O Que é Direito - Roberto Lyra Filho

March 25, 2018 | Author: Pepe | Category: Ideologies, Marxism, State (Polity), Sociology, Statutory Law


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o que é direitoroberto lyra filho Coleção Primeiros Passos Roberto Lyra Filho O QUE E DIREITO 11ª edição Primeira edição, 1982 Editora Brasiliense Rua da Consolação, 2697 São Paulo SP Fone (011) 280-1222 - ÍNDICE Direito e lei........................................7 Ideologias jurídicas................................16 Principais modelos de ideologia jurídica............33 Sociologia e direito................................67 A dialética social do direito.......................92 Indicações para leitura............................128 DIREITO E LEI A maior dificuldade, numa apresentação do Direito, não será mostrar o que ele é, mas dissolver as imagens falsas ou distorcidas que muita gente aceita como retrato fiel. Se procurarmos a palavra que mais freqüentemente é associada a Direito, veremos aparecer a lei, começando pelo inglês, em que /aw designa as duas coisas. Mas já deviam servir-nos de advertência, contra esta confusão, as outras línguas, em que Direito e lei são indicados por termos distintos: lus e lex (latim), Dere cho e léy (espanholl, Diritto e legge (italiano), Droit e loí (francês), Recht e gesetz (alemão), Pravo e zakon (russo), Jog e tõrveny (húngaro) e assim por diante. Noutra passagem deste livrinho, teremos de enfrentar a sugestão do grego, em que nomos (lei) também nã se identifica, sem mais, com o Direito e 8 Roberto Lyra F'rlho Dikaion propõe a questão do Direito justo. As relações entre Direito e Justiça constituem aspecto fundamental de nosso tema e, também ali, muitas nuvens ideológicas recobrem a nua realidade das coisas. Em todo caso, não se trata dum problema de vocabulário. A diversidade das palavras atinge diretamente a noção daquilo que estivermos dispostos a aceitar como Direito. Por isso mesmo, os autores ingleses e americanos tëm de falar em Right, e não law, quando pretendem referir-se exclusivamente ao Direito, independente da lei ou até, se for o caso, contra ela (isto não significa, note o leitor, que o verdadeiro Right não possa ser um Direito legal, porém que ele continuaria a ser Direito, se a lei não o admitissel. A lei sempre emana do Estado e permanece, em última análise, ligada à classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade politicamente organizada, fica sob o controle daqueles que comandam o processo econômico, na qualidade de proprietários dos meios de produção. Embora as leis apresentem contradições, que não nos permitem rejeitá-las sem exame, como pura expressão dos interesses daquela classe, também não se pode afirmar, ingênua ou manhosamente, que toda legislação seja Direito autëntico, legítimo e indiscutível. Nesta última alternativa, nós nos deixaríamos l , Y O que é Direito r 9 embrulhar nos "pacotes" legislativos, ditados pela simples conveniência do poder em exercfcio. A legislação abrange, sempre, em maior ou menor grau, Direito e Antidireito: isto é,, Direito propriamente dito, reto e correto, e negação do Direito, entortado pelos ínteresses classístícos e caprichos continuístas do poder estabelecido. A ídentífícação entre Díreito e leí pertence, aliás, ao repertório ideológico do Estado, pois na sua posíção privilegiada ele desejaría convencer-nos de que cessaram as contradições, que o poder atende ao povo em geral e tudo o que vem dali é imaculadamente jurídico, não havendo Direito a procurar além ou acima das leis. Entretanto, a legislação deve ser examinada criticamente, mesmo num pafs socialista, pois, como nota a brilhante colega Marilena Chauf, seria utópíco /ilusão) imaginar que, socializada a propriedade, estívesse feíta a transformação socíal completa. Isto é acentuado, também, com referência ao Direito, pelo jurista húngaro Zoltán Péteri, quando assinala que as leis dum país socialista podem não exprimir os resultados da evoiução social visada pelos padrões atualizadores do socialismo. Ali também surgem leis que carecem de "auten- ticidade e adequação" e escapam ao que é "verdadeiro e correto" juridicamente. Em que critérios poderemos buscar o meío de avalíação deste elemento jurídico, para aplicá-lo à consideração das leis, é precisamente a questão para a qual r s A k " 1 a S3 k k f I 10 se encaminha o nosso itinerário, neste livrinho, e que aparecerá nas suas conclusões. Repare o leitor na arrogância com que todo governo mais decididamente autoritário repele a "contestação" lcomo se as remodelações institucionais não fossem uma proposta admissível e até parcialmente re conhecida em Jeis - no caso das emendas constitucionais, por exemplo) ; na pretensão do poder que, cedendo à "abertura" inevitável, quer, depois, controlar o diâmetro, a seu gosto; na irritação com que fala em "radicaI ismo" de toda oposição que ameace trocar , mesmo pelas urnas, o estado de coisas presente; nas "salvaguardas" com que pretende garantir o status quo (isto é, na estrutura implantada, os esquemas vigentesl; na astúcia que procura separar os "confiáveis" (isto é, os grupos e pessoas que são vinho da mesma pipa) e os "não confiáveis" (isto é, os grupos e pessoas que propõem algumá forma de reestruturação social, mesmo quando o fiazem com a recomendação de meios pacíficosl. Nisto, porém, o Direito resulta aprisionado em conjunto de normas estatais, isto é, de padrões de conduta impostos pelo Estado, com a ameaça de sanções organizadas (meios repressivos expressamente indicados com órgão e procedimento especial de aplicação). No entanto, como notava o Itder marxista italiano,Gramsci, a visão dialética precisa alargar o foco do Direito, abrangendo as pressões coletivas (e até, como veremos, as Roberto Lyra Filho O que é Dïreito normas não-estataïs de classe e grupos espoliados e oprimidos) que emergem na sociedade civil (nas instituições não ligadas ao Estado) e adotam posições vanguardeiras, como determinados sindicatos, partidos, setores de igrejas, associações profissionais e culturais e outros veículos de engajamento progressista. O Direito autêntico e global não pode ser isoiado em campos de concentraçáo (egislativa, pois indica os princfpios e normas líbertadores, considerando a lei um simples acidente no processo jurídico, e que pode, ou não, transportar as melhores conquistas. sejam elas cínicas e ostensivas ou hipócritas e disfarçadas. então. . há dispositivos legais que contrastam com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. entre nós. como veremos. chamam de "dogmática". Uma ciência verdadeira. Isto já foi reconhecido.. se a classe social que nele prevalece é a trabalhadora ou a capitalista. se o Direito é reduzido à pura legalidade. se os grupos minorítários têm garantido o seu "direito à diferença" ou um rolo compressor os esmaga. se as bases dominam o processo pol ftico ou a burocracia e a tecnocracia servem ao poder íncontrolado. sem mais. pelo atual presidente do Supremo Tribunal. é claro. concretamente. Em muitos países. . surge a legislação .. se. Diríamos até que. k ) y H X r i.se ele é autorítário ou democrático. isto é. qualquer Estado ou legislação que deseje paralisar o constante progresso. com val idade anteríor e superior a qualquer lei). castrado. em geral. já representa a dominação ilegítima. 12 em opção jurídica indeclinável. entre outros. por força desta mesma suposta identidade. não pode fundar-se em "dogmas". Roberto Lyra Filho . e este "Direito" passa. . em voto famoso. quando tentou. como notava. M. através das ditaduras burocrático-policiais. em que o ctrculo da legalidade não coincide. não à toa. com o da legitimidade. E condenam. chamados Direitos Humanos.. conscientizam e declaram o que vai sendo adquirido nas lutas sociais e dentro da Hístória. transformam essas práticas pseudocientíficas em tarefa de boys do imperialismo e da dominação e degradam a procura do saber numa ladainha de capangas inconscientes ou espertos.Isto depende. Estes. inclusive no Brasil. entretanto. para o necrotério duma pseudociência. que divinizam as normas do Estado. ficam resguárdados os Direitos (não menos Direitos e até supra-estatais. que os juristas conservadores. de que Estado. Xavier de Albuquerque. para transformar-se . se reveste uma estrutura social espoliativa ou tendente à justiça social efetiva e não apenas demagógíca e palavrosa. Uma exata concepção do Direito não poderá desprezar todos esses aspectos do processo histórico. tr Y . é evidente. . Ministro F. das normas estatais. morto e embalsamado. inclusive o grande jurista burguês Hermann Heller. sendo. ou o homem. onde ademais se mantêm num movimento constante e contínua transformação. que tudo é. um cabide 14 Roberto Lyra Filho metafísico. Nesta perspectiva. encaminhar uma jurisprudência (decisão uniforme. mas reciprocamente se reportam um ao outro. E deste modo que elas se entrosam na totalidade dos objetos observáveis e das forças naturais e sociais. sem o estabelecimento dos Direitos Humanos". inclusive numa legislação socialista. se desaparece a causa dos Direitos do Homem. assim como 0 órgão sem o organismo em que funciona. formam-se nestas próprias condições de existëncia que prevalecem na Natureza e na Sociedade. nas transformações incessantes do seu conteúdo e forma de manifestação concreta dentro do mundo histórico e social. no sentido mais amplo. com isto. Daí a importância da revisão crítica. o destacado juiz liberal que a Declaração dos Direitos do Homem é "capítulo . sem a sociedade. mas orienta superiormente a captação do Direito. a questão de Direito) que situasse aquela Declaração. Isto não . automaticamente. Queremos dizer. Sob o ponto de vista do socialismo. que os modelam e orientam a sua evolução. em que penduram a realidade dos fenômenos naturais e sociais. não há fim verdadeiro da exploração. ao contrário. Nosso objetivo é perguntar. duma evidente Constituição de todos os povos" que ainda não "existe" (como lei formalizadal. sem a líbertação econômica". cada um perde a significação própria e a conexão vital. fora da qual ele não existe humanamente e regride na escala zoológica. que as coisas não obedecem a essências ideais. mas é preciso esclarecer. revelar o seu fúndamento e sentido. etimologicamente. não é outro o posicionamento de Ernst Bloch. como é devido. do mesmo ato. que nada é. sem o fim da exploração. Isoladamente. quando buscamos o que o Direito é. mas a libertação econômica "é impossível também. como espécie de modelo fixo. Acentuou. o filósofo marxista alemão. o que é Direito (com ou sem leis).?Y YÇt" O que é Direito 13 na justiça eleitoral. que só emerge em função daquela totalidade móvel. coisa que surge) pode. num sentido perfeito e acabado. Não há verdadeiro estabelecimento dos Direitos Humanos. acíma de qualquer desvio legislativo. igualmente. então. As coisas. Cada fenômeno (fenômeno é. dada pelos Tribunais. Estes dois resultados não nascem. quando afirma que "a dignidade é impossível. então. criadas por certos filósofos. estamos antes perguntando o que ele vem a ser. .o que. nas ideologias. buscado. que é utilizado por diferentes autores. embora de forma incompleta ou distorcida. 9 F ! k "yfi i3 p * t # 5 O que é Direito 17 representando. Desta maneíra. vamos abrir uma seção preliminar. enquanto vai sendo: o que surge de constante. r^s ... numa variedade considerável de significados. í .·4 " i:'j. tecnicamente. A amostra é suficientemente ampla (abrangendo mais ou menos 25 séculosl para servir como prova de que. Entretanto. de "Ocidental". Apenas fica ressalvado que uma ontologia dialética.. se integram. . apesar de tudo. ontologia. Lukács. 5 Y i w r O que é Direito 15 que procura deduzir o "ser" de alguma coisa.t t° k 1 af. a fim de esclarecer em que sentido estamos empregando o termo . e que sè denomina. -. a "essência" do Direito vai transparecendo. assim. no interior da própria cadeia de transformações. mas ao contrário. . que é impossível determinar a "essência" do Direito . .. modos distintos de colocar-se o observador perante o mesmo fenômeno. abreviadamente.ideologia -.. simplesmente..significa. tal como indicava o filósofo húngaro. os tipos de ideologia jurídica encontrados no segmento da História que se estende da Antigüidade aos nossos dias no panorama geográfico denominado. será possível mostrar que as abordagens díversas não se excluem reciprocamente.... e t t x ïr r t IDEOLOGIAS JURÍDICAS Começaremos recapitulando. na diversidade. tem base nos fenômenos e é a partir deles a 7a y. A 5 i s o .. ele é. porém. segundo convenção muito comum. pelos seus conteúdos e métodos. usados como assessores "cientfficos" do autoritarismo chileno ou até na pol ftica sócio-econômica da sra. afetando as premissas (princípios que servem de base a um 1 g Roberto Lym Filho racioctnio) e as conclusões a que chegam os cientistas. no que fazem os "Chicago boys". Todavia. o conjunto de idéias duma pessoa ou grupo. com acerto. Thatcher. Esta verificação era irresistível. não mais como simples conjunto de idéias. por exemplo. mais comum . distorcidos ao sabor de vários condicionamentos. Por outras palavras. a estrutura de suas opiniões. descobriu-se que a imagem mental não corresponde exatamente à realidade das coisas. Assim. de que maneira a ciência ríão só carrega elementos ideológicos no seu interior. Basta pensar. no desenvolvimento de suas pesquisas sobre o que chama "discurso competente". e por isto mesmo o escritor francês Stendhal ficou muito irritado ante a mera proposta de um estudo desse tipo. Marilena Chauf mostrou. Não é muito agradável saber que andamos iludidos e Stendhal chegou a desabafar-se de forma pitoresca: "um tratado de ideologia é um desaforo! Então pensam que eu não raciocino corretamente?!" Aliás. primeiramente. o estudo das ideologias e a crítica do seu teor e efeitos encaminharam-se no sentido de falar da ideologia. formando um padrão. Queremos dizer que também nestas se intromete certo grau de ideologia. organizada em certo padrão. o estudo das idéias e seus conjuntos padronizados começou a destacar as deformações do raciocínio. a "dama de ferro" do conservantismo inglês. Desptezando . quando impõem aqueles falsos conteúdos à práxis social. a que não escapam as próprias ciências. passou a designar essas idéias mesmas. surgiu o emprego atual. criados na incubadora do economista Friedman e. mas até serve à dominação social dos "donos do poder". do termo ideologia. o estudo da origem e funcionamento das idéias em relação aos signos que as representam. na análise das ideologias. Desta maneira. logo. A partir duma quota fatal de interferências ideológicas (de "idéias" preconcebidas e modeladas conforme os posicionamentos classísticos). mas. é isto mesmo que ocorre: ninguém raciocina com absoluta perfeição e há sempre uma boa margem de deformações. como uma série de opiniões que não correspondem à realidade. depois. fundamentalmente sociais. Neste ponto é que surgem aquelas diferentes abordagens que já mencionamos. mas apenas no setor desses conjuntos ou em conjuntos inteiros que carregam e transmitem as deformações.Ideologia significou. Quando se fala na ideologia como crença.infestadas de elementos ideológicos. A ideologia como crença opõe esta última às idéias. este ju fzo sumário parece-nos inaceitável.matizes e sutilezas. inclusive. porque não explica a diferença entre Kant e outro qualquer pequeno-burguês. do nome ou da posição social dos autores. resumida e liqüidada em duas palavras: . Fazemos esta observação porque notamos que certas pessoas têm o hábito de discordar. c) ideologia como instituição. nem por isto ele seria incapaz de. 5 t' 3 y. não poucos marxistas... Ortega considerava as idéias como algo que . o que eles dizem a respeito de um tema é certo ou errado. A ideologia como falsa consciência revela o efeito caracterfstico de certas crenças como deformação da realidade. em muitos pontos. algumas das quais são exatas. 2I1 "pequeno-burguês". no terceiro é procurada na sociedade e independentemente dos sujeitos. Por mais direitista que fosse. com tudo isso . também sociais. acertar o martelo nos pregos em vez de golpear os dedos.como efetivamente estão . .r 3'p: . que vai da direita à esquerda. ela é considerada em função dos sujeitos que a absorvem e vinculam. não se faz referência especial às crenças religiosas.. rY S a O que é Direito 19 três modelos principais: a) ideologia como crença. não aprecia validamente todas as suas idéias. a grande figura do idealismo alemão. no sentido que a ambas as palavras dava o pensador espanhol Ortega y Gasset. embora estas últimas possam estar . era explicada.:ï: . é talvez possível reuni-las em jH . A ideologia como instituição destaca a origem social do produto e os processos.. em princfpio. f K £ v. . de sua transmissão a grupos e pessoas. Já lemos um texto em que toda a filosofia de Kant. compreendendo. Nos dois primeiros. Embora sejamos adversário de Kant.z . rüspensando-se de veríficar se. b) ideologia como falsa consciência.. nem liqüida a sua influência na história do pensamento. A ideologia como crença mostra em que ordem de fen8menos mentais ela aparece.. nem nos ocorre discuti-las. diríamos que nem toda a crença é ideologia (pode ser um resfduo vál ido de certezas adqu iridas). portanto. aceitamos. Pense o leitor na energia ys~r a d .. ao contrário. E exato que. a troca de idéias. ela nos traz a ilusão duma certeza tal que nem achamos necessário demonstrá-la. Por isso mesmo. mas suportamos com dificuldade um desafio às crenças. tão óbvias nos parecem. assim fazendo. iniciaria o processo da desideologização. como crença falsa. não se discutindo que. Diz ele que as idéias nós temos e nas crenças estamos. leva-nos. portanto. em todo caso. de vez que considerá-la como objeto de reflexão e fazer incidir sobre aquilo o senso crítico jâ seria o primeiro passo da direção superadora. da educação e do lugar que ocupamos na estrutura social. é uma crença falsa. as crenças podem ser positivas e negativas (ao exame exterior que delas se faça). de bom grado. mas não sobre ela. O escritor francës Alain dizia que se trata dum "delírio declamatório" na medida em que repetimos tranqüilamente (e.. sem verificar Roberto Lyra Filho ° s F * n e é Direito 21 se. simplesmente parece que outra qualquer posição é inconcebível e só pode surgir por burrice. as nossas atitudes e raciocínios como "evidências" desvairadas. falsos) são os seus presumidos fundamentos. representariam opiniões pré-fabricadas. Raciocinamos a partir dela. que nos vêm peto contágio do meio. Estes passam a guiar. a natureza subliminar (inconsciente) das crenças é que Ihes vai dar uma característica favorecedora da ideologia. ignorância ou safadeza dos que a mantêml. Quem remexe nelas arrisca-se a receber um xingamento ou um coice. ao contrário. A ideologia. faz muito bem quando evita uma topada desastrosa. repetimos exaltadamentel os maiores e mais convictos despropósitos. se alguém "crê" (sem refletir sobre istol que a parede à frente é intrans.adquirimos através dum esforço mental deliberado e com o maior grau possível de senso crítico. mas toda ideologia se manifesta como crença (na medida em que nesta ficamos. Em síntese. isto é. uma ". se contestados. E esta última se exprime com tanto mais vigor quanto mais frágeis listo é. é adotada a boa ou má posição.evidência" não refletida que traduz uma deformação inconsciente da realidade. Mas. para Ortega. Não vemos os subterrâneos de irreflexão em que a fomós buscar e. A ideologia. isto é. à abordagem da falsa consciência. então. ponível pelo seu avantajado corpo. As crenças. . apontando os interesses e conveniências dos que controlam a vida socia) . em que a ciência se corrompe a fim de servir à dominação. . e tratam de impô-la aos demais..já que. a 24 finalidade científica é investigar as raízes sociais de qualquer típo de saber..3 r.: r F ' . em que muito mais é recebido do que reelaborado..V. quer queiram quer não os seus autores.a 6 r 5 ! a a !.: p -0 -. assinalam Marx e Engels. foi o marxismo que propôs uma explicação das origens da ideologia. com todos os recursos de que dispõem (órgãos de comunicação de massas. na verdade.. Nesta ordem de investigações também é grande a influência do marxismo em todo 0 pensamento contemporâneo. para as suas origens. a ideologia é cegueira parcial da inteligência entorpecida pela propaganda dos que a forjaram.. constitui. sem dúvida. . 