A EPISTEMOLOGIA DE MARIO BUNGE E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS Mario Bunge’s epistemology and its contribution to Scienceeducation Murilo Westphal1 Thais Cristine Pinheiro2 Resumo: Apresenta-se parte da epistemologia de Mario Bunge, sua preocupação com a crise que se instaurou sobre a ciência e com o avanço de visões relativistas como as de Kuhn e Feyerabend. Destacam-se as divergências de opiniões e as muitas críticas que desenvolve no anseio de retorno ao realismo ontológico – seu maior interesse – razão de um progresso científico coeso e de uma aproximação consistente com a verdade. Faz-se referência, ainda, ao uso de tal epistemologia no ensino de ciências, mostrando-se o seu benefício, em contraste àquelas anti-realistas, quando se pensa nos estudantes, em seus interesses e nas possíveis mudanças conceituais que são o objetivo de qualquer forma de ensino. Unitermos: Epistemologia, Mario Bunge, Realismo, Ensino de Ciências. Abstract: This paper aims to show part of Mario Bunge’s epistemology, his attention to the crisis of science and with the advancement of relativist views like those of Kuhn and Feyerabend. It emphasizes the disagreement with their opinions and critique that Bunge develops to return to his main interest that of ontologic realismThis paper also shows that the use of this kind of epistemology in the science education is better than relativistic ones because of the students interests and the possiblity of change of their conceptions which is the principal aim of any form of education. Keywords: Epistemology, Mario Bunge, Realism, Science Education. Introdução: “[...] a epistemologia contemporânea está em crise. Talvez algum psíquico, mago ou alquimista a esteja transformando em pseudofilosofia da pseudociência e pseudotecnologia” (BUNGE, 1985b, 79).3 Esta forma forte e, muitas vezes, irônica de expressar-se atrai a Mario Bunge, de alguns, admiração, de outros, desprezo, porém, dificilmente, indiferença. 1 Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. (e-mail:
[email protected]) 2 Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. (e-mail:
[email protected]) 3 As citações Bunge 1985a; 1985b; 1991 e 1997 são traduções nossas. 585 Ciência & Educação, v. 10, n. 3, p. 585-596, 2004 segundo pensa. etimologicamente. que as idéias. este termo abrange diversos domínios. Lakatos e Feyerabend. ao passo que a existência nunca é aprendida imediatamente ou intuída.2005-2008 For Evaluation Only. admitindo que existem diversos fatores que influenciam na escolha desta construção e em seu desenvolvimento. p. 4 586 . negando assim a existência real dos próprios corpos e do mundo (ABBAGNANO. é relativa” (BRUGGER. Fleck. encontra. o separa em quatro estágios: a) Externalismo moderado local. Bachelard. Longe de ser uma pessoa inflexível. Realismo: significa. 1962. no texto acima. principalmente a formulação de teorias e o teste experimental das mesmas implicam essa crença e ficariam privadas de sentido sem ela” (CUPANI & PIETROCOLA. vários pontos não racionalistas. p. onde representa a concepção que afirma que o ente real existe “em si”. têm buscado no relativismo6 e no idealismo7 amparo para seus devaneios. mesmo reconhecendo ser ele tido como o principal filósofo racionalista do nosso tempo e. ou seja. a validade de juízo. 451). de modo que o avanço do racionalismo envolverá ir muito além de Popper” (BUNGE. que foi exposto por Schelling. procedimentos e atos do investigador individual são determinados por seu ambiente social (BUNGE. A autor. o caso da influência que a sociedade (como um todo. identificando nele um racionalista. implica. Para Bunge. sob este aspecto. Ou seja. 1998. 199. p. 835) 5 Realismo ontológico: “a convicção de que o mundo existe independentemente de nós. vale citar que Bunge. 1962. ao menos dentro de determinados limites. 198. a verdade finita. ou. o ser não é mera produção do sujeito pensante. O segundo é caracterizado pelo ponto de vista “segundo o qual o objeto imediato ao conhecimento é uma essência. especialmente. depende dos condicionantes ou das circunstâncias no qual é enunciado (MORA. citando. mostrando suas inconsistências e seus equívocos. interessa-nos aquela que se opõe ao idealismo. Assim. e que tal objetivo se pode alcançar. c) O idealismo fenomenológico de Husserl. como conformidade do conhecimento com seu objeto. principalmente. Bunge mantém-se atento às novas tendências epistemológicas. 