Metamorfoses1 Metamorfoses Metamorphoseon Metamorfoses [1] Coleção de Hayden White e Margaret Brose. Capa do Livro XV Autor Idioma País Assunto Gênero Editora Lançamento Ovídio Latim Itália [2] . Borda decorativa adicionada posteriormente, 1556. [3] Mitologia greco-romana. Basicamente epopéia em forma, mas debate-se a questão. Ver Gênero. Diversas editoras. Ver Versões em língua portuguesa. 8 d.C. Cronologia Último Heróides Fastos Próximo Metamorfoses é uma das obras mais famosas e considerada como a magnum opus do poeta latino Ovídio.[4] [5] [6] O poema narrativo foi tornado público por volta do ano 8,[7] e, ao lado de Fastos, trata-se talvez de um de seus poemas inconclusos[8] [9] por conta do exílio que sofreu no Ponto Euxino, costa do Mar Negro, região distante de Roma.[10] [11] É desconhecida a causa do exílio,[11] mas existem duas hipóteses: ou Augusto não tenha gostado do âmbito de sua obra desde A Arte de Amar, e as Metamorfoses de Ovídio, ao contrário do pensamento de ordem e estabilidade do imperador, mostram um mundo em constante mutação,[12] ou o poeta romano foi indiscreto a respeito de algum aspecto íntimo do soberano ou de sua família.[13] A estrutura de Metamorfoses constitui-se de 15 livros escritos em hexâmetro dactílico com cerca de 250 narrativas em doze mil versos compostos em latim,[5] e que transcorrem poeticamente sobre a cosmologia e a história do mundo, confundido deliberadamente ficção e realidade, narrando a transfiguração dos homens e dos deuses mitológicos em animais, árvores, rios, pedras, representando o príncipio dos tempos, chegando à apoteose de Júlio César e ao próprio tempo do poeta, ou seja, o Século de Augusto (43 a.C. - 14 d.C.).[14] Este ciclo histórico apresenta a mitologia como uma etapa no desenvolvimento do mundo e do homem:[15] Ovídio segue o conceito de Hesíodo e nos mostra as quatro idades cronológicas da mitologia clássica (conhecidas como a Idade do Ouro, a Idade de Prata, a Idade do Bronze, e a Idade do Ferro).[16] Aproveitando tal abordagem das Eras do Homem, Ovídio uniu livremente os deuses aos mortais em histórias de amor, incesto, ciúme, crime. Metamorfoses Contemporâneo de Horácio e Virgílio, Ovídio deu novo acabamento literário aos mitos gregos que haviam sido aproveitados pelo Império Romano quando esse conquistou a Grécia. Assim, poetas como Homero e Pausânias foram de fundamental importância para sua inspiração. Embora as personagens sejam mitológicas, o cárater de seus diálogos e contos são permeados por humanidade. Em Metamorfoses, ele desenvolveu e até popularizou os mitos mais famosos e mais lembrados da mitologia grega,[5] tais como o de Midas, Orfeu, Eros, Psiquê, Zeus, Afrodite, Baco, Narciso, entre outros. Outro aspecto apresentado em seu poema é o Caos, confusão de todos os elementos que se supõe ter precedido a criação do universo,[17] e que o poeta se refere em latim como rudis indigestaque moles ("massa informe e confusa").[18] [19] [20] A Metamorfoses de Ovídio permanece até hoje como um dos trabalhos poéticos mais aclamados sobre mitologia,[21] e o poema mais influente da história da poesia e da arte[13] - poucas foram as obras poéticas que inspiraram tantas formas artísticas como a literatura, a música, a arquitetura, a pintura.[7] Seu caráter social e espiritual acerca dos ciclos históricos do homem influenciou também a filosofia, notavelmente o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1989), de Jean-Jacques Rousseau.[22] Preservado pelo gosto da cultura ocidental através dos séculos, inspirou, entre outros autores, Dante, Shakespeare, Cruz e Sousa, Franz Kafka, Manoel de Barros,[23] [24] [25] [26] [27] e pintores ou escultores tão diversos como Michelangelo, Rafael, Tiziano, Correggio, Veronese, Caravaggio, Rubens, Bernini, Velásquez, Rembrant, Delacroix, entre tantos outros.[28] Figura, portanto, como uma das mais importantes obras clássicas da mitologia greco-romana e da literatura latina.[21] 2 Visão geral Nascido em Sulmona, Itália[13] Ovídio cresceu dentro de uma rica família que lhe proporcionou uma notável educação em Roma e em Atenas.[29] Seu pai o instruía com o objetivo de levá-lo à carreira pública romana, à advocacia, e para isso se esforçou com que Ovídio e seu irmão mais velho aprendessem retórica, contudo o primeiro dos dois preferiu arriscar-se na poesia.[13] Tudo indica que a profissão já era difícil na época.[13] Quando o Império Romano conquista a Grécia, e sua mitologia se funde com a mitologia dos gregos, surgem tendências sincronatórias que obrigam os romanos a escolherem personagens de seu panteão precário para que se unam a seus equivalentes na tradição grega.[30] Ocorre que os gregos encaravam sua mitologia como religião,[31] enquanto que muitos romanos mantinham-se na defensiva quanto à isso, como Cícero.[32] Os poemas ovidianos - tidos como líricos, libertinos e irônicos[11] - principalmente a Metamorfoses, por seu caráter mítico, pertence à Era Romana e ao Helenismo, e, ao lado dos poemas de Sêneca e Virgílio, constitui-se mais como um exercício literário do que uma prática ritualística aos deuses, como assim fazia Homero em sua Odisséia.[33] Depois do Cristianismo, unificou-se a mitologia dos dois povos, fazendo com que "greco-romanos" fosse adjetivo, no plural, para tudo aquilo que fosse comum aos gregos e aos O poeta Romano Ovídio com uma coroa de louros na cabeça. romanos,[34] mas o fato é que os críticos observam na cultura latina um [35] mimetismo acentuado em relação à cultura da Grécia antiga. Mitos como o de Narciso, por exemplo, já eram conhecidos por Pausânias e talvez por Estrabão,[36] o que forçou Ovídio a recorrer a esses e outros poetas para compor sua Metamorfoses. Acredita-se que Ovídio tenha tido uma inimitável facilidade de metrificar,[37] e que Metamorfoses, sua mais famosa obra, tenha sido estimada por ele mesmo como sua obra-prima,[38] como a produção pela qual o poeta se tornaria imortal.[39] É tido como o poeta romano que soube, ao lado de outros, imprimir em versos o tom, a cor e os sonhos da jovialidade, da alegria (ainda em Metamorfoses), e também da dor que experimentou depois do exílio.[40] Sua obra é dividida pelos acadêmicos em três grupos: "poemas de amor" (Amores, Heróides, Ars Amatoria, e Remedia Metamorfoses Amoris), "poemas eruditos" (Metamorfoses e Fastos), e "poemas do exílio" (Tristia, Epistulae ex Ponto, Íbis e Haliêutica).[40] Metamorfoses figura, ao lado de Fastos, como uma produção de sua fase madura, momento no qual sua veia poética encontrava-se no auge.[40] 3 Fontes e modelos Além das fontes já detalhadas, as Metamorfoses inspiram-se também nos poetas alexandrinos, como Calímaco e Virgílio.[40] Nota-se uma rede de correspondências com obras anteriores a Ovídio, segundo um príncipio chamado imitatio. Conforme Tronchet, "o autor de Metamorfoses tira muitas ideias de temática comum da poesia que surpreendem tanto a prática de imitatio que era familiar aos antigos escritores."[41] Em Metamorfoses, deuses misturam-se livremente com os mortais (ver sub-seção Metamorfoses#Contos de amor e contos de castigo). Tal tradição também deriva do Período Alexandrino, onde o deus "perde sua dimensão primordial para se tornar o promotor de aventuras perversas e galantes entre os mortais".[42] Quanto à utilização de metamorfoses, já nos poemas homéricos surgiam a transmutação de seres: a Ilíada descreve certas mutações de deuses, e a Odisséia narra a transfiguração dos companheiros de Ulisses em porcos por Circe no Canto XI do poema.[43] Os autores helenísticos também escreviam sobre metamorfoses: o poema de Beo sobre metamorfoses em pássaros e os Catasterismos de Eratóstenes sobre transformações em astro também serviram de fontes para Ovídio.[43] Os Heteroeumena, de Nicandro, coleção que explica todo tipo de metamorfoses e os acontecimentos que tinham levado a transformação, eram famosos na Roma antiga da época, e muito provavelmente foi lido pelo poeta latino.[44] Partênio de Nicéia e Emílio Macro, amigo de Ovídio, escreveram algumas metamorfoses em suas obras, de onde Ovídio deve ter recolhido muitas histórias.[45] Por fim, Ovídio inspira-se também em Os trabalhos e os dias, de Hesíodo, para narrar as Idades do Homem, e no já citado Calímaco para elaborar episódios num modelo de concatenação.