Michael Oakeshott - Sobre a História e outros ensaios.pdf

March 31, 2018 | Author: Merindius | Category: Historiography, Pragmatism, Science, Time, Life


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H a atividade política, os homens navegam num mar ilimitado e N sem fundo; não há nem um porto pata abrigar, nem uma ensea­. da para ancorar, nem um ponto de partida, nem um destino determinado. Trata-se de permanecer flutuando numa quilha lisa; o mar é amigo e ini­ migo ao mesmo tempo, e a habilidade náutica consiste em saber empregar os recursos de um comportamento tradicional de modo a transformar ca­ da ocorrência hostil num amigo", escreveu Michael Oakeshott em Racionalismo e política (I962). Surpreendente para quem espera de um filó­ sofo político a afirmação de algum princípio racional, como a liberdade, a justiça ou a igualdade, a tese do historiador inglês - de que devemos nos preocupar com o que realmente acontece e não com o que deve ser feito - está presente em todo os seus livros, como Hobbes e a associafãO civil, Da conduta humana, Importância do elemento histórico na cristandade e Sobre ser conservador. Em Sobre a História, originalmente publicado em I983, Oakeshott reúne cinco ensaios que abordam por esse mesmo prisma temas centrais da ciência política, como a natureza da História, o primado da lei e a luta pelo poder inerente à condição humana. Para o autor, o esforço para entender o passado sem uma motivação ulterior é o que distingue o historiador de todos aqueles que baseiam suas pesquisas na busca de soluções para problemas práticos do presente. Três ensaios são sobre historiografia: "Presente, futuro e passado"; "Eventos históricos: o fortuito, o casual, o similar, o correlato, o análogo e o contingente" e "Mudança histórica: identidade e continuidade". Comple­ mentam o volume "A regência da lei" e "A torre de Babel". No primeiro, Oakeshott analisa um aspecto essencial daquela que seria uma relação ideal entre os homens. O segundo discute as diversas versões do episódio bíblico e as diferentes formas como ela foi interpretada e apropriada. Sobre a História - que o Liberty Fund, em convênio com a Topbooks, en­ trega agora ao leitor brasileiro, em edição enriquecida por um ensaio do his­ toriador Evaldo Cabral de Mello - foi o último livro publicado em vida por Oakeshott. Há 70 anos, quando se editou seu primeiro e surpreendente en­ saio, Experience and its modes (I933 ), R. C. Collingwood escreveu numa resenha: ''Tentei expor as teses do autor mais do que criticá-las, porque elas são tão importantes e profundas que a crítica deve permanecer em silêncio até que se tenha refletido longamente sobre o seu sentido. Éa mais penetrante análise do pensamento histórico jamais escrita". Isso dá uma idéia da originalidade do pensamento de Oakeshott, que foi professor de Ciência Política na London School of Economics e em Cambridge. Uma das idéias seminais de Oakeshott, presente já em seu hvro de estréia, é que não se pode reduzir todos os modos de conhecimento a um sistema único e abrangente. Para ele, a filosofia e a história. bem como a ciência e a matemáti­ ca, constituem "linguagens, mais que literaturas". Isto é, são modos específicos de abordar e interpretar o mundo, e é na perspectiva do diálogo autêntico entre essas linguagens que se realiza a autêntica liberdade. Já a atividade palítica, a ex­ pressão poética e a conduta moral são linguagens que expressam opiniões, cren­ ças, ideais, aspirações, esperanças. medos e estratégias de vida. Para Oakeshott, o desafio específico dos historiadores é deixar de lado quaisquer preocupações de ordem prática ou ideológica em sua abordagem do passado, pois uma das maiores ilusões do ser humano é a crença em sis­ temas que nos levarão à perfeição final numa terra prometida. Desafio ex- tremarnente diflcil porque, gerahnente, nosso interesse predominante não está na História em si, mas na política retrospectiva, e temos a tendência a· transformar sistemas filosóficos em Evangelhos. Essa idéia é desenvolvida no ensaio sobre a torre de Babel, uma verdadeira contraparábola, usada pa­ ra ilustrar a tese de que a pluralidade de "linguagens" constitui a própria essência da vida civilizada; os povos de Babel, portanto, não se perdem na ininteligibilidade mútua; ao contrário: associam-se para levar adiante seu empreendimento e alcançar o paraíso. Como professor universitário, Oakeshott sempre rejeitou direcionar idéias para a defesa de posições ou diretrizes políticas, bem como a análise moralizante da História e o uso ideológico da filosofia. A História, para Oakeshott, é um modo de interpretação do mundo, uma forma de investi­ gação teórica que não deve aspirar a lições, mensagens, profecias ou reéo­ mendações para assuntos práticos. Atribuir à História essa responsabilida­ de moral constitui um erro do racionalismo, como bem o deJllonstraram a evocação à Providência dos autores religiosos, os imperativos dialéticos dos marxistas e as analogias orgânicas de Spengler, Toynbee ou Burke. Portanto, não se deve fazer um uso didático nem pragmático da História, isto é, não se deve tratá-la como um estoque de virtudes, vícios e lições sobre a humanidade, o que compromete sempre o genuíno conhe­ cimento sobre o passado. A História dos historiadores não apresenta um propósito ou padrão genérico, não aponta para lugar algum, e não conduz a nenhuma conclusão prática. Ela serve para iluminar o presente na medi­ da em que este é uma combinação de resíduos do passado; mas não deve ser usada como um farol para o futuro. Quando um historiador olha uma paisagem, seus olhos devem se fixar nas suas ruínas, e não nas suas poten­ -cialidades. Merece ser sublinhada, ainda, a distinção que o autor estabele­ ce entre a associação civil e a empresarial, que permeia toda a sua reflexão política. Oakeshott compara o pensamento cristão, o islâmico e o judaico e recorre a Descartes, Spinoza e Locke para desenvolver sua teoria. Michael Oakeshott se destaca entre os filósofos políticos modernos por ter levado suas dúvidas quanto aos fundamentos racionais até os limites do entendimento humano. Mas é um equívoco classificar como cético o pensa­ mento do historiador inglês. Ao contrário, sua compreensão da liberdade decorre da opinião de que não estamos condenados a "obter e gastar", à "dança macabra das necessidades e satisfações", e de que existem diferentes maneiras de respondermos ao mundo. A original abordagem histórica de Oakeshott foi forjada pela leitura de Sócrates, Santo Agostinho, Montaigne e Hobbes, mas ele não entendia os clássicos como repositórios de conheci­ mentos e lições de uso prático, e sim como introduções a modos de pensar. Oakeshott nasceu em Chelsfield, Kent, em 1901, recebeu sua educa­ ção básica na progressista St. George's School Harpenden e se graduou em História no Caius College, em Cambridge, em 1923. Em seguida estudou na Alemanha, nas universidades de Marburg e Tubingen, e trabalhou co­ mo professor de inglês. Alistou-se no exército britânico em l 940 e quatro anos depois comandava um regimento na Holanda. Voltou a Cambridge com o fmal da guerra e nos anos 50 lecionou ciência política em Oxford e na London School of Economics, onde coordenou seminários quase até completar 80 anos. Morreu em l 990, em sua casa em Acton. Michael Oakeshott Sobre a História & Outros Ensaios Michael Oakeshott Sobre a História & Outros Ensaios INTRODUÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA Evaldo Cabral de Mello INTRODUÇÃO Timothy Fuller TRADUÇÃO Renato Rezende m� LIBERTY FUND TO � OKS Ox(ord. 2003 Originalmente publicada por Ba�il Blackwell. Copyright© Topbooks/ Liberty Fund.RJ CEP: 20091-000 Tdefax: (21) 2233-87 Í 8 e 2283-1039 www. 58 / gr.ropbooks. foc. Editor José Mario Pereira Editora assistmte Christine Ajuz Projeto gráfico e capa Victor Burton &visão Clara Diament Í11diu remissivo Joubert de Oliveira Brízida EditorafãO efotolitos Eduardo Santos Germte do programa editorial em português do Liberty Fu11d.br l mprtsso 110 Brasil . 203 .com.br / [email protected]. Rua Visconde de Inhaúma. Leônidas Zelmanovitz Foto d9 autor: Kcn Abbott Todos os direitos reservados pcb TOPBOOKS EDITORA E DISTRIBUIDORA DE LIVROS LTDA.Rio de Janeiro . Sumário PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA - EVALDO CABRAL DE MELLO ............. 11 INTRODUÇÃO DE TIMOTHY FULLER ..•.•..•...••..•••..•••...••..••..••.......•...•.•..•...... 27 TRÊS ENSAIOS SOBRE A HISTÓRIA I - Presente, Futuro e Passado . .................. .......................................... . . 43 II - Eventos Históricos Ofortuito, o causal, o similar, o correlato, o análogo e o contingente .............................................................. 99 III - Mudanç a Histórica _ Identidade e continuidade ........................................................................... I 63 A REGÊNCIA DA LEI . . ......................... ...................... ................................... I9I A TORRE DE BABEL ..................................................................................... 249 ÍNDICE REMISSIVO .............................................'........................................... 285 .- · . .. . ) :. Para todos que, ao longo dos anos, têm sido membros do seminário de história do pensamento político na London School oj Economics INTRODUÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA .A Mudan_ça da Mudan_ça Evaldo Cabral de Mello ichael Oakeshott e R. G. Collingwood foram os mais expressivos representantes da filosofia crítica da história na Inglaterra do século XX, ao reatarem com F. H. Bradley e ao romperem com a tradição positivista e empiricista que condicionou ali a reflexão sobre o conhecimento do passado. Collingwood fê-lo originalmente estimulado pela influência italiana de Vico e de Croce, Oakeshott, pela do seus estudos em Tubingen e em Marburgo, meca dos neokantianos, na Alemanha dos anos vinte. É de lamentar que, no Brasil, a filosofia crítica da história de língua inglesa seja escassamente conhecida. Basta dizer que a presente edição de On History and Other Essa ys é a primeira obra de Oakeshott a merecer tradução brasileira. Quanto a Collingwood, só é lido na velha edição de The Idea oJ History, compilada pouco tempo depois do seu falecimento em I 943 por T. M. Knox, que estranhamente não incorporou textos fundamentais que se encontravam entre os papéis do filósofo. E, contudo, tanto o pensamento de Collingwood quanto o de Oakeshott são um corretivo indispensável às tendências que dominaram a filosofia crítica da história no decorrer do século XX, a da filosofia alemã herdeira de Dilthey, Rickert e Weber; e a da teoria nomológico- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü UTRO S E N S A I O S II dedutiva; e, o que é mais importante, correspondem de perto à realidade da prática historiográfica. Em 1 933, Oakeshott publicou Experience and Its Modes, o que lhe valeu, ainda j ovem, grande nomeada no meio universitário. Collingwood, que não era homem de elogios fáceis, reputou-a "o preamar da reflexão inglesa em matéria de história". A tese central do livro é a de que a apreensão da realidade faz-se de diferentes maneiras, cada uma das quais constituindo um universo de discurso, que, ademais, é irredutível e, portanto, inassimilável pelas outras ou por uma única maneira ou discurso. Na definição de Oakeshott, cada modalidade representa "a experiência humana reconhecida como uma variedade de categorias de discurso independentes e autoconsistentes, todas elas uma invenção da inteligência humana, mas todas também compreendidas como abstração e interrupção da experiência humana". Embora em princípio as modalidades sejam inúmeras, Oakeshott concentrou-se em quatro, a história, a ciência, a prática e a estética, recusando-se, porém, a estabelecer qualquer hierarquia entre elas. A história exerceu uma fascinação perdurável sobre a filosofia de Oakeshott, mesmo quando abandonou relativamente cedo na vida suas fun ções de professor ass is tente de história na Universidade de Cambridge para ensinar filosofia política, área a que dedicou o melhor da sua atividade intelectual. Basta observar as referências a obras historiográficas com que o leitor topará nestas p áginas, referências que indicam a abrangência e a atualidade das suas leituras. Após a publicação de Experience and Its Modes, Oakeshott escreverá dois importantes textos sobre a história, em 1 95 8 'A atividade de ser um historiador', incluído M I CHA E L Ü A K ESHOTT 12 na coletânea intitulada Racionalism in Politics; e os três primeiros ensaios que formam Sobre a Hi;tória, baseados nas suas lições de história do pensamento político na Universidade de Londres, lições em que teve a oportunidade de repensar, refinar e ampliar as formulações contidas nos trabalhos precedentes. O interesse de Oakeshott concentra-se, portanto, na história como modo distinto de entendimento, o que equivale a dizer que a sua é uma filosofia crítica da história, isto é, do conhecimento histórico, não do passado histórico. História neste contexto não é a narrativa da experiência humana através dos séculos, mas uma modalidade específica de conhecimento, cujos pressupostos necessitam ser explorados, sem resvalar para uma metodologia da investigação histórica e muito menos sem ambicionar impor regras ao historiador. Oakeshott parte da distinção fundamental entre o que designa por passado prático e passado histórico, que se diferenciam pela sua vinculação ao presente. A evocação do passado que se contém num e noutro pressupõe procedimentos diversos. A existência quotidiana comporta indefectivelmente referências a muitos passados, a começar pelo passado encapsulado, que é o somatório de todas as experiências do indivíduo e que mantém com ele uma relação que independe da rememoração, como na herança genética. O passado também pode ser o passado lembrado, que é o da memória involuntária, digamos como em Proust; e um passado consultado, que pode ser trazido à tona da consciência mediante um esforço deliberado, como na psicanálise. Lado a lado com estes passados, o presente incorpora igualmente os vestígios materiais que encontramos na paisagem, nos museus e nos arqmvos, uma . . S O BR E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A IOS 13 ponte romana, um quadro do século XVIII, o documento de um acervo, um livro de memórias, todos capazes de serem estimados pelos divers os ângulos do prazer contemp lativo, da sua instrumentalização para fins práticos ou do incentivo que proporcionam ao conhecimento humano. Todos esses passados compõem o passado prático, que pode ser definido como o passado do presente-futuro, ou dito de maneira menos abstrusa, o passado que pode ser manipulado pela ação humana com vistas à realização de objetivos vitais. Lembra, contudo, Oakeshott que o passado prático não é o único, malgrado o que pretenderia uma filosofia da existência de sabor heideggeriano, para quem os universos do discurso decorreriam todos do discurso da atividade prática. Foi precisamente a incomunicabilidade dos universos do discurso que criou a possibilidade de uma compreensão do passado histórico na sua autonomia relativamente ao passado prático, permitindo o aparecimento do ofício de historiador e as ciências históricas na sua autonomia e especificidade. Passado prático e passado histórico têm, porém, em comum o fato de começarem no presente. O presente de um historiador consiste na sua convivência regular e profissional com os vestígios do passado, ou, como ele preferiria dizer, com suas fontes. A peculiaridade do entendimento histórico é a exclusiva preocupação com o passado, pois o entendimento prático só parcialmente ocupa-se dele, ao passo que o entendimento estético nunca o faz. Em termos de ação, o presente está povoado de uma multidão de objetos encarados como aptos a satisfazerem as necessidades humanas, inclusive no caso daqueles objetos que são vestígios do passado e que satisfazem nossa inclinação estética, como a escultura grega. Por outro lado, M I CHA E L Ü A K ESHOTT em termos de conhecimento histórico, o presente do historiador compõe-se de objetos que, sobreviventes de épocas anteriores, proporcionam o único acesso a elas. É certo que o presente do historiador também contém objetos que se caracterizam por sua utilidade, qual sej a, o computador em que trabalha; e é certo também que ele pode levar a cabo seu estudo tendo em vista a publicação de um livro ou o atendimento de compromisso editorial, mas tais condições são irrelevantes. Oakeshott denomina passado registrado ao conjunto desses objetos, que corresponderam no seu tempo a realizações humanas, e que, como tais, foram manifestações performativas de um presente-futuro passado de compromisso prático. O pote que estuda o especialista na civilização minóica foi originalmente fabricado no propósito de suprir água a um indivíduo e sua família; o relato de uma guerra civil foi redigido para defender a posição de um dos lados na disputa frente à autoridade superior que detinha a última palavra sobre a questão. Mas essas manifestações per­ formativas também podem ter sido expressões 'desinteressadas', como uma reflexão filosófica, um poema ou uma obra de arte. Não esqueçamos, porém, a distinção entre passado registrado e passado prático. O passado prático não pode aspirar a ser passado nem pode libertar-se da sua condição de presente-futuro, tendo em vista que se compõe de objetos que são estimados em termos de fins práticos, ocupando uma função concreta na existência quotidiana. O passado prático "é o conteúdo atual de um vasto depósito no qual o tempo continuamente despeja as vidas, as expréssões, as conquistas e os sofrimentos da humanidade". Um conteúdo que é, por conseguinte, diverso do conteúdo do passado S O BR E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S como veremos. Como quer que seja. É um ingrediente indispensável a uma vida civilizada articulada. como diz Oakeshott. Como Collingwood. que nem p o r isso compromete sua qualidade. de um passado registrado. o historiador detém-se num objeto não porque o considere sagrado. Oakeshott insiste neste caráter inferencial do conhecimento histórico. para quem o passado histórico não é o produto da dedução ou da indução científicas mas da inferência. constitua um artefato útil ou de contemplação prazerosa. do passado registrado. O passado histórico tem assim outro feitio. ou porque proporcione sabedoria. em meio ao passado registrado. sendo antes de tudo um passado inferido. um presente de objetos reconhecidos como tendo sobrevivido. ainda há um longo trajeto a percorrer que conduz do passado registrado ao passado histórico. de vez que a técnica historiográfica permite fazer com que as fontes 'falem'. Mas.registrado pressuposto pela investigação histórica. no propósito de esclarecer um problema concreto. A investigação histórica tem início quando. A obscuridade que envolve o passado registrado deve ser preliminarmente dissipada para que o historiador possa encetar a etapa essencial que consiste em inferir um passado histórico de um conjunto de evidências circunstanciais. Nas palavras de Oakeshott. pois. suprindo satisfatoriamente a existência de evidências diretas. e está é a "porta dos fundos". Mas é categori­ camente distinto tanto dos sobreviventes que compõem o presente de uma investigação histórica quanto de um passado historicamente entendido que deles pode ser inferido". "o que chamei de passado prático é. mas simplesmente M I CHA E L Ü A K ESHOTT . isto é. toda investigação histórica só dispõe de uma porta para o passado. ademais. mas perguntar por que carece de fidedignidade. o historiador não deve jogá-la no lixo. Em seguida. distinção que. a responder às mais diferentes perguntas. servindo. isto é. prestando-se ao que Marc Bloch designava por leitura tortuosa. ele se pode deter numa ocorrência histórica. embora ele não empregue jamais estes termos. Só terminada esta fase preliminar (que. explora a vida religiosa do período num documento de natureza fiscal. o que constitui no que Oakeshott chama "uma fo nte oblíqua de informação". Para tanto é necessário familiarizar-se com a linguagem e a condicionalidade deste texto. Mas. O historiador tem dois caminhos pela frente. ou. ao contrário do que advogava a crítica das fontes de sabor positivista. a tarefa consiste em determinar a veracidade das informações através da acareação das fontes. com Collingwood. que repudiava toda aquela que contradissesse a veracidade estabelecida através das outras. mas eles não são jamais neutros. um conjunto de circunstâncias e de S O B R E A H I S TÓR I A & Ü U TR O S E N S A I O S 17 . contudo. em última análise. pois um documento inconfiável é tão útil quanto seu oposto para o esclarecimento de um evento. Se o objetivo final da investigação é o de responder a determinada indagação. mediante' a qual um historiador vai à cata de informações sobre agricultura medieval num texto meramente hagiográfico. reduz-se à oposição entre sincronia e diacronia. de imediato. graças ao seu caráter heterogêneo. podemos denominar filológica) do trabalho historiográfico. Em primeiro lugar. a investigação especificamente histórica pode ser finahnente encetada. a que diz respeito a urna 'situação' e a um 'evento' históricos. Oakeshott introduz outra importante distinção.porque é o vestígio de uma manifestação humana. vice-versa. Muitos destes vestígios são textos que relatam acontecimentos ou situações. ou A Espanha na Vida Italiana do Renascimento. 'a Revolução francesa'. Nesta ótica. quer sob a forma de situações breves. uma posição insólita. 'a crise do século XVII'. em história. algo tão questionável quanto o exclusivismo de Collingwood de reduzir a ação histórica à ação racional. ou seja. dando-se ênfase à estrutura. seu problema reside em que ela acomoda mal a diacronia. a sincronia oferece recursos valiosos ao historiador. não a sincronia. em que elas praticamente não se verificam. desde que não se isole nela. tais ocorrências inserem-se numa situação histórica. do tipo da longue durée braudeliana.contram habitualmente. de Huizinga. para só mencionar alguns dos precursores notáveis desse tipo de investigação. a diacronia. combinando-a incessantemente com a dimensão diacrônica. de Croce. é o verdadeiro recurso historiográfico. Tais são as situações que o historiador costuma designar mediante etiquetas como 'a Reforma'. pretensão que. O leitor depara-se aqui com o que pode ser reputado a faceta mais controvertida da reflexão de Oakeshott. O Outono da Idade Média. ainda provoca polêmicas acaloradas. Por sua vez. a mutação. M I C H A E L Ü A K E S H OT T 18 . etc. Não há dúvida de que. 'o Iluminismo escocês'. como A Cultura do Renascimento na Itália. mesmo quando admitidas. de Burckhardt. como se sabe. A recusa de Oakeshott em admitir que a 'situação histórica' constitua objeto legítimo do conhecimento histórico o empobreceria fatalmente e equivaleria a expulsar das estantes de história várias das obras-primas que ali se en. para Oakeshott.relações. que é um conjunto de ocorrências contemporâneas. Embora a situação histórica não seja algo fantasioso ou subjetivo e proporcione certo grau de inteligibilidade histórica. relacionadas entre si. as mudanças tendem a ser descartadas. de vez que. seja sob a forma de fases prolongadas. Trata-se. a qual. Os eventos. inclusive no tocante a um campo que tem toda a aparência de ter sido exaustivamente explorado. escusadQ assinalar. Para Oakeshott. se o conhecimento histórico progrediu substancialmente ao assimilar métodos sincrônicos. o conhecimento histórico tem unicamente a ver com o que designa por 'eventos históricos' e pelas conjunções de tais eventos. portanto. Mesmo a história política num país como o Brasil. sob a forma de antecedentes e subseqüentes. já não se tratando de explicar um passado de sincronias. ou em regressar à velha história factual. Retornando à argumentação de Oakeshott. está longe de haver sido submetido a um exame verdadeiramente rigoroso das suas concatenações temporais. cabendo ao historiador determinar na série de antecedentes a conexão (ou a 'passagem de eventos'. como também foi alegado contra Collingwood. S O B R E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S . o estudo do evento histórico é algo bem diferente do estudo da situação histórica. que semelhante perspectiva redunde em privilegiar a história política. lembrando que. Não se conclua. porém. na linguagem de Oakeshott) que se ache significativamente relacionada ao subseqüente. como a história da Independência. Caberia reforçar o argumento de Oakeshott. nada tem a ver com o binômio causas e conseqüências. A antecedência não constitui por si mesma uma relação significativa. nada obsta a que um avanço igualmente importante seja realizado mediante a análise microevenemencial de episódios econômicos. mas um passado de diacronias inter-relacionadas. a história social ou a das mentalidades não são menos tratáveis em termos de diacronia do que a história polfrica ou a história diplomática. relacionam-se intrínsecamente no tempo. sociais ou mentais. A história econômica. ao contrário da velha historiografia. A busca da causalidade em história manifesta-se. A aplicação das leis em história também assume a forma das teorias de Popper ou de Carl G. se a causalidade é estranha ao entendimento histórico. ou leis de mudança da história. Hempel. Malgrado o esforço de desclassificá-la levado a cabo pela filosofia da história nos últimos cem anos. Há. Para Oakeshott. causa ainda é um dos vocábulos fundamentais da historiografia. evitando o post hoc. sob a forma da explicação de eventos pelo funcionamento de leis da história ou mediante o conceito de processo histórico. por conseguinte. Leve-se. analogias. mas atém-se a subordinar determinado evento ou eventos a leis de natureza lógica. a causalidade. Como não lhe interessam as relações externas entre eventos. a começar pelo tipo de relação convencionalmente privilegiada.de transformar não arbitrária ou apenas cronologicamente um evento subseqüente em conseqüente. fins. que já não se propõe a descobrir as leis da história ou do processo histórico. ele deve rejeitar as explicações deste gênero. uma incompatibilidade radical entre estas leis e o feitio contingente dos eventos a que elas pretendidamente se aplicariam. em primeiro lugar. que não pode. a teoria nomológico-dedutiva é insustentável devido precisamente a que em história os eventos não são observados empiricamente. contudo. que o historiador costuma muitas vezes cozinhar. em que tudo tende a ser indiscriminadamente relevante. a da explicação nomológico-dedutiva. ou então a salada de antecedentes. mas. a palavra 'causa' só ficou consagrada na M I CHA E L Ü A K ESHOTT 20 . porém. em conta que. inferidos de vestígios que sobrevivem no presente do historiador. como mencionado. propter hoc. ignorar o caráter mediato do seu conhecimento. decorrentes de causas. correlações. um abismo infranqueável. acasos. a seu ver. segundo Oakeshott. por diferente caminho. é alheia ao conhecimento histórico consiste na similaridade. contudo. por exemplo. como no caso da causalidade. digamos.prática historiográfica ao preço de perder qualquer acepção rigorosa. únicas ·S O B R E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 21 . quem tomou a decisão de massacrar os huguenotes no decurso do que ficou conhecido como "noite de São Bartolomeu". a independência dos Estados Unidos e a independência do Brasil. (Poder-se-ia aduzir ao argumento de Oakeshott que fazê-lo equivaleria a recair. que permite comparar situações ou eventos distintos. I 990) não devemos concluir que ele tente submeter aqueles acontecimentos ao jugo de qualquer das formas de causalidade referidas acima. Do fato de que o livro de Conrad Russel se intitule The Causes oj the Englísh Cívil Vffir (Oxford. quando se investiga. Aí. caso se tenham presentes as limitações do método. Outro gênero de relação externa entre eventos antecedentes e subseqüentes que. a escolha destes antecedentes dependendo da formação e da competência do historiador. embora. não se trata de relações propriamente causais mas intencionais. possuam certo valor heurístico para a investigação histórica. O conceito de causa pode enfim ser empregado no sentido de responsabilidade histórica. se relacionaram significativamente para provocar o início do conflito ou condicionar seu desenvolvimento. do que constitui verdadeiramente a realidade histórica. As similaridades são o que são. ele apenas procura identificar antecedentes e subseqüentes que. no recurso a leis históricas ou à noção de processo histórico. Em lugar de estabelecer nexos entre eventos antecedentes e subseqüentes. passando-se ao largo. denotando apenas vagamente o que se designa por 'antecedentes dignos de nota'. não constituindo relações significativas. buscam-se relações analógicas. Destarte. M I CHA E L Ü A K ESHOTT 22 . pois ele não permite ir além da constatação de um fato. e como tampouco são necessários. sem lograr explicá-lo (como no exemplo cômico de que os picos de criminalidade em Nova York coincidiriam com os de importação de banana pelo seu porto). A relação entre um evento antecedente e um evento subseqüente é de feitio circunstancial. ao contrário do que pretendia Marc Bloch.aptas a explicar tais semelhanças. mas dos seus correspondentes formatos. mas em inferir a natureza do evento histórico. Compreender Napoleão não nos habilita a compreender César. Oakeshott recorre a uma metáfora. e. a tarefa do historiador não consiste em explicar. causal ou intencional. contra a noção de que eventos antecedentes possam tornar-se historicamente inteligíveis em termos de eventos subseqüentes. que são fixadas não por meio da argamassa. aliás. mas contingente. a do 'muro seco'. O autor adverte.) Não é menos insuficiente o uso da correlação. quanto à analogia. como no estudo das variações do preço do milho e do número de casamentos numa paróquia inglesa. construído em c::ertas áreas rurais da Inglaterra mediante a justaposição das pedras. nem a carreira política de Bismarck pode ser entendida à luz da história alemã da primeira metade do século XX. ela pertence não à história mas à retórica e ao entendimento prático. Uma relação contingente caracteriza-se p ela contigüidade e pela circunstancialidade. Por fim. a menos que excepcionalmente uma correlação possa ser transformada em relação significativa. a relação entre eventos históricos não é fortuita. Eles não estão ligados por causas ou por leis gerais. não exibem um padrão pré-designado. não é a narrativa das transformações que no decurso dos séculos afetaram uma entidade que. como inclusive a de se há porcos pastando nas vizinhanças. "não há lugar para uma identidade que não seja. ela é a narrativa das mudanças dessas mudanças. que não S O B R E A H ISTÓR I A & Ü U TROS E NSA I O S 23 . uma diferença". por exemplo. que a mudança histórica sej a indefinível. a investigação histórica não se coaduna com outros gêneros de mutação. Por outro lado. Uma "História da França". ela própria. Como ocorre à noção de causa. como a teleológica. A mudança histórica tampouco é compatível com a mudança orgânica ou com o evolucionismo. pois ela exibe uma continuidade intrínseca. Num passado histórico de eventos. a despeito da moda de que gozou a analogia no século XIX. que encara o passado como um processo predeterminado. A rejeição da aplicabilidade desses tipos de mudança ao passado histórico não significa. permaneceu a mesma. a idéia de evolução só sobrevive na linguagem histórica privada de acepção precisa. da estabilidade e da mutação. em função de circunstâncias.as experiências atuais podem apresentar obstáculos insuperáveis à compreensão do passado. e que por isso mesmo não passa de um exercício profético. mas a transformação da bolota em carvalho ocorre sempre em determinado lugar e em determinado momento. mas a mudança histórica não deve ser entendida no sentido convencional que se atribui ao conceito e que pressupõe a combinação da identidade e da diferença. A passagem de eventos antecedentes a conseqüentes traz à tona a idéia de mudança. Num trocadilho com seu próprio nome. em alguma parte de si mesma. Oakeshott lembra que o carvalho (oak) contém-se na sua bolota (shot). contudo. de vez que o passado histórico compõe-se apenas de diferenças. pois a investigação histórica ainda está muito longe de corresponder a este modelo. A principal objeção que se pode fazer a tal conce p ção é a de que ela tende a minimizar o papel das mudanças bruscas e das rupturas em favor das continuidades. Seu estado atual é o produto de um compromisso entre o passado prático e o histórico. O M I C H A E L Ü A K ESHOTT . Trata-se de uma dificuldade de monta. Seja sob a forma de uma mentalidade. subsidiariamente. de uma crise econômica ou de uma guerra. enquanto a história escrita em escala reduzida tende a conferir-lhe um aspecto trivial. se modificam reciprocamente para produzir a diferença conseqüente de um outro evento. mas que advém da coerência com que as diferenças. A ser levada às suas últimas conseqüências. a argumentação de Oakeshott levaria a filosofia da história a conclusões melancólicas. que coexistem inevitavelmente nos livros de história. bem indicativa da precariedade do conhecimento histórico. A história escrita em escala secular ou multissecular tende a dramatizar a mudança. de vez que mesmo as obras que se inspiram numa preocupação estritamente histórica ou profissional contêm proposições de natureza prática e. Mas o caráter radical ou moderado de uma mudança histórica só pode ser avaliado em termos de escalas temporais.lhe é externamente imposta por um fim predeterminado ou pela regularidade de uma lei. os eventos. o passado histórico compõe-se apenas de diferenças formadas por outras diferenças contingentemente relacionadas. Qualquer historiador experiente conhece o prosaísmo dos chamados 'grandes eventos' quando vistos de perto. A prova é que eles raramente são percebidos como tais pelos contemporâneos ou são criações postfacto. de natureza contemplativa ou estética. isto é. sua maneira eminentemente corriqueira de acontecer. Daí a grande vulnerabilidade do entendimento histórico. equívoco que decorre da tendência. Nesta ótica. a relacionar estreitamente presente e passado. que. não se está realmente interessado no passado histórico. digamos grosso modo até os séculos XVIII e XIX. acredito que se trat a de uma u to p i a. numa atitude diametralmente oposta à que deve ser a do historiador. que se impõe através da formulação de julgamentos morais ou da preferência pelo estudo de temas como as 'origens da revolução francesa' ou 'as origens do Cristianismo'. buscaria dissociá-los. O conhecimento do historiador será sempre uma mistura dos dois. S O B R E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S . Se a visão prática do passado é a grande inimiga do conhecimento histórico. Mas toda a argumentação de Oakeshott não consegue dissipar no leitor a dúvida sobre se será realmente possível extrair completamente o passado histórico do magma do passado prático. Como a Antiguidade clássica. mesmo depois da constituição e do amadurecimento das chamadas ciências históricas. o próprio Renascimento continuou a ver na história uma lição de coisas ou o espelho dos príncipes. pelo contrário. preferência que nasce precisamente do objetivo de ler o passado da frente para trás. mais forte do que a de qualquer outra época. apenas em fazer "política retrospectiva". não no histórico. Durante muito tempo. É neste sentido que Oakeshott considera inapropriada a noção vigente de que o nosso seja um tempo especialmente consciente da historicidade.homem viveu sempre imerso no passado prático. Pessoalm e n t e . pois o permeou duradouramente e continuará a fazê-lo. é também uma inimiga difícil de derrotar. a humanidade existiu sem dar-se conta do passado como algo distinto da sua instrumentalização quotidiana. assimilando-o assim a eventos subseqüentes e atuais. em que o compromisso prático. o quociente de passado prático no passado histórico. em reduzir a taxa do colesterol ruim. no caso. Ademais. vale dizer. No final das contas. o interesse estético e até a nostalgia tendem a crescer. M I CHA E L Ü A K ESHOTT . tudo irá depender do seu esforço e da sua capacidade. mas sabendo desde logo que não conseguirá realizar completamente o desideratum oakeshottiano. de um outro tempo. sua obrigação profissional consiste. tornar-se-ia compreensível para seus leitores? O livro de história será sempre uma tradução. melhor ou pior. Mas a impossibilidade de separá-los inteiramente não deve servir de álibi para que o historiador capitule diante do passado prático. destinando-se por definição ao leitor de uma outra língua. Ele provavelmente terá menos êxito no tocante à escolha do tema. ao passo que em nível da análise a objetividade histórica é mais factível.dosada de diferentes maneiras. se algum historiador lograsse fazê-lo. pelo contrário. O resultado final da investigação consistirá sempre num equilíbrio precário. e as sóbrias considerações de Hobbes S O B R E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 27 . Oakeshott mostrava-se pe­ culiar e evasivo a respeito desses assuntos. e não sentia necessidade de explicar antecipadamente a seus leitores o que queria que encontrassem em seu trabalho. um ensaio sobre a regência da lei e outro sobre a Torre de Babel. O temperamento de Oakeshott era. entretanto. Penso. não é muito revelador. Por diversas vezes decla­ rava não se recordar do motivo pelo qual decidira fazer o que fize­ ra. SOBRE A HISTÓRIA & ÜUTROS ENSAIOS Timothy Fuller o s leitores desta obra irão se perguntar quais teriam sido as intenções de Michael Oakeshott ao reunir três ensaios sobre a história. segundo ele mesmo admi­ tia. forjado ao considerar a dialética perscrutadora de Sócrates quanto à ignorância humana. não lhe interessavam títulos fáceis de serem lembrados. Sobre a História e Outros Ensaios. a convicção de Montaigne de que a experiência inevitavelmente ultrapassa todos os nossos esforços de classificá-la e ordená-la. que se combinam de uma maneira oakeshottiana. O próprio título. que o conjunto desses ensaios representa importantes e constantes características de seu processo mental. o de um cético. o ceticismo de Santo Agostinho quanto às nossas pretensões de apartarmo-nos da temporalidade e da mortalidade. seus enigmas e suas adversidades. mas de explicar a si mesmo os aspectos do mundo. a' "danfa maca bra " 'r r " de necessidades e satisfações". mas da maio­ ria dos seres humanos. embora sempre esteja conosco. trata-se. há mais de um modo com o qual podemos responder ao mundo. em vez disso.e premente . de prestar atenção no que é menos óbvio e que nunca é dominante. po­ ético e científi c o. pois este está sempre presente desde o início da vida. de modo a d e s c o b ri r uma p e r s p e c t iva mais imparci al. em parte. Na visão de Oakeshott. A compreensão de Oakeshott da liberdade humana deriva. são alternativas genuínas à forma prática de ver o mundo com o M I CHA E L Ü A K ESHOTT 28 .sobre a motivação. não das mais galantes e nobres. mitigando. ao mortnero razer . históríco. até m e s m o contemplativa. e que nem por isso deixa de ser uma possibilidade real de entender o mundo. movido não pela neces­ sidade de alterá-lo ou aperfeiçoá-lo para satisfazer os próprios interesses. Deparamo-nos com esse modo de ver as coisas . sem dissolver. mas talvez não seja "primor­ dial" como a vida prática é. até a morte". na medida em que não exige satisfa­ ção de uma mesma . essas alternativas não são versões da vida prática traduzidas em inusitadas formas retóricas. ou à "procura de um poder após o outro.o pensamento de Oakeshott . Esta perspectiva também está presente como uma possibilidade desde o início da vida de um ser humano. não é o fundamento ou a origem das alternativas do entendimento filosófico. Fazer isso não implica erradicar o entendimento prático. de sua opinião segundo a qual não estamos meramente con- denad os a " o b ter e gastar" . Oakeshott elabora a idéia de que o mundo prático.maneira.ao abstermo-nos por um momento de submergir nos aspectos práticos da vida. ou o que elas terão a dizer. Experience and lts Modes [Experiência e Seus Modos] (1933). Em outras palavras. e sobre isso ele escreveu ao longo de sua vida: o esforço dos historiadores para entender o passado sem um motivo S O BR E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S . como resultado.entre os diversos disponíveis . e nenhuma delas determina o que acontece com as outras. Um modo em particular . e por meio da qual o ser humano revela-se e diferen­ cia-se de todos os outros seres. Dessa forma. em diante.qual coexistem.fasci­ nava Oakeshott. nenhum modo acima de to­ dos os modos). Era fundamental para o pensamento de Oakeshott mostrar o motivo pelo qual a assimila­ ção dos vários modos de conhecer em um único modo abrangente é um engano. uma significativa parte do primeiro en­ saio deste livro opõe os argumentos em favor da primazia da vida prática à insistência do autor quanto a uma categórica separação dos modos de conhecer. nenhum "simposiarca" ou "árbitro". A verdadeira conversação é um compromisso indireto no qual uma voz distinta não é reduzida a outra (não há. e. Isso ele começou a argumentar desde sua primeira grande obra. Oakeshott aborda o assunto nos três ensaios sobre história des­ ta obra elaborando o argumento da possibilidade de uma forma especial e histórica de ver o passado. diz Oakeshott. possuímos a capacidade de entender o mundo sob diversas maneiras. desfrutamos da possibilidade de entabular uma verdadeira conver­ sação. fornecendo suas razões para concluir que o passado "histórico" do historiador é categorica­ mente diferente do passado "prático". É na perspectiva da conversação que uma gloriosa realização da liberdade inerente ao espírito hu­ mano pode aparecer. modos ou linguagens. à qual se ateve de forma constante ao longo de sua carreira. elucidando um passado "não-prático". o esforço que distingue o historiador. não em termos de uma M I C H A E L Ü A K E S HOTT . Assim. chegar à perspectiva do historiador requer esforço. de que todos os empreendi­ mentos humanos devem ser entendidos em termos de interesses pragmáticos da vida. É claro que. Quando adotam o método histórico de examinar o passado. em vez de alguma outra coisa. não há maneira satisfatória de distinguir o que faz de um historiador um historiador. não deixam de ter interêsses pragmáticos.e de viver de· acordo com . argumenta ele.a associação civil. deveras difundido. a menos que in­ sistamos nessa separação. Em segundo lugar. enquanto historiador. um conjunto de regras por meio das quais associamo-nos uns aos outros. como seres humanos que são.ulterior. Oakeshott mantém em relação a isso uma opinião controvertida. enquanto historia­ dor. É o que dife­ rencia essa perspectiva da submersão sem qualquer esforço na vida prática. Entretanto. de sua persona pragmática. o ensaio sobre a regência da lei reflete a con­ clusão de Oakeshott de que. nos últimos cinco séculos. até o ponto em que ela seja "primordial". Todos os ensaios sobre história desta obra expõem aspectos do entendimento do passado para historiador enquanto historiador. e que distingue a persona do historiador. A opinião é controvertida precisamente por causa do ponto de vista. para Oakeshott. de todos os que examinam o passado em busca da orientação que nele esperam encontrar para seus interesses pragmáticos. a civiliza­ ção européia engajou-se na aventura de inventar . os historiadores procuram deixar de lado preocupações com questões de ordem prática. e repre­ senta uma realização conscientemente considerada. variando enormemente as formas de prosperarem em associações voluntárias. de nossas possibilidades e de nossos limites quando sucumbimos à tentação de tentar erigir estruturas que. Segundo Oakeshott. pela regência da lei. esperamos. Na verdade. para indivíduos que se auto-regulam. a oportunidade de perseguirem suas próprias escolhas. despretensioso. o primeiro. estamos perenemente sujeitos a nos enganarmos a respeito de nós mesmos. originalmente publicado S O B R E A H I S T ÓR I A & Ü U TROS E N S A I O S 31 . para ele. Por fim. mas em termos de procedimentos aceitos mediante acordos que asseguram. fiamo-nos na lei como um meio de fazer um uso eqüitativo. O mais abrangente e sistemático tratamento que Oakeshott dá às associações civis está em On Human Conduct [Sobre a Conduta HumanaJ ( I 97 5). o ensaio com esse nome aqui incluído é o segundo que ele publica com o mesmo título. Ao pensarmos em nós mesmos como seres temporais e individuais. todo pensa­ mento moderno é afetado por essa tendência sob a forma do "racionalismo moderno". que se intromete particularmente nas modernas ideologias políticas. controlável e seguro de nossa liber­ dade.meta teleológica ou de um objetivo uniforme para a humanidade. nos levarão à perfeição final em uma suposta terra prometida. mas a melhor expressão da idéia que ele faz da lei está no ensaio contido nesta obra. Sua representação favorita dessa pa­ tologia era a história que o Gênesis conta da Torre de Babel. apoiadas. Essa tendência era. Oakeshott pensava que nós. seres humanos. a apropriação indevida de um conceito teleológico que geralmente se combina com esforços para transpor as restri­ ções da regência da lei e para orquestrar as tendências naturalmen­ te diversas da associação civil. eternamente em busca de satisfação e autoconhecimento. em especial. vistos em conjunto. sob um ponto de vista pejorativo) posição política. Do ponto de vista de Oakeshott. ou a vida prática. aparta­ da de qualquer compromisso prático de fazer-se um caminho no M I C H A E L Ü A K ES HOTT . os ensaios contidos em Sobre a História e Outros Ensaios abrangem uma série de abordagens comple­ mentares de uma compreensão oakeshottiana da condição huma­ na considerada à luz de uma reflexão histórica e filosófica. Eu estava presente quando Oakeshott leu pela primeira vez esse segundo ensaio sobre a Torre de Babel em um encontro do Clube Carlyle (uma sociedade intelectual composta. mas de uma afirmação de possibilidades huma­ nas sedutoras. enquanto na verdade ele pensava descrever. não se trata apenas de algo não-negativo. Ao longo do tempo. uma vez que. ou explicar. comentários sobre esse ensaio tende­ ram a t:atá-lo como se o propósito de Oakeshott fosse defender uma negativa ou pessimista ("conservadora". Em resumo. porém um tanto dúbia. foi incluído em Ratíonalísm ín Politics [Racionalismo na Políti­ ca] (1962. diversos ouvintes acharam difícil abandonar com ele o pragmatismo em troca de um imparcial modo de falar sobre o que significa ser hu­ mano. 199 1 ).em l 948. Cambridge e Londres) no Trinity College de Oxford. A recepção foi amigável. isso somente seria negativo se fôs­ semos forçados a concluir que a política. em outubro de 1979. algo sobre a condição humana da maneira como ela se revela quando paramos um pouco de mergulhar no auto-esquecimento proporcionado pelas incumbências da vida prá­ tica que sempre estão a nos acenar. Em sua opinião. por integrantes de Oxford. é para nós a única fonte de significados. como com fre­ qüência ocorre etn resposta às opiniões de Oakeshott. e olhamo-nos de um ângulo diferente. principalmente. Oakeshott inaugurou o programa de História do Pensamento Político no Departamento de Administração Gover­ namental. Ao ensinar o tópico como professor universitário. Isso torna-se claro nos termos preci­ sos da aula inaugural de Oakeshott na London School of Economics em I 9 5 I. a florescer. Em outubro de 1 9 64. em resposta a um pedido da Universida­ de de Londres. II Todos esses ensaios eram. e o que faz da universidade o lugar onde os modos alternativos do conhecer estão propensos a serem percebidos e. por exem­ plo. implícito ou explícito. originalmente. um entre os novos programas de pós-graduação de um ano (conduzindo ao diploma de Mestre em Ciência. O caráter de suas apresentações . A separação dos lugares de aprendizagem é instigada pelo reconhecimento. I 99 I ).mundo. Ele queria. palestras ou artigos que Oakeshott apresentou a seus alunos e colegas. Oakeshott nunca afastou-se dessas idéias. de que alguma coisa importante para nós emerge quan­ do afastamo-nos do mundo. MSc) que serviram de alternativas à tradicional formação de dois anos em SOB R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A IOS 33 .como. sobre a "atividade de um historiador" . separar estritamente a idéia do estudo universitário de quaisquer noções de que tal estudo fosse a continuação da política por outros meios.revelava sua compre­ ensão do que distingue estudar em uma universidade de qualquer outra atividade. "Educação Política" (posteriormente reeditada sob o título Ratíonalísm in Polítícs. I 962. ou de submeter seres humanos livres à orientação de um "discernimento superior". em especial. nem pode superar ou substituir . seguido por um período de estudos de verão e uma série de exames realizados no outono seguinte. O formato desse programa personificava a abordagem de Oakeshott ao estudo do pensamento político em uma universida­ de. a análise moralizante da história e o uso ideológico da filosofia ocorrem o tempo todo. Isso não supera . que a teorização prática. É um lugar onde se pode buscar um entendimento diferente a respeito do que a prática da vida polí­ tica nos revela sobre a condição humana. O estudo da política em uma universidade é. Para ele. política. para Oakeshott. Para ele. uma atividade categoricamente diferente de todas as práticas da vida . isso significava considerar a política histórica e filosoficamente sepa­ rada de compromissos de resolver problemas ou debates políticos. é difícil imaginar a política como a conhecemos sem essas atividades que a acompanham. sua opinião sobre o que é a educação universitária e como o estudo da política se encaixa no contexto da universidade. propositadamente situado fora da vida política.as dificuldades de atender às solici- MICHAEL ÜAK ESHOTT 34 . é claro. Ele tam­ bém classificava como impróprio o estudo da história tendo em vista as supostas lições que poderia fornecer sobre o que fazer e o que não fazer nas atuais circunstâncias políticas. a univer­ sidade é um lugar especial de aprendizagem. Essa nova pós-graduação seria completada em um perío­ do de doze meses (de outubro a outubro) por meio de trabalhos do curso efetuados ao longo de um ano acadêmico. Ele considerava impróprio para a universidade a "teoria política" entendida como o compromisso de direcionar idéias ge­ rais para a defesa de posições ou de diretrizes políticas. Oakeshott sabia.pesquisa. contudo. mas não pode direcionar políticas. ele refletia sobre as críticas e incorporava as respos­ tas a elas em ensaios subseqüentes. Em vez disso. embora estivesse perfeitamente consciente das críticas que eles haviam expressado. ou em subseqüentes versões de ensaios. Os ensaios sobre história contidos nesta obra são destilações de várias versões das palestras que Oakeshott deu ao longo dos anos no seminário geral do programa de História do Pensamento Polí­ tico. ge­ ralmente sem identificar os críticos aos quais estava respondendo. Para aqueles que estão familiarizados com os escritos iniciais de Oakeshott sobre história. O primeiro período do ano acadêmico tra­ tava da questão de como ver a história. ficará claro que os ensaios aqui conti­ do � tinham a intenção de resumir seu pensamento para seus anti­ gos alunos. Quando Oakeshott discutia a "história do pensamento políti­ co". Tipicamente.tações da vida prática. modificando com freqüência suas formulações prévias. o terceiro período lidava com a questão de o que é política. filosofia e antropologia. S O B R E A HISTÓRIA & Ü UTROS ENSAIOS 35 . Muito do trabalho no pro­ grama MSc de História do Pensamento Político introduzia os alu­ nos a essa compreensão. ao contrário. O estudo de política em uma universidade pode iluminar os eventos que ocorrem na atividade política. a política irá sujeitá-los a suas próprias contingências. quando estudantes de política ingressam na política. ele queria mostrar o que significa estudar o pensamento polí­ tico em uma universidade como um historiador estudando a his­ tória do pensamento sobre a política. o segundo período tratava de diferentes tipos de explicaç� es na ciência. bem como de responder às críticas de suas idéias sobre história previamente publicadas. Oakeshott não res­ pondia diretamente aos críticos de seu trabalho. 'p. Acima de tudo.como Oakeshott as entendia . Mas sabia. "The Activity of Being an Historian" ["A Atividade de Ser um Historiador"]. O que tornava o programa de Oakeshott incomum é que ele postergava a análise das grandes obras de filosofia política até que a investigação do caráter do estudo histórico e de outras modali­ dades de pesquisa acadêmica . Ele não gostava do comprometimento da universidade enquanto uni­ versidade pela introdução da educação vocacional. mais tarde reeditado em Racionalismo na Política. elas possam ser . Ele queria que os alunos não vissem as grandes obras como repositórios de informações de uso prático (embora.e freqüentemente são . Liberty Fund.ti­ vesse sido bem estabelecida. O pensamento de Oakeshott sobre o caráter da filosofia. 1 9 9 1 . Ele queria que os alunos aprendessem um modo de pensar e avaliar que não partisse da suposição de que faziam isso para equiparem-se com injunções práticas sobre con­ duta política. é claro. que todos os lugares que chamamos universidade na realida­ de comprometem-se com as inúmeras e conflitantes aspirações de seus habitantes. o estu­ do histórico e a lei são temas recorrentes que remetem a Experiência e Seus Modos ( 1 933). 208). o uso da sala de aula para promover programas ou políticas "ideais". natu­ ralmente. a seus ensaios e aulas sobre a história do pen­ samento político em Cambridge na década de 1 930. a suas pales­ tras na LSE na década de l 9 50 e ao ensaio de l 9 58. isto é. fazer pro­ paganda (Rationalism in Politics. Oakeshott queria evitar "um espúrio foco acadêmico em qualquer interesse político que possa estar ao redor".vistas dessa M I C H A E L ÜAKESHOTT . O estudo do pensamento político é normalmente centrado no estudo dos textos principais ou dos grandes livros de filosofia po­ lítica. sentimentos. o ponto mais importante a ser estabelecido é que filosofia e história buscam explicar o mundo filosoficamente e historica­ mente. aceita-se que essas investigações sejam bem-sucedidas des­ de que deixem de lado alegações de competência para interferir no mundo ou para transformá-lo. não podiam ser confinados a seu tempo e lugar. ideais. e não. conforme ele diz (Rationalísm ín Polítícs. esperanças.e. estratégias para preservar ou mudar. 209-21 0). os argu- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 37 ."linguagens". mas não são elas que distinguem a universidade de outras coisas. Seu interesse não era explicar o pensamento ou reduzi-lo a uma mera evidência sociológica. essas linguagens surgem dentro da universidade. embora fossem ocasionados por seu tempo e lugar. medos. convicções· e compromissos. Historicismo é uma doutrina sobre o que o estudo do passado nos revela. mas como introduções a modos de pensar . As "linguagens" apropriadas à universidade são chamadas por Oakeshott de "linguagens explanatórías": história. pp.forma). aspirações. matemática. desejos e aver­ sões. Em contraste. As linguagens explanatórias podem ser usadas para explicar os discur­ sos dessas outras coisas. 1 99 1 . Ele via os tra­ balhos do mais grosso calibre falando através dos séculos no per­ pétuo diálogo dos filósofos . Para ele. É claro. como modos expressivos para entendê-las de uma forma que elas próprias não aceitam. Contudo. neces­ sariamente. a conclusão da atividade do historiador. crenças. Por outro lado. Oakeshott não assumia a visão historicista de que grandes obras podem ser entendidas apenas como "produtos de sua época". filosofia. Liberty Fund. em vez de "literaturas". expressão poética e conduta moral são linguagens que expressam opiniões. ciênci­ as. atividade política. a expressão do sentimento poético. Por exemplo. 2 I 2). Isso pode muito bem significar que a maioria de todos os trabalhos é uma mistura de explic�ções filosóficas ou históricas e preocupa­ ções práticas. afirmava Oakeshott. na opinião de Oakeshott. na medida em que se engajaram no discurso filosófico. p. bem como procurando explicar as circunstâncias da Inglaterra e da Europa nos anos I 640. e em reconhecer que a única coisa que importa em um argumento filosófico é sua coerência. mas. estudar o Levíatã. de Hobbes. Aristóteles e aos �cadêmicos. 21 5). Liberty Fund. essa é a condição comum do discurso humano. e reconhecer que Hobbes está res­ pondendo filosoficamente a Platão. mas somente com uma ma­ neira de explicar. ou a de seus alunos. é incumbência dos professores universitários não ensinar simplesmente com base no que por acaso for sua atual preocupação prática. Mas Oakeshott queria apontar a diferença entre uma coisa e outra. Sabemos que Hobbes e outros filósofos não escondiam sua preferência por certas disposições políticas. seu poder de iluminar e sua fertilidade" (Ratíonalísm ín Polítícs. é aprender como pensar filosoficamente sobre questões identificadas por Hobbes como sendo essenciais para a política.mentos da política. I 99 I. p. "jamais se preocupa com a condição das coisas. Assim. o estudante universitár. a promul­ gação de perspectivas morais não são. Assim. e aju­ dar seus alunos a desenvolver a capacidade de avaliar os diferentes modos de entender do ser humano. sua inteligibilidade. M I C H A E L Ü A K E S HOTT .io que deseja estudar política deveria aprender os "modos de pensar e falar de um histo­ riador e filósofo" (Ratíonalísm ín Polítícs. na visão de Oakeshott eles estavam seguindo as implicações de suas explicações sobre os acontecimentos. Um filósofo. "explanações". 1 7 1 ). No modo de pensar de Oakeshott. e porque o passado prático e o julgamento moral da conduta no passado não são "os inimigos da humanidade. p. p. é "um mundo complicado". p. libertarmo-nos da pos­ tura prática é "uma conquista extremamente difícil". Mas para Oakeshott isso significa apontar indiretamente . l 8 I ). I 8 I ) . nem . sem unidade de sentimentos ou contornos precisos. mas apenas na política retrospectiva" (Rationalism in Politics. O passado práti­ co perseguido pela maioria "repete com autoridade espúria as expressões colocadas em sua boca" (Rationalism in Politics) p. p. Por exemplo. desesperadora. mas apenas os inimigos 'do historiador"' (Rationalism in Politics. porque "nos­ so interesse predominante não está na 'história'. I 80).possibilidades obs. tal "conclusão do historia­ dor" é compatível com a idéia platônica/ agostiniana de que o sig­ nificado não é constituído no interminável curso dos eventos tem­ porais. mas em outra parte. ao contrário. esperam que o fluxo dos aconte­ cimentos deva atingir coerência ou finalidade. Sua conclusão não é nem niilista. seus eventos não apresentam um padrão genérico ou um propósito.ou aludír a . produzido como resultado de uma notável e relativa­ mente moderna conquista que requer "emancipação da postura 1 primordial e quase que exclusivamente prática da humanidade" (Rationalism in Politics. O passado histórico. e encorajar indi- S O B R E A HISTÓRIA & Ü UTROS ENSAIOS 39 . Na verdade. o passado do historiador é um tipo especial de passado. pode parecer assim para aqueles que. I 82).curecidas pela predominância da vida prática. não con­ duzem a lugar algum. preocupados com os aspectos práticos da vida. não apontam para nenhuma condição favorecida do mundo e não apóiam nenhuma conclusão prática" (Rationalism in Politics. existe a liberdade associada a um entendimen­ to mais profundo das ilusórias e por vezes obscuras possibilidades humanas. em Rationalism in Politics. em ensaios como "A Regência da Lei". mas além . M I C H A E L Ü A K ES H OT T .e muitas vezes apesar . incluído nesta obra. Além das liberdades práticas de ordem política e econô­ mica.dela.víduos a exercer a liberdade de dizer o que as coisas significam para eles. que são percebidas não apenas na vida prática. e "The Political Economy of Freedom" ["A Economia Política da Liberdade"]. um assunto sobre o qual ele tinha muito a dizer. Sobre a História . ou "uma história da Inglaterra". Em um outro sentido. e um certo tipo de entendimento. E os "criadores" dé tal "história" I são os que participaram das ocorrências. de tempo e de identidade substantiva. Esse significado aparece em expressões como "a história do mundo". ou "a história do surgimento do Banco da Inglaterra". o adjetivo "histórico" denota S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 43 . saibamos ou não alguma coisa a respeito dela. "a história da Suíça". termos de lugar. E esse significado aparece em expressões como "um dicio­ nário histórico da língua inglesa". Aqui. Em um deles. responde pelo grande total nocional de tudo o que acon­ teceu na vida dos seres humanos. da passagem de algu­ mas dessas ocorrências. Aqui. ou pela passagem de ocorrências de alguma forma relacionadas que se distinguem nesse grande to­ tal por serem especificadas etp. "história" corresponde a um certo tipo de investigação. o adjetivo "histórico" significa o que de fato aconteceu naquele lugar e naquela época em relação a essa identidade. TRÊS ENSAIOS SOBRE A HISTÓRIA I Presen te) Futuro e Passado palavra "história" é ambígua. e é comumente usada em pelo menos dois sentidos diferentes. "a história dos judeus". ou "ao ler Ranke ou Maitland ' sentimo-nos na presença de uma notável imaginação histórica". o compromisso e as conclusões de um his­ toriador. formais. a "história" é reconhecida como sendo "feita" não por aqueles cujas palavras ou feitos estão sob investigação. M I C H A E L Ü A K ES H O T T 44 . se 'não houver nenhuma. Esses dois significados são distintos. e a expressão "entendimento históri­ co" para identificar um modo distinto de entendimento. isso denota o tipo de entendi­ mento alcançado ao longo de tal investigação. não existi­ rão as conseqüentes conclusões. não poderá haver investigação. seja o que for que pensemos sobre a verdade ou confiabilidade de suas conclusões. a saber. se não existir uma modali­ dade específica. que significa (ou pretende significar) um en­ tendimento das ocorrências estabelecido por Momrnsen como re­ sultado de um certo tipo de investigação. mas pode-se dizer que ele é um dos criadores da história da República Romana. assim. E. é reconhecida. mas. Momrnsen não participou da cons­ trução da República Romana. Meu interesse aqui é o segundo significado de "história". a investigação que distingue um historiador. mas por um historiador. a his­ tória como uma investigação e com o caráter de uma investigação histórica.uma investigação que. e. mas de outros tipos. E por modalidade de investigação refiro-me às condições de relevância que constituem um tipo distinto de investigação. e não uma outra espécie de investigação. Usarei a palavra "história" para designar um modo distinguível de investigação. com base em certas características. e o diferencio tanto do inconseqüente apalpar na confusão de tudo o que possa estar ocorrendo quanto de investigações igualmente distintas. mas não discrepantes. aqui. como sendo uma investigação histórica. naturalmente. Eles são colocados e mantidos juntos em uma expressão como Romische Geschichte de Mommsen. Essas condições de relevância são. E o que estou procurando são as condições de relevância por meio das quais uma investigação pode ser reco­ nhecida como "histórica". Ou. Há duas objeções comuns a esse projeto que podem ser percebi­ das neste ponto. portanto. É uma maneira autônoma de enten­ der. exibem uma gran­ de variedade de compromissos. que esses escritos. está fora de questão que a investigação histórica é inven­ ção de historiadores. Primeiro. especificada por condições exatas. a investigação histórica não é um "modo de pensar" distinto. não é meramente uma pos­ tura ou um ponto de vista. mas deve ser vista como "o lar co­ mum a muitos interesses. ainda. ou que são insignificantes desvios circunstanciais dessa condição. é dito que a investi­ gação histórica é uma invenção humana. Mas isso não quer dizer que um distinto caráter lógico não seja atribuído ao entendimento históri­ co. ou mesmo de fazer qualquer discurso rele­ vante a respeito. longe de apresentar um caráter uniforme. in­ capaz de negar ou de confirmar as conclusões de qualquer outro modo de entender. logicamente. porque ambas constituem advertências para que o projeto nem sequer seja levado a cabo. técnicas e tradições. e que não há tendência discernível nos variáveis estilos de investigação histórica que possa nos levar a considerá-los estágios do caminho para alguma condição definitiva. Um modo de entender. que não é encontrada em lugar algum exceto nos escritos de supostos historiadores. projetado por aqueles que dedicaram toda a sua energia para estudar o passado". como um escritor sugere. e é aceitável que eles defendam a inventividade com a qual a buscaram no que suspeitam ser as enfadonhas aten­ ções de um Procrustes filosófico. Agora. e a suspeita é inapropriada. e que é. A variedade e mutabilidade das SO B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 45 . elas são postulados teóricos. refletidos em um trecho de algum escrito histórico apenas como pressuposi­ ções que as especificam como um tipo de investigação e as distin­ guem de outros tipos de investigação.investigações e as conclusões das ciências físicas certamente não transformam em esforço perdido a busca de uma lógica do enten­ dimento científico. alega-se que o modelo de todos os modos de entendimento válidos é o da explicação "científica". capaz de especificações adicionais. E essa identificação da investigação histórica como uma variedade de tarefas unidas pelo fato de terem relação com o passado pelo menos a reconhece como tendo algum caráter distinto. um compromisso de especificar um modo distinta­ mente h istórico de entender não pode ser mais do que uma mal­ concebida tentativa de discernir na investigação histórica os prin­ cípios comuns a todos os modos de entendimento válidos. além disso. uma vez que (su­ põe-se) não pode haver modos de entender categoricamente inco­ mensuráveis. As condições que podem constituí-la como um modo de entendimento não são uma fórmula para conduzir uma investigação histórica. ou. com a "explicação". nem normas premeditadas às quais a inves­ tigação deve se submeter. A segunda objeção é mais ou menos a seguinte: a investigação histórica preocupa-se com o entendimento. explicação em termos de "leis gerais" ou regularidades relacionadas ao que é reconheci- M I C H A E L Ü A K ES H O T T . os his­ o toriadores não têm de temer por sua liberdade de movimentos dentro da morada composta por seus vários interesses e técnicas diante de uma tentativa de explorar a história como um modo de entendimento. De­ pois. 