NUNES, CF, PEREIRA, VHA. O Teatro e o Gênero Dramático.

March 20, 2018 | Author: Ana | Category: Tragedy, Theatre, Actor, Aristotle, Time


Comments



Description

O Teatro e o Gênero Dramático1 (Carlinda Fragale Pate Nuñez & Victor Hugo Adler Pereira) A abundância de formas presentes no gênerodramático integra um patrimônio histórico-cultural que fascina a todos quantos se iniciem neste estudo. Em seus longos dois mil e quinhentos anos de existência criativa, o teatro encerra uma variedade invejável de modos de realização, que vai desde os monumentais espetáculos realizados nos teatros gregos até as improvisações mais contemporâneas, que tomam o texto apenas como pretexto para o evento teatral. Neste amplo contexto, em que contracenam geniais autores, atores, encenadores e platéias, pouco espaço tem sido reservado para considerações especificamente ligadas ao texto dramático e a seu fruidor isolado, o leitor de textos teatrais. Sem renunciar à interação que liga o texto ao palco, o leitor ao espectador, a encenação à representação imaginária pelo ato da leitura, vamos aqui privilegiar as propriedades do texto dramático, com vistas a organizar alguns pressupostos teóricos do gênero que correspondem a ele. Para tanto, vale a pena lembrar que a literatura dramática constitui um caso limítrofe da criação literária, já que sua plena realização se obtém na representação cênica. Isto não quer dizer, todavia, que não se possam apontar alguns elementos com os quais se descreva a sua especificidade. A primeira parte deste capítulo, por isso, contém asserções teóricas sobre os marcadores do gênero; à segunda parte caberá iluminar esta descrição com a experiência viva do teatro, através de alguns de seus testemunhos históricos mais expressivos. 1 - Natureza híbrida do teatro: texto dramático e encenação Se a história do teatro consigna modos diferenciados de realização – conforme as épocas, seus criadores e as ideologias por eles veiculadas – um elemento constante se mantém, depositário dos materiais responsáveis pela multiplicidade de leituras e pela enorme variabilidade dos tipos de espetáculo: o texto. Este contém referências fundamentais, sem as quais a dinâmica entre todos os fatores gerenciadores da encenação não se pode estabelecer. Duas questões se encontram aí envolvidas: a primeira delas é identificar o que peculiariza a escrita para o teatro; a segunda, o que faz do texto teatral uma obra literária. Quanto ao primeiro ponto, uma nomenclatura específica pode auxiliar a estipular certas distinções iniciais. Três adjetivos que concernem à questão aqui focalizada – teatral; dramático e dramatúrgico – são muitas vezes utilizados como meros sinônimos. Mas, buscadas as diferenças que através de cada um deles se expressam, tornam-se excelentes subsídios na tentativa de demarcar as fronteiras deste território de trânsito, onde se dá o intercâmbio de elementos heterogêneos com que os estudos de teatro lidam. O texto teatral é aquele que se concretiza no ato da encenação. Considerado na sua dimensão material, ele funciona como a base para a concepção do espetáculo, para a atuação cênica de atores e dos profissionais que viabilizam o evento teatral. Pelo adjetivo teatral consideram-se, simultaneamente, as duas dimensões implicadas na dinâmica do teatro: a escrita (não necessariamente de qualidade literária) e a cênica. O texto dramático é aquele que se qualifica para a encenação. Isso se verifica quando, prescindindo do palco, o texto o evoca como instância complementar para a totalização de seus efeitos estéticos. Tal designação aponta especificamente para todas as informações que se inscrevem no conjunto escritural, incluindo-se aí o título e (quando há) a sugestão autoral de inserção da obra numa das espécies do gênero; a distribuição dos discursos pelos intérpretes e as didascálias ou rubricas destinadas à direção cênica. O adjetivo dramático explicita a abordagem do texto como objeto literário, pelo critério da análise das estratégias discursivo-poéticas que lhe conferem qualidades artísticas. Endereçado à crítica, ele pode ou não alcançar o reconhecimento como obra literária. Quando se trata de considerar a interação do extrato lingüístico-literário com os demais códigos envolvidos na elaboração do produto artístico que é levado ao palco, para a leitura pública e coletivista por parte de espectadores, trata-se do texto dramatúrgico. Desta forma, a condição de texto genericamente teatral alcança estatuto dramatúrgico, porque determina a interação com o público, no ambiente específico de uma sala, como fator que o diferencia da dramatização espontânea e descomprometida com intencionalidades artísticas. Vale dizer que o texto dramatúrgico se alicerça nas qualidades literárias dos enunciados representados. 1 NUÑEZ, C. F. P., PEREIRA, V. H. A. Teatro e gênero dramático. In: JOBIM, José Luís. Introdução aos termos literários. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999. pp. 69-99. em relação ao senso comum. e ela mesma. É próprio do dramático recrutar sistemas extra-verbais de significação. de Eurípides). A diferi-los está a ênfase que se dê à análise textual (para o texto dramático). por artes da encenação.1 .O texto dramatúrgico Daí se depreendem dois traços exclusivos do texto dramatúrgico: a plurimidialidade e a multidimensionalidade de seus efeitos. que concita à encenação. etc. mas. ele próprio remissivo a uma dramaturgia do inconsciente. por conseguinte. Integra uma constelação de discursos composta por elementos que pertencem a artes diferentes (literatura. a mais artificial e efêmera delas. o presente da representação e as idades artísticas e antropológicas de todas as platéias. gestualidade. Por plurimidialidade entenda-se o concurso de duas mídias. o teatro se situa na interseção entre representações espetaculares com distribuição de papéis (a começar pela dicotomia espectadores/atores). esta naturalidade não se confunde com banalidade – pode até manifestar posturas revolucionárias (como se tem identificado a dramaturgia de BertoIt Brecht. Ambiguamente a obra dramatúrgica diz respeito a uma prática artística. através de festas. por exemplo). efeitos acústicos. ou às propriedades da encenação (para o texto dramatúrgico). como o próprio teatro: arte do código. Através destes. sem se desfigurar ou desfigurá-las. já que muitas vezes se baseia no tácito acordo estipulado entre palco e platéia de que. uma relação de grau. envolve mais que as palavras proferidas em cena. O texto teatral. coreografia. com vistas à obtenção dos efeitos pretendidos. por conseguinte. admitindo-o. Esta memória do teatro se dissipa e ao mesmo tempo comparece nas representações teatrais. onde tudo depende da sugestão eficiente. literária e cênica. bem como todos os códigos necessários para a caracterização dos atores (indumentária. Esses três adjetivos subsumem. a dupla valência da obra dramatúrgica. sem priorizar o critério técnico-literário. sem considerar suas propriedades dramatúrgicas. conforme atenda a exigências do leitor convencional (ingênuo) ou do leitor investido de critérios estéticos (ideal). em consonância ou não com o que é determinado pelo texto. abrangendo todo tipo de criação textual para teatro. se acoplam ao sistema lingüístico. Mas remete a questões da mais aguda praticidade. música. ao menos. trabalhos com a voz. A natureza multidimensional deste objeto estético se verifica por acumular estratégias de produção: incorpora procedimentos discursivos a priori concernentes a outros gêneros (a narratividade épica ou a expansão subjetiva do lírico. ação + érgon = operatória com todos os ingredientes envolvidos na obra dramática). cinemorfia. que adquire uma primeira existência sob o formato textual e conquista seu estatuto fundamental no formato de espetáculo. artes plásticas. Através do traço da plurimidialidade se expressa a natureza híbrida do teatro... constituída não só por enunciados polimorficamente verbais. O texto dramático pode situar-se dentro ou fora de uma fatura literária. considerado sob perspectiva múltipla. integrando o universo de signos (verbais e não-verbais) que caracteriza a dramaturgia (etimologicamente drama. cotidiana. mas também por enunciados cumulativos. De qualquer forma. Desta maneira.A bem da verdade.. ao mesmo tempo que recicla formas artísticas ligadas a sistemas específicos (como a retórica e a cenografia). mesmo que utilizada como estratégia para a dissimulação de verdadeiros programas filosóficos ou visões-demundo surpreendentemente desfocadas. seja nos temas com que lida. proxêmica.) e saberes insuspeitáveis. metonimicamente. 1. proxêmica. Ele se define. de todos os teatros do mundo se tornam contemporâneos. por exemplo. afinal. que lhes coordena o desenvolvimento. Sua matéria-prima se liga à vida pragmática. obviamente. Desta feita. seja na forma. "tudo não passa de ilusão teatral". trata-se sempre de uma redução ao leitor solitário. e a uma experiência que atravessa a memória histórica das coletividades. Teatral remete à apreciação mais geral. O texto. seja como a base que o provoca e lhe dá origem. música. estamos nos referindo ao conjunto de . Esses sistemas. iconográficos. No conjunto da experiência teatral. visuais. Um aspecto leva ao outro. cerimônias e rituais. cores. baseadas numa dramaturgia prevista para acontecer de acordo com um calendário e em local planejado para tal fim. acessórios cênicos. da convenção. acústicos. mas também. em razão da existência de um texto. ele participa. iluminação. Por outras palavras: o texto teatral ou dramatúrgico é o lugar onde se entrecruzam múltiplos discursos. ). Aí se funda a dupla enunciação veiculada pelo teatro. remissivas a questões políticas ou filosóficas. A economia de meios com que o teatro articula sua linguagem é tributária desta tradição altamente especializada em cumular enredos ficcionais com mensagens de conteúdo simbólico-ritualístico. que privilegia o extrato verbal da comunicação teatral. envolvendo cenário. mímica. Deste rol também participa o texto dramatúrgico. maquilagem. para a consumação da obra teatral: o texto. seja como receptáculo deste universo sígnico. em âmbito público ou privado. Isso para não mencionar o acionamento do imaginário individual. vem sobrecodificado pela interação com uma tradição de espetáculos ligados à experiência cívico-religiosa das sociedades que vivenciaram a prática teatral. e bem antes dele. figurinos. é praticamente impossível falar de texto dramático. Por mais natural que o evento teatral se apresente. etc. ao mencionarmos texto dramatúrgico ou dramaturgia. adereços. por sua vez. Este conjunto sígnico permite vislumbrar subcódigos. o texto para teatro tem uma pré-história exclusiva de leitura. ou. Como o mimo é uma forma dramática representada apenas por gestos (tão graciosos quão ingênuo é o enredo veiculado). 1.. Vale dizer que o intercâmbio entre a obra dramática e a encenação é mesmo muito complexo e só pode ser equacionado nos termos do consórcio dramatúrgico. A dúplice possibilidade de representação a que o texto dramático se liga implica um dos traços de sua especificidade. fazendo jus às suas peculiaridades. Sua palavra-de-ordem é.. Schiller sentencia. tempo e espaço asseguram a juventude do texto dramático. todos os textos podem ser lidos. Considerando a questão por outra perspectiva: se a encenação parte do texto. 