ENSINO DA GRAMÁTICA OPRESSÃO? LIBERDADE?EVANILDO BECHARA SÉRIE PRINCÍPIOS 1 a escola e a chamada crise do idioma A crise com que a escola se defronta tem raízes mais profundas do que uma simples verificação da escassez de recurso e do desinteresse das autoridades competentes, ou do despreparo do corpo docente e discente. A nosso ver, uma análise mesmo superficial permite apontar três ordens de crises independentes, mas estreitamente relacionadas, que acabam desaguando na ação da escola. Recebendo o aluno já possuidor de um saber lingüístico prévio limitado à oralidade, a escola não o leva a desenvolver esse potencial — enriquecendo a sua expressão oral e permitindo-lhe criar, paralelamente, as condições necessárias para uma tradução cabal, efetiva e eficiente, expressiva e coerente (falando ou escrevendo) de suas idéias, pensamentos e emoções. A primeira crise é na ordem institucional, na própria sociedade, que, de uns tempos para cá, seguindo as pegadas de uma tendência mundial do após-guerra, privilegiou o coloquial, o espontâneo e ‘o expressivo, renovando, consideravelmente, a língua popular e o argot. Este movimento, positivo em sua essência, trouxe, pela incompreensão e modismo de muitos, uma conseqüência nefasta, à medida que o privilegiamento da oralidade estimulou o desprestígio da tradição escrita culta, já que se defendeu — sem ser praticado afetivamente pelos escritores, pois nunca deixaram de contemplar a sua obra como arte — que o verdadeiro bom estilo é aquele que se aproxima da espontaneidade popular, ou, então, aquele que se despe da artificialidade do estilo cultivado. A desinformação das pessoas e a crescente substituição da leitura pelos meios de comunicação de massa não permitiram ver o quanto havia de erro na suposição de que os modernistas, aceitando a decisiva influência popular, admitiram todas as alterações de linguagem, ainda aquelas que destruíam “as leis da sintaxe e a essencial pureza do idioma”, como dizia Machado de Assis. “Tudo é válido na língua, desde que se logre comunicar-se.” A tendência influenciou decisivamente os costumes lingüísticos de tal modo que, no português do Brasil, a distância entre o nível popular e o nível culto ficou tão marcada que, se assim prosseguir, acabará chegando a se parecer com o fenômeno verificado no italiano ou no alemão, por exemplo, com a distância entre um dialeto e outro. A expansão vitoriosa da crônica, especialmente da crônica do quotidiano vazada em língua também do quotidiano, alargou a influência do coloquial dentro da escola, já que as antologias para fins didáticos são praticamente constituídas de crônicas. O coloquialismo, que no trabalho de muitos cronistas modernos resulta de um elaborado e consciente artesanato expressivo, nem sempre tem sido visto como tal no dia-a-dia de sala de aula. O resultado é que os alunos, não sendo alertados para o propósito estilístico que ins pira a opção lingüística, limitando-se a essa leitura, têm perdido o contacto com os tradicionais textos “clássicos” e, com isto, a oportunidade de extrair deles subsídios para o seu enriquecimento idiomático, especialmente no campo da sintaxe e do léxico. E assim perde a escola o apoio que lhe poderia dar a literatura no aperfeiçoamento da educação lingüística dos alunos. A segunda crise é na universidade, já que a lingüística ainda não conseguiu constituir-se definitivamente, desdobrando-se em diversas lingüísticas que discutem seu objeto, suas tarefas e suas metodologias. Apresentadas ora paralela ora conflitivamente, a verdade é que as teorias lingüísticas ainda não chegaram a consolidar um corpo de doutrina capaz de permitir uma descrição funcionalintegral do saber elocucion do saber idiomático e do saber “expressivo”. A terceira crise é na escola, na medida em que, não se fazendo as distinções necessárias entre gramática geral, gramática descritiva e gramática normativa, a atenção do professor se volta para os dois primeiros tipos de gramática, desprezando justamente a gramática normativa que deveria ser o objeto central de sua preocupação e, em conseqüência, despreza toda uma série de atividades que permitiriam levar o educando à educação lingüística necessária ao uso efetivo do seu potencial idiomático. 2 Linguagem e educação lingüística “Tradicionalismo” e mudança O título educação lingüística não é novo nem cedo conseguiu impor-se tal como hoje se procura entender. Começou por merecer certa preocupação entre os lingüistas, passando depois a ser considerado, entre pedagogos e professores, ç um domínio puramente técnico-didático. Hoje se constitui num promissor campo de pesquisa e de resultados para a lingüística e a educação, pondo claro, como bem disse o professor italiano Raffaele Simõne’, que a linguagem não é apenas uma “matéria” escolar entre as outras, mas um dos fatores decisivos ao desenvolvi mento integral do indivíduo e, seguramente, do cidadão. Lá fora, os resultados de estudos empreendidos por conhecidos representantes da pesquisa lingüística e educacional já repercutiram nos programas e currículos das universidades e das escolas de ensino médio. Entre nós, onde tem sido tênue o fluxo de influência científica dessas pesquisas, explodiu uma reação ao que se convencionou chamar pejorativamente tradicionalismo e a mudança — que se fazia necessária em vários pontos — acabou por produzir resultados desastrosos. Ë oportuno lembrar que, de todos os componentes do currículo das escolas de ensino médio, foram os textos destinados ao ensino de língua portuguesa os que mais sofreram com a onda novidadeira, introduzindo, além da doutrina discutível, figuras e desenhos coloridos tão extemporâneos e desajustados, que aviltaram o tradicionalismo e insultaram a dignidade por que sempre se pautaram os textos escolares entre nós. A comparação entre um livro para ensino da língua portuguesa e outro para o ensino da matemática, da história ou da geografia, quase nos leva a retirar o primeiro da linha do que se costuma chamar compêndio didático, para incluí-lo no rol dos antigos e coloridos almanaques distribuídos ao início de cada ano, como os tornados célebres almanaques do Capivarol, esquecido produto farmacêutico. Muito lucrariam os alunos se esses produtos de uma pretendida revolução educacional guardassem a dignidade e a soma de boas informações que caracterizaram o Almanaque Garnier, por exemplo. Já que estamos fazendo uma crítica a certas inovações perturbadoras e pouco producentes que muitos compêndios, à luz de uma didática formal ou informal, pretenderam introduzir no ensino da língua portuguesa, na década de 60, cabe um comentário acerca do privilegiamento da língua oral, espontânea, em relação à língua escrita. Deveu-se o fenômeno, cremos nós, a duas ordens de fatores: uma de natureza lingüística, outra de natureza política. As ciências da linguagem vieram patentear que as línguas históricas são fenômenos eminentemente orais e que o código escrito outra coisa não é senão um equi valente visível do código oral, que, de falado e ouvido, passa a ser escrito e lido. Assim sendo, a lingüística norte-americana, especialmente ela, pôde desenvolver rígidos e precisos modelos de descrição de línguas indígenas que jamais conheceram, de modo sistemático, a trans posição escrita do discurso falado. Esta possibilidade de uma metodologia com rigor científico aplicada a línguas ágrafas parece que estimulou em muitos estudiosos bloomfieldianos certa desatenção ao código escrito, considerando-o até campo que extrapolava a investigação lingüística, Tal atitude chegou a provocar a crítica de Gleason, autor de um dos melhores manuais de lingüística descritiva de orientação norte-americana. Essa visão distorcida da realidade incentivou outro passo adiante dado por alguns lingüistas, também em geral norte-americanos; a crítica à natureza normativa da gramática tradicional, com a defesa de apesar das falhas. a edu cação lingüística deverá ajudar a sua liberação”. sinstrática (um nível social) e sinfásica (um estilo de língua). em 1950. na década de 60. especialmente no que concerne à educação lingüística de adultos. ao referir-se à polissemia do termo gramática. pois que reconhece em muitos usos o ar da arcaicidade ou de novidade que assumem certos usos que pratica — para extrair deles recursos estilísticos — ou que ouve ou lê a outrem.que se deve deixar a língua livre de qualquer imposição. Chega até t perceber uma diacronia. cada modalidade da língua tomada homogênea e unitariamente. só privilegiam uma variedade do código verbal. a italiana etc. vieram pela porta da própria lingüística e se instalaram nas salas de aula de língua portuguesa esse privilegiamento do código oral eni relação ao escrito e certa desatenção a normas estabelecidas pela tradição e conservadas ou recomendadas no uso do código escrito padrão. Como bem lembrou o professor Raffaele Simone . a um insurgimento contra o ensino da gramática em sala de aula. enriquecer e variar esse patrimônio inicial. foi alterado na 2. nenhum outro sucedâneo que. pudesse sustentar-se pelo espaço curto de uma única geração. cabe-nos dizer que já se assiste. em vez de dotá-la de recursos e medidas que a tornassem um instrumento operativo e de maior resistência às críticas que justamente lhe eram endereçadas desde há séculos. pois que está em condições de reconhecer que existem outros falantes que utilizam a língua diferentemente dele. isto é. à sala de aula. o seu ponto de vista é necessariamente restrito” 2 A outra ordem de fatores procede da política. Um desses lingüistas. a uma reação a esse estado de coisas. a bem da verdade ou de alguma mudança de orientação. Logo na introdução do Cours de linguistique générale. Ora. a partir da década de 70. Por isso. De modo que nenhum falante conhece toda uma língua histórica. edição. a rigor. muito distante da observação pura. Assim sendo. título que. já que ambas são de natureza “monolíngüe”. Ainda insistindo nessa ordem de idéias. a educação lingüística põe em relevo a necessidade de que deve ser respeitado o saber lingüístico prévio de cada um. “enquanto a posição populista perpetua a segregação lingüística das classes subalternas. de certas teses populistas e demagógicas. segundo as quais de vem os “oprimidos” ficar com sua própria língua e não aceitar a da classe dominante. Robert Hall. a inglesa. mas sim usa uma variedade sintópica (um dialeto regional). ou as normas da língua literária não serão nem melhores nem piores do que as usadas na língua coloquial. para não desmerecer uma atividade nobre.) é um conjunto de sistemas que apresentam entre si coincidências e diferenças. porquanto o que se pretende é “unicamente dar regras para distinguir as formas corretas das incorretas. ou. chegou a intitular ou a aceitar esse título pela editora a um livro seu de divulgação lingüística: Leave your language alone [ a sua língua em paz]. resolveram muitos professores e até sistemas estaduais de ensino aboli-Ia. mas também não lhe furta o direito de ampliar. e os livros didáticos mais recentes voltam a insistir no padrão culto da linguagem. é interessante lembrar a indulgência e até certo elogio com que Ferdinand de Saussure comenta a tarefa da gramática tradicional. Gramática e ensino Quem lida com o ensino da gramática na escola sabe que uma língua histórica (como a portuguesa. A tese populista do ponto de vista democrático é tão falha quanto a tese que combate. As normas da classe dita “opressora” e “dominante” não serão nem melhores nem piores. quer nas recomendações da gramática normativa. é uma disciplina normativa. toda língua funcional — como a entende o lingüista Eugenio Coseriu — tem a sua gramática . A bem da verdade. tais como observamos na comparação de outros sistemas lingüísticos. diz que essa gramática tradicional está “fundada na lógica e desprovida de toda a visão científica e desinteressada da própria língua”. sem que trouxessem. literários ou não. que refletem esse padrão. em outros ter mos. de inspiração grega. ou. ou a modalidade dita “culta” (da classe dita “dominante” ou “opressora”). a alemã. claro que esse mesmo falante está à altura de entender mais de um sistema lingüístico de sua língua histórica. assistiu-se entre nós. garantindo-lhe o curso na intercomunicação social. pois ambas insistem num velho erro da antiga educação lingüística. quer através da inclusão e seleção de textos. Portanto. ou a modalidade coloquial (ou da classe dita “oprimida”). na sincronia. Cada porção de falantes homogênea e unitária não se equivoca lingüisticamente ao usar a técnica histórica específica para manifestar sua liberdade de expressão. pois que ambas as atitudes não recobrem a complexa e rica visão da língua como fator de manifestação da liberdade de expressão do homem. indistintamente. por algum estímulo cultural ou conveniência estilística — mas sempre dentro de sua “liberdade” de opção na escolha da língua . um valor lingüístico de determinada língua funcional com outra língua funcional é cometer. a linguagem é. Neste sentido. Por exemplo. quer aquela utilizada pelas pessoas culturalmente inferiores a ele. entretanto. para cada ocasião do intercâmbio social. . transmitido de pais a filhos. neste sentido.). Como bem lembra esse mestre. entremear vá rias línguas funcionais para distinguir. na descrição. . Aliás. de uso espontâneo na comunicação cotidiana. não se dirá que esta é a prática da língua portuguesa. intuitivamente. que