'E. penso eu). como dizem ( er­ roneamente. O que uma preocupa­ ção exclusivamente com passado acarreta? E. isto é. do como componentes de um "processo". a avalia­ ção de um suposto texto histórico com base na maneira pela qual ele reflete as atuais circunstâncias de um historiador. também não pode ser abruptamente descar­ tada. Outras três considerações preliminares podem ser percebidas. ou mesmo peculiares. dizer sobre eventos históricos e suas relações uns com os outros. Ainda assim. eles não são o que considero condições ou postulados que distinguem a história como um modo de entendimento. isto é. à investigação histórica. suas tendên­ cias. qualquer que possa ser o status de tais métodos. suas lealdades. mas exibi-lo por meio desse exemplo. a ela retornarei em meu segundo ensaio. contudo. ela não pode. minha preocupação aqui não é com o que pode ser chamado de metodologia da investigação histórica. De fato. sua percepção das necessi­ dades atuais e quaisquer "preocupações" ou propósitos ulteriores que possam tê-lo levado a escolher seu compromisso pessoal. Em primeiro lugar. não estou preocupado com o que às vezes é chamado de "sociologia" da investigação histórica. seus preconceitos. ser sustentada. Em segundo lugar. Pode ocorrer que existam certos métodos de investigação apropriados. Mas. Conseqüentemente. Essa visão do assunto sem dúvida merece atenta consideração. e em vez de deixá­ la dissuadir-me de meu projeto.eto de escrever uma S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 47 . penso eu. a ocupação apropriada a qualquer pessoa preocupada com o caráter do entendimento histórico não é buscar uma distinção impossível. seja como critérios para avaliar as conclusões substantivas de uma investigação histórica. no qual o assunto se relaciona ao que tenho a. tentativas têm sido feitas para formular tais métodos e apresentá-los. em vez de considerá-la agora. seja como prescrição. por que Gibbon abandonou seu pro. Por exemplo. um modo de entender não pode ser especifi­ cado em termos dos chamados tópicos ou assuntos. como sempre. as condições de entendimento especificam o que vai ser entendido. Seja qual for o significado que possam ter como indi­ cadores do alcance da imaginação do historiador. su­ gerem linhas até então inexploradas de investigação . e são parte de minhas preocupações. de fato. e não de algum outro tipo. discernir e tentar considerar historicamente as mudanças no projeto ou na prática historiográfica. sendo a palavra "lógica" entendida como uma preocupação não com a ver­ dade das conclusões. Isso não ocorre porque a�gumas coisas têm histórias e outras não. Em terceiro lugar. ou a de Ranke para a Inglaten:a do século dezessete? Qual estrutura de circunstâncias contemporâneas pode ser invocada para explicar o florescimento da investigação histórica relacionada com a história "constitucional" e "econômica" da Inglaterra no fim do século dezenove. aqui. que estão relacionadas com a escolha de com­ promisso do historiador. e que podem ofuscar sua investigação. Tam­ bém não estou preocupado com a "história" da investigação históri­ ca. isto é. histórica.ou. por outro lado. elas não podem ser aduzidas para apoiar ou qualificar a argumentação de que sua investigação seja. antiga e moderna? Consi­ derações dessa espécie. ou da atual preocupação dos Estados Unidos da América com a história da "escravidão". mas porque ter uma história é ter sido dotado de uma M I C H A E L Ü A K ES H OT T . Preocupo-me com o que talvez possa ser chamado de lógica da investigação histórica.história da Suíça e voltou-se para o declínio e a queda do Império Romano. ou o que atraiu a atenção de MOmmsen para a Roma Im­ perial. mas com as condições pelas quais elas podem ser reconhecidas como conclusões. condici�:mam o rumo que elas tomam -. coe­ rente e ideal com base nas condições a ele necessárias. reconhecê-las equivale a fazer nossa primeira tentativa de. e por a1 ara- . a palavra "história" denota um compromisso de investiga­ ção que emergiu sem a premonição das indiscriminadas apalpadelas da inteligência humana. Ainda assim. e são com elas que a tarefa de deduzir a lógica do entendimento histó­ rico deve começar. essas marcas de identificação são muitas vezes obscuras e ambíguas. Seus praticantes são notoriamente genero­ sos. vis­ to nesse nível . Da maneira como chegam a nós. Mesmo assim. mas também para sustentar a argumentação de que isso pode ser apropriadamen- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 49 . algu­ mas idéias organizadoras características e um vocabulário de expres­ sões ao qual concedeu significados especializados: "passado". e veio a adquirir uma forma identificável. Há algumas marcas que o identificam. Agora. distin­ guirmos e apossarmo-nos de um modo de investigação em vigor. possuem preocupações similares. " . eles têm sido capazes de manter as portas abertas a todos os que. de modo a dar boas-vindas e acomodar uma miscelânea de empreendimentos intelectuais e encontrar virtudes em sua variedade.ao ser entendido de determinada maneira. " causa" . sua for­ ma é um tanto indistinta. r ra. "acon- tecrrnento . não se trata de um compromisso de todo indiscriminado.es das investigações seguidas por escritores geralmen­ te tidos como historiadores -. Esse é um empreendimento teórico planejado não apenas para construir um modo de entendimento distinto. aparentemente. " evento " . " mudança" . E minha preocupação é especificar as condições de um modo de entender que dota de historicidade seja o que for que houver para ser entendido. Assim como outros desses compromissos." . " s1tuaçao ' . às apalpadelas. ou engajamentos.e mesmo quando reconhecido meramente em ter­ mos das direçõ. há outros que virão à tona ao se considerá­ los. Assim. eles se combinam para constituir um distinto modo de entendimento histórico. isso pode aparecer (se aparecer) apenas em determi­ nações · posteriores dessas expressões. ou qualquer modo de entendimento catego­ ricamente distinto. M I C H A E L Ü A K ES H O T T 50 . proponho que iniciemos identificando história como um modo de investigação e de entendimento relacionado a uma idéia do passado. Assim sendo. do modo como estão e sem maiores especificações. Começarei com a noção de "passado histórico". nenhuma pode ser plenamente respondida até que todas sejam res­ pondidas. dentro dela. Não se está sugerindo que isso seja uma lista completa dos termos de um entendimento histórico.te reconhecido como um modo de entendimento "histórico" ao se relacionar as condições necessárias às marcas identificadoras que con­ cedem a essa atual e contingente maneira de investigação sua forma um tanto indistinta. 2 Estamos preocupados com a consciência que temos do passado e. Nem tampouco alega-se que. uma idéia de um evento e de algum relacionamento signi­ ficativo a ser estabelecido entre os eventos. E é a partir daí que podemos começar. e uma idéia de mudança. 'mudança histórica'. proponho tornar mais tratável a questão "qual é o caráter do entendimento e da investigação histórica?" resolvendo-a por meio das questões: "quais significados precisos e distintos podem ser atribuídos às expressões 'passado histó­ rico'. com o caráter de uma consciência "histórica" 1 distinguível do passado. embora eu deva considerar essas questões sucessivamen­ te. 'evento histórico' e 'relação histórica entre eventos"'? E. ou tanto do futuro quanto do passado. e o futuro é evocado pela maneira como o homem está parado. um espectador relativamente despreocupado. É uma situação de movimento incipiente: um futuro do infinitivo. se o que percebo é um homem parado junto ao meio-fio esperando para atravessar a rua ou aguardando um encontro. O homem S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 51 . Volto minha atenção para outra parte e percebo um homem manquejando com uma perna de pau. do passado. Um homem está parado junto ao meio-fio. Se me postar numa esquina e descrever para mim mesmo o que percebo. Por outro lado. Mas. E essa consciência do futuro não é evocada ao negligenciar-se o presente ou ao deixá-lo de lado. estarei falando comigo no tempo presente. É claro. então o presente não está significativamente qualifi­ cado. irrel�vante. Mas o que estou observando é um presente contínuo no qual a passagem do tempo não é marcada por nenhuma mudança per­ ceptível. mas ao observá-lo com exatidão. na percep­ ção do empenho ou da expectativa. ou mesmo uma sugestão de movimento. e se isso é tudo o que perce­ bo. mes­ mo para mim. o tempo passa. naturalmente. e se isso é tudo o que percebo. E o fato de que nessa ocasião eu posso estar enganado é. talvez o movimento de seus olhos. é um entendimento do presente em termos da mudança cuja suges­ tão nele podemos perceber. o que percebo está acontecendo. nesse caso. O mundo para o qual abro rrÍeus olhos é inequivocamente pre­ sente. então o presente é qualificado por uma consciência do futuro. Futuro. o presente não está significativamente qualificado. esse presente pode ser (e geralmente é) qualificado por uma consciên­ cia do futuro. Nada tenho a recorrer além da percepção do presente e da experiência relembrada com a qual essa percepção é alimentada. ex­ presso na palavra "perdeu" .certamente se move. Então. e são casu­ almente relacionados ao presente em particular a partir do qual podem ser evocados: o homem fazendo o que ele espera fazer. Mas não há presente incapaz de evocar futuro ou passado se o lemos de maneira a fazer isso. E há outros que tendem a evocar o passado: horários desatualizados de uma estação ferroviária. então. e há futuro para observar se eu estiver disposto a isso. é um entendimento do presente em termos de uma mudança que. tanto o futuro quanto o passado emergem apenas em uma leitura do pre­ sente. E essa consciência do passado é evocada não por negligenciar-se o pre­ sente. ele registra ou conserva. e o episódio do passado no qual o perneta perdeu sua perna. ele passa por mim. então o presente foi qualificado pelo passado. Estou preocupado aqui com o presente e o passado. que lemos em ter­ mos de "o que isso diz sobre o que podemos esperar". o homem é um presente contínuo. mas por uma leitura do presente que evoca o passado. conforme se pode perceber. e com a alegação de que a expressão "passado histórico" denota um modo de passado discernível. embora sejam reconhecidos como presente. Aonde ele está indo? Mas. Conseqüentemente. se o que eu percebo é um homem que perdeu uma de suas pernas e a substituiu por uma de madeira. tendem a evocar o futuro em vez do passado: os horários de uma estação ferroviária. e um futuro ou um passado em particular estão qualificados a serem evocados a partir de um presente em particular. Passado. Sem dúvida. existem alguns acontecimentos que. no que diz respeito ao fato de ele possuir uma perna de pau. Por outro lado. o que vem a ser consi­ derado são as condições pelas quais qualquer modo de passado M I C H A E L Ü A K ES H O T T 52 . nesse aspecto. o passado com o qual eles se relacionam será um passado constituído em termos de condições modais que se equiparam às do presente. mas também em ter­ mos de seu caráter modal. eles podem ser reconheci­ dos por sua atual utilidade. Como objetos de atenção e de interesse eles devem ser reconhecidos (pelo menos tacitamente) em algum termo modal. é modalmente distinto S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S 53 . Essa relação entre presente e passado é uma relação necessária: presente e passa­ do são contrapartes lógicas. Tal presente determina que passado em particular deve ser buscado. em um presente relaci­ onado ao passado. Assim. E. e que são os pontos de partida a partir dos quais aquele passado pode ser evocado. e a relação entre esse presente e seu passado é contingente. uma investigação interessada em distinguir as condições de um suposto modo de passado "his­ tórico" deve começar pela consideração das modalidades de pre­ sente. nenhum objeto é in­ condicionalmente identificável. uma carta que recebi. Ele é composto de objetos (a Catedral de Winchester. E seu intento é especificar um presente modalmente distin­ to ao qual um passado . Por exemplo. e reconhece-se que cada qual tem seu próprio passado. Mas cada um desses objetos ou acontecimentos presentes é identificado não apenas como algo particularmente percebido. aqui. uma apresentação à qual estou assistindo). por sua vez. e que entre essas condições há um procedi­ mento apropriado que pode ser evocado.que. E argumentarei que um modo de passado é distinguido pelas condições modais do presente ao qual ele se relaciona. ou por suas qualidades estéticas.pode ser distinguido e (dentro dessas condições) as que podem defini-lo como passado histórico. composto de antecedentes a eles relacionados. Nós começamos em um presente e. e com alguma pretensão de ser chamado de "histórico" - está ne­ cessariamente relacionado e a partir do qual pode ser evocado. Além disso, um componente necessário a um presente no que diz respeito a seus relacionamentos com o passado é um procedimen­ to que permite a evocação do passado. Pode ser, por exemplo, um procedimento de investigação crítica, ou talvez de meras recorda­ ções. E esse procedimento pertence às condições modais de um presente. Ele não especifica quais eventuais ocorrências do passa­ do em particular podem ser reconhecidas como seus antecedentes, mas sim as condições modais do passado. Conseqüentemente, um passado "histórico" modalmente distinto é identificável pelo pro­ cedimento exigido p ara evocá-lo a partir de um pres ente modalmente distinto. Em tesumo, minha investigação para discernir as c ? ndições de um passado "histórico" modalmente distinto admitirá que o en­ tendimento hist.ó rico é um compromisso exclusivamente voltado para o passado, e buscará um presente modalmente distinto que fornecerá tanto as condições pelas quais esse compromisso pode se realizar quanto o procedimento por meio do qual ele poderá ser adotado. Mas, antes de voltarmo-nos para isso, farei uma pausa para con­ siderar a argumentação que, caso pudesse ser sustentada, tornaria nula a tarefa que proponho. Segundo essa argumentação, há um presente, geralmente chamado de presente prático, que exibe ( en­ tre outras coisas) uma consciência do passado, uma preocupação com o passado, uma disposição de evocar o passado, e que é dotado de um procedimento que lhe permite fazer isso; que esse presente é incondicional, independente da modalidade, "primor- M I C H A E L ÜAKESHOTT 54 dial" e inescapável; e que, conseqüentemente, o passado que lhe corresponde é igualmente incondicional e inescapável, o único passado genuíno. Assim, procurar outro passado dito "históri­ co" é um esforço perdido. Considerarei primeiro o caráter desse presente e o do passado que lhe corresponde e, depois, as alega­ ções feitas em seu favor. 3 Um tipo comum de existência humana, como a que todos nós devemos levar, é habitada por - e responde a - um presente com­ posto de objetos e acontecimentos, diferenciado de tudo o que possa estar ocorrendo, distinto de outro presente e relacionado a nós como objeto de nossa atenção e interesse. Em algum momento essa atenção terá um foco, e esse presente irá incluir objetos que não possuem, nesse momento, o status de objetos de interesse. Quando procuro na vitrine de uma loja um par de sapatos para satisfazer minhas necessidades, posso estar consciente da placa de vidro diante de mim e da calçada sob meus pés, mas elas não são objetos de interesse, embora, é claro, possam vir a ser. Objetos de atenção e de interesse são reconhecidos como exemplos de alguma conveniência universal (ou caráter ideal) e são reconhecidos por suas qualidades e pelas expectativas que evocam; isto é, em relação a nós, são entendi­ dos como agentes. Nossas respostas a eles são apreciações do atual significado e valor que suas qualidades têm para nós. Cada um de nós ocupa esse presente de sua maneira; é-um pre­ sente pessoal. Mas ele não é composto pelas chamadas "experiên­ cias subjetivas primordiais", e nossa relação com ele não é "imedi- S O B R E A H I S T Ó R I A & O U TROS E � S A I O S 55 ata" ou "intuitiva", em vez de reflexiva. Minha Veneza não é sua Veneza, e esse bosque de árvores, que para mim é agora um abri­ go contra a chuva ou um lugar para brincar de esconde-esconde, para outra pessoa (ou para mim, em circunstâncias diferentes) pode ser uma defesa contra a erosão do solo. Mas não há nada de subjetivo ou esotérico a respeito dessas várias formas de entendi­ mento. Elas podem excluir umas às outras, mas não negam uma às outras, e podem ser reconhecidas por aqueles que não as com­ partilham. Cada um desses objetos é a percepção de um sujeito, mas nenhum deles é "subjetivo" no sentido de ser algo exterior ao discurso, ou algo impenetrável ao erro. A "subjetividade" não é uma categoria ontológica. Esse é, então, um presente do discurso comum, e passamos a habitá-lo aprendendo a fazê-lo. Aprender, aqui, s ignifica apren­ der a perceber, a distinguir e a identificar esses objetos por suas qualidades: suas formas, traços, características, propriedades, pro­ pensões, semelhanças e dessemelhanças, hábitats e conexões uns com os outros. É aprender a reconhecer seus significados e valor em relação a nossos propósitos, a nossas necessidades e às ações e discursos com os quais buscamos satisfazer essas necessidades. É aprender onde eles podem ser encontrados (ou onde são "guar­ dados"), como reuni-los e desfrutar deles, como entendê-los e, talvez, como usá-los para fazer artefatos que são, eles próprios, objetos fabricados e conhecidos por suas qualidades. Podem ocor­ rer enganos que levam a decepções; alguém pode aprender deter­ minada coisa a respeito da qual outra pessoa permanece igno­ rante; capacidades de aprendizagem podem diferir; algumas ha­ bilidades são mais difíceis de serem adquiridas do que outras. E M I C H A E L Ü A K ES H O T T diz-se que é uma condição patológica, chamada apraxia, aquela na qual um sujeito ainda é capaz de identificar um objeto (tal como um cavalo) ou um artefato (uma faca ou uma espada) como uma concretização de qualidades, mas perdeu todo o sentido do pro­ pósito para o qual esse objeto pode ser usado, ou para o qual foi criado, tornando-se, assim, incapaz de reconhecê-lo como um objeto de interesse prático e de substituí-lo em sua percepção por qualquer outro tipo de objeto - um objeto de culto, de amor ou de contemplação poética. Os objetos que compõem esse presente não são, portanto, a mera mobília de uma residência na qual ocorrem nossas ações; eles próprios são a residência. Eles próprios são a linguagem com que compomos nossas necessidades e conduzimos as transações elabo­ radas para satisfazê-las, os componentes de nossos hábitos, os pas­ sos de nosso vaguear para cá e para lá. Cada um desses objetos percebidos e observados é um acontecimento distinto, reconheci­ do em relação a nós mesmos como agentes aos quais responde­ mos, valorizamos, usamos, deixamos de lado, ignoramos ou rejei­ tamos. O próprio ser como agente e objeto como concretização de qualidades é a contraparte um do outro, identificável, porém inse­ parável. Podem ocorrer, é claro, momentos de semilibertação nos quais caminhamos pelo prazer de fazê-lo e pulamos por diversão (não para transpor uma cerca), quando uma árvore é uma maravi­ lha, a lua é um mistério, o mar, um milagre, um trigal é divino, um peixe é sagrado e o som da flauta no mercado é uma reconciliação; mas esses são objetos de uma outra espécie. Entre os constituintes do universo do discurso prático estão outras pessoas que conosco se relacionam por utilidade e conveniência, e também por conside- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TR O S E N S A I O S 57 rações e compulsões morais (isto é, não-instrumentais), mas não em termos poéticos de afeição, amizade e amor, que pertencem a outro mundo. Reconhecemos que esses objetos de nosso interesse estão distri­ buídos no espaço: isto é, eles são reconhecidos não em termos de um conceito do espaço, mas por suas posições em relação a nós mesmos, a nossas necessidades e em relação um ao outro. Eles estão "aqui", ,.., " , "d"1stantes ou rora de alcan- " por la' " ou "l'a" ; " perto " , " a' mao " "r ce". E seu valor para nós (isto é, o entendimento que temos deles como objetos de interesse prático) é, em parte, em função de suas posições em relação a nós: mais vale um pássaro na mão do que dois voando, e a distância das Ilhas Andaman as torna recomendáveis para alguém que possui inimigos em Londres dos quais deseja esca­ par. E mesmo quando essas distâncias (e quantidades) são expressas em medidas, referem-se a conveniências (não a meros "fatos"), e estão relacionadas a nossas necessidades e satisfações. Uma distância pode ser "o tempo que ela leva". A posição relativa a nós mesmos é uma das qualidades desses objetos. Talvez seja ainda mais significativo o fato de que reconhecemos esses objetos em termos de tempo; não de um conceito de tempo, mas de "agora" e "depois'', de "logo" e "mais tarde", e de "o tempo que levar", expressos de alguma maneira convencional. Em primeiro lugar, esse é um reconhecimento de objetos em termos de suas qualidades de mutabilidade) qualificação para ser mudado e durabilidade. Aqui, tempo é uma relação entre um presente e uma imaginada futura condição das coisas em relação a nós. Assim, o presente que ocupamos, em um entendimento prático, evoca o fu­ turo. Na verdade, evoca uma variedade de futuros: um futuro M I C H A E L ÜAKESHOTT 58 conjectural. E diz-se que isso seria remediado se esses compromissos de pro­ curar a evanescente satisfação de necessidades transitórias fossem transforma­ dos ao serem entendidos como passos na execução de alguma "tarefa central". aqui. Em resumo. ao serem reconhecidos pelo valor que têm para nós em relação a nossos compromissos práticos. esse caráter inconclusivo e episódico da conduta humana pareceu condená-la ao "absurdo". Os objetos que o compõem. porém. ou lamentável indignidade. isto é.e do mesmo tipo que . nosso interesse prático pelo passado é nosso interesse pelos objetos presentes em relação a nós mesmos. esse presente de compromissos práticos não é algo meramente relacionado ao futuro de forma intermitente. 1 O presente-futuro de entendimento prático é também relacio­ nado ao passado. um futuro previsto. em determinar seu valor para nós e em usá-los para a satisfação de nossas necessidades. não estamos por ora preocupados. Mas aqui tenho de entrar em 1 Para alguns que refletiram sobre o assunto. naturalmente. o qual buscamos. um passado relacionado a esse presente. A cada necessidade evocamos um futuro. são reconhecidos em termos do futuro que prenunciam ou de seu potencial para satisfazer nossas necessidades. E passado. ou no desenrolar-se de um "destino" que não a morte. um futuro planejado. ele é. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 59 . um presente-futuro. por si próprio. é. próximo ou mais distante.. e em cada ação buscamos uma futura condi­ ção das coisas. um futuro que (além do mais) evoca medo ou no qual depositamos nossas esperanças.esse presente. Nesse universo de discursos vive­ mos sempre em um futuro. etc. mas sempre um futuro relaciona­ do a . Com isso. e essa nossa devoção a objetos transitórios que nos interessam em termos de um futuro que sempre volta tem sido deplorada como uma lamentável "dissipação". incertos quanto ao êxito e certos apenas quanto à sua transitoriedade. como um agente preocupado com um presente-futuro.detalhes. talvez. acredi­ tamos (e que talvez há muito tenhamos deixado de acreditar). Primeiro. cada um de nós. as longas horas não-registra- das de "prática" que constituíram a atual habilidade de um pianis­ ta. devemos. E. Dificihnente preciso es­ pecificar. os esquecidos encontros em livros ou conversações que contri­ buíram para o que agora existe como um caráter intelectual. passadas como uma sentinela sob a chuva e que trinta anos depois aparecem como um reumatismo no ombro.' agora se transformaram em hábitos. e sabe-se lá o que mais. as experiências passadas que agora parecem ter uma (talvez lamenta­ da) conotação suspeita. o quase despercebido incidente na infân­ cia que agora é uma cicatriz. Um com­ ponente desse resíduo (nosso presente) pode. porque esse passado não é apenas variado (como o futu­ ro prático). está relacionado com o passado encapsulado nesse presente: um passado composto por tudo o que nos aconte­ ceu (muitas vezes sem que estivéssemos conscientes na ocasião). incluir nosso passado genético: a M I C H A E L ÜAKESHOTT 60 . uma vez que estamos preocupa­ dos com o que aconteceu no que diz respeito a seus reflexos sobre o que somos. pensamos. às vezes. uma promessa há muito esquecida que surge e se instala. e que nos é conhecido pelo resíduo que deixou atrás de si. A escassa observação dos acontecimentos e feitos que . fizemos. ser uma marca identificável que o passado nos deixou. em um aspecto mais geral. exigindo com atraso o seu cumprimento. por tudo o que sofremos. mas nos diz respeito principahnente por causa de nos­ so interesse em relação a um suposto "passado histórico". imaginamos. ou pode ser o que somos agora. É dito que fragmentos desse passado "nos alcançam": as noites que não fo­ ram levadas em conta. não depende. Nosso acesso S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S . e reconheço meus atuais compromissos e expe­ riências como sendo meus. de forma alguma. Se começarmos a pensar. Muito disso está além da lembrança. Em segundo lugar. O que vem depois pode modificar o que veio antes. toda uma grande e contingente mistura da qual não pode­ mos escapar. há um passado lembrado. e que agora aparecem na cor dos meus olhos e na forma (e. e qualquer significado que possa ter não tem nada a ver com o fato de ser lembrado. É o que Pascal chamava de la raison des effets. O que a memória fornece não é um passado especificado por itens. Esse é um passado supostamente já conhecido de experiências espe­ cificadas por itens trazidos à lembrança seja pelo que for que possa conter em termos de orientação ou uso para que a realização de nossos compromissos práticos atuais seja bem-sucedida. em parte. Em terceiro lugar. Camada após camada. há um passado trazido de volta ou consultado. uma resposta. E chamo a isso um passado encapsulado porque sua relação conosco. agora. ser uma autojustificativa. intocada por la pensée de derrie're. de que seja lembrado. mas uma con­ tinuidade de consciência na qual me reconheço como uma iden­ tidade contínua. distinguir um passado lembrado dentro de um estado presente de consciência. de alguma forma. às vezes. mas cada um des­ ses estados é um desdobramento no qual o presente e um passa­ do lembrado estão irrevogavelmente ligados. poderemos. A memória pode. porém a consciência do passado na memória é sempre autoconsciência. mas para a qual o que somos e o que fazemos agora é.organização dos genes que identificaram aquele bisavô desconhe­ cido. mas não pode cancelá-lo. na habilidade) de minhas mãos. talvez. como algo dis­ tinto dos hábitos. das de outras pessoas as quais podemos consultar). e que estão disponíveis sem qualquer compromisso re­ flexivo de trazê-los de volta. Mas independentemente do que for resgatado. Alguma parte desse passado resgatado é composta por nossas próprias experiências iniciais de viver no mundo. mas porque nunca pere­ ceram. não como um ferimento sobrevive em uma cicatriz. das práticas e das habilidades que possamos ter aprendido. trata-se de um passado pessoal. mas não de um passado "subjetivo". nosso presente prático contém um depósito cada vez maior do que se supõe ser fragmentos que sobreviveram a um passado. aqui. embora não seja a característica de passado das experiências resgatadas (e. ou pode ser uma situação supostamente similar à que agora está atraindo nossa aten­ ção e que resgatamos pelo aviso que pode ter para oferecer. Contudo. e que agora estão disponíveis para serem ouvidos e consul- M I C H A E L Ü A K ES H O T T . não de pesquisa. também não é sua situação corrente em nossa experiência passada) que são significativas. e resgatamos so­ mente o que acreditamos ser apropriado a nossas atuais circunstân­ cias e compromissos. Assim como o passado lembrado. está unin­ do um desconcertante ou intratável presente a um conhecido e tranqüilo passado para compor um presente prático menos desconcertante ou mais manejável. além de nossas experiências passadas resgatadas (e. é claro.a isso está em um procedimento. Aqui. o resgate. mas de resgate: podemos resgatar apenas o que já nos é familiar. há algo como um genuí­ no pensée de derriere. mas sua familiaridade e relevância para as presentes circunstâncias. com certeza. O que é resgatado pode não ser mais do que um útil fragmento de informação ou uma reminiscência um tanto vaga que nos diz para tomar cuidado. Uma vez que significam para nós aquilo que foram feitos para significar. e que podem ser relacionados à nossa atual conduta.o que é "lido" e o que pode ser lido de forma a nos trazer alguma vantagem em nossos atuais compromissos. pois. ou mera sagacidade. Eles podem ser ouvidos. entendidos por suas quali­ dades e observados por seu significado e valor (se é que há algum) para a realização de nossos atuais propósitos. eles são (como outros também o são) objetos aceitos. Esses fragmentos podem ser artefatos (talvez reconhecidos como mode­ los a serem copiados). identificados apenas por pretenderem ser vozes do passado. o fato de esses sobreviventes serem ou não cenas de uma mitologia. Sua virtude é sua familiaridade e utilidade. usados. constituintes de um presente. Eles podem ter sido perdi- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü UTROS E N S A I O S . eles são lendas .tados. Esses sobreviventes porta­ dores de mensagens podem nos falar de forma simples. em um presente de compromissos pragmáticos. Na verdade. conselhos ou uma imagem efetiva para expressar o que deseja­ mos dizer ou fazer. exemplares do c �ráter hu­ mano e imagens da conduta humana. produ­ tos da imaginação poética ou supostas proezas do passado é muitas vezes uma questão que nos é indiferente. lembrados como anedotas ou episódios do sucesso humano no passado. não estamos preocupados em determinar sua procedência no passado. Eles podem pretender comunicar informações úteis. ambíguas ou dis­ crepantes. consultados. Esses sobreviventes são. supostos relatos de pessoas e de seus encontros com seu próprio Lebenswelten. Podemos atribuir-lhes autoridade. em pará­ bolas ou enigmas. suas vozes podem ser claras. Em resumo. e aqui. histórias mais elaboradas de circunstâncias do passado humano. negli­ genciados ou ignorados. Mas. M I C H A E L Ü A K ES H O T T . mas tornaram-se disponíveis para nós pelo procedimento. diplo­ mas. uma vasta miscelânea de ações e expressões registradas. Ou então ele é composto de objetos. escrituras de compra e por aí afora. Eles estão diante de nós. e cujas mensagens estão diretamente relacionadas com nossas atuais identidades contingentes e com os relaciona­ mentos que envolvem nossa vida prática atual: certificados. e que pode tornar conveniente adulterar o registro para fazer com que se perca ou que seja destruído. situamos a sociedade à qual pertencemos. contratos. real ou imaginário.dos e depois recuperados. na maior parte do tempo. Isso amplia o al­ cance. não de uma investigação crítica. o vocabulário e o idioma de nosso auto-entendimento (ou. a relação entre nós e esse passado prático registrado é conceituai. Toda sociedade tem uma herança. Para nós. rica ou exígua. no qual nos situamos ou. ou talvez já reunidos no arquivo de um vocabulário comum do dis­ curso prático. e saber nossa relação com isso é uma condição para articular a atividade prática. de tais sobreviventes do passado. E é seu caráter autoritário (sua referência ao futuro) que ocasiona seu resgate. reconhecidas como uma quase que inextinguível fonte de analogias e similaridades por meio das quais expressamos nosso entendimento de nós mesmos ou interpreta­ mos para os outros nossos propósitos e ações. certidões. mas por vol­ tarem à mente lá de onde estão espalhados em nosso presente. uma pequena parte desse passado "vivo" é um passado ancestral. acordos. de maneira geral. e a utilidade e o uso que fazemos desses sobreviventes em nossos atuais compromis­ sos são independentes de qualquer conexão com nosso eu indi­ vidual. alguns armazenados em registros e arquivos de repartições. E imagens que sobreviveram desse passado podem conjurar . Isso revela costumes e práticas que podemos ver com horror. Robin Hood é um personagem imortal e Canuto é um imperecível (ainda que sempre confundido) aviso. Isso provê relíquias. de­ claramos nossas próprias disposições.nossa condição mortal: Xerxes did die And so must I. reprová-las ou desculpá-las. Os hunos e os vândalos estão sempre conosco. Sem saber nada a esse respeito. depreciá-las ou ridicularizá-las. Um político de hoje pode representar a si mesmo como um "Moisés" ou um "Cincinato". de nossa auto-imagem) ao prover uma galeria de pessoas e situações familiares com as quais podemos nos identi­ ficar ou nas quais podemos identificar nossas atuais circunstân­ cias. exceto o que ouviu dizer. assim também devo eu. admiração ou indulgência. O respeito próprio dos Granadeiros britânicos é celebrado (em canção) ao ser relacionado com o valor de Lisandro. Ele pode ser acusado de "me­ dieval". * * Xerxes morreu. Ao venerá-las. podem dizer que ele tem o toque de Midas ou que encon­ trou sua "Waterloo". e assim ex­ pressar ou protestar nossa própria virtude.e talvez nos reconciliar com . um homem pode expor a modéstia de suas realizações ao desaprovar a sabedoria de Salomão ou de Sólon.pelo menos. E nos oferece uma coleção de façanhas supostamente bem­ conhecidas. respeitá-las. Ao aprová-las. podemos expor nossas atuais sujeições. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S . ou pode abster-se das inglórias sutilezas que fazem parte do caráter de Agag. 2 Lord Bolingbroke. Argumentarei que esse passado prático não é um passado "his­ tórico".ao se coletar esses sobreviventes fragmentários -. Em resumo. isso se relaciona. ou com citações banais e irreconhecíveis de Virgílio. Enquanto isso. como tudo o mais. com o "calvário da consciência". nos possibi­ lita um vocabulário atual de auto-entendimento e auto-expressão. Porém. este é um passado "vivo" que. Letters on the Study oj History. Dante e Shakespeare. que é sua contraparte. assim como sua alegação de ser. depois devo voltar a investigar seu ca" ráter de forma mais crítica. M I C H A E L ÜAKESHOTT 66 . nos­ so interesse é considerar seu status por meio da consideração do status do presente prático. que exibe uma escuridão diante da qual nossa própria ilu­ minação é um gratificante contraste. II. Conseqüentemente. ter­ se-á feito com que elas professem importantes conclusões sobre nós mesmos e nossas circunstâncias atuais. 2 ou. "ensi­ na por meio de exemplos". 3 Propositadamente confinei-me no lugar-comum. É esse passado que é evocado com nostalgia. embora o que se possa ganhar com a arte e a literatura de uma civilização vá muito além de qualquer coisa identificada como "lições" aprendidas. em qualquer sentido significativo. um "passado". que conta uma história de de­ clínio e retrocesso da qual somos os desafortunados herdeiros. e. é um passado do qual podemos escapar quan­ do o achamos constrangedor. ao contrário de nosso passado encapsulado. que isso é um passado que exibe um movimento "progressivo" ao qual nosso próprio tempo pertence.3 E quando passagens consideráveis desse passado registrado tiverem sido reunidas . pode-se dizer. de maneira mais geral. relacionados uns aos outros por seus desejos. é claro. nem é uma mera postura. propósitos e ações. frustrariam qualquer tentativa de dis­ tinguir e especificar esse passado. incondicional. e também relacionados a ob­ jetos. todos os objetos são igualmente entendidos por seu suposto valor em relação a algum empreendimento. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . É um coerente e auto-sustentado entendimen­ to do mundo no qual um único caráter formal é imposto sobre tudo o que recebe atenção. en- 4 A escala desses comprometimentos pode ser grande ou pequena (procurar uma chamada condição de "salvação" foi incluída entre eles). essas argumentações são importantes para nós porque negam a possibilidade de um pass ádo "histórico" independente. alguns dos quais podem ser identificados como tendo sobre­ vivido ao passado e entendidos por seu suposto valor na condução de empreendimentos práticos.4 Esse presente-futuro possui sua pró­ pria linguagem e pode ser reconhecido como um universo autôno­ mo de discurso. ou que (pelo menos) é o "primordial" e inescapável presente. composto de su­ jeitos de um certo caráter (optativo). erros podem ser cometidos ao se atribuir valor condicional ou ao se desvalorizar um objeto. 4 Esse presente-futuro de compromisso prático. Pois se (conforme argumentei) o caráter modal do passado é a contraparte do caráter modal do presente ao qual se relaciona. não é um encontro amorfo e indis­ tinto com a confusão de tudo o que pode estar ocorrendo. E muitas alegações têm sido feitas em seu favor. podem ser considerações a serem levadas em conta. a saber. que ele próprio é o mundo "real". bem como dificuldade. se pudessem ser sustentadas. aqui. e se esse presente-futuro de compro­ misso prático fosse o único. Agora. E. áutêntico presente. e dignidade e dever. e. Mas. ou que. E a expressão "passado histórico" poderia significar tanto esse pas­ sado (e assim se tornar uma expressão redundante). cuja concessão de incondicionalidade à práxis é tanto arbitrária quanto obscura. ou esse passa­ do de alguma forma corrompido ou malconcebido e. portanto. Ele pertence a um mundo . E isso não é um caráter que ele refletidamente impõe sobre os objetos que en­ contra. M I C H A E L Ü A K E S H OT T 68 . o significado de tudo o que encontra. consiste em sua propensão a iluminar. e em relação a quem também pode estar instrumentalmente relacionado) e de objetos aos quais ele percebe necessária e "imedi­ atamente" pela relação que têm com ele próprio e com seus propó­ sitos.composto de ou­ ' tros do seu tipo (com quem reconhece ter um relacionamento "mo­ ral".seu chamado Lebenswelt . "descobre" 5Refiro-me a Heidegger e alguns outros.sua identidade no exercício de sua capacidade. em vez de a pragmáticos mais óbvios. promover ou retardar o que busca.tão concluiríamos que o passado que é sua contraparte (um passa­ do resgatado. procurar por - e desfrutar de . "transcendente" e intencional. ao longo de um processo de investigação. assim como de tudo o que fabrica e cada ação que executa. Dado seu suposto caráter (um agente ativo suspenso entre nas­ cimento e morte e preocupado apenas em perseguir os propósitos práticos que escolheu). composto de objetos reconhecidos como tendo so­ brevivido e entendidos por seu valor em relação a um empreendi­ mento prático do presente) deve ser o único passado autêntico. supõe-se. é dotado de uma capacidade voltada para a atividade livre. A primeira e a maior dessas alegações emana de uma doutrina sobre a "existência humana". isto é.5 Um ser humano. desconsiderado. e sua única preocupação é "viver". formas. pode ser necessário que haja deliberação para determinar o valor circunstancial de qualquer um deles em relação a um compromisso atual. a resposta é: pode-se vir a mostrar que esses outros universos não são mais do que versões disfarçadas do universo do compromisso prático. posições. É daro. é uma relação coerente de sujeitos e objetos e de um universo de discurso autônomo.7 Mas tudo o que foi dito a esse respeito. E Platão alegou incondicionalidade para o entendimento filo­ sófico porque os bbjetos que compõem o presente-futuro do compromisso prático mostraram ser meras "sombras". proclama que isso é um universo 6 Alegações de alguma forma similares foram feitas. Em resumo. Eles não podem ter status independente. 6 Mas essa argumentação não pode. e não um mero "pon­ to de vista" ou "postura". É incontestável que um presente-futuro de compromisso prático. que não sejam os componentes de seu "mundo humano". trata-se de seu caráter imediatamente percebido. por exemplo). 7 O idioma do entendimento em questão é adequadamente representado nas manchetes de jornais: "Quinhentos mil fogem de um furacão de quarenta e S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . reconhecível e familiar. o que está sendo afirmado é a incondicionalidade e o imediatismo do presente-futuro da atividade prática. etc. é claro. pergunta-se como ele pode conformar-se em falar a linguagem do discurso prático quando sabe que tudo o que pode ser dito por meio dele é "cientificamente" falso e. e o passado que é sua contraparte. composto desses sujeitos e objetos.ser de alguns ou de todos eles. um em razão do outro.. tamanhos. penso eu. em uma comprometedora passagem especulativa em seu caderno de notas. em benefício de outros pretensos universos de discursos. Lichtenberg (um químico). portanto. falso. mas eles não dispõem das chamadas qualidades "empíricas". inevitável e substantivo. E se fosse sugerido que há outros universos de discursos em vez desse (o da "arte" ou o da "ciência". ser sustentada. e tudo o que pode vir a ser dito. M I CHA E L Ü A K ES HOTT 70 . é o que eu tenho chamado de modo de entendimento. embora possa ser dito que um objeto de "percepção imediata" (um mero "isso". e o compromisso de fazer e de elucidar a alegação a esse r� speito não pode ser mais 40 que uma ação executada por aquele que alega ao perseguir um propósito prático atual. se trata de um universo de dis­ curso genuinamente incondicional é apoiada apenas pela alegação de que os objetos que o compõem são objetos de "percepção ime­ diata". E a argumentação de que. Não há maneira pela qual possa ser questionada. ele escapa ao condicionamento apenas por causa de sua extrema abstração. não seda suficiente. Mas essa atribuição de incondicionalidade ao presente-futuro de compromisso prático. passível de ser especificado pelas condições que constituem sua modalidade. Além disso. Pois se esse presente-futuro fosse o que alega ser. insignificância e exigüidade. confirmada ou refutada. cinco milhões de libras.condicional de discurso. um "aqui" e um "agora") talvez seja incondicional. Pois. devido a uma amplitude que a tudo abarca." Sua pressão gradativa é um reconhecimento de sua força destrutiva. essa grande alegação de incondicionalidade em favor do presente-futuro de compromisso prático sofre do defeito fatal a todas essas alegações: ela se autoderrota. e sua direção é uma antecipação de sua chegada em um deter­ minado lugar no mapa. Mas mes­ mo que essa alegação de "imediatismo" pudesse ser sustentada. Essa alegação é claramente falsa: um objeto entendido ex­ clusivamente por sua relação com algum propósito humano atual com certeza não é um objeto de "percepção imediata". e do passado do qual ele é a contraparte. então esse universo de dis­ curso não seria nada além de um objeto de interesse prático. pode ser dito (talvez com algum exagero) que o enten­ dimento prático. é um modo de entender que precede qualquer outro modo de entender na vida de um ser humano. algumas de nossas experiências mais antigas não são práti­ cas. de uma forma um tanto inconseqüente. e de que.aprender a nos engajarmos em outros modos de entendimento mais sofisticados. E a afirmação de que o entendimento prático é " primordial" e constitui um universo de discurso inescapável deve ser ainda menos considerada. Os argumentos aqui são de que o entendimento prático é aquele por meio do qual um ser humano acorda para a conscientização. 8Na verdade. regidas pelo prazeres. Em resumo.não pode ser sustentada.ou não . que pode nunca ser excluído. refletem a modalidade dos materiais com os quais foram construídos. a priori. é uma situação muito mais confusa. esses objetos são conceitual­ mente construídos a partir daqueles que pertencem ao enten­ dimento prático e. e é apenas depois que podemos . conforme tem sido especificado. o que normalmente percebemos raras vezes possui essa ausência de ambigüidade. enquanto outros modos de entender podem estar relacionados com objetos de tipos diferentes dos que compõem o presente­ futuro de compromisso prático. inevitavelmente. Agora. todos os modos de e n tender têm um comp o n ente i n trus ivo e qualificador advindo de um modo de entender prático origi­ nal. aprendemos primeiro a distinguir objetos pelo valor que têm para nós no que diz respeito à satisfação de nossas necessi­ dades (em geral. em meio a uma variedade de universos de discursos. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S 71 . mas poéticas. objetos de desejo ou de aversão). na qual vamos e voltamos.8 Na confusão de tudo o que pode estar acon­ tecendo. Além disso. E. regidas pela utilidade. Ainda assim. o que significaria total inconseqüência. esses objetos não passarão a ser discernidos e abstra­ ídos dos que pertencem ao presente-futuro do compromisso práti­ co. não fazer isso é ficar enredado em uma mistura de modos. Na verdade.previamente e em outras condições . Nem tampouco pode ser "dissolvido" de forma a prover "materiais" a partir dos quais um outro tipo de objeto possa ser conceitualmente construído. Assim. Porém. nesse sentido.esse entendimento prático pode ser reconhecido como único por ser universal para a humanidade. em relação a outros mo­ dos. Pois um objeto constituído em termos de um conjunto de condições não pode ser transformado em um objeto que deve seu caráter a um conjunto de condições categoricamente diferentes. será dito que essa obstrução não é insignificante. a assumir características modais diferentes e a nos preocuparmos com objetos de diferentes consti­ tuições modais. Pois não pode ser negado que cada compromisso para entender - M I C H A E L Ü A K ES H O T T 72 . quando muito. nós retornamos à confu­ são equipados com um conjunto de considerações modais e despre­ ocupados com o que . e também por ser uma condi- ' ção de sobrevivência. a afirmação de que. é uma obstrução.possa­ mos ter encontrado lá. e não uma intrusão. Na verdade. ele é o universo de discurso "prim9rdial" pode (com algumas reservas) ser admitida. circunstancial. quando mais tarde talvez tivermos aprendido a nos engajarmos em outros modos de entendimento. a falar conosco e com os outros em outras linguagens. e não lógica. é logicamente impossível que isso ocorra. A chamada "prioridade" do entendimento prático e do sujeito e dos objetos que compõem o presente-futuro do compromisso prático é. Em cada modo de entender determinado. Cada um deles "leva tempo''. objetos que ocupam espaço. regida unicamente pelas consi- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T R. seja para que propósito for. pode ser usado para tapar um buraco e impedir o vento de entrar. os transtornos que sofreu e os benefícios de que desfrutou. passagens de uma biografia.é uma realização prática. que são qualificados para adquirir uma indizível varieda­ de de usos e valores. Mas a conclusão à qual geralmente somos convidados a chegar - que. em seus próprios compromissos práticos. Cada um olha para um futuro e resgata um passado prático. Tudo isso é inquestionável. talvez. e é uma expressão de uma preferência sobre como o tempo deve ser gasto. vendidos e comprados. O manuscrito de Hume. Além disso. ser possuídos. quaisquer que sejam suas supostas modalidades. cada um tem um significado como constituinte do Lebenswelt do agente em questão. E esses produtos (as conclusões escritas dessa investiga­ ção para entender o significado "histórico" da Carta Magna. que podem. uma ação de um agente determinável ocupando uma esta­ ção em um presente-futuro de atividade prática e qualificado para ser considerado nesses termos. por causa disso. Cada um segue seu curso marcado pela sorte circunstancial do agente: sua saúde. ou desse teorema "científico") são objetos lançados no presente-futuro da atividade prática. Cada um desses compromissos emerge em uma escolha para empreender essa investigação e não uma outra. cada compromisso para entender não é nada mais do que uma atividade prática. Tratado. são regis­ tros de como seus autores passaram seu tempo. Em resu­ mo. e a esse respeito devemos insistir. que podem ser per­ didos ou destruídos.quaisquer que sejam suas condições modais . e que estão à disposição de quem quer que os use. os produtos de todos esses compro­ missos.OS E N S A I O S 73 . O argumento do Tratado de Hume não pode s er usado para tapar um buraco e impedir o vento de entrar. e tudo o que constitui uma passagem em um Lebenswelt. tudo isso junto constitui o presente-futuro do compromisso prá­ tico. em­ bora sejam incapazes de negarem uns aos outros. Mas quando isso é reconhecido como um modo condicional de entendimento. uma investigação "científica" ou "histórica" cami­ nha para sua conclusão circunstancialmente. M I C H A E L Ü A K ES H O T T 74 .os objetos de seu interesse prático e o que ele faz deles. Sem dúvida. e o presente-futuro do compro­ misso prático é reconhecido como universo de discurso abstrato. e não se pode dizer que um teorema científico é "moral" ou "imoral". os objetos ou observações que ele está comprometido em entender. ou pelos transtornos sofridos pelo agente em questão.derações que constituem o sujeito e os objetos do discurso práti­ co . de um dia para o outro. constituídos por condições categoricamente diferentes.ocorre apenas se a afirmação ainda maior de que o entendi­ mento prático é um entendimento genuinamente incondicional for admitida. abriu-se espaço para outros modos de entendimento indepen­ dentes. E isso ocorre porque a distinção é categórica: esses universos de discurso. O sujeito que se ocupa dessas investiga­ ções. Mas esse certamente não é o procedimento. necessariamen­ te excluem-se uns aos outros. e es­ sas não são as considerações que constituem uma investigação "ci­ entífica" ou "histórica". auxiliada ou obstruída pelo clima encontrado pelo Beagle. os significados que lhes atribui e as conclusões a que chega são de um caráter categoricamente diferente do caráter do sujeito . que não deveria ter sido realizada. pode-se até mes­ mo dizer que é uma investigação "imoral". possuem uma certa prioridade circunstancial. isto é. e das quais somos trazidos de volta para o negócio da vida e da morte. à prioridade circunstancial que não lhes dá um status superior. considerar as condições modais S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 75 . não faz mais do que abrir espaço para outros modos de entendimento. agora. primeiro. Seus relacionamentos com isso. do jantar e do modo de entendimento desses vínculos. como compromisso. e que o presente-futuro prático. e do presente prático como um modo condicional de presente. que o modo prático de entendimento. considerar "história" como sendo um modo de entendimento exclusivamente preocupado com o passado. sem dúvida. cada qual com seu presente con­ dicional composto por um sujeito reflexivo relacionado a objetos modalmente distintos. então. Mas. e de uns com os outros. e aqueles que se ocupam disso podem muitas vezes encontrar alguma dificuldade em se libertar das exigentes demandas do com­ promisso prático. desfrutadas de tem­ pos em tempos. Mas seu caráter de modo de entendimento cate­ goricamente distinto não está nessa relação circunstancial. parecer uma excursão de féri"' as. E eu proponho. e uma poderosa resistência quanto a ser interrompido. não em argumentos. mas nas condições que a especificam. E minha preocupação. Pode ser dito. é baseado em conversa. eles não podem ser subordinados ao entendimento prático. um ine­ gável e quase contínuo penhor de nossa atenção. como a situação de um sujeito. Em relação ao entendi­ mento prático. isso irá. como modos de entendimento categoricamente dis­ tintos. é especificar um modo "histórico" de entendimento. Esse reconhecimento do entendimento prático como um modo condicional de entendimento. E todos os outros compro­ missos podem ser reconhecidos como férias. preocupado com o passado. é identificável como um sujeito exclusivamente preocupado com o passado (tal como um "historiador"). relacionado com objetos que falam apenas do passado (isto é. enquanto o entendimento estético nunca se preocupa com o passado. M I C H A E L Ü A K ES H OT T . uma inteligência reflexiva identificada por um modo de percep­ ção) relacionado a objetos (isto é. 5 Começamos. em um entendimento histórico. o entendimento histórico.e exclusivamente . O entendimento prático pode estar ou não preocupado com o passado (e. então. Conseqüentemente. com um presente. E com um presente que­ ro dizer um universo de discurso composto de um sujeito (isto é. se estiver. ele é certamente . uma vez que esse pas­ sado é a contraparte de um presente composto de obj etos modalmente condicionados e de um procedimento por meio do qual esse passado pode ser invocado a partir desses objetos. coisas identificadas por certas condições): um sujeito e objetos que correspondem a e definem-se uns aos outros. então essa é apenas parte de suas preocu­ pações). é com a modalidade desse presente que devo começar. é o único a pre­ ocupar-se somente com o passado. o presen­ te. E. Agora.que especificam um passado "histórico". Essa é a mais genéri­ ca das condições modais do presente em um entendimento his­ tórico. porém. coisas entendidas exclusivamente no que diz respeito à sua relação com o passado). e é absoluta. qualquer que possa ser o entendimento histórico. esse presente é exclusivamente composto de objetos reconhecidos. é composto de objetos reconhecidos não apenas por terem sobrevivido. sobras. Mais especificamente. é o presente-passado. no entendimento histórico. o presente em um entendi­ mento histórico é composto exclusivamente de objetos reconheci­ dos como sobreviventes do passado. fragmentos de um passado conservado. mas por suas atuais qualidades úteis. Conseqüentemente. sob um entendimento histórico. contudo. e isso é tão certo quanto o fato de o presente.e esse não deixa de ser o caso quando também os reconhece­ mos como tendo sobrevivido. Certamente. no entendimento prático. ser o presente-futuro. vestígios. E eu espero ter descartado a argumentação de que o presente. entretanto. O presente. esse pre­ sente de um homem inclui objetos (tais como a caneta em sua mão e o papel em sua mesa) que não são entendidos como sobreviventes do passado. identificados e entendidos como sobreviventes do passado: essa é a condição pela qual algo pode ser um objeto de interesse histórico. Por certo. ao passado. aqui. é composto de objetos distinguidos e identificados por seu valor em um compromisso atual para satisfazer uma necessida­ de . Mas essas afirma­ ções são categoricamente irrelevantes. o com­ promisso de um historiador (como a execução de algo) leva tempo e mira ao futuro quando ele tiver largado sua pena. no entendimento prático. eles são objetos atuais que evocam o passado e se mostram incapazes de evocar o futuro. O presente. o presente. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 77 . deva ser o presente-futuro do entendimento prático. mas reconhecidos apenas e ex­ pressamente como sobreviventes. porque o presente de alguém que é um historiador também é composto de objetos entendidos em termos de seu valor no que diz respeito aos compromissos do historiador. ser diferenciada da afirmação de que não há outro tipo de passado que o dos interesses práticos atuais. e com pouco incentivo para apren­ der. As condições de abstra­ ção ( objetificação) são. Temos uma quantidade suficiente de histórias que ocupam o lugar de um ou outro item do armazém do passado. aqui. é claro. M I C H A E L Ü A K ES H O T T . não o presente dos sobreviventes desse passado. o entendimento histórico é especial­ mente propenso a recair em algum outro compromisso. de alguma forma. ajudar a pro­ mover e a proteger a integridade da tarefa. Esse presente é. é o mais sedutor dos convites ao erro. mais severas do que as de qualquer outro presente. como em toda parte. difícil de se alcançar e difícil de se manter. fadado a sucumbir à desatenção. as circunstâncias que envolvem a percepção e o auto­ entendimento do sujeito podem. Assim. talvez. Aqui. E. o interess � que possamos ter pelo passado está restrito ao que ele pode ser induzido a dizer-nos sobre o futuro. mesmo agora. e foi dito (com algum exagero) que.9 Ainda assim. pela simples razão de que foi permiti­ do por tempo demais que esse item fosse mantido sem ser inventariado. é claro. o mais sofisticado de todos os presentes. trazendo-nos de volta a um presente. a insinuante voz do entendimento prático. Dessa forma. Na verdade. e que pertencem a algum outro universo de discurso. uma moeda ro­ mana trazida à superfície por uma pá de jardineiro provavelmente 9 "A história [o passado J é importante para nós apenas quando nos interessa hoje." Essa argumentação deve. determinados por outras considerações. mas de objetos reconhecidos em termos de seu uso prático. alguns seres humanos viveram tempo suficiente apenas com a mais nebulosa noção de um modo histórico de entender. o entendimento histórico não é um empreendimen­ to impossível. e os obje­ tos que compõem o seu presente podem ser facilmente substituí­ dos em favor de outros. que S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 79 . relacionada ao surgimento ou não de um compromisso histórico. O caráter da história como um modo de entendimento está em outro lugar. entendido em termos de seu valor prático. Quando essa integridade lógica é perdida ou comprometida.terá um caráter indefinido. uma ruína. o que significa apenas um passado que sobreviveu e é presente. em um registro público ou mesmo em um arquivo de família. E um objeto exposto à parte. também a descoberta de um arqueólogo está propensa a ser um objeto de interesse histórico. Uma mera curiosidade? Um artigo vendável? Um "tesouro" para o garoto? Um objeto de investigação histórica? Con­ tudo. circunstancialmente passível de ser re­ conhecido como qualquer um em meio a uma variedade de obje­ tos diferentes. uma lenda sem qualquer sig­ nificado atual ou um objeto tão gasto ou fora de moda que seu lugar no presente-futuro do compromisso prático é evidentemente exíguo . em um museu. o registro de uma crença na qual há muito não se crê. é o que geralmente é chamado de passado registrado. mas nas condições de entendi­ mento por meio das quais suas conclusões podem ser reconheci­ das como conclusões "históricas". tudo está perdido. nem na aceitabilidade de suas conclusões. Mas essa é uma mera consideração contingente. O presente como um entendimento histórico é.todas essas coisas e outras similares são circunstancial­ mente preservadas de serem reconhecidas em outros termos que não os do interesse histórico. assim como o "achado" de um vagabundo da praia será. ele mesmo um passado. nem em o casiões favoráveis à sua entrada em cena. pois. É composto de expressões e de artefatos reais que sobreviveram. uma prática extinta ou norma de conduta. qua­ se com certeza. composto de res gestae reconhecidas como sobreviventes. o pre­ sente na investigação histórica é um passado registrado. Essas afirmações registradas podem conter relatos do que outros . a seus pensamen­ tos e crenças.são entendidos como sobreviventes e que agora estão presentes exatamente como foram proferidos ou feitos. ou (como o Credo de Atanásio) por terem sobrevivido para ocupar um lugar no atual presente-futuro do com­ promisso prático. reconhecidos como sobreviventes. disseram ou fizeram. L. embora algumas dessas expressões performativas possam ser notáveis por alguma qualidade de sabedoria ex tempore. M I C H A E L Ü A K ES H O T T 80 . além disso. Mas esses relatos e descrições não são lidos por um historiador como afirmações informativas testemunhando (correta ou incorretamen­ te) o que eles relatam. Austin sobre os "atos da fala". essas expressões e artefatos. salvo algum dano que possam ter sofrido no processo. respondendo ao que acreditavam ser sua situação local e expressando a si mesmos.que não seus autores . eles são componentes de expressões performativas10 (endereçadas não à posteridade ou a algum futuro historiador. comprometidos em transações com outras pessoas. e descrições do que supostamente aconteceu. isso não é parte de seu caráter histórico: elas são o que são pelas transações às quais pertenceram.supostamente pensaram. 