NOÇÕES GERAIS DE DIREITO PENALINTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL . NOÇÕES GERAIS DE DIREITO PENAL Sumário • 1. Definição; 2. Direito Penal, Ciência do Direito Penal, Criminologia e Política Criminal.; 3. Funcionalismo; 4. Categorias do Direito Penal; 5. “Privatização” do Direito Penal; 6. As velocidades do Direito Penal CAPÍTULO 1 1. DeFinição A etiqueta “Direito Penal” é criticada por parcela da doutrina. Basileu Garcia, por exemplo, alega que: “A insuficiência da locução Direito Penal por não abranger um dos dois grandes grupos de providências de combate à criminalidade – o das medidas de segurança, cuja natureza preventiva as distingue das penas, de finalidade primordialmente repressiva. Pretende-se que seria mais apropriado dizer Direito Criminal”1. Não obstante a crítica, deve-se preferir a expressão Direito Penal, seja porque assim está referida na Constituição Federal (v.g art. 62, §1º, I, b, CF/88), seja porque temos um Código Penal (e não Criminal). Ademais, é esta a expressão adotada pela doutrina majoritária, tanto no Brasil quanto em outros países2. Superada a controvérsia (sem interesse prático) acerca da terminologia, partimos, agora, para a definição, lembrando que conceito de Direito Penal perpassa por três aspectos: (A) sob o aspecto formal ou estático, Direito Penal é um conjunto de normas que qualifica certos comportamentos humanos como infrações 1. 2. Instituições de Direito Penal – Vol. 1. Tomo I. 7ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 03. “[...] é generalizada a preferência pela designação Direito Penal, não só no Brasil como em outros países. Diritto Penale – em italiano, Derecho Penal – em espanhol, Droit Pénal – em francês, são expressões encontradas muito mais freqüentemente do que Dirito Criminale, Derecho Criminal, Droit Criminel, Para essa predileção mais extensa concorre, sem dúvida, a circunstância de que a punibilidade aparece como o característico de maior projeção objetiva ao cuidar-se do crime.” (GARCIA, Basileu. Ob. cit., p. 3). 29 o Direito Penal é mais um instrumento de controle social de comportamentos desviados (ao lado dos outros ramos. afetando bens jurídicos indispensáveis à sua própria conservação e progresso (nesse sentido. regradas pelo Direito Penal. Direito Penal – Parte Geral.). Nessa tarefa (controle social) atuam vários ramos do Direito. Processual. ao dissertar sobre o assunto. temos condutas que. bem como a convivência harmônica dos membros do grupo. que. Tributário. apresentando. Comercial. que propicia a regular convivência humana em sociedade. civis e/ou penais. Frederico Marques assinala. é imprescindível que nela se compreendam todas as relações jurídicas que as normas penais disciplinam. como consequência jurídica. como consequência.INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL ROGÉRIO SANCHES CUNHA penais (crime ou contravenção). Administrativo. e disciplina. p. 2005. a pena. demanda a existência de normas destinadas a estabelecer diretrizes que. como fato. a pena. define os seus agentes e fixa as sanções (pena ou medida de segurança) a serem-lhes aplicadas3. que passa a cominar sanções de caráter penal. etc. Civil. Todavia. Paulo Queiroz. com razão. como Constitucional. 30 . surge para o Estado o poder (dever) de aplicar as sanções. por atentarem (de forma relevante e intolerável) contra bens jurídicos especialmente tutelados. como consequência. para estabelecer a aplicabilidade de medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado’” (QUEIROZ. cada qual com sua medida sancionadora capazes de inibir novos atos contrários à ordem social. A manutenção da paz social. bem como os caracteres específicos da conduta punível. como fato. a par de outras consequências jurídicas. Quando violadas as regras de condutas. para se ter uma noção exata. por isso. Luiz Régis Prado). (C) sob o aspecto sociológico ou dinâmico. (B) sob o aspecto material o Direito Penal refere-se a comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social. cominando determinadas penas e prevendo. São Paulo: Saraiva. 