O Carapuceiro (2007) NÃO SE MORRE DE AMOR DEBAIXO DESSE SOL TODO Sossega, nega, não se morre de amor nos trópicos. A morte amorosa é uma invenção dos que hibernam como ursos da Sibéria ou cinzentos donzelos alemães... O tio tenta uma filosofia de consolação para a amiga que sofre e pena entre a Augusta e a Angélica, pena como se num inferno verde de fitzcarráldica fábula babilônica labiríntica, a menina sofre tanto, mas tanto, que avoa nas asas da hipérbole-helicóptera. Te juega, nega, aqui não se morre dessas coisas. Se o jovem Werther aqui fosse nascido, até choraria um tanto o seu infortúnio, mas já já algum vagabundo passaria na sua casa e eles iam tomar um ele & ela (caldinho com cachaça) na Várzea ou no Pina, freguesia do Recife, iam tirar uma onda na barraca de Jesus ou no seu Rainha, na mesma cidadela invicta, iam tomar uma com Franciel, pura ingresia da Bahia, lá nas beiradas do mercado de São Joaquim, na frente daqueles garajaus com bodes pretos e galinhas idem, além dos gabirus na lama dos currulepes que ali dançam aos pés dos bêbados, seres com ou sem asas para trabalhos ao vento, como reza o manual de zoologia daquele cego portenho. Sossega, preta, roga uma praga neste peste e pronto, cai de novo na lama milagrosa do hedonismo. E se a vida atropelar, de nuevo outra vez, na mesma curva, anota a placa, lindinha, e arrisca o número no jogo do bicho. DA SÉRIE GRANDES DRAMAS FEMININOS - COM QUE ROUPA O que fazer enquanto a sua mulher, amante ou namorada se arrumam para sair? Aí está uma das grandes questões da humanidade. Sorte tinha Adão, que pegou o mundo ainda sem muitas opções no vestuário e longe, muito longe da praga da indústria fashion. Mesmo assim, Eva demorava horrores para escolher a parreira mais fresca, a mais enfeitada, aquela com detalhes e nervuras que lembram a costura de um Ronaldo Fraga, um Sommer, um Herchcovitch... nossos mudernus estilistas. O que fazer enquanto ela põe roupa e tira roupa, mulher alterada, doida demais, peça por peça do armário? Com que roupa eu vou, pro samba, pro rock, pra house ou pro tecno que você me convidou? Põe e tira, vai ao espelho, pede a sua opinião... Liga para pedir a opinião da melhor amiga _afinal de contas você, velho macho conservador não entende nada dessas modas & modinhas_, volta ao espelho, muda só a parte de baixo, agora muda só a parte de cima, troca o brinco, o colar novo, “ah, esse não combina”... Não adianta você dizer que está ótimo, dizer que nunca viu mulher tão linda, dizer que nunca a viu tão deusa, dizer que é a mulher da sua vida, a que se veste melhor, a de gosto estupendo, a mais francesa das francesas, a bonequinha de luxo posando na frente da Tiffanys, a Audrey das Audreys, Catharenin Deneveuve, Juliette Binoche... De nada adianta. Ficamos falando sozinhos nesse momento ímpar do mulherio. O que fazer?, então, como perguntava o velho Lênin antes do tsunami neoliberal e capitalista? Relax, meu jovem, relax, caro mancebo, tranquilidade, cabrón. Como não tem remédio e nem nunca terá, o jeito é retomar tempo perdido a nosso favor. Já tive mulheres que demoravam o tempo de um jogo de futebol _com prorrogação e morte súbita_ para escolher a “roupa certa”. Vi muitas decisões de campeonato graças às dúvidas fashion da costela amada. Gracias. Putas escritores, como o velho Hemingway, deixaram grandes obras graças às demoras das “patroas”. Grandes inventores, alô, Gramhbel, responde, idem ibidem. O humorista Grouxo Marx agradeceu publicamente à sua mulher por deixar-lhe livre para criar ótimas piadas nestes intervalos. Os exemplos são muitos. Meu amigo Pereira, velho porco chauvinista da Móoca, volta à infância e monta castelos e castelos de legos _isso quando não treina tiros no quintal de casa. E quando ela, além da dúvida da roupa, diz que está gorda? Aí já é bronca demais para uma só crônica, meu chapa . Fui e fica para a próxima. SOCUERRA-ME, JUSTICEIRA MISS CORAÇÕES SOLITÁRIOS Depois dos mais histéricos pedidos, depois de ameaças de suicídios à base de overdoses de tarja preta com Domecq, barbitúricos com Drury´s, depois de roletas russas de grossíssimo calibre e gritos lancinantes à Kim Novak na Golden Gate... Depois da agonia toda da passagem de ano, depois de começar de novo a adiar os planos, a ginástica, o regime, depois de ver as novíssimas folhinhas do calendário sobre a relva das coisas inviáveis... Depois de pulsos cortados e vinis furados de Elvis Costello, Robertão das antigas, lupicínicos arranhões da agulha sobre os sulcos das dores mais profundas, Odair José (“mande pelo menos um telegrama/ dizendo que me ama/e que um dia vai voltar...). Depois de tomar todas com Bartô Galeno (“no toca-fita do meu carro/ uma canção me fez lembrar você”), depois daquela de Leonardo Cohen, sussurrada com o meu inglês de matuto _“I can't forget but I don't remember what”. Ufa! Depois de todas as dores de corno que não curam com cachaça nem aspirina, Miss Corações Solitários, cigana-mor das cólicas andaluzas, bálsamo dos almodovares corazones, pegou o seu helicóptero vermelho-sangue, ao qual se refere apenas como “o colibri rubro de Deus”, e aqui se encontra, na redação deste diário, no último subsolo das dores humanas, confortando o tipógrafo e todos os que padecem nesta entrada de ano. Vamos, então, à nossa primeira cartinha, sem mais delongas, que a cabocla que baixa por aqui tem pressa: “Redentora e fecunda Miss C., não é a primeira nem a última vez que lhe escrevo esses lacrimosos garranchos, provas da minha vida de m... ah, de merda mesmo, pronto, falei o que todo mundo aqui já sabe desde que provei o mingau da inconveniência de haver nascido... Ah, Miss C., não busco mais a cura, preciso apenas de uma resposta, à guisa de uma aposta aqui entre as balzacas do bairro dos Aflitos. Gloriosa Miss C., qual a coisa mais difícil dessa vida: 1) Parar de fumar?; 2)parar de beber?; 3)parar de amar? Ansiosa pela sua luz, Madá do MADA. RESPOSTA: Querida consulente, envelhecida em barris de Jerez como sou, eu diria, no auge da minha antologia de ressacas monstras, que parar de beber é a luta mais vã; parar de fumar só quando parar de fazer sexo _o que fazer?, a não ser baforar o king size da desilusão depois da transa meia-boca aqui de casa?; parar de amar? Ah, mulherzinha, me erra, me esquece, isso é lá coisa que se pense na segunda semana do ano!? Só o caminho do erro e do excesso, disse o poeta, conduzem ao palácio da sabedoria. Te joga, criatura aflita. Cariño, Miss C. Solitários. Mais uma cartinha. “Dadivosa Miss C., morro de medo de assombração, alma, coisa de outro mundo. E não é que agora tem um espírito de um cabra safado que, além de aparecer do nada, vem com nove-horas, saliências e enxerimentos a me bolinar no meu pacato caritó?! Vê se eu posso com uma marmota dessas! Socorra-me, justiceira. Com apreço, Calada da Noite, Conjunto Ceará. RESPOSTA: Estimada consulente, para a sua sorte grande, eu vejo aqui nas minhas cartas que isso é presepada de um tarado vivo, porque tarado do além é bicho lerdo e preguiçoso para estas malasartes. Vejo mais: isso é munganga de um tarado de Caridade, aquele bravo município ali na estrada de Canindé(CE). Confesso ainda: eu morro é de inveja de ti, pois aqui não tem aparecido nem para o sal, num baixa nem um daqueles ET´s de Quixadá, terra da minha comadre Raquel de Queiroz. Ora pro nobis. Cariño, da sempre tua Miss C.Solitários. CRÔNICA: MODO DE USAR Algumas saem fáceis, menina, como aquelas de Rubem Braga, como uma polaroid, uma pose digital, olha o passarinho, diga xis, um sabiá teimando contra o barulho da metrópole, fáceis como beijos roubados de mulheres difíceis, na dança, na pista, uma moleza, como empurrar bêbado em ladeira, como Vinícius no elogio de uma saboneteira, como descer para um café ou uma cerveja aqui na esquina da Augusta, como quem costura para fora, mesmo sabendo quanto custa a mais-valia da musa da encomenda, mesmo sabendo que na vida não tem almoço de graça, muito menos sobremesa, mesmo sabendo que a vida não é café pequeno, mesmo sabendo que no fundo da xícara, na borra mais árabe, o desenho do futuro, Etelvina, é obscuro, o jogo do bicho, Etelvina, ainda não permite o teu luxo. Algumas, menina, são crônicas de britadeiras, saem na marra, à força, furando o asfalto para tirar uma florzinha de nada, a peleja do escriba com o lirismo que não chega nunca, as chagas abertas, croniquinha raquítica, só o fiapo de narrativa, sem sustança, sem tutano, coisinha sem graça, metalingüística, a crônica sobre a crônica falta de assunto. Algumas vêem ao mundo para confundir a audiência, são crônicastravestis, arte dos cronistas transgêneros... Pois é, menina, a gente não sabe se é um conto, uma rápida elegia expressionista, um poema em prosa, sabe-se lá, menina, mas mesmo não sendo nada já nasceram crônicas. Algumas, não têm jeito, eram apenas notícias, que o dedógrafo teimou em decepar as aspas, minha menina, e enfeitar o naturalismo como pôde, coitado. Algumas, menina, são para ninar as moças nas sestas, como as de Antônio Maria, sabia? Algumas são de costumes, e até ficam como registros históricos, crônicas de épocas, já ouviu falar em João do Rio? Algumas já nasceram crônicas de rua, como a grande arte de chutar tampinhas, como os sem-teto e malacos, como os bambas das sinucas das antigas, aí já estamos em João Antônio, manja? Algumas são do amor louco, menina, como aquelas do velho Charles Bukovski, o safado catando milho na Remington, menina, com aquela outra menina na praia, gaivotas quase a bicar-lhe os peitos, como no cinema. Algumas, minha adorável criatura, minha menina sem nome, são como aquelas, lembra, quando me conheceste, lembra, quando pela primeira vez, lembra, lindamente me deste? NÃO ME LEVE A MAL VOU BEIJAR-TE AGORA JÁ É CARNAVAL Eta, eita, lá vai o casal no maior barraco em plena ladeira de Olinda, na pisada do bloco “Enquanto isso na Sala de Justiça”. Danou-se. Evoé, Baco! Quantas vezes já vimos esse filme? Comédia de erros mais troncha. E aqueles pombinhos acolá, repare bem, se separaram antes do cocorocó dionisíaco do Galo da Madrugada. Cada um para o seu lado até o bacalhau da quarta. Até as cinzas na testa. Porque separação de carnaval não conta, é resenha até umas horas, fábula com urso do pé de lã como protagonista. Barraco para turista ver que não somos cool, ah, de jeito nenhum, que não somos frios, que não somos ingleses, que o meu sangue ferve por vocês, minhas boyzinhas mestiças fantasiadas de colegiais ou de freiras. Quantas vezes já vimos essa comédia? Existem os que se separam na semana pré ou na véspera do glorioso sábado de Zé Pereira. Haja nego a inventar confusão sem sentido a semana toda. Cantando o tempo inteiro “Me dê motivo!” Haja lavagem de roupa suja, pendengas antigas, roupa que já virou molambo, pano de chão, qualquer coisa serve para uma boa refrega. Passar na cara do outro uns chifres que de tão velhos já viraram artesanato, pente, bugiganga, enfeite do Bar dos Cornos... Me dê motivo! Tudo para dar uns beijos na boca de uns belos desconhecidos e desconhecidas. Traição de carnaval não conta, meu irmão, perdão pela ignorância, mas sai na urina. Na quarta lá estão vocês, dividindo a mesma aspirina, a mesma macaxeira com charque, a rotina-tapioca da harmonia dos lares. “Então tá combinado, cada um vai para o seu lado.” Bom se pudesse ser assim, mas o sangue quente não deixa, somos passionais, corações sempre na fervente cabidela. Vai ser sempre um drama, diz que me ama, porra. Então tá combinado, coincidência de pensamento, cada um na sua safadeza. Então tá combinado, se quer aprontar, não me atarracha um chifre público, vai lá no privê do Baile dos Casados, lá em Afogados. Então tá combinado, tu brincaste todo à vontade no bloco das Virgens, vestido de heterossexual enrustido, agora me deixe, peste! Pense num casal mal-intencionado! Esse sim, um raro casal relax, civilizadíssimo, fica beijando de três, quatro, valha-me Deus. Eu já vi esse filme, visse? Se é um casal de primeira viagem, primeiro carnaval de mãos dadas, menos grave, embora os perigos rondem a carne do mesmo jeito. E quando um dos dois vira o maior moralista desse mundo, conservado em barris de bons costumes, condenando até o beijo no rosto mais inocente? Pense nuns dias em que se vive perigosamente. E a graça é essa. Principalmente se você estiver no baile do I love Cafusú, o bloco mais brega e almodovariano do planeta! [Este ano vai ser no dia 9, clube Preto Velho, o lugar mais bonito do Recife-Olinda]. COM VOCÊS, ANTÔNIO MARIA Ciúme, o inferno do amor possessivo, como naquele filme francês. Ciúmes, ciúmes de você, como na lírica do Rei Roberto. Já vi de quase tudo em matéria de barraco. Vi, vivi, e confesso que bebi e quebrei, controles remotos, óculos no teto, como um castigo imposto pelos deuses gregos... ceguei-me, celular na parede, sapatos aos mares, Iemanjá, por favor devolva-me em dobro, novos passos, outros rumos, amém. “Tenho ciúmes até, da roupa que tu vestes”, como na canção das antigas. Mas, distintas damas & cavalheiros, nunca tinha visto nada comparável ao ciúme do nosso Maria, Antônio Maria, pernambucano, letrista, radialista, narrador de futebol, melhor cronista brasileiro sobre o amor de todos os tempos. Da turma rara dos passionais MC _Mestre de Cerimônias do amor de muito, do amor demais. Rubem Braga era grande, mas perdia tempos com sabiás, Maria não, ia direto às duas coisas que interessam na curta existência: a boemia e as mulheres. Nem se compara: Maria melhor que Braga, mesmo sem querer entrar nessas ondas. Maria morreu disso. De tanto amar. Tinha ciúmes até da televisão, como conta o “Quase tudo”, o livro de Danuza. Achava que os atores ou apresentadores estavam a flertá-la. Tinha ciúmes dele mesmo, da própria sombra rechonchuda, mais de 100 kg de sentimentalismo, lirismo a correr nas veias carregadas de álcool, possessividade e colesterol. Nunca houve um homem como Antônio Maria. Nunca se sabe por qual motivo uma mulher deixa um mancebo por outro. É algo mais misterioso do que a Santíssima Trindade, os milagres de Fátima... Você, amiga leitora, sabe por que o deixou? Muito menos ainda porque é deixada. Ora, homem quase não deixa, sempre demora, sempre tucaniza para decidir quase tudo. No amor, entonces,vixi! Nunca se sabe por qual motivo uma mulher deixa um homem por outro. Pode ser por qualquer coisa. O mais são teses e objetos pontiagudos que o destino parafusa nas nossas testas. Ah, as dores do mundo como nos romances russos. E o velho Maria morreu de quê? Do coração, claro, pouco mais de quarent´anos. E digo mais: ninguém morre do coração por problemas congênitos ou falta de regulamentos, como chegaram a dizer à época. Só o amor de verdade mata um homem forte como aquele. Gordura e estrago nunca matou ninguém nessa vida, o mais são frios, discutíveis e garranchosos diagnósticos da medicina. O TESÃO DO GALO E A LIBERDADE DO CACHORRO Uma das coisas mais lindas do mundo é um velho enxerido. O enxerimento como uma safadeza que nos mantém crente na existência. O enxerimento cortês, o flerte quase inocente, a loa dita para a cabocla que passa, o verso rimado, o mote para a negra, para a mestiça, para a morena, o pé-quebrado para a branquinha cheirando a leite, o acróstico para todas, maneira de esticar a vida, como no enxerimento do meu avô João Patriolino, que deixava vó Meranda, índia de Águas Belas, enrubescida. O enxerimento lírico de Abelardo da Hora, que grande homem, quase Deus a tirar do barro outras costelas, e que amor à sua própria dama, que magrinho com amor de sobra, que olho aceso feito brasa, que chama, como na sua canção predileta de Capiba, com letra de outro velho enxerido, o farto Ascenso Ferreira. Andava com certo fastio do mundo quando vi da Hora na tevê, num programa da Globonews, merecida homenagem a um dos nossos maiores escultores, da Hora, 82 anos, mas com uma fome de viver da gota, da Hora com um olhar apaixonado para as mulheres, todas que apareçam à sua frente, da Hora cantando lindamente a repórter, da Hora com olhos marejados por uma existência de solidariedade aos lascados e devoção às fêmeas do universo. E a vontade de fazer novas coisas desse homem? Meu Deus, dê-lhe uns dois séculos e meio de vida, ele merece, e quando chegar aos 250, meu Deus, dê mais um chorinho, repare como ele é comovente, repare como ele amassa as costelas do barro, repare como ele parece Deus fazendo mulheres. O enxerimento é a gasolina azul dos mais velhos, prorroga os dias, renova as folhas das folhas do calendário. Um velho enxerido sente de longe quando se aproxima uma mulher bonita, fica logo aceso, bate as asas, tem a liberdade do cachorro e o tesão do galo. Toda liberdade do mundo para um velho enxerido. Um velho enxerido tem a beleza de um louco, passagem livre, pode tudo. Um velho enxerido reinventa a mulher, como se a esculpisse naquele instante, não há feiúra para um velho enxerido, tudo é beleza para este homem. Lembro de minha vó Meranda, de Merandolina, Merandolina Freire de Lima, minha vó índia, minha vó com a mão na boca, envergonhada, cerimoniosa, diante das loas de seu João, que não deixava uma mulher passar em paz na frente de casa. Ele ouvia os passos da nega e já começava o repente, “vôte, João, tu não tem jeito mesmo”, dizia baixinho Meranda, até as moças ficavam sem graça, mas que gostavam, gostavam. Algumas delas passavam não sei quantas vezes no terreiro e, lembro-me bem, como ficavam tristes quando não mereciam a renovada oração diária, a loa, o capricho, o decassílabo invocado. Minha vó ficava passada, ruborizava mais ainda quando o velho enxerido se voltava para ela, reza de todas as tardes, e dedicava-lhe versos inéditos, mesmo depois de 50 anos de convivência. “Vôte, João, tu não tem jeito mesmo!” “Fazer o quê, Meranda, se o meu amor é novinho em folha?”, rebatia ele, arrodeado de cachorros e galos no quintal de casa. POR QUE SE METE, PORRA??? É o super-homem de Nietszche? Um romance? Um fabulário geral do hospício? As mitologias fragmentadas do discurso amoroso? Ficções de um hombre que vive sem medo da queda? Um gaveta de abismos? A arte do mal-dizer? Retrato do artista enquanto Campos Viejo? Assombrações para encorajar os covardes? Que porra é essa?, como ele mesmo diria, salivando o escárnio e a fome permanente de viver. Não adianta decifrar. Melhor jogar o taco sobre o pano cinza de la vida e pedir a conta. “Só vale o escrito – delicadezas de Paulo César Peréio” é um quebracabeças para crianças passionais que sabem que na vida, como sempre disse o protagonista destas páginas para seus próprios filhos e os seus chegados, É CADA VEZ MENOS. Este livro é um homem gastando os ossos em intermináveis exercícios de nados no seco. Só os delicados e sensíveis... Porra, num explica, diria novamente ele, mirando a bola mais difícil. Mais uma ficha? Tudo bem, só um rápido didatismo: tal livro-álbum é o Peréio fora de cena, fora da fita, fora da marcação escrota da tal arte, o artista cagando para a obra e vice-versa. O cara que escreve fábulas como quem joga sinuca na madrugada da Liberdade e da Augusta. Uma biografia guardada como velhas fotos numa caixa de sapato dum armário edipiano perdido. E se dói, mais um uísque caubói! “Peréio, eu te odeio”, como no título do filme do Allan Sieber, que vem por ai, que venga! Peréio, o amor e o ódio, nunca alguma coisa de intermédio, pilar da ponte do tédio entre um e o outro, como no poema que recita na noite, à beira dos buracos da existência, salve salve Sá-Carneiro! Merda no amor, azar na sinuca, cadê aquela linda moça? E o cara perde a moça de vista, É CADA VEZ MENOS, garoto, e vai compondo tangos e assobiando desesperos na longa viagem ao fim da noite, assim como passarinho que caga sobre as folhinhas do calendário, agora a bola mais difícil, a bola escondida, viver é sinucar-se ao infinitum, foda-se. Que venham os Turdos para o embate sobre o pano cinza da consciência, como na fábula pós-Calvino que Peréio escreve neste livro. Que venham as mulheres sem ossos, as lindas invertebradas de outra fábula deste volume que ora cresce em vossas mãos sujas. Giz no taco, bola em diagonal, raspando a bola inimiga! E quando chegou o catatau do Peréio na editora, aquela epopéia avulsa, coisa de um Homero que gamou mas também tirou onda com sereias ullyssianas, um carregamento de achados e perdidos, cartas, cartões, conteiners de amores e dolores, cantos malditos de guardanapos e vômitos, olhamos assim um para o outro, os nobres editores dessa saga, e dissemos, com inocentes balõezinhos crumbianos: “Fudeu!” Como é que vamos fazer desse caminhão de mudança um livro? “Foi como montar um quebra cabeça sem imagem pra copiar - olhar, sei lá...”, diz Pinky Wainer, a autora da façanha de fazer dos guardados desse grande homem um grande livro. Sem essa de o homem, o mito, a lenda viva. Peréio tira onda também disso tudo. Nós bebemos, não temos esses problemas de nos autoesculhambarmos sob o o mesmo teto da taberna. Mas pelo menos que tenha uma sinuca. Pra gente nos entretrer com os buracos da existência. Garçon!, o uísque e o seu duplo, como sempre, muito gelo, muito gelo, copo longo, mas sem metáforas, faz favor! Sinuca do Pescador, Baixo Augusta, San Pablo de Piratininga, primaveira de 1933 UMA NOITE, SENTEI A BELEZA NOS MEUS JOELHOS* A primeira vez que vi Esperanza foi no Parque da Luz, nos meus primeiros dias de cavaleiro solitário neste deserto de Carençolândia.Ela chorava ao lusco-fusco, de amor, banzo ou ambos, depois de mais uma jornada em um subsolo do bairro do Bom Retiro, jovem entregue ao trabalhoescravo em uma oficina de costura. Somente muito tempo depois eu saberia que se tratava de uma dessas Penélopes que tecem o interminável manto da estranheza e nada esperam dos mares nem mesmo o rateio final do nunca dantes. Ofereci ajuda e toquei no seu rosto, por que choras? Só me olhou como uma desconfiada guarani boliviana da região de Chaco, de lá viera ainda de colo, apenas com a mãe, para esta babilônia, em busca do ouro da estrangeirice. Suas lágrimas tinham gosto de tempestade de granizo. Montei no meu cavalo e segui, desperado, como se estivesse saído da carcaça e só me importasse com a sombra magra de cavaleiro delirante perdido nas pradarias nocturnas deste pueblo. Minha alma tinha dono e isso, de alguma forma, era o meu batismo na cidade. Cavalgava rumo à Consolação e o vento gelado nas orelhas queria me dizer coisas, fragmentos que chegavam mais cortados ainda, como num sinal falho de aparelho eletrônico, como um DJ virtuoso no scratch sobre vinis: “Uma noite...” “Uma noite... sen...” “Uma noite...” “Uma noite, sentei a...” “Uma noite, sentei a Beee lezaaaaaaa...” “Uma Uma noite, sentei a Beleza nos nos nos meus...” “Uma noite... sen... sen... sentei... “Uma noite...” “Uma noite, sentei a beleza nos meus...” “Uma noite, sentei a beleza nos meus joelhos.” Da mesma forma acabo de ouvir o verso que ela grudou com os lábios, gloss-urucum do desespero avulso da floresta, na passagem da calçada, ouvido esquerdo, o que sempre deixo para o lado de la calle esperando mesmo ouvir a voz dos possíveis malassombros. “A cidade tosse como um índio com febre”** ou quase isso, talvez apenas um barulho de boca nervosa ou efeito de uma espinha de peixe que lhe atravessa a garganta desde a infância na selva. Teria visto ela outras vezes. O objeto de desejo, quando encoberto por nuvens baixas e escuras, que nos fazem lembrar o algodão doce azulado da infância dos dias em que o vendedor errava no ponto do azul claro, se multiplica feito praga bíblica e vaga pela cidade tomando como máscara o rosto de todas as fêmeas. *Verso de Rimbaud que dá título a um capítulo de um romance que ora rabisco em intermináveis viagens ao fim da noite **Verso do poeta Roberto Piva É FREVO, MEU BEM! Não me leve a mal, vou beijar-te agora, já é carnaval. Todo cuidado é pouco, donzelo, pirilampo, com a marchinha, todo cuidado é pouco com festa da carne, os amigos sabem... O mais louco, porém, “ai porém”, como diz a conjunção adversativa predileta dos sambistas, são os barracos que antecedem a folia, esses, Nossa Senhora me defenda de uma má hora dessas, esses são broncas pesadas. Quem está mal-intencionado inventa logo uma briga de véspera, na semana pré-carnavalesca, lavra um B.O. para ir no baile do “I love Cafusú”, feliz da vida com Duda, Priscila,Lala K. e Jojô, confusão dos seiscentos no Recife/Olinda, Baile dos Casados, já começou, alguns lavam a roupa suja de Matusalém, aparecem com brigas dos tempos do Código de Hamurabi, olho por olho, dente por dente do além, não convém, vão longe na arqueologia do chifre, virgem!, o importante é cair fora, cantar aquela do Tim Maia, “me dê motivo... pra ir embora!” A separação da semana pré-carnavalesca é um clássico,ai passa o tríduomomesco -ah os jornais que esqueceram essas belas expressões!