10 Uso essa palavra informalmente e sem querer evocar a intrincada teoria de J. exercendo os talentos que possuíam. mas a seus contemporâneos) por meio das quais seus autores respondiam às situações de então. são também reconhecidos como realizações. como as afirmações e as fabricações de seres humanos há muito falecidos. E. Mas. Em resumo. isto é. obras S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S . um telegrama do Ministério do Exterior instrui um agente a falar e lhe diz o que ele deveria dizer. Um manuscri­ to do Mar Morto é uma confissão de fé ou os termos de um ritual. um documento dota esse burgo de certas "liberdades" ou "imunidades". uma carta de Erasmo ao Papa Leão X admite parcialmente seu nascimento ilegítimo e suplica para que ele seja isento das sanções que isso acarreta. eles são fragmentos de transações por meio das quais seus autores buscaram satisfazer suas necessidades. uma preocupação com a reputação perante uma geração posterior. reconhecidos como expressões performativas. relembrado ou resgatado por seu valor no diagnós­ tico de uma situação atual. Nem todos os objetos que compõem o presente de interesse his­ tórico são meros sobreviventes de mundos passados de compromis� sos práticos. no planejamento de uma resposta a ela ou na expressão de uma auto-imagem prática. Em sua maior parte. composições musicais. poemas. atual na época. investigações filosóficas. Eles também contêm teoremas científicos e matemáti­ cos. esses sobreviventes. mesmo quando seu suposto intento era o de "tirar alguma coisa a limpo". pertencem a um presente-futuro passa­ do do compromisso prático. Seu modo é o do presente-futuro. não para dar informações a Sir Arthur Evans sobre uma civilização minóica que não sobreviveu. eles representam uma preocupação prática apenas em relação a um futuro mais distante. e num diário (talvez escrito em código) o autor se dirige a ele mesmo. e o fato de seus sobreviventes ocuparem o presente do discurso histórico em nada contribui para qualificar esse modo. E quaisquer refe­ rências ao passado que possam conter pertencem a um passado mais distante. Um pote minóico foi feito para cozinhar um jantar ou para carre­ gar água da fonte. E. realizações que sobreviveram. Cada um é um fragmento. o único modo de um historiador penetrar no passado é por meio desses objetos. e de uma rea­ lização cuja afirmação pode ser difícil de interpretar. e entendidos em ter­ mos de suas apropriadas procedências modais. reparar os danos que podem ter sofrido. e muitas vezes eles jazem espalhados em uma confusão que reflete não o seu caráter. com freqüência removido de sua relação transacional com outros. então esses objetos sobreviventes devem ser distinguidos em termos dos universos de discurso aos quais pertencem. impor algum tipo de ordem a essa confusão. todos eles reconhecidos como rea­ lizações passadas que sobreviveram. danificado. mas as circunstâncias de sua sobrevivência. Essas coisas também são res gestae. E a primeira preocupação de uma investi­ gação histórica é reuni-los onde eles jazem espalhados no presente. não menos opacas que os próprios fragmentos. talvez mutilado. Ain­ da assim. então. da música. mas que não pode ser nem verdadeira nem falsa. reduzir M I C H A E L Ü A K ES H OT T . ou talvez científicos ou artísticos. ou podem ser reavidos de onde aqueles que os usa­ ram ou que os fizeram os deixaram cair em tempos passados. ou de reflexões filosóficas ( distin­ tas das "vidas dos filósofos"). recobrar o que pode ter sido perdido. em um tipo único de presente composto de objetos.de arte e por aí afora. rela­ ções fugidias. É um presente-passado no qual tudo lhe tem imposto o caráter de um sobrevivente. Mas se existirem genuínas histórias da ciência (distintas de relatos históricos do lugar ocupado pelo compromis­ so científico em um Lebenswelt). ou. A investigação histórica começa. Esses artefatos e expressões registrados podem ser abstraídos do lugar que vieram a ocupar num mundo atual de compromissos práticos. arte ou literatura. então. e são o único passado no qual ele pode pôr as mãos. E isso não ocorre simplesmente porque esse passado contém objetos que por acaso sobreviveram. apesar de que. um passado históri­ co. em si. discernir suas relações. por si mesmo. e isso não ocorre simplesmente porque o livro pode ser considerado in­ completo. e certamente sem nos revelar.. Com certeza esses sobre­ viventes constituem o presente de um historiador. assim. ou porque muitos deles inevi­ tavelmente permanecem sendo. seu conhecimento não é direto ou imediato. uma história da legislação do século dezenove. Mas um passado registrado. E a reunião de expressões poéticas que compõem o Corpus Poetarum Latinorum não é.sua fragmentação. prática. mas sem saber (em nenhum sentido mais amplo). é de um caráter inteiramente diferen- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . Mesmo uma coleção completa de algum tipo de sobreviventes cui­ dadosamente preservados e autenticados não constitui. eles não for­ necem o que ele procura.. uma história da poesia latina clássica. que sobreviveram e que são entendidos em . ou filosó­ fica. termos de seu caráter autêntico.. frag­ mentos um tanto nebulosos e entendidos de forma imperfeita. Um passado registrado não é mais do que um presente passado composto de pegadas deixadas por seres humanos efetiva­ mente indo a algum lugar. como eles vieram a caminhar nessas jornadas em particular. um passado histórico.um passado historicamente entendido . composto de objetos reconhecidos como res gestae. não é. reconhecer um sobrevi­ vente no que diz respeito à procedência e. etc.. por si pró­ pria. O Livro de Estatutos do século dezenove não é. contudo. por si próprio.. ou artística. mesmo aqui. em menor ou maior grau. determinar seu autêntico caráter como uma realização passada. Pois o que ele procura . um pre­ sente. não pode ser encontrado. nem escavado. ele próprio. como não era composto de expressões e artefatos passados. Esse é o tema de meu próximo ensaio. nem que é o único passado a ser encontrado em supostos escritos históricos. entendidos como resultados de acontecimentos prévios igualmente entendidos) e reunidos. nunca foi. E pode ser especificado somente por meio do procedimento dessa investi­ gação. Enquanto isso. Um passado historicamente entendido é. mas apenas inferido. não é encontrado em parte alguma. nem re­ cuperado.te: é um passado que não sobreviveu. nem resgatado. exceto em um livro de história. Na verdade. não ações ou expressões. um passado composto de eventos históricos relacionados (isto é. porém. como respostas a questões sobre o passado formuladas por um historiador. Não afirmo que um passado histórico é o único passado. E o que eu disse não significa que possa ser encontrado em algum lugar um escrito que reflita com exatidão uma imaginação tão inexoravelmente con­ centrada em relatar certos eventos históricos em resposta a uma questão histórica sobre o passado a ponto de nunca desviar-se em considerações do tipo era "como" estar do lado de dentro das M I C H A E L Ü A K ES H OT T . o procedimento pode ser brevemente identificado como uma investigação na qual autênticos sobreviventes do passado são dissolvidos nas características que os compõem para que pos­ sam ser usados pelo que valem como evidências circunstanciais das quais inferimos um passado que não sobreviveu. Portanto. a conclusão de um determinado tipo de investigação crítica. eles próprios. é um passado que não poderia ter sobrevivido porque. pois. ou que é o único passado significativo. aconteci­ mentos. C. Em resumo. ou que nunca expresse um julgamento. nos quais o passado é uma cole­ ção de ocorrências exemplares. Há alguns escritos sobre o passado que não levam em conta as distinções que eu explorei (nem. eles vão ser valorizados pelo que fornecem e de­ plorados apenas quando simulam fornecer o que não fornecem.muralhas de Constantinopla no fim de abril de I 453. Mas há outros que (seja o que for que possam conter) exibem o tipo de investigaç�o e revelam o tipo de passado que eu comecei a distinguir como "histórico" e que podem. Há outros. ainda. em conseqüência disso. não tenho me preocupado em prescrever nenhum interesse em particular no passado. nenhuma outra).obras de profecia ou da chamada predição . ser reconhecidos. esses escritos permanecem como lamentáveis confusões.. ou ser um seguidor de Pelágio na Roma do ano 390 d. E há muitos expressamente . que nunca abra uma brecha para especular por alguns instantes as intenções de um filósofo ou os motivos de um político.ou inadvertidamente . Assim como todos os outros compromissos. como compromissos de entendimento histórico. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I Ó S . no que diz respeito a isso.devotados a nos familiarizar com um passado composto de res gestae e a ganhar nossa gratidão pela vivacidade com que comunicam esses episódios. na verdade. mas apenas em distin­ guir diferentes modos de passado em termos do presente ao qual eles estão relacionados e do procedimento por meio do qual po­ dem ser descobertos ou criados. conseqüentemente.nos quais o passado é entendido simplesmente pelo que se supõe que possa predizer. e. nos quais o passado é apenas um velho passado. Há outros escritos . Está claro que um passado prático. E essa obscuridade deve ser dissipada antes que possam ser transformados de realizações que sobreviveram em evi­ dências circunstanciais das quais um passado historicamente en­ tendido pode ser inferido. confundido com o passado registrado de sobre­ viventes que. tanto no que diz respeito ao caráter de seu conteúdo quanto ao procedi­ _ mento por meio do qual é construído. reunidos como respostas a questões históricas sobre o passado. inevitavel­ mente. e até mesmo sua alegação de ser um passado genuíno é equivocada. Os objetos que. que é freqüentemente confundido (e algumas vezes identi­ ficado) com um passado histórico. E terminarei este ensaio recon­ siderando seu caráter para distingui-lo de forma mais precisa de um passado historicamente entendido. Mas esse passado prático pode ser. é inteiramente diferente do passado registrado de interesse histórico. 6 Percebi que há um passado. são identificados como sobreviventes do passado são. obscuros. ao qual chamo de passado prático. Agora proponho argumentar que esse passado prático. em uma investigação histórica. composto de artefatos e ex­ pressões que supostamente sobreviveram ao passado e são reco­ nhecidos pelo valor que têm para nós e� relação a nossos atuais compromissos práticos. ou útil. e que nada têm em comum. e freqüentemente é. ao comporem o presente de interesse histórico. Que alguma coisa foi feita ou expressa é M I C H A E L Ü A K ES H OT T 86 . não pode ser facilmente confundido (muito menos identificado) com um passado histórico composto de pas­ sagens de eventos históricos relacionados que não sobreviveram. constituem o presen­ te. são invocados do lugar onde jazem. composto de objetos . no que diz respeito a ser um sobrevivente do passado. Muitas palavras.artefatos e expressões .que são reconhecidos como tendo sobrevivido a um passado mais próximo ou distante.sobreviveram em­ butidos em nosso vernáculo do discurso comum. Da mesma forma. ou para serem percebidos. é um fato aceito. Tais artefatos podem incluir uma antig4 ferrovia assinalada em um mapa que nos convida a uma exploração. ou. e entendê­ la em termos de seu surgimento. Nossas estantes de livros contêm diversas expressões que sobreviveram ao passado. relíquias. em um dos maiores arquivos de expressões passadas. seu caráter autênti­ co é uma questão a ser investigada. que (para os instruídos) pode indicar o nome do cria­ dor. para um historiador. como as pala­ vras atribuídas a Ruth ao falar com sua sogra. um sobrevivente do passado é um objeto que ainda não foi entendido: no que diz respeito a estar presente. mas exatamente o que isso era é algo que talvez possa ser apurado somente por meio de uma investigação preocupada em relacioná-la à sua procedência. em parte. monumentos. E S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . mas. uma ruína. ou por uma marca que indica uma data. breves frases e ditos - ainda que seus autores tenham sido esquecidos . um velho moinho. quadros e "antiguidades" reconhecidos por seu design. Assim. um castelo "medieval". E sem qualquer senso de estranheza reconhecemos um fóssil encontrado em uma escava­ ção como algo que pertence a esse passado de objetos que sobrevi­ veram. desfrutados ou empregados pela finalidade para a qual possam ter sido feitos ou pelo que possam valer para nossos atuais compromissos práticos.evidente por sua própria sobrevivência. um presente prático é. e que estão prontos para serem invocados de onde jazem no presente. não é um opaco sobrevivente de um passado de realizações que. ou se provém de uma situação legendária ou de um. Shakespeare. ou se foi a voz de Zeus. é um item transparente. com nossa aten­ ção fixada em um enigmático presente-futuro e no valor que qual­ quer coisa dita ou feita no passado tem aqui e agora. o enigma. Confúcio. é uma situação prática atual: o que pensar. resgatado não do passado. se é que alguma coisa é resgatada. entendidos pelo que podem oferecer de valor para um atual compromisso práti­ co. mas de onde ele jaz em uma coleção na qual perpetuamente se acumu­ lam inequívocos artefatos e expressões presentes. possa revelar seu caráter autênti­ co. que agora estou preocupado. aqui. aqui.é com esses sobreviventes. muitas vezes nos é indiferente onde ou quando isso pode ter sido dito ou feito. é (por assim dizer) a imagem espelhada do re­ gistro que constitui o presente em uma investigação histórica. do duque de Wel1 ington ou de Rip van Winkle que M I C H A E L Ü A K E S H OT T 88 . talvez com alguma dificuldade. E as perguntas são: O que é isso? Qual é sua procedência? Qual é sua autêntica expres­ são? Por outro lado. dizer ou fazer a respeito disso. em que um artefato ou uma expressão é um enigmático sobrevi­ vente de um passado. Registro. e quais são os recur­ sos disponíveis que podem ser empregados para responder a essa questão? E o que é resgatado. umJactum probandum.a chamada situação "histórica". que ocupam um espaço tão grande em nosso presente prático. A pergunta não é: O que esse objeto ou expressão significa­ ram nas circunstâncias em que foram feitos ou expressos? Nem: O que isso pode indiretamente contar sobre um passado que não sobreviveu? Mas sim: Que uso ou significado tem isso em um presente-futuro de compromisso prático? De fato. como de­ vemos conduzir nossos negócios.ou que podemos desejar fazer . desconhecidos. mas apenas considerando sua atual utilidade por con­ ta de sua durabilidade. mas meramente por terem sobrevivido. não lhe estamos atribuindo uma importante posição no passado. ou um passado de artefatos criados para o uso que agora fazemos . Tudo o que importa é que essa expressão deve ser inequí­ voca e utilizável. Em resumo. Se atribuímos algum mérito superior ao que sobreviveu pelo simples fato de ter sobrevivi­ do. então a inferência certamente seria falsa. é isso que se chama de "passado". esse passado prático. O que. e entendidos e valorizados pelo que têm a oferecer em com­ promissos práticos atuais. ou mesmo um passado projetado para nos transmitir informações.deles. geralmente. mas isso não difere da dívida que possamos ter para com um con­ temporâneo nosso que nos forneça um artefato útil. não é significativamente um passado. e que paira sobre nós quando reconhecemos esses artefatos e expressões presentes como objetos sobreviventes? Com certeza podemos admitir que estamos em dívida para com seus criadores e auto­ res há muito desaparecidos e. um exem­ plo de comportamento ou um sábio conselho sobre . Esse passado não existe.falou. chamado de "passado vivo". S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S . É aquela parte do presen­ te-futuro de interesse prático que é composta de objetos reco­ nhecidos não como sobreviventes. E se fôssemos inferir dessas expressões sobreviventes um passado composto de professores preocupa­ dos em nos transmitir lições que acreditamos ter aprendido com eles agora. então. resgatados para uso de onde eles jazem no presen­ te. em uma leitura que os despe de suas circunstâncias contingen- M I C H A E L Ü A K ES H OT T . confirmado quando consideramos o procedimento pelo qual esse chamado "passado". por meio de uma investigação crítica. que ele geralmente emerja de uma investigação crítica. é evocado a partir de registros que sobreviveram. diz-se que essas mensagens chegam a nós de um passado com­ posto de realizações historicamente autenticadas que sobrevive­ ram. didático e útil. As façanhas que emergem da investigação crítica de um historia­ dor são expressões performativas passadas. delicadamente equili­ bradas. além de qualquer possibilidade de retorno. Mas o que pode ser convocado para nos ajudar a responder às nossas atuais situações é algo bem dife­ rente: caracteres emblemáticos e episódios abstraídos de um regis­ tro. E o uso que Maquiavel faz do passado registrado é um empenho extraordinariamente sutil e preciso de peneirar da "história de Roma" importantes mensa­ gens prescritivas para os governantes de sua época. em um registro que sobreviveu. E esse ponto de vista sobre a questão é. uma realização um tanto obscura e. Elas não poderiam suportar se­ rem removidas de suas condições circunstanciais. Diz-se que um historiador percebe. e não podem ter mensagem alguma para nós. busca sua autêntica expressão. cujo significado autên­ tico apurado está em suas condições que não se repetem e nas necessidades e projetos de agentes que estavam vivos e que agora estão mortos. No que diz respeito a seu caráter autêntico. Em resumo. de forma a deixá-la pronta para nos transmitir qualquer conse­ lho ou sabedoria que possa conter. esses sobreviventes são identi­ dades complexas e ambíguas composições. Mas esse dificilmente é o caso. Supõe-se. talvez. penso eu. de semelhanças incertas. de acordo com o procedimento das sortes Vérgilianae. uma conhecida coleção de lendas que jazia sobre sua mesa em Sant' Andrea. de parábolas e analogias por meio das quais entende-se. para nós. dizia ele. um tanto sério. façanhas e situações. mas simplesmente ao serem trazidos de onde jazem. não é o que os troianos fariam. que Maquiavel encontrou os exemplares da conduta humana que usou de forma tão eficaz na identificação de situações atuais. ignorando-se seu caráter de passado regis­ trado do antigo povo hebreu e deixando-se de lado a crença em sua suposta autoria divina. o produto não é um conselho. expres- -- sa-se e responde-se a situações atuais.tes e de sua expressão autêntica. ações. simbólicas e estereotipadas personae. espalhados ou reu­ nidos. em Percussina. e. e não na "história de Roma" . e um rico vocabulário de imagens verbais e s ituacionais. familiares emble­ mas de intrepidez. E foi em " Lívio". meu pai costumava exortar-nos. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 91 . cujas complexida­ des das vidas. no presente. e fazia isso invocando um registro: isso. a continuarmos com o esfor­ ço. Mas os troianos não eram gente há muito falecida. realizações e destinos apenas uma investigação crítica poderia ressuscitar dos registros: eles estavam vivos e eram. 1 1 E eles se tornam disponíveis para nós não por meio de um procedimento de investigação crítica. mas um suposto destino inevitável e a coragem para aceitá-lo. O Velho Testamento. Um registro tido como uma mina de expressões proféticas pode ser consultado ao acaso. cansados e dispostos a ir devagar ou a nos deixar cair na grama da margem. para expressar sua leitura do que estava ocorrendo em sua épo- 11 Quando éramos crianças e saíamos para caminhar em um terreno íngreme. aqui. há muito é conhecido como uma inigualável coleção de exemplares de caráter humano e de situ­ ações. ou divorcia­ das por completo de suas circunstâncias.se é que estão -.nem precisa ter . Canto 34 ). e pouca ou nenhuma importância é dada à época em que eles foram colocados no depósito: todos são objetos igualmente "processados".a menor hesitação para aceitá-lo como uma situ­ ação simbólica. mesmo não sendo exatamente "um garoto que acabou de ler o seu Lívio" (Harrington). de Ariosto. artefatos e expressões transformados em fábulas e relíquias em vez de sobre­ viventes. que sobreviveram a um passa­ do indeterminado. 13 Não diferente do depósito que Astolfo. e o lugar está em 12 Lívio é cauteloso quanto à fundação de Roma. ícones. ou o chamado "passado vivo". e não imagens informativas. não é signi­ ficativamente um passado. as expressões. mas Maquiavel. as conquistas e os sofrimentos da humanidade. Não há um curador oficial. ou sendo arrastadas para circunstâncias igualmente formalizadas: ocorrências. 1 2 O passado didático. M I C H A E L Ü A K ES H O TT 92 .ca. esses itens submetem-se a um processo de afastamento. não tem . encolhimento e dessecação contra o qual os menos interessantes entre eles se opõem 1 4 e por meio do qual o resto é transformado de sobreviventes ressonantes. É o conteúdo atual de um vasto depósi­ to no qual o tempo continuamente despeja as vidas. 14 Pode-se dizer que esses itens pertencem exclusivamente ao passado registra­ do do entendimento histórico. encontrou na lua ( Orlando Furioso. predizer o que provavelmente resultaria disso e aconselhar e admoestar os governantes de sua época. ambíguos e circunstanciais da vida humana passada em ações e expressões emblemáticas. Cada item nesse depósito foi identificado por um rótulo. mas não há indicação de como eles podem estar relacionados uns com os outros . 13 À medida que jorram. De tempos em tempos. Em muitos casos. Geoffrey ou Monmouth) têm um olho para objetos interessantes.considerável desordem. Moisés. foram por eles dispostos em prateleiras preparadas para esse fim. há uma considerável. familiaridade com o que esse depósito tem a oferecer. essas pessoas são pouco melhores do que vulgares catadoras de lixo. Atanásio em Nicéia. Mas alguns (Heródoto. circulou por esse mundo de empreendimentos atuais a notícia de que o depósito contém itens de genuína utilidade (que. Além disso. Aqui estão Caim e Abel. fascinadas com o refugo. e até catálogos descritivos. foram processados para serem úteis). Nesse sentido. Nelson colocando o S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S 93 . na verda­ de. coloridos ou curiosos. Algumas vezes os pesquisadores pedirão para passar uma tar­ de escavando por conta própria. ainda que desigual. o rei Arthur. o conteúdo do depósito constitui um vocabulário do discurso prático. Horácio. parece que certas pessoas se recolhem lá e passam muitas horas agradá­ veis vasculhando a sucata que ele contém. Lutero em Worms. que se chega a dizer que foram perma­ nentemente emprestados ao presente do compromisso prático. os quais. usados com tanta fre­ qüência no mundo exterior. Canuto na praia. para onde as pessoas podem se dirigir e pedir a esses auto-intitulados bibliotecários de lendas o que elas preci­ sam. na esperança de se depararem com uma barganha. de itens interessantes à disposição. amputados de suas circunstâncias. entretanto. E grupos de crianças de escolas farão visitas guiadas por seus professores. e um guichê foi instalado na porta dos fundos. Seja como for. Guilherme Tell. Existem alguns itens bem-conhecidos. César cruzando o Rubicão. Aqueles que ficaram familiarizados com o conteúdo desse depósito publicaram listas. na verdade. travando sua última batalha. David Crockett. artefatos e expres- M I C H A E L Ü A K ES H OT T 94 . Além disso. contrabandeado-os para dentro do depósito quan­ do ninguém está olhando e perguntado por eles. capitão Oates. Ele pode prover um documento pretendendo provar que eu sou um descendente esquecido do falecido duque de Portland e herdeiro de uma vasta fortuna es­ condida nos cofres do Baring Brothers Bank. e eis o coronel Custer. com a desconcertante ou gratificante notícia de que você é alguém bem diferente do que supunha ser. Por vezes uma busca nesse depósito resultará em algo ligado a nossos compromissos práticos de forma mais íntima e útil. Em resumo. depois de um ano ou dois. surgindo. Pois. cobras na relva e o pesado albatroz) contém emblemas de todas as virtudes. Robin Hood. uma ad­ vertência ou um encorajamento. o conteúdo desse depósito é inteiramente dife­ rente do passado registrado de realizações. um precedente para agir de determinada forma.telescópio em seu olho cego em Copenhague. o fato de um objeto ser encon­ trado nesse depósito confere-lhe tal prestígio que as pessoas os têm forjado. Esse vocabulário de personalidades simbólicas (que mal se distinguem de figuras míticas e de imagens como carvalhos robus­ tos. esse depósito adquiriu tal reputação como uma coleção de objetos potencialmente úteis que há agora toda uma categoria de profissionais que. Ele pode revelar uma pretensa autoridade para fazer o que queremos fazer. talvez. continua­ mente em expansão e continuamente resgatados para serem usados. e é nele que pode­ mos esperar encontrar o "contrato original" legitimando um governo atual. mediante remuneração. irá vistoriar o depós ito por nós. vícios e apuros conhecidos pela humanidade. no famoso discurso de I 4 de maio de 1 872. era uma relíquia. mas por sua atual utilidade. simplesmente. Por exemplo. realizada pelo imperador Henrique IV. Mas o que Bismark reti­ rou não era aquela obscura façanha de penitência. Ou. um exemplo de uma busca frustrada no relicário. e valorizados não por um passado historicamente entendido que deles possa ser inferido. Não é uma coleção de façanhas. disse: "Nach Kanossa gehen wir nicht" (usando o plural principesco). uma ocorrência inteiramente composta de crenças contingentes e circunstâncias locais. mas. genuína ou si­ mulada. no rigoroso inverno do ano de I 077. ou como Karl Marx retirou o "feudalismo". O que ele retirou não era "um pedaço de história". ainda.sões com as quais uma investigação histórica começa. nem mesmo um item do passado registrado. Não faz muito tempo. não são conteúdos evocados pelo procedimento de uma investigação crítica sobre o caráter autêntico de um sobrevivente que ainda não foi en­ tendido. assim como outra pessoa (em uma ocasião diferente) poderia retirar "Washington cruzando o Delaware". em uma cidade sobre uma colina no norte da Itália. um emblemático trapo por meio do qual poderia expressar e dramatizar sua posição vis-à­ vis com o papa quanto ao chamado Kulturkampf. E ao fazê-lo ele recorreu ao depósito e retirou o item rotulado de "Kanossa". um advogado em um tribunal referiu-se a S O B R E A H I S T Ó R I A & O U T RO S E N S A I O S 95 . quando ele e o Papa Gregório VII estavam envolvidos em uma disputa sobre certas indicações eclesiásticas e propriedades no domínio imperial. Bismarck. mas de emblemas. Isso jamais poderia ter tido o menor interesse ou uso para Bismarck ou sua audiência. conteúdos trazidos de volta como imagens não-problemáticas. e esse apelo ao depósito de emblemas falhou porque nem nessa passagem nem em nenhuma outra parte da Carta Magna há nada que se refira à composição de júris. expressões e situações exem- M I C H A E L Ü A K ES H O TT . A importância históri­ ca que isso teria representado. Ele foi astuto ao recor­ rer à Carta Magna: como um depósito de emblemas de procedi­ mentos justos. há muito ela foi creditada com uma autoridade quase mágica.sso não poderia ter nenhuma mensagem ou autoridade para transmitir à corte à qual ele se dirigia. exceto por meio de um julgamento legal realizado por seus pares. uma expressão cujo significado autêntico está oculto em uma circunstância local há muito desaparecida. Aqueles que recorrem a essa coleção de supostas realizações passadas reduzidas a personalidades. o que é resgatado deve ter alguma semelhança plausível com a situação à qual está sendo relacionado. 39. O que ele buscava era algo que pudesse ser apresentado como uma relevante e persuasiva analogia para apoiar seu caso. deveriam. não o teria privado de seu valor analógi­ co. ele cometeu um descuida­ do engano. ao escolher a C. Mas. cinco homens negros. Mas seu apelo não era para um passado registrado historicamente entendido. para que possa ser útil. mas um gru­ po de vizinhos-testemunhas que já conheciam intimamente o acu­ sado e a suposta acusação. despojado de seus bens ou coisas semelhantes. ser julgados por um júri inteiramente composto por negros. Entretanto. I.uma passagem da Carta Magna (C. E argumentou que seus clientes. um documento do século treze que sobreviveu. sem dúvida teria sido suficiente para realizar seu propósito. Se esse trecho mencionasse um júri. não um júri moderno. 39) para mostrar que um ho­ mem livre não deveria ser preso. Ele invocou . por isso. encarcerado. cometer erros. O que chamei de passado prático é. mas são erros de um tipo intei­ ramente diferente daqueles a que um historiador está sujeito ao procurar o caráter autêntico de um sobrevivente. Por exemplo. pois. A coleção.plares podem. Além disso. aqui. Mas aqueles qu� promoveram essas supressões não estavam falsificando ou reescrevendo a "história". a remoção do nome de Trotsky do passado emblemático bolchevista ou do nome do explorador Stanley do passado prático do Zaire era parte de um empenho em construir um vocabulário simbólico do discur­ so prático que não prejudicasse um presente prático aprovado. reconhe­ cidos como decididamente prejudiciais e. por isso. um recurso há muito conhecido na China como "retificação de nomes". Uma falsificação é algo valioso em uma investigação histórica apenas quando seu autêntico caráter de falsificação é reconhecido. um presente de obje­ tos reconhecidos como tendo sobrevivido. e quando descobrimos que ela é valiosa dize­ mos que "a história está do nosso lado". estavam simplesmente removendo o que viam como itens inúteis ou perniciosos do relicário no qual um "passado" prático é preservado. essa coleção de símbolos é avaliada pelo apoio que pode dar ao que é reconhecido como sendo um desejável presente de com­ promissos práticos. e também um comentário so­ bre a mutabilidade das circunstâncias humanas. pode conter itens que não apenas são imprestáveis mas. é valiosa apenas quando seu caráter autêntico não é descoberto. também. porém. Mas é categoricamente distinto tanto dos sobreviventes que compõem o presente de uma S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 97 . pois. propensos a se­ rem esquecidos ou até mesmo proscritos. E essa diferença é ilustrada nas diferentes avaliações que fazem das falsificações. É um ingrediente indis­ p ensável a uma vida civilizada articulada. É uma acumulação de pessoas. produtos da imaginação prática. mas com a época e as circunstâncias nas quais ganharam atualidade em um vocabulário do discurso prático. M I C H A E L Ü A K ES H OT T . expressões.investigação histórica quanto de um passado historicamente enten­ dido que deles pode ser inferido. e sua única relação significativa com o passado não é com o passado ao qual se referem de forma ambígua e incon­ seqüente. ações. situações e artefatos simbólicos. SOBRE A HISTÓRIA & O UTROS ENSAIOS II Eventos Históricos OJortuít� o causa� o símílat. que a distinguem de outras inves­ tigações com as quais pode ser confundida. Contudo. Não suponho que eu próprio tenha provado que um passa­ do histórico deva ter esse caráter. mas não inteiramente insignificantes. as expressões "investigação histórica" e "enten­ dimento histórico" podem adquirir um significado explícito ape­ nas quando se encaixam em um modo de investigação e entendi­ mento categoricamente distinto. o ::orrelato) o análogo e o contingente I investigação histórica pode ser reconhecida por marcas de identidade geralmente vagas. estão inclinados a identificar um passado histórico . E talvez a mais óbvia dessas características seja uma preocupação exclusivamente com o passado. e quando as condições desse modo são especificadas. talvez por causa do que encontraram em supostos escritos históri­ cos. Iniciei minha exploração dessas condições ad­ mitindo que · elas incluirão uma referência ao passado e conside­ rando em termos gerais o caráter de um tipo distinto de passado.a um tipo de passado que também é S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 99 . Mas àqueles que. Nem tampouco estipulei q�e esse tipo de passado seja um passado histórico.em adi­ ção ou como alternativa . que pode ser apropriadamente identificado como um passado his­ tórico. e a que chamei passado prático ou didá­ tico. e reuni­ dos como respostas a questões históricas sobre o passado. Proponho agora explorar a tese de que um passado histórico é composto de passagens de eventos relacionados. mas de fixar. privando-a do caráter de uma investigação crítica sobre o passado - um empreendimento um tanto extravagante. E insistir que uma investigação histórica possa preocupar-se de maneira adequada com ambos os tipos de passado não é simplesmente uma questão de conceder-lhe um alcance mais amplo para uma preocupação legíti­ ma. por si mesmo. o caráter de uma con­ fusão categórica. e tam­ bém não é o produto de uma investigação crítica sobre o passado. porque não é de se esperar que algum livro vá evitar uma certa miscelânea. Nós. não me es­ panto quando encontro ambos os tipos de passado representados em um livro de história. ele pode ser identificado como passado somente ao custo de negar ao entendimento histórico uma genuína preocupação com o passado. desde que um passado prático não é. As ques­ tões que exigem consideração são: O que é um evento histórico? Qual é o procedimento de investigação e inferência por meio do qual eventos históricos podem ser deduzidos de um presente com­ posto de sobreviventes? Qual é o caráter da relação entre o que pode subsistir em meio a eventos históricos e de que forma isso pode constituir uma passagem de eventos? MICHAEL ÜAKESHOTT 100 . porém. tenho dito que. no entendimento histórico. inferidos de obje­ tos atuais reconhecidos como sobreviventes do passado. tenho respondido da seguinte forma: primeiro. Em segundo lugar.categoricamente distinto. um passado genuíno. preocupamo-nos aqui apenas com a "história" nos livros de história. fragmentos que sobreviveram de compromissos úteis passados de autores talvez desconhecidos (ainda que. também. descrições ou outras referências aos feitos de seus autores além das próprias ex­ pressões. Elas são objetos presentes que falam ape­ nas do passado. artefatos que foram produzidos. 2 Uma investigação histórica emerge de uma preocupação com um presente composto de objetos reconhecidos não como meros itens que sobreviveram. Outros desses obje­ tos podem ser escritos que pretendem ser crônicas. feitos que seres humanos realizaram. Eles são expressões humanas que (independentemente do que deles possa ser inferido) passam por registro apenas como façanhas realizadas. por si próprios. mas como coisas que são vestigiais. como expressões de notável sabedoria ou de notável tolice. Esse é o inequí­ voco caráter de alguns desses objetos. o presente. a erupção do Vesúvio que submergiu Pompéia. mas como sobreviventes. como artefatos atual­ mente úteis. expressões que foram pronunciadas. o terremoto de Lis­ boa que penetrou tão profundamente na vida intelectual da Euro­ p a do século dezoito. às vezes. reconheci­ dos não como relíquias que invocam veneração. Em segundo lugar. a acon­ tecimentos que não são façanhas humanas. isto é. esses objetos são reconhecidos como faça­ nhas. mas que ocupam um lugar no mundo dos feitos humanos por evocarem respostas em termos de ações ou expressões: um eclipse da lua em particular. reconhecidamente danifica­ dos) e que agora são. ou aos feitos de outras pessoas. e talvez. a retirada dos arenques do Báltico ou o de- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S IOI . nem como objetos de prazer contemplativo. Mas o propósito do "relato'� era persuadir Felipe a comprometer-se a colocar a Inglaterra sob o mesmo gover­ no (F. o que é relatado em umJastí oficial (uma crônica monástica ou real. e esse também é o caso de relatos mais instruídos.sastre agrícola francês de 1 693. a expressão performativa de seu relator. como res gestae. 449). cada um está qualificado para ser usado em uma variedade de investigações históricas. ou fala por meio de uma única voz. a proeminente voz desse artefato ou expres­ são pode ser reconhecível como a de um determinado universo de discurso: uma composição musical. p. Em terceiro lugar. um argumento filosófico. algu- . é um objeto relaciona­ do a um tipo particular de passado histórico: o da composição mu­ sical ou o do compromisso prático. Braudel. o duque de Feria "relatou" a Felipe II que "Nápoles. no que diz respeito a isso. Aqui. o caráter dessas ex­ pressões sobreviventes como relatos informativos de realizações humanas ou de outros tipos de acontecimentos é subordinado ao caráter de realizações de seus relatores. Sicília e Milão floresciam como nunca sob seus atuais governos". Ainda assim. Mas nenhum desses objetos que compõem o presente da preocupação histórica tem um caráter exclusivo. um ritual religioso ou uma contribuição à. em virtude de suas exp �essões heterogêneas. Em 1 595. Em resumo. eles próprios. o que é relatado (não menos do que o relato disso) é uma façanha. 1 o caráter (e não a mera precisão) da informação que compilações co m o as do Livro do Dia do Juízo Final ou do valor Ecclesiastícus dé I 535 preténdem suprir está relacionado com as intenções dos compiladores. ele meramente identifica seu idioma de artefato. e assim por diante. 1 Não existem (por assim dizer) relatos "neutros" ou in­ condicionais. E. um teorema científico. a presente investigação histórica é com­ posta de artefatos e expressões reconhecidos como sobreviventes e entendidos. um debate político. E. La Medíterranée et /e Monde Mediterranéen à l'époch de Philip II. M I C H A E L Ü A K E S H OT T 102 . ou mesmo um livro de relatos) está rela­ cionado a seu propósito. inteligível e interessante. uma façanha registrada. em 1 908: "A jovem tártara dirige-se a você. e o tempo me permi­ te apenas algumas linhas. de um registro paroquial de casamentos. e. uma façanha realizada em tempos passados. O coração está partido pela ausência:' S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N SA I O S . Mas. exceto pelo dano que pode ter sofrido no caminho. uma anedota das circunstâncias huma­ nas. não de todo misterioso.mas bem distantes do que foi sugerido pelo que pode ser reconheci­ do como sua voz proeminente. Cada qual é uma res gesta. Mas pode atrair nossa atenção ao parecer. seja lá qual for essa sugestão. da Crônica anglo­ saxã. meu coração fica pesaroso. o enigmático fragmento manusC:rito escavado na costa norte do Mar de P'uch'ang. de um caminho no campo ou de uma canção. com talvez pouca coisa no que diz respeito a um contexto significativo. é tudo o que podemos estar dispostos a lhe pedir. Desde que partimos fui para o oeste. de um passado registrado. E sem que se lhe imponha algum outro caráter que não o de um sobrevivente de tempos passados. A forma como um sobrevivente pode chegar a nós. 2 Por exemplo. mas que certamente não foi projetada para suprir qualquer informação desse tipo. ou talvez um pouco mais. pode ser ingenuamente aceito como o que pretende ser . E cada qual é uma fonte oblíqua de informação que pode ser usada na busca de respostas a uma variedade de questões históricas sobre o passado. sob alguns aspectos. de um tapete persa. trata-se de um objeto que provoca investigação: para ele.um fragmento. para um historiador. do Leviatã de Hobbes. sempre que relembro os dias que passamos juntos. 2 E isso. Escrevo esta carta com pressa. e que sobreviveu exatamente como foi realizada. da partitura de Figaro. da Abadia das Fontes. é esse o caráter do Evangelho segundo São Marcos. Para a investigação histórica. é algo como um mistério cercado de mistérios. entendê-lo como um ob-jeto. ou o Crânio de Piltdown ) não quer dizer . transformar façanhas sobreviventes em evidências a serem usadas na composição de um passado que não sobreviveu porque. mas que.qualquer que seja seu imediato interesse ou inteligibilidade. a pergunta "é verdade?" não pode ser feita. ou fazer a única pergunta que ainda exige resposta. é algo que ainda não foi entendido. A preocupação mais distante dessa investigação é. E perguntar: Isso aconteceu? Ou então: Isso foi realizado? equivale a pergun­ tar a única questão que já recebeu uma resposta (algum tipo de artefato certamente está presente). A importante consideração histórica a esse respeito não é a de que um objeto que sobrevive1:1 ao passado possa ser enganoso. inferir de façanhas registradas um passado composto de eventos históricos relatados em resposta a uma questão histórica. sendo um passado de eventos e não de façanhas. é condicional. isto é. a saber: O que é isso? Qual é seu caráter autêntico? E essa questão significa algo mais do que: Isso é o que pretende ser? Pois. não poderia mesmo ter sobrevivido. Uma vez que essa investigação é sobre um objeto entendido como uma realização (e não uma proposição sobre uma realiza­ ção). foi jogado no mundo. em tempos passados. embora possa ser importante determinar se um objeto é ou não uma realização falsificada (como as falsifica­ ções de Thomas Wise. certamente. E M I C H A E L Ô A K ES H O TT . O projeto da in­ vestigação é ampliar nosso entendimento do que ele é exploran­ do sua condicionalidade: isto é. sem dúvida. Porém sua preocupação imediata é com a ulterior de­ terminação da própria façanha registrada. algo em particular que. se for isso que ele mostrar ser. que esteja privado de uma autêntica expressão. de crença ou de entendimento. uma vez que práticas (linguagens) são encontradas apenas em realizações (ex­ pressões). as imagens usadas e o simbolismo empregado é relacioná-la a uma prática de conduta. O presente na investigação histórica é. Em resumo. ou do vernáculo inglês do século dezesseis. O princípio dessa investigação é: tudo é o que é no que diz respeito a essa relação. Discernir as formas exatas que compreendem seu projeto. reconhecer o vocabu­ lário e a sintaxe de sua expressão. e seu procedimento consiste em fazer com que façanhas registradas interpretem e critiquem umas às outras. Não há critérios independentes de sua autenti­ cidade histórica. e entendê-las nesses termos é um importante estágio da investigação.cada ampliação desse entendimento não é simplesmente algo acrescentado ao que quer que tenha sido apurado. e o primeiro compromisso dessa investigação é distinguir e entender essas realizações por suas conexões com outras às quais podem estar circunstancialmente relacionadas. Um dicionário ou uma gramática da lingua­ gem do simbolismo cristão em qualquer época. e o que está sendo buscado é seu caráter em termos de sua subordinação às condições de uma prática. Contudo. Cada uma dessas realizações tem uma linguagem. é uma "revi­ são" do caráter da realização em questão. a linguagem de uma realização é um certo S O ll R E A H I S T Ó R I A & O U T RO S E N S A I O S . são compostos de inferências de expres­ sões vigentes. a investigação na qual a linguagem de uma realização pode vir a ser entendida é também uma investigação na qual a própria linguagem é discernida. composto de realizações que sobreviveram. e podem ser extraídas apenas mediante um procedimento por meio do qual realizações são entendidas e relacionadas a esse respeito. pois. entre os quais alguns podem ser discernidos como sendo transacionalmente relacionados a essa realização. ou o "pano de fundo" contra o qual foi realizada. em um presente com­ posto de objetos reconhecidos como façanhas que sobreviveram. entretanto.. em I 967. 106 . em Sansepolcro. alguma parte da condicio­ nalidade de uma realização pode ser resolvida pelas questões . . e po­ dem emergir apenas em uma investigação que os faz interpretar e criticar uns aos outros. " quem. assim como essa realização está entre as condições que constituem o seu caráter. 3 Uma realização. e é um componente de sua condicionalidade. que po dem ser respon d'd l as com um nome. ou mesmo o seu "contexto". A investigação histórica começa. Por exemplo. mas também o antigo navio grego e sua carga descobertos sob o mar em Kirênia. portanto. " quan do. É também uma ação ou expressão substantiva que pertence a uma transação e que busca uma satisfação. nunca é uma mera subordinação a uma prática. E essas outras rea­ lizações não são a "cena" na qual ela ocorreu.) " . isto é. Esse presente é continuamente expandido pela descoberta de sobrevi- 3 Pode-se dizer que cada realização que sobreviveu tem.tipo de relacionamento que ela tem com outras realizações. cada qual é um fragmento de um presente passado composto de res gestae. Não apenas o Oceana de Harrington (cuja linguagem foi identi­ ficada como a do "humanismo cívico"). M I C H A E L Ô A K E S H OT T . nesse sentido.. uma data e um lugar. e a Ascensão de Cristo de Piero della Francesca. uma "linguagem". Mas tais respostas são apenas a estenografia de uma coleção de sobreviventes ainda não-entendidos. um futuro. elas são condições que constituem o caráter dessa realização.)" e " onde. E o autêntico caráter de realizações que sobreviveram é o que é em termos de suas relações transacionais com outros. como por sua atual utilidade. Quão árduo esse empreendimento pode ser depende da opacidade do objeto. a reconhecer seu universo de discurso. seu valor em uma posterior investigação histórica depende de um entendimento de seu caráter autêntico. E isso pode nunca ser définitivamente concluído. nem uma pequena parte dessa investigação devota-se a encontrar melhores razões para aceitar uma atual interpretação. Mas talvez nunca se possa prescindir disso: nenhum objeto que sobreviveu desvela seu ca­ ráter autêntico ante uma mera observação. A preocupação imediata da investigação é entender realizações reconhecidas como sobreviventes em termos das relações transacionais que constituem seu caráter como realiza­ ções. 3 Ter aprendido a ler criticamente um sobrevivente. de seu relativo distanciamento como sobrevivente e de muitas outras considerações. um historiador não tem sua própria destina­ ção intrínseca. ele próprio. Tendo-se entendido isso. mesmo se ele não quer dizer o que diz. Todos os caminhos levam a algum lugar. ele simplesmente quer saber aonde o caminho conduz. Na verda­ de. nessa investigação. É dessa maneira que um historiador cria. assim. pode-se fazer com que diga o que quer dizer. suas chamadas "fontes". discernir sua condicionalidade e. a chegar a entender sua "linguagem".ventes até então desconhecidos e pelo reconhecimento do caráter vestigial de objetos até então conhecidos apenas em outros termos. um registro nunca mente. o seu presente. E. a autenticidade) de sua ex- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I OS 107 . determinar a "autentici­ dade" de sua expressão. e as dota não de "autoridade''. nem bons moti­ vos para modificá-la. mas de "autenticidade". a discernir a condicionalidade (isto é. ao dizer ocorrência histórica refiro-me a uma condição identificada de circunstâncias humanas ou de relações transacionais de seres humanos as quais se supõe ser . sob determinado aspec­ to escolhido por um historiador. em tal lugar e ocasião. Porém.pressão.e que são entendidas como . mas como uma rede de realizações divergentes e talvez conflitantes: um fragmento anatomizado de circunstâncias passadas. quando entendida em termos de sua expressão autêntica) não são o fim. com os objetos sobreviventes permanecendo como o centro do que toda­ via é um foco de atenção histórica. a saber. É a conclu­ são de uma investigação projetada para inferir de expressões e artefa­ tos sobreviventes o que eles podem e o que não podem lhe dizer. em separado e isoladamente (já que cada uma é o que é por sua relação com outras ocorrências). mas com o que deles pode ser inferido sobre um passado que não sobreviveu. com seu caráter como realizações. ou mesmo identificada. a vasta maioria do que sobreviveu. Explicando brevemente. e que não sobreviveram. Mas uma vez que nenhuma dessas ocorrências pode ser enten­ dida. quando ela é dirigida para extrair do regis­ tro sobrevivente um passado constituído de ocorrências que não são. mesmo fragmentos do passado inerentemente interessantes (e. Proponho considerar essa investigação. a reparar os danos que possa ter sofrido e a ser capaz de defender as próprias conclusões com argumentos são conquistas consideráveis.como um artefato ou expressão que sobreviveu. a M I C H A E L Ü A K ES H O T T 108 . realizações. nem como uma realização. preocupada não com o que eles são. primeiro. mas o começo de uma investigação. com certeza. E aí (ou por aí) a investigação pode parar. por si próprias. o que não sobreviveu mas de fato aconteceu.o que de fato aconteceu. não . para um historiador. C. Brooke. identificadas nos termos (amplos ou estreitos) que a investigação acredita serem apropria­ dos ao caráter que atribuiu às ocorrências que o compõem.inevitável preocupação. Stone. The Family.9 "a Reforma em Zurique". The Civilization ef the Renaissance in Italy. Sex and Marriage in England. é em explorar e anatomizar o caráter de situações de várias dimensões. Uma ocorrência histórica é uma situação histórica rudimentar. compostas de ocorrências relacionadas. Burkit. Constitutional History ef England. 'º L. The Legal Framework ef English Feudalism. W.8 "um esboço da lei inglesa na morte de Henrique VII". S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S . ou o caráter que atribuem a situações que exploraram. 8 J. 6 S. Maitland. nesse nível da investigação histórica. e uma situação histórica é uma composição de ocorrências históricas nacionalmente contemporâneas e mutuamente relacionadas.5 "a estrutura formal da sociedade feudal inglesa por volta do ano de 1200". Burckhardt. 4 o Volkerwanderung do terceiro e quar­ to séculos. L. É assim em: Pauline ou o Cristianismo Edesso. o Platonismo alexandrino. 7 C. Os historiadores designam as situações que se incumbem de explorar. Ker. Epic and Romance. eh. 3. Early Eastern Christianity. 11 Thomas Macaulay. "a revolução científica". Nock. "a tirania da Grécia so- 4 A. N. Histo ry ef England. F. l 5 00 . F. 10 "a condição da Inglaterra em I 685".l 8 00. 5 W. 6 "casamento na história cristã" . 1 1 "o Iluminismo escocês". St. Paul. "a poesia épica da baixa Idade Média" . P. Marriage in Christian History. C. 9 F. "a mentalité do individualismo afetivo na Inglaterra do século dezessete".7 "a civilização do Renascimento italiano". Milsom. às vezes em condições relativamente neutras e às vezes em con­ dições que refletem algo de suas conclusões. The Tyranny oj Greece over Germany. Elas são resultados não­ intencionais de vários e divergentes projetos e ações com as quais os perdedores. Essas supostas condi­ ções de circunstâncias humanas e seus similares são lugares-co­ muns da imaginação histórica. M I C H A E L Ü A K ES H O T T IIO . abstraídas de tudo o que pode estar acontecendo em tal lugar e em tal ocasião. elas não são projetos. ar­ tefatos ou expressões que sobreviveram.bre a Alemanha". pro­ pósitos ou façanhas de agentes determináveis. não menos que os vitoriosos das referidas transa­ ções. por si próprias. " a democracia jeffersoniana" e o "positivismo lógico". M.e não pretendem ser . e não são . essa conclusão não pode ser campos- 12 E. Elas não são. e o que precisa ser considerado é o caráter da investigação por meio da qual se pode fazer com que elas venham à tona e sejam historicamente entendidas. É a conclusão de uma investigação histórica. contribuíram. Uma situação histórica é.expressões que denotam o auto-entendimento de pessoas que viveram essas situações. sem que o pretendessem ou o soubessem. Essa conclusão deve. pois. tais como as que com­ põem o presente de um historiador. não há outra fonte de informações ou porta dos fundos para um passado constituído de situações que não sobreviveram. é claro. derivar de arte­ fatos e expressões autênticos. Todavia. Elas identificam situações (compostas de ocorrências que se re­ lacionam mutuamente) como sujeitos ou conclusões de uma in­ vestigação histórica. e com as quais se compõe uma resposta a uma questão histórica a respeito de um passado que não sobreviveu. uma estrutura coerente de ocor­ rências mutuamente e conceitualmente relacionadas. Butler. 1 2 " a Revolução Francesa". imagina que. pode-se dizer. a "discrepân­ cia" dos registros e dos relatos que eles supostamente contêm nada mais são que seu caráter como diferentes res gestae. " re1atos " pouco r confiáveis do passado.) A questão: "Podemos acreditar em Gildas?" (R. "como material em estado bruto para a história. mas. eles próprios. p. Collingwood e J. Housman. perpetuamente confrontado entre alguns manuscri­ tos para escolher. ou " corruptas " . suas expressões são certamente evasivas. Um sobrevivente não é uma testemunha de uma ocorrência em cujo testemunho se pode acreditar ou não e (se for considerado fidedigno) usado como exemplo em apoio a uma leitura de uma ocorrência histórica. ele deixará de ser um burro:' (A. Nem tampouco uma situação histórica pode derivar da­ quilo que os registros sobreviventes podem supostamente relatar ou prestar contas de.ta de uma coleção de registros sobreviventes. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S Ili . os evange- 1 3 "Um editor insensato. mas porque um registro é uma res gesta e sua autêntica expressão não é nada mais do que a realização que ele constitui. e conduza-o a outro ofício honesto para o qual ele seja menos despreparado. G. de alguma rorma. e também não pode emergir de um procedimento do tipo "deixar os registros falarem por si mesmos". no que diz respeito a uma situação histórica. se um dos feixes de feno for removido. Myres. Esses relatos também são. ou porque suspeitamos de que possam ser "fac- c10sas . L. podem não ser "falsos". nada pode fazer além de sentir em cada fibra de seu ser que ele é um burro entre dois feixes de feno. O que ele fará agora? Deixe a crítica para os críticos. Os chamados relatos "discre­ pantes" não são "testemunhos dissonantes" de uma ocorrência em relação à qual uma escolha deve ser feita. Roman Britain and English Settlements. N. " . Prejace a Manilius. 13 De fato. E isso não ocorre porque não podemos "confiar" em suas expressões. ou. Mas ele prefere uma solução mais lisonjeira: de forma confusa. 432) é uma formulação infeliz. E. e a observação de que. as realizações passadas de seus autores. uma investigação preocupada em reconstruir uma situação passada que não sobreviveu não está preocupada em M I C H A E L Ü A K ES H OT T II2 . E. o compromisso de uma investigação histórica não pode ser o de aprender a distinguir a relativa credibili­ dade de diferentes "relatos" do passado ou o de "preencher as lacu­ nas para as quais não existem testemunhos diretos". em um estudo de sua procedência. Na verdade. sua falta de pretensão de ser historicamente informa­ tivo. composto de artefatos e expressões que sobreviveram. uma vez que não há nada que possa ser apropriadamente chamado de evidência "direta" de um passado que não sobreviveu. a clareza com que revela (ou. Assim. Em resumo. não lhe provê nada que possa ser reconhecido como evidência "direta" de situações passadas que não sobreviveram. Mas se o presente de um historiador. isto é. sobre o passado que não sobreviveu. longe de ser um subs­ tituto inferior da evidência "direta". a saber. uma investigação histórica não começa dotada de uma chamada evidência "direta".lhos têm a mais grave das deficiências. é muito mais exata e confiá­ vel. a virtude histórica de um sobrevivente é. é absurda. mas que não se dirigem às questões que um historiador está preocupado em responder: "testemunhas" cuja "evidência" relaciona-se apenas com elas mesmas. Pode-se fazer com que es­ ses sobreviventes forneçam alguma coisa que. são discordantes em alguns aspectos". pode ser levado a revelar) sua autêntica expressão como realização que sobreviveu a tempos passados. mas em um presente de realizações que sobreviveram. Seu valor está no que Housman chamou de sua "pureza". que falam. isso não estigmatiza o entendimento histórico como algo irreparavelmente imperfeito. precisamente. as evidências circunstanciais de um passado que não sobreviveu. e talvez "de pouca confiança". 5 0 1\ R. o que pode ser percebido como sendo algo garantido mas que não é fala­ do.estabelecer a veracidade ou a credibjlidade do que é confundido com relatos dessa situação ou das ocorrências que a compõem. Em re­ sumo. é uma incomparável revisão crítica de um século e meio de compromissos de qualidades diversas para infe­ rir uma situação histórica a partir do que sobreviveu em registros. de tudo o que é contingente a . o Discurso de Descartes ou o Estatuto de Usos). o que está lá mas não é parte do projeto. sua produção tem sido grande. a "pureza" de um sobrevivente. particularmente. 1 5 Inferência e silentio são notoriamente especulativos. a saga Njal. um retrato de Afonso II. está na orientação que ele fornece para a interpretação dessas revelações incidentais. mas na história intelectu­ al. a igreja monástica de Uhn. o Evangelho de São Marcos.e não comprometido por . em que o que não é dito pode ser circunstancialmente reconhecido como intencionalmente não-dito. mas o que eles podem incidentahnente revelar. E /\ H J S T Ó R. O foco de atenção. aqui. nessa investigação cada sobrevivente é um objeto heterogê­ neo. Pois uma situação histórica é a conclusão de um procedimento de inferência por meio do qual registros sobreviven­ tes são transformados de uma realização em evidência circunstan­ cial de um passado que não sobreviveu. cada qual constituindo uma resposta a uma questão histórica 1 4 Quest oJ the Historical Jesus. O S E N S A I O S . não é a autêntica ex­ pressão do objeto sobrevivente (a Pedra de Rosetta. seus apêndices. o que deixam escapar. 