Nadia Battela Gotlib - Teoria Do Conto

March 23, 2018 | Author: Maychel Santos | Category: Short Stories, Narration, Poetry, Time, Novels


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NÁDIA BATTELA GOTLIBTEORIA DO CONTO Para ter acesso a outros títulos libertos das tediosas convenções do mercado, acesse: WWW.SABOTAGEM.REVOLT.ORG Autora: Nádia Battella Gotlib Título: A Teoria do Conto Data da Digitalização: 2004 Data Publicação Original: 1990 Esta obra foi digitalizada, formatada, revisada e liberta das excludentes convenções mercantis pelo Coletivo Sabotagem. Ela não possui direitos autorais pode e deve ser reproduzida no todo ou em parte, além de ser liberada a sua distribuição, preservando seu conteúdo e o nome do autor. 2 ÍNDICE 1. A HISTÓRIA DA ESTÓRIA O FIO DA ESTÓRIA “ESTE INÁBIL PROBLEMA DE ESTÉTICA LITERÁRIA” “ESSA ALQUIMIA SECRETA” 4 4 5 6 7 7 7 8 8 10 10 11 14 16 18 18 20 21 23 25 26 26 28 29 30 31 31 32 33 34 34 35 36 36 37 37 3 2. O CONTO: UMA NARRATIVA TRÊS ACEPÇÕES DA PALAVRA CONTO O CONTO: RELATO DE UM ACONTECIMENTO? FALSO OU VERDADEIRO? O CONTO LITERÁRIO A QUESTÃO DA TERMINOLOGIA O CONTO MARAVILHOSO Uma forma simples (A. Jolles) As funções, transformações e origens (V. Propp) DO CONTO MARAVILHOSO À NARRATIVA EM GERAL DO CONTO MARAVILHOSO AO MODERNO: APENAS UMA MUDANÇA TÉCNICA? 3. O CONTO: UM GÊNERO? A UNIDADE DE EFEITO (POE) Um conto de Poe Com e contra Poe A unidade de efeito e a contenção em Tchekhov De Maupassant a Tchekhov: o conto e o enredo O MOMENTO ESPECIAL Que momento é esse? A epifania (J. Joyce) Um conto de Clarice Lispector Um flash dos novos tempos O conto: a voz de um solitário? A SIMETRIA NA CONSTRUÇÃO (B. MATTHEWS) O perigo do estereotipo A QUESTÃO DA BREVIEDADE Dos males, o menor O CONTO EXCEPCIONAL (J. CORTÁZAR) O conto, o romance, a fotografia, o cinema O significado, a intensidade e a tensão Uma bolha de sabão O conto, o poema, o jazz Um conto de Cortázar A CRIATIVIDADE NAS DEFINIÇÕES DO CONTO ALGUNS TRUQUES PARA SE ESCREVER... CONTOS (H. QUIROGA) 4. 38 39 41 41 44 45 45 45 45 49 51 O CONTO: UNS CASOS MACHADO DE ASSIS: AFINAL, QUAL É O ENREDO? 5. CADA CONTO, UM CASO BIBLIOGRAFIA COMENTADA BIBLIOGRAFIAS ANTOLOGIAS TEXTOS SOBRE O CONTO 6. 7. VOCABULÁRIO CRÍTICO NOTAS 4 1 A HISTÓRIA DA ESTÓRIA O FIO DA ESTÓRIA Mil e uma páginas têm sido escritas para se tentar contar a história da teoria do conto: afinal, o que é o conto? Qual a sua situação enquanto narrativa, ao lado da novela e do romance, seus parentes mais extensos? E mais: até que ponto este caráter de extensão é válido para determinar sua especificidade? Estas questões instigam outras, mas parece que a estória é bem mais antiga que a necessidade de sua explicação. Aliás, sob o signo da convivência, a estória sempre reuniu pessoas que contam e que ouvem: em sociedades primitivas, sacerdotes e seus discípulos, para transmissão dos mitos e ritos da tribo; nos nossos tempos, em volta da mesa, à hora das refeições, pessoas trazem notícias, trocam idéias e... contam casos. Ou perto do fogão de lenha, ou simplesmente perto do fogo. Não foi perto “desse foguinho meu” que a personagem de Guimarães Rosa, em “Meu tio o Iauaretê” (Estas estórias), contou a sua estória – a do caboclo que acaba vivendo isolado entre onças, e que de matador de onça virou onça, o jaguar-etê, o totem da sua antiga tribo indígena? A personagem, à beira do fogo e movida a cachaça, percorre, pela estória, ao contrário, a história do seu próprio povo, tentando reconquistar, assim, e inutilmente, o seu espaço cultural perdido. Estórias há de conquistas e de perdas. Estórias que seguem para frente. Ou para frente, retomando. Variam de assuntos e nos modos de contar. Desde quando? Embora o início do contar estória seja impossível de se localizar e permaneça como hipótese que nos leva aos tempos remotíssimos, ainda não marcados pela tradição escrita, há fases de evolução dos modos de se contarem estórias. Para alguns, os contos egípcios – Os contos dos mágicos – são os mais antigos: devem ter aparecido por volta de 4.000 anos antes de Cristo. Enumerar as fases da evolução do conto seria percorrer a nossa própria história, a história de nossa cultura, detectando os momentos da escrita que a representam. O da estória de Caim e Abel, da Bíblia, por exemplo. Ou os textos literários do mundo clássico greco-latino: as várias estórias que existem na Ilíada e na Odisséia, de Homero. E chegam os contos do Oriente: a Pantchatantra (VI a.C.), em sânscrito, ganha tradução árabe (VII d.C.) e inglesa (XVI d.C.); e as Mil e uma noites circulam da Pérsia (século X) para o Egito (século XII) e para toda a Europa (século XVIII). Como não nos determos um pouco aqui, nesta coletânea de mil e um contos, que vêm resistindo ao tempo? Pois estas mil e uma estórias desenhavam, no seu modo de organização, o próprio curso da história da estória, nestas estórias que se seguiam, noite após noite, contadas por Sheherazade, que, assim, ia distraindo o rei que a condenara à morte. O plano do rei Shariar era este: desposar uma virgem por noite, que morreria no dia seguinte, para que nenhuma pudesse repetir o ato de traição de sua antiga esposa. Quando Sheherazade conta estórias ao rei, aguça-lhe a curiosidade. Ele quer continuar a ouvir a estória, na noite seguinte. O conto, enquanto vida, acaba também encantando o rei. E Sheherazade, contando estórias, vai adiando a morte e prolongando a vida. 5 No fim do século surgem os registros de contos por Charles Perrault: Histoires ou contes du temps passé. pela acentuada expansão da imprensa. contudo. de E. aparece um terceiro tópico. o tom da narrativa oral.R. de Marguerite de Navarre. um Edgar Alan Poe se afirma enquanto contista e teórico do conto. são contados numa estalagem por viajantes em peregrinação. o século XVI mostra o Héptameron (1558). de Chaucer. Posteriormente. ao lado de um Grimm que registra contos e inicia o seu estudo comparado. “ESTE INÁBIL PROBLEMA DE ESTÉTICA LITERÁRIA” Tais mil e uma páginas referentes ao problema da teoria do conto poderiam se resumir em algumas direções teóricas marcantes: há os que admitem uma teoria. naturalmente. E há os que não admitem uma teoria específica. em princípio. Portanto. que permite a publicação dos contos nas inúmeras revistas e jornais. a divisão em tópicos de um dos livros já antológicos de ensaios sobre o conto – What is the short story?. Isto quer dizer que uns pensam que a teoria do conto filia-se a uma teoria geral da narrativa. E nisto têm razão. são traduzidos para tantas outras línguas e rompem com o moralismo didático: o contador procura elaboração artística sem perder. Patrick. Se o conto transmitido oralmente ganhará o registro escrito. ele teria característica específica de gênero. tal como existem características específicas de romance? de teatro? de cinema? de novela de TV? Quais os limites da especificidade do conto enquanto um tipo determinado de narrativa? E mais ainda: o que faz com que os contos continuem sendo contos. enquanto a força do contar estórias se faz. E os Canterbury tales (1386). pela pesquisa do popular e do folclórico.No século XIV dá-se outra transição. E no século XVII surgem as Novelas ejemplares (1613). agora vai afirmando a sua categoria estética. Seus organizadores selecionaram textos gerais da bibliografia teórica sobre o conto. em função das múltiplas tendências do conto: “novas direções: liberdade e forma”. no curso da história? Em que aspectos permaneceriam eles fiéis às suas origens? Esta duplicidade de pontos de vista dos estudiosos acarretou. Se o século XVIII exibe um La Fontaine. de Cervantes. 6 . paralelamente uma outra história se monta: a que tenta explicitar a história destas estórias. através dos séculos. Além de “regras” (e de “contra-regras”). por exemplo. exímio no contar fábulas. E conserva o recurso das estórias de moldura: são todas unidas pelo fato de serem contadas por alguém a alguém. com o subtítulo de “Contes de ma mere Loye”. no seu Decameron (1350). pela própria natureza desta narrativa: a de simplesmente contar estórias. problematizando a questão deste modo de narrar – um modo de narrar caracterizado. necessária e vigorosa. foram experimentando. permanecendo. no século XIX o conto se desenvolve estimulado pelo apego à cultura medieval. apesar das mudanças que. Os contos eróticos de Bocaccio. conhecidos como Contos da mãe Gansa. divididos entre os que propõem “definições e a procura da forma” e os que manifestam “revolta contra regras e definições prescritivas”. Como pensar o conto desvinculado de um conjunto maior de modos de narrar ou representar a realidade? Mas aí surgem diferenciações: embora sujeito às determinações gerais da narrativa. Este é o momento de criação do conto moderno quando. Current-García e W. “em verdade. “foi a forma do conto indefinível. torna-se angustioso problema e inábil tentativa responder a uma questão dessa natureza. “este inábil problema de estética literária”1. refere-se a “esse gênero de tão difícil definição. irredutível a receitas”. Julio Cortázar. encontraram a “forma do conto”. tão esquivo nos seus múltiplos e antagônicos aspectos”. porque um conto. em “Alguns aspectos do conto”. Mas o que encontraram. contistas e teóricos. Já para Mário de Andrade. em última análise. teremos perdido tempo. uma síntese viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada. Que vale a pena tentar. segundo ele. como Maupassant e Machado de Assis. Vários atentam para a dificuldade também de se explicar o conto. em “Contos e contistas”. o público toda a atenção de que ele é muitas vezes credor”. algo assim como um tremor de água dentro de um cristal. se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal. Porque se. isto torna-se difícil “na medida em que as idéias tendem para o abstracto. Tratar da teoria do conto é aceitar uma luta em que a força da teoria pode aniquilar a própria vida do conto. manifesta-se em 18132: “É gênero difícil. para a desvitalização do conteúdo”. uma fuga cidade numa permanência. conseqüentemente. O uruguaio Horacio Quiroga estabelece um “Decálogo do perfeito contista”: ainda que com muita ironia. E continua: “e creio que essa mesma aparência lhe faz mal. segundo ainda Mário de Andrade. “ESSA ALQUIMIA SECRETA” Vários atentam para a dificuldade de se escreverem contos. e o resultado dessa batalha é o próprio conto. se me for permitido o termo. De fato. e que gera. e que explica também por que há tão poucos contos verdadeiramente grandes”. que bons contistas. Só com imagens se pode transmitir essa alquimia secreta que explica a profunda ressonância que um grande conto tem em nós. a despeito da sua aparente facilidade”. apresenta normas de como se escrever um bom conto e. É a resposta que encontra para esta “pergunta angustiosa: o que é o conto?”. sempre será conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto”. “é preciso chegarmos a ter uma idéia viva do que é o conto”. Machado de Assis.Esta mesma distância notamos entre outros autores. insondável. por exemplo. lembrando-nos de Cortázar: “se não tivermos uma idéia viva do que é o conto. de um lado. como Mário de Andrade. Principalmente quando se considera. 7 . afastando-se dele os escritores e não lhe dando. postula o que um bom conto deve ter. penso eu. Tal como o tamanho. Trata-se de registrar qual realidade nossa? a nossa cotidiana. a arte de inventar um modo de se representar algo. acerca de nós: “e é em relação com um projeto humano que os acontecimentos tomam significação e se organizam em uma série temporal estruturada”. Um relato. Tal qual o conto. 8 . toda narrativa apresenta: 1. Mas a questão não é tão simples assim. pois. são todas narrativas. Não tem compromisso com o evento real. Todas apresentam um ponto comum: são modos de se contar alguma coisa e. Há. Há textos que têm intenção de registrar com mais fidelidade a realidade nossa. não seria já uma invenção? não seria já produto de um autor que as elabora enquanto tal? Há. oralmente. inventa-se. 3. A esta altura. uma sucessão de acontecimentos: há sempre algo a narrar. narração oral ou escrita de um acontecimento falso. e a literatura. por escrito. 2. não se refere só ao acontecido. No entanto. copia-se. O conto literário. que vem de fero (eu trago). pois. ao examinar a “lógica dos possíveis narrativos”. afirma Raúl Castagnino. em princípio. De fato. de nós. afirma Claude Brémond. que Julio Cortázar utiliza no seu estudo sobre Poe: 1. há vários modos de se construir esta “unidade de uma mesma ação”. Pois “toda narrativa consiste em um discurso integrado numa sucessão de acontecimentos de interesse humano na unidade de uma mesma ação”. O CONTO: RELATO DE UM ACONTECIMENTO? FALSO OU VERDADEIRO? O contar (do latim computare) uma estória. naturalmente. literatura não é documento. justamente por isto. de interesse humano: pois é material de interesse humano. Nele. para nós. por usar recursos literários segundo as intenções do autor. O conto. do dia-a-dia? ou a nossa fantasiada? Ou ainda: a realidade contada literariamente. e tudo “na unidade de uma mesma ação”. Mas o contar não é simplesmente um relatar acontecimentos ou ações. diferença entre um simples relato. no entanto.2 O CONTO: UMA NARRATIVA TRÊS ACEPÇÕES DA PALAVRA CONTO Para Julio Casares há três acepções da palavra conto. um conto. relato de um acontecimento. realidade e ficção não têm limites precisos. enquanto tal. sejam estas as de conseguir maior ou menor fidelidade. que pode ser um documento. isto é: re (outra vez) mais latum (trazido). Pois relatar implica que o acontecido seja trazido outra vez. 3. 2. É literatura. evolui para o registrar as estórias. graus de proximidade ou afastamento do real. Por vezes é trazido outra vez por alguém que ou foi testemunha ou teve notícia do acontecido. fábula que se conta às crianças para diverti-las. neste “projeto humano” com uma “sucessão de acontecimentos”. não importa averiguar se há verdade ou falsidade: o que existe é já a ficção. usada do século XVI ao XVIII. E há períodos em que estes limites se embaralham. E só no século XIX surge um termo 9 . sem especificações. Se apresentam algumas tantas características. Mas esta voz que fala ou escreve só se afirma enquanto contista quando existe um resultado de ordem estética. Estes modos variados de narrar por vezes se agrupam. com o declínio do romance antigo. neste trabalho de conquistar e manter a atenção do seu auditório. de todo modo dirige a elaboração desta narrativa que é o conto. virou romance. a novel preencheu o espaço disponível. E posteriormente. nas suas linhas mais gerais. a criação por escrito de contos. que. forma mais longa e mais tradicional. aparecendo ou mais ou menos. nesta que já é. por pequena que seja. O limite dos gêneros torna-se um problema. é romance. seja oral ou seja escrita.O CONTO LITERÁRIO A história do conto. afirmando. Depois. o seu caráter literário. então. sempre pode interferir no seu discurso. ou mesmo algumas palavras e sugestões –. Lembre-se ainda que houve um tempo em que vários modos de hoje comungavam num mesmo gênero. por exemplo. em inglês. que é passível de ser elaborado pelo contador. em que se dilatam as possibilidades de misturar características dos vários gêneros e atingir até a dissolução da própria idéia de gênero e de normas: é o que acontece progressivamente do Romantismo até o Modernismo. A QUESTÃO DA TERMINOLOGIA Veja-se o exemplo do inglês. é já “ficção de uma voz”. quando o narrador assumiu esta função: de contador-criador-escritor de contos. pode se esboçar a partir deste critério de invenção. Há todo um repertório no modo de contar e nos detalhes do modo como se conta – entonação de voz. Isto gera algumas confusões. que foi se desenvolvendo. que delimitam um gênero. gestos. novel. a esta altura. ou seja: quando consegue construir um conto que ressalte os seus próprios valores enquanto conto. Por isso. A voz do contador. diferenciava-se do romance. podem pertencer a este ou àquele gênero: podem ser. escritor. romances. ou seja. no registro dos contos orais: qualquer mudança que ocorra. Antes. Há fases em que ela se acentuou: a dos períodos clássicos. No século XIX. do conto literário. interfere no conjunto da narrativa. seu registro escrito. na feliz expressão de Raúl Castagnino. nem todo contador de estórias é um contista. Estes embriões do que pode ser uma arte só se consolidam mesmo numa obra estética quando a voz do contador ou registrador se transforma na voz de um narrador: o narrador é uma criação da pessoa. Hoje. deixou de ser breve. olhares. a criação do conto e sua transmissão oral. Convém considerar que esta “classificação” também tem sua história. a arte do conto. perdeu as associações originais. que se refletem na terminologia. como prosa narrativa de ficção com personagens ou ações representando a vida diária. a Renascença) em que há para cada gênero um público e um repertório de procedimentos ou normas a ser usado nas obras de arte. poemas ou dramas. por exemplo (a Antigüidade greco-latina. Estes recursos criativos também podem ser utilizados na passagem do conto oral para o escrito. de acordo com alguns pontos característicos. Novel. de reminiscências medievais. em 1664. O contista Washington Irving usava os termos tale esketch. Há ainda a long short story. seja ela ficção ou não. Atualmente. apresentando série de incidentes para análise e desenvolvimento da personagem ou motivo. tem objetivo instrutivo e é muito breve. legitimando sua condição narrativa e 10 . E o tale. Hoje. com episódio principal. e se tem sentido realista e moralista. o sentido não é aparente e os detalhes de personagens podem ser simbólicos. respectivamente. podem conservar mais ou menos o caráter épico do conto. parábolas. que pode ter acontecido com alguém. pois traz. los vi escritos”. forma remanescente da tradição oral. E houve naturalmente uma distinção: conte é mais concentrado. designa não somente uma estória curta. y nunca que me acuerde. são retratos ou quadros ou caracteres soltos. E Lope de Vega escreve então novelas que são. indefinidamente. Estes termos ganham fisionomia mais definida. mas um gênero independente. O