[43] Inter e intratextualidade A identificação das possíveis fontes ovidianas é importante para que se possa fazer comparações com as diferenças entre as versões dos mitos descobertos e referentes. O mito de Mirra, por exemplo, presente em Metamorfoses no Livro X (e também mencionado no Remedia Amoris[47] ), talvez tenha sido muito popular por conta da diversidade de fontes sobre sua história.[48] Em torno do ano 140 a.C., a Biblioteké de Pseudo-Apolodoro cita[49] que um desconhecido Paníase, poeta épico do século V a.C., já a teria contado.[50] Os versos 828-830 da obra Alexandra, atribuída a Licofronte (c. 320 a.C.), narra que Adônis Mirra e o Nascimento de Adonis. Desenho de Bernard Picart para a Metamorfose, Livro X, teria nascido da árvore de mirra. Uma versão do mito contada por [46] 476-519 . Antonino Liberal já era atribuída ao poeta grego do início do século V a.C. Ferecides de Leros.[51] Embora a existência dessas e de outras versões transmitidas, os estudiosos notam aspectos particulares na versão de Ovídio: apenas ele associou a genealogia de Mirra à de Pigmalião.[52] O mito de Hipólito, presente em Metamorfoses no Livro X, também é um elemento no estudo da intertextualidade: o personagem teria sido alusido, à primeira vista de forma metonímia, numa competição entre Diana e Vênus: "Ou então, cultiva o gosto pela caça, com frequência Vênus bate em retirada, vergonhosamente vencida pela irmã de Febo".[53] Aqui tem-se a dúvida se Ovídio usou ambas as deusas como identificação daquilo que representam (caça e amor, respectivamente), sintetizando-as na personificação, ou se o trecho trata-se de uma alusão a algum episódio mitológico com que o poeta romano reforça sua argumentação de caça x amor.[54] Identifica-se que na história de Vênus vinga-se inflamando em Fedra. em flores. incestuosos. rochas. que cria monstros. ignorando seu culto. • Livro II [64] Faetonte. na tragédia Hipólito [56] de Eurípedes como mais tarde em Fedra. é atingido pela ira da deusa do amor. ou pode resultar em mais amores.[62] O sentimento que correlaciona tal cronologia e metamorfoses é aquele que Ovídio sempre escolheu para permear sua poesia. Além de sua aparência leve de conto de fadas. amores impossíveis. amor de irmão. e às vezes subversivas. Metamorfoses apresenta uma história demasiada fragmentada e aparentemente incoerente. Io. quer por seu fim.[55] Tal conto mítico foi apresentado antes de Ovídio.[55] Nessa primeira obra. o amor transforma os brutos e insensíveis em seres de natureza pura. salientando a fluidez do mundo das metamorfoses e constituindo um universo que apaga as fronteiras porosas entre o humano e o divino. O amor é apresentado ao lado de suas consequências.Metamorfoses Hipólito. porque. Calisto. estudiosos notam grandes semelhanças entre a ama de Mirra na Metamorfose de Ovídio e a ama de Fedra na tragédia de Eurípedes. ao menos antes do exílio: o amor. ocorre tal combate: o filho de Teseu. quer pelo medo que provoca. sua madrasta. não-consentidos. amor entre parentes. deuses que se transformam em pássaros. Livros • Livro I [63] Cosmogonia.[57] [58] [59] [60] Portanto. pode resultar em ciúmes. amante da caça e da solidão. ninfas que são transformadas em sons.[12] Ticiano. uma das inúmeras pinturas presentes nesse artigo inspiradas na Metamorfoses. quer por seu excesso. jovem casto. de Sêneca. acusa o jovem de tê-la violentado e faz com que Teseu provoque a morte do próprio filho. acaba homenageando exclusivamente Diana. Dafne. No poema. produzindo pássaros e flores. o duelo "caça x amor" é considerado uma revivificação mitológica utilizada por Ovídio como uma advertência ao mortal comum (algo como: "ocupe-se da caça para esquecer uma desventura amorosa"). Júpiter e Europa. vendo-se rejeitada. explode em uma multiplicidade de episódios mitológicos. Eras do Homem. • Livro III [65] . que são grotescas. dessa forma. 1553-1554. e Fedra.[12] A narração. Danaë. O amor em Metamorfose se alastra por todos os gêneros: encontramos escapadelas amorosas. amor homoerótico. para sempre interligados. a deusa da caça (assim.[55] 4 Conteúdo A Metamorfoses de Ovídio poderia ser chamada de "enciclopédia da mitologia clássica"[61] .narra os acontecimentos míticos dos personagens mais importantes e utilizados na mitologia grega e as transformações que dão nome ao livro: homens transformam-se em rios. Gigante. mas que nos mostra centenas de lendas que inspiram. o amor por Hipólito). Ovídio produz uma estratégia narrativa que "desenha" uma imagem global de um canto sem interrupção acerca das origens do mundo até seu tempo. e sua perda enlouquece os bons. Níobe.Metamorfoses Cadmo. Eco e Narciso. Pigmaleão. Atalanta. César. Rômulo. Daedalus e Ícaro. Aquiles. Hipólito. Jacinto. Perseu e Andrômeda. • Livro XV [2] Pitágoras. Byblis. Cipariso. Esaco • Livro XIII [74] o Saque de Tróia. 5 . • Livro IX [71] Hércules. Centauros. • Livro V [67] Phineas. • Livro VII [69] Medéia e Céfalo. Enéas. • Livro VI [68] Aracne. o Proserpina. Adônis. • Livro IV [66] Píramo e Tisbe. Filomena e Procne. Esculápio. Acteon. e Filémon e Baucis. • Livro X [46] Eurídice. Penteu. • Livro XI [72] • Livro XII [73] Ifigênia. • Livro XIV [75] Cila. Enéias. • Livro VIII [70] Niso. Nicandro. Adônis."[85] Apolônio de Rodes. Boios e. que. é o mais puro e límpido fulgurar de sentimentos."[78] De fato. evoca respostas imaginativas."não existe a supressão do desejo. todavia os estudiosos notam que é em Ovídio que a metamorfose adquire o caráter mágico que hoje possui. claro.[77] Para Irving. Apolo e Dafne."[86] O fenômeno de se transformar em uma nova forma ou espécie pode ser encarada como uma modificação de consciência.[80] Há as mais variadas descrições de transformação no poema ovidiano: em mamíferos (Io).[79] Em Metamorfoses. viu duas serpentes e matou a fêmea. um dos temas-chave da mitologia greco-romana. que pretende que as novas formas recuperem tanto quanto possível os mateiais das velhas. Hesíodo e Píndaro tais descrições são mais raras. pedras (Alcmena). Adônis ou Narciso. [77] deus do sol. notamos em Metamorfoses um movimento que nos leva a muitos saltos e incoerências de episódios que passam a registrar em nossa mente uma variedade de histórias individuais.204 [65].[84] Para Italo Calvino. ou.[78] Tal concepção chama-se dialética . além de ilustrar as mudanças de categoria exigidas pela narrativa mítica. Pseudo-Apolodoro. XI v. como nos mitos de Astéria. "uma lei de máxima economia domina esse poema [Metamorfoses] aparentemente voltado para o dispêndio desenfreado: é a economia própria das metamorfoses. emocionais e torna a história excitante.Metamorfoses 6 Temática Metamorfose Candida de nigris et de candentibus atraf/…acere[76] . tocante ou divertida. são os principais autores que descrevem relatos de metamorfoses.[77] consiste. embora transmigrem para outras formas ou gêneros.. Ovídio.[77] Com avançados estudos antropológicos do século XIX. O conceito de metamorfose (verbo μεταμορφόω). sob outra ótica. plantas (Dafne. como é o caso do adivinho Tirésias (Livro III). Jacinto. aves (Filomena). Antoninus Liberalis. pertencentes ao Período Helenístico. e recuperou a masculinidade). ao invés de matar a fêmea. em notar um movimento permanente movido por paixões e desejos que se equilibram antes de iniciar uma nova batalha. os deuses transformam os homens para que possam provar sua superioridade diante dos mortais ou si mesmos para que possam realizar seus desejos e sonhos. a noção geral de metamorfose é que esses seres. sempre guardam algum sinal de seu estado pretérito. como a existência de uma história folclórica prévia ou apenas invenção literária. ódios. século XV: sexo. no poema ovidiano. divinização (Hércules). transformando-se em mulher (anos depois.[87] .Ov. enquanto que em Homero. passando pelo mesmo local. Met. eliminou o macho. enquanto Dafne se metamorfoseia em árvore para fugir do escalava uma montanha.[81] [82] Em muitos casos.. paixões e desejos que move esse mundo mítico. Eratóstenes.[83] Contudo. o fenômeno de metarmofose foi tido como uma característica de um estágio primitivo da religião grega. a metamorfose ocorre como fruto de um sofrimento amoroso e trágico. a metamorfose é "um importante elemento narrativo que. Narciso).[77] Há personagens que mudam de Piero Pollaiuolo. avistou outras duas serpentes e. ao contrário. de modo que a sucessão das etapas obedece a uma estrita orientação axiológica.[92] [93] Há uma brusca passagem da Idade de Ouro para a Idade de Ferro. século XVI. a Idade do Bronze.