coincide com a própria historicidade do homem. que abarca diversas realidades diatópicas (isto é. a todas as situações de uso da linguagem. ‘historicidade’. o mesmo erro que antigamente se fazia ao se comparar determinado fato em dois ou mais estádios históricos da língua. produção contínua de elementos novos. quem quiser utilizar-se. por outro lado. e que cada porção da comunidade lingüística realmente possui de direito sua língua funcional. nas mesmas circunstâncias. à medida que dispõe da sua modalidade lingüística e está à altura de descodificar mais algumas outras modalidades lingüísticas com as quais entra em contacto. o professor cometia o erro de entender como a língua aquela modalidade culta — literária ou não — refletida no código escrito ou na prática oral que lhe seguia o modelo. de uma limitação da liberdade (como vez por outra se pensa). mas de certas línguas funcionais do português. a modalidade lingüística do narrador ou as modalidades praticadas por seus personagens. Hoje. ao se ensinar o uso tripartido dos demonstrativos este/esse/aquele. que não seja aquela coloquial. como. Não se trata. haverá opressão em “impor”. possibilitando-lhe escolher a língua funcional adequada a cada momento de criação e até. Cada valor lingüístico que a descrição científica depreende só se opõe realmente a cada outro valor dentro de uma mesma língua funcional. haverá “liberdade” quando se entender que uma língua histórica não é um sistema homogêneo e unitário. portanto. a grande missão do professor de língua materna — no ensino da língua estrangeira o problema é outro — é transformar seu aluno num poliglota dentro de sua própria língua. a liberdade humana não é arbítrio individual. tanto a língua funcional da modalidade culta a todas as situações de uso da linguagem. como quer que seja. na medida em que não se dá ao falante a liberdade de escolher. a diversidade de nível social) e &afásicas (isto é. a língua não se ‘impõe’ ao indivíduo (em bora isso freqüentemente se costume dizer): o indivíduo ‘dispõe’ dela para manifestar sua liberdade de expressão”. e. cada falante é um poliglota na sua própria língua. como aquelas a serviço das pessoas culturalmente superiores a ele.como reflexo de uma técnica lingüística que o falante domina e que lhe serve de intercomunicação na comunidade a que pertence ou em que se acha inserido. a modalidade literária culta. que resulta de uma técnica histórica específica. por um exagero de interpretação de “liberdade” e por um equívoco em supor que uma língua ou uma modalidade é “imposta” ao homem. de todo repudiando aquele saber lingüístico aprendido em casa. Em ambas as atitudes há realmente opressão. isto é. No fundo. solidariedade com a história atual e com a história anterior da comunidade dos falantes (. a diversidade de dialetos regionais). diastráticas (isto é. Comparar. por exemplo. como a língua funcional da modalidade familiar ou coloquial. “constitui aspecto fundamental da linguagem o manifestar-se ela sempre como língua: conquanto ‘criação’. chega-se ao abuso inverso de repudiar qualquer outra língua funcional. técnica histórica e tradição. é liberdade histórica e. Assim sendo. ‘liberdade’. vínculo com outros falantes presentes e passados: em suma. ao seu discurso. a diversidade de estilos de língua). Por outro lado. por exemplo. ao mesmo tempo. no texto em que isso se exigir ou for possível. mas da dimensão histórica da linguagem. Na escola antiga. a modalidade que melhor sirva à—mensagem. Realmente. mas um diassistema. dentro da liberdade de criação de que goza cada língua funcional em se servir dos valores lingüísticos do sistema que se sobrepõe a todas as línguas funcionais concretizadas no discurso. fazer lingüística sincrônica com preocupações normativas”. a modalidade coloquial ou familiar. a modalidade coloquial ou familiar pode retomar a distinção (aqui uma distinção sobre outra distinção. ou de estrutura externa. sinstrática e sinfásica. terá de observar essa sintaxe dos demonstrativos. A não-consideração desses fatos e de outros. Já. em que a divisão se faz apenas entre este uma vez que se muda a óptica da distinção: na modalidade culta literária a distinção se faz em consonância com as três pessoas do discurso. isto e. como a descrição do único uso possível da língua. Umgangssprache). É um erro profundamente perturbador misturar as duas disciplinas e. Acredito que o ensino da gramática normativa resulta da possibilidade de que dispõe o falante de optar. pior ainda. “transmitida”. ou de estrutura interna. É uma língua “adquirida” cuja técnica histórica lhe cabe ser “ensinada”. Educação lingüística hoje Trataremos agora de pôr em relevo em que aspectos técnicos e operativos a moderna concepção de educação lingüística contrasta com a antiga e de que maneira dessas diferenças resultam novas condições de funcionamento da linguagem. “longe”/”perto” + “pessoa do discurso”) que leva em conta as pessoas do discurso e fazer uso de expressões como: 1ª pessoa — perto esse aqui 2ª pessoa — perto esse aí 3ª pessoa — longe aquele ali. constituem fatos de estrutura. a distinção é entre os conceitos “perto”/”longe”. O ensino dessa gramática escolar. para cuja consecução serão necessárias mu danças. a descrição só pode abranger um corpus homogêneo e unitário. verificar se as normas depreendidas num determinado momento persistem noutro momento do devenir histórico da linguagem humana. às vezes profundas. de uma língua funcional. Flydal e retomadas por Eugenio Coseriu. É claro que há necessidade constante de. tomando-se aqui os termos arquitetura e estrutura nas acepções propostas por L. Como bem lembrou o inesquecível mestre Matoso Câmara. normativa. portanto. tem permitido certa crítica injusta à gramática escolar. como o ensino de uma modalidade “adquirida”. Problema diferente é acompanhar a descrição de cada língua funcional — a que serve de base à gramática escolar normativa e aquela que reflete o conjunto de normas da modalidade familiar ou coloquial — e as alterações por que passa. não se pode.funcional que melhor lhe sirva ao intuito de expressão — da língua funcional culta literária. em cada uma delas. que os modernos lingüistas vêm pondo em relevo. As variedades lingüísticas que não apresentam oposição de valor são apenas fatos de arquitetura da língua. essa norma é distinta da norma da língua familiar ou coloquial (ai. na metodologia do ensino da língua portuguesa e no . enquanto na modalidade familiar ou coloquial. da “liberdade” de escolha que oferece uma língua histórica considerada em sua plenitude. É claro que. uma língua funcional: sintópica. vale dizer. Transformar essa língua funcional no modelo universal para todas as situações de expressão é um ato de “opressão” tanto quanto privilegiar a modalidade coloquial e familiar sobre todas as demais línguas funcionais à disposição dos falantes. “a gramática normativa É em o seu lugar à parte. As variedades que apresentam oposição de valor. é vá lido. fazer uma descrição lingüística de uma língua histórica em sua plenitude. que é vista como a descrição da própria língua em sua totalidade histórica. imposto por injunções de ordem prática dentro da sociedade. no exercício da linguagem. Resulta. por exemplo. a rigor. pela língua funcional que mais lhe convém à expressão. que vem juntar-se (não contrapor-se imperativamente!) a outra. acolá Em vista disto. a problemática das funções da linguagem e elaborou. código e contacto — Jakobson distinguiu as seis seguintes funções: referencial (centrada a mensagem no contexto). é. psicológicos. contexto. à luz do confronto entre a ação científica da universidade e a da experiência dos professores a quem está confiada a tarefa operativa da educação lingüística. o sistema de educação lingüística tradicional. para extrair todos os recursos de uma organização pronta para “poder significar”. com sua seca separação entre as “disciplinas”. é “a manifestação específica de um programa educacional global. . Halliday. enfim. Entre es tas. como códigos de comunicação) não-verbais. contra o qual nos batemos. em ter mos radicalmente novos. receptor. Halliday. emotiva (no emissor). especialmente Roman Jakobson. mereceram desde cedo a preocupação dos integrantes do Círculo Lingüístico de Praga que sobre elas. o rígido sis tema de processos pragmáticos e organizacionais em que este complexo de teoria e ideologia pode transpor-se à atividade educativa quotidiana: os currículos (com suas preferências. ou seja. autoritário e injusto. desta educação lingüística pro posta terão de surgir conseqüências muito sérias. duas capacidades diferentes. mais estimulantes e mais produtivas entre “saber português” e “saber gramática”. . o embaralhamento. K. Significa isto que a educação lingüística anseia hoje sair do antigo glotocentrismo. a ignoram). didáticos e sociolingüísticos. Centrado como era o aprendizado na língua verbal escrita e nas suas regras de estrutura e combinações. As funções da linguagem Outro campo fértil de pesquisa e de âmbito operativo é o que diz respeito às funções da linguagem. as atividades didáticas (com os mecanismos que tendem a valorar a criança ou que. que. retomou. metalingüística (no código) e poética (na mensagem). que amplia a expressão com que Saussure se refere à linguagem como organização pronta “para falar” 6 Como a linguagem é uma pura faculdade. quase sempre. O centramento na linguagem O primeiro grande ponto que distingue a educação lingüística aqui proposta. conativa (no receptor). escreveram páginas que se consideraram definitivas até o final da década de 60. pessoal. os diversos fins a que se destinam os enunciados lingüísticos. reguladora. heurística. fática (no contacto). a formação dos professores (com sua total. procedimentos e estratégias.preparo dos professores que a irão ensinar. imaginativa e representativa. Está aqui. Como observa ainda Raffaele Simone . bem entendido. As funções da linguagem. é que ela agora pretende deixar de ser uma educação centrada na língua para centrar-se na linguagem. mas não casual. A. deixando aos que nos acompanham a tarefa ingrata de fazer-lhes a síntese ou. já postas em evidência por Bühler. no dizer do lingüista inglês M. ignorância das propriedades do potencial lingüístico que têm de ensinar) “. ou de sinais pertencentes a “línguas” (aqui entendidas em sentido restrito. o ponto nevrálgico de uma antiga discussão. levando em conta os cinco elementos necessários a toda comunicação lingüística — emissor. No início da década de 70. torna-se possível que o homem se expresse através de sinais fônico -acústicos (como nas “línguas” entendidas no seu sentido mais geral). posto que extremamente conexas. Conforme acentua Raffaele Simone. ao contrário. Como sabemos. uma pro posta de sete funções: instrumental. poderá oferecer orientações mais seguras. com o português reduzido a disciplina entre as outras e como as outras). punha-se de lado o complexo e rico papel da linguagem no ato de comunicação entre pessoas que vivem em sociedade. a organização geral da atividade escolar (com seus horários. Entretanto não se veja a educação lingüística que aqui se propõe como uma superposição de dados lingüísticos. cremos. em estreita ligação com o grupo de Basil Bernstein. suas exclusões. a exigência de que toda a produção de materiais didáticos para a escola seja profundamente renovada nas idéias. sem pretender esgotar. suas ênfases). interativa ou interpessoal. cujo sinal instintivo era e é ser discriminatório e seletivo. da tradicional. A quarta função é a pessoal. Finalmente. é a função do Eu quero. a mais ligada aos modelos da linguagem da criança. banal. mas. intimamente relacionada com a instrumental. se expressam pensa mentos. Como bem diz Halliday . e não de outro: Você deixará a mamãe muito triste se não for dormir agora. Por outro lado. a socialização. estreitamente vinculadas à evolução global da pessoa”. sem entrar em pormenores. segundo Raffaele Simone 8. Halliday chega a adiantar. que. mas sim e também de um elemento pessoal na função interativa da linguagem. na prática. por isso mesmo. bem como funções ou formas de funções mais complexas só lhe podem ser levadas mediante procedimento educ centrado nesse objetivo. a morfologia flexiva e a sintaxe elementar). porém apropriar-se de uma gama de capacidades de outro gênero. que não se diferenciariam pela amplitude de vocabulário e de sintaxes que compreendem. Antieconômico por ensinar aos alunos fatos da língua que eles. mas o faz de modo diferente. usa a linguagem para manifestação de sua própria individualidade. através da qual se usa a linguagem para obter que determinadas coisas sejam feitas. uma reforma de currículo e de atividades didáticas. a ponto de determinar que se faça ou se deixe de fazer algo desse modo. por parte da criança. reduzindo-a âmbitos a que lhe dá acesso a restrita lista de funções que conheça. O currículo tradicional que se põe em execução com vistas à educação lingüística se mostra. já dominam. em todas as suas funções. desenvolver apenas algumas funções da linguagem é o mesmo que limitar a formação da criança. não se está aqui falando simplesmente de uma linguagem como expressão de desejos e atitudes. graças ao saber lingüístico prévio (como a função distintiva dos fonemas. com base numa conhecida tese de Bernstein. que é possível reinterpretar em termos mais inteligentes e atuais a conhecida oposição bernsteiniana entre “código