moacy cirne - a explosão criativa dos quadrinhos

March 23, 2018 | Author: Victor Luiz | Category: Comics, Baroque, The United States, Sociology


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1osebodigital.blogspot.com 2 A EXPLOSÃO CRIATIVA DOS QUADRINHOS Moacy Cirne 2a Edição Revista Editora Vozes Ltda 3 4 . que colocou à disposição do autor os seus arquivos 5 .Para Maria de Jesus Neves Cirne Agradece-se a colaboração de José Menezes. 6 . seria o mais feliz dos homens! Fellini 7 . Se pudesse filmar Flash Gordon ou o Fantasma.Os quadrinhos! Não li quase outra coisa. . Conservo ainda com minha mãe uma coleção de 1927 de Corrieri dei Piccoli. . 8 . os fumetti. Na França. E hoje. de William Ugeux — professor da Universidade Católica de *A terminologia crítica utilizada por nós. Sociólogos apontavam-nas como uma das principais causas da delinqüência juvenil. são conhecidos por comics — pois suas primeiras aventuras eram todas cômicas — e daily strip (tiras diárias: as tiras do jornal. no enfoque dos lances materiais dos quadrinhos. O código brasileiro destaca: — as histórias em quadrinhos devem ser um instrumento de educação. formação moral. foi-se verificando a fragilidade dos argumentos daqueles que investiam contra os quadrinhos: uma nova base metodológica de pesquisas culturais conseguiu estruturar a sua evolução crítica. 2 Existem — no Brasil e exterior — códigos morais que regem as editoras especializadas. 1 Os quadrinhos. propaganda dos bons sentimentos. porém. entre outras denominações. e exaltação das virtudes sociais e individuais. na Espanha. na Itália. problematizando-os a partir do relacionamento entre a reprodutibilidade técnica e o consumo em massa. que ocupam áreas variadas).2 Aos poucos. — os princípios democráticos e as autoridades constituídas devem ser prestigiados. em Portugal. que criariam novas posições estético-informacionais para a obra de arte. aproxima-se daquela utilizada pela crítica cinematográfica. influenciem perniciosamente a juventude ou dêem motivo a exageros da imaginação da infância e juventude: — não é permitido o ataque ou a falta de respeito a qualquer religião ou raça. 9 . devido ao parentesco dos dois — cinema e quadrinhos. — é necessário o maior cuidado para evitar que as histórias em quadrinhos. jamais sendo apresentados de maneira simpática ou lisonjeira os tiranos e inimigos do regime e da liberdade. historieta e tebeo. são as bandes dessinées. descumprindo sua missão.Capítulo I A importância dos quadrinhos * Durante muito tempo as estórias em quadrinhos1 foram tidas e havidas como uma subliteratura prejudicial ao desenvolvimento intelectual das crianças. nos Estados Unidos. quadradinhos. aproveitando os novos meios de reprodução e criando uma lógica própria de consumo. contemporânea por sua vez dos inícios do socialismo — os artistas pressentiram a aproximação de uma crise. numa época que não estava madura para satisfazê-la plenamente. . isto é. . o que é atingido na obra de arte é a sua aura. que se voltam para as raízes metalingüísticas. Muito reacionária diante. quer comunicacionais ou artísticos. De fato. através de cortes sincrônicos. seis pontos essenciais para o levantamento da problemática gerada pelos quadrinhos: .Quando surgiu a primeira técnica de reprodução verdadeiramente revolucionária — a fotografia. esta massa torna-se progressista diante. .Louvain e diretor-geral do Instituto Belga de Informação e Documentação — a Alain Resnais (Marienbad) e Jean-Luc Godard (One Plus One: a mais agressiva e radical colagem crítico-criativa de nossa época). negar. desde que o critério de autenticidade não mais se aplica à produção artística. através de 10 . “Nascidos no olho das técnicas de reprodução. testando as vertentes criadoras que os formam e os projetam no espaço-tempo gráfico das revistas e jornais. os quadrinhos surgiram como uma conseqüência das relações tecnológicas e sociais que alimentavam o complexo editorial capitalista. originariamente. cem anos mais tarde. quer educacionais ou jornalísticos. são muitos os pólos. por exemplo.As técnicas de reprodução aplicadas à obra de arte modificam a atitude da massa diante da arte. disse-o Ruy Castro..Uma das tarefas essenciais da arte. objetos não-reprodutíveis”. Pulitzer). consistiu em suscitar uma exigência. pelo fato de que a pintura e a escultura são. Em lugar de repousar sobre o ritual.Na época da reprodutibilidade técnica. . Do importante ensaio de Walter Benjamin — A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica — assinalemos. dentro de um esquema preestabelecido para aumentar a vendagem de jornais. de um Picasso. . de um Chaplin. A história de cada forma de arte comporta épocas críticas. os quadrinhos beneficiam-se de uma penetração que nenhuma das artes de galerias jamais experimentou. . onde ela tende a produzir efeitos que não poderão ser livremente obtidos senão após uma modificação do nível técnico. toda a função da arte é subvertida. sociais e econômicas dos quadrinhos. por exemplo. em todos os tempos. amparados numa rivalidade entre grupos jornalísticos (Hearts vs. que ninguém pode. ela se funda agora sobre uma outra forma de práxis: a política. políticas. de Griffith a Godard (passando por Eisenstein. o mesmo diremos dos quadrinhos: a cultura popular situada no próprio redemoinho da cultura elétrica do nosso tempo. a litografia.000 exemplares! E se o cinema. são do mesmo ano de Un Coup de Dés (1897). Do que foi extraído — em Walter Benjamin. sonoras e ambientais. ferramenta atuante da sociedade capitalista.uma nova forma de arte. caminhos implosivos puderam ser traçados em função de milhões de consumidores. A arte sempre exigira uma atitude contemplativa de seus poucos e privilegiados espectadores: com a explosão das técnicas reprodutoras (no século passado: a fotografia. permitem reações criativas em cadeia: as versões (opções). para gerar relações qualitativas. atualmente. os quadrinhos — que não seriam enfocados por Walter Benjamin. . a concretude mallarmaica. de George Herriman. fundamentados na reprodutibilidade (quantidade + qualidade = consciência crítica). tem conotações políticas. . 11 . mesmo as relativas apenas à forma artística. todo um conjunto de novas atitudes em face da obra de arte. . já tem soluções formais e temáticas puramente surrealistas. de Winsor McCay. e em 1906 o nosso O Tico Tico já tinha uma tiragem de 30. criando parâmetros visuais e políticos para a feitura e consumo da obra de arte. — tentemos algumas propostas: . deve-se colocar a partir da consciência crítica de uma dada realidade concreta. talvez por desconhecer sua realidade espácio-temporal — ampliaram as perspectivas de invenção & consumo & radicalidade: o Little Nemo (1905).O consumo. Assim como o cinema ampliou as coordenadas operatórias da estética contemporânea. . 1912). e Bringing up Father (Pafúncio e Marocas. o cinema). de George McManus. Krazy Kat (1911). de Rudolph Dirks. Welles.Novos materiais proporcionam novas possibilidades visuais. tem como principal função revolucionária contestar antigas concepções estéticas (Walter Benjamin).A arte foi substituída por tecnologias orientadas pelas necessidades criativas e sociais. .Todo objeto ou projeto gráfico que violente estruturas arcaicas. os Katzenjammer Kids (Os Sobrinhos do Capitão). Por certo.A massa funciona como matriz justamente porque os novos acontecimentos artísticos. apareceram antes do primeiro grande filme de Griffith. A quantidade tornou-se qualidade.A massa é uma matriz de onde brota. Podemos. dez. as vanguardas (Pop-art. Marx. Humanismo funcional para as massas. si verifico il salto dei fumetto dalla stampa periódica al libro di grande sucesso. Seraphina. de Marcello Ravoni. 12 . comicità sottilmente casalinga e agressivamente contestataria” (Ravoni). quadrinho argentino de Quino (Joaquín Lavado)./67) e no jornal O Sol (GB.3 O Saci-Pererê. Igualmente. Não tivemos — ou temos — nenhuma experiência similar na América Latina. Raymond. o cinema. Capp e Schulz) existe toda uma aventura de influências comunicacionais. organização dirigida por russos e norte-americanos. Histórias em quadrinhos e humor. de Eric Nemés. no momento exato. foi uma recente tentativa africana neste sentido: a luta dos negros contra o Octógono. Milano. capazes de se refletirem de maneira ideogramática. detectando na produção artística não apenas um objeto para o sujeito. 3 Sobre o quadrinho portenho consultar Il “gesto” argentino. na obra de um Joyce. às necessidades de comunicações e informação das massas. a voltagem onomatopaica. idem. 4 A proposição do poema/processo foi publicada inicialmente na revista Ponto 1 (GB.. além de suas particularidades criativas (o balãozinho. por exemplo. Resnais e Kubrick) existe todo um questionamento histórico que problematiza as aberturas formais do cinema. embora exista um potencial imenso de possibilidades exploratórias: Mafalda. Consumo imediato como antinobreza. poema/processo) etc. o ritmo visual). 