0 "discurso competente". . instrumentos especiais de controle social de que participam e. de vez que a má fé pressupõe uma distorção consciente e voluntária. com que o burguës atribui ao "radical" o rompimento da "paz social" (que é.... ensino. com forma destacada. nesta. um diálogo com o marxismo. sem "contestação". se apropriaram dos meios de produção econômica e de . já nos deslocamos da natureza e efeitos da ideología. Não se trata de má fé. com que o machista denuncia a "inferioridade" da mulher diante do homem. o sossego para gozar. os seus privilégios de classe dominante). é claro. f . mantém ligação inextrincável com o discurso conveniente. y. r2 8 d 1. f. 22 Roberto Lyra Filho com que o racista proclama a "superioridade" do branco sobre o negro. A falsa consciência íntroduz-se nas análises da ideologia. sobretudo a partir das contribuições marxistas. . Mas a esta altura. Uma disciplina chamada Sociologia do Conhecimento. Basicamente. mediante o qual as classes privilegiadas substituem a realídade pela ímagem que Ihes é maís favorável.::l.. as próprias leis). cuja . não será eterna. não são por ele criadas. A ideologia é fato social (exterior. mesmo quando a troca se consumou. . Mas decerto convém matizar este influxo. as ideologias. sem troca do modo de produção.. Porém não se trata. assim. Em todo caso. relacionadas com a divisão de classes. Exemplo disto é o machismo.: ' l. da estrutura social básica tudo o que vier a i m . ! fSG° . nisto. já citado. Há produtos ideológicos relativamente solúveis.:'T`fi ? Robsrto Lyra Fr?ho O que é Direino 25 ocorrer. Engels dizia. entrando . como os há relativamente indissolúveis. inclusive os meios de comunicações de massas. É isto que suscita a abordagem da ideologia como instituição. ¡ . como algo que se cria e se manifesta na sociedade e não na cabeça deste ou daquele indivíduo. a organização do ensíno e a produção das leis. não uma receita fácil a fim de que se derive. ao menos quanto à base material das relações de produção. abre-se espaço à contestação da ideologia "oficial". com bastante ênfase. que está no cerne do marxismo. em certas sociedades capitalistas. 9 .tudo o que representa a força e o poder. absorvidas e definidas por este ou aquele sujeito. favorecendo uma (privilegiada) e se impondo à outra (espoliada na própria base da sua existência material?. anterior e superior aos indivfduosl. na proporção mesma do processo dialético. que o materialismo histórico pretende ser um guia para o estudo. conscientizados. que se vai atenuando. evidentemente. sem mais. nas profundezas da mente). os que carregam o peso da opressão. antes de tornar-se um fato psicológico (enquanto invade a formação mental. sorrateira. mas recebidas. apesar de obscurecer-se bastante. pois as contradições da estrutura acabam rompendo a pirâmide do poder e.) i . O fato é que não se pode reconduzir. As formações ideológicas estariam. Tal dorninação.e i : . dum "aparelho" ideológico. qualquer fenômeno ideológico à organização sócio-econômica. e resiste com mais vigor em determinados países de socialismo implantado. quando certas derivadas dele se desviam para a visão dogmática e mecânica. propriamente. em linha reta. 7 d A9 . há condições sociais que favorecem a conscientização: elas emergem quando as contradições duma estrutura social se agravam e . De qualquer maneira. A propósito.:. Se podemos superar as determinações.já que esta metáfora (significação duma palavra estendida a outra coisa semelhante ao que ela designa) tem o risco de sugerir uma forma. Cuvill. e é assim que se entende melhor a posição de Marx ao dizer que a maneira de superar as "determinações" é conscientizá-las. como "determina". r:~ . já observo que. . não participamos duma tragédia. com os "mocinhos" dum lado e os "bandidos" do outro) na oposição entre ideologia e ciência. de atuação. lutando contra barreiras de todo gênero e com a chance duma vitória final contra o "destino" (na medida em que temos a possibilidade de transformar a cegueira em miopia e procurar os óculos mais aperfeiçoados para ver o caminho). dos outros e ciência imaculada o saber de tais maniqueus. portanto. coletivamente. a superação das "determinações" já acentua a participação ativa do homem e não apenas o funcionamento de máquinas e aparelhos. Marx já lembrava que não somos nem totalmente livres nem totalmente determinados. arrastados para a catástrofe inevitável. e não fatais). de um drama. a flexão alemã bedingt (oondiciona) tende a ser traduíida.-. . porque ficamos sempre oscilando entre a crença (iludida) e a ciência (retificadora) que. existe uma espécie curiosa de maniquefsmo (doutrina que vê tudo como uma espécie de bangue-bangue. em que todos se agitam em vão. também mecânica. de qualquer forma. elas são. z O que é Direito 27 do marxismo.zá . Por outro lado. o homem seria boneco inerte. em textos fundamentais . as coisas são muito mais complicadas. E. um autor francês. fatalmente preso às determinações externas. ao contrário. . antes condicionamentos ("determinações" vencfveis. que tende a considerar ideologia o saber . E quem escaparia para corrigir a deformação ou proclamá-la incorrig ível ? 26 Roberto Lyra F"ilho Aliás.:!?3 d A y . definitivamente. como perfeita e acabada. inexatamente. Neste caso. nunca se põe. Ç:..ier.:.::a3 7:::. como um bando de cegos incuráveis: participamos. j7. Em verdade. em que os personagens buscam o seu itinerário. 5d 1 4. em que o valor dos bens produzidos pelo seu trabalho não corresponde à parte que Ihe cabe a título de salário: e é precisamente nesta diferença que consiste a mais-valia. dr.a crise mais funda torna claros os contrastes entre a realidade e as ideologias. dê-se ao pobre a pobreza. A regra da Justiça deve ser a cada um segundo o seu trabalho.". ao desgraçado a desgraça. como se este fosse imposto pela natureza das coisas . enquanto não se atinge o princípio de a cada um segundo a sua necessidade. por exemplo." que passa fumando charuto e com a maisvalia no bolso.:Ç· .. cujo destino é demasiadamente óbvio para que o trabalhador se conforme com vê-la engordar a riqueza do capitalista enquanto a miséria do povo se torna cada. o operário não tira mais o boné fazendo uma reverência ao "sr. emergem as conscientizações que apontam os seus vfcios estruturais e surge um pensamento de vanguarda. daquela crença de que "cada um tem o seu lugar". Nem era senão por isso que ao escravo se dava a escravidão.N ' ca?. mostrava o grande jurísta João Mangabeira que é expressão muito velha da separação sociat das classQs entre os proprietários e os não-proprietários. . A crise econômica e. que isso é o que ë deles . como príncfpío "jurfdico". com serenidade. A propósíto de "dar a cada um o que é seu".e não pelos t 9 t S "7 £ r ta . qué era o seu. Mas bem sabeis que esta justiça monstruosa tudo pode ser. vez mais dolorosa. a crise social determinam rachaduras nas paredes institucionais e rompem o verniz das ideologias. mais amplamente. superando a ideología e fazendo avançar a ciência.. Dentro deste clima. não é mais possível o funcionamento. . Um jurista atual não pode mais receber o seu rubi de bacharel. Ele já percebeu que existe "al o errado" no sistema. .t'. como resulta da sentença de São Paulo na carta aos Tessalonícenses. no sistema de produção em que aquela fórmula se criou. ao miserável a miséria. . y¿ . : 28 Robeho Lyra Iho interesses entronizados duma classe dominante. Hoje. menos justiça. repetindo. entre os dominantes e os espoliados: "porque se a justiça consiste em dar a cada um o que ë seu. que vê mais precisamente onde estão os rombos. "a cada um o que é .'.por Deus ou pela racional partilha ." A medída que a críse socíal desenvolve as cóntradições do sistema. . pois. aparece.recorda-nos o marxista polonês Adam Schaff é apenas um limite ideal. numa participação ativa conseqüente. E quando . a fim de procurá-la. a inconsciência de que eles são guiados por princfpios recebidos como evidências e que. favorecida. repetimos. devido à consciência falsa (isto é. desligando a mente do que vai em tornol. . agora contestadas ou de contestação viável (se não nos acomodarmos na alienação.os fantasmas ideológicos. como se fosse a serena verdade do Direito. é pela "verdade mais completa posstvel". A verdade absoluta . a fim de que não nos transformemos naquele tipo de intelectual atarantado.r: " = 4 r " O que é l7ireito 29 . uma cons1b f aY" t. oriunda. onde primeiro surgiram as crenças. Isto não quer dizer que as verdades relativas alcançadas pelo homem sejam menos objetivas e válidas: a opção a fazer. Não adianta ver que "o mundo está errado" e encolher os ombros. que os sujeitos absorvem e que Ihes deforma o racíocínio. O grau desta conscientização. ' 30 cientização. não será nunca. Este já foi corretamente visto como "a face exótica do poder". que "contesta" sem saber bem o quê nem por que. no porre.seu". um limite que efetivamente vai recuando cada vez mais à medida que avançamos. a sua própria coerência e persistência dependem sempre do nosso engajamento numa práxis. no sexo obsessivo ou na transferência de qualquer atuação positiva para mais tarde. A ciência. nota Schaff. no "além". acabada e perfeita. por outro lado. em termos gerais. com relati a independência.. em seu impulso crftico. porém. Em stntese. na verdade.a sociedade injusta . pelas crises que manifestam as contradições da estrutura social. a formação ideológica (fato-instituição social). No esforço para nos libertarmos desses condicionamentos floresce. no embalo. como na série matemática...e em nós mesmos pela conscientização assentada numa práxis libertadora . definitiva. na etapa atual e. fugindo para algum "paraíso artificial". constituem meras conveniências de classe ou grupo encarapitados em posição de privilégio). de contradições da estrutura sócio-econômica (mas não exclusivamente redutfvel a estas. é preciso combater em sua origem . noutra vida. subsiste ou se dissolve) cristaliza um repertório de crenças. rt. da "crise do Direito" .... como processo de conscientização. Pudera! A "guitarra" legislativa já estava em suas mãos..no de certos grupos e pessoas . além de traduzirem. . que a burguesia chegou ao poder desfraldando a bandeira ideológica do direito natural . por outro lado. relativa estabilidade ou decadência. Tal como as outras. por exemplo. 1 .. plano e abrangedor. elementos da realidade.. e. pela arregimentação.isto é. como reflexo numa superfície côncava ou convexa. Tudo isto se reflete nas ideologias jurfdicas. Porque distorção é precisamente isto: a imagem alterada. Veremos adiante.s . alongado ou achatado. no ensino e na prática de muitos juristas. mudam . . pela ajuda material e moral a espoliados e oprimidos.falamos em práxis é evidente que ela pode ser também de maior ou menor amplitude.e.por lamentável contágio . d . Apesar de tudo. 7. A primeira fase contestou o poder aristocrático-feudal. . já é uma forma válida de participar pelo discurso. 0 Direito. trocou de doutrina. elas aparecem dando expressão.. nos tratados.ie . . tanto é assim que as correntes de "idéias aceitas" podem mudar . na força do capitalismo em subida. A 5egunda fez a digestão da vitória. limitada mesmo.. . em última análise.conforme esteja a classe em ascensão. a ideologia da ordem assente). c. mas a atitude modesta. no discurso do poder e até ...com fundamento acima das leis . Resta desentortar o espelho. de pança cheia Inão admitindo a existência de Direito senão em suas leisl. não inventada. ainda apresenta certas características reconhecíveis. pelo voto. as ideologias jurídicas encerram aspectos particularmente interessantes. tanto quanto possfvel. aos posicionamentos de classe. Isto se beneficia. tendo conquistado Rober'tn Lyra Filho . . O que é Direito 31 o que pretendia. passando a defender o positivismo jurtdico (em substância. torná-lo. para dominar o Estado.. conquanto deformados. de fato. daí que surge a transformação do grito libertário (invocando direitos supralegais) em arroto social. dentro das condições atuais de reexame global. desse "direito" que ainda aparece nos compêndios.e. pois já não precisava mais desafiar um poder de que se apossara. K w ... fK f ' 4 . Tomaremos apenas dois modelos básicos. todas as ideologias jurídicas. 4 i t £ 'Y d . aqui.. agora. assim. simplificar o imenso repertório de doutrinas que aparecem. ao contrário. aquelas ideolo- ï 1 .de sincero engajamento progressista.r). Estes últimos 5 2$ 7 . portanto. em torno dos quais se polarizam os diferentes subgrupos ideológicos . Vamos.a . . 5 . com o desaparecimento de leis que representam mera conveniência e ínteresse duma ílegttíma dominação.. Procuraremos demonstrar. é ampliar. e. o direito usado para dominação e injustiça é um direito ilegttimo..IS.y . uma por uma. . 32 Robem Lyru Fr ho desafiam o estreito legalismo como se ali residisse o Direito inteiro. . Sl p d i 4 £ ' K ' 4 : t I.t . sob o ponto de vista dialético. esboçando uma abordagem global do Direito.F ~. um falso direito".. escreveu: "na realidade. PRINCIPAIS MODELOS DE IDEOLOGIA JURÍDICA Não é possfvel repassar.a que só faremos um breve aceno. andava certo 0 eminente colega Dalmo Dallari quando. desenvolver este excelente ponto de partida... que isto não é exato e que.. noutro volume desta coleção. pensam que sumirá o Direito mesmo.:. 0 que se faz.tl.M.. . sem descer a pormenores da posição de autores e movimentos.. Fundamentalmente. . i F Ik i IP `M k# / d we i.. . da Antigüidade aos nossos dias. . . adiante. especial atenção. Não ss poderia fixar mais claramente a opção positivista. no entanto. t. ainda hoje. ° f ` r k s" ~ fft 2 t 7 jY Roberto Lyra FFlho certo que muitos autores tradicionais não se julgariam corretamente enquadrados numa dessas duas posições. . Y i' 7. no âmago. Assim.. . o jurista alemão Hans Welzel afirma expressamente que não é iurisnaturalista e. A estas duas daremos. qualquer acrésçimo ou matizamento é secundário: permanece. Miguel Reale. como ordem justa (iurisnaturalismo) . correspondendo às concepções iurisnaturalista e positivista do Direito. aparece ali a mesma oposição. r u. t O que é Dir eito 35 ponfveis. o que é I ícito ou il tcito". para este filósofo do Direito. entre outros. para o positivista.de um lado. anteriores e superiores às leis e que nenhum legislador pode modificar validamente. admite certos princípios fixos. quando obssrvamos os alicerces da construção que pretende ser diferente. de outro. no entanto. . não houvesse maneira de ver o fenômeno jurídico. Depois disto. ". na verdade.. o mesmo destacado pensador da direita repete e endossa uma frase de Hauriou. para mais enfatizar este posicionamento.. mas. o Direito como ordem estabelecida (positivismo) e. como se. recusaria a classificação como positivista e. portanto.gias situam-se entre o direito natural e o direito positivo.. é mister que uma ordem jurtdica declare. . daremos uns exemplos daquelas doutrinas que supostamente fugiram ao dilema. no sentido de que "a ordem social representa o minimum de existência e a justiça social é um luxo. ". em última instância. . que assinalam a grande cisão das ideologias jurídicas . porque. que se pretendia evitar. a ordem é a "Justiça". o compromisso com a ordem estabelecida e as barreiras que ela opõe ao Direito justo não seriam jamais trans9i i. inalteráveis. é na ordem que se encontra a raiz de toda a elaboração jurídica: "em toda a comunidade. entre direito positivo e direito natural. Por outro lado. Antes de fazer um exame especial destas duas resistentes concepções. E. porque a maior parte dos juristas. adota uma ou a outra. até certo ponto dispensável . fora de ambas. .: . no seu desenvolvimento histórico. no stalinismo.. pois. classificado como um adepto do direito natural. sem voar para nuvens metafísicas. Esta sfntese dialética será exposta nas conclusões deste livrinho. . nem mesmo quando representou uma deformação ídeológíca. comumente.:..:. Somente uma nova teoria realmente dialética do Direito evita a queda numa das pontas da antítess (teses radicalmente opostas entre direito positivo e direito natural. como "legalismo socialista". . .. . isto é. . é preciso ter em mente o caminho percorrido pelos anteL B S 4 rvy r s r a #. de outro. Tal .sem desligar-se das lutas sociais. seja o que. r ó#' 1 ~ ¡ d IS " kCs t ~ . t. vejamos o panorama tal como ele se apressnta nas ideologias jurídicas duma tradição que ainda empolga e divide em facções opostas os cultores rotineiros do Direito. sobre a qual se balançaram (e balançam ainda) tantos juristas ilustres.a.Por isso mesmo é... antes de esboçar um passo adiante. E a própria tábua. Assim. importa em conservar os aspectos válidos de ambas as posições. não foi inútil.. decerto. e que ainda prevalece na URSS. por exemplo. representou aquele mesmo tipo de congelamento característico. Embora o iurisnaturalismo (a ideologia do direito natural) seja a posição mais antiga (e de nenhum modo inteiramente liqüidada) é o positivismo que hoje predomina entre os juristas do nosso tempo. como em toda superação dialética. é claro. 36 Roberto Lym Filho cessores e que. " . . que há de servir-nos como trampolím para o salto dialético. veremos que a positividade do Direito não conduz fatalmente ao positi ismo e que o direito sto integra a dialética jurídica.. seja ele o que assenta na ordem burguesa e capitalista. Por enquanto. rejeitando os demais e reenquadrando os primeiros numa visão superior. de um lado. e espoliadores e opressores. entre espoliados e oprimidos.. . Isto.:.. em obras maís recentes. no mundo capitalista que af temos à nossa frente. no pensamento de vanguarda. tanto nos países de modelo socialista implantado. até a sua morte. e.. De qualquer forma. Assim como este. vem a dar na mesma. limitada. na medida em que o socialismo pende para 38 Roberto Lym FrJho o democrático que a teoria correspondente do Direito pende e avança para o Colnbate ao seu . afinal. mas fecunda recolocação 1 f k 1. direito estatal. como é o caso de Imre Szabó ou Zoltán Péteri. quanto em autores socialistas que trabaIham nos países de estrutura fundada no capitalismo. .. uma estrutura diversa e socialmente mais avançada. aceita. portanto. leis e "controle incontrolado". Faremos. propriamente dialética.congelamento.. na França.. por isso mesmo. em que se liberte daquela noção de Direito como. a buscar uma teoria jurídica mais flexfvel. ainda hesítante. A estes doís últimos faremos referência especial. ordem do Estado. contudo. já que é. igualmente. a propósito de uma tensa. por assim dizer. e ainda é o de Michel Miaille. é muito nttida nos mais avançados escritores atuais da teoria socialista do Direito. tende a procurar outro sistema de reestruturação socialista. O que é Direito 37 da problemática do direito natural. 'revestindo. 