[89] A partir do verso 7 [63] do Livro I. deusa da justiça. Alemanha. o poeta mostra lucidez pelo fato de reter uma gama de versões acerca do mito de cosmologia e por propor uma reflexão acerca das relações conflituosas que podem entreter as diferentes doutrinas. as habilidades humanas não foram aperfeiçoadas. Ovídio também utiliza quatro idades das cinco eras cronológicas da mitologia clássica: Idade do Ouro. às estações do ano. Era de Prata. Museu Nacional. que apresentou-lhe uma evolução derivada de nascimentos divinos.[89] e o livro V do De rerum natura. mas. tais habilidades começaram a ser aguçadas por conta das dificuldades existentes na natureza. Lucas Cranach. sem lei.[90] Caos.[92] Por conta dessa espera e desse dependência da terra. a Idade de Ouro ovidiana é encarada como uma "estratégia narrativa de contar o mito em uma esfera de metamorfose.[95] A última idade.que designa a inicial confusão de todos os elementos universais.[91] De acordo com a poesia de Virgílio. e até mesmo Astréia. introduzidas na Idade de Prata".[92] Nas Metamorfoses. Ovídio dispôs basicamente de duas obras fundamentais: Teogonia. o surgimento dos homens e a formação da civilização. a Idade Heróica.[90] No poema ovidiano. que Ovídio opta por suprimir. é descrita assim por Ovídio: de duro est ultima ferro[96] Nessa Idade não há mais piedade. uma vez que Ovídio projeta nele (no verso) a noção de caos . ainda em Virgílio. já no reinado de Júpiter. que racionaliza o episódio ao lhe dar uma estrutura unívoca.[94] Os estudiosos acreditam que o suprimento da Era Heróica resultou numa temporalidade homogênea em Metamorfoses. Goeree. não nos apresenta uma sequência passo a passo de uma relação de ocorrências ordenadas segundo um princípio arbitrário. a Idade de Ouro não possui tal repressão: cultivava-se a lealdade e a justiça por seu próprio arbítrio."[92] Hesíodo apresentava uma Idade a mais. a Idade do Ferro. e a Idade do Ferro. "como se as etapas intermediárias corressem para se entrar na idade derradeira.Metamorfoses 7 Cosmogonia e Eras do Homem Quando Ovídio narra as origens do universo. de Hesíodo. Tais idades são seguidas da luta entre os Gigantes e os Deuses olímpicos. durante o domínio de Saturno. de Lucrécio. o Velho. Para os estudiosos. Para Tronchet. observa-se claramente a influência de Hesíodo. de modo que só futuramente. que apresentou-lhe uma filosofia epicurista que descreve a formação da Terra e dos astro. ligados aos ventos principais. desenho de W. a Idade de Prata. deixou a . no qual intervêm os pontos cardinais. 1690. ao contrário da Teogonia. o caos estabelece um estado primitivo do universo.[88] Para traçar a criação do mundo em Metamorfoses. e não de alusão política". contentavam-se os homens com o que a terra lhes fornecia. Versos 5-20 [63] da Metamorfoses descrevem a Gênese como [19] uma confusão de elementos desarmônicos. é significativo o fato de Ovídio ter reduzido a quatro o número das idades: "pode-se observar uma correspondência entre a passagem referida e todo o começo das Metamorfoses. embora rivalize com os deuses.[98] Assim. tais comportamentos se prolongam até o presente. cuja finalidade é mostrar a necessidade de trabalho e justiça. Prometeu. seu parente. Prometeu.78-83 [63] . Pandora. talvez ainda contivesse sementes do céu. criou do barro e da água o primeiro homem e. Teogonia.[97] Assim. Este. separada há pouco do alto éter. como havia roubado o fogo dos deuses para incuti-lo em sua invenção. ao contrário dos animais que voltam suas faces para o solo. "o homem.[99] de modo que. moldou à imagem dos deuses que governam tudo.[100] Segundo algumas dessas versões. a origem do mundo melhor. e Os Trabalhos e os Dias. iniciando por "Nasceu o homem": "Nasceu então o homem. embora mantenha conexões com práticas criminosas da atualidade. levanta os olhos para os céus". deseja fazer parte do divino.[97] Em Hesíodo. Prometeu. Prometeu contempla o divino e termina se tornando parte dele. 1868: o homem.[98] 8 Criação do homem e da mulher No Helenismo. onde a Era do Ferro é localizada num passado longíquo. ambos de Hesíodo. terra que o filho de Jápeto. ou então a tera recente.[101] Criando o homem à imagem divina. o homem é o animal mais sagrado . trazendo a ele grandes males."[106] .Metamorfoses terra. misturando com água da chuva. foi-lhe enviada pelos deuses a primeira e belíssima mulher. v.[102] Ovídio declara que.[104] [105] Assim Ovídio escreve sobre a criação do homem. desejosos de cruéis matanças. um urânide. de Platão. de Ésquilo. o que não ocorre em Ovídio. Gustave Moreau.faltava-lhe apenas dominar os outros por meio de uma mente superior. o mito de Prometeu foi retratado em quatro trabalhos: Protágoras.[103] Para Ovídio. ou o fez de semente divina aquele artífice do universo.Met. possuindo porte ereto. "o mito das quatro idades representa o cenário no qual evoluem os homens e no qual deuses produzem metamorfoses como desvios que transgridem tanto as formas gerais da natureza quanto as leis que a regem". e para isso modela o primeiro homem [99] à imagem divina. I. nota-se o declínio da moralidade e do surgimento de homens perversos. oposto a'Os Trabalhos e os Dias. Acontece que Prometeu o roubou e tal ato fez com que Zeus. "neste clima de é o castigo descido do céu para que os homens tensões. Prometeu."[111] Pandora e Epimeteu se casam e.[109] O mito de Prometeu e Pandora retrata a marcha história do homem e da mulher. o rapto do fogo acaba por ser esquecido.[109] A consequência seria a "perda do paraíso" ou. Pandora.[110] Pandora traz consigo um jarro que.[110] No fim. esquecido do espírito. 1882: "a mulher segundo o psicólogo clínico Sérgio Pereira Alves. jogou uma praga. De maneira simbólica.Metamorfoses 9 O homem torna-se aquele que surge para rivalizar com os deuses em suas habilidades e meios. há uma reconcilização entre Zeus e banal". quando se arrepende do roubo. Jules Joseph Lefebvre. ao divino".[105] Para que preservassem o esforço e o cansaço do trabalho. mulher ideal e semelhante às outras deusas."[113] . paradoxos e incertezas confrontamos a nós mesmos na busca esqueçam do espírito e sejam seduzidos pelo [107] pelo equilíbrio". auxiliado pela consciência cega de Epimeteu. e o instrumento torna-se chama purificadora. à sedução banal". os deuses retiveram o fogo. o jarro é aberto e saem dele todos os males que são espalhados pela humanidade (alguns enxergam uma relação análoga entre os noivos e Adão e Eva). Eva dava ao homem a tomada de consciência. enquanto que na narrativa de Hebreus. "vital aos homens". irado. e representa a "esperança de se elevar a um caminho mais puro: ao sublime. intelectualização (consciente) e do perigo de seu desvio (subconsciente).[109] Na tradição judaico-cristã existia a crença de que a entidade femnina impulsiona o homem para a transgressão dos limites humanos.[109] Para Diel. Prometeu ocupa seu lugar entre as divindades. segundo Diel. "Prometeu é o símbolo da humanidade. nas núpcias [112].[108] A mulher criada pelos deuses é o castigo que eles usam para se vingar dos homens: Pandora simboliza os "desejos terrestres que levam o homem. pois encerra todas as formas de perversão. "é símbolo do subconsciente. ao representar o caminho que conduz da inocência animal (inconsciente). embora não adquira bons frutos em sua batalha. que foi pedir a seu filho Hefesto que modelasse Pandora. até a eclosão da vida mais elevada (supraconsciência): o Olimpo. peixes.[80] Os deuses vingam-se dos homens transformando-os em animais ou plantas para que possam provar sua superioridade diante dos mortais. ele entrou numa clareira onde havia um lago. enquanto a deusa do nascimento transformou Galante em uma doninha. o puniu transformando-o num cervo. e. na medida em que os humanos são transformados em monstros. a deusa fez com que a jovem se enforcasse. fazendo com que as instâncias de vingança em Metamorfoses seja muito importante por desempenhar um papel fundamental no que diz sua história. quando Acteão havia terminado uma longa caça com seus cães por dentro de um bosque.Diana Surpreendida por Acteão. que. geralmente ela explica a causa das transformações ao longo da história. 1856-1863. esta enviou Inveja a fim de envenená-la. nua. Hércules. transformasse ela numa pedra porque ela não o deixou entrar na sala de Herse. mas Galante. não sabendo que o encontro era mero acidente. .[80] Assim. sem saber que ele era um deus. por fim. por Aglauros ter quebrado sua promessa à deusa Minerva.