Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva - Christiano Cassettari - 2015
Comments
Description
CHRISTIANO CASSETTARIMULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA 2 a EDIÇÃO EFEITOS JURÍDICOS MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA Para alguns livros é disponibilizado Material Complementar e/ou de Apoio no site da editora. Verifique se há material disponível para este livro em atlas.com.br CHRISTIANO CASSETTARI MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA EFEITOS JURÍDICOS SEGUNDA EDIÇÃO Atualizada até dezembro de 2014 SÃO PAULO EDITORA ATLAS S.A. – 2015 © 2013 by Editora Atlas S.A. 1. ed. 2014; 2. ed. 2015 ABDR Capa: Leonardo Hermano Composição: Formato Serviços de Editoração Ltda. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cassettari, Christiano Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos / Christiano Cassettari. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. Bibliografia. ISBN 978-85-224-9756-0 ISBN 978-85-224-9757-7 (PDF) 1. Direito de família 2. Filiação (Direito) 3. Filiação socioafetiva 4. Multiparentalidade 5. Parentalidade socioafetiva 6. Parentesco (Direito) 7. Relações familiares 8. União estável (Direito de família) I. Título. 13-10633 CDU-347.6 Índice para catálogo sistemático: 1. Direito de família : Direito civil 347.6 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei no 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Editora Atlas S.A. Rua Conselheiro Nébias, 1384 Campos Elísios 01203 904 São Paulo SP 011 3357 9144 atlas.com.br Quando o direito ignora a realidade esta se vinga e ignora aquele.” Antoine de Saint-Exupéry .“O direito não deve ignorar a realidade.” Georges Ripert “Você se torna eternamente responsável por aquilo que cativa. . 55 1. 51 1. 40 1.11 A titularidade do direito de buscar o reconhecimento dessa parentalidade.2 O conceito de parentalidade socioafetiva. 64 . 1 1 A PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA.7 A “adoção à brasileira”. 17 1. 5 1.4 Os requisitos para a sua existência. xi Apresentação (Rodrigo da Cunha Pereira).6 A adoção de fato (filho de criação). xv Apresentação (Luiz Edson Fachin). xxiii Introdução.8 Os filhos havidos fora do casamento.10 Os filhos decorrentes da relação de padrastio e madrastio. 35 1.12 O consenso é elemento obrigatório?. 5 1. 51 1. xix Prefácio (Carlos Alberto Dabus Maluf). 56 1. 44 1.3 Parentalidade socioafetiva: direito ou dever dos pais?.1 Breves comentários sobre a evolução histórica do conceito de parentesco.9 Os filhos havidos por reprodução assistida heteróloga. 29 1.5 A posse de estado de filho.SUMÁRIO Obras do autor. 9 1. 91 1. 152 2.14 A parentalidade socioafetiva: matéria de ataque ou defesa?.6 Os efeitos registrais civis do reconhecimento da parentalidade socioafetiva: o direito de modificar o nome e de incluir os novos pais e avós. 71 1. 146 2.2 Os alimentos entre parentes socioafetivos. 126 2.13 A socioafetividade aplicada para impedir a expulsão do estrangeiro do país onde comete crime.12 A socioafetividade na união homoafetiva em decorrência do julgamento do STF que a equiparou à união estável heterossexual para autorizar a adoção conjunta de crianças e adolescentes por casais homossexuais.1 A extensão da parentalidade com outros parentes de quem a reconhece.8 Os direitos previdenciários entre parentes socioafetivos.3 A guarda de filhos socioafetivos. 155 .4 O direito de visita aos filhos e aos pais socioafetivos. 102 2 OS EFEITOS DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. 127 2.16 A maternidade socioafetiva. 75 1. 69 1.viii MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari 1. 86 1. 128 2. 82 1.20 A posição do STJ sobre essa modalidade de parentalidade. 140 2.13 Reconhecimento post mortem. 72 1. 113 2. 151 2. 125 2.15 A ação judicial adequada para o reconhecimento dessa parentalidade.22 A experiência portuguesa do apadrinhamento civil.18 O reconhecimento voluntário de parentalidade socioafetiva e o papel do cartório de registro civil. 87 1.17 O reconhecimento judicial é incidental ou autônomo?.21 A posição no direito estrangeiro.5 A sucessão entre parentes socioafetivos. 113 2. 116 2.19 Reconhecimento por escritura pública.9 A inelegibilidade em razão da filiação socioafetiva.7 O exercício do poder familiar decorrente da filiação socioafetiva. 79 1. 150 2.11 O abrandamento da presunção pater is est em decorrência da socioafetividade: sangue × afeto. 140 2.10 A ação negatória de filiação socioafetiva: possibilidade ou impossibilidade?. novamente na relação de madrastio (em razão da morte da mãe) e padrastio (em decorrência do reconhecimento da parentalidade biológica posteriormente).6 Mais um caso de multiparentalidade fruto da relação de padrastio com adoção à brasileira. 186 4.4 Outros dois casos de multiparentalidade fruto da relação de madrastio e padrastio no Recife. Adoção para gerar a multiparentalidade materna. Adoção para gerar a multiparentalidade paterna no Amazonas. 179 4.7 Os casos de multiparentalidade no Rio Grande do Sul. 237 . PR e MG. Multiparentalidade materna. Multiparentalidade materna no estado de São Paulo. 201 4.10 Mais casos de multiparentalidade noticiados nos Estados de RO. Multiparentalidade materna numa relação adotiva.13 A necessidade de a paternidade e a maternidade socioafetivas serem averbadas no registro civil. 191 4. 205 4. Multiparentalidade paterna no Distrito Federal. Multiparentalidade paterna em Rondônia. 233 Referências .11 O fundamento da multiparentalidade: a igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva.8 Mais um caso de multiparentalidade no Acre. agora em Sergipe.9 Mais um caso de multiparentalidade.3 Outro caso de multiparentalidade fruto da relação de padrastio. 157 4 A MULTIPARENTALIDADE. RJ.5 Outro caso de multiparentalidade fruto da relação de padrastio. 176 4. mas com sentenças não disponíveis para estudo. 196 4. Multiparentalidade materna e paterna. 169 4. 218 4. Adoção para gerar a multiparentalidade paterna no estado do Paraná.12 Alguns problemas práticos advindos da multiparentalidade. 214 4.2 O julgado de multiparentalidade fruto da relação de padrastio e madrastio. 226 Conclusão . 210 4. 181 4.1 O caso que reconheceu a necessidade de coexistência das parentalidades biológica e afetiva em respeito à memória da mãe falecida. 190 4. Sumário ix 3 A BIPATERNIDADE E A BIMATERNIDADE COMO CONSEQUÊNCIA DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. . São Paulo: Revista dos Tribunais. ed.). tabelionato de notas e protestos. Direito agrário. COUTO. In: BRUSCHI. 2008 (Direito civil. 8). publicada pela Editora Saraiva.). 2013. registro civil de pessoa natural e jurídica. 10 anos de vigência do Código Civil Brasileiro de 2002: estudos em homenagem ao professor Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Atlas. Considerações sobre as cláusulas de inalienabilidade.OBRAS DO AUTOR Elementos de direito civil. 4. A importância de Zeno Veloso para o Direito. Gilberto Gomes.). PEREIRA. ed. 2015. Christiano (Org. divórcio e inventário por escritura pública: teoria e prática. tais como: regis- tro de imóveis. Multa contratual. Planejamento matrimonial: as consequências da modificação do regime de bens no casamento. composta de vários livros que tratam de todas as especialidades registrais e notariais. Pastora do Socorro Teixeira (Org. In: LEAL. (Org. Coordenação da Coleção Cartórios. Em cocoordenação com Márcia Maria Menin. São Paulo: Método. São Paulo: Saraiva. Thomaz Henrique Junqueira de A. 2013. São Paulo: Saraiva. Mônica Bonetti. 7. 2012. 2012. v. São Paulo: Atlas. São Paulo: Revista dos Tribunais. Código de normas da Corregedoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro: legislação extravagante para notários e registradores. Separação. Rio de Janeiro: Elsevier. São Paulo: Método. . Ruth Maria Junqueira de A. Código de normas da Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo: legislação estadual e muni- cipal para cartórios. ed. 2014. incomunicabilidade e impenhorabilida- de. Zeno Veloso. São Paulo: Atlas. In: CASSETTARI. em 2013. Direito processual empresarial: estudos em homenagem a Manoel de Queiroz Pereira Calças. 2. 2012. Direito das sucessões. SILVA. Direito civil constitucional e outros estudos em homenagem ao Prof. 2012. registro de títulos e documentos. 2013. Pereira e. Salvador: Juspodivm. Rafael Villar. 1.). processuais. 2008. 1. . As consequências materiais. São Paulo: Método. 1. Famílias no direito con- temporâneo: estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lôbo (vários autores). notariais e registrais da EC 66 de 2010 na separação e no divórcio. Curitiba: Juruá. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método. Questões controvertidas: parte geral do Código Civil (vários autores). Código das famílias comentado. Introdução crítica ao Código Civil (vários autores). São Paulo: Revista dos Tribunais. In: VENOSA.441/2007. Direito contratual: temas atuais (vários autores). São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011. 2008. In: COLTRO. Maria Bere- nice (Org. partilhas e inventários extrajudiciais: questionamentos sobre a Lei 11. Uma análise do instituto descrito no art. Separação. v.). Aspectos controvertidos na sucessão decorrente da união estável: uma evolução histórica. Belo Horizonte: Del Rey. Guarda compartilhada: uma análise da Lei 11. ed. In: DIAS. As consequências da modificação do regime de bens no casamento. Direito civil e processo: estudos em homenagem ao Professor Arruda Alvim (vários autores). O abandono afetivo dos filhos como fato gerador da responsabilidade civil dos seus pais – uma visão constitucional.). 2. 1. São Paulo: Método. 2009. Direito das famílias: contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira (vários autores). Comentários aos artigos 1. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. Antonio Carlos Mathias. São Paulo: Atlas. In: ALVES. 8. v. 2012. 10 anos do Código Civil: desafios e perspectivas. Aspectos práticos da responsabilidade civil contratual: uma análise da aplicação dos enun- ciados da IV Jornada do Conselho da Justiça Federal sobre a função social da cláusula penal. DELGADO. 2006. A abrangência da expressão “ser consensual” como requisito para a separação e o divórcio extrajudiciais: a possibilidade de realizar escritura pública somente para dissolver o casa- mento e discutir judicialmente outras questões. Guarda compartilhada (vários autores). 2010. 2011. Aspectos notariais e registrais do contrato de convivência homossexual. 2007. Salvador: Juspodivm.xii MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari O contrato de convivência na união estável homossexual após o julgamento pelo STF da ADI 4.280/2006: uma análise das dicotomias existentes em decorrência da revogação do artigo 194 do Código Civil. v. v.277 e ADPF 132. divórcio. Questões controvertidas: direito das coisas (vários autores). Mário Luiz (Org. Sílvio de Salvo. GAGLIARDI. Leonardo Barreto Moreira (Org. 2007. §§ 4o e 5o do Código Civil: pontos divergen- tes e convergentes. Diversidade sexual e direito homoafetivo. As novas regras de prescrição após a Lei 11.). São Paulo: Método. 2009. ed. Família e sucessões: reflexões atuais (vários autores). 2011.517 a 1. NASSER. Leituras complementares de direito civil: direito das famílias (vários autores).698/2008. Paulo Magalhães (Org. As consequências do processo judicial de modificação do regime de bens no casamento. 2.524 do Código Civil. São Paulo: Método. 2010. 6.228. Aspectos notariais e registrais do contrato de convivência homossexual. 2009. 1. São Paulo: Método. v. v. Belo Horizonte: Del Rey. 2006 (Biblioteca científica do direito civil e processo civil. v. 3). Responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo de seus filhos: dos deveres constitucio- nais. Curitiba: Juruá. Obras do Autor xiii Direitos da personalidade: questões controvertidas acerca das técnicas de reprodução as- sistida e o problema da clonagem humana. v. 2005. A função social da obrigação: uma aproximação na perspectiva civil constitucional. 2006. Arte jurídica (vários autores). Direito civil: direito patrimonial e existencial – Estudos em homenagem à professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (vários autores). 1. A influência da principiologia da nova teoria geral dos contratos na análise dos efeitos do contrato de fiança locatícia. 2005. A outra face do Poder Judiciário (vários autores). 4. São Paulo: Método. . Questões controvertidas no Código Civil no direito das obrigações e dos contratos (vários autores). . com sua antropologia estruturalista. Acrescenta-se à história da parentalidade socioafetiva que o primeiro núcleo familiar conhecido a estabelecer paternidade socioafetiva foi a família de Nazaré. Pensar e construir um pensamento jurídico sobre a socioafetividade só é possível a partir da compreensão de que família não é um elemento da natureza. e o psicanalista Jacques Lacan.APRESENTAÇÃO Há novas estruturas parentais em curso. já demonstraram isso ao mundo. Uma delas. e não natural. levantando seus aspectos polêmicos e enfrentando respostas. ela pode sofrer variações no tempo e no espaço. É da cultura. ao nos lembrar que a origem do parentesco não está necessariamente ligada aos laços sanguíneos. embora já não seja novidade. Foi a psicanálise lacaniana que trouxe a maior contribuição para . e como diz Caetano Veloso: E a mente apavora o que ainda não é mesmo velho/E foste um difícil começo/Afasto o que não conheço/E quem vem de outro sonho/ feliz de cidade. Ele sai na frente. Se assim não o fizesse ela talvez nem existisse mais. ou como sua consequência. como tudo que é novo. na Grécia e em Roma. E nesse sentido os franceses Claude Lévi-Strauss. José não era o pai biológico de Jesus. não apenas de tratar desse novo tema. e no entanto o teve como seu verdadeiro filho. O assunto é novo. a multiparentalidade. Mas o Professor e Advogado Christiano Cassettari teve a coragem e ousadia. em cuja base assente-se a religião cristã. E é por isso que a família está sempre se reinventando. e que reclama proteção jurídica. inclusive buscando raízes históricas remotas. mas principalmente aos ritos religiosos e à comunidade dos deuses domésticos. mas também deixando perguntas para incitar outros estudos e aviventar a dialética do Direito. Se a família é um fenômeno cultural. que já se apresenta em seu desenvolvimento. é a parentalidade socioafetiva. Ainda gera resistência. sem entretanto estarem necessariamente ligados biologicamente. Por isso é que se pode dizer que a verdadeira paternidade é adotiva. que desvinculou a ideia de posse das relações entre sujeitos. como já se estabeleceu desde sempre. e sua consequente multipa- rentalidade. Quem primeiro as utilizou foi o jurista paranaense Luis Edson Fachin. E assim. após o jurista mineiro. o princípio da afetividade. “de filho”. Aí está a origem próxima e base de sustentação da socioafetividade e multiparentalidade. é perfeitamente possível e necessário estabelecer uma relação jurídica entre filhos e pais socioafetivos. lugar de filho. são uma criação da doutrina brasileira. essencialmente. Com base nessas premissas. porque a família. estabelecendo . se não se adotar. contém mandados de otimização para todo o sistema jurídico. que aliás entra na categoria da socioafetividade. Para Lacan. Princípio é norma jurídica que dá o comando e paira sobre todas as regras (leis). A maior prova do acerto dessa teoria lacaniana é o milenar instituto de adoção. sob o título “Estabelecimento da Filiação e Paternidade Presumida” (Ed. solidariedade. O seu conceito é importante para o mundo jurídico. por exemplo. lugar de mãe. Ficou mais humanizada. João Baptista Villela. paternidade responsável. em sua tese de doutoramento. Os laços de sangue não são fortes o suficiente para sustentar e garantir a paternidade e maternidade. através de seu texto “A desbiologização da paternidade”. isto é. publicada em 1992. E foi assim que o afeto tornou-se um valor jurídico. ganhou status de princípio jurídico. ao deixar de ser. na filiação adotiva. é que autorizam a pensar essas novas estruturas parentais em que se insere a socioafetividade. família é uma estruturação psíquica onde cada membro ocupa um lugar. E agora. Ganhou mais humanidade. Lugar de pai. o desenvolvimento da socioafetividade. O sustento está no afeto e na estrutura psíquica que se cria a partir dele. igualdade entre os filhos. sustentados pelo princípio da dig- nidade humana. uma função. As expressões “paternidade socioafetiva”. Del Rey). o filho. Com a Constituição da República de 1988 e a consolidação do princípio da dignidade da pessoa humana. mesmo biológico. proteção do bem de família e sua impe- nhorabilidade. perdeu sua rígida hierarquia patriarcal e tornou-se muito mais o espaço do amor e do afeto. de fato e verdadeiramente. não haverá o laço fundamental que estrutura a relação de paternidade/maternidade. ter lançado as bases para o desenvolvimento desse conceito. na esteira da evolução jurídica. tão bem demonstrada pelo autor. a fim de se buscar e atribuir direitos. um núcleo econômico e de reprodução. Só é possível pensar e considerar a socioafetividade. e nem mesmo um liame jurídico predeterminado. como. e depois “parentalidade socioafetiva”. A ideia da socioafetividade tem seu embrião nas expressões “posse de estado”.xvi MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari o conceito de família. Se a paternidade e maternidade são funções exercidas. já absorvidas pela jurisprudência. ou “de pai”. associado aos princípios da responsabilidade. hoje já em desuso em razão das novas concepções do Direito de Família. o autor enfrenta corajosamente as ques- tões mais tormentosas dessa nova concepção jurídica de parentesco. que é. o contrário. não podemos esquecer que é plenamente possível a existência de essa parentalidade biológi- ca sem afeto entre pais e filhos. um novo instituto jurídico português trazido pelo autor como direito comparado). A coexistência da paternidade/maternidade biológica. e não é por isso que uma irá prevalecer sobre a outra. seu caráter e até mesmo a sua dignidade estão diretamente relacionados à medida do amor e do afeto que recebeu de seus pais. E. ambos são igualmente significativos para o filho. Em outras palavras. A formação de sua personalidade. em algumas situações o vínculo afetivo deve prevalecer sobre o biológico. registral e socioafetiva apresenta-se. autor de vários livros e trabalhos em Direito de Família e Psicanálise. que pode ter uma dupla maternidade/paternidade. uma consequência ou desdobramento do desenvolvimento da teoria da socioafetivida- de. biológicos ou socioafetivos. é necessário persistir na pergunta que não se cala nunca: Como e qual vínculo de parentesco é melhor para a pessoa? O que determina a felicidade do sujeito? Sua boa estruturação psíquica está muito além do vínculo genético com seus pais. Afinal.” Eis aí uma das justificativas expostas pelo autor para defender sua tese da multiparentalidade. E não deixa de enfrentar a tormentosa igualdade de direitos entre a parentalidade biológica. Às vezes paradoxal: “Assim sendo. inclusive a partir de uma leitura jurisprudencial. em breve. seja decorrente de uma relação de madrastia ou padrastia. é isso que dará a ele a ca- pacidade de compreender a essência de estar no mundo. e consequentemente toda a parentalidade. Apresentação xvii posições firmes. uma vez estabelecida. nem será tão diferente quanto pode parecer hoje. é irrevogável (diferentemente do apadrinhamento. registral e socioafetiva. ou seja. sua capacidade de dar e receber amor. Advogado em Belo Horizonte. em outras. como se disse. não há prevalência de um sobre o outro. . como por exemplo: que a paternidade. Apenas diferente da maioria. e que sua felicidade dependerá de sua compreensão daquilo que é realmente essencial. Rodrigo da Cunha Pereira Presidente do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família – Doutor (UFPR) e Mestre em Direito Civil (UFMG). Para se chegar a uma relação jurídica que se aproxime mais do ideal de justiça nestas novas concepções e estruturas parentais e conjugais. como bem expressou o autor. em outras. Tem gente que tem mais de um pai ou mais de uma mãe. pelo contrário elas devem coexistir em razão de serem distintas. pode gerar direito a alimentos e sucessões. onde mantém sua “clínica do Direito”. pode ser em ação própria ou incidental. pode ser reconhecida post mortem. muitas vezes em situações conflitantes. e provavelmente. ou seja. seja de uma relação homoafetiva em que houve inseminação artificial com material genético de terceiros etc. Isto não é anormal. . as possibilidades e os paradoxos da inseminação artificial. tanto para apresentar respostas às demandas desafiantes dos fatos quanto para colocar no palco acutíssima análise de jurisprudência.. monoparentais. para quem “A família [. pouco importando o modelo que adote. homoafetivas. e por isso mesmo singular no captar o desenvolvimento tecnológico. pois ao lado de extensa fundamentação teórica soube haurir um objetivo prático. famílias reconstituídas. nas relações interprivadas e nas famílias.. reproduções assistidas. Trata-se. Esse desiderato pode ser traduzido nas lúcidas e sensíveis palavras de Paulo Lôbo. A afetividade (legatária da fraternidade) desponta. marcado por formações e arranjos plu- rais.] reencontrou-se no fundamento da afetividade. sem favor algum. na sociedade. na qual uma pluralidade de no- vos e complexos arranjos é identificada: uniões livres. É um texto antenado com o tempo presente. a fim de evidenciar que o presente não se edifica com os olhos vendados para o pretérito. na comunhão de afeto. à aplicação dos direitos fundamentais. Movido pelo princípio da afetividade. por exemplo. chegando ao núcleo da constitucionalização do direito civil. inclusive o que se constitui entre um pai ou mãe . simultâneas. nesse contexto. atento. de um livro que nasce para nutrir a sede de saber de estudantes e de estudiosos. o autor percorreu resgates históricos. da igualdade e da fraternidade. Calha reiterar o óbvio: passados séculos da revolução que se armou em torno da liberdade. como fundamento das relações familiares.APRESENTAÇÃO Um direito plural num tempo singular A travessia da vida para o direito vem de receber ímpar contribuição nas palavras e ideias de Christiano Cassettari ao investigar os efeitos jurídicos da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva. não é serôdia a constatação de que a família tradicional passou por uma transição paradigmática. nele situados. por conseguinte. visto sua maior responsividade e permeabilidade à realidade subjacente. Análise acurada e discussão precisa acerca dos principais dilemas: é o que se de- preende da leitura desta obra. Numa palavra: desde já figura este livro como fundamental referência doutrinária. 2004. O diálogo da teoria com os casos do mundo da vida ilumina os posicionamentos adotados pelos tribunais. matrimonial ou registral). Reconhece-se a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais entre particulares. encontra fundamento na Constituição. mas do lado deles se apresentou como relevante uma ligação afetiva. investigação engrandecedora das veredas do 1 LÔBO. identificando a necessidade de alterações de diversas leis. Belo Horizonte: Del Rey. a jurisprudência tem papel de destaque. com todas as suas vicissitudes. A razão. Paulo Luiz Netto. ainda que implícito. é de Ricardo Lucas Calderón a configuração assertiva: O início deste século XXI tornou perceptível como a afetividade passou a figu- rar de forma central nos vínculos familiares. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Christiano Cassettari traz. não em substituição aos critérios biológicos ou matrimoniais (que persistem. Há uma dimensão substancial e um norte prospectivo que se traduzem na problematização dos limites que separavam o público e privado. Sem dúvida. 2013. na solidariedade social e na igualdade. o afetivo com algum outro (biológico. derivada do direito constitucional positivo. Rio de Janeiro: Renovar. com inegável importância).2 A obra que temos a honra de apresentar dá lugar de destaque ao exame realizado pelo autor sobre as consequências jurídicas da parentalidade socioafetiva. p. não é apenas formal. Cassettari se guia pela força vinculante da dimensão constitucional principiológica ao analisar a parentalidade sob a supremacia da socioafetividade. 205. 2 CALDERÓN. Em grande parte dos casos se acumulam duas ou mais espécies de elos. p. É imperativo reconhecer que a Constituição da República de 1988. 513. Cassettari é propositivo. nada obstante. Nessas águas também se banhou a afirmação segundo a qual o estado de filiação não deve subsistir com base somente no critério biológico. Ricardo Lucas. por meio desta obra. requer a análise do Direito das Famílias sob o prisma constitucional. Anais IV CONGRESSO DE DIREITO DE FAMÍLIA. embasando-se na dignidade da pessoa humana. In: PEREIRA. agora revistos.xx MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari e seus filhos. Princípio da afetividade no direito de família. . Destarte. Rodrigo da Cunha. O princípio da afetividade. irradiando seus princípios e valores por todo o ordenamento. contributo à teoria e à prática dos consensos e dissensos familiares. alicerçado na jurisprudência que enriquece de modo colossal a discussão do tema.”1 Sintonizado com as transformações fáticas. Luiz Edson Fachin Professor Titular da Faculdade de Direito da UFPR . Apresentação xxi pensamento jurídico. a fim de possibilitar a melhor compreensão da complexidade da vida e o repensar de respostas mais eficazes das demandas. Um belo e lúcido contributo que reconhece o direito em suas plúrimas facetas num tempo singular e desafiador. . do qual fui orientador. trazendo. defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. . aborda ainda os vários tipos de adoção. em seguida cuida do conceito de parentalidade socioafetiva. apresentando seminários de grande valor científico. No segundo capítulo. traça ainda considerações sobre os efeitos registrais civis do reconhecimento da paternidade. Christiano Cassettari. No primeiro. é um pesquisador profundo. as diversas hipóteses de paternidade e filiação. CHRISTIANO CASSETTARI. por unanimidade. o poder familiar. a problemática dos alimentos. não sendo surpresa para mim que tenha apresentado o trabalho que redundou nesta obra. além de ser requisitado conferencista e autor de interessantes artigos e monografias. como alienígena. a guarda de filhos e dos direitos de visita e sucessão. tanto do direito brasileiro. e que. foi aprovada. foi um aluno dedi- cadíssimo. perante banca de doutorado por mim presidida. o Doutor Cassettari trata dos efeitos da parentalidade socioa- fetiva. ainda. o direito previdenciário. enfrentando a sua extensão. e finaliza o capítulo apresentando jurisprudência sobre a matéria. demonstrando grande interesse. Tem ele intensa atividade acadêmica. participando de todos os debates sempre com intervenções oportunas. dos direitos e deveres advindos da paternidade. apresenta também interessantes estudos inerentes ao reconhecimento de pa- ternidade. O autor dividiu o tema em três grandes capítulos. é docente de importantes instituições de ensino jurídico em todo o território nacional. durante todo o curso de pós-graduação. aborda a evolução histórica do conceito de parentesco. subsídios do direito estrangeiro.PREFÁCIO Vem a lume a obra Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos elaborada com grande esmero pelo Dr. os requisitos para a sua existência. xxiv MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari terminando o capítulo com estudos sobre ações inerentes à matéria. Trata-se. onde aborda im- portante decisão do Pretório Excelso. que muito enriquecerá a literatura jurídica pátria. Prossegue o autor. no terceiro capítulo. moderna. a obra com proficientes considerações. o emblemático tema da paternidade de casais homossexuais. aqui enfrentada com afinco. de obra de inequívoco valor científico e conteúdo programático que muito auxiliará os operadores do direito a dirimir tão complexa. analisando. enfim. agosto de 2013. à luz do direito pretoriano. brilho e dedicação. concluindo. finalmente. São Paulo. intitulado “A dupla paternidade e materni- dade como consequência da parentalidade socioafetiva”. Carlos Alberto Dabus Maluf Professor titular de Direito Civil da Faculdade de Direito do Largo São Francisco – USP/SP . avançada e cada vez mais visível temática. o trabalho do autor destaca-se pela originalidade e ineditismo. Em suma. Algumas pessoas foram determinantes em minha vida para que eu pudesse realizar o antigo sonho de cursar o doutorado na minha querida Faculdade de Direito do Largo São Francisco: . e ao meu sobrinho socioafe- tivo Raphael pela convivência familiar. Eles são a razão da minha existência e por eles luto diariamente. como sempre fez durante toda a sua vida. Amo vocês! Aos meus cunhados. e à minha tia Nanci. que custeou com muito esforço meu curso de graduação. mas que. no local desejado desde a infância. de preocupação e de cansaço. À minha mãe Norma. A vocês. que sempre me deram amor e carinho e me criaram com todo afeto. certamente. vibrou com essa vitória lá do céu. A São Francisco de Assis. que tiveram paciência para que esta tese fosse escrita e concluída. pela infinita bondade e por ser fonte inesgotável de amor e afeto. Maria Helena. por ter me ouvido nos momentos de angústia. por sempre estarem presentes. padroeiro da minha querida Faculdade de Direito. nosso criador.AGRADECIMENTOS A Deus. o meu amor eterno. À minha esposa Cristina e aos meus filhos Júlia e João Vítor. torceram muito para que eu chegasse e concluísse o doutorado. trazendo-me paz e tranquilidade para seguir minha caminhada. que está inserida no endereço que recebe o seu nome e ao lado da Igreja que o venera. para que possamos ser felizes. que não presenciou ao meu lado o ingresso no douto- rado. à minha avó Antonieta. que também sempre esteve na torcida em todos os meus trabalhos. Ao meu sogro. À minha sogra. A Ele devo tudo o que tenho e o que consegui conquistar na minha vida. bem como por ter sido o meu maior advogado junto a Deus Pai todo poderoso para que eu conseguisse realizar este sonho do doutoramento. pude desenvolver esta tese. em Toledo. com sua experiência de vida. Seus valiosos conselhos sempre foram bem recebidos e acatados. na difícil prova de proficiência organizada pela Fuvest. herdeiro da cátedra que pertenceu a Washington de Barros Monteiro. pelo apoio no tenso momento da seleção de ingresso ao doutorado e pela torcida e palavras de afeto em todo o processo. Obrigado ao amigo Mário Luiz Delgado Regis. dando-me a honra de ser seu orientado. pois. que me franquearam muito aprendizado e uma belíssima convivência nesse período. Com sua orientação segura. Universidade de Coimbra e na Universidade Clássica de Lisboa. admirada por grandes juristas. E juntos fomos à Europa por duas vezes. faço um especial agradecimento. generosamente. Obrigado. Pessoa de caráter. me permitiu ingressar no doutorado das Arcadas de São Francisco. Aos meus professores. Juntos fizemos boa parte dos nossos créditos e pudemos compartilhar todas as dificuldades de conciliar estudo e trabalho. ao menos. Castilha de La Mancha. pudemos. em 2010. agradeço. os meus professores de italiano Giuliana Gianessi e Felice Cardinale. Ao meu orientador. pois sem vocês nada disso teria começado. Foi ele que. O Professor Maluf é um exemplo de mestre e de homem. e depois a Portugal. Contudo. Fernando Campos Scaff. Obrigado. que foram fundamentais para que eu pudesse. De muitos deles tive a grata satisfação de me tornar amigo. ser aprovado. Dois aventureiros que sofreram com a ausên- cia da família nessas viagens e com a impossibilidade de fazer turismo nas belas cidades em que passamos e que eram admiradas pelas janelas dessas instituições. Juntos fizemos a seleção de ingresso e vibramos com nossa aprovação.xxvi MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Primeiramente. Rui Geraldo Camargo Viana. trazer em nossas bagagens muitos presentes para nós: vários livros jurídicos. em 2012. alguns de fora de São Paulo. mesmo depois da defesa desta tese. ele será meu orientador e mentor por toda a vida. em especial ao sempre presente Mauricio Baptistela Bunazar. Tive a oportunidade de ser seu aluno em duas matérias e aprendi muito com suas valiosas lições jurídicas e humanas. conseguia me mostrar coisas que minha juventude não me deixava perceber. Aos vários amigos que fiz durante os créditos no doutorado. primeiramente à Espanha. Patrícia Faga Iglecias Lemos e Jorge Shiguemitsu Fujita. Professor Titular Carlos Alberto Dabus Maluf. em seis meses de estudo e imersão total no idioma italiano. Foi ele que acreditou em meu potencial e me guiou pelas mãos. Wladimir Alcibíades Ma- rinho Falcão foi o meu grande companheiro nesta jornada. para realizarmos pesquisas para nossas teses nas bibliotecas da Universidade Complutense de Madri. na primeira tentativa. conquistada de forma inques- tionável em um concurso disputadíssimo. . O doutorado me presenteou com um irmão socioafetivo. professores Álvaro Villaça Azevedo. que me acompanhou em várias discussões em sala de aula. apresentando- -me professores da Universidade Complutense de Madri e lendo a primeira versão. Zeno. Ao meu grande amigo Zeno Veloso. e por me presentear com três livros de sua autoria. que foram muito úteis para a construção deste livro. agradeço os preciosos conselhos que recebi em várias conversas que tivemos sobre o tema deste trabalho. A minha querida amiga Roberta Densa. pela valiosa contribuição neste trabalho. quando foi meu aluno de pós-graduação. o meu carinho e a minha socioafetividade. por acreditar em mais este trabalho e pelo carinho com que conduziram a sua publicação. Ele me ajudou. A você. pela generosidade de me oferecer deta- lhes do processo de modificação do seu nome. ainda bem acanhada. Agradecimentos xxvii À Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf. Ao dileto Pedro Júnior Rosalino Braule Pinto. mandando-me livros estrangeiros em suas viagens internacionais. exímia estudiosa do Direito de Família. e de me permitir falar do caso publicamente. . mas que cresceu graças às suas observações. pela inestimável colaboração na revisão deste trabalho. e a toda a equipe da Editora Atlas. A César Peghini. . verifica-se que o avanço da nossa sociedade obriga uma evolução do Direito. visto que o momento é muito oportuno para que ela ocorra. pois acreditamos que ela poderá contribuir em mostrar quais são as consequências jurídicas de se re- conhecer uma parentalidade socioafetiva. que exige uma releitura da nossa codificação civil. no mínimo.INTRODUÇÃO Muito se fala em parentalidade socioafetiva. vigente desde 2003. motivo pelo qual é esse o ponto central e original deste trabalho. este livro tem como objetivo estabelecer uma análise do instituto da filiação socioafetiva. Entretanto. em todos os seus aspectos. bem como verificar se essa modalidade exclui a biológica ou se com ela pode coexistir. e é isso que pretendemos fazer nesta obra. Com isso. inclusive. mas pouco se explora quanto aos efeitos por ela gerados. neste livro. para elencar as suas consequências jurídicas. na qual se pretende descobrir se o atual Código apenas modificou a numeração dos artigos das normas . Essa modalidade de filiação atualmente é muito bem aceita em nossa jurisprudência. Aliás. aproveita-se da mudança da codificação civil para uma reflexão neces- sária. que. Assim sendo. após um trabalho hercúleo da doutrina brasileira. Por esse motivo. iremos trabalhar se a expressão “filiação so- cioafetiva” não é uma capitis diminutio ao instituto. já se manifestava no sentido de que se reconhecesse a importância do afeto nas relações familiares. uma vez que o Direito Civil abarca grande parte das relações jurídicas privadas do nosso cotidiano. desde o fim da década de 1970. pretende-se abordar o elo de efeitos que irá ocorrer entre todos os parentes dos envolvidos na filiação socioafetiva. cumpre ressaltar que em certos casos há. uma prevalência do afeto ao vínculo biológico. haja vista que são tantos os efeitos que essa modalidade irá gerar que. Assim. nos obriga a pensar em parentalidade em vez de filiação. tanto do STJ quanto dos tribunais estaduais. mas nenhum que elenque as consequências de se estabelecer tal modalidade de parentalidade. Em face do ineditismo do tema. de guarda e até mesmo previdenciário. motivo pelo qual tentaremos partir dos julgados existentes para.2 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari existentes no ordenamento antigo. Dessa forma. e dedutivo. já que na jurisprudência há inúmeros julgados que reconhecem a sua existência. mais do que isso. da adoção de fato. na qual usaremos um novo modo de assumir metodicamente a dialética entre ordenamento e problema localizado. em razão dos problemas neles encontrados e nem sempre resolvidos. há pouca doutrina que explore os efeitos da paren- talidade socioafetiva. dos filhos havidos fora do casamento. sucessório. para que se alcance uma sistematização de suas normas na perspectiva dos princípios constitucionais e dos informadores do Código Civil vigente. analisando suas consequências jurídicas e adequando-a à realidade social em que vivemos. ou se. Seria essa parentalidade um abrandamento da regra pater is est quem justae nup- tiae demonstrant? Por fim. qual ação deve ser proposta? Seria por ação autônoma ou por decisão incidental em processo em curso? Pode esse reconhecimento ser feito post mortem? Depois disso. por meio de análise de julgados de nossos tribunais. iremos fazer uma releitura crítica em torno do instituto da filiação socioafetiva. As principais hipóteses que serão contempladas consubstanciam-se nas seguintes indagações: qual é o conceito de parentalidade socioafetiva e como se dão os limites para a sua caracterização? Quais os efeitos da posse de estado de filho. criar uma teoria geral. e se disso irá decorrer direito aos alimentos. . por meio deles. pretendemos investigar qual é a extensão dessa filiação socioafetiva com outros parentes. e quem teria legitimidade para pleitear o seu reconhecimento? O reconhecimento dessa parentalidade pode ser voluntário ou somente judicial? Quando judicial. de visita/ convivência. utilizaremos o raciocínio indutivo. pretendemos analisar se há possibilidade de coexistência da filiação so- cioafetiva com a biológica. pretende inaugurar uma nova fase na nossa sociedade de mudança de paradigma. na consubstanciação dessa parentalidade? Seria ela um direito ou um dever de pais e filhos. Assim sendo. pois partiremos de casos parti- culares e localizados para chegar a uma constatação geral. Iremos utilizar em nossa investigação a linha metodológica de sentido jurispru- dencial. Esta obra justifica-se em virtude das inúmeras dúvidas existentes quanto à real extensão dos efeitos jurídicos da parentalidade socioafetiva. em que uma pessoa poderia ter dois pais e/ou duas mães. pois faremos referência ao maior número de casos que ao tema podem ser referidos. Introdução 3 da jurisprudência. nesta obra. Esperamos conseguir apresentar. às vezes desconhecidos e às vezes mal interpretados. para que este escrito possa ser uma referência útil para toda a comunidade jurídica. da doutrina nacional e estrangeira e dos enunciados aprovados pelo Conselho da Justiça Federal. Ao final do presente estudo. . inúmeros aspectos da parentalidade socioafetiva. não só no aspecto teórico. mas também no prático. serão apresentadas as conclusões que surgiram no decorrer da elaboração deste trabalho. sistematizando-a e adequando-a à nova realidade social. baseadas na pesquisa desenvolvida e em nos- sas opiniões. . Essas pessoas eram chamadas agnadas e o parentesco daí resultante denominava-se agnatio. assim o filho pertencia totalmente ao pai. Dois homens podiam se dizer parentes se compartilhassem os mesmos deuses. Essa a diferença profunda entre o parentesco romano antigo e o moderno. São Paulo: Edipro. O direito pretoriano. 2 MEIRA. 3. 52. 4. o mesmo repasto fúnebre. ed. mos- tra que eles praticam o mesmo culto e oferecem o repasto fúnebre no mesmo túmulo. Edson Bini. de partilhar o mesmo túmulo. Como o direito de fazer os sacrifícios no fogo doméstico e o culto dos mortos somente se transmitiam por via masculina. são dois homens que têm o dever de fazer os mesmos sacrifícios. 2001. chamava-se cognatio e não produzia efeitos civis. 1971. p.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE PARENTESCO Platão dizia que o parentesco é a comunidade dos mesmos deuses domésticos. O pater e seus descendentes eram agnados entre si. B. ed. era impossível que se fosse parente por meio das mulheres. Trad. Quando Demóstenes quer provar que dois homens são parentes. de ter os deuses paternos. p. 1. Era. Silvio Meira2 ensina que o parentesco romano. a religião doméstica que constituía o parentesco. 1 A PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA 1. Instituições de Direito Romano. com efeito. v. 106. os senatusconsultos e as constituições imperiais abrandam esses conceitos rígidos. ligadas pelo parentesco masculino. . São Paulo: Max Limonad. Seriam parentes as pessoas que estivessem sob o poder do mesmo pater. Já o parentesco pelo sangue.1 Dois irmãos. A cidade antiga. Sílvio A. mas no poder (potestas). o mesmo fogo doméstico. Era um parentesco natural. afirma Fustel de Coulanges. para efeitos civis. 1 COULANGES. com relação à família materna ou paterna. diz ainda Plutarco. não se baseava nos laços de sangue. Fustel de. e há relações que independem da patria potestas entre eles e seus pais. esses filhos não possuíam ascendentes masculinos. 3 ALVES. As duas primeiras existem no direito clássico e a última no direito pós-clássico: a) os iusti (ou legitimi). Direito Romano. 313-315. . isto é. no direito pós-clássico são os filhos nascidos de concubinato. era proibido deporem uns contra os outros ou contra os pais em ação infamante. a pagamento de resgate e a sucessão hereditária. Os genitores. Rio de Janeiro: Forense. Silmara Juny de Abreu et al. e por esse motivo não possuíam. liberalidade inter vivos ou mortis causa sofrer restrições. no principado. no direito pós-clássico. cabia ao pai – e não aos pais. (Org. a tomada de decisões acerca da vida e da morte dos descendentes. São filhos que seguem a condição do pai. c) os naturales liberi. reciprocamente. Não há no Direito Romano a possibilidade de o pai natural reconhecê-los ou legitimá- -los. direitos a alimentos. p. não podiam ser citados em juízo por seus filhos. por esse motivo. A esses também não era lícito intentar contra os pais ação infamante. possuem os mesmos direitos dos filhos legítimos. mas entram na famí- lia materna e gozam ali de todos os direitos do parentesco consanguíneo (cognatio). São Paulo: Atlas. os adotivos e. de ambos. ed. que educação e profissão deveriam ter. há até sanções que são impostas. pelos praefectus urbi. em caso de insultos. estavam sujeitos a regime especial. com caráter excepcional e.6 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari José Carlos Moreira Alves3 aponta três categorias de filhos que havia no direito romano. e. os pais com relação aos filhos gozavam do beneficium competentiae. sem a autorização do pretor. pouco a pouco. e o direito restrito de sucessão ab intestato. Por outro lado. Já com relação à mãe. note-se – resolver quais bens deveriam ser atribuídos a cada um dos seus filhos. Assim sendo. 572. Além disso. se vai tornando um instituto estável). Considerações sobre o poder familiar. In: CHINELATO. As mães têm o dever de educá-los. um pai. b) os uulgo quaesiti (também denominados uulgo concepti ou spurii) são os filhos gerados de união ilegítima. com quem iriam se casar. e entre eles existem. de dar ou receber. ou maus-tratos.) Direito de Família no novo milênio: estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. um do outro. 4 SCAFF. Entre ambos.4 ensinando-nos: Sob a égide de tal potestas. direitos a alimentos e sucessórios. Entre pai e naturales liberi há. reciprocamente. reciprocamente. Chegava-se enfim até ao extremo de se permitir. pietas). poderem tornar-se filhos legítimos. II. 2010. os procriados em iustae nuptiae. v. não há direitos ou deveres entre eles. no universo desse poder. isso além da capacidade. Pais e filhos que são ligados pelo parentesco consanguíneo (cognatio) têm entre si direitos e deveres. José Carlos Moreira. Complementa Fernando Campos Scaff. pela legitimatio (legitimação). 6. Fernando Campos. Para o filho que não observe o dever moral de respeito e reverência (obsequium. Além de. os legitimados. 1998. juridicamente. de quem eles seguem a condição. p. havia direito a alimentos (que surge. O filho devia ter nascido pelo menos depois de sete meses ou 180 dias. inclusive os filhos da concubina (liberi naturales). A Parentalidade Socioafetiva 7 É San Tiago Dantas5 que diferencia a potestas do poder familiar (antigo patrio poder). 2008. na suposição errônea de ser cidadã romana. contanto que a concubina fosse pessoa livre. e o filius está apenas como um paciente da auctoritas. se o marido desconhecia a prole. pelo casamento com a concubina. 106. Os filhos nascidos de justas núpcias e os adotados eram filhos legítimos (iusti. Ebert Chamoun7 explica que entravam por nascimento em uma família os filhos procriados pelo pater familias e seus descendentes masculinos. não tem direitos a reclamar. conquanto exigissem os costumes a justificação do desconhecimento. o cidadão romano se casava com uma latina ou uma peregrina. uma obrigação que pesa sobre o titular. o reconhecimento ficava ao alvedrio do pai. Direitos de família e das sucessões. 6 VIEIRA DA SILVA. 5. Essa ação não existia. Podia ocorrer ainda que somente após o nascimento entrasse o filho na família. p. o interesse protegido é o dele. que necessariamente não participavam de família. ou então até dez meses depois de sua dissolução. um direito do pater. Revista e atualizada por José Gomes Bezerra Câmara e Jair Barros. p. Os outros. San Tiago. legitimi). na Roma antiga. por exemplo. Instituições de Direito Romano. Brasília: Senado Federal. 1968. 8 MEIRA. tem uma posição de mera submissão jurídica. Por conta disso é que Sílvio Meira8 afirma que. Fora desses limi- tes. 168-169. Ebert. de modo que o pater estava em face do filius como o proprietário em face da coisa: ele é o titular do direito. excluindo-se os des- cendentes das mulheres. 4. contados a partir da conclusão do matrimônio.6 parece ter sido Constantino o primeiro a ordenar que. eram os ilegítimos (spurii. era uma aucto- ritas. . os quais pertenciam à família dos pais delas. das suas irmãs. 117-118. 1. B. porém. Sílvio A. 1991. Rio de Janeiro: Forense. A patria potestas não era um munus. v. A essa legitimação chamou-se legitimatio per subsequens matrimonium. só os agnados eram parentes para efeitos civis. História interna do Direito Romano privado até Justiniano. vulgo concepti). a actio de liberis agnoscendis. e conseguia provar o erro (erroris causae probatio). pois os parentes maternos não estavam vinculados civilmente. do seu pai e dos seus 5 DANTAS. antes do século II d. então.. 1971. O filho era parente dos seus irmãos. quando. a paternidade tinha de ser provada. p. 7 CHAMOUN. e. A ação de reconhecimento era. São Paulo: Max Limonad. Entre o pai e os liberi naturales não havia qualquer possibilidade de relação jurídica. 27. direito construído do mesmo modo que o domínio. Instituições de Direito Romano.C. para a mãe. p. Luís Antônio. ed. ed. Segundo Luís Antônio Vieira da Silva. afirmando: A patria potestas romana não era um munus. Rio de Janeiro: Forense. e que o obriga a dar cabal desempenho às suas funções do interesse do incapaz. fossem os seus filhos considerados como tivessem nascido de matrimônio. um encargo. Ao imperar Justiniano. foi no Baixo Império. passou a deferir a herança aos cognados pela bonorum possessio. 109-110. generalizando-a a todos os filhos naturais (legitimação anastasiana). e a filha casando. diversas medidas legais surgiram no sentido de amparar o parentesco pela cognação. porém. 169-170. pelo senatoconsulto Tertuliano. abrandando os rigores do antigo direito civil. p. que no início da República era a agnatio. para efeitos civis. Sílvio A. com a propagação do cristianismo. O pretor. mas não era parente da própria mãe.8 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari próprios filhos (agnado. Adriano. v.10 Contudo. 1971. pois. que o filho podia ser legitimado. concedeu à mãe o direito de herança deixada pelo filho. evoluiu para a cognatio durante a República e o Império. exigia-se. segundo Ebert Chamoun. forma que resultou da necessidade de angariar cobradores de impostos (decuriões). em 517. e Marco Aurélio.a com um decurião. 10 CORREIA. esclarece o referido doutrinador. se púbere. mas exigiu para a sua realização o consentimento do filho. 1. os parentes maternos se encontravam em situação idêntica aos paternos. o parentesco pela cognação passou a ser consagrado em definitivo pelas Novelas 118 e 127. ed. É no período Justinianeu que o ius exponendi. o poder de abandonar o filho infante aleijado e monstruoso. 9 MEIRA. possuísse mais de três filhos. O filho legitimado per subsequens matrimonium em tudo se equiparava ao legítimo. foi limitado. Para que a mãe herdasse do filho. conforme lembra Alexandre Correia e Gaetano Sciascia. . o parentesco civil. B. ed. No primeiro caso. o pai natural doava ao filho 25 jeiras de terra. Instituições de Direito Romano. Ebert. Ao tempo do Império. 11 CHAMOUN. para garantir o cumprimento de seus deveres.9 em toda a história do Direito em Roma houve uma transformação lenta desse princípio rígido. a partir de Justiniano. 1953. 5. São Paulo: Max Limonad. b) por oblação a curia (per oblationem curiae). O imperador Zenão repetiu essa permissão. 1968. Alexandre. SCIASCIA. inscrevendo-se como decurião. forma permiti- da por Constantino apenas para os filhos naturais nascidos no ano dessa decisão. I. no casamento sine manu). Com isso. no segundo. que tivesse jus liberorum. Gaetano. sendo liberta. dos anos 543 e 547. Por esse motivo é que Teodósio II e Velentiano decidiram. Manual de Direito Romano. 2. e mais de quatro. isto é. pois. 120. observados os princípios referentes aos graus desse parentesco. São Paulo: Saraiva. respectivamente. com o tempo e em vir- tude da atuação do pretor e por influência da filosofia grega. p. Ainda. Instituições de Direito Romano.11 que se admitiu que os liberi naturales se transformassem em legítimos e ingressassem na família mediante a legitimação (legitimatio). v. permitiu que o filho herdasse da mãe. se fosse ingênua. p. transformou a legiti- mação num instituto jurídico. durante a República e no Império. ed. então. Rio de Janeiro: Forense. e. pelo senatoconsulto Orficiano. Anastácio. 4. Isso se realizava de três formas: a) pelo matrimônio subsequente (per subsequens matrimonium). os escravos e os bens. 18. A citada autora14 complementa com precisas lições sobre o campo da psicologia. 2000. p. quando não há filhos legítimos e o matrimônio subsequente é impossível. ou seja. bem como estabelecer os seus parâmetros e limites. teremos que. In: PEREIRA. como um estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar os seus sentimentos e emoções a outrem. c) por escrito do príncipe (per rescriptum principis). pois o filho legitimado não se tornava parente dos membros da família do pai. primeira- mente. no sentido de que caráter patrimonial. Direito das Famílias: amor e bioética.. Anais. 14 MALUF. Belo Horizonte: Del Rey. sendo. Rui Geraldo Camargo. no sentido de a família compreender todos os agregados. afirmando: 12 VIANA. Feita essa evolução histórica. havia até uma abrangência econômica. o gado também fazia parte dela. se ligavam à família por laços civis. 1. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf13 conceitua a afetividade como a relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido. . compreendia também aqueles que vinham. Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias: amor e bioética. continua a ter uma parte de amizade mais aprofundada. considerado como o laço criado entre os homens. passaremos a analisar em que se constitui a paren- talidade socioafetiva. pois a família era um núcleo econômico. que eram aqueles que descendiam de uma mesma estirpe. os efeitos dessa legitimação não eram completos. no conceito de Direito romano. Porém. p. Rio de Janeiro: Elsevier. A Parentalidade Socioafetiva 9 instituía um dote para a filha. os chamados cognados. Rio de Janeiro: Elsevier. e ainda abarcava toda a clien- tela. 2012. também. mesmo sem características sexuais. p. A mesma data de Justiniano. 13 MALUF. 325-326. 19. 2012. passar pela análise de socioafetividade e de afeto. II CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Rui Geraldo Camargo Viana12 explica: Na família romana. que.. a família se constituía de personas et pecus. decorre de uma decisão im- perial. donde conseguiremos galgar a ideia real do referido conceito. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus.2 O CONCEITO DE PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA Para se chegar ao conceito de parentalidade socioafetiva. já que. Evolução histórica da família brasileira. A família na travessia do milênio. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. sentimentos e paixões acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer. o termo afetividade é utilizado para designar a sus- cetibilidade que o ser humano experimenta perante determinadas alterações que acontecem no mundo exterior ou em si próprio. Do ponto de vista da psicologia e da psicanálise. confiança ou intimidade. Representa o termo perfeito para representar a ligação especial que existe entre duas pessoas. objetos. Pode.). tendo em vista a existência de diversas teorias e os enfoques na compreensão da natureza psíquica do ser humano. 2004. pela resis- tência que tenhamos em reconhecer as qualidades agressivas. gerando carinho. ética. É. ser definido como um conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções. tendemos. In: PEREIRA. A psicanalista Giselle Câmara Groeninga15 faz uma importante advertência para não confundirmos amor com afeto. Afeto. significativos. por conseguinte. pois. De um modo geral. de alegria ou tristeza. influenciam nossa forma de interpretar o mundo. a pessoas.10 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari No campo da psicologia. no senso comum. 15 GROENINGA. o afeto pode ser compreendido como um aspecto subjetivo e intrínseco do ser humano que atribui significado e sentido à sua existência. Tem por constituinte fun- damental um processo cambiante no âmbito das vivências do sujeito. Os afetos são o equivalente da energia psíquica. o afeto terá diversos entendimentos. Giselle Câmara. e mesmo pela herança filosófica. que constrói o seu psiquismo a partir das relações com outros indivíduos. inclusive para que as utilizemos como matéria-prima da empatia. hormônio que ga- rante no organismo a sensação perene de bem-estar. ainda. de agrado ou desagrado. Rodriga da Cunha (Coord. ainda. capital social por excelência. A afeição ligada à vinda de afeto é representada por um apego a alguém ou a alguma coisa. Direito e psicanálise – um novo horizonte epistemológico. em sua qualidade de experiências agradáveis ou desagradáveis. dos impulsos. Muitas vezes idealizando a família como reduto só de amor. balizando amor e agres- sividade. Belo Horizonte: Del Rey. de satisfação ou insatisfação. nem sempre são feitos com carinho. que todos nós possuímos. pois este último está presente mesmo em momentos de agressividade do ser humano. 259-260. saudade. talvez. . dos desejos que afetam o organismo e se ligam a representações. família e o novo Código Civil. Transformam-se em sentimentos e dão um sentido às relações e. a equiparar o amor ao afeto. p. A função da família está mais além do amor – está em possibilitar as vivências afetivas de forma segura. pois os atos de correção que vemos na família. Reproduzimos suas palavras: A questão dos afetos merece ainda atenção especial. um dos sentimentos que mais gera autoestima entre pessoas. pois induz à produção de oxitocina. principalmente as jovens e as idosas. Idealização que se quebra quando nos defrontamos com a violência dos conflitos familiares. e de direito. senão o amor. 1997. no entanto. suave. É Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf17 que explica o sentido etimoló- gico da palavra afeto. Rio de Janeiro: Renovar. Permita-me repetir aquilo que tenho dito tantas vezes: a verdadeira paternidade não é um fato da biologia. Rodrigo da Cunha. Euclides de Oliveira19 aponta a importância do afeto nos relacionamentos familiares: Típica manifestação do afeto. Belo Horizonte: Del Rey. ou mesmo adoecer. unir. A escalada do afeto no Direito de família: ficar. Álvaro Villaça (Coord.se o aproach natural. outras tantas num arroubo sem medida. p. 315. 18 HIRONAKA. o desvelo. 19. Da mútua apresentação ao conhecimento desejado dá. p. namorar. afectum. São Paulo: IOB Thomson. 20 LÔBO. afecção. Família e dignidade humana. por isso. Paulo Luiz Netto Lôbo20 complementa a lição sobre o afeto. Entrevista a Leonardo de Andrade Mattietto. Giselda Hironaka18 afirma que hoje as relações de afeto parecem caminhar à frente nos projetos familiares e. 19 OLIVEIRA. p.. 2003. mas um fato da cul- tura.) A nova família: problemas e perspectivas. 22. In: AZEVEDO. Anais. comover o espírito. 42. a aproximação física e espiritual das pessoas constitui o primeiro passo na escalada do relacionamento familiar humano. casar. A Parentalidade Socioafetiva 11 O entendimento disso passa pelas precisas palavras de João Batista Villela:16 A consanguinidade tem. conduzem à assunção da res- ponsabilidade pela constituição das famílias. que deriva do latim afficere ad actio. onde o sujeito se liga. Código Civil Comentado. v. misto de in- controlável paixão ou de desenfreada amostra de luxúria. Está antes no devotamento e no serviço do que na procedência do sêmen. 2000. que deriva do latim afficere. In: PEREIRA.). 85. João Batista. Diante disso. e também do latim affectus. conviver. Direito das famílias: amor e bioética. nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. Rio de Janeiro: Elsevier. 2012. Família Hoje. de fato. 2006. e que significa produzir impressão. o serviço com que alguém se entrega ao bem da criança.. p. No que respeita 16 VILLELA. 17 MALUF. Seu melhor significado. p. ensinando que ele possui origem constitucional: O princípio da afetividade tem fundamento constitucional. não é petição de princípio. In: BAR- RETO. um papel absolutamente secundá- rio na configuração da paternidade. São Paulo: Atlas. Paulo Luiz Netto. às vezes manso. Direito Civil: estudos. Euclides de. Vicente (Org. liga-se à noção de afe- tividade. Giselda. . XXVI. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. V CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. onde o sujeito se fixa. fixar. que significa tocar. Não é a derivação bioquímica que aponta para a figura do pai. 21 a família só tem sentido enquanto unida pelos laços de respeito. 25. alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. a família é um fato natural. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Encontram-se na CF quatro fundamen- tos essenciais do princípio da afetividade. no sentido jurídico quer exprimir a relação ou a ligação jurídica existente entre pessoas. 7. São Paulo: Atlas.12 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari aos filhos. b) a adoção. embora originariamente parentesco. 2002. 1005. constitucionalmente protegida (art. São Paulo: Revista dos Tribunais. 227. c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Rio de Janeiro: Forense. Fundamentos constitucionais do Direito de Família. José Sebastião de. a evolução dos valores da civilização ocidental levou à progressiva superação dos fatores de discriminação entre eles. Direito de família.23 em lição poética e lúcida. 1923. 227.22 que afirma ter transcendido a formalidade a constituição familiar. p. máxime durante as últimas décadas do século XXI: a) todos os filhos são iguais independentemente de sua origem (art. d) o direito à con- vivência familiar. de parens. De Plácido. no campo jurídico-constitucional. adoção). 226. criada pela natureza e não pelo homem. como escolha afetiva. atualmente. segundo os ditames da noção de dignidade da pessoa humana. Ao conceituar a afetividade. pois ele não cria a família como o jardineiro. a relação entre os parentes. unidas pela evidência de fato natural (nascimento) ou de fato jurídico (casamento. 23 SÁ PEREIRA. amor e afetividade. e não a origem genética. p. pois ela. não mostrando. 59. Virgílio de. 242. motivo pelo qual excede a moldura que o legislador a enquadra. 22 MALUF. ainda. caput). Vocabulário jurídico. . constitui prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. tem a mesma dignidade de família. p. a afirmação da família como grupo social fundado essencialmente nos laços da afetividade. 2004. incluindo-se os adotivos. 21 OLIVEIRA. Os dicionários jurídicos ainda conceituam o parentesco como faziam os clássicos. 227. Para José Sebastião de Oliveira. p. 24 SILVA. Segundo Virgilio de Sá Pereira. § 6º). §§ 5º e 6º). § 4º). Novas modalidades de família na pós-moder- nidade. ed. Também pensa dessa forma Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf. constitutivos dessa aguda evolução social da família. De Plácido e Silva24 conceitua o parentesco da seguinte forma: Derivado do latim popular parentatus. Nesta razão. 2010. consideração. Projetou-se. uma evolução na forma de defini-lo. Rio de Janeiro: Litho-typographia Fluminense. finca-se como um núcleo socioafetivo necessário à plena realização da personalidade de seus membros. é nítido que tal conceito liga-se à ideia de parentesco. não cria a primavera. A Parentalidade Socioafetiva 13 traga um sentido de ligação por consanguinidade. define-o como natural ou civil e esclarece que ele pode resultar da consanguinidade ou de outra origem: Art. haja vista que Fustel de Cou- 25 SIDOU. o parentesco abrange todas as relações ou nexos entre as pessoas. 2006. Por permitir outra origem de parentesco. 1. ou aquela que se manifes- ta entre as pessoas que descendem do mesmo tronco. provenha do sangue ou não. . que o parentesco biológico não é a única forma admitida em nosso ordenamento. a doutrina tem. assim. tem relação de consanguinidade próxima ou remota. M. excluída a afinidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária. no conceito acima. para com outro.593: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil. 1. só existe parentesco decorrente de vínculo sanguíneo. 1. Carlos Roberto Gonçalves26 explica que. no qual o autor escreve que o parentesco abrange todas as relações ou nexos entre as pessoas.593 do Código Civil. provenha do sangue ou não. Dicionário jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. abrangendo. também. No parágrafo acima. Tanto isso é verdade que J. no sentido jurídico. Verifica-se. em nenhum momento. 311. São Paulo: Saraiva. 9. consoante o que podemos observar no enunciado 256 do CJF: Enunciado 256 do CJF – Art. O parentesco é natural ou civil. 2012.: Uma vez que a definição tem base no vínculo de sangue. Carlos Roberto. M. 6. ed. O único indício que poderíamos aventar sobre essa matéria seria o final do texto. identificado elementos para que a jurisprudência possa interpretá-lo de forma mais ampla. ed. Direito Civil Brasileiro: direito de família. que apresenta as espécies de parentesco. no dispositivo em apreço. Verifica-se. acreditamos que ele está se referindo ao casamento e à adoção. se aborda a questão da socioafetividade. as relações de parentesco socioafetivas.593 do Código Civil. p. J. o pa- rentesco só se verifica nas linhas reta e colateral. o art. 26 GONÇALVES. v. em sua opinião. 623. como o: Indivíduo que. Porém. OBS. O art. E isso já era assim há muito tempo. efetivamente. 1. exceto no caso de afinidade. e não à socioafetividade. p.593 autoriza que se reconheça a parentalidade socioafetiva como forma de parentesco. que. Othon Sidou25 define em sua obra o que é parente. o autor deixa nítido que. 9. ). donde ocorria o que hoje denomi- namos afetividade. 31 CARBONERA. inclusive naqueles em que toma conta do boletim e da lição de casa. nem sempre se apresenta desde o nascimento. Luiz Edson. Direito Civil: direito de família. uma família. In: CÚNEO. 1996. para revelar quem efetivamente são os pais. Filiación. ed.. Outro pai. ed. Darío L. HERNÁNDEZ. 2002. denominado filho de criação.30 em linguagem poética e precisa sobre o tema. 11. Rio de Janeiro: Renovar. Revista Brasileira de Direito de Família. Belmiro Pedro. Belo Horizonte: Del Rey. 2005. 32 ANNONI. É o pai de emoções e sentimentos. 2001. 1998. nova família. 3. p. 133. Filiação biológica e socioafetiva: igualdade. Gloria. Luiz Edson Fachin. afirma que: A verdade socioafetiva pode até nascer de indícios. São Paulo: Atlas.29 ao discorrer acerca do tema. Porto Alegre: Síntese. “cuja mola mestra é o amor entre seus integrantes. nº 14. Belmiro Pedro Welter. O papel jurídico do afeto nas relações de família. amor. Silvana Maria Carbonera31 preleciona que o aspecto socioafetivo do estabelecimen- to da filiação baseia-se no comportamento das pessoas que o integram. ternura. mas sim no culto. Silvana Maria. In: FACHIN. uma família. p. Revela o pai que ao filho empresta o nome. 215. A cidade antiga. com muita propriedade e sensibilidade. A psicanalista argentina Gloria Annoni32 explica que deve levar-se em conta o afeto do processo de filiação subjetivo que marca o “tratamento” e a “relevância” de uma 27 COULANGES. Rosario: Editorial Librería Juris. VI. o pai que ao dar de comer expõe o foro íntimo da paternidade.14 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari langes27 afirma que o princípio do parentesco não residia somente no ato material do nascimento (vínculo biológico). Luiz Edson (Coord. (des)velando-lhe todo o cuidado. Trad. p. 2011. p. Complementa Sílvio de Salvo Venosa28 que não era considerado da mesma família o membro que não cultuasse os mesmos deuses. 304. Da paternidade: relação biológica e afetiva. mas toma expressão na prova. Repensando fun- damentos do direito civil brasileiro contemporâneo. cujo único vínculo probatório é o afeto”. ensina: Filiação afetiva pode também ocorrer naqueles casos em que. p. 30 FACHIN. 59. p. e que mais do que isso o trata publicamente nessa qualidade. Edson Bini. proclamada visceralmente em todos os momentos. 28 VENOSA. Sílvio de Salvo. Su significado desde el concepto de sujeto en psicoanálisis. e é o filho do olhar embevecido que reflete aqueles sentimentos. v. os pais criam uma criança por mera opção. mesmo não havendo nenhum vínculo biológico ou jurídico (adoção). Un enlace de distintos saberes. Clayde U. Filiación biológica. . 52. Fustel. 29 WELTER. enfim. 227-228. São Paulo: Edipro. sendo reconhecido como tal no ambiente social. Kate. em que se verifica que um pai emocionalmente próximo e disponível é um fator protetor e promotor da autoestima e autoconfiança para as crianças. que afeta. 33 Tradução livre do seguinte texto original: “Debe tenerse en cuenta. United Kingdom: Palgrave Macmillian. 2007. adotando a doutrina da proteção integral. É por esse motivo que Kate Standley36 afirma que o direito à vida familiar não é absoluto.35 A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência fa- miliar. Además favorece el desarrollo psicomotor. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana. Maricruz Gómez De la Torre. São Paulo: Atlas.” 36 STANDLEY. nada menos. p. como vimos. ed. p. Su inserción en mundos extra-familiares representa una figura de apego y modelo conductual. . 37 Tradução livre do seguinte texto original: “The right to family life is not an absolute right.” 38 GAMA. mas qualificado. como hemos visto.” 34 VARGAS. realizado no Chile em maio de 2004. como explica Guilherme Calmon Nogueira da Gama. deverá o ordena- mento jurídico tecer soluções para que as pessoas ligadas por um vínculo de afeto possam ter direitos garantidos.33 Maricruz Gómez De la Torre Vargas34 cita trecho de um estudo de desenvolvimento infantil da UNICEF. 151.37 Se o direito a vida em família não é absoluto. Santiago: Editorial Jurídica de Chile. El sistema filiativo chileno. Guilherme Calmon Nogueira da. no resguardo dos seus direitos fundamentais. A Parentalidade Socioafetiva 15 natureza de tal importância.38 com base na noção do melhor interesse da criança. É por isso que no Brasil. que a constituição pessoal afetiva de cada sujeito em questão. 14. Proibiu quaisquer designações discriminatórias à filiação. 35 Tradução livre do seguinte texto original: “un padre afectivamente cercano y disponible es un factor protector y promotor de la autoestima y de la confianza personal para los niños. tem-se considerado a prevalência do critério socioafetivo para fins de se assegurar a primazia da tutela à pessoa dos filhos. abandonando a feição patrimonialista da família. Direito Civil: família. Family Law. assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos filhos havidos por adoção. p. but a qualified right. lo afectivo del proceso de filiación subjetivo que marca ‘trato’ y ‘pertinencia’ de una índole de una importancia tal. 2008. Transformou a criança em sujeito de direito. mas qualificado. 2010. notadamente. 348. que afecta nada menos que la constitución personal afectiva de cada sujeto en cuestión. 7. o direito à convi- vência familiar. denominado “Documento de Trabajo nº 04 sobre Infancia”. e com isso favorece o seu desenvolvimento psicomotor. Sua inserção em mun- dos extrafamiliares representa uma figura de apego e modelo de comportamento. p. aprovou.16 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Patrícia Faga Iglecias Lemos39 explica. Silmara Juny de Abreu et al. 148.40 que conceitua a filiação socioafetiva como aquela que se constituiu pelo relacionamento entre um adulto e uma criança ou adolescente. por adoção. E. também.). No dia 22 de novembro de 2013. em decorrência do forte vínculo afetivo existente entre elas. que buscam a realização da dignidade da pessoa humana. que a visão moderna do Direito de Família é da existência de um núcleo familiar unido por relações de afeto. 177. terão os mesmos direitos e qualificações. Direito de família no novo milênio: estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. 40 COELHO. p. entendemos que a pa- rentalidade socioafetiva pode ser definida como o vínculo de parentesco civil entre pessoas que não possuem entre si um vínculo biológico. e por isso inconstitucional.596 do Código Civil. Os filhos. Em suma. o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. passaremos a estudar quais são as consequências jurídicas da existência de um parentesco socioafetivo. a título de sugestão de lege ferenda. ed. nove enunciados. Fábio Ulhoa. solidariedade e amor. durante o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família. com base em tudo o que vimos anteriormente. Desta feita. In: CHINELATO. 1. 4. entendemos que os filhos socioafetivos deverão ter os mesmos direitos dos biológicos. São Paulo: Saraiva. caso seja comprovada. nos seguintes termos: Art. Nulidade relativa do casamento e seus prazos. . com propriedade. ou por socioafetividade. 2010. Curso de Direito Civil. sugerimos a modificação do art. havidos ou não da relação de casamento. não concordamos com o posicionamento de Fábio Ulhoa Coelho. vejamos: Enunciado de no 6 do IBDFAM: Do reconhecimento jurídico da filiação so- cioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental. que são resultado de 16 anos de produção de conhecimento do instituto. Patrícia Faga Iglecias. Por uma questão de coerência com tudo o que se defende acerca do instituto. Com isso. No entanto. mas que vivem como se pa- rentes fossem.596. Um deles corrobora nossa tese. em razão da igualdade prevista em nossa Constituição. (Org. 5. 2011. após a maioridade daquele que é tratado como filho. 1. em Araxá/ MG. v. e que serão uma diretriz para a criação da nova doutrina e jurisprudência em Direito de Família. pois essa parentalidade pode se formar. e para não criar uma interpretação anti- -isonômica. não podemos anuir com tal entendimento. com outras formas de família merecedoras da proteção do Estado. proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. São Paulo: Atlas. 39 LEMOS. Rui Geraldo Camargo. São Paulo: Atlas. 5º da Constituição Federal. Direito Civil: família. (Org. sempre que a primeira se revelar o meio mais adequado de realização dos direitos constitucionais assegurados à pessoa humana. p. Destaca José Luiz Gavião de Almeida:41 A questão da paternidade afetiva tem sido objeto de discussão nas ações ne- gatórias de paternidade. que trata do princípio da iso- nomia. Silmara Juny de Abreu et al. Aliás. que em razão disso acaba sendo julgado procedente? Acreditamos que tal direito tenha que ser de mão dupla. . ao estabelecer que todos são iguais perante a lei. que sempre tratou como filho a pessoa? Na grande maioria dos julgados. haja vista que reconhecê- -lo somente aos filhos seria dar uma interpretação inconstitucional ao instituto. não pode a paternidade afetiva ser desconsiderada e rompido o vínculo parental que ela criou. o direito de não perderem a paternidade ou maternidade no caso desse filho desejar investigar sua origem genética. em uma ação negatória de paternidade ou maternidade. que assim sempre foi tratado. 41 ALMEIDA. 179. temos que os filhos possuem o direito da ma- nutenção da parentalidade socioafetiva se. descobrindo ser filho bio- lógico de outra pessoa. Contudo. Da relatividade do exame de DNA para reconhecimento de filiação. p. A Parentalidade Socioafetiva 17 1. à liberdade. Direito de família no novo milênio: estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo.). José Luiz Gavião de. Formada quer pela vontade do pai. 2010. ou do pai. garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi- lidade do direito à vida. por força da mesma norma e em nome do melhor interesse da criança. dúvidas não pairam que deve prevalecer a paternidade afetiva até mesmo em detrimento da biológica. Rio de Janeiro: Elsevier. questão que nos instiga investigar é: não teria o pai ou a mãe. com muita propriedade. é um direito do filho. 495-496. sem distinção de qualquer natureza. que gera essa modalidade de parentalidade. In: CHINELATO. ficar comprovada uma filiação biológica. mediante exame de DNA realizado no trâmite de um processo judicial. quer por situação fática. à igualdade. que possui laços afetivos com seus filhos. insculpida no caput do art. à segurança e à propriedade. 2008. 42 VIANA. que não irá prevalecer se restar demonstrada a existência de laços de afeto entre pai e filho. explica Rui Geraldo Camargo Viana:42 Não obstante isso. consagrado como uma garantia fundamental. em decorrência do princípio da isonomia.3 PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA: DIREITO OU DEVER DOS PAIS? Será que a filiação socioafetiva. Sobre o tema. por sua vez. 3. p. prevista em cláusula pétrea. 55. Nesse enfoque. que os pais também possuem direito de valorização da relação afetiva que formam com seus filhos do coração. São Paulo: Revista dos Tribunais. 27-38. Família e solidariedade: teoria e prática do direito de família. . prevista no art. a aplicação dos direitos fundamentais constitucionais no âmbito do direito privado. já que existe importância desse valor jurídico para ambos. na medida em que o próprio Direito Civil faz parte de um ordenamento unitário. Maria Cristina De Cicco. revela esta essência. tentando valorar a importância do afeto para um ou outro. antes de ser rei foi príncipe. Christiano. Águida Arruda. motivo pelo qual passa- remos a expor o que naquela oportunidade afirmamos. as de Direito de Família. 2012. p. afirma Pietro Perlingieri45 que o Direito Civil não se apresenta em antítese ao direito público. e que fundamentará. A palavra príncipe. Verifica-se. 43 BARBOSA. por exemplo. Isso sem contar a maior cláusula geral da nossa constituição. Perfis do Direito Civil. p.). não existe contraposição entre direito privado e direito público. da mesma raiz. Não podemos esquecer que o direito à igualdade é uma garantia fundamental. 2. a importância da aplicação dos princípios constitucionais nas relações privadas. Mediação e princípio da solidariedade humana. 2008. Rio de Janeiro: Renovar. 44 CASSETTARI. ed. ed.18 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Se todos são iguais perante a lei. e possível. no princípio. valor-fonte do qual nasce uma ordem. com a vida dos cidadãos como titulares de direitos civis. princípio é uma palavra de origem latina que significa co- meço. origem. 1º. inciso III. mas é apenas um ramo que se justifica por razões didáti- cas e sistemáticas. que criou o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. é necessária. Multa contratual: teoria e prática da cláusula penal. em especial. Como já citamos em uma das obras de nossa autoria. 19. 45 PERLINGERI. explica Águida Arruda Barbosa:43 Etimologicamente. Pietro. também. In: PEREIRA. Trad. Rodrigo da Cunha (Coord. pois significa o primeiro filho do rei e este. com isso. 2002. e que recolhe e evidencia os institutos atinentes com a estrutura da sociedade.44 para se evitar a ocorrência de abusos nas relações familiares. Retorna-se às origens do Direito Civil onde os cidadãos são titulares de direitos frente ao Estado. e que qualquer interpretação contrária a isso afrontaria nossa Constituição Federal. não podemos fazer distinção entre pais e filhos. Rio de Janeiro: Lumen Juris. Sobre a etimologia da palavra. ed. São Paulo: IOB Thomson. Salienta. com propriedade. porque os próprios civilistas e. Daniel. principalmente entre as hierarquicamente superiores e as inferiores. que se opõe ao movimento econômico-político que tem como base social a burguesia. preocupando-se agora não apenas com a liberdade. de novas fronteiras outrora exclusivamente privadas. 2006. A Parentalidade Socioafetiva 19 O que deve ocorrer é uma interpretação conjunta das leis. Rio de Janeiro: Lumen Juris. com uma perspectiva (falsa) de asséptica neutralidade diante dos conflitos distributivos. à educação etc. 2. Assim.. pois a norma pública superior não pode ser contrariada pela privada inferior. Família e dignidade humana. tendo como pilar a propriedade e o contrato. sejam elas públicas ou privadas. . 14-15. de 1919.47 a ideia é romper com o catecismo do constitucionalismo liberal. multiplicam-se. 18-19. Situando o Direito de família entre os princípios da dignidade humana e da razoável duração do processo. Anais. p. no direito privado. surgem as Constituições Mexicana. que tem por objetivo disciplinar as regras do cotidiano dos particulares. Rodrigo da Cunha. 2006. 2006. Rodrigo Toscano de Brito:46 Há quem esqueça a penetrabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana na seara privada. e de Weimar.). Rio de Janeiro: Lumen Juris. ed. uma vez que o Texto Maior está calcado na busca pelo Estado social. as normas de ordem pública.. o que demonstra a necessidade de colocar o ordenamento civil brasileiro em harmonia com as normas constitucionais. a Constituição terá papel fundamental na interpretação do Direito Civil. na virada do século XX. o Estado liberal transforma-se no Estado social. ampliando-se as hipóteses de limitação à autonomia da vontade das partes em prol da coletividade. 48 SARMENTO. associa com facilidade a noção desse princípio à dos direitos humanos numa via publicista.48 Hoje. buscava assegurar a segurança e a previsibilidade das regras do jogo para os sujeitos de direito nas suas relações recíprocas. o Estado do Bem-Estar Social e com ele a consagração constitucional de uma nova constelação de direitos. Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. que. manifestado nas nossas Constituições de 1824 e 1891. nas quais o locus ex- clusivo de regulamentação das relações privadas era o Código Civil. 47 SARMENTO. mas também com o bem-estar do cidadão. 46 BRITO. de 1917. a doutrina menos avisada. 2. Para Daniel Sarmento. p. In: PEREIRA. V CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. 820. não se pode negar que está nele a gênese de novas ideias. p. No entanto. Direitos fundamentais e relações privadas. classe que fornecia substrato ao Estado constitucional para que este a protegesse por meio de regras individualistas. Com isso. Rodrigo Toscano de. que demandam prestações estatais destinadas à garantia de condições mínimas de vida para a po- pulação (direito à saúde. Explica o citado autor que. porque não dizer. à previdência. 2004. César. Para Gustavo Tepedino. de estabelecer novos parâ- metros para a definição da ordem pública. 2. que retratam a convergência de importantes problemas dogmáticos entre esses dois ramos do direito. In: FIÚZA. In: _____. objetivando-se um desenvolvimento econômico. Direito Civil: atualidades. NAVES. o Direito Civil e o Direito Constitucional são interpretados conjun- tamente. social e político neste novo Estado social. hoje. Belo Horizonte: Del Rey. 51 TEPEDINO. em particular. Afirma Mário Lúcio Quintão Soares. Na opinião de Paulo Luiz Netto Lôbo. . liberdade e autoridade. Dessa forma. “A mudança de atitude é substancial: deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição. os direitos sociais e a justiça distributiva. em uma palavra. de maneira a privilegiar.50 antes havia a disjunção. já que ela possui a cidadania e a personificação do direito como seus elementos centrais.” A esse fenômeno se convencionou deno- minar constitucionalização do direito privado. é um estatuto jurídico-fundamental do Estado e da sociedade. como ocorria com frequência (e ainda ocorre). ed. Paulo Luiz Netto. Gustavo. para se promover uma integração simbiótica entre a Lei Maior e a legisla- ção civilista. Isso se deve às mudanças ocorridas nos últimos tempos na nossa sociedade. verifica-se que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma verdadeira reconstrução da dogmática jurídica. 2003. que terá como objetivo promover a distinção entre Estado. a dignidade da pessoa humana. que acabou por tornar imprescindível que toda e qualquer (re)leitura do direito civil seja feita em uma perspectiva dialética com a Constituição Federal. os valores não patrimoniais e. 22. 208. previstos em nossa Constituição.20 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Esse Estado social encontrará guarida nos diretos fundamentais. fixando programas políticos e definindo procedimentos. p. Temas de direito civil. estruturas e com- petências. Assim. o desenvolvimento da sua personalidade. 50 LÔBO. Mário Lúcio Quintão. e não a Constituição segundo o Código. que exigiram dos civilistas uma nova postura metodológica. 3. 2004. organizando e limitando os poderes estatais. Constitucionalização do Direito Civil. que a constituição no Estado Social é a medida material da sociedade. Teoria do estado: introdução. 49 SOARES. insista-se ainda mais uma vez. relendo o Direito Civil na perspectiva da Constituição.51 trata-se. 198. ed. Premissas metodológicas para constitucionalização do direito civil.49 citando José Joaquim Gomes Canotilho. Bruno Torquato de Oliveira. Rio de Janeiro: Renovar. É cada vez maior o número de estudos dedicados às relações entre os direitos cons- titucional e civil. p. para cujo atendimento deve se voltar a iniciativa econômica privada e as situações jurídicas patrimoniais. há a unidade hermenêutica. p. Maria de Fátima Freire de. tendo a Constituição como ápice conformador da elaboração e aplicação da legislação civil. Belo Horizonte: Del Rey. SÁ. pessoa. Para Francisco Amaral. Já no segundo. Ricardo Luis. Direito Civil: atualidades. 76-77. p. NAVES. Trad. São Paulo: Revista dos Tribunais. mas já não pode incidir diretamente sobre eles. e o formalismo. 1998. colabora em suas vidas. que defendia a razão. 253. que o “Big Bang legislativo”54 fez com que a Constituição devesse ser como o sol dentro do sistema solar. por isso é que se vê modificado por normas constitucionais. Fundamentos do direito privado. 1998. pretendendo dar caráter fundamental a muitas de suas regras. giram com autonomia própria. 53 LORENZETTI. a Lei de Locação. estimulando o individualismo jurídico. O Direito privado representa os valores sociais de vigência efetiva. O direito civil na pós-modernidade. 2003. Criaram-se microssistemas jurídicos que. da mesma forma que os planetas. 1998. Trad. In: FIÚZA. Bruno Torquato de Oliveira. Vera Maria Jacob de Fradera. ilumina-os. Belo Horizonte: Del Rey. 44. Fundamentos do direito privado. temos o racio- nalismo. Maria de Fátima Freire de. Ricardo Luis. 55 AMARAL. o individualismo e a subjetividade jurídica. que irá irradiar luz para todos os outros planetas. São Paulo: Revista dos Tribunais. Para melhor definir a constitucionalização do Direito privado. . Por sua vez. o Estatuto da Criança e do Adolescente. pois nele se detecta o projeto de vida comum que a Constituição tenta impor. Trad. temos a substituição do Código Civil pela Constituição. 52 LORENZETTI. São Paulo: Revista dos Tribunais. explica que a explosão do Código produziu um fracionamento da ordem jurídica semelhante ao sistema planetário. p.52 para quem o Direito privado é Direito Constitucional aplicado. produzindo-se então a sua consti- tucionalização. 45. 54 LORENZETTI. SÁ. na qual a segurança jurídica é um valor fundamental. o próprio Ricardo Luis Lorenzetti. uma vez que o centro do ordenamento seria o cidadão burguês dotado de patrimônio. vista como centro da sociedade civil e como ícone da personalização e humanização do direito. Fundamentos do direito privado. o Direito Civil ascende progressivamente. No primeiro. portanto. Não se pode esquecer que o movimento de codificação floresce concomitantemente ao advento do Estado liberal. e para seus satélites. p. Francisco. o Código é como o sol. Vera Maria Jacob de Fradera. César. Ricardo Luis.53 utilizando-se de metáfora. dentre outros. que seriam os micros- sistemas ou Estatutos – como o Código de Defesa do Consumidor. simbolizados pelo Código Civil. reduzindo o direito à norma e à lei.55 o início do terceiro milênio apresenta dois paradigmas aos juristas: o da modernidade e o da pós-modernidade. sua vida é independente. p. Verifica-se. A Parentalidade Socioafetiva 21 Tal corrente de pensamento foi muito bem defendida por Ricardo Luis Lorenzetti. Vera Maria Jacob de Fradera. princi- palmente se considerarmos que os princípios informadores do Código Civil de 2002 têm fundamento na nossa Carta Magna. de acordo com Flávio Tartuce:57 a) dignidade da pessoa humana. SÁ. 170 da CF como justiça social. p. explica-nos. Destarte. p. Perfis do direito civil. c) isonomia ou igualdade. uma função social ao contrato e à propriedade. 216-217. dando. 2005. deve ser considerada revogada. prevista no art. 59 PERLINGERI. São Paulo: Método. e no art. b) solidariedade social. na conduta frequente de se ler a Constituição a partir do Código Civil. Em nenhuma hipótese deverá ser adotada a disfarçada resistência conservadora. que cria o chamado Direito Civil Constitucional. III. verifica-se que a constitucionalização do Direito Civil é a etapa mais importante do processo de transição entre o Estado liberal e o Estado social. estará baseada em uma tríade de princípios. por exemplo. Bruno Torquato de Oliveira. da CF. 2002. Trad. Paulo Luiz Netto. não mais se poderá admitir uma interpretação rasa da codificação civil. 2003. A função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil. Tal princípio está des- crito no art. ou incons- titucional. se posterior a ela. se anterior à Constituição. Rui. um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. prevista no art. uma vez que a constitucionalização do Direito Civil. 58 BARBOSA. Rio de Janeiro: Renovar. Paulo Luiz Netto Lôbo56 que. segundo Rui Barbosa. no qual. Quando for possível o aproveitamento. por uma questão de hierar- quia. com muita propriedade. Flávio. 5º. 65-66. Para Pietro Perlingieri. 2. Belo Horizonte: Del Rey. como objetivo da República. 