9 ?. na Hungria. em termos sócio-econômicos.. aqui. que combatem o estreito legalismo. a reflexão socialista mais moderna tende. e subsiste a restrição que. portanto. como era o caso de Ernst Bloch. o trivial variado da cozinha jurfdica. . pois que apresenta uma redução à ordem posta e.: ". em primeiro (ugar. tende a desaparecer nas mais avançadas construções de uma filosofia jurídica realmente dialética. do ponto de vista social mais amplo. ordem estatal.. que estabelece um domfnio de cima para baixo. sem mais. do positivismo.. aliás. enquanto esquema ou modelo. antes de tudo. apenas a ressalva de que o "legalismo socialista" ápresenta diferenças resultantes do fato de que é socialista.. já decai. na Alemanha. trataremos. Esta íntenção superadora.. antes no caminho da autogestão (de que participa o povo mais diretamentel do que na pesada maquinária autoritária-burocráticaestatal. como tese jurfdica.. de baixo para cima. sob o ponto de vista do marxismo. tal qual ele se apresenta nas ideologias burguesas. não a superação do positivismo. apenas. mesmo quando sé fala num "direito natural de conteúdo variável". como fixo. i r. Justiça. fundamentar. a apresentar-se. O positivismo. enquanto este não vê maneira de inserir. uma vez que o "conteúdo" é concebido apenas como variação material de normas. por outro lado. dentro de uma ordem de princípios universais de ordenação. para o primeiro. que aparece com o jurista alemão Stammler. ordem. Vimos que as duas palavras-chave. o iurisnaturalismo é. A A. inalterável e superior a toda legislação. Isto reduz o número de princfpios de 'direito natural /que. de praticamente todo 0 direito natural. também não altera a postura. mas tal vicio não é.. definidoras do positívismo e do iurisnaturalismo. válidas e legítimas. que acaba entregando os pontos ao Estado. para o segundo. que define o positivismo.. limitando-se ou a proclamar que estas contêm toda justíça posstvel ou dízer que o problema da injustiça "não é jurídico". Em que medida o iurisnaturalismo cria. e iussum quia iustum (ordenado porque justo).. porém antinomia (contradição insolúvel entre dois principios). de qualquer sorte.confinamento em estatismo. na sua teoria do Direito. por sua vez. e. se ele consQgue. como veremos. O que é Didto 39 entretanto. porque ordenadol. Ik ! ) f . com a subsisoência de opressões várias (por exempto. ao contrário.x N46 u ar aa. e. são. Isto se esclarece bem nas duas propasições latinas que simbolizam o dilema (aparentemente insolúvel) entre ambas as posições: íustum quia iussum (justo. a crítica à injustiça das normas. que representa o iurisnaturalismo. permanecem fixos) e abre caminho a toda espécie de "particularização". Este padrão tende. sim. Este. um desdobramento em dois planos: o que se apresenta nas normas e o que nelas deve apresentar-se para que sgjam consideradas boas. da construçáo do Stammler e. entre a ordem justa e a ordem estabelecida. sob pena de não serem corretamente jurfdicas. a grupos minoritários étnicos ou sexuais). ou não. já dissemos. convincen- . para o qual as normas devem obediência a algum padrão superior. é uma redução do Direito à ordem estabelecida. impostos pelo poder social. verifiquemos as posições e barreiras do positivismo. como se ao pensamento e prática jurídicas interessasse apenas o que certos órgãos do poder social (a classe e grupos dominantes ou. A i Ï 40 Roberto Lyra Flho exprimir-se (neste caso. como quem dissesse que açúcar "é" aquilo que achamos numa lata com a etiqueta açúcar. porque a presença de outras normas . i ' i %t J A w t u a a Y I . Por enquanto. expressamente indicadas. f . com ameaça de sanções organizadas (medidas repressivas. por elas.de classe ou grupos dominados . as normas . que serve de estalão para medir as normas jurídicas encontradas na vida social . que se garante diretamente com normas sociais não-legisladas (o costume da classe dominante. o completo Direito. que supostamente o exprimem..temente. ..constituem. . como órgão central izador do poder. válidas. De todo modo. pois tal posicionamento equivale a deduzir todo Direito de certas normas.daquela ordem.e único . para o positivismo. os padrões de conduta. no Estado. quando já vertido em normas. através do qual aquela ordem e classe dominante passam a p ¿'a 4 3. ao Estado é deferido 0 monopólio de produzir ou controlar a produção de normas jurídicas. seu limite é ordem estabelecida. refere-se a este último .portanto. se trata das normas da classe dominante. Quando o positivista fala em Direito. mediante leis. o plano jurídico superior.não é reconhecida. que só reconhecem os limites por elas mesmas estabelecidos).eis aí duas questões que examinaremos quando vier à consideração o próprio direito natural. revestindo a estrutura social estabelecida. como elemento jurídico. por exemplo) ou se articula. com órgão e procedimento especiais de aplicação) . pelo positivismo. o Estado) impõem e rotulam como Direito. exceto na medida em que não se revelam incompatíveis com o sistema . E note-se que. no caso. único a valer acima de tudo e todos . claro que vai nisto uma confusão. para ele. classe e grupos prevalecentes.. . 3 i t . como vimos. ainda que um M .sistema de normas.isto é. Ele sempre capta o Direito. mesmo quando incorpora outro tipo de norma . porém. 'u . em que consistem eles. indicados pelos antropólogos e que são os costumes considerados essenciais para a manutenção da ordem social).como. ° 4. tudo ficando subordinado ao que ela determina e jamais sendo permitido . também. Ora. isto é. Destacaremos. A modalidade hístoricista recua um passo e prefere voltar-se para as formações jurídicas pré-legislativas. anteriores à lei. mas admitidas como uma espécie de produto espontâneo do que se chama "espírito do povo". o positivismo historicista ou sociologista. r t iF t . o posítivismo psicologista. não organizadas em leis e códigos.. várias espécies de positivismo. a tttulo de exemplo . Acontece que este fantasma. dá à leí total superíoridade. Não é este. O positivismo legalista volta-se para a lei e. Mergulha. por exemplo.c 1 il 6 £. Há. o único positivismo... brevemente.à £ ^ tY 1P k. então. ' " " . utilíssimo à ordem dominante. ..M Lx S ks Yr # w' A ) l t V 4t 1 D que é Direito 41 gaíato lá tenha colocado pó-de-arroz ou um perverso tenha enchido o recipiente com arsênico.. contudo. Vamos explícar. .de novo. estes mores são sempre os da classe e grupos dominantes. atribui ao "povo" os costumes principais (aqueles mores. no mínimo.. . o costume -.. nas normas jurídicas não escritas.invocar um costume contra a lei. o positivismo historicista ou sociologista. três: o positivismo legalista. mascarados pelo historicismo positivista sob o rótulo de produtos 5 Y u F i .. Há. não importa muito que se desloque o foco da legíslação (imposto pelo Estado) para os mores. que não prevalece contra lei expressa. ainda mais se destaca. antes de tudo. i . validade e fondamento. a 1 k i 5. De certo modo. oriundas de outra classe e grupos Inão dominantes). que reveste a ordem estabelecida e na qual o Estado seria apenas um representante daquela ordem. rasgar constit ições. derrubar titulares e órgãos do Estado legal. : f 42 Robsrto Lym Fr7ho do "espfrito do povo".k .. foram citadas num só grupo). e o Estado sendo expressão da mesma classe. por exemplo. klwç::. outras instituições. kt . E o caso. a classe dominante. sendo focalizados em termos de mores da classe e grupos dominantes. do common law anglo americano. nas áreas em que não há disciplina legislativa. Queremos dizer que. i. quando aparece a legisiação estatal. sz F ? . pois fica bem clara a " ?M. A modalidade sociologista de positivismo tem ligação fntima com a historicista (por isto. que Ihe dá substância. O Direito aparece tão-só como forma de controle social. De qualquer forma. Desta maneira. uma vez que é apenas uma neralização do historicismo. aqueias formulações prélegislativas tendem a ceder precedência às leís e só se aplicam. em vez de focalizar um direito costumeiro (afinal engolido pelas leis estatais. ligado à organização do poder classístico. isto é. de que o Estado é visto como simples porta-voz). ele se volta para o sistema de controle social.s' s. é desprezada. tomando diretamente as rédeas .. A presença de outros projetos. que tanto pode exprimir-se através das leis. é também à mesma ordem a que ambos lhistoricismo e legalismo) se referem e consideram inatacável. aqui. de vez que estes... direito consuetudinário (dos costumes). Assim. generalizando-o. quando apareoem estasl o socíologismo propõe o esquema da abordagem historicista. supletivamente. O que é Direito 43 natureza e posição dos grupos e pessoas que encarnam a ordem listo é. a dominação classfstica. . como desprezá-las. que os donos do poder e seus dóceis servidores consideram perfeitamente "jurídica". isto é. que só poderia ser . por presunção inatacável. O comportamento divergente dos grupos e classe dominados. historicista ou sociologista (os dois últimos reforçando o primeiro.: á4 i 44 Roóerto Lyra Filho pelos me. como tal. os dominados. no sentído popular da palavra. Estas contradições da classe dominante. as hipocrisias paternalistas logo tiram a máscara.. isto é. por motivos óbvios. pois o que invoca o iiovo grupo do poder é a mesma ordem social. como se esta.canismos de controle e "segurança" desta ordem estabelecida. Noutras palavras. "antijurfdicos". as normas. que as contradições à superfície representam uma coerência mais profunda (a da dominação.. Se cresce a contestação. recorrem à porrada. no entanto. S" . É assim como se o mandante cassasse'"os mândatos de seus procuradores. da ordem estabelecida). é claro). estivesse bem defendida por aquela classe) que pretende exprimir "a" cultura e traçar "a" organização social a resguardar i xk! 5 k 7 t i 8 i 't t t 5 7 ` `iR) rvç.i% . . Ç9.do poder. mais tiw... então. com receio de que estes entreguem o ouro aos banidos (do poderl. ábam reforçando a dominação.'menós infiéis. No positivismo sociologista é a classe dominante (a que ele não alude. o positivismo legalista. preferindo falar na sociedade. a atitude anômica ( isto é. comportamentos "aberrantes". F k'. que "devem" continuar dominados. abandonam o mito da "educação" dos dominados (segundo os padrões da classe e grupos dominantes e para melhor servi-los) e saem para a "ignorância". a que se acabam rendendo) canoniza a ordem socia l estabelecida. Vê-se. uma "patologia" que constítuí "problema socíal" a ser tratado com medidas repressivo-educativas para conduzir os "transviados" ao "bom caminho". que contesta o nomos. que entendia mal defendida pelos ser s representan gs. :5 ':. seus padrões de conduta (com normas opostas às normas do sistema) são vistos como "subculturas". então consíderada intocável. o sistema ímperialista de controle internacíonal não tarda a intervir. os juristas do positivísmo ficam no terrível suspense. ainda que. diante do jogador mais ágil. trazem o risco de vitória. chegando as forças progressistas ao poder. fomentando a resístêncía (a isto sé chama "desestabilizar" governosl. além e acima do que está nas . as novas leis. de certas ideologias norte-americanas. assim como se o árbitro criasse um novo caso de impedimento. Aliás. o poder judicial de construir normas. como no judge-made law (o direito criado pela magistratura). apesar de todas as cautelas e salvaguardas. durante esta substítuição.alterada dentro das regras do jogo que esta própria estabelece . 46 Robeto Lym F Iho mandando dinheiro e armas para manter a "ordem" nos quintais de sua "zona de influência". esperando para ver quem vai "dar as cartas" do jogo. mesmo pelas urnas e dentro das canais da (ei. São estes que pretendem: 11 haver descoberto 0 "direito livre" dentro de suas "belas almas". que tais rábulas diplomados e endomíngados interpretarão e aplicarão. mais enérgicos. com a maior cara de pau e todos os balangandãs da técnica "jurídica". empacotando outro conjunto de normas legais. ou 2) que deferem aos juízes. de correntes reestruturadoras. sé os representantes da ordem estabelecída. no meio da partida. hesitam ou se revelam mais receptivos à pressáo popular pelas reestruturações socíais. rompa todo um ciclo de legalidade e substitua a legalidade feita por outra. o positivismo psicologista desempenha o papel de inocente útil. isto é. Se. desprezando o princípio de autodeterminação dos povos e 45 1 . . E. Isto quando o time que não lhe é simpático já via toda defesa adversária "fura ' e cair. que está sozinho diante do goleiro e na iminência de fazer gol. revelando um "sentimento do direito". . para isto. Aliás. mesmo nas urnas. para que não haja alteração fundamental. a situação ínterna se transmuda e a classe dominante é derrotada. o poder em exercício (pressionado pelas forças do sistema e pelo r rst aue é Dveito seu próprio gosto de ficar no topo da pirâmide) trata de mudar as ditas regras do jogo. chegando ao poder estatal. se as regras do jogo. Nele. o "espírito do povo" não fica pairando na sociedade: baixa na cuca de um ou mais sujeitos privilegiados. No meio deste jogo violento. porém. a mesma classe dominadora não teme substituí-los por outros. romanticamente. em relação às exigências de manter a estrutura em perfeito funcionamento. para os sentimentais. mas também não rende mais do que umas fumaças pretensiosas. O "sentimento do direito". isto é. e ideãlizando. Começando nas "belas almas". controle social. "espírito" objetivo . é a transferência de foco. Vejamos um pouco mais de perto o positivismo do terceiro grupo (os positivismos psicologistas). Aqui. procurado numa intuição livre. do "sentimento" . na "alma" dos pesquisadores. passando daquele panorama exterior (de leis. apenas achando que a legislação é um caminho muito estreito (bruto. e não por mera k 1A 1 3. mas o processo nem por isto deixa de parecer-nos uma espécie de .sequer intentam uma crftica real e profunda de pressupostos estabelecidos pela ordem social dominante.. l. ou ainda 3) vão à busca duma "essência fenomenológica do direito". por outro lado. 3 F W F 7 J çb F k 5 y 1 f 3 . o "sentimento do direito" acaba amadurecendo nos mesmos frutos repressivos. do direito criado por juízes "realistas" . acaba descobrindo. os princfpios perfeitamente compatíveis oom a ordem estabelecida. os senhores práticos. Ao contrário.leis: um direito mais rápido. há pretensões menos românticas. a dominação. ou atrasado . Dá tudo no mesmo e o que este buquê de ideologias tem de comum. eles procuram melhor servi-la. que é também um positivismo psicologista. Restam os artifícios da fenomenologia. "realista" e concreto do que o dos códigos.do "povo") para as cabeças dos ideólogos. que não tem o romantismo do "direito livre" ou o pragmatismo (neste.nem. a ideologia jurídica peculiar à sua classs e seu grupo. que é Dveito coincidência. para os realistas/. com um pouco de água com açúcar ou pondo óleo e peças novas na máquina. em que a ideologia brota como uma flor . o critério da verdade é o sucessol do "direito dos juízes". de psicologista. Nem os senhores delicados. . . Todas as formas do positivismo. isto é. o fenomenólogo toma as coisas (no caso. e muito entusiasmado. acabaram "casando" com a teoría "pura" de Hans Kelsen: isto é.mágica besta. perguntemos: quais são os fenômenos assïm descascados? São os fatos de dominação que os 47 . aliás. descascá-los. no âmago. numa laboriosa "visão". Mas. da dominação. Sua intenção declarada.:: 48 ¡ . . historicismos e sociologismos apresentaram como "jurídicos". grita que "já morou na essência daquilo" . que é a lei e o Estado. rodam num círculo.. . giram por diversos graus para chegarem ao mesmo ponto de partida. mesmo no plano ideológico. que diviniza a "!ei e a ordem" como . por assim dizer. Este não é jamais questionado e. sim. seria ultrapassar o psicologismo. de novo e sempre. de lentes deformadoras. aos fenômenos e. o positivismo. os fenômenos jurídicosl tal como as apresentou um fato de dominação e busca a "essência" dele.. trabalhado mentalmente pelo fenomenólogo. a ordem estabelecída e seus ínstrumentos de controle social. a argúcia de Radbruch apontou um limite: é que. que esquece de tirar os óculos. a fenomenologia jurídica de Kaufmann ou de Schreier não passa de um caminho complicado para o positivismo legalista de Kelsen. até que só reste a "essência" . assim. Roberto Lyra Filho legalismos. que acaba transferindo para o objeto os próprios elementos ideológicos do observador. Nem foi à toa que as mais laboriosas pretensões fenomenológicas. até que revelem. E qual o processo utilizado para extrair a "essëncia"? Como é que o fenomenólogo pretende atingir as coisas mesmas? Com a sua "visão" individual. na teoria do Díreito. Dizendo que se libertou da psicologia e das representações mentais para ver as coisas no que essencialmente são. a própria "essência". Em todo esse jogo de positividades manhosas. Lukács observa que se trata duma "abertura para o mundo de um sujeito que na verdade não sai de si mesmo". que a ideologia pôs no seu nariz. a partir do legalismo. f to P kY 4 O que é Direito 49 porque. . ir às "coisas mesmas" . entretanto. Finalmente. 1 . a dominação classfstica e dos grupos associados a tais classes). com a legislação? Que razão jurídica legitimaria este privilégio? Nenhum positivista escapa a esta questão: no 50 Roberto Lyra Filho máximo. com perigo para sua dignidade. ou o positivismo se desçobre como não-jurfdico. que põe no Estado sempre a paz e o interesse da comunidade. tal Estado produtor de leis. desta maneira.se ali estivesse o Direito inteiro. mas. então. Desta maneira. Assim é que. o Direito de resistência à tirania.o que não deixa de ser engraçado em quem se afirma "objetivo". até "neutro" politicamente. pois a função daquele princípio é precisamente dar fundamento jurídíco ao direito positivo. por que se atribui ao Estado o monopólio de produzir Direito. neste empenho. Chama-se. Onde ficam. recorre a um princípio que não é o direito positivo (este direito já feito e imposto. procura oferecer à sua ideologia jurídica o aval de sua ideologia política . isento. tal privilégio e exclusividade de produzir leis. perante isso. o grande iurisfüósofo alemão. portanto o mesmo Kelsen acrescenta que a força é empregada "enquanto monopólio da comunidade" e para realizar "a paz social".as arriadas. isto é. é mais do que poderia engolir um iurisnaturalista consciente. isto é. Ora. hâ de oferecer um qualquer fundamento jurídíco para tal ordem. ele a transfere para outra sede. porque ele nos conduz aos limites do paradoxo. que seria do Estado. como se aquele representasse todo o povo (ocultando. pelo Estado?. que equipara Estado e comunidade. para conservar aquele mito da "neutralidade". como que nu e pronto a ferrar todo o mundo. na base de todas as suas construções". com certeira malícia nos mostra que o positivismo. fazendo derivar o Direito do simples fato de dominação. ao poder usurpado? E a guerra justa contra os Estados imperialistas que atacam nações ra O que é Direito 51 . para tentar a (egitímação da ordem e do poder que neía se entroniza. ou. um preceito juridico anterior e superior ao direito positivo. a que aludiremos brevemente. Um caso extremo é o de Kelsen. de "paz social" a ordem estabelecida (em proveito dos dominadores e tentando disfarçar a luta de classes e gruposl. na sua teimosia positivista. deixa o poder sem justificação. mas de calç. O que se pretende afirmar assim é que. E Radbruch. Afinal de contas. "pressupõe um preceito jurídico de direito natural. este artiffcio. afirma que o Direito é apenas uma técnica de organizar a força do poder. deste modo. em substância. opta pela teoria polftica liberal. pensando que isto basta para torná-lo inatacavelmente jurfdico. em todo caso. algo mais profundo. seguindo os processos que ele próprio estabelece. por enquanto. que é cobrir de leis o corpo nu do poder. á própria legitimidadel Este poder. que teve de enfrentar a perseguição de Hitler. c) o direito natural antropoló- . Afirma-se que há segurança para os cidadãos. A idolatria da ordem nunca elimina (apenas tenta disfarçar) o problema da Justiça. inclusive do direito de produzir normas legais. de outra legalidade) não é. Um cfrculo de legalidade (aliás. em si. conforme lembramos. que uma legalidade não é suficiente. entre outros. b) o direito natural teológico. provindo de uma ruptura. sob três formas. Volta sempre a questão da fonte suprema de qualquer Direito. As três formas são: a) o direito natural cosmológico. e não apenas ideológica. além do mais realizada por um certo poder que se dispensa de provar. quanto à legitimidade do poder. destinado a validar as normas eventualmente produzidas. nelas também relativamente deformado. também. em situações comuns. prova de coisa alguma. 0 nosso objetivo. pois. controla a seu bel-prazer. o revesti52 Roberto Lyra Filho mento duma estrutura de dominação. se presume legítimo. a partir do fato de que está em exercfcio e chegou á posíção desempenhada. altera e. em situações extremas. ao contrário. através da legislação. é mostrar que as ideologias jurídicas refletem. mais próxima ou mais remota. de todas as formas. todas elas procurando estabelecer o padrão jurídico. pode ser constituída pelos "editos de um paranóico". Mas haverá maior insegurança do que uma determinação sem límítes. no caso dum descumprimento dos deveres que as leis impõem. esta Justiça. emerge a dialética da ordem e da Justiça? Ressalvemos que. mesmo a este níve/ ideológico. Radbruch. que se põe no centro das preocupações iurisnaturalistas? De que maneira. já o repetia. outro mimo da ideologia positivista. pelas leis de um doente mental com mania de grandeza. tendo-se em vista que as preceituações legais estabelecem como todos devem pautar a sua conduta. do que é permitido ou proibido. que é preciso avaliar criticamente e. 0 direito natural apresenta-se. Que será. fundamentalmente. a fim de evitar as sanções estabelecidas. advertia. Qualquer tirania pagava com gosto 1e paga mesmol este pequeno tributo. isto é. ela é. estamos fazendo abstração do posicionamento concreto e realmente dialético do problema (que só pode ser focalizado a partir da dialética social. ou explicar por que elas não são válidas.mais fracas como o lobo ao cordeirol Junto à questáo do Estado emerge a da segurança jurfdica. do Direito). Heller. neste ponto. entretanto. apesar de tudo. b 54 Roberto Lyra FrTho em torno do homem. a terceira gira i.. t .. . o universo físico. o conflito entre os costumes tradicionais religiosos. um contraste colateral (de alcance jurídico. nesta referência a classes e grupos. Temos insistido. Porque..'