71). que. 9 Realismo ingênuo: A defesa de que o conhecimento que detemos do mundo e dos fatos é o espelho destes. e nada mais. Murilo Westphal e Thais Cristine Pinheiro Preocupado com o rumo que alguns autores têm escolhido. para Berkeley. 6 Relativismo: posição intelectual que rechaça toda verdade absoluta e que declara que a verdade. p. por exemplo. sobre os objetivos de sua investigação e sobre a maneira pela qual seus resultados são interpretados. apontando para o perigo que tal abordagem pode representar para o ensino. em particular) exerce sobre as escolhas de cada indivíduo. de visão limitada. e gustativas. 1991:70). que o sentido do nosso conhecimento é adequar-se. Traça uma linha histórica que passa por Popper8. mas apenas afirmada. 7 Idealismo: tal qual o realismo. “. assim. Tese segundo a qual não há verdades objetivas e universais (BUNGE. mas. 805). b) Externalismo moderado global. postula que os corpos têm somente existência ideal em nosso espírito. ou dos cientistas. 1985a. p. nenhum problema ainda é encarado e os dados sensoriais são tidos pura e simplesmente como reais” (BRUGGER. Entre as várias posições filosóficas que recebem esta denominação genérica. Pelo contrário. a representação do mundo. O primeiro é caracterizado quando.. que foi formulado por Fichte. todas as operações da ciência. b) Como designação para caracterizar a matriz de uma posição filosófica frente a sua consideração do mundo. As formas de realismo mais conhecidas são o realismo ingênuo e o realismo crítico. em sua filosofia. 69). opinião que defende a realidade. 446). uma maçã é somente um conjunto de sensações visíveis. que crê ser o realismo ingênuo9 a melhor representação do processo de construção do conhecimento. 2002. idealismo subjetivo. 22). 101). melhor dizendo. o idealismo postula que todas as coisas estão contidas em nossas percepções e que não existe uma matéria subjacente que tenha existência real e própria com independência de nossas sensações. apreendê-lo como ele é em si. p. “a filosofia de Popper não é o modelo de racionalidade que se pretende habitualmente. Bunge. posta ou reconhecida por exigências emocionais ou práticas” (ABBAGNANO. bem como para o próprio desenvolvimento da ciência. e idealismo absoluto. idealismo objetivo. tem razão ao insistir que o contexto social contribui para determinar a evolução da ciência” (BUNGE. p. É a posição moderna que tem sido desenvolvida em grande parte na Alemanha desde o final do século XVIII e que compreende quatro modalidades. assimilar-se ao ente. “no conhecimento do mundo exterior. olfativas. de fato. que é a posição final e que foi desenvolvido por Hegel. p.. Kuhn. cujo aparecimento em ordem cronológica é: idealismo crítico. Assim. c) Externalismo radical local e d) Externalismo radical global. (ver nota nº 3 – Realismo) 10 Externalismo (Sociologismo): vertente que defende que o contexto social determina o conhecimento. 523): a) Na teoria do conhecimento. porém. 1998. aproveitando de cada um o que lhe parece verdadeiro e defensável. por conseguinte. 1991. não tem poupado críticas àqueles que. que nossas teorias são. que reduz o mundo das coisas à consciência pura fenomenológica. na teoria do conhecimento.Edited by Foxit Reader Copyright(C) by Foxit Software Company. essencialmente uma relação e. em sua defesa hercúlea do realismo4 ontológico5. o idealismo é o que tende a reduzir a existência ao pensamento em geral. p. independentemente de nosso conhecimento. 8 Popper: Mesmo sem ser alvo de uma análise mais detalhada neste trabalho. em todos os campos. que foi desenvolvido por Kant. escreve que “o externalismo10 não é totalmente falso. portanto. 106). tecnologia e não-tecnologia. A despeito de admitir todas estas interferências no processo de construção das explicações e reconhecê-las como que tratando de um objeto “fictício”. pelo uso indiscriminado ou.2005-2008 For Evaluation Only. p. mais ainda. ideologias. 105). juízos de valores e declarações de objetivos. porém aperfeiçoável. por assim dizer. Dessa forma. n. senão somente a eficácia de regras e receitas para atuar” (BUNGE. 109). é construída. este conhecimento criado. que estão. verdade e realidade não possuem apenas uma interpretação poético-literária. mas uma representação simbólica sempre imperfeita. criam confusões e mal entendidos). p. p. em diversas publicações. pois esta pode tanto estimular quanto inibir a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico. que boa parte de nossa conduta social é inspirada ou controlada pela ideologia dominante e que seria um erro ignorá-la quando se pensa em desenvolvimento científico. retoma discursos consagrados e os avalia à luz de suas próprias definições. mas estão relacionados ao objeto principal de sua defesa: “se não crêssemos na existência do mundo externo nem na possibilidade de conhecê-lo. 168). 