O Cérebro Nosso de Cada Dia - Iván Izquierdo (2009)

April 4, 2018 | Author: alessanpl | Category: Memory, Emotions, Self-Improvement, Proteins, Alzheimer's Disease


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Neurociência no BrasilCopyright © 2007, Suzana Herculano-Houzel. All rights reserved. Neurociência no Brasil Neurociência no Brasil O que é neurociência? Como ser neurocientista? Entrevistas com neurocientistas Iván Izquierdo (2009) Stevens Kastrup Rehen (2008) Produção neurocientífica brasileira Pósgraduação em neurociência na Argentina. . Foi professor da Universidade de Córdoba. Comendador da Ordem do Rio Branco. hoje professores em 25 universidades ou centros de pesquisa do Brasil ou no exterior. alterações na memória com o envelhecimento normal e na Doença de Alzheimer. envelhecimento normal. nasceu em Buenos Aires. Iván Antônio Izquierdo é médico e neurocientista.Autor de 11 livros e mais de 600 de artigos científicos . Mestrado. onde Izquierdo é Professor titular de Medicina e coordenador do Centro de Memória.Mais de 12. fez sua graduação e doutorado pela Universidade de Buenos Aires e pós-doutorado na Universidade da California em Los Angeles (UCLA). especialista nos mecanismos da memória reconhecido internacionalmente. Doutorado e Pós-doutorado). Seu grupo de pesquisa. extinção e reconsolidação de memórias. .Coordenador do Centro de Memória da PUC-RS. Confira a seguir a entrevista gentilmente concedida por este grande cientista à equipe do Cérebro Nosso. e falou sobre jovens cientistas. a necessidade de esquecer. suas descobertas. Izquierdo integrou o Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). incorporando-se posteriormente à Escola Paulista de Medicina (hoje Unifesp) onde fundou um grupo de pesquisas em neurociência. a memória. membro do comitê editorial de muitas revistas científicas e assessor de várias agências de fomento do país e do exterior.Distinções: membro da National Academy of Sciences dos EUA. Naturalizado brasileiro em 1981. Formou mais de 80 Mestres e Doutores. quando Izquierdo abordou seu principal tema de estudo. onde lidera 33 alunos (entre Iniciação Científica. da Associação Brasileira de Ciências.Linhas de pesquisa: mecanismos bioquímicos da formação. mecanismos moleculares de plasticidade sináptica. em agosto de 2009.Oportunidades em neurociência Neurocientistas brasileiros Entrevista: Iván Izquierdo Perfil: . expressão. agora ampliado. Durante mais de 20 anos. os efeitos da ritalina sobre a memória – e sobre felicidade. está no Instituto do Cérebro da PUC-RS. . depressão.000 citações em artigos científicos (o mais citado da América Latina) . e mudou-se para o Brasil em 1973. ou. muitas pessoas no laboratório. mas nem sempre isso é ideal. Você acha essa continuidade positiva. Às vezes é bom mudar e fazer doutorado em outro lugar. porque era fácil. Suzana e Luisa entrevistam Iván Izquierdo na UFRJ. ou em colaboração comigo. e depois o mestrado sai mais fácil. Acho que não há regra pra isso. é sair já para fazer o doutorado. epilepsia. é mandar os alunos uma longa temporada para lá. com pouca mobilidade entre grupos de pesquisa. depende de muitas variáveis. ou apenas para o pós-doutorado? Antigamente eu achava . O doutorado também pode ser feito no mesmo laboratório. que menciona mais adiante nesta entrevista] fiz pessoalmente. incentiva a ida para outros laboratórios? Os pioneiros desta tendência de treinar os alunos durante a iniciação científica e depois continuar com eles durante o mestrado e às vezes no doutorado foram Leopoldo de Meis e eu. com muitas linhas de pesquisa seguindo em paralelo. Depende muito de cada um. parei há dois. E isto é útil. trabalhando sobre os mesmos assuntos? Alguns continuam trabalhando com memória. Esta com humanos foi exceção. boa parte desta última pesquisa em humanos [sobre a persistência da memória. Mas é um tema tão grande que não tem por que ter competição. ou trabalhando separadamente. Você também tem um volume grande de trabalho administrativo no laboratório? Mais do que eu gostaria. ao contrário. 