. e daí vem a expressão direito natural.. buscado na natureza. .. qut é Ik im na liberação de grupos oprimidos. Desde este último ponto se esboça a especial tensão do iurisnaturalismo. na ordem cósmica.".. por exemplo..£ :. portanto. f. "todos os movimentos sociais fundaram-se num 'Direito' que exprimia a sua própria situação e reivindicações".s z t £ 1 . no primeiro caso. Dizem que o direito natural tem origem na própria "natureza das coisas". isto é. A primeira liga-se ao cosmo... Entretanto. por exemplo.. e a lei da Cidade-Estado representada por Creonte. ou revelar o choque de duas ordens também sociais. que vive oscilando entre os dois pólos. Notemos. . invariavelmente. já entrevistos por Mannheim. temos.. nota este último autor. e uma classe dominada. a segunda volta-se para Deus.. naquelas sociedades em que o escravagismo é o modo de produção econômica e. invocados por Antígona na tragédia grega de Sófocles. espoliada. à "natureza das coisas" da escravidão. No segundo caso. sociólogo alemão. a base da estrutura assente. em termos de "minorias exigindo o direito à diferença". .. do universo.. paralelamente à oposição entre grupos opressores e oprimidos. e mais recentemente focalizados pelo marxista Miaille: o direito natural conservador e o direito natural de combate. mas não vinculado à questão sócio- . se nos aproximarmos das concepções do que é tomado como "natureza das coisas". a atribuição ao direito natural."z .x..gico. Assim é que Miaille vai recomendar um "novo direito natural" de combate e concentrado na luta de classes e e 5 ? . . e é preciso explicar que ela distingue o aspecto básico da oposição entre uma classe dominante. esta última oposição não estando diretamente ligada à outra. isto é. espoliadora. verificamos que esta é apenas invocada para justificar uma determinada ordem social estabelecida.. * i'fid. Assim é que Miaille recorda os conflitos de grupos.. De outra forma. mas. o filósofo católico Maritaindemonstra bem a tendência a minimizar o conflito entre lei divina e lei humana. podendo dissolver-se ou subsistir. Assim como deixamos registrado. teológico e antropológico. se admite que. o machismo. por exemplo. Em nosso tempo. em que a lei humana. o contraste não representa. e o povo? A este só cumpriria aceitar. que mantém a opressão da mulher ou dos homossexuais. Mas isto é minimizado. ao poder social é deferida uma larga discrição no estabelecer o "justo particularizado" (é a tradição. o direito natural de combate pretende fundar um quarto modelo. a teológica pretende deduzir o direito natural da lei divina. seja porque. como em Santo Agostinho. sem mais. o sacerdote abençoa o soberano. disporia escandalosamente cvntra esses preceitos. em tese. cosmológicos. criado e mantido pela Providência Divina. em suas leis humanas . como em São Tomás de Aquino. As limitações que um "novo direito natural" apresentaria serão indicadas no final deste capítulo. . s . independentemente da troca do modo de produção. diante da dominação interna ou externa (o Estado que oprime o povo ou imperialismo que submete Y f " " 'g " " 4 r o v 8i a 8 t . como que por uma escada: Deus manda. de qualquer forma. crer e obedecer. . em sociedades cuja base econômica já alterou o sistema classístico e a espol iação maior da injusta distribuição da propriedade. por malícia ou cegueira. minorias étnicas. que se poderia chamar de direito natural histórico-social e que nada tem a ver com os tipos tradicionais. É claro que sempre fica admitida. um choque classístico. o poder social extrai desta investidura uma espécie de apoio moral de Deus para todos os seus abusos. recomendando ao oprimido a "coragem de sofrer". seja porque. o soberano dita a "particularização" dos preceitos divinos.econômica apenasl: minorias regionalistas. . a possibilidade dum erro dedutivo. quanto às ideologias. O que "Deus criou e mantém" se entende que exprime o que Deus quer e consagra. minorias sexuais. Esta iria descendo. que vem de Aristóteles). 55 56 Roberto Lyra Filho : Vimos em que consiste a forma cosmológica. o Senhor destronaria o soberano. em vez de "concretizar" os vagos preceitos da (ei de Deus. i é . com um divino pontapé no traseiro. Citamos. a "paciência" . geralmente fazendo de Deus uma espécie de. recorreu. e de novo não por mera coinci57 58 Roberto Lyr a FrTho dência. :. então.ontem execrados ganhassem trânsito. que jamais deu bola para tal "superioridade". que. Era. o. o burguês. no plano internacional. que denominamos antropológico.:. no alvorecer do capitalismo.a burguesia .e das nações em que capitalismo e protestantismo davam as mãos para a conquista do seu "lugar ao sol". eram. Mesmo quando a Igreja e o soberano (não esqueçamos de que a Igreja era Estado também) andavam às turras. as novas correlações de forças iam formar-se.à dominação estrangeira). dentro da linha traçada pelo Vaticano. uma cobertura ideológica para o modo de produção. direito natural teológico. apelar para um Direito Superior? Bastava a ordem estabelecida. passando a defender a tese positivista: já tinha conquistado a máquina de fazer leis e por que. nem contestavam as bases espoliativas da ordem sócio-econõmica. de sua inteligência. para a ordem.. . internamente. assim como do sistema internacional montado. que extraía os princípios supremos de sua própria razão. invocavam pata quebrar a partilha do mundo entre as nações católicas. A contestação burguesa da ordem aristoqráticofeudal. já tendo adquirido o poder econômico. Aliás. repitamos. como já acentuamos. o direito natural não é tanto imobilista (apesar de suas pretensões a critério eterno . evidentemente.. em que o liberal. Por outro lado. chegando ao poder.. o capitalista . os que favoreciam as posições e reivindicações da classe em ascensão . i . se tornou capitalista.. então. descartou o seu iurisnaturalismo. como Estado. Está visto que. nada mais se oporia do que a "força moral". a burguesia. extravasassem nos imperiaI ismos e acabassem até obtendo o reconhecimento do Vaticano. o que é rnuito conveniente para o dominador. Na verdade.. Estes princípios. Tanto assim que a burguesia. à força física prepotente.e até o Estado . do homem. servia muito bem à estrutura aristocrático-feudal. o mesmo que as nações emergentes. adotando outro tipo de iurisnaturalismo. partiu para a conquista do poder político. é também um Estado e. isto é. . à forma de direito natural. como a Holanda. estas pugnas de gigantes poderosos nada tinham a ver com o povo. prevalecendo na Idade Média. político situacionista. que é Direito este último . Assim. de novo. Todavia. uma certa preocupação com a legitimidade (não só a legalidadel do poder têm nítido sabor iurisnaturalísta. a Deus ou ao próprio esforço racional. Depois de ficar subjacente a todo o julgamento dos criminosos levados ao Tribunal de Nuremberg londe foram julgados. o Direito à guerra de libertação nacíonal. diante da longevidade iurisnaturalista. por isto. ou após ele. após a 2ã Guerra Mundial. anulando velhas decisões. baseadas em leis nazistas. que nas horas de intoleráveis tensões .costuma reaparecer. O Direito de resistência à tirania. institucionalizadas e funcio- . Assim é que. outros conjuntos de normas jurídicas. grupos. com especial atrativo.C A que é IJinito institutdo vai aumentando a intensidade da prepoténcia e sua autoridade desgastada vai também fazendo aumentar a intensidade da contestação . em que os preceitos atribu ídos à natureza. e empolgou as cátedras uníversítárías daquele país. da abstração. para a resistência. aliás. nela. na Alemanha Ocidental. e esta ídeologia se revigora. em "etemo retorno". não-estatais. como dissemos. o Direito à guerra justa em geral. O mal é que. a todo instante de maior tensão. Na falta duma visão dialética.em que o poder i 2 d "'k 3 ^ 4 u N 1 3 R &. classes. quando aparecem as situações monstruosas. no sentido de que 59 60 Roberto Lyra Filho não conseguem ligar a elaboração teórica aos . dominações e impulsos libertários sistemas de normas estatais e pluralidade de ordenamentos listo é.e fixo de avaliação jurídica) como bastante manhoso: ele sempre deixa lugar para as "concretizações". o jurista não sabe para que apelar. Já se falou. o vetho direito natural. durante o nazismo. para a restauração libera! democrática. o direito natural serviu de fundamento a sentenças da Justiça alemã. o iurisnaturalismo ress<rrgiu com extraordinárío vigor. o mero dualismo (oposição de direito natural e direito positivo) tem uma certa dinâmica. as questões vêm tratadas no plano ideal. os dirigentes nazistas). por isto. tendem a conciliar o padrão absoluto e as leis vigentes. que ao menos conserva a idéia potencial duma confrontação. que a ninguém mais permitem engolír os sapos ínevitáveís (os sapos tornaram-se indeglutíveis). uma série de reivindicações. que torna o direito natural afeiçoável às reivindicações supralegais (acima das leis a até contra elas) e. permanece o dualismo . quanto ao "dar a cada um o que é seu" . Ernst Bloch chegou mesmo a fazer uma longa investigação histórica sobre essa ideologia. qüando eles descem à "particularização". . ficando uns superados . Por esse mativo. tendem a confundir-se com o direito positivo do Estado ou dos grupos e classes prevalecentes. que Mannheim fala num direito natural progressista Iperante o conservador) e autores marxistas como Ernst Bloch ou Miaille não hesitam em adotá-lo sob o ângulo dum direito natural de combate. porém. sim. então. uma "idéia de Direito".um germe da contestaçáo possível. nem um conjunto de princípios que não revelam bem de que fonte extraem substância e validade e por que mudam. é possível distinguir. muito propício à utilização. que parte o Direito num ângulo que só vê a ordem e noutro que invoca uma Justiça. Isto. era pérfeitamente compreensível a irritação de Engels contra Lassalle. de Deus ou da razão humana) e. pairando acima do processo histórico e suas lutas concret®s. como vimos. procurando mostrar que o germe de contestação a que aludimos é mu ito mais forte do que comumente se . Engels afirmou. sua direção superadora e libertadora. desde que por Direito não se tome. por esse motivo. jurídicas também. naquela dinâmica dos dois direitos . á 0 que é Direito 61 pensa.direito positivo e direito natural . quando este cogitava dum "Direito absoluto". em princfpios abstratos. cujo fundamento não é adequadamente assentado nas próprias lutas sociais e. consagrando um princípio ganho nas lutas sociais mais modernas.como vimos. historicamente. nas horas de crise do direito positivo.como por exemplo.o que aparece na ordem estatal ou costumeira e o que surge como direito superior . nem o que a ordem dominante estabelece. na medida em que estas formulam os objetívos de sua luta. o direito natural fica preso à noção de princfpios "imortais" (da natureza. Por outro lado. que emerge na Declaração Uníversal dos Direitos Humanos de 1948.e outros aparecendo no horizonte . Apesar de tudo. o direito de todos a um nível de vida adequado.como uma antinomia (uma contradição insolúvel5. Mas decerto af podemos discernir não só a práxis dos grupos e classe em ascensão.nando em cfrculos de atuação dos grupos oprimidos e classes espóliadas). em conseqüência. Entretanto. pela classe e grupos dominados. que tal "idéia do Direito" nada mais era do que o "processo histórico mesmo". nada obstante indispensável. por sê-lo. isto é. pondo assim entre aspas a palavra Direito. Em síntese. i I. isto é.o positivo e o natural . mas também não supre as lacunas da concepção positivista do Direito . deste direito pela chamada infra-estrutura sócio conômical.'. às leis.que analisamos neste capítulo.: . o próprio exame da problemática. como propõem Barcellona e seus seguidores. de princípios eternos. sobretudo. dentro da totalidade do processo histórico e na sua perpétua transformação. E foi isto que viram os marxistas de outra orientação. sem um complemento. nem . á~. que. propriamente dialética. que ainda não existe uma teoria dialética de Direito perfeitamentè elaborada. em . já apontamos o problema de um "novo direito natural" (o iurisnaturalismo "de combate"1: ele quer evitar o tipo fixo. ou seja. como se não fosse um Direito propriamente dito e traindo um vestfgio do "positivismo de esquerda" que só vê Direito . e que é insuficiente o "positivismo de esquerda" (a equiparação do Direito às normas estatais. explorar as contradições do direito positivo e estatal em proveito não da classe e grupos dominantes mas dos espoliados e oprimidos. mas não consegue nem dar uma noção global de Direito... Muitos autores têm reconhecido.sem aspas . aliás. a nível ideológico. os aspectos polarizadores de positividade e Justiça. Entretanto.no direito estatal. que o jurista vai buscar no direito natural . outra atitude. mas apenas à oposição histórico-social de dois direitos. Para realizar a nova construção seriam necessários outros materiais e. Dentro desta perspectiva. mostrou-nos que o direito positivo é insustentável. . que positividade e Justiça se entrosem.. abstrato. de elaboração de normas e padrão avaliador da legitimidade. os que voltaram para um novo tipo de direito natural. O inconveniente. como Dujardin e Michel. que não sabem muito bem por que seriam jurídicos. em geral bastante mecanicista. náo tolera aquela antinomia (contradição insolúveij de . com o acréscimo de uma "explicação".com todos os defeitos deste . o máximo que se pode fazer é o "uso alternativó ' do direito positivo e estatal.sem reperguntar o que é Direito como noção que unifique esses tipos opostos. não chegam à visâo histôrico-social do Direito. vem de que tratam de dois direitos . Isto fica muito claro em Miaille quando ele fala em "direito" natural de combate.62 Roberto Lyra Filho Só um fôlego dialético poderia unificar. A tarefa é de não pequena importância. que d D eito mostrar de que modo o processo histórico mesmo ganha um perfil jurldico.porque não vê onde se busque outro apoio..: . nisto. esses problemas. a fim de que esta última não se transforme num jogo de fantasmas ideológicos. o que desaparece é o Estado. à dialética do Direito não já como simples repercussão mental na cabeça dos ideólogos. perdendo nas nuvens o que vem da terra. pela intromissão de produtos forjados pelos dominadores. nas sociedades primitivas.magem da realidade. os dois direitos . qual o fio da meada? As ideologias jurídicas deram-nos. se quisermos demonstrar o que este vem a ser. João Mangabeira notava que o Direito existe antes do Estado. e que. constituem a i.. antes do Estado. mas secundário. uma visão dos problemas que surgem. a concepção dialética da sociedade. 63 64 Roberto Lyra Filho mesmo admitindo o desaparecimento do Estado. quando o homem pensa.. Entretanto. onde o Estado e o direito estatal são. estanques e desligadas da totalidade jurídica. ficou bem claro. não o Direito. ação concreta e constante donde brota a repercussão mental. a que já fizemos referência. da sociedade primitiva à sociedade futura. perante o Estado e até depois do Estado. numa sociedade em que o governo das pessoas seja substitufdo pela administração das coisas e pela direção do processo de produção. hístóríco-social.:. a nova Filosofia Jurídica. nessas transformações. no exame das ideologias jurídicas e que consiste nas duas vertentes do Direito (não. da práxis humana (da atividade histórica e social do homem) no seu ângulo jurídico. a bem dizer. apesar de tudo.:. tomados como unidades isoladas. com seus reflexos distorcidos. r . Numa página célebre. um elemento náo desprezfvel. A Sociologia Jurídica é a única base sólida para iniciarmos a nova reflexão. 0 caminho para corrigir as distorções das ideologias começa no exame não do que o homem pensa sobre o Direito. teremos de rever. Para uma concepção dialética do Direito.. sobre o Direito.: r":. ali também que se há de precisar e desentortar a consideração do que. abstratamente.direito posítivo e natural. Poderemos chegar. mas do que juridicamente ele faz. antes de tudo. infestada de crenças falsas e falsificada consciência do que é jurfdico. As ideologias d fa. como elas continuam a focalizar. na totalídade maíor. porém como fato social.· :á ï é Direito 65 jurfdicas são filosofia corrompida. entretanto. inspirando-se em Merleau.. que nada .. ou nos voltarmos para uma Justiça Social.. 1..:...o que conduz a sociologia a outros desvios... Para vencer a "metafísica" do Direito. ao contrário. metaffsica do Dir eito". Sociologia e Filosofia Jurídica se completam. O fílósofo alemão Erich Fechner falava na Filosofia Jurídica enquanto "Sociologia e . .?7`. w t. 4 â W. como assinala Marilena Chauí. A concepção dialética há de repensá-lo em totalidade e transformações. pois.. *" â V".. por outro lado. .:P.-: ::ra 66 Roberto Lym Filho fique devendo...uma ideologia que já criticamos aqui) e Ontologia do Direito.'...ea. se funde numa ciência dos fatos sociais. que conflitam e vêm de classes e grupos em Iutal. porque conhecedores do fato. f: . . deste modo. Esta rivalidade priva o filósofo do contato com o mundo (e entrega-o às ideologias) e priva o sociólogo da interpretação do sentido de sua investigação .. a Sociologia Jurídica. uma resultante do processo histórico (da luta de classes e gruposl. numa Filosofia Jurídica. ainda vaga. e que nada tem de "metafísico". vamos traçar o esboço duma Sociolo ia Jurídica.. não há razão para uma rivalidade entre filósofos e sociólogos. Y . O primeiro passo rumo à concepção dialética do Direito será. e os padrões de (egitimidade.. que é Sociologia (e não sociologismo positivista .ti..::t . com Lukács.. normas (vários conjuntos. .f<. os primeiros considerando-se possuidores da verdade porque defensores da "idéia" e os segundos reivindicando para si a posse do verdadeiro... no sentido que evocamos inicialmente.: . . sem nos perdermos nalguma idéia de Justiça que voa nas nuvens. ·: r.:. que não sabe distinguir a face jurldica desse processo. Para a visão dialética do Direito é necessária uma Sociologia . que nos permitem assumir posição. i'.:.. ideológicos também. t . que é ideologia também. à "metaffsica" da Sociedade (uma apresentação desta que utiliza "idéias" abstratas e falsas crenças) mas.opostos e separados): a positividade manifestada em conjuntos de . ante aqueles conjuntos.. por falta dum real e autêntico estalão crftico.dialética. simplesmente."I. porque tendem a polarizar-se em torno de duas visões unílateraís e redutoras. entretanto. aquele estalão. .. não importa em identificar. procurar neste o aspecto peculiar da práxis jurldica. em seguida.. diretamente (com suas normas costumeiras) ou através das leis do Estado. ..ç" SOCIOLOGIA E DIREITO Vimos que as ideologias refletem certas características do Direito. ?. .. que só um fôlego dialético poderia superar a oposição assim criada. que agora cumpre rever. Mas isto. Em sfntese.:+ .. procuraremos explicar em que consiste esta Sociologia. No capítulo seguinte. sim. sem distorções e entrosado na totalidade em movimento.a u8.i:. não conseguem determínar satisfatoriamente o padrão da medida. como acentuamos. colhemos na abordagem das ideologias certo material preliminar. Os iurisnaturalistas insistem na necessidade dum critério de avaliação dessas mesmas normas. r g np ï . no processo histórico-social..Y-·`.i W t F ft ¡ f ' t t 7 E V% 7 ! ` ~Pi t Y3 ~ sr "2 ! k 7 t nt F 68 Roberto Lyra Friiw imposta... onde se manifesta a procurada . p ra medir-Ihes a "Justiça" (isto é. .. quando for buscado. Vimos. entre o direito positivo castrador e o direito natural. como algo que surge na vida social e fora dela não tem qualquerfundamento ou sentido. que muitas vezes se limita a legitimar a ordem posta e b t. Os posítívístas conservam a tendência a enxergar todo o Direito na ordem sociat estabelecida pela classe e grupos dominantes. embora deformadas. A antftese ideológica (direito positivo -direito naturall só se dissolverá. a legitimidade da origem e conteúdo). . Direito e processo histórico e. Mas. em cada episódio. era. para."essência" do fenômeno jurfdico. em que os "retratos" históricos se ponham em movimento. como ílustração dessa troca (fenômenos .de arranjos duma prímeíra abordagem. Desta forma.. seguindo o modelo geral da constituição de cada uma daquelas imagens.. Esta. 69 às voltas com fatos ísolados. Contudo. fatinhos soltos. tachando-os de ignorantes e pregu içosos. de recapitular. fixas e eternas. procuravam a conexão necessária de fatos relevantes. nem Marx nem Engels jamais sustentaram que bastasse colher. A "essência" do Direito . através dos tempos . é claro. os modelos não passavam nem deviam passar . combatia os què se limitavam a submeter os fatos socíaís a esquemas prévíos e mecânícos. ao contrário. g. formulada ao contacto dos processos sociais. a confirmação fatal dum roteiro teórico. depois conferidos e aperfeiçoados perante os fenômenos mesmos. transformação e subsrtituição de normas jurfdicas. Eles. por outro lado. um por um. o Direito de todos os povos. bem como dos critérios por que e/as podem ser avaliadas. chegar à ciência visada. já o lembramos. ç4 ` f:.:y5 . depóis. por chegarem à Históría com uma pseudocíência feita e acabada. . num exame prelimínar. por exemplo. se não carreyarmos uma bússola capaz de orientar-nos a respeíto da posíção de cada um deles na estrutura e no processo. 