termo sketch passa a se referir à narrativa descritiva. forma mais longa e difusa. estática. Hawthorne e Melville. já. segundo ele. de forma distinta ao uso de short story. Pode ser re-contado. tal como a fábula. As formas híbridas. anteriormente chamadas cuentos: “éstos se sabían de memoria. E ainda têm Märchen para o conto popular. Novela é novela corta. não mais de dez páginas. vegetais ou minerais. para o conto e o conto popular. A nouvelle seria a forma mais complexa. que desenvolvia uma intriga amorosa completa. se opondo ao romance medieval. Modernamente. Seria o conto popular. E Roman para romance. Em Bocaccio. O conto em verso continua ligado à epos. Ou o conto popular. a novella era breve. É nos Estados Unidos que o termo short story se afirma e. com personagens não envolvidas em cadeia de eventos. a short-story. No entanto. incentivadas no século XIX. para diferenciá-las das grandes epopéias. um processo de extensão. desde 1880. a confusão terminológica predominava. O termo novel passa para o espanhol. e estas experimentam. Cervantes escreve suas Novelas Ejemplares. E Bocaccio chama seus textos indistintamente de “histórias. e freqüentemente com elementos de fantasia. Para alguns. O conto conserva características destas duas formas: a economia do estilo e a situação e a proposição temática resumidas. representando um estado: como é ou está alguém ou alguma coisa. considerada por alguns como forma de fundo mais realista. sabe-se que fábula é a estória com personagens animais. Este conjunto de formas menores por vezes é chamado épica menor. enquanto tale seria usado por Poe. em 1621. que relaciona componentes”. usados indistintamente por La Fontaine. que organiza um argumento. “um universo verbal que imitaações e pessoas. relatos. com um ponto de interesse chocante. fábulas”. contado em linguagem coloquial. O termo yarn aplica-se a anedotas: um único episódio fragmentário. como Os Lusíadas. Mas a confusão continuaria: Maupassant chama suas nouvelles de contes. ainda. de Camões. a novelle tem desenvolvimento linear. para a novela. romance. com características próprias. são os termos franceses que mais se aproximam do que temos em português: usam-se roman. segundo Raúl Castagnino. no francês. a novela vem do italiano novella. ou seja. E tale seria uma anedota aumentada. E se a parábola tem homens como personagens. Na Alemanha. Mas ela se torna mais extensa e surge então a necessidade de um termo para designar a narrativa realmente curta: a kurz Geschichte. novela e conto. E conto é cuento. romance é novela. para a distinção entre nouvelle e conte. Atente-se. com mais cenas. pequenas estórias.específico para a estória curta. nouvelle e conte para os nossos. No entanto. das imagens e das suas múltiplas sugestões. 11 . que poderia corresponder ao nosso atual conto literário. sobretudo. mito. é uma “forma simples”. memorável e chiste. que tenta representar uma parcela peculiar da realidade. ao conto maravilhoso. como se verá adiante (o impulso único. uma forma que permanece através dos tempos. a tensão unitária. Daí o conto ter como características justamente esta possibilidade de ser fluido. mas a “ética do acontecimento”: as personagens não fazem o que devem fazer. de ser entendido por todos. ao lado da legenda. liga-se mais estreitamente ao conceito de estória e do contar estórias. tônica que persiste desde as suas origens mais remotas. e impossível de ser recontada sem que perca sua peculiaridade. Pelo contrário. a “forma artística”. segundo Jolles. com personagens não determinadas historicamente. através dos séculos. oralmente ou por escrito. isto é. Este conto. lugares e tempos são indeterminados historicamente: não têm precisão histórica. qualquer um que conte o conto. Não existe a “ética da ação”. de moral ou de terror – é o modo pelo qual a estória é contada. por meio.. ditado. Este conto é transmitido. não pode ser concebido sem o elemento “maravilhoso” que lhe é imprescindível. portanto. na forma da novela toscana praticada por Bocaccio no seu Decameron. em que nem sempre as coisas acontecem da forma que gostaríamos. o que faz o conto – seja ele de acontecimento ou de atmosfera. a mobilidade. segundo a terceira acepção de Julio Casares. peculiaridade e unicidade. móvel. ainda. satisfazendo assim uma expectativa do leitor e contrariando o universo real. manterá a sua forma. à “forma artística”. Este é o sentido que lhe atribui André Jolles. sólido. E. entre outros recursos. Porque pode ser recontado com “as próprias palavras”. Lembre-se do “Era uma vez. para Jolles. Daí ela caracterizar-se por esta solidez. de se renovar nas suas transmissões. segundo seu ponto de vista único. entendido como “fábula que se conta às crianças para diverti-las”. e refere-se.preservando algumas das consideradas chaves do conto. adivinha. a generalidade. compondo um universo fechado e coeso. o efeito preciso e inesperado). sem se desmanchar: caracterizam-no. que é uma “forma simples”. a pluralidade. Porque a novela leva a marca do eu criador. caso. que se opõe ao trágico real. que é a do conto e não a sua. E narra como “as coisas deveriam acontecer”. saga. E que torna cada elemento seu importante no papel que desempenha neste modo de o conto ser.” que costuma iniciar contos deste tipo. recontada por vários. impossível recontá-la sem que se perca sua força centrada no poético. Os acontecimentos é que acontecem como deveriam acontecer. E o conto obedece a uma “moral ingênua”. sem perder sua “forma” e opondo-se. elaborada por um autor. ao alertar para alguns “truques” do contista: “Em literatura a ordem dos fatores altera profundamente o produto”. pois. As personagens. por ser alimentada por um “acontecimento impressionante”. sem que o seu “fundo” desapareça. Já o poema em prosa afasta-se da épica e aproximase da lírica: mesmo que ele conte uma estória. Novela é que é. O CONTO MARAVILHOSO Uma forma simples (André Jolles) O conto. é produto de uma personalidade em ação criadora. para quem o conto. pois. Como bem formulou o contista Horacio Quiroga.. única. novela toscana e de moldura – são. que já existia anteriormente e que vai persistir em muitas coletâneas de contos (ou novelas?): estas narrativas acham-se ligadas por um quadro que assinala. Neste caso. em A morfologia do conto (1928). AS FUNÇÕES. É bastante significativo este seu poder de resistência. contos jocosos (de Antti Aarne). que os ouviu contar por uma velha ama. antes de qualquer coisa. Pois estas novelas (toscanas e de moldura) foram sofrendo modificações nos séculos XVI e XVII. a cada narrativa. quando e por quem são contadas. segundo Jolles. pois. O conto simples. Um é sempre um. sem perder sua estrutura fundamental. ou seja.“a novela toscana procura. obra fundamental para a verificação destas “formas simples” do conto. contar um fato ou incidente impressionante de. Como estabelecer teses sobre a origem dos contos e determinar tipos de contos antes de se saber o que é o conto? Por não saber qual a estrutura destes contos maravilhosos é que Propp rejeitou classificações. de modo geral. de acordo com Jolles. em 1812. Outro é sempre outro. nos seus Contos da mãe Gansa: estes não são mais uma narrativa-moldura. segundo os moldes do formalismo russo: estudou as formas para determinar as constantes e variantes dos contos.F. “Jacob Grimm percebeu no conto um ‘fundo’ que pode manter-se perfeitamente idêntico a si mesmo. e o conto artístico – que era chamado. a impressão de que esse incidente é mais importante do que as personagens que o vivem”. pelo abafamento da novela e afloramento dos contos. contos propriamente ditos. os maravilhosos. Miller). Pois. apesar das variações que nunca atingem o fundamento da sua forma. descrever os contos. vencendo as variações possíveis. que são registrados por Charles Perrault. sem especificar na verdade o que é assunto e o que é variação de um assunto. histórias tomadas da vida cotidiana e histórias de animais (de U. estaria próxima do chamado conto de acontecimento. entre outras coisas. ou maravilhoso. na sua coletânea Kinder-und Hausmarchen (Contos para crianças e famílias). duas realidades narrativas diferentes. comparando suas estruturas e sistemas. em 1697. maneira tal que se tenha a impressão dum acontecimento efetivo e. onde. mais exatamente. TRANSFORMAÇÕES E ORIGENS (Vladimir Propp) As funções A permanência das formas simples do conto maravilhoso para a qual Grimm alertou (1812) e que André Jolles desenvolveu (1929) foi minuciosamente examinada por Vladimir Propp. 12 . até quando é narrado por outras palavras”. e a possibilitar o enquadramento de um conto em mais de um tipo destes três. a princípio. a novela. houve progressiva separação entre elas e os contos. Esta novela toscana adotou também o procedimento da narrativa de moldura. Ou a que tenta dividi-las por assuntos – contos de animais. mas deixam transparecer um dos seus recursos: Perrault os apresenta como sendo contados por seu filho. Para Propp era preciso. como a que divide os contos em: histórias fantásticas. Os contos maravilhosos são registrados também e especialmente por Grimm. que nunca se repete e que é peculiar a seu único autor. A uniformidade específica do conto não se explica. 60). Assim como encontra 31 funções. Está apenas interessado em determinar as ações e personagens constantes nos contos maravilhosos que examina. o herói e o falso herói. o engano da vítima (pelo lobo. há a função da ausência de um dos membros da família (o Chapeuzinho). as mesmas ações são praticadas por personagens diferentes e de maneiras diferentes. Analisar o conto implica determinar também estes seus movimentos. Aarne). que não se altera. Propp encontrou cerca de 150 elementos que compõem o conto e 31 funções constantes. que é a primeira função determinada por Propp. segundo Propp. A esta altura. função seria. a salvação do herói (pelo caçador). do ponto de vista morfológico. Partindo da análise da ação das personagens. Mas se tais funções viessem contadas em mil páginas. E há também uma ordem que lhe é dada (pela mãe). cada uma com sua “esfera de ação”. o doador. mas por unidades estruturais em torno das quais estes elementos se agrupam. Basta nos lembrarmos de qualquer conto maravilhoso. torna-se preciso.). que ele chama de funções. E para se chegar a alguma conclusão sobre o conto maravilhoso. então. Para estabelecer o que é o conto – entenda-se aqui o conto maravilhoso – Propp determina então uma “morfologia do conto”. que dependem da realidade em que o conto aparece e das determinações de ordem cultural. examinar estas formas fundamentais e derivadas do conto de um povo. e que passa por funções intermediárias para ir acabar em casamento (. Propp pode afirmar o que é o conto maravilhoso: “Podemos chamar conto maravilhoso.. existem também. constata que há ações constantes. a punição do antagonista (morte do lobo). Mas é impossível que a ordem das funções que aparecem no conto seja modificada.. “a ação de uma personagem. Isto é. ouvido na infância ou depois dela. a princesa e seu pai. de imediato. em nível internacional. num total de 31. ela modifica ou transforma o conto: é o que Propp examina no seu trabalho intitulado “As transformações dos contos fantásticos”. 13 . às suas origens religiosas. cuja sucessão. Estes processos ou passagens de uma função a outra são os movimentos do conto. o que apresenta estas funções em determinada ordem de seqüência. As transformações Se “a vida real não pode destruir a estrutura geral do conto”. pois. Propp encontra também sete personagens. então... o auxiliar. definida do ponto de vista do seu significado no desenrolar da intriga” (p. 144). Examinando os contos russos. ainda que eles se repitam. Em “O Chapeuzinho Vermelho”. Estas funções ou ações constantes são independentes das personagens que as praticam e dos modos pelos quais são praticadas. é sempre idêntica. o mandatário. segundo Propp. É possível que um conto não apresente todas as funções.) ou em outras funções utilizadas como desfecho” (p. também. que são: o antagonista ou agressor. Pois se existe uma forma fundamental do conto. O conto maravilhoso seria. ainda continuariam sendo um conto maravilhoso? Propp não se preocupa com o problema da extensão. as formas derivadas. que irá devorá-la). no conto. por exemplo. Isto é: faz uma descrição do conto segundo as partes que o constituem e segundo as relações destas partes entre si e destas partes com o conjunto do conto. que está ligada. aliás. para reconhecermos. por temas (A. a qualquer desenrolar de ação que parte de uma malfeitoria ou de uma falta (. por assuntos (Volkov). certas funções que Propp enumera. por motivos (Veselovski). Nessa fase religiosa. Narrar e viver mais uma vez se acham estreitamente ligados. 528). sua pré-história. Diz um habitante de uma tribo. do qual constituía uma parte imprescindível. mas não como nas Mil e uma noites. 14 . Em algumas tribos. estudada por Dorsey (citado por Propp): “Sei que meus dias estão contados (. E havia proibição de narrar alguma coisa. em Las raices historicas dei cuento (1946): os elementos do conto serão agora estudados em função de suas fontes. O relato sagrado torna-se profano. as de outro. por que o narrar estava imbuído de funções mágicas. Para se poder responder à questão: de que teor seriam estas transformações? Propp conclui que há vinte casos de transformações de elementos do conto fantástico. intensificando ou enfraquecendo as ações das personagens. Nesta nova vida. As origens A pesquisa de Propp é coerente com seu programa. Porque aqui narrar implica morrer. como “atos ou ações cuja finalidade é operar sobre a natureza e submetêla”. deformando. Nem estes podiam narrar tudo. Restaria ainda uma outra questão: como distinguir entre o que é da fonte no conto maravilhoso e o que é aquisição posterior? Se esta diferença é a base para reconhecer as transformações do conto. em que o conto e o relato sagrado – conto/mito/rito – se confundiam. ela será examinada mais detidamente por Propp em Las raices historicas dei cuento. os mais velhos contavam aos jovens suas origens. Os relatos perdem seu significado religioso. não contava. agora irá desenvolver o estudo das origens. que não eram permitidas a todos. segundo Propp: “o relato faz parte do cerimonial. ou por tipos de substituições e assimilações. E Propp reconhece duas fases na evolução do conto. antes sacerdotes ou pessoas mais velhas. um meio para operar magicamente o mundo” (p. Se já desenvolvera o estudo da estrutura dos contos e o das mudanças dos contos. E Propp conclui que a maior parte dos motivos dos contos refere-se a dois ciclos ritualísticos: o da iniciação e o das representações da morte. Entende mito no sentido de “relato sobre a divindade ou seres divinos em cuja realidade o povo crê” (p. invertendo. contava. por exemplo. Uma primeira.) Não há razão nenhuma para que não conte tudo que eu sei” (p. E confrontá-las. quando ele se libera da religião e passa a ter vida própria. do rito. está vinculado a ele e à pessoa que passa a possuir o amuleto.. Portanto. E se não se importasse mais com a morte. para informá-los dos sentidos dos atos a que estavam submetidos: para justificar as proibições que lhes eram feitas. o relatar implicava sacrificar uma parte da vida do narrador. 30). apressando-lhe o final. reduzindo. é uma espécie de amuleto verbal. O relato fazia parte do ritual religioso. por vezes. passam a ser pessoas quaisquer.Depois.. se confundem e se intercambiam mutuamente. Portanto. Uma segunda fase de que fala Propp é a da história mesma do conto. que se fazem ou por alteração da forma fundamental. E os contos são contados “como se contam os contos”. tal como costume e segundo Engels. 529). Os narradores. se não quisesse morrer. E rito. os quais. ou seja. precisamente. por exemplo). em que reconhece uma semelhança entre os princípios que regem as modificações do conto descobertas por Propp (“redução” e “amplificação”. o que motivou os contos a serem como são. Quando. É o caso do antropólogo Claude Lévi-Strauss. Este princípio é o que lhe permite também considerar (aliás. da etnografia. não na psicologia dos religiosos. por exemplo) e os processos da economia onírica examinados por Freud. E atribui à sociedade. da terra. de variantes do mito de Édipo. sob a forma de mitos e ritos? DO CONTO MARAVILHOSO À NARRATIVA EM GERAL A descoberta por V. que “a Morfologia do conto deixa intacta”. 15 . de elementos que remontam a fenômenos e representações existentes na sociedade anterior às castas. como conseqüência. não geraria o desejo em relação ao perdido? É para o que alerta Adriano D. da antropologia. para toda uma “economia do desejo” relativa ao narrador no seu ato de fala. neste caso.“livre dos convencionalismos religiosos. quando desaparece a caça como único e fundamental recurso de subsistência. o qual vai reconhecer os sonhos como forma de recriar a realidade (“condensação” e “deslocamento”. quando foi manipulado de cima para baixo. ritos e contos. o destino da arte folclórica/popular. depois. na linha antropológico-psicanalítica. Ora. inclusive. 531). De toda forma. passa a ser patrimônio das classes dominantes. depois. O crítico alerta. com ou sem castas. Examina como. a partir. assim. segundo ele. Para Propp. Propp de ações constantes e das sete personagens do conto maravilhoso estimulou outros estudos na área da lingüística. A questão. como na Idade Média. Assim. que procura e encontra as fontes do conto no exame da realidade histórica do passado religioso. logo no início do seu livro) dois tempos no conto folclórico da Rússia: antes e depois da Revolução. o rito referente à morte admitia a viagem dos mortos e a transmigração das almas. que nos anos 50 desenvolve um estudo da estrutura do pensamento mítico3. do folclore e da semiótica. estaria no exame da narrativa enquanto elaboração de um sujeito. fica a questão levantada pelo prefaciador: “Como passar então das funções das personagens e das suas qualificações para o narrador?” E ainda: afinal. evade-se na livre atmosfera da criação art/stica que recebe seu impulso de fatores sociais que já são outros diferentes e começa a viver uma vida exuberante” (p. o conto maravilhoso consta. O rito desaparece. segundo Propp. Não é esta a preocupação de Propp. no Prefácio à edição portuguesa. haveria a perda – do corpo. Mas não haveria uma semelhança entre contos de diversos povos porque existiria uma semelhante disposição da psique humana. desenvolvida por Propp. o folclore era criação de classes oprimidas. da vida. através dos tempos? Esta seria uma outra explicação. é criação verdadeiramente popular. se dá esta passagem é que é impossível determinar. Investiga a conexão do folclore com a economia da vida material: esta é que gera determinados mitos. busca explicação dos fatos no exame da realidade histórica do passado: a origem religiosa dos contos. mesmo na sua manifestação primeira. Esta perda. gravada na memória coletiva. E o conto. seguindo a linha do materialismo marxista. A investigação do folclore. Rodrigues. Antes. não uma só ação. obstáculos à união do par amoroso. como em alguns de Clarice Lispector. por exemplo. 