2002. assim. v. não nos esforçaríamos por fazer teorias nem experimentos. não raramente. Neste ponto. do ‘objeto-modelo’12. 167). 2002. 126). 2004 . sofisticados. 585-596. a teoria. é fruto da escolha de modelos e teorias. 167). 14 Lei objetiva: “pode denotar uma estrutura real. não está livre de dificuldades financeiras. e. 1985b. ou ao menos não alcançaríamos nenhum êxito em nossa exploração” (BUNGE. define e esclarece o significado de diversos termos e expressões (que. bem como (mesmo naqueles meticulosos e muito bem intencionados) de erros e equívocos naturais em qualquer empreendimento humano. começam os muitos ataques que têm por fim a retomada da consciência e o retorno a uma visão mais objetiva de ciência e de mundo.Edited by Foxit Reader Copyright(C) by Foxit Software Company. em particular. buscariam em seu discurso aproximação com alguns dos epistemólogos “relativistas” e contradição com suas críticas.. p. 13 Construtivismo epistemológico: “a nossa representação da realidade é algo construído por nós” (CUPANI & PIETROCOLA. nem se refere imediatamente a ela. Bunge confia na existência de um mundo real e independente de nossa compreensão. 2002. 11 587 Ciência & Educação. mesmo que em parte. 2002. p. E. A teoria trata. simplesmente. de demarcação entre ciência e não-ciência. para isto. histórica e experimental. 25 e 35. 124). detalhadamente descritos em Bunge (1985b. da mesma” (CUPANI & PIETROCOLA. 119). jogos de poder e prestígio. a realidade. que constitui uma representação convencional (embora não arbitrária) e aproximada da realidade” (BUNGE. contudo. abstratas) dos elementos pertencentes a um sistema real que se pretende interpretar através de uma teoria geral” (PIETROCOLA.15 Ideologia: Sistema de crenças. 2002. obscuro. Reconhece que não há sociedade sem cultura e sem política e que estas não existem sem ideologia11. apud CUPANI & PIETROCOLA. a nossa descrição da realidade. sem. “não ‘retrata’. Os termos realismo. condenado por Bunge (1985b. A epistemologia de Mario Bunge.. a ela se identificar” (CUPANI & PIETROCOLA. uma ‘relação constante na natureza. pois. p. 1999). parece claro que o conhecimento. 3. p. 10. na mente ou na sociedade’” (CUPANI & PIETROCOLA. Esse construtivismo epistemológico13 não indica tanta amplidão e liberdade como poderiam desejar alguns leitores que. crenças. 1974. de interações sociais e. p. Indica sim que “a explicação científica não constitui uma cópia da realidade. 12 Objeto modelo: “que se constitui em imagens conceituais (e. 1985b. buscando coerência interna. Bunge defende critérios precisos e. de forma que “a prática não estabelece a verdade de preposição alguma. p. 15 Cremos ser importante destacar que a Física é uma ciência experimental e que esta experimentação não deve ser confundida com o Empirismo – corrente filosófica que defende ser o conhecimento científico fruto de observações experimentais livres e neutras – em última instância. com esta afirmação. que “as várias formulações de leis ao longo da história da ciência acabam por aproximar-nos cada vez mais dessa lei objetiva14. Para ele. p. p. ou seja. ou ao menos não alcançaríamos nenhum êxito em nossa exploração. referência desta abordagem ao ensino de ciências. 60). o investigador produz todos os fatos que estuda e o indivíduo não importa. por conseguinte. a alquimia e a astrologia foram rejeitadas pela ciência sem serem refutadas por ela. e sempre coletivamente. e com o qual não está disposto a concordar. ou seja. “a atribuição de realidade seria uma questão de estilo de vida ou de gosto” (BUNGE. 1974:45). viu florescer e frutificar filosofias que representam uma nova e grande investida contra a ciência e este.2005-2008 For Evaluation Only. produto de um coletivo pensante e caracterizado por um estilo de pensamento (ou paradigma). principalmente em sua segunda metade. K. 101). porém os criam. imperfeitamente e aos poucos. p. Logo. por Thomas S. 45 a 52) destacamos: a) o mundo existe em si (por si mesmo). . Entretanto. p. Cambridge University Press. de maneira que. esta consiste em estudar e modificar o mundo real. dispôs-se a tornar-se o arauto do realismo em oposição ao sociologismo de Fleck. p. já não se permite dar o mesmo tratamento à tese defendida por Boris Hessen (1931) de que a sociedade como um todo exerce controle sobre a investigação científica. como um atento atalaia. críticas a alguns dos mais destacados e respeitáveis filósofos da ciência do nosso tempo. 