4· .2 7 . Basta lembrar. com isto. exige a mediação duma perspectiva cientffica. que deseje ver. nem se dissolver num monte de pormenores irrelevantes.inclusive porque este recorte nos daria uma série de retratos mais ou menos sugestivos. ao acaso. também não podemos trocar a bússola por um mapa pré-fabricado.. onde nos perderemos. metaffsicas. seguindo uma hipótese de trabalho. prévias.verificação ante os . Não se trata.' .-ut %2 t 4 . na sua imensa variedade. entre a variedade dos fatos e o esquema condutor. A História é um labirinto. sem recurso a medidas ideais. submetida a pacientes e constantes verífícações metódicas. mas não o processo de formação.hipótese de trabalho . para não se perder em especulações.. por isto que Engels. que entra no offcio histórico. por outro lado. sobre o material acumulado.reajuste da hipótesel. que os arrumam (com a ressalva de emendas. o historiador hã de empregar os modelos que a Sociologia ministra no exame coordenado das revoluções em geral. sobre o monte de fatos históricos.feudalismo . os tipos de modo de produção . registrando o fenômeno duma revolução em especial e para não se perder na massa ínforme de relevâncías e írrelevâncías. os modelos. trazendo hipóteses e modelos. segundo os traços comuns.comunidade primitiva O que é I)veito o Roberto Lym F Tho escravagismo . na "Ffsíca Socíal". de dados importantes e insignificantes. tal como a uoncebeu Comte. a Sociologia o aborda na multiplicidade . voltavam à História com a bússola duma Sociologia. A História registra o concreto-singular. a análise da Revolução Francesa. Mas. para submetê-los. Isto (he permitirá.generalizada em modelos. 7 rc1 t r v . assim como teriam de chegar a um comunismo fïnal. Naquele procedimento circular. ourra hípótese. Este último emergia na investigação histórica e Marx o registrou.r.:. resultantes de exame anterior. mas à Sociologia Históríca. embora não usassem esta etiqueta. Porque é Sociologia a disciplina mediadora.corrígido pelo encontro do modo de produção asiático.. em suas causas e 4s . de que precisamente são precursores Marx e Engels. mostrar que alguns . embora até hoje alguns de seus discípulos o omitam. ao crivo de novas verificações. carregando os cinco outros como um fetiche dogmático. aqui.?r ÇY z L WS d 7 :! : c. neste caso prefiguradora e também sujeita à prova histórica).capitalismo socialismo . apresenta-se ao hístoríador que a reconstitui cientifícamente. Não nos referimos. u -G. ao no ro contacto com o processo). á Sociologia burguesa. como tipo especial. a que tem de ajustarse tudo o que for encontrado. Marx e Engels faziam História Social. depois. que constrói. que é simples prevísão (isto é. OQue é l eirn perípécias. ínclusive. 9 .fenômenos . isto é.. at :. Assim. . ...:. : . Cabe. apesar de interligadas.! .. .:.. Elas constituem abordar. como. num intercâmbio constante.=: n. de índole conservadora.. não é uma revolução. nem deduzidas pela ínteligéncía "pura" de algum teórico de génio)... sempre...T. é uma forma brusca de conservar.. >e ..:i ...:. cujos protagonistas chamam de revoluçãv. °: x:r. A 1.... portanto. os antecedentes das "formas" sociaís.....:. que não são desovadas no mundo por algum espírito críador ou líder excepcional. . fYp:f.: .$`.: t ". Por isso mesmo... complementares e se escoram reciprocamente... no caso duma "revolução" cujos propósitos e comportamento fossem manter e resguardar uma estrut ra. porém a questão é mais séria do que um problema de rótulo.. x s. Um golpe de Estado. $ .. . e toda Sociologia realmente científica (e não apenas manipulação ideo(ógica de "formas" ideais) é Socíologia Históríca (empenhada. por exemplo. "y '.:. . Falamos em Socio%gia do Direito.. 0 fato é que resulta possível olhar o Direito. bem como perceber a sua peculiaridade distintiva. na verdade não o são. em determinar a origem. a sua "essência" verdadeira.·f...!-.n. entretanto.... sociologicamente. Estas duas expressões são comumente tomadas como sinônimas. As abordagens histórica e sociológica são. J·:. f ! '72 Roósrto Lyra Ft ho lógica será entáo possível esquematizar os pontos de integração do fenômeno jurídicò na vida social.fens diferenties. *.. toda H istória reaimente científica (e nãv apenas crônica de fatos isolados ou biografias coordenadas de "homens ilustres") é História Social.:.:1:. uma ressalva aqui sobre duas maneiras de ver as relações entre Sociologia e Direito: a que origina uma Sociologia Jurldica e a que produz uma Sociologia do Direito. Aplicando-se ao Direito uma abordagem sociok. . S . .. H . . e está nesta possibilidade a diferença das abordagens citadas..¿. sob mais de um ponto de vista. enquanto se . l .episódivs. r..... no que a nós interessa aqui) e a Sociologia Jurídica é capítulo da Sociologia Geral.. é Sociologia do Direito a análise da maneira por que o nosso direito estatal reflete a sociedade brasileira em suas linhas gerais (de poucas contradições e mfnima flexibilidade. como elemento do processo sociológico. t. Socio%gia Jurídica. como vimos) e o que a ordem dominante pretende manter. * c n . a Sociologia. diríamos.. que a Sociologia do Direito e a Sociologia Jurídica realizam uma espécie de intercâmbio permanente. ora de controle. ..:. com normas jurfdicas diversas . seria o exame do Direito em geral. dado o sistema. versando sobre o aspecto jurfdico da vida em sociedade. da pluralidade de ordens normativas. De qualquer forma.F. sociais..:':'..... repetimos. formando conjuntos competitivos de normas. ..estuda a base social de um direito específico. decorrente da cisão básica em classes.. . mais propriamente.. 7. por outro lado. controladas. ora de mudança. ::. o estudo do Direito como instrumento. . À base do que acima ficou assentado... por exemplo. k. que pesa sobre o país. d. como um queijo su fço.. que a Sociologia do Direito (como estudo particular de "casos sociológicos") é. quanto à diferença entre Sociológia e História. dg :::.. interessadas em que ao imperialismo não escape tão gordo quinhão.no direito estatal e no direito dos espoliados. . . inclusive. sob a pressão simultânea das classes e grupos O que é Dveito 73 nacionais dominantes e das correlações de forças internacionais. ainda visceralmente autoritário. no receio de que os ratinhos da oposição alarguem os buracos). de pequenas "aberturas". obstaculizando as remodelações. .:.t '.. claro... . o-. : i. em qualquer estrutura dada. Toda aquela velha estrutura então se desvenda cómo elemento condicionante. r . no contraste errtre o direito dessas classes (até de grupos oprimidos. perpetuamente a enrijecer-se.. capítulo da Nistória Social (História Social do Direito. Geral ou dx. .. mas é difícil admitir que sejam idênticas as duas tarefas cientfficas. Pertence à Sociologia Jurídica. Por exemplo. há finalismos e vitalismos.:. pelos que discernem. cujas raízes mergulham na contribuição marxista. uma Sociologia. nem invalida. inclusive sociológico.1 9. A análise dos vínculos (e suas mediações). como diferentes concepções. . como é o caso da admissão ou negação da estrutura axíomática (proposições que parecem racionais. procura a razão e o modo de influéncia do engajamento. a Sociologia da Sociologia também. sob certo aspecto. evidentes e eternas) desafiada pela dialética. isto é. Esta divisão. já que. por isto. no capftulo sobre ideologias. produzindo diversos resultados. apenas relações estatísticas. a Sociologia do Conhecimento.:`:5 a'. é apenas mais clara nas ciências sociais.:. como observava Adam Schaff. as verdades relativas e possfveis a cada etapa. há diferentes orientações. Nas rnatemáticas. também não é uma disciplina unívoca (de um sentido ou díreção apenas).. do homem no "sabe '. expresso ou implfcito. com participações individuais.. com a séria conssqüência interna de que defendem a existência de leis teleon8micas 1 agrupamento segundo um sentido ou finalidade). traduzindo interferências ideológicas a que nenhuma escapa. simultaneamente. Sociologia ao quadrado.é sempre obra social.. em que ele é. que desafiam a concepção lôgico-estatística dos fenômenos estudados pela Bioiogia.v a x áM O que é Dveito 75 afetadas é objetivo da Sociologia do Conhecimento. que ele produz. podemos optar.. nos fatos biológicos..x . sem chegar nunca a um conhecimento absoluto e irretocável . segundo a qual já se vê o declínio dos "absolutos lógicos". racionalismo. ator e observador. que constitui. à verdade que se desenvolve. notemos de passagem. sem "finalidadé' alguma.y 74 Robeto Lyna Filho Jurídica. empirismo e operacionalismo defrontam-se. nesta ciência.. uma vez que. isto é.qualquer que seja o sentido . pela. ao quadrado. à verdade-processo. Da mesma forma. por exemplo. onde o homem também está mais diretamente empenhado. que correspondem ao posicionamento do cientista no processo histórico-social. entretanto. nelas. Partindo do fato de que o conhecimento .o que não desmoraliza. negadas. Faz.que mais .. porém ela existe em todas as ciênciss. Já nos referimos. desde a situação do cientista (e sua quota de ideologia) até o padrão das doutrinas e teorias por tal situação 3 . como dissemos. aliás. Este relacioL °rs k 1 !hY Fr# 6 k . demonstrando a sua eficácia. Em determinado espaço social . numa certa base geográfica onde se travam as relações sociais uma variedade de grupos estabelece determinados padrões estáveis de relacionamento. portanto.. . conflito e coação". intuições de Adam Smith. tal como faz Marx. A primeira. Ademais. global e irretocável é mistificação de ciência degenerada. trocando de edição à medida que os novos "teólogos" vão trocando de teoria. definiu aquelas posições como (a) Sociologia "da estabilidade . 4 f A 1 á:. ambas fortemente sobrecarregadas de elementos ideológicos. Esta põe no lugar da Blblia a Enciclopédia Británica (hoje. que transfere o ardor religiQso das revelações divinas. possível discernir. a segunda pertence à pequena burguesia que se dedica às tempestades num copo d'água (ou melhor: às "revoluções" num copo de uísque). à altura dada. de mercantilistas. real e objetivamente. para a boca dos profetas duma outra religião: o cientificismo. 5 S '4 3 . diríamos nós. se pode ver e proclamar com mais acerto. na Sociologia Geral . quando vai buscar a nova e mais completa focalização da mais-valia num 4. Um dos mais finamente matreíros. e é. dos místicos. é mu ito instrutivo notar a aplicação prática deste princfpio. harmonia e consenso" poderia resumir-se na forma seguinte. é a Sociologia do burguês mais franco. fisiocratas.e. a esta altura. Ralf Dahrendorf. colocações de Ricardo e assim por diante. A Sociologia (a) da "estabilidade.:. duas posições fundamentais. americana). na Sociologia Jur(dica -. harmonia e consenso" e Ib) Sociologia "da mudança. portanto. Sob tal ângulo. n'O Capital. dentre os sociólogos burgueses. a que.x I 'R . Um saber definitivo. 76 Robato Lyra F 7ho roteiro que incorpora e transoende as teorias anteriores. náo envolve o aniquilamento..f q..isto é.. o avanço. mas a ultrapassagem que conserva os aspectos positivos e as conquistas de etapas anteriores. a superação do ponto de vista dialético.amplamente explica e compreende os fenômenos. por exemplo. folkways (costumes peculiares que definem o "modo de ser" dum povo) e mores (o setor mais vígoroso dos costumes. obrigação indeclinável de todos). é Direiro namento é governado por normas escalonadas numa faixa de crescente intensidade. a deferência aos maís velhos. considerado aqui. por exemplo. I 7k A ç k .isto é. os padrões de conduta. se resguardam com normas e sanções mais severas e melhor organizadas).. Está visto que no modelo (a).não organizadas . que teria sido adotado pelo consentimento da coletividade). ÂYr' ï :. k r . nos folkways pode estar.distribuem-se em usos (práticas consagradas pela mera repetição). As normas . todas essas normas pertencem a um só bloco. costumes (práticas consagradas pela força da tradição ativa e militante. portanto. que vão das sanções difusas . por isso mesmo.7. nos mores residem. a vatorização dos mais velhos (ou dos mais moçosl como orientadores sábios (ou condutores vigorosos). por exemplo.e ' Fl 'tk i % ( W . cuja legitimidade é também presumida e .. por exemplo.d G e Y 77 g Roberto Lyra F lho O arcabouço de normas fixa-se nas instituições sociais (armação estabilizada e sistemática das práticas normadas). 0 uso pode ser. presumido consensual (isto é. Um costume pode ser. exigtvel sob ameaça de sanções (os meios repressivos. vestir certó traje adequado a locaís e ocasiões. l. Y Y ar 8 5 R . julgados indispensáveis para a ordem social estabelecida e que.com órgão próprio e rítual especítíco de aplicação) . as relações de propriedade ou as formas de acesso ao poder e governo.1:: 's . y '.. .. W . formando um tipo de organização.às sanções organizadas . como necessidade coletiva e. a "alma" das instituições estabelecidas." Mais pitorescamente . Para destacar melhor toda a construção do modelo (a). se reserva os instrumentos de controle social. depois dum porre gigantesco. 1 ESTADO ? CONTROLE &OCIAL (MUDANÇA. que é Direito 79 "exigida" pela "defesa das instituições" e exercida pelo "direito". a ser resolvido pela "reeducação" ou. . considerados "aberrações" do comportamento. Neste contexto.que. o "espírito" da ordem social. Está aí a raiz social dos positi ismos jurídicos. por isso mesmo. na verdade. Eles divinizam a ordem e fazem do jurista o servidor cego e submisso de toda e qualquer lei. "patologias" de "subculturas". . Estes meios materiais de controle revestem a ordem com sistemas de crenças (ideologias). . o czar Paulo. para evitar que a pirâmide se desconjunte e vá por terra. eles se encarnam no Rei. é sabido. harmonia e consenso".. ligados à classe e grupos dominantes). s ` F . Esta pretensão cultural da classe dominante identifica as suas conveniências e princípios com os da sociedade inteira. que se apresentam como "problema". I f. da Rússia. com a máscara de cultura do "povo". Esta se "justifica" pela "cultura". nas autocracias.r# a fi:: . consideradas válidas. é visto apenas como a parte mais atuante e violenta dos mores repressivos (atribu fdos ao "povo" e. . definiu bem o positivismo como uma das "pragas universitárias nacionais". e os ataques de qualquer dissidência. Luiz XIV. . no.::' ·. é á s ° " ru t . A OAB. e afirmava: "O lmpério amanheceu de ressaca . desta sociologia "da estabilidade. sendo esta ineficaz. recentemente. por assim dizer. " assim como se os efeitos da bebedeira se comunicassem a todos os seus súditos. que. neste caso. . na porrada mesmo. olhava a cara no espelho. úteis e eminentemente saudáveis e que são. qualquer tipo de mudança social é limitado e controlado. afirmava: "0 Estado sou eu. ao despertar. seu projeto de reforma do ensino jurfdico. vejamos como ela se apresenta num esquema e à luz das explicações dadas. isto é. Sd W "DENTRO" DAS REORAS DO JOGO OUE . tal como. um órgão conservador imprimia a advertência de que "a autodeterminação dos povos tem limites" . a existência de grupos oprimidos.COSTUMES. até contra a lei maior.::. Por outro lado. de acordo com os interesses imperialistas da "área de influëncia".O PODER EM EXERCÍCIO ESTABELECER) Õ II ORGANIZAÇ CO SOCIAL "INCONTESTAVEL" INSTITU/ÇOES SOCIAIS ? BLOCO ÚNICO E "CONSENSUAL" DE NORMAS SOCIAtS PRESUMIDAS "LEGITIMAS" FORMAÇAO DE USOS. o sistema "reassume". restabelecendo-se um no o esquema legislativo: o direito positivo "intocável". . a Sociologia (b) . as normas de espoliados e oprimidos: seus Direitos.'s: ar . os Estados Unidos) "não poderia tolerar" á '. depois do remanejamento que o enrijeceu. que é a Constituição.a r' a d O que é Direito 81 qualquer irrupção sociatista ali bem pertinho de seu dedão do pé geográfico.. Tudo isto recobre mais fundos interesses econômicos: as semicolônias (colônias disfarçadas por soberanias de fachada) "não devem" escapar à metrópole. O segundo modelo. isto é. as classes radicalmente contrapostas (espoliada e espoliadora). Obtido o "equilfbrio". . diretamente. Recentemente. 80 Roberm Lyra Fr7ho Está visto que aqui se omitem (não à toa) a base sócio-econômica. e o reduzido "direito" fica oscilando entre as posições I e II: normalmente. excepcionalmente. as normas "supremas" da organização social estabelecida. tornam à função vigilante. a presença de forças estabilizadoras (da ordem conveniente) ou desestabilizadoras (de qualquer ordem mais aberta à mudança. isto é.FOLKWAVS E MORES RELAÇÕES ESTÁVEIS DE GRUPOS TENDENDO A "HARMONIA" ESPAÇO SOCIAL ESQUEMA A #é xuR9v:. invocando um direito supralegal. mais flexfvel e porosa). também não aparece nesta Sociologia o influxo externo. mas. se a classe e grupos dominantes receiam que os seus representantes no poder estejam muito débeis ou sensfveis à "reforma de base". nas leis e costumes consagrados pelo Estado (enquanto este é o lugar social do controle exercido pela classe e grupos dominantesl. e que o sistema continental (isto é. a contestação válida. tornando precário e de legitimidade muito discutfvel o bloco dominante de normas. já veremos. Não à toa. na Sociologia burguesa. o modelo (a) surge como o mais antigo. Conseqüentemente.mas centrffugo com as mesmas lacunas e escamoteações (um sumiço disfarçado e engenhoso de etementos essenciais). mas. de que "há algo de podre no reino da Dinamarca" (ou em qualquer outro reino). o espaço social é ocupado por uma série de grupos em conflito. Estas são animadas por verdadeiro fmpeto contracultural. em vez de dílatar a estrutura conservadora é por ela absorvido. A época de Comte (reputadofundador da ciência sociológical era o marxismo em elaboração. na crista do capitalismo recém-chegado ao poder. irretocável e dogmático. na tragédia de Shakespeare. de tal sorte que. 0 modelo (a1 é muito favorecido pelas condições de vitalidade e equilfbrio da estrutura: queremos dizer. Tal análise força a ordem estabelecida a desmascarar-se como nua coação. aquele outro é centrffugo . embora sem adotar o rótulo especial. nem à lígação deste com a opressão de grupos. folkways e mores divergentes e competitivos. sobretudo porque as "subculturas" engendram contra-instituições. como se sabe."da mudança. Enquanto este último é centrfpeto. que preparava o amadurecimento da Sociologia como ciência e fazia estudo sociológico. como z a a y . como veremos. que reivindica mudança. Segundo o modelo (b). Foi uma espécie de digestão científica dos princípios sociais. que ele medra. em padrões de comportamento abertamente desafiador e também institu ído. não conduz os "desafios" à raiz espoliativa do poder class(stico. a organização social estabelecida tem de haver-se com ataques constantes de anomia (contestação das normas impostas pela ordem prevalecente). em setores mais 82 Roberto Lyra F5lho ou menos amplos da sociedade não "oficial". à maneira de Hamlet. sem maior dano para a dominaçâo. assim. e não a "f ísica social" comteana. conflito e coação" representa uma espécie de negativo fotográfico do modelo anterior (a). decadência do sistemal ainda não tenham precipitado a conscientização. embora não fechado. Esta nasceu. Está visto que o marxismo permanecendo como a grande influência sobre o pensamento sociológico mais avançado. em relação cuja instabilidade decorre de séries múltiplas de costumes. inassimilável à cultura dominante. desde que peculiares condiçôes de crise (contradições aguçadas. que à burguesia convêm e que na sociedade ela firmara com pretensões à eterna duração. nas ideologias sociológicas. às vezes expurgados).!