2. O repertório das ações 16 . Examina a trama em função de uma novela-padrão. E acaba por reduzir as funções a duas: a ruptura da ordem e a alienação. entre outros teóricos. Claude Brémond traça também. Acasalando algumas das funções de Propp. Determina a seqüência elementar. reduz as 31 funções a vinte. em que ocorre sempre. de nossa realidade cotidiana? Afinal. e a restituição da ordem. resposta. com alguns ganhos e perdas – como veremos no próximo capítulo. a partir da relação sintática sujeito/objeto (usa funções do conto segundo Propp e as do teatro segundo Souriau)4. estabelece uma definição entre novela (ou conto) e romance.J. uma que realiza tal possibilidade e uma que conclui o processo. sem conseguir uma definição do que seria esta novela (ou conto) e romance. ao analisar o conto do norte-americano O. reexaminados e com modificações. adjuvante vs. a não ser em oposição às novelas tradicionais. examinando a distribuição dos papéis ou da atuação das personagens. regras gerais para o desenvolvimento de toda a narrativa. em combinações diferentes dos seus elementos: ligados entre si (em cadeia) por projeções e oposições (em plataformas). determina três tipos de “categorias atuacionais” ou três tipos de relações das personagens em função de uma ação: sujeito vs.ocorre no mito a superação de oposições profundas ou conflitos que seriam de outra forma irreconciliáveis. Nos romances românticos. Agrupa as funções também por oposição. evolui ainda para o estudo da lógica de outras formas de outros tantos objetos visuais: nele se empreende a leitura de uma praça ou de uma cidade. Isto teria acontecido porque os contos modernos afastam-se de certas ações constantes ou fundamentais. e a partir de Propp. Não é nada difícil reconhecer estes dois momentos numa narrativa. Também V. tal qual Propp conseguiu para o conto maravilhoso. Dada a variedade das possibilidades. transferem os princípios de Propp. Greimas. modos pelos quais os elementos da novela e romance se organizam. que princípio é este que rege esta variedade de contos que não favorece mais uma classificação segundo determinados padrões? Seria por causa da própria multiplicidade de experiências que rege estes “tempos modernos”? Já Boris Eikhenbaum. objeto. em que o amor é insatisfeito e há que vencer obstáculos para se conquistar a felicidade. A novela. desdobrando-se em tantas outras ações miúdas. E também em vários contos. Pois observa que estas duas formas nada têm a ver uma com a outra. do conto (maravilhoso?) e da anedota. em que há um momento de ordem. em “A construção da novela e do romance”. Chklovski. Têm origens diferentes. Amor feliz não faz novela ou romance. chega a conclusões gerais. ou seja. Greimas e Claude Brémond. mediante análise dos elementos que as compõem nas suas relações e como representação cultural de uma situação histórica. O estudo da lógica dos contos russos. que propiciou o estudo da lógica da narrativa. No romance romântico teríamos estes três tempos bem delimitados. O romance vem da história e do relato de viagens. vai examinar várias tramas. poderiam ser representados por: 1. oponente. num grupo de três funções: uma que abre a possibilidade do processo. como por exemplo: interrogação vs. destinatário. mediante a união dos dois. com sucesso ou fracasso. Nos anos 60 os estudos de A. destinador vs. um momento de desordem interior e um momento de retorno à ordem primeira. o final feliz. para a análise da narrativa em geral. mas reação ou falta de coincidência para que o enredo se desencadeie. Henry. O autor descreve vários tipos de trama. Depois. Com a complexidade dos novos tempos. com a mesma estrutura do conto antigo. meio e fim na estória.. revelações ou sugestões íntimas. soltas. a partir sobretudo de 1909). como átomos (segundo as propostas do Futurismo. sem ação principal. solta neste espaço. que se apresentam sem conexão lógica. e devido em grande parte à Revolução Industrial que vai progressivamente se firmando desde o século XVIII.. da obra. diluído nos feelings. conseqüentemente. Propp desencadeou. desvinculada de um antes ou um depois (início e fim). Bader (1945). ao suspense emocional ou intelectual. ou do Classicismo no século XVII) tinham eixos fixos que determinavam os valores da arte. desdobra-se em tantas configurações quantas são as experiências de cada um. que eram reunidos em princípios ou normas estéticas a serem aprendidas e imitadas por outros. em língua inglesa). o que muda é a sua técnica. às vezes. mas não para condenar o plot. os mil e um estados interiores vão se desdobrando em outros. não uma mudança de estrutura: o conto permanece. O que houve na sua “história” foi uma mudança de técnica. e sim “o mau uso do plot. E nas obras literárias. perde-se este ponto de vista fixo. de A. Uma delas era esta: a de se obedecer à ordem de início. do enredo: passa-se a uma aventura da mente. Já Bader apóia este ponto de vista. percepções.constantes detectadas nos contos maravilhosos por V. Acentua-se o caráter da fragmentação dos valores. das obras.. Sherwood Anderson afirmava que “o plot envenena todo conto”. do argumento. ou a regra das unidades: uma só ação. em cada momento destes. a arte clássica (do período greco-latino) e a de seus imitadores (da Renascença. pois. Antes. Segundo o modo moderno de narrar. no século XVI. que se baseia na evolução do modo tradicional para o modo moderno de narrar. Esta realidade. tal como observa Adriano Rodrigues. num só tempo de um dia e num só espaço. Pelo próprio caráter deste enredo. por injunção da própria história da estória. O teórico. É ser a favor do admitir que há contos em que a ação é mais ou menos importante. como os do equilíbrio e harmonia. Neste sentido. ser ou não ser a favor do enredo (ou plot. sensações. o caráter de unidade da vida e. contista e professor de literatura Sean Q’Faolain reconhece mudança na natureza do incidente. O que era verdade para todos passa ou tende a ser verdade para um só. DO CONTO MARAVILHOSO AO MODERNO: APENAS UMA MUDANÇA DE TÉCNICA? O que caracteriza o conto é o seu movimento enquanto uma narrativa através dos tempos. das palavras. ao suspense mais estranho. a ação e o conflito passam pelo desenvolvimento até o desfecho. um estudo cada vez mais amplo da “lógica das formas culturais”. com crise e resolução final. pois. para um outro. o enredo com sentimentalização excessiva. a narrativa desmonta este esquema e fragmenta-se numa estrutura invertebrada. Segundo o modo tradicional. Algumas destas regras já apareceram na Poética de Aristóteles. A questão não é. discutível. De fato. ao clímax a partir de elementos interiores da 17 . pois. evoluise do enredo que dispõe um acontecimento em ordem linear. de modo a desenvolver uma “semiótica do mundo”.L. das pessoas. e passa-se a duvidar do poder de representação da palavra: cada um representa parcialmente uma parte do mundo que. vai se perdendo. que torna a narrativa artificial”. Esta é a proposta. havia um modo de narrar que considerava o mundo como um todo e conseguia representá-lo.. é uma minúscula parte de uma realidade só dele5. nos seus contos. ao desmascaramento do herói não mais pelo vilão e sim pelo autor ou pelo próprio herói. afirma que o seu trabalho. E o contista argentino Jorge Luis Borges.personagem. 18 . O que ocorre é que mudo ou combino de modo diferente alguns componentes: ou o lugar ou o tempo ou as pessoas ou as estratégias narrativas. O núcleo argumental poderia ser sempre o mesmo”. reside mais propriamente na combinação de argumentos que na criação deles: “em minha contístíca tenho apenas três ou quatro argumentos. citado por Raúl Castagnino. É o que Poe expõe no prefácio à reedição da obra Twice-told tales. de Hawthorne. induz a uma exaltação da alma que não pode ser sustentada por muito tempo”. de um só fôlego? A resposta de Poe é que “podemos continuar a leitura de uma composição em prosa. Sem uma certa continuidade de esforço. É natural que entre estas formas. o conto difere do romance. para atingir bons resultados. a leitura de uma só assentada. é preciso dosar a obra. na leitura atenta de um poema. Este último. mas nunca intensa e duradoura”. de forma a permitir sustentar esta excitação durante um determinado tempo. Da mesma forma que o poema rimado é superior ao conto no que respeita às suas potencialidades de conquistar o efeito único. definindo a sua medida de extensão – ou tempo de leitura: “referimo-nos à prosa narrativa curta. um efeito. a unidade de efeito ou impressão é um ponto da maior importância”. Torna-se imprescindível. Aí o contista norte-americano parte do pressuposto de que “em quase todas as classes de composição. elas “são necessariamente transitórias”. mas o pecado da extensão extrema é ainda mais imperdoável”. se realmente estiver preenchendo as expectativas do sentimento poético. não deve “exceder em extensão o que pode ser lido com atenção em uma hora. muito mais longamente que podemos persistir. A composição literária causa. em texto intitulado “Review of Twice-told tales”. O poema não deve. No caso do poema rimado. Somente dentro deste limite o mais alto nível de verdadeira poesia pode existir”. equilibradamente. esta excitação ou efeito ficará diluído. pois. pois. “brevidade extrema degenerará em epigramatismo. E como “todas as excitações intensas”. haja uma hierarquia. poema rimado/conto/romance. que requer de meia hora a uma ou duas horas de leitura atenta”. em função deste critério: qual o que mais favorece a leitura de uma só vez ou. um poema longo é um paradoxo. Se o texto for longo demais ou breve demais. pois este. Por isso tudo. para se conseguir esta unidade de efeito.3 O CONTO: UM GÊNERO? A UNIDADE DE EFEITO (Poe) A teoria de Poe sobre o conto recai no princípio de uma relação: entre a extensão do conto e a reação que ele consegue provocar no leitor ou o efeito que a leitura lhe causa. 19 . no meio: “um poema breve demais pode produzir uma impressão vívida. Desta forma. E sem unidade de impressão. um estado de “excitação” ou de “exaltação da alma”. então. “sem uma certa duração ou repetição de propósitos a alma nunca é profundamente atingida”. Poe situa-se. devido à própria natureza da prosa. os efeitos mais profundos não podem ser conseguidos”. E explica: “Todas as excitações intensas são necessariamente transitórias. como popularmente se diz. de 1842. Logo. ser longo demais e nem breve demais. Estas mesmas propostas de leitura e teoria do poema Poe aplica à leitura do conto em prosa. em função desta intenção: a conquista do efeito único. tendo o contista “concebido. para uma característica básica na construção do conto: a economia dos meios narrativos. da imensa força derivada da totalidade. com o mínimo de meios. Durante a hora da leitura atenta. Interesses externos intervindo durante as pausas da leitura. Estas considerações atentam já. no seu estudo sobre Poe. o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção. E em seguida busca combinações adequadas de acontecimentos ou de tom. que deve ser tanto original quanto vívido. anulam ou contrariam em maior ou menor grau. ou impressão total. a alma do leitor está sob o controle do escritor. Mas a simples interrupção da leitura será. da sua duração. é o efeito que o autor deve levar em conta: qual o efeito que pretende causar no leitor? A primeira pergunta que se faz é: “Dentre os inúmeros efeitos ou impressões a que o coração. o máximo de efeitos. que serão mais tarde retomadas por Poe em “The philosophy of composition” (1846). direta ou indireta. ressalta esta intenção de domínio sobre o leitor e suas relações com o orgulho. Se sua primeira frase não tende à concretização deste efeito. neste momento. modificam. que interfere na excitação ou elevação. escolherei?”. segundo Poe. O que pretende o autor? aterrorizar? encantar? enganar? Já havendo selecionado um efeito. as impressões do livro. ou na intensidade do efeito poético. para conquistar o interesse do leitor. suficiente para destruir a verdadeira unidade”. Aliás. Julio Cortázar.“como não pode ser lido de uma assentada. Tudo provém de minucioso cálculo. naturalmente. 20 . a inadaptação ao mundo. a “neurose declarada” do contista e teórico Poe. na dependência direta. obviamente. Trata-se de conseguir. pois. então ele falhou em seu primeiro passo. O fato é que a elaboração do conto. sistematicamente. passa a considerar a melhor forma de elaborar tal efeito. Não é o que acontece na leitura do conto: “no conto breve. não esteja a serviço deste desígnio preestabelecido”. um certo efeito único e singular a ser elaborado. ela própria. seja ela qual for. que. com cuidado deliberado. ou o contrário. destitui-se. Assim. Ele continua aí a defender a totalidade de efeito ou a unidade de impressão que se consegue ao ler o texto de uma só vez. a “anormalidade”. visando a “construção do efeito”. Tanto são importantes estas observações sobre a teoria do conto. Em toda a composição não deve haver nenhuma palavra escrita cuja tendência. é produto de um trabalho consciente. ou por peculiaridade tanto de incidentes quanto de tom”. ao iniciar o processo do escrever estórias. é produto também de um extremo domínio do autor sobre os seus materiais narrativos. ele então inventa tais incidentes e combina tais acontecimentos de forma a melhor ajudá-lo a estabelecer este efeito preconcebido. como toda obra literária. qual deles. que se faz por etapas. Não há nenhuma influência externa ou extrínseca que resulte de cansaço ou interrupção”. o egotismo. seja através do incidente ou do tom: “se por incidentes comuns e um tom peculiar. deve ser suprimido. O conto. o intelecto ou (mais geralmente) a alma são suscetíveis. E tudo que não estiver diretamente relacionado com o efeito. Para tanto. interfere na construção das suas personagens e situações. sem interrupções. “Há um claro limite. o desfecho com pergunta final: ainda veria a sua amada no outro mundo? Se o poema – ou qualquer outra obra – for grande. principalmente. que é alimentado no desenvolvimento do conto até o seu desfecho final. para a coisa que ocorre e esta coisa que ocorre deve ser só acontecimento e não alegoria (. ao conto de terror? Suas considerações parecem ser de ordem geral. o desfecho (dénouement) torna-se também um elemento importante.) deve ser radicalmente suprimido” (p. pois surge dos recursos de expectativa crescente por parte do leitor ou da técnica do suspense perante um enigma. 122). como no de Robinson Crusoé. Julio Cortázar bem resumiu o conceito de conto em Poe: “Um conto é uma verdadeira máquina literária de criar interesse”. de efeitos poéticos breves que se sucedem. personagem sofrendo a ausência da amada morta. isto é. Julio Cortázar vai mais além. 21 . os recursos necessários para se atingir este tom: uso do refrão.) ou pretexto para generalizações psicológicas. para todos os trabalhos de arte literária – o limite de uma única assentada” – e continua: “embora em alguns casos de prosa. mas também na leitura dos contos de Poe. quanto à extensão. determinando as etapas de execução de um projeto: a extensão ideal de mais ou menos cem versos.. Por isto. haverá naturalmente uma divisão de leitura. Daí a conclusão lógica a que chega Poe: um poema longo nada mais é que “uma sucessão de (poemas) breves”. Neste caso. que todo comentário ao acontecimento em si (. para todo conto. deve ser elaborado para o desfecho.Poe ilustra este percurso com a sua própria experiência na construção do poema “The Raven”. no sentido de colaborar para o efeito que se deseja: “todo enredo. antes de se tentar qualquer coisa com a caneta. É somente com o desfecho constantemente em vista que podemos conferir a um enredo seu indispensável ar de conseqüência. No entanto. o contista e crítico argentino identifica o acontecimento como sendo o grande instrumento de causar interesse no leitor de Poe: “No conto vai ocorrer algo. para não dar ensejo a interrupções. Aliás. espaço do quarto. tema da morte. Isto é: “cada palavra deve confluir para o acontecimento. UM CONTO DE POE Estaria Poe se referindo ao tipo de conto de que era mestre. Poe “compreendeu que a eficácia de um conto depende de sua intensidade como acontecimento puro. e esse algo será intenso” (p. isto é. Talvez por se basear não só na teoria. fazendo com que os incidentes e. 124). éticas ou didáticas” (p.. ou causalidade.. no entanto. para cada período serão mantidas as mesmas exigências. Para Julio Cortázar. símbolo do corvo. o tom de tristeza.. que no conto de terror e no conto policial o efeito singular tem uma especial importância. 