55. NAVES.22 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari No entanto. tanto nos seus aspectos mais tradi- cionalmente civilísticos quanto naqueles de relevância publicista. Rio de Janeiro: Ediouro. I. p. In: FIÚZA. Direito Civil: atualidades. 6. 57 TARTUCE. Oração aos moços. Maria Cristina De Cicco. Maria de Fátima Freire de. César. 2002.58 devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. da CF. toda a legislação infraconstitucional deverá estar alicerçada na Lei Maior – trouxe 56 LÔBO. . caput. 1º. 59 o Código Civil certamente perdeu a centralidade de outrora. Pietro. visto que o papel unificador do sistema. 3º. Essa necessária constitucionalização – haja vista que. é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional. Constitucionalização do Direito Civil. que origina a socialização do direito privado brasi- leiro. p. quando a legislação civil for claramente incompatível com os princípios e regras constitucionais. senão à luz da nossa Carta Magna. São eles. observar-se-á a interpretação conforme a Constituição. Dessa forma. ed. p. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 60 CANOTILHO. ed. Ressalta Ingo Wolfgang Sarlet61 que. 187-233. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. 192. nas décadas de 1950 e 1960. José Joaquim Gomes. 2006. na América do Norte. e da State Action Doctrine. impondo aos órgãos estatais e aos particulares (ainda que não exatamente da mesma forma) que outorguem a máxima eficácia e efetividade aos direitos fundamentais. Daniel. Os referidos estudos citados por Canotilho questionam se é possível ser transferida para o direito civil a dogmática das restrições dos direitos fundamentais constitucio- nalmente protegidos. Com base no magistério do referido autor. 61 SARLET. essas correntes são explicadas a seguir. assim como vincula a sua observância aos particulares que recebem benefícios fiscais e subsídios do Estado. em favor dos quais milita uma presunção de imediata aplicabilidade e plenitude eficacial. Coimbra: Coimbra Editora. como é denominada na Alemanha. no tocante à eficácia dos direitos fundamen- tais propriamente dita. A eficácia dos direitos fundamentais. 2006. 63 SARMENTO. Daniel. A primeira corrente. Rio de Janeiro: Lumen Juris. José Joaquim Gomes Canotilho60 que hoje um dos temas mais nobres da dogmática jurídica diz respeito às imbricações complexas da irradia- ção dos direitos fundamentais constitucionalmente protegidos (Drittwirkung) e do dever de proteção de direitos fundamentais por parte do poder público em relação a terceiros (Schutzpflicht) na ordem jurídico-privada dos contratos. ed. . 463-464. 2. Porto Alegre: Livraria do Advogado. essa corrente tolera a oponibilidade dos direitos fundamentais entre particulares se um deles estiver no exercício de atividades de natureza tipicamente estatal. p. ed. deve-se ressaltar o cunho eminentemente principiológico da norma contida no art. A polêmica da incidência e eficácia dos direitos fundamentais aplicados nas rela- ções com particulares é discutida pelas doutrinas da Drittwirkung der Grundrechte. da nossa Constituição. já que dispõe que apenas o Estado está sujeito à observância das garantias fundamen- tais. Estudos sobre direitos fundamentais. que estão vinculadas somente ao Poder Público. § 1º. p. p. conhecida como state action (adotada na Suíça e nos Estados Unidos da América). 2006. A Parentalidade Socioafetiva 23 uma emblemática discussão sobre a aplicabilidade ou não dos direitos fundamentais nas relações privadas. 5º. Alerta-nos. Direitos fundamentais e relações privadas. Ingo Wolfgang.62 Explica Daniel Sarmento63 que são três as correntes doutrinárias que abordam a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. 6. 62 SARMENTO. 2004. 188. Apesar de sua aparente rigidez. quanto a isso. nega a oponibilidade dos direitos fundamentais entre particulares. 2006. ed.64 observa-se que o conceito de vincula- ção das entidades privadas aos direitos fundamentais foi introduzido pela doutrina alemã como: a) eficácia externa dos direitos fundamentais (Drittwirkung der Grundrechte). eis que não é apenas o Estado o agente capaz de comprometê-las. já rejeitadas por boa parte da doutrina. b) o controle de constitucionalidade das normas. à margem da Constituição e dos direitos fundamentais. fazendo que eles recebam tratamento específico das normas de direito privado para que se tornem oponíveis entre os particulares. acabam por não respeitar a supremacia da Consti- tuição. admite a referida teoria a unidade do ordenamento jurídico e a impossibilidade de se conceber o direito privado como um gueto. ou a ato do legislador ordinário. reconhece a sua ampla oponibilidade nas relações privadas. que tem como principal defensora a doutrina alemã. haja vista que nossa Carta Magna tratou de declarar: a) a autoaplicabilidade dos direitos fundamentais. sustenta orientação segundo a qual os direitos fundamentais destinam- -se a proteger o indivíduo contra eventuais ações do Estado. Verifica-se. os direitos fundamentais não podem ser considerados direitos subjetivos invocados diretamente da Constituição. não impera como norma superior. e mesmo ao tempo da República de Weimar. Direitos fundamentais e relações privadas. p. 64 SARMENTO. especialmente a alemã. Além disso. então. Rio de Janeiro: Lumen Juris. . c) a impossibilidade de emenda constitucional tendente à abolição dos direitos e das garantias fundamentais. prevalecendo a autonomia de vontade das partes. Ainda de acordo com Daniel Sarmento. Isso porque criam uma esfera de relações sobre a qual a Lei Maior não incide. ficando seu comando subordinado à mera vontade das partes. 187-233. não assumindo maior relevância para as relações de caráter privado. Essa teoria permite que os direitos fundamentais entre particulares possam ser renunciados. Já a terceira corrente. denominada teoria da eficácia imediata ou direta dos di- reitos fundamentais. 2.24 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari A doutrina tradicional dominante no século XIX. O entendimento de que os direitos fundamentais atuam de forma unilateral na relação entre o particular e o Estado acaba por legitimar a ideia de que haveria para o cidadão sempre um espaço livre de qualquer ingerência estatal. Daniel. Para a teoria da eficácia indireta ou mediata dos direitos fundamentais na esfera privada. motivo pelo qual elas não podem ser aceitas em nosso ordenamento. que as duas primeiras correntes. objetivando a efetividade do sistema de direitos e garantias fundamentais no âmbito do Estado Social de Direito. por igual. porventura. O debate doutrinário em torno do reconhecimento.819/RJ. pois não se trata. LV. Caracteri- zado como a opção pela eficácia direta. Já a eficácia horizontal dos direitos fundamentais aumenta o espectro da eficácia externa. a comissão especial tinha de dar oportunidade ao sócio de se defender e realizar possíveis provas em seu favor. mas também nas próprias relações interprivadas. ao passo 65 “Sociedade civil – União Brasileira de Compositores – Exclusão de sócio – Alegado descumprimento de resoluções da sociedade e propositura de ações que acarretaram prejuízos morais e financeiros à entidade – Direito constitucional de ampla defesa desrespeitado. limitando a autonomia privada pela imposição de um dever geral de respeito. de atribuir um efeito externo aos respectivos direi- tos. isto é. sim.2006. numa perspectiva de ordem estritamente horizontal. Punição anulada.. mas também incide sobre o domínio em que se processam as relações de caráter meramente privado. de determinar que esses tenham aplicação não só nas relações verticais (Mittelbare. 5º. A eficácia externa dos direitos fundamentais baseia-se na ideia de que os particu- lares regem suas relações com o Estado. direkte Drittwirkung) estabelecidas entre as pessoas. em 11. que deve ser aplicada a eficácia horizontal dos direitos fundamentais ao direito privado. Já há manifestações de aplicação dessa eficácia horizontal dos direitos fundamen- tais na jurisprudência brasileira. RE 201. da CF. a 2ª Turma do STF decidiu.65 O debate no referido processo versou sobre o problema das normas constitucionais que consagram direitos. Infringência ao art. estabelecidas entre o Estado e os particulares. assume um nítido caráter político-ideológico. mais marcante e. mas. em decisão publicada em 27. rel.819-8/RJ. por maioria de votos. Antes de concluir pela punição. A sua atuação seria. 2ª T. indirekte Drittwinkung). que os obrigam a ficar vinculados a uma atitude negativa.10. No RE 201. liberdades e garantias a serem ou não observadas e cumpridas pelos particulares quando celebram relações jurídicas privadas. . Recurso desprovido” (STF. Ellen Gracie). ao nível das relações bilaterais e horizontais (Unmittelbare. essa se implicaria somente nas relações interprivadas dos particulares para que respeitassem os direitos de outrem.2005. Quanto à eficácia externa perante terceiros. excessivamente limitadora da autonomia privada e da respectiva liberdade negocial. esse debate traduz uma decisão política em prol de um constitucionalismo da igualdade. ao reconhecer que os direitos fundamentais projetam-se. A Parentalidade Socioafetiva 25 b) eficácia horizontal dos direitos fundamentais (Horizontalwirkung der Grundrechte). de uma eficácia di- reta dos direitos e garantias fundamentais.10. ou não. O julgado assinala que o estatuto das liberdades públicas (enquanto complexo de poderes. Pedido de reintegração procedente. com projeção imediata sobre as relações jurídicas entre particulares. direitos e garantias) não se restringe à esfera das relações verticais entre o Estado e o indivíduo. pois. Min. apenas. opções. as garantias fundamentais. portanto. assim. 79. o projeto da modernidade: modelar a so- ciedade civil segundo os valores da razão. como às entidades familiares. São Paulo: Revista dos Tribunais. de certo modo. motivo pelo qual não se pode admitir a existência de um rol taxativo entre as suas formas de constituição. p. Maria Berenice (Org. não existindo entre as várias formas existentes nenhum tipo de hierarquia. Águida Arruda. tampouco uma hierarquia entre elas. Fica. em especial. assim consideradas as uniões estáveis e as comunidades entre qualquer dos pais e filhos. 1996. possibilidades que atendam à diversidade das diferenças. Com isso.). alternativas. Por que Estatuto das Famílias? In: DIAS. . que a família é a base da nossa sociedade e que goza de especial proteção do Estado. 68 BRITO. pois uma de suas consequências é verificar que o conceito de família é plural. Concorda com esse pensamento Rodrigo Toscano de Brito. A ideia de Drittwirkung ou de eficácia direta dos direitos fundamentais na ordem jurídica privada continua. e. Francisco José. 42-43. Por esses motivos. Direito das famílias: contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. pois todas são amparadas pela Carta Magna. Maria Berenice (Org. In: DIAS. A Constituição Federal estabelece. 67 BARBOSA. verifica-se serem plenamente aplicáveis ao Direito Privado as regras constitucionais.26 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari que a concepção defensora de uma eficácia apenas indireta encontra-se atrelada ao constitucionalismo de inspiração liberal-burguesa.). de fato. 2010. dilatou o conceito de família: Não se pode deixar de concluir. Rodrigo Toscano de.68 ao afirmar: 66 CAHALI. temos que interpretar o Código Civil à luz da Constituição Federal. afastada a ideia de verdade absoluta para contemplar a verdade das relações. Direito das famílias: contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. São Paulo: Revista dos Tribunais. 6. outorgando sua proteção. em razão da constitucionalização do Direito Civil. no art. da justiça e do progresso. que é por ela conceituado como: A perspectiva da pluralidade de modos vivendi decorre da negação de uma universalidade inscrita em modelos tidos como universais e singulares. o pluralismo significa ter a disposição. União estável e alimentos entre companheiros. Ensina Águida Arruda Barbosa67 que a pluralidade de formas de constituição de família se dá em razão da existência do pluralismo. Francisco José Cahali66 explica que o citado artigo. Na linguagem do Direito. p. No Direito de Família isso não é diferente. Conceito atual de família e suas percussões patrimoniais. tanto à sociedade conjugal de corrente do casamento. que a Constituição restou por dilatar o conceito de família. 2010. São Paulo: Saraiva. 226. p. que muitos advogados estão se dedican- do a essa parte da Advocacia. Além do que está descrito no dispositivo legal. O grande problema desse contrato é que ele gera renúncia às consequências da união estável. por ensejar renúncia a direitos essenciais que são irrenunciáveis. permitindo que ela possa ter acesso ao direito constitucional à moradia. que existe para promover a proteção da família. mediante es- critura pública ou testamento. o direito a alimentos. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação. verifica-se que o Direito de Família moderno é baseado mais na afetividade do que na estrita legalidade. dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada. antes ausente. 1. natureza. compo- sição e concepção. podem destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família. jurídicas. para sabermos quem é que pode instituí-lo. pois se relacionam aos regimes de bens. ao longo do tempo e até os dias de hoje. ou da pessoa humana. desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição. que são as regras referentes à união está- vel. Deve-se preferir “direito das famílias”.711 do CC permite que o bem de família seja instituído por escritura pública. do Código Civil. que é irrenunciável. inclusive. 166. que são normas de ordem privada. Como o art. e como ela é baseada no afeto. VI. por exemplo. como também pessoal. Isso mostra a possibilidade de se verificar a existência de uma família nos mais diversos moldes. inclusive a sua própria referência. verifica-se que o contrato de namoro é nulo. pois estão relacionadas ao direito existencial da pessoa humana. objeto do nosso estudo. viúva. mas. do ponto de vista não só patrimonial. Outra prova disso é a parentalidade socioafetiva. seria possível fazer um contrato de namoro? Por esses motivos entendemos que não. São vários arranjos familiares. Uma prova disso está no instituto do bem de família. As normas do Direito de Família são essencialmente de ordem pública. As normas de Direito de Família do Código Civil são divididas em direito existencial. pois o intuito dele é o de evitar a aplicação de normas de ordem pública. devemos perguntar o que é uma família. também. É visível que a família. Por esses motivos. conforme disposto no art. afirmando. as repercussões são muitas. A Parentalidade Socioafetiva 27 O direito de família brasileiro atualmente deve ser visto de um ângulo pluralista. sofreu sensíveis mudanças. Essas modificações foram sociológicas. mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel re- sidencial estabelecida em lei especial. O referido artigo determina que os cônjuges. imperativa. pois o Estado. e direito patrimonial. objeto de nossa análise. em sua função. ou a entidade familiar. agora se faz . Uma prova disso é que a mídia está explorando muito a possibilidade de realização de contrato de namoro. Dessa forma. Contudo. verifica-se que somente as normas de direito existencial é que são de ordem pública. como. o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a pessoa solteira. separada ou divorciada sem filhos também conta com a proteção do bem de família. 1. pelos motivos acima expostos. e que é adotado na grande maioria dos países. em razão da eficácia horizontal dos direitos funda- mentais. inciso I. para determinar a repersonalização das relações civis. a família moderna possui proteção estatal. também pelo pai ou mãe que comprove a sua existência. 1. insculpido no art. denominada “Constituição Cidadã”. para incluir nele um parágrafo único com tal possibilidade. Assim sendo. se ele morrer menor ou incapaz. em que a pessoa humana está no centro do Direito. há normas expressas que normatizam a família brasileira. . Parágrafo único. concebida no Brasil desde a época em que éramos colônia portuguesa. no lugar do patrimônio.606. que fundamenta a existência da afetividade em seu conceito e existência e dá à família uma função social importante. entendemos que não é possível acreditar que apenas os filhos possuem o direito de ver reconhecida a parentalidade socioafetiva. já que é um grupo social unido pela convivência afetiva. Desta feita. que valoriza mais o interesse humano do que as relações patrimoniais. Havendo parentalidade socioafetiva. mas também os pais.606 do Código Civil. passando aos herdeiros. enquanto viver. que embasarão a constituição do estado de filiação. ou seja. independentemente de questões políticas e ideológicas.28 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari presente. sugerimos a modificação do art. A família patriarcal. que possa acompanhar a evolução social. É por isso que a família moderna é sempre socioafetiva. já que esse novo paradigma é que servirá de base para a construção do atual conceito de família. da Constituição Federal. também serão aplicadas para construir um “novo” Direito de Família. quando a família passa a realizar e concretizar a afetividade humana. a título de sugestão de lege ferenda. acabou dando lugar à família afetiva. ela desloca as funções econômica. podemos afirmar que a família moderna possui amparo no princípio da solidariedade. Com isso. e as demais. entrou em crise no século XX e. e que transformou o afeto numa categoria jurídica. nos seguintes termos: Art. que é a de valorizar o ser humano. justamente com a Constituição Federal de 1988. 3º. Assim sendo. São esses os argumentos que embasam o nosso pensamento de que as relações consanguíneas são menos importantes na sociedade do que as que possuem origem na afetividade e na convivência familiar. a ação declaratória de paternidade e/ou maternidade poderá ser proposta. um direito sub- jetivo público oponível erga omnes. política e religiosa para a afetiva. pois. por ser um fato gerador de efeitos jurídicos. em nossa Constituição Federal. A ação de prova de filiação compete ao filho. Dessa forma. pela posse do estado de filho. Paternidade reconhecida em ação anterior de investigação de paternidade. Não comprovação. 244. Maria Helena. APCV 0317690-67. Des. Trad. Recurso provido. . p. Procedência da ação. Exame de DNA. impõe-se a relativização da coisa julgada. gerada pela convivência. Na situação específica destes autos. v. Rio de Janeiro: Renovar. 94. Sétima Câmara Cível. Pietro Perlingeri70 afirma que o sangue e os afetos são razões autônomas de jus- tificação para o momento constitutivo da família. Reconstruindo a paternidade: a recusa do filho ao exame de DNA. 26. mas o perfil consensual e a affectio constante e espontânea exercem cada vez mais o papel de denominador comum de qualquer núcleo familiar.8. 70 PERLINGERI. na medida em que não basta a manutenção meramente biológica do conjunto pai-mãe-filhos. no entendimento do TJ-MG: Ação negatória de paternidade. Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio. São Paulo: Saraiva. 2011. concluindo-se pela inexistência de vínculo biológico entre o Apelante e o Apelado. Paternidade socioafetiva. Embora a paternidade que se pretende desconstituir tenha sido reconhecida e homologada em ação de investigação de paternidade anterior. 5.0319. in casu. 2. 69 DINIZ. Pietro.04. não se pode concluir pela existência da paternidade afetiva. anos depois. Pedido de anulação de registro de nasci- mento e de extinção de obrigação alimentar.2008.13. Itabirito. o que somente veio a ser feito nestes autos. Rel. André Leite Praça. 22. A Parentalidade Socioafetiva 29 1. Paternidade afastada. sendo a afeição entre as pessoas do grupo considerado como família o elemento mais importante. 71 SOUZA. 2002. Afirma Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio Souza71 que é inegável a importância de uma convivência harmoniosa e voluntária do ser humano para a sua formação e de- senvolvimento.2011. Perfis do direito civil. j. Os laços de afetividade devem ser considerados indispensáveis para a caracteri- zação da parentalidade socioafetiva. ed. 2005. Maria Cristina De Cicco. Maria Helena Diniz69 afirma que o parentesco socioafetivo está baseado numa relação de afeto. já que não comprovada a existência de laços emocionais e afetivos entre o Apelante e o Apelado (TJMG. DJEMG 08. p. 469.2011 – grifos nossos). ed. Relativização da coisa julgada. considerando que àquela época não se realizou o exame de DNA.4 OS REQUISITOS PARA A SUA EXISTÊNCIA O primeiro requisito para a configuração da parentalidade socioafetiva é o laço de afetividade. Campos dos Goytacazes: Editora Faculdade de Direito de Campos. Curso de direito civil brasileiro: direito de família.3. p. É por isso que Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf77 afirma que. rev. p. 128. além do afeto. Reserva de intimidade: uma possível tutela da dignidade no espaço relacional da conjugalidade. 2012. não foi reconhecida a parentalidade socioafetiva. . p. a de servir como comunidade de laços afetivos e amorosos em perfeita união. no caso em tela. Luiz Roberto. por Tânia da Silva Pereira. Guilherme Calmon Nogueira da.75 que difere a pa- rentalidade da entidade familiar (pois essa pode existir sem aquela e vice-versa). Guilherme Calmon Nogueira da Gama73 afirma que a família recupera. p. 75 RUZYK. a saber. 31. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Saraiva. assim. Direito das famílias: amor e bioética. 180. ao afirmar que o parentesco jurídico pode ser a antessala para a caracterização de uma família entre o filho e o seu progenitor. Rio de Janeiro: Elsevier. Princípios constitucionais de direito de família. na pós-modernidade o afeto passou a ser considerado 72 ASSUMPÇÃO. 20.74 uma família harmônica se constrói na confluência de amor. São Paulo: Atlas. em razão da importância da afetividade. Concordamos com esse posicionamento. 77 MALUF. sua mais importante função. pois o paren- tesco não é o único elemento caracterizador de uma família. Silvana Maria. Rio de Janeiro: Renovar. para que se possa provar a existência de tais laços.. 2004. Por esse motivo. na compreensão moderna da relação paternidade/filiação. Tânia da Silva Pereira. O referido autor explica que a entidade familiar é composta pelo parentesco e pela convivência. Instituições de direto civil: direito de família. 73 GAMA. Luiz Roberto de Assumpção72 afirma que uma família que efetivamente destaque seus membros se constrói na confluência de amor. certíssima a posição de Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk. o valor “cuidado”. v. V. Para Silvana Maria Carbonera. p. 2005. 47. Caio Mário da Silva Pereira. 2008. representando o denominador comum no atual sistema de proteção nas relações familiares. afirmando que há de se considerar. indivíduo e relação. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. e atual. que estará baseada no vínculo afetivo. 377. Rio de Janeiro: Renovar. 2009. 74 CARBONERA. também. indivíduo e relação.76 em notas atualizadoras. marcado pelo compromisso e responsabilidade dos detentores da paternidade biológica e socioafetiva. cita seu pai.30 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Verifica-se no julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que. 76 PEREIRA. ed. também identificado como princípio jurídico. Caio Mário da Silva. p. Aspectos da paternidade no novo Código Civil. 2008. justamente em razão da inexistência de laços de afetividade. mas sim os três requisitos explicitados pela referida autora. p. verifica-se a importância de se realizar uma rígida instrução processual. Aliás. Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. 17. notadamente no campo do Direito de Família. j. Reco- nhecimento espontâneo e consciente da paternidade. Desconstituição da paternidade vedada. Belo Horizonte: Del Rey. A Parentalidade Socioafetiva 31 como um valor jurídico. 26. A filiação socioafetiva. mormente quando não comprova. Ação negatória de paternidade. outro elemento indispensável é o tempo de convivência.). Cumpre lembrar ser desnecessário que o tempo de relacionamento seja dessa mon- ta. p. . quanto maior o tempo. como dito na ementa. p.. Filiação socioafetiva demonstrada. Esse também é pensamento de Heloísa Helena Barboza:78 Contudo. Heloísa Helena. I CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. em 23 anos de convivência. A convi- vência é o que faz nascer o carinho. Não será fácil verificar qual o tempo mínimo de convivência. Fernando Carioni. 433). Rel. Existência de sólido vínculo afetivo por mais de 23 anos.005050-4. Des. nasceu esse tipo de parentalidade. analisando caso a caso. Anais. É irrevogável e irretratá- vel a paternidade espontaneamente reconhecida por aquele que tinha plena consciência de que poderia não ser o pai biológico da criança. mas. Irrelevância. mas é que. há a existência de sólido vínculo afetivo por mais de 23 anos. prevalece sobre a verdade biológica (TJSC. o Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu que. e nem o momento exato do nascimento da socioafetividade.2011.04. In: PEREIRA. Justiça gratuita deferida. podemos ve- rificar que. pois. deve prevalecer a paternidade afetiva. o afeto e a cumplicidade nas relações humanas. 141. estreme de dúvidas. 1999. sempre que se revelar como o meio mais adequado de realização dos direitos 78 BARBOZA. se tem o tempo suficiente para se estabelecer a socioafetividade. Vício de consentimento inexistente.05. DJSC 10. que permeia diversas relações jurídicas. em detrimento da biológica. Realização de teste de paternidade por análise de DNA. Repensando o direito de família. Novas relações de filiação e paternidade. No julgado acima. em razão do fator tempo. por força da mesma norma e em nome do melhor interesse da criança. Vejamos o que pensam os nossos tribunais: Apelação cível. Desconstituição da filiação pela nulidade do assento de nascimento. Recurso parcialmente provido. vício de consentimento capaz de macular a vontade no momento da lavratura do assento de nascimento. Lages.2011. AC 2011. Exclusão da paternidade biológica. fundada na posse do estado de filho e consolidada no afeto e na convivência familiar. motivo pelo qual há que se ter a prova de que o afeto existe com algum tempo de convivência. Rodrigo da Cunha (Coord.. Por conta disso. maior será a certeza da existência dos vínculos afetivos. de fato. No entanto. como constatamos na ementa. do vínculo afetivo. pois a sua simples existência sem a ocorrência da solidez. 1. pois. pois a revelação da origem genética. O reconhecimento voluntário de paternidade é irrevogável e irretratável. Unânime (TJRS. Oitava Câmara Cível. não basta para desconsti- tuir o vínculo voluntariamente assumido. Assim sendo. nem toma- ram quaisquer medidas tendentes ao estabelecimento do vínculo de filiação. Ausência de manifestação de vontade dos falecidos. Precedentes. 2. não pode ensejar a socioa- fetividade. 2. vejamos: Adoção socioafetiva póstuma. a relação jurídica de filiação se construiu. Vejamos o que decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Apelação. no entanto. Paternidade socioafetiva configurada. No caso acima.069/90.4. § 5º. Impossibilidade jurídica do pedido. nem em testamento.2011. Rel. verifica-se que o magistrado deve buscar saber se o vínculo exis- tente entre as partes é realmente sólido e forte.2011). 7. por si só. Irrevogabilidade. DJERS 18. Revela-se juridicamente impossível. AC 8805-49. Foi assim que decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.8. A relação jurídica de filiação se construiu também a partir de laços afetivos e de solidariedade entre pessoas geneticamente estranhas que estabelecem vínculos que em tudo se equiparam àqueles existentes entre pais e filhos ligados por laços de sangue. Negatória de paternidade. 42. um dos indícios da sua ocorrência será a guarda fática exercida pelo genitor(a). antes da sentença. podemos afirmar que a existência de sólido vínculo afetivo seria o terceiro requisito. Sobradinho. Inteligência do art. É possível a adoção póstuma quando existe inequívoca manifestação de vontade do adotante e este vem a falecer no curso do procedimento.7000.4. também. a partir de laços afetivos e de solidariedade entre pessoas ge- neticamente estranhas que estabelecem vínculos que em tudo se equiparam àqueles existentes entre pais e filhos ligados por laços de sangue. Negaram provimento.593 do Código Civil. Vício de vontade não comprovado. Anulação de reconhecimento de filho. Inteligência do art. 1. a ponto de ser comparado ao existente entre pais e filhos. 1. j. . cumpre ressaltar que a guarda é um mero indício.32 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari assegurados à criança e ao adolescente. Luiz Felipe Brasil Santos. especialmente de um dos seus direitos fundamentais: o direito à convivência familiar. o pedido de transformação da mera guarda em adoção socioafetiva. nem em algum escrito. Des.2011. quando as pessoas apontadas como adotantes não deixaram patente a vontade de adotar em momento algum. Na convivência familiar em que se estabelece vínculo sólido de afetividade entre pais e filhos. e não cede diante da inexistência de vínculo bioló- gico.21. da Lei nº 8. Rel. não há que se falar em consenso das partes para reconhecê-la.4. Des. apenas seria possível a desconstituição de paternidade entre aqueles que não mais mantivessem laços de afinidade (TJDF. p.2011). Ausência de reciprocidade. Não conseguimos conceber a possibilidade de. o problema maior é verificar se haverá a necessidade de existência da reciprocidade na afetividade.2011. por algum motivo. 13. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.1. Ac. depois de verificada a existência da socioafetividade. Possibilidade. Primeira Câmara Cível.8. Vínculo socioafetivo. 2008. por exemplo. Natanael Caetano. Havendo provas de que o pai. Rec. Entendemos que isso não é possível.7000. ou seja. Santa Maria. A Parentalidade Socioafetiva 33 ficando claro que o vínculo pretendido era apenas e tão somente de mera guarda. não desejar mais que essa situação se mantenha. AC 253677-39. pois não estamos tratando de direito dispo- nível. Procedência da ação. e se ela deve ser presente ou se pode ser pretérita. que é o vínculo sólido de afeto. A análise rápida da frase nos levaria a crer ser possível o pai ou filho abdicar da parentalidade socioafetiva.3. ao reconhecer vo- luntariamente o filho. requisito essencial para a manutenção do vínculo de parentesco.2009. O simples fato de haver relação de afeto entre pai e filho não biológicos não significa a existência de reciprocidade de relação socioafetiva. que era sólida. 28). como fez o Tribunal de Justiça do Distrito Federal: Embargos infringentes. Contudo. motivo pelo qual. que se consubstancia em um ato jurídico. mesmo depois de formada uma socioafetividade sólida. 487. não reconhecer a existência dessa parentalidade se não houver reciprocidade que. Des. DJDFTE 17. Recurso desprovido (TJRS. j.2011.21.538. não tinha conhecimento da possibilidade de não ser o seu genitor biológico. Sétima Câmara Cível. desconstituir a parentalidade com seus pais ou filhos. .008759-4.4. DJERS 25. que alguém pudesse. Caso contrário. após ser constatado o vínculo so- cioafetivo sólido entre pai não biológico e filho registral. Extinção do vínculo de parentesco. seria o mesmo que permitir a disposição das pessoas acerca da parentalidade. segundo a ementa. Se for permitido a alguém refutar a socioafetividade já estabelecida e consolidada. Contestação de paternidade. A frase que mais choca na ementa do referido julgado é a de que o simples fato de haver relação de afeto entre pai e filho não biológicos não significa a existência de reciprocidade de relação socioafetiva. Erro substancial. Revogação do ato de reconhecimento voluntário. requisito essencial para a manutenção do vínculo de parentesco. Rel. talvez para que não produza efeitos jurídicos. Isso porque há chance de uma das partes. é admissível a contestação da paternidade. seria um requisito essencial para a manutenção do vínculo de parentesco.03. 593 do Código Civil. mas também na indisponibilidade voluntária da parentalidade socioafetiva. j. esse fato deve ser contínuo. enfim.21. Unânime (TJRS. Negatória de paternidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. e essa continuidade. O reconhecimento voluntário de paternidade é irrevogável e irretratável. Sobradinho. Negaram provimento.2011. que nem sempre exige atualidade.4.79 que ensina: Apresentando-se no universo dos fatos. AC 8805-49.7000. 2. as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade. nos seguintes termos: Enunciado 339 do CJF – A paternidade socioafetiva. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já proferiu decisão nesse sentido. É por esse motivo que passaremos a estudar a posse do estado de filho. depois de formada. e não cede diante da inexistência de vínculo bioló- gico. Luiz Edson. 1992. Inteligência do art. pois a revelação da origem genética.34 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari A parentalidade socioafetiva. Irrevogabilidade.4. por si só. Em regra. utilizaremos o pensa- mento de Luiz Edson Fachin. Oitava Câmara Cível. Aproxima-se. Des. continuidade e ausên- cia de equívoco. Rel. 1. acerca da irrevogabilidade: Apelação.2011). a regra jurídica da realidade. calcada na vontade livre. não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho. Precedentes. Os fatos. verificamos que o posicionamento do Tribunal firmou-se não somente na irrevogabilidade e irretratabilidade. deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade. Anulação de reconhecimento de filho. Luiz Felipe Brasil Santos. a posse de estado de filho liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. . 1. é irretratável. dos quais se extrai a existência da posse do estado não devem causar dúvida ou equívoco. não basta para desconsti- tuir o vínculo voluntariamente assumido. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. p. Sobre os requisitos para se caracterizar a socioafetividade. 79 FACHIN. A relação jurídica de filiação se construiu também a partir de laços afetivos e de solidariedade entre pessoas geneticamente estranhas que estabelecem vínculos que em tudo se equiparam àqueles existentes entre pais e filhos ligados por laços de sangue. DJERS 18. A notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social. Vício de vontade não comprovado. É o que podemos verificar do enunciado 339 do CJF. Paternidade socioafetiva configurada.8. 7. Analisando o julgado.2011. 157. assim. pode ser resumida em três palavras: 80 BOEIRA. O biodireito e as relações parentais. Guilherme Calmon Nogueira da. Rio de Janeiro: Borsoi. Francisco Cavalcanti. 1993. II.. c) ter sido constantemente reconhecido. 83 PONTES DE MIRANDA. Na falta. pelos presumidos pais e pela socie- dade. Mesmo não estando prevista expressamente em nosso ordenamento jurídico. Investigação de paternidade: posse de estado de filho. 1971. deve ser recíproco. 60. 1. ed.605. Tratado de direito privado.80 a posse do estado de filho é uma relação afetiva. caracterizada pela reputação diante de terceiros como se filho fosse. 483. A Parentalidade Socioafetiva 35 1. . p. 2003. que determina: Art. p. 82 GOMES. José Bernardo Ramos. Poderá. 311. IX. e que. p. t. poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: [.. o julgador se utilizar dos princípios constitucionais que informam as relações de filiação. Direito de família.] II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos. Ela está baseada na vontade. Ensina Orlando Gomes82 que a posse do estado de filho constitui-se por um con- junto de circunstâncias capazes de exteriorizar a condição de filho legítimo do casal que cria e educa. 1. Explica Guilherme Calmon Nogueira da Gama81 que a verdadeira paternidade (e filiação) somente é possível em razão de um ato de vontade ou de um desejo. da qualidade de filho legítimo e das prerrogativas dele derivadas. entendemos que deve ser aplicada como um dos fatos geradores da parentalidade socioafetiva. 81 GAMA. Pontes de Miranda83 entende que a posse do estado de filho legítimo consiste no gozo do estado. 46 e 47. a fim de analisar o caso concreto. e pelo tratamento existente na relação paterno-filial. 3. em que há o cha- mamento de filho e a aceitação do chamamento de pai. no desejo de a pessoa ter outra como se filho fosse. concisamente. como filho legítimo. 1999. em razão do art. do termo de nascimento. 7. íntima e duradoura. Enten- demos que esse ato de vontade e desejo.5 A POSSE DE ESTADO DE FILHO Segundo José Bernardo Ramos Boeira. do Código Civil. b) ter recebido continuamente o tratamento de filho legítimo. que explica o citado autor. p.605. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. devendo ter os seguintes requisitos: a) sempre ter levado o nome dos presumidos genitores. também. ou defeito. Orlando. Rio de Janeiro: Renovar. Rio de Janeiro: Forense. educação e assistência material e imaterial do filho. com base na posse do estado de filho. por seu prenome. Fun- damento de fato constante do acórdão. e nessa qualidade lhe tives- sem dado educação. meios de subsistência etc. São Paulo: Atlas. O Enunciado 519 do CJF afirma que a posse do estado de filho é fundamental para que seja feito o reconhecimento da parentalidade socioafetiva: Enunciado no 519: Art. 1. Filhos havidos antes do casa- mento. suficiente. 3) Fama: que o público o tivesse sempre como tal. pelo exercício dos direitos e deveres inerentes ao poder familiar. . a justificar a manutenção do julgado. sustento. e dos irmãos. Esse é o pensamento que reflete em julgado paradigma do STJ sobre a socioafe- tividade: Filiação. Anulação ou reforma de registro. por si só. pois revela a conduta dispensada ao filho. 1º. a justificar a manutenção do julgado.36 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari 1) Nomen: que o indivíduo use o nome da pessoa a que atribui a paternidade. Já a “fama” é elemento de expressivo valor. 2) Tractatus: que os pais o tratassem como filho. Há autores que entendem ser dispensável o requisito “nome”. já que os filhos são reconhecidos. Jorge Shiguemitsu. 84 FUJITA. 2009. Min. p. consolidada há mais de quarenta anos. com o assentimento tácito do cônjuge falecido. Situação de fato consolidada há mais de quarenta anos. 113. a par de reputar existente no caso uma “adoção simulada”. j. Rel. Fundamento de fato. visando ao resguardo. por si só suficiente. pela conduta afetiva dos pais em relação ao filho e vice-versa. reporta- -se à situação de fato ocorrente na família e na sociedade. uma verdadeira notoriedade. para que produza efeitos pessoais e patrimoniais. Jorge Fujita84 explica bem como é que se forma a posse do estado de filho. na maioria das vezes.346/GO. Acórdão que. bastando a compro- vação dos requisitos do tratamento e da fama.593: O reconhecimento judicial do vínculo de pa- rentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s). Recurso especial não conhecido (Recurso Especial nº 119.. afir- mando que: Ela se traduz pela demonstração diuturna e contínua da convivência harmo- niosa dentro da comunidade familiar. registrados pelo pai como se fossem de sua mulher. Barros Monteiro. garantindo-lhe a indispensável sobrevivência. que sempre os tratou como filhos. além de a forma ser assim considerada pela comunidade. Filiação.2003).4. Status de filhos. Maurício. dando-lhes afeto. A paternidade sociológica é um ato de opção. Revista IOB de Direito de Família. 85 BUNAZAR. Um deles corrobora a tese: Enunciado no 7 do IBDFAM: A posse de estado de filho pode constituir a paternidade e maternidade. adotando-os de coração. nove enunciados. sem que haja nada que justifique a ruptura da relação filial primeva. A Parentalidade Socioafetiva 37 No dia 22 de novembro de 2013. ao afirmar que: Assim. ser favorável a pluriparentalidade. Pelas portas de Villela: em ensaio sobre a pluriparentaldiade como realidade sociojurídica. biológica e socioafetiva. Aliás. juridiciza-se tal situação. fundando-se na liberdade de es- colha de quem ama e tem afeto. em Araxá/ MG. o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. o que não acontece. obrigações e pretensões. Entende Maurício Bunazar85 que essa posse do estado de filho irá gerar inúmeras consequências. conjugando nomen. Investigação de paternidade socioafetiva. durante o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família. Princípios da solidariedade humana e dignidade da pessoa humana. que são resultado de 16 anos de produção de conhecimento do instituto. Pretensão ao reconhecimento. Esse pensamento já é esposado pela nossa jurisprudência: Ação declaratória. gerando. 72. também. a partir do momento em que a sociedade passa a encarar como pais e/ou mães aqueles perante os quais se exerce a posse do estado de filho. ações e exceções. Registro. Porto Alegre: Síntese. às vezes. Embora o ideal seja a concentração entre as paternidades jurídica. o reconhecimento da última não significa o desapreço à biologização. Princípio da aparência. Juiz de família. mas também da biológica. com quem apenas é a fonte geratriz. Pater- nidade afetiva. nº 59. mas atenção aos novos paradigmas oriundos da instituição das entidades familiares. abr. Estado de filho afetivo. socioafetivos. haja vista que os pais biológicos devem tratar os seus filhos como se fossem. inclusive. aprovou. Declaração da paternidade. entre os participantes da relação filial. Posse do estado de filho. . Ativismo judicial. Adoção informal. ano XII. direitos e deveres. apontando. cumpre ressaltar que tais requisitos da posse do estado de filho não são exclusivos da parentalidade socioafetiva. p. de maneira inevitável. tractatus e fama./maio 2010. dirigindo-lhes a educação. ou seja. e que serão uma diretriz para a criação da nova doutrina e jurisprudência em Direito de Família. em processo de inventário. a fim de se manter a 86 Disponível em: <http://www. seja por ser aceito como tal pela socie- dade. além do nome. como se filho fosse. 23. na mesma data.V.G. o registro de nascimento deve ser retificado. determinando o registro da filiação do autor. que não é decisivo. em afago à solidariedade humana e veneração respeitosa ao princípio da dignidade da pessoa. Vejamos o seu conteúdo: A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou improcedente a ação proposta por uma inventariante e a filha do falecido objetivando anular um registro de nascimento sob a alegação de falsidade ideológica.38 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Uma de suas formas é a “posse do estado de filho”. ressalta o tratamento e a reputação.br/portal_stj/publicacao/engine.A. por meio de escritura pública lavrada em 12/6/1989. feita por quem não é verdadeira- mente o pai. eis que a pessoa é amparada. determinando a retificação do registro de nascimento de L.2004). cuidada e atendida pelo indigitado pai. com veredicto declaratório nesta investigação de paternidade socioafetiva. que se supere a formalidade processual. Liga-se ao princípio da aparência. j.A para que se efetivasse a exclusão dos termos de filiação paterna e de avós paternos. Acesso em: 20 set. dan- do ensejo. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul confirmou a sentença entendendo que.6. O juízo de Direito da 2ª Vara de Família de Campo Grande (MS) julgou procedente a ação. L. . O ativismo judicial e a peculiar atuação do juiz de família impõem. na qualidade de herdeiro. interessante notícia intitulada “STJ não permite anulação de registro de nascimento sob a alegação de falsidade ideológica”. a inventariante e a filha legítima do falecido. “havendo prova robusta de falsidade. em 2009. O site do STJ86 publicou. No caso. em 16/11/1995 e diante da habilitação do filho.A. Des.A. imprimindo um caráter de seriedade à relação aparente. 2012. com visibilidade notória e pública. Com o falecimento do pai registral. Isso ainda ocorre com o “estado de filho afetivo”. e todos os seus consectários (TJRS. tendo em vista a convivência com sua mãe em união estável e motivado pela estima que tinha pelo menor.wsp?tmp. e que dá segurança jurídica. José Carlos Teixeira Giorgis. que corresponde a uma situação que se associa a um direito ou estado.G. o reconhecimento da paternidade foi baseado no caráter socioafetivo da con- vivência entre o falecido e o filho de sua companheira. Apelação Cível 70008795775. ao registro do nascimento. que.gov. Sétima Câmara Cível. objetivando anular o registro de nascimento sob a alegação de falsidade ideológica. que é a exteriorização da condição filial. reconheceu a paternidade de L. Rel. texto=94711>.A aos oito anos de idade. seja por levar o nome. ingressaram com uma ação de negativa de paternidade. como se filho fosse.A.area=398&tmp.stj. por denotar uma verdadeira filiação registral. dar ensejo a sua revogação. 1.610 do Código Civil de 2002”. A Parentalidade Socioafetiva 39 segurança e eficácia dos atos jurídicos”. O casamento de pessoas que. não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação.609 e 1. conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do reconhecimento voluntário. se os cônjuges. julgar-se-á pelo casamento. não possam manifestar vontade. que na dúvida. cujo casamento se impugna. deverá o juiz julgar pró-casamento: Art. afirmou o ministro. 1. na posse do estado de casadas. “Em casos como o presente.545 do Código Civil estabelece que as pessoas que viviam nessa posse de casado não poderão ter o seu casamento impugnado. havendo posse do estado de casado. mesmo sabendo não ser o pai biológico. A posse no Direito de família sempre gerou consequências no casamento. ou tenham falecido. o relator. o Código Civil estabelece. estabelecendo uma situação fática que merece tratamento jurídico. sob autêntica posse de estado de filho.545. salvo mediante certidão do Registro Civil que prove que já era casada alguma delas. por meio da denominada posse do estado de casado. O art. Tal decisão ratifica o conteúdo do enunciado 520 do CJF: Enunciado no 520: Art.601: O conhecimento da ausência de vínculo biológico e a posse de estado de filho obstam a contestação da paternidade presumida. viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados. destacou que reconhecida espontaneamente a paternidade por aquele que. já transcorridos mais de seis anos de tal ato. 1. não se pode contestar em prejuízo da prole comum. admite como seu filho de sua companheira. quando contraiu o casamento impugnado. por força do que dispõem os artigos 1. Na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias. jurídica. é totalmente descabida a pretensão anulatória do regis- tro de nascimento. . salvo se provado que eram casadas: Art. No STJ.547. com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo. podemos afirmar que a parentalidade que se forma pela posse do estado de filho é a aplicação da denominada teoria da aparência sobre as relações paterno-filiais. 1. Ademais. também. quando não apresentados elementos suficientes para legitimar a desconstituição do assen- tamento público. verificando que a posse do estado de filho tem assento no Direito de Família pelo uso milenar da posse do estado de casado. portanto. o termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva. ministro João Otávio de Noronha. se não puder manifestar vontade. devemos fazer uso da analogia nesse caso. Assim sendo. Dessa forma. e não se tratar de nenhum vício de vontade. 2.” 89 WELTER. p. 88 Tradução livre do seguinte texto original: “Es cierto. não é errado dizer que o pai o reconheceu tacitamente. si se la presenta como hijo. onde proliferam os casos de ado- ção de fato. nesse assunto. mas isso não produziria nenhum efeito. encontramos os “filhos de criação”. na doutrina. uma família cuja mola-mestra é o amor entre seus integrantes e o vínculo é o afeto. Actualizada por Guilhermo J. En este sentido. será um exemplo de filiação socioafetiva. como se seus filhos biológicos fossem. p. se ela for apresentada como filho. 90 AZEVEDO. o Estado não deve preocupar-se. no está mal decir que el padre la ha reconocido tácitamente. Neste sentido. 2003. inequivocamente. exterioriza o amor filial.40 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Na Argentina. Borda. porque a adoção é um ato de amor. como o início do processo de adoção. como sempre entendemos. Buenos Aires: La Ley. Guilhermo A. somente. o Estatuto da Criança e do Adolescente permite que a adoção seja deferida se o adotante falecer no curso do processo.88 Como vimos. se a educa como tal. demonstrado. p. que algunos actos propios de la posesión de estado implican una suerte de reconocimiento tácito. Contudo. Álvaro Villaça Azevedo90 afirma: Por isso. se existir uma inequívoca manifestação 87 BORDA. é a família. amor. 2009. 13. 149. a doutrina e a jurisprudência brasileira caminham a anos-luz de distância da Argentina. em que. e. os pais criam uma criança ou adolescente por mera opção. Quem ama. sem adjetivações. mesmo que o processo não tenha sido iniciado. si se la educa como tal. em geral. enfim. . Belmiro Pedro. pois sua base. ed. dando-lhes todo o cuidado. São Paulo: Atlas. sin embargo. 295-296. São Paulo: Revista dos Tribunais. Manual de derecho civil. ternura. Nesses procedimentos. ed.89 Entendemos que não pode haver distinção entre adoção de fato e adoção de direito.6 A ADOÇÃO DE FATO (FILHO DE CRIAÇÃO) A filiação afetiva é muito comum em nosso País. 234. Borda87 afirma que alguns atos relativos à posse de estado implicam uma espécie de reconhecimento tácito. há quem entenda que a adoção pode ser concedida no caso. Isso porque o citado dispositivo busca valorizar o afeto existente entre adotante e adotado. Guilhermo A. por esse motivo. Isso acontece se você dá a uma pessoa o próprio nome. Estatuto da família de fato. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. seu sustentáculo. 1. Álvaro Villaça. Tal ocurre si se le da a una persona el propio nombre. com a família de direito. mesmo não havendo qualquer vínculo biológico ou jurídico. que não poderia concorrer à sua sucessão. 3. no momento em que é admitida a possibilidade da adoção mesmo que não tenha o adotante dado início ao respectivo processo. em virtude do que Maria Berenice Dias91 denomina como posse de estado de pai: O deferimento da adoção depois do falecimento do adotante está condicionado à propositura da ação (CC 1. Dá para afirmar que se trata de ver- dadeira adoção nuncupativa. seria necessário o revolvimento do acervo probatório.628. de Governador de Estado ou Território. 14. Trata-se de um processo socioafetivo de adoção. da Constituição Federal pode ser arguida em recurso contra a expe- 91 DIAS. até o segundo grau ou por adoção. da posse de estado de pai. 1. A justiça apenas convalida o desejo do falecido. o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins. Não há como deixar de reconhecer que.” . e ECA 42. ed. do Presidente da República. às claras se está aceitando verdadeira investigação de paternidade afetiva. vem sendo afastada pela jurisprudência. no entanto. Flagrada a existência da posse de estado de filho. mas a uma ampla gama de acontecimentos que se prolongam no tempo e que perfeitamente serve de sustentáculo para o deferimento da adoção. Manual de direito das famílias. salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição’. § 5º). gera direitos e deveres inerentes ao parentesco. 2011. A posse do estado de filho é mais do que uma simples manifestação escrita feita pelo de cujus. a teor da Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal.. 92 “Art. § 7º. é declarado o vínculo de filiação por adoção. São Paulo: Revista dos Tribunais. 14. A inelegibilidade fundada no art. Maria Berenice. § 7º. 2. Para afastar a conclusão do TRE/PI. O vínculo de relações socioafetivas. por força do art. inviável em sede de Recurso Especial. da Constituição Federal – ‘São inelegíveis. do Distrito Federal. A exigência de que o procedi- mento judicial de adoção já tenha se iniciado. no território de jurisdição do titular. 7. 484 e 485. Os nossos tribunais entendem que a adoção de fato gera as mesmas consequências da adoção jurídica (formalizada). Até porque é isso que a sentença faz.. 14 da Constituição Federal. ou melhor. em razão de sua influência na realidade social. Opera-se simultaneamente a extinção do poder familiar existente e a constituição do vínculo de filiação civil. porque o seu reconhecimento não está ligado a um único ato. de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito. da Constituição Federal:92 Recurso contra expedição de diploma. Inelegibilidade. de que ficou comprovada a relação socioafetiva de filho de criação de antecessor ex-prefeito. 14. Adoção de fato. A Parentalidade Socioafetiva 41 de vontade nesse sentido. Basta que seja comprovada a inequívoca manifestação de vontade do adotante. p. § 7º. inclusive para fins da inelegibilidade prevista no § 7º do art. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reconheceu a inelegibilidade do filho de criação do atual prefeito. Melhor interesse da criança (STJ. portanto. Desse arranjo familiar. arvorado na convivência familiar. conforme ensina Tânia da Silva Pereira. em decorrência de ter formado verdadeira entidade familiar com a mulher e a adotanda. . funda-se no art. em 2010. Legítimo interesse. o que permite ao padrasto invocar o legítimo interesse para a destituição do poder familiar do pai biológico. sobressai o cuidado inerente aos cônjuges.2011.42 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari dição de diploma.2008. do CC/2002). 15. seja ela oriunda de relacionamentos anteriores de cada consorte. Arnaldo Versiani.3. no qual o pai de um menor não mais mantinha contato com ele. ed. Foi isso que ficou reconhecido no Recurso Especial julgado pelo STJ. 2. por vontade própria. haja vista que vários padrastos e madrastas são muito mais presentes que pais ou mães biológicos. Explica a citada ementa que o procedimento para a perda do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de pessoa dotada de legítimo interesse. 2008/0260892-8. Rel. Vejamos a ementa do referido julgado: Direito civil. j. p. Recurso não provido (TSE. 735.2010. Ademais. 2008.106. ligada. Min. é preparatória para a adoção jurídica. que são o embrião do pedido de adoção.2010).18.2. Famílias recompostas. do pedido de adoção reside no estabelecimento de relação afetiva mantida entre o padrasto e a criança.2011. e quem acabou fazendo as suas vezes. sem a concorrência do vínculo biológico. considerando a família como espaço para dar e receber cuidados. Pedido preparatório de destituição do poder familiar formulado pelo padrasto em face do pai biológico. parágrafo único. Rio de Janeiro: Renovar. DJU 22.626. em que um dos cônjuges pretende adotar o filho do outro. Ao formar a chamada “família-mosaico” (com filhos do atual relacionamento e dos anteriores).94 O alicerce. por se tratar de inelegibilidade de natureza constitucional. j.6.06. a adoção de fato. 1. em inúmeros casos. p. afirma a ementa. que se caracteriza por uma estreita relação entre o interesse pessoal do sujeito ativo e o bem-estar da criança. foi o padrasto do garoto. 93 Citação feita na ementa comentada. que com sua mãe vivia em segundas núpcias. essencialmente. razão pela qual não há falar em preclusão. 34). REsp 54101-03. ou seja. 41. Adoção. à socioafetividade.7. 94 Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. O pedido de adoção. DJE 1º. à paternidade social. § 1º.637. Fátima Nancy Andrighi. Família. Proc.93 um convívio de carinho e participação no desenvolvimento e formação da criança. REsp 1.0032. Min. Terceira Turma. que representa. muitos optam por assumir as funções paternas e maternas. do ECA (correspondente ao art. Criança e adolescente. 1º. em reciprocidade e em relação aos filhos. formulado nesse processo. SP. criando os laços de socioafetividade. atualmente composta também por filha comum do casal. Rel. seja a prole comum. na lição de Leonardo Boff. 4/350). Silmara Juny de Abreu et al. Op. 24 do ECA.). entendemos que o conceito é muito amplo e merece um estudo muito aprofundado. para que o menor alcance em sua plenitude um desenvolvimento sadio e completo. do Estatuto Protetivo. a qual tem a capacidade de cortar quais- quer vínculos existentes entre a criança e a família paterna. em que efetivamente seja demonstrado o risco social e pessoal a que esteja sujeita a criança ou de ameaça de lesão aos seus direitos.c. Aliás. o cuidado. se possível. é que o genitor poderá ter extirpado o poder familiar. não em proveito dos genito- res”. Tânia da Silva. sem descurar que as hipóteses autorizadoras da destituição do poder familiar – que devem estar sobejamente comprovadas – são aquelas contempladas no art. entra na natureza e na constituição do ser humano. outrossim. 98 BARBOSA. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte. 58. O direito fundamental da criança e do adolescente de ser criado e educado no seio da sua família. O modo de ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano. sobre o melhor interesse da criança. com a necessária instrução probatória e amplo contraditório. o ser humano desestrutura-se. perde sentido e morre. preocupação. (Org.97 “o poder do pai e da mãe não é outra coisa senão proteção e direção” (Principes de Droit Civil Français. § 1º. ao padrasto é conferida legitimidade ativa e interesse de agir para postular a destituição do poder familiar do pai biológico da criança. e com base nessa premissa deve ser analisada sua permanência ou destituição. p. segundo estabelece o art. segundo as balizas do direito de cuidado a envolver a criança e o adolescente. 97 Citação feita na ementa comentada. em caráter preparatório à adoção. o art. acabará por prejudicar a si mesmo por destruir o que estiver à sua volta. de perícia por equipe interprofissional.638 do CC/2002 c. como nos ensina Águida Arruda Barbosa:98 95 Citação feita na ementa comentada. Sem cuidado ele deixa de ser humano.96 Com fundamento na paternidade responsável. 162. definha. explica o texto da ementa. Entretanto. Por isso o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana”. Isto é. a realização de estudo social ou. Atento a isso é que o Juiz deverá colher os elementos para decidir consoante o melhor interesse da criança. Águida Arruda. ao largo da vida. Sob a tônica do legítimo interesse amparado na socioafetividade. em numerus clausus.95 “representa uma atitude de ocupação. Se. 19 do ECA e engloba a convivência familiar ampla. não fizer com cuidado tudo o que empreender. Proteção da pessoa dos filhos: mediação familiar e interdisciplina- ridade. 1. tão somente diante da inequívoca comprovação de uma das causas de destituição do poder familiar. A Parentalidade Socioafetiva 43 Sob essa perspectiva. todas as circunstâncias deverão ser analisadas detidamente no curso do processo. está preconizado no art. “o poder familiar é instituído no interesse dos filhos e da família. cit. 96 Apud PEREIRA. deter- minando-se. responsabilização e envolvimento com o outro. In: CHINELATO. Direito de família no novo milênio: . Citando Laurent. assevera a ementa em comento. pois. Nada há para reformar no acórdão recorrido. Aliás. consonante o que prevê o art. consideradas as peculiaridades do processo. estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. por uma mulher. a fim de promover maior harmonia familiar e consequente segurança às crianças introduzidas nessas inusitadas tessituras. verifica-se que a adoção de fato é uma das formas de formação da socioa- fetividade. haja vista que faz parte do folclore local. o tractatus e a fama. Por tudo isso. direitos e deveres dos diversos componentes de famílias redimensionadas –. . é que deve ser conce- dido ao padrasto – legitimado ativamente e detentor de interesse de agir – o direito de postular em juízo a destituição do poder familiar – pressuposto lógico da medida principal de adoção por ele requerida –. Assim. em procedimento contraditório. A lenda do boto tem sua origem na região amazônica. 155 do ECA foi devidamente observada. Essas mulheres eram consideradas desonradas e representavam uma séria ameaça aos la- res conjugais. sem oportunidades de trabalho e tampouco de amizades. 2010.7 A “ADOÇÃO À BRASILEIRA” A “adoção à brasileira” é uma prática muito antiga e consiste em: alguém registra o filho que não é seu. em todos os ca- sos e circunstâncias. poderiam tentar conquistar os seus maridos. Essa conduta milenar tem origem na época em que era mal visto pela sociedade uma mulher dar à luz uma criança de pai desconhecido. ao contemplar o padrasto como detentor de legítimo interesse para o pleito destituitório. Por esse motivo fútil. por estar presente o nome. 443. porquanto a regra inserta no art.44 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Sob o influxo dessas ideias é possível destacar que o conceito de superior in- teresse da criança merece um profundo estudo. pois a pessoa é criada por um homem. Diante dos complexos e intrincados arranjos familiares que se delineiam no universo jurídico – ampliados pelo entrecruzar de interesses. deve o Juiz pautar-se. elas eram alijadas da sociedade e tinham que viver à míngua. em face do pai biológico. São Paulo: Atlas. p. onde até hoje é muito po- pular. 169 do ECA. por esse motivo foi criada a “lenda do boto” pelas mulheres que viviam no norte do nosso país. no princípio do melhor interesse da criança. em decorrência da amplitude de sua expressão nas relações humanas marcadas pelo sofrimento da ruptura. ou por ambos. em procedimento contraditório. 1. como se filho fosse. segundo as esposas da época. exigindo dos pais biológicos e socioafetivos coerência de atitudes. motivo pelo qual muitas acabavam indo para o caminho da prostituição. em decorrência da existência de uma posse do estado de filho. em que uma mulher “empresta” o seu útero para gerar filho de outra. uma das grandes certezas do Direito Civil é de que mater semper certa est (a mãe sempre é certa). vulgarmente chamada de barriga de aluguel. em situações em que não cabem as presunções do art. local onde as engravida. haja vista que o ponto que tornava a proposta interessante era que os rapazes ofereciam registrar os filhos como se fossem seus. Como é sabido. 1. motivo pelo qual elegem uma pessoa de confiança. Contudo. o laço materno daquela criança. Já quanto à paternidade. viajam para cidades nos rincões do nosso país. motivo pelo qual. esse jovem volta a se transformar no boto. pois. ainda nos dias atuais na região amazônica costuma-se dizer que uma criança é filha do boto quando não se sabe quem é o pai. vestindo roupa social branca e um chapéu branco para encobrir o buraco que todos os botos têm no alto da cabeça (usado para respirar). cumpre ressaltar que essa não é a única forma de “adoção à brasileira”. Nesse caso. por exemplo. a paternidade deve ser declarada pessoalmente perante o Oficial do Registro Civil. Essa certeza milenar do Direito Civil foi mitigada pela gravidez de substituição.597 do Código Civil. aproveitando-se do desespero das mulheres grávidas. Na manhã seguinte. A via amarela dessa declaração é o suficiente para ser levada ao Cartório de Registro Civil para dar origem ao termo do nascimento. por ser dotado de um poder especial. Esses são os motivos pelos quais muitos homens. seduzindo-as para convencê-las a realizar um passeio no fundo do rio. como. ele se aproxima das jovens mulheres desacompanhadas. temos que pater is est quem justae nuptias demosntrant (pai é aquele que demonstra justa núpcia). consegue se transformar num lindo jovem. o médico atesta. essa lenda do boto era usada para justificar a ocorrência de uma gravidez fora do casamento. no caso de não terem condições financeiras para sustentá-la. pelas mãos de uma parteira. após o nascimento com vida. que possa cuidar do infante). Mesmo sem nutrir laços de afetividade. podemos afirmar ser muito fácil um homem assumir a paternidade de um filho que não é seu. Para se ter uma ideia da força dessa lenda. Assim. Com seu jeito galanteador e falante. o casamento. Na cultura popular. razão pela qual tal conduta pode ser utilizada como forma de barganha para um desejo do rapaz. pois ela também pode acontecer quando um casal quer adotar uma criança que foi deixada em sua casa por genitores desconhecidos (ou conhecidos. apareciam para fazer proposta de casamento. na Declaração de Nascido Vivo (DNV). várias moças viam nesse matrimônio a única solução para o “mal causado pela gravidez”. para que a gestante pudesse ficar livre das mazelas que retratamos anteriormente. onde ainda . o registro de nascimento é feito com base na afirmação de que a criança nasceu em casa. A Parentalidade Socioafetiva 45 De acordo com a lenda. motivo pelo qual muitos casais. um boto cor-de-rosa sai dos rios nas noites de festa junina e. Esse argumento é difícil de ser aceito nos grandes centros urbanos. quando desejam fazer uso desse artifício. dentro do prazo de quinze dias. o oficial encaminhará os autos ao juízo competente (Redação dada pela Lei nº 11. representando o incapaz. o registro passa a ser denominado de tardio e será normati- zado pelo art. via de regra. As declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal serão registradas no lugar de residência do interessado (Redação dada pela Lei nº 11. assim. cumpre lembrar que “adoção à brasileira” é crime.790. dentro do prazo de 15 dias do nascimento: Art. quando alguns relacionamentos se findam.46 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari é comum o parto natural em casa. com o intuito de não levantar suspeita. § 4º Persistindo a suspeita. suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena – reclusão. de 2008). decide ingressar com alguma medida judicial para extinguir a parentalidade.898/1981). 46. 242. mesmo assim.790. 50 da Lei de Registros Públicos determina que o registro de nascimento deve ser feito. § 2º (Revogado pela Lei nº 10. Feita a “adoção à brasileira”. o oficial deverá lavrar o assento dentro de cinco (5) dias. pelas mãos de uma parteira. que foi alterado pela Lei nº 11. 50. de 2008).790. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro. Se exceder esse prazo. no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais. é natural que se estabeleça a socioafetividade no relacionamento paterno/materno filial. § 3º O oficial do Registro Civil. com a convivência. ocultar recém-nascido ou substituí-lo. que será ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório. de 2008). Dar parto alheio como próprio. O grande problema é que. registrar como seu o filho de ou- trem. poderá exigir prova suficiente (Redação dada pela Lei nº 11. § 5º Se o Juiz não fixar prazo menor. 46 da Lei de Registros Públicos. de 2008). se suspeitar da falsidade da declaração. Porém. § 1º O requerimento de registro será assinado por 2 (duas) testemunhas. e o guardião do menor decide ingressar com ação de alimentos. sob as penas da lei (Redação dada pela Lei nº 11. Cumpre lembrar que o art. alegando não ser justo ter que pagar pensão para um filho(a) que não é biologicamente seu. sob pena de pagar multa correspondente a um salário-mínimo da região. de 2001).215. de 2 (dois) a 6 (seis) anos (Alterado pela Lei nº 6.790. tipificado no art. .790/2008: Art. é que a “fúria” de quem fez a adoção desperta. e. 242 do Código Penal nos seguintes termos: Art. Buenos Aires: Astrea. cujo conteúdo repro- duzimos: Em se tratando de adoção à brasileira (em que se assume paternidade sem o devido processo legal).stj. a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado. ed. mesmo sabendo não ser o pai biológico. 454. a menos que tenha feito isso movido pelo erro da convicção de que era realmente seu filho. 6. Para o TJ.wsp?tmp. Para Gustavo A. ZANNONI.. de 1 (um) a 2 (dois) anos.jus. A mulher ajuizou ação declaratória de nulidade de registro civil argumentando que seu ex-marido declarou falsamente a paternidade da ex-enteada. registra como seu filho o de outrem tipifica verdadeira adoção. posteriormente. não possui legitimida- de em nenhuma ação judicial para impugnar a filiação. Bossert e Eduardo Zannoni. o reconhecimento espontâneo da paternidade daquele que. 100 Tradução livre do seguinte texto original: “Creemos que el marido que practicó personal- mente la inscripción del hijo de su esposa no por ello carece de acción para impugnar. descabendo. Em primeira ins- tância. fato este que o 99 BOSSERT. 2012. pois.898/1981): Pena – detenção. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).99 feito o reconhecimento voluntário nesse caso. ministro Massami Uyeda. a mulher recorreu ao STJ. 2008. Gustavo A. irrevogável. Acesso em: 20 set. A Parentalidade Socioafetiva 47 Parágrafo único. que. de rigor o reconhecimento da nulidade do ato. Eduardo A. .br/portal_stj/publicacao/engine. sendo. quando o marido pratica pessoalmente o registro do filho de sua esposa. o pedido foi julgado improcedente. texto=92848>. por la convicción de que realmente se trataba de su hijo. a pretensão de anular o registro de nascimento. o STJ divulgou notícia101 intitulada “Adoção à brasileira não pode ser desconstituída após vínculo de socioafetividade” em seu site. portanto. podendo “o juiz deixar de aplicar a pena”. seguindo o voto do relator. sustentando que o registro civil de nascimento de sua ex-enteada é nulo. O Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) manteve a sentença ao fundamento de inexistência de provas acerca da vontade do ex-marido em proceder à desconstituição da adoção. pois foi levado a efeito mediante declaração falsa de paternidade. Manual de derecho de família. portanto.100 Em 2009. não há possibilidade de contestar o registro judicialmente.area=398&tmp. ya que puede haberlo hecho movido por el error. rejeitou o recurso de uma mulher que pedia a declaração de nulidade do registro civil de sua ex-enteada. Inconformada.” 101 Disponível em: <http://www. p. Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza (Alterado pela Lei nº 6. pois não adotou a premissa de que o recorrente. mostrou-se irrelevante. Massami Uyeda. O recorrente.2009).10. tinha conhecimento da inexis- tência de vínculo biológico. Rel. a despeito de assentar que tinha dúvidas quanto à paternidade que lhe fora imputada. Min. por arrependimento posterior. A alegada dúvida sobre a verdade biológica.u. à época. há de considerar que a adoção à brasileira é reputada pelo ordenamento jurídico como ilegal e. afinal a ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu proveito. ainda em vida. ainda que não absolutamente dissi- pada. ultima o ato. 13. O julgado acima ficou assim ementado: Recurso especial – Ação negatória de paternidade c/c retificação de registro civil – Existência de vínculo socioafetivo nutrido durante aproximadamente vinte e dois anos de convivência que culminou com o reconhecimento jurí- dico da paternidade – Verdade biológica que se mostrou desinfluente para o reconhecimento da paternidade aliada ao estabelecimento de vínculo afetivo – Pretensão de anulação do registro sob o argumento de vício de consentimento – Impossibilidade – Erro substancial afastado pelas instâncias ordinárias – Per- filhação – Irrevogabilidade – Recurso especial a que se nega provimento (REsp 1. ilegalmente efetuada. ainda. após firmado o vínculo socioafetivo. segundo relata. v. que seu ex-marido manifestou. nessas circunstâncias. nem mesmo o pai. desinfluente para que o ora recorrente. como a futura formação da paternidade socioafetiva”. ao argumento de que tivera tão somente uma única relação íntima com a genitora de recorrido. estabelecendo com ele vínculo de afetividade. o ministro Massami Uyeda ressaltou que. tempo suficiente para perscrutar a verdade biológica.. e que esta. em tese. convivia com outro homem. após aproximadamente 22 anos. e. procedesse ao reconhecimento do recorrido . a vontade de desconstituir a adoção. eventualmente. pela própria família. incentivado. ao proceder ao reconhecimento jurídico da paternidade. Em sua decisão. não se pode ignorar o fato de que este ato gera efeitos decisivos na vida da criança adotada. até mesmo criminosa. não poderá o pai adotante desconstituir a posse do estado de filho que já foi confirmada pelo véu da paternidade socioafetiva. 3ª Turma. portou- -se como se pai do menor fosse. reconheceu juridicamente a paternidade daquele. tem pleno conhecimento das circunstâncias que gravitam em torno de seu gesto e.48 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari impede de ser convalidado pelo transcurso de tempo. “De um lado. Para ele. ainda assim.285/MS. pode valer-se de eventual ação anulatória postulando descobrir o registro.078. Argumentou. ao contrário. O acórdão em que foi decida a apelação não conferiu à hipótese o tratamento atinente à “adoção à brasileira”. acrescentou. Por outro lado. o ministro Massami Uyeda destacou que quem adota à moda brasileira não labora em equívoco. Por fim. pois nossa jurisprudência já sedimentou entendimento de que. Status de filhos. registrados pelo pai como se fosse de sua mulher. o que contraria. e dos irmãos. por via transversa. repisa-se. esse proveniente da pressão psicológica exercida pela genitora. Código Civil. Min. Fundamento de fato. a determinação legal constante do art. Situação de fato consolidada há mais de quarenta anos. não comportou guarida. seria. a par de reputar existente no caso uma “adoção simulada”. ver modificada sua situação. Rel. o assentimento do cônjuge que sempre tratou o filho de sua mulher como se fosse seu. A Parentalidade Socioafetiva 49 como sendo seu filho. a prevalência do vínculo biológico sobre o afetivo. . permitir a revogação. Barros Monteiro. não seria possível pôr fim ao vínculo parental constituído: Filiação. por si só. I – Não se trata de legitimar a “adoção à brasileira” e sim de proteger o direito daquele que foi criado como filho e não pode.346/GO. suficiente. do estado de filiação. reporta-se à situação de fato ocorrente na família e na sociedade. imutável na presente via. a justificar a manutenção do julgado. que sempre os tratou como filhos. ao alvedrio do pai registral. à data em que teve o único relacionamento íntimo com aquela. inequivocamente. Recurso especial não conhecido (Recurso Especial 119. Anulação ou reforma de registro. bem como do fato de que a idade do recorrido corresponderia.2003). j. por si só sufi- ciente. sem sua anuência. 1º. É nesse ponto que também entra a questão da parentalidade socioafetiva. no caso dos autos. O Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe possui igual posicionamento: Apelações Cíveis – Ação de Anulação de Registro de Nascimento – “Adoção à Brasileira” – Reconhecimento espontâneo da paternidade pelo faleci- do – Inexistência de vício de consentimento – Demonstração da relação de socioafetividade existente entre as partes – Posse de estado de filha – Reforma da Sentença para manter válido o registro civil da menor – Recursos conhecidos e providos – Decisão Unânime.610. A tese encampada pelo ora recorrente no sentido de que somente procedeu ao regis- tro por incorrer em erro substancial. consolidada há mais de quarenta anos. Filhos havidos antes do ca- samento. diante do contexto fático constante dos autos. Acórdão que. quando aquele se afigurou desinfluente para o reconhecimento voluntário da pater- nidade. Admitir. a justificar a manutenção do julgado. 1. em que o vínculo afetivo há muito encontrava-se estabelecido.4. já demonstra a socioafetividade dentro da “adoção à brasileira”. em um caso desse. com o assentimento tácito do cônjuge falecido. e dos irmãos que com ele se integrou em família. retroa- tivamente. No caso em tela. oportunidade. Fun- damento de fato constante do acórdão. mantém-se a improcedência da ação negatória de paternidade. se configurada nos autos a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva. sabendo não ser pai biológico da menor (TJSE. o que demonstra a força dessa modalidade de parentalidade. Rel. com a anuência da mãe. 2004. mas também ao exame de DNA. 18. os efeitos jurídicos aqui debatidos. 72. Apelação Cível 4102/2008. Silmara Juny. 29. Ainda que o exame de DNA aponte pela exclusão da paternidade do pai registral. e afirma: Se há paternidade socioafetiva constituída por pai que. movido por amor e solidariedade. haja vista que foram adunadas fotos que demonstram o relacionamento entre o de cujus e a requerida (fls. São Paulo: Saraiva. Nessa linha. em ato voluntário. pois aponta que a socioafetividade não se sobrepõe somente à “adoção à brasileira”. j. em muitos casos se reconhecendo a prevalência desta sobre a paternidade biológica. Apelação Cível 70035307297. Claudir Fidélis Faccenda.2010). p. pois o tribunal demonstra expressamente que o di- reito de quem foi criado como filho se sobrepõe ao ilícito cometido no caso da “adoção à brasileira”. III – A posse do estado de filha restou devidamente comprovada nos autos. Interessante o julgado acima. 102 CHINELATO. j. 8ª Câmara Cível.5. 66/70) e através dos depoimentos colhidos. Des. Negatória de paternidade cumulada com pedido de anu- lação de registro civil.9. 20. v. procedimento totalmente ilegal. também na hipótese. Maria Aparecida Santos Gama da Silva. Rel. . Des.2008). verifica-se que a socioafetividade formada no caso da adoção à brasileira. que o acolheu como tal. encontramos o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Apelação cível. registra alguém que a partir de então tem o status de seu filho. Comentários do Código Civil: parte especial do direito de família. mesmo sabendo não ser biológico. Silmara Juny Chinelato102 também corrobora desse entendimento. parece-me que essa paternidade não pode ser desconstituída pelo pai nem pela mãe. Recurso improvido (TJRS. tendo sido constatado que o de cujus re- conheceu a paternidade de forma espontânea. O citado julgado vai além. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. não pode ser por esse motivo ignorada. IV – Não restou caracterizado qualquer vício de consentimento que fosse capaz de dar ensejo à anulação do registro da requerida.50 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari II – A paternidade socioafetiva é baseada nos laços de afeto desenvolvidos na relação entre o filho e o pai. Diante do exposto. e irá gerar. que permite a preservação do sêmen humano congelado para ser utilizado para futuras gestações. como filhos adotados de fato. em razão do vínculo indissolúvel desse.611 do Código Civil: Art. é comum o casal se socorrer das técnicas de reprodução assistida. dando-lhe carinho e afeto e apresentando-lhe para a sociedade como tal. e com isso acaba sendo formada uma socioafetividade. o filho era tratado como “bastardo” e a briga familiar deflorada em decorrência de questões patrimoniais sucessórias. Acreditamos que a autorização exigida pelo artigo acima. morrendo o pai biológico e a mãe de criação. em decorrência do fato de que um dos dois tenha problema com a formação de seus gametas. Por muito tempo em nosso ordenamento jurídico. Nele. o leva para morar com sua família. A Parentalidade Socioafetiva 51 1. Assim. Na hipótese. 1. não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro. em decorrência do preenchimento dos requisitos que já foram anteriormente estudados. o sêmen é mantido por tempo indefinido. Geralmente. segundo o art. em banco de sêmen ou de óvulo. quando o marido ou a mulher não conseguirem produzir material genético apto a gerar a vida humana.611. é importante ressaltar que para isso ocorrer é necessária a autorização do outro cônjuge. já que o parceiro que teve o filho fora do casamento. Nessa hipótese. tanto de um quanto de outro. era comum se verificar a formação de um vínculo socioafetivo entre o filho e o cônjuge traído. se gerados dentro ou fora do casamento.8 OS FILHOS HAVIDOS FORA DO CASAMENTO Os filhos havidos fora do casamento. reconhecido por um dos cônjuges. é o pri- meiro indício da formação de laços afetivos. os filhos eram tratados como legítimos ou ilegítimos. 1. O banco de sêmen é um serviço integrado a grupos de reprodução assistida. muitas vezes. a criava como se fosse.9 OS FILHOS HAVIDOS POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA O objetivo deste tópico é abordar a socioafetividade que se forma quando um casal deseja ter filhos e não consegue. quando um homem casado tinha filhos fora do casamento. quando dada. acabam sendo criados pelo cônjuge traído. quando essa situação era desco- berta. mesmo sabendo que a criança não era seu descendente biológico. Nessa época. em alguns casos. o levava para casa para serem criados por sua esposa. era muito comum que. que. na qual terá de ser utilizado material genético alheio de doador anônimo. para não ser excluído da sucessão hereditária. Porém. congelado em nitrogênio . poderá o filho invocar a parentalidade socioafetiva. O filho havido fora do casamento. 1. e são congelados mediante técnica bem estabelecida. hemofilia. o sêmen é descongelado e. O médico fará acompanha- mento do ciclo menstrual da mulher.br/site/category/vida-de-treinante/>. 2012. Depois de coletado. em São Paulo. por tempo indefinido. realizar o procedimento de inseminação ou fertilização “in vitro” no momento mais adequado para se conseguir a gravidez. é utilizado para inseminação artificial ou para fertilização “in vitro”. Acesso em: 6 set.105 Existem dois tipos de banco de sêmen: o terapêutico e o de doadores.103 Os espermatozoides são obtidos por masturbação. cresceu abruptamente ao longo dos anos. congelado e mantido à temperatura de 196° C negativos. tanto de pacientes como aqueles que fazem doação. Nesse dia. Acesso em: 6 set. 80 pedidos por mês. O sêmen diluído é colocado em recipientes plásticos resistentes ao congelamento. que estará ou não recebendo medicamentos para indução da ovulação. entre outros. O banco de sêmen terapêutico mantém congelado sêmen de homens que vão se submeter a tratamentos que podem colocar em risco sua fertilidade. 104 Disponível em: <http://diariodetreinante.com. por meio de técnica de centrifugação.br/site/category/vida-de-treinante/>. como.com. por exemplo. 2012. em botijão com nitrogênio líquido. identificado.104 O sêmen congelado. em média. e. 105 Disponível em: <http://diariodetreinante. vasectomia. o sêmen é analisado para verificar a concentração de espermatozoides e a sua taxa de mortalidade. algumas cirurgias. 103 Disponível em: <http://diariodetreinante.com. Já o banco de sêmen de doadores anônimos mantém espermas de homens que vo- luntariamente doaram seus gametas para casais cujo marido apresenta infertilidade que não pode ser tratada ou doença hereditária conhecida. pois esse recurso é visto como uma alternativa para casais que têm dificuldades em ter filhos em decorrência da infertilidade do marido ou que não desejam se submeter a tratamentos caros e com baixos resultados.br/site/category/vida-de-treinante/>. os melhores espermatozoides são selecionados para o procedimento. O banco. . com a finalidade de proteger os espermatozoides dos possíveis danos causados pelo congelamento. assim. que fornece sêmen criopreservado para cerca de 70 clínicas de todo o País. localizado no Hospital Israelita Albert Einstein. Uma solução à base de glicerol é adicionada ao sêmen de forma grada- tiva. coleta de espermatozoides no epidídimo e testículo ou por meio de ejaculação estimulada (vibro ou eletroejacu- lação).52 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari líquido (196° C negativos) para utilização em inseminação artificial ou outras técnicas de fertilização assistida para se conseguir gravidez. 2012. tem registrado. como a quimio ou a radioterapia. O número de solicitações feitas ao único Banco de Sêmen de Doadores Anônimos do Brasil. Acesso em: 6 set. incluindo exame físico. que concordem com o anonimato e passem por uma triagem rigorosa. sorológico e espermograma.106 A normatização médica da doação de gametas ou embriões é feita pela Resolução nº 1. saudáveis. além de ajudarem um casal a realizar um sonho. as informações sobre doadores. O tratamento de inseminação numa clínica chega a custar R$ 4. os clientes encontram outras opções. características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores. de forma permanente.000. Podem doar sêmen homens entre 18 e 45 anos.00 a R$ 1. Em 40% dos casos. Segundo a Resolução. recebem uma avaliação do seu estado de saúde. no ano de 2013. um registro de dados clínicos de caráter geral. mede cerca de 1. A maioria dos doadores anônimos tem entre 18 e 45 anos. centros ou serviços que empregam a doação devem manter. cada amostra num banco de sêmen custa de R$ 800. e mesmo assim clientes não faltam.00. podem ser fornecidas exclusivamente para médicos. verifica-se que a doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial. por motivação médica. mas. . do Conselho Federal de Medicina. as dificuldades são por problemas no homem. a resolução determina que eles não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.70m e tem cabelos e olhos castanhos. Cumpre ressaltar que os interessados podem marcar uma consulta médica gratuita para avaliação e esclarecimentos. pouca mobilidade do espermatozoide e disfunção hormonal. Para quem vai tentar a fertilização. deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora. em situações especiais.00. como varicocele (dilatação de veias que drenam o sangue para os testículos). há pouco conhecimento sobre a doação de sêmen entre a população masculina e o número de candidatos está muito abaixo do ideal. Na citada resolução.000. asiáticos e latinos. o registro dos nasci- mentos evitará que um(a) doador(a) venha a produzir mais do que uma gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes. Porém. infecção seminal. 106 Valores aproximados. sem casos de doenças hereditárias na família. no entanto. obrigatoriamente. pois há espermatozoides de várias origens. mas vale lembrar que nenhum tipo de remuneração é realizada para quem se prontifica a fazer a doação. e que os doadores. Dentro do possível. As clínicas. e para isso será mantido sigilo. sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões. na região de localização da unidade. resguardando-se a identidade civil do doador. bem como dos receptores. A Parentalidade Socioafetiva 53 Cerca de 15% (quinze por cento) dos casais brasileiros possuem algum tipo de dificuldade para alcançar a gravidez. pois a demanda é crescente. de pele branca. Com relação aos doadores.957/2010. praticados no mercado. como de negros. A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. conectando o ideal da paternidade e da maternidade responsável. e pela convivência. do afeto. V. do Código Civil. nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas trabalham. do desvelo. pois possui várias etapas.605. pois o reconhecimento voluntário da pater- nidade na inseminação artificial heteróloga não é de filho biológico.603. de terceiro(s). 1. 1. reconhece uma verdadeira parentalidade socioafetiva. eudemonista).593. os filhos oriundos de inseminação medicamente assistida terão os mesmos efeitos da parentalidade biológica. 1. já que o material genético não é do(s) pai(s). conforme resulte de con- sanguinidade ou outra origem”. . terá um filho presumidamente seu.54 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas. ainda. no caso da inseminação heteróloga. de acordo. Revista Jurídica. do coração e da emoção. Dessa forma. sim. (e) art. Assim sendo. 107 MADALENO. (re)velando o mistério insondável da filiação. social. 1. pois. já que o material genético é de terceiro. (c) art. II.597. em que filiação é provada por presunções – posse de estado de filho (estado de filho afetivo)” (grifos nossos). regozijando-se com o nascimento emocional e espiritual do filho. 1. enquanto a família biológica navega na cavidade san- guínea. mesmo sabendo que o filho não é biologicamente seu. maio de 1995. a família afetiva transcende os mares do sangue. acaba reconhecendo-o como filho depois de autorizar a realização do procedimento. da Constituição Federal de 1988). 1. visto que. 7. consoante o art. § 6º. demonstrando o desejo de que isso ocorra. Rolf Hanssen. que é longo. 