01. é a epistemologia inerente à investigação científica e técnica. p. p. (FEYERABEND. neste trabalho. 198116) isto é. p. à doutrina Kuhniana das revoluções científicas e ao anarquismo epistemológico de Feyerabend. de que as idéias científicas seriam construções coletivas. Citado por Bunge (1985a. E. Murilo Westphal e Thais Cristine Pinheiro Vamos. ou seja. Fleck não aceitava o princípio de que algumas proposições são verdadeiras e outras falsas. 60) refere-se a P Realismo científico: Entre diversos princípios normativos e reguladores elencados por Bunge (1985a. XIII. posteriormente. Críticas Para Bunge. ainda que em parte. p. Não sendo um extremista. 167). b) podemos chegar a conhecer o mundo. Pelo contrário. Por pensar desta forma. Tampouco concorda com a tese exposta por Ludwik Fleck (1935) e defendida. o século passado. é a opinião segundo a qual os cientistas não investigam fatos. são o que crê o coletivo de pensamento. ainda mais. 1985a. sendo que o que realmente produz conhecimento é uma espécie de espírito coletivo que paira por sobre os cérebros. não nos esforçaríamos por fazer teorias nem experimentos. como afirmou Feyerabend. Merton quando este sustenta que a comunidade científica exerce uma influência sobre o trabalho de seus membros e que “as descobertas substantivas da ciência são produto da colaboração social e estão destinados à comunidade” (MERTON. “consideraríamos reais aquelas coisas que desempenham um importante papel no tipo de vida que preferimos”. que não existem fatos objetivos. destacar alguns destes esclarecimentos e. Sociologismo O que chama de sociologismo. não em criar mundos imaginários”(BUNGE. 1985b. diferentes coletivos de pensamento teriam diferentes conceitos de verdade e erro. O Realismo científico17 não é uma fantasia inventada por filósofos desconectados da realidade. O êxito da ciência e da tecnologia é o melhor aval do realismo e a melhor refutação do idealismo em suas diversas versões (BUNGE. mesmo que somente em parte. “O que é certo é que o conhecimento é condicionado pela sociedade” (BUNGE. 1985b. fazendo em seguida. v. 17 16 588 . 1985a. Para ele (como para Kuhn. Feyerabend (1981): Philosophical Papers. K. Feyerabend e seus seguidores) a verdade e o erro são conceitos sociológicos. está pronto a concordar com R. Essa forma de pensar abriu espaço para que Feyerabend defendesse que a magia.Edited by Foxit Reader Copyright(C) by Foxit Software Company. havendo ou não sujeitos cognocentes. Kuhn (1962). Pois se não crêssemos na existência do mundo externo nem na possibilidade de conhecê-lo. De fato. 55). . Para ser preciso.18 destacando que a rejeição do sociologismo não implica uma rejeição da sociologia do conhecimento. Afirma que esta tese está correta se reformulada de modo que assevere que a forma e o conteúdo de alguns conceitos mudam. é imprescindível destacar que o próprio Kuhn. em algumas revoluções. n. p. 19 Isto foi feito através a inclusão de um posfácio na edição de 1970 de A estrutura das revoluções científicas. Uma coisa é anunciar a importância da tradição e da ideologia. “estas imposturas foram postas em moda entre antropólogos. 585-596. porém no seio de comunidades científicas. 2004 . existe um “deslocamento conceitual”. dizendo ser concebido como uma sucessão de teorias em si mesmas. que os investigadores não se desenvolvem em um vazio social. quando argumenta contra a noção Lakatosiana de “programa de pesquisa”. Segundo Bunge. 18 “A diferença mais importante entre Kuhn. Kuhn e Feyerabend.72). a investigação científica não se limita a teorizar. 26). suas relações mútuas e suas relações com a sociedade que as aloja. é a ênfase do primeiro nos fatores sociológicos” (CHALMERS. Uma coisa é anunciar os estímulos e inibições sociais à investigação e outra muito diferente é sustentar que os indivíduos não importam: que os que realmente fazem e pensam são as comunidades. 1985a.. 48). 101). e Popper e Lakatos. p. A epistemologia de Mario Bunge. pois isto implicaria em que não tratam da mesma coisa. 124). que foi retomada por Kuhn (1962). após diversas controvérsias e muitas críticas. “Pelo contrário. “A observação de Newton – ‘se enxerguei mais longe foi porque estava sobre os ombros de gigantes’ – exprime ao mesmo tempo o sentimento de estar em dívida com a herança comum e a confissão do caráter essencialmente cooperativo e acumulativo das realizações científicas” (MERTON. não supõe uma ruptura completa com o passado como imaginaram Bachelard. deve ser ‘comensurável’ ou comparável com o velho” (BUNGE. na qual o referente é mantido (embora não o seja o seu modo teórico). o conceito de revolução do filósofo argentino não traz a idéia de Bachelard (1938). de um lado. toda revolução cognosciva autêntica tem seus fundamentos sobre algumas descobertas passadas e é avaliada em relação a estas. uma modificação conceitual correspondente a uma mudança no referente. 