[80] Delacroix. e lá estava Diana. Outros exemplos de vingança: quando Mercúrio rouba o gado de Febo. por fim. e a única pessoa que havia visto o crime era um homem chamado Bato. ação pela qual fez com que os cães de caça o perseguissem sem reconhecê-lo. Assim. servo de Alcmena. a vingança traz transformação. metamorfose. mas ele não cumpre a promessa. e Mercúrio transforma-o numa pedra. o ladrão subordina o homem com uma das vacas para que ele não revele o que havia visto. de modo que a deusa cruzou as pernas e impediu a entrega da criança. constelações.Metamorfoses 10 Vingança A vingança encontra-se de forma recorrente em Metamorfoses. pois Juno tinha ciúmes pelo fato de Júpiter ser o pai do bebê. fazendo com que Mercúrio. O Verão .[80] O nome de Licaão ficou associado com licantropia. o primeiro exemplo de vingança é encontrado no Livro I. e ela quis tornar isso o mais difícil possível para Alcmena. notando que as mãos de Aracne produziam um material mais perfeito que o seu. a deusa Minerva veio sob o disfarce de uma velha mulher e desafiou a jovem tecelã Aracne numa competição para ver quem tecia melhor e. quando Júpiter transforma Licaão em lobo por conta da tentativa de homicídio que o segundo dos dois quis cometer no primeiro. Juno suburnou a deusa do parte para evitar que Alcmena entregasse seu bebê. Museu de Arte de São Paulo. conseguiu enganar a deusa e ela acabou entregando a criança com segurança. [120] . lhe ensinando atividades do cartório. lírica. X 204 [65]. o Livro X nos apresenta o mito de Jacinto.[115] é apresentado em Metamorfoses de forma pessoal ou personificado na figura do Cupido. considera que é um mito iniciátivo. Pintura que homenagem ao jovem. que também amava Jacinto. Jacinto tinha uma beleza rara que se desfez quando ele e Febo brincavam num enorme campo e um disco arremessado pelo segundo dos dois acabou sendo desviado pelo ciumento Zéfiro. uma bela não recebesse esse nome. o vento. arco. A Morte de Jacinto.[118] mas os esforços resultam nulos. contudo o repudia porque ele traz muitos problemas aos homens. de forma sutil e delicada..Ov. O recorrente tema do amor. uma flor brilhante e purpúrea. espalhado na relva. Em questão erótica. um dos inúmeros amantes do deus Febo. música. e sexo semper eris mecum memorique haerebis in ore[114] . conceitual. o Jacinto.[116] O amor em Metamorfoses abrange desde paixões até erotismo. da Grécia antiga como a pintura vermelha em cerâmica. acerca da fundação da homossexualidade institucional espartana: Febo ensina Jacinto a se tornar um adulto realizado. 1801. em Jean Broc. utiliza-se de todas suas artes. Contudo.Metamorfoses 11 Amor erótico. estava presente em manifestações artísticas demonstração de homoerotismo artístico. fortíssimo em toda produção literária de Ovídio. embora ainda Apolo.[117] O disco fere Jacinto. aluno de Georges Dumézil. ele renasce em outra forma: a metamorfose de Jacinto se dá quando Febo faz brotar do sangue de seu amor. e Febo lhe segura nos braços.[117] Febo e Jacinto são um exemplo do desejo mostra o momento da morte do jovem amado por homoerótico na Antiguidade Clássica e helenística que.[119] Bernard Sergent. e Jacinto morre. tirando-os da razão. temas que serão de nosso foco exclusivo nessa seção.[120] O mito de Febo e Jacinto é considerado uma metáfora clássica da morte e do renascimento da natureza. Met. Ovídio reverencia Cupido por ser o deus do amor para os romanos. quando Dafne está tentando fugir dele. a deusa faz de tudo para protegê-lo dos animais selvagens.[121] Em muitos cantos Cupido impele deuses ou deusas a perseguirem algumas personagens femininas. Não existe barreira entre os humanos e os deuses. é a perda do controle racional. ocorrência relatada fundamentalmente na Metamorfoses de Ovídio: as histórias dessa Era são divididas pelos acadêmicos em dois grupos temáticos. quando Vênus se apaixona por Adônis e se estabelece com ele. Quando alguém se apaixona em Metamorfoses. no Livro I. Em Metamorfoses.Metamorfoses 12 O conceito de amor em Metamorfoses varia de personagem para personagem: encontramos deuses que procuraram desesperadamente uma mulher especial que se recusa a ceder até ele tê-la. Unindo a Era em que os deuses viviam sós e a Era em que a interferência divina nos assuntos humanos era de certa forma limitada. como característica de uma pessoa no ápice do amor. seja de uma forma ou de outra: os contos de amor. "outro atributo que define. a frustração por não ter convencido a pessoa adorada. entre muitos protagonistas do amor em Ovídio. geralmente seguido por uma elegia pessoal das qualidades do amado. apenas diz que ela faria um macho feliz na cama. na medida em que retrata homens e mulheres como seres individuais que não possuem muita vontade de se juntar com o sexo oposto. finalmente. e que é fruto do relacionamento da deusa Vênus com o mortal Anchises. nos elogios que Apolo faz a Dafne. por exemplo. na mente de Ovídio não é natural duas pessoas do sexo oposto viverem em harmonia. tudo na pessoa amada é belo e encantador. e ele pede para que ela encurta os passos a fim de não se machucar: ele diz que também desacelerará para que ela não precisa correr mais rápido. sedução ou violação de uma mulher mortal por parte de um deus. no mito de Io e Júpiter. ou masculinas. a diferença entre amor e luxúria é que os personagens que amam enxergam a pessoa amada como bela física e interiormente.[125] raramente possuem finais felizes.[122] No final.[122] Para Chen. Vênus e Adônis.[124] Ambas histórias tratam do envolvimento dos deuses com os humanos. no Livro I [63]. mas quando ela não o faz. enquanto que em outros casos uma deusa se preocupa profundamente com um homem e faz de tudo para protegê-lo dos perigos. apresentado no Livro XIII. Para Chen. o deus nunca comenta sobre a beleza da jovem. a inconsistência na negociação e.[121] Para os estudiosos."[123] Contos de amor e Contos de castigo Metamorfoses inverte a ordem aceita. 1614: um mito que exemplifica quando um indíviduo põe suas vontades na frente dos desejos de sua/seu [121] parceira(o). mas ele não atende suas advertências e vai caçar um javali. que muitas vezes envolvem incesto. mas essas personagens femininas ou masculinas fogem para que possam prosseguir com seus desejos individuais. Metamorfoses ridiculariza o conceito de união e harmonia entre os sexos. notamos que o amor de Apolo é tão intenso e doentio que. o deus não entende que é porque ela não o ama. elevando as paixões humanas (pathos) enquanto modela os deuses e seus desejos e conquista elementos de baixo humor. quando ela foge dele. no Livro X [46]. Chen observa tal irracionalidade no pensamento "como uma forma de liderar a defesa especial. havia uma Era de transição em que deuses e homens se misturaram livremente."[123] Essa marca se encontra ainda no mito de Dafne e Apolo.[126] os contos de castigo envolvem a apropriação ou invenção de . Por exemplo.[121] Para os estudiosos. resultando em uma descendência histórica (como Enéas. enquanto que os luxuriosos a enxergam apenas como mero objeto sexual. ele acelera."[122] Isso ocorre.) Trata-se de mais um exemplo acerca do indíviduo que põe suas vontades na frente dos desejos comuns de um casal. histórias de amor e histórias de castigo.[121] Cornelis van Haarlem. (Esse javali acaba matando o homem que ela tanto cobiçou. "os marcadores de um relacionamento amoroso inclui o inicial amor à primeira vista. um príncipe).[123] Por exemplo. descobrir-lhe o significado e o conteúdo.Metamorfoses algum artefato cultural importante no envolvimento entre deuses e humanos. fato que a leva a se posicionar diante do Outro com a finalidade de ser admirada. estimulada por Sigmund Freud. onde.[132] Na psicanálise.[143] A operação formada pelo encontro de Narciso com Eco é vista como "algo que permanece para sempre passível de ser o causador de uma re-significação". segundo ele. quando Freud abordou-o focando-se na perspectiva da escolha objetal dos homossexuais.foi aproveitado por Freud[134] para que ele desenvolvesse a teoria do "narcisismo". cumprida e inteira ultrapassa o auto-erotismo para fornecer a integração de uma figura positiva e diferenciada do outro.[138] Flávio Gikovate escreveu em seu Ensaios Sobre o Amor e a Solidão (1998) que "[."[140] Acredita-se que.Ov.. sendo essa primeira a que daria suporte para a segunda.