227. que diz: “O parentesco é natural ou civil. socioafetiva. unidades ou serviços. com ela irá criar laços de so- cioafetividade. com a referida Resolução. Afirma Rolf Madaleno107 que o reconhecimento voluntário de paternidade. juridicamente perante o Registro Civil. mas. Alimentos e sua Restituição Judicial. mesmo não tendo vínculo biológico com a criança fruto da inseminação. Porto Alegre: Notadez. Esta outra origem de parentesco é justamente a sociológica (afetiva. 211. e sim de filho socioafetivo. participar como doador nos programas de reprodução assistida. ao autorizar a reprodução heteróloga. V. verifica-se que o cônjuge que não puder ter filhos devido aos seus gametas. v. p. hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas. abaixo. Citamos. em que é reafirmada a igualdade entre a filiação (art. as palavras do referido autor: A filiação socioafetiva pode ser admitida com base nos seguintes artigos: (a) art. engendrando um verdadeiro reconhecimento do estado de filho afetivo.597. edificando a família pelo cordão umbilical do amor. (b) art. ou não. reconhecida.596. (d) art. p. quando um casamento não dá certo. p. Irene. Buenos Aires: Editorial Universidad. cujo casamento que deu origem ao vínculo de afinidade com o enteado se desfaz. às vezes. 78.. 2. Washington de Barros Monteiro e Regina Beatriz Tavares da Silva 111 explicam que um bom exemplo de socioafetividade é o caso do padrasto ou da madrasta. o casamento deixou de ser “até que a morte nos separe”. São Paulo: Malheiros. Dessa forma. Para Cecilia P.110 os vínculos biológicos. Washington de Barros. 2009. atualmente. v. pretenderlo del nuevo cónyuge o compañero del progenitor.” 110 VELOSO. muitos filhos são abandonados afetivamente pelos pais biológicos e acabam sendo criados moral e afetivamente pelos segundos maridos ou esposas de seus genitores-guardiões. MARTÍNEZ ALCORTA. A Parentalidade Socioafetiva 55 1. sem excluí-lo do grupo em que vive. motivo pelo qual. como si fuese un padre o una madre. fingir para a sociedade que o novo cônjuge ou o novo companheiro de um dos genitores é como pai ou mãe. da convi- vência. ou seja. cedem aos laços do amor. se divorciam novamente e se casam de novo. Como ensina Zeno Veloso. al mismo tiempo. São Paulo: Saraiva. 2000. se também não forem felizes. 108 GROSMAN. Familias ensambladas. SILVA. pois a voz do sangue nem sempre fala mais alto do que os apelos do coração. em razão do crescente número de casais divorciados com filhos. verifica-se que. Direito brasileiro da filiação e da paternidade.10 OS FILHOS DECORRENTES DA RELAÇÃO DE PADRASTIO E MADRASTIO Neste item iremos abordar a relação socioafetiva que se cria entre padrastos e madrastas com relação aos seus enteados e enteadas. pois. Zeno. 180. 111 MONTEIRO. ao mesmo tempo. 109 Tradução livre do seguinte texto original: “Resulta paradójico sostener que sólo el lazo parental asegura un legítimo afecto y. a sociedade passou a aceitar o divorciado como se solteiro fosse. se houver necessidade. 39.109 São casos em que o vínculo biológico não existe. sendo que foi justamente aquele ou aquela quem criou e educou o menor. de buenas a primeras. . mas o de afeto sim. da solidariedade. Outro caso de socioafetividade formada com filhos oriundos fora do casamento se dá no caso de famílias recompostas. na chamada famí- lia reconstituída. ed. Cecilia P.108 temos que é paradoxal afir- mar que apenas o laço parental garante um afeto legítimo e. Regina Beatriz Tavares da. Com o advento da Lei do Divórcio em 1977. as pessoas se divorciam e se casam de novo. 1997. com o passar do tempo. p. 346. Grosman e Irene Martínez Alcorta0. Curso de direito civil: direito de família. pela Editora Taba. Acesso em: 15 nov. uma convivência. mesmo assim. as pessoas se casarem mais de uma vez.org/wiki/F%C3%A1bio_J%C3%BAnior>. entendemos ser possível. 2012. com isso.wikipedia. por conta dos fortes laços socioafetivos que se formam entre ambos. formam-se laços afetivos. 2012.C3. criando a parentalidade em qualquer um dos casos vistos acima. Imaginemos que a pessoa com que o genitor de alguém irá se casar não pode ter filhos. Contudo. e o cônjuge do genitor que possui a guarda desse filho acaba adotando-o afetivamente.114 também se casou seis vezes em sua vida. e. consignando-se mais um caso de multiparentalidade. Questão interes- sante que consta em sua biografia é que. levar filhos de outros relaciona- mentos. Nesse caso. há quem seja “abandonado” pelo pai ou mãe biológico. Comumente. 114 Disponível em: <http://pt. sem a retirada do pai ou mãe biológico. mais conhecida como Gretchen. não há necessidade de que ocorra esse “abandono”. Acesso em: 15 nov. também. em nossa sociedade. aqui.wikipedia. Assim sendo. se cria uma parentalidade entre eles. Acesso em: 15 nov.112 por exemplo. motivo pelo qual. a constituição da parentalidade socioa- fetiva. que será estudado no último capítulo deste livro. tendo com eles.56 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Há vários casos de pessoas famosas que se casaram várias vezes. Porém. para isso ocorrer. e. Não podemos esquecer que. ele publicou o livro Como Segurar seu Casamento. A cantora Maria Odete Brito de Miranda.11 A TITULARIDADE DO DIREITO DE BUSCAR O RECONHECIMENTO DESSA PARENTALIDADE Pretendemos. devendo.org/wiki/Chico_Anysio#Fam. Já o cantor Fábio Júnior113 (nome artístico de Fábio Correa Ayrosa Galvão) casou-se seis vezes.ADlia>.org/wiki/Gretchen>. ser incluída a paternidade ou maternidade no assento do nascimento. casou-se sete vezes. no ano de 2000. 2012. para cada casamento. que acabam sendo criados pelo outro cônjuge também. na hipótese. .wikipedia. as consequências aqui estudadas também serão aplicadas. em razão de não ter conseguido “segurar” cinco casamentos em sua vida. 1. as crianças que ficam com um dos cônjuges apenas não perdem contato com seus pais. foi alvo de piadas por parte da sociedade e da mídia. 113 Disponível em: <http://pt. tornou-se muito comum. investigar de quem é a titularidade de buscar o reconhecimento dessa parentalidade: a) Somente o filho (hipótese em que a ação seria personalíssima)? 112 Disponível em: <http://pt. em razão da convivência diária e da afinidade entre eles. o querido Chico Anysio. O saudoso humorista Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho. Rel. porque faz fenecer o direito.2011). Para a Min. 462 do CPC. o que permite ao padrasto invocar o legítimo interesse para a destituição do poder familiar do pai biológico devido à convivência familiar. Negatória de paternidade socioafetiva volun- tariamente reconhecida proposta pelos filhos do primeiro casamento. do ECA. com quem tem outra filha. do ECA. Por outro lado. o padrasto tem legítimo interesse amparado na socioafetividade. Proc.2011. Min. j. 3. A Parentalidade Socioafetiva 57 b) O pai ou a mãe socioafetiva? c) Outro parente? O STJ firmou entendimento. o qual corresponde ao art. A superveniência do fato jurídico representado pela morte da criança. 155 do ECA dispõe que o procedimento para a perda do poder familiar terá início por provocação do MP ou de pessoa dotada de legítimo interesse. o pedido de adoção formulado nos autos funda-se no art. Observa ser importante dar ao padrasto a oportunidade de discutir a questão em juízo. em procedimento contraditório . Fátima Nancy Andrighi. seria o convívio de carinho e participação no desenvolvimento e formação da criança sem a concorrência do vínculo biológico. que. 2002/0092020-3-RS. Recurso Especial provido (STJ. A filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da per- sonalidade humana. A questão posta no REsp consiste em definir se o padrasto detém legitimidade ativa e interesse de agir para propor a des- tituição do poder familiar do pai biológico em caráter preparatório à adoção de menor. Fato superveniente. o que confere a ele legitimi- dade ativa e interesse de agir para postular destituição do poder familiar do pai biológico da criança. 2. determinando-se. parágrafo único. que a ação é personalíssima: Direito civil e da criança. DJE 11. Porém. se possível.05. do CC/2002: um dos cônjuges pretende adotar o filho do outro. É cediço que o art. Morte da criança.626. impõe o emprego da norma contida no art. ocorrido após a interposição do Recurso Especial. Relatora. em outro caso. com a necessária instrução probatória e amplo contraditório. também.5. 1. § 1º. Cuida-se de ação de adoção com pedido preparatório de destituição do poder familiar ajuizada por padrasto de filha menor de sua es- posa. ressalta que todas as circunstâncias deverão ser analisadas detidamente no curso do processo. de ser abrigada pela filiação socioafetiva. 162. 41. de perícia por equipe interprofissional. a realização de estudo social ou. o STJ firmou entendimento de que o pai pode propor tal ação quando deseja adotar a filha menor da sua esposa: Adoção. ligada essencialmente à paternidade social ou socioafetividade. segundo a doutrina. Terceira Turma. segundo estabelece o art. 3.566. 1. que tão somente à criança per- tencia. que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da criança. recentemente. Falecimento do pai antes da citação. Padrasto. Entretanto. § 1º. REsp 450. cumpre ressaltar que. AC-Or 2011.638 do CC/2002 c/c art. Des.2011. acertadamente em nosso sentir. Na espécie. não inviabiliza o conhecimento do recurso por carência de dialeticidade. Luiz Tadeu Barbosa Silva. ma- nifestou de forma evidente seu arrependimento em ter declarado a recorrida como sua filha e o decurso de tempo não tem o condão de convalidar a adoção feita sem a observância dos requisitos legais.637-SP. Porém. em que seja demonstrado o risco social e pessoal ou de ameaça de lesão aos direitos a que esteja sujeita a criança. 61). Rel. esclareceu o Min. A falta de comprovação pelo pai biológico de que o ato registral de filiação está maculado com vício de consentimento. eventualmente assumindo o risco de responder criminalmente pelo ato (art. a Min. Min. 242 do CP). Assim sendo. articulando em seu recurso as seguintes teses: seu ex-marido. na hipótese inversa. no julgado acima.106. somadas às peculiaridades do processo. acompanhada pela Turma. O fato de a parte reproduzir nas razões de recurso tese defendida na impug- nação à contestação. dada a contraposição à sentença. j. de que sempre deverá prevalecer o melhor interesse da criança e as hipóteses autorizadoras da destituição do poder familiar. sem ser o pai biológico da recorrida. 1º. veda a propositura da ação por iniciativa do pai biológico para desconstituir a filiação estabelecida registralmente: Apelação cível. sem se descuidar. Concepção – Relação ex- traconjugal – Ciência do marido – Reconhecimento de paternidade – Filiação socioafetiva – Recurso improvido.58 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari (arts. o STJ entendeu que o pai afetivo teria interesse para propor a ação para reconhecer o vínculo socioafetivo. apenas registra o infante . sem observar o regular procedi- mento de adoção imposto pela Lei Civil e. em vida. con- firmando a decisão exarada no acórdão recorrido (REsp 1. Preliminar de não conhecimento afastada. Inicialmente. reconheceu a legitimidade ativa do padrasto para o pleito de destituição em procedimento contraditório. 1. p. Recurso dialético. comprovadas conforme dispõe o art. Nancy Andrighi. ocasião em que alguém.006611-2/0000-00. há caso em que a jurisprudência. Paternidade socioafetiva. Anulação de registro cumulada com reconhecimento de paternidade. torna inviável anular o registro para atribuição da paternidade àquele (TJMS.6. pois. Rel. Relator que tal hipótese configura aquilo que doutrinariamente se chama de adoção à brasileira. DJEMS 4. Vejamos julgado do STJ sobre o tema: Adoção à brasileira. 24 e 169 do ECA). Relatora. como a viúva do pai registral que almeja excluir a herdeira da sucessão. fácil será concluir que um terceiro não poderá propor ação judicial com o fito de tentar desconstituir a filiação socioafetiva.4. o de cujus.2010). A recorrente pretende obter a declaração de nulidade desse registro civil de nascimento. também. 24 do ECA. Camapuã. registrou-a como se filha sua fosse. Quinta Turma Cível. Entre outros argumentos e doutrinas colacionados. o que. vindicar judicialmente a nulidade do registro em vista da obtenção do estabelecimento da verdade real. Depois de formado o liame socioafetivo. Da mesma forma. é válido apenas na hipótese de o pai adotante pretender a nulidade do registro.604 do CC/2002 que ninguém pode vindicar estado contrário ao que consta do registro de nascimento. pois. Se nem mesmo aquele que procedeu ao registro e tomou como sua filha aquela que sabidamente não é teve a iniciativa de anulá-lo. DJ 4/6/2007 (REsp 1. a segunda esposa e viúva do de cujus pretende tal desconstituição. de outro. salvo provando o erro ou a falsidade do registro. Registro. Não se estende. Precedente citado: REsp 833. não haver dúvida sobre o fato de que o de cujus não é o pai biológico do recorrente. Ressaltou o Min. da paternidade biológica. Por isso. em processo de inventário. ultima o ato. sem abordar a eventual natureza personalíssima da presente ação.088. 1. não se pode admitir que um terceiro (a viúva) assim o faça. a recorrida foi registrada em 1965 e. e. de um lado.157-PB. Quanto a isso. passados 38 anos. ao filho adotado. ainda assim. pode valer-se de eventual ação anulatória. ou seja. todavia. o STJ também entendeu pela impossibilidade em buscar a extinção da parentalidade. Min. Rel. em última análise. 23. Massami Uyeda. por ação proposta pela filha biológica de pessoa falecida que realizou “adoção à brasileira”: Paternidade socioafetiva. a filha biológica inventariante ingressou com ação de negativa de paternidade. . significa o próprio desfazimento de um vínculo de afeto que foi criado e cultivado entre a registrada e seu pai com o passar do tempo. Por fim. j. Anote-se. No caso. Relator que tal entendimento. a questão está sendo apreciada em seu mérito. Quem adota à moda brasileira não labora em equívoco. ao buscar anular o registro de nascimento do recorrente sob alegação de falsi- dade ideológica. No mesmo sentido. Tem pleno conhecimento das circunstâncias que gravitam em torno de seu gesto e. nem mesmo o pai. Relator que a legitimidade ad causam da viúva do adotante para iniciar uma ação anulatória de registro de nascimento não é objeto do presente recurso especial. não poderá o pai adotante desconstituir a posse do estado de filho que já foi confirmada pelo véu da paternidade socioafetiva. A Parentalidade Socioafetiva 59 como filho. Falecido o pai registral e diante da habilitação do recorrente como herdeiro. assiste o direito de. Com essas ponderações. ressalvou o Min. a que. repercussão dessa prática na formação e desenvolvimento do adotado). a qualquer tempo. segundo entendimento deste Superior Tribunal.712-RS. postulando desconstituir o registro. primeiramente.2009). a reflexão sobre a possibilidade de o pai adotante pleitear a nulidade do registro de nas- cimento deve levar em conta esses dois valores em rota de colisão (ilegalidade da adoção à moda brasileira. em se tratando de adoção à brasileira a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado.6. dispõe o art. Nessas circunstâncias. por arrependimento posterior. enquanto viver. jurídica. essas exceções só se dão quando perfeitamente demonstrado que houve vício de consentimento (erro.610 do CC/2002. não há falar em erro ou falsidade se o registro de nascimento de filho não biológico decorre do reconhecimento espontâneo de paternidade mediante escritura pública (adoção “à brasileira”). por força dos arts. pois a incapacidade do filho falecido não pressupõe a menoridade. cumpre ressaltar que não vemos problemas dessa ação judicial ser proposta pelo pai socioafetivo para incluir uma parentalidade. Dessarte. pois ela ocorre. aferida em condições normais de discernimento. Vere- mos mais adiante que são vários os casos de multiparentalidade já aceitos por nossa jurisprudência. A ação de prova de filiação compete ao filho. com proteção em recentes reformas do Direito contemporâneo. sem retirar os já existentes? Sabemos que a doutrina e a jurisprudência sempre se manifestaram no sentido de que a ação investigatória pode ser proposta somente pelo filho. sem excluir a existente. revela a falsidade da declaração da vontade consubstan- ciada no ato de reconhecimento. . coação. por denotar uma verdadeira filiação registral. 5. e cumpre ressaltar que ao falar de herdeiro ele não faz ne- nhuma ressalva de qual seria. os herdeiros poderão continuá- -la. Há precedente deste Superior Tribunal no sentido de que o reconhecimento de paternidade é válido se refletir a existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pai e filho. Ademais. por conta de o art. pois. não dá ensejo à revogação do ato de registro de filiação. dolo. particularmente a indução ao engano.608-MS.609 e 1. João Otávio de Noronha. em pessoas maiores de idade. sua vontade. biológico ou não. Min. Contudo. passando aos herdeiros. j.60 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Assim. pois a ausência de vínculo biológico não é fato que.11. Parágrafo único. 1. inteirado o pretenso pai de que o filho não é seu. salvo se julgado extinto o processo. Se não é possível a ação ser movida para se retirar um pai ou mãe. 1.606. fraude ou simulação) quando da declaração do assento de nascimento. por que não permitir que ela seja iniciada para incluir mais um. o mesmo dispositivo que estabelece o caráter personalíssimo da ação. Porém. está materializada. se ele morrer menor ou incapaz. também. do registro de nascimento por gerar prejuízo à pessoa do filho. o relativiza ao estabelecer que os herdeiros podem ingressar com essa ação se o filho morrer menor ou incapaz. porquanto respal- dada na livre e consciente intenção de reconhecimento voluntário. por si só.941-DF. DJ 17/9/2007 (REsp 709. motivo pelo qual entendemos que aqui podemos ter mais um caso. o que nos forçaria a concluir que poderia ser o necessário. 1. Se iniciada a ação pelo filho. Precedente citado: REsp 878. Rel. o termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva.2009). portanto.606 do Código Civil estabelecer que: Art. mas movido pelo vínculo socioafetivo e sentimento de nobreza. sob posse de estado de filho. o legítimo e o testamentário. Mãe dos pretensos netos que também postula seu direito de meação dos bens que supostamente seriam herdados pelo marido falecido. Ademais. uma vez que o objetivo da demanda seria nitidamente patrimonial. pelo princípio da isonomia. Para o STJ. j. possuem direito de agir. 1. se há afeto entre as partes. numa situação de lídima justiça estabelecida expressamente pelo legislador. questão tormentosa é saber se um terceiro poderia propor a ação para reco- nhecer essa parentalidade. pois. na hipótese de a ação judicial ter sido iniciada pelo filho. O argumento usado foi o de que o direito à busca da ancestralidade é personalíssi- mo e. irrenunciáveis. por ser medida da mais clara justiça. exclusivamente. por exemplo. do que vice-versa. Família.2010. ou dos herdeiros se premorto aquele. se beneficiar do vínculo afetivo para poder aferir vantagem patrimo- nial. O objetivo dessa modalidade de parentalidade não é de enriquecer as pessoas. Porém. possui tutela jurídica integral e especial. e irá gerar ganho e não perda ao filho. devemos dar direitos iguais na socioafetividade. Peculiaridade. não vemos problema algum nisso. A Parentalidade Socioafetiva 61 O citado artigo relativiza a regra.2010). caso as partes assim o desejem. caput. também. de pleitear declaratória de relação de parentesco em face do avô. teríamos uma verdadeira afronta ao intuito. porque o direito ao nome. como os direitos da personalidade – entre eles. Todavia. 5º. por que somente o filho poderia requerer essa declaração? Ela deve ser de mão dupla. intransmissíveis. imprescritíveis e oponíveis erga omnes. para não se hierarquizar o afeto entre as pessoas. dando mais importância ao que o filho sente pelo pai ou mãe. o direito ao nome e ao conhecimento da origem genética – são inalienáveis. porquanto pré-morto o avô (REsp 807. se. em que se poderia cair no erro de tentar mensurar e valorar o afeto. Legitimidade ativa e possibilidade jurídica do pedido. 24. assim como os filhos. os netos. e que o seu autor desejava. Acreditamos que não.591 do Código Civil.8. que deverá retratar o que está ocorrendo faticamente. nos moldes dos arts. Direito personalíssimo dos netos. Ação de declaração de relação avoenga. Agora.03. Dignidade da pessoa humana. DJe 6. extrapatrimoniais. insculpido no art. uma pessoa queira propor a ação declaratória de parentalidade socioafetiva de seu pai com uma pessoa. e esse falece antes do seu julgamento. Busca da an- cestralidade.849/RJ (2006/0003284-7). mas de se reconhecer verdadeiro vínculo afetivo que ocorreu por muito tempo. e o art. Parece-nos que a resposta deve ser analisada com cautela. Segunda Seção. próprio e personalíssimo. dessa forma. da Constituição Federal. ao regular as relações de . mesmo diante de todos esses argumentos. pois. 5º e 226 da Constituição Federal. apenas com o fito de se beneficiar na sucessão. há um precedente do STJ que aponta uma conclusão inversa da que vimos acima: Direito civil. temos que. vitalícios. à identidade e à origem genética estão intimamente ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana. Rel. Ministra Nancy Andrighi. Em julgado proferido em 31 de janeiro de 1989 e publicado no periódico jurídico NJW (Neue Juristische Woche) 1989. uma vez declarada a existência de relação de parentesco na linha reta a partir do segundo grau. 891. Em caso de repetida e injustificada recusa ao exame médico. em especial a coleta de amostra sanguínea. Assim sendo. vêm. 1º. dada a sua infinitude. 1º. dessa forma. da Cons- tituição Alemã) contemplam o direito ao conhecimento da própria origem genética”. Par. o reconhecimento de toda a linha ancestral paterna. de modo que todas as pessoas oriundas de um tronco ancestral comum sempre serão consideradas parentes entre si. ao falecer sem investigar sua paternidade. com a amplitude probatória a ela inerente. poderá ser utilizada a coação. Em hipótese idêntica à presente. o que já se mostra suficiente para justificar a pretensão de que seja declarada a relação avoenga e. Desde que seja necessário para a constatação da origem genética. deduzir pleito para que a linha ascendente lacunosa seja devidamente preenchida. restou decidido que “em ação de investigação de paternidade podem os pais biológicos de um homem já falecido serem compelidos à colheita de sangue”. adotando a solução ora defendida. II. A jurisprudência alemã já abordou o tema. por meio de ação declaratória. 2. em particular a condução forçada da pessoa a ser examinada. a não ser que o exame não possa ser exigido da pessoa examinada. e Art. por mais afastadas que estejam as gerações. se o pai não propôs ação investigatória quando em vida. qualquer pessoa deve tolerar exames. Os §§ 386 a 390 são igualmente aplicáveis. desde que produzam provas hábeis ao longo do processo. a possibilitar o reconhecimento da relação avoenga. Essa linha de raciocínio deu origem à reforma legislativa que provocou a edição do § 372a do Código de Processo Civil Alemão (ZPO) em 17 de dezembro de 2008. a questão deve ser analisada na origem. Na linha do julgado. I. não estipula limitação. 1º. a preservação da memória dos mortos não pode se sobrepor à tutela dos direitos dos vivos que. essa gerará todos os efeitos que o parentesco em primeiro grau (filiação) faria nascer.62 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari parentesco em linha reta.” Dessa forma. a legitimidade e a certeza da existência de relação de parentesco com o avô não caracteriza hipótese de impossibilidade jurídica do pedido. Par. o Tribunal Constitucional Alemão (BVerfG) afirmou que “os direitos da personalidade (art. por consequência. com reflexos no direito de herança. a seguir reproduzido (tradução livre): “§ 372a Investigações para constatação da origem genética. . deixou a certidão de nascimento de seus descenden- tes com o espaço destinado ao casal de avós paternos em branco. O pai. perante o Poder Judiciário. a pretensão dos netos no sentido de estabelecer. ao se depararem com inusitado vácuo no tronco ancestral paterno. a via do processo encontra-se aberta aos seus filhos. analisada pelo Tribunal Superior em Dresden (OLG Dresden) por ocasião de julgamento ocorrido em 14 de agosto de 1998 (autos nº 22 WF 359/98). Assim sendo. sim. A Parentalidade Socioafetiva 63 O grande problema no nosso sentir é que o STJ. casamento e óbito do filho premorto que não ingressou com essa ação em vida. Voltando à questão da possibilidade de o pai ou a mãe propor ação declaratória de paternidade e maternidade socioafetiva. Aqui. ao outorgar aos descendentes direitos sucessórios na qualidade de herdeiros necessários e resguardando-lhes a legítima e. então. essa tese seria aplicável caso o autor da ação fosse o pai registral. entretanto. por fim. Incabível sustentar a inviabilidade da investigatória. ao reconhecer como família monoparental a comunidade formada pelos pais e seus descendentes – inequivocamente movem-se no sentido de assegurar a possibilidade de que sejam declaradas relações de parentesco pelo Judiciário para além das hipóteses de filiação. Ora. ao conferir o direito ao neto de buscar a investigação da sua origem genética. sem deixar claro se haveria modificação dos registros de nascimentos. o neto – possa buscar o reconhecimento dessa parentalidade. sendo possível. e. interessante julgado do Tribunal de Jus- tiça do Rio Grande do Sul entendeu que o filho pode propor ação de investigação de paternidade contra o pai biológico. Alegação de existência de paternidade socioafeti- va com terceiro a inibir os reflexos da investigatória na esfera registral e patrimonial. pois “esse tipo de paternidade só poderia ser invocada em prol do filho e não contra ele”: Apelação cível. há uma possibilidade de se estabelecer uma socioafetividade entre eles. no caso. pois tal atitude já seria capaz de demonstrar a inexistência de socioafetividade entre ele e o pai registral. como a herança. já que há esse precedente na paternidade biológica. dando-lhe o reconhecimento da paren- talidade com os avós. ao considerar a possibilidade de reconhecimento amplo de parentesco na linha reta. cumulando o pedido com a desconstituição da paternidade registral. 1. Investigação de paternidade cumulada com desconstituição de registro civil. a declaração de parentesco – além da filiação – poderia ocorrer. não poderá revogá-lo (“retirar a voz”). até então personalíssimo segundo a jurisprudência dominante. no caso. que um terceiro – no caso. é que. que é o que se espera. de modo a se justificar um futuro recebimento de herança. quem está buscando desconstituir o reconhecimento não é o autor do registro . salvo se comprovar vício de consentimento. mas que daria aos autores todos os efeitos da parentalidade. Questão complexa seria permitir essa ação post mortem. Esse. Impossibilidade. permitindo que o único fito do reconhecimento da parentalidade fosse patrimonial para se receber uma herança. Ao menos no caso em tela os avós estão vivos. a interpretação que damos ao julgado é a de que. na maternidade ou paternidade socioafetiva. Revogação do reconhecimento que não se configura. sob a alegação de que não cabe a desconstituição do vínculo voluntariamente assumido pelo pai registral. tendo realizado o reconhecimento voluntário da paternidade. DNA positivo. A ementa afirma que as relações de família – tais como reguladas pelo Direito. com o reconhecimento da paren- talidade biológica. permitiu que um terceiro pleiteie no Judiciário esse direito. Por tudo isso. Unânime (TJRS. segundo o julgado acima. se a paternidade socioafetiva. a paternidade socioafetiva somente cabe invocar em prol do filho. DJERS 6. para tratar do consenso nesse tipo de parentalidade. os quais é inteiramente despiciendo investigar. essa circunstância. sim. De- ram provimento à apelação. iremos aproveitar o julgado acima no próximo tópico.21. Isso porque a socioafetividade é um dado social acima de tudo. Des. Em suma. Alcançado o seu desiderato. Porto Alegre. que a escolha recaia na ação declaratória de paternidade (ou maternida- de) socioafetiva.8. Oitava Câmara Cível. j.6. de regra.7000. não cabe falar em “revogação” [. quando consolidada ao longo de toda uma vida. Pensemos na hipótese do homem que reconhece o filho de uma mulher apenas para com ela se casar. pois o julgamento procedente dessa demanda seria a favor do filho e não contra ele? Para aumentar a chance de êxito do processo caminhar naturalmente. e coloca fim ao afeto que antes havia. pretendemos investigar se a parentalidade socioafetiva exige recipro- cidade de pais e filhos. e na sequência ocorrer uma briga entre pais e filhos socioafetivos que os separem. e na hipótese de o pai ou mãe desejar propor a ação com esse desiderato. se a ação judicial for proposta pelo filho. Essa questão é tormentosa.] 2. 1. Luiz Felipe Brasil Santos.2011. não com vínculos subjetivos (afeto) porventura existentes entre as partes. sugerimos que. Absolutamente desnecessário investigar a existência ou não de relação socioafetiva do autor com o pai registral. que é personalíssima. 30.12 O CONSENSO É ELEMENTO OBRIGATÓRIO? Neste item. não contra este. Assim.2011). salvo em circunstâncias muito especiais. com todos os efeitos daí decorrentes. só pode ser invo- cada em prol do filho.. seja utilizada a via da investigatória. AC 98277-61. haja vista que é de se questionar a utilidade de vínculo de parentesco de uma pessoa que não tem o mínimo de afeto a outra.2011. o lapso temporal em que ela existiu seria justificativa para mantê-la para sempre? Acreditamos que o ponto nodal que deve ser discutido aqui é sobre a renúncia da socioafetividade já formada depois de um lapso temporal. Logo. mas. por que não permitir que a ação judicial seja proposta pelo pai ou mãe socioafetivos. ele se casa e não trata a criança .7. ou se basta apenas a vontade de uma das partes para existir. havendo um certo período de socioafe- tividade. confundindo-se com a posse de estado de filho. Rel.64 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari (pai registral).. não pode servir como óbice a que o filho venha investigar sua origem genética. Se a reciprocidade for imprescindível. E mais: mesmo que comprovada a posse de estado de filho. o filho. o que não é o caso aqui. Entendemos. Senten- ça desconstituída (Apelação Cível 70021832845. Nesse caso. o juiz deveria desconstituir a paternidade e condenar o padrasto a pagar os alimentos em decorrência do princípio da solidariedade social. feito o DNA. e ocorre o divórcio. Afirma a citada autora que o fato de estar dissolvido o vínculo conjugal não tem esse poder. Ela cita uma decisão revolucionária da sua lavra. cita a refe- rida autora que anos de matrimônio não podem ser reduzidos à eficácia zero apenas porque foi decretado o divórcio. seria irrelevante. no caso em tela. Rel. com esse. constata-se. inciso I. o agora adolescente. o juiz julga improcedente a demanda em razão da socioafetividade. . pergunta-se: que socioafetividade? Parece-me forçoso manter ou estabelecer uma parentalidade. Ato contínuo. Dessa forma. Sétima Câmara Cível. Apelo provido. Tempos depois esse casamento não dá certo. A possibilidade ju- rídica do pedido é uma condição da ação entendida como a não admissão ou a vedação do pedido pelo ordenamento jurídico. livre e solidária. não se confunde. torna imperiosa a dilação probatória. constituindo uma condição para o exame do mérito. Entendemos que o fundamento é o mesmo. Mesmo assim. Tal fato.12. Não é justo uma pessoa ficar vinculada parentalmente com outra apenas por conta dos alimentos. assim. que a existência de parentalidade. Há a necessidade de o parentesco ser instituído somente quando houver reciprocidade entre as partes. acreditamos que devemos separar a constituição da parentalidade da obrigação alimentar. 3º. se entre elas não há mais o afeto. esse homem é tomado pelo ódio e pelo rancor e procura um advogado para propor uma ação negatória de paterni- dade e. a possibilidade de buscar-se alimentos mesmo depois do divórcio. Se. por si só. que nunca teve um bom relacionamento com o seu padrasto. Pedido juridicamente possível. mormente quando há nos autos informações no sentido de que a autora permaneceu como dependente do ex-marido junto ao plano de saúde do IPE após o divórcio. Indeferir-se a inicial por impossibilidade jurídica do pedido sob o argumento de que o pedido de alimentos não é possível entre pessoas divorciadas carac- teriza o julgamento prematuro da lide. quando desembargadora no TJRS: Ação de alimentos. da Constituição Federal. Maria Berenice Dias. in casu. sim. 19. que. j. obviamente. A jurisprudência precisa evoluir nesse sentido. Esse é o fundamento pelo qual Maria Berenice Dias defende a possibilidade de uma pessoa pleitear alimentos do ex-cônjuge após o divórcio. que ele não é o pai biológico do adolescente. no caso do casamento.2007). A Parentalidade Socioafetiva 65 como seu filho. em um caso desse. o período de convivência entre padrasto e enteado também não pode ser desprezado para que o primeiro não seja compelido a pagar alimentos para o segundo. havendo. que prega a necessidade de uma sociedade justa. Tribunal de Justiça do RS. propõe uma ação de alimentos. Ao ser citado. Julgo que. apenas em decorrência da necessidade de se estabelecer o pagamento de uma pensão alimentícia. de fato. que é repudiado pelo nosso sistema processual. e de que este o teria cancelado indevidamente. previsto no art. 941/DF). RIBEIRO. uma não existe sem a outra. . defendemos que a posse de estado de filho e a posse de estado de pai exprimem reciprocidade. como um namoro. 116 WELTER. 2008. Belmiro Pedro. Manual de direito das famílias e sucessões. Igualdade entre as filiações biológicas e socioafetiva. 1. Não se pode impor os deveres de cuidado. 210-211. p. p. Inexiste paternidade socioafetiva quando o vínculo está sendo expressamente repudiado pela pes- soa apontada como genitor no assento de nascimento. sem. Sentença reformada. tão somente. Nesses termos. afirma que a filiação afetiva “consiste no gozo do estado da qualidade de filho legítimo e das prerrogativas dela derivadas” e a “posse e o estado são inseparáveis. a posse do estado de pai. num ambiente familiar e sendo incontroverso que o relacionamento havido entre o autor da ação negatória de paternidade e a genitora da ré caracterizou-se. Fabíola Santos. de carinho e de sustento a alguém que./set. Ana Carolina Brochado.). cuja duração divergem as partes que tenha sido de um a três anos. 2. de um modo geral. também não deseja ser pai socioafetivo” (REsp 878. Não configuração. diante da afirmação da então namorada de que seria o pai biológico de sua filha. Inocorrência de convívio hábil a gerar o vínculo afetivo. pois não se pode falar de filiação ou de paternidade se o afeto não estiver presente nos dois polos.115 a reciprocidade é fundamental: Afetividade e posse de estado de filiação são aspectos indissociáveis. 3. Belo Horizonte: Del Rey. também merece ser apreciado. contudo. Exame de DNA. registra esta última e passa a contribuir financeiramente para seu sustento. Apelação Cível 115 ALBUQUERQUE. não sendo o pai biológico. 136. Ações de filiação: da investigação e negatória de paternidade e do reconhecimento dos filhos. In: TEIXEIRA. Paternidade socioafetiva. Gustavo Pereira Leite (Coord. não natural. não havendo convivência sob o mesmo teto. Revista Brasileira de Direito de Família.66 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Para Fabíola Santos Albuquerque. nº 14. onde a relação socioafetiva desapa- receu ou nunca existiu. porém. Porto Alegre. Inexistência de vínculo biológi- co. Não se vislumbra a existência de vínculo socioafetivo na hipótese em que o pai registral. 2020. jul. Esse posicionamento é referendado no seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: Negatória de paternidade. pois se possuem simultaneamente o estado de pai e o estado de filho”. estabelecer-se uma convivência ordinariamente existente entre pais e filhos. “O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar. a nosso sentir. é afrontosa aos direitos inerentes à personalidade. qual seja. Afeição forçada. há um outro elemento que. Belmiro Pedro Welter116 ratifica o entendimento acima: a doutrina. e 227 da Constituição Federal). quem está buscando desconstituir o reconhecimento não é o autor do registro (pai registral).. pelo princípio da dignidade da pessoa humana. 8ª C. mas. Rel. Isso porque a socioafetividade é um . DJDFTE 18. Possibilidade. Logo. no caso.5. ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Alegação de existência de paternidade socioafeti- va com terceiro a inibir os reflexos da investigatória na esfera registral e patrimonial. o filho. Impossibilidade. O julgado acima é perigoso. Cív. Ora. pois “esse tipo de paternidade só poderia ser invocada em prol do filho e não contra ele”: Apelação cível. não poderá revogá-lo (“retirar a voz”). Ambas as paternidades são iguais.593.. Des.1. Ac. entretanto. o filho tem o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF. pois dá margem para que se entenda que na hipótese de o filho não mais querer a formação da parentalidade socioafetiva. essa tese seria aplicável caso o autor da ação fosse o pai registral. Claudir Fidelis Faccenda. 1. p. optar pelo vínculo biológico. 99). salvo se comprovar vício de consentimento. não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição humana tridimensional. § 6º do art. Aqui. DOERS 14.1.014231-2. sob a alegação de que não cabe a desconstituição do vínculo voluntariamente assumido pelo pai registral. sim. sim. Rel. Em interessante julgado.2009. Constitui- -se em decorrência da lei (arts. Des. p. tendo realizado o reconhecimento voluntário da paternidade. no caso. AC 70029363918. APC 2008. Apelo provido (TJRS. Determinação do pai biológico através do exame de DNA. Presença da relação de socioa- fetividade. Esse. 1.09. não cabe falar em “revogação” [. poderia dispor dela para. Revogação do reconhecimento que não se configura. Manutenção do registro com a declaração da paternidade biológica. por exemplo. 473. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma a outra. 1.596 e 1. Incabível sustentar a inviabilidade da investigatória. Teoria tridimensional. 227). DNA positivo.] 2.. afetiva e ontológica. Angelo Passareli. que é genética.279. é que.597 do Código Civil. o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que o simples fato de o filho propor ação de investigação contra o pai biológico já seria capaz de demonstrar a inexistência de socioafetividade entre ele e o pai registral. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados.. 5ª T. 55). Absolutamente desnecessário investigar a existência ou não de relação socioafetiva do autor com o pai registral. A Parentalidade Socioafetiva 67 provida (TJDF. o que entendemos ser um ver- dadeiro absurdo: Ação de investigação de paternidade. Investigação de paternidade cumulada com desconstituição de registro civil. Mesmo havendo pai registral.Cív.2011. jus. nunca mais. nos autos do processo de Retificação. Luiz Felipe Brasil Santos. mas que entendemos que deverá ter o mesmo tratamento. os quais é inteiramente despiciendo investigar. Em suma. quando consolidada ao longo de toda uma vida. Acesso em: 15 nov. salvo em circunstâncias muito especiais. E mais: mesmo que comprovada a posse de estado de filho. pois acreditamos que pode existir uma inconstitucionali- dade nessa interpretação.26. em razão de o pai o ter abandonado afetivamente. Suprimento ou Restauração de Registro Civil. o filho poderia renunciar a parentalidade que possui com o seu pai ou mãe.7000. e só para não transparecer uma ideia de que ele seria um absurdo. com todos os efeitos daí decorrentes. 2012. AC 98277-61. De- ram provimento à apelação. também. Acesso em: 15 nov. em que autorizou a exclusão do patronímico paterno do nome do filho. calcada no afeto? Entendemos ser um verdadeiro absurdo a imposição de uma parentalidade se não há mais afeto entre pais e filhos. Oitava Câmara Cível. citada em um texto118 em que relata o que pro- duziu em seis anos à frente da 2ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital do Estado de São Paulo. 2012. que foi autuado sob o nº 100. e. Esse é o ponto crucial. gerar uma grande injustiça por trabalhar com presunções. essa circunstância.com/2012/11/14/muito-obrigado-por-tudo-2-vara- -de-registros.141201-1. seja ela biológica ou socioafetiva.06. gostaria de citar uma decisão117 proferida pelo Juiz de Direito do TJSP. não com vínculos subjetivos (afeto) porventura existentes entre as partes.do?origemDocu mento=M&nuProcesso=0141201-93.21. a paternidade socioafetiva somente cabe invocar em prol do filho. Assim sendo. DJERS 6. pois esbarra na renúncia à parentalidade. Acreditamos que havendo motivo justo e plausível. O tema é polêmico.br/pastadigital/abrirDocumentoEdt. como iremos estabelecer uma parentalidade que não estará. quando o correto seria estabelecer uma instrução probatória com o fito de verificar a existência.tjsp.2008.8. Porto Alegre.2011. não contra este.8. ou não.7. não pode servir como óbice a que o filho venha investigar sua origem genética.08. de regra. Como exemplo desse nosso posicionamento. o que não é o caso aqui.2011). Des.0100&cdProcesso=2SZX7LFO10000&cdForo= 100&tpOrigem=2&flOrigem=P&nmAlias=PG5JM&cdServico=190101&ticket=G8twSvO0qxLn NtkWZgxkguZLqN7Cc3TpRHj9gaPsBA9NrVzxw2C62CW%2B9ccemwn11e2B9iKaZZXHNFQeGp rXD%2FHYsbwy7onWJp5uMZVnBFT4EWBt3gu%2FOS6IyCwM%2BI1b9bunIaoSMl0S8TqF07TN CNg9OV2%2FJwOyAolpayOVEPhIfsCAs25ehfetkRh96ok4VXGXnm5LkHVQWYa%2B5m%2FlWQ %3D%3D>. 118 Disponível em: <http://professormadeira. Unânime (TJRS. seja ele biológico ou afetivo. Guilherme Madeira. 117 Disponível em: <https://esaj. . Rel. de socioafetividade. se não há reciprocidade. confundindo-se com a posse de estado de filho.publicos/>.68 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari dado social acima de tudo. 30. j.2011. . apenas.015. abandono afetivo. 20. pleiteie a exclusão da paternidade por completo de seu assento de nascimento. um dos herdeiros. em casos extremos (como o do abandono afetivo. mas. que juntamente com a petição inicial vieram documentos.643/SP (1995/0025391-7). já tinha autorizado a exclusão do sobrenome paterno em razão do abandono afetivo: Civil. pois de nada adianta “apenas” retirar o sobrenome do pai que abandonou afetivamente o filho. Hermenêu- tica.015/73. I – o nome pode ser modificado desde que motivadamente justificado. como a corrupção de políticos). Permissão legal. não há sentido em vedar que o filho. o seu pai seria.12. Essa decisão de primeira instância encontra amparo na jurisprudência do STJ. A Parentalidade Socioafetiva 69 Para preservar a parte autora. afinada com a “lógica do razoável”. Retificação. No caso. o autor sempre foi conhecido por outro patronímico. Recurso provido. Evolução da doutrina e da jurisprudência. 57. que o feito foi aditado. Possibilidade. como registrou Benedito Silvério Ribeiro. e somente ele. entendemos que o pedido foi equivocado. j. nesse caso. além do abandono pelo pai. iremos investigar se é possível o reconhecimento post mortem da parentalidade socioafetiva. Acreditamos ser esse o primeiro passo para a renúncia da parentalidade. que o representante ministerial manifestou-se pelo deferimento do pedido. ao buscar a correta inteligência da lei.13 RECONHECIMENTO POST MORTEM No presente item. de 1973. para que esse não produza nenhum dos efeitos legais? Nos casos narrados. Em um caso desse. se ele morresse. pois. o que em nosso sentir não geraria justiça no caso concreto. Registro público.1997. Claro que essa renúncia é muito forte e sei que tal pensamento sofrerá inúmeras críticas. Prenome. Lei 6. o juiz foi muito sucinto na sentença. Motivação suficiente. Min. Quarta Turma. Disse. que. em 1997. abarca a retificação pleiteada. que a prova documental juntada aos autos demonstrou de maneira clara que a retificação preten- dida merece ser deferida e que não há óbice legal à pretensão. Rel. 9. tem sido sensível ao entendimento de que o que se pretende com o nome civil é a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade (REsp 66. conjuntamente com sua mãe. Nome civil. 1.1997).10. Sálvio de Figueiredo Teixeira. por se tratar de demanda personalíssima. pois a Lei nº 6. art. II – a jurisprudência. ou o cometimento de crime e envolvimento em ilícitos vergonhosos. muito antes de se falar em responsabilidade civil por abandono afetivo. enquanto esse filho não tiver descendentes. não vemos problema para isso ocorrer. Des. não pode ser declarada quando inexiste no ordenamento qualquer preceito que vede a dedução dos pedidos formulados pela parte autora (TJMG. em observância ao informalismo que caracteriza as questões de menores.13.2011. é necessário estabelecer uma normatização para que ocorra.2011). Outra espécie de reconhecimento da socioafetividade post mortem é a adoção pós- tuma. Possibilidade jurídica do pedido. salvo se o adotante falecer no curso do procedimento instaurado. dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores. desligando-o dos vínculos com os pais biológicos e demais parentes consanguíneos. A impossi- bilidade jurídica do pedido. § 5º. APCV 0063321-24.4. de modo verbal. que na certidão de nascimento de Samuel venha a constar o nome do pai. tudo comprovado na ação. Alberto Vilas Boas. pois.5. Poços de Caldas. mas. ocorrendo a morte de qualquer das partes. tais como o período de convivência. Adoção já deferida à mulher viúva. apenas pelo fato de que . Negar. Como se sabe. Pedido posterior para averba- ção. Contudo. mesmo que.2010. como categoria jurídica afeta às condições da ação. DJEMG 6. j. quando. Em princípio. com alguma liberalidade. conforme dispõe o art.0518. 5. 42. visto que o casal detinha a criança sob sua guarda e a apresentava como filho na sociedade. 43 do Código de Processo Civil. é claro que o “processo” socioafetivo de adoção já tivera início. Por exemplo. em veneração aos vínculos afetivos que se formaram ao longo do tempo: Adoção. Entretanto. como pai. Sentença modificada. é fundamental que haja inequívoca manifestação de vontade. do ECA). mesmo fora do procedimento respectivo como ordena a legislação. Falecimento ocorrido antes de ter início o processo judicial de adoção. há relatos na jurisprudência de casos em que se autorizou a adoção póstuma. mesmo que o processo sequer haja começado. É certo que o processo judicial de adoção não havia ainda tido início quando do falecimento do marido de Guiomar. Primeira Câmara Cível. Rel. como uma filiação socioafetiva. Reconhecimento de paternidade socioafetiva post mortem. então. no assento de nascimento da criança. A adoção sempre se circunscreve de formalidades peremptórias e solenidades impostergáveis. do nome do falecido marido. admite-se a possibilidade de adoção póstuma. Casal que já detinha a guarda anteriormente. o que restou estampado na circunstância de a ter levado a batismo nessa condição. o provimento judicial terá reflexo retroativo à data do óbito (art. no caso de reconhecimento post mortem é desnecessária a inclusão do espólio no polo passivo da demanda.70 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Na jurisprudência já encontramos entendimento de que esse posicionamento é possível: Civil e processo civil. a adoção atribui a situação de filho ao adotado. exceto quanto aos impedimentos para o casamento.8. agora. efeitos que começam depois de transitar a sentença em julgado. Sendo possível. bem como do vínculo afetivo formado há anos. Desconstituição da filiação pela nulidade do assento de nascimento.5. Há precedentes em nossa jurisprudência em que a socioafetividade pode ser usada como matéria de defesa em negatória de paternidade: Apelação cível. defesa ou ambos. DJSC 10.2002).2011. Justiça gratuita deferida. iremos investigar se a parentalidade socioafetiva é possível ser utilizada como matéria de ataque. Exclusão da paternidade biológica. 1. Reco- nhecimento espontâneo e consciente da paternidade. antes que pudesse implementar a adoção. Filiação socioafetiva demonstrada. em vida. senão teremos uma ação judicial com cunho meramente patrimonial. é ater-se a um formalismo exacerbado e incompatível com o norte constitucional que manda sobrelevar os interesses da criança.005050-4. Fernando Carioni. j. tenham existido a relação afetiva e a posse de estado de filho. A filiação socioafetiva. Rel. o que deve ser repudiado. 26.2011. segundo nosso sentir. prevalece sobre a verdade biológica (TJSC. em veneração à retratação da verdade e do prestígio à paternida- de e maternidade. Recurso parcialmente provido. fundada na posse do estado de filho e consolidada no afeto e na convivência familiar. que há precedentes na jurisprudência para a alegação de socioafetividade como defesa em ação declaratória de nulidade de registro de nas- cimento: . Assim sendo. p. 433). Luiz Felipe Brasil Santos. 29. Rel. Deram provimento (Apelação Cível nº 70003643145.14 A PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA: MATÉRIA DE ATAQUE OU DEFESA? No presente tópico. Vício de consentimento inexistente. Ação negatória de paternidade. estreme de dúvidas. acreditamos ser plenamente possível o reconhecimento post mortem da parentalidade socioafetiva. Realização de teste de paternidade por análise de DNA. desde que.4. Sétima Câmara Cível. Desconstituição da paternidade vedada. Existência de sólido vínculo afetivo por mais de 23 anos. AC 2011. Irrelevância. Tribunal de Justiça do RS. É irrevogável e irretratá- vel a paternidade espontaneamente reconhecida por aquele que tinha plena consciência de que poderia não ser o pai biológico da criança. mormente quando não comprova. A Parentalidade Socioafetiva 71 a fatalidade veio a retirar-lhe precocemente a vida (faleceu com 47 anos). Lages.5. j. Des. também. vício de consentimento capaz de macular a vontade no momento da lavratura do assento de nascimento. Verificamos. j. tem natureza declaratória. portanto. não se pode revogar a paternidade que réu assumiu em relação ao menor no ato de registro. A. vale ressaltar que a presente ação repre- senta verdadeira “investigação de paternidade”. tais como os vistos acima nas ementas das decisões judiciais. Já é possível encontrar nos Tribunais tal pensamento. Assim. não devemos esquecer que o Judi- ciário não pode se negar de reconhecer o vínculo afetivo que existe ou existiu entre duas pessoas apenas porque não foi proposta a ação correta. com a consequente inclusão do nome dos pais socioafetivos em seu registro de nascimento. Borda da Mata.603 e 1. Inteligência dos arts. consolidando-se a paterni- dade socioafetiva (TJMG.3. 1. tais como a negatória de paternidade.604).0083. Des. buscando o autor a declaração “da posse do estado de filho” de T. P. que não foram constituídas com o formalismo exigido pela lei e pela sociedade: Trata-se de Ação Declaratória de Reconhecimento de Filiação Socioafetiva. Rel.8. 29. relação paterno-filial. Impossibilidade de afastar-se a paternidade. uma vez que não consta do registro de nascimento do autor o nome dos pais biológicos (vide documento de f. I. pois o mais importante é o Estado-Juiz dizer o direito que é almejado. Sétima Câmara Cível. Wander Paulo Marotta Moreira. Há que se reconhecer uma fungibilidade em tais demandas. Inexistência de prova de erro ou coação que viciasse a vontade.2006. produzindo . considerando-se que a filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento (CC 1. entendemos que se derruba o mito de que a socioafetividade só pode ser alegada em matéria de ataque. do CPC.13. A sentença.2011.15 A AÇÃO JUDICIAL ADEQUADA PARA O RECONHECIMENTO DESSA PARENTALIDADE Independentemente da via judicial utilizada.2011). e O.. APCV 0070261-88. Da análise dos autos infere-se que o autor não se desincumbiu do ônus gravado no art. in casu. com base na chamada “filiação socioafetiva”.72 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Ação declaratória. De início.604 do CC. já falecido. Assim. P. DJEMG 8. quando ele é invocado para tutelar e reconhecer relações baseadas no afeto. prevalece a paternidade socioafetiva. 14). acertando uma relação jurídica até então existente apenas no plano fático. Não demonstrado o vício da vontade no registro de nascimento. Nulidade de registro civil.4. isto é. 1. já que não logrou comprovar que o réu agiu em erro ao registrá-lo como filho. salvo provando-se erro ou falsidade do registro (CC 1.603) e que ninguém pode vindicar estado contrário ao ali registrado. pois ela pode ser muito bem trabalhada como matéria de defesa. 333. S. numa ação declaratória ou investigatória. para impedir certos despautérios. há reconhe- cimento legal de outras espécies de parentesco civil. 1. conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. O art. 139. Terceira Câmara Cível.11. Segunda Câmara Cível. Alfredo. fazendo-se irrelevantes a incidência da presunção pater is est ou a irrevogabilidade da paternidade socioafetiva. 2. porém.3. 3. ed. 1.2010. autos do processo 0024. Prevalência sobre a biológica. Há também quem acredite que o correto. Apelação Cível 1. Apelação conhecida e não provida.2010. public.852312- 7/002(1). porquanto estas se destinam apenas a garantir a fi- liação já reconhecida.0024. j. Reconhecimento. A parentalidade socioafetiva envolve o aspecto sentimental criado entre parentes não biológicos. Rel.08. 1986. Assim. Alfredo Buzaid119 conceitua a ação declaratória como aquela que tem por obje- to obter a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica.9. Comprovado o vínculo afetivo durante mais de trinta anos entre a tia já falecida e os sobri- nhos órfãos. pelo Juiz Amauri Pinto Ferreira. 2. mantida a sentença que acolheu a pretensão inicial (TJMG.7. no caso de o vínculo de afeto se formar entre uma mulher e uma moça. 4. 30. A ação declaratória no direito brasileiro.0024. Des. DJe 19.593 do Código Civil de 2002 dispõe que o parentesco é natural ou civil.166633-1). a maternidade socioafetiva deve ser reconhecida. 119 BUZAID. Des. Rel. tais como a paternidade socioafetiva. Apelação Cível 1. e não em ação investigatória (TJ-MG. .803827-0/001. de vontade e de amor e prepondera em relação à biológica. proposta pelo filho: Família – Apelação – Ação de investigação de paternidade – Irrevogabili- dade da paternidade socioafetiva – Irrelevância – Prova da paternidade do investigado – Procedência do pedido – O filho pode ajuizar ação investigatória de paternidade para ver reconhecido quem é seu verdadeiro pai. 9. Há.2010). Maternidade socioafetiva. aplicando-se em sede de ação negatória de paternidade. Dídimo Inocêncio de Paula. Ação declaratória. proposta pela filha: Apelação cível. São Paulo: Saraiva. A Parentalidade Socioafetiva 73 efeitos erga omnes (Sentença proferida na Comarca de Belo Horizonte – MG. verifica-se ser plenamente possível a utilização dessa ação no caso de reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva. quem advogue que o correto seria a ação de investigação de paterni- dade socioafetiva. além da adoção.05.07.2010). pelo ato de convivência. Recurso não provido. nos autos da Ação Declaratória – Reconhecimento de filiação socioafetiva – Posse de estado de filho. Caetano Levi Lopes. Assim. em 2. p. que deveria ser proposta uma ação declaratória de maternidade socioafetiva. 606: Qualquer descendente possui legi- timidade. cumpre lembrar serem elas imprescritíveis. entendemos que a verdade é que deve ser prestigiada nesse caso. se não tiver o objetivo de retirar dele o genitor registral. se verdadeiramente a socioafetividade ocorreu. uma indicação da relação de parentesco. obviamente provando que a socioafetividade se concretizou. após prova da socioafetividade. como rótulo a ser dado para a ação judicial em que se tem o objetivo de discutir a socioafetividade. para aumentar a chance de êxito do processo caminhar naturalmente. a legitimidade passa a ser de algum pa- rente que tenha legítimo interesse em ver constituída essa parentalidade. por envolver direito fundamental.74 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Como as ações de natureza meramente declaratória limitam-se a afirmar a existência de uma relação jurídica. uma presun- ção legal. para participar de sua sucessão. Para constituir. quando proposta post mortem. 2008. e. mas tão somente acrescer a sua parentalidade. 211.se. Assim sendo. Temos de lembrar que tal ação pode ser movida pelo filho. para propor o reconhecimento do vínculo de parentesco em face dos avós ou de qualquer ascendente de grau superior. sugerimos que. Além disso. Dessa forma. Contudo.120 para quem a posse de estado de filiação é uma situação de fato. A pretensão é imprescritível. não pode buscar a sua declaração? Qual seria o mal? Esse é o motivo pelo qual acreditamos ser isso possível de ocorrer. Paulo Luiz Netto. de alguém mover ação declaratória de socioafetividade que existiu (não vamos esquecer que esse é o requisito mais importante. e na hipótese de o pai ou mãe desejar propor a ação com esse desiderato. por se tratar de ação de estado. por exemplo. Dessa forma. por que outra pessoa. deve ser contínua e notória. numa hipótese post mortem. Direito civil: famílias. Foi por isso que já afirmamos anteriormente que. seja utilizada a via da investigatória. São Paulo: Saraiva. que a escolha recaia na ação declaratória de paternidade (ou maternidade) socioafetiva. não podem se submeter a prazo extintivo. não se pode olvidar que. mas também pelo pai ou mãe. não vejo empecilho. 1. não podem estar submetidas a qualquer prazo para o seu exercício. os netos. tampouco algo imoral. Esse é o pensamento de Paulo Luiz Netto Lôbo. . ainda que o pai não tenha iniciado a ação de prova da filiação em vida. como vimos anteriormente. p. assegurado constitucionalmente. por direito próprio. 120 LÔBO. há de se questionar a importância da discussão declaratória ou in- vestigatória. para não termos demandas meramente com finalidade patrimo- nial) entre seu pai e uma pessoa. que é personalíssima. se a ação judicial for proposta pelo filho. O enunciado 521 do Conselho da Justiça Federal (CJF) comunga desse entendimento: Enunciado no 521 do CJF – Art. Mesmo parecendo algo que poderia denotar que o objetivo é tão somente financeiro. em que se reconhecia que a mãe sempre é certa. 2. a maternidade socioafetiva deve ser reconhecida. 9. conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. A parentalidade socioafetiva envolve o aspecto sentimental criado entre parentes não biológicos. Assim. Caetano Levi Lopes. haja vista que iremos investigar a possi- bilidade da existência de uma maternidade socioafetiva. entendemos que seja melhor adotarmos a ação declaratória em vez da investigatória. como a de alimentos. deve ser expe- dido mandado de averbação ao registro civil para que ela possa ingressar no assento de nascimento. Contudo. no Direito de Família. Assim sendo. de vontade e de amor e prepondera em relação à biológica. em razão da existência de socioafetividade entre eles. Comprovado o vínculo afetivo durante mais de trinta anos entre a tia já falecida e os sobri- nhos órfãos. Des.0024.7. como já explicamos anteriormente). pelo ato de convivência. para se tornar pública e oponível erga omnes. a expedição de mandado de averbação endereçado ao Registro Civil para que altere o assento do nascimento. verificamos ser essa a melhor solução.07. no caso em tela. O art. deve o ma- gistrado determinar.593 do Código Civil de 2002 dispõe que o parentesco é natural ou civil.2010). sendo investigatória ou declaratória. Como defendemos a tese de que outras pessoas têm legitimidade para obter a declaração de parentalidade socioafetiva. Mais adiante comentaremos decisão do TJSC que condenou o padrasto a pagar pensão alimentícia para sua enteada. 1. sempre se aplicou a regra de que mater semper certa est. casamento ou óbito. 4. dando publicidade e oponibilidade erga omnes dessa parentalidade.16 A MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Neste item pretendemos demonstrar o porquê de não escolhermos para o nosso trabalho o título de paternidade socioafetiva. Tradicionalmente. há reconhe- cimento legal de outras espécies de parentesco civil. já que esta última para nossa doutrina e jurisprudência tem caráter personalíssimo e somente poderia ser movida por filhos. mantida a sentença que acolheu a pretensão inicial (TJMG. Apelação conhecida e não provida. não podemos esquecer que esse reconhecimento pode ser feito em ou- tra ação judicial. 1. essa má- . entendemos que nessa ação de alimentos. Segunda Câmara Cível. 1. em que se reconhece essa parentalidade. 3.803827-0/001. A Parentalidade Socioafetiva 75 Acreditamos que o nome não importa (no caso de o autor ser o filho socioafetivo. tais como a paternidade socioafetiva. Ação declaratória. ao julgá-la procedente. casamento ou óbito. além da adoção. public. Porém. aqui estudados. Apelação Cível 1. Rel. Prevalência sobre a biológica. vejamos: Apelação cível. e produzir os seus regulares efeitos. Maternidade socioafetiva. Recurso não provido. Reconhecimento. Tal entendimento já encontra respaldo em nossa jurisprudência. Porém. é obvio. a pergunta que é feita nesse caso é: a tia poderia ser mãe socioafetiva. nos casos de troca de bebês em maternidades que. prevista no art. Se for possível reconhecer a paternidade socioafetiva. também. pois é bastante frequente o questionamento da paternidade socioafetiva. o qual um dos sobrinhos ajudou a comprá-lo. porém. 84. se há a possibilidade da existência de uma paternidade socioafetiva. que contesta na justiça o pleito dos sobrinhos considerados como filhos socioafetivos da tia. e que. Rio de Janeiro: Forense. que a tia deixou como herdeiros uma filha adotiva e o companheiro. por que não seria possível.76 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari xima perdeu relevância nos dias atuais em razão da técnica médica de gravidez de substituição. então com nove e três anos de idade. no entanto. na qual nem sempre a mãe que dá à luz uma criança é a biológica. obtido a guarda judicial deles. eles já viviam com sua tia materna. sendo preenchidos os requisitos da parentali- dade socioafetiva. mesmo antes do óbito da genitora biológica. p. que é a maternidade socioafetiva. ou apenas uma estranha que não tinha vínculo de parentesco com o filho socioafe- tivo? Qual é o limite da transposição da “função” de tia para a de mãe? São essas as perguntas que pretendemos responder. no ordenamento brasileiro. pois me parece que. 2012. que a pessoa possa participar da sucessão como 121 TARTUCE. a maternidade? Partindo do pressuposto de que a parentalidade socioafetiva abarca a paternidade e a maternidade. Essa alegação é feita de forma recorrente e nos faz pensar em até que ponto deve ser considerada. esse sentido se encontra contemplado na inafastabilidade da jurisdição. Igualdade e vulnerabilidade no processo civil. também. temos algo não muito usual. XXXV. infelizmente. Fernanda. As partes afirmaram que a tia lhes deu auxílio emocional e material por mais de 30 anos. Ensina-nos Fernanda Tartuce121 que o acesso à justiça é sinônimo de acesso ao Poder Judiciário. Como já dito e demonstrado anteriormente. e justo. A ação declaratória de reconhecimento de maternidade socioafetiva foi proposta por dois homens que afirmavam ser filhos biológicos de uma pessoa falecida na década de 1970 e de pai desconhecido. mas. Nesses dois casos. inclusive. A tia falecida que os criou deixou um único bem imóvel a título de herança. deve. estão cada vez mais recorrentes em todo o mundo. ser permi- tido o reconhecimento da maternidade socioafetiva. motiva-se a existência da ação declaratória de maternidade. sendo esse possível pela simples afirmação da existência de um direito. Assim sendo. também. a qual os criou como se filhos fossem. da Constituição Federal. quando eram menores. sob a alegação de eles dese- jarem apenas sua herança. até a data de sua morte. e. a eficácia horizontal dos direitos fundamentais pode ser aplicada nas relações privadas. . ter procedido à regular adoção. iremos analisar o caso de Minas Gerais para responder a algumas dúvidas. no caso em tela. analisando o caso em tela. e o princípio da isonomia irá imperar no referido caso. sem. haja vista que. tendo. 5º. Ocorre. Em maio de 2010. deixou 66% de seus bens para a menina. temos como verificar que fartas são as provas no caso de paternidade ou maternidade socioafetivas.jus. valendo-se da verdade socialmente construída com base no afeto. a não ser agora – como no caso do falecimento da tia. que podem derrubar a tese de interesse patrimonial ou de que a pessoa pretende apenas se beneficiar como a declaração judicial da sua existência.stj.wsp?tmp.br/portal_stj/publicacao/engine. correspondendo a 122 Disponível em: <http://www. convites de casamentos deles em que o nome da tia aparece no local da genitora. a declaração da filha adotiva que confirma isso. em 1980. mesmo no caso em que a mãe tenha registrado filha de outra pessoa como sua. declarou perante a sociedade ser mãe da criança. resolveu pegar uma menina recém-nascida para criar e registrou-a como sua. afir- mou em seu voto que: Não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquela que. a irmã mais velha iniciou um processo judicial na tentativa de anular o registro de nascimento da criança. A Terceira Turma decidiu que a maternidade socioafetiva deveria ser reconhecida. . em testamento. que já tinha um casal de filhos. sem seguir os procedimentos legais da adoção. e se esse assunto não foi ventilado antes. duas vizinhas da falecida. em que se reconheceu a maternidade socioafetiva. A Ministra Nancy Andrighi. a certidão expedida pela Secretaria da Vara de Menores. tais como a juntada de documentos. a verdade que permeou a vida de várias pessoas por muito tempo. A história começou em São Paulo. os comprovantes de endereço dos sobrinhos.122 relatora do caso. 2012. Há relato de que várias provas foram produzidas no sentido de que a tia criava os sobrinhos como se filhos fossem. houve um julgamento tido como inédito no STJ. em que consta que os sobrinhos são beneficiários da falecida. sustentando ser um caso de falsidade ideológica cometida pela própria mãe. Para ela. o registro seria um ato jurídico nulo por ter objeto ilícito e não se revestir da forma prescrita em lei. Inconformada. A Parentalidade Socioafetiva 77 herdeira. texto=97469>. coincidentes com o da falecida. houve farta prova testemunhal. como cartão do antigo INAMPS. Acesso em: 18 nov. Dessa forma. então com nove anos. pelo Judiciário. A mulher morreu nove anos depois e. talvez isso se deva ao fato de que o assunto é novo e não havia necessidade de esse debate judicial ser travado. tornando certo que a mãe biológica dos rapazes concordou com a delegação do poder familiar e da guarda dos filhos para ela. quando uma imigrante austríaca de 56 anos. isso sem contar no estudo psicológico e social que constataram que a tia praticou atos de maternidade em relação aos rapazes.area=398&tmp. na qual foram ouvidas uma das tias dos rapazes. Ademais. todas corroborando com a tese de que a tia tratava os sobrinhos como se filhos fossem. um dia. demonstrando que o desejo maior é ver reconhecida. consoante o art. Acesso em: 18 nov. na reprodução medicamente assistida heteróloga e até mesmo na adoção à brasileira. entretanto.area=398&tmp. ou os filhos registrados pelos pais adotivos em procedimento regular de adoção. se equipara ao parentesco natural. quando uma pessoa. e não se limita. no parentesco de outra origem que não consanguínea. criados e amados pelos pais. deve prevalecer.593 do Código Civil. como os filhos biológicos registrados. como mais uma forma de proteção integral à criança. tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. nos seguintes termos: Art. como o filho biológico registrado em nome de outrem sem afetividade 123 Disponível em: <http://www.jus. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea – com base no afeto – deve ter guarida no Direito de Família. sugerimos a inclusão de um parágra- fo único no art. 1. texto=97469>. a filiação socioafetiva.593. 1. pois liga as partes aos seus parentes em linha reta ou colateral reciprocamente.stj. sem vício de consentimento e não havendo prova de má-fé. ainda que em descompasso com a verdade biológica.123 se a atitude da mãe foi uma manifestação livre de vontade.wsp?tmp. ligados aos seus outros parentes reciprocamente. instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares. todos. O Tribunal de Justiça de São Paulo foi contrário à anulação do registro e a irmã mais velha recorreu ao STJ. E a identi- dade dessa pessoa. . resgatada pelo afeto. depois de reconhecida judicial- mente. entendemos que o ideal é que o pa- rentesco registral coincida com o biológico e socioafetivo. para expressar claramente que os parentes socioafetivos são. Não existindo coincidência entre o registro e a situação fática.78 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari uma “declaração falsa de maternidade”. não pode ficar à deriva em face das incertezas. A parentalidade socioafetiva. O parentesco é natural ou civil. conforme resulte de consangui- nidade ou outra origem. como vimos anteriormente neste livro. a título de sugestão de lege ferenda.br/portal_stj/publicacao/engine. São as suas palavras: Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta.593 do Código Civil. A parentalidade socioafetiva envolve os aspectos e os vínculos afetivos e sociais entre os parentes não biológicos. como os demais vínculos de filiação. sendo essa apenas uma das suas espécies. 1. registra e cria filho biológico de outrem como seu. Como já tivemos a oportunidade de expor. Segundo a Ministra Nancy Andrighi. configurando-se também na adoção. incluindo. também. Parágrafo único. impulsionada pelo afeto. Aliás. 2012. à posse do estado de filho. 405 do Código de Processo Civil estabelece que: Art. exceto as incapa- zes. no item denominado “Os alimentos entre parentes socioafetivos”. que condenou o padrasto a pagar pensão alimentícia para a enteada.. descendente e colateral. salvo se o exigir o interesse público.124 Podemos dizer que esse reconhecimento foi incidental.] § 2º São impedidos (Alterado pela L-005. de alguma das partes. 405. A Parentalidade Socioafetiva 79 ou o filho biológico sem vínculos com os pais naturais e criado como filho por outros. que acreditamos ser de suma importância para o Direito. por consanguinidade ou afinidade. .. pois o objeto da demanda não o buscava. Podem depor como testemunhas todas as pessoas. até o terceiro grau. impedidas ou suspeitas. de qualquer uma das partes de serem testemunhas no processo. [. a intervenção judicial é necessária para regularizar a situação jurídica. 1. em decorrência da presunção de inexistência de isenção no depoimento. em demandas diferentes da declaratória ou investiga- tória. mas ele era imperioso para que fosse concedida a pensão alimentícia pretendida pela autora. solucionando a situação de fato. ou. por se verificar a presença da socioafetividade entre ambos. ou colateral. Já começam a aparecer os primeiros casos de reconhecimento da parentalidade socioafetiva pelo judiciário. até o terceiro grau. conforme será oportunamente abordado mais adiante. ou também incidentalmente em processo cível de qualquer natureza.17 O RECONHECIMENTO JUDICIAL É INCIDENTAL OU AUTÔNOMO? Neste tópico pretendemos investigar se o reconhecimento da parentalidade so- cioafetiva pode ser feito somente por ação autônoma. Não há relato doutrinário sobre isso. bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau. Um bom exemplo disso é o reconhecimento de paternidade socioafetiva feito pelo TJSC. prevalecendo a afetividade sobre o parentesco biológico e ambos sobre o parentesco registral. tampouco decisão judicial que possa embasar nosso argumento. O § 1º do art. que deve ser corrigido para não produzir efeitos jurídicos equivocados.925-1973): I – o cônjuge. A nossa preocupação deve-se ao fato de que no Código de Processo Civil há regra expressa sobre o impedimento de ascendente. porém não podemos deixar de nos manifestar sobre o tema. tratando-se de causa 124 O caso pode ser lido detalhadamente no próximo capítulo deste trabalho. trataremos de analisar a ação cautelar (AC) que foi autuada no STF sob o número 2. partindo dessa linha de raciocínio. não prestará compromisso.891/PI (origem no estado do Piauí). ou interesse no objeto do processo.80 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari relativa ao estado da pessoa. inclusive. arguindo-lhe a incapacidade. Sendo pro- vados ou confessados os fatos. 414 do Código de Processo Civil: Art. apresentada no ato e inquiridas em separado. em que foi feito um pedido de medida cautelar liminar para suspender os efeitos do acórdão recorrido. como o civil. prolatado pelo TSE em sede de recurso especial eleitoral. Assim sendo. Essa questão pode ser aplicada. o juiz dispensará a testemunha. no item sobre a inelegibilidade em decorrência da socioafetivida- de. por que não ver essa parentalidade reconhecida em outro processo que não de direito de família? No Capítulo 2. 414. também ensejaria a mesma situação. a citada regra deve ser interpretada de modo a incluir esse tipo de parentalidade. a parte poderá provar a contradita com documentos ou com tes- temunhas. entende-se que a parentalidade socioafetiva. 405. poderá ele reconhecer a parentalidade. e seu depoimento valerá como simples informação. no Direito do Trabalho. como defendemos no presente trabalho. observando o disposto no art. Sobre o tema. mesmo assim. 829 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que a testemunha que tiver parentesco com a parte não irá prestar o compromisso de testemunha e será ouvida como mero informante: Art. Se a testemunha negar os fatos que lhe são imputados. que substituiu o aresto proferido no TRE/PI a fim de reconduzir e preservar o requerente . como o juiz deverá anali- sar o caso e como serão produzidas as provas quanto ao fato. por ser equiparada nos efeitos às demais existentes. 829. amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes. A testemunha que for parente até o terceiro grau civil. em virtude do impedimento de ser testemunha. Antes de depor. imperioso é analisar o § 1º do art. não se puder obter de outro modo a prova. até três. § 4º. § 1º É lícito à parte contraditar a testemunha. havendo a discussão acerca de parentalidade socioafetiva em qualquer demanda. declarando o nome por inteiro. mas. a testemunha será qualificada. em decorrência da existência de socioafetividade. a residência e o estado civil. mas. produzirá os mesmos efeitos. ou lhe tomará o depoimento. O citado dispositivo não elenca os tipos de parentesco como fez o Código de Pro- cesso Civil. haja vista que o art. bem como se tem relações de parentesco com a parte. Dessa forma. e que teve o Ministro Luiz Fux nomeado como relator. O citado dispositivo só trata do parentesco consanguíneo e por afinidade. o impedimento ou a suspeição. a profissão. que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito. a leitura do art. 1. a incidência da referida regra constitucional. casamento ou óbito a verdade. A resposta aqui deve ser cautelosa. . que não têm o fito de declaração ou investigação expressa da parentalidade socioafetiva. § 7º. até a apreciação pelo STF do recurso extraordinário já admitido na origem.. porque se considerarmos que houve a instrução probatória em um incidente processual. do Código Civil. acreditamos que o mandado de averbação pode ser extraído sim de demandas que não tenham o cunho de declaração de parentalidade. atraindo. Embora a filiação socioa- fetiva não se revista dos mesmos rigores formais da adoção.609. a perspectiva de desequilíbrio no pleito. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevo- gável e será feito: [. que fora examinada minuciosamente? Dessa forma. ainda que o reconheci- mento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. para pedir que outro juiz a declare. inciso III. A Parentalidade Socioafetiva 81 no comando da Prefeitura do Município de Pau D’arco do Piauí/PI.] IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz. verificamos que ficou reconhecida a parentalidade socioafetiva num processo que não tinha tal desiderato. Dessa forma. Entretanto. 14. juntando a decisão proferida em outro processo. É que o chamado filho de criação. por identidade de razões. mas que o fazem de forma incidental. vilipendiando o princípio da economia processual. questão polêmica é saber se desses processos. assim. da mesma forma como ocorre com a filiação formal. mas que foi obrigado a investigar essa questão para que a decisão sobre tema eleitoral pudesse ser dada. a conclusão afirmada pelo acórdão recorrido mostra-se em plena harmonia com tais premissas. 1. acaba por ter sua can- didatura beneficiada pela projeção da imagem do pai socioafetivo que tenha exercido o mandato.609. nada mais do que a verdade. da Constituição Federal à luz do princípio republicano conduz a que a inelegibilidade também incida in casu. pois não podemos esquecer que o art. e o juiz verificou a existência da parentalidade socioafetiva. a pergunta é: por que haveria a necessidade de se ingressar com outra ação judicial. Parece clara. que precisaria ingressar no registro público para que produzisse os regulares efeitos e se desse a devida publicidade para a sociedade. autoriza o reconhecimento de filhos incidentalmente: Art. O Ministro Luiz Fux indeferiu o pedido liminar com os seguintes argumentos: Em juízo de cognição sumária. atraindo para si os frutos da gestão anterior com sensível risco para a perpetuação de oligarquias. mas que o fazem por via transversa. seria possível extrair mandados de averbação endereçados ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais para que se transcrevesse no assen- to de nascimento.. Silmara Juny de Abreu et al. não poderia o juiz agir de ofício e tampouco esse pedido ser feito por um terceiro.82 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Porém.18 O RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DE PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E O PAPEL DO CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL No presente item iremos tratar do reconhecimento voluntário de filhos como forma de constituição da parentalidade socioafetiva. . Para nós. o reconhecimento voluntário de filho de outrem é forma de formação de parentalidade socioafetiva: Negatória de paternidade. onde se discute o afeto e todos os seus termos. 1. que é o local adequado em que tal informação deve constar. de escrito particular. Reconhecimento de filiação. e ao final se declara a sua existência. evidencia-se o caráter exclusivamente patrimonial da ação judicial. se esse pedido não é feito num processo. (Org. São Paulo: Atlas. constar do registro de nascimento. ou por manifestação direta e expressa perante o juiz. Prevalência da relação socioafetiva. e para manter simetria com o que já defendemos anteriormente. ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém (art. Reconhecimento voluntário. de testamento. 1. pois. de qualquer forma. caso contrário. geralmente com benefício financeiro (alimentos e sucessão). p. mas não se altera o registro do nascimento. 530. O reconhecimento de filho é ato jurídico irretratável e irrevogável. acreditamos que a expedição do mandado de averbação só pode ser feita se o requerimento for feito pelo filho ou pai/ mãe socioafetivos. José Luiz Gavião de Almeida125 ensina como é que pode ocorrer o reconhecimento voluntário. Segundo o Tribunal de Justiça de Rondônia. apenas para um determinado fim. através de declaração no termo de nascimento. é inconcebível que seja feito um reconhecimento de parentalidade so- cioafetiva.). José Luiz Gavião de. Ausência de demonstração de vício. Isso é um verdadeiro absurdo que deve ser coibido por advogados. ele deve. de escritura pública. Direito de família no novo milênio: estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. e o mesmo não seja levado ao assento de nascimento.609 do Código Civil). obrigatoriamente. Acreditamos que. 2010. vejamos: Tanto a maternidade como a paternidade podem dar-se voluntariamente. pelo caráter pessoal do interesse desse reconhecimento. por exemplo. somente se admitindo sua anulação 125 ALMEIDA. In: CHINELATO. juízes e promotores. Se há reconhecimento de parentalidade socioafetiva. j. A manutenção da paternidade registral. preservando os interesses e direitos da criança e do adolescente. A Parentalidade Socioafetiva 83 nos casos de existência de vício de consentimento no ato jurídico realizado.6. por assim dizer. Claudir Fidelis Faccenda.4. devendo prevalecer a paternidade socioafetiva e o interesse do menor sob pena de ofensa ao princípio da digni- dade da pessoa humana e de desatendimentos aos direitos básicos do menor (TJRO. APL 0017539-54. Rel. p. Afetividade entre pai registral e filho. Oitava Câmara Cível.22. 277. vínculo socioafetivo entre as partes. Em outras palavras. Alexandre Miguel. se há. p.2009. Porto Alegre: Livraria do Advogado. no caso concreto. 2009.2011. 49). Tribunal de Justiça do RS. Recurso improvido (Apelação Cível 70022896625. mesmo quando firmada de forma voluntária.2008). só se justifica quando existente relação de socioafetividade entre as partes. 12. forte vínculo socioafetivo entre pai e filho. O fato que nos espanta é o julgado não citar a necessidade de se ter.0008. Belmiro Pedro. porque isso representa um modo de ser em família. Anulação de registro. de forma livre e espontânea. uma aceitação voluntária ou judicial da paternidade/ maternidade. entendemos que se deve manter a paternidade regis- tral em detrimento da biológica. 126 WELTER. Paternidade biológica não confirmada.2011. com a atri- buição de todos os direitos e deveres. ou houve. 6. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul encontramos julgado em que a manutenção da paternidade registral. só se justifica quando existente o vínculo socioafetivo: Apelação cível. a formação de vínculo afetivo. Impossibilidade. e quando o autor tinha ciência da possibilidade de não ser o pai da criança. . Teoria tridimensional do direito de família. Ação negatória de paternidade. o registro de nascimento do menor deve ser mantido. em que é estabelecido o modo de ser filho afetivo.4. não biológica. Estando comprovado que o registro da criança se deu voluntariamente. mostrando que as parentalidades biológica e socioafetiva devem coexistir e não uma se sobrepor a outra: Quem comparece no cartório de Registro Civil. não necessita de qualquer com- provação genética. DJERO 12. Des. não há que se falar em vício do consentimento. Presente. Belmiro Pedro Welter126 também faz essa crítica. uma ‘adoção de fato’”. “aquele que toma o lugar dos pais pratica. Assim. mas que deve ser interpretado de forma a excluir a possibilidade de uma das partes desejar se desfazer do vínculo socioafetivo já formado. j.8. Rel. em detrimento da biológica. além do reco- nhecimento voluntário. Entendemos ser esse posicionamento o mais correto. solicitando o registro de alguém como filho. o filho maior. e o menor pode impugnar o reconhecimento. e. Como exemplo. pois. II – por escritura pública ou escrito particular. e são ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho. a ser arquivado em cartório. e acreditamos que pode ser feito sim um reco- nhecimento voluntário de paternidade ou maternidade socioafetiva. O filho havido fora do casamento. Não pode ser reconhecido. e que não pode ser defendido e muito menos estimulado pela doutrina. somente no caso de o filho não ter pai e/ou mãe no assento do nascimento. ou à emancipação. reconhecido por um dos cônjuges. O Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. ele poderá ser reconhecido pelos pais. que não podem ser deixadas de lado. ainda mesmo sem as condições de putativo. ato ilícito e repudiado pelo sistema. nem mesmo quando feito em testamen- to. sem o seu consentimento. sobre o reconhecimento voluntário. conjunta ou separadamente. Corregedor-Geral da Justiça em exercício no final do ano de 2013. que permitiu . por exemplo. O reconhecimento não pode ser revogado. se ambos o reconheceram e não houver acordo. não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro. querendo assumir obrigações referentes a essa criança (tanto material como espiritual e sentimental). mais um sobrenome. Cumpre ressaltar que esse reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento. ainda que incidentalmente manifestado. ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu. pois. ainda que o reconheci- mento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. e também dar-lhe um pai em seu registro. IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz. A filiação materna ou paterna pode resultar de casamento declarado nulo. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I – no registro do nascimento. Porém. enquanto menor. que a reconhece em um ato de amor e afeto.84 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Concordamos com o citado autor. foi pioneiro no sentido de editar o Provimento 009/2013. avós paternos e permitir que ela goze de tais benefícios. seria um caso de “adoção à brasileira”. sob a de quem melhor atender aos interesses do menor. tais como. nos quatro anos que se seguirem à maioridade. que não quis registrá-la). caso contrário. previstas no Código Civil. citamos o caso do padrasto de uma criança que não tem pai (foi abandonada por ele. ser incluída no seu plano de saúde. por obra do notável Desembar- gador Jones Figueirêdo Alves. Se o filho foi havido fora do casamento. lhe pedir alimentos e participar da sua sucessão. III – por testamento. se ele deixar descendentes. cumpre destacar algumas regras básicas. que é de 2 de dezembro de 2013. O reconhecimento da paternidade socioafetiva apenas poderá ser requerido perante o Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais no qual o filho se encontre registrado. por escrito. o caso será apresentado ao Juiz competente. caso o mesmo seja menor. O oficial deverá proceder à minuciosa verificação da identidade da pessoa inte- ressada que perante ele comparecer. juntamente com cópia do termo por este assinado. de que isso não ocorreu. A Parentalidade Socioafetiva 85 a todos os cartórios de registro civil das pessoas naturais do estado receberem. ao final do termo referido. em 17 de dezembro . não obstaculiza a discussão judicial sobre a verdade biológica. A sistemática estabelecida no aludido provimento não poderá ser utilizada se já pleiteado em juízo o reconhecimento da paternidade. Caso o filho a ser reconhecido seja maior. o Oficial. sob as penas da lei. os motivos da suspeita. perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais no âmbito do estado de Pernambuco. tutor ou curador. certidão de nascimento do filho. após conferir o original. o reconhecimen- to dependerá da anuência escrita do mesmo. de sua qualificação e assinatura. comunicando. manterá em arquivo cópia de documento oficial de identificação do requerente. um reconhecimento de parentalidade socioafetiva. no termo próprio. devendo o Oficial colher a assinatura da genitora do filho a ser reconhecido. O reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva. Constarão do termo. O provimento pernambucano. Sempre que qualquer Oficial de Registro de Pessoas Naturais. in totum. perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais. além de rigorosa conferência de seus documentos pessoais. ao atuar nos termos do provimento. perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais. nos termos do provi- mento. O citado provimento autoriza o reconhecimento espontâneo da paternidade socioa- fetiva de pessoas que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida. mediante coleta. O reconhecimento de filho por pessoa relativamente incapaz dependerá de assistência de seus pais. mediante a apresentação de documen- to de identificação com foto. declaração da pessoa interessada. sem a necessidade de ação judicial. Efetuado o reconhecimento de filho socioafetivo. A coleta da anuência tanto da genitora como do filho maior apenas poderá ser feita pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais. pelas Corregedorias-Gerais de Justiça do estado do Ceará. suspeitar de fraude. não praticará o ato pretendido e submeterá o caso ao magistrado. os dados da genitora e do filho. razão pela qual constará. falsidade ou má-fé. foi transformado. além dos dados do requerente. Na falta da mãe do menor. O interessado poderá reconhecer a paternidade socioafetiva de filho. em original ou cópia. ou impossibilidade de manifestação válida desta ou do filho maior. o Oficial da serventia em que se encontra lavrado o assento de nascimento procederá à averbação da paternidade. independentemente de manifestação do Ministério Público ou de decisão judicial. Em qualquer caso. conforme modelo anexo ao texto do referido provimento. o filho passará a se chamar (no- nono).593 do Có- digo Civil e 26 e 27 da Lei no 8. titular do 26o Tabelionato de Notas da Capital do Estado de São Paulo. em 19 de dezembro de 2013. indicando todos os dados do seu assento de nascimento. Para encorajar outros tabeliães a fazerem esse reconhecimento. junto com a Arpen Brasil. Estamos imbuídos de tentar disseminar essa possibilidade em todo o território nacional. uma minuta de provimento para ser levada como proposta ao CNJ. V – Nome: em razão deste reconhecimento. abaixo. no Provimento 15/2013. que a paternidade e a maternidade socioafetivas possam ser feitas por escritura pública. por que ela não poderia reconhecer a afetiva? O tabelião Paulo Gaiger Ferreira. foi o primeiro a fazer. a fim de que o mesmo possa ter todos os direitos oriundos das relações familiares e de sua sucessão. piamente. VI – Autorização: por esta escritura. OU ….19 RECONHECIMENTO POR ESCRITURA PÚBLICA Acreditamos. e do estado do Maranhão. Vários estados brasileiros. alguns itens importantes que ela deve conter: I – Fundamentação legal: o presente reconhecimento de filiação é realizado em conformidade com os arts. § 6o. no Provimento 21/2013. sempre na vanguarda das questões polêmicas. declaratória ou por meio de testamento.