Minha Historia Das Mulheres - Michelle Perrot

March 31, 2018 | Author: Juçara Malafronte | Category: Feminism, Ethnicity, Race & Gender, Sociology, Science, Gender


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Minha história das mulheres MICHELLE PERROT Minha história das mulheres Angela M. S. Côrrea Tradução . [tradução Angela M. 2007. Kluska Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) _________ (Câmara Brasileira do Livro. SP.editoracontexto.br www. . Os infratores serão processados na forma da lei.) Imagem de capa Claude Monet. S. Título. Michelle Minha história das mulheres / Michelle Perrot. 520 .Alto da Lapa 05083-030-São Paulo-SP PABX: (11) 3832 5838 [email protected]. 2006 Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda. 1875.409 índice para catálogo sistemático: 1. 06-8329 ____________________________________________ CDD-305.(óleo sobre tela) Capa s diagramação Gustavo S. Mulheres História I. Mulheres: História 305-409 EDITORA CONTEXTO Diretor editorial: Jaime Pinsky Rua José Elias. "Mulher com sombrinha — Madame Monet e seu filho". Título original: Mon historie des femmes Bibliografia.br 2007 Proibida a reprodução total ou parcial. Brasil) _______________________ Perrot. Côrrea].Copyright© Editions du Seuil. Mulheres — Condições sociais 2.com. ISBN 85-7244-348-7 ISBN 978-85-7244-348-7 1. Vilas Boas Revisão técnica Carla Bassanezi Pinsky Revisão Lílian Aquino Rurh M. — São Paulo : Contexto. .................. 19 As mulheres representadas: discursos e imagens .................Sumário Apresentação........... 16 A invisibilidade......... 41 As idades da vida de uma mulher ........... 24 Fontes: as mulheres nos arquivos ............................................................................................................................................................................... 49 Os cabelos............................. a barba e os cabelos .................... 13 Itinerário ......... entre selvageria e identidade ..................................... 36 O corpo........................................................................... 25 Vozes de mulheres nas bibliotecas ........................ 13 O silêncio rompido ............... 41 As aparências: os cabelos das mulheres .................................................................................................................................... 22 A avalanche das imagens ...... 33 Dos lugares para a história das mulheres ..................................... 31 Da imprensa e das mulheres ........ 52 ........................ 21 A torrente dos discursos ............................ 16 Nascimento de uma história das mulheres ................................................ 9 Carla Bassanezi Pinsky Escrever a história das mulheres .......................................................................................... 51 Diferença dos sexos e pilosidade-.......................................................................... ...............................................62 A maternidade...........................91 A proibição de saber ...... 109 Vida cotidiana .................................................... 58 Cortar os cabelos: sinal de emancipação......... 115 A dona-de-casa burguesa ................................................................................ 91 As mudanças contemporâneas .............................................................................................................................................................................................................................. 118 Operárias ........................................... 117 O trabalho doméstico mudou? ................... 109 As camponesas .......... de 1920 a 1930................................................................... 96 A vida de artista ........................... 83 Hereges e feiticeiras ....................... exibição e símbolo da feminilidade: representações e imagens .... 87 O acesso ao saber ........ 121 ......................... 114 A dona-de-casa dos meios operários .............................................. 56 Cobrir............... 94 Mulheres e criação: escrever ............................. 111 Mudanças na vida dos campos e das mulheres ............................................... enfeitar ou pentear os cabelos: instrumento de sedução .................................................................................................................................................................................................................... 6l O sexo das mulheres ...... 101 O trabalho das mulheres ........................................................... 113 O trabalho doméstico .............................................................. 54 Esconder os cabelos das mulheres: a longa história do véu..................................................................... 119 Nas fabricas .............................. 83 Mulheres e religião ............................ 68 Corpos subjugados..................................................... 76 A alma ........... 119 Operárias da costura .................................................Os cabelos... Os Anos Loucos....................................59 Tosquiar as mulheres.. 116 Empregadas domésticas .................................................................................................................................... ... enfermeiras........................................................................................... 171 Livros disponíveis em português ..................................................................................... secretárias...... 153 E agora? ......... 189 A autora .................................................................................... 135 As mulheres no tempo da história ...............................................................................As novas profissões do setor terciário: vendedoras............................ professoras primárias ..... 151 Feminismos .... 128 Mulheres na Cidade.. 165 Bibliografia....................... 135 Mulheres em movimento: migrações e viagens ......................................................... enfermeiras e outras ................................................. 123 Vendedoras.................................................................... 124 Professoras................................................................................... 141 As formas da ação coletiva ...................................................... 146 A política: a Cidade proibida .. 191 ........... 126 Atrizes ........................................................................ secretárias..................................................... na verdade. para um público de não-especialistas. "resumo inteligente da história das mulheres". tem vários livros publicados e traduzidos em diversos países e línguas. Agora. Para essa historiadora séria e competente. já que fala também da relação com os homens. "sensível e pessoal como uma boa conversa ao pé do fogo". a série radiofônica sintetizou. Mundialmente conhecida. o conteúdo de mais de trinta anos de pesquisas e reflexões acadêmicas sobre as mulheres.Apresentação Carla Bassanezi Pinsky A historiadora Michelle Perrot é uma das mais importantes pesquisadoras da história das mulheres. da sociedade. Ao denominá-la Minha história das mulheres. do poder. onde conquistou muitos admiradores. por meio da louvável iniciativa da Editora Contexto. das crianças. da sexualidade. ao mesmo tempo mostra como essa história é de todas as mulheres. . "traduziu" e divulgou com clareza e entusiasmo. ganhou nas páginas da imprensa francesa elogios como: "texto apaixonante". Significa também. da família. destacar as mulheres significa verificar que elas têm uma história. Mas nenhum outro livro seu é tão acessível e tão instigante quanto este. das classes sociais. de todos nós. a obra chega aos leitores brasileiros. Publicada em livro. inclusive no Brasil. "bela idéia". alcançando uma audiência extraordinária. das representações de masculino e feminino. Transmitida pela Rádio France Culture na voz da própria historiadora. da qual são também sujeito ativo. Minha história das mulheres nasceu de um programa de rádio que fez enorme sucesso na França. Michelle Perrot toma a liberdade de dar uma visão pessoal a respeito de um tema que estuda há muitos anos. em "Mulheres na Cidade". Minha história das mulheres divide-se em cinco capítulos temáticos. prostituição. a liberdade sexual. O eixo central dessa história à la Perrot é o processo da crescente visibilidade das mulheres em seus combates e suas conquistas nos espaços público e privado. narrativa histórica em construção. Viajamos com missionárias. Em "O trabalho das mulheres". artistas. Finalmente. a performance das atrizes. o acesso ao saber. 10 . os afazeres e protestos das donas-de-casa. a maternidade e a submissão (repressões. o desempenho das vendedoras. as dificuldades e conquistas das operárias. estupros coletivos e "institucionalizados". como algo que tem historicidade — "física. Atravessamos fronteiras da história. a cultura. o combate à violência de gênero de todo tipo. mergulhadas em silêncios impostos e sufocadas por imagens distorcidas. a trajetória das professoras. além de artífice desta história escrita. desde meados do século XX até esse nosso início de XXI. A alma vem depois — a religião.Minha história das mulheres sem nenhuma contradição. ideal e material" -. Algo que ainda não terminou. estética. vislumbramos o cotidiano das camponesas. assédio sexual. políticos. sociais. luta em curso. por muito tempo desprezaram a importância de sua história. as condições de vida das criadas e empregadas domésticas. quando elas mesmas. militantes e exiladas. com a colaboração dos movimentos femininos. santas e feiticeiras. a criação — trazendo à tona hereges. a educação. Em seguida trata do corpo. Convém lembrar que a própria Michelle Perrot. sábias e criadoras. violência doméstica). O primeiro capítulo aborda o significado de escrever a história das mulheres. o sexo. com destaque para o acesso à contracepção. migramos com desesperadas fugitivas ou esperançosas trabalhadoras. as aparências (com destaque para os cabelos. Em seguida. foi testemunha ocular e participante pioneira de seu desenvolvimento nas universidades. invadimos a "Cidade proibida" por meio de todas as formas de ação coletiva adotadas pelas mulheres na luta por direitos civis. redefinindo cronologias em função da especificidade da experiência histórica feminina. política. cientistas e aventureiras. leitoras e escritoras. desconstruindo as idades da vida. incluindo as abomináveis mutilações genitais ainda praticadas por grupos fundamentalistas. engajar-se como militante no projeto de emancipação das mulheres. o que torna seu relato ainda mais interessante. evidências nítidas dos códigos sociais envolvidos nas construções do feminino). ou seja. inferências e comentários corajosos. No século XVIII ainda se discutia se as mulheres eram seres humanos como os homens ou se estavam mais próximas dos animais irracionais. interroga o passado tomando como referência questões que fazem parte de nossa vida. agora. vibrar com a conquista da liberdade dos cabelos descobertos e curtos. Chegamos a dar as mãos às feministas em suas passeatas. por meio de exemplos concretos. descobriu-se que as mulheres têm uma história e. as desigualdades salariais entre homens e mulheres. No século XX. com seus movimentos e reivindicações. nas mesas de bar. nas TVS e rádios brasileiras. as dificuldades e possibilidades de acesso à cultura. no judiciário e no legislativo. análises. o papel da família. do Estado e das religiões no cotidiano das pessoas. Minha história das mulheres faz valer o dito de que toda história é história contemporânea: tem um compromisso com o presente. os atrasos em conquistas históricas de cidadania já garantidas em muitos países (como educação e saúde de qualidade. como a pobreza. a luta por direitos. os significados das aparências. algum tempo depois. Também ficou claro. as manifestações da sexualidade. a discriminação e a violência contra a mulher. 11 . nos ambientes de trabalho. o descaso das autoridades para com os idosos e a infância. Elas tiveram que esperar até o final do XIX para ver reconhecido seu direito à educação e muito mais tempo para ingressar nas universidades. paralelos com situações contemporâneas. O momento. à la garçonne. Um país que ainda convive com a exploração sexual. a identificação do leitor com personagens que desfilam em suas páginas é inevitável. acesso fácil aos métodos anticoncepcionais. que a história das mulheres podia ser escrita. brindados com o privilégio de enxergar passado e presente com muita clareza. A história precisa sair das universidades e ganhar as ruas. como a existência de desigualdades de gênero. descrições detalhadas. é de fazer com que um público mais amplo tenha acesso às descobertas dos historiadores.Apresentação A abordagem sensível de Michelle Perrot casa-se muito bem com o volume imenso de informações devidamente embasadas que seu livro disponibiliza aos leitores. que podem conscientemente tentar tomá-la nas mãos. sentir o ar abafado que respiravam as operárias das indústrias têxteis. tem muito a ganhar buscando respostas na história. finalmente. Hoje já é uma área acadêmica consolidada. deve estar presente nas escolas. direito ao aborto) e os problemas sociais. nos almoços de família. A história das mulheres deve ser discutida nos salões de beleza. entre outras. assim como na elaboração de políticas públicas. Em certos momentos. tão imbricados nas questões de gênero. porque. assim como muitas outras mulheres. faz emergir novos objetos no relato que constitui a história. sob certos aspectos. Adolescente. eu. fui testemunha e atriz. ela é significativa da passagem do silêncio à palavra e da mudança de um olhar que.Escrever a história das mulheres Itinerário A primeira história que gostaria de contar é a história das mulheres.o que é relativamente recente. pelo menos. faz a história ou. Por que isso? Por que esse silêncio? E como foi quebrado? Dessa história. Pelo menos no sentido coletivo do termo: não se trata de biografias. Entretanto. A história das mulheres e mesmo as próprias mulheres não eram meu interesse inicial. pois tem mais ou menos trinta anos. abrangendo um longo período . de vidas de mulheres específicas. justamente. Hoje em dia ela soa evidente. gostaria de contar minha experiência. a relação incessantemente renovada entre o passado e o presente. Uma história "sem as mulheres" parece impossível. o que eu queria era ter acesso ao mundo dos . isso não existia. mas das mulheres em seu conjunto. Por isso. Engajada no movimento das mulheres. embora muitas abandonassem o curso. comandadas por mulheres. Tal dissimetria chamou minha atenção. Em * N. o marxismo. eu. Em vinte anos. E. o mundo do saber. no século XIX. O econômico e o social dominavam aquele período austero da Reconstrução. Mas as estudantes eram cada vez mais numerosas. feministas sem teoria. foi um escândalo. não sofri nenhuma discriminação. Sempre tomei partido em favor dela. nos anos 1950. os chamados motins por alimentos. após meu doutorado. não me afetou muito. as coisas tinham mudado. era um ato viril. Escrever a história da classe operária era uma maneira de unir-me a ela. Discutíamos o comunismo. onde eu era assistente. como dizia o conde de Saint-Simon. Entretanto. na esteira dos acontecimentos de maio de 1968 e do movimento das mulheres.Minha história das mulheres homens. não me detive muito nessa questão. visto que esta ou não existia ou era escassa. o existencialismo. foi publicado Le deuxième sexe.*de Simone de Beauvoir. era Ernest Labrousse . e me incentivavam em meus estudos e em minhas ambições. Havia uma demanda real a esse respeito. os professores eram todos homens. e também "a mais numerosa e a mais pobre". Mas a leitura parcial que fiz.Jussieu. 14 . e eu também. Eu era muito mais sensível aos problemas enfrentados pelos trabalhadores menos qualificados ou pelos estrangeiros.que dividia com Fernand Braudel a reputação de grande historiador . a greve. com o qual convivi em pleno auge na Sorbonne. Só mais tarde pude perceber a riqueza daquele livro. Mais sensível à xenofobia do que ao sexismo operário. Minha família não opunha obstáculos. Quando. redigi uma tese sobre os "operários em greve". Meus pais eram francamente igualitários. tanto no horizonte da sociedade quanto no da história. era aberta a inovações de todos os tipos. na qual as mulheres ocuparam apenas um capítulo. na Sorbonne. vítima gloriosa de uma intolerável injustiça. símbolo de todas as opressões. bem como a derrisão com que as mulheres eram tratadas. em 1949. Na Sorbonne. na época. Certamente não foi uma iluminação súbita.quem desenvolvia essa história. e depois na Universidade de Paris VII . pude tomar iniciativas. Sob sua orientação. A classe operária nos parecia a chave de nosso destino e do destino do mundo. Na universidade do pós-guerra. 189. do trabalho e da profissão. particularmente. que. A história das mulheres despertou meu interesse nos anos 1970. Quando me tornei titular. Ao contrário das rebeliões para o abastecimento de víveres. desejava conhecer sua história e trabalhar nela.: Os livros traduzidos em português presentes na bibliografia encontram-se listados na p. por ser nova. privada para chegar a uma história das mulheres no espaço público da cidade.. Em seus objetos. com Pauline Schmitt e Eabienne Bock.3 em Toulouse. mais avançados do que nós. na Grã-Bretanha. O movimento era bem anterior e bem mais intenso em outros países: nos Estados Unidos. E aqui interrompo a evocação de uma historiografia cuja trajetória e resultados apreciaremos na seqüência deste relato. que tinha por título "As mulheres têm uma história?". em seus pontos de vista. Desenvolveu-se rapidamente.7 vários colóquios e obras de síntese. de uma descoberta. Apenas interrogações. Para só falar do plano universitário.Escrever a história das mulheres 1973.2 levantando a questão das mulheres na história que eles haviam pesquisado. mais tarde um pouco na Espanha. Não sabíamos como ensinála. no Japão. inscrevese num movimento coletivo. oferecemos um primeiro curso. uma acumulação que já não é mais "primitiva". Partiu de uma história das mulheres vítimas para chegar a uma história das mulheres ativas. Não tínhamos nem material nem métodos. na Holanda. da guerra. ainda mais pelo fato de que o estruturalismo de Claude Lévi-Strauss insistia no papel da mulher na reprodução e no parentesco: "Troca de bens. em Portugal etc. onde teve uma originalidade e uma vitalidade notáveis. O movimento estava lançado. foi e é um movimento mundial. da política. na América Latina (principalmente no Brasil). hoje particularmente ativo em Quebec. Recorremos a sociólogos.5 em Lyon (no âmbito da psicologia social) etc. A história das mulheres mudou. Trata-se da tradução e do efeito de uma tomada de consciência ainda mais vasta: a da dimensão sexuada da sociedade e da história.1 e a nossos colegas historiadores. os livros. Não estávamos certas de que as mulheres tivessem uma história.4 em Paris-VIII. Partiu de uma história do corpo e dos papéis desempenhados na vida. Existe hoje uma revista: Clio: Histoire. na índia. há também associações. nas 15 . femmes et sociétés. assinalo as iniciativas idênticas e paralelas levadas a efeito em Aix-en-Provence. Em trinta anos várias gerações intelectuais se sucederam. O itinerário que percorri. com variantes. as quais produziram com as teses. O curso foi um sucesso. da criação. Em resumo. o que revela nossas incertezas e traduz nosso acanhamento. na Itália. os Rendezvous de 1'histoire (2004) fizeram muito sucesso com o tema "As mulheres na história". Em Blois.. troca de mulheres". Daí em diante nada o deteria. na Alemanha (em torno da Universidade de Bielefeld e da Universidade livre de Berlim). O desenvolvimento da história das mulheres acompanha em surdina o "movimento" das mulheres em direção à emancipação e à liberação. o papel dos Womens Studies era precursor6 e nós o acompanhávamos com muito interesse. de ura advento. do trabalho. A história é o que acontece. como mais tarde Marguerite Yourcenar: "Tudo é história". gostaria de desfiar os fios dessa imensa tela. pela força das coisas. Mas por que esse silêncio? Ou antes: será que as mulheres têm uma história? A questão parece estranha. Partiu de uma história das mulheres para tornar-se mais especificamente uma história do gênero. culturais. Elas 16 . religiosas. Ele envolve o continente perdido das vidas submersas no esquecimento no qual se anula a massa da humanidade. E isso por várias razões.Minha história das mulheres múltiplas interações que provocam a mudança. E isso o que gostaria de trazer a público. Por que as mulheres não pertenceriam à história? Tudo depende do sentido que se dê à palavra "história". porque as mulheres são menos vistas no espaço público. pessoas. e por força dos limites de minha competência. das mudanças. Sem pretender a uma exaustividade. Os ingleses distinguem story e history. "A alma". Mas é também o relato que se faz de tudo isso. das revoluções. o único que. estivessem fora do tempo. é claro que as mulheres não estão sozinhas. escolhidos num espaço-tempo o mais vasto possível. destinadas à obscuridade de uma inenarrável reprodução. que insiste nas relações entre os sexos e integra a masculinidade. na diferença dos sexos representada e vivida? Como e por quê? E com quais efeitos? O silêncio rompido Escrever a história das mulheres é sair do silêncio em que elas estavam confinadas. serão tomados da história da França e do Ocidente contemporâneos. pergunta-se: o que mudou nas relações entre os sexos. Em torno de alguns temas: "O silêncio e as fontes". Confinadas no silêncio de um mar abissal. fora do acontecimento. Em filigrana. Com exemplos. Apesar de tudo. Pois essa história das mulheres não é "minha" história das mulheres. dizia George Sand. "Trabalho e criação". como se. das acumulações que tecem o devir das sociedades. A invisibilidade Em primeiro lugar. As mulheres ficaram muito tempo fora desse relato. Da maneira mais aberta possível. por muito tempo. Nesse silêncio profundo. a seqüência dos fatos. Mas é sobre elas que o silêncio pesa mais. histórias. ou pelo menos. O possessivo não implica nenhuma propriedade. "O corpo". "Tudo é história". merecia interesse e relato. Alargou suas perspectivas espaciais. "Mulheres na Cidade". Escrever a história das mulheres atuam em família. A prolixidade do discurso sobre as mulheres contrasta com a ausência de informações precisas e circunstanciadas. Suas produções domésticas são rapidamente consumidas. na penumbra dos grupos obscuros. Produzidas pelos homens. As mulheres são imaginadas. E preferível que esteja coberto de véus. "grandes homens".. O mesmo ocorre com as imagens. Em muitas sociedades. Mas o silêncio mais profundo é o do relato. a invisibilidade e o silêncio das mulheres fazem parte da ordem das coisas. Afinal. "Que a mulher conserve o silêncio. E esta é uma segunda razão de silêncio: o silêncio das fontes. Seu acesso à escrita foi tardio. a desordem. diz ele. Claude Lévi-Strauss descreve uma aldeia depois da partida dos homens para caçar: não havia mais ninguém. As mulheres não têm sobrenome. ou aos cronistas. depois Eva. trazem sobrenomes que são transmitidos. E claro que falam das mulheres. pessoas. têm apenas um nome. elas nos dizem mais sobre os sonhos ou os medos dos artistas do que sobre as mulheres reais. ou mais facilmente dispersas. Porque são pouco vistas. É a garantia de uma cidade tranqüila.". São invisíveis. seduzida. Um silêncio consubstanciai à noção de honra. "A mulher é. Sua aparição em grupo causa medo. caiu em transgressão.. Os homens são indivíduos. Quanto aos observadores. em vez de serem descritas ou contadas. escritos ou materiais. "primeiro". mas generalizando. E não foi Adão que foi seduzido. Eis aí outra razão para o silêncio e a obscuridade: a dissimetria sexual das fontes. cuja vida não conta muito. Existe até um pudor feminino que se estende à memória. variável e desigual segundo as épocas. As mulheres deixam poucos vestígios diretos. Alguns são "grandes". Uma desvalorização das mulheres por si mesmas.8 Sua fala em público é indecente. é a stasis. "As mulheres e as crianças"."9 Elas devem pagar por sua falta num silêncio eterno. apagam esses vestígios porque os julgam sem interesse. "As mulheres são. exceto as mulheres e as crianças. São elas mesmas que destroem. Até mesmo o corpo das mulheres amedronta. elas são apenas mulheres. confinadas em casa.". dependendo do caso: a expressão clássica traduz essa globalização. em sua grande maioria masculinos. O relato da história constituído pelos primeiros historiadores gregos ou romanos diz respeito ao 17 . Entre os gregos. da qual voltaremos a falar mais adiante. representadas. No começo de Tristes tropiques. pouco se fala delas. ou ao lado. Porque primeiro foi formado Adão. ou no que serve de casa.. ou para fora.. diz o apóstolo Paulo. a atenção que dispensam às mulheres é reduzida ou ditada por estereótipos. mas a mulher que. Aparecem sem nitidez. Laure d'Abrantès. Daria um espaço maior para as mulheres e para as relações entre os sexos? Apenas um pouco maior. pois "não há nada mais povo do que a mulher". os homens "ilustres". Mme. em sua maioria. E é assim que as mulheres aparecem nos manuais escolares da Terceira República. as cortesãs de todas as épocas fazem sonhar. cujo destino atravessa a noite das mulheres. E preciso ser piedosa ou escandalosa para existir. os santos agem. Maria Antonieta. Com exceção de Joana d'Arc. "flagelo e sanguessuga dos franceses" para umas. A Noite de São Bartolomeu seria.11 A principal novidade é trazida por autoras estudadas por uma jovem historiadora.10 Sua visão da história é muito influenciada pela representação do papel dos sexos. No século XIX. Ele valoriza a "mulher do povo". de Maintenon e. rainha infeliz para outras. única verdadeira heroína na França. cortesãs. As rainhas merovíngias. Mas notam-se também algumas tentativas de captar a evolução da condição das mulheres com uma abrangência maior. Michelet fala das mulheres na história da França: a terrível regência de Catarina de Médici mostra os inconvenientes das mulheres no poder. Isso indica um interesse pelo tema que se afirma mais intensamente no Segundo Império. escrevendo biografias de mulheres: rainhas. uma conseqüência da transgressão dos gêneros. Olympe Audouard publica Gynécologie. a seus olhos. em contraste com o movimento das mulheres do Mercado (La Halle). a 5 e 6 de outubro de 1789.12 São elas Louise de Kéralio. de origem aristocrática que tentam ganhar a vida escrevendo. viajam. em que questiona o papel do cristianismo nessa evolução. La femme depuis six mille ans (1873). são cada vez mais numerosas. Além disso. autora dos Crimes des reines de France (1791). ou então os "homens públicos". os reinados. Assim. Ou alcançam a glória do martírio. Isabelle Ernot. principalmente. As mulheres preservam sua virgindade e rezam. santas. Isso. Jeanne d'Albret. esses manuais falam muito pouco das mulheres. tão cruéis. O mesmo ocorre com as crônicas medievais e as vidas de santos: fala-se mais de santos do que de santas. "mulheres excepcionais". que ilustra seu papel positivo quando se assumem como mães e donas-de-casa. mulheres. Branca de Castela. as damas galantes do Renascimento. e a quem Olympe de Gouges havia dedicado a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. que é uma honra suntuosa. são as que despertam a sua atenção. Mme. evangelizam. clerical e 18 . a história torna-se mais científica e profissional.Minha história das mulheres espaço público: as guerras. Hortense Allart. diz. de Renneville. No século XVIII e principalmente no XIX. que tentam reabilitá-la. que esboça uma história do sentimento amoroso e mesmo do ato de violentar: veleidade que não teve prosseguimento com a segunda geração dos Annales. Bastante inovadora. da mortalidade. não constituía uma categoria de análise.Escrever a história das mulheres conservador. ilustra esse 19 . E várias delas manifestam interesse pela história das mulheres. políticos — concorreram para a emergência do objeto "mulher". deter-se nisso. amour profane: autour de 1'Heptaméron (1944). A trajetória de um Georges Duby.como é chamado o núcleo constituído por Marc Bloch e Lucien Febvre em torno da revista Annales. sendo ao mesmo tempo sujeitos e objetos do relato? O nascimento de uma história das mulheres O advento da história das mulheres14 deu-se na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos nos anos 1960 e na França uma década depois. a de Ernest Labrousse e de Fernand Braudel. no entanto. à modificação das alianças disciplinares e à proeminência da subjetividade. em plena expansão. essa escola rompeu com uma visão da história dominada pelo exclusivismo político. a dimensão sexuada dos comportamentos.13 por exemplo. Incidentalmente. colocava a questão das mulheres como sujeitos. como um desafio ao clericalismo de Monsenhor Dupanloup e à misoginia de Pierre-Joseph Proudhon. Entretanto. cuja demografia histórica. que chegou à história das mulheres pela via da antropologia. Fatores científicos: por volta dos anos 1970. Mas continuam marginais com relação à revolução historiográfica trazida pela escola dos Annales . nas ciências humanas em geral e na história em particular. Através da natalidade. sociológicos. dá-se uma renovação das questões. Diferentes fatores imbricados — científicos. ligada à crise dos sistemas de pensamento (marxismo. A história alia-se à antropologia e redescobre a família. para eles. Faço aqui uma breve evocação. (Entre as duas guerras. as mulheres têm acesso à universidade. Como foi que as coisas mudaram? Como é que nasceu uma "história das mulheres". sem. Mas o econômico e o social permaneceram como suas prioridades: seus pesquisadores não cogitavam da diferença dos sexos. Lucien Febvre publicou um brilhante ensaio sobre Margarida de Navarra: Amour sacré. principalmente pela do feminismo: Marguerite Thibert ou Edith Thomas. na qual estas se tornaram matéria-prima. estruturalismo). da nupcialidade. que. a história apreendia. serve de medida a todas as dimensões. da idade ao contrair núpcias. Como docentes: depois de terem sido "indesejáveis" por muito tempo. Pelo viés da família imiscuíam-se novos personagens: as crianças. desenvolvido a partir dos anos 1970.Minha história das mulheres percurso. os jovens. a presença das mulheres na universidade. De início. A longo prazo. a dimensão da vida privada. por seu desejo de encontrar vestígios e torná-los visíveis. que se davam como universais a despeito de seu caráter predominantemente masculino. ou pelo menos de uma escuta favorável.l9 não visava de início à universidade e suas motivações não incluíam a história: contava com o apoio de mulheres intelectuais. em busca de ancestrais e de legitimidade. foram decisivos. começou um "trabalho de memória" que continua a desenvolver-se desde então no seio da sociedade em seu conjunto. Houve. à qual Philippe Ariés e Georges Duby dedicaram uma série de fôlego.18 não raro taxada de "esmigalhada". elas conquistam o seu espaço depois da Segunda Guerra Mundial e constituem atualmente quase um terço dos professores efetivados. A Nova História (como é chamada a terceira geração dos Annales) multiplicava os objetos numa "vertigem das florescências". Michel Foucault dedicou-se à da sexualidade. no sentido amplo do termo. era favorável à inovação. mas que chegou a tocar o domínio da matemática.20 Assim nasceu o desejo de um outro relato. O movimento de liberação das mulheres. A maneira de escrever a história também.15 ele se pergunta: "Mas as mulheres? O que se sabe sobre elas?".16 na qual as mulheres estavam necessariamente presentes. leitoras de Simone de Beauvoir. Essa feminização podia ser o fermento de uma demanda renovada. Esse movimento teve conseqüências no saber. que acreditavam que tudo estava resolvido no livro Le Deuxième sexe. 20 . la Femme et le Freire. esse movimento teve ambições mais teóricas. Os fatores políticos. outros questionamentos: as idades da vida. Existem fatores sociológicos*. Como estudantes: elas representam quase um terço das matrículas nos anos 1970. mas que. de duas diferentes maneiras. de uma outra história. no livro Le Chevalier. pelo menos. nos anos 1970-1980 uma vontade de "corte epistemológico" que afetou principalmente as ciências sociais e humanas. questões que a partir de então serão centrais em sua pesquisa.17 na qual pretendia incluir um volume sobre "a mulher histérica". Depois de ter investigado o funcionamento do casamento feudal no século XII. Depois da história da loucura. Pretendia criticar os saberes constituídos. O clima intelectual muda. entre eles. com certeza. Escrever a história das mulheres As mulheres representadas: discursos e imagens Para escrever a história, são necessárias fontes, documentos, vestígios. E isso é uma dificuldade quando se trata da história das mulheres. Sua presença é freqüentemente apagada, seus vestígios, desfeitos, seus arquivos, destruídos. Há um déficit, uma falta de vestígios. Inicialmente, por ausência de registro. Na própria língua. A gramática contribui para isso. Quando há mistura de gêneros, usa-se o masculino plural: eles dissimula elas. No caso de greves mistas, por exemplo, ignora-se quase sempre o número de mulheres. As estatísticas quase sempre são assexuadas. Principalmente no domínio econômico, nas estatísticas industriais ou naquelas do trabalho. A sexuação das estatísticas é relativamente recente, tendo sido demandada por sociólogas do trabalho feministas. Não é necessário conhecer para analisar? Há atualmente problemas análogos quanto às origens étnicas, cuja identificação causa graves divisões entre os demógrafos. Pelo casamento, as mulheres perdiam seu sobrenome, o que ocorria na França, mas não somente aí. É bastante difícil, e mesmo impossível, reconstituir linhagens femininas. A pesquisa demográfica chamada TRA, iniciada por Jacques Dupâquier, que estabeleceu a genealogia das famílias cujo patronímico começa por 75a, para estudar os fenômenos de mobilidade social, desistiu de incluir as mulheres por conta disso. O "recuo" do casamento, a possibilidade de escolher seu patronímico, tanto quanto aquele que se lega aos filhos, provavelmente complicarão o trabalho futuro dos demógrafos e dos genealogistas. Essa revolução do nome é rica em sentidos. De maneira geral, quando as mulheres aparecem no espaço público, os observadores ficam desconcertados; eles as vêem em massa ou em grupo, o que, aliás, corresponde quase sempre a seu modo de intervenção coletiva: manifestamse na qualidade de mães, de donas-de-casa, de guardiãs dos víveres etc. Usam-se estereótipos para designá-las e qualificá-las. Os comissários de polícia falam de "megeras" ou de "viragos" (mulheres de aspecto e atitudes masculinizadas) para designar as manifestantes, quase sempre taxadas de "histéricas" caso soltem o menor grito. A psicologia das multidões empresta a estas uma identidade feminina, suscetível de paixão, de nervosismo, de violência e mesmo de selvageria. A destruição dos vestígios também ocorre, sendo social e sexualmente seletiva. Num casal cujo cônjuge masculino é célebre, serão conservados os 21 Minha história das mulheres papéis do marido, e não os da mulher. Assim sendo, foram guardadas as cartas de Tocqueville escritas a sua esposa; mas não aquelas que ela lhe enviou. Até recentemente, negligenciavam-se os arquivos particulares. Os arquivos públicos acolhiam com reticências papéis que não sabiam como administrar. Se fossem de políticos e de escritores, eram aceitos. Mas de pessoas comuns? E, o que é pior, de mulheres? Em reação a essa atitude, criou-se, há cerca de dez anos, por iniciativa de Philippe Lejeune, uma associação destinada a acolher e promover o depósito de arquivos privados. Ocorre igualmente uma autodestruição da memória feminina. Convencidas de sua insignificância, estendendo à sua vida passada o sentimento de pudor que lhes havia sido inculcado, muitas mulheres, no ocaso de sua existência, destruíam — ou destroem — seus papéis pessoais. Queimar papéis, na intimidade do quarto, é um gesto clássico da mulher idosa. Todas essas razões explicam que haja uma falta de fontes não sobre as mulheres nem sobre a mulher, mas sobre sua existência concreta e sua história singular. No teatro da memória, as mulheres são uma leve sombra, A torrente dos discursos Em compensação existe uma abundância, e mesmo um excesso, de discursos sobre as mulheres; avalanche de imagens, literárias ou plásticas, na maioria das vezes obra dos homens, mas ignora-se quase sempre o que as mulheres pensavam a respeito, como elas as viam ou sentiam. Das mulheres, muito se fala. Sem parar, de maneira obsessiva. Para dizer o que elas são ou o que elas deveriam fazer. Isso ocorre com os filósofos. Françoise Collin, Evelyne Pisier e Eleni Varikas realizaram uma antologia crítica21 de textos que tratam não tanto da diferença dos sexos, pouco abordada pela filosofia, quanto das mulheres. "A questão da sexuação apresenta-se no texto filosófico sempre como uma questão de mulheres, a respeito de mulheres." Isso porque a diferença vem delas, de seu afastamento da norma masculina. "O sexo delas e o nosso", como diz Rousseau; "nós e elas". Textos de homens, em sua maioria: 55 homens para 4 mulheres, o que corresponde à dissimetria sexual do discurso filosófico. Esse livro fornece trechos de grandes clássicos, muitas vezes difíceis de se obter, classificados por grupos: o pensamento grego, o dos país da Igreja e dos teólogos, o dos filósofos das Luzes, o pensamento inglês, muito inovador, e o alemão, Proudhon e a escola de Frankfurt (Adorno); Freud, paradoxalmente pouco eloqüente sobre a feminilidade, está presente com um texto raro. 22 Escrever a história das mulheres Vamos folhear essa antologia, para entrar em contato com a torrente desses discursos, e não ter que voltar a eles. Vejamos Aristóteles ou o pensador da dualidade dos gêneros. De todos os filósofos gregos, e diferentemente de Platão, é ele quem estabelece de maneira mais radical a superioridade masculina.22 As mulheres se movem nas fronteiras da civilidade e da selvageria, do humano e do animal. São uma ameaça potencial para a vida harmoniosa da coletividade. Como mantê-las afastadas? As mulheres não são apenas diferentes: modelagem inacabada, homem incompleto, falta-lhes alguma coisa, são defeituosas. A frieza da mulher se opõe ao calor do homem. Ela é noturna, ele é solar. Ela é passiva e ele, ativo. O homem é criador, por seu sopro, o pneuma, e por sua semente. Na geração, a mulher não passa de um vaso do qual se pode esperar apenas que seja um bom receptáculo. O pensamento de Aristóteles modela por muito tempo o pensamento da diferença entre os sexos, sendo retomado com modulações pela medicina grega de Galiano. E na Idade Média, pelo teólogo Tomás de Aquino. Paulo (na primeira Epístola a Timóteo) prescreve o silêncio às mulheres: "A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito que a mulher ensine nem use de autoridade sobre o marido, mas que permaneça em silêncio". Para Bossuet, existe uma homologia entre o absolutismo conjugai e o absolutismo real: "Eva é infeliz e maldita em todo o seu sexo". E, a título de consolação: "Cabe às mulheres lembrar-se de sua origem; não vangloriar-se de sua delicadeza e pensar, afinal, que têm origem num osso acessório cuja beleza se limita à que Deus houve por bem lhe conferir". Voltaremos a abordar, mais adiante, as raízes religiosas da hierarquia sexual. As Luzes e a ciência nem sempre são as melhores conselheiras. Muitos filósofos encontram nas ciências sociais e na medicina argumentos suplementares para demonstrar a inferioridade das mulheres. De Rousseau a Auguste Comte: [...] não se pode, hoje, contestar seriamente a evidência da inferioridade relativa da mulher, muito mais imprópria do que o homem à indispensável continuidade, tanto quanto à alta intensidade, do trabalho mental, seja em virtude da menor força intrínseca de sua inteligência, seja em razão de sua maior suscetibilidade moral e física. Isso, sem falar em Proudhon, cuja afirmação da diferença hierárquica é ainda mais sistemática. 23 no discurso popular. apesar de tudo. impressionados pelo silêncio das mulheres nas épocas estudadas. onde a descoberta de novos vestígios das mulheres é uma constante. Por seu turno. para ele.] Ainda hoje.. uma obsessão enigmática: a força da iniciativa masculina que reduz as mulheres a espectadoras. 24 . pois só estas podem lhes proporcionar os meios de exercer realmente esses direitos com a mesma independência e a mesma amplitude. "Elas eram representadas. [. diz ele. Meu propósito aqui não é estudar o pensamento filosófico da diferença dos sexos — é uma questão imensa —. nas grutas da pré-história. há vozes mais consoladoras. Uma delas é a de Condorcet. Em Les Mysteres du gynécée. pelos historiadores que pesquisam a Antigüidade — Paul Veyne — ou a Idade Média — Georges Duby —. A avalanche das imagens Elas são descritas. sublinha o que constituía. e chegando à atualidade nas revistas e nas peças publicitárias contemporâneas. escreve ele. a mais igualitária.. que. as mulheres tenham algum prazer. Mas o que se diz sobre sua vida e seus desejos? O problema das imagens foi abordado. No qual se fala muito delas. Ele espera. "As mulheres não representavam a si mesmas". mais ou menos submissas. de si mesmas. menos ainda". é um olhar de homem que se lança sobre a mulher" e se esforça para reduzi-la ou seduzi-la. ao final de um estudo cativante sobre "o sexo do olhar". logo. No prefácio ao livro Images de femmes. principalmente. Paul Veyne procura descobrir o que essas representações dizem das mulheres e de seu desejo. pois elas são "construção do imaginário dos homens". para essas épocas antigas. representadas. "O olhar não é simples".Minha história das mulheres Felizmente. Ele preconiza a admissão das mulheres à cidadania e à ciência: As mulheres têm os mesmos direitos que os homens. "e a relação entre a condição das mulheres e a imagem da mulher. alcançar o olhar das mulheres. Os muros e as paredes da cidade estão saturados de imagens de mulheres.23 mas sim destacar a presença das mulheres no discurso letrado. magnífica análise do afresco da casa dos Mistérios de Pompéia. elas devem poder usufruir das mesmas facilidades para obter as mesmas luzes. em alguns casos. Georges Duby não chega a ser mais otimista. desde o princípio dos tempos. Françoise Frontisi-Ducroux. conclui de maneira ainda mais radical que é praticamente impossível. romanesco ou poético. Girodet ou Félix Valloton. e mesmo realistas. Fontes que falam delas. Um mundo a conquistar pelo exercício da arte. Sem dúvida é necessário abandonar a idéia de que a imagem nos traz um painel da vida das mulheres. se as subvertiam ou se eram submissas. é o que me diz em resposta à minha pergunta. 2004). estrutura a sua linguagem. convém estabelecer diferenças entre a natureza das imagens. da influência das mulheres sobre a imagem pela maneira como a usam. Nesse aspecto. Voltaremos a ele ao abordar a moda. nas quais se pode ouvir suas vozes diretamente. no entanto. Mas não abandonar a idéia do poder. Por outro lado. de jogos sutis. a experiência de Colette Deblé é bastante singular. pelo peso de seu próprio olhar. Entre o quadro e a foto. fonte possível de prazeres. o que fazer dessas imagens que nos trazem principalmente o imaginário dos homens? Pode-se fazer o inventário das representações da feminilidade. os estereótipos que as envolvem? Existem. outros são mais reais. uns são mais simbólicos. Já faz alguns anos que essa artista começou a representar mulheres a partir de quadros e obras de pintores conhecidos. Dessa longa e íntima convivência com tais quadros. que impressão ela teve do olhar desses artistas sobre as mulheres? "Eles têm medo das mulheres. Para elas. mas gostam delas". como é mostrado por Marie-Jo Bonnet num livro que renova a abordagem desse assunto (LesFemmes dans 1'art-. a imagem é. Entre a imagem fixa ou animada: o cinema é um mundo muito pouco explorado sob o ângulo da diferença dos sexos. Mas também é uma celebração. muitas fontes. se se aproveitavam delas ou as amaldiçoavam. tanto sobre as épocas quanto sobre os artistas. uma tirania. Procurar saber o que era a beleza para uma determinada época. as aparências e a criação. entretanto. Podemos nos perguntar sobre a maneira pela qual as mulheres viam e viviam suas imagens. Como alcançá-las.Escrever a história das mulheres Se é assim.25 a qual. tão diversos quanto Michelangelo. ora escondendo ora revelando o que sabemos. porque as põe em confronto com um ideal físico ou de indumentária ao qual devem se conformar. se as aceitavam ou as recusavam.24 Ou estudar a maneira pela qual os pintores percebiam a feminilidade. Podem 25 . antes de mais nada. Entre as épocas e os artistas. puramente idealistas. Philippe de Champaigne. Isso não impede que a imagem das mulheres seja um mistério. como quebrar o silêncio. Fontes: as mulheres nos arquivos Discursos e imagens cobrem as mulheres como uma vasta e espessa capa. Fontes que emanam delas. por um grau maior ou menor de espontaneidade discursiva. em sua maioria. as palavras do povo e das mulheres. em La Rébellion française27 faz um estudo aprofundado dos motins por alimentos. de assinalar alguns. as queixas. as mulheres perturbam a ordem com mais freqüência. Nem um pouco resignadas. a emoção da presença dos desconhecidos. numa época em que se modificam o regime sexual e a expressão do desejo. Lugares solitários e complementares. quando a ordem das ruas. Os trabalhos de Arlette Farge são significativos a esse respeito. São caminhos que eu gostaria de seguir ou. mas que se diferenciam. processos esses menos codificados do que atualmente. domésticas hábeis. Jean Nicolas. ela foi buscar nos arquivos do Châtelet (da polícia de Paris) a matéria-prima de uma obra em que palpita o povo de Paris. Nos processos elaborados pelos comissários. dos silenciosos da história. E isso esclarece o papel público das mulheres. ela examinou uns sete mil processos judiciários de tribunais correcionais e de tribunais do júri sobre conflitos privados. esposas em fúria. através do contato com o arquivo. Ele mostra o papel das mulheres. Cerca de três quartos desses conflitos põem em cena mulheres do povo vítimas dos ciúmes ou da violência conjugais (os crimes passionais são. Há também Anne-Marie Sohn. situações familiares difíceis.28 Nos arquivos departamentais. essas 26 . a vitalidade de pessoas humildes que tentam de tudo para sobreviver no emaranhado da cidade. que não deveriam ser excludentes. perpassam as recriminações. Entremos inicialmente nos arquivos públicos. guardiãs do "preço justo" dos grãos nesses confrontos. do final do século XVII até a Revolução Francesa.26 as mulheres se esgueiram e se afirmam. dos livros e dos jornais. as injúrias. Em Vivre dans la rue e La Vie fragile. local do impresso. mas também a solidariedade.Minha história das mulheres ser achadas em bibliotecas. como a do campo. Como desejava encontrar. Os arquivos policiais e judiciários são os mais ricos no que concerne às mulheres. "rainhas das ruas". atos masculinos). que se interessa pela vida privada dos casais e das mulheres entre 1870 e 1930. pelo menos. muito mais importante sob o Antigo Regime do que no século XIX. Ora. Principalmente a partir dos séculos XVII e XVIII. como nos arquivos públicos ou privados. quando a regularização do abastecimento e a taxação do preço do pão eliminaram progressivamente esse tipo de rebelião. mas que se rebelam contra essa situação. moças casadoiras "seduzidas e abandonadas" ocupam o lugar central de histórias do cotidiano que expressam conflitos. entretanto. torna-se uma obsessão. Comerciantes determinadas. "sempre as mais ardentes". Sente-se o peso do seu silêncio. os acolhem com reservas. E um local bastante rico para a vida intelectual contemporânea. a conta-gotas e de maneira seletiva. de alguma forma. Por definição. a imensidão do não-dito. que se tornou a "cidade da 27 . empresas. nas aldeias da Bretanha ocidental. confinadas num mutismo sem esperança.. embora com menos freqüência. Para preencher essa carência. o status desses arquivos foi e continua a ser necessariamente incerto. e ainda mais para as mulheres. Trata-se de um mergulho surpreendente na condição social dos campos bretões e no abandono e extrema solidão daquelas jovens.Escrever a história das mulheres mulheres se comportam como seres movidos pelo desejo. em sua maioria criadas de propriedades rurais. Mas é muito mais difícil para as pessoas comuns. testemunhos. das revistas. há mais chances de encontrar vestígios das mulheres nos arquivos privados. Percebem-se as reticências. situado na abadia de Ardennes. nacionais ou departamentais. Philippe Lejeune.. transpõem a barreira. para quem a cidade se tornou. Em virtude de sua posição na família. eminente especialista da autobiografia e das "escritas da vida cotidiana" cuja fragilidade atraiu sua atenção. Destinados a receber material administrativo. as mulheres das classes populares em suas realidades cotidianas. diversos organismos foram criados. Escritores. permitem abordar. esforçam-se por registrar. que. resultados das investigações para instrução dos processos. Interrogatórios. os arquivos públicos. Essa pesquisadora examinou detidamente os processos sobre a questão:29 são camponesas. Ouve-se o eco de suas palavras que os comissários de polícia. perto da cidade de Caen) recebe os arquivos dos editores. por não suportarem a maternidade indesejada. os dos escritores e dos pesquisadores. e mesmo por traduzir. O Imec (Institut Mémoires de L'Edition Contemporaine [Instituto Memórias da Edição Contemporânea]. criou a Association pour L'Autobiographie et le Patrimoine Autobiographiques [Associação para a Autobiografia e o Patrimônio Autobiográficos] (APA). e também. ou os próprios policiais. um espaço de liberação. políticos. afinal. Em 1993. que acabam por ocupá-los excessivamente. Annick Tillier pesquisou a respeito do crime principal das mulheres no século XIX: o infanticídio. também ligada à saturação dos depósitos públicos. suprimem os rebentos em circunstâncias sórdidas. Isso foi feito com os de Marguerite Duras e de Michel Foucault. Está sediada em Ambérieu-en-Bugey (no Departamento do Ain). Minha história das mulheres autobiografia", e guarda atualmente mais de dois mil documentos. Desses, quase a metade é produto das mulheres. Abarcam os três grandes tipos de literatura pessoal: autobiografia, diário íntimo, correspondência. Uma revista, La Faute à Rousseau, £az o inventário do acervo, propõe temas de reflexão, dá informações sobre os grupos de discussão e de leitura criados em diferentes lugares. Colóquios regulares são organizados por essa rede autobiográfica que ilustra a necessidade de expressão individual de nosso tempo. Vê-se que, nesse campo, na escrita tanto quanto na fala, mulheres e homens estão em pé de igualdade. De maneira geral, a presença das mulheres nesses arquivos se dá em função do uso que fazem da escrita: é uma escrita privada, e mesmo íntima, ligada à família, praticada à noite, no silêncio do quarto, para responder às cartas recebidas, manter um diário e, mais excepcionalmente, contar sua vida. Correspondência, diário íntimo, autobiografia não são gêneros especificamente femininos, mas se tornam mais adequados às mulheres justamente por seu caráter privado. De maneira desigual. Há poucas autobiografias de mulheres. Por quê? O olhar voltado para si, numa fase de mudança ou ao final de uma vida, mais freqüente em pessoas públicas que querem fazer o balanço de sua existência e marcar sua trajetória, é uma atitude pouco feminina. "Minha vida não é nada", diz a maioria das mulheres. Para que falar dela? A não ser para evocar os homens, mais ou menos importantes, que conheceram, acompanharam ou com quem conviveram. Aquelas que tentaram, o fizeram sob a forma de "Memórias" de seu tempo. Foi assim com Marie d'Agoult; ou com Malwida von Meysenbug, cujas Mémoires d'une idealista falam das revoluções, do exílio e dos grandes homens que encontrou: Alexandre Herzen, Wagner, Nietzsche, Gabriel Monod, Romain Rolland. George Sand, em Histoire de ma vie,31 uma autobiografia extraordinária muito pouco íntima, mas muito pessoal, escrita entre 1847 e 1854, pretende contar a história de sua família ao longo de três gerações, toda individualidade sendo aí o produto do tempo e das transmissões operadas pela família, verdadeiro "lugar de memória" para Sand. Essa "grande mulher" inova. Já no século XX, a situação mudou consideravelmente à medida que as mulheres ingressam no domínio público. A correspondência, entretanto, é um gênero muito feminino. Desde Mme. de Sévigné, ilustre ancestral, a carta é um prazer, uma licença, e até um dever das mulheres. As mães, principalmente, são as epistológrafas do lar. Elas escrevem para os parentes mais velhos, para o marido ausente, para o filho adolescente no colégio interno, a filha casada, as amigas de convento. 