[129] O encontro entre Narciso e Eco é mediado por Eros e Tânatos e isto indica um dos pontos relevantes para o estudo da violência na contemporaneidade.[129] A relação entre linguagem e a morte do ser. "constante tentativa do espírito humano para entregar-se a outrem".[129] Na perspectiva do psicanalista Henrique Figueiredo Carneiro. e era fadada a eternamente reproduzir (ecoar) a fala do amado. Met. enxergam um lado positivo no narcisismo: "um narcisismo que promove a constituição de uma imagem de si unificada. no futuro. seu ponto de apoio estrutural que é exatamente a linguagem que o faz existir".apresentado no Livro III da Metamorfoses . "a escolha do objeto libidinal parte do narcisismo. Desde seus princípios a psicanálise utiliza-se dos textos artísticos e literários como uma atividade de análise."[139] Para a psicanálise voltada à psicologia infantil.[136] Freud publicou um estudo mais aprofundado do termo em seu Sobre o Narcisismo: Uma Introdução [137] (1914).[127] 13 Interpretações Psicanálise iste ego sum[128] . III 463 [65]. a mitologia grega serve como uma espécie de investigação da psique. viajando nas asas do velho Narciso. Eco se distraía pelos bosques e montes. sem antes interpretá-la. que caracteriza uma etapa primitiva no desenvolvimento da criança.[144] Narciso (1594-1596) de Caravaggio: o belo jovem tornou-se o protagonista do "Eu" na [129] [130] cultura ocidental. encontra conexão com a experiência que Narciso vivenciou depois de seu contato com Eco. Os psicanalistas a enxergam como um símbolo da alteridade.[135] O termo surgiu primeiramente em 1910.[141] Mas em Ovídio. tentou aproximar-se de Narciso. se depara com seu ponto de finitude. existe uma segunda personagem ao lado de Narciso: Eco.[142] Em Ovídio. na busca pelo semelhante". quando uma criança é elogiada por conta de sua beleza. perfeita. tais crianças possam viver exclusivamente do elogio dos outros e ficarem desconectadas de si mesmas.[131] Segundo Freud.. Quando ocorre uma atitude psicológica semelhante à de Narciso-que se deixou morrer admirando sua própria imagem e evidenciando uma paixão por si-existe a famosa relação entre "narcisismo" e "vaidade". "o sujeito do contemporâneo.. seria impossível compreender uma obra de arte sem antes aplicar-lhe a psicanálise.[133] O Narciso de Ovídio . que também a desprezou.] a vaidade corresponde a um prazer erótico (Eros) difuso determinado pela exibição bem sucedida de alguma prenda pessoal. contudo. .[140] Alguns estudiosos. ela "experimenta intenso prazer e passa a buscar a repetição da sensação. uma vez que Pigmaleão apaixona-se pela estátua porque a fez ter forma "de uma verdadeira donzela" nunca vista em outras antes. Pigmaleão e Galatéia.[151] A ênfase é projetada na perfeição da estátua e não no comportamento desviante de uma personagem masculina.[150] Subjacente. e posteriormente com o livro Pygmalion in the classroom: Teacher expectation and pupils intellectual development (1968). um escultor que acaba se apaixonando por uma estátua que ele próprio modelou."[146] O "Efeito Pigmaleão" surge na década de 1960. Embora as versões mais remotas de Pigmaleão já descrevessem a relação amorosa entre um homem e uma estátua. rei de Chipre. o artista pede à deusa que ela dê vida à sua obra.[149] O "Efeito de Pigmaleão" possui conexões com a ideia da profecia que se auto-realiza.[147] Sob tal ótica. como o namoro. 1890: a visão de determinada pessoa em relação a outra determina a verdade que a primeira passa a [148] demonstrar. identificando fraquezas e más qualidades. como ocorre com os artistas e suas obras. num verdadeiro diálogo que permite a múltiplias realidades e valores intersectarem-se para construir novas possibilidades.] de uma verdadeira donzela ao presenteá-lo com a realização do seu desejo não-expresso. já se sente autorizado a ser assim.[149] Aqui.Metamorfoses 14 Psicologia e educação No Livro X.[147] Nos relacionamentos íntimos. e que está relacionada ao sucesso ou ao fracasso desse namoro. semelhante. acredita-se que a expectativa que cada namorado tem com o outro exerca uma influência extremamente positiva. principalmente se o observador domina de maneira esclarecedora e compreensiva a imagem observada em muitas perspectivas e em artefatos variados."[153] Pigmaleão tornou-se a prova do poder que uma imagem tem sobre o observador. está a crença de que as grandes e marcantes mudanças se apoiam no cruzamento de conversas efetivas.[147] Assim como no narcisismo. mas "pelo resultado das suas próprias qualidades artísticas". o sentimento do escultor mudou a condição da estátua. que reproduz não a imagem esculpida pelo artista. "Pigmalião tinha conseguido dar à estátua o aspecto [. "as pessoas tornam-se aquilo que outras esperam que se tornem". Ovídio apresenta o mito de Pigmaleão.[146] Os psicólogos demonstram esse grande poder que a expectativa tem sobre o comportamento das pessoas. o que limitará significativamente suas escolhas e sua autoconfiança. de modo que Pigmaleão não apaixona-se pela estátua em si. o Efeito Pigmaleão encontra uma abordagem também ligada ao marketing pessoal: "se [você] se vê com olhos negativos. é em Ovídio que encontramos a apologia da obra de arte perfeita.[152] Desse modo. mas a 'verdadeira donzela' a que a obra de Pigmalião era.. As observações de Rosenthal e Jacobson afirmavam que a inteligência dos alunos era maleável a ponto de as opiniões dos professores serem determinantes no aumento ou na diminuição dos seus níveis intelectuais.. de Merton. e seu desejo se realiza: portanto. o efeito é engendrado em atividades práticas dentro da área de educação em sala de aula. recompensa a arte do escultor com uma imitação sua. por arte. Jean-Léon Gérôme. e tal fenômeno foi denominado "Efeito Pigmaleão" na Psicologia positiva.[154] .[145] Num festival dedicado a Vênus. sendo apresentado pela primeira vez em público por Rosenthal e Jacobson por meio do artigo Teachers expectancies: Determinants of pupils IQ gains (1966). além da noção de trabalho. O que é isso senão devorar nossos convidados.[155] Vegetarianismo No último livro de Metamorfoses."[160] Crítica Contexto histórico Metamorfoses de Ovídio obteve um imediato sucesso (embora Quintiliano considerasse sua Medéia como obra-prima).[156] [157] O seguinte trecho da Metamorfoses. uma vez que o homem começa a agir sobre a natureza para extrair de sua terra o sustento e a sobrevivência. quando o filósofo diz que a deificação de Cláudio deveria ser adicionada no poema ovidiano. sustentar a luxúria.[165] as mais recentes dessas três cópias fragmentadas contém trechos dos Livros I. pródiga em suas provisões. poder.[158] é usado para tal fim: " 'Se homens com carne mortal precisam ser alimentados. é encarado. datando do século XIX. Ovídio transcorre sobre Pitágoras. chamado "Discurso de Pitágoras". E sem sangue é pródiga em satisfazer.[166] . Livro XV. assumem outras formas. sob essa perspectiva de sustentabilidade. permanece a mesma. o poema de Ovídio traria a noção de bonança e de adversidade. ainda retinha/ alguma semente da força celestial que encantou/ os deuses ao surgir com vida do barro e da água")./ ou da Terra. Alguns adeptos da filosofia vegetariana encontram no poema o que talvez seja uma espécie de simpatia por parte de Ovídio com o pensamento do matemático (considerado o "Pai do Vegetarianismo no Ocidente"). E mastigar com dentes sangrentos o pão que respira. cujo vínculo primário é estabelecido com a Terra. de contradições e de conflitos entre as mais estreitas relações parentescas e íntimas. Essa obra definitiva da mitologia[162] foi usada por uma afirmação jocosa de Séneca. em seu Apocolocyntosis (divi Claudii) [163]. Um banquete sem culpa administra com gosto. Mas. e escreve o que seria seu discurso.' "[159] [2] O Livro XV da Metamorfoses talvez apresente uma simpatia entre Ovídio e o pensamento de Pitágoras. que tão recentemente apartada/ do velho fogo dos céus. II e III. competição.Metamorfoses 15 Sociologia A abordagem das quatro idades míticas do homem apresentada em Metamorfoses pode ser vista como uma relação entre os elementos das sociedades humanas: Metamorfoses fala acerca de nascimento e morte. Sustentabilidade Em Metamorfoses. Tal característica presente em várias tradições culturais e religiosas suscita nos ecologistas a ideia de que os poetas já apresentavam o objetivo da reciclagem e a prática de que é possível reaproveitar materiais e transformá-los em uma segunda coisa que. em essência. etc. E barbaramente reprisar os banquetes dos ciclopes? Enquanto a Terra não só pode satisfazer suas necessidades. dominação. como o "mote de grande parte do movimento planetário por salvar a própria Terra.