9-12-67). (Proposição)4 E os números dizem sobre o consumo dos quadrinhos: • Peanuts (Minduim): 700 jornais e 90 milhões de leitores diários nos Estados Unidos. número 47. de Ziraldo. atingindo a propaganda. inclusive. situa-se dentro de uma perspectiva politizante. soube colocar muito bem o problema do consumo da arte. mas também um sujeito para o objeto (Manuscritos econômicos). Só o reprodutível atende. entre outros.. de Outcault e Dirks a Pellaert e Devil (passando por Hogarth. sem legendas. é na própria raiz do consumo que se localiza a maior importância dos quadrinhos. parafrasear Walter Benjamin no final do referido ensaio: a resposta do terceiro mundo é politizar os quadrinhos. in Linus. Não é por acaso que o poema/processo — atento às exigências sociais e estéticas da época — destaca: Só o consumo é lógica. con il personaggio best-seller di Quino.Antonioni. Todavia. febbraio 1969. “Nel 1967. de Charlie Brown e Snoopy.600 jornais e 60 milhões de leitores diários nos Estados Unidos.) foi erigida uma estátua em homenagem a Popeye. Alain Resnais. • Durante a II Guerra Mundial. Pierre Alechinsky. Paris (França). Fantasma.000 exemplares. compreendendo o período 1909-1959. respectivamente. Mickey). já produziram cerca de 12 milhões de imagens. que em nosso século aproxima qualitativamente os quadrinhos do cinema. Alguns fatos ainda servem para comprovar a sua importância: • A Apollo 8 e seu módulo lunar foram cognominados. Umberto Eco. Marshall McLuhan. F. • Popeye: 600 jornais em 25 países. Flash Gordon foi proibido por Mussolini. Tarzan. Edgar Morin. • Em 1942 Goebbels declarou: “Superman é um judeu”. Lucca (Itália) e Buenos Aires (Argentina).F. Peter Foldes. Na Itália. E. Luís Gasca. Linus etc. • Revistas especializadas aparecem na Europa: Giff-Wiff. Francis Lacassin. • Al Capp: sugerido para o Prêmio Nobel de literatura (por John Steinbeck). • No Texas (U. JeanLuc Godard. • Artistas e teóricos consagrados internacionalmente se confessam estudiosos ou admiradores dos quadrinhos: Picasso. no Brasil: 1. Frederico Fellini. • Walt Disney (Pato Donald. Outcault. Barcus 13 .500. Mandrake. 1896). Capitão América. televisão e rádio. Super-Homem e até o Príncipe Valente — para satisfação das forças militares americanas — combateram (direta ou simbolicamente) os nazistas e japoneses. • Astérix le légionnaire: tiragem de 1. • Blondie (Belinda): 1. • Só os comics americanos. em jornais de Boston (Estados Unidos). Tio Patinhas. Zé Carioca. • Li’l Abner (Ferdinando): 650 jornais e 50 milhões de leitores diários nos Estados Unidos.360.• Tintin: 15 milhões de álbuns vendidos na Europa. Phénix. provoca uma pergunta específica à sua estruturação: quem consome as estórias em quadrinhos? Antes situemo-las sociologicamente: Fazendo uma abordagem estatística dos comics. • Exposições internacionais são realizadas em Bordighera (Itália). Flash Gordon. desde Yellow Kid (R.000 exemplares mensais. os dois célebres personagens de Charles Schulz (Peanuts).S.A. A dinâmica do consumo. de 1940. Já assinalamos. a vida familiar. África e América Latina. 73. quando relacionamos os quadrinhos com a ideologia de seu tempo & espaço. O seu uniforme listado e estrelado seria a própria bandeira dos Estados Unidos. marcados. portanto.2% de aventuras). como a norte-americana. em 84%. dos 5%. vê no Capitão América.apresentou-nos um curioso resultado. a força. pelos instrumentais tecnológicos. 1939 e 1940. que os quadrinhos estão impregnados da ideologia pequeno-burguesa. poderia oferecê-los em grande escala”. 64% são estórias cômicas (durante a última guerra: 19.8% dos quadrinhos situados na América do Norte apresentam ambiência urbana. exatamente como querem demonstrar o Pentágono e a Casa Branca nos mais variados conflitos da Ásia. (Voltamos a Walter Benjamin: a massa é uma matriz de onde brotam novas atitudes diante do produto artístico etc). 155/59. às classes mais baixas. em outra oportunidade. Quanto à fantasia (que jamais teria superado os 5%). enquanto o escudo teria uma conotação simbólica: só ataca para se defender. 12%. 5 Acrescentemos outros informes. Outro dado de grande importância. como o cinema. em curto porém agudo artigo. cuja alienação ideológica-participacional era evidente. esmagada pela crise econômica de 1929. pp. segundo uma pesquisa de Spriegelmann: as instituições são eficazes em 92% dos casos (o que vale dizer: as instituições burguesas são eficazes). E Jô Soares. Batman e Capitão Marvel não surgiram por acaso em 1938. Somente 36% exercem profissões normais. estreitamente vinculado à sua própria ideologia: 67% dos personagens dos quadrinhos pertencem à classe média. que Super-homem. Daí por que o Capitão América Dados extraídos — por nós — do livro Bande dessinée et figuration narrative. Concluir-se-á. nas múltiplas variações. 23% não têm profissão definida. individualista. pois. um reflexo chauvinista da política externa americana. Discordamos. jamais apresentou um índice inferior a 60%. 5 14 . visto que nascidos sob os signos do capitalismo e da segunda revolução industrial. 17% procuram exercer profissões incomuns. 16% não têm classe definida. Somente uma sociedade de consumo. em 73%”. igualmente interessantes: 72% dos personagens que povoam os quadrinhos são masculinos. 65% dos cartoonists ianques são originários de pequenas cidades ou do campo. 15%. a inteligência. respectivamente. ela foi mais ou menos intensa na década dos 30 — anos de grande crise moral e social para a sociedade americana. a classe média precisava de super-heróis. em contradição dialética. e a fantasia — compreendendo a science-fiction — jamais superou os 5%. à classe burguesa. colocar em xeque toda a ossatura da arte ocidental. “Desorientada e decepcionada. Que iriam. Quando um determinado contexto político-social permite a invasão dos super-heróis americanos & aventuras bélicas — aqueles que justamente podem ser acusados de ópio literário.sofreu um certo ostracismo no período kennedyano.3% de operários consomem as aventuras quadrinizadas.000. na faixa de 16/28 anos. — então estamos diante de um fato capaz de provocar reações alienantes. Outra não é a colocação de Pierre Couperie & Schramm e White. em segundo lugar). distinguindo cinco categorias no público dos quadrinhos: Sem a menor dúvida. só poderá apreendê-los ao nível da linguagem. 6 15 . de 49 e 40. mais do que toda a população atual do Brasil! Uma pesquisa realizada pelo jornal Vaillant (cf. em gráfico publicado em obra recente. os quadrinhos muitas vezes se constituem em matéria alienadora. a maioria dos leitores dos comics se identifica com este ou aquele herói. poderíamos indagar: seriam os quadrinhos um novo ópio literário.000 entre adultos e crianças. porém. respectivamente. Consubstanciado no mesmo enfoque sociológico. a leitura dos comics atinge o máximo entre as idades de 10/15 anos (quase 80% no cômputo da leitura diária. ressurgindo agora com redobrado ímpeto. os quadrinhos não constituem um ópio literário: porque as suas vertentes criativas — ou probabilidades de — superam os desvios sociais passíveis de eclodir. a revista Linus (altamente intelectualizada) é consumida em 70% do total por estudantes. estacionando entre 30/40 anos (55%. porque problemas políticos jamais foram ou serão solucionados por qualquer espécie de arte. A arte das estórias em quadrinhos) mostra que. porque — através dos tempos — a cultura popular tem-se formado a partir de manifestações tidas no início como subliterárias. no máximo. que. notadamente entre as mulheres (de 40 para 25%. Ao nosso ver.6 É neste quadro geral que cabe a pergunta: quem consome os quadrinhos? Para Abraham Moles. Trata-se de um problema estrutural. em primeiro lugar). ao nível das fotonovelas? Sem dúvida. em Bande dessi-née et figuration narrative. Ainda segundo Pierre Couperie. com a indefectível vitória do primeiro sobre o segundo. padrão dos ideais burgueses ou pequeno-burgueses. somente 2. enquanto a percentagem de escolares e ginasianos é. em quinto lugar). envolvidos pelo dualismo simplista do Bem e do Mal. em relação a seus leitores. Jacques Marny adota a mesma perspectiva européia.9%. de fato. Sabemos que só nos Estados Unidos os leitores dominicais dos quadrinhos elevam-se a mais de 100. Na Europa. temos uma outra visada para o problema. Pierre Cauvin. ou seja. decrescendo a partir dos 50 anos. a relação que predominasse no Sul do país (onde Maurício de Souza poderia ter vez) seria diferente da do Norte Nordeste. Ferdinando 10. Fantasma 5. segundo o qual 51% dos leitores dos comics têm um herói predileto — aponta as nossas possíveis preferências: 1. estatística ou não.• os consumidores rotineiros (80%) • os consumidores esclarecidos • os “hostis” (nos Estados Unidos. Sérgio Augusto — partindo do princípio revelado por David Manning White e Robert A. Bolinha e Luluzinha 2. e talvez Thor. Brucutu 7. Família Marvel 6. De qualquer modo. Pato Donald 3. Mickey Este levantamento quer-nos parecer um pouco arbitrário: muito certamente Batman. ou mesmo — quem sabe? — algum dos personagens de Maurício de Souza. Abel. Tarzan 9. Estamos vendo — e veremos nos capítulos seguintes — que os quadrinhos apresentam múltiplas e variadas possibilidades de abordagem crítica: • O Fantasma é racista? • Em que nível filosófico-metafísico situam-se as preocupações existenciais do cão Snoopy? • Ali Capp é mais importante do que Faulkner? • O Tarzan de Hogarth é barroco? • Recruta Zero é antimilitarista? • Os quadrinhos são a mensagem ou a massagem? 16 . inexiste qualquer abordagem desta espécie. 10%) • os colecionadores • as crianças (80/100%). Hulk e Capitão América — redimensionados pela TV — constariam dos “dez mais”. Super-homem 4. Já Brucutu e Ferdinando ficariam para aqueles “consumidores esclarecidos”. Mandrake 8. No Brasil. de Albers e Wlademir Dias-Pino. não perdoam aos criadores. Nós propomos: 80% — baixo nível 12% — regular nível artesanal 6% — bom nível artístico 2% — ótimo nível artístico. o artista plástico e o teórico da comunicação. seja no poema. seja na música. escreveu Ruy Castro. de um modo geral. seja nos quadrinhos. Não concordamos. A própria crítica estruturalista. os quadrinhos registram uma problematicidade expressional de profundo significado estético. de Mondrian e Max Bill. Ou um novo tipo de literatura (popular) — a literatura gráfico-visual. e que teve em Joyce e Oswald de Andrade (no caso brasileiro) os últimos expoentes. ensejando respostas criativas às exigências da moderna ação cultural. — “não se pode justificar uma estória em quadrinhos ruim só porque é estória em quadrinhos”. a crítica estruturalista é excelente. dos experimentos tecnológicos. Pois se o Flash Gordon de Mac Raboy é muito inferior ao de Alex Raymond. “o desenhista é quase onipotente para criar. já ineficazes para apreender as vanguardas poéticas. já gasta e corrompida pelo uso.7 Já o crítico cinematográfico. se o Tarzan de Russ Manning não se compara ao de Burne HoEm contrapartida. enquanto 4% seriam de honesto nível artesanal e apenas 1 % de nível artístico. com o teórico italiano ao afirmar que 95% das atuais produções quadrinizadas são de baixo nível. porém. da televisão. para analisar Drummond ou João Cabral. só depende de seu traço e de seu lápis para tornar concreto aquilo que concebeu”. “Diante da prancheta”. não tem condições de julgar o novo.. as estruturas acadêmico-intelectuais se abalam e. Contudo — e a observação de Umberto Eco é oportuna..Evidentemente. Bandeira ou Mário de Andrade. a prosa linear daria o lugar a um novo procedimento literário. estudiosos e divulgadores dos comics. além da importância ideológica e social. da poesia concreta e do poema/processo. estão quase sempre aptos a compreenderem o novo e as estórias em quadrinhos. Trata-se de um julgamento muito rigoroso. das explosões sonoras. Diante de tal incomodidade. 