558): "Ao mimo a posteridade não tece coroas". Vale dizer que se tornam perfeitamente relacionadas às formas de interação propostas no enquadramento dramático e no enquadramento das realidades históricas que lhes correspondem. especificamente.efeitos superpostos. Quando se atribui a diferença entre o texto teatral e textos não-teatrais à viabilidade da leitura. segundo o modelo cultural e o momento histórico. Na verdade. pode-se igualmente questionar a relação entre realidade dramática e teatralidade extracênica. Mas deve-o também à realimentação de seus méritos poético-literários. p. remete a questões que transcendem a conversão de um objeto do medium impresso ao medium acústico-visual. individualmente. Buscá-la no conjunto de produtos literários que integram o gênero mais confunde do que esclarece aquilo que se busca. com aquilo que nele excede o seu funcionamento estrutural. como representação de uma realidade ficcional – verossímil e auto-referenciada . O conjunto de montagens de um determinado texto é ainda insuficiente para esgotar o potencial dramatúrgico de que é depositário. fruidor). Graças à teoria da recepção e à respectiva leitura dos termos que integram o circuito da comunicação teatral (autor.. com as quais se pode descrever a natureza híbrida (multidimensional) e plurimidial do gênero dramático. ou seja. Sintética por excelência. O gênero dramático lida de forma peculiar com tempo e espaço. A complementaridade entre texto e representação. integrado a e responsável por uma encenação. Para exaltar este ecletismo haurido de faculdades intrínsecas à escrita dramática. por isso. e outros para serem dramatizados. Mas ele naturalmente se presta à encenação. encenação. por outras palavras. Tal percepção se deve às contribuições da Semiologia e à Teoria da Recepção. A partir daí. supera-a muitas vezes por uma vitalidade que reside nas suas propriedades constitutivas e estáveis. aliás. Deduzimos perfeitamente a quem. a toda a fenomenologia instaurada pela dinâmica da encenação. a semiologia teatral analisa a funcionalidade dos elementos dramatúrgicos como signos do código dramático-teatral.2 . o segundo. parte-se do equívoco de que há textos para serem lidos. Vale dizer que ele consigna às qualidades do texto como obra literária uma noção de mímesis plural.O texto literário-dramático ou O texto de literatura dramática Para ser literário. com maior ou menor explicitude lançados à interpretação (por atores e espectadores/leitores). em razão de sua natureza lacunar (literária) e autoreferencializada (teatral). o texto dramático. Tal propriedade do discurso dramático levou Goethe a defini-lo como a mais perfeita das "formas naturais de poesia". Ademais. mas enfatizando outros aspectos. Mas como não ler na confluência deste manancial a manifestação de outro traço por nós perseguido? Referimo-nos. no prólogo do Wallenstein (1966. O texto dramático lida com a literariedade. para ser encenado. crispação entre fragmentos. Associada aos estudos estruturalistas. precisa ser adaptado. que concorrem para a cristalização dos marcadores do gênero. Problemas não menos complexos e nem totalmente dissociados destes. ela. confronto. enquanto aguarda as condições favoráveis para a realização do evento dramático. se verificam. que o auxilia na montagem mental do mundo ali representado. a que gênero e até a que espécies literárias do gênero elas se destinavam . Inusitadamente. à dimensão supra-temporal da obra literária dramática. Como se vê. só existe porque trata-se de dois sistemas narrativos diferentes: o primeiro represa sentidos que ultrapassam a representação. na perspectiva do atrito. O texto dramático requer do leitor apenas a habilidade de lidar com as rubricas. a chave continua sendo o texto dramático. que se escreva por estratégias que lhe assegurem a artisticidade. não é capaz de recobrir todas as possibilidades de realização cênica que o texto admite. Sempre atualizáveis a cada montagem. que só atinge sua plenitude na encenação.que prescinde de adaptação para gerar a representação cênica (a encenação). Daí se infere que o texto dramático está na raiz de uma outra realidade artística. Por outro lado. o tipo de interação proposto pelo palco se mostra coextensivo a formas de interação social. não basta que o texto dramático contenha qualidades que lhe comprovem a literariedade. em relação àquilo que denominamos texto de literatura dramática. obtida através da multivariedade de transformações que lhe garantem a difusão. a noção de texto dramatúrgico. texto. desobrigado de dar sentido ou de preencher o que o texto anuncia de sua . que sobrevive a todas as encenações que dela se façam. particularizando-se e tendo alguns de seus sentidos resgatados através do consórcio com os outros elementos a que os dados textuais se associam. a obra dramática lida preferencialmente com a sugestão e a incompletude. a tensão. Já o texto não-teatral. o código próprio da enunciação dramatúrgica. não há encenação que resolva os desvãos da escrita dramática. Além destas modalidades consagradas de se conceber as personagens dramáticas. Por suas qualidades artístico-literárias. o Noviço) ou as personagens que encarnam aspectos de caráter (o Avarento. O mesmo se aplica à elocução dos atores. e os textos não. o teatro épico. pelo drama burguês. numa comunicação irremediável. . romântica. estes se comprovam também imutáveis. incunábulos e manuscritos (antigos) se encontravam. as sotias. Ainda aqui se recolhem traços que singularizam o texto literário teatral: ele é estável. algumas propriedades que colocam o texto em posição vantajosa: por maiores que sejam as liberdades a que o diretor se permita. Servem-lhes de exemplo. é perder sua identidade matricial. através da celebração das soluções obtidas em termos dramatúrgicos para vencer a aparente inalterabilidade dominante na vida extra-teatral. sobressaem. uma vez que a comédia já apresentava um modelo mais flexível e um temário incomparavelmente mais aberto que aqueles impostos ao poeta trágico. priorizando a exemplaridade (herói trágico) ou o seu contrário (herói cômico). por melhores que se comprovem) e aos encenadores (em muitos casos. ópera. entre outros elementos relacionados à fala das personagens. a palliata e a togata. Praticamente preservaram-se as peças mais requisitadas pelo gosto universal). C. cujos modos verbais. do melodrama e da tragicomédia. sob a chancela de diretores. os autos. pela “comédie larmoyante”. entonação e registros lingüísticos. Gerald Thomas. há ainda as personificações (como os Vícios. A este leque se associa uma constelação de personagens consagradas. numa fábrica. em que se situam os acionadores da "máquina" teatral. de tratores da obra escrita). tem assegurada a permanência (a exemplo dos manuscritos das tragédias atenienses. à mercê dos quais os papiros.3 . os tipos (papéis sociais. mas. como foi originalmente concebida. A copiasidade de espécies – a começar pela tragédia e a comédia. está estabelecendo uma relação. Ele tampouco se ancora em um texto dramático qualquer. O problema era ainda maior para o tragediógrafo que para o comediógrafo. ainda que de ruptura. por discursos que se organizam em função de tudo o que medra. de tipos. em outros. cenógrafos. no contexto da encenação. como o Cortesão. no que diz respeito a sobreviver às representações (sempre efêmeras. Se as montagens variam.incompletude. Ao mesmo tempo. estipulando tipos diferentes de comédia.. as farsas. Há uma variedade de personagens. Somente naquele cujo grau de artisticidade é capaz de torná-lo refratário à ação do tempo e das múltiplas leituras que tenha ensejado. inversamente. e. em Roma. pelo jogo entre o tanto que é dito e o muito que permanece ocultado – na iminência de irromper palco a dentro). as Rühstücke. ainda assim. Na Atenas do século V a. enfim.A cartilha aristotélica O dramático é certamente um gênero que conta com amplo e diversificado repertório de espécies literárias. a crítica social através de um caráter representando o meio (Gerhard Hauptmann). mas já na Grécia antiga diferidas dos ditirambos. O staff intermediário. preserva esse modus faciendi acidentado. a hipertrofia de qualidades (cuja essência se encontra nas comédias de caracteres de Molière). as farsas burlescas. co-criadores. as moralidades. mesmo quando ambienta o Navio Fantasma. constituindo uma versão provisória do mundo representado. substituindo-lhes a indumentária convencional de navegantes por macacões. a menos que se considerem os acidentes (do tipo paleográfico). nas Moralidades medievais). o teatro se instituiu nos moldes dos tribunais públicos. etc. atores.. a soap opera. Não se garante o êxito de um espetáculo exclusivamente por seus expedientes cênicos. com a obra. No atrito entre o que o texto teatral propõe e o que o conjunto dramático realiza. dá unidade e mantêm associados. Os dramaturgos que concorriam a prêmios auferidos mediante votação sigilosa lidavam com o desafio de adotar de forma originai as rígidas estruturas da tragédia e da comédia. as duas dimensões contidas na dinâmica dramatúrgica: a exterioridade absoluta (materializada através dos atores) e a interioridade mais radical (dimensionada pelos sentidos textuais que emergem no regime do descortinamento teatral. na comédia antiga. figurantes e tantos profissionais quantos as encenações demandem. mantém-se subordinada às determinações contidas no texto dramático. pelo teatro do mundo espanhol. incluindo aquelas que foram selecionadas pelo critério de preferência dos espectadores e do público leitor. social. além de estáveis. de Wagner. Vale dizer que a atuação cênica. e se permite representar os tradicionais tripulantes como operários. que chegaram até os dias atuais em número reduzido. parece orientar a realização da literatura dramática. Daí para a posteridade. na soturnidade dos bastidores. Basta pensar na origem grega do teatro. o Erudito. o texto dramático é muito mais durável que a memória das encenações por ele suscitadas. à medida em que permeia e é permeado pela operatória dos demais signos envolvidos na semiologia teatral. ou. as comédias de costumes. o teatro do absurdo. numa listagem sempre tão longa quanto incompleta. porém imprescindível. a opereta. De fato. a invenção. certamente. Mas não só as mudanças de "formato" determinam a dificuldade de se sistematizar um perfil do gênero. se estipulam em função das sugestões textuais. as bufonarias e os mimos medievais. a mudança das relações sociais provocando uma intervenção das personagens (Shaw e Brecht). cada qual com suas prerrogativas – passa pelos mistérios. o Sedutor). do drama satírico. Mas este já não é mais o nosso caso. o destino do texto. associadas às teorias dramáticas. seu trabalho parte sempre das referências propostas pelo texto. 