28 Escrever a história das mulheres Suas epístolas circulam eventualmente pela parentela. A carta constitui uma forma de sociabilidade e de expressão feminina, autorizada, e mesmo recomendada, ou tolerada. Forma distanciada do amor, mais conveniente e menos perigosa do que o encontro, a carta de amor toma o lugar do próprio amor, a ponto de representar o essencial. Torna-se um tema e um motivo da literatura (no romance epistolar) e da pintura de gênero, principalmente a pintura holandesa. A mulher que lê uma carta em seus aposentos, ou perto de uma janela, na fronteira entre o interior e o exterior, sonha com o amante ou o marido viajante ou guerreiro (cf. Vermeer de Delft). As correspondências femininas privadas raramente são publicadas, exceto quando põem em cena grandes homens: correspondência de François Guizot com sua filha Henriette, das filhas de Marx com o pai, Karl. A Correspondance de George Sand é excepcional por sua amplitude (25 volumes publicados por George Lubin),32 extensão, variedade, densidade familiar, amorosa, amical, artística e política. De Musset a Flaubert, de Agricol Perdiguier e Pierre Leroux a Mazzini, a Barbes e ao príncipe Napoleão Bonaparte, seus interlocutores são incontáveis. Mas ela também escrevia para seu marido, Casimir Dudevant, para dizer-lhe, em 22 páginas, suas decepções e expectativas quanto ao modo de vida que levavam (1822). A seu filho, Maurice, ainda na escola, era pródiga em conselhos para uma educação cívica e cidadã. Ao amante que a abandona, Michel de Bourges, ela envia cartas cheias de paixão frustrada. Com Flaubert, o "prezado trovador", ela discute sobre literatura, sobre as dificuldades da idade e os prazeres da amizade.33 A destruição e o anonimato ameaçam as cartas pessoais. Paula Cossart publicou recentemente uma correspondência amorosa, de relações adúlteras, aproximadamente mil e quinhentas cartas, encontradas quase por acaso nos Arquivos de Paris. É um testemunho excepcional sobre o sentimento e as práticas amorosas do século XIX, num casal da burguesia intelectual romântica cujo ideal é a vida conjugal.34 Mas permanecem ocultos muitos segredos nos sótãos das casas das famílias, infelizmente fadados ao desaparecimento. Do diário íntimo, prática adolescente, e especialmente feminina, foi feito um inventário inicial por Philippe Lejeune,35 num trabalho a ser completado. A escrita do diário era um exercício recomendado, principalmente pela Igreja, que o considerava um instrumento de direção de consciência e de controle pessoal. O mesmo ocorria com os protestantes. As educadoras laicas, entretanto, eram reticentes quanto a essa prática que impunha uma excessiva introspecção. 29 Minha história das mulheres O diário ocupa um momento limitado, mas intenso, na vida de uma mulher, interrompido pelo casamento e pela perda do espaço íntimo. Está ligado ao quarto das meninas. Por um breve tempo permite a expressão pessoal. Esses diversos tipos de escritos são infinitamente preciosos porque autorizam a afirmação de um "eu". E graças a eles que se ouve o "eu", a voz das mulheres. Voz em tom menor, mas de mulheres cultas, ou, pelo menos, que têm acesso à escrita. E cujos papéis, além do mais, foram conservados. São condições difíceis de ser cumpridas. Organizar arquivos, conservá-los, guardá-los, tudo isso supõe uma certa relação consigo mesma, com sua própria vida, com sua memória. Pela força das coisas é um ato pouco feminino. A perda, a destruição, a autodestruição são muito mais freqüentes. Os descendentes se interessavam com muito mais freqüência pelos homens importantes da família, e muito pouco por suas mulheres, apagadas e obscuras, cujos papéis destruíam ou vendiam. Georges Ribeill encontrou num brechó de Saint-Ouen um volume isolado do diário de Caroline Brame, jovem que morava no bairro de Saint-Germain na época do Segundo Império, misturado a um lote de livros piedosos que formavam a sua biblioteca.36 Trata-se do exemplo clássico de uma liquidação corriqueira. E por isso que, prevendo a negligência ou mesmo a zombaria de herdeiros indiferentes, muitas mulheres, no outono de suas vidas, punham suas coisas em ordem, selecionavam a correspondência, queimavam as cartas de amor — ainda mais quando havia o risco de que atentassem contra a sua honra -, destruíam o seu diário, testemunha de emoções, esperanças e sofrimentos passados que convinha fazer calar. Para que se expor inutilmente à curiosidade indelicada ou à incompreensão de olhares indiscretos? Daí a vontade das mulheres, muitas delas feministas, de constituir arquivos de mulheres para lutar contra a dispersão e o esquecimento, desde 0 começo do século XX. Marie-Louise Bouglé, modesta assalariada e amiga de Marguerite Durand, fundadora do jornal La Fronde, teve a iniciativa de reunir textos, prospectos, cartazes, cartas, objetos provenientes do feminismo contemporâneo, recolhidos, na maioria das vezes, em sebos. O objetivo de Marie-Louise era repassar este acervo para a biblioteca Marguerite Durand. No entanto, como veio a falecer antes de fazê-lo, seu marido, convocado na Segunda Guerra Mundial, entregou tudo à Biblioteca Nacional, com a cumplicidade do administrador Julien Cain. Com o falecimento de seu marido, o acervo que havia organizado foi esquecido, tendo sido redescoberto apenas na década de 1970. Transferido para a Biblioteca Histórica da Cidade 30 feminista do partido radical. Christine Bard organizou em Angers. uma das três sub-secretárias de Estado nomeadas por Léon Blum no governo da Frente Popular (numa época em que as mulheres não tinham direito ao voto). do Hortus deliciarum (Le jardin des délices. a religião e o imaginário: as vias místicas e literárias. os obstáculos que. criado em 1901.Escrever a história das mulheres de Paris. cuja superação abordaremos mais adiante. a mais antiga das associações feministas francesas. fronteira proibida do saber e da criação. cuja obra La Cité des domes marca uma ruptura 31 . de Suzanne Képès (1918-2005). a oração.37 Dos arquivos de mulheres para uma história das mulheres. do Conselho Nacional das Mulheres Francesas. Por conseguinte. letrada e conselheira do papa. ao final do século VII. que as imaginam e as perscrutam — fonte incomparável —. no século XII. a misteriosa poetisa grega que. os romances que contam sobre elas. em Lesbos. defensora de todas as causas das mulheres. Quais foram as vias da escrita para as mulheres nesse mundo proibido? De início. foi classificado tardiamente pela historiadora Maité Albistur e está disponível para consulta. Cabe igualmente procurá-los nos materiais impressos e nas bibliotecas. provenientes de Cécile Brunschvicg (1877-1946). a poesia e o romance. E de muitas outras fontes além dessas. autora. transpor. Marguerite Porete (Le Miroir des ames simples et anéanties). Para ouvir suas vozes — as palavras das mulheres —. em 2000. impediram seu acesso à escrita. Tais são os caminhos das primeiras mulheres que escrevem. no âmbito de um convênio com a Biblioteca universitária. a meditação. Folhear os jornais lançados por elas desde o século XVIII. coletânea de cantos gregorianos). um grupo coral onde cantam as jovens da boa sociedade. os "Arquivos do feminismo". com elas. antiga ministra socialista dos Direitos das mulheres. figura importante para o planejamento familiar. Para evitar tais vicissitudes. Vozes de mulheres nas bibliotecas Procuramos os vestígios das mulheres nos arquivos. a religiosa Hildegarde de Bingen. durante tanto tempo. que já contêm vários acervos importantes. morta na fogueira como herética no século XIV.38 é preciso abrir não somente os livros que falam delas. anima.39 mas também aqueles que elas escreveram. de Yvette Roudy. das pioneiras da escrita: Safo. a grande Christine de Pisan. Catarina de Siena. Seguindo essa linha. mas permanecem como centros de cultura para as mulheres. as mulheres da nobreza pareciam culturalmente superiores aos homens que se dedicavam a guerrear. o salão de Mme. em vão. que era seu modo de expressão. tanto quanto com o pincel. como nas cruzadas ou em outras circunstâncias. E Mme. Cultas e desejosas de amar de uma outra maneira: daí surge. publica em 1693 um Traité de la morale et la politique muito apreciado. Dois lugares foram propícios à escrita: os conventos e os salões. dizia ela numa sede de igualdade que saía por todos os poros desse período pré-renascentista.40 o que prova que as mulheres não se isolam mais napiedade religiosa. foi um incentivo poderoso. os conventos favorecem a leitura e mesmo a escrita das mulheres. No século XVII. religiosa secularizada. aliás. o feminismo sob todas as suas formas. talvez. Madeleine de Scudéry escreve romances intermináveis que renovam a expressão do sentimento amoroso. o claustro e a conversação. cada vez mais exigentes. O caminho encontra-se então aberto para as "mulheres que escrevem". de La Fayette. são de origem aristocrática. George Sand dirige-se mais explicitamente a suas "leitoras". com poucos recursos. Alguns gêneros pareciam particularmente pertinentes: os livros de cozinha. as religiosas de Port-Royal. Teresa de Ávila. Gabrielle. limitar e conter. Principalmente no domínio da imprensa. Enfim. a imprensa de moda. "Em minha loucura eu me desesperava por Deus me ter feito nascer num corpo feminino". de "savoir-vivre" (a baronesa Staff. As religiosas copiam os manuscritos e se apropriam do latim proibido. foi autora. Os conventos diversificam sua clientela e sua função no século XVII. ou que acreditavam estar. cuja obra ocupa atualmente muitas estantes da Biblioteca Histórica da Cidade de Paris e da Biblioteca Nacional.Minha história das mulheres no século XV. que exigem galanteria e linguagem elevada. ao final do século XIII. do Guide des usages du monde). laico ou cristão. Por exemplo. a existência de um público leitor feminino ao qual as mulheres autoras estavam mais bem adaptadas. Na Idade Média. 32 . em sua maioria. com a mais breve das obras-primas: La Princesse de Clèves. de pedagogia. o amor cortês. a borgonhesa Gabrielle Suchon (1632-1703) afirmam-se como mulheres do livro. que despertavam o desejo das mulheres. e que tentam ganhar a vida de maneira honrosa com "a pena". No catálogo "autores" desta última. em 1899. ela gostaria de mudar. Assim foi George Sand. a bibliografia das obras de Sand ocupa várias páginas. de Rambouillet é o bastião das Preciosas. Mulheres que. a tal ponto que. cuja maneira de pensar. os romances. Outros fatores estimularam a produção das mulheres. para essas mulheres autoras que o século XIX misógino tentará. ou pelo menos vozes de mulheres. as desventuras da "entregadora de pão" ou da "criança da lavanderia". Mas apoderam-se das colunas dos folhetins. na escolha e no tom. ilustradas com gravuras imaginativas. Em todo caso. das narrativas de viagens. Rainhas e santas obtêm um grande sucesso nesse campo. são os homens que escrevem. uma vontade de emancipação das mulheres pela educação e mesmo pelo saber e pelo trabalho. em razão de seu sucesso junto às mulheres. como o fazem os que são hostis à escrita das mulheres. observa-se. Podem-se ler suas palavras. Trata-se de uma publicação mensal composta. nesse caso. 33 . Haveria naturalmente muito a dizer sobre essa atribuição da tradução às mulheres. Há paridade hoje? Não sei dizer. às biografias de mulheres "ilustres". A primeira imprensa feminina especializada é a de moda. escrita e mesmo parcialmente financiada por mulheres. cada vez mais normal. elas se infiltram e mesmo se apoderam dela. de uma inscrição no universo impresso. Elas pouco lêem os jornais diários cujo conteúdo político se destina mais aos homens. Eliza Haywood havia conseguido publicar amante dois anos (1774-1746) o sério Femak Spectatorf42 Essa imprensa tem um grande desenvolvimento no século XIX. Mas. Isso ocorreu com o Journal des demoiselles. que se inicia no século XVIII.dos quais as mulheres são leitoras e produtoras. ou em seu quarto. em busca de conselhos de moda. liam escondido. Mas sim de um "acesso" à escrita. Da imprensa e das mulheres Além dos livros. Por trás dessa fachada algo banal. mas as mulheres se introduzem pouco a pouco. O gênero biográfico está em pleno desenvolvimento. Podem-se consultar seus livros. daí em diante ouve-se muito mais a voz das mulheres. Anne-Marie Thiesse dirigiu uma sondagem. Em Londres. que Christine Léger (prematuramente falecida) estudou numa tese inédita.Escrever a história das mulheres E claro que não se pode falar de "febre" ou de "invasão". à luz de um abajur.41 Colheu as lembranças felizes das velhas leitoras que. como no Journal des dames (17501778) de Paris. eventualmente uma profissão. Em sua maioria. Há conselhos para as jovens estudarem línguas estrangeiras porque a tradução é uma ocupação. junto às leitoras que viveram os anos 1900. Mas é um começo. com um sentimento de culpa persistente e delicioso. há os jornais e as revistas . Ecléticas. uma brecha nas zonas proibidas. conveniente para a mulher. as rubricas vão da moda às receitas de cozinha. já lá se vão 25 anos. Désirée Gay. Além do uso antipatriarcal do patronímico. cujo papel político ao criticar o poder foi analisado por Michèle Riot-Sarcey. não somente por seu conteúdo. de Paulette Bernège. A indústria dos cosméticos. amorosa.Minha história das mulheres As revistas femininas tiveram um papel crescente nos séculos XIX e XX. a adotar o sobrenome do marido. Laure Adler44 mostrou a emergência das primeiras jornalistas. A imprensa feminista é mais engajada. e. Os jornais publicados em 1848 por Eugénie Niboyet. as mulheres se apresentam apenas com o primeiro nome. rival da americana Christine Frederiks. Entre as duas guerras. tanto quanto na própria vida dessa escritora. será recusado. a formação de cooperativas. mas também por sua apresentação. e outras entram em cena. Recusando-se. Liberada pela lei de 1881. às mulheres mais sofisticadas. Elas tomam essa tribuna com profissionalismo e também com muito idealismo. como se sabe. a revista Mon chez moi. Désirée. a das artes domésticas. dando a esse respeito os primeiros conselhos. de início. um grito vibrante contra a dominação masculina. como bem notou Évelyne Sullerot. que suscita muito interesse e manifesta a vontade de criar uma rede. o que. por outro lado. principalmente. Claire Démar. Claire. captar consumidoras potenciais. a imprensa sansimonista — La Femme libre — põe em primeiro plano a reivindicação dos direitos civis (direito ao divórcio) e da liberdade.43 Os patrocinadores procuram. visam. protesta contra uma "promiscuidade dos costumes" que põe as mulheres em posição de inferioridade.46 Essa imprensa reivindica o direito das mulheres ao trabalho. a igualdade dos salários. em Ma loi d'avenir (1833). por exemplo. sentimental. o direito de voto para as mulheres. que 34 . em Marie Claire. Aí está toda a ambigüidade da imprensa feminina. pretende fazer da dona-de-casa uma profissional bem equipada. ligada inclusive aos produtores de eletricidade. guiar seus gostos e suas compras. Assim. Mas algumas mulheres aproveitam-se dessas tribunas para desenvolver a emancipação das mulheres. Eugénie. que ecoa nos romances de George Sand Indiana (1832) e Lélia(1833). antes de seu suicídio. em duas fases distintas: em 1830-1832. abre uma "tribuna das leitoras". responde de maneira bastante liberal ao "correio sentimental" e defende o direito à contracepção. Jeanne Deroin são mais políticos e sociais. sexual. Essa primeira imprensa feminista é muito original. Marie-Jeanne. Marcelle Auclair. presa de imagens e de condutas.45 As feministas têm consciência do papel da imprensa na opinião pública. Essas últimas despertavam um duplo interesse: como testemunhas da vida privada (num casal de militantes. tendo mesmo despertado um entusiasmo exagerado nos anos 1970. em Paris. Na esteira de George Sand e de Delphine de Girardin. que.Escrever a história das mulheres funda o regime do jornalismo moderno. mais bem definidos e mais ousados. gravadas em fita. as mulheres ganham acesso a uma profissão que antes era exclusivamente masculina: o jornalismo.49 Anne Roche e Marie-ClaudeTaranger coletaram as lembranças de mulheres da região de Marseille. foi inteiramente concebido. da vida em família: divisão imemorial dos papéis) e testemunhas de si mesmas. os ausentes da história: os operários. na França e na maioria os países ocidentais. no jornal Le Petit Parisien.48 Atualmente. dentre os quais La Citoyenne de Hubertine Auclert e principalmente La Fronde de Marguerite Durand. a imprensa feminista da Terceira República. Celles qui n'ont pas écrit . O Institut D 'histoire du Temps Présent [Instituto de História do Tempo Presente] mostrou-se particularmente ativo a esse respeito. La Fronde. redigido e mesmo composto tipograficamente por mulheres. "autobiografia daqueles que não escrevem". era diário (1897-1901). ao mesmo tempo.50 que se compõe. o que não era o mais fácil. os ecomuseus. as mulheres. estudada por Laurence Klejman e Florence Rochefort. fornecem também inúmeros elementos sobre a arqueologia do cotidiano das mulheres: assim pode-se ver o ateliê de uma costureira. Colette. alerta a opinião pública sobre a situação dos camponeses de Tonquim. Entre as duas guerras. como Andrée Viollis. Os museus das Artes e Tradições populares. Ao mesmo tempo. há mulheres que aceitam o desafio da grande reportagem. o marido fala de sua ação e a mulher. as mulheres estão presentes em todas as partes do mundo. A essas fontes clássicas convém acrescentar aquelas produzidas pela história dita "oral". Gyp. e posteriormente mensal (1901-1905). Desde então o jornal faz parte das formas de expressão das mulheres. 35 . Séverine. de um guia metodológico e de textos sugestivos. como "A vida de uma jovem operária de Marselha". Louise Weiss tomam novos caminhos. Esse procedimento se difundiu bastante. que. jornalistas ocasionais. em 1935. São dezenas de títulos entre 1880 e 1914. apresentadas num livro-manifesto. apresentado há pouco tempo no museu da Porte Maillot.47 é mais abundante. de início. na esteira de um certo populismo cultural que queria fazer falar os mudos. que constituiu uma experiência excepcional. tendo em vista a hostilidade dos ofícios do livro ao emprego das mulheres. manuscritos (integral dos manuscritos de Simone de Beauvoir. A Biblioteca Nacional é "o mar das histórias". as fontes jorram para o olhar de quem as procura. que fornece informações variadas. com centenas de títulos. que. Comporta milhares de livros e documentos e um importante acervo de jornais e manuscritos. Claudine Cohen.. a célebre biblioteca Marguerite Durand. 36 .53 liberta da crosta religiosa e erótica que a limitava. Nos últimos trinta anos tornou-se um lugar de pesquisa muito freqüentado. Esse olhar que faz o relato que é a história. Abriga livros delas e sobre elas. E a pré-história. Nathalie Sarraute.fr) realizado por Christine Bard e Corinne Bouchoux. analisam hoje a que sexo pertenciam as mãos que pintavam. uma importante bibliografia classificada. mas existem algumas bibliotecas ou acervos especializados.52 fundada entre as duas guerras por Marguerite Durand e enriquecida por numerosas doações. As mãos falam por elas. nos mostra uma mulher das origens.. na Europa (em Amsterdã). nos dizem que as mulheres estavam em toda parte: o que se imaginava agora está provado. enriquecidas e atualizadas constantemente. E os estudiosos da pré-história.Minha história das mulheres Dos lugares para a história das mulheres As fontes para a história das mulheres estão em toda parte. Assim.univ-angers. um cibermuseu de história das mulheres e do gênero (musea. nos Estados Unidos (a Schlesinger Library) e em Paris. E um instrumento de trabalho notável. misturadas às dos homens. Mencionemos enfim o Musea. um inventário dos acervos da Biblioteca do Arsenal. dispersas no acervo da Biblioteca Nacional. documentos de comediantes e de artistas. Hélène Cixous.). O Guide (2004) redigido por Annick Tillier contém uma apresentação das fontes impressas sobre as mulheres (e também para história religiosa). de Simone Weil) e numerosas fontes audiovisuais repertoriadas recentemente num colóquio do INA (Institut National de l'Audiovisuel [Instituto Nacional do Audiovisual]). a partir das pinturas rupestres.51 Existem algumas bibliotecas especializadas. a mãe da história das mulheres. que interroga de uma outra maneira os afrescos das grutas e os objetos pré-históricos. Contém igualmente um inventário dos recursos do departamento de manuscritos (acervo Louise Weiss. Paris. Aubier. têm grande autoridade.Manuels d'histoire et société. Não é de espantar. 16 Histoire de la víe privée. PUF. e representante dessa evolução. e organizado o primeiro colóquio (1975). Anthologie critique. ele próprio "historiador do sensível". 10 Jules Michel et. 18 De acordo com a expressão " vertige des foisonnements". L'Histoire des femmes publiques contée aux enfants. 2001. 17 ENS Éditions.. t. "As mulheres e as ciências humanas". seu primeiro livro é sobre Les Filies de noce. Paris. PUF. 12 Isabelle Ernot. Tratava-se menos do conteúdo da matemática do que das condições sexuadas de seu ensino. Paris. Le Chevalier. principalmente. 7 Mnémosyne. o BIEF. Paris. 20 Em torno da associação "Mulheres e ciências 1'. 21 Françoise Collin. 9 Primeira Epístola a Timóteo. de Claudine Hermann. Elas é que sofriam mais". George Sand. Paris. Le Destin des femmes à l'Ecole. A biografia de Dorothy Kaufmann. Seuil. 19 Françoise Picq. Paris. Seus trabalhos sobre a maternidade. Ecrire 1'histoire des femmes. 14 Sobre essa historiografia. com seus colegas. Paris. Madeleine Rebérioux. Gallimard. 1981. Paris. 2004. "Bibliothèque de la Pléiade". de Alain Corbin. i. a SIEFAR (Sociedade Internacional para o Estudo das Mulheres do Antigo Regime). Misère sexuelle et prostitution au XIX' siècle (Paris. 1 da Histoire de la sexualité. Edith Thomas. 13 MargueriteThibert (1886-1982) defende uma das primeiras teses de história sobre as sansimonistas. 22 Françoise Héritier. Pauline Roland. 2 Pierre Vidal-Naquet. tese da Universidade Paris-Vll. estabeleceu-se um vínculo com a pesquisa anglo-americana desde o começo dos anos 1970. 1791-1948". ver os trabalhos de Nicole Loraux. Les années-mouvement. Le mariage dans la France féodale. o primeiro Bulletin d'Information et d'études sur les femmes. o nascimento. 19861987. de modelos familiares eles não queriam mais ouvir falar. colaboraram conosco. la Femme et le Prêtre. 254: "As mulheres estiveram na vanguarda de nossa Revolução. Béatrice Slama. Philippe Ariés e Georges Duby (dir. Geneviève Fraisse. por exemplo. 1978). Évelyne Pisier e Eleni Varikas. EdithThomas (1909-1970) é autora de várias obras sobre as mulheres de 1848. Les Femmes de Platon à Derrida. 1. La Vohntéde savoir. Paris. Odile Jacob. 37 . 4 Com Rolande Trempé e Marie-France Brive. 5 Com Claude Mossé. Hachette. Marcel Rivière. pioneiro no estudo das sexualidades. professor titular de civilização anglo-americana no Instituto Charles-V (Paris-VII). disseram. 3 Yvonne Knibiehler havia fundado. 8 Sobre este assunto. L'Harmattan. Gallimard. Histoire de la Révolution française. 1993. La Pensée de la dijférence. Paris. 1975). Liberation des femmes. t. Destes. Plon. 1998. 1999-Françoise e Claude Lelièvre. Fontenay-aux-Roses. Mona Ozouf. 2. 23 Cf. 15 Georges Duby. La Dijférence des sexes. De l'Antiquité à nos jours. "Historiennes et enjeuxde 1'écriture de l'histoire des femmes. as mulheres e os médicos.Escrever a história das mulheres Notas 1 Andrée Michel abriu o curso com uma palestra sobre "os modelos da família". 5 vol. Cornell University Press. Após sua tese sobre Archdisme et modernitéen Limousin au XIX' siècle (Paris. Jacques Le Goff.). 2004. Jean Chesneaux. o volume dedicado ao século XIX foi dirigido por mim. A Pasúonfor Resisiance. 2000. Louise Michel. Michel Foucault. col. cf. p. Françoise Thébaud. 6 Graças a Françoise Basch. Arquivos do feminismo (centro dos arquivos em Angers). Emmanuel Le Roy Ladurie. as enfermeiras e assistentes sociais. 1996. Andrée Michel esclareceu do que se tratava. Seuil. 12-14. que alguns estudantes contestaram porque se equivocaram sobre o sentido da palavra "modelo". 1996. Masculin/Féminin. 1l Denise Guíliaume. 1976. Jean-Louis Flandrin. "Tempus". Le Journal intime. Les Mots des femmes. 38 Mona Ozouf. Philippe Lejeune e Catherine Bogaert.). Payot. "L'univers historique". Le Moi des demoiselles. "Les femmes journalistes et la presse (XVII-xvillc siècles)". À l'aube du féminisme: les premiéres journalistes (1830-1850). Chrysalides. 1991-1992. Des criminelles au village. 30 Sobre Malwida. 35 Philippe Lejeune. Paris. em Histoire des femmes en Occident. 39 Mona Ozouf. e. col. o volume Lettres retrouvées. "Archives privées". 42 Nina Ratner-Gelbart. L'identité féminine dans la fiction occidentale. Paris. Textuel. Gallimard. edição alemã completa. Plon. 1824-1849. quando se começa a falar de uma possível igualdade dos sexos. como dizia Flaubert a Sand. 1900. Le XIX siecle entre Ancien Regime et Révolution. Paris. 427-443. Paris. Nathalie Heinich. 1935. "Archives". Fayard. Paris. É preciso acrescentar. 2004. a esses. 40 Séverine Auffret publicou diversas obras de Gabrielle Suchon pela editora Arléa. Paris. Paris. de la légèreté. 2004. Les Aveux du roman. foi apresentado um espetáculo de leitura com Marie-France Pisier. L'Opinion des femmes. 1876). Presses Universitaires. 1992. Bartillat. 1979. Paris. Fischbacher. Indochine SOS. Paris. 1869. 44 Laure Adler. La Vie fragile. Seuil. 1979. 45 Michèle Riot-Sarcey. Seuil. Etats de femme. Ele transcreve longos trechos das Mémoires d'une idéaliste (edição em francês. La Démocratie à l'épreuve des femmes. Une Europienne du XIX siecle. 199. Paris. col. Armand Colin. Publications de la Sorbonne.). Histoire de la presse féminine en France. que se inscreve na "querela das mulheres" do século xvii. Malwida von Meysenbug. t. Albin Michel. Le corps et 1'art d'embellir de la Renaissance à nos jours. 2005. 1994.XX siècles. Fayard. 2006. col. Genebra. Gallimard. Femmes infanticides en Bretagne (xix siecle). sobre rodas as ações levadas a efeito para preservar a memória das mulheres. Paris. 2002. La Femme libre. Paris. des origines à 1848. 1983. La Rébellion française. 29 Annick Tillier. Presses de la FNSP/Des femmes. 33 A Correspondance trocada por Sand e Flaubert foi publicada por Alphonse Jacobs na editora Flammarion. Paris. 28 Anne-Marie Sohn. Paris. Paris. Cf. Gallimard. Gallimard.Minha história das mulheres 24 25 Tal como Georges Vigarello. ver a biografia de Jacques Le Rider. 5 vol. 43 Evelyne Sullerot. na temporada do inverno 2004-2005. 31 Edição apresentada por Martine Reid. Vingt-cinq ans d'amours adultères. Lectures et lecteurs à la Belle Epoque. Enquéte sur le Journal de jeune fille. 36 Diário publicado com o título Journal intime de Caroline B. 9) que traz informações sobre o estado dos acervos. 1996. Rennes. Trois figures critiques du pouvoir (1830-1848). 32 Publicados por Garniere Bordas (1964-1971). Fayard. 41 Anne-Marie Thíesse. Paris. col. "Quarto". edição francesa. 2004. col. 1986. Perrin. prefácio de Gabriel Monod. dentre as quais o Petit traité de la faiblesse. de l'inconstance qu'on attribue aux femmes mal á propos (Paris. Une jeune filie sous le second Empire. 1985- 37 Remetemos ao bolerim Archives du féminisme (dezembro 2005. 1995. L'Égalitéen marche. publicado por Thierry Bodin. pouvoirs et solidarités à Paris au xviii siecle. reportagem para Le Petit Parisien. bolso. 46 La Voix des femmes. Femmes dans la vie privée. Paris. Correspondance sentimentale d'Adèle Schunck et d'Aimé Cuyet de Fernex.. Paris. por Georges Ribeill e Michelle Perrot (org. Paris. 2001. 34 Paula Cossart. 27 Jean Nicolas. hoje esgotadas. Essai sur la singularitê française. 1989. Hachette. de maneira mais geral. ed. Le roman du quotidien. Le Chemin vert. a bibliografia ao final deste livro. 1661-1789. 47 Laurence Klejman e Florence Rochefort. em Gaíré-Montparnasse. Paris. Le féminisme sous la III Republique. 2002. Os trabalhos de Geneviève Sellier são pioneiros. 1966. XIX . Arletre Farge (dir.3. 2002). Histoire et anthohgie. Vivre dans la rue au XVIII siecle. 48 Andrée Viollis. 2005. 26 Arlette Farge. Violence. n. em Histoire de la beâuté. 2001. Paris. Paris. Arthaud-Montalba. Sob o título Chère Maitre. Mouvements populaires et conscience sociais. 38 . Seuil. Arléa. p. 3. Pas d'histoire sans elles. Celles qui n'ont pas écrit. 51 Bibliothèque Marguerite Durand. Paris. cf. Belin-Herscher. guia realizado pelo CRDP da academia de Orléans-Tours. 10 de janeiro de 2006. sobre as pinturas rupestres e as mãos das mulheres. 52 Claudine Cohen. 50 A completar por Françoise Thébaud (dir. Le Monde. 70. Édisud. por ocasião dos Rendez-vous de l'histoire de Blois sobre "As mulheres na história".Escrever a história das mulheres Em torno de Sylvie Schweitzer e de Danièle Vòldman. o índice de Manning (University of Central Lancashire) tenta medir o dimorfismo sexual.). 1995. 2004. acervo documentário sobre a história das mulheres e do gênero. me Nationale. La Femme des origines. Récits de femmes dans la région marseillaise. 49 AnneRoche e Marie-Claude Taranger. ímages de la femme dans la préhistoire occidentale.Pode-se consultar também Aspasie. no IUFM (Institut Universitaire de Formation des Maitres [Instituto Universitário de Formação dos Mestres]) de Lyon. 2003. 75013. Aix-en-Provence. prefácio de Philippe Lejeune. 39 . 1914-1945. O corpo O corpo das mulheres: é isso que abordaremos a partir de agora. Não o corpo imóvel com suas propriedades eternas, mas o corpo na história, em confronto com as mudanças do tempo, pois o corpo tem uma história, física, estética, política, ideal e material, da qual os historiadores foram tomando consciência progressivamente.1 E a diferença dos sexos que marca os corpos ocupa uma posição central nessa história. Não é a mesma coisa ser uma moça, ou um rapaz, na Idade Média ou no século XII. No discernimento das idades da vida, Philippe Ariès foi pioneiro com sua obra L'Enfant et la Vie de famille sous l'Ancien Régime? criança relativamente assexuada, sem que se saiba verdadeiramente por quê: representação da época? Ou do historiador que a descreve? Alguns dos aspectos que abordaremos em sua historicidade são os seguintes: as idades da vida de uma mulher; as aparências; a cabeleira como exemplo; a sexualidade; a maternidade; a prostituição. As idades da vida de uma mulher O que se destaca, de início, é a longevidade das mulheres: nos dias atuais, na França, elas têm uma expectativa de vida oito anos maior que a dos homens. Minha história das mulheres Mas não foi sempre assim. A taxa de mortalidade das mulheres era, ao que parece, superior à dos homens na Idade Média e na Época Moderna, por conta da alta mortalidade nos partos. A maternidade era devastadora, ainda mais que, em caso de dificuldades, se preferia salvar a criança antes da mãe: assim aconteceu nas primeiras cesarianas, praticadas na Itália. No século XIX, a tuberculose atingiu gravemente as mulheres, principalmente as mulheres do povo, subnutridas crônicas. A longevidade feminina é um fato recente, ligado aos progressos da obstetrícia e da ginecologia, ao melhor regime alimentar das mulheres, que vão ao médico mais vezes e são mais sóbrias. A precaução é um ingrediente antigo na educação das mulheres. "As meninas devem ser refreadas desde cedo", segundo Rousseau. O risco, sob todas as formas, é inerente à cultura da virilidade. Entretanto, a distância entre os sexos tende a reduzir-se, à medida que o modo de vida das mulheres se aproxima do modo dos homens; elas fumam, bebem, trabalham, circulam, viajam como eles, vivem e morrem quase como eles. E tal constatação sugere a que ponto essa longevidade não é um fato de natureza, mas de cultura e de comportamento. O biológico se dissolve no existencial. Resultado: a quarta idade é feminina. As mulheres povoam as casas de repouso. A solidão das mulheres idosas, empobrecidas, com uma aposentadoria reduzida e poucos recursos, é um dos problemas de nosso tempo que sugere a ambivalência do progresso. Comecemos pelo começo, o nascimento: a menina é menos desejada. Anunciar: "E um menino" é mais glorioso do que dizer: "E uma menina", em razão do valor diferente atribuído aos sexos, o que Françoise Héritier chama de "valência diferencial dos sexos". Nos campos de antigamente, os sinos soavam por menos tempo para o batismo de uma menina, como também soavam menos para o enterro de uma mulher.3 O mundo sonoro é sexuado. O infanticídio das meninas é uma prática muito antiga, que perdura maciçamente na índia e principalmente na China, por causa da limitação a um único filho: eliminam-se as filhas (sendo atualmente mais através do aborto) até que se tenha um filho. Por causa disso, há uma falta de centenas de milhares de meninas. A tal ponto que as sociedades de obstetrícia e de ginecologia da índia declararam em 1986 o "feticídio" feminino um "crime contra a humanidade". Um déficit demográfico das 42 O corpo meninas se acentua, o que começa a preocupar os demógrafos, como um freio possível à reprodução. A pequena infância (0 a 6 anos) é relativamente assexuada. A palavra "enfant" [que significa criança e é do gênero masculino em francês] funciona como um neutro. Até os três ou quatro anos, as crianças vestem roupas idênticas, uma túnica, mais prática para suas "necessidades"; os cabelos de ambos os sexos são longos, meninos e meninas participam das mesmas brincadeiras, vivem agarrados às saias das mulheres. Nas salas das creches, meninos e meninas se confundem. Depois começa um longo processo de sexuação. A menina é uma desconhecida. Antes do século XX, existem poucos relatos de infância de meninas. George Sand é uma exceção. Em Histoire de ma vie, ela conta longamente sua vida cotidiana, as relações com sua mãe, as brincadeiras, fala de suas bonecas, evoca as primeiras leituras, os devaneios em torno do tapete ou dos papéis de parede, contemplados durante as sestas intermináveis da infância. Mais tarde, as autobiografias de escritoras multiplicam esses relatos: dentre os mais belos, os de Marguerite Audoux, Colette, Nathalie Sarraute, ChristaWolf. No século XIX, a literatura educativa ou romanesca fornece elementos para uma galeria de meninas: Sophie (a condessa de Ségur), Alice (Lewis Carroll), a pequena Fadette (Sand), Cosette (Victor Hugo). Uma exposição do Museu D'Orsay4 destaca a presença das meninas na pintura, principalmente impressionista. Elisabeth Vigée-Lebrun pinta sua filha, Berthe Morisot — a sua Júlia — em todas as fases de sua vida. Mas além dessas representações, não é fácil delinear a vida real das meninas. Elas passam mais tempo dentro de casa, são mais vigiadas que seus irmãos, e quando se agitam muito são chamadas de "endiabradas". São postas para trabalhar mais cedo nas famílias de origem humilde, camponesas ou operárias, saindo precocemente da escola, sobretudo se são as mais velhas. São requisitadas para todo tipo de tarefas domésticas. Futura mãe, a menina substitui a mãe ausente. Ela é mais educada do que instruída. A escolarização das meninas é mais atrasada que a dos meninos, principalmente nos países católicos. Sob esse ângulo, o protestantismo, que promove uma leitura da Bíblia pelos dois sexos, é muito mais igualitário. Nos meios católicos, as religiosas se encarregam de ateliês onde ensinam às 43 nos de Jane Austen. e. no século XVII e mais ainda no século XVIII. não é somente um dever: é o seu habitus. o eterno noivo. Sua existência se abre num momento chave: a puberdade. Os ritos de passagem para esse momento crucial da adolescência praticamente não existem. segundo a fórmula de Monsenhor Dupanloup. até os 12 anos. embora as meninas já fossem em grande parte alfabetizadas. Eugénie Grandet — ou nos de George Sand. nos de Balzac — Ursule Mirouet. Elas são "educadas nos joelhos da Igreja". a prece e. fazendo uma pequena marca vermelha nos lençóis de seu futuro enxoval. com os mesmos programas -para um mesmo certificado de estudos que as meninas vão demorar mais a obter do que seus irmãos -. Logo cedo se estabelece um vínculo entre meninas e religião. Mas. principalmente.T. que prefeririam ígnorála. as personagens das jovens solteiras se multiplicam. seu mistério. sua indecisão.. o que se vê é o silêncio do pudor.. a costura. no entanto. . trecho de um verso do refrão da Marselhesa: qu'un sang impur abreuve nos sillons. A diferença dos sexos hierarquiza as secreções. com menos intensidade. tendo suscitado numerosos trabalhos.5 Na literatura. são constantes no romance inglês. a Escola separa os sexos num espaço não misto. "Ver * N. Nos campos da Borgonha. Em comparação com as meninas. O sangue macho dos guerreiros "irriga os sulcos da terra"* de glória.Minha história das mulheres meninas: rudimentos de leitura. sangue que ao escorrer involuntariamente é tido como "perda" e sinal de morte. para elas. Por uma questão de reputação moral.: Tradução de abreuve nos sillons. geralmente. O esperma é sementeira fecunda. nas vizinhanças de Bayeux e de Caen. como aconteceu na baixa Normandia. A piedade. E na obra de Proust elas andam em bando. pela imagem de pureza que encarnam e que reduzia Kafka. As jovens fascinam por seu frescor. Quando as leis Ferry (1881) instauram a escola laica. obrigatória. que. Elas formam a mão-de-obra ideal para as indústrias da renda. as moças passam o inverno de seus 15 anos na casa da costureira. é uma forma de revolução. gratuita para os dois sexos. ou mesmo da vergonha. sendo este ato considerado uma iniciação aos segredos da vida da mulher. ligado ao sangue das mulheres: sangue impuro. é pouco celebrada nas sociedades ocidentais. as jovens são muito mais visíveis. por exemplo. à impotência. por exemplo. na aldeia de Minot estudada por Yvonne Verdier (1979). Desonrada. Pois a violação é um grande risco. no segredo do sexo. A virgindade das moças é cantada. contrasta com a vigilância exercida sobre a jovem solteira burguesa. como seus irmãos. A filha das classes populares é posta para trabalhar muito 45 . a título de "agressão com ferimentos". grande tema medieval. a jovem (ou a mulher) é quase sempre considerada complacente: ela poderia ter-se defendido. mas na intimidade do corpo. No século XIX.O corpo correr seu sangue" ou não vê-lo mais é essencial para as mulheres. A liberdade da jovem solteira aristocrata. que visam ao casamento. vigiada até a obsessão. e quase sempre no maior desconforto. e aprende rudimentos de latim. que a consagra como virtude suprema. No caso de estupro cometido por apenas um homem. pratica esgrima. proteger a virgindade da jovem solteira é uma obsessão familiar e social. tem um preceptor ou uma governanta. somente o estupro coletivo é suscetível de punição pelos tribunais. o casamento de branco. sexualizada também: o branco. sacralizada. Somente a partir dos anos 1970 é que as mães falam preventivamente de menstruação com suas filhas. Será qualificado como "crime" pela lei apenas em 1976. está condenada à prostituição. O estupro é julgado em tribunais correcionais. como se dizia antigamente. Diferenças sociais consideráveis marcam a condição das jovens. principalmente se foram muitos os que o fizeram. Preservar. porque constitui um rito de iniciação masculina tolerado na Idade Média: Georges Duby e Jacques Rossiaud6 descreveram os bandos de rapazes em busca de presas. no Segundo Império. Os pintores da Anunciação. iniciada às atividades domésticas e às artes de entretenimento (o indefectível piano). cobiçada. virgem e mãe. simboliza a pureza da prometida. representam o anjo prosternado no quarto da jovem virgem. diante de seu leito estreito. Infeliz daquela que se deixa capturar. Essa valorização religiosa foi laicizada. e a publicidade anuncia as melhores proteções. celebra o modelo de Maria. A Igreja. Uma vez deflorada. os produtos de higiene levam em conta o "incômodo". que monta a cavalo. educada por sua mãe. refinada por alguns anos de estudo ou de colégio interno e submetida aos rituais de ingresso no mundo social. Torna-se para sempre suspeita de ser uma mulher fácil. não encontrará quem a queira como esposa. das "solteironas". natural do Berry. quase sem liberdade de escolha quanto a seu futuro.: Tradução livre de mariages qui se font par des amourettes finissent par noisettes.T. a anorexia — palavra surgida na Inglaterra por volta de 1880 -. criada doméstica "para todo serviço" na cidade. passageira. * N. 46 . geralmente em serviços domésticos. com as restrições do corpo e do coração. seriam a metáfora da frivolidade. destruidora. As jovens solteiras são vítimas de diversos males: a melancolia. impedida de procurar o pai da criança pela lei napoleônica. O celibato é considerado a situação das "desprezadas". ela é quase sempre exposta a trabalhos pesados e constrangida à promiscuidade. sem se saber o que delas fazer. à maternidade indesejada. exposta à sedução. mas não indispensável. seus projetos amorosos. "arranjado" pelas famílias e atendendo a seus interesses. instituído pelo cristianismo como via de perfeição. O casamento. Outras são admitidas como aprendizes em oficinas de costura ou numa fábrica. pretende ser aliança antes de ser amor — desejável. obsessão pela magreza. é exposta aos riscos da sedução. Os pais desconfiam da paixão. torna-se mais freqüente no começo do século XX.Minha história das mulheres cedo. Não é simples manter-se na condição de jovem solteira. Entretanto. que serão boas tias (deixando herança) ou intrigantes temíveis (La Cousine Bette de Balzac). mas também recusa da única opção colocada à sua frente. O celibato é uma escolha difícil que supõe uma certa independência econômica.. Serviçal de propriedade rural (como a Marie-Claire. sobretudo na Inglaterra. "Casamentos que começam com paixonites acabam com chiliques". retratada por Marguerite Audoux). o casamento. em português "avelãs". relegada à solidão e ao abandono.