-, e lá vem ele todo sonso, coma cabeça enfeitada, e lá vem ela toda lesa, de farol baixo... Uma mulher mais ou menos culpada voltando para casa é a coisa mais linda do mundo, a gente só tende a ganhar, volta amando a gente para o ano todo e nossas últimas quatro gerações, que beleza! Pior é quem deixa o barraco, o pantim, a briga fictícia para a última hora... Para este sábado de Zé Pereira, ave palavra, ai é bronca mesmo! É frevo, meu bem, meu bem é frevo, esse ritmo que é o pai do jazz e de tudo que ferve na música do mundo o tempo inteiro!!! Como diz a letra de Capiba, “é de amargar”, é, é chifre, meu bem, mas logo passa, toma uma cachaça, bota uma daquelas fitas brilux na cabeça e se junta à rafaméia, se junta à poeira, aos doidos de passagem livre, aos refugos traídos pelo amor ou pelo voto de classe, dane-se! O bloco saindo e os dois na pendenga. Os amigos tomando uma cerveja na concentração e os dois parecendo um duelo de repente entre Mocinha de Passira x Oliveira de Panelas, para ficar nos dois maiores cantadores do gênero, até adonde se tem notícia até hoje. Tem também a opção do tédio, isso no caso de quem não estava disposto à peleja, o casal que contraria o desejo de ambos e vai para uma praia deserta. Ai fica ali indo para uma praia que já conhece até os golfinhos, comendo aquele peixe que nesse período não está tão fresco –ah, pescador também é filho de Deus e principalmente de Iemanjá e Dionísio-, bebendo aquela cerveja quente, se brincar aparece até uma dor de dente... de cabeça tem na certa, justo naquela hora, aquela clássica no tesão da alvorada. Para um casal novo, amigos, é fácil. Ou então para aquele casal velho extraordinário, decente, que não se larga num amor que só causa inveja a todos nós, mas sabemos, isso é mercadoria raríssima e sem nota, sempre em falta na bodega da existência, seja em Baturité, Londrina, Juazeiro, Cruz das Almas ou no carnaval de máscaras de Veneza. Amigos, agora uma auto-ajuda, coisa assim Alain de Bouton, aos pombinhos: se na vida supostamente normal já é um desafio da gota, imagina manter o amor ou o costume –ah, como é rica e lindamente pornográfica a intimidade da rotina!- nesta festa reconhecidamente da carne. Só nos resta recorrer ao bravo Santo Agostinho e repeti-lo, num momento apropriado: “Senhor, livrai-me das tentações, mas não hoje!”. E depois tudo se ajeita. NOTÍCIAS DO BISPO SARDINHA Agora vai, à beira do tríduo momesco, a editora do bispo, irresponsável-mor pelos livros deste vagabundo que vos bafeja a nuca, resolveu criar vergonha e fazer um blog sempre novinho em folha, sob cuidados de la cigana erica gonsales. Lá você sabe tudo sobre Aurélia, a dicionária gay, ama ou odeia vídeos do Peréio, outro destemido autor da inocente editora, e por ai segue a viagem ao fim da noite. O prazer é todo nosso. AMORES PERROS, AMORES FELINOS, AMORES ANIMAIS Os animais de estimação são mais importantes no amor do que supõe a nossa vã filosofia. Importantíssimos. Já terminei romances em que fiquei com tanta saudade da ex quanta da sua gata, cachorro e até dos ratos que roeram rapidamente as nossas vestes nada nobres do desejo. Quando ainda morava no sertão, ficava morrendo de amor pelos tatus criados em fundo de quintais e tonéis, preás de estimação, tejus, timbus, morrendo de amor pelos macacos, todos batizados chicos, nambus, codornizes e gordas patas que se arrastavam na lama em anos de chuva. Também já ocorreu de conquistar mulheres, ou pelo menos consolidar boas histórias amorosas, por demonstrar carinho e afeto com os bichanos. Como sair de casa altas horas da madrugada para comprar a ração do felino. E de quebra, trazer um patê especial para o danado. Sim, o amor passa pelos bichos, eu acredito. Uma mulher que afaga e trata bem o meu cachorro, sendo que às vezes o cão vadio possa ser eu mesmo, uma mulher que brinca de “never more” com o meu corvo Edgar, que diz sacanagens ao meu papagaio Florbé, que faz uma graça para o meu bode Ressaca... Essa mulher marca pontos importantíssimos, além de fazer o necessário na cartilha do amor mais franciscano. Claro que essa forma de ver o amado ou a amada nos seus animais de estimação pode gerar também pequenos desastres, catástrofes nem sempre naturais. Uma amiga do Rio, por exemplo, evitava as gracinhas do cão do seu ex sempre que ele aprontava. Chegava a ser indelicada, grosseira, como se visse naquele labrador as pisadas na bola do seu dono. Acontece. Afinal de contas os bichos ficam um pouco, com o tempo, com os mesmos focinhos dos seus digníssimos “proprietários”. Além de tudo isso, pelos animais que possui se conhece mais um pouco um homem. Sério. O cara que cria um gato tem muito mais chance de ser um homem sensível, embora até enfrente um certo preconceito entre os seus amigos, que insinuam uma certa viadagem, baitolagem ou perobice, para usar termos dos quais abusamos nos nossos encontros de futebol e boteco. O homem que passeia orgulhosamente com o seu pitbull pode até não ser um monstro, mas aquela focinheira já diz um pouco do seu dono. Não que o cão tenha alguma culpa, ele está no mundo dele. O erro é de que o desloca e o usa para outros exercícios de violência. Mas voltemos aos gatos, esses metafísicos e misteriosos animais. Como eles dizem tudo sobre o amor e sobre nós. O casal briga e eles incorporam o barraco. Vão lá e quebram tudo, reviram o mocó-saló de cabeça pra baixo. Na harmonia e no amor intenso, lá está ele, sempre aos nossos pés. Como eles adoram ver e sentir os cheiros da hora do sexo. Eta bichanos voyeuristas. Eles se enroscam na cama depois das nossas melhores noites. Cumprimentam-nos pelo afeto e pela performance. Um belo “miau” de parabéns, como se dissesse, a nos arranhar de leve, estão vendo como o amor pode dar certo, seus cães danados?! PONTO, PONTO E VÍRGULA... Sim, homem é frouxo, só usa vírgula, no máximo um ponto e virgula; jamais um ponto final. Sim, o amor acaba, como sentenciou a mais bela das crônicas de Paulo Mendes Campos: “Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar...” Acaba, mas só as mulheres têm a coragem de pingar o escandaloso ponto poroso da caneta-tinteiro do amor. E pronto. Às vezes com três exclamações, como nas manchetes sangrentas de antigamente, jornal da morte, SANGUE, SANGUE, SANGUE!!! Sem reticências... Mesmo, em algumas ocasiões, contra a vontade. Sábias, sabem que não faz sentido a prorrogação, os pênaltis, deixar o destino decidir na morte súbita. O homem até cria motivos a mais para que a mulher diga basta, chega, é o fim!!! O macho pode até sair para comprar cigarro na esquina e nunca mais voltar. E sair por ai dando baforadas aflitas no king-size do abandono, no continental sem filtro da covardia e do desamor. Mulher se acaba, mas diz na lata, sem metáforas. Melhor mesmo para os dois lados, é que haja o maior barraco. Um quebra-quebra miserável, celular contra a parede, controle remoto no teto, óculos na maré, acusações mútuas, o diabo-a-quatro. O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada. Nem aqui nem Suécia. Se ama de verdade, nem o mais frio dos esquimós consegue escrever na neve o “the end” sem pelo menos uma discussão que amplie o aquecimento do planeta. Fim de amor sem baixarias é o atestado, com reconhecimento de firma e carimbo do cartório, de que o amor ali não mais sentava praça. O mais frio, o mais cool dos ingleses estrebucha e fura o disco dos Smiths, I Am Human, sim, demasiadamente humano esse barraco sem fim, amém. O que não pode é sair por ai assobiando, camisa aberta, relax, chutando as tampinhas da indiferença para dentro dos bueiros das calçadas e do tempo. O fim do amor exige uma viuvez, um luto, não pode simplesmente pular o muro do reino da Carençolândia para exilar-se, com mala e cuia, com a primeira costela ou com o primeiro mancebo que aparece pela frente. ACERCA DO PIERCING OU OS TRÊS ACORDES DE LEWIS CAROLL Beijo de língua com piercing, piercing na pontinha dos peitos, na bucetinha, gozo com gosto de alfinete punk, Alice em três acordes, linda brincando na cama, pentelhinhos mais ruivos entre os meus dentes...[da 2ª edição do "catecismo de devoções, intimidades et pornografias", ed.do bispo] PAPAI EU QUERO ME CASAR “Papai eu quero me casar!/ô minha filha, você diga com quem!...” Lembram dessa loa, à moda do velho e genial Faceta, cantada por Didi Mocó e Zacarias, ainda nos finalmente dos anos 80? E conforme a mocinha ingênua ia enumerando os ofícios dos seus pretendentes, o ciumento papai a fazia esmorecer da idéia sinistra, sempre lembrando os perigos que representavam aqueles modestos profissionais. A música se chama, óbvio, “Casamento”, repare só nesta estrofe, verdadeiríssima: “Zacarias: Papai eu quero me casar! Didi: Oi, minha fia, ocê diga com quem! Zacarias: Eu quero me casar com o padeiro! Didi: Com o pandeiro ocê num casa bem! Zacarias: Por que, papai? Didi: O padeiro mete muito a mão na massa... Zacarias: É? Didi: E adepois vai amassar ocê tumém! Zacarias: Ah, quero não!!! E por ai afora. Tem o motorista que aperta muito a buzina, o vaqueiro que tira leite da vaca, o economista (ofício em alta na época da hiperinflação) que mexe muito com a poupança, o Ney Matogrosso que vira homemlobisomem e quando é homem não faz medo pra ninguém... Resgatada por Miss Soledad no verão do Recife, a canção dos Trapalhões nos sugere uma atualização dos perigos das profissões que até existiam no tempo áureo de Didi Mocó, mas não tinham lá tanta importância assim. O DJ, por exemplo, minha filha, vai fazer scratch (aquelas mexidas bruscas e sensacionais no vinil) nas picapes... e depois vai fazer sratch a noite toda no seu corpinho também. Papai eu quero me casar... Eu quero me casar é com um hacker, mas com um hacker você não casa bem. Por que, papai? O hacker vai fuçar as senhas proibidas da Internet... e depois escarafuncha você também! Papai eu quero me casar... Com um agente de artista você não casa bem. Por que papai? O agente vai cuidar da atriz famosa... e depois vai difamar você também! Eu quero me casar é com um blogueiro, ó minha filha, você não casa bem, o blogueiro vai postar a noite inteira... e não sobra nada para postar em você também. E com um cineasta moderno, papai? O cineasta vai demorar para captar recursos para o primeiro longa... e vai faltar é longa-metragem pra você também! Papai eu quero me casar... Eu quero me casar com um estilista, com um estilista você não casa bem... Por que papai? O estilista só costura é pra fora... e vai esquecer de coser você também! Papai eu quero me casar... [Agora é com vocês, generosos leitores!] SÓ A LAMA CURA -SEGREDOS DA AUTO-AJUDA PUNK-BREGA (I) [Dedicado e a pedido dos amigos que no momento chupam o frio chicabon da dor amorosa... e não são poucos] O mantra é esse, pombinhos desgarrados e estraçalhados pelas agruras do amor: “Só o caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria”. Assina que é o verso é teu, velho William Blake.. Ou seja, numa livre tradução para a nossa baixaria de vida de hoje: SÓ A LAMA CURA! Seu guarda, eu não sou vagabundo, sou um cara carente, estirado aqui na praça Roosevelt, com o meu próprio teatro do absurdo no bolso, pensando nela! Seu guarda, acabei de chorar lágrimas caubói _não os da montanha, mas os vaqueiros do asfalto_ no porão com Wander Wildner, que cantava as suas dores de trovador punk brega. SÓ A LAMA CURA! Leve a sua dor para as ruas, seus bares/seus mares, nade com ela no seco por debaixo das mesas, exponha-se, seja a vitrine de suas próprias escoriações, não se envergonhe, molhe o ombro do garçom amigo, derrame uma para o santo e entorne a próxima bagaceira com gosto de sangue e luto. Se a vida dói, drinque caubói. Wander Wildner, o que nossa dor idiota vai ser quando crescer? Rato de porão, rato de porão. Cubra-se do negro do luto e qual um espadachim caricato leve a sua dor para um rolê nos subterrâneos da cidade. Quando estiver bem torto, ria da sua dor como um bêbado se diverte com a sua própria sombra em farrapos. Auto-ajuda punk: não glamourize tanto a sua dor, tire onda, o amor é assim mesmo, como me disse um dia, num botequim imginário, um escriba italiano cheio das grapas: um beijo,dois beijos, três beijos, quatro beijos, cinco beijos... cinco beijos, quatro beijos, três beijos, dois beijos, um beijo... e FIM e pronto. DA SONECA E DOS SEUS PEZINHOS GRUDADOSSSSSSS Como é bom tirar uma sesta, abaixar a cortina e dar um risinho safado para o capital que se esborracha lá fora; como é bom, mesmo para um falido, ajeitar os travesseiros –de palha ou de pena de ganso- e cerrar os olhos para sonhos pequenos. Uma sesta à sombra da toda-poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, aqui perto do meu esconderijo; uma sesta com as janelas abertas na rua da Aurora, a rua mais linda do mundo, de onde avista-se Beberibes, Capibaribes, Áfricas, Tongas e Polinésias... A minha sesta ibérica, como na origem do costume, lá no Juazeiro e Crato. Como é bom tirar uma sesta com uma nega enroscada aos pés, sono leve de conchinha, colherzinha e quetais. Mas os dois precisam estar no espírito da sesta. Uma alma em desassosego acaba com qualquer sesta, sesta-de-favor não vale, sesta, siesta, carece de savoir faire... Um gato ali pelas nossas costelas –opa!, um felino de carne e osso, um bichano- que delícia. Numa sesta não vale sonhos épicos, apenas sonhos pequenos, daqueles que a gente realiza num piscar de olhos. Ou simplesmente deixa para lá. Ridículo correr desembestadamente atrás de sonhos. Sonhos são filmes grátis, que vemos deitadinhos, sem o barulho ridículo de pipoca ou de gente. “Ei, morena linda que passa, vamos ao cinema?” Ai trago ela para a sesta. Cinema é travesseiro e pezinho colado. Os sonhos são feitos pelos cineastas mortos, jeito de ocupar-lhes no purgatório. Coisa da aliança espúria de Deus e do Diabo. Sesta: modo de usar. Quanto dura uma sesta? O ideal é que não se faça o uso do despertador, que não seja um curta-metragem, que seja um filme que se durma nele inteirinho, que se beije o olho de quem dormir primeiro, como sempre guardo as minhas mulheres, até com uma rezinha baixinho para nunca acorda-las e sempre protege-las, ô Deus guarde essa costela colada à minha e que esse suorzinho seja o superbonder possível, a resina mais grudenta, que nos livre do fim, amém. Mas o amor acaba, meu filho, sopra um anjo pousado no ombro de Paulo Mendes Campos, que me diz baixinho, sossega, menino, esse coração. A sesta com a bênção das mulheres e da minha mãe. “Meu filho, durma pelo menos uma meia horinha depois do almoço”. Minha mãe chorava, no dia em que fui embora, mas nada dizia além da receita da sesta. Mulher de coragem: deixar aquele graveto, só o couro e o osso, ganhar a estrada apenas com uma rede que ela botou no fundo da mala... Como eu queria achar de novo essa rede e tirar a maior das sestas, mas troquei por alguma coisa, vício, comida, sei lá, entre uns desalmados de um cortiço do Recife, num sótão ali na Barão de São Borja. Até quando a usei, era uma rede que balançava lágrimas e meus chinelos sempre acordavam boiando de manhã. ELOGIO DA MAQUIAGEM Há muito tempo, muito tempo mesmo, muito antes dos nossos avós, já havia a polêmica: a mulher deveria recorrer ou não aos recursos artificiais para embelezar-se, livrar-se dos pés de galinha e travar a peleja contra a foice do tempo, como já dizia Shakespeare? É deveras uma das questões mais enrugadas da humanidade, que agora alcança o seu momento máximo, em tempos de Botox e até transplante de rosto, em episódios extremados. Em meados do século XIX, o poeta Charles Baudelaire, gênio dos gênios, já fazia um chamado para que as fêmeas superassem as “imposições” da natureza. “A mulher tem o direito, aliás, ela está até mesmo cumprindo uma espécie de dever, quando se dedica a parecer mágica e sobrenatural”, pregava no seu breve ensaio “Elogio à maquiagem”. Segundo o francês, um dos inventores do que chamamos hoje de modernidade, não importava qual fosse o truque feminino, o que valia era o seu efeito irresistível. Ovídio, mais das antigas ainda, como sempre me lembra Miss Soledad, também gastou o latim com a polêmica da cosmética. Estariam o velho Charles e o escriba romano mortos de felizes nos tempos que correm? E vocês, meus amores, que acham? Opiniões serão bem-vindas. E fica ai em BG, Marina morena, um plá direto da rede do glorioso Caymmi, com barulhinho das ondas ao fundo... E para complicar mais ainda as coisas por estas bandas, sampleio um velho catecismo de devoções, adonde se lê, crônica de costumbres: Nada de acreditar nessa historinha de “você já é bonita com o que Deus lhe deu!” Dorival, saravá meu pai!, é uma beleza de homem, sábio, mas esse verso, aqui neste momento, não soa bem aos ouvidos. Pinte esse rosto que eu gosto e que é só seu. Com todos aqueles lápis que lhe fazem uma criança brincando de colorir o desejo tenha ou não tenha um belo cavaleiro no seu horizonte. DO MANUAL DE CIVILIDADE PARA USO DAS MENINAS NA ESCOLA* [com ajuda espírita, influência, plágio e sample livre de Pierre Louys, soprado ao escriba por lindas ninfomaníacas em flor] Não diga: “Chupe-me todinha”. Diga: “use a pedagogia da manga”. Não diga: "Minha buceta." Diga: "Meu coração." Não diga: “Quero te dar o cuzinho”. Diga: “voltei da depilação”. Não diga: "Estou com vontade de foder." Diga: "Estou nervosa." Não diga: “Deixa eu fazer fio-terra”. Diga: “que rabinho mais quente.” Não diga: "Acabo de gozar como uma louca." Diga: "Sinto-me um pouco fatigada." Não diga: “Ninguém me chupa como você”. Diga: “Eis a língua universal”. Não diga: "Vou masturbar-me." Diga: "Vou voltar." Não diga: “Vamos foder”. Diga: “Oremos ao senhor”. Não diga: "Quando eu tiver pentelho no cu." Diga: "Quando eu for grande." Não diga: “Precisamos inovar as posições”. Diga: “Vamos ler o catecismo”. Não diga: "Eu prefiro a língua ao pau." Diga: "Só gosto de prazeres delicados." “Não diga: “Não é nada disso que você está pensado”. Diga: “Se junte a nós e sejamos felizes”. Não diga: "Entre as refeições só bebo porra." Diga: "Sigo uma dieta especial." Não diga: “Mete mais devagarzinho”. Diga: “Não foi assim que te ensinei”. [CONTINUA...] <*in "catecismo de devoções, intimidades et pornografias", xs, editora do bispo, 2ª ed. 2007> OPA, PARTE II - DO MANUAL DE CIVILIDADE PARA USO DAS MENINAS NA ESCOLA* Não diga: "Tenho doze consolos em minha gaveta." Diga: "Nunca me entendio quando estou só." Não diga: “Beije os meus pés”. Diga: “Você hoje ainda não rezou por mim”. Não diga: "Os romances honestos me chateiam." Diga: "Eu gostaria de ter algo interessante para ler." Não diga: "Quando se lhe mostra uma pica, ela se zanga." Diga: "É uma original." Não diga: "É uma menina que se masturba até quase morrer." Diga: "É uma sentimental." Não diga: "É a maior puta da terra." Diga: "É a melhor menina do mundo." Não diga: "Ela deixa-se enrabar por todos aqueles que a masturbam." Diga: "Ela flerta um pouco." Não diga: "Ela é uma lésbica raivosa." Diga: "Ela não flerta de jeito nenhum." Não diga: "Eu a vi ser fodida pelos dois buracos." Diga: "É uma eclética." Não diga: "Ele dá três sem tirar da buceta." Diga: "Ele tem o caráter muito firme." Não diga: "Ele gozou em minha garganta e eu na dele." Diga: "Trocamos algumas impressões." Não diga: "Seu pau é demasiado grosso para minha boca." Diga: "Sinto-me bem pequena quando converso com ele." Não diga: "Ele fode muito bem as menininhas, mas não sabe enrabá-las." Diga:" É um simplório." Não diga: “Cadê o gel lubrificante”. Diga: “Com o carinho de sempre”. Não diga: “Você é o homem da minha vida”. Diga: “Você me conforta bem lá dentro”. Não diga: “Não sei viver mais sem você”. Diga: “Adoro a sua pica dura”. Não diga: “Vou chupar o seu pau”. Diga: “derrama o mingau dos deuses”. <*in "catecismo de devoções, intimidades et pornografias", xs, http://dobispo.zip.net, 2ª ed. 2007> PELA VOLTA DA CARTA DE AMOR -PARTE II DA CAMPANHA A carta escrita à mão, com local de origem, data, saudações, motivos, despeço-me por aqui, papel fininho e pautado, pelos Correios, mr. Postman, como na música. Como canta o rei Roberto, escreva uma carta de amor, e diga alguma coisa por favor. Pela volta da carta de amor, com selo carinhosamente lambido. Chega de emails lacônicos e apressados. Debruce a munheca sobre o papiro e faça da tinta da caneta o seu próprio sangue. Não temas a breguice, o romantismo, como já disse a pessoa do sr. Álvaro de Campos, todas cartas de amor são ridículas, e não seriam de amor se ridículas não fossem. A carta, mesmo com todas as modernidades e invencionices, ainda é o melhor veículo para declarar-se, comunicar afinidades e iniciar um feitio de orações. O que você está esperando, vá ali na esquina, compre um belo papel e envelopes, e se devote. Se tiver alguma rusga, peça perdão por escrito, pois perdão por escrito vale como documento de cartório. Se o namoro ainda não tiver começado, largue a mão dessas cantadas baratas e internéticas e atire a garrafa aos mares. Uma boa carta de amor é irresistível. Mas não vale copiar aqueles modelos que vêm nos livros. Sele o envelope com a língua, como nas antigas, lamba os selos, esse pré-beijo dos lábios do(a) futuro(a) amado(a). O sr. Álvaro zumbe de novo aqui ao pé do ouvido: "As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas”. Às moças é consentido, além dos floreios e da caligrafia mais arrumadinha, a reprodução de um beijo, com batom bem vermelho, ao final, perto da assinatura. Uma carta, até mesmo de amizade, deixa a gente comovido, como a que recebi outro dia de Fábio Victor, escriba e amigo do Recife que habita a velha e fria Londres. Que os amigos,e não apenas os amantes, se correspondam, fazendo dos envelopes no fundo do baú as suas histórias de vida. Pela volta da carta, que já é por si só uma maneira devota, um tempo que se tira, sem pressa, para dedicar-se a quem se gosta. Pela volta da carta, pois o que se diz numa carta é de outra natureza, é o bem-querer em tom solene. O que você está esperando, meu amigo, minha amiga, largue esse cronista de lado e debruce-se sobre a escrivaninha. Uma mesa de bar ou de um café também são bons lugares para assentar as suas mal-traçadas linhas. Um namoro, romance ou cacho somente à base de emails não se sustenta, mais parece uma troca de ofícios, “venho por meio desta”, uma troca de protocolos, mensagens comerciais. Um amor sem uma troca de cartas, nem que seja bem rápida, ainda não é amor... O que você está esperando? Vamos lá, amiga, papel, tinta e derramamento, faz favor! Não há homem que não se comova com uma carta. Claro, você está certa, sempre haverá aquele medroso, aquele que se espanta com as palavras devotas... É, os fracos se encontram em todas as partes. Estes temem a própria vida, são frios, reconhecerás de longe. Estes não valem uma linha, não valem sequer um email ou pulso telefônico. Não tires o mundo por eles, uma carta nas mãos de um homem tem o poder de uma bela bomba amorosa. Com o selo bem lambido, língua arrastada lentamente, com ritmo, isso, isso, lindo!!! EXTRA, EXTRA, EXTRA!!! Quem perdeu a sensacional promoción "Bispo Sardinha catequizando as pecadoras" tem agora a segunda chance. O bispo enlouqueceu de vez e quem ganha, na bacia das almas, é o fiel leitor. Entre sem bater aqui no blog da editora e concorra a um exemplar quentinho, direto da typografia do inferno, da segunda edição do "catecismo de devoções, intimidades et pornografias", cuja autoria vem a ser deste casto e ex-coroinha fartamente explorado pelas madres superioras. Bênção a todos e não esqueçam de deixar os seus endereços completos por lá, além da resposta à pergunta "por que não devo ler este livro?". E atenção: a moleza é como oferta da velha Mesbla, só até sábado.Corra Lola, porra! COM HEMINGWAY NO VELHO CHICO Uma peça, o cara. A barba já bem delineada e o domínio da arte de pescar surubins –varas de dois metros com meia flexibilidade, anzóis de 4 a 10/0 – não me deixavam dúvida. Tratava-se do velho Ernest Hemingway reencarnado na beira do São Francisco. Fala curta, direta, mas sempre com um dado escondido, um segredo cofiado na barba e nas entrelinhas. - É, se morreu nestas circunstâncias, algo ele devia – apontou com os beiços para uma desgraçada criatura de uma agrovila, todo esburacado de bala, calibre de traficante. Área de plantação de maconha. Mas ele não era de falar nada além disso. Deixa quieto. Falar mesmo, apenas sobre pesca. Chegara ali, numa ilhota perto de Petrolina e Juazeiro, havia um quarto de século. No mínimo. Quando aportou, cultivava farto bigode preto e cabelos penteados para trás, me contaram. A última parada havia sido o Janga, litoral norte de Pernambuco, arredores de Olinda. Alguns tubarões e mais de 84 horas de espera por um peixe grande, além das mortes banais de jovens, o enxotaram para a beira do velho Chico. Hoje reclama da falta de dourados, piaus, matrinchãs, mandis, piras, timburés, tucanarés, corvinas... - Com essa isca ai, cabrón, não vais a lugar nenhum - advertiu, cigarro de palha na boca. – Pega um pedaço de mandi branco ou uma lasca de coração de boi... Eu tentava em vão capturar uma piranha. - Com essa tua vara, não chegarás a elas - gracejou, enfiando a mão direita, cujas unhas guardavam terra nas pontas e tinta de fumo por cima, barba adentro. Fiquei sem graça, amarelo. O que o velho Ernest não sabia era que pouco importava o resultado da pesca naquela manhã. - Quer um drinque? – ele perguntou, depois de um gole na boca da garrafa de Caribé. - Melhor aceitar –soprou Zeca, amigo que havia conhecido durante a pesquisa de “Deserto Feliz”, película de Paulo