7 17 . que substituiu a outra. cujo repertório lingüístico termina por ser mais amplo. tornando-se a literatura por excelência do século XX. No século do cinema. seja no cinema. sem a literatice psicologizante de certos autores do passado e do presente. garth, se os Sobrinhos do Capitão de Joe Musial não contêm a mesma intensidade crítica das criações de Rudolph Dirks, se o Pafúncio e Marocas de Bill Kavanagh & Frank Fletcher perde em voltagem satírica para o de Georg McManus, e se muitas são as historietas medíocres, não devemos esquecer que hoje, em revistas especializadas e/ou tiras diárias de jornais, continuam firmes os seguintes autores & desenhistas: Schulz, Copi, Feiffer, Capp, Kelly, Hart, Post, Steadman, Crepax, Bianconi, Sapia, Gould, Quino, Pastecca, Pellaert, Falk, Hamlin, Walker, Foster, Williamson, Hergé, Robbins, Cullen Murphy, Morris, Goscinny, Caza, Crumb, Miles, Quinterno, Stan Lee, Moliterni, Siò, Wohl, Ziraldo, Henfil, Maurício de Souza. Além de Nicolas Devil e Jean Alessandrini, que também pesquisam outras formas de comunicação. Pouco importa saber se os quadrinhos são — ou não — uma arte, conforme salientou Ruy Castro, mesmo porque — hoje — o que realmente seria arte? O que importa é o seu poder de comunicação e a sua capacidade de revitalizar formas expressionais. 18 Capítulo II Estética: o balão Uma das principais características criativas dos quadrinhos, o balão — de formato ligeiramente circular, retangular etc, cujo interior encerra diálogos, idéias, pensamentos ou ruídos — começou a aparecer por volta de 1900, embora seja antigo em outras manifestações de arte (Le bois protat data de 1370), sem se verificar em sua pré-história (as tapeçarias de Bayeux) ou proto-história (as Imagens de Epinal, as criações de Rudolphe Töpffer, Wilhelm Busch etc). Na verdade, o balão, o ruído onomatopaico e o ritmo visual1 constituem os elementos fundamentais de uma possível estética dos comics.2 Através do balão, inclusive, o artista atinge a metalinguagem (o Gato Félix, de Pat Sullivan) ou dimensões informacionais completamente novas: Pogo, de Walt Kelly, neste particular, é de uma riqueza fascinante. Solidificador da palavra, do sonho e do fôlego, para Robert Benayoun, o balão é uma instigante visualização espacial do som, assim como também o é a onomatopéia. Criador de um novo espaço gráfico, 1 Ritmo visual: estruturação dinâmica, corte de quadros (e diagramação da página, quando em revistas). 2 Estética dos quadrinhos? Depois de Walter Benjamin, Max Bense e Umberto Eco, sabe-se que o conceito de estética está superado (ou melhor, passando por uma etapa transformadora), visto que a própria arte está sofrendo uma mudança radical, justamente por causa dos meios de reprodução & consumo, onde se inserem os quadrinhos: o funcional e o útil desempenham novas diretrizes coordenadoras. Sendo assim, uma geladeira produzida em nossos dias — por exemplo — adquire maior importância estética e/ou social do que qualquer obra-prima de Gauguin. Ou Van Gogh. Atente-se para a produção serial e comprove-se a falência do objeto único. Estética ou técnica narrativa, os quadrinhos continuam no cerne do mundo contemporâneo, ao lado da televisão e do cinema. 19 redimensiona o quadro3 quando proposto com imaginação & inteligência pelo desenhista. Ou como diz Jacques Marny: “Matéria eminentemente plástica, o ‘balão’ se presta às menores nuances”. Em estreita relação com a feitura tipográfica do texto, expressa fúria, ódio, medo, alegria, surpresa etc, passando — às vezes — de uma realidade lingüística (abstrata) para uma realidade física (concreta): - o pássaro que pousa sobre o “pensamento” do personagem, solidificando o balão (B.C, de Johnny Hart); - o besouro que penetra — ficando preso — no balão vazio do herói, em interminável blá-blá-blá (Pogo, de Walt Kelly); - o balão, forma circular que contém o texto, se transformando em balão, forma astronáutica (após sopradas as palavras do interior), para salvar o Gato Félix; - o balão como suporte suspenso no ar, livrando o Gato Félix das garras de um crocodilo; - o balão que, contendo o “Z” do sono, cai no solo, provocando um klunk que acorda o cão Snoopy (Peanuts, de Charles Schulz); - a serra (imagem metafórica do sono: a serra serrando o tronco de árvore) que se liberta do balão para serrar a cama pré-histórica do personagem de Johnny Harth; - a fisicalidade do balão numa discussão editorial sobre a sua própria essência: o metabalão (Ballons d’essai, de Serge Gennaux). Benayoun aponta 72 espécies de balão, entre as quais o balão censurado o balão personalizado o balão mudo o balão atômico o balão glacial o balão sonolento o balão geográfico o balão de reflexão o balão estéril o balão discursivo o balão agressivo 3 Quadro: o quadrinho ou plano (viñeta, para os espanhóis), podendo ser contornado (pela linha) ou não. A linha do flash-back é ligeiramente ondulada, muitas vezes. 20 espirais. Há também os autores que preferem não utilizá-lo: seja por dispensarem o texto4. 21 . Burne Hogarth. Do mesmo modo. quer pelos cortes dos quadros. Astérix). pelo arsenal onomatopaico. H. estrelas. bem entendido. Contudo. o balão mudo é o que se apresenta vazio. No Brasil não conhecemos nenhum exemplo significativo de aproveitamento formal do balão. Em quase todos eles — o atômico. Talvez pudéssemos exigir mais de um Walt Kelly. Recruta Zero). a personalidade ou a nacionalidade das pessoas (cf. de Nicolas Devil. fundindo-se em novas formas que se distanciam do balão primitivo: Saga de Xam. de um Johnny Hart. Bateman. no interior. pelo desenho do plano. o geográfico — predomina a relação ideogramática entre a imagem e o conteúdo expresso. o que modificaria 4 Carl Anderson. criador de Reizínho. símbolos (caveiras. de Hector Sapia. meandros) indicativos de palavrões (cf. Soglow. através dos caracteres tipográficos. ultrapassar a sua realidade específica. O balão pode.o balão onomatopaico. tornando-se um elemento estrutural. sempre utilizou o balão de maneira sóbria: a trama policial do mesmo não permite certos recursos estéticos — que só devem ser explorados em favor de uma maior clareza da informação. Mas é por ser uma literatura eminentemente visual (ainda não foi possível incorporar aos quadrinhos as últimas conquistas tecnológicas. Daix. o exemplário em torno das pesquisas criativas sobre o balão ainda é pouco. Etc. e sendo uma matéria tão instigantemente profunda para ser trabalhada. O balão censurado é aquele que contém. de um Charles Schulz. alguns nomes da revista Mad. o balão atômico tem a forma de cogumelo atômico. Não se trata de querer extrair de determinadas situações temáticas soluções formais forçadas ou simplistas. o balão personalizado determina. Robert Velter. exclamações. Sempre é necessário criar um clima visual dramático. Alex Raymond (a partir de 1938). extrapola-se em múltiplas direções. Pogo. igualmente. muitas das historietas de O. criador de Pinduca. de Chester Gould. é um grande exemplo. do professor Nimbus. pela colocação exata do balão (com as alternativas metalingüísticas). o glacial. Compreende-se por que o Dick Tracy. abandonando as palavras dos personagens para ir contornar o próprio quadro: Il conte di piombo. expressando o espanto do personagem diante de certas idéias ou fatos etc. seja simplesmente por procurarem uma linguagem mais direta: Hal Foster. no entanto. que temos — como crítico ou como leitor comum — o direito de desejar uma maior utilização criadora de todas as possibilidades formais que os comics oferecem: através de um bom gag visual. — que se moldem e criem novas investidas estruturais! 22 . conseguem-se ótimos efeitos comunicativos. Para isso.substancialmente a sua ossatura informacional). o balão. a onomatopéia e a montagem (diagramação) precisam ser trabalhados com bastante eficácia & invenção. ou de um rigoroso dramatismo interno. plasmada por e com elementos gráficos. Se necessário fôr — e às vezes o é. Capítulo III Estética: a voltagem onomatopaica O ruído. Esta é uma colocação que qualquer estudioso dos comics faz. Franquin. principalmente. Schulz. mais do que sonoro. ainda não foi precisada a época em que a onomatopéia começou a ter importância no desencadeamento expressional dos quadrinhos. E hoje são muitos os autores que procuram extrair dos ruídos onomatopaicos (signos previamente codificados pelo uso) uma alta temperatura compositiva & contextual. é visual. ou. Pichard. pois. as onomatopéias atingem uma linguagem universal. Hachel. temos conhecidos criadores que praticamente não se vale(ra)m dos recursos onomatopaicos. plástico. Por outro lado. em cronologia 1 23 . O desenhista brasileiro Floriano Hermeto de Almeida Filho. como a primeira série a apresentar onomatopéias nos quadrinhos. antes de mais nada. Sem dúvida. Feiffer. Burne Hogarth. em maior ou menor grau: Pellaert. em 1896. os brasileiros (excetuando-se Ziraldo). os desenhistas estão sempre à procura de novas expressões gráficas. Copi. nos quadrinhos. — como entenderam em tempo os seus autores — só a exploração planificada de todas as virtualidades gráficas dará aos quadrinhos uma verdadeira dimensão estético-informacional. se vale(ra)m de maneira muito discreta: Alex Raymond. estórias do Little Nemo. Ao contrário dos balões. então. Chester Gould. A cronologia elaborada para o livro Les chefs-d’oeuvre de la bande dessinée registra Weary Willie and Tired Tim. e o efeito de um buum ou de um crash — quando relacionado de modo conflitante com a imagem — é. Hergé. Crepax etc. embora sejam regidas por modelos fonológicos que diferem segundo as línguas (Barthes). Em nossas consultas bibliográficas1. o exemplo mais Que abrangeram. Isto porque. diante do papel em branco. de Tom Brown. Hal Foster. em seu número especial de julho/69. também aponta esta série como a primeira a apresentar ruídos. em espaço útil. 1. (GB).71% por página.928 páginas e 1. UMPH e BOOM2.365 ruídos (os diferentes somavam 311). 