* dizia Brantôme. às uniões duráveis que fundam as famílias estáveis.7 o casamento é a condição normal da grande maioria das mulheres (da ordem de 90% por volta de 1900 na França. que ignoram o celibato. contrária às boas relações. que faz a apologia da maternidade e da utilidade. A porcentagem seria mais elevada ainda nos países do Islã ou na África. Não é mais o caso no século XIX. que traduz mal-estar. um pouco menos na Grã-Bretanha). onde redundant women são deploradas. Ápice do "estado de mulher". em que noisettes. que. cujo adultério é passível de ser levado aos tribunais. o casamento por amor anuncia a modernidade do casal. Sinal claro da individualização das mulheres. ao mesmo tempo. o adota e que praticamente deixa as mulheres sem nenhum direito. Código civil eminentemente patriarcal. Um homem de posses pode desejar uma jovem pobre. mas bela. mas contém em germe um reconhecimento da autonomia das mulheres e uma personalização do casamento. Ocorre uma longa e lenta expansão do casamento por amor. ela perde seu sobrenome. O apoio da Igreja foi fundamental. Dependente em seu corpo. e cuja apologia é feita por romancistas como Jane Austen e George Sand. seu abrigo seguro. ao instituir o casamento como um dos sacramentos. e também dos homens. Este era mais nominal do que real.O corpo O holismo familiar é total na Idade Média. a esterilidade é sempre atribuída à mulher. processo no qual as mulheres do século XIX têm um papel determinante. cuja sexualidade seria incoercível. dependente e dona-de-casa. É claro que o amor conjugai pode existir. "Quem 47 . O amor se realiza mais fora do casamento: amplamente tolerado para os homens. está reduzida ao "dever conjugai" prescrito pelos confessores. que completa sua feminilidade. Os termos da troca se tornam mais complexos: a beleza. Temida. por conseguinte. Mas é um golpe de sorte ou o triunfo da virtude. ele pode receber "corretivos". a única opção honrosa para uma mulher. depositário da ordem doméstica. Os encantos femininos constituem um capital. enquanto o dos maridos só pode ser condenado se praticado no domicílio conjugal. que triunfa no século xx. vergonhosa. é muito menos tolerado para as mulheres. O casamento por amor é. a atração física entram em cena. como uma criança indócil. de algum modo. Dependente sexualmente. A mulher casada é. ao consentimento dos esposos. principalmente na aristocracia. dado por Napoleão à França e mesmo à Europa. pelo chefe da casa. Cabe a ela usar dos poderes que lhe são conferidos ou relegados. ligado. em princípio. E ao dever de maternidade. Está submetida a regras de direito que têm por objetivo principal proteger a família: costumes do Antigo Regime. dominada pelas estratégias da linhagem. Dependente juridicamente. esse vaso que recebe um sêmen que se supõe sempre fecundo. A esterilidade torna legítimo o ato de repudiá-las: é o que aconteceu a Josephine de Beauharnaís. " Bater na mulher é uma prática tolerada. vivido diferentemente de acordo com os meios sociais. tem uma vida social. católicas em sua maioria. não interferem. da sexualidade e da sedução. e.9 são muito apegadas ao espaço da casa. "O homem deve ser rei em sua casa. Se os vizinhos escutam os gritos de uma mulher maltratada. é sair do campo da maternidade. focalizadas por Bonnie Smith. a burguesa parisiense de Balzac. na gestão dos bens (em função do contrato de casamento e na comunidade). avó do General de Gaulle. descreveram suas respectivas existências e seus dramas em domestic novéis bastante vitorianas. As burguesas do norte da França. Entretanto.Minha história das mulheres ama castiga.10 A viuvez atinge necessariamente grande parte das mulheres. quanto à transmissão de sua função doméstica e social. que tem uma boa renda por ser proprietária ou usufrutuária. muito ocupadas. casadas com industriais. Mães de famílias muito grandes. E nesse momento que a relação com o dinheiro mais se diferencia: a velha camponesa das regiões do sudoeste francês (em Gévaudan. A romancista Mathilde Bourdon e Joséphine de Gaulíe. por exemplo). Não ver mais seu sangue. Frédéric Le Play (1806-1882). na escolha do domicílio e com relação a todas as grandes decisões da vida familiar. desde que não seja excessiva. diz George Sand." A esposa é dependente economicamente. tão secreta quanto a puberdade. podem encontrar a felicidade no cumprimento de suas tarefas e na harmonia de seu lar. dispõe de influência e poderes que sabe como usar.8 um dos primeiros sociólogos a estabelecer monografias de famílias. em que refeições e recepções têm um papel relevante. admitida. o término da feminilidade segundo as concepções do século xix: "eu que não sou mais uma mulher". E um período bastante ambivalente. por conseguinte. principalmente com relação às filhas. onde persiste a prática de um direito do filho mais velho. destacou o papel das mulheres do povo na economia familiar e na gestão do orçamento. as situações de fortuna e os contratos de casamento. marca o final da vida fértil. com uma carreira de 48 . detêm um senso de dever elevado. constroem uma vida cotidiana ativa e uma mística feminina em torno da função materna e de dona-de-casa. inclusive quanto à educação e ao casamento dos filhos. é obrigada à cohabitação e é marginalizada quando se torna uma boca inútil. Essas mulheres. dona-de-casa. A vida de mulher dura pouco: a menopausa. tal como ocorre na tradição da cultura rural. na 49 . as despedidas das câmaras mortuárias põem em cena chefes de família. Nanon por exemplo. Como a testemunha mais antiga. é quase sempre a avó. uma imagem. as avós e demais antepassadas ocupam uma posição central. fragilizam particularmente as mulheres idosas que não têm mais espaço nas novas estruturas. vestido ou nu. Mas no coração dos descendentes. à memória. inclusive na Inglaterra do século XIX. antes de tudo. Os "grandes" enterros são os dos homens.O corpo dama patronesse adulada e respeitada nas associações dedicadas à beneficência e à caridade. Um rosto. As migrações. A morte das mulheres é tão discreta quanto suas vidas. Proust conta o falecimento de sua avó. A mulher é feita de aparências. autobiográficos ou romanescos. Sand lhe dedica o livro Contes d'une grand-mère. no livro Histoire de ma vie. Figuras de avós. Marie-Aurore de Saxe. Muito cuidadosa quanto à educação de sua neta Aurore. que se multiplicam no século XIX para remediar a solidão dessas vidas abandonadas que se vão. em alguns países. George Sand evocou longamente sua avó. Os de Louise Michel ou de Sarah Bernhardt são excepcionais e destacam mulheres quase heroicizadas." A velhice das mulheres se perde nas areias do esquecimento. Uma mulher que desaparece não representa muita coisa no espaço público. proprietários. emergem nos relatos. que sobrevive por mais tempo. E isso se acentua mais porque. quanto à transmissão. que é lembrada. o êxodo rural. coletiva ou familiar. as mulheres não vão ao cemitério nesse dia. Elas povoam os asilos de idosos. Para algumas. De resto. a ternura mais persistente. à oralidade. agricultores. a viuvez marca um tempo de poder e de revanche. As aparências: os cabelos das mulheres A mulher é. Os testamentos. e em seus romances "campesinos". um corpo. entretanto. embora sejam elas que cuidarão da manutenção dos túmulos. Na sociedade argelina dos romancesrelatos de Assia Djebar (eleita para a Académie Française [Academia Francesa] em 2005). primeira experiência de morte para ele. empresários ou homens públicos. e que sobreviviam na aldeia. 50 . haja vista à valorização das pernas longilíneas nas peças publicitárias. perscruta-se a parte superior. ora se mostrar. num misto de prazer e tirania. o Renascimento. a valorização das partes do corpo de acordo com as épocas. Uma troca desigual em que o homem se reserva o papel de sedutor ativo. é o que se lhe impõe. Em todo caso. por exemplo. segundo Marcelle Auclair da revista Mane Claire. daí a importância da moda. para não mais voltar ao assunto. nada ingênua. ninguém tem o direito de ser feia. ela é constrangida ao silêncio em público. diz Virgínia Woolf. E George Sand. sentindo-se pouco à vontade para se descrever nas primeiras páginas de sua autobiografia. transforma modelando as aparências. "Seja bela e cale-se". particularmente. Códigos bastante precisos regem suas aparições assim como as de tal ou qual parte de seu corpo. a busca da esbeltez. Os cabelos. Em suma. Progressivamente. A Marianne de Marivaux sabe perfeitamente armar suas tramas com graça. De vestuário também. No século XX. o rosto. Até o século XIX. principalmente. há pouco interesse pelas pernas. dizem as revistas femininas. as bainhas descobrem os tornozelos. depois o busto. desde a noite dos tempos talvez. "São as roupas que nos usam e não o contrário". as pernas entram em cena. Depois o olhar desloca-se para a parte inferior. embora seja bastante engenhosa em sua pretensa passividade. que. transcreve com humor os dados antropométricos de seus documentos de identidade. até que o século XX as resgate: todas as mulheres podem ser belas. tendo mais o que fazer do que ficar diante do espelho.Minha história das mulheres cultura judaico-cristã. enquanto sua parceira deve contentar-se em ser o objeto da sedução. E uma questão de maquiagem e de cosméticos. A beleza é um capital na troca amorosa ou na conquista matrimonial. Ela afirma que não se acha bonita e que isso pouco lhe importa. As feias caem em desgraça. os vestidos se ajustam mais à cintura. A estética é uma ética. Daí a revolta de algumas mulheres contra essa tirania. Quando criança. insistiu sobre a partilha sexual entre a beleza feminina e a força masculina. Primeiro mandamento das mulheres: a beleza. a obsessão quase anoréxica pela magreza sucedem à atração pelas generosas formas arredondadas da "bela mulher" de 1900. condensam sua sedução. Ela deve ora se ocultar. Questão de vontade. Georges Vigarello12 mostra as modificações do gosto e. são uma questão de pilosidade. condensando sensualidade e sedução e atiçando o desejo. no "Eu-pele". O pêlo recobre o sexo. estava em serviço com sua família. neste mundo. piedosamente conservados num medalhão. Os cabelos. A mecha de cabelos é uma lembrança que o século XIX eleva à dignidade de relíquia. Guardam-se. Escolhi falar dos cabelos das mulheres porque são o símbolo da feminilidade. "Não há mérito na paciência que tive em recolhê-los. os quais são cortados ao ser levado para a civilização. escreve Adèle. O menino selvagem .o de Jean Itard ou o de Rudyard Kipling (Mogli em Le Livre de la jungle) . desembaraçando os cabelos que te envio para que os ponha junto daqueles que você já tem". me dá a coragem necessária para arrumar todos esses cabelos. Os cabelos.14 essa fina película que limita interior e exterior. um a um. O pêlo sugere a animalidade da lã. acho. Buffon descreve assim um hotentote. a pilosidade. está muito próximo da animalidade: "sua cabeça coberta de cabelos eriçados ou de uma lã carapinhada. indispensável máscara da sociedade da corte. Assim aconteceu com Àdèle e Aimé.16 Levei duas horas. num palácio de Madri onde seu pai. ela faz o mesmo. entre selvageria e identidade Os cabelos. segundo a Correspondance excepcional publicada por Paula Cossart. Uma mulher apaixonada presenteia seu amante com uma mecha para ele guardar sobre o coração. que. mas afirmo que só você. antes de mais nada. E verdade que o tempo que passei nessa tarefa me embalou de mil idéias deliciosas. por sua proximidade com o sexo. segundo Norbert Elias.13 O pêlo está duplamente colado ao íntimo: por sua penetração interna. teve o seu papel no processo global de civilização. que.O corpo ela foi tomada de surpresa ao se ver nua diante de um espelho. Dar seus 51 . retomando a expressão de Didier Anzieu. aos seus olhos. Suas raízes penetram no corpo.tem cabelos longos.15 O pêlo mal domesticado sugere a presença inquietante da natureza. os cabelos louros de uma criança ou a mecha de cabelos do ser amado. das peles de animais. fazem parte da pessoa. Os selvagens têm longas cabeleiras. o rosto velado por uma barba longa sobre a qual caíam dois tufos de pêlos ainda mais grosseiros". oficial dos exércitos imperiais. Daí a domesticação levada ao extremo pela peruca. Ver-se no espelho sem cabelos. mas também de disciplina. da pessoa. Os deportados passam pela humilhação do crânio raspado. constitui uma prova terrível. segundo o visconde de Haussonville. assim como os prisioneiros. porque lhe foi dada como um véu". ela não sofreu completamente essa humilhação. a seu ver. por serem os últimos vestígios. que são apenas cortados. Diferença dos sexos e pilosidade: a barba e os cabelos19 O apóstolo Paulo escreve aos coríntios:20 "A própria natureza não vos ensina que é uma desonra para o homem usar cabelo comprido? Ao passo que é glória para a mulher uma longa cabeleira. Um fragmento que resiste ao tempo. Raspar os cabelos de alguém. Do mesmo modo. Simone Veil18 evocou o drama que a tosquia representou nos campos de concentração. pela ordenação das aparências. os detentos reivindicam o direito de conservar a barba e os cabelos cujo porte diferencia visivelmente os condenados dos acusados. quase vivos. uma parcela de seu corpo ao outro. da cabeleira cortada. é tomar possessão dele ou dela.Minha história das mulheres cabelos é dar uma parte de si. pois lhe deixaram os cabelos curtos. A disciplina carcerária passa pela disciplina do corpo. a ajudou. Nas prisões francesas do século XIX. E um dos primeiros "direitos" reconhecidos a estes últimos na Terceira República. a perda dos cabelos é particularmente sensível para as mulheres por serem o sinal mais visível da feminilidade. é torná-lo anônimo: os militares são raspados "a zero". as jovens encarceradas são obrigadas a usar uma touca "da qual nenhum fio de cabelo pode escapar". o que. as mulheres são poupadas da humilhação que seria a raspagem de seus cabelos. Sofrimento para todos. após uma quimioterapia. os escravos na Antigüidade são submetidos à tosquia. Tudo está dito: a "natureza" dita a honra que 52 .'7 Entretanto. homem ou mulher. Os cabelos dos deportados constituem os mais terríveis restos dos campos de concentração. dentre as quais a cabeleira constitui a parte mais sensível. por motivos de higiene. Os neonazistas fazem disso uma proclamação de virilidade.O corpo comanda o comprimento dos cabelos de acordo com os sexos. Os guerreiros trazem o crânio liso. ao contrário. A barba é outra coisa. A virilidade se afirma freqüentemente pelo crânio raspado. foi assim na Roma antiga. calor_e fecundidade. A barba mostra a ancianidade do homem. ou efetivamente despedidos. e preconiza deixar crescer barba e cabelos. Os conflitos foram freqüentes a esse respeito. diz Arnolphe na L 'Ecole des femmes. a duração fundadora. sua anterioridade com relação à mulher segundo Clemente de Alexandria. As épocas andróginas deixam-nos crescer: como durante o romantismo ou nos anos posteriores a 1968. signo da efeminação. coragem (a juba dos leões) e sabedoria: Deus Pai é representado barbudo. o tempo. que prega um ascetismo rigoroso. com freqüência. A paternidade. A indiferenciação da cabeleira encobre o desejo de indife-renciação sexual. Ela representa a idade. Ela significa potência. devem cortar os cabelos: "E uma desonra para o homem usar cabelo comprido". nessa época. e posteriormente cristã. Molière fala da "potência da barba". Mas ela deve ser domesticada. mas não para os homens. No século iv. A diferença dos sexos é marcada pela pilosidade e seus usos: os cabelos para as mulheres. Assim ocorreu com o unissex apregoado nos últimos trinta anos do século XX por nossos cabeleireiros urbanos. os Pais da Igreja combatem "os monjes barbudos". seu substituto.21 principalmente os discípulos de um certo Eustátio de Sebaste. A santa que quer conservar a virgindade pede a Deus para lhe fazer crescer pêlo no queixo: a "santa barbuda" se preserva adotando a identidade do outro sexo. Pode ser um sinal de virilidade. "A barba é onipotente". Paulo preconiza o véu para as mulheres. a barba para os homens. o que hoje em dia já saiu de moda. os "cabelos longos" eram censurados e os jovens ameaçados de exclusão. como Abraão. Os cabelos são considerados. Do mesmo modo os fiéis. o abandono da sexualidade. Nas empresas. Deus nada mais faz além de seguir as regras criadas por ele mesmo. se persistissem em não cortá-los. 53 . que. Há um simbolismo viril da barba. amante de Cristo. e em seus jardins. a ponto de se utilizar. na decoração da árvore de Natal. Os impressionistas jogam com os reflexos dos cabelos daquelas que eles retratam no interior de suas casas. a prostituta (para alguns. estações de metrô) e dos 54 .. Como o anjo anunciador Gabriel. Veronese. Os homens decapitados por elas -Holofernes.Minha história das mulheres Os cabelos. Eva e Maria Madalena são dotadas de espessas cabeleiras que fazem a beleza da estatuária medieval e da pintura do Renascimento alemão (Dürer. Os anjos. assim como a escola de Fontainebleau e a escola alemã retrataram a Eva. cheio de volutas.23 uma forma familiar. ao piano ou costurando. Os pintores vienenses acrescentam aos reflexos um toque erótico. faz dos cabelos das mulheres um de seus motivos principais. Tintoreto. do sexo e do pecado. Por outro lado. ela faz sonhar. A sensualidade dos pintores do Renascimento explode na pintura do corpo das mulheres e de sua cabeleira: Boticelli. Mesmo na condição posterior de santa. aliás. é representada com sua abundante cabeleira. tão farto de cabelos quanto ela. um elemento essencial da decoração das cidades (fachadas de imóveis. as mulheres cruéis. a Melancolia e as feiticeiras com cabelos ondulantes e drapeados.. também têm muito cabelo. Sarah — logo. Sinal da ambigüidade sexual dos anjos e dos cabelos: os anjos não têm sexo.). exibição e símbolo da feminilidade: representações e imagens A representação dos cabelos das mulheres é um tema maior de sua figuração. Cranach). o autor do best-seller O código Da Vinci chega a fazer dela a esposa de Cristo. principalmente quando se quer sugerir a proximidade da natureza. O art nouveau. da animalidade. na maior parte das vezes cobrindo os ombros. com o qual tivera uma filha.22 O inventário abundante das representações picturais dos cabelos das mulheres reservaria muitas surpresas: a Virgem da Anunciação visitada em seu quarto usa longos cabelos de menina. enxuga os pés de Cristo com seus longos cabelos. Maria Madalena. Judíth ou Salomé. Principalmente Renoir. mas têm cabelos que talvez substituam o sexo. João Batista — também são muito cabeludos. como se elas quisessem atacar o seu excedente de virilidade. guirlandas cintilantes chamadas de "cabelos de anjo". sempre têm muito cabelo. medo. cornijas dos tetos. grande século do esconder/mostrar. a sedução. A antologia literária também é abundante — em menor quantidade nos romances. que cativa o homem. No Journal du séducteur. mais fraca que o homem. a feminilidade. não é então uma natureza mais imperfeita que o homem. como uma criminosa. Schiele. mais ainda. do que nos poemas. a carne. em particular dos pintores vienenses (Klimt. segundo as Escrituras que apontam várias razões para isso. é totalmente diferente. a sua força. a tentação. essa cabeleira é a sua beleza. em Les Fleurs du mal. torturada pela sexualidade feminina. Assim ocorre na arte decorativa da escola de Nancy. Isso se estende do erotismo refinado dos pintores... o acorrenta e o liga à terra. que dão ritmo a esse magnífico poema. semelhantes a sarmentos floridos que a prendem à terra. Os cabelos são a mulher. odores. que fortalece o erotismo. ao erotismo mais vulgar dos cartões postais de 55 . o pecado. ornamentos de chaminé. A linguagem de Kierkegaard. Há uma erotização dos cabelos das mulheres. segundo o poeta. corte seus cachos abundantes. principalmente no século XIX. aterrorizando a todos. um dos mais belos jamais inspirados pela cabeleira feminina. se tiver coragem. é um sinal de sua imperfeição. Eu gostaria de dizer a um desses tolos que pregam a emancipação: olhe. onda dos sentidos. rompa as pesadas correntes e deixe-a correr como uma louca. que mantém os homens cativos: O que de mais belo existe que a cabeleira abundante de uma mulher.25 Fascinação. Baudelaire intitula "A cabeleira":24 cores. maçanetas.). e quase o toca com suas longas trancas.. pois é com ela.O corpo interiores. para se libertar da obsessão de suas cabeleiras e talvez da culpabilidade de desejá-las.. entortam-se nesses cabelos. evocação do mar. E seria isso mesmo! Que se olhe a mulher quando inclina a cabeça para o chão. no entanto. ei-la em sua imperfeição. reduzidos à evocação da cor de cabelos ocultos por chapéus. ódio irrigam esse texto emblemático. tratadas todas como loucas ou criminosas. como se pode ver na mansão Majorelle dessa cidade: vasos. ele evoca o que lhe inspira a cabeleira. cujo olhar é voltado para o céu e que apenas toca o solo? No entanto. em que se aborda a questão de tosquiar as mulheres. que essa profusão de cachos? E. sensualidade e êxtase. Como aquele que. e para com o homem. Na primeira Epístola aos Coríntios (11. então corte o cabelo. para com Deus. a rica. seu representante. de pudor. As mulheres devem calar-se nas assembléias. Usar o véu como sinal de dependência: "a mulher deve trazer sobre sua cabeça o sinal da autoridade". Porque a mulher foi criada para o homem. os Pais da Igreja acrescentam exigências. O véu é sinal de autoridade: já em Roma. pode ser constrangida ao divórcio. de sua parte. se é vergonhoso para a mulher ter os cabelos cortados ou a cabeça rapada. Esconder os cabelos das mulheres: a longa história do véu O véu26 era de uso corrente no mundo mediterrâneo antigo. religiosas e civis. O apóstolo Paulo inova. dedica dois tratados ao que se tornou uma preocupação maior da cristandade nascente: Le Voile des Vierges e La Toilette des femmes. E preciso velar o corpo das mulheres e sua cabeleira. Mas sem obrigação religiosa. Ele é sinal de dependência. ele escreve que. 5-10). os homens devem se descobrir e as mulheres se cobrir. falta ao respeito ao seu senhor. Usar o véu ao profetizarem. A mulher casada é propriedade de alguém. logo deve ser velada. reivindicam não usá-lo. então que se cubra com um véu. mas isso vale para os dois sexos. ainda mais quando representam as mulheres das colônias ou as judias. o véu reveste-se de significações múltiplas. Ora. não tendo a cabeça coberta. Assim. 56 . O véu é instrumento de pudor. de honra. Se uma mulher não se cobre com um véu. Nem o Antigo Testamento nem os Evangelhos fazem exigências quanto a isso. "a mulher deve trazer o sinal da submissão sobre sua cabeça. E certo que em vários ritos sacrificiais greco-romanos deve-se cobrir a cabeça. Toda mulher que ora ou profetiza. Tertuliano. Depois de Paulo.Minha história das mulheres 1900 que retratam o nu e os cabelos. por causa dos anjos". As moças não usam véu. nas assembléias. objetos de tentações. porque é como se estivesse rapada. Tertuliano considera as toucas e os lenços insuficientes. uma mulher casada que sai sem seu lenço. Significa oblação. A questão do véu foi um ponto central nas discussões do Concilio Vaticano li. ter a cabeça coberta. A igreja faz do véu das religiosas uma obrigação. tão pouco compatíveis cora as exigências da vida moderna. para as argelinas. é difícil de aceitar. Ou ainda.: Na França. Em sua agonia. como o mostram. Na época da Guerra da Argélia. pelo menos. para elas. sacrifício da esposa. Essa prescrição. o véu é. devem. entre os clérigos e as religiosas. Hoje. à noite. Fiéis aos Pais da Igreja. por vezes. ela tira.O corpo Sinal de virgindade. sobretudo a partir do século IV. O véu da noiva é um véu nupcial que apenas o marido deve retirar. Num mundo de homens. no entanto. ela tenta se desfazer dele. em seu romance autobiográfico. tira o véu e deixa livres os seus cabelos. eles próprios dispostos a se laicizar. véu de oblação da religiosa. parece que entro numa casa que está sempre às escuras". os clérigos. As relações entre o islã e o véu são controversas e não as resolveremos aqui. que. com prazer. diz a irmã Désirée des Anges. a "mulher sem sepultura" de Cesaréia (Cherchell) dissimula suas ligações com o maquis* sob o seu véu. põe em cena uma religiosa que sofre com essa exigência: "Quando me visto. resistiram e mantiveram a obrigação do véu. O uso do véu pelas próprias mulheres é complexo.27 o Corão não estabelece nenhuma obrigação a esse respeito. o selo de sua castidade e de seu pertencimento a Deus. que pediam para tornar mais leves suas roupas. mesmo sendo muito liberadas. hábito e véu. oferenda. os romances de Assia Djebar. o véu figura o hímen. A Igreja impõe o véu às religiosas e aconselha-o às demais mulheres. designação de local de difícil acesso onde se reuniam os membros do movimento clandestino de resistência à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Segundo Malek Chebel. as mulheres iranianas. a única possibilidade de circular no espaço público. Mas o islã cresceu no seio de culturas mediterrâneas que ocultam as mulheres. usam o N. assim como é ele que deflora o hímen. simplificando-o. no dia em que professa. para grande escândalo de suas "irmãs". 57 . Véronique "julgou que era vergonhoso para uma religiosa deixar ver seus cabelos". T. que suspeitam de que ela tenha traído seus votos de castidade. oferece sua cabeleira a Deus e põe o véu para ele. Marie-Claire. harém. as mantêm confinadas (gineceu. mulher escondida da cultura árabe-andaluza). Marguerite Audoux. vulgar. na França. os quais dividiram as próprias feministas. Na noite de núpcias. a esposa solta os cabelos para o marido. ou mesmo apenas no quarto de dormir. que se tornam verdadeiros "bolos de noiva". raramente são deixados soltos: na maioria dos casos são presos num coque que só se desfaz na intimidade do lar. Compreende-se que seja um objeto de discórdia. fazem da recusa ao uso do véu uma afirmação de sua liberdade: é o que acontece no Marrocos. está presente tanto no movimento de reivindicações Niputes ni soumises [Nem putas nem submissas] quanto nos debates em torno da lei sobre a proibição do véu na escola pública. de distinção e de moda. por conseguinte. Sob o véu. do poder e dos homens. A mulher jovem que se entrega ao amante se mostra ansiosa quanto a suas roupas e seus cabelos. enfeitar ou pentear os cabelos: instrumento de sedução Cobrir ou enfeitar os cabelos. é objeto de convenções. nas mulheres. Cobrir. Mas em público. Posteriormente. São vários os penteados. uma mulher de cabelos soltos é uma figura do povo. um fetichismo do penteado. e a partir de então apenas ele terá esse privilégio. as mulheres berberes não usam véu. voltou-se a atenção para os próprios cabelos. que saem às compras. que. Eu te ponho um véu porque tu me pertences. As feministas do Magreb. elas se vestem como querem. O véu é um símbolo de dominação das mulheres e de seu corpo. das feirantes que nada usam para cobrir os cabelos. Ainda mais quando o fundamentalismo pretende submetê-las a isso. uma mulher "de respeito" traz a cabeça coberta.Minha história das mulheres véu para se proteger. A moda logo impõe o chapéu tanto para os homens como para as mulheres. abrigar-se do olhar. embora minoritárias. Mas. nas feiras. e talvez seja um sinal de resistência à arabização. 58 . se estão ou não penteados e cobertos pelo chapéu. No século XIX. como os que Maria Antonieta gostava de usar. distinguem-se as burguesas que usam chapéu. Mas foi a partir dos séculos XVII e XVIII que se produziu uma espantosa inflação de chapéus para as mulheres. Adorno observa que há. os cabelos dourados recuperam seu lugar: a cabeleira doce e cândida do anjo louro à inglesa e a de Nana. pois têm cabeça quente e são tidas como feiticeiras. da elegância. Brigitte Bardot. por exemplo). que entram para as faculdades de medicina para cuidar da saúde do povo. -Ela gaba os prazeres de "travestir-se num sexo indefinido". Como a modista. torna-se o cúmplice. luxuriante e sensual. Esboça-se assim uma silhueta de mulher jovem de cabelos curtos ("tosquiada'. liberação dos costumes. se desenvolve e reivindica a libertação do corpo. já em' 1902.28 Isso é certo para a maioria dos pintores: a preferência é marcante pelas cabeleiras que iluminam suas telas (as de Veronese ou Tintoretto. A própria Louise cortou seus cabelos para combater durante a Comuna e sempre os usou semilongos. Madonna.30 de 1920 a 1930 As primeiras mulheres a cortar os cabelos foram as estudantes russas dos anos 1870-1880. o cabeleireiro entra em cena. Os homens. Os Anos Loucos. Colette. Mas pouco tempo depois. Influenciado pela Espanha de Goya e pelo Oriente. A cor dos cabelos seria um capítulo à parte.29 Cortar os cabelos: sinal de emancipação. preferem as louras. os "salões de cabeleireiro" funcionam como verdadeiros boudoirs. Grace Kelly. Liberação política. assim como os cabelos. No século XX. preferidas de Toulouse-Lautrec. 59 . as ruivas. Os espartilhos caem em desuso. segundo dizem. partidárias ou não do niilismo. diziam alguns) que seduziu Louise Michel. corta as longas tranças de Claudine (sua primeira identidade literária). Comprimento. Passam a fazer parte da mise-en-scène da sedução. as saias ficam mais curtas. das mulheres. em objeto de arte e de moda. corte. Em contraste. afirmação de um safismo andrógino ou de uma extrema feminilidade (a poetisa Renée Vivien com sua aparência de pajem) caracterizam a new woman da Belle Époque. as vamps são louras em sua maioria: Marilyn. cor dos cabelos são objeto de códigos e de modas.O corpo O penteado transforma os cabelos em peça do vestuário. cujos cabelos de ouro são acariciados no romance de Zola — além daquelas cabeleiras que se desdobram nas telas impressionistas. o feminismo europeu ganha força. principalmente nas de Renoir. o romantismo aprecia o brilho de azeviche dos bandos negros. até mesmo o confidente. não têm boa fama. Por volta de 1900. condutoras de bonde. dirigir automóvel. apoderam-se de novas disciplinas 60 . do mundo de antes da guerra. presentes em tantos cartões postais. se modernizam. Nova sexualidade numa onda de homossexualidade que se estende a toda a Europa. Revistas — Minerva. Novos tipos de vestuário: o chapéu sem abas. a saia-calça. experimentam um sentimento de liberação. De liberação sexual: as lésbicas apóiam essa moda que lhes convém. editoras de James Joyce. Muitas tendências se afirmam: a juventude. Assim se delineia uma silhueta andrógina. A canção de Dréan reflete a nova moda: "Ela mandou cortar seus cabelos/ Como uma menina/ Gentil/ Ela cortou seus cabelos/ Dizendo/ Assim vai ficar muito melhor/ Pois as mulheres são como os homens/ Para seguir a moda/ Cômoda/ Todas elas cortaram seus cabelos". motoristas de ambulância. Claude Cahun.31 Ora são cabelos frisados. Poiret — resistem à "masculinização". muitas vezes aos pares: Colette e a baronesa de Zuylen.principalmente as mulheres -. tal como a italiana Sibila Aíeramo (1876-1960). ao contrário . essa prática se generaliza. De início. Um desejo de leveza. Gertrude Stein e Romaine Brooks. entram para a universidade. Para as comodidades do trabalho. também chamada de Marcel Moore.32 Aparecem novos tipos de mulheres. o tailleur (Chanel). Ora são cortes retos que dão às mulheres a aparência de rapazes. mesmo por Colette. a critica por sua falta de feminilidade. essa moda era aceita com reservas. operárias das fábricas de munição. embora tenha dado o exemplo. Novas atitudes: fumar. propício ao esporte. a calça comprida. que tece loas aos cabelos alla maschietta: "E como uma iluminação. principalmente quando elas usam tailleur. As mulheres aspiram a novos papéis. Sylvia Beach e Adrienne Monnier. de ter passado de uma época à outra". Vogue — se convertem a ela. a modernidade. as famosas livreiras da rua do Odeon. freqüentar cafés. em "permanentes" produzidos por bigoudis elétricos: as mulheres ficam com a aparência de carneiros. o novo corte se generaliza com variantes. Após a guerra. assim como alguns costureiros célebres.33 e Suzanne Malherbe. Os representantes da alta costura—Worth. Madeleine Vionnet. simplesmente. Outros. que.Minha história das mulheres A guerra acelera o movimento. Tenho o sentimento. a célebre fotógrafa etc. gravata e piteira. enfermeiras. tendo à frente Coco Chanel. ler jornal em público. Depois. morto para elas. a vontade de se emancipar das modas de outrora. aventuram-se na criação literária ou artística (principalmente na pintura) e penetram até mesmo nas vanguardas. etnologia. de uma prática que tomou toda a França e que atingiu aproximadamente vinte mil mulheres. "Quando é que o aparelho de tosquiar vai retirar-lhe [à mulher] um de seus meios de sedução?" — lê-se num editorial do jornal La Liberation de 1'Aunis et de la Saintonge. como Germaine Tillion e Denise Griaule. ou freados. pela crise e pela ascensão dos totalitarismos. Depois da Segunda Guerra e da Ocupação. Tosquiar as mulheres A tosquia dos cabelos é. O ritual era sempre o mesmo: tosquias públicas. tanto nas grandes cidades quanto nos campos. exercem profissões que até então lhes eram vedadas. trata-se não somente de excluir a mulher da comunidade 61 . definitivos sob vários aspectos. como diz Alain Brossat. ao insulto. eram acompanhadas de desfiles. Desde a Antigüidade. aos prisioneiros. Posto a nu. um sinal de ignomínia. e na descoberta dos campos de concentração. Essa prática começa já na primavera de 1944. Tais avanços. aos escravos. Tosquiavam-se as feiticeiras como se sua longa cabeleira fosse maléfica. é a importância simbólica dos cabelos. significa nova mulher. Mostrou a extensão. com uma segunda onda em maio-junho 1945. francamente antifeministas. No crânio raspado desenha-se a cruz gamada. e mesmo na Idade Média.O corpo (psicanálise. O que chama a atenção. nesse momento brilhante dos "Anos Loucos". O corpo degradado pelo corte dos cabelos. a "tosquia" tornou-se. Trata-se de um dos aspectos mais sinistros da liberação: um carnaval sem graça. o que dava vazão à caçoada. que exploram a África). praticadas sobre estrados. uma prática maciçamente utilizada contra as mulheres suspeitas de "colaboração horizontal". no retorno dos prisioneiros do STO (Service du Travail Obligatoire [Serviço do Trabalho Obrigatório]). "Com a tosquia. à desforra sobre mulheres tomadas como bode expiatório das fraquezas de todos. O corte dos cabelos. nova feminilidade. e mesmo a generalização.34 Fabrice Virgili o estudou em sua tese. um dos primeiros a estudar o assunto. uma vez mais. na França. são brutalmente detidos. Assim ocorreu com Joana d'Are (Jany Holt encarna de forma definitiva a Joana tosquiada de Dreyer). imposto aos vencidos. de longa data. Michel Foucault publicou em 1978 as recordações de Herculine Barbin dite Alexia B. comenta Alain Brossat. restabelecer a hierarquia dos sexos que. Calcula-se o valor político do corpo da mulher. é o fundamento da ordem social. ex-embaixador turco.Minha história das mulheres nacional. nunca ninguém ousara representar a vulva entreaberta de uma mulher. pertenceu ao psicanalista Jacques Lacan. ponto de honra. O sexo é "a pequena diferença" anatômica que inscreve os recémnascidos num ou noutro sexo. Uma medida higiênica de asseio. intitulada "Les viés parallèles". 62 . considerado mulher. Kalil Bev. de desinfecção e de erradicação do mal.35 E preciso punir as mulheres por sua conduta vergonhosa. para muitos. purificar o povo da França de seus comprometimentos. E em particular o valor de seus cabelos. tomando o corpo das mulheres como bode expiatório. A tosquia é um rito expiatório de purificação. objeto de poder. único título de uma coleção que ele havia lançado. Pôr véu nas mulheres corresponde a mostrar sua dependência. todos os crimes da colaboração". mas também de destruir a imagem da feminilidade. que faz com que sejam classificados como homem ou mulher. Como pano de fundo: a tela de Courbet. mais tarde. Os cabelos das mulheres ainda são uma questão em pauta. Conta o drama de um hermafrodita. O sexo das mulheres O sexo das mulheres: é o que abordaremos agora. L'Origine du monde. que a guardava secretamente sob uma cortina. Essa tela foi pintada para um colecionador de telas eróticas. "Tudo acontece como se a tosquia fosse encarregada de levar para o deserto do exílio social todos os pecados. A erotização que precede a tosquia é seguida de um processo de dessexulização" — escreve Fabrice Virgili. de uma outra maneira. com efeito. como um tesouro escandaloso. as paixões que envolvem o véu. Como se o destino do mundo repousasse sobre suas cabeças. Na França e no mundo. Isso explica. hoje no Museu d'Orsay. O quadro. A indiferenciação é um drama. e escandalosa era ela. o leite — não têm o mesmo poder criador que o esperma. uma forma malcozida. Inferior. as pessoas se inscrevem na dualidade. Freud faz da "inveja do pênis" o núcleo obsedante da sexualidade feminina. um ser incompleto.30 através do qual a sociedade organiza a diferença. um vaso do qual se pode apenas esperar que seja calmo e quente. e deprecia o "baixo". que inspirou Simone de Beauvoir. de início. Mas também por sua biologia. no Le Deuxieme sexe (1949). a mulher não é mais que um receptáculo. Os trabalhos pioneiros vêm dos antropólogos: como Margaret Mead (1935). esburacado. Assim ocorre na Idade Média. elas são apenas nutrizes. num corpo cuja historicidade seria prioritária? Limitar-me-ei a algumas observações sobre a história da diferença dos sexos. sem que. A transexualidade é hoje reconhecida. animal. "Não nascemos mulher. Algumas a minimizam. marcado para a possessão. Na maior parte das vezes. o sangue (o sangue impuro). de sua genitália. Para Aristóteles. no entanto. As relações do sexo (biológico) e do gênero (social.O corpo que se sentia um homem. Seus humores — a água. Na geração. que hesita a respeito desse recorte: o sexo é a determinação primeira? Ele não pertenceria ao gênero. A mulher é um ser em concavidade. obteve o reconhecimento de que o era. para a passividade. quando se considera que os sexos são variedades de um mesmo gênero. a mulher é um homem malacabado. nobre sede da beleza. Tornamonos mulher": a fórmula famosa rompe com o naturalismo e convida à desconstrução das definições tradicionais. como já foi dito. Só se descobrirá o mecanismo da ovulação no século xviii e é somente em meados do século XIX que se reconhecerá sua importância. um defeito. A importância atribuída ao sexo não é a mesma ao longo das épocas. De Aristóteles a Freud. O Renascimento. seja mais fácil conviver com ela. a mulher o é. o sexo feminino é visto como uma carência. para retomar a expressão de Erving Goffman. exalta o alto. Primeiramente sobre a representação do sexo feminino. por causa de seu sexo. uma fraqueza da natureza. mas acabou por se suicidar por causa da dificuldade em viver tal situação. distingue o "alto" e o "baixo" do corpo. 63 . Por sua anatomia. cultural) são o cerne da reflexão feminista contemporânea. no arranjo entre os sexos. ou mesmo do sagrado. "Não há nenhuma paridade entre os dois sexos quanto à conseqüência do sexo. entretanto. "vida suave e sedentária". elas são sujeitas à pureza. em 1854) e concebe sem o homem. Elas devem se 64 . "No século XIII. Thomas Laqueur. a carne é fraca. mediadora. das ciências naturais e médicas. a fêmea é mulher ao longo de sua vida ou. repouso. é seu modelo e protetora. em especial as mulheres. o assiste em sua morte: a mãe perfeita. ela carrega seu filho no ventre. tudo a liga constantemente a seu sexo. mas somente mãe. "pela intervenção do Espírito Santo". fundamento da identidade e da história dos seres. ao mesmo tempo. ao longo de toda a sua juventude. da paz do lar. protetora. para o bom cumprimento de suas funções. A virgindade é um valor supremo para as mulheres e principalmente para as moças. As virgens das catedrais e das igrejas transmitem essa presença pacificadora. Pio IX. Daí a importância atribuída ao hímen e à virgindade. O pecado da carne é o mais terrível dos pecados. é-lhe necessário ter uma constituição que o propicie": cuidados. é mãe em toda plenitude. para a Igreja de João Paulo II e de Bento XVI. O macho é macho apenas em certos momentos. uma linha Maginot da moral cristã. rainha dos conventos. como mostrou. patrona das moças. o alimenta. o sustenta em sua paixão. seguindo a linha de Foucault. Ela é.Minha história das mulheres O século xviii. que a absorve e a impregna completamente. de Maria. Ainda hoje. Filhas de Maria. e. A virgindade no casamento é seu capital mais precioso. que marca sua função na família e seu lugar na sociedade. concebida sem pecado (dogma da Imaculada Conceição. escreve Rousseau (Émile). O pudor é o seu ornamento. mas também obsedante.37 A mulher é identificada com o seu sexo. fechado e possuído. A Virgem Maria. Sexualiza os indivíduos. A mulher se confunde com seu sexo e se reduz a ele. Principalmente pelo cristianismo. descobre a parte de "baixo". que faz da castidade e do celibato um estado superior. escreve Michelet. a sexualidade constitui um bastião de resistência ao mundo moderno. como a do prazer e da vida. O sexo das mulheres deve ser protegido. com uma insaciável "vontade de saber" o sexo. Para os Pais da Igreja. da sombra da casa. Deus mudou de sexo". o segue em suas predicações. em oposição a Maria Madalena. Ela precisa da proteção da família. A Virgem é rainha e mãe da Igreja medieval. A Virgem. pelo menos. Ele "inventa" a sexualidade. A sexualidade das mulheres: um mistério. Desconhecida. No limite da histeria. por muito tempo. para os homens. "a mulher inspira o homem enquanto ele não a possui". são encarregadas de remediar essa "miséria sexual". Moças sozinhas à noite precisam ter cuidado. temor constante de Stendhal. mulheres sedutoras das casas de má fama. O direito do esposo é mais real. Avidez: o sexo das mulheres é um poço sem fundo. perde suas forças e sua vida beira a impotência.38 Os homens sonham. Esse medo da sexualidade da mulher que não se pode jamais satisfazer é a origem do fiasco. uma canseira para elas. entretanto. do sadomasoquismo. em La Physiologie du mariage. A virgindade das moças pertence aos homens que a cobiçam. onde o homem se esgota. Segundo Kierkegaard. Balzac. em plena expansão no século XIX. há a necessidade de se afastarem das mulheres. no entanto. Não estão mais protegidas do que as mulheres na cidade noturna moderna. Mais mito do que realidade. Misteriosa. não desejam o ato sexual. prostitutas. o direito do senhor feudal de deflorar a mulher do servo não deixa de ser rico de significações.O corpo defender da sedução e do estupro. Daí surge. texto alusivo e preciso ao mesmo tempo. é praticado por bandos de jovens em busca de iniciação. sua representação oscila entre dois pólos contrários: a avidez e a frigidez. que precisam de todas as suas forças para vencer. ignorada. Principalmente a partir dos séculos XVIII e XIX. cobiçam. e considerado como tal. É por isso que para o soldado. é bastante difundida. a necessidade. prática largamente difundida ainda hoje na África 65 . o atleta. O corpo das mulheres está em perigo. tornou-se cada vez mais íntimo. a justificativa de procurar o prazer em outro lugar: amantes. o qual. pois se apodera de sua mulher na noite de núpcias. a sexualidade feminina atemoriza. Essa posse o aniquila. Ritual que. como o mostra a prática da viagem de núpcias. verdadeiro rito de tomada de posse. E provavelmente da excisão das meninas. da pornografia. E a fonte do erotismo. imaginam o sexo das mulheres. era público (a verificação do lençol manchado que sobrevive na África do Norte). Frigidez: a idéia segundo a qual as mulheres não sentem prazer. mostra mulheres que alegam estar com enxaqueca para furtar-se ao dever conjugal. que. é prescrito por seus confessores. Minha história das mulheres muçulmana. fora da idade permitida para o amor. por vezes. A sexualidade consentida. nota-se uma extensão ao outro sexo. e mesmo na Europa. A histérica é a mulher doente de seu sexo. escreve Flaubert a Sand.40 Não há. "Engana-se a natureza até mesmo nas aldeias". a histérica sofre uma metamorfose. Altar da sexualidade. identificado por Nicole Edelman:391) a histeria "remonta" do útero ao cérebro. apesar de sua reprovação ao pecado de Onan. 2) com isso. perscruta seus movimentos convulsivos. doentes. sujeita a furores uterinos que a tornam quase louca. Maléficas. A histeria abre o caminho para as "doenças das mulheres" e para a psiquiatrização e psicanálise dessas doenças. em conseqüência das migrações. de tomá-los por trás. A feiticeira alimenta a escuridão das noites de sabá. nas segundas-feiras do hospital da Salpêtrière. "Estou histérico". Mas não sabemos muita coisa sobre ela. Charcot confirma. as feiticeiras têm a reputação de cavalgar os homens. O prazer feminino é tolerável? As mulheres cuja sexualidade não tem freios são perigosas. entretanto. têm a reputação de fazer amor como não se deve fazer. as mulheres apreciavam os maridos "atentos" e elas próprias sabiam se furtar. A guerra acentuará o diagnóstico da bissexualidade da histeria. e o coito interrompido. na cristandade. Novas feiticeiras. Diana figura a sexualidade liberada. é conjugal. em manifestações coletivas de internatos ou de fábricas no século xix. assemelham-se a feiticeiras. ela atinge os nervos. A histeria atinge os homens. Até a Igreja recomenda discrição aos confessores. Mesmo quando ficam velhas. Mas é o seu útero. numa França que restringe seus nascimentos desde o século xvii. o leito conjugal escapa aos olhares. e não o diabo que é incriminado. e mesmo exigida. que explodem. é contrário à posição dita natural: em suma. outro meio de evitar a concepção. dotadas de "vulvas insaciáveis". produzindo-se um duplo movimento. A mulher torna-se "nervosa". objeto da clínica dos psiquiatras. Cada vez mais preocupadas em limitar a dimensão de sua família e prevenir a gravidez não desejada. Não era sempre que repudiavam as carícias 66 . as convulsionárias assemelham-se às possuídas de Loudun que Urbain Grandier tentava exorcizar. o que. Charcot. escreve Moheau em Recherches et considérations sur la population de la France (1778). é bastante praticado. No século XIX. longe disso. As meninas.41 palavra não utilizada. sobretudo nos pensiona tos ingleses. Falar do sexo é então objeto de profundo recalque. que foram estudados por Caroll Smith-Rosenberg. O Renascimento favorece esse reconhecimento do desejo. A descoberta do prazer feminino é antiga. não ignoram a ex-citação do coração e do corpo. quando ele a abandona. entretanto. sabem gozar do sexo. em razão dos tabus que a dissimulam. como as poesias eróticas de Pernette du Guillet. Mesmo George Sand. A corte dos Valois era propícia às experiências de todos os tipos e mesmo às palavras para dizê-los. que prepara uma antologia de textos eróticos do século XIX. segundo Georges Duby. A tal ponto que Marie-Jo Bonnet. embora não se ignorasse a coisa. seu amante.43 recorrendo mais tarde à imagem para decifrá-la.O corpo conjugais. O século XVII da Contra-Reforma e do jansenismo é cheio de pudores. como o erotismo do século xix. Fala-se ainda menos da homossexualidade feminina. guarda silêncio. uma de suas primeiras historiadoras. e queixavam-se da negligência e mesmo da impotência de seus companheiros. A libertinagem do século xviii é sobretudo masculina. Alguns processos por crime passional42 fazem ouvir o desejo carnal de mulheres do povo que esperam de seus companheiros que sejam bons em fazer amor. cuja vida é evocada por Brantôme. que seria sinal de gozo e que ajuda a reprodução. Segundo Pierre Camporesi. são uma exceção à sua obra. inclusive em sua autobiografia. e cujo defeito é traí-las. 67 . quase renunciou à tarefa de estudá-la. As cartas ardentes de sensualidade que ela dirige a Michel de Bourges. O desejo das mulheres se expressa em certos textos da Idade Média e mais ainda do Renascimento. na qual ela se recusa a qualquer confidência íntima. mais livres. Alain Corbin. diz ter muita dificuldade para encontrar textos de mulheres. Catherine Sforza vangloriava-se de tomar posições favoráveis ao orgasmo. As mulheres galantes. de costumes tão livres. Os médicos detectam um líquido feminino. tendo encontrado tão-somente raros testemunhos literários (como Lélia de George Sand. que causou escândalo ao ser publicado). Os cavaleiros da Idade Média temem o leito e a mulher insaciável que não estão certos de poder satisfazer. que é preciso buscar no eufemismo e nas expressões da linguagem poética. "A mãe deveria ser nossa religião".reencontram os caminhos de Lesbos e animam. Romaine Brooks. A expressão de um erotismo feminino. Adrienne Monnier e Sylvia Beach45 são as personalidades mais conhecidas. A guerra separa e fere os casais. escreve Arsène Houssaye. o continente da sexualidade feminina continua uma terra desconhecida. Discípula italiana de Irigaray. que tinham prazer em estar juntas. é. Uma mulher gera uma mulher. A maternidade foi objeto de numerosos trabalhos. ora é o mesmo. um universo por explorar. Safo ressuscitou em Paris". Catherine Miílet) e principalmente o cinema (Catherine Breillat). que aliavam gozo e criação. Virgínia Woolf. Não muito mais que isso. Ela autoriza inúmeras descobertas sexuais.46 que preside atualmente a Société d'Histoire de la Naissance [Sociedade de História do Nascimento]. VioletteTrefusis e seus amigos do grupo de Bloomsburry. diz Luce Irigaray. e a Jacques Gélis. Luisa Muraro fala do corpo a corpo 68 . Os "Anos Loucos" marcam. Radclyffe Hall evoca esses sofrimentos identitários em The Well of Loneliness (1928). na qual as lésbicas estão muito presentes. na rive gauche. a explosão de uma homossexualidade muito mais alegre e liberada. que atormentam o narrador proustiano. ou mesmo de uma pornografia. em suma. "Naquele tempo. o fundamento da diferença reconhecida. dizia Zola. Renée Vivien. o que ela produz ora é o outro. não raro dramáticas. nas grandes capitais européias. rosa e negro. da qual é necessário destacar alguns traços históricos mais importantes. As "Amazonas de Paris" — Natalie Clifford Barney. é uma fonte da identidade. Para as mulheres. mesmo quando não é vivida. Gertrude Stein. principalmente graças a Yvonne Knibiehler. que atingiu o romance (Virginie Despentes.47 A maternidade é uma realidade multiforme.44 E o tempo das "raparigas em flor". Rosa ou negro. Colette e muitas outras . círculos literários livres e refinados. A maternidade A maternidade é o grande caso das mulheres.Minha história das mulheres Tudo muda por volta de 1900. um fenômeno recente. Sabemos que elas se amavam. Um dos traços mais marcantes da época contemporânea