O Casal Diante Do Espelho

March 19, 2018 | Author: Caroline Messias | Category: Psychotherapy, Family, Psychoanalysis, Psychology & Cognitive Science, Behavioural Sciences


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Iara L.Camaratta Anton Psicoterapia de casal Teoria e técnica etnaid lasac O O casal diante ohlepse od do espelho Psicoterapia de casal teoria e técnica etnaid lasac O O casal diante ohlepse od do espelho Psicoterapia de casal teoria e técnica Iara L. Camaratta Anton . Brasil Tel. Cônjuges 3.89156 Casapsi Livraria. teoria e técnica / Iara Camaratta Anton. Psicoterapia de casal I. sem autorização por escrito dos editores. Fax: (11) 4524-6997 www. Editora e Gráfica Ltda.Aspectos psicológicos 2. Casamento . Marido e mulher . É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação. 2009. Brasil) Anton. para qualquer finalidade. SP .casadopsicologo. 1010 Jardim México • CEP 13253-400 Itatiba/SP . Editora e Gráfica Ltda. Rua Santo Antônio.São Paulo : Casa do Psicólogo®. Psicanálise 6.br . Família Aspectos psicológicos 4. Iara Camaratta O casal diante do espelho : psicoterapia de casal. -. ISBN 978-85-7396-634-3 1. Bibliografia.Psicologia 5. Psicoterapia de casal 616. 09-02311 Índices para catálogo sistemático: 1.com.© 2009 Casapsi Livraria. Título.89156 Impresso no Brasil Printed in Brazil Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à CDD-616. 1ª edição 2009 Editores Ingo Bernd Güntert e Jerome Vonk Assistente Editorial Aparecida Ferraz da Silva Capa Carla Vogel Produção gráfica Fabio Alves Melo Editoração Eletrônica Laura Gillon Preparação e revisão Flavia Okumura Bortolon Revisão Final Vinicius Marques Pastorelli Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro. por David Zimerman Apresentação 1. de casais e de famílias 13 16 2. Indicações e restrições à terapia de casal Indicações 19 20 26 23 Aliança terapêutica Questões fundamentais Um jogo de dominações Encontro de subjetividades em terapia de casal Uma nova geografia: espaços psíquicos Indicação de abordagens terapêuticas Motivações e objetivos Restrições 28 36 34 40 44 43 . Crianças x terapia de casal Questionamentos de uma psicoterapeuta de crianças Revisando conceitos e preconceitos Os mentirosos A pequenina Sofia XI XV 1 2 10 7 Da psicoterapia infantil à terapia individual de adultos.O casal diante do espelho | V Sumário Prefácio. VI 3. Contato telefônico para marcação de consulta no atendimento a casais Peculiaridades 47 48 54 52 Urgências Outra ilustração de contato telefônico Whithaker ao telefone Contato telefônico e marcação de consulta Fantasias e acordos prévios 59 66 62 4. Primeira sessão em terapia de casal Controvérsias 71 72 Informações a respeito da formação. da técnica e Considerações finais da pessoa do terapeuta Apresentações iniciais Acolhida 73 75 83 87 5. Contrato Terapêutico Questionamentos e pareceres de Berenstein e Puget 89 91 99 93 Procedimentos em relação a possíveis ausências e a outras exceções à regra Honorários Horários Frequência às sessões 102 105 . O casal diante do espelho | VII 6. Neutralidade em psicoterapia de casal Neutralidade 111 112 114 119 118 122 Objetividade e subjetividade Quebra de paradigmas Neutralidade. Reconstrução em terapia de casal Reconstrução e novas narrativas A linguagem na (re)construção de significados Novas narrativas e reconstrução de significados O “acontecimento” Reedição de histórias prévias Função especular e terapia de casal Fragmentos e distorções refletidos no espelho 154 159 156 162 170 166 . terapia de casal e expectativa de mudanças Neutralidade x humanidade e empatia Neutralidade em espaço triangular 124 129 130 7. O espelho terapêutico e seus reflexos sobre a conjugalidade Terapia = tratamento de saúde A função especular em terapia de casal Paciente ou cliente? Terapia de casal x ampliação de leituras Seleção do material a ser analisado 137 147 153 154 135 144 8. Interpretação e transferência em terapia de casal Interpretação em terapia de casal Espaço conceitual Transferência e interpretação em terapias combinadas Particularidades interpretativas e transferenciais em terapia de casal Transferência. elaboração e reconstrução 182 187 193 194 197 200 10. contratransferência e ressonância Intervenções terapêuticas diversas Interpretação em terapia de casal 205 205 210 207 215 225 Transferência paradoxal 11. Insights e mudanças vinculares Discussão Insight: uma breve revisão conceitual 173 174 175 179 178 Metáforas em palavras e ações Objetivos e intervenções terapêuticas atuais O processo de mudança em terapia de casal Insight. Terapeuta de casais Interpretação de sonhos em terapia de casal Interpretação transferencial em terapia de casal 218 233 Funções. intervenções e significados Identificações com figuras parentais Relação casal/terapeuta de casais Motivações para ser terapeuta de casais 234 236 239 241 242 O terapeuta e as conversações terapêuticas .VIII 9. . O casal diante do espelho: reflexos da terapia de casal na vincularidade A partir de um novo olhar Júlio e Lurdinha Camila e Soraya Ana Maria e Fábio Alex e Mariana Fernando e Marília 245 246 247 250 251 253 254 257 258 13.. Sobre psicoterapia de casal Comitê de Psicoterapia de Casal e Família da SPRGS 267 269 271 Helena Centeno Hintz Inúbia do Prado Duarte A necessidade dos dois olhares . Pérolas: coletânea de pareceres nacionais contemporâneos O que os une? O que os separa? Ada Pellegrini Lemos Adriana Zilberman Terapeuta de casal ou maestro? 