8 da Editora Abril Ltda. A quantidade de ruídos. registra — no artigo Conteúdo das revistas-em-quadrinhos no Brasil — 163 onomatopéias diferentes para 39 publicações analisadas. dando uma média de 0. 9 da Rio Gráfica e Editora Ltda. 3 da Editorial Lord Cochrane S/A. 2 Little Nemo in Slumberland. As 40 revistas totalizavam. Desse total verificamos as maiores incidências: organizada para a EBAL. Pierre Horay. Ed. 3 16 revistas da EBAL — Editora Brasil América Ltda. (GB).antigo encontrado de ruídos nos comics é o de uma estória assinada por Winsor McCay. é um dos aspectos interessantes quando os enfocamos. onde vemos os sons ZZZZ. Procuramos fazer uma pesquisa mais ampla: consultamos 40 revistas3 contendo as aventuras de: Super-homem Super-boy Batman & Robin Tarzan Pernalonga Popeye Belinda & Alarico Ferdinando Mandrake Fantasma Flash Gordon Gato Félix Bolinha & Luluzinha Zorro Os Sobrinhos do Capitão Namor Brucutu Recruta Zero Thor Pato Donald & Cia. A revista Vozes. (Santiago .Chile) e uma da Editora e Gráfica Trieste Ltda. (GB). (SP). estranhos ou não. 3 de O Cruzeiro S/A. UH. 24 . (SP). em 8 de dezembro de 1907: Little Nemo in Slumberland. Here comes Snoopy. por exemplo. The wonderful world of Peanuts.2%) — objeto (vidro. madeira) sendo quebrado Blam (3. Justamente por isto voltamos a nossa pesquisa para o encantatório universo de Charles Schulz. as pequenas quedas.9%) — pessoa mastigando Thump (5. Charlie Brown!. 25 .0%) — (des)ligar interruptor etc. chega a ter oito ruídos por página. de Pellaert.4%) — ligar interruptor etc. que deram o seguinte resultado: Total de ruídos: 480 Ruídos diferentes: 91 Ruídos predominantes: Z (7. Charlie Brown?. o tambor desempenham um papel que vai do psicológico ao social. Buum (3. Já no popular Astérix. contendo 960 historietas. Charlie Brown!. We’re on your side.2%) — sono / ronco Chomp (5. Charlie Brown.2%) — porta ou janela fechando / batida de automóvel Zuum (3.Bam (9.0%) — disparo de metralhadora.3%) — bater com bola no assoalho Plink (2. What next.4%) — gente ou animal dormindo / ronco Pou/Kpow (2. de Uderzo & Goscinny (quatro álbuns consul4 This is your life.0%) — chute em bola / objeto caindo no chão Clomp (4.1%) — velocidade / vôo Click (3. You are too much. Cliarlie Brown.4%) — mordida / abocanhamento Click (3. de situação para situação. onde a voltagem onomatopaica é de indiscutível (e eficiente) intensidade. A Jodelle. Who do you think you are. os jogos. Bumpetty (3. trata-se de um balanço relativo.1%) — soco / queda Rat-Tatatat (2. o sono. mesmo porque a percentagem varia de autor para autor.8%) — queda brusca / batida.9%) — bola de gude rebatendo no chão Wham (2. e verificamos que — nos bons criadores — o emprego da onomatopéia não é de modo algum gratuito. Para o mundo infantil e animal de Schulz. Por certo.0%) — explosão Z (2. longe de pretender ser completo. Good grief. Analisamos oito volumes originais4.9%) — tiro de revólver / batida Crash/Crack (4. Charlie Brown?. sendo 76 diferentes)5. Astérix gladiateur. uma boa onomatopéia (temática. O ruído pode tomar todo o quadro. o Glu-glu — som produzido no ato de ingerir qualquer líquido.tados: 190 páginas. 26 . Kubrick. o gaulês. gráfica e/ou plàsticamente) está para os quadrinhos assim como um ruído (bem utilizado) está para o cinema: Godard. com 4.9% do total. no presente caso. 374 ruídos. conseguiu-se plasmar. Se ainda não se atingiu a radicalidade joyceana (cf. Astérix entre os bretões. Finnegans Wake). a poção mágica — ocupa o sexto lugar. Portanto. uma intensa comunicação sonora: splat ksploosh splosh whroosh zung bzzzzzzz zip chlap smack tzim plaft gulp whapp clank blahh vuum tchof buummm! 5 Astérix. Tati. criando zonas icônicas & indexicais de consumo rápido e fácil. invadindo — se preciso — os quadros vizinhos: sua área semântica subordina-se ao espaço gráfico da página. na concreção de novos sons onomatopaicos. Astérix nos jogos olímpicos. em cores e formas. Antonioni. 27 . 28 . 29 . 30 . 31 . 32 . 33 . 34 . 35 . 36 . 37 . 38 . 39 . 40 . 41 . 42 . geralmente coloridas. Não significa isso que dispensemos o plano bem desenhado & enquadrado. Daí por que as críticas restritivas que se fazem a Hal Foster (o primeiro Tarzan. mas de um movimento aparente. É necessário que haja uma dinâmica estrutural entre todos os quadros. de movimento. que será tanto maior quanto fôr a capacidade inventiva do desenhista. fora de seu contexto. sem perder o sentido de ritmo. Não é a magia formal de um plano isolado. que faz a força de uma estória: é a relação crítica (o desencadeamento de estruturas) entre todos eles. porém lhe falta a dinamicidade ordenadora do ritmo.1 e2 1 Note-se que há as tiras diárias e as páginas dominicais. não há muitas perspectivas e o dinamismo é obtido através dos cortes: as elipses surgem. volte à estória. procurando criar — no último quadro — o suspense necessário para que o leitor. com bastante freqüência. então. revista) que a encerre: No jornal.Capítulo IV Estética: o ritmo visual A estesia dos comics não se limita ao quadro bem desenhado. quer temático. criando movimento e ação formais. dependendo do veículo (jornal. 43 . o Príncipe Valente): o seu desenho é de um preciosismo clássico por excelência. então. Evidentemente. com dois. a arte cinética). não estamos diante de um movimento físico (o cinema. no dia seguinte. que duas espécies de movimento são trabalhadas. temos a tira. Veja-se o exemplo do Tarzan de Burne Hogarth: firmeza e equilíbrio formais. Compreender-se-á. três ou quatro planos: o artista trabalha sobre este espaço. mas sim que é indispensável esta relação crítica. cujo plano seja capaz de revelar um perfeito enquadramento. quer visual. Nestes limites. com Ferdinando. com Mônica. com o Quarteto Fantástico. A saga dos quadrinhos. Ruy Castro. não permitem certas inovações. o gag visual. ao primeiro olhar. Entre os criadores que. Hergé. Guido Crepax. Stan Lee & Jack Kirby. 44 . a partir de uma decupagem prévia. em 1907). com Pererê. 3 Um esclarecimento talvez seja necessário: o corte nos quadrinhos não tem o mesmo significado informacional daquele do cinema. 2 “A odisséia dos Quadrinhos é uma sucessiva conquista de posições para a consolidação de um processo. com Valentina. de Al Capp — também não é só o texto que a completa: a caricatura. através da funcionalidade rítmica como termômetro do comportamento expressional. por exemplo. de tal forma que o leitor não perdesse o fio da trama. têm obtido (ou obtiveram) ótimos resultados informacionais. e os planos ocupam áreas as mais variadas. cenas e seqüências. torna-se fundamental. Will Eisner. (Mutt and Jeff. com Tarzan. Quando se trata de uma estória política — e aqui estamo-nos lembrando do Ferdinando. os quadros podem-se libertar da rigidez operatória provocada pela tira: a diagramação. A tira diária nos jornais.3 Do mesmo modo. apontamos: Burne Hogarth. o aproveitamento adequado do plano. com The Spirit. com Flash Gordon. uma abordagem da Jodelle principia pela textura gráfica & onomatopaica: os amarelos e vermelhos que a dominam. inaugurou a tira diária. Obtém-se na revista uma visão global da página. o ritmo são elementos importantes para atingir os fins propostos pelo autor. por se destinarem mais às crianças. de Bud Fischer. grandes ou pequenas) até os simples quadrados.Na revista. o corte separa os quadros e não apenas os takes. remetendo-nos para o campo dos signos não-verbais. com Tintin. Alex Raymond. Ziraldo. aqui. foi um marco importante: a necessidade de condensar todos os dados de uma estória completa em três ou quatro quadrinhos. desde as panorâmicas (verticais ou horizontais. Al Capp. ensinaram as duas condições essenciais para uma boa história: tensão & concreção”. e a exigência de lançar a tensão no último qtíadrinho (para que o leitor se sentisse obrigado a ler a seqüência no dia seguinte). Maurício de Souza. verificando-se a funcionalidade (ou não) dos cortes e as direções de leitura: é possível perceber o projeto de Saga de Xam sem penetrar no texto. todavia. em imagens imprecisas — que o remetem à televisão. Em contradição dialética. Hart. Os exemplos citados por McLuhan (Outcault. — tendo o consumo como fator determinante de sua permanência temporal. mas não destruído.. capítulo 1). contra-plongés etc. a alta informação visual está presente em muitos criadores importantes: Hogarth. Moebius. Existe igualmente um grupo onde a baixa informação visual produz resultados informacionais de alto significado intelectual: Schulz. os quadrinhos (e o cinema) apressariam o fim do romance. Crepax. se bem que a combinação imagem-texto fosse comum a ambos desde o início. No mesmo caso. Devil. Capp. Young. como síntese ou resumo. — frutos da revolução industrial.1 Contraditòriamente. a revista Mad). Gillon. além de outros ignorados.. Kelly. Mas está errado ao enquadrar todo o quadrinho. criando uma nova arte — ou um novo tipo de literatura (cf.) os quadrinhos procurariam conquistar para si uma técnica cinematográfica de narrar a estória. e da literatura. Foster terminaria por 1 As relações entre cinema e quadrinhos — artes que nasceram simultaneamente 45 . Copi. Feiffer. Foster. Al Capp. Gould.Capítulo V A tradição literária: de Ferdinando aos quadrinhos brasileiros McLuhan está