reside na politização da maternidade. conseqüência do abandono. uma primeira socialização. O primeiro problema é o da concepção: ter ou não ter a criança. A mensagem do anjo Gabriel é válida para todas as mulheres que passam. Como se dava o controle da natalidade? Como evoluiu através do tempo? A demografia histórica tentou achar respostas a essas perguntas. O mesmo acontece. isso ocorre no final do século xvii. Na França. Ela é "aureolada" de amor. pois dura toda a vida da mulher. segundo a expressão de Elisabeth Badinter. o alimento. A política investe no corpo da mãe e faz do controle da natalidade uma questão em evidência. através da pesquisa nos registros paroquiais. Esta se encarna na Marianne. que dela recebem a vida. tanto nos Estados totalitários quanto na República. O que era uma fatalidade tornou-se uma escolha. A América inventa o Dia das Mães. pela abstinência.O corpo com a mãe. E uma escolha das mulheres. pelo coito interrompido. tanto nas práticas (saúde. Muito além do nascimento. com os filhos. A limitação voluntária da natalidade aparece nas sociedades ocidentais a partir do Renascimento. torna-se um fato social.48 A maternidade é um momento e um estado. E o das dificuldades da adoção. educação na infância) quanto na simbólica. todas ou quase todas. celebrada por Zola em seu romance Fécondité. da maternidade próxima. Daí o drama do abandono. também: o que constitui uma revolução. "o amor a mais". da "felicidade extraordinária que é ter nascido do mesmo sexo que minha mãe". Conceber ou não. na França. mas é o governo de Vichy que promulga uma lei para instituí-lo. embora em menor grau. Como a função materna é um pilar da sociedade e da força dos Estados. que não impedia que se recorresse a outras formas de sexualidade. nos anos 1920.que é possível fazer. mãe dos cidadãos franceses. reprovado pela Igreja 69 . que descreve o crescimento do sentimento maternal a partir do século XVII50 e o da figura da mãe. graças à reconstituição das famílias . desejada ou temida.49 A sociedade ocidental promove a assunção da maternidade. antes da instituição do registro civil. puericultura. De várias maneiras: pelo casamento tardio que reduz o período fecundo do casal. pela anunciação. que. O Código Napoleônico o proíbe. seduzidas pelo patrão ou por um criado. No começo do século XIX. Entretanto. que outrora não tinha nenhuma existência. Seguem Kant. aceitando a tese da criança narimorta. mais rigorosa. mulheres infanticidas são condenadas à morte. Em nossos dias. permaneciam numerosas. tanto pelos homens "atentos" que "se retiram". a própria visão do feto. principalmente no período da Restauração. O infanticídio era uma velha prática rural. E não chore por ele. são levadas aos tribunais. Esse sofrimento. a ponto de constituírem métodos de regulação da natalidade. pela ecografia. No século XIX. tal prática persiste. e talvez os mais freqüentes. como se nada tivesse acontecido.Minha história das mulheres (o pecado de Onan). que elas enterram ou afogam como se fossem gatos. que se retraem. para quem "a criança nascida fora do 70 . escondem a gravidez. A mortalidade infantil acentuada limitava a dimensão das famílias. tornam ainda mais dolorosa a decisão do aborto. contudo. Alegam também a loucura passageira da mãe no momento do parto. Saias rodadas e aventais longos permitem uma dissimulação surpreendente. embora a pena seja freqüentemente atenuada. acompanha a tomada de consciência do baby/bebê. Os pais das crianças desaparecem e não são culpabilizados. desfazem-se jurtivamente do recém-nascido. O que não quer dizer que a mãe não sofra com sua morte. Julgando muito severos os artigos 300 e 302 do Código Penal que prevêem a pena de morte. quando expresso mais intensamente. a tomada de consciência. quanto pelas mulheres. Reduzidas à desonra. O bebê ainda não é uma pessoa. os juizes preferem libertar as mulheres. tanto quanto a brevidade do parto e do ato infanticida. A morte de uma criança era considerada uma fatalidade. Denunciadas. onde padecem de uma extrema solidão. onde também ocorria. mais complicada na cidade. Há uma indulgência crescente a esse respeito. mas é cada vez mais reprovada e reprimida.52 trata-se quase sempre de serviçais que trabalham em propriedades rurais. que se delineia mais fortemente e se generaliza a partir dos séculos xviii e XIX — o que tornará o infanticídio cada vez mais inaceitável. As mulheres jovens desaparecem por algumas horas e retomam o trabalho.51 Infanticídios e abortos eram bastante praticados. os nascimentos não desejados eram muito freqüentes. O infanticídio é um assunto de mulher. a jovem pode contar apenas com sua mãe. sozinhas. Segundo os processos bretões estudados por Annick Tillier. jovens. mas largamente praticado. mas também por mães de família multíparas que viam no aborto o único meio de limitar o tamanho de uma família que elas consideram já suficientemente numerosa.O corpo casamento nasceu fora da lei e não deve. como Zola em Fécondité (1899). como: "Mulher. que figuravam. O recurso do aborto era muito mais tolerado. aprisionados. por conseguinte. se beneficiar da tutela da lei". prestavamse a tal prática. calcula-se que os números sejam muito elevados. Na França. O sindicalismo de ação direta era francamente partidário dessas teses. aprende a ser mãe só por vontade própria". através de brochuras. panfletos e flâmulas com slogans simples. Os neomalthusianos eram. o Birth Control de Marie Stopes e Margaret Sanger abre clínicas e centros de prevenção nos Estados Unidos e na GrãBretanha. inclusive. Parteiras. entretanto. pois o feto não representava nada. Os militantes neomalthusianos foram perseguidos. as leis de 1920 e 1923 reforçam uma repressão que visa não somente a coibir o aborto. Eugène e Jeanne Humbert. Essa banalização relativa é denunciada pelos médicos demógrafos: o doutor Bertillon acusa a prática do aborto como a causa da diminuição da população da França (1912). ligadas à clandestinidade. mas também a propaganda anticoncepcional. Percebe-se também a reprovação crescente do infanticídio suscitada pela tomada de consciência de que o recém-nascido já é uma pessoa. Após a hecatombe da Primeira Guerra Mundial. Por volta de 1900. O movimento Génération Consciente [Geração Consciente] tinha militantes como Paul Robin. Lucien Dalsace e Bertie 71 . muito ativos na Grã-Bretanha (Annie Besant) e na França. que tem muita dificuldade em se fazer ouvir. médicos clandestinos. Entre as duas guerras. e desenvolvia uma propaganda engenhosa junto aos operários e às mulheres. curandeiros. condenados. Os países protestantes eram muito mais favoráveis ao controle da natalidade. alarmado pela baixa da natalidade francesa. questão de responsabilidade. como um artigo dos estatutos sindicais: um operário consciente e organizado deve se controlar e ter poucos filhos. Era praticado não somente por mulheres que não eram casadas. Disso decorre a intervenção constante do Estado. Percebe-se o desconforto dos magistrados diante da impunidade dos sedutores. mas o faziam às ocultas e em condições sanitárias quase sempre deploráveis. e também pelos republicanos. Por que tais obstáculos a um controle da natalidade. A Igreja Católica é francamente hostil a qualquer procedimento de contracepção que não seja "natural". ao MLAC (Mouvement pour la Liberte de 1'Avortement et de la Contraception [Movimento para a Liberdade do Aborto e da Contracepção]). A lei Neuwirth. têm uma política demográfica natalista. Os problemas da contracepção e do aborto ocupam o centro das lutas do MLF (Movement de Liberation des Femmes [Movimento de Libertação das Mulheres]) dos anos 1970. legalizou os contraceptivos. favorável às famílias numerosas e às mulheres que não trabalham fora. Com o progresso da ciência (em 1956. Alei Veil (1975). visto que Marx havia se insurgido fortemente contra Malthus. inevitável em decorrência da redução da mortalidade infantil e do interesse crescente dos pais. O Birth Control é o precursor do Planejamento familiar. que se baseia na observação arriscada do ciclo de fertilidade feminina. na segunda metade da década de 1950. razão pela qual se opuseram.Minha história das mulheres Albrecht tentam fazer o mesmo. Os Estados-nação. principalmente das mães. por Evelyne Sullerot e pela doutora Lagroua-Weill-Hallé. houve uma tolerância maior. opõe-se à contracepção e institui os primeiros benefícios do salário família. graças a uma parte do corpo médico. Martine Sèvegrand53 mostrou as dificuldades dos jovens casais cristãos do período de entreguerras diante da intransigência de Roma. numa tradição marxista fortemente antimalthusiana. posteriormente. desenvolvido na França do pós-guerra. votada pela esquerda contra uma parte dos deputados de direita. em 1967. os Estados e os partidos comunistas rejeitam a contracepção. inclusive por parte das feministas. Simone Veil teve muita coragem. tem vários "furos". quer se trate dos Estados totalitários ou de democracias. a encíclica Casti connubii não faz nenhuma concessão ao desejo de se amar corpo a corpo. legalizou a interrupção voluntária da gravidez. em relação à educação de seus filhos? Esses obstáculos eram impostos pela Igreja e pelo Estado. Sua legislação persegue o aborto como um crime de Estado. à influência da franco-maçonaria e aos progressos do liberalismo. muito divididas quanto a isso. criadoras da "Maternidade feliz". Mas a resistência era muito forte. sendo hostis ao aborto. o médico americano Pincus elabora a pílula). por seu pessimismo e por recorrer à restrição dos nascimentos para resolver a 72 .54 Tolerantes quanto ao aborto. O método Ogino. Gabrielle Petit. As feministas hesitavam em abordar as questões sexuais. A cesariana. põe em evidência o conflito que se estabelecia em torno do dilema: a mãe ou a criança? Na maior parte das vezes. do direito ao aborto. Nada poderia frear o crescimento do proletariado. a respeito da contracepção e da sexualidade. os médicos escolhiam a criança. pequenos burgueses individualistas. Suscetível de "dissolver a hierarquia" do masculino e do feminino. ator das revoluções por vir. "Um filho se eu quiser. A companheira de Mauríce Thorez. em 1956 (Des enfants malgrénous) contestava esse ponto de vista. a doutora Madeleine Pelletier. atacou enfaticamente Jacques Derogy. reservada. publicou um livro que defendia o direito ao aborto. Talvez o maior acontecimento de sua história contemporânea. Mas a maior parte delas era francamente hostil. entretanto. que por muito tempo foram problemáticas e mesmo dramáticas. segundo Jeannette Vermeersch. e não imitar "os vícios das mulheres da burguesia". Aparece hoje como um indício de subdesenvolvimento. 73 . O nascimento evoluiu muito. As mulheres do povo deviam ter todos os filhos que pudessem ter. Ele deplorava a hipocrisia que obrigava tantas mulheres das classes populares a recorrer ao aborto em condições dramáticas e preconizava a livre contracepção. secretário geral do PCF. uma estrutura simbólica imóvel e universal. O desenvolvimento das forças produtivas devia proporcionar o acolhimento de todos os pobres ao "banquete da vida". que. foi excluído do partido. ainda mais. O parto era a principal causa de mortalidade das mulheres e o primeiro fator de sua fraca esperança de vida. já em 1912. Uma revolução de conseqüências determinantes para as relações entre os sexos. Apenas uma minoria apoiava o neomalthusianismo: Nelly Roussel. Constitui o fundamento de um habeas corpus para as mulheres (Yvonne Knibiehler). que.O corpo questão social. não tinha nada de evidente. Os comunistas não aceitavam os neomalthusianos.55 De início nas práticas do parto. A mortalidade infantil era também muito elevada. que parecia. Com isso. como eu quiser": a conquista da liberdade de contracepção e. assunto tabu para o pudor feminino. inventada na Itália na Época Moderna. Daí a novidade das reivindicações do MLF. quando eu quiser. mas resta alguma coisa dessas rivalidades nas dificuldades recentes da ginecologia para ser reconhecida como uma verdadeira especialidade médica. masculinizouse. muitas vidas foram salvas. Jean-Jacques Rousseau lhe concede os títulos de nobreza e de utilidade social. alguns praticam o aborto sem anestesia como se fosse necessário punír as mulheres. expulsa do Éden . Paralelamente. praticado em casa. maldição bíblica — "Tu darás a luz na dor".e isso chegou até a criar um sentimento de culpabilidade no caso de dor persistente. Depois. o parto medicinizou-se. tendo havido uma total inversão na relação com as mulheres. desamparadas ao ponto de não poderem recorrer a um parteiro ou a uma parteira. ato próprio à mulher. depoís o do hospital maternidade já a partir do período entre guerras. Hoje ainda. hospitalizou-se. principalmente para certos médicos católicos. cujo epicentro nos anos 1950-1960 foi a Clinique des Bleuets. díz Deus a Eva.era fatal. Inicialmente. Mais segura e mais alegre. ou sozinhas. Tratava-se de tornar as mulheres mais responsáveis de seu parto para superar a dor. O parto no hospital era para as mulheres pobres. o hospital tornou-se o lugar privilegiado da medicinização e da segurança. Entretanto. considerada como inevitável. que elaborou manequins para ensinar os melhores métodos de parto. pelo estudo e pelo diploma. mudou bastante. no século XVIII. A medicinização crescente do parto revestia-se por vezes de aspectos ambíguos. a idéia de que o sofrimento não é inevitável nos momentos que precedem o parto é positiva. sacraliza o leite como 74 . a prática se generaliza e o nascimento em casa torna-se uma exceção. excluindo os homens. a obstetrícia e a ginecologia. quase sempre mantidos fora do acontecimento e do ambiente. desencadeava conflitos de saber e de poder que opunham médicos e parteiras. Daí a luta quase ideológica em torno do "parto sem dor". principalmente. que passou a reintegrar os parceiros masculinos. Estas se sentiram excluídas pelo desenvolvimento de saberes mais formalizados que resultaram em novos ramos da medicina.Minha história das mulheres Os progressos do século XVIII foram decisivos. acontecia a tomada de consciência do baby. Graças aos médicos das Luzes. impregnados do espírito do Gênesis. e às parteiras. precedendo a pediatria e a puericultura. na Inglaterra e na França. E. por uma matrona ou uma parteira. ou mesmo indispensável. As mulheres tiveram de buscar seu lugar nesse campo. sinal arcaico de aceitação passiva do destino . como Louise Bourgeois. entre mulheres. a cena do nascimento. Outro ponto sensível: a dor. As mulheres de posses seguiram o caminho da clínica. Depois da Segunda Guerra Mundial. cada vez mais criticado. Não havia mais necessidade disso: com a pasteurização. Renée de 1'Estoril encarna a jovem mãe escrupulosa e feliz por estar ocupada com os cuidados de seu filho recém-nascido. acariciado. A pintura impressionista mostra poucos bebês. Bem nutridas.O corpo elixir de longa vida do recém-nascido. a mamadeira deixava de ser um perigo mortal. o sistema foi tão rigidamente regulamentado pela lei Roussel (1876). pelo pai. peso. que as levavam consigo. as mães são estimuladas a registrar por escrito o crescimento de seu bebê. De tal modo que. e em grau menor. Ajudantes dos médicos. se exibe e se torna o próprio símbolo da República. paralelamente ao fim das amas-de-leite. A Terceira República declara guerra à mortalidade infantil. selecionadas por médicos. Algumas mantêm assim verdadeiros diários. entregues a amas-de-leite. mas se ocupa dos berços (vide Berthe Morisot). mamadas. que acabou por desaparecer. que vêm em domicílio.57 Ela não é a única. elas também são vigiadas de perto. 75 . sobretudo pelos médicos. as crianças eram enviadas ao campo. metade dos bebês morria no caminho. Entretanto. muito mais psicológicos. no século XIX. No romance La Nouvelle Héloise. instituindo uma vigilância mais estrita da saúde dos bebês e das mães através de uma rede cada vez mais densa de dispensários e de associações como "La Goutte de lait" [A gota de leite]. Milhares de bebês parisienses sugaram o leite de amas do Morvan. Mas o transporte era muito arriscado e mortífero. ele celebra a amamentação pelas mães e a honra das mães que a praticam. O bebê torna-se uma pessoa. Os maridos acham excessivo o tempo dedicado ao bebê. A medicinização da maternidade e da pequena infância passa então a ser um interesse nacional56 que recai obsessivamente sobre o corpo da mãe. que as examinam em locais de seleção das candidatas vindas do campo. Em determinados períodos. cujas cadernetas foram encontradas por Laure Adler. estatura. O museu Fécarnp mostra seu sucesso. Burguesas e comerciantes recorrem então a amas-de-leite. O seio materno se descobre. como a mãe de Hannah Arendt. agentes da puericultura. Ainda mais porque o ato conjugal é desaconselhado às lactantes. A região do Morvan era a mais procurada. mas infeliz apaixonada. a mulher de sociedade entra em disputa com a mãe. mimado pela mãe. em contraste com sua amiga. principalmente sob o aspecto sexual. Mais freqüentemente. Em Mémoires de deux jeunes mariées de Balzac. de vida social intensa. Alain Boureau contesta. subjugado. a que freqüentassem o bordel arriscando-se a pegar sífilis. ou se vêem. muitas vezes roubado. em sua própria sexualidade. descritas por Zola em Pot-Bouille. com freqüência engravidadas no torpor estivai das granjas. trata-se de um mito. Ao fim do século XIX. o limiar de tolerância da sociedade e o das mulheres. os jornais 76 . Para além das vicissitudes da história. Corpo comprado." E por que não uma filha? Corpos subjugados Corpo desejado. a história de sua queixa. "Uma criança nasceu de nós. Fenômeno análogo. pelo viés da prostituição a qual abordarei em seguida. no curso da história. mas estigmatizado. O que chamamos de "assédio sexual" já era corrente. dizia justamente Hannah Arendt. no entanto. um filho nos foi dado. o essencial permanece: a concepção. por exemplo: é uma questão controversa que o senhor tenha exercido o direito de gozar da noite de núpcias de suas servas.Minha história das mulheres Paralelamente ao controle sanitário. e em seus desdobramentos. principalmente no trabalho. recém-chegada do interior. A gama de violências exercidas sobre as mulheres é ao mesmo tempo variada e repetitiva. como vítimas? O direito de defloração do senhor medieval. também. um corpo dominado. As operárias eram expostas às investidas dos contramestres mais do que dos diretores da fábrica. em seus vestígios jurídicos menos do que em sua efetividade. desenvolvemse uma individualização da maternidade e o desejo de ter um filho.58 Para ele. Ele ameaçava várias categorias de moças e de mulheres: serviçais de propriedades rurais. mais afastados. O estupro coletivo é. a esse respeito. o corpo das mulheres é também. as tese de Marie-Victoire Louis. O que muda é o olhar lançado sobre elas. Georges Duby) como uma prática bastante usual dos bandos de jovens. ocorre nos bairros populares da atualidade. "criadinhas" cujo alojamento ficava no último andar dos imóveis urbanos. Todo nascimento é uma natividade. um ritual de virilidade. construído num contexto de desvalorização de uma Idade Média sombria. Quando e como são vistas. identificado pelos medievalistas (Jacques Rossiaud. que preferiam que seus filhos se envolvessem com uma jovem doméstica sadia. às voltas com as visitas freqüentes dos patrões. muitas vezes com a cumplicidade das patroas. mesmo que se considere que haja um exagero das mídias a esse respeito. De início. Mas motivada. Le cri du forçat. bem recentemente. pela miséria. mas também dos operários. situação que se acentuou pela incidência do alcoolismo na segunda metade do século xix. ao trabalho das mulheres na fábrica. Depende do valor dado à virgindade e da importância atribuída à sexualidade. eventualmente retiradas das famílias em casos de maus tratos. Nessas condições. de ser o senhor de sua casa . ou mesmo de uma super-exploração. para a qual a carne é a sede da infelicidade e a fornicação é o maior pecado. a lei reconheceu a tese da "incapacidade paterna'. na maior parte do tempo. as moças são as mais visadas. A reprovação da sociedade é bastante diversa. mas organizado de maneira diferente e diversamente considerado. a reprovação dessas práticas é cada vez maior. a prostituição é acompanhada de uma exploração.desde que o fizesse com moderação. se defendiam. abertas nos últimos trinta anos. a partir de 1889. O que reforçava a hostilidade dos moralistas.. na fábrica de porcelana Haviland. Tal comportamento era tolerado pela vizinhança. 77 . como relata Marguerite Audoux. pela solidão. o qual foi adaptado numa novela de televisão. uma vez que. lugar brutal. contrário à feminilidade. Georges-Emmanuel Clancier contou o que ocorreu no livro Le Pain noir (1975). Em todos os casos. Uma das operárias do Atelier de Marie-Claire (1920) se vangloria de seus pugilatos com o marido. um fato desse tipo deu origem a uma das greves mais duras da época. A prostituição é um sistema antigo e quase universal. a principal de Limoges. Entretanto. — abrem "tribunas dos abusos" nas quais denunciam a lubricidade dos "porcos do capital".O corpo operários do norte da França — Le Forçat. do corpo e do sexo das mulheres. Mais tarde.. a reprovação dessas práticas inclui as mulheres. A quantidade de mulheres que apanhavam dos maridos era imensa. Havia mulheres que. É esse o princípio — o da mulher livre num mercado livre — que leva certas feministas a defender o direito à prostituição. que nem sempre levava vantagem. Bater na mulher e nos filhos era considerado um meio normal. As civilizações antigas ou orientais não têm a mesma atitude que a civilização cristã. Em 1905. principalmente nos casos em que as esposas tinham reputação de serem donas-de-casa "relaxadas". graças às associações e às "maisons pour femmes battues" ["abrigos para mulheres vítimas de violência"]. a sexualidade venal seria quase um progresso se ela se limitasse à remuneração de um "serviço sexual". para o chefe de família. para com as crianças. com status diferentes e diferentes hierarquias internas. no entanto. Apanhar e bater era o cotidiano de muitos casais (e não somente da camada popular). O que coloca em questão o comércio do corpo das mulheres. a pecadora e a doçura do arrependimento. em conluio com autoridades policiais. Nada a ver com as gueixas do Japão medieval descritas por Jacqueline Pigeot. facilmente identificáveis por um número de tamanho grande e por uma lanterna vermelha. fantasiosos mesmo. escreve Jacqueline Pigeot. as práticas. passando muitas vezes o ofício de mãe para filha. principalmente sob a influência do budismo tântrico. proibidos pela Lei Marthe Richard. e garantidoras da ordem. que prega a pureza. Londres e Paris eram capitais da prostituição. Ela introduz no universo austero da santidade uma doçura estranha. Maria Madalena encarna ao mesmo tempo a sedução. Em 1789. a uma completa reorganização no que concerne à regulamentação preconizada pelo doutor Parent-Duchatelet. que nota. a vida cotidiana e a saúde das prostitutas. pesquisador dos meios de prostituição. de 1946. Nana condensa a podridão da burguesia parisiense. conduziu. Parent-Duchatelet tenta isolar as prostitutas em "casas de tolerância". menos condenação da prostituição". as prostitutas desfilaram na capital reivindicando o reconhecimento de seus direitos e a liberdade de circulação. antigas prostitutas. ao contrário. logo. pelo canto. é uma pesquisa médica e social notável sobre o aliciamento. como ainda existem atualmente em Stuttgart. e divulgavam-se números enormes. Vivem de maneira relativamente livre e autônoma. Mas elas não são nem confinadas nem estigmatizadas. entretanto.Minha história das mulheres Figura complexa. Ela está destinada à decadência e ao desastre. pela dança. Zola é muito mais sombrio. "Menos tabus sobre o sexo. Essas mulheres têm como ofício divertir os homens. De la prostitution dans la ville de Paris (1836). um "flagelo" sanitário. autorizadas e submetidas ao controle médico. bordéis patenteados. da qual elas participaram. e "da clandes78 . Falava-se de 50 mil prostitutas em Paris — Parent-Duchatelet reduziu essa quantia a 12 mil . Essas casas são gerenciadas por "madames". Algumas são verdadeiras artistas que deixaram um nome (a dançarina Shizuka Gozen. eventualmente pelo sexo. e foi considerável no século XVIII. No Ocidente cristão. Sua expansão acompanhava a das cidades. O que ocorreu foi o inverso: o medo da sífilis. Gio.59 a partir de uma abundante documentação literária e quase etnográfica. e mesmo na criação musical e na representação teatral. que essa condição se degrada no século XIII. favorita de um ministro do Império) na arte de viver.às vésperas da Revolução. a prostituição era mais estigmatizada. São de origem modesta. em grupos autogerenciados e bastante hierarquizados. Flor extenuada e venenosa da luxúria. Paradoxalmente. Existem duas categorias de prostitutas: "de carteira". Seu livro. Josephine Butler e as anglo-americanas preconizavam o abolicionismo radical. O de Germaine Azis é contundente. A maior parte delas vêm do campo e circulam. que às vezes se confunde. principalmente nas estações de trem. Um século depois.O corpo tinidade". onde militantes abordavam as moças migrantes do interior. Os testemunhos de prostitutas são raros e recentes. que pode se encerrar ou pela idade ou pelo casamento. mulheres polonesas e provenientes dos guetos judeus são levadas para as zonas boêmias das cidades sul-americanas. moderada. de origem suíça. que fala de sua sujeição e de seu sofrimento. Emilie de Morsier. Mas a modelou consideravelmente pela regulamentação e pelo confinamento. Elas reivindicavam o reconhecimento da profissão e. nas redondezas da igreja Saint-Nizier. como em 1789. Esse modelo de regulamentação foi exportado para toda a Europa e também para as colônias. A reprovação popular à prostituição é. Mas dessa vez. de um lugar para outro. vítimas de engano. sob o verniz do pitoresco e do exotismo cinematográfico. Higiene e responsabilidade moral cristalizavam as energias protestantes. as prostitutas tomaram as rédeas de seu destino. européia e local. provocando incidentes com mulheres "honestas". As feministas mobilizaram-se contra a prostituição. mais refinadas. fundou a associação das "Libérées de Saint-Lazare" [Libertas de Saint-Lazare]. Nos subúrbios de Casablanca. onde as mulheres emendam coitos de cinco minutos. A violência e a exploração aí imperam. Nancy Huston publicou as Memórias de Marie-Thérèse. principalmente em Lyon. as feministas apoiaram os movimentos de prostitutas.60 A colonização não importou a prostituição. As casas de rendez-vous. símbolo da exploração das mulheres. que se tornou o centro da solidariedade antiprostituição. antigo e novo. Elas fazem carreira. sendo eventualmente mantidas na prisão: em Paris. distinguem-se dos prostíbulos sórdidos.61 prostituta. como mostra Christelle Taraud para os países do Magreb. Saint-Lazare é a prisão-abrigo das mulheres. No terço final do século XIX. tem-se o exemplo típico de Bousbir. e coexistência de sistemas. que é um bairro totalmente fechado e controlado. e também entre Paris e a província. na qual Edmond Goncourt se inspirou para escrever La Filie Elisa (1877). das zonas pobres da Europa central. segundo a idade e a antigüidade. de início. As obras de proteção às jovens tentavam fazer a prevenção nos lugares de aliciamento. elas são submetidas a exame médico. o "tráfico de escravas brancas" amplia o mercado. com uma dupla hierarquia. Detidas. Na França. por 79 . Mundo em expansão. que são perseguidas o tempo todo pela polícia. em 1975. a prostituição diversifica sua oferta. ). Perrin. Paris. 21. 1996. Plon. p. e aquelas que defendem o direito das mulheres de dispor de seu corpo. La Bourgeoisie parisienne de 1815 à 1848. Paris. A visão da mercantilização do sexo empresta à obra de Michel Houellebecq alguns de seus tons mais fortes. Lecture d'une obsession modem style. sob a direção de Nicole Savy. op. Masculin/ féminin aux sources du christianisme. 2 80 . 289-325.269-280. Paris. 1997. África Subsaariana. 18 Em programa do canal France 2. p. Clio. Les Cloches de la terre. Enquête parlementaire sur les prisons. col. Paris. Dunod. Um mercado no qual o corpo das mulheres é objeto e valor. 1979. Gallimard. Histoire du corps. La ménopause sous le regard des médecins des xvinc er xixc siècles". Paris. "Perite bibliothèque Payot". Hoje. 1994). cit. 11-40. Exprimer et taire ses émotions (XVI sièle-début du XIX siècle). 20 Primeira Epístola aos Coríntios 11. Le Corps des jeunes filies. n. e recusam considerála uma profissão. Annales ESC. de 1'Antiquité à nos jours. "Pratiques physiques et sociétés". La Discipline de lamour. de vendê-lo. Paris. "paraíso tailandês" etc. no Louvre. Albin Michel.Minha história das mulheres conseguinte. em Pascal Durer. Paris. États de femme. Histoire du visage. 1985. op. 6 Jacques Rossiaud. femmes et sociétés. 13 Christian Bromberger. Georges Vigarello (dir. (dir. "Le temps des jeunes filies". 10 Annick Tíllier. cit.. Histoire. 1511 23 Claude Quiguer. 8 Nas séries inundadas Les Ouvriers européens ou Les Ouvriers des Deux Mondes. Paris. P. 4 Les Petites Filies modernes (1989). O que é considerado pelas abolicionistas como a aceitação do inaceitável. logo. L'identite féminine dans la fiction occidentale. cit. 183. 2001. 1994. Clio. Vingt-cinq ans d'amours adultères. 9 Bonnie Smith. p. 1992. David Le Breton. Femmes et machines de 1900. 14-15. 1976. Adeline Daumard. 11 Cf. Seuil. PUF. A visão atual é a de uma globalização com redes estruturadas que se abastecem em todos os bolsões de pobreza . Perrin. Albin Michel. 22 Exemplos entre mil: igreja Notre-Dame de Écouis. femmes et sociétés. François de Singly. 3 vol. Paris. 1988 (reed. as garantias do seguro social. Paris. Être veuve sous l'Ancien Régime. Seuil. G. Notas 1 Alain Courbin. col "Bibliothèque du xxc siècle". Histoire. estátua de Gregor Erhart. "Prostitution. 126-716 Paula Cossart. Un corps pour soi. fontes excepcionais para o conhecimento das famílias populares do século xix. Les Bourgeoises du nord de la France. Rivages.). Esse debate recorrente foi particularmente agudo em 2002. "Matemités". e utilizam os recursos infinitos da internet para uma circulação acentuada num mercado em expansão e fonte de lucros consideráveis.). 5 Gabrielle Houbre. Klincksieck.. jeunesse et société dans les villes du Sud-Est au XV siècle". 2005: principalmente "Le voile er la barbe". 1872. Georges Vígarello (dir. 2001. n. 2005. 1996. Paris. 2. 1989. 15 Citado por Claudine Haroche e jfean-Jacques Courrine. Scarlett BeauvalerBoutouyrie. 2005. Plon. n. pp.Europa Oriental. 4. Belin. Houbre et alii. "Un âge critique. 7 Nathalie Heinich. as feministas continuam divididas entre aquelas que vêem na prostituição a suprema alienação do corpo das mulheres. Paris. "Trichologiques: les langages de la pilosité". 17 D'Haussonville. Métaphysique des sexes. 1958. 14 Le Moi-peau. 15 Sylviane Agacinski. 2005-2006. Jean-jacques Courtine. Paris. —. a 29 de janeiro de 2005. Paris. Histoire de la beauté. 12 Georges Vigarello. op. Métaphysique des sexes. estátua do século xiv. 21 Sylviane Agacinski. ]ean-Claude Kaufmann. 3 Alain Corbin. "Pluriel". Payor. pertencem ao acervo Arendt. Paris. Paris. L'Arrangement des sexes (1977). 36 Erving Goffman. 33 Alain Corbin. 43 Luisa Muraro. Paris. op. 34 Alain Brossat.XIII siècle). Le Droit de cuissage. 1982. 53 Marrine Sèvegrand. 2000. Paris. Albin Michel. Paris. 1995 (primeira edição. n. 1997. 1919-1939. Paris. La Prance "virile". 541. 59 Nicole Edelman. ou bien. Histoire des mères du Moyen Age à nos jours. 1991. 27 Cf. Manya. France. Jean-Claude Flügel. "Bibliothéque de la Pléiade". Paris. Les Enfants du Bom Dieu. 60 Christelle Taraud. na Biblioteca do Congresso em Washington. 29 Xavier Fauche. L'Arbre et le Fruit. Sylvia Beacb. Femmes dans la vie privée. Le mouvement social. Paris. 51 Luc Boltanskí. 1992. Um éclat très particulier. de la parure vestimentaire. Les Femmes dans l'art. Les Baumes de Vamour.O corpo 24 "La chevelure". Femmes galantes. 1992. Gallimard. Paris. 1919—1939. 2005. 35 Fabrice Virgili. 55 Exposição do "Musée de l'Homme". Des femmes tondues à la Liberation. Modes et fantasmes des Annêes folies. 1990. xix'. op. 52 Annick Tillier. Stock. em: Les Femmes de Platon à Derrida. Paris. Alain Boureau. Passage de 1'Odéon. 2003. Paris. 46 Yvonne Knibiehler e Carherine Marand-Fouquet. Misère sexuelle et prostitution au xix' siècle. em: Oeuvres complètes. 58 Marie-Victoire Louis. Les Tondues. 2003. 1995. Berne. caderno n. Paris. Paris. Londres. op. Tunisíe. 49 Evelyne Pisier conta sua experiência em seu romance Une question d'âge. Dans les pas de Hannah Arendt. "Découvertes". La Politique à legard de la petite enfance sous la III Republique.p.. l. Le Voile des femmes. Paris. Chrysalides. Paris. cit. 43 Marie-Jo Bonner. col. Le Crime d'Onan: le discours catholique sur la limitation des naissances (vers 1820-1968). Paris. Paris.. Les Chambres closes. Paris. 1900. 2005. Laure Murar. 59 Jacqueline Pigeot. cit. Des criminelles au village. 1860-1930. Extratos de Ou bien. Berlin. Paris. 56 Catherine Roilet. 2003.. La naissance dans l'Occident moderne. col. 1999. Stock. 40 Claude Langlois. Albin Michel. 2005. Un inventaire historique. Hachetre. 2005. Les Métamorphoses de 1'hystérique au xix" siècle. 42 Joélle Guillais. Paris. as cadernetas de Martha Arendt. 2005. 30Christine Bard. Paris. 1982. 1990. cit. 45 Além de Florence Tamagne. La Révolution maternelle depuis 1945. 1980. "La mode a la garçonne. Paris. Le Droit de cuissage. Autrement. Le journal du séducteur. 33 Laure Murar. Germaine Aziz. Adrienne Monnier et la vie littéraire à Paris dans Ventre-deuxguerres. Les Belles Lettres. Histoire de l'homosexualíté en Europe. Paris. Londres. Payot. principalmente L'Esprit de sérail. reed. social et psychologique.1925: une histoire sociale des coupes de cheveux". "L'âne d'or". Paris. Passage de 1'Odéon. La Condition foetale. Gallimard. Berlin. Olivíer Orban. Paris. PUF/INED. femmes artistes dans le Japon ancien (XI . cit. 50 Élisabeth Badinter. Fayard. Fayard. Paris. 2004. 1988. 25 . L'Harmartan. reed. Un carnaval moche. Albert. Paris. 57 Laure Adler. col. Les Filies de noce. Paris. Montalba. La Chair de l'autre. L'Amour en plus. Femmes infanticídes en Bretagne (xix siècle). Seuil.. Paris. d'Aphrodite à Madonna. 37 Thomas Laqueur.XX siècles. Algérie. Paris. 1993. Payot. 2003. Les Garçonnes. Les catholiques français et la procreation (1919-1969). 1984. 1986. Paris. Yvonne Knibiehler. Paris. cit. Le Rêveur nu. Denoël.Flammarion. 31 Steven Zdatny. Gallimard. Anne-Marie Sohn. Essai sur le corps et le genre en Occident. La Prostitution coloniale. Les Relations entre les fèmmes. cit. p. 28 Joanna Pitman. citoyenneté. Le crime passionnel au XIX' siècle. Mythes et pratiques sexuels au Maghreb. maternité. 38. xvi-xix siècles. apresentação de Claude Zaidman. Sylvia Beach. Paris. 1980. La Fabrique du sexe. Les Blondes. Paris. op. Robert Laffont.Femmes. Pierre Camporesi. Encyclopédíe de Famour en Islam. 1995. La Marrinière. 2003. La Dispure. 1981). Payot. Lambin. 41 Branrôme. Paris. Évelyne Pisier e Eleni Varikas. Hacherte. L'Ordre symbolique de la mire. Payot. Perrin. citado por Françoise Collin. Une drôle d'histoire. Adrienne Monnier et la vie littéraire de Paris dans 1'entre-deuxguerres. Histoire du sentiment maternel. Flammarion. Saphisme et décadence dans Paris fin-de-siècle. Mosaïque de la pornographie: Marie-Thérèse et les autres. La Martinière. op.cf. Gallimard. 1994. Maroc. 54 Janine Mossuz-Lavau. La fabrication dum mythe. 1980. 2002. 61 Nancy Huston. Roux et rousses. Unser Kind. 2004.p. Odile Jacob. col. 1995. 1982. 44 Nicole G. L'Atelier. 26 Rosine A. La Découverre. Gallimard. Vies des dames galantes (1666). 1830-1962. 2005-2006. op. t. 127. Paris. Histoire de l'homosexualité en Europe. janvier-mars 1996. 32 Florence Tamagne. 1998. Paris. Paris. Gallimard. 23-56. Les Lois de Vamour: les politiques de la sexualité em France de 1950 à nos jours. 174. xv-XX siécle. Aubier-Montaigne (1930). 2000. Paris. 1995. Paris. Peter Lang. 199747 Jacques Gélis. a pergunta: as mulheres têm uma alma? Atribui-se essa pergunta ao Concilio de Mâcon. mais ainda.A alma D epois do corpo. o Corão .a Bíblia. sempre e em toda parte. Isso porque as religiões são. a criação. Santas e feiticeiras. a alma: a religião. poder sobre as mulheres e poder das mulheres. e posteriormente retomado como uma prova da barbárie da Igreja nesses séculos de ferro. no entanto. Mas antes. que se trata de um mito. artistas e atrizes serão nossas companheiras neste capítulo. Isso é verdade para os grandes livros fundadores . forjado a partir dos séculos xvi e XVII. a novidade do cristianismo era justamente a afirmação da igualdade espiritual entre homens e mulheres. para as interpretações . principalmente por Pierre Bayle. Parece. ao mesmo tempo. leitoras e escritoras. a cultura. as relações têm sido. Poder sobre as mulheres: as grandes religiões monoteístas fizeram da diferença dos sexos e da desigualdade de valor entre eles um de seus fundamentos.e. o acesso ao saber. Ora. A hierarquia do masculino e do feminino lhes parece da ordem de uma Natureza criada por Deus. que estarão iguais e nus no Juízo Final. a educação.1 Mulheres e religião Entre as religiões e as mulheres. ambivalentes e paradoxais. no ano de 585. clerical e macho. contemplação. Elas podiam ser encontradas nas igrejas paroquiais. poder sobre as mulheres? Esse fato. mas também refúgios contra o poder masculino e familiar.3 eles teriam sido criados um depois do outro. sujeitas a controvérsias e a revisões. pregando. entretanto. Eles detêm o poder. um dever. sua submissão. para elas. e mesmo ser ouvida pelos padres. A piedade. amor louco. A religião. Assim se dá com o relato da criação de Adão e Eva no Gênesis. as quais. a devoção. As vozes de mulheres foram. debatido atualmente pelas teólogas feministas. Os conventos eram lugares de abandono e de confinamento. o saber e o sagrado. A Igreja oferecia um abrigo às misérias das mulheres. como lembra Bossuet para incitá-las à humildade. como relata Assia Djebar (Loin de Médine). Lugares de apropriação do saber. de início. Somente os homens podem ter acesso ao sacerdócio e ao latim. as mulheres fizeram a base de um contra-poder e de uma sociabilidade. De tudo isso. ou mesmo de seu espaço: o que acontece nas mesquitas do islã. Segundo a versão original. Segundo uma versão ulterior. acentua-se nos organizadores dessas religiões. mas também compensação e prazer. tecem a felicidade 84 . em princípio. à imagem da sociedade de seu tempo. sentir "os perfumes do altar. De Marguerite Porete a Teresa de Ávila ou Teresa de Lisieux. a respeito da educação de Emma num estabelecimento religioso). sendo a mulher segunda ou derivada. todas elas.Minha história das mulheres que são trazidas a esse respeito. êxtase. seus confessores e confidentes. a santidade. E o prestígio crescente da Virgem Maria. na suavidade dos reposteiros e do canto coral. Entretanto. tendo a Igreja Católica adotado essa segunda versão. vozes místicas. Jacques Maítre mostrou a esmagadora superioridade das mulheres nesse particular a partir do século XIII. era. deixam escapatórias para as mulheres pecadoras: a prece. estabelecem a dominação dos clérigos e subordinam as mulheres. o convento das virgens consagradas. Encontrar socorro. A rainha da cristandade medieval. "vinda de um osso sobressalente". jejum. geralmente excluídas do exercício do culto (na igreja ou na sinagoga). estudo. e mesmo de criação.2 o homem e a mulher teriam sido criados ao mesmo tempo. Prece. o clarão dos círios" (Flaubert: Madame Bovary. o frescor das pias de água benta. O catolicismo é. antídoto de Eva. a vida 'mística se conjuga no feminino. que já caracteriza os fundadores. embora o profeta Maomé fosse cercado de mulheres. Outras mulheres tornam-se ilustres como fundadoras de ordens. dessas mulheres que exploram os limites da consciência e que despertam a desconfiança da Igreja. educadoras. Marie de 1'Incarnation (1599-1672). de ciência. mística. missionárias. Sua influência foi considerável. Zénaíde Fleuriot. de religião. e o florescimento das missões abrem para as religiosas horizontes consideráveis.4 conta a história de uma judia. ela desempenhou um papel público e mesmo político importante. as mulheres cristãs agiam através dos salões. de uma protestante e de uma católica que agem a partir de suas respectivas religiões. 85 . ainda que fosse pela cruzada. Em sociedade.A alma inefável e dolorosa. o desenvolvimento das congregações educativas. Trabalhou pelo retorno do papa de Avígnon para a Itália. amiga de Tocqueville e de Montalembert. A judia se ocupa principalmente da família. e a católica. foram particularmente produtivas. romancista da região do Norte. Algumas mulheres foram exceção. em Trois femmes en marge. segundo Guy Bechtel. funda uma ordem missionária no Canadá e evangeliza os Hurons. A protestante. com a série romanesca das Brigitte. porque as condições para as mulheres eram muito mais difíceis de atender do que para os homens: era necessário conjugar virgindade a papel público. Mathilde Bourdon. autora de uma centena de romances "água com açúcar". ursulina em Tours. Swetchine. No século XIX. Natalie Z. principalmente a partir da Contra-Reforma. como La Veillée des chaumières. e Berthe Bernage. Essa filha de tintureiros daÚmbria. promover a paz na Península e fortificar a Europa. principalmente em romances que alimentavam os periódicos educativos e cristãos. Queria reformar a Igreja. romancista para a juventude. que haviam tido 25 filhos. diz ele. e tiveram uma grande influência. As santas são muito menos numerosas do que os santos. Pela caridade e pelas obras. E por isso que João Paulo II a erigiu segunda patrona da Europa. as damas "patronesses" exerciam um verdadeiro papel social. como Catarina de Siena (13471380). havia o de Mme. Membro da ordem terceira dominicana. que as consideram criaturas à beira da loucura. chamado de "filantropia" entre os protestantes. mas laica. No bairro de Saint-Germain. dos pensionatos e dos ateliês. Davis. torturante e terna. era virgem. que era o centro do liberalismo. Elas intervinham também através da escrita. Pois a Igreja não preza suas mulheres místicas tanto quanto suas santas. mais presentes no espaço público. pelo menos na França. na sociedade. Assim. com ou apesar da Igreja. um objeto de disputa entre os republicanos e a Igreja. uma cultura católica pôde favorecer a expressão das mulheres. Não na ordem doméstica. Na disputa pela mudança da lei dos inventários. as mulheres crentes estiveram na frente do movimento. por exemplo. a Lourdes. Zola mostrava o domínio das superstições sobre as mulheres pelas peregrinações. elas limpavam as igrejas e defendiam o soar dos sinos. O livre acesso à Bíblia supunha que também as meninas soubessem ler. De tal forma que elas se tornaram. em caminhos por ela abertos e em suas margens. estando. Na família.5 Nas cidades do interior. principalmente para a instrução. mais suscetível de atrair as mulheres das profissões terciárias. as relações entre os sexos eram diferentes. reforçaram os poderes do marido e pai sobre as mulheres pelo pastorado. e pelo anti-semitismo: é a trama de Vérité. Míchelet denunciava a intrusão do sacerdote na vida do casal pela confissão. algumas mulheres criaram associações e sindicatos cristãos. as mulheres transmitiam a fé. modelo das mulheres reformadas. como Jeannette Laot e Nicole Notat. tornou-se laico. As mulheres protestantes. no século XX. elas eram cada vez mais numerosas 86 . mas também industriais. Elas desenvolveram um sindicalismo não misto. de certa maneira. é o tipo da mulher ajudante de seu marido no exercício de seu ministério. em parte. eram mais emancipadas que as católicas. "religião de minha mãe". Esse tipo de sindicalismo.Minha história das mulheres No momento em que o sindicalismo se inspirava em valores viris e estampava um certo antifeminismo. dirigido por responsáveis femininas. O que leva a indagar sobre o papel da Reforma do século xvi. A Europa protestante as alfabetizou através de uma rede de escolas. A mulher de pastor. Lutero e Calvino tinham uma concepção muito patriarcal da família e. entretanto. e o contraste entre os países setentrionais e mediterrâneos se acentuou por muito tempo sob esse aspecto. na origem das lutas pela laicidade. principalmente na região de Lyon. A Reforma existiu para as mulheres? Sim.6 A batalha concentrou-se na escola e terminou pela lei de separação das Igrejas e do Estado em 1905. segundo Jean Delumeau. Nos países protestantes. principalmente na Bretanha. Em prol do apostolado. em 1949. dizia George Sand às "fiéis leitoras" de Consuelo e de La Comtesse de Rudolstadt. lutam pelo direito de voto e apoiam a modernidade. Sua confissão religiosa agia. como suporte intelectual e cultural. as mulheres judias. Hereges e feiticeiras "Mulheres. evitados pelas famílias católicas. uma sociabilidade original. Mulheres como Isabelle Bogelot. Sarah Monod. no caso. Le Deuxieme sexe. Julia Siegfried. animam associações (o Conseil National des Femmes Françaises [Conselho Nacional das Mulheres Francesas]. depois da guerra. Na Europa.. Na França. Reivindicam a igualdade profissional. desempenharam um papel de primeiro plano no acesso à medicina e às carreiras universitárias. um grande 87 . judias e protestantes ocupam as vagas dos primeiros liceus para meninas. Poder-se-ia dizer o mesmo do islã de hoje. obrigadas ao exílio pelos perseguidores anti-semitas. do Planejamento familiar (Evelyne Sullerot).A alma a tomar a palavra. certamente trata-se menos de dogma do que de identidade e de comunidade. fundamento de uma expressão literária vigorosa e de um feminismo precoce. mesmo que ele pareça ainda mais patriarcal. O que acontece sob o véu depende também das próprias mulheres e da mistura sutil de consentimento e de subversão que caracteriza com freqüência sua relação com as religiões que as isolam. Quando Simone de Beauvoir publicou. as protestantes eram evidentemente favoráveis à laicidade e muito ativas no feminismo em 1848 (Eugénie Niboyet) e na Terceira República. apresentam-se em concursos e são numerosas nas associações como a AFDU (Association des Femmes Diplômées des Universités [Associação das Mulheres Diplomadas nas Universidades]).. vocês todas são umas hereges". fundado em 1901. as leituras mais atentas surgiram do movimento Jeunes Femmes [Jovens Mulheres]. Apoiam iniciativas do Birth Control e. nos contatos culturais e no engajamento político. e mesmo a contracepção. desenvolveram. Ghénia Avril de Sainte-Croix. em torno de colégios ou de universidades femininas. Nos países protestantes. principalmente na Grã-Bretanha e na Nova Inglaterra.7 No caso das minorias religiosas. na esteira do movimento americano). Ingressam na universidade. mas que traduz a verdade. Podem-se. dos dominicanos Kraemer e Sprenger em 1486. Questionavam também a hierarquia dos sexos. onde havia um excesso de mulheres sozinhas. de esmolas. As mulheres eram numerosas nas seitas que expressaram a inquietação religiosa do final da Idade Média. A maior parte das seitas questionavam o poder dos clérigos: os hussitas preconizavam a comunhão na qual o cálice fosse oferecido a todos. admirar os trabalhos realizados por elas em Bruges ou Amsterdã. tão cheios de encantos.8 Primeiros fogos de um incêndio que iria abrasar a Europa das feiticeiras. E claro que se trata de um dito espirituoso. e até mesmo de sua "ruindade". o que suscitava uma "questão das mulheres": Frauenjrage.Minha história das mulheres romance sobre as seitas e as sociedades secretas na Alemanha moderna. ao mesmo tempo. sobretudo depois da publicação do Malleus maleficarum. pretendia. tratado do livre pensar. Um dos movimentos mais interessantes foi o das beguinas. Preconizavam uma maior igualdade de culto. misógínos porque convencidos da impureza e da inferioridade da mulher. descrever as 88 . a partir do século xii. Essa enquete. que teve um sucesso enorme. O poder dos clérigos e dos príncipes é um poder de homens. encomendada pela Inquisição. Isso explica a atração dessas mulheres para o que Michel Foucault chama de "contra-condutas". Ela compareceu diante do tribunal da Inquisição em Paris e foi queimada em 1310. mas principalmente dos salários ganhos pelo trabalho de cuidar de doentes ou pelo ofício de tecelãs. Eram comunidades de mulheres que viviam juntas. essas mulheres não eram submetidas a qualquer controle e por isso eram consideradas perigosas. mística culta e autora do Miroir des âmes simples et anéanties. Sem vínculo com as ordens religiosas. Ao longo da alta Idade Média. num mesmo abrigo. foram por vezes tentadas pela subversão de um poder religioso que as domina e as nega. as mulheres continuaram a se expressar. As mulheres. que serão comentadas a seguir. dizer que o amor de Deus não passava necessariamente pelos sacerdotes. A Inquisição as perseguiu: foi o que ocorreu com Marguerite Porete. Foram particularmente numerosas na Alemanha e em Flandres. como entre os lolardos. mesmo em situações políticas explosivas. no qual ela ousava expressar concepções teológicas. ainda hoje. os begardos e os hussitas da Boêmia. aproximadamente vinte edições em trinta anos. geralmente condizentes de seu papel. Lucas Cranach. Na condenação das feiticeiras. E deviase pensar o pior. Elas foram maciçamente presas e queimadas. misturadas. exacerbou-se nos séculos xvi e xvii. invertendo a posição que a Igreja considera a única possível: a mulher deitada. os humanistas também estavam de acordo: Ficino. Essa história confirma a reflexão ulterior de Adorno e Benjamin segundo os quais existe um vínculo entre o processo de civilização e a barbárie. de certo modo. por suas práticas mágicas. na Suíça e no leste da França atual (Lorena. Fato desconcertante. a Reforma.9 acentua esse curioso duo: o filósofo e a feiticeira formam um casal. Praticam uma sexualidade subversiva. Subversão de gestos: fazem sexo por trás. A onda de repressão. Franche-Comté). De que são acusadas. Jean Bodin. o estrangeiro. sendo 90% de mulheres. Esther Cohen.A alma feiticeiras e suas práticas e dizer o que convinha pensar sobre elas.na representação das feiticeiras. Estima-se em cem mil o número das vítimas. Com exceção de Cornelius Agrippa. a feiticeira. principalmente na Alemanha. Os protestantes concordavam com os católicos que as feiticeiras eram nocivas. o que justificava sua condenação ao fogo purificador. pois coincide com o Renascimento. Têm a pretensão de curar os corpos. a primeira mulher de Adão. que o deixou porque este se recusava a deixar-se montar. Em nome da ciência. em Le Corps du diable. mas com elixires elaborados por elas e com fórmulas esotéricas. afinal? De muitas coisas. fazem coro. ou cavalgam os homens. foi vítima. Em primeiro lugar. o homem sobre ela. mas também na Itália e na Espanha. Elas manifestam uma sexualidade desenfreada: têm a "vagina insaciável". Subversão das idades: muitas feiticeiras velhas fazem sexo numa idade em que não se faz mais. em outros aspectos tão moderno. Pic de La Mirandole. clássico do gênero. iniciada ao final do século xv. Colocam-se do lado Lílith. segundo Le Marteau des soccières. As feiticeiras aparecem como bodes expiatórios da modernidade. Jean Bodin publica De la démonomanie. não somente com ervas. Hans Baldung Grien . a dimensão 89 . a racionalidade ocidental erradica as figuras da alteridade: o judeu. e da qual Joana d'Arc. o humanismo. O que explica a posição da Alemanha na geografia das fogueiras e a da pintura alemã . perseguido por cumplicidade com as filhas do diabo. após a menopausa. o progresso e a violência. elas ofendem a razão e a medicina moderna. nem mesmo maléfica. O diabo cuja existência foi estabelecida e cuja teologia foi desenvolvida pelo Concilio de Latrão. Ela é o diabo. não raro. e debruçou-se sobre a noite do Sabá das feiticeiras. benfeitora e vítima. seu olhar mata: ela tem mauolhado. mas não criminosa. Desafia todos os poderes: o dos sacerdotes. um olhar bastante livre sobre a história e a atualidade. práticas amplamente femininas. em 1989.12 Carlo Ginzburg13 estudou os benandanti. "minha mulher é uma feiticeira". dos soberanos. em Les Mots. La Sorcière (1862). a "parte maldita" (Georges Bataille) numa sociedade que ordena os corpos. aqueles homens que. Como se os historiadores percebessem que aí se encontra um capítulo essencial da história cultural e sexual do Ocidente. Les Sorcières. Michelet lhes dedicou um livro coriscante. la Mort. se filiam com humor: foi assim com Xavière Gauthier. queimá-las. verdadeiro hino à mulher. Elas encarnam a desordem dos sentidos. sob a perspectiva da etnologia. as feiticeiras foram reabilitadas.10 que seriam encontrados de uma outra maneira no sonambulismo e na vidência. vítima. no Friul do século xiv. que se tornou um clássico. muito se tem escrito sobre as feiticeiras. fiancées de Satan e fez uma síntese esclarecedora do tema no terceiro tomo da Histoire des femmes en Occident. Jean-Michel Sallmann publicou. A feiticeira é filha e irmã do diabo. Enfim. Sua feiticeira não é nem feia nem velha. às quais as feministas. 