1 5 E a importância do reconhecimento de sua expressão autên­ tica.seu caráter performativo. I /\ & Ü U T R. está preocupada com a validade das conclusões inferidas dos arte­ fatos e expressões sobreviventes e. 14 E essa é uma transforma­ ção considerável. de Albert Schweitzer. sem qualquer referência ou expressão exclusiva e qualificado para ser usado na construção de uma variedade de situações histó­ ricas. durações e constituições. isto é. uma situação histórica é o que se supõe que ela seja apenas no que diz respeito à evidência na qual se fia e no procedimento de inferência que emprega. Não há nenhuma outra fonte de informação. cada qual um caminho de iluminação cercado pela escuridão de um passado que ainda não foi entendido desse modo. ou jerusalém sob os Altos Sacerdotes. ainda que um tanto peculiar.sobre o passado. musicais ou científicas. Se um fantasma aparecesse e se oferecesse como testemunha ou como participante. e por meio do qual possa ser testada e validada. filosóficas. e dissesse: "Não foi desse jeito. podem existir situações legais. uma identidade situacional abstraída de tudo o que pode ter ocorrido em tal época e lugar. de Edwyn Bevan. nenhum procedimento diferente ou superior de investigação. econômicas. Assim. de Namier. a saber. mas desse outro". Contudo. O passado que constitui o produto desse nível de entendimento histórico é um passado composto de situações padronizadas de vá­ rias dimensões. situ­ ações constituídas em termos de um universo de discurso identificá­ vel. e é importante que ela não alegue ser mais do que é. políticas. cuja expressão tem de ser traduzida M I C H A E L Ü A K E S H OT T . Sem dúvida. Como conclusão de uma investigação. Mas seu valor histórico está em sua distinção e na amplitude em que foram ex­ ploradas e anatomizadas as relações e as convoluções das caracte­ rísticas que as compõem: Estrutura da Política Inglesa na Ascensão de George m. Ele é seja o que for que um historiador possa nele achar para o seu propósito. e não há ne­ nhum passado independentemente conhecido ao qual a conclusão da investigação possa ser comparada. ele seria reconhecido apenas como um sobreviven­ te. esses objetos sobreviventes exclusivos não existem. o que tenho chamado de situação histórica sofre por seu relativo isolamento. É claro que essa investigação histórica pode errar. o que eu chamei de situação histórica seja uma construção fantasiosa ou uma questão relativa à chamada opinião "subje�iva". se uma investigação desse tipo talvez possa ser uma possível aventura intelectual. elas não são nem sequer competidoras genuí­ nas. que permite apenas um passado composto de vis­ lumbres insignificantes ou de episódios isolados e parcialmente entendidos. e cuja redução não pode ser evitada diante de uma investigação mais profunda. elas próprias. não pode ser reconhecida como um tipo superior de investigação. Diz-se com freqüência que esse com­ promisso de anatomizar situações históricas é um empreendimen­ to superficial. Na verdade. E se sugere que esse tipo superior de investigação observa por sob a superfície e é projetado para revelar situações de compromissos humanos não como composições de ocorrências mutuamente relacionadas. Qualquer que seja a inteligibilidade que uma situação possa S O B R E A HISTÓRIA & Ü UTROS ENSA I OS n5 . mas não se deve pensar que. ocorrências: ten­ dências. por causa disso. de registros sobre­ viventes. capaz de suplantar o compromisso histórico para inferir. Mas. As !imitações genuinamente históricas desse nível de entendi­ mento histórico ainda devem ser consideradas. mas em termos da opera­ ção de regularidades que não são. ou mesmo o que se supõe ser uma estrutura subjacente. e suas conclusões são sempre con­ dicionais.do idioma da façanha para o idioma da evidência. situações compostas de ocorrências mutuamente relacio­ nadas. É um convite para imaginar as complexidades e a coerência de uma condição de cir­ cunstâncias humanas que não sobreviveu. talvez econômica ou psicológica. mas considerarei agora o que tomo por uma malconcebida manobra para reparar uma malconcebida deficiência. em princípio. Assim. de conven­ ções praticadas. como "as mais profundas regularidades do comportamento humano". E quando Burckhardt. ser usada para ocluir regularidades (outras que não as práticas circunstanciais auto-impostas). convicções. de crenças vigentes. tudo inferido de registros sobreviventes. ou como uma inteli­ gência extraterrestre meditando sobre crenças vigentes e condutas e invocada para "explicar" o que foi dito e feito. simpatias e expectativas alimentadas. ou como alguma inspiração subterrânea. disposições.e não podem tomar o lugar de . de esperan­ ças. em seu Griechische Kulturgeschichte. ou como "fatores dura­ douros" emancipados das circunstâncias. a investigação de um historiador que distingue uma mentalité em termos de ocorrências.um entendimento histórico preocupado com o que na verdade constituía a questão. exemplifica o que chama de der Griechische Geist. ou mesmo que não possa existir alguma providencial inteligência que responda por elas. de procedimentos seguidos e de ações realizadas. M I C H A E L Ü A K ES H O T T n6 . como de le cadre primordial des réalités économiques. atitudes. hábitos. res­ postas características e outras coisas relacionadas. com certeza não é nada que pudesse ser inferido de registros sobreviventes. por­ que é uma reunião de crenças. não tem como entender isso em termos de regularidades dos chamados processos psicoló­ gicos ou "estrutura de uma mente coletiva". Não que a condu­ ta humana deva. Mas seria historicamente inútil se isso fosse representado como um fenômeno da chamada "psicologia coleti­ va". o fato é que essas considerações não se mistu­ ram com . trata-se de uma noção historicamente valiosa. inferidas de ex­ pressões registradas. como su­ postas "forças permanentes da história''.adquirir por ser entendida como uma "estrutura de comumca­ ção". uma investigação por meio da qual esse passa­ do foi inferido a partir de registros não pode ter seu caráter de investigação histórica negado. Essa investigação reconhece (ou reconhece em parte) o que não pode acomodar.C. penso eu. embora isso tenha sido cha­ mado de o mais sofisticado entendimento do passado. dessa forma. recorrendo a quaisquer registros ou a semi-obliterados sobreviventes que possam servir a seu propósito. de um nível instável de entendimento histórico. Mas. um que desfia o caráter do puritanismo elisabetano ou de uma doutrina identificada como "humanismo cívico". com certeza. durações e constituições. E. é capaz de suplantá-la. e não pode defender-se da ameaça de ser suplantada pelo que constitui um genuíno competidor. enquanto essas condi­ ções se mantiverem. inferidas dos registros. que desvela a "estrutura da política inglesa na ascensão de George III". Um historiador que constrói um mapa viário do Império Carolíngio.esses investigadores pretendem estar anatomizando S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S II7 . ou que (como Fernand Braudel) especifica as "fontes de energia" da Eu­ ropa no fim do século dezoito e as computa em termos de "cava­ los de força" .lá e então. elas próprias compostas de ocorrências mutuamente e conceitualmente relacionadas. trata-se. 4 U m p as s ado comp o s to de s ituaç õ e s cuidad o s am e n t e anatomizadas d e várias magnitudes. no ano 800 d. é. em termos de situações inteiramente compostas de ocor­ rências mutuamente relacionadas.. um passado que foi dotado de um certo nível de inteligibilidade histórica. que a critica em seus próprios termos e. e a encontrá-las em situações tão breves que poderiam ser representadas como realmente imutáveis. não podem acomodar adequadamente esse reconhecimento. Aqui. então (como Fernand Braudel). classificadas de insignificantes. Mudanças podem ser admitidas. Está preocupada apenas em inferir corretamente uma 16 Tomei essas palavras e essa caracterização de situações históricas das obser­ vações de Màitland sobre a "história constitucional" ( The Constítutíonal History oj England. ou. Sem dúvida eles reconhecem que estão preocupados com uma passagem de tempo que contém genuína mudança. mas suas investigações. um passado his­ tórico é composto de sólidas "conquistas". o compromisso de anatomizar uma situação histó­ rica e de especificar sua duração a reconhece como uma emergên­ cia e admite sua evanescência. uma investigação histórica orientada desse modo se disporá a buscar situações de uma imobilidade quase que estrutural. 526-39). Na verda­ de. em investigar a mediação de sua emergência ou em traçar as vicissitudes de sua evanescência. 1 6 A única mudança que uma situação histórica entendida dessa forma pode acomodar é alguma variação menor nas tensões.uma passada identidade situacional presente em termos de suas ocorrências constituintes. M I C H A E L Ü A K E S H OT T n8 . de "resultados" e de situações entendidas em termos de sua "permanência". elas não fa­ zem diferença para o chamado paradigma. r Além disso. mas a investigação não está preocu­ pada em resolver o mistério de sua aparição em cena. pp. em situações tão ampliadas e anatomizadas em uma escala tão grande (la longue du ée) que exibem uma estabilidade quase que "geológica". centradas na articulação de uma identidade situacional. algum pequeno des­ locamento que não compromete a identidade situacional. mas apenas para serem postas de lado. então tudo o que sua investigação poderá acomodar de forma apropriada é alguma sugestão a um "pedigree". ao "progresso" ou ao processo de yin e yang não ajudará a torná-la mais inteligível do ponto de vista histórico. ocorrências mutuamente relacionadas que vêm e que vão. exceto de relações conceitualmente determinadas. deve-se abstraí-lo do fluxo e da inconseqüência de tudo o que estava acontecendo em determinada época e lugar. as quais congelaram e fizeram girar em um intervalo nocional entre o ir e vir. a respeito da qual pode ser dito que antecipa ou prevê a situação que constitui o foco de sua preocupa­ ção. mas que não o ajuda a entendê-la. que. em um big bang. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S . são acrescentadas à abstração. e ele sabe que atribuir seu surgimento "às mais profundas regularidades do comportamento humano". e esse proce­ dimento de abstração é reconhecido quando um passado histórico é especificado como resposta a uma questão histórica. É claro. Mas se ele pensar. São portanto essas que considero serem as falhas históricas de uma investigação preocupada em inferir de registros um passado composto de identidades: passagens transitórias de compromissos humanos representadas como situações padronizadas. como costuma ocorrer. para que qualquer passado adquira uma identidade histórica inteligível. compostas de . alguma referência deve ser feita à mediação de sua emergência. aqui. algum reconhecimento de uma situação antecedente conceitualmente relacionada. É claro. nenhum historiador comprometido com tal investigação supõe que a situação com a qual está preocupado emergiu ex nihilo. porém. para realizar seu projeto.estrutura inteligível composta de ocorrências constituintes nocionalmente contemporâneas e mutuamente relacionadas. a imobilidade e a exclusão de tudo. pode-se dizer que um passado histórico é composto de pas­ sagens de eventos relacionados de várias dimensões. M I C H A E L Ü A K ES HOTT 120 . na dúvida. E. E o remédio para as deficiências desse nível do entendimento his­ tórico não está. sob determinado aspecto. mas de eventos históricos e de conjunções de eventos históricos. mas em termos de tempo e mudança. 5 Por evento histórico refiro-me a uma ocorrência ou situação. Esse passado é certame'nte distinto de todos os outros no que diz respeito a seu caráter e ao procedimento por meio do qual pode ser construído. e faz. talvez. penso eu. durabilidades e constituições. inferida de registros sobreviventes. Está em uma investigação pro­ jetada para construir um passado não de identidades situacionais anatomizadas. isto é. entendida como um eventus. Assim. que se supõe ser o que de fato estava acontecendo. em determinado tempo e lugar. ou como efeito do que veio antes. reunidas em resposta a uma questão histórica: um pas­ sado constituído não em termos de sua imobilidade situacional. Ele não é com� posto de uma coleção de expressões e artefatos que sobreviveram. E é a isso que chamarei investigação histórica propriamente dita. uma vez que o que veio antes é também entendido como sendo. ele mesmo. composto de nada além de eventos históricos. a óbvia alegação de ser reconhe­ cido como um passado exclusivamente "histórico". e entendida em termos da mediação de sua emergência. o caráter his­ tórico de um evento é a diferença que ele fez em uma passagem de eventos históricos circunstancial e significativamente relacionados. compostas de ocorrências mutuamente relacionadas. Essa é. Primeiro. à revelia dessa investigação. É a conclusão de uma investigação por meio da qual um historiador infere um passado composto de eventos históricos relacionados reunidos como resposta a uma questão his­ tórica. Ao contrário. isto é. vinculando-lhe um passado que suposta­ mente promoveu sua aparição em cena.Não é um presente-futuro passado de compromissos humanos. apresentado como um relato do que aquele presente-futuro passa­ do era segundo o entendimento condicional dos que dele partici­ param: o que algumas vezes é chamado de passado. o que chamei de passado histórico propriamente dito é um passado não-qualifi­ cado. uma visão equivocada do assunto. entretanto. Nem tampouco é um passado composto de identidades situacionais anatomizadas e imóveis. o involuntário (mas não necessariamente despercebido) resultado de encontros transacionais. um passado do qual não pode haver nenhum registro e que é necessariamente desconhecido. um entendimento que pode emergir de uma investigação projetada para prestar contas da ocorrência de uma situação já entendida. um passado entendido por meio de seu passado. pode parecer que o que chamei de evento histórico não é mais do que um entendimento um tanto ampliado do que chamei de situação histórica. mas S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S 121 . da forma como esse próprio passado entendia a si mesmo. o compromisso de uma investigação histórica não é o de meramente prestar contas da ocorrência de uma situação já en­ tendida. é o de entender uma situação talvez anatomizada. tanto no que diz respeito a seu cará­ ter de evento histórico quanto no que tange à investigação por meio da qual ele pode ser inferido de registros. con­ dições da circunstância humana vistas a partir de trás e entendidas por sua emergência. Assim. conceitualmente. o único passado ao qual uma situa­ ção supostamente já entendida pode ser relacionada de forma a tornar sua ocorrência mais inteligível é um passado condensado. por meio dos eventos antecedentes aos quais ela é significativa­ mente relacionada. Segundo.I 807. sem dúvida. as atividades de seus opo­ nentes. nada têm a ver com escravidão ou com comércio de escravos. etc. portanto. Assim. o comércio.ainda não entendida. pode. I 806.' o qual se supõe responder por suas já conhecidas características. Um evento histórico. tornar-se mais inteligível se for vinculada a um passado que reflete conceitualmente essa identificação (um passa­ do composto de escravidão. por esse motivo.). as transações de agentes nacionalmente contempo- M I C H A E L Ü A K ES H O T T 122 . não é uma realização passível de ser designada e. por exemplo. E isso não é o que chamei de situação histó­ rica. suas razões para agir ou pela chamada "propriedade" com que respon­ dem às circunstâncias. em que o nunc é uma identidade situacional já entendida e o tunc é algum tipo de 'pedígree. e fazer isso de maneira particular. não pode ser entendida pelas intenções de um realizador. por sua disposição.. Isso leva à falácia histórica do nunc pro tunc. Isso exige que a própria situação seja transformada ao ser entendida como o resultado de uma não­ convencionada confluência circunstancial de vicissitudes que cer­ tamente incluirão eventos que. uma ocorrência identificada como a abolição britânica do comércio de escravos. a saber. ou seja. suas crenças. mas tais aspectos não dotarão essa ocorrência do ca­ ráter de um evento histórico. composto de ocorrências reconhecidas como tendo uma afinidade conceitua! com as características já identificadas da situação. E o compromisso de buscar esse passado é uma negação da investiga­ ção histórica. O passado antecedente não é composto por nada além de eventos. mas em entender seu caráter ainda não entendi­ do. podem ser discernidas. projetados para . entender o que eles são no que diz respeito à sua relação com eventos antecedentes. Nem tampouco trata-se do pro­ duto de compromissos. esforços. empenhos e assim por diante. mais sombria. "Introduction to Clausewitz". Rappoport.procurá-lo como um resultado. Outra forma de ver isso. O passado antece­ dente não é uma "incubadora" na qual eventos históricos subse­ qüentes são "incubados". assim como a forma como lograram fazê-lo. é como tUTI período de incubação" (A. nem em explicar a ocorrência de even­ tos já entendidos. mas talvez mais instrutiva. mas apenas em olhares retrospectivos e em histórias cujo fim já é conhecido. Não é a consumação de uma "tendência". 17 nem um camarim nos bastidores onde eles esperam para serem chamados. On J#ir).ou aptos a . É um subproduto do passado composto de eventos antecedentes que não possuem caráter exclusivo. reunidos em resposta a uma questão histórica. os resultados circunstanciais de conjunções de eventos discernidos nos mesmos tipos de inves­ tigações. isto é. mas que podem ser demonstrados por uma investigação histórica. tendências. composto de passagens de even­ tos históricos relacionados. 1 7 "O século 1 8 1 5-I 9 1 4 é convenientemente retratado como tUTI século de relativa paz.râneos e associações de agentes respondendo de formas diferentes a situações reconhecidamente comuns (mas avaliadas de modos diferentes) e com as quais se compõe uma identidade situacional. resultados predeterminados e potencialidades inerentes para atribuir a isso em vez de àquilo. SO B R E A H I S T Ó R I A & Ó U T RO S E N SA I O S . é o produto de uma investigação que não está preocupa­ da em prestar contas disso. sem dúvida. E um passado histórico. nem que talvez haja um diabólico ou pro­ videncial "dialeto" no qual tudo o que acontece contribui com algumas conclusões cataclísmicas. e pode ser realmente enganoso ao responder às nossas atuais circunstâncias. mas que podem ser entendidos em termos de sua relação com subprodutos antece­ dentes de compromissos humanos. O que essa visão do assunto nega. Essa visão simplesmente reconhece que a investigação histórica propriamente dita tem uma preocupação diferente. essa visão não nega que com­ promissos humanos e associações sejam compostos de ações e expressões por meio das quais pessoas identificáveis expressam seu auto-entendimento. ou exclui. não podem ser en­ tendidos em termos de "personalidades". Na verdade. Nem tampouco sugere que há alguma improprie­ dade em procurar entender essas realizações em termos de dis­ posições. quando não são projetadas para extrair informação ou conselho sobre como nos conduzirmos em nossos compromissos cotidianos. é o que considera­ rei brevemente. essa visão reconhece que tais investigações so­ bre realizações (que podem atribuir responsabilidades. No outro extremo. essa visão não nega que o que aconteceu. crenças ou razões daqueles que agem e fa­ lam. intenções. com os eventuais subprodutos involuntários desses compromissos transacionais que. pertencer a algum movimento progressivo ou regressivo. ou culpar pessoas identificáveis. E sabe-se que esse entendi­ mento do passado é inútil. está acontecendo e acontecerá possa. a saber. escolhem e buscam a satisfação de suas necessidades. ou condená-las por erros ou delinqüên­ cia) nos são possíveis e altamente interessantes. ou com um "remoto divino even- M I C H A E L ÜAKESHOTT . Em um extremo. por não serem realizações identificáveis. talvez. o desfecho seria a transformação (não a confirmação) do suposto caráter da 18 Essa é uma palavra rankiana. e a que é citada com mais freqüência .que pretende fazer e à argu­ mentação de que não pode resistir a ser reduzido a algum outro tipo de investigação. apropriadamente inferidos de um passado que sobreviveu.sugere que o historiador já sabe o que aconteceu e busca apenas entender sua ocorrência. como as "Parcas" tecendo os destinos dos homens. por exemplo. talvez combinadas em uma expressão (que não é de Ranke) como: "Zeigen wie es eigentlich zustande gekommen ist" .to". "was eigentlich geschehen ist". ou que o transforme em um estágio necessário ao compromisso de um historiador. fosse necessário fazer isso. o que se propôs a realizar. Ranke tinha uma variedade de expressões para o que está sendo buscado em uma investiga­ ção histórica. Se. As duas. Mas está associada a outras que apontam para uma direção diferente. não realizou. por alguma razão identificável. entretanto. 18 pode começar como uma investigação posterior sobre o que chamei de identidade situacional anatomizada. É um compromisso exato. nessa ou naquela ocasião. invulnerável à acusação de que deveria estar fazendo algo além do . Mas não é preciso fazer isso: não há nada em uma investigação histórica que lhe imponha o caráter de exame crítico de uma situação histórica já explorada e entendida. Essa visão simplesmente atribui a uma investigação histórica um compromisso diferente: o de compor um passado em termos de continuidades e convergências de eventos históricos obliqua­ mente relacionados. enganosa apenas quando usada para aludir a um tecelão. mas vulnerável apenas à crítica de que. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 125 . o compromisso de um historiador de compor um evento histórico entendendo-o pela errante mediação de sua emergência. Pri­ meiro. Outras quatro considerações podem ser ainda observadas."Zeigen wie es eigentlich gewesen ist" . e exibindo-o como realmente foi "tecido". Naturalmente. Chegar a entender uma situação histórica como um evento histórico não é uma simples questão de acrescen­ tar algo a nosso entendimento situacional sobre o que estava acon­ tecendo. é verdade que acontecimentos anterio­ res podem adquirir um novo caráter por causa de eventos pos­ teriores. há muitas considerações que podem fazer mesmo do mais cuidadosamente composto evento histórico uma construção um tanto experimental. e em um retrospecto (isto é. post mortem. eles são da forma como foram tecidos. mas uma "revisão" radical disso. em nosso conhecimento de acontecimentos posteriores) acontecimentos anteriores podem ganhar novos significados. Esse caráter ou M I C H A E L Ü A K ES H O T T 126 . ao pé da letra. um compromisso explanatório no qual se buscam razões para que os eventos passados tenham sido como foram. Em segundo lugar. como Ruth. a investigação histórica não é. Mas os eventos históricos são imu­ nes às críticas do futuro: um evento anterior não pode se tor­ nar mais historicamente inteligível em virtude de eventos pos­ teriores. uma "causa" ou uma propensão. Em terceiro lugar. sujeita a revisão. A desco­ berta de sobreviventes até então desconhecidos. não se havia ou­ vido falar ou não se havia percebido . a reinterpretação crítica de registros já conhecidos e o que por acaso se ouve a respeito de aspectos sobre os quais.isso e coisas semelhantes são o ensejo para o que é oportunamente chamado de "reescre­ ver" um passado histórico. até então. adquiriu o caráter de uma antepassada do rei Davi. Não existe explanans de um caráter diferente de um explandum: uma "lei".identidade situacional. Eventos históricos são convergências circuns­ tanciais de eventos históricos antecedentes. contudo. Tais descrições. não pode ser histórico. e todos os eventos devem aguardar pelo dénouement para que seus verdadeiros significados sejam revelados. p. Danto. contudo. ou as comumente mantidas por 19 Historicamente. muito menos uma ordem "dialética". ência do mundo e suas crenças... ao bus­ car entender uma passagem do passado. ele vem de uma investigação como a de Otto Hintze em Die Hohenzollern und ihre JiYí. Analytical Philosophy oJ History. são historicamente relevantes apenas se os eventos "desconhecidos" que elas invocam constituem antecedentes significativos para a situação que a inves­ tigação está preocupada em entender historicamente. O fato de ter alcançado um entendimento histórico de Cromwell ou de Napoleão pode ampliar a imaginação de um historiador.rke..20 uma investigação histórica não está preocupada em exibir uma situação passada simplesmente da forma como sua ocor­ rência foi "testemunhada". Além disso. Não existe uma trama. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 127 . muitas vezes se observa que um historiador. ou da forma como foi entendida por seus participan tes. invocará sua atual experi. repleta de fatalidades ocultas e na qual o significado de eventos anteriores se torna conhecido apenas em relação aos posteriores. 1 9 Com certeza é nesse caso que "surgirão muitas sentenças em escritos históricos fornecendo descrições de eventos que não poderiam ter sido teste­ munhados" . 6 1 . Nem tampouco é o passado histórico composto de urna passagem de eventos relacionados como uma nouvelle.significado. um entendimento mais completo da carreira de Bismarck não pode vir da percepção tardia de alguém familiarizado com a história re­ cente da Alemanha. 20 Arthur C. mas isso não pode ser invocado como evidência a partir da qual se infere um entendi­ mento histórico de César Augusto. e que sua interpretação do cristianismo na Roma antiga reflete a atitude crítica do "Iluminismo".seus contemporâneos. Diz-se que o entendimento de Gibbon so­ bre Marco Aurélio e Teodorico foi "modelado" pelos déspotas benevolentes de sua época. Isso. nem uma virtude. p. com a galinha em disputa sob seu braço. M I C H A EL Ü A K E S H O T T 128 . mas uma provável falha que todo genuíno historiador busca conscientemente evitar. uma convincente ocorrência his­ tórica porque refletia a vida e as disputas do interior da Inglaterra naquela época? A sugestão de que "em última análise. Não é a litigante de Maitland no julgamento da corte de Gloucestershire no século doze. inevitável e historicamente valioso: um passado histórico deve sempre conter algo da reflexão do mundo contemporâneo de um historiador. ela não reconhece o fato de que essas experiências atuais podem muitas vezes criar obs­ táculos tanto quanto podem oferecer ajuda na busca de um enten­ dimento histórico do passado. Mas. o que é atribuído a Gibbon e outros historiadores não é nem inevitável. Em resumo. Consi­ dera-se que tanto Hume quanto Ranke entenderam o passado com base nas diferentes crenças universais sobre a natureza humana que compartilhavam com alguns de seus contemporâneos. pelo menos. 44 (o itálico é meu). entretan- 21 Marc Bloch. isso não nos com­ promete com o absurdo de designar-lhes um lugar no procedi­ mento de inferência que constitui uma investigação histórica. E diz-se que isso é. ao mesmo tempo. consciente­ mente ou não. The Historian's Crajt. é sempre tomando coisas emprestadas de nossas experiências diárias e retocando-as com novas tintas onde for ne­ cessário que obtemos os elementos que nos ajudam a restaurar o passado" 2 1 é tão ambígua quanto exagerada. nem algo tão simples quanto eventos verdadeiramente inferidos de registros sobreviventes. porém não insignificante. não diminui o pequeno. valor que qualquer situação bem-observada.to. e nada tem a ver com origens. Por último. o entendimento histó­ rico se expressa em uma "relação" de eventos históricos. seja ela passada ou presente. Mas não existem essas pretensões. pode-se pensar que essa visão da investigação históri­ ca como um compromisso de discernir o caráter de eventos em ter­ mos das vicissitudes de sua emergência condena-a à frustração de uma interminável busca por um começo.eles pró­ prios passagens de eventos relacionados -. se tal pesquisa pretendesse ser definitiva ou preocupada com origens genuínas. estejam S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . Pois a dádiva do entendi­ mento histórico não é uma conquista tão remota quanto uma teia sem costuras de eventos relacionados. convergências e relações de eventos até então não-reconhecidas. 6 Quando uma investigação histórica é reconhecida como o com­ promisso de reunir um passado composto de eventos . e assim imaginá-la de forma mais distinta e perspicaz. Não se trata de um dilema proposto por seu caráter de investigação histórica. É a dádiva de uma oportunidade de entender uma passagem do passado em termos de conjunções. bem como na educação da imaginação de um historiador. mas de uma questão que diz respeito à escala da investigação histórica. pos­ sui como fonte de sugestões quanto ao que procurar ao se compor uma conjunção de eventos históricos. e que um historiador deve decidir por si mesmo. Talvez esse fosse o caso. Assim. é um relacionamento que significa algo (tal­ vez algo a respeito da ocorrência de um relacionamento). na verdade.com o que é relata­ do. Ainda assim. ou é composto em algum outro estilo.e que não entra em conflito . alguns . relacionamen­ tos entre eventos antecedentes e subseqüentes que na verdade es­ pecificam o caráter dos eventos subseqüentes. e por meio dos quais podemos vir a entender o que de fato são historicamente. mas nada que diga respeito ao caráter do que está relacionado. em contraste com um relacionamen­ to externo. Uma pesquisa histórica comprometida em compor um passado em termos de uma passagem de eventos relacionados está necessa­ riamente preocupada em determinar e empregar o que pode ser chamado de relacionamentos significativos. ou toma a forma de uma narração. E o que agora deve ser considerado com e?Catidão é o tipo de relacionamento que pode subsistir em . a questão central em qualquer relato de entendimento histórico. s em dúvida melhores do que outros. isto é. Pode-se di­ zer que essa é. nem a existência de um que seja sim­ plesmente imprevisível. Pois o "acaso" não é a total ausência de relacionamento.ou não dispostos em uma ordem estritamente cronológica.identidades reconhecidas como eventos históricos. no M I C H A E L ÜAKESHOTT . E há uma variedade de modos de relatar essa história. o relacionamento determinado e empregado deve ser de um tipo que concorda . E eu proponho considerá-lo agora a par­ tir de um ponto de vista e a partir de outro no próximo ensaio. Esse tipo de relacionamento é muitas vezes chamado de um relaciona­ mento interno ou intrínseco. coincidente ou fortuito. por meio dos quais um historia­ dor pode revelar sua capacidade de autor.e especificar o caráter de . se essa composição for uma passagem reconhecível do passado histórico. em uma investiga­ ção capaz de fazer isso e não mais do que isso. vista como um compromisso de compor (tanto quanto possível) uma passagem de eventos significativamente relacionados em res­ posta a uma questão histórica. mais uma vez. seja incompleta. para um historiador. E isso significa. projetada para transformar ocorrências em eventos. que o entendimento histórico não é um compromisso metafísico. a menos que um relacionamento sig­ nificativo para todos os eventos antecedentes seja determinado. ou que uma investigação histórica. essa preocupação com um passado composto apenas de eventos significativamente relacionados não implica que cada evento seja idealmente relacionado dessa forma com outro evento. apresentar uma ocorrência como sen­ do meramente fortuita é uma confissão de sua inabilidade de avan­ çar no sentido de transformá-la em um evento histórico. a palavra fortuna denota uma força de vontade como que extraterrestre. 22 Porém. podem ou não estar qualificados para serem transformados em eventos históricos significativamente relacionados a outros. não há lugar para o reconhecimento dessas relações sem sentido.entendimento histórico não há lugar para relacionamentos fortui­ tos. tendo ocorrido. a qual pode ser atribuída à mera ocorrência de acontecimentos que. significa apenas que em uma investigação histórica. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S . Mas essa exclusão de relacionamentos "de acaso" de um passado histórico não nega o fato de que essas ocorrências realmente possuem rela­ ções fortuitas. 22 Nos escritos de Maquiavel e de outros. Significa apenas que não há evento histórico que não possua um relacionamento significativo com algum outro evento histórico. E. mas um empreendimento condicio­ nal de buscar e estabelecer relacionamentos de fato significativos entre eventos a partir da inferência de registros. M I C H A E L Ô A K E S H OT T . É apropriado começar por isso. um relacionamento significativo. E. A atenção de uma investiga­ ção projetada para entender o caráter de um evento histórico em termos da mediação de sua emergência (sem que essa própria mediação seja composta por nada além de eventos) é necessaria­ mente dirigida a eventos antecedentes e a seus antecedentes. ela própria. En­ tretanto) uma vez que a mera antecedência. não apenas pelo fato de que uma relação causal é considerada o exem­ plo de todas as relações significativas. A posição. não é. mas também porque a palavra "causa" adqui­ riu um lugar garantido no vocabulário do discurso histórico. é a que se segue. assim. a soberana libertação do acaso e do acidente. o com­ promisso da investigação deve distinguir entre esses antecedentes uma passagem de eventos que possa ser reconhecida como signi­ ficativamente relacionada a uma subseqüente: detectar o que é significativo em um mero evento antecedente e. mas especificar seu caráter? 7 Começarei considerando a tese de que a relação significativa entre eventos históricos que é buscada em uma investigação histórica deve ser uma relação causal. então. essas duas considerações não são desconexas. Como um evento histórico pode estar relacionado a eventos anteceden­ tes de modo a não apenas responder por sua ocorrência. sendo a expressão mais comum para o tipo de relação que um historiador busca e espera estabelecer entre eventos históricos. sem dúvida. mesmo que sej a abran­ gente. transfor­ mar um evento subseqüente em algum tipo de conseqüente. modo de investigação) não se deve confundi-los com um modo histórico de investigação. E. inevitavehnente. ' gerem que (quaisquer que sejam seus méritos como um. Os termos nos quais essa afirmação costuma ser estabelecida são substanciahnente diferentes daqueles que empreguei para es­ pecificar o caráter de um passado historicamente entendido. no fim. "a Corrida do Ouro no Alasca em I 8 9 8". A argumentação a ser considerada é a de que uma investigação histórica é a preocupação em entender ou explicar relatos confiáveis de ocorrências e situações passadas (que aqui são. muitas vezes er­ roneamente. devem render-se a uma explicação causal. E essa é. e su- . chamadas de "eventos") e que seu propósito pode ser alcançado apenas em uma investigação que procura entendê-las em termos de suas causas ou condições causais. sem antecipar essa conclusão. diz-se que uma investigação histórica é um compromisso de expli­ car relatos de ocorrências ou situações passadas entendendo-as como exemplos da operação de "leis" universais ou regulares. de fato. E foi também estabele­ cido que todos os outros tipos de investigação são inferiores às desse tipo e que. Esses acon­ tecimentos podem ter várias dimensões: "a Revolução Francesa". as "leis" usadas para explicá-los não são meras extrapolações de generalidades circunstanciais: "re- S ü !I R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 133 . "a execução do rei Charles em 30 de janeiro de I 649 em Whitehall". embora os termos nos quais esses acontecimentos são relatados e circunstanciahnen­ te identificados irão. tenho de estabelecer a alegação em seus termos um tanto quanto confusos. expô-los como misturas de particularidades e generalidades. uma das minhas conclusões. Há duas versões distintas para essa argumentação. Contu­ do. Na primeira. cuja apuração e formulação ficam a cargo da investigação. as "ver­ dadeiras forças" que geram a mudança histórica. ou à ilusão. relatadas (ou talvez resgatadas?) de forma confiável: o imperador Henrique IV em uma postura de penitência em Canossa. podem impor-lhe um caráter que corresponda às suas convicções ideológicas. ainda. Pessoas que não têm muita urgência de entender podem reconhecer uma ocorrência como essa em termos de qualquer inteligibilidade circunstancial que ela possa possuir. em alternativa a isso. diz-se que "um trabalho histórico somente completa seu M I C H A E L Ü A K E S H O TT . vulgarmente chamadas de "o curso da história". que o entendimento de uma ocorrência em termos dessas condições causais universais su­ pera e substitui todos os outros modos de entendimento. ou. E a tarefa de uma investigação histórica é transformá-lo no que é chamado de "processo histórico". Em ambos os casos. e que é a causa das ocorrências relatadas. é a de que o passado que nos é apresentada e que está disponível como objeto de investigação histórica é com­ posto de situações ou ocorrências passadas. então. A posição. Mas outras (a saber. diz-se que a "lei" aduzida representa.volução". É dito. então. aqui. alega-se qµe o passado que chega até nós para ser explicado pode ser identificado como um fluxo contínuo de ocorrências e situa­ ções relatadas de forma confiável. "execução". Assim. Ou. enten­ dendo-o em termos de "lei" ou de "leis" da mudança histórica. ou (como alternativa a isso) determinar sua causa. "ouro". em I 077. O projeto dessa investigação é reve­ lar essa situação como um exemplo da atuação de uma "lei univer­ sal da história". os historiadores) podem envolver-se em uma investigação para en­ tender seu "verdadeiro" caráter: a diferença entre uma situação historicamente entendida e uma situação relatada diz respeito à verdade e ao erro. Dessa forma. Saeculum: History and Society in the Theology oj Augustine). Isso. é claro. Markus. em uma descrição moderna. que terminou com o nascimento de Cristo.eles mesmos. e as ocorrências e situações. Quando muito. 1 8. usados como evidên­ cia circunstancial do que não sobreviveu. de ocorrências nas quais Deus expressou seus propósitos redentores (R. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 135 .objetivo quando as ocorrências se desenrolam em suas páginas em toda sua necessidade natural" . essa postura pa­ dece de um óbvio defeito inicial: interpreta erroneamente o caráter do presente-passado com o qual uma investigação histórica deve começar.das "leis". Todo o passado é constituído pelo que Deus fez. e que esses acontecimentos relatados estão prontos e à espera de serem entendidos como exemplo da atuação . são a conclusão de inferências feitas a partir desses sobreviventes. E uma das conseqüências desse erro é que essa descrição do procedimento de uma investiga­ ção histórica ignora toda aquela parte que se preocupa em autenti­ car os sobreviventes. Mas um paralelo pode. as quais se diz que estão aguardando explicações em termos de "leis". ser encontrado na madura visão que Agostinho tem da sacra historia (o passado como a história da Reden­ ção). talvez. cujas ocorrên­ cias registradas que a compõem eram distinguíveis apenas mediante um discer­ nimento profético. e assiin fazendo as inferências. o presente-passado no qual uma investigação histórica deve começar é composto de obscuras realizações (artefatos e expressões) que sobreviveram. muitas vezes por meio de ação humana.23 Como descrição de uma investigação histórica. p. recebemos aqui apenas uma descri- 23 História da RevolufãO Russa) . transformando-os em evidências circunstan­ ciais de alguma outra coisa que não . A. e a "verdade". de Leon Trotsky. Diz-se que �sse presente é composto de relatos confiáveis de ocorrências ou situações passadas que não sobreviveram. e a história sag �ada é composta pela seleção . inequivocamente.ção grosseiramente atenuada de uma investigação histórica. por meio dos quais possa for­ mular "leis". mas apenas a situações-modelo. abstraí­ das dessas situações nos termos das tais "leis". é uma coleção de conceitos abstra­ tos sistematicamente relacionados (como os que constituem a ci­ ência da mecânica ou da genética). porque não se relacionam . E diz-se que ele faz isso mediante o procedimento de examinar (e talvez de comparar) um certo número dessas ocorrências e situações e de vir a percebê-las como estruturas compostas de regularidade.às situações circunstancialmente relatadas que ele pretende explicar. Mas também isso é.nem podem se relacionar . talvez. então? Sua suposta missão é discernir seu "verdadeiro" caráter ao entendê-la como um exemplo da atuação de uma "lei da história" ou "lei da mudança histórica". 24 Para poder realizar sua missão. um erro: nenhuma conclusão assim poderia sur­ gir desse procedimento. Entre­ tanto. O que acontece. Não precisamos perguntar a forma como ele pode dar início a esse empreendimento. nem tampouco precisamos ne­ gar a possibilidade de que ele formule algumas leis. ele deve equipar-se com tal "lei" ou "leis". é certo que elas não podem ser leis da "histó­ ria" ou da "mudança histórica". "sociológi­ cas". O que esse "historiador" precisa. M I C H A E L Ü A K ES H OT T . Porém. vamos partir para a suposição de que um historiador tenha à sua disposição essa ocorrência ou situação circunstanciahnente identificada. a dis- 24Essa missão muitas vezes é tornada mais obscura ao ser confundida com a de discernir a "verdadeira" intenção determinada pela lei e que freqüentemente recebe o equivocado nome de "motivo") de um agente ao realizar o que se diz ser uma ação relatada de forma confiável. Em resumo. ' e o que ele deve delinear por si mesmo. as décadas do meio) apresenta uma situação "de algo como uma crise social-revolucionária ge­ ral". é claro. o que sugere a questão: Qual é a causa? e provoca respostas em termos umversais. Uma situação reconhecida como "um garoto de recados em uma bicicleta no H yde Park em I 9 I O " pode ser relatada e entendida em todos os seus detalhes circuns­ tanciais. sustentar o caráter de uma causa. tal­ vez uma situação-modelo sociológica. de outra forma.tinção entre essa situação-modelo (explicada em termos de regula­ ridade) e uma situação circunstancialmente relatada não é a dife­ rença entre verdade e erro: é uma insolúvel distinção categórica. e alguém preparado para fazê-lo pode abstrair disso uma situação mecânica modelo (um paralelograma de forças).constitui um entendimento histórico superior.nem todas juntas . uma situação-modelo fisiológica ou biotécnica. Por exemplo. 2 5 25 Há alguns exemplos não-qualificados desse tipo de investigação no passa­ do. 5 0 1\ R E A H I S T Ó R I A & Ó U T RO S E N S A I O S . Mas seu caráter e suas propensões talve7 sejam mais bem revelados e ilustrados onde ele invadiu e corrompeu o que. particularmente. uma situação-modelo econômica (um exemplo da disposição de recursos escassos). particularmente em relação a um passado identificado nos chamados termos "econômicos" . poderia ter sido uma investigação genuinamente histó­ rica. elas não podem ser retificadas colocando-se em seu lugar uma situação-modelo delas abstraída. mas nenhuma delas . O exercício todo não pas­ sa de uma pretensiosa mixórdia. ca­ paz de prevalecer e de ser reconhecido como a "verdade" ou a causa do acontecimento relatado: uma "lei" não pode. ela pró­ pria. pode haver inofensivos apartes desse idio­ ma em qualquer escrito histórico genuíno. E quaisquer que sejam as falhas e inadequações de uma situação pas­ sada entendida nos termos pelos quais o acontecimento foi relata­ do. E. a recente exploração feita por vários escritores da hipótese de que a Europa do século dezessete (e. E também pode ser encontrada em The Poverty ef Historicism. também identificados em termos de espécies. com diferenças periféricas. e uma "lei" universal (capaz de ser empiricamente falsificada). a argumentação. M I C H A E L Ü A K ES H OT T . e nos escri­ tos de alguns outros colaboradores de Patrick Gardiner ( ed.). e em segundo lugar. identificado pelo tipo. permitindo que sua existência não seja meramente observada. Hempel. que declara haver uma relação constante. Trata-se. Theories ef History. por Carl G. de Karl Popper. mas deduzida. assim. aqui. por ser um compromisso de estabelecer um passado composto de eventos antecedentes e subseqüentes significativamente relacionados. A segunda versão dessa argumentação é mais circunspecta: ela nada tem a . A respeito das "leis" universais invocadas nesse empreendimento de explicar. identificando-os. e em' outras partes de seu trabalho. e cuja existência está para ser explicada. diz-se que uma explicação causal contém três ingredien­ tes: um objeto observado.dizer a respeito de um "processo histórico" nem sobre "leis" da mudança histórica ou do desenvolvimento. restringe­ se a afirmar que algumas dessas declarações universais de relacio­ namento são uma premissa necessária para o reconhecimento de uma relação causal entre um objeto e outros objetos.26 Aqui. em um ensaio chamado "The Function of General Laws in History". como suas condi­ ções causais. tem de ser uma in­ vestigação desse tipo. Conseqüen- 26 Essa tese foi defendida. alguns outros objetos observados. da incumbência de explicar com exatidão a estru­ tura lógica da explicação causal. em primeiro lugar. regular ou sistemática entre a existência do tipo de ob­ jeto cuja existência está para ser explicada e a existência desses outros tipos de objetos. de sustentar a tese de que uma investigação histórica. E. podem ser tacitamente admitidas. projetadas para formulá-las e testá-las. verdadeiras ou falsas. alguns ajustes têm de ser feitos por conta da explicação causal. para que isso seja ao menos reconhecido como um modelo plausível para uma investigação histórica. E. como um acontecimento passado circunstancialmente relatado. e S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S . identificado por seu tipo. o objeto cuja existência está para ser causalmente explicada e os objetos invocados como suas condições causais de- 1 vem ser reconhecidos. essas declarações reguladoras são um ingrediente necessário à lógica desse tipo de explicação. ainda que possam ser triviais.temente. ou podem ser generalizações plausíveis (talvez triviais) so­ bre o tipo de objeto em questão. não está entre as exigências desse empreendimento for­ mular. validar ou falsificar tais "leis". para que a explicação seja convincente. respectivamente. ele se preocupa apenas em usar as que estiverem prontas para serem usadas. Mas a discussão que temos de conside­ rar é a de que uma investigação histórica preocupada em compor um passado de eventos significativamente relacionados deve ser (ou deve render-se a) uma investigação desse tipo. e não necessaria­ mente citadas. e elas devem ser empiricamente verdadeiras. Primeiro. Elas podem ser a con­ clusão de investigações "científicas". Pode-se admitir que essa descrição da estrutura lógica de uma explicação genuinamente causal como sendo uma " explicação dedutivo-nomológica" delineia as condições de um possível tipo de investigação e especifica exatamente a espécie de conclusão que é capaz de sustentar. embora sejam um ingrediente necessário a qualquer argumento preocupado em estabelecer uma conexão causal. e que pareçam ser confiáveis e apropriadas às circunstâncias. Em resumo. Essa "lei". - acrescenta-se à afirmação que. mas pode-se esperar que seja a conclusão de uma investigação psicoló­ gica. já que a causalidade. que não é absorvido facilmente. tun conjunto de eventos dos mencionados tipos é regularmente acompanhado por tun evento do tipo E. a afirmação de que tun conjunto de eventos .como eventos antecedentes circunstanciahnente relatados. Em segundo lugar. não sabe nada a respeito desse intervalo de tempo. dos tipos C 1 . Assim. em determinado tempo e lugar. C" faz com que o evento fosse explicado. ou talvez econômica ou sociológica. identi­ ficados por seus tipos e separados do evento acima mencionado por um intervalo de tempo. Essa afirmação é estabelecida da seguinte maneira por Hempel: A explicação da ocorrência de tun evento de algtun específico tipo E. é claro.. é claro. ou de tipos identificados de comporta­ mento humano. aqui. que não se preocupa em explicar ocorrências mas em formular regularidades. ou pode ser uma confiável e "razoavelmente confirmada por evidências empíricas". de acordo com certas leis gerais. Agora. o propósito do exercício. expressa ou tacitamente invocada. sendo que a premissa desse reco­ nhecimento é uma "lei" universal. C2 . embora talvez trivial generalização da natureza ou das circunstâncias hum�nas. como se costuma · expressá-la. mas retroagir a ocorrência de um tipo de objeto já relata­ do relacionando-o com acontecimentos antecedentes reconheci­ dos como suas condições causais.digamos. Trata-se de um ajuste difícil. a explicação cien­ tífica [históricaJ do evento em questão consiste em ( I ) um con- 1 M I C H A E L Ô A K E S H OT T . não é uma "lei da mudança histórica".. em indicar as causas ou em determinar os fatores de E. consiste. não é deduzir a existência de um tipo de objeto que já foi empiricamente observado reunindo-o a suas condições causais. Isso. usando como premissa da dedução uma ou duas leis universais. quan­ do relacionados a E em termos de leis universais. como afirma­ ções gerais baseadas em leis não têm lugar nesse tipo de entendi­ mento histórico. as condições iniciais". afirma-se. (2) Um conjunto de hipóteses universais. sob a pena de serem declaradas inadequadas ou mesmo inválidas. ou permanecerá como algo inadequado. Essas "condições iniciais" são. especificações de eventos antecedentes ou paralelos que. junto de afirmações estabelecendo a ocorrência dos eventos C 1 ••• CN em certas épocas e lugares. é claro. ou de que. deve ser uma e�plicação causal. E em uma formulação marginalmente diferente. E a objeção a essa descrição não se apóia no mero fato de que ela. de forma que (a) as afirmações de ambos são razoavel­ mente confirmadas por evidências empíricas. tal descrição do procedimento de uma investigação histórica e do caráter de um passado histórico é confusa e insus­ tentável. não há lugar para elas em parte alguma. pretende estabelecer uma inves­ tigação e uma explicação chamadas de "científicas''. às quais todas as investigações devem se sujeitar. (b) desses dois gru­ pos de afirmações. por mais absurdo que seja. Entretanto. são reconhecidos como suas condições causais. e "dar tima explicação causal a um evento significa deduzir uma afirma­ ção que o descreve. Nem tampouco há qualquer subs­ tância nas óbvias objeções de que nos falta o tipo de generalização da qual esse tipo de explicação depende. A obje­ ção é que essa descrição nega as condições elementares de uma S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . a sentença confirmando a ocorrência do even­ to E pode ser logicamente deduzida. juntamente com determinadas afirmações sin­ gulares. Popper argu­ menta que o projeto de uma investigação histórica é explicar por que determinado evento E ocorreu. que não sobreviveu. por sua vez. Contudo. jamais houvesse buscado. esses objetos serão usados como evidência circunstancial para a construção de um passado que não sobreviveu. não é um procedimento possível para uma inves­ tigação preocupada em entender um passado ainda não entendido. então deve ter início com esse presente-passado de sobreviventes.investigação histórica enquanto preocupação de compor uma res­ posta a uma questão histórica por meio da construção de uma pas­ sagem do passado constituída de eventos relacionados que não so­ breviveram.a partir de um presente-passado observado. E se essa investi­ gação causal fosse começar (como se supõe que comece) com um passado empiricamente observável. Esse. composto de objetos reconhecidos como sobreviventes do passado. uma investigação histórica declara sua preocupação com o passado . De acordo com essa descrição. ou qualquer suposta investigação histórica. inferidos de um passado de artefatos e expressões que sobreviveram.ecedentes ou paralelos.e começa a efetuar uma entrada no passado . e sua função é deduzir a ocorrência de um relacionando-o à ocorrência de outros em termos de leis uni­ versais que. partindo de afirmações simi­ lares. descreve e relata a ocorrência de outros tipos de "eventos" ant. sua suposta preocu­ pação de explicar a ocorrência de um "dado" passado (que sobre­ viveu) a condenaria ao compromisso secundário de explicar a so- M I C H A E L Ü A K ES H O TT . revelam essa relação como sendo causal. uma investigação histórica come­ ça a partir de uma afirmação descrevendo um "evento" de certo tipo. relatando que isso aconteceu. Quando autentica­ dos. e. entretanto. e sua conclusão não é do tipo que qualquer investigação histórica. Primeiro. Assim. relatando e estabelecendo a ocorrência de certos tipos de aconteci­ mentos. para tanto. e as conclusões de inferências feitas a partir de evidências circunstanciais fornecidas pelo que sobreviveu. e o faz co­ meçando em um presente de supostas afirmações informativas. Esse tipo de investigação preocupa-se somente em estabelecer uma relação causal entre afirmações descritivas de ocorrências. e os outros "eventos" relatados para acompanhá-lo. tipos de acontecimentos de várias dimensões.entender o caráter de uma passagem ainda não entendida de um passado que não sobreviveu .brevivência (isto é. o que deve ser a principal preocupação de uma inves­ tigação histórica . a ocorrência no presente) desses sobreviventes. ou que já foram. a saber. e esperam apenas a prova dedutiva de sua ocorrên­ cia. confirmadas por "evidência empírica" (seja o que for que isso signifique). esse chamado "evento do tipo E". valen­ do-se. Em segundo lugar. não são o que se diz que são. já descri­ tos e entendidos. E essa atenuação do entendimento histórico é inerente ao fato de atribuir- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 143 . cuja relação contextual entre um e outro e cuja ocorrência foram relatadas em afirmações que podem ser. da invocação de leis universais. para evitar esse absurdo. esperando para serem transformados em eventos his:­ tóricos. aparenta realizar o impossível feito de pular diretamente em um passado que não sobreviveu.é descartado como compromisso fútil e substituído pelo projeto de elevar o status de uma ocorrência de um tipo de acontecimento. de relato para o de necessidade retroativa. como por exemplo a derrota dos exércitos napoleônicos em Waterloo e suas circunstâncias contíguas (" condições iniciais"). Se eles tiverem de ser alguma coisa. supostamente já des­ crito e entendido. são entendimentos do cará­ ter de situações passadas que não sobreviveram. E. mediante a invocação de uma lei geral. podem ser reconhecidos como suas condições causais. mas como uma preocupação apenas com a ocorrência de acontecimentos abs­ traídos e identificaclos em termos de suas espécies. pode-se esperar que uma investigação "histórica". se desenvolva mais ou menos da seguinte forma: Aqui. Não vá ao M I C H A E L Ü A K ES H O TT 144 . C2 . os quais. Assim. está uma afirmação. Uma causa pode ser bus­ cada apenas para um efeito já conhecido e entendido. E esse afasta­ mento do projeto de uma investigação histórica também resulta do fato de se lhe atribuir um caráter causal. uma investigação histórica não é aqui repre­ sentada como uma preocupação com a ocorrência de aconteci­ mentos relatados. relatando que uma Lei do Parlamento foi decretada (ocorreu) em tal e tal data. molda­ da sob a forma de uma explicação causal da ocorrência de um "even­ to" de certo tipo. etc. ambos os "eventos" reconhecidos como condições causais do "evento" cuja ocorrência está para ser explicada. entendidos em toda a sua complexidade circuns­ tancial (misturas de particularidades e generalidades). Em resumo. Aqui. "razoavelmente bem con­ firmada por evidências empíricas''. admite-se que já é conhecido aquilo que uma investigação histórica tem como propósito determinar. e a "lei" pela qual eles são reconhecidos como causais. Uma causa pode ser atribuída apenas a uma abstração: somente "um evento do tipo E" pode comportar a afirmação de que está regularmente acompa­ nhado por "eventos dos tipos C 1 .". podem ser distinguidos de todos os even­ tos que os acompanham e de "leis" inadequadas apenas pelo caráter já atribuído ao "evento" cuja ocorrência está para ser explicada. Em terceiro lugar.se-lhe o caráter de uma explicação causal. primeiro. 8 Uma investigação histórica reconhecida como o compromisso de inferir. relatórios. debates parlamentares (o que foi dito não interessa ao histo­ riador). leituras de leis. etc. em segundo lugar. nosso negócio é apenas a ocorrência de um "Evento" de um tipo específico. sanções. Contudo. e que aqui são dignos de atenção porque pertencem ao tipo que deve acompanhar (isto é. e entender o caráter de eventos ainda não entendidos que compõem esse passado como resultados de even­ tos antecedentes aos quais estão significativamente relacionados. podem ser reconhecidas como as condições causais dessa ocor­ rência. a saber. reuniões de comitês. regras de um procedimento necessá­ rio) identificam os precedentes e acompanhamentos necessários à ocorrência de um "Evento" desse tipo e. um pas­ sado que não sobreviveu. votações. uma afirmação relatando a ocorrência de um "Evento" de certo tipo foi transformada na conclusão de um argumento dedutivo. Aqui. deixa sem especificação o caráter a ser atribuído a essa relação. qual­ quer decreto parlamentar. a sa­ ber. está um nú­ mero de afirmações (igualmente confirmadas) relatando e asse­ verando a ocorrência de outros "eventos" de certos tipos. etc. que as leis uni­ versais exigem que acompanhem) um evento desse tipo. que precederam e acompanha­ ram esse "Evento". Q!iod erat demonstrandum. S O ll R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 145 . de . Assim. Essas leis universais (nesse caso..um presente de sobreviventes autenticados. nem pelo procedimento que se segue. isso pode ser reconhecido ao menos como uma paródia de uma investigação e de um entendimento histórico.. nem pelas con­ clusões que busca. aprova­ ções. Livro de Estatutos procurar descobrir qual a preocupação dessa lei ou como essa preocupação veio a ser formulada em uma medida colocada diante do Parlamento. conseqüentemente. Ainda assim. Ao contrário. Preocupar-se com esse tipo de investigação significa renunciar a qualquer pretensão de preocupar-se com as condições do en­ tendimento histórico. uma investigação projetada para deduzir a ocorrência de um tipo de "evento" já especificado. Quando. Essa relação é reco­ nhecida como sendo causal em virtude de uma lei universal que declara que esses tipos de antecedentes invariavelmente prece­ dem o tipo de evento cuj a ocorrência está para ser deduzida. E nenhuma "lei" geral é invocada. A palavra "causa" é claramente insignificante. MICHAEL ÔAK ESHOTT . uma expressão retóri­ ca. em um relato sumário do passado. a afirmação é ambígua até que o suposto efeito seja especificado de forma mais precisa.a atribuição de um status causal a essa breve seleção de diversas circunstâncias antecedentes a um evento sobre o qual não nos foi dito coisa alguma além de um nome. consideran­ do as ocasiões em que é costumeiramente usada e as condições às quais está apta a se referir. para ser significa­ tiva. dirigem nossa atenção para um tipo de investigação inteiramente diferente.e nem sequer sugere . Nada garante . diz-se que uma lista de eventos antecedentes de um su­ posto evento ("a Revolução Francesa" ou "a Guerra dos Trinta Anos") é uma lista de suas "causas". a palavra "causa" é um chavão do discurso históri­ co. na verdade não atingem seu intento. e talvez devamos discernir algo de seu significado. que também se supõe que tenham acontecido. essa relação deve ser causal. o qual se supõe que tenha acontecido ao relacioná­ lo à ocorrência de eventos antecedentes já especificados. que não se refere a nada além de "antecedentes dignos de nota".Mas aqueles que pretendem argumentar que. a saber. Contudo. a in­ vestigação revela-se. para relacioná-las a seus supostos resultados. Além disso. não como uma preocupação com uma rela­ ção de causa e efeito. Aqui. Devemos procurar pela evidência de um plano deliberado e da previsão detalhada do que pode vir a seguir? Podemos reconhecer intenções em termos de expectati­ vas baseadas no bom senso? Ou menos do que isso bastar-nos­ ia? Até onde levaremos as reverberações dos resultados de uma ação quando ela é qualificada pelas respostas que recebe. limites arbitrários devem ser estabelecidos tanto em rela­ ção às considerações por meio das quais a intencionalidade é reconhecida quanto em relação ao que será considerado como sendo resultado de uma ação. talvez. por exemplo. culpa). a palavra "causa" é comumente empregada em es­ critos históricos com referência a ações determináveis em uma investigação. mas como um compromisso de estabelecer responsabilidade (ou. "planejou" o resultado. de tal forma que podem ser reconhecidas como suas conseqüências? Porém. para que tal investigação alcance uma conclusão inteli­ gível. por isso. é reconhecido como sendo uma conseqüência. Esse recurso da linguagem da causalidade anuncia um afastamento das preocupações de uma investigação histórica: acontecimentos entendidos não como even- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 147 . ao realizá-la. um status causal é freqüentemente atribuído a uma ação quando se pode supor que o agente. e não como uma investiga­ ção histórica preocupada. quando essas considerações são levadas em conta. o que. em entender o caráter do chamado Massacre de São Bartolomeu como um eventus. mas como uma investigação moral ou judicial preocupada em determinar (dentro de algumas regras práticas de evidência) quem pode ser considerado responsável por isso. em uma ocasião. insignificante. Em resumo. a palavra " causa" costuma ser uma expressão vaga. preocupado com a mediação de mudanças contínuas e disposto a procurar o entendimento de supostas novidades em seus antecedentes. aqui.tos. em termos de eventos antecedentes. para sublinhar algo que seja considerado uma anormalidade. ou. M I C H A E L Ü A K ES H O T T . escreve sobre o significativo Zusammenhang entre eventos históricos como sendo um Causalnexus. Ou. na maioria dos casos. quando a palavra pretende expressar (como bem pode ocor­ rer) uma relação significativa entre eventos antecedentes e um evento histórico subseqüente. mas como resultados das chamadas intenções de ações atribuíveis. Mas o que talvez seja mais relevante é o fato de que. E a atribuição de um status causal a esses intrusos "forçados" que geram mudança pertence à retórica da persuasão. 2 7 tudo o que propriamente (ou mesmo remotamente) pertence à noção de causalidade é neces­ sariamente negado ou excluído. ainda. novamente. então. ou quando a investigação é reduzida a uma preo­ cupação em determinar a "responsabilidade" de agentes em rela­ ção a resultados (ou a resultados condensados) de suas supostas ações. empregada. Mas. esse estabelecido estado de coisas pertence a um entendimento prático. e não à lógica da investigação histórica. para enfatizar uma suposta condição circunstancialmente digna de nota. 27Mesmo Ranke. no discurso histórico. um status causal é por vezes atribuído a uma ação. não porque seu resultado pode ser atribuído à intenção de seu realiza­ dor. mas porque é reconhecida como mentira fora do que é visto como um estabelecido estado de coisas. a ocorrência do evento subseqüente J. III. filosoficamente falando. Mill: "A verdadeira causa são todos os antecedentes.isposto a usar a pa1 avra " causa " para d enotar essa relação. de nomear a causa de um excluindo os outros" (A System oj Logic. estão excluídas: a palavra deve significar uma relação entre eventos. depois virá B e apenas B". eventos his­ tóricos. Nem tampouco é necessária. a pa­ lavra não pode significar algum evento "originado" ou "anor­ mal". e um historiador não está preocupado com eventos simplesmente pelos tipos a que pertencem.e não pode afirmar .28 nem tampouco pode referir-se a um desses antecedentes com base no fato de que. não afirma . e d. E. ou para ex­ plicar a ocorrência de um suposto tipo de conseqüência. Uma vez que o historiador não está preocupado com "origens". ou que essa relação entre eventos pode ser expressa em termos de "leis". E A H 1 s T ó R 1 A & O U TROS E N s A 1 o s 149 . S. V. e não temos o 28 direito. aqui. suficiente ou exclu­ siva a relação entre eventos denotada no uso que um historiador faz da palavra "causa": ele não está sugerindo que a fórmula do entendimento histórico é "sempre que vier A. § 3 ) . se ele não houvesse ocorrido. uma vez que ele não está preocupado em distinguir an­ tecedentes significativos e insignificantes. a palavra não pode re­ presentar o total de todos os antecedentes. E as noções de que a palavra "causa".que esteja invocando qualquer " causa" aristotélica ou concepções de causalidade de­ fendidas por filósofos (como Leibniz) que consideraram a ques­ tão: essas não são relações entre eventos separados por um inter­ valo de tempo. pode sig­ nificar " fatores causais" que não são. S o 1rn. Um historiador preocupado em entender o caráter de um evento histórico por meio de sua significativa relação co·m eventos ante- ce d entes. eles próprios. constituiria uma impossibilidade lógica. Ele com certeza não está dizendo que a abolição da Missa das Almas foi a causa necessária . a investigação histó­ rica não pode estar preocupada com a questão: O que esse ou esses eventos causaram? Pode preocupar-se apenas com sua relação não­ exclusiva com alguns eventos subseqüentes por meio dos quais seu caráter pode ser entendido. uma relação significativa foi conjeturada entre esse fato e as Leis de 1 545 e 1 54 7 que aboliam as Missas das Almas. E a chama­ da relação "causal" que ele está apontando (com um dedo um tanto trêmulo) não deriva da presunção de alguma regularidade definitiva ou estatística. necessariamente. fica claro o que ele não está afirmando. insignificante na crença popular e nos escritos teológicos da Inglater­ ra. tornou-se. relacionados uns aos outros de forma causal. E. Foi dito que essas Leis constituíram "a mais danosa e irrevers ível ação da Reforma na Inglaterra" . em meados do século de­ zessete. tal como "quando uma das expressões mais comuns de uma crença é extinta. um historiador que tenha identificado essa relação como um nexo causal talvez estej a pisando em um terreno perigoso. incidentalmente. a principal entre as instituições voltadas para as almas no Purgatório. com múltiplas e divergentes relações com uma variedade de eventos subseqüentes. a crença não pode sobreviver". Na tentativa de transformar esse suposto acontecimento em um evento histórico (isto é.para que a crença caísse em desuso. 