Caldas, breve neste cinema. - Muito boa, só um rum cubano chega perto – eu disse. A provocação com a sua vida passada, senti, não caiu bem. Um cardume de pirapetingas fez a curva no velho rio. O barco mal-assombrou-se em águas plácidas. Por um segundo vi o velho Santiago curvado como vara de anzol tentando trazer aos seus pés um surubim gigante. Um relâmpago e a cara do homem era uma carranca iluminada. O SEU ORGULHO NÃO VALE NADA E/OU SAM SHEPARD REMIX Por ti chorei lágrimas de rodoviária, lágrimas com poeira de estrada perdida, lágrimas e poeira que viraram maquiagem de lama, tijolos d´alma, emendei lotações e fronteiras, gastei botas, máscaras, joelhos... e contei passos de crimes & castigos, por ti esperei em hotéis baratos do centro, porta aberta, mão no pau e faca no peito, por ti bebi como uma mosca caricata de boteco, cheirei, fumei, fiz lirismos chinfrins em guardanapos, sempre começando assim “por ti” etc e algum verbo que representasse um esforço da porra ou o mais puro exibicionismo de uma dor tão gasta que nem já combinava mais com os meus drinques caubói nem muito menos com as minhas elegantes vestes rotas da mendicância, ah, o seu orgulho não vale uma canção triste de Roberto Carlos. VAMOS ESTRAGAR ESSA AMIZADE? Num traveling maluco da paudurescência matinal minha câmera fixou-se em você. Você mesma, sim, você ai de vermelho, sua orelha não coçou, menina?, se liga! Num traveling havia percorrido, câmera velozzzzzz da porra, o bairro, a dama do cachorrinho, as coxas das noites anteriores, o olhar vesgo de Laika perdida no espaço, miss Soledad suada numa pista, os peitos naquele táxi, as pegadas depois dos conhaques, a musa do expresso Oriente... Até que a câmera fixou o obscuro objeto de desejo, você dizia “somos muito amigos, seu maluco”, eu dizia, na minha pose de ator treinado no Actor´s Stúdios, que nada, isso não é problema: vamos estragar essa nossa linda amizade!? ASSOMBRAÇÕES DE UM MACHO-BREXÓ Definitivamente não é do mundo dos vivos tal criatura. Veste-se com charme, claro, essa é a idéia estratégica. Mas o problema é outro: o defunto, como dizia minha mãe, era sempre maior que o novo dono. Sempre sobra pano na ponta dos dedos ou tergal na boca das calças, mesmo as nostálgicas bocas-de-sino. Mas o que derrota mesmo é o mal-assombro. Você, nobre gazela, lá com o mancebo, no bem-bom do mundo horizontal, e a assombração no cabide. A sorrir, caso os pertences tenham sido de um defunto cínico qualquer – um leitor de Sêneca e amante da brevidade da vida, pois, pois. A calça pendurada assistia tudo e, ao contrário do que canta Roberto, dizia muito. A camisa listradinha, preto e branco de tanta elegância, também falava pelos cotovelos puídos, sovacos eruditos de tanto carregar livros, livros de sebo, pois o camarada aprecia mesmo artigos de segunda mão, detesta produtos novinhos em folha. A quem terá pertencido tal roupa? Ao padeiro, ao sapateiro, ao dono da marcenaria, ao relojoeiro, ao amolador de facas, ao Bolinha (lembram as camisas psicodélicas do apresentador de auditório?), ao homem normal do 308 – os homens normais moram sempre no terceiro andar, já repararam? O homem-brechó, este tipo urbano que sempre compra suas roupas de segunda mão, leva, irremediavelmente, o ex-dono dos pertences para a cabeceira da cama. Os vivos e os mortos. Os sapatos passeiam pela casa das moças na madrugada. Juris esperneandi. É tudo muito Cherteston, aquilo escriba mal-assombrado cujo detetive Padre Brown examinava os mistérios das vestes do além. É um colete de um viúvo tarado – só os tarados anormais usam coletes. É o casaco de um francoatirador a nos meter encorajados pra o amor? Ora, ora, se um algodão novinho em folha, que ontem lá no campo ainda era flor, como na canção, já nos chega com os fantasmas e espantalhos das dores da roça e do mundo, imaginem, amigos, um velho e puído veludo azul, golas do desmantelo, como em “Blue Velvet”. Confesso, mancebos e gazelas, esse relato é uma missa de corpo presente: até anteontem eu era um autêntico macho-brechó. Depois do que presenciei na madrugada, nunca mais, ajudado pelos delírios da abstinência alcoólica, vade retro belzebu. Aquele par de sapato lustrado, bico fino, clássico, a bailar sozinho um tango, coreografia mais trágica, deus mio, ainda arrepio só de lembrar a dança macabra. Não, meu amigo, pelo menos naquela assombração, o tango argentino não me caía bem melhor que um velho blues. AS NAVALHAS DE NICK CAVE A ressaca era tão monstruosa que os mortos riam de mim do outro lado do muro do cemitério. Seguramente, depois daquelas noites brancas, eu estava mais morto do que eles todos. Arrastava a carcaça, suava frio e doía justamente naquele lugar do coração que nunca vai ser preenchido, como no poema do velho Charles, there is a place in the heart that/ will never be filled. Esse ai estragou a vida mas ela teima em segui-lo, dizia a voz dum morto franzino do outro lado do muro da Cardeal Arcoverde. A vida gosta das suas piadas e ri dos seus passos. E eles se divertem juntos lambendo o rés do chão e os pés de lindas garotas. Esse ai dormiu ao lado de uma bela bunda, mas as pernas não encaixaram à perfeição, como dantes. Ele notou que ela já não tinha mais aquele sorriso capaz de incendiar de manhã o calendário. Estava chateada. Aquela viagem ao fim da noite a tirou do prumo: vinho barato, do pó ao pó, Jack Daniels , palavras desagradáveis que saem do inferno da gengiva sem dente, Nick Cave espalhando convicções e navalhas pela casa. O monstro da ressaca na luta contra o monstro da memória... e a gosmenta ninja da culpa de cócora num canto da sala sem cortina. A ASMA DO AMOR Não há mais dúvidas: quanto mais beira o verossímil, com gritos lancinantes na noite, como assimilamos do cinema, mais fingido é o tal do orgasmo. Nunca é condizente com a nossa performance e suor. Os melhores e mais recompensadores orgasmos guardam o bom preceito da educação dos gemidos. Por mais megalomaníaco que seja Vossa Senhoria, recomendo que não acredite naquelas algazarras, feiras amorosas, sacolões do sexo, capazes de fazer os vizinhos pularem da cama só de inveja. Aquela gritaria toda, meu caro, só vale para provocar um problema dos mais graves. Deixará o casal que mora do outro lado da parede em pé de guerra, uma vez que a mulher, atenta à lição de gozo comparado, vai exigir mais, muito mais, mais e mais, e mais um pouquinho ainda, do seu colega de prédio ou de rua. E o pior é que os gritos lancinantes só costumam ocorrer quando o gozo não passa de teatro, puro teatro, falsidade ensaiada, estudiado simulacro, como canta a deusa La Lupe. O gozo desesperado costuma ter origens variadas (falar nisso, por que ninguém cita mais W. Reich, meu ídolo da lira dos 20 anos?!). O gozo desesperado, falava eu, costuma ser resultado de algum curso mais digerido de teatro amador, formação em escola com viés jesuítica, leitura errada dos Actors Stúdio, dietas à base de alcachofra, audiências tardias das onomatopéias do Led Zeppelin ou falta de homem propriamente dita. As melhores gazelas educam cedo os gemidos. Em vez de gritos que parecem mais apropriados para momentos de sequestro-relâmpago, a boa moça sussurra e balbucia safadezas no cangote do amado. Mais vale um dos 3.000 verbetes catalogados no Dicionário do Palavrão, do mestre pernambucano Mário Souto Maior, do que os decibéis selvagens. As melhores não se desesperam. Já imaginou Ava Gardner em desespero? Nem com Frank Sinatra, a quem enlouqueceu todos os sentidos. E não me venha dizer que isso seja frigidez, frescura ou algo da linha. Uma coisa é a gritaria, quase um SOS, incêndio do Joelma ou sinistro urbano do gênero. Outra é a gemedeira gostosa, fungada sentida, fogo nas entranhas, calor na bacurinha, quase um decassílabo a cada descida, lirismo sem fôlego, asma do amor. DO AMOR E DAS SUAS VENTOSIDADES A coisa, coisa não, o ato nobre e mais sagrado, de um homem para uma mulher – e vice-versa – é a conquista do direito à “ventosidade emitida pelo ânus; pum”, como registram os nossos educados dicionaristas. S.M. Substantivo Masculino, peido propriamento dito e dicionarizado. O direito a emitir tais gazes despreocupadamente, numa relax, numa tranqüila, numa boa, como diria o Tim Maia. Melhor ainda. Emiti-los e arrancar um “afe!” surpresa da amada. Não debaixo dos lençóis, motivo de sobra para qualquer divórcio, circo, Orlando Orfei dos horrores, dependendo das iguarias ingeridas. Caiu aqui um parêntesis: cuidado com a mistura explosiva de fava, bacalhau, batata doce, ovo de galinha capoeira. Pólvora de bacamarteiro perde, né, Jojô? Evitem o circo dos lençóis e o resto vale, é pura prova de amor. Com janelas abertas, então, não passa de uma droga recreativa capaz de animar a vida besta dos casais nos seus pombais. - Peidaste?! – salta ela, em bom português. - ´Magina! Como ainda não têm filhos, sobra, quase sempre, para o cachorro, senhor dos direitos autorais de tais flatulências anônimas na aurora dos romances. A sorte é que o cão assimila as impurezas do homem, tão-somente para tornar seu dono inimputável. O tal gás sarin sai à semelhança. Melhor ainda é quando um reconhece a ventosidade do outro. De longe. Chega em casa, depois de uma festinha, social clube, e a nega diz, até um tanto quanto orgulhosa, com o mesmo português infalível de sempre, assimilado das lições do velho e bom Pasquale: -Fostes tu, desgraçado! Emocionante saber que a criatura é capaz de reconhecer teus ventos mais elípticos, teus cheiros e fedores mais recônditos, tuas vergonhas mais perdidas, tuas cláusulas do melhor dos contratos rosseuanianos. Mas qual seria o prazo ideal para liberar a prática na frente do(a) amado(a)? Se a convivência for intensa acho três meses um prazo razoável... Um semestre em casos de pombinhos que pouco se vêem, um ano quando o romance for de ponte aérea, cidade a cidade... Que acham? HUMILHADOS & OFENDIDOS NO W.C. Vem da Suécia, pátria de todos os clichês do sexo loiro, uma lufada revolucionária capaz de virar de cabeça para baixo as nossas tristes existências. As gazelas daquele país passaram a obrigar os cavalheiros a mijar sentados. Postura que nos impõe um distanciamento brechtiano em relação ao nosso confidente-mor: agora escondido, mergulhado no vaso, encoberto pela barriga, ele sente que perdeu o arrastado e cansativo debate sobre a pontaria. Ele abaixa a cabeça, num quase mergulho suicida, existencialista perdido diante do trunfo da nova moral burguesa do Politicamente Correto. Que fazer? Saltamos, abestalhados, a buscar uma solução para essa onda que deve varrer o mundo. Claro que se trata de mais uma novidade do chamado projeto internacional para tentar forjar o dito prospecto do macho sensível. Ora, outro dia admitíamos, no máximo, uma camadazinha de Minâncora sobre uma espinha trabalhosa. Hoje vejo íntegros camaradas se lambuzarem de Lancôme sem a menor cerimônia, com a maior cara lavada. Claro que fizemos por onde ser derrotados nessa peleja. Foram décadas e mais décadas de reclamações. Erramos. Não levamos a sério os quesitos pontaria, tampa levantada etc. Zombamos da boa vontade daquelas que lustram o nosso chão de estrelas. Deu no que deu. Agora, compadres, só nos restarão o Firestone na saída dos bares, a cerca do vizinho, um baobá qualquer a caminho de casa ou o asfalto propriamente dito. (Como este é um espaço proustiano, recordo-me de quando mijávamos na areia quente do sertão, tentando escrever os nossos nomes no chão com vigorosos jatosmirins.) Não adianta estrebuchar, pouco importa o direito ao juris esperneandi. O certo é que querem nos civilizar a qualquer custo... É a conspiração internacional da qual tratei linhas atrás. Querem nos androgenar, como diria o lírico sambista Luis Américo. “Esse camarada se androgenou/ a moça deu bola a ele/ e ele nem ligou”. Só nos resta aceitar a derrota histórica. Mijar sentado, tudo bem, mas pelo amor de Deus, sem aquele barulhinho erótico de que só uma dama é capaz. Devagar com a nova moda, rapaziada! OLHOS NÃO SE COMPRAM Do cinema lindo & phoda de existir e de como uma mulher pode encantar nos detalhes de nós dois. Quando ela pede pra gente virar os olhos ou fechá-los bem fechados. Só enquanto troca a calcinha, vupt, o barulhinho do elástico, mesmo com toda intimidade desse mundo, às vezes intimidade de anos, vale, vale. Só enquanto troca o sutiã, biquíni, parte de cima, ajeita a parte de baixo, areia do doce balanço da beira dos mares, só enquanto tira uma toalha do banho, primeira viagem, só enquanto está lindamente menstruada e quer guardar-se, embora saiba que atravessamos com amor e gosto todo o seu mar vermelho e ainda mais mares aparecessem a cada mês. “Feche os olhos”, diz. “Vira o rosto”, safadeza-se, diva sob seguras telhas. Só para manter o suspense do cinesmascope debaixo do mesmo teto. “Pronto, pode olhar”. Ai ela ressurge mais linda ainda, cabelinhos molhados, com aqueles cremes todos da Lancôme ou com simples sabonetes Dove ou aqueles de nove em cada dez estrelas de Hollywood, Lux, deluxe, eu morro nesses lapsos de tempo, elipses do desejo, frações de segundo que são eternas de olhos fechados para quem meus olhos na terra, que há de comê-los inté os aros dos óculos e as safenas, mais abriram e justificaram seu brilho castanho mesmo em dias de torpor e existência de pára-brisas lusco-fusco. CATECISMO LIBERADO SEM CORTES A editora do bispo, totalmente contra essa coisa chata e mesquinha de "todos os direitos reservados", libera geral os seu livros. Podem baixar, copiar, reproduzir, o prazer será todo nosso. Copyleft neles! Acaba de ser disponibilizado o "catecismo de devoções, intimidades & pornografias", de autoria deste que vos sopra el corazón. Tá lá, do jeito que veio ao mundo. É só clicar aqui, ó. Boas rezas a todos! ACONTECE QUE O MEU CORAÇÃO FICOU FRIO...* Esquece o nosso amor, vê se esquece, porque tudo na vida acontece... Acabei de ver pela terceira vez o “Cartola”, e eu ainda acho é pouco, amanhã certamente volto de novo, eterno retorno imediato, precoce, na sessão de cinema das cinco, pra sujar a camisa branca na boca da menina do batom mais lúdico, batom vermelho, o batom do crime vespertino, como me recomendou o sobralense beatleamaníaco Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, el bigode mais lírico de latinoamérica, por supuesto. Que filme, rapazes e raparigas! Coisa fina, de chorar, de sorrir, mas isso acontece, simples como na vida, como na cachaça, como manifesto de criança, como quem sabe que às vezes dá um branco na existência, como aquele da fita, o interlúdio, o entreato, a hora em que morre a fama e fica o homem, lá no seu caramujo, no ostracismo de Itapissuma, para voltar depois, mais louco ainda, ô, mais fortes são os poderes de Sísifo. Hilton Lacerda e Lírio Ferreira, os diretores, meus amigos, amigos mesmo, detesto esse mito fraudulento da imparcialidade babaca do jornalismo, fizeram um filme lindo, que orgulho! Porque hoje em dia é quase proibido se comover as elegias afetivas, é quase proibido beijar na boca, é quase proibido dizer “eu te amo,porra!”. Tempos assépticos e indiferentes, todo mundo com vergonha da mínima baixaria possível, todo mundo falsamente casto e pecando por debaixo dos figurinos de Maria Antonieta. “Cartola”, música para os olhos, é um documentário importantíssimo na educação sentimental dos novos machos. Vale por um madureza ginasial completo, vale por um PhD, um mestrado na Sorbonne, vale por mostrar que a vida não é tão-somente um roteirinho de triunfos e ganhos óbvios, a vida pára, a vida dá branco na projeção das coisas como minha avó Merandolina confusa da vista e a chamar o seu neto preferido para enfiar a linha no buraco da agulha, a vida engana na curva como a sombra da imagem do trem sobre o casario suburbano do filme. A vida é um menino-sépia que salta de um quadro de uma sala à beira da linha férrea e se faz Cartola na linda fotografia do flamenguista Aloysio Raolino.Aquele menininho-sépia, retrato do artista enquanto jovem vira-lata, que pode fugir de qualquer quadro de casa de família, como aquele que vi agora na casa do meu tio Adalberto, na vila do Triunfo, Nova Olinda. Tive sim, outro grande amor antes do seu... É assim mesmo a letra? Mas na última sessão que vi o que mais me comoveu foi o amigo Junio Barreto, o mais doloroso e lindo dos sambistas contemporâneos, cantando baixinho aquela que diz mais ou menos assim... vocês me corrijam se errei no verso, sou péssimo para cantar a palo seco: “É impossível nesta primavera, eu sei/ Impossível, pois longe estarei/ Mas pensando em nosso amor, amor sincero/ Ai! se eu tivesse autonomia/ Se eu pudesse gritaria/ Não vou, não quero/ Escravizaram assim um pobre coração/É necessário a nova abolição/ Pra trazer de volta a minha liberdade/ Se eu pudesse gritaria, amor/ Se eu pudesse brigaria, amor/ Não vou, não quero...” *crônica publicada originalmente na coluna "modos de macho & modinhas de fêmea", q circula no Diário de Pernambuco, O Estado do Paraná, Diário do Nordeste, entre outros. AMOR QUE FICA É namoro ou amizade? Rolo, cacho, ensaio de amor, romance ou pura clandestinidade? “Qualé, Mané?!”, indaga a nobre gazela. E o homem do tempo nem chove nem molha. Só no mormaço, só na leseira das nuvens esparsas. No tempo do amor líquido, para lembrar o título do ótimo livro de Zygmunt Bauman sobre a fragilidade dos encontros amorosos, é difícil saber quando é namoro ou apenas um lero-lero, vida noves fora zero... Cada vez mais raro o pedido formal de enlace, aquele velho clássico: “Você me aceita em namoro”? Suspense, velho Alfred! O amor e as suas malasartes. O amor será sempre dirigido por Hitchcock. “Quer namorar comigo?” No tempo do “ficar”, quase nada fica, nem o amor daquela rima antiga. Alguns sinais, porém, continuam valendo e dizem muito. O ato das mãozinhas dadas no cinema, por exemplo, ainda é o maior dos indícios. Mais do que um bouquet de flores, mais do que uma carta ou um email de intenções, mais do que uma cantada nervosa, mais do que o restaurante japonês, mais do que um amasso no carro, mais do que um beijo com jeito, daqueles que tiram o gloss e a força dos membros inferiores. Mais até do que um jantar à luz de velas, que pode guardar apenas um desejo de sexo dos dons Juans que jogam o jogo jogado e marketeiro. O cinema, além da maior diversão, como diziam os cartazes de Severiano Ribeiro, é a maior bandeira. Nada mais simbólico e romântico. Os dedos dos dois se encontrando no fundo do saco das últimas pipocas... Não carecem uma só palavra, ainda não têm assuntos de sobra. Salve o silêncio no cinema, que evita revelações e precoces besteiras. Ah, os silêncios iniciais, que acabam voltando depois, mas voltando sem graça, surdo e mudo, eterno retorno de Jedi. Nada mais os unia do que o silêncio, escreveu mais ou menos assim, com mais talento, claro, Murilo Mendes, outro monstro entre os nossos líricos. Palavras, palavras,palavras... Silêncio, Silêncio, silêncio... Dessas duas argamassas fatais o amor é feito e o amor é desfeito. Simples como sístole e diástole de um coração que ainda bate. SÓ A LAMA CURA <Republicado a pedidos urgentes de aflitos corazones!> O mantra é esse, pombinhos desgarrados e estraçalhados pelas agruras do amor: “Só o caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria”. Assina que é o verso é teu, velho William Blake.. Ou seja, numa livre tradução para a nossa baixaria de vida de hoje: SÓ A LAMA CURA! Seu guarda, eu não sou vagabundo, sou um cara carente, estirado aqui na praça Roosevelt, com o meu próprio teatro do absurdo no bolso, pensando nela! Seu guarda, acabei de chorar lágrimas caubói _não os da montanha, mas os vaqueiros do asfalto_ no porão com Wander Wildner, que cantava as suas dores de trovador punk brega. SÓ A LAMA CURA! Leve a sua dor para as ruas, seus bares/seus mares, nade com ela no seco por debaixo das mesas, exponha-se, seja a vitrine de suas próprias escoriações, não se envergonhe, molhe o ombro do garçom amigo, derrame uma para o santo e entorne a próxima bagaceira com gosto de sangue e luto. Se a vida dói, drinque caubói. Wander Wildner, o que nossa dor idiota vai ser quando crescer? Rato de porão, rato de porão. Cubra-se do negro do luto e qual um espadachim caricato leve a sua dor para um rolê nos subterrâneos da cidade. Quando estiver bem torto, ria da sua dor como um bêbado se diverte com a sua própria sombra em farrapos. Auto-ajuda punk: não glamourize tanto a sua dor, tire onda, o amor é assim mesmo, como me disse um dia, num botequim imginário, um escriba italiano cheio das grapas: um beijo,dois beijos, três beijos, quatro beijos, cinco beijos... cinco beijos, quatro beijos, três beijos, dois beijos, um beijo... e FIM e pronto. LUA CHEIA EM ESCORPIÓN, CABRÓN! Caray, quando tu desce la de riba, nem sempre quem desce é de cima, tomada bãe, bain, baseado, peitinho, peitinho no drum´m´roll, quase bebida, vinho branquis ou champãe, sorriso de quem não carece e só dá colo pra-la de Edipis e de-mãe, eu fico passex e digo assim, vem cá meu bem, só não trabaio com futuro pq pra mim tudo zennnnnnnnnnn, qual besouro contra o vidro, onomatopéia, vrummm, ai ladrão de coração, tu tem perna mas tá longe de uma centopéia... paroh ali e cabou-se a parábola, bien, bem, fudeus, pra que mais ale´m?, pra que dê-erres, pra que degraus que agora só rebobinam a fita cassete perdida, se bem que..., a mina é de ouro, a serra é pelada, a lua tá cheia e o garimpeiro passeia no que reluz das idéia gaviônica, da febre do rato, da peste bubônica, pronto, essas coisa! E HAJA HOMEM A SOFRER POR AMOR Não é novidade, mas me espanta, para o bem, o número de homens sofrendo por amor. Declaradamente sofrendo por amor. Somente eles e o balcão, o único amigo que não dá cano, está sempre à espera dos nossos cotovelos e as suas dores cor de cinza. E o homem com uma dor, como disse o samuraipolaco, é um homem mais elegante, por supuesto. Isso é uma boa prova de melhora do mundo. Muitos homens sofrendo por amor. Drinque caubói na mão, olhar ao longe, um Leonardo Cohen, um Gainsbourg ou um brega de Odair, como canta o inimitável Torturra, dos Abimonistas –“até meu carro já não tem velocidade,/ pois ele sente saudade de quando andava com você/. Meu telefone que sabia quase tudo, de repente ficou mudo, e mais nada quer dizer./ O meu relógio sempre certo trabalhou, depois que ficou sabendo, nada mais ele marcou/. Se eu soubesse que eu iria lhe perder, não teria acostumado minhas coisas com você”. Se tiver chifre no meio, melhor ainda.Só o chifre nos humaniza, nos tira a banca, derrete o ego de macho como a pedra dos uísques mais sofridos, pedras do granizo das tempestades envelhecidas em barris de Shakespeare! E não é toda maneira de amar que vale a pena, como diz aquela péssima canção, tô fora. Só há um tipo de amor: o amor-rolimã, amor que deixa os joelhos e os cotovelos à mercê de pontos, muitos pontos, escoriações, rombos na carne, braços na tipóia, gesso com o nome dela, desalmada, como as quedas daquele brinquedo pré-skate, muito antes da invenção do patinete, o supostamente ingênuo carrinho de rolimã. O amor sanguinho novo, viejo Arnaldo Baptista, sangue que desce pela perna, joelho, batata, pé, dedos, e lá embaixo escreve o nome da peste na calçada, assim, bem derramado... O amor rolimã é sempre ladeira abaixo, rolamento oleado, viagem vertical, buraco, o japão da dor sem fim... Dói aqui, ó, pontada no estômago, como um boxeur que adivinha o golpe, que prescreve a corda e a coreografia do nocaute. Faísca nas rodinhas, rolamentos na pista, o incêndio das horas, a descida mais assassina, sai do meio, lá vai, lá vamos, lá vai, até quando? DROGARIA SAN PABLO um buraco vazio sem nome tinha-se instalado na parte posterior do meu cérebro, como prevenira toda a humanidade o sr. antonin artaud ao rabiscar as suas duas cartas exemplares sobre o vício do ópio em 15 de setembro do ano da graça de 1947. falta-me vinho, aguardente, o seu riso triste desconfiando das minhas desventuras, alguma droga possível nesse domingo à tarde em que o santos perde. estamos longe mas certamente o tédio dominicale nos une. sei, você tenta se confortar ou pular da janela com o breviário de cioran entre os dentes, faz isso não, baby, vai ao cinema. eu bebo, tomo um ácido chamado gogol e tento escrever um romance cujo protagonista é um belo pangaré azul de nome chivas que salva alucinados na sarjeta com trilha sonora de johnny cash. não, daqui ninguém sai vivo, baby, mas podemos dar uma bela foda suada na tarde de segunda, tomar uma cerveja no vento da esquina conversando sobre, digamos assim, os dois melhores cheiros do mundo para um hombre grudar aos dedos: alho e buceta, o primeiro na mão esquerda, o segundo na direita, como já dissera, por supuesto, o sábio autor de curva do rio sujo. LÁGRIMAS SUBTERRÂNEAS A moça chora no metrô. Por que chora aquela moça? Sempre acho que todo choro é ou deveria ser por amor, que me perdoem a pobre rima que reverbera aqui embaixo, nos subterrâneos, underground, tantas linhas depois daquela criatura deslizar o inferno rolante, lá no primeiro batente, e cair aqui, passos que conto como o rapaz do crime russo, degraus que ignoro para esquecer o tamanho da queda, deus, vixe. Uma grande