10. aproximando-se da definição original de Fleck e conferindo-lhes a possibilidade de uma “tradução”. Em algumas vezes. tão somente um consenso temporal na comunidade científica. e outra muito diferente é sustentar que não pode haver verdade objetiva porque não existem fatos objetivos (BUNGE. porém avança de modo equivocado quando afirma que “os referentes físicos” também diferem de uma teoria para a sua sucessora. p. de “ruptura epistemológica”. em outras. para este. afirmando que. sociólogos e historiadores porque lhes permite prescindir da árdua tarefa de aprender outra ciência ou tecnologia antes de porem-se a estudá-las como antropólogos. De modo que o novo. para o autor. existe uma mudança de significado.Edited by Foxit Reader Copyright(C) by Foxit Software Company. convertendo a incomensurabilidade de teorias rivais em diferenças de linguagens. 1985b. que arrasa com a tradição. Revoluções científicas Outro ponto de atrito é o relativo à definição de revolução científica (revolução cognosciva científica. desta forma. p. defende Kuhn. 589 Ciência & Educação. p. de outro. introduz procedimentos incomparáveis com os precedentes e. suavizou seu discurso. para Bunge) que. 3. não gera aproximações sucessivas com a verdade objetiva. Ou seja. v.2005-2008 For Evaluation Only.19 Bunge esclarece que Kuhn tem razão quando diz que. 1985b. sociólogos ou historiadores” (BUNGE. por novidade que seja. p. 1993. Por outro lado. 1974. disciplina legítima que investiga as comunidades de investigadores. em contraste com aqueles que se fazem passar por curandeiros e que exploram a credulidade do povo). as idéias lá defendidas têm sido disseminadas como uma nova contribuição epistemológica. imutável de ordem. do que oposição a toda e qualquer organização. seja séria ou não. para Bunge. 596 apud TERRA. 233). o seu pensamento e que as demonstrações lá contidas não expressam “profundas convicções”21 suas. Feyerabend foi qualificado como ‘o mais perigoso inimigo da ciência’ ” (THEOCHARIS & PSIMOPOULOS. mas contra a instituição de um conjunto único. absoluto. nada vale. Na tradução metodológica. para toda e qualquer situação – ou seja. demarcadora do que seja ‘ciência’” (REGNER. tarefa que nenhum dos dois considerou útil. não explica o progresso científico. Bunge reconhece que esta alternativa foi gerada em resposta às metodologias restritivas. Apenas mostram como é fácil. p. Bunge acusa Kuhn e Feyerabend de serem inexatos e limitados na defesa desta tese. 43). como o empirismo radical. ou qualquer outra superstição. 2002. iludir as pessoas e conduzi-las a nosso bel-prazer” (FEYERABEND. onde tudo vale. Assim. sendo. 21 “Tenha-se sempre em mente que as demonstrações e a retórica usada não expressam ‘profundas convicções’ minhas. restrito de regras que se pretenda universalmente válido. Prega igualdade de tratamento e de valoração entre o conhecimento científico. ainda. não significa. E. a astrologia. contra algo que se pretenda erigir como ‘o’ método. “nas páginas da muito influente e respeitada revista Nature. 590 . p. 1996. Não permite desenhar políticas de desenvolvimento científico ou tecnológico. mas sim da estultícia e da irresponsabilidade intelectuais e assim. uma nova forma de ver o conhecimento científico e o seu desenvolvimento. revela que tal abordagem não prega a tolerância dentro da ciência – o que seria. 1973. a consagração da irresponsabilidade intelectual e social. inclusive. louvável – mas a proclama em relação a toda construção intelectual humana. 1987. p. crenças ou anseios dos pais.Edited by Foxit Reader Copyright(C) by Foxit Software Company. na tese subjetivista de que o mundo tem as cores das lentes com as quais o observamos. sobre mudanças de significado. O que para Bunge fica claro é que o anarquismo epistemológico não constitui o triunfo da tolerância intelectual. 1989. já que nenhum conhecimento é menos legítimo que outro. nem sua avaliação. 