restrito” e “código elaborado”. e sobretudo. eventualmente imaginário. e assim por diante. no uso da linguagem para agir como instrumento na solução de problemas. para incluir ou excluir esses outros do grupo a que a pessoa pertence. devendo o professor estar atento à evolução psicocronológica do aluno. permitir-lhe o acesso a uma variedade de atmosferas que d’outra maneira lhe estariam vedadas ou só lhe seriam parcialmente acessíveis: o conhecimento (ainda o científico. enfim. A segunda função. e acentua que desenvolver a linguagem. mas pelo insuficiente controle das funções ou pelo controle de uma lista reduzida de funções. improdutivo. mas como é desejado. inatural e. Simone . Por outro lado. “significa não apenas dotar a criança de um cômodo instrumento para superar as dificuldades técnicas impostas pela educação. é a instrumental. se é fato que o insucesso escolar decorre principalmente de uma insuficiência lingüística. pelo menos nos níveis iniciais. antieconômico. a função representativa. A função imaginativa estabelece uma relação entre a pessoa e o seu ambiente. através da qual se faz uma comunicação sobre algo. a percepção de si mesma enquanto organismo funcionante e enquanto membro de uma unidade cultural definida. esta insuficiência deve ser entendida como ignorância ou controle inadequado das funções da linguagem. que. porque o tipo de informações que são subministradas aos alunos nada ou pouco adiantam à capacidade . Educação lingüística e sistema educacional A educação lingüística orientada por um modelo teórico com base científica e com possibilidades de ser operacionalizada a ponto de promover modificações e enriquecimentos na competência lingüística de provocar. o ridículo. Muito próxima da função reguladora é a função interpessoal. Ê dentro dessa prospectiva. quando se usa a linguagem para regular o comportamento de outrem. lembra que há limitações no pro cesso de apresentação e aprendizagem. na aprendizagem ou no conheci mento de como a linguagem torna essa pessoa capaz de explorar o ambiente em que se insere ou que tem diante de si. que consiste no uso da linguagem para estabelecer uma interação entre a pessoa e os outros. a decepção e a persuasão. como natural conseqüência. é a reguladora. Aqui a pessoa se serve da linguagem para criar seu próprio mundo. Para R. A função heurística da linguagem consiste na indagação da realidade. banal. ao chegarem à escola. Saber fazer com a linguagem tudo o que é permitido fazer não significa tão-somente adquirir capacidades lingüísticas. a pro posta de Halliday está mais próxima dos objetivos da educação lingüística do que as funções apontadas por Jakobson. das funções da linguagem. para manifestar o humor.A primeira--função. para impor status ou para contestar um status imposto. muito próxima da anterior. em geral. consoante as importantes indagações de Vygotskij). a estabilização do próprio caráter. O papel do professor de língua materna A escola como um todo harmônico e cada matéria como um componente desta orquestra têm como escopo e fim essencial a cultura integral dos educandos. e. Mas acreditamos que é na aula de língua portuguesa que se abre maior espaço para tais oportunidades. não basta a colaboração dos que militam na escola de todos os níveis. é. partindo dos componentes lingüísticos não dotados de significação para os dotados dela. mas veiculadas com o propósito certo de contribuir para a cultura integral do aluno. Com tudo a palavra é uma atividade consciente. porque muitas vezes segue o caminho estruturalmente inverso à direção do desenvolvimento lingüístico dos alunos. já de si complexa e di fícil. A tarefa do professor de língua materna no que tange à execução de uma política de educação lingüística deve ampliar-se e enfileirar-se no rol dos componentes curriculares que permitam chegarem os alunos a essa cultura integral de que falam muitos programas de ensino secundário. Desde logo. e depois estarão mais aptos a traduzi-los com maior eficiência e com maior precisão idiomática. Melhor do que nós. Também é certo que não desejamos ampliar a tarefa do professor portuguesa. sempre parcos. Ele leva a mente a refletir sobre uma das criações mais importantes e humanamente mais vinculativas. para transformá-lo num professor de cultura geral. da fonética e fonologia para a morfologia e. A reflexão sobre a constituição e os valores desse sistema desenvolve e aperfeiçoa a consciência lingüística que é também uma consciência estética. antes de ser didático e normativo. A primeira área do saber a merecer a constante preocupação formativa do professor de língua materna é a própria linguagem e a sua manifestação concreta através das línguas históricas (portuguesa. Também desejamos enfatizar que esta nossa visão não simplesmente repete um conhecido procedimento didático de correlação horizontal de matérias constantes dos cursos de 1. pode. de que dispuserem. É nosso dever enfrentar esse problema. limitando-se. como a língua não é um rol de nomenclatura. inatural. di-lo o genial lingüista italiano Antonino Pagliaro: “Como em todas as ciências. com base nas informações de um material que constante e amplamente utiliza em aula. oferecer a seus alunos numerosos subsídios ou para diretamente enriquecer a sua cultura nas áreas do saber. ou os estimulando a ler e consultar uma bibliografia especializada para que atinjam essa cultura integral. simultaneamente e por meio das . e o grande concurso que não poderá faltar é o da sociedade brasileira como um todo. um fato de ordem volitiva.operativa do falante. em substância. nos não preocuparíamos mais do que com o mecanismo da circulação do sangue ou da respiração (pelo menos enquanto funcionam bem!). como a aquisição de uma língua comum. a sintaxe e a semântica. São informações ministradas ao sabor da oportunidade. Ao entrar no mundo maravilhoso das informações que veiculam os textos literários e não-literários. concorrendo para sua solução. por exemplo. de cuja constituição. para esta luta. modernos e antigos. mas o enriquece com o aproveitamento de outras ciências que podem ser trazidas à sala de aula.0 e 2. nos mais variados campos do saber. depois. quase sempre. a fornecer-lhes capacidade classificatória. sem preocupação de rigorosa sistematização. é formativo. inicialmente). de outro modo. terá o professor de língua materna a ocasião propícia para abrir os limites de uma educação especificamente lingüística. ao lado da educação lingüística que lhe compete especificamente ministrar. e a adesão a um sistema lingüístico diferente daquele a que pode ríamos chamar natural. a banalidade do aprendizado atinge as proporções de um novo suplício de Tântalo. o valor humano da gramática. É também evidente que o. mas queremos insistir no fato de que tal professor. os alunos terão primeiro mais assunto para comunicar a seus semelhantes. todas as matérias que lhe são ministradas concorrem para esse objetivo maior. ampliando os seus conhecimentos numa área de maior extensão. Compete-lhe primeiro ministrar aos seus alunos conteúdos capazes de levá-los à compreensão do mundo que os cerca. porquanto. as autoridades federais e estaduais deverão concorrer com os recursos.0 graus. Mas. convém ressaltar que não é só através da aula de língua portuguesa que o aluno chegará a essa cultura integral. pois o destino da educação se confunde com o próprio destino dessa mesma sociedade. primeiro mestre a se beneficiar desse enriquecimento cultural dos educandos é o próprio professor de língua materna. este homem está aí com a história de (p. mas também o emprego de determinados componentes lingüísticos servem para sugerir situações psicológicas ou até marcas de traços emocionais de personagens. o trânsito do acento intelectual ao acento afetivo. t’aI como ocorre na vida e seleção animal. pois representa um ramo da história da cultura. o que leva. evitando confusões ou ruídos na mensagem. sem dúvida. o que vários lingüistas denominam “afetividade” e que vem a ser uma série de alterações e desvios causados na língua pelos estados psíquicos emocionais em que está envolvido o falante. por exemplo. no devenir histórico. para os adeptos da chamada escola idealista — com Vossier à frente —. Dentro deste princípio. no pressuposto de que a história da língua significa. tenta-se buscar para as transformações ocorridas no idioma razões •diferentes das que comumente a escola positivista prescreve. quando não opta por buscar uma nova palavra. José Olympio. hein? — Pois é o que lhe digo. especial mente da língua falada como investigou a disciplina conhecida pelo nome de geografia lingüística — conforme a praticaram Gilliéron. Outra lição que as pesquisas da vida da linguagem nos revelam é a íntima relação entre língua e cultura.) O estudo dos elementos vivos da língua. o incremento do chamado artigo partitivo em francês passou a ser explicado. Parece que se repete na vida da linguagem o mesmo princípio de sobre vivência do mais forte em detrimento do mais fraco. muitas vezes. habitua a mente a descobrir no pensamento discursivo as formas que foram elevadas a uma função cognoscitjva mais alta no pensa mento racional” 10 O contacto com uma língua nos permite observar numerosos fatos de ordem extralingüístjca que atuam nas relações entre palavras e coisas. As pesquisas da linguagem Estes estados afetivos se traduzem por complexos mecanismos lingüísticos e extralingüísticos que os falantes deflagram no seu potencial lingüístico e que têm merecido análises dos investigadores da linguagem humana. vem cá. do próprio acervo doméstico ou de em préstimo a Outro idioma. Por outro lado. às vezes. 1970. que. o homem se levantou com respeito.a ed. não mais pela criação nova com que . viram também alguns psicanalistas. a serem os monossílabos substituídos. por concorrentes de maior extensão. ou muitos monossílabos não resistem à ação do desgaste fonético através do tempo. estou na paz. como. hein? Amélia. o emprego que da interjeição hein faz José Lins do Rego para caracterizar exclusivamente os estados de pressão psicológica nas situações anormais que enfrenta o capitão Lula de Holanda no romance Fogo morto. o seu volume fonético e garante a sua sobrevivência na língua. Nesta ordem de fatores. dos sons à estrutura das palavras. E quando Amélia chegou. com auxílio de elementos prepositivos ou pospositivos. história artística no sentido mais lato do termo. Estas transformações afetam todo o material lingüístico. por exemplo. por exemplo. — Não faço acordo nenhum. Não só a utilização artística dos fonemas. Rio de Janeiro.. — Olha. a colocação do adjetivo com re percussões no sentido do sintagma. com Freud à frente — e. Jaberg e Jud. 178 da 10. a perda da força expressiva de certos vocábulos que passam a elementos gramaticais banalizados.análises das correlações e das oposições que constituem o seu caráter funcional. pelos idealistas. da seleção vocabular à construção das frases. nesta passagem. provocados especialmente pela homonímia ou homofonia. com certo exagero —. Amélia. O primeiro deles é. entre outros —. Ë interessante. reaparecem e influem no enunciado de fosSos pensamentos. quase sempre. Mudado o eixo da causalidade lingüística para o campo da história cultural. Assim. existentes com repressão no subconsciente. a origem de muitos erros de fala e de escrita nos chamados pensamentos marginais. nos demos conta. sem que disso. onde o excesso de repetição parece querer pôr pelos olhos do leitor esta particularidade: — Amizade — gritou Seu Lula — então o senhor me aparece para me ameaçar e ainda me fala em amizade. língua e pensamento. estas pesquisas mostram a pouca eficácia expressiva dos vocábulos de pequeno volume fonético. ou o vocábulo afetado aumenta. mostrou as conseqüências advindas da necessidade que sente o homem de exprimir-se com clareza. hein? não faço acordo nenhum. de Charles Bally. por exemplo. “uma vez que as coisas separadas das palavras nem existem. perante seus alunos. pode o professor ampliar o conhecimento reflexivo do idioma nacional e do mundo objetivo que circunda o falante através do estudo e análise metódica do vocabulário. como lembrou o nosso maior folclorista Luís da Câmara Cascudo. Antenor Nascentes com o precioso Tesouro da fraseologia brasileira. Só modernamente contamos com tímidos ensaios cuja influência benfazeja ainda não se fez sentir. Está aberto o caminho para o professor mostrar o quanto o texto literário em língua portuguesa deve a esse recurso poético da Mitologia. cachorro. de ordem lingüística. através do estudo do vocabulário. de modo que o seu conhecimento se torna imprescindível a quem desejar descodificar corretamente as freqüentes alusões que prosadores e especialmente poetas fazem às divindades mitológicas greco-romanas. nem mesmo os esforços do padre Carlos Spitzer no seu precioso Dicionário analógico da língua portuguesa. mas nem por isso com eles combináveis nesta e noutras situações contextuais. por volta de 1300. nessa época. O outro componente é a alusão à fonte. estabelece o professor. entre os romanos. com “os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética” permite ao mestre variadas informações: a primeira. pelo me nos na concepção tradicional. com base em Alexandre Herculano. deu várias boas amostras de como se pode interessar inteligentemente o aluno para. ressaltando o aspecto literário do termo em relação a seus correspondentes ou similares da mesma área semântica. nem os do Prof. a estreita relação que existe entre as palavras e as coisas que. nem tampouco as pesquisas de João Ribeiro nas Frases feitas e nas Curiosidades verbais representaram estímulos suficientemente fortes para que daí se passasse a um es tudo sistemático do léxico português dentro do âmbito da educação lingüística em nível de 1. para quem tudo é objeto de medida e tráfico. alargar os seus horizontes de cultura. Estudando atentamente o vocabulário. em 1627. sobre o valor de galgo em contraposição a cão. preparando o vestido da baronesa. nem os do Prof. aí repousa o primeiro componente daquilo que Machado chamou. quando o escritor compara os dedos ágeis da costureira. Uma passagem como aquela de Machado de Assis. com propriedade. a deusa da caça. pois que Diana era. a língua é repositório de velhos costumes que se apagaram e por isso mesmo. existem aqui ou além e desempenham esta ou aquela função” Infelizmente entre nós não surtiram os efeitos esperados as inteligentes propostas. no famoso Apólogo da agulha e do novelo de linha. sem a interveniência da explicação do professor. relacionar a língua portuguesa com outras áreas do saber humano e despertar no educando o gosto do termo próprio ou a preocupação da busca da palavra mais expressiva. a palavra ou expressão se mostra ao aluno totalmente destituída de sua força significativa. escapa à jurisdição da gramática. mas enquanto estão unidas. Em livro didático e nas excelentes e sempre atuais Instruções metodológicas para execução do programa de português que redigiu em 1942 para o Ministério de Edu cação e Cultura.contou essa língua suprir o enfraquecimento e posterior ausência da pronúncia do -s final. A expressão é. Firmino Costa no seu Vocabulário analógico. mas por uma nova atitude espiritual do povo francês que. p a oposição gramatical singular/ /plural. se acostumou a tratar o todo com visão de comerciante. Quem não conhece. nem se entendem. Ainda sem sair do campo das ciências lingüísticas.