260 Ceneide Maria de Oliveira Cerveny Limites e angústias em terapia de casal 262 264 Posição dos terapeutas de família sócios da Agatef sobre o atendimento de casais homossexuais Comitê de Terapia de Casal da Agatef Transgeracionalidade e psicoterapia de casal Era uma vez.O casal diante do espelho | IX 12. quantos são? São dois. intimidade e cumplicidade Entre o EU e o TU: a criatividade.X Laurice Levy Integrando diferenças 274 276 Luiz Carlos Osorio e Maria Elizabeth Pascual do Valle Indicações e considerações gerais Laço conjugal: limites entre o desejo e o padecimento Atendimento a casais 277 280 282 Magda Mello Ou são no mínimo seis? Marilene Marodin Descompassos Terapia de casal. são três ou é um? Marli Kath Sattler Nira Lopes Acquaviva 285 287 289 293 294 Casamentos Maria Rita D’Angelo Seixas Reges Chagas Gomes A intimidade e o vínculo conjugal Casamento. daí então uma família Sheyla Maria Borowski Referências Bibliográficas 297 . casais e famílias. até então. durante o tempo todo. tradicionalmente. enquanto eu fazia o mesmo com o meu Fundamentos psicanalíticos. quanto pelo domínio das conceituações teóricas. este novo livro de Iara se distingue por três pontos altos: o primeiro consiste na riqueza de convincentes vinhetas clínicas que permeiam toda a obra. fui sentindo maior admiração ainda por Iara. ambos publicados pela Editora Artmed. Camaratta Anton por ocasião de uma tarde de autógrafos. Teoria. quando comecei a ler o seu referido mais novo livro. Decorridos alguns longos anos. nas quais a autora tece uma costura. Um pouco mais tarde. entre outras mais) e. Ela lançava e autografava o seu bem sucedido livro A escolha do cônjuge – um entendimento sistêmico e psicodinâmico. em Porto Alegre. Não obstante o fato de que. cognitivo-comportamental. na Feira do Livro. é realizada na Praça da Alfândega.O casal diante do espelho | XI Prefácio Mais de perto. intimamente. acrescidos de uma convicção de que a autora está ainda mais amadurecida e segura no seu domínio das distintas correntes teóricas (psicanalítica e sistêmica. Destarte. Iara evidenciava uma maneira simpática e empática de se relacionar. principalmente. no atendimento clínico de indivíduos. a meu juízo. Ao final de minha atenta leitura da cópia que ela me cedeu. fui privilegiado com o convite de Iara para prefaciar o presente livro O casal diante do espelho: psicoterapia de casal teoria e técnica. em 2001. ambas aliadas a uma maneira clara e acessível de expor suas ideias. técnica e clínica. tanto pela sólida experiência clínica que demonstrava. estivéssemos ocupados com os respectivos autógrafos. eu reiterei meus sentimentos. conheci Iara L. antes aludidos. uma . em que compartilhávamos uma mesma mesa no local reservado na Feira que. as resistências. que a autora sintetiza nessa sua bela frase: “uma nova forma de o terapeuta olhar e escutar” etc. o casal diante do espelho e os consequentes reflexos na conjugalidade. as técnicas recomendadas por Freud. tomando posições diante de fatos polêmicos e expondo suas próprias ideias e condutas clínicas. sempre fundamentadas em sua já longa prática clínica. a reconstrução. ou não. o contrato. que pode e deve servir como um acessível livro didático. Iara segue um roteiro de capítulos. O outro ponto alto alude ao fato de que Iara se coloca de uma forma mais espontânea e corajosa. é tão abrangente e ilustrado o leque de considerações acerca da técnica e da prática da terapia de casal. ou seja. como: as indicações e restrições à terapia com casais. os primeiros contatos (por telefone. mantendo uma certa ordem cronológica no surgimento dos fatos no campo terapêutico. O terceiro ponto a ressaltar alude ao fato de que Iara dá uma ênfase atualizada – predominantemente fundamentada nos princípios da psicanálise contemporânea. como também para . a entrevista preliminar. especialmente a da neutralidade. a atitude contemporânea do terapeuta de casais. a transferência e a contratransferência. Deste modo. dirigido não só para os colegas iniciantes. Em resumo. as interpretações. especialmente no atendimento de casais. que eu considero que estamos diante de um novo Manual. tanto os essencialmente psicanalíticos. principalmente na moderna concepção de “vínculos” e de “configurações vinculares” – assim como também ela dá um especial realce ao importante fenômeno da especularidade. de uma forma análoga àquela que a mãe exerce com seu bebê. a função de espelho (e que inspirou a autora para formular o título deste seu mais recente livro) que o terapeuta exerce no vínculo com seu “paciente-casal”.). a primeira sessão etc. a aquisição de insight.XII | Prefácio complementação e integração de diferentes notáveis autores e de correntes técnicas e teóricas. o agradecimento é pela sua gestação de um compêndio que. David Zimerman . e os votos de felicidade constituem uma forma de reconhecimento de que este livro merece uma larga difusão e uma longa vida. e penso que também será de grande valia para professores que o adotem para estudos de seus alunos e discussões em seminários clínicos. Os parabéns são para reconhecer seu fôlego e competência na feitura do livro. será de utilidade para todos nós. Não posso encerrar esse prefácio sem parabenizar. a partir das instigantes vinhetas clínicas. agradecer e felicitar a autora.O casal diante do espelho | XIII os veteranos. certamente. Iara. . O casal diante do espelho | XV Apresentação A situação triangular. corrigindo e aprimorando pontos de . Inspirado em tais circunstâncias. encontram-se a oportunidade. novos saberes e novas ações. estaremos observando os fatos a partir de nosso ângulo de visão. Conforme bem sabemos. A terapia de casal ganhou corpo a partir da sustentação dada pela teoria geral dos sistemas. apaixonamo-nos pela causa adotada e perdemos boa parte da “objetividade” – “objetividade” esta propositalmente colocada entre aspas. Desde seus primórdios. que se refletem diretamente no vínculo casal e terapeuta. da teoria da comunicação e da cibernética. na experiência estão as bases para a pesquisa e o desenvolvimento científico. pois. Nas teorias encontram-se importantes subsídios. insinuam-se tanto entre as experiências e as práticas quanto entre as mais qualificadas fundamentações teóricas. como também representam degraus que possibilitam novos olhares. muito já se desenvolveu. foi criado este livro no qual encontram-se reunidos alguns conteúdos teóricos e técnicos que têm em vista elementos fundamentais para o estabelecimento de uma boa aliança terapêutica em terapia de casal. e na