transformação do espaço escolar, isto é, precisa acontecer também no interior da escola, pois, a precarização, a pauperização e a proletarização do mundo do trabalho incidem nas condições de vida tanto dos professores como dos demais trabalhadores. O que importa, portanto, não é a constatação de que o professor esteja pauperizado, precarizado e proletarizado, mas sim, “[...] dar o passo adiante [...]” (SAVIANI, 2000, p. 31). Contudo, o passo adiante, a luta pela superação da pauperização e precarização do trabalho docente, portanto, passa também pela superação da condição de proletário do docente, pela sua emancipação, pela emancipação de toda classe trabalhadora. Esta é a melhor maneira de contrapor-se à discriminação e ao rebaixamento do ensino das camadas populares. Professores desproletarizados, emancipados, também produzem uma educação emancipada. Portanto, novamente com Orso, pode-se dizer que, se quisermos ter a educação e um trabalho docente de melhor qualidade, não resta dúvida de que é necessário a luta pela transformação da sociedade como um todo, o que inclui a própria educação, produzindo uma condição em que a proletarização, a precarização e a pauperização não seja senão parte da história passada. Referências bibliográficas ABREU, Claudia Barcelos de Moura; LANDINI, Sonia Regina. Trabalho Docente: a dinâmica entre formação, profissionalização e proletarização na constituição da identidade. 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