° graus. encontra o professor ensejo suficiente para alargar os horizontes culturais de seus alunos. no âmbito do aprendizado do vocabulário. no famoso Traité de stylistique française. não devem ser estudadas separadamente. da Mitologia. contável e divisível. o modo de dizer: “Isso não lhe custou nem um copo d’água”? Pois bem. importante e extensa zona da língua que. uma reminiscência de multas mínimas para o homicídio do magistrado em conseqüência da de negação de justiça 12 . Enveredando pelo estudo do vocabulário colhido em textos literários. só conhecemos a exceção do mestre Sousa da Silveira que. Velhos costumes As vezes.0 e 2. como já preceituava este sempre atual Comênio na sua Didactica magna. “a cor poética”. especialmente nos Trechos seletos. em A ilustre casa de Ramires. em Eça de Queirós. esse tipo de informação complementar à sua educação lingüística Não menos importante será também o papel do professor universitário. incutindo neles que sua tarefa maior não é fazer de seus alunos um futuro universitário. 155). na geografia.. Entendido. Os literatos portugueses registraram o gesto e a expressão. uma famosa. comigo e com o João Gouveia? Vai também o Videirinha e o violão. embora isto não signifique que seja muito me nos ampla e muito mais fácil.. na filosofia. E enorme. É daqui. em casa e no lugar onde exerce a sua atividade profissional.Outro costume lembrado pelo referido folclorista é o puxão de orelha aos estudantes rebeldes à boa disciplina ou ao bom ritmo de estudos. Por isso é que na sátira Apokolokintosis. por exemplo) filólogo haurir conhecimentos na esté tica. uma bibliografia seleta onde seus conhecimentos. segundo Câmara Cascudo. na etnologia. e os vemos. Entre outras e sem esgotar a lista. delicadamente. na teologia. do Abade de Chandin. quando. Assado peio Gago!. quer o de língua portuguesa ou filologia portuguesa — no Instituto de Letras —. filólogo ou lingüista. para que contenham. por exemplo. vinho de uma orelha é aquele de excelente qualidade e que se opõe ao de duas orei/ias. a tarefa do professor de língua materna é muito menos complexa. Daí a necessidade de ter esse mestre a seu dispor. Talvez até. Conheço o vinho. cit. Sêneca faz que Hércules puxe a orelha de Diéspiter para lembrar-lhe que deveria favorecer a Cláudio na seqüência dos elogios fúnebres dirigidos a esse imperador num esforço a mais para a divinização. é da pontinha da orelha. é daqui. a teoria da comunicação. a ecdótica. sacudiu a ponta mole da orelha 13 Na França. em doses homeopáticas e a nível do desenvolvimento psicológico e cultural dos seus leitores. no folclore. no sentido de estimular o futuro mestre a nutrir-se dessas informações e a conhecer uma bibliografia básica do que lhe será útil na atividade dentro de sala de aula. Um campo interdisciplinar O trabalho do filólogo na manipulação. Daí o costume de puxar as orelhas a alguém para que se lembre de alguma coisa. Daí também a necessidade de uma renovação nos livros didáticos. um futuro gramático. Para os romanos. com dois dedos. na etnografia. da ponta fina. Mnemosine. editoração e explicação do texto literário o leva a pedir subsídios a várias disciplinas auxiliares. quer o professor de didática de língua ou glotodidática no mesmo institUtO ou na Faculdade de Educação —. na história da cultura. um futuro literato. o estímulo iniciador do tão antigo quanto enigmático gesto de pegar no lóbulo da orelha e exclamar complementariamente É da pontinha. duma para outra orelha. possam ser amplia dos e suas dúvidas possam ser elucidadas. O gesto parece antiqüíssimo. D. por extensão semântica e valorização expressiva. no direito. a paleografia. para denotar aquilo que pelas suas qualidades é digno de ser lembrado. desaprovativamente” (Op. de toda sorte.lobos convida Gonçalo Mendes Ramires: Ouve lá! Tu queres hoje cear no Gago. e de Portugal chegou até nós. que comprei esta manhã a uma mulher da Costa por cinco tostões. pois estavam consagradas à deusa Memória. na história. além daquelas especificamente lingüísticas ou com elas muito relacionadas (a lingüística. Temos uma tainha assada. esteja nessa relação entre orelha e memória. a teoria da litera tura. ou. usança vigente nos tempos modernos.. hein? O Gago abre pipa nova de vinho. de maneira sintética. 3 O ensino da língua portuguesa Entre a experiência e as regras . Antônio Vila. E Titó. mas um cidadão útil e operante na sociedade de que vai tomar parte ativa. Trabalhando e explicitando o texto aos seus alunos. os “gestos franceses relativos ao vinho duma orelha e vinho de duas orelhas era inclinar a cabeça para um lado ou movê-la várias vezes. O puxão de orelha valia por um processo mnemônico para que o faltoso não se esquecesse de suas obrigações. as orelhas eram a sede da memória. em geral mau escritor por ter embotada a espontaneidade de expressão pelo permanente policiamento de obediência às regras por ele ensinadas. Esse ensino acabava dando frutos entre os alunos. pura e simples”. do que pela manipulação das regras e conceitos aprendidos na aula de gramática. os mestres. para aquisição dos recursos idiomáticos que lhes permitissem desenvolver e aperfeiçoar as formas de expressão mais elevadas. a todos os que os ouvem. assim se queixava o mestre Said Ali da situação do ensino naquela quadra. Tais professores sabem geralmente tudo menos pedagogia e cuidam que basta empanturrar os espíritos em via de formação com toda a sorte de conhecimentos elevados. pela filosofia que alimentou a escola de Port-Royal. muito mais pela participação consciente e adesão a um sistema lingüístico diferente daquele a que poderíamos chamar natural. Quem tinha competência e habilidade para não transformar seu curso em puras aulas desse . de noções. produziu na prática um resultado negativo. e o conseqüente advento do método históricocomparativo nos domínios da ciência da linguagem. procuram as suas vítimas nos meninos que. para o lingüista italiano. aparecida em 1858. disciplina que nestes dois a três lustros tanto se tenha mal tratado como a língua nacional. passou a ser. e retomado. têm o dever de prestar atenção aos mestres.O ensino da língua materna. Tem muita razão o genial lingüista Antonino Paglia ro 1 quando aponta um equívoco na discussão dos primeiros filósofos sobre se a gramática seria empeiria. Como sabemos. o convívio com os textos escritos e o contacto com as pessoas que. depois de uma interrupção provocada pela crise do idealismo alemão. dando-lhe um cunho científico. o centro de preocupação de sua aula. passando pela Idade Média e Renascimento até chegar a nossos dias. Através dos anos veio a escola procurando ensinar a língua materna e as estrangeiras através do aprendizado dessa gramática escolástica sem que ficassem bem definidos os limites da eficácia de método. apurado. essa gramática es encerra um conjunto discretamente orgânico elaborado pela Antigüidade clássica. cujo significado abrange conjuntamente o saber teórico e o saber prático. Prefaciando a Sintaxe da língua portuguesa do professor Leopoldo da Silva Pereira. técnica. vale dizer. para que as pobres criaturas as assimilem com a mesma facilidade com que eles. quaisquer que sejam. a gramática melhor mereceria. Mas este paradoxo torna-se compreensível se atendermos a que os nossos professores.” João Ribeiro e o “vazio” da análise lógica Com o influxo das gramáticas para o francês. sempre se confundiu com o aprendizado da gramática escolástica. bem ou mal. Sentem o indomável prurido de transmitir as novidades científicas. não têm o necessário preparo pedagógico para saber o que se deve ensinar às crianças e o que deve ser reservado para cérebros já desenvolvidos capazes de compreender o valor de certas generalizações e abstrações. sistematizado pela Idade Média e pelo Renascimento. da linguagem. introduziu-se no ensino do português a chamada análise lógica. e a sala de aula se foi trans formando num palco de erudição que acabava por definhar aqueles jovens alunos ainda não amadurecidos para as preleções universitárias a que os submetiam seus professores. um complexo de “regras”. Mais valiam aos alunos. que me conste. especialmente as obras de Mason e de Becker. entre muitos professores. manejavam cabalmente o idioma. inglês e alemão. como alunos. falando ou escrevendo. reclamação que cabe como luva aos tempos atuais: “Em matéria de ensino não há. ou se seria téchne. foram os mestres em busca do método e da ordem e trouxeram-nos a indisciplina. coordenadas por um critério e destinadas a preencher uma finalidade. Na realidade. ao depois. no século XIX. desde os gregos e os ro manos. e o mais curioso é que justamente o intuito de metodizar o estudo da gramática. Um palco de erudição Com o passar dos tempos. embora muito conhecedores da matéria que ensinam. e como é reduzido o número dos adultos dispostos a deliciar-se com a audição dessas áridas doutrinas. em grande parte. isto é. por algumas correntes lingüísticas mais recentes. que. do que a lição de gramática ou o exemplo vivo do gramático. o nome de epistéme. levada ao exagero e a um vazio de só se servir a si mesma. a gramática se foi enriquecendo com os dados novos trazidos pelos progressos da ciência. as adquiriram. nessas plantas tenrinhas que com um excesso de adubo científico definham em vez de se desenvolverem. “experiência em ato. a partir de Aristóteles e dos estóicos. João Ribeiro. No artigo intitulado “Explicar ou complicar?”. através do conhecimento das normas gramaticais. neste particular. O método que adotei nas minhas aulas foi o da análise dos vocábulos. procurava explicar-lhe o sentido. na boca de muitas pessoas que aprende ram a analisar. ou com o auxílio do mestre. o conhecimento da língua. uma vez por outra. assim se manifesta: “ . onde as variedades diatópicas são menos acentuadas do que em outras nações. o estudante. a boa pronúncia. pôde-se facilmente observar que tal atividade nem ministrava aos alunos. elaborado pelo alto espírito do Conde de Laet. nas Noções de análise fonética. É nesses exercícios que o professor corrige aos alunos os vícios de expressão. Tinha muita gente no teatro — Assisti o baile — Estive a tua espera e você não apareceu — Não fala que me perturbas — A três anos que moro nesta casa — Conquanto lhe não conhecesse. todo estudo ulterior e pormenorizado de divisões. o maior espaço é dado aos exercícios práticos de composição: cartas. em regra. em uma palavra. Um dos mestres que mais se bateram contra o excesso da análise lógica entre nós foi o professor Silva Ramos. a ação do professor se apresenta. aperfeiçoamento e controle das competências lingüísticas . Tenho visto que muitos alunos de português sabem talvez analisar. a certa significação. subdivisões e classificações de frase e talhos de frase. pelas ausências que me faziam do senhor — Aqui não há esse livro. pequenas narrativas. a sinonímia. o emprego sintático.tipo de atividade escolar. e ainda menos escrever corretamente. que só se compreendem cabalmente na frase ou no discurso” (p. isto é. não porque sejam errôneas ou inadaptáveis ao ensino. em 1924. como catedrático do Internato. a análise lógica foi completamente eliminada por inútil e insignificante. sem falar aqui do que ignoram da história da língua. idéias e frases que são pensadas e só valem como atos sintéticos. etimológica e sintáxica de Pacheco da Silva Júnior e José Ventura Bóscoli. nas célebres Notas finais à sua Gramática 2. nem tampouco a habilidade expressiva. . por si. acompanhando o seu desenvolvimento psicológico e cultural. o sentido e a forma. apontando a significação de cada palavra e as acepções em que podia ser tomada. curso superior. saídas em 1888. da excelência de cujas aulas no Colégio Pedro II são unânimes os testemunhos de quantos foram seus alunos e especialmente a atividade magisterial de um Sousa da Silveira. substituindo os vocábulos por sinônimos. e. a sua formação histórica. a língua da escola irá prepará-los. os mesmos que se ouvem cá fora. As questões de análise lógica são as que mais excitam o interesse dos professores brasileiros. na qualidade de catedrático do Externato e que tive a honra de subscrever. nada ou quase nada aproveita a quem quer estudar a língua vernácula. Mas mesmo assim. apenas no 2. mais fácil. com pequenas variações.1 Cumpre-me dizer que. publicado no número inicial da Revista de Filologia Portuguesa.