30 Após um ambígu0 e confuso debate que se estendeu por quase dois séculos. a crença no Purgatório. uma vez que se reconhece que um evento histórico é uma identidade ramificada. que até as primeiras décadas do século dezesseis con­ tinuava sendo extremamente importante.30 29 Exemplo: o nascimento de Júlio César reconhecido como a condição causal de sua travessia do Rubicão. na tentativa de entender seu caráter histórico). mas. leva à presunção de que o que o h istoriador está M I C H A E L Ü A K ES H O T T . pelo menos.2 9 Também não é atribu­ ída à investigação histórica a função de "ordenar eventos em uma cadeia de causas e efeitos": os antecedentes que podem ser tidos como condições "causais" de um evento subseqüente não estão. O que ele está sugerindo não requer esse postu­ lado que.e suficiente . Agora. finalmente. S O B R E A HISTÓRIA & Ü UTROS E N S A I O S . e não os privar de seu caráter de eventos h istóricos. Nem tampouco ele está apenas apontando uma semelhança conceitual entre o antecedente e o subseqüente. mas que o interesse da investigação histórica está voltado para os eventos no que diz respeito à sua individualida­ de. Elas estão relacionadas com o caráter de uma investigação históri­ ca. O historiador sabe muito bem que tal seme­ lhança não impede uma s ignificativa relação histórica. ao estabelecer essa chamada relação "causal". não apenas em relação a tempo e lugar. pode-se dizer que ele está usando a palavra "causa". E ele não pode pretender possuir evidências para demonstrar que o even­ to antecedente " determinou" o caráter do subseqüente. aqui. Essas não são qualificações arbitrárias da noção de causalidade. por­ que o que o historiador está buscando é um entendimento do evento subse­ qüente. ele não está sugerin­ do que o evento antecedente "determinou" a o corrência do subseqüente. porque tal evidência seria possível apenas se ele já tivesse entendido o caráter do evento subseqüen­ te. nem é uma condição necessária para tal relação. é claro. O que o historiador pode pretender (e o que ele geralmente pretende) ainda está por ser considerado. ou que (se esse fosse considerado. de uma forma um tanto vaga. Ele também não se refere às crenças dos que estão preocupados em saber como vieram a renunciar à sua crença no Purgatório: ele não está tentando dizer que aqueles que deixaram de acreditar atribuem essa mudança à abolição da Missa das Almas. ele não está dizendo nada sobre as intenções das Leis de 1545 e 1 547: o historiador não pretende afirmar que essas Leis foram expres­ samente planej adas para minar a crença no Purgatório e que atingiram esse propósito. em parte ou no todo. a causa e o efeito estão separados por um intervalo de tempo. mas em relação ao buscando entender j á fo i entendido. Além disso. e não prestar contas da ocorrência de um evento subseqüente já enten­ dido. Na verdade. Conseqüentemente. identificar um evento antecedente e um subseqüente em termos de afinidade conceitual é transformá-los em componentes analíticos de uma situação j á entendida. mas ele também sabe que isso não constitui essa relação. e representam a presunção de que a investigação histórica preo­ cupa-se com a relação entre eventos e. E. o seu pro­ jeto) isso iria i dentificá-las como as condições causais da situação que ele pro­ visoriamente identificou como o desuso da crença. Elas não pressupõem que cada evento seja único. como a de que uma investigação histórica esteja preocupada com relações causais. de relações signi­ ficativas entre eventos históricos buscadas em uma investigação histórica e os procedimentos por meio dos quais elas podem ser estabelecidas: a saber. seria ab­ surdo sugerir que a palavra "causa" fosse extirpada do vocabulário do discurso histórico. Nesse meio-tempo. portanto. O que aqui é chamado de relação "causal" (e. Contudo. E presumem que essa exploração dos antecedentes de um evento preocupa-se não somente em relatar sua ocorrência. significativa) entre eventos históricos não pode ser reconhecido como uma rela­ ção causal propriamente dita.em outro lugar uma especificação (e um nome mais apropriado) para a relação que de fato está sendo buscada e empregada quando a pala­ vra "causa" é invocada no discurso histórico. Ainda assim. é uma designação incorreta. a argumentação de que a tarefa de anatomizar uma situação histórica pode ser promovida (ou mesmo satisfeita) M I C H A E L Ü A K ES H OTT . não se deveria permitir que representasse (como já ocorre nos escritos históricos mais respeitáveis) nada além de uma expressão da preocupação da investigação histórica em buscar relações significativas entre eventos históricos e distinguir.e procuraremos . mas não menos imperfeitas. E deveríamos procurar . em meio às condições antecedentes. Quando a palavra nele aparece.caráter. pode-se perceber algumas caracterizações menos abrangentes. as que são significativas para o entendimento de um evento subseqüente e as que não o são. penso eu. A palavra "causa". mas em entender seu caráter. quando aparece em um discurso histórico como uma relação entre eventos históri­ cos. essas qualificações e reservas referentes à causalidade são fatais para qualquer argumentação séria. e seu produto é pequeno. E o fato de duas ou mais situações serem identificadas simplesmente como "revolucionárias" é historicamente insignificante. os eventos históricos são reduzidos a exemplos de tipos de ocorrências. e a argumentação paralela de que a relação entre um evento histórico e seus antecedentes significativos é uma relação de similaridade con­ ceitual ou mesmo de identidade. nada pode advir da observação de meras semelhanças gerais ou superficiais.31 As situações. não devem ser relacionadas de outra forma. A comparação deve ocorrer no que diz respeito aos detalhes. e a procura por relações mútuas é substituída pela procura de relações entre eventos antecedentes e subseqüentes. Aqui. O que é aduzido por comparação deve ser mais bem entendido do que a situação que está sendo anatomizada. o ponto de vista de que uma passagem de eventos históricos significativamente relacionados pode ser composta de uma "correlação" de ocorrências. assim como no caso de um compromisso de estabelecer relações causais.ao se compará-la com outras situações supostamente similares. mas é difícil imaginar como a observação disso pode promover uma análise mais exata da doutrina luterana. Seria absurdo argumentar que uma investigação projetada para identificar e anatomizar o caráter de uma situação histórica pode não ser avançada se for comparada com outras situações a ela rela­ cionadas apenas no que tange a suas supostas similaridades. as condições desse procedimento são severas. após a morte. S O B R E A HISTÓRIA & Ü UTROS E N S A I O S 153 . E o que está sendo 3I A semelhança entre a crença da doutrina luterana na possibilidade de salva­ ção pela fé e a do budismo mahayana no poder do bodhisattva Amitabha de levar seus devotos. Ainda assim. à Terra Pura do Paraíso é considerada interes­ sante. e a noção de que pode ser composta em termos de relações analógicas. comparadas no que diz respeito à sua similaridade. E isso não ocorre porque essa similari­ dade talvez não possa ser observada. um subproduto do pro­ cedimento dessa comparação e. mas o de traduzi-la em uma conjunção de eventos significativamente relacionados e entender seu caráter por meio de seus antecedentes. na melhor das hipóteses. uma vez que essas condições sejam satisfeitas e sua ambi­ güidade reconhecida (similaridades reconhecidas antes que suas condições tenham sido exploradas). quando as relações são observadas. Uma c o r relação é uma relação mútua n a qual dissimilaridades são observadas como estando ligadas em certos aspectos (geralmente mensuráveis). Porém. Uma passagem de eventos historicamente relacionados é o produ­ to da inferência. por si próprias. reconhecer a comparação como um valioso dispositivo heurístico em uma investigação projetada para anatomizar uma situação histórica não significa conceder-lhe um lugar na lógica de uma investigação histórica. e.buscado por comparação (uma situação histórica mais claramente anatomizada) é. Em segundo lugar. mas ela própria não compõe um argumento. a "comparação" e o reconhe­ cimento das similaridades podem ser vistos como um valioso dis­ positivo heurístico para a hipótese que podem vir a sugerir. sem que haja qualquer razão M I C H AE L Ü A K E S H O T T 1 54 . há a argumentação de que um passado histó­ rico pode ser composto pelo que é chamado de "correlação" de even t o s . uma conclusão. Pois se o compromisso não for o de anatomizar uma situação. de forma alguma. mas porque similaridades ou identidades conceituais não podem. a observação de similaridades con­ ceituais entre eventos antecedentes e subseqüentes torna-se uma mera distração irrelevante. as similaridades não têm a menor importância. Porém. constituir re­ lações significativas entre eventos históricos. E a detecção e exploração de corre­ lações são um dispositivo para compor situações ou para especifi­ car situações já identificadas em termos de proporcionarem rela­ ções entre suas características de outra forma dissimilares. para privá-lo de seu caráter de mera correlação ao encontrar-se uma razão ou uma causa para o fato. embora ele não considerasse um ano em que o preço do milho subiu e o número S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S EN S A I O S 155 . Dessa forma. havia uma Íntima correlação entre suas alturas e as pontuações que eles obtinham em testes de inteligência. pode ser qualquer relação proporcional ou qualquer variação constante em uma relação proporcional. Ou pode ser usado de modo pragmático para estimar ou prever outras situações similares em outro tempo ou lugar.identificável para essa conexão. e também podia-se obser­ var que o número anual de nascimentos em certa cidade tirolesa era. Isso pode ser descar­ tado como mera coincidência. uma correlação. que há uma observada porém inexplicada relação mútua entre certas abstrações. Buckle não teve dificuldades para transformar o fato em uma relação significativa baseada no custo da manutenção de um lar. contudo. uma correlação não significa mais do que aquilo que ela anuncia: a sa­ ber. gerahnente quantificadas. ao observar a correlação entre o número de casamentos em uma paróquia e o preço do milho. T. ainda. transformando-o. se possível. durante um determinado período. isto é. projetadas. observou-se que. em uma amostragem de estudantes brit�nicos de dezesseis anos de idade. exatamente a metade do número de cegonhas que viviam nos telhados. em uma relação significativa. Foi desse modo que. A rela­ ção mútua pode ser íntima (o que é chamado de "alta" correla­ ção). tornar-se objeto de pesquisas posteriores. nada mais que uma correla­ ção. H. assim. Assim. ou pode não ser tão Íntima. Ou pode. e o que eles são pode ser discernido ape­ nas em termos de sua relação seqüencial significativa. se procedimentos de amostragens fossem abando­ nados e se a inferência a partir de registros permitisse. redutíveis a exemplos de tipos de ocorrências. em uma investigação para anatomizar uma situação histórica. essa incursão na chamada cliométrica tem sido tentada. há uma relação analógica a ser considerada. Por último. expor a situação como uma estrutura compos­ ta de correlações. a observação das correlações não pode ocupar lugar algum em uma pesquisa quando ela está preocupada com eventos e com o entendimento de seu caráter em termos de antecedentes. tem a insig­ nificância de uma mera relação externa. eventos antecedentes e subseqüentes não podem ser mutuamente relacionados. abstrair características quantificáveis e. de outra forma. Contudo. seriam dessemelhantes. Na verdade. por si mesma. O que se assu­ me ao se presumir uma relação analógica não é uma semelhança M I C H A E L Ô A KES H O T T . O método não lhe proveria nenhuma resposta. não parece­ ria de forma alguma impossível. quaisquer que sejam suas virtudes. Além dis­ so. se fossem suficientemente numerosas e assinala­ das em um gráfico. Entretanto.de homens solteiros ou de mulheres em idade de se casar foi inusita­ damente baixo. uma correlação. eles próprios. Porém. não é de se esperar que tal representação de uma situação histórica fosse satisfazer um historiador preocupado em entender essa situação por meio das relações significativas entre as ocorrências que a com­ põem. Eventos históricos não são. embora pu­ desse sugerir questões interessantes a serem perseguidas. Perce­ ber ou admitir uma analogia é presumir uma relação em termos da similaridade funcional de certos atributos de objetos ou de ocor­ rências que. pode-se dizer que um rei é "o pas­ tor de seu povo".e que não poderia ter sobrevivido -. que a música é "o alimento do amor". igualmente entendidos. E. Na verdade. e que um homem é como um cravo. E uma investigação histórica é o compromisso de inferir e de construir S O B RE A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 157 . e pertencem à lógica da persuasão. obliquamente. Assim. As analogias podem ser mais ou menos adequadas. relações analógicas podem não ter lugar na lógica do entendi­ mento histórico. expandidas e elabora­ das em alegorias.observável. pertencem à lógica do entendimento prático. aconteci­ mentos emblemáticos e exemplos da conduta humana. aos quais está significativa­ mente relacionado. um passado composto por essas re­ lações não é um passado histórico composto de eventos relaciona­ dos. Assim. que um evangelizador é um pescador. Po­ rém. que a Câmara dos Comuns é uma assembléia de representantes de acionistas em uma corporação. que é um passado inferido de sobrevive ?tes e é a conclusão de uma in­ vestigação histórica. um evento histórico é uma convergên­ cia de eventos históricos significativamente relacionados. Ao falar em evento histórico refiro-me a um acontecimento ou situação passada que não sobreviveu. direta ou completa. entendido em termos de acontecimentos e situa­ ções passadas. tenho distinguido isso como um passado composto de eventos históricos. mas um passado prático composto de parábolas. 9 Tenho argumentado que um passado histórico é um passado que não sobreviveu . mas apenas uma correspondência simbólica de atributos. assim como. indo mais além. podem ser multiplicadas. Ela não pode ser a mera preocupação de relatar a ocorrência de um evento já entendido porque um evento histórico não é um acontecimento ou uma situação que ocorreu ou que poderia ter ocorrido. E. não tenho argumentado a incoerência fundamental da idéia de um nexo causal porque sua afirmação no que diz respei­ to ao entendimento histórico pode ser descartada de forma mais frugal. E também argumentei que essa relação não pode ser genuinamente causal. talvez devêssemos repetir que. Seu projeto é compor e entender o caráter de eventos históricos reunindo as passagens de eventos relacionados que constituem seu caráter. 3 2 e seu caráter não pode ser entendido em antecipação a uma investiga­ ção histórica.uma passagem de eventos históricos relacionados em resposta a uma questão histórica sobre o passado. Nessa visão do assunto. Contudo. M I C H A E L ÜAKESHOTT . Percebi algumas outras especificações obviamente inade­ quadas dessa relação. argumentei que a relação não pode ser fortuita: o acaso é um exemplo de uma relação puramente ex­ terna e insignificante. a questão a ser considera­ da é: qual é a relação entre eventos históricos antecedentes e um evento histórico subseqüente por meio da qual se pode entender que ele compõe a passagem de eventos que convergem para cons­ tituir o caráter do evento subseqüente? Ao considerar essa questão. além disso. 32No sentido de ter sido observado ac�ntecendo ou de ser reconhecido como algo que aconteceu. Talvez eu tenha dado atenção exces­ siva à afirmação de que ela deve ter esse caráter. mas isso é porque a palavra "causa" tem um lugar garantido no vocabulário do dis­ curso histórico e também porque a causalidade é expressamente invocada em muitos relatos atuais da lógica do entendimento his­ tórico. uma relação imediata. assim como as palavras "causalmente".uma vez que um evento histórico não é uma ação atribuível. o evento subseqüente) são mantidas juntas não pela argamassa. é uma relação circunstancial. não tem um design premeditado. aqui. E o muro. "provavelmente" e assim por diante. o tipo de relação que . "funcionalmen­ te". eles estão relaciona­ dos uns aos outros de maneira contingente. refere-se a uma relação. de tipo. ele ergue o que no interior é chamado de "muro seco": as pedras (isto é. Quando um historiador constrói uma passagem de eventos antecedentes para compor um evento subseqüente.a cola da normalidade ou o cimento das causas genéricas. eles próprios. os eventos ante­ cedentes) que compõem o muro (isto é. intenções. A isso chamarei relação contingente. mas por seus formatos. "de modo contingente"). conceitualmente composto de even­ tos históricos contíguos. de semelhança de família. Em segundo lugar. não em termos de similaridade. motivos ou cálculos deliberados de um agente.compõe uma identidade que pode ser descrita como um evento adequadamente entendido. em primeiro lugar. de afinidade S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 15 9 . ou como uma montagem de eventos relacionados de maneira que a própria montagem constitua um evento historicamente entendido. A palavra "contingente" (ou. Esse tipo de relação é. ele é o que seus componentes constituem ao se tocarem. pois. não tem lugar pára termos gerais extrínsecos de relacionamentos . Even­ tos históricos não são. os antecedentes pelos quais seu caráter pode vir a ser entendido não podem ser as razões. uma relação de proximidade e de "toque".quando uma investigação histórica subsiste entre eventos antecedentes e um evento subseqüente . mais apropriadamente. contingentes. O que estou procurando é. Um passado histórico. de causalidade. Em terceiro lugar. Os antecedentes não são absorvidos pelo subseqüente. dessa for­ ma. mas permane­ cem passíveis de serem significativamente relacionados a diversos outros subseqüentes. com os quais comporá e enten­ derá um evento subseqüente. de design. o Um evento histórico. E minha argumentação é a de que. de probabili­ dade e assim por diante. de mutualidade. portanto. por meio da qual o caráter do evento subseqüente vem a ser entendido como uma espécie de conseqüência. eles não transmitem a si mesmos. mas uma relação de contigüidade evidencial. É uma fusão de acessórios que. ao se tocarem. não tem um caráter necessário ou essencial. uma investigação projetada para construir uma passagem de eventos antecedentes. está implicitamente se refe­ rindo a essa contingente e circunstancial relação entre eventos ante­ cedentes e um subseqüente. cujas diferenças convergem para compor a diferença que constitui caráter do subseqüente. preocupa-se em distinguir entre esses antecedentes contíguos aqueles que podem ser reconhecidos como significativamente relacionados ao evento subseqüente porque. É claro que similaridades de caráter entre eventos antecedentes e subseqüentes podem ser discernidas. aqui.conceitual. não é uma relação exclusiva. transmitem uma diferen­ ça para discernir a diferença que eles próprios fizeram e. mas que são a diferença que fizeram em uma convergência de diferenças que compõem uma identidade M I C H A E L Ü A K E S H O TT 160 . quando um escritor histórico usa a palavra "causa". Ainda assim. mas elas próprias não consti­ tuem relações historicamente significativas. caracterizar o evento subseqüente como uma confluência cir­ cunstancial de eventos históricos antecedentes. não possuem um caráter exclusivo. essa re­ lação contingente entre eventos antecedentes e um subseqüente. e muito . mas assemelham-se por serem as conclu­ sões de investigações e respostas a. Ela começa em um presente-passado de sobre­ viventes e. Tais identidades podem diferir em mag­ nitude e complexidade. na cons- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 1'61 . é necessariamente sustentada apenas por meio da leitura das evidências circunstanciais que invoca. E a conclusão de uma investigação histórica não pode ser confirmada ou falsificada ao se compará-la com as conclusões de qualquer outro tipo de in­ vestigação. investigações preocupadas em entender não o que.como os de um atual senso co­ mum ou aqueles provenientes de uma leitura da chamada "natu­ reza humana". questões históricas sobre o passado que não admitem nenhum outro tipo de resposta. cada qual. de algu­ ma forma. Como nada aqui é necessário. Escritos históricos diferem . foi identificado. Um historiador nunca está em uma posição que lhe permita olhar por trás de uma situação ou de um evento históri­ co já entendido e concluir quais devem ter sido seus componen­ tes ou seus antecedentes significativos. na qualidade da imaginação que demonstram. Uma investigação histórica não é um exercício explanatório.histórica circunstancial. mas o caráter do que ainda não foi entendido. é o compromisso de infe­ rir. anatomizar uma situação que não sobreviveu e entender o caráter de um evento histórico que não poderia ter sobrevivido são.ar o caráter de um evento histórico. a cada estágio. de entender discursivamente e de imagir. nem tampouco pode ser testada contra um critério independente de credibilidade .na percepção que exibem ao considerar as evidências circunstanciais que em­ pregam. Buscar a expressão autêntica de um sobrevivente do passado. também nada é impossível. nem é a preocupação de resolver um problema. trução de um evento histórico e nos desvios idiossincráticos que seus autores apresentam em relação a esse compromisso. em alguma parte de cada investigação histórica genuína. e é isso que constitui uma inves­ tigação histórica. Contu­ do. M I C H A E L Ü A K ES H O T T . há um empreendimento desse tipo. Essas condições distinguem a história de todos os outros compromissos de entender o passado. abstrata e condicio­ nal. SOBRE A HISTÓRIA & ÜUTROS ENSAIOS III Mudanfa Histórica Identidade e continuidade I orno um modo de investiga­ ção e de entendimento. 1. de Milton. S O B RE A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . sem dúvida. I 557). mas não nega. o que ela exclui. Mas. Tenho conside­ rado duas delas: a idéia de um passado histórico e a idéia de um evento histórico que incluía uma consideração sobre a relação que subsiste entre eventos históricos e por meio da qual se pode fazer com que eles componham construções de eventos significativamente relacio­ nados a resultados. mas declara seu desejo de não ser incomodado com isso no momento em que quer apenas saber da situação que exigia uma resposta imediata. são eventos históri­ cos. os quais. e pode ser entendida por meio de suas condições. exortou o Mensageiro que trazia a notícia da morte de Sansão. particularmente de um entendimento prático do passado. naturahnente. 1 1 Quando Manoah. eles próprios. a história é. ele percebia apenas vagamente que esse "resumo". falando-lhe "Diga-nos o resumo. ele reconhece a "história". quando relacionado a cir­ cunstâncias antecedentes e transformado em um evento histórico. acabaria mostrando que possuía um caráter categoricamente diferente do que aquele que o Mensageiro relatava. as circunstâncias prote­ lam" ( Samson Agonistes. incluem as condições de isso vir a ser um evento subseqüente. cada qual entendida pela dife­ rença que representou na montagem da confluência de diferenças que. uma vez que minha resposta a essa questão está implícita no que eu já disse a respeito da relação significativa entre eventos históricos. É a noção de alteração combi­ nada com a noção de permanecer o mesmo. pois: Qual é o significado exato e distinto que pode ser atribuído à expressão "mudança histórica"? E. proponho discutir o assunto aqui em um estilo um tanto diferente.Considerarei agora um terceiro postulado do entendimento his­ tórico: a idéia da mudança histórica. por sua vez. 2 Mudança é uma idéia paradoxal. Nossa pergunta é. Eventos anteceden­ tes são reconhecidos como diferenças. haveria a recordação daquilo que ine�plica­ velmente se fora e a observação do que inexplicavelmente aparece­ ra. Se não houvesse alte­ ração. e que convergem para constituir seu caráter histórico. Reconhecemos os acontecimentos diários como mudanças ape- M I C H A E L Ü A K E S H o' T T . haveria uma uniformidade contínua. E essas diferenças podem ser reconhecidas como uma passagem sig­ nificativa de diferenças apenas em termos de uma idéia de mudança. se as coisas não perma­ necessem as mesmas. e ao incumbir-se da transformação dessa situação em um evento histórico entendendo-a como o resultado de uma passagem construída de eventos significativamente relacionados a ela. a inves­ tigação histórica invoca uma idéia de mudança. Ao ir além do compromisso de anatomizar uma suposta situação passada imóvel por meio das ocorrências relacionadas que a com­ põem. o maço (o número e os tipos de cartas) permanecerá inalterado. a diferença está no número e nos tipos de moedas que se somam para atingir esse valor. espe­ rarei receber moedas cujo valor é o mesmo do da nota de uma libra. isto é. A identidade inalterada é o valor. mas um diferente local de partida. Agora. ordem. Se pedir troco para uma nota de uma libra. a de diferença e a de identidade. cor. atribuída a uma identidade inalterada. é uma diferença de lugar. es­ ses antecedentes são entendidos como compondo uma passagem de diferenças das quais o evento subseqüente emergiu. aqui. A mudan­ ça. permanece inalterada. nessa situação.nas porque consideramos que o sol que nasceu nesta manhã é o mesmo que se pôs ontem à tarde. essa passagem de diferenças. em uma investigação histórica que busca entender o ca­ ráter ainda não entendido de um evento histórico como resultado da construção de eventos significativamente relacionados a ele. tempo. não pode ser S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S . que inclui seu resultado. E é por causa dessa identidade inalterada com­ binada com a diferença que o ato de embaralhar é reconhecido como mudança. o trem das 6: I 5 para Brighton sairá da plataforma 6 em vez da platafor­ ma 8: o mesmo trem. a identidade que a diferença exige para ser reconhecida como mu­ dança é aquela que. Nossa mais familiar noção de mudança é aquela na qual dife­ renças são atribuídas a algo que permanece inalterado. o que difere é a ordem das cartas no maço. uso. mas na verdade comple­ mentares: a idéia de alteração e a de continuidade. no futuro. tama­ nho e assim por diante. Se eu embaralhar um maço de cartas. Esse é o modo de mudança contido no anúncio de que. Contudo. A idéia de mudança mantém juntas duas idéias aparentemente opostas. Pode nos ser oferecida "Uma História da França". e pode­ ria parecer que estamos recebendo um relato das mudanças no destino de uma instituição situada no Palácio de Westminster. Isso não significa que os componentes de um passado historica­ mente entendido estão incessantemente mudando. Em vez disso. são. descobrimos que cada uma dessas pretensas identidades (de lugar. diferenças. elas próprias. ela advém do modo como algumas investigações históricas são descritas e dos títulos que elas recebem. Mas essas expectativas serão rapidamente dissipadas. nem tampouco isso exige que sua durabilidade relativa não seja reconhecida. constituição· e função).entendida como uma passagem de mudança com base em uma noção de mudança na qual a diferença é reconhecida como mu­ dança porque é atribuída a um item inalterado da situação. com­ posto de pessoas indicadas ou eleitas. e quaisquer outras que possam ser sugeridas. E se há al­ guma plausibilidade na afirmação de que um passado histórico pode ser entendido com base nessa noção de mudança. Um passado inteiramente composto de eventos históricos e suas rela­ ções é um passado inteiramente composto de diferenças: é um pas­ sado do qual essa identidade imutável foi expressamente excluída. e não da maneira como as investiga­ ções são conduzidas. mas apenas se seu autor aban­ donou o compromisso de um historiador em troca do de um ideólogo ou do de um mitologista encontraremos nisso uma iden- M I C H A E L Ü A K E S H O TT 166 . dedicadas a uma função imu­ tável. Pode nos ser oferecida "Uma História do Parlamento". e que a história é compos­ ta com base em alguma outra noção de mudança. Sig­ nifica apenas que a noção de mudança histórica não é a noção de diferença atribuída a algum item imutável da situação. que é um inalterado John Smith. a erosão causada pelo mar e o uso da terra para outros propósitos além da agricultura têm representado uma contínua redução. e é historicamente inconcebível que isso houvesse ocorrido: ela sofreu alterações no que diz respeito a sua área. Essa chamada "terra" da Inglaterra não permaneceu imutável. mas o biógrafo não a apresentará (a menos que ele seja vítima de uma teoria) como as venturas e desventuras de seu objeto de inte'­ resse. composição química e por aí afora.tidade. Pode-se supor que a identidade imu­ tável seja a terra da Inglaterra. Ela pode se auto-anunciar como "a vida e a época" de John Smith. A identidade formal de um nome não servirá a seu propósito. Mas a promessa logo se evapora. ou LA. S O B R E A H I S T Ó R I A &· Ü U T RO S E N S A I O S . vista como um recurso capital. e a "história" como sendo um relato das maneiras mutáveis pelas quais esse recurso imutável tem sido explorado: as colheitas que dela se extraíram em diferentes épocas. LA Natíon. Na verdade. configuração. a expressão "Um História da Agricultura Ingle­ sa" pode parecer um assunto mais promissor para ser entendido por esse modo de mudança. Ou. nem tampouco o fará a estrutura genética ou a alma de John Smith. Mesmo aqui. Por outro lado. as mudanças dos métodos de cul­ tivo. A drenagem dos pântanos significou uma grande adi­ ção a esse recurso capital.France à qual as diferenças que compõem - a história são atribuídas. as alterações nas formas e tamanhos das áreas agrícolas e as­ sim por diante. não há nenhum item na situação que não seja uma diferença. então. consideremos uma biografia. do ponto de vista do historia­ dor. do nascimento à morte. ele saberá que é sua função exibir John Smith como uma continuidade de diferenças e ficará intrigado ao colocar seu dedo na identidade que está usando para fazer isso. são. eles de­ vem ser eventualidades históricas. de tempos em tempos. uma diferença. não há lugar para uma identidade que não seja. é sugerido que a mudança histórica seja passível de ser entendida como diferenças relaci­ onadas a um componente genuinamente imutável. passagens de mudanças. É claro. O que Lovejoy chama de " idéia de unidade" é uma suposta iden­ tidade imutável . talvez. ela própria. ir para as sombras. mas. Contudo. Em resumo. quando um passado histórico é entendido como sendo composto de eventos históricos (isto é. para um historiador. M I C H AE L Ü A K E S H O T T 168 . ou talvez se perca além de qualquer lembrança. nem aqui. e sua "história" é um relato desses movi­ mentos p elo mundo afora. não é impossível encontrar historiadores que pare­ cem ver o entendimento histórico como um relato de mudan­ ça no qual diferenças são atribuídas a identidades fixas . os vários usos que lhe deram e os diferentes contextos em que apareceu: os asp ectos mutantes de uma identidade cujo valor nunca muda. nunca é matizado pelo que o acompanha. uma vez que emergiram. mas. nem (por exemplo) nas investigações daqueles que ex­ ploraram a história do discurso político europeu por meio de vocabulários mais duráveis (convenções lingüísticas e idéias genéricas) que esse discurso empregou para expressar seus di­ versos e menos duráveis propósitos. ser relembrado e trazido de volta para uso. pode "migrar" para um lugar diferen­ te. desaparecer do discurso humano para depois. e. eles próprios. não se exaure nem se desgasta. de diferenças) reunidos em resposta a uma questão histórica. Tais vocabu­ lários podem ter vida longa. A noção de que "o passado" constitui um único processo teleológico que um hábil historiador poderia exibir em sua pleni­ tude (ou. pelo menos. do qual um historiador menos ambicioso pode ocupar-se para elucidar alguma passagem selecio­ nada. em uma seqüência de transformações. como Kant. a seguir. Pode-se. Santo Agostinho. e que é atingido quando o processo de mudança se completa. e no qual Y é entendido como tendo sido um potencial em X. no mínimo uma empreitada para expor sua tele­ ologia. podia representar a S O BR E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . a mudança teleológica e a possibilidade de a mudança histórica ser entendida em termos de teleologia. e eu considerarei. é absurda. A idéia da mudança teleológica é a de uma sucessão de diferen­ ças que podem ser reconhecidas como mudanças porque cada uma é reconhecida como um passo ou um estágio indispensável em um processo no qual um potencial se torna um fato. Essa é uma genuína concepção de mudança: lá está a diferença e lá está a identidade. aqui. esse que talvez possa ser chamado de um modo "prá­ tico" não é o único modo de mudança. torna­ se Y. é um propósito ou destino imutável que está presente desde o começo que determina as diferenças e suas sucessões seqüenciais. Mas em vez de a identidade ser um item separá­ vel em uma situação (como o baralho ao ser embaralhado). e isso é inerentemente impossível enquanto o historiador permanecer ignorante (como ele deve estar) quanto a seu começo e a seu fim. em esboço). Contudo. imaginar que a raça humana embarcou nessa jornada proposital. É um processo de mudança no qual X. por exemplo. mas uma investigação históri­ ca deve ser. a argumentação de que a mudança histórica pode ser identificada com a mudança teleológica não é nem sequer plausível. mesmo assim. como os "regimes econômicos"2 de Trotsky. ou segmentos de compromissos humanos conceitualmente identificados. podia argumentar que esse fim era uma genuína conclusão em estado potencial nesse início. Conseqüentemente. trata-se de uma mera distinção dentro da noção de mudança teleológica. ainda que incompleta. Contudo. conduzindo a seu colapso final.história do mundo a partir da Criação (ou talvez. ou composta de passos levando a uma conquista positiva final. e podia. interpretar os eventos intermediários como passos necessários no caminho para essa con­ clusão. levando em conta apenas uma seleção dos acontecimentos mais "importantes". assim. mesmo quando ignoramos a perversa noção de investigação histórica como o com­ promisso de entender ocorrências relatadas em termos do lugar que elas ocupam em algum exclusivo processo teleológico. a menos que o passado histórico seja entendido como composto de um certo número de processos teleológicos comple­ tados (mas teleologicamente não-relacionados). ele reconheceu que essa era uma inter­ pretação "profética" (e não histórica) dessa particular passagem do passado. e quan­ do rejeitamos como não-eventos o que não pode ser encaixado 2Seja essa passagem do passado representada como a inevitável realização das autocontradições de suas condições iniciais. sejam eles capítu­ los abrangentes e completos da experiência humana (como as "cul­ turas" de Spengler ou as "civilizações" de Toynbee ). M I C H A E L Ü A K ES H OT T 170 . do passado. da expulsão do Éden) até a vinda de Cristo como uma passagem única no modo teleológico apenas porque ele identificou sua condição inicial e seu fim. sendo impossível discernir qualquer outra pas­ sagem subseqüente. Porém. alcança um terminus exemplar que já era conhe­ cido como um potencial disso. sucedem um ao outro para desembocar em um terminus que não é. Aqui.nesse lugar. Entretanto. Eles são uma construção de eventos históricos multiformes e não-relacionados. protegido por sua abstração. Assim. uma chaleira de água pres­ tes a ferver pode ser representada como uma passagem de mudan­ ça teleológica. reunidos daqui e dali. um processo teleológico é reconhecível como uma passagem de mudança porque as diferenças que o compõem são entendidas como estágios exemplares que sucedem um ao ou­ tro em uma ordem uniforme. os supostos antecedentes de um resultado . e em uma seqüência de diferenças exem- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 171 . e o termômetro. As diferenças que compõem essa passagem de mu­ dança são as leituras de um termômetro. indicar 212º na escala Fahrenheit. com uma conhecida e limitada capacidade de ab­ sorver o calor. é incapaz de divergir de seu curso ou de falhar em atingir seu destino. ao nível do mar. uma teleologia é um processo ideal de mu­ dança que. Bolotas de carvalho são carvalhos em potencial. as condições iniciais são uma fonte mensurável de calor e água. e que convergem para compor circunstancialmente o des­ conhecido e imprevisível caráter desse resultado.eles próprio uma dife­ rença -. as diferenças que compõem uma passagem de mudança histórica não são estágios exemplares que. impelidos por uma potencialidade. não penso que essa afirmação a respeito da mudança histórica pode ser sustentada. ele próprio. identi­ ficada por seu tipo. uma diferença. uma uniforme sucessão de estágios que se seguem um ao outro até que a água tenha absor­ vido todo o calor que é capaz de absorver. Em segundo lugar. Em primeiro lugar. na qual uma condição inicial. M I C H A E L Ü A K ES H OTT 172 . I. projetada para responder por certos des­ vios da retidão teleológica. p. somos obrigados a reconhecer que esta ou aque­ la bolota pode falhar em relação a seu destino tele. 52. 23. como ocorre em uma investigação histórica. pp. e ne­ nhum outro. concluir de pronto que es�a ordem poderia prevalecer apenas a longo prazo e.piares elas são lançadas para alcançar seu terminus inerente. observamos was eigentlich geschehen ist. torná-la um modelo mais plausível para a mudança histórica por meio da exclusão de certas considerações (tais como "o tempo que isso leva"). algumas vezes. quando abandonamos esse mundo de abstrações e.ológico: pode ser comida por um porco. em dada ocasião. Mas. não há bolota sem um carvalho em potencial. Não há bolota sem uma bolota antecedente. para qualificar a mudança teleológica por meio da admissão de um ingrediente "aci­ dental". como Burke. para abandonar a noção de mudança teleológica. disposto a pensar no passado humano como uma ordem teleológica divinamente designada e. Porém. II. se incluir um dispositivo para a correção periódica e circunstancial dos des­ vios causados pelos caprichos humanos. Significa que um passado histórico talvez nunca possa ser modelado nos moldes de 3 Historiadores que abraçaram seriamente a noção de mudança teleológica buscaram. ou. reconhecendo-se que os carvalhos são os únicos produtores de bolotas de carvalhos. tal como a "lei da dessemelhança" de Trotsky. esse processo pode ser repre­ sentado como uma mudança teleológica cíclica. ou construindo algum princípio ad hoc de "acidente".3 Isso também não signifi­ ca que um historiador devesse estar preparado. como um "regime econômico" entrando em colap­ so "antes de ter exaurido todas as suas possibilidades" (History oJ the Russian Revolutíon. E. isso não significa que um histo­ riador deva estar preparado. como Aristóteles. reconhe­ cendo a instabilidade humana. 220). mesmo assim. Podemos deixar de lado a suposição de que "a história do mundo" pode ser enten­ dida como um processo teleológico. tal como o fato de que essa floresta de carvalhos foi plantada em I 720 por Capability Brown quando ele estava ajardinando o terreno do recém-construído Blenheim. E. exceto nos pontos em que foi reduzido a um certo número de passagens teleológicas ne­ cessariamente não-relacionadas. quando se diz que uma pas­ sagem de mudança histórica é um processo "dialético". aqui. quando se diz que é um "desenvolvimento" e quando a representamos como sendo "progressiva" 4 ou "proposital". mas afirmar que tal bolota de fato produziu tal carvalho.uma mudança teleológica. um entendimento do passado. um historiador preocupado em entender a formação de certa floresta de carvalhos por meio de seus antecedentes históricos não começará com a observação de que deve ter havido um monte de bolotas por aí (da mesma forma que um biógrafo do duque de Wellington não começará com a observação de que ele deve ter tido um pai e uma mãe humanos). Mas. S O B R E A H I STÓR I A & Ü U T RO S E N S A I O S 173 . presente e futuro práticos). a investigação e o entendimento histórico por ve­ zes afetaram a linguagem da mudança teleológica. o historiador procurará relacionar o assunto a seus eventos históri­ cos antecedentes. "Não há carvalhos sem bolotas" pode ser uma proposição formalmente verdadeira. não é uma necessidade teleológica. Ainda assim. em determinado tempo e lugar. e também a argumentação de que o passado é um vácuo "sem história". não a uma "crença no progresso" (isto é. a teleologia (ou algo se- 4 Refiro-me. de modo inverso. mas à assimilação do conceito de mu­ dança histórica pelo de mudança progressiva. é uma ocorrência cir­ cunstancial que não tem lugar algum no processo de mudança teleológica. po­ rém. e a história deve mostrar quão lon­ ge e de que forma essas possibilidades foram realizadas" (E. inevitável ou admirável. 7 Mas. 6 O uso da expressão "O Desenvolvimento de . buscaram construir um pas­ sado prático por meio da mudança teleológica para conceder a seu resultado o status supostamente superior de um caráter "na­ tural". en­ tão. a princípio. The Wh(g Interpretation oJ History. Bennett.melhante) está sendo invocada. K.. ignorando o que seria apropriado. Na maioria dessas ocas iões. Butterfield. não exibem nada passível de ser reconhecido como "desenvolvimento". Em resumo. eles foram obrigados a ignorar. 7 H. reconhecidamente um re­ mendo grosseiro. apesar disso. talvez. o faz conside­ rando o que seria mais efetivo. :' nos títulos de trabalhos históricos que. Os chamados historiadores "Whig" (preocupados com a emergência da Constituição britânica).. em geral. MICHAEL ÜAKESHOTT 1 74 . 5 "A história de um gênero literário não é a enumeração dos escritores que o cultivaram . muitas das vicissitudes da narrativa histórica. 6 Ou. isso não é mais do que um aceno um tanto inadvertido na direção da mudança teleológica. e seus equivalentes em outros lugares. mesmo possibilidades de desenvolvimento. 5 Ou talvez não sej a mais do que uma rendição insignificante a uma analogia em moda. a história teleológica é. como não-eventos. para reter a integridade teleológica de sua história. O gênero é visto como um organismo que contém dentro de si . uma autocontradição. isso pode ser reconhecido como uma desastrada tentativa de dotar o entendimento histórico de um caráter " filosófico" que ele não pode sustentar. distin­ guir a mudança histórica de uma mera sucessão fortuita de acon­ tecimentos e. e as tentativas de usá-la são. que pretende. :' no lugar de "Uma História de . A History oJ the German Novel/e). . não precisa nos deter por muito tempo: pouco tem a oferecer como modelo por meio do qual se entende a mudança histórica. Aqui. A identidade é a lei da mudança. na falta de uma palavra melhor. aqui. Aqui. chamada de homeostase. é a mudança total. A identidade imutável em uma mudança orgânica é uma "lei" ou normalidade que especifica o caráter genérico das diferenças.'° mento de autopreservação. nem um tipo de potencial a ser realizado. E não· há teleologia. A mudança. anatomizada por meio de suas tensões: a situação da nobreza britânica no século dezessete. mudan­ ça "orgânica". Uma anêmona-do-mar. nenhuma célula permanece imutável. cada qual interpretada com. que pode ser formulada em uma lei genérica de autopreservação (relutância em perecer). A investigação histórica pode nos familiarizar com uma situ­ ação relativamente imóvel. Uma forma de mudança orgânica. 4 Um terceiro modo de mudança oferece-se para consideração como um modelo por meio do qual se vem a entender a mudança histórica: a isso chamarei.o um movi'. não há potencialidade tornando-se fato. é inteiramente reconstituída de ano para ano. e talvez a ordem de sua ocorrência. por exemplo. ou que pode ser fragmentada na normalidade de um processo bioquímico chamado metástase. a identidade exigida para o reconhecimento da mudança não é nem um item distinguível em uma situação imune à mudança. em uma con­ tínua série de diferenças. Como modelo para a mudança histórica. o Iluminismo esco- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 175 . a homeostase não é pro­ missora. mudança é um processo de autopreservação orgânica. entretanto. outra forma de mudança orgânica. fôssemos identificar a Inglaterra do século dezesseis como uma "economia". qualquer que seja a ilumi­ nação que supuséssemos ter extraído desse entendimento da dissolu­ ção. por exemplo. então (com base em certas presunções sobre a baixa produtividade da agricultura monásti­ ca) poderíamos reconhecer a dissolução dos monastérios por meio da atuação de uma lei da homeostase. Mas não há justificativa para impor sobre essas situações o caráter de um organismo. Fazer isso equivale meramente a desig­ nar um único caráter central a essa situação e às diferenças que a com­ põem. como se a única alternativa fosse ser ou não ser. a entente cordiale de I 904.cês. Há. a analogia (pois ela nada mais é do que isso) da homeostase obstrui o entendimento histórico em virtude da falsa pre­ tensão de tornar uma investigação histórica desnecessária para se atin­ gir uma conclusão histórica. Na verdade. e reconhecêssemos uma de suas características orgânicas como sendo uma embutida resistência à possibilidade de ter recursos comprometi­ dos por empreendimentos não tão produtivos. a Genebra calvinista em meados do século dezesseis. às vezes chamada de "homeostase de longa duração". o que não apenas ignora as condições circunstanciais dessas diferenças como também interpõe-se no caminho de uma forma de investigação histórica na qual a situação poderia ser transformada em um evento histórico. nem para entender os constantes giros de suas tensões como movimentos de autopreservação. lon­ ge de fornecer um modelo por meio do qual se pode identificar a mudança histórica. e se entendêssemos uma "economia" como um organismo voltado para a autopreservação. Porém. a qual (entendida de um modo um tanto M I C H A E L ÜAKES H O T T . Se. com certeza não seria uma iluminação histórica. mas comumente conhecida como mudança "evolucionista". As investigações nas quais esse entendimento da mudança orgânica tem sido formulado e explorado não sugerem que pode haver uma aplica­ ção universal para ele. não há teleologia nem sugestão de que possa ter umfínis ultimus em um orga­ nismo "perfeito" ou em uma cíclica sucessão de diferenças. Segunda. algumas características que não a fazem parecer inadequada.vago) tem sido mais seguramente reconhecida como um modelo para a mudança histórica. a esse respeito. terceira. a mudança orgânica tem. a mudança. Ela se transfere para o imaterial e constrói instituições políticas. P. Aqui. as diferenças que compõem um processo evolucionista de mudança 8Um escritor anônimo do fim do século dezenove. uma sucessão de diferenças identificáveis nas características morfológicas ou biológicas de uma espécie de orga­ nismo é reconhecida como um processo de mudança em virtude da "lei do desenvolvimento". porém. bem como pela ordem de sua ocorrência. Primeira. Bliss. sociais e morais. é urna noção de mudança demasiadamente indiferente a "como tudo começou". aqui. no fim do século dezenove. E. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 177 . declarou: "A lei da evolução orgânica não termina com o desenvolvimento físico. exceto por ex­ cluir (especificamente no caso da espécie humana) urna chamada "cri­ ação original". tem um final aberto. de W D. que responde pelo caráter geral e pela ten­ dência dessas diferenças. na verdade." E a referência de Darwin à inspira­ ção que lhe deram os escritos de Malthus foi mencionada por Benjamin Kidd (Social Evolution) como evidência de que a concepção de Darwin da mudança evolucionista derivava p arcialmente da "observação da sociedade humana". esse entendi­ mento foi muitas vezes ampliado para cobrir toda a conduta humana8 e foi identificado por alguns como uma noção de mudança deveras apropriada à investigação e ao entendimento históricos. Ela é a mesma ao longo de todo o alcance do fenômeno. quase que precisamente da mesma forma com que os organismos físicos foram constituídos. E. citado na The New Encyclopedia oJ Social Riform. E essas considerações refletem-se inevitavelmente nos escritos his­ tóricos que buscam empregar a noção de mudança evolucionista. atribuída não apenas a "civilizações". uma mudança que resulta na produção de novas espécies. são modificações identificáveis das características morfológicas ou bi­ ológicas de espécies orgânicas. estilos arquitetônicos. é chamada de "mutação". M I C H A EL Ü A K E S H O T T 178 . talvez. e a conseqüente impossibilidade de formular uma lei evolucionista por meio da qual se possa entender as diferenças que compõem uma passagem de mudança histórica. penso eu. A identidade de uma espécie orgânica é. ou mesmo que responda por sua ocorrência. mas que sucederam umas às outras de maneira tal que isso não pode vir antes daquilo: a contraparte do anacronismo histórico. ati- 9 Uma grande ou enigmática mudança histórica. que talvez não possam ser previstas. sistemas legais. em vez de ser d �scrita na linguagem do drama como. isto é. Pois. algumas talvez discerníveis em restos de fósseis. doutrinas filosóficas. Ainda assim. "sociedades" (ou até mesmo "sociedade"). "impérios". de modo indiscri­ minado e não-plausível. apesar dessas afi­ nidades com a mudança histórica. ainda que tais escritos por vezes assumam até mesmo as mais recôndi­ tas distinções que pertencem à noção de mudança evolucionista. moralidades. existem. "buro­ cracias" e por aí afora. uma "revolução''. duas considera­ ções que tornam impossível o entendimento de um passado histórico em termos de mudança evolucionista: a impossibilidade de distinguir nesse passado uma identidade que corresponda de forma plausível a uma espécie orgânica. Trata-se de dois modos de mudança categoricamente diferentes. "cultu­ ras". mas também a teologias. gêneros literários.9 eles próprios confessam que o vocabulário da evolução não fornece mais do que distantes e inadequadas analogias quando aplicado à mudança histórica. Por exemplo. Enquanto for usada para representar um modo distinto de mudan­ ça. e algumas regularidades da mudança lingüística podem ser discerníveis.storiador está em outra parte. os vernáculos podem ser . saxões.e certamente têm sido . a tarefa de um hi. A EvolufãO do Romance. se acontecer de esse vernáculo ser a língua inglesa. dinamarqueses. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 179 . e pelo menos algumas das mudanças que eles exibem podem ser atribuídas a uma necessidade homeostática de reter ou de aperfeiçoar seu caráter como instrumentos expressivos de discurso. uma construção de diferenças que não pode adqui­ rir uma identidade por meio da idéia de mudança evolucionista. E sobre a "guerra" (ela própria um suposto organismo que evolui) diz-se que "muito fez para determinar a· evolu­ ção d� Inglaterra medieval". Ele preocupa-se com algum vernáculo em parti­ cular. anglos. ele se preocupará com suas diferenças entendidas como o resultado do encontro lingüístico de celtas. e pode sobreviver nele (como tenho suge- IO Assim é com: A EvolufãO do Parlamento. Po­ rém. normandos. A EvolufãO do Microscópio. A CivilizafãO e o Crescimento da lei e expressões familiares como "a evolução da Prússia". e. admitindo-se que esse seja o caso. da expressão de qualquer significado distinto.vidades como corridas de cavalo e até a artefatos. privando-a.. Nem tampouco a distinção entre mudança evolucionista e mudança histórica fica menos manifesta no ponto em que ambas são sustentáveis no que diz respeito a uma preocupação aparentemente em comum. O Crescimento das Instituifões Inglesas Representativas. A EvolufãO da Lei e da Ordem. etc. O Crescimento do Radicalismo Filoslfico.dotados do caráter de organis­ mos. dessa forma. 1 0 E nem a ocor­ rência nem o caráter das diferenças com as quais essa investigação se preocupa são jamais entendidos como exemplos da atuação de uma lei ou leis de mudança evolucionista. a palavra "evolução" não pode ter um lugar apropriado no vocabu­ lário do discurso histórico. e talvez alcançado. 1 1 5 UÍn passado histórico. é uma construção de eventos históricos antecedentes (que podem II Existem. Fluir. mas eu forneci minhas razões para negar que a mudança histórica possa ser identificada com qualquer um deles. pois. decair. E o MICHAEL ÜAKESHOTT 180 . em sua maior parte. e representam um entendimento mais prático do que h istórico. três bem-articulados modos de mudança: mu­ dança em que a identidade requerida para reconhecimento da mu­ dança está em um item imutável da situação à qual a mudança é atribuída. mas. na qual supostas mudanças históricas são resu­ midas para se tornarem exemplos de tendências genéricas. muitas outras expressões inadequadas empregadas em escri­ tos históricos para denotar mudança. a conclusão de uma investigação histórica. no qual um enten­ dimento histórico pode ser buscado. E essas razões também excluem a atribui­ ção de um caráter eclético à mudança histórica. polir e minguar são as atribuições de diferenças a supostas identidades imutáveis. Cada um ofe­ rece um modelo para a mudança histórica. mudança teleológica e mudança orgânica. Existem. ou simplesmente para denotar uma preocupa­ ção com la longue durée. pelo em­ prego de qualquer um desses modos que pareça ser apropriado ao suposto caráter da situação histórica que está sendo explorada.rido que a palavra "causa" pode sobreviver) apenas se for privada de qualquer significado exato: como uma desajeitada expressão analógica para o ritmo lento da mudança histórica exibido em uma investigação histórica de larga escala. elas são reco­ nhecíveis como versões informais dos modos de mudança que observei. é claro. E uma idéia de mudança histórica deve satisfazer duas condições: que um . ela mesmo ocorre com noções como ascensão. passado histórico não seja composto por nada além de eventos his­ tóricos e que cada evento histórico seja uma diferença reconhecida pela diferença que fez na constituição do caráter ainda não entendi­ do de um evento subseqüente. ela própria. mas como sendo. declínio ou queda. que freqüente­ mente refletem antigos mitos. mas pela diferença que fez no caráter diferencial de um evento subse­ qüente.não ter relações significativas uns com os outros) no que diz respeito à sua contribuição para o entendimento do caráter histórico de um evento subseqüente. mas que constituem uma expressão da observa­ ção prática de que as mais interessantes mudanças nas questões humanas são ou "para cima" ou "para baixo". um passado histórico pode ser reconhecido como uma pas­ sagem de mudança histórica. mas. no que concerne a seus participantes. uma diferença. S O B RE A H I S TÓ R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . E. alternativamente. A identi­ dade que constitui uma passagem de mudança histórica deve ser. A no­ ção de mudanças como "crescimento" é ambígua: pode (um tanto vagamente) representar uma noção de homeostase. em um en­ tendimento histórico. isto é. cada evento histórico antecedente é uma dife­ rença reconhecida não em termos de seu caráter substantivo. quand� isso representa uma mu­ dança levando a condições de "maturidade". pareceria ser teleológica. ele próprio uma diferença. E a questão a ser considerada é: Que modo de relacionamento deve subsistir entre esses eventos antecedentes e um evento subseqüente se seu caráter histórico estiver para ser discernido em sua convergência? Ou. a questão a ser considerada é: O que pode constituir uma distinguível e significativa passagem de mudança histórica? Essa questão diz respeito à identidade (similari­ dade) pela qual uma passagem de diferenças pode ser reconhecida não como uma fortuita sucessão de diferenças. aqui. desde que. uma passagem de mudança. afirmou ele. O fato de que a identidade de um todo pode ser entendida p ela continuidade das partes que o compõem foi primeiro observado por Aristóteles..mesma. sempre que o todo é composto de partes uniformes distinguíveis. a identidade de uma corrente cujos elos são man- 12 Physics. da regula­ ridade ou da "lei" de um processo de mudança. E faço uma distin­ ção entre isso e uma relação de "casualidade". o que. também. a unidade. É encontra­ da em coisas cuja natureza é tal que as torna uma quando estão em contato:' MICHAEL ÜAKESH OTT . está em sua continuidade. Em um ensaio anterior argumentei que a relação entre eventos históricos antecedentes e um evento subseqüente reconhecido como seu resultado deve ser uma relação contingente. de uma relação cau­ sal e de uma relação baseada em algo externo. de um propósito duradouro ou fim a ser alcançado e. e cada uma dessas diferenças deve ser um evento histórico. Assim. Por outro lado. V. é uma função da contigüidade de suas partes. sem mediação externa. de uma corrente de certa extensão composta por nada além de seus elos e que não serve a nenhum propósito externo. agora. 1 2 Esse é o caso. que essa conti­ nuidade é algo distinto de algum item imutável na situação. 3. que tocam umas nas outras sem intervalo e se mantêm juntas por causa do que são. Argumentarei. a cola da normalida­ de ou o cimento das causas genéricas. por si mesma. a identidade. que a identidade por meio da qual uma passagem construída de eventos históricos reconhecidos como diferenças pode ser entendida não é nenhuma outra além de sua continuidade inerente. que reconheceu a continuidade como um úpo de contigüidade. 