1. diversidade decorrente da longevidade e do estímulo à inventividade que se depreende de seu estatuto fundamental. que. levando em conta textos que não viu encenados e sem ter acesso a toda a dramaturgia produzida no século anterior àquele em que viveu. exemplar. relativamente ao teatro. De fato. de Aristóteles. ao impulsionar a pesquisa crítico-literária com uma conceptualística eficiente quanto à valorização dos processos estéticos. Historicamente. Não se trata. a reflexão crítica sobre o teatro irrompe com a guinada humanística para a Antigüidade. à personagem. Aristóteles abala o sistema tradicional. o palco.1 . A. temática e de época. Não se trata exclusivamente da série de acontecimentos com que se constrói o enredo. Aristóteles ressemantiza a palavra mito. Também não foi por falta de alternativa que Aristóteles conquistou lugar proeminente na discussão sobre o gênero dramático. mas desconsiderou a comédia e todas as demais espécies dramáticas. quanto à exemplaridade dos Antigos.. tanto quanto possível. (3) fixou uma nomenclatura e ponderou critérios para a descrição do trágico. o Melancólico. dentre outros exemplos que sobrevivem no leque de papéis até o teatro de Boulevard. O primeiro liga-se ao enredo. associada a uma rede de histórias e gerenciada por tantas implicações quantas puderem ser cogitadas. sem se deixar levar pela tentação de explicá-lo a partir das encenações. No texto original. Para definir conceitualmente a especificidade da ação dramática. da língua e música (meios) e da encenação (modo). cuja lógica se apreende na ordenação adotada em sua exposição. acaba imobilizando a investigação. Acrescente-se a isso o fato de que os teorizadores do dramático. seja porque a aferição de categorias extraídas do corpus dramático grego se prova insuficiente para a análise da literatura não-helênica. impõem-se algumas reservas. a elas. consta a palavra práxis. Vale a pena lembrar que Aristóteles. (2) colocou a tragédia grega no patamar de modelo de realização artística. o segundo. de uma ação inconseqüente. Tanto é que o próprio Filósofo faz questão de adjetiva-la: “ação importante e completa. o Sanguinário e o Cândido.4. Passemos. Apesar do mérito inquestionável de suas apreciações. assumem caráter normativo a Poética. nos comentários das Poéticas italianas (de Robortello.”. de acordo com as escrituras autoral. Inúmeras espécies dramáticas e uma variada galeria de personagens estandartizadas fazem-se compaginar por múltiplas formas de organização da narrativa. a personagem adquire uma psicologia multifacetada. na Poética. ação mimética. Ou. e a Carta aos pisões. que deixa de significar narrativa fabulosa protagonizada por entes sobrenaturais.. para significar. Hanswurst. na Comedy of Humours. indica a diferenciação inicial do dramático em relação aos demais gêneros. a preocupação de considerar o texto como instância que define a realidade cênica.. Não é difícil entender por que nunca se conseguiu uma descrição normativa do gênero dramático que abrangesse a heterogeneidade de formas angariada ao longo de seus 2. que remete a um tipo de ação como a que se encontra nos mitos – dinâmica. representando indivíduos capazes de mudança. no século XIX. ação e caráter concentram sua atenção. Mas entendamos o que se quer dizer com ação.. entretanto. mesmo que brevemente. que tem reverenciado ao método e se limitado a reproduzir a aplicação dos quesitos aristotélicos. Tal impasse não se deve à incompetência de uma crítica com quase dois mil e quinhentos anos de experiência. O inegável mérito do Filósofo decorre da perspectiva adotada: considerar o texto literário em si.o Parasita e o Miles gloriosus. consoante as intenções do autor e o alcance plausível de suas asserções. por outra. tendo em vista as condições que deram nascimento a apontamentos para aulas no Liceu e garantiram-lhes uma sobrevivência acidentada. Castelvetro) e espanholas (de Pinciano.. na Commedia dell'Arte. no teatro popular.Categorias ficcionais na obra literária dramática Quando Aristóteles identifica a mímesis poética por seus objetos. Ocorre. 1. estes "defeitos" não podem ser integralmente tributados ao Filósofo. absolutamente. já se percebe. nos manuscritos que a posteriori se denominaram Poética. seja porque a quantidade e a variedade de elementos importantes contidos na Poética retém os pesquisadores na fase inicial do trabalho. Arlequim e Golondrina. porém lacunares). Ao contrário.Ação dramática Dos elementos selecionados pelo Filósofo. Ela está a caminho de exercer a crítica de caracteres que lhe é reservada no teatro do século XX. algumas das quais básicas. deixando de fora o que lhes é intrínseco – as categorias ficcionais mesmas. meios e modos. a partir da ação e do caráter (objetos da mímesis dramática). Certamente tem-se buscado a solução para a aferição do nível de artisticidade das obras dramáticas no lugar onde ela não se encontra. A este amplo rol juntam-se as personagens mistas da tragédia burguesa. até que. na Poética: (1) foi muito mais crítico do que teórico (o que se constata pela preocupação judicativa que predomina às explicitações conceituais. Scaliger. não chegam a propor os elos entre a origem do processo dramatúrgico e as novas concepções geradas pela tradição pós-clássica. Minturno. como termo do vocabulário técnico da literatura.4 . fixando-se na cartilha aristotélica. A literatura greco-latina e especialmente a tragédia latina de Sêneca e a comédia de Plauto e Terêncio se tornam canônicas. mas pelo caráter sistemático de suas considerações. Esses elos não se apreendem facilmente.500 anos de existência histórica. de Horácio. de certa extensão. para que o texto aristotélico seja utilizado. Salas). Em nome da justiça. 1. A partir destes. . Na peça Édipo-Tirano (às vezes traduzida em português como Édipo-Rei). Desde o teatro grego. e do narrativo ao "dizer". de espaço e de ação. Esta distinção se baseia na falsa associação do dramático a um "fazer". da narrativa dramática. é no destrinçamento do enredo que se apreendem o sistema de estruturas narrativas e seu processo de organização. A unidade de ação referia-se ao fato de que apenas um acontecimento representado como um todo. em geral fazendo alguém bem afortunado passar ao infortúnio. O arranjo estratégico dos acontecimentos funciona como o recurso através do qual a história apreendida no plano da representação (estrutura superficial) se reveste da lei da necessidade (a anánke aristotélica). devendo provocar o impacto no público. como abstração. O objetivo final da representação é a kátharsis (mudança violenta de estado emocional). meio e fim. A ação dramática é tão mais eficiente quanto mais investe na regra de superposição de funções. Depreender as etapas da intriga corresponde a levantar a arte de composição de uma peça. depreendeu-se também o que passou a se chamar de "lei das três unidades": de tempo. por outro. na cornédia). Se. aquele em que o soberano Édipo atende aos pedidos do povo de sua cidade. o processo que estipula as relações de causalidade da ação. devido a situações que não conhecia até então completamente. mas adaptado por Aristóteles à teoria poética. na seqüência temporal. que conduzem o conflito das forças contrapostas (protagonista e antagonista) ao clímax (ponto alto da ação). São elas a exposição (apresenta a pré-história da ação que se vai desenrolar) e o nó (ou anabolé. de sua complicação e de sua resolução. O enredo se situa no texto. por oposição à epopéia (que imita ações por meio da narrativa). A primeira delas. explora a construção do todo dramático sobre o duplo patamar da intriga e da ação associada a óticas discrepantes e. decorrente da desigual distribuição de informação entre personagens. As duas primeiras referiam-se ao fato de que o Filósofo. que constitui a ação da peça. A partir dos conselhos de Aristóteles para a realização de uma boa tragédia. a partir da observação do que ele considerava as melhores tragédias. quando a tradição aristotélica ensina que a obra dramática imita pessoas fazendo alguma coisa. já que este se apreende na sucessão temporal dos fatos. Aristóteles considerava a maior mestria demonstrada por Sófocles o fato de fazer coincidir na apresentação dos fatos a peripécia com o reconhecimento pelo herói de seu próprio destino. Lembrava ele que assim procederam os grandes autores trágicos. E nisto ele distinguia esse gênero artístico das epopéias. ou seja. apenas aparentemente tortuosa. por exemplo) e deslocamentos. associando-a ao prazer decorrente da excitação afetiva. e chamava de peripécia a essa mudança súbita que ocorria num determinado momento da ação. aderido ao jogo teatral e inteiramente ligado à ação. É inegável que Aristóteles acerta em cheio. Isto a faz tecnicamente diferente do enredo (ou fábula). entre estas e o público. encontra-se a intriga. simultaneamente. o que causa a reviravolta). por conseguinte. objetivamente materializada nos discursos das personagens e nos gestos previstos nas didascálias. Segundo Aristóteles. os acontecimentos seletivamente ordenados e apresentados. assolada por uma violenta peste. Segundo o Filósofo. na sucessão das cenas. a tensão. em que podia ser apresentado um conjunto de acontecimentos simultâneos. Mas esta. quando pontua que o caráter (éthos encarnado na personagem dramática) é funcional para a ação. o mito se gera juntamente a esta ordenação lógica. por um lado. a ação se desenrola totalmente num só dia. ou ainda entre o conhecimento de saída por parte dos espectadores e a consciência limitada das personagens à mercê da ironia dramática. remetendo ao desfecho (catástrofe. constituído de começo. e por isso denominava Édipo-Tirano a mais bela das tragédias. A peripécia é. esta . Esta se desdobra em crise e peripécias (mudança do que deve ser alcançado em seu contrário). originalmente associado aos efeitos médicos de alívio de incômodos físicos. O resultado dessa investigação. aconselhava aos dramaturgos a fazer com que a ação que representassem diante do público tivesse a duração de um dia e transcorresse num mesmo local. Não se verifica a mesma precisão. e dénouement. e resolve investigar que culpa humana teria ocasionado a ira do cosmos contra aquela população. neste caso. procede a relações semânticas (por elisão e concentração. Um enredo bem feito. a partir das quais ele propõe elos causais. esse era um fator que provocava o impacto máximo no público. deve-se constituir da apresentação de um conflito. é a descoberta de que ele mesmo maculara aquele povo ao matar o seu pai e casar com a própria mãe. de acordo com as normas vigentes nesta tradição. é quase impossível estabelecer de forma totalmente objetiva a distinção entre ação e enredo. A forma pela qual se obtém a transformação da história em representação cênica enuncia as suas leis. Ligada à construção dos acontecimentos. Neste conjunto sobressaem a anagnórisis (mudança de situação.À ação correspondem. deveria ser apresentado como uma peça teatral. na tragédia. a partir do momento que passa da ignorância ao conhecimento de um fato) e o páthos (emoção profunda). a uma organização conflitiva dos papéis. corresponde à história seletivamente concebida e plasmada. que funda a lógica interna do drama (remissiva à sua estrutura profunda). a passagem de Édipo de soberano semideus a infrator digno de expulsão da cidade. de Sófocles. Aristóteles considerava a transformação que ocorria no destino de uma personagem como uma das conseqüências do desenvolvimento do conflito. colocando em cena apenas o dia em que os acontecimentos transformariam a vida do herói. O texto dramático reorganiza o acontecimento por associações lógicas. ou seja. o antagonista. a chamada "lei das três unidades" foi um dos temas de acaloradas discussões no teatro ocidental. no século XVI. o(s) opositores (s) e o(s) figurante(s) . e se vai configurando a forma pela qual poderia prestarlhe uma homenagem exclusiva. quando o protagonista. vontade e desejo. Trata-se a personagem dramática de um dos mais complexos artefatos do sistema dramático. na condição de eixo em torno do qual se cristalizam os símbolos. que se instala na encruzilhada de todos os signos em concurso. diante do desejo da corte e dos acadêmicos de preservar as tradições clássicas. que não abrange mais que quarenta versos. Apesar disso. todos os processos de disseminação de sentidos passam necessariamente por ela. p. colocam-se em cena tipos fixos. desmesura) de caráter.. Este é o caso do herói trágico. Cassandra). de Ésquilo. adquire sua complexidade.3 . a personagem dramática é um campo de imantação capaz de catalisar sentidos que se distribuem pelo texto sob a forma de múltiplos discursos. por sua morte. na sintaxe das ações dramáticas. Tudo o mais. Antígona prescinde da ação