° ano se alude à análise lógica. nem entender o que lêem. Formação. Nas minhas lições de português feitas no Pedagogium do Rio de Janeiro. O método adotado por João Ribeiro nas aulas do Pedagogium já aparece. isto é. em que a língua standard ou nacional tem de concorrer com a forte vitalidade dos dialetos locais. para descobrir no pensamento discursiVo as formas que foram elevadas a uma função cognoscitiva mais alta no pensamento racional. trazem os alunos para a escola variedades lingüísticas diastráticas ou de caráter sociocultural que cabe levar em conta. a dos elementos morfológicos e prosódicos. a colocação. convertia o verso em prosa [ .1 sou pessoalmente infenso às doutrinas gerais de análise lógica. mas não sabem ler.” Fazendo do estudo da gramática um fim em si mesma. Creio que haverá excesso nesta paixão e que resulta do propósito de explicar analiticamente muitas das palavras. as flexões e variações. e faz parte do que antigamente se chamava Gramática geral filosófica ou sistema mais ou menos lógico aplicável a todas as línguas. por exemplo. procurou novos caminhos. Seus conselhos de como pode o professor pro ceder em sala de aula merecem ser aqui lembrados. 490). por exemplo. . já lhe estimava. Num país como o Brasil. comenta: “Assim se procedia na aula de português: lido o trecho. mas porque não ensinam coisa alguma do idioma. mas pode-se-o mandar buscar — Não me dou bem nessa terra [ terra onde está]. para o quê punha na ordem direta as inversões. no programa de português do Colégio Pedro II. Sempre me pareceu que conhecidos os termos essenciais da proposição. descrições. Enquanto a língua de casa traduz cabalmente as noções de um mundo e de uma vivência reduzida. Estas duas distinções no domínio da competência lingüística comportam três componentes: (1) competência gerativa (ou lingüística). Como já se disse. os objetivos da educação lingüística não se esgotam aqui. (d) competência derivacional: capacidade de aplicar uma série finita de regras para entender uma infinidade de combinações lingüísticas (chamadas textos ou ora ções) dos elementos componentes desse mesmo sistema lingüístico. (e) competência de gramaticalidade e aceitabilidade: . à educação lingüística será necessário distinguir entre (1) enumeração das competências e hierarquias. nos podem servir como pontos de um programa didático que o professor deve desenvolver na escola. não cometer o engano de transformar o monolingüismo coloquial do aluno que chega à escola no monolingüismo culto do aluno que dela se despede. o lingüista italiano Vincenzo Lo Cascio explana considerações tão oportunas sobre a matéria. competência dos canais lingüísticos e semióticos em geral e da interação desses. (c) competência fonológica: capacidade de distinguir e reconhecer os sons característicos desse sistema lingüístico. B: competência da produção lingüística (ou ativa). isto é. na verdade. enfim. entre elas. A competência da descodificação ou receptiva com porta os seguintes desdobramentos: (1) Competência gerativa do sistema lingüístico da comunidade (isto é. e. mais precisamente: (a) competência categorial: competência gradual das categorias gramaticais da língua (verbos. No âmbito desta última competência deverão ser distinguidas mais precisamente (1) competência auditiva (a) em nível receptivo A<( competência da leitura (3) competência verbal (b) em nível produtivo B<( competência da escrita No que tange. e (2) processos de aprendizagem e desenvolvimento de tais competências. mas prosseguirão no esforço metódico e sistemático de permitir ao aluno cabal controle das diversas funções da linguagem na utilização dos re cursos expressivos. orações. vale dizer. Em primeiro lugar.Entramos. (II) competência comunicativa. em nosso caso. do núcleo familiar ou social a que pertencemos). assim. Em termos gerais. Por outro lado. que consiste em obviar um dos erros graves do ensino tradicional. Em artigo intitulado “Para uma renovação da didática da língua—materna a”. caberá ao professor e à escola como um todo transformar o aluno num poliglota dentro da sua própria língua histórica — a portuguesa. existentes ou possíveis. Lo Cascio distingue dois tipos de competência lingüística: A: competência da descodificação (ou receptiva). nomes. subordinantes. suas relações e seus referentes. aperfeiçoamento e controle das diversas competências lingüísticas do aluno. num dos escopos principais da educação lingüística. Não cabe à instituição de ensino a simples substituição da norma coloquial usada na língua funcional do aluno pela norma culta usada na língua funcional da escola.) (b) competência lexical: competência dos elementos lexicais pertencentes ao sistema lingüístico em estudo. que. podemos dizer que o objetivo precípuo da escola consiste na formação. (III) competência dos instrumentos lingüísticos. traços semânticos e sintáticos etc. seqüências lingüísticas. textos (e. (b) competência intersemiótica: capacidade de usar e dosar diversos sistemas semióticos conforme as circunstâncias. Consta pelo menos de duas partes: . (b) competência intersemjótjca: capacidade de integrar as informações que sejam consideradas como dadas na situação e no contexto. com as estruturas lingüísticas percebidas. e com as informações procedentes de outros sistemas semióticos e que acompanham as informações lingtiísticas. (b) competência derivacional: no âmbito do sistema lingüístico eleito. mais precisamente: (a) competência de conversão lógico-semântica: capacidade de traduzir mensagens. (b) competência da versão gráfica da mensagem: saber ler. (II) Competência comunicativa. conceitos. Até aqui vimos a competência da descodificação. em fase da descodificação: avaliação dos significados objetivos das mensagens percebidas e confronto delas com os contextos e as situações específicas em que são empregados. transformar os dados lingüísticos em estruturas lógicas e Conceituais. a competência da produção lingüística. quanto ao segundo aspecto. habilidade para relacionar o próprio saber lingüístico com os dados de sua execução. isto é. (III) A competência dos instrumentos lingüísticos. não apenas como tradução de signos gráficos em símbolos lingüísticos mas também como descodificação e avaliação das mensagens transmitidas através da escrita. entendemos muito mais palavras e orações do que aquelas que efetivamente sabemos produzir por nossa própria conta. portanto. Para tanto são necessárias as seguintes competências: (1) competência lexical: competência que é mais restrita do que a que pertence ao grupo de competências de descodificação. pertencentes ao mesmo sistema lingüístico. lendo ou ouvindo. (f) competência lógico-semântico conhecimentos das relações entre estruturas lingüísticas. pensamentos em formas lingüísticas. bem como capacidade de integrá-los. (d) competência das variedades lingüísticas: registros. capacidade de gerar. mais precisamente: (a) competência auditiva: capacidade de ouvir com fins de comunicação. orações. e. já que. em nível da compreensão do sistema lingüístico nacional: a língua “mãe” ou “oficial” de toda a nação e que pode ser diferente da referida competênçia gerativa. A competência comunicativa comporta: (a) coltêiiita avaliativa.capacidade de distinguir elementos e combinações consideradas próprias do sistema lingüísticos que o falante aprendeu daqueles outros que não fazem parte dele. (3) competência transformacional: capacidade de utilizar seqüências lingüísticas e expandi-las com outras seqüências do mesmo sistema lingüístico. e. Lo Cascio assinala: (1) Competência gerativa ou “criativa”. diglossia. (c) competência. significados) infinitos. significados e realidades cognitivas e portanto habilidade no saber identificar as mensagens. técnica da seleção e da compreensão global ou minuciosa das mensagens percebidas. com um conjunto finito de regras de um determinado sistema lingüístico. (2) competência categoria!: o conjunto de regras e categorias já mencionadas para o mesmo tipo de competência quando tratamos da descodificação. noção da paráfrase e das relações entre as várias construções da !íngua. diassistema. que comporta as seguintes variedades: (a) competência seletiva dos informes: seleção dos pontos de vista e portanto dos produtos (output) lingüísticos mais adequados para transmitir determinadas informações numa determinada situação ou contexto. como se se tratasse de ensinar dois códigos que constituem uma alternativa que substitui a realidade lingüística quotidiana. sobre a própria atividade lingüística.(1) competência avaliativa em fase de descodificação: avaliação das próprias intenções. ainda com Lo Cascio. desta maneira. quer dizer. (c) competência do uso dos códigos restritos. A estratégia vale como movimento inicial. que se servem menos dos contextos ou de informações imaginadas como “dados”. Quase sempre a escola enfatiza as suas preocupações com o “ensinar a ler e a escrever”. isto é. competência da língua materna. que se pro Pusesse inicialmente ensinar a “falar”. ponto de partida e de convergência para que o aluno desenvolva hábitos de falar com eficiência. (e) competência dos outros códigos lingüísticos. estimulará a formação da competência receptiva dos educandos. em primeiro lugar. (d) competência do uso dos códigos elaborados. mas ainda de reflexão. estilos etc. Importância da atividade oral Depois deste quadro que. Pela eficácia da mensagem Num ambiente escolar como o nosso. (III) Competência dos instrumentos lingüísticos.copos visados. Seria necessário. além da aquisição e assimilação do conhecimento. Também com isto não desejamos que retorne à sala de aula aquele professor de palavras difíceis e retórica vazia. se apresenta como de muita utilidade para o trabalho docente. através da sua competência produtiva. desembaraço. em qualquer caso. Ordenamento eventual de tais propósitos em estruturas seriadas. em que a perseguição ao erro de português e a sua correção pratica mente preenchem todo o espaço da educação lingüística. mais precisamente: (a) competência verbal: saber falar. Mas vale a pena lembrarmos. explícito e que exige. onde o mestre fala a língua do aluno por lhe faltar competência para utilização de um nível mais adequado com os seus compromissos de educador. de formulação de idéias. isto é. não recorrendo constantemente a gestos. Lo Cascio enfatiza a prioridade da competência verbal. linguagem que requer uma habilidade diferente na avaliação dos contextos e em geral o uso de um código mais elaborado. que não deve também perder de vista a sua missão programaticamente corretiva. não só como instrumento de expressão mas também como instrumento social de comunicação para todas as ocasiões. e.). Este exercício não só promoverá um desenvolvimento de uma habilidade e de um hábito de falar. explícitos. Neste sentido. e não como uma atitude permanente para que se instaure em sala de aula aquilo a que podemos bem chamar de “mesmice idiomática”. Destaca-se. conhecimento da mensagem que se deseja transmitir. apesar de esquemático. (2) competência de predição: capacidade de análise dos efeitos pretendidos ou que serão pretendi dos no descodificador (feedback). (c) competência da expressão escrita: saber comunicar-se através da linguagem escrita. o papel catalisador do professor de língua. exprimir-se verbalmente. isto é. pretendemos pôr nos devidos termos a tese de que o professor. acentua o lingüista italiano. Com isto. de verbalizar. correção e certa elegância. o ensino lingüístico na escola deverá partir da atividade oral. orientação sobre a situação de comunicação e a manipulação dos elementos lingüísticos para a consecução dos es. mais facilmente se aproxima dele e do seu mundo. vale a pena insistir na seguinte lição . A presença do verdadeiro professor ajudará ao aluno na percepção e individualização das mensagens recebidas. que a mensagem seja estruturada em séries. pois que constitui a base para a aquisição ideal de quase todas as competências lingüísticas de que falamos atrás. (b) competência gráfica: saber escrever. isto é. em sala de aula. sob a alegação de falar a língua do seu aluno. que a função do professor deve ser a de um estimulador. implícitos. (f) competência das variedades lingüísticas (registros. permitindo-lhes transformar as informações que a eles chegam em categorias e estruturas do seu mundo capa zes de ser expressas por eles mesmos. traduzir a signos gráficos as expressões lingüísticas. é bem mais importante analisar com ela se o que queria dizer ficou