dívida nunca nos põe a chorar de verdade. Por um familiar, choramos diferente. Desemprego? Não. Se não teríamos um Tietê, um Capibaribe, um Paraíba, um São Francisco a cada segunda-feira, cada esquina, lágrimas que manchariam a tinta dos classificados e seus quadradinhos lógicos, portas na cara, quem sabe da próxima, projeto ilusões perdidas... A moça tenta não soluçar, mas soluça. Terá discutido a relação, a velha d.r., à boca da estação Paraíso? Veste roupa de trabalho sério, e chora. Daqui a pouco estará sentada na sua cadeira de secretária, exímia, bilíngüe, a serviço do capital da avenida Paulista. Mas por enquanto chora a moça do metrô e é o que nos importa. Se não for por amor, eu morra. Terá levado um pé-na-bunda? Terá visto o casamento pelo binóculo do sr. Nelson Rodrigues? Perdoa-me por me traíres? Estação Consolação. Salta a moça que chora no trem veloz. Sempre há uma criatura a chorar no ônibus, também, ou again, dores pra amolecer o asfalto, sopra minha amiga Claudia Leal, que sempre pensa oferecer um ombro, um olhar de conforto, na linha Campinas/São Paulo. O amor é sempre assim, começa no paraíso e termina na consolação. Como no metrô. MIOJO SENTIMENTAL Em dez minutos, pronto, você está lá na maior das intimidades com a criatura. Tudo aquilo que demorava dias, meses, com as missivas ou flertes da vida real, virou coisa de segundos nesse outro plano. É o amor nos tempos do Messenger... Tudo muito rápido, espécie de miojo sentimental, emoções baratas, 3,5 minutos, ferveu, fodeu! Você nem carece pegar na mão, já vai direto pra cama, pra detrás da moita mais platônica. Não carece nem cantar Paulinho da Viola, olá como vai, quanto tempo, pois é, quanto tempo... E não é coisa apenas desses moços, pobres moços. Minha amiga K., por exemplo, 55 anos, Madame Bovary dos tempos digitais, tem quatro amantes “fixos” virtuais, além do marido de carne, osso e ronco, como ela mesma diz. “Vou deixar um deles, pois não tem comparecido a contento”, solta a blague. Todos jovens, quase donzelos, meu Deus. Antes bastava ficar de olho na chegada do carteiro, o bravo homem de amarelo, com o seu embornal de cobranças, boas novas ou lágrimas... Amor e tecnologia, um falso abraço. No princípio era apenas o bina, e matou o velho mistério do telefonema mudo e anônimo. Ofegante, a criatura, apaixonada, ligava só para ouvir a voz do obscuro objeto de desejo do outro lado da linha. Ou mandava uma música do Rei, de preferência a mais romântica: “Vou cavalgar por toda noite, numa estrada colorida...” É, o telefonema dos desencorajados do amor, esse clássico das antigas, está praticamente enterrado. Depois, chegou a telefonia móvel. Uma revolução na crônica de costumes. O fim de muitas desculpas canalhas. Tipo aquele homem que tomava um chá de sumiço e voltava, batom até no lenço d´alma, com os álibis mais inverossímeis desse planeta. Outra alvissareira função do celular é fugir dos mal-assombros sentimentais. Você quer ir numa festa e sabe que aquele infeliz pode estar lá, serelepe, nos braços de uma “vagabunda” qualquer. Uma ligação e pronto, o amigo dá o serviço completo das assombrações. Pena que o mesmo aparelho também sirva para matar as surpresas, o friozinho na barriga, aquela coisa toda, lembra? O amor nos tempos do Messenger. E o novo problema já está ficando velho, grego, decifra-me ou te deleto: como transformar uma tara platônica em uma trepada homérica? DO PÉ-NA-BUNDA E OS SEUS DERREDORES Ou de como as fêmeas desculpam facilmente os ditos homens sensíveis que jogam no Sigmund Freud Futebol Clube. É, nunca acreditem num homem que faz análise. Não que o divã faça mal ao homem; é que o marmanjo faz mal juízo do divã. Nunca vai saber, de papo para cima, que um cachimbo é apenas um cachimbo e nada mais. É mais fácil acreditar num homem que entenda de vinho, espécie também sob muita suspeita. Não que o vinho faça mal à espécie. Muito pelo contrário. É que o dito entendido tende a se levar a sério demais e confunde graduação alcoólica com sabedoria, Cabernet com poesia francesa. O pior é que as mulheres adoram e desculpam, sob a rubrica de que são “homens sensíveis”, choram, qualquer animal que vai ou diz que vai ao divã. As mulheres modernas de classe média, então, só aceitam pés-na-bunda daqueles que praticam o esporte do velho Sigmund Freud. “Ah, o cara é cheio de problemas, o analista dele disse que... Está passando por um momento difícil, confusão existencial etc etc. Caguei pra Shakespeare! Balela Futebol Clube. Como as mulheres caem nesse conto! Como desculpam, a pretexto do mito do homem sensível, a turma do divã, como se existisse homem sensível. É a melhor forma, não conheço outra, de dar um pé-na-bunda, com menos drama, no mulherio de classe média para cima. Diga o nome de um analista famoso, então, e tudo estará perdoado na bacia das pobres almas. Ah, não, o dr. Tenório disse que... Por isso, creio cada vez mais, que o amor só seja amor de fato adonde não conviva com fantasmas dessa natureza. Não vou fazer como em mesa de bar, quando chego a crer, do verbo mais intransitivo, que talvez nem possa existir amor na classe média para cima – segmento movido a gasolina, status, casamento de resultado, fundos, derivativos e sexo ocasional. Isso seria puro exagero retórico ampliado e envelhecido em barris de carvalho. Exagero puro para se fazer ouvir direito. Não cometeria também o exagero de Nelson Rodrigues, padrinho espiritual desse cronista ao lado do escriba Antonio Maria, de dizer que o amor só existe hoje nos subúrbios e nas pequenas cidades interioranas. Longe disso. É só um breve alerta para as moças ficarem de olho nesses cabras que se aproveitam da terapia ou da psicanálise, coisas mais do necessárias em muitos momentos da vida, claro, claríssimo, para arquitetarem os mais sinceros pés-na-bunda. O divã não pode chancelar esses crimes premeditados que já estavam engrenados na cabeça dos seus machos. O divã é para ser usado lindamente, como naquela música homônima de Roberto Carlos: “Eu venho aqui me deito e falo/pra você que só escua/ Não entende a minha luta/ afinal de que me queixo/ são problemas superados/ mas o meu passado vive/em tudo que eu faço agora/ ele está no meu presente/ mas eu apenas desabafo/ confusões da minha mente.// Essas recordações me matam, essas recordações me matam! COMO O HOMEM É BICHO SIMPLES E BESTA Das tragédias masculinas a cegueira pelo futebol sempre foi a mais grega e incompreensível por parte das mulheres. A loucura ludopédica é paixão sem medida, sem luz, enviesada, carregada de todas as trevas, capaz de fazer a criatura trocar um romântico cinema-demãos-dadas por uma pelada qualquer, debaixo de chuva, mesmo que seja contra o Íbis, considerado, amigas, vejam só, o pior time do mundo, mesmo que a donzela não acredite que isso seja humanamente verossímil. Não há miséria maior para a alma masculina do que o apego aos onze semelhantes que o defendem na mais épica das batalhas. O grito fanhoso de gol que vem de lá dos porões de todos os canteiros de obras, do fundo da mais suja das pensões de Santa Cecília, São Paulo, ou do sótão onde morei na Barão de São Borja, no Recife de todas as dores de amores emparedadas. Domingos capazes de derrotar o mais brutamontes dos homens, o mais seco, o mais sem emoção, o mais sem sangue nas veias. É, amigas, não há tragédia mais incompreensível do que a devoção por aqueles marmanjos suados tentando acertar o barbante inimigo. Embora algumas mulheres curtam também futebol e já tenham decifrado até a lei do impedimento, não há fêmea que compreenda essa nossa linda infantilidade. Meus Deus, como o homem é um bicho simples e besta. TOLI-TOLÁ A noite de San Pablo, também conhecida como deserto de Carençolândia, está menos tarada. Morreu o artista Armando Raphael, de 62 anos, mais conhecido como Toli-Tolá. O habitante destas plagas ou qualquer boêmio de passagem já esbarrou, pelo menos uma noite na vida, com o nosso amigo que acaba de viajar desta para uma bem melhor. Toli-Tolá vendia aqueles marcianos de pau duro e outras animações do gênero da porno-modelagem. Você estava ali no 171, cozinhando o juízo da mina ou tomando um baita pé-na-bunda , e lá chegava Toli-Tolá e os seus extra-terrestres em riste, atiçando os juízos e as causas finais. Nada mais direto, nada mais antitucanês na cidade de SP. Chega de metáforas, chega de sentir o bouquet de vinho caro, chega de pose, seu picareta barato, cu de cool é rola. Como diz uma negamiga, “calaboca e me fode, porra!” Como tenho pelo menos 5.475 luas de boemia nestas pradarias nocturnas, ouvi a saudação Toli-Tolá um trilhão de vezes, sempre com aquele sorriso de calmaria e bondade. Nosso primeiro encontro foi no Riveira, clássico dos clássicos, onde bebia a Rebordosa, ali na esquina da Consola com a Paulista, infelizmente cerrado, jaz. Estava na companhia luxo-sabedoria-e-riqueza de Luciana Araújo, uma amiga linda e amante do cinema cujos lábios valem pela coleção completa, encadernada em couro de leopardo, da Cahiers du Cinema com DVD de Vivre Sa Vie de brinde. Que saudade de Anna Karina! Que a terra lhe seja leve, Toli-Tolá, que os homens brochas aqui de baixo herdem a paudurescência dos seus animados marcianitos erectus. Amém. E que você, amigo, viaje loucamente agora pelo espaço como um astronauta que rejeita a volta. BALADA DO SEMI-ÁRIDO D´ALMA "Cabelos pretos anelados/olhos castanhos delicados/ quem não ama a cor morena/ morre cego e não vê nada." E Volta Seca, cangaceiro do bandomor lampirônico e sangrento, concluía a sua balada para uma cabocla matadora, por quem rastejava como o mais desalmado dos répteis do Raso da Catarina, o maior deserto semi-árido do mundo: "Se eu soubesse que chorando/ empato a tua viagem/ meus olhos eram dois rios/ que não te davam passagem". QUATRO POETAS E UN DOMADOR DE YACARÉS El Domador de Yacarés hay dicho: es más fácil domar un yacaré do que un hombre. Para domar el yacaré, arrancarle del corazón selbagem de lo viejo réptil encoraçado trés cosas: la cobiça, el rancor e la ignorância... de un corazón de un hombre és quase impossible arrancarle las miesmas cositas. E así El Domador hay me ensinado técnicas e recitado fábulas para los poetas durante los dias que passei em Assunción, esta ciudad renial e muy agradable,amable... Quatro poetas e un sábio domador de yacarés emborrachando-se de biño e oubindo cumbias antiapostolicas y camarón de la isla fantasmagórica pelas calles quilombeskas y misteriosas daquele pueblo guarany. Así hay ocorrido el gran encuentro cosmolórrico del portunhol selbagem, lengua elaborada pelo inimitable Douglas Diegues y curro embajador en San Pablo acabo de ser nobeado, tendo el comanchero Wander Wildner como representante da seccion Espanholito Selbagem, un typo de esperanto borracho e gauchesco que hay vengado na temporada de conciertos del café Camahléon, aqui neste sítio de Piratininga da rapaylândia. Na maravilhossa viarrem alejocarpetiana a Assunción, terra de chicas calientes e los ojos mais enigmáticos de todas las tribos da globolândia, jodeado pelas más guapas paraguasitas, el astronauta de los chacos, el kurupi manhoso don Douglas Dieguez apresentou-nos su más nuebo libro, lo renialíssimo “Rocio –sem trampas entres pindovys y cataratas del Yguazú”. Ustedes deserram conhecer la Rocío? Mirem que paraguacha incomparable clicando acá, mas cuidado para non enfartarse tiozitos que ya passaran de los cuarenta. Deserram travar conhocimiento com el impagable Domador de Yacarés? Aqui está em fotografia salida de ojos e manos de la mais guapa e empequizada das mulatitas brasileñas que habitam suelo de Paraguaylandia. Na miesma fileira, igualmente borrachos, el grand Cristino Bogado, autor de “Dandy ante el vértigo”, a quem agradeço por boníssima recepción, e Edgar, el cuervo que ri, além, claro de Everardo Leiton, que hay escribido el “Guia del idiota globalizado”. Pra finalizar, una frase de Rocio que causa ondas jigantescas na baia de Assunción: “Me gusta que me deixem halagada!” Las aventuras de los quatro poetas e el domador de yacarés continua neste miesmo sítio chapucero. Brieve neste cine. O GRAU 9 DA FEBRE SELVAGEM AMOROSA Sim, nada como o som e a fúria de uma mulher em plena febre amorosa. Nada segura. Mas nós também, enquanto Marcolas do amor, chegamos fácil ao grau 9 da maluquice obsessiva _grau 9 foi o álibi usado pela defesa de Suzane Richthofen, que teria matado os pais por amor doentio ao namorado_ sacando nossas peixeiras morais, tocando o terror no percussivo barracão de zinco. O nosso medo diante de um possível chifre, por exemplo, nos faz virar Coriscos, cegos belzebus, passionais MC´s sem rumo. Aí o termômetro bate 9 fácil. O amor é assim mesmo, depois nos acostumamos, e vemos como ser trocado por outro nos torna mais humanos, perdemos aquela empáfia de machos invictos e escrotos. Repito o velho mantra: só um chifre humaniza um canalha. Chegar à casa dos 9 é... ser traído por um amigo. Mas vem cá, meu camarada, você queria que a moça fosse dar para inimigos? Veja o lado bom das coisas.Relaxa, acontece, abafa o caso e pega de volta essa bela cria da tua costela, ela vai voltar mais gostosa e safada ainda, com direito a narrativas incendiárias. Chegar ao grau 9 é... ouvir as piores notícias daqueles lindos lábios, né velho Marçal Aquino? Como por exemplo: a emoção acabou, nosso romance esfriou... Você merece alguém melhor... Estou confusa, estou cafusa, bla, bla, bla, conta outra. Chegar ao grau 9 é... ouvir ali,na lata, que o outro é o rei do tantra, que é o outro domina todos os bambuais do kama-sutra, que o cara é o sexo mais selvagem desta babilônia, a transa mais homérica, o monstro sagrado da alcova. Homem não suporta ouvir esse tipo de prosa. Ai fere de jeito o tal do orgulho macho, a fúria domina... Ah, quanta bobeira, sossega, traz um calmante, um suco de maracujá, traz um copo de água com açúcar para o cidadão, Catatau, traz uma garapa, uma vodka pura, uma salineira encouraçada de responsa. Chegar ao grau 9 é... beber todas (quando a vida dói, drinque caubói!), chorar no ombro do garçom todas as mágoas, nadar no seco, ver a lua na sarjeta, e bater à porta dela de madruga, eu te amo, porra, abre-te sésama! Bater, bater e não ter resposta, ouvir apenas os gritos e susurros do outro lado. Ai é 9.9 na escala cornífera, uma fração de segundo para uma besteira, para um daqueles crimes que só o criminalista Troncoso Peres, o Shakespeare dos grandes casos do gênero, nos livraria do inferno. Calma, garotão, acontece. Homem que é homem chega ao grau 9 e não comete violências. A receita é simples para abaixar a febre: tome um grande porre, ao som de Leonard Cohen, Odair ou Chico Buarque, e risque o nome dela dos seus alfarrábios, como na balada sangrenta de Orlando Silva: "Risque ...... meu nome do seu caderno/ Pois não suporto o inferno/ Do nosso amor fracassado/ Deixe ........ que eu siga novos caminhos/ Em busca de outros carinhos/ Matemos nosso passado..." Vixi, isso é que é dolor, não aquilo que cultivo no jardim semi-árido lá de casa! NO REINO DA CARENÇOLÂNDIA Bravas fêmeas expulsas do paraíso por um deus misógino fundaram a Carençolância, no tempo em que tudo era apenas o fogo e o verbo. Mas foram os machos, porém, que se firmaram, nos dias que correm, como os mais legítimos cidadãos carençolandeses. Cuidado, frágeis!, eles estão perdidos, sejam metrossexuais, übersexuais ou brechossexuais [aqueles que só usam roupas com encosto de brechó]. Fracos, não agüentam o tranco das mulheres mais destemidas. Arrotam macheza nos botecos, mas logo que põem as patas em casa, uivam para a lua minguante e sonham com uma chuva de coleiras. O macho carançolandês não passa meia hora separado, não vive sequer o luto amoroso da resoluta que aplicou-lhe um conga no meio da bunda - a padoca mole e farta que dantes já prescrevia o chute. Ele vai lá e agarra a primeira que passa, nem que seja um manequim de gesso, como ocorreu ao meu amigo Sizenando, aquele mesmo que trabalhava como galhudo-mor nas crônicas de Rubem Braga. Bem-vindos ao reino da Carençolândia, esse golfo inevitável da existência. O pior é que a superpolação tem nos obrigado a dar alta até mesmo a alguns nativos, os carençolandeses que viram xenófobos, que se orgulham das suas dores e de suas buraqueiras d´alma. Uma gente que é só o oco, sabe?, com um caboré existencialista, chato, sartreano no último, cantando por dentro. Sim, na Carençolândia ninguém vem a passeio e o turismo é proibido. A Carençolândia é uma espécie de Mali, de Níger, de Burkina Fasso, de Guiné Bissau, de Chade... d´alma. A Carençolândia é o vale do Jequitinhonha metafísico que chia como catarro em nossos pulmões e tórax _diga 33!!! Carençolândia não tem sequer feriado. Um programa populista e eleitoreiro de saúde pública agora trouxe Prozac, Lexotan, Frontal e zilhões de remédios tarjas pretas para este reino. Os compromidos foram postos em toda a rede de água de Carençolândia... Adicionados ao sal, ao açúcar... Mesmo assim não houve um sorriso sequer, nem mesmo do gato lisérgico de Alice. Carentown, capital do reino da Carençolândia, ano da graça de 2007. A COMILANÇA Nada mais bonito do que uma mulher que come bem, com gosto, paladar nas alturas, lindamente derramada sobre um prato de comida, comida com sustança. Os olhinhos brilham, a prosa desliza entre a língua, os dentes, sonhos, o céu da boca. Ela toma uma caipirinha, a gente desce mais uma, sábado à tarde, nossa doce vida, nossos planos, mesmo na velha medida do possível. Pior é que não é mais tão fácil assim encontrar esse tipo de criatura. Como ficou chato esse mundo em que a maioria das mulheres não come mais com gosto, talher firme entre os dedos finos, mãos feitas sob medida para um banquete nada platônico. Época chata essa. As mulheres não comem mais, ou, no mínimo, dão um trabalho desgraçado para engolir, na nossa companhia, alguma folhinha pálida de alface. E haja rúcula! A gente não sabe mais o que vem a ser o prazer de observar a amada degustando, quase de forma desesperada, uma massa, um cuscuz marroquino/nordestino, um cabrito, um ossobuco, um barreado, um bife à milanesa, um torresmo decente, uma costela no bafo. Foi embora aquela felicidade demonstrada por Clark Gable no filme ''Os Desajustados'', quando ele observa, morto de feliz, Marilyn Monroe devorando um prato. E elogia a atitude da moça, loa bem merecida. Além do prazer de vê-las comendo, pesquisas recentes mostram que as mulheres com taxas baixíssimas de colesterol costumam ser mais nervosas, dão mais trabalho em casa ou na rua, barraco à vista, dê-erres sem fim... Nada mais oportuno para convencê-las a voltar a comer, reiniciá-las nesse crime perfeito. Às fogazzas, aos pastéis, aos cabritos assados e cozidos, ao sanduíche de mortadela, ao lombo, de lamber os lábios, ao chambaril, ao churrasco de domingo para orgulho do cunhado, que capricha na carne e sabe a arte de gelar uma cerva de primeira. E aquela fava, meu Deus, com charque, enquanto derrete a manteiga de garrafa, último tango do agreste... O importante é reabrir o apetite das moças, pois, repito, senhoras e senhores, homem que é homem não sabe sequer _nem procura saber_ a diferença entre estria e celulite. FLAGRANTE DELITO “Ah uma carta anônima!” Era a expressão mais comum do mundo quando alguém via um malfeito amoroso, como uma suposta traição, por exemplo, e não se aguentava em si. “Ah uma carta anônima!”. E algumas criaturas de sangue quente se metiam mesmo a missivistas. Como se combatessem todas as injustiças do mundo. Selavam o estrago. As próprias amantes tinham lá essa mania, recurso do método para botar fogo nos lares. Lambiam o envelope, saliva da vingança, com requinte. “Estou te avisando porque sou tua amiga...” Assim postavam as maltraçadas. No filme Amarelo Manga, de Cláudio Assis, uma mulher traída arranca no dente a orelha de uma amante depois de uma carta anônima assinada singelamente “tua amiga”. Pense numa cena vangoghiana! Meu amigo Gersolino se divertia nas festas mais, como se diz, liberais, permissivas: “Ah uma carta anônima!”, babava. Imaginem agora. Sem carecer nem mesmo gastar a saliva nos selos, os tempos modernos nos trouxeram a explosão da carta anônima de volta. “Ah um hotmail anônimo!”. Você vai lá, fácil que nem empurrar bêbado ladeira abaixo, e cria o endereço da maldade. A carta tinha mais credibilidade e carga dramática –do ato de rasgar aquele envelope misterioso ao “decifra-me ou te devoro” da caligrafia-, mas o estrago de um email bem fundamentado pode ser equivalente. Nitroglicerina pura. Oh, mr. Postman, a denúncia amorosa, verdadeira (ou falsa), nunca esteve tão à mão, tão em moda. Agora com um requinte de crueldade dos tempos digitais: a fotinha do flagrante delito como anexo da maldade! A SOLIDÃO NÃO VENDE CELULARES Aproveito o barulho da efeméride, o dia dos pombinhos, para tratar das vantagens da solidão _essa pantera inseparável, como dizia Augusto dos Anjos, nosso primeiro punk metafísico. Que massacre, celulares, fofurinhas, shopping, saco! O massacre é tanto que alguns solitários se trancam dentro de suas casas neste dia bizarro. A vergonha de ser sozinho(a) depois de tanto sambaexaltação e a porra da felicidade publicitária nos nuestros juízos e cabeções. Imagina sair por ai e almoçar solamente só, melar os beiços com a solidão de um galeto, e voltar para casa chupando o frio chicabon dos desamparo? Muita gente acha um vexame! Não sabe que é, na maioria das vezes, uma puta vatagem, mas não com esse cardápio, claro, galetinho-gloss ninguém merece. Como cantarolava o Jorge Ben das antigas, “mas que nada, saia da minha frente que eu quero passar...” Como diz uma amiga: eu chuto pombinhos nessa data fofinha e querida! Nada mais elegante do que a solidão tranquila, um trago no balcão do bar, ninguém para encher o saco _a não ser os chatos que se multiplicam por ai, onipresentes, malas, malas, malas. Esses, porém, a gente se livra fácil, não voltam para os nossos lares doces lares. Não que o amor não seja lindo. Nada disso. “Te amo porra”, bem sabes, como diria mi amigo Campos Viejo. É obvio que vivemos grandes momentos envenenados por Cupido e suas maçãs carameladas. O que faço em mais este panfleto avulso é uma defesa da decência solitária, o direito até de esnobar com um "I want to be alone" à Greta Garbo, de não cair no conto do amorzinho a qualquer preço. De não deixar-se adoecer pela data. A solidão não vende celulares, a solidão está à prova dos truques publicitários, a solidão é revolucionária, a solidão é chique no último, classe! Aquela coisa de chegar em casa, botar um disco novo, tomar um uísque... De cantar Antonio Maria da forma mais irônica, como ele também hoje cantaria: “Ninguém me ama/ ninguém me quer/ ninguém me chama/ de Baudelaire...” Não se deixe intimidar, amiga, pelos coraçõezinhos de vento que hoje tomarão conta dos tetos das churrascarias, cantinas, bistrozinhos très romantic... Lembre-se das falsas promessas, dos chifres, das decepções, dos amores filhos-da-puta, das falhas de caráter, daquele campeonato atrás do outro, da sogra infernal, das ilusões perdidas... Solitários e solitárias, cantemos com os jovens e amorosos mancebos do Mombojó, esse é o reino da alegria, tudo pode acontecer, não temam, todos às ruas, livremente! E se não acontecer nem tão breve, foda-se de qualquer jeito a nobre data, bote Rolling Stones bem alto, peça um uísque duplo e mate com força todas as bolas do pano verde. Viver é sinucar-se, sempre! BALADA DO SEMI-ÁRIDO D´ALMA "Cabelos pretos anelados/olhos castanhos delicados/ quem não ama a cor morena/ morre cego e não vê nada." E Volta Seca, cangaceiro do bando-mor lampirônico e sangrento, concluía a sua balada para uma cabocla matadora, por quem rastejava como o mais desalmado dos répteis do Raso da Catarina, o maior deserto semi-árido do mundo: "Se eu soubesse que chorando/ empato a tua viagem/ meus olhos eram dois rios/ que não te davam passagem". QUATRO POETAS E UN DOMADOR DE YACARÉS El Domador de Yacarés hay dicho: es más fácil domar un yacaré do que un hombre. Para domar el yacaré, arrancarle del corazón selbagem de lo viejo réptil encoraçado trés cosas: la cobiça, el rancor e la ignorância... de un corazón de un hombre és quase impossible arrancarle las miesmas cositas. E así El Domador hay me ensinado técnicas e recitado fábulas para los poetas durante los dias que passei em Assunción, esta ciudad renial e muy agradable,amable... Quatro poetas e un sábio domador de yacarés emborrachando-se de biño e oubindo cumbias antiapostolicas y camarón de la isla fantasmagórica pelas calles quilombeskas y misteriosas daquele pueblo guarany. Así hay ocorrido el gran encuentro cosmolórrico del portunhol selbagem, lengua elaborada pelo inimitable Douglas Diegues y curro embajador en San Pablo acabo de ser nobeado, tendo el comanchero Wander Wildner como representante da seccion Espanholito Selbagem, un typo de esperanto borracho e gauchesco que hay vengado na temporada de conciertos del café Camahléon, aqui neste sítio de Piratininga da rapaylândia. Na maravilhossa viarrem alejocarpetiana a Assunción, terra de chicas calientes e los ojos mais enigmáticos de todas las tribos da globolândia, jodeado pelas más guapas