27 7a: "A continuidade é um tipo de contigüidade .. uma diferença ou uma composição de diferenças. tidos unidos por atração magnética. na verdade. e que ficaria arruinada se o fluxo fosse cortado. em­ bora um passado histórico seja uma passagem de diferenças reunidas para compor o caráter de um resultado. está em outra parte. Além disso. uma investigação histórica não está preocupada com a identidade de um todo composto de partes uniformes. uma "lei" evolucionista ou produto de algu- S O B R E A H I S TÓR I A & Ü U T RO S E N S A I O S . está preocupa­ da com a identidade de uma passagem construída de diferenças (even­ tos) históricas no que diz respeito ao fato de serem os antecedentes significativos de uma diferença histórica (evento histórico) subseqüen­ te ainda não entendida. por meio de uma noção de mudança teleológica ou dialética. novamente. uma vez que a passagem de diferenças que compõem um passado histórico é uma passagem de eventos históricos destituídos de potencialidades fixas para lançar em conclusões prévias. nem reconhecê-la como uma passagem de mudança. E isso acarreta uma idéia de mudança. Contudo. e ele não é um termin� de algum outro tipo. e não ti­ pos ou classes de eventos. E. Mas. e a identidade de uma corrente ligada a uma âncora está em seu propósito. pois esse resultado não pode ser conhecido antes que seus antecedentes sejam reunidos. ele não pode ser reconhecido como uma passagem de mudança por compor esse resultado. uma vez que essas diferen­ ças são. eventos históricos inferidos de evidências circuns­ tanciais fornecidas por expressões e artefatos sobreviventes. como seus supostos antecedentes. mas. ou por uma idéia de "desenvolvimento". elas não podem compor uma passagem de mudança pelo fato de serem reconhecidas como exemplos de uma "lei" de autopreservação. é apenas outra diferença. não se pode dar a ela uma identidade. pois uma sucessão ou uma construção de diferenças pode adquirir uma identidade apenas ao ser entendida em termos de mudança. um evento histórico. concede-lhe uma identidade e a torna reconhecível como uma passagem de mudança não pode ser algo que lhe seja externamente imposto. ele próprio. uma vez que essa coerência é circunstancial. não jaz. de pas­ sagens de diferenças. isto é. ela não existe até que seja construída por um historiador em busca de pistas sobre o caráter de um evento histórico ainda não-entendido. por último. essa construção de diferenças é entendida como ocupando tempo. esperando para ser colhida. Essas meias de seda foram tantas vezes remendadas com algodão que se transformaram inteiramente. uma vez que o que une uma construção de diferen­ ças históricas. E. E eu sugiro que essa identidade pode ser encontrada em sua pró­ pria coerência. talvez. Com certeza. mas não lhe pode ser dada uma identidade. ou a continuidade. em algum lugar do passado. pelo fato de ocupar um distinguível período de tempo.ma "força" ou 'fator" que não seja. admitir que um passa­ do histórico não é mais do que um tecido de conjunções fortuitas. a continuidade sendo reconhecida como um tipo de contigüidade. essa passagem de diferen­ ças antecedentes. Mas. em oposição a uma procedência composta de outros eventos. já identificada. ser mais precisa­ mente entendida como a continuação. E é sugerido que. e que convergem para com­ por uma diferença subseqüente. relacionadas a uma diferença subseqüente. ela pode. 13 E um passado histórico pode ser alterna- 13 A noção de mudança exemplificada nas famosas meias de Sir John Cutler tem s ido considerada a noção de mudança histórica. e não conceitua!. para re- M I C H A E L Ü A K ES H OT T . nem se pode reconhecê-la como uma passagem de mudança. a ponto de não sobrar uma única partícula de seda. devemos buscar isso em alguma qualidade intrínseca da própria construção ou. Em resumo. em seu caráter como passagem de diferenças que tocam e modificam umas às outras. então. que estão apenas circunstancialmente relacionados a seu suposto terminus. a princípio. Talvez possa ser dito que essa concepção de mudança histórica identifica um passado historicamente entendido como um passa­ do sem surpresas e destituído de grandes mudanças.e não apenas formalmente . constitui uma passagem de mudança histórica cujo resultado é uma diferença subseqüente. o que é mais importante é que a identidade por meio da qual essa sucessão de diferenças é reconhecível como "mudança" é o item imutável da situação. ou como uma passagem construída de diferenças antecedentes que. aqui. E há. que sobrevive e que não é composta por diferenças. tendo caído em balde de tinta. é claro.uniformes. deixar de lado uma interpretação desse acontecimento na qual ele é entendido como uma sucessão de ações que alcançaram seu fim pretendido. as diferenças (os remendos de algodão) não se parecem com eventos históricos antecedentes por serem substancialmente . não há nada que sugira qualquer forma de mudança nomológica: os remendos de algodão não causaram o aparecimento das meias de algodão. Contudo. a saber. oU daquela em que um par de meias encolhe ao ser lavado. S O B R E A H I S TÓ R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 18 5 . com certeza. É claro. diferen­ tes. incapaz de conhecer o que aconteceu como "mudança" (e não como um par de meias de seda que se foram e um par de meias de algodão que chegaram) tudo o que é exigido é o reconhecimento da continuidade da alteração. por sua continuidade.tivamente identificado como uma construção de eventos históricos antecedentes. isso não pode ser reconhecido como exemplo de mudança histórica. Ainda assim. sem comprometer o caráter dos remendos de algodão. Além disso. somente em magnitude. torna-se azul. diferente daquela em que um par de meias brancas. Devemos. · nem tampouco estavam em estado potencial nos primeiros remendos de lã. a mudança. a forma e o qve identifica as meias como meias. não é. talvez. As meias de lã com certeza não estão em estado potencial na seda. Na verdade. A alteração poderia ter sido suspensa a qualquer momento. fica claro que não há teleologia propriamente dita. E. uma sucessão temporal de diferenças relacio­ nadas a um resultado circunstancialmente diferente: os remendos de algodão tocaram uns aos outros e mantiveram-se juntos motivados por seu próprio caráter e convergiram para constituir o resultado. se fizer­ mos isso. Nem tampouco é esse um exemplo de mudança homeostática ou evolucionista. relacionados de forma contingente a um evento histó­ rico subseqüente. A magnitude de uma mudança. destituídos de "grandes" eventos. ao não ter lugar para regularidades ou probabilidades. Tem sido importante distinguir a noção de mudança empregada na inve� tigação histórica porque não existe algo como uma mudança per se. e a rapidez de uma mudança é. E. Naturalmente.acomodar acontecimentos anormais ou de refletir mudanças "revolucionárias" ou súbitas revoltas. não depende de seu relativo isolamento. em geral. Mas a expressão "grandes eventos" pertence mais ao vocabulário do entendimento prático do passado (que pode distinguir de forma apropriada "divisor de águas" e "grandes saltos para a frente") do que ao vocabulário da história. E também é importante entender que esses modos categoricamente diferentes M I C H A E L Ü A K ES H OTT 186 . E "probabilidade" ou " razoabilidade" não são considerações gerais. nem tampouco é reduzida por vir a ser entendida pelos detalhes de sua mediação. em que não há lugar para tais julgamentos. mas estão sempre relacionadas a circunstâncias. Uma história escrita em larga escala (especialmente quando é mal-informada quanto aos detalhes que condensa) está propensa a expor a mudança de forma mais abrupta. é verdade que. em grande parte. pode-se esperar que um passado historicamente entendido seja composto de mudanças que não são nem surpreendentes. nem que surgem do nada. uma passagem de mudança histórica também não tem lugar para o anormal ou p ara o improvável. nem peu de chose. porém. nem insignificantes. aqui. e. cada noção distinta de mudança tem sua contraparte em um modo diferente de entender o passado. e que uma investigação histórica direcionada para buscar continuidades inevitavelmente reduz toda mudança a movimentos minúsculos. uma questão de escala da investigação histórica. mas um evento. uma mudança pode. mas como características. que prop o rc i o n a uma n o ção de mudan ça d i ferente. Ass im. Esse produto da investigação e da imaginação históricas não se parece com a resolução de um quebra­ cabeça. O que um historiador tem são formas de sua própria manufatura. é por meio dessa noção de mudança histórica que o caráter probatório do entendimento histórico e o caráter experimental de um evento histórico podem ser reconhecidos não como falhas. O historiador está fazendo alguma outra coisa. Além disso. tanto quanto não está negando a noção de mudança " evolucionista" : ele simplesmente não as está empregando. Mas. no qual se faz com que o que está na mesa corresponda à ilustração da tampa da caixa. mas não podem negar uns aos outros: cada qual é garantido por meio de suas próprias condições. conseqüentemente. um historiador não está negando a noção de mudança "miraculosa". ser reconhecida como "miraculosa". embora possa ser difícil determinar exatamente o que isso significa (pode ser apenas uma expressão retórica). e. preocupado com um resultado de um caráter diferente: não um milagre. por exemplo. mais semelhantes a ecos ambíguos que se insinuam aqui e ali. com certeza isso atribui à ocorrência alguma outra coisa que não o caráter de um evento histórico e o resultado de uma passagem construída de eventos históricos antecedentes. e está. tocando e modificando uns aos outros. Não há tal ilustração e não há tais formas fixas a serem selecionadas e dispostas em seus lugares predestinados.de mudança (e seus passados correspondentes) certamente excluem uns aos outros. e o que ele compõe é algo que se parece mais com uma melodia (que S O B R E A H 1 s T Ó llI A & O U T R O S E N S A I O S . uma por vez. ao procurar entender uma situação como um evento histórico. "a Guer­ ra Peninsular" ou "o Liberalismo europeu". firmemente assentada. a atividade de resgatar o passado para usá-lo no presente e observar o que ele supostamente tem a dizer que possua algum interesse . e é relutantemente apro­ priado). "a Reforma Pro­ testante". e a tiver identificado por meio de um nome (que. ele é uma diferença inteiramente composta de diferenças relacionadas de forma contingente. acima de tudo. e nem poderia fazê-lo. não . um "movimento". Tanto faz que um passado histórico seja chamado de uma mentalité. a investigação permaneceu como um compromisso um tanto in­ certo e confuso. um império ou uma guerra. A investigação histórica como modo discernível de investigação emergiu de forma hesitante (mas não sem antecedentes significati­ vos) no redirecionamento de uma atividade inerente à existência humana. chamando-a de "o Império Carolíngio". para não confundirmos suas identidades históricas experimentais e multiformes com inflexíveis e monolíticos produtos do entendimento prático e mitológico com os quais essas expressões também podem se identificar. Ela não superou ou destruiu essa consciência mais antiga e atraente do passado. "a Revolução Intelectual do Século Dezessete". que não possuem afinidade conceitua!. Portanto.ou que contenha alguma instrução .para as circuns­ tâncias atuais. em geral. embora tenham ocorrido magníficas conquistas. E. não é sua própria invenção.pode ser levada pelo vento) do que com uma estrutura sólida. é de surpreender que mesmo a mais estritamente "histórica" pr�o- MICHAEL ÜAKESHOTT 188 . E quando um historiador tiver conseguido construir uma con­ tinuidade de mudança. devemos entendê-lo como alguém que nos implora para não dar demasiada importância a essas identificações e. uma continuidade de tensões heterogêneas e divergen­ tes. o ato precede a reflexão. deve ser entendido que nenhum modo de entendimento é subordinado ao outro. em relação ao entendimento "ci­ entífico"). Por outro lado. Esse experimental. devido a algumas toscas marcas identificadoras. Se não tivesse havido esse redirecionamento de atenção a respeito do pas­ sado. por desvios e mesmo por julgamentos que pertencem a algum outro tipo de modo de entender. como em outros lugares (por exemplo. S O B R E A H I STÓR I A & Ü U T RO S E N S A I O S . que se preocupa apenas com as condições necessárias para aprender sobre um passado que não sobreviveu e com as condições da coe­ rência lógica. e suas conclusões não buscam confirmação no trabalho deles. veio a ser re­ conhecido como uma investigação histórica deve ser diferenciado do compromisso com a especulação reflexiva para formular o ca­ ráter e as condições da história como um modo coerente de inves­ tigação e entendimento.cupação com o passado ainda esteja sujeita a ser comprometida pela busca de respostas para questões que não são históricas. aqui. Ainda assim. ter imaginado e delineado o formato formal desse modo de investigação e entendimento. teria sido difícil (mas não impossível) para um filósofo. ele não está apontando direções para a conduta de uma investigação histórica. ao formular as condições desse modo de investigação. E podemos reconhecer que. e geralmente imper­ feito. redirecionamento da atenção expresso na conduta daquilo que. Mas apesar de ele ter muito a aprender com escritos históricos. e que a investigação histórica é invenção dos historiadores. seu compromisso não é tão simples quanto o compromisso de observar e registrar as práticas dos historiadores. . ' .. .·: .::: . :�.'�· .·: .. .. . . Deixem-me tentar re­ duzi-la a pedaços e ver o que esconde. Porém. Ela pretende significar seres humanos associados por meio do re­ conhecimento de certas condições de associação. SOBRE A HISTÓRIA & OUTROS ENSAIOS A Regência da Lei I ' 'A regência da lei" é uma ex­ pressão comum. S O B R E A H I STÓR I A & Ü U T RO S E N S A I O S 19 1 . a saber. as "leis": seres humanos reunidos por um modo de relacionamento exclusi­ vo e específico. de forma um tanto caprichosa. Com mais freqüência. ou o que algumas pessoas prefeririam que fo s s e . começarei com duas breves observa­ ções sobre relações humanas em geral. ela é ambígua e obscura. ela aparece como uma descrição do que um estado talvez possa se tornar. E quero começar tão perto quanto possível das origens. para descrever o caráter de um estado europeu mo­ derno ou para distinguir alguns estados de outros. Assim sendo. É freqüentemente usada. e negligenciando o que se pode ou o que não se pode fazê-la significar ao se usá­ la como um lema ideológico. A expressão "a regência da lei" refere-se a associações humanas. deixando de lado a conveniência ou outros aspec­ tos da condição que essa expressão descreve. e restringir-me ao que ela deve significar. como o corre com to das as expressões simplificadas. mas o que consideram apropriado exigir de si mesmos e dos outros. E "a regência da lei". nem os do comércio. E enquanto um professor e seu aluno po­ dem ter uma relação legal e comercial. Assim. estão em sua maior parte. Seres humanos são agentes inteli­ gentes. e movem-se entre eles sem confusão. o sujeito em um modo de relacionamento é sempre uma abstração. identifica uma "persona" relacionada a ou­ tras do mesmo caráter modal. Qual é o caráter dessa persona e quais são as condições desse modo de associação? Segunda. E ao falar em modo de associação refiro-me a um tipo de relacionamento categoricamen­ te distinto. apesar de sua diversidade modal. podem também ter uma relação educacional cujos termos não são nem os da lei. mas não os negam. na verdade. reunidas em) uma variedade de diferentes ti­ pos de relacionamentos com os outros. e os termos de toda e qualquer relação da qual eles desfru­ tam são crenças e reconhecimentos: não apenas o que eles apren­ deram e entenderam (ou entenderam mal). amizade e por aí afora. específico nos termos de suas próprias condições. atribuíram ou presu­ miram sobre si próprios. como amor. podendo também ser parceiros nos negócios. mas também podem estar relacionadas em termos categoricamente diferentes. afeto. Primeira. as pessoas podem ter (e. relações entre pessoas tendem a ser construções con­ tingentes de vários modos de associações. Relacionamentos humanos são inven- M I C H A E L Ü A K ES H O T T . uma persona. duas pessoas podem estar unidas como marido e mulher. que excluem outros modos de associação. civil ou eclesiástico. ao significar um modo de relação. em um modo legal de relacionamento. Em resumo. todas as relações hu­ manas têm um caráter comum. uma pessoa relacionada a outras por meio de relações distintas e exclusivas. elas são in­ venções humanas que pretendem declarar as condições de uma relação humana. as leis. a saber. Existiam amigos antes que Aristóteles. Aqui. a expressão "a regência da lei" responde por um modo de relacionamento humano que foi vislumbrado. um modo particular de relação humana. A expressão regência da lei responde por um relacionamento cujas condições únicas e exclusivas são as regras de um certo tipo. parcialmente e_ntendido e deixado indistinto: e a tarefa de refletir não é inventar alguma forma de relação humana até então desconhecida. a prática precede a reflexão na qual seu caráter modal é for­ mulado. celebrada em comportamen­ tos e em canções vernaculares muito antes de Andreas Cappilanus ter escrito seu tratado em latim De Amore. que pretendem predizer o que pro­ vavelmente acontecerá ou explicar o que já aconteceu. Qual o caráter desse modo de relacionamento cujas condições são leis feitas pelos homens? S O B R E A H I STÓR I A & Ü U T RO S E N S A I O S 1 93 . pode. Mas essas leis não são como as "leis" da química. refinado e desfrutado como uma prática. inventada e em evolução. esbo­ çado em uma prática. como em outra parte. distinguindo suas condições tão exatamente quanto pos­ sível. da psicologia ou da economia. tornar-se um objeto de reflexão no qual seus termos e condições são distinguidos precisamente. Contudo. inventadas ambulando no decorrer da vida e impon­ do condições sobre conduta. Aqui. mas dotar essa relação um tanto vaga de um caráter coerente. tendo sido ima­ ginado. que formulou seus prin­ cípios modais.ções humanas. então. E o "amor cortês" do sudoeste da Europa do século doze era uma prática elaborada. talvez elaborado. desfrutado de forma não-reflexiva e intermi­ tente. temos de lidar com o artifício. Assim. Epicuro ou Montaigne tentassem distinguir o caráter da amizade. na qual dois ou mais agentes relacio­ nam-se apenas no que diz respeito à busca . Esse modo transacional de associação é um relacionamento com base no poder. ela se dá em termos de necessida­ des e de sua satisfação substantiva por meio da realização de ações.e talvez obtido . ou às ameaças de recusas em satisfazer. qual­ quer que possa ser essa relação. É um relacionamento proveitoso. um futuro comprador de maçãs. eu. um motorista de táxi em busca de passageiros. Os associados são conhecidos uns dos outros apenas como perseguidores de satisfação substantiva. E. 2 Talvez o modo mais rudimentar de relacionamento humano seja a associação transacional. como todos os relacionamentos humanos. E essas necessidades e satisfações podem ser consideradas "fins" a serem atingidos. com um emprego a oferecer. e eles estão relacionados com base M I C H A E L Ü A K ES H OT T . e eu querendo ir a Charing Cross. do flautista de rua e sua audiência que passa.não entre pessoas.e talvez à obtenção - da satisfação de suas diferentes necessidades atuais: a relação entre comprador e vendedor. portanto. um futuro vendedor de maçãs. procurando um emprego. ou ajudar a satisfazer. ou "interesses" a serem promovidos. evanescente) resultado substantivo: um relacionamento intrinseca­ mente finito. Porém. a satisfação buscada. passível de ser obtida somente mediante as respostas que dão às ofertas condicionais de satisfação mútua. do doador e do receptor. e você. O que está sendo buscado . mas entre pessoas no que diz respeito a algu­ ma necessidade efetiva e sua satisfação: eu. ele. planejado para procurar para cada um dos que a ele aderiram um imaginado e desejado (e.pode ser distinguido como "bens" ou "serviços". e você. é abstra­ to . Porém. talvez. é circunstancialmente usual em qualquer rela­ ção efetiva desse tipo (embora. isto é. Sem dúvida. reconhecido como um tipo de relação causal. Aqui. ações são realizadas e expressões são emitidas com base em suas esperadas. permanece não-qualificada por qual­ quer uma dessas circunstâncias. Outra versão desse modo de associação é aquela na qual agen­ tes se unem na busca da satisfação de uma necessidade comum 1 Por exemplo. ou de ameaÇar ou de resistir a tais recusas. e talvez também no reconhecimento e uso desses instrumentos (por exemplo. As­ sim. por considera­ ções que. dinheiro) práticas (por exem­ plo. de forma alguma. a integridade categórica do que tenho chamado de associações transacionais. S O B R E A H I S T Ó R I A & O U T RO S E N S A I O S . ou máximas (caveat emptor) que podem ter maqui­ nado para promover o uso efetivo de seu poder. esse modo transacional de associação é. pelo menos não têm com ela nenhuma relação instrumen­ tal. no verão de I 789. se não impedem a conquista de uma satisfação dese­ j ada.no poder que têm para buscar ou fazer tais ofertas. pelo mútuo reconheci­ mento nos agentes de uma outra persona que não a de um mero perseguidor de satisfações substantivas. desejadas ou previstas conseqüências substantivas. pela intervenção de es­ crúpulos morais ou de obrigações legais. em la grande peur na França. seja sempre o caso ) 1 que esses encontros transacionais sejam modificados por outras considerações que não o poder. um lance em um leilão e a arenga de um vendedor são exercícios de poder. promessas). entendidas como um modo ideal de associação incondicionalmente preocupada com a satisfação de necessidades substantivas. isto é. unidos na busca de uma satisfação substantiva comum. é o que tenho chama­ do de transacional. Associação. ou a contínua promoção de um duradou­ ro interesse em comum: a Sociedade para a Propagação do Conhecimento Cristão. requer recur­ sos. Ela é constituída por meio da escolha e do reconhecimento do propósito comum de perseguir algo pelo qual cada associado se compromete a devotar uma quantidade de seu poder. recursos. corporação. energia. é inerentemente finito e pode terminar com a conquista de seu propósito ou com a dissolução da associa­ ção.escolhida. pessoas no que tange à sua devo­ ção à causa comum. aqui. Os associados estão unidos em transações en- MICHAEL ÜAK ESHOTT . Aqui. o modo de associação. ou para promover um interesse comum. parceiros. mas como colegas. partido. companheiros ou cúm­ plices. a Liga contra Esportes Violentos. E mesmo uma associ­ ação íntima que não tem propósitos substantivos (uma socie­ dade de "amigos") pode adquirir esse caráter se sua existência sofrer oposição ou ameaças. habilidade e por aí afora. O compromisso ocupa tempo. uma perspectiva próxima ou distante. socie­ dade. é a construção de poder agregado para com­ por uma identidade corporativa ou associativa cujo intuito é bus­ car uma satisfação desejada. aliança ou comunidade. liga. Em resumo. os as­ sociados reconhecem-se não como partes que se relacionam em um compromisso de troca projetado para satisfazer suas neces­ sidades. Seu propósito co­ mum é alcançar uma desejada condição substantiva futura de coisas que podem ser simples ou complexas. olha para um futuro. seu tempo. aqui. Os associados são personae. Eles podem se organizar em uma confraria. a As­ sociação dos Fornecedores Licenciados. nas quais suas várias habilidades são direcionadas para servir à causa comum. Mas esses arranjos. que está em sua inin­ terrupta funcionalidade. ou a nenhuma. "natural". reuniões estatutárias para determinar políticas. E porque eles não têm status indepen­ dente como condições de associação e não introduzem novas considerações. E a causa propriamente dita é perseguida em tran­ sações com outros que pertencem a outras dessas associações. - condenado a buscar sua própria felicidade.tre si.O S E N S A I O S 1 97 . pois. car­ gos de responsabilidade e assim por diante. e uma vez que seus recursos são as várias con­ tribuições de seus membros. isso não qualifica a in­ tegridade de sua relação transacional como um modo distinto de associação. são incapazes de qualificar o modo de associação. uma constituição. E mesmo que qualquer uma dessas associações possa dar reconhecimento a considera­ ções não-instrumentais. pode-se esperar que haja algum tipo de organização além do mero reconhecimento comum do fim a ser perseguido. Podem existir artigos da associação destinados a excluir aqueles que possam dificultar o empreendimento. Uma vez que a preocupação associativa nessa versão de relaci­ onamento transacional é reunir poder como um meio e ficiente de atingir um fim. instrumentos para perseguir o pro­ pósito comum e desejável por sua utilidade. está a persona não um homem nocional. Aqui. o equilíbrio do prazer e da dor. regras e rotinas não são mais do que prudentes disposi­ ções dos recursos disponíveis. práticas. mas alguém constituído exclusiva- S O BR E A H I S T Ó R I A & Ü U T R. ou a "sobrevivência". que permanece um relacionamento com base no desejo e no po­ der de buscar ·u ma satisfação substantiva. morais ou legais. mas que não está sujeito a outras considerações exceto as de poder para realizar um propósito. ou da física. Esse esforço tem uma inevitável auto-referência. E aqui está um modo distinto de associação: relacionamento em termos de necessidades e satis­ fações substantivas. e que o sucesso. que ocupam tempo e olham para um futuro. isso. E o que temos aqui são associados relacionados expressa e exclusivamente pela busca da satisfação de necessidades substantivas e seu poder para fazê-lo. no qual os meios empregados podem incluir regras instrumentais. arranjos e práticas. contudo. Esse não é o tipo de lei a que a expressão "a regência da lei" se refere. O que procuramos é um suposto modo de associação no qual os associados estão expressa e exclusivamente relacionados pelo reconhecimento de um certo tipo de regras de conduta. preocupado em satisfazê-los e promovê-los em transações com os outros e identi­ ficado pela capacidade de fazê-lo.que a escolha e a realização de ações em busca de satisfações substantivas são sujeitas às "leis da história". aqui. Mas é claro que não é a persona e não é o modo de associação que estamos procurando. Política e Poder. 2 Vamos tentar novamente. A satisfação substantiva buscada pode ser a prospe­ 1 ridade ou a preservação dos pôneis de New Forest. Nesse modo de associação não há nada que corresponda à expressão "a regên­ cia da lei": há apenas Propósito.é. irrelevante. não qualifica o modo de associação. a saber. nawralrnente. mas não é de forma alguma necessário que esse caráter deva ser o que é vulgarmente chamado de persona "em busca de si mesma". 2 A argumentação de que mesmo esse modo de associação não pode escapar da regência da lei . MICHAEL ÜAK ESHOTT . Plano. está sujeito à "lei das proporções" ou à "lei do mais forte" .mente de necessidades e interesses circunstanciais. as "leis". mas. Esses são os termos pelos quais um "bom" jogador distingue-se de outro não tão bom. E se ele é membro de um time. mas. é perseguido por meio da realização de uma sucessão de ações e tem um término. esses são os termos pelos quais ele é entendido e valorizado por seus colegas. no exercício de sua relativa habilidade em realizar ações para encontrar a satisfação que ele busca. Esses preceitos são freqüentemente tidos como regras. eles deveriam ser reconhecidos como injunções instrumentais que apon­ tam para ações ou manobras vantajosas para a perseguição de um propósito desejado. Há. Essa habilidade é variada. em parte. talvez. Ele está comprometi­ do com um empreendimento que tem um propósito: a persegui­ ção de uma satisfação substantiva desejada. ser for­ muladas em termos de preceitos instrumentais ou máximas como as que são enunciadas por um técnico ou treinador. primeiro. não há jogo . isto é. a menos que se comporte como. se assim fosse. a persona de um competidor. mas suas características mais genéricas podem. e vistos como mais ou menos valiosos no que diz respeito a uma experiência expandida de sua ininterrupta fun- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S .quão impossível é jogar tênis com um competidor que nem sequer tenta ganhar. querer exercitar sua mente (o xadrez como alternativa para montar um quebra-cabeça) ou seus músculos (jogar tênis como alternativa a corrida). Ele joga para ganhar. O compromisso leva tempo. Essa persona está relacionada a seu compe­ tidor e a seus colegas (se houver algum) em termos de poder. Pode. tênis ou críquete. 3 Considere a relação que surge quando se joga xadrez. um competidor. aquelas nas quais um competidor usa sua habilidade para buscar uma satisfação. E o que são essas re­ gras? Com certeza não são preceitos que distinguem ações ima­ ginadas por sua propensão a buscar uma desejada satisfação fu­ tura. mas em termos do reconhecimento do jogo. E nem tampouco apontam para um propósito adicional ou alter­ nativo ao propósito do competidor. Assim.cionalidade. Submissão a essas regras não é uma ação substantiva possível. é a observação de qualificações adverbiais impostas às únicas ações que existem. a saber. Sobreposta a essa persona ativa e deliberada está uma outra. cons­ tituída não em termos da realização de ações ou do desfrute de uma habilidade ao perseguir uma satisfação substantiva. Também não são guias para o uso efetivo do poder. Elas existem e são previamente conhecidas por ocasião de qualquer jogo. E o que é esse jogo? Não é nada mais do que um conjunto de regras. e subsis­ tem independentemente dessas ocasiões. Essas regras foram feitas mediante um procedimento de delibe­ ração e podem ser mudadas ou modificadas. Estar relacionado por meio dessas regras não-instrumentais é estar relacionado por uma mútua obrigação de observar as condições que constituem o jogo. sob pena de desaprova­ ção ou de escrupulosa objeção ao que elas prescrevem. e que pode M I C H A E L Ü A K ESHOTT 200 . não concedem vantagens ou desvantagens aos competidores nem são as bases pelas quais se distinguem o melhor e o pior jogador. dizer a alguém que segure o bastão reto não é direcioná-lo a uma das "regras do críquete". uma obrigação da qual não se pode fugir. Não são comandos para fa­ zer ou deixar de fazer. mas alertá-lo quanto a uma valiosa e prudente consideração relacionada a um bem-su­ cedido jogador nessa posição. não pressupõem recalcitrância. mas as regras. aqui. que tende a "estragar o jogo" e que. aqui. tais regras não podém incluir uma regra segundo a qual o jogo deveria ou não deveria ser jogado. todas de uma vez. E. A expressão "jogo honesto" não evoca considerações sobre "justiça". por conta disso. é claro. e a obrigação de submeter-se a elas não é simples­ mente a obrigação de submeter-se a uma penalidade. simples e familiares.é tudo o que importa. E. as regras de um jogo exibem o caráter dual de todas as regras genuínas. Além disso. Pode-se pensar que uma regra é injustificadamente opressiva. não significa nem mais nem menos do que jogar esse jogo conscienciosamente. Para aqueles engajados no jogo. se o livro permite alternativas. por si sós. ou. não há qualquer consideração pela qual pode ser dito. ser declaradas indesejáveis. não podem. deveria ser mudada. contudo. isso pode ser decidido sem uma investigação elaborada. a primeira conside­ ração . cada uma dessas considerações aparece sob uma forma característica. as regras podem ser estabelecidas por meio de um acordo entre os jogadores antes do início do jogo. seja em que sentido for. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 201 . de acordo com suas regras autênticas.a autenticidade de uma regra . mediante consulta a um livro de regras. Podem existir penalidades anexadas à não-observân­ cia das regras. Elas podem ser consideradas no que diz respei­ to à autenticidade ou conveniência das condições que prescrevem. que as regras são "injustas". E. Uma vez que as regras de um jogo são as condi­ ções arbitrárias de um compromisso autônomo.ser simbolicamente expresso na deferência a seu guardião: o árbi­ tro ou juiz. onde as regras são poucas. e a consideração da conve­ niência da condição prescrita por qualquer uma delas é uma preo­ cupação igualmente limitada. mas que subsiste de forma antecipada e independente de tais ocasiões. Os jogadores de um jogo estão. e que se exaure após o jogo. são expressões dirigidas a um agente identificável. advertências ou admoesta­ ções são expressões pronunciadas. Assim. instruções. então. Porém. aja como se fosse rico. 4 Máximas. identificados pe­ los diversos poderes que possuem para perseguir. O outro modo de associação é um relacionamento ideal. avisos. relacionados em dois mo­ dos de associação categoricamente distintos. Ainda assim. Um deles é uma rela­ ção efetiva e finita de competidores designáveis. em referên­ cia a alguma circunstância genérica. Deixem-me retomá-lo. entendida por meio de seu tipo." Ou o relato do M I C H A E L Ü A K ES H OTT 202 . planos. pois. podemos afirmar que já aprendemos algo sobre o significado da expressão. e que pretendem recomendar a resposta substantiva qu� essa circunstância deve ou não deve rec:eber caso surja. É uma relação lo­ calizada em termos de tempo e lugar. em sua maior parte. um dos Comentários de Bagshot diz: "Aconselhe ao pobre: em todas as situações da vida. E é esse segundo relacionamento que nos ofe­ rece um vislumbre de um modo de associação expressa e exclusiva­ mente baseado no reconhecimento das regras. em uma sucessão de ações voluntárias. Há algumas maneiras de se ficar diante do caráter pleno da associação por meio dos quais a regência da lei se torna visível. um resultado substantivo. aconselhando-o quanto à maneira de responder à situação em que se encontra. não é mais do que um vislumbre. ou. e que não se exaure após o jogo. invocado por ocasião de uma competição substantiva. e deve fazer o melhor para sair dela:' Tais expressões e outras semelhantes diferem das regras em dois aspectos importantes. um comando. ou a não fazerem nada em vez de fazerem alguma coisa. a validade de uma recomendação contida em uma máxima ou preceito e sua conveniência ou valor como conselho são indistinguíveis. a validade de uma regra está em sua autenticidade. tanto a validade quanto a conveniência estão em sua sagacidade ou utili­ dade . a fazerem alguma coisa em vez de não fazerem nada.advogado que encontrei entre os papéis de meu pai: "Trinta de janeiro de 1 8 92. um comando ou uma ordem é uma expressão dirigida a S O B R F A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 203 . Elas podem instar aqueles a quem são dirigidas a fazerem isso em vez daquilo. não com sua conveniência.isto é. que é (ou está propenso a ser) a satisfação substantiva que está sendo buscada. e essas considerações não estão relacionadas com sua aptidão para alcançar um fim substantivo. ao passo que uma regra não está re­ lacionada a um fim substantivo. que pode ser estabelecida ou refutada apenas por meio de considerações de um tipo categoricamente diferente das que podem ser invocadas ao se defender ou refutar sua conveniência. mas sempre tendo em vista as conseqüências. seu idioma é a prudência. No outro extremo. preocupa-se com a propriedade da conduta. uma regra não é. você parece ter se colocado em uma situação desgra­ çadamente difícil. ela própria. Segundo. Primeiro. no conseqüente resultado. Primeiro. Por outro lado. Preocupam-se com ações como os meios para alcançar uma satisfação substantiva desejada ou para evitar resultados indesejados. Aconselhar a deixar tudo como está: um guinéu:' Ou a resposta do duque de Wellington a um correspondente: "Pelo que você diz. e é emitido na ocasião. isto é. se for pensada como sendo uma expressão. ele próprio. eles próprios. As regras. e requer obediência. E essa au­ tenticidade pode ser determinada apenas pela referência a uma re­ gra. Tercei­ ro. talvez. não a realização de alguma ação alternativa. A resposta a uma regra não pode ser a obediência. enquanto uma regra. uma ação em resposta a uma situação em particular. Competência para comandar refere-se 3 Isto é. mas postulam asso­ ciação em termos de regras. Ela tem uma jurisdição e relaciona­ se. ao passo que uma regra subsiste e é conhe­ cida antes das situações hipotéticas às quais pode posteriormente vir a relacionar-se. de forma indiferente e contínua. por sua vez. em parte.um agente identificável. regras. M I C H A E L Ü A K ES H OT T . e não se esgota ao ser invocada ou aceita. é suficiente a aceita­ ção das condições que ela prescreve. mas a aceita­ ção de condições adverbiais na realização de toda e qualquer ação. dentro de sua jurisdição. Segundo. ainda não-nascida). um comando. ou que no futuro pode cair. a realização das ações que especifica. pressupõem agentes para realizar . um comando é uma injunção para realizar uma ação substanti­ va. a tudo o que cai. e estipulam. diferente de uma "exigência" como "Seu dinheiro ou sua vida". o desejado e esperado resultado distante). Quarto.ações voluntárias para perseguir satisfações substantivas. 3 é uma expressão autoritária planejada para procurar uma condição substantiva das coisas (a ação realizada e. que é meramente uma expressão de poder.e reali­ zando . mas apenas em sua autoridade ou autenticidade. propria­ mente dito. nem na qualidade do que foi ordenado. é dirigida a uma audiência desconhecida (e. nem em qualquer poder para penalizar desobediências que pode estar anexado ao co­ mando. um comando é. e sua validade não está nem no caráter. Comandos não são. as regras também podem ser apreciadas pelo que elas prescrevem. a obrigação que ela acarreta não está relacionada nem com aprovação.o que tem sido chamado de "hábito de obediência". e é o que pode ser a legítima preocupação de outros. e apenas uma persona identificada em termos da obrigação de obedecer pode estar sujeita a esse comando. nem mesmo pela recusa de cumpri-la. nem com o que ela prescreve. Ainda assim. Uma vez que uma regra prescreve a obrigação de aceitar condições ad- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 205 . Além disso. e sua contrapartida é a obrigafão de aceitar essas condições. medimos e identificamos a propriedade das ações. nem deve-se confundir isso com o fato de se ter uma habitual disposição de aquiescer com o que a regra prescreve . Mas ter essa obrigação não é meramente sentir-se obrigado. Ela não apenas distingue entre certo e errado no que diz respeito à conduta.à posição. uma regra não é apenas um padrão ou critérios pe­ los quais pesamos. são meios para se determinar prontamente sua autenticidade. É isso que deve ocupar a atenção dos criadores de regras. uma persona identificada em termos de regras. nem com a esperança ou o receio quanto às con­ seqüências de sua observância ou não-observância. O que a associação em termos de regras pede. Não é nem mais. E essa obriga­ ção não é negada pelo fracasso em cumpri-la. nem menos. do que o reconhecimento da autenticidade da regra. nem com alguma conseqüência remuneratória ou punitiva que pode advir da obediência ou não-obediência às suas prescrições. E assim como a autenticidade ou autoridade da regra não se relaciona nem com a aprovação do que ela prescreve. é uma prescrição autoritária de condições a serem aceitas ao se agir. em primeiro lugar. uma vez que tal associação depende. mas para eles e para outros a principal preocupação é com o que pode ser chama­ do. Primeira. de "avaliação" dessas con­ dições. ainda que o desejo de evitar a penalidade possa ser M I C H A E L Ü A K E S H OTT 206 . é óbvio que essa limitação não é inerente à noção de uma _ regra. o que difere da determinação de sua autenticidade. Con­ tudo. em parte. Mas. Entre os criadores de regras isso pode invocar diversas considerações de prudência e conseqüência (como a dificuldade ou o custo provável de detectar delinqüências ). por vezes de forma um tanto vaga. esse compromisso avaliador é estritamente limitado: não há lugar para princípios ge­ rais. podem surgir disputas quanto ao fato de ter ocor­ rido ou não a adequada observação das condições de uma regra em determinada ocasião. de que as regras sejam geralmente observadas. o que passa a ser con­ siderado aqui são as efetivas condições que a regra os obriga a observar. mas à sua virtude como contribuição à forma desse conjunto de regras como condições desejáveis de um inventado padrão de relações humanas não-instrumentais. verbiais não-instrumentais na realização de ações voluntárias de todos os que caem dentro de sua jurisdição. muito menos para critérios universais de conveniência. Com isso refiro-me não apenas à mera compatibilidade de uma regra com outras que compõem o conjunto ao qual ela pertence ou foi projetada para pertencer. penalidades vinculadas à sua não-observância podem ser exigidas. Por fim. e algum procedimento autoritário é exi­ gido para resolver a questão. Quan­ do (como em um jogo) essa forma é arbitrária. Segunda. e a avaliação pode ser um grande empreendimento. é claro. ao menos outras duas considerações são sugeridas pelo que podemos aprender com os jogos sobre associação baseada em regras. A situação de competir pelo prazer de uma única satisfação final dentro de um determinado período de tempo é peculiar.uma razão para a conformidade. As ações às quais as regras se relacionam são poucas e simples. um jogo proporciona um exemplo um tanto limitado desse modo de associação. Até aqui. E essas obrigações podem ser ou não observadas. O compromisso é intermitente e dele ocupamo-nos de acordo com a vontade de fazê-lo. A variedade de modos pelos quais a regra de um jogo pode ser adequadamente observada é estritamente limitada. e as penalidades impostas pela violação das regras têm a aparência um tanto bizarra de serem reparações S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 207 . e também não são o instrumental para alcan­ çar seu próprio propósito substantivo. Sua autenticidade gerahnente não é questiona­ da. mas não são negadas por sua inobservância. Essas regras não são projeta­ das para promover ou impedir a conquista dessas satisfações. mas investigá-la além da referência fornecida por um livro de regras seria uma tarefa difícil de realizar. Mas. As regras pressupõem agentes engajados em ações voluntárias para promover ou procurar várias satisfações substantivas. conforme sugeri. não pode ser a base da obrigação de se conformar. a associação em termos de regras surge como uma relação no que diz respeito às prescrições autoritárias que possu­ em uma determinada jurisdição e uma autenticidade determinável. e as regras de um jogo (elas mesmas poucas e simples) são arbitrárias. a conveniência do que uma regra em particular prescreve é determinada por sua rela­ ção com as outras. e são incapazes de fazê-lo. e lhes im­ põem a obrigação de observar certas condições adverbiais ao reali­ zar toda e qualquer uma dessas ações. Essa é a· situação dos jogadores de um jogo. por prejuízos sofridos. Mas. Tais condições não são nem ins­ trumentais para alcançar a satisfações substantivas. mas também prescrevem obrigações. a moral não é uma lista de permissões e proibições. embora possa ser criticada e modifi­ cada nos detalhes. e impõe a esses compromissos a obriga­ ção de observar certas condições. definida em termos de regras. E as próprias regras possuem um status inu­ sitado: apesar de a satisfação buscada (ganhar) não poder. ainda assim. é um exemplo não tão inter­ mitente desse modo de associação: é o que pode ser chamado de associação moral. Como qualquer outra linguagem com o mesmo fim. ao menos. nunca pode ser rejeitada in tato e substituída por M I C H A E L Ü A K E S H OT T 208 . porém os termos da abstração são modalmente diferentes dos da associação voltada para a satisfação de necessidades. mas uma prática diária. uma linguagem vernacular de relaciona­ mento. nunca está pronta e terminada. Da maneira como chega até nós . ser alcançada pela mera observação das regras. Assim. essa satisfação é. é claro. Ela pressupõe agentes transacionalmente relacionados na realização de ações para satisfa­ zer suas várias necessidades. 5 Assodação moral é um relacionamento entre seres humanos ba­ seado no mútuo reconhecimento de certas condições que não ape­ nas especificam condutas certas e erradas do ponto de vista moral. nem possuem seu próprio propósito substantivo. um relacionamento entre personae. isto é. a associação moral não é apenas um relacionamento abstrato.e da maneira como a aprende­ mos -. Vamos considerar o que. assim como as considerações sobre a alfabetização não constituem. também nós devemos agir morahnente. podemos ignorar as efetivas condições obrigatórias prescritas por uma moral e refletidas no caráter do relacionamento moral como modo de associação. há vários compro­ missos com os quais podemos nos ocupar que dizem respeito à moralidade: três em particular. ou a proposição de que a preocupação exclusiva das considerações morais é com os motivos pelos quais ações são realizadas. em­ bora nenhuma realização efetiva possa ser especificada em termos exclusivamente morais. ela própria. talvez. apenas como deveríamos falar ou fazer o que desejamos falar ou fazer. mas nunca pode nos dizer o que falar ou fazer. ser realizada. não pela propensão a querer isso em vez daquilo. Dessa forma. elas próprias. Pode ser falada com vários graus de sprachgifühl.outra. Uma de suas principais preocupações é especificar a persona vinculada a esse modo de relacionamento. Primeiro. expressões. Segundo.é um tipo de alfabetização. isto é. E. uma prática moral pode ser exposta como respostas condicionais de uma persona ideal: por exemplo. Esse é o compromisso de um filósofo moral. formular várias proposi­ ções sobre autoridade moral e obrigação. que é diferente do de um moralista. Tal preocupação pode. e assim como uma prática nunca pode. mas pelo SOBRE A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . Além de participar de uma associação moral. a caracterização que Newman faz de um "cavalheiro" como sendo uma persona cons­ tituída. a conduta moral . trazer à tona proposições como a de que essa persona não é a de um agente que busca de forma transacional a satisfação de suas necessidades.conduta no que diz respeito a seu reconhecimento das considerações de uma moral . porém. Não obstante. o que pode vir a surgir não é um exemplo irreconhecível de associação baseada na aceitação das regras. Terceiro. não podem ser. compendiada e exposta como um conjunto de regras. O que elas prescrevem é a obrigação de observar condições adverbiais ao rea­ lizar ações voluntárias . essas parecem ser regras genuínas. E o fracasso. instruções ou avisos quanto ao que fazer e o que não fazer em relação a possíveis conseqüências: elas enunciam obrigações. nas quais uma prática moral foi reduzida a tarefas especificáveis. sem dúvida. As regras às quais uma prática moral pode. Essas condições não são instrumentais para a conquista da satisfação buscada por meio das realizações às quais se relacionam. Não são comandos a agentes identificáveis para que realizem ações especí­ ficas projetadas para obter resultados substantivos: elas subsistem antecipadamente. existem considerações que dificultam o reconhe­ cimento de um relacionamento moral exclusivamente em termos de regras. seja no que for que ele possa escolher fazer.reconhecimento de certas considerações. e não têm seus próprios propósitos ou fins substantivos para procurar ou promover. ou mesmo a recusa. Em resumo. se o perseguirmos. ser reduzida não são indicações prudenciais. elas próprias. em submeter-se a essas condições não é a negação da obri­ gação de fazê-lo. ignorando as circunstâncias às quais podem es­ tar relacionadas.condições que. realizadas. talvez. Esse. é um em­ preendimento um tanto áspero. é claro. e não se exaurem ao serem invocadas. Não se trata de meros padrões ou crité­ rios sobre o certo e o errado: elas impõem obrigações. Podemos deixar de lado a simples confusão na qual re- M I C H A E L Ü A K ES H OTT 210 . uma prática moral pode ser resumida. identificado com a prosperidade dqs associados ou com a maximização de sensações prazerosas dos associados e de seus animais de estimação. por exemplo. a rigidez de uma moral reduzida a regras. o fato de parecer transformar consi­ derações morais em meros protocolos leva ao retrocesso. não há algo faltando a supostas associações baseadas em regras quando não há penalidades anexadas à observância ina­ dequada de suas condições exceto a condenação da pessoa ofendi­ da. ou no não-conformista que busca liberação ao declarar ser obrigado por motivos de "consciência". sua inevitável indeterminação requer um procedimento casuísta por meio do qual elas são relacio­ nadas a ocasiões circunstanciais. Contudo. novamente. ou nas afirmações do "imo­ ral" consciente. E (exceto na suposta destruição da "consciência moral" vinculada a uma moral casuística) não há algo faltando quando não existem disposições autoritárias para tanto? Cada homem deve criar seu próprio casuísmo para si mesmo ou deve aceitar as conclusões de um auto-intitulado moralista? E. proscrição arbitrária do ostra­ cismo social? Mas a principal consideração no caminho do reconhecimento da associação moral como uma relação por meio de regras é a dificuldade de determinar a autenticidade de uma suposta regra moral e de distinguir isso do reconhecimento da "retidão" das S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 211 .gras morais são confundidas com direções instrumentais para a conquista de várias e especificadas condições substantivas de coi­ sas: "o bem". a desaprovação dos demais ou a. quando não há nada além de regras. que pensa que essas precisas regras gramaticais de algum modo o impedem de ter seu próprio "estilo". transfor­ mando as regras em uma inexpressiva reunião de "certos" absolu­ tos. Além disso. ou. Na verdade. Guilherme de Ockham poderia reco­ nhecer a autoridade de uma regra moral em termos de autenticida­ de como a expressão voluntária de um Deus. en­ tão. Essas dificuldades nunca se interpõem às regras de um jogo: qualquer dúvida quanto à sua autenticidade é resolvida mediante um livro de regras aceito. E outros agarraram-se aparentemente à noção de auten­ ticidade de uma regra moral. e não há a menor tentação de confundir ambas as coisas. o relaciona­ mento moral como associação baseada em regras permaneceu como uma noção nebulosa ou controversa. seria difícil encontrar um moralista que. cada uma das quais também distinguida como garantia de sua "retidão". não há uma solução fácil. Mas. a divindade cuja von­ tade era também a garantia da "retidão" do que quer que fosse prescrito. Assim. entendendo o relacionamento moral como uma associação baseada em regras. nas condições necessária de "auto-realização" ou "consciência". Mas no que diz respeito à moral reduzida a regras. exceto uma consideração estritamente relativista quanto à sua "re­ tidão". quando tanto a autenticidade quanto a "retidão" são considerações primordiais e controversas. não se dispusesse a aban­ donar a autenticidade em troca da "retidão" como parâmetro para a obrigação moral. em sua correspondência com uma lei racional natural. na qual se torna difícil distin­ guir autenticidade da "retidão". podemos nos valer da percepção de que M I C H A E L Ü A K E S H OTT 212 . Em resumo. resolveram o assunto afirmando que a noção de autenticidade é redundante. de uma forma ou de outra. se devemos olhar em outro lugar para encontrar o modo de associação que a expressão "re­ gência da lei" identifica. mas a colocaram em outro lugar.condições que ela prescreve. e o caráter arbitrá­ rio das condições prescritas pelas regras de um jogo evita tudo. no exercício de alguma outra persona. completas estranhas umas para as outras. ao dar e receber. na troca de serviços. que impõem a todos que caem em sua jurisdição a obrigação de se submeter a condições adverbiais na realização de ações voluntárias. ou da "justiça" daquilo que prescreve) são reconhecidas. 6 A expressão "a regência da lei". trata-se de uma relação abstrata entre personae pessoas apenas no que diz respeito a serem.deve ser um modo de associação na qual lex (uma regra entendida em termos de sua autenticidade) e jus (uma regra entendida em termos de sua "retidão". penso eu. em todos os outros aspectos. os sujeitos dessas obrigações de uns para com os outros. podem estar temporária ou duradouramente unidas a ou­ tras em diferentes modos de relações. o que a regência da lei deve significar. Ou. escolhidas e finitas de acor­ do com a vontade ou mediante acordo: em transações para procu­ rar satisfações substantivas. e outros modos podem ser considerados mais interessantes ou mais lucrativos. Tais pessoas podem ser. Na verdade. da mesma - forma e sem exceção. mas ele é. leis). significa um modo de associação moral que se realiza exclusivamente por meio do reconhecimento da autoridade de regras conhecidas e não­ instrumentais (isto é. mas não confundidas. ao compartilhar e expressar crenças religiosas ou ao promover um interesse comum. Esse modo de associação pode ser vergonhosamente rotulado de "legalista". não há fim para o número e a varieda- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . em seu sentido preciso. Como todos os outros modos de associação. não lhes pro­ porcionam . Finalmente. Nem tampouco pode o relacionamento baseado na regência da lei ser. profissão. a esse respeito. elas permanecem. hobby e por aí afo­ ra) por meio dos quais elas podem. "justiça" ou "sensatez" que elas possam supostamente possuir. ou para as colocações (sexo. M I C H A E L Ü A K E S H OTT 21 4 . mas a incumbência de realizar ações que poderiam ser consideradas instrumentais para a busca e a conquista de um fim comum escolhido. conseqüentemente. Pois os termos dessa associação proposital não seriam a obrigação de se submeter às condições ad­ verbiais ao realizar diversas ações voluntárias. ou a algum poder nocional para compelir a essa submissão. Assim. quer interesse substantivo e que. tempos.nem podem proporcionar . a primeira condição desse modo de associação é que os associados saibam o que são as leis e tenham um procedimento. ele próprio. e isso é impossível. de tempos em . quando há também um relacionamento baseado na re­ gência da lei. reco­ nhecer a si mesmas. ou de algu­ ma qualidade de "retidão". indistinta e inescapavelmente relacionadas pelas condições prescritas por leis que não são projetadas para promover ou impedir a busca de qual- . Mas em todos esses aspectos e em todas essas atividades. O único termo dessa relação é o reco­ nhecimento da autoridade ou da autenticidade das leis. de dos interesses menores para os quais elas podem se compor. raça.qualquer reconhecimen­ to. nem ao fato de que os associados sempre ou costumeiramente se submetem a essas condições. uma associação para promover ou procurar uma satisfação substantiva comum. ou a quaisquer penalidades anexadas à não-submissão. a relação baseada na regência da lei não pode ser uma associação no que diz respeito ao reconhecimento comum da conve­ niência das condições prescritas por toda e qualquer lei. família. Ainda assim. E essa condição é satis­ feita apenas quando as leis foram deliberadamente aprovadas ou atribuídas. quando essa admissão não se vincula à aprovação do que a lei prescreve. E atribui uma persona àquele ou àqueles que exercem esse poder. nem é necessário que esse poder seja a únicafonte da lei. as regras pelas quais pode ser adequadamente exercido ou o procedimento a ser seguido ao aprovar-se uma lei. uma persona que é a contraparte da persona das pessoas relaci­ onadas com base na regência da lei. bem como das condições necessárias à sua autenti­ cidade. que essas questões sejam. ou podem ser deliberadamente alteradas ou repelidas por pessoas que ocupam um posto exclusivamente legislativo e se­ guem um procedimento reconhecido. qual­ quer constituição ou procedimento particular no que diz respeito a esse poder legislativo. a primeira condição da regência da lei é um poder legislativo "soberano" . é necessário para a associação com base na regência da lei. elas próprias. não é necessário que essa lei seja codificada. quando uma regra S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 215 . ela própria. Em resumo. para determinar sua autenticida. o que reflete o compromisso de aprovar regras autênticas: uma persona sem interesses próprios e que não representa interesses dos outros. quando o único reconheci­ mento da autenticidade de uma lei é aquele expresso na admissão de que foi adequadamente aprovada. apenas. e quando não há nenhu­ ma outra instância autorizada a declarar a lei não-autêntica por conta do que ela prescreve. Mas se um poder legislativo reconhecido como o criador e o guardião da lei. Ainda assim. questões da lei.por menos especulativo que seja.:. Mas requer. de e a das obrigações que elas prescrevem. nem tampouco estipula quem deve exercê­ lo. a regência da lei não especifica. Isto é. lém disso. que não pode resistir à apropriação. uma vez que �ssa autoridade não pode ser identificada com qualquer qualidade natural (virtude. prudên­ cia. postula uma instância com poder para fazer leis.seus detentores contingentes.ou atri­ buída a . principalmente o dele próprio. nem inferida de nenhuma dessas qualidades. como modo de relacionamento humano.é reconhecida como mos majorum (ou distinguida como uma "lei comum". talvez de origem desconhecida). ela deve ser depositada sob a custódia do poder legislativo. e. uma variedade de modos pelos quais tal instância pode ser consti­ tuída. Um tirano pode exercer adequadamente o poder legislativo. portanto. e uma vez que constitui uma autorização anteceden­ te para fazer leis. a expressão "a regência da lei" denota um auto-sustentável e nocionalmente consistente modo 4 Um usurpador e um tirano são igualmente sem autoridade. rejeição ou emendas em uma deliberação legislativa. ela deve ser um atributo do próprio poder legis­ lativo. não pode ser identificado com a aprovação da­ quilo que a lei prescreve.tudo o que precisa ser observado é que. é claro. Um usurpador pode ter a persona desinteressada que se exige de um legislador. a saber. esse po� der deve ser conferido com o consentimento dos que estão sujeitos às obrigações. A regência da lei. sua autenticidade deriva de uma presunção. uma vez que tem autoridade para criar obrigações. mas usa esse poder para promover interesses. no que diz respeito ao modo de associação. em sua acei­ tação tradicional ou no reconhecimento da conveniência do que ela prescreve. pois. Existe. mas por razões diferentes. Sua autoridade não pode resi­ dir em sua antigüidade. 4 fi. Mas. não faz leis genuínas. M I C H A E L ÜAKESHOTT 216 . em sua atual disponibilidade. carisma e assim por diante). sabedoria. . possuída por . mas não pode fazer leis autênticas porque não exerce de forma ade­ quada o poder legislativo. leis aprovadas. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 217 . Na verdade. 5 A expressão "a lei regula sua própria criação" não é um paradoxo.de associação humana com base no reconhecimento da autoridade ou autenticidade das leis aprovadas e das obrigações que elas pres­ crevem. conseqüentemente. ela própria. O que é exatamente a noção de jus postulada pela regência da lei? Na regência da lei. este talvez seja o lugar apropriado para dizer alguma coisa a esse respeito. pode-se dizer que o domínio da lei pressupõe uma noção de jus. Uma lei. 5 é nessa associação que a jurisdi­ ção da lei é. e é nela que a necessá­ ria condição de que os associados estejam cientes das obrigações que a lei impõe é classificada sob o princípio de que a ignorância da lei não constitui defesa contra a pena por ter falhado em obser­ var seus princípios. uma vez que jus é (entre muitas outras coisas) uma consideração invocada na deliberação que envolve a criação de uma lei.do caráter obrigatório que deriva da autenticidade de sua aprovação. uma questão de lei. para ser reconhecida como lei propriamente dita. Mas as condições que ela impõe sobre a conduta certamente possuem outras qualidades além .e de forma distinta . E qualquer explicação sobre esse modo de associ­ ação deve reconhecer tais qualidades. deve ter uma autoridade determinável. elas próprias. E. e é por essa associação que as considerações em relação às quais a autenticidade de uma lei pode ser confirmada ou refutada são. a constituição do poder legislativo não é nem mais nem menos do que aquilo que dota uma lei de autentici­ dade. o jus ou injus do que é promulgado não pode ser inferido a partir dessa constituição ou procedimento. m as um truísmo. A mais importante delas é in­ dicada pelas palavras "justiça" e "injustiça" -jus e injus. Nem tampouco estão relacionados a MICHAEL ÜAK ESHOTT 218 . São condições que distinguem uma ordem legal e. mas como pró­ pria ou imprópria para ser . nem da totalidade das regras que podem constituir as atuais condições dessa associação. não são inerentes à noção de uma lei justa. igualmente e sem exceção. é um atributo apenas do que uma lei em particular prescreve. mas à própria noção de lei. mas isso não prevê coisa alguma quanto ao jus ou injus ' d e suas promulgações.Assim. com todos os associados. nem a atuação de um legislador. sujeitos às obrigações impostas pela lei. devemos olhar em outra parte. Há outras considerações que muitas vezes são compreensivel­ mente identificadas como considerações de jus. E há também considerações similares preocupadas em julgar casos (por exempló.aprovada. favorecer o chamado legislativo "democraticamente eleito" é expressar a crença de que sua autoridade para aprovar leis será mais positivamente reconhecida do que a autoridade de um legis­ lativo reunido e constituído de outra maneira. na verdade. audire alteram partem). Além disso. sem as quais. não segredos ou retrospectivas. porém. o jus ou injus de uma lei é composto de considera­ ções por meio das quais uma lei pode ser reconhecidà não apenas como algo que foi apropriadamente aprovado. nem obrigações exceto as impostas pela lei. Para tanto.ou para ter sido . que veremos depois. sem proscrições e assim por diante. jus ou injus não são atributos de um modo de associação. É apenas no que diz respeito a essas considerações e outras semelhantes que talvez possa ser dito: lex injusta non est lex. Aqui. crenças e opiniões invocadas ao se considerar a propriedade das condi­ ções prescritas por uma lei em particular. qualquer coisa que pretenda ser uma ordem legal não é o que preten­ de ser: regras. está em prescrever condições obrigatórias a serem obser­ vadas ao se procurá-los. a adequação que identifica o jus da lex deve ser composta de considerações morais e não­ instrumentais. Ainda assim. em arbitrar disputas por vantagens ou satisfa­ ções. Mas se dike é algo que pertence ao S O B R E A H 1 s T ó R. as condições que uma lei impõe à conduta não podem se preocupar com supremas considerações morais relacionadas aos sentimentos ou motivos pelos quais ações são realizadas. O jus da !ex não pode especificar nada tão grandio­ so quanto as condições para a "excelência humana". não pode ser medido pela eficiência ou rapidez com que eles são forneci­ dos.o s E N S A I O S . nem com a promoção de uma condição de coisas reconhe­ cida como o bem comum. com a eliminação do re­ fugo. Sua relação com essas. Se existirem esses bens "naturais" universalmente reco­ nhecidos e e a sobrevivência biológica é considerada um deles). A lei também não pode preocupar-se com o fornecimento ou com a garantia de usufruto de benefícios que supostamente são desejados por todos.uma previsão de suas possíveis conseqüências substantivas: se irão ou não tumultuar a ordem das coisas. a lei não pode preocupar-se em promovê-los incondicionalmente. A isso. Conseqüentemente. o jus e o injus são indiferentes. a lei não se preocupa com os méritos de diferentes interesses. ou para a "auto-realização" humana. 