122). com o objetivo de fisgar o leitor: manter a tensão sem afrouxá-la. em todos os pontos. Convém salientar. digno desse nome. que não exige unidade. ambiente soturno. este limite seja ultrapassado com vantagens”. o tom tendam ao desenvolvimento da intenção”. E acerta a jogada. monta a sua versão dos crimes ocorridos na rua Morgue. na procura da verdade”. que é considerado. causa “perturbação lógica”. mediante a técnica do suspense. que nem toda obra é só deliberada ou se faz só por um processo mecânico. aliás. Nem a de Poe. E encontra-se ilustrada pelo próprio enredo do conto: Como o detetive Dupin – antecedente do futuro Sherlock Holmes. retarda a resolução da ação e. o iniciador do conto policial: “Os crimes da rua Morgue”. “com a precisão e rígida lógica de um problema matemático”. E. que posteriormente passa a ser executado. a curiosidade do narrador e a nossa. tais propostas de construção da obra em função de um efeito predeterminado. A. aos poucos. assim como nos seus textos há a execução de um desígnio preestabelecido e também “uma outra ordem. Também Boris Eikhenbaum. considere-se. tal como Poe o é. descobrindo o criminoso. e o narrador e nós. há uma clara admiração pelo analista. Ele sabe. segundo Cortázar. Nele. afirma Dupin. Ele sabe quem estrangulou as duas mulheres: a filha. que vai ocupar uma primeira parte do conto. a cabeça se separou. assim. sob o nosso olhar espantado. Existiria então algo. Dupin é um analista. que é “consumida com angústia e prazer”. primam pela racionalidade. Examinando as diferenças entre novela 22 . Veja-se o exemplo de um dos seus mais famosos contos. se é que existe. na sua teoria e na sua prática. talvez – “exulta o analista com essa atividade espiritual. além do cálculo engenhoso. assim. ao levantarem o corpo. Existe sempre a idéia de um projeto. seja no conto. 68). depois de violentamente estrangulada. pois. mais profunda e incompreensível”. ao estudar os contos de O. pois. Há em Poe um “caso clínico” e um “caso artístico”.Para Poe. segundo o narrador. Com um detalhe ainda de maior espanto: o segredo está em chegar facilmente à dissolução do mistério. foi empurrada na chaminé de cabeça para baixo. Segundo ele. segundo Roland Barthes. Poe. “abandonando-me ao sabor de suas extravagantes originalidades” (p. seja no poema. que foi encontrada no pátio da casa. E Poe – pela via do seu narrador. Complementando e contrariando Poe. do inglês Conan Doyle – observa e analisa as peças e. a admiração pela análise manifesta-se na sua preleção sobre os jogos. o que já sabe. que poderia ser também o próprio contista Poe. em “Introdução à análise estrutural da narrativa”. mediante trabalho racional. com o pescoço tão cortado que. O narrador do conto é o companheiro do detetive amador Dupin. com o desvendamento do criminoso. Aos poucos é que ele vai desvendando o crime. atenta para princípios já determinados por E. COM E CONTRA POE Mas foi também Cortázar que alertou para o fato de que os contos e poemas de Poe não são feitos por sua neurose. O suspense alimenta. em Paris. na medida em que o detetive conta. De fato. com quem ele vive. ou propósito ou intenção. Ele sabe. não. que.. coisa de que a polícia não é capaz: “mas é por esses desvios do plano comum que a razão tateia seu caminho. cuja função é destrinçar enredos” (p. de execução consciente de um plano pré-estipulado. que seria o próprio engenho artístico. e a mãe. na mais absoluta reclusão e. publicado em dezembro de 1841. É desta forma que o enredo se desenvolve: da notícia do crime lida no jornal à observação direta do local. 65). mas por seu dom artístico. Henry.. para além do tamanho e da extensão? Neste caso.. já afirmava nos anos 40 H. para Boris Eikhenbaum. ao considerar que. É por isto que Sean O’Faolain constata no conto moderno. Ela deve arremessar-se com impetuosidade. tal como um projétil jogado de um avião. além da sua curteza. Considere-se ainda que o conto evolui e se multiplica em diferentes possibilidades de construção. recai na questão do efeito e da unidade: “Tudo. tende para a conclusão. é inteiramente diferente daquela do romance”. na consideração deste efeito de que trata Poe. de Bocaccio. 3. o efeito principal no meio da narração. E a análise que faz da produção norte-americana de contos leva-o a conclusões semelhantes. Tal como para Jorge Luis Borges. em seus limites e em seus procedimentos. como Poe. em entrevista a um canal de TV em São Paulo (agosto de 1984). Estes teóricos recorrem à antiguidade do gênero. que é construção. como Stevenson. que. que absolutamente não é gênero novo. produto do século XIX. Outros avançam. dada a sua fluidez: o conto pode ser “quase tudo”.. por exemplo? Seriam estes maus contos? Seriam estes contos? Estas oscilações mostram que a questão da totalidade de efeito é mais complicada do que parece à primeira vista. determinada pela extensão da obra”. O plano ou design surge como característica do conto. E define o conto: “Short story é um termo que subentende sempre uma estória e que deve responder a duas condições: dimensões reduzidas e destaque dado à conclusão. segundo alguns. Henry. para atingir com todas as suas forças o objetivo visado”. A novela ou conto termina num clímax. 2. da sua compreensão dramática e do seu caráter pessoal. o forte acento final. a observação do contista William Sároyan. desde o extremo cômico ao extremo sentimental. Essas condições criam uma forma que. enquanto no romance há várias. constata que existe entre eles “uma diferença de princípio. Vale. E. Que efeito seria este? Seria a apreensão de uma tensão unitária. tinha o conto na cabeça. do conto. antes de escrevê-lo. na novela. que deixa fluir a intimidade. ao especificar as diferenças. às baladas da préhistória. ir sofrendo mudanças no decorrer da leitura. distinguia a poesia lírica. Bates. De todo 23 . uma rigidez de construção: “Esta mobilidade para o detalhe combinada com a rigidez da direção geral é um dos grandes prazeres técnicos do conto moderno”. no romance. e termina por epílogo ou falsa conclusão. se a medida do conto é a da leitura de uma só assentada. reconhecendo nela três características: 1. há uns que podem se sentar por mais tempo que os outros. inclusive. a unidade de construção. E. assim como na anedota. Também O. efeitos que podem. Outros teóricos se opõem à teoria de Poe porque atentam para a dificuldade da estipulação de uma teoria sobre o conto. o clímax “deve encontrarse em algum lugar antes do final”. como já afirmara três anos antes o nosso Mário de Andrade. Todos os contos provocam um efeito único no leitor? Não haveria os que provocam nele diferentes efeitos. Tal como para Poe. Suas origens são antigas e remontam.(e conto) e romance. depois inseridas nas épicas. aí. enquanto que. com relaxamentos intermediários. passando por coletâneas como as do Decameron. no poema é possível haver uma só. Esclarece questões referentes à prática do escrever e do ler estórias – e. tal como Poe. é a maior das virtudes” (p. E. não é este o caso da compactação. contista célebre e também dramaturgo e médico. na sua farta e conscienciosa correspondência. não desenvolve sistematicamente uma teoria do conto. junto a outros quesitos do conto. A questão da brevidade permanece como elemento caracterizador do conto: “Brevidade. utiliza o mínimo de movimentos. Tchekhov exige nela “brevidade. na imprensa menor. sobre obras dos outros e sobre suas próprias obras. afirma em carta à escritora L. clareza podem ser exigências para toda narrativa. porque. em que defeitos e qualidades no contar estórias aparecem expostos com delicada firmeza e simpático entusiasmo. Tudo isto. além da tensão.” (p. assim. a questão permanece: quais as condições que. numa determinada ação. ou apresentá-los com concisão. que Tchekhov observa nos contos de Máximo Górki. em condensação. clareza e compactação. Mas nos gestos que o senhor faz. A unidade de efeito e a contenção em Tchekhov É certo que Tchekhov. e algo que seja novo” (p. “Graciosidade é quando alguém. Avílova. com objetividade: “Quanto mais objetivo. que “deve seve sempre ser mantido em suspense”. coincide com o pensamento de Poe. o autor tem de controlar a tendência aos excessos e ao supérfluo. também.modo. 106). concentração ou compactação: é o que nos propõe Tchekhov. de imediato. como o romance: “trabalhos longos e detalhados têm seus objetivos peculiares próprios. o que o autor quer dizer. O excesso de detalhes desorienta o leitor. tal como Poe. o texto deve ser claro – o leitor deve entender. que requerem uma execução mais cuidadosa. força. A. Esta militância crítica. para a leitura de cada conto. O conjunto das cartas transforma-se. porque – não sei por quê!. 24 . E é justamente esta falta de contenção. prendendo-lhe a atenção. para conseguir compactar os elementos do conto. num valioso repertório das dificuldades e conquistas do processo do narrar. Nisto estão de acordo. Naturalmente que. no conto lido. Tchekhov também considera necessário ao conto causar o efeito ou o que chama de impressão total no leitor. Em conseqüência desta brevidade. lançando-o em múltiplas direções. 92). 106). 82). Mas na sua intensa correspondência mostrase um paciente e dedicado leitor. que não mede esforços no sentido de expor suas críticas aos escritores que o consultavam. afirma que mais vale dizer de menos que demais: “Mas em contos é melhor não dizer o suficiente que dizer demais. 107). “O Sr. Ou contos. Se novidade. E deve ser compacto – deve haver condensação dos elementos. não deixando que entre uma ação e outra se afrouxe este laço de ligação. retratos de mulheres e cenas de amor. Mas não é só da brevidade e da impressão total que surge a boa estória ou conto. mais forte será o efeito” (p. é como o espectador num teatro que manifesta seu entusiasmo de maneira tão desenfreada que impede a si e os outros de ouvirem”. de tantas qualidades. Porque é “a compactação que torna vivas as coisas curtas” (p. contos. Deve ser forte – e ter a capacidade de marcar o leitor. Falta-lhe a contenção e também a graciosidade. ao lado. especialmente.. Em alguns pontos. O autor tem de se conter. permite avaliar os conceitos do escrever bem. sente-se o excesso”6. Assim. Esta característica – e Poe já afirmara – não é necessária em textos mais longos.. para além da impressão total” (p. especialmente nas descrições da natureza. propiciam tal tensão? Fala-se. E também força. 7). (p. Tchekhov vai se afirmando na curta: “é mais entediante e mais difícil escrever um trabalho longo que um curto”. porque a mentira é ainda mais inoportuna na estória que numa conversa. Tchekhov reforça suas propostas de realismo. S. um seco inventário de impressões”.. E a L. 11). em alguns casos..” E para denunciar uma situação condenável. possa recompô-los na mente. de outro. episódios. entre a extensão do discurso e sua retenção em narrativa curta. que é “a absoluta liberdade do homem. detalhes e explicações em demasia. Entre o longo e o breve. ou então escrever romances. etc. Nesta perspectiva.. já havia a prensa da imprensa: era preciso escrever e muito e depressa. aconselhou sempre o contato mais próximo e intenso dos escritores com a realidade. Assim é que Tchekhov explica a A.Daí a série de conselhos. dos preconceitos. curiosamente. recomendando evitar personagens. Porque se o dinheiro não o ajuda nas decisões fundamentais sobre “o que vou fazer e como vou agir”. pelo rigor dos seus critérios de avaliação: era preciso escrever bem.. A. Compreende-se que tenha aconselhado Máximo Górki (p. E àqueles que criavam muitas personagens aconselhava: diminuir o seu número. (p. E.. Tchekhov. E a não pintar quadros que nunca viu. 25 . o olho crítico de Tchekhov às vezes vacila. teme sempre cair aí no excesso de detalhes: “como resultado. Com isto. Em outras passagens. aconselha não escrever mais do que dois contos por semana e polir as estórias.. ignorância.. por falta de prática em escrever trabalhos longos.. Tchekhov já confirmava um dos grandes estímulos responsáveis pela produção do conto – a expansão jornalística do século XIX que. do século XIX. Ao seu irmão. 89) a ir para São Petersburgo ou Moscou e viver entre os escritores para sentir o ambiente literário e poder estudar o seu público leitor. para então publicá-la.. ao fechar os olhos. liberdade da opressão.. Avílova aconselha trabalho lento e cuidadoso: que gaste um ano todo escrevendo uma estória e mais meio ano debastando-a. quando tem dinheiro reconhece (p. A intenção de Tchekhov-escritor realista é repetidamente anunciada por ele mesmo: representar a verdade. espalhados por suas cartas. Aconselha escritores a descreverem quadros de modo a que o leitor. como amortecedor do seu nível de qualidade. (p. paixões. funcionou. pelas necessidades de sobrevivência: era preciso escrever para ganhar dinheiro.. que aconselha a escrever pouco para escrever bem. consegue-se não um quadro em que todos os detalhes acham-se fundidos num todo. 98). e. como estrelas nos céus. Esta autocrítica mistura-se a um espírito caprichoso. “Meu objetivo é matar dois pássaros com uma só pedra: pintar a vida nos seus aspectos verdadeiros e mostrar quão longe está da vida ideal” (p.. 70). de um lado. 15). mas um mero sumário. Suvórin as limitações na caracterização do herói de uma de suas estórias: ou entregava a estória em 25 dias ou ficava sem o dinheiro. Nos idos de 80. pressionado. Entre o perigo da narrativa curta demais e o perigo da narrativa longa demais. Al. 13) que se torna “extremamente descuidado e preguiçoso”. por vezes. segundo ele. rápido como fogos de artifício” (p. de cerca de trezentos contos. que previa uma ação. Ao contrário.De Maupassant a Tchekhov: o conto e o enredo Na história do conto. cujos pontos de vista coincidem tanto com os de Poe. 11). Tchekhov não se afirma só enquanto um crítico e teórico. “o começo de minhas estórias é sempre muito promissor. Já Tchekhov escreve contos freqüentemente e. Tchekhov-contista avança no sentido de libertar o conto de um dos seus fundamentos mais sólidos: o do acontecimento. a tal unidade tradicional. com início. antes de se tornar um homem rico com os contos que escrevia. v. assim. Curiosamente. às vezes por igual no decorrer de toda a narrativa. abandonando a construção tradicional. neste aspecto. 8). Ou então realizam uma curva descendente. por causa da guerra. meio e fim. o próprio Maupassant sentiu bem de perto. Tchekhov registra os acontecimentos da vida numa sucessão de quadros. o’ meio é confuso e o fim. 146). E abre as “brechas” para toda uma linha de conto moderno. Porque os contos de Maupassant trazem o acontecimentos que flui. com precisão e descontraída firmeza. E resolvem pescar outra vez. Também no conto. afasta-se do conto de acontecimento extraordinário. por exemplo.4). que. produto de uma intensa elaboração. como soldado. Esta narrativa que se enreda na ruptura com o compromisso dos grandes acontecimentos verifica-se também no seu teatro. sem nada de excepcional. perto de Paris. rompendo. em que às vezes nada parece acontecer. são presos como espiões e fuzilados. São dois amigos que costumavam se encontrar nas pescarias de domingo. com uma antiga tradição. Mas é pelo seu meio que o conto de Tchekhov torna-se mais original: “estando acostumado a estórias curtas que consistem somente num começo e fim. traz uma fácil fluência natural do acontecimento. mantêm um tom menor. a pescaria fatídica – de modo a realçar a ingenuidade dócil destes dois amigos e a violência da guerra. aliás. que se tornaram impossíveis. sem grandes ações. do campo inimigo. Um dia encontram-se na cidade e relembram estes momentos felizes no campo. Enquanto estão calmamente desfrutando o prazer da pesca. naturalmente. meio e fim. é como se eu estivesse começando um romance. com desenvolvimento. E. Alguns contos seus não crescem em direção a um clímax. É o caso do seu conto “Dois amigos” (Mar de histórias. é prejudicada. Por isso é que. como se fosse um mosaico. Ora. A revista mensal Siéviernií Viéstnik não era rica. calcada na obediência ao início. pelo menos na aparência. E a qualidade dos seus contos reside exatamente nisto: sua imensa produção. Os episódios fluem e são eles que fazem o conto: a conversa em Paris. como num breve quadro. o encanto do conto está no modo aparentemente fácil de conduzir a intriga. eu afrouxo e começo a ‘ruminar’ quando passo a escrever o meio” (p. este arrefecimento da narrativa à premência do dinheiro. as pescarias de antes. tal como o conto de Poe. para isso. aproximando-se. E afasta-se também do conto de simples acontecimento. Eu a comecei forte e acabei pianissimo – contrariamente a todas as regras da arte dramática” (p. 26 . clímax e desenlace. referindo-se à peça A gaivota: “Bem. seguindo os conselhos do seu mestre Flaubert. conforme afirmação do próprio Tchekhov. tal como o conjunto dos contos de Maupassant. em carta a Suvórin. e ele era um dos seus colaboradores mais caros. o autor atribui. terminei a peça. intitulado justamente “O acontecimento”. para além da simples estória que conta. numa mistura surpreendente de beleza e vilania. Porque ninguém o ouve. é justamente pelo meio que os seus contos inovam. no seu artigo “Por falar em conto”. neste caso. O conto faz-se por estas tentativas que se sucedem e que não chegam a constituir um fio de grandes ações. Nada acontece no conto. surgem dúvidas com relação ao que venha a ser esse momento especial. E ele conta a notícia ao seu cavalo. O MOMENTO ESPECIAL Que momento é esse? Assim como para Poe o conto depende de um efeito único ou impressão total que causa no leitor. de atitudes ou de destino das personagens. 155). Vale. a encontre no modo pelo qual ela transforma a “alma” torturada em principal personagem. em “Alguns aspectos do conto”: “o bom contista é aquele cuia escolha possibilita essa fabulosa abertura do pequeno para o grande. Mas são fatalmente. Lembre-se da angústia do cocheiro lona Potapov. através destas mudanças: é a teoria de Theodore A. todas e cada uma. Afirma Carpeaux: “Parece conto sem enredo. é necessário que algo aconteça no conto nele precisa haver ação. relação com o tempo do seu discurso de narrador. desvenda-se todo um destino humano. e que provoca uma realização do leitor. do individual e circunscrito para a essência mesma da condição humana” (p. de mesquinharia e dignidade. e inutilmente. enquanto faz a corrida no trenó. de caráter moral. que se mantém do início ao final do conto “Angústia” (Mar de histórias. para outros. Neste conto. com alto teor de comoção. Mas quem lê com atenção maior esse conto. v. Talvez por isto Virginia Woolf. levando-os aos seus destinos. a não ser este estado que domina a personagem: o pai que tenta contar aos seus fregueses a notícia da morte do filho. o conto é o que traduz uma mudança. Ou é aí que ocorre a subversão do centro de interesse tradicional rígido. É o que afirma Julio Cortázar. é o próprio conto que representa um momento especial em que algo acontece. ou com a enunciação? Para alguns. no nível do enunciado? Ou. ainda. No entanto. portanto. do momento ou tempo experimentado pelo narrador. aqui. tal como era para Poe? Ou do momento ou tempo em que acontece algo para a personagem. manifestações fortes e comoventes da desgraça e da solidão humana. Nesta linha. Não há mesmo ninguém a quem contar a sua estória. Não há mesmo ninguém a quem confiar a sua dor. Stroud. conforme observa Boris Schnaiderman. a observação que fez Otto Maria Carpeaux para outro conto de Tchekhov. que procura as razões desta força da literatura russa7. estabelecendo. em que pouca coisa parece estar acontecendo. perceberá que o acontecimento é o maior e o mais trágico da existência”.Ora. Estas estórias deixam questões pulsando no ar. com outros escritores russos. 