compreensível aos outros. Pouco importa. mas sim um exame da eficácia com que foi estruturada a mensagem. Igual atenção deverá merecer da escola o ensino da leitura. da redação da aula de gramática. além de ser um veículo de expressão e criatividade. E aí. ao agasalhar certos usos e ao repudiar outros. a reflexão sobre a constituição e os valores desses sistemas desenvolve e aperfeiçoa não só uma cons ciência lingüística. ao cidadão ou operário que aspira a emigrar para estas plagas. Torna-se necessário ajudá-la a encontrar as palavras que lhe faltavam para prosseguir na transmissão do que estava comunicando e colocá-la em condições de não se deixar influenciar ou perturbar pelos distúrbios que condicionam a sua execução. Para finalizar. Por isso. tendo em vista os muitos desconcertos que sobre a gramática se tem ouvido e praticado em sala de aula. a gramática passa a ser dogmática. a percebe e a filtra consoante o seu interesse permanente ou ocasional. ela assume um papel originariamente didático. ao estudioso de etnologia. obvia mente não estamos querendo entender a procura do erro de gramática e a correção dele. uma atitude de seleção e hierarquização dos aspectos substantivos e adjetivos da mensagem. como pretende fixar esse mesmo uso. Uma gramática pedagógica descritiva deve além disso escla recer quais são os elementos fundamentais dos sistemas lingüísticos. diremos alguma coisa a respeito desta última atividade. é instrumento social e que por isso se organiza segundo as funções que deve cobrir. mas ainda uma consciência estética. Lo Cascio é um mestre do presente. Desta maneira. têm importância para a elucidação íntima. os defeitos de linguagem só se corrigem na reforma do pensamento. que já nas suas excelentes Lições de pedagogia. uma notícia dada pela rádio italiana sobre o Brasil pode despertar particular e diferente interesse ao apaixonado pela caça. ela se vê na contingência de dar os porquês. e não simplesmente para a comunicação dos pensamentos. E é aí nesse momento que ela assume um . quando a descodificação concentrará sua atenção naquilo que mais importa a quem ouve uma seqüência lingüística. diante de uma mensagem que capta. Manuel Bonfim. se a criança comete um erro de gramática. aspira a ser científica.7i of explicações: assim.do mestre italiano que estamos citando: quando se fala de ação corretiva. no seu livro já citado. deverá a escola ensinar aos alunos a estratégia do ouvir. 4 A lingilística. porém nos é muito confortador aproximar essa lição do lingüista italiano à de um mestre brasileiro do passado. nitidamente. também assim relaciona o uso da língua com a estruturação lógica da mensagem: “De modo geral. nessa fase da atividade escolar. na medida em que se reveste da prerrogativa de ser uma gramática acadêmica ou de autoridades. só em última análise deverá proceder à adequada denominação e definição das categorias. Como bem esclareceu Antonino Pagliaro. ao biólogo. a gramática escolar e o ensino da língua portuguesa A gramática tenta codificar e fixar o chamado uso idiomático. ao permitir que saiamos do nosso complexo mundo inte rior para o complexo mundo interior do nosso semelhante. Segundo Lo Cascio. permitindo-lhes assumir uma atitude de concentração nos pontos mais importantes da informação. Entretanto. é também instrumento de comunicação. Cada um. que a representação afirmada na consciência não foi a que devera ser” . Muitas vezes até o nosso ouvinte privilegia certos aspectos da informação que lhe transmitimos sem que nós tenhamos tido qualquer interesse em dar-lhes o relevo despertado. A educação lingüística não descurará do importante papel desempenhado pelo processo de audição da mensagem. Os próprios erros de sintaxe banal são defeitos de elaboração. Cada um deles indica. uma gramática descritiva destina da ao ensino da língua materna deverá ter como objetivo explicitar ao aluno o sistema lingüístico que ele já conhece e especialmente fazê-lo entender que a língua. Como bem. no início do século. Esses nomes técnicos e sua classificação correta são menos importantes do que a proposta de exercícios que ministrem ao educando o desenvolvimento do pensamento e o apto desempenho de suas competências lingüísticas receptivas e produtivas. lembra Lo Cascio. bem como saber avaliar os procedimentos de argumentação da pessoa com que falam. entre outros aspectos. a faz aproximar-se. Partindo do legítimo conceito de diacronia em Saussure. É uma atitude modelar diante da língua. àquelas que entre nós refletiam o prestígio dos usos portugueses. dizer que o ensino dessa gramática normativa pertence mais à educação que à instrução: ele pretende mostrar ao falante como dizer isso e repelir aquilo para atender aos usos e seleções esperados de uma pessoa culta. chegando a atribuir a influências de amizade o 1. surgiu na década de 20. registra o uso idiomático da modalidade padrão. ainda tendo presente a lição do lingüista genebrino. estudioso da geografia e adaptador de excelentes compêndios para o ensino do francês e do inglês a brasileiros. dentro de sala de aula. a ponto de sobre ela dizer Matoso Câmara que se trata de uma “admirável síntese didática”. sendo “redescoberto” só depois que os estudos lingüísticos da década de 60 vieram validar a iniciativa do mestre brasileiro!). em 1921. com Wagner e Pinchon.0 prêmio Francisco Alves concedido à obra. das Dificuldades da língua portuguesa Said Ali se referia à proveitosa introdução no estudo do português da lição de Saussure. Enquanto a primeira. duas sincronias tão válidas quanto a anterior. O primeiro reflexo do ensinamento saussuriano na obra de Said Ali recaiu sobre a dicotomia sincronia/ diacronia. a segunda. quer entre nós. Said Ali ideou uma Gramática do português histórico (note-se que o mestre brasileiro. repercutiram. Maximino Maciel. e sua preocupação foi em geral bem sucedida. como conseqüência. Mas é claro que a gramática não se confunde com a lingüística. às vezes invadir e outras tantas confundir-se com a lingüística. no prefácio à 2. pois era catedrático de alemão do Colégio Militar e Colégio Pedro II. XX. exceção feita. mas ainda lhe condenaram a idéia de escrever uma gramática histórica sem latim. ed. rarissimamente. na idéia de que o presente da língua se explicava pelo passado e que a fase atual do idioma resultava de uma “corrupção” de fase anterior. póstumo. imaginou um estudo diacrônico do português arcaico ao português moderno. como ciência. Júlio Ribeiro. Daí também a preocupação historicista de que se reveste a reforma do ensino de línguas. O primeiro eco das modernas idéias lingüísticas. Em vez de seguir o caminho em geral percorrido pelos manuais do gênero. igual à que deve assumir ao se dirigir aos mais velhos ou ao sair de um elevador. No século passado predominaram na lingüística as teorias histórico-evolutivas que. do latim ao português. estuda a linguagem articulada nos seus polifacetados as pectos e realizações. O Curso de lingüística geral do mestre genial saíra. Alfredo Gomes. e donde derivaram as gramáticas portuguesas escritas por brasileiros que fizeram época até os primeiros decênios do séc. A Antologia nacional de Fausto Barreto e Carlos de Laet (e mais ainda na primeira versão de Fausto Barreto e Vicente de Sousa) é bem um exemplo dessa fase da modalidade culta baseada em autoridades “clássicas”. e já em 1919. edição). Ainda na Gramática secundária da língua portuguesa procurou expurgar os defeitos de uma descrição que confundisse sincronia com diacronia. por exemplo. não usou a denominação gramática histórica. Ernesto Carneiro Ribeiro e. . perfeitamente explicável num momento em que a visão exclusiva historicista dominava a descrição e o ensino das línguas. A inovação não foi entendida pelos seus contemporâneos que.terceiro papel. Said Ali: curiosamente um renovador da gramaticografia portuguesa sem ter sido nunca professor da disciplina. O ensino da gramática com intuitos eminentemente normativos tem-se aproveitado das teorias lingüísticas dominantes. normativa. quer entre portugueses: João Ribeiro. a ausência de autoridades brasileiras. na 2. em 1887. mesmo escrevendo um livro com intuito ao programa oficial vigente na época. não só não lhe acolheram o livro (teve apenas duas edições em vida do autor. anterior. tendo em vista os próprios objetivos de cada uma. que norteou o programa elaborado por Fausto Barreto. e. entre outras "boas maneiras”. aquele que. e só por este motivo aceitou a alteração de título proposta pelo editor para Gramática histórica. Pacheco da Silva Júnior e Lameira de Andrade. pelos interesses teóricos. Daí nasceu o prestígio dos escritores lusitanos dos séculos XVI e XVII. mais independente e defeituosa. ins pirado exatamente em Ferdinand de Saussure. especialmente da materna. com as gramáticas redigidas por M. Podemos. em 1916. na construção da gramática escolar. a pertinência dos traços fonéticos como diferenciadores de vocábulos e as diversas realizações fonéticas geradoras de “variantes”. como. ambas igualmente válidas. Esta linha de ação ensejou a que Sousa da Silveira enfatizasse a exemplificação de suas Lições de português com brasileiros dos dois últimos séculos. a descrição mórfica do verbo (amaria composto dos dois verbos amar + ria ou forma simples Constituída dos morfemas am . é que têm validade as oposições. assim. ainda. abrindo definitiva Possibilidade de análise lingüística em corpus até então descurado. mas com preocupações de alicerçar-se em bases lingüísticas. Ultimamente. o adjetivo funcional encontra aqui sua justificação porque somente esta língua entra efetivamente nos discursos. espanhola etc. Outra renovação que a gramática escolar hauriu na lingüística. Como ensina Eugenio Coseriu. desse modo.a . o caso de Macedo Soares). Esta técnica lingüística unitária e homogênea assim entendida é o que se pode chamar língua funcional. foi a certeza de que a língua comporta. ser um só dialeto (sintópica). respeito. Grosso modo. A seguir. Uma língua histórica — como a portuguesa. não basta para uma perfeita descrição estrutural da língua encará-la enquanto técnica sincrônica do discurso. Entra aí a influência do Círculo Lingüístico de Praga. a diferença entre língua escrita e língua oral. o problema das vogais temáticas e das desinência de gênero (livro/aluno em Oposição a zero/ /aluna). e não numa língua histórica em sua plenitude (por ser uma coleção de línguas funcionais). e assim puderam os compêndios gramaticais de língua portuguesa distinguir derivação de flexão (mormente na descrição do gênero nos nomes). francesa. Não pautado por simples xenofobia (como. os dialetos sociais (Ou variedades diastráticas). alguns teóricos da linguagem. num só nível (sinstrática) e num só estilo de língua (sinfásica). mais precisamente na sociolingüística. o estudo da sintaxe. mas sim um diassistema. quase individual.ria. fonologia de fonética. Assim. têm desenvolvido algumas pesquisas em questões que se mostram bastante aproveitáveis para unia melhor descrição da língua. além dos dialetos regionais (ou Variedades diatópicas). na 2 edição da Gramática portuguesa (1945) do eminente mestre paulista Mário Pereira de Sousa Lima. a conceituação da parassíntese e do hibridismo (este ainda numa flagrante confusão entre sincronia e diacronia). tomada -ria como desinência modo-temporal de futuro do pretérito do indicativo) e tantos outros fatos. é porque este. — não é bem um sistema lingüístico. tinham mostrado que a língua portuguesa podia admitir uma norma lusitana e outra brasileira. Fez-se. por erro de tradição. verdadeira gaveta de sapateiro. aquele selecionado pela norma vigente na comunidade.Mais modernamente os compêndios gramaticais vie ram. Só numa língua funcional. a colocação dos pronomes pessoais objetivos. e as gramáticas mais recentes puderam distinguir o uso idiomático do recurso estilístico. já alguns autores. . Pôde o gramático compreender que estilística não se confunde com gramática. mas até agora foram Poucos ou nenhuns os resultados de sua influência Positiva aproveitados pela gramática escolar. a língua transmitida de pais a filhos. e se aquela aparece inserida num compêndio gramatical. a rigor. de “níveis de língua” (variedades diastráticas) e de “estilos” (variedades diafásicas). vale dizer. Desejo citar aqui o conceito de língua funcional como imperativo da análise lingüística. estruturas e funções que se encontram numa tradição idiomática. episódico. A dicotomia langue/parole abriu para nós o campo fértil da estilística. este inédito. de modo que não se pode pensar que a realização idiomática só se faça ou só se possa fazer na modalidade culta. entre outras coisas. a serviço de um intuito estético. por exemplo. encerra algumas disciplinas que não lhe dizem. por exemplo. em parte. o estruturalismo americano nos pôs luz a alguns problemas de análise mórfica. um conjunto mais ou menos complexo de “dialetos” (variedades diatópicas). em livro didático. a beneficiar-se de outros ensinamentos presentes no Curso de lingüística geral de Ferdinand de Saussure: caracterização dos valores opositivos dos fone mas. distinguindo-se. como Said Ali. postergando de todo a modalidade coloquial. que. Assim. e prestou-se atenção a que a língua literária se pauta eminentemente na utilização dos recursos idiomáticos para fins estéticos. estavam os compêndios distinguindo fonemas de sons. se não estou engana do. estudava-se. como Eugenio Coseriu. a versificação. A gramática gerativa e transformacional se preocupou em reformular. aparece pela primeira vez entre nós. refletindo-se. mas precisa ainda apresentar-se unitária e homogênea. por exemplo. os procedimentos para a análise lingüística sincrônica e dia. consegue distinguir “desvios” dessa técnica. Lyons (língua e lingüística Zahar. Lingüistas do porte de Saussure. construções como há fatos tem fatos / têm fatos / houveram fatos. que se pare para pôr em discussão este ponto: por que a língua portuguesa está cada vez menos conhecida de nossos alunos? Tentarei ressaltar brevemente alguns pontos que considero nevrálgicos para um melhor desempenho dos professores egressos de nossos cursos superiores de Letras. ou de teoria da comunicação. sem uma análise mais profunda. desde os início da lingüística contemporânea. em sala de aula. características que o fazem diferir do adjetivo em francês ou em inglês. pois que o conceito de adjetivo deve ser o mesmo em todas as línguas.