`:. w F. já o dissemos noutro escrito. tanto quanto na (a). A contribuição autêntica do marxismo nãodogmático (nem os seus criadores o desejavam como tall vai introduzir-se num terceiro modelo.e:4u i tJb e . e náo ao "catolicismo" (isto é. 0 modelo (b) traduz apenas a inquietação de superf fcie da pequena burguesia e pode exprimir-se. antes de se precipitar na crise de que não pode mais sair. que a análise marxista já estabelecera. a resposta triunfalista da burguesia assente. Foi o agravamento dá crise social do capitalismo que mostrou as rachaduras no edifício (a) de "consenso" e "estabilidade" mitológicos.5°p~... querem ler e interpretar "a Bfblia" sem tutores. que comc a a despontar.rwhd.. tendem ao "protestantismo". mais ou menos desta forma: . O modélo (b) ainda é burguës: apenas. ^A. emendam. avançam e. num gráfico paralelo ao do outro modelo. index de livros e idéias proibidas e até Inquisição). O modelo la) é. em síntese.que é de livre exame . dogmas. nisto. 83 84 Roberto Lym Filho k Fk h 'C i Çr F . nesta outra visão (b). na fase atual . o marxismo ultrapassa a "fase católica" (com papas infalfveis.do que os "teólogos" presos aos textos. . que Direito desejava o sectarismo de alguns . ..4r.. hoje..°. se mantêm mais fiéis ao "esp frito" da -construção marxiana . à margem da ciência sociológica das universidades trádicionais e seus pequenos grupos de contestação inconseqüente. igreja e igrejinhas. . A f.. Os próprios marxistas. ti. distribuem-se em diferentes seitas.. Mas. são igualmente escamoteados elementos essenciais.não pertence ao modelo (a) nem ao (b).quando. l r. pequenoburguês. interpretam livremente as "escrituras". Santo Offcio. dF S ( . assim como os tipos tradicionais falavam numa certa ordem "justa". Assim. mas é logo absorvida e manipulada pelos mais espertos. cada um procurando "a sua". expresso nas contra-instituições (b I I I).COSTUMES. o Direito perde a nitidez positivista do modelo (al. de grupos contrários à law and order (a lei e a ordem) do establishment (o "sistema" dominante). ESPAÇO SOCIAL ESQUEMA B Neste panorama. EM PRECÁRIO EOUILÍBRIO COATIVO DAS INSTITUIÇÕES DOMINANTES VÁRIOS BLOCOS DE NORMAS SOCIAIS. a contestação. Mas. assentando num direito da organização social (b II) e um outro direito. dada a insistente reivindicação de direitos opostos. os padrões decrftica e avaliação das normas dominantes continuam muito vagos e. DE UM SISTEMA INDEFINIDO MAS ATUANTE E REPRESSOR) CONTROLE SOCIAL DOMINANTE INFESTADO DE REPRESSAO ILEGITIMA O 1 Ï _ ORGANIZAÇÃO SOCIAL IMPOSTA E W II REPRESSIVA Õ 111 SISTEMA DE CONTRA-INSTITUIÇÕES. tal como no iurisnaturalismo.W á J Q Q w a w 2 Z ó ~ J Qv ~ s J Z U O U ' (VISAO. do modelo (b). de timbre individualista. DISPUTANDO A SUPREMACIA FORMAÇAO DE USOS. ATR/4S DA MÁOUINA DO ESTADO AMBÍGUO.FOLKWAYS E MORES GRUPAIS EM OPOSIÇAO REC PROCA RELAÇBES INSTÁVEIS DE GRUPOS TENDENDO AO CONFLITO . que pode escandalizar o burguesão "quadrado". a classe e grupo dominantes . meio nebulosa. Com uma das mãos. fala em certa liberdade anárquica dos grupos. ganhando um difuso 86 Roberto Lym Filho colorido iurisnaturalista. haveria (b I) um direito estatal. O sociólogo alemão Weber disfarçava a idéia de luta de classes. o modelo (b) 3. com a outra. leva a a vantagem de "explicar" a crise pelo que menos M í a . neforça a operação ideológica de desatar a noção de classe das contradições e oposi. assim. Assim. afinal.. é assimilável aos padrões tradicionais. mas é preciso não confundir isto com um tipo conseqüente e eficaz de contestação. depois dos porres de agitação sem objetivo. volta à idéia de que um neocapitalismo bonzinho houvesse desfeito 0 conflito radical. s.u. A inquietação pequeno-burguesa de superfície não conduz a nada. fala muito em opressão. dissolvendo os mais agudos instrumentos conoeituais que a dialética movimenta. . tendente a ressacas conformistas.reprimem. s' t é Dv av 87 omite ou despcreza a espoliaçáo.. lisonjeando a estrutura capitalista com uma svposta expansão crescente da "classe aquisitiva" (emburguesadal. mas. x tipo da "oonfie ção" sem dentes. O que há de comum nos modelos la) e (b) é a tentativa consciente ou inconsciente de afastar o aprofundamento dialético: o modelo (a) esconde a evidência da espoliação e opressão.. diante da crise que desmente esse "otimismo" weberiano. adornando isto com a aceitação "liberal" do modelo Ibl. Mais: ela contribui para aquèle domfnio burguês. que é precisamente o fi. Por ism. Dahrendorf. i i ve F F 3 L:. O seu astuto patrício atual. que não incomoda mais o poder dominante do que o bicho-de-pé do matuto: dá até uma cooeirinha voluptuosal. a que é rebelde o individualismo anarquista. em lugar dum programa ooerente de ação e objetivos nítidos de reorganização social (a começar pelo fatò de que a reorganização pressupõe a idéia de ordenação. As grandes organizações econõmicas inclusive faturam sobre tais curtições barulhentas.. estéril e. E um nülismo ooreográfico e tecnicolor. um tanto contraditoriamente. mas inofensivas (à dominação fundamental). achamos até legítimo curtir. Não estamos aqui patrulhando as curtiç?5es de ninguém. multicores. °'z¢T ." ções geradas pelo modo de produção capitalista. mas opõe a ela um circo. chegam a tolerar e até ldisfarçadamente) estimular a contestação desbundada. os socíólogos conservadores. A legitimidade /presumída) é. ra. um ar de "tolerância" ao mesmo esquema estabelecido: O modelo (b1 não cancela o modelo (a) . . por momentos. embora com deformações. nos apelos 'd centrípeto (modelo a) e centrífu o (modelo b). evídentemente. prende ou expulsa. evidentemente. há 9 uma parte da verdade. um alegre colorido de bobos da cortQ. à análise da dialética social do Direito. por via de conseqüência. portanto. Se. Substancialmente. . o que faita.r 5 88 Roberto Lym FFDro importa. h . de novo. pelo sociálogo.. não têm o receio de cravar mais este prego na ferradura do seu cavalo de batalha tebrico: ele dá às cavalgadas de classes e grupos domínantes. na estrutura sociai. sem maíores ríscos de vez que põem no traje riegro da direita umas lantejoulas emprestadas pela esquerda que late mas não morde. o modelo (a). demonstra um ponto real de aglutinação: existe uma ordem. os sociólogos burgueses mais lúcidos procuraram mostrar-se "na onda". Portanto. absorvendo.e.e estamos vendo aï que elas se formam e atuam até com o mais sufocante vígor. por isso mesmo. Esses dois modelos (a) e (b) não poderiam servír. o mau humor do poder os chicoteia.todas as largas facilidades inerentes ao superficionalismo do tipo de "contestação" mais farrista do que autêntíco. o modelo (b). prfncipes e duques. "por dentro". na aparência de modernidade. junto com o rei. F 8 P 7 ) . aqui poderemos ver. Dahrendorf sugere que sejam empregados. é mostrar donde vem tal ordém e para qr e ela se impõe..:·. Entretanto. Dá. registrar. teoricamente. à vísão socíal díalétíca. Assím. noutras horas eles até são bem-vindos para quebrar o tédïo da corte e a monotonia das bajulações dos cortesãos. Nenhuma estrutura social jamais se formaria sem alguma força de coesão .:`:. nem. Por outro lado. elementos que souberam. como as ideologias mesmas (no caso as . 3 r. que é l7 to 89 sociológicasl emprestam á abordagem maís exata . e sem reconduzí-la ao condicionamento básíco (vindo do modo de produção). compendiando a visão conservadora. os dois. . "gente boa". A incorporação do modelo (b) pelo modelo la) tem .. na escamoteaçáo burguesa. numa visão da dialética social do Direito.já não foi de todo inútil o esforço. Por outro lado. em contra-ínstítuíções e contracultura. em trânsito. quando chegarmos ao capftulo final do nosso itinerário. ao menos. toda a questão social (e também jurídica) está resolvida. Se. 9F 3 r . as observações muito lúcidas de Marilena Chauí sobre a utopia (ilusão) de se pensar que. o que vamos ensaiar. da "essência" do Direito. certos equívocos . isto é. e não a idéia presunçosa de que se oferece aqui a "essência" do Direito. exige. elas resultam igualmente sintomáticas . um modelo sociológico dialético. com andaimes. nesta investigação metódica. Sobre isto citamos. O Direito. se dissipamos. com ramificações que atingem o . não "é" as normas em que se pretend vazá-lo (não confundamos o F xka . Vamos edificando. que se delineie.isto é. Por mais inconsèqüentes que sejam tais "apelações". Não chegam porém a levá-las à raiz da espoüação básica. nem corrigidas apenas com a sua troca. por etapas. A tarefa a realizar. portanto.a que aludíamos no primeiro parágrafo deste livro . que denunciam as situações opressivorepressivas. no termo da jornada (e. um pouco já é bastantel. Está visto que "termo" significará o ponto final desta obra. eles serão afastados. vimos também que o problema sacial é 9eu aspecto jurídico não se limitam ao h r r . em tal empreendimento difictlimo. logo no infcio de nossa exposição. avançamos um tanto.r '0 t ¡p k. pode haver opressnes não diretamente derivadas do modo de produção. a partir de um modo de produção em que elas se formaram.w a fi ( 90 Robeto Lym Fl o modo de produção. ainda que toscamente (para aperfeiçoamento constante). como assinalamos com Miaille. para não haver mais o que tirar nem pôr em tal abordagem. ao cabo. núcleo da cisão de classes prívílegíadas e desprotegidas. mudando o modo de produção..um míto e o modelo (b) se encarrega de quebrar a solenidade da poder com algumas vaias. apontam dois outros aspectos reais: o questionamento da legitimidade e a presença de várias ordens ou séríes de normas. a nossa reconstrução. para exibir a construção. mergulhada nos fundamentos da sociedade. afinal buscado. espaço aqui para desenvolver este ponto. ao vivo ou enlatados...t.. pela TV. oonsisténcia e ingredientes de tal produto). ' . acabaríamos comendo a lata. . E tal mensagem tanto pode ser boa quanto má. pois. porque todas as caracterfsticas distintivas apresentadas se revelam imprecisas (isto é.. politicamente organizadas e tendo à sua disposição a necessária tecnologia. dá-se o contrário: com a rapidez do sistema de transportes e de comunicação à distãncia. Desta maneira é que os imperialistas revigoram #. Não há.l :Y. F 3( 7 7 d x ï que é Dveito biscoito e a embalagem.. que vem a desempenhar um papel importante no encadeamento dos fatos sociais. 91 apt k £ .. ou o Direito Internacional). inclusive. independentemente das normas em que se exprimem e cuja forma é bem semelhante: há códigos morais..? 2 ft :t.. porque nenhuma sociedade vive completa e eternamente no isolamento. quanto nas morais). em tal caso. Aliás. mas toda uma série de imagens sigrüficativas. em outros escritos nossos. Hoje em dia. projetam-se além das fronteiras. que temos focalizado .! afi eai . tanto aparecem nas normas jurfdicas. aliás. os chamados "Códigos de tica" .fd i Y v . como 0 pòsitivismo. . Não são apenas os jogos de futebol que nos chegam..:. e tirando estranhas conclusões sobre o sabor.á i v d A DIALÉTICA SOCIAL DO DIREITO Temos de começar numa órbita muito dilatada.. há Direito fora das leis Ipor exemplo.: % . o contacto é imediato e universal. As nações. porém.. . cqm a sua mensagem. os produtos ideológicos. O importante é notar que Direito e Moral distinguem-se pelo que são. não existe uma diferença nítida entre as normas jurídicas e morais. . geradas no estrangeiro e trazendo.. como se fosse a bolacha.t . ainda mais complicada pelo desigual nfvel das unidades. porém sua raiz está fora. . a fim de pressionarem o mecanismo perro das outras. Dentro deste panorama é que surgem as sociedades individualmente consideradas e sujeitas à penetrante interferência do sistema externo. procura "fechar os canais" e. igualmente. sem bater à porta. assim como os povos liberkados ou em vias de libertação procuram dar alento ás forças progressistas. pacífica ou violenta. que tai superestrutura não está livre de contradições. ao mesmo tempo). aparecendo no vfdeo. 1 O que é Dveito 93 a sua presença. internamente. As dominações modernas. Por isso mesmo.. diferente. conforme a própria infra-estrutura sócioeconómica. que por isto mesmo controlam. Por outro (ado. externamente. entretanto. moldando "cultura" (e faturando royalties. é que nos visitam em casa.. entre povos oprimidos. em função de reivindicações comuns dos que ficam por fora ou por baixo. Existe uma sociedade internacional e. onde repercute a correlação de forças e ecoa a divisão dos "mundos" (capítalista. terceíro mundo). é claro.. de modos de produção distintos. j . As sociedades nacionais têm. Sua estrutura modela-se. socíalista. o seu único e próprio modo de produção: a sua infra- .. "não-alínhado". as superestruturas peculiares.. daquém e daiém fronteíras. E a partir deste núcleo que se recortam as "áreas de influência". na dialética de podér e contestação. cindida nas dominações imperialistas e nas lutas de libertação nacional dos povos colonízados e semicolonizados. com as suas vizinhanças intrometidas. distribuem-se em vefculos oficiais e marginais contra-instituiçõesl. uma dialética. é claro. internamente. ademais.(. Desde logo se note. 94 Roberto Lyra Filho acomodações e confrontações. também nela. com a vigilância dum Falcáo. A infra-estrutura internacional é. assïm como não estão os Estados. Esse background penetrante inscreve-se na dinâmica das estruturas nacionais. se desencadeiam os mecanismos da censura. A sociedade internacional desenvolve. como as internas. que se articulam. o imperialismo. inspirá-las e nelas influir positivamente. pois ela se caracteriza pela coexistência. desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento. de f¡ x5..:. as instituições de âmbito internacional. dentro dum quadro de solidariedade" (aliás.de um iado. a dispersão. as classes se dividem (já que não estamos aqui considerando as comunidades primitivasl. iludidos. de oprimidos e opressores. e. Assim é que aparecem o domínio classista e as divisões grupais.. explicada noutro capttulo. por outro lado. nela..de bastante importância na dialética do Direito e não diretamente ligados à oposição sócio-econômica e jurídica das classes . Daf as visges centrfpeta e centrffuga. Se uma sociedade não tivesse o mfnímo de força centrípeta para garántír e própria coesão explodiria como bola de borracha. notadas nos esquemas A e B (capítulo 4). de outro.-:. movimenta a dialética social e.' ' .estrutura é homogênea. é claro.i::! O que é Direito 95 A luta de classes e grupos.. na sítuação presente. mostrando que nem tudo se encaminha. 7 t ' 4 W £ t #h s M . a superação dos conftitos radicais. de fato. Sobre a dupla base interpenetrante das infraestruturas internacional e nacional é que se armam os aspectos derivados e superestruturais . em princípio. mfi a .. . estabelecendo a coesão. soprada pela anarquia. sonegam a dupla base. em conseqüência dela. para aquele desiderato assim formulado por Bloch: o "avanço da construção sociatista. mas entre este compromisso e a realidade dos sistemas socialistas já implantados há. O socialismo. sem tropeços. religiosos. a vertente jurfdica. um grande fosso. sem a qual não w . envolve. sexuais . já referida. continuam a digladiarse. não revelasse um coeficiente de forças centrífugas seria (como. por outro lado e como veremos.. sempre esperam os donos do poder) uma estrutura inalterável e eternamente impeditiva de qualquer mudança verdadeira. para marcar a diferença do posicionamento de grupos ..f" . se. que. Mantemos a distinção.s: á p . mesmo nas sociedades socialistas já implantadas. incompreensível e inexplicável fora deste contexto. v. entretanto. e.~ t .como os grupos étnicos. a palavra "solidariedade" ganha um matiz irônico). que cinde o bloco demográfico (da população). as oposições de espoliados e espoliadores.'s r .que. nunca. estas relações adquirem certa uniformidade e a classe e grupos dominantes exprimem-nas em usos.e 3vs. num ramo. Ponhamos. . então.R 3. . Na verdade.. a fim de combater a dispersão. . as forças centrfpetas. que é Direito . . a 6 r £ e t s! ' s $. 0 conjunto das instituições e a ideologia que a pretende legitimar (a ideologia da classe e grupos dominantes) padronizam-se numa organização social.t.' z 96 Robertn Lym Fr?ho se explica em função de pue a estabilidade e a mudança constantemente se defrontam e conflitam. dentro do modelo infra-estrutural. aparecem no esquema A): eles constituem os véfculos da dominação e se entrosam nas instituições sociais. costumes. conforme se trate da estrutura jovem e ascendente ou de estrutura caduca. sob o rótulo de "cultura". invocando princípios ideológicos. s ..t. folkways e mores (que já. . como se aquilo fosse a legftima e harmoniosa compilação do que sente e deseja todo o povo. ..: S #^ ..x . ` z gx.pr a c. dentro do ramo centrípeto.engana-se uma parte do povo todo o tempo. como já dizia Lincoln . que descona'k 'tr s9 x S e ... s á 4... Tais princípios integram o mesmo domfnio.. todo o povo uma parte do tempó. todo o povo todo o tempo. . h . . mas.. com maior ou menor intensidade (isto é. porém. Travam-se as relações sociais. este último pode ser iludido pela ideologia. que se garante com instrumentos de controle social: o controle é a central de operações das normas dinamizadas. trocando esta em ranzinzice e prepotência o que Ihe falta em energia progressista e criativa). . que se acomode para recebê-la. Essa atividade contestadora pode ser de dois tipos: reformista (isto é.é a estratégia do socialismo democrático. A ação. agora. As cristalizações de normas das classes e grupos espoliados e oprimidos produzem as instituições próprias. . O perigo desta última. =. entre nós. N i.q ·o'. com grupos adestrados e coesos. o poder enríjece o contro(e alarmado ou o sistema subjacente "demite" o seu débil representante para colocar um outro. :. seja organízadamente (ao revés.. evitando quer os desvios aburguesados quer os congelamentos ditatoriais. r. ao contrário. se procura designar uma superação. os meios incruentos (sem derramamento de sangue) e não-ditatoriais. e.ë'. mais enérgico.. Neste ramo. . com a rejeição do "socia- .:. normativamente. só se pode falar em mudança social amarrada.. sem mudar a estrutura global) ou revolucionário (vísando remodelar toda a estrutura.. há totais revoluções que preconizam. mesmo dentro das regras.: t s ... na direção. aliás. [... evidentemente. nela. estratégia e táticas bem articuladas).:. o ramo centrffugo. pois o sistema de controle apenas "absorve" a qüota de mudança que não Ihe altere a organização posta e imposta. ao menor risco de se acentuar um desvio. seja espontânea (sem maior coesão e ordem de militanç ).. envolvendo a atividade anômica (a contestação das normas do ramo dominantel.. i * . é evidente.. muito ambígua. necessariamente. não é.:5..:: .: . por isto. :: 97 98 Roberto Lyra Filho grenta. dita. Vejamos. Como vimos.juntaria a sociedade e comprometeria a "segurança" da dominação. Há meras reformas que desencadeiam luta san::.. Exemplo das primeiras é.·w:: . Exemplo da segunda . até as ''regras de jogo" da mudança. ï' :f : . é a acomodação que dissolve os próprios objetivos revolucionários. a Guerra dos Farrapos. pacffica ou violenta.. Nós não a empregamos senão com a advertência de que.:'. Desta maneira é que ela se revigorou.'. A expressão socialismo democrático é.. visando reabsorver-se no ramo centrfpeto... a partir das bases). cuja presença na estrutura é fator de maior ou menor desorganização social.. reformista ou revolucionária.. no panorama atual. vai. além dos elementos já mencionados.definições diversas e inconciliáveis. sem partir de nuvens metaffsicas ou da amputação de um que outro aspecto. Vários autores tomam ora um ora outro daqueles pontos como base. com isto. estamos empregando a palavra Direito em sentido (aliás. já criticadas: f F f m Li d t s á 2 ( . Ele tem raiz internacional. Por isso mesmo. segundo os critérios mais avançados. desde i " iY . enquanto parte de dialética social. focalizados por sociólogos. O socialismo democrático. historiadores. I . os algarismos romanos I a IX. por simples capricho ideológico. portanto. produzem obviamente . Estes pontos vão servir-nos para deduzir a' "essência" do Direito. F ^e Y f t aJ' 100 . e. Falta-Ihes a abordagem global. Roberto Lyra Filho Notará o leitor que foram inseridos. hoje. efetivamente. Mas. cada um dos nove pontos assinalados. demarquemos. Queremos dizer. Veremos isto no ponto IX. resumir a visão social dialética num esquema diferente das focalizações A e B.lismo" bem comportado e "confiável" (que a burguesia absorve) e também dos "socialismos" burocrático-repressivos de cúpula (que prevalecem nas repúblicas onde o trabalhador não tenha. antropólogos. que assinalam os pontos onde surge o aspecto jurídico. que aparecerão assim todos os ângulos do Direito. especialmente. pluralidade aparente de sentidos) apenas nominal e nas suas (igações com o processo sociológico (única fonte onde podemos ir buscar uma visão nem idealista nem mutilada do Direito mesmo). ganhando 0 sentido da procura duma "alternativa" perante o capital ismo espol iativo e o social ismo gorado. canais de participação no governo e defesa eficaz contra os burocratas). As explicações até agora oferecidas permitem= nos. pois é nesta perspectiva que se definem os padrões de atualização jurídica. assim.0 Direito não se limita a`aspecto internodo processo histórico. assim. e não somente este ou aquele ángulo privilegiado pelo preconceito duma ou de outra corrente e especialidade. Encaminhando as nossas conclusões sobre a "essência" do Direito. ·. na hipótese das mais graves violações do Direito.a.. jurídica também. q a m'i o que é Direiro ioi logo.::. porque as "soberanias" dos diferentes pafses não toleram repercussões internas senão quando "aderem" aos pactos internacionais.. 