27 . do momento da leitura.5). Tratar-se-ia. Pois em ‘O acontecimento’ não aconteceu nada digno de nota. O conto realiza-se justo nesta sua capacidade de abertura para uma realidade que está para além dele. como já ocorrera em outros pontos. Nem mesmo a última delas se sobressai demais às outras. pelo repente. que é. Ora. a qualidade suprema do belo”8.Para outros. deve acontecer algo num tempo passado. do modo de se ajustar um foco ao objeto. como a novela e o romance. Seria um último estágio desta tentativa de ajuste. em Variações sobre o conto). e de crise. isto é. que haja um acidente que interesse e que ele “seja ou pareça-nos realmente um ‘caso’ considerado pela novidade. Havendo ou não evolução de atitudes de personagens ou mudança de seu comportamento. Bowen. pelo engraçado ou pelo trágico” – afirma José Oiticica (citado por Herman Lima. Lancelotti. as personagens não mudam. então. há o problema do tipo de tempo que nele é representado. E. É o que a personagem narradora explica ao seu companheiro. pelo sujeito. o que o conto mostra é justamente a ausência de mudança. E no conto nada acontece. ‘. tender para um final conclusivo forte. haveria muitas variações ou muitos momentos diferentes entre si. depois. para outros. que momento é esse? A epifania (James Joyce) Um dos momentos especiais é concebido como o que se chama de epifania. em que um objeto se desvenda ao sujeito. Afinal. Mas isto não seria típico também do poema? E da crônica? E do sketch? E ainda: se o conto tem por base este instante de crise ou conflito da personagem. A monotonia do relato e a mesmice do cotidiano substituem. em última instância. como E. Haveria o simples. desta forma. No momento em que o foco é ajustado. O importante. Intimamente ligado ao momento de realidade que o conto representa. tudo girar em torno de um ponto – o conflito dramático. é nesta epifania que reside para mim a terceira qualidade. E se a crise existe. o que acontece é este nada acontecer. tal como no teatro? É o que propõem alguns teóricos. enquanto uma forma de representação da realidade. valorizando o meio. arguto e rápido instantâneo da realidade. o que seria a dinâmica do processo de evolução de uma mudança. que se faz primeiro por tentativas. tal como a concebeu James Joyce. epifania é “uma manifestação espiritual súbita”. dominado pelo narrador é o que pensa Mário A. pois. por vezes é notada pelo leitor. Semelhanças entre a construção do conto e do teatro existem em vários aspectos como: começar do fim para o começo. segundo um dos capítulos do seu Stephen Hero. Neste caso. é identificada como uma espécie ou grau de apreensão do objeto que poderia ser identificada com o objetivo do conto. mesmo assim. o que redundaria em formas mais desenvolvidas. Mas parece que o grande mérito de Tchekhov foi quebrar esta linha de seqüência. Neste caso. Trata-se de acontecimento com simetria e lógica na sua sucessão de início/meio/fim? Segundo Aristóteles. 28 . Para Joyce. Trata-se. Mas. sim. com sucesso. é que haja algo especial na representação desta parte da vida que faz o conto. não pela personagem. o objeto é epifanizado. Epifania. Às vezes não existe mesmo crise nenhuma. captando-a na sua especificidade. o que este modo de abordar o conto propõe é considerar o conto como um modo narrativo propício a flagrar um determinado instante que mais o especifique. isto é. não haveria o acompanhar por muito tempo esta evolução. ao divisar o relógio de “Ballast Office”: “Imagine meus olhares sobre esse relógio como experiências de um olho espiritual tentando fixar a própria mirada através de um preciso foco de luz. não tenderia a se basear na tensão dramática. A alma do objeto. E: “Era fascinante. e até estético (enquanto percepção recriadora do mundo). quando as relações entre as partes estão bem estabelecidas. seja ele o mais comum. por exemplo. de índole moderna (enquanto consagração de um momento especial de vida interior). como o Paraíso: “O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno”. na relação consigo mesmo e com outros objetos. animais e qualquer detalhe passam a estar prenhes de significado.A epifania seria um dos quesitos de beleza. Plantas. a epifania. vislumbra um cego mascando chicle. Um conto de Clarice Lispector Como é que ocorre esta epifania. conforme foi lida por Olga de Sá. Aliás. o fato é que tal experiência. este outro mundo. onde Ana renasce. como felicidade. num dos contos de Clarice Lispector. os pormenores estão conformes à intenção particular. que esta lhe vem como a morte. No entanto. O primeiro deles seria o da integridade. sem saber para onde vai. do revestimento da aparência. levado que vai por um impulso estranho. Inicia-se. se insere numa estrutura rigorosamente clássica na sua estrutura linear. Podem fazer parte de uma teoria geral da narrativa. não só dos seus contos mas de toda a sua narrativa. na leitura. É o caso dos contos de Clarice Lispector. Ana. espera visitas para o jantar e vai às compras. que apresenta uma estrutura compósita e organizada. Quando está já de volta no bonde. que se resume num paradoxo: sente tanto a vida. constatamos que esse objeto é o que é. gnóstico (enquanto conhecimento) ou filosófico (enquanto crise existencial). o conto “Amor” 9? A estória é aparentemente simples. em si mesmo. 29 . o da simetria. diante de nós. Estas considerações não fazem parte estritamente do conceito do que se denomina conto. E pelo terceiro. ou mesmo de uma teoria geral do conhecimento. que é efetivamente uma coisa. de súbito se desprende. em contos cujo núcleo é justamente esta percepção reveladora de uma dada realidade. Mas se por um lado o miolo do conto consiste nesta experiência de caráter místico (enquanto revelação). que vai atingir o seu clímax no Jardim Botânico. a coisa torna-se ela mesma: “Constatamos primeiro que o objeto é uma coisa integra. e ela sentia nojo”. o final (Ana volta para a rotina doméstica). quando se percebe a coisa enquanto obra integral. a teoria torna-se fundamental para a sua leitura. Este primeiro quesito permite reconhecer a coisa como sendo uma. Sua alma. E ela contempla. enfim. o sofrimento. em três tempos: 1. de desligamento da realidade. o início (Ana vai às compras e aparece envolvida na rotina doméstica). o Inferno. extasiada. mergulhado que está neste aprofundar-se da experiência de Ana. O segundo. nas suas partes e no seu todo. sua qüididade. o desenvolvimento (Ana mergulha na experiência de crise desde quando vê o cego até fugir correndo do Jardim Botânico). o que provoca subitamente toda uma mudança em seu comportamento. uma situação de desorientação. que também caminha. em seguida. Convém notar que a experiência especial de Ana é gradativa. a dor como amor. 3. permite considerar o objeto como um. 2. neste momento. e não outra. cuia estrutura é assim demarcada. e leva consigo o leitor. uma dona-de-casa. O objeto realiza a sua epifania”. experimentando outro tipo de percepção das coisas. assume um brilho especial a nossos olhos. intermitentes como o piscar de vaga-lumes. para depois voltar. por razão de sua ‘completude’. breve. meio e fim (tal como observava Aristóteles na sua Poética). com a riqueza desta experiência anterior. e é. a autora reconhece uma mudança. responsável pela sua especificidade. Assim concebido. Seus contos surgem. no Jardim Botânico. pressupõe privacidade para a sua curtição pela classe burguesa e marca o apogeu da cultura individualista. pois. tal como o romance. outro sinal. que papel social caberia à leitura do conto? Segundo ela. No entanto. da combinação de vários recursos narrativos: os da tradição e os dos tempos modernos. embora o conto possa sobreviver ao romance. captando-o na sua momentaneidade. temporariamente e na sua plenitude. depende menos que o romance das condições clássicas de vida da classe média. mas o conjunto de recursos narrativos que se combinam. 30 . a qual vislumbra.Este conto demonstra. Combinação esta que é. na medida em que. aliar a um modo tradicional de narrar. Por vezes. que nem sempre o conto moderno foge totalmente dos princípios anteriores. embora característica de uma linha de literatura moderna. pode tornar-se obsoleto. com começo. então. ela sim. em que não cabe a expansão de suas potencialidades mais individuais e mais profundas. conforme a crítica marxista de G. a qualidade reside mesmo nesta forma de combinar recursos da tradição com os que vão surgindo nos novos tempos. ou uma narrativa. caracterizado por seu teor fragmentário. As reservas a esta concepção são mais ou menos semelhantes às que já foram levantadas sobre o conceito de conto como representação de um momento epifânico ou de crise existencial: ela pode explicar um conto. a epifania. Neste caso. à absorvedora rotina da vida doméstica. totalmente contida no breve tempo que você dispensa a ele. A questão não é somente constatar a epifania. segundo alguns teóricos. o conto seria um modo moderno de narrar. É o caso. Lukács. de uma solidão e isolamento crescentes do indivíduo numa sociedade competitiva. sem antes nem depois. que representa um estado de crise e que. entre tantos outros possíveis sentidos. a escritora propõe uma questão de interesse. quando o período de desintegração for substituído por novas formas sociais e por formas de arte que as representam”. tentando consagrar este instante temporário. uma experiência de índole moderna. pode significar o da situação da mulher. Você só pode ter a experiência de leitura de um conto mediante condições mínimas de privacidade que são as da vida da classe média”. Mulher “abafada” por uma vida familiar. não explica os contos de Clarice Lispector enquanto gênero específico. e em que acaba perdendo sua identidade. de forma a definir o modo de construir o conto. No entanto. Um flash dos novos tempos É justamente por esta capacidade de corte no fluxo da vida que o conto ganha eficácia. ou seja. flagra o momento presente. e talvez corresponda à ruptura daquela vida que já está acontecendo. para quem o conto representa o real como que através de flashes de luz. pois. da escritora Nadine Gordimer. Portanto. o conto “é uma arte solitária na comunicação. de ruptura com o princípio da continuidade lógica. entre outros. “Mas naturalmente o conto. quando indaga das razões que levam o conto a sobreviver: quais as implicações sócio-políticas desta sobrevivência? Se o romance. Mas não o conto enquanto gênero. ou que nem sempre há apenas adoção de novos procedimentos. é arte privada e destinada ao leitor solitário. o apogeu do romance. a base das considerações de Frank O’Connor. na forma simbólica. veiculadas pela TV. visa satisfazer o leitor solitário. cuja temática da solidão surge como conseqüência de uma sociedade burocratizada e capitalista. Porque Gogol criara o little man. Ainda segundo O’Connor. e tal como o romance. pois. cuja ênfase podia recair no enredo. E lamentava o destino do conto: foi durante muito tempo o “romance condensado”. ao conto o que o caracteriza – a “simplicidade heróica”. Frank O’Connor situa. e para o fato de a arte do conto estar crescendo paralelamente à do cinema. segundo o autor. na consciência de ocupar um lugar sozinho na realidade. Eudora Welty salientava a variedade de recursos que atuam no conto. individual. É também a solidão do homem. crítico. Entretanto. de Gogol. Já nos anos 40. são todos herdeiros de “O Capote”. a personagem situada entre o heróico e o satírico. e que possibilitava a forma impressionista dos contos de Virginia Woolf ou a organização musical nos contos de Faulkner. num mundo moderno: o conto é gênero novo. pois. tal como acontece no romance. e não nossos. No conto. com desenvolvimento cronológico. quanto a pureza de uma forma de arte motivada mais por suas próprias necessidades que por nossa conveniência” (p. a espontaneidade. quando observava produções dos últimos trinta anos. 31 . a capacidade de situar o homem na sua solidão. O que as caracteriza é o fato de os problemas serem delas. tende a ser seguido por outras formas narrativas. Qual será o destino do conto na era da informática? O conto: a voz de um solitário? Em 1936 Elizabeth Bowen alertava para a proximidade entre a arte do conto e a do teatro. no conto não há também a totalidade de uma experiência. sobretudo. porque nele não há heróis com os quais este possa se identificar. As personagens do conto têm um mundo autônomo: não é a brevidade que as caracteriza. O conto. a identificação pode existir ainda que e pelo próprio fio da semelhança de situações: a da solidão. Haveria uma tendência à predominância de formas cada vez mais breves? Esta proposta estimula discussão sobre a relação entre o conto e outras formas breves de comunicação. mundo solitário de seres solitários. na personagem. e certas características que Bowen salientava na seleção que fez de contos para o volume The faber book: a completude. que caracteriza a “população submersa ou marginal” e que tenta o escape ou a fuga desta situação.Neste caso. na medida em que compartilha as ações do herói e se identifica com ele. E considera impossível haver identificação de vozes – entre a voz do leitor e a da personagem. Refere-se apenas ao conto moderno. afirmava Turguenev. por exemplo. seguido da preponderância do conto. o conto de atmosfera e de mistério: “A primeira coisa que realmente observamos numa estória é uma atmosfera de mistério”. As ressalvas que se pode fazer a O’Connor são as que podem ser feitas a outros autores. Mas ressaltava. na obra The lonely voice. Faltava. que deseja o objeto. como no romance. que precisava de um assunto complexo (tal como o romance) e dependia do modo como a condensação era levada a efeito. mas a seleção de pontos. a sua voz solitária. “O que Turguenev e Tchekhov nos dão não é tanto a brevidade do conto comparada com a expansão do romance. em que esta solidão é de certa forma amenizada ou desaparece. que acabam definindo o seu sucesso ou o seu fiasco. 28). o conto. Segundo ele. emoção e situação. em que faz questão de escrever short-story. anônimo. Mas será que todo conto teria um só episódio? Muitos já lembraram que há contos que. É o caso do conto de Maupassant. segundo o autor. com radical dogmatismo. Mas não é conto só por isso. afirma J. Neste início do século. em 1913: o conto produz um só 32 . o que conta é: concisão e compressão. A simetria na construção (Brander Matthews) Os que seguem Poe reafirmam o caráter da unidade de efeito no conto e a sua importância como gênero novo. Além destas considerações sobre a necessidade de unidade de elementos. que atestam sua posição dogmática rigorosa. desenrolando um só incidente predominante e uma só personagem principal. “Odyssée d’une fille”. que marcou época na história da teoria do conto. tais critérios atentam para o assunt/9o do conto: o mistério. contém um assunto cujos detalhes são tão comprimidos e o conjunto do tratamento tão organizado. ora do cinema. embora obedientes ao princípio da brevidade e da contenção. Isto porque. ora do teatro. Mas esta já é uma outra questão. que o romance obrigatoriamente não tem. O conto é o que lida com um só elemento: personagem. faz mais esta: não é porque um conto provoca a unidade de impressão que será mais simples ou mais complexo. E não é só de assunto que se faz um conto. tal como precisa o romance – e ele se refere ao contemporâneo romance americano. mas de natureza: o conto tem uma unidade de impressão. Tal é a linha seguida por Brander Matthews. a teoria do conto desponta. contra o conto mercenário. Como na de 1909. que acaba não contando nada. quer seja a voz solitária do homem moderno. também baseada no princípio da singularidade dos elementos que compõem o conto. segundo Joyce Carol Oates) e do mistério. A conceituação de Brander Matthews encontra repercussão em outras posteriores. E por que tal unidade ocorre? Por causa da singularidade dos elementos que compõem a narrativa do conto: o conto é o que tem unidade de tempo. Uma coisa (a unidade de efeito) nada tem a ver com a outra (a maior ou menor complexidade da obra). ingenuidade. num ensaio de 1901. O assunto é de extrema importância. E finalmente: no conto sempre algo acontece. pois. nos Estados Unidos. com hífen. e. para distingui-la de uma estória meramente curta: a short story. o conto não precisa do tema do amor. Matthews. Aliás. quer seja o conto de atmosfera.Contra o rigor formal. o mesmo autor. Na verdade. ressaltam sua proximidade do sono (dream verbalized. nos termos em que foi praticado e teorizado por Edgar Allan Poe. Matthews faz outras observações sobre o conto. No entanto. Berg Esenwein. têm mais de um episódio. No conto. mais do que no sketch ou quadro. os defensores do conto de atmosfera valorizam o caráter pessoal dos contos. que faz esta objeção a B. Este princípio seria reafirmado por Carl Grabo. a solidão. “O conto é uma narrativa breve. acontecimento. que produzem uma só impressão”. B. contra o conto fragmentário. compondo a “teoria de um só”. outras vezes. produto do século XIX. E originalidade. num dos manuais que proliferaram nas primeiras décadas do século. que segue à risca as propostas de Poe. E o autor