certo quando afirma que a era pictórica do consumo morreu. Seu relacionamento com a televisão seria posterior — o esquema literário que os alimentavam culturalmente seria modificado. Somente com Foster (adotando plongés. Contudo. sendo substituída pela era icônica. são realmente calcados em imagens imprecisas. McManus. Os quadrinhos nasceram dentro do jornal — que abalava (e abala) a mentalidade linear dos literatos. Raymond. Dickens. Alain Resnais: “O que sei sobre o cinema. e do satírico à metalinguagem. Baixa informação. — enquanto prestam homenagens arqueológicas aos velhos clássicos (os álbuns luxuosos. de Ruy Castro). Pogo. bem antes do cinema. Ferdinando vai do existencial ao político. E. C. “A imprensa serve de pista para os quadrinhos e estes servem de pista para a compreensão da imagem da TV”: McLuhan sabe a medida das relações & colocações exatas. E alta informação literária encontramos naqueles autores voltados para uma problemática do existencial. tendem ao menos literário e ao mais participacional — não apenas no sentido de baixa informação visual. tanto nos quadrinhos como na tela. em primeiro lugar. de Tarzan. inter-relacionados de modo dinâmico. Capitão América. Assim. Da mesma forma a côr: eles sabem utilizá-la para fins dramáticos” (in Os quadrados contra os quadrinhos. forjando-as historicamente. Ou. em segundo lugar. pior ainda. Ferdinando. Voltaire. entre outros (Robert Benayoun). A interrelação nos dois pólos apontados é grande. com o avanço tecnológico da imprensa. sentida de maneira direta: Al Capp — exemplo mais conhecido — tem sido comparado a Mark Twain. Flash Gordon etc). Seu erro fundamental consiste em ver nos meios de comunicação extensões físicas (ou psíquicas) do homem. quando presentificados através da verdadeira dimensão estético-informacional: alta informação literária nos autores lineares. eles utilizaram o scopc e sempre puderam mudar de formato. eu o aprendi tanto no cinema como nos quadrinhos. muitas vezes. Nesta complexidade dialèticamente estruturada. baixa informação literária nos autores que exploram a metalinguagem e todos os elementos criativos dos quadrinhos. do trágico: psicologia. O quadro abaixo tem uma mera pretensão didática. A tradição literária nos quadrinhos é. os quadrinhos explodem a tipografia e. Para completar. desligadas da economia e da realidade social. em offset. do político ao satírico. Hosob idênticos impactos sociais e tecnológicos — sempre foram estreitas. não permitindo que compartimentos estanques sejam formados — e um interrelacionamento se verifica no interior das duas fórmulas. As regras de decupagem e montagem são as mesmas. 46 . um problema cultural. nos autores voltados para a fantasia e o poemático: grafia. B. em especial entre desenho animado e quadrinhos. Swift. a influência literária nos cartoonists é. discursivos.ser um dos autores menos cinematográficos: os seus planos são antes composições isoladas do que criação-em-movimento de novos quadros. um problema lingüístico. não sendo de modo algum rigoroso nas colocações: QUADRINHOS: EXTENSÃO LITERÁRIA existencial: Peanuts. Mais precisamente. Gato Félix. as estórias de Feiffer. política: Ferdinando. Nick Holmes. Pererê. Tínhamos de escrever a estória de madrugada. poética: Os náufragos do tempo (Valherbe & Gillon). Brucutu. fantástica: Little Nemo. na totalidade. desenhar de manhã e vender de tarde. Saga de Xam. Pimentinha. Lucky Luke. Tarzan. Mafalda. Astérix. os comix. não acreditavam que o público aceitasse as estórias brasileiras. Charlie Chan. Mafalda. Sonhos e delírios (Silas [McCay]). Mafalda. Recruta Zero. Popeye. o Mirim. The Spirit. Lone Sloane. Mandrake. Pafúncio e Marocas. Agente Secreto X-9. trágica: Versus. as estórias de Moebius. satírica: Ferdinando. lançada em 1960. uma tentativa de cooperativa que compreendesse os autores & desenhistas nacionais. Jaguar (Chopnics). os autores nacionais estão vinculados ao humor festivo da imprensa diária ou semanal: Ziraldo (The super-mãe). Não acreditavam também que os desenhistas brasileiros agüentassem manter a 47 . Brick Bradford. Pois aqui reside o núcleo centralizador de um problema profissional que a todos envolve: — No começo foi duro. Seraphina. Surmenage (W. Os quadrinhos brasileiros. Aninha. Tarzan (Hogatth). quer pela nossa formação bacharelística. inclusive. Jodelle. Moebius. Feiffer. Barbarella. Sesinho etc.mem-Aranha. Pogo. Além disso. Pafúncio e Marocas. Buck Rogers. Namor. se prendem à tradição literária. Quarteto Fantástico. Peanuts. épica: Flash Gordon. Krazy Kat. assim como publicações que formaram a cultura dos quadrinhos entre nós: o Suplemento Juvenil. Os jornais. quebrar o tabu da estória em quadrinhos brasileira. Little Nemo. Houve. Fantasma. Antes tivéramos revistas não especializadas: O Tico-Tico. Valentina. na época do Saci-Pererê. Pererê. barrôca: Flash Gordon. surrealista: Krazy Kat. C. de Adolfo Aizen. foi um marco instaurador. O Guri. Oskar Andersson. as estórias de Antônio Rubino. Pogo. Tintim. Doti e Dito. Henfil (Os dois fradinhos). policial: Dick Tracy. A experiência do Saci-Pererê (Ziraldo). B. a revista Mad. as estórias de Oskar Andersson. Com raras exceções. sentimental: Julieta Jones. Little Nemo. doméstica: Belinda e Alarico. os diretores de jornais. O Globo Juvenil. editada durante quatro anos. as estórias de terror. Feiffer. Colt. Príncipe Valente. Super-Homem. o Gibi. o Lobinho. as estórias de Copi. Os Zeróis. Reizinho. Horácio. quer pela rotineira literatice de nossa vivência intelectual. Wood). Henfil conseguiu criar uma boa estória baseada em motivações futebolísticas. está cada vez mais popular. Cebolinha. Walt Disney). mas também a inglesa e algumas francesas. já no Jornal dos Sports. à luz da Teoria científica da História. Cebolinha) — eis Maurício de Souza. E Maurício — criador de Mônica. com penetrações na propaganda. em maior ou menor escala. O problema se torna político.estória no jornal. e depois do fenômeno d’0 Pasquim. as econômicas. foi fundado em 1912 por William Randolph Hearts. Bidu. Ora. na televisão etc. o pessoal dizia que só aceitava estória americana. enquanto isso qualquer desenhista profissionalmente bom vai sentar à prancheta e desenhar uma tira que custa um homem-hora duas ou três vezes mais. 48 . com Os fradinhos. Fatalmente êle vai vender para um só jornal porque não temos distribuidoras nem sindicatos nos moldes dos sindicatos americanos. Chico Bento. “Quando houver mais equipes e mais condições provavelmente vai haver mais desenhistas de histórias em quadrinhos no Brasil e alguns excelentes estão no forno para sair” (Maurício de Souza). Penadinho. 2 O “Heart’s International Feature Service” — atual “King Features Syndicate”. 3 Cumpre salientar que Henfil. sem ser simplista (cf. passando pela paulista Ciça e o carioca Vagn — que completam o quadro geral dos quadrinhos brasileiros: as perspectivas que possam encerrar. A tira de jornal está custando apenas um dólar. — A estória estrangeira. Horácio.3 Existem outros autores — do paranaense Fernando Ikoma ao norte-riograndense Falves Silva (ainda inédito). Em alguns lugares onde eu não me identificava.2 Estas declarações são de Maurício de Souza (Revista Vozes / julho de 1969): antes das vertentes criativas. chega aqui a preço de banana. Aliás. Floquinho — parece ser um artista consciente de seu papel: hoje é o autor mais divulgado do Brasil. Desenho simples. não só a americana. Magali. Mônica) e a metalinguagem (Penadinho. atingindo às vezes o humor puramente visual (Zé Munheca). estão ligadas à própria transformação da nossa sociedade. — o primeiro grande sindicato americano. Zé Munheca. o lirismo (Horácio. poéticos. previne: “. literária e artisticamente. esforços artísticos tão diversificados. de um Rembrandt.. desde os ambientes palaciais e católicos até os burgueses e protestantes. não há nenhuma necessidade interna”. que. todavia. Read acentua os “volumes psicológicos” (Roger Fry) da arte barroca. de um Poussin marcam os diversos caminhos do barroco.. de um Caravaggio. e onde quer que esse movimento tenha chegado. a luxúria de fantasias fascinantes”. e que continuam ou ultrapassam as conquistas estéticas do renascimento e do maneirismo. já definem a essencialidade ontológica do barroco. os quais surgem em formas tão variadas nos diferentes países e esferas culturais. o barroco compreende . A arte de um Rubens. sentimentais. existe uma oportuna colocação crítica de Hauser. Read acrescenta no mesmo livro (O significado da arte): “Tornou-se a arte de contra-reforma. Neste sentido. caprichoso e extraordinário são palavras que. de figuras en repoussoir constituem a profundidade espacial do barroco...Capítulo VI A expressão barroca: Tarzan e Flash Gordon O emprego de grandiosos primeiros planos. desde que não levada às conseqüências dogmáticas: “Uma mudança estilística só pode ser condicionada de fora. agora liberto das cadeias do classicismo. da diminuição em perspectiva dos temas secundários. Sobre o barroco. que parece duvidosa a possibilidade de reduzi-los a um denominador comum”. segundo a visão sociológica de Arnold Hauser.. nada mais natural do que O enfoque critico de Herbert Read completa Hauser: estranho.. em suas tendências mais diversas. per si. de um Bernini. que se aproximaria da arte nórdica. socialmente válidos. 1 49 .1 E já que encontramos no mundo encantado das aventuras quadrinizadas marcantes acontecimentos existenciais. de feitura dinâmica. e já que muitos de seus criadores tiveram uma aprendizado clássico. fantásticos. tornou-se o estilo dominante e permitiu ao espírito humano. surrealistas. Estes traços barrocos vamos encontrá-los principalmente no Tarzan de Burne Hogarth e no Flash Gordon de Alex Raymond. 213. 7. com a fantasia predominando na década dos 30. lançado em 1929. conseqüência da crise vivida pelo capitalismo. e assim permanecerão através dos tempos. 