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). por escritura. IV – Reconhecimento da filiação socioafetiva: aqui o pai socioafetivo reco- nhece a pessoa como seu filho. da Constituição Federal. Se a escritura pública é usada para o reconhecimento de filiação biológica. O filho permanecerá com o nome inalterado.86 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari de 2013. motivo pelo qual montamos. 227. mostraremos. por meio das Anoreg (Associações dos Notários e Re- gistradores) e das Arpen (Associações dos Registradores de Pessoas Naturais) locais. 1. a escritura de reconhecimento de parentalidade socioafetiva. segundo nosso conhecimento. Aguardemos e vamos torcer para que isso se torne uma realidade em todo o território nacional. 1. autoriza o Oficial do Registro Civil res- pectivo a proceder a toda e qualquer averbação necessária para que a partir desta data fique constando no registro de nascimento do filho o seu nome . estão propondo junto às respectivas corregedorias levar a ideia para os seus estados. III – Socioafetividade: neste item se descreve como ocorreu a socioafetividade de maneira minuciosa. II – Registro civil: aqui é feita a descrição do reconhecido. conforme o art. mas também socioafetiva. exclusivamente. IX – Disposições finais: as partes foram esclarecidas pelo tabelião sobre as normas legais e os efeitos atinentes a este ato. na justiça estadual. 1. nos mesmos moldes. em especial sobre os artigos citados nesta escritura.614 do Código Civil. outorgamos e assinamos. os efeitos desta escritura poderão ser mitigados por decisão judicial ou mesmo recusados. O tabelião informou às partes que os direitos socioa- fetivos são incipientes e não têm ainda uma legislação e jurisprudência sólida. Seja. c) Certidão de casamento de (nome da parte). já que a citada norma não será aplicada. Acreditamos que está corretíssima a forma de se escriturar esse reconhecimento de parentalidade socioafetiva feito pelo tabelião Paulo Gaiger Ferreira. do Código Civil. autorizamos a sua redação. que pode ser feito sem problema algum. d) Certidão negativa de ação judicial. . 1. tal reconhecimento é irrevogável. Portanto. a anuente como mãe e (nome dos avós paternos) como avós pater- nos e (nome dos avós maternos) como avós maternos. Entendemos. b) Certidão de nas- cimento do (nome do filho). a parentalidade biológica. Concordamos integralmente com o teor deste ato. VII – Documentos: foram apresentados os seguintes documentos. Ao final. II e III. o que atualmente é pacífico. também. A Parentalidade Socioafetiva 87 como pai. que esse reconhecimento pode ser feito por testamento. as partes me declaram que concordam com esta escritura em todos os seus expressos termos.609. VIII – Anuência: a mãe concorda com a presente escritura em todos os seus expressos termos (se o reconhecido for menor) e a anuência expressa do reco- nhecido se o mesmo for maior. dos quais arquivo cópias: a) Documentos de identidade das partes. retificado o referido registro com base nos termos da presente escritura e permaneçam os demais dados do registro original. X – Declaração das partes: as partes declaram. Esta escritura foi lida e compreendida por nós. 1. Porém. assim.20 A POSIÇÃO DO STJ SOBRE ESSA MODALIDADE DE PARENTALIDADE Neste item pretendemos tecer alguns comentários sobre a maneira em que o STJ enxerga a existência de parentalidade socioafetiva. no âmbito familiar. em ambos os casos. que não tramita qualquer ação judicial relativa à paternidade de (nome do filho reconhecido). conforme o art. sob as penas da lei. 2010). Terceira Turma. O descompasso do registro de nascimento com a realidade biológica. reconheceu-a como filha. Situação consolidada. em consideração ao princípio do maior interesse da criança. então.000. no sentido de desconhecer a origem genética da criança. Maternidade socioafetiva. demonstrando.356/SP. mesmo ciente de que a menor não era a ela ligada por vínculo de sangue. em ato solene e de reconhecimento público. sondando-se. por meio do qual se busca anular o assento de nascimento. e quais seriam os efeitos que dela emanariam. a manifestação volitiva. ser mãe da criança. o STJ explica que a peculiaridade da lide centra-se no pleito formulado por uma irmã em face da outra.5. Na ementa do julgado acima. Nancy Andrighi. Continua a referida ementa afirmando que a par de eventual sofisma na interpre- tação conferida pelo TJ/SP acerca do disposto no art. vê-se no acórdão recorrido que houve o reconhecimento espontâneo da maternidade. Para isso. nos termos em que foram descritos os fatos no acórdão recorrido – considerada a sua imutabilidade nesta via recursal –. Min. Preponderância da preservação da estabilidade familiar (REsp 1. em razão de conduta que desconsidera o aspecto genético. fundamenta seu pedido em alegação de falsidade ideológica perpetrada pela falecida mãe que. ou. Com o foco nessa premissa – a da existência da socioafetividade –. valendo-se de conduta reprovável e mediante má-fé. dessa forma. 348 do CC/1916. em sua plenitude. a efetiva existência de vínculo familiar. Rel. Para isso utilizaremos o seguinte julgado: Direito civil. Ausência de vício de consentimento. subjaz. do cenário fático descrito no acórdão impugnado. valendo-se. Ação de anulação de registro de nasci- mento. registrou filha recém-nascida de outrem como sua. Segundo a ementa. em que tanto a falsidade quanto o erro do registro são suficientes para permitir ao investigante vindicar estado contrário ao que resulta do assento de nascimento. declarar como verdadeiro vínculo familiar inexistente. a fim de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. Recurso Especial.88 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari apontando os requisitos que para ele são indispensáveis para a sua constituição. cuja anulação do assento de nascimento da criança somente poderia ocorrer com a presença de prova robusta – de que a mãe teria sido induzida a erro. sobre quem jamais poderá recair prejuízo derivado de ato praticado por pessoa que lhe ofereceu a segurança de ser identificada como filha. 25. descabe imposição de sanção estatal. so- mente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar contra aquele que realizou o ato de reconhecimento familiar. Família. em decorrência dos laços de afeto que as uniram. para tanto. sobretudo. da verdade socialmente construída com base no afeto. é que a lide deve ser solucionada. Nessa hipótese. j. a ausência de qualquer vício de consentimento na livre vontade manifestada pela mãe que. Inexiste meio de desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquela que um dia declarou perante a sociedade. . Vemos na referida ementa. o ato de registro de nascimento da outrora menor estribado na afe- tividade. resgatada pelo afeto. manifestou a verdadeira intenção de acolher como filha C. a caracterizar vínculo de filiação construído por meio da convivência e do afeto. V. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família. Conquanto a “adoção à brasileira” não se revista da validade própria daquela realizada nos moldes legais. constatamos. Configurados os elementos componentes do suporte fático da filiação socioafetiva. ainda. movida pelos mais nobres sentimentos de humanidade. assim como os demais vínculos advindos da filiação. Nesse contexto. como também “parentescos de outra origem”. erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana. .593 do CC/2002. há de preponderar-se em hipóteses como a julgada – consideradas as especificidades de cada caso – a preservação da estabilidade familiar. descreve a ementa. Dessa forma. conforme introduzido pelo art. sem identificação de vício de consentimento ou de má-fé. tendo em mente as vicissitudes e ele- mentos fáticos constantes do processo. a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente. que. na peculiar versão conferida pelo TJ/SP. não pode ficar à deriva em face das incertezas. permitir a desconstituição de reconheci- mento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta. prossegue o texto da ementa. 39 usque 52-D e 165 usque 170 do ECA. que. no processo julgado. § 6º. de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural. E a identidade dessa pessoa. escapando à disciplina estabelecida nos arts. da CF/1988. envolve não apenas a adoção. acompanhado por tratamento materno-filial. de qualquer forma. ainda da citada ementa. que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. destinando-lhe afeto e cuidados inerentes à maternidade construída e plenamente exercida.. tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua persona- lidade. mas do afeto. que encontra alicerce no art. A Parentalidade Socioafetiva 89 Somado a esse raciocínio vemos. em que. A. sob o argumento da diversidade de origem genética. a sanção do estado sobre a mãe que reconheceu a filha em razão de vínculo que não nasceu do sangue. F. em que se identificou a configuração de verdadeira “adoção à brasileira”. em situação consolidada e amplamente reconhecida no meio social. além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural. deve ser assegurada judicialmente a perenidade da relação vivida entre mãe e filha. V. 1. Desse modo. 227. também. não se pode questionar. a filiação socioafetiva. instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares. na ementa. F. mesmo que despida de ascendência genética. a peculiaridade do fato jurídico morte impede. tudo com base na doutrina de proteção integral à criança. Para ela. deve ser interpretada de forma correlata às circunstâncias inerentes às investigatórias de pa- ternidade. Isso porque prevalece. sustentando ser um caso de falsidade ideológica cometida pela própria mãe. a ligação socioafetiva construída e consolidada entre mãe e filha. a estender os efeitos da parentalidade socioa- fetiva também para a mãe. Em 2010. Mantém-se o acórdão impugnado. em testamento. ”Permitir a desconstituição de 127 Disponível em: <http://www. correspondendo a uma “declaração falsa de maternidade”. . O Tribunal de Justiça de São Paulo foi contrário à anulação do registro e a irmã mais velha recorreu ao STJ. declarou perante a sociedade ser mãe da criança.area=398&tmp. abaixo. Em seu site. como os demais vínculos de filiação. Inconformada. jamais às negatórias. relatora do caso. 2012. ainda que em descompasso com a verdade biológica. Segue. A mulher morreu nove anos depois e. a irmã mais velha iniciou um processo judicial na tentativa de anular o registro de nascimento da criança. por força da ausência de vício na manifestação da vontade. o STJ chegou.br/portal_stj/publicacao/engine. finaliza o texto da ementa. criando a chamada “maternidade socioafetiva”. como mais uma forma de proteção integral à criança. deve prevalecer. ainda que proce- dida em descompasso com a verdade biológica. um dia.90 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari A garantia de busca da verdade biológica. “Não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquela que. encontrando respaldo na preservação da estabilidade familiar. inclusive. quando uma imigrante austríaca de 56 anos.stj. em 1980. que já tinha um casal de filhos. Acesso em: 20 set.jus. texto=97469>. mesmo no caso em que a mãe tenha registrado filha de outra pessoa como sua. resolveu pegar uma menina recém-nascida para criar e registrou-a como sua. impondo-se a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário da mater- nidade. na hipótese. A história começou em São Paulo. então com nove anos. que tem proteção indelével conferida à personalidade humana por meio da cláusula geral que a tutela. o registro seria um ato jurídico nulo por ter objeto ilícito e não se revestir da forma prescrita em lei. deixou 66% de seus bens para a menina.wsp?tmp.127 foi ventilada na época uma notícia intitulada “Maternidade socioafetiva é reconhecida em julgamento inédito no STJ”. a filiação socioafetiva. o seu texto: A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a mater- nidade socioafetiva deve ser reconhecida. sob o perigo de se subverter a ordem e a segurança que se quis conferir àquele que investiga sua real identidade. sem vício de consentimento e não havendo prova de má-fé. afirmou em seu voto a ministra Nancy Andrighi. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea – com base no afeto – deve ter guarida no Direito de Família. valendo-se da verdade socialmente construída com base no afeto”. sem seguir os procedimentos legais da adoção – a chamada “adoção à brasileira”. Segundo a ministra Nancy Andrighi. se a atitude da mãe foi uma manifestação livre de vontade. ao qual são atribuídas as funções inerentes ao poder familiar. ou seja. Eduardo. A família no direito civil brasileiro. O citado autor afirma que ela não se confunde com a adoção porque tem um caráter predominantemente assistencial. instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares” disse a ministra em seu voto. que foi por ele traduzido para o português como “afilhadagem”. 1954. com os deveres correspondentes. mas também de maternidade. podemos afirmar que esse instituto na Itália seria um embrião da ideia de socioafetividade. a afilhadagem pode ser revogada nos casos previstos em lei e extingue-se em determinadas circunstâncias. Diante disso. A Parentalidade Socioafetiva 91 reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta. Segundo ele. e isso originou o nome desta obra. motivo pelo qual devemos sempre lembrar. 400 a 403. não apenas para a hipótese de paternidade. podendo tomar o nome do adotante. não um verdadeiro status na família como afilhado. Rio de Janeiro: Gazeta Judiciária. atualmente nos arts. o Código Civil apresenta regra expressa com relação à posse do estado de filho. resgatada pelo afeto. na qual o adotante acolhe em seu lar um menor que lhe foi confiado pelo instituto de assistência pública.21 A POSIÇÃO NO DIREITO ESTRANGEIRO Poucos são os registros de parentalidade socioafetiva expresso em algum Código Civil no mundo. acompanhado pelos demais integrantes da Terceira Turma. Ele explica que ela seria uma espécie de adoção. p. Na França. verifica-se que é pacífica no STJ a extensão dos efeitos da paren- talidade socioafetiva. a maternidade socioafetiva é uma realidade jurisprudencial. 128 ESPINOLA. 451. . e poderia ser tido como uma expressão da socioafetividade nesse país. que a parentalidade socioafetiva é gênero do qual a paternidade e a maternidade socioa- fetiva são espécies. criou o citado instituto. 1. já que não cabe ao afilhado direito sucessório. E a identidade dessa pessoa. tendo em vista os 17 anos de tra- mitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. ou por outrem. não pode ficar à deriva em face das incertezas. sem criar uma verdadeira relação familiar. dando- -lhe um lugar. Podemos citar a affiliazone no Direito Italiano como algo muito próximo. que acarreta os efeitos da filiação. Noticia Eduardo Espinola128 que o Código Civil Italiano. Assim. Que l’autorité publique le considère comme tel. 4º Qu’elle est considérée comme telle par l’autorité publique. la loi fait. alterando os artigos citados. Article 311-2: Les principaux de ces faits sont: Que l’individu a toujours porté le nom de ceux dont on le dit issu. manutenção ou instalação. 2º) Que eles tenham essa qualidade. Assim sendo. 1994. Entretanto. 130 Tradução livre para o seguinte texto: “Thème majeur. p. pourvu à son éducation. 2º Que ceux-ci ont. desde a sua formação. 3º Que cette personne est reconnue comme leur enfant. en cette qualité. la recherche de la vérite n’est pas le sourci exclusif du législateur. 201. 4º) Que seja considerada como tal pela autoridade pública. a Ordonnance 129 CORNU. a preocupação dominante e a busca pela verdade não são os únicos desejos do legislador. Paris: Montchrestien. dando melhor clareza aos requisitos da posse do estado de filho. pourvu pourvu à son éducation.” 132 Tradução livre para o seguinte texto: “ARTICLE 311-2: La possession d’état doit être continue. Que ceux-ci l’ont traité comme leur enfant et qu’il les a traités comme ses père et mère. A discussão sobre o tema na França não é recente.” 133 “Article 311-1: La possession d’état s’établit par une réunion suffisante de faits qui indiquent le rapport de filiation et de parenté entre un individu et la famille à laquelle il est dit appartenir. au coeur même des filiations char- nelles. introduziu essa ideia. Les principaux de ces faits sont: 1º Que cette personne a été traitée par celui ou ceux dont on la dit issue comme leur enfant et qu’elle-même les a traités comme son ou ses parents. 3º) Que esta pessoa seja reconhecida como filho na sociedade e na família. Ele incorpora uma visão geral que cria interesse de outros valores. pacífica. em 3 de janeiro de 1972. Essas “regras” são complementadas pelo art. à son entretien et à son établissement. paisible. 5º) Que seja conhecida na sociedade pelo apelido. Gérard. mas a lei. o coração das escolhas de filiações carnais e vários outros dados também o são. dans la société et par la famille .” 131 Tradução livre para o seguinte texto: “ARTICLE 311-1: La possession d’état s’établit par une réunion suffisante de faits qui révèlent le lien de filiation et de parenté entre une personne et la famille à laquelle elle est dite appartenir.132 para quem a posse de estado deve ser contínua. Qu’il est reconnu pour tel dans la société et par la famille.” . Droit civil: la famille. 311-1. 4. tantos foram os casos na jurispru- dência francesa que o legislador resolveu modificar a redação do artigo acima. ed. 311-2. 5º Qu’elle porte le nom de celui ou ceux dont on la dit issue. La possession d’état doit être continue. à son entretien ou à son installation . haja vista que essa questão surgiu no Código Civil com a Lei 72-3. Os principais fatos são estes: 1º) Que a pessoa tenha sido tratada por este ou aqueles em que é dito como um filho e que depois ela os tenha tratado como seus pais.131 no qual verificamos que a posse de estado é estabelecida por fatos suficientes que revelam a conjugação da filiação com o pa- rentesco entre uma pessoa e a família da qual ela se diz pertencer.92 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Gérard Cornu129 ensina que o tema principal. Elle incorpore à as vision d’ensemble d´autres intérêtes d’autres valeurs.130 A regra está contida no art. une part choise à diverses autres données.133 que. Qu’ils ont en cette qualité. préoccupation dominante. publique et non équivoque. pública e inequívoca. o da Bélgica exige. (III) ter o pai de fato contribuído para a sua manutenção e educação. tais países terão que normatizar a socioafetividade em suas legislações. 311-1 determina que a posse de estado é estabelecida por fatos suficientes que revelam parentesco. passaremos a citar alguns deles. Elle s’établit par des faits qui. também. en qualité de père ou de mère. haja vista que já existem vários casos sendo decididos pelos Tribunais estrangeiros.134 A exemplo do Código Civil francês. Na Bélgica. (b) ter obtido a qualidade de filho na sua formação e manutenção. indicam a relação de filiação. há previsão semelhante no Código Civil. e. tais como: (a) a criança ter usado o sobrenome da família (nomen). (II) ter sido tratado como filho. (IV) a criança reconhecer a pessoa como seu pai ou sua mãe. – que l’autorité publique le considère comme tel. da posse de estado. (d) a criança ter tratado os adotantes como se fossem o seu pai ou a sua mãe (reciprocidade do afeto na nossa opinião). – que celui-ci l’a traité comme son enfant. Ces faits sont entre autres: – que l’enfant a toujours porté le nom de celui dont on le dit issu. (d) ter sido reconhecida como filho da pessoa pela autoridade pública. 134 Tradução livre para o seguinte texto: “Art. pourvu à son entretien et à son éducation. em 4 de julho de 2005. indiquent le rapport de filiation. A reforma foi tão complexa que a citada lei somente entrou em vigor em 1º de julho de 2006. afirmando que ela deve ser contínua e estabelecida pelos fatos que. 331 nonies: La possession d’état doit être continue. promoveu uma reforma nas regras de filiação no país. – que l’enfant l’a traité comme son père ou sa mère. em conjunto ou separadamente. para demonstrar que tal questão não é discutida apenas no Poder Judiciário brasileiro. também. finalmente. Porém. – qu’il est reconnu comme son enfant par la famille et dans la société. em breve. em conjunto ou separada- mente. indicam a relação de filiação. mas também em outros países.” . (e) ter usado o sobrenome da família (nomen). que seja estabelecida pelos fatos que. Nesse sentido. (c) ter sido apresentada para a sociedade como filho (fama). – qu’il a. e cita como exemplo desses fatos: (a) a pessoa ter sido tratada como filho (tratactus). que trata. conhecido na sociedade. (e) ter sido apresentada como filho para a sociedade (fama). que a posse de status seja contínua. (c) o adotante ter contribuído para a sua manutenção e educação. ensemble ou séparément. O novo texto do art. (b) ter sido tratada como filho (tratactus). Esses fatos são: (I) o filho ter sido sempre chamado pelo nome dele. A Parentalidade Socioafetiva 93 nº 2005-759. (f) que o poder público o considere como tal. Disponí- vel em: <http://www. conforme os ordenamentos internos. para o bem-estar económico do país. a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais. 2. por considerar a prevalência da paternidade jurídica e social em detrimento da paternidade biológica. n. O pai legítimo contestou e afirmou assumir integralmente as responsabilidades parentais.conjur. que não conheceu da reclamação. Em grau de recurso. ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros” (versão oficial: <http://www. opiniões políticas ou outras. o Tribunal de Justiça anulou o julgamento. a riqueza.com.br/2012-ago-29/direito-comparado-entre-paternidade-legal- biologica-europa>. raça. O tribunal europeu rejeitou o recurso. numa sociedade democrática. Acesso em: 14 set.pt/ direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5. para a segurança pública. concorreram dois fundamentos: (a) não há uma posição unânime nos Estados europeus sobre o conflito de direitos entre o pai biológico e o pai jurídico. seja necessária para a segurança nacional. 2012. O caso foi julgado em primeiro grau favoravelmente ao senhor Ahrenz. 2012).gddc. que vivia na época com outro homem. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício desse direito senão quando essa ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que. Otávio Luiz. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar.pt/direitos-humanos/textos- -internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5.94 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Otávio Luiz Rodrigues Júnior135 noticia o caso Ahrenz v. fosse ele ou não o pai biológico. 137 “Artigo 8º (Direito ao respeito pela vida privada e familiar): 1. 45. tais como as fundadas no sexo. As relações familiares seriam profundamente abaladas com esse reconhecimento de paternidade. dado ser biologicamente o responsável pela concepção. Acesso em: 27 ago. do seu domicílio e da sua correspondência.html>. 136 “Artigo 14º (Proibição de discriminação): O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções. a protecção da saúde ou da moral.071/09. A mulher engravidou e teve uma filha em 2005. Em outubro de 2005. religião. A matéria foi levada ao Tribunal Constitucional. (c) o tribunal alemão fez uma escolha legítima pela precedência das relações familiares 135 RODRIGUES JÚNIOR. julgado em 22 de março de 2012: O senhor Ahrenz manteve um relacionamento com uma mulher. após realização de perícia hematológica. o nascimento ou qualquer outra situação” (versão oficial: <http://www.html>. O senhor Ahrenz alegou que a decisão ofendeu os artigos 14136 e 8º137 da Con- venção Europeia de Direitos Humanos e recorreu à CEDH. . Entre a paternidade legal e a biológica na Europa. a origem nacional ou social. Alemanha. (b) haveria uma margem de apreciação para as jurisdições locais. Acesso em: 27 ago. que o apontou como pai da menina. 2012).gddc. língua. cor. Na fundamentação. o senhor Ahrenz ingressou em juízo para se ver declarado como pai da criança. a pertença a uma minoria nacional. Além disso. Na CEDH. que. Entre a paternidade legal e a biológica na Europa. entendendo que a mera alegação de paternidade biológica não inseria o senhor Schneider no rol de pessoas autorizadas pelo Código Civil alemão a ter o direito por ele pretendido em relação ao menor. Acesso em: 14 set. o que não se constituía em algo meramente casual. que o Tribunal Alemão cita não haver nos estados europeus uma diretiva interna sobre o conflito entre o vínculo biológico e o afetivo. verifica-se. O se- nhor Schneider recorreu à CEDH. O suposto pai bioló- gico requereu ao juízo de primeiro grau que se lhe deferisse o direito de visitas à criança e que recebesse informações regulares sobre seu desenvolvimento. Otávio Luiz.conjur. no caso em tela. no que não ofendeu o art. onde ocorreu o seguinte: O senhor Schneider manteve. entendeu-se que o senhor Schneider e a mãe da criança. A Justiça rejeitou o pedido. que seria fortemente abalado acaso se provasse a parentalidade de Schneider. nesse caso. reconheceu-se a ofensa ao art. Disponí- vel em: <http://www. . 8º. com alegações de que foi violado o artigo 8º da Convenção. 17. Isso demonstra que nesse país há um indício de aplicação da socioafetividade. o comportamento do suposto pai bio- lógico denotou interesse extremo pela criança. aquele que está descrito no assento do nascimento. O filho dessa mulher nasceu em março de 2004. 8º da Convenção. porquanto os tribunais alemães não prestigiaram os interesses de todos 138 RODRIGUES JÚNIOR. entre maio de 2002 e setembro de 2003. Desse modo. mesmo que no julgado a decisão não mencione esse nome. Isso se deve ao fato de tais países terem receio de “desmontar” uma família que está alicerçada na crença de que o pai registral é também o biológico. Assim sendo. considerando que a função mais importante seria a de quem nutrir afeto pela pessoa. sempre levando em conta a primazia do interesse da criança e a preservação dos laços familiares.080/07.com. ao acompanhar a futura mãe em exames pré-natais e ao demonstrar disposição em assumir a paternidade antes mesmo do nascimento do filho. apesar de nunca terem vivido sob o mesmo teto. seria aquele que já convive com ela. As cortes superiores mantiveram esse entendimento. uma relação amorosa com uma mulher casada. mantiveram uma longa relação amorosa (de um ano e quatro meses). A Parentalidade Socioafetiva 95 e pela manutenção dos vínculos entre a filha e seu pai jurídico. O que o citado autor denomina como pai jurídico seria o registral. O senhor Schneider ajuizou uma ação alegando ser o pai biológico dessa criança. Alemanha n. Outro caso citado pelo mesmo autor138 é o Schneider v.br/2012-ago-29/direito-comparado-entre-paternidade-legal- biologica-europa>. 2012. Os cônjuges optaram por não realizar o exame de paternidade em ordem a preservar o interesse da família. julgado em 15 de setembro de 2011. o senhor Chavdarov e sua com- panheira terminaram a união estável. O terceiro caso mencionado ainda pelo autor em referência139 é o Chavdarov v. o senhor Chavdarov passou a viver sob o mesmo teto com uma mu- lher casada que.conjur. . Otávio Luiz. O advogado disse-lhe que.br/2012-ago-29/direito-comparado-entre-paternidade-legal- biologica-europa>. No caso em tela. não ficou bem estabelecida a responsabilidade do Estado búlgaro no caso. os limites da relação parental. Sua ex-companheira passou a viver com outro homem. o Tribunal Alemão também valorizou o vínculo afetivo já formado com o pai registral não biológico em detrimento do vínculo sanguíneo. julgado em 21 de dezembro de 2010. O interessante é que o marido da mãe foi indicado nas certidões de nascimento como pai das três crianças. Disponí- vel em: <http://www. até agora. Nele. avolumam-se em face da ausência de princípios ou de um “sistema”. em muitos pontos sensíveis das rela- ções familiares. com base na legislação búlgara.465/03. se encontrava separada de fato de seu marido. o que. o que poderia se traduzir em julgamento de conteúdo discriminatório. aconselhando-o a propor diretamente uma reclamação à CEDH. a despeito de sua posição mais cautelosa aqui. se converte em algo muito relevante. Ao julgar o caso. a CEDH considerou que há uma margem de apreciação aos Estados-membros para definir. Entre a paternidade legal e a biológica na Europa. a despeito da ne- cessidade de se preservar os vínculos familiares. 3. não era possível arguir essa tese. o que levou à declaração de não ofensa ao art. Parece haver um certo constrangimento em se invadir a esfera dos direitos locais sobre a questão da paternidade biológica em oposição à paternidade legítima. 8º da Convenção. que também denota ser um embrião de socioafetividade nesse país. A mulher deu à luz três crianças nos anos de 1990. As críticas à invasão da soberania dos Estados europeus pelos juízos da CEDH. Bulgária. temos: Em 1989.96 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari os envolvidos e não deram tratamento equilibrado à pretensão do suposto pai biológico. 8º da Convenção. em suas legislações locais. Declarou-se que. em veneração ao princípio do melhor interesse da criança. como de resto. que 139 RODRIGUES JÚNIOR. com base no art. o que terminou por ser feito.com. Particularmente no Direito Civil. durante sua união com o senhor Chavdarov. Não é possível sintetizar a orientação da CEDH sobre o tema. Em 2003. 1995 e 1998. 2012. no entanto. o senhor Chavdarov consultou um advogado com intenção de ajuizar uma ação de reconhecimento de paternidade. que aconteceu na Bulgária. n. levando consigo os filhos. Acesso em: 14 set. as quais receberam seu sobrenome. No final de 2002. quando se examina mais a fundo alguns de seus julgados. em face da ausência de um padrão comum. Em 2007. verifica-se que tal disposição serve de apoio para justificar a socioafetividade em países europeus. pois a verdade biológica não pode macular a base familiar já constituída com base na afetividade. da seguinte forma: Um homem foi interditado em fevereiro de 2003. n. essa deficiência argumentativa é ainda mais notável. assumiu a paternidade de uma criança nascida em junho desse ano. Nesses casos. 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos. mas também pode ser desenvolvida. julgado em 21 de junho de 2011. 46185/08. que garante a qualquer pessoa o direito ao respeito da sua vida privada e familiar.pt/detalhe/noticias/exclusivo-cm/obrigado-a-ser- -pai-de-filha. Ele aconteceu na Croácia.xl. motivo pelo qual preferimos afirmar ser ela um valor jurídico. sua mãe foi designada como sua curadora e. não há lei expressa acerca da parentalidade socioafetiva. o jornal lisboeta Correio da Manhã publicou inte- ressante matéria. que lhe permite conhecer “a verdade sobre um importante aspecto de sua identidade pessoal. fica clara a aplicação do art. Questão interessante apontada nesse caso é que o julgado reconheceu o direito da criança de poder desenvolver laços de afetividade com o seu pai biológico. . Em Portugal. O último caso noticiado por Otávio Luiz Rodrigues Júnior é o Kruškovic´ v. Diante disso.alheia>. posteriormente. mas já há registro de casos que foram encaminhados ao Judiciário. 2012. Croácia. A Parentalidade Socioafetiva 97 é uma província muito ciosa da observância desses cânones. A afetividade não é um direito apenas quando já alicerçada. com a anuência de sua mãe. após padecer de problemas mentais decorrentes de longo período de drogadição. 140 Disponível em: <http://www. mesmo sendo ele incapaz. Em 2006.140 cujo texto reproduzo abaixo: Obrigado a ser pai de filha alheia.cmjornal. 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos. sobre o tema. No dia 23 de janeiro de 2012. que o acolheu sob o fundamento de que a criança tem o direito à informação genética. o que no caso dos países do velho continente não está. o curatelado. O pretendido registro foi denegado por conta de sua incapacidade civil. que é a identidade de seus pais biológicos”. Acesso em: 14 set. seu pai e um empregado de um centro de apoio social. Com isso. o caso foi levado à CEDH. o mesmo artigo ainda cita que não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício desse direito senão quando essa ingerência estiver prevista na lei. Sob alegada ofensa ao art. “Logo que soube que a esposa estava grávida [o queixoso] estava na posse de todos os elementos para saber que não era o pai da criança”. apresentar ela própria uma acção para “fazer valer o direito à verdade biológica”. junto do Tribunal de Condeixa. e sem estar sujeita a qualquer prazo de caducidade. que por sua vez integra todo o conjunto de direitos relativos à sua personalidade. ao dar importância maior ao vínculo afetivo que se formou entre pai e filha. tendo-lhe sido proposto pelos especialistas que “optasse pela adopção”. era casado. se assim o entender. salientando que a menor pode ainda. como já demonstrado anteriormente em tópico específico sobre esse tema. mas nessa altura o seu nome já figurava na certidão de nascimento como sendo o pai. alegando a inconstitucionalidade da norma que fixa o prazo. o Tribunal da Relação de Coimbra valoriza a socioafetividade. Nessa altura. durante esse período de relacionamento em que ele já sabia que não era pai da menina. mas a mulher (e mãe da rapariga) “recusava-se a ter relações sexuais” com ele. Ainda tentou provar a inconstitucionalidade dessa norma. e durante algum tempo. pois “mantinha um relacionamento amoroso e sexual” com outro homem. refere o acórdão do Tri- bunal da Relação de Coimbra. por considerarem que teve tempo “suficiente” para exercer o direito de impugnação da paternidade. O homem ainda recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra.98 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Homem infértil obrigado a aceitar filha que mulher teve com outro. e quando apresentou. mas sabe que não é o pai. uma acção de impugnação da paternidade. hoje com 13 anos. que recebe os efeitos da so- cioafetividade. mas António sabia. Para repor a “verdade biológica” e retirar o seu nome da certidão de nascimento. EXAMES MÉDICOS CONFIRMAM INFERTILIDADE A menor nasceu em janeiro de 1995. por ser infértil. mas o seu pedido não foi aceito. por ter sido feito fora de prazo. . mas os juízes desembargadores não lhe deram razão. O queixoso. No caso exposto. desde novembro de 1990. como parte “do seu direito à identidade pessoal”. “contados desde a data em que teve conhe- cimento”. Acabaria por se divorciar da mulher. Aqui no Brasil isso se chama “adoção à brasileira”. a menor já tinha 13 anos. António sempre soube que a menor não era sua filha. quando a lei prevê um prazo de três anos para o fazer. de acordo com vários exames médicos realizados nos Hospitais da Universidade de Coimbra. que não podia gerar filhos. Foi deixando passar o tempo. já que apresentava “testículos hipotróficos”. recorreu ao tribunal. por ser infértil e nem sequer ter tido relações sexuais com a mãe dessa. Por: Isabel Jordão/Carlos Ferreira António (nome fictício) tem uma “filha” de 17 anos com o seu apelido. que reside no concelho de Condeixa-a-Nova. mas de nada lhe valeu. foi observado e acompanhado por uma equipa médica na consulta externa de Urologia. Como exemplo.141 que assim disseram: Não cabe ao intérprete ou ao doutrinador hierarquizar modalidades de paren- talidade. p. a citada norma garante o direito dessas pessoas se reagruparem em família com espanhóis. A parentalidade é um dever. Biologis- mo ou sociabilidade/afectividade são igualmente permissivos de uma relação parental perfeita. conceito que sendo em parte indeterminado nos seus parâmetros. Los extranjeros residentes tienen derecho a la vida en familia y a la intimidad familiar en la forma prevista en esta Ley Orgánica y de acuerdo con lo dispuesto en los Tratados internacionales suscritos por España. muito menos. 2. uma responsabilidade. implicita uma visão egocêntrica e “mesquinha” da pa- rentalidade. se os titulares estiverem cientes da natureza instrumental da sua função junto dos filhos. Seria no mínimo um exercício acientífico que a nada de útil juridica- mente conduziria. são carecidos de uma protecção através de vínculos situados bem fora do en- quadramento familiar biológico. 141 CORTE-REAL. 2008. E esse é o problema mais relevante. A Parentalidade Socioafetiva 99 Há doutrinadores defendendo a socioafetividade no Além-Mar. Los extranjeros residentes en España tienen derecho a reagrupar con ellos a los familiares que se determinan en el artículo 17. o pretenso biologismo. nunca um poder e. porque as responsabilidades parentais se nivelam e devem envolver a criança num quadro familiar propício ao seu bem-estar existencial. de 11 de enero. em nosso sentir. o único relevante. num verdadeiro dever norteado sempre pelo “interesse superior da criança”. 142 “Artículo 16. Derecho a la intimidad familiar. que certo sector da doutrina tende a atribuir à nossa lei. apresenta. Carlos Pamplona. Ou seja.” . sobre derechos y libertades de los extranjeros en España y su integración social”. PEREIRA. um caso de socioafetividade implícita. Por esse motivo. O que interessa é acentuar que o vínculo da parentalidade se traduz mais do que num poder. Direito de família: tópicos para uma reflexão crítica. a “Ley Orgánica 4/2000. um direito – como o mencionado Decreto 232/X bem ensina! Na Espanha. deve sempre presidir a quaisquer acções de busca de um enquadramento familiar adequado à afirmação e ao pleno desenvolvimento do menor. 1. citamos Carlos Pamplona Corte-Real e José Silva Pereira. olvidando que os direitos fundamentais da criança. tantas vezes. 98-99. O artigo 16 da citada lei142 determina que os estrangeiros que vivem na Espanha têm direito a intimidade familiar e de viver em família na forma das regras nela es- tabelecidas e das que constam dos tratados internacionais ratificados por esse país. Lisboa: AAFDL. biológicos ou adoptivos. José Silva. La família del extranjero: regímenes de reagrupación e integración. 5. podrá reagruparse al ascendiente menor de sesenta y cinco años si se cumplen las demás condiciones previstas en esta Ley. siempre que sean menores de dieciocho años o personas con discapacidad que no sean objetivamente capaces de proveer a sus propias necesidades debido a su estado de salud. Familiares reagrupables. La persona que mantenga con el extranjero residente una relación de afectividad análoga a la conyugal se equiparará al cónyuge a todos los efectos previstos en este capítulo. así como la indemnización. incluidos los adoptados. alternativamente. Excepcionalmente.E. En todo caso. exercer a autoridade parental exclusivamente ou ter a guarda judicial. y que el matrimonio no se haya celebrado en fraude de Ley. cuando el residente extranjero sea su representante legal y el acto jurídico del que surgen las facultades representativas no sea contrario a los principios del ordenamiento español. la relación de afectividad análoga a la conyugal”. efetivamente. o mayores en situación de depen- dencia. a) El cónyuge del residente. 4. En ningún caso podrá reagruparse a más de un cónyuge aunque la Ley personal del extranjero admita esta modalidad matrimonial. a estos efectos. . cuando concurran razones de carácter humanitario. 144 FONS. 2008. 1. c) Los menores de dieciocho años y los mayores de esa edad que no sean objetivamente capaces de proveer a sus propias necesidades. o pai correspondente deve atender a dois requisitos: o primeiro é. 262. las situaciones de matrimonio y de análoga relación de afectividad se considerarán incompatibles entre sí. sob sua responsabilidade. Cuando se trate de hijos de uno solo de los cón- yuges se requerirá. que as crianças estejam. sean mayores de sesenta y cinco años y existan razones que justifiquen la necesidad de autorizar su re- sidencia en España. en su caso. e o segundo. aunque la Ley personal del extranjero admita estos vínculos familiares. Reglamentariamente se determinarán las condiciones para la reagrupación de los ascendientes de los residentes de larga duración en otro Estado miembro de la Unión Europea. Reglamentariamente. En el supuesto de hijos adoptivos deberá acreditarse que la resolución por la que se acordó la adopción reúne los elementos necesarios para producir efecto en España. b) Los hijos del residente y del cónyuge. debido a su estado de salud. deberán haber quedado fijados los derechos económicos del cónyuge de buena fe y de los hijos comunes. p.100 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari É o artigo 17 da referida lei143 que dá os requisitos desse reagrupamento. explica Antonio Quirós Fons144 que a legislação vigente permite a reunificação de filhos cuja paternidade se refere exclusivamente a um dos cônjuges. Valencia: Tirant lo Blanch. siempre que no se encuentre separado de hecho o de derecho. No podrá reagruparse a más de una persona con análoga relación de afectividad. El extranjero residente que se encuentre casado en segundas o posteriores nupcias por la disolución de cada uno de sus anteriores matrimonios sólo podrá reagrupar con él al nuevo cónyuge si acredita que la disolución ha tenido lugar tras un procedimiento jurídico que fije la situación del cónyuge anterior y de sus hijos comunes en cuanto al uso de la vivienda común. además. a la pensión compensatoria a dicho cónyuge y a los alimentos que correspondan a los hijos menores. y de los beneficiarios del régimen especial de investigadores. se desarrollarán las condiciones para el ejercicio del derecho de reagru- pación así como para acreditar. Essa previsão é con- 143 “Artículo 17. de los trabajadores titulares de la tarjeta azul de la U. El extranjero residente tiene derecho a reagrupar con él en España a los siguientes familiares:. siempre que dicha relación esté debidamente acreditada y reúna los requisitos necesarios para producir efectos en España. que éste ejerza en solitario la patria potestad o que se le haya otorgado la custodia y estén efectivamente a su cargo. Nesse único caso. Assim. Antonio Quirós. En la disolución por nulidad. d) Los ascendientes en primer grado del reagrupante y de su cónyuge cuando estén a su cargo. A Parentalidade Socioafetiva 101 siderada essencial para evitar que a reunificação “suponha uma injusta separação do outro genitor que como pai com o filho vivia”.145 Com isso, verifica-se na citada lei que haverá um caso embrionário de socioafetivi- dade entre o filho do(a) estrangeiro com o seu cônjuge espanhol, pois ele, no universo dessa lei, será tratado como filho para requerer a sua residência em território espanhol, pois presume a lei que em razão da convivência familiar entre o filho do estrangeiro e seu padrasto ou madrasta espanhóis, certamente, se estabelecerão vínculos afetivos. O direto de requerer a residência é garantido pelo art. 19 da mencionada lei.146 Contudo, no Direito catalão, se reconhece a possibilidade de um reconhecimento tácito de paternidade, baseado na posse de estado de filho, que é o retrato mais claro da socioafetividade nesse país. Explica Maria Del Carmen Gete-Alonso Y Calera147 que o consentimento tácito é aquele que é revelado por meio da realização de atos (facta concludentia) pela criança, o que pode se inferir, de forma inequívoca, que ele conhece e está sujeito ao reconhe- cimento. Ao exigir que sejam atos inequívocos, se quer fazer referência àqueles que 145 Tradução livre para o seguinte texto: “La regulación vigente permite la reagrupación de los hijos cuya filiación se refiere exclusivamente al reagrupante o al cónyuge reagrupado. Em esse único caso, el progenitor correspondiente debe cumplir dos requisitos: el primeiro es, alternativamente, ejercer em solitariao la patria potestad o tener otorgada la custodia y el segundo, que los hijos estén efectivamente a sua cargo. Esta previsión es considerada básica para evitar que la reagrupación “suponga una injusta separación del outro progenitor com el que hasta entonces habitaba, dado que el que solicita su reagrupación vive em España.” 146 Artículo 19. Efectos de la reagrupación familiar en circunstancias especiales. 1. La autorización de residencia por reagrupación familiar de la que sean titulares el cónyuge e hijos reagrupados cuando alcancen la edad laboral, habilitará para trabajar sin necesidad de ningún otro trámite administrativo. 2. El cónyuge reagrupado podrá obtener una autorización de residencia independiente cuando disponga de medios económicos suficientes para cubrir sus propias necesidades. En caso de que la cónyuge reagrupada fuera víctima de violencia de género, sin necesidad de que se haya cumplido el requisito anterior, podrá obtener la autorización de residencia y trabajo inde- pendiente, desde el momento en que se hubiera dictado a su favor una orden de protección o, en su defecto, informe del Ministerio Fiscal que indique la existencia de indicios de violencia de género. 3. Los hijos reagrupados podrán obtener una autorización de residencia independiente cuando alcancen la mayoría de edad y dispongan de medios económicos suficientes para cubrir sus propias necesidades. 4. Reglamentariamente se determinará la forma y la cuantía de los medios económicos considerados suficientes para que los familiares reagrupados puedan obtener una autorización independiente. 5. En caso de muerte del reagrupante, los familiares reagrupados podrán obtener una autorización de residencia independiente en las condiciones que se determinen. 147 CALERA, Maria Del Carmen Gete-Alonso. Determinación de la filiación em el código de família de catalunya. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2003. p. 164-165. 102 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari se inserem no âmbito da relação de pai-filho. Tem uma importância especial, pois, foi a posse do estado de filho (nomen, tractatus e fama) que o reconhece, em que o comportamento e o tratamento como filho de quem logo reconhece essa oposição se manifesta evidente da existência de consentimento ao reconhecimento.148 A posse do estado de filho é, também, fonte da existência de socioafetividade no Brasil, conforme já expusemos anteriormente. 1.22 A EXPERIÊNCIA PORTUGUESA DO APADRINHAMENTO CIVIL Em Portugal, a Lei nº 103, de 11 de setembro de 2009, criou o apadrinhamento civil, que é uma relação jurídica, tendencialmente de caráter permanente, entre uma criança ou adolescente e uma pessoa singular ou uma família, que exerça os poderes e deveres próprios dos pais e que com ele estabeleçam vínculos afetivos que permitam o seu bem-estar e desenvolvimento, constituída por homologação ou decisão judicial e sujeita a registro civil. Segundo a referida lei, podem apadrinhar pessoas maiores de 25 anos, previamente habilitadas, e que demonstrem existir reais vantagens para a criança ou o adolescente e desde que não se verifiquem os pressupostos da confiança com vista à adoção. Poderá ser apadrinhado qualquer criança ou jovem menor de 18 anos: a) que esteja em medida de acolhimento em instituição; b) que seja beneficiária de outra medida de promoção e proteção; c) que se encontre numa situação de perigo confirmada por uma comissão de proteção de crianças e jovens ou em processo judicial; d) que seja encaminhada para o apadrinhamento civil por iniciativa: (i) do Ministério Público; (ii) da comissão de proteção de crianças e jovens, no âmbito dos processos que nela tramitam; (iii) do órgão competente da seguridade social ou de instituição por essa habilitada; 148 Tradução livre para o seguinte texto: “El consentimiento tácito es aquel que se revela a través de la realización de actos (facta concludentia) por el hijo, de los que puede inferir-se, de manera inequívoca, que conoce y está conforme con el reconocimiento. Al exigir que sean actos inequívocos se quiere hacer referencia a aquellos que pertenecen al ámbito de la relación de filiación. Particular importancia tiene, por lo tanto, la posesión de estado como hijo respecto del progenitor (nomen, tractatus y fama) que reconoce; en donde el comportamiento, y tratamiento como hijo de quien luego reconoscesin la oposición del mismo se menifesta evidente de la existencia de consentimiento al reconocimiento.” A Parentalidade Socioafetiva 103 (iv) dos pais, representante legal da criança ou do adolescente ou pessoa que tenha a sua guarda de fato; (v) da criança ou do jovem maior de 12 anos. Também pode ser apadrinhada qualquer criança ou jovem menor de 18 anos que seja beneficiada de confiança administrativa, judicial ou medida de promoção e pro- teção à instituição com vista a futura adoção ou a pessoa selecionada para a adoção quando, depois de uma reapreciação fundamentada do caso, se mostre que a adoção é inviável. Enquanto subsistir um apadrinhamento civil não pode constituir-se outro quanto ao mesmo afilhado, exceto se os padrinhos viverem em família. Quanto ao exercício das responsabilidades parentais dos padrinhos, eles as exercem plenamente, ressalvadas as limitações previstas no compromisso de apadrinhamento civil ou na decisão judicial. Pela citada lei, os pais se beneficiam dos direitos expressamente consignados no compromisso de apadrinhamento civil, especialmente nos casos de: a) conhecer a identidade dos padrinhos; b) dispor de uma forma de contatar os padrinhos; c) saber o local de residência do filho; d) dispor de uma forma de contatar o filho; e) ser informados sobre o desenvolvimento integral do filho, a sua progressão escolar ou profissional, a ocorrência de fatos particularmente relevantes ou de problemas graves, notadamente de saúde; f) receber com regularidade fotografias ou outro registro de imagem do filho; g) visitar o filho, nas condições fixadas no compromisso ou na decisão judicial, designadamente por ocasião de datas especialmente significativas. O tribunal pode estabelecer limitações aos direitos enunciados nas letras d) e g) do número anterior quando os pais, no exercício desses direitos, ponham em risco a segurança ou a saúde física ou psíquica da criança ou do jovem ou comprometam o êxito da relação de apadrinhamento civil. Os pais e padrinhos têm um dever mútuo de respeito e de preservação da intimi- dade da vida privada e familiar, do bom-nome e da reputação e devem cooperar na criação das condições adequadas ao bem-estar e desenvolvimento do afilhado. O apadrinhamento civil pode ser da iniciativa: a) do Ministério Público; b) da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, no âmbito dos processos que nela tramitam; 104 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari c) do órgão competente da seguridade social ou de instituição por esta habi- litada; d) dos pais, representante legal da criança ou do jovem ou pessoa que tenha a sua guarda de fato; e) da criança ou do jovem maior de 12 anos. Quando a iniciativa for da criança ou do jovem maior de 12 anos, o tribunal ou o Ministério Público, conforme o caso, nomeia, a seu pedido, patrono que o represente. O apadrinhamento civil pode também ser constituído oficiosamente pelo tribunal. Tomada a iniciativa do apadrinhamento civil por quem tiver legitimidade, os padrinhos são designados entre pessoas ou famílias habilitadas, constantes de uma lista regional do órgão competente da seguridade social. Agora, se o apadrinhamento civil tiver lugar por iniciativa dos pais, do representante legal da criança ou do jovem, ou da pessoa que tenha a sua guarda de fato, ou ainda da criança ou do jovem, esses podem designar a pessoa ou a família da sua escolha para padrinhos, mas a designação só se torna efetiva após a respectiva habilitação. Podem ser designados como padrinhos os familiares, a pessoa idônea ou a famí- lia de acolhimento a quem a criança ou o jovem tenha sido confiado no processo de promoção e proteção ou o tutor. A escolha dos padrinhos é feita respeitando-se o princípio da audição obrigatória (oitiva do apadrinhado) e no da participação no processo da criança ou do jovem e dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de fato. A habilitação consiste na certificação de que a pessoa singular ou os membros da família que pretendem apadrinhar uma criança ou jovem possuem idoneidade e autonomia de vida que lhes permitam assumir as responsabilidades próprias do vínculo de apadrinhamento civil, devendo ser feita pelo organismo competente da seguridade social. Mediante acordos de cooperação celebrados com o organismo competente da segurança social, as instituições que disponham de meios adequados podem adquirir a legitimidade para designar e habilitar padrinhos. O apadrinhamento civil constitui-se: a) por decisão do tribunal, nos casos em que esteja tramitando um processo judicial de promoção e proteção ou um processo tutelar cível; b) por compromisso de apadrinhamento civil homologado pelo tribunal. O tribunal deve, sempre que possível, considerar um compromisso de apadrinha- mento civil que lhe seja proposto ou promover a sua celebração. O apadrinhamento civil pode constituir-se em qualquer fase de um processo de promoção e proteção ou de um processo tutelar cível e, quando tiver lugar após a A Parentalidade Socioafetiva 105 aplicação de uma medida de promoção e proteção ou após uma decisão judicial sobre responsabilidades parentais com que se mostre incompatível, determina necessaria- mente a sua cessação. Para o apadrinhamento civil é necessário o consentimento: a) da criança ou do jovem maior de 12 anos; b) do cônjuge do padrinho ou da madrinha não separado judicialmente de pessoas e bens ou de fato ou da pessoa que viva com o padrinho ou a ma- drinha em união de fato (união estável); c) dos pais do afilhado, mesmo que não exerçam as responsabilidades paren- tais, e ainda que sejam menores; d) do representante legal do afilhado; e) de quem tiver a sua guarda de fato. Não é necessário o consentimento dos pais que tenham sido destituídos das res- ponsabilidades parentais por terem infringido culposamente os deveres com os filhos, com grave prejuízo desses. Nos casos em que a comissão de proteção de crianças e jovens ou o organismo competente da seguridade social, ou a instituição por essa habilitada, entenderem que a iniciativa do apadrinhamento civil que lhes foi apresentada pelos pais, pelo representante legal da criança ou do jovem, pela pessoa que tenha a sua guarda de fato, ou pela criança ou jovem maior de 12 anos, não se revela capaz de satisfazer o interesse da criança ou do jovem, deverão comunicar o tribunal, com o seu parecer. O compromisso de apadrinhamento civil, ou a decisão do tribunal, contém obri- gatoriamente: a) a identificação da criança ou do jovem; b) a identificação dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de fato; c) a identificação dos padrinhos; d) as eventuais limitações ao exercício, pelos padrinhos, das responsabilidades parentais; e) o regime das visitas dos pais ou de outras pessoas, familiares ou não, cujo contato com a criança ou jovem deva ser preservado; f) o montante dos alimentos devidos pelos pais, se for o caso; g) as informações a prestar pelos padrinhos ou pelos pais, representante legal ou pessoa que tinha a sua guarda de fato, à entidade encarregada do apoio do vínculo de apadrinhamento civil. Subscrevem obrigatoriamente o compromisso: o representante legal ou quem detiver a guarda de fato para alegarem por escrito. a decisão é da competência do juiz singular. ou a requerimento desses. fora das áreas abrangidas pela jurisdição dos tribunais de família e me- nores. e por dois juízes sociais. e) o pró-tutor. o tribunal notifica o Ministério Público. ou no organismo competente da seguridade social. a criança ou o jovem. seguindo o processo os seus termos como processo judicial quando o juiz dele discordar. ou em instituição por essa habilitada. do parecer negativo à constituição do apadrinhamento civil. b) as pessoas que devem dar consentimento. querendo. há lugar a debate judicial perante um tribunal composto pelo juiz. os seus pais. pelo Ministério Público. ou não satisfaz os requisitos legais. Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente. que preside. é o mesmo enviado ao tribunal competente. o tribunal da comarca da área da localização da instituição em que a criança ou o jovem se encontra acolhido ou da área da sua residência. se for apresentada prova. pode o juiz deter- minar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação. Caso o tribunal considere que o compromisso não acautela suficientemente os interesses da criança ou do jovem. É competente para a constituição do apadrinhamento civil o tribunal de família e menores ou. d) a entidade encarregada de apoiar o apadrinhamento civil. Se não for apresentada prova. pode convidar os subscritores a alterá-lo. após o que decidirá sobre a homologação. c) a instituição onde a criança ou o jovem estava acolhido e que promoveu o apadrinhamento civil. Quando o compromisso de apadrinhamento civil for celebrado na comissão de proteção de crianças e jovens. oficiosamente. No prazo de dez dias após a sua notificação. . O processo judicial de apadrinhamento civil é de jurisdição voluntária e tramita por via eletrônica nos termos gerais das normas de processo civil. para homologação. os pais. acompanhado de relatório social. a criança ou o jovem maior de 12 anos.106 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari a) os padrinhos. Nos casos em que pode haver lugar a dispensa do consentimento. representante legal. e apre- sentarem prova no prazo de dez dias. quando o tutor vier a assumir a condição de padrinho. com o consentimento dos interessados. b) do despacho de confirmação. a pessoa que tenha a guarda de fato e os padrinhos podem re- querer a apreciação judicial: a) da decisão de não homologação do compromisso de apadrinhamento civil pelo Ministério Público. A Parentalidade Socioafetiva 107 O apoio do apadrinhamento civil tem em vista: a) criar ou intensificar as condições necessárias para o êxito da relação de apadrinhamento. O impedimento é susceptível de dispensa pelo Oficial do Registro Civil. entre padrinhos e afilhados haveria um impedimento que tornaria nulo o casamento nos moldes do art. Os padrinhos consideram-se ascendentes em primeiro grau do afilhado para efeitos da obrigação de lhe prestar alimentos.548. sempre que possível. em qualquer caso. O afilhado considera-se descendente em primeiro grau dos padrinhos para o efeito da obrigação de lhes prestar alimentos. mas é precedido pelos filhos desses em con- dições de satisfazer esse encargo (o que representaria a socioafetividade no Brasil). quando um dos nubentes for menor. Os padrinhos e o afilhado têm direito a: a) se beneficiar do regime jurídico de faltas e licenças equiparado ao dos pais e dos filhos. . os pais. e. do ponto de vista do interesse do afilhado. Os padrinhos têm direito a se beneficiar do estatuto de doador de sangue. ou ao organismo competente da segurança social. nos casos em que o compromisso de apadrinhamento civil foi celebrado em processo que aí correu termos. a incapa- cidade para receber do seu consorte qualquer benefício por doação ou testamento. O órgão competente da seguridade social pode delegar o apoio em instituições que disponham de meios adequados. 1. que a con- cede quando haja motivos sérios que justifiquem a celebração do casamento. do citado diploma legal. passados 18 meses sobre a constituição do vínculo.521 do Código Civil Brasileiro. A inobservância da regra acima importa. O apoio termina quando a entidade responsável concluir que a integração familiar normal do afilhado se verificou e. 1. segundo o art. b) avaliar o êxito da relação de apadrinhamento. O apoio cabe às comissões de proteção de crianças e jovens. O vínculo de apadrinhamento civil é impedimento impediente à celebração do casamento entre padrinhos e afilhados (no Brasil. por ser o padrinho equiparado a ascendente ou adotante). dirimente relativo e impediente. na assistência de alguma doença. não mais existe a divisão do im- pedimento matrimonial em dirimente absoluto. reciprocamente. como se fossem pais e filhos. c) acompanhar. mas são precedidos pelos pais desse em con- dições de satisfazer esse encargo (o que representaria a socioafetividade no Brasil). ouvindo. b) se beneficiar de prestações sociais nos mesmos termos dos pais e dos filhos. inciso II. para o padrinho ou madrinha. enquanto o seu exercício não for contrário aos interesses da criança ou do jovem. segurança. com o consentimento dos interessados. f) houver acordo dos padrinhos e do afilhado maior. porém passível de re- vogação. do Ministério Público ou do tribunal. pode o juiz deter- minar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação. em prejuízo do superior interesse do afilhado.108 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari O afilhado se beneficia das prestações de proteção nos encargos familiares e in- tegra. não se mostrem em condições de cumprir aqueles deveres. e) a criança ou jovem assuma de modo persistente comportamentos que afetem gravemente a pessoa ou a vida familiar dos padrinhos. formação. e sem culpa deles. ausência ou outras razões. as pessoas que tiveram o estatuto de padrinhos mantêm. O processo judicial de revogação do apadrinhamento civil tramita por via eletrô- nica nos termos gerais das normas de Processo Civil. oficiosamente. o agregado familiar dos padrinhos. Quando o apadrinhamento civil for revogado contra a vontade dos padrinhos. b) os padrinhos infrinjam culposa e reiteradamente os deveres assumidos com o apadrinhamento. por iniciativa de qualquer subscritor do compromisso de apadrinhamento. a decisão compete ao tribunal. ou quando. d) a criança ou o jovem assuma comportamentos. ressalvadas as disposições em contrário estabelecidas no compromisso de apadrinhamento civil. Os direitos e obrigações dos padrinhos inerentes ao exercício das responsabilidades parentais (espécie de poder familiar no Brasil) e os alimentos cessam nos mesmos ter- mos em que cessam os dos pais. do órgão competente da seguridade social ou de instituição por essa habilitada. ou a requerimento desses. por iniciativa do Ministério Público. Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente. para o efeito. atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde. Pedida a revogação e havendo oposição de alguma das pessoas que deram o consen- timento. de tal modo que a continuidade da relação de apadrinhamento civil se mostre insustentável. O apadrinhamento civil constitui um vínculo permanente. A decisão de revogação do apadrinhamento civil cabe à entidade que o constituiu. educação ou desenvolvimento sem que os padrinhos se lhe oponham de modo adequado a remover essa situação. c) o apadrinhamento civil se tenha tornado contrário aos interesses do afi- lhado. os seguintes direitos: . por enfermidade. quando: a) houver acordo de todos os intervenientes no compromisso de apadrinha- mento. Em nosso sentir. Se for implantado no Brasil o regime jurídico do apadrinhamento civil. . a sua progressão escolar ou profissional. A constituição do apadrinhamento civil e a sua revogação são sujeitas a registro civil obrigatório. atualmente. e. a ocorrência de fatos particular- mente relevantes ou de problemas graves. estão evitando ajudar o próximo financeiramente. para que tais problemas não mais existam. de autoria do Deputado Newton Cardoso. o surgimen- to da parentalidade socioafetiva pode inibir os benfeitores. que propõe alteração no ECA para solucionar essa questão. nesse caso se formalizaria documentalmente. é urgente que se traga para o Brasil o regime jurídico do apadrinhamento civil. d) receber com regularidade fotografias ou outro registro de imagem da criança ou do jovem. Qual o mal de um patrão pagar a mensalidade da escola. sendo que o pagamento de tais despesas seria meramente um ato de liberalidade. Os efeitos do apadrinhamento civil cessam no momento em que a decisão de revogação se torna definitiva. sempre que possível. Essas pessoas estão deveras preocupadas com a repercussão que a parentalidade socioafetiva está tendo na mídia.682/2013. para que possa ser herdeiro dessa pessoa. e que até arcava com as despesas de instrução. b) dispor de uma forma de contatar a criança ou o jovem. A Parentalidade Socioafetiva 109 a) saber o local de residência da criança ou do jovem. há o risco de esse filho. pleitear a declaração de socioafe- tividade. notadamente de saúde. essa é a solução para vários problemas. sem a intenção de formação de vínculo parental. designadamente por ocasião de datas espe- cialmente significativas. com o receio de verem futuramente a constituição de um vínculo parental ser formado. do piano. O registro civil da constituição ou da revogação do apadrinhamento civil é efetua- do. dessa forma. não inibiria que pessoas com esse desejo deixassem de praticar o bem pelo próximo. efetuado imediata e oficiosamente pelo tribunal que decida pela sua constituição ou revogação. futuramente. por exemplo. alegando que ele o criou como se filho fosse. do filho da empregada? Não vemos mal algum. do curso de inglês. mas quando isso acontece. criado pelos portugueses. e) visitar a criança ou o jovem. Tramita no Congresso o Projeto de Lei no 5. Infelizmente. c) ser informados sobre o desenvolvimento integral da criança ou do jovem. sem ter com ele um vínculo parental afetivo. motivo pelo qual muitas pessoas. por via eletrônica. pessoas com condições financeiras que sempre buscaram auxiliar financeiramente na criação de filho alheio. Para que isso não ocorra. e isso poder gerar uma obrigação alimentar ou de divisão sucessória com outras pessoas. afeição e solidariedade existentes entre os integrantes de um grupo familiar em detrimento das relações puramente biológicas. instituindo a previsão de formaliza- ção de investigação de paternidade ou maternidade socioafetiva bem como assegurando que o reconhecimento do estado de filiação não decorre de mero auxílio econômico ou psicológico. de 1990. ainda não respaldada de modo expresso pela legislação vigente. Parágrafo único.” . protegendo.069. ser pai não é apenas possuir vínculo genético com o filho. Art. de modo a possibilitar a busca do reconhecimento de vínculo de filiação socioafetiva. sendo conferida cada vez mais ênfase pela sociedade e pelo direito aos laços de carinho. 27. Estatuto da Criança e do Adolescente. sem qualquer restrição. ou seus herdeiros. de 1990. Hoje. a filiação deixa também de fundamentar-se na existência de vínculo estritamente genético para se amparar nas relações afe- tivas existentes entre pais e filhos. amparando. instruindo. podendo ser exercitado contra os pais. O reconhecimento do estado de filiação socioafetiva não decorre de mero auxílio econômico ou psicológico. A justificativa dada pelo deputado é a seguinte: “Os conceitos de família e relação de parentesco sofreram profundas modifica- ções nas últimas décadas. significa estar presente no cotidiano. Em outras palavras. a Ministra Nancy Andrighi apontou que tal instituto deriva de uma construção jurisprudencial e doutrinária. Clamo meus pares a aprová-lo. o Superior Tribunal de Justiça assentou a possibilidade de ajuizamento de investigação de paternidade ou maternidade voltada ao reconhecimento do vínculo de filiação socioafetiva. 3o Esta lei entra em vigor na data da publicação. grande parte da doutrina reconhece a existência do estado de filiação socioafetiva. Neste contexto. biológi- cos ou socioafetivos. O objetivo deste projeto de lei é conferir maior segurança jurídica às relações familiares. o qual decorre da própria von- tade de amar e de exercer a condição paternal. educando e preservando os interesses da criança. observado o segredo de Justiça. passa a vigorar com a seguinte redação: Art.069. 1o Esta lei altera o artigo 27 da Lei no 8. Em data recente. indisponível e imprescritível. Estatuto da Criança e do Adoles- cente.110 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari O texto sugerido pelo projeto é: O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. dando carinho. Art. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo. Não obstante. 2o O artigo 27 da Lei no 8. que seria. motivo pelo qual entendo que ele merece ser aprovado. lembrando que. . mais uma prova de que o objetivo dos envolvidos seria meramente contratual e não parental. acho que tal intenção poderia ser formalizada por meio de uma escritura pública. Enquanto não houver lei no Brasil a esse respeito. pois acredito que ela poderia demonstrar a real intenção das partes nesse caso. ou de Direito de Família. haverá a necessidade de re- colher o ITCMD. A Parentalidade Socioafetiva 111 Vejo que o citado projeto busca fazer uma tentativa de melhorar o “buraco negro” em que vivemos atualmente nesse ponto. também. lavrada no tabelionato de notas. em decorrência de o ato ser tido como uma doação. . 2 pois o inciso IV desse artigo determina que não podem casar irmãos unilaterais ou bilaterais. que nos obrigaria a reler o art. no primeiro caso. teríamos também a figura de irmão socioafetivo. também. 5. Belo Horizonte: Del Rey. conforme os dizeres de Eduardo de Oliveira Leite. Eduardo de Oliveira. no segundo. 164. 1 LEITE. Se considerarmos que o reconhecimento de uma paternidade socioafetiva estende a parentalidade aos outros filhos desse pai. esse artigo precisa ser reinterpretado. Se o filho socioafetivo já se tornou um pai. e de avô e tio socioafetivos. . o seu rebento irá. 2 OS EFEITOS DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA Iremos neste capítulo investigar.1 A EXTENSÃO DA PARENTALIDADE COM OUTROS PARENTES DE QUEM A RECONHECE Iremos investigar a extensão da parentalidade que se forma entre pais e filhos so- cioafetivos. Maria Goreth Macedo. Assim. Manual de direito das famílias e sucessões. RIBEIRO. 1.1 quais são os efeitos que o afeto gera na ordem jurídica familiar. p. mas com o advento da socioafetividade. As famílias reconstituídas. O dispositivo se referia. 2 VALADARES. que trata dos impedimentos legais. São Paulo: Revista dos Tribunais. In: TEIXEIRA.). conforme bem lembra Maria Goreth Macedo Valadares. Direito civil aplicado: direito de família. ganhar novos ascendentes e colaterais. 2. pois isso irá alterar a árvore genealógica e dar ao filho novos ascendentes e colaterais. p. 193. aos irmãos biológicos. apenas. 2004. teríamos a “irmandade socioafetiva”. 2008.521 do Código Civil. Gustavo Pereira Leite (Coord. Ana Carolina Brochado. v. 591. na linha reta. São parentes em linha reta aqueles que estão na relação de ascendentes e descendentes. 2º. é o que fundamenta a existência da parentalidade so- cioafetiva e.114 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari As relações de parentesco encontram-se normatizadas no Código Civil. irmãos. Ao ganhar um pai ou mãe socioafetivo. mas também avós. tios. Assim. o parentesco consanguíneo e socioafetivo contam-se.521 do Código Civil estabelece que não podem casar os ascendentes com os descendentes. A citada proibição alcança.200/1941. e. pois a afinidade também se constitui no parentesco socioafetivo. que permite a realização desse matrimônio se. inicialmente. trinetos e tataranetos socioafetivos. por esse motivo. art. mesmo que resultante de adoção (o adotado com o filho do adotante). Por exemplo. Já os pais também receberão. até o quarto grau. Tendo-os. bisnetos. triavós. e descendo até encontrar o outro parente. ficar constatada a inexistência . unilaterais ou bilaterais. são as pessoas provenientes de um só tronco. Dessa forma. pelo número de gerações. tataravós. 1. até o ter- ceiro grau. os filhos socioafetivos não poderão casar com seus sobrinhos. como já dito. seja o parentesco natural ou civil. bisavós. Já os parentes em linha colateral ou transversal. por exemplo. o parentesco é natural ou civil. prevista no Decreto-lei nº 3. que. também pelo número delas. como já afirmamos anteriormente. Isso se dá em relação de igualdade estabelecida nessa parentalidade. e nem o pai ou mãe poderá se casar com os des- cendentes socioafetivos. há uma exceção que autoriza o casamento entre tios e sobrinhos. quando uma paternidade ou maternidade socioafetiva se constitui. inclusive. 1. as mesmas consequências do parentesco biológico. §§ 4º e 7º. que trará. irmãos. também. que dará ao filho não apenas um pai e/ou uma mãe. sem descenderem uma da outra. está estabelecendo que o filho socioafetivo não poderá casar com seus ascendentes socioafetivos. cumpre salientar que não podem casar os irmãos. subindo de um dos parentes até ao ascendente comum. leia-se consan- guíneo ou socioafetivo. netos. os demais parentes colaterais. Essa mesma regra é aplicável à proibição de casamento entre os afins em linha reta. por exemplo. sobrinhos etc. A utilização da expressão “de outra origem”. após perícia médica. No entanto. a partir do art. quando o art. Dessa forma. na colateral. primos. conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. igualmente. por exemplo. os cônjuges dos irmãos dos filhos socioafetivos serão seus parentes por afinidade. já que. divide essas relações em linhas reta e colateral. pode ser que esse filho ganhe. Isso também se aplica para a vedação do matrimônio na hipótese do adotante com quem foi casado com o adotado (nora ou genro) e do adotado com quem foi cônjuge do adotante (padrasto ou madrasta). todas as regras de parentesco natural se aplicam também ao socioafetivo. essas pessoas estarão unidas pelos laços parentais. Segundo o aludido código. 4140534000. Por exemplo. requererão ao juiz competente para a habilitação que nomeie dois médicos de reconhecida capacidade. data do registro: 2. requeiram novo exame médico quando não se conformarem com o laudo médico. que irão acarretar todos os direitos decorrentes dessa parentalidade. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 115 de problemas com a futura prole. Essa dúvida foi dirimida pelo Enunciado nº 98 do CJF. Nesta última hipótese. havendo ou não desempatador. pairou dúvida sobre se o citado Decreto-lei ainda estaria em vigor. para examiná-los e atestar-lhes a sanidade.] § 7º Quando o atestado dos dois médicos.” 4 Enunciado no 98 da I Jornada de Direito Civil do CJF: “Art.. poderão os interessados pedir ao juiz que determine novo exame médico. Recurso provido em parte” (TJSP. sob o ponto de vista da saúde de qualquer deles e da prole. Rel.5 A Lei nº 5. ou se fora revogado pelo Código. poderão os interessados promover o processo de habilitação. do CC.] § 4º Poderá o exame médico concluir não apenas pela declaração da possibilidade ou da irrestrita inconveniência do casamento. aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. com o requerimento inicial. na linha reta. 1.” 5 “Casamento. irmãos. os tribunais permitem. no caso do casamento avuncular. temos que. que se limita aos ascendentes. apresentando. afirmar a inexistência de motivo que desaconselhe o matrimônio. na realização do matrimônio.. o impedimento matrimonial. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.5. mas ainda pelo reconhecimento de sua viabilidade em época ulterior. Autorização judicial. se o pai ou mãe socioafetivos não tiver condição de 3 “Art. prevalecerá. em toda a plenitude. Ap. Com isso surgirão os conceitos: avós. a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. afirmando não haver inconveniente. sob o ponto de vista da sanidade. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002. na forma do presente artigo. o necessário tratamento de saúde. tios. 1. bisavós. quando um pai ou mãe reconhece uma paternidade ou mater- nidade socioafetiva. isentos de suspensão. Cív.. s/ Rev. bem como pela jurisprudência. primos. por um dos nubentes ou por ambos.2006). IV. ou seus representantes legais. Se o atestado declarar a inconveniência do casamento. [.891/1973 permite que os nubentes. Coexistência do Decreto-lei no 3. [. a prova de sanidade. Extinção do feito sob fundamento de impossibi- lidade jurídica do pedido.521. no caso do § 2º deste artigo. afirmando não haver inconveniente.521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-lei no 3. .. devidamente autenticada. se forem menores. que pretendam casar-se. IV.3 O casamento entre tios e sobrinhos é denominado casamento avuncular.200/41. Provada a impotência do marido ou da mulher. Assim. esse filho passará a ter vínculo de parentesco com seus outros parentes. Tio e sobrinha. tios-avós socioafetivos. Dicção do art.4 que reconheceu que ele ain- da continua em vigor. 1. Prosseguimento para realização de exame por médicos de confiança do juízo. 2º Os colaterais do terceiro grau. provando a realização do tratamento. a realização desse tipo de casamento.200/41 no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de terceiro grau. ou do único médico. Francisco Casconi. uma vez feito. triavós. lembrando que. também. do novo Código Civil: O inciso IV do art. tataravós. Quinta Câmara de Direito Privado.521. el parentesco.7 6 LARRONDE. Enquanto não comprovar.) (Agravo de Instru- mento 70004965356. além de alegar. não se pode afastar seu dever de sustento. 526 do CPC. Intempestividade. 1. O agravo interposto no décimo dia do prazo não é intempestivo. Se a pessoa morre e só deixa um tio socioafetivo vivo. 526 do CPC. podemos afirmar que isso já ocorre há tempos. Afirma Hernán Troncoso Larronde6 que um dos direitos decorrentes da filiação é o de alimentos. Segundo a nova redação do art. poderão ser chamados os avós. a parte agravada. 11. e para exemplificar citamos decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nesse sentido. Santiago: Legal Publishing. ed. Isso se faz necessário para que seja atendido o princípio da igualdade e que a declaração de filiação socioafetiva não se torne uma fábrica de pedidos de pensão alimentícia. isso irá in- fluir em aumentar o espectro de pessoas que possam prestar alimentos.” . o direito alimentar.2 OS ALIMENTOS ENTRE PARENTES SOCIOAFETIVOS Partindo do pressuposto de que a parentalidade socioafetiva se estende a ponto de dar novos ascendentes. A rigor. Oitava Câmara Cível. Negativa da paternidade. e esse for menor. já que o art. Já existem várias decisões judiciais que reconhecem a obrigatoriedade de se pagar alimentos socioafetivos. do ano de 2002: Agravo de instrumento.2002). e se deixar apenas um irmão socioafetivo vivo. la sucesión hereditaria. mesmo esta prova não será suficiente. sem querer assumir o ônus. Rui Portanova. tales como la nacionalidad. 31. Requisito do art. a sucessão hereditária. Ação de alimentos. que a filiação é uma fonte de fenômenos jurídicos da mais alta importân- cia. Intempestividade. pois a paternidade socioafetiva também pode dar ensejo a obrigação alimentícia. deverá provar que o primeiro grau não foi comunicado do recurso. 2. Derecho de familia. em que a pessoa busca apenas o bônus.10. o parentesco. 526. terá esse tio o direito sucessório. A obrigação alimentar se fundamenta no parentesco. ele terá direito previdenciário. O agravante alega não ser o pai biológico do menor. Negativa da paternidade. como a nacionalidade.116 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari pagar pensão alimentícia ao filho. negaram provimento (6 fls. Tribunal de Justiça do RS.694 do Código Civil é bem genérico ao determinar que podem os parentes pleitear uns aos outros alimentos. 2008. el derecho de alimentos. Rel. Requisito do art. descendentes e colaterais entre os envolvidos. j. 7 Tradução livre para o seguinte texto: “La filiación es fuente de fenómenos jurídicos de la más alta importancia. p. no mérito. Rejeitaram as preliminares e. 278. Hernán Troncoso. Aliás. que é comprovado pela certidão de nascimento. único. à alimentação. a saber: direito à vida. à dignidade. p. I CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. teríamos a obrigação alimentar decorrente do vínculo de parentesco so- cioafetivo. [. Novas relações de filiação e paternidade. Os filhos espúrios podiam ser adulterinos. se não houvesse impedimento para o casamento. 1. havidos ou não da relação do casamento. a relação so- cioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar. 1. ou por adoção. à liberdade e à convivência familiar e comunitária.. à saúde. fruto de relação extraconjugal. à cultura. . ou espúrios se houvesse. à pro- fissionalização. à educação. Heloísa Helena. pois a Constituição Federal no art. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 117 Heloísa Helena Barboza8 ensina: Indispensável salientar que o reconhecimento da paternidade afetiva não configura uma “concessão” do direito ao laço de afeto. proibidas quaisquer designações dis- criminatórias relativas à filiação. ao lazer. Belo Horizonte: Del Rey. tese já aceita pelo Conselho da Justiça Federal (CJF): Enunciado 341 do CJF – Art. b) filhos ilegítimos (de pessoas não casadas. espiritual e social. Para os fins do art. Com isso. estabeleceu o direito de igualdade entre filhos: Art. podemos afirmar que esse dispositivo baniu a antiga classificação entre filhos que era feita por nossos doutrinadores em: a) filhos legítimos (de pessoas casadas).696. ou incestuosos. ao respeito.. Rodrigo da Cunha (Coord. capaz de permitir à criança e ao adolescente a realização dos direitos fundamentais da pessoa humana e daqueles que lhes são próprios.). em condições de liberdade e dignidade. moral.696. c) filhos adotados (fruto da adoção). enfim. se tidos por pessoas que possuíssem vínculo de parentesco entre si). § 6º. Anais.596 do Código Civil: 8 BARBOZA. 140. 227. em muitos casos. o pleno desenvolvimento físico. mental. que podiam ser naturais. In. PEREIRA. terão os mesmos direitos e qualificações. ao esporte. 227. 1. 1999. Isso se dá.. Essa tese é confirmada pelo art. d) filhos sacrílegos (filho de pessoa que fez voto religioso de castidade).. mas uma verdadeira relação jurídica que tem por fundamento o vínculo afetivo. Nisso. Repensando o direito de família.] § 6º Os filhos. assegurando-lhes. suprindo-lhes o consentimento. havidos ou não da relação de casamento. além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência. proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem. II – tê-los em sua companhia e guarda. à educação. violência. 1. nos atos da vida civil. ao respeito. Além disso. da sociedade e do Estado assegurar à criança. o que fundamenta a obrigação alimentar: Art. já há casos na jurisprudência de pais que tentam se escusar de pagar pensão alimentícia.596. respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. É dever da família. Compete aos pais. biológico ou socioafetivo (uma vez que não podemos fazer distinção). ressai dos autos ato jurídico imaculado (sem vícios). ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar. pois emanado de declaração. 1. como o julgado abaixo. discriminação. à saúde. VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha. se o outro dos pais não lhe sobreviver. VII – exigir que lhes prestem obediência. proveniente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: Negatória de paternidade – Registro de nascimento – Declaração livre e consciente – Inexistência de vícios do consentimento – Laço paterno-filial – Socioafetividade demonstrada e reconhecida – Anulação – Caducidade – Intuito meramente financeiro – Inadmissibilidade – Recurso desprovi- do. quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação. após essa idade. Além da caducidade do direito. o direito à vida.634. até aos dezesseis anos. à liberdade e à convivência familiar e comunitária. terão os mesmos direitos e qualificações. crueldade e opressão (Alterado pela EC no 65/2010). pois não podemos esquecer que o direito à alimentação é dado pela própria constituição: Art. ou por adoção. a impos- sibilidade de discriminar filho socioafetivo. 1. com absoluta prioridade.634 do Código Civil impõe aos pais o dever de dirigir a criação e educação. podemos afirmar que essa unificação acarretou. devidamente . e assisti-los. à dignida- de. Assim sendo. à profissionalização. ao adolescente e ao jovem. V – representá-los. 227. o art. livre e consciente. nos atos em que forem partes.118 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Art. Sendo o filho menor. também. haverá outro argumento. E se forem crianças ou adolescentes. ao lazer. à cultura. exploração. IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico. com base na existência de socioafetividade e ausência de vínculo biológico. Os filhos. à alimentação. 8. 207 da CF – Estatuto da Criança e do Adolescente – Proteção integral – Alimentos devidos – Recurso conhecido e desprovido (TJMT. 29. Impossibilidade. Nepomuceno Silva. Segue.6. 3. corolário jurídico da paternidade responsável (TJMG. entre apelante e apelada. Sapucaia do Sul.2009. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 119 formalizada (registro). O fundamento do presente pedido alimentar é a existência. Rel. 15. Apelação.160077-4/001. Comarca de Tangará da Serra. AG 230679-09.7000. Ainda que o exame de DNA tenha concluído pela ausência de parentesco entre as partes.0701.2011. Já há na jurisprudência julgados que defendem a legitimidade ad causam dos filhos socioafetivos.12. devem ser mantidos hígidos os deveres parentais. em verdade.748/2011. j. Sétima Câmara Cível. Verba alimentar provisória. Rel. se possuem ou não legitimidade para tanto. ou seja. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também comunga do entendimento do tribunal mineiro: Agravo interno. DJERS 6. Essa relação é até incontroversa. Parentalidade sociafetiva. Des.06. o laudo não tem o condão de afastar possível vínculo socioafetivo.7.2011).2009).21. Ação de dissolução de união estável. 14. Dirceu dos Santos.. máxime porque o laço paterno-filial esteia-se em socioafetividade demonstrada e reconhecida. da parentalidade socioafetiva. sendo que o pai. Quinta Câmara Cível. mormente recém iniciada a ação negatória da paternidade (TJRS. Roberto Carvalho Fraga. Apelação Cível 1. Rel. Comarca de Uberaba. Des. e vice-versa.2. Exoneração de alimentos. e isso acaba incluindo os pais também. questão que depende de ampla dilação probatória.2011). v. Legitimidade para a causa.declarante busca. para pleitearem alimentos daqueles que são tidos como tal. Contudo. A relação socioafetiva configura parentesco para todos os . uma questão interessante é saber se o filho socioafetivo pode pedir alimentos aos seus pais. j. Agravo de Instrumento 52. Não estando afastada a paternidade socioafetiva. j. Des. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso entende da mesma forma já esposada pelos outros tribunais: Agravo de instrumento – Ação negatória de paternidade – Antecipação de tutela indeferida – Pedido de exoneração de pensão alimentícia negado – Pa- rentesco socioafetivo reconhecido – Art. desvencilhar-se de obrigação financeira (alimentos) que se lhe impõe. Ação de alimentos. O estado de filiação não tem caráter exclusivamente genético-biológico. dentre os quais o de prestar alimentos ao filho. u. Decisão monocrática. Ocorrência.2011.1. interessante julgado do TJRS nesse sentido: Apelação. para oportuna sentença. abaixo. tios. 229. como também poderá ser demandado por isso. Des. no que tange aos alimentos prestados pelo pai ou mãe socioafetivos. primos. se o valor pago pelo pai biológico for insuficiente para as necessidades do alimentado.120 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari efeitos. bisavós. p. MARTÍNEZ ALCORTA. Familias ensambladas.694 do Código Civil. sobrinhos. irmãos. quando mora com os filhos somente do seu cônjuge. como ocorre. gerando legitimidade ativa ou passiva. inclusive para a obrigação alimentícia..7. havendo o binômio necessidade e possibilidade. e assim por diante. Cecilia P. por exemplo. Por esse motivo. 8ª Câmara Cível. verifica-se que o dever de prestar alimentos. pois ele terá avós. carência ou enfermidade. 2000.2005). Irene. poder-se-ia propor uma ação de alimentos contra o pai ou mãe socioafetivos para que esses complementem a pensão de que aquele necessita. Rui Portanova. irmãos. Cecilia P. tios. seja a ativa ou a passiva. o que denota estar presente a legitimidade para a causa. cumpre lembrar que. o filho socioafetivo poderá pleitear alimentos dos seus avós. o dever de prestar alimentos é recíproco entre todos os parentes. j. apesar do caráter subsidiário do dever assistencial dos parentes unidos pelo vínculo da afetividade. Rel. É por isso que. no caso dos avós terem que complementar a pensão paga pelos seus filhos. haja vista que a parentalidade não traz apenas bônus. o caso do pai afetivo. inclusive para a fixação de obrigação alimentícia. Em decorrência disso. geralmente contribui para a sua manutenção por pagar os gastos comuns 9 GROSMAN. a paternidade ou maternidade socioafetiva gera uma parentalidade entre pais e filhos e por esse motivo liga esse filho aos outros parentes dos pais. Juridicamente possível o pedido de fixação de alimentos. Os pais têm o dever de assistir. . a par do que já ocorre na parentalidade biológica. da mesma forma como ocorre com a parentalidade biológica. 262-263. Ap. Dessa forma. Buenos Aires: Editorial Universidad. e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice. Grosman e Irene Martínez Alcorta9 afir- mam que. primos etc. sobrinhos. 229 da Constituição Federal: Art. criar e educar os filhos menores. no citado caso. consoante o caput do art. Cumpre ressaltar que a citada ementa faz menção expressa que a parentalidade socioafetiva configura parentesco para todos os efeitos. Agora. 1. Como visto anteriormente. bisavós. é recíproco entre pais e filhos socioafetivos. haja vista que essa regra deriva do art. Cível 70011471190. mas também o ônus da responsabilidade alimentar. se a mesma não satisfizer as necessidades de quem os pleiteia. 21. Deram provimento (TJRS. Não podemos esquecer que numa situação bem simples de sustento de uma criança pelo pai e pela mãe as despesas do filho deverão ser divididas entre ambos. No caso em tela.10. quando o marido cria. 2012. A autora da ação. decidiu favoravelmente à solicitação de mãe que buscava alimentos provisórios para si e também para a filha de 16 anos. como se filho fosse. mas a “socioafetividade”. de acuerdo con las posibilidades de cada uno de ellos. em Santa Catarina. Ap.10 Isso pode ocorrer. pois. en el caso del padre afín. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 121 do núcleo familiar. 4ª C. mesmo o art. cuando habita el mismo hogar con los hijos de su cónyuge.0024. Adriana Mendes Bertocini.” 11 Disponível em: <http://www. 1. O Códi- go Civil atual considera que as pessoas ligadas por vínculo de afinidade são parentes entre si.br/novosite/imprensa/noticias-do-ibdfam/deta- lhe/4885>. por exemplo. Formada a socioafetividade. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já proferiu decisão impondo o pagamento de pensão alimentícia solicitado pela enteada ao padrasto. Rel. 25. não distingue entre parentes consanguíneos e afins (TJMG. e acaba dividindo com os pais biológicos as despesas domésticas das crianças que ali vivem. cujo conteúdo era o seguinte: A fixação de alimentos provisórios também pode ser requerida por filho so- cioafetivo. Des. psicóloga. Talvez o melhor fundamento não fosse a “afinidade”. al compartir ambos esposos los desembolsos hogareños y el sósten de los hijos que allí conviven. Cível 1. A juíza explica tratar-se de ação de dissolução de união estável e que.2005). O artigo 1.ibdfam.. poderá ele ser compelido a complementar a pensão que o alimentado precisa.533394-5/001(1). recebe cerca de R$ 1 mil por mês 10 Tradução livre para o seguinte texto: “Empero. Assim ficou a ementa: Direito de família – Alimentos – Pedido feito pela enteada – Art. o que se evidencia pelo uso da expressão “parentesco por afinidade”. de acordo com as possibilidades de cada um. a condenação se deve ao fato de ter formado entre padrasto e enteada uma relação socioafetiva. o filho de sua mulher com outro.595. Moreira Diniz. . pub. O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) publicou em seu site11 inte- ressante notícia. 1. Acesso em: 27 set. Foi partindo da premissa do afeto e da conivência de dez anos entre padrasto e enteada que a juíza da 1ª Vara de Família de São José. ficou claro que existia dependência econômica de uma das partes. a jurisprudência sempre entendeu que seria o consanguíneo e não o por afinidade. a partir da análise das provas.595 do Código Civil – Existência de parentesco – Legitimidade passiva. a pesar del carácter subsidiario del deber asis- tencial de los parientes unidos por el vinculo de afinidad.694 do Código Civil não explicando que tipo de parentesco está englobado no conceito da obrigação alimentar. no parágrafo 1º de seu artigo 1. que trata da obrigação alimentar em virtude do parentesco.C. de ordinario contribuye a su mantenimiento en especie por el aporte que realiza para sufragar los gastos comunes del nucleo.694. intitulada: Reconhecimento de paternidade socioafetiva leva à sentença inédita para alimentos.org.04. Rolf Madaleno. a juíza recorreu a alguns conceitos do Direito de Família.org. reflete. em sede de liminar. conta com 16 anos. Disponível em: <http:// www. bem como para a sua filha. principalmente porque é o requerido quem representa a adolescente junto à instituição de ensino em que a mesma estuda. Adriana Mendes Bertoncini.122 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari e o ex-companheiro tem o rendimento de R$ 7 mil. Esse foi o motivo pelo qual a juíza afirmou que a relação afetiva restou demons- trada. atualmente. “O IBDFAM tem o papel fundamental de trazer esses novos conceitos auxiliando as decisões dos magistrados. completa. ele declarou ser a adoles- cente sua dependente. publicado em um número da Revista Jurídica de 1995. Santa Catarina. afirma a juíza. Dra. Não havia nos autos notícia acerca de eventual contribuição financeira percebida pela adolescente de seu pai biológico. Nessa mudança. a sociedade ainda vê o biológico como algo legítimo. nada impede que. o fato da criança ter sido criada pelo padrasto desde os seus seis anos de idade também motivou a decisão da magistrada. 2012. “Ainda é muito difícil para o juiz tomar esse tipo de decisão. que. do desvelo.pdf>. a fixação de alimentos provisórios a seu favor. em que a autora requereu. É uma mudança de paradigma”. Quem lida com a área de família se depara a cada dia com uma novidade diferente”. muito embora o pai registral da adolescente seja outro. diante da existência de paternidade socioafetiva. a família socioafetiva conecta o ideal de paternidade e maternidade responsável “edificando a família pelo cordão umbilical do amor. Além da dependência finan- ceira da mãe. No caso em tela.br/imagens_up/Comarca%20de%20S%C3%A3o%20Jos%C3%A9%20Santa%20 Catarina%20alimentos%20enteado%20e%20alimentos%20compensat%C3%B3rios. do coração e da emoção”. A juíza enfatiza que a decisão é inovadora já que não encontrou nenhuma jurisprudência sobre o assunto. é o réu da mencionada ação quem convive com a menina. no dia 11 de setembro de 2012. Acesso em: 27 set. pelo elo afetivo existente entre ela e o requerido. do afeto. desde quando a mesma possuía seis anos. a juíza vê o papel do IBDFAM como fundamental para amparar conceitualmente a decisão dos magistrados. 12 Sentença proferida pela juíza de Direito da 1ª Vara da Família da Comarca de São José. e que arcou com o custeio de uma viagem dela aos Estados Unidos da América. Mesmo que no dia a dia seja comum os laços afetivos. tem-se que. também. mesmo que a menor receba tal auxílio. Para dar a sentença.ibdfam. Contudo. No artigo Alimentos e sua Restituição Judicial. O caso tratava-se de uma ação12 de dissolução e reconhecimento de sociedade de fato (união estável). este continue a contribuir financeiramente para suas necessidades básicas. o diretor sustenta que se a família biológica tem como base os vínculos sanguíneos. no caso a um artigo do diretor do IBDFAM. e. . 10% (dez por cento) dos seus vencimentos. em razão da “existência da relação de afetividade entre eles” (são suas palavras). 2011. em Santa Catarina. 7. imprescindível 13 DIAS. não dispondo o ex-cônjuge ou o ex-companheiro de condições de alcançar alimentos a quem saiu do relacionamento sem condições de prover o próprio sustento. Manual de direito das famílias. Porém. com base numa paternidade socioafetiva que foi objeto de investigação nos autos. a juíza deferiu os alimentos provisórios pleiteados. Pode existir uma relação de afeto entre o empregador e o filho do empregado. Contudo. ed. consideramos inadequada a utilização da expressão “relação de afeti- vidade”. pois a mesma não é suficiente para gerar uma obrigação alimentar. apta a gerar as consequências do parentesco. . tais como a obrigação de alimentos. cumpre ressaltar que o ineditismo da decisão foi condenar um pai socioafe- tivo a pagar alimentos para filha socioafetiva sem que existisse o seu reconhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais. em decorrência da prolação de uma sentença que condena ao pagamento de alimentos. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 123 Assim. no que tange aos alimentos: Portanto. reconhecida uma paternidade afetiva. Maria Berenice Dias13 reconhece a possibilidade da coexistência da parentalidade biológica com a socioafetiva. me parece que a decisão foi acertada. A juíza Adriana Mendes Bertoncini. e afirma. Assim sendo. sem que isso indique uma relação de parentalidade. O registro de nascimento é o local adequado para se fazer qualquer anotação sobre paternidade. Todavia. não pode- mos deixar de fazer uma crítica à citada decisão. p. 344-345. Era imperioso que. trato e fama). como o pai bioló- gico não arcava com as despesas da menina há dez anos. proferiu essa decisão em 11 de setembro de 2012. primando pela proteção integral da menor e com base na relação de afetividade existente entre a adolescente e o requerido. mesmo concordando com a tese dos alimentos socioafetivos. mensalmente. judicial ou registral. e depois os parentes civis: por adoção ou socioafetivos. da 1a Vara de Família da Comarca de São José. tivesse sido determinada a alteração do assento de nascimento dessa adolescente. se essa relação afetiva trazia a posse do estado de filho (nome. condenando o padrasto a pagar a título de alimentos. os primeiros convocados são os parentes consanguíneos. E foi exatamente isso que a juíza fez na sentença citada acima. o pai socioafetivo é quem se tornou responsável em arcar com o pagamento da pensão alimentícia. Mas. Maria Berenice. parece- . Se isso não ocorre. já que a questão de parentesco é de ordem pública. logo. Dessa forma. a de alimentos. ela deve ser corretamente constituída. deve o magistrado determinar a expedição de ofício para o cartório de Registro Civil que realizou o assento do nascimento do filho ou filha. Isso se faz necessário pois esse padrasto que paga essa pensão alimentícia à enteada poderá. reconhecida a socioafetividade em sede de outra ação que não a que buscava a declaração da paternidade. em decor- rência de uma paternidade socioafetiva. eles não podem ser concedidos sem atender a essa premissa básica. a anotação no registro do nascimento seria suficiente para impedir a propositura de uma nova ação. Porém. entendemos que o juiz pode determinar que isso ocorra de ofício. para que incluísse nele o pai ou a mãe socioafetivos. como. por exemplo. Mas. como consequência do parentesco corretamente constituído. queria-se a pensão e não o parentesco. Os alimentos são efeitos do parentesco e do vínculo do casamento e união estável. formando uma multiparentalidade. Se não fosse assim. ou seja. Sem esse documento. ou com ele coexistir. no futuro. seria isso um julgamento extra petita (fora do que foi pedido) ou ultra petita (além do que foi pedido)? Ao receber uma inicial de uma ação que objetiva discutir a parentalidade socioa- fetiva sem o pedido de alteração do registro civil. sem a neces- sidade de uma nova demanda judicial. para preencher o lugar dos pais biológicos. o que faria o autor. para produzir todos os seus regulares efeitos. há a impressão de que a ação tinha cunho eminentemente patrimonial.124 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari que essa parentalidade seja constituída no local correto. e o processo esteja próximo do fim. que permite ao magistrado agir dessa forma. Ademais. e isso é feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. e. que seria usada apenas para o mal. caso não exista esse pedido. qual seja o de registro de nascimento da enteada. ele poderia pleiteá-la judicialmente numa ação de alimentos. para provar que ela é sua filha. sob pena de indeferimento. e não apenas esse. se o juízo condena ao pagamento de pensão alimentícia. deve o magistrado determinar que o autor a emende. precisar também dessa ajuda. como a parentalidade socioafetiva. para facilitar que o credor da pensão possa exercê-los. juntando a certidão de nascimento da ré. no registro de nascimento. que pagou por muito tempo alimentos e não poderia recebê-los no futuro caso necessitasse? Assim. sem cunho familiar. estaríamos estimulando demandas eminentemente patrimoniais. se na inicial foi usado o fundamento de que o réu deve ser condenado a pagar pensão alimentícia em decorrência de uma parentalidade socioafetiva. além de destruir um instituto tão maravilhoso. Como a parentalidade socioafetiva gera outros efeitos que não apenas o do direito aos alimentos. No entanto. poderá ser: I – requerida. se houver desejo de alteração do nome em razão disso. que terá por objetivo examinar a possibilidade de modificação do nome em decorrência da socioafetividade. a guarda compartilhada é aquela em que há a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto. A proteção da pessoa dos filhos encontra-se normatizada no Código Civil. de dissolução de união estável ou em medida cautelar. unilateral ou compartilhada. Cumpre ressaltar que a guarda. haverá a necessidade da propositura de ação própria nesse sentido. 2. conforme veremos adiante. a guarda unilateral é aquela atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art.3 A GUARDA DE FILHOS SOCIOAFETIVOS Neste tópico trataremos da questão da guarda de filhos socioafetivos. Como será a disputa e se a guarda pode ser concedida nas suas mais diferentes espécies (unilateral ou compartilhada) ao pai ou mãe socioafetivo. no sentido de incluir o sobrenome do pai ou mãe socioafetivo ao seu. em ação autônoma de separação. objetivamente. II – decretada pelo juiz. Assim. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 125 -me que o pedido de alteração do registro de nascimento está implícito. será atribuído ao genitor a revelação de melhores condições para exercê-la e. ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio desse com o pai e com a mãe. o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada. a similitude de deveres e direitos atribuídos aos . a sua importância. após alteração promovida pela Lei nº 11.698/2008. 1. em item próprio. em detrimento do biológico. § 5º). e que sua determinação é ato contínuo do julgamento procedente do pedido. mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar. por consenso. Estabelece a lei que a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. de divórcio. em atenção a necessidades específicas do filho. que.584. Na audiência de conciliação. Segundo o citado dispositivo. a partir do art. 1. estabelece que a guarda será unilateral ou compar- tilhada. ou por qualquer deles.583. inicialmente. pelo pai e pela mãe. II – saúde e segurança. III – educação. deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida. ba- seada no afeto. AC 492802-77. DJGO 11. Mãe de criação inter- ditada. a qual está sendo impedida de ter contato com eles pela sua curadora. considerados. Fernando de Castro Mesquita. 2.5. I – O direito deve acompanhar a evolução da sociedade. provado que não são tratados convenientemente. a semelhança do que expressamente é previsto na legislação civil de outros países com a chamada “posse de estado de filho”. necessário que se estabeleça judicialmente o direito à visitação. havendo. já encontramos decisões que entendem existir o direito de visita mesmo nas relações socioafetivas. sempre que possível. O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos.4 O DIREITO DE VISITA AOS FILHOS E AOS PAIS SOCIOAFETIVOS Em nossa jurisprudência. de modo que o conceito de família não mais pode ser restringido às relações consanguíneas. Apelo conhecido e provido (TJGO.2008. Assim sendo. Rel. Des. unilateral ou compartilhada. de ofício ou a requerimento do Ministério Público. Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os pe- ríodos de convivência sob guarda compartilhada. poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor. As disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos maiores incapazes. vejamos: Apelação cível. portanto. de preferência. a fim de contribuir para a reaproximação entre eles e fortalecer os laços de afe- tividade.2011. a modalidade compartilhada. 130). . quando não houver acordo entre ambos quanto à guarda do filho. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe. verifica-se que tanto o pai quanto a mãe socioafetivos terão direito à guarda do filho. Ação de regulamentação de visitas. p. no amor. inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho. Uruaçu. unilateral ou compartilhada. uma desbiologização do conceito de família. será aplicada. poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. de uma criança ou adolescente em decorrência da parentalidade ser biológica ou afetiva. que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial. Relevante reconhecer a relação socioafetiva. no carinho.8.126 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. pois não há preferência para o exercício da guarda. II – No caso dos autos.0152. tendo em vista que restou comprovado que os apelantes são filhos de criação da interditada. pelos quais as pessoas se tornam pais e filhos do coração. o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. o juiz.09. pois o que deve ser atendido é o melhor interesse da criança. Caso ocorra a alteração não autorizada ou o descumprimen- to imotivado de cláusula de guarda. mas. Relação socioafetiva. Isso se aplica se a pessoa tiver pai ou mãe socioafetivos e. e do testa- mento público que esta lavrou. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais. quando o ordenamento jurídico abstratamente vedar a tutela jurisdicional pretendida. não há como negar. Curso de direito civil: direito de família. no âmbito das sucessões. ed. Assim sendo. inclusive. também. não apenas biológicos. bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 127 Dessa maneira. inc. Dá-se a impossibilidade jurídica do pedido. p. 2. a critério do juiz. Direito Civil – Apelação – Maternidade Afetiva – atos inequívocos de reconhecimento mútuo – testamento – depoimento de outros filhos – parentesco reconhecido – recurso desprovido. verifica-se que tanto o pai quanto a mãe e os avós socioafetivos terão direito de conviver com o filho. socioafetivos. 5. 267. segundo o que acordar com o outro cônjuge. pois o que deve ser atendido é o melhor interesse da criança. do que o sanguíneo. mas produzir efeitos práticos no ordenamento jurídico como um todo. 261. três anos antes de sua morte. o que se confirma pelo conteúdo dos depoimentos dos filhos da alegada mãe afetiva. Rio de Janeiro: Forense. ou for fixado pelo juiz. v. aquele que não tiver a guarda dos filhos poderá visitá-los e tê-los em sua companhia. lembrando que tal direito é extensivo. no caso em exame. podendo visitá-lo regularmente. reconhecendo a 14 NADER. 3. Não há preferência para o exercício do direito de visita de uma criança ou adolescente em decorrência da parentalidade ser biológica ou afetiva. mesmo. tanto em relação ao pe- dido mediato quanto à causa de pedir. afirmação de princípios. cumulada com retificação de registro e declaração de direitos hereditários – Impossibilidade jurídica do pedido – Art. repercutindo. se ambos assim o forem. que a relação ocorrida durante quase dezenove anos entre a autora e a alegada mãe afetiva se revestiu de contornos nítidos de parentesco. Paulo. VI. também. já proferiu decisão no sentido de reconhecer o direito sucessório decorrente da parentalidade socioafetiva. mas também. Cumpre lembrar que o direito de visita estende-se a qualquer dos avós.5 A SUCESSÃO ENTRE PARENTES SOCIOAFETIVOS Paulo Nader14 afirma que o avanço que se constata com a desbiologização do parentesco em prol de vínculos socioafetivos não deve situar-se exclusivamente no plano teórico. A partir do momento em que se admite no Direito Pátrio a figura do parentesco socioafetivo. observados os interesses da criança ou do adolescente. . maior. do Código de Processo Civil – Extinção do processo sem resolução do mérito. aos avós. enquanto houver o exercício do poder familiar. 2009. vejamos: Direito processual civil – Direito de família – Ação de investigação de ma- ternidade. III. conclui afirmando: Hoje. .6 OS EFEITOS REGISTRAIS CIVIS DO RECONHECIMENTO DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA: O DIREITO DE MODIFICAR O NOME E DE INCLUIR OS NOVOS PAIS E AVÓS No presente item pretenderemos analisar os efeitos do reconhecimento da paren- talidade socioafetiva no registro civil. também para gerar a perda de direito. Moreira Diniz. em razão dos argumentos apresentados no julgado anterior e nas posições doutrinárias defendidas acima.459-8/001. pouco im- portando se fruto ou não do casamento de seus pais. Rel. 1º. Giselda Maria Fernandes Novaes. Francisco José. 4ª C. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2. devemos ver com cautela o direito sucessório. Ensina Euclides de Oliveira:15 Como pano de fundo do estudo do direito sucessório aloca-se a principiologia constitucional de respeito à dignidade da pessoa humana (art.2007). 2009. quando o autor nunca conviveu com o pai biológico em decorrência de ter sido criado por outro registral. ed. Francisco José Cahali. p. fazendo uma evolução histórica.0024. 4. 2012. Direito de herança: a nova ordem da vocação hereditária. se a convivência com o pai afetivo pode gerar o direito sucessório pela construção da posse do estado de filho. Direito das sucessões. 2. Nesse contexto. Des. por tudo o que foi exposto no que tange a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas. Euclides de. pleiteado post mortem. o status filho é o que basta para a igualdade de tratamento. São Paulo: Saraiva.. Cível 1. Acreditamos que a tese da socioafetividade deve ser aplicada às avessas. caso ela não existisse poder-se-ia afirmar que não haveria direito à herança no caso em tela. como: se é possível a modificação do nome da 15 OLIVEIRA. e independentemente do estado civil dos progenitores. conclui-se que serão aplicadas todas as regras sucessórias na parentalidade socioafetiva. de modo a que o patrimônio outorgado lhe transmita uma existência mais justa e digna dentro do contexto social. Francisco José. 176. ou seja.186.03. p. pois.16 ao comentar a evolução da sucessão dos filhos naturais. publicado em 23. Porém. In: CAHALI. da Constituição Federal de 1988). HIRONAKA.3.128 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari autora como sua filha adotiva (TJMG. ed. de obrigatória observância pelo sistema normativo. Ap. verifica-se que. 16 CAHALI. a atribuição de bens da herança aos sucessores deve ser pautada de acordo com esse critério de valorização do ser humano. devendo os parentes socioafetivos ser equiparados aos biológicos no que concerne a tal direito. 2-3. e dele já ter recebido a herança. Assim sendo. na qual filhos ilegítimos eram excluídos da sucessão.C. considerando não haver segredo de justiça. 17 Disponível em: <https://esaj. depois de ter sido submetido a um exame de DNA. seis meses antes do outro que se fez com nome diverso pela adoção à brasileira) – Situação que permaneceu adormecida até a pessoa vindicar (e obter) a herança do pai biológico. sendo que no registro constou como “ilegítimo”.jus. e isso ficou provado na ação que Carlos (Valdemiro Filho) promoveu para receber parte da herança deixada por seu pai biológico (Valdemiro). filho de Marino e Leise) foi celebrado pelo pai biológico (Valdemiro) com o nome de VALDEMIRO FILHO. iremos manter os nomes das partes. e como o caso é público. que era Valdemiro Filho. interposto pelo Ministério Público do Estado. assim re- conhecida pelo relator. O caso envolve duplicidade de registro de nascimento.do?cdAcordao=4770045&vlCaptch a=HXiKN>. como nascido em outubro de 1950. duas noras e neta) a partir da identidade obtida pelo registro que informa a adoção à brasileira. e que o casal Marino e Leise realizaram uma “adoção à brasileira”. com base no voto (nº 19. ao julgar o recurso de apelação 990. preser- var intocável o direito de identidade obtido pelo nome do segundo registro.10. está disponível para consulta17 no site do Tribunal. é mais vantajoso para a dignidade humana e para a estabilidade social. alterando-se a verdade biológica do adotado. Carlos.br/cjsg/getArquivo.2010. sempre. . O Tribunal de Justiça de São Paulo. em razão de terem feito um se- gundo registro ideologicamente falso.020300- 2. 2012. quando reconhe- cida essa parentalidade. Desembargador Ênio Zuliani.461) do Desembargador Ênio Zuliani. porque a paternidade não resulta. se deparou com uma situação completamente atípica. com a inclusão do patronímico do pai ou mãe socioafetivo. O primeiro registro do homem que construiu sua história de vida como CARLOS (registro de Bauru. ou seja. em seu voto. com três filhos. resguardado os direitos patrimoniais obtidos pela consanguinidade.10. nascido em abril de 1950 e filho de Valdemiro e Tereza. não é filho de Marino e Leise. motivando ação do Ministério Público para cancelar o segundo registro e o casamento – Matéria de ordem pública que permite ao Tribunal decidir de acordo com o princípio iura novit curia – Considerando que a pessoa desenvolveu sua vida (hoje sexagenário. Ficou comprovado no processo que a criança foi dada em adoção. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 129 pessoa. cancelando-se o primeiro.tjsp. A ementa desse processo ficou assim redigida: Registro civil – Caso de dúplice registro da mesma pessoa (nascimento celebrado pelo pai biológico. proveniente da comarca de Bauru. do vín- culo biológico – Provimento para cancelar o primeiro registro. Acesso em: 27 set. no dia 07. Passaremos a relatar o caso. mas. por não ser possível ou permitido que se mantenha essa dualidade. o conflito dos registros não foi pensado como passível de ocorrer e. Porém. o art. o Tribunal não está vinculado ao fenômeno tantum devolutum quantum appellatum (art. ser correto dar primazia ao registro que se fez diante da paternidade biológica e cancelar o segundo (de adoção à brasileira). noras (duas) e uma neta tenha a mesma retificação. e modificá-lo quando a pessoa possui 60 anos (na época do julgamento).2005. porque o Código Civil confere o direito ao nome. 16. ao princípio iura . e esse caso é um exemplo marcante disso: a mudança de identidade causa perplexidades e hesitações para o recorrido e sua prole. por isso. inclusive sobre a validade de todos os atos praticados e exercidos durante 60 anos. seria retirar da pessoa. o que não atende às expectativas de assegurar ao titular desses registros (e seus familiares) o direito de identidade (art. 113 da Lei nº 6. que atestou a probabilidade de 99.9% da paternidade. porque os danos sociais que daí decorrem não compensam a solução. o que estava em pauta no julgamento era a iniciativa do Ministério Público em regularizar a situação do sujeito com dois registros em vigor. o Ministério Público insiste em anular o casamento. Segundo o desembargador. sendo que a sentença acolheu. não há norma legal orientando como se deve julgar semelhante situação.01. 071. então. e o reque- rido pretende. Imaginou-se. em parte. na Cidade de Ribeirão Preto em 1972. o pedido e mandou cancelar o segundo registro (o do nome Carlos) com retificação do casamento dele. com a exclusão do segundo registro. para que se mantenha a uniformidade do patronímico a ser oficializado. tanto que passou em julgado a ação que mandou refazer a partilha (proc. O requerimento da Promotoria de Justiça de Bauru foi providencial para regularizar o estado civil do sujeito com dois registros válidos. Segundo ele. 515.015/1973 estabelece que “as questões de filiação legítima ou ilegítima serão decididas em processo contencioso para anulação ou reforma de assento”. do CPC). Contudo e apesar da legitimidade do Ministério Público.130 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari realizado com os demais filhos de Valdemiro. que se regularize a identificação de todos os seus familiares. Afirmou o Desembargador Ênio Zuliani que o processo revela que a complexidade da vida real surpreende o legislador. sim. nele incluído prenome e sobrenome. foi Valdemiro Filho. ao ajuizar a ação.008650-0). para que conste que aquele que se matrimoniou com Cândida. Certas situações não justificam que a verdade biológica prevaleça. do Código Civil). Em razão disso. Interessante é que a ilustre Procuradoria-Geral de Justiça recomendou o não provimento dos recursos. requerendo que o registro dos filhos (três). Concordamos com o seu pensamento. Carlos (Valdemiro) recebeu sua quota hereditária no inventário dos bens do pai biológico. como corolário da garantia de indivi- dualização da pessoa natural na sociedade. que não cometeu o ilícito da “adoção à brasileira” o que tinha de mais precioso na vida: sua identidade. 18 SIQUEIRA. Valdemiro casou em 1951. em datas próximas e no mesmo cartório: a adoção à brasileira. com outra mulher que não a mãe do recorrido (Olga). responsável pela construção do estado jurídico da pessoa chamada Carlos. tanto que pretende estender a exclusão para sua mulher. sendo que a Princesa Imperial Regente fez editar. no formal de partilha. Ênio Zuliani destaca que a necessidade de eliminar um dos registros não significa que a exclusão deva recair sobre o segundo. nora e neta. representa o reconhecimento do status civitatis do indivíduo. 44. ressalvada a manutenção dos direitos hereditários obtidos no inventário de Valdemiro (pai) em favor do requerido. O estado civil. para fins de registro). Ele ainda afirma que o sistema de registro civil constitui matéria de ordem pública e. porque somente existe uma explicação (e não justificativa) para que se realizassem dois registros de nascimento. o Decreto nº 9. ele esclarece que há obrigatoriedade de excluir um dos registros e disso não se abre mão em hipótese alguma. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 131 novit curia. preservando o segundo. em 7 de março de 1888. em vez da legalização do ato (inclusive a escritura de adoção simples. no que diz respeito precisamente ao nascimento. noticiando que a primeira lei que regulamentou o registro de nascimentos. da mesma criança. no começo. se faça o pagamento para Carlos. com suas implicações naturais. não admitia essa solução. do CPC). sendo que o recurso do réu. Galdino. o seguinte comentário sobre os limites da retificação do assento: “Ao representante do Ministério Público. p. não é concebido coisa alguma a respeito. limita-se apenas ao cuidado de que ele deve ter em verificar o estado material do registro. São Paulo: Livraria Magalhães. seus filhos.18 Promotor Público e Curador Geral de Orphãos. Valdemiro era solteiro quando registrou o filho. 1911. conferindo-lhe a identidade que o distingue dos demais integrantes da sociedade. sem receio de ferir o princípio da cor- relação entre o pedido e a sentença (arts. porque a incumbência que a lei lhe deu. que. colhe-se do livro escrito por Galdino Siqueira. 128 e 460.829). o qual somente se encerra com sua morte. segundo o qual os juízes podem aplicar em seus julgamentos os princípios gerais de direito. Em seu voto há uma completa explicação sobre registros públicos. do mesmo modo. A incerteza da dupla identificação cria uma vulnerabilidade do sistema registrador e expõe a falha do organismo. por ser um direito decorrente do jus sanguinius (será apenas observado que. soa como uma espécie de admissão dessa providência.866. o Tribunal considera ser correto cancelar o primeiro registro (o que se fez com o nome de Valdemiro Filho). regulamentando tais serviços. . que legitimava o filho com o casamento. Contudo. o que era permitido na época) registrar como sendo deles a criança que fora (em abril de 1950) inscrita como filho ilegítimo de Valdemiro e Tereza. mesmo que não aduzidos pelas partes. em assinalar-lhe os erros e omissões. aquele que reflete a adoção à brasileira. e a anotação de “ilegítimo” no termo decorre do regime do Código Civil de 1916. O Promotor de Justiça fez pedido determinado (cancelar o registro de Carlos e seu casamento). Com isso. sendo que essas pessoas preferiram. Desse modo. casamentos e óbitos no Brasil data de 1870 (Lei nº 1. O requerido foi entregue para adoção ao casal Marino e Leise. porque o primeiro reflete um ato que foi objeto de arrependimento posterior e que foi sacramentado com o abandono do filho para adoção. Este direito. . só pertence às partes que o assentamento interessar. aduz o magistrado. Entretanto. 2.542. 5º. Adoção. Desde. como previsto pelo Regulamento nº 18. não referendou essa infeliz providência sugerida no recurso e que repre- sentaria uma inversão dos valores sociais conquistados de forma regular e que foram sedimentados pela boa-fé. que. a sua petição deverá ser feita perante o juiz competente. ed.132 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Falta-lhe competência para pedir e fazer operar a retificação dos erros que descobrir. o desembargador. porém. poderia ser averbado no primeiro registro. o que não é incorreto ou socialmente reprovável. destruiu conceitos restritivos do passado. expedirá mandado ou para simples retificação. desde que o pedido seja procedente. 353. 227. como se admitia no Brasil. na realidade. que o adotado conservasse seus direitos sucessórios em relação aos parentes naturais. agora. com três filhos) constitui um golpe para os valores da dignidade humana. Antonio. se uniu a Valdemiro Filho.” O ilustre desembargador faz uma crítica ao representante do Ministério Público ao afirmar ser forçoso reconhecer que ele. Reconhece. cabe admitir. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. o que recomenda manter os dados identificadores pelos quais a pessoa conquistou os direitos inatos da perso- nalidade. da Constituição Federal) que o requerido obteve o status familiae ao ser inserido na família que o acolheu em adoção de fato. por mais irregular que seja o assento. de 1928. 375 do CC de 1916). portanto. que o recorrido fez uso do primeiro registro para obter direitos sucessórios. O recorrido praticamente nasceu para a família quando se fez o segundo registro. namorou-o e com ele casou para constituir família com três filhos. Esse erro que os adultos cometeram contra uma criança inocente deve ser reparado sem maiores traumas. ficará sempre como é. que. sobre o propósito de fazer a mulher que conheceu Carlos. Caso ti- vesse sido lavrada escritura pública de adoção (o que se permitia na época pelo art. o que permite declarar (como regula o art. com inegável bom-senso. Importante refletir acerca da proposta de se cancelar o casamento. não só dele como de todos os familiares que dele descendem. caput. Considerou o julgador que a exclusão do registro e de toda a história de vida conquistada com o nome Carlos (o requerido é sexagenário e avô. que reclamem. porém. 1980.19 19 CHAVES. com a eficiente atuação em favor da legalidade e da segurança do registro. aceite. inclusive sobre a vontade dos interessados. A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça. pois enquanto não houver legislação específica excluindo a possibilidade de o adotado ter direito sucessório em relação ao pai biológico. como o citado. embora o limite da advertência continue valendo para atribuir do Judiciário a missão de decidir qual dos registros deve ser mantido (art. ou para abertura do novo assento. conforme o caso. da CF). Enquanto elas não reclamarem. XXXV. o nome que identifica a pessoa do requerido é Carlos e deveria ser o exclusivo pela adoção à brasileira que se fez realizar. con- forme acórdão da lavra do Ministro Hélio Quaglia Barbosa (REsp 234. as marcas indeléveis da vida construída com o nome Carlos. sejam provenientes do casamento ou fora dele. en su caso. respecto del progenitor cuya filiación haya quedado determinada: 1º Apellidos. o que autoriza concluir ser a relação socioafetiva do recorrido com os pais adotantes mais forte que os traços da consanguinidade. ele afirma que todas as evidências da posse de estado de filho se dizem presentes com intensidade ímpar.2007). Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 133 Não há o que recriminar nessa conduta e que. três filhos.21 20 LASARTE. 2º) assistência e alimentos.9.” . assim mesmo. com isso. Derecho de familia. los hijos osten- tan los siguientes derechos respecto de sus progenitores o. 2º Asistencia y alimentos. em médio espaço de tempo. 279. O cancelamento do segundo fomenta a incerteza e a instabilidade. sua esposa. porque. foram conquistas alcançadas devido a uma convivência saudável formadora da personalidade do indivíduo. cancelando aquele que permaneceu esquecido no cartório e que somente foi lembrado para recolher parte da herança do pai biológico. a sua criação até quando liberado para a maioridade responsável. se expeça o formal de partilha com observação de que o quinhão de Valdemiro Filho cabe a Carlos. 3º) direitos sucessórios. DJ de 25. Carlos. 3º Derechos sucesorios. Conclui Ênio Zuliani que o cancelamento do primeiro registro é mais vantajoso para a dignidade dos envolvidos (recorrido. p. Assim. ed. Não podemos esquecer que Carlos Lasarte20 afirma que todos os filhos possuem direito ao sobrenome dos pais. fama e notadamente a afeição modelaram. o que resultou na formação da sua família sociológica. Os direitos de herança são mantidos por ordem do art. Madrid: Marcial Pons. 21 Tradução livre para o seguinte texto: “Sean matrimoniales o extramatrimoniales.833/MG. Cabe eliminar o primeiro. uma única identidade civil (Carlos). Corretamente em nosso sentir. 2010. pois o nome. os filhos possuem os seguintes direitos a respeito de seus pais ou. com determina- ção para que. que assegura ao adotado os direitos sucessórios do pai biológico. pelo que consta. trato. duas noras e neta) e outros descendentes eventuais. na partilha dos bens deixados por Valdemiro (pai). todos se fortalecem na união pelo nome único e que os identificou durante a vida. foi a única que o reque- rido assumiu como Valdemiro e. Para a ordem jurídica. no requerido. 9. O vínculo biológico da paternidade foi apagado pela verdade construída em sessenta anos de uma existência marcada pela aceitação do nome outorgado pelo segundo registro. constituindo uma providência incapaz de eliminar. o magistrado correlacionou esse caso com a so- cioafetividade. quando apropriado. cuja filiação foi determinada: 1º) sobrenome. ao afirmar que não é permitido ignorar que o estado de filho que o requerido obteve nos primeiros meses de vida. é mais seguro manter os dados que se tornaram públicos e que identificaram os membros da família. esclarecendo ser conhecido por Carlos. citando que o colendo STJ admite a relação socioafetiva e tutela os efeitos que dela decorrem quando se procura invalidar o registro de nascimento realizado com erro (falsidade ideológica que caracteriza a adoção à brasileira). sobre o pai. 378 do Código Civil de 1916. ou seja.abril. 2012. quando ele descobriu que Vilma Martins Costa não era sua mãe verdadeira e o havia sequestrado.html>. eles propuseram que eu fosse viver lá sem compromisso. e que na matéria. da decisão de morar com os pais verdadeiros e do relacionamento com as irmãs. Nessa resposta ele esclareceu que já estava morando sozinho. em sua mais tenra idade. que ele chamou de mãe: VEJA – Por que você decidiu morar com seus pais verdadeiros? Pedrinho – Eu estava morando sozinho em Goiânia. conside- rando se tratar de um caso totalmente atípico. A primeira pergunta feita para ele foi sobre a decisão de abandonar a mulher que o sequestrou.com. Pedrinho fala mais sobre o im- pacto da notícia. e devemos render nossas homenagens pela forma humana como a proferiu. Para relembrarmos o caso. Eles chegaram a perguntar se eu queria morar sozinho em Brasília. Eu disse que não precisava disso e que estava disposto a ficar na casa deles. ganhando grande repercussão nacional em razão da ampla divulgação feita pela imprensa. a revista afirma que a vida de Pedro Braule Pinto. Chamou nossa atenção alguns argumentos que ele deu para justificar a decisão de tentar morar com a família biológica dele após descobrir o ocorrido. então com 19 anos. No primeiro parágrafo da entrevista. a gente conversava muito sobre minha situação. com quem viveu por 16 anos. ainda bebê. caso não me sentisse bem com eles. mas que estava guardado em seu coração: VEJA – Você disse que reconheceu em Lia e Jayro algumas manias iguais às suas. e já frequentava a casa deles. Mas isso demonstra que a afetividade também está presente quando há vínculo biológico. não há como discordar da corajosa decisão do Desembargador Ênio Zuliani. para colocar minha cabeça no lugar. Era uma expe- riência. Um dia. no portal “Veja On-Line”.134 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Assim.br/idade/exclusivo/020305/pedrinho. Durante essas visitas. pois eles demonstram o nascimento de um afeto que ele desconhecia. mas que teve um desfecho diferente do que o até estudado: a preferência da pessoa pelos pais consanguíneos e não pelo que o criou. comentaremos abaixo a entrevista que ele deu à Revista Veja. eu decidi tentar. . de uma maternidade em Brasília. e teria criado vínculo afetivo. Quais são elas? 22 Disponível em: <http://veja. e que foi publicada22 na Internet. Caso semelhante aconteceu no centro-oeste do nosso país. e que ficou conhecido como “Caso Pedrinho”. mudou drasticamente em 2002. pois foi ela. em Brasília. em 2 de março de 2005. Acesso em: 27 set. que antes mesmo de tomar a decisão de morar com os pais biológicos já tinha saído da casa em que vivia. formará uma socioafetividade. É igualzinho ao que eu faço. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 135 Pedrinho – Meu pai costuma olhar por cima e franzir a testa quando vai ouvir ou falar alguma coisa. mas eu nunca havia ouvido falar dele. Eu também me dou bem com meus irmãos. Não só pelo fato de ela ser minha mãe biológica. Verifica-se em suas palavras que há uma afetividade por seus irmãos e por seus pais de sangue em razão da forma como agem no dia a dia. assim como eu. na entrevista ele fala claramente quem é sua mãe afetiva: VEJA – Qual das duas você considera sua mãe de verdade. Juntei os fatos: o que meus pais verdadeiros haviam contado. de roubar um bebê do hospital e se fazer passar pela mãe verdadeira. eu me sentia mais próximo da família. a gente é muito parecido. o que saiu no noticiário. eles perguntaram se eu sabia da história. Em algum momento você desconfiou que não era filho verdadeiro de Vilma? Pedrinho – Nunca imaginei. ela trata todo mundo por igual. foi um susto pra mim. a cada almoço em que todos sentávamos juntos e começávamos a rezar. A cada festinha. a Lia ou a Vilma? Pedrinho – Hoje é a Lia que eu considero mãe de coração. diuturnamente. Aliás. disseram que o caso era muito di- vulgado. VEJA – Você já tinha ouvido falar do caso antes? Pedrinho – Quando os policiais me levaram à delegacia pela primeira vez. Ainda é difícil falar sobre isso. o que os policiais tinham me falado. a cada comemoração. VEJA – Quando você se deu conta de que era realmente a Vilma que havia sequestrado você? Pedrinho – Pouco depois de me mudar para o apartamento. É uma coisa mágica. hoje é como se eu nunca tivesse saído de lá. Essas pequenas coisas foram me conquistando aos poucos. mas agora acho que não. VEJA – Você perguntou para a Vilma por que ela havia te sequestrado? . Minha mãe é muito calma. que foi uma maldade o que ela fez. acho que minha mãe dava mais atenção pra mim que para os outros filhos. Nunca imaginei que alguém seria capaz de fazer isso. VEJA – Como é o seu dia a dia com eles? Pedrinho – No começo. onde a convivência entre todos os parentes consanguíneos. Conta que não desconfiava de nada e como descobriu tudo: VEJA – Você viveu dezesseis anos em Goiânia. sem saber de nada. Tive certeza de que havia sido a Vilma mesmo. mas também pela convivência diária e por tudo o que fiquei sabendo sobre a Vilma. fala de forma muito tranquila. e isso doeu muito. 136 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Pedrinho – Até aquele momento ela negava tudo. Aqueles dias foram os mais difí- ceis. ela foi presa. pessoalmente. socioafetividade entre irmãos. em razão de não conhecê-los e de não ter convivido com eles. Acreditamos nisso em razão das próprias palavras dele: VEJA – Como é a sua relação com suas irmãs de Goiânia? Pedrinho – É como se fôssemos irmãos de sangue. quiçá. mas sim uma parentalidade socioafetiva. Apesar da existência de um vínculo biológico entre ele e seus pais. Para tentar assimilar o trauma. No caso dele. não apenas os irmãos biológicos. Acreditamos piamente que. Mas eu quis conhecer meus pais verdadeiros desde o início. único que se tem notícia. porque sabia que eles não haviam me abandonado. alimentos. mas eu disse que não tinha jeito. com quem ele foi criado desde pequeno. a socioafetividade que se formou foi com as “irmãs” de Goiânia. gerando um caso de “irmano-socioafetividade”. ou seja. e eu não tinha certeza de mais nada naquele momento. Quando decidi morar com meus pais verdadeiros. motivo pelo qual o medo da aproximação foi por ele confessado. pelo contrário. reconhecido pelo direito. in casu. Esse caso comprova por que não há apenas uma paternidade ou maternidade. A Vilma insistiu para eu não ir. Só depois que ela estava na cadeia é que a verdade veio à tona. inclusive. elas respeitaram minha decisão. Pedrinho conta que decidiu morar sozinho: VEJA – Qual foi o momento mais difícil para você? Pedrinho – Foi quando minha mãe declarou que a assistente social que havia me roubado do hospital era mesmo a Vilma. Se eu ficasse com a Vilma. a tendência era que eu acreditasse que não havia sido ela. eu a consultava. mas também os afetivos. num apartamento em Goiânia. desde o início da história. Antes de tomar qualquer deci- são. a parentalidade dele com essas meninas deveria ser mantida registralmente para todos os efeitos civis (impedimentos matrimoniais. para que ele tivesse. . mesmo. previdenciários etc. eu precisava daquele tempo. fiquei muito atordoado até decidir morar sozinho. pelo choque da descoberta de tudo: VEJA – Em algum momento você teve medo de conhecer seus pais verdadeiros? Pedrinho – Era tudo muito novo para mim e não foi fácil descobrir de uma hora para outra que eu não era filho legítimo da Vilma. Mas eu nunca perguntei e ela também nunca confirmou a história para mim. Eu sempre me dei muito bem com a minha irmã Cristiane. não houve uma formação de laços socioafetivos. No dia em que eu saí da casa da Vilma.). sucessórios. Até hoje peço conselhos a ela. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 137 VEJA – O exame de DNA comprovou que sua irmã Roberta também havia sido sequestrada, mas ela optou por continuar morando em Goiânia. Vocês conversam sobre isso? Pedrinho – Eu sempre vou visitá-la em Goiânia, e conversamos sobre tudo, menos sobre isso. Eu não falo nada sobre o que aconteceu comigo, nem ela sobre o que ocorreu com ela. Se você me perguntar por que ela optou em ficar do lado da Vilma e não ir morar com a mãe verdadeira, eu não vou saber responder. Na entrevista ele mostra que tentou ter contato com a mulher que o criou, mas, pelas suas palavras, demonstra que não há mais afetividade porque, talvez, essa tenha sido destruída pela descoberta do caso: VEJA – Você vai visitá-la na prisão? Pedrinho – Assim que ela foi presa, eu ia sempre. Eu evitava tocar no assunto porque ela estava muito estressada e doente. Quando eu decidi morar em Bra- sília, ela ficou muito mal, então eu evitava falar. A última vez que fui visitá-la foi no Natal, há um ano. A matéria mostra que a convivência nos faz criar os mesmos hábitos de com quem convivemos intimamente, e isso, acreditamos, é um indício da formação de uma afetividade: VEJA – Você é religioso? Pedrinho – Sim. Eu sempre fui católico, mas comecei a frequentar a igreja e a rezar mais depois do que aconteceu, até por influência dos meus pais, que são muito religiosos. A maior proximidade com a religião me ajudou a não me desesperar e a me confortar naqueles momentos mais difíceis. Afinal, depois de um tempo, percebi que a minha história foi um milagre e passei a acreditar que milagres acontecem. Ele, conta, também, que modificou o seu nome e dá os seus motivos para tal decisão: VEJA – Por que você decidiu mudar de nome? Pedrinho – De repente, eu fiquei com dois nomes. Eu nunca gostei de Osvaldo, mas gostava que me chamassem de Junior. Minha ideia inicial foi continuar só Junior, com o sobrenome dos meus pais verdadeiros. Mas eu senti que minha mãe ficou triste com essa minha decisão, então resolvi manter o Pedro. Esse é o assunto que, abordado daqui por diante, está relacionado com o tópico estudado. Conheci o Pedro quando fui seu professor de Direito Civil em um curso de pós-graduação. Quando eu tive a oportunidade de conversar com ele, disse que estava escrevendo uma tese de doutorado sobre a socioafetividade e os seus reflexos jurídicos, e ele, gentilmente, para colaborar com a minha pesquisa, cedeu-me a cópia da sentença 138 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari proferida na ação que ele propôs para cancelar um dos seus registros de nascimento, um feito em Brasília (o verdadeiro) e outro em Goiânia (pela Sra. Vilma que o criou), o qual ele pensou ser o verdadeiro por 16 anos, e para modificar o seu nome. O processo, que tramitou na Vara de Registros Públicos do Distrito Federal, teve por objetivo requerer o cancelamento do seu segundo registro de nascimento, feito na cidade de Goiânia. A sentença que iremos comentar foi proferida em 23 de março de 2004, pelo Juiz Dr. Paulo Eduardo Nori Mortari. O argumento foi de que o seu primeiro registro é o que corresponde à verdade dos fatos, tendo sido lavrado em janeiro de 1986, pelo seu verdadeiro pai. O segundo, totalmente irregular e falso, foi lavrado em abril de 1986, na cidade de Goiânia/GO, em que consta seu nome como Osvaldo Martins Borges Júnior, sendo filho de Osvaldo Martins Borges e de Vilma Martins Costa. Ele pediu, também, que fosse incluído ao seu nome a palavra “Júnior”, tornando seu prenome de simples para composto (Pedro Júnior), porquanto é conhecido em seu meio familiar e social dessa maneira. Inicialmente, o magistrado citou que não haveria a necessidade de discutir a com- petência do juízo, bem como a necessidade de citação dos genitores que figuram no segundo assento de nascimento do interessado, em decorrência de não existir qualquer conflito de interesses sobre a paternidade e a maternidade do requerente, o que levaria o caso para o juízo de família, assim como o pedido de cancelamento do ato registrário se encontra cumulado com alteração de nome, de competência também do seu juízo. O juiz chegou a dispensar a audiência de justificação e uma maior dilação probató- ria, por se tratar de um fato público e notório no cenário nacional os acontecimentos noticiados nos autos. Esse foi o primeiro ponto positivo a se destacar da decisão do magistrado, pois, de forma humana, percebeu que não havia de sacrificar ainda mais o Pedro para que se corrigisse um problema latente e amplamente divulgado. Analisando os documentos juntados, viu o julgador que existia uma duplicidade de registros para uma mesma pessoa (apesar dos nomes e filiações serem diferentes), devendo um deles ser cancelado, a fim de salvaguardar a segurança e a veracidade dos registros públicos. Noticia em sua decisão que ficou provado nos autos pelos do- cumentos juntados que o primeiro registro é o que corresponde à verdade dos fatos, posto que feito pelo próprio pai biológico do requerente, o Sr. Jayro. Por outro lado, o segundo registro, a toda evidência, é falso, porque realizado por pessoas que não eram os verdadeiros pais do interessado, na cidade de Goiânia/GO, meses depois do seu nascimento em Brasília/DF. Desta feita, verificando que Pedro Rosalino Braule Pinto e Osvaldo Martins Bor- ges Júnior se tratam da mesma pessoa, bem como o segundo assento de nascimento atenta contra o estado de filiação, o poder familiar, e a veracidade e a segurança dos registros públicos, entendeu que o seu cancelamento era necessário, pela flagrante irregularidade do ato registrário lavrado junto ao cartório de Goiânia/GO. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 139 No que se refere à alteração de nome do interessado para incluir a palavra “Jú- nior” em seu prenome, tornando-o de simples para composto (Pedro Júnior), o juiz também deferiu. O magistrado argumentou que, em que pese o princípio da imutabilidade do nome, a pretensão do requerente encontra guarida em nossa legislação registrária, nos arts. 56, 57 e 58, todos da Lei nº 6.015/1973, uma vez que essa permite a modificação do nome por apelidos públicos e notórios, desde que resguardados os apelidos de famí- lia, e que, apesar da palavra “Júnior” ser utilizada como designativo que diferencia pessoas da mesma família (agnome), assim como “neto”, “sobrinho”, “filho” etc., entendeu o julgador que não há razão plausível para se inviabilizar tal inclusão, se no caso concreto ficar evidenciada sua publicidade no seio familiar e social da pessoa que a ostenta, o que no caso do Pedro havia. Ele conta que até antes da descoberta de toda a farsa realizada pela Sra. Vilma, cujos fatos já foram amplamente divulgados pelos meios de comunicação, o requerente sempre utilizou seu nome como “Osvaldo Martins Borges Júnior”, sendo conhecido como “Júnior”; não sendo crível, portanto, diante da publicidade e de sua individua- lização no meio familiar e social, ser-lhe negada a devida alteração, passando seu prenome de simples para composto. Não vejo, ainda, qualquer indício de má-fé por parte do requerente, tampouco prejuízos para terceiros; pelo contrário, observo sua pretensão em preservar a sua identificação social e familiar, conciliando seu nome de registro com o nome que vem ostentando em sociedade desde o infeliz episódio ocorrido em 1986. Assim, o magistrado julgou procedente o pedido, e determinou o cancelamento do assento de nascimento de Osvaldo Martins Borges Júnior, lavrado na cidade de Goiâ- nia/GO, e que fosse alterado o nome de Pedro Rosalino Braule Pinto em seu assento de nascimento, passando a constar “Pedro Júnior Rosalino Braule Pinto”, mantendo inalterados os demais dados. A decisão desse caso, também atípico, merece nossos aplausos pelo magistrado ter cumprido com o seu dever de fazer justiça no caso concreto. Verifica-se o lado humano do julgador, ao permitir uma situação jamais vista em nossa sociedade, que é a inclusão de uma alcunha junto com o prenome, para ele se tornar composto, e não ao final do nome como é usualmente feito, em respeito a tudo o que o rapaz passou com a descoberta de que foi privado de conviver com sua família biológica desde pequeno, que os fatos familiares acerca de seus laços de parentesco, que pensava ser verdadeiros, não o eram, de ter que absorver essa realidade aos 16 anos de vida, e da superexposição midiática que o caso sofreu. Não merecia o Pedro outro desfecho para esse caso, no momento em que busca reconstruir sua vida pessoal. São casos como esse que nos fazem continuar acreditando no Poder Judiciário brasileiro, e que nos serve de alerta para demonstrar a importante responsabilidade que ele possui, ao ter que resolver problemas emblemáticos da vida das pessoas, e da necessidade de se buscar a justiça, mesmo que não convencionada em nossa legislação. 140 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari 2.7 O EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR DECORRENTE DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA Já neste tópico trataremos da questão do poder familiar decorrente da filiação socioafetiva, analisando-o como será exercido, principalmente em caso de divórcio dos pais, também na hipótese de um genitor ser biológico e o outro socioafetivo, ou de falecimento de um deles. No Direito português, a Lei nº 61/2008 modificou o Código Civil, para alterar a expressão “poder paternal”, que o Código Civil brasileiro de 1916 chamava de “pá- trio poder”, para “responsabilidades parentais”. Ensina Rita Lobo Xavier 23 que essa transformação torna explícita a preponderância da responsabilidade dos progenitores quanto à relação social e jurídica de cuidado sobre a função estritamente jurídica de representação como suprimento da sua incapacidade de exercício. Isso mostra a aplicação em Portugal do cuidado como valor jurídico, que, quiçá, em breve, poderá se alastrar expressamente na legislação, também, na questão da filiação. Cristina M. Araújo Dias24 explica que, ao substituir uma designação por outra, muda-se o centro da atenção: ele passa a estar não naquela que detém o “poder” (o adulto), mas naqueles cujos direitos querem salvaguardar, ou seja, as crianças. Rita Severino25 adverte que as responsabilidades parentais atribuem as decisões importantes da vida da criança (e. g., educação religiosa, formação escolar, atividades extracurriculares etc.), e as decisões da vida quotidiana à pessoa com quem a criança reside ou com o progenitor que está com a criança no momento. 2.8 OS DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS ENTRE PARENTES SOCIOAFETIVOS No presente item iremos investigar se a parentalidade socioafetiva poderá gerar direitos previdenciários, como a pensão por morte para o filho de criação, integral ou parcial, no caso de ter que ser dividida com os filhos biológicos. A pensão por morte é um benefício pago à família do trabalhador quando ele morre.26 Para a concessão desse benefício, não há tempo mínimo de contribuição, 23 XAVIER, Rita Lobo. Recentes alterações ao regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais. Lisboa: Almedina, 2010. p. 63. 24 ARAÚJO DIAS, Cristina M. Uma análise do novo regime jurídico do divórcio. 2. ed. Lisboa: Al- medina, 2009. p. 42. 25 SEVERINO, Rita. As rupturas conjugais e as responsabilidades parentais. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2012. p. 68. 26 As informações que serão apresentadas abaixo, são fornecidas pelo Ministério da Previdência Social, no site <http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=26>. Acesso em: 17 out. 2012. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 141 mas é necessário que o óbito tenha ocorrido enquanto o trabalhador tinha a qualida- de de segurado. Para ter direito aos benefícios da Previdência Social, o trabalhador precisa estar em dia com suas contribuições mensais, caso contrário, pode perder a qualidade de segurado. Há situações em que os segurados ficam um período sem contribuir com a previ- dência e, mesmo assim, têm direito aos benefícios previdenciários, enquanto man- tiverem essa qualidade; assim também será com quem, sem limite de prazo, estiver recebendo benefício, ou para quem cesse o referido benefício por incapacidade ou pelo pagamento das contribuições mensais, até 12 meses após a extinção. Esse prazo pode ser prorrogado para até 24 meses, se o trabalhador já tiver contribuído mais de 120 meses sem interrupção que acarrete perda da qualidade de segurado. Se o óbito ocorrer após a perda da qualidade de segurado, os dependentes terão direito a pensão desde que o trabalhador tenha cumprido, até o dia da morte, os requisitos para obtenção de aposentadoria pela Previdência Social ou que fique re- conhecido o direito à aposentadoria por invalidez, dentro do período de manutenção da qualidade do segurado, caso em que a incapacidade deverá ser verificada por meio de parecer da perícia médica do INSS com base em atestados ou relatórios médicos, exames complementares, prontuários ou documentos equivalentes. São três as classes de dependentes: a) cônjuge, companheiro(a) e filhos menores de 21 anos ou inválidos, desde que não tenham se emancipado entre 16 e 18 anos de idade; b) pais; c) irmãos não emancipados, menores de 21 anos ou inválidos. Os enteados ou menores de 21 anos que estejam sob tutela do segurado possuem os mesmos direitos dos filhos, desde que não tenham bens para garantir seu sustento e sua educação. Havendo dependentes de uma classe, os integrantes da classe seguinte perdem o direito ao benefício. A dependência econômica de cônjuges, companheiros e filhos é presumida. Nos demais casos, deve ser comprovada por documentos, como declaração do Imposto de Renda e outros. Para ser considerado companheiro(a) é preciso comprovar união estável com o(a) segurado(a). O julgamento da Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0 determinou que o companheiro(a) homossexual de segurado(a) terá direito a pensão por morte e auxílio-reclusão, desde que comprovada a vida em comum. O filho ou o irmão inválido maior de 21 anos somente figurarão como dependentes do segurado se restar comprovado em exame médico-pericial, cumulativamente, que: a) a incapacidade para o trabalho é total e permanente; 142 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari b) a invalidez é anterior à eventual causa de emancipação civil ou anterior à data em que completou 21 anos; c) a invalidez manteve-se de forma ininterrupta até o preenchimento de todos os requisitos de elegibilidade ao benefício. O irmão ou o filho maior inválido fará jus à pensão, desde que a invalidez concluída mediante exame médico pericial seja anterior ou simultânea ao óbito do segurado, e o requerente não tenha se emancipado até a data da invalidez. A pensão por morte será paga: a) a partir do dia do óbito, se solicitada até 30 dias do falecimento; b) a partir da data de entrada do requerimento, se solicitada após 30 dias do falecimento; c) a partir da data da decisão judicial, no caso de morte presumida; d) a partir da data da ocorrência, nos casos de desaparecimento do segurado por motivo de catástrofe, acidente ou desastre, quando requerida até 30 dias dessa data. Se os dependentes forem menores de 16 anos de idade ou incapazes, o pagamento da pensão por morte será devido desde a data do óbito, no valor referente à sua parte. Para que os menores de 16 anos tenham direito às prestações desde a data do óbito, deverão requerer o benefício até 30 dias após completar essa idade; se o requerimento for posterior a esse prazo, correrá a prescrição quinquenal. Isso é o que se verifica no art. 74 da Lei nº 8.213/1991: Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do se- gurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997): I – do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste (Incluído pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997); II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior (Incluído pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997); III – da decisão judicial, no caso de morte presumida (Incluído pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997). Havendo mais de um pensionista, a pensão por morte será rateada entre todos, em partes iguais. A parte daquele cujo direito à pensão cessar será revertida em favor dos demais dependentes. Para os casos em que, ao requerer o benefício, já exista pensão do mesmo instituidor para outro dependente, aplicar-se-ão as seguintes regras de pagamento: o pagamento será devido a contar da data do requerimento. 77 da Lei nº 8. será rateada entre todos em parte iguais (Redação dada pela Lei nº 9. O valor do benefício corresponde a 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data do óbito. § 2º A parte individual da pensão extingue-se (Redação dada pela Lei nº 9.032. caso não tenha contribuído facultativamente. ou ao completar 21 anos de idade. A pensão por morte deixada pelo segurado especial (trabalhador rural) será de um salário-mínimo. Se requerido após 30 dias do óbito.032. A cota individual do benefício deixa de ser paga: a) pela morte do pensionista. corresponderá a 100% do salário de benefício. havendo mais de um pensionista. 33 desta lei (Redação dada pela Lei nº 9. de 28 de abril de 1995). a contar de julho de 1994. desde que requerido até 30 dias do óbito.528.032. 77. salvo se inválido.213/1991: Art. 75. quando um dos dependentes perder o direito ao benefício. qualquer que seja o dependente.032. ainda que inválido. que é calculado com base na média dos 80% dos maiores salários de contribuição do período contributivo do segurado.213/1991: Art. e. o pagamento será devido desde o re- querimento. de 10 de dezembro de 1997). o pagamento será devido a partir do dia seguinte a tal cessação. O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento. b) para o filho ou irmão que se emancipar. observado o disposto no art. a sua parte será dividida entre os demais. Isso é o que se verifica no art. § 1º Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar (Redação dada pela Lei nº 9. de 28 de abril de 1995): I – pela morte do pensionista (Incluído pela Lei nº 9. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 143 a) se a pensão anterior não estiver cessada. Se o trabalhador tiver mais de um dependente. 75 da Lei nº 8. Isso é o que se verifica no art. Não será considerada a emancipação decorrente de colação de grau científico em curso de ensino superior. A pensão por morte. . a pensão por morte será dividida igualmente entre todos. quando acabar a invalidez (no caso de pensionista inválido). de 28 de abril de 1995). b) se a pensão anterior já estiver cessada. de 28 de abril de 1995). Nesse caso. todos com suas alterações posteriores. de 31 de agosto de 2011). depois de 6 (seis) meses de ausência.144 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari II – para o filho. quem recebe a pensão por morte terá de apresentar. seus dependentes farão jus à pensão provisória independentemente da declaração e do prazo deste artigo. de 6 de maio 1999. de seis em seis meses. § 1o Mediante prova do desaparecimento do segurado em consequência de acidente.213. . de 31 de agosto de 2011).048. o pagamento da pensão ces- sará imediatamente. In: TEIXEIRA. salvo se for inválido ou com deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz.213/1991: Art. o Decreto no 3. desobrigados os dependentes da reposição dos valores recebidos. será concedida pensão provisória. e a Instrução Normativa INSS/PRES no 45. de 24 de julho de 1991. 27 VALADARES. documento confirmando a presença do segurado no local do desastre.470. 78. que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social. As famílias reconstituídas. assim declarado judicialmente (Alterado Lei nº 12. pelo levantamento da interdição (Alterado Lei nº 12.). Nesses termos.213. desastre ou catástrofe. RIBEIRO. na forma desta Subseção.470. serão aceitos como prova do desaparecimento: boletim de ocorrência policial. Por morte presumida do segurado. equipara os enteados aos filhos para fins de serem considerados como beneficiários da previdência social e determina que a pensão por morte será rateada entre todos em partes iguais. a pessoa a ele equiparada ou o irmão. Gustavo Pereira Leite (Coord. A legislação que regulamenta a concessão da pensão por morte é a Lei no 8. p. § 2o Verificado o reaparecimento do segurado. Maria Goreth Macedo Valadares27 noticia que a Lei no 8. 78 da Lei nº 8. de 6 de agosto de 2010. 163. de 23 de julho de 1991. III – para o pensionista inválido pela cessação da invalidez e para o pensio- nista com deficiência intelectual ou mental. noticiário dos meios de comunicação e outros). declarada pela autoridade judi- cial competente. pela emancipação ou ao completar 21 (vinte e um) anos de idade. Belo Horizonte: Del Rey. documento da autoridade competente sobre o andamento do processo de declaração de morte presumida. 2008. Manual de direito das famílias e sucessões. Maria Goreth Macedo. A pensão poderá ser concedida por morte presumida mediante ausência do se- gurado declarada por autoridade judiciária e também nos casos de desaparecimento do segurado em catástrofe. salvo má-fé. de ambos os sexos. acidente ou desastre (nessa situação. Isso é o que se verifica no art. Ana Carolina Brochado. até que seja apresentada a certidão de óbito. escreveu o relator. 1o de outubro de 2005. Isso em nome do princípio da igualdade. menores de 21 anos ou inválidos.br/trf4/controlador. também. pois este teria sido rejeitado pela mãe biológica. Ainda que não oficialmente adotado. estes últimos não emancipados. a necessidade de se reconhecer direitos previdenciários. recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e concedeu pensão por morte retroativa a um menor.7.jus. deve ser aquele equiparado a este. terão direito a pensão por morte. em 9. A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4) negou. ele deverá receber os valores retroativos à data do óbito do segurado. moral e educacional. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 145 Isso é um grande avanço do Direito Previdenciário. Ela alegou que vivia com o falecido há mais de 20 anos e que ambos criavam o menor desde seu nascimento. Acesso em: 3 nov. morador de Presidente Getúlio.php?acao=noticia_visualizar&id_ noticia=10226>. que vivia sob a guarda de um agricultor falecido. com juros e correção monetária. o menor tinha 13 anos. Em notícia vinculada no site do TRF4. penso que não se pode dar tratamento previdenciário diverso aos menores que se encontrem sob uma ou outra modalidade de colocação em família substituta”. ao interpretar suas leis com base na construção doutrinária e jurisprudencial do Direito Civil. não teria ficado comprovada a dependência econômica do menor. dada a íntima relação entre a guarda e a tutela. 2014. a dignidade. já debatido anteriormente. e a importância de ambas para a educação. o respeito e a assistência material e moral da criança e do adolescente. Assim sendo. justamente as obrigações exigidas do guardião judicial. haverá. A ação buscando o benefício para o filho foi movida pela viúva em julho de 2007. verifica-se que. . Embora atualmente o beneficiário já tenha 20 anos. entretanto. dois anos após a morte do companheiro. a convivência familiar. desembargador federal Celso Kipper. “Restando comprovado que o guardião de fato da parte autora era efetivamente o responsável por sua assistência material. “Ora. Isso porque os filhos socioa- fetivos. considerou as provas testemunhais como suficientes. para fins previdenciários”. Conforme o INSS.trf4. no voto. havendo parentalidade socioafetiva. A turma. em Santa Catarina. O falecido era agricultor e responsável por prover a família.28 um menor criado por família tem direito à pensão por morte mesmo sem adoção regularizada. menores de 21 anos ou inválidos. Igual direito será conferido aos pais e irmãos socioafetivos. afirmou o magistrado. Na época. desde que não tenham se emancipado entre 16 e 18 anos de idade. a corte considerou que o adolescente era dependente econômico e tinha direito ao benefício.2014. 28 Disponível em: <http://www2. a filiação partidária. considerada a vida pregressa do candidato. Isso porque há várias regras eleitorais importantíssimas no art. f) são inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. l) que a ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça. atendidas certas condições. e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função. corrupção ou fraude. Vice-Prefeito e juiz de paz. 30 anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal. no âmbito do Direito Eleitoral. instruída a ação com provas de abuso do poder econômico. na forma da lei. cargo ou emprego na administração direta ou indireta. o domicílio eleitoral na circuns- crição. e) a elegibilidade exige a nacionalidade brasileira. j) a lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação. a idade mínima de 35 anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador. durante o período de serviço militar obrigatório. k) o mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de 15 dias contados da diplomação. 21 anos para Deputado Federal. também. Esse artigo estabelece que: a) o voto é uma das formas de exercício da soberania popular. os Governa- dores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito. a fim de proteger a probidade administrativa. os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente. Deputado Estadual ou Distrital. a moralidade para o exercício do mandato. os Governadores de Estado e do Distrito Federal. .146 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari 2. c) o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios aos maiores de 18 anos e facultativo aos analfabetos e maiores de 70 anos. g) que o Presidente da República. d) é vedado o alistamento eleitoral do estrangeiro e os conscritos. b) o voto é direto e secreto. h) para concorrerem a outros cargos. respondendo o autor. Prefeito. 14 da Constituição Federal. o Presidente da República. e 18 anos para Vereador. o alistamento eleitoral. o pleno exercício dos direitos políticos.9 A INELEGIBILIDADE EM RAZÃO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA A parentalidade socioafetiva gera efeitos. se temerária ou de manifesta má-fé. i) o militar alistável é elegível. 14 da Constituição. de Governador de Estado ou Território. que não dará elegibilidade para os seus familiares. Assim sendo. 14 da Constituição Federal aos municípios desmembrados e ainda não instalados. Resolução nº 20. governa- dor ou prefeito. salvo se já titular de mandato eletivo.11. dentro dos seis meses anteriores ao pleito. Cargo de Prefeito – Inelegibilidade – Cônjuge. É inelegível para o cargo de Prefeito. até o segundo grau ou por adoção. Inelegibilidade – Município Desmembrado – Prefeito do Município-Mãe São inelegíveis.10.92. 14. 29 e 30. Essa citada Súmula estende a regra do § 7º do art. Por esse motivo. salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. até o segundo grau ou por adoção.2001 e Acórdão nº 3.10. no Município desmembrado e ainda não instalado. próximo do pleito eleitoral. § 7º São inelegíveis. a regra mais importante que possui correlação com o tema do presente trabalho é a que está prevista no § 7º do art. de 21. do Prefeito do Município-mãe.931.2001). do Distrito Federal.11. o cônjuge e os paren- tes consanguíneos ou afins.1992. Nessa Súmula o TSE trata da questão da renúncia prévia do presidente.043.2001. o cônjuge e os parentes indicados no § 7º do art. vejamos: Art. . quando este for reelegível e tiver se afastado definitivamente até seis meses antes do pleito (Acórdão nº 19. até o segundo grau ou por adoção.08. Esse é o dispositivo que trata de uma das hipóteses de inelegibilidade dos candi- datos a cargos eletivos. do Presidente da República. 29 e 30. de 20. A segunda Súmula estabelece que: TSE Súmula nº 12 – DJ 28. do titular do mandato. no território de jurisdição do titular. não podem se candidatar aos cargos de presidente. ainda que este haja renunciado ao cargo há mais de seis meses do pleito. visando disciplinar melhor a matéria. de 27. Parentes e Titular que Haja Renunciado.442. Nota: O Tribunal assentou que o Cônjuge e os parentes do chefe do Executivo são elegíveis para o mesmo cargo do titular. o cônjuge e os parentes consaguíneos ou afins. ligada ao parentesco. ou de quem o tenha substituído. de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito. governador e prefeito o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 147 Contudo. 14 da Constituição Federal. o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou duas súmulas sobre o assunto: TSE Súmula nº 6 – DJ 28. Cumpre salientar que o mesmo TSE deu tratamento isonômico ao relacionamento heterossexual e homossexual. A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal. apesar de a Constituição Federal só tratar expressamente do cônjuge. 14ª Zona. Já há um caso no STF que dis- cute exatamente isso. que estende a regra para o caso de dissolução da sociedade conjugal no curso do mandato eletivo: STF Súmula Vinculante nº 18 – PSV 36 – DJe nº 223/2009 – Tribunal Pleno de 29. Candidata ao cargo de prefeito. §§ 5º e 7º.182. da CF/1988. à semelhança do que ocorre com os de relação estável. mais uma prova. 14. 14. da Constituição Federal. Marcelo Ribeiro). Assim sendo. ou seja.11. submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. [. Min. Incidência. Recurso Especial Eleitoral 24. não poderia ficar de fora a questão da parentalidade socioafetiva.10. Os sujeitos de uma relação estável homossexual. Parentesco. 14 da Constituição Federal. . 1. Min. Dissolução da Sociedade ou do Vínculo Conjugal – Mandato em Curso – Ine- legibilidade. Gilmar Mendes). 14. esse tipo de parentesco. da Constituição Federal (TSE. rel.11.2009 – DJe nº 210. 14.. apesar de o texto constitucional descrever expressamente.. se está incluído. esquecendo-se de citar o civil. Município. Acórdão 24. Se o titular do Poder Executivo Municipal já se encontra no exercício do segundo mandato. da tendência jurisprudencial de sua equiparação à situação do cônjuge: Consulta. ensejam a inelegibilidade prevista no art. Poder Executivo. Art. Rel..564 – PARÁ.2009. Companheira. assim como o casamento.08. o parentesco consanguíneo e afim. § 7º. § 7º.] o concubinato e a união estável. [. Art. Prefeito reeleito. O TSE estende a inelegibilidade do dispositivo em comento ao companheiro que vive em união estável com o governante. na dicção do § 7º do art. p. em 10. apenas. Inelegibilidade. 1. da Constituição Federal. de 30..2011 na Cta nº 121. dando. não afasta a inelegibilidade prevista no § 7º do art.. Titular.. no curso do mandato. Candi- datura. 1. de concubinato e de casamento. ao tornar inelegível candidata ao cargo de prefeito que vivia em união estável homoafetiva com a atual prefeita: Registro de candidato. sua companheira é inelegível para o mesmo cargo no pleito subsequente.564. Relação estável ho- mossexual com a prefeita reeleita do município. que é a fonte da existência da parentalidade fruto do afeto. Inelegibilidade. considerando todas essas discussões acerca do tema. o STF aprovou súmula vinculante. 14 da Constituição Federal. § 7.] (Ac. p.148 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Sobre o tema.] NE: [.2009 – DOU de 10. ou não. É que o chamado filho de criação. O Ministro Luiz Fux indeferiu o pedido liminar com os seguintes argumentos: Em juízo de cognição sumária. pois as testemunhas afirmaram essa concretude de relação de pai e filho entre o prefeito e o ex-prefeito. como filho do ex. a perspectiva de desequilíbrio no pleito. atraindo para si os frutos da gestão anterior com sensível risco para a perpetuação de oligarquias. Liminar indeferida. Nessa ação cautelar houve um pedido de medida cautelar liminar para suspender os efeitos do acórdão recorrido. atraindo. do recurso extraordinário já admitido na origem. 14. Embora a filiação socioa- fetiva não se revista dos mesmos rigores formais da adoção. o Sr. § 7º. a conclusão afirmada pelo acórdão recorrido mostra-se em plena harmonia com tais premissas. Aplicação às hipóteses de filiação socioafetiva. Expedito Sindô. § 7º. e o ex-prefeito Expedito Sindô. prolatado pelo TSE em sede de recurso especial elei- toral. por identidade de razões. que foi autuada no STF sob o número 2.891/ PI (pois possui origem no estado do Piauí). Adoção de fato com repercussão social. Art. assim. da mesma forma como ocorre com a filiação formal. seu filho de criação. em razão de uma passagem do acórdão recorrido que afirma constar do acórdão regional provas suficientes para se chegar à conclusão da existência de uma paterni- dade socioafetiva envolvendo o candidato eleito de Pau D’Arco do Piauí. Risco de criação de oligarquias locais. e que teve o Ministro Luiz Fux nomeado como relator. Júnior Sindô (Fábio Soares Cesário). Desequilíbrio nas eleições. a incidência da referida regra constitucional. o Ministro Luiz Fux revela que outra não poderia ser sua decisão.prefeito. entendendo comprovado que Júnior Sindô. na cidade de Pau D’Arco do Piauí/PI. embora não seja adotado legalmente. Projeção da imagem do titular do cargo sobre a candidatura de pessoa vinculada ao núcleo familiar. é reconhecido. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 149 Trata-se de uma ação cautelar (AC). da Constituição Federal à luz do princípio republicano conduz a que a inelegibilidade também incida in casu. Princípio republicano. Irrelevância da ausência de vínculo jurídico formal. Parece clara. a leitura do art. Em seu voto. Inelegibilidade. A decisão ficou assim ementada: Medida cautelar inominada. 14. até a apreciação pelo STF. acaba por ter sua can- didatura beneficiada pela projeção da imagem do pai socioafetivo que tenha exercido o mandato. da Consti- tuição Federal. que substituiu o aresto proferido no TRE/PI a fim de reconduzir e preservar o requerente no comando da Prefeitura do Município de Pau D’arco do Piauí/PI. . Interpretação teleológica da regra constitucional. Requerimento de liminar para atribuição de efeito suspensivo a recurso extraordinário. Inexistência de relevância na argumentação jurídica. Presença de periculum in mora inverso em razão da posse de nova administração municipal. fundada na posse do estado de filho e consolidada no afeto e na convivência familiar. ou seja. verifica-se que o relator irá negar provi- mento a ação cautelar. Recurso parcialmente provido. 2. Ação cautelar. conseguir. Para o caso em tela trabalharemos com a hipótese de inexistência de vínculo de socioafetividade. É irrevogável e irretratá- vel a paternidade espontaneamente reconhecida por aquele que tinha plena consciência de que poderia não ser o pai biológico da criança..150 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari 1. da Constituição Federal alcança. As relações socioafetivas. além da adoção formal. .10 A AÇÃO NEGATÓRIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA: POSSIBILIDADE OU IMPOSSIBILIDADE? Aqui pretendemos analisar a possibilidade. na análise da medida cautelar. Pelos argumentos acima apresentados. haverá situações em que irá pre- valecer sobre a verdade biológica. [. em razão de sua influência na realidade social. Vício de consentimento inexistente. pois sabemos que. vício de consentimento capaz de macular a vontade no momento da lavratura do assento de nascimento. Realização de teste de paternidade por análise de DNA. de que a parentalidade socioafetiva também é causa de inelegibilidade. estreme de dúvidas. que com ele não possui vínculo de sangue. se esse existir. requerida para suspender os efeitos de acórdão que afirmou a inelegibilidade do requerente para o pleito de 2008 ao cargo de Prefeito do Município de Pau D’Arco do Piauí/PI. Veremos o que os outros ministros argumentarão quando essa ação cautelar for colocada em julgamento. § 7º. 14. ou não. Existência de sólido vínculo afetivo por mais de 23 anos. em decorrência do tratamento isonômico que deve ser dado a esse parentesco e ao que é oriundo da consanguinidade. inclusive para fins da inele- gibilidade prevista no § 7º do art. 14 da Constituição Federal. vejamos dois casos: Apelação cível. sem investigar a paternidade ou mater- nidade biológica contra ninguém. (TJSC. o seu posi- cionamento. Justiça gratuita deferida. Ação negatória de paternidade. prevalece sobre a verdade biológica. Exclusão da paternidade biológica. mormente quando não comprova. ao considerar que a incidência da regra do art. geram direitos e deveres inerentes ao parentesco. com pedido de liminar.] 6. Desconstituição da filiação pela nulidade do assento de nascimento. Filiação socioafetiva demonstrada. Irrelevância. pois já antecipou. A filiação socioafetiva. Reco- nhecimento espontâneo e consciente da paternidade.. também a hipótese de adoção de fato (“filho de criação”). a declaração de que a pessoa não terá mais o pai ou mãe registral. da propositura de uma ação negatória de filiação socioafetiva pelo filho. apenas. calcada na paternidade socioafetiva (grifos nossos). Desconstituição da paternidade vedada. Oitava Câmara Cível. além de não haver vínculo biológico. j. Admite-se. a anulação do registro civil. se impõe a fim de oportunizar a produção das provas sobre o direito alegado.005050-4. mesmo quando firmada de forma voluntária.6. Afetividade entre pai registral e filho. DJERS 6. Apelação cível. Apelação Cível 70022896625. Impossibilidade. Paternidade biológica não confirmada. Ação negatória de paternidade. Rel. Ação negatória de paternidade. Anulação de registro. Des. p. a saber: Art. inexistindo socioafetividade e vínculo biológico. Dessa forma. não há o que fazer senão permitir a retirada do pai ou da mãe do registro de nascimento. forte vínculo socioafetivo entre pai e filho. como causa de pedir.2010. 26. só se justifica quando existente relação de socioafetividade entre as partes. Sentença descons- tituída para oportunizar instrução do feito. lembrando que isso dependerá de uma rigorosa instrução processual. Rel.2011. Sétima Câmara Cível. depois de estabelecida a convi- vência conjugal. no caso concreto.7000. AC 653729-33. Diante de tal alegação. não biológica. o processamento da ação. Assim. 433). assim como a inexistência de relação socioafetiva entre o pai registral e o menor. 2. também não há o socioafetivo. j. 1.5. 12.2011). Presente. j.7. 29.2008). Lages. nos limitaremos a analisar o caso em que o filho não quer a manutenção da filiação registral porque.21.11 O ABRANDAMENTO DA PRESUNÇÃO PATER IS EST EM DECORRÊNCIA DA SOCIOAFETIVIDADE: SANGUE × AFETO O art. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I – nascidos cento e oitenta dias. . 1. Apelação provida. pelo menos. DJSC 10. A manutenção da paternidade registral. comprovado vício de consentimento no ato jurídico. Relação socioafetiva abalada. Fernando Carioni. preservando os interesses e direitos da criança e do adolescente. com regular instrução processual.2011. Des. Santo Cristo. Sentença desconstituída (TJRS. Rel.2011.597. Alegação de vício de con- sentimento no registro. Claudir Fidelis Faccenda. André Luiz Planella Villarinho.4.597 do Código Civil elenca cinco hipóteses de presunções de paternidade que consagram a regra de que pater is est quem justae nuptiae demonstrant. em tese. o registro de nascimento do menor deve ser mantido.8. Recurso improvido (TJRS. como o interessante julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Apelação cível.6. em veneração à verdade real. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 151 AC 2011. mas a prova da impotência do cônjuge para gerar. IV – havidos. 