sustenta com tal rigor esta teoria. nenhum destes critérios tem condição de sustentar uma definição do conto. Considerando o conto mais próximo ora da poesia lírica. que refletem a liberdade individual do autor e a sua carga de personalidade. existe uma diferença entre conto e romance que não é só de extensão. de lugar e de ação. Esta perspectiva surge do repúdio à artificialidade e à. mais ou menos radicais. descreve ironicamente como: um diálogo no início. impessoal. proclama a necessidade de libertação das regras. no story” (“Se não há enredo. acha-se patente nos estudos dos participantes do simpósio internacional sobre o conto. E desde estes primeiros anos do século XX. ironiza a exigência do editor ao rejeitar contos para publicação mediante a alegação de que: “No plot. em horas de descanso. Tais preocupações provocam.efeito. E Ring Lardner acaba aconselhando. my dear. O perigo do estereótipo A linha normativa gera uma série de manuais que prescrevem como escrever contos. na era industrializada do capitalismo americano. um final inesperado. livre do lema americano com que os editores prensavam os escritores: “Your stories must move. um desenvolvimento até o clímax. R. Isto. examinado como mercadoria nas suas relações de oferta e procura. sofisticação que dominaram a produção do conto nas primeiras décadas do século XX nos Estados Unidos. um embrião de romance? De qualquer maneira. que segue o ritmo da vida. de sentimento ou epigramática. por sua vez. meu querido. passam a ser arte padronizada. em sentido contrário. O acentuado caráter empresarial da produção do conto. Patrick. sem detalhes inúteis. passariam a influenciar outros tantos estudiosos do assunto. se nada é. uma estória?” E mais: “uma coisa é o que ela é. Daí talvez tenha surgido o preconceito contra o conto: seria ele apenas um romance condensado ou. um movimento de diferenciação entre o conto comercial e o conto literário. Destas primeiras décadas datam as críticas severas aos manuais que ditavam como escrever contos e críticas às exigências do plot (enredo). Alguns textos. em 1915. eliminar tudo que não contribuísse diretamente para a caracterização da personagem e ação. Current-García e W. principalmente uma coisa criada”. Neste sentido é que H. “como não escrever contos”. cujos trabalhos foram publicados nas quatro partes da Kenyon Review. este modo de conduzir o problema considera o conto uma forma secundária em relação ao romance: como preparação do romance ou como ocupação. exaltava a superioridade do conto russo. E Katherine Anne Porter. detectar apenas os pontos altos. de produção veloz e barata. William Saroyan rejeita definições: “O que é. E a revista popular propicia uma comercialização gradativa do gênero. não há estória”). em 1915. move. O exagero das regras. 2. de E. Tais fatos são tidos como responsáveis pela degradação técnica e pela formação de estereótipos de contos que. grande parte dos trabalhos dirige suas atenções para o caráter comercial do conto e as relações entre editor/escritor. mostram essa preocupação antidogmática. Ao lado de textos de informação sobre a situação do conto nos diversos países. ironicamente. e uma sentença final. A necessidade de revalorização do gênero é uma conseqüência inevitável. Contra este estado do conto é que surge a louvação do conto russo. Canby. que sacrificara o conto em benefício de fórmulas. quando o conto se sujeitou a fórmulas que Henry S. Sherwood Anderson escreve: “Form. uniformizada. S. em 1924. Canby.. reunidos em What is the short story?.. not plot”. Ás próprias publicações americanas encampam um movimento de reação: tentam inclusive reivindicar a necessidade de estudos específicos sobre o conto e um estudo das causas de ser o conto uma “arte depreciada”. estes herdeiros de Poe. move!” 33 . com a obsessão por duas regras básicas: 1. que. a brevidade.. Mas lembre-se que também nesta época Machado de Assis não só escrevia seus contos. assim tão rígida. no conto a primazia pertence ao espaço sobre o tempo”. a figurativa”. Podemos mesmo dizer que o elemento quantitativo é o mais objetivo dos seus caracteres. O critério pode ser muito empírico. nas suas “Advertências” às coletâneas. E não era tão rigoroso assim. mas é muito verdadeiro. a de Araripe Júnior. numa conferência que fez sobre o conto na Academia Brasileira de Letras. a do romance. que aparece toda vez em que se tenta definir o conto. caminhar. tendem a ser desmentidas pela própria variedade dos objetos que tentam tão rigorosamente definir. na Revista Brasileira. assim como no romance não deve faltar nada”. A questão não é “ser ou não ser breve”. Lima. como toda proposta dogmática. analítico e sincrônico. caminhar!”). porque quando se propõe a caracterizá-lo quanto ao aspecto qualitativo. por exemplo. No entanto. A forma do conto é a narrativa. apresentam-se no tempo e no espaço. outras sujeições nesta cadeia consumista: do escritor ao editor. portanto. o problema torna-se mais complicado. uma obra curta de ficção em prosa. O romance é uma narrativa longa. E completa: “O tamanho. de 1894. do editor ao público. reagem uns sobre os outros. dentre as tantas definições de conto que Herman Lima apresenta. publica em 1952 um livro sobre o conto – Variações sobre o conto – que marcou a história dos estudos do conto no Brasil. E parece que é mesmo. os fatos filiam-se e percorrem uma direção linear. uma conseqüência da época em que foi escrita? Talvez. A questão da brevidade O conto é uma forma breve. constituindo trama mais ou menos complicada. O conto é uma narrativa curta. No primeiro. que vinha publicando artigos sobre o conto desde os anos 40.(“Suas estórias precisam caminhar. E que nos serve de alerta: é preciso desconfiar das definições autoritárias.. E também para Norman Friedman. mesmo em Poe. o romance. ainda. Herman Lima. como a atualidade dramática e representativa. em que o autor é categórico quanto à diferença entre conto e romance. E gerando. Para Alceu Amoroso Lima. Não seria esta definição. representa um dos sinais característicos de sua diferenciação. como também escrevia sobre eles. 34 . em artigo escrito para A Semana. em “What makes a short story short?” (1958). em 1956. a questão não era propriamente e tão simplesmente a do tamanho. E exigindo dos escritores remissão exagerada de cada palavra à solução e efeito do enredo. considerada como fator diferencial. uma obra de ficção em prosa. nos leva a um conhecido ditado: “No conto não deve sobrar nada. A questão é: “provocar ou não maior impacto no leitor”. Esta afirmação.. o romance. no segundo. com o objetivo de mostrar a disparidade de pontos de vista com relação a uma definição do conto. É o único realmente positivo”. A novela é uma narrativa média. Seleciono.. de Valentim de Magalhães. “o conto é sintético e mono crônico. O conto desenvolve-se no espírito como um fato pretérito. Eis um exemplo: “Enquanto no romance o tempo domina o espaço. o conto é: uma obra de ficção. Esta é uma das muitas citações que faz o crítico brasileiro H. baseia-se apenas nos sintomas e não nas causas. consumado. E da sua modéstia. de Machado de Assis. nem o conto que traz o extraordinário fantástico. E também quando reconhece. é naturalmente a sua qualidade”. que. lembro ainda Machado de Assis. se uns e outros são medíocres: é serem curtos”. em “Alguns aspectos do conto”. acrescenta uma declaração de intenções “aos que acharem excessivos tantos contos”: “É um modo de passar o tempo”. Para tanto. que cita na epígrafe). “em alguns casos”. um enredo formado de dois ou mais episódios. suas ações. pois. Ou seja: de como aparecem tais combinações em cada conto. o conto pode ter até uma forma mais desenvolvida de ação. pois.Neste caso. isto é. que os torna superiores aos grandes romances. que os romances: “mas há sempre uma qualidade nos contos. mobiliza alguns recursos narrativos favoráveis a este intento de seleção. é como e por que tais recursos acontecem e os modos vários de responder a estas questões. mesmo tendo uma ação longa a mostrar. Dos males. Daí a conclusão a que chega Norman Friedman: “um conto é curto porque. nem daquele estilo que dão aos de Merimée o caráter de obras-primas. não é o conto que traz o extraordinário anormal. mediante omissão. O que podemos considerar. para Julio Cortázar. sua ação é melhor mostrada numa forma contraída ou numa escala de proporção contraída” (p.. como os contos do próprio Cortázar. O conto excepcional é o conto muito bom. ou então ocorrer o inverso. Mas concordo com ele quando reconhece que: “O tamanho não é o que faz mal a este gênero de histórias. Nesta mesma advertência. sempre. Excepcional é a marca de qualidade literária que torna alguns contos inesquecíveis para quem os lê. expansão. O que não se pode afirmar é que uma estória é curta porque tem um certo número de palavras ou porque tem mais unidade ou porque enfoca mais o clímax que o desenvolvimento da ação. como os contos de Poe. Pois “não são feitos daquela matéria. no entanto. Se assim for. 35 . E uma desculpa de aparente modéstia: “não pretendem sobreviver como os do filósofo” (referindo-se a Diderot. a grande vantagem de os contos serem mais curtos. 134). de acordo com as possíveis combinações de tais elementos narrativos. afirma Norman Friedman. na “Advertência” às suas Várias histórias10. afirma que juntou estes contos em função do tamanho: as trezentas páginas do livro. enquanto que no romance dependem intrinsecamente do que vem antes e depois. são independentes. ou porque o autor escolheu omitir algumas de suas partes. quando as ações são apresentadas de um modo diferente das apresentadas no romance: ou porque a ação é inerentemente curta. conto. contração e pontos de vista. Desconfio.. Pode haver o caso de uma ação longa ser curta no seu modo de narrar. e colocam os de Poe entre os primeiros da América”. O CONTO EXCEPCIONAL (Julio Cortázar) O conto excepcional. a contração: o contista condensa a matéria para apresentar os seus melhores momentos. A base diferencial do conto é. o menor Sobre a brevidade. O conto é. o romance está para o conto assim como o cinema está para a fotografia. coagula no autor. Na fotografia e no conto. fixando-lhe determinados limites. enquanto que uma fotografia bem realizada pressupõe uma justa limitação prévia. ao percorrermos as teorias do conto. 151). Ou seja. Vimos várias destas condições. da obra”. No entanto. em vez da acumulação o que importa é a seleção do significativo. que não só valham por si mesmos. entrevisões. que não excluem. imposta em parte pelo reduzido campo que a câmara abrange e pela forma que o fotógrafo utiliza esteticamente essa limitação” (p. Ou então: há elementos de semelhança entre o romance e o cinema. arremata esta distinção que desenvolve entre romance e conto: 36 . Já o romance e o cinema agem por acumulação: “a captação dessa realidade mais ampla e multiforme é alcançada mediante o desenvolvimento de elementos parciais. apreciador de boxe. um bom tema é como um sol. 151-2). Mas Cortázar parece dar o fecho necessário. como “um sistema de relações”. Ou então: “O excepcional reside numa qualidade parecida à do imã. uma síntese e que dêem o ‘clima x .De fato. romanesca. Na comparação. para alguns fotógrafos. 149). um bom tema atrai todo um sistema de relações conexas. o romance. astrônomo de palavras. sentimentos e até idéias que lhe flutuavam virtualmente na memória e na sensibilidade. nos revela sua existência” (p. mas de tal modo que esse recorte atue como uma explosão que abre de par em par uma realidade muito mais ampla”. ao considerá-las em conjunto. insubstituível. por certo. e entre a fotografia e o conto. uma imensa quantidade de noções. Isto. mas também sejam capazes de atuar no espectador ou no leitor como uma espécie de abertura. surge a “necessidade de escolher e limitar uma imagem ou acontecimento que sejam significativos. ao mesmo tempo que realça os critérios de valor para um julgamento do que seria um bom conto. a fotografia. O que Cortázar ouve de um escritor argentino. o cinema A comparação que Julio Cortázar estabelece entre romance/cinema e conto/fotografia facilita a compreensão das suas diferenças. em que cada elemento tem sua função específica. a arte da fotografia se apresenta como um aparente paradoxo. para que o conto fisgue o leitor é preciso que tenha algo mais. O conto. acumulativos. “na medida em que um filme é em principio uma ‘ordem aberta’. realça “os elementos invariáveis que dão a um bom conto a atmosfera peculiar e a qualidade de obra de arte” (p. e mais tarde no leitor. que Cortázar considera também próprio do conto: “o de recortar um fragmento da realidade. um astro em torno do qual gira um sistema planetário de que muitas vezes não se tinha consciência até que o contista. 154). de fermento que projete a inteligência e a sensibilidade em direção a algo que vai muito além do argumento visual ou literário contido na foto ou no conto” (p. aquela “alquimia secreta” de que nos fala Cortázar. construída sob tensão máxima. Para que isto ocorra. o “tempo e o espaço do conto têm de estar como que condensados. como o fora para Poe. enquanto que o conto deve ganhar por knock-out” (p. em “Do conto breve e seus arredores”. o romance ganha sempre por pontos. Pois o que é a intensidade senão a eliminação do supérfluo. e não propriamente este ou aquele elemento isolado.“Nesse combate que se trava entre um texto apaixonante e o leitor. e em cujo interior o autor deve mergulhar. como em “O tonel de Amontillado”. 157). do qual ele mesmo poderia ter sido uma das personagens. é “a eliminação de todas as idéias e/ou situações intermédias. “sente-se de imediato que os fatos em si carecem de importância. para Cortázar. “Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito além da pequena e às vezes l}1iserável história que conta” (p. 152). a intensidade e a tensão Embora vários elementos concorram para a criação de um conto. de Poe. Nestes contos de tensão. na forma esférica: a forma do conto é a da esfera. até sua tensão maior. Ou seja. Nos contos de intensidade. Esta é a imagem que Cortázar cria para representar a autarquia do conto ou sua capacidade de existir ou de respirar por si. é necessário o autor pressupor um pequeno ambiente. independentemente já do seu autor. antes de soltá-la. de que já tratava Poe? Pois intensidade. 37 . 153). o contista trabalha esta forma de dentro para fora. É a figura que representa também a forma fechada e tensa do conto. o que decide se um conto é bom ou ruim é o procedimento do autor. 158). pois concorda que. 157). fechado. o 10º mandamento do decálogo do perfeito contista. na malha sutil que os precedeu e os acompanha” (p. “os fatos. que de certa forma está a reiterar a lição do mestre. despojados de toda preparação. submetidos a uma alta pressão espiritual e formal para provocar essa ‘abertura’“ (p. para se escrever um conto. Tais elementos são elaborados de forma a permitir que o conto se tome significativo: segundo Cortázar. tal como em “A lição de mestre”. Uma bolha de sabão Sim. de Henry James. O significativo. de todos os recheios ou fases de transição que o romance permite e mesmo exige” (p. saltam sobre nós e nos agarram” (p. esférico. Além da capacidade de captar o mais significativo. “uma bolha de sabão que se desprende do autor. segundo Cortázar. que tudo está nas forças que os desencadearam. 152). há outros quesitos que favorecem a conquista do interesse do leitor ou do “seqüestro momentâneo do leitor”. Diferente desta intensidade é a tensão. Tal como o modelador de argila. parece que o destino de sucesso ou fiasco depende menos destes elementos que do modo como são tratados pelo contista. do seu pito de gesso”. Cortázar endossa. este discípulo de Poe. que “é uma intensidade que se exerce na maneira pela qual o autor nos vai aproximando lentamente do que conta”. do uruguaio Horacio Quiroga. Conto e poesia têm a mesma origem. Este dado sugere a situação de país visado ou tomado – pela repressão. Um conto de Cortázar Sente-se em toda a teoria do conto de Julio Cortázar a presença de um E. o sentido primeiro do conto se amplia em outros tantos possíveis. Menciono um. que vão sendo também progressivamente tomadas. poesia. Ele. a poesia tem. como exemplo. o ritmo. inexplicavelmente – e daí o seu caráter fantástico –. Isto poderia ser demonstrado pela análise de cada elemento do conto. fisga apenas o mais significativo. sóbrio na sua economia de detalhes. e de forma irreparável. Pois a eficácia e o sentido do conto “dependem destes valores que dão um caráter específico ao poema e também ao jazz: a tensão. lendo. para ele. Embora. ocorre minuciosa descrição da casa. E a poesia. acrescenta: “Desde 1939 não chegava nada de bom à Argentina”. O conto. 234. de repente. Voltamos. pode se desvanecer. enquanto arte que “nasce de um repentino estranhamento. essa liberdade fatal que não admite alteração sem uma perda irreparável” (p. para ela. o conto “não tem intenções essenciais. neste final de percurso pela teoria do conto. na luta para preservar esta sua esfericidade. com um leve sopro. “Casa tomada”12. Pois dois irmãos viviam numa casa ou no interior de uma casa. que se desenvolvem em vertiginosa busca do inalcançável. E os dois. se não se mantiver suficientemente forte. que tem a marca do passado histórico (foi de bisavós. começam. também caracteriza a. a pulsação interna.Uma bolha de sabão. ao nosso ponto de partida. chave de compreensão do conto em Cortázar. de avós e dos pais). que Cortázar traduziu e estudou. o jazz O excepcional. o conto não tem intenções. tecendo. encontram-se na rua. começam os ruídos. afirma Cortázar no mesmo ensaio. que Cortázar admirava. Até que a casa fica totalmente tomada. o poema. Que. pelas formas espiraladas em ritmo de jazz. o conto se aproxime mais da poesia que da prosa. Poe. A. No entanto. E não seria a casa “tomada” o espaço 38 . Tal como ele próprio anunciava. tal como é entendida a partir de Baudelaire. de um deslocar-se que altera o regime ‘normal’ da consciência” (p. que atrai atenções e prende os interesses justamente pela sua força de tensão. Quando ele sai para comprar livros. para os contos do próprio Cortázar. Basta nos lembrarmos de um dos famosos contos de Julio Cortázar. E. livros.). não indaga nem transmite um conhecimento ou uma ‘mensagem’” (p. A poesia tem “uma espécie de magia de segundo grau. De Poe a Poe. como na magia propriamente dita” e o conto não. 234). com o que tinham no corpo. O conto. que por vezes compõem a própria estrutura dos seus contos11. o imprevisto dentro de parâmetros pré-vistos. As relações com o exterior atendem à utilidade imediata desta ocupação interior. de todos os seus cômodos. para Cortázar. 