externa. que facilitam a identificação da personagem pelas platéias. se Antígona ou Creonte. sem dizer uma única palavra. Ser de papel. Ótimo exemplo de personagem dramática é.2 . Antígona: como uma adolescente de uns dezesseis anos. À medida em que a jovem vai tendo a oportunidade de descortinar a importância do irmão. em cena. tanto quanto pela forma como se inserem no enredo e pelo que. na simultaneidade da dramatização. de Sófocles. apenas algumas formas dramáticas elaboraram personagens invariáveis. dos direitos natural e consuetudinário. Investidas semanticamente por ações. desejos e tudo o que há de imaterial. executam. J. desamarra as sandálias e pisa sobre um tapete vermelho – e com este gesto consuma a falha trágica (hamartía) de outorgar-se uma honraria exclusivamente dedicada aos deuses. que é o ingrediente cênico por excelência com que o leitor/espectador se identifica e com o qual se relaciona preferencial e mais diretamente. Tudo tão estranho quanto eficiente. A maneira como se insere no enredo. que a colocaria em sintonia direta e fina com desejos incestuosos muito perversivamente sugeridos. o teatro ganhou dos modelos formais da Lingüística os fundamentos para uma gramática das constelações dramáticas. Investida de uma identidade fictícia. idéias. matam-se um príncipe e uma rainha. pela hýbris de ação. Ryngaert (1996. são discursos narrando o passado ou o futuro (os infortúnios reservados ao rei sacrílego e à sua escrava. Na Antígona. quanto mais se define pelas ações. Como agente da representação. pode representar o pensamento coletivo ou a opinião do poeta. o tirano todo-poderoso cai em desgraça. o herói cômico. torna-a um lugar textual imprescindível para a sustentação do todo ficcional. Na Commedia dell'Arte. o(s) adjuvante (s). tudo continua girando em torno dela. para ela. construindo-se a partir dos eventos representados. que vem modalizado pela hamartía (a falta trágica) ou a hýbris (excedência. sobre quem seria mais justo. depois da tradução de Aristóteles. Sua importância está diretamente ligada à função de sujeito que ocupa. das quais se distinguem o protagonista. Ela funciona. Até mesmo ausente.4. falas. fora do desafiante impasse proposto por Creonte. suas opiniões passam a ameaçar éditos. 1. nas quais personagens se subordinam a actantes (E. tornando-se fonte de acesas polêmicas ainda na França do século XVII. no jogo dramático. como a fronteira onde identidade e ação se revezam e se completam. tão mais complexa. Souriau) e funções (A. de fato. o Coro. Uma tipologia da personagem teatral não é tão rentável quanto entendê-la como o mais exterior lugar da representação onde o texto se dá a conhecer. a ação propriamente dita se resume a uma única cena.4. Greimas). nesta tragédia.Tempo e espaço Ao afirmar que as "marcas espaço-temporais de um texto são o signo de sua estética". mesmo nas mais bemsucedidas tragédias. Ação propriamente dita. exatamente porque ela dá feição antropomórfica a um discurso através do qual o público é capaz de entrar na ficção. A personagem dramática é. assim.Personagem dramática A personagem dramática constitui o ente através do qual as estéticas teatrais se externalizam claramente. nenhuma! A despeito da necessária relativização das lições aristotélicas. Lê-las através de um modelo de análise auxilia a controlar a identificação psicológica com que se pode pôr a perder a estética que elas ajudam a veicular. de acordo com o encaminhamento que este dá à ação. a figura não teria como sobressair. constitutivo cênico imprescindível do teatro antigo. No Agamemnon. aos quais se atribuem clichês. a personagem é um sujeito operativo. Orientado pelas teorias estruturalistas.correlação é desmentida pelas amplas narrativas que levam a ações muitas vezes diminutas. que é a personagem em torno da qual se enroscam o enredo e o discurso de todas as demais personagens. todos os episódios remetem a discussões em torno das leis escritas e não-escritas. de novo.. fora a cena em que a filha de Édipo comparece com as mãos sujas de terra – prova de transgressão ao édito que impedia o sepultamento de seu irmão –. Da mesma forma que ela se constrói no texto e a partir dele. as personagens atuam como forças. na verdade. 75) situa a . no sentido de subsumirem um número restrito de funções actanciais combináveis. 1. o tempo da representação constitui uma das instâncias fundamentais no processo de produção de sentidos textuais.4 . com interlocutor ausente ou com o público? Do diálogo que. prioritariamente organizadas em diálogos. relativas a do que e como o público toma conhecimento e vem a saber de algo. atrás da personagem está indiretamente configurado o autor. sem as quais não se constitui a armadura que determina as escolhas artísticas levadas à cena. os registros da fala constituem os elementos materiais do discurso que corroboram a lógica textual. Importantíssimo é também ressaltar que todas as situações de fala concorrem para a interação das personagens. Respeitando ou infringindo as convenções da comunicação dramática tradicional. ou seja. originalmente.importância destas duas categorias ficcionais. pelo critério de divisão textual. já que todos os enunciados se endereçam. mais parece monólogo? Dos monólogos que simulam interlocuções? O tipo de comunicação veiculada pelo texto dramático impõe a identificação de emissores e destinatários. entrelaçamento. mas também todo o campo metafórico por eles aberto –. movimentos. 1. Essas falas. A opção por dividir a obra em atos e cenas. As escolhas vocabulares. a continuidade e as rupturas (através de encadeamentos. Por sua vez. de forma bem mais contundente que as indicações cenográficas. Por seu turno. seja do ponto de vista intratextual (escolhas que garantem a verossimilhança). No dramático. No trabalho de organizar um mundo e propor os modos pelos quais ele deve ser percebido – tempo e espaço indicando lugares e cronologia. é funcional em não apenas uma perspectiva. ao leitor. impõem. o termo drama se referia. A associá-los. todavia. as didascálias contêm elementos poéticos. Não é exagerado dizer que a leitura do texto dramático pode principiar pela interpretação da decupagem. As duas percepções do tempo que transcorrem simultaneamente à dramatização – tempo da ficção e tempo da encenação – remetem à multidimensionalidade do dramático. recorrências. Estas duas categorias interativas habilitam-se à complexificação do universo criado.Tratamentos da forma e do enredo influentes na história do teatro ocidental Na Grécia. dão visibilidade à poética da obra. 2 . como pólos fundamentais para a constituição desse microcosmo que é o texto dramático. fragmentos. jornadas ou simplesmente partes. O que dizer dos freqüentes diálogos interiores. Tudo o que é da ordem do oculto ou se encontra fora da cena pode ser recuperado/rememorado pelo que se mostra claramente nela. seja do ponto de vista extratextual (escolhas que testemunham prerrogativas estéticas). entre outras possibilidades). entre tantas outras possibilidades. Além disso. assim como a distribuição do discurso pelas personagens indiciam já o programa estético adotado na concepção da obra. elipses. As evidências o desmentem. Acrescente-se a isso o fato de que é sempre das imagens espaciais e temporais que saem os indicadores da filosofia que organiza o microcosmo cenicamente representado. vivências interiores. de modo a explicitar a direcionalidade das falas enunciadas pelas personagens. "diálogo é ação". funcionam como referências indispensáveis. as didascálias se introduzem no texto principal. explícita ou implicitamente. Não é preciso expandir muito esta noção. A continuidade ou descontinuidade podem ancorar a identificação de uma estética. seqüências.. envolvendo o discurso ficcional e o metatexto que o organiza. o ritmo. A melhor dramaturgia internacional tem sido pródiga em exemplos de que os espaços metafóricos comunicam o sistema estético-filosófico atuante nas obras. É o que veremos a seguir. sobreposição. diálogo e monólogo se articulam com outras formas tidas como variações de paradigma.4. manifestando-se ao nível dos enunciados e da enunciação. tanto quanto funcionar subsidiariamente na urdidura ficcional (basta pensar no corte como marcador de tempo ou recurso para a mudança de espaço).Enunciação dramática Ingarden (1971) descreve a obra dramática como aquela que se compõe de um texto principal (contendo o discurso das personagens) e um texto secundário (remissivo às indicações cênicas dadas pelo autor). traduz já uma forma de apreender o real. por constituírem instâncias exteriores onde se cristalizam processos. pelo tom lírico. as falas integram um jogo peculiar (por cruzamento. encontram-se as estratégias de informação. de forma simplificada – "teatro é diálogo". Engenhosa e de forma pertinente. quadros. Em muitos textos. às manifestações culturais em que se representava a ação de . na dramaturgia de todos os tempos. apesar de terem sido escritas para atuar de forma silente. o sistema de repetições. O sistema de cortes.. cotejados com os do extrato espacial. a revisão do que a tradição entende. os encadeamentos propostos. onde se projetam efeitos dos sentidos textuais. as assonâncias. O texto dramático. para se concluir das relações de implicação entre espaço e tempo interiores e personagens dimensionadas por desdobramentos fantasmáticos. a obra dramática persegue a comunicação eficiente. mas também à articulação de dados que. ) do fio narrativo. por determinar o ritmo. Trata-se da regra da necessidade (anánke) aristotélica. liberdade. o deuteragonista (do gr. entretanto. Destas festas dionisíacas. elas abordam as mesma questões (amor. confirmando a moral do ditado latino: ridendo castigai mores (rindo castigamse os costumes). a tragédia pinta os homens melhores do que são. A ele se deve também a modalização da cena trágica como um agón. tritôs. visões-de-mundo e valores adversários em relação à personagem principal. e pela relação deste com um segundo ator. Mas exatamente este ente cênico. inseridos no calendário das festas públicas. Atribui-se a Ésquilo a inserção da máscara. nos rituais religiosos em que um coro recitava versos em honra de Dioniso. dos coturnos e de acessórios adicionais. constituindo-se inicialmente. nos ginásios. que em grego significa "combate". Este descompasso temporal não é. materializava-se a contraposição de interesses. segundo). altamente orgíacas e populares. só foi admitida na agenda dos espetáculos públicos. Sófocles e Eurípides. cantos tumultuosos. Na comédia. as falofórias. abuso de poder.uma personagem principal. Cabia a esta personagem coletiva cantar e dançar. do ponto de vista temático. Os impasses entre uma personagem individualizada. no teatro latino. falando de forma prosaica e no dialeto de Atenas. genialmente desenvolvidas por Plauto e Terêncio. isto é. representando o pensamento social. morte. Este número foi mantido por Eurípides. Este conceito englobava já a tragédia e a comédia. encarnando personagens. Argumenta-se que o surgimento do teatro. Drama significa "ação". baseado na contradição e na ambigüidade. a criação de um protagonista (gr. A comédia. inventando o tritagonista (gr. por Ênio. mas deixou como vestígio a importância do coro na concepção da dramaturgia grega. ou respeitar os valores político-religiosos da coletividade. Nas tragédias que se destacaram entre seus contemporâneos e ficaram para sempre como referência para a história do teatro. Esse aspecto didático e corretivo do teatro praticamente motivou os procedimentos estilísticos do gênero. de doze figurantes (os coreutas). os protagonistas experenciavam a contradição