aliança de trabalho necessária a um investimento de boa qualidade. ao descobrirmos inconsistências e elaborarmos novas teorias ou desenvolvermos novas técnicas. No geral. inevitavelmente. dá margem a algumas particularidades. novas escutas. Pode ser oportuno lembrarmos também que nas inconsistências e lacunas que. que não apenas organizam descobertas e reflexões passadas. experimentada em terapia de casal. aconteça o que acontecer. o estímulo e as possibilidades de crescimento e mudança. um dos aspectos que mais me chamam a atenção – relativo a lacunas – é o quase abandono. Os resultados são tão efetivos e publicamente reconhecidos que a demanda por terapia de casal e de família aumentou enormemente. parecendo que nada mais havia a acrescentar. Saímos de lá irritados. ficou muito feliz. Apesar disso. de noções básicas de psicologia e psicoterapia de origem psicodinâmica. alegando que as técnicas da terapia de casal são breves. por parte de muitos terapeutas de casal.XVI | Apresentação vista. por imaginá-lo mais capacitado a aprofundar o trabalho aspirado. curioso: alguns terapeutas decidem que o casal “está bem”. Só faltava dar-nos os parabéns. (Não é sem razão que se observa uma infinidade de abandonos precoces por parte de casais em terapia). Na sessão seguinte. e outro dado. encorajando-o a dar por encerrado o processo. com a sensação de que ele não tinha a menor ideia da dimensão de nossos conflitos. muito felizes. no mínimo. e o mesmo casal busca imediatamente a ajuda de outro terapeuta. enriquecendo-se sob aspectos teóricos e técnicos. como continuávamos bem. e o terapeuta achou que já havíamos conquistado nossos objetivos. Emudecíamos. descortinando novos horizontes. Ele comemorou conosco. Nada havia mudado! Madalena e Ruy: — Nós conquistamos algumas coisas e comunicamos a ele. . Alguns depoimentos: Judite e Carlos Henrique: — As sessões iam ficando cada vez mais vazias. dispensou-nos da terapia. com seus desafios. Procura-se demonstrar como os sofrimentos vividos podem ter características e efeitos corrosivos ou.. e ele nem sequer se deu conta. para seguirmos crescendo com a vida. Psicoterapia de casal – teoria e técnica é um livro que tem exatamente esta intenção: compartilhar. analisando o genograma. alegrias e derrotas. fomos obedientes.. acertos e erros. O casal diante do espelho. e não há terapeuta que não tenha apresentado pontos cegos e aprendido com suas inconsistências. que envolvem a vida de cada um de nós. um dia mandar outro. das mais diversas formas. Sua escrita só se tornou possível graças ao que outros. mas nos sentíamos cada vez mais aborrecidos. incoerências e outras dificuldades. aprendendo uns com os outros. Um dia mandar um. exatamente como em toda a nossa vida: nós dois sempre fomos bem-mandados e isso nos deixava completamente infelizes. E saímos com a sensação de termos perdido mais de ano em um investimento inútil. Nele.. O importante é refletirmos sobre o vivido.. outro dia elogiar.. O importante é compartilharmos nossas observações e reflexões. Nosso terapeuta observava repetições.. Historinhas.. Nós achávamos que ele estava mais interessado em nossas famílias do que em nós mesmos. Um dia poder criticar e se queixar. Fizemos a nossa parte. alguns temas complexos. com relativa simplicidade.. abordam-se. praticando todos aqueles exercícios ridículos. Ainda bem que não desistimos e voltamos a nos tratar! Com certeza. seus conflitos íntimos e relacionais.O casal diante do espelho | XVII Helenita e Adilson: — Ficamos muito tempo achando que poderíamos melhorar. Ali. qualquer modelo teórico e técnico tem suas falhas. já compartilharam. Desenhos. mas nunca observou as repetições que apareciam em nossa relação com ele. pelo . A literatura dirigida a terapeutas de casais frequentemente insinua ou declara críticas a teorias e a técnicas diferentes das adotadas pelo autor e por seus grupos. Algumas questões se destacam. sempre ligadas ao fenômeno conjugal.XVIII | Apresentação contrário. O livro discorre sobre algumas vicissitudes do processo psicoterapêutico. quando o psicoterapeuta ignora ou desconsidera esses fenômenos. traz algumas respostas. e quando não passam de manifestações que denotam desconhecimento. Trata-se da observação de fenômenos psíquicos que se apresentam na psicoterapia de casais. mais simples e clara e. a tratamentos sem fim ou. a teorias de efeito prático. por outras. à transferência e às resistências. Mas o que talvez constitua a essência desta proposta é a descrição de cenas do cotidiano trabalhadas no setting terapêutico. tais como as referentes aos mecanismos de adaptação e defesa. a abandonos precoces. leviandade e até arrogância. de uma forma. favorecendo. Preocupante e limitador se tornam. a exposição de alternativas de entendimento e abordagens. ao contrato de trabalho e à aliança terapêutica. Com certeza. levando a resultados efêmeros ou duvidosos. ao . Há a proposta de analisar algumas dessas críticas ao longo do trabalho. sem nunca terem parado para ir mais a fundo. especialmente. e é a elas que a ênfase será dada na presente escrita. a validação de dúvidas e a multiplicação das perguntas – fontes de novas buscas. sendo que alguns jovens profissionais as adotam (identificados com seus mestres). superficialidade. por vezes. mas o foco dirigir-se-á. pelo contrário. de novos saberes e de novos patamares de desenvolvimento. proporcionar novas conquistas e melhor qualidade de vida e de vínculos. o levantamento de hipóteses. mais complexa do que em atendimentos individuais. na tentativa de entenderem em que aspectos tais críticas podem ser razoáveis e estão bem fundamentadas. perturbando ou até bloqueando o sucesso do investimento. com ênfase no casal. em grupos de estudo. Não se tratando de psicoterapia de orientação psicodinâmica. o reconhecimento acerca ­ de resistências inconscientes. neste livro. poderia se chamar “emocional” das pessoas. Mas o terapeuta deve tentar compreendê-las. entre os quais merecem ênfase o estabelecimento da aliança