235) Esta última observação nos remete também. Ele sai para comprar lã. dependendo da tomada que dele se faça. Ela. As personagens fecham as partes da casa tomadas pelos ruídos e vão recuando para outras. Numa segunda etapa. Vivem aí juntos: “Irene e eu”. tentativa de posse ontológica e não já física. mais apta a representar a vida moderna na sua multiplicidade de situações. Não falta a recorrência à topologia. o romance é comparado “a um longo passeio através de lugares diferentes que supõe um retorno tranqüilo. a casa ser tomada aos poucos e inesperadamente por ruídos.” 39 . uma pincelada. Outros ressaltam sua flagrância do presente. concisos. os “livros que trazem a violência de um cross” – ou soco cruzado nas mandíbulas. por ser o conto uma ficção livre.. a condição de tempo de leitura como critério: para Wells. mais forte que o das duas pessoas ali unidas por um afeto e por ocupações vitais: o tecer e o ler? O conto trabalha esta intensidade e também uma tensão. E o mesmo autor. à escalada de uma colina.. depois do ‘hurly burly’ da ‘chaise longue’. o conto pode ser qualquer peça de ficção passível de ser lida em meia hora. fica o argentino Ricardo Guiraldes: ele gostaria que seus contos fossem breves. porque – e sua imagem é a de luta. sobriamente. refere-se aos livros de contos. por um poder político absurdo.. ao declarar sua preferência pelo romance.. Então o conto é comparado a uma corrida de cavalos. impressões e incidentes. recorre à imagem do cálculo matemático: “A novela [ou conto] lembra o problema que consiste em colocar uma equação a uma incógnita.gradativamente invadido. Forma virtuosa. Esta é a base da construção do fantástico: pois não se sabe que ruídos são estes.. Nesta mesma linha de pungência do conto. o romance é um problema de regras diversas que se resolve através de um sistema de equações com muitas incógnitas. Outros recorrem à condição do maior impacto. o romance seria um quadro. o conto “é um vôo da imaginação completo: para cima e para baixo”. da casa? do país? A CRIATIVIDADE NAS DEFINIÇÕES DO CONTO Quanto já se exerceu o poder criador na tentativa de se definir este gênero criativo que é o conto! Alguns conservam. A novela é um enigma. para William CarIos Williams. Nem falta o elemento erótico. o romance é como aquela maravilhosa cama dupla. a novela. Basta uma constatação: a de que eles acontecem. Como no depoimento da escritora Mrs. sendo as construções intermediárias mais importantes que a resposta final.. E têm a força de eliminar pessoas. o que define é a largada e a chegada. e eu não consigo voltar atrás para li chaise longue. e o conto. o romance corresponde à charada ou ao jogo de palavras”. Roberto Arlt. E seu secretário. Para Boris Eikhenbaum. Já vimos a imagem da luta de boxe adotada por Julio Cortázar: a de que o romance ganharia por contagem de pontos e o conto. quando se refere especialmente ao conto ou novela de enigma. Por isso. sem saber como nem por quê. que é também a de escrita: “o que mais me agrada na mão é o punho”. despótico. tendo por finalidade oferecer-nos a vista que se descobre dessa altura”. por nocaute. em relação ao conto: “Sou como o marido vitoriano que falava da profunda paz da cama dupla no casamento. Janeway. Porque no conto.. como tantos outros. inclusive o seu próprio) e nos contos (Cuentos de amor.’”.. fora de lugar. um “manual do perfeito contista”. e o mais difícil é achar a frase final. pois devem eles ter o “dom da sensibilidade particularíssima”. por exemplo).. como se estivessem a encobrir uma mulher maravilhosa. procedimentos mais usuais e seguros”.. que geralmente usam mala idioma. que o artista deve espalhar aqui e ali por sua história”. criado pela ironia do célebre contista uruguaio Horacio Quiroga. . Começar. rápida e sem falhas” do que “veio a se considerar o mais difícil dos gêneros literários”.. “Porque se nada prometem e nada sugerem. assim. de locura y de muerte.. que são ainda as mais eficientes se. atrair a atenção e comunicar com energia os sentimentos. Mas Horacio Quiroga ironiza os repertórios. justamente por isso despertam a malícia. ponha um poncho nas personagens e solte-as em espanhol mal-falado e. . A audácia do contista é sempre sua condição necessária: “o artista que não se atreve a perturbar com giros ininteligiveis o seu leitor... reconhece no conto clássico de início. E parodia.. pequenos encantos muito visiveis.. que ele compara a uma mulher bonita. Por exempio: como começar? Pelo fim. que escapa à maioria dos escritores. os repertórios feitos a sério. E Quiroga ainda constata que há “escritores para homens”. quando Quiroga. Porque um conto diluído é 40 . E nos passa algumas dicas sobre o conto.’ e ‘Era uma vez. mas para a noiva viva. tudo de modo a que ele permaneça na mente do leitor e o deixe “trepidante” (p. é preciso saber aonde se vai. dando-nos “receitas de procedimentos ao alcance de todos. em Variaçães sobre o conto. o drama de uma situação. Como o uso da tal da cor local: se quer escrever um conto regionalista e não conhece o lugar onde se passará a estória. a tensão poética e a clareza.. Mais uma vez as intenções de Poe a regular a economia dos meios narrativos.... deve mudar de oficio”.. tem seus “truques”: “deve valer-se de ligeiras formosuras. também apresentou o seu repertório: o cont deve ter ação concentrada.... Esta arte íntima do conto. valendo-se de alguns teóricos. de 1947.ALGUNS TRUQUES PARA SE ESCREVER.. suficiente e dose de sugestão. Tão irônico na crítica! E tão trágico na vida (com suicídios na família. num “manual” ou numa série de “truques”... com as “velhas fórmulas abandonadas. Raúl Castagnino. terá um conto de folclore nacional.... única tensão narrativa. ao comentar a crise do conto nacional. que facilitarão a “confecção caseira.. CONTOS (Horacio Quiroga) Nem falta também. linguagem adequada. Algumas destas propostas.” Começar também pelo “lugar comum”. no rol das definições criativas. se usado de má fé. endossa as três qualidades de contistas apresentadas por Tolstoi: sentir com intensidade. do tipo ‘Era uma formosa noite de primavera. também. o acidente. meio e fim – a síntese. sistematicamente reunidas num “decálogo”. E Herman Lima. 93). o que vem depois é bom. sobre os quais diz não estar bem informado.. tal como no soneto. chegam a compor uma síntese. E “escritores para damas”.. aprofundamento do espaço literário. Exemplo: usar “pálido como a morte” não para a noiva morta. resume a distinção conto/novela: “Se não é de todo exata a definição de síntese para a obra do contista. E é também Quiroga que. nesse resma artigo. liga-o ao seu passado e aos seus ancestrais. o relato de uma história bastante interessante e suficientemente breve para que absorva toda a nossa atenção”. Ê também Quiroga que. “O conto literário consta dos mesmos elementos que o conto oral e é. como este. ao se referir à retórica do conto. normal e insubstituível de contar”. nada melhor pode achar-se”. e de análise para a do novelista. por ser o conto a forma natural. por uma definição tão simples do conto literário.como um perfume rarefeito: “não se percebe mais a intensidade essencial que constituía(m) sua virtude e seu encanto”. 41 . Justamente por isto o conto permanece. “E o homem contará sempre. Nesta segunda parte do conto. Nogueira aguarda a hora da Missa do Galo. Dumas. que nunca é totalmente desvendado nos seus recônditos segredos e intenções. Conceição era boa. Porque os contos de Machado traduzem perspicazes compreensões da natureza humana. o que acontece mesmo? qual é a estória? e como acontece? ou qual é o enredo? Isto tudo é montado a partir dos gestos. Nogueira esperava a hora da Missa do Galo. ali. como se para se certificar. enquanto o sr. desde as mais sádicas às mais benévolas. não disbaratada com o meu livro de aventuras”. “Já disse que ela era boa. a conversa gira em torno de romances... Conceição é a esposa conformada com o marido. há sempre o que parece estar acontecendo. Conceição. E o sr. enquanto o sr.. vão surgindo como se pudessem ser motivos razoáveis para o enlevo amoroso que se desenvolve no decorrer da espera da missa. um dos cerca de trezentos contos que ele escreveu. e depois sobre mulheres. As causas vão surgindo naturalmente. Nogueira e d.. enquanto espera (a hora da missa. que “trazia amores com uma senhora. Como a que constrói a atmosfera da espera. mas também como se não o fossem. Transforma-se numa questão para o leitor. na sala. porém nunca ingênuas. nem nós conseguimos ir até o final das conjeturas. separada do marido. Nogueira. O sr. 42 . que abre para as ambigüidades. E disto nunca chegamos a ter certeza. ele mesmo. paralelamente ao que acontece. A leitura dos seus contos caminha neste auscultar outra e sempre outra significação sugeri da pela ironia fina e implacável. O modo pelo qual o contista Machado representa a realidade traz consigo a sutileza em relação ao não-dito. isto é. até ficar “ébrio de Dumas”. muito boa”. D. para chegarmos a uma conclusão sobre o que realmente aconteceu naquela noite. Nogueira – narrador – faz questão de repetir com certa impaciência. nos seus contos.. Portanto. Conceição entra na sala. usando. contava eu dezessete. E d. Aparecem motivadas por um interesse próprio. o flash-back – a volta a um passado – para explicitar este presente. cochichos e entrelinhas. Afinal. mais ou menos sórdido. “tinha um ar de visão romântica. em que o par se encontra. ela trinta”13. do que diz. e dormia fora de casa uma vez por semana”. Ele e ela. na sala da casa do Rio de Janeiro. das razões de ali se encontrarem.4 O CONTO: UNS CASOS MACHADO DE ASSIS: AFINAL. naturalmente). em que vários sentidos dialogam entre si. Mas é sempre um comportamento duvidoso.. olhares. nem ele. Os Três Mosqueteiros. a tal ponto que quando d. lê romances do A. para isto. Assim se inicia um dos famosos contos de Machado de Assis. mais ou menos desculpável. Afinal. Na verdade. que às vezes irá atormentá-lo pelo resto da sua vida. ele tinha ficado no Rio ou na corte até o Natal para ver “a Missa do Galo na Corte”. desde a primeira parte do conto: uma apresentação das personagens. Teria sido só para isso? Pelo menos é o que parece. vulgares e santas. “A Missa do Galo”. há muitos anos. entre o sr. QUAL É O ENREDO? “Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora. Ela. que promove o seqüestro do leitor. fica viúva e se casa de novo: “Ouvi dizer que casara com o escrevente juramentado do marido”. Porque nenhum deles. 43 . sempre fixos nele. Este sentido de armadilha do conto aparece também em textos de Machado sobre o conto. ele afirma reunir ali apenas papéis avulsos. Conceição. viaja e volta ao Rio. o diálogo. em certa ocasião. O conto centra-se num conflito dramático. por exemplo. Este parece ser mais o pretexto para encobrir. afirma o sr. tendo em vista a construção deste efeito (Poe). nesse caso. após o clímax da tensão. aumenta-se a expectativa: “queria e não queria acabar a conversação”. Friedman). em que cada gesto e olhar são até mesmo teatralmente utilizados pelo narrador (E.E há os gestos de d. Sabemos e não sabemos dos limites entre estas intenções. Mas será que é só isso que Machado quer dizer? Não estaria ele pensando que a realidade castiga esta fuga ilusória do real? Tal qual surpreendeu a personagem de “A cartomante”? E que. E este é também o segredo do conto. E mais: realmente. todo conto tende a ser um “conto do vigário”? Realmente. “não sei que diga que não seja inútil”. num sistema de relações entre elementos do conto e em que cada detalhe é significativo (Cortázar). E. ou além disto: o diálogo de tensões. Pois este intervalo tende a ser desfeito. prendendo-o num efeito que lhe permite a visão em conjunto da obra. neste caso. sugeridas. a sonolência. No final da espera. na periclitância. os dentes brancos. o tempo escoa-se e o conto da vida acaba. Permanece a dúvida. afirma ele. Realmente. E ainda: “Há impressões dessa noite. Machado tem este dom de fisgar o leitor pela intriga bem arquitetada. adaptando-se a este gênero e não a outro. E mais tarde: ele. Mas. disfarçar ou dissimular o que acontece por detrás. por seu caráter de contração (N. existe toda uma força de tensão. a verdade é essa. este. a inquietação. Trata-se de um acidente da vida (José Oiticica). intrigando-o com questões não-resolvidas. ficou linda. aliás. Sem ser bem essa. Ela tem o marido. Veja-se outro exemplo ‘nesta mesma “Advertência”. Diderot. as coisas voltam aos seus lugares. Uma das que ainda tenho frescas é que. e o das outras.. ao contrário. a cada detalhe ele mais se amplia e se desdobra. sem a gente dar por isso”. os olhares.. as mudanças de lugar para mais perto dele. num espaço determinado (B. em vibração. há um intervalo em que reside o sentido do conto. sem ser bem essa”. cede ao impulso instintivo da atração mútua. E completa: os contos têm certo parentesco entre eles. Nogueira. Entre o nível das boas intenções.. que era apenas simpática. a proximidade. ao escrever um conto. ela. para a missa. neste seqüestro temporário. Na “Advertência” ao volume Papéis avulsos. o devaneio. afirma Alfredo Bosi14. cercado. Ele quer conhecer a corte. Bowen). Eis um caso. o nariz. a cada detalhe. Na terceira parte. para quem. que acontece quando se lê um conto. depois outro. os cochichos. fica em casa.. Não propriamente o que se diz. de um episódio. E quais são eles? Ele. os braços. as segundas intenções. Não lhe falta a construção simétrica. Mas acaba sempre dizendo coisas: cita. desde que todos os elementos do conto são incorporados. Ela. sobretudo. o terrorista que se finge de diplomata”. Contradigo-me. “A perspectiva de Machado é a da contradição que se despista. reiteradas. ele ou ela. é isso. que me aparecem truncadas ou confusas. De tal forma que esta ação parece ter sido mesmo criada para um conto. atrapalho-me. diz ele. Este é um lado da questão teórica referente às características específicas do gênero conto. Sobre os contos. ele não quer dizer e diz. de um ligeiro antes e depois (José Oiticica). “o espírito fica alegre. dito por Diderot. Matthews). lindíssima”. “Mas a verdade é essa. Pairam entre lá e cá. E este já é outro lado da questão. que ficam entre os dois lados. que diz respeito à especificidade dos contos de Machado de Assis.. permanece uma zona velada.Mas neste momento especial de ações e reações mútuas entre o par amoroso. Tal qual a situação das personagens de Machado. A leitura do conto transita entre estes dois percursos. da personagem? O que é disfarce? Ficam estas indagações. Já é outro caso. do narrador. porque as personagens não explodem – ou não deixam explodir até o final – a sua intimidade.. que são mesmo indevassáveis na sua totalidade. Não dá mesmo para se perceberem os limites. E tal qual Machado se situa na história do conto: entre a tradição do conto de acontecimento e o moderno conto de acontecimentos interiores. O que é plano do autor. Ou será que dá? 44 . . 45 . que. condensação de recursos. em mil e uma contingências. mediante contração de impulsos... favorecendo a simetria no uso do repertório dos seus materiais de composição. de outros modos. foram registradas a partir de outros e milenares contadores. de cada conto. por sua vez. tentando. de Enno Littmann. Como são também modos peculiares de uma face ou de uma fase da produção deste contista. UM CASO Porque cada conto traz um compromisso selado com sua origem: a da estória. economizando meios narrativos.5 CADA CONTO.. deste e não de outro modo. Além disso. também. A seqüência dos elos que motivam a ocorrência de um conto tende. num determinado país. Se as noites em que se contavam os contos se desdobraram em mil e uma. tendem a causar uma unidade de efeito. em quase tantas quantos são os contos que se contam. adiar a morte. tensão das fibras do narrar. que. tendem também a se desdobrar. como organiza outras. Como são. um caso. E com o modo pelo qual se constrói este seu jeito de ser.. do doutor Mardrus. por sua vez. de outros gêneros. E com o modo de se contar a estória: é uma forma breve. a flagrar momentos especiais da vida. num tempo determinado. assim. Não há como não nos lembrarmos aqui de Jorge Luis Borges15 que escreve/lê as traduções de Mil e uma noites do capitão Burton. Porque são assim construídos. leram outras versões. E modos peculiares de um autor. são modos peculiares de uma época da história.. O que faz também. que o liga a sua tradição antiga. árabes. teórico. organiza a sua estória. que. ao desdobramento. parece que as tentativas de se buscar um elemento comum aos contos para além do simples contar estórias. tal qual sua antiga tradição. 1963. 4. 3. Minas. BRÉMOND. Claude. GOMES. Contos e contistas (13/09/1938). PANORAMA DO CONTO BRASILEIRO. 174-9. discute a questão do gênero. Rio de Janeiro. Quand le conte se constitue en objete(s). Bibliographie analytique et critique. 1969. 3. Thomas Nelson and Sons Ltd. p. antologia do conto mundial. H. Após considerações gerais e introdutórias sobre o conto. fornecem elementos úteis para a sua análise. Antologia que reúne contos desde os mais antigos até os mais recentes. Bates detém-se no exame de contistas modernos mais significativos. Celuta Moreira. A lógica dos possíveis narrativos. Cultrix. 11-23. 1. 11 v. 6 v. Otto Maria. Nova Fronteira. 1941. 1977. Martins. BOSI. Lise & CAMBSON. 2. O conto brasileiro contemporâneo. 2. GAUVIN. 5-8. 2 v. O artigo. In : VÁRIOS. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. A critical survey (1941). formando um substancioso e atraente painel da história do conto na literatura mundial. ed. São Paulo). TEXTOS SOBRE O CONTO 1. Mário de. Brasília-INL. Rio de Janeiro. feminino. Os contos agrupam-se segundo as regiões do Brasil de onde provêm (Norte. (1941-1974). London. Rio de Janeiro. p. 2. 