entre os valores religiosos da tradição helênica e as novas concepções de vida surgidas na pólis. Essa memória religiosa do teatro se secularizou. tempo em que surgiram e cresceram os grandes festivais de teatro. Com a adição de um antagonista. Névio e Sêneca). para o aperfeiçoamento e a evolução do que se pode denominar "modelo trágico". deveu-se à gradativa individualização de uma personagem. que se especializou na exploração de recursos cenográticos e invenção das chamadas "máquinas teatrais". de Atenas! Canta. cada qual a seu modo. a comédia os apresenta piores do que são. Sófocles. maximizavam-se no contraste com o coro – personagem coletiva. posteriormente com outras personagens. sai a marca burlesca (divertida) e a liberalidade de ações da comédia. para a caracterização das personagens. de início em diálogo com um coro. Desde o seu ambiente grego de origem. dança e se expressa de um modo alheio à comunicação objetiva (por metros e figuras poéticas). conforme manifestava-se nas assembléias públicas. A presença do coro era obrigatória. agindo de modo quase tão natural quanto os espectadores agiam. nas tragédias. diferenciando-se apenas pelo tratamento dado à . fala uma língua que é estranha aos cidadãos atenienses: o dialeto dórico. focalizando os atos heróicos e exemplares. A comédia teria nascido de ritos agrários de fertilização. escolhidos anualmente entre os indivíduos que se haviam destacado por algum motivo na pólis. Desde os mais antigos testemunhos. diferindo da tragédia pelo prestígio de que esta gozou. Sófocles e Eurípides (imitadas em Roma. próton = primeiro). Ésquilo. na defesa de algum interesse. ).C. que pensa como os espectadores. no sentido de caracterizar a representação teatral – uso que se faz até hoje. os atores (gr. hypokrités). cinqüenta anos após a inauguração dos festivais (a princípio exclusivamente trágicos). Os grandes tragediógrafos do teatro grego. e das comédias de Aristófanes e Menandro. estabeleceu-se que seria formado por cidadãos representativos da coletividade. muitas vezes fomentadas pela Fatalidade (a Moira grega). o teatro surge como gênero problemático. apresentando em seus cantos a interpretação sobre os eventos ocorridos em cena.O Teatro greco-latino Segundo Aristóteles. deúteros. na Grécia. e fraturado em duas espécies principais: a tragédia e a comédia. mas representando um passado de reis e nobreza que foi necessário destruir.. quando a democracia se encontrava plenamente implantada em Atenas. que aparecia em cena apenas disfarçado. Aristófanes fixou o coro constituído de vinte e quatro coreutas. que deram origem à tragédia. número que foi ampliado por Sófocles para quinze.. e formas mistas que existiam desde o século V a. na praça do mercado. 2. contribuíram. para que se pudesse implantar a nova ordem democrática. na discussão de temas e conceitos imprescindíveis para o esclarecimento das instituições e do pensamento democrático. Tratava-se dos ditirambos. com relativo mérito.1 . terceiro). Assim é que. que se apreendem das tragédias de Ésquilo. ou seja. utilizado em Esparta. Na comédia. aliás. tão necessário para atender as exigências de sua dramaturgia. o mote principal eram os disparates da vida cotidiana. inimiga. apresentavam-se com o rosto coberto por máscaras e vivenciavam o conflito entre obedecer ao impulso das paixões. amplia o número de atores em cena para três... o tragediógrafo que sucede a Ésquilo na cronologia do teatro grego. direito divino. assim chamado por assumir em primeiro plano o combate. Nesta perspectiva. Em contraste com o coro. Está posto o problema. principalmente em Atenas. suficiente para desfigurar os procedimentos que tornam tragédia e comédia interfaces de um mesmo fenômeno artístico. A comédia igualmente se expressa numa linguagem que conta com recursos métricos e lingüísticos engenhosos. etapa de culminância da alegria. todavia. de certa extensão". Os episódios são partes destinadas ao desenvolvimento da ação encenada pelos atores na skené. os estásimos. pelas emoções paradoxais de compaixão e terror. de acordo com suas partes respectivas. . aparentemente inconclusa. já que o coro se dirigia aos espectadores em nome do poeta. se o tratamento é irreverente e calcado numa ideologia carnavalesca. 2. nasce a comédia. tem por efeito obter a purgação dessas emoções". enseja-se a tragédia. Ela se compõe basicamente de duas partes. nas encenações cômicas. em frente a um cenário que pouco varia de uma tragédia para outra (geralmente a fachada de um palácio). estas duas espécies do dramático propõem uma correspondência simetricamente inversa de suas propriedades comuns: às personagens majestáticas da tragédia corresponderá a presença de figuras socialmente excluídas da comédia. Dito por outras palavras: se a catarse é o resultado de convulsão afetiva provocada. o descontraimento. até o desfecho. representado na skenê (espécie de plataforma. para criticar a política vigente e promover tantos ataques aos desafetos quantos fossem possíveis. melodramas (Electra). Após esta soleníssima o de coral. dispensa a presença de um narrador. no teatro trágico. A primeira consta de um prólogo. por sua vez. intermediária e nova). tragicomédias (Ifigênia em Táuride). de Ésquilo) e com happy end (Alceste). suscitando a compaixão e o terror. essas convenções se impuseram e estimularam a inventividade dos poetas dramáticos. sempre na orquestra. lida com a catástasis. cabendo-lhes criar e inovar dentro dos limites das convenções poéticas predeterminadas. A estrutura da comédia é mais simples. essas mesmas emoções são responsáveis pela inversamente correspondente catástase cômica. Se ele diz que "a tragédia é a imitação de uma ação importante e completa. personagem alheia à trama que entra em cena apenas para finalizar o espetáculo. tecnicamente denominado êxodo. seja para o comediógrafo. Além destas diferenças estruturais. porque a especifica. em lugar da kátharsis trágica (traduzível como eliminação das afecções morais dos espectadores). Poderíamos mesmo dizer que a catarse. como os três últimos títulos) e os três tipos de comédias (antiga. em contraste com o comportamento circunspecto da platéia. encontra-se a parábase. a tragédia se compõe. Em todos os demais aspectos. as vestimentas andrajosas da outra. geralmente contando com um deus ex-machina. o deuteragonista e o tritagonista) e coro. seguem-se os episódios intercalados por estásimos (partes cantadas). realizada na orquestra. respectivamente. se repassarmos os termos com os quais Aristóteles definiu a primeira (Poética. de Eurípides. em que coro e atores atuam juntos. seja para o tragediógrafo. A primeira delas é sempre o prólogo. perante os absurdos dramatizados. de Aristófanes e Menandro. aos quais cabe. partes em que o coro volta à cena. Aristóteles continua: "ação representada por atores que. Capítulo VI). invariavelmente. em ambas as propostas dramáticas comparecem atores (encarnando o protagonista. Em menos de um século. que é seguido pelo párodo e pelo agón ou debate entre dois adversários acerca do tema principal da peça. Ao prólogo. e todos os integrantes cênicos se retiram juntos da cena. traços estruturais e estilísticos determinam as diferenças entre os dois modelos fundamentais. à indumentária nobre de uma. há o entrelaçamento de elocução e canto. de partes dialogadas que se fazem intercalar de partes corais. poderíamos adaptar esta informação introdutória e dizer que a comédia é também a imitação de uma ação. a retenção ou manutenção da perspectiva crítica. primeira intervenção completa do coro. Quanto aos integrantes da cena. Prosseguindo com a definição aristotélica: "num estilo tornado agradável pelo emprego em separado de suas formas. tanto no que diz respeito à composição das peças. onde atores mascarados. segue-se o párodo. que integravam as sessões diárias dos festivais gregos.matéria. na comédia. A segunda parte se compunha de episódios que se precipitavam entremeados por cantos corais curtos. Se esses temas são abordados de forma solene e veiculam uma ideologia de seriedade. a tragédia se tornava agradável pela sucessão de partes onde se intercalavam as formas da elocução e do canto. à gestualidade e ao linguajar elegantes de uma. a tragédia e a comédia eram regidas por fórmulas tão rígidas que motivaram os dramaturgos a conceberem variações para elas. é previamente estipulada. descontínuas. apresentam o argumento. tal a tragédia. pista circular do teatro grego ocupada pelos coreutas. só que ação irrelevante. Se os especialistas se digladiam quanto à distinção entre estas categorias. há os tipos de versos empregados na composição trágica. momento por que todas as platéias aguardavam. um drama satírico (O Ciclope. A comédia. Por isso chegaram-nos tragédias com final catastrófico (como Prometeu acorrentado.Definição de tragédia e comédia A comprovação de que tragédia e comédia se correspondem pela inversão de suas peculiaridades pode ficar muito clara. mas estatutariamente de certa extensão. na tragédia. A estrutura do texto dramático. desenvolvendo a trama principal. o coprológico e os gestos obscenos da outra. segundo as partes": de fato.2 . três a quatro degraus acima do nível da orquestra). melhor se define como catástase. como na alternância dos gêneros. mas que são. De fato. a elocução ou o canto e a dança. Divisor de águas entre esta primeira e a segunda parte que lhe segue. cantando e evoluindo. e o êxodo. ao mesmo tempo em que já lhe providenciam um desenvolvimento. para interagir com os atores. mas. A começar pela divisão estrutural das obras. A diferença na expansão da forma do quadro é que a pintura. principalmente diante das Igrejas. junto ao aumento da população urbana. por isso. Os espaços cênicos transformaram-se continuamente na história do teatro ocidental. em cada um dos quais desenrolava-se um trecho da ação. em plena vigência da estética barroca. monastérios e palácios. fizeram diminuir a quantidade e a diversidade das festas públicas. efeitos visuais de impacto. delimita-se um espaço em que se realiza a representação artística (o quadro com a sua moldura. foram a força do crescimento das cidades e do desenvolvimento mercantil. possibilitando aos espectadores a audição perfeita em qualquer dos lugares de sua imensa arquibancada. essas tendências a um maior controle das formas de convivência. foi durante o século XVI que ocorreram muitas transformações que afetam até hoje a relação que os diferentes grupos sociais têm com a vida cultural. o palco limitado à caixa) e submete-se o receptor da obra à condição de espectador passivo. oferece até hoje um exemplo de perícia arquitetônica a serviço do espetáculo. Atentando para as relações íntimas entre o conjunto de manifestações artísticas e culturais de uma época. nesse sentido. a encenação das passagens relativas ao Nascimento de Jesus Cristo. especialmente ligadas ao calendário religioso.O teatro na transição do feudalismo ao mercantilismo A partir da constatação de que as divergências que davam origem ao debate. com a platéia distribuída em forma de arena. Essa disposição espacial possibilita a criação de uma espécie de amostra da realidade ou do mundo da fantasia. utilizando inclusive a iluminação por meio de reações químicas. em painéis que eram transportados nas procissões (Francastel. Este tipo de espaço cênico. e diante dos quais os espectadores/transeuntes deslocavam-se. concluiu-se que era uma característica fundamental do drama a apresentação de um conflito em cena. Também. uma outra. . nas concepções de teatro mais ligadas à tradição. Assim.3 . a aparição da estrela para os Reis Magos. Na Antigüidade. as histórias de teatro relatam que. outra. O teatro passa a ser representado nos salões do palácio.Teatro renascentista A tendência da nobreza de estimular e desenvolver o teatro nos salões do palácio teve repercussões ainda atuais na história das artes cênicas. começam a declinar ou se tornar mais restritas as formas de encenação teatral em praça pública. predominante até hoje. ainda durante o Renascimento. O palco italiano constitui-se de uma caixa em que a abertura da quarta parede possibilita à platéia observar o que ocorre em seu interior. segundo se relata. e a visita destes à gruta com o menino e seus pais. 215 ss. às desavenças. é necessário nos distanciarmos um pouco de nossos hábitos e repensarmos essa convenção e suas conseqüências. um texto recheado de referências ao cotidiano e alusões a tradições culturais locais. à luta e ao sofrimento ou à hilaridade entre os personagens constituíam o fio condutor da maior parte dos enredos dramáticos. ou em intervalos durante as procissões religiosas. 