de trabalho. por isso mesmo. para simplificar. poderiam ser ineficazes ou até perniciosas. pois estas não fazem parte do método e. pois a palavra “emocional” pode ter vários significados e mostrar-se muito abrangente. perfeitamente integrados. Tenho percebido. mas aquilo que os origina e sustenta. palestras. que muitos limites e impasses na terapia de casais são devidos a desconhecimentos e a desconsiderações relacionados a psicodinâmica. tomando-as como base para suas intervenções e como inspirações potencialmente úteis ao diálogo terapêutico. mesmo quando são empregadas outras técnicas. considera o casamento a partir das principais contribuições da psicanálise e da sistê­ mica. em aulas. Por quê? Simplesmente porque qualquer técnica empregada precisa levar em conta não apenas os sintomas. a atenção a fenômenos transferenciais e contratransferenciais. Penso que compreender esses prot cessos. a elaboração de conflitos e a existência de mecanismos de defesa compartilhados pelo casal. não cabem determinadas interpretações. interpretá-los e trabalhá-los. que não as psicanalíticas. algumas das principais contribuições psicanalíticas ao tratamento que.O casal diante do espelho | XIX ­ riângulo e às conversações terapêuticas. Pretende-se abordar. congressos e supervisões. constitui elemento essencial. físicos e relacionais. como o casamento entre diferentes espécies de seres vivos – uma ave e . na medida em que inclui aspectos intrapsíquicos. Sim. seguindo minhas tendências anteriores. A escrita deste livro. Tarefa impossível? Com certeza muitos profissionais sérios e competentes (de ambos os lados) pensam que sim: estamos diante de uma tarefa impossível. originada de expe­ riências clínicas e consistentes fundamentações teóricas. Como acontece com todo o ato de compartilhamento. atentos à complexidade da vida sobre a face da terra. por exemplo. expõem-se também lacunas e inconsistências. E é por aí que retorno aos primeiros parágrafos da presente introdução. a críticas. Mas estou convencida do contrário. para que possamos. aprendermos juntos. desejando que se trate de uma leitura proveitosa. Iara L. que dê margem a reflexões e.com . inevitavelmente.XX | Apresentação um peixe. que nos estimulam a seguirmos avançando em direção a nossos ideais. alinhando-me entre aqueles estudiosos que valorizam o reconhecimento e a valorização da alteridade. Gostaria de receber seus retornos. de uma ou de outra forma. ao expor-se tesouros. Evidentemente. Camaratta Anton iaracamaratta@gmail. trata-se de uma síntese pessoal. dentro e fora de cada um de nós. . projetam neles seus próprios conflitos.1 Crianças x terapia de casal Crianças levadas à terapia frequentemente estão refletindo conflitos mal resolvidos da parte de seus pais. muitos pais passam a reconhecer as próprias dificuldades pessoais e vinculares. e os conduzem para becos sem saída. Quanto mais os pais necessitam de uma criança com problemas – mesmo que acreditem no contrário – menos chances ela tem de aproveitar bem uma terapia individual. inconsciente. Por vezes. A partir dessa experiência terapêutica. os dilemas normais de um ser humano em desenvolvimento. que caracteriza seu vínculo conjugal.. . na maior parte das vezes. A criança e seus pais trocam estímulos. os adultos atribuem a seus filhos funções antinaturais. A abordagem familiar costuma ter resultados mais rápidos e consistentes. Que estímulos são estes e de que modo se manifestam é fator decisivo nos rumos da história. O modo como o casal parental lida com as manifestações infantis está arraigado em suas próprias vivências e no “contrato secreto”. A experiência clínica tem demonstrado que os “problemas” que elas apresentam expressam. ou seja. continuamente. concluindo que o filho os levou ao tratamento. possivelmente. irritadiço e mal-humorado. na prática. os pais sentiam-se aliviados. receberia rapidamente o diagnóstico de distimia. apesar de irrequieto. ficando as dificuldades de se obter resultados consistentes colocadas sobre a criança.2 | Crianças x terapia de casal Questionamentos de uma psicoterapeuta de crianças Durante os anos 1970/1980. Carlos Henrique. Hoje. resultava em dificuldades extras. de apoio ao tratamento... Mas manter os pais à distância. . aos dez anos de idade. E mais: o interesse infantil em seguir o processo não era levado em conta. 1970. estavam excluídos do processo. em interpretar o que o paciente expressava por meio de suas atividades lúdicas. quando os bons resultados acabavam interferindo na dinâmica familiar estabelecida. pois o trabalho consistia. uma vez que ele era encaminhado e mantido no tratamento a partir do interesse de seus pais. e essa espécie de “entrega” poderia dar a falsa ideia de adesão. para evitar a “contaminação do setting” e para não prejudicar a tão propagada “neutralidade”. principalmente. ao projetarem no filho o que sentiam como ruim. em nosso meio (sul do Brasil). quando os pais julgavam que a terapia não estava obtendo os resultados por eles desejados ou. entregando-o aos cuidados de terceiros (real ou supostamente qualificados). num tipo muito especial de complexidade terapêutica. A relação transferencial e contratransferencial também incluía aqueles que. beira à genialidade. mas eram seus mantenedores. tanto para construir quanto para manter uma boa aliança de trabalho. posições teórico-técnicas mais radicais exigiam pouco contato entre o analista ou psicoterapeuta e os pais das crianças em atendimento. conforme o considerado ideal por teóricos que norteavam a psicanálise e a psicoterapia infantis. A aliança não poderia ser só com o paciente. de bipolaridade ou de hiperatividade. e esse consistia num ingrediente extra. pelo contrário. Em alguns casos. num complicador. em sua enorme dificuldade de se conter. Em vão. desde suas primeiras consultas pediátricas. Certo dia. Principalmente por meio de desenhos e da elaboração de contos. sob pena de expulsão. seria “bem capaz de matá-lo”. pois. exigindo o tratamento psicológico imediato. todos