7-22. p. Vozes. Bibliografia comentada de quase duzentos títulos. São Paulo. ANDRADE. Análise estrutural da narrativa. Oral/Écrit. Mar de histórias. da vida burocrática) e segundo sua história (os precursores do conto. Bibliografia. The modern short story. Paulo. Micheline. Aurélio Buarque de Hollanda & RÓNAI. selecionados dentre os cerca de 2 000 examinados. Univ. os contos românticos). orgs. p. ANTOLOGIAS 1. FERREIRA. org. fev. DEMERS. O conto brasileiro e sua crítica. Les Contes. O autor reduz as funções de Propp e aplica-as à narrativa em geral. São Paulo. fantástico. E. Biblioteca Nacional. 3. Com texto introdutório: “Situação e formas do conto brasileiro contemporâneo”. O acontecimento. 1959-1960. 45: 79-113. In: O empalhador de passarinho. Alfredo. Théorie/Pratique. de Montré aI. CARPEAUX. p. segundo os tipos de contos (trágico. A antologia evidencia a multiplicidade de direções do conto brasileiro contemporâneo ou pós-modernista. Littérature.. In: –. Civilização Brasileira. escrito a propósito de uma pesquisa da Revista Acadêmica que procurava determinar os dez melhores contos brasileiros. Vinte e cinco anos de literatura. 1972. Outros textos desta coletânea. 1972.6 BIBLIOGRAFIA COMENTADA BIBLIOGRAFIAS 1. Excelente levantamento bibliográfico num total de 5 253 referências. Civilização Brasileira. o que aparece criticamente anunciado no texto introdutório. 1978 em diante. Jeanne. 46 . BATES. 109-35. Petrópolis. embora não se refiram especificamente aos contos. 1975. Com Prefácio dos autores: v. agrupados cronologicamente e segundo as civilizações de onde provêm. . de Davi Arrigucci Júnior. Matthews. –1970. 227-70. 103-46).. 1969. CHKLOVSKI. 157-68. Eugene & PATRICK. “Poe: o poeta. Trad. Julio. Ensaios sobre o conto. escrito por ocasião da publicação dos Contos de Tchekhov com tradução e notas do prof. In: MATEJKA. formalistas russos. Buenos Aires. Concisa e inteligente abordagem do conto. Issue I. Henry. caso. p. chiste. suas relações com a poesia e prosa. 227-37). 11-38. 1968. p. Acompanhou a tradução da obra de Poe para o espanhol. Readings in Russian formalist and structuralist views. Contém três excelentes textos sobre o conto. 1958. Part IV. Carpeaux ressalta a importância do acontecimento nos contos de Tchekhov. 47 . KENYON REVIEW INTERNATIONAL SYMPOSIUM OF THE SHORT STORY. sobre a elaboração artística do conto e sobre os “artifícios” adequados à sua construção. Issue 4. p. p. São Paulo. V. Walton R. reunindo os que propõem definições (Poe. saga. Part III. Globo. Formas simples. Gustavo. “Cuento-artefacto” y artificios deI cuento. Matthews. Tchekhov. Editorial Nova. Rio de Janeiro. Krystyna. O conto urbano no Brasil. Analisa a trama da novela (e conto) e romance. Trad. trata de questões referentes aos seus próprios contos e aos contos em geral. o narrador e o crítico” (p. CURRENT-GARCÍA. Ring Lardner. da temporalidade. Boris Schnaiderman. CORTÁZAR. Joyce Carol Oates. James. Teoria da Literatura. tem tradução em português: “Sobre a teoria da prosa”. além de considerações sobre o conto fantástico. 9. a partir da qual desenvolve a leitura de Poe e de Kafka. LIMA. cit. p. a. em 1956. 31. Nesta conferência feita aos cubanos em 1963. Alceu Amoroso. Mario A. O conto popular. p. 1978. Glenview-Illinois. JOLLES. 1969. Estudiosos de diversos países discutem problemas referentes a definições de gênero. 450-502. com conclusões sobre o conto americano em geral e sobre as especificidades da novela (conto) e romance. Canby. De interesse também para o estudo do conto. A evolução do conto no Brasil. In: VÁRIOS. LIMA SO BRINHO. 10. ao lado de outras formas simples: legenda. mito. feita por Cortázar. 11. ed. In : VÁRIOS. Barbosa. p. Sherwood Anderson. 5. ditado. entre outros). entre outros). Op. Porto Alegre. Slavic Publications & University of Michigan. Scott. 1977. Part I. saber: “Alguns aspectos do conto” (p. De Poe a Kafka. formalistas russos. discute a esfericidade do conto. Brightqn-England. Ladislav & POMORSKA. adivinha. 1976. What is the short story? (1961). EICKENBAUM. Eu deba Editorial Universitaria de Buenos Aires. que discute a questão. este texto examina de forma conscienciosa e entusiasma da a obra de Poe. Contém textos de várias conferências. Bom material de informação sobre a história do conto. 89-108. 443-90. 147-66). Valise de Cronópio. 7. 61-87. S. panoramas de situação do conto nos seus respectivos países de origem. relações escritor j editor. CASTAGNINO. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Contém antologia de contos. negandolhes a denominação de contos sem enredo ou atmosféricos. Foresman and Company. 205-26.) Análise do contista norte-americano O. 1974. Buenos Aires. Raúl H. Issue I. determinando seus vários modos de combinação. 6. Cultrix. 78-108. O. memorável. Perspectiva. LANCELOTTI. eds. Frank O’Connor. tentando acompanhar o processo da criação. trechos de H. Examina o conto enquanto uma forma simples. Henry and the theory of the short story. A construção da novela e do romance. e diferenciando-os da forma artística. O capo II. Partindo de uma afirmação de Quiroga. 13. O. de Álvaro Cabra!. B.. Para una teorÍa dei cuento (1965). pronunciadas num curso de contos na Academia Brasileira de Letras. M. H. 31. do mesmo autor. Ann Arbor. eds. 8. André. 1974. São Paulo. Curso de conto. 12. Part lI. 2. 1971. Boris. 1968 (Colección Ensayos). p. p. Teoria da literatura.Neste artigo. “Do conto breve e seus arredores” (p. os que são contra regras e definições (texto anônimo sobre B. 58-94. William Saroyan) e os que tratam das novas direções do conto moderno (Katherine Anne Porter. Entre outros: BARROSO. discutindo a peculiaridade dos contos e questionando o caráter revolucionário dos escritores. Issue 4. p. . Albert d. Bristol. eit. 45-53. Brander. Variações sobre o conto. Editorial Nova (1967). Carl. 233-86. o policial. Rio de Janeiro. Macmillan & Co. p. Leon & WRIGHT. Estudio estructural y tipo lógico deI cuento. The short story: An underrated art. de Jaime Ferreira e Vítor Oliveira. Charles E. p. Buenos Aires. Herman.. Rio de janeiro. The structure of modern short story. PROPP. Buenos Aires. 20. p. p. ed.. 11: “The first part of the XIXth century”. Thomas A. Lisboa. até o próprio Charles May (1976). seus gêneros. O’CONNOR. In: V AN NOSTRAND. Short story theories. entre outros. Press. desde Poe (1842). Progresso. The short story (1948). 3. What makes a short story short? p. Alba & PIÉROLA. A. p. trata da evolução do conto em geral. 1972. GULLASON. 2. Walton R. 1976. por meio das traduções em outras línguas e das críticas e influências que suscitou. 45-52. p. 131-46. defendendo basicamente o conto moderno como produto de uma voz solitária. 13-31.. v. MEC-Serviço de Documentação. 6. 11-5 (Há tradução para o português: “Os contos de Hawthorne”. MAGALHÃES JÚNIOR. cito p. MA TTHEWS. The philosophy of short-story. 16. Raúl A. o estudo estrutural e tipológico do conto”. The lonely voice. V. Morfologia do conto. 1963. Ver também do mesmo autor: O conto. sua história.) Neste trabalho. de uma apresentação de vários gêneros de contos. 17. p. p. In: CURRENT-GARCÍA. 107-15. sua técnica. O’FAOLAIN. Rodolfo Alonso.. The philosophy of composition (1946) . 19. Elizabeth Janeway. Rio de Janeiro. 116-30. de 24 escritores e críticos. peculiaridade e popularidade do contista norte-americano Hawthorne. 1981. o epistolar. Ohio Univ. 1978. E. passando. E. Editorial Vega. 1958. Afrânio. Eugene e PATRICK. MAY. New Y ork. a study of the short story (1963). -. Evolução do conto. em colab. ed. 1968. Lidador. que trata da questão técnica do conto e faz leituras de A. 1972. 2. OLMIL. In: MAY. por: BADER. 52-8. Antologia de crítica literária.) 48 .. Definição do conto. 86-98. Liv. Louis B. L. ed. poesia & ensaios. What is the short story? Op. Vladimir. In: COUTINHO. Poe discute a originalidade. seus mestres. Elizabeth. org. Ltd.– org. Sul Americana. detendo-se na evolução do conto brasileiro. ed. LIMA. FRIEDMAN. da Bahia. sua relação com outras formas próximas. 18. (Esta edição inclui também: “As transformações dos contos fantásticos”. 21. 201-32 e “Euguéni Mélétinski. Obra inteligente do contista e professor de Literatura. Maupassant e Tchekhov. 39-56. Theodore A. A. com Milton Amado. sobretudo. Ficção completa. HOWARD. Rio de Janeiro. e notas por Oscar Mendes. Exame consciencioso da repercussão da obra de Propp. ed. In: BODE. Bloch. (Há tradução para o português: “Filosofia da composição”. Trata de vários tópicos referentes ao conto. p. Rio de Janeiro. Nadine Gordimer. In: POE. Texto fundamental para o estudo do conto. 1973. p. eds. em que Poe desenvolve uma teoria baseada no princípio da unidade de efeito. El cuento y sus claves. determina tipos de contos. o satírico. BOWEN. Sean. Ensaios sobre o conto. Op. 911-20. 1952. desde suas primeiras manifestações até o moderno conto argentino. e de outros mais. Stroud. Edgar Allan. Short story theories (1969). -. The faber book of modern short stories.14. trad. Trata-se. Daudet. American literature (1966). The writing – Nathaniel Hawthorne (1847). ed. Charles E. Univ. Washington Square Press. 22. A literatura no Brasil. 1972. Aguilar.) Reitera sua teoria da unidade de efeito e os modos adequados de se conseguir tal unidade explicitando o seu processo consciente de composição. Mercier Press. Review of Twice told tales (1842). p. A arte do conto. textos também de J ames Cooper Lawrence. Norman. Além destes. Obra elucidativa que comenta definições de conto de vários autores. 4. 1971. ed. Org. Eudora Welty. Trad. London. MÉLÉTINSKI. Frank. POE. evolução do conto. tais como o conto em verso. 15. R. o moral. . de Hudson” (p. v. Farta correspondência com vários escritores e amigos. p. Dover Publications lnc. ainda que de forma não sistemática. como os contos russos de Tchekhov e de outros autores afastam-se dos padrões. Obras inéditas y desconocidas. Arca. entre outros tópicos. Por falar em conto. Op. “EI cuento norte americano”. 126-8. ed. 1970. Suplemento de 7/11/1971. p. and other literary topics. Obra sucinta e objetiva. lan. “La retórica deI cuento”. a uma definição do conto maravilhoso. QUIROGA. “As transformações dos contos fantásticos”. das formas afins. Anton. 23. “Los trucs deI perfecto cuentista”. examina agora mais demoradamente suas origens ou suas fontes. New York. 60-5. Fundamentos. Paulo. cit. 92-6. Caracas-Madrid. The short story. Letters on the short story. the drama. Examina as mudanças ou transformações das formas fundamentais dos contos maravilhosos. e “Cadáveres frescos” (p. Methuen & Co. num alerta às múltiplas possibilidades de realização que o gênero oferece. SCHNAIDERMAN. há também: “Sobre El Ombú. 130-4). O Estado de S. Ltd. Montevidéu. Além destes. 1977. 25. 122-6). London. o teatro e a literatura em geral. p. que trata da definição e da história do conto. Las raices historicas del cuento (1946). Friedland.A partir da descrição de contos populares russos. Já havendo determinado a morfologia do conto e suas transformações. história e situação do conto. 1966. 24. TCHEKHOY. que trata da questão da tradução de contos. Horacio. In: VÁRIOS. assim. – . 114-7. -. REID. p. formada por funções constantes e chega. “Decálogo deI perfecto cuentista”. das suas qualidades essenciais enquanto gênero. p. 26. em que o contista uruguaio discute sempre com muita ironia problemas de teoria. Discute. Este volume traz vários textos de Quiroga sobre o conto: “EI manual deI perfecto cuentista”. . Teoria da literatura. formando um painel de questões teóricas. em que discorre sobre o conto. (1972). 49 .. Propp determina sua estrutura. 7. formalistas russos. 86-8. p. sobre a construção de dois contos seus. 65-9. Sobre literatura. Boris. Seleção e edição de Louis S. “La crisis deI cuento nacional”. “conjunto de acontecimentos ligados entre si que nos são comunicados no decorrer da obra” (B. trama. vegetais ou minerais. fábula. Estória: o que se conta numa narrativa e que pode ser recontado. em conjunto. uma parte da vida que adquire realce no conto e em torno do qual o conto se desenvolve. como a social. espaço. e também: estória curta. Acidente (ou incidente): acontecimento casual. fábula. Desfecho: desenlace. Epílogo: parte final da narrativa. por exemplo. o que se narra depois do desfecho ou resolução do conflito.). e a este último segue-se uma parte final da narrativa. um só lugar e um tempo (um dia).). resolve-se – ou se desfaz – no desenlace. em que se atinge o ponto máximo da tensão (conflito) e que traz ou anuncia o desfecho ou resolução do conflito. com final surpreendente e de caráter humorístico ou engraçado. desígnio (design). causada. Argumento: resumo ou síntese da ação ou do que acontece. Regra das três unidades: princípio que consiste em manter numa peça uma só ação. Plano: disposição das partes de uma obra. que pode estar. compõem o enredo. projeto. numa situação de incorrespondência amorosa ou num ato de injustiça social. intenção. por exemplo. e que tem objetivo moral. e também: narrativa simbólica na qual se instaura o equilíbrio de valores espirituais ou sociais em que cada um possa se situar e que fornece uma interpretação da existência (Bernard Dupriez). o conflito pode ir aumentando até o seu ponto máximo. uma instabilidade entre estas forças. dénouement (fr. que compõe a linha de ação. é contada. o epílogo. Anedota: relato curto. encadeamento dos episódios conforme eles aparecem organizados na narrativa. plot (ingl. Tomachevski). Enredo: como a estória. ou outro elemento de construção da narrativa. sem a preocupação de obedecer à ordem que tais acontecimentos ocupam na narrativa. se a ação é forte e predominante entre outros elementos de construção do conto.7 VOCABULÁRIO CRÍTICO Ação: atos praticados por um sujeito. Clímax: momento decisivo do enredo. ou atitudes e caracteres que. estória. Conflito: relação mais ou menos tensa de luta entre personagens ou entre personagens e outra força. após haver apreendido o objeto na relação entre suas partes e na relação com outros objetos (Joyce). Pode ser seguido de epílogo. organizando-se numa seqüência. resolução do conflito. cujos personagens são animais. por exemplo. Mito: enredo ou trama (Aristóteles). recompondo-se os fatos numa seqüência cronológica. episódio. este é chamado conto de ação. intriga. 50 . este agir. Simetria: regularidade no plano ou estrutura de uma obra. fazer ou acontecer se desenvolve em processo. o clímax. sob a forma de um desequilíbrio. Epifania: revelação súbita do que é um objeto. sujet (fr. Fábula: o que é contado.). pelo uso de um só elemento: um só episódio. Yarn (ingl. “o modo pelo qual as coisas que acontecem se organizam na narrativa” (B. Trama: enredo. unidade de efeito: o efeito que causa no leitor um texto.Sketch (ingl. que promove a situação de instabilidade numa narrativa. quadro ou peça dramática de caráter estático. Tomachevski) . até a resolução do conflito ou o desfecho. intriga. de caráter fantástico. esboço. de caráter descritivo. Tensão: intensidade de força entre elementos de uma narrativa. que representa como é ou está alguém ou alguma coisa. ou seja. que alimenta o conflito entre elementos. um único episódio que pode ter acontecido com alguém. do gênero “acredite se quiser”. de forma a possibilitar a sua visão de conjunto. ou o medo (contos de terror) ou a curiosidade do leitor. Unidade: organização das partes de um objeto num todo único. estória ou acontecimento breve.): texto em prosa curto. 51 . contado em linguagem coloquial. adiando o desfecho e. caracteres soltos e independentes.): anedota. assim. instigando a tensão. retrato. de modo a lhe permitir uma impressão total ou do conjunto da obra (Poe). sem interrupções. Suspense: técnica narrativa que consiste em “suspender” a ação. se lido de uma só vez. 1973. 1967. p. Ática. p. Obra completa. Trad. 2 MACHADO DE ASSIS. Texto e contexto. 177-87. O escorpião encalacrado.. ed. A máscara e a fenda. p. 437-57. ed.o Górki vêm com tradução de Sophia Angelides [Carta e literatura (a correspondência Tchekhov e Górki). Tempo Brasileiro. São Paulo. CURVELLO. 3. ed. 1953. 9 LISPECTOR. 135-6. Laços de família. V. 15-25. 13 MACHADO DE ASSIS. 75-97. começa assim: “Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei si o que eu vou contar é conto ou não. 1976.. 1974. São Paulo. Rio de Janeiro. São Paulo. 1979. Petrópolis. Trad. 105-38. Bestiario (1951). 806. Valentim. p. Alianza editorial. 1971. In: –. 7. 3 LÉVI-STRAUSS. 1974. Semântica estrutural. 1974. 52 . 7 WOOLF. FATEA. Obra completa. Obra completa. Historia de la eternidad (1953). 1982. Harcourt Brace Jovanovich. p. Rio de Janeiro. 2. ln: –. H-8. 1973. J. 5 Ver ROSENFELD. 14 BOSI. Alfredo. The Russian point of view. p. ~. p. Los traductores de las 1001 noches. Rio de Janeiro. Buenos Aires. São Paulo. In: –. 1973. Anatol. In: –. Rio de Janeiro. Reflexões sobre o romance moderno. 10 MACHADO DE ASSIS.NOTAS 1 Lembre-se ainda que o conto “Vestida de preto”. (1925). Rio de Janeiro. Davi. 12 CORTÁZAR. Claude. 15 BORGES. (1960). 1965. In: –. ed. 2. 60511. 2. Lorena. 6 As citações de cartas de Tchekhov a MáxirtJ. de Haquira Osakabe e Isidoro Blikstein. New York/London. Aguilar. 476. Antropologia estrutural (1958).. de Remy Filho. Clarice. Jorge Luis. Expressão e Cultura. 4 GRElMAS. (1966). Aguilar. Martins. do Autor. 1971. v. Missa do Galo. São Paulo. Ed. de Mário de Andrade. Virginia. Machado de Assis. Perspectiva. 00. Tese mimeografada apresentada à FFLCH-USPl E devo à gentileza de Ana Lúcia Gazolla a revisão de algumas das traduções do inglês citadas neste trabalho. 11 Ver esta relação desenvolvida em: ARRIGUCCI JR. 8 Uso a tradução feita por Olga de Sá em A escritura de C/arice Lispector. v. sei que é verdade” (Contos novos. p. 3. Instinto de nacionalidade. 3. Vozes. 7). A. In: –. Julio. p. Aguilar. Rio de Janeiro. Perspectiva. Mário & FACIOLI. In: GARBUGLIO. The Common Reader. p. Cultrix. p. Casa tomada. Amor. José Carlos.
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