2.). Nessa época. assinala a tendência de deslocamento das artes de espaços de circulação mais amplos. e os diferentes interesses que levaram a projetos para organizar as relações entre os indivíduos nesse espaço mais restrito e sujeito a doenças e atitudes rebeldes. Uma forma de palco específica surgiu desta transformação. impressionando os técnicos atuais pelas excepcionais condições acústicas que oferecia. naquela caixa que pode ser dotada de uma série de aparatos técnicos destinados a provocar efeitos cada vez mais adequados às finalidades da representação. os espetáculos contavam com efeitos fantásticos de impacto no público. para se tornar um bem privado.Como se vê. em ambos os casos. Era uma série de tablados justapostos com alguma distância. observamos que o surgimento do palco italiano. no século XVII europeu. assim como de sua função nos rituais religiosos e da vida comunitária. uma das modalidades de palco que se desenvolveu durante a Idade Média foram as mansões. Além das apresentações nas praças. que aconteciam durante toda a Idade Média. 2. o teatro grego. A Anunciação de Maria poderia constituir uma cena separada. o chamado palco italiano. no século XVI. Na Europa. a partir dessas mudanças de destinação e de relação com o receptor. Uma observação que parece óbvia é que as pinturas eram anteriormente realizadas sobre as paredes de igrejas. É também digna de nota a transformação dos valores estéticos e técnicas artísticas. ou então. que constituíam-se em ocasiões de congraçamento social e baseadas em tradições populares.3. Desde fins do século XVI. efeitos díspares decorrem de procedimentos afins. 1993. segundo muitos pensadores e historiadores. sintomaticamente. assim como o teatro. que. Esta concepção cênica implicava uma atitude dinâmica do espectador e uma interação quase física com a encenação. substituindo os hábitos e convenções anteriores. Fatores decisivos. corresponde à expansão da forma do quadro como suporte da pintura. Imagine-se.1 . p. por exemplo. era realizada com elementos de forte apelo popular: música. O chamado "conflito dramático" continua a ser considerado um elemento indispensável para caracterizar a existência de um enredo teatralmente bem construído. faz com que ele pareça ser a forma mais "natural" ou mais adequada para a apresentação de um espetáculo. Beaumarchais. Esta forma de teatro. Além do importante dramaturgo Marlowe. No teatro shakespeariano. a partir do século XIX. diante do desconhecido ou da violência. a manutenção dos versos no diálogo dramático. Além disso. no entanto. comunicavam imediatamente a sua função. ou se beneficiaram de suas influências. Tornava-se possível.3 . constituindose em tipos populares relacionados a situações da época. surgida durante o século XVI. cria-se muitas vezes mesmo o anticlímax para o desencadear das situações mais pesadas. na verdade.Teatro elizabetano Uma outra força um tanto particular na tradição clássica ocorreu na Inglaterra. na Inglaterra. desenvolveu convenções particulares de encenação bastante diferentes daquelas observadas no teatro clássico. a mocinha apaixonada e perseguida pelos pais ou tutores. assim chamado porque floresceu durante o longo reinado da Rainha Elizabeth I. em Macbeth. Cada ato representava um espaço e um tempo cronológico diferentes. junto a vigorosos ataques contra a maior parte das convenções teatrais em vigor até o início do século XIX. 2. um desrespeito às convenções de gênero por parte de Shakespeare.Commedia dell'Arte Se situamos no Renascimento esse impulso de uma cultura da nobreza. a introdução de elementos do gosto e da cultura populares.) deixou uma série de indagações que permaneceriam atuais nas décadas seguintes. 2.3. que o dramaturgo jogasse com a alternância de momentos de intensa emoção que beiram ao pavor. o sonho. (Figura 7) No famoso Prefácio à sua peça Cromwell. e era representado em grandes espaços. que falava empolado e.3. ou o fantasma do pai. Victor Hugo (s. Como esta pagava ingresso. nesse jogo de posições previamente marcadas. como o delírio. que desejava lutar para conseguir o casamento com a mocinha. Dentre as influências importantes de sua obra para o teatro moderno está a incorporação do melodrama. considerado até então uma forma dramática inferior ao chamado teatro sério. Os personagens eram sempre os mesmos. Era o estopim para grandes transformações na dramaturgia e nas formas de encenação que iriam se concretizar na criação do drama burguês. há simultaneamente outras forças atuando na Europa.2. Entretanto. Por exemplo.4 . demonstra a herança desse tipo de teatro. e de adultério. Foi a Commedia dell'Arte.3.2 . A explosão de grandes paixões e a apresentação de estados irracionais. . A contenção emocional. adaptou várias convenções e enredos daquela tradição originada na Itália. Havia um tipo de improvisação na fala e na atuação dos atores a partir das referências gerais do espetáculo e das convenções conhecidas do público. Vale destacar que o teatro tinha grande popularidade nesse período. de Hamlet. No caso do teatro. através do famoso romancista. por exemplo. uma tradição que cairia em desuso ainda entre seus contemporâneos. havia sempre o sabichão. uma experiência marcante e também de grandes conseqüências futuras ocorreu na Itália. parentes ou representantes legais dos pais encarregados de tomar conta de órfãos eram um outro tipo constante. O famoso dramaturgo Molière. criam grandes rupturas na organização lógica das falas e interferem até mesmo na organização do espaço – tomado pela representação do fantástico. bem como o enamorado jovem. Muitas formas teatrais consideradas intelectualmente elevadas e reconhecidas até hoje originaram-se na Commedia dell'Arte.Drama burguês A mistura de tons era considerada. junto às muralhas. outro grande criador de comédias na França do século XVIII. não era de todo observada. neste texto. Os atores representavam com máscaras bizarras que. influenciava grandemente nos rumos da criação.d. em que um porteiro ridículo domina a cena que prepara a realização dos crimes mais hediondos. que escreveu para a nobreza francesa do século XVII e serviu de modelo para as gerações subseqüentes. As apresentações dos grupos deste tipo de teatro eram feitas por artistas itinerantes que viajavam pelas cidades de todos os tamanhos da Itália. na virada do século XVI para o XVII. poeta e dramaturgo Victor Hugo. que não se respeitavam as três unidades. na França do século XVII. surge na França. como personagens característicos e certo tipo de comicidade. o teatro elizabetano brindou o mundo com o desenvolvimento do trabalho de William Shakespeare. que preserva valores considerados universais e se mantém alheia às tradições populares e locais. observa-se. não tinha nenhum conhecimento consistente. como as bruxas da floresta. Foi o teatro elizabetano. por exemplo. tradicionalmente considerada um valor artístico. com cenas amenas de franca comicidade. Através destas. Esses tipos sofriam variações com o decorrer do tempo e com a expansão dessas convenções para outras regiões. a loucura. julgada mais fiel às variações na vida cotidiana. como ocorre em Macbeth. no palácio do protagonista. defende. Seus espetáculos eram cômicos e giravam em torno de alguns núcleos narrativos fixos – pequenas histórias de traição entre conhecidos. uma defesa apaixonada dessa flexibilidade na composição dramática. alterava qualquer rigidez na estrutura trágica. A disposição da caixa cênica possibitava um maior envolvimento da platéia. No entanto. a moda do chamado "teatro realista". que transpunha para nosso meio cultural especialmente o modelo das peças de Alexandre Dumas Filho. também no início do século XIX. constituído pelo texto dramatúrgico. parece ter recebido grande estímulo da pesquisa que as estéticas identificadas como realistas e naturalistas levaram a cabo . Pressupunha-se que esse solo tivesse algum vínculo. que acabou formando muitos dos grandes astros do cinema dos anos cinqüenta. de modo aparentemente contraditório. Buscava-se. realizadas por Anton Tchécov. fornecendo um parâmetro para a atuação cênica. por força de novas idéias sobre o psiquismo e a percepção da realidade que o teatro incorporava. traduz muito claramente os limites rígidos que se impunham no Brasil à discussão em cena dos problemas morais. por isso. a partir do fim do século XIX. explorando uma estruturação do enredo convencional constituída de uma exposição. tendo sido criado um importante centro de treinamento de atores. As asas de um anjo. chega. voltando-se para as camadas urbanas mais baixas e suas difíceis condições de sobrevivência.Teatro total Esse conjunto de mudanças coloca em crise as convenções vigentes quanto ao desempenho dos atores.Segundo o Oxford Companion to the Theatre (Hartnoll. estreitamente ligado às inovações na criação de textos dramatúrgicos. Esse processo no teatro. uma adaptação de um texto dramático. impulsionado pelas estreitas relações da capital do Império – a cidade do Rio de Janeiro – com a França. portanto. que produziu grandes polêmicas por sua alegada ousadia. 2. desenvolveu-se durante o século XIX. seja de uma tragédia clássica. O método de Stanislavsky baseava-se no aprofundamento psicológico do ator na exploração dos personagens. a ter tanto apelo para esse tipo de platéia quanto o modo como foi adaptado por um diretor específico. O texto original passa. No bojo dessa proposta. como uma "leitura". Curiosamente. para dar mais credibilidade à encenação. ou seja. utilizavam música incidental (melodias). o palco tende a se tornar espaço de encenação das imagens de uma consciência determinada. conferir uma aparente naturalidade ao que ocorria na cena teatral. para criar o clima psicológico adequado a enredos baseados em histórias góticas de terror e mistério. No Brasil. A música passou a ter cada vez menos importância no tipo de espetáculo teatral que. um sintoma do desenvolvimento do teatro comercial é a circulação do padrão da "peça bem-feita". portanto. essa função começa a se especializar e se tornar cada vez mais influente. as idéias desse pesquisador russo foram divulgadas nos Estados Unidos. que mergulha nas dimensões da memória e do tempo subjetivos. o que daria consistência à experiência teatral. uma vez que os espetáculos passam a ser vistos como um todo. A estruturação dos enredos dos dramas torna-se também menos previsível. Um outro Prefácio ficou famoso. daquele autor francês. os recursos cênicos. Um confronto entre a peça de José de Alencar. preocupado com as questões morais suscitadas pela mercantilização da sociedade. em especial. a partir dos desenvolvimentos da psicologia. 