os mal-estares por eles vividos eram atribuídos à “disritmia” de Carlos Henrique. mudou rapidamente o comportamento . apesar de seus excelentes resultados pedagógicos. com exposição oficial e clara do motivo. na tentativa de proteger aquele que estava em posição mais indefesa. ficar sozinho com o caçula. quatro anos de idade. em sua terapia individual. expressava suas vivências psíquicas e ia deixando mais claro a cada dia que fora criado para ser o “bode expiatório” da família. também era. O foco. Na escola. consciente de suas inadequações. Quando o irmão nasceu. Carlos Henrique envolveu-se em uma briga. recebeu o diagnóstico de “disritmia”. Quando a professora veio apartá-los. Carlos Henrique mostrava-se. sem opção. Todas as brigas de família.O casal diante do espelho | 3 Seus pais diziam que ele “nasceu assim” e que. A escola decidiu dar um basta. recomendado que ele se tratasse. mas os pais julgavam “tempo e dinheiro postos fora”. Compreendendo e elaborando seus conflitos. O neurologista sugeriu-lhes uma “ludoterapia”. os pais aumentaram a vigilância sobre o primogênito. porém. repetidas vezes. foi perfurada por um canivete. uma vez que “o problema era orgânico”. atacando violentamente um menino paraplégico durante a hora do recreio escolar. então. os pais procuraram ajuda. Nesse contexto. estava em suas fantasias. que contava. em seus impulsos. Este nunca pôde. vítima da fúria insana do aluno “disrítmico”. cheio de sentimentos de culpa e sensação de total impotência. por exemplo. de acordo com o casal. indispondo-se com vizinhos e familiares.. Está se formando na universidade.. um último encontro com o menino. E o casal recusou-se a atender os telefonemas do terapeuta.. que desejava propor-lhes. mas nós o odiávamos. O irmão acentuou seus trejeitos efeminados. ­ recebendo só elogios. a mãe deixou o último paga­ mento sob a soleira da porta do consultório do terapeuta com um bilhete: “Ele está muito bem. e você merece saber que ele segue muito bem. a mãe ligou para o terapeuta. que os pais menosprezavam. O pai passou a apresentar dificuldades em sua carreira profissional. Gentil e bem educado?. Devemos isso a você. A mãe começou a apresentar crises de raiva. Está enganando bem o menino! Cola­ borador?. tendo a mãe deixado o terapeuta.. ele completa 23 anos. afastando-se hábil e sistematicamente das ocasiões de conflito. dizendo: — Eu lhe devo uma explicação. sem palavras e sem alternativas. mais uma vez. sem que fosse permitida sequer uma sessão de despedida. Amigo de seus amigos?. A família toda se desequilibrou. só atrapalha. Estava demais para nós.. e sempre se mostrou um excelente aluno. Mas é porque oferecemos todos os recursos para que ele as obtenha.4 | Crianças x terapia de casal social e ­ escolar. Em casa. Você tem que ver que horror ele é com o próprio irmão!” Carlos Henrique aprendeu a evadir-se das armadilhas familiares. de um dia para o outro.. ao menos. obrigada! Não precisa mais de terapia”. Hoje. E este foi o último contato.. apesar de tudo. Carlos Henrique mudou muito. Parabéns. por meio da permanente colocação de senões: “Boas notas?. Muitos anos depois. com voz emocionada. . vindo a ser ridiculari­ zado pelos colegas de escola. uma excelente pessoa. E assim.. porque já não causam incômodo ou porque a mudança de um se reflete nos demais. sentimentos e fantasias inconscientes. e elaborar alguns conflitos. sendo que diversos sintomas (ansiedade de separação. Que alguns pais e mães sentem-se enciumados ou invejosos em relação ao terapeuta. que a mudança do filho em uma terapia individual é acompanhada por mudanças na dinâmica da família. qualquer terapeuta jovem recearia ser criticado e excluído se assim o fizesse. frequentemente conseguem expressar bem seus impulsos. Observa-se. Pode ser muito difícil trabalhar sem incluir os pais no processo. agressividade excessiva. fobias generalizadas associadas ao medo de ficar na escola e de sair de casa. bem como algumas das motivações para que elas ocorram. são retiradas precocemente da terapia.) estão a serviço de dificuldades parentais. nos idos dos anos 1970 e 1980. Um exemplo disso está na simples troca de “bodes expiatórios”. desorganizando o ambiente familiar e exigindo uma melhor distribuição de lugares e de funções. E que outras fazem uma dissociação entre “o bom pai ou a boa mãe terapeuta” e os “maus pais ou mães de família”. ainda que essas mudanças nem sempre sejam para melhor. Resistências podem ser facilmente observáveis. mas não no ambiente familiar. criando-se. a sós com o terapeuta na sala reservada à terapia infantil individual. inclusive transferenciais. Também se observa que algumas crianças parecem mudar consistentemente dentro da sala de terapia e no ambiente escolar. então.O casal diante do espelho | 5 As crianças. desobediência sistemática etc. em diversas circunstâncias. uma vez esbatidos os sintomas. um conflito ético: deveria o terapeuta se enquadrar passivamente em certas orientações teóricas e técnicas ou seria mais positivo fazer adaptações e incluir os pais no processo? . Mas. Boa parte das resistências se justifica pela adaptação à dinâ­ mica familiar. E que várias crianças. ouvir interpretações. de modo a romper determinadas tendências homeostáticas. os pais apresentavam-me o que “de fato” (segundo suas prioridades e versões da história) estava ocorrendo em seu dia a dia. que ética não significa adesão total e irrestrita aos ensinamentos daqueles que tomamos como mestres. com resultados altamente favoráveis. e podíamos trabalhar em parceria aspectos importantes da dinâmica familiar. num primeiro momento. Mudanças. em alguns momentos. se algo não fosse feito a tempo. realizava sessões só com os pais ou sessões de família. . mais confiáveis. portanto. podermos olhar para cada paciente (individual. Uma das coisas que mais passou a me chamar a atenção foi a íntima relação entre as dificuldades (disfunções. comecei a estabelecer paralelos entre a psicodinâmica individual e aquela que se evidenciava