07/08/2009 Você é um pesquisador de sucesso. Depende de cada um. vêem outro povo. Na época se achava que era um mesmo . em Buenos Aires. porque você vai se acostumando. de encarar as coisas. Mas a maior parte da minha pesquisa é com animais. O Esper Cavalheiro [líder de um grupo na Unifesp] é exemplo de um ex-aluno meu que passou para outro tema. Uma pergunta comum dos jovens é sobre o melhor momento para ir estudar fora. O argentino vem também pro Brasil e encontra diferenças. três anos para não competir com meus próprios alunos. Os alunos deles também vem pra cá. É uma tradição no Brasil os alunos de iniciação científica permanecerem no mesmo laboratório para o mestrado e até mesmo doutorado. O que nós fazemos desde que começamos a trabalhar em conjunto com o grupo do Jorge Medina. Isto é bom porque. enquanto ainda é aluno de graduação. com animais. era uma coisa elegante. embora a cultura argentina e a brasileira sejam basicamente iguais. e outros passam para temas diferentes. Tem pessoas com 18 anos que estão prontas para sair. Na sua opinião. Foi muito bonito demonstrar isto. e tem outras de 30 que não estão ainda preparadas. outra forma ligeiramente diferente de pensar.Suellen. Outros continuam trabalhando em memória. porque vi que estava tirando o doce deles! Agora. Você ainda faz pesquisa experimental com as próprias mãos? Com rato.que era depois do doutorado.principalmente na época em que eu estava no comitê do CNPq . como a cultura belga e a francesa. a dos alemães do norte e do sul – quem faz distinção entre as culturas argentina e brasileira é o Galvão Bueno – eles vão e passam uma temporada em Buenos Aires. De quais de suas descobertas você tem uma memória mais querida? Talvez a que mais goste é a descoberta de que as memórias de curta duração e de longa duração são paralelas. Até o mestrado eu acho que sem dúvida é bom ficar no mesmo lugar. Hoje não estou mais tão seguro. Seus ex-alunos continuam trabalhando em memória? Acontece de haver competição com eles. que variam muito com cada tipo de sentimento e emoção. pra você. que são as vias das emoções. Talvez funcionem até na mesma célula. administrados à amígdala ou ao córtex entorrinal de ratos. corticóides. por exemplo. Ninguém tinha investigado se algum deles bloqueava seletivamente a memória de curta duração. que seja outro: era preciso encontrar algo que bloqueasse a memória de curta duração e permitisse a persistência da memória de longa duração ao mesmo tempo. está acontecendo algo emocional! Algo aversivo. por exemplo. o indivíduo não tem memória de curta duração e. A teoria da psicanálise dá um grande valor ao inconsciente e sua influência nos sonhos. melhor será a síntese proteica. é bom um animal se lembrar bem. A serotonina também. é porque as emoções atuam sobre mecanismos localizados por exemplo na amígdala. Como você descobriu isso? Não sei quem descobriu. Em todo caso a amígdala é o grande modulador da entrada de memórias aversivas ou alertantes ao hipocampo. E quanto mais fosforilado estiver esse fator de transcrição. mas não fui eu. A maioria das outras pessoas. Um outro caso é um quadro clínico que se chama delirium.. O que nós estudamos foi o efeito das catecolaminas cerebrais. Nossa cultura dá muito valor à racionalidade. ao invés de você precisar pensar racionalmente: “isso é importante. nós inclusive. algo alertante. São moléculas que compõem uma via sinalizadora. um vai até a quarta estação e volta. das coisas que produzem medo. Em um deles. Quem primeiro chamou a atenção para isso foi James McGaugh. a pessoa perdera seletivamente a memória de curta duração. mas persistia a memória de longa duração para uma mesma tarefa. estarem relacionadas com a morte (celular) e serem importantes para a memória. Por que isso acontece? Do ponto de vista fisiológico. porque já se sabia da possibilidade