206). ser contra todo e qualquer procedimento metodológico. Tem um pouco de verdade – a saber: que o progresso científico arrasta consigo mudanças de significado – mas é muito mal formulada. que cada organização social tem seu conhecimento e sua “ciência” e que todos têm o mesmo valor. defendendo. mais precisamente. Anarquismo20 epistemológico Apesar de o próprio Feyerabend ter escrito em Contra o método que o seu conteúdo não expressa. antes. não admite que o estado controle as credenciais dos profissionais que teriam direito de atuar em determinada área (cita o exemplo de médicos.2005-2008 For Evaluation Only. a princípio. o refinamento de teorias e métodos. este anarquismo epistemológico tem seu fundamento no anti-realismo e. Bunge considera mais radical e menos defensável visto que acomoda uma substituição completa da ontologia de uma teoria pela da outra e uma conseqüente mudança nos significados de todos os termos. através de recurso ao racional. descartando haver critérios de verdade objetiva e não reconhecendo a possibilidade de critérios de escolha. 20 “‘Anarquismo’ significa. p. oposição a um princípio único. como ‘a’ característica distintiva. nem ao menos adotar projetos de progresso da educação científica. mas ao contrário do que se possa imaginar. Desta forma. fixo. a magia. Murilo Westphal e Thais Cristine Pinheiro Já a tese de Feyerabend. necessariamente. “É uma pena que uma tal tese revolucionária tivesse sido exposta com o desleixo característico da filosofia tradicional ” (BUNGE. nada anda bem. dizendo que uma comparação responsável de teorias exige sua prévia axiomatização. p. 209). a liberdade de escolha na formação escolar segundo planos. não é difícil entender porque. portanto. Para Bunge. Desta forma. nas ciências factuais. 253). 179) e ainda. p. [. sem ambigüidades. admitindo: “As teorias científicas mais recentes são melhores que as mais antigas. 1995. Não haverá argumento puramente lógico que demonstre a superioridade de um paradigma sobre outro e que force. p. rebate as críticas que recebeu. p. 1993. mas. defendem que as controvérsias científicas nunca terminam por obra de argumentos ou experimentos. só vem quando provas empíricas autorizam crer que as novas idéias são realistas em alguma 22 Bunge relaciona 25 critérios de avaliação de teorias sendo que os define como: a) necessários (como por exemplo: coerência interna e compatibilidade com os dados) e b) desejáveis (como por exemplo: poder unificador e poder heurístico) (BUNGE. um cientista racional a fazer a mudança” (CHALMERS. Ou seja. que se possa dizer que ela progride em direção a uma verdade em qualquer sentido bem definido” (CHALMERS. 1995. em geral.. revela-se “impressionado com a falta de plausibilidade desta concepção” (KUHN. p. à existência ou não de critérios úteis e aplicáveis de valorização que orientem as escolhas e permitam o progresso científico-tecnológico. 1989 apud CHALMERS. argumentando que. mas somente por pressões. ele nega. como o faz em todos os casos que envolvem preferências” (FEYERABEND. se examinam fatos externos. que para refutar a tese subjetivista basta recordar que. não crendo na possibilidade de uma aproximação gradativa à verdade objetiva. a uma ‘troca gestáltica’ ou a uma ‘conversão religiosa’. n. segundo Kuhn. mais ainda. Kuhn. desejos religiosos ou qualquer outro de nossos anseios subjetivos. p. Nas palavras do próprio Kuhn: “Na escolha de um paradigma. Na opinião de Bunge. 55 e 56). 2004 . 585-596. negociações ou maquinações políticas. 10.. de gosto. A mudança de adesão por parte de cientistas individuais de um paradigma para uma alternativa incompatível é semelhante. preconceitos metafísicos. restam julgamentos estéticos. 3. p. 1993. Ou seja. 1993. e que idéias são contrastadas com a realidade antes de serem aceitas.. 132). este consenso é buscado como em qualquer outro campo.A epistemologia de Mario Bunge. Por outro lado. Essa não é uma posição relativista e revela em que sentido sou um crente convicto do progresso científico” (KUHN. 591 Ciência & Educação. 128). Outras críticas: o progresso científico Um outro assunto que causa divergência é aquele que diz respeito à substituição de teorias. apresenta uma visão mais exata da realidade. todos os investigadores sérios sabem que existem critérios objetivos22. reconhece-se não disposto a esta interpretação e. 1995. uma teoria científica não é considerada superior às suas predecessoras somente por ser um melhor instrumento de descoberta e resolução de quebra-cabeças. Kuhn e Feyerabend deixam claro que não pode haver tal espécie de critério e. que após retirar a possibilidade de comparação lógica. assim. não explica o progresso científico.. no que toca à resolução de quebracabeças nos contextos freqüentemente diferentes aos quais são aplicadas. normalmente. Feyerabend vai mais longe ao afirmar que “a transição dos critérios que não envolvem conteúdo transforma assim a escolha de teoria de uma rotina ‘racional’ e ‘objetiva’ e unidimensional em uma discussão complexa que envolve preferências conflitantes e [que] a propaganda nela desempenhará um papel importante. p. Esta aceitação. v. na seqüência do texto.] não existe critério superior ao consentimento da comunidade relevante” (KUHN. e na tecnologia. de algum modo. porque. p. mas também. Defendendo a tese da incomensurabilidade entre teorias rivais. 