1983. de uma peça de Shakespeare ou de um consagrado autor moderno. oferecendo novas possibilidades de exploração do espaço cênico. o termo melodrama originou-se nas peças de teatro alemãs que. no decorrer do século XX. pelo menos em potencial. como sobre as transformações na estrutura familiar e. por exemplo nas obras de Ibsen. Os grandes dramaturgos do final do século XIX rebelam-se contra essa estrutura convencional. assistir a novas versões de um mesmo drama. desenvolvido pelo ator Stanislavsky. Nas últimas décadas daquele século. o da peça Senhorita Júlia. principalmente na França e na Inglaterra. surge na Rússia um novo método de encenação. faz dos palcos um espaço para as polêmicas que agitavam a sociedade européia. em meados do século XIX. O mesmo ocorre com a literatura. o espetáculo passa a ser encarado cada vez mais. 539). com a peça A dama das camélias. p. realizada por um diretor específico. A partir desse período. A importância dos grupos teatrais a que estiveram ligados grandes dramaturgos desde então justifica historicamente essa interação necessária ao desabrochar da nova concepção de espetáculo. que substitui o antigo privilégio absoluto da palavra no palco. A iluminação elétrica irá colaborar para as transformações radicais na cenografia. para garantir o suspense. Devido ao crescimento da importância concedida a esse conjunto de fatores e à figura do diretor como responsável por sua boa articulação em cena. A abordagem de temas controversos ligados ao cotidiano.3. Na Europa. dirigido por Lee Strasberg (1990). A nascente psicanálise complexifica os enredos. tanto sobre as relações do indivíduo tentando conciliar os grandes valores morais com os violentos jogos de interesses na vida pública. em que o dramaturgo August Strindberg (1970) relaciona as transformações técnicas com o advento das novas idéias psicológicas e a necessidade de se desenvolverem novas atitudes dos atores no palco. Uma transformação importante ocorrida no teatro. e que cada vez mais explorava o horror da vida real. no século XVIII. Interessa. um tipo de drama organizado na medida considerada adequada para agradar ao público. derivado deste.5 . cada vez mais a um público afinado com essas novas convenções. na história do teatro. o teatro passava por profundas transformações em vários âm¬bitos. a mudança do papel da mulher nesta. identificada com um teatro comercial destinado a uma audiência média. com as vivências do espectador. o trabalho dos atores. que foram consideradas a modernização do teatro. influindo definitivamente nos padrões aceitos pelo público e dominantes na atuação cênica daquele país. foi também o destaque alcançado pelo diretor de cena. Com essas transformações. nó e desenlace com uma série de anticlímaxes. em diferentes centros artísticos. na construção do enredo. neste trabalho. visando estimular a participação intelectual do público. originado pelos traumas infantis. concepções do psiquismo identificadas com os saberes modernos. Uma tendência semelhante ocorria nos grandes centros mundiais e. de Bertolt Brecht. Alguns desses são dramas religiosos que. em que o personagem ficou marcado por conflitos familiares. A busca desesperada de um sentido oculto na vida moderna. como se fosse a luz da mente da protagonista Alaíde a visitá-los. 1990. na sua contemporaneidade.sobre a percepção da realidade. iluminados alternadamente. Observe-se. como Tennessee Williams e Henry Miller. que proporcionaram o desenvolvimento de técnicas interpretativas cada vez mais sutis e instituíram o hábito do estudo minucioso da psicologia das personagens. dos conflitos e contradições entre os desejos individuais e as pressões sociais. por exemplo. no fim do século passado. no início de sua carreira. 2. com a primeira obra reconhecidamente moderna a ser representada nos palcos de prestígio no país. às vezes até mesmo cruel. baseado na constatação de que as formas mais corriqueiras de espetáculo no século XX estavam comprometidas com a alienação política do público.6 . o processo de modernizaçao das convenções teatrais só se afirma definitivamente nos anos quarenta. que o teatro engajado politicamente vinha fazendo. inspirados especialmente nas idéias e práticas de Stanislavsky. No caso do Brasil. numa parcela da população intelectualizada no Brasil. desde as primeiras décadas do século. dá-se de modo não linear. ao criar o chamado teatro "de câmera". Tratava-se de Vestido de noiva. O desenvolvimento do enredo. Processo semelhante aconteceu com outros dramaturgos modernos: a sua preocupação em reproduzir com fidelidade a experiência vivida no cotidiano levou-os a abandonar as convenções teatrais. O enredo e o espaço cênico reproduzem. nos Estados Unidos. . e que. retomado nas condições teatrais. desenvolveram-se experiências teatrais muito importantes durante este século. 1987). cuja quebra é explorada como conflito. deixou as suas marcas no restante do mundo. algumas dessas experiências mais influentes. decide ir além da denúncia dos problemas sociais e humanos no Capitalismo. em contraste com o plano da realidade. a dramaturgia de Strindberg. conseqüentemente. sem uma ordem deter-minada. As teorias sobre os "complexos" são freqüentemente transpostos da psicanálise. Uma outra conseqüência dessa aproximação entre a criação teatral e a psicologia é o já comentado interesse pelos métodos dominantes de interpretação. a um conflito psicológico do(s) protagonista(s). além de profundas crises psíquicas. p. especialmente nos Estados Unidos (Bigsby. dividindo-o nos planos da memória e da alucinação. com Eugene O'Neill. num ziguezague entre esses três planos. depois de experiências peculiares. como acontece. vinha se consolidando um tipo de teatro identificado com o realismo psicológico. Seria uma extrema simplificação se reduzíssemos o teatro moderno a essa tendência que ainda tem grande prestigio e muitos canais de divulgação através da hegemonia cultural norte-americana. O "conflito dramático". Paralelamente a ela. muitas vezes localizado em algum lugar do passado. O interesse de amplos setores do público por conhecer a intimidade dos indivíduos transformou muitas obras desse tipo de teatro numa verdadeira sessão de psicoterapia ou psicodrama. Bertolt Brecht realiza pesquisas de criação de novas técnicas teatrais. Descrevemos brevemente. Um dos traços de identificação do drama que se desenvolveu sob essa linha de influência é o interesse central concedido. o questionamento das formas de representação convencionais no teatro europeu. em certo sentido. É exemplar. realiza um conjunto de dramas em que o conflito dramático é substituído por uma série de painéis onde se colocam em discussão dimensões existenciais e até mesmo transcendentais da vida. Nesse sentido. portanto. preconizava. autor nórdico que fez grande sucesso em toda a Europa. que abalaram profundamente até mesmo as tentativas de definição do fato teatral. ou de sua divulgação acelerada. caracterizado pela análise minuciosa. como vimos. uma mudança nas formas de encenação que possibilitasse reproduzir fielmente as experiências cotidianas no palco. com salas pequenas. Este dramaturgo e homem de teatro alemão. Além de se constituir como um ponto de convergência na obra de alguns dos grandes dramaturgos norteamericanos. na obra. o realismo psicológico influenciou grandemente o cinema daquele país e. parecem uma r 'tomada das preocupações medievais ou se comunicam com perspectivas filosóficas e artísticas de povos orientais. para poder recuperar a felicidade ou uma estabilidade idealizada. e a primeira de sucesso do dramaturgo Nelson Rodrigues (Magaldi.3. correspondendo' ao crescente interesse pela psicanálise. passa a ser então um conflito individual. propícias à exibição de peças que analisassem cuidadosamente o comportamento humano. que abarca os últimos momentos de uma mulher atropelada e os desejos e as memórias de conflitos familiares. A peça transformava o palco no espaço mental da protagonista Alaíde.Teatro épico Uma delas é o chamado "teatro épico". de modo especial. O indivíduo precisa suplantá-los. ao menos tomando consciência da origem do fenômeno. estreada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. nesse sentido. na qual se traduzem exemplarmente algumas dessas transformações ocorridas na Europa. a freqüência com que se estruturam enredos de peças teatrais e de narrativas cinematográficas a partir da exposição de um conflito íntimo de uma personagem. Com a continuidade de sua carreira. desde as primeiras décadas deste século. 66). levaram-no a implodir as formas dramatúrgicas e de encenação dominantes nos palcos europeus. considerado um dos precursores dessa espécie de tradição moderna. em 28 de dezembro de 1943. e intervir no modo pelo qual o público se relacionava com as peças. elabora a técnica do "distanciamento" (em alemão. que se questionava sobre o público. denominando-as "teatro épico".Teatro do absurdo Uma outra tendência que se detectou nas artes cênicas posteriormente à Segunda Guerra Mundial foi chamada de "teatro do absurdo". ligado ao fato de terem uma obra filosófica destacada. que consiste em criar uma série de mecanismos que provoquem o público à análise crítica diante do que vê na cena. em detrimento das funções específicas a serem desempenhadas por este gênero artístico e da renovação e desenvolvimento de suas formas. e certamente o pensamento e as experiências realizadas por Brecht. assim como tornando-se alvo de medidas repressivas. sem renunciar ao palco e aos recursos e técnicas dramatúrgicos.3. ambos utilizaram-se de referências míticas ou de obras consagradas da tradição teatral grega para a construção de seus textos. A contestação às estruturas dramáticas tradicionais fez com que o teatrólogo considerasse que. na Alemanha. Devido a essa função de destaque. à obra de alguns dramaturgos de vanguarda. O dramaturgo brasileiro Augusto Boal. e a vida não tem sentido num momento em que entrou em crise a . Verfremdung). neste período. A contestação à ditadura militar e a crise de nosso teatro. seu teatro renunciava à catarse. Baseava-se ele. O teatro brasileiro passou a ter. assim como a temática e os recursos estéticos apresentados em suas peças. enfocadas seja de um modo melodramático. fossem experimentados com grande sucesso e provocando polêmicas. Este tipo de teatro desenvolveu-se especialmente na França. em diferentes âmbitos. Tanto o Existencialismo de Sartre como as idéias filosóficas de Camus estimulavam o questionamento das tradições do pensamento ocidental e apelavam implicitamente para novas atitudes diante das opções que a vida oferece no cotidiano – tópicos que encontravam na literatura e no teatro um campo fértil de problematização. As propostas de Brecht levaram-no a incorporar às peças que escrevia e que dirigia uma série de elementos identificados com formas menos prestigiadas de teatro. permitem-nos concluir que esta parte de sua produção intelectual. especialmente no último. desenvolveu também pesquisas de encenação. a tradição aristotélica que considera a catarse como alvo da relação com o público. contos e romances.Teatro de tese Outra tendência de destaque no teatro europeu. que ele considera um meio de eliminar a capacidade crítica da mesma. pela recepção crítica da ação. Martin Esslin (1968). Para esse fim. esses elementos comparecem sempre como um modo de provocar a reflexão que levasse à desconstrução das formas de ilusão construídas pelos interesses dos poderosos política ou financeiramente. funcionava como laboratório ou veículo de comprovação ou divulgação de suas teses. por isso. a partir da perspectiva