de que a proteína quinase A. Então estes dois sistemas em paralelo funcionam na mesma estrutura. lamentavelmente. de uma pesquisadora inglesa. Se não nos lembramos bem o que fazer para escapar de algo que mete medo.mecanismo. as da fome são necessárias. e uma outra na qual ela persiste muito. isso eu quero guardar”. Aí começamos a pesquisar na bibliografia clínica e vimos que havia dois trabalhos originais. depois as ERKs. e mais proteína haverá para formar as sinapses que irão guardá-la. Se ao mesmo tempo eu estou pensando numa memória. porque a memória de longa duração permanece. porque em outra situação de medo é preciso rever essas memórias para saber o que fazer. E encontramos muitos tratamentos que. não me lembro francamente qual dos dois disse. é a relação entre sono. O médico pergunta: “como você chegou aqui?” O indíviduo responde: “não sei como cheguei aqui”. como trens que saem da mesma estação. e uma revisão destes. Num jantar pensamos: como fazemos para demonstrar se são mecanismos consecutivos ou paralelos? Aí. E estes afetam as vias centrais dopaminérgicas e noradrenérgicas. Essa é uma regulação muito direta. Só que elas vêm no sonho embaralhadas de uma forma diferente daquela . mas os dois pensamos. vai ao médico em estado delirante. da depressão. sobre enzimas que regulam a síntese proteica. que faleceu. sonhos e as lembranças? O sonho consiste em memórias. E depois. alguém te trouxe?” O paciente: “não sei”. que emite fibras para o hipocampo e avisam para ele: olha. mas sua relação com a memória é menos conhecida. qual a vantagem disso? A vantagem é basicamente autoprotetora. Cheguei à descoberta dialogando com o meu amigo Medina. como dopamina e noradrenalina. esta memória vai se gravar melhor. onde fosforilam fatores de transcrição que regulam a síntese proteica. mas você mostrou que o estado emocional influencia a formação de memórias. Foi alguém muito antes de mim. da próxima vez que isso acontecer. Então essas memórias dependem muito do estado no qual foram produzidas. chamada Elisabeth Warrington. O cérebro já faz isso automaticamente. melhor se gravará a memória. as emoções atuam afetando a liberação de adrenalina perférica. que participam da ansiedade. Isso foi o que nós propusemos.. Qual. achamos que em parte sim. Até então todos os tratamentos bloqueavam os dois tipos de memória? Claro. faziam isso. Sua forma mais conhecida é o delirium tremens. que tinha estudado casos em humanos. e o estado depende muito das catecolaminas cerebrais. McGaugh acha que a memória não se guarda na amígdala. mas utilizando sistemas metabólicos diferentes. evolutivamente. Então. As vias que fazem isso são reguladas por neurotransmissores próprios da emoção. o jacaré vai comer a nossa perna. com quem faço quase tudo em colaboração.. mas existem outros tipos.. As do medo são necessárias. enquanto outro vai em frente. Falando um pouco dos sonhos agora . No delirium. as do sexo são necessárias. E foi até fácil. Quanto melhor for a síntese proteica.. Ou seja. e é um trabalho em colaboração então tanto faz que seja um. etc. Eram creio que 11 ou 13 tratamentos que suprimem seletivamente a memória de curta duração e permitem a persistência da memória de longa duração para a mesma tarefa.. E no final o paciente às vezes se lembra. em primeiro lugar. O médico pergunta: “veio de ônibus. Mas dopamina e noradrenalina sabidamente são ativadas pela emoção. E. no hipocampo? Sim. em uma forma na qual a memória persiste pouco. com lesões muitos restritas no córtex parietal. paralelamente à amígdala. a memória se guarda na amígdala. mas muito melhores que as nossas: se aconteceu algo importante numa determinada data. o que iria fazer com latim? Era uma vida que não requeria latim para ser feliz. O que são estas “ilhas”? Como e por que elas são formadas? O que são.. tem muito de livre associação. num povoado pequeno do interior do Uruguai. Eu conheci um cara que tinha flashbacks da guerra e