02-03). como o exercício do poder punitivo do Estado. como pressuposto. visando assegurar a necessária disciplina social. especialmente medidas de tratamento de segurança’. Entre nós. Paulo. Welzel. a pena. Wessels dá uma definição mais completa: ‘por Direito Penal designa-se a parte do ordenamento jurídico que determina os pressupostos da punibilidade. que conecta ao delito. o seguinte conceito: ‘conjunto de normas que ligam ao crime. inclusive as que derivam dessa sistematização ordenadora do delito e da pena. outras relações jurídicas daí derivadas. Mezger. como a ‘parte do ordenamento jurídico que determina as características da ação delituosa e lhe impõe penas ou medidas de segurança’. traz diversas conceituações doutrinárias de Direito Penal: “Von Liszt define-o como o conjunto das prescrições emanadas do Estado que ligam ao crime. 3. impostas aos indivíduos. determinam reação mais severa por parte do Estado. também. determinam ou proíbem determinadas comportamentos. Direito Penal – Parte Geral. o qual “Orienta e limita o poder incriminador do Estado. a sua criminalização é inadequada e não recomendável. 1. 5. Nas palavras de Aníbal Bruno deve ser uma ciência “Que sem deixar de ser essencialmente jurídica. deve servir como a derradeira trincheira no combate aos comportamentos indesejados. 17ª ed. Tomo 1º. 31 . CiÊncia do Direito Penal. São Paulo: Saraiva. 2. conferir-lhe aplicação abstrata. Em razão disso. e. vol. a abstrair da norma o seu significado. são estas que devem ser empregadas e não as penais” 4. a partir daí. Vigora no Direito Penal o princípio da intervenção mínima. cominando sanções àqueles que os praticam. Em plano mais abrangente. CriMinologia e Política CriMinal. deve essa disciplina se ater às manifestações sociais da conduta criminosa e às condições pessoais daquele que a pratica. p. 4. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem. há de se ressaltar que a Ciência do Direito Penal não se limita. Entretanto. 41. de forma pura e simples. Cezar Roberto. O que diferencia uma norma penal das demais impostas coativamente pelo Estado é a espécie de consequência jurídica que traz consigo (cominação das penas e medidas de segurança). Direito Penal. BITENCOURT. sendo natural a existência de uma ciência apta a organizar métodos de interpretação e correta aplicação dessas mesmas normas jurídicas. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense.NOÇÕES GERAIS DE DIREITO PENAL INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL . preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para proteção de determinado bem jurídico. se alimenta da substância das coisas: da realidade social e dos aspectos fenomênicos do crime. 39. aplicando-se de forma subsidiária e racional à preservação daqueles bens de maior significação e relevo. 1967. p. para o fim de compreender melhor o próprio Direito vigente e favorecer-lhe a sua missão prática de disciplina da criminalidade”5. 2012. Vimos que Direito Penal é o conjunto de normas com a missão de elevar certos comportamentos humanos à categoria de infrações penais. bem como ao seu autor. Não se trata de uma ciência teleológica. da vítima e o comportamento da sociedade O crime enquanto fato Política criminal Trabalha as estratégias e meios de controle social da criminalidade. Ob. A Criminologia “visa o conhecimento do crime como fenômeno individual e social. por sua vez. que retrata o delito enquanto fato. por sua vez. que analisa as raízes do crime para discipliná-lo. A Política Criminal. p. 8. A Criminologia é ciência empírica que estuda o crime.. vez que. 7. Ob. Ob. Integram esse grupo a Criminologia e a Política Criminal7. encontra-se o gênero “ciências penais”. Também fazem parte das ciências penais a antropologia criminal. engloba a Antropologia Criminal. p. tem no seu âmago a específica finalidade de trabalhar as estratégias e meios de controle social da criminalidade (caráter teleológico). estatística criminal e penalogia. mas de uma ciência causal-explicativa. com o emprego do método positivo. enquanto ciência de fins e meios. cit. da vítima e o comportamento da sociedade. 