1 A & O u T R. Em resumo. ou com quaisquer outras satisfações bus­ cadas. com a satisfação de necessidades substanti­ vas. o jus de uma lei não pode ser identificado com o bem-sucedido fornecimento desses ou de quaisquer outros benefícios substantivos. com a promoção da prosperidade. Além disso. com a distribuição igual ou desigual de supostos benefícios ou oportunidades. nem pela "justiça" com que são distribuídos. "as exigências básicas de um bom senso prático na conduta humana". pode existir uma variedade de crenças a respeito da autoridade dessa lei mais "ele­ vada". isso é. mas com a prescrição de condições a serem obser­ vadas ao se realizar ações voluntárias.lugar-comum mais do que aidos. uma consi­ deração moral. "mais elevada" ou 'fundamental". diz-se que o jus das prescrições da lex está em sua conformidade com um conjunto de "valores fundamentais". com certeza. e que diferem das disposi­ ções da lex apenas no que diz respeito à sua maior generalidade. em virtude da conveniência de ter uma norma de justiça mais prontamente disponível. a Lei da Natureza ou de Deus. mas o produto da deliberação humana. O princi­ pal impulso do empreendimento tem sido buscar essas condi­ ções na reflexão de que a lex remonta às disposições de uma lei inerentemerite justa. mas não há confusão: é uma lei. teóricos da regência da lei experimentaram algu­ ma dificuldade ao se decidirem quanto às considerações por meio das quais as prescrições das leis feitas pelo homem podem ser reconhecidas como sendo "justas " ou não " injustas " . ambos discernidos em uma racional deli­ beração moral ou (na versão ockhamista) reconhecida como as prescrições da "vontade" arbitrária de um legislador divino. o jus da lex é muitas vezes identificado com � ua reflexão sobre as (ou ausência de conflito com) exigên­ cias de uma "lei básica". E. não uma lei despachada do Sinai. M I C H A E L ÜAKESHOTT 220 . E o jus da lex é buscado em sua relação com as disposições de uma lei genuína. e que contém as prescrições de uma lei mais " elevada" e especulativa. a qual (conse­ qüentemente) se preocupa não com a aprovação ou a desaprova­ ção de ações. Ainda assim. Por outro lado. e não prudencial. Aqui. 21 . "direi­ tos". não impedir. pelo menos. E isso.em um conjunto de "direitos humanos" invioláveis ou nas "liber­ dades humanas incondicionais". ainda que essa certeza e universalidade sejam obtidas dessa ou daquela maneira. "liberdades". dos quais pode-se dizer que são os princípios da "justiça". nem imutáveis. o que nunca se dá sem tensões e discrepâncias internas. Além disso. isso postula uma distin­ ção entre o jus e as considerações processuais por meio das quais se determina a autenticidade de uma lei. no centro de ambas as versões desse empreendimento está o esforço de discernir critérios demonstráveis. etc. Porém. Não fica de forma alguma claro como as prescrições necessariamente condicionais da !ex podem extrair seu jus de sua conformidade (ou da ausência de conflito) com um conjunto de "valores". pode levar ao reco­ nhecimento de que as considerações por meio das quais o jus da lex pode ser discernido não são nem arbitrárias. nem não-contenciosas. aqui. Há. claros e universais por meio dos quais se pode determinar o jus da lex. deve promover ou. de ter suas necessidades elementares garan­ tidas e assim por diante) que a lex. de procriar. é logicamente impossível que esse deva ser o caso. aqueles que buscam a jus da lex nesses aspectos supostamente incondicionais de uma existência humana sensata ou conveniente freqüentemente os identificam como interesses ou satisfações substantivas (alegações de continu­ ar vivendo. O que esse S O B R E A H I STÓRIA & Ü UTROS ENSAIOS 2. segundo. nega à lex seu caráter de regra não-instrumental. Na verdade. é cla­ ro. pode-se dizer que a associação baseada na regência da lei não precisa delas. Mas. alguma confusão. Além disso. E. para ser reconhecida como "justa". Primeiro. e que são o produto de uma experiência moral. reconhece os princípios formais de uma ordem legal. Assim. princípios suposta­ mente incondicionais de jus mascarados de lei). necessariamente. mas uma forma de discurso apro­ priadamente argumentativa. Leis são. não poderiam afirmar o que preten­ dem em relação a qualquer situação circunstancial. mas intensamente concentrada no tipo de obrigações condicionais que uma lei pode impor. Mas vamos voltar à nossa consideração das instâncias necessárias a esse modo de associação. nem para uma ins­ tância independente e outros aparatos encarregados de apreciar o jus da lei e autorizados a declarar que uma lei não é autêntica se for considerada "injusta". E mesmo se essas prescrições forem "certas" (isto é. prescrições indeterminadas de obriga­ ções adverbiais genéricas.situações contingentes futuras às quais podem se relacionar.modo de associação exige para determinar o jus da lei não é um conjunto de critérios abstratos. e não é mais do que uma acomodação equitativa de interesses de uns e outros. pelo qual se delibera sobre o assunto. de atuais idiotices morais. até onde for possível. ter um lugar apropriado quando a associação baseia-se em interesses e jus. isto é. mas não tem lugar algum em associa­ ções baseadas na regência da lei. Tais considerações e instituições podem. Elas subsistem em antecipação a . uma forma de discurso moral que não esteja preocupada com o certo e o errado na conduta humana de forma geral. de tratamento excepcional para minorias e. que não se deixa distrair por considerações prudentes e conseqüenciais e apartada das espúrias alegações de objeções de consciência. a ' M I C H A E L Ü A K ES H OT T 222 . E nisso não há lugar para a chamada Carta de Direitos (isto é.e. tão livres quanto possível de ambigüidade e de conflito entre uma e outra). pois. na ignorância de . talvez. inevitavelmente. supostamente. e. uma obrigação imposta pela lei. O compromisso desse tribunal é deliberativo. embora chame de destruição da liberté o que acontece quando um poder atua à maneira do outro (e. 6 En­ quanto um legislador delibera sobre a conveniência de uma mu­ dança em alguma parte do sistema de obrigações gerais existente e como essa mudança pode ser acomodada dentro do sistema de obrigações gerais. um tribunal preocupa-se com uma ação ou ex­ pressão contingente em particular no que diz respeito à sua con- 6 Montesquieu. Em resumo. a volonté générale. particularmente. um tribunal preocupado em analisar efetivas realizações apenas no que diz respeito à sua legalidade. ele reconhece que o fracasso em observar a chamada "separa­ ção de poderes" (numa linguagem mais apropriada. a volonté particuliere.segunda condição necessária à associação baseada na regência da lei é uma instância dotada de autoridade e incumbida do dever de determinar (de acordo com algumas regras condicionais de evi­ dência) o que foi dito ou feito em uma ocasião particular. categoricamente diferentes das considerações e procedimentos vinculados à criação de leis. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 223 . nem sempre um teórico confiável da regência da lei. identifi­ cou essa distinção. a distinção de autorida­ des) é uma confusão categórica que subverte o caráter do relacionamento ba­ seado na regência da lei. e o outro. mas as considera­ ções e procedimentos são. o que é exigido é um poder judiciário. para determi­ nar se o que foi dito ou feito naquela ocasião observou ou não a obrigação legal que deveria observar. quando um juiz dworkinesco usurpa a função de um legislador). para indicar uma penalidade ou estabelecer uma reparação por essa submissão ina­ dequada. talvez. aqui. e que foi levado à sua apreciação porque. não se submete de forma adequada a. como uma distinção entre o tipo de "vontade" exercida respectivamente por um legisla­ dor e um juiz: um. na convenção epistemológica de seu tempo. E. Mas. xiii). então. Sua tarefa é relacionar uma afirmação ge­ ral de obrigação condicional a uma ocorrência baseado no que distingue essa ocorrência de outras. Essais Il1. mais ele se espalha (be l'Expérience. presunções e assim por diante. 1 0.o s. Montaigne. por outro lado.formidade com as condições das obrigações existentes. E ele foi confrontado com o dilema de existirem tantas leis quantas ações possíveis (um sapato para cada pé) ou sofrer com os incon­ seqüentes sofismas de advogados que são como crianças brincando com mer­ cúrio: quanto mais tentam pressioná-lo em uma forma coerente. Il y a peu de relations de nos actions. convenções. a lei permanecerá intacta. e. 7 Mas é regido por um procedimento com­ posto de regras. V. e não condições a serem observadas ao se agir. os litigantes são personae relacio- 7 Aristóteles pensava que isso fosse necessário apenas quando uma situação se mostrasse ser uma "exceção" a uma lei que (como todas as leis) estava sujeita a ser imperfeita porque poderia ser usada somente em relação à "maioria dos casos". avec les loixfixes et immobiles. trata-se de um compromisso divergente. uma violação da lei. E dever-se-ia lidar com tais exceções considerando-se "o que o criador da lei faria se estivesse presente" e "o que ele teria acrescentado à lei caso isso lhe houvesse ocorrido" (Eth. Como todos os empreendimentos casuísticos. pensava que isso era impossível. ele não se preocupa com a arbitragem de interesses substanti­ vos contenciosos: nesse tribunal. Aqui. projetado para dirigir a atenção a considerações relevantes. a deliberação é um exercí­ cio de casuísmo retrospectivo. Uma vez que esse tribunal se preocupa com disputas sobre responsabili­ dades condicionais e onde elas ficam em uma ocasião em particu­ lar. ele pensava que as leis prescreviam ações substantivas. não uma imaginá­ ria ou conjeturada. qui sont en perpetuelle mutation. qualquer que ela seja. Nic.4-6). ele considerará uma ocorrência somente no que diz respeito a ela ter sido. supostamente. us. o tribunal deve chegar a uma conclusão. M I C H A E L Ü A K ES H OT T 224 . O tribunal pode considerar apenas uma ocorrência efetiva. O tribunal também não pode considerar-se o guardião de uma política públi­ ca ou de interesses em favor dos quais (quando tudo o mais falha) irá resolver a obrigação em disputa: a associação com base na re­ gência da lei. não irá reconhecê-los como precedentes a serem seguidos: S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 225 . Nem tampouco pode o tribunal considerar um caso com base nos chamados "direitos" substantivos. embora possa ter um promotor público como liti­ gante em um tribunal. embora possa ser parte do procedimento do tribunal levar em conta decisões tomadé!. não sabe coisa alguma de "interesse públi­ co".nadas com base na regência da lei e. exceto no que se refere à soma das obrigações impostas pela lei. Nem podem as decisões de um tribunal ser atribuídas ao que é chamado de "opi­ nião subjetiva" do juiz sobre o que é "justo''. que esse é o sentido da lei no que diz respeito a essa ocq_r rência. E. em um tribunal a "justiça" deve exibir-se como a conclusão de um argumento planejado para mostrar. nem tecer conjecturas sobre como eles decidiriam o caso: fazer leis e julgar um caso são compromissos categoricamente diferentes. não têm "interesses". da melhor forma que puder. o tribunal não pode alimen­ tar especulações sobre as intenções dos legisladores. de ser informado. assim como o próprio tribu­ nal. A regência da lei não sabe coisa alguma de "direitos" incondicionais. Deixando de lado a errônea noção de que "subjetividade" não é uma característica universal e geralmente insignificante de cada opinião sobre tudo e qualquer coisa. declarados como uma ques­ tão de jus em alguma opinião moral corrente: o direito de falar. Ao buscar o que uma lei expressa em relação a uma ocorrência contingente. de desfrutar de uma oportunidade igual ou das vantagens para os portadores de deficiências.s em casos similares ante­ riores. as regras desse procedimento não podem. e talvez. M I C H A E L Ô A K ES H OTT 226 . mas as regras distinguem o compromisso casuístico de um tribunal do exercício daquilo que tem sido chamado de "uma prerrogativa so­ berana da escolha arbitrária". a punição é uma entre as muitas conseqüências que podem se seguir após o fracasso em cumprir uma obrigação. o so �rimento que pode desculpar o de­ linqüente e redimir a situação. O fracasso em submeter-se adequadamente a uma obrigação imposta pela lei. 8 É claro. a expressão "lei criada por caso de precedência" é um solecismo. então: esse procedimento e essas considerações identificam a atri­ buição do tribunal como sendo a de simplesmente declarar o sen­ tido de uma lei no que diz respeito a uma ocorrência contingente. trata de precaver-se. porém é uma punição vinculada a uma obrigação: sofrer não é uma alternativa aceitável a cumprir a obri­ gação. não tanto em relação à execução da lei (uma expressão quase que sem sentido). e não pode (e não é planejado para) restaurar a situação de 8 O voto de um juiz inglês de fazer justiça "de acordo com a lei" reflete a noção de regência da lei. No que diz respeito à regência da lei. elas próprias. A ass o ciação baseada na regência da lei não pressupõe recalcitrância por parte de seus membros. Resumindo. algo à guisa de reparação a um dano substantivo atribuído à delinqüên­ cia. Na regência da lei. mas em relação à punição dos acusados de fracassar na observância de suas obrigações. também. anunciar tal conclusão. ao contrário da quebra de um tabu. assim como uma lei também não pode de­ clarar seu sentido em relação a uma ocorrência contingente. Ainda assim.sua preocupação será com a força analógica das distinções que os casos invocaram. não acarreta uma punição automática. O medo de ter de sofrer uma punição pode. poder: instâncias equipadas com procedimentos compostos de regras e autorizadas a compelir à realização de ações substantivas ordenadas por um tribunal. a saber. está um modo de relacionamento humano. preocupados em detectar e processar supostas ilegalidades e prevenir iminentes violações da lei. Uma lei pode estar vinculada à punição obri­ gatória de uma ação condenada por ter violado a lei. é claro. ter alguma liberdade de ação nesse assunto e invocar considerações prudentes não entram em conflito com a regência da lei. Há uma terceira condição da associação em termos da regência da lei. e a expectativa de uma puni­ ção pode ser a razão para cumprir uma obrigação. para um tribunal. e elas invocam obediência. esse modo de associação baseado no reconhecimento de obrigações e punições é extrínseco à obrigação. e guardiães da "paz". Contudo. abstrato: um S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 227 . 7 Aqui. assim como todos os outros. Aqui. igual­ mente equipados. embo­ ra essas punições sejam geralmente autorizadas pela lei. E. mas designá­ la para um caso particular requer deliberação e. submeter­ se a elas não é o mesmo que se submeter a condições não-instru­ mentais impostas pela lei a ações e expressões voluntárias. deter um delinqüente em potencial. pois. distinto de todos os outros e. uma purtição é uma sen­ tença de um tribunal.forma que volte a ser como era antes de a delinqüência ter sido cometida. elas che­ gam como comandos de um tribunal dirigidos a pessoas identificáveis para que realizem ações substantivas ou para que sofram privações substantivas. Esse. mas de personae. e uma pessoa não pode pre­ tender simplesmente agir legalmente ou ilegalmente. não em termos do su­ posto valor. "racionalidade" ou "justiça" das condições que pres­ creve. é um produto da imaginação do homem. Ela distingue jus de lex. Ela não se preocupa nem com os motivos. e. reconhece um tipo de discurso mo­ ral apropriado à deliberação do que é jus e ínjus. um motivo. relacionamento não de pessoas. assim como todos os outros modos de associação humana. é mais do que o sonho de um especialista em lógica. mas é ela um possível compro- M I C H A E L Ü A K ES H OTT . mas em termos do reconhecimento de sua autenticidade. mas de condições processuais impostas sobre o fazer: as leis. Regra. Um relacio­ namento não em termos de arranjos eficazes para promover ou · procurar satisfações substantivas desejadas (individuais ou comu- nitárias). é um modo de relacionamento auto-sustentável no que diz respeito à determinação da autenticidade da lex. ela exclui modalmente todos os outros e prescreve as con­ dições de um severo e indiferente tipo de fidelidade ou ritualismo que modifica sem emascular o caráter voluntário da conduta hu­ mana. Porém. ela própria. A regência da lei denota um relacionamento tão estrito quanto inexato: aqui não há lugar para entusiasmo. mas da obrigação de se submeter a regras não-instru­ mentais: um relacionamento moral. A regência da lei também não exige ou nega nenhum outro tipo de relaciona­ mento. Uma associação não em termos de fazer e de usufruir dos frutos do fazer. do que um tipo de teorema geométrico composto de axiomas relacionados e proposições? A re­ gência da lei pode ser reconhecida como um entre os vários modos ideais de relacionamento humano. nem com a intenção das ações: a legalidade não pode ser. contudo. Entre os teóricos da associação baseada na regência da lei. uma associação baseada na regência da lei seria certamente uma obra de arte. Thomas Hobbes é. E isso pede mais do que uma demonstração de que os seres huma­ nos possuem um forte incentivo para associarem-se dessa maneira. e. E. como os seres humanos poderiam atingir a condi­ ção de serem obrigados a observar as prescrições de um bumanus legislator..misso prático? Poder-se-ia fazer com que isso de fato acontecesse? E. penso eu. Se fosse estabelecida. muito apro­ priadamente. o foco de sua atenção está em como estabelecer um poder legislativo dotado de autoridade para criar obrigações. além disso. à sua dependência mútua para a satisfação de suas necessidades ou à sua intermitente tolerância e amabilidade. ambições. A regên­ cia da lei exige um legislador conhecido e autêntico. expecta­ tivas ou conquistas humanas no que diz respeito a associações? Sobre a primeira dessas questões não proponho dizer muito. E a questão entra em cena quando é dito que tudo o que se exige para estabelecer a regência da lei é um poder legislativo soberano e pessoas habituadas a obedecer às prescrições que ele emite. E ele o fez porque sua física e metafísica exigiam que expusesse o caráter de tal associação em termos de sua "cau- . e que mterpretasse a causa como a rorma pe la qual um exem- plo desse modo de associação pudesse ser "construído". O que precisa nos ser mostrado é como os ingredientes de tal associação poderiam ser criados e reunidos. J: sa . É claro que mostrar a possibilidade de uma associação desse modo exige algo mais do que uma referência à suposta "sociabilidade" dos seres humanos.como compromisso prático na história das esperanças. e como S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S .. em particular. um dos poucos que se voltaram exatamente para essa questão. .se é que ocupa algum lugar . que lugar ocupa . " . E existem circunstâncias humanas identificáveis que se poriam no caminho da emergência de tal associação. para sobreviver. não pode ser declarada uma impossibilidade prática. M I C H A E L Ü A K E S H OTT 23 0 . e que. exceto por sua própria vontade. alegando apenas o fato de que esse dispositivo está entre as possíveis maneiras pelas quais uma associação poderia ser estabelecida. mas não a ininter­ rupta observância de suas obrigações. o exemplo limitado oferecido por um j ogo). embora possa necessitar "da ajuda de um arquiteto realmente hábil".fazê-lo reconhecendo-se os três princípios fundamentais da obri­ gação moral. que é determinado não por ações. esse relaciona­ mento exige a contínua fidelidade dos associados. como que inventando um jogo. Porém. como qualquer outra. é absurda. E embora um exemplo exato seja buscado (exceto. Ele tornou esse problema tão difícil quanto possível ao pressupor pessoas des­ tituídas de obrigações. E o resolveu por meio de um bem-elaborado dispositivo hipotético (uma transação voluntária entre futuros asso­ ciados). Pode-se pensar em muitas outras maneiras bem mais prováveis pelas quais o poder legislativo pode­ ria emergir e adquirir autoridade do que a difícil idéia de que ele deveria ser dotado de autoridade por meio de um ato constitutivo. mas pela "medida do bem e do mal nas ações". isso é menos significativo do que sua insistência quanto à regência da lei representar um relacionamento moral (e não pruden­ te). que pode ser estabelecido pelo exercício de uma inteligência humana educada. talvez. a saber: que nenhum homem natural pode ter a auto­ ridade de impor obrigações a outro. a idéia de estabelecer tal associação ex nihílo. que é vulnerável. que nenhum homem pode escolher suas próprias obrigações e que nenhum homem pode ser obrigado a coisa alguma. É claro. voltada não para a constituição do governo de um estado. da dissolução de impérios. havia uma vívida tradição. A segunda questão é histórica. temos de lidar com uma delgada (mas persistente) corrente de reflexão política e invenção. Cada estado veio a reivindicar a custódia exclusi­ va de sua lei. ou ser reconheci­ do como tendo autoridade. cada qual mantinha leis ou começou a formar a "lei da terra" a partir da miscelânea de leis que adotava. de feudos imperiais ou de aglomerações de comunidades até então separadas. particularmente os da Europa moderna. Aqui. Ela diz respeito às eventualidades e inadequações circunstanciais da noção de regência da lei quando relacionada a associações identificadas como estados. mas muitas tinham ascendido à condição de definições de status ou especificações de obrigações ou permissões genéricas. Foi um compro­ misso demorado. derivada da Roma antiga e que já há alguns séculos era explorada por teólogos e juristas centrados na noção de regência da lei. Que lugar a regência da lei ocupou nas esperanças e expectativas dos cri­ adores dos estados da Europa moderna? À medida que os estados da Europa moderna emergiram dos reinos medievais e dos principados. É claro. havia muito mais a ser ob- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . Algumas dessas leis eram mais parecidas com regulamen­ tos que se preocupavam com situações ou ocasiões particulares. não para os termos efetivos pelos quais um governo poderia alegar autoridade. mas para sua função no que diz respeito aos associados governados. e não eram irreconhecíveis como regras não-instrumentais prescrevendo con­ dições a serem observadas na realização de ações voluntárias. mas para a atividade de governar. cada qual tinha tribunais nos quais ela era executada e alguns procedimentos reconhecidos para criar ou registrar uma nova lei. Além disso. isso acarretava a reconstituição do poder projetado para extinguir as ambições dinásticas e outras ambições dos governantes. Montesquieu considerou la loi propriamente dita como sendo característica apenas do que ele chamou de /e gouvernement monarchique. Mas havia o suficiente pelo menos para sugerir a alguns que se poderia trans­ formar um moderno estado europeu. 10 Etienne de la Boétie ligou a regência da lei com uma "república". a re­ gência da lei significava pouco mais que reger de forma "significa­ tiva" não uma herança. o tema de Iex. Para alguns. Esse foi. e negou­ ª ao l'état républicain. engajamento em aventuras e a cole­ ção de meios para persegui-las. 9 mas um poder. por exemplo. A legislação propriamente dita era uma in­ cumbência rara. Mas. e o projeto de remover desse poder seus compromis­ sos discricionários. muito depois. nem um usufruto. IO 9 Vindiciae contra Ijrannos. administrativos. bem como os que di­ zem respeito a prerrogativas. nem uma propriedade. M I C H A E L Ü A K ES H OTT . Para muitos cujos pensamentos os levaram nessa direção. patronais. a acumulação de um aparato de poder e a construção de uma efici­ ente máquina administrativa.servado: as relíquias de formas de associações tribais mais antigas. Para ou. Rex: the Law and the Prínce1 de Samuel Rutherford (1 644). propriedades e benfeitorias que haviam sobrevivido. e os inconclusos encontros de inte­ resses por meio dos quais a cristandade foi transformada em uma Europa moderna ainda a ser imaginada e inventada. menor. e reconhecê-lo como uma autoridade soberana. que poderia ser necessário transformá-lo ou que ele já estava a caminho de se transformar em algo como uma associação baseada na regência da lei. o guardião da "/ex e dos procedimentos judiciais pelos quais a "/ex relacionava-se a situações contingentes. Cícero e mesmo Aristóteles. a associação baseada na regência da lei não pode­ ria ser nada além de uma provação. governada por carismáticos "supervisores". ao que tudo indicava. tais concep­ ções entraram em constantes disputas com compromissos por vezes cuidadosamente considerados. Alguns estados nasceram como essa miscelânea de diversas pessoas e comunidades que. a única coisa que poderiam vir a ter em comum era a lei. Além disso. Mas qualquer uma dessas concepções do poder de legislar em um estado colidia com a sobrevivência dos senhores e a relutân­ cia dos governos (por mais polidas que fossem suas constitui"" ções) em renunciar a quaisquer poderes administrativos dos quais seus predecessores desfrutaram.tros (os chamados politiques). e elas mal reconheciam o caráter periclitante desses estados emergentes. de criar comunidades soberanas de " crentes" ou de impor a um estado o caráter de uma associação "religio­ sa". ou de ter a "Virtude" supostamente apropriada (e por­ tanto o "direito") de dirigir em detalhes a conduta dos que eles governavam. moralmente equipado para desarmar (mas não extinguir) os contendores. assim. E. mas freqüentemente fanáti­ cos e de vida curta. para aqueles acostumados às condições da vida tribal. mas de ter acesso a uma suposta " Lei Universal de Deus". isso parecia ser a única escapatória de uma endêmica disputa civil e eclesiástica . é claro. a dificuldade de trocar uma persona por outra. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 233 . os quais alega­ vam ser os guardiães não de uma lei feita pelo homem e capaz de ser mudada. O apoio para essa visão do estado foi encontrado em hábeis citações de antigos escri­ tores: Uvio.um governo não preo­ cupado em promover qualquer um dos interesses conflitantes e. em resumo. Contudo. a versão principal do que poderia ser chamado de con­ cepção baconiana ou tecnológica de um estado. força ou furto) para o bem-estar de seus associados. agências e comissões reguladoras. reu­ nidas na busca de um propósito substantivo comum. a exploração �dos recursos naturais de seu território (e dos recursos de qualquer outro lugar que possam ser adquiridos mediante acordos. e suas "leis" como autorização de práticas e ins­ trumentos para determinar prioridades e. Alguns escritores observaram a autoderrota inerente a essa versão da busca pela "pros­ peridade" e chegaram a sugerir que a virtude de um estado baseado na regência da lei está na superioridade que demonstra a esse res- 11 Francis Bacon. talvez. Polizeistaat. mas regido por uma política suntuária. Isso foi posteriormente apresentado como um "desenvolvimento histórico" inevitável ante as circunstâncias da vida moderna e até mesmo como a forma-ur da associação humana dialeticamente redimida. de forma mais genérica. o poder desse governo (uma tecnocracia) como guardião "iluminado" e diretor desse empreendimento. não destituído de lei. 1 1 Aqui. ou. talvez uma solidarité commune de algum tipo. Essa é uma benigna concepção do estado como sendo um compromisso cooperativo. o que foi posterior­ mente identificado como Leistungsstaat. o oponente mais sério da emergência de qualquer coi­ sa semelhante a uma associação baseada na regência da lei tem sido uma forte e versátil corrente do pensamento político da Europa moderna. The New Atlantis. um estado é entendido como uma associação de personae empreendedoras. projetada e executada por administra­ dores. racionalmente regulado. para distribuir o produto desse empreendimento. MICHAEL ÜAK ESHOTT . uma outra circunstância que vale a pena mencionar nessa conexão. A virtude dos "partidos políticos". a maneira pela qual uma convenção quase que universal da política moderna atrasou. "Partidos" políticos raramente escaparam do caráter de or­ ganizações de interesses.peito. isso não interessa: o que é importante e sua planejada � abrangente negação da noção de estado como uma associação baseada na regência da lei. não necessariamente interesses de suas bases eleitorais. mas algum tipo de interesse que eles acreditam estar comprometidos a promover se voltarem ao poder.e interesses comuns ou seletivos. Mas para nós. talvez. confor­ me observou-se na Europa moderna. Há. É claro que Edmund Burke e outros tiveram uma con­ cepção diferente de "partido político". S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 235 . é claro. que não está preocupada nem em promover nem em obstruir a busca desses interesses. essa discrepância entre o "partido do governo" e a regência da lei não é modificada quando um par­ tido alega ser o guardião dos interesses da maioria dos associados. Além disso. em vez de impulsionar. para dizer o mínimo. é. que é exigida de um partido se ele quiser ad­ quirir a persona de um legislador. aqui. uma ocor­ rência improvável. é ter qualificado a adminis­ tração de um Polizeistaat ao torná-lo um poder temporário e com­ petitivo. a emergência dos estados como associações baseadas na regência da lei. a saber. A renúncia a seu próprio caráter. quanto mais substancial for essa alegação. isso contraria a regência da lei. mas eles não fizeram coisa alguma para promover a regên­ cia da lei. ou mesmo do interesse comum a todos. na qual eles não eram vis­ tos como uma organização d. mas essa visão nunca prevaleceu. E. mais distante está da regência da lei uma assot:i­ ação assim governada. Nesses escritos. Isso. como relíquias do passado e projetos para explorações posteriores. nem desconhecido de práticas qualificadas no início da Europa moderna. nem tampouco era destituído de alternativas sedutoras. Um estado reconhecido como uma associação regida exclusiva­ mente pela lei não era novo sob o ponto de vista das idéias gerais. muitas vezes. sem qualifica­ ção. o que dota esse estado da qualidade de jus. recebe um reconheci­ mento apropriado). mas tam­ bém do ínjus. quando adequadamente entendida. seu caráter tem sido. e ao longo de grande parte de sua história. !ex injusta non este lex. portanto. apesar de nunca lhe terem faltado alguns expo­ entes lúcidos e rigorosamente exatos. um estado como uma associação regida exclusiva­ mente por leis é visto não apenas como um estado emancipado (em termos de !ex) da regência arbitrária e administrativa. segundo. Primeiro. da obriga­ ção de observar suas obrigações) é determinada por sua conformi­ dade com o jus. Nesse estado. mas o jus no sentido mais amplo de lei "natu­ ral". ainda assim. Nos escritos de muitos de seus primeiros expoentes. "racional" ou "mais elevada". que histo­ ricamente pode ser chamado de visão neoplatônica da questão. E. a regência da lei não pode. essa concepção de estado padecia de dois defeitos consi­ _ deráveis. caracterizar um moderno estado europeu. um estado regido exclusivamente pela lei tem sido representado como um estado regido por jus. é o que nos aguarda em Samuel Rutherford: a !ex que é rex é uma M I C H A E L ÜAK ESHOTT . coisas demais têm sido muitas vezes afirmadas em relação a essa concepção. já que a autenticidade da lex (e. demasiadamente confundido. não apenas o jus inerente à !ex (que. Contudo. reconhecida e declarada (mas não feita) em expressões legislativas e na correspondência (ou au­ sência de conflito). Como concepção do caráter de um estado ou do que ele pode­ ria vir a se tornar. que. o jus exigia a autentica­ ção da lex que.indubitavehnente justa "Lei de Deus". lhes concede autoridade. enfim. nem um Beamtenstaat. E isso. em estado embrionário. no lugar de uma "lei natural" um tanto especulativa. a insatisfação com a ambigüidade de termos como "natural" e "racional". e. habitava uma série de "valores" ab- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . é o caráter de um estado baseado na regência da lei que aparece nos escritos de numerosos juristas do século dezoito. nos primeiros expoentes do Rechtsstaat. mas um estado regido pela lex. Isso era menos do que a promessa de realização do sonho de ser. e também não um Kulturstaat (os alemães sempre tiveram uma palavra para isso). Por exemplo. como identificar e recrutar legisladores em cuja voz se pudesse confiar como sendo a voz do jus? Esse era um pro­ blema ao qual Rousseau se dedicou e. não conseguiu resolver. esse pensamento apresentava algumas dificulda­ des. Isso é o que Montesquieu pensava ser a regência da lei. em uma variedade de idiomas. não um Leistungsstaat ou um Polizeístaat. E. presumia-se. ao ser refletida em ações legislativas. em especi­ al. Na verdade. na tradição intelectual da Idade Média. e o objeti­ vo de remover o jus do campo das opiniões e defender-se da ame­ aça de anarquia contida na afirmação de que a voz da "consciên­ cia" era a voz do jus. fez com que a necessidade de formular o jus em termos de princípios prontamente disponíveis fosse inicial­ mente reconhecida. Ou uma questão mais radical: como reconhe­ cer a qualidade do jus quando ela aparece? Aqui. como seria de se esperar. isso estava disponível. e mais do que a mera extrapolação de uma tendência corrente. cuja autoridade está em seu jus. regido pela incontestável "justiça". é compos­ to de personae que se relacionam somente em termos da obrigação de observar. o poder legislativo fica protegido. e competidores racionais. Esse estado. eles identificam jus como uma consideração sobre "justiça" na distribuição de recursos escassos. sob certas circunstâncias ideais. eram tidas como partes integrais de um estado entendido em termos de re­ gência da lei. pres­ critas por um poder legislativo soberano expressamente autoriza­ do a deliberar. de indulgir em compromissos externos. ao longo de toda sua conduta voluntária. argumentava ele. apartadas da mudança. embora apresentem um estado como uma associação regida pela jus. uma formulação imperfeita. certas con­ dições não-instrumentais (isto é. 13 Entretanto. fazer e decretar essas prescrições que constituem a lex da associação. /ex. Tendo sido "erigido" e exclusivamente dotado dessa autoridade. tais como administrar as atividades de seus associados. e integrava o aparato de um estado que pretendia ser um Rechtsstaat. a visão de um estado como uma associação regida exclusivamente pela lei recebeu. Aqui. se é que existe. no princípio. 1 3 Excluí desse relato a reflexão de alguns escritores recentes (por exemplo. 1 2 E algumas dessas formu­ lações dos princípios de justiça.solutos. John Rawls e Bruce Ackerman) porque. morais ou processuais). interferir em suas 12 Alguns escritores ingleses do século dezessete atribuíram à Carta Magna ou a alguma imaginária Constituição Antiga o caráter de uma Lei Fundamental. devem concordar que "justiça" é uma distri­ buição equitativa. uma carta de "liberdades" incondicionais. tanto quan­ to for possível. ou uma Carta de Direitos represen­ tando uma Lei Básica ou Fundamental. M I C H A E L ÜA K E S H O T T . é composta de regulamentos enten­ didos em termos das conseqüências de sua execução e como guias para a con­ quista de um substantivo estado das coisas. uma declaração de "direitos" inalienáveis. porém menos vacilante: a que é encontrada nos escri­ tos de Thomas Hobbes. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 239 . patrocinar interesses ou promover um "bem­ comum" além daquele que é constituído pela observância de suas obrigações legais. O poder legislativo não tem propriedades ou recursos próprios. Esse poder é usado para punir a delinqüência e para deter delinqüen­ tes em potencial. é auxiliado por qual­ quer apreciação que eles possam ter dos valores que lhes são du­ ráveis nos compromissos de ordem legal que empreendem. a resposta de Hobbes é rápida e decisiva: a lex autêntica não pode ser ínjus. em um estado regido pela lei. no fim das contas. na disposi­ ção de um número suficiente de seus associados de observá-las em qualquer ocasião. Significa que esse poder é projetado e autorizado para fazer leis genuínas. mas não tem relação alguma com sua obrigação de observar as condições da lex. mesmo se não forem. E. Hobbes adere consistentemente a essa visão do assunto. o que. E seu "poder" de forçar a submissão às obrigações impostas pela lex está. sem dúvida. a única "justiça" é aquela inerente ao caráter da lex. obrigação esta que repousa ape­ nas no reconhecimento da autenticidade da lex como criação do legislativo. os termos das obrigações dos associados devem ter algum significado no que diz respeito à lex. apesar de alguns acenos em outras direções. Isso não significa que o poder legislativo está magicamente protegido de fazer leis "injustas". mas é mantido por uma renda anual (os proventos de um imposto sobre o consumo) extraída dos recur­ sos de seus associados e usada para bancar os custos de seu com­ promisso autorizado. que.crenças pessoais. E quando é sugerido que as expressões jus e ínjus não são destituídas de sentido. que está protegido contra indulgir em qualquer outra atividade e que. capazes de impor obrigações (mesmo M I C H A E L Ü A K E S H OT T . representa condutas para as quais a !ex não tem. Entretanto. E diz-se que existem "direitos" ou "liberdades civis". uma "lei" sociológica ou psico­ lógica. Mas isso não vem a significar conduta e considerações que a !ex devesse reconhecer e . que dota cada homem do "direito natural" de fazer qualquer coisa que este­ ja em seu poder para satisfazer suas necessidades. que pretende ser um conjunto de umas vinte prescrições. Mas isso vem a ser uma "lei" de um tipo diferente. de fato. essa lex naturalís vem a ser composta de leis genuínas. E há a "lei natural". a qualquer hora. Além disso. Contudo. ou mesmo pela destruição desse poder: uma lei contra "trai­ ção" e laesa majestas. Diz-se que há uma "lei fundamental" (embora a expressão deixe Hobbes perplexo). do estado incondicional das coisas ao qual a lex foi projetada para pôr um fim ao prescrever condições obrigatórias para sua realização. e isso parece ser um padrão extrínseco por meio do qual se determina o jus da !ex. resumi­ das no preceito Não fasas aos outros o que não gostarías que fízessem a tí. mas apenas a proscri­ ção da conduta projetada para dissolver toda a associação por meio da completa negação da autoridade do poder legislativo para re­ ger. o que novamente sugere padrões de justiça extrínseca aos quais a lex deveria conformar-se. longe de ser um modelo de "justiça" a ser seguido por um criador de lex. em primeiro lugar.proteger na justiça. diz-se que existem dois tipos de "leis naturais". condições prescritas: o silêncio circunstancial da lei que pode. Diz-se que a "lei natural" obriga cada homem ín jore ínterno. isso não vem a ser a Lei Básica entrincheirada em um Rechtsstaat. E. Há a "lei natural". mas age sobre sua conduta efetiva apenas quando declarada na lex de um estado. ser apropriada­ mente rompido. precisamente. trata-se. indiferença a pessoas e inte­ resses. Assim. Ele está.ege e da marginalidade e assim por diante. um Hobbes "nominalista" identifi­ cou a regência da lex com a regência do jus. como seus oponentes neoplatônicos. a única "justiça" que a regência da lei pode acomodar é sua fidelidade aos princípios formais inerentes ao caráter da lex: não-instrumentalidade. ante uma inspeção percebe-se que essas máximas da conduta racional não são princípios independentes que. e.ínjore interno). mas não necessária para a regência da lei). elas não são mais do que uma decomposição analítica do caráter intrínseco da lei. em segundo. seus pronunciamentos não podem ser autenticados. E. mas por outro caminho e em outro idioma. o que tenho chamado de jus inerente a uma lei genuína. apesar dessas incursões intelectuais conduzidas no vocabulário da "lei natural". se fossem seguidos pelos legisla­ dores. ele admite ser possível. A estipulação de que essas máximas podem ser reconhecidas como leis genuínas que impõem obrigações apenas quando são reconhecidas como sendo "tiradas das palavras de Deus" deriva do princípio de que um preceito não pode ser uma lei genuína a menos que tenha um autor respoAsável e a menos que esse autor sej a conhecido. nem "Natureza" nem "razão" são conhecidas como autores res­ ponsáveis. que a distingue de um comando dirigido a um agente identificável ou de uma instrução administrativa preocupada com a promoção de inte­ resses. correto ao recusar-se a iden­ tificar o jus das condições impostas sobre a conduta por uma lei 14 Hobbes faz a ressalva de que. essas máximas adquirem o caráter de leis e se tornam obrigatórias injore interno. a exclusão do prive-1. há alguma coisa faltan­ do em sua descrição de um estado como uma associação baseada na regência da lei. Porém se. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . como Suarez e Grotius. penso eu. apenas quando essa /ex natura/is é reconhecida como sendo a "lei de Deus" (uma presunção que. Nesse sentido. portanto. é composta de máximas que indicam as necessárias 14 condições causais da associação pacífica. dotariam sua leis de uma qualidade de "justiça". na verdade. pois. nem a distinção de ações certas e erradas por meio dos motivos pelos quais elas são realizadas. mas a negativa e limitada consideração de que as prescrições da lei não deveriam entrar em conflito com uma predominante sensibilidade moral educada. com certeza pervertem a associação: elas são a receita para a anarquia. ser a de uma associação de personae. de ser informado. a visão de um estado moderno em termos de regência da lei deveria. e. o jus da lex não pode ser identificado sim­ plesmente por sua fidelidade ao caráter formal da lei. Ainda assim. e assim por diante) que deveriam ser reco­ nhecidos na lei. e posteriormente associados a um Reíchtsstaat. ca­ paz de distinguir entre as condições de "virtude". relacionadas indistinta e exclusivamente no que diz respeito à obri­ gação de submeterem-se adequadamente às condições não-instru­ mentais que a lei autêntica impõe sobre sua conduta voluntária. Para ser coerente. Deliberar o jus da lex é invocar um tipo particular de consideração moral: nem uma crença absurda em absolutos morais (o "direito" de falar. A regência da lei não precisa dessas crenças ou instituições. as condições de associação moral ("boa conduta") e aquelas que pertencem a um tipo tal que deveriam ser impostas pela lei ("justiça"). freqüentemente elas são alvo de disputas infrutíferas.decretada com sua relação com uma supostamente universal e ine­ rentemente justa Lei Natural. de procriar. dos quais se diz que refletem esses valores fundamentais. ou com uma decretada Lei Básica ou Carta de Di­ reitos. quando invocadas como condições da obrigação de observar as condições prescritas pela lex. ou com um conjunto de Valores fundamentais. uma associação na qual essas condições (se em qualquer momento fosse alegado que não foram observadas) estão relacionadas à condu- M I C H A E L ÜAK ESHOTT . os apologistas mais perspicazes (reconhecendo a incoerência de atribuir a virtude de um modo de associação não­ instrumental à sua propensão de produzir. Essas regras com certeza não prescrevem propósitos a se­ rem perseguidos ou ações a serem realizadas. E alguns sugeriram que sua virtude está em ser instrumental para a conquista da "prosperidade".ta circunstancial nas deliberações casuísticas de um tribunal. Mas isso é enga­ nador. não em sua ininterrupta ob­ servância. o qual não se pode esperar que seja (mesmo quando se distingue. Porém. ela mesma um refle­ xo do entendimento legal-moral próprio dos associados. promover ou mesmo encorajar uma condição substantiva das coisas) sugeriram que sua virtude é promover um certo tipo de "liberdade". cujos comandos para realizar ações substantivas ou se submeter a puni­ ções substantivas são implementados por um aparato de poder ex­ pressamente autorizado. algo valioso que pode ser desfrutado como resulta­ do desse modo de associação. Muitos escritores que se incumbiram de recomendar essa visão de estado buscaram sua virtude naquilo que apresentam como uma conseqüência. e pode-se dizer que tudo isso denota um certo tipo de "liberdade" que exclui apenas a liberdade de alguém escolher suas S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 243 . e na qual o jus dessas condições é reconhe­ cido como uma combinação de sua absoluta fidelidade ao caráter formal da lei e à sua aceitabilidade legal-moral. en­ tendida como a máxima e contínua satisfação das necessidades dos associados. e esse modo de associação é basea­ do no reconhecimento de obrigações. Elas não dizem res­ peito aos motivos da conduta.uma imaginação moral mais estável em seu estilo de deliberação do que em suas conclusões. de qualquer idiotice moral que possa estar circulando por aí) destituído de am­ bigüidade ou tensão interna . Essa visão do caráter de um moderno estado europeu está profundamente enraizada em nossa civilização. Talvez se possa dizer que um certo tipo de "paz" e "ordem" caracteriza esse modo de associação.próprias obrigações. Ainda assim. encontrou soberbos precursores em Bodin e Hobbes. talvez. Apesar de algumas incursões desnecessárias em outras direções. e a disposição de pelo menos procurar tornarem-se associações ba­ seadas na regência da lei ter sido intensa. ela é inerente a seu cará­ ter. apesar de em alguns estados o convite para torna­ rem-se um genuíno Polizeistaaten ter sido recebido com resistência. essa "liberdade" não surge como conseqüência desse modo 'de associação. Isso aparece em versão resumida nos escritos do jurista Georg Jellinek. E considero isso não uma crítica à noção de regên- M I C H A E L Ü A K E S H OTT . Mas pode-se dizer que representa uma duradoura (embota mui­ tas vezes confusa) disposição da inventiva imaginação política da Europa moderna. Contudo. e identificou isso como um Kulturstaat. E esse também é o caso de outras sugestões comuns: a de que a virtude desse modo de associação é sua conseqüente "paz" (Hobbes) ou "ordem". Andorra) atingir essa condição sem qualificação ou interrupção. Nos tempos mo­ dernos. seu caráter e suas pressuposições foram plenamente explorados nos escritos de Hegel. paira sobre as reflexões de muitos juristas modernos chamados de "positivistas" e sempre teve fortes competidores. mas não é conseqüência dele. as circunstâncias da Eu­ ropa moderna sempre tornaram impossível para qualquer estado (exceto. que também rejeitava a noção de "lei natural" como o padrão pelo qual die Gerechtigkeit do das Gesetz pudesse ser determinado. e quando a autoridade e o compromisso de perseguir e administrar uma "política" são sobrepostos à autoridade e ao compromisso de julgar. o caráter de estado administrativo. o caráter de um estado como uma associação baseada na regência da lei é qualificado quando a autoridade e o compro­ misso de deliberar e fazer "política" são sobrepostos à autoridade e ao compromisso de deliberar e fazer leis. a regência da lei permanece não-comprometida. Aqui. coisas que (em condições mais simples que as nossas) Hobbes considerou estarem entre os objetos apro­ priados ao governo baseado na regência da lei. sarial. Algumas dessas satisfações substantivas comuns podem ser fornecidas como subproduto da atuação das condições legais im­ postas à conduta voluntária dos associados: por exemplo. e ao governo. Em geral. a manu­ tenção de uma moeda estável ou a prevenção de monopólios in­ dustriais ou comerciais. Economic Policyfor a Free Society. ao estado. mas uma advertência para ser preciso a esse respeito e distinguir entre a qualificação inevitável e corrupção ou hesitação. E ao falar em "política" refiro-me a projetos para promover e buscar prover condições substantivas de coisas reconhecidas como a satisfação de um interesse. Perseguir uma "po­ lítica" e exercer a autoridade de fazer esses comprometimentos impõem aos associados a persona de membros de um empreendi­ mento cooperativo. Simons. e que (inevitavelmente) compromete parte dos recur­ sos dos membros da associação para esse fim. o caráter de uma associação empre­ . eia da lei. Henry C. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 245 . E é claro que. se um estado 15 possuísse uma forte disposição de ser uma associação baseada na 1 5 C F. ou daquilo que é tido como o interesse comum aos associados. mas implica. por algum tempo. cuidar dos interesses de um estado em relação a. como em toda parte.regência da lei. dos membros de um estado categoricamente diferente do que é exigido para manter o aparato da regência da lei. 1 6 Mas tem havido uma inevitável circunstância contingente na Europa mo­ derna a qual a regência da lei não pode prover. aqui.. a saber. particularmente uma inevitável política externa. pagos por uma taxação dos recursos locais chamada de "tarifa". antes que nossa presente confusão nos sobrepujasse. e pode até implicar a completa mobi­ lização de todos esses recursos. e. a liberté seria prejudicada. implica o comando dos recursos . vi). todo mundo sabia a diferença entre uma "tarifa" e um "imposto". M I C H A E L ÜAKESHOTT . alguns cuidados eram tomados para não compro­ meter esse caráter quando autoridades legais locais eram estabele­ cidas para suprir alguns serviços substantivos comuns. não apenas porque. judiciário e um poder preocupado em fazer e conduzir "política". E ele insistia em que esses três poderes deveriam estar "separados". 16 Uma "tarifa" é uma soma em dinheiro destinada a prover certo número de benefícios substantivos precisamente especificados. XI. a regência da lei está comprometida. outros estados. A mesma confusão reflete-se na expressão bastarda "governo local": quand<. não implica necessa­ riamente a destruição de toda a lei. mas porque ele reconheceu que esses três engagements eram categoricamente distintos (De l 'Esprit des Lois. a proteção desses interesses em uma guerra defensiva ou em tentativas de re­ cobrar a írredenta nocional e a perseguição de ambições mais am­ plas de estender sua jurisdição. é claro. de outra forma. mas porque "política". 1 7 Isso.> "governo" é identificado com o fornecimento de satisfações substantivas. 17 Montesquieu concebeu o governo de um Estado investido de três poderes: legislativo. E isso não ocorre por causa da completa ausência de regras (embora muitas das chamadas leis in­ te rnacionais sejam compostas de regras instrumentais para a aco­ modação de interesses diversos). o desmantelamento de um estado como uma associação baseada exclusivamente na regência da lei. E devemos isso não aos teóricos. tais como a da "eminente soberania" de um governo sendo exercida ex justa causa. Contudo. na ver­ dade é nessas ocasiões que esse caráter está mais desfigurado. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . e não pode proteger a si mesma de um ataque externo. é incapaz de distribuir pães ou peixes (porque não tem nenhum). demonstraram genialidade ao governar: os romanos e os normandos. permanece sendo a mais civilizada e menos opressiva con­ cepção de estado já inventada. A regência da lei não assa pão algum. a regência da lei possa (como pensava Hobbes) ser formalmente resgatada mediante a invocação de doutrinas legais. isso é apenas outra forma de dizer que a necessidade não conhece leis. acima de todos os outros. E. Longe de ser o caso (como sugeriu Hegel) que o caráter de uma associação baseada na regência da lei seja mais plenamente expressado quando essa associação está preo­ cupada com a busca de políticas ou quando está em guerra. mas aos dois povos que. embora mesmo nessas circunstâncias. é contada em novos idiomas. Volume II. expressar todas as infelicidades sofri­ das pela humanidade desde o início dos tempos. composto para reconciliar um povo apaixonado com um infortúnio contingente. e não há ne- Este ensaio não deve ser confundido com o escrito de mesmo nome original­ mente publicado no Cambridgejournal. às vezes ele pode ser rastreado até uma nascente nas colinas. sua cor muda. e incluído em Rationalism in Politics ( 1 962. Caelum ípsum petimus stultitia. Ela é a ex­ pressão de alguma imutável dificuldade humana. HORÁCIO I ma boa história é como um rio. Sua nascente são as mon­ tanhas que pairam nas névoas de tempos passados. pode concentrar-se em uma balada ou uma canção. 1 99 1 ) . mas o que ele se torna reflete o cenário em meio ao qual flui. apenas para ser dispersada novamente. Minha história é uma boa história. e essa história é marcada pela aparição de novos incidentes ou novos personagens. como um lamen­ to dos Céus. E uma boa história possui outra qualidade além da capacidade de espelhar as mudanças das circunstâncias humanas. em formas narrativas mais prosaicas. 1 948. SOBRE A HISTÓRIA & OUTROS ENSAIOS A Torre de Babel nil mortalibus arduí est. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . Há uma história. . -. ------ COIP: p� r(ei ç ã_? �-. como o fez Carlos Magno em situação similar. . Não.. e é conta­ da dessa maneira. Artur ignora o fato. um prêmio que não era apenas uma relíquia sagrada. Contudo.. a história nos é mais familiar na versão que primeiro foi ouvida pelos anti­ gos hebreus.· ..-·---·----. foi a própria busca do Santo Graal. e os incas do Peru.s�lactQP:a_E!__:ti��Ç9-�_()S outros. e .· .. . Ocupa- . -----· . Nessa lenda (caso você se lembra) o que destruiu a Confraria dos Cavaleiros não foi nada tão contingente quanto as infidelidades de Lancelote e Guinevere. muito convenientemente.· · .· . dos antigos hebreus. Essa é a história da Torre de Babel. Essa história foi contada em grego. _ _ __ . essa foi a causa de sua destruição.· . nas línguas teutônicas e nos idiomas daqueles que por milênios moveram-se entre as ilhas do oceano Pacífico... Ela é encontrada entre as histórias dos chi­ neses.---- se com a conduta e os relacionamentos dos seres humanos. remete ao com­ portamento bizarro de um ancestral de Metternich.. � o�ho!Jlen� e_ �om � s _ __ deuses e em como eles s�.---------.· --·.. nas quais o ouro e as garotas são o centro das atenções...· · ... celta.· · · · As aventuras de Fausto e as peripécias de Dom Juan são ver­ sões um tanto banais dessa história.· · · .--- - . dos caldeus... mas também (infelizmente) uma cornucópia vulgar. nhuma parte do mundo onde alguma versão dessa história não tenha sido contada. . E a história está imbuída no trágico drama que conhecemos como a lenda arturiana.-. elaborada por Josefo e pelos instruídos autores do Talmude. M I C H A E L Ü A K ES H O T T . e que excitou a imaginação de alguns dos primeiros patriarcas cristãos.·· · -·. e entre os povos árabes e eslavos. latim.imp er f:j �ã o . o que.-·--· -·· .. Ela ocupa-se com a terra e com os céus. e suas esposas. gratos pelo que podiam obter dela. um personagem um tanto diferente. alimentando-se de frutos. a chuva S O B R E /\ H I S T Ó R I A & Ü U T R O S E N S A I O S . Em resposta a essa situação. sentia-se tão chocado com a depravação humana que chegou a arrepender-se de ter "criado o hómem na Terra". para destruir todas as coisas vivas. "As janelas do céu foram fechadas. Porém. Em vez de desfrutar da companhia uns dos outros (como crianças poéticas) em uma vida de perpétuo assombro ante as maravilhas do mundo. e regenerar a raça humana a partir de uma família que. deveria ser resgatada do dilúvio: a saber. mas eles ainda tinham de aprender como aceitar a rerum mortalia com elegância. inveja. medo e violência. seus três filhos Sem. por conta de sua virtude. eles devasta­ ram o mundo. Zeus encarregou Hermes de ensi­ nar a humanidade como lidar com as condições da mortalidade com sabedoria: a astúcia de Prometeu já os tornara capazes de explorar os recursos da terra. o Deus de Israel. o viúvo Noé. buscando apenas gratificar seus perversos. ou empenhando-se alegremente em descobrir e cultivar as riquezas da terra. 2 A decaída raça humana solta na terra logo encontrou-se em dificulda­ des. Negligentes quanto à sua beleza. des­ denhosos de suas dádivas e convencidos de sua hostilidade. e estava decidido a começar tudo de novo. Seu plano era "despejar uma inundação de águas sobre aTerra". e insaciáveis desejos. exceto exemplares representativos de sua criação. E suas relações com seus semelhantes seguiram o mesmo pa­ drão: elas eram movidas por ganância. Cam e Jafé. sobreviveram às torrentes que inundaram a Terra. pela graça de Deus. Noé e sua família. os seres humanos encheram-se de ilimitadas necessidades e de uma urgência selvagem em satisfazê-las. não de amor. na verdade. e passou a ser.pia resolução de observar sua parte no pacto. para as gerações futuras.e m obedecer aos comandos de Deus . do dia e da noite. mas sem nostalgia pelo Jardim do Éden perdido e sem expe ctativas paradisíacas. o em­ blema de uma raça humana em paz com as forças da Natureza e ansios�l). genuinamente agradecida por estar viva. mas (como Santo Agostinho conjeturou mais tarde) que poderia muito bem tê-lo feito bocejar de tédio.da época de plantio e colheita. mas de decência e clemência. se houvesse mantido a . apesar de "ultrapassar M I C H A E L Ü A K ES H O T T . Sem tornou-se o cabeça da família. uma raça que. do sol e da chuva. Após sua morte. Noé viveu trezentos e cinqüenta anos após o dilúvio. não deles: os inventores do relacionamento civil. reconciliaram-se com sua expulsão do Jar­ dim do Éden e passaram a encarar sua salvação eterna como um assunto de Deus. Assim. cujos habi­ tantes. e que. cultivando sossegadamente suas videiras e desfrutando da restau­ ração da mutabilidade no mundo . iria no futuro proteger a humanidade das piores calami­ dades naturais: um sinal que mais tarde seria confirmado em um pacto com Abraão. Deus. O destino de Jafé não é parte dessa história. do verão e do inverno. embora não sejam de forma alguma imunes a recair na de­ pravação antediluviana. Pois a terra de Jafé é a Europa.do céu foi contida". a Natureza e o Homem foram reconciliados por uma promessa. a terra tornou-se terra seca mais uma vez.uma raça um tan­ to embotada. e Deus colocou um arco-íris no céu como sinal de que nunca mais agiria tão drasticamente contra a depravação humana. uma paz um tanto precária entre eles que. e isso talvez não seja algo insignificante. não daria a Deus trabalho algum. Era um homem simples. Ele cresceu meio que como um delinqüente. tornou-se líder de uma gangue ainda em tenra idade. Os outros dois filhos tiveram a decência de desviar o olhar naquela ocasião. durante a viagem (se assim pode ser chamada). Essas eram. ao contrário de seus irmãos. Mas Cam. revelando apenas uma disposição li­ geiramente ímpia. divertia-se por aí com garotas. e Cush gerou Nemrod. as coisas estavam um tanto desorganizadas. · sem ·dúvida. Além disso. o que. Noé considerou uma conduta irresponsável. ele causara desgosto a seu pai por conta de várias escapadas infames. Ele casara-se cedo. Nemrod era o filho mimado que seu pai tivera em idade avançada. Mas Cam tornou-se um homem de imperiosa ambição e energia. depois. Em resumo. Tempos atrás. mais por acaso do que de propósito. em todos os sentidos dessa expressão. era um espritjort. ele havia roubado uma herança de famí. e dizia-se que fizera amor com sua mulher enquanto estavam a bordo da Arca. embora não seja algo fácil de ser mantido. Faltava na escola. ativo enquanto Sem encontrava-se de joelhos. a saber. quando.lia. na­ turalmente. Cam gerou Cush. a peça de vestuário que Deus dera a Adão em sua expulsão do Éden. E. ou mesmo apenas ousada. Cam divertiu-se ao ver a nudez de seu pai quando Noé jazia nu e descoberto em sua tenda. Cam era a ovelha negra da família. que é o personagem central da história. e substituiu seu irmão mais velho como administrador da fortuna da família. foi muito bem entendida por Hobbes e Hegel. dava pouca atenção às ora­ ções e era abertamente desrespeitoso em relação a Abraão ( ó filho S O ll R E A H I S T Ó R I A & O U T RO S E N S A I O S 253 . meras delinqüências pessoais. dadas as cir­ cunstâncias.todo o entendimento". e com a qual nosso ancestral comum substituiu sua primeira vestimenta improvisada. e dotado do -----. ele sabia.turbulento e perturbador. foi devolvida a Enoc. ele sentia-se inquieto. que. surgisse e o destruísse. que a levou consigo para a Arca. Talvez Nemrod. era o titular da família. que. Nemrod sentiu-se não apenas um ótimo sujeito. possa ser identificado como o pri­ meiro dos Hell's Angels . Nemrod. Assim. que anos atrás esse Deus não hesitara em inundar a terra por conta da depravação de seus habitantes. o cúmulo da insensatez paterna. Por ocasião da morte de Adão. mas acreditou que fosse invencível. Apesar de achar-se invencível. A his­ tória mantém silêncio quanto à forma e cor dessa peça de vestuário. �­ ferê!:!Qª____ ---· a _ seus anciãos e a lei alguma além dele mesmo. Além disso. a peça tinha sido feita a mando de Deus por Enoc. que poderia causar sua queda. ou pelo menos ouvira falar. temia que alguma outra pessoa. por aquela época. e adquiriu um - considerável cortejo de aduladores e parasitas que.______ carism� -�e � � Ele era admirado por sua audácia. Vestido com essa peça de vestuário. quando adolescente.J2. De acordo com a lenda. se renderam à sua liderança. e ele M I C H A E L Ü A K ES H OT T 2 54 . mas costuma-se acreditar que possuía qualidades mágicas. estava ciente de que se acreditava haver um Deus no céu. Na verdade. tornou-se conhecido como um notável aventureiro. então a deu a Matusalém. Esse foi. deslumbrados com suas blasfêmias. o mimado filho de seu zeloso pai Cush. Contudo. o primeiro costureiro na história do mundo. Matusalém a deixou de herança para Noé. mais poderosa que ele. Quando Nemrod tornou-se adulto. talvez.de Sem). o herdei­ ro da disposição libertín de seu avô Cam. embora estivesse pronto para rejeitar as len­ das de seu povo como contos que velhas mulheres inventavam para assustar crianças. seu pai deu-lhe a peça de vestu­ ário que seu mal-afamado avô Cam havia roubado da bagagem de Noé na Arca. E dirigiu-se a eles da seguinte maneira: Estamos cercados de inimigos.pois. vamos para o interior e construir uma cidade onde poderemos fazer o que qui­ sermos com impunidade. Dele era a clás­ sica dificuldade do líbertín. Com esse objetivo Nemrod reuniu seus seguidores. experimentada) por Pascal.estava inclinado a desacreditar na história de que isso nunca acon­ teceria novamente. Não era bom tentar lograr ou intimidar a Deus. tão incombustível que os raios não poderão nos destruir. o céu é uma grande lona aberta por Deus para afastar as águas que. caracterizavam-se por seu número considerável. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 255 . N. já que não representava mais perigo algum. Vamos. es­ tava determinado a lidar de maneira radical com essa insegu­ rança.e mrod vivia nervoso. Ele não poderia persuadir-se a anunciar que "Deus estava morto" . Assim vingaremos· a morte de nossos ancestrais e ficaremos para sempre a salvo da hostilidade de Deus e da Natureza. que sustentarão os céus de forma que nunca caiam novamente sobre nós . e o mais ameaçador entre eles é esse Deus com o qual Abraão aliou-se. e não por sua inteligência. escondera-se no Peru. Por sob suas bravatas. quando construir­ mos essa Torre. Venham. E vamos chamar essa cidade de Babel: a cidade da Liberdade. de outra forma. ou fiar-se na possibilidade de sua morte: ele deveria ser destruído. rompê-lo com machados e drenar a água para um lugar onde ela não nos possa fazer mal. por aque­ la época. Mas. inundariam a terra. que se tornara uma obsessão. que. como era um homem enérgico. vamos subir ao céu. construir nossas formidáveis escoras. como sabemos. E para que nunca novamente sejamos destruídos por um dilúvio dos céus. �u mesmo que Deus esta­ va desacreditado e. tão forte que resistirá a qualquer terremoto. brilhantemente imaginada (na ver­ dade. Na verdade. no topo dessa Torre. vamos construir uma Torre tão alta que não submergirá ante qualquer inundação. . Enquanto isso. ao longo do trabalho. e. quem se fingia de doente era punido. eles haviam se deparado com o trabalho de uma vida. um homem caísse e morresse. e cujo arquiteto era o próprio Nemrod. Ele rezou a Deus (que. Mas se os tijolos cedessem ou se algum empecilho surgisse. Nemrod e seus seguidores começaram a tarefa de construir a Torre. negligenciando a tudo. Não demorou muito para que a empreitada absorvesse toda sua aten­ ção. mal percebera o que ocorria) para M I C H A E L Ü A K ES H OT T . Porém. eles a aplaudiram. a arrogância da proposta de Nemrod era um tanto alarmante. após alguma hesitação e olhadelas para os lados. Ninguém estava isento. Atrasos provocavam protestos. sem demora. formava-se um tumulto. e tornaram-se escravos de um ideal. até então. Na verdade. dessa que era a maior das aventuras da impiedade. os não tão jovens meio arrependidos do destino de consumirem-se na busca de algo de que talvez não vivessem para desfrutar. Todos entregaram-se à tarefa. algumas choças foram erguidas. e férias eram proibidas. um tosco muro foi construído a seu redor. já haviam ido tão longe com ele que não estavam em posição de dar as costas a nada que N emrod sugerisse. Se. Para alguns de seus seguidores. os mais jovens sonhando com a se­ gurança que se seguiria à sua conquista. exceto à conquista daquilo de que haviam se incumbido. O local da cidade foi tomado de alguns pastores vizinhos. Eles construíam com paixão e energia. ou desejava estar isento. eles não nota­ vam. o tio-avô Abraão observava o que ocorria em Babel e estava naturalmente horrorizado ante sua impiedade. Nesse esforço para subjugar Deus e a Natureza às ambições humanas. A aventura teve início no dia seguinte. deixando atrás de si um povo incapaz de perseguir qual­ quer empreendimento cooperativo. ele sugeriu que isso poderia ser feito de modo mais conveniente. Assim eles fizeram. é claro. que engolfaria a humanidade. Mas quando ele emergiu ileso. a exasperação espalhou-se.que frustrasse os construtores da Torre. E Nemrod. de maneira que nenhum homem entre eles pudesse entender o que qualquer outro falasse. mas de for­ ma mais econômica. Assim. ela começa com Nemrod e seus compa­ nheiros libertinos tão exasperados com a pia pregação de Abraão que o jogaram em uma fornalha. Eram dadas ordens que não eram obedecidas por não serem entendidas. "confundindo" as línguas de Nemrod e seus companheiros. não por meio de um segundo dilúvio. adquiriu seu significado histórico: Cidade da Confusão. e a frustração atin­ giu tal dimensão que as pessoas de Babel não mais eram capazes de tolerar a presença umas das outras. mas por uma inundação de palavras sem sentido que o império de Nemrod foi destruído. Segundo contadores de histórias muçulmanos. não foi por meio de um dilúvio. Agindo de acordo. Na verdade. Existem. seus algozes ficaram assombrados e consideraram o fato um sinal de que o Deus de Abraão era hostil e perigosamente poderoso. e o nome de Babel. outras versões da história. temperamentos tor­ naram-se animosos. que original­ mente significara Cidade da Liberdade. Deus ordenou que os setenta anjos que cercavam seu trono descessem sobre Babel e levassem esse desastre a seus habitantes. em um surto de arrogância que foi além de qualquer S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 257 . Sua Torre tornou-se um memorial em ruínas a uma ímpia aventura. Seu povo tagarela foi separado e espalhado sobre a face da terra. Porém. con­ duziu seu povo em um ataque contra os céus. Frustrado pela segunda vez. Nemrod MICHAEL ÜAK ESHOTT . tinham outra versão mais sombria da história. Nesse relato. o céu visto do topo nunca parecia estar consi­ deravelmente mais próximo. de forma que Nemrod ordenou a seus compa­ nheiros que erguessem uma Torre extremamente alta para cobrir a distância. Nemrod procurou outro meio de chegar a Deus. Frustrado. tomado pela insensatez.coisa que até então perpetrara. e Nemrod caiu no topo de uma montanha. os construtores ficaram cada vez mais negligen­ tes. a caixa foi sacudida por uma rajada de vento. A impetuosidade dos construtores foi. novamente. até o céu. declarou que ele próprio subiria aos céus e se livraria do Deus de Abraão antes que o pior aconte­ cesse. apenas para ser frus­ trado por um redemoinho que os varreu da face da terra. mas sem muita convicção. Pressionados pelas exigências irracio­ nais de Nemrod. Ele mandou fazer uma grande caixa de madeira e em seus quatro cantos colocou cordas. Eles trabalharam por três anos. sua destruição: a Torre desabou. Mas os antigos hebreus. que eram incansáveis em aperfeiçoar esse tema. Eles o carregaram. Esse sábio ancião disse-lhe que o espaço entre o céu e a terra era muito grande. E esse foi o fim de um visionário que degenerou em um reconhe­ cido excêntrico. objeto de piadas. Porém. ao aproximarem-se dos portões do paraíso. e a Torre ruiu. E há uma versão caldéia da história na qual Nemrod aparece como um antigo rei babilônio que. enterrando Nemrod em suas ruínas. as quais prendeu nos bicos de quatro pássaros gigantes chamados rocas. retomou o projeto de construir uma Torre. embora N emrod subisse nela todos os dias na esperança de conseguir lançar seu ataque contra Deus. sentado em sua caixa. e que desejam apenas evitar as conseqüências da depravação. decidiu desferir sozinho seu ataque contra Deus. A história preocupa-se em evitar um reino de terror real ou imaginário. e com a conquista de uma segurança absoluta em relação aos poderes hostis de Deus e da Natureza. um enxame de formigas o devorou. Ele caiu no chão. um arco de dimensões extraordinárias e inusitado poder. Nemrod é colocado nesse papel de um assassino S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 259 . Se. elas apenas poderiam estar certas da segurança que busca­ vam se tivessem a garantia de sua morte. como Nietzsche. Contudo. o que caberia a um assassi­ no bem-sucedido. tendo Deus como alvo. e sem nenhuma dispo­ sição para fazer alianças com aqueles que. O tema dessa história é. Cons­ truiu. elas pudessem se convencer de que esse terrível Deus já estava morto. Assim. interessado apenas no bem e no mal. A flecha caiu na terra gotejando sangue. tinham dificuldades em evitar as costumeiras ne­ gligências de uma vida humana. e. Elas buscam libertação de um potentado em cujas pro­ messas não mais põem fé. muito fraco para mover-se. Em sua versão mais antiga. aqueles que se rebelam contra tal Deus são pessoas que não vêem o motivo pelo qual suas delinqüências deveriam ser levadas tão a sério. Mas Nemrod não sobreviveu a seu triunfo. a ocasião na qual Deus demonstrou tanto sua impaciência para com a depra­ vação humana quanto seu comando sobre as forças destrutivas da natureza. nem sempre destituídos de boas intenções. então. o ataque titânico contra os ceus. enquanto lá jazia. o céu é a morada de um· Deus um tanto severo.era representado como um personagem tão Jarouche que até seus seguidores recuaram ante suas impiedades. E da remonta ao dilúvio. pois. Abandonado por seus súditos. deixariam (é verdade) de se sentir ameaçadas. e com ele lançou uma flecha para o céu. mais triviais. mas que acarreta a destruição de todas as virtudes e consolos da víta temporalís. ao mesmo tempo. o objetivo é apenas destruir esse reservatório. mesmo em épocas antigas. Pois. M I C H A E L Ü A K ES H OT T 260 . e a 2erda que ele acarre­ tou. que (na maioria das versões da história) não é mais do que um reservatório de enormes proporções. Mas. É uma expressão deformada daquele nostálgico anseio de ser resgatado do exílio e de retornar ao Paraíso Perdido: uma perda que o registro mostra ter sido ocasionada não por um rebelde Adão. é claro.heróico. The Mark oJ Cain. o esplendor simbólico desse conto não se compara com o relato do breve encontro entre Deus e o homem que constitui a misteriosa história de Caim. bem como seu proprietário. a história de Babel con­ tinha outros significados. para aquele primeiro. ele é o líder de umaFevolução/cósmica cujo esforço não apenas está fada­ do ao fracasso. Nemrod não é um ladrãozinho como Prometeu. em algumas dessas histórias que giram em torno de Nemrod. Não há plano algum de dominar o céu. quase que inadvertido. o sonho de des­ frutar uma vez mais da paz e plenitude do legendário Jardim mu­ rado foi transformado em um plano monstruoso de atacar o pró­ prio céu. mas por sua decente decisão de ficar ao lado de sua imprudente esposa. 1 1 Ruth Mellinkoff. onde as águas são mantidas apenas por uma precária comporta controlada por Deus. uma destruição da qual a "confusão de línguas" é o emblema. excesso. Ela apontava para além de Noé e do Dilúvio. mais profundos e. que havia caído na conversa de um esperto vendedor de enciclopédias para efetuar uma aquisição de conhecimento que estava além de sua posição e de seus recursos. Entretanto. caracteristicamente (nas palavras de Montaigne ) amava apenas a caça. modo mais prosaico. cuja autoridade jazia em atiçar medos e ressentimen­ tos de seus súditos. como conseqüência disso. um gigante que. De um . descuidadamente. confundiu as con­ versas da humanidade. Ele reco­ nhece a história hebréia do Dilúvio como um rompimento entre o Homem. mas. é claro. Nemrod apropriadamente aparece como o ancestral do falastrão Rodomonte. Deus e a Natureza. desfruta de uma era S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . entrou em guer­ ra contra os céus e. então. Tempos depois. marido e mulher. E Hegd. Nela. lhes permite gerar após o Dilúvio. E ele compara essa histó­ ria do excesso hebreu com a história grega de Deucalião e Pirra. ê claro. o Nemrod que chegou até nós é um po­ deroso caçador. Ele é encontrado no nono círculo do In­ ferno. cuja falta (ele a deixou. por conta de sua virtude inco­ mum. o mais terrí­ vel de t o dos os s arrac enos e herdeiro de sua roupa da invencibilidade (aqui descrita como uma pele de dragão). são salvos em um barco. por vaidade. E . e não o ato de caçar. E a raça regenerada. até mesmo o não muito exigente Zeus fica por fim exaspe­ rado com a voracidade da raça humana e resolve destruir a hu­ manidade com um Dilúvio. Babel tem sido um conto banal de despo­ tismo benevolente: Nemrod é o primeiro auto-intitulado Rei­ Redentor. que Zeus. pendurada na tumba de Isabela) caus ari a sua queda em s eu e n c ontro final c o m Bradamente. Mas Deucalião (um filho de Prome­ teu) e Pirra. No poema de Ariosto. Dante identificou Nemrod como um ser hu­ mano deformado. um idiota tagarela eternamente soprando uma trombeta: O anima co nfusa. que foi reparado apenas para voltar a ocorrer no conto de Nemrod. volta ao começo. nem virtudes heróicas. Caminhar nos bosques selvagens. �� 3 Nessa versão da história. foi. também exclamariam: "Meus Deus. Os babelianos não têm vícios espetaculares. tem sido contada em um idioma um tanto diferente. As novas características da história têm. Uma grande varie­ dade de empreendimentos está em andamento. mas que. nas palavras de Chaucer. se tivessem o dom da introspecção de Madame de Sévigné. uma harmonia que gradualmente se eva­ porou. e ainda que as banalidades da modernidade qnalifiquem o heroísmo da antiga impiedade. e os entrete­ nimentos não costumam ser refinados. A arte degenerou em entretenimento. ain­ da que o mis-en-sce'ne seja diferente. que não foi interrompida pela ambição vulgar de um Nemrod. nascida no rio do tempo. seu contraponto nas versões mais antigas. há uma interminável proliferação de necessidades� satisfações. uma cidade atribulada pelo alvoroço de obter e gastar. Seus habitantes são co­ nhecidos por sua volubilidade. como amo a moda!" Eles são M I C H A E L ÜAK ESHOTT . talvez. Entretanto. é claro. aquela complacente garota cujo único desejo era.dourada de harmonia. Ela ainda pode ser reconhecida como a mesma história. antes de evaporar-se. a mudança é em relação à ênfase. A atmosfera geral é de uma vulgari­ dade moderada. São facilmente seduzidos pelas novidades. ao chegar à nossa época. essa história de Babel e Nemrod. capturada na lenda de Diana. as cortinas sobem mostrando Babel. É. Eles formam um povo indócil em vez de indiferente. a ordem que existe entre eles tem sido há tanto tempo mantida por subornos que agora esse é o único tipo de controle que podem tolerar. As virtudes estóicas e marciais estão particularmente ausentes de seu caráter. Cam. Há uma tendência ao descontentamento. Babel é uma civitas cupiditatis. Na verdade. um estranho que se aproximasse de seus habitantes poderia tê-los considerado um povo difícil. Contudo. e uma vez que elas eram ilimitadas. e seus habitantes.�ndulgeftes. a pronta satisfação de todas as suas necessidades). formam um povo devota­ do à riqueza. não como um povo selvagem e apaixona­ do poderia se ressentir. que recen­ temente herdou o legado e a autoridade do pai. suas neces­ sidades mais casuais eram atendidas. que na infân­ cia recebera dos pais e tutores. Ainda assim. essa história de Babel versa sobre o merecido castigo para a cobiça. E a deferência a seus desejos. Nemrod. naturalmente esperava receber do povo. de fato.ensimesmados e auto. embora não sejam excessivamente ricos. Eles são governados por um jovem duque. A família ducal na qual fora criado era quase que uma réplica da cidade. e suas exigências mais capri­ chosas eram satisfeitas. Em resumo. Pode-se dizer que essa situação jazia em estado potencial em Babel desde o tempo do primeiro duque. ele é um típico babeliano. o duque e o povo encontraram-se em direções um tanto diferentes. Desde a infância. à falta de objetivos e à ausência de autodisciplina. Sob um certo ponto de vista. uma Cidade da Liber­ � dade: o lar de toda§____ imagináveis. agora que se tornara o seu duque. uma vez que as expectativas do povo eram similares às dele própri� (a saber. mas como crianças mimadas. e ressentem-se do governo. con- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . Em muitos aspec­ tos. Deus não aparecia como o governante dos habitan­ tes da terra. mas como o dono de uma propriedade situada aci­ ma dos t:éus. sempre iluminadas pela lua cheia. impaciente ante a frustração que a situação prometia. Era uma propriedade de riqueza inimaginável. E Nemrod. Era um mundo sem inverno. de forma que contribuíssem para a satisfação de suas próprias necessidades ilimitadas. Pode-se dizer que os babelianos. O sol brilhava durante o dia e as noites eram tão macias quanto veludo. que se supunha conter tudo o que era desejável em ilimitada profusão. Mas sua disposição pragmática estava ancorada naquilo que. tanto o duque quanto o povo acreditavam que faziam algo de bom. M I C H A E L Ü A K E S H OTT . Sem dúvida. assim como o Papa Bórgia Alexandre IV. a ascensão de um novo governante a fez vir à tona. �'?. As árvores sempre tinham frutos. até certo��m praticamente tudo. acreditavam. Mas o certo é que esses eventos não poderiam ter ocorrido se não fossem algu­ mas importan��J2. e em meio a essa propriedade serpen­ teava um rio de vinho. e que papel desempenhou a cobiça dos babelianos. tudo. Nessas crenças. satisfeito quando eles se comportavam bem e implacável com a maldade. poderia ser chamado de crenças religiosas. Tudo o que se poderia pedir era instantanea­ mente fornecido. _P_C>E s_e_l1 _P�Y�'. e pode até ser que o duque pensasse que seu povo se tornaria mais governável se ele aparentas­ se formar uma aliança benevolente com a população.ªrtilhada� ta��elo duque quan­ _ __ . sem qualquer limite. Nos eventos que se seguiram é difícil dizer exatamente que pa­ pel desempenhou a determinação do duque de organizar as ativi­ dades de seu povo.. . empenhou­ se em resolver o conflito. na falta de uma palavra melhor.. Ele começou elogiando seu povo pela engenhosidade com a qual in­ ventava novas necessidades e seu desembaraço em satisfazê-las.. mas nunca os satisfa­ zendo. dos quais afortunados passantes poderiam se servir. compartilhadas pelo duque assim como pelo povo. criador de todos os seus prazeres. se mais ressentidos pelo�lh�_g. instigando seus apetites. eram o solo no qual Nemrod plantou uma semente que floresceria como uma revolução no modo de vida babeliano. um cesto de figos ou romãs. A moderada riqueza que envolvia suas vidas era obras deles... produtos de sua propriedade celestial.::. e seus habitan­ tes eram o que os teólogos chamam de "desprivilegiados". Mas ele também era conhecido por ter uma dis­ posição um tanto mesquinha. Ele era conhecido como alguém que tinha rompantes de caprichosa generosidade. _.i. sem qual­ quer auxílio. Assim. direta ou indiretamente... No aniversário de sua sucessão ao ducado. quando jogava do céu. Essas crenças.. na verdade. como crianças mimadas que eram.�. senti�_-:: . Nemrod realizou uma cerimônia oficial durante a qual fez um longo discurso. Mas ele também estava ciente das privações que sofri­ am.. a terra era reconhecida como uma parte do uni­ verso distintamente inferior. não podiam enten­ der por que deveriam ser convocados para sofrer privações. Entendia-se que o dono dessa miraculosa propriedade tinha uma boa disposição para com os habitantes da terra. negadQJ:fo que grat��-1º . mas também de suas privações. amarrado em uma corda. e prosseguiu compadecendo-se deles por suas frustrações. doando prazeres aos seres humanos de forma miserável. uma região de escassez. Exi- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . o Deus dos babelianos era conhecido como um benfeitor pão-duro.9. E uma vez que. ele era reconhecido como a derradeira fonte de suas satisfações e prazeres.. Em resumo. os quais eram. .- lhes era dado_!. quem é o verdadeiro criador de sua frustração? Quem é esse que tem os meios para pôr fim à sua privação. Deixemos isso para os outros. de recursos restritos. em muitos sentidos. porque poderia facilmente perder a simpatia de sua audiência ao cair em uma desbragada blasfêmia. Na verdade. Porém. Os babelianos eram. que nós devêssemos nos distrair construindo algo tão irrelevante quanto a Represa do Dnieper. seu cérebro lhes era de mais valia do que sua riqueza. um povo despretensioso. os homens comuns podem reclamar de sua sina. tais como a manufatura de chips de silício. somos ao menos vítimas de uma criminosa injustiça distributiva? Nessa parte do discurso Nemrod teve de ser cuidadoso. mas. que não estava habituado a ter sua dignida­ de invocada.biu-se como homem de ilimitada generosidade. Outros povos já foram incita­ dos antes a se ressentirem de sua exclusão do que tem sido chamado de "um lugar ao sol''. mesmo que eles os tenham dotado de um caráter infame. E continuou. tendo pre- M I C H A E L Ô A K E S H OTT 266 . e não em satisfações totalmente imaginárias. infelizmente. se não isso. para mostrar-se como um ho­ mem de grandes idéias: Não vou insultá-los [disse eleJ sugerindo que vocês superem suas privações engajando-se em qualquer um desses expedientes gnósticos. Além disso. mas o descontentamento humano geralmente se concentra na falta daquilo de que outros parecem estar desfrutan­ do. Pois. Nem tampouco sugiro que vocês (e aqui ele rapidamente se corrigiu). Sua dignidade de babelianos exige um reconhecimento mais ra­ dical. e não o faz? Não é esse mesquinho Deus que maliciosamente retém o que poderia dar sem que nada perdesse com isso? Vocês não merecem mais do que recebem? Não somos nós as vítimas inocentes de uma conspiração cósmica? Ou. para dar­ lhes uma ilimitada profusão de satisfações. mas demoram para impugnar seus Deuses. o Grande. era seu mais caro desejo al cançar em ben eficio de seu povo. Ainda assim. para que pudessem aparecer no final e desfrutar dos resultados. ou que sua adesão ao S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . não significava nada tão banal quanto: "Lembre-se de que você morre­ rá:' Contudo. que. a menos que tivesse sido ins­ tigado a fazê-lo por algum hábil visionário. Quando Felipe. Nemrod não recebeu tal advertênóa. o pai de Alexandre. desalojando aquela miserável deidade de sua propriedade e apropriando-se dela para que todos os babelianos pudessem desfrutar da ilimitada profusão do paraíso. O plano consistia em construir uma Torre em direção ao céu. diz-se que seu criado costumava adverti­ lo: "Felipe. Eles sempre preferiram chegar em vez de viajar. Confiou-lhes também o plano para alcançá-la. O discurso termi­ nou com uma exortação que deu ao projeto as cores de uma guerra santa e lucrativa. é impossível imaginar qualquer povo alimen­ tando seriamente um projeto desses. e. mas sempre viram Aladim como um rapaz afortunado que tirara a sorte grande. natural­ mente. lembre-se de que você é mortal". anunciava uma extraordinária aventura. é claro. teriam preferido que outros se incumbissem disso. A ambição era nada mais nada menos do que forçar a abertura dos portões do paraíso. havia muitas coisas no caráter dos babelianos que não os disporia a engajarem-se em um empreendimento tão extra­ vagante. o que. Nemrod prosseguiu.parado sua audiência para algo inusitado. Eles parti­ lhavam da faustiana preferência pela mágica. da qual o ataque contra o paraíso seria lançado. Na verdade. nessa ocasião. disse ele. con­ fiando-lhes uma secreta ambição. um tipo de boa fortuna que não era para ser procurada por todo um povo. que urdira com o auxílio de seu leal vizir. ou sem algum esforço. ou para suas perspectivas de opulência. ainda que brevemente. e elevaram-se ao status de sacerdotes de um ideal. Uma pequena parte da área era ocupada por uma loja de chocolates e tabaco. e que agora lhes era oferecido. e."ªªcl�. quan- M I C H A E L ÜAKES HOTT 268 . mas lhes era negada sua imediata satisfaÇ ão. pela gloriosa visão de tratores retumbando na vermelhidão do pôr-do-sol. Eles eram capa­ zes de ter inveja e ressentimento. as conseqüênci­ as do empreendimento começaram a se mostrar. bem como _. uma profunda mudança ocorreu com o povo de Babel.i c!�-�-�cl_ev_ eria ser um e!!l­ _ __ / �ste. Uma área de vários hectares no meio da cidade foi aberta. pois.i �1:1SE��. todas as mágoas dis­ solvidas no turvo êxtase da camaradagem devotada à condução de uma incandescente revolução tecnológica voltada ou para seu pró­ prio bem. não eram um povo que poderia ter-se dei­ xado enlevar. Mas. que eles tinham. era uma "al­ ternativa" às suas circunstâncias imediatamente reconhecíveis (que não pedia por nenhuma mudança de disposição neles próprios) é que era tão radical que até mesmo eles não poderiam esperar alcançá­ la da noite para o dia. Os babelianos. Alguns diriam que a cobi­ ça derrotara a indolência e o bom senso. quando o sol se pôs. mas o que os unia era uma pro­ funda sensação de serem igualmente "privados": era-lhes permiti­ do ter desejos. encontrado um propósito na vida para acomodar seus ca­ prichos. outros. 4 As obras da Torre começaram sem demora. Imediatamente.\ pi:�i�to abr�1:1dasse_p�pletQ_a_s_�nsação de que é bom demais ! Eªr<l � e 1: \Te l. seja como for. enfim. O que eles poderiam buscar. Assim como no começo de uma guerra o padrão de vida muda de forma devagar. Ele era ho­ mem de atitude.do as escavadoras chegaram para tirá-la do caminho.c� E essa confirmação da soberania da utilítas �pôs um fim na história civil de Babel. também em Babel as condições desse empreendimento de invadir e capturar o paraí� so apenas gradualmente tornaram-se evidentes. Mas. se os habitantes da cidade houvessem sido capazes de prever o que seu engajamento traria. é claro. Em um ce­ lebrado julgamento. pas­ sou-se algo em torno de doze meses antes que os babelianos come­ çassem a reconhecer claramente que estavam engajados em um empreendimento que exigia a total mobilização de seus recursos. Outros prejudicados pelo antinomiano entusiasmo com o qual o novo "propósito social" dos babelianos foi recebido recorreram à Suprema Corte. e seus habitantes estavam a caminho de adquirir uma nova identida­ de comunal no lugar de suas antig�ndividuali�a�:.l �<?nveniência privada deveria sub­ _ _ meter-se ao(!?_��. É possível que. O �ecretário admitiu que a situação era sem precedentes.���_!int�. porém. _'. um distinto juiz (chamado lorde Wensleydale) declarou que. receberam uma resposta seca. e lamentou que não tivesse o poder de impedir a demolição. Na verdade. mas prometeu levar o assunto ao Conselho administrativo. suas queixas. seu idoso propri­ etário foi à prefeitura protestar e pedir uma compensação.=_ S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . ignorou o conselho que a garota do guichê lhe deu para que apresentasse sua queixa por escrito e insistiu para ver o secre­ tário da Câmara Municipal. A Cidade da Liberdade estava se tornando uma comunidade. esses desdobramentos reve­ laram-se apenas de forma lenta. quando grandes obras eram iniciadas com a intenção de aumentar a prosperidade de todos. talvez o tivessem iniciado com menos entusiasmo. e as atividades dos babelianos começaram a se con- M I C H A E L ÜAKESHOTT 270 . ou "C onstruçao . gradualmente saíram de cena. Um a um. ou a de meros Construtores de Torres. como substantivo (e também como verbo). com uma torre de um lado e N emrod. é claro. Tais frivolidades. Turita tor­ nou-se um nome popular para garotas. Pessoa alguma. e adesivos com slogans como T . e "N ao "Avante. foi dotado de um óbvio significado secundário. A adminis­ tração municipal tomou a dianteira. no outro. iorre " . muito menos os babelianos. os compromissos e ocupações estranhos ao empreendimento desapareceram. E pratos como Bife à la Tour e Consommé Touraíne apareceram nos menus dos restaurantes. e Tar para meninos. Torres de plástico ocuparam o lugar dos gnomos de plástico nos jardins suburbanos. - Espere pelo que Você Quer" para os vidros das janelas de trás. podia sentir-se seriamente engajada sem que o engajamento fosse traduzido em coisas como fazer brinquedos e show-busíness.Mas se essa identidade era a de Buscadores do Paraíso.para o para1so do povo " . "torre". Os bolos de gengibre que as crianças costumavam levar para a escola eram assados em forma de torres. foi um período no qual o entu­ siasmo pelo projeto adquiriu muitas formas diferentes. a obsessão começou a tomar conta de todos. O design dos brinquedos infantis foi invadido por motivos de torres. Novos selos postais foram lançados mostrando uma torre. mais ou menos como a peça do tabuleiro de xadrez. E. O primeiro ano. ou pouco mais. As pe­ ças dos trousseaux das noivas tinham uma torre bordada nos locais apropriados. isso não foi esclarecido. E não levou muito tempo para que novas moedas fossem cunhadas. com uma torre em miniatura em sua mão. Depois disso. contudo. Decalques de torres eram ven­ didos para os pára-brisas dos carros. Sua proverbial alegria deu lugar a um tipo de seriedade espúria. Um povo dedicado à conquista de um chamado "padrão de vida" perpetuamente em elevação não é mais que um pálido refle­ xo da devoção dos babelianos à sati sfação total. Porém. A coleta de rações tomou o lugar das compras. e ganhar S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T ROS E N S A I O S 271 . E havia uma escola de arte dirigida por um artista de distinção. As crianças de Babel nunca desfrutaram por muito tempo da educação escolar: a vida começava cedo e voltava-se para a satisfa­ ção de necessidades que não exigiam muito aprendizado. A distinção entre rico e pobre deixou de existir. Mas esses eram apenas os primeiros passos de uma trans­ formação que não deixaria nada no lugar. mas o aprendizado era buscado apenas por alguns poucos. todos estavam igualmente empobrecidos. não em prestações. tudo isso rapidamente revelou-se para os planejadores como sendo a construção de uma "sistema educa­ cional" projetado para transmitir (conforme descreveu um famoso relatório) "as habilidades e versatilidade exigidas pelo atual com­ promisso do povo de Babel". A univer­ sidade era um tributo à cultura dos tempos antigos (Babel não havia nascido na barbárie). Aqueles que não trabalhavam na Tor­ re dedicavam-se a cuidar dos que trabalhavam. e a Escola de Arte foi convertida em Escola de Desenho Industrial. uma forma­ ção em Estudos da Torre foi adicionada ao currículo da universi­ dade. no fim. mas como recompensa final. o único uso que restava para o dinheiro era apostar nas casas lotéricas qual seria a conquista dos construtores no dia seguinte. E. Uma nova disciplina chamada Tec­ nologia da Torre (abreviada para TT) foi introduzida.trair ao redor de um único centro. sob inspiração do novo ' � . que emigrara de Paris. E então surgiu entre os babelianos uma interimsethik.um verdadeiro Turmerlebnis.· .. o índice de suicídios caiu para zero.---·------· -· empobrecidas. Mas algumas novas doenças apareceram. Onde havia apenas um · - - · · - · -· assunto sobre o qual falar.esperar que esse novo "estilo de vida". ninguém duvidava do motivo pelo qual estava vivo.. À medida que a obsessão dominava... devesse encontrar alguma resistência.fÁ.--. I��a conduta er�!!��l_?��cida ape��or sua relaç ãc:: co� _ &�pre :�� ��_t. relatando os progressos da Torre. Na verdade.----. Em uma delas... sua difusão tornou-se conhecida como mídia. pais à moda antiga zom­ bavam dele quando seus filhos voltavam da escola com a cabeça cheia pela última extravagância.. _ tiça" adquiriram sentidos restritos. que os doutores chamaram de melancholia turita.--. Crises de identidade não estavam mais na moda. "justiça" e "injus­ i. "alienação" era uma palavra do passado. apropriados às circunstâncias: a cada um deles era afixa40 o adjetivo "social". e..p-alavras "b-��' e "mau". os pios pregaram contra ele. além da torre. os pacientes. . e ainda havia a companhia de pessoas entre M I C H A E L Ü A K ES H OT T 272 .. - ou perder somas inteiramente nocionais.. geralmente terminavam acreditando que eles próprios tinham sido transforma­ dos em torres . a imaginação e a língua tornaram-se -- - - ·· - - - ·..· -. Era de-se.. após exibirem uma série de sintomas tais como "ver torres" ou acreditar que estavam sendo violados ou devorados por torres.. . Foi satirizado pe­ los humoristas. Jornais degeneraram antes que fossem substituídos por boletins oficiais três vezes ao dia.·· · · . os únicos projetos de construção realizados naquela época eram os de hospitais psiquiátricos e clínicas para tratar da prolifera­ ção das ansiedades que o empreendimento havia gerado. como isso passou a ser chamado.. para igualar-se ao caráter e ao propósito evanescente da atual maneira de vida.-... estranhamente. Por exemplo. e os resultados dessa pesquisa foram. E o cuidado e a preocupação iam muito além das técnicas e materiais usados na construção da Torre. e uma NovaTeologia surgiu. a própria extravagância da empreitada parecia exigir que ela fosse dotada de um inusitado grau de autoconsciência. teve início uma pesquisa para avaliar sua qualidade cênica por meio de um teste semântico-diferencial bipolar. antes mesmo que a Torre começasse a ser erguida.r_ª-_C:9�C>ª'1:CÍS?_�?_ �__{'. As liturgias das cerimônias religiosas foram revisadas. e somente depois de os materiais terem sido submetidos a rigorosos testes. Arquitetos com plantas ficavam ao lado de pedreiros e ajudantes de obra. e que pregavam a doutrina do Deus Avarento. é claro.��-���_: Enquanto isso. 1 do. . colocava um tijolo cerimonial.quem um jovem que fora condecorado com a Medalha da Torre (da quarta classe) ficaria envergonhado de mostrar sua condecoração. e supervisores inspecionavam o lugar de cada pedra.antificados. Contu.(!:té mesmo a antiga história de Babel foi reescri�g��-q_l1�_() . Independentemente da enormidade do empre­ endimento. Na verdade. disseminada em panfletos escritos por pessoas que vieram a ser conhe­ cidas como os Bispos Pró-Torre. ocasionalmente. Mas esse ceticismo foi combatido com uma maciça propaganda. o que essa autoconsciência evocava não eram reflexões projeta­ das para acomodar o esforço exigido pelo empreendimento ao ímpeto dos nativos de agarrar e desfrutar de benefícios imediatos. que. A Torre era dia­ riamente visitada por Nemrod. as obras prosseguiam a passo acelerado. mas uma�uase q� e insaciável sobre os sentimentos e atitudes que' isso gerava. As fun­ dações tinham sido construídas com cuidado.E_as sado gucks�_se. E toda S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . não havia nenhuma negligência ou descuido na manei­ ra como era realizado. qt. e seus recursos consideráveis. Nin­ guém sabia que resistência a invasão iria encontrar. em sua maior parte. por crianças de escola enviadas para co­ lher essas informações dos transeuntes.uma indústria emergiu. precisando apenas ser privado de sua au­ toridade. O paraíso não cairia com uma escaramuça. por exemplo. de motivos. e arsenais tinham sido construídos para produzi-los e guardá-los. despejado de sua residência e enviado para viver em algum exílio apropriado. M I C H A E L Ü A K E S H OTT 2 74 . Enquanto os construtores estavam trabalhando na Torre._Até o menos entusiástico dos cidadãos dificilmente poderia queixar-se de que o projeto não estava sendo "bem pesquisado". Assim. Conjeturava-se que Deus fosse bem senil. O fato. o propósito social dos babelianos estava sob um contínuo e não_:g::i!:i co escrutínio. Babel tornou-se uma cidade de enquetes e questionários. Mas esperava-se que o estado de espírito de seus servidores fosse hostil. c. de esperanças e de medos dos habitantes da cidade. A Torre propriamente dita consistia em uma estrutura quadrada. ampla o suficiente p �ra acomodar o movimento dos veículos de guerra que seriam usados no ataque final ao paraíso.onduzi­ dos. de que quarenta e três por cento das garotas com idades entre dezes­ seis e dezoito anos preferirem ajudantes de obras em vez de pe­ dreiros foi considerado tão significativo que eram publicadas vari­ ações semanais desse número. Muito se havia pensado quanto ao projeto desses equipamentos militares. preocupada com �pesquisas" de opi_i:i_ião. e a política adotada era a de que os invasores deveriam estar preparados para toda emergência que se pudesse imaginar. as tropas de assalto submetiam-se a treinamento intensivo. cujo interior era composto de urna escada espiral com plataformas periódicas e flanqueada por urna larga rampa que ascendia continua­ mente. É verdade que esses encontros tornaram-se pouco mais que compe­ tições para imaginar novas necessidades e suas satisfações. Elas desejavam demolir o trabalho que havia sido feito para dar início à construção de uma Torre mais bem planejada. então. Os anos se passaram. o ritmo do trabalho acomodou-se em um passo menos excitante. os babelianos haviam se lançado à tarefa como um povo com muitas necessidades. o perigo de que seu propósito pudesse ser esquecido. há uma versão da história que tem esse fim pouco dramático. a sombra que ela lançava sobre a cidade aumentava. À medida que a Torre crescia. Assim. grupos de estudo eram formados e se reuniam para ouvir os insíghts que revelariam o que deveria ser esperado.obter o paraíso. S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 275 . E ao longo do tempo surgiram pessoas que transferiram suas obses­ sões para a Torre. e o trabalho tornou-se um empreendimento profissional. mas. Seria justo dizer que os habitantes de Babel nunca tiveram nenhuma idéia exata da propriedade celestial que estavam se preparando para invadir. Mas sua devoção à tarefa os transformou em um povo com uma única necessidade . Contudo. à medida ! que a Torre crescia. Havia. Porém. e que Babel se tornasse uma cidade de trabalhadores braçais. em sua maior parte. a aventura a que Nemrod dera início recebia ameaças de uma outra direção. que sim­ plesmente respondiam a uma disposição adquirida de colocar uma pedra em cima da outra. mantinham silêncio sobre o assunto. preferindo discorrer sobre a maldade de seu miserável proprietário e a justiça de sua planejada expropriação. com os babelianos degenerando-se em uma nação de idiotas construtores de torres. Depois dos primeiros meses de entusiasmo. Na verdade. e pensavam no para­ íso como um lugar onde essas necessidade seriam instantaneamente · satisfeitas. e os teólogos. conduzidos pelo próprio Nemrod. eles contribuíram para proteger os babelianos da frustração final de entrar no paraíso e descobrir que não tinham necessidades a satisfazer. Eles estavam cansa­ dos de todas essas conversas sobre Tecnologia da Torre. a coragem dos habitantes da cidade foi duramente testada. estavam determi- M I C H A E L Ü A K ES H OTT . con­ trolada pelo que era chamado de "orçamento de força de traba­ lho". e explorariam sua prometida profusão. Sob essas circunstâncias. enquanto todos esses preparativos eram feitos. exaustos pelo esforço. O suprimento de argila para tijolos estava se exaurindo e as pedreiras haviam sido exploradas a tal ponto que agora pouco tinham a oferecer. Eles desejavam apenas sonhar com o futuro. Materiais de cons­ trução começaram a escassear. era natural para esses jovens. formar seus próprios grupos. Os jovens. E os procedimentos um tanto extravagantes dessas aulas para adultos tiveram seu contraponto.li­ vres de considerações sobre possibilidades e indiferentes às condi­ ções de probabilidade. Essas fraternidades representavam. Assim. formaram fraternidades . talvez. preparando-se para o que começavam a esperar que não fosse uma vida de labuta. estavam cansados de ouvirem falar dos engenhosos experimentos realiza­ dos por um perspicaz babeliano para produzir a perfeita camada de tijolos mediante um processo de condicionamento psicológico. os babelianos. camaradagens para ensaiar a vida que viria . mas uma vida de realizações. no rastro dos exércitos inva­ sores.gru­ pos que entrariam juntos no paraíso. v ida dos babelianos.mesmo assim. Mas. que e ao contrário dos mais velhos) não iriam entrar no paraíso cambaleantes. o último vestígio de despreocupada diversão nas ansiosas circuns­ tâncias de . Contudo. e os últimos críticos e céticos que · restaram haviam sido silenciados. Como uma civilização que se vendera às máquinas. e. costumava escalar a Torre de manhã. antes que o sol nascesse. Começando com o palácio ducal. os trabalhadores o viam perdido em pensa- S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 277 . e agora eles tentavam agarrar seu reflexo ampliado. O osso ainda com carne que os babelianos costumavam roer com gosto havia sido jogado no rio do tempo. Agora havia lugar apenas para alguns poucos trabalharem. nados a jogar suas últimas cartas. seja o que for que pudesse acon­ tecer. e Babel estava rapidamente se tornando uma cidade de desocupados. todos eram sustentados. retornando apenas ao cair da noite. Naqueles dias. os prédios da cidade foram demolidos para fornecer materiais para a Torre. como se procurasse por pontos de apoio para seus homens na aveludada superfície do céu. Nemrod. mas apenas alguns poucos privilegiados tinham trabalho. Seu topo há muito estava fora do campo de visão dos espectadores no solo. Muitas vezes ele tinha o ar de um general planejando a batalha que logo travaria. e os construtores ti­ nham de subir por muitas horas para chegar a seu local de trabalho. na crença de que antes da época da colheita estariam no paraíso. com freqüência acompanhado de seu vizir. os fazendei­ ros não semearam trigo algum. agora pensava-se que. de habitantes de cavernas e de moradores de buracos no chão. Olhava para cima e ao redor. a confiança cresceu. banqueteando-se com o que não lhes custaria trabalho algum. Em outras ocasiões. Naquela primavera. a Torre logo estaria terminada. antes que muitos meses se houvessem passado. Entretanto. O índice de desemprego naturalmente aumentou. Babel tornou-se um lugar de barracas e acampamentos. os boletins eram otimistas. e passava o dia inteiro no topo. talvez. começan­ do a ficar apreensivo em relação a um futuro que agora parecia tão próximo. eles o lembravam de abrir seu pacote de sanduíches.mentas. mais dócil do que era no passado e. Na verdade. aqueles que investiram todas M I C H A E L Ü A K E S H OT T . e. tornara-se uma pesso a um tanto triste e introspectiva. os olhos abertos. e pode até mes­ mo tornar seu colapso suportável. Ele pare­ cia entrar em transe. E eles suportavam isso movidos apenas por uma distante e precária visão de pilhagens ilimitadas. pronto para lançar uma flecha em Deus caso ele estivesse a seu alcance. O duque estava longe de ser o personagem Jarouche das outras versões da história. em palavras que não entendiam. Contudo. e de esperar que esse não fosse o caso. ou o personagem infinitamente versátil de sua juven­ tude. uma ilusão de no­ breza pode ser suficiente. Os anos consumidos por esse único. Ouviam­ no falar consigo mesmo. Os trabalhadores acostumaram-se com isso. parti­ cularmente no caso dos pedreiros. no projeto de construir uma Torre. mas não podiam esconder de si mesmos o fato de que o duque havia mudado. quando chegava a hora do almoço e Nemrod parecia estar mais absorto do que de hábito. Algumas vezes. além de pensar que talvez ele estivesse ficando um pouco doente da cabeça. E o mesmo valia para os babelianos em geral. ensimesmado. mas sem enxergar. nos quais não houve nenhuma satisfação ou opor­ tunidade temporária (tais como uma colheita anual ou o início da temporada de pesca) de quebrar a monotonia. Na verdade. tiveram seu peso no estresse emocional que sobreveio. supremo projeto. A confiança na�obrez:_ de um empreendimento longo e difícil pode durar muito para sustentar a sua realização. esquecido de tudo que o cercava. não prestavam muita aten­ ção nele: a cobiça dos prazeres do paraíso transformara-se. uma vaga desconfiança desse tipo começou a infiltrar-se no estado de espírito dos babelianos. seus semelhantes. mas o falatório sobre aqueles que trabalhavam no topo os levou a refletir. surgiu a suspeita de que todos poderiam ser logrados por um embuste planejado para o benefício de outros que não eles mesmos. uma figura obscura. agora. e são capazes de adqui- . seu autor.as suas energias e esperanças em uma �reitada marcada pela. Í:' . as crédulas vítimas de uma ilusão? Quem foi que disse que toda essa conversa sobre paraíso não era mais do que uma dose de ópio para manter as massas sossegadas? Para o habitante comum de Babel. depra�ão estão amarrados a seu sucesso. começou a achar difkil de acreditar que ninguém revelaria sua exaus­ tão com alguma conduta fatalmente danosa. Ele era visto apenas em suas visitas diárias à Torre. Não estavam dispostos a duvidar de sua sabedoria ou competência. Emocionalmente exaustos e unidos no pavor do fracasso. E após seu longo esforço. um grande número deles. nr um o b scuro auto desprezo que -q�a. agora praticamente desempregados e com tempo de sobra para bate-papos sem fim. O que ele fazia lá o dia inteiro? Com quem falava S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 279 . primeiro em . Ou seriam eles. pior. Nemrod era. mesmo que o fizessem apenas comprando alguma vantagem dos funcionários cuja tarefa seria organizar a ascensão final aos céus. Que tal empreendimento devesse gerar parasitas era algo de se esperar . Ou.sua ie. Mas o que agora os perturbava era a suspeita de que poderiam existir algumas pessoas que estivessem se preparando para roubar seus companheiros quando o tempo de desfrutar do paraíso chegas­ se.. depois em si mesmos.os babelianos nunca foram notáveis por serem empreende­ dores. Durante anos eles se identificaram com o empreendimento e com o duque. 1 -t:. talvez. aliviados quando ele aparecia e sentindo-se tranqüi­ lizados quando ele lhes desejava um educado "boa noite". mas. Aparentemente para perguntar sobre as últimas informa­ ções. a semente de uma vaga dúvida foi plantada em suas mentes. à espreita de malformuladas suspeitas. o que isso pressagiava? E. pouco poderiam fazer para frustrá-lo caso fosse isso que Nemrod estivesse de fato planejando. inadverti­ damente. porém.quando parecia falar consigo mesmo? Já estaria ele se comunicando com os anjos do paraíso? E se assim fosse. O resultado. e que estivesse planejando enganá-los? Seria possível que estives­ se fazendo arranjos para esgueirar-se para o paraíso. na verdade. se revelasse. Seria possível que Nemrod. floresceu. inseparável do excesso. Entretanto. Uma delegação esperou por ele. Contudo. deixando-os para trás? A que mais atribuir sua recente conduta? E toda a descon­ fiança nativa de um povo cujas emoções mais profundas (seja o que fosse que eles tivessem previsto para satisfazê-las) eram a cobiça e o ressentimento emergiu para confirmar a dúvida que tinham em rela­ ção a seu líder. e então teve início o falatório. Alguns. iriam acordar cedo pela ma­ nhã para ver o duque entrar na Torre. As pessoas olhavam-se umas às outras pelo canto dos olhos. já estivesse mantendo conversações (das quais eles foram excluídos) com os anjos no para­ íso. vagas suspeitas que não foram decisivamente dispersas estão propensas a crescer e a tomar formas mais precisas. Tudo o que poderiam fazer era contar suas suspeitas aos construtores M I C H A E L Ü A K ES H OT T . envergonhadas de expressar o que estava em suas mentes. de forma que. o duque no qual tanto confiavam. A suspeita. foi inconclusivo. outros iriam esperar sua saída no fim da tarde. Mas começaram os acenos com a cabeça. para fazê-lo falar. ao sentarem-se nas habitações estilo caverna que passaram a ocupar. Era como se uma trombeta tivesse soado.agora no topo. O rumo dos acontecimentos recentes não deixou ninguém em dúvida quanto ao que estava acontecendo e à urgência da situação. dizer-lhes para ficarem de olhos abertos. os auto-intitulados observadores ficaram primeiro desconcer­ tados. em concessão aos hábitos vulga­ res) estava cheia de bebedores desfrutando da última cerveja (as cer­ vejarias haviam sido fechadas). Um grito.s po­ sições. tomadas pelo pânico de pensar que estavam prestes a ser privadas daquilo que se consumiram para obter. Era uma noite de fim de junho. Mães preparavam seus filhos para dormir. relatarem qualquer nova circunstância desfavorável e observarem os movi­ mentos do duque. Houve um rápido conselho de guerra: os pouco coerentes relatos do que estava acon­ tecendo foram levados pela brisa. Toda a normal e silenciosa vida noturna estava em andamento. numa noite. Pessoas acorreram de todos os cantos da cidade. até que não puderam mais conter sua apreensão. a entrada da Torre estava S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . Embora nada houvesse sido planejado ou ensaiado. todos sabiam o que fazer. apelos para agir não eram neces­ sários. Em dúvida quanto ao que fazer. depois profundamente perturbados quando o duque não apa­ receu na saída da Torre à hora esperada. E então. A entrada da Subdivisão dos Pedreiros (que se manteve em pé. As coisas continuaram assim por algumas semanas. e o alarme foi dado. entrada no paraíso. O lema"Não Espere pelo que Você Quer" havia penetrado fundo em suas consciências. os observadores esperaram em sua. desocupados postavam­ se no que antes foram esquinas de ruas. Em um segundo. Arremessadores de dardos marcavam o placar com giz. Fraternidades de adolescentes (reunidas ao pé da Torre) ale­ gremente ensaiavam sua. cheia de homens, mulheres e crianças correndo. Espremendo-se pelas escadas, liderada pelos mais ágeis, toda população de Babel a correu para arrancar a recompensa de sua labuta das mãos do ho­ mem que - agora estavam convencidos - nesse exato momento se esgueirava para dentro do paraíso sem eles, após ter feito um acor­ do pessoal com seu proprietário. Não se deve pensar que não havia entre eles alguns que estives­ sem um pouco envergonhados ante essa selvagem exibição de sus­ peita, que ainda poderia se mostrar infundada. Mas eles se tran­ qüilizaram pensando que, se quando alcançassern o topo da Torre, se deparassem com um grave e meditativo duque preparando-se, um pouco mais tarde do que o habitual, para descer à noite, pode­ riam transformar sua fúria ern urna demonstração de confiança em Nemrod, colocando sorrisos em seus rostos em vez dos esgares de hostilidade, e fingindo que haviam subido para homenageá-lo. Contudo, se tais pensamentos passaram pela cabeça de alguns, não detiveram a corrida para cima da multidão agora silenciosa que guardava o fôlego apenas para a subida. A primeira onda maciça exauriu-se. O número dos que subiam encolheu. Os mais velhos ficaram para trás; os jovens assumiram a frente. Mas não havia ninguém que não continuasse subindo, como se sua salvação dependesse disso. A Torre era agora tão alta que a vanguarda dos que subiam não alcançaria o topo antes que o mais lento dos babelianos tivesse posto o pé no primeiro degrau da escada. Na verdade, os líderes ainda não estavam na metade do caminho quando toda a população de Babel já se encontrava den­ tro, e a Torre havia se tornado algo como as margens que contêm a inundação de um rio. Alguns, com vertigem por causa da subida MICHAEL ÜAKESHOTT em espiral, caíram e foram pisoteados; _ outros, ao pararerri para recobrar o fôlego nas aberturas das janelas, foram esmagados con­ tra a parede. E a confusão aumentou quando as formações milita­ res que estiveram treinando para liderar o ataque chegaram atrasa­ das (pois seu acampamento ficava nos arredores da cidade) e ten­ taram ultrapassar a desorganizada massa de pessoas que subiam. A subida estreitava-se à medida que avançava, e, quando os que estavam na frente começaram a alcançar o topo, uma enorme pressão formara-se dentro da Torre. Ela oscilou-como se houvesse sido atingi­ da por um furacão. E, quando o estrondo da multidão que chegava atingiu os ouvidos de Nemrod, o chão em que ele pisava estremeceu e as pedras que os pedreiros assentavam escorregaram de seus lugares. Então, com a infinita lentidão com que os espectadores do des­ lizamento de terra de uma montanha distante vêem o chão come­ çar a se mover, mal acreditando em seus olhos, o topo da Torre cedeu. Não houve muito barulho. Era como um homem cansado caindo no sono ainda em pé, primeiro balançando-se um pouco, depois dobrando os joelhos e, finahnente, caindo .de cara no chão, com um quase inaudível suspiro de · alívio. Mas o colapso do topo impôs-se sobre a Torre abaixo. Logo toda a estrutura tornou-se uma feroz cascata de pedras que caíam; corpos mutilados �m sua superfície submergiram em suas profundezas. O colapso continuou noite adentro e ergueu uma enorme nuvem de poeira. Ninguém teve a oportunidade de retro­ ceder; escapar dos destroços era impossível. Não restaram sobrevi­ ventes (nem mesmo um garoto aleijado que não pôde alcançar o flautista de Hamelin) para se perguntarem se a suspeita que levara ao desastre era, no fim das contas, fantasiosa ou não; ninguém para S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S 1 considerar se essa calamidade não era inerente ao projeto. O que havia sido projetado como uma escada para o paraíso tornara-se a tumba de um povo inteiro, que não pereceu em uma confusão de línguas, mas que fora vítima de uma ilusão e confundido pela des- 1 confiança que persegue aqueles que se engajam em façanhas titânicas. E, quando amanheceuJ o que antes fora a cidade de Babel era uma silenciosa paisagem lunar, na qual nada se movia. Ao redor da decadência Daqueles destroços colossais, infinitos e nus A solitária e plana areia se estende ao longe. Muitos séculos depois, quando o local onde se erguera a cidade, há muito residência de lagartos e recoberta de uma desértica vege­ tação rasteira, tornou-se objeto de curiosidade arqueológica, um escavador deparou-se com uma pedra gasta pelo tempo e encon­ trou uma inscrição: uma daquelas patéticas mensagens que às ve­ zes nos saúdam do passado. Evidentemente isso tinha sido com­ posto e gravado por um poeta babeliano que vivera nos primeiros anos da obsessão da cidade pela ilimitada abundância do paraíso. Não previa coisa alguma; não era uma premonição do desastre, mas um comentário perdido do próprio engajamento. Ao ser deci­ frado, nele lia-se: Aqueles que nos campos elíseos morariam Nada logram além de estender as fronteiras do inferno. M I C H A E L Ô A K E S H OTT SOBRE A HISTÓRIA & O U T ROS ENSAIOS , Indice remissivo A 1 3 8; e o entendimento Abraão (filho de Sem), 25 3, 255-58 histórico, l 46; em eventos Abraão (o patriarca), 252 históricos, 1 22, 1 26; em Absolutos morais, 242 situações históricas, 1 27 Absurdo, na conduta humana, 59n l Apraxia, 57 Ackerman, Bruce, 238n l 3 Ariosto, Ludovico, 92n l 3 , 26 1 Adão ( o patriarca), 253-54, 260 Aristóteles, l 9 3 , 23 3 '· resposta 1de Agentes, 1 23 , 1 92, 207; Hobbes, 38; sobre "resp onsabilidades dos ", 1 48; continuidade, l 82; teleologia como acontecimentos distintos, de, 1 72 57; determináveis, l I O; em Artefatos, 5 6 ; no entendimento associações transacionais, 55, histórico, l 83; no pass ado 1 22, 1 94 prático, 82, 86 Aidos, 220 Arturiana, lenda, 250 Alexandre IV (Papa), 264 Associações: de estados, 23 l ; e a regência da lei, 222, 235; Alexandre, o Grande, 267 modos, 192; nas relações Amizade, 58, l 92-93 humanas, 1 97; obrigações nas, Amor cortês, 1 93 2I I ; personae nas, 1 9 6; tipos, 3 1 , Analogia em eventos históricos, 23, 9 6 l 9 l ; tribais, 232 Antecedentes: como causas, 1 23 ; e Atos da fala, 80n I O eventos subseqüentes, 1 30, Austin, J. L., 80n l O S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S B Casuísmo; 2 I I , 224 Babel: como cidade da liberdade, 255, Causa: na associação, 229 ; na 257, 269; como civitas cupiditatis, investigação histórica, 1 3 3 ; relação s o b leis universais, l 43 263; parábola da, 249-84 Causalidade, l 40; em eventos Beamtenstaat, 23 7 históricos, 20; no enteridiment Bem comum, sob a lei, 2 1 9 prático, 2 1 Bevan, Edwyn, l l 4 Biografia, idéia de transformação Causes oj the Englísh Civil l#i r; The (Russel), 2 1 na, 1 67 Ciências: físicas, 4 6 ; histórias das, Bismarck, Otto von, 22, l 27n l 9 82; modos de entendimento Bloch, Marc, l 7 , 22 das, 25 Bodin, Jean, 244 Cliométrica, 1 5 6 Boétie, Etienne de la, 232n I O Código de Direitos, 222, 23 8, 242 Bradley, F. H., l l Collingwood, R. G., l l , 1 2; Brasil: estudo pouco rigoroso da exclusivismo de 1 8 ; fase h istória p o lítica, l 9; pouco filológica da investigação, l 7; conhecimento de Oakeshott e passado histórico, l 6 Collingwood, l l Comandos, sob a regência Braudel, Fernand, I 02n l da lei, 204, 2 ! 0 Buckle, H. T., 1 5 5 Comentários de Bagshot, 202 Burckhardt, Jacob, l 8 Competições, 275 ; regras das, 202 Burke, Edmund, l 72, 235 Compromisso: da investigação histórica, 45, I I 2; , do e historiador, 48, 77, 1 25, 1 6 6; Caim, 260 do Lebenswelten , 7 3 ; en tre o Cam (filh,o de Noé), 25 1 , 253 passado prático e o histórico, Cappilanus, Andreas, 1 9 3 24; histórico, 79; indireto, 29; Carlos Magno, 250 na investigação histórica, 49 Carta Magn�: 238n l 2, significado Compromisso prático, 26, 59, 67, histórico, 73; uso prático, 9 6 70, 74, 9 3 Casamento de Figaro (Mozart), 1 03 Comunicação, estrutura da, l l 6 M I C H A E L Ü A K E S HO T T 286 iír também Desideratum oakeshottiano. 26 1 lei universal. 1 20 . I 46. I I ?. I 64. na lógica do. causa no. A Distância. lei de. 1 2. 1 26 Engajamento. 93. n í vel de. inviolabilidade 66n3. 5 8 (Burckhardt). 1 79. 1 76. iír também Jus 228 . Dante. 1 82. 2 I I . identidades. caráter voluntário da. 74. 22 1 . I 5 3n3 I Cutler. I 8 D o m Juan. 52. 1 52. 222. I 60. 26 I Enoque (o patriarca). 1 52. Direitos. 63. I I 6. I 84n I 3 E D Economia: como organismo. fábula. p as s a d o no. 2 1 4 . 1 27. 1 80. 1 5 8 . I 02n l I 48. Crônica. 23 3. do p assado. 253 Doutrina luterana. universo de. 3 8 . 237. Corpus Poetarum Latinorum. artefatos 252-55. 220 . rebelião contra. 1 02 Crônica anglo-saxônica. Hegel Consciência: a voz da. 1 78 na. 2 6 1 futuro. rei de Israel. 1 87. Charles. I 3 7 Darwin. substantivos. 26 Compromisso Deucalião e Pirra. 83 prático. Direitos. I 58. I 3 S n 2 3 . o calvário da. 70. I 32 Cultura do Renascimento na Itália. moral. 7 1 . S I . 80 1 4. 2 3 8. na transformação " absurdo da". Entendimento histórico. I 77n8 Emblemas. 1 49. 74. Credo de Atanásio. antecedentes no. vocabulário do. 94-95 Davi.Conduta humana. 222 Dilúvio: bíblico. I 1 6 . 1 76. 1 29. histórico. de Discurso: filosófico. I 3 I . Sir John. 222 dos. invenção da. 1 67. 250 Cush (filho de Cam). Diferenças: convergência de. falácias no. investigação histórica. 5 9n l . 256-57 no. 25 1 -57. 8 1 . S O B R E /\ H J S T Ó R I /\ & O U T ROS E N S A I O S . I 6 7 1 46. o certo e o errado na. diferen ças. e I 74. 220. na parábola de Babel. I 03 Discurso histórico. objeções de. Dike. humanos: e o Código de motivos de. 237. 254 D eus . 225 Continuidade. I I 5. subj etividade da. limitações do. I 1 4. 1 68. bom senso histórica. do sobre. 1 39-40 Eventos Históricos. sociológica. 43-9 1 . 4 8 . Sir Arthur. I 27n l 9 Evolução. Futuro. 59 e as disposições políticas. I 38n26. 27. e a Fortuna. I 6. 1 29 Ganância. presente Fausto. 244. no mito clássico. Harrington. 232.. Hermes . Otto. 234. empírica. doutrina sacra. I 02n l 244. 25 3 . na parábola de Babel. 9 5 I 42. relação de G eventos históricos. 9 3 Escravidão. pos tulados do. 23 9 Heidegger. 24 1 . A (Croce). sobre o dilúvio. passado dos. 8 1 Hempel. I 4 9 . 244-45. e o M I C H A E L Ô A K E S H OT T 288 . 250 dos. 97 imaginação. I 6 I .1 62 Henrique IV. 23 9 . I 3 I n22 regência da lei. 247. 1 34. história da. 86. 2 1 2 Estado. Martin. Oakeshott). 238. Hobbes sobre. 24. 4 3 . 229. H 23 5 . constituição do. I 3 5n23 sobre. 239-40. 1 88. Existência humana. ( Experience and Its Modes. 1 3 5. como ass o c i a ç õ es. Felipe II. Ví r também Mudança História: lei universal da. realizações da. " n omin alis t a " . e os F grandes eventos. I 02n l I S . Alemanha. I I 9 . Edward. 77. 92n l 2 234. 20. imperador da Evidência: circunstancial. 25 1 Heródoto. 95 Renascimento. I 2 causalidade. 68n5 Evans. direta. 9 3 1 40. 1 43. I 64. discurso sobre. 237. Thomas. rei da Espanha. 236. 1 8 Guilherme de Ockham. 39. 1 2 5 . moderno: caráter do. Carl G. Fasti. 55. 68 H istoriadores: "Whig". c o n c e p ção tecnológica. I 1 2. James. obj etos dos. 1 29 . sob a 247. 1 6 6 . 22 Felipe da Macedônia. 3 7 Hintze. compromisso. 223. Hegel. 267 Hobbes. 23 I . tarefa dos. educação da Falsifi cações . · I 28 Espanha na Mda Italiana do Gregório VII (Papa). 48 Gibbon. lenda de. 38. 99. Georg Wilhelm Friedrich. 25 I Era dourada. 262 Geoffrey de Monmouth. 26 1 regência da lei. I 74 . 2 4 5 . 8 3 . da lei. Th (Collingwood). 1 8 9 . l 5 l . 257 mudança. ' dos legis ladores . E. l-tr também Jus da. 82. 66n3 J Lívio. Georg. 1 77n8 S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U T RO S E N S A I O S . 220. 22 1 esp e culação reflexiva. 239. sob a regência da lei. Hobbes sobre o dilúvio. es cala da. compromissos de. 92n l 2. 253 s obre. as meias de lei. 2 1 7 Homem de Piltdown. 38. Thomas. 242 Sir Jo h n . estado I 09n9. 238. Frederic William. 1 52 Literatura: história dos gêneros em. 23 3 Jafé (filho de Noé). 2 1 8 . 23 6 . de longa duração. 242. 228. l 79 1 50. I I l n l 3 . 2 1 9-2 1 . 7 4. Georg Christoph. M. 69n6 lógica da. conclusão Lex. Língua inglesa. l 8 5 n 1 3 . 1 06n Knox. 73. l 57. 237. 2 0 l . 240. 250 M Jus: con ceito de. 68. 2 1 3 . es tado. 1 89 Lebenswelten. Laesa majestas. 237. 82 Investigação histórica: caráter. s o b a Homeostasia. 244 1 L Idea oj Hístory. I I 2 Kant. l l Investigação: compromisso da. diferenças na. l 8 6 . 1 75-76.. 63. Leistungsstaat. Lichtenberg.. T. 245 . l l Hume. Maitland. 1 85 . David. 244 Josefo. l 7 6 . Arthur O. A. noção de.. mudança na. 2 1 4. 95 Kulturstaat. 1 04 Justiça: n a competição. 222. l 03. 252 Lovejoy. 25 1 Livro do Dia do Juízo Final. expressão Malthus. l 68 Jellinek. 240 modos de. relações causais. caráter dos. l 80. e a Liberdade. 2 1 3 . I 02nl Jardim do Éden. l 64. Immanuel. l 69 Humanismo cívico. no auto-entendimento. 1 80n K Housman. 234 compromisso. l 88. 73-74 KulturkamEf. 43 . e a Libertinos. l 5 4 . de qualidade da. Levíatã. 1 75 Normandos. 9 1. dúvidas sobre a investigação ambição vulgar de. faceta mais e a queda da Torre. falácia de. 1 2. John. 1 72 como recurso historiográfico. Michel de. Theodor. 20. e seus controvertida. Friedrich. 279. o primeiro dos Marburgo. 92n l 2. l 49n28 Nunc p ro tunc. l 4 7 de Babel. 22. filho de passado prático. 1 7. 1 3 . 283 . 9 5 caldéia. 90 assassino. 254-60 Metástase. 255. visitas à Torre. Michael. uso do t r i u n fo . 223n6. 1 66. e a "passagem dos de. históricos. I 22 Milton. 23 7. passado histórico. 255. 1 93. l 6 4 . N distinção entre passado histórico e passado prático. 263-64. 258. l 6. 257. l l H e ll 's A n g e l s . não s o b revive ao s obre Fortuna.Maquiavel. a Secondat. 2 5 9 . 262. Karl. 256. John Stuart. Nemrod. Meca dos neokantianos. 1 3 Noé (o patriarca). passado MICHAEL ÜAKESHOTT . l 6. I l 4 entre situação e evento histórico. n o p a p e l d e passado. Cush. Montaigne. distinção Namier. l 63n l M i s s a das Almas. "fonte Mommsen. 25 l. bravatas histórica. diacronia 1 64. l 9. 25 8. 1 6. 273 Matusalém (o patriarca). aboli ção o da. Niccolo. 44 oblíqua da informação". vers ã o Marx. Ch arles Louis de metáfora do "muro seco". 2 5 9 . 1 5 7n 3 0 Oakeshott. l 4. 246n l 7 nomológico-dedutiva. l 7. e a inferencial do conhecimento i nves t i g a ç ã o h i s t ó r i c a. obras. 1 3 l n22. idéia de. 1 7 5 . barão. Lewis Bernstein. 1 9. 1 8. 1 7 1 . visão dos habitantes Massacre d e São Bartolomeu. 2 5 4 . a M o n tesquieu. 1 65. caráter Mudança: " o rgân i c a " . 224n7 "porta dos fundos". 26 1 . teleológica cíclica. seguidores. 259 Memória. 25. 260. 1 73. l 79 Mill. 2 5 3 . 267. 1 8. conceito de histórica. 254 Nietzsche. l I . 98. não-sustentação da teoria 232n l 0. 1 3 . e a eventos". e os eventos ordem para erguer a torre. histórico. Dante sobre. nas associações. l l6 Purgatório: debate sobre. 1 9 1 -247 sob a regência da lei. 1 27. 2 1 l . I 4. l 03. 85 sob a lei. 240 52. 237. 1 83 2 1 0.finis ultimus dos. 260-6 l Organismos: autopreservação do. 235 R Pascal. 6 1 -62 autênticas. 85 Obrigações: autoridade para criar. 235.1 2 1 . trocadilho com Práxis. 21 l . 2 1 . 43-98 1 25n l 8. 20. I 06n3 Russel. John. 21 Platão. Samuel. Presente. Psicologia: na investigação Outono da Idade Média. 24. 82. Marcel. passado prático. 225 Prometeu. 1 4 1 subseqüentes. ass ociação no estado. 4 3 . 69n6 Rutherford. 38. Regência da lei. 228 Rousseau. professor em Politiques. I 80. 1 06 nas associações. 232. relação entre Polizeistaat. como expressões Pensée de derriere. I S. 6 1 . 1 02. 25 Pensamento: modos de. lII. l 50n30 Penalidades: nas associações. 29 Res gestae. Profecia. 1 50n30 p Partidos políticos. registrado. 2 1 3 . 1 77 . 1 28. 1 2. 23 3 Cambridge. 237 Piero della Francesca. 23 Predição. na associação moral. 258 abstrata de. lei básica do. 2 1 5. Blaise. I8 histórica. como Personae. O (Huizinga). 1 95 . 229 . Proust. 23 7 . Conrad. 4 8 . 207. 236 S O B R E A H I S T Ó R I A & Ü U TROS E N S A I O S . relação causal na. L e o p old von. eventos antecedentes e Popper. 2 1 7. noção de. 238n l 3 uma investigação histórica. l 96. sobreviventes. 1 48n27 Passado histórico. 255 Ranke. Jean-Jacques. 80. e as diferenças. relação Rocas (pássaros místicos). conclusão de Rawls. I 68. Processo dialético. 234. e o Rechtsstaat. I 3 . 43-98 2 1 6. Karl. l 3 l 76. 238. 234. Passado. 68n5 seu nome. 1 5 7 Reforma. 25 l . 85. 20 l Renascimento. 26 l MICHAEL ÔAKESHOTT . l 69. 2 1 6n4 Suarez. s Transformações. 97. I I 3 Usurpadores. "lei da 1 69 . l l Terminus. 88. 5 6 Valor Eclesiástico ( 1 53 5). no mito do Traição. 1 72. Vontade. l 02n l Valores (para serviços). variedades. Madame de. l l Sévigné. 1 83. 1 73. 240 Dilúvio. na mudança histórica. w propriamente dita. U definições. 1 27. 262 Situações históricas: antecedentes. I I 5. 25 1 . primordial. teleologia de. 58. Trotsky. 24 l n l 4 Subjetividade: da distância. V noção de. 1 85 Wise. 2 1 6n4 Zeus. 220 T Velho Testamento. l 04 Teoria nomológico-dedutiva. Ver também Mudança Santo Agostinho: e a história sacra. Leon. 27. 1 7 1 . 1 85 z Tiranos. 223n6 de Santo Agostinho. 225 . l 3 5n23. Francisco. 252 dessemelhança". Thomas. legislativa. l 72n3 Sem (filho de Noé). de Aristóteles. ver também Babel Teleologia. 25 1 -54 Tubingen. 1 7 1 -72.
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