102 Roberto Lym Filho exemplo. ik V a-¡.. em particular.. 0 princípio de autodeterminação dos povos e as soberanias nacionais (que. III . até. quanto ao direito estatal. inaugura. t 3 d . com cisão em classes. Daf a expressão jurídica paralela em uma dialética estabelecida pelos' povos oprimidos e espoliados. cumpre acentuar que a correta visão jurídica não pode fazer caso omisso das instituições internacionais sob a alegação de que o Direito Internacional "não é jurfdicó'.A verdade. Exemplo disto é o conjunto de princípios jurídicos. o estabelecimento da propriedade privada dos meios de produção espolia o trabalhador. no instante mesmo em que estabeleee o seu modo de produção.. das sanções internacionais.i i fi ír 8 9 ç k r . por . uma dialética. a f. 3 s F F 2 y. . cujos t . já que. cada sociedade. consagrados na carta de Argel (1977). entretanto. no ángulo externo.Afora as comunidades primitivas. aliás.IV . e em que pesem as felizes contradições a sua forma inter-estatal (entre Estadosl reproduz. I I . é que o direito entre nações luta para não ficar preso ao sistema de forças dominantes. o imperialismo a todo instante ofende escandalosamentel não impedem a atuação. em que os povos oprimidos formularam a sua quota de direitos postergados. p. de que não estamos cuidando aqui (como já foi advertidol. a obstrução que veremos no ponto V I. em sistema capitalista ou socialista. sim. obviamente. religião. que padroniza o conjunto de instituições dominantes. que é Direito 103 listas é.que hoje preocupam ós juristas do marxismo nãodogmático. precisamente.direitos então contradizem o "direito" ali radicado da burguesia capitalista. Já citamos a questão das raças. oscilar entre a rendição ao "direito positivo" (a título de "particularização" dos preceítos "naturaís") e a oposição irresolúvel entre "direito natural" e "direito positivo". O grande equívoco dos iurisnatura' t k S '. a questão classista não esgota a problemática do Direito: permanecem aspectos de opressão dos grupos. cujos Direitos Humanos são postergados. Ali subsistem classes (socialismo não é comunismo. a questão da legitimidade ou da ilegitimidade global da estrutura. há muito. espoliativo. como . pois arrancam esse "ideal" para fora do processo) e a multiplicidade dos conjuntos de normas jurfdicas (que não sabem ver como parte do processo de realização dialética do Direito). V .A organização social. opressor. para não desnaturar o próprio socialismo.. Não basta para resolvê-la o simples fato dum status quo (a existência nua e crua da dominação). na medida em que apresente um arranjo legítimo ou ilegítimo. Ï [ f3 £ f 3 i. o menor passo nesta direçãol. inclusive legais. ao processo dialético do Direito. esmagando direitos de classes e grupos dominados. A oposição começa na infra-estrutura. em que as suas negações. Mesmo numa sociedade socialista não são suprimidos os problemas do conflito de direitos. sexos . no itinerár o progressivo.. não nos referimos a duas entidades abstratas e. como se fossem duas coisas separadas: o Direito (que eles não conseguem fundamentar. objetivadas em normas. para o qual certas repúblicas do socialismo autoritário dizem estar em trânsito.. por normas. Não fica eliminada a problemática de classe. assim que se insere o problema jurídico do sistema. embora não apresentem. cónstituem um elo do processo mesmo e abrem campo à síntese. Quando falamos em Direito e Antidireito. adquire também um perfil jurídico. De qualquer maneira. nem os limites jurídicos em que um regime socialista há de conter os processos de construção. à superação. por si só..r. á ferro e a fogo.. a garantia democrática é parte do problema da realização do Direito. e toda a casu fstica dos estrategistas da reação).. em que medida os trabalhadores efetivamente comandam o processo e que canais políticos ficam abertos para evitar o enrijecimento do Estado e o domínío burocrátíco-polícíal da estrutura por um conjunto de agentes repressores. no acesso livre aos meios de comunicação e organização de massas. é preciso não só que se façam sem as restrições capciosas de ieis cheias de manhas. Isto x r a d 3 f ! .isto é.-. Caso contrário. e não basta substituir a disciplina legal da propriedade para chegar ao socialismo autëntico: resta saber que posição real têm as classes na determinação do sistema. De toda sorte. libertádora: exclusão de pessoas e correntes de opinião do pleito.. na legitimidade do poder. que se baseia da passividade das massas (intoxicadas pela ideologia e sempre "consultadas" com restrições . pelos lWeres progressistas. .:. somente porque ainda se "agüentam". Salazar e quejandos . ou. Isto é uma questão jurídica também. dentro de leis "eleitoreiras". como também que permitam o trabalho de conscientização popular.como os de Franco. da mesma forma. que as ditaduras subsistentes são "legítimas". .. a r.não basta igualmente o tipo de "consenso" presumido. enquanto viveram e se "agüentaram" no poder. sem restrições de pessoas e correntes.eram "legftimos".. que não permitem o despertar da "conscíência possível". 3 2 Fk ts 9 r 7 O qué ë Direito .:: . uma organização social. io4 Roberto Lyru Filho A passividade das massas não legitima.t. restrições à propaganda. teríamos de afirmar que o nazi-fascismo e os "regimes semelhantes ... nos veículos de comunicações de massas. por si só. Por outro lado. povo sejam legitimadoras. k'-.. para que as garantias formais da consulta ao . assim como o estabelecimento duma legalidade não importa. inclusive.r . como se ali estivesse todo o Direito. Aí é que surgem as leis de todo o tipo. a central de operações das normas dominantes. a organização social militante.O controle social global. na sua teia de normas em ação. não isentos de contradições. como dissemos. de que cogitam o jurista Barcellona e seu grupo : k f k7 2 k qr £¡ t a 9 SA T y S I ! fi 4 . isto é. C id S ia J. todo o direito estatal. nada obstante as eventuais contradições.ios já preocupava Lênin quando redigiu as "Instruções de 1922" a respeito da "organização multiforme das massas".. a espoliação e a opressão neste ponto descobrem a sede priviimportante examinar. que é hoje combatido pelo movimento da "autogestãó ' socialista (o controle sócio-econômico de baixo para cima). 0 ponto VI.. quando classe e grupos dominantes se assustam com a possibilidade mais ou menos próxima de verem escapar o controle social da mão das "elites do poder". é o único focalizado pelo positivismo. V I . que pode. quando. servir para o "uso alternativo" . rejeição indiscriminada. dinamiza em aspectos. A conseqüência de se desprezar essa problemática foi a criação do "Estado-aparelho não-capitalista como pátrão absoluto da sociedade". inclusive as anômalas. que rompem (para a garantia da organização subjacente) o próprio sistema legal. . para "controle sobre os aparelhos do Estado e sobre os próprios comunistas". N F " i . do e no setor centrípeto.a . sem legiada de atuação. com muita energia. que interfere naquela. t ' '" d k 4 # ri' `i t à s ' V V j i8 . No plano das contra-instituições jurídicas. exclusivamente.r.:'. 106 Roberto Lyra Filho (voltar as leis do Estado contra o próprio objetivo domonador).. efetiamente vividas. um processo de desorganização. as classes dominadas. que é outra coisa. F:. operação de grande alcance teórico e prático. criados pelas relações de produção. Mas obviamente é preciso enfatizar. a sua força de disciplinar a práxis jurfdica.. r. equivale a transformar a sua positividade.::. em setores mais ou menos amplos da vida social. rea/izada nas favelas brasileirasl. Escreve o notável colega português: "uma vez que a coesão ideológica de uma sociedade de classes superpõe-se a inconciliáveis conflitos classistas..:.i'ã':. vê-se emergir o que o sociólogo português Boaventura de Souza Santos estudou na sua admirável tese Direito dos iDprimidos Icom material de pesquisa de campo. assim se estabelece o que os cientistas pol(ticos denominam o "poder dual" (isto é. No plano político. b. a dialética vem a criar. que o Direito não está aí: o Direito está no processo globaJ e sua resultante. se persiste a cisão de grupos e classes em dominadores e dominados...-. paralelamente à organização social.. V I I óbvio que. . mais de um poder social na dialética de conflito).-..L:kS... Localizar o Direito neste ponto VI. mostrando a ineficácia relativa e a ilegitimidade das normas dominantes e propondo outras. :: · A:.. em positivismo (a concepção legalista do Direitol. ou T Y a x ° i p e s p u t f d s "' 2M T s n d f :t é wr > . V á i. ,«u :: O que é Direito grupos específicos dentro delas, tendem a desenvolver subculturas legais, que, em certas circunstâncias, podem estar ligadas a uma práxis instítucional maís ou menos autônoma, de variável meta e nível de organização. Reconhecer esta práxis como jurídica e este direito como direito paralelo (isto é, caracterizar a situação como pluralismo jurldico) e adotar uma perspectiva teórica julgando esse Direito não isrferior ao direito estatal envotve uma opção tanto cientffica, quanto política. Ela implica a negação do monopólio radical de produção e círculação do Direíto pelo Estado moderno". A opção científica, a que alude o eminente socíólogo, é obvíamente a dialética; a opção política é, não menos obviamente, a socialista, e social ista democrática, em oposição ao "estatismo" e "legalismo", não só capitaiista, mas do "socialismo" autoritário-burocrático-repressivo. VIII - Parece, então, claro que a coexistência conflitual de séries de normas jurídicas, dentro da estrutura social (pluralismo dialéticol, leva à atividade anômica /de contestação), na medida em que grupos e classes dominados procuram o reconhecimento de suas formações contra-institucionais, em desafío às normas dominantes (anomial. Este projeto, entretanto, pode ser de dois tipos: ou se revela apenas reformísta, enquanto vísa a absorção de seus princtpios e normas pela central : :. 107 a ' d g t Xn Y & t 4 k f ios Roberto Lyra Filho do ramo centrípeto (ponto VI), sem atingir as bases da estrutura e os demaís aspectos da normação dominadora; ou se mostra revolucionárío, isto é, delineia o contraste fundamental, com uma série de princípios e normas que são proposta e prática reestruturadora, atingindo a infra-estrutura e tudo o que sobre ela assenta. Reforma ou revolução representam o enlace jurídico-polftico; isto é, só politicamente se instrumentalizam e tém chance de triunfar; mas só juridicamente podem aYK fundamentar-se (a dinamização é política; a substância é jurídica). E a fundamentação jurídica é indispensável para validar, inclusive, o apelo revoiucionário e introduz ao mais ampio círculo do Direito, que, por isto mesmo, no equema dialético, pusemos numa chave envolvente, com a designação de IX. tX - Radica neste ponto o crirerio de avaliação dos produtos jurídicos contrastantes, na competição de ordenamentos (as diferentes séries de normas entrosadas). a sfntese jurídica: Seus critérios, porém, não são cristalizações ideolbgicas de qualquer "essència" metafísica, mas o vetor histórico-social, resultante do estado do processo, índicando o que se pode ver, a cada instante, como direção do progresso da humanidade na sua caminhada histórica. Esta resultante final (final, não no sentido de eterna, mas de síntese abrangedora do aspecto jurídíco naquele processo histórico-social, em sua totalidade á w "? f S 4 r , \ b , f j 5 ¡ 7 k E 2 k s ,za k ic £ u z s a z ¡ \ ¡ k ? P tÇ " Y É V ! I i t JF t 4 d d u \ O que é Direito e transformaçõesl se reinsere, imediatamente, no processo mesmo, uma vez que a história não pára. A síntese não está por címa ou por baíxo, num esquema prévio ou posterior, mas DENTRO DO $ ae k w T ` PROCESSO, AQUI E AGORA. A meta foi anteontem, a conquista liberal (quando a burguesia ascendente indicava o rumo do progresso e todos sonhavam com a Revolução Francesa?; foi, ontem, a vitória do socialismo no plano econômico (quando príncipiou a série dos avanços proletários e todos sonhavam com a Revolução Russa); mas é hoje o socialismo democrático, quando as revoluções socialistas estão esclerosadas (doença de enrijecimento), em países que Ihe deram somente uma feição autoritário-burocrátíco-repressíva; esta última desnatura o socialismo e oprime, externa e internamente, nos seus blocos dominados, as próprias massas que se propunha libertar. O ponto IX é, então, a chave de abóbada para a análise do Direito e a sede onde emergem os Direitos Humanos. Note-se que não nos referímos às declarações dos Direitos Humanos, que desejam exprimir o ponto IX, porém a este mesmo ponto, que nelas aproximadamente ss reflete, a cada etapa. Já tivemos a declaração das revoluçôes americana e francesa, cuja focal ização representa a burguesia ascendente. Na declaração mais recente, repercute a luta socíal avançada, em que a ígualdade formal dos homens, perante o direito estatal, se corrige com a remodelação jurídica, inspirada 3Á s ,:; í:; ,'::., d 3 ".. ... ts-,..-;. , . r;'T.: .: çiy .r;.z.:. 4 s wrHè. ,.,.. P " , t . mo Roberto Lyra Filho pelo socialismo, de igualdade substancíal, sem a espoliação do trabalhador pelo capitalista, ou a opressão dos grupos minori'tários pelo poder institu ído. Para termos uma idéia da diferença entre as declarações dos Díreítos Humanos e estes mesmos Direitos, basta pensar que a declaração "oficial" mais recente já é inatual, na medida em que ainda não incorpora outros aspectos da libertação, surgidos em lutas sociais posteriores. Por exemplo, a marca do social, na Declaração dos Direitos Humanos, ainda é muito vaga e incompleta e não dá expressão plena às metas socialistas do Direito contemporâneo autêntico. Aliás, este envelhecimento das "deciarações" foi percebido até pelo fílósofo francés bem reacíonárío, que era Jacques Maritain, quando acentuou, à ocasião em que foi redigida a última declaração "oficial", tomando Direito e Antidireito como blocos estanques e omitindo a "negação da negação". pelo menos. na hora de bater nas peitos e fazer autocrítica. A leitura soviética é legalista . por assim dizer. o carro hefe de todo o materialismo histórico.que ela devia ser revista. puritanas ou permissivas. vertendo-os em garrafinhas que não a t .não à toa. que são marcos dum itinerário inacabado. . em desespero de causa. Marx e Engels foram os constantes . em vez de ler Marx ou Engels. e não repositório da ciência feita. Catar frases é um passatempo de quem só faz negócio com assinatura de avalista e vive procurando uma firma célebre e desprevenida para as suas promissórias. para cá e para lá: eles sempre descobrem umas frases conservadoras ou progressistas. cada um cita os clássicos no trecho que Ihe interessa. Por isso mesmo é que. entre marxistas e marxólogos. dele nos surge. com outras citações. .. diante dos legalismos prepotentes à /a Vichinski. até mesmo machistas ou gay . em movimento. não pinçados mas inseridos no movimento da obra. . A "essência" do jurídico há de abranger todo esse conjunto de dados. para criar o dogma e abonar qualquer "iinha justa".ou na oposição insolúvel (não-dialética). o que. fácil ler Marx e Engels como positivista ou iurisnaturalista. sem amputar nenhum dos aspectos (como fazém as ideologias jurídicasl.á . que já citamos. 0 fato é que. é preciso repensar Marx e Engels com a leitura dos textos. uma resposta intelectual aos estímulos duma práxis e cada noção.. . Eis. o Direito nominalmente. uma filosofia é um organismo em movimento. amanhã revista. 112 Roberto Lyra Filho mostram a grandeza e marés do oceano. na medida em que o Direito de revolução é. como dissemos. na dialétíca social e no processo histórico. assim como os teólogos citam a Biblia. tomado. o teórico soviético do "legalismo" socialista. insinua. proposição têm de ser. um iurisnaturalismo de base. com esta que f f 54* á1 9 i . Heller. conceito. em síntese. nem sítuar a dialétíca nas nuvens idealistas . i 0 S O que é Direito lll as contradições de Direito e Antidireito fazem explodir (com mediação da práxis jurfdica progressistai a ostra normativa para que se extraia a pérola da superação. Um pensamento. de 15 em 15 anos. A falta de um senso deste processo é que leva. certos autores marxistas a aderirem ao direito natural. por outro lado. inclusive as relações de produçáo -constituem relações entre homens.V111? Marx afirmou que "a liberdade é a essência do homem" e não há incompatibilidade entre esta frase e outra. reage e se liberta dos condicioC 4 Y 4 tP á t SC i t pk 4 ) Á. isto é.IV. as relações entre as pessoas.. então... 1 114 Roberto Lyra Filho namentos... §. V . não porque sejamos mais inteligentes do que Marx. e até mais fiel. explicada no capítulo 1 ? Que noção. Prestamos homenagem maior. dentro dos grupos e classes e na forma que estes modelam. contemplado na síntese móvel do ponto IX e desdobrado nas contradições dos pontos I . na postura dialética. Porque este "ser real" ..II. . que conceito. Mas onde fíca. e sim porque estamos um século adiante. mostrando que "a essência do homem é o conjunto das relações sociais".3 k ^ R x S f £ ! d 7 ma b.este homem na sociedade . As relaçõessociais . consegue resumir todo o processo. . Ele se conscientiza."revisionistas" de si mesmos..isto é. no sentido em que a vimos buscando . 111 . díante daquele panorama. ao gênio marxiano retomando o itinerário..não é apenas um boneco sèm vida que as forças sociais movimentam. que ele escreveu mais tarde. q . a "essêncía" do Díreíto.V11 e VI . e M . ao mesmo tempo abrangedor e preciso.. . consciência não é uma coisa que nós temos. s ' . Dentro do processo histórico. A contradição entre a injustíça real das normas que apenas se dizem justas e a injustiça que nelas se encontra pertence ..e. 115 falamos em Justiça. metaf(sica. decombate. numa só estrutura. Quando rr ' . os costumes. pois o rio acaba voltando ao leíto. " s sa twre. se tudo fosse aparelho. que consciência é conscientização. e também que liberdade é libertação. nem aquele outro iurisnaturalismo progressista.. Aliás. e liberdade também nâo é uma coisa que nós possufmos. é um processo de libertação constante (se não fosse. com Marx. o aspecto jurfdico représenta a articulação dos princípios básicos da Justiça Social atualizada. descobre quais são as forças da natureza e da sociedade que o "determínaríam". os códigos da sua dominação.. se ele se deixasse levar por elas.. . vamos I ivrando do que os nossos dominadores botam lá (ideologia).. . mas. conscientizado. seguíndo em frente e rompendo as represas. precisaríamos dé um "Deus dos aparelhos" para movimentar a História e fazer com que a "máquina" funcionasse. 1 a ' t a ' .não entre peças duma só máquina. o que a "Justiça" é. ou se rende ao direito positivo (às normas de dominaçãol. entretanto. nas situações particulares e concretas.: v a t Yr . O processo social. não nos estamos referindo àquela imagem ideológica da Justiça ideal. pondo de um lado o "direito ideal" e de outro o "direito real". k. quebras do caminho. E 1 . estávamos. Lembramos. até hoje. sem progredir). as leis. parados. a Hístória. 