} vem prestando ao desenvolvimento de sua disciplina” (p. 101). E importa lembrar que o mesmo lingüista. as línguas. por exemplo. 1982) declara que “ultimamente os lingüistas vêm adotando uma perspectiva mais equilibrada quanto à contribuição que a gramática tradicional [ . de modo algum. adotar como normais na gramática escolar “desvios” da chamada língua só pelo peso da sua freqüência na chamada língua coloquial ou familiar. por exemplo. a glotodidátjc não pode. que se distribuem por línguas funcionais diferentes. para que o professor de português. não se preocupe em defini. levando-se em conta a política do idioma a ser adotada na escola. dentro do objetivo de construir uma teoria da estrutura e das funções da linguagem e das línguas. sem dúvida. Dizemos em especial. é o conceito e limites da disciplina. ao lado de uma técnica que considera normal como sua. O que se quer que a lingüística informe ao futuro professor de línguas. Talvez na língua funcional que utilize há fatos. caberá à gramática normativa. a natureza da linguagem e o concretizar-se através das línguas. Infelizmente muita gente não traça com a devida segurança os limites desses campos. suas regularida e seu devenir na história. A gramática escolar deverá. porque o que em geral ocorre é que todo falante. a abordagem tradicional é pelo menos tão boa quanto qualquer outra alternativa que tenha sido até agora apresentada” (Id. por exemplo. ibid. assim. A lingüística e disciplinas afins Em primeiro lugar. determinar que língua funcional será objeto de sua descrição e que línguas funcionais servirão de confronto nos “desvios” a serem apontados aos seus leitores. A língua portuguesa admitirá. p. compete à lingüística é ser o pelourinho da gramática tradicional. Lingüística e gramática tradicional O que. com o auxílio da lingüística. declara. que pertencem a outras línguas funcionais existentes na referida língua histórica considerada em sua plenitude. isto é. apesar de paradoxal. a aula de língua portuguesa numa aula de lingüística de objetivos bem diferentes. mas não pretendem substituir esse professor pelo professor de lingüística. . precisar que técnica lingüística unitária e homogênea deverá descrever em especial. 5 O ensino de língua portuguesa nos cursos universitários Ê justo. dentro das limitações da sua proposta pedagógica é Mais recentemente.. enquanto chegar em casa só apareça naquelas outras línguas funcionais onde ocorre tem fatos / têm fatos ou houveram fatos. dentro de sua língua histórica. já ressaltaram as qualidades da gramática tradicional. falando do conceito de flexão. E assim por diante. o adjetivo em português. também se registre a regência chegar a casa. apontandolhe os erros mas não a enriquecem com sucedâne mais eficazes. o fato lingüístico e seus aspectos teóricos. 47). carreiam elementos imprescindíveis e indispensáveis à formação do professor de língua portuguesa.Partindo deste conceito de língua funcional. entre outros temas. insistir nas características do comporta mento desta classe em português. . deve sim. é “plurilíngüe” ou “poliglota”. Desse modo..crônica e seus reflexos na teoria da gramática geral e da gramática particular de uma dada língua. acerca da gramática tradicional: “Se bem explicada e precisamente formulada. a lingüística e disciplinas afins. e transforma. senão danosas. pela mesma razão pragmatista que sempre acompanha o aprendizado de uma outra língua. em se tratando da língua materna a serviço da escola. não basta que os professores e alunos se contentem com a simples e balbuciante transmissão de idéias e sentimentos. . O conhecimento da língua portuguesa Os erros apontados acima extrapolaram os limites dos alunos e chegaram ao próprio professor de português que. porquanto a universalidade dos idiomas se patenteia na sua oralidade. de emprego de pronomes (“para mim fazer. Que a língua coloquial esteja presente no ensino da língua estrangeira. É claro que. sob a orientação segura e eficiente do professor de língua portuguesa e de todos os agentes com que conta para tal fim. falando ou escrevendo.Uma nomenclatura que se aplica ao lingüista pode ter utilização restrita na aula de português. . em especial para a língua escrita. que presidirá à produção lingüística do educando. tornando o novo texto bem mais com plexo de entendimento do que o original. porque aí o aluno tem de se adequar à realidade única que o professor lhe põe diante dos olhos. Como conseqüências perigosas. Quando alguns traduzem. deve centrar sua atenção no padrão culto. compreende-se. Que o lingüista enfatize a língua oral. com graves prejuízos para a orientação do ensino do português. acabaram eles mesmos por desconhecer esses padrões. língua coloquial e língua culta. b) o embaralhamento do conceito de norma lingüística. mas de pequeflir1as noções de conjugação de verbo (“quando eu ver. da antiga geração de mestres —. e confundi-los é minimizar a potencialidade dos recursos do aprendizado do vernáculo. Daí advém um grave erro que se está incutindo na aula de português: tratar a língua materna (e ensiná-la!) como se fosse uma língua estrangeira. Mas. pode mos citar: a) o empobrecimento da língua escrita culta nas atenções do professor.“). fazem-no para um pidgin de difícil filiação. que tornam perplexo qualquer professor da “velha guarda”. pautada pelos padrões lingüísticos que vigem nas pessoas escolarizadas e que se esperam do desempenho de uma pessoa culta ou aspirante a esse nível de cultura.° graus. Língua materna e línguas estrangeiras Outros — com pior conseqüência — não conseguem fazer a distinção entre o ensino da língua materna e o ensino das segundas línguas ou línguas estrangeiras. Não é raro ouvir-se de um mestre entrosado com as idéias de Saussure. A esse saber lingüístico prévio a escola acrescenta uma língua adquirida. Vê-se que se confundiram os conceitos e níveis de língua oral e língua escrita. principalmente à escola de l.° e 2. Tem-se de compreender que o professor de português não é o único agente de que dispõe a escola para deflagrar o aprendizado da língua vernácula. por exemplo. ensinando a desacreditar os padrões da língua escrita e culta. É claro que não falamos aqui do “rancismo” gramatical. em SINTAGMA a pílula salvadora para combater todos os males de um péssimo ensino da língua materna. bem conhecemos as razões que o levam a isso. esse nível de aprendizado já lhe é conhecido pela espontaneidade da língua transmitida no lar e no convívio da comunidade lingüística em que se desenvolveu o aluno. Mas o professor de língua portuguesa. . mas muita gente vê. é que cabe ministrar esse ensino. algumas das quais nocivas à própria eficiência da comunicação. aliás. do mau emprego da lingüística na aula de português. sem desprestigiar o valor da língua coloquial — erro. HjelmsieV e Jakobson uma série de 0 em péssimo português. .“). Sabemos todos que a metodologia difere num e noutro ensino. E à escola. . no tocante à língua materna. em língua estrangeira. uma grande vítima que é o futuro professor. essas instituições fazem. aliás. para só falar dos de língua inglesa. Outras vezes. deve a Universidade.Esses são os engastados na ciência lingüística. através do aturado convívio dos clássicos brasileiros e portugueses de todas as épocas. . Torna-se importante que as autoridades federais. um Yakob Maikiel. estamos cedendo a palma aos estrangeiros que vão estudando a língua portuguesa mais que os nacionais. o que acontece? Conviver com os bons autores. um Serafim da Silva Neto. Os colégios de aplicação Outro ponto que há de merecer a acurada atenção dos cursos de formação de professor de língua portuguesa é o que diz respeito aos procedimentos pedagógicos a serem utilizados em sala de aula. cuja ação negativa se desdobrará no insucesso das aulas e na insatisfação de seus alunos. um Ismael de Lima Coutinho. depois de expostas e amplamente debatidas. um conjunto de condições favoráveis que permitem o sucesso no desempenho da ação universitária. possam ser introduzidas experimentalmente em sala de aula. senão um Harri Meíer. no estudo. gramáticos professores. escritores. primam no vernáculo. com os seus isolamentos. Com as sempre raríssimas exceções. na gloto didática. entre o magistério brasileiro. entrosamento que será salutar para o bom desempenho do futuro professor. o entrosamento existe. Entre nós. uma pseudociência. um Sapir. um Giuseppe Ta vani. como a entendem. se lhe faltam as condições mínimas do saber didático-pedagógico que lhe permitam desvendar ao aluno os segredos de sua ciência. com isto. quem dentre nós estuda a tradição dos temas que preocuparam um Said Ali. um Bloomfieid. um Joseph Piei. todos estrangeiros? Por tudo isto. um Antenor Nascentes. isto é. bibliotecários. E. ao contrário. um Sousa da Silveira. Pouco aproveita o profundo conhecimento teórico que o professor venha a ter de sua disciplina. e é mais cômodo bater a estrada conhecida do que retroceder e adotar métodos e procedi mentos mais eficazes. do que acontece nos países onde a verdadeira lingüística está em pleno apogeu. é tido como sinal de “cafonice”. por exemplo. estaduais e municipais de ensino concorram com os subsídios necessários para que se criem. políticos e quantos técnicos existam. mas chega ao aluno universitário muito tarde. entre nós. de algum modo. filólogos. um Fries. um Joan Corominas. Os verdadeiros lingüistas. veja-se. voltar à tarefa de transmitir os padrões da língua escrita culta. fez soçobrar a filologia. Com essa ignorância. o padrão da língua culta vai sendo esquecido por aqueles que a deveriam saber por profissão. um Bolinger. Isto se consegue com o inter-relacionamento dos institutos de com as faculdades de educação e com os colégios de aplicação. Esse tipo de lingüística. Falta o suficiente entrosamento dos cursos de Letras e da prática dos colégios de aplicação. um José Oiticica. que é. para o exame da validade e alcance pedagógicociefltí Estas publicações de aparência modesta seriam o lugar certo para que lingüistas. possam trazer à discussão temas e problemas das especialidades que. modestas revistas — mas de rigorosa publicação periódica — que se constituam num foro de idéias que. na pesquisa e nos seus reflexos na pedagogia do ensino de línguas. educadores. antigos e modernos. quando escrevem. os aproximam. nas aulas de língua portuguesa. Vivemos num clima de desconfiança ou de auto-afirmação. ao lado da descrição científica de sua gramática. filósofos. O foro de idéias Acredito que nos está faltando a ATMOSFERA UNIVERS1TA vale dizer. a diversidade interna da língua. na comunicação escrita.). por exemplo. o ar através do qual se transmitem esses signos ou. apesar de toda sorte de desamparo que. A língua é um código. é. na comunicação oral. o desenho. pelo qual o canal das inovações. na Universidade. e não de estrutura. . numa mesma língua histórica (v. é a gramática que investiga o nível individual da linguagem. Competência: termo utilizado por Chomsky (ingi. tem-se mostrado vigilante no seu aperfeiçoa mento e confiante em dias melhores. “Corpus”: determinado texto ou conjunto determinado de textos objeto de investigação e análise. em sentido restrito. Código verbal: é o sistema de signos convencionais constituído pela língua (os sons e os sinais escritos). sob pena de encontrá-lo in capaz de lutar pela sua redenção. Contexto: conjunto de outros elementos ou condições que estão relacionados com um elemento do discurso e que contribuem para dar-lhe ou precisar-lhe um significado.mente. a coexistência. gíria). uma página de texto. texto): o que apresenta correção gramatical que se pode apontar como padrão esperado nas pessoas de cultura e que. de filologia e gramática. Através da aná lise gramatical. estaríamos corrigindo uru erro muito difundido entre nós. Mas a verdade é que esse professorado já está dando mostras de certa inquietude e de certa desilusão. uma língua especial baseada num “vocabulário parasita que empregam os membros de um grupo ou categoria social com a preocupação de se distinguirem da massa dos sujeitos falantes” (Marouzeau apud Matoso Câmara. possui. gíria e jargão ou o inglês slang. gramática). de um texto determinado.). ou. como a gesticulação. por isso. Arquitetura das línguas: segundo o romanista norueguês Leiv Flydal. em oposição a códigos não-verbais. Assim. tem recaído sobre os seus ombros. o emprego dos verbos haver e ter nas orações de valor existencial (há