paraguasitas, el astronauta de los chacos, el kurupi manhoso don Douglas Dieguez apresentou-nos su más nuebo libro, lo renialíssimo “Rocio –sem trampas entres pindovys y cataratas del Yguazú”. Ustedes deserram conhecer la Rocío? Mirem que paraguacha incomparable clicando acá, mas cuidado para non enfartarse tiozitos que ya passaran de los cuarenta. Deserram travar conhocimiento com el impagable Domador de Yacarés? Aqui está em fotografia salida de ojos e manos de la mais guapa e empequizada das mulatitas brasileñas que habitam suelo de Paraguaylandia. Na miesma fileira, igualmente borrachos, el grand Cristino Bogado, autor de “Dandy ante el vértigo”, a quem agradeço por boníssima recepción, e Edgar, el cuervo que ri, além, claro de Everardo Leiton, que hay escribido el “Guia del idiota globalizado”. Pra finalizar, una frase de Rocio que causa ondas jigantescas na baia de Assunción: “Me gusta que me deixem halagada!” Las aventuras de los quatro poetas e el domador de yacarés continua neste miesmo sítio chapucero. Brieve neste cine. UM GAY É TUDO NAS NUESTRAS VIDAS Nada como um gay nas nossas pobres existências sobre a terra, essa passagenzinha de nada, velho e bom Allan Kardec, meu camarada. Sim, um gay de verdade, com toda a sua riqueza & almodovares corazones. Agora falando mais sério ainda: um gay é tudo em nossas pobres & toscas vidas. Duas ou três coisas que deveríamos saber mesmo sobre eles: toda grande mulher tem um gay como principal e inseparável amigo; festa sem gay não decola, não emplaca, não orna; o mundo sem estas alegres criaturas seria chato pacas. Festa sem gay não tem liga, nossas mulheres sem eles não são as mesmas malucas. São sentenças bíblicas. Deveriam constar de lei federal, nas tábuas de Moisés, em todos os testamentos. Você já viu uma festa sem gay animada? A pista não pega fogo, as mulheres não têm com quem tricotar sobre o modelito da perua de vermelho... Seja forró, o velho e flamejante roque, música eletrônica ou um sambinha esquema novo na laje da gostosa. Seja em Nova York, Moça Bonita, Crato, Aratama, Floripa, seja ouvindo a Nhocuné Soul na vila homônina da ZL paulistana. A mesma lição da festa perfeita vale para a amizade das nossas gazelas. Mulher sem um amigo gay nos arredores não tem graça. Com um gay como melhor amigo, ela fica mais inteligente, mais bem-humorada, mas faceira, acerta a roupa que veste, endoida o cabelo pra sair da rotina, melhora tudo, incluindo as filosofias e mumunhas de alcova. E você, cabrón, enquanto a amada vai ver o filme-cabeça com a biba amiga, ainda pode ficar em casa curtindo tranqüilamente aquele Santos x São Paulo, aquele Sport x Corinthians, aquele Grêmio x Boca, aquele Fla X Galo, aquele Fogão x Goiás, aquele Icasa x Porto pela terceirona... Ora, nada melhor para nos livrar daquele filme iraniano, paquistanês, taiwanês, tibetano... Uma beleza, uma mão-na-roda essa parelha. Sem esquecer, claro, que você, cabrón, também terá um grande amigo, normalmente brilhante, para quebrar um pouco a rotina da testosterona à milanesa do boteco, pra sair um pouco daquela prosa oleosa de macho, saco. E você ainda pode aquendá-lo, vez por outra, com uma graça do tipo “amigo gay para mim é homem eu só... ". Bem, deixa pra lá, meu bom rapaz, vou nessa, valeu, a gente se fala. QUANDO AS MULHERES ACORDAM* Impagável uma mulher quando acorda. Nada mais lindo e misterioso do que uma mulher acordando. Do que uma mulher antes das 10h da manhã, como uma vez vi umas fotos num livro de arte inglês, pelo que me lembro ou sonho. Uma mulher e suas verdades nos olhinhos que se espantam com o mundo como uma criatura que acaba de sair do útero, o maior dos sustos, o maior dos assombros da existência. Umas têm um mau humor tremendo, meu Deus, te deixam acuado,são capazes de te xingar, espezinhar, te maldizer, para depois te amar ainda mais. Outras acordam paranóicas com os cabelos, tenham caracóis, segredos, ou sejam lisos, loiros ou negros. Ainda mais se for no começo do amor, do caso, do namoro, do ensaio de casamento. Estas nos deixam na cama e correm para o espelho. Tudo por uma rápida conferência de Narciso. Se acham que estão “horríveis”, naquele jeito, como naquele hiperbólico julgamento, dote tão feminino, te abandonam por horas no banheiro... E voltam as mais lindas desse mundo. Existem aquelas que não estão nem ai, estas são raras, acordam e te presenteiam com aquele sorriso, como se tivessem sonhado com a possibilidade do nirvana ao teu lado, cria da tua costela, como canta o outro Chico, uma beleza de menina! Os mistérios de uma mulher quando acorda são muitos. Umas simplesmente silenciam, no máximo um monossílabo, isso quando são, por alguma razão, indagadas. Elas têm dúvidas, ainda não sabem se amam ou não amam, elas ainda guardam velhas heranças amorosas, tudo bem, coisas da vida. Algumas acordam assustadas, como se dissessem, “que besteira eu fiz, nunca mais eu bebo”. Outros te mandam embora antes da aurora, para dormir o sono dos justos, o sono que livra de pesos na consciência e possíveis laços imediatos. Certíssimas. Adoráveis aquelas que mantêm a posição de “conchinha”, embora os motores da cidade já ronquem, apesar de todos os despertadores, todos os celulares. Estão são plácidas, jamais submissas. Existem aquelas que acordam e põem logo uma música, uma música de acordo com o clima. Se tem sol, rock´n´roll, se faz frio, jazz, algo cool... Se o dia está cinza, toca aquela, que diz assim, como não quer nada, uma porrada, “ah insensatez, que você fez, coração mais sem cuidado...” Nada mais lindo e misterioso do que uma mulher acordando, seus gestos, a dramaturgia, o arranque para a vida ou a inércia nos teus braços. Os barulhos de uma mulher acordando, a música dos ossos se espreguiçando, os gerúndios tantos das ações e silêncios, o chuveiro ao longe a nos dizer tantos desejos e coisas, meu Deus, aquela água já escorre linda e faz pocinhas líricas nas saboneteiras... Quantas dúvidas e quantas certezas acordam juntas quando uma mulher acorda. <*publicado há uns dois anos aqui neste Carapuceiro, estas mal-traçadas acabam de sair no livro "As cem melhores crônicas...", org. Joaquim Ferreira dos Santos, pela ed.Objetiva. O livro tem os caras que nos ensinam a escrever crônica:Machado, Nelson Rodrigues, Rubem Braga,Antonio Maria, Clarice, João do Rio, João Antonio e outros bambas.Vale por eles!> JAZZ-GRANIZO SOBRE O TETO QUENTE DO FUTURO sim, minha menina, pode tirar a calcinha, meu amor, eu disse, ela implorava, pois o costume e o combinado era não tirar quase nunca, o caminho era pelos cantinhos, os aceiros, os cantinhos da existência, os acostamentos das dores do mundo & seus derredores posssíveis, explorá-los todos, cada beiradinha de vida, como numa floresta, as pocinhas d´água e desejo e ainda o suor que caía como chuva guardada na copa das árvores dos seus cabelos, como aqueles pingos da chuva mesmo que ficam guardados nas folhas das folhas da relva, chove, meu amor, derrama tudo dos guardados, das nuvens escuras dos nuestros obscurantismos, tira a calcinha como quem tira o juízo, como quem deixa o passado guardado com o chapeleiro de alice e viaja no reino do vaisem-volta como aquelas noites em que eu roubava flores para usted no mais vagabundo quiosque e fodíamos sem cabeças a atrapalhar nuestras bidas... cabeças demais só atrapalham nuestras belas phodas... não temos cobertores para tantos pensamentos... tira a calcinha, amor, mas somente esta noche, eu deixo, hoje tudo pode, juro, escuta, tira, me beija enquanto os céus batucam jazz-granizo sobre o teto quente do futuro. DAS FRUTAS DA ESTAÇÃO Uma das queixas recorrentes sopradas pelas mulheres, sejam raparigas em flor ou lindas afilhadas de Balzac, diz respeito à pratica milenar do sexo oral por parte dos vossos mancebos. Além de displicentes e pouco devotos, os rapazes, em particular os da novíssima geração, não estariam voltados para tal cerimônia como necessário, como manda o rito. “Ou como antigamente,” suspira o bloco da nostalgia precoce. O protesto do megafone do mulherio faz lá o seu sentido. Maria do Carmo, aquele rapaz que comprei do escriba Tarso de Castro e infiltrei nos banheiros femininos, anda espantado com o volume de reclamações neste tema tão nobre. “Os cabras estão chegando aos 30 anos sem saber sequer dar um bom dia a uma mulher”, diz o meu auxiliar esquisitão. Foi ai que lembrei de uma lição das antigas: a pedagogia da manga. Os mais velhos, sobretudo nas cidades e vilarejos do interior, aconselhavam os mancebos a chupar a fruta da mangueira como educação sentimental para o futuro homem na alcova. Além de saudável, o exercício evitaria queixas femininas como as que hoje reverberam nas nossas oiças atentas. Olha a manga, olha a manga, gostosa! Chupar manga com gosto, lambuzando-se todo, como nas descrições gilbertofreyrianas. Não como o cão chupando manga, feio, mal-assombrado e sem jeito. Jamais com assepsia ou nojo, medinho do novo macho diante do velho mundo. Nada de medo do goleiro diante do pênalti. Chupar manga com a devoção que devemos às mulheres. O amarelo manga tingindo, tingindo, tingindo de cor a face pálida dos amores possíveis. DO COMOVENTE CHORO PÚBLICO DAS MULHERES Uma das grandes vantagens das mulheres sobre nós é a coragem, o destemor, de chorar em público. Se o choro vem, as mulheres não congelam as lágrimas, como os machos, não guardam as lágrimas para depois, como nós guardamos, não levam as lágrimas para a envergonhada cisterna dos fracassos. Homem que não chora não merece muita confiança. As mulheres não, falo da maioria das moças, desabam em qualquer canto e hora. Se estão mal de amor, choram na firma, no escritório mesmo, na fábrica, choram no trânsito, choram no metrô, simplesmente choram. Como invejo as lágrimas sinceras das fêmeas. Quantas vezes a gente não se preserva, por fraqueza, enquanto as lágrimas, em cachoeira, batem forte no peito machista e viram apenas pedras do gelo do uísque no happy hour mais grosseiro e vagabundo. Como invejo as mulheres que misturam sim o trabalho com o drama heavy metal da existência. Desconfio da frieza profissional, das icebergs de tailleur, que imitam os piores homens e guardam tudo para molhar o travesseiro solitário numa noite de inverno. Ora, as mulheres podem ser infinitamente poderosas, administrarem plataformas de petróleo nos mares... e chorarem um atlântico diante de uma alma perra e sem cuidados. Lindas e comoventes as mulheres que choram em público, nas ruas, nos bares, nos restaurantes, nas malocas, no táxi. São antes de tudo umas fortes. Tristes dos que estranham ou ficam envergonhados com o mais verdadeiro dos choros. O eterno medinho do macho diante do pênalti que vale uma vaga no torneio da dignidade. DA DEVASSIDÃO COMO POLÍTICA DA FÊMEA a purificação de uma mulher só é possível na medida em que ela resolve ser uma devassa, como entre o povo tártaro; devassa no sentido de não temer o despudor nem a língua salivante da inveja; devassa como política libertária; como entre os negros do Rio Gabão e da Costa da Pimenta, que entregavam suas mulheres aos próprios filhos, a melhor das bênçãos; como no reino de Judá; só a lascívia embeleza uma fêmea; só mesmo os povos embrutecidos pela superstição, reza o marquês, pode acreditar no contrário; e acreditar no contrário é ir contra a nossa própria natureza. EL FUEGO NO RÁDIO Fui lá no programa do Caco Galhardo, el Fuego en el Radiito, da Radio UOL,hacer la defesa do portuñol selbage, cuja embaijada em San Pablo me foe confeada pelo astronauta de chacos paraguayos Douglas Diegues, el comandante en chiefe del portunhol selbagem, lengua q abarca o português, o espanhol y, claro, cunhã-tai, o guarany. Enfim, lo esperanto de las fronteras. Gracias a las indagaciones iluminadas de Caco & la rovem ramurschiana Ana Pandez, a tertúlia hay me contentado muchissimo. De quebra, o amigo lector ainda ganha uma foto otima para pendurar em algum espantalho da sua roça ou canteiro de obras. Detalhe: na foto, tento imitar a pose solene de los escribas que ganham el premio Pulitzer,por supuesto. Buenas marés a todos. TIPOS INESQUECÍVEIS - O HOMEM DO GÁS(I) Nada do velho mecânico sujo de graxa, o pescador da praia semivirgem ou o caminhoneiro na banguela do desejo e da sorte. O fetiche rupestre da vez é o homem do gás. Aquele barulhinho no botijão, tec-tec-tec, prefixo incendiário dos vendedores do gênero, virou Mozart para o ouvido das moças, as moças prendadas, as moças que cozinham os nossos juízos e fazem sarapatel, já em plena lua de mel, dos nossos pobres corazones. O encanador, esqueça, o operário teve o seu tempo entre as belas comunistas dos anos 70, o leiteiro, adeus, foi atropelado pela vaca mecânica, o carteiro, coitado, foi mordido pelos cães modernos da impaciência, a carta de amor também, meu bem, já era. Adeus urso pé-de-lã, civilizadíssimo, bons modos, amante da discrição e do silêncio, o sábio come-quieto, esqueça. A hora e a vez, reza a crônica de costumes, é do nada discreto homem do gás. Celebrado pelo grupo Tanga de Sereia, Recife, Pernambuco, o malaco, o ligeiro, o tinhoso, o tampa de Crush dos novos tempos não é apenas mais um Ricardão passageiro, coisa de moda, tendência etc. O homem do gás é o novo terror dos lares, mal-assombro sem mistério que age em plena luz do dia, ali por volta das onze e meia, quando o tempero da vizinha reacende a vida, quando a fome e a vontade de comer dançam a valsa da “mucica”, quando a panela de pressão apita na curva. Pense numa criatura por quem não podemos mesmo botar a mão no fogo. Pense numa criatura altamente periculosa e inflamável. “Eu tão necessitada,mandei ele entrar/ Não esqueço jamais/ E com o meu corpo em chamas/ Fiz amor com o homem do gás”, diz a edificante letra de Paulo Roberto, rapaz decente do conjunto musical supracitado. Mas perdição mesmo é o clipe da música do Tanga de Sereia com a atriz Hermila Guedes (dos filmes “Céu de Suely”, “Baixio das Bestas”, entre outros), no papel da honesta chofer de forno & fogão. Um sucesso aquele shortinho amarelo! Para ver o clipe é só buscá-lo no Youtube, a bodega televisiva da Internet. Ai você verá do que é capaz o homem do gás. O sujeito entra abaixadinho feito mecânico de skate. Pense no estrago e na sorte do homem. E como é linda essa Hermila, sua beleza nunca cansa, merece todos os bregas, sambas, boleros e cha-chas-chas . É pelos ossinhos das saboneteiras que se conhece, logo à primeira vista, uma estrela. Reparem nesta lição de anatomia de Hermila. Coisa mais linda! Se, como dizia Vinicius de Moraes, uma mulher sem saboneteiras é como um rio sem pontes, Hermila é o São Francisco na altura de Juazeiro e Petrolina, com aquele pontilhão gigante que une a Bahia a Pernambuco. E foi justamente dali, de Cabrobó, município banhado pelas mesmas águas do velho Chico, que Hermila ganhou o mundo. É de incendiar o coração de qualquer homem do gás, é de fazer borbulhas de amor e sabão no mais vedado dos botijões de uma casa. Não foi à toa que a turma do “Sopa de Tamanco” elegeu Hermila como musa-mor. No júri, escribas do melhor naipe, como Geneton Moraes Neto e Amin Stepple. É, amigo, o cafuçu da hora é o homem do gás, todo cuidado é pouco com esse cabra, pois ele chega justo na hora em que você reclama da comida de casa, na hora do enjôo, do fastio de viver, exatamente naquela fase que negamos amor & fuego. O MSN E O AMOR OU MIOJO SENTIMENTAL Em dez minutos, pronto, você está lá na maior das intimidades com a criatura. Tudo aquilo que demorava dias, meses, com as missivas ou flertes da vida real, virou coisa de segundos. É o amor nos tempos do Messenger... Tudo muito rápido, espécie de miojo sentimental, emoções baratas, 3,5 minutos, ferveu, fodeu! Você nem carece pegar na mão, já vai direto pra cama, pra detrás da moita mais platônica. Não carece nem cantar Paulinho da Viola, olá como vai, quanto tempo, pois é, quanto tempo... E não é coisa apenas desses moços, pobres moços. Minha amiga K., por exemplo, 55 anos, Madame Bovary dos tempos digitais, tem quatro amantes “fixos” virtuais, além do marido de carne, osso e ronco, como ela mesma diz. “Vou deixar um deles, pois não tem comparecido a contento”, solta a blague. Todos jovens, quase donzelos, meu Deus. Antes bastava ficar de olho na chegada do carteiro, o bravo homem de amarelo, com o seu embornal de cobranças, boas novas ou lágrimas... Amor e tecnologia... No princípio era apenas o bina, e matou o velho mistério do telefonema mudo e anônimo. Ofegante, a criatura, apaixonada, ligava só para ouvir a voz do obscuro objeto de desejo do outro lado da linha. Ou mandava uma música do Rei, de preferência a mais romântica: “Vou cavalgar por toda noite, numa estrada colorida...” É, o telefonema dos desencorajados do amor, esse clássico das antigas, está praticamente enterrado. Depois, chegou a telefonia móvel. Uma revolução na crônica de costumes. O fim de muitas desculpas canalhas. Tipo aquele homem que tomava um chá de sumiço e voltava, batom até no lenço d´alma, com os álibis mais inverossímeis desse planeta. Outra alvissareira função do celular é fugir dos mal-assombros sentimentais. Você quer ir numa festa e sabe que aquele infeliz pode estar lá, serelepe, nos braços de uma “vagabunda” qualquer. Uma ligação e pronto, o amigo dá o serviço completo das assombrações. Pena que o mesmo aparelho também sirva para matar as surpresas, o friozinho na barriga, aquela coisa toda, lembra? O amor nos tempos do Messenger. E o novo problema já está ficando velho, grego, decifra-me ou te deleto: como transformar uma tara platônica em uma trepada homérica? RUMO AO SOL POENTE A vida é um faroeste freudiano no qual nem nuestras madres saem vivas ao finale. Não poderia dar nada certo num filme como este. Todo hombre és um cavaleiro solitário nesta película. Da nascença ao túmulo ou às cinzas. Tudo tão óbvio que não devemos gastar tintas finais com esse tipo de raciocínio aqui jaz, amém... A velha entra no saloon da existência numa tentativa de agradar com mamadeiras de tequilas e peitos ainda rijos. La madre tem uma única certeza: és lo/a único/a personagem que morrerá antes da merda. As mães estão condenadas, principalmente pelas filhas, a morrerrem cedo. Útero é intriga. MAIS UMA SIESTA QUE NÃO SOU BESTA Os sonhos de las siestas são os novos filmes feitos pelos cineastas mortos, maneira del diablo ocupar-lhes no inferno. O bom é que todos eles, de ressaca de las fuzarcas, pegam sobras de películas de don luis buñuel e dão o truque no demo, que cai feito um pateño, para nuestra suerte, por supuesto, bons filmes a todos e lembrem-se: a vida não tem reverso muito menos portas antipânico. OS ESQUECIDOS, LOS OLVIDADOS Quis o destino, este virtuoso maestro do óbvio, que o velho e negro gato fosse esquecido no sótão da casa pelos donos sem memória. Ali sobrou também um rato, o mesmo que agora avança sobre a ratoeira armada cuja isca é um corte de queijo atacado pelos vermes. O gato, com o seu apuradíssimo senso de justiça, impede a morte do inimigo histórico. Não é justo morrer por um pedaço de queijo apodrecido. Para salvá-lo da morte injusta, o gato foi obrigado, porém, como determina a ordem natural das coisas, a devorar o rato. DE UM BREVE TEOREMA tu vestias uma saia quadriculada igual aaquela da moça do blow-up, nuestros corazones comiam felizes as formigas do picnic, eu brincava de me esconder da polícia beijando as tuas coxas, chovia, fazia sol, fazia frio, tudo dentro da ordem natural das coisas, a diferença era que nós dois, sabe nós dois quando existíamos? Víamos o mundo com olhos de ANTONIONI. INGMAR BERGMAN É APENAS UM CADÁVER GELADO Nem me venha miss Friaca, Ingmar Bergman está morto e não caio mais no conto sartreano, há tempos assassinei aquele anão perverso, o marido de dona Simone... e mudei de mala-e-cuia, mystery train, pra Guadalajara, adonde Elvis já me esperava naquele bar que fedia a mijo, limão e coragem, nem me venha Jean-Paul, você não me pega mais com a sua velha cartilha sem-saída, estoy careca mas meus longos cabelos renascem no vento quando sonho com um novo road-movie no deserto, nem venha me fazer usar gola rulê e acreditar no frio d´alma, adiós nouvelle vague, cá em Guadalaraja os homens não têm tempo para frescuras do naipe, faz sol, e Lourdes y Felipe me ensinam os segredos do peyote e do agave. A ARTE DE PEDIR* Uma das maiores virtudes de uma fêmea é arte de pedir. Como elas pedem gostoso, como elas são boas nisso. Resistir, quem há de? Um simples “posso pegar essa cadeira, moço?” vira um épico. É o jeito de pedir, o ritmo da interrogação, a certeza de um “sim” estampado na covinha do sorriso. Pede que eu dou. Pede todas as jóias da Tiffany´s, minha bonequinha de luxo. Estou pedindo: pede! Eu imploro, eu lhe peço todos os seus pedidos mais difíceis. Não me pede nada simples, faz favor, please. Já que vai pedir, que peça alto. Você merece, uma mulher como essa não tem preço. Um concerto de Iggy Pop, bem longe? Te levo. Amor sincero? Fácil, fácil. Fidelidade? Acabo de criar o seu exclusivo cartão de milhagem. Como é lindo uma mulher pedindo o impossível, o que não está ao alcance, o que não está dentro das nossas posses. Podemos não ter onde cair morto, mas damos um jeito, um truque, 12 vezes sem juros, no pré-datado, no cheque sem fundos. Até aqueles pedidos silenciosos, quando amarra a fitinha do Senhor do Bonfim no braço..., são lindamente barulhentos. Homem que é homem vira o gênio da lâmpada diante de uma mulher que pede o impossível. Ah, quero o batom vermelho dos teus pedidos mais obscenos. “Amor, posso te pedir uma coisa? Posso mesmo?” Flores de helicóptero? Como na filosofia do pára-choque, o que você pede chorando que não faço sorrindo?! Pede, benzinho, pede tudo. Que eu largue a boemia, pare de beber e me regenere??? Pede, minha nega, que o amor tudo pode. Mesmo as que têm mais poder de posse que todos nós não escapa de um belo pedido. Com estas, as mais poderosas, tem ainda mais graça. Elas pedem só por esporte ou fetiche, o que não lhes comprometem a pose e muito menos a independência futebol clube.Não é questão de poder ou dinheiro. O que importa é o pedido em si, o romantismo que há guardado no ato. Eu lhe peço: me pede. Não pede mimos baratos, pede atenção, por exemplo, essa mercadoria tão cara ao mundo das moças. Pede, amorzinho, pede gostoso, sou o senhor das tuas demandas. [* crônica republicada a pedidos] NO ESCURO DO PONTO FUTURO a nova tatuagem vingada no lençol como xilogravura de nódoas, o sanguinho novo, Arnaldo Baptista na dor carnaúba do vinil na agulha, eu vou voltar pra Cantareira, a linda poça no taco, brincamos mas no fundo marcas... isso é arte, la fura dels baus, catalúnias & arrecifes & cratos, la fúria dels baus... e o futuro é a casca de banana de sempre no escuro do quarto do amor que é sempre cego mesmo no mó-claro, amo teus erres rrrrrrrrrrrr paulistanos que roem como um rato a roupa que encobre o desejo do rei de roma e de todos os nossos palíndromos, bifrentes e anacíclicos, socorram-me, sarytas, que já estou para lá do Marrocos, pisando em falso na estréia dos novos óculos multifocais que ensinam ao corpo uma nova pegada, um neo-braile para mais um último tango no chão vazio e escuro da sala. COMO ELIMINAR UM AMANTE O leitor aflito me escreve. Quer ajuda, conselhos, alguma filosofia de consolação, ombro, ouvidos... Invoco a Miss Corações Solitários que costuma fazer morada nesta pobre caveira envelhecida em barris de bálsamo. Não posso deixá-lo a mascar o jiló do abandono. Está desconsolado, como o Sizenando de Rubem Braga, que viu a amada cair nos braços de um playboy. Um idiota que não sabia sequer uma palavra de esperanto. A vida é triste, Sizenando, como soprou-lhe o cronista. Com Amaro, chamemos assim o nosso ensaio de Bentinho, não foi diferente. Quis o destino parafusar-lhe objetos pontiagudos à testa. Sim, ela tem um amante. Daqueles amantes que se encontram à tarde, num intervalo qualquer, no recreio da vida chata. Nem foi preciso contratar o detive particular, conta-me o nosso Amaro. Ele mesmo fez as vezes de cão farejador de sua própria desgraça. Que fazer?, indaga, num email no qual até a arroba bóia em poças de lágrimas. Mato o desgraçado? Tiro a vida da desalmada? Vou-me embora pra Tegucigalpa? Salto mortal da ponte Buarque de Macedo? Um trágico, esse rapaz. Como os de antigamente. Amaro é do tempo em que os homens coravam. Ainda tenho vergonha na cara, envaidece-se o próprio. Sossega, Amaro. O melhor que fazes, respondi ao marido em fúria, é sumir por uns dias, inventar uma viagem, e dar todo tempo do mundo ao infeliz desse amante. Banalizar o amante, meu caro e bom Amaro. Entendeste? Deixar que eles durmam e acordem juntos. Que tenham seus problemas, que percam o luxo dos encontros fortuitos e vespertinos, que se esbaldem e gastem toda a luxúria. É necessário deixar a Bovary sentir o bafo matinal da rotina. A vida dos amantes dura porque eles só vivem as surpresas e valorizam cada minuto do relógio que põem sobre a cabeceira daquele motel barato. Nada mais cruel para o amante da tua mulher que presenteá-lo com o pão-com-manteiga do dia-a-dia, aquele que sempre cai com o lado da manteiga para baixo. A rotina é o cavalo de tróia do