30 trimestre 1968).3 A citação de Miguel Ângelo não é gratuita: o espaço dramático criado por Hogarth remete-nos tanto ao famoso artista quanto ao barroco. Suas imagens — lembrando às vezes a leveza de antigas gravuras nipônicas — permanecem ciássicas. publicada em Bande dessinée et figuration narrative. eu buscava uma animação total da página. desertos). 1940/41. Não exageramos em afirmar que Hogarth é um dos maiores artistas barrocos do nosso século — aproximando-se bastante do idealismo — e uma das maiores expressões estilísticas dos quadrinhos. Tarzan e os bárbaros. 1949. Mas. de uma carta inédita. através de cada página dominical. nas melhores séries2. 1949/50. O último. 1944/45. Mas o olho do leitor é a côr definitiva. é pela vontade de criar a confusão no espaço. É sabido que Hogarth iniciou o seu Tarzan inspirado no de Foster. Tarzan e os aventureiros. mestres do cinema). crateras de vulcões. 3 Os três primeiros tópicos são extraídos da entrevista de Burne Hogarth a Eric Leguebe (Phénix n. Tarzan contra os nazistas. porém unidos por um grandioso esquema único. Tarzan e os Ononoës. Deixemos que o próprio Hogarth nos revele a técnica narrativa trabalhada — ou a preocupação diante do espaço: — Se minhas cidades estão situadas em lugares excepcionais (grutas.encontrar — aqui e ali — traços barrocos em desenhos & temas. — É preciso procurar o equilíbrio de imagem em imagem. 1942. dividido em painéis distintos. quer no geometrismo dos enquadramentos (que têm a mesma força expressional dos enquadramentos de Eisenstein e Antonioni. quer nos planos centrados em exatas espirais. 2 Tarzan e os povos do mar e do fogo. quer no rigor e vigor da composição plástica e do planejamento visual da página. É preciso suprimir o espaço entre cada desenho para que a página constitua um só quadro. — A côr inventada não pode ser concebida senão em função da reprodução sobre a prancha. 50 . Não se trata de uma mudança estilística caracterizada: o que ocorre é uma mudança de gêneros. que foi o primeiro Tarzan dos quadrinhos. — Apesar das divisões entre as imagens. como o tinha feito Miguel Ângelo no teto da Sixtina. p. a plenitude hogarthiana seria alcançada em admirável síntese & intensidade estética. belo tipo humano de altas virtudes morais. resultando algumas ocasiões numa forma acabada de totalitarismo político (a ditadura de Ming). como querem os seus críticos mais modernos. Estudando a(s) sociedade(s) de Mongo. Edouard François verifica — com acerto — que ao lado de um excelente armazenamento de construções e dados tecnológicos. sob as águas do oceano. conforme observaram Pierre Couperie e Edouard François. — “Flash Gordon é o que se pode chamar facilmente um herói de coração puro. d) o delírio poético. de surpresas as mais ilógicas. democrata. poder-se-ia dizer que é às vezes Príncipe Valente e Wilson.4 Science-fantasy ou science-fiction. a criação de Alex Raymond5 investe nos mais puros domínios da epopéia e da mitologia. o modo de vida política que lhe pareça o melhor. lutando sozinho contra a tirania. um certo orientalismo. Agente Secreto X-9 e Rip Kirby (Nick Holmes). c) a viagem. move-se este universo povoado — no planeta Mongo — de seres estranhos e temíveis. É na fase barroca — onde se situam os antológicos episódios dos torneios da morte e de Coralia. b) a máquina. a cidade submarina — que o universo formal e temático de Alex Raymond adquire maior amplitude. igualmente voltada para as vertentes criativas do barroco. querendo a todo preço levar aos demais. 4 51 . Mas não só do barroco. presente no décor e nas situações as mais imprevisíveis. e até mesmo impor. que dinamiza o tema. Francis Lacassin aponta quatro fontes de inspiração para a science-fiction.Em Flash Gordon encontramos outra dimensão estética. Não é difícil descobrir aí o mundo da cavalaria medieval. Pierre Couperie detecta três épocas no estilo raymondiano: a barroca (1934-1937). cavalheiresco e democrata” (Couperie & François). êle é também um americano típico. encontradas no Flash Gordon & congêneres: a) o herói. a influência dos grandes amores clássicos (Tristão e Isolda). pelo movimento e formas capazes de redimensionar esteticamente o desenho. Entre a science-fiction e a science-fantasy. no Flash Gordon de Raymond. acham-se uma esO delírio poético. 5 Raymond seria ainda o autor de Jim la jungle. cujo comportamento moral e psicológico termina por orientar todo o enredo. Além do mais — e este é um dado significativo para a sociologia dos quadrinhos. pode ser sentido especialmente no episódio de Coralia: o expressionismo do décor. a idealista (1938-1940) e a maneirista (1940-1944). sobretudo em face de opressões. — o Tarzan de Hogarth nos parece mais inventivo. pela necessidade da fantasia alienante. sobre a II Guerra Mundial e o “perigo vermelho”.trutura social próxima dos tempos romanos e — pelos títulos nobiliárquicos e pela vestimenta — instituições que lembram a Idade Média. Estruturalmente mais dinâmico — pelo que representavam as imagens e a diagramação da página. ou melhor. pela necessidade de salvar a democracia ocidental e cristã das ameaças orientais e pagãs. Dos 30. 52 . dos 40. No dia 29 de junho de 1941 Flash Gordon. norte-americanas. Saliente-se: os dois autores mais barrocos dos quadrinhos são também os mais cristalinos. Dale e Zarkov retornam à terra. humano. clássico. Sem dúvida. sob o ponto de vista clássico. a complexidade do universo raymondiano está implicitamente ligada à ideologia norte-americana dos anos 30 e 40. após serem captadas em Mongo radioemissões terrestres. grandioso. As constantes elipses provêm dos cortes. Daí por que o estudo exaustivo cujo resultado vem em seguida. Rio Gráfica. cujo “pisca-pisca mental” (Ruy Castro) lembra os cortes espácio-temporais de Lee Falk. limitando-se à hipnose. antes façamos duas ou três observações: Mandrake foi criado em 1934 por Lee Falk (argumento) e Phil Davis (desenho). Se verificarmos que os Estados Unidos viviam emocionalmente sob o impacto da crise de 29. Por isso. mundos tão distantes e fantasiosos. E se os cortes temporais — ensejando algumas notáveis elipses — são comuns em Falk & demais. s/d [1969]). E mais: os quadrinhos — por intermédio dos melhores cartoonists — conseguem vencer todas as barreiras de tempo e espaço. Capitão 53 . os espácio-temporais são raros. 154. Batman. Contudo. “O Rapto de Nardraka” (Mandrake n. heróis tão invencíveis: Flash Gordon (1933). então. Só depois de algum tempo foram restringidos. um dos momentos capitais do cinema. nos parece uma obra de singular importância. Brick Bradford (1934). Dick Tracy) para realizar Marienbad. enquanto seu labirinto plástico’ nos remete a Chester Gould. como o corte é importante para o ritmo. em capítulo anterior. Fantasma (1936). muito maiores.Capítulo VII O corte espácio-temporal: Mandrake Já vimos. Note-se que Ferdinando data dessa época (1934). Mandrake (1934). Um pouco depois — sob o nazismo — apareceriam Super-homem. seja estabelecendo novas realidades psicológicas e sociais. Não foi por mera casualidade que Alain Resnais se inspirou na estrutura dos comics (Mandrake. em cores. compreenderemos por que os comics descobriam caminhos tão mirabolantes. de Falk & Fredericks. seja utilizando surpreendentes cortes. Os seus podêres eram. precisos ou não. à estrutura de O rapto de Nardraka: Total de páginas: 48 quadros: 229 (57 panorâmicos) planos circulares (diafragmas) dentro do quadro: 13 planos justapostos: 12 ruídos: 3 balões c/ texto: 426 balões c/ interrogações e/ou exclamações: 33 cortes: 101 (temporais: 4 / espácio-temporais: 8 / espaciais: 89) Informação principal: Nardraka. não haverá possibilidades para ela ingressar na Federação Galáxica. do planeta Magna. . em troca de mil planetas habitados. Passemos. não utilizando sequer seus podêres hipnóticos. o que representaria um avanço de séculos para as nossas ciências. enquanto a frota invasora dos babus é destruída pelo esquadrão de Magnon. na presença de Mandrake e Narda: “Ela se chamará Nardraka em homenagem a vocês”. 54 .Marvel. agora. Informações redundantes (pela repetição do texto): Magnon. quadros 9 e 33 — É dada a notícia do rapto (campo e contra-campo). imperador da Galáxia Central — 6 vezes. seres antropófagos de outra galáxia. . Capitão América. Levada para a Terra. Informações secundárias: . Informações repetidas: quadros 5 e 10 — Magnon. termina salvando-se por seus próprios meios.Enquanto não houver paz na Terra.Mandrake é um mero espectador do drama. filha de Magnon. A cultura de Magna está 50 mil anos à frente da nossa — três vezes. é raptada pelos babus.Nardraka provém de uma cultura 50 mil anos à frente da nossa. e afilhada de Mandrake e Narda. Época: atual. quando não são soldados ou escravos.8 corte por página. de acordo com o desenvolvimento das cenas e seqüências: 1a parte: Enquanto em Xanadu (Terra. Um corte para 1. Um corte para 2.2 quadros / 2 cortes por página. b) 8 quadros / 1 corte / 1. Estados Unidos) Mandrake e Narda conversam sobre o distante planeta Magna. Cerco aos babus. 86 quadros / 33 cortes / 18 páginas. As condições: mil planetas habitados pela vida de Nardraka.1 cortes por página. para onde se dirigem dois babus e a garota. os habitantes de Magna. Esquema estrutural Dividimos O rapto de Nardraka em cinco partes. os babus são indefinidos. Nardraka foge da nave. A Terra como esconderijo.4 quadro / 3. (Presente e futuro). 2a parte: A notícia do rapto é transmitida a um milhão de planetas. após um ataque frustrado dos babus. 33 quadros / 23 cortes / 7 páginas. quando sozinha. 80 quadros / 35 cortes / 17 páginas. A destacar as reações psíquicas de Nardraka (6 anos. Os babus. enquanto — em pleno espaço sideral — são definitivamente derrotados (c). à realeza. (Passado e presente se fundem num só tempo). Nardraka comunica-se tridimensionalmente com o pai. explorando a Terra. Um corte para 8 quadros / 0.5 quadros / 1. a) 6 quadros / 6 cortes / 1 página.5 página. Um corte para 2. 4a parte: O clímax da narrativa: nas proximidades de Júpiter trava-se a batalha decisiva entre a esquadra de Magnon e a dos babus (a). A busca. 