por meio dos principais vínculos estabelecidos. Boicotes e abandonos tornavam-se bem menores. A percepção. sintomas. Significa cuidar de nós mesmos e de nossa formação. patologias) infantis e as dinâmicas do casal e da família. efetivas e duradouras. definitivamente. prevendo as tendências. ousei buscar um meio-termo: pelo menos uma vez por mês. conflitos de lealdade ocorriam com menos intensidade nas crianças. pois qualquer progresso ficava claramente associado a um empenho conjunto. permitindo “conversações mais terapêuticas”. que atribuíam lugares e funções inadequados aos diferentes membros das famílias. Percebi também a diminuição de conflitos relativos a ciúmes e inveja. Percebia que. acentuava-se tanto. assim. Resultados positivos. são menos abruptas e também menos lentas. portanto. Então. Assumi.6 | Crianças x terapia de casal De minha parte. e não apenas a habilidades por parte do terapeuta. casal ou família) como único e sermos capazes de fazer as adaptações necessárias ao sucesso terapêutico. pois diferentes ângulos de visão podem enriquecer o conjunto. que bem se poderia “vaticinar o futuro”. nesses casos. E os filhos que terão são frutos não apenas da genética. Um de nossos principais ícones é David Zimerman (1997. na qual passado e futuro se encontram. que assim escreve: Particularmente. mas sob uma condição: que seja em psicoterapia familiar. Minha ênfase na pesquisa e em publicações a respeito da psicodinâmica e da psicoterapia de casais deve-se ao fato de vê-los numa encruzilhada. levaram-me a dar preferência ao atendimento individual (adultos) e de casais. portanto. atendo crianças. sem aquela conhecida rigidez que a caracterizou em certa época. ao mesmo tempo adotei uma linha pluralista de referenciais . no entanto. E evidenciava-se. sem esquecermos a cultura na qual todos esses elementos encontram-se inseridos e têm vivido sua história. determinados) por experiências infantis. por exemplo. nas últimas décadas. p. alguns profissionais tornaram-se referência em suas áreas. Em nosso meio (POA/RS). 128). envolvendo diferentes gerações). familiares. ainda conservo e utilizo os principais fundamentos da escola kleiniana. presente e futuro. suas escolhas e o “contrato secreto” que os une são inspirados (quando não. questionadora e flexível. apoiadas em estudos que ganharam destaque em todo o mundo. socioeconômicos e culturais. impossível dissociar a psicoterapia infantil do atendimento ao casal-parental. Revisando conceitos e preconceitos As experiências clínicas vividas. Em menor número.O casal diante do espelho | 7 Parecia-me. científica. cada vez mais. mas também de fatores conjugais. por sua postura ética. de fundamental importância. que a criança é peça essencial de uma engrenagem que envolve a família tanto sob um ponto de vista horizontal (aqui e agora) quanto vertical (passado. Sem dúvida. acima de tudo. isso implica subordinar a terapia psicanalítica às condições da cultura atual. Completa: “Todos nós deparamos com lugares que se tornam estreitos em determinados momentos. o desempenho de papéis. à medida que fui aprendendo o que os pacientes me ensinavam na clínica privada. mas deixou de ser. projetos. configurações vinculares. episódio bíblico que retrata os conflitos do povo hebreu. mas. . incorporo-me àqueles que pensam que a problemática atual vai “mais além” da conflitiva básica das pulsões e defesas. posições. Considera este um evento paradigmático do momento de encontro dos interesses do corpo e da alma. Os limites da pessoa se estendem ao do grupo e da sociedade na qual estão inseridos. Estes lugares. sempre levando em conta que a subjetividade permanentemente acompanha e é inseparável dos processos da cultura e da vida social contemporânea. sim. além da habitual presença dos sintomas e traços caracterológicos. se tornaram apertados e limitadores”.8 | Crianças x terapia de casal provindos de outras escolas e. símbolo de um lugar que já foi bom. que outrora serviram para nosso desenvolvimento e crescimento. a partir da aquisição de uma liberdade interna. que pode ser aplicada a mudanças almejadas pelos pacientes em terapia. modelos. agressão destrutiva e culpas etc. atitudes. rabino e escritor. ao deixar o Egito (cuja etimologia é “lugar estreito”). Aqui vale uma associação de ideias. 47). pressões da realidade exterior. p. ideais. O aspecto predominante da atualidade consiste em que se reconheça em cada indivíduo e no grupo como um todo. fui sofrendo transformações na forma de entender e trabalhar psicanaliticamente com grupos. fantasias e ansiedades. Dessa forma. em ajudar as pessoas do grupo a se harmonizarem com ela. reescreve a “Travessia do Mar Morto”. De modo algum. e pelos próprios terapeutas: Bonder (1998. valores. Completa Bonder (Ibid. p. outro deseja lutar. ao sabermos que sabemos. 51) reproduz o poeta e filósofo Gabirol. anunciada por Moisés: “Diga a Israel que marche”. A questão do saber é bastante complexa e pode se tornar extrema­ mente limitadora em qualquer uma das posições elencadas.. podemos presumir que sabemos bem mais do que realmente é sabido. mas o próprio desenvolvimento da profissão. Por quê? Porque. menciona quatro estágios distintos no reconhecimento da estreiteza de um lugar. mas não sabem que sabem. um terceiro pretende jogar-se ao mar. enchemo-nos de certezas e paramos de buscar e de crescer. Há os que: 1) sabem e sabem que sabem. 49): “Marchar. não há lugar para acampamentos semelhantes aos dos que se formaram diante do Mar Morto. 3) não sabem e sequer sabem que não sabem. E surge a ordem divina.. e o quarto se mobiliza em orações”. dizendo que ele . Razões como estas justificam o fato . mas presumem que sabem. p. Neste momento. inclusive na primeira.. desde suas bases teóricas até suas aplicações clínicas. dar andamento. reavaliadas e adaptadas. Nenhum dos acampamentos representa a saída. e tais medidas colocam em marcha não apenas cada psicoterapia em particular.. 2) sabem. 