era horrível. o que depois podia ser confirmado nos jornais. Enfim. que acontecem em paralelo. porque não tem como. que eu tenho suspeita que devem ser basicamente a mesma . Então tudo que aparece nos sonhos são coisas que alguma vez aprendemos. Todas as humilhações. no dia 12 de Outubro de 1944. Então seria mais um período de livre associação? Livre combinação de memórias? Sim.. portadores da Doença de Alzheimer conservam “ilhas” intactas de boa memória. de lembrar de tudo. Não há como alcançar o doce lá em cima se estamos lavando louça – tem que primeiro fazer uma coisa para depois fazer outra. adquirimos. e suas enzimas. Formam-se placas de amilóides e emaranhados celulares que obturam por completo a atividade elétrica de determinadas regiões cerebrais. Ele sabia latim. às vezes. São memórias muito longe de perfeitas. que era um pobre infeliz.” Então esquecer é importante também? Sim! Por que? É justamente porque usamos o mesmo mecanismo pra reter novas memórias? Sim. mas no fundo. elas existem. nem que tenham feito coisas valiosas na vida. suspirava “ai meu Deus. um pouco por experiência pessoal e um pouco por experiência das pessoas com quem eu falo. por exemplo.. Os indivíduos que tem hipermemória não são pessoas importantes. capaz de poucas conversas. Esta mulher do tribunal era também triste. Mas não é bom evocar essas informações a qualquer momento.. e de uma forma diferente. já que é impossível se lembrar de tudo. McGaugh estudou recentemente dois casos fantásticos de hipermemória: um de uma mulher que era desenhista de tribunais. e outro de um homem que se lembrava do que aconteceu. eu não sei. não se interessava e. são memórias – só que misturadas. que tinha uma memória fotográfica fantástica. E o Alzheimer se caracteriza por isso. Porém. Muitas pessoas gostariam de ter uma memória melhor. eu só tenho duas mãos!”. Com uma outra lógica? Sim. burro. mas que existem anatomicamente.. sem dúvida! Existem dois. hipermemória. mas e daí? Era um cara que se mexia pouco. triste. Mas no caso destas pessoas que têm hipermemória. se lembram de apenas alguns desses eventos. isto é duvidoso. E podem ser conjuntos de neurônios que fazem parte de outro circuito que contenha memórias. células do córtex parietal. Por exemplo. na Doença de Alzheimer certas regiões do cérebro literalmente desaparecem: fisiologicamente e funcionalmente. personagem de Jorge Luis Borges. nem me faça lembrar. que fossem importantes. não é possível usar a mesma célula ao mesmo tempo para duas coisas. E com a memória é igual: são células do hipocampo. não vá pedir para estas células. Você acharia isso desejável? Existe hipermemória? Esquecer é importante? Existe. como nós. por exemplo.. e não podemos usá-lo ao mesmo tempo para duas coisas. meio metido. mas ao lado das regiões afetadas há outras intactas. por exemplo. talvez seja bom retêlas. morava num subúrbio. Às vezes. não existem mais. e começava a ter flashbacks de quando estava saindo no Vietnã em um helicóptero e um cara morria ao lado dele. Então. Não sei se é bom esquecer a ponto de perder essas informações. de um dia para o outro perde-se a capacidade de reconhecer o filho. a hipermemória vem com um custo. E depois tem muitas outras coisas que realmente valem a pena esquecer. pois usamos literalmente o mesmo sistema para realizar todos os processos de memória. que trabalhem dobrado. da vida de outras pessoas. uma outra lógica! Mas você acredita que isso reflete desejos inconscientes ou tem algum sentido? Francamente não acredito. Da mesma maneira que você demonstrou que existem mecanismos diferentes de memória. São pessoas de uma vida infeliz. é preciso maneirar. existe um custo? Sim. claro. É como as mães geralmente dizem: “não me peça outra coisa. momentos ruins e etc. sim.como elas vêm na vigília. existem também mecanismos diferentes de esquecimento que ocorrem em paralelo? Sim. Era horrível! Ele sempre pensava na mesma coisa. não são criativos. o