252-253). no posfácio já citado. 147). 1985b. “enquanto Kuhn assegura que em algum sentido a ciência progride. p. num dado momento. que qualquer ciência ou tecnologia seria completamente entendida pelo estudo de sua história. 1995. por serem superficiais. decisões sobre a relevância das contribuições de fatores internos e externos para a mudança científica devem ser tomadas. impossível: a história não se apresenta simplesmente aos olhos do espectador. bem como por outras radicalmente novas. as pseudociências são acessíveis a muitas pessoas enquanto a ciência. 1974. 174). a teoria é considerada falsa. é difícil e está reservada a poucos (BUNGE. podem sofrer resistências. podem alcançar melhores aproximações com a realidade. 1993. p. muito mais caro25” (BUNGE. nacionais. seja porque não se fundamenta sobre um conhecimento adequado de seu objeto de estudo. não prova a sua veracidade. ideológicas. p. 65 e 73). as teorias científicas se constroem tendo em conta certas limitações que reduzem as possibilidades teóricas” (BUNGE. 114). Isto não implica descartar o conhecimento histórico.: CCT = Ciência das ciências e tecnologias. Desta forma. Como exemplo. às vezes por simples inércia e. em seu estado atual. em virtude disto. 1985b. pois. apesar de. se as novas teorias carregarem conceitos radicalmente novos. a ponto de estimular novas investigações que. as provas observacionais e experimentais. 26 “Diremos que uma obra é pseudoepistemológica se não trata a ciência ou a tecnologia tal como são. com o passar do tempo. 24 “Definiremos uma pseudo-CCT como uma disciplina que passa por estudo rigoroso da ciência ou da tecnologia sem o ser. Perigos O sentimento de que doutrinas desta espécie representam um perigo extremo à ciência. mas não substituem o entendimento de um corpo de conhecimento científico” (BUNGE. Se as estas predições falham. por sua vez. “A história e a psicologia da ciência são válidas por si mesmas e como meios para avaliar realizações. e que. sofrem influência das visões sociais. mutuamente” (BUNGE. Sintetizando: “a história do conhecimento e a epistemologia se apóiam. por fazerem afirmações extravagantes que excitam a imaginação e por serem muito mais fáceis de aprender e praticar. pelo fato de divagarem acerca das mudanças de significado. “Sabe-se que a objetividade em história é. principalmente a Feyerabend. 1979.” (MATHEWS. como mostra a História da Ciência. é compartilhado por Mario Bunge quando defende que “o estudioso responsável das ciências ou das tecnologias deveria criticar a pseudo-CCT24 para evitar que se popularize às custas do produto genuíno. deficiências e tendências atuais. p. porque prejudicam a alguns interesses específicos. 53). se possa compará-la com a teoria dominante e.2005-2008 For Evaluation Only. p. 64-108). perguntas devem ser construídas. que. por exigir estudo e perseverança. pouco verdadeira. mas se dá pela substituição de verdades parciais por outras mais aproximadas. Daí surge o problema de que a história colhe os dados e. p. 1991. cita. aparecem mais críticas a Kuhn e. assim. Esta metodologia permite que. 102). 1985b. ou as trata à luz de uma filosofia totalmente inadequada” (BUNGE.26 o caso do historicismo. p. p. já mencionadas. “longe de serem livres criações do espírito.23 ou pelo menos. com freqüência. porém. psicológicas e religiosas do historiador. 107). 1985b. Murilo Westphal e Thais Cristine Pinheiro medida. ou seja. ela tem que ser fabricada. Ps. as teorias são postas em prova fazendo-se predições com ajuda de leis e dados. por sua vez. Fontes e materiais têm que ser selecionados. p. mesmo a popularidade de uma teoria. Bunge admite que. seja porque não emprega o instrumental conceitual necessário” (BUNGE. Todas essas questões. técnicas e financeiras. 104). 27 Vale destacar que o conhecimento histórico. 109-243) e (CHALMERS. estas resistências injustificadas podem ser vencidas. em outras. 1985b. 73). como qualquer outra construção humana. 