4) não sabem. a quê? Para onde?” Estas são algumas das questões que se reapresentam permanentemente dentro de cada um de nós. Bonder (Ibid. Na prática clínica.O casal diante do espelho | 9 Analisa os quatro acampamentos hebraicos como expressões das diferentes posições diante de situações conflitivas: “um quer recuar. Soluções são continuamente colocadas em prática. alguma tragédia poderia acontecer. Recusou-se a fazer a escola maternal. não habitavam crianças de sua faixa etária. Na sala de ludoterapia. extremamente apegada à pessoa materna e à casa da família. e o pai. a mãe preocupava-se em socializá-la. a partir de algumas vinhetas clínicas selecionadas para o presente trabalho. Em férias. A pequenina Sofia A garotinha estava com cinco anos na época em que sua mãe procurou terapia. se ela se afastasse. em vésperas da primeira série. sem perceberem quanto e como os processos individuais e familiares estão profundamente ligados entre si. mais se tende a adotar posições semelhantes às descritas por Zimerman. preocupada com a permanente recusa da menina em ficar na escola. A pequena e sua mãe eram infinitamente sós. Ela era filha única. Atenta a questões introduzidas a partir de relações terapêuticas de muitos anos atrás. Nas redondezas. justifico a ênfase à terapia de casais.10 | Crianças x terapia de casal de que. quanto maior e melhor a experiência clínica que se adquire. Na grande família. não havia primos. hospedando-se em hotéis nos quais não havia tempo para que ela se familiarizasse com ambiente e se enturmasse com outras crianças. ela recusava-se a se afastar da mãe e a brincar com outros. a garota reunia os bonecos criando situações nas quais se reproduzia o cenário familiar típico e a eterna sensação de que. . mas agora. simultaneamente. Em praças. os pais de Sofia preferiam viajar. O comportamento sintomático pode funcionar. pois os filhos facilmente tornam-se porta-vozes dos casais que os levam para a terapia. como uma denúncia e como um pedido de ajuda. ausente. o tênue laço que os unia. estavam exaustos depois da longa viagem. A garotinha seguia brincando quase silenciosa. Então acharam que este buraco na árvore estava muito bom. E disse: . — Aqui. Mas a preocupação residia na desunião entre os pais e na certeza de que ela era a única pessoa a mantê-los vivos e casados. Emitia sons. a raiva silenciosa que os minava. juntas. trinados e gemidos. Era uma árvore oca. piados. Expressava claramente a percepção das tendências esquizóides do pai. como sofreram. Acentuava-se a pergunta: como sair de perto. Sentia-se responsável pela sobrevivência emocional de ambos e pela preservação do casamento. Eles eram fracos. começou a imitar o som de uma tempestade. E ela acabava por expressar algo mais do que a fragilidade indivi­ dual de seus pais. De repente. Aí o nenê-passarinho nasceu. com muito vento. o fogo que ameaçava destruir seu lar. e logo. ó! Bem aqui. Aí começaram a namorar. no alto da qual papai-passarinho e mamãe-passarinho construíram seu ninho. Passaram pelo frio e pelo calor. — E por que escolheram este lugar? — Eles eram de “turmas” (bandos) diferentes e foi nesta floresta que se encontraram. Eles nem tinham tempo de construir um ninho melhor. Tiveram fome. evidentemente. Coitadinhos. logo chegou a hora do nenê nascer. Pediu à terapeuta que dirigisse o foco do ventilador para sua floresta.O casal diante do espelho | 11 Preocupada consigo mesma? Sim. diferentes cenários e inventavam histórias. Sofia ergueu uma floresta. dando especial atenção a uma árvore. sacudindo todas as árvores que agrupara. Sofia e sua terapeuta criavam. como aprender a voar? Em determinada sessão. ouvindo o filhote piar. meu Deus! Onde foram o papai-passarinho. oh. Ele é pequeno e esperto. perguntou: — O que está acontecendo com o nenê-passarinho? — Ele está chamando.. Mas onde ele está? Ele está bem? — Ele ficou no ninho. Mas. como quem procura: — Mamãe! Papai! Por favor! Como estão vocês? A terapeuta ouvia e observava. Em dado momento. a mamãe-passarinho? Será que se perderam? Será que estão feridos? Colocou as mãos sobre seus olhinhos. ouvi. se grudou com força no fundo do ninho. — Como é que você sabe? — Porque eu sei. Quando percebeu a tempestade. — E se você sair? — Eu tenho medo de me perder.. O vento não o levou. — Como acontece em sua casa? Papai e mamãe voltam porque você está lá? — É. ora! — Você sabe o que sente um passarinho? — Eu sei! É só ele não sair do ninho que o papai e a mamãe acabam voltando. ele se agachou. Agora ele chama os pais que foram levados para longe. Eu tenho medo de não encontrar o papai e a mamãe! Nunca mais! . os pais encontram o caminho de volta.12 | Crianças x terapia de casal — Oh. você não ouviu? — Sim. pois marcou uma importante mudança no processo terapêutico e. Permito-me narrá-la em linguagem de história de fadas: . é perfeitamente normal na infância. estão fundados na história e na dinâmica familiar. Podia percebê-lo em sua psicoterapia infantil. em grande parte. o papel e a função a ela designados. ou de que outra forma reapareceriam os sinais de conflito e as defesas em relação às ameaças experimentadas? Sofia começou a perceber os elos entre seus medos. indica conflitos maiores do que os usuais. Outras. Estes. finalmente. nas quais o indivíduo sente-se relativamente desamparado. e também a dinâmica conjugal espelhada no relacionamento familiar e denunciada pela espontaneidade infantil. quando o sintoma estava fundado nas suas necessidades e nas limitações de seus pais? Caso mudasse. inseguro com relação a seus recursos pessoais para enfrentar possíveis riscos.O casal diante do espelho | 13 Ansiedade de separação. e por alguns momentos. Precisou de que eles se dessem conta disso e trabalhassem seus dilemas pessoais e conjugais para. poder sair da casa para a escola e para o mundo. Mas teria ela força para mudar. como na vinheta clínica anterior. também nas fases posteriores da vida. Os mentirosos A vinheta a seguir permite-nos ilustrar o exato momento em que uma manobra terapêutica possibilitou a observação