memorioso”. O cara bebia um pouco. em muitos casos. como era o caso do “Funes. A gente lembra as coisas mais variadas e se tem ou não tem a ver com coisas que aconteceram nesse dia ou em toda vida da gente. o homem iria se lembrar e a mulher também – de eventos da vida deles. No seu livro “A arte de esquecer” você cita que. sempre as mesmas cenas e lembranças. apesar de se lembrar de tanta coisa. E o médico diz “Peraí. E qual é o papel do reforço nessas fases? O reforço faz com que a memória se forme. Boa parte das pessoas já ouviu falar de consolidação da memória. e não necessariamente a consolidação. mas às vezes o conteúdo da memória em si. E se usa na terapia. Mas geralmente o cérebro faz isso sem que a gente pense: apaga o que para a gente é desagradável. Por exemplo. Agora o que vimos é que a diminuição de fato acontece. até agora. nem quantos eram. No esquecimento você perde a memória. É uma nova fase da memória. pode-se dizer. nem lembro da cara. Tanta gente que a gente vê passando pela rua. em geral (às vezes dura dois. entre outras coisas. Claro. O reforço é o que traz. mas nós. Isso é uma extinção. como o cachorro de Pavlov recebia. você está no meu consultório!”. Pode ser por ausência de formação de persistência. Isso acontece para muitos tipos de informação. Por exemplo. Por exemplo. mas não mais que isso). causadas por BDNF.coisa. mas ela não ganha persistência. Mas não estou seguro. Mas isso é diferente do que a gente chama de esquecimento normal. Mas esse conceito de persistência da memória. Por isso eu suspeito que sejam faces da mesma moeda: repressão e extinção. em muitos casos. Nem lembro se realmente existiram! Essas se perderam pra sempre. É brutalmente efetiva na terapia do estresse póstraumático. se dura dois dias. Talvez seja a fase sobre a qual queremos agir. É curioso que o tempo seja parecido no homem e no rato. e envolve a amígdala. uma memória que se perde em um dia. ela tem persistência. consegue. a gente consolida uma memória. será emocialmente importante. A extinção ocorre quando um estímulo deixa de ser associado a outro. Se a memória dura mais de seis horas. Então o que a gente lembra dias depois de ter aprendido alguma coisa é persistência e não consolidação? Dias depois. E faz com que a memória seja ou não emocionalmente saliente. E esse esquecimento é claramente fisiólogico. não? É novo. A consolidação termina no momento em que a memória passa a durar mais de seis horas. de mecanismos de reconsolidação. vem o psiquiatra e mostra ao paciente que está com estresse pós-traumático do 11 de setembro uma foto de um avião batendo no outro. um período de mais transformações moleculares que vem depois da consolidação. A extinção também envolve amígdala. Vimos que as pessoas com mais de 40 anos não se lembram de que filme viram há uma semana: sabem o que viram ontem e anteontem. é onde estacionamos o carro quando chegamos no trabalho. Às vezes basta a apresentação do estímulo condicionado para melhorar a memória. como no homem e no rato. Assim o indivíduo ou o animal passa a esquecer que quando a campainha tocava ele recebia carne. certamente eu esqueci de crianças que foram comigo no colégio e estiveram lá comigo por um dia ou dois. Você acha que faz algum sentido a permanência da memória diminuir com a idade? Isso é um resultado de acúmulo de memórias ou é uma coisa que simplesmente acontece? Pode ser acúmulo de memórias. o reforço de carne. mas não na semana passada. e de quantos nos lembramos à noite? E a repressão? A repressão é uma coisa que. como se chamam. às vezes consegue. E o paciente fala “Ai! Não me mostra isso!”