3a parte: Mandrake é avisado por Magnon. aonde foram os padrinhos de Nardraka. socialmente. Da nave inimiga. uma ação paralela se desenvolve no referido planeta: Nardraka é raptada. 55 . Um corte por quadro / 6 cortes por página. aproximadamente). na Terra os dois inimigos são capturados (b). são perseguidos.6 corte por página.Tipologia: os terrestres focalizados pertencem à classe média e dirigente (policial). Nardraka encontra Mandrake. excessiva. Em suma. que conduzem psicologicamente o leitor para o desfecho). O rapto de Nardraka é uma das mais significativas estórias da dupla Falk & Fredericks. o presente e — num caso — o futuro. colocada no final. então: a) o caráter linear da narrativa: um princípio nervoso (a imprevisibilidade diante dos cortes espácio-temporais).3 página. Um corte por quadro / 6 cortes por página. Narda (45). 14 quadros / corte final / 3 páginas. Nardraka parte com o pai. 5a parte: Magnon e seu alto comando projetam-se materialmente até Xanadu. ao contrário da dialogação. resultam numa obra literária. c) o emprego funcional dos cortes e uma montagem simultânea: cenas intercaladas entre a Terra (Xanadu ou a cidade). inclusive pela presença em cena: Nardraka (82 vezes). Um corte para 14 quadros / 0. um clímax (os planos rápidos de guerra no espaço. 56 . Considerações Algumas evidências despontam. embora de alta temperatura informacional. Magna e o espaço. d) a problemática pacifista.c) 2 quadros / 2 cortes / 0. f) o caráter reacionário do suporte temático: embora Magna seja um planeta altamente desenvolvido tecnologicamente. intercalados por uma longa seqüência na Terra). o final. b) os poucos ruídos empregados. Magnon (68). além de algumas informações redundantes. Mandrake (59). apresenta uma caracterização política (realeza) de superado nível cultural. Lotar (19). Magnon rejeita o apelo de Mandrake para a Terra participar da Federação Galáxica. sem que esta discrepância social mereça um enfoque crítico.3 corte por página. e) Mandrake como personagem secundário. Carola (26). um meio cadenciado (suspense e expectativa. igualmente se intercalam o passado. já são vanguarda se encarados dentro da perspectiva feroz do consumo. Hoje. Crepax. Pellaert. como organismo vivo e atuante. O que dizer. forjando novas realidades informacionais na luta pela lógica do consumo. recriações ao nível do kitsch ou da crítica. É preciso caracterizar o problema da vanguarda nos (e dos) quadrinhos: a) por vanguarda entendemos a criação de novas linguagens — a partir de uma totalidade cultural. do teatro e da literatura (prosa/poesia). também o foi. Alex Raymond. — sob o programa do experimentalismo crítico (consciente). foi vanguarda. Winsor McCay. o jornal. com o Little Nemo (1905). Todavia. com o Flash Gordon (1933). (Já a arquitetura faz parte de um contexto especial: a exploração do ambiente como metacomunicação). Bianconi. ao fazermos um corte criativo em sua própria linguagem. donde: b) torna-se fundamental evitar a redundância — daí o contra-esti57 .Capítulo VIII Explosão criativa: as vanguardas “Toda a arte do nosso tempo é arte de vanguarda”. detectaremos a existência de acadêmicos e impulsionadores de novas formas expressionais. assegura Décio Pignatari. as artes plásticas e o poema são vanguardas que funcionam como matrizes para serem consumidas através de versões móveis e manipuláveis. o rádio e a música são vanguardas das classes populares. Entendemos tal afirmativa como uma jogada tática: enquanto os quadrinhos. artes essencialmente caducas para a realidade mosaica do nosso tempo? E o que dizer de certos artistas que ainda permanecem pintores e literatos? Os quadrinhos em si. novos nomes despontam: Devil. porém. o cinema. a televisão. Crepax — Nêutron. na tentativa (pelo menos) de renovarem os pilares estruturais dos comics. um dado bastante embaraçoso para uma possível vanguarda nos quadrinhos: desde que o consumo impõe soluções estilísticas redundantes. tal redundância implica no aprofundamento de situações e personagens: Umberto Eco exemplifica com os Peanuts. elétricas. nas estórias em quadrinhos chamadas de aventura: — “a estrutura repetitiva é freqüentemente disfarçada por uma aparência de estória que se expande irreversivelmente no tempo” (Umberto Eco). constante em todas as estórias em quadrinhos de fundo cômico. isto é. no estilo realista de Foster. são baseadas sobre uma série contínua de repetições e variações do tema fundamental. é desmistificar a obra de arte. Cria-se. de Schulz. Crepax e Pellaert realmente nos trazem informações novas? O que virá depois de Saga de Xam. Acontece o contrário disso nas estórias em quadrinhos chamadas pelos anglo-saxões serious comics — ou seja. Valentina — repete-se em La Calata di Mac Similiano. no estilo poético de Schulz. hoje. este “escândalo visual” (J. como no poema/ processo. inspirada na pop-art. demográficas. Não é possível encontrar nestes autores & estilos a marca de um processo em progresso — a informação nova: ou o contra-estilo das vanguardas. Marny)? Pellaert repetiu-se com Pravda. Em muitos casos. camusiano. a maior parte das estórias em quadrinhos apresenta exatamente uma natureza repetitiva: isto é. E já que vivemos a época das explosões — atômicas. assim como falamos num estilo fordiano. menos “cinematográfico”. Belinda.lo: estratégia de soluções. após as cores e onomatopéias esfusiantes de Jodelle. etc. Ora. assim. sonoras. os quadrinhos são a desmistificação da literatura (prosa/poesia). Assim sendo: explosão gráfica: Saga de Xam (Devil) explosão onomatopaica: Jodelle (Pellaert & Bartier) explosão dos cortes: Valentina (Crepax) 58 . kafkiano. — apontemos aquelas que alimentam os autores & obras. O principal papel do vanguardista. antes centralizando a problemática do consumo como “um salto sobre o enigma” (Wlademir Dias-Pino): controlar as esfinges da comunicação — ou seja. Esta estrutura repetitiva é absoluta. a própria idéia de vanguarda como imprevisibilidade entra em contradição com a sua ossatura quantitativa. Neste sentido. Falamos no estilo satírico de Capp. c) a importância dos projetos e versões (opções criativas). bressoniano. controlar o aleatório. Será que Devil. sabe-se que os quadrinhos sempre foram marcados por uma estrutura repetitiva: “Com efeito. impregnada muitas vezes de um texto abundante e subliterário.implosão dos balões: Il conte di piombo (Hector Sapia) explosão do encadeamento visual: Tribuna Política (Bianconi). Verushka. a art-nouveau e o naturalismo desenvolve-se o desenho de Devil. panorâmicos (22X 9. que se impõe Saga de Xam. Nas duas primeiras páginas e nas 30 últimas (excetuando-se uma) os quadros se dissolvem: os limites formais são substituídos pela imaginação do autor. Johnson. Saga de Xam merece ainda duas considerações: 59 . John Lennon. com toda a certeza. Um dos quadros ocupa toda uma página: 22 X 30. detenhamo-nos em: Saga de Xam (de Nicolas Devil. nem pelo desenho (cujo valor para a vanguarda é relativo). Xam é um planeta habitado exclusivamente por mulheres. etc. e) o emprego de retículas e o clima gráfico-visual de vários momentos. se vê impotente para deter as ameaças de forças invasoras extragalácticas. apesar de sua espantosa evolução tecnológica. principalmente os iniciais e os finais. ou ainda triangulares. b) o mencionado redemoinho espácio-temporal-visual: de Xam para a Idade Média terrestre. Antes de mais nada. de Shangai para Xam.2). contudo. Os planos podem ser pequenos (3. da pré-história para o Egito dos faraós. circulares. c) a criação de um novo alfabeto. uma das obras mais fascinantes da atualidade. no fim. codificado. uma obra sofisticada. (Neste particular. o alfabeto de Devil não tem a objetividade racionalizante dos alfabismos do poeta/processo Álvaro de Sá). Entre o surrealismo. Barbarella.2 X 3. de Xam para o delírio final na Terra. sob um culto divino tridimensional dominando uma sociedade epicuriana.4 X 30). f) a destacar. a Grande Senhora designa Saga em missão à distante Terra. cujos segredos poderiam conter a chave da vitória. estruturando novos enquadramentos. Saga atinge a Terra em plena época das cruzadas. Mas não é pelo texto.8 / 22 X 14) ou verticalizados (2. Em sua espaçonave de luz (“informação pura”). como personagens ou figuras periféricas: Jodelle. A obra de Devil se impõe por: a) a renovação dos planos. explodindo nos poemas visuais do fim. Por ser de todas a mais polêmica. baseado em cenário de Jean Rollin/1967) é. do Egito para Shangai/1880. e que. A partir daí começam as aventuras de Saga através de um verdadeiro redemoinho espácio-temporal-visual. da Idade Média para a pré-história.8 X 9 / 13. Para salvar a raça xamiana. da liberdade e do amor. d) a apologia — embora confusa — da paz. 2) a sua maior importância. ao nível do poema. outros criadores se destacam: Alessandrini. por sua vez. Ou. igualmente artista plástico e programador visual. que procuram desenvolver uma dada situação através de um humor crítico. do cinema. Caza. em vanguarda do consumo. Talvez seja necessário situá-lo na área das artes plásticas e do poema. da música eletroa-cústica — devido justamente à globalidade estrutural que encerra. Rosy. Além de Devil. (Desconhecemos Raphael Silvestri. das artes plásticas. Pellaert. onde a televisão é a principal satirizada). autor de Bisex). 60 . Sapia e Bianconi (cujas TVs apresentaram curioso elemento novo: minúsculos quadros — 2. — mas é possível falar em vanguarda dos quadrinhos. porém. Crepax. É provável que não se possa falar em vanguarda nos quadrinhos. reside nas possibilidades de renovação estrutural para os quadrinhos. Forlani. Jodelle e outros — contraria a própria essência dos comics: o consumo. então. de McCay a Devil. aliás. iria influenciar novas formas de manifestações artísticas. Siò. que.2 X 2. sem legendas. — 77 por página.2.1) por ser um álbum luxuoso — como. Metalinguagem é a crítica exercida sobre o produto artístico ou científico (linguagem-objeto). na importante obra “Eléments de sémiologie”. Há outros níveis de grande importância. Como diz Roland Barthes. . profeta oficial de Brejo Seco / Recordar é viver / Al Capp — 1948). De modo mais abrangente. Este livro é metalinguagem. ou ainda. Barthes coloca o problema da metalinguagem: “. forçosamente artificial. a metalinguagem é a linguagem. 