49. cit. anunciando as respectivas sanções. O crime enquanto norma Criminologia Ciência empírica que estuda o crime. a pessoa do criminoso. É característica da Política Criminal a posição de vanguarda em relação ao direito vigente. Ciências penais Direito penal Analisando fatos humanos indesejados. razões da sua existência. Não por outro motivo. sugere e orienta reformas à legislação positivada9. p. a psicologia e a psiquiatria criminais. define quais devem ser rotulados como infrações penais. cit. a sociologia criminal. 67. este ramo da ciência penal abarca a Biologia Criminal (que. 9. Estuda-o. a pessoa do criminoso. sob os aspectos bio-sociológicos”8... preocupando-se “com a delinquência como fato natural. procurando apontar-lhe as causas. de observação e experimentação”6. 82. os seus contornos e forma de exteriorização.INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL ROGÉRIO SANCHES CUNHA Ao lado do Direito Penal e da Ciência do Direito Penal. 32 . O crime enquanto valor Finalidade Objeto 6. perquirindo as suas origens. a Psicologia e Psiquiatria criminais) e a Sociologia Criminal. 23. o bem jurídico protegido já foi violado. sobressaem-se dois segmentos importantes: o funcionalismo teleológico e o funcionalismo sistêmico. 33 . “vínculo entre pessoas que. mas sim a coação. de modo que sua função primordial não pode ser a segurança de bens jurídicos. uma corrente doutrinária que visa analisar a real função do Direito Penal. As correntes funcionalistas serão estudadas de forma mais aprofundada em tópico próprio. impede que esse mesmo legislador. em 1834). Rio de Janeiro: Lumen Juris. Já de acordo com o funcionalismo sistêmico (ou radical). repressão necessária àqueles que perderam o seu status de cidadão11. mostrando que o direito posto existe e não pode ser violado. Surge assim o Direito Penal do Inimigo. de armas e de seres humanos. para assegurar bens jurídicos (teoria iniciada por Birnbaum. JAKOBS. por sua vez. resguardar o sistema. segundo a concepção garantista do Direito Penal. A seleção dos bens jurídicos a serem tutelados terá como norte a Constituição Federal. são titulares de direitos e deveres”. cuidando de maneira própria o infiel ao sistema. o traficante de drogas. Trad. Direito Penal do Inimigo. Gercélia Batista de Oliveira Mendes. a função do Direito Penal é assegurar bens jurídicos. que tem como maior expoente Claus Roxin. os membros de organizações criminosas transnacionais. para Jakobs “aquele que se desvia da norma por princípio não oferece qualquer garantia de que se comportará como pessoa. não pode ser tratado como cidadão. 10. para Jakobs. aplicando-se lhe não o Direito. a função do Direito Penal é a de assegurar o império da norma. mas deve ser combatido como inimigo”. Para o funcionalismo teleológico (ou moderado). FuncionalisMo O funcionalismo10 é um movimento da atualidade. Na doutrina brasileira prevalece o entendimento de que o Direito Penal serve. valendo-se de medidas de política criminal. Muito embora não haja pleno consenso acerca da sua teorização. defendido por Günther Jakobs. 3. Günther. elegendo valores considerados indispensáveis à manutenção da sociedade e. por isso. assim considerados aqueles valores indispensáveis à convivência harmônica em sociedade. Carta que exerce um duplo papel: orienta o legislador. ou seja. o terrorista. sem desconsiderar a sua missão indireta (ou mediata): o controle social e a limitação do poder punitivo estatal. Nesta linha de raciocínio.NOÇÕES GERAIS DE DIREITO PENAL INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL . Quando o Direito Penal é chamado a atuar. mas sim a garantia de validade do sistema. p. efetivamente. 11. 