livros. “Argot”: o mesmo que o port. O nosso professorado. como comprova a fuga do magistério em direção a outras ocupações de salários menos vis. 6 Vocabulário crítico Ágrafa (língua): aquela que não possui escrita. tem livros) é um fato de arquitetura. deve despertar para os problemas que afligem o professorado. Análise gramatical: segundo o lingüista Eugenio Coseriu. Contacto (ou canal): meio pelo qual são transmitidos os signos do código. mas não de solução impossível. este tipo de gramática identifica as funções gramaticais efetivamente expressas num dado texto (cf. A sociedade brasileira. Clássico (escritor. isto é. Dic. Os problemas são muitos. através de todas as suas agências de educação.) distintas. que é o uso efetivo da língua realizado pelo falante. mais do que é possível suportar. Isto porque as soluções estão tardando mais do que deviam. como ensina Coseriu. arquitetura se distingue de estrutura das línguas (v. s. Código: sistema de signos convencionais que permite a organização da mensagem emitida pelo falante e en tendida (descodificada) pelo ouvinte. Estimulo ao magistério Focalizamos aqui apenas alguns aspectos dos problemas que afligem. competence) para indicar o conjunto de conhecimentos lingüísticos que o falante. como. por servir a uma comunidade que não atingiu certo nível de civilização.Com isto. Isto já é um bom sin para o êxito de uma reação inteligente. por exemplo. porque são fatos que pertencem a línguas funcionais (v. renovações e revoluções da ciência e da pedagogia seja o livro didático destinado a inocentes vítimas do processo reformista: os pobres. mais ou menos inconsciente. incautos e desprotegidos alunos. de formas diferentes para funções análogas ou vice-versa. pode servir de linguagem modelar nas classes escolares. a formação dos professores de língua portuguesa.v. por todos esses anos. e se contrapõe a performance. os sinais mecânicos etc. no sujeito falante. Em certos autores. que pode usar indistinta mente qualquer das línguas.) e dia (v. À unidade integrante das variedades diatópicas chama-se sintópica. que resulta do estudo do historiador da língua. stratum “camada”). São exemplos. como. À unidade integrante das variantes diastráticas chama-se sinstrática. Podem-se apontar diferenças dentro de algumas dessas variedades. para designar as variedades “estilísticas” entre os diversos tipos de modalidade expressiva (do grego diá “através de” e phásis “expressão”). entre a linguagem corrente e a linguagem burocrática ou oficial. um tipo “sulista”. Difere do bilingüismo à medida que este pressupõe a coexistência de códigos lingüísticos diferentes. Diacronia: consideração que se faz da língua em seu desenvolvimento histórico. chamado composição. dentro da própria poesia. do dialeto regional e da língua comum oficial.). . Flydal para designar as variedades de “níveis” entre os diferentes estratos socioculturais de uma comunidade lingüística (do gr. As variedades diastráticas são mais acentuadas em sociedades onde há profundas diferenças entre as diversas camadas sociais. À unidade integrante das variedades diafásicas Coseriu chama sinfásica. já que as novas formas com prefixos passam a integrar outro processo criativo. na comunicação. entre outros. mais fáceis de delimitação nas -variedades das línguas históricas f ala das por países diversos. havendo constantemente a possibilidade de uma não coincidir com a outra (cf. diá “através de” e lat. estreitamente ligada com sua correta socialização.Derivação: processo de formação de novas unidades léxicas com auxílio de prefixos e/ou sufixos ou.) e dia! ásicas (v. própria dos falantes. Para muitos autores. de variedades diafásicas as diferenças entre língua falada e língua escrita. além da materna. sincronia). Ecdótica: denominação introduzida por H. e. à semelhança dos termos diatópica (v.) ou. enquanto outros consideram diglossia a aptidão que uma pessoa demonstra em usar outra língua. São exemplos de variedades diastráticas as diferenças entre língua culta e língua popular. com seu desenvolvimento psicomotor e com a maturação de todas as suas capacidades expressivas e simbólicas. para outros teóricos. produz uma mensagem segundo as regras do código utilizado. língua “de uso” (ai. Emissor: aquele que.) que integram uma língua histórica (v. Diastrática: denominação proposta pelo romanista norueguês L. ecdótica é sinônimo de crítica textual.). Quentin para designar a disciplina que estabelece as normas método lógicas e que preside à pesquisa dos problemas técnicos inerentes a edições de textos antigos e modernos. em português. entre o modo de falar familiar e o solene. diglossia é entendida como sinônimo de bilingüismo. Educação lingüístiCa: atividade que tem por objetivo o desenvolvimento das aptidões verbais do sujeito falante. Diassistema: conjunto mais ou menos complexo de variedades diatópicas (v. no sujeito falante. adquirida na escola. Descrição (a respeito de línguas): procedimento de análise pelo qual se procura precisar as funções das cate gorias verbais próprias de uma língua e descrever o esquema material de sua expressão. Desinência zero: ausência de traço formal ou semântico numa unidade lingüística que se opõe a outra unidade dotada desse traço. como o português do Brasil e de Portugal. Umgangssprache) e língua literária. a diferença entre poesia e prosa. por exemplo. só com sufixos. Descrição funcional integral: descrição que aspira a dar uma idéia precisa do saber idiomático efetivo dos fa lantes de uma língua histórica. com vistas a assegurar-lhes a originalidade e a exatidão textuais. existe uma diacronia subjetiva. Diatópica: denominação proposta por Flydal para designar as variedades de “dialetos” entre os diferentes espaços geográficos em que uma língua histórica é falada (do grego diá “através de” e tópos “lugar”). Diglossia: possibilidade de coexistência. a diferença entre poesia lírica e poesia épica etc. e uma diacronia objetiva. As variedades diatópicas podem ser apontadas •nos tipos regionais de língua comum (um tipo “nordestino”. um tipo “carioca” etc. diastráticas (v. a desinência de singular em livro é zero por não conter a desinência de plural que aparece em livros. na língua literária. como.). Dia fásica: denominação cunhada por Eugenio Coseriu. o lingüista russo Roman Jakobson relacionava-as aos elementos necessários da comunicação: emissor ou remetente (função emotiva). a denominação se aplica ao estruturalismo americano de feição bloomfieldiana (orientada pelo lingüista Leonard Bloomfield). suas funções e procedimentos gramaticais. K. subtrair.pessoal (para estabelecer uma interação entre a pessoa e os outros. individualizando em função da nossa linguagem” (Matoso Câmara).). heuristica (indagação da realidade para agir como instrumento na solução de problemas). A conceituação e a especificação das funções variam de acordo com as diversas correntes teóricas da lingüística. Entre os gerativistas. Ao lado dessas três gramáticas científicas. receptor ou destinatário (função conativa). Funções da linguagem: diversos fins que são atribuídos aos enunciados. no contexto (função referencial). chamada gramática normativa (v. inter. no contacto (função tática) ou na mensagem em si (função poética). a maneira típica por que nos exprimimos lingüisticamente. XIX e ainda hoje entre nós. Glotodidática: disciplina que. baseada em critérios lingüísticos. finalmente. Hailiday. definir. Já o lingüista inglês M. teremos três tipos de gramática: a gramática geral (designação preferível a universal). alternar ou reduplicar morfema dentro do radical (flexão interna). tem por objeto o ensino das línguas — materna ou estrangeiras. como ensina Coseriu. sem esgotar o assunto. a gramática descritiva (v. Gramática gerativa e transformacional a que trata das relações. no esquema de K. Estilo: “lato sensu. há uma de pura seleção da norma culta. a ponto de determinar que se faça ou se deixe de fazer algo desse modo. a decepção e a persuasão). e não de outro). em estreita ligação com o grupo de Basil Bernstein. subjetivamente selecionadas e fixadas por larga tradição entre os falantes de nível superior de uma comunidade.) e a análise gramatical (v. Gramática geral: ramo da lingüística teórica que estuda os fundamentos dos conceitos gramaticais. mas descrever as categorias verbais depreendidas numa dada língua. para manifestar o humor. Gramática normativa (também chamada do bom uso): corpo de recomendações de como se deve dizer. ao código (função me talingüística). o histórico (correspondente a uma língua histórica) e o individual (correspondente ao discurso ou texto). Gramática tradicional: denominação vaga que se aplica à tradição teórica ou à prática de descrever uma língua desenvolvida por uma corrente do passado. as funções e os procedimentos gramaticais. Flexão: procedimento morfológico que permite variar um vocábulo para expressão de determinadas categorias gramaticais existentes numa dada língua. expressamente das relações de equivalência entre estrutura superficial e a chamada estrutura pro funda. a denominação se refere à tradição . apresentou proposta. Estrutura das línguas: segundo Flydal. Assim. Gramática: disciplina lingüística que estuda os atos lingüísticos nos três níveis da linguagem distinguidos por Eugenio Coseriu: o universal (correspondente ao falar em geral).). Não lhe cabe. fato que consiste na existência de correlaçõeS sistemáticas (traduzidas por oposições funcionais na expressão e no conteúdo) das unidades de uma mesma língua funcional (v. imaginativa (para estabelecer uma relação entre a pessoa e seu ã e.). O psicólogo alemão Karl Bühler apresentava um esquema tripartido: presefltaÇã0. Este procedi mento pode consistir em acrescentar morfema fora do radical (flexão externa). A. Gramática descritiva: estudo das tradições lingüísticas consideradas como sistemas. expressão e apelo. pessoal (para manifestar sua própria individualidade). Bühler. de sete funções: instrumental (uso da língua para obter que certas coisas sejam feitas). É uma gramática que tem finalidades didáticas. impor status ou contestar um status imposto. especialmente no uso escrito.Estilística: disciplina que estuda a língua nas suas funções de “expressão” e de “apelo”. entre os comparatistas do séc. o ridículo. representativa (para fazer uma comunicação sobre alguma coisa). enquanto a gramática a estuda na função “representativa”. reguladora (para regular o comportamento de outrem. enquanto a norma da gramática normativa se opõe a incorreto. Língua familiar/coloquial: modalidade de língua. Registro: utilização que cada falante faz dos níveis de língua para adequar-se ao saber idiomático do interlocutor. como diz Matoso Câmara. em geral. vale dizer. estudada só num momento determinado do seu devenir histórico (cf. aplica-se a uma língua mista falada nos portos da China (pidgin-English).). que se superpõe às variedades regionais. diacronia). Língua histórica: conjunto constituído historicamente de técnicas lingüísticas em geral não homogêneas. mas que apresentam uma unidade ideal e assim identificadas pelos falantes dessa língua: língua portuguesa. Língua culta/padrão: modalidade de língua. Norma: tudo o que espontânea e prontamente se diz numa comunidade lingüística. considerado enquanto técnica. A norma lingüística se opõe a anormal. Sinfásica: (cf. e constitui o substrato da língua comum ou nacional. uma variedade sintópica (v. na comunicação. Saber elocucional saber falar em geral. Sintópica: (cL diatópica). isto é. “serve para as comunicações mais elaboradas da vida social e para as atividades superiores do espírito”. de expressão espontânea entre pessoas escolarizadas. Hibridismo: procedimento de formação lexical com ele mentos oriundos de línguas diferentes.). língua espanhola. especial mente oral. Receptor ou destinatário: aquele que. recebe e descodifica uma mensagem elaborada dentro das regras de um determinado código.) e sinfásica (v. a lingüística se adianta à sua codificação pela gramática normativa. Sinstrática (cf. Parassíntese: processo de formação lexical com utilização concomitante de prefixo e sufixo. Vogal temática: elemento acrescido ao radical e que serve de característica mórfica de um conjunto de vocábulos do mesmo grupo nominal ou verbal. sinstrática (v. Sociolingüística: disciplina lingüística que estuda as diferenças Lingüísticas em relação à estratificação social.gramatical greco-latina. segundo declarações do próprio Chomsky. diafásica). Sincronia: consideração que se faz da língua sem levar em conta o tempo. que. língua alemã etc. . com base no vocabulário inglês e adaptada ao sistema gramatical chinês. Língua funcional: língua que se delimita dentro da língua histórica e que se caracteriza por ser um corpus homogêneo e uniforme. O precursor imediato da gramática gerativa é essa gramática tradicional. língua culta). Saber lingüístico capacidade de formar corretamente orações ditas ou inéditas numa determinada língua. Padrão: (cf. em sentido restrito. especialmente escrita. Não há inteira coincidência entre as duas normas porque. diastrática). mas que não apresenta a coerência e a fixidez das formas gramaticais nem o cuidado e a elaboração do léxico da língua culta. Pidgin é a pronúncia de formada do inglês business. “Pidgin”: língua simplificada nascida do contacto de comunidades diferentes.
Report "Microsoft Word - Evanildo Bechara - Ensino da gramática - opressão liberdade"