3) a linguagem-objeto como exploração planificada dos próprios 61 . é constituído por um sistema de significação. ao nível do enfoque dado por Barthes e demais estruturalistas. “a linguagem-objeto é a própria matéria submetida à investigação lógica. êle próprio.Capítulo IX Metalinguagem / metaquadrinhos -me! — VOCÊS AÍ! Parem de ler esta história: larguem a revista e ouçam- (Velho Moisés. evidenciamos quatro: 1) metalinguagem da linguagem-objeto: a crítica. . na qual se procede esta investigação”. 2) linguagem-objeto como metalinguagem: a autocrítica-reflexão do produto (objeto) sobre a sua essencialidade ontológica. Alice Pesadelo. é um sistema onde o plano do conteúdo. uma semiótica que trata de uma semiótica”. sobre uma reportagem de jornal (“As histórias em quadrinhos são boas ou más?”): — Ora! Não são nem boas nem más! São histórias em quadrinhos! (Que vida! / Al Capp). mas pode também ter outros níveis semióticos. Ao todo. visualizados através das notas musicais. mas tão feio (Lena. — em seu piano infantil o beethoveniano Schroeder consegue ordenar sons melodiosos. O exemplado metalingüístico nos quadrinhos é extenso. no segundo. signos visuais. — além do mencionado exemplo. pedra-de-toque das principais vanguardas poéticas. Nos exemplos alcappianos citados temos. — as notas musicais. — as interrogações são usadas como ganchos para a escalada de muros. o Gato Félix tenta prender a estátua de João Triste. tem mais uma vez em Al Capp notável configuração: em Lower Slobbovia. justo. enquanto o cão Snoopy só registra as marcas de suas patas (Peanuts). especialmente por Ferdinando. — o General Trovoada. a pedido do herói. em qualquer um dos quatro níveis: — o metabalão de Gennaux. ou seja: a crítica como criação da crítica. no primeiro. servem de escada (e arma) para o Gato Félix.signos que a constituem. Aliás. existe um personagem tão feio. reflexão sobre a sua essencialidade. uma das maiores fortunas do mundo. 62 . e que é uma paródia às aventuras policiais de Dick Tracy. o nome do criador de Fearless Fosdick — adquirindo. Al Capp atinge o cerne do problema metalingüístico com o Fearless Fosdick (Joe Cometa). 4) a linguagem-objeto que se completa com a participação direta ou indireta do consumidor ou autor. o leitor de Ferdinando transforma-se no próprio Ferdinando. o herói dos quadrinhos preferido pelos brejo-sequenses. escrito após a II Guerra Mundial. a exigência de uma participação do consumidor. em muitas estórias de Al Capp. Assim. onomatopéia da velocidade. o Fearless Fosdick é metalinguagem sobre a metalinguagem. autonomia ficcional. Lester Gooch é. apagando o sinal de estacionamento proibido. então. A participação do consumidor — hoje. — o autor (Hergé) participa do entrecho. em Les grands moyens. Linguagem-objeto dentro da linguagem-objeto. a Hiena). em O Gato Félix. e colocando em pânico os seus milhões de leitores (em Al Capp). em Ballons d’essai. que êle se sente incapaz de desenhá-lo. — com os “oo” de zoom. reservando para si o privilégio da estória. rapta Lester Gooch e adquire os direitos da série Fearless Fosdick. evitando a multa. O público. é convocado para tal fim: mais de um milhão de desenhos são endereçados a Capp. saboreando as divertidas aventuras de Joe Cometa. — em Surmenage. é “engolido” pelo fantástico mundo que êle mesmo criara. que o Gonçalo morreu de medo. e “se não fosse a côr. 63 . — Cebolinha desabafando. após bater num poste e numa caixa coletora do DCT: “Não agüento mais essa ‘pelseguição’ que o desenhista tem comigo” (em Maurício de Souza). considera-se a maior heroína dos quadrinhos: “Je suis la Sarah Bernhardt de la bande dessinée!”. de Copi. — Penadinho. ou como saberiam das tendências políticas do Valtão?”. acorda Zé Finado para anunciar-lhe a boa novidade: uma página toda colorida para eles.— Theo. que o Edgar morreu de raiva. o personagem. um herói do outro mundo (de Maurício de Souza). de Wallace Wood. de Ralph Steadman. tenta salvar-se dos efeitos danosos de uma erva. O último quadro desenhado é o de sua própria morte. agarrando-se na linha superior do próprio quadro. como iriam saber que o Nico morreu de frio. autor de estórias em quadrinhos. — a velha dama. enquanto o projeto (a possibilidade concreta de se colocar diante do consumidor os dados práticos e/ou teóricos para a construção do poema) provoca as versões (opções criativas). nos quadrinhos.1 Para uma compreensão crítica mais clara do movimento. Pois enquanto tem uma estrutura própria — e só algumas vezes penetrou nos domínios dos quadrinhos. O contra1 No poema/processo só o consumo é lógica. só o consumo é lógico: a diferença é importante para a compreensão de ambos. Outras são as propostas do poema/processo: — inaugurar processos informacionais novos — fundar probabilidades criativas — lançar projetos que possibilitem versões do consumidor — criar consciência crítica para o contra-estilo — lutar por uma lógica de consumo. — a Pop-art. vejamos o quadro seguinte: A matriz (“armazenamento de soluções”) acarreta as séries (“estados gráficos sucessivos”). lançado ao mesmo tempo — em 1967 — na Guanabara e no Rio Grande do Norte. e mesmo assim de maneira recriadora. nas manifestações mais evidentes. 64 .Capítulo X Poema/processo e quadrinhos O poema/processo não está para os quadrinhos assim como a Pop-art esteve. jamais passou de um “gibi tamanho família” (Sérgio Augusto) cujos resultados são bastante discutíveis. Walter Carvalho. Frederi2 65 . da experiência poética mais criativa já extraída dos elementos contextuais dos comics.-estilo seria o coeficiente cultural da soma de matrizes e projetos elaborados. não se relacionam diretamente com o poema/processo. Anselmo Santos. em nosso entender.. “é uma verdadeira radiografia da estrutura das estórias em quadrinhos”. onde existem contradições. mas principalmente existe o compromisso básico de pesquisar novos processos informacionais. conseqüentemente.3 Destes. Não estamos De um documento recente: “O poema/processo é todo um complexo. no dizer de Wlademir Dias-Pino. Aquilles Branco. Álvaro de Sá foi o que mais se aprofundou na problemática formal dos quadrinhos. Oscar Kellner Neto. Mas outros poetas do movimento se interessam pelos quadrinhos: Hugo Mund Jr. procurando fundá-los a partir de uma realidade sócio-cultural determinada”. uma elevada voltagem criativa para as pesquisas do poema. se insere na raiz da problematicidade estético-informacional contemporânea: o vale-tudo contra as velhas estruturas X a desmistificação do objeto artístico. poetas mineiros. Aderaldo Tavares. José Arimathéa. 3 Márcio Sampaio e Sebastião Nunes. O seu livro “12X9” (1967). Ronaldo Werneck. O poema/processo. Neide Sá.2 E alguns de seus poetas procuraram estabelecer. Marco Polo. P. Sebastião Carvalho. Trata-se. Ribeiro. J. Pedro Bertolino. tomando por base crítica os quadrinhos. Foram eles: Álvaro de Sá Falves Silva Nei Leandro de Castro Alderico Leandro José Luís Serafini Marcus Vinícius de Andrade Márcio Sampaio Sebastião Nunes George Smith Dailor Varela Ronaldo Periassu José Nêumanne Pinto Eliete Ferrer Regina Coeli do Nascimento Marcos Silva Ivan Maurício Anchieta Fernandes Humberto Avellar. José Cláudio. Joaquim Branco. provocado pela interferência de triângulos e círculos Um outro exemplo de grande importância: Falves Silva. O poema de Falves é constituído de três fases: a primeira (in Processo: linguagem e comunicação. quando se processa uma metalinguagem baseada nos principais elementos formais e ideológicos dos comics (o quadro. da Equipe Mercado). co Marcos. Humberto Avellar). 2/1971. entre elas: — Marcus Vinícius de Andrade (Idolatria). que aproveita a linguagem dos quadrinhos para criticar os Estados Unidos. Carlos Medeiros. Vozes) se organiza formalmente a partir da estrutura dos quadrinhos. até o trac final. o país onde exatamente foi criada e se desenvolveu esta mesma linguagem. Ed. Dailor Varela (Scrash. Na Invenção n. Ferrer. valendo-se mais de certas onomatopéias — o buum. Moacy Cirne. críticos e poetas jovens que se voltam conscientemente para a vanguarda: questionamento dialético. o quadro puxa quadro que puxa novo quadro: cada plano contém no interior os quadros anteriores. justamente com R. Rejane Cardoso. 5 (1967). o balãozinho. Num dos poemas. América (1968). 66 .4 Realidades vivas. para terminar na comunicação direta de quadro para quadro. com América. S. Não ao não). 4 Os poetas concretos em 56/57 já apontavam a importância dos quadrinhos em artigos teóricos. Wlademir Dias-Pino. Periassu e E. a segunda projeta os dados ideológicos que explodirão. Bittencourt. Ivan Maurício. Luís Carlos Guimarães (estes dois. p. de retícula para retícula. Arabela Amarante. João Bosco Lopes. Celso Dias. 20). na terceira fase (in Revista de Cultura Vozes. Lara Lemos. C. sempre dentro do mesmo rigor estrutural. etc. na faixa do consumo e da estruturação formal — polarizam as atenções dos estudiosos. Sônia Figueiredo. de Wlademir Dias-Pino. Vicente Serejo. Os demais poetas fizeram — ou fazem — uma exploração menor das excepcionais possibilidades oferecidas pelos comics (alguns estão criando estórias: Alderico Leandro.diante da mera cópia ampliada (Pop-art): Álvaro de Sá penetra em sua metalinguagem. os heróis) e da sátira política. atuantes. a onomatopéia. o poema/processo e os quadrinhos — apesar das diferenças radiais. tivemos um poema (codificado) em quadrinhos de Ronaldo Azevedo. Moacy. Algumas notas sobre os quadrinhos. 1965. La tragédie américaine de (gulp!) Al Capp. Paris. A saga dos quadrinhos. Ruy. Editions André Balland. julho de 1969. Robert. maio-agôsto de 1968. Barthes. Castro. Editions Gonthier. Moacy. Benayoun. Walter. 67 . 1964. 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