. traz a emoção a memória! O drive. O cérebro suprime memórias automaticamente. E suprime provavelmente não só a evocação das memórias. A pessoa passa a esquecer a conexão entre uma coisa e sua conseqüência. Então a pessoa passa a desassociar a imagem da realidade que o traumatizou: passa a ver a foto como apenas uma coisa que o psiquiatra está mostrando em seu consultório. E isso também envolve o hipocampo? Não sei. E evocar memórias também influencia na sua persistência? Seguramente sim. Será que existe um mecanismo que marca: essa memória aqui pode durar tantas horas. mas talvez não sejam: a repressão freudiana e a extinção pavloviana. a motivação. e que deve envolver transformações morfológicas. não constatamos isso. inclusive para informações mais fáceis de guardar. Mas como e por que não sei. a emoção. se não vou voltar sempre no mesmo lugar e o carro não vai mais estar lá. Agora. não tenho nenhuma evidência nem a favor nem contra. um conceito que nós inventamos recentemente. através. não quero mais lembrar da cara do Fulano de tal” e faz. Isso é fundamental de eu esquecer. hipocampo e córtex pré-frontal medial. Lembrar de levantar uma pata quando vem um choque elétrico ou se ouve uma campainha também é emocionalmente muito importante. é ruim. A gente pode até reprimir memórias voluntariamente. mas disso não . Ninguém tem. isso é persistência. sem que a gente precise pensar nisso. a informação. anos depois. se dizer “ai. em primeiro lugar. Sim. Mas também é possível esquecer o que já persistia antes. por exemplo. para um animal faminto.. Envolve o córtex pré-frontal medial. pra além da consolidação. Eu os vi uma ou duas vezes na minha vida e não sei quem eram. Por exemplo. ela foi consolidada.. o cérebro faz por conta própria. em geral. isso é novo. Se 12 horas antes você teve um diarréia horrível ou também viu um filme. mas mais. que todos estamos em algum estado emocional de algum tipo em todo momento da nossa vida. porque tem sempre alguém perguntando “Ah. sobretudo no tratamento do Alzheimer. com informação da área tegmentar ventral. às vezes menor. inclusive. Porque a minha indicação era menos que a dose habitual. É como um carro que tem certa velocidade máxima. o que eu posso tomar pra melhorar minha memória?”. ou a melhor maneira de elas cuidarem da sua memória? Que fiquem calmos. no tratamento clínico deles. dado. Vai ser muito bom as pessoas lerem isso em uma entrevista. Agora. A ritalina não vai atuar especificamente. Aí nessa situação vamos ter a máxima velocidade possível. sempre com uns nascendo e outros morrendo. que está ficando cada vez mais usada e que você mostrou melhorar um pouco a persistência da memória? A ritalina tem efeito sobre a persistência. Não é fácil. e nenhuma delas relatou nada. tem que ter. você vai lembrar das duas coisas. por exemplo “eu só vou lembrar das coisas da matéria”: vou lembrar de tudo. Sim. deve existir esquecimento seletivo também. por exemplo. E eu tenho duas pessoas na família que tomam ritalina por problemas de atenção. ou apenas “menos pior”. esse esquecimento pra além do período de vida dessa memória transitória seria natural e útil. Agora. e se perguntem Será que isso é mesmo necessário? E em segundo lugar: tem muitas evidências de que a memória humana – a animal em geral. tinham tido um pouco de excitação. na sua máxima velocidade permitida no momento. mas a humana em especial – está sempre funcionando o máximo que pode. a velocidade depende de cada um e do estado em que ele se encontra. E das coisas ruins inclusive. ter uma memória melhor. Daria uma função à neurogênese. que tinham tomado mais ritalina. todos estamos mais ou menos cansados em todos os momentos da nossa vida. E isso deve ser o hipocampo que faz. Diziam que alguma vez. O que você diria pra essas pessoas? Qual o melhor exercício. Por que isso explicaria por que até um certo período nós conseguimos nos lembrar de certas coisas e daí em diante nós esquecemos. são muito boas para quem tem a doença. Ou algum deles relatou. a memória da informação irrelevante também fica melhorada? Sim. Não saberia como investigar isso aí. Fizemos um outro experimento com informações irrelevantes. não tem como. as drogas. Explicaria bonito isso. dado o vento contra. Seria uma explicação muito bonita. realmente. mas