[155] Aqui. entre divindades.[160] Um dos trechos iniciais de Metamorfoses ("Então nasceu o homem. os deuses e semi-deuses e humanos se transformam.[164] Metamorfoses manteve sua popularidade em toda a Antiguidade Tardia e na Idade Média. dizem. talvez. à imagem de Deus.[161] que ameaça a popularidade da Eneida de Virgílio. e possui um alto número de originais sobreviventes (mais de 400). [174] • gênero lírico.[174] Ocorre que após o classicismo francês.[174] Os três gêneros eram vistos de forma isolada . ecologistas."[176] Contudo.[171] Trata-se de um pensamento de que as obras ovidianas. quod in mores redundare posset[170] ("ach'ertiu Platão que os textos 16 dados a 1er aos jovens não deveriam conter vícios susceptíveis de afectar os [bons] costumes"). Metamorfoses foi aproveitada por estudos psicanalíticos. na medida em que não existe um protagonista herói.não havia mistura entre eles.[174] Devido a esses problemas de conceituação. e Metamorfoses está inclusa.[121] . "…podemos acrescentar o corolário de que a tragédia é algo maior do que uma fase do drama grego.[174] • e o gênero dramático.[168] Contudo.[121] Em vez de uma grande aventura. evolvendo a lírica contemporânea". a subdivisão e a existência de novos gêneros. que desconsiderava uma mistura de gêneros em uma só obra. pressupondo a existência de um público que se emocionaria. mas que é capaz de corromper os jovens. a menos que você visualize as presas dos deuses como heróis em suas fugas para escaparem dos castigos e punições das divindades. através do pathos da dor ou do prazer".[168] Com base na tradição manuscrita ou de restauração por conjectura. que "uniu-se ao teatro. o resultado de vários séculos de leitura crítica significa que o poema se estabeleceu firmemente ao longo dos séculos. que "narrava fatos históricos a mitos e lendas. embora verse sobre deuses e seja composta no verso heróico. críticos modernos não desconsideram o pensamento de que uma obra pode possuir aspectos líricos sem ser necessariamente lírica.Metamorfoses A colaboração de esforços editoriais tem investigado os vários manuscritos de Metamorfoses. de certa forma Metamorfoses continua sendo vista como "anti-épica". por exemplo. que dizia: admonuit ne fabulae quae adolescentibus traderentur legendae aliquid vitii continerent. nas antologias ovidianas com objetivos escolares realizadas pelos jesuítas portugueses do século XVI. o barroco e o maneirismo começaram a questionar tal posicionamento. sociólogos. cerca de quarenta e cinco textos completos ou fragmentados.[173] 16 Gênero Evoluíram até os nossos dias três gêneros da Antiguidade Clássica: • gênero épico. Para Frye. Seu caráter poético voltado à transmutação deu à obra ovidiana um aspecto de mudanças humanas que apontam para efeitos de educação resultantes de níveis de humanidade diferenciados. Podemos também achar a tragédia em obras literárias que não são dramas. há várias censuras de seus poemas[169] e citações de Platão. não é classificada como uma epopéia. os estudiosos acreditam que Metamorfoses apresenta o desejo de Ovídio escrever exclusivamente sobre as vontades e paixões dos deuses e dos povos. defendeu-se a mistura dos gêneros.[167] todos decorrentes de um arquétipo gaulês.[175] De fato. apresentam uma poesia elegantíssima.[172] Ao longo dos séculos. desenvolveu-se como gênero narrativo que gerou o romance". por educadores. Com o advento do evolucionismo e uma preocupação maior com a historicidade do gênero. digna de ser apresentada a adolescentes com fim escolares.[174] Para os críticos modernos. essa complexidade e a divisão de opiniões quanto tal assunto encontra nas obras ovidianas um exemplo: Metamorfoses. admitiu-se a mistura de gêneros. que "ampliou-se em seu caráter subjetivo. ou trágicos sem ser precisamente uma tragédia. no entanto. etc (Ver subseção Interpretações). [179] Sob tal raciocínio. para exemplificar e convencer o leitor da verdade de seus preceitos. que lhe permitia passar do riso ao pranto.[186] Por realizar um trabalho de narrativa original. de modo que suas ideias passam a ser mais claras do que nas poesias pretéritas. o poeta latino "desvia a atenção do leitor de uma linha de pensamento mais séria.[178] ao contrário da anterior A Arte de Amar.. e. ou qual é a relação entre a Vênus de Metamorfoses e a já representada em Remedia Amoris. Ovídio utilizou do realismo e se viu forçado a manter no poema o tom jocoso e divertido que apresenta em muitos outras obras de sua autoria. da tragédia à farsa. porém.o uso metonímico consiste na utilização. Ovídio introduz em alguns mitos. fazendo com que o cotidiano torne-se heróico. e por isso confina com a magia e outras tentativas para transformar o homem e fazer deste ou aquele esse outro que é ele mesmo". "uma maldade encarnada e abre um simulacro de jogo de moralidade". a alma humana e Roma inserida neste contexto."[184] Segundo Octavio Paz. e de pôr em evidência a sua paleta rica de cores e dos mais raros matizes". pode-se concluir que Ovídio recorre à mitologia.Metamorfoses 17 Linguagem Escrito em hexâmetro dactílico. mulher e sociedade. com sua intertextualidade e sua intratextualidade.[40] O hexâmetro datílico. relacionada ao crime e à punição [.[185] Metamorfoses pode ser vista como um dos fatores que fez com que Ovídio sofisticasse o mito por retratar o fenômeno e as qualidades inerentes de tal fenômeno. incluindo medo. se esvairando em manifestações de polêmicas em torno de assuntos como cosmologia. e à fase madura de Ovídio.[54] e de argumentação: a figura de Vênus foi presentada por Ovídio pretéritamente em Remedia Amoris.].[183] Para tal fim. notavelmente no de Erisícton.[181] Sofisticação do mito Segundo Marmorale. na grotesca representação da fúria desse personagem mítico. principalmente.[177] Ovídio faz uso de metonímias.u u . é necessário verificar o uso do termo "Venus" em ambos os poemas .[183] Metamorfoses pertence ao auge da literatura latina. é formado de seis células métrica chamadas Versos iniciais de Metamorfoses. usado também por Virgílio e Homero. o objetivo é saber em que medida a presença de Vênus em Remedia Amoris é retomada em Metamorfoses. à ficção. durante a narrativa do termo "Venus" como equivalente a "amor". envolve suas histórias numa atmofera de cotidianeidade.[183] Usando as qualidades pertencentes à uma metamorfose. ira. muitos críticos acreditam que Ovídio tenha cumprido seu desejo de criar uma ambição unitária em Metamorfoses. a poesia "é metamorfose.[180] recurso esse comum na poesia antiga. a fantasia de Ovídio "era mais que nunca adequada à variedade. história. Para responder tais questões.[182] Com o intuito de explicar o universo. poema onde a paixão é tratada como doença (trata-se de uma longa tradição: a palavra em língua grega pathos designa em grego "paixão" de forma geral.[184] O retrato que ele faz da fome. mudança. casamento.[55] Aqui. na qual o sentimento é visto de forma mais positiva.. o amor. dátilo: .[187] . "tudo aquilo que afeta corpo ou alma"). o poema narrativo Metamorfoses expõe uma variedade de elementos apresentados por uma linguagem rebuscada que comprova a erudição e o talento de Ovídio.[179] Ovídio substitui constantemente o substantivo comum que é atributo da deusa mitológica pelo seu nome: "Agora vou te dizer o que fazer durante o ato mesmo de Vênus". descrevendo ambientes com riqueza de detalhes. ou seja. o Reitor nem sequer refere-se a Febo como divino.[191] No século 1300. aponta que provavelmente Chaucer tenha lido os textos originais dos romanos. influenciou Chaucer quando ele adapta a história de Alcione e Ceix (Livro XI de A poesia de Chaucer é permeada por alusões [192] ovidianas. Ele apropria-se do nome e de informações das Metamorfoses para compor sua obra. em que aborda problemas de relações domésticas. e que já havia matado a serpente Píton com uma flecha. Apolo aparece como um deus que é um músico de renome.[195] Chaucer dá mais atenção às questões internas da história. que vai se tornar o primeiro a contar a história de Píramo e Tisbe (Livro IV) em língua inglesa.[197] Embora seja um deus.