90 . dos homens.11 Nos últimos trinta anos. ao fundar a revista Sorcières. guardiã e nutriz fiel". saíam para combater os feiticeiros para preservar suas colheitas. E simplesmente uma das encarnações da Mulher. A solução é uma só: extirpar o mal. Tem pretensão ao saber. O livro de Esther Cohen Le Corps du diable acaba de ser publicado em francês etc. Mais tarde. destruí-las. Mas Michelet permanece na lógica que denuncia: a da existência de um elo privilegiado entre a mulher e os poderes ocultos. elas têm contato com o diabo. Robert Mandrou indagou sobre as relações entre magistrados e feiticeiros. Jeanne Favret-Saada investigou. essa "mãe terna. personagem central de seu livro. Assim começou um enorme incêndio nos primórdios da modernidade. les Sorts.Minha história das mulheres erótica é essencial. da razão. as práticas de feitiçaria no interior da França. Afinal. língua do segredo também: coisas sábias e sexuais se dizem em latim para escapar aos fracos e aos ignorantes. homem ou mulher. A Bíblia. uma dissimetria sexual na alfabetização entre um lado e outro da linha Bordeaux/Genebra. ela contribuiu para desenvolver a instrução das meninas. língua do saber e da comunicação. O contraste marca os cuidados de enfermagem: Florence Nightingale preconizava um ofício qualificado. eles são iniciados em escolas e seminários especiais. a Reforma protestante é uma ruptura. Como é sagrado. Ela se instrui olhando os vitrais e os afrescos da igreja paroquial. seu acesso ao trabalho e à profissão. paramédico. Nesse ponto de vista. Ao fazer da leitura da Bíblia um ato e uma obrigação de cada indivíduo. que ela formara por ocasião da Guerra da Criméia.15 Lembrando a mãe de François Villon: "Mulher sou e nada sei letras nem lobos". com salários decentes. O feminismo anglo-saxão é um feminismo do saber. mulher. os versículos islâmicos do Corão são da alçada dos homens. sucumbiu à tentação do diabo e foi punida por isso. cristianismo. muito diferente do feminismo da maternidade da Europa do Sul. queria saber. de gestual e sociabilidade masculinas. O nursing é diferente do emprego de serventes. Ela. as relações entre os sexos e até sobre as formas do feminismo contemporâneo. ex-domésticas 91 .A alma O acesso ao saber A proibição de saber Desde a noite dos tempos pesa sobre a mulher um interdito de saber cujos fundamentos foram mostrados por Michèle Le Doeuff. As religiões do Livro (judaísmo. Para as Escrituras. Não tendo acesso às letras. seu representante sobre a terra. locais de transmissão. na França. o saber é o apanágio de Deus e do Homem. para as moças oriundas das classes medianas. E constata-se. É por isso que Eva cometeu o pecado supremo. A instrução protestante das meninas teria conseqüências de longa duração sobre a condição das mulheres. os humildes e as mulheres da cristandade tinham a imagem. Na Europa protestante do Norte e do Leste espalharam-se escolas para os dois sexos. A Igreja Católica reserva a teologia aos clérigos que têm o monopólio do latim. islamismo) confiam a Escritura e sua interpretação aos homens. contrário à feminilidade. da qual o islã os privava. a Torá.14 O saber é. fazer-se amar e honrar por eles. tornar-lhes a vida agradável e suave: eis os deveres das mulheres em todos os tempos. Com exceção de Condorcet e do deputado Le Peletier de Saint-Fargeau. se sentissem honradas de segurar em suas mãos não um livro ou uma pena. auxiliares de enfermagem e não enfermeiras autônomas. ponto de apoio das Preciosas que reivindicam a escrita e o bem falar. no seio da família.16 E. e o que se deve ensinar-lhes desde a infância". em seu tratado De l'éducation des filies (1687). a companheira que ele destina a Émile e à qual ele dedica o quinto livro do romance que leva esse nome. Fénelon. também. pela República laica do doutor Bourneville. Assim diz Rousseau: "Toda a educação das mulheres deve ser relativa aos homens. a marquesa de Rambouillet fez de seu famoso "salão azul" um lugar de refinamento dos costumes e da linguagem. um homem de "extrema esquerda". pelo qual deveriam sentir um "pudor quase tão delicado quanto aquele inspirado pelo horror do vício". mas as convida a não confiar no saber. de Maintenon deplorando a ignorância das meninas e preconizando sua formação.Minha história das mulheres de origem bretã. porque a Igreja da Contra-Reforma. É preciso ministrar às meninas "luzes amortecidas". filtradas pela noção de seus deveres. todas as objeções à instrução das meninas. exclusivamente ocupadas com as tarefas domésticas. publica um Projet d'une loi portant défense d'appendre à lire aux femmes (Projeto de lei contendo proibição de ensinar a ler às mulheres). Lêse ali: "Considerando que a intenção da boa e sábia natureza foi de que as mulheres. ser-lhes úteis. 92 . consolá-los. Os revolucionários seguem seus conselhos a esse respeito como em muitos outros. É claro que as coisas mudam com o tempo. multiplica as escolas e os ateliês. Em 1801. criá-los. Sylvain Marechal. Agradá-los. investe em sua educação. consciente da influência das mulheres. ao escrever a respeito de Sophie. que talvez seja apenas uma provocação.17 Os filósofos das Luzes não pensam muito diferente. cuidar deles depois de crescidos. que serão ensinadas pelas respectivas mães. numa espécie de bestialógico. não prevêem nada para as meninas. sendo este último alvo de zombarias na peça Le Bourgeóis Gentilhomme de Molière. escreve a Mme. Mas ainda existe muita reserva sob esse aspecto. mas cujos 113 considerandos e 80 artigos recolhem. aconselhá-los. Isso porque as mulheres agem: no século xvii. os valores morais de pudor. Inculcar-lhes bons hábitos de economia e de higiene. obediência. Esse conteúdo. pois.. Ao longo do século XIX.] Que as mulheres que se gabam de saber ler e escrever não são aquelas que melhor sabem amar. Uma mulher culta não é uma mulher.. da mesma forma que um soberano mulher é uma monstruosidade política". etc.. tendo atingido a idade de dezoito anos. Para a mulher. Para o homem. comum a todas. assim como os métodos utilizados para ensiná-lo.. publica em 1868 Femmes savantes et femmes studieuses. que tecem a coroa das virtudes femininas. [. no esplendor de sua graça que ela mesma ignora. renúncia.. e se incline diante do Sr. sub-prefeito. Para a mulher. reitera-se a afirmação de que a instrução é contrária tanto ao papel das mulheres quanto a sua natureza: feminilidade e saber se excluem. representante de uma Igreja que investe nas mulheres. educar as meninas. que colocará sobre sua cabeça uma coroa de papel pintado!". "O grande defeito de uma mulher". Para o homem.] Que há escândalo e discórdia num lar quando a mulher sabe tanto ou mais do que seu marido". E preciso. e outros do mesmo tipo... Eles deveriam. de esposa e mãe. Para a mulher. Formá-las para seus papéis futuros de mulher. jamais a mão numa pena [.] Uma mulher poeta é uma monstruosidade moral e literária. quereis que ela se submeta a um exame público. que receba um diploma e prêmios nos comícios agrícolas. sua filha. O conservador Joseph de Maistre e o anarquista Proudhon concordam nesse ponto. prestar mais atenção: Monsenhor Dupanloup. as produções do gênio.] A Razão quer que doravante seja permitido somente às cortesãs serem mulheres de letras. E querer ser homem é querer ser culto. a roca de Ônfale. os sentimentos do coração. [. [.. A leitura abre as portas perigosas do imaginário. [. o bispo de Orléans teme sobretudo a sedução do livre pensamento. no entanto. sacrifício. Ele contesta o ponto de vista de Joseph de Maistre.]. polídez. 93 . de dona-de-casa. Seguem os artigos da lei: "Quer a razão que as mulheres não metam jamais o nariz num livro. em suma.. a maça de Hércules. a agulha e o fuso. "é o de ser um homem.A alma mas uma roca ou um fuso. Na verdade.. pensadoras e virtuoses." E o republicano Zola não está longe de pensar desse mesmo modo. escreve o primeiro. e não exatamente instruí-las..18 Ou instruí-las apenas no que é necessário para torná-las agradáveis e úteis: um saber social. varia segundo as épocas e os meios. embora se oponha firmemente ao ensino secundário para as meninas: "Essa menina.. 19 As mudanças contemporâneas Entretanto. Henriette. o ingresso das jovens na universidade aconteceu entre as duas guerras. Não as meninas. ministro da Instrução pública. orar e coser. leva à votação uma lei que obriga todas as comunas com mais de cinco mil habitantes a abrir uma escola primária. Nas famílias burguesas. 94 . A escolarização das meninas no primário operou-se nos anos 1880. em torno de 1900. seus futuros chefes e trabalhadores. No século XIX multiplicam-se os pensionatos religiosos. que garantem a subsistência a mulheres instruídas mas desprovidas de recursos monetários. por exemplo. encarrega-se das filhas do revolucionário russo Alexandre Herzen. "ópio das mulheres". sua correspondente favorita e sua principal colaboradora. onde aprendem a ler. instrui os meninos. no secundário. Aí elas aprendem as artes do entretenimento: desenho. preceptores e governantas ministram suas lições em domicílio e tudo depende de sua qualidade. Ele era protestante e sua primeira esposa militava pela instrução das meninas. que lhes permitirá encantar serões familiares e recepções em sociedade. o que deixa para as mães e para a Igreja. As condições políticas do século XIX produziram exilados em toda a Europa: 15 mil alemães em Londres em 1850. O Estado. na França. não raro bastante boa. muito zeloso da educação das meninas. as coisas mudaram em toda a Europa quase ao mesmo tempo. no período entre 15 e 18 anos. principalmente francês e inglês. tendo recebido aulas particulares de grego e de latim. Atualmente as jovens universitárias são mais numerosas que os rapazes. ela foi. elas recebem aulas e vão completar sua educação em pensionatos. trata-se unicamente de escolas para meninos. viúvo e rico. em 1833. que trazem prosperidade às congregações femininas. As meninas aprendem a equítação e as línguas estrangeiras. contar. Sua própria filha. Malwida von Meysenbug. Quando. e maciçamente a partir de 1950. mais tarde. Guizot. vinda de Hamburgo. piano. Família e religião são os pilares dessa educação quase que exclusivamente privada. As moças das camadas populares ajudam suas mães e freqüentam os ateliês das "irmãs de caridade".Minha história das mulheres Nas famílias aristocráticas ou abastadas. mas também se abrem muitos pensionatos laicos de dimensões menores. era muito culta. Isso porque a costura é uma obsessão nesse grande século do têxtil. Marguerite Audoux. Para os dois sexos. conta como descobriu. no sótão da propriedade rural onde trabalhava. Os Estados almejam mulheres instruídas para a educação básica das crianças. datilógrafas. com os mesmos programas. principalmente no setor terciário de serviços: correios. Julie Daubié é a primeira. E isso em todas as classes sociais. A Igreja medieval substituiu o livro pela imagem sábia e meditativa da Virgem. um Telêmaco (obra de Fénélon) que acabou se tornando seu companheiro (Marie-Claire). a passar no exame final do curso secundário. Na França. Foi necessário. furtado mesmo. depois de muita luta. o baccalauréat. Observa-se um imenso esforço autodidata das mulheres. secretárias. A figura de Eva é. obrigatória e laica. para vencer as reticências do reitor de Lyon. e lidos avidamente à noite. O mercado de trabalho precisa de mulheres qualificadas. provavelmente: os homens desejam ter "companheiras inteligentes". que criaram a escola primária gratuita. Saber que era colhido letra por letra. na calma sombria do quarto. As mulheres da elite reivindicaram muito cedo o direito à instrução. pastora em Sologne no começo do século XX. Daí as leis Ferry (1881). que Virginia Woolf considera uma das condições para a escritura. o "quarto para si". de certa maneira. E as mulheres? Que papel tiveram nisso? Muitas delas desejaram o saber como a um amante. que se elevam nos séculos xviii e xix. nas bibliotecas. emblemática: Eva morde a maçã por curiosidade ávida.A alma Efeito da modernidade. realizado através de todos os tipos de canais. entraram em jogo fatores políticos: a Terceira República triunfante queria subtrair as meninas à Igreja do Monsenhor Dupanloup. Elas transporiam os obstáculos um a um. De Christine de Pisan a Mary "Wollstonecraft. nas margens dos jornais. mas em locais separados por razões de reputação moral. a mistura dos sexos na escola se disseminará sem traumas e sem nenhuma reflexão particular nos anos 1960-1970: sinal e fator de uma igualdade dos sexos ainda em evolução. ouvem-se suas vozes. nos romances tomados dos gabinetes de leitura. nos castelos. o apoio de Arlès-Dufour. de que fala Gabrielle Suchon. Germaine de Staël ou George Sand. Em 1861. A "escola do quarto". nos manuscritos recopiados. nos conventos. pessoalmente 95 . sansimonista. e a intervenção da imperatriz Eugénie junto ao ministro Victor Duruy. Problemática durante muito tempo. Esta é uma outra história que abordaremos mais adiante. Os fisiologistas do final do século XIX. a escola mista. que pesquisam as localizações cerebrais. Sim. entretanto. na esteira de seu mestre. quando era preciso modificar o direito. primeira advogada em 1900. a igualdade dos sexos. substrato de um pré-feminismo renovador. Mulheres e criação: escrever Então as mulheres têm uma alma. Os gregos fazem do pneuma. para quem "o espírito não tem sexo". "As mulheres jamais realizaram obras-primas". a escola mista e a igualdade de educação são uma realidade. Condição necessária. a capacidade da razão? Sim. afirmam que as mulheres têm um cérebro menor. As mulheres não confiavam no ensino que se concedia a elas. engajadas ambas na "querela das mulheres". afirmam. o sopro criador. Como Freud.23 96 . a invenção da tecelagem: "Estimase que as mulheres trouxeram poucas contribuições às descobertas e às invenções da história da cultura. entretanto. Descartes. propriedade exclusiva do homem. que lhes atribui. diz Poulain de la Barre. na França. não é uma condição suficiente. menos denso. Mas teriam espírito.Minha história das mulheres convencido. O sucesso escolar das meninas seria "falso"? Atualmente. que garantiriam uma certa igualdade. diz-se freqüente e continuamente. diz Joseph de Maistre.20 um dos primeiros a afirmar. Mary Astell e Marie de Gournay. mas talvez elas tenham inventado uma técnica. Mas o caminho ainda é longo para que se chegue à igualdade profissional e social.21 Mas as mulheres são suscetíveis de criar? Não. como Jeanne Chauvin. cada ingresso num novo tipo de estudos se caracterizaram por verdadeiras batalhas de pioneiras. Cada grau conquistado para um novo nível de saber. Auguste Comte as vê como capazes apenas de reproduzir. Muitas vezes a intervenção do poder e da lei foi necessária. isto é. os mesmos programas e espaços. a da trançagem e da tecelagem".22 Por que isso? Alguns dão para essa deficiência um fundamento anatômico. mais leve. de cada um dos lados da Mancha. no século XVII. Temiam sua desvalorização. E por isso que as feministas da Belle Époque reivindicavam a "coeducação" dos sexos. Publicam obras de educação. intérpretes. precisam tornar-se masculinas para serem "alta" (a alta costura) ou "grande" (a grande cozinha). não foi uma coisa fácil. Escrever. existem hoje criadoras reconhecidas. mais próximas de nós. Entre os artesãos. a "mãe" que gerenciava a hospedaria era muitas vezes uma mulher instruída que controlava as contas dos trabalhadores e desempenhava o papel de escrivão público. nas revistas femininas. Sônia Rykiel ou Agnès b. Escrevem nos jornais.. ajudantes preciosas. como Hélène Darroze (Paris). tratados de boas maneiras. Elas são inspiradoras. pintar. Nada mais. Madeleine Vionnet. musas.A alma E alguns neurobiólogos da atualidade continuam a procurar na organização do cérebro o fundamento material da diferença sexual. sensibilidade. práticas costumeiras das mulheres. Até a costura ou a cozinha. sexe et pouvoir. Médiuns. esculpir. E através do romance que as mulheres ingressam na literatura. e mesmo mediadoras do além. para as mulheres. de invenção. nesse domínio. Coco Chanel. nada disso existe para essas imitadoras... à correspondência familiar ou à contabilidade da pequena empresa.24 Recusam-se às mulheres as qualidades de abstração (as ciências matemáticas lhes seriam particularmente inacessíveis). mulheres que trabalhavam nos restaurantes na região do Auvergne insurgiram-se contra os costumes patriarcais da profissão e criaram uma associação de "cozinheiras auvérnias".26 São cada vez mais numerosas aquelas que tentam ganhar a vida pela pena. Publicar era outra coisa. biografias de "mulheres ilustres". Elas participam diretamente da história das aparências em que se encontram também as relações entre os sexos. Escrever. tradutoras. e romances. as mulheres que escreviam 97 .25 Sua escritura ficava restrita ao domínio privado. paciência. Christine Plante mostrou o sarcasmo que. Há alguns anos. Na alta costura. Catherine Vidal e Dorothée Benoist-Browaeys expõem e discutem essas hipóteses num livro recente: Cerveau. compor música. Reconhecem para elas outras qualidades: intuição. pensar. de síntese. Jeanne Lanvin e. secretárias. para só falar da França. Felizmente. copistas. souberam se impor e. acompanha as mulheres que "se pretendem autores". No último quartel do século XIX. introduzir outras concepções da moda e do corpo femininos. assim. gênero histórico muito em voga. no século XIX. Um dia sem trabalho. de uma "mulher escritor". no convento. Hetzel ou Michel Lévy. coisa excepcional. Assim sendo. Elas ganham a vida com seu trabalho e não pretendem ter o título de "escritoras": fronteira de prestígio difícil de ultrapassar. mesmo no seu caso. "queimar as pestanas". Depoís. Buloz. é um ofício: "O ofício de escrever é uma violenta e quase indestrutível paixão". Os dândís e os poetas como Barbey d'Aurevilly. Entre aqueles que "não gostam de mulheres que escrevem" estão homens das Luzes. Mas ela nunca se "enterrou em literatura". nome que retorna constantemente em sua Agenda cotidiana (que ela mantém de 1854 a 1876). Baudelaire. fala de si no masculino. É também um meio de ganhar a vida e sustentar uma família que incluía muitos agregados. pelo menos em sua vida profissional. contra a vontade dos seus e principalmente de sua avó. liberais como Tocqueville. como diz a Flaubert. pela escolha de um pseudônimo masculino. ela discute de maneira acirrada os contratos com seus editores. como Necker. Trabalhar significa identidade. como a única mulher. nos jantares de Magny. é perdido. "a gana de escrever" e realizou sua ambição. por causa da resistência em aceitá-las como tais. escreve a um amigo (Fortoul. para inscrever-se na gloriosa linhagem dos grandes escritores. vão ainda mais longe.27 conservadores como Joseph de Maistre. trabalho que realiza com consciência. A verdade é que eles cultivavam a misoginia licenciosa. para explicar a exceção George Sand. que ela devia ter "um clitóris tão grosso quanto nossos pênis". A escritura é. faz de seu pseudônimo um patronímico que lega à sua descendência. utilidade. graças principalmente aos periódicos femininos (como La Veillée des chaumières). Em todo caso. George Sand. os irmãos Goncourt. ela endossa sua masculinidade.28 A ausência de s em George seria de uma vontade andrógina? É provável que ela tenha procurado escapar da obscura coorte das "mulheres autoras". um trabalho. republicanos como Michelet ou Zola. De início. mas apenas um pouco mais de 10% na França). cuja complexidade foi analisada por Martine Reid. justamente.Minha história das mulheres folhetins eram relativamente numerosas (da ordem de 20% na Inglaterra. para ela. por sua determinação: ela tinha. Estes últimos diziam. A escritura. Em 1836. se sente perfeitamente à vontade. principalmente à noite. constitui o próprio exemplo da posição sempre fronteiriça. ministro da 98 . grandes papas das letras. para ela. E. Nos séculos XIX e XX elas conquistaram a literatura. escreve ela a Flaubert em 1866. na construção das identidades. partidário da arte pela arte e obcecado pelo cuidado com a forma.A alma Instrução pública): "Há. na França e mais ainda no exterior. o romance. as mulheres transpuseram essa barreira. Ora. o dia bonito.. Marguerite Yourcenar. ilustra a dificuldade. autora de romances campestres para a Biblioteca Rosa. e às vezes coletiva (sendo então a chave dos engajamentos sociais). que se tornou o território das grandes romancistas inglesas (Jane Austen. a serviço de seu ideal de justiça social. O sucesso enorme. é uma obrigação ardente. em particular. o rosa e o 99 .. que ataca sua abundância. feminina. Depois há a controvérsia sobre suas tomadas de posição (1848) ou sobre suas omissões (a Comuna). as viagens. cuja leitura era recomendada a Proust por sua avó. o que a opõe a seu amigo Flaubert. até na Rússia. e mil outras coisas ainda". seu estilo "fluente": ela seria a "vaca leiteira" de nossa literatura. a glória é masculina e a felicidade. quer fazer uma obra útil. de transpor a barreira das letras. Muitas escritoras fizeram afirmações parecidas: elas recusam a absorção da vida pela obra. Ela o exorta a maior descontração e espontaneidade. Virginia Woolf e as demais) e francesas (Colette. o amor.). os gatos. Tal como Germaine de Staél. A felicidade. Françoise Sagan etc). a amizade. elas temem que "a glória [não passe do] luto que extingue a felicidade". individual e familiar. Apesar de tudo. para as mulheres. refreada nesse ponto por seu pai. não impede uma crítica misógina feroz. ou mesmo de Consuelo. A recepção da obra de Sand ilustra também as dificuldades do reconhecimento. George Sand. O caso Sand. pelas qualidades de seu estilo. Marguerite Duras. a jardínagem. Ela poderia ter acrescentado: a equítação. mil coisas mais valiosas [que a literatura]: a maternidade. Necker. nesta terra. os doces. as irmãs Brontë. "Acho que você sofre mais do que o necessário e que deveria deixar livre o outro [= o outro que há em você] com mais freqüência". George Eliot. aos olhos da posteridade. Elas escreveram todos os tipos de romance: o antigo e o novo. em seus paradoxos. Nathalie Sarraute. não é mais do que a "boa senhora de Nohant". Suas melhores obras teriam sido inspiradas por homens (Musset) ou mesmo escritas por eles (Pierre Leroux seria o autor de Spiridion. enfim. para uma mulher. E o esquecimento daquela que. às quais acrescentaria. a austríaca Elfriede Jelinek. por muito tempo. Toni Morrison e.29 Para Simone de Beauvoir. 55 homens para 4 mulheres: as inglesas Mary Astell e Mary Wollstonecraft. que ela acompanhou em Israel). Hannah Arendt é a única que atualmente é reconhecida e estudada como filósofa nos cursos de filosofia. que. E a nata do pensamento: a filosofia. nos domínios privado e público. Entretanto. Anthologie critique. ao menos aquele que lhes é atribuído. dentre elas Nadine Gordimer. Simone de Beauvoir. no entanto. Hanah Arendt. a condição judia. do mundo contemporâneo. Analisando a feminilidade. de minha parte. a reflexão sobre Le Deuxieme sexe . cuja obra tenta dar conta do trágico.Minha história das mulheres negro. a preocupava mais do que se possa dizer. em 2004. Sete mulheres já conquistaram o prêmio Nobel de literatura. e no qual são isoladas. Ela é. uma "judia alemã na época do romantismo". título de um de seus livros. ao contrário. Por que tão poucas mulheres filósofas? Falta-lhes a experiência do mundo? Ou a do pensamento? Falta-lhes a formação? A audácia teórica? A ambição? O particularismo das mulheres. as impediria de aceder ao universal? 100 .as mulheres — é fundamental. a autora de La Pesanteur et la Grâce e de La Condition ouvrière. certamente. Simone Veil. principalmente a matemática. a "banalidade do mal" (que traz à lembrança o processo de Eichmann. considerada um obstáculo redibitório ao exercício das mulheres. e que não merecia uma teoria. a mãe do gênero (sem. anteriormente apanágio dos homens e que se tornou nos últimos tempos um de seus domínios preferidos. mas com certeza mais dificilmente aceitável no tempo em que o publicou. cuja abstração foi. a tornam uma das principais criadoras da teoria sobre A condição humana. o totalitarismo. mas como um produto da cultura e da história. ao escrever a vida de Rahel Varnhagen. A questão da diferença dos sexos não era central para ela: tratava-se de uma evidência que era preciso levar em consideração. Em Les Femmes de Platon à Derrida. o sentimental e o policial. não como um fato da natureza. de algum modo. Sua reflexão sobre a democracia. Outras fronteiras são ainda mais resistentes: as ciências. defronta-se com o duplo obstáculo da condição judia e feminina. utilizar esse vocábulo). inaugura um pensamento de desconstrução de grande alcance. A vida de artista Escrever foi difícil. como dizia Liszt. Como poderiam participar dessa colocação em forma. buquês de flores ou paisagens. com certeza. Uma verdadeira aprendizagem lhes era negada. a partir de 1900. a qual só lhes foi aberta. Consuelo. A mulher poderia apenas. uma iniciação musical e pictural fortes. no entanto. traduzir. Pintar. "Um belo ouvido". compor música. ultrapassando os limites das artes de entretenimento. consideradas por George Sand como "artes de aborrecimento" e que lhe deram. As mulheres podem pintar para os seus. linguagem dos deuses. Sob o pretexto de que o nu não devia ser exibido às moças. a mais célebre foi a academia Jullian. Antes dessa data. compor música. Mestres menores. em Paris. as jovens deviam se conformar com as escolas e academias particulares. Mas essa iniciação não devia conduzir nem a uma profissão nem à criação. Projet d'aménagement de la grande galerie du Louvre). e foi por esse motivo que George Sand a elegera como heroína de seu maior romance. A cantora lírica é uma grande figura feminina da arte. Tocar ao piano obras de Schubert ou Mozart numa recepção. Pintar. Isso por questões de princípio: a imagem e a música são formas de criação do mundo. em Paris. Principalmente a música. o acesso à Escola de Belas Artes lhes era vedado. sendo que.A alma Ou. por exemplo. dar aulas de desenho ou de piano. criar arte foi ainda mais difícil. Esse uso privado da arte faz parte de uma boa educação através da iniciação às artes de entretenimento. isso era simplesmente impensável? A resposta abrangeria. e sob as vaias dos estudantes. um pouco de cada uma dessas explicações. As mulheres são impróprias para isso. Ser cantora lírica. fabricar objetos (Sand desenhou caixas e pintou dendrites) ou copiar obras-primas nas galerias dos museus (como se vê no quadro de Hubert Robert. interpretar. para elas. também não era simples para elas. em caso de necessidade. esboçar retratos das crianças. esculpir. como 101 . dessa orquestração do universo? As mulheres podem apenas copiar. que Baudelaire considerava os únicos locais convenientes para uma mulher. Os museus. Apíia a criação da Union des Femmes Peintres et Artistes [União das Mulheres Pintoras e Artistas]. jovem aristocrata russa. ainda inédita. "Eu me tornaria adepta da Comuna só para fazer explodir as casas. E um trabalho de homem. é escolhida para fazer parte do Salon. disseram de mim. Era um meio bastante movimentado. cenas de interior e buquês de flores. morta aos 27 anos de tuberculose (1858-1885). como mostrou Marie-Jo Bonnet. doado por sua mãe à Biblioteca Nacional. No Salon. tudo desaparece. esperavam das mulheres que se conformassem com os cânones da feminilidade. e contra os preconceitos de seu tempo. escreveu um diário de 19 mil páginas. o machismo e a condescendência dos professores: "Esses senhores nos desprezam". pelos temas: naturezas mortas. contente. sufragista francesa. Apesar de tudo. desaparecida tão cedo. escreve essa revoltada no jornal La Citoyenne. cuja atmosfera de camaradagem igualitária a agradava. Sabe o caminho que tem de percorrer para tornar-se verdadeiramente uma grande artista. esse tabu absoluto. retratos. pode-se ver os quadros dessa artista. de Hubertine Auclert.] Cada um é o que é. que formavam uma seção inteira. foi a conquista das mulheres no século XX. principalmente em Nice. inteiramente masculinos. Nem nu nem pintura de história. Mas deplora a insuficiência da formação. As jovens que as freqüentavam vinham de toda a Europa. era feliz: "No ateliê. Atualmente.30 Ela se baseia em jornais e correspondências deixadas por artistas como Louise Breslau.. Sophie Shaeppi ou Marie Bashkirtseff. dispensavam um ensino acadêmico baseado na arte antiga e no nu. que foi descrito por Denise Noèl em sua tese. que só pensava em casá-la. e tem-se diante de si a arte e nada mais"..Minha história das mulheres Robert-Fleury. Bastien-Lepage. sobre as mulheres pintoras em Paris na segunda metade do século XIX. Tem força. mas não ingênua. os júris. [.31 É um testemunho notável sobre o cotidiano e os sofrimentos de uma jovem mulher que aspirava a ser uma verdadeira artista e se debatia contra a incompreensão de sua família. principal instância de legitimação oficial. não se tem nem nome nem família. Essa última. em diversos museus. e pelo estilo. O nu. escreve ela. o abrigo da família!". Na academia Jullian. Ela é premiada.32 Isso acentuava o 102 . tem natureza". um indivíduo. fundada em 1881 pela escultora Hélène Bertaux. "e só quando encontram um estilo forte e brutal é que ficam satisfeitos. Para fazê-lo. com ênfase em sua filha. e isso é tudo o que eu pediria." escreve ela em seus Carnets. Limitou-se à pintura de interior. Foi o que ocorreu com Berthe Morisot. e ter o direito de usar calças compridas.retratadas por Tamara de Lempicka ou Leonor Fini. obcecada 103 .33 "Minha ambição se limita a procurar fixar alguma coisa do que acontece. Ou os gritos dos futuristas (Marinetti) contra "o moralismo. A vida cotidiana das mulheres pintoras não era fácil. nos Estados Unidos e na França." Por trás da melancólica doçura de Berthe. adivinha-se a violência da criação ferida. Quem se lembra das italianas Artemisia Gentileschi (século XVÍ . Essa situação não favorecia nem a criação nem o reconhecimento necessário à venda das telas. Para contornar esses problemas. O ateliê é um mundo de homens no qual elas só são admitidas como modelos. apenas esboçados. Daí os protestos de Baudelaire contra essa "invasão" das mulheres que embotam a pintura. sem jamais representá-la como pintora. em sua maioria. pintam num canto de seu apartamento e não têm dinheiro para comprar os materiais necessários. exceto quando tinham relações familiares com seus representantes. suas telas imensas representando animais são um desafio aos cânones da arte no feminino. centenas de artistas mulheres. "O desejo de glorifícação após a morte me parece uma ambição desmedida. e muitas vezes de lésbicas . através dos catálogos das exposições e dos museus. do berço à adolescência. as mulheres eram muito poucas. as mulheres pintoras procuravam se reunir. dezenas.à qual Agnès Merlet dedicou um filme em 1997)." Dela ficaram alguns raros auto-retratos. Rosa Bonheur teve de solicitar a autorização do chefe de polícia. Mas. obscuras. Pesquisadoras localizaram nos últimos anos.como Anna Klumpke e Rosa Bonheur35 .A alma conformismo. Como não dispõem de meios para ter um ateliê. Inventavam soluções originais para exercer sua arte e para vivê-la. formar pares de amigas. como se tivesse vergonha de fazê-lo. Nas vanguardas. que a elegeu um de seus modelos favoritos. cunhada de Édouard Manet. pois sei que valho tanto quanto eles. E não é simples montar seu cavalete em local público. o feminismo" e o apelo à guerra como higiene de um mundo sem virilidade. Berthe não tinha sequer um ateliê próprio.34 Ela sofria com sua marginalização artística: "Não creio que tenha jamais havido um homem que tratasse uma mulher de igual para igual. Por parte das famílias. Frida Kahlo. escreve a esta última. às quais um número crescente de mulheres se dedica nos séculos XIX e XX. para Charlote Perriand. "uma arte menor". existem cada vez mais casais pintores. O pai de Félix e Fanny Mendelssohn. A arquitetura. de mulher. A mãe de Mme. enquanto. de Agnès Varda a Jane Campion. a italiana Gae Aulenti. E não falo aqui da criação cinematográfica na qual se afirmam atualmente tantos talentos.Minha história das mulheres pelo heroísmo feminino de Ester. como Elisabeth Vigée-Lebrun. como Vieira da Silva. com destaque para os ateliês da Europa central dos anos 1920-1930. como dizia Pierre Bourdieu. ou de Rosalba Carríera (1675-1758). no expressionismo alemão. Por outro lado. homens e mulheres. constituem uma dimensão da maneira de viver. de preferência. tantas outras. mãe de família". a respeito da música: "E possível que. de rainha. a Bauhaus. as coisas mudaram? Sim. cujos belos quadros podem ser admirados no museu da Academia. igualmente dotados. 104 . não será mais do que um ornamento". Por um lado. que. uma minoria de mulheres é independente. escreve ela em suas Mémoires. a música venha a ser uma profissão. Janine Níepce. sendo esta mais tranqüila. para começar. arte da planta e do canteiro de obras. com a Blaue Reiter. Como Jean Arp e Sophíe Taeuber-Arp. redescobertas a cada dia nas exposições. Betsabá e Judith. Mas não deixa de ser uma minoria e os grandes nomes são masculinos. Claude Cahun. Isso se acentua com relação à escultura. a objetiva traça um caminho luminoso do olhar feminino. limitar-se ao retrato. Como exceção. De Julia Cameron a Diane Arbus. em Veneza? As duas parecem ter tido um destino trágico. em 1820. As artes decorativas. Era mais rentável dedicar-se aos gêneros secundários. No século XX. para ele. que eu gostasse dos deveres de meu sexo e que fosse mulher do lar. Roiand recusava-se a fazer de sua filha uma virtuose porque "queria. Ou ainda a fotografia. afirma-se como viril por excelência. próxima de Le Corbusier. E a música? Aí se acumulam os obstáculos. Era preferível trabalhar para um homem importante. mas sem sobressaltos. Robert e Sonia Delaunay. como na história dramática de Camille Claudel e na de Louise Bourgeois. para você. Niki de Saint Phalle. acima de tudo. ligado à sua vontade de emancipação. que se esforça para que ela seja redescoberta. o banqueiro André. apesar de as grandes coleções de arte serem em sua maioria masculinas. de Pompadour conheciam a influência do gosto. Há cada vez mais mulheres que são brilhantes intérpretes. Alma Mahler por Gustav.] Que você seja aquela de que preciso. isso sim. E o mecenato musical feminino foi essencial para a música francesa 105 ..37 Atualmente. porque rejeitou os códigos sociais [..] e porque cismou de seguir uma profissão masculina. com quem inicialmente trabalhou.. ao serem dotadas desses recursos. Durante o noivado.38 a Grande Catarina e Mme. as dificuldades persistem no domínio musical. as mulheres são as principais consumidoras de arte. é excepcional.. está certo. Por que foi tão depressa esquecida? "Certamente porque não foi um modelo de mãe. amiga de Richard Wagner. Elas participam de corais. Maria de Medici encomendou a Rubens a série de quadros que estão expostos no Louvre.36 As compositoras foram raras e esquecidas.. Assim foi com Augusta Holmès. pois o dinheiro e o poder são coisas de homem. nas exposições. autora de uma ópera. grande dama da música dodecafônica. Hélène Grimaud). O reconhecimento tardio a Betsy Jolas (nascida em 1926). Nelly Jacquemart foi uma hábil companheira para seu marido. Também são mecenas. Anne Pingeot foi certamente a principal inspiradora do Louvre de François Mitterrand." O que ele lhe propõe é a colaboração e a fusão de seu amor e de suas músicas. mas como violinistas (AnneSophie Mutter). companheira de Catulle Mendes. Entretanto. hoje.. estão presentes em massa nos concertos. próxima de Pierre Boulez e de Henri Dutilleux. "Como é que você imagina um casal de compositores? Você já pensou a que ponto uma rivalidade tão estranha se tornará necessariamente ridícula? [. No entanto. de várias sinfonias e de peças para piano. Mas as compositoras e mesmo as maestrinas são raras. [. diferentemente de outras musicistas como Alma Mahler. Clara Schumann se sacrifica por Robert. sabem servir-se deles. Michèle Friang.A alma Pior ainda quando as desaprovações vêm do marido ou do companheiro. dirse-ia que as orquestras não gostam de ser dirigidas por uma mulher. Gustav lhe pedira explicitamente renunciar à música. e que era célebre no final do século xix. Fanny Mendelssohn ou Clara Schumann".] minha esposa e não minha colega. nos diz sua biógrafa. não somente como pianistas (Marta Argerich. Elas agiram através de suas encomendas e de seus salões. 4 Naralie Z. 2002. locais de criação. Gabriel Fauré. ontem e hoje. Saínt-Saens e muitos outros ganharam notoriedade graças ao apoio da condessa Greffulhe. Juive. col. Trois femmes en marge au xvíi siécle.Minha história das mulheres contemporânea. 18-34. 1997. onde a música não era apenas o acessório das recepções mundanas. 27. precisa ser reavaliado. du concile de Mâcon à nos jours" em La Religion et les Femmes. Víncent d'Indy.-Davís. Paris. César Franck. Gérard Cholvy (org. 2.).39 mas o coração pulsante da arte. de audição e mesmo de concertos. "La femme a-t-dle une âme? Histoire d'un mythe. . o papel das mulheres na criação artística. Debussy. 1. catholique. Assim. Montpellier. p. Seuil. "La Librairie du XX' et du xxi siècle". Satie. 21-22. protestante. 3 Gênesis. Notas 1 Émeline Aubert. 2 Gênesis. de Marguerite de Saint-Marceaux ou da princesa Singer-Polignac. Paris.A alma 21 Segundo a expressão de Guyonne Leduc. L'Harmattan. Augusta Holmès ou la Gloire interdite. Laeuvre et le nom. 19. 1991-37 Michèle Friang. 2004. Histoire. 2004. op. Paris. em Histoire des femmes en Occident. Seuil. 24 Paris. Paris. Signer Sand. Autrement. Marie Bashkirtseff. Um primeiro volume foi publicado em 1999.. Histoire. apresentação de Maurice Godelier. 4. 34 Myriam Chimenes. p. Dwyer. Essai sur la femme auteur. n. cit. 1999.. 33 Anne Higonnet. Odile Jacob. 22 Françoise Collin. p. 2005. 1999. Clio. 23 Steven J. 1992. p. Brita C. Paris. 1989-27 Jean-Denis Bredin. 29 Como mostraram Françoise Collin. 25 Marie-Claire Hoock-Demarle. Paris. A Turn-ofthe-CenturyPainter and her World. Unefimme compositeur au XIX siècle. 1989. Paris. op. Paris. femmes et sociétés. Odile Jacob. Évelyne Pisier e Eleni Varikas. op. e Julia Kristeva. "Lire et écrire en Allemagne". Un portrait sans retouches. La Mal-Mesure de l'homme. 2002. 1841-1895. em Le Génie féminin. 1997. Hannah Atendi. cit. 34 35 36 Berthe Morisot. Gould. Berthe Morisot's Images of Women. t. "L'extrême contemporain". 38 Fanny Cosandey. Paris. 26 Christine Plante. Jacqueline Rousseau-Dujardin. n. 1841-1895. "Compositeur au féminín". Paris. catálogo da exposição do Musue de Belas Artes de Lille. Fayard. cit. 2OO3. Northeastern University Press. femmes et société. 1999- 30 Cf. 63-83. Fayard. Harvard University Press. 198532 Marie-Jo Bonnet. Paris. 147-167. La Petite Sceur de Blazac. seu artigo em "Femmes et images". "Marie de Médicis et le cycle de Rubens au palais du Luxembourg". une biographie. 602. Paris. livro que renova o tema pela informação e pela abordagem. Les Femmes de Platon à Derrida. Horay. Mécènes et musiàens. Adam Biro. 19. 1999. L'Exercice du savoir et la Différence des sexes. Les Femmes dans l'art. 2004. Belin.. Belin. Cf. col.Anna Klumpke. I. a biografia de Colette Cosnier. em Geneviève Fraisse et alii. em l'homme est-il devenu superflu? Hannah Arendr. 28 Martine Reid. Une singulière famille (les Necker). 31 Sua publicação integral está em curso pelas edições L'Age d'homme. Du salon au concerta Paris sous la III Republique. 2003. Fayard. . Clio. Berthe Morisot. da reprodução. receber uma remuneração individual. ainda mais quando eram casadas. na feira ou na loja. principalmente com a industrialização. isto é. nas sociedades ocidentais. que era o seu ponto de apoio e a sua utilidade? As camponesas Por muito tempo. na França. elas sabiam contar. e o célebre quadro de Bassano que retrata os Portinari. a partir dos séculos XVIII-XIX. que trouxessem remuneração. as mulheres foram camponesas. no artesanato. devem. mostra um casal de cambistas iguais em suas ações. não remunerado. As sociedades jamais poderiam ter vivído. deixando a casa. era essa . ter acesso ao salário. que. não valorizado. Seu trabalho era da ordem do doméstico. que é invisível. coloca em questão o "trabalho das mulheres".O trabalho das mulheres As mulheres sempre trabalharam. É o regime assalariado. o lar. Nem sempre as mulheres exerceram ofícios reconhecidos. ligadas aos trabalhos rurais. no período que precede a Segunda Guerra Mundial. Não passavam de ajudantes de seus maridos. As mulheres podem. No entanto. Sua maneira de lidar com o dinheiro trazia problemas. ter-se reproduzido e desenvolvido sem o trabalho doméstico das mulheres. . sendo mais objeto das pesquisas dos etnólogos. que. Resultado de uma longa pesquisa feita na Borgonha. o sangue. Jeanne. Joêlle Guillais recolheu as memórias de La Berthe (1988). Martine Segalen. inestimáveis testemunhos. as representações dominam. cujos croquis são melhores do que L'Angelus. foi um marco. florescem. Jakez Elias (Le Cheval d'orgueil 1975). afastados da rudeza de seu cotidiano. o leite. La laveuse. 1910). são poucas as que emergem do grupo. as camponesas são certamente ainda a maioria. E as mulheres são o suporte privilegiado. suas roupas e chapéus. o faz na maioria das vezes de maneira convencional: de Brueghel e Le Nain a Jean-Baptiste Millet. Alguns romances têm um valor etnológico. E o que se vê no romance de Zola. la femme qui aide1 mostra com sutileza o que acontece em torno dessas personagens no funcionamento cotidiano e na transmissão dos gestos. Quando se trata da terra. quando aborda o mundo rural. trata-se da Société d'Ethnologie [Sociedade de Etnologia] e de sua revista. Ethnologie française. se pensarmos na África. la couturière. Os conflitos. na Ásia e na América Latina. Nanon e a célebre Petite Fadette. A pintura. em torno da aldeia de Minot. Os testemunhos diretos são extremamente raros. têm o efeito de fixá-las em posturas e trajes impecáveis. No mundo. como as de Élisabeth Claverie e Pierre Lamaison. liberam algumas vozes menos convencionais. la cuisinière.Minha história das mulheres a condição de quase a metade das mulheres. La Terre. uma das primeiras a destacar personagens de mulheres do campo como Valentine. seu mobiliário. dos saberes e de uma simbólica fortemente marcada pelo corpo e pelos líquidos: a água. quando ocasionam processos. não estão isentos de bestialidade. não é de espantar que nosso saber sobre as mulheres rurais nos venha desses pesquisadores. os estereótipos. com os trabalhos e os dias de uma vida rural que parece escapar à história. e mesmo Van Gogh. Agnès Fine (do Sudoeste da França). produtos do regionalismo e das ideologias políticas. com o famoso quadro Mangeurs de pommes de terre. Yvonne Verdier. O livro de Yvonne Verdier. Anne Guillou (Bretanha). camponesa do Perche.. no entanto. Os museus das artes e tradições populares mostram seus instrumentos. dedicaram-se particularmente ao estudo dos papéis masculinos e femininos no trabalho e na cultura rural. Na França. Imersas na hierarquia de sociedades patriarcais. Façons de dire. façons de faire. Assim.2 sobre a região do 110 . as camponesas são as mais silenciosas das mulheres. nesses casos. Ora. Citaremos Marguerite Audoux (Marie-Claire. pois se fundem com a família. precocemente falecida. Daí o interesse das pesquisas que os tomam como ponto de partida. como os de George Sand. preocupada com seus namorados e seu enxoval. como Perrette. endomingadas. Numa rígida divisão de papéis. A velha camponesa é uma mulher recurvada. durante o serviço militar ou durante a guerra. que também era serviço delas. cujo leite servia para fabricação artesanal de queijo.3 Cuida da 111 . de batatas a vindimas. há três ou quatro gerações. natural do Poitevin. a criação de animais. aumentou a demanda com relação às mulheres. ou na véspera da partida para o exército. o galinheiro e a horta. Essas mulheres. ou as pesquisas de Annick Tillier sobre as mulheres infanticidas na Bretanha do século xix. Muito cedo ela fia para fora ou faz rendas (como nas regiões do Puy. nossas antepassadas. das vacas. em 1914. Agathe. não sabia ler nem escrever. que vigiavam e ordenhavam." A camponesa é uma mulher ocupada. de Alençon ou de Bayeux). não há vaca. Deixamos que partissem sem registrar sua memória. Ela toma conta das filhas. em nome de um holismo familiar atacado pelo crescimento inexorável de um individualismo no qual as mulheres têm um papel eficaz. entre as mulheres. Minha bisavó. na corte e na cidade. elas trabalhavam no campo por ocasião das colheitas de todos os tipos. De acordo com a idade e com a posição na família. que tenta fazer persistir o direito de primogenítura e a prática de alianças. Mais raramente. ela vendia na feira. trazer para casa um suplemento monetário a partir do momento em que o campo se abriu para o mercado: mercado alimentar. cujos produtos. nem frango. Elas cuidavam do rebanho. ela macerava e fiava o linho e me deixou foi uma roda de fiar desconjuntada. das cabras. nem galinha. curvadas sobre a terra ou sob o peso de cargas. correspondências. A dona-de-casa reina sobre a família e os agregados. o trabalho da terra e as transações do mercado. cujo pilar é o casal. tarefas e espaços. E pouco. Para a mulher. que desapareceu numa mudança. é muito hierarquizado: entre os sexos (ele é o senhor). que. desapareceram com elas. com seus esposos. no dia de suas núpcias. "Sem mulher. nem ovo. que assim entraram no circuito monetário. Esse mundo rural. a casa. principalmente a partir do século XVII. viviam nas aldeias. mercado têxtil. se possível. que são buscadas nas aldeias por estafetas. preocupada em vestir (ela fia) e em alimentar os seus (auto-subsistência e confecção das refeições) e. nem leite. modo de transmissão privilegiado entre mãe e filha.O trabalho das mulheres Gévaudan. por ocasião de um casamento. escritas nos tempos de separação de um casal. O luxo. Para o homem. Tudo o que restou são velhas fotos em que posam em grupo. Vida cotidiana A vida das camponesas era regrada pela da família e dos ritmos dos campos. a "mulher que ajuda" é a guardiã da memória das famílias. A pesquisa de Yvonne Verdier data de mais de trinta anos. Hoje em dia.