2008. O inimigo da contemporaneidade é. mesmo nos casos em que o legislador se encontre constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas. a distinção não apresenta razão (ou qualquer interesse prático). que vem a ser capacidade conferida ao Estado de criar e executar normas penais. (B) Direito Penal Objetivo e Direito Penal Subjetivo. observando. Direito Penal substantivo corresponde ao direito material. no entanto. bem com da dignidade da pessoa humana. Em que pese o interesse teórico de tal diferenciação. exercendo o Estado seu direito de punir apenas e tão somente com base nas normas postas. ante o reconhecimento do Direito Processual Penal como ramo autônomo. trata das normas destinadas a instrumentalizar a atuação do Estado diante da ocorrência de um crime. proíba ou imponha determinados comportamentos. p. Como bem explica J. caracterizado pela faculdade de derrogar preceitos penais ou restringir o alcance das figuras delitivas. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Vol. também consagrados na Bíblia Política do Estado. destacando-se: A) Direito Penal Substantivo e Direito Penal Adjetivo. Categorias do Direito Penal A doutrina divide o Direito Penal em categorias. O poder punitivo do Estado não é incondicionado. Rogério. atividade que cabe ao STF. O Direito Penal subjetivo pode ainda ser subdividido em13: (i) Direito Penal subjetivo positivo. Direito Penal subjetivo (ou “jus puniendi”) refere-se ao direito de punir do Estado. e (ii) Direito Penal subjetivo negativo. GRECO.INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL ROGÉRIO SANCHES CUNHA com a suposta finalidade protetiva de bens. a capacidade que o Estado tem de produzir e fazer cumprir suas normas12. por ele mesmo criadas. Gomes Canotilho. violando direitos fundamentais atribuídos a toda pessoa humana. 14. na prática um sempre estará atrelado ao outro. permanecerá vinculado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos. 12. o princípio da humanização das penas. ou seja. 13. Niterói: Impetus. 418-420). 34 . que seria o direito processual. enquanto o Direito Penal adjetivo. liberdades e garantias do homem e do cidadão (cf. Atualmente. dotado de regras e princípios próprios. que cria as figuras criminosas e contravencionais. por meio da declaração de inconstitucionalidade de normas penais. Direito Penal objetivo (ou “jus poenale”) traduz o conjunto de leis penais em vigor no país. 1. 10. 4. J. encontrando limites assim resumidos nos seus principais aspectos: (i) quanto ao modo: o direito de punir deve respeito aos direitos e garantias fundamentais14. Coimbra: Almedina. por exemplo. p. 2 ed. devendo observar a legalidade (princípio analisado em tópico próprio). Curso de Direito Penal – Parte Geral. p. que continuam tendo a responsabilidade de investigar e processar os crimes cometidos pelos seus nacionais. de acordo com as instituições próprias. e não o direito de aplicar a sanção penal (jus puniendi). ao final. há clara exceção no artigo 57 da Lei nº 6. 10. usurpando prerrogativa dos magistrados. pelos grupos tribais. limitado no tempo pelo instituto da prescrição (causa extintiva da punibilidade prevista no art. São Paulo: Premier Máxima.1º do referido Estatuto consagrou o princípio da complementariedade. não sem razão. 2 ed.NOÇÕES GERAIS DE DIREITO PENAL INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL . ficando proibida a justiça privada15. Fazer justiça pelas próprias mãos. em regra. com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional”. É sabido. 17. impondo. para satisfazer pretensão. p. portanto. 1º). merece registro o Tribunal Penal Internacional.388/2002. o particular exerce apenas o jus persequendi. nos crimes de ação penal privada. (iii) quanto ao tempo: o direito de punir não é eterno.001/73 (Estatuto do Índio). que o jus puniendi é de titularidade exclusiva do Estado. de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros. ainda. refuta de imediato Flávio Monteiro de Barros. “na legítima defesa. com caráter “complementar às jurisdições penais nacionais” (art. privativo do Estado” (Ob. O TPI não pode intervir indevidamente nos sistemas judiciais nacionais. ainda que mínimas. (ii) quanto ao espaço: em regra. O Tribunal tem competência subsidiária em relação às jurisdições nacionais dos países signatários e não representa exceção à exclusividade do direito de punir do Estado. “instituição permanente. que. Embora seja esta a regra. criado pelo Estatuto de Roma16. O Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. Incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro através do decreto nº 4. Como bem alerta Valério Mazzuoli17. caracteriza crime (exercício arbitrário das próprias razões. desde que não revistam caráter cruel ou infamante. o Estado confere ao particular o direito de defender-se. 07). prova da nossa soberania. 