[194] No conto O Reitor. escritor latino que viveu entre os anos de 125 a 170 durante o período imperial de Otávio Augusto. afinal. Chaucer está em conformidade com os antigos "contos de casamento". usado em Ovídio no mito de Raven que torna-se um corvo. e na adaptação de Chaucer. que é. muitos contemporâneos e amigos de Chaucer conheciam os mitos ovidianos através de uma tradução em língua francesa do século XIV. Essa obra. podemos dizer que Chaucer adquire as visões já utilizadas antes por Ovídio. de tão imbuída que é nos clássicos e na sua mitologia.[195] . de modo que dialoga com os atos de transformação na Metamorfoses de Ovídio.[188] foi influenciado por Ovídio até no modo de escrever. chamada Ovide Moralisé."[190] Lúcio. Metamorfoses) para compor O Livro da Duquesa. distraindo-se com o mito. comemorando a morte de Branca de Lencastre. mais conhecida como O asno de ouro. que alegorizava a obra e abrangia um tom cristão.[193] Essa versão.[192] Em Contos da Cantuária. assim. as duas metamorfoses em uma. o personagem principal. portanto seu principal tema é a desconfiança e o julgamento prévio. Tudo indica que ele era fluente em latim e que amava os clássicos: A Casa da Fama incorpora muitas fontes como Virgílio e Ovídio.[191] O tom satírico e bem-humorado de Ovídio foi aproveitado por Apuleio em Cupido e Psiquê. é transformado num burro por magia. esposa de João de Gante.[196] No Livro I e II de Metamorfoses. através de seu The Legend of Good Women.[195] e utiliza o tema do crime de indiscrição. surge o inglês Geoffrey Chaucer. combinando. enquanto dedica pouca atenção ao corvo. Chaucer vai apresentar referências mais diretas de Ovídio do que de qualquer outro autor.[198] Por fim.[196] Chaucer enfatiza o relacionamento sexual. o personagem-título do conto. "sobretudo por parecer que conta a história despreocupadamente. seu relacionamento com Coronis se assemelha a qualquer outro casamento humano. Ovídio serviu como fundamental fonte para a obra de Apuleio. sem necessariamente acreditar no que escreve".[189] A obra mais famosa de Apuleio é Metamorphoseon Libri XI (Onze livros de metamorfose).[191] Em suma. de modo que traduziu Roman de la rose para sua língua).Metamorfoses 18 Influência e diálogos Literatura Lucius Apuleio. conseguindo manter o romantismo de seu antecessor.[192] (Lembrando que Chaucer era totalmente familiarizado com o francês. embora o autor deixe-o fora da história por completo. como a causa da morte do amado.[192] Levando em consideração que Metamorfoses era amplamente lida e conhecida no período medieval. no século XVIII. onde os monstros mitológicos se debatem na punição". produz Metamorfoses.. donzelas.[204] Em 1567. mesmo que sejam benéficas. narra a história amorosa entre esses dois casais que logo é desfeita quando Tereu apaixona-se loucamente pela irmã de sua esposa. decepando suas cabeças e preparando com suas carnes uma torta .[12] [208] [209] Ao menos há semelhanças em ambos os autores: os pais do casal detestam-se mutuamente. os estudiosos notam muitas semelhanças entre os dois grandes autores. ainda na Idade Média.[207] Em Titus Andronicus. Para A Divina Comédia de Dante.[206] notamos semelhanças com Metamorfoses: o mito de Tereu e Procne. os acadêmicos tradicionais crêem que Shakespeare estava familiriazado com esse poema desde a infância. negando entregar-se a ele. são ameaçadoras e poderosas. ao saber que seu marido mutilou e estuprou sua irmã. são ninfas. que mais tarde se tornará Romeu e Julieta. que. etc.][211] Tal como na mitologia clássica. e Píramo acaba acreditando que Tisbe está morta. no Livro VI. com um controle sobre a natureza e os homens. bosques.[24] E temos outra vez a história de Píramo e Tisbe. a cristalização da própria crise". onde logo na epígrafe temos semelhanças com Ovídio: in noua fert animus mutatas dicere formas [. Shakespeare pega emprestado o fascínio e inspiração durante toda sua vida.[200] Para começar.. conceito de metamorfose pela transformação parcial de Bottom. as personagens femininas. como Titus Andronicus. Lavínia é estruprada e os estrupradores cortam-lhe a língua e as mãos para que não possa contar nada. acaba encontrando os criminosos. águas. porque "a transformação não possui mais o sentido de reinventar a vida sob uma crise. mas é o espelho. Muito provavelmente Shakespeare acreditava que esse era o mais belo livro da língua. enquanto que seu pai. em sua magnum opus A Divina Comédia segue de perto as Metamorfoses no que diz respeito primeiramente à simbiose que o poeta italiano realiza quando escreve: la dura petra che parla e sente come fosse donna.[212] Cruz e Silva recorre ao .[24] Seja verdade ou não.Metamorfoses 19 Dante. assim como os deuses de Ovídio.[201] [202] [203] William Shakespeare. Metamorfoses [199] significou muito.[205] Mas desde as suas primeiras peças. povoam campos. Andronicus. uma clara referência ao já citado Apuleio.[205] As fadas de Shakespeare. Filomena.[23] Alguns estudiosos notam que o mundo mitológico das Metamorfoses é "uma encenação de um inferno.[205] Cruz e Silva. aparece para nos mostrar que Metamorfoses figurou como uma fonte de fascínio e inspiração ao longo de toda sua vida. embora apresentem nomes brasileiros. Livro IV. Divina Comédia é estruturada em diversos índices alegóricos.enquanto que em Ovídio Procne. por exemplo. Em Sonho de Shakespeare teve por Metamorfoses uma fonte de [200] uma Noite de Verão. Arthur Golding publica sua tradução dos 15 livros de Metamorfoses para o inglês. dando fim à tragédia. prepara o próprio filho para que ele comesse sem saber.[199] No fim do século 1500 e início do século 1600. é violentada e trancafiada. o mais famoso dramaturgo de todos os tempos. uma vez que Metamorfoses circulava entre as escolas da época. assim como Romeu vê Julieta adormecida e supõe que morreu.[210] Alguns dizem que Shakespeare sentia-se orgulhoso por ser um "famoso imitador de Ovídio". [222] Assim.[223] Ambos os universos de ambos os autores iniciam no estado pré: em Ovídio. e isso é um claro elo entre linguagem e individualidade. com as chuvas. nós nos perdemos". e em Barros temos um lugar que vai receber a "chuva transformadora": "O mundo foi renovado.] A pelagem do gado está limpa.[219] [220] Em Ovídio.[225] Há. durante a noite.[222] Em 1985. em particular aos moldes de Metamorfoses de Ovídio.[222] No Livro I. por sua vez... em novo espaço e em novo tempo". Mestra. um objetivo de retornar ("pré") e num desses retornos Manoel encontra Ovídio e revaloriza sua poesia. uma prosa-poética onde ele conduz o leitor pelas entrâncias do Pantanal. até tornar-se capaz de abrigar significativamente as mais variadas metamorfoses"."[224] Igualmente. temos em Metamorfose um dilúvio que renovará o mundo. enquanto que Gregor de Kafka possui uma irmã que se digna a entregar-lhe alimento mesmo sentindo repulsa dele. O roceiro está alegre na roça.. ao contrário do "blasfemador e arrogante"[218] Erisícton de Ovídio. os estudiosos afirmam que em ambos há uma máxima: "quando perdemos nossa língua. Pequenos caracóis pregam saliva nas roseiras. mas sim no tratamento do diálogo de si-mesmo de suas narrativas. e que em Kafka o personagem não pode se comunicar por causa da voz fina que adquire. notamos que em Kafka e em Ovídio. enquanto que em Gregor a rejeição de identidade surge primeiramente de dentro dele. é um caixeiro-viajante que trabalha muito para sustentar os pais e sua irmã jovem. Gregor Kafka e Ovídio "descrevem os efeitos de uma morre porque deixa de comer. em Livro de Pré-Coisas. A alma do fazendeiro está limpa.. Em Ovídio.[221] Partindo da ótica de que ambos os pessoa aflita e as tentativas de enfrentar a própria [184] situação". enquanto que em Ovídio se limita a uma modificação física. Erisícton se devora de tanta fome. Diz-se que "Manoel de Barros [.[225] 20 . autores narram a transformação de humanos em animais. sentimentos e opiniões". Gregor Samsa. porque a sua planta está salva. Sai garota pelo piquete com olho de descobrir [.] consegue adequar a poética ovidiana e atribuir-lhe uma nova forma. escreve o conto A Metamorfose (1912) utilizando a metáfora das pessoas que são colocadas à margem da sociedade. Franz Kafka. já no século XX. A metamorfose em Kafka é uma "alteração de comportamentos. que sempre arranja comida para o pai. No Erisícton de Ovídio. enquanto que em Kafka.Metamorfoses estilo clássico. o personagem tem uma filha. a transformação de Io faz com que ela perca a voz. mas em Manoel de Barros encontramos "um ambiente já construído que sofrerá modificações no decorrer da narrativa. mas o ponto principal para os estudiosos é perceber que a diferença entre Ovídio e Kafka não reside em seus pensamentos acerca do que constitui um ser humano.