* cujas lavagens constituem verdadeiras cerimônias. que operam uma espécie de censura. onde elas são as mais fervorosas. visíveis quando os pais não conseguem entrar num acordo sobre o cardápio de uma recepção de casamento. Nas feiras. mediadora entre cidade e campo. desfazem uma reputação.: "Roupa branca" traduz Unge. que não podem sustentá-las nem empregá-las. Mas logo os jovens forasteiros lhes furtam essa vantagem com seus relatos em que predominam os rumores da cidade. Na igreja. reclamando quando tem de traze-los para morar em sua casa. palimpsesto das noites de um casal. Cuida dos parentes idosos. segundo Martin Nadaud em suas Mémoires de Leonard. Presente em todas as circunstâncias da vida — batizados. É ela quem veste os mortos e vela por eles em sua última travessia. Na lavanderia. Em Minot. A lavadeira conhece os segredos da roupa íntima. * N. nos momentos de vigília. Essa vida rude tem seus ritos e seus prazeres para as mulheres. filhas de famílias numerosas. onde gerenciam o comércio a varejo. a testemunha de seus conflitos. A costureira. Ele se exerce pelo olhar e pela palavra. pertencem à camada mais pobre e mais exposta do mundo rural. Essas criadas. as mulheres falam entre si e lavar roupa branca é atividade propícia à confidência. Vigia as criadas. com freqüência.T. as mulheres mais velhas contam histórias e transmitem as lendas e os acontecimentos da vizinhança. para ver se não estão engordando além do normal por baixo de seus blusões ou aventais.Minha história das mulheres roupa branca. Os homens temem o burburinho das lavanderias. Dá "uma mãozinha" à parteira. Ela tenta conciliações. que. ou mesmo a substitui. ou do patrão. cujo poder oculto é. a qual animava com seus contos. casamentos e enterros —. desapareceu. ao mesmo tempo que lhes ensinam os mistérios da vida de mulher. Há trinta anos essa cultura já estava em declínio. 112 . os papéis das mulheres são muito marcados numa cultura do corpo da qual elas são as sacerdotisas. Assim.4 testemunho muito rico sobre os efeitos das migrações sobre as relações entre os sexos no século xix. confidente dos desejos de luxo e de sedução. muitas vezes às voltas com as inconveniências dos cavalariços. mesa e banho. eram sempre brancas. A cozinheira transmite as receitas rurais. A noite. que designa tanto a roupa íntima masculina e feminina quanto a roupa de cama. e mesmo reconciliações. até há bem pouco tempo. muito forte. a velha Fouénouse se cala no canto de sua lareira em sua aldeia do Limousin. acolhe a cada inverno as moças que completarão 15 anos naquele ano para lhes ensinar a marcar a roupa de seu enxoval. Pela ação das guerras." 113 . "Os funcionários corriam pela plataforma gritando: 'Passageiros para Paris. Essas fábricasinternatos suscitaram o interesse dos moralistas. Alemanha) e no mundo. e suas famílias é que recebiam diretamente o seu salário. na região do Ardèche e do Lyonnais. Ela acaba de perder seu emprego de pastora e acompanha sua irmã à estação. e a das mulheres também. As moças ali permaneciam por muitos meses sem ir para casa. vi Paris com seus edifícios que parecem palácios. Louis Reybaud). no Japão. havia fábricas de seda—filatura e tecelagem — cujo patronato seguia o modelo de Lowell. principalmente a de 1914-1918. Foi criada uma ordem especialmente com essa função. Esse tipo de internato industrial existiu em vários países da Europa (Suíça. atravessem!' Naquele instante. na China. que esvaziou o campo de seus jovens e transferiu uma parte de suas tarefas e de seus poderes para as mulheres: elas aprendem a lavrar a terra. embora de forma mais flexível. gesto viril.O trabalho das mulheres Mudanças na vida dos campos e das mulheres Por muito tempo aparentemente imóvel.5 que as descreveram detalhadamente. Pois elas também participavam do êxodo. na Coréia. vila-dormitório americana (perto de Boston). e a prática religiosa era obrigatória. O êxodo rural afetava as mulheres. Pela industrialização. Uma vez longe de casa. que viam nelas um ideal de equilíbrio feminino. Não somente porque elas continuavam no campo. pelo menos. Pelo êxodo rural. são muito numerosos e algumas reportagens já exibiram para nós sua austeridade laboriosa. a supervisão desses internatos foi confiada a religiosas. Marguerite Audoux conta sua partida improvisada para Paris. De uma forma ainda mais rigorosa. São eles uma das razões para os baixos salários e para os custos módicos da mão-de-obra chinesa. Esse dinheiro a mais era muito apreciado e contribuiu para revalorizar a estima das moças na economia familiar. as jovens camponesas nem sempre voltavam. mas também na fábrica: no Sudeste da França. detalhada em seus regulamentos. a vida nos campos muda. Na China. e seus telhados iam tão alto que se perdiam nas nuvens. As fábricas empregavam as moças desde os 14 anos. Esses fatores acumulados modificaram o equilíbrio das famílias e as relações entre os sexos e mudaram a vida das mulheres. Eles ainda existem. Para tranqüilizar as famílias camponesas de onde eram originárias. e dos pesquisadores (Armand Audiganne. por intermédio do vigário. As jovens. A disciplina era estrita. no Extremo Oriente. e a gerenciar seu negócio. O apelo da cidade e do trem era muito forte. Seus pais as colocavam como criadas em propriedade rural ou como criadas na cidade. Por influência do mercado e das comunicações. do senhor do castelo ou de um primo. e para isso elas faziam o concurso da escola normal. um formidável impulso. que. Mais instruídas. representa 4% da população. chegando mesmo a subir num trator (como na região de Perche. e torna-se um objeto de desejo para os homens e uma obsessão para as mulheres. ao proporcionar seu funcionamento e reprodução. passando por uma cidadezinha do interior. e na vida das mulheres. pois é responsabilidade delas. ser empregada nos correios ou professora primária. fazem os cálculos em seus negócios. porque aspiravam a uma vida melhor e mais livre. Uma mulher já dirigiu a Confédération des Jeunes Agriculteurs [Confederação dos Jovens Agricultores]. Essas jovens mulheres eram migrantes em potencial. antes de entrar para a CFDT (Confédération Française Démocratique du Travail [Confereração Francesa Democrática do Trabalho]) e assumir responsabilidades por ocasião do movimento de maio 1968. será preciso que as propriedades rurais se tornem mais confortáveis e que a família deixe de ser patriarcal. foi professora primária e dedicou-se à educação especializada. mas que não constituía a finalidade do casamento. que dirigem automóvel. sendo muito machista. como primeira etapa. Para que as mulheres permaneçam no campo. O trabalho doméstico O trabalho doméstico é fundamental na vida das sociedades. Celles de la terre. são mulheres modernas. Aprendeu a costurar no orfanato das irmãs. que foi. a uma intimidade que as casas rurais não lhes proporcionavam. Jeanne Bouvier conta mais ou menos a mesma história. E um peso nos seus ombros. que transcorreu seguindo seqüências análogas. Aspiravam também ao asseio. desejavam outra coisa. E um peso também na sua identidade: a dona-de-casa perfeita é o modelo sonhado da boa educação. L'Atelier de Marie-Claire. por exemplo. No século XX muitos camponeses têm dificuldade em encontrar mulheres para se casar e o celibato masculino aumenta cada vez mais. Na segunda metade do século XX. O caráter doméstico marca todo o trabalho feminino: a mulher é sempre uma 114 .6 de que fala Rose-Marie Lagrave. que. A maior parte das operárias vêm do campo.7 filiam-se a associações ou a sindicatos. assim aparece nos romances de Joëlle Guillais). usam talão de cheques. O campo desaparece à medida que se transforma. na França. Entrará num ateliê de confecção que descreve num outro romance. Leitoras de folhetins. para muitas. Nicole Notat era filha de agricultores da região de Lorena.Minha história das mulheres Ela sobe no trem. sonhavam com um amor que certamente não era impossível. Mas isso numa agricultura que se tornou residual. Essas "monografias de família" são documentos excepcionais sobre as famílias dos meios operários.O trabalho das mulheres dona-de-casa. O pano.* o engenheiro Émile Cheysson foi um dos maiores entusiastas desse tipo de ensino. cuja vida e prática são aí descritas. São três as figuras do trabalho doméstico que vamos abordar: a donade-casa de origem humilde. Isso se espera também da perfeita secretária: que ela coloque flores e que cuide de seu patrão. mais tarde de escolas. Ela vive numa pequena habitação. Era assim que trabalhava a secretária de direção no escritório à moda antiga. as compras. investigam seu orçamento e a maneira como a dona-de-casa o gerencia. sendo hoje uma cidade satélite de Dijon. Ao mesmo tempo. ele muda. Ele é invisível. elástico. Como "a mulher do carpinteiro de Paris" no Segundo Império. principalmente nas grandes fábricas que se encarregam de formar as mulheres de seus operários. as tarefas não são compartilhadas entre homens e mulheres. pouco qualificado e pouco mecanizado apesar das mudanças contemporâneas. que tem dois cômodos e mais um cubículo para a cozinha. a lavagem de roupa. E um trabalho físico. A dona-de-casa dos meios operários Nos séculos xviii e XIX houve uma tomada de consciência da importância do trabalho doméstico na vida das famílias e das sociedades. É um trabalho que parece continuar o mesmo desde a origem dos tempos. a dona-de-casa burguesa e a criada. assim. O trabalho doméstico resiste às evoluções igualitárias. 115 . e principalmente sobre as mulheres. no Creusot. nesse trabalho. o esfregão continuam a ser os seus instrumentos mais constantes. a observam. Praticamente. a pá. No entanto. de tratados de economia doméstica ou de educação. fluido. a vassoura. A "boa dona-de-casa" é objeto de conselhos. da noite das cavernas à alvorada dos conjuntos habitacionais. que atualmente deu lugar à empregada doméstica ou à diarista. descrito por Josiane Pinto. que depende do corpo. Ela mesma faz e conserta as roupas da * N. Suas ocupações são o serviço de limpeza. fazendo aquelas de custo mais barato (o ensopado em lugar do assado). em suas práticas e em seus agentes. Os economistas e os moralistas vêem na dona-de-casa dos meios operários o núcleo do equilíbrio econômico e familiar.: Vila operária localizada na região da Borgonha. Frédéric Le Play e sua escola desenvolvem pesquisas exaustivas sobre famílias de operários escolhidas em função de sua representatividade.T. a preparação das refeições. Os criados são muitos na aristocracia e na burguesia abastada — sua importância. se sente valorizada por essa contribuição ao orçamento doméstico. muito ocupada. pode ser vista na obra de Proust. no meio operário. para trabalhar em domicílio para uma indústria da confecção. Ela. A dona-decasa burguesa depende da soma que lhe é passada pelo marido. "Não poder mais ser servido" assinala uma decadência de status. 1878). é este o ideal a defender. a família vai por água abaixo. A dona-de-casa é. Ela é o médico da família e antes de tudo. no L'Assommoir (Zola. "Ser servido" é a marca última de uma posição. é uma preocupação permanente. Ela tem a responsabilidade de zelar pela família e de manter a casa em ordem: arrumação e limpeza da casa ou do apartamento. A dona-de-casa reina (em princípio) sobre seus filhos. E a triste história de Gervaise. e compreende-se por que. À la recherche du temps perdu — na média e pequena burguesia. seu "ministro das Finanças". recepções para a sociedade. pois gerencia o orçamento. e sobre a criadagem. lavagem e repassagem das roupas.Minha história das mulheres família: o marido e dois filhos. a criadagem tende a reduzir-se a uma única "criada". O dia do pagamento é um dia de contestação em muitos lares. uma Singer. assim como outras donas-de-casa. o que é um motivo freqüente de discussões como mostra Zola em Pot-Bouille. sistema do suor. elaboração dos cardápios das refeições. organização das soirées familiares. Até mesmo para a CGT (Confédération Générale du Travail [Confederação Geral do Trabalho]). 116 . de maneira faustosa ou modesta. Uma burguesa. ela teria alugado ou comprado uma máquina de costura. pelo menos não se tiver dinheiro. O marido lhe entrega o pagamento da semana: prática freqüente na França (muito menos na Inglaterra ou na Alemanha) e certamente resultado da pressão das mulheres. mais sobre as filhas. Além disso. segundo suas disponibilidades. os únicos sobreviventes dos seis que trouxe ao mundo. Para a mãe de família que tem filhas na idade de casar. extenuante para as mulheres e combatido pelas feministas e pelos reformadores por volta de 1900. se prefira que ela trabalhe em casa e não na fábrica. Vinte anos depois. reserva um dia para receber visitas. social e narrativa. a mulher do carpinteiro ganha um pouco de dinheiro fazendo compras e lavando a roupa para uma vizinha. à qual as donas-de-casa se apegam como a uma tábua de salvação. estes. mesmo sendo da classe média. Essa é a chave de um sweating system. pois. Esta última é sua maior preocupação. A dona-de-casa burguesa A dona-de-casa descrita por Bonnie Smith e Anne Martin-Fugier8 não tem o mesmo tipo de ocupações. cuidados e educação das crianças. Se a mulher não é uma boa dona-de-casa. Seus filhos devem realizá-la. numa relação pessoal que ultrapassa o compromisso salarial. ou melancólicas. em quartos sórdidos e mal aquecidos. Por vezes usam de seu poder doméstico de maneira tirânica — como as mães possessivas retratadas por François Mauriac em seus romances. O pior é que são mandadas embora quando ficam grávidas. chega a ser o principal setor de emprego das mulheres. Seu trabalho de mão. Algumas se sentem realizadas em ambientes aconchegantes. sua pessoa e seu corpo são requisitados. e sujeitas a descontos caso quebrem a louça ou estraguem a roupa. elas recebem "retribuições" que lhes são passadas irregularmente. Com casa e comida. ajudantes de cozinha. verdadeiros ninhos de tuberculose. as "pequenas coisas" do cotidiano as ocupam e as justificam. à espera de um acontecimento sempre adiado. segundo a expressão popular. Outras são mal-humoradas. são presas fáceis. E 117 . desenvolvem uma verdadeira mística feminina do trabalho doméstico e da reprodução. elas vêm do interior (em Paris. Pouco antes da guerra de 1914. são jovens e superexploradas. como aqueles descritos por Jane Austen. Inexperientes. Além de seu tempo e de sua força de trabalho. Alimentando-se de restos e dormindo no sexto andar dos prédios. criadas para todo o serviço não têm o mesmo status nem as mesmas retribuições. lavadeiras. facilmente seduzidas pelo filho dos patrões ou por um sedutor bem falante que conheceu no baile de sábado à noite. Algumas ajudam os pobres. aliás. reduzidas ao círculo restrito de sua casa. mesmo quando a prática se torna mais freqüente. copeiras. dificilmente. cheio de intrigas e surpresas. e assemelham-se um pouco às heroínas de Virginia Woolf. Sua vida cotidiana é um romance interminável. Sua jornada de trabalho é quase ilimitada. obra de escolha que requer muito amor". Empregadas domésticas Uma parte importante do trabalho doméstico é remunerada. As domésticas não são. em casa ou fora dela. A situação de dona-de-casa é uma variedade arriscada da condição de mulher. pois o "trabalho" tornou-se valor indispensável à utilidade social. exercendo atividades de caridade e filantropia. assalariadas como as outras. que as deixa "de bucho cheio". muitas são bretãs). tricô ou bordado. Conduzidas por seus pais. Há muitas variedades de empregados domésticos: cozinheiras. sussurram os versos de Verlaine sobre "a vida simples e fácil.O trabalho das mulheres Essas mulheres. O domingo não é garantido como folga. camareiras. As primeiras conseguem uma situação melhor. As últimas. as africanas e asiáticas. E algumas. Em Les Bonnes. a mais cruelmente caricaturada. Jules Lebreton. Mas. e nas fábricas.indústria de refrigeração e mecanização . as populações das aldeias são cada vez mais reticentes em enviar suas moças para a cidade.os substituíram. talvez. chegam a juntar dinheiro para o dote. Ainda mais porque surgem outras oportunidades de ganhar a vida em hospitais laicos. Notadamente pelo risco da prostituição e da sífilis. Em vinte anos. O trabalho doméstico mudou? Sim. O aspirador. economizando. Depois de 1914. as mudanças são ínfimas. Mas os filhos — sua saúde. dando lugar às faxineiras diaristas. As "criadas" desaparecem. A condição doméstica conduz à perdição ou à ascensão. seus estudos. A crise da domesticidade e as utilidades domésticas . e ainda mais se for para Paris. De tal forma que o doméstico continua a pesar na agenda das mulheres. não tem boa reputação. Arrancaram-lhe os olhos.a modificaram completamente. que se tornou consumidora dos salões de utilidades domésticas. que gerencia sua cozinha como um engenheiro. as empregadas domésticas tornam-se raras. freqüentemente de proveniência estrangeira. posteriormente. Não antes de marcar a literatura. Sem que os homens colaborem muito mais. o que as torna um bom partido para os operários. pareciam anjos. Símbolo. O que demonstra a vontade de promover uma dona-de-casa profissional. A camareira de Octave Mirbeau. Ato de loucura assassina que jamais foi completamente esclarecido. a mais esperta. que no período entreguerras era chamado de "électrobonne" [criada elétrica]. 118 . apesar de tudo. "Não se encontram mais serviçais" é uma queixa generalizada. Genet põe em cena um acontecimento trágico: as irmãs Papin assassinaram a patroa. que abrem vagas. mulher elegante que fuma cigarro ao passar o aspirador. A Félicie de Flaubert (Un coer simple) é a figura mais comovente. ele desapareceu. Os trabalhos domésticos propriamente ditos se amenizaram. Assim. absorveu a dona-de-casa. esse "mal parisiense". mais acolhedoras e mais bem protegidas pelo direito do trabalho incipiente. suas distrações . de um desprezo intolerável e de uma condição doméstica que se tornara insuportável. 1906). Entretanto. adotados pelo CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique [Centro Nacional da Pesquisa Científica]) e organizado nos anos 1950 no cenário prestigioso do Grand Palais. imaginados por um socialista.Minha história das mulheres claro que há boas patroas e boas lembranças. como as espanholas e as portuguesas e. Num certo sentido. endividados ou não. Bécassine (La Semaine de Suzette. pois. mais aguda para elas do que para seus companheiros. Sociólogo do ambiente doméstico. voltando a trabalhar mais tarde. Jean-Claude Kaufmann analisa a resistência masculina à tarefa de passar roupa e a muitas outras. em 1838. E. "Operária: palavra ímpia". Operárias Foi a industrialização que colocou a questão do trabalho das mulheres. Para a mulher. a fábrica. a fábrica.9 Há aí uma estrutura de longa data. escreve Michelet. o mole para as mulheres. o doutor Villermé as vê em tristes cortejos na entrada das fábricas. Uma grande divisão material e simbólica do mundo. muitas vezes acompanhadas dos filhos. um trabalho cíclico. em Manchester. A juventude das operárias se exibe nos cartões postais que mostram a hora da saída das fábricas. Além do mais. um congressista declara: "Para o homem. com suas máquinas. assim como a persistência da repartição dos papéis sexuais no teatro cotidiano. Um homem digno desse nome deve poder sustentar sua família e precisa de uma mulher que cuide da casa. quando os filhos estão criados. a madeira e o metal. com as longas horas na fábrica? Os operários temiam a concorrência: esse "exército da reserva" ocasionaria. dizia Marx. uma diminuição dos salários. são admitidas muito jovens. foram um dos primeiros usos da fotografia em meio operário.O trabalho das mulheres da ordem de alguns pontos percentuais. Há características que se repetem em seu trabalho. que desafia a história. E num congresso operário de 1867. onde. com eles. suas promiscuidades sexuais. observador sagaz do casal visto através de sua roupa branca ou de suas panelas. 119 . nas fábricas e nos ateliês. A manufatura. Como conciliar o trabalho doméstico. sua tarefa mais importante. desde os 12 ou 13 anos. inevitavelmente. se necessário. sem perspectiva de carreira. em Mulhouse. Ele é temporário: as operárias não passam a vida toda na fábrica. no começo do século XX. permanecem no trabalho até o casamento ou até o nascimento do primeiro filho. eram uma mudança perturbadora. não era para elas. que. sua sujeira. material e mental. em Roubaíx. teórico da ação da dona-de-casa. e. a família e os tecidos". Elas entraram em massa nas fiações e tecelagens da Primeira Revolução Industrial. O duro para os homens. rias fábricas O têxtil foi o grande setor de emprego das mulheres. 11 * N.Minha história das mulheres Em segundo lugar. são recorrentes. Exceto nas fábricas de seda do sudeste da França.são freqüentes. os operários são contrários à sua admissão. Aconteceram aí greves marcantes no começo do século XX. Em contrapartida. químicas. mal arejados. fato raro. 10 horas por volta de 1900. A disciplina é severa. As greves são muitas no setor têxtil. e os acidentes — com dedos e mãos cortados . masculinos. esses internatos-conventos cuja clausura é cada vez mais insuportável para as jovens. sem espaços livres: sem refeitórios. é um trabalho pouco qualificado. 120 . na França) obriga as fábricas a acelerar a divisão do trabalho e a reorganizar seu espaço. reduzido a gestos simples e repetitivos. e nem são incitadas a fazêlo. com figuras admiráveis de líderes grevistas. aposentadorias): nessas fábricas. os homens que foram mobilizados para a frente de batalha. Nas gráficas. Os ofícios do livro são nobres. Os locais são desconfortáveis. considerada desvalorizante. e depois para vários teares. monótono. não havia vestiários. tagarelar e perder tempo. E também um trabalho humilhante. na retaguarda. O assédio sexual era um dos motivos de greve. denominação das jovens que trabalhavam nas fabricas de munição na Primeira Guerra Mundial. A chegada maciça das "municionetes"* (aproximadamente trezentas mil. nem as promovem. As manufaturas de tabaco são muito procuradas em razão do estatuto garantido pelo Estado (relativa segurança social. com a criação de locais para aleitamento e a introdução de superintendentes mulheres cujos relatórios constituem um precioso testemunho sobre as mulheres na fábrica. escreveu uma breve autobiografia. na construção mecânica. ao ar livre. As máquinas são mal protegidas. as mulheres são raras na metalurgia.T. Havia poucas pausas. profissões viris mais qualificadas. pois se pensa que elas vão para lá para fumar. São poucas as que se sindicalizam. mal aquecidos ou superaquecidos. A Primeira Guerra Mundial muda as coisas: na França e na Inglaterra as mulheres substituem. em empregos que passam de mãe para filha e que têm uma taxa de sindicalização excepcional. mas cujas cadências se aceleram cada vez mais: passa-se da supervisão de um para dois. as multas por atraso. as mulheres fazem carreira.10 As mulheres são numerosas nas indústrias alimentares. como Lucie Baud que. mas as operárias não aderem a elas. reduzindo os magros salários. ir ao toalete é um problema. ausência ou negligência. as operárias comem sua marmita no local de trabalho entre os teares cheios de graxa. Contramestres e fiscais fazem o que querem em seu relacionamento com as jovens. logo.: Tradução de munitionnettes. As jornadas são muito longas: até 14 horas no começo da industrialização. trinta anos depois. Das primeiras datilógrafas. Seguem carreiras mais longas. As operárias tornam-se banais. Operárias da costura Nos anos 1950. Assim acontece com Moulinex — fabricante de um espremedor de legumes que "libera a mulher" -. claro que não. não é mais esse o futuro das jovens do povo. Acabaram-se as operárias? Na escala mundial. dizia-se também que o piano as havia predisposto à máquina de escrever. Simone Weil é admitida sem muita dificuldade. que prossegue no período entre as duas guerras. e isso durante séculos. A costura foi um imenso viveiro de empregos. O luxo. Na fábrica da Citroen. gerenciam as cantinas e dançam nos bailes. de qualificações para as mulheres. na cidade. £ o grande século da roupa de 121 . qualificações adquiridas. No século XIX ainda há mais trabalho nesse setor. A Primeira Revolução Industrial é a do têxtil. resultados de aprendizagens pacientes e pouco formalizadas. com seus cabelos curtos. a não ser desenvolver uma habilidade manual muito apreciada nas linhas de montagem que acabo de mencionar. pretexto para sua remuneração inferior. Assim. na corte. Depoís da Segunda Guerra Mundial. eletrônica — absorvem uma mão-de-obra feminina originária de um ensino profissional não adaptado. galões e debruns de seda. Franck Magloire ajudou sua mãe a contar sua história. Esse processo está no centro da famosa subqualificação feminina. novas indústrias—eletromecânica. eram muitas as jovens que freqüentavam um curso profissionalizante de costura que não lhes servia mais para nada. nesse estágio do desenvolvimento das sociedades ocidentais. Está ligada à importância do vestuário e da roupa íntima em nossa cultura. de ofícios. se traduz em jabôs de renda. elas vivenciam a Frente Popular: são vistas em grande número nas manifestações. As famosas "qualidades inatas" das mulheres recobrem. em Ouvrière.O trabalho das mulheres É um processo irreversível. Quando estas fecham. na realidade.12 raro testemunho sobre a vida de trabalho. as esperanças e as decepções das mulheres dos anos 1950-1980. que instala suas fábricas na Normandia. Elogiavam sua habilidade como se fosse uma aptidão natural. Participam das ocupações de fábricas. interrompidas apenas pelas licenças-maternidade que a legislação começa a proteger. Algumas ousam até tomar a palavra: há fotos que as mostram discursando para os companheiros. nas fábricas de automóveis taylorizadas e nas linhas de montagem. era uma questão de mudança de teclado. é um drama para as operárias que não possuem outras qualificações. Mas em nosso país. Em suma. As operárias têm consciência de sua "bela profissão". E um ateliê familiar. diz-se que nasceram "com uma agulha entre os dedos". estações mortas (o verão) alternam com períodos de grande procura (outono-inverno): para satisfazer as encomendas das maisons e os caprichos das clientes. cada povoado sua costureira: pessoa importante. há 25 anos. Muitas delas são jovens "seduzidas e abandonadas". No ateliê. Sem contar todo o setor de consertos da roupa branca. desenvolvem-se todos os tipos de ofícios: costureiras especializadas em roupa branca. plumistas. é preciso fazer serões. oscilando entre miserabilismo e idealização das costureirinhas. Quando são hábeis. * O ateliê de Marie-Claire foi descrito por Marguerite Audoux. no entanto.Minha história das mulheres cama. de ateliê em ateliê.: As grisettes eram assim chamadas por causa do uniforme de cor cinza (grisem francês). havia uma boutique que se chamava "Au bonheur des dames" ["A felicidade das damas"]. filho de uma plumista. com dezenas de especialidades diferentes. conversam sobre suas aventuras. cantarolam enquanto N. Em sua maioria exercem uma outra profissão. camiseiras. Na verdade. Moram em quartinhos. têm uma vida material e sentimental difícil. Cada cidade tem seu ateliê de costura. Roger Convard. sem elevador. As operárias são jovens. na qual as "modas de Paris" são lei. todas elas aprenderam a costurar: com a mãe. não longe de Montparnasse. à custa de café e até mesmo de ópio. depois de uma aprendizagem na província. galgam posições. Talvez abranja três quartos dos empregos femininos em Paris. A vida no ateliê. as grisettes ou midinettes. em espartilhos. num trabalho que se faz em quantidade ou em qualidade. das anáguas e da lingerie. Os irmãos Bonneff descreveram a dura condição das operárias da costura parisiense. Com uma costureira da aldeia ou da vila. reconstituiu a vida de sua mãe. em culotes. mediadora entre a capital e a província. Jeanne Bouvier e Marguerite Audoux13 contaram o seu itinerário. de um trabalho feminino bem documentado. As midinettes levavam esse nome porque se contentavam com uma dînette — uma refeição ligeira — ao meio-dia. vêm empregar-se em Paris. no Marrocos. em francês. no qual atuam lavadeiras e passadeiras. debruadeiras. Das mulheres. 122 . mas bastante livre. oriundas de todas as províncias. Trata-se. Para atender a essa demanda. enfim. mães de filhos não desejados. nos ateliês das religiosas. que se estendem muitas vezes pela noite toda. Em Ouarzate. O que não impede representações contraditórias. e. modistas. da moda. confidente das mulheres. bordadeiras. no sexto e último andar dos velhos edifícios parisienses. é bem alegre. em lingerie. dirigido por um casal de bordadores. mtdi.T. Mesmo depois da descolonização e nos limites do deserto. que faz enquetes precisas e propõe uma lei para que se estabeleçam convenções coletivas. secretárias. As jornadas do sweating system se prolongam sem limites. Elas apelam diretamente para o trabalho das operárias isoladas que trabalham em casa. Estas compram máquinas Singer a crédito e costuram peças de camisa que a cada semana entregam no ateliê onde se dá a montagem final. o sorriso etc. era o que ocorria até os anos 1980-1990. São dizimadas pela tuberculose. Sedentárias. Depois disso. e é a primeira do gênero. Pela manhã. Henriette Brunhes-Delamarre — organizam uma liga social de compradores que incentiva as clientes abastadas à previdência e à paciência para limitar o acúmulo de trabalho das costureiras. elas se tornam operárias. Para melhorar ou para piorar.Marguerite Durand.O trabalho das mulheres trabalham. As fábricas de material bélico oferecem outras possibilidades.criam um escritório do trabalho feminino (1907). principalmente para as mulheres. a revolução informática mudou o jogo e modificou a repartição sexual dos empregos: o trabalho é mais técnico. função das qualidades ditas femininas. Mas o ateliê se mecaniza para aumentar a produtividade. . nos trens. E não vai mais se recuperar. Nem as costureiras. 123 . Ou datilógrafas. A maioria dos empregos que elas ocupam são marcados pela persistência de um caráter doméstico e feminino: importância do corpo e das aparências. a viúva não consegue manter o ritmo e fazer frente à concorrência das grandes maisons de confecção. a prestimosidade. as operárias se alimentam mal: a "costeleta da costureira" não passa de um pedaço de queijo Brie. uma inovação jurídica. Mais igualitário? A verificar. Os médicos se manifestam. oferecendo emprego para todos. enfermeiras. o setor terciário é o que mais cresce. dentre as quais as mais importantes são o devotamento. Jeanne Bouvier . Pelo menos. O trabalho em domicílio perde terreno. Depois da morte do patrão. As novas profissões do setor terciário: vendedoras. mais masculino. Essa lei será votada em 1915. As feministas também. professoras primárias Atualmente. são vistas fazendo os últimos arremates. sendo que cerca de 75% das mulheres que trabalham o fazem nesse setor. Outras . mais solitário. Algumas — como Mme. os grandes magasins. considerado desvalorizante. com a família ou não. segundo um processo de segmentação que limita ou anula a concorrência dos sexos. Os salários eram medíocres e alguns diretores aconselhavam mezzo você às jovens admitidas a arrumar um protetor. Eles não gostaram da entrada das mulheres. contadores. 124 . Entretanto. era o que se podia ler em cartazes publicitários. justamente. mecanização e femínização caminham lado a lado. Vendedoras. em lojas. o atrativo de uma atividade limpa. Esses lugares públicos não têm boa reputação. As empregadas de escritório são mais recentes. Maupassant. dirigindo as mulheres. Atualmente. Balzac.Minha história das mulheres Vamos percorrer o leque. No Segundo Império. de suas prerrogativas. secretárias. não isentas de suspeita de prostituição. principalmente depois da Primeira Guerra Mundial. bastante amplo. o que dá ensejo a piadas mais ou menos picantes. disciplinadas. Rapidamente a profissão se feminiza e se organiza. sobretudo nos ministérios e nos órgãos públicos. das "profissões" terciárias. por exemplo. Feydeau descreveram esses burocratas e suas pretensões. ser caixa do supermercado é exercer uma profissão tipicamente feminina. "O senhor não tem como dar dote para suas filhas? Mande-as para a Escola Pigier". ciosos de sua instrução. aliás. as autorizou a fazê-lo. jamais se sentar durante as longas jornadas. no início do século XX. secretários. num local aquecido. Em 1936. enfermeiras e outras As mulheres têm trabalhado já há algum tempo como empregadas no comércio. em busca de empregos convenientes e limpos para suas filhas. temendo a admissão de datilógrafas. Chegam a dormir no emprego. que são "boas para uma mulher". Os regulamentos eram severos: as vendedoras deviam ser solteiras. Eles se tornaram chefes de seção. aquelas das quais se diz. E a mensagem surtia efeito junto a uma pequena e média burguesias sem dinheiro. os funcionários da administração da prefeitura recusaram até 1930 que se introduzissem máquinas de escrever. ocupam as lojas de departamentos. No século XIX. Na região de Niévre.14 Com efeito. a sedução do luxo — fatos descritos por Zola (Au bonheurdes James) — provocavam a afluência das candidatas e era preciso ser recomendada para ser admitida. que se tornaram majoritárias. são os homens que exercem as funções de copistas. ou como atendentes em restaurantes e em hospedarias. A novidade do século XX foram as lojas de departamentos. até que a lei dos assentos. chegaram a fazer greve contra o emprego das mulheres. os empregados das lojas eram homens. as mulheres. De início. suas subordinadas. Mal pagas. necessários a uma qualificação reconhecida e a melhores salários. pouco qualificadas. as "senhoritas dos Correios" pontificavam do outro lado do balcão. Foram escaladas sistematicamente para passar as ligações telefônicas. passar do serviço doméstico a uma verdadeira profissão. na metade dos anos 1850. até então confiados às religiosas dos hospitais e dos asilos. Nos anos 1880. que haviam começado seus estudos em universidades do leste europeu. Essas "atendentes de beira de fogão" carimbavam as cartas enquanto faziam tricô. as agências eram confiadas a senhoras. que mudou o sistema. solteiras. queriam prosseguir seus estudos em Londres. Outro setor de emprego: os cuidados com o corpo do doente. que em francês 125 . e Proust louvou o encanto de suas vozes. Os homens resistiam ao ingresso das mulheres. Escolhiam com freqüência a ginecologia.O trabalho das mulheres O serviço dos Correios era um deles. A enfermagem à inglesa apela para a classe média e se baseia na qualificação. segundo um processo bastante freqüente e que mostra que as mulheres não eram necessariamente concorrentes dos homens. o doutor Bourneville — um radical—promove a laicização dos hospitais parisienses. e eram algumas centenas na França antes de 1914. Muitas jovens bretãs se empregaram. Foi a Guerra da Criméia. O processo de admissão e a disciplina são severos. Era preciso promover uma formação e obter diplomas. Os homens não opuseram obstáculos a elas porque obtiveram reclassificações vantajosas. preferindo o serviço no hospital a trabalhar em casas de família.15 Quanto a ser médica. que as protegia de todo contato com o público. Na cidade. Ele opta pelo modelo das serventes. sob a iniciativa de protestantes que se inspiraram em Florence Nightingale. Posteriormente desenvolveu-se um ensino de enfermagem em escolas particulares. Dentre elas. As primeiras estudantes foram russas e polonesas. viúvas de oficiais ou de funcionários. em sua maioria judias. jovens. Blanche Edwards-Pilhet ou a doutora Madeleine Pelletier. são obrigadas a ficar em alojamentos do hospital sob vigilância. a primeira mulher a fazer o concurso de internato de psiquiatria: vestia-se como um homem e fumava charuto. Assim se estabeleceu a escola de enfermagem de Bordeaux. muito atingidos pelos combates. A britânica Florence Nightingale organiza um serviço de enfermagem para os exércitos. Não é o que acontece na França. foi uma outra história. O modelo da irmã religiosa pesa sobre elas. Perseguidas no final do século X(X. Zurique ou Paris. com salários aceitáveis. mas queria feminizar o título profissional. aliando conhecimentos médicos e saberes sobre o corpo. auxiliares dos médicos. No campo. Léon Frappíé traçou um retrato bastante miserabilista em L'Institutrice de province (1897). Ou a anestesia. No entanto. principalmente o sufrágio universal. ao instaurar a obrigatoriedade da escola para os dois sexos. a condição de professora primária é difícil. formaram-se 18 advogadas: a progressão era fraca. de tanto que o exercício da palavra pública do advogado parecia inadmissível a uma mulher. Nem todas as médicas tiveram. na França da Liberação. felizmente. para que a magistratura fosse aberta às mulheres. só podiam ser machos.16 Professoras Rebecca Rogers17 relatou as mutações das profissões do ensino nos últimos dois séculos. sua colega. As funções de presidentes de câmara (13% de mulheres) e de procuradores (11. em 1946 (lei de 11 de abril). A feminização é um processo complexo que leva em conta a idade das crianças e a concepção que se faz de sua aprendizagem. recebendo menos que os homens. foí perseguida e internada em 1938 num asilo psiquiátrico.5% em 1997) ainda resistem a elas. Mesmo em seus bastiões mais prestigiados.Minha história das mulheres vem sempre no masculino. um homem é mais conveniente: os mestres-escolas da República. A profissão hoje é amplamente feminizada. Atualmente as mulheres representam 98% das educadoras do maternal. Criaram-se escolas normais para professoras primárias e essa profissão tornouse uma ambição digna para as filhas da pequena burguesia e das classes populares. ela é fre126 . 56. Quando se trata de instrução.7% do secundário e 34% do ensino superior (sendo 16% dos titulares). pela igualdade de direitos. Mas as advogadas — Maria Véronne. ampliou a oferta de empregos para as mulheres: eram necessárias para ensinar as meninas e as crianças menores. Em 1899 foi preciso fazer uma lei para autorizar Jeanne Chauvin a advogar. Suzanne Grinberg. Entre 1900 e 1917. O que é uma representação que decresce na proporção inversa aos níveis. as mulheres representam quase a metade de seus efetivos.tiveram um papel ativo no feminismo da época. Yvonne Netter. como a cirurgia. mas em escolas distintas se possível. 78% do primeiro grau. esse destino trágico. Entretanto. apelidados de "hussardos negros". Quase sempre solteira. a Lei Ferry. Foi um acontecimento e Le Petit Journal illustré dedicou sua primeira página de 26 de dezembro de 1900 ao juramento solene de Sophie Baíachowsky-Petit. Favorável à contracepção e ao aborto. rurais e operárias. Foi necessária uma outra lei. sem que sua presença tenha mudado o exercício da profissão. onde morreu em 1939. Poder-se-ia contar a história paralela das profissões do Direito. Hoje. foi contemplada por uma lei que obriga à igualdade salarial. "cerebralinas". mais solitárias. Jeanne Galzy deixaram lembranças mais que melancólicas. Aderem ao feminismo. ou mesmo pela Revolução como Louise Michel. As professoras primárias são. como na Bretanha. Depois da Segunda Guerra Mundial a situação muda radicalmente. O liceu é sua única possibilidade de emprego. em número menor. Estas eram. nos anos 1930. é um meio relativamente igualitário. como dizia a romancista católica Colette Yver: são mulheres que não casam. As estudantes fazem concursos separados e de menos prestígio. tal como Zola o retrata em Vérité. não sem paternalismo: o marido representa a luz. Simone de Beauvoir em 1924). mais individualistas. A primeira mulher nomeada para a Sorbonne foi em ciências. elas militam no sindicalismo (Marie Guillot). Na Terceira República. da qual se 127 . r o ensino. atualmente. há muito tempo. seguindo o modelo do casal republicano. Em algumas regiões. em 1920. a germanista Geneviève Bianquis. Até mesmo mais do que as professoras do secundário. descrito por Jacques e Mona Ozouf.18 Foi a primeira profissão do serviço público que. A vida das jovens professoras não é muito alegre: Marguerite Aron. como as de Sèvres ou de Fontenay. Os liceus para meninas assemelham-se a conventos laicos. por conseguinte. em confronto com a superstição de sua esposa que ele deve converter à República. Marie-Jeanne Dury. principalmente no momento da separação entre a Igreja e o Estado. Algumas tomam partido a favor da contracepção e do aborto e enfrentam os tribunais. é uma profissão amplamente feminina. As grandes escolas femininas. Na universidade as mulheres permanecem "indesejáveis". não se perdoa às mulheres que forem contra os padres. A Sorbonne se recusa a admitir. e que. mulheres engajadas: pela educação das meninas (Victoire Tinayre). não gozam da mesma reputação que a Escola Normal Superior da rua d'Ulm. sob o pretexto de que a voz de uma mulher não poderia dominar um anfiteatro de estudantes. Exceto em filosofia (cf. em letras. austeros e cinzentos. Expostas ao desprezo dos homens que as consideram intrusas. confrontando-se com a suspeita e a solidão. Os casais em que ambos os cônjuges exercem a profissão de professores primários são cada vez mais freqüentes. não cumprem seu destino de mulher. embora ela fosse superior a seu concorrente.O trabalho das mulheres qüentemente nomeada para cargos em lugares distantes.19 pelo socialismo. só em 1947. de início. Apesar disso. Principalmente em Paris. Marie Curie. As professoras primárias são as primeiras intelectuais. mesmo tendo diretoras de prestígio. antes de 1914. às voltas com a desconfiança. pois deveriam ser suas aliadas "naturais". onde Shakespeare encarna o gênio nacional. Ser atriz é faltar com o pudor. Porque. uma mulher de histórias. os sacramentos lhes serão recusados. se representam peças ímpias ou obscenas. Os monarcas os utilizam e não confiam neles.Minha história das mulheres diz que é "boa para a mulher". o vocabulário é significativo: uma atriz é uma símuladora.. paira 128 . emprestar sua voz e seu corpo a outras. as fronteiras sexuais das profissões se deslocam para um setor terciário em expansão que desenha o território dos empregos de hoje. ou mesmo da prostituição. Inclusive Napoleão. é preciso esperar a pressão da República e o Concilio de Soissons. Assim. Ser uma imagem e uma voz. O fato de as mulheres aí estarem presentes mostra o seu progresso na conquista dos saberes. o supérfluo que um homem rico pode oferecer a si mesmo. Na França. sob outros aspectos. mal-educada. Na França. para ficarem em condição de igualdade na hierarquia das responsabilidades e dos poderes. "uma mulher que se mostra se desonra. sem coração e sem religião. não os colocamos entre os infames e os excomungados". excomungados havia muito tempo. simular. tomem cuidado! Na verdade. era diferente: os atores podem receber títulos de nobreza e as atrizes são ladies. O que não é necessariamente um bom sinal. Não. sem espírito. Yolande. Aliás. parecer. [. e a dançarina representa o luxo. no entanto.] A audácia de uma mulher é sinal certo de sua vergonha". Entretanto. O que mostra sua marginalidade. em 1849. que apreciava o teatro e reforçou o papel dos conservatórios. Falta muito. tornou-se atriz quando cresceu e morreu no hospital". Seria a própria essência de uma feminilidade dedicada às aparências. Mas foi somente na Constituição de 1852 que reconheceu os atores como cidadãos comuns. Atrizes Atriz: seria uma profissão "boa para mulher"? Sim. entrar no círculo duvidoso da galanteria. Esta afetava mais as mulheres. Na Grã-Bretanha.. Interpretar. Meninas. Uma relativa paridade sexual é uma garantia de igualdade. à primeira vista. E a condessa de Ségur adverte as meninas que gostam de representar: "Mlle. para que eles não o sejam mais de Jacto: "Quanto aos comediantes e aos atores. como escreveu Rousseau a D'Alembert. Colocar-se na pele de uma outra. inclusive no emprego público. o cristianismo não tinha sido compreensivo com os atores. nos países latinos. As mulheres sabem expressar emoções. Estão à margem e sob controle. Esse processo é descrito por Anne Martin-Fugier em seu livro dedicado à condição das atrizes e de sua profissionalização. o século XIX marca uma integração progressiva das comediantes. em 1914. Para Zola. Um sucesso e. Compensação: 129 . Os "ratinhos" da Opera de Paris eram meninas colocadas por suas mães sob a tutela de "mães da Ópera". Tudo isso por duzentos francos por mês que lhe serão pagos apenas se ela trabalhar em mais de um ato numa mesma representação. Yolande" da condessa de Ségur. Sarah Bernhardt não queria tornar-se atriz. teatro de boulevard. em sua maioria. a loura e gostosa Nana. cantar. atrizes. os favores que elas sabiam conceder. uma boa crítica (o papel dos jornais era capital) podiam colocar uma atriz em órbita.20 As atrizes eram oriundas. mesmo que não atue. como Rachel. que a confiou a um professor do Conservatório. Nem todo mundo tinha sequer essa chance. Ela acaba tão mal quanto a "Mlle. Ela se compromete a "representar. à tarde ou à noite . Muitas vinham do próprio meio artístico. apaixonado pela música. mas ainda mais a beleza. E ainda: ela é obrigada a morar em Paris. comparecer ao teatro todos os dias sem exceção. embora seja uma boa mãe. a uma distância de uns 15 minutos do teatro. o grau máximo na hierarquia dos teatros. Eis o que uma jovem atriz assina em Paris. várias vezes e em diferentes teatros no mesmo dia. As condições de vida eram duras e os contratos. Entretanto. mesmo na província ou no estrangeiro.todos os papéis que lhe serão atribuídos. sem distinção de gênero nem de emprego". A maioria aprendia praticando e tentava melhorar sua posição passando de um palco para outro. uma meia hora antes de se abrirem as cortinas. encarna a decadência das mulheres e dos costumes. Se ficar doente não recebe. em todos os lugares. cortejada e cortesã. de meios populares e pobres. dançar ou aparecer no palco à primeira requisição [do diretor] — em qualquer tempo. cantoras e dançarinas na sociedade. podia-se esperar ser admitida na Cornédie-Française. Isso mostra sua dependência e a mediocridade de sua condição. que lhes arrumavam "protetores". O sucesso nas primeiras aparições era essencial. sobretudo. dizia-se que estavam destinadas à mediocridade da província. Muitas coisas contavam: o talento. atriz de Variedades. draconianos. é claro. Daquelas que saíam sem menção. Ao receber um "prêmio" na formatura.O trabalho das mulheres sempre a sombra da prostituta. Ela deve aprender cinqüenta linhas por dia. este era uma garantia de qualificação e de reconhecimento. filha de um ambulante judeu alemão. as relações. mas sua mãe a faz entrar para o Conservatório. não só financeiramente. Rachel tinha a representação em alta conta. em La Vagabonde. Tchehkov. Exigia consideração e respeito. Preferia Ruy Blas e o teatro de Edmond Rostand. primeira bailarina do que figurante. Para as outras era pior. As turnês na província eram extenuantes. E mesmo uma vida de família intensa. bastidores sem higiene. Pauline Viardot. essas estrelas contribuíram para modificar a prática e o prestígio da profissão. em 1857). atriz dramática do que comediante. uma "atriz moderna". Em nenhum lugar os laços de sangue são mais sólidos do que entre os artistas de teatro". Ela foi a "princesa inacessível" e. muito hierarquizado. Sua condição melhorou ao longo do século. Dizia-se feminista. mas também na vida cotidiana. certamente.. que ela não interpretou. Julia Bartet. A vida de atriz é. O suficiente para pegar uma doença. mas não "sufragista". Ela vê em sua profissão uma forma de independência.. Não gostava dos autores "nortistas". escreve George Sand. 130 .Minha história das mulheres uma forte sociabilidade. mesmo com as mais fortes. Seu engajamento se manifestou ao apoiar Dreyfus e Zola. Transformou seu camarim num lugar agradável e zelou pelo conforto do teatro que ela criou na praça do Châtelet.]