2. decorrentes de concepção artificial homóloga. antes de decorrer dez meses depois do começo da viuvez. por morte.152 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade con- jugal. III. Salvo prova em contrário. 1. divórcio. desde que tenha prévia autorização do marido. nulidade ou anulação do casamento). O Enunciado no 105 do CJF procurou reparar uma imprecisão técnica dos incisos III. mesmo que falecido o marido. . V – havidos por inseminação artificial heteróloga. III – havidos por fecundação artificial homóloga. dos incs. Assim. se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo de 180 dias.597 deverão ser interpretadas como “técnica de reprodução assistida”. IV e V que falam em fecundação. isoladamente. pretendemos analisar se a referida presunção de paternidade se sobrepõe ou se será mitigada pela existência de parentalidade socioafetiva. “concepção artificial” e “inseminação artificial” constantes. depois de estabelecida a convivência conjugal. a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho. nulidade e anulação do casamento. concepção e inseminação artificial de forma inapropriada: Enunciado no 105 do CJF – Art.597: as expressões “fecundação artificial”. nunca foi proibida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.12 A SOCIOAFETIVIDADE NA UNIÃO HOMOAFETIVA EM DECORRÊNCIA DO JULGAMENTO DO STF QUE A EQUIPAROU À UNIÃO ESTÁVEL HETEROSSEXUAL PARA AUTORIZAR A ADOÇÃO CONJUNTA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES POR CASAIS HOMOSSEXUAIS A adoção de crianças ou adolescentes por pessoas homossexuais. se nascido dentro dos 300 dias a contar da data do falecimento desse. para ilidi-la. ou da dissolução da sociedade conjugal (por separação. motivo pelo qual os assistentes sociais não se opunham ao deferimento do pedido. 1. esse se presume do primeiro marido. do segundo. ainda que confessado. consegue afastá-la. IV e V do art. neste tópico. quando se tratar de embriões excedentários. se. pelo menos. à época da concepção. respectivamente. Tal presunção legal da paternidade é tão forte que não basta o adultério da mulher. a qualquer tempo. e. separação judicial. segundo o texto do julgado. Proc. até porque está em jogo o próprio direito de filia- ção. Deferimento da medida (STJ. sob a alegação da existência de formação de vínculo socioafetivo. e que chame o outro de pai ou mãe. Quarta Turma. sobretudo as culturais e as relativas aos costumes. os postulados maiores do direito universal. o art. depois de deferido. 1º da Lei nº 12. do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo.4. sem fronteiras ou barreiras. antes mesmo do julgamento da ADIN no 4. o art. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros. para duas pessoas homosse- xuais que viviam numa relação homoafetiva. RS.277 e ADPF no 132 pelo STF.010/2009 e 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente. REsp 889. Foram com esses argumentos que o STJ ficou sensibilizado com o tema. 27.2010).010/2009 prevê a “garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes”. concedendo a possibilidade da adoção conjunta entre casais homossexuais. Luis Felipe Salomão. Por sua vez. Adoção de menores por casal homossexual. sem excluir o outro. a grande polêmica sobre o tema era definir se a adoção de uma criança ou adolescente poderia ser deferida. ingressar com um novo pedido. sempre que possível. Presença de fortes vínculos afetivos entre os menores e a requerente.2010. em razão da formação dos vínculos de afeto e da posse do estado de filho. onde a sociedade transforma-se velozmente. j. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação. Verifica-se na ementa que a questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos.852. DJE 10. É inegável a facilidade de se reconhecer que a proibição da adoção conjunta por casais homossexuais não irá impedir que a criança ou adolescente viva com o casal. Min. a interpretação da Lei deve levar em conta. 43 do ECA estabelece que “a adoção será defe- rida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.8. Situação já consolidada. Estabilidade da família. no intuito de o companheiro daquele que adotou conseguir a adoção também. 1º da Lei nº 12. Reais vantagens para os adotandos. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a . Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 153 Entretanto. Arts. Explica a referida ementa que. circunstância a particularizar o caso em jul- gamento. Relatório da assistente social favorável ao pedido. 2006/0209137-4. prática comum que se via era a do casal homosse- xual ingressar com pedido de adoção isolada (apenas para um deles) em razão desse pedido não encontrar resistência. Como a dificuldade era imensa. de forma conjunta. para. Família. Imprescindibilidade da prevalência dos inte- resses dos menores. Rel. Os argumentos usados foram: Direito civil. fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia. desprendimento. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças. ainda. pretendendo-se a adoção de dois menores. e não houve qualquer prejuízo em suas criações. a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior. representa um ato de amor.154 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão. 43 do ECA. mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores”. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças. segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. ante a constatação da estabilidade da família. há mais do que reais vantagens para os adotandos. é um gesto de humani- dade. Por qualquer ângulo que se analise a questão. seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças. compete a responsabilidade. que criou. A adoção. no plano da “realidade”. quando. são ambas. Para finalizar. é incontroverso que existem fortes vínculos afe- tivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado. Hipótese em que ainda se foi além. Vale dizer. antes de mais nada. bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral. responsáveis pela criação e educação dos dois infantes. prossegue o texto. pois são questões indissociáveis entre si. a requerente e sua companheira. assevera o texto da ementa que com o deferimento da adoção. ao mesmo tempo. irmãos biológicos. Acórdão que se posiciona a favor do pedido. na Universidade de Valência. fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. chega-se à con- clusão de que. ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida. Para os casais que não procurarem regularizar a questão . “não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais. 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança. solidariamente. conforme preceitua o art. o Cadastro Nacional de Adoção. Dessa forma. seja em relação à situação fática consolidada. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada. em 29 de abril de 2008. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. por ela ser professora universitária. Na verdade. de modo que a elas. viabilizando-se. Assim. há afirmação peremptória de que os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema. assegurar seus direitos. o deferimento da adoção é medida que se impõe. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor. Na mencionada ementa. pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. no caso dos autos. pretenderemos abordar o papel importante que a socioafetividade também gera na adoção homoafetiva. na Academia Americana de Pediatria). Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente. bem como que. no afã de preservar os direitos da criança brasileira. de origem uruguaia. da Lei nº 6. 75 da Lei nº 6. O Ministro relator argumentou em seu voto que a jurisprudência do Superior Tri- bunal de Justiça flexibilizou a interpretação do art.248). Ministro de Estado da Justiça. em virtude da prática de crime. e não com a sua genitora.815/1980.368/1976. alínea b. 2. atualmente. a impetrante aduziu que a paciente já tinha filha brasileira antes mesmo da sua prisão em flagrante. a criança e o adolescente. 12 da Lei nº 6.815/1980. para manter no país o estrangeiro que possui filho brasileiro. o conceito de socioafetividade para evitar a expulsão de estrangeiro do país. que determinou a expulsão da paciente do território nacional em 20 de agosto de 2003 (Portaria no 1. as fotos juntadas pela impetrante não os- tentaram a propriedade de evidenciar a dependência afetiva e financeira da filha e do neto relativamente à paciente. Sob esse ângulo. também. inciso II. mesmo que nascido pos- teriormente à condenação penal e ao decreto expulsório. inciso II. Os Efeitos da Parentalidade Socioafetiva 155 pela via da adoção. § 1º. do Estatuto do Estrangeiro deve ser sistematicamente interpretado com a Constituição Federal e com o Estatuto da Criança e do Adolescente. lembrou. Na hipótese. Todavia. continua o magistrado. em razão da condenação criminal pela infringência ao art. 65. o acolhimento desse preceito não é absoluto e impõe ao impetrante que efetivamente comprove. O requerimento para concessão de ordem liminar foi indeferido. também. os efeitos da parentalidade socioafetiva irão continuar produzindo efeito. .13 A SOCIOAFETIVIDADE APLICADA PARA IMPEDIR A EXPULSÃO DO ESTRANGEIRO DO PAÍS ONDE COMETE CRIME O STJ aplica. e (iii) não estão presentes nenhuma das condições que excepcionam a expulsão da paciente do território nacional. 75. e que isso deve permanecer em território nacional. a ordem foi denegada. O caso que citaremos trata-se de habeas corpus com pedido para concessão de ordem liminar impetrado por Luisa Meinberg Gheade em favor de Nina Nohemi de Los Santos Gonzales. no afã de tutelar a família. previstas no inciso II do art. a fim de que o melhor interesse do menor seja atendido. pois a autoridade impetrada prestou informações asseverando que: (i) a filha da paciente residia com seu companheiro. Logo. no momento da impetração. a dependência econômica e a convivência socioafetiva com a prole brasileira. diante da ausência de prova evidente no sentido de que a situação da paciente se encontra ao abrigo das excludentes de expulsabili- dade. contra o ato do Sr. nesse caso. (ii) inexistem provas que evidenciem a dependência econômica do menor relativamente à paciente. ela ajuda no sustento da sua filha solteira e do seu neto. considerando que o art. Min.. DJ de 18 de setembro de 2009. Precedentes: AgRg no HC 115.2012). 75. Primeira Seção. da Lei no 6. previstas no inciso II do artigo 75 da Lei nº 6. o acolhimento desse preceito não é absoluto e impõe ao impetran- te que efetivamente comprove. Ordem denegada (Habeas Corpus 250. Primeira Seção. Inexistência das hipóteses de exclusão de expulsabilidade. para solucionar questões no Direito Administrativo. da Lei no 6. DJ de 3 de agosto de 2009. 4. que não se admite dilação probatória na escorreita via do remédio heroico. no momento do seu ajuizamento.735/DF.10. Relatora Ministra Denise Arruda. (b) HC 98. Segue. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. verifica-se também que o conceito de socioafetividade é aplicado. 5. abaixo.735/DF. no momento da impetração. inciso II. Todavia. Artigo 75 da Lei 6. 6.414/DF. v.815/1980. a criança e o adolescente.9. a dependência econômica e a convivência socioafetiva com a prole brasileira.815⁄80. Filha e neto brasileiros.603/ DF. outrossim. Assim. a fim de que o melhor interesse do menor seja atendido. Art.815/1980.414/DF. II. O habeas corpus deve. Relator Ministro Castro Meira. Habeas corpus. inclusive. mesmo que nascido posteriormente à condenação penal e ao decreto expulsório. DJ de 3 de agosto de 2009. Benedito Gonçalves.026/MS (2012/0158064-0). Expulsão de estrangeira do território nacional por condenação criminal. as fotos juntadas pela impetrante (fls. Primeira Seção. DJ de 20 de outubro de 2008. diante da ausência de prova evidente no sentido de que a situação da paciente encontra abrigo nas excludentes de expulsabilidade.603/DF. no afã de tutelar a família. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. 65. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça flexibilizou a interpretação do art.156 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Vários foram os precedentes jurisprudenciais citados: (a) AgRg no HC 115. Sob esse ângulo. Relator Ministro Castro Meira. 3.2012. Primeira Seção. 57-75) não ostentam a propriedade de evidenciar a dependência financeira e afetiva da filha e neto relativamente à paciente ré. 3.815/1990. (c) HC 121. 2. Precedente: HC 121. j. Rel. Primeira Seção. para manter no país o estrangeiro que possui filho brasileiro. estar guarnecido com a efetiva comprovação do constrangimento ilegal. 1. . Relatora Ministra Denise Arruda. Primeira Seção. Logo. sendo certo. a ementa do citado julgado: Administrativo. 26.u. a ordem deve ser denegada. Convivência socioafetiva e dependência econômica não demonstradas. DJ de 18 de setembro de 2009 e HC 98. DJ de 20 de outubro de 2008. p. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. em razão do preconceito existente no caso e da absurda ideia. nesse caso. na mesma casa com o companheiro de seu adotante. desde os primórdios. Esse modelo dúplice sofreu uma primeira modificação com a adoção de pessoas por casais homossexuais. O modelo dual de parentalidade. e como padrasto ou madrasta o tratavam. comprovada a estabilidade da família (Alterado pela Lei no 12.. . de que uma criança criada por um casal homossexual também o seria. e a criança ou adolescente convivia. 3 A BIPATERNIDADE E A BIMATERNIDADE COMO CONSEQUÊNCIA DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA Neste capítulo iremos abordar o caso de quem é registrado por duas pessoas ape- nas. estejam casados ou vivam em união estável. 42. 1 Art. mas de mesmo sexo. Apelação cível. mas de sexos distintos. Casal formado por duas pessoas de mesmo sexo. merecedora da proteção estatal. Essa posição desprezava a situação fática já existente.010-2009). já que o Estatuto da Criança e do Adolescente1 exige para tanto que os adotantes. Possi- bilidade. Com isso. raríssimos eram os julgados que admitiam esse tipo de adoção. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi o pioneiro em permitir a adoção conjunta por casais homossexuais. Adoção. sempre duas pessoas. Reconhecida como entidade familiar. é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável. (. sem ne- nhuma comprovação técnica. ou seja. A jurisprudência brasileira demorou muito tempo para aceitar a adoção conjunta por pessoas homossexuais. exigia que o indivíduo fosse registrado por um homem e uma mulher. no caso..) § 2o Para adoção conjunta. pois homossexuais sempre adotaram individualmente. 227 da Constituição Federal). é que. Artigos 1o da Lei 12. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica. publicidade. Por sua vez. que estenderam os efeitos jurídicos da união estável à união homoafetiva. 5. quando o Supremo Tribunal Federal. Negaram provimento. Direito civil. 2. Deferimento da medida. Estabilidade da família. AC 70013801592. Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. Unânime. com características de duração. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação. Reais vantagens para os adotandos. O artigo 1o da Lei 12. decorrência ina- fastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. até porque está em jogo o próprio direito de filiação.158 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari a união formada por pessoas do mesmo sexo. Imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula- -se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças. ao julgar a ADI 4277 e a ADPF 132. circunstância a particularizar o caso em julgamento. fun- . se permitiu que fosse possível a adoção homossexual conjunta. Des. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais. Situação já consolidada.010⁄09 prevê a “garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes”. mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. os postulados maiores do direito universal. 6. j.2006). Luiz Felipe Brasil Santos. Cív.4. Adoção de menores por casal homossexual. 3. onde a sociedade transforma-se velozmente. sem fronteiras ou barreiras. Apenas em 5 de maio de 2011. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros.. Rel. adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 4. continuidade e intenção de constituir família. sempre que possível. (TJRS. pois são questões indissociáveis entre si. Presença de fortes vínculos afeti- vos entre os menores e a requerente. por se reconhecer que a união estável pode ser formada por pes- soas do mesmo sexo ou de sexos distintos. Família. Relatório da assistente social favorável ao pedido.010⁄09 e 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos. a interpretação da lei deve levar em conta. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema. o artigo 43 do ECA estabelece que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo. sobretudo as culturais e as relativas aos costumes. 5. 1. 7ª C. antes de mais nada. há mais do que reais vantagens para os adotandos. pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. na Universidade de Valência. Recurso especial improvido (RECURSO ESPECIAL 889. Asseguram-se os direitos rela- tivos a alimentos e sucessão. Acórdão que se posiciona a favor do pedido. . Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças. Por qualquer ângulo que se analise a questão. 12. Rel. 27. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente. quando. pretendendo-se a adoção de dois menores. ante a constatação da estabilidade da família.A Bipaternidade e a Bimaternidade como Consequência da Parentalidade Socioafetiva 159 dados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia. seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças.2010). desprendimento. ao mesmo tempo. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada. ainda. de modo que a elas. o Cadastro Nacional de Adoção. Na verdade. pois ela pressupõe três ou mais pessoas no registro de nascimento como pais. 10. 15. assegurar seus direitos. a requerente e sua companheira. no plano da “realidade”. seja em relação à situação fática consolidada. na Academia Americana de Pediatria). conforme preceitua o artigo 43 do ECA. fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. chega-se à conclusão de que. 13. viabilizando-se. é um gesto de humanidade. 8. Com o deferimento da adoção. são ambas. compete a responsabilida- de.4. e não houve qualquer prejuízo em suas criações. 7. se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado. no caso dos autos. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. “não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homosse- xuais. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Luis Felipe Salomão. j. por ela ser professora universitária. o deferimento da adoção é medida que se impõe.852 – RS (2006⁄0209137-4). 14. bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral. 11. solidariamente. mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores”. responsáveis pela criação e educação dos dois infantes. Vale dizer. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças. segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. 9. a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior. Min. que criou. Hipótese em que ainda se foi além. 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança. em 29 de abril de 2008. representa um ato de amor. ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida. irmãos biológicos. Não constitui multiparentalidade a hipótese de a pessoa ter duas mães ou dois pais em seu assento de nascimento. A adoção. implantado no ventre de W. M.0001). presente nos casos de homossexuais que querem ter filhos. ajuizaram ação declaratória de filiação. para que não ocorra confusão sobre o que se pretende distinguir. pelo juiz Márcio Martins Bonilha Filho. fruto de relacionamentos homoafetivos. pleiteando a lavratura de assento de nascimento dos gêmeos. fazemos a seguinte proposta de nomenclatura para as várias hipóteses existentes: Nomenclatura Conceito MULTIPARENTALIDADE 3 ou mais pessoas como genitores.26.160 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Por esse motivo. Dessa fertilização ocorreu o nascimento dos gêmeos. e B. da bipaternidade e da bimaternidade.br/anexos/juris/1227 24b4f8dbdcafde- 3546329721f4d4d33d. Acesso em: 11 out. B. da 2ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital do Estado de São Paulo (Processo no 0016266-45.pdf>.2 motivo pelo qual passaremos a narrar o que dela consta.8. fertilizados in vitro com o sêmen de um doador anônimo e. O primeiro foi julgado em 26 de julho de 2012.2012. com duas ou mais mães MATERNA do sexo feminino BIPARENTALIDADE 1 pai e 1 mãe de sexos distintos BIPATERNIDADE 2 pais do sexo masculino apenas (ou Biparentalidade Paterna) BIMATERNIDADE 2 mães do sexo feminino apenas (ou Biparentalidade Materna) Assim. M. P. que é a hipótese de se ter duas mães ou dois pais no registro de nascimento. e até mesmo para facilitar o entendimento do que se almeja daqui para frente. B. 2012. A dupla maternidade e paternidade começou a existir em nosso país a partir do momento em que os tribunais começaram a conceder a adoção conjunta para casais do mesmo sexo. com 2 Disponível em: <http://direitohomoafetivo. As requerentes constituíram formal união estável homoafetiva e buscam a proclamação judicial de que os gêmeos são filhos de ambas... frutos dos óvulos de F. F. No caso em tela. posteriormente. com dois ou mais pais PATERNA do sexo masculino MULTIPARENTALIDADE 3 ou mais pessoas como genitores. registrados perante o Registro Civil das Pessoas Naturais do 48º Subdistrito da Capital do Estado de São Paulo. P. passaremos a tratar.com. A. A sentença está publicada na Internet. neste capítulo. e W. Passaremos a comentar alguns interessantes casos de dupla maternidade ou dupla paternidade. . autorizados pelo Poder Judiciário. na condição de genitora.A Bipaternidade e a Bimaternidade como Consequência da Parentalidade Socioafetiva 161 a filiação exclusiva da genitora apontada nas Declarações de Nascido Vivo (DNVs). já foi proclamado pelo Supremo Tribunal Federal. reconhecidos pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura. Em sua decisão. fruto de um projeto planejado. o juiz explica que os registros dos gêmeos eram intuitivamente prementes e não poderiam aguardar o tempo diferido das marchas processuais. que. a necessidade de ajuizar ação de adoção dos próprios filhos. no caso em exame. na consideração de que F. na ótica do século XXI. cujas decisões traduzem as modificações e o avanço no âmbito do direito de família. afirma o juiz. O reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. mas pende a inserção da outra maternidade nos assen- tos. O tribunal carioca negou o pedido de duas mulheres. que. recebeu os óvulos fecundados e deu à luz gêmeos. A situação fática. Assim é porque a inicial embute pretensão para que a família homoparental seja reconhecida e figure nos assentos de nascimento. a mãe de sangue dos gêmeos. Desarrazoado. de forma magistral. em sua decisão. é. além das judiciosas e bem colocadas teses apresentadas pela advogada das interessadas. Todavia. o que não se concebe. no caso em apreço. A possibi- lidade do casamento homoafetivo e a conversão da união homoafetiva em casamento foram.. formar a conclusão de procedência do pedido na forma requerida. Contudo. Em sua decisão. tecnicamente. conforme já sinalizado. que faz jus a figurar. assegurando aos casais do mesmo sexo os mesmos direitos e deveres dos companheiros heterossexuais. foi alterada. no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. também. e reúne legitimidade para integrar os assentos de nasci- mento. recusar o registro da mãe biológi- ca e blindar os termos para impedir que os gêmeos tenham duas mães. impor à genitora biológica F. Consolidados parcialmente os registros. certamente. diante da situação consolidada nos assentos de nascimento. no estabelecimento de uma filiação desejada pelas requerentes. abstraídos os aspectos religiosos e morais. Afirma o magistrado que. W. embora vencido. que também queriam a dupla maternidade . com os nascimentos e registros. remanesce em aberto a verdade biológica no tocante à filiação dos gêmeos. a situação posta em controvérsia impõe que se examine o tema sob a ótica da chamada maternidade de intenção. do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. na condição de mãe. do que resulta. é a que contribuiu geneticamente para a fertilização. nos assentos de nascimento. em razão da presunção secular de que mater semper certa est pater nunguan. em caso semelhante. que vivem em união estável. subsistindo o enfrentamento do tema no campo registrário. traduziria prorrogar o caso. as crianças foram registradas à luz de uma informação parcial. a filiação materna está estabelecida de maneira completa e definitiva. o ilustre magistrado paulista cita o voto do eminente Desembarga- dor Wagner Cinelli. forçoso é convir que. B. por ocasião do ajuizamento da demanda. mesmo no limitado campo administrativo e registrário. Esclarece o julgador. pois. F.. equacionou a matéria. seria sanado com adoção. os gêmeos são frutos da herança genética de F. Bem por isso. que quando um indivíduo prova que tal mulher teve parto e que há identidade entre o parto e a criança daí oriunda. De fato.conjur.. Antropologia estrutural. é um sistema arbitrário de representações. C. foi necessário aprender pela necessidade da vida social que essa premissa. só existe na consciência dos homens. devendo – isso sim – ser privilegiado o superior interesse do menor. em favor de seu pleito. No entanto. a verdade biológica não mais determinava a verdade jurídica.pdf>. entende o magistrado do TJRJ que esse ponto.. importante passagem do pensamento do antropólogo Lévi-Strauss. Apesar de as requerentes terem invocado. a maioria crianças e adolescentes. O magistrado faz uma crítica. nessa hipótese traçada.] o que confere ao parentesco seu caráter de fato social não é o que ele deve conservar da natureza: é o procedimento essencial pelo qual se separa dela.] Um sistema de parentesco não consiste nos elos objetivos de filiação ou consanguinidade dados entre os indivíduos. não têm pai e nem mãe. o Judiciário vem reiteradamente reconhecendo que ninguém pode se bene- ficiar de sua própria torpeza ou solércia. pois a importância da verdade biológica é relativa. Acesso em: 11 out. mas relativa. ele reconhece que. p.4 no seguinte sentido: [. geralmente apenas o da mãe. Por ter sido um voto3 de vanguarda. até porque há muitas pessoas que em registro de nascimento têm apenas o nome de um dos genitores. Ele transcreve. ou seja. a verdade biológica era a de- terminante fundamental da verdade jurídica. especialmente contra os do menor. Ele narra que teve a oportunidade de assistir e participar de julgamentos em que o homem registrava filho que sabia não ser seu e depois que a união com a genitora da criança era dissolvida vinha ele à Justiça buscar o reconhecimento de que não era pai. Tecnicamente. de que é corrente em nosso país a existência de um contingente de pessoas. motivo pelo qual ele considerou que ambas são mães de fato e que também o devam ser de direito. 4 LÉVI-STRAUSS. perante o Estado. não é relevante. Não que seja inexistente. o direito à herança genética. . pessoa que necessita de especial atenção do Estado e de todos. 4. ed. 1991. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 68-69.com. antes do julgamento da ADPF 132 e da ADIN 4277 pelo Supremo Tribunal Federal. esse caso foi julgado em fevereiro de 2011. por longo curso. Ou seja. Entretanto. Inicialmente. [. não o desenvolvimento 3 Disponível em: <http://s.. provado seria que ele não era o genitor. que nem mesmo possuem registro de nascimento. passaremos a comentá-lo abaixo. se realizado exame de DNA. 2012. gerava imensa injustiça e afrontava direitos. como for o caso.162 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari para seu filho. acertada em nosso sentir. e com argumentos incontestáveis. pois ambas as mulheres contribuíram para a existência física da criança. em seu voto. em muitos casos. no entanto..br/dl/voto-vencido-des-wagner-cinelli-dupla. contra o Estado. Um importante argumento do julgador. quando aprender a falar. o parentesco biológico. A lei na família significa a ordem. Halina Grynberg. o parentesco só é admitido a se estabelecer e se perpetuar por e através de determinadas modalidades de aliança. certamente chamará as duas de mãe. não tem o significado da lei para o Direito. que efetivamente contribuíram para sua concepção e gestação. Não será igual. levam em consideração. o inimigo da sociedade. a tia etc. Ele afirmou que litigam. Radcliffe. e que isso o traz à memória escritos do antropólogo Pierre Clastres em sua obra A Sociedade contra o Estado. em palestra pro- ferida para novos juízes na EMERJ. em sentido psicanalítico. na qual ele chama a atenção sobre a possibilidade de o Estado se tornar. ou o “pai”. como suas responsáveis. mas similar. portanto. ocorrerá de qualquer forma no mundo fático. de que. Na falta de uma. a outra legalmente representará a criança perante escola. a avó. Mas uma observação tão discutível quanto a sua deixa intacto o fato. Outro ponto interessante destacado pelo magistrado. Na ausência. em certas situações. 227. § 6º. ou seja. como os sistemas aus- tralianos de classes matrimoniais. é que independentemente do reconhecimento judicial da dupla maternidade pretendida. a outra continua responsável. que pode ser a mãe. diante de um insucesso nesse processo. é que não existia no pro- cesso um litígio entre as requerentes. ele cita o pensamento da Dra. os direitos previdenciários e sucessórios ficam garantidos. hospital etc. Contudo. quando destacou que a lei na família. avós buscavam a guarda de netos apenas para transmitir-lhes direito a benefício. isso sim. Esse papel de comando dentro de uma família não carece necessariamente de uma figura masculina. Prossegue o insigne juiz afirmando que quanto ao denominado superior interesse da criança. pois há precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça. ou “a ordem”. no pas- sado. e as duas requerentes estão de acordo entre si. Há na tensão entre . duas pessoas. A dupla maternidade. que até os sistemas de aparência mais rígida e mais artificial. esse papel do “pai” não precisa ser exercido por uma figura masculina. Muitas vezes o papel de “pai” (ou “a lei”. cuidadosamente. ou “aquele que diz o não”) na família é exercido por uma mulher. em estudos presentemente clássicos.Brown mostrou. terão as requerentes a possibilidade de chegar a um resultado similar com o pedido de adoção por uma delas. a criança será criada pelas duas requerentes. não se podendo confundir tal situação com aquela em que. na sociedade humana. o reconhecimento da dupla maternidade o consagra. As duas serão suas mães de fato e. Certamente isso não significa que essa situação de fato seja automaticamente contradita. nos termos do art. Em sua decisão. que têm a figura do pai.A Bipaternidade e a Bimaternidade como Consequência da Parentalidade Socioafetiva 163 espontâneo de uma situação de fato. ainda que temporária de uma. porque a certidão de nascimento que será expedida com o nome da genitora adotante não poderá fazer qualquer designação discriminatória relativa à filiação. sendo certo que em muitas famílias. a nosso ver decisivo. pois ele se trata de jurisdição voluntária. ou até simplesmente igno- rada. na falta de uma. esse posto é exercido por uma mulher. da CF. É que a criança terá reconhecidas. Possivelmente ocorrerá também no mundo jurídico porque. e A. ainda nascituros e seguindo depois de nascidos em 29. já tem seu nome no assento de nascimento das crianças. L. que é a de fazer justiça. K. da 6ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Regional de Santo Amaro. M. se for esperar que existam sempre leis que normatizem todos os fatos possíveis de ocorrer em nossa sociedade. por meio de fertilização in vitro dos óvulos de M.8. A. com base em alguns julgamentos. que. concluir pela solução mais adequada. proferiu sentença5 nos autos do Processo nº: 0203349-12. M. uma vez ser essa a mãe biológica das crianças. T. T. O. O juiz de nosso século não é um mero leitor da lei e não deve temer novos direitos. promoveram ação declaratória para ver reconhecida a filiação dos menores em relação a M. vivendo firme.4..0002. T. K. então. L. H. L. E. o Tribunal tanto pode se tornar uma “fábrica de maldades” quanto uma “de felicidade”.pdf>. nascido em 5. de forma constante. Deve estar atento à realidade social e. e A. o Oficial do Registro Civil e das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas de Jacareí/SP elaborou consulta a sua Corregedoria Permanente acerca da lavratura do registro de nascimento de A. com sêmen masculino de doador anônimo. No caso da dupla maternidade em decorrência da fertilização medicamente as- sistida. cobranças e mudanças. procedente a dupla maternidade. o julgador entende que o que queriam as requerentes é possível. O resultado do exame de DNA confirmou a maternidade biológica de M. e seria a forma de o Estado-juiz contribuir para a felicidade delas e da criança. decidiram ter filhos. motivo pelo qual.26. quando o juiz Fábio Eduardo Basso. cotejando os fatos com o ordenamento jurídico. Segundo a inicial. Optaram. e A. pelas razões supra. . teve que ser nomeada curadora especial aos menores.. D.2009.2009. foi decidido em 30 de dezembro de 2010. e de seus pais. em razão de a mulher que gestou a criança.. S. 2012. e acrescido o nome de M. Por ordem da Superior Instância. por método científico de inseminação artificial heteróloga. que também tramitou na justiça paulista. formando embriões posteriormente transferidos para o útero de A.br/anexos/juris/894. G. ser casada formalmente com 5 Disponível em: <http://direitohomoafetivo. estará sempre afastado de sua função primordial. O pensamento do desembargador fluminense mostra o quão sensível aos dra- mas sociais deve ser um magistrado. estável e pública união afetiva. muitas vezes negados pelo Estado aos membros da sociedade. com regular apoio e acompanhamento médico.4. Em outro caso semelhante.164 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari sociedade e Estado uma relação dialética e que reclama. que levou a gestação a feliz termo. Felicidade que será tanto mais ampla com o reconhecimento de que tanto uma quan- to a outra requerente. Acesso em: 11 out.com. da comarca da capital do estado de São Paulo.2012. Outro caso idêntico. estabelecida a dupla materni- dade. L. são também mães de direito. Haverá sempre novos direitos e também haverá outros séculos. Aí surge o Judiciário como um dos caminhos para o reconhecimento de direitos. além de serem mães de fato da criança para cuja existência contribuíram. H.. K. M. nos dizeres do também Desembargador e Professor Álvaro Mayrink. em litisconsórcio com os filhos gêmeos E.. pdf>. utilizado normalmente por casais heterossexuais que não podem ter filhos. que em vários casos se utilizam. já bem conhecido e cada vez mais corriqueiro. que as requerentes. do Conselho Federal de Medicina.pdf>. as mulheres requerentes são formal e civilmente casadas na comarca de Jacareí/SP desde 16. havendo viabilidade jurídica da união estável e do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. do Código Civil. no procedimento interno 710/2012. Com isso. civilmente casadas. . proferiu sentença6 favorável ao pedido. os quais foram fertilizados por sêmen proveniente de doação. após o Ministério Público ter expedido parecer favorável.836. em 12 de dezembro de 2008. em razão da urgência. inclusive. No caso em tela. esses últimos que foram transferidos ao útero da gestante escolhida por ambas. Esse procedimento. pelo regime da comunhão parcial de bens. 2012. e que está regulamentada na Resolução nº 1. nada impede. E como bem observou o Ministério Público. o que. prevista no art. 1. Acesso em: 15 out. Acesso em: 11 out.358/1992. que ocorreu no dia 17 de junho de 2011. Segundo o magistrado de Jacareí. e ambas desejam que a criança seja registrada com “dupla maternidade”. pouco importando se provenientes do óvulo de uma ou de outra. e da aprovação pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). seria impossível do ponto de vista biológico. a “autorização do marido”. ajuizaram. no dia 28 de maio de 2012. após deixarem a critério médico a escolha dos embriões. por meio do qual foram coletados óvulos de ambas as re- querentes. então. e. sem distinção de orientação sexual. pedido de declaração de união estável homoafetiva cumulada com 6 Disponível em: <http://direitohomoafetivo. o juiz Fernando Henrique Pinto. Mais um interessante caso foi julgado7 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Processo nº 10. e nem pode impedir após o julgamento do STF sobre a união homoafetiva. e que teve a aprovação do Brasil. de uma resolução histórica. contudo. prossegue o juiz.11.com. As requerentes.. 2012.A Bipaternidade e a Bimaternidade como Consequência da Parentalidade Socioafetiva 165 outra pessoa também do sexo feminino. N. L. do amor que ligou as requerentes em família civil surgiu também a vontade de gerar descendentes.2011. embora sem ações afirmativas. formando uma entidade familiar. tenham acesso e façam uso das mesmas técnicas científicas. inciso V. após o julgamento pelo STF da ADI nº 4277 e da ADPF nº 132. à luz da Constituição Federal deve ser lida como “autorização conjugal”.177. foi providenciado o registro do nascimento do menor constando provisoriamente como mãe apenas a cônjuge gestante. em razão da maior aptidão à viabilidade da gravidez.802. para gerar seus desejados descendentes.br/anexos/juris/127. da chamada “gestação de substituição” ou “doação temporária do útero”. e C. H. 7 Disponível em: <http://direitohomoafetivo. vulgarmente conhecida como “barriga de aluguel”. por meio de procedimento de juris- dição voluntária. em que M.com. Assim sendo. S. destinada a promover a igualdade dos seres humanos. sem ajuda da ciência. sendo então formados embriões viáveis. pelo juiz Cairo Roberto Rodrigues Madruga). participaram de uma fertilização in vitro.br/anexos/juris/12083ef1fd7414ddcf114f02 8c043bb5104c.597. ambas participam: uma doando o gameta e a outra cedendo o útero para realizar a implementação do embrião. 42. contida no artigo intitulado “Homoparentalidade por Adoção no Direito Brasileiro”. também na condição de mãe. que engravidou por meio de inseminação artificial. motivo pelo qual argumenta que. a quem coube custear as despesas e providenciar a documentação necessária ao procedimento.8 em que afirma: “o que deve ser objeto de análise é a aptidão para a parentalidade. a pretensão também merece prosperar. e. se criam laços afetivos que formam uma verdadeira entidade familiar. acabaram por adotar solução provisória de inserir como terceiro nome daquelas o sobrenome K. pois a própria adoção por pessoas com orientação homossexual vem sendo admitida pelo judiciário gaúcho. uma declaração de convivência.166 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari alteração de registros de nascimento de J. com sêmen de doador anônimo. Luiz Felipe Brasil dos Santos. pois. ano III. em 3. e M.. R. nº 5. p. cujo demorado procedimento certamente levaria ao mesmo resultado. nesses relacionamentos. o advento dos filhos. . planejaram a concepção de filho.. C. conforme se pode ver da Ape- lação Cível no 70. cita espetacular frase do juiz Roberto Arriado Lorea. e seu patronímico às crianças. motivo 8 Publicado na Revista do Juizado da Infância e Juventude do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul. como partilha dos bens amealhados pelo esforço comum. Esse processo tem uma característica diferente dos já narrados anteriormente: o material genético e a gestação feita pela mesma mulher. notadamente o paterno.801.013. O juiz argumentou em sua decisão que não se pode olvidar que as relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo são fatos sociais que geram efeitos jurídicos não só de ordem patrimonial. com relação à alteração dos registros de nascimento das crianças.1. seria uma solução reducionista. não o desempenho sexual”. que permite planejarem em conjunto. razão pela qual o reconhecimento da existência de mera sociedade de fato. pautada pela intenção de construir uma vida em comum. Em razão dos entraves para a inserção do nome de ambas as requerentes no registro civil das crianças. para embasar tal entendimento. filhos biológicos de C.592. diante da estabilidade da relação. relatada peio Des. pois. tudo com a colaboração de M. o que não é comum. mas também de ordem pessoal. Disse ele que. os quais vêm criando e educando com enlevo e amor. com a consequente alteração registral pretendida. como fizeram. uma vez que os filhos são fruto de fertilização artificial. por esse motivo. não há motivos para que não se admita no presente caso o reconhecimento da maternidade/filiação socioafetiva ou sociológica. cujos efeitos se resumiriam às questões ma- teriais. postularam o acolhimento dos pedidos para viabilizar a inclusão do nome de M.2006.. sobrevindo o nascimento de um casal de gêmeos. bem como o nome dos seus ascendentes como avós. e.. O magistrado ressaltou que as crianças são filhas biológicas de uma das autoras e que não havia interesses de terceiros envolvidos. relatando que vivem em união homoafetiva há cerca de dez anos. se é admissível a adoção por pessoas com essa orientação sexual. e que. A. tendo formalizado. independentemente do cumprimento das formalidades da adoção. geralmente. educados e sustentados por ambas com amor e dedicação. desde o início. a partir da doação de óvulo proveniente de banco de armazenamento. gerada em útero de substituição de A. Porém.A Bipaternidade e a Bimaternidade como Consequência da Parentalidade Socioafetiva 167 pelo qual o fundamento para a alteração do registro reside na maternidade/filiação socioafetiva ou sociológica. A.2012. aos olhos das famílias e da sociedade. A pequena M. como a Psicologia. A. A. e W. mediante escritura pública de termo de consentimento. A. ingressam com pedido de abertura da jurisdição administrativa. inclusive. sua livre participação na gestação. encampados por profissionais de múltiplas áreas do conhecimento. suportando. 2012.br/anexos/juris/1175c5d8601adbde14a319 111bdea71487a6. da criança M. Afirma o juiz em sua sentença que as pesquisas e estudos oficiais sobre a homo- parentalidade. mas os homens também. do ponto de vista estritamente biológico. M. A.. sempre esteve sob a guarda dos requerentes. em que. os quais vivem em união homoafetiva – convertida em casamento civil – há mais de 15 anos. teoricamente. A. postulando o assentamento civil. T. reconhecidos como filhos de M. – que compartilhou com seu marido todas as agruras e benesses que envolveram o sonho mútuo desse casal em trazer ao mundo um rebento. julgado pela justiça pernambucana. a qual atestou. mas afetivamente. da 1ª Vara de Família e Registro Civil da comarca do Recife. para fazer constar o nome de ambos na qualidade de pais. de W. A. A. A. T. eis que.pdf>. o que é reforçado pela inserção do sobrenome de M. o juiz Clicério Bezerra e Silva. não são apenas as mulheres homossexuais que desejam ter filhos em seus relacionamentos. com alicerce na afetividade e na aplicação da mais moderna hermenêutica jurídica. como terceiro nome de cada um deles. A. tiveram eles a concepção planejada e são criados. No citado caso. como já referido. Em 28 de fevereiro de 2012. com a indicação da paternidade. apenas um dos requerentes poderia ter a paternidade reconhecida com base na consanguinidade. o é. Pediatria.. proferiu sentença9 autorizando o registro de uma criança com dois pais. Serviço Social e do próprio Direito. L. S. Depois de verificarmos a existência de vários casos de dupla maternidade. nascida em 29. Cumpre salientar que a menor M. A. Acesso em: 15 out. no qual ambos os autores poderão ter a pater- nidade simultaneamente reconhecida. da qual resulta a posse do estado de filhos. além de serem. com utilização de material genético do primeiro requerente e de óvulo doado por mulher não iden- tificada.1. nos casos de fertilizações medicamente assistidas realizadas em mulheres que vivem em união homoafetiva. gostaríamos de narrar um caso de dupla paternidade. O objetivo era converter um vínculo precário.. é filha de M. igualmente. Antropologia... as responsabilidades materiais e emocionais advindas desse processo. desta feita. T. que vêm sendo realizados ao redor do mundo há mais de 30 anos. Psiquiatria. temos que 9 Disponível em: <http://direitohomoafetivo. e C.com. . A. A. A. para um vínculo institucionalizado. concebida a partir de inseminação artifi- cial heteróloga. o magistrado.277/DF). não haver diferenças significativas entre o desenvolvimento de crianças criadas por famílias heterossexuais comparadas àquelas criadas por famílias homossexuais. o resultado geral das pesquisas realizadas por diversos autores indica a inexistência de diferenças em relação à habilidade para o cuidado dos filhos e à capacidade parental de pessoas heterossexuais e homossexuais. desenvolvimento da identidade de gênero. que não proclamar tal pretensão corresponderia a uma usurpação principiológica da dignidade da pessoa humana e da cidadania (art. II e III. Realmente. Podemos. proibição de discriminação (art. IV. No que atine aos pais/mães homoafetivos.br/anexos/trabalho_tese/o_direito_%E0_ho- moparentalidade_cartilha_sobre_as_fam%EDlias_constitu%EDdas_por_pais_homossexuais. As pesquisas demonstram. posto que não é o sexo dos pais/mães que irá configurar-se como fator de preponderância ao bom desenvolvimento da criança. optaram por ter filhos. 10 Disponível em: <http://direitohomoafetivo. CF/1988). Assim não poderia ser diferente. da própria matriz estruturante do Estado Republicano de Direito: a democracia. inclusive. as evidências sugerem que o ambiente promovido por pais homossexuais e lésbicas é tão favorável quanto os promovidos por pais heterossexuais para apoiar e habilitar o crescimento “psicológico das crianças”. por fim. caput e I. estabilidade emocional. sob o ponto de vista de sua saúde psíquica.com. e um ato atentatório ao sistema constitucional posto. em diversos casos em que casais homoafetivos. . 5º. 3º. e dos direitos fundamentais à igualdade (art. Argumenta. mas a qualidade da relação que aqueles conseguem estabelecer com essa. CF/1988).pdf>. verifica-se que a multiparentalidade com a dupla paternidade ou maternidade já vem sendo aceita pela jurisprudência pátria. capacidade de adaptação ao meio.263/1996) e. 1º. § 7º. orientação sexual. Acesso em: 15 out. Diante do exposto. ainda. X. 2º da Lei nº 9. da CF c/c o art. ao direito de se ter filhos e planejá-los de maneira responsável (arts. intimidade (art. liberdade. 5º.. CF/1988). CF/1988). caput e 226. dentre outros aspectos. 2012. 5º. que confere ao Supremo Tribunal Federal a chancela de guardião da Carta Maior e ato de incongruência à recente decisão com efeito erga omnes e vinculante (julgamento conjunto – ADPF nº 132/RJ e ADI nº 4.168 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari nenhum prejuízo à criança foi observado. enfrentamento do es- tigma. citar a pesquisa realizada pela American Psychological Association (APA)10 nesse sentido: Não há um único estudo que tenha constatado que as crianças de pais ho- mossexuais e de lésbicas teriam qualquer prejuízo significativo em relação às crianças de pais heterossexuais. A maioria das crianças em todos os estudos funcio- nou bem intelectualmente e “não demonstrou comportamentos egodestrutivos prejudiciais à comunidade”. por meio das técnicas de reprodução medicamente assistida. a multiparentalidade. formando. Rompimento dos vínculos civis decorrentes da filiação bioló- gica. e depende sempre do exame do caso concreto. Paternidade e maternidade reconhecidos. consagrada pela jurisprudência em casos de negatória de paternidade. na esteira do princípio do melhor interesse da prole. necessariamente. Essa hipótese é viável em várias oportunidades. Esse é o pensamento do STJ. é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos. sem que. De fato. 4 A MULTIPARENTALIDADE Pretendemos neste capítulo investigar se é possível ter dois pais e duas mães. em diversos precedentes desta Corte. deve ter aplicação ponderada. A tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação. totalizando três ou quatro pessoas no assento do nascimento da pessoa natural. pois acreditamos que ambas as espécies podem coexistir. 1. É que. tais como nos casos em que for possível somar a parentalidade biológica e a socioafetiva. sobretudo no cenário da chamada “adoção à brasileira”. a assertiva seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva. situação bem diversa da que ocorre quando o filho registral é quem busca sua paternidade biológica. em voto magistral do Ministro Luis Felipe Salomão: Direito de família. No caso de ser o filho – o maior interessado na manutenção do vínculo civil resultante do . Não ocorrência. assim. Ação investigatória de paternidade e maternidade ajuizada pela filha. sem que uma exclua a outra. Ocorrência da chamada “adoção à brasileira”. Por esse motivo acreditamos que a máxima “a parentalidade afetiva prevalece sobre a biológica”. 2. Recurso especial. a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica foi proclamada em um contexto de ação negatória de paternidade ajuizada pelo pai registral (ou por terceiros). hasta ocho abuelos e innumerables parientes. dois padrastos. não há como negar que a existência de famílias reconstituídas repre- 1 FACHIN. 3 Tradução livre para o seguinte texto: “El niño de una de estas familias puede tener dos padres biológicos. Luiz Edson. . haver equiparação entre a adoção regular e a chamada “adoção à brasileira”. ed.170 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari liame socioafetivo – quem vindica estado contrário ao que consta no registro civil. Historia de la familia contemporánea: principales cambios en los siglos XIX y XX. Madrid: Rialp. do mesmo modo. 217. 255-256. 2 PRADA.” 4 TEIXEIRA. ensina Mercedes Vázquez de Prada2 que o filho de uma dessas fa- mílias pode ter dois pais biológicos.2013) (grifo nosso) A doutrina e a jurisprudência vêm repetindo. Ana Carolina Brochado. independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram.604 do CC/02) para os quais não contribuiu. necessariamente. A paternidade biológica gera. 3. p. 18. a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica. 4a Turma do STJ. 4. p. Renata de Lima. Rio de Janeiro: Renovar. hermanastros. Luis Felipe Salomão. 2010. com todos os consectários legais. meio-irmãos. Afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhe- cimento da paternidade biológica.3. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido deduzido pela autora relativamente ao reconhecimento da paternidade e maternidade. irmãos de sangue. E. que o vínculo afetivo prevalece sobre o biológico. no caso. Nesse sentido. Rel. RODRIGUES. São Paulo: Atlas. determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que figurem os réus como pais da requerente (REsp 1167993/RS. p. 2003.2012 e DJe 15. 204. 1. Luiz Edson Fachin1 afirma que a verdade biológica pode não expressar a verdadei- ra paternidade. uma responsabili- dade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada “adoção à brasileira”.12. 2008. Mercedes Vázquez de. dos padrastros. sem exclusão da dimensão biológica da filiação. j. medio hermanos. insistentemente.3 Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues4 também entendem ser possível a existência de uma multiparentalidade: Em face de uma realidade social que se compõe de todos os tipos de famílias possíveis e de um ordenamento jurídico que autoriza a livre (des)constituição familiar. significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. não podendo. no caso de “adoção à brasileira”. Min. hermanos de sangre. até oito avós e inúmeros parentes. socorre-lhe a existência de “erro ou falsidade” (art. 2. em que se cogita a verdade socioafetiva. O direito das famílias entre a norma e a realidade. n. nove enunciados. em Araxá/ MG. construídos sobre as bases de uma relação socioafetiva. o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família aprovou. porque assimilam a figura do pai e da mãe afim como novas figuras parentais. Marcos Jorge. Rio de Janeiro: Lumen Juris. e que serão uma diretriz para a criação da nova doutrina e jurisprudência em Direito de Família. a aprovação dos Enunciados coroa mais uma etapa de um percurso histórico e de evolução do pensamento do Instituto. pode igualmente representar ausência de tutela a esses menores em formação. Um deles diz respeito à multiparentalidade. 2010. Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior5 corroboram esse pensamento e afirmam: Em síntese: parece permissível a duplicidade de vínculos materno ou paterno- -filiais. De acordo com os diretores do Instituto. durante o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família. Não reconhecer esses vínculos. ou antecipadamente ao reconhecimento de paternidade ou maternidade biológica. ou em com- plementação ao elo biológico ou jurídico preestabelecido. 2012. Curitiba. nem por isso. vejamos: Enunciado no 9 do IBDFAM: “A multiparentalidade gera efeitos jurídicos. p. 7 A votação foi promovida pela diretoria da entidade junto a seus membros. esteve ao lado de Édipo enquanto esse vivia na escuridão e morreu defendendo o direito de o irmão ser sepultado. . RODRIGUES JÚNIOR. Direito civil: famílias. vejamos: 5 ALMEIDA. Revista da Faculdade de Direito – UFPR. 6 CATALAN. Marcos Jorge Catalan6 utiliza-se da poesia para concordar com a multiparentalidade: E que não se levante – sem provas convincentes e argumentos válidos – que tudo isso provocará desvios e distúrbios na personalidade dos infantes e dos adolescentes que vivenciam cada uma dessas histórias. como o caso é polêmico. Walsir Edson. Ao contrário. Renata Barbosa de. 143-163.7 que são resultado de 16 anos de produção de conhecimento do instituto. p. principalmente quando um deles for socioafetivo e surgir. No dia 22 de novembro de 2013. 383. mostrou qualquer maldade em seu coração. Um ensaio sobre a multiparentalidade: explorando no ontem pegadas que levarão ao amanhã. Antígona era neta da mãe e irmã do próprio pai e. A Multiparentalidade 171 senta a possibilidade de uma múltipla vinculação parental de crianças que convivem nesses novos arranjos familiares. ao lado de seus pais biológicos. 55.” Porém. os primeiros julgados sobre o tema foram no sentido de que seria impossível uma pessoa ter duas mães e/ou dois pais. Preliminares. que deixou isso bem claro. não havendo que se falar em cerceamento do direito de defesa. quando o pedido de adoção é formulado por casal homossexual. No entanto. pois encontramos mais decisões de que é possível do que im- possível. Apelação Cível 70027112192. AC 2010. porque acreditamos que. Reconhecimento de dupla maternidade – mãe de criação. Efeitos meramente patrimoniais. a duplicidade de mães não deve ser admitida quando requerida pela pretensa filha se não houve a mani- festação da possível mãe de criação no sentido de tê-la como filha. Claudir Fidélis Faccenda. Recurso conhecido e não provido.2009). DJEMS 28. Maternidade socioafetiva.1. Ocorre. Ação declaratória de maternidade c/c petição de herança. se na visão do magistrado as provas apresentadas nos autos mostraram-se adequadas e suficientes. o pedido configura-se juridicamente impossível. . Campo Grande. São essas decisões que passaremos a apresentar. p. como no interessante julgado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Impossibilidade jurídica do pe- dido. em certos casos. De acordo com o artigo 131 do CPC. 35). Impossibilidade jurídica do pedido reconheci- da de ofício. Deve ser reconhecida a tempestividade do recurso interposto dentro do prazo estabelecido no artigo 508 do CPC. Oitava Câmara Cível. embora alegue a existência de paternidade socioafetiva.172 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Apelação cível. Processo extinto. Ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva.027554-3/0000-00. Impossibilidade. cabe ao julgador avaliar as provas produzi- das. Ausência de interesse do autor em ver desconstituída a paternidade registral. Oswaldo Rodrigues de Melo. 2. Rel. não pretende afastar o liame parental em relação ao pai biológico. Há em nossa jurisprudência alguns indícios de que isso pode ocorrer. Recurso conhecido e não provido (TJMS. Intempestividade. Des. Rel.2011. mormente considerando que não formava um casal homossexual com a mãe adotiva. Considerando que o autor. Entretanto. Recurso prejudicado (TJRS.4. j. deve ser prestigiada a valoração do conjunto probatório e o livre convencimento motivado que lhe foi conferido. Des. na medida em que ninguém poderá ser filho de dois pais. Afas- tadas. que com o passar do tempo os posicionamentos jurisprudenciais estão se modificando. sendo que. pretendemos investigar a possibilidade de isso ocorrer na parentali- dade socioafetiva. Fins meramente econômicos. Terceira Turma Cível. Mérito. porém. não há necessidade de essa forma de parentalidade excluir a biológica. Cerceamento do direito de defesa. conforme a seguir: Apelação cível. Os Tribunais Superiores têm admitido a dupla maternidade. sendo inconteste que a autêntica maternidade não se funda na verdade biológica. Manutenção do registro com a declaração da paternidade biológica. sendo também reconhecida como mãe por ambos. além da adoção.0024. foram morar com a tia. Caetano Levi Lopes. apta a gerar direitos sucessórios. Apelação Cível 1. 1. retrataremos o caso ocorrido em Minas Gerais. A Multiparentalidade 173 No caso em tela. tais como a paternidade socioafetiva. Determinação do pai biológico através do exame de DNA. onde. fornecendo-lhes amparo material e emocional. na verdade afetiva. a maternidade socioafetiva deve ser reconhecida.593 do Código Civil de 2002 dispõe que o parentesco é natural ou civil. aumenta e se aperfeiçoa ao longo da vida dele. 2a Câmara Cível. Des. pelo ato de convivência. O art. Apelação conhecida e não provida. mantida a sentença que acolheu a pretensão inicial (TJMG. 4. Recurso não provido.2010).7. Presença da relação de socioafetividade. há reconhecimento legal de outras espécies de parentesco civil. A parentalidade socioafetiva envolve o aspecto sentimental criado entre parentes não biológicos. Mais importante que a maternidade biológica é a exteriorização do instituto ma- ternal. Ação declaratória. o Tribunal entendeu que a coexistência da dupla maternidade dependeria do requerimento da filha. Comprovado o vínculo afeti- vo durante mais de trinta anos entre a tia já falecida e os sobrinhos órfãos. Assim.803827-0/001. vejamos: Apelação cível. mesmo antes do falecimento da mãe biológica. public. não se pode negar o vínculo em situação em que resta devidamente demonstrado que os laços entre os menores e a falecida tia eram fortes o suficiente para caracterizar a filiação socioafetiva. Reconhecimento. Prevalência sobre a biológica. Assim. . Será que não seria essa a hipótese em que a maternidade biológica e a socioafetiva deveriam coexistir. que. revertendo a relação de todos os requisitos de mais pura e verdadeira adoção. 3. 1. Para justificar a tese da importância de se debater o tema. 2. pois este envolve o verdadeiro amor que se origina a partir do nascimento do ser humano. Maternidade socioafetiva. 9. Rel. conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. então com nove e três anos de idade. os menores. O caso foi assim decidido pelo tribunal mineiro: Apelação cível.07. Ação de investigação de paternidade. gerando uma dupla maternidade? O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu que “nem a pater- nidade socioafetiva e nem a biológica devem prevalecer uma à outra”. assumindo a maternidade deles perante a família e a sociedade. obteve a guarda dos sobrinhos. após óbito da irmã. de vontade e de amor e prepondera em relação à biológica. sim. mas. Claudir Fidélis Faccenda. conforme afirmação da própria autora. 7. Há de se ressaltar que o Sr. afetiva e ontológica. Apelo provido (TJRS. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra.2009). é necessário apresentar motivos sérios. substanciais. Teoria tridimensional. Indeferimento de pedido de contraprova. pode a parte impugnar o DNA.597 do Código Civil. E. j. Inocorrência..5. A intenção da autora é apenas de ter o nome de seu verdadeiro pai biológico em seu assento. mesmo que mínima. Ausência de comprovação de vício na produção do exame de DNA. III – Não há razões nos autos que levem a justificar a nulidade do registro de nascimento. que realmente permitam pôr em dúvida o resultado obtido. 8a Câmara. Ação de investigação de paternidade. que é genética. Des. automaticamente o intitulou de padrasto. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. J. Pre- valência da paternidade socioafetiva e da relação familiar construída ao longo de 27 anos. Paternidade socioafetiva × biológica.174 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Possibilidade. Adoção à brasileira. após a morte. Apelação Cível 70029363918. Agravo retido improvido. I – Embora se leve em consideração a existência de margem de erro. II – Comungo com as correntes doutrinárias que entendem que a “adoção à brasileira” não pode ser desconstituída após vínculo de socioa- fetividade. e 227 da Constituição Federal). E. § 6o do art. não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição humana tridimensional. se a parentalidade biológica não se sobrepõe à socioafetiva por serem iguais. 1.596 e 1. Cerceamento de defesa.593. Mesmo havendo pai registral. pelo princípio da dignidade da pessoa humana. considerou o Sr. por 27 anos viveram uma perfeita relação de pai e filha e pelo simples fato de não ser o pai biológico da autora. 227). não deveriam elas coexistir? O Tribunal de Justiça do Maranhão parece ser simpático a essa tese: Apelação cível. ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. ou seja. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1. mas para que seja deferida. o filho tem o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF. por livre e espontânea vontade. na medida em que o mero inconformismo da parte com o resultado do laudo pe- ricial não é razão suficiente para que seja determinada a sua repetição. Ambas as paternidades são iguais. como pai. J. Não havendo nenhum erro ou coação para tal atitude que justifique a anulação do registro (precedente do Superior . Ao longo de vários anos. Agravo retido improvido. Rel. Provimento do apelo. Assim. demonstrou e efetivou o interesse em ter a Apelada como filha. desconsiderando por completo a relação familiar havida entre eles. 036654-5/0001-00.3.614 do Código Civil e artigo 27 da Lei no 8. Circunstância que inviabiliza a necessidade de investigação sobre eventual paternidade socioafetiva entre as partes (TJRS. ou seja. 33). Des. comprovada por exame de DNA. vejamos: . DJERS 25. AC 70033740325.5. para mostrar que o caso é muito polêmico. vejamos: Embargos de declaração em apelação cível. A Multiparentalidade 175 Tribunal de Justiça). Campo Grande. Contexto que demonstra a ocorrência de erro e vício na manifestação da vontade. também. onde a Terceira Turma decidiu. Des. EDcl-AC-Or 2010. conforme determina o artigo 1. Vejamos a ementa: Negatória de paternidade.. Apelação Cível 002444/2010. motivo pelo qual o julgado faz completo sentido. mesmo em casos que o filho nunca se relacionou com o pai bio- lógico.2010). Cív. De- vem ser providos os embargos de declaração quando constatada a existência da omissão apontada pelo embargante. em face de ser casado com a mãe das apeladas. verificamos. Todavia. o próprio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também possui julgado no sentido de que a parentalidade bio- lógica só prevalece se não houver a socioafetiva. o inverso do que vimos acima. Nelma Celeste Souza Silva Sarney Costa. Porém. ser possível a existência de dupla maternidade ou paternidade.069/1990 (TJMS. Rel. Desa. no mesmo ano. que a parentalidade socioafetiva se sobrepõe à biológica. Rel. j. a Quinta Turma entendeu. DJEMS 24. A paternidade socioafetiva sobrepuja à biológica e.2010). 8a C. Rela.6. Caso em que a prova dos autos mostrou que o pai registral pro- cedeu ao registro na certeza de que era pai biológico. Luiz Tadeu Barbosa Silva. IV – Apelo provido (TJMA. essa paternidade deve ser compromissada com a verdade e tem refle- xos patrimoniais que. Ocorrência de erro substancial no registro de nascimento. como vimos anteriormente. Entretanto.2011. que o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Quinta Turma Cível. Recurso provido. visto que ela pode existir e produzir os seus efeitos jurídicos. Rui Portanova. acreditamos que o posicionamento da Quinta Turma do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul nesse sentido se deve ao fato do desejo de dar à parentalidade socioafetiva uma grande importância. como o tema é muito polêmico. que a parentalidade biológica se sobrepõe à socioa- fetiva. Contudo. confirmado pela inexistência de paternidade biológica. Omissão verificada e sanada sem alterar o resultado do julgamento da apelação. justos ou não. 22. situação que nos deixou atônitos foi verificar. são legais. p. em um julgado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 0286. seu pai conheceu a apelante 8 Acórdão disponível em: <https://esaj.1 O CASO QUE RECONHECEU A NECESSIDADE DE COEXISTÊNCIA DAS PARENTALIDADES BIOLÓGICA E AFETIVA EM RESPEITO À MEMÓRIA DA MÃE FALECIDA. Imprescritibilidade e não sujeição à decadência. 1. .176 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Ação de investigação de paternidade cumulada com anulação de registro civil.8. da 2a Vara Cível da Comarca de Itu/SP.26. Rel. Acesso em: 23 out. Prevalência da paternidade biológica. Ricardo Raupp Ruschel. Des.1.tjsp. em decorrência de acidente vascular cerebral.. que não o seu pai biológico.2010). em decorrência de a parentalidade socioafetiva coexistir com a biológica. Prelimi- nares rejeitadas e recurso de apelação desprovido (TJRS. DJERS 22. 2013. Investigação de paternidade e anulação de registro civil. o simples fato de alguém haver sido registrado por outrem. quando já existente nos autos prova pericial. 7a C.6.8 interposta contra sentença proferida pelo juiz Cássio Henrique Dolce de Faria. Consta da inicial que o autor. porém foi afastado o reconhecimento da filiação socioafetiva. cumulada com reti- ficação de assento de nascimento. AC 70029502531. Se os apelantes foram citados por edital e a contestação apresentada por curador especial nomeado pelo juízo. Meses após. ainda que haja decorrido o prazo do art.jus. Sendo imprescrití- vel a ação investigatória de paternidade. MULTIPARENTALIDADE MATERNA NO ESTADO DE SÃO PAULO O citado caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. na Ape- lação Cível 0006422-26. nem obsta a investigação de paternidade em relação a terceiro. do pai biológico e da mãe. apenas para incluir no assento de nascimento do requerente o patronímico da coautora.2011. 4. nascido em 26. Assim. Não comprovação da ocorrência de filiação socioafetiva da autora com o pai registral. que foi julgada parcialmente procedente.1993. não há falar em cerceamento de defesa. é esse o ponto central do nosso trabalho. Cív. a existência de um pai registral não configura por si só a paternidade socioafetiva. não pode impedir a livre investigação da verdadeira filiação. Preliminar re- jeitada. Embora a autora tenha ajuizado a presente ação somente após a morte do pai registral.do?cdAcordao=6104770&v lCaptcha=FtqAp>. perdeu sua mãe biológica três dias depois do parto. Trata-se de ação declaratória de maternidade socioafetiva. Nulidade da sentença. mormente quando exame de DNA aponta o investigado como o pai biológico da autora. no qual iremos enfrentar o tema para analisar se haveria ou não a possibilidade da dupla maternidade e/ou dupla pa- ternidade. não requeridas outras provas. Cerceamento de defesa.br/cjsg/getArquivo.614 do CCB. que comoveu toda a comunidade. que a homenageou.566/RS. Alcides Leopoldo e Silva Junior. integralmente. que decorre da posse do estado de filho. 3. na Constituição Federal. 1. Dr. 227. 3o). de que se trata de parentes. No caso dos autos. sobressaindo em todas as ima- gens. aliado ao afeto e considera- ções mútuos. da CF). § 6o. pois o art. Justifica o ilustre julgador que a formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade. com a frase acima. § 3o. A outra frase citada é que: . sem dúvida alguma. de forma a não deixar dúvida. já adulto e estudante de Direito.5.5. em que ela afirma que: a filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da perso- nalidade humana. Rel. vítima de infortúnio. com quem convive até o presente. nas festas. mas por respeito à memória da mãe. haja vista o reconhecimento da união estável como en- tidade familiar (art. III). Anuímos. a quem não conhece. Para fundamentar a sua decisão. nas reuniões da escola. 226. ao tratarmos da importância da aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas.593 do Código Civil é expresso no sentido de que “o parentesco é natural ou civil. nos passeios. DJe 11. cita em seu voto que a filiação não decorre unicamente do parentesco consanguíneo. além da formação de uma sociedade solidária (art.2011). da CF) e o fato de as relações familiares deitarem raízes na Constituição da República. como pudemos verificar anteriormente. e sua manifestação pública. durante muitos anos. com quem mantém estreito relacionamento. 1o. motivo pelo qual a expressão de “outra origem”. e foi por ela criada como filho. haja vista que o pilar de sustentação da socioafetividade está. mesma profissão da requerente. participando efetivamente de fatos e momentos importantes na formação da criança. O desembargador relator. optou pela ação declaratória para que não fosse retirado da criança esse vínculo de parentesco. a expressão de felicidade. Min. desde aquelas em que ainda está seguro no colo. nos seus aniversários. A Multiparentalidade 177 e se casaram quando a criança tinha dois anos. mas também na reclusa do lar. que tem como um dos princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. até as mais recentes. realmente.2011. e por carinho à família dela. que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da criança (REsp 450. Nancy Andrighi. j. a proibição de designações discriminatórias relativas à filiação (art. o magistrado afirma que as fotografias anexadas mostram a au- tora. nas viagens. Terceira Turma. A autora poderia simplesmente adotar o enteado. pode ser a filiação socioafetiva. ele cita frases da Ministra Fátima Nancy Andrighi. fruto de longa e estável convivência. atribuindo seu nome a uma rua e a um Consultório Odontológico Municipal. em dois julgados referenciais sobre o tema. conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. 6. de maneira indelével. j. a posse do estado de filho. restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico (REsp 1. forma a não deixar dúvida. . sem prejuízo e concomitantemente com a maternidade biológica. 1. quer da paternidade socioafetiva. Recurso provido. e de sua família – Enteado criado como filho desde dois anos de idade. Nancy Andrighi. assim. outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção. Aliás. pelo caminho da legalidade (diversamente da via comumente chamada de “adoção à brasileira”).2011.593. A ementa dada ao presente caso ficou redigida da seguinte maneira: Maternidade socioafetiva. como não se evidencia qualquer tipo de reprovação social. DJe 15. mesmo por meio de ação de investigação de paternidade. na qual se encontre caracterizada. sem risco à ordem jurídica. fruto de longa e estável convivência.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho. a priori. ao contrário. Min. fundada na posse do estado de filho.9. a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental pro- veniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante. Terceira Turma. declarando a maternidade socioafetiva da madrasta da criança. pela afeição.189. com quem não possui laços biológicos.663/RS. dá a esse o direito subjetivo de pleitear. 1. no art. falecida em decorrência do parto. relativo ao art. Também ratificamos esse posicionamento. vem se consolidar situação de fato há muito tempo consolidada.9. inclusive. Rel. acolhendo. Assim. o reconhecimento desse vínculo. e que conste do assento de nascimento. É nessa linha que. trazendo uma série de deveres para a pessoa que pretende tal pedido. que assim dispõe: Enunciado no 103 do CJF: O Código Civil reconhece. aponta o Enunciado no 103 da 1a Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF). considerando que a Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso. de que se trata de parentes – A formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. com to- das as consequências jurídicas que a parentalidade sanguínea irá ensejar nesse caso. em juízo. pois acreditamos piamente nesse direito de pleitear o reconhecimento do vínculo biológico. Respeito à memória da mãe biológica. satisfazendo anseio legítimo dos requerentes e de suas famílias. Filiação socioafetiva que tem amparo no art.178 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva. a quem não conhece. Preservação da Maternidade Biológica.593 do Código Civil. vale a reflexão de que não há gesto mais belo do que buscar a declaração da parentalidade de um filho afetivo. 1.2011). esse foi provido. A Multiparentalidade 179 4.2 O JULGADO DE MULTIPARENTALIDADE FRUTO DA RELAÇÃO DE PADRASTIO E MADRASTIO . MULTIPARENTALIDADE PATERNA EM RONDÔNIA Em 13 de março de 2012, a juíza de direito da 1a Vara Cível da comarca de Ari- quemes, Estado de Rondônia, Dra. Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz, proferiu sentença nos autos do Processo 0012530-95.2010.8.22.0002, em que uma menor, representada por sua genitora, propôs ação de investigação de paternidade contra seu verdadeiro pai biológico, cumulada com anulação de registro civil em desfavor de seu padrasto, que a reconheceu como se filha sua fosse, por meio da adoção à brasileira. A genitora da autora tornou-se companheira do pai biológico da menina na ado- lescência e sua união com ele perdurou por quatro anos (1996 a 2000), tempo da concepção da menor, ocorrida em dezembro de 1999. Antes de tomar conhecimento da gestação, a mãe da menor separou-se juridica- mente do pai biológico da menina e foi viver com outra pessoa, que, ciente da situação, reconheceu a paternidade da menina que estava por nascer. Essa união foi efêmera, pois durou apenas até a autora completar quatro meses de vida. Ao tomar conhecimento da possibilidade de alterar o registro de nascimento da filha, a genitora decidiu ajuizar a mencionada demanda para lançar o nome do pai biológico em seu assento de nascimento em substituição ao nome do seu padrasto. A prova pericial de DNA feita com material genético do indigitado pai apresentou resultado positivo, todavia, verifica-se na sentença que pelo estudo social e psicológico realizado nos autos apurou-se que não houve erro, dolo ou coação por parte do pai registral da menor no momento em que reconheceu a sua paternidade, mormente porque tinha ciência e era sabedor de que não se tratava de sua filha biológica, mas de outrem. No citado estudo, verificou-se que, quando nasceu a autora, o companheiro de sua mãe registrou-a como se sua filha fosse e com ela estabeleceu forte vínculo afetivo, e, mesmo sabendo da inexistência de laços consanguíneos em comum, considera-se como pai dela. E a recíproca é verdadeira, pois o estudo social e psicológico revelou que a autora nutre fortes laços de amor pelo pai registral, bem assim por sua família, reconhecendo a ele e a sua avó paterna como sua família de fato. O pai registral da menina, mesmo após a separação da genitora da autora, nunca a abandonou, tanto que, em diversos momentos de adversidade enfrentados por ela, acolheu-a em sua residência e da avó paterna registral, período esse que foi relevante para a aproximação e o estreitamento dos laços de afetividade entre eles, pois foi a avó registral quem cuidou da menor nos longos períodos de ausência da genitora. De outro norte, consta dos autos que a menina só conheceu o seu pai biológico no dia da coleta do material para exame de DNA, em fevereiro de 2011, e com seus 11 anos de idade, no início da adolescência, mostrou-se feliz em contatar seu possível pai biológico. 180 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Com o resultado positivo da paternidade, o pai biológico se aproximou da autora, deu-lhe presentes e a levou para conhecer sua família na cidade de Jaru/RO, bem como declarou em audiência o desejo de reconhecer a paternidade na hipótese de resultado positivo de exame de DNA. Após ser ouvida pela assistente social e psicóloga do juízo, a menina demonstrou à equipe interprofissional compreender a complexidade da situação em que estava envolvida, verbalizando que sua família é a do seu pai registral, mas que com a aproxi- mação do pai biológico também terá outra família para lhe acrescentar, demonstrando empolgação com a possibilidade de novas visitas na casa do pai biológico, e dando indícios de que seria mais feliz com uma multipaternidade. A psicóloga afirmou que a autora manifestou interesse na alteração de seu registro de nascimento trocando o nome do pai, mas que, todavia, mantém, também, laços sólidos de afetividade com o pai registral e sua família, reconhecendo-o como tal e que pretende manter contato e vínculos com as duas figuras paternas em sua vida, pois os considera importantes. Dessa forma, afirmou a juíza que a pretendida declaração de inexistência do vínculo parental entre a autora e o pai registral afetivo fatalmente prejudicará seu interesse, que, diga-se, tem prioridade absoluta, e assim também afronta a dignidade da pessoa humana. Não há motivo para ignorar o liame socioafetivo estabelecido durante anos na vida de uma criança, que cresceu e manteve o estado de filha com outra pessoa que não o seu pai biológico, sem se atentar para a evolução do conceito jurídico de filiação, como muito bem ponderou a representante do Ministério Público em seu laborioso estudo, quando trouxe reflexões importantes acerca da filiação socioafetiva e biológica. Segundo a juíza, a questão demanda uma análise muito mais aprofundada da dinâmica social e uma releitura dos princípios constitucionais, em especial o da dig- nidade da pessoa humana, pois é certo que no ordenamento jurídico atual a ligação socioafetiva consolidada entre pais e filhos deve ter proteção jurídica, não sendo permitido ao Estado ignorar as relações de fato estabelecidas no ECA, intimamente ligadas com a afetividade, já que essas relações estão recheadas de afeto com vistas ao bom desenvolvimento moral, espiritual e social. No caso em análise, ainda afirma a juíza, restou evidente que a pretensão da decla- ração de inexistência do vínculo parental entre a menina e o pai registral partiu de sua genitora, que, na tentativa de corrigir “erros do passado”, pretende ver reconhecida a verdade biológica, sem se atentar para o melhor interesse de sua própria filha, que já revelou reconhecer o pai registral como tal, e que este, por sua vez, não manifestou interesse algum em negar a paternidade, tanto o é que em contato direto com a autora verbalizou que, mesmo ciente da ausência do vínculo de sangue, considerava-a como sua filha e a amava muito. Resultado: ambos se amam e isso basta para conceder efei- tos jurídicos à paternidade socioafetiva para preservar o melhor interesse da menor. A Multiparentalidade 181 Corretamente, em nosso sentir, a juíza afirmou que a discussão da existência de dois pais no assento de nascimento da criança tem tomado corpo nos últimos anos, em decorrência da relevância socioafetiva, que, em certos casos, se sobrepõe à biológica, motivo pelo qual se tem autorizado o reconhecimento da existência de ambos os víncu- los. Em caso como o presente, em que o pai registral resolveu reconhecer a paternidade da criança, mesmo sabedor da inexistência do vínculo sanguíneo, e durante longos anos de sua vida lhe prestou toda assistência material e afetiva, não a abandonando, mesmo após a separação da genitora, merece respeito e reconhecimento pelo Estado. Assim sendo, finaliza a magistrada, é mister considerar a manifestação de vontade da autora no sentido de que possui dois pais, aliada ao fato de que o pai registral não deseja negar a paternidade afetiva e o biológico pretende reconhecer a paternidade consanguínea, motivo pelo qual deve ser acolhida a proposta ministerial de reco- nhecimento da dupla paternidade registral da autora, sendo, dessa forma, julgada procedente a demanda para manter a paternidade registral e determinar a inclusão do pai biológico no assento do nascimento. Desta feita, verificamos mais uma interessante aplicação da multiparentalidade, em um caso no qual não há união homoafetiva, em que verificamos sólidos argumentos da magistrada, que, corretamente, em nosso sentir, tomou a decisão acima, pensando, sempre, no melhor interesse da criança. 4.3 OUTRO CASO DE MULTIPARENTALIDADE FRUTO DA RELAÇÃO DE PADRASTIO . ADOÇÃO PARA GERAR A MULTIPARENTALIDADE PATERNA NO ESTADO DO PARANÁ Em 20 de fevereiro de 2013, o juiz de direito da Vara da Infância e Juventude da comarca de Cascavel, Estado do Paraná, Dr. Sérgio Luiz Kreuz, proferiu sentença nos autos do Processo no 0038958-54.2012.8.16.0021, em que o pai afetivo de um menor de 15 anos de idade à época propôs ação de adoção, alegando que o adolescente convive com ele desde os 3 (três) anos de idade, aproximadamente, com o qual mantém boa relação e que o genitor dele (pai biológico) manifestou a concordância com o pedido. Na audiência o requerente apresentou emenda à inicial para incluir no pedido de adoção a manutenção da paternidade biológica, concomitantemente com o deferi- mento da adoção, bem como requerendo o acréscimo do seu patronímico no nome do adolescente. Manifestou-se o Ministério Público pelo deferimento do pedido, argumentando, em síntese, que, inicialmente, em relação às provas documentais trazidas aos autos, demonstra-se, desde logo, a anuência do pai registral com o pedido de adoção por parte do padrasto. Em relação às provas materiais produzidas em audiência, destaca a aquiescência do pai registral, declarando que aceita a adoção pelo pai socioafetivo 182 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari visando ao bem do adolescente. Em relação à oitiva do adolescente, percebe-se a afetividade do adotando com ambos os pais, o registral e o socioafetivo. O juiz reconheceu na sua decisão que se tratava de um caso absolutamente inédito naquele Juízo, que decorre dos formatos familiares contemporâneos, para os quais o Direito nem sempre tem solução pronta, pacífica, consolidada. Reconheceu também o magistrado ser inegável que a família mudou e o caso dos autos é reflexo dessas transformações, motivo pelo qual cabe ao Direito, portanto, encontrar soluções para atender a essas novas configurações. Extrai-se dos autos que os genitores do adotando foram casados por 11 anos e nesse matrimônio tiveram apenas o filho A. Quando a criança tinha aproximadamente dois anos, aconteceu a separação e o divórcio. A guarda do filho permaneceu com a genitora, porém o pai biológico manteve contato e visitava o filho todos os finais de semana. Ocorre, porém, que ambos os genitores constituíram novas famílias. A genitora com o autor da ação e o pai com outra mulher, com a qual também tem filho. O reque- rente informou que estava casado com a genitora do adotando há aproximadamente 11 anos, e que o tempo de convívio criou vínculos e estabeleceu laços de afetividade, que agora pretendem ver reconhecidos pelo direito, através da adoção. Verifica-se no termo de audiência que todos os envolvidos imaginavam que para verem reconhecida, pelo Direito, a filiação socioafetiva seria necessário renunciar, excluir a paternidade biológica e afetiva com o genitor, motivo pelo qual, segundo o juiz, foi indescritível o momento de alívio, de felicidade, tanto do adotando, como do genitor, da genitora e do próprio requerente, quando o Ministério Público, por meio do Dr. Luciano Machado de Souza, cogitou uma solução alternativa, ou seja, o reconhecimento da filiação socioafetiva, sem a exclusão da paternidade biológica. Afinal de contas, o próprio adolescente informa que chama de pai tanto o requerente quanto o genitor. Há muito tempo o menor tem dois pais, e gostaria muito que essa situação de fato estivesse retratada no seu registro civil, pois ficou demonstrado que tem laços de afeto com ambos, a tal ponto que, mesmo convivendo com a genitora e o requerente, continua visitando o genitor regularmente. O pai biológico do menor declinou que estava de acordo com o pedido de adoção, ciente dos direitos e obrigações dela decorrentes, pois acredita que será melhor para seu filho, pois sabe que o requerente sempre cuidou bem dele, que o mesmo está muito bem em sua companhia, mas que todo final de semana o menor o visita em casa, onde também é tratado como filho. Esclareceu, ainda, que nunca esteve ausente na vida do filho, embora reconheça que não teve oportunidade de auxiliá-lo muito no aspecto financeiro, já que suas condições econômicas não eram favoráveis, e fez questão de declarar que ama muito seu filho, motivo pelo qual gostaria de manter a paternidade no registro, ao lado da paternidade do requerente, a quem também considera como pai do adolescente. A Multiparentalidade 183 A genitora do adolescente afirmou que o adotando realmente mantém ótimo relacionamento tanto com o genitor como com o requerente, e que chama ambos de pai. Esclarece que o pai biológico sempre foi presente e nunca abandonou o filho e continuam mantendo as visitas regulares. Assim sendo, afirmou o magistrado, os fatos demonstraram que ambos, o pai bio- lógico e o requerente, exercem o papel de pai do adolescente, razão pela qual excluir um deles da paternidade significaria privar o adolescente da convivência deste, pois certamente haveria um afastamento natural, o que só viria em prejuízo do próprio adolescente. Segundo o juiz, esses fatos devem ser transferidos para a realidade jurídica, le- vando em consideração, em especial, os princípios que orientam o Direito de Família e o Direito da Criança e do Adolescente, em especial o do melhor interesse da criança e do adolescente, tendo em vista que a legislação existente é lacunosa em relação a situações como a dos autos, o que, evidentemente, não significa que exista o direito. Na sua opinião, a família contemporânea, ao passar do sistema patriarcal romano para o atual modelo, passou a ter sua base nas relações de afeto entre seus membros e a ser um instrumento de realização pessoal, e não um fim em si mesmo. Interessante observar que com o desenvolvimento de modernas técnicas científicas que conseguem precisar com certeza praticamente absoluta a filiação genética, esta aos poucos vai perdendo espaço, dando lugar a uma nova forma de filiação, a filiação socioafetiva, afirmou. Para o julgador, pai, portanto, não é somente aquele que gera o filho, mas princi- palmente aquele que se apresenta socialmente como pai, é reconhecido como tal pela sociedade e cultiva por muito tempo laços de afeto. O vínculo de filiação afetiva se estabelece com o tempo, afirma, com a convi- vência, com os cuidados, com a assistência material, espiritual, psicológica, enfim, com dedicação de amor e de afetividade, e apresenta-se nesse comportamento, que poderíamos classificar como sendo de conteúdo interno, mas também por meio de um comportamento exteriorizado, público, social, como, por exemplo, nas relações escolares, de modo que se apresenta como verdadeiro filho. Segundo o magistrado, a filiação socioafetiva pode estar acompanhada de outros tipos de filiação, pois o filho pode ser ao mesmo tempo biológico, registral e socioafe- tivo. A filiação também pode ser registral e socioafetiva, mas não biológica. É o caso da filiação que se estabelece por adoção, a chamada adoção à brasileira, bem como pela paternidade assistida heteróloga. O pai aparece no registro e mantém uma rela- ção de afetividade filial com a criança, mas não é o genitor biológico. Outra situação é a paternidade biológica e socioafetiva, mas não registral. É o caso, por exemplo, do filho que está registrado apenas no nome da mãe e convive com o pai, mas não consta no registro de nascimento o nome do genitor. Ainda é possível apenas a filia- ção socioafetiva, que nesse caso não coincide nem com a filiação biológica, nem com provavelmente ignorando uma solução alternativa. visivelmente. a quem também chamava de pai e com quem continuava mantendo relações afetivas intensas. pois são situações em que crianças e adolescentes acabam. O genitor biológico e o pai socioafetivo. recuperou o filho (I Reis. já que tem por este grande admiração. de modo que de acordo com a Constituição Federal são iguais em direitos e em obrigações. mesmo contrariado. inde- pendentemente das origens genéticas. como se extrai dos depoimentos das partes. ou seja. da pluralidade de modelos familiares. de criar situações jurídicas inovadoras. mas de um fenômeno de nossos tempos. Mas o adolescente. os genitores e o requerente. que evidentemente não atendia integralmente ao desejo do adolescente e muito menos do pai biológico. estava numa situação de ter que escolher a quem deveria chamar de pai. Não se trata. das famílias reconstituídas. como é o caso dos autos. sentencia o julgador. as soluções nem sempre são simples. em que a verdadeira mãe. em razão do natural afastamento em razão de nova família que construiu. E assim. continuava sendo seu pai. esteve presente nos momentos de alegria e nos momentos mais difíceis. Os genitores estiveram casados por algum tempo. ainda pequeno. 