[222] O estilo literário de ambos diverge muito.[213] mas realiza uma obra focada no folclore brasileiro e na realidade do Brasil. o ser e a linguagem são uma coisa só. temos um relato da cosmogonia produzida aos moldes tradicionais. Nota-se alguns pontos que se assemelham com o poema Metamorfoses. e que em Ovídio os personagens perdem a humanidade por conta da perda da fala. vai abordar o mito de Acteon e Diana[216] e o esquema de metamorfose[217] em sua Fábula do Ribeirão do Carmo.[214] [215] Cláudio Manuel da Costa. atitudes. E a primavera imatura das araras sobrevoa nossas cabeças com sua voz rachada verde. temos a "massa confusa e disforme".[218] O personagem principal. Manoel de Barros publica Livro de Pré-Coisas. o pintor Charles Le Brun e o paisagista André Le Nôtre. Anquise e Ascânio.[228] onde Apolo.[228] De acordo com os críticos. que dizia que o homem deveria tornar-se o "senhor e dono da natureza".[226] Para viabilizar o projeto. escultor do barroco italiano. inspirado no Livro I de Metamorfoses. Apolo e Dafne é uma das obras mais representativas de sensualidade e beleza acerca da poesia de Ovídio. convocou os famosos Irmãos Perrault. no Absolutismo.. escultura e música Os construtores do Palácio de Versalhes se espelharam em Metamorfoses para construírem alguns de seus territórios.Metamorfoses 21 Arquitetura. portanto. corre atrás da ninfa fugitiva Dafne. provavelmente para exaltar seu poder majestático. Galleria Borghese. Eneias. e O Rapto de Proserpina. Roma. ao lado de Davi.[229] Pode-se dizer que em âmbito de escultura.[228] Bernini. concluiu Apolo e Dafne em 1625. O vasto jardim do Palácio de Versalhes. nas imagens soltas escritas por Ovídio no Livro II de sua Metamorfoses.[227] A Direção das Artes idealizou um conjunto de edifícios cercados por quadros geométricos constituídos por flores e plantas. com diversos bosques e estradas e canais estupendos. Charles e Claude. a escultura faz parte de uma interpretação clássica do século XVII devido ao "efeito movimento" dessas imagens.[7] O Palácio foi construído sob o domínio de Luís XIV de França. No mármore de 23 cm. o arquiteto Louis Le Vau. que formaram a Direção das Artes. enxergamos uma textura da pele da figura de Dafne que aos poucos vai se transformando em casca e em folhas de uma árvore. . Basearam-se.[227] Basearam-se também no pensamento de Descartes. Colbert. atingido por uma flecha de Cupido. para simbolizar sua metamorfose poética num loureiro para fugir do deus do sol. por volta de 1660.[227] Gian Lorenzo Bernini. Apolo e Dafne (1622-1625). e uma flauta tripla. pelos padrões modernos. destaca-se notavelmente os versos de Sampa (1978). correspondendo às fábulas dos primeiros seis livros do poema. Karl Ditters von Dittersdorf escreveu doze sinfonias com histórias selecionadas das Metamorfoses."[239] . Richard Strauss compôs uma ópera homônima.. inspirada no mito de [230] Dafne das Metamorfoses de Ovídio.[233] Ao mesmo tempo. uma peça para Oboé incorporando seis das personagens míticas de Ovídio. um alaúde.[234] A maioria das músicas de Peri foram perdidas ao longo das décadas mas. em 1951. poderia ser considerado uma ópera. ou seja.[237] Em 1597.]"[238] Aqui. com um libretto significativamente retirado da obra de Ovídio. onde Narciso é citado para referir-se à estranheza que o baiano sentiu ao chegar em São Paulo: Quando eu te encarei/Frente a frente/Não vi o meu rosto/Chamei de mau gosto o que vi/de mau gosto o mau gosto/É que Narciso acha feio/o que não é espelho/E a mente apavora o que ainda/Não é mesmo velho/Nada do que não era antes/quando não somos mutantes [.[236] Em 1783. tem-se a questão "do sujeito que somente reconhece o seu próprio 'eu' como parâmetro ou medida de perfeição. a linha 455 do libretto publicado ainda sobrevive nos dias de hoje.Metamorfoses 22 Em 1597. e por isso abandona o diálogo com as diferenças ou nuances. uma viola. a obra é pontuada por um conjunto muito menor do que as óperas pós-Claudio Monteverdi. um achalaúde. o britânico Benjamin Britten escreveu primeira ópera do mundo. intitulada Dafne. o mais antigo trabalho conhecido que.[230] [231] [232] Com libretto de Ottavio Rinuccini.. compostos por Caetano Veloso. o mesmo episódio amoroso foi usado por Jacopo Peri quando este compõe Dafne.[234] [235] Em 1938. talvez por conta de Dafne ter sido muito popular na Europa da época. existentes entre as pessoas. Na música popular. Jacopo Peri compõe o que seria a Mais recentemente. Peri elaborou discursos melódicos e recitativos como parte central da obra. apenas seis sobreviveram. constitui-se de um cravo. não existia o medo. para se referir ao akrazía. que esse estado é a verdadeira juventude do mundo. a natureza era intacta e constituía-se no próprio lar dos homens."[244] Reputação e recepção Diz-se que Ovídio teve até os cinquenta anos de idade tudo o que sonha um poeta: fama.Metamorfoses 23 Filosofia Em Metamorfose. e correlacioná-la aos vícios. saciando-se no primeiro riacho. foram repetidos tanto por Francis Bacon como por Spinoza e Locke. e que todos os progressos ulteriores foram. depois para a Idade de Bronze. pelo solo demarcado. [. vamos para a Idade de Prata. em tal Era "não havia leis nem eram necessários juízes. encontrando seu leito ao pé da mesma árvore que lhe forneceu o repasto.[10] O estudioso Marmorale afirmou que o "exílio de Ovídio é um dos mistérios da Antiguidade".[246] A corte de Augusto enviou-o ao Ponto Euxino. fraqueza de vontade. para a decrepitude da espécie. Retrato de texto filosófico de Rosseau dialogue com a poesia de Ovídio porque jean-Jacques Rousseau. todo vigor de que a espécie humana é capaz. dita por Medéia no Livro VII.[245] Após essa fase social e feliz.] As crianças. em aparência. e eis satisfeitas as suas necessidades.. deteriora sequor[240] ("Vejo o que é melhor e aprovo. na verdade. propôs a examinar o que seria "o primeiro embrião da espécie". A terra abandonada à sua fertilidade natural e coberta de imensas florestas que o machado jamais mutilou oferece a cada passo provisões e abrigo aos animais de toda espécie.[13] ou o caráter temático da obra ovidiana não lhe agradou."[243] Rosseau e Ovídio dialogam no que diz respeito a Essa volta ao passado recorre à Idade de Ouro. assim. mas.. Ramsay.[247] de modo que não se sabe ao certo seu motivo.[11] [248] embora existam duas hipóteses interessantes: ou Ovídio fora indiscreto em um de seus poemas a respeito de algum fato íntimo do imperador ou de sua família. pela violência e a necessidade de leis". posteriora a Metamorfoses. e fortificando-a pelos mesmos exercícios que a produziram. ao escrever seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1989).[242] Assim ele escreve: "fartando-se sob um carvalho. fazendo com que o busca do passado humano. como já vimos na sub-seção Metamorfoses#Cosmogonia e Eras do Homem. confirma-se a opinião de que a mutação em Metamorfose[249] chocou-se de imediato com o pensamento de ordem e estabilidade do Império de Augusto. onde a índole humana decai moralmente. parece confirmar que o gênero humano fora feito para assim permanecer para sempre. os versos video meliora proboque. e sigo o que é pior"). e mulheres. 1766.[22] é mostrada em Rousseau como forma de focalizar o estado de natureza subordinado a uma história: "O exemplo dos selvagens. região longíquoa de Roma. Se a segunda hipótese for a verdadeira."[22] Da Idade do Ouro. que foram encontrados quase todos nesse estágio.[12] .[241] Já Rosseau. outros tantos passos para a perfeição do indivíduo. "provocada pelo desejo de possuir. adquirem. fortuna. terminou sendo censurado e expatriado no processo de escrita de Fastos. e tal decadência. Mar Negro. trazendo ao mundo a excelente constituição dos pais. com a composição dos Tristia e das Epistulae ex Ponto. Trad. Metamorfoses de Ovídio. edu/ (http:/ / library. As metamorfoses (D. Consulta: 29/8/2009. Os mitógrafos.greciantiga. htm . mas foi criticado pelos que diziam que isso "não era verso de língua portuguesa". J. • Ovídio (Org. http:/ / library.[12] [245] Existe ainda uma terceira hipótese: uma vez que descorre sobre sedução e erotismo. ex-mulher. 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