. Sarah e mesmo Yvette Guilbert . Entretanto. mas também a solidão do quarto de hotel. vivida com um certo prazer. esses dias passados em ensaios detestáveis. de acordo com Balzac. Recusava a galanteria por temer o reverso da medalha: a dominação masculina. Ibsen. mas também ligações de longa duração. de desordem. Têm filhos e "quase todas são mães com uma ternura inefável e uma coragem heróica [. evoca suas turnês. Há uma distância considerável entre as estrelas do palco — Marie Dorval. de caixas. sem ventilação nem aquecimento. Seu sucesso lhe permitiu ser exigente. com atores estúpidos". Mas a concorrência é muito forte e o meio. principalmente. de indumentárias espalhadas pelo meu quarto. Strindberg. teatros empoeirados.e as cantoras de café-concerto. Rachel morreu de tuberculose pouco depois de seu retorno de uma turnê triunfal nos Estados Unidos (na cidade de Nice.21 Sarah Bernhardt. Seus papéis receberam sua marca. de fadigas. a camaradagem. Rachel. As atrizes têm amantes. Colette. "uma vida de cavalo de carrossel". Maríe Dorval evoca "uma vida errante. preocupada acima de tudo com a igualdade salarial e com o direito de investigação da paternidade. atualmente "Thèâtre de la Ville". Hoteizinhos de baixa categoria. E Marie é uma estrela. o que acontecia muito. Não é. Era melhor ser cantora lírica do que atriz. que via nas famílias de artistas um modelo invejável de vida familiar. que persistiu por muito tempo e inspirou obras de arte. mudou o status da atriz. em 1880 e 1881. Dezenas de milhares de pessoas seguiram o caixão através de Paris. Anne Martin. 131 . na Europa e na América. acolhe em sua casa a nata da República. vestida por Poiret. foram atrizes no começo de suas carreiras. foi enterrada durante a noite às margens do rio Sena. cidade mais evoluída. Esse papel. O mais importante é que ser atriz passa a ser uma profissão aceitável e respeitável. a orientalista Alexandra David-Neel. continuando a representar L'Aiglon a despeito da amputação de uma perna. nos Estados Unidos).. Sou a sacerdotisa fiel da poesia". Quando morreu. que escolheu a profissão de atriz depois de ter ingressado na Escola normal superior. "Nunca pare. a jornalista e feminista Marguerite Durand. tendo à frente os representantes da República. são. em 1923. Seu modo de vida fascinava: suas turnês prestigiosas.O trabalho das mulheres com 56 anos encarnou Aiglon. Colette. suas descendentes. Falou-se até no Panthéon. Sua maneira de levar a vida fazia sonhar: apartamentos suntuosos. Cada uma contribuiu para fazer da condição de atriz uma profissão plena. dizia ela. Catherine Deneuve. Tornou-se a cantora da Nação. Tinha um lado moralizador e vangloriava-se disso: "Sou a decana militante de uma arte moralizadora. Seu lirismo patriótico atingiu o máximo durante a Primeira Guerra Mundial. Isabelle Huppert. na altura do cais d'Orsay. dizia ela. dois séculos antes (20 de março de 1730). Jeanne Balibar. Estranho contraste com o enterro quase clandestino de Adrienne Lecouvreur. amiga de Voltaire. recebeu exéquias solenes no cemitério PèreLachaise. Cécile Sorel. tornou-a popular. senão é a morte". Seu aspecto físico impressionava: ela encarnava a nova mulher do modem style. nos anos 1920. mesmo que as famílias ainda se mostrassem reticentes. Mas trata-se de Eleanor Marx e de Londres.. "Amo apaixonadamente essa vida de aventura". Eram todas mulheres anticonformistas. Sua coragem também. A princesa Mathilde não hesita em recebê-las. diz em 1896 por ocasião da festa em sua homenagem. que representou mais de mil vezes. Eleanor Marx. A poetisa Marceline Desbordes-Valmore. Elas passam a ser mais consideradas. cora sua equipe extravagante (32 pessoas e 42 malasbaú. distantes do modelo acadêmico da feminilidade. de uma certa maneira. com dezenas de cartões postais que a retratavam. quarto repleto de bibelôs e de peles de animais. Essa ilustre atriz. a filha de Karl Marx. de que gostava muito. mesmo nos meios mais refinados. tornou-se atriz e representou a Nora da La Maison de poupée.Fugier compara com propriedade esses dois enterros nos quais se manifesta uma mudança na condição das atrizes. cuja divisa era "Apesar disso". receberam o prêmio "l'Équerre d'argent". 156-180. A diretora. Patis. Gallimard. em Michelle Perrot (dir. Louis Reybaud. L'Impossible Mariage. para um homem. fez questão de inaugurar o centro com uma exposição sobre "a construção da feminilidade na dança (séculos XVII-XVIII)". 5 Armand Audíganne. 1976. Pantin). 132 . Condition des ouvriers en soie. que faz prever outros trabalhos nessa linha. A esse respeito. Sob a influência de coreógrafos como Marta Graham ou Merce Cunningham.22 Assim. representam-se duplamente as relações entre os sexos. em 2003. p. 1984.Minha história das mulheres Poder-se-ia dizer o mesmo das dançarinas. 2 rol. a mais alta recompensa em matéria de arquitetura. Claire Rousier. "Cada vez que se dança. como se pode ver no belíssimo filme inglês Billy Elliot. Depois as mulheres se afirmaram em papéis de dança no século XVIII. ancien garçon maçon (1895). Ehess. na cena do teatro. é a encarnação do feminino mais sombrio. Celles de la terre. Hachette. gostaria de assinalar a existência de um novíssimo Centre National de la Danse [Centro Nacional da Dança] (a rua Victor-Hugo. 6 Rose-Marie Lagrave. foi crucial para a idealização do corpo feminino e para o advento da "diva". Passa a haver uma conotação feminina da dança e a idéia de que é inconveniente. Viu-se aí um sinal de efeminização. Motas 1 Paris. Paris. escreve o escritor italiano Bernardino da Feltre. 2 Elisaberh Claverie e Pierre Lamaison. Mémoires de Léonard. E pode-se imaginar que o balé romântico.. 1987. Rivages. dançar. e principalmente nas famílias de origem popular. Violence et parenté en Gévaudan. resistia-se ao desejo do rapaz que quisesse tornar-se dançarino. Paris. A evolução das relações masculino/feminino aí se revela particularmente interessante. 4 Martin Nadaud. 1982. "A propôs du trousseau. as mulheres acompanhavam trovadores e acrobatas. que é posterior ao período focalizado pela exposição. 1859. Capelle. nas quais os estereótipos sexuais são mais fortes. dançando para obter a cabeça de João Batista. Les Populations ouvrières et les industries de la France. Hachette. 3 Agnès Fine. de início. Michel Lévy. A imagem de Salomé. corta-se a cabeça de João Batista". une culture féminine?". 1979. A dança foi. 1. marginais e em condição precária. Dá-se então uma reversão nos papéis sexuais. Paris. Agricultrices. Une histoire des femmes estelle possible?. Marseille. a dança pós-moderna dissolve as antigas hierarquias e embaralha a percepção de gênero. Paris.). invention politique d'un métier. Étude sur le regime des manufactures. uma ocupação masculina. 1860. O imóvel foi reformado por duas arquitetas que. Anne Martin-Fugier. op. "Les cahiers rouges". ver também o romance autobiográfico de Lise van der Wielen. Paris. 2004. L'Harmattan. reímp. Du socialisme utopique au positivisme prolétaire. p. Les Mutations du regard. 1908. Gallimard. Nathan. 2003.. Grassei. Lille. Maspero. Niort. Paris. prefácio de Geneviève Fraisse. Grasset. La Republique des instituteurs. Ouvrière. Théorie de l'action ménagère. Le XX siècle. Le Coer à 1'ouvrage. 105. Paris. n. 1987. 20 Anne Martin-Fugier. La Mixité dans l'éducation. apresentado por Françoise Cribier. 393-415. O relato de Roger Convard é inédito. 1983- 13 Léon e Maurice Bonneff. 1992. em Jean-Jacques Courtine (dir. p. Paris. 15 Gostaria de homenagear aqui Marie-Françoise Collière da Escola Internacional de Ensino Superior de Enfermagem de Lyon (1965-1994). Rennes. 1997. Armand Colin. Presses Universitaires. Presses Universitaires. 1928. Marguerite Audoux. La Trame conjugate. 1983. 2002.O trabalho das mulheres Principalmente Les Champs de la colère. Femmes et justice pénale. 2000. Le corps dansant: un laboratoire de la perception". Pocket. 21 Como foi mostrado na exposição que lhe foi dedicada em 2004 no Museu de Arte e de História do judaísmo. LaTour-d'Aigues. 1982. octobre-novembre 1978. 1992. ENS. . 2000. Imprimerie SaintDenis. Pour une histoire du quotidien au XIX siècle en Nivernais. que desenvolveu esse ponto de vista. Mars à Sarah Bernhardt. 8 Bonnie Smith.191. Ce que cuisiner veut dire. 22 Annie Suquet. Paris. Paris. Femmes à l'usine dans l'entre-deux-guerres. Paris. Enjeux passés et présents. Jeanne Bouvier. amour et crise. Lingeries et lingères. "De la dífficile entrée des femmes dans la magistrature à ia féminisation du corps". Lise du plat pays.). 3. XlX-XX siècles. Paris. Histoire du corps. L'Aube. Pocket. 1988. La Vie tragique des travailleurs. Petit (dir. 2001. Bertie Albrecht foi superintendente. Comédienne. Robert Laffont. p. Victoire Tinayre (1831-1895). Seuil. Les Bourgeoises du nord de la France. Michelle Perrot. Enquêtes sur la condition économique et morale des ouvriers et ouvrières d'industrie.). De Mlle. ouvrière en soie". 1977. Paris. Paris. 1998. 11 Annie Fourcaut. 10 Michelle Perrot. Casseroles.). 9 Jean-Claude Kaufmann. Paris. Femme au temps de Paul Bourget. 133-138. cit. Rouff. t. 16 Anne Boigeol. cit. 18 Jacques e Mona Ozouf. Nathan. 17 Rebecca Rogers (dir. L'Atelier de Marie-Claire (1920). "Scènes. Paris. em Christine Bard. Jacques G. 2005. Frédéric Chauvaud. col. La Bourgeoise. Paris. Ehess. Le Mouvement social. Analyse du couple par son linge. "Le témoignage de Lucie Baud. 19 Claude Schkolnyk. 12 Franck Magloire. op.. 1997. 14 Guy Thuillier. Mulheres em movimento: migrações e viagens Primeiramente. As mulheres e os outros. As mulheres na ação coletiva. as guerras. e mais particularmente o feminismo. impedir de escapar. figuram seus antigos modelos.Mulheres na Cidade As mulheres na Cidade: este é o tema do último capítulo dedicado à história das mulheres. . as vestais. As mulheres às voltas com o espaço e o tempo. a política. O direito doméstico assegura o triunfo da razão. a mulher é a casa. ele enraíza e disciplina a mulher. que por muito tempo lhes foram vedados. A sedentariedade é uma virtude feminina. uma chama dançante. de tão vastos e complexos. essencial para ação contemporânea das mulheres. um dever das mulheres ligadas à terra. Para Kant. abolindo toda vontade de fuga. 1 Pois a mulher é uma rebelde em potencial. sob diversas formas. Penélope. as mulheres e o mundo. à família. as que esperam e velam. o espaço. só poderemos abordar aqui em seus aspectos mais gerais. De início. Temas que. com os acontecimentos. que é preciso capturar. as mulheres parecem confinadas. ao lar. Mas elas fogem. são muitas: o gineceu. lhes permite. Camareiras ou criadas para todo o serviço. tem uma mobilidade surpreendente. Saem. as recusam: Flora Tristan. passou por uma situação difícil no sul do país. de enclausuramento das mulheres. as mulheres. operárias ou domésticas urbanas. "Toda mulher que se mostra se desonra". para "bem acolher as mulheres estrangeiras" (1835). Alguns hotéis. A salvação. Ao serem empregadas pelos patrões. A cidade. o quarto das mulheres do castelo feudal retratado por Jeanne Bourin num romance recente. O que se teme: as mulheres em público. passa a caracterizar as populações do Ocidente nos séculos XIX e xx. do trottoir. "Uma mulher em público está sempre fora de lugar". Cobri-las de véus. costureira. É por isso que ela preconiza a criação de albergues femininos. representada como a perdição das moças e das mulheres. A dissimetria do vocabulário ilustra esses desafios: homem público é uma honra. De início. quando empreendeu sua "volta da França". mas também a ampliação do destino. Antes de trazer suas esposas para Paris. as mulheres em movimento. As costureirinhas do Atelier de MarieClaire praticam uma rotatividade muito masculina. escapam a uniões arranjadas para realizarem casamentos por amor. do bordel. o convento. uma criatura inquietante.2 a aventureira. viajam. libertar-se de tutelas familiares pesadas. mudam de lugar. com a facilidade dos meios de transporte. Participam da mobilidade que. Elas trabalham nas cantinas. o harém. uma visão muito positiva. escreve Rousseau a D'Alembert. nos alojamentos ocupados por eles. Conseguem modestas ascensões sociais. o bordel E preciso proteger as mulheres. que veio para Paris com sua mãe em 1879.3 que dão. do movimento e da cidade. de um horizonte de aldeia sem futuro. na rua de Lappe. As famílias de camponeses empregam suas filhas como criadas. diz Pitágoras. sua colega austríaca. O aventureiro é o herói dos tempos modernos. Jeanne Bouvier. 136 . ficam sob seu controle.Minha história das mulheres As formas de confinamento. A suspeita pesa sobre os deslocamentos das mulheres. A cidade é o risco. ocultar sua sedução. são parte importante do êxodo rural. migram. mulher da rua. elas abandonam suas patroas. com freqüência. ciosos de sua respeitabilidade. elas se movimentam. os pedreiros do Limousin mandam vir mulheres da aldeia para trabalhar como cozinheiras. principalmente das mulheres sozinhas. a aventura. a casa de estilo vitoriano. Fora do comum. é certo: tanto uma quanto a outra tornaram-se sindicalistas. conquistam a liberdade. deixaram autobiografias bastante excepcionais. mulher pública é uma vergonha. Costureiras mudam de ateliê. assim como Adélaïde Popp. No entanto. não apenas de artista. deve dedicar-lhe um espaço de acordo com a importância que lhes cabe nesse fenômeno. menos aventureira que os homens porque sempre precisaram de justificativas.Davis refaz o percurso. 1705: Métamorphose des insectes du Surinam). em Bordeaux. Como. originária de Tours (1599-1672). feita em condições difíceis." Ela publicou dois livros sobre as lagartas. uma "volta da França" para convencer os operários a se unirem. 138 . para observar e pintar os insetos. que. morta em Marselha durante uma turnê de conferências. Com ilustrações de uma grande precisão que lhe valeram uma sólida reputação.-Davis5 conta a história de Maria Sybilla Merian (1647-1717). paralelo e diferente. na esteira da expansão colonial. católicas ou protestantes.7 Ela morreu em 14 de novembro. assim. enfim. de lá. Ela havia entrado para uma seita dissidente. atraídas pelas missões. que havia feito peregrinações no Peru e esquadrinhado Londres. Contra a vontade de seu filho. protestante de origem alemã. os labadistas. Essa viagem. para isso. As mulheres. aprende a língua algonquim. tornou-se uma religiosa no convento das ursulinas. no século XIX. a formar uma "união operária". e. fizeram viagens. Flora Tristan (1803-1844) empreende. foi fatal para essa viajante experimentada. apostólicos e relativamente igualitários. No entanto. na casa de Jules e Elisa Lemonnier. As viagens militantes eram uma prova difícil de suportar. cujas metamorfoses a fascinavam (1679: Merveilleuse transformation des chenilles et des fleurs singulières qui font leur nourriture.6 Na mesma linha. participaram das missões dos sansimonistas. de objetivos ou de apoio. Algumas dessas viajantes: Natalie Z. em Amsterdã. Estas legitimavam seu desejo de devotamento e de viagem. Louise Michel. que eram sua paixão de entomologista. pesquisando sobre a condição operária. de uma família muito culta de pintores e gravadores. ela não havia tido muito apoio: duvidava-se de que uma mulher sozinha pudesse fazer algo sério. Muitas mulheres foram. a Guiana holandesa. socialistas ativos.Minha história das mulheres Oceania. em todas as épocas e pelas mais diversas razões. mas de cientista. futura fundadora do ensino profissional para as meninas. ela parte para evangelizar os "selvagens" da Nova França e. Natalie Z. "Ela vivia num zumbido ininterrupto de insetos. em 1844. de Marie Martin. que exorta a aceitar o seu sacrifício. sessenta anos depois. Algumas. partiu para o Suriname. tendo enviuvado. De uma maneira menos gratuita. de exploração.9 Alexandra David-Neel (1868-1969) era orientalista e tinha descoberto o budismo nas bibliotecas. um livro ilustrado muito lido pelas mulheres. 139 . as ruínas de Palmira. para as moças como para os rapazes: graças a seu pai. Seu marido havia permanecido na França. de início. esse tipo de viagem atraiu um certo número de mulheres livres. "invadem" a Itália e seus museus. forma de viagem educativa e iniciática. seu porta-voz. Lydia Pachkov. filha ilegítima de uma aristocrata exilada na Suíça. e suas cartas compõem o Journal de voyage publicado mais tarde. haverá esperança". que praticam o grand tour. percorrendo as lamaserias. sob o comando de Mahmoud. O turismo proporcionará. lhe dão o "desejo do Oriente". munida de uma extraordinária documentação. americanas. Marguerite Yourcenar pôde se beneficiar com uma viagem desse tipo. por exemplo. muitas delas protestantes. a pé. as Lettres d'un voyageur figuram entre seus mais belos textos.Mulheres na Cidade A viagem de descoberta. No século XIX. o gosto pelos lugares insólitos. uma por uma. para sempre. A vontade de descobrir a Síria. em Le Tour du monde. Era preciso enfrentar a sociedade. que pode ser vista hoje em sua casa-museu na cidade de Digne. jovem rebelde que fascina Liautey. a Palestina. Isabelle era russa. ela deixa uma obra inédita. e o viajante. Morta aos 27 anos. principalmente fotográfica.10 Alexandra também se convertera ao budismo. a Espanha com Chopin. Seduzida pelo islã. até no traje: "Enquanto houver espaço diante de nós. Ela se inscreve na longa seqüência de mulheres viajantes que queriam descobrir o mundo. que via na viagem um meio de libertação. Parte para guerrear na África do Norte. para desenvolver o conhecimento. estudava medicina. onde. 8 A verdadeira viagem de aventura. também era arriscada. dizia ela. possibilidades mais tranqüilas de ampliar horizontes. Inglesas. tal como a praticaram Isabelle Eberhardt ou Alexandra David-Neel. com a idade de 78 anos. mais tarde. Decidiu partir para o Tibet e o explorou durante trinta anos. dispor de recursos. escoltada por carregadores. que ganhavam prestígio. Seu totem era o passarinho. dedicada aos pobres do Magreb. Ela lhe escreveu durante todo o tempo até sua morte. As crônicas de sua compatriota. era com certeza mais rara. às mulheres de posses. ela se converteu. apoiando as tribos dissidentes. Depois de mais de trinta anos de permanência na Ásia. os Alpes com Liszt e Marie d'Agoult. como George Sand. adquirindo. retorna em 1946. da qual Edmonde Charles-Roux publicou uma parte. Ela conheceu a Itália com Musset. Depoís. ao Japão.. É claro que essas mulheres viajantes eram minoria. tal como ocorreu na mesma época com a descoberta do inconsciente pelas primeiras psicanalistas. logo. Madeleine Jacob e Titayna. não. no sentido dado por Henry de Monfreid? Na verdade. acessível às mulheres. bem conhecidos graças aos livros de Dea Birkett e de Barbara Hogdson. Para se afirmar num meio muito viril (as mulheres eram apenas 3. à índia. onde entrevistará Gandhi.5% dos efetivos do jornalismo).. Não conformistas.do qual as mulheres se apoderaram e transformaram numa arte: como Margaret Bourke-White ou Gisela Freund. pois a fotografia era considerada. com dificuldades. Germaine Tillion no Magreb. então. Como foram na "grande reportagem" — trabalho no qual ingressaram no período entreguerras. acessório . idealistas. muitas jovens foram seduzidas pela nova disciplina da etnografia. irá ao Afeganistão. Entre as duas guerras.Minha história das mulheres Poderia multiplicar os exemplos. inclusive a de Albert Londres. Muitas vezes elas eram encarregadas de fotografar. muita audácia e uma super qualificação. Sua filha. Titayna era trilíngüe. Converter. cuidar. socorrer. um gênero menor. Elas tinham um nível de escolaridade superior à maioria de seus colegas e eram especialistas em línguas. pseudônimo de Elisabeth Sauvy. Fazer buscas arqueológicas. durante a Guerra Civil. ensinar.13 Andrée Viollis foi uma das primeiras e mais brilhantes repórteres. Ela havia terminado seus estudos em Oxford e falava perfeitamente inglês e alemão. de uma justificativa. descobriu o afresco dos arqueiros assírios. período que marca uma expansão real do espaço feminino. como Jane Dieulafoy. como analisa Marc Martin. que a visitou quando se achava hospitalizada. Assim como as repórteres que a sucederam. e também à Espanha.11 Eram elas verdadeiras aventureiras. e depois. de uma atividade. hoje no Louvre. Elas precisavam de um objetivo. na União Soviética para o jornal Le Petit Parisien.12 Por serem mulheres. "a mulher vestida de homem" que. com seu marido. Fez suas primeiras reportagens na Irlanda. Simone Téry. ajudar. podiam falar com as mulheres nativas: assim foi com Denise Griaule na África. em 1928. teve mais sorte. Ingresso tardio na profissão: nascida em 1878. Descobrir os outros. Conquistou a estima dos colegas. essas mulheres eram atraídas pelos teatros da miséria e da 140 . essas mulheres precisavam ter uma total liberdade familiar. já tinha 50 anos. Juntos. A Reforma Protestante é favorável à sua instrução e a Contra-Reforma católica não ficou atrás. em razão de sua situação na sociedade do momento. Atualmente. Simone Téry aderiram ao comunismo. mas não idêntico ao dos homens. As mulheres no tempo da história A história das mulheres tem sua cronologia nem sempre fácil de estabelecer. Correm riscos que. e contraditório. Sim. Tal reforma religiosa. Mas uma e outra se conjugam para eliminar as feiticeiras. em todo caso. Como Florence Aubenas. do jurídico. A livre contracepção é provavelmente o acontecimento mais importante. o que mais abalou as relações entre os sexos. bodes expiatórios da modernidade. ampliar a noção de acontecimento. Abre-se para as mulheres o acesso ao saber. lhes custam muito caro. tem seus acontecimentos próprios. é um ponto que causa embaraços. é preciso. Em todo caso. Assim. a Espanha da Frente Popular — e pelos ideais de esquerda. No que concerne a essa história. Madeleine Jacob. Mas o que me importa aqui é ver como a história geral afeta essas relações. as rupturas do tempo. por conseguinte. a própria concepção de história. em toda parte. 141 . que realizou uma entrevista complacente com Hitler em 1936 e foi tentada pela colaboração. enviadas pelos jornais ou pelas cadeias de televisão. Os homens e as mulheres vivem juntos os grandes acontecimentos. do técnico também. a que elas serviram no jornal L'Humanité. perguntou-se se efetivamente teria havido um Renascimento para as mulheres. do religioso. Na verdade. e começou a "dissolver" a hierarquia entre eles. que as queima. Exceto Titaÿna. obstáculos à racionalidade triunfante. Esse movimento reforça seus deveres de beleza. a exigência física da feminilidade. E. inclusive nos lugares mais expostos. por vezes.Mulheres na Cidade revolução — a Rússia. tal livro — La Cité des domes de Christine de Písan ou Le Deuxième sexe de Simone de Beauvoir —. a Viena vermelha. do biológico. as "grandes repórteres". felizmente já libertados. e diferentemente. e mais da ordem do cultural. estão em todas as frentes. Andrée Viollis era socialista. diferentes muitas vezes da história política. tal descoberta médica (a cesariana ou a pílula) ou técnica (a máquina de costura ou a máquina de escrever) inscrevemse na trama de maneira decisiva. raptada no Iraque com seu guia iraquiano. Minha história das mulheres Tomemos. Em todo caso. Mas como é vibrante e barulhenta a minoria dessas mulheres que se reuniam em clubes. em que modificam as fronteiras entre os sexos? A Revolução Francesa é. dizia Sieyès. eram indiferentes. tendo degolado minha mãe. "monumento de iniqüidade" segundo George Sand. desde aquela época. a Primeira Guerra Mundial. também. à Revolução que embaralhava o curso ordinário das coisas e atingia a religião. A Revolução lhes concede. a Revolução Francesa exclui as mulheres do exercício da política. minha irmã e meu irmão. mas nenhum direito político. artesãs.14 E ele se explica: "As mulheres é que mandam agora". os estrangeiros. organizador do sufrágio. que elas praticavam mais do que os homens. a expressão de uma dúvida. assim como matou o rei. Trata-se de uma minoria: a maior parte das mulheres. O universalismo da Declaração dos direitos do homem e do cidadão não concerne verdadeiramente às mulheres: elas não são indivíduos. que poucos homens — exceto Condorcet compartilhavam. Uma porta entreaberta. o "parricida de olhos ruivos" cuja confissão foi encontrada por Michel Foucault: Eu. a Restauração suprimiu o direito ao divórcio. "Isso. em particular o costume normando. como os menores. os 142 . Mulheres do povo. camponesas. urbanas. no entanto. dentre os acontecimentos contemporâneos. as grandes rupturas que são as revoluções e as guerras: a Revolução Francesa. Pierre Rivière. parisienses na maioria. E essa a origem do crime de Pierre Rivière. ou mesmo hostis.. direitos civis. E isso era. Pierre Rivière delira. os mais pobres e os loucos. tricotando para significar que não abandonam os "deveres de seu sexo". contraditória. Entretanto. São todas "cidadãs passivas". no estado atual". direito de gerir seus bens em função do contrato de casamento. e o Código Civil de 1804. Direitos civis: igualdade de sucessão. restabeleceu o maridopai na plenitude de seu poder patriarcal. igualdade no ato civil do casamento que supõe seu livre consentimento e pode ser dissolvido pelo divórcio. de cuja negligência se acusou Olympe de Gouges. a começar pelo direito de voto. que atacam os homens nas tribunas da Assembléia. Isso porque. donas-de-casa. Era uma ruptura com a maior parte dos costumes. que não reconhecia nenhum direito às mulheres. existem mulheres que protestam essas cidadãs que tricotam cuja história foi contada por Dominique Godineau. por exemplo. certamente. na qual o feminismo ia se infiltrar. A Revolução destronou o pai. ou antecipa. e mesmo se engolfar. Roland. não longe do jardim de Luxemburgo.. Olympe subirá ao cadafalso dois anos depois. tão ativa em 1848. Ele é mais preciso. favoráveis à reivindicação latente da igualdade dos sexos. considerava. Uma exclusão reforçada pela indiferença do movimento operário e pela divisão das mulheres. A primeira vista. como seus amigos republicanos e socialistas. como o famoso artigo 10: "A mulher tem o direito de subir no cadafalso. Muito barulho por nada. Hoje. Dentre elas se destaca Olympe de Gouges. Eles combatem. ao mesmo tempo que Mme. Foi assim em 1848. ainda por cima. Ele é mais dramático: "Mulher. elas lhes dão suporte. atriz e escritora. até mesmo em sua simbologia. ao mesmo 143 . inclusive na ordem política. autora de peças de teatro contra a escravidão dos negros. que continua sendo a unidade de base. Outro tipo de acontecimento: as guerras. As revoluções do século XX constituem brechas nos sistemas de poder. por exemplo. Mas. Esse texto. uma placa homenageia sua memória. ela deve ter o direito de subir à tribuna". acorda. por sua duração e sua intensidade dramática. caricaturizados por Daumier e Gavarni. Pouco antes de morrer. Désirée Gay. em 17 artigos de grande modernidade. na rua Servandoni. Assim. Apesar das "mulheres de 1848" . foi um verdadeiro teste para a diferença dos sexos. As francesas deverão esperar 1944. a experiência mais marcante a mais decepcionante com relação a isso. no VI distrito de Paris. cuidam deles. ela reforça a ordem dos sexos. escondido. L'Opinion des femmes. esperam e choram por eles. reconhece teus direitos". — e de seus clubes. o chamado da razão se faz ouvir em todo o universo.. únicos representantes da família. os substituem. que. dedicado de maneira imprudente a Maria Antonieta. em 1793. de seus jornais — La Voix des femmes. com os homens na frente de batalha e as mulheres na retaguarda. a questão social prioritária e o direito de voto das mulheres algo prematuro. Jeanne Deroin -. De interpretação difícil. redigiu nessa rua seu Esquisse d'un tableau historique des progrès de l'espirit humain. George Sand. que ganhou notoriedade por ter escrito a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã em 1791. em razão de seu estado de sujeição.Eugénie Niboyet. é quase contemporâneo do de Condorcet. Com efeito. quase em frente àquela que lembra Condorcet que. o "sufrágio universal" só diz respeito aos homens. Sur l'admission des femmes au droit de cité (1790).Mulheres na Cidade clubes que foram fechados pelos jacobinos. A Primeira Guerra Mundial. de recolocar as coisas e os sexos em seus devidos lugares: o que tentam fazer os regimes totalitários (fascismo italiano. o Führer. aprendem a lidar com dinheiro. onde as mulheres muitas vezes devem cederlhes o lugar. as mulheres foram. Conduzem arados. numa tentativa de sedução. recebem melhores salários. acelerou uma evolução começada anteriormente. automóveis e bondes. conquistadoras. Fazem greve por seu aumento: em 1915. essencial da adesão das mulheres (e mais amplamente de todo ator social) a seu papel.Minha história das mulheres tempo. nos "filmes de atualidades". 16 historiadora do nazismo. por iniciativa própria. olham de esguelha para suas meias de seda. seus rostos embevecidos quando das manifestações de massa pró-hitlerianas. tentam recuperar suas prerrogativas: no trabalho. em 1917. sucumbem: pode-se ver.15 Após a guerra. franquismo na Espanha e regime de Vichy na França. elas se imiscuem em lugares e tarefas masculinas nas quais se saem muito bem. Decididamente. Esses regimes fazem da diferença dos sexos e de sua hierarquia um princípio absoluto. as principais beneficiárias da guerra que. As mulheres gerenciam seu orçamento. onde os reencontros se mostram difíceis para os cônjuges que tinham ficado separados. de cabelos e vestidos curtos. da política natalista. As "municionetes" manipulam obuses nas fábricas de armamento. O chefe. As mulheres. tomam liberdades. e familiar. sob o ângulo da igualdade. Para Gisela Bock. Ruptura de hábitos e de evidência. a sexualidade de guerra é problemática. para os homens. vítimas: de início. Os "Anos Loucos" tentam virar a página e mostram a profundidade da "crise de identidade sexual" (André Rauch). então. Decididamente. fumam. é ele. perturbados. no lar. As mulheres parecem. mas sofreram mais ainda com a esterilização forçada em 144 . nacionalista e conservadora. nazismo alemão) e seus sucedâneos. mais do que para as mulheres. quando retornam. Os divórcios tornam-se numerosos. nada mais será como antes. não raro. desconfiam de sua fidelidade. aliás. O que são as mulheres: vítimas ou complacentes? Nesse ponto há um debate historiográfico que levanta a questão. Esse machismo se baseia. é tempo. sim. no final das contas. o homem. Os homens criticam seus gastos. Os homens. há uma vontade de restaurar a antiga ordem: nacional. na Belle Époque. com a Chambre ""bleu horizon" [Câmara "azul celeste"]. manifestam-se em Paris. Vão e vêm. Em 1943. conduziram silenciosamente a própria existência. no qual as religiosas "secularizadas" poderiam retomar o véu. Questão que não pode ser evitada se defendemos que as mulheres são agentes da história.Mulheres na Cidade nome da pureza racial. Encorajavam-se as associações familiares. São questionadas. principalmente. Tornou-se obrigatório um programa de ensino de prendas domésticas e de puericultura nos estabelecimentos femininos. Celebrava-se a Mãe: perenizou-se o Dia das Mães. O aborto foi severamente punido. a transmissão. "A mulher não nasce inocente.17 Ambas as historiadoras insistem na responsabilidade das mulheres na História. do retorno à ordem sexual. 145 .19 Era o retorno ao começo do século xix. ela se torna inocente".20 Uma parte das mulheres. Esse deslocamento. Só tardiamente é que se reconheceu o papel dessas "combatentes da sombra". Família. O governo Pétain tinha por lema: "Trabalho. Seu corpo instrumentalizado era inteiramente submisso aos imperativos do Estado. A inocência dos oprimidos não existe. do traçado da fronteira. introduzido nos anos 1920. Mas.18 A experiência francesa da Ocupação e do regime de Vichy constitui um exemplo. o segredo. excluí as mulheres casadas da função pública: volta ao lar. Pátria". hostil ao trabalho das mulheres. deixaramse seduzir. depende também da ação das mulheres: de sua ação coletiva e da força de seu desejo. mais ou menos igualitário. o abrigo. em sua própria história. São deslocadas. uma mulher foi condenada à morte e executada por esse motivo. mas ainda mais sutil. Isso remetia a uma política natalista. Favorecia-se o ensino particular. cada acontecimento repercute nas relações entre os sexos.21 Assim. elas resistiram. ao mesmo tempo repressiva e incitativa. em seu conjunto. com sentimento de culpa pela França desfeita. Essa também é a tese de Rita Thalmann. Por cada um deles. as organizações femininas nazistas concediam às mulheres privilégios materiais e simbólicos. arma potente. A maioria contentou-se com uma obstrução silenciosa. Outras engajaram-se na Resistência. o transporte. As jovens. Venerava-se a Virgem: a Nossa Senhora de Bolonha circulava de cidade em cidade. num espírito de missão expiatória. Para Claudia Koonz. na sociedade civil. pouco aplicado em função da necessidade). uma das primeiras a escrever sobre a questão. com as armas das mulheres. As mães-pátria do Terceiro Reich eram mulheres complacentes. Num decreto baixado no outono de 1940 (na realidade. escreve justamente Liliane Kandel. mais raramente na ação política ou militar. menos totalitário. e outros produtos. A política. mercadores. cujas mudanças ilustram as modificações do modo ou do nível de vida —. 146 . Foi o que aconteceu nos motins por alimento ou na ação caritativa. as quais me proponho a abordar. Sua ação tem a ver com o que. bem documentados porque os poderes os temem. de outros alimentos considerados vitais. Eram rebeliões mistas. são elas as eternas responsáveis por essa parte. era chamado de economia moral: aquela que aceita o preço justo dos víveres — grãos. foi uma fortaleza proibida. em razão do desenvolvimento das estradas de ferro e da regulação do mercado. Aqueles que o povo do século XVIII chama de "açambarcadores". pão. Os motins por alimento. A liberdade do comércio dos grãos. Quando houve a crise da "carestia" que. estabelecida ao final do século xviii. Com isso. as donas-de-casa do norte da França reivindicam a "manteiga a 10 vinténs" e protestam contra o aumento do preço do leite e do açúcar. Na Atenas de Péricles como na Londres de Cromwell ou na Paris da Revolução Francesa. atinge toda a Europa. principalmente. e de muitas maneiras. apóiam-se em seus papéis tradicionais. Mas elas têm atuado. a intervenção pública das mulheres praticamente desapareceu. dedicadas ao domínio privado. batatas no século XIX. criticadas logo que se mostram ou falam mais alto. no começo do século XX (1910). do preço dos grãos ou do pão. culpados pela fome que o povo está passando. Em que consistem essas rebeliões? São verdadeiras invasões das feiras. detestados porque são vistos como aproveitadores. Guardiãs da casa e da comida. Sua missão. com o passar do tempo. É o seu dever. A "cesta da dona-de-casa" muda de conteúdo.22 tendo sido muito numerosos. mas que recusa qualquer elevação considerada especulativa. do século XVII a meados do século xix.23 Depois. no século XVIII. Tudo se complica quando ousam agir como homens. das estradas. mas o papel das mulheres era cada vez maior. e aí tudo vai bem.Minha história das mulheres As formas da ação coletiva Agir no espaço público não é fácil para as mulheres. dos caminhos. A fronteira do político se revela particularmente resistente. foram bem estudados pelos historiadores. eis o que convém para as mulheres. Cabe a elas cuidar dos mantimentos. padeiros. Com freqüência. essas rebeliões se atenuaram. por muito tempo. dos moinhos que visam àqueles que detêm os víveres: moleiros. O motim por alimento. e. A tropa intervém. Eclodindo em 5 e 6 de outubro de 1789. ou de alta indevida dos preços. causam mortes. condenações à morte. Em Lyon. A regulação do mercado acarreta a regressão. que também é seu filho. simplesmente. derrubam seus tabuleiros. elas desaparecem das ruas. São nutrizes que protegem seus filhos e o povo. E o caminho para a manifestação sindical organizada. por exemplo. articulado. As mulheres têm. que elas emasculam. tendo à frente a personagem Maheude. espalham-se pelos caminhos. protestam. no século XIX. elas pedem que os grãos ou o pão sejam tabelados pelas autoridades. participaram mais das barricadas de 1830 do que de 1848. Tornam-se. Michelet. como as mulheres. rebeliões. Cada vez mais. Põe em evidência a impotência dos homens. Em caso de penúria. As perturbações em torno do abastecimento podem ser mais ou menos violentas. em que as mulheres levam as guirlandas ou as bandeiras. hesitam em punir com mais rigor por causa dos filhos. ameaçam-nos. mas que representa a própria essência do papel. Em Paris. Elas se comportam como mães. entre 1848 e 1914.Mulheres na Cidade benéfica a longo prazo. e mesmo o desaparecimento. dando-se o direito . municipais ou de outra ordem. funcionam como 147 . Acontecem prisões. por vezes. por vezes de maneira mais ou menos brutal. um lugar marcado. Zola. a do Primeiro de Maio. da rainha e do delfim) para levá-los de volta a Paris e lhes garantir o pão. processos. despertou suspeitas. Cena épica que não tem precedente. quando as damas do Mercado foram a Versalhes procurar "o padeiro. as manifestações são cada vez mais operárias e masculinas. as donas-de-casa têm um papel político. as mulheres dão o alerta. para deter as carroças. da ação coletiva das mulheres. simbólico. rebelam-se. Mas sua presença é temida e a psicologia das multidões. sua presença nas manifestações. pelo Estado? Nesse ponto. dessa forma de intervenção das mulheres. ou. Atingem também as mulheres. assimila a multidão às mulheres: é histérica. A mãe protege a mulher. processual. que os magistrados. No século XIX. aí. diminui bastante. põe em cena uma manifestação de mulheres dos trabalhadores das minas. a padeira e o pequeno aprendiz" (denominação popular do rei. no romance Germinal (1885). entretanto. como também nas barricadas. E por que não. contra o vendeiro Maigrat. culpam os comerciantes.é preciso viver — de apoderar-se de suas cargas. louva as donas-de-casa parisienses por sua vigilância legítima. perto dos canais. Com isso. que reprova habitualmente a ação política das mulheres. esperado ou temido. Elas se enfeitam especialmente para a manifestação. em muitos países. célebres nos anais do movimento operário por sua particular tenacidade. exercendo uma profissão ou um ofício. que são as mais ameaçadas por suas concorrentes asiáticas. até 1938 (Lei do 18 de fevereiro). de início. É verdade que. elas organizam cozinhas coletivas. obtêm o 148 . Seu papel nas greves é até mesmo inferior a seu peso no operariado. para trabalhar. nas dos tosquiadores das ovelhas de Mazamet em 1909. E raro que façam greve isoladamente. nas fábricas de confecção ou de mecânica leve. as "municionetes" e as costureirinhas desfilam pelas ruas da capital. Quando essas fábricas fecham. ou naquelas de 1968. Nas greves dos mineiros. as mulheres são declaradas eleitoras e elegíveis no âmbito do Conseil Supérieur du Travail [Conselho Superior do Trabalho].24 O direito de se sindicalizar precedeu. Entretanto. é essencial. Mas sua verdadeira emergência acontece nos anos 1970-1980. Isso porque a greve não substitui o motim por alimentos.Minha história das mulheres ornamentos. abriu-se uma brecha. E o que ocorre durante a guerra: em 1917. Nem sempre os operários as apoiam. e seu papel. onde trabalham outras mulheres ainda mais exploradas. As mulheres estão muito presentes nas ocupações das fábricas da Frente Popular. E fracassam com freqüência. era necessário primeiro obter essa autorização. baseada no emprego mal remunerado de uma mão-de-obra feminina pouco qualificada. aderir aos sindicatos profissionais e participar de sua administração e direção". o direito de voto: foi assim na França. podem. E claro que as coisas mudam: o acesso das mulheres ao salário aumenta a possibilidade de conflito. o que. em 1907. Como as fábricas Le Joint ou Moulinex. os conflitos são intermináveis e mesmo desesperados. Entretanto elas participam das greves mistas. Suas greves são sempre defensivas. ligadas a questões de disciplina ou de horário. São mais festivas do que violentas. e isso. ligado ao assalariado industrial. por vezes tão longas. o mesmo se dá nos demais conselhos trabalhistas. Embora excluídas do direito de voto. E um ato viril. pela lei Waldeck-Rousseau que declara que "as mulheres casadas. como o das mulheres de grevistas. sinal de uma popularização do que deve ser seu papel familiar. ou dos botoeiros de Méru. ponto forte da solidariedade operária. em 1884. O sindicalismo criaria condições favoráveis às mulheres. não é o horizonte das mulheres. ampliada mais tarde: em 1900. sem autorização do marido. Na França. até o ato de tomar a palavra era controlado: em alguns sindicatos do norte da França. animados por militantes ativas. longa e persistente. ilustra as reticências operárias ao ingresso das mulheres em algumas profissões e nos sindicatos correspondentes. nos anos 1830. vem a greve. Um sindicalismo apenas para o sexo feminino parecia mais conveniente. pelo tempo perdido. Emma Couriau era tipógrafa numa gráfica de Lyon. mais aberta do que sua base.. a elegante Mlle. em 1913. O sindicato misto é de difícil acesso para uma "mulher honesta". que mais eram associações de ajuda mútua do que sindicatos. que serviu de inspiração para o sindicalismo cristão das empregadas domésticas (o "Genêt") ou das empregadas no comércio. Desse ramo originou-se a CFTC (Confédération Française des 149 . à medida que estes se tornam sedes das reuniões. As mulheres entraram lentamente nos sindicatos. Ela pede para ingressar no sindicato. Elas parecem ter prazer em fazê-lo. Bouvard (Floristas plumistas) sempre se apresentam para falar nas tribunas dos congressos. na linhagem das "câmaras das damas". Com a recusa. onde seu marido trabalhava. deveriam obter a autorização de um homem para poder se manifestar. pois as profissões do Livro tinham por princípio de honra ser masculinas.. É por isso que o sindicalismo tinha mais sucesso quando correspondia a um setor de emprego "feminino": Tabacaria ou Flores e Plumas eram setores reivindicativos e relativamente organizados. Elas tinham mais o que fazer do que ir às reuniões. que por muito tempo foi mais teórica do que real. não haviam integrado a cultura do trabalho. se isolam num canto. de inspiração proudho-niana. Seus companheiros não eram favoráveis a isso: reclamavam para pagar as contribuições. dos anos 1870-1880. No começo. as tabernas e os pubs excluem as mulheres. é que ela foi aceita. Assalariadas marginais. Elas se calam. Na Inglaterra era pior: na época do cartismo. A trade-union e o trabalhismo se construíram sem elas. Uma forma de cidadania social. desenvolvido por Marie-Louise Rochebillard. O caso Couriau. A eloqüente cidadã Jacobi (Tabacaria). depois deixam de vir.Mulheres na Cidade reconhecimento de um certo direito sindical. é hostil ao trabalho das mulheres — uma solução precária — e tende ao virilismo. o sindicalismo de ação direta. o que já era bastante excepcional. Somente com a intervenção da Fédération Nationale du Livre [Federação Nacional do Livro] (filiada à CGT). muito sensível às reivindicações das mulheres. Hoje. um espaço de solidariedade.5% para as mulheres. há duas genealogias diferentes quanto à relação entre os sexos. Setenta anos depois. a dissimetria sexual continua forte: a taxa de sindicalização é de 11% para os homens e de 3. do qual são responsáveis. proposta utópica que foi aprovada por aclamação. Hubertine Auclert dirigia-se aos operários: "Escrava. na França. Essas nunca deixaram de ser feitas. Antoinette. de sociabilidade. mais tarde denominada CFDT (Confédération Française Démocratique du Travail [Confederação Francesa Democrática do Trabalho]). ela reivindicava a total igualdade de direitos dos dois sexos. Unitaires et Démocratiques [Solidários. dotada desde o começo de uma forte cultura feminina. Elas acabarão por ser despedidas e Antoinette deixará de existir. Os congressos foram verdadeiros propedêuticos da palavra das mulheres. Mas esse apoio do "feminismo burguês" lhes rendia muitas críticas. militantes da CGT . Entre mulheres e sindicalismo persiste um malentendido. para muitas mulheres. que as marcam ainda hoje.25 150 . Apesar dessas restrições.Minha história das mulheres Travailleurs Chrétiens [Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos]). Jeannette Laot e Nicole Notat eram membros dessa Central. Sua ação culmina no Congresso da CGT de 1977. Entre CFDT e CGT (Confédération Générale du Travail [Confederação Geral do Trabalho]) ou FO (Force Ouvrière [Força Operária). Entre as duas guerras. pretendem tornar público que existe na sociedade e no seio do sindicalismo uma "questão das mulheres". o sindicalismo foi. A dominação masculina se restringe à do capital e a opressão das mulheres não poderia ocupar o lugar do proletariado. num sindicalismo minoritário. O jornal La Fronde de Marguerite Durand e Séverine apoiava os sindicatos e as greves das mulheres. de abertura para o mundo e de tomada de responsabilidades. segundo o qual as relações entre os sexos são secundárias e subordinadas às relações sociais. 