amor, Amaro, solta-lhe as rédeas. Amaro, nada de violência ou besteiras desse naipe. Ao amante, todas as chances do mundo. Ao amante aquela D.R., a famosa discussão de relação, em plena TPM. Um amante nunca sabe o que venha ser uma mulher sob o domínio da TPM. Ela faz questão de reservar todos os direitos desse ciclo ao pobre marido. Ao amante, Amaro, a tapioca fria e sem recheio da rotina do calendário. Ao amante, Amaro, a falta de assunto. Ao amante, os cabelos revoltos da mulher, naqueles dias em que nem mesmo ela se agüenta ou encara o espelho. Naqueles dias em que os cabelos brigam com as leis do cosmo e não há pente ou diabo que dê jeito. Some, Amaro, deixa que o suplente assuma ou seja forçado a assumir a titularidade. Depois me conta, Amaro! DO REDEMOINHO EMPOEIRADO E DA CISTERNA DEMONÍACA O agora fabuloso cavaleiro Fodasno desconfia que a sua viagem não se trata de uma viagem qualquer ao fim da noite, como as outras tantas, embora el caballero houvesse percorrido, em contornos semelhantes, as mesmas vielas do estrago e da sorte vezes infinitas. Se havia uma busca, era uma busca comum a todos os poetas, assassinos, ladrões e sangue-ruins da cidade. Os malassombros cujas molas dos colchões de hotéis baratos estão sempre a ejetá-los para as tabernas mais imundas onde possa acontecer ao menos uma boa encrenca para recarregar o ódio e pôr em dia as munhecas. Os colchões são buenos para los amantes ou para los enfermos, non para los heróis e destemidos. (...) O que é um homem sem um redemoinho empoeirado na cabeça? Nesta noite todos os inquietos saímos a la calle dispostos a riscar a caixa de fósforo das angústias no tanque inflamável de testosterona e solidão que há no subsolo deste pueblo, a demoníaca cistema encravada debaixo dos nossos pés. Bienvenidos ao vilarejo de Carençolândia do Oeste. CRONICAMENTE INVIÁVEL -II Algumas, menina, são crônicas de britadeiras, saem na marra, à força, furando o asfalto para tirar uma florzinha de nada, a peleja do escriba com o lirismo que não chega nunca, as chagas abertas, croniquinha raquítica, só o fiapo de narrativa, sem sustança, sem tutano, coisinha sem graça, metalingüística, a crônica sobre a crônica falta de assunto. Algumas vêem ao mundo para confundir a audiência, são crônicastravestis, arte dos cronistas transgêneros... Pois é, menina, a gente não sabe se é um conto, uma rápida elegia expressionista, um poema em prosa, sabe-se lá, menina, mas mesmo não sendo nada já nasceram crônicas. Algumas, não têm jeito, eram apenas notícias, que o dedógrafo teimou em decepar as aspas, minha menina, e enfeitar o naturalismo como pôde, coitado. Algumas, menina, são para ninar as moças nas sestas, como as de Antônio Maria, sabia? Algumas são de costumes, e até ficam como registros históricos, crônicas de épocas, já ouviu falar em João do Rio? Algumas já nasceram crônicas de rua, como a grande arte de chutar tampinhas, como os sem-teto e malacos, como os bambas das sinucas das antigas, aí já estamos em João Antônio, manja? Algumas são do amor louco, menina, como aquelas do velho Charles, o safado catando milho na Remington, menina, com aquela outra menina na praia, gaivotas quase a bicar-lhe os peitos, como no cinema. Algumas, minha adorável criatura, minha menina sem nome, são como aquelas, lembra, quando me conheceste, lembra, quando pela primeira vez, lembra, lindamente me deste? TOCA OUTRA VEZ,NICK CAVE ah, vamos esquecer por uma semana nosso sol de bolso, como João Cabral chamava a aspirina, como Paulo Henriques Britto batizou o milagroso antidepressivo, remate de males do cocoruto, vamos esquecer por uma semana as cartelas, as receitas, as tarjas negras, vamos ver o que acontece, vamos dar um bom dia tristeza, vamos nos tornar lindamente melancólicos ao lusco-fusco, vamos deixar q a espessa neblina encubra o pára-brisa, vamos tentar..., e se der merda, e se a gente não segurar a onda, a gente enche a cara, noite na taverna, a gente volta correndo pra casa e faz dos lençóis uma cabana, uma barraca de praia no escuro, a gente se agarra como se fosse mesmo o fim do mundo, e daí?, posso querer os seus zolhinhos com aquele velho spleen?! A ARTE DA CANTADA PERMANENTE A cantada, amigos, é como a revolução de Mao Tse-Tung, tem que ser permanente. Existem mulheres que a gente canta no jardim da infância para dar o primeiro beijo lá pelos treze, quatorze. Mas é necessário que a cante sempre, não aquela cantada localizada, neoliberal e objetiva, falo do flerte, do mimo, do regador que faz florescer, como numa canção brega, todos os adjetivos desse mundo. A cantada de resultado, aquela imediata, é uma chatice, insuportável, se eu fosse mulher reagiria com um tapa de novela mexicana, daqueles que fazem plaft! A boa cantada é a cantada permanente. E mais importante ainda depois que rolam as coisas, depois que acontece, aí a cantada vira devoção, oração dos pobres moços a todas elas. Porque cantar só para uma noitada de sexo é uma pobreza dos diabos, qualquer um animal o faz. Porque cantar, à vera, é cantar todas e não cantar nenhuma ao mesmo tempo. Explico: é espalhar pacientemente a devoção a todas as mulheres como quem espalha sementes nos campos de lírios. Mesmo que elas digam, com aquele riso litografado na covinha do sorriso, que você diz isso para todas. E claro que para cada uma dizemos uma loa, fazemos uma graça, não repetimos o texto, o lirismo, o floreado. Porque amamos mesmo as mulheres. Cantemos indiscriminadamente, e que me perdoe o velho e bom Vinícius de Moraes, mas cantemos sobretudo as ditas feias, esse conceito cruel e abstrato de beleza. Elas merecem, até porque as feias não existem, nunca conheci nenhuma até hoje. Não por sermos generosos, piedade, ou algo do gênero... É que a dita feia, quando bem cantada, vira a superfêmea, para lembrar a bela pornochanchada com a Vera Fischer. A cantada permanente e indiscriminada é irresistível, quando você menos espera, acontece o que você tanto sonhava. Sim, tem que ter o cuidado para não ser simplesmente um chato que baba diante do melhor dos espetáculos, a existência das mulheres. Ter que cantar sempre a mesma mulher e parecer que está apenas de passagem, que o estribilho é sempre novo, nada de larararás que mais parecem refrões do Sullivan e do Massadas, lembram dessa dupla de músicas chicletosas? Ah, digamos que você cantou a Sônia Braga ainda naqueles tempos em que Gabriela subiu com aquele vestidinho no telhado –a cena mais quente da teledramaturgia brasileira até hoje- e e continuou cantando, sempre, sutil e sempre, e agora ela, passados tantos calendários, se comove e resolve recompensá-lo! Vai ser lindo do mesmo jeito, não acha? Na tela do nosso cocoruto vai passar o videotape de todos os desejos antigos e despejados no ralo pela morena cravo & canela. O INFERNO SOBRE BOTAS Uma mulher ainda sem nome, pernas não tão grandes pero alongadas por lindas botas, ojos cortados com navalha buñuelística... Esta mujer está por perto, sinto que bafeja a nuca de todos os homens de la calle. Talvez em sonho, talvez em desejo envelhecido em barris de bálsamo. Traz marcas no corpo de agulhas de fábricas coreanas e um tatuagem mal-feita de Bolívar. O nome de um filho também tatuado em perfeita caligrafia de um pai que se perdeu na selva escura de Cochabamba. [Juan, eis o batismo do chico]. Não, ela não está triste, mesmo ouvindo uma canção desesperada de La Lupe com fiozinhos brancos enterrados no ouvido. “Teatro, tu és puro teatro...” Agora ela ouve Johnny Cash ladeira arriba. Cry, Cry, Cry... Quem toca agora é Iggy Pop, Candyyyyy... (...) Uma guarânia, recuerdos de Ipacaray... (...) Ah, se já perdemos a noção da hora... Ela chora, tem motivos, com Chico Buarque de Hollanda. (...) Agora como se o lindo rabo fosse la rendeción da existência, rebola com arte sobre os saltos com Walk On The Wild Side... Ela ouve, sem maiores pretensões, um cozidão da sua existência. A vida é cafona, dolorosa, perdida e moderna como una canción de Roy Orbinson numa película: “Non es fácil de entender/ Que ao verte outra vez/ yo estoy llorando/ yo que pense que te olvide/ pero que es verdad es la verdad...” CANCIÓN PARA UNA CHICA DE LAS DUNAS CALIENTES lava,enx´água, quara, ariar num é problema, enxuga, lava a calça jeans na pedra, esfrega, faz um virado de scarpin... e de noite,na madruga, ainda vira uma diva do jazz possible, pense... pense numa fêmea compreta!!! play again, coffee de coador and cigarretesssssss ao infinutum... so jim jamursh pra filmar essas titelinhas metonímicas... parte pelo todo... corazón perdido de dunas inexistentes... pense!, pense numa comoción para siempre!!! beijossss nas titelas da existência! QUALÉ, MANÉ? É namoro ou amizade? Rolo, cacho, ensaio de amor, romance, conto, fábula de formiguinha ou pura clandestinidade? “Qualé a sua, meu rapaz?!”, indaga a nobre gazela. E o homem do tempo nem chove nem molha. Só no mormaço, só na leseira das nuvens esparsas. No tempo do amor líquido, para lembrar o título do ótimo livro do filósofo contemporâneo Zygmunt Bauman sobre a fragilidade dos encontros amorosos, é difícil saber quando é namoro ou apenas um lero-lero, vida noves fora zero y bandeirosos corazones... Cada vez mais raro o pedido formal de enlace, aquele velho clássico, o cara nervoso, se tremendo como vara verde: “Você me aceita em namoro”? Talvez nem exista mais. O amor e as suas mudanças. A maioria dos homens, além de não pedir em namoro, além de não pegar no tranco, ainda corre em desespero diante de uma sugestão ou proposta de casamento feitas pela moça. O capítulo bom da história é que agora as mulheres também partem para o ataque e, diante de uns temerosos ou acanhados sujeitos, escancaram seus desejos e fazem suas apostas, seus pedidos, põem na mesa os seus desejos e as cartas de intenções. Era bem bacana esse suspense masculino do “você quer namorar comigo?” Havia sempre o medo do fora. Um sim, mesmo o mais previsível, era uma festa. “Quer namorar comigo?” No tempo do “ficar”, quase nada fica, nem o amor daquela rima antiga. Alguns sinais, porém, continuam valendo e dizem muito. O ato das mãozinhas dadas no cinema, por exemplo, ainda é o maior dos indícios. Mais do que um bouquet de flores, mais do que uma carta ou um email de intenções, mais do que uma cantada nervosa, mais do que o restaurante japonês, mais do que um amasso no carro, mais do que um beijo com jeito, daqueles que tiram o gloss e a força dos membros inferiores. “Vamos pegar uma tela, amor?”, como se dizia não muito antigamente. Eis a senha. Mais até do que um jantar à luz de velas, que pode guardar apenas um desejo de sexo dos dons Juans que jogam o jogo jogado e marketeiro. O cinema, além da maior diversão, como diziam os cartazes de Severiano Ribeiro, é a maior bandeira. Nada mais simbólico e romântico. Os dedos dos dois se encontrando no fundo do saco das últimas pipocas... Não carecem uma só palavra, ainda não têm assuntos de sobra. Salve o silêncio no cinema, que evita revelações e precoces besteiras. Ah, os silêncios iniciais, que acabam voltando depois, mas voltando sem graça, surdo e mudo, eterno retorno de Jedi. Nada mais os unia do que o silêncio, escreveu mais ou menos assim, com mais talento, claro, Murilo Mendes, poeta dos melhores e mais líricos. Palavras, palavras,palavras... Silêncio, Silêncio, silêncio... Dessas duas argamassas fatais o amor é feito e o amor é desfeito. Simples como sístole e diástole de um coração que ainda bate. A MAÇÃ CARAMELADA DOS POETAS El pangaré supostamente paraguayo avança e cresce a cada dia muitos metros e fica cabeça a cabeça com o roncinante de São Jorge, meu anjo, minha menina, chance de te levar para conhecer a lua, la luna caliente, por supuesto, a morada dos poetas, mi hija, mi musita precoce, já foste a la luna, hija? Não? Sabia, minha menina, que teu avô morreu sem acreditar que o homem foi a la luna?Com este cavalo gigante posso te levar para conhecê-la, independentemente de quaisquer sospechas! Irás tocar la luna e chegar em casa com os dedinhos melados de tantos adjetivos que os poetas lhes dedicam, adjetivos são doces como pirulitos, filha, e derretem sobre la camada externa de la luna, la luna, hija, non passa de una maçã caramelada de parque de diversiones de los poetas e demais enamorados, mi hija, não caia nessa, quer dizer, mi hija, faças o que quiseres, mil desculpas, foi mal, ciúmes... Domingo é um bom dia para irmos a la luna, mas tem que ir de vestido novo e lacinho no cabelo, Veridiana. Te arruma e vamos simbora que Chivas, nuestro caballo, relincha impaciente lá fuera. DA PONTUAÇÃO AMOROSA... Sim, homem é frouxo, só usa vírgula, no máximo um ponto e virgula; jamais um ponto final. Sim, o amor acaba, como sentenciou a mais bela das crônicas de Paulo Mendes Campos: “Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar...” Acaba, mas só as mulheres têm a coragem de pingar o ponto da canetatinteiro do amor. E pronto. Às vezes com três exclamações, como nas manchetes sangrentas de antigamente, SANGUE, SANGUE, SANGUE!!! Sem reticências... Mesmo, em algumas ocasiões, contra a vontade. Sábias, sabem que não faz sentido a prorrogação, os pênaltis, deixar o destino decidir na morte súbita. O homem até cria motivos a mais para que a mulher diga basta, chega, é o fim!!! O macho pode até sair para comprar cigarro na esquina e nunca mais voltar. E sair por ai dando baforadas aflitas no king-size do abandono, no cigarro sem filtro da covardia e do desamor. Mulher se acaba, mas diz na lata, sem mané-metáfora. Melhor mesmo para os dois lados, é que haja o maior barraco. Um quebra-quebra miserável, celular contra a parede, controle remoto no teto, óculos na maré, acusações mútuas, o diabo-a-quatro. O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada. Nem aqui nem Suécia. Se ama de verdade, nem o mais frio dos esquimós consegue escrever o “the end” sem pelo menos uma discussão calorosa. Fim de amor sem baixarias é o atestado, com reconhecimento de firma e carimbo do cartório, de que o amor ali não mais estava. O mais frio, o mais “cool” dos ingleses estrebucha e fura o disco dos Smiths, I Am Human, sim, demasiadamente humano esse barraco sem fim. O que não pode é sair por ai assobiando, camisa aberta, relax, chutando as tampinhas da indiferença para dentro dos bueiros das calçadas e do tempo. O fim do amor exige uma viuvez, um luto, não pode simplesmente pular o muro do reino da Carençolândia para exilar-se, com mala e cuia, com a primeira criatura ou com o primeiro traste que aparece pela frente. E vamos ficando por aqui, pois já derrapei na curva da auto-ajuda como uma Kombi velha na Serra do Mar... e já já descambarei, eu me conheço, para o mundo picareta de Paulo Coelho. Vade retro. FAZ DE CONTA QUE SOU O PRIMEIRO Ailton não é apenas um bom garçom. É especial. Criatura abençoada. Especialíssimo. Do tipo que cria laços de estima e consideração com os fregueses. Do tipo que ouve, aconselha, amansa os traídos, acalma as mulheres de bêbados infiéis, bota ordem na casa, devolve uma certa paz ao universo. Melhor ainda, Ailton é do tempo em que garçom sempre sabia o resultado do futebol. Do tempo em que torresmo não fazia mal, do tempo em que os homens não tinham medo da sorte nem do colesterol. No boteco, ele é tudo ao mesmo tempo: sócio-proprietário, caixa, segurança e DJ _e só toca vinilzão de samba antigo. Adora João Nogueira. “Oh, minha romântica senhora tentação/ não deixes que eu venha sucumbir/ neste vendaval de paixão”. Essa toca até furar o disco. Principalmente quando tem alguém chorando as pitangas amorosas. Entre tantas serventias, esse negócio de amor e dor é com ele mesmo. É mestre, rima e solução da parada. Eu mesmo já fui perdidas vezes consolado pelo cara. Dor de corno, daquelas que não passam com cachaça ou aspirina, é com ele mesmo. Vai no ponto, na veia, um neurocirurgião do amor e . Primeiro o afago, a compreensão e o ouvido ao alcance do freguês. No fundo musical, põe logo o vinilzão com “Peito Vazio”, de Cartola _``Procuro afogar no álcool a tua lembrança/ mas noto que é ridícula a minha vingança...” Dois, três conselhos depois a gente está pronto para outra, digo, outro chifre. Numa dessas sessões “macho em crise”, Ailton me deu uma dica genial. Notou, sensível que é, a minha dificuldade em descolar uma nova costela, uma nova deusa para enfeitar o meu pobre muquifo em desalinho. Uma dica importantíssima. Simples, simples de tudo, até boba, mas de uma sabedoria e tanto. Uma beleza de estratégia. “Seguinte, meu amigo, chega de saudade... Senta aqui, nessa primeira cadeira do boteco, que a vida vai sorrir pra ti”, disse, arrumando uma mesa bem na calçada, quase na rua, de frente para o crime, debaixo daquela lua minguante. Sem deixar a bola cair, emendou: “Ora, compadre, todo dia tem uma mulher que sai para o bar, revoltada, muito revoltada, e diz para ela mesma: ´Hoje eu vou dar pro primeiro que encontrar pela frente!” Desde então procuro sempre ser esse `primeiro´ homem estrategicamente bem localizado que pode tirar proveito, com toda delicadeza desse mundo, da fúria justa e caseira de uma cria da nossa costela. PÁLPEBRAS MOLHADAS ...deixo você dormir profundamente, com muito gosto, e beijo seus zolhinhos só pra ver se alcanço os sonhos possíveis depois do pára-brisa ou da tormenta, colo, quero alcançá-los, mas chove perdigotos no cinesmascope, neblina na tela, avisto quase nada de Alice brincando numa neve alvissareira do rock, nem o chapeleiro aparece para dormir de touca, cafungo apenas outros sonhos de seu cangote mais lindo, donde marcha-ré, slow-motion de maré ao contrário,como lençóis artificiais de fellini, retorna minha menina, talvez no sonho que aluguei da balada do mar salgado, um sofista que caminhava como Moisés en la calle, volta para a manteiga de lata aviación dos desejos ou para o último tango com manteiga de garrafa, vem menina, talvez sem bilhete de vuelta, amém, o retorno de quem nunca devia ter partido, mas se for amor que fique até gastar o bigode de nietzsche, vixe, infindável vassoura de faxinas cujas árvores ainda choram o cabo das possíveis assepsias moralistas... ah, nega, esqueça essas filosofias baratas e madeirísticas e vamu fuder de verdade. A VOLTA DE MISS CORAÇÕES SOLITÁRIOS Cigana da Andaluzia, Miss C.S. se divide hoje entre os quintais do Capibaribe e uma bucólica choupana na Serra do Araripe, ali na descida do Exu para o Crato. Bálsamo das dores do mundo, ela volta a despachar nesta tenda de lirismos & carapuças. Aos consulentes, pois: *** Estimada Miss, por que as mulheres, mesmo as que gozam da felicidade e paz do lar, procuram os amantes? Teodoro, Caxangá, Recife, PE. Resposta: Jovem mancebo, te respondo com uma coisinha que li recentemente no “Livro de uma sogra”, do nosso Aluísio de Azevedo. Tento citar de memória: as mulheres procuram nos amantes a restauração de suas luas-de-mel, o festim diabólico de uma noite que já não é mais possível com el maridón, mesmo em se tratando das melhores costelas bíblicas. Simples assim, corazón.Com afeto de sempre, tua Miss *** Querida Miss, qual a melhor receita para suportar o fim de um amor? Werther dos Aflitos, Recife, PE Resposta: Ih, meu filho, se soubesse não tava tão acabada como me encontro, só o caco, só a grade, só o projeto de gente. E o amor acaba? como perguntava aquele cronista de Minas? Sei não. Na dúvida, para suportar as dores, aconselho que troques a barba de Jesus pelo bigode de Nietszche. Só com o enterro cerimonioso das tuas culpas, sepultarás o passado. Virgem! Agora até me arrepiei, de tão profundis, como diriam Oscar Wilde e Mussuns. Passar bem, ficam os votos de melhoras, pois ninguém morre de amor nos trópicos. Sempre tua, Miss C.S. *** Magnífica Gurua - aspirina e ponstan digital -, desde outubro passado sofro pelo amor de um homem. O conheci neste mar que não tem cabelo que é a internet. Ele é maravilhoso e eu o amo. Já lhe disse infinitas vezes. Mas o mancebo - que é escriba de mancheia, razão pela qual roubou meu coração vulnerável - não me dá ouvidos. Não me crê. Ou crê e não me retribui o amor. Diz que me quer. Mas nada faz. Embora seja conhecedor de teu famoso conselho sobre amores platônicos, não concretiza a trepada homérica. De homérica, só eu, Penélope eterna, à espera, tramando e destramando os pontos desta paixão. Que fazer? Há esperanças? Haverá luz na escuridão de meu Caritó? L. V., Rua da Ladeira da Ribeira, Natal Resposta: Querida Penélope, como toda musa de ladeira, saberás esperar a estrela da manhã, que não tarda, pois o tempo para os amantes é sempre nada, coisa-alguma, beirinha-de-dias e auroras alvissareiras, folhinhas no calendário, dias que correm aos pés do Coração de Jesus das edições Paulinas. Mira o fundo das tuas xícaras de café e verás, como cigana das margens do Potengi, o mancebo em desalinho, talvez atordoado, ostra viva escondida na casca de uma promessa de amor. Qual o Câmara Cascudo da tua terra, piolho de cabarés e desordens líricas solenemente aceitas pela mulher amada, talvez o moço esteja a essa hora no frege da vida, tão-somente para suportar o fardo do trabalho e enganar, distraído para a sorte, o peso dos dias. Aceita, pois, o afago carinhoso desta dama envelhecida em barris de bálsamo que vos fala. Estico a vista e enxergo, no horizonte da tua janela e no desconforto dos cotovelos da espera, a caatinga em flor, mais florida que os jardins de Swan. Sempre às ordens, neste Caritó e suas cinzas das horas, tua Miss C.S. <Escreva você também para Miss Corações Solitários. Sua missiva será encaminhada urgentemente para a tenda da nuestra cigana exilada>. PORQUE A ALMA PRENDE FOGO QUANDO DEIXA DE AMAR <para ler ao sonido de El Desierto, de Llhasa, a cigana mexicana de todas las fronteiras> Esses zolhinhos mapuches guardam todos os venenos andinos e neles bóiam desesperadas canções de ninar pesadelos, mas esses zolhinhos também guardam o fogo retido no sem-fim dos amores, porque os homens passam, as mulheres passam, mas o fogo nunca, ele apenas se disfarça como um vulcão adormecido que retorna sobre lindas botas a caminho de galápagos e um sorriso das mais safadas serpentes do paraíso. DORES DO MUNDO Uma das grandes vantagens das mulheres sobre nós é a coragem, o destemor, de chorar em público. Se o choro vem, as mulheres não congelam as lágrimas, como os moços,pobres moços... Não guardam as lágrimas para depois, como sempre adiamos, não levam as lágrimas para chorar escondidos em casa. Pior ainda é o homem que não chora nunca. Além de fazer mal ao coração, esse tipo não merece muita confiança. As mulheres não, falo da maioria das moças, desabam em qualquer canto e hora. Se estão mal de amor, choram na firma, no escritório mesmo, na fábrica, choram no trânsito, choram no metrô, simplesmente choram. Como invejo as lágrimas sinceras das fêmeas. Quantas vezes a gente não se preserva, por fraqueza, enquanto as lágrimas, em cachoeira, batem forte no peito machista e viram apenas pedras do gelo do uísque. Como invejo as mulheres que misturam sim o trabalho com o drama heavy metal da existência. Desconfio da frieza profissional, das icebergs de tailleur, que imitam os piores homens e guardam tudo para molhar o travesseiro solitário numa noite de inverno. Ora, as mulheres podem ser infinitamente poderosas, administrarem plataformas de petróleo nos mares... e chorarem um atlântico diante de uma alma perra e sem cuidados. Lindas e comoventes as mulheres que choram em público, nas ruas, nos bares, nos restaurantes, nas malocas, no táxi. São antes de tudo umas fortes. Tristes dos que estranham ou ficam envergonhados com o mais verdadeiro dos choros. O medinho do macho diante do pênalti que vale uma vaga no torneio da dignidade. PLONGÉ, CONTRA-PLONGÉ* Nada como aquela olhadinha que ela dá quando lá embaixo. Nada como aquela olhadela, sobrancelhas assanhadas, mirando lá de nossos países baixos cá para cima do nosso cocuruto alumbrado. Tão lindamente sacana, minha nega, derreto-me como manteiga no último tango! Ela quer saber se estou gostando, claro que estou mortinho ali no prégozo. Tem um orgulho, “vê como faço bem feito e com gosto”, ali naquela olhadinha plongé, contra-plongé, depende de quem vê... Como eu gosto, ela diz, posso? Aperto com força os seus cabelos, resvalando numa fração de segundo para um carinho no rosto, lado esquerdo, com o lado B da mão e dedos, quiromancia e mistérios. Ela desce lá naquele cantinho fronteiriço, desenha a história do olho com riscos da língua em círculos, lambe a última costura da minha pobre existência, nirvaniza-me, petite mort, e assina nossos batismos lindos com lambidas góticas, assim como quem escreve inocentemente na areia, coraçãozinho flechado, e o nome de quem aposta, como se o amor fosse um jogo do bicho. Não resisto a olhadinha lá de baixo, vem cá, estou longe e perto, meu amor, tudo em volta está deserto, tudo certo, como na canção do 2 e 2 são cinco. Como nosso universo é tão perfeito aqui na cama, só na cama, lá embaixo, na cama zen, japão do amor, horizontalizo-me, para sempre, viro réptil, nunca mais me levanto, nunca mais me levanto e ando, odeio meus Lázaros internos, agora eu quero mais é nadar no seco, melhor jeito de navegar aos teus pés, e de vez em quando, quer saber?, afundo as mãos nos arrecifes e te dou um peixinho, como aquele do conto de Virgílio Piñera, que aprisiono nas profundezas sujas das nossas existências. <*Republicado a pedidos, gritos & sussurros>. ESPERANZA SOBE A AUGUSTA Uma mulher ainda sem nome, pernas não tão grandes pero alongadas por lindas botas em couro de lagartos vulcânicos, ojos cortados com navalha de cão andaluz... Esta mujer está por perto e é capaz de fazer boiar na travessia melancólica dos seus zolhinhos até mesmo o mais babilonizado dos cavaleiros deste pueblo. Se o desejo envelhecido dos kabrones por esta chica destilasse de uma hora para outra... daria no melhor uísque cowboy do fim dos mundos. Ela traz marcas de agulhas, fabriquetas coreanas de confecções, e uma tatuagem de Bolívar na costas. O nome de um filho também tatuado pelo próprio pai que se perdeu na selva escura de Cochabamba. Juan, eis o batismo do chico. Não, ela não está triste, mesmo ouvindo uma canción desesperada de La Lupe. “Teatro, tu és puro teatro... falsidade ensaiada, estudiado simulacro”. Agora ela ouve Johnny Cash ladeira acima, como num trote de uma bela égua que foge do barulho dos fogos de artifício: “Cry,Cry,Cry...” (...) Benvenido Granda, um bolero: “Eu vengo a la barra a tomar un trago A ver si con eso puedo disipar La angustia que llevo dentro de mi alma a ver se consigo tu amor olvidar...” Uma guarânia... O relato desde o manicômio do grupo Querembas, rock pesado da sua Bolívia natalícia. (...) Chavela Vargas canta “Luz de luna”, ela não imaginava que esta faixa estava na lista, não pode ouvi-la sem machucar-se um pouco mais. Os céus minguam por alguns minutos, “Saturno em virgem”, ela especula com os astros. Su horóscopo naquele dia, Sagitário, segundo astrólogo peronista de su confiança: “Amor: Auspicioso. Deja atrás el rancor y expone sus necesidades sin perder la confianza. El amor fluye con naturalidad. Despejar dudas logra suavizar tensiones y ayudará a los reencuentros que permiten abandonar la soledad. Busque encuentros sin mucha exigência. Salud: Haga ejercicios de elongación. Sopresa: Com um cambio de actitud supera escollos.” MOCÓ DE HOMEM SOLTEIRO Noves fora o “homem de predinho antigo”, aquela criatura que adora um pé-direito alto, um sofá de época e uma luz indireta, o macho solteiro é um desastre no capítulo decoração. Tem lá o seu sofá velho, a sua tv, uma cama barulhenta, três ou quatro panelas _sem cabo_ encarvoadas pelo tempo, e copos de requeijão, muitos copos de requeijão, alguns deles ainda com um pedaço do papel do rótulo. Se brincar, o cara coleciona também os velhos copos de geléia de mocotó, um primor de utensílio vintage. E quando a fofa, toda fina e fresca, nova costela, chega lá no muquifo com a sua garrafa de champanhe?! Procura, procura as taças, para fazer uma graça com o seu mancebo... e nada. O jeito é beber Veuve Cliquot em copo de extrato de tomate. Quem mandou apaixonar-se por um macho-jurubeba autêntico, que vem a ser justamente o avesso do metrossexual, aquele mancebo da moda que se lambuza de creminhos da Lancôme e decora o loft, sim, ele mora num loft, de acordo com as tendências da revista Wallpaper. Pior é quando ela tenta mudar tudo. E põe aquele quadro caríssimo – artista contemporâneo, tendêeencia!