não tinha tomado por minha indicação. Você acha razoável pensar que se a gente considerar que o hipocampo tem essa rotatividade de neurônios. [leia a respeito do artigo recém-publicado onde Izquierdo e sua equipe demonstram isso] E da mesma forma que existe memória seletiva. professores ou alunos que não estavam tomando ritalina.. em geral. E a ritalina. E para que lembrar das diarréia? Quer dizer então que. Por isso. mais do que isso não dá. com a ritalina. digamos. mas na pessoa normal não têm efeito nenhum. por exemplo. não é? Inclusive das coisas ruins? Tudo. um certo consumo de gasolina e na vida está sempre numa pequena ladeira. muito boa. Nós não medimos. sim. Dado tudo isso. ou também de não se lembrar de coisas boas? As duas coisas. Sem dúvida as duas coisas! Todo mundo sempre quer lembrar mais. Mas e o uso da ritalina em pessoas. nossa memória está funcionando o melhor que pode. não sei se tem algum efeito fora da persistência. Os dois têm uma vida absolutamente normal. às vezes maior. não tem a menor dúvida. mas tomavam no período de aulas. normais: você notou algum efeito negativo nelas? As pessoas que participaram do meu estudo são normais. de tudo. Você acha que a depressão pode estar relacionada com a dificuldade de esquecer coisas ruins.pode passar? Deve ter. Pensando assim. Então todos conheciam os efeitos e nenhum deles relatou efeito negativo. não é? Claro.. é muito interessante! Seria muito bom. Menos podemos. esse período de vida útil de um neurônio no hipocampo seria o quanto uma memória persiste caso ela não seja transferida pra outras áreas? Pode ser. eram todos ex-usuários de ritalina ou pessoas fora do período de aulas. não tem como! Menos do que isso. e não resultava nenhum efeito. um teste com pessoas sobre a Copa do . Pra que saber da Copa de 1954?! Agora.. porque começa que o Brasil não se deu muito bem nessa Copa. e sabia o nome de todos os titulares da sua seleção nessa Copa. com o apoio da FAPERJ e do CNPq. neurocientista do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ empenhada desde 1999 em trazer ao público não-especializado os conhecimentos que a neurociência gera sobre o ser humano e examinar como eles se aplicam ao nosso dia-a-dia.. pela equipe de Suzana HerculanoHouzel. e acertavam dois. cultura inútil. faz tantos anos! Então as pessoas liam. A felicidade são momentos. da necessidade de se ser feliz o tempo todo. com ritalina aplicada 12 horas depois de terem aprendido o texto. Acertavam em média sete pontos em dez. três pontos sete dias depois. dois dias depois. então as pessoas estavam nem aí. Esse senhor húngaro tinha 87 anos. ser feliz a maior parte do tempo possível. QUEM SOMOS : A NEUROCIENTISTA DE PLANTÃO : DEIXE SEUS COMENTÁRIOS : NEWSLETTER : FALE CONOSCO : # . Senão. BUSCAR O Cérebro Nosso de Cada Dia é elaborado. Ele não podia acreditar! Há um trecho no seu livro “Releituras do óbvio” em que você fala sobre a mania que as pessoas têm de ser feliz. porque não se dá conta do que acontece atrás dele.e tinham raiva! Essa era uma memória irrelevante. não seria felicidade. nesse mesmo teste tive um paciente que era um húngaro. A Hungria era superior.Mundo de 1954. Porém. Agora. E depois. claro. 16 ítens sobre a Copa do Mundo de 1954. 1954.. não é um estado permanente. é muito bom! Mas não temos obrigação e não existe felicidade permanente. Porque achavam que era uma besteira. Hungria tinha ganho de 8 x 3 da Alemanha na fase classificatória da Copa.. e a Hungria perdeu essa Copa na final contra a a Alemanha. depois o teste era repetido sete dias depois. O bobo é perpetuamente feliz. estudavam as informações durante dez minutos. todo mundo dizia. O teste era ler um texto com dados. e perdeu na final por 3 x 2. mas perdeu. E as pessoas se lembravam bem. e dois dias depois tinham um teste. E todo mundo achava um saco. elas se lembravam sete dias depois perfeitamente bem .
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