36% do SUD (Solidaires. o que as envolveu em processos judiciais. principalmente através do boletim mensal feminino da CGT. No célebre Congresso de Marselha (1879). Unitários e Democráticos]) e 28% da CGT. foram as professoras primárias que desenvolveram um sindicalismo ativo. representante de nove milhões de escravas". Chantal Rogerat —. As mulheres representam 42% dos efetivos da CFDT.Christiane Gilles. inclusive quanto ao controle da natalidade. engajadas nas lutas do MLF (Mouvement de Liberation des Femmes [Movimento de Libertação das Mulheres]). a mais difícil de transpor. as mulheres têm direito à proteção de sua 151 . não é favorável.29 A Revolução Francesa prossegue. mas de maneira diferente. admite o poder das damas e confia a regência às rainhas: parênteses a que o Renascimento dá novos matizes pelo retorno a um neoplatonismo. em todos os países. A aristocracia efetua a troca dos bens e das mulheres segundo o interesse das linhagens e pelo viés dos casamentos abençoados pela Igreja. era considerada o apanágio e o negócio dos homens A polis grega exclui as mulheres.Mulheres na Cidade Apesar de tudo. na França como em toda a Europa. que chegou a "generala".28 Em casos excepcionais. que se baseia na ação das mulheres. associações filantrópicas constituíam legião.. mais másculo do que nunca. para a consolidação do absolutismo real. para a exclusão política das mulheres. primeiro degrau para uma intervenção mais política na sociedade civil. tal como os escravos e os bárbaros. A Idade Média é "máscula". onde algumas se estabeleciam em settlements [centros de assistência social] (Marie-Jeanne Bassot. Essa stasis (sedição) é. o Exército da Salvação que é comandado por mulheres. segundo Nicole Loraux. Catarina de Médici se dispõe a contribuir. em Levallois.. concreta e limitada. para os doentes. para as pessoas de idade.26 A ação local. as associações eram mais convenientes para as mulheres. e que constitui hoje. Associações piedosas e caridosas.Perret). em que se engolfavam a energia das mulheres e sua vontade heróica. O mundo operário torna-se uma verdadeira terra de pesquisa e de missão. para as crianças "em perigo". nesse ponto. "Cidadãs passivas". Há uma miríade de associações. sua melhor ancoragem. Era uma preparação à ação municipal. na Idade Média. o que fazia o Antigo Regime. e acrescenta suas razoes. para os pobres. Principalmente na Inglaterra: a London Mission. por suas qualidades propriamente femininas. podiam ser úteis e mesmo construir um nome. considerada uma catástrofe. como Evangeline Booth. prelúdio da "querela dos sexos". a da política foi.. A política: a Cidade proibida De todas as fronteiras. pois reconduz a lei sálica. (Como a política é o centro da decisão e do poder. os prisioneiros (as visitadoras de prisões como a célebre Elizabeth Fry). As mulheres podem intervir em caso de crise aguda na qual a existência da polis é posta em risco. pelo seu "coração elevado" e sua "suavidade". era mais conveniente para as mulheres. que exclui as mulheres da linha de sucessão. Pela ação social. todas romanas.27 A sacralização do poder dos clérigos. A lógica democrática termina por dissolver os grupos. Em 1945. Temiam que. nos últimos tempos. pelo ofício de 21 de abril de 1944 (artigo 17). . elas desviassem o voto para a direita. a lei sálica. ocidental) e a ocorrência de comoções. não era arriscado. própria à nossa civilidade. Para resolvê-lo. Porque essa "singularidade" francesa?30 Foram aventadas várias razões. inglês. manipuladas pela Igreja da democracia cristã. constituindo. sua filha. uma promessa de universalidade.: No Brasil. privadas de "seus educadores naturais". é apenas a "mulher do rei".31 o que não é o caso em outros países europeus. por serem desprovidas de responsabilidade e de estatuto jurídico. e diz respeito a todos os indivíduos: é preciso então ser reconhecido como tal. na França.E. Depois da Primeira Guerra Mundial. que exclui as mulheres do trono: a rainha. A Inglaterra (Elisabet I). que esperará o final da Segunda Guerra: a Assembléia consultiva de Argel. Fora preciso varrer as últimas objeções dos radicais: na ausência dos maridos. não a guerra. inclusive a família. colocaria as mulheres fora da arena conflituosa do campo político: com elas. a Rússia (Catarina. a possibilidade de uma inclusão. tão atenta com relação às atitudes de Maria Antonieta.* Mas não a França. a Suécia (a rainha Cristina) e até mesmo a Áustria (Maria Tereza. as francesas votam pela primeira vez. Mas enquanto aos homens o voto era obrigatório.Minha história das mulheres pessoa e de seus bens. as mulheres devem passar por provas. na corte da França)32 têm rainhas soberanas. uma barreira mais forte contra a Frente Nacional. A construção das relações entre os sexos sob o modo da cortesia e da galanteria. o voto das mulheres. a evolução dos costumes. como foi mostrado por Fanny Cosandey. para as mulheres era facultativo. Enfim. um pouco mais à direita do que os homens. europeu. a democracia representa uma potencialidade. foi necessária a modernização dos espíritos. Era esse o problema das mulheres. de quem não deixarão de se aproximar politicamente. como as guerras. declara: "As mulheres são eleitoras e elegíveis nas mesmas condições que os homens". francês. a reivindicação das mulheres (no caso. o sufragismo. Primeiramente. muitos países concedem o direito de voto às mulheres. Para sair dessa situação de assistidas. São quase inimputáveis. o voto feminino foi decretado em 1932. prisioneiros. Mas por que o movimento operário "esqueceu" as mulheres em 1848. a Grande). mostrar que são indivíduos responsáveis] Nesse sentido. o que se quer é o amor. elas são feitas para serem protegidas. quando elas eram tão enfáticas ao pedir o direito de voto? A persistência do holismo N. com efeito. indignas de um tal sacerdócio. representada por seu chefe. Entretanto. É a obsessão de Michelet. 153 . sempre evocando a síndrome Maria Antonieta. rica de experiências de uma grande diversidade. ser uma "mulher política". a maneira. o processo segundo o qual a República foi estabelecida na França: o sacrifício sangrento da morte do rei dá à "sagração do cidadão"34 um aspecto viril e religioso que se combina mal com a fraqueza e a frivolidade das mulheres. ou ainda. que teme o sussurro do confessionário e. deve contribuir para a evolução desse aspecto. como se esse fosse uma ruga no rosto: "Eu não sou feminista. a perspectiva de uma mulher presidente da República não mais assusta os franceses. a negação da sedução. a política é uma conquista de homem. foi. mais tarde. E o que se vê: não faltam argumentos. as mulheres são apenas 12% na Assembléia Nacional. que reabriu o campo da reflexão sobre a natureza do "universalismo". Ser uma mulher na política. as resistências. Tanto por sua natureza quanto por suas funções.33 o principal obstáculo ao estabelecimento do sufrágio "universal". Pesa.Mulheres na Cidade familiar. Feminismos O feminismo nem sempre goza de boa reputação. procuram subtrair aos salões. principalmente a partir do bicentenário da Revolução. um pouco mais no Senado. E no nível local que elas mais progridem. à palavra e à nefasta influência das mulheres. o governo e a representação. Daí os bloqueios. parece a antítese da feminilidade. por exemplo. Influem também considerações políticas: o temor do poder oculto da Igreja pela mediação das mulheres influenciadas por ela. E a Europa. segundo Anne Verjus. que os organizadores da democracia. a promoção de uma cidadania universalista e individualista criou para as mulheres uma situação inextricável. parece dever tudo a ela. que faz da família a célula elementar da sociedade. mais ainda. Muitas mulheres se defendem. uma profissão de homem. Enfim. a dos radicais. e eu gostaria apenas de indicar ao leitor a intensidade dos debates a esse respeito nos últimos vinte anos. as mulheres não são reconhecidas como indivíduos. que a consideram mesmo com simpatia. que atingem. onde nasceu a idéia de paridade. ao mesmo tempo. Na França. ou ao contrário. e pouco numerosas no executivo. Guizot. Apesar da aprovação da lei sobre a paridade (2001). a 154 . como a Encyclopédie politique et historique des femmes. ou Women's Movement. do que elas devem a esse movimento. autora de La Cité des dames. "feminismo". deveria eu dizer.38 Formam-se doutrinas e movimentos mais coletivos a partir do século xviii. Uns fracos. a historiadora britânica Sheila Rowbotham conta que. entram na moda. nossa sufragista francesa. Pessoas isoladas. Já se dispõe de obras de síntese. Segundo ele.. o feminismo era a doença dos homens suficientemente "efeminados" para tomar o partido das mulheres adúlteras. de maneira bastante pejorativa. Atribuem-na a Pierre Leroux.".Minha história das mulheres mas. recontaram seus episódios e mostraram seus desafios. A coisa?Em sentido muito amplo. em suma. porque deixa poucos vestígios. óculos de tartaruga e coques muito puxados. declara-se orgulhosamente "feminista".36 Nesse mesmo sentido. com a palavra mulher.37 Com certeza ela tinha razão. de Christine Fauré. pelo menos a um maior número delas". de Condorcet. "feministas" designam aqueles e aquelas que se pronunciam e lutam pela igualdade dos sexos. Antoinette Fouque escreve: "Lutei para que o Movimento das mulheres não se transformasse em movimento feminista. porém. de onde vem a palavra "feminismo"? Sua paternidade é incerta. Hubertine Auclert.. De l'admission des femmes au droit de cité. sem. nós tínhamos mais chances de nos dirigir. tem sido alvo de numerosas pesquisas que trouxeram à baila suas pioneiras. e mesmo da memória. via as feministas como "seres assustadores em costume de tweed. Nos últimos trinta anos. preferida pelas anglo-saxãs. Em 1880. quando jovem. 1791. dizem algumas. ou Mary Astell no século XVII. Mas isso mostra a força dos estereótipos. esses vocábulos. em 1872. As palavras: primeiramente.35 Essas obras mostram que se passou da memória para a história. ou Le Siècle des fèminismes. difundem-se. A esses movimentos. de tanto que o feminismo é plural e variado. mas principalmente como seres totalmente assexuados". em razão da fragilidade de sua organização. é notável a simultaneidade de três textos fundadores: 1790. senão a todas. Ainda em 1975. inventor de "socialismo". Por muito tempo era o primo pobre da historiografia. substantivos ou adjetivos. uma história comparativa. no final do século xv. no entanto. ao menos no mundo ocidental. em vez de vingar a própria honra. Com mais certeza a Alexandre Dumas Filho. como Christine de Pisan. apesar de tudo. Assim. são qualificadas de "préfeministas". A bibliografia é considerável. A mim parecia que. conscientes. Ao final do século. substituir expressões como "a causa das mulheres". de caráter sufragista. de Louise Otto. e que eram recomendados por George Sand às mulheres que não detinham outras formas de cidadania. Abaixo-assinados. as sociedades tornam-se mais consistentes. As mulheres de 1848 se reuniam nas casas daquelas que tivessem um quarto acolhedor e "cadeiras suficientes". foi um marco) ou pela paridade. O feminismo age em movimentos súbitos. Insinuado na brecha das Luzes e principalmente da Revolução Francesa. Uma reviravolta. associações frágeis.O CIF organiza congressos.Mulheres na Cidade Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne. uma brecha para eclodir. em 1888. de Olympe de Gouges. Estes acompanham as revoluções de 1830 e 1848. Em Washington. E intermitente. grupos efêmeros. mas ressurgente. Como se as reivindicações das mulheres só esperassem uma falha. Em suma. endereçado às mulheres cujo comportamento é assimilado ao das prostitutas. Um advento. há 28 conselhos nacionais em 1914. A Vindication of Rights of Woman. Entretanto.* publicado na revista Le Nouvel Observateur. que iniciam as mulheres à palavra pública. No século XX. 1792. em ondas. como o direito ao aborto (o das 363 "salopes". florescem as Vereine. A ausência de locais próprios complica as coisas. que semeia conselhos nacionais: o Conselho Francês (CNFF) surge em 1901. 155 . em Leipzig. segundo um processo eruptívo clássico. as associações pelo "direito ao sufrágio". preferidos pelas inglesas. porque não se baseia em organizações estáveis capazes de capitalizá-lo. felizmente menos devastador. pelo apoio às mulheres diplomadas (AFDU—Association Française du Dévelopement Urbain [Associação francesa de desenvolvimento urbano]). Em 1868. as "ligas". O jornal Frauenzeitung. os "conselhos". por ser considerado imoral. como o Journal des dames * N. Manifestos para reivindicações mais solenes. e mesmo cosmopolita. com o tempo. sincopado. T: Em francês. Henry James traçou um retrato doce-amargo dessas primeiras oradoras em Les Bostoniennes. de Mary Wollstonecraft. tem como lema: "Convoco as cidadãs para o reino da liberdade". o equilíbrio dos sexos vive sobre um vulcão. Esse feminismo empreende ações variadas: de início por escrito. à viagem militante e às relações internacionais. e que se reproduzirá inúmeras vezes. é fundado o Conselho Internacional das Mulheres (CIF). É um movimento e não um partido—apesar de algumas tentativas frustradas — que se apóia em personalidades. que lembra o movimento tectônico das placas e o surgimento de um tsunami. Livros e principalmente jornais. salopeé um insulto. La Donna de Anna Maria Mozzoni se apresenta como um jornal francamente europeu. em manifestações com ares de procissões ou de cortejos. de tempos em tempos — e com o talento de jornalistas profissionais. de tão recriminadas que eram . as manifestações das mulheres? Raramente. empunham bandeirolas. Conta com a colaboração de grandes nomes . de Berlim a Paris. elas desfilam. E. que se coloca entre os grandes jornais de opinião e de informação. De Boston a Londres e em Paris. Violentas.40 Por conta desse caso.39 Desses. nova categoria de atores públicos pensados no masculino. durante os casamentos. levam estandartes ou cartazes cora slogans. as mulheres chegam ao patamar de "intelectuais". as francesas intensificam suas passeatas e distribuem panfletos nas feiras: "As francesas querem votar" dizem eles. para protestar contra os artigos do Código Civil 156 . Daí em diante.Minha história das mulheres d'Athènes. quase que por efração. duzentas e cinqüenta mil pessoas compareceram. em razão da resistência ao voto das mulheres. pode-se falar de "massas". como Séverine. usam echarpes reivindicatórias. citado pelos outros do mesmo gênero. o Movimento de Liberação das Mulheres coloca as mulheres na rua. mensal. com seu chapéu de aba larga. A mais célebre é aquela encabeçada por Josephine Butler contra a prostituição. para denunciar o vício e defender a pureza sexual da nação. aparece nas prefeituras. As feministas se apossavam da rua proibida. ao Hyde Park. elegantemente vestidas e penteadas. não eram unânimes diante desses resquícios de puritanismo. e em todo o mundo ocidental. escrito e composto por mulheres. destaca-se La Fronde (1897-1905) de Marguerite Durand. Hubertine Auclert.Colette. como nos mostram as velhas fotos. aliás. que "cobre" a revisão do Processo Dreyfus em Rennes. em Londres. bem-ordenados. Entre as duas guerras. administrado. O jornal tomou abertamente partido de Dreyfus e de Lucie.41 O feminismo age através de manifestações públicas. a rua e os movimentos sociais não causam mais medo. purity for men! As feministas. Num sábado à noite de agosto de 1885. aos gritos de: Vote for women. dessa vez. com base nas revelações escandalosas da Pall Mail Gazette. Nos anos 1971-1975. a firme e discreta companheira cuja coragem inabalável se revela na Correspondance. dizia uma manifestante -. até mesmo em Tóquio. com um buquê de rosas brancas na mão."Sinto a pele queimar". de Kallirroi Parein. depois diário durante um breve período. não sem mal-estar. e que eram um prato cheio para os caricaturistas. a Cidadã. que.Mulheres na Cidade que exigem das mulheres que prometam obediência aos maridos. Robert Owen. pelo menos na primeira metade do século XIX. Gisèle Halimi). Entre as duas guerras. George Sand. Yvonne Netter. O feminismo age graças a pessoas. e mesmo na ditadura de um proletariado muito másculo. jornalistas. autor de The Subjection of Women (1869). era visto como um prolongamento das liberdades. Com mais freqüência. todas elas. por exemplo com John Stuart Mill. São. Amável escândalo. primeira do gênero. mãe das bluestockings. muitas vezes protestantes: professoras. O feminismo age por suas alianças. lady Montagu. Depois. Com o liberalismo. as meias azuis. Saint-Simon. as coisas se complicam. então. Jogam uma bomba (sem causar danos). uma louca. vassouras. advogadas (Maria Vérone. são presas. na prática do poder. um clássico. brilhante jornalista. que subordina a luta dos sexos à luta de classes. isoladas. de início. atirando batatas para evitar qualquer risco de ferimento: é mais barulhento. a câmara resistente. militantes. muito diversas. mulheres emancipadas da burguesia ou da aristocracia (Mary Wollstonecraft. ou ao menos figurar num dicionário. escritoras. agindo em causa própria. Com o socialismo. também há operárias adeptas do feminismo (o papel das costureiras). vão mais longe. A força do MLF dos anos 1970-1980 residiu na extensão de seu suporte popular: deu voz à reivindicação da massa das mulheres pelo direito à livre maternidade. Eis o extremo da violência feminista. usam slogans irônicos — O esfregão está queimando ~. se joga na frente do cavalo do rei no Derby de Epsom: torna-se. Mas as reticências do movimento operário. dizem seus detratores. Pierre Leroux sonhavam unir os proletários e as mulheres. consideradas mais "guerreiras". 157 . é subversiva e sentida como uma violência. Emily Davison (1872-1913). Madeleine Pelletier quebra algumas vidraças. Na teoria. faixas ameaçadoras. a heroína do sufragismo. personalidades. para o qual o "feminismo é burguês". as mulheres comunistas não têm escapatória. intelectuais. Entre a virilidade do militante e a boa dona-de-casa. que se apóia nos partidos. Uma delas. mereceriam um retrato. o limitam às camadas de nível médio. As sufragistas inglesas. médicas (Madeleine Pelletier). A simples presença de mulheres na rua. fazem uma greve de fome. gêmeos oprimidos. as mulheres lançam mão da festa ou do escárnio. instiga mulheres manifestantes a se acorrentarem nas grades do Senado. Fourier. Logo após. Elas cantam. Flora Tristan etc). Louise Weiss. e elas mesmas rompem simbolicamente os elos das correntes. entretanto. que irrigava o sindicalismo cristão. O livre pensamento lhe foi favorável. a fraternidade. seu sexo. que. o feminismo luta pela "liberação" das mulheres — Women's Lib. mas muitas evitavam abordar questões de sexualidade. as francesas Nelly Rousseí. entre feminismo e democracia. às reivindicações do feminismo. inclusive em sua variante "materialista". A cultura do gênero é mais forte nos países anglo-saxões. é um título da revista Esprit em 1936. A britânica Annie Besant. a homossexualidade. não a tornava acessível. mais do que por uma diferença que corre o risco de confinar as mulheres na inferioridade. Elas tecem essa história. dividiu o feminismo. O feminismo age como uma sucessão de ondas. embora com desconfianças em relação às superstições das mulheres. e o pensamento de Cécile de Corlíeu e Léontine Xanta. No século XIX. cuja principal partidária é a sueca Ellen Key. a primeira Loja maçônica feminina da França. Existe também um feminismo católico.Minha história das mulheres O protestantismo deu muitas dirigentes ao feminismo. mais nitidamente após 1970. o prazer. não sem dificuldades. As grandes reivindicações do feminismo. fez uma resenha favorável do Deuxième sexe. revista de Emmanuel Mounier. Madeleine Pelletier. com uma temporalidade variável de acordo com os países. há aliança entre feminismo e modernidade. tanto sobre o poder e o celibato do clero quanto sobre a contracepção e a função das mulheres. em 1949. nós as encontramos a cada capítulo desta narrativa. Um lesbianismo que se afirma como uma força autônoma e que renova o pensamento do gênero. modelo fugidio da jovem Simone de Beauvoir. a amizade e o amor entre as mulheres. refinada e reiterada em seguida. noção relativamente nova. O neomalthusianismo. enunciada pelos cartesianos no século xvii. A doutrina da Igreja. De maneira geral. 158 . Ela encontra uma ressonância particular na Alemanha e entre pacifistas como a francesa Madeleine Vernet. Gabrielle Petit militavam pelo desenvolvimento do controle da natalidade. particularmente ativo nos Estados Unidos e na Inglaterra. Com diferenças reais segundo os países e as culturas políticas. "A mulher também é uma pessoa". Maria Desraismes funda. Na segunda metade do século XX. MLF — e eventualmente pela igualdade na diferença. a maçonaría teve um papel notável na adoção das leis Neuwirth e Veil. luta pela igualdade dos sexos. As mulheres redescobrem seu corpo. também abre. não somente à educação. O que não é mais viável no capitalismo. uma vergonha social. depois em Girton (o famoso Girton College) perto de Cambridge. jurídicas e simbólicas. por exemplo. A Common Law punha as mulheres casadas na dependência total do marido. a suas mulheres. e com reservas. mas à instrução. em 1948. acesso à instrução. ao salário. em Hamburgo. a célebre universidade que só aceitou as estudantes. pelo menos.Mulheres na Cidade O direito ao saber. ele é sentido como um desconforto. As classes populares necessitam do salário das mulheres. o prazer. que detinha a gestão absoluta de seus bens. Com procedimentos um pouco diferentes. A obtenção dos direitos civis constituiu uma terceira frente. que não era mais favorável na Inglaterra do que na França. com diferenças sociais evidentes. aos ofícios e às profissões comporta dimensões que são. mesmo quando o consideram somente um "trocado". o trabalho. foi exportado quase para toda a Europa e 159 . Com pouca diferença nesse ponto. As mulheres. guardarão ainda esse perfume da corte. escrita. O universalismo francês privilegia o acesso aos graus comuns: o exame final do curso secundário para Julie Daubié. dizia-se no Antigo Regime. com a envergadura das universidades femininas americanas (como Wellesley). a mais largamente compartilhada das reivindicações. vitrines do sucesso e do luxo dos maridos. é certamente a mais antiga. que formaram até nossos dias uma elite feminina na qual se inclui Hillary Clinton. Nos países anglo-saxões. a marca da decadência da família. esse estilo de vida mundano que cria a distinção. a mais constante. Essa reivindicação se acompanha de um imenso esforço de apropriação: leitura. econômicas. o otium aristocrático. cujo obstáculo era o Direito. o Código Napoleônico (1804). exclusivamente através dos serviços. o "infame Código Civil". O feminismo alemão foi pedagogo e educativo. A burguesia delega o lazer. "Viver nobremente é viver sem nada fazer". ocupações adequadas à feminilidade. em 1848-1850. As mulheres dessa classe tiveram de se esgueirar no mercado de trabalho.42 Malwida von Meysenbug. a promoção. as feministas se apóiam em estabelecimentos distintos: Emily Davies abre uma faculdade só para mulheres em Hitchin. ao mesmo tempo. E por isso que seu eventual "trabalho" é recriminado. mais diferencialistas. inclusive das rendas e salários delas. Porque ele comanda tudo: a emancipação. entretanto. a criação. uma faculdade só para mulheres. Nada a ver. O direito ao trabalho. por sua vez. Ela é. A altura das barreiras desencadeou um certo desânimo por parte das mulheres . dentre as quais as de numerosas operárias. Os países latinos. a conceder o direito de voto às mulheres. em 1901. pelo direito ao divórcio. foi obtido na Terceira República (Lei Naquet. pelo sobrenome. A obtenção dos direitos civis é particularmente difícil nos países católicos em virtude do papel sacramentai do casamento e de uma concepção patriarcal da família. notória por sua simplicidade. pelo reconhecimento da autoridade parental conjunta etc. Com o apoio de abaixoassinados que continham milhares de assinaturas. como na França. A França acumula obstáculos culturais. Governar não é mais do que a administração das coisas. enraizada em estruturas antropológicas antigas. E foi necessário esperar mais alguns anos para a reforma da gestão dos bens. reconhecendo o direito ao divórcio. e por Barbara Leigh Smith Bodichon. ultrajada ao ver seu marido se apoderar de seus direitos autorais. a Europa do Norte se adianta com relação à do Sul.a 160 . A Finlândia foi a primeira. A guisa de explicação. as mulheres votaram mais cedo e chegaram mais cedo ao poder. mais machistas. E por isso que George Sand fazia dessa igualdade um pré-requisito absoluto para a reivindicação da igualdade política. 1884). Nos países da Europa do Norte. Na França. pela igualdade no regime de comunhão de bens. que se perpetua na laicidade.Minha história das mulheres para o mundo. as mulheres tiveram de lutar pela gestão de seus próprios bens. os finlandeses evocam uma tradição matriarcal. a representação. mas em casa. elas conseguiram fazer pressão sobre os parlamentares. Os direitos políticos comportam três facetas: o sufrágio. Mais tarde. presidida por uma mulher. O Married Women's Property Bill (1857) foi uma primeira etapa. veneram a mãe. pela escolha da residência e. políticos e históricos. Esses países não hesitaram em adotar medidas incitativas. ao trabalho. O feminismo protestante foi mais ativamente sufragista do que seu homólogo católico e latino. Em todos os domínios. A cada vez foram batalhas jurídicas épicas. Na Inglaterra. o governo. completada dez anos depois pelo Matrimonial Causes Act (1867). para obter a independência econômica das mulheres casadas. desde 2000. hoje. Entretanto. em nome daquilo que as mulheres podiam trazer à gestão desse "grande lar" que é o Estado. Tarja Halonen. Uma das primeiras batalhas travadas e ganhas foi aquela empreendida pela britânica Carolíne Norton. muitas vezes em nome da diferença. a igualdade civil é a chave do estatuto individual da mulher. Mulheres na Cidade política. do assédio sexual no trabalho. causa de controvérsias entre feministas. de Maríe de Gournay. e hostil em nome do universalismo republicano. Ourselves. do incesto. Era 1970. 161 . através desse movimento de emancipação de longa duração. Enfim. defendido por Gisèle Halimi. "Um filho se eu quiser. bastiões masculinos." Esse habeas corpus das mulheres (Yvonne Knibiehler) constitui uma total inversão dos papéis e o fermento de uma reviravolta decisiva nas relações entre os sexos. E a mais radical. desenvolvem-se as lutas pela penalização do estupro. A ponto de se falar em feminismo de Estado e de "vitimização" das mulheres. imprescritível. que uma mulher acedesse à suprema magistratura. é uma coisa séria? — e do feminismo. Ao mesmo tempo. seu alcance simbólico é mais forte. como eu quiser. e mesmo desejável. Monica Wittig. com a ajuda de livros importantes. o recurso à lei é uma constante. nos anos 1980. o MLF demonstra um certo desdém pelo Parlamento: o privado também não é político? Entretanto. Marianne desceu dos altares para entrar na arena. ainda mais que elas têm exercido funções de responsabilidade em todos os níveis do governo: ministras. Dividiu o feminismo em três correntes: favoráveis em nome da igualdade ou em nome da diferença. fundadora do movimento Choisir (1971).43 Seus resultados efetivos são ainda limitados no momento. aumentando as acusações na justiça. Entretanto.45 Na França. na Justiça e nas forças armadas. Our Bodies. que deveriam figurar numa antologia — de Chrístíne de Pisan a Virgínia Woolf. E é uma forma de revolução. Em toda parte há movimentos de liberação das mulheres que puseram em primeiro plano a liberdade de contracepção e o direito à interrupção voluntária de gravidez. Mary Wollstonecraft a Lou Andreas-Salomé. Simone de Beauvoir. no memorável processo de Bobigny (1972). A reivindicação e a conquista dos direitos do corpo caracterizam o feminismo contemporâneo. na França e em quase todo o mundo ocidental. com centenas de milhares de exemplares vendidos. A lei francesa sobre a paridade na política nasceu no seio europeu. A opinião pública acharia normal. é emblemático dos novos tempos. das lutas pela proteção das mulheres submetidas a maus-tratos físicos. e mesmo como primeira-ministra. a Lei Veil (1975) o reconhece. Numerosas leis foram votadas. quando eu quiser. há uma aculturação das mulheres à política.44 o livro do grupo de Boston pela saúde das mulheres. sinal da democratização das relações entre os sexos.46 O direito tornou-se então um terreno essencial. nova edição por Daniel Armogathe e Maité Albistur. catholique. Foi o feminismo que constituiu as mulheres como atrizes na cena pública. 6 Suzanne Voilquin.48 que vai da caricatura misógina à crítica política mais radical (antifeminismo de Vichy). Payot. Paris. 8 Marguerite Yourcenar. 16. Logo. 2000. O pensamento queer embaralha as pistas e as fronteiras. Juive. New York 1886 . Quoi? L'Éternité. 1979. esboça-se um pensamento feminista." dizia Simone de Beauvoir. 9 10 11 12 Edmonde Charles-Roux. Plon. "Les premíères femmes psychanalistes". como Pierre Bourdíeu o faz. Spinsters Abroad: Victorian Ladies Explorers. Notas 1 Bernard Edelman.Moscou 1920. La Gloire de l'aventure. Correspondance avec son mari. 1979. 5 NaralieZ. Jeunesse d'lsabelle Eberhardt. p. Grasset:. edição de Stéphane Michaud. Foi um agente decisivo de igualdade e de liberdade. 7 Flora Tristan. Hachette. de lesbianismo. Esse pensamento se interroga sobre o gênero e suas relações com o sexo: qual dos dois vem primeiro? Qual dos dois define o outro? Fala de homossexualidade. 1998. 1984. não somente como direito pessoal. 1839-1846. Maspero. crítico de um universo mais virtual do que real. 1980. Paris. Paris. de democracia. Paris. voz a seu desejo. Maspero." A esse respeito. Un désir d'Orient. 1904-1941. Oxford. Maspero. Maspero. Meio de pressão a serviço das mulheres mais privilegiadas? Pode ser. 4 Épopée d'une anarchiste. protestante. da diferença e da hierarquia dos sexos. Pérégrinations d'une paria (1837). Françoise Collin etc. 1978. Paris. Die Buch gehört dem Konig (Ce livre appartient au Roi) foi publicado em 1843. 1983. Paris. Paris. 162 . Aubier. Journal d'une ouvrière. pode-se pensar de outra forma. Bettina Brentano von Arnim. que deu forma a suas aspirações. Des femmes. e que coloca a questão da identidade. Seuil 2002. podese reconhecer no mínimo o seu papel na modernização das relações entre os sexos que marca a história contemporânea. Promenades dans Londres (1840). Dea Birkett. Alexandra David-Neel. Mas deve-se. Le Tour de France. Maspero. Mémoires d'une saint-simonienne en Russie. -. Blackwell. 2002. 1979. 1850-1940. Récits de femmes voyageuses. fazia pesquisas nos bairros pobres de Berlim. Les Aventurières. 1989.Minha história das mulheres Judith Butler. La Maison de Kant. 1977. Não é fácil medir seus efeitos. Genèse d' une mystique moderne.49 reduzi-lo a esse lobby? No jogo de interações que tecem a sociedade. Paris. Barbara Hogdson. Elisabeth Roudinesco. Paris. Davis. 1988. édition intégrale. Mes Mémoires ou Cinquante-neufannées d'activité industrielle. Gallimard. 1988.47 O feminismo suscita um antifeminismo mais ou menos virulento. "Toda a história das mulheres foi feita pelos homens. edição de François Bédarida. 27-42. "O feminismo nunca foi um movimento autônomo. n. cit. sociale et intellectuelle d'une ouvrière (1876-1935). Paris. Paris. op. 1936. 2 Sylvain Venayre. Sua contemporânea. Paris. 3 Jeanne Bouvier. Adélaïde Popp. Paris. mas como nova maneira de estar no mundo. Mil-neuf-cent. Être femme sous le III Reich.). Marie Guiliot. 1995. 2004. Les Mots des femmes. Misères et tourments de la chair durant la Grande Guerre. "Des femmes grands reporters". cit.Mulheres na Cidade 13 Marc Martin. 7-39. les femmes".. La Rébellion française. ayant égorgé ma mère.). Paris. Les Femmes dans l'action sanitaire. Ellipses. 2002. Féminismes et nazisme. 39 Eleni Varikas dedicou sua tese. 37 Ibid. cit. l'historien. cit. "Le nazisme. coll. 1973. Paris. Flammarion. Associations féminines et catholicisme. Gailimard. p. 2001. Les maeurs sexuelles des Français. Paris. Contribution à une sociologie politique de 1'ordre des corps. p. syndicalisme".. Paris. femmes et sociétés. 1994. Le siècle des féminismes. Politiques sexuées et viés des femmes en Allemagne". Les Enfants d'Athéna. 1990. "Métiers. Catherine de Médicis. 35 Christine Fauré (dir. 1940-1945)". Nicolas Bourguínat. "Chemins de la mémoire". 1981. l(í Gisela Bock. Clio. p. Une affaire de femmes (1988). Histoire. 27 Nicole Loraux. 31 Fanny Cosandey. Clio. Histoire. a esse Journal des dames (Universidade de Paris-VII. L'Harmattan. p. 2005- 30 Mona Ozouf. 1999. 29 Denis Crouzer. 20 Francine Muel-Dreyfus. 18 Liliane Kandel (dir. Paris. L'£tat face aux violences frumentaires dans la première moitié du XIX siècle. entre outros. 21 Cf. em Histoire des femmes en Occident. em Histoire des femmes en Occident. Les Expériences de Tirésias. Le mariage dans la France féodale.XX siècles. XV. 1988. De la charitè à l'action sociale. Catherine Jacques. Évelyne Diébolt. Symbole et pouvoir. 26 Cf. 1996. Flammarion. c. ma soeur et mon frère. Sheila Rowbotham é uma pioneira da historiadas mulheres inglesas. Paris. 163 . 33 Anne Verjus. Seuil. Maspero. p. Paris. t. 14 Pierre Rosanvallon. Gallimard. publicado pela associação "Mulheres e associações". n. 36 Citado por Françoise Barret-Ducrocq. Paris. Pierre Rivière. op. Citemos. 1914-1918. ver p. Payot. Paris. Pluto Press. Ehess.. 1661-1789. 1997. Éditions ouvrières. 481-496. XIX . Tierce. Moi. 23 Arlette Farge. Éliane Gubin. Louis Audibert. Femmes et fascísmes. La Reine de France. Les Grands Reporteis. 28 GeorgesDuby. Encyclopédie politique et historique des femmes. Les débuts du journalisme moderne.. De l'émancipation des femmes a celle du syndicalisme. Vichy et l'Éternel féminin. Albin Michel. uma atualização historiográfica. Paris. Les Grains du désordre. 1982. op. op. "La femme au politique". Paris. 1973. 1996. la Femme et le Prêtre. Le Haut Coeur de Catherine de Médicis.). 1989). n. 1789-1848. 1986. 5.-Davis. Paris. cit. 2005. Belin. "La cité.XVIII siècles. Françoise Thébaud. (dir. Pallas. 17 Rita Thalmann. Florence Rochefort. "Évidences émeutières". 1992. De l'amour et autres essais. Londres. 1985. Tierce. Paris. Le Sacre du citoyen. Le Moment Guizot. op. 15 Jean-Yves Le Naour. XVI . Paris. Gallimard. 143-167. 3. Paris. 2002. Paris. cit. 2000. Paris. Brigitte Studer. Michelle Zancarini-Fournel (dir. 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Mouvements populaires et conscience sociale.. Une raison politique au temps de la Saint-Barthélemy. Sylvie Fayet-Scribe. 2004. Andrée Viollis é mencionada cerca de trinta vezes. 7. Paris. La Domination masculine. a acusada de Bobigny. Au pouvoir. Anne Le Gail e Claude Servan-Schreiber. Para uma abordagem histórica. Histoire. 2004. 45 Choisir la cause des femmes. Un siècle d'antiféminisme. Parité! L'universel et la différence des sexes. Paris. 41 Nicole Racine e Michel Trebitsch (dir. écris-moi longuement. Paris.). Clio. "Intellectuelles". Balland. 46 Elisabeth Badinter. 1973. Paris. prefácio de Simone de Beauvoír. Bruxeles. 2001. Écris-moi souvent.. Du genre en histoire des intetellectuels. 47 Marie-Hélène Bourcier. Paris. 44 Em 1973.. Gallimard. 13. Paris. Seuil. 2005. nova edição em 2006. Pierre Bourdieu.Minha história das mulheres 40 Alfred e Lucie Dreyfus.). Fayard. "Je me souviens de tout" (agosto de 2005). 164 . des représentations et des savoirs. Odile Jacob. parité. Fayard. égalité. femmes et sociétés. Politiques des identités sexuelles. citoyennes! Liberté. traduzido em francês em 1977. apresentação inédita de Gisèle Halimi. op. apresentação de Michelle Perrot. Joan W. cf. Correspondance de l'île du Diable— edição de Vincent Duclert. 2001. 1992. Scott. publicado pela editora Albin Michel sob o título Notre corps. 1999. 42 43 Francoise Barret-Ducrocq. Le Mouvement féministe anglais d'hier à aujourd'hui. Albin Michel. 2005. 2003. Seuil. Fausse route. Paris. Paris. Paris. transcrição integral dos debates do tribunal de Bobigny (8 de novembro de 1972). Mille e Une Nuits. O livro pioneiro foi o de Françoise Gaspard. Queer Zones. 1998. 48 49 Christine Bard (dir. nous-mêmes. dirigido por Mathilde Dubesser e Florence Rochefort. n. posfácio de Marie-CIaire. Complexe. Intellectuelles. Le Procès de Bobigny. cit. as prisões são povoadas de homens. Com uma interrogação constante: quais são. justamente.. .E agora? Ao longo desses cinco capítulos. mulheres na Cidade. correndo o risco de acentuar. e há muito tempo (o que se acentuou nos últimos anos) uma perturbadora assimetria. é a imensidão do que eu não disse ou não abordei. Em matéria de delinqüência e de criminalidade. ao longo dessas fronteiras. ao esclarecer pontos particulares. O que é uma forma de reduzir a mulher a seu corpo e à sua suposta irresponsabilidade. o corpo.. quis dissipar. as mudanças nas relações entre os sexos? Como evoluiu a diferença dos sexos? Segundo que ritmo. No que concerne à saúde das mulheres. aliás. através da história das mulheres. como se o pior nelas fosse a contravenção à norma do feminino. as mais marginalizadas de todas. existe. 1 que por muito tempo lhe foi atribuída como o simétrico da violência para os homens: as mulheres são loucas e os homens criminosos. educação. Na França. em torno de quais acontecimentos? Como se modificaram as partilhas entre os homens e as mulheres. Saint-Lazare foi um epicentro de solidariedade feminina. criação). quais foram. as mais abandonadas. Em outros tempos.: são os temas que abordamos. em 96%. com efeito. Os 4% de mulheres encarceradas sendo. principalmente. a sombra que. traçamos algumas diagonais: fontes e representações. suas identidades e sua hierarquia? O que chama a atenção. seguimos muitos caminhos. a alma (religião. o trabalho e a profissão. ao término desse percurso. eu poderia ter falado da loucura. o estupro foi sistematicamente utilizado como arma de guerra. sem dúvida. sobretudo. Elas não têm sempre razão. Menos presos às fontes do que nós. de memória? De que fontes dispõe-se para estudá-las?3 Pensamos nos livros de Toni Morrison (Beloved). outros limites me surpreendem no tempo e no espaço. Na deportação e exterminação dos judeus. Se olho o caminho percorrido. em Srebenica. que é mais familiar para mim e que dispõe de fontes mais do que abundantes. Qual foi a parte e a posição das mulheres no tráfico negreiro.Minha história das mulheres também não é mais o caso de Rennes. trata-se. Mas isso constitui um problema. Os volumes que Christiane Klapisch-Zuber e Pauline Schmitt Pantel dirigiram na Histoire des femmes en Occident estão irrigados pelo olhar antropológico e pela respiração mítica.5 Em todos esses casos. mas do quê? Não falei das mulheres com deficiências físicas. das quais também os homens são vítimas. A alteridade radical. Abordei principalmente a história moderna e contemporânea. isso não esgota as relações entre os homens e as mulheres. denunciada por alguns advogados? Um pouco de cada. Sintoma. como as guerras na exIugoslávia. Não falei das mulheres na Shoah. As mulheres nem sempre são oprimidas. escravas da referência. e apaixonadas. e pode acontecer de exercer um poder. A história não tende ou para a desgraça das mulheres ou para sua felicidade. Essa dissimetria carcerária seria a expressão de uma exasperação da violência dos homens? Ou de uma vitimização exacerbada das mulheres. recusando qualquer perspectiva maniqueísta dos sexos em branco e preto. que mudaram a vida da África e da América? O que elas faziam? Como eram utilizadas suas qualidades domésticas e sua função materna? Foram elementos de adaptação. das mulheres às voltas com a violência. que a deficiência acarreta. de inteligibilidade global. As mulheres são atrizes da história: espero tê-lo sugerido e mostrado. construir seus poderes. o corpo das mulheres foi um objeto visado. Escrever sua história não é um meio de reparação. que sabem resistir. mas desejo de compreensão. nossos colegas imaginam e pensam mais do que nós. Entretanto. importava a diferença dos sexos? O fato de que a judeidade se transmite pelas mulheres tinha alguma conseqüência?4 Em alguns conflitos étnicos. no entanto. E verdadeiro no domínio 166 . é considerável. a única central sindical só para mulheres na França de hoje. e até uma opressão. A contribuição da história antiga e medieval. e. que não se pretende comparar com a Shoah. acusa ou anula a diferença entre os sexos?2 Não falei das mulheres na escravidão. ou mística. existir. Pode acontecer de serem felizes. de resistência. do mesmo modo que o status de vítima não resume o papel das mulheres na história. e com formas de dominação masculina. a guerra. Nos países que constituem a Ásia Central pós-soviética (Usbequistão. a pesquisa da préhistória interpretava os vestígios da mulher num sentido religioso. é central. Mas também as fronteiras espaciais. A história das mulheres. e mesmo na África. pelo menos na índia e no Japão. atualmente. e Olivier Rov. na América Latina. Androcêntrica no início. na vida cotidiana. sair de uma visão estereotipada dos papéis dos sexos. a incita a pensar como tal e a sair de sua marginalidade. Baseia-se numa pesquisa de campo. mas também do direito. muito mais fundamentalista e machista. a diferença dos sexos é central no islã. e na vida cotidiana. atingida pela tentação da clausura. São chamadas de otin "Um homem de Deus no mundo das mulheres". nessa Ásia Central muçulmana. Há um livro de Habiba Fathi9 sobre as mulheres com autoridade na Ásia Central contemporânea. que procura impor um outro islã. Preservaram uma cultura religiosa tradicional e é principalmente a elas que se deve o fato de que esses países tenham permanecido muçulmanos. as mulheres se encontram no centro da questão do poder do Estado e da identidade nacional. nesse caso. O mergulho nas práticas. Anne Brenon descreve o engajamento das mulheres cátaras na Ocitânia medieval. Isso permitirá. principalmente sob a influência da pesquisa americana. cujo papel é conhecido no choque das civilizações. contudo. com a mesma atração pelas contra-condutas assinalada a respeito das beguinas. põe em questão a diversidade das experiências e os valores universais. Mas hoje em dia elas entram em choque com o neo-wahhabismo. nas vidas das 167 . realizada entre 1995 e 1999. erótico ou místico (a Grande Deusa). Rio e Florianópolis). e mesmo na ação política. e mais complexa do que se pode acreditar. tornando-se mundial. a restituir a essa mulher das origens seu lugar na diversidade dos papéis sociais e sexuais.6 Até a pré-história é revisitada pela diferença dos sexos. Principalmente no que diz respeito ao islã. nos lugares.E agora? das representações. Ora. Sair do mundo ocidental. onde não é fácil escapar de representações etnológicas um tanto engessadas. Claudine Cohen7 mostra como o olhar sobre a mulher das origens mudou. recair nas teses desacreditadas de um matriarcado original. Bem recentemente. Entretanto. em seu prefácio. Turquemenistão) há mulheres que conquistam a funções de autoridade. particularmente no Brasil (com centros de estudos muito ativos em Campinas. Assim. Ela tende. sem.8 A história das mulheres. das relações familiares. Isso nos convida a ampliar as fronteiras temporais. talvez. as mulheres participam do desenvolvimento e da expansão urbana. ainda mais pelo fato de que a história das mulheres e do gênero se desenvolveu muito no Extremo Oriente. O que ele diz é válido para toda essa história. das religiões. uma peça de vestuário. Mas esse prazer não deve impedir que se desenrole o novelo no qual se confundem as relações entre os sexos. Há um prazer do quarto. a autonomia dos indivíduos. As mulheres tiveram acesso a muitos domínios do saber e do poder que lhe eram proibidos. de medida da diferença dos sexos. uma tentativa de memória. escapando ao olhar do outro. desenvolve-se uma história dos homens e da masculinidade. inacabado. 168 . imanente. que é o ponto central da revolução sexual. mais reconhecido pelo público do que pela própria universidade. o trabalho de Habiba Fathi tem valor geral e incidência particular.Minha história das mulheres mulheres é atraente. construído pouco a pouco. a igualdade dos sexos. isto é. ela existe em diferentes graus espalhada pelo mundo. e que basicamente assim permanece. o véu pode revestir-se de um outro sentido no uso que as mulheres fazem dele. Ela relativiza a diferença cultural e religiosa e convida a analisá-la em seu funcionamento interno. de início pelo cristianismo. que oscila ao sabor dos dias e dos acontecimentos. inclusive militares e políticos. E o que sugere Assia Djebar em seus romances — Femmes d'Alger dans leur appartement. produtivo. do segredo. com grupos. É claro que esse relatívismo tem limites: os limites de um universal. Seguindo seus passos. mas a ser conquistado. instituído. no Magreb e mesmo na França: uma proteção. Duplamente sedutor. é um campo ativo. Principalmente a liberdade da contracepção. talvez inacabável. como sinal da dependência das mulheres. principalmente no mundo ocidental. entre o otimismo da conquista ("Ganhamos") e o ceticismo do sentimento da ilusão. do reservado. revistas. que permanece tímida em incorporar novos campos. do jardim fechado. até pela Constituição européia. Um universal em devir. principalmente quando suspeita que haja risco de comunitarismo. identificada tardiamente. que não pode ser dado. da qual é oriunda e que ela transcende sem a renegar.10 Na França. e mais ainda de releitura dos acontecimentos e das evoluções. um meio mais seguro de circular num bairro ou numa cidade hostis. tornou-se um princípio reconhecido. Constituiu uma forma de tomada de consciência identitária. e tantos outros — cheios de uma cultura feminina argelina. a integridade do corpo. do recolhimento num mundo interior mais doce. No mundo ocidental. um viático. E as mulheres na historia? É um balanço impossível. L'Amour. ou campos recentes. La Femme sans sépulture. Vindo das margens do Mediterrâneo. Seu prazer não será contrariado. E hoje? Em que pé está a história das mulheres? Como relato. Isso poderia ser aplicado ao véu. Termo inacessível de uma história sem fim. e que passa pela igualdade dos sexos. do gênero. Conquistaram muitas liberdades. la Fantasia. Femmes. La Ronde des folles. entre teoria e prática. 8 Catherine Coquery-Vidrovitch. cf. Notas 1 Yannick Ripa. 3. Perrin. 1998. Les Africaines. à prostituição cujas redes se estendem. a globalização. Mulheres para agir). ed. talvez mais visível ou realmente agravada pela angústia identitária. a revolução sexual. 19911995)". mais grave na África. Na escala planetária. Corps informes et sociétés. os trabalhos de André Rauch e os de Daniel Welzer-Lang (Les Hommes violents. Dizer o princípio. então.. Souffrances et résistances. o econômico. Aubier.). dentre os quais as mulheres. concluir o relato. o importante livro de Henri-Jacques Stiker. como em todos os outros.E agora? Entretanto. Quête des ancêtres et recompositions identitaires dans 1'islam postsoviétique. Femmes d'autorité dans l'Asie centrale contemporaine. Les Femmes cathares. Recuos são sempre possíveis. Essa biografia romanceada seria o primeiro livro escrito por uma negra antes da Guerra de Secessão. 251-312. 2 169 . contradizendo a visão triunfante de uma sexualidade liberada. Paris. Paris. Perrin. 9 Habiba Fathi. Maisonneuve e Larose.Paris. violência. op. mas os terrenos de excelência masculina se reconstituem. É essa a indagação de Maudy Pior e de sua associação. 7 Claudine Cohen. às guerras nacionais e étnicas que atingem mais de perto os civis. as fronteiras se deslocam. 1992. Essais d'anthropologie historique (1982). Desjonquères. De tanto que a hierarquia dos sexos está longe de ser dissolvida. quase sempre tensas. 1991). à fome. História a se fazer. p. Nesse ponto.). 2004. Cf. marcam as relações entre os sexos. é interminável. Em verdade. não existe "fim da história". 2005. A criação que se esquiva. Paris. Paris. Mas não o "fim". Pode-se dizer "era uma vez". em Cécile Dauphin e Arlette Farge (dir. inesperados. 1986.. 6 Anne Brenon. o doméstico. 1994. Albin Michel. conjugal ou de outro tipo. 2002. em L'histoire sans les femmes est-elle possible?. cit. fragiliza os mais fracos. confronto. às profissões. Paris. Assim no acesso às responsabilidades. Images de la femme dans la pré-histoire occidentale. É impossível. 4 Jacques Fijalkow (dir. mais acentuadamente na França. Paris. se produzem: solidão. Femmes pour Agir Mulheres para dizer. Autobiographie d'une esclave. o político. 20053 Hannah Crafts. A história das mulheres é tão trágica quanto a dos homens. está inacabada. pelo menos num primeiro momento. expostas à pauperizaçao.). que tentamos medir. à igualdade salarial etc. Payot. a FDFA (Femmes pour le Dire. História a continuar. "Vers une histoire de la masculinité". Histoire des femmes d'Afrique noire du XIX au XX siècle. Paris. Há zonas que resistem: o religioso. Dunod. 2005. reed. 1997. Paris. à aids galopante. Os integralismos políticos e religiosos fazem da ordem dos sexos e da dependência das mulheres um de seus pilares. La Femme des origines. Assim. 5 Véronique Nahoum-Grappe. que é pouco compartilhado. Efeitos perversos. Pierre et Coudrier. Paris. "Guerre et diffétence des sexes: les viols systématiques (ex-Yougoslavie.MaxChaleil. edição estabelecida por Henry Louis Gate Jr.Juives et non-juives. 10 Anne-Marie Sohn e Françoise Thélamon (dir. Invocar começos obscuros. muitos desvios subsistem. As aquisições são frágeis. prefácio de Olivier Roy. folie et enfermement au XIX siècle. De la violence et des femmes. Com freqüência. também. reversíveis.2004(ColóquiodeLacaune). dos quais. Judith. 1990). Denoël-Gonthier. 1949). La Dispute. Moeurs et sexualité en Océanie. L'Un et 1'Autre Sexe. Gallimard. HÉRITIER. Odile Jacob. Paris. Simone de. Paris. 1998. MARUANI. Odile Jacob. II. 1966 (trad. Paris. 2005 (trad. BOURDIEU. 2003. Seuil.). trad.Bibliografia* LIVROS GERAIS Introdutórios BEAUVOIR. de l'américain. présenté par Claude Zaidman. Erving. 2002 (trad. Femmes. Paris. Pierre. 2002. GOFFMAN. 1977). 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A autora Michelle Perrot é professora emérita de História Contemporânea da Universidade Paris vii. . Organizou com o historiador Georges Duby o livro História das mulheres no Ocidente.
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