- numa sala que não tem nem mesmo um sofá que preste?! Um desastre. A fofa, toda metida a besta, não desiste nunca. Ai presenteia o bofe _sim, ela está doida e perdidinha_ com uma batedeira prateada ultramoderna com 600 funções, que nunca será usada. Ai fica aquela batedeira high-tech fazendo companhia aos três pratos chinfrins e aos garfos tortos _como se o Uri Geller, aquele parapsicólogo que aparecia no Fantástico das antigas, tivesse jantado por lá ou feito faxina na área. Ela começa a revirar geral, um deus-nos-acuda, numa casa onde ninguém havia mudado sequer uma planta de lugar. O reino vegetal, aliás, é outro ponto fraco do macho solteiro. Jarros, flores? Nem de plástico. Na casa do homem solteiro típico, a utilidade triunfa sobre a estética. O cúmulo do utilitarismo. Sofá da tia-avó vira cama, como diz a minha amiga D., co-autora dessa crônica. A cama vira sofá, a rede vira sofá e cobertor, o cobertor vira cortina preso à persiana... A falta de cortina é outra marca registrada do desmantelo do cavaleiro solitário. Quando muito, papel filme. Abajur? De jeito maneira. Tosco no último, ele não tem cultura de luz indireta, nem nunca terá, esqueça. Outro traço de personalidade do macho solteiro: tudo que chega até a cozinha vira tupperware _aquelas embalagens plásticas de lasanha comprada pronta, caixinha de entrega de comida chinesa ou japonesa, potes de sorvete... Melhor assim do que as frescuras do ex da minha amiga D., a mesma rapariga acima citada. Ela entrou na casa dele e logo ouviu a advertência, em altos brados: “Não pisa de salto no meu carpete de madeira!” “Nooooosssssa!,” arreganharia a bocarra o velho Costinha, se vivo fosse. CRÔNICA DA MULHER QUE BEBE E TIRA A ROUPA Quem não tem na família ou no grupo de amigos uma mulher que bebe e tira a roupa atire o primeiro sutiã neste cronista. É um clássico. É uma das cenas mais lindas e chapantes da admirável e nada bucólica paisagem humana. Porque não é nada simples, amigos. Não é safadeza propriamente dita, não é aparecimento, não é um ato contra a moral e os bons costumes. É o grau zero e máximo da beleza, meu caro Jommard Muniz de Brito. Está mais para o sagrado, mas isso também é pouco, não explica direito. É bonito, pronto, nada decifra, me devore como uma loba em pele de gata em teto de zinco quente. É como se batesse um miserável calorzão da existência a pedisse o mais natural dos gestos de uma fêmea. É como uma índia a caminho do afluente amazônico mais próximo. Como Iracema a se banhar na gruta de Ubajara para refrescar-se e pensar um pouquinho na vida. Pense na falta de preocupação naquele tempo! Nem pensava que no futuro ia dar tanta dor de cabeça aos jovens nas questões vestibulandas alencarinas. “Me erra, não me interpreta”, cismaria a bela índia. É agora, uma mulher que bebeu mais uma dose vai tirar a roupa. Porque a gente pressente, a terra gira mais avexada, o olho prescreve o belo episódio, blow up, depois daquele strip. Momento sublime movido a fome de viver e álcool. E quando sobe na mesa é mais lindo ainda. E a cara do marido tentando apagar aquele incêndio iluminado? Um Deus nos acuda. Quando a mulher tem filhos, só se ouve o sussurro do menino agoniado do juízo, no meio do burburinho, da confusão, do banzé: “Mãe é doida mesmo!” Porque ver a mãe pelada no meio da festa dura para o resto da vida. Não tem divã nem macumba que curem mais o juízo. Mais mil anos de análise, como diz meu amigo Adão Iturrusgarai, agora habitante dos Buenos Aires. Para quem não é filho ou marido é quase invisível, de tão sagrado, o corpo de uma mulher que tira a roupa na frente do mundo todo e de todo mundo. E normalmente a mulher que tira a roupa é uma pudica, veste-se mais comportada do que Maria Antonieta. É um longo e demorado strip-tease. Se brincar ainda usa combinações, anáguas, Só sei que é lindo demais o tresloucado gesto. Tenho uma amiga que é duas cachaças, com umbu ou caju de tira-gosto, e uma peça de roupa que avoa longe lá no bar do Sargento do Pátio de São Pedro. Os cafuçus ficam só na botica, na espreita, na tocaia grande, pense, meu caro Rodin, pense! Melhor ainda é a mulher que tira a roupa cantando uma música cafona, como as lobas, deusas e ninfetas do livro de Thiago de Góes. “Esta noite, eu vou fazer de conta que sou livre. Eu vou viver a vida que ele vive, e depois eu posso até morrer”, canta a desalmada, um clássico de Diana, a mitológica. Como é lindo uma mulher que bebe e tira a roupa em público, noves fora qualquer moralismo, como é lindo, e priu, e pronto! CINEMA Mr. Yves Montad e Marilyn Monroe em Adorável Pecadora: - Posso levá-la para jantar? - Vamos ensaiar à noite. - Nunca conheci uma garota tão difícil de alimentar. A ASMA DO AMOR Amigas, não há mais dúvidas: quanto mais beira o verossímil, com gritos lancinantes na noite, como assimilamos do cinema, mais fingido é o tal do orgasmo. Nunca é condizente com a nossa performance e suor. Os melhores e mais recompensadores orgasmos guardam o bom preceito da educação dos gemidos. Por mais megalomaníaco que seja Vossa Senhoria, recomendo que não acredite naquelas algazarras, feiras amorosas, sacolões do sexo, capazes de fazer os vizinhos pularem da cama só de inveja. Aquela gritaria toda, meu caro, só vale para provocar um problema dos mais graves. Deixará o casal que mora do outro lado da parede em pé de guerra, uma vez que a mulher, atenta à lição de gozo comparado, vai exigir mais, muito mais, mais e mais, e mais um pouquinho ainda, do seu colega de prédio ou de rua. E o pior é que os gritos lancinantes só costumam ocorrer quando o gozo não passa de teatro, puro teatro, falsidade ensaiada, estudiado simulacro, como canta a deusa La Lupe. O gozo desesperado costuma ter origens variadas (falar nisso, por que ninguém cita mais W. Reich, meu ídolo da lira dos 20 anos?!). O gozo desesperado, falava eu, costuma ser resultado de algum curso mais digerido de teatro amador, formação em escola com viés jesuítica, leitura errada dos Actors Stúdio, dietas à base de alcachofra, audiências tardias das onomatopéias do Led Zeppelin ou falta de homem propriamente dita. As melhores gazelas educam cedo os gemidos. Em vez de gritos que parecem mais apropriados para momentos de sequestro-relâmpago, a boa moça sussurra e balbucia safadezas no cangote do amado. Mais vale um dos 3.000 verbetes catalogados no Dicionário do Palavrão, do mestre pernambucano Mário Souto Maior, do que os decibéis selvagens. As melhores não se desesperam. Já imaginou Ava Gardner em desespero? Nem com Frank Sinatra, a quem enlouqueceu todos os sentidos. E não me venha dizer que isso seja frigidez, frescura ou algo da linha cool. Uma coisa é a gritaria, quase um SOS, incêndio do Joelma, 11 de Setembro ou sinistro urbano do gênero. Outra é a gemedeira gostosa, fungada sentida, fogo nas entranhas, calor na bacurinha, quase um decassílabo a cada descida, lirismo sem fôlego, asma do amor. LAS AGUAS SÓ CORREM PARA OS MARES DE MINAS una estranha palabra nos une en la calle, no leito e na via láctea de hoy por delante. Ainda não sei qual a trilha sonora da nuestra noubellita amorosa ou ficosa, de ficare, ficaraón [ficar + tataruón, la cona na linda melodia del guarany] como diria meu maestro em portuñol selbarre, don Douglas Diegues. ficar de ficare, nueba mueda de los chicos y chicas de las boates que não combina com un viejo como yo, bem, como estaba a dizer, una palavra muy bela, a mais encantadora de las castanholitas que batem entre la lengua e el palato, um vocábulo de responsa, quase uma sonata numa só palabra, una palabra que hay lido carmencita de las alterosas rogada en mi sofazito da cor dos nuevos biños das beiras do rioja, una palabra que achou en um poema do Tuca, libreto muy belo do argentino, digo, do boedaníssimo spleen de Boedo, Baudelaire de bandoneón de todas lãs manos de un polvo, a quem tive el prazer de conhecerlo en um seqüestro de escribas y poetas de boinas en puerto de las galiñas, nueba Holanda del brasil. una palabra que guarda la luna refletida como no noir de david goodis, “puedo sentir el ruído del água”, me sopra Casas, son las dos de la mañana y mi corazón chacoalha na pista de la ilusión enquanto tu bailas no praga, en la calle de turiassu, san Pablo, un tenro hoqueyroll que me encanta, com um sorriso que é capaz de tirar leite e comoción da mais inanimada das bidas de un pobre paralelepípedo esquecido sob pneus e pés sem rumo... NON HAY BANDAAAAA OU NUESTRO IMPOSSIBLE AMORRR não sei se escucho um boleron ou um tango, se bebo caubói ou on the rocks, se camarón de la isla ou biño das beiras fartas do rioja, se naranjas de sebillya ou pitombas semi-áridas, se lago azul de ypacarai ou sete lagunas non stop, se trampo focado ou trabalho com margem -como diz o hermanito inconfidente das geraes-, se tu ou tu mesmo cabô chorare, e sempre tu e tu e solamente tu, pois mi corazón tututututututu de teléfono ocupado, se entrego aos deuses da sarjeta ou bote faixa en la calle, faixa como quem procura su perro amado, gratifica-se etc etc, ai mi perrito que me sorria latindo, mi perrito hojalata, mi perrito vira-asurero. se” de “se” de cullo és ruella, por supuesto, não hay banda non hay banda y don estebito a esta altura sobe no palco nuevo do PRAGA, el ctg del rokenrô, se não fosse o diablo desta fiebre da selva amorosa yo estaria bem dentro, te procurando, chica, no googlezito de mis gafas, mis anteojos pára-brisas, mis lunetas de camiñoneiro perdido nos entornos de um bielorizonte llorado como en la canción de roy orbison. EL CORRER DEL TIEMPO OU TANGUITO DE VERANO agora te miro, chica, dormes e los sueños bóiam en las alcantarillas... dormes e a mão direita em bote alçapístico cata nuvens de algodão doce y pássaros, son las dos de la mañana, niña, e o libreto de fabián casas, fuso de Buenos/Boedo, sempre na página vinte y uno. não adiantes os relógios, mina, já atrasei meu amor para quando for possible, para transontontem, para quando abrirem las fronteras, para quando os guardiões dessas cosas misteriosas escancararem las aduanas do desejo e de la malasuerte, para quando uma saudade assim sete lagunas, sete bañaderos, sete segredos solamente nuestros, para quando fechares de vez la Fernão Dias de tu corazón que trepida en la carretera, para quando yo tiver condiciones de dar duas biagens em mi camioñito de perdidas arenas. ADIÓS, POETA Morreu sábado, na invicta e gloriosa cidade do Recife, Alberto da Cunha Melo, com quem tive o prazer de dividir noites, lirismos, porradas, cervezas e bagaceiras envelhecidas em barris de companheirismo. Autor de "O cão de olhos amarelos", "Carne de Terceira" & outras tantas obras era um dos nossos maiores. Fica um brinde e saudade, amigo, como aqueles que dividíamos com Jaci Bezerra nos arredores da Livro 7 e do Jornal do Commercio. Uma pequeníssima amostra do viejo poeta: "Tudo sob controle:/ a família/ e as prestações./ O carro pago/ é lavado e esfregado/ todos os domingos./ Não faz vergonha estacioná-lo/ diante de Deus ou do Clube/ dos Colecionadores de Esporro./ Não beberá este chope, não provará destas mulheres/ e os dez mandamentos, no bolso, / estão juntos do cartão de crédito/ e das apólices de seguro/ contra a liberdade./ Tudo sob controle:/ um túmulo foi comprado/ em módicas prestações/ para a família que cresce,/ uma família que sabe/ as quatro operações da vitória./ Tudo sob controle:/ menos a agonia/ de esperar tanto tempo." O MARINHEIRO QUE RETOMOU LAS GRACIAS DEL MAR São cinco e meia de la mañana. Estoy lá embaixo, subsolo do deseo, japon del amor y otras desordens que mexem com as leis cósmicas. Nem venga com essa de media-nuebe, agora soy tu submarino, tu barquinho de la banheira do ata-me de Pedro Almodóvar Caballero, teu auto da barca del infierno, derra-me hablar com ella ao infinitum de los saloons de las depilaciones, daqui so saio com un rio em mi boca, napa y ojos marejados de tus mares nada pacíficos, tus mares nada dantes, teus árticos geraes, teus rios doces, jequitinhonhas y todos los pistoleiros dos seus leitos e margens das margens dos corajosos hombres que se arriscam. Eis a minha hora, dá-me o último cigarro, só eu egoisticamente metido, beiços, lengua, ojos e oiças en tu incomparable coña donde me vingo de mi bidas secas y de todas las miragens além muito além dos pára-brisas semi-áridos. A FAVOR DAS DENTUCINHAS - A CAMPANHA ESTÁ DE VOLTA Denúncia urgente: estão acabando com as dentuncinhas. Sim, não é de hoje, faz tempo, mas agora beiramos realmente a extinção da espécie. Essa moda de encher de arames os dentes das moças. Essa modinha de desentortar os lindos dentinhos das raparigas em flor ainda cheirando a leite. Sim, os mancebos também são vítimas da ortodentia moderna, mas os moços, pobres moços, que se virem, que se defendam. Este panfleto lírico e sentimental se preocupa tão-somente com as meninas, como um tardio e lesado Lewis Carroll. No início do modismo, era mania apenas dos mais aquinhoados; depois alastrou-se de vez, como as cirurgias plásticas. Estão acabando com o charme das dentucinhas. Toda sala de aula tinha sua dentucinha, toda repartição, toda rua, todo bairro, todo clube, todo cabaré, toda casa de tolerância que se prezasse... Já já eliminam de vez o charme das estrias, e todas as mulheres ficam iguais, bundas iguais, peitos do mesmo tamanho, lábios de branquinhas com recheios artificiais para imitar a lindeza da mestiçagem... Reparem os cabelos, por exemplo, onde andam os caracóis, os cachos, os black-powers? Está tudo dominado, tudo esticado, a chapinha, modinha que nasceu em pleno apagão da energia elétrica, veio para ficar de vez, para sempre, fudeus. Já já escrevem na bandeira nacional: ordem e escova progressiva! Mas o que está em jogo agora, camaradas, é o fim das dentucinhas. Uma lástima, uma tragédia dos nossos dias. Vocês lembram como eram especiais os beijos das dentucinhas? E os dengos orais das dentucinhas? Céus, uma sinfonia de Iggy Pop com Goran Bregovic! LOS BUEROS DO AMOR E DE LA SUERTE la lluvia chegou atrasada para molhar nuestros sueños e después correr pela calle sob una canción caubói y cachaçosa do Vanguart... lo aguacero veio tan-somente para lembrar nuestra palavra roubada do libretto do Fabián Casas... alcantarillas, alcantarillas, alcantarillas, a essa altura la luna caliente na sarjeta está toda molhadinha de adjetivos adonde surfam os poetas vagabas. ZOOLOGIA FANTÁSTICA E AMOROSA - OS POMBINHOS E quando imaginávamos que estava tudo acabado, que amor não mais havia, que tinha ido tudo para as cucuias, que o fogo estava morto como no engenho de Zé Lins, que o amor era apenas uma assombração do Recife Antigo... Quando já dizíamos, a uma só voz, aquela crônica triste de Paulo Mendes Campos: “Às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba...” Quando já separávamos, olhos marejados, os livros e os discos... Quando mirávamos, no mesmo instante, a nossa foto feliz no portaretratos... Quando não tínhamos nem mais ânimo para as clássicas D.R´s – discussões de relação argh, vixi, oxe, abram os pára-quedas, abram os saquinhos de vômito. Ave, palavra, até o gato, nervoso, sem saber com quem ficaria, quebrava coisas dentro de casa, danô-se; o papagaio blasfemava, ô diabo verde teimoso! Estava na cara, naquela zoologia amorosa: aqueles pombinhos já eram. O cheiro do fim tomara todos os cômodos, a rua, o quarteirão, o bairro, a cidade, o mundo... Quando só restava cantar uma música de fossa... “Aquela aliança você pode empenhar ou derreter...” Quando só restava a impressão de que eu já vou tarde... Quando só restava Leonardo Cohen no ipod... Sim, o quadro era triste, não se tratava de hipérbole ou demão de tintas gregas. Mas de tanta inércia, poça do amor parado, de tanta inércia faltava até força para que houvesse a separação física, faltava força para arrumar as malas, pegar as escovas, saco. Quando os pombinhos estavam chamuscados como num choque no poste de luz... Quando já éramos conduzidos ao taxidermista, ela grita, lá do quarto: "Quando só o silêncio os unia àquela altura..." Linda, ela sopra o verso de Murilo Mendes para me ajudar a dar tintas finais a mais uma singela e bendita crônica que garante a embriaguez dos nossos salineiros corazones e o leitinho morno para adormecer as crianças. O TOY STORY DO AMOR OU MUSEU DOS HORRORES O grande Odair José, mestre da canção popular e dos suburbanos corações despedaçados, já previa tudo no seu clássico “As minhas Coisas”. Cantava ele: “Se eu soubesse, que iria te perder/ não teria acostumado minhas coisas com você”. Agora os modernos alemães de Berlin fundaram um museu só para guardar a memória dos objetos significativos dos relacionamentos que fracassaram. Da escova de dentes às dentaduras. Sim, um maluco levou a dentição postiça completa para guardar no tal museu bizarro. No que a sua ex-mulher deve ter cantado, ao ver o desgraçado conduzindo aquela peça: “Tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com a minha dor”. É, agora em vez de devolver o Neruda, o sujeito leva a sua lembrancinha ao museu de las dolores. Em vez de rasgar os 3x4 da carteira, vai lá e deposita na vitrine dos amores findos. E você, amiga, amigo, o que deixariam para sempre nas prateleiras de uma casa do gênero? Enquanto pensa na resposta escute "As Coisas" do nosso glorioso Odair na comovente interpretação dos Abimonistas, chicos lírico-rokêros-fulêros deste pueblo de san pablo. MAREMOTOS (I) A mulher que cheira a maré, quem sabe, ainda o espera no Hellcife sob a bocarra dos tubarões. Um Corto Maltese na balada do mar salgado a essa hora, samba de tiro certeiro. No meio do sertão de pedras-de-peixes, fósseis da chapada do Araripe, os mais antigos mares sob os nossos pés. Subo do Vale do Kariri rumo ao sol de Exu, malasartes, sinto o cheiro de todas as chacinas portuguesas, urubus apostólicos dançam o gira vestidos a caráter com as batinas do Santo Ophício, miragem da estrada quente. (...) Pena que não tenho mais cabelo, mesmo assim ponho pescoço e cabeça para fora da janela para me sentir num road-movie de quinta, mesmo que a delirante cortinazinha azul do ônibus insista em não me deixar a ver sequer as nuvens dos meus óculos, mundo treme na estrutura metálica que sustenta as janelas d´alma, assombrações d´amores emparedados na metrópole. DO XÊRO E SEUS DERREDORES Do cheiro ou simplesmente xêro, como se diz na lexicografia caseira e no fonema nordestino. Pense numa coisa diferente do beijo. Donde o beijo é simples e universalíssimo. O cheiro é mais para os esquimós e seus narizes gelados, encostam um no outro e cheiram, cheiram nos iglus... Nos modos de macho & modinhas de fêmeas do Nordeste, idem ibdem, o cheiro é mais importante até mesmo do que o beijo na boca. No pescoço, de preferência. No cangote, na seqüência. Aspirar até o pó das almas que escorre feito ouro em Serra Pelada no gogó das existências. Sugar, sugar o cheiro do sabonete barato e genérico, alfazemas, leite de rosas ou o Lancôme das mais finas. Às vezes nem carece encostar o nariz de Gogol, sempre suspeito, sempre perdido depois do corte nada epistemológico do barbeiro russo. Basta passar por perto. Como no ônibus. No corredor da repartição,na firma, na fila do banheiro, no bar, no basfond, onde a abelha sentir o bafo de uma alma de flores disposta. Fungar... Eis o verbo. Gastar todos os sentidos num só olfato, como um Marcel Proust que, em vez de ser platônico, pode ser homérico. Em vez de madaleines, lindos gogós. Quase vampiros, mas sem caninos, só a fungada lírica. O cheiro é a memória afetiva, o faro a favor do encontro no mapa das cidades depois de perdições cartográficas. Tenho uma amiga, Flavia Guerra, de SP, que educa sentimentalmente um sobrinho aqui criado para não perder o encanto do cheiro. Para ser um bom homem, sopra ela. Como nunca precisamos reabilitar o cheiro, xêro, com toda a força desse mundo, nada como um cangote cheiroso num baile ou numa pista de dança. Cabelos presos ou soltos. É pela fungada que sentimos o cheiro da alma, o Cashmere Bouquet das perdições. Sem se falar naqueles cabelos molhados no elevador, aquele Neutrox de fim de tarde na padaria, aqueles aromas todos a perseguir, debaixo dos caracóis dos seus cabelos ou derretendo-me qual manteiga na sua chapinha mais quente. SE UM VIRA-LATA FAREJA O SOBEJO AMOROSO atrás das linhas inimigas de meu amor*, como no lirismo-caubói de L Cohen, eu me escondo, recuo um tanto para não dar tudo mesmo que ela mereça as florestas, os mares, um passeio no pedalinho do lago, as montanhas, a lua crescente, os cavalinhos do carrossel, os bem-aventurados homens de boa vontade e as maçãs carameladas da quermesse. danço o bolero de um mosaico só para quem dança o cha-cha-cha de um pé atrás, danço, e quem sabe um dia encontro você, tomo seu pulso entre minhas mãos, num táxi solene, como em You do Not Have To Love Me... e desperto só, a minha mão em sua ausência, no Discipline Hotel... rezei para você me querer, rezei para você não me querer, agora assobio na rua, ciente de que o coração de um vira-lata sempre ressuscita na primeira curva, logo assim que cruza a solidão enferrujada da linha do trem. <*referência à coletânea bilíngue de poemas de Leonard Cohen [ed 7 letras], org., traduzida e apresentada por Fernando Koproski > DA VIDA NADA SE LEVA A NÃO SER O AMOR DOS AMIGOS que diabos,isso, chego em casa e recebo a notícia: morreu meu amigo celson franco. caralho.depois de uma certa idade ter que se acostumar a essa velha da foice que passa a ceifar os nossos. porra! nao me acostumo nunca com isso. ja tinha morrido de chorar no Deserto Feliz, o filme, que so vi ontem, e agora me acabando aqui, de novo. voces nao têm nada a ver com essas historias, mas escrever sempre é dividí-las de alguma forma. celson, mi amigo de dividir casa, aceita a minha lágrima no seu mais celestial dos uísques.te amo. e da vida nada se leva a não ser o amor dos amigos, como dizia uma certa película de frank capra.beijo. DEVOCIÓN Quero