4 . Não é o idealismo iurisnaturalista que. há avanços e recuos. O que é "essencial" no homem é a sua capacidade de libertação.. que se realiza quando ele. pelo contrário: ela vive amarrada e nós temos de cortar os nós. . que a classe e grupos dominantes invocam para tentar justificar as normas.u Y a. porém que vamos constru índo. em especial. quecontínua. que não importam. se não fosse assim.. é claro. abstrata. vaga. . isto é. entretanto. porque a este concede o poder de definir. segundo padrões de reorganização da liberdade que se desenvolvem nas lutas socíaís do homem.. que não nos deixa mentir. Assim. que favoreceu os burgueses. que daria vez aos trabalhadores. e o prosseguimento da libertação. por exemplo. a burguesia baixou o pau. isto é. A luta continuou. que é o poder. à dialética da realização do Direito. entre grupos e classes espoliados e oprimidos e grupos e classes espoliadores e opressores. uma contradição entre a libertação parcial. por exemplo. portanto. voltar para casa": este queria parar a História mas a H istória é teimosa. Ficou. que as contradições não se dão apenas entre blocos de normas. no caso da burguesia: como classe ascendente. com suas classes e grupos ascendentes e libertários e suas classes e grupos decadentes e opressores .ao processo. E o destino dos ditadores aí está. a O que é Direito 117 E preciso notar. enriqueceu o patrimônio jurídico O que é Direito 4 ' f 116 Roberto Lyra Filho da humanidade. ele "vem a ser". mas. as leís que exprimem. um burguês já triunfante disse que "é fácil colocar o povo na rua. depois de tomar o lugar destes achou gostoso e mandou prender o povo. Esta luta faz parte do Direito. na procura das direções de superação. em cada etapa. com suas forças contraditórias de progresso e conservantismo. contra os aristocratas. em linhas . inclusive. porém dentro desses blocos. Aquela altura. a fim de curtir uma boa. Reparem. quis deter o processo para gozar os benefícios e se recusou a extrair as conseqüências de sua revolta contra a aristocracia e o feudalismo. mas um processo de libertaçáo permanente. Como já dissemos. porque o Direito não é uma "coisa" fixa. quando estava na vanguarda. E a luta social constante. Como o povo se recusava a parar e. A locomotiva amarrada acaba rompendo as amarras e passando por cima de quem quiser se encostar à frente e pará-la com a bunda. difícil é fazê-lo . que é uma Ïuta constante entre progressistas e reacionários. A burguesia saiu com o povo à rua. parada. o direito estatal. teimava em reaparecer. Quando chegou ao poder deu a "coisa" por fínda. cada vez que era enxotado. definitiva e eterna. o Direito não "é".é todo o processo que define o Direito. com suas expressões de vanguarda e suas resistências e sacanagens reacionárias. Por isso mesmo é que o revolucionário de ontem é o conservador de hoje e o reacionário de amanhã. em tese. entra a toda hora na luta. tal como a burguesia está sempre falando em "defesa da democracia" . prender e agredir o trabalhador. diz. a cada momento.gerais. cJizendo uma coisa e fazendo outra. fala-se no princípio de autodetérminação dos povos. A grande inversão que se produz no pensamento . já não se fa/a em manter o colonialismo lr ue continua existindo) ou em resolver a questão scscial com a polfcia (que. que não é menos hipócrita. vai "por si só contra conceito de Direito". Isto contraria a essência do Direito como já notava Engels. vão criando polícia continental. nenhum legislador. Então. o Direito. porque. que vai fazer a norma injusta. está sempre falando em "defesa do socialismo". como um aspecto do processo social mesmo.U. o que significa que nem o opressor pode negar o Direito: apenas entortá-lo. por onde os mais hábeis juristas de vanguarda podem enfiar à alavanca do progresso. sim. para manter a semicolonização econômica determinada pelo imperialismo regional. nas normas espoliativas e repressoras. o domfnio de classe e grupos privilegiados têm elementos que podem ser utilizados pelas classes e grupos (ibertadores. explorando a contradição. Em segundo lugar. Mas é claro que o "conceito de Direito" não é aquela "idéia" metaffsica.U. mas logo em nome da "defesa da democracia" os E.isto mesmo quarído a "defesa do socialismo" é acabar com a pretensão à liberdade do pafs vizinho. já o dissemos. 118 Roberto Lyra Filho dominação é. hipócrita. aliás. na América Latina. mesmo o pior dos ditadores. abstrata. A dominação soviética. a força. a soma das conquistas libertárias (ponto IX do nosso esquema) fica provada por dois fatos. dizer que váo con truir a "Justiça" nas normas. "A expressão brutal. Inclusive quando uma estrutura socialista degenera em opressão. deixam "buracos" nas suas leis e costumes. e. a classe e grupos dominadores muitas vezes se contradizem. na hipocrisia de fazer o contrário do que dizem (isto é. chamada pelo burguês que tem medo do povol. Ao menos. por exemplo. Hoje. a evidência de que o Direito compendia. intransigente da supremacia de uma classe". lembrou ele. enquanto fazem das normas uma proteção injusta de seus privilégios). não se confessa abertamente essas violências. ' De toda a sorte. ela continua falando em socialismo e nvoca o Direito da classe proletária para fazer calar. `os direitos já conquistados geralmente não sáo desafiados pe% dominador: a kk # . Em primeiro lugar.E. para neãá-lo. de fato. o dominador vai absorvendo o discurso de liberdade. por exemplo. Da mesma forma e no outro lado. errado. 0 legalismo é sempre a ressaca social de um impulso criativo jurídico. proclamada por um bando . . pergunta-se. pois nenhum legislador prepotente. para enganar 05 tOIOS. opor-Ihes princípios jurfdicos mais avançados. em constante progresso. a doutrina que "fecha" todo o fen6meno jurídico. que depois a entregam a um grupo de "juristas". Isto é negação da Justiça. Alguns daqueles princfpios acharam o seu escaninho nas vepúblicas socialistas /de vários matizes). depois do avanço de 1917. deixando que estes devorem o povo? A Justiça não é. que vai desvendando áreas novas de libertação. Porém. dos seus satélites. na inflação das leis. do seu avanço. mais tarde. nem é nos . apesar de tudo. os papéis com lastro de ouro pelos papéis desvalorizados. A contribuição dos primeiros socialistas foi contestar as normas do direito burguês.de filósofos idealistas. lutando para que se remodelassem as normas. limitando estas às normas do Estado e da classe e grupos que o dominam. em maior ou menor grau).jurídico tradicional é tomar as normas como e é Direito 119 Direito e. onde fica a Justiça verdadeira? Evidentemente. enquanto simples norma da classe e grupos dominantes (ou mesmo de grupos dissidentes retrógrados do tipo de Tradição. Por outro lado. uma negação que Ihe rende. Os princípios se acomodam em normas e envélhecem. Onde está a Justiça no mundo? -. acordando assustado toda vez que algum socialista herege e contestador berrava que ali (ou na casa do vizinho) havia algo de. foi engordando tanto que se deitou na cama lestatal) e dormiu sobre o colchão de instituições domesticadas. o Estado troca. o poder soviético e. e as normas esquecem de que são meios de expressão do Direito móvel. Direito é Justiça caminham enlaçados. não é cá . esta coisa degradada. a máquina de fazer dinheiro falso. subtrai. que é mais "realista do que o rei"). depois. Que Justiça é esta. lei e Direito é que se divorciam com freqüência. nem lá. e acaba usando a "guitarra". 120 Roberto Lyra Filho Direito em si. Famtlia e Propriedade. Com o vício de rodar a manivela. evidentemente. administrador ditatorial ou juiz formalista jamais pensou em dizer que o "direito" de%s não está cuidando de ser justo. Ora. e não . a homenagem de usar seu nome. na sua Casa da Moeda. toda dialética. não é nas leis (embora às vezes nelas se misture. Porém. cada perfil atualizado do Direito autêntico é um instante do processo de sua eterna reconstituição. definir o Direito pelas normas. e quando essa mesma burguesia se encarapitou no poder e negou a igualdade real em suas leis. enquanto modelo avançado de (egttima organização social da liberdade. para levar à criação duma sociedade O que é Direito em que cessem a exploração e opressão do homem pelo homem. . a que mecanismos estatais negam a real participação no poder. mas de cujas próprias contradições brotarão as novas conquistas. no sentido de que é nele que se realiza progressivamente Justiça é Justiça Social. em avanço e subida. emergindo nas lutas sociais. A injustiça. com avanços e recuos. pois nem a sociedade justa. de que é resultante. Quando a burguesia.MV Yi k : i $ Z `i ' 4 T Fi T 1 5 . no caminho penoso do progresso.. do que a expressão daqueles princípios supremos. dentro do processo histórico: não é uma coísa feíta. perfeíta e acabada. abstratos (embora às vezes também algo dela ali se transmita. é também esta contradição que gera o movimento para democratizar o "socialismo" implantado.princípios ideais. nem menos. que se deixou engordar em dominação-repressão. o legítimo. Mas até a injustiça como também o Antidireito (isto é. a constituição de normas ílegttímas e sua ímposição em socíedades mal organizadasl fazem parte do processo. falando em d . nem o Direito mesmo. e o Direito não é mais. d i c5 A V YfL I 7. é aquele vir-a-ser que se enriquece nos movimentos de libertação das classes e grupos ascendentes e que definha nas explorações e opressões que o contradizem. de forma imprecisa): a Justiça real está no processo histórico. nem a Justiça corretamente vista. nascem dum berço metaffsico ou são presente generoso dos deuses: eles brotam nas oposições. Direito é processo. desencadeando a crítica marxista. 122 Roberto Lyra Filho name duma classe proletária. que mostrava a fonte das desigualdades. antes de tudo: é atualização dos princípios condutores. desafiou as discriminações arístocrátíco-feudaís ela colocou o problema da igualdade. no conflito. foi a contradição apontada que indicou o caminho para o socialismo. quando o socialismo degenera em opressão burocrático-autoritária. momentos solares e terríveis eclipses. que um sistema institua e procure . em determinar "a instauração da faculdade de agir" (das classes e grupos). é aquele em que a Justiça se identifica. é uma etapa. que pusemos no esquema C. cOncretamente. ao invés dé sumir. opõem-se outras normas e instituições jurídicas. enquanto "os Direitos Humanos não serão menos militantes. sim. E isto se resume. como dizia ainda Bloch. em perspectiva progressista. ao nível histórico presente. dentro de um caminho que não respeite os direitos fundamentais: hoje. integrando e movimentando a dialética do Direito. o aspecto jurtdico. perante as domínações ilegítimas. na quota de libertação alcançada. pelo avanço da construção socialista. . sem alienação. isto é. e também vigem. tentam generalizar-se. impostos pelo controle social ilegttimo. em que aqueie sistema verta os interesses de classes e grupos dominadores. e. O que é Direito 123 (às classes e grupos ascendentes)'. Mas eie não é apenas a seara da liberdade: é igualmente a antítese da anarquia (que deseja trocar a repressão ilegttima pelo caos) e da ação bruta. 0 aspecto jurídico do processo é o que delineia a forma positivada. o fim de certo tipo de exploração e opressão não é o fim da História. dentro dum quadro de solidariedade": A simples troca do modo de produção. acomodam-se momentaneamente e afinal chegam a novos momentos de ruptura. Por isso mesmo. opõe-se o desmentído da Justíça Socíal conscientizada. como direito à crftica. Nunca se pode aferir a Justiça em abstrato. que resulta do processo mesmo. da visão social dialética. O ponto de referência IX. "nas normas de agir duma comunidade enfim não alienada". são o que nele se revela à vanguarda 1 4 t . ganha mais relevo. isto é. inexoravelmente objetiva e prátíca. e se propagam. repetímos com o fílósofo marxista Ernst Bloch. às normas.garantir. e tentam substituir os padr25es dominantes de convivência. no socialismo. no modelo atualízado e vanguardeiro de organização social da liberdade. o Direito modela o padrão organizador. alcance próprio dos princípios da práxis social justa e do controle social legítímo. pois as quotas de libertação acham-se no prucesso histórico. oriundos de classes e grupos dominados. com a indicaçâo das normas em que eie venha a se organízar. atritarri-se. enquanto substância atualizada do Direito. rompendo os diques da opressão estrutural. não contída por princípios de legitimidade (e na qual o objetivo libertador poderá descaracterizar-se. No processa histórico de líbertação. As duas elaborações entrecruzam-se. Uma ordenação se nega para que outra a substitua no itinerário libertador. ao contrário. na coexistência social. Esta a razão por que o Direito não se confunde com a Moral. é recíproca. A Moral visa o aperfeiçoamento de cada um. redundaria em liberdade para ninguém. que os deveres morais de cada um não dependem dos deveres morais dos outros. Também é um erro ver o Direito como pura restríção à liberdade. portanto. também gera obrigações exigíveis e estabelece órgãos e procedimentos para a sua aplicação coercitiva: ela é. Estas últimas pretendem concretizar o Direito. Por isso. entretanto. 124 Roberto Lyra Filho por exemplo. Todavia. para se tornarem obrigatórios. e as restrições que impõe à liberdade de cada um legitimam-se apenas na medída em que garantem a líberdade de todos. a Justiça Social atualizada na História. se apresenta como positívação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda. Queremos dizer. é importante não confundi-lo com as normas em que venha a ser vazado. Recíproco é só o direito. pois. conforme as classes e grupos em que se divide a estrutura social. A Moral é também processQ. como 0 Direito. quer seja aplicada a pretexto de facilitar o trabalho de libertaçãol. cuja ilegitimidade então desvirtua o "direito" que invocam. A absoluta liberdade de todos. 0 Direito. quer seja instrumento do conservantismo violento. também O qr e é Direito está inserida na dialética social. nem no sentido de que os preceitos morais se destinem a garantir o equilíbrio rec í proco do exerc tcio da I iberdade. o que não é. O Direito visa ao desdo- . Na Moral se armam deveres que cada um há de cumprir em relação aos demais e até a si mesmo. realizar a Justiça. também se transmite a séries múltiplas de normas. dentro da honestidade. com nenhuma das sàries contraditórías de normas que aparecem na dialética social. os princípios sociais e históricos da vida honesta não dependem da reciprocidade. bilateral. e a "justiça" de classes e grupos dominadores.. ele constitui a afirmação da liberdade conscientizáda e viável. obviamente. a tortura já é definida como crime de Díreíto Internacíonal e contínuarã sendo crime. com isto. nem no sentido de que estes últimos cumpram ou deixem de cumprir os seus próprios deveres. em resumo. pois tantas liberdades particulares atropelariam a liberdade geral. w r r " t 4 . mas nelas pode estar a oposição entre a Justiça mesma. Mesmo quando a Moral se volta para a disciplina dos nossos prazeres (a chamada Moral hedonista). juntos. Moral é o reino da contensão. onde emergem. cujas normas estão sujeitas aos critérios de legitimidade. se demonstra que são iJegítimas as definições legais de "crime sem vítima". ensina a controlar os apetites e a maneira de gozar. continua a levar uma restrição intrínseca. Se falta a lesão. com humor. o que é Direirv abstratas ou sobre-humanas. áo revés.:. históricas e fortemente condicionadas pela estrutura social. ao nível do tempo presente. Deste modo é que. entretanto. em todos os ssntidos da palavra. o dano ou sequer o perigo para as liberdades em 125 . Marx dizia.l °V # 5 Mk t a p. ou se extrai de fontes ideais. na medida em que o próprio hedonismo ensina a não abusarmos desordenadamente dos prazeres. conquistas sociais. definida pelo padrão mais avançado. antes confirma.bramento da liberdade. por exemplo. se rejeita a compensação de culpas. isto é. Nenhum dos dois. Ambos são. em que a l iberdade é domada. admitindo a "curtição" de cada um. nem. na oposição. pelo suicfdio. em si mesmas tidas como necessárias. por exemplo. os princfpios eternos. no contraste de modelos divers . pois o que é juridicamente cobrado a ambos os sujeitos juridicamente culpados é o recíproco dever de não lesarem um ao outro. afete aas demais. vão desaparecendo aquelas incriminações injustificáveis. permanece como estabetecimento de restrições à nossa liberdade. Mesmo quando. porém o Direito veio a reconhecer que nada têm a ver com os deveres de reciprocidade e... conforme a divisão de classes e grupos dominadores e dominados. . dentro dos limites da coexistência. de auto-aperfeiçoamento. tolera os dogmas. enquanto que o ( ireito só nos restringe a liberdade para garantir o que. assim. todos eles. que "ninguém luta . assim ofenderem a comunidade. é claro. pela degradação moral da prostituição. para tornar-nos ^essoas socialmente melhares. a autodestruição ffsica ou psfquica. Direito é o reino da libertação. no Direito Criminal. histórica também. reprováveis moralmente. Estes procedimentos não deixam de ser. segundo o seu gosto. . pelo consumo de drogas. a reciprocidade. nela. A Moral. isto não desmente. cujos limites são determinados pela própria liberdade. . atualmente. crime não há.t e 126 Roberto Lyra Filho coexistência. como. n° 1. vol. cuja notável tese de doutoramento . O Discurso . Foi Marx ió .A Ciéncia do Direito: Conceito.F. o o mais. Surkhamp. Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coímbra. tê-se algo dele. clareza da exposição e enfoque progressista são . em matéria jurídica.a 127 ' i INDICAÇÕES PARA LEITURA ~ Especialmente recomendáveis para o iniciante. Objeto. · . . à custa dos demais. Entretanto. assinando juntamente com Engels um documento célebre. ou é conseqüência. Brasília. pelas informações atualizadas. no breve ensaio incluído na coletânea organizada . Tu. a matriz de todos os outros. no tempo histórico. Law & Society Review. 1961. Uma das figuras mais importantes da teoria e pesquisa jurídicas modernas é o sociólogo português Boaventura de Souza Santos. de jurfdica. D.. 1981: pedidos para a Caixa Postal 13. como bússola da luta pelo Direito e desmentido a qualquer ordem que. Payot. que se vão desvendando no processo libertador e inspiram a avaliação de qualquer norma) já foi conscientizado e expresso. em que classes e grupos dominador. 1976) também não foí vertído para o português.259. 19821 e Para uma Crltica da Eficácía do Direito. falsamente invocado. 1957. luta contra a liberdade dos outros . de Agostinho Ramalho Marques Neto (Rio.contra a liberdade. Editora Forense.infelizmente ainda não tem edição disponível em nosso idioma (foi escrita. . com tradução francesa. originariamente. Método.e o Poder (Coimbra. no qual se lê: "o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos". na "essência".). para guiar-nos. modelo e finalídade. Isto é que é Direito. Paris. " E af está o que faz . ou é deturpação. no máximo. Droit Naturel et Dignité Humaine. 12. Naturrechtund Menschliche Würde (Frankfurt am Main. em português. 5-1261 . tenha somente o nome. O monumental estudo de Ernst Bloch. edição particular. Porém o princípio jurídico fundamental (isto é.. CEP 70. toda sociedade espoliativa e opressora.The Law of the Oppressed (O Direito dos Oprimidos. . em inglës e defendida s O que é Direiro na Uníversidade de Yale). de José Gèraldo de Svusa Júnior (Brasília. Mas quem quíser conhecer algo desse eminente autor pode consuttar. a determinar no itinerário evolutivo.s cuidam de si.1957. a combater como obstáculo ao progresso jurfdico da humanidade. 1979). p.almente quem o registrou. Dalma Dallari. no terreno jurídíco (R Verdadeira Igualdade e a Socialização do Direitol. 1. como Joãa Mangabeira.Casa Rui Barbosa. Direitos da Pessoa. Maspéro. 1976. 1979). Outros volumes. 3. têm especial destaque duas obras de Ralph Miliband. 491-504. Bourjol & outros. O Díreito e a Ascensão do Capitalismo (Rio. 129 4 . em 1944 (ambos os textos constantes r' obra organízada por Francísco de Assís Barbosa. Zahar. . BrasíliaRio. MEC. e a belíssima Oraçãa aas Bachareladas da Faculdade de Direito da Bahia. 3 vols.s Idéias Pollticas de João Mangabeira.r i i Envio para o Scribd. p. e. 1978. cujo melhor trabalho se acha na obra coletiva de M. O Estado na Socíedade Capitalista (Rio. na sua magnífic. nesta mesma coleção Primeiros Passos.. Senado Federal . 1978). Sob vários ângulos correlatos. . vot. 226-234). 1981 ). Editora Moderna.por Erich Fromm. tal como o no 49. p. 15-18).: vol. 1972) e Nlarxismo e Poli'tica (Rio. é estímulante a leitura do livro de Michael Tigar & Madeleine Levy. quanto às ligações com a Giência Política. . Humanismo Socialista (Lisboa. Edíções 70. a exemplo do vigoroso parecer que marca a sua primeira definição socialista. r.. p. Zahar. O único trabalho de Michel Miaille até hoje aparecido no Brasil não é representatívo da evolução deste excelente autor. é importante meditar sobre as colocações de Marilena Chauf. já publícados ou a publícar. p. Pour une Critipue du Droit (París. 1980. em 1930. Não devem ser desprezadas as páginas clássicas dos gra ndes precursores nacíonais. mo Roberto Lyra Filho de ensaios reunidos em Cultura e Democracia (São Paulo.a série . Sob o ponto de vista histórico. da muito ilustre e corajoso prof. . 114-146). cuidam de temas jurfdicos. Zahar.
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