16. embora legítimas. aplica-se a lei penal somente aos fatos praticados apenas no território brasileiro. Quanto à possível menção ao instituto da legítima defesa e à ação penal privada como exceções a essa titularidade. 345 do CP). o Estado conferiu a ente não estatal a aplicação de sanção penal. restrições. 107 do Código Penal). pois o poder de punir (jus puniendi) é indelegável. Note-se que. sendo. observando. o art. art. proibida em qualquer caso a pena de morte”. nesta hipótese específica.. 35 . sendo. 2008. Por fim. 15. que enuncia: “Será tolerada a aplicação. cit. E. Luiz Flávio Gomes e Antonio Molina discordam. querendo. já que o agente é submetido a julgamento por um órgão supranacional (ob.072/90 (crimes hediondos) e a Lei nº 9. p 137). honra. cria normas de repressão. Parte da premissa de que o Direito Penal não deve ser alargado. liberdade individual. (D) Direito Penal Promocional Criticado pela doutrina. promovendo seus interesses. Em outras palavras. afastando-se das finalidades legítimas da pena. Winfried Hassemer é o maior expoente do Direito de Intervenção. campo fértil para um Direito Penal Simbólico. 18. visando concretizar seus objetivos políticos. É equivocada a utilização do Direito Penal como ferramenta de transformação social. assumindo feição nitidamente punitivista. com novos tipos penais e/ ou aumento de penas e restrições de garantias. o Direito Penal Promocional (político ou demagogo) surge quando o Estado. as Lei nº 8. para tanto. Para muitos. Até 2009. a mendicância era infração penal! (E) Direito de Intervenção Membro da Escola de Frankfurt. 36 . propriedade etc) e daquelas que causem perigo concreto. insuficiente18. estratégia que se afasta do mandamento da intervenção mínima. afastando-se. podendo (e devendo) valer-se. dos outros ramos do Direito. integridade física. emprega as leis penais como instrumento. seja omissa.INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL ROGÉRIO SANCHES CUNHA salvo nos casos em que os Estados se mostrem incapazes ou não demonstrem efetiva vontade de punir os seus criminosos. Permite a edição de leis que cumprem função meramente representativa. de seu importante caráter subsidiário e fragmentário. o legislador atua pensando (quase que apenas) na opinião pública. ignorando as garantias do cidadão. Esquecendo a real missão do Direito Penal. (C) Direito Penal de Emergência e Direito Penal Simbólico Movido pela sensação de insegurança presente na sociedade. cit. mas utilizado apenas na proteção de bens jurídicos individuais (vida. devolver para a sociedade a (ilusória) sensação de tranquilidade. o Direito Penal de Emergência.034/95 (organizações criminosas) são expressões desse Direito. não raras vezes. lecionando que o Tribunal Penal Internacional também constitui exceção ao monopólio estatal sobre o direito de punir. o TPI será chamado a intervir somente se e quando a justiça repressiva interna falhe. atendendo demandas de criminalização. em regra. reage a posteriori. sendo substituída pela tutela direta de relações ou contextos de vida. esta perspectiva do Direito Penal se opõe ao que pretende Winfried Hassemer. dando-se enfoque máximo à proteção dos interesses difusos. condutas delitivas que demandam tratamento mais amplo e célere. As infrações de índole difusa (ou coletiva) e causadoras de perigo abstrato seriam tuteladas pela Administração Pública. (F) Direito Penal como Proteção de contextos da vida em sociedade Formulada por Günther Stratenwerth. contra um fato lesivo individualmente