16-28). a verdadeira filiação é aquela que emerge da afetividade. e nisso houve a concordância de todos os envolvidos. uma biológica e registral e outra socioafetiva. também estivesse no seu registro de nascimento. por ser verdadeira mãe. além da genitora e do próprio adolescente. O novo companheiro da genitora do adotando passou a cuidar deste.184 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari a filiação registral. tendo efetivamente dois pais ou duas mães. afirma o juiz que ficou imaginando o sofrimento psicológico pelo qual esse jovem passou nos últimos tempos ao ter que tomar uma decisão tão difícil. para atender ao interesse de seu filho. Na decisão. mas é meramente socioafetiva. a solução que lhe pareceu ser a mais razoável. já tinham tomado uma decisão. também. ensinou- -lhe valores. a tal ponto que ele o chama de pai e deseja ver essa relação formalizada no assento de nascimento. principalmente. ou seja. o pai biológico. Afirma o nobre julgador que nesse contexto de famílias reconstituídas. 3. nas atividades de lazer. separaram-se e reconstituíram suas famílias. tiveram um filho. com amor filial. quando ouvido em audiência e. pois o adotando queria apenas que seu pai socioafetivo. no início do ato. de ora em diante. que precisa ser enfrentado também pelo Direito. como é o caso dos denominados filhos de criação. Para o magistrado. além do parecer . O adotando. Restou evidente que no caso dos autos há duas filiações nitidamente estabelecidas. na vida real. Por outro lado. segundo ele. para o bem de seu filho e para que este não fosse morto. Impossível não lembrar do julgamento do rei Salomão. demonstrou certo constrangimento. fora da abran- gência dos princípios constitucionais e legais. abriu mão da maternidade. a tal ponto que costuma visitá-lo praticamente todas as semanas. Quanto aos efeitos do reconhecimento da multiparentalidade. consente em abrir mão da paternidade que sempre exerceu. não se admitindo qualquer discriminação. o adolescente. como se filho fosse. na medida em que seu pai biológico. que desde os primeiros anos de vida o acompanhou na escola. optar por um ou outro pai. no entanto. de amor. e mantêm relacionamento respeitoso e amigável. Poder Judiciário. Por fim. o que certamente facilitará o exercício da autoridade parental (poder familiar) agora não somente pelos dois genitores. mas também pelo requerente (pai socioafetivo). para todos os efeitos. pela convivência saudável. por laços de confiança. pois. afirma o sentenciante. também ao pai biológico. Se é pai. ao nome do adolescente foi acrescido. evidentemente. cujo vínculo não será afetado pela adoção por parte do requerente. Por tais razões. Mas. uma vez reconhecida a paternidade. quando o cônjuge adota o filho do outro. de modo que o próprio ECA. amorosos. Tanto uma solução quanto a outra atendem aos interesses das partes e firmam a filiação. pondera ainda o julgador. O art. pura e simplesmente. no entanto. com exceção dos impedimentos matrimoniais. caso em que os vínculos não são rompidos. a dúvida que poderia surgir seria quanto ao rom- pimento dos vínculos com os pais biológicos e demais parentes. não é absoluta. que não podem ser ignorados pelo Direito nem pelo Poder Judiciário. afeto. a situação é até relati- vamente cômoda. cujos efeitos práticos e consequências jurídicas são os mesmos. só lhe trará benefícios. do Es- tatuto da Criança e do Adolescente. pois nenhum prejuízo advirá ao adolescente em razão desse fato. é a de manter a paternidade já assentada e incluir também no referido registro a paternidade socioafetiva. A regra. principalmente. como se extrai com facilidade do disposto no art. pela solidariedade. determinando a retificação do registro civil. também. de modo que o Direito não poderia deixar de retratar essa realidade. ao longo de muitos anos. o magistrado ponderou que. esta não pode ser uma meia paternidade ou uma paternidade parcial. No caso dos autos. lealdade e. é pai para todos os efeitos e não apenas para alguns efeitos. No caso dos autos a exceção estende-se. pelo contrário. 50. o patronímico do pai socioafetivo. todos (os três) igualmente responsáveis pelo bem-estar do adotando. mas que as partes. obviamente. dedicados. em especial que o registro deve representar o que ocorre na vida real. . é preciso registrar que o menor é um felizardo. não viu o magistrado razão para que não constasse do registro o nome dos dois pais. Trata-se de uma paternidade sedimentada. Oportunamente. que em última análise também permite reconhecer a filiação socioafetiva. no caso em análise. III. no mesmo artigo (§ 1o). e uma delas é. 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a adoção rompe todos os vínculos com a família de origem. abre a possibili- dade de exceções. escolheram a via da adoção. A Multiparentalidade 185 favorável do Ministério Público. justamente. pelo companheirismo. ter dois pais é um privilégio. na medida em que todas as partes concordam com essa solução. a paternidade socioafetiva poderia ser reconhecida. pois num país em que há milhares de crianças e adolescentes sem pai (a tal ponto que o Conselho Nacional de Justiça. Assim. levando também em consideração a importância que o registro representa para o adotando. Dois pais presentes. Ministério Público realizam campanhas para promover o registro de paternidade). de respeito. com a inclusão do pai socioafetivo. o relacionamento afetivo. Por meio dos depoimentos colhidos em audiência. desde o seu nascimento. 1. no que consta nos autos. Dr. ora requerente. visitando-a frequentemente acompanhado de seu filho. não tendo. e que ambas (requerente e requerida) constassem na certidão de nascimento da criança. ficou provado em audiência que a genitora biológica fez a entrega da criança em caráter provisório. jamais a criança foi privada da convi- vência com a genitora biológica. A genitora biológica. necessário ressaltar. Ocorre que a genitora sempre teve contato com o filho.638 do CC. a família monoparental já é por demais conhecida por nosso sistema jurídico. O parecer do Ministério Público foi pela procedência parcial do pedido de adoção unilateral. con- . uma vez que esta não incidiu em qualquer dos motivos constantes no art. simultaneamente. do relatório apurado pelo NAEF e de todos os fatos descritos meticulosamente no processo. e.4 OUTROS DOIS CASOS DE MULTIPARENTALIDADE FRUTO DA RELAÇÃO DE MADRASTIO E PADRASTIO NO RECIFE. o genitor biológico escla- receu “que a mãe não disse para ele criar o filho definitivamente. por diversas vezes. em caráter temporário. Afirma o juiz que a ação foi ajuizada em um momento de intensa atividade juris- prudencial e acadêmica de autores consagrados em defesa do que se pode chamar de “família poliafetiva”. No Termo de Audiência de Instrução e Julgamento. No caso em tela. pugnando pela improcedência do pedido. Élio Braz Mendes. com ela. no que foi negado pelo genitor e pela requerente. entre- gando-a para o genitor biológico e para sua companheira. à época. para que a genitora biológica não fosse destituída do poder familiar. A genitora biológica ofereceu contestação. sustento e educação. ADOÇÃO PARA GERAR A MULTIPARENTALIDADE MATERNA O Juiz de Direito da 2a Vara da Infância e Juventude da Comarca de Recife/PE. jamais. em decorrência de a genitora do infante não ter tido condições econômicas. alegando não serem verdadeiras as afirmações feitas pela ora requerente. Não nos surpreendemos mais quando nos deparamos com famílias constituídas por apenas um dos pais e seus filhos. a requerente possui a guarda fática da criança que se encontrava com 4 (quatro) anos de idade. não há motivos que possam dar ensejo à decretação da perda do poder familiar em relação à genitora biológica. Por outro lado. de cuidar da criança. apenas para ele criar a criança porque precisava trabalhar”. consentido com uma possível adoção. Ora. Desde então. nas alegações finais. esta tem assistido integralmente e garantido ao infante os deveres de guarda. com quem a criança também constituiu laços filiares. uma vez que o genitor biológico continuou.186 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari 4. A família poliafetiva. reivindicou a devolução de seu filho aos seus cuidados maternos. proferiu sentença concedendo a multiparentalidade materna a uma mulher que propôs ação de adoção de uma criança que tinha a guarda provisória. Durante toda sua vida. pediu a criança de volta para tê-la em sua companhia. a Tabeliã responsável pela referida escritura asseverou não haver proibição legal algu- ma. uma vez que o fator máxime para a existência de uma entidade familiar é a afetividade entre os membros que a compõem. seja ela de qual natureza for. que são as principais responsáveis pela constituição da família. conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. motivo pelo qual o Juízo deve proteger a criança da melhor forma possível. correríamos o risco de regredir no tempo. de bom alvitre ignorar as relações familiares que já se sedimentaram no seio dessa família ora analisada. 100. Afirma o julgador que o art. Ele cita que em 21.2012. o céu é o limite. inova em nossos Tribunais pátrios.593 do Código Civil Brasileiro determina: “O paren- tesco é natural ou civil. ignorando que a própria sociedade é a responsável por fazer nascer o Direito. No citado processo há. sendo assim. do afeto . devendo estar sujeito a algumas restrições. foi lavrada uma escritura de união estável poliafetiva entre um homem e duas mulheres na cidade de Tupã/SP. não sendo. e justificou afirmando que a escritura apenas reconheceu os direitos e deveres recíprocos entre os companheiros de união estável. isso sim. ganham importância máxima nesse processo.) a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente. o Princípio da Intervenção Mínima.” A família. A esse respeito. poeticamente falando. VII. tornando- -nos obsoletos. utilizando o “O Princípio do Melhor Interesse da Criança”. Nesse contexto. do reconhecimento de união estável ou da formação de meros laços sanguíneos. não é somente oriunda da instituição do casamento. A Multiparentalidade 187 tudo. Se não há vedação na Constituição Federal ou em qualquer diploma legalmente instituído em nosso sistema. portanto. portanto. agasalhado pelo art. mani- festou-se. caracterizada por um triângulo amoroso entre um homem e duas mulheres. como bem explicitado no art. asseverando que “essa é uma realidade que todo mundo sabe que existe”. e não o contrário. 1. do ECA. estando a criança situada no meio dessa relação amorosa. sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”. devendo o Juízo decidir o melhor para a criança. pois. do Estatuto da Criança e do Adolescente: “(. o Direito. o Direito de Família tem sido sabiamente conduzido através das re- lações de afetividade que nascem a partir das relações humanas. portanto. consignado no art. Maria Berenice Dias. Para o magistrado.8. IV. não pode adentrar nas relações familiares de forma ilimitada. o Direito ignorar essas efervescentes mudanças que têm ocorrido no seio da sociedade. 226 da CF. Não pode. Segundo ele.. vice-presidente do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). e o Princípio da Proteção Especial à Família. 100. É oriunda. Diante de tal situação. como sendo responsável por organizar e harmonizar a sociedade como um todo. curiosamente. sendo-nos conferida a responsabilidade de julgar tais casos. uma situação fática de natureza poliafetiva.. pois os Tribunais entendem que a Constituição faz referência à entidade familiar de maneira meramente exemplificativa. não havendo limites legais para o que pode ser chamado de entidades familiares. . A representante do Ministério Público emitiu parecer final parcialmente favorável ao pedido de adoção unilateral formulado pela requerente. 43 da Lei no 8. uma vez que se posicio- nou favoravelmente ao pedido de adoção. já tinha proferido uma sentença. o que já existe em nossa sociedade. cabendo a elas. não é razoável que a requerente sofra com a perda da criança. Pugnou pela guarda compartilhada da criança. não podendo o Juízo declarar quem melhor desempenha a função de mãe. concomitantemente. Eis. por que não dizer. A genitora biológica jamais incidiu em qualquer hipótese que lhe valeria a perda do poder familiar em relação a seu filho. necessário não fechar os olhos para essa nova realidade que se apresenta de modo concreto e certo. respaldados que estamos na primazia da família socioafetiva em nossa sociedade moderna.188 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari entre os membros que a compõem. duas mães socioafetivas. isso sim. tutelando e tentando proteger. o juiz determinou que ambas as mães devem constar no Regis- tro Civil de Nascimento do infante como genitoras do mesmo. de extinguir o poder familiar da genitora biológica. e o art. criando “invencionices”. no plano da realidade.069/90 (ECA) é claro ao determinar que: “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. ambas são responsáveis pela criação do infante. laços filiares com a reque- rente e a requerida e genitora biológica. e ficou determinada a guarda compartilhada da criança. portanto. Em contrapartida. pois. afirmou o juiz. O mesmo juiz. contudo. uma vez que a adotante possui a guarda fática da criança desde que a mesma nasceu. considerando que não se encontra respaldada em lei. verificou-se que o pleito da requerente merece prosperar em parte. deixando. pois. entre a requerente e a requerida. de cuidar de sua criança. Sendo assim. 19 do mesmo ECA dispõe: “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família. inegavelmente. no dia 23 de outubro de 2012. sustento e educação. encontrando-se atualmente consolidada. O Direito não está.. em que duas mulheres queriam adotar uma criança cuja mãe biológica era falecida . motivo pelo qual foi julgado parcialmente procedente o pedido de adoção da criança em favor da requerente. a criança possui. agora que possui possibilidades para tal. e. nos autos de uma ação de adoção nacional cumulada com destituição do poder familiar. do seu filho. Ante tais fundamentações. em conjunto.”. de forma que ambas possam se organizar para usufruir a companhia do filho. um caso em que se figuram. da melhor forma possível. devendo as partes manter o modus operandi de costume. a responsabilidade pelo dever de guarda. está. consequência de quem detém a guarda natural. Para o sentenciante. uma vez que verdadeiramente desempenhou as funções de mãe durante toda a vida do infante. tendo o desejo de mãe. Por esse motivo. sendo uma delas a genitora biológica. com objetivo de garantir à mesma o direito à convivência familiar. O art. mas opinou negativamente à decretação da perda do poder familiar da genitora biológica. atendendo sempre ao Prin- cípio do Melhor Interesse da Criança. em nome do direito da criança à convivência familiar. não tendo uma resposta positiva. carinho.8. e primeiramente o deixou na casa de pessoas desconhecidas. sua prima. como se verifica no caso sub examine. que sempre que possível propicia atividades de lazer em família para a criança. Ela relatou. . que de fato exercem funções de mães e pai do infante. desde então as requerentes têm assistido inte- gralmente e garantido ao infante os deveres de guarda. ampliado o conceito do referido instituto. Nos autos constava decisão do mesmo juízo determinando a concessão da guarda provisória e a citação por edital do genitor biológico. considerando que a criança encontra-se inserida no seio de um grupo familiar que lhe proporcionam afeto. uma vez que as adotantes possuem a guarda fática da criança desde que a referida criança estava com sete anos de idade. conforme preconiza o art. há algum tempo. por conseguinte. conforme exaustivamente provado. sustento e educação. Ele citou até o caso noticiado em 21. e que uma delas era prima legítima da mãe do adotando. em razão de a genitora do infante ter falecido. asseverando a ausência de proibição legal e utilizando a justificativa do reconhecimento recíproco de direitos e deveres entre os companheiros na referida escritura estendendo a evolução do conceito de entidade familiar exemplificado pela Constituição Federal. funda-se em motivo legítimo e apresenta reais vantagens para o adotante. que foi decretado revel e recebeu curador especial. Acrescenta-se que. encontrando-se na época da sentença com 11 anos. Segundo o magistrado. A Multiparentalidade 189 e o pai biológico estava em lugar incerto e não sabido. O juiz deferiu o pedido das requerentes de incluir o irmão de uma delas no pro- cesso. foi dito por uma das requerentes que o adotando ficou ór- fão da mãe biológica. tendo os nossos Tribunais estendido o conceito de entidade familiar e. o juiz disse ter convicção de que os fatos ocorridos tratam da constante evolução social e das diversas formas dos povos de se adaptarem a determinado meio sob diferentes condutas. inclusive as crianças. condições materiais e financeiras para um desenvolvimento saudável. a quem o adotando chama de pai e com quem a criança estabeleceu uma relação de pai e filho. ao princípio da proteção integral.” Diante das narrativas acima expostas. como se tem verificado através dos recentes julgamentos proferidos. o pleito das requerentes merece prosperar. seja com elas ou com seu irmão. Numa das entrevistas. também. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente.2012. já que a criança o chama de pai. e. até chegar à companhia de sua mãe. à época. da tabeliã Claudia do Nascimento Domingues. a referida senhora consultou o avô materno da criança para saber se o mesmo tinha interesse de ficar com o neto. atende aos princípios do melhor interesse da criança. pois o conceito de família não é mais o de antigamente. decidiu ficar com ele. A representante do Ministério Público emitiu parecer favorável e expressou o seguinte: “O pedido de adoção formulado por duas mulheres e um homem. que lavrou uma escritura de união estável poliafetiva entre um homem e duas mulheres na cidade de Tupã/SP. ADOÇÃO PARA GERAR A MULTIPARENTALIDADE PATERNA NO AMAZONAS No dia 29 de julho de 2013. não se impor- tando que o patronímico do pai biológico seja acrescido ao nome do menor. no registro. em razão do afeto que tinha por ele. Élio. que reconhece todos como seus pais. acreditamos que.190 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Assim. pro- cesso n° 0201548-37. seus direitos devem ser resguardados. invocamos os princípios da dignidade da pessoa humana.5 OUTRO CASO DE MULTIPARENTALIDADE FRUTO DA RELAÇÃO DE PADRASTIO . motivo pelo qual concordamos integralmente com as decisões proferidas pelo Dr. deferindo a adoção da mesma em favor dos três requerentes. cumulada com Anulação de Registro. Dídimo Santana Barros Filho. não existindo lei para aplicar ao fato concreto. Para finalizar. 4. inclusive. mantendo. continuar pagando pensão para o menor. da proteção integral da criança e o direito à convivência familiar para embasar a possibilidade de uma ADOÇÃO POLIAFETIVA. encaminhando a criança à família substituta extensa. e isso se faz dando a elas a oportunidade de ter juridicizado o que de fato ocorre.2013. proferiu sentença nos autos da Ação Negatória de Paternidade. julgando procedente o pedido para extinguir o poder familiar do genitor biológico. a paternidade. ele utilizou da analogia aplicada às uniões poliafetivas para solucionar o referido caso e resguardar o interesse superior da criança. Na audiência. Em que pese termos dificuldades em aceitar a união poliafetiva como entidade familiar.0001. já que conviveu com a mãe do menor por 11 anos. A questão posta trata de uma ação negatória de paternidade e consequente anula- ção de registro de nascimento.8. e o pai . com relação às crianças que convivem nessa situação. de forma louvável. e. O Ministério Público foi pela exclusão da paternidade e anulação do registro. em que restou evidenciado que o requerente registrou o menor como filho. pois no caso em tela há uma relação entre duas mulheres que vivem em união estável e o irmão de uma delas/requerente e a criança. analogicamente podem ser aplicados tais fundamentos extensi- vos à entidade familiar ao instituto da adoção. face o legislador não acompanhar a evolução das relações humanas. Dr. o magistrado afirmou que para os fatos em análise não encontrou legislação aplicável. todos manifestaram preocupação e zelo pela situação do menor.04. mas que o exame de DNA excluiu a paternidade registral e confirmou a paternidade biológica do pai chamado ao processo. o Juiz de Direito da 5a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Manaus/AM. pai registral/afetivo. ainda. em que o autor alegava não ser pai biológico do filho que registrou. disse ele. consignando-se no assentamento do nascimento o nome de todos. pois o requerente. quer. Assim sendo. a ser preservada no registro e nas certidões a serem expedidas. foi proferida sentença parcialmente procedente do pedido formula- do. processo autuado sob o no 2013. passarão a ter com ele convivência livre. tem-se por perfeitamente possível a solução evocada pelas partes. em desfavor de seu pai registral. Dra. tem-se. uma situação deveras interessante: uma criança com dois pais.001874-5. a Justiça ainda não se tenha manifestado a respeito – . pagamento de pensão alimentícia. duas. para declarar a paternidade biológica (a ser averbada à margem do registro). A Multiparentalidade 191 biológico. e que ambos. assumindo. acrescentando-se ao nome do menor o patronímico do pai biológico. Órfãos e Sucessões de Sobradinho/DF. ambos assumindo responsabilidades que beneficiam e desta- cam preocupação e zelo pelo menor. mas ameaçava demitir todos da família da autora se o fato fosse revelado. e que no ano de 2012 a mãe da menor relatou que o verdadeiro genitor da criança é seu ex-patrão.6 MAIS UM CASO DE MULTIPARENTALIDADE FRUTO DA RELAÇÃO DE PADRASTIO COM ADOÇÃO À BRASILEIRA. A pen- são alimentícia e as visitas foram fixadas conforme o acordado no termo de audiência. Conquanto não seja comum – ou. pai registral/afetivo e pai biológico.06. afirmou.1. Consta que a família da autora trabalhou e residiu na fazenda do suposto pai biológico por 12 anos. concordou com a solução posta. e a mãe do menor. Diante disso. O juiz deixou registrado em sua decisão que o pai registral continua mantendo relações de afeto com o menor. 4. proferiu sentença nos autos da Ação Declaratória de Paternidade. a Juíza de Direito da 1a Vara de Família. melhor que uma pensão alimentícia. duas. assim. que sempre teve conhecimento da paternidade. . uma vez que vai ao encontro do princípio do melhor interesse do menor. proposta por uma menor. dois. reconhecendo mais um caso de multiparentalidade. por sua vez. que convive em união estável com sua representante legal há 17 anos. É relatado na inicial que o pai registral sempre foi alvo de chacotas quanto à real paternidade da autora em razão das diferenças físicas entre ambos. concorda com a pretensão do pai afetivo. até mesmo. conforme anotado no termo de audiência. como representante. Ana Maria Gonçalves Louzada. que deve orientar e fundamentar questões a ele relacionadas. Trata-se de ação negatória e de investigação de paternidade. representada por sua genitora. Melhor que um pai responsável. MULTIPARENTALIDADE PATERNA NO DISTRITO FEDERAL Em 6 de junho de 2014. Segundo o magistrado. melhor que uma sucessão hereditária. sem exclusão da paternidade afetiva. também. “Que bom se toda criança tivesse a sorte de ter dois pais”. ambos eram analfabetos e trabalharam. Destarte. só foi registrada em 11 de outubro de 2005. e que a ama como aos demais filhos que possui com sua mãe. segundo a juíza. em que o filho. motivo pelo qual . apesar de poder ter somente carga genética de um homem e uma mulher. apesar de já ser vasectomizado quando a esposa ficou grávida. filiação e parentalidade são temas que não podem ser descritos in- dividualmente. Contudo. não restou qualquer dúvida de que a criança é filha biológica do investigado. Afirma a magistrada que o direito ao reconhecimento da multiparentalidade está embasado nos direitos da personalidade. Por outro lado. ou seja. Ambos estão interligados com o invisível cordão umbilical do afeto e do melhor interesse da criança. Do laudo de exame pericial de DNA. por diversos anos. que se visualizam através da imagem que se tem. honra e também privacidade da vida. sendo sempre cuidada e educada por seus pais registrais. a demonstrar que o pai registral só a registrou pelo afeto que nutria pela infante. em contrapartida. com quem a menor manteve relacionamento filial por todos os seus 10 anos de vida. Na época. e por esse motivo ela. Já o pai biológico. já podemos pensar em casos específicos. na fazenda do investigado. não se pode deixar de enxergar a confortável situação financeira do pai biológico. a menor possuía 10 anos de idade. Por derradeiro. inclusive. faz com que deva ser mantida a paternidade até então estabelecida. enquanto ela é branca. já passados mais de dois anos de seu nascimento. mesmo sendo pessoa pobre. sempre sublinhado pelo princípio da dignidade da pessoa humana. uma vez que já devia prever que não era sua filha biológica. direitos esses que se revestem essenciais à própria condição humana. Para a juíza. a autora buscava que fosse declarado que o seu pai registral não é seu pai biológico e. a multiparentalidade se desenha com cores que anunciam um novo caminho social. consta da decisão que os pais registrais da menina são afrodescendentes. preservando-se a dignidade e individualidade de cada ser humano. analfabeta e agricultor. possui vários pais e/ou várias mães. tendo-a registrado por pensar ser sua filha biológica. segundo ela. No caso sub judice. que possui outra família e que pretende seguir sua vida como antigamente. que não nutre qualquer sentimento pela infante. apesar de não possuírem o mesmo DNA. sempre se mostrou avesso a essa paternidade. e foi quem a criou. a afetividade mantida entre a autora e seu pai registral. afirmando. o simples fato de ele alegar que não a reconhece como filha não lhe outorga o direito de ver afastada a declaração de paternidade por ela almejada. que o ex-patrão de sua mãe seja declarado como tal. lembra a sentenciante. que possui alto padrão de vida. narra a decisão. não se mostra plausível afastar a pa- ternidade socioafetiva do pai registral. Porém.192 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari No processo. que nasceu em 19 de junho de 2003. motivo pelo qual. O pai registral afirmou nutrir sentimentos de pai em relação à autora. em atenção ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente. É preciso que a dignidade da pessoa humana seja considerada e não ultrajada. É possível que pessoas tenham vários pais. da igualdade dos filhos. não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai ou uma mãe. Entendo que. A Multiparentalidade 193 deixar de estender à infante as benesses que esta paternidade pode lhe oferecer é não atentar para o melhor interesse da criança. saúde. Nos autos há flagrante paternidade socioafetiva estabelecida entre o pai registral e a infante. se possuir dois pais e duas mães. Também os impedimentos matrimoniais no que diz com o parentesco deverão ser observados em todos esses casos. princípio constitucional e basilar do Estatuto da Criança e do Adolescente. nesses casos. uma outra família que poderá amá-la. sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. tais como: a) Direito ao parentesco: ao se admitir a multiparentalidade. e assim por diante. da afetividade e da realidade devem subsidiar as questões relacionadas à multiparentalidade. lazer e. Ocorre que muitas vezes essa não é a melhor forma de equacionamento na vida desse filho. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar. se para o filho for importante manter vínculo com seu ascendente genético. sob pena de estarmos visualizando apenas um lado de um mundo multifacetado. exemplificativamente. Assim. faculdade. se restar configurada a relação afetiva entre o filho e o pai registral. O Direito deve observar e acompanhar as mudanças sociais. O Direito nasce da vida. pensão alimentícia. nome. na medida em que poderá proporcionar a ela bons co- légios. Tratar como impossibilidade jurídica do pedido sob o argumento singelo de que uma pessoa só pode ter um pai e uma mãe não traduz e não acolhe a realidade de determinado caso concreto. Segundo a magistrada. nada mais pode ser alterado. quem sabe. com as demais consequências jurídicas daí advindas. bem como a evidenciada paternidade biológica que poderá agasalhar o melhor interesse da autora. guarda e direito sucessório. terá oito avós e tantos tios quantos irmãos esses pais/mães possuírem. também se deve assegurar o parentesco daí advindo. notadamente em relação ao parentesco. pois é imprescindível que o Direito acolha a realidade de cada pessoa. a multiparentalidade traz consigo diversas consequências jurídicas. Para ela. poderá constar o nome de dois pais. Afirma a sentenciante que os princípios do melhor interesse da criança e do ado- lescente. há necessidade de refletirmos sobre a importância de que a realidade fática de cada pessoa seja acolhida e respeitada. e deve se render a seus fatos. Para ela. . convivência. a jurisprudência brasileira já se manifestou no sentido de que. a vida como verdadeiramente se apresenta para cada um. é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Identificada a pluriparentalidade ou multi- parentalidade. Segundo a juíza. mas administrativa. de aban- dono afetivo. se a pessoa possuir mais de um pai ou mais de uma mãe. também é possível que seja retirado do assento de nascimento o patronímico do genitor. Não sendo isso possível. a guarda deverá ficar com os pais registrais. de suma importância que possamos delinear a amplitude da possibilidade de modificá-lo. visto que é com eles que a infante reside. necessário será a definição de convivência e guarda. ele possui uma fazenda de mil hectares com mais de 20 empregados fixos (com salário . caberá ao Judiciário decidir no caso concreto. judicialmente ou não. que se averbe a mencionada alteração. mesmo que o interessado ainda não tenha atingido a maioridade. Ainda não havendo acordo. De outra banda. do padrasto ou socioafetivo e o avoengo poderão ser incluídos no nome civil. faz curso de inglês e possui plano de saúde. mas incluirá também todos os avós. devendo a convivência entre a menor e seu pai biológico se dar de forma livre. paterno. É através dele que somos conhecidos e reconhecidos pela vida afora. “pessoalmente ou por procurador bastante”. O nome de família materno. uma vez que o art. Assim. Assim. verifico que o pai biológico possui uma outra filha quase da mesma idade da requerente e que aquela menor estuda em um dos colégios mais caros de Brasília. Caso contrário. da mesma forma que se admite a inclusão do sobrenome do padrasto. nos casos. Contudo. em que a pessoa pode pleitear junto ao oficial do Registro Civil. a retirada do sobrenome não excluiria o direito sucessório e tampouco o alimentar.015 não trata de alterações pela via judicial. Portanto admite-se alteração de nome pleiteada por menor. e. o ideal é que ela seja compartilhada. Na espécie. sua desídia em relação ao filho traria como consequência a sua dispensa com qualquer obrigação em relação a ele. quer seja pela inclusão ou exclusão de determinado patro- nímico. importante que todos os que façam parte dessa multiparentalidade tenham dias de convivência definidos. natural que o dever ao pensionamento alimentar seja estendido a todos. E essa obrigação não se limitará aos pais. dentre outros. a guarda poderá ser determinada a favor da dupla com quem resida o infante. Quanto à guarda. por exemplo. Assim. c) Direito de convivência e guarda: havendo vários pais/mães.194 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari b) Direito ao nome: o nome faz parte de um dos direitos da personalidade. Nesse caso específico. 56 da Lei n. a fim de assegurar o melhor in- teresse da criança. da madrasta. Tal pre- tensão é admissível. De se ver que o menor poderá ser muito melhor assistido tendo em vista o número de pessoas que esta- rão obrigadas com seu sustento e cuidado. no princípio da solidariedade familiar. podendo todos os envolvidos dialogar sobre os destinos desse filho. 6. d) Direito a alimentos: a pensão alimentícia está embasada. caso essa família não conviva sob o mesmo teto. O princípio do melhor interesse da criança deve subsidiar todas as relações jurídicas. O moderno enfoque da proteção da família desloca-se de sua instituição como um todo para perceber e valorar cada um de seus integrantes. Para a julgadora. f) Direito à herança: admitida a multiparentalidade. mesmo que não haja pedido expresso: “Art. dois pais. autoriza a fixação da verba alimentar. Se no caso concreto ela possuir duas mães.” Assim. por quem fomos gerados. A ciência do Direito deve recebê-la e aceitá-la como evolução social. com diversos caminhos. multifacetadas. o direito deve espelhar e proteger a vida da pessoa na sua intei- reza. É dizer. além de uma casa no Lago Norte. Famí- lias. como o direito sucessório é assegurado aos filhos. A Multiparentalidade 195 médio cada um de dois salários a dois salários-mínimos e meio). 7° Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade. são verdades que se impõem. Se nossa realidade mostra-se diversa da grande maioria das famílias. A Lei no 8. Se o deixarmos ao desabrigo. há casos em que somente parentes consanguíneos podem ajudar no caso de transplante. a multiparentalidade deve ser incluída e acatada no ordenamento . ou seja lá a composição que sua família tenha. possui inúmeros carros de luxo. Destarte. Além disso. O não fazer.560/92. A multiparentalidade hoje é uma realidade em muitas famílias. não cabe ao Direito e tampouco ao Judiciário impor limites a essa entidade familiar. respeitando sua família na forma que ela se desenhou. o se omitir. a fim de que possa acompanhar o desenvolvimento da sociedade e aceitar a vida de cada pessoa. esse motivo não é o bastante para que não tenhamos direitos. O ser humano deve ser sempre o que de mais relevante cabe ao Direito tutelar. gravita em torno desse direito a necessida- de de sabermos quem pode vir a ser nossos irmãos e pais biológicos. em seu art. e) Direito ao reconhecimento genético: o direito ao reconhecimento gené- tico está intimamente relacionado com o princípio da dignidade humana. 7o. nesse sentido deve caminhar o Direito. estaremos sendo cúmplices de rasgos na alma. Além da curiosidade natural. Assim. caleidoscópicas. Todos temos o direito de saber de onde viemos. foi fixada pensão alimentícia a ser paga por ele desde o dia da citação. Ademais. todos os efeitos daí advindos são estendidos. se a vida se mostra plúrima. Todos temos direito à identidade pessoal. A dignida- de da pessoa humana deve ser o princípio e o fim do Direito. no valor de cinco salários-mínimos mensais. também é uma forma cruel de abolir direitos. atenta às necessidades da criança e às possibilidades financeiras do pai biológico. em toda sua diversidade. eles terão direito de receber herança de tantos pais/mães quantos tiver. nela se fixarão os alimentos pro- visionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite. até mesmo para evitar relacionamento sexual com essas pessoas. não havendo norma expressa no ordenamento jurídico que respalde a pretensão. A matéria é polêmica. em síntese. e indicar quem é o pai de sangue da autora.8. pois são questões indissociáveis entre si. tendo os filhos espontaneamente manifestado o desejo de morar com ela. caracteriza hipótese de adoção. e que após algum tempo o pai dos menores iniciou o namoro com a autora. até porque está em jogo o próprio direito de filiação. a Juíza Carine Labres. sempre respeitando-se a dignidade de cada integrante dessa família. mas sem exclusão da mãe biológica. o pedido. passo a analisar o pleito. Por esse motivo. Os autores almejam a declaração de maternidade socioafetiva da madrasta em relação aos seus dois enteados. para nele ser acrescido o pai biológico. na interpretação da lei. leve em consideração os postulados maiores do Direito uni- versal. Sob tal prisma. e que a doença da genitora abalou a estrutura familiar. Segundo a juíza. a ação foi julgada procedente. Consta dos autos que a mãe biológica faleceu em 15 de abril de 2006. aduzindo que. nos autos da ação declaratória. Nesse norte. sem exclusão da mãe biológica. 4. respectivamente. exige-se do Julgador que. motivo pelo qual foi determinado pela juíza a alteração do registro de nascimento da infante. época em que os filhos tinham 7 e 2 anos de idade. autuada sob o no 0003264-62. razão do ajuizamento da presente demanda. do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem para toda a vida de qualquer indivíduo. sem ser retirados os pais registrais. respectivamente. para declarar que o pai registral não é pai biológico. No caso trazido a lume.21. quando do falecimento da mãe biológica. mas o Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. as crianças possuíam 7 e 2 anos de idade.7 OS CASOS DE MULTIPARENTALIDADE NO RIO GRANDE DO SUL. NOVAMENTE NA RELAÇÃO DE MADRASTIO (EM RAZÃO DA MORTE DA MÃE) E PADRASTIO (EM DECORRÊNCIA DO RECONHECIMENTO DA PARENTALIDADE BIOLÓGICA POSTERIORMENTE). há necessidade de se verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos dos menores. formando-se forte vínculo afetivo. reconheceu mais um caso de multiparentalidade em nosso país.196 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari jurídico como um novo perfil familiar. não lhe sobrando tempo nem controle emocional para .2012. Dois menores e sua madrasta ajuizaram Ação Declaratória de Maternidade Socioa- fetiva sem Exclusão da Maternidade Biológica. observando a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros. na Comarca de São Francisco de Assis/RS. exigindo do varão que se dividisse entre os cuidados à saúde da esposa e o trabalho. MULTIPARENTALIDADE MATERNA E PATERNA No dia 7 de agosto de 2013. mas afetivo.0125. é mister questionar: “Por que não pode haver duas mães em uma certidão de nascimento. representa um ato de amor. no íntimo de seus corações. concretizando a justiça. A Multiparentalidade 197 criar e satisfazer as necessidades dos filhos. a posse do estado de filho em relação à madrasta. As relações de afeto. sendo denominada. e que em março de 2008 seus filhos manifestaram o interesse de residir em sua companhia. iniciou-se em junho de 2007. mas sim estas são criadas para regular as consequências que advêm dos fatos. as reconhecem como tal?” Para ela o Julgador deve estar atento a essas mudanças para que possa assegurar os direitos. coexistindo sem que uma exclua a outra. Os depoimentos dos menores evidenciam. nesse caso. 1o. que institui como um dos princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. de situação fática consolidada. multiparentalidade ou pluriparentalidade. Afirma a magistrada que se trata. pois. sendo que eles não mantinham qualquer re- lacionamento anterior. silenciam face à realidade que lhes salta aos olhos. segundo a sentença. objetivando manter a ordem pública e a paz social. . O Promotor de Justiça. baseada no afeto e considerações mútuos. bem como as fotografias colacionadas aos autos. fruto de longa e estável convivência. que comprovam estar. e que logo depois passou a morar com sua namorada. o fato de o ordenamento jurídico não prever a possibilidade de dupla maternidade não pode significar impossibilidade jurídica do pedido. a família reestruturada e formada em laços legítimos de afeto e solidariedade – ambiente que se revela adequado ao desenvolvimento sadio da personalidade dos infantes. madrasta dos menores. na Carta Magna. a maternidade ou a paternidade natural e a civil podem ser reconhecidas cumulativa- mente. Assim. a fim de adequar ao mundo das leis uma realidade fática”. verifica-se que se trata de situação excepcional a merecer tratamento especial e diferenciado pelo ordenamento jurídico. afirmou que “. pela doutrina. O afeto se sobrepõe à lei e tem reconfigurado a estrutura das famílias modernas. O namoro com sua atual esposa.. interpretando princípios e postulados normativos. como a dos autos. Segundo ela. A “adoção”. que satisfaz os interesses dos menores. As testemunhas ouvidas em juízo confirmaram isso. em especial do menor. eis que os menores chamam a madrasta de “mãe” e são criados por ela como se filhos fossem. têm desafiado os legisladores que..em casos excepcionais. Afinal. desprendimento e um gesto de humanidade. arraigados ao preconceito. Examinando o presente caso. deitando raízes. continua. mesmo diante da omissão legislativa. não são os fatos que se amoldam às leis. razão de tê-los deixado aos cuidados de familiares. III). inclusive. muitas vezes. hoje. se as crianças. formando todos uma família. É preciso amadurecimento da sociedade para que se exija uma conduta ativa dos legisladores a ponto de regulamentarem matérias polêmicas. com clareza solar. ao temor de críticas que maculam a imagem daqueles que almejam a reeleição. dupla maternidade. Dra. proposta por uma pessoa que teve relacionamento íntimo e afetivo com a mãe de uma criança. haja vista a intenção dos litigantes de que. o seu nome. no 025/110. são simultâneos à relação sanguínea. eis que se estabeleceu com eles um forte vínculo afetivo. sem exclusão da mãe biológica. nascido em 28 de julho de 2008. nesse contexto.0004112-0. mas que permaneça o nome do pai registral. no caso dos autos. no caso. Assim sendo. inclusive dos avós respectivos. não havendo elementos que contraindiquem sua perfectibilização. no dia 8 de maio de 2014. para a inclu- são da “mãe socioafetiva” na certidão de nascimento. pois os menores não esquecem e não querem esquecer quem é sua mãe biológica. então como juíza titular na comarca de Santana do Livramento/RS. exigindo incursão no debate da multiparentalidade e do afeto como valor jurídico. Destarte. e que cumpre pontuar que a acolhida da manifestação de vontade dos menores no sentido de preservar a maternidade biológica na certidão de nascimento configura respeito à memória da genitora. pois revela-se a melhor solução à medida que ficará preservado o laço com a mãe biológica e o direito de convívio com a família da genitora. a ação foi julgada procedente. há de se defender os laços afetivos estabelecidos entre a madrasta e os infantes que.198 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Entende a sentenciante que. Afirma a juíza que por qualquer ângulo que se analise a questão. Da análise da certidão de nascimento verifica-se que o menor. falecida em razão de ser portadora de doença grave. se cabe ao Estado. assegurar os direitos das crianças. há reais vantagens para os menores no deferimento do pedido. foi registrado em nome de seus pais registrais. seja em relação à situação fática consolidada. mas reco- nhecem e sentem a madrasta como “mãe afetiva”. sem qualquer reprovação social ou legal. . para o fim de declarar a maternidade socioafetiva. sem prejuízo e concomi- tantemente com a maternidade biológica. finaliza a julgadora. seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças e dos adolescentes. julgou mais um caso favorável de multiparentalidade. tenho que o acolhimento do pedido apresenta reais vantagens para os menores. na certidão de nascimento do menor. cons- te não apenas o nome do pai biológico. O presente caso desborda dos contornos corriqueiros de demandas dessa natureza. com avós respectivos. Trata-se de Ação de Investigação de Paternidade. e de sua família. que foi registrada em nome do atual companheiro da sua mãe como se ele fosse o seu pai biológico. formulado por eles próprios. o deferimento do pedido é medida que se impõe. bem como resguardará os direitos relativos a alimentos e à sucessão. Carine Labres. satisfazendo anseio legítimo dos autores e das famílias. ao mesmo tempo. devendo constar dos assentos de nascimento. refletindo o amadurecimento emocional deles que culminou com o pedido. Assim. chega-se à inarredável conclusão de que. em caso de eventual separação ou faleci- mento. A mesma magistrada. Afirma a sentenciante que as parentalidades. o que impede a alteração do vínculo jurídico que retrata essa realidade fática. A postura dos litigantes revelou abnegação do sentimento de posse em relação ao filho. nos filhos de criação e provenientes de técnicas de reprodução assistida heteróloga. traduzindo-se na convivência familiar. durante muitos anos (desde a gestação). do menor com seu pai registral. tendo o próprio autor. revelando ser o autor pai biológico do infante. todas importando em vínculos e reconhecimento jurídico das situações fáticas que transcendem as normas jurídicas como verdades concretas de realidades vividas. exige uma visão aberta da entidade familiar como viés para realizações pessoais de seus integrantes. eis que o afeto. a ponto de ambos reconhecerem a importância de cada “pai” na vida do infante. como a posse do estado de filho (socioafetiva). são diversas. consolidadas pelo sangue. deve balizar o desfecho de demandas de tal espé- cie. autoriza presumir a posse do estado de filho. Explicou ela na decisão que. na adoção à brasileira. No seu entendimento. porém. como modalidade de parentesco civil. Segundo a juíza. pois o registro civil deve espelhar a verdade dos fatos. Para ela. apenas preconizando no art. pela consanguinidade com afeto e pelo trato. que o exame de DNA excluiu o menor de ser filho do pai registral. que seja investigada a existência de filiação consolidada por vínculo afetivo. ao contrário. os litigantes dispensaram a produção de prova testemunhal. Assim sendo. a fim de adequar ao mundo das leis uma realidade fática. Nesse contexto. o que. o olhar conservador do Direito sobre a questão importaria em desconstituir o vínculo jurídico formado entre o menor e o seu pai registral. a lei não oferece conceitos jurídicos de paternidade/ma- ternidade. sendo denominada pela doutrina “multiparentalidade ou pluripa- rentalidade”. e que no caso sub judice a convivência. O Direito de Família contemporâneo não admite normas fechadas. no amor nutrido entre “pai e filho”. insere-se na expressão “outra origem” do art. verdadeiro laço formador de entidades familiares. pai biológico. a maternidade ou a paternidade natural e a civil podem ser reconhecidas cumulativamente. digna de compreensões metajurídicas. Apresenta-se em diversas situações. pois. coexistindo sem que uma exclua a outra. fama e nome. portanto. No entanto. autoriza a dilatação do objeto da demanda. prossegue. observado o princípio do superior interesse da criança. o caso em análise revela situação excepcional a merecer tratamento especial e diferenciado pelo ordenamento jurídico. . a ensejar o reconhecimento da filiação socioafetiva. como na adoção legal. fundadas no afeto como valor jurídico. tal raciocínio simplista não pode mais ser aceito pelos operadores do Direito. se comprovado. conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. É mister.593 do diploma civilista. reconhecido expres- samente o vínculo afetivo existente entre o menor e o pai registral.593 do Código Civil que “o parentesco é natural ou civil. em audiência. A Multiparentalidade 199 Ocorre. 1. 1. em casos excepcionais. Paternidade socioafetiva. sem que exista necessariamente vínculo biológico ou jurídico entre eles. na solidariedade. atual companheiro da mãe do menor. tanto o pai biológico como o registral anuíram quanto à inserção de seus respectivos nomes. na certidão de nascimento do menor. sem qualquer insurgência da genitora. além da identificação da verdade biológica. desde que permaneça na cidade. prossegue. De forma inusitada. impõe-se o reconhecimento do afeto como valor jurídico constitutivo das entidades familiares. Nesse contexto. (pai registral). sucessão. alimentos. cumpre ao Estado chancelar tal vontade. prevalecendo este sobre a letra fria da lei. J. observada a anuência do pai biológico e do pai registral. no registro de nascimento do menor constem dois pais e quatro avós paternos. revelando-se benéficas ao infante na medida em que ampliam seus direitos (direitos inerentes ao poder familiar. Para compatibilizar . o reconhecimento voluntário do pai biológico sobre a existência de vínculo afetivo entre o pai registral e o menor. como se seu fosse. em respeito à verdade biológica e à realidade afetiva. e que ele poderá visitar o filho no segundo final de semana de cada mês. exercerá. em conjunto com ela. o pai socioafetivo deverá. não pode ser exonerado do auxílio alimentar de seu filho genético. eis que ambas se apresentam fulcradas em laços legítimos de afeto. a título de alimentos a quantia de 30% (trinta por cento) sobre o salário-mínimo na- cional. comprovada a coexistência da filiação afetiva com a biológica. a guarda do infante. inclusive da genitora. não há como não reconhecer judicialmente a paternidade daquele que foi pai sem obrigação legal de sê-lo. devendo as visitas ocorrer na residência da genitora. inelegibilidade para cargos políticos etc. inclusive de cunho processual. estando o autor autorizado a comparecer no local às 14 horas e nele permanecer até as 18 horas. em conjunto. o autor está autorizado a exercer as visitas fora da residência da genitora.. sem qualquer insurgência da genitora. Dessa forma.200 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari observando-se que o Direito deve ser reflexo de sua sociedade (e não o contrário). observando-se que ele. sendo compelido pelo mais nobre dos sentimentos – o amor – . arcar com o que dispõe para a formação. do jeito que pode e nos limites de suas condições financeiras. aos sábados e domingos.). quanto à inserção conjunta de seus respectivos nomes na certidão de nas- cimento de R. pois o objetivo é permitir ao infante que usu- frua de uma melhor condição socioeconômica. para que. dilatando-se o objeto da demanda. em favor do filho. a educar e a sus- tentar um filho. Assim. Extrai-se dos autos a inegável conclusão de que a lei é fria. Assim sendo. à medida que os vínculos afetivos se fortaleçam. Diante da anuência. após a ciência dos exames de DNA. já a sociedade é dinâmica. alimentação e educação do menor. há de se fazer preponderar o melhor interesse da criança sobre normas de direito registral. previdenciário. reconhecendo a filiação biológica e a afetiva estabelecida entre R. Além disso. tanto do pai biológico como do registral. para que. tem-se. segundo ela. Quanto à obrigação de prestar alimentos. não se podendo olvidar que a família de hoje é plural. afirmou a juíza. a juíza entendeu que o pai biológico. que o pai biológico pagará. ficou definido na sentença que homologou o acordo das partes que a guarda permanecerá com a mãe. mesmo diante da existência do pai socioafetivo e registral. a guardar. (pai biológico) e R. no presen- te feito. impedimentos matrimoniais. (menor). retrata uma realidade fática de filiação socioafetiva? (reconhecida pelo pai biológico!). tais como a multiparentalidade. da afetividade e da solidariedade. sem prejuízo e concomitantemente com o nome dos avós paternos registrais. o nome dos avós paternos por laço biológico. que nominaram de “Acordo de Reconhecimento de Paternidade cumulada com Anulação de Registro e Fixação de Alimentos”. mas sim declarar a multiparentalidade. na vida dos jurisdicionados. em especial no Direito de Família. A Multiparentalidade 201 tais extremos existe a atividade hermenêutica. observada a vontade manifestada pelo pai biológico de que o nome do pai registral permaneça no assento do menor (devido ao reconheci- mento da filiação socioafetiva). e autorizou a averbação de seu nome e dos ascendentes paternos no assento de nascimento da filha. tão almejada quando do acesso ao Poder Judiciário. do CPC. ela ratificou os termos do acordo parcial celebrado entre os litigantes. permitindo que. entabularam acordo. traduzida no querer intrínseco de ser pai (registral) e filho. do melhor interesse da criança. no âmbito da Defensoria Pública. Diante de tais argumentos. propondo pagar-lhe alimentos na ordem mensal de 44% do salário-mínimo. reconheceu mais um caso de multiparen- talidade em nosso país. Afinal. por que anular um registro se ele. inclusive. Dois homens e uma adolescente. Por meio do pacto extrajudicial. Com isso. devendo constar do assento de nascimento. a juíza julgou parcialmente procedente o pedido for- mulado na Ação de Investigação de Paternidade para o fim de declarar a paternidade biológica. sem prejuízo e concomitantemente com a paternidade socioafetiva e regis- tral do menor. 269. um homem reconheceu ser o pai biológico de uma adolescente. MULTIPARENTALIDADE MATERNA No dia 24 de junho de 2014. Titular da 2a Vara de Família da Comarca de Rio Branco/AC. I. referente à guarda. garantindo-lhes segurança. Além disso. 4. à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana. o juiz Fernando Nóbrega da Silva. a criança teve o seu nome alterado. coexistam a parentalidade biológica e a socioafetiva. assistida por sua genitora. . cabendo aos Operadores do Direito a coragem necessária para reconhecer os reflexos de temas inovadores. Dessa forma não há falar em anulação do registro de nascimento. sob a proteção Estatal. com fulcro no art. Segundo a julgadora. à pensão alimentícia e às visitas do pai biológico ao filho. conforme vontade dos litigantes. verifica-se que no presente caso o que se busca é abrigar juridicamente uma situação que de fato já existe. uma verdade tanto no plano exterior quanto no interior.8 MAIS UM CASO DE MULTIPARENTALIDADE NO ACRE. celebrado acordo em relação aos alimentos em prol da menor. afetar ou. O pedido de homologação de acordo que visava declarar a paternidade biológica em relação à adolescente.. merecendo “especial proteção do Estado”... que decorre. com inclusão de seu nome e dos ascendentes paternos no assento de nascimento da menor. Basta ver que a família contemporânea é mosaico e. os requerentes esclareceram que pretendem o reconhecimento da paternidade biológica em coexistência com a paternidade registral. um dos fundamentos em que se assenta. ainda. – O postulado da dignidade da pessoa humana.A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMEN- TOS DA FAMÍLIA MODERNA. como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer. portanto. pluralísticos..999%. plurívocos. III) – significativo vetor interpretativo. em que arranjos pluriparentais. nos mesmos moldes da convenção originária. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. foi chancelado pelo juízo. não se pode conceber como legítima a recusa da multiparentalidade. por implicitude. da CF/88. 1o. preservando-se a relação paterno-filial registral.”. Em audiência. até mesmo. são igual- mente aptos a constituir um núcleo familiar. gozo e expansão dos direitos fundamentais.. O Ministério Público exarou parecer pela não homologação do acordo ao argumento de que inexiste previsão legal autorizadora do reconhecimento da dupla parentalidade. do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana. em função de sua própria teleologia. Doutrina. que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF.202 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari A inicial veio instruída com documentos. assume papel de extremo relevo no processo de afirmação. como resulta do próprio art. 226. Doutrina. sobre o afeto ser um dos fundamentos da família moderna: . entre eles laudo de exame comparativo das impressões digitais do DNA. qualificando-se.mantém laços socioafetivos. Segundo o magistrado em sua sentença: Não havendo inexorável vinculação entre a função parental e a ascendência genética. (grifo e negrito nosso) Em sua decisão. – O princípio constitucional da busca da felicidade. entre nós. com quem a filha “. tendo sido. o magistrado cita interessante posicionamento do Ministro Celso de Mello. mas concretizando-se a paternidade atividade voltada à realização plena da criança e do adolescente. baseia-se na adoção de um explícito poliformismo. de modo expressivo. multifacetados. do STF. – O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. art.. que foi concludente no sentido de que a probabilidade da paternidade genética é superior a 99. verdadeiro valor- -fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País. a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de di- reito constitucional positivo. traduz. . Segunda Turma. material. Corretamente. como vemos em alguns escritos atual- mente como se fosse uma regra geral que não comportasse exceção. Positivação desse princípio no plano do direito comparado (STF. confere máxima primazia aos interesses do menor. através de adequada assistência física. Min. afetiva. – Assiste. RE 477554 AgR. Foi por conta disso que o competente juiz não determinou que o vínculo biológico ou socioafetivo prevalecesse um sobre o outro. preservando seus laços com os pais biológicos e socioafetivos. moral. vejamos: Os comandos normativos precitados ordenam categoricamente que todas as ações voltadas aos interesses de crianças e adolescentes devem pautar-se pela observância dos seus interesses. O reconhecimento do elo paternidade socioafetivo não afasta a paternidade biológica. moral. mental. Em outras palavras. orientam. é se concluir como perfeitamente viável a coexistência de elos parentais afetivos e biológicos. uma não tem pre- ferência sobre a outra. Preceden- tes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. o magistrado indica em sua brilhante decisão que o fundamento da multiparentalidade. que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. A inclusão de ambos os pais do menor em seu assento de nascimento viabilizará a formalização de todos os vínculos. em conjugação com o disposto nos arts. psicológica. deve prevalecer o interesse maior da criança e do adolescente de ter como pais aqueles que os acolhem. social. dentre outros próprios do elo familiar. por isso mesmo. A Multiparentalidade 203 esterilizar direitos e franquias individuais. Rel. emocional.8. por meio da ação conjunta de seus pais biológico e socioa- fetivo. educam. em nosso sentir. quando for discutida com relação a menores. médica.069/90) – albergam os princípios da prioridade absoluta e proteção integral da criança e do adolescente. Celso de Mello. . em que a paternidade resulta de uma construção efetiva e diária. a todos. julgado em 16. do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8. ou melhor. no contexto atual. E assegurar que a criança e o adolescente possam ter assegurado o pleno desenvolvimento de sua personalidade. 3o e 4o.2011). prestam assistência psicológica e financeira. mas sim que eles possam coexistir para originar a multiparentalidade: Diante desse quadro. dos quais resultarão efeitos materiais. As normas precitadas. verdadeiro postulado constitucional implícito. a multiparentalidade se apresenta como medida adequada ao desenvolvimento físico. é o princípio do melhor interesse da criança e adolescente. espiritual e social ao menor. o direito à busca da felicidade. Desse modo. tais como os direitos a alimentos e sucessórios. sem qualquer exclusão. sociais e econômicos. mantendo-se inalterado o nome da adolescente. esse homem esteve presente na vida dela como pai registral e afetivo. seguindo-se da necessária averbação em seu assento de nascimento. o que implicaria. educou-a e contribuiu decisivamente para a construção de seus valores éticos e morais. Nesses quase 18 (dezoito) anos. Para o magistrado. daí que a negativa à formalização desse duplo elo de parentesco. Segundo consta da decisão. nesse aspecto. assistindo-lhe afetiva e materialmente nos momentos em que mais necessitava de carinho. os vínculos de amor e respeito resultantes da relação da menor com seu pai socioafetivo jamais poderão ser ignorados nem banidos. o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia.9. com o qual se mostra feliz. a ausência de previsão legal não constitui obstáculo intransponível ao reconhecimento da multiparentalidade. porém sem desfazer os laços de amor e solidariedade que constituíram seu elo afetivo com o pai registral. por seu pai afetivo. No entendimento do julgador. dignidade da pessoa humana. devendo ser preservados. É certo que o exame de DNA apontou que a menor tem um outro pai. convém lembrar que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB – Decreto-lei no 4. prevê em seu art. afirma o juiz que nessa linha de pensamento ficou plenamente con- vencido da viabilidade jurídica do pleito homologatório do acordo celebrado. E tem mais.657. considerando a intensidade e complexidade dos vínculos biológico e psicológico que os envolvem. os costumes e os princípios gerais de direito. ani- quilaria a convivência familiar prolongada e a parentalidade socioafetiva constituída com o pai afetivo.204 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Noticia a sentença que no caso dos autos. anular o assento de nascimento da menor em relação à sua paternidade registral. pois. proteção e amor incondicional. tendo a acolhido em seus braços e no coração como filha. a menor. situação que permanece até os dias atuais. com todos os efeitos jurídicos decorrentes. Ao caso dos autos se mostra justo reconhecer os laços afetivos derivados da convivência estabelecida pelos acordantes. e não há falar em vedação implícita sem flagrante e grave colisão com os princípios constitucionais da plurali- dade dos arranjos familiares. da busca da felicidade. Ele a escolheu livremente como filha e ela o recebeu como pai. dessa vez biológico. desde os seus primeiros dias de vida sob os cuidados do pai registral.376. foi registrada em 7 de novembro de 1996. desenganadamente. cujo vínculo genético ela deseja ver reconhecido. escancarada e odiosa inconstitucionalidade. sem prejuízo do reconhecimento da ancestralidade genética da menor. para reconhecer a coexistência da paternidade biológica e socioafetiva da menor. de 4. .” Assim sendo. a menor já reconhece sua dupla filiação paternal com ambos. para o fim de admitir a múltipla paternidade de ambos em relação à filha comum. Por esse motivo. de 2010. prossegue. 4o que “Quando a lei for omissa. da prioridade absoluta e proteção integral da criança e do adolescente. Segundo o sentenciante. o que se apresenta inaceitável. nascida em 6 de setembro de 1996 – contando hoje com pouco mais de 17 (dezessete) anos e 9 (nove) meses – . para dele fazer constar apenas o nome de seu genitor.1942. poderá causar danos irreparáveis à sua integridade física e psicológica. na redação conferida pela Lei no 12. a menina está. portanto. José Adailton Santos Alves. tudo isso exteriorizando em todas as três oportunidades em que foi ouvida em juízo. na espécie das provas produzidas nos autos.. com a sua integração efetiva e plena.” Segundo ele. dedicando-lhe também carinho e afeto. a guarda provisória da menor e. movida por um casal em face da mãe de uma menor. AGORA EM SERGIPE. a destituição do poder familiar dos genitores e a procedência do pedido de adoção da criança. motivo pelo qual requereram. que possuem a guarda de fato da criança há seis anos e oito meses. . 4. a despeito de ter total consciência da existência de vínculo biológico com os seus genitores. nem moral e psicológica para tal”. consoante previsão do art. a adoção. condicionou o seu deferimento à comprovação de reais vantagens para o adotando.)”.. ao normatizar a adoção. em síntese.9 MAIS UM CASO DE MULTIPARENTALIDADE. inclusive pelo prisma psíquico. em momento algum. de modo a assegurar a sua dignida- de. estado de Sergipe.) passaram a exercer o papel de supridores das suas necessidades básicas. A guarda provisória da infante foi deferida. sendo constatado pelos profissionais responsáveis pela confecção do aludido laudo que os demandantes são os referenciais parentais da criança.. Dr. o juiz da 1a Vara de Assistência Judiciária da Comar- ca de Nossa Senhora do Socorro.. A adotanda projeta nos requerentes as figuras de pais. incluindo o estudo psi- cossocial. Trata-se de Ação de Destituição do Poder Familiar cumulada com Adoção. independentemente do vínculo biológico. ficou demonstrado que os requerentes reúnem condições materiais e afetivas para adotar a menor. A Multiparentalidade 205 Também foi homologado o acordo celebrado entre a filha e o pai biológico quanto aos alimentos. atendendo às suas necessidades de desenvolvimento da personalidade. conforme vaticina a doutrina civilista de van- guarda. e se encontra total- mente integrada na família substituta dos adotantes. Afirmaram que “a menor já está completando 08 anos de idade. 1. isso. ter criado vínculos de afetividade com a mãe biológica (.625 do Código Civil. Segundo o magistrado. afirma. liminarmente. ao final. in verbis: “Somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando. Em seus argumentos. o magistrado disse que o Código Civil. além de expressar enfaticamente a sua vontade de ter os demandantes no status de pai e mãe. MULTIPARENTALIDADE MATERNA NUMA RELAÇÃO ADOTIVA Em 10 de setembro de 2013. educacional e afetivo”. compartilhando do entendimento perfilhado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. reconheceu mais um caso de multiparentalidade em nosso país. conhecendo-a como mãe e pai. asseverando. e “(. fazendo com que o adotado passe a gozar do estado de filho de outrem. em razão de. já que sua mãe biológica não apresenta condição financeira. “está assentada na ideia de se oportunizar a uma pessoa humana a inserção em núcleo familiar. a retirada do menor da companhia do casal com que se encontrava há meses devia ser seguida de permanência em instituição de acolhimento. 50 do ECA. sob uma perspectiva psicossocial. não constitui obs- táculo ao deferimento da adoção quando isso refletir no melhor interesse da criança. ao contrário. permanecendo até os dias atuais. DJe 20. quando comprovado ser essa a melhor solução no interesse do adotando”. sem dúvida.2012). 4. 2. convivia com os recorrentes há um ano quando da concessão da liminar (27. ademais. do ECA. ou seja. permite concluir que eles estavam devidamente habilitados para a adoção. A inobservância da preferência estabelecida no cadastro de adoção competente. do ECA – Precedentes desta corte – Recurso Especial provido.2011). portanto.11. Rel. vale dizer. Caso em que. A regra comporta exceções determinadas pelo princípio do melhor interesse da criança. mesmo que em caráter transitório. 6. situação verificada no caso em tela. afirmou o juiz. a preferência das pessoas cro- nologicamente cadastradas para adotar determinada criança. além de. devendo. não é absoluta. ser a todo o custo evitada a inter- nação. ainda que no decorrer do processo judicial. e havendo a mitigação na sua aplicabilidade. nos termos do artigo 197-E. ser a medida que melhor atende aos interesses da infante. No caso dos autos. Esse convívio. Tal hipótese configura-se. conforme assinalado pelo Acórdão Recorrido. 1. como se extrai da conclusão dos experts responsáveis pelo acompanhamento do caso: . 3. 6.10. Ministro Sidnei Beneti. Além disso. A observância do cadastro de adotantes.2012. tem o condão de estabelecer o vínculo de afetividade da menor com os pais adotivos.206 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Segundo o julgador. Recurso Especial provido (REsp 1347228/SC. não há dúvida de que os requerentes preenchem os requisitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Civil. os Tribunais pátrios têm afastado a aludida previsão legal. in verbis: Recurso Especial – Adoção – Cadastro de adotantes – Relatividade – Princí- pio da prevalência do interesse do menor – Vínculo afetivo da menor com casal de adotantes devidamente cadastrados – Permanência da criança por aproximadamente dois anos. Alegações preliminares de nulidade rejeitadas. 50 desta Lei. a criança hoje com 2 anos e 5 meses. quando já formado forte vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção. para somente após. 5. na somatória do tempo anterior e du- rante o processo – Albergamento provisório a ser evitado – Artigo 197-E. Os Recorrentes. base de todo o sistema de proteção. o § 1o. j. quando tal prática refletir no melhor interesse da criança. já estavam inscritos no CUIDA – Cadastro Único Informatizado de Adoção e Abrigo o que. Precedente. mesmo que os adotantes não atendam à exigência do art. do mesmo dispositivo legal afirma expressamen- te que “A ordem cronológica das habilitações somente poderá deixar de ser observada pela autoridade judiciária nas hipóteses previstas no § 13 do art. iniciar-se a busca de colocação com outra família. integrarem o cadastro de pessoas interessadas na adoção. in casu. 7. Suplantado esse óbice legal. Terceira Turma. § 1o. por exemplo.11. 1. num primeiro momento. apesar de ter entregue a sua filha aos cuidados dos requerentes. tanto que a menor/adotanda ordinariamente e com alguma frequência passava finais de semana com a mãe biológica. não só se preocupou com a filha. resistência à conservação do vínculo materno com sua genitora biológica. o preceito legal supracitado aplica-se na sua in- tegralidade. Outrossim. após ser assegurado a ela que em nenhuma hipótese a sua guarda seria retirada dos adotantes. filhos de sua mãe biológica. demonstrando. além de ter sido revel. repita-se. menciona o magistrado. porquanto tal medida. disse o juiz. pois não atende aos interesses fundamentais da criança. e. que demonstraram os fortes laços afetivos existentes. mormente nas oitivas da menor/adotanda. não tendo ele qualquer participação na sua vida. sempre manteve contato com a menor e nunca ventilou a possibilidade de romper o vínculo familiar com ela. máxime face à impossibilidade financeira de dar a ela as melhores condições de vida. do CC. Aliás. Esses fatos estão evidenciados pelas fotografias colacionadas aos autos e também pelos depoimentos dos menores. Afirmou o sentenciante que após uma minuciosa incursão no acervo probatório. malgrado a menor/adotanda tenha demonstrado. além de romper em definitivo o poder familiar de sua mãe biológica.635. que a mãe biológica da menor. nos termos do art. pôde constatar no curso deste processo o forte laço afetivo que a mãe biológica sempre teve e ainda tem com a menor. teria como corolário o afastamento definitivo da menor dos seus três irmãos biológicos. mas conviveu com ela. que. pois. A Multiparentalidade 207 “Portanto. a toda evidência. foram uníssonos em expressar que nutrem um forte sentimento de carinho e afeto pela irmã. repise-se. inclusive com os seus irmãos. tanto que ela chegou a afirmar em suas declarações que tem pouco contato ou quase nenhum com o pai biológico. e um forte vínculo socioafetivo. No que toca à destituição do poder familiar do genitor em relação à menor/ adotanda. este julgador. em tese. todas as provas produzidas atestam a ausência de vínculo socioafetivo entre ele e a menor. tanto que. desinteresse sobre eventual adoção da menor. proporcionados pelos períodos de convivência ocorridos ao longo de suas vidas e que. integrando-a aos seus outros filhos. pois manteve todo esse tempo contato com ela. reputo não ser adequada a destituição do poder familiar da genitora. máxime para assegurar em sua plenitude o fim precípuo da adoção.” Segundo ele. sugerimos que seja deferido o pleito em favor dos requerentes. E aqui é fundamental acentuar. ao longo desses anos. no caso em comento esse preceito legal deve ser aplicado com par- cimônia. IV. por circunstâncias da sua vida. embora tenha entregado a sua filha aos requerentes. em três assentadas distintas. dentro do seu livre consentimento motivado. com a destituição . mostrou absoluta felicidade com a possibilidade de manter a convivência com a sua mãe biológica e seus irmãos. em nenhum momento afastou-se dela. ao serem ouvidos por este juízo. sempre no sentido da preservação do interesse fundamental da adotanda. não podem ser rompidos. não obstante a destituição do poder familiar dos genitores biológicos seja um consectário legal do acolhimento do pedido de adoção. visando garantir a continuidade do desenvolvimento biopsicossocial da criança em tela. da solidariedade. tem-se uma mãe biológi- ca que. sobretudo nos princípios da igualdade. Para en- tender essa nova realidade jurídica devemos nos despir de preconceitos e do velho dogmatismo jurídico. alicerçando-se em princípios constitucionais. da igualdade das filiações e da paternidade responsável. entregou-a aos adotantes. continua. na concepção de fazer da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado. As reflexões feitas pelo magistrado remetem. e os autores que a receberam desejaram adotá-la. inclusive para emprestar mais segurança às relações jurídicas. dela nunca se afas- . está a sua coragem de trazer esta importante indagação de forma objetiva. sobretudo porque a adoção. ela própria reconhece que o melhor inte- resse da menor é a sua permanência com os adotantes. Afirma o sentenciante que cabe ao Estado-Juiz solucionar esse aparente conflito. apesar de deixar a filha sob os cuidados dos adotantes. não podendo fechar os olhos a essa realidade sob o pseudofundamento da impossibilidade jurídica do pedido. A partir dessas constatações é possível deferir a guarda e manter a mãe guardiã como genitora da menor. e hoje ela (a menor) já conta com 10 anos de idade. inserir o nome de dois pais na certidão de nascimento pode estar apenas espelhando a vida como ela é. da solidariedade familiar. mãe essa que. a todo um pensar e repensar de cada um de nós com o seu próprio pai. Segundo ele. Somente assim a ciência jurídica está viva e trazendo mais vida à vida. Junto da evolução social e dos novos arranjos familiares existem no nosso orde- namento jurídico soluções adequadas e justas para fazer frente a essas demandas. em qualquer circunstância. É evidente. Na situação versada. Mas. as assertivas anteriores não se contrapõem às constatações citadas quanto à presença dos requisitos para o deferimento da adoção. somada à formação de uma sociedade solidária (art. As relações familiares têm origem na Constituição Federal. se se analisarem as próprias declarações da mãe biológica. 1o. observando-se as vicissitudes da situação concreta. que preconiza como um dos princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. da dignidade da pessoa humana e ainda do interesse fundamental da criança e do adolescente. III). quando a menor possuía 1 (um) ano de idade. como afirma. por circunstâncias alheias à sua vontade e pensando no melhor interesse de sua filha. Aliás. 3o). que uma visão estreita do direito pode levar a entendimento também estreito e desvinculado da realidade do Direito das Famílias pós-moderno. admitindo que durante todos esses anos eles proporcionaram a ela todas as condições necessárias a seu regular desenvolvimento. deve atender aos interesses da menor. embasando o julgador a sua decisão nesses pilares. dentro da perspectiva da pluriparentalidade.208 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari do poder familiar de sua mãe biológica. conforme já delineado. para além das reflexões e questionamentos. sempre tendo em mira os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente. rompendo-se todos os laços da menor com a mãe biológica. prossegue. por que não podemos ter dois pais em nossa certidão de nascimento? Se os registros públicos e os atos registrais devem traduzir uma realidade. afinal. O Direito deve proteger a essência das relações muito mais do que as formas e formalidades que as envolvem. simultaneamente. consoante asseverado alhures. a criança em tela. pois o direito da família vive em constante mutação. o juiz ressalvou quanto ao pai biológico que. entre- tanto. mantendo com ela todos os laços afetivos de mãe. Nesse contexto. com a consequente regulamentação do direito à convivência entre a menor e a sua mãe biológica. a doutrina de vanguarda e algumas decisões jurisprudenciais passaram a admitir essa inclusão. Segundo o juiz. dentro da perspectiva da evolução do Direito e dos valores sociais. os quais não romperam os vínculos filiais com a filha. a filiação da mãe biológica e dos adotantes. que se irradiaram para os seus demais filhos (da mãe biológica e irmãos da adotanda). os princípios anteriormente citados aplicam-se ao caso vertente. nunca teve qualquer relação de afetividade com a me- nor. o reconhecimento da simultaneidade da fi- liação biológica. guiado pela evolução comum das sociedades modernas. apenas em relação à genitora. consoante afirmado. “à vista do quanto exposto. apenas excluindo o nome do genitor biológico. frise-se. a concomitância dos vínculos biológico e socioafetivo na determinação da filiação da menor constitui efetivo benefício para a adotanda. sem prejuízo da manutenção de A como genitora da menor. tem absoluta consciência de que o melhor para a sua filha é permanecer com os adotantes. juntamente com A. podendo haver o deferimento da adoção aos requerentes. para dar lugar a outra”. A mãe biológica. os requerentes. com a admissão da pluriparentalidade. passando com ela períodos e finais de semana. Como bem asseverou a Promotora Rosane Gonçalves dos Santos nos autos. em uma união homoafetiva. de acordo com o contexto social de cada época. continua a possuir pai e mãe biológicos. Sobre essas assertivas ministeriais. inexistindo óbice legal ao reconhecimento da pluriparentalidade. Logo. passarão a ser os pais da menor. apesar de possuir pai e mãe afetivos. A Multiparentalidade 209 tou. e da filiação socioafetiva dos adotantes. fim precípuo do processo de adoção. face à existência dos motivos para a destituição do seu poder familiar relativamente à sua filha. vale dizer. bem se vê que a questão em pauta diz respeito aos novos temas apontados neste arrazoado. Lembra bem o magistrado que não há nada de excepcional. quanto genética. Nesse diapasão. Situações que outrora eram inadmissíveis e até intoleráveis com o tempo passam a ser corriqueiras e admissíveis. tal criança tanto possui relação de parentesco afetiva. sob o fundamento da impossibilidade jurídica do pedido. Há muito pouco tempo. não sendo razoável que uma seja afastada. também. máxime por demonstrar que sempre manteve com ela fortes laços afetivos. sendo certo que a guarda unilateral da menor continuará com as adotantes. entretanto repudia a hipótese da perda do poder familiar. razão pela qual devem ser mantidas. não era permitida a inclusão de dois homens ou duas mulheres como genitores do adotado. instituto definido pela doutrina de pluriparentalidade. Exemplo disso é a adoção por pessoas do mesmo sexo. apresenta-se como medida consentânea com o princípio do melhor interesse da criança. razão pela qual somente contra ele há motivos suficientes para sua destituição do poder familiar. já sendo pacífico sobre o tema o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. . disse o magistrado. Pois. RJ. de ter “um registro de nascimento com o nome dos dois pais e das duas mães”. em entrevista à Revista IBDFAM. pois garante dignidade aos componentes dessas famílias não biológicas. o pai biológico passou a conviver com a filha e entrou com ação para ter seu nome no registro. e ocorreu na cidade de Ariquemes). O pai socioafetivo havia registrado a filha da companheira.10 MAIS CASOS DE MULTIPARENTALIDADE NOTICIADOS NOS ESTADOS DE RO. Em audiência realizada na comarca. sem distinção entre as duas (biológica ou adotiva). será inserido o nome da mãe adotiva.br/noticias/5234/+Tribunal+de+Justi%C3%A7a+ de+Rond%C3%B4nia+reconhece+multiparentalidade+em+a%C3%A7%C3%A3o+de+ado%C3 %A7%C3%A3o>. Em processos de adoção.210 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Com isso. porque demonstra avanço e maior sensibilidade do Estado-Juiz com as questões sociais menos comuns. passível. MAS COM SENTENÇAS NÃO DISPONÍVEIS PARA ESTUDO No dia 5 de fevereiro de 2014. da 2a Vara Cível da Comarca de Cacoal. que vive com ela desde pequeno. ressaltando-se que será mantido o vínculo registral de sua genitora. de homologação. mas digno de festa. o acordo entabulado entre as partes em audiência. no as- sento de registro civil (certidão de nascimento). notadamente quanto à guarda. 2014. em 2011. foi mantido. A sentença reconhece a família multiparental. em ação de adoção. que também constará no documento. A decisão é do juiz Audarzean Santana da Silva. Tempos depois. ao invés da substituição. Acesso em: 3 nov. a mãe biológica concordou com o desejo do filho. Priscila já atuou em cinco casos de paternidade múltipla em Rondônia e foi responsável pelo primeiro parecer favorável à multiparentalidade no Brasil. Por isso a ação foi julgada parcialmente procedente e. ou seja. além do nome dos pais biológicos no registro. portanto. e destituído o poder familiar do pai biológico.org. já esboçado em depoi- mento. explica.ibdfam. 4. A promotora de Justiça de Rondônia e membro do IBDFAM Priscila Matzenbacher. porém pela doutrina jurídica da família multiparental é possível. o site do IBDFAM9 noticiou que a Justiça de Ron- dônia decidiu. por consequência. que o reconhecimento judicial da multi- parentalidade não é apenas importante. pelo deferimento do pedido feito pela mãe de um adolescente. a adição dos nomes. A promotora opinou pelos dois nomes 9 Disponível em: <http://www. geralmente os nomes dos pais biológicos são substituídos pelos adotivos. PR E MG. mormente quando resguar- dados os interesses e o bem-estar da adotanda. . quando o tema era ainda menos reconhecido pelo Judiciário brasileiro. foi concedida aos requerentes a adoção da menor. do nome da mãe adotiva. direito de visitas e nome da menor. que reconheceu o segundo caso de multiparentalidade no estado (o primeiro já foi citado anteriormente neste livro. e autorizou o reconhecimento. como bem observou a representante do Ministério Público no seu parecer. que deixa de ser seguida porque a própria sociedade criou novas formas de relacionamento sem deixar de preservar o respeito por quem participou desta construção. Acesso em: 3 nov. em seus registros de nascimento. No dia 12 de fevereiro de 2014. deve reconhecer. eles ingressaram no Judiciário pedindo para que passe a constar nos seus registros de nascimento o nome da mulher que os criou como mãe. da não maleficência. o site do IBDFAM10 noticiou que a Justiça do Rio de Janeiro reconheceu o direito de três irmãos terem duas mães. os demais documentos públicos deverão conter o nome do pai e das duas mães. 10 Disponível em: <https://www. Priscila opinou pela inserção do nome da madrasta na certidão de nascimento da filha. “O que temos é uma tradição de séculos.br/noticias/5243/TJRJ+reconhece+multiparenta lidade>. 2014. Já adultos. A decisão é da juíza titular da 15a Vara de Família da Capital do Rio de Janeiro. onde somente constavam pai e mãe no registro civil. Segundo a juíza.org. sendo certo que existem documentos sem nome algum na filiação. e mantendo o nome do pai. o processo é um novo desafio apresentado pela dinâmica social. já que é requerido o reconhecimento da existência de duas mães. membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). os irmãos ficaram sob os cuidados da ma- drasta. Após o falecimento da mãe biológica. a juíza explica que o argumento de que apresentar o documento que contém duas mães e um pai poderia gerar constrangimento para a pessoa não procede. Maria Aglae Vilardo. a biológica e a so- cioafetiva. esse é o exemplo clássico de família por laços afetivos. uma biológica e outra afetiva. recentemente. No fim de 2012. Princípios desenvolvidos pela filosofia para a ética biomédica e que “se aplicam perfeitamente à análise porque um julgamento desta ordem não pode ter suporte exclusivamente jurídico por se tratar de uma discussão com forte conteúdo moral. Em outro caso semelhante. mantendo o nome da mãe biológica e acrescidos os nomes dos avós maternos por parte da madrasta.ibdfam. A Multiparentalidade 211 na certidão. sem que o nome da mãe biológica seja retirado. A decisão determinou que fosse acrescentado o nome da madrasta como mãe. pois os vínculos da madrasta e dos três autores são fortes o suficiente para caracterizar a maternidade. um casal de lésbicas incluiu o irmão de uma delas na certidão do filho. portanto tratado pela ética”. sem que seja um casal.” Na sentença. Mediante a alteração do registro. A magistrada analisou o caso com base nos princípios éticos do respeito à auto- nomia. da beneficência e da Justiça. porque partiu da vontade dessas pessoas e também não gera insegurança social porque “simplesmente acrescenta um nome aos documentos. . com nome de duas mulheres ou de dois homens”. caracterizado exatamente por respeitar as diferenças sem qualquer forma de discriminação. De acordo com Maria Aglae Vilardo. É uma formação familiar diferente e que o Estado de Direito. com apenas um dos nomes e. A mãe biológica da criança faleceu em 2013. Segundo a sentença da juíza Maria Fernanda Scheidemantel Nogara Ferreira da Costa. Entretanto. a existência de relação afetiva entre o infante e a autora. A decisão é do dia 25 de agosto de 2014. “Estamos vivendo tempos em que velhos preconceitos estão sendo revistos. “No caso em tela restou demonstrada. filhos do casal. Acesso em: 3 nov. A decisão foi possível a partir da aplicação da moderna doutrina da multiparentalidade. desde então. Dúvida porventura pode surgir quanto à possibilidade de multiparentalidade. “A divulgação de decisões da espécie é extremamente salutar e a atitude de coragem dessa ‘madrasta’ deve efetivamente ser seguida e divulgada. indicação. a decisão é de fundamental importância para a sociedade e para a preservação dos direitos fundamentais das crianças.212 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari No dia 17 de setembro de 2014. Acesso em: 3 nov. tomamos conhecimento e derrubamos nossas tardias lágrimas”. que con- siste basicamente na possibilidade de uma pessoa possuir mais de um pai e/ou mais 11 Disponível em: <http://www. disse. o menor vive com a madrasta. No registro de nascimento do menor de idade constará o nome dos pais biológicos e também o da madrasta. 12 Disponível em: <http://www.tjmg.VFf7YPnF_84>. No caso. a madrasta recorreu à Justiça pedindo a declaração de maternidade socioafetiva do menor. fruto de uma relação passageira quando este ainda era solteiro. 2014. membro do IBDFAM. esclarece. ela lembra o caso do menino Bernardo. Ao ressaltar a importância da decisão. conforme já mencionado.org.htm#. reflete. a existência de afetividade na relação entre o infante e a sua madrasta foi com- provada. sendo que o Direito de Família é o que mais tem evoluído para que tenhamos uma sociedade mais justa e melhor”. 