que tu entres em minha casa com bola e tudo e me faça coisas inacreditáveis e pendure a calcinha na torneira do banheiro como uma bandeira do homem que pisou na lua pela primeira vez a bordo do Apolo 9 e eu vou beber cada pinguinho da tua calcinha lavada como quem bebe um champanhe de mosteiro e o esquema tu já sabes: casa comida roupa lavada e um milhão de beijinhos nas costas e nas pintas ate adormecê-la. TERAPIA DA FEIRA Nada melhor que uma mulher que acabou de chegar da feira. Sacola na mão, fome de viver, sorriso de princesa. Os vendedores de frutas, peixes e verduras são mestres na arte de reconhecer talentos e animar as moças com os seus adjetivos. Adjetivos às pencas, elogios às dúzias, mimos, dizeres, samba exaltação, graças, gracinhas, gracejos. Meia hora de uma mulher na feira vale mais do que um mês de análise, do que a onda de orientalismos tantos do mercado, carmas-colas, do que a yoga, do que o mestre japonês das agulhas, do que uma banheira de sais, do que um dia no shopping com um supercartão de crédito sem limites. Nem mesmo quando as mulheres estão acompanhadas, os feirantes dão sossego. Esperam você, cara de marido, se distanciar um pouco, dois, três passos, e tome flertes e agrados na baciada. ''Olha a manga, gostosa!'', bradam, administrando com malícia a vírgula e o duplo sentido na ponta da língua. “Ovo e uva boa!”, arriscam para as elegantes damas de preto. “Essa é modelo!”, capricham para as gazelas saltitantes. “Gisele!”, gritam em uníssono. É a boa guerra dos mascates. Eles vão no ponto, exatos como neurocirurgiões do desejo. Em dias de chuva, mandam ver de acordo com o meteorologista: ''Essa é enxuta até debaixo d'água'', alardeiam. Um bom feirante reduz até os efeitos de uma TPM, de uma dívida nunca paga, de uma culpa que corrói o juízo, de um regime ainda sem resultados. Nada como incentivar o caminho da feira mais próxima da sua casa para as mulheres. Nos sacolões, então, os adjetivos saem a grosso e a varejo, na bacia ou nos caixotes. Os feirantes não mentem jamais. Eles sabem, mais do que ninguém, que em toda mulher, seja quem for, existe um traço ou um aspecto de beleza. Afinal de contas, mulher é metonímia, parte pelo todo, você passa a apreciá-la por uma boca, um pé, uma orelha, uma mão, uma omoplata, um belo ilíaco ressaltado, uma saboneteira, uma marca sulcada de vacina, um corte no joelhinho esquerdo, uma cicatriz de artes de infância, uma bela bunda faceira, uma falsa magra, um umbiguinho de fora, aquele tom cinza dos cotovelos da espera... Na passarela dos feirantes, a insegurança feminina, mesmo naqueles dias em que o cabelo acorda brigando com as leis do cosmo, dissolve-se em segundos, num suspiro, na velocidade de um pastel, na ligeireza de um caldode-cana. I LOVE CASSAVETES chegar... em casa... o mínimo... ou numa montanha imaginária, atirar nuns marrecos como mi padre lá no sitio das cobras, santana do cariri, arrredores do crato, a fé, o milagre, a goteira de deus... foda é o q te esperava, vagabundo: Love Streams, los amantes de cassavetes, baseado na peça homônima de Ted Allan, fodeu, eu choro a morrer, me acabo, que desastre, com o telecine, sem pipoca e sem a costela-araldite-superbond-pipocosa-doce-salgada, quanto desajuste nas retinas dos ojos que não se compram nos camelôs natalinos kubrikianos nem na 25 de malço! eu... só... me acabo!, e sigo, baby, morreno viveno sem gerúndio ndo...nda, ninguna de las respuestas anteriores, nadie, ino y voltano, o movimento kraftwerck existenciale por supuestooooooooo OU LUA NA SARJETA um homem, uma mulher, beco escuro, de noite, chovendo, e o passado havia quinze minutos. DA INVEJA DO CHUVEIRINHO QUE TOCA O CÉU DAS MOÇAS Ah se pudéssemos, durante o sagrado ato da devoção, usar a língua como jatinhos de água que morrem mansamente sobre o céu das moças! Pingos que descaem com precisão depois de tocar o nirvana. Ah insuperável chuveirinho, desgraçado chuveirinho, amansa-moça, amansa-moça da porra. Nuvens ponta-cabeça que valem por uma penca de homens, mesmo os melhores, mesmo os devotos, mesmo os chegados. Que inveja de pênis que nada!, a inveja da humanidade é desse pequeno chuveiro que faz misérias, cócegas n´alma, ora direis, põe as meninas, zolhinhos fechados, a ver estrelas. NUMA BANHEIRA DE MADRID COM TITIO IGGY POP NO JUÍZO Tu padre e tu madre adoravam emborracharse, hay notado en las corrientes mais animadas del sagrado útero, non, hermosa chica? “Oceanos tão lindos como nos documentários da National Geographic, mi padrecito amado, mares tão azuis, mergulhos incríveis, léguas e léguas submarinas na quentinha soledad de mi madre y sus drinques coloridos”. Estávamos doidos demais, por erremplo, quando te fizemos na banheira daquele hotel na Gran Via -agora já estamos em Madrid, por supuesto, mi hija, deixamos Sevilha para trás, na poeira de la carretera perdida. “Quantos dias a pé demoramos de Sevilha a Madrid?”, tu madre de novo com preguntas difíceis.“Chegamos”, tu padre dizia apenas. Tu padre e tu madre crente que habiam feito o Caminho de Santiago. Qualquer chão que tu padre e tu madre pisavam en España, até mesmo nos brejos-secos de Castela e arredores de la Mancha, acreditavam, después de borrachos, que haviam feito mil vezes el camiño de Santiago, por supuesto, se sentiam puros, almas leves e inegociáveis, pobres desalmados. Tu padre, todavia, hija, num se achava, digamos assim, um Pablo Conejo, famoso escriba da época, tu padre continuava acreditando apenas nas parábolas das quedas perfeitas e da arte de nadar no seco, técnica assimilada do mestre cubano Virgílio Piñera. (...) Alguém bateu na puerta da habitación número cento e uno para cobrar la cuenta e indagar se não íamos mais embora, “como puede estes maltrapilhos a usufruir disso tudo e a sujar nuestros lençóis de tanto gozo sem travas”, era a cabeça de tu madre paranóica com los espanolitos desbravadores y colonialistas. Se bem que acho que estávamos numa banheira... No rádio-relógio fanhoso, umas seis, sete de la noche, tocava Candy... Quando acordamos era a vez de Angel, do titio Iggy Pop, de certa forma tu padrinho, mira ele aqui no álbum da família, achaste esquisito o titio recortado del periódico? *Trecho de Caballeros Solitários Rumo ao Sol Poente (ed.do bispo), livro nuevo deste escriba paraguayo e muambeiro del amor e de la suerte, lançamento sexta-feira, 16/11, na programação da Balada Literária -Mercearia São Pedro, rua rodésia 34, vila madalena, das 19h até o último comancheiro vivo! ASTROLOGIA NA SARJETA PARA UM SÁBADO MUY LOCO lua cheia desde às 11h31, álibi-clichê predileto para se inventar amores y lendas, vixi! camaron de la isla já canta ao sereno uma buleria, os cowboys da meia noite se avexam nas montanhas que cercam a cidade e assaltam nuestros quintais de sueños, afe!, num vai ficar uma garrafa com flores para narrar nuestras cinzas. as mulheres sentem como se tivessem janelas no ventre, eita!, bailam en la calle como gipsy-punks malditas, todas viram carmencitas a queima roupa, ferro de brasa, fuego, isqueiro do demo aceso no nosso show inesquecível, num puedo, me acabo, mosh mosh mosh! ... mais uma ficha cai na radiola do bar da galega, jukebox, plaft!, raphaela, linda trava dublê de iggy pop, mira os céus e as suas possíveis quadraturas, vilgi! [netuno recebe Mercúrio e o trígono de Vênus; a Lua atinge a fase Cheia no signo de Gêmeos, como alerta o meu astrólogo argentino, aquele mesmo da viagem terrible, lembram, do roberto arlt?]. perdida en la calle augusta, a coitada de vênus adentra a casa-de-mãe-joana de mi estragado corazón que balança na gangorra de um libra com libra. socuerro, justicero!, que esta noche não é para amadores. A BRAVA PELEJA DA MULHER E DA CACHAÇA Sinopse: cansada de humilhações nos lares, a cachaça vai à forra. Sem perder a elegância jamais, deixa a sua crítica da ressaca moral pura. Acompanhem: - Ou ela ou eu – disse Germana, toda metida no seu vestidinho de palha, no seu Ronaldo Fraga de palha de bananeira. O pobre do cachaceiro ficou passado, perplexo no seu zarolhismo a 45º de graduação alcoólica. Arrastá-lo dos bares era um serviço humanitário tão comum à patroa quanto lavar roupa suja ou discutir a relação envelhecida em barris de estrago. Mas naquele dia tudo seria diferente. Deparou-se logo com a birra da empalhada, que reivindicava, no mínimo, mais gratidão do cachaceiro a quem tanto manguaçara. - Ou ela ou eu - disse de novo, botando fogo pelas ventas. Sem permitir a réplica feminina, dona pinga incendiou mais ainda o ambiente, a Mercearia São Pedro, diga-se, ali no alto da vila Madalena: - Cansei de te derrubar em colo de vagabunda... Embora muito educada, uma fofa, a patroa não suportou a humilhação: - Você está acabando com a vida desse infeliz... Repare só o farrapo humano que virou. - Ah, minha santa, a graça desse bofe sou eu, Bovary ces´t moi. Dou-lhe verve, ânimo, o luxo da coragem, mato-lhe a timidez e os assombros... - Desalmada, destruidora de lares, você acaba com o que sobra desse infeliz... Marquinhos abaixa o portão de ferro. Germana adora aquele barulho. É música, é Mozart, diz, assanhada. Sabe que o bicho pega e cresce o amor incondicional dos homens por ela. “Viagem ao fim da noite”, batizou assim aquele congraçamento entre os machos de boa vontade. Na sua elegância de palha, Germana detesta quando os homens pedem “mais uma”. Ela gosta de ser chamada pelo nome, com devoção, olhinho baixo e tudo. E a peleja continuou: - O que acaba com essa criatura é a tua rabugice, a tua carranca, já te viste no espelho quando acordas? Que cabelo é aquele, dona? - Pois saiba que esse desalmado acorda te maldizendo, numa ressaca miserável, sempre como aquele corvo, never more, never more, never more... - Quando se recompõe volta aos meus caprichos... É um doente por mim, queres devoção maior? - Eu sou a cura... - Tu és mesmo um banho frio, sem alma, bálsamo chinfrim... És tão sólida na vida dele quanto um Sonrisal... - És a ruína desse infeliz... - Apenas não desejo que ele morra cheio de saúde... Já pensou que triste? - Cínica. - Gorda. - Invejosa, enquanto dás a queda eu dou um colo macio e reconfortante... - Se ele erra o prumo de casa é por conta da tua feiúra... - Mas nunca errou o buraco da fechadura... As duas se engalfinham. A mercearia vem abaixo. Marquinhos levanta o portão de ferro. O sol por testemunha de mais uma peleja entre a mulher e a cachaça. Ah, por isso que eu não quero que me faltem essas danadas. Tão passionais, tão iguais, tão donas das nossas quedas e baques. ROMEU, JULIETA & A DROGA DO AMOR* Compreendi, então, o grande prazer que experimentam, segundo seu grau de perfeição, os espíritos e os anjos que atravessam o éter e os céus, e como se podia gozar a eternidade no paraíso. Nada material se misturava a este êxtase; nenhum desejo terrestre alterava a sua pureza. Aliás, nem mesmo o amor teria conseguido aumentá-lo. Se Romeu tivesse sido um haxixin, teria esquecido Julieta. A pobre menina inclinada sobre os jasmins teria estendido em vão, na noite, do alto do balcão, seus belos braços de alabrasto. Romeu teria ficado ao pé da escada de seda, e embora eu seja perdidamente apaixonado pelo anjo de juventude e beleza criado por Shakespeare, devo convir que a mais bela moça de Verona não representaria nada para um haxixin. *Texto do livro "O Clube dos Haxixins", de Théophile Gautier (1811-1872), publicado em 1986 pela L&PM, de Porto Alegre, mas no momento fora de catálogo. Amigo de Baudelaire (diz-me com quem andas...), o francês amava o ópio, desenhava belas nuvens de haxixe e escrevia que era uma beleza! DA DEVASSIDÃO COMO POLÍTICA DA FÊMEA DE TODAS AS ERAS * a purificação de uma mulher só é possível na medida em que ela resolve ser uma devassa, como entre o povo tártaro; devassa no sentido de não temer o despudor nem a língua salivante da inveja; devassa como política libertária; como entre os negros do Rio Gabão e da Costa da Pimenta, que entregavam suas mulheres aos próprios filhos, a melhor das bênçãos; como no reino de Judá; só a lascívia embeleza uma fêmea; só mesmo os povos embrutecidos pela superstição, reza o marquês, podem acreditar no contrário; e acreditar no contrário é ir contra a nossa própria natureza. NATIONAL GEOGRAPHIC DO AMOR lá dentro, léguas submarinas, uma aventura ainda maior do que a tua, pobre e amado julio verne, segredos e algas com infinitas variações degustivas, mas sem frescuras, com gosto, muito gosto, devoção, decência, loucura, a lingüinha de cima segue contra vento e maré entre plantas carnívoras, verdes mares bravios, enquanto isso cardumes delirantes se deslocam até o juízo da moça, provocando-lhe um estrago nos miolos enquanto outra língua avança, tanto pode ser de rapaz como de outra rapariga, os mistérios marinhos ao infinito, comum de dois, ali mais embaixo, como se voltássemos para o princípio, um coralzinho levemente mais áspero, quase arrecifes, experimente agora um dedo mais profundo, deixe o grelhinho a balançar como no trapézio do cérebro, outros peixes iluminados irão se esconder por um tempo, descanso no céu da boca do(a) dono(a) da língua, ai que preguiça, dirão os pestes, uma vez que as arraias hedonistas já intercedem, chamando-os para a festa aqui embaixo, pedagogia do gozo, clamam, desçam dessa boca-istmo, golfo, aos vossos lugares, os mares da moça, o preparo do gozo etc, e o moço ou a gazela da língua, enquanto sobem um pouco e respiram, avistam, rentes às suas comovidas retinas, os sargaços na areia entre os ilíacos, ossinhos-âncoras, como rochas que dividem as praias de angra, os sargaços são os pêlos mais lindos na areia do ventre como esculturas do acaso –obra de paulo bruscky-, seus mistérios marinhos e um mar de histórias e coisas, ali embaixo náufrago e pirata, ali, mulher, sou teu robinson crusoé e outros tantos perdidos nas tuas encantadas e misteriosas islas adonde escuto os vinis do pixies batendo com as ondas nas rochas vulcânicas. SEM GAY... NUM ROLA, NUM ORNA Nada como um gay nas nossas pobres existências sobre a terra, essa passagenzinha de nada, velho e bom Kardec. Sim, um gay de verdade, com toda a sua riqueza de alma. Agora falando sério: um gay é tudo em nossas vidas. Duas ou três coisas que deveríamos saber mesmo sobre eles: toda grande mulher tem um gay como principal e inseparável amigo; festa sem gay não decola, não emplaca, não orna; o mundo sem estas alegres criaturas teria muito menos delicadeza e graça. Festa sem gay não tem liga, nossas mulheres sem eles não são as mesmas... São sentenças bíblicas. Deveriam constar de lei federal, nas tábuas de Moisés, em todos os testamentos. Você já viu uma festa sem gay animada? Também não. A pista não pega fogo, as mulheres não têm com quem fuxicar sobre o modelito da perua mais próxima... Seja forró, o velho e amado roque, música eletrônica ou um sambinha esquema novo. Seja em NY, Recife ou Crato. A mesma lição da festa perfeita vale para a amizade das nossas gazelas. Mulher sem um amigo gay nos arredores não tem graça. Com um gay como melhor amigo, ela fica mais inteligente, mais bem-humorada, mas faceira, acerta a roupa que veste, pinta o cabelo pra sair da rotina, o diabo, coisa marlinda... E você, cabrón, enquanto a amada vai ver o filme-cabeça com a biba amiga, ainda pode ficar em casa curtindo tranqüilamente aquele trágico Grêmio x Corinthians... TRESNOITAR-SE LSDeus, sempre, vide bula, remate de males, expansão de mares nunca dantes, avalovaras, gullivers,conrads... a volta ao nada em oitenta parafusos (frouxos!). um gato que anda na ponta dos pés, viagem ao redor do rabo, e que eu penso o gato sê-la, a bailarina fantasma de arnaldo baptista -seu corpo decente quanto nu chega enfim aos braços meus. “só pode ser amor o que eu estou sentido", faixa cinco, a mesma bolacha, o velho choro da carnaúba sob a agulha, 45 rotações nostálgicas... e a mágoa entre o pote e o scratch cachoalha um delay no juízo. Nobody knows,. sai chão, sai medo, quem estará na garupa?, a vida engana na curva do velho Chico ou do rio sujo do compay Terron, não havia nada lás, jacarés nas nuvens nadam, boquiabertas sestas entregues aos pelicanos bucais. LSDeus, o gato de novo se arrasta tão elegante sobre o taco que eu penso na linda ninfo que me vem, promoção de outros deuses, agora penso na miss vagaba, corações sem vulvas, promoção para os que acreditam nos sabiás que madrugam acordando os despertadores baratos dos pobres dessa floresta negra –Nel mezzo del camim de nostra vita – doravante denominada Chivas Las Vegas, como a banda de Alex Antunes. (Louvado seja Deus/ que nos deus o rock´n´roll/ clonando Cristo/ através do sangue do Santo Sudário/ Ciclone...”) LSDeus rogai por nós que recorremos a vós nesse vale de lágrimas, onde só as carcaças a nadarem bovinamente são vistas aqui de mis gafas. Um jovem cão arranha o teto ou terá tocado outra vez “the end” do doors? Q velharia tosca, amiga sombra, é apenas uma sobrinha de nada de ácido no juízo nostálgica de outra sobrinha de nada que persegue o outro quartinho (se muito) que corre atrás daquela “presa” do zaca no sonar das antiga, que remete aos quadradrinhos com desenhos druidas que já viraram estrume no juízo e lá eu planto lindos cogumelos onde meu amor irá finalmente ter o seu jardim suspenso. A VERDADEIRA E ÚNICA ESTRADA PERDIDA DE DAVID LYNCH no cinema já chorei muito com boas ou más películas, mas em casa nunca derramei tantas cachoeiras guardadas (viva humberto mauro, cinema é chororôrorôôô...!) cinema é chorar os choros-algibeiras do perigo das horas, é chorar o carlão reichenbach do genial reformatório de moças sodomizadas por jesus cristo, amém, é llorar como na canción de roy orbison, cinema é perderse sem lente de contato e sem soro para guardar los ojos de cuervos, cinema é... morrer de chorar com the straight story, lynch, minha dívida com o cinemascope, que tive que pagá-la com telecine-cult-gato-gambiarra-barbieri, a história real, david, q filme, nuestros abuellitos, nuestros futuros, quem dera, atravessando um desierto de quaisquer interiores, de quaisquer rasos das catarinas, em busca de borrar uma mágoa que ninguém sabia direito de onde partira, família, marrecos nos céus de todas as miras de nuestros almoços de domingo, e aquele senhor dos seus 70 em riba dum cortador de grama, tratozito de estradas mais perdidas do que nunca, um épico com sustança, como o próprio david nunca tinha sido capaz , o maior filme sobre irmãos desde o documentário bíblico de caim e de abel, sangre que corre nas mesmas veias, hemodiálise de rios e fronteiras, elogio-mor aos filhos e aos gametas perdidos, lynch como o mais audiovisual dostoievsky possible. DIÁRIO DO ENTORPECIMENTO flores depois do baile, ainda na calle... enrosco no taco, mais um tango para gastar a manteiga que seria dos futuros croissants... ela aumenta o sonic youth para competir com o sabiá histérico que bica os farelos da manhã de domingo... mi corazon, pobre involuntário, recita algo como a canção do beco de william blake, doces sorrisos da noite balançam sobre meu terno deleite da pista, a vida-bicicleta, aros e rodas, pede sussurando com jeitinho, implora: se parar cai, mi viejo safado, se vais envelhecer q seja sem nenhuma dignidade, as flores na garrafa torta de vinho guardam nosso sono de costelas-araldite, sueños-super-bonder, peixinhos vermelhos, betas do mangue q virou calçamento, rumble fish no aquário da melhor das nuestras noches desde que anaxágoras, esse proparoxítono das antigas, descobriu as fases de la luna caliente, dorme meu anjo que teu vira-lata, perro callejero, vigia as fronteiras da suposta realidade suposta. BREVE ORAÇÃO RAPARIGUEIRA a teus pés, toda hora, todo devoto que se preze, feitio de oração, pezinhos 36, 37, 38, conforme confiro aqui gravado em lito no cimento fresco da calçada, conforme machucado aqui no meu peito quando me pisavas com raiva e desejo, “seu coiso, não vês que te quero”... Começo a beijar pelo solo pátrio, nem que o chão esteja quente como no Crato, como em Teresina, onde o papa João Paulo II foi fazer aquela graça e queimou a língua, donzela bela que inspira a lira, a loa e a larica, meu docinho de coco aliterado no último, meu quebra-queixo, minha tapioca com nata, minha carne de sol dormida no leite, minha manteiga de garrafa, minha nega, contigo me derreto como no nosso último tango do agreste. UM CAUBÓI NO ESPAÇO “mira, num pido mucho, solamente tu mano, teneria como um sapito que duerme asi contento.” (veja, não peço muito, apenas tua mão, tê-la como um sapinho que dorme assim satisfeito). miro cortazar na coyote, a revista, regalo do amigo losnak, q gente fina, grande abraço, viejo, mira, mina, o avião treme, o teste da turbulência, regresso de londrina, londrix, no céu, no céu, no céu, é na turbulência, como eu ia te dizeno, é na turbulência que um ex-acrófobo de nascença se descobre um destemido, mira, yo soy fernão brega gaivota, mira, mina, a turbulência hierarquiza as perdições de um corazón ou estarei viajando uma vez mais entre nuvens de doces algodo~es? é na turbulência que se sabe das coisas, é donde as afinidades eletivas grudam como nossas costelas em noites-araldite, o avião treme, play again, beatles, i wanna hold your hand... bis! repete mil vezes o estribilho clichetoso do amor e da suerte. MISS CORAÇÕES SOLITÁRIOS -O RETORNO Diante de cartas e mais cartas de leitores, baixou de novo uma Miss Corações Solitários neste escriba que vos sopra o cangote. Miss C.S. é uma cigana da Andaluzia que hoje se divide entre um quintal do Capibaribe e uma choupana, para lá de ecologicamente correta, na Serra do Araripe, na divisa do Exu com o Crato. Com a sua poderosa entidade, M.C.S. socorre machos & fêmeas à beira de um ataque de nervos... ou simplesmente portadores do inapagável fogo nas entranhas. Às missivas, pois, aqui histericamente resumidas: Querida Miss C.S., o fingimento do orgasmo também pode ser uma prova de amor? (Sonsa de Mimoso, PE) Resposta: Estimada consulente, é preferível a dramaturgia do gozo àquela velha dor de cabeça que te abate justamente na hora em que ele te procura. Há um quê de distanciamento brechtiano no orgasmo fingido. O prazer fingido engrandece o homem, além de ser mais verossímil do aquele espetáculo verdadeiro e exagerado, cheio de caras, bocas e nove-horas. Sim, é prova de amor e caridade cristã. Prossiga. Cariño, M.C.S. Gloriosa Miss C.S., o cachorro que arrumei é um borracho, um Vicente Celestino, bebe sempre demais e não funciona quando mais careço. Que fazer? (Maria da Precisão, Conjunto Ceará,Fortaleza). Resposta: Muita calma nessa hora, criatura. Trata-se do famoso tipo homem-tupperware, aquele que você guarda para comer no dia seguinte. Sorte, M.C.S. Bem-aventurada Miss C.S., ele não me procura mais, o que fazer? (Desvalida do meio do mundo, Tejipió,Recife) Resposta – Pobre alma em desassossego, nada de apelar para cursos de streptease ou aquelas mil e uma novas posições estranhas que você leu na revista “Nova”. Uma amiga minha, por exemplo, tentou uma daquelas posições inovadoras e acabou com o marido num hospital de fraturas _e de madrugada, o que é pior. Só te resta, pobre alma, seguir o conselho do mago Paulo Coelho: senta-te à margem do Rio Piedra e chora. Tuas lágrimas irrigarão teu caminho e da terra brotarão novos caules. E tem mais: larga esse infeliz que não serve nem mesmo para trocar lâmpadas e abrir potinhos de conservas. Coragem, tua M.C.S. Poderosa Miss C.S., fui vergonhosamente traído por minha mulher, tipo flagrante delito, o que fazer? (Devoto da Gaia Ciência, Cajazeiras, PB ) Resposta: Amigo incoformado, deixo aqui, como filosofia de consolação, a sabedoria de um pára-choque que acaba de me abalroar: “Chifre foi feito pra homem, boi usa de enxerido”. Sem mais, M.C.S. NA HORA DA PEQUENA MORTE,AMÉM sim,e agora, agradeço a quem,meu deus, pára tudo, rezo virado para donde, donzela bela que me inspira a lira?, miro que horizonte possível de deuses incas nessa hora?, q faço com tantos mistérios?, quantos rosários à nossa senhora da pequena morte? -como diz minha amiga clarah. pra que lado fica Meca nesse momento, SP, interior, noite, bem cá dentro, corta, tela escura, 8 graus de miopia e astigmatismo, q fiz para tanto gozo, iluminação e sorte?, não lembro de tantas boas ações desse naipe, não ajudei aos mais pobres, não doei um centavo,não tentei salvar o planeta, gastei água até demais nos banhos pensando nela mesma... que faço, velho e bom Moisés, respeito as tábuas sagradas ou atravesso o mar vermelho antes mesmo da TPM?, que faço, amigos, se não há adjetivos que lambuzem minhas palavras como maçãs carameladas antes de subir na roda gigante?, sim, mas agora, como perguntei naquele mesmo instante à nobre rapariga, para quem oro, para quem mando ex-votos com caras de “ai meu deus!”? sim, pra ela mesma eu agradeço, devoto, mas não é possível que não exista um deus por trás daquilo tudo, uma santa dos shortinhos encarnados, um profeta de sofisticadas safadezas, um kurt cobain beatificado, alguma alteza, um elvis cantando mistery train para embalar nossos sonhos, um santo agostinho –“livrai-me das tentações, Senhor, mas não hoje!”-, algo havia ali de sagrado naquele momento ou já estávamos no melhor dos infernos mesmo?