de algo antigo. Sofia percebia o que se passava e assumia o lugar. por si só. seguramente. Ela tende a ocorrer diante de situações novas. suas defesas autolimitadoras e suas funções no casamento de seus pais. No caso. reais ou fantasiados Quando excessiva. em que outro lugar. na vida da família em cena. aconteceram inúmeras vezes. semelhantes a esta. Parece-me bem ilustrativa. como se fosse um fato inteiramente novo. não acredite nela! Certo dia. . — E você. em alto e bom-tom. um menino de doze anos. Seguramente. interessados em cativarem a confiança e a simpatia da terapeuta. — Eu vejo o lado esquerdo do relógio. e você? – dirigindo-se ao menino. uma mãe. e uma garotinha de oito. em absolutamente todas as sessões: — Mentiroso! Mentirosa! Ele está mentindo! Por favor. Discutiam muito. pois todos se ocupavam. é um relógio. composta por um pai. em rebater as acusações alheias. sim. Aparece parte do maquinário dele. Ele é meio transpa­ rente. a terapeuta perguntou: — O que você está vendo ali? E a garotinha respondeu: — Um relógio! E a terapeuta: — Sim. a terapeuta convidou a menina para sentar-se pertinho dela e todos ficaram surpresos. O apoio dele na mesa é bem interessante. São 10h15. continuamente. Então. mal e mal se ouviam. mamãe? — Eu vejo a parte de trás do relógio. Uma expressão era usada repetidas vezes. — Muito bem.14 | Crianças x terapia de casal Era uma vez uma linda família. Mas que parte do relógio você está vendo? — Estou vendo a frente. e percebo que já são 10h16. Parece um jota. Esta é uma família diante do espelho. . Não é sem razão que inúmeros cônjuges. mostravam-se incapazes de conversar com atenção e respeito. a partir desta sessão. seja entre si. Mas. Mas convém lembrar que ambos os filhos só desenvolveram esse padrão de comportamento porque estavam inseridos num contexto que os convidou e os ensinou a reproduzirem os desencontros parentais. imediatamente: — Você quis nos mostrar que todos nós temos razão. e gerou uma mudança substancial nessa história vincular. Este casal poderia ter buscado ajuda terapêutica antes de se tornarem pai e mãe. seja na relação com seus filhos. Não será preciso dizer que. papai? — O lado direito do relógio e parte da frente dele. até então. enquanto estes se encontravam no início do desenvolvimento. naquele momento. iniciam terapia familiar em função de um filho sintomático e depois (às vezes. eles começaram a ouvir o que o outro tinha a dizer. O que eles puderam perceber. A terapeuta voltou-se para a menina: — O que será que eu quis. e quando os pais. fazendo a vocês essas perguntas? E ela. ou melhor. ou ao perceberem que não conseguiam se entender perante seus filhos. muito em breve) passam à terapia de casal. daqui.O casal diante do espelho | 15 — E você. quase tudo. A gente vê o mesmo relógio a partir de diferentes ângulos de visão. clareou tudo. declarando que “ele nos trouxe à terapia”. Podemos imaginar quão limitados seriam os resultados de um tratamento infantil individual quando os conflitos em pauta eram plenamente sustentados pelo modelo fornecido. não consigo ver as horas. na atualidade. pois ele está meio inclinado. acompanhado pelas referidas crises de birra. de vital importância. O que era para ser simplesmente um importante passo na evolução egoica passa a ser fonte de conflitos e pode resultar num permanente desequilíbrio nas relações conjugais e familiares. fazem parte da descoberta do eu e do desenvolvimento da autonomia pessoal. Como tal. minha tendência seria não aceitar crianças em terapia estritamente individual. a partir da experiência clínica pessoal. Todas as crianças apresentam comportamentos potencialmente perturbadores. de casais e de famílias Com certeza.16 | Crianças x terapia de casal Da psicoterapia infantil à terapia individual de adultos. muitas vezes. algumas crianças apresentam dificuldades emocionais importantes e. o que depende de uma série de fatores colaterais. Mesmo assim. na medida em que as entendo como fruto de um sistema que as gera e nutre física e emocionalmente. Assim. ainda que fazendo parte das expectativas normais de desenvolvimento. facilmente os pais se excedem nas tentativas de controle ou. por não suportarem qualquer tipo de confronto. bem como na . submetem-se aos caprichos infantis. Um deles. até mesmo. bem como acusações mútuas. Elas podem desencadear perplexidade e mal-estar entre os adultos. medicamentoso. pelo contrário. constrangimento e dificuldade em impor limites adequados. Avaliações incorretas geram dificuldade em entender que o negativismo. Um exemplo simplíssimo está nas crises de birra ao longo da fase que Freud denominou anal. de grupos de estudo teóricos e técnicos e de outras fontes de informação/formação. precisam de tratamento psicológico e. quadros que indicam severa patologia. atualmente. diz respeito ao meio ambiente favorável à eclosão e ao desenvolvimento da saúde ou da doença. Potenciais genéticos e outros podem ou não se manifestar e ganhar corpo. . crescendo e aprendendo a viver bem. a tendência é que eles venham a perceber como. melhor saberá lidar com estes e outros desafios do ciclo evolutivo. Uma vez que conseguem administrar melhor a si mesmos. por que e para que envolvem o filho em seus problemas. a tendência é que os pequenos respondam com significativa mudança nos comportamentos até então considerados perturbadores. etapa após etapa. estão o desenvolvimento de uma maior capacidade de lidar com os conflitos íntimos e relacionais e o desenvolvimento de melhor capacidade de comunicação. Quando o casal atingir certo grau de maturidade e de capacidade de lidar com suas próprias emoções. quando. como indivíduos e como par. mesmo quando esta é procurada a partir de algum conflito do qual a criança apresenta-se como causa ou porta-voz. Em terapia de casal.O casal diante do espelho | 17 formação de sintomas. Entre as inúmeras razões para as respostas positivas. e a criança irá experimentá-los saudavelmente.
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