2014. o site do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais12 noticiou que a Justiça de Minas Gerais autorizou que uma criança da Comarca de Nova Lima tenha em seu registro o nome de duas mães e de um pai. filho de seu marido. o site do IBDFAM11 noticiou que a Justiça do Paraná julgou procedente o pedido de uma madrasta para ter inserido no registro de nascimento do enteado o seu nome. Também no dia 17 de setembro de 2014. sem ofensa à ordem jurídica. de maternidade biológica e socioafetiva no assento de nascimento da criança. seu pai e os dois irmãos. e. concomitante. que chocou o país. razão pela qual merece acolhimento”. atônitos em nossas residências.ibdfam. tendo o trágico fim de que todos nós.br/portal/imprensa/noticias/crianca-tera-duas-maes- -e-um-pai-em-seu-registro. a exemplo do estarrecedor caso do menino Bernardo que clamou por Justiça.br/noticias/5434/Garoto+ter%C3%A1+duas+m %C3%A3es+no+registro+de+nascimento%2C+no+Paran%C3%A1>. foi bater às portas do Judiciário e não foi atendido e não foi ouvido pela sociedade. Constará no documento o nome da mãe biológica e dos pais adotivos. ou seja. como um alerta contra as milhares de atrocidades que vêm sendo cometidas contra crianças. Para a advogada Liriam Sexto. a medida pug- nada satisfaz o anseio legítimo dos autores e de sua família.jus. . o casal deveria ter apenas a guarda definitiva da criança. que tem direito não só ao conhecimento de suas raízes biológicas. uma vez que a mãe não abandonou o menor. e produz efeitos jurídicos em relação a todos eles. O pedido de adoção foi feito por um casal de Nova Lima. a perda do vínculo com a mãe biológica. pois a criança vive com ele desde o nascimento. Para Juarez Morais de Azevedo. A Multiparentalidade 213 de uma mãe. “Qualquer decisão deve orientar-se pelo melhor interesse e proteção integral. “Com amparo constitucional. dedicando-lhe amor e cuidados. no presente caso. no caso em questão. “medida extremamente gravosa”. mas também de reconhecer como seus pais aqueles que a criam. os nomes dos pais biológicos são mantidos. que têm todas as provas constantes nos autos favoráveis”. O magistrado levou em conta também a oposição da Defensoria Pública em relação ao pedido de adoção. traz à baila debate interessante em relação aos novos arranjos familiares da atualidade. disse o magistrado. a sugestão do Ministério Público de que a adoção seja deferida. o menor será o mais privilegiado com a situação. O defensor salientou que uma das consequências da adoção é o rompimento do vínculo com os pais biológicos. que deixou claro que a adoção irá regulamentar uma situação que ocorre de fato desde o nascimento da criança. O Ministério Público manifestou-se favorável aos pedidos do casal. Os pais adotantes. o conceito de família tem se alargado para abranger as mais diversas formas de núcleos familiares. destacou o magistrado. titular da Vara Criminal e da Infância e da Juventude de Nova Lima. pelo fato de a mãe ter morrido em abril de 2011. prevalecendo os princípios que regem o direito em detrimento da legislação engessada. impõe a adoção pelos requerentes. o que. que têm refletido no direito de família. não há que se cogitar da destituição do poder familiar. mas acrescenta-se no registro de nascimento o pai ou a mãe socioafetivos. sem. eis que. “Desta feita. o irmão da mãe biológica e sua esposa. ainda não amparadas expres- samente pelo ordenamento jurídico”. ressalvando a manutenção do nome da mãe biológica no registro. A Defensoria Pública foi nomeada curadora do menor e não concordou com a ado- ção por entender que a criança não foi abandonada por sua mãe e. além de possuir em seu registro todas aquelas pessoas que contribuíram na sua formação e história de . bem como para o seu desenvolvimento físico. Para o juiz Juarez Morais de Azevedo. O juiz afirmou que a multiparentalidade privilegia o melhor interesse da criança. não era razoável a perda dos vínculos com a mãe biológica. O pai biológico da criança é desconhecido. mental e social. alegaram ter condições de oferecer ao menor boas condições para o seu sustento e educação. além de tratar do seu melhor interesse. dando especial relevo ao afeto entre os conviventes e às situações de fato. simultaneamente. O juiz citou ainda o parecer constante no estudo social. contudo. como normalmente ocorre nos casos de adoção. portanto. Assim. para a Defensoria Pública. pois a mãe não abandonou o menor. em virtude de complicações pós-parto. Assim. Em seu voto. grifos nossos). a ausência de direito patrimonial relativamente ao pai biológico –. com o fim de impedir a anulação do registro de nascimento. 5. Impos- sibilidade. Recurso adesivo desprovido. relator do caso ementado acima.7. j. Trindade. impedir a desconstituição da filiação que consta no registro de nascimento. 4. nem mesmo o alimentar em situações excepcionais como a que ora se julga. à paternidade biológica. inclusive patrimonial – ou melhor. Agravo retido provido. por maioria. disse o magistrado. o desembargador José S. p. mas também o melhor interesse da criança.2007. que terá conhecimento de seu passado. Caracterizadas a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva. Recurso adesivo. com todas as suas consequências. “a manutenção do nome da mãe no registro protege não só a me- mória da falecida. Apelação Cível 70017530965. uma vez que. 8a Câmara. benefícios previdenciários e sucessórios de todos eles”. à unanimidade. pois o entendimento predominante era de que uma filiação se sobrepõe à outra. Apelação provida. o que impede a anulação do registro de nascimento do autor. Nem sempre foi assim.214 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari vida. Com essa fundamentação. fará jus a alimentos. utilizou os seguintes argumentos para afirmar que uma parentalidade se sobrepõe à outra: Uma vez definido na sentença – na esteira do entendimento deste relator. 28. não podendo coexistir duas paternidades para a mesma pessoa. nenhum direito poderá advir através da paternidade biológica. Ao entendermos pela prevalência da paternidade socioafetiva – matéria que . Isso pode ser verificado na seguinte ementa.6. Trindade. prevalece.11 O FUNDAMENTO DA MULTIPARENTALIDADE: A IGUALDADE ENTRE AS FILIAÇÕES BIOLÓGICA E SOCIOAFETIVA O embasamento para a existência da multiparentalidade é que devemos estabelecer uma igualdade entre as filiações biológica e afetiva. Des. Alimentos a serem pagos pelo pai biológico. o juiz entendeu ser possível o deferimento da adoção sem o rompimento dos vínculos biológicos. não passando pelos traumas advindos pela suposição de que foi rejeitado pela mãe”. Adoção à brasileira e paternidade socioa- fetiva caracterizadas. que trouxe em seu ventre o menor e certamente o amou. à unanimidade (TJRS. Investigação de paternidade cumulada com anulação de registro civil. diga- -se – que a paternidade socioafetiva completamente demonstrada nos autos se sobrepõe. ou seja. e que ambas não poderiam coexistir. ao prevale- cer a paternidade socioafetiva. Rel.2007. José S. de uma apelação cível julgada pelo TJRS: Apelação cível. ela apaga a paternidade biológica. pontuou. Para ele. descabe a fixação de pensão alimentícia a ser paga pelo pai biológico. Teoria tridimensional do direito de família. deve-se atribuir ao filho o direito fundamental às paternidades genética e socioafetiva e. exatamente porque fazem parte da condição humana tridimensional. afirmando que alguns julgados estão querendo provocar uma “escolha de Sofia”. pois ambas têm uma origem diferente de parentesco. 2009.14 entre os vínculos biológico e socioafetivo. biológica e socioafetiva. não pode ocorrer. Flávio. uma mãe polonesa. em decorrência. no meu entender. Não concordamos com os citados argumentos. a biológica se origina no vínculo sanguíneo. Direito civil: direito de família. e não é por isso que uma irá prevalecer sobre a outra. Belmiro Pedro. pelo contrário. E esta opção é necessária porque. São Paulo: Método. Isto sim confundiria. No caso concreto. Enquanto a socioafetiva tem origem no afeto. afetiva e ontológica. 222. filha de pai antisse- mita. 2014. A Multiparentalidade 215 será aprofundada quando do exame do recurso adesivo –. conferir-lhe todos os efeitos jurídicos das duas paternidades. Se ela se recusasse a escolher um. 9. . 14 O filme “Escolha de Sofia” trata do dilema de “Sofia”. de modo que se verifique qual é mais importante. isso porque ambas as paternidades são iguais. 389. que “a paternidade socioafetiva se sobrepõe à paternidade biológica”. p. ed. ambos seriam mortos. 13 TARTUCE. Flávio Tartuce13 critica a jurisprudência moderna. isto sim afrontaria o direito da personalidade. pois acreditamos que se uma prevalece sobre a outra haverá a necessidade de se criar uma hierarquização entre as duas formas. que eles afirmam não poder prosperar. não podemos esquecer que é plenamente possível a existência de uma parentalidade biológica sem afeto entre pais e filhos. e isso. As parentalidades socioafetiva e biológica são diferentes. mostrando que as parentalidades biológica e socioafetiva devem coexistir e não uma se sobrepor à outra: Visto o direito de família sobre o prisma da tridimensionalidade humana. presa num campo de concentração durante a Segunda Guerra e que é forçada por um soldado nazista a escolher um de seus dois filhos para ser morto. que é genética. ao se demonstrar favorável à multiparentalidade. p. não havendo prevalência de nenhuma delas. não podem coexistir duas paternida- des sobre uma pessoa. não é correto afirmar. fazemos nitidamente uma opção entre as paternidades registral. a paternidade registral e a socioafetiva se confundem. Assim sendo. Belmiro Pedro Welter15 também faz essa crítica. Numa só palavra. em nosso sentir. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 15 WELTER. como o faz a atual dou- trina e jurisprudência do mundo ocidental. elas devem coexistir em razão de serem distintas. ou que “a paternidade biológica se sobrepõe à socioafetiva”. logo após a morte do fundador da H. descobriram ser filhos de Hans Stern. Afirmaram os advogados: Apesar de os filhos terem o direito de conhecer a sua verdade biológica. dada a rela- ção de afeto entre os filhos e o responsável por sua criação. pois afirmam que o entendimento majoritário na jurisprudência é de que a paternidade socioafetiva deve prevalecer sobre a biológica justamente para evitar demandas de cunho unicamente patrimonial. O objetivo deles. segundo seu advogado Flavio Zveiter. garantiria o direito à herança. o mero exame de sangue não pode prevalecer sobre o vínculo afetivo.conjur. o que. 2012. e pelo montante de dinheiro nele envolvido. é obter na Justiça o reconhecimento da paternidade biológica. que representa a H. os advogados citaram um julgado da 7a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. depois de exame de DNA. o exame de DNA não pode autorizar a mudança no registro de nascimento.com. Para respaldar esse entendimento. disse a Milton ter certeza de que o irmão dele era filho do empresário. que. normal e coe- rente. Acesso em: 20 set. para que ela seja usada de maneira equivocada. ou seja. abriremos a porta para as injustiças e para as pessoas se aproveitarem da evolução doutrinária e jurisprudencial. que fez do Brasil um dos países mais avançados nesse assunto. pois. que ficou famoso em razão de contar com uma pessoa famosa. Stern. O processo que dois irmãos cariocas movem pelo direito a parte da fortuna do fundador da rede de joalherias H. do autor da herança sucede conforme a ordem de vocação hereditária. com o fito de não terem que dividir a herança com irmãos bastardos. 52. 54. que denominamos forma clássica. A mídia o denominou “Caso H. afirma que o descendente biológico. senão. morto em 2007. para os advogados do escritório Andrade & Fichtner. que ficou assim ementado: 16 Disponível em: <http://www.216 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Essa questão da coexistência de ambas as parentalidades é de suma importância. que. consanguíneo.829 do Código Civil. A primeira forma de interpretação. O exemplo disso pode ser visto num caso emblemático. Stern colocou em evidência a disputa travada por duas formas de interpretação acerca da parentalidade socioafetiva. A pista surgiu de depoimento da mãe. e Milton Re- zende Duarte. Porém. Ocorre. em desrespeito aos cuidados e amor recebidos de seu pai registral. em razão de não terem uma relação socioafetiva com ele. Noticiou o site do Conjur16 que. agora. os filhos do fundador da tradicional joalheria tentam emplacar a tese de que os filhos havidos fora do casamento não poderiam herdar na sucessão hereditária do seu pai consanguíneo. na avaliação dos advogados. insculpida no art. Stern.br/2012-set-19/disputa-heranca-stern-expoe-conflito- -jurisprudencias>. . 1. e nele se verifica um conflito entre a parentali- dade biológica e afetiva. fundador da joalheria. Nelson. porém. Stern”. o pedido é injustificado. p. Des. Sentença desconstituída para que prossiga a instrução. Rui Geraldo Camargo. Apelação Cível 70010323996. 227 da Constituição Federal estabelece que os filhos. realizando a chamada “adoção à brasileira”. Temas atuais de direito civil na Constituição Federal. grifos nossos). a comprovação da filiação socioafetiva entre o investigante e seu pai registral afasta a possibilidade de alteração do assento de nascimento do apelante. com a possibilidade de se ter uma convivência com ambos os pais ou mães. desde que isso decorra de uma situação normal da vida. A Multiparentalidade 217 Apelação cível. A família. em decorrência da confissão materna.). Aliás. Investigatória de paternidade cumulada com petição de herança. o autor da ação investigatória tinha um pai registral. Rui Geraldo Camargo. por maioria (TJRS. em que há a coe- xistência das duas parentalidades. certamente em razão das idades das partes envolvidas. Já no caso H. a situação bizarra que salta aos olhos é uma pessoa desejar investigar a paternidade com quase 70 anos. Stern. j. mesmo tendo optado. por todo esse tempo. sem que isso guarde relação com sua idade. estaria na gradativa eliminação da diferenciação entre as espécies de filiação e da progressiva atribuição de direitos à concubina.] a família natural. Sentença desconstituída. cumulada com petição de herança. Rel. dele ter recebido herança. Rosa Maria de Andrade (Org. sobre o tema. O direito à apuração do verdadeiro esta- do de filiação biológico torna imprescritível a investigatória de paternidade. terão os mesmos direitos e qualificações. NERY. bem como qualquer pretensão de cunho patrimonial. 226 da 17 VIANA. 7a Câmara. 27. ele ingressou com ação de investigação de paternidade. In: VIANA. de um pai biológico já falecido. Nesse caso decidido pelo TJRS. São Paulo: Revista dos Tribunais. Todavia. certamente. Quase 70 anos depois. em janeiro de 2003. José Carlos Teixeira Giorgis. permitindo o conhecimento da real origem da pessoa. pela paternidade socioafetiva. deve ter recebido herança. 2000. 31.4. biológica e afetiva. No caso citado acima. depois de ter tido um pai por toda a sua vida e. que era o marido de sua mãe e que o registrou em abril de 1934. acabando por se firmar na ordem jurídica a família concubinária como uma entidade familiar e sendo reconhecida constitucionalmente pelo art.. O § 6o do art. de quem. os supostos filhos do joalheiro só descobriram agora que eram filhos do falecido. para ter direito a participar da sucessão do pai biológico.. talvez em decorrência da notoriedade e da fortuna que possuía o falecido. proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. . Deram provimento à apelação. ou por adoção. havidos ou não da relação do casamento. É necessário deixar claro que não somos contrários a uma pessoa receber duas heranças. aponta Rui Geraldo Camargo Viana:17 [. que sonegou essa informação por tanto tempo.2005. pois imprescritível o direito do filho de buscar a paternidade real. j. o art. § 9o. contrariando tais dispositivos constitucionais? Estariam esses filhos tentando impugnar o reconhecimento que seu pai socioafetivo fez? Pois. Inaplicabilidade dos artigos 178. assim. apenas. Possibilidade jurídica do pedido.614 do Código Civil estabelece o prazo de quatro anos após a maioridade ou emancipação. a referida ação seria imprescritível. como resolver essa situação? Como dar o direito sucessório aos fi- lhos que. A procedência do pedido conduz ao cancelamento do registro. consequentemente. investigar a paternidade bio- lógica.12 ALGUNS PROBLEMAS PRÁTICOS ADVINDOS DA MULTIPARENTALIDADE Ter três ou mais pessoas como genitores de alguém pode acarretar alguns outros problemas no Direito Civil que a doutrina e a jurisprudência precisarão enfrentar. e por esse motivo imprescritível. Agora.12.11.218 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari CF/88 e. no caso da ação de petição de herança. e 362 do Código Civil. não ha- vendo contestação do pai registral.1963 – É imprescritível a ação de investigação de paternidade. para acrescê-la à do seu pai socioafetivo registral. por ser ela uma ação meramente declaratória. Recurso especial conhecido e provido (STJ. apenas agora. Esse é o entendimento da Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal.278/1996. in- dependentemente de prévia anulação do registro. O inciso I do parágrafo único do art. Precedentes. Verifica-se na citada súmula que não há prazo para propor a ação de investigação de paternidade. Rel. 20. César Asfor Rocha. Min. que representa uma cláusula pétrea. REsp 162. VI. como já decidiu o STJ: Ação de investigação de paternidade proposta por quem tem em seu registro civil de nascimento a declaração de seu filho legítimo. que dispõe: STF Súmula 149 – 13. regulamentada pela Lei no 8. 4a Turma). 5o da mesma Constituição Federal estabelece que é garantido o direito de herança no rol das garantias fundamentais do cidadão. mas não o é a de petição de herança. O primeiro que citamos cinge-se ao instituto da emancipação voluntária.028/ MG. 4. 1. e como negar tal direito. se considerarmos que o filho busca.971/1994 e Lei no 9. que já teria expirado. há prazo prescricional. nesse caso. não se exigindo pedido expresso nem muito menos ação própria. Assim sendo. Já o inciso XXX do art. mais de 50 anos depois de nascerem. procuram o Judiciário. 5o do Código Civil estabelece que: .2001. mas. Tendo o menor três ou mais genitores em seu assento de nascimento. O art. independentemente de homologação judicial. pois o parágrafo único do art. ouvido o tutor. havendo divergência entre pais. . 5o [. 1. Essa é a solução adotada para a hipótese de um deles querer emancipar o filho e o outro não. que os três terão que autorizá-la. motivo pelo qual a emancipação voluntária deve ocorrer por unanimidade e não maioria de votos.631 do Código Civil. que deu origem ao bordão “venceu a maioria”? Entendemos que não. Se a maioria dos genitores não autorizar. Acreditamos nisso.. Imaginemos que o adolescente tenha dois pais e uma mãe. exigindo-se autorização de ambos os pais. quem deve autorizar a emancipação voluntária? A primeira resposta seria. por força do parágrafo único do art. mediante instru- mento público. A Multiparentalidade 219 Art. a incapacidade: I – pela concessão dos pais. a dúvida que surge é se a autorização pode ser concedida por maioria de votos. ou mediante representação. concedida em procuração pública que contenha poderes especiais.631 do Código Civil estabelece que. a questão deve ser resolvida no Judiciário. 1. ao lavrar a escritura de emancipação. deverá ater-se ao fato de que deverá exigir que todos os que constam da certidão a ele apresentada deverão autorizar a sua lavratura. 1. ou de seus representantes legais. que estabelece: Art. questão tormentosa é se algum deles não autorizar.] Parágrafo único. Porém.. pois não podemos desvalorizar o posicionamento de um dos genitores em prevalência dos demais.517 do Código Civil estabelece que: Art. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar. Parágrafo único. por óbvio. se o menor tiver dezesseis anos completos. ou de um deles na falta do outro. Cessará. enquanto não atingida a maioridade civil. no caso. e um dos pais é contra a emancipação e os demais a favor. 1. 1. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar. Agora. é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo. Problema igual haverá se o menor de 18 anos com três ou mais genitores desejar se casar. ou por sentença do juiz. deverá a questão ser solucionada judi- cialmente. motivo pelo qual deverá o magistrado verificar o que é melhor para o adolescente. motivo pelo qual o tabelião de notas.517. devendo comparecer pessoalmente ao ato. para os menores. Aplicar-se-ia.631. a simples conta matemática. 525. Se houver divergência entre os pais.. aplica-se o disposto no parágrafo único do art. qualquer um deles.631.] II – autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem. novamente. socorrer-se do Judiciário. Quem serão os genitores a representar e assistir os filhos menores? Para manter- mos a coerência com o que expusemos até agora.525 do Código Civil. 1. A denegação do consentimento. nos atos da vida civil. ou. 1.519. por exemplo. Entendemos que a expressão “ambos os pais”. quando injusta. entendemos que a representação e a assistência deverão ser dadas por todos os genitores. não poderá ter algum genitor discordante. após essa idade. sob pena de infringir o inciso II do art. conforme faculta o art. no momento de lavrar a escritura. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes. 1. pois basta apenas um dissidente para inviabilizar a prática do ato. nos atos em que forem partes. deverá o nubente socorrer-se do Judiciário. motivo pelo qual. ou ato judicial que a supra. decidir se casar e eleger um regime diferente do legal (comunhão parcial). O art. Não concordando com os motivos da recusa. deverá. 1. de próprio punho. 1. por procurador. 1. 1. até aos 16 anos. exigir a presença de todos eles. Outra questão complexa é que o inciso V do art. e deve ser instruído com os seguintes documentos: [. Dessa forma. tendo três genitores no assento do nascimento deverá o notário. contida no citado artigo. 1. Haverá o mesmo problema se o menor de 18 anos. pode ser suprida pelo juiz. e assisti-los. suprindo-lhes o consentimento. haja vista que nesse caso terá que fazer um pacto antenupcial. quanto à pessoa dos filhos menores.694 do Código Civil determina que: .. a seu pedido. deve ser interpretada no sentido de “todos”. o oficial do registro civil não poderá iniciar o processo de habilitação para o casamento.220 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Parágrafo único. para se comprar um bem imóvel. para que o menor em idade núbil se case. que determina: Art. representá-los. e maior de 16.634 do Código Civil determina que compete aos pais. Se algum deles se recusar a comparecer na lavratura do ato. como determina o parágrafo único do art.519 do Código Civil: Art. se qualquer genitor que consta do assento do nascimento não der a anuência. ou seja.631 do Código Civil. para manter o padrão dos posicionamentos anteriores. o pacto será ineficaz. devendo o tabelião de notas. não podem os pais alienar. Novamente. da reunião de todas. Mais um problema que pode surgir é quem será usufrutuário dos bens dos filhos menores e quem irá administrar os seus bens. em nome deles. salvo as hipóteses de regime obrigatório de separação de bens. todos deverão ratificar o ato. no caso da multiparentalidade a expressão “os pais” deve ser en- tendida como todos os que estiverem presentes no assento do nascimento. havendo divergência. todos eles serão usu- frutuários e administradores dos bens. no caso em tela. dependendo da produção dos efeitos. haverá. ou seja. ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos. conforme estabelece o parágrafo único do art. 1.690 do Código Civil. enquanto todos os genitores não aprovarem. enquanto no exercício do poder familiar: I – são usufrutuários dos bens dos filhos. Isso se deve ao fato de que o art. ou seja. O pai e a mãe. Urge lembrar que a ratificação pode ser posterior à celebração do pacto. A Multiparentalidade 221 Art. 1. como todos. ou seja. Assim sendo.691 do Código Civil. mas.689. como o Código de Processo Civil reproduz a regra de que os absolu- tamente incapazes serão representados e os relativamente incapazes serão assistidos. apesar de não recomendado. se a menor tiver quatro genitores no seu assento de nascimento. tutores ou curadores. ou seja. II – têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.689 do Código Civil estabelece que: Art. a necessidade de todos os genitores descri- tos no assento do nascimento do menor aprovarem o pacto antenupcial. o raciocínio acima esposado aplica-se. entendo que a expressão “o pai e a mãe” deverá ser interpretada. as autorizações podem ser concedidas separadamente. na forma da lei civil. 8o do Código de Processo Civil estabelece que: Art. realizado por menor. por força do art. no caso em tela. os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens. Mais uma questão interessante é sobre a representação e assistência processual no caso de multiparentalidade. inclusive citando “na forma da lei civil”. 1. 8o Os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais. Dessa forma. O art. se a pessoa tem dois pais e uma mãe. . também. Assim sendo. tomar essa cautela e garantir que isso ocorra. senão o mesmo será ineficaz. Cumpre lembrar que. 1. A eficácia do pacto antenupcial. novamente. 1. fica condi- cionada à aprovação de seu representante legal.654. nem contrair. no momento da lavratura da escritura. e. poderá qualquer um deles recorrer ao juiz para a solução necessária. em que todos os pais que constam do assento do nascimento deverão representar e assistir os filhos incapazes nas ações judiciais. ou algum deles é destituído do poder familiar. 265 do Código Civil. ou sendo estes julgados ausentes. 1. Solidariedade. salvo por necessidade ou evidente interesse da prole. no caso da multiparentalidade. entendo o que deve ser feito quando há multiparentalidade. com o pagamento da pensão. Desta feita. II – em caso de os pais decaírem do poder familiar. ou seja. que estabelece a possibilidade de o réu. pois para o alimentado é ruim fracionar a sua necessidade entre várias pessoas. paterno ou materno. Alimentos. não tem condições de arcar. o que aumenta o risco de inadimplemento. como determina o art.728.222 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari obrigações que ultrapassem os limites da simples administração.728. sem solidariedade entre eles. considerando que. chamar as outras pessoas também obrigadas a integrar a lide. Devemos ressaltar. sozinho. para pensionar. 1. também. não há solidariedade entre eles. como todos os que estiverem presentes no assento do nascimento. não sendo necessá- rio o menor ser colocado em tutela. genitor escolhido. que exige para sua existência previsão legal ou vontade das partes. a expressão “os pais” deve ser entendida. Se uma pessoa possui mais de dois pais no assento de nascimento. Ausência. de acordo com sua possibilidade. podemos utilizar também o argumento de que o art. deverá fazê-lo. nesse caso. Os filhos menores são postos em tutela: I – com o falecimento dos pais. só se dará quando não houver nenhum deles vivo.694 do Código Civil. Quando o neto precisa pedir alimentos para os avós. se o menor tem duas mães e um pai. Obrigação complementar e sucessiva. o que justifica a divisão. ou seja. Outra questão intrigante é sobre os alimentos. como ficaria a obrigação alimentar nesse caso? Enten- demos que a pensão alimentícia deve ser paga por qualquer um deles. que a nomeação de tutor para o menor que perde os pais. a outra mãe passará a exercer o poder familiar com exclusividade. ainda. no sentido de que “sendo várias pessoas obri- . Essa é a posição do STJ: Civil. Imaginemos que o menor esteja na guarda da mãe e que tenha dois pais em seu registro de nascimento. todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos. Ademais. Da mesma forma. Responsabilidade dos avós. sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos. Para a parte final desse artigo. 1. se um dos pais pode supor- tar sozinho a pensão. de acordo com sua possibilidade. o mesmo será fixado em razão da possibilidade do alimentante. Assim sendo. 1. deve haver prova de que ele. I. a jurisprudência já firmou entendimento de que o mesmo pode procurar qualquer um deles. do Código Civil: Art. mediante prévia autorização do juiz. consoante o que já ocorre com os avós.698 do Código Civil determina que. em decorrência da regra do art. Litisconsórcio. 1 – A obrigação alimentar não tem caráter de solidariedade. e falece uma mãe e o pai. Assim sendo. não vejo óbice para que ele escolha um entre os dois pais para iniciar a ação de alimentos. segundo o art. adotar a medida que lhe pareça re- clamada pela segurança do menor e seus haveres.638. conforme art. IV – incidir.10. 326). terá direito de chamar ao processo os corresponsáveis da obrigação alimentar. III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes. 1. acreditamos que a suspensão ou perda do poder familiar. em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. que. p. Parágrafo único. até suspendendo o poder familiar. mas sim por quem recebe. a obrigação subsidiária deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos. motivo pelo qual concordamos com a possibilidade de livre escolha. de responsabilidade dos pais. Outra questão importante é que os pais biológicos estão adstritos a serem suspensos do poder familiar quando abusam de sua autoridade. cabe ao juiz. nas faltas previstas no artigo antecedente. É nítido. representando para o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no polo passivo da demanda.637 do Código Civil: Art.637. à luz do novo Código Civil.2006. no julgado acima. 11. DJ 13. 1. 3 – Neste contexto. abusar de sua autoridade. não cumprindo com os seus de- veres ou arruinando os bens dos filhos menores.139/RS. sendo divisível a obrigação alimentar. quem pode chamar os outros no processo é o alimentado e não o alimentante. Se o pai. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível. no entanto. ou a mãe. Rel. faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos. 1. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho. Min. ou o Ministério Público. 4 – Recurso especial conhecido e provido (REsp 658. também se aplicam aos socioafetivos. j. para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras. diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracio- namento. reiteradamente. Além disso. vistos nos casos acima aos pais biológicos. Quarta Turma.3. II – deixar o filho em abandono. 1. 2 – O demandado. Assim sendo.2005. frustrada a obrigação alimentar principal. A necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga. e por esse motivo . quando convenha. requerendo algum parente. A Multiparentalidade 223 gadas a prestar alimentos todos devem concorrer na proporção dos respectivos recursos”.638 do Código Civil: Art. Fernando Gon- çalves. caso não consiga suportar sozinho o encargo. poderão perder o poder familiar se praticarem os atos descritos no art. em que o art.224 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari todos estarão vinculados ao referido comando legal. havendo multiparentalidade. por seus empregados. II – o capital social deve ser totalmente integralizado. Mais um efeito de se estabelecer a multiparentalidade está no campo da respon- sabilidade civil. a registrar os contratos ou alterações contratuais de sociedade que envolvam sócio incapaz. que se acharem nas mes- mas condições. e assistido se ela for relativa. II – o tutor e o curador. pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Observando o último pressuposto. devem ser atendidos. IV – os donos de hotéis. pelos pupilos e curatelados. 932 do Código Civil estabelece a responsabilidade dos pais. V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime. mais uma vez. até a concorrente quantia. mesmo para fins de educação. moradores e educandos. 932. para que isso ocorra. para obrigar o Registro Público de Empresas Mercan- tis. de 1o de abril de 2011. . III – o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representantes legais. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais. no exercício do trabalho que lhes competir. verifica-se que o sócio incapaz deverá. a cargo das Juntas Comerciais.399. de forma conjunta. 974 do Código Civil. sempre. O inciso I do citado artigo determina que os pais respondem por atos dos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Porém. serviçais e prepostos. modificou o o § 3 do art. por atos dos filhos menores: Art. Mais um ponto relevante é que a Lei no 12. devendo as juntas comerciais de cada estado atentar para esse fato e adequar as suas normas. quando houver sido estabelecida a multiparentalidade. hospedarias. Dessa forma. pelos seus hóspedes. III – o empregador ou comitente. ser representado se a incapacidade for absoluta. casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro. todos os genitores que constam do assento de nascimento deverão representar ou assistir. os seguintes pressupostos: I – o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade. ou em razão dele. A indenização prevista neste artigo. no exercício do poder familiar. que deverá ser equita- tiva. . ainda que estejam separados. se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. O incapaz responde pelos prejuízos que causar. cumpre salientar que todos serão responsáveis pela reparação civil nesse caso. 932. durante a tutela ou curatela. ousamos discordar do enunciado 450 do CJF. nas duas hipóteses nele contidas. segundo a jurisprudência dominante. significa poder familiar. na constância da sociedade conjugal. motivo pelo qual entendemos que deve haver um litisconsórcio passivo necessário. que deverá ser calculada por cabeça. a saber: Art. A Multiparentalidade 225 A autoridade. para que ambos respondam conjuntamente. e serão (um pouco) responsáveis por suas atitudes. I: Considerando que a responsabilida- de dos pais pelos atos danosos praticados pelos filhos menores é objetiva. que dispõe: Enunciado no 450 do CJF: – Art. pois o art. Assim sendo. 197. ressalvado o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores. independentemente de quem fica a maior parte do tempo com o filho. são. Vale a pena lembrar. e não por culpa presumida. por força do art. quando elas constarem no assento do nascimento por ordem judicial. não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. Parágrafo único. do Código Civil estabelece que o poder familiar é uma causa impeditiva e suspensiva da prescrição. 928 do Código Civil. ambos os genitores. 197. III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores. Não haverá solidariedade entre os vários genitores. considerando que todos participam de sua criação. em regra. e não há lei que a estabeleça. solidariamente responsáveis por tais atos. que será dado a várias pessoas. também. que o art. Não corre a prescrição: I – entre os cônjuges. durante o poder familiar. 928. II – entre ascendentes e descendentes. entre ascendentes e descendentes: Art. que a responsabilidade dos pais deve sempre ser de ambos. cada qual com uma parte da responsabilidade. Já a expressão “em sua companhia”. II. subsidiária ao incapaz. descrita no dispositivo. 265 veda presun- ção. modernamente. principalmente depois do advento da guarda compartilhada. Por esse motivo. que será. certamente não termina com nossas argumentações. nos assentos de nasci- mento. sem a necessidade de maiores formalidades e documentos. a abrangência desse dispositivo. casamento e óbito. analogicamente. o dispositivo deverá ser interpretado. sempre que não esteja separado judicialmente. tataravós etc. Estabelece o art. pois o Código Civil não faz distinção entre pais nesse caso. antes de averbadas. por exemplo. deve. ainda mais. triavós. esse dispositivo ganha.13 A NECESSIDADE DE A PATERNIDADE E A MATERNIDADE SOCIOAFETIVAS SEREM AVERBADAS NO REGISTRO CIVIL Iremos neste tópico defender que a parentalidade socioafetiva. O último efeito da multiparentalidade que queremos abordar. mais importância se considerarmos que com o estabelecimento de uma filiação socioafetiva o filho ganhará mais ascendentes (avós. haverá a necessidade de serem nomeados como curadores do ausente todos eles. 25. ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência. O cônjuge do ausente. de forma mais efetiva. como ascendentes e descendentes. nesta ordem. ainda. pois não podemos esquecer que o § 1o do art. como faz com os descendentes. § 2o Entre os descendentes. depois de reco- nhecida. de modo a incluir os pais e filhos socioafetivos. tataranetos etc. respectivamente. o da curadoria do ausente. e para facilitar a prova dessa questão para os atos do dia a dia. já que a certidão expedida pelo cartório irá fazer prova plena do que já ocorreu no processo judicial. 100 da Lei no 6. os mais próximos precedem os mais remotos. ao estabelecer que os de grau mais próximo excluem o de grau mais remoto. a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou aos descendentes. 25 do Código Civil que: Art. não havendo impedimento que os iniba de exercer o cargo. entendemos que ela também se aplica. Assim sendo. havendo mais de um genitor no registro do nascimento. § 3o Na falta das pessoas mencionadas.). sem exceção de nenhum. bisnetos. as sentenças não pro- duzirão efeito contra terceiros. obrigatoriamente. para ganharem publicidade e conseguirem.226 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Assim. ao . O § 1o do citado artigo estabelece que os pais são curadores do ausente na falta do cônjuge.) e o pai ou mãe ganhará novos descendentes (netos. ser averbada no registro civil.015/1973 (Lei de Registros Públicos) estabelece que. bisavós. compete ao juiz a escolha do curador. haja vista que muitos outros ainda serão descobertos e debatidos. § 1o Em falta do cônjuge. a produção dos seus regulares efeitos. Aliás. 4. motivo pelo qual a multiparentalidade aumenta. será o seu legítimo curador. trinetos. Apesar de essa regra estar inserida no artigo que trata do livro do casamento. 2002. p. 212. A legalidade se dá por meio do registro. Registro civil das pessoas naturais. Leme: Editora de Direito. Explica Cloves Huber:18 O registro civil das pessoas naturais é o suporte legal da família e da socieda- de juridicamente constituída. a família e o seu ingresso na sociedade. p. Segundo o inciso II do art. se o nome tem finalidade de refletir a posição jurídica familiar perante a socie- dade. pois propicia segurança quanto às informações constantes desses assentamentos. ao ser reco- nhecida judicialmente a parentalidade socioafetiva. 24. 10 do Código Civil. 21 TEIXEIRA. ao seu estado civil e à perda da personalidade. também juridicamente se tornam inexistentes a pessoa. em toda a sua amplitude e com oponibilidade erga omnes. Leonardo. Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues21 também afirmam que. ao seu nome. RODRIGUES. 19 explicando a importância de se registrar os atos importantes na vida de uma pessoa: O registro dos principais fatos na vida de uma pessoa é extremamente relevan- te para qualquer sociedade. 2010. Nome civil da pessoa natural. São Paulo: Saraiva. . 118. à sua parentalidade. p. Registro civil das pessoas naturais. 19 SANTOS. Ana Carolina Brochado. o registro também deve refletir a verdade real. O direito das famílias entre a norma e a realidade. objetivada a paz social. Esses são os motivos pelos quais entendemos de suma importância que. A Multiparentalidade 227 do nascimento e óbito. far-se-á averbação em registro pú- blico dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação. Isso se dá em razão de que o registro civil é o cartório que guarda toda a história de vida da pessoa. Leonardo Brandelli20 confirma esse raciocínio e esmiúça a importância da publi- cidade registral: Somente com a publicidade registral é que o nome passa a ter suas características jurídicas de nome. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. através do qual se atribuem os direitos e obrigações. e é regulamentada a conduta de cada um. 15. Renata de Lima. motivo pelo qual a declaração da parentalidade socioafetiva deve ser levada ao registro civil. 2006. 18 HUBER. Isso porque. São Paulo: Atlas. 20 BRANDELLI. Cloves. p. não existindo o registro. Reinaldo Velloso dos. Complementa Reinaldo Velloso dos Santos. esta seja averbada no registro civil. 2012. no que tange à sua existência. dessa forma. não se deve com- preender o ser humano com base no direito registral. 2012. e os campos pai e mãe foram substituídos por filiação e os de avós paternos e maternos por. 23 Provimento e modelos das certidões estão disponíveis em: <http://www.br/images/ stories/docs_corregedoria/provimentos/provimento_n_02. Nesse mandado deve vir descrito se a pessoa terá o seu nome alterado ou não. mas a real. que foi alterado pelo Provimento 3. deverá determinar a expedição de um mandado de averbação endereçado ao registro civil. atendendo sempre aos princípios fundamentais da cidadania. necessariamente. que estão compreendidos na condição humana tridimensional. com a inclusão 22 WELTER. casamento e óbito foram padronizadas em todo o país. da convivência em família gené- tica e afetiva e da dignidade humana. Leonardo. Teoria tridimensional do direito de família. que prevê a existência de um pai e uma mãe. imprescritível. Com o Provimento 2 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ao afirmar: O nome de família deve identificar a família à qual pertence o portador do nome. Belmiro Pedro Welter22 já se manifestava sobre o assunto. p. simplesmente. e sim na realidade da vida de quem tem. de direito da personalidade. 208. Hoje não há mais esse problema para se incluir no assento de nascimento. como é o reconhecimento das paternidades genética e socioafetiva. as certidões de nascimento. avós.pdf>. 222. sem que isso cause um embaraço registral. de 27 de abril de 2009. a pessoa pode ter dois pais e/ou duas mães. . 24 BRANDELLI. pois. p. e esta não deve ser a biológica. já que o reconhecimento de filhos pode ensejar a modificação do nome. são iguais em qualquer município.23 Essa padronização foi espetacular para a sociedade em razão da aceitação pelo direito da multiparentalida- de. Belmiro Pedro. 2009. quatro pais (dois genéticos e dois afetivos). ou seja.cnj. deve identificar sua origem familial. no caso de multiparentalidade. da afetividade. Leonardo Brandelli24 confirma esse raciocínio e explica sobre a necessidade de isso ocorrer. Quando o juiz reconhece a existência da socioafetividade. São Paulo: Saraiva. Acesso em: 19 nov. em razão de as certidões trazerem campos específicos pai e mãe. casamento ou óbito o nome de mais de um pai e/ou de uma mãe. 2012. Porto Alegre: Livraria do Advogado.jus. em 17 de novembro de 2009. por exemplo. intangível.228 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari Entretanto. havia uma preocupação doutrinária de como registrar uma pessoa com dois pais e/ou duas mães. Nome civil da pessoa natural. fundamental à existência humana. indisponí- vel. no seguinte sentido: Quando se cuida de ação de estado. como bem lembra Euclides de Oliveira25 com relação à mencionada norma: A remate. no registro de nascimento. . para permitir a inclusão do sobrenome do padrasto ou da madrasta. Maria Berenice (Org. mantém-se com os pais o direito-dever inerente ao exercício do poder familiar. sem retirar o patronímico da família biológica. Essa lei ficou conhecida como Lei Clodovil. a adoção nunca foi um problema. pois o argumento que a justifica é que. pois. com o advento da Lei no 11. direito sucessório. Segundo ele próprio. Porém. acreditamos que esse foi mais um dos argumentos para que isso ocorresse em nossa jurisprudência. Da mesma forma. Continuam sujeitos a tais consequências os pais biológicos e registrários. não os parentes por afinidade que apenas deram seus nomes ao enteado. nos campos da assistência alimentar. que era filho adotivo de uma família de espanhóis e nunca conheceu seus pais biológicos. seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua ma- drasta. fiz meu nome predileto. Trata-se de um belo indício de multipa- rentalidade.924/2009. e se transformou em lei em 17 de abril de 2009. A citada lei apresenta um bom exemplo de socioafetividade. p. Essa questão da modificação do nome em razão do reconhecimento de parentalidade socioafetiva ou multiparentalidade analisamos no capítulo anterior. sem perder o dos pais biológicos. quando uma tia lhe contou. desde que haja expressa concordância destes. Direito das famílias: contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. um mês após a sua morte. In: DIAS. direito previdenciário e outros. e seus pais morreram sem saber que ele sabia disso. 377. apesar de a lei não falar da inclusão do nome como pais ou mães.015/1973 recebeu mais um parágrafo. havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo. Com afim e com afeto. 2010. poderá requerer ao juiz competente que.). 57 da Lei no 6. tendo descoberto que era filho adotivo aos 11 anos de idade. O seu objetivo é de que qualquer pessoa possa incluir o sobrenome do padrasto ou madrasta. sem prejuízo de seus apelidos de família. Euclides de. Ela busca ajudar 25 OLIVEIRA. muitas vezes. Cumpre salientar que. falecido em 17 de março de 2009. pelo enteado ou enteada. cumpre observar que o nome assim conquistado pela pessoa não lhe traz efeitos de ordem jurídico-patrimonial. por ter sido de autoria do então de- putado federal Clodovil Hernandes. como uma forma de homenagear o deputado. O Projeto de Lei no 206/2007 foi aprovado em votação simbólica no Senado em 24 de março de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais. A Multiparentalidade 229 do sobrenome de quem foi reconhecida a paternidade ou maternidade. O dispositivo ficou assim redigido: § 8o O enteado ou a enteada. o relacionamento do enteado com seu padrasto é mais próximo da relação de pai e filho do que com o pai biológico. o art. para amenizar os constrangimentos das crianças relacionados ao preconceito e inclusive ao bullying. querendo por isso se apresentar com o mesmo nome usado pela mãe e pelo ma- rido dela. sempre que for reconhecida uma parentalidade socioafetiva ou uma multiparentalidade. Acesso em: 19 nov. os filhos que manifestam o desejo de trazer o nome de família do padrasto ou da ma- drasta. de forma indireta. o reconhecimento pode ser também incidental.015/73. j. o mandado determinar que seja incluído no registro o nome do pai ou da mãe. mas que ele é fundamental para a con- cessão do direito. Recurso não conhecido (REsp 220. como ocorreu no caso comentado no capítulo anterior quando tratamos dos alimentos entre parentes socioafetivos. O artigo26 é belíssimo e merece leitura. Ademais. 57). e. em Santa Catarina. pois.adv.2000. hipótese de multiparentalidade. desde que presente razão suficiente para excepcionar a regra temporal prevista no art. independentemente da ação judicial proposta. O mandamento insculpido na citada norma já tinha sido autorizado pelo STJ há quase dez anos: NOME.asp?codigo=621>. criam os filhos de sua companheira ou companheiro como se seus próprios filhos fossem. em razão da padronização das certidões em todo o país. Como exemplo. a referida norma contribui. 2012. Deverá. Min. assim reconhecido em sentença (art. entendemos 26 Disponível em: <http://www. na terminologia criada por Luiz Edson Fachin. em que a juíza da comarca de São José. a declaratória ou investigatória. condenou o padrasto a pagar alimentos para a enteada. em uma ação que não tenha o objetivo de reconhecer isso. a pessoa deixará de ser “filho das estrelas”. O nome pode ser alterado mes- mo depois de esgotado o prazo de um ano. haverá o acréscimo de mais um nome no campo filiação. como vimos anteriormente. e de mais dois nomes no campo avós. Nesse caso. que não precisa ser. em razão da existência desse campo específico. Alteração.2. ao criticar os asteriscos que eram colocados na certidão de nascimento quando alguém não tinha pai. Rel. Segunda Seção. conforme comentamos anteriormente. Entretanto. também. Caracteriza essa hipótese o fato de a pessoa ter sido criada desde tenra idade pelo padrasto. 56 da Lei no 6. que hoje não existe mais. com a regra contida em norma expressa. Se não havia um pai ou uma mãe. contado da maioridade. citamos a ação de alimentos. . Patronímico do padrasto.mundojuridico.11.2001). deve ser expedido pelo juiz. também. ou seja. 22. isso. a questão é revestida de certeza e obrigatoriedade. p. 12.230 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari aqueles que. O referido mandado de averbação.br/sis_artigos/artigos. Se a pessoa já tinha um pai e uma mãe. Ruy Rosado de Aguiar.059-SP (1999/0055273-3). em razão da socioafetividade. necessariamente. portanto. estando em seu segundo ou terceiro casamento. obrigato- riamente em nosso sentir. materno ou avoengo. 171. p. urge lembrar que. passemos às conclusões. ser suprimido algum sobrenome existente. conforme autoriza o art. e o patronímico dele(a) não foi incluído no nome do filho. A Multiparentalidade 231 que qualquer uma das partes pode requerer ao juiz.015/1973. já que a causa de pedir não é a mesma. . que determine a expedição de mandado ao registro civil para que faça a averbação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. pois não poderá. no caso em tela. no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil. 27 SANTOS. poderá ser acrescido sobrenome paterno. Reinaldo Velloso dos. Registro civil das pessoas naturais. pessoalmente ou por procurador bastante. Após o exposto. averbando-se a alteração. não devendo ser automática tal providência. que será publicada pela imprensa. alterar o nome. o interessado poderá. na hipótese. 56 da Lei no 6. desde que não prejudique os apelidos de família. desde que não prejudique os apelidos de família. 2006. como obrigatoriamente deve ser no caso de declaratória ou investigatória. findo o processo. Se foi incluído o nome do pai ou mãe socioafetivo no assento do nascimento. Explica Reinaldo Velloso dos Santos27 que. . fizemos incursões no direito romano. por reprodução assistida heteróloga. em veneração ao princípio da isonomia. 2) Que os requisitos para a existência da parentalidade socioafetiva são o laço de afetividade e a convivência familiar harmoniosa e voluntária. e que o mesmo não tem o condão de auferir vantagem patrimonial. mas também do pai e da mãe. 4) Que a legitimidade para pedir o reconhecimento da parentalidade socioafetiva é do filho. sendo. e da relação de padrastio e madrastio. e não ter pedido o reconhecimento em vida. irrevogável.CONCLUSÃO Do estudo que realizamos. O terceiro só poderá entrar com essa ação no caso de o titular do reconhecimento ter falecido. depois de formada. Na sequência. 3) Que a parentalidade socioafetiva pode se originar em várias situações. tivemos a oportunidade de mencionar as várias acepções do termo “afeto”. às relações privadas. em decorrência da aplicação dos direitos e garantias fundamentais. expondo a doutrina de vários autores renomados. as adoções de fato e “à brasileira” e quando os filhos são havidos fora do casamento. Quanto ao conceito de parentalidade socioafetiva. fomos até a Grécia antiga buscar a origem do conceito de parentesco. também. além de provar que há possibilidade de convivência com o parente que quer o reconhecimento do vínculo. do pai e da mãe. irretratável e indisponível voluntariamente. chegamos às seguintes conclusões: 1) Que o reconhecimento da parentalidade socioafetiva é um direito não apenas do filho. Com todos esses elementos. necessárias para a sua composição e que estão ligadas ao de parentesco. tais como a posse de estado de filho. . apta a autorizar a declaração da sua existência. e até trabalhista ou eleitoral. 8) Que a ação judicial adequada pode ser tanto a declaratória de socioafetividade quanto a investigatória de paternidade ou maternidade. Assim sendo. 10) Que o reconhecimento da parentalidade socioafetiva pode ser em ação própria (declaratória de paternidade ou maternidade socioafetiva). ou quando se provar que entre o falecido e o vivo havia con- vivência afetiva e posse do estado de filho. onde há vários julgados favoráveis ao tema. 7) Que a parentalidade socioafetiva pode ser arguida como matéria de ataque. em Portugal. e a declaratória pode ser proposta pelo pai e pela mãe. na propositura da ação declaratória ou investigatória. sem discussão. consubstanciado no afeto mútuo existente entre as partes. que não acarreta adoção “à brasileira”. também. tios. que possui lei própria para o apadrinhamento civil. 9) Que a maternidade socioafetiva também existe. e não tenha pai no assento do nascimento. sendo ela de família ou não. ganhando avós. como por exemplo. 13) Que no Direito estrangeiro não há nada tão avençado como temos no Brasil. pois a ação investigatória é personalíssima. dentre outros. pois seria forçoso obrigar uma pessoa a ter vínculo de parentesco voluntário com alguém que não queira. netos. nos casos em que a pessoa é criada como se filho fosse. apto a gerar todas as consequências jurídicas da filiação e a necessidade do pagamento de pensão alimentícia. Trata-se de uma hipótese de adoção de fato. o filho e o pai/mãe so- cioafetivos se ligam aos parentes do outro. . apenas. irmãos. é necessário distinguir o reconhecimento de parentalidade socioafetiva. comprovando-se a existência de relação afetiva com uma mulher que cria a pessoa como se filho fosse. como declaratória. e também nos tribunais estaduais. e.234 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari 5) Para que a parentalidade socioafetiva seja reconhecida é necessário o consenso entre as partes. primos. mas em homenagem aos laços que existiram algum dia. 12) Que a parentalidade socioafetiva é bem aceita na jurisprudência do STJ. mas que há vários indícios da parentalidade socioafetiva em muitos países. 11) Que a paternidade socioafetiva pode ser reconhecida voluntariamente perante o oficial do registro civil. 14) Que uma vez reconhecida a parentalidade socioafetiva. que é um embrião dessa forma de parentalidade. como no caso da ação de invalidação do registro do nascimento. ou de defesa. 6) Que a parentalidade socioafetiva pode ser reconhecida post mortem no caso da adoção póstuma. inciden- tal em outra ação judicial cível. quando essa pa- rentalidade não puder ser levada adiante pelo fim do afeto entre as partes. mas o melhor seria que a denominássemos. sem problema algum. ao flexibilizar a interpretação do art. como será dividida a pensão alimentícia entre os vários pais e se o filho é obrigado a pagar a todos eles. ainda. e se inclua pai ou mãe e os novos avós. para manter no país o estrangeiro que possui filho brasileiro. e se modifique. podendo elas coexistirem. responsável. de ser inelegível. motivo pelo qual fizemos. também. na relação de padrastio e madrastio. 20) Que vários são os problemas que podem ocorrer com a multiparentalidade. a criança e o adolescente. o nome do filho. como será feita a suspensão do poder familiar. tais como: quem irá autorizar a emancipação e o casamento de filhos menores. à guarda e visita dos filhos menores. 16) Que a socioafetividade está presente fortemente nas relações homoafetivas (ma- trimoniais ou de união estável). quem representará os absolutamente incapazes e quem assistirá os relativamente. no afã de tutelar a família. quem aprovará o pacto antenupcial do menor.815/1980. da Lei nº 6. denominadas como multiparentali- dade. também. harmoniosamente. quem irá exercer o usufruto dos pais com relação aos bens dos filhos enquanto menores. pois entre elas não há vínculo hierárquico e uma não se sobrepõe a outra. e que vários doutrinadores e julgados reconhecem essa possibilidade. 22) Que a nossa legislação deve ser alterada em vários aspectos. de exercer o poder fa- miliar. mesmo que nascido posteriormente à condenação penal e ao decreto expulsório. quem dos vários pais será. e que vários casais buscam adotar os filhos de seus parceiros homossexuais que foram adotados singularmente. sejam duas mulheres ou dois homens. como será contada a prescrição entre pais e filhos e seus ascendentes e a quem será atribuída a curadoria do ausente. inciso II. e. ao longo do trabalho. 21) Que será fundamental o reconhecimento da parentalidade socioafetiva ser aver- bado no registro civil para que ela seja oponível erga omnes. de modificar o nome e receber novos avós no registro civil. Conclusão 235 15) Que são efeitos do reconhecimento da parentalidade socioafetiva o direito aos alimentos. quando um dos genitores falece e a pessoa é criada por outra pessoa. todos solúveis pelas normas existentes em nossa sistema. 19) Que o fundamento da multiparentalidade é a igualdade das parentalidades biológica e socioafetiva. quando os filhos menores serão postos em tutela. ou. são viáveis e uma consequência da parentalidade socioafetiva. seja o material obtido por doação ou de alguns dos cônjuges ou companheiros. . 17) Que a socioafetividade também é aplicada para impedir a expulsão do estrangeiro do país que comete crime. ou não. pela reparação civil. mas que são criados por ambos como filhos de todos. A multiparentalidade pode ter origem na inseminação artificial feita por casais homossexuais. 18) Que as duplas maternidade e paternidade. 65. várias sugestões de lege ferenda. dentre outros. de receber benefícios previdenciários. de participar da sucessão. . ). In: FIÚZA. 1997. José Carlos Moreira. 6. Cristina M. 2004. Susana. ALVES. ed. II.. ANNONI. (Org. Madrid: Centro de Es- tudios. RODRIGUES JÚNIOR. O direito civil na pós-modernidade. Direito civil: famílias. Direito civil: família. ALBUQUERQUE. AMARAL. ALMEIDA. Lisboa: Almedina. In: TEIXEIRA. Ações de filiação: da investigação e negatória de pater- nidade e do reconhecimento dos filhos. São Paulo: Atlas. ed. César. Walsir Edson. NAVES. p. 2010. 227-228. 2008. ARAÚJO DIAS. . Rio de Janeiro: Lumen Juris. Filiación biológica. Clayde U. 2010. Rosario: Editorial Librería Juris. Rio de Janeiro: Forense. Silmara Juny de Abreu et al. Manuel. 2009. Direito romano. Su significado desde el con- cepto de sujeto en psicoanálises. Reconhecimento de filiação. 1998.REFERÊNCIAS ALBALADEJO. Gloria. In: CÚNEO. 2012. Coimbra: Almedina. ALMEIDA. Bruno Torquato de Oliveira. SÁ. José Luiz Gavião de. Belo Horizonte: Del Rey. Maria de Fátima Freire de. Fabíola Santos. Belo Horizonte: Del Rey. ALMEIDA. Renata Barbosa de. RIBEIRO. ASSIS. _____. Un enlace de distintos saberes. Zamira de. 2005. Robert. Curso de derecho civil: derecho de familia.). Ana Carolina Brochado. Filiación. Rio de Janeiro: Elsevier. Direito civil: atualidades. 2003. Uma análise do novo regime jurídico do divórcio. Barcelona: Bosch. 2. Manual de direito das famílias e sucessões. Direito de família no novo milênio: estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. In: CHINELATO. HERNÁNDEZ. ALEXY. Parentalidade sócio-afectiva: Portugal e Brasil. Epílogo a la teoría de los derechos fundamentales. Francisco. 2008. Darío L. Gustavo Pereira Leite (Coord. v. In: DIAS. Direito das famílias: contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. 2012.. 2008. Estevez. Guilhermo A. Buenos Aires: Astrea. _____. ed. v. V CON- GRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA.. Borda. Rodrigo da Cunha (Coord. (Org. São Paulo: Atlas. BRITO. 2.. São Paulo: Saraiva. Teresa M. Novas relações de filiação e paternidade. 2006. Direito de família no novo milênio: estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. BONAVIDES. Buenos Aires: Depalma. Aspectos da paternidade no novo Código Civil. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. AZEVEDO. Maria Berenice (Org. Conceito atual de família e suas percussões patrimoniais. Proteção da pessoa dos filhos: mediação familiar e interdisciplinaridade. In: CHI- NELATO. Manual de derecho de família. ed. ed. Repensando o direito de família. 2010. 2. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes. O direito: introdução e teoria geral. Ro- drigo da Cunha (Coord. Belo Horizonte: Del Rey. _____. Luiz Roberto. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004.). São Paulo: Saraiva. ed. Leonardo. 1999. Eduardo A. São Paulo: Atlas. 2009. In: PEREIRA. Do direito ao pai: a paternidade no tribunal e na vida. Investigação de paternidade: posse de estado de filho. Rio de Janeiro: Lumen Juris. BARBOSA. São Paulo: Revista dos Tribunais. Rodrigo Toscano de. Por que estatuto das famílias? In: DIAS. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. 13. 2004. Rio de Janeiro: Editora Rio.238 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari ASCENSÃO. 1977. Anais. São Paulo: Malheiros. 2010. Actualizada por Guilhermo J. BOIXADÓS. Rui. In: PEREIRA. 17. Gustavo A. 2. Oração aos moços. Curso de direito constitucional. I CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Rodrigo da Cunha. Clóvis. Situando o direito de família entre os princípios da dignidade humana e da razoável duração do processo. ed. Maria Berenice (Org. Mediação e princípio da solidariedade humana. La familia: campo de investigación interdisciplinario. In: PEREIRA. Heloísa Helena.). Estatuto da família de fato. BJERG.). _____. Belo Horizonte: Del Rey. Fernanda Otoni de. 2005. José Bernardo Ramos. Teorías.). ed. Manual de derecho civil. Paulo. Direito das famílias: contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. Águida Arruda. BOSSERT. Nome civil da pessoa natural. Anais. 6. Derecho civil musulmán.. María. . 1981. Álvaro Villaça. Silmara Juny de Abreu et al. 2005. BRANDELLI. Roxana. São Paulo: Ediouro. Família e dignidade humana. 2010. 13. 2005. ASSUMPÇÃO. São Paulo: IOB Thomson. 1999. José de Oliveira. 2008. BARROS. BEVILÁQUA. BORDA. Coimbra: Al- medina. BRASA. BOEIRA. ZANNONI. BARBOSA. Família e solidariedade: teoria e prática do direito de família. BARBOZA.). Buenos Aires: La Ley. métodos y fuentes. 2000. Instituições de direito romano. BUNAZAR. Revista da Faculdade de Direito – UFPR. Coimbra: Coimbra Edi- tora. CALERA. HIRONAKA. União estável e alimentos entre companheiros. ed. no 283. CASSETTARI. COELHO. Reserva de intimidade: uma possível tutela da dignidade no espaço relacional da conjugalidade. ano XII. Dos alimentos. Pelas portas de Villela: em ensaio sobre a pluriparentalidade como realidade sociojurídica. Um ensaio sobre a multiparentalidade: explorando no ontem pegadas que levarão ao amanhã. ed. 18. Marcos Jorge. 2012. São Paulo: Saraiva. ed. 4. In: FACHIN./maio 2010. 2004. Valencia: Tirant lo Blanch. ed. Droit civil. São Paulo: Saraiva. 2008. 55. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot. Alfredo. ed. Carlos María. abr. José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Paris: PUF. Referências 239 BUCHER. CATALAN. 1988. _____. In: CAHALI. p. CHINELATO. Silvana Maria. 13. 2003. 1968. _____. Direito constitucional. 2007. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais. CARBONNIER. CANOTILHO. 2013. v. Giselda Maria Fernandes Novaes. CALDERÓN. 2. São Paulo: Saraiva. ed. Andreas. São Paulo: Revista dos Tribunais. BUZAID. Rio de Janeiro: Forense. Revista IOB de Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais. CÁRCOVA. Maurício. Determinación de la filiación en el código de familia de Catalunya. . 1996. p. no 59. Porto Alegre: Síntese. Curitiba. La famille en droit international privé. _____. Christiano. O papel jurídico do afeto nas relações de família. ed. 2. 72. Coimbra: Coimbra Editora. Rio de Janeiro: Renovar. Jean. Ebert. 4. CAHALI. Elementos de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar. 4. São Paulo: Saraiva. 2012. Las teorías jurídicas post positivistas. n. São Paulo: Revista dos Tribunais. ed. 1998. Maria Del Carmen Gete-Alonso y. 1980. Silmara Juny. 1986. 143-163. 2. Fábio Ulhoa. Direito das sucessões. CAHALI. São Paulo: Saraiva. 5.). v. CARBONERA. Recueil des Cours – Académie de Droit International. Antonio. 2013. Francisco José. 2004. Adoção. 2012. Ricardo Lucas. 6. Curso de direito civil. 1993. Rio de Janeiro: Renovar. ed. Luiz Edson (Coord. Princípio da afetividade no direito de família. CHAVES. Francisco José. 2011. Multa contratual: teoria e prática da cláusula penal. CHAMOUN. A ação declaratória no direito brasileiro. ed. s/d. 2. _____. 5. Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Yussef Said. Comentários do Código Civil: parte especial do direito de fa- mília. Guilherme de. DUFOUR. de Edson Bini. Estudos de direito civil. v. _____.n. 2006. v. 2003. 2011. Mário Júlio de Almeida. Coimbra: Almedina. Alexandre. 2001. Leila. Código Civil anotado. Alfred. São Paulo: Edipro. v. 4. 2008. Eduardo. COSTA. 1994. 5. Lisboa: AAFDL. Droit civil: la famile. FACHIN. 1954. Picazo Luis. 2004. Direitos de família e das sucessões. Trad. A cidade antiga. PEREIRA. p. Autorité maritale et autorité paternelle dans l’école du droit naturel moderne. Conceito de norma jurídica como problema de essência. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. CORREIA. CORDEIRO. Denise Damo. 2001. ed. _____. v. 1991. CZAJKOWSKI. DONIZETTI. 2003. 4. Da modernização do direito civil: aspectos gerais. DINIZ. ed. 2. 7. I. _____. ed. 1953. Do poder familiar. Francisco Pereira. As intermitências da vida: o nascimento dos não filhos à luz do Código Civil brasileiro. Carlos Pamplona. São Paulo: Dialética. Rio de Janeiro: Forense. ed. O novo direito da filiação. 5. ed. 2006. Revista e atualizada por José Gomes Bezerra Câmara e Jair Barros. ed. Rio de Janeiro: Gazeta Judiciária. DANTAS. Noções fundamentais de direito civil. Fustel. São Paulo: Revista dos Tri- bunais. São Paulo: Saraiva. Coimbra: Coimbra Editora. 4. Curso de direito da família: intro- dução matrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais. Direito de família: tópicos para uma reflexão crítica. Estudos de derecho privado. t. . 2008. 26. Paris: Montchrestien. 1980. CORNU. São Paulo: Saraiva. A família no direito civil brasileiro. 1994. Gérard. Maria Berenice. 2007. CORTE-REAL. Madrid: Civitas. 451. Paris: [s. _____.240 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari COELHO. Rio de Janeiro: Editora Rio. 1979. António Menezes.]. Maria Helena. DIAS. DÍEZ. DELINSKI. ed. _____. I. Manual de direito romano. 12. 2011. União livre. ed. 1997. 20. ed. Coimbra: Almedina. Curitiba: Juruá. Coimbra: Almedina. Julie Cristine. Gaetano. SCIASCIA. Coimbra: Coimbra Editora. São Paulo: Saraiva. Programa de direito civil. II. v. 4. _____. COMEL. São Paulo: Saraiva. San Tiago. ed. I. _____. ed. Archives de philosophie du droit. Rio de Janeiro: Forense. 1975. São Paulo: Saraiva. v. Rainer. 3. Luiz Edson. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 1997. I. Curso de direito da família: direito da filiação. 2003. Conflito de normas. ESPINOLA. Manual de direito das famílias. 4. OLIVEIRA. José Silva. COULANGES. 2007. Filiação socioafetiva e direito à identidade genética. 1983. FONS. Studi sull’autonomia dei privati. FERRAJOLI. 2005. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento. Rio de Janeiro: Renovar. Buenos Aires: LexisNexis. FERRI. Código Civil – esboço. _____. Salvador: Juspodivm. 1978. ed. ANGELICI. _____. Introdução histórica ao direito. Belo Horizonte: Del Rey. 1992. Filiação. Edmundo. . 2009. 1. B. FIÚZA. 2007. 2003. Rio de Janeiro: B. _____. Belo Horizonte: Del Rey. Institutas. São Paulo: Atlas. Thiago Felipe Vargas. ed.. v. John. Derechos subjetivos y relaciones jurídicas. Referências 241 FACHIN. Elementos críticos de direito de família. I. Madrid: Trotta. 1988. Princípios constitucionais de direito de família. ed. 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris. Torino: Utet Li- breria. Grant. ed. FARIAS. v. _____. São Paulo: Saraiva. 2004. Lisboa: Fundação Calouste Gul- benkian. 1999. Valencia: Tirant lo Blanch. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2008. São Paulo: Altas. Jorge Shiguemitsu. ed. Ricardo. 2003. Introdução ao estudo do direito. _____. 1997. 2010. 2008. Rio de Janeiro: Renovar. Garantismo: una discusión sobre derecho y democracia. 2008. Pinheiro de Lemos. Brasília: Ministério da Justiça. Carlo. 2010. 1997. 2. GAMA. FUJITA. 2012. L. Giovanni B. Nelson. Direito civil: família. ROSENVALD. Tradução de A. Buenos Aires: Abeledo Perrot. La familia del extranjero: regímenes de reagrupación e integración. Augusto Teixeira de. ed. GILISSEN. 5. Tercio Sampaio. 1996. O biodireito e as relações parentais. São Paulo: Saraiva. 1995. Guilherme Calmon Nogueira da. FREITAS. Instituições de direito civil. Direito civil: curso completo. Luiz Edson. 4. As eras do direito americano. Reconhecimento de filhos e a ação de investigação de paternidade. Rubens Limongi. v. Luigi. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. FRANÇA. GAYO. 2. GILMORE. César.. SIMÕES. Garnier. ed. Rio de Janeiro: Renovar. Consolidação das leis civis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. GATTI. 2004. 2000. _____. Curso de direito civil. São Paulo: Atlas. Famílias. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Da paternidade: relação biológica e afetiva. _____. Rio de Janeiro: Renovar. 8. Antonio Quirós. 1876. 6. Teoria crítica do direito civil. São Paulo: Atlas. FIÚZA. Fun- dação Universidade de Brasília. _____. 5. FERRAZ JR. Cristiano Chaves de. 2009. Patrícia Faga Iglecias. Madrid: Trotta. Lisboa: Fundação Calouste Gul- benkian. Irene. 7. Costa Rica y Perú. ed. LARRONDE. Sobre o fundamento da protecção possessória. Flavius Petrus Sabbatius. Direito civil aplicado: direito de família. ed. GOMES. . Nulidade relativa do casamento e seus prazos. ética.. Familias ensambladas. LASARTE. LEITE. Buenos Aires: Editorial Universidad. Hernán Troncoso. 2005. Giselle Câmara. Silmara Juny de Abreu et al. v. 6. ed. Cretella Junior e Agnes Cretella. Karl. JHERING. 2005. LÉVI-STRAUSS. Carlos. 4. RIVAS. ed. São Paulo: Saraiva. v. JUSTINIANUS. ed. LEMOS. 2010. Derecho de família. Famílias reconstituídas: novas uniões depois da separação. GRISARD FILHO. O novo direito de família. As estruturas elementares do parentesco. GROENINGA. Mitología jurídica de la modernidad. Buenos Aires: Universidad. 9. Famílias contemporâneas. Direito civil brasileiro: direito de família. 2008. Afeto. Direito civil: estudos. Paolo. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. HUBER. 2007.). 2. María Fernanda. Rudolf Von. 2002. 2004. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris.242 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari GIRARDI. Derecho de familia. _____. 11. Eduardo de Oliveira. Tradução de J. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2010. Orlando. LARENZ. 2007. La filiación en la Argentina y en el Mercosur. Carlos Roberto. Direito e psicanálise: um novo horizonte epistemológico. 2003. Cecilia P. Institutas do imperador Justiniano. Rodrigo da Cunha (Coord. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiras. Metodologia da ciência do direito. Registro civil das pessoas naturais. Direito de família. de pais e mães separadas e dos filhos na ruptura da vida conjugal. Nora. família e o novo Código Civil. _____. Belo Horizonte: Del Rey. Lisboa: Universidade Lusíada. Viviane. 5. Petrópolis: Vozes. ed. 9. HUSNI. 1993. 5. Rio de Janeiro: Forense. LLOVERAS. GROSMAN. Belo Horizonte: Del Rey. 2004.). 2008. Leme: Editora de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais. Claude. 2007. 2000. In: CHINE- LATO. 2005. GROSSI. MARTÍNEZ ALCORTA. 2012. São Paulo: Atlas. (Org. Direito de família no novo milênio: estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2. Familias en litígio: perspectiva psicosocial. HIRONAKA. Santiago: Legal Publishing. In: PEREIRA. Waldir. Tradução de Mariano Ferreira. Porto Alegre: Livraria do Advogado. GONÇALVES. 2003. Cloves. 1984. Buenos Aires: LexisNexis. Giselda. ed. 2000. filiação e afeto: a possibilidade jurídica da adoção por homossexuais. Alicia. Madrid: Marcial Pons. São Paulo: Saraiva. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. ed. Referências 243 LÔBO. Belo Horizonte: Del Rey. 2003. Novos horizontes no direito de família. _____. 4. 2. Direito de família na Constituição de 1988. Sílvio A.). t. Rio de Janeiro: B. SÁ. 2013. Thomas. In: BITTAR. ed. São Paulo: Saraiva. 211. v. In: FIÚZA. MADALENO. maio de 1995. Direito civil: famílias. NAVES. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Instituições de direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense. . 8. César.). Hermenêutica e aplicação do direito. Garnier. MALUF. MANASEVICH. Carlos Alberto Dabus. Curso de direito civil: direito de família. _____. Carlos. 2003. ed. Álvaro Villaça (Coord. 2013. MONTEIRO. Repensando o direito de família. Porto Alegre: Notadez. São Paulo: Max Limonad. SILVA. Rio de Janeiro: Elsevier. v. _____. Paulo Luiz Netto. v. Revista Jurídica. Lourenço Trigo de. Maria de Fátima Freire de. La filiación y sus efectos: la filiación. LOUREIRO. São Paulo: Atlas. 2010. Direito civil: atualidades. 2008. _____. Novas modalidades de família na pós-modernidade. A repersonalização das relações de família. MAXIMILIANO. Código Civil comentado. Constitucionalização do direito civil. _____. Direito das famílias: amor e bioética. II. _____. Direito de família. Santiago: Editorial Jurídica de Chile. MEIRA. Paulo. 3. L. Santiago: Editorial Jurídica de Chile. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004. t. Curso de direito civil: direito de família. In: AZEVEDO. 1998. _____. ed. 2003. Direito de família em pauta. Alimentos e sua restituição judicial. São Paulo: Saraiva. La filiación y sus efectos: derechos sucesorios. 2009. B. São Paulo: Saraiva. Novas perspectivas no direito de família. Washington de Barros. _____. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Bruno Torquato de Oliveira. Fundamentos do direito privado. Rolf Hanssen. 2000. II. 1995. Instituições de direito romano. René Abeliuk. Porto Alegre: Edição da Li- vraria do Globo. 39. Ricardo Luis. _____. v. v. LORENZETTI. XXVI. I. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Saraiva. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. 1989. Regina Beatriz Tavares da. São Paulo: Atlas. MARKY. Curso de direito de família. Carlos Alberto (Org. 2007. 5. 2009. 2003. 5. 1971. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1. NADER. 2010. 2012. Tradução de Vera Maria Jacob de Fradera. MALUF. t. 1872. MALUF. 1925. Rio de Janeiro: Forense. Curso elementar de direito romano. _____. 2002. Caetano Lagrasta.).. namorar. 3. 1971. 2003. _____. 1. ed. REALE. São Paulo: Revista dos Tribunais. Teoria geral do direito civil. 3. _____. Família e dignidade humana. In: DIAS. Madrid: Ediciones Rialp. OLIVEIRA. Didier. V. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Rosa Maria de. Critério jurídico da paternidade. São Paulo: Revista dos Tribunais. RÁO. Vicente. Instituições de direito civil: direito de família. 1996. São Paulo: Max Limonad. Pietro. ed. São Paulo: IOB Thomson. de Maria Cristina De Cicco. 2005. 2009. PINTO. São Paulo: Saraiva. L’adoption internationale. ed. Perfis do direito civil. PEREIRA. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência. 17. PRADA. São Paulo: Revista dos Tribunais. In: PE- REIRA. Moacir César. O direito e a vida dos direitos. Revista e atualizada por Tânia da Silva Pereira. no 180. NERY JUNIOR. ed. ed. São Paulo: Saraiva. José Sebastião de. Coimbra: Almedina. IX. 2. 2008. Com afim e com afeto. Noções preliminares de direito civil. _____. 2. ed. Direito de herança: a nova ordem da vocação hereditária. Tratado de direito de família. Coimbra: Almedina. OLIVEIRA. 1947. Anais. São Paulo: Revista dos Tribunais. Maria Berenice (Org. 2002. PEREIRA. Coimbra: Coimbra Editora. PENA JUNIOR. Tratado de direito privado. 2005. V CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. 2003. casar. Euclides de. São Paulo: Malheiros. PERLINGIERI. 5. Recueil des Cours – Académie de Droit International. 2006. Francisco Cavalcanti. _____. v. Mercedes Vázquez de.244 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari NERY. v. História do novo Código Civil. Rodrigo da Cunha. Direito das famílias: contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. 1983. Caio Mário da Silva. Lições preliminares de direito. Rodrigo da Cunha. Rio de Janeiro: Borsoi. 1979. Rio de Janeiro: Forense. PONTES DE MIRANDA. Carlos Alberto da Mota. conviver. Trad. OLIVEIRA. 1995. 2002. Guilherme de. Nelson. Fundamentos constitucionais do direito de família. _____. São Paulo: Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais. Direito de família: a família brasileira no final do século XX. 2010. . ANDRADE NERY.. 1999. A escalada do afeto no direito de família: ficar. ed. Código Civil anotado e legislação extravagante. São Paulo: Saraiva. t. Rosa Maria de Andrade. 2. Belo Horizonte: Del Rey. NETO. Estabelecimento da filiação. OPERTTI BADAN. 2000. 2008. Rio de Janeiro: Renovar. 2009. 22. Miguel. ed. fiz meu nome predileto. Historia de la familia contemporanea: principales cambios en los siglos XIX y XX. SARMENTO. Anderson. Otávio Luiz. 4. 1923. São Paulo: Atlas.conjur. (Org. ed. Da boa-fé no direito civil. J. Silmara Juny de Abreu et al. 2012. Lisboa: Universi- dade Católica Editora. v. 2.br/2012-ago-29/direito-comparado-entre- -paternidade. Ingo Wolfgang. 2001. SANTA MARIA. De Plácido e. António Manuel da. 2011. SILVA. Referências 245 REIS. 2005. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Famílias simultâneas: da unidade codificada à plura- lidade constitucional. Considerações sobre o poder familiar.legal-biologica-europa>. Rita. A. Rio de Janeiro: Renovar. Rio de Janeiro: Lumen Juris. In: CHINELATO. O direito ao conhecimento das origens genéticas. Antonio Joaquim. 7. 2004. 1989. Direito de família. Direitos fundamentais e relações privadas. Coimbra: Almedina. 2006. Recueil des Cours – Académie de Droit International. RUZYK. M. Vocabulário jurídico. A tutela jurídica da afetividade. Amos. 9. Disponível em: <http://www. SANTOS. v. ed. José Serpa de. Curso de direito civil: obrigações em geral. SIDOU. Carlos Eduardo Pianovski. Reinaldo Velloso dos. Acesso em: 14 set. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. ed. 2005. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. v.) Direito de família no novo milênio: estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. SÁ PEREIRA. Miguel Maria de. SCAFF. CORDEIRO. n. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 12.com. SANTOS. 25. Instituições de direito civil portuguez. 2. Fernando Campos. RIBAS. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. Daniel. ed. 7. Entre a paternidade legal e a biológica na Europa. Tutela da confiança e venire contra factum proprium. Menezes. RODRIGUES JÚNIOR. Rio de Janeiro: Litho-typographia Fluminense. Coimbra: Coimbra Editora. 1857. 2000. Continuação da obra de Miguel Maria de Serpa Lopes. Rio de Janeiro: Renovar. ROCHA. 2012. SARLET. 2001. M. ROCHA. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 2008. Curso de direito civil brasileiro. 2010. 2006. SERPA LOPES. . Coimbra: Coimbra Editora. 2006. Garnier. ed. Rafael Luís Vale e. Dicionário jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Registro civil das pessoas naturais. SCHREIBER. Rio de Janeiro: Forense. II. 214. Rio de Janeiro: B. As rupturas conjugais e as responsabilidades parentais. Private International Law aspects of child custody and child kidnapping cases. 2006. v. Coelho da. Virgílio de. L. A proibição de comportamento contraditório. SHAPIRA. 1880. SEVERINO. Curitiba: Juruá. Romualdo Baptista dos. Curso de direito civil: direito de família. RODRIGUES. VALADARES.). São Paulo: Método. VENOSA. Curitiba: Juruá. n. 11. . Padova: Cedam. As famílias reconstituídas. SOUZA. Santiago: Editorial Jurídica de Chile. biológica e afetiva no estabelecimento do vínculo paterno-filial. São Paulo: Fiuza. Teoria do estado: introdução. TRABUCCHI. El sistema filiativo chileno. 3. 15. Flávio. Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva. ed. Rio de Janeiro: Renovar. TEPEDINO. 9. VAN LOON. Recueil des Cours – Académie de Droit International. ed. 1997. United Kingdom: Palgrave Macmillan. Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da família não fundada no matrimônio. SIMÕES. Maria Goreth Macedo. 1997. 2005. Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio. 2011. O estado civil. Ana Carolina Brochado. International co-operation and protection of children with regard to intercountry adoption. 2014. 2011. José Afonso da. SOARES. Direito brasileiro da filiação e da paternidade. In: TEIXEIRA. 2004. Gustavo. SOUZA. 1911. 1993. VENCESLAU. 1999. Gustavo Pereira Leite (Coord. 13. 2009. 2010. v. RIBEIRO. Galdino. São Paulo: Atlas. Parentalidade: análise psicojurídica. 2008. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. SIQUEIRA. Family law. Belo Horizonte: Del Rey. 1966. VI. Thiago Felipe Vargas. Fernanda. Igualdade e vulnerabilidade no Processo Civil. Ana Caro- lina Brochado. VARGAS. São Paulo: Método. ed. Maricruz Gómez de la Torre. v. VI. 244. 2. 2012. TEIXEIRA. 2010. Manual de direito das famílias e sucessões. Direito civil: direito de família. J. Mário Lúcio Quintão. 2004. _____. Rose Melo. _____. ed. _____. Temas de direito civil. Alberto. 7. ed. TARTUCE.246 MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA | Cassettari SILVA. A filiação socioafetiva e seus reflexos no direito sucessório. Rio de Janeiro: Renovar. STOLZE. 2007. Reconstruindo a paternidade: a recusa do filho ao exame de DNA. Direito civil: direito de família. PAMPLONA FILHO. Zeno. 2008. Belo Horizonte: Del Rey. Premissas metodológicas para constitucionalização do direito civil. O direito das famílias entre a norma e a realidade. Rodolfo. São Paulo: Malhei- ros. São Paulo: Malheiros. 2004. ed.). In: _____. Pablo. A função social dos contratos do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil. Ivone Maria Candido Coelho de (Coord. A. STANDLEY. Temas de direito civil. Renata de Lima. Kate. Sílvio de Salvo. VELOSO. TARTUCE. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense. Istituzioni de diritto civile. Curso de direito constitucional positivo. ed. São Paulo: Atlas. Campos dos Goytacazes: Editora Faculdade de Direito de Campos. O elo perdido da filiação: entre a verdade jurídica. São Paulo: Livraria Magalhães. São Paulo: Atlas. História interna do direito romano privado até Justiniano. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. _____. 2003. _____. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. In: BARRETO. Referências 247 VIANA. Repen- sando o direito de família. II CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Belmiro Pedro. 2008. Tese de cátedra apresentada para a obten- ção do título de Professor Titular em Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 1996. Derecho civil: método y concepto. João Baptista. Revista Brasileira de Direito de Família. Coimbra: Almedina. Rosa Maria de Andrade (Org. XAVIER. _____. A nova família: problemas e perspectivas. _____. Direito de família no novo milênio: estudos em homenagem ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. Filiação biológica e socioafetiva: igualdade. 2009. Vicente (Org. Rita Lobo. VIEIRA DA SILVA. 3. In: HIRONAKA. A relação jurídico-afetiva entre pais e filhos e os reflexos na res- ponsabilização civil. WIEACKER.. 2010. Belo Horizonte. Da relatividade do exame de DNA para reconhecimento de filiação. Rui Geraldo Camargo. Luís Antônio. Rui Geraldo Camargo. Madrid: Reus. Direito e responsabilidade. _____. 1980. Família e filiação. Giselda Maria Fernandes Novaes (Coord. Rodrigo da Cunha.Teoria tridimensional do direito de família. 1999. São Paulo: Revista dos Tribunais. In: PEREIRA. Rio de Janeiro: Renovar. Cláudia Stein. 2000. In: PEREIRA. VIANA. In: CHINELA- TO. 1997. Evolução histórica da família brasileira. 2000. Rui Geraldo Camargo. 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais. _____. In: VIANA. ano XXVII. Carlos Rogel. Recentes alterações ao regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais. 14.). WELTER.). Belo Horizonte: Del Rey. Brasília: Senado Federal. Franz. Revista da Faculdade de Direito da UFMG 21.. VIDE. Temas atuais de direito civil na Constituição Federal. n. Rodrigo da Cunha (Coord. Desbiologização da paternidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado. A família. 2002. Porto Alegre: Síntese. Anais.).). 2010. (Org. VILLELA.). maio 1979. VIEIRA. ed. Silmara Juny de Abreu et al. A família na travessia do milênio. Belo Horizonte: Del Rey. História do direito privado moderno. Belo Horizonte: Del Rey. Repensando o direito de família. Entrevista a Leonardo de Andrade Mattietto. NERY. . 2010. Família hoje. wordpress. Membro e Diretor Cultural do direito civil (Editora Saraiva).professorchristiano. Instituto Brasileiro de Direito de Família divórcio e inventário por escritura públi- – Seccional de São Paulo (IBDFAM-SP). e registradores cional de Direito Notarial e de Registro Autor também dos livros Elementos de (ENNOR). Professor • Código de Normas da Corregedoria de Direito Civil no curso de graduação Geral de Justiça de São Paulo: da Universidade São Judas Tadeu.br Blog: profcassettari. Membro coordenador legislação extravagante para notários do Conselho Deliberativo da Escola Na.com Fan page no Facebook: profcassettari Twitter: @profcassettari . Advogado e parecerista. Separação. legislação estadual e municipal fessor do Complexo Jurídico Damásio para cartórios de Jesus. • Código de Normas da Corregedoria biliário da Escola Superior da Advocacia Geral de Justiça do Rio de Janeiro: da OAB-SP (ESA). Site: www. Especialista em • Direito agrário Direito Notarial e Registral pela PUC- MG. Coordenador e professor do curso de pós-graduação em Direito Imo.com. to Civil (IBDCivil) e da União Mundial dos Agraristas Universitários (UMAU). PUBLICADOS PELA ATLAS reito Civil pela PUC-SP.CHRISTIANO CASSETTARI é Doutor em OUTROS LIVROS DO AUTOR Direito Civil pela USP e Mestre em Di. Pro. ca (Editora Método) e Multa contratual Membro do Instituto Brasileiro de Direi- (Editora RT). se há direitos previdenciários. motivo pelo qual se aborda nesta obra a necessidade de esse tema ser levado ao Cartório de Regis- tro Civil das Pessoas Naturais. APLICAÇÃO Obra destinada à disciplina Direito de Família dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito. Por tudo o que foi analisado ao longo do livro. é a criação de multiparentalidade. bem como para candidatos de concursos jurídicos e pessoas que fazem curso de aprimoramento funcional das carreiras jurídicas. o livro indica. Não há dúvida de que o maior efeito dessa forma de parentalidade. dever de indenizar. mormente a multiparentali- dade. na hora. Existem no Brasil algumas decisões concedendo esse modelo plural de parentesco. por exemplo. juízes. dentre outras questões. de se pagar alimentos. para gerar os seus regulares efeitos no âmbito do Direito de Família. Nesse esteio. Leitura recomendada também para advogados. se são devidos alimentos nesse modelo. e tenta resolver. se essa filiação pode ser impugnada. se a afetividade deve ser recíproca. se ela é direito só do filho. ou dos pais também. ser usufrutuário dos bens de filhos menores. autorizar casamento. vários problemas que decorrem do seu reconhecimento. a possibilidade de a pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe. tais como a forma de administração do poder familiar. quiçá. se essa parentalidade gera inelegibilidade eleitoral. dentre outros. e não apenas filiação. exercício da tutela e da curadoria do ausente. promotores. o autor acredita que o parentesco socioafetivo deve gerar todos os regulares efeitos do biológico. qual é a ação judicial que deve ser proposta para discuti-la. motivo pelo qual o Poder Judiciário deve ser mais criterioso na hora de reconhecê-lo e pensar. se há direito sucessório. o autor se preocupa em indicar solução para os problemas relacionados à coexis- tência da parentalidade biológica e afetiva. aprovar pacto antenupcial feito pelo menor.MULTIPARENTALIDADE E PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA EFEITOS JURÍDICOS Ao analisar os principais efeitos jurídicos da parentalidade socioafetiva. ou seja. se o parentesco socioafetivo liga o filho a todos os parentes do pai ou mãe. conceder emanci- pação. . exercida por três ou mais pessoas. como a maneira de sua formação. em admitir a sua extinção com o fim do afeto.
Copyright © 2024 DOKUMEN.SITE Inc.