de que a comunicação é impossível no mundo moderno. contribuíram muito nesse sentido. reduzido praticamente a uma elite financeira e cultural. e em seu exílio nos Estados Unidos durante o nazismo.torná-lo consciente dos próprios mecanismos de ilusão na cena e pronto a raciocinar sobre a ação que se apresenta nesta. Nas peças de Brecht. Esta denominação foi atribuída por um importante crítico europeu. quanto da vida cotidiana. em dezembro de 1968. Vale lembrar que ambos dedicaram-se também à prosa de ficção. tanto diante deste.7 . antes mesmo que se abatessem sobre o conjunto da vida cultural as medidas de censura e controle absoluto impostas pelo Ato Institucional n. não se estava no âmbito exclusivo do drama. no fato de que esses dramaturgos renovavam a estrutura dramática. Estes dois tipos de espetáculo entremeavam números de dança e de canto a piadas e. fez com que várias idéias e procedimentos estéticos. pequenas encenações de situações cotidianas. surgidos no fim dos anos quarenta e durante os anos cinqüenta. que visavam tirar o público da posição passiva a que é submetido tradicionalmente no espetáculo. no fim dos nos anos sessenta. através das técnicas do "distanciamento". com suas peças. Contesta. foi o teatro brasileiro duramente reprimido e. 2. portanto. O filósofo francês Jean-Paul Sartre e o argelino radicado na França. seja de um modo satírico e crítico. procurando substituir o processo de identificação da platéia com os personagens e acontecimentos representados no palco. porque se propunham a apresentar ao público uma narrativa (tradicionalmente caracterizada como definidora do gênero épico) e provocar nele a reflexão. que não se identificava com os interesses mais específicos das peças do "realismo psicológico". um papel de destaque na apresentação e discussão dos problemas nacionais. 5. O propósito de fazer da cena um espaço de discussão filosófica foi criticado como um modo de submeter o teatro a outros discursos.3. desses e de outros pensadores extremamente críticos quanto às tradições teatrais.8 . como os espetáculos de cabaré ou de revista. foram os principais dramaturgos a impulsionarem este tipo de teatro. baseada na criação ficcional. Ao mesmo tempo. Como dramaturgos. 2. Os escritos de Brecht sobre teatro e suas peças tiveram grande importância no teatro brasileiro du¬rante os anos sessenta. impulsionado pelas discussões filosóficas. Este dado. estimulando-o a responder criticamente. Albert Camus. principalmente. foi o chamado "teatro de tese". no período que vai do encerramento da Primeira Guerra Mundial e se estende um pouco além do fim da Segunda. à frente do Teatro de Arena. prejudicado. este tipo de dramaturgia levava ao desenvolvimento de métodos de interpretação teatral baseados no desenvolvimento do corpo. Em termos teóricos. legando-nos meditações sobre os limites impostos à representação teatral no Ocidente. sendo a fala apenas um dos suportes da significação geral. como era a tônica em projetos como o de Brecht. 1985. 34). ou seja. aos recursos visuais em cena. Alega-se que o teatro transformou-se em espaço para a saturação dos sentidos do espectador. p. traz consigo a necessidade de testar também a eficácia da linguagem teatral. Alguns dos dramaturgos mais característicos dessa tendência seriam o romeno radicado na França. Observe-se que o denominamos "homem de teatro". No entanto. por exemplo. em sua repercussão. interessados apenas em concretizar as suas fantasias. como as experiências do polonês Grotowsky. o desenvolvimento dessas tendências acabou por isolar o teatro do grande público e preservá-lo como um espaço para o cultivo do narcisismo de alguns diretores. a desconstrução das convenções realistas dominantes no teatro comercial. alguns pontos coincidentes entre" Ionesco. traços que serão uma constante nas manifestações teatrais consideradas como da vanguarda teatral até à contemporaneidade. As polêmicas quanto a esse ponto somam-se àquelas quanto a um destaque. Este tipo de análise crítica serviu de fundamento a muitas propostas que tiveram o seu apogeu nos anos sessenta e setenta. superasse o poder da fala na cultura européia. que apresentam características particulares.crença nos grandes projetos político-ideológicos e religiosos no Ocidente. pelo circo. Antonin Artaud. Acreditava ele que o regime de festas e rituais que impulsionava a vida comunitária. O teatro contemporâneo pode ser considerado herdeiro dessas perguntas colocadas pelas vanguardas teatrais. Eugène Ionesco. entretanto. 2. impulsionado pela perspectiva da aceitação garantida ou do lucro imediato. por exemplo.Teatro de crueldade Ainda uma outra perspectiva de renovação da linguagem teatral foram os escritos de um homem de teatro. a estética da recepção teatral. Antonin Artaud enlouqueceu e foi internado. E colocava em questão o interesse constante das massas. porque suas idéias sobre este foram mais importantes do que suas experiências concretas. em prejuízo de sua capacidade crítica e de sua função como alternativa aos meios de comunicação. o irlandês Samuel Beckett e o inglês Harold Pinter. Alguns críticos e estudiosos contestam a atribuição do que consideram um rótulo comum à obra desses três dramaturgos. na intensa militância política dos anos sessenta (por exemplo. continuando de um modo místico o caminho de aperfeiçoamento do ator que preconizava com finalidades teatrais (Bigsby. embora menos prestigiados nos grandes centros. especialmente após o Renascimento. São marcantes. assim como o dos recursos de expressão teatral. e outros dramaturgos que parecem tomados de preocupações e propostas semelhantes.9 . o de Augusto Boal e de algumas das manifestações de vanguarda dos anos setenta e sessenta. Este passou a ser visto como apenas um dos elementos constitutivos do espetáculo. em que o corpo. idéias de vanguarda aparentadas às de Grotowsky levaram círculos ligados ao teatro a um questionamento generalizado acerca do papel do texto dramático na construção do espetáculo. Freqüente também é a adoção dos sketches curtos. a preocupação com a efetividade comunicacional da linguagem. Pode-se constatar nessa linhagem do teatro contemporâneo. Essa desconfiança. através da dança. Esperava renovar o teatro pela reincorporação de idéias e práticas que estimulassem a realização de espetáculos mais intensos. alguns grupos e indivíduos afinados com essa tendência misturaram-na a idéias místicas. que implica um exercício de levar o uso da língua. Seria este um prenúncio de uma perda de função do teatro na sociedade contemporânea? . o teatro que não se molda inteiramente pelo propósito de agradar a um público mais amplo. aos círculos intelectuais franceses. muitas vezes originadas de religiões orientais. diretor e teórico Grotowsky. na contestação à participação norte-americana na Guerra do Vietnam). em todo o mundo. Segundo alguns críticos e homens de teatro. constituindo-se de uma representação que abandonava os espaços cênicos mais usuais e poderia ser realizada nas ruas ou em qualquer outro espaço público. Colocando em primeiro plano o trabalho do ator. Foi o caso do ator. Na construção dos espetáculos. sobrevivia apenas nas culturas periféricas. Além de incorporar e dar novo vulto às discussões correntes no teatro de pós-guerra. como forma dramática em que se evidenciam os curtos-circuitos das formas convencionais de comunicação e a solidão a que está submetido o homem diante dessa circunstância. em detrimento de um teatro amarrado por convenções que levavam a um psicologismo empobrecedor. considerado por muitos excessivo.3. preocupada com os mecanismos envolvidos na apreensão do espetáculo. A performance teatral passou a ser uma das modalidades de apresentação característica dessa linhagem. a sua proposta de "teatro da crueldade" acabou por afetar especialmente o teatro identificado como de vanguarda nos anos sessenta. Beckett e Pinter. que se isolou cada vez mais. ligado ao movimento surrealista francês. generalizada às diversas formas de comunicação. em períodos anteriores da história. a seus limites. caracteriza-o como um texto constituído de elementos ligados a diferentes linguagens visuais e auditivas. Junto à utilização política dessas práticas teatrais. limitadas. a harmonização desses diferentes sistemas de significação e a liberdade de "leitura" do texto original fazem do diretor uma figura com enormes poderes. nem a funcionar como a televisão. Les fonctions du langage au théâtre. Teatro moderno. Pierre. Band I. Pans: Larousse. & WEISZFLOG. In:___. 1990. São Paulo: Perspectiva. _____. SCHILLER. Brasília: Imprensa Nacional/Casa da Moeda. 1987. Nelson Rodrigues: dramaturgia e encenações. São Paulo: Perspectiva. Pierre. 1968. D. HEYM. São Paulo: Martins Fomes. Fischer Lexikon Literatur. 1992. GREIMAS. O Teatro grego: origem e evolução. Teoria literária: ensaios. Tradução de Bárbara Heliodora. In:___. Gerd A. Petrópolis: Vozes. Rio de Janeiro: Zahar. 1997. 1950. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. São Paulo: Perspectiva. Rio de Janeiro: Entourage Produções Artísticas/Centro Cul tural Banco do Brasil. Teatro e política: poesias e peças do expressionismo alemão. Sábato. E.d. p. _____. M: Insel Verlag. Tradução de Anna Zelma Campos. Wallenstein. Junito de Souza. Introdução à análise do teatro. 1992. 1983. Band I. Schiller Werke. 527-568. Jobim. V. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: EdUFF/EdUERJ/FUNARTE. História do teatro brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues. STRASBERG. FONSECA. 1970. Tradução de Paulo Neves. August. 1990. Imaginação plástica. B1GSBY. 1983. BRANDÃO. Rio de Janeiro: Paz e Terra/ Instituto Cultural Brasil-Alemanha. s. The Oxford Companion to the Theatre. O teatro do absurdo. Phyllis. J. Carlinda Fragale Pate et al. Frankfurt a. Traduçao de Cora Rónai e Lya Luft. SCHWANITZ. ed. M. Anatol. José L. III. São Paulo: Martins Fontes. Mito e tragédia na Grécia antiga. Frankfurt a.Referências bibliográficas ARISTÓTELES. Carmem. 1989. SCHWALM. . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. A. Cromwell. Paris. Drama. p. 531-538. São Paulo: Ars Poética. 1966. de & FONSECA. FRANCASTEL. 1978. HUGO. Paris: Flammarion. PEREIRA. Friedrich. RYNGAERT. Sémiotique Structurale. MAGALDI. ROSENFELD. Revista Poétique. INGARDEN. Roberto Acízelo Q. Jean-Píerre. Georg. A realidade figurativa. Les deux cent mile situations dramatiques . In: SOUZA. A critical introduction to twentieth-century American drama. Edwaldo & GADELHA. H. Georg Kayser. Oxford/New York: Oxford University Press. ROUBINE. São Paulo: Perspectiva. José Luís Jobim de Salles. Victor. 1966. Jean-Pierre & VlDAL-NAQUET.. 1975. 1993. NUNEZ. O pai. 1998. São Paulo: Perspectiva. STRINDBERG. Manin. São Paulo: Duas Cidades. Rio de Janeiro: Kronos. 1996. P: 397-422.: Fischer. 1971. O teatro através da história. VERNANT. visão teatral e significação humana. GUINSBURG. ESSLIN. Lee. 1998. Ler o teatro contemporâneo. 1994. Senhorita Júlia. p. São Paulo: Perspectiva. C. Ernst Toller. Roman. O texto no teatro. BORNHEIM. Victor Hugo Adler. 1977.. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 1990. 1996. Semiologia do teatro. A musa carrancuda. O sentido e a máscara. 83-141. Jean Jacques. Georg Heym. HARTNOLL. E. W. et all. Literatura e encenação. Bauformen und Theorie. 1980. A. 1984. 8. Paris: Charpentier et FasquelIe. In:_____. Cambridge/New York: Cambridge University Press. Tradução e noras de Eudoro de Sousa. Tradução de Yan Michalski e Rosyane Troua. _____. A arte do ator. Poética. J. 1977. Um sonho de paixão: o desenvolvimento do método. SOURIAU. CAFEZEIRO.
Copyright © 2024 DOKUMEN.SITE Inc.