delimitado) a um direito de gestão punitiva de riscos gerais. por meio de um sistema jurídico de garantias materiais e processuais mais flexíveis. da coletividade. Esta administrativização do direito penal evitaria a impunidade e a sua transformação em um direito penal simbólico. protegendo-se as futuras gerações. expressando também um postulado de proteção 37 . o Direito Penal (que. com isso. Alertamos que os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote). As garantias dividem-se em: 19. que deverão respeitar os direitos fundamentais nela consagrados19. esta seria a melhor maneira de combater a criminalidade moderna. de forma crítica. na medida em que pugna por uma expansão do direito penal cumulada com a antecipação das punições como forma de proteger a sociedade. vislumbrando nela uma aproximação indesejada com o direito penal do inimigo. A noção de bem jurídico é superada. Para Stratenwerth. sem risco da privação de liberdade do infrator. nasce o Direito de Intervenção. Para Hassemer. Converte-se.NOÇÕES GERAIS DE DIREITO PENAL INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL . Situado entre o direito penal e o direito administrativo. (G) Direito penal garantista (modelo de Luigi Ferrajoli) A Constituição é o fundamento de validade de todas as normas infraconstitucionais. uma vez que relegaria à seara mais suave do ordenamento jurídico justamente às infrações que colocam em maior risco a estrutura da sociedade. deve-se relegar ao segundo plano a proteção dos interesses estritamente individuais. responsável pelos crimes repletos de novos contornos. Parcela importante da doutrina critica esta proposta. ensina que o Direito de Intervenção seria uma inversão temerária dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. Figueiredo Dias. mas proposições prescritivas. não enunciam as condições que um sistema penal efetivamente satisfaz. Nesse sentido: STF – HC 104.410/RS. como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). o garantismo exerce a função de estabelecer o objeto e os limites do direito penal nas sociedades democráticas. Assim.INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL ROGÉRIO SANCHES CUNHA (i) Primárias: são os limites e vínculos normativos impostos. deslegitimando normas ou formas de controle social que se sobreponham aos direitos e garantias individuais. Vejamos: Axioma Nulla poena sine crimine Nullum crimen sine lege Nulla lex (poenalis) sine necessitate Nulla necessitas sine injuria Nulla injuris sine acione Nulla actio sine culpa Nulla culpa sine judicio Nullum judicio sine accusatione Nullum accusatio sine probatione Nulla probatio sine defensione Princípio correlato Princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito Princípio da legalidade Princípio da necessidade ou da economia do direito penal Princípio da lesividade ou da ofensividade do evento Princípio da materialidade ou da exterioridade da ação Princípio da culpabilidade Princípio da jurisdicionariedade Princípio acusatório Princípio do ônus da prova ou da verificação Princípio da defesa ou da falseabilidade (Schutzgebote). não descrevem o que ocorre. formais e substanciais). 38 . A teoria garantista penal de Ferrajoli tem sua base fincada em dez axiomas ou implicações dêonticas que não expressam proposições assertivas. (ii) Secundárias: são as diversas formas de reparação subsequentes às violações das garantias primárias (ex: anulabilidade dos atos inválidos e responsabilidade por atos ilícitos). utilizando-se dos direitos fundamentais. Cada um dos axiomas do garantismo proposto por Luigi Ferrajoli se relaciona com um princípio. Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote). que adquirem status de intangibilidade. mas as que deva satisfazer em adesão aos seus princípios normativos internos e/ou a parâmetros de justificação externa. O garantismo estabelece critérios de racionalidade e civilidade à intervenção penal. ao exercício de qualquer poder (ex: proibições e obrigações. na tutela do direito. mas prescrevem o que deva ocorrer.