23 Ver discussão sobre falseamento e abandono de teorias em (LAKATOS & MUSGRAVE. 1985b. não podermos garantir estarmos diante de uma verdade completa e absoluta. nos fornecem indicações de verdades parciais. revelam-se interessantes e suficientemente verdadeiras. 1985b. Em ciência. que expressa a tese de que o enfoque histórico de qualquer problema humano deve preceder e dominar todos os outros.Edited by Foxit Reader Copyright(C) by Foxit Software Company. além do sociologismo e da pseudoepistemologia.27 mas em associá-lo ao conhecimento do fato em si. está sujeito às mesmas dificuldades sociais. Desta maneira “o progresso científico não é ilusório” (BUNGE. a cada vez que surja uma teoria rival. p. num certo nível. 592 . 97). 25 Bunge acrescenta que. p. 192). e até o ódio. mais agressiva e mais dogmática instituição religiosa” (FEYERABEND.28 Ao considerar que “a ciência é uma das muitas formas de pensamento desenvolvidas pelo homem e não necessariamente a melhor” (FEYERABEND. p. o entendimento de equipamentos e de procedimentos técnicos. pelo aumento do distanciamento entre as nações ricas e pobres e. Isto significa. ou seja. ao confundir ciência e tecnologia e responsabilizá-las pelas agressões ambientais. na diminuição da procura por carreiras universitárias em ciências e tecnologias. transmitem uma visão equivocada da atitude científica. tanto àquelas que traz da infância como àquelas que vê veiculadas nos meios de comunicação. vendidas como se fossem provadas cientificamente. ao colocá-la em igualdade com outras formas de pensamento. A epistemologia de Mario Bunge. Destaca os perigos relativos à difusão das pseudociências. Apesar do uso cotidiano crescente de aparatos técnicos e da dependência cada vez maior do conhecimento científico necessário ao desempenho pleno da cidadania. que as pseudotecnologias são perigosas. bem como a popularidade concomitante da pseudociência e do ocultismo. presume-se. já que estas tencionam passar especulações desenfreadas ou dados não controlados por resultados de investigação científica. dando destaque à sua interação com a sociedade e sua plena inserção nela (MEC. por não estar tão inteirado das ortodoxias científicas ou tecnológicas do momento.29 algumas pesquisas mostram que tem crescido. 2004 . vendido como caminho para uma sociedade melhor. o exercício de intervenções e julgamentos práticos. 1989. que a pseudociência pode trazer pouco prejuízo ao cientista experiente. a avaliação de riscos e benefícios em processos tecnológicos (BRASIL. 2002. a associação da Ciência Moderna com o poder político. pior de tudo. pelo risco atômico. p. ou pelo menos. igrejas e partidos políticos) e com a simpatia dos meios de comunicação em massa. não raramente. no esvaziamento das aulas de ciências onde estas não são obrigatórias. 28 Reside neste fato um dos motivos da defesa de um processo educativo científico e tecnológico. 6 e 7). 1989. em índices significativos entre o público com formação universitária. são bem mais acessíveis a milhões de pessoas do que a ciência e. v. ao cidadão comum. é prejudicial. pela ciência. 585-596. contam com o apoio de poderosos grupos de pressão (p. bem como a pseudotecnologia pode causar pouco mal ao técnico bem treinado. acesso às atividades produtivas. entre os jovens norte-americanos. de opiniões completamente equivocadas sobre questões essenciais na visão científica do mundo” (MATHEWS. XIV-XV e 29-33 apud FREIRE JR..Edited by Foxit Reader Copyright(C) by Foxit Software Company. p. pois este está sujeito a toda sorte de superstições. 447). a si mesmo e defender-se destes impostores. 3. o desinteresse pelas carreiras científicas e técnicas.30 “A desconfiança. 593 Ciência & Educação. a obtenção e análise de informações. 10). É verdade. 1994. prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação e desenvolvimento pessoal. 29 Cidadania plena: Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. ainda. entender o mundo no qual vive. a constatação de que os abismos entre as classes sociais e os países em diferentes estágios de desenvolvimento só têm aumentado.e. p. 1999. que privilegie a cidadania ao garantir ao educando a possibilidade de. pelo menos minimamente. não têm paralelo na história cultural moderna do ocidente” (BUNGE.. Implicações para o ensino de ciências: A desilusão com o produto tecnológico. p. defendidos pelo PCN-EM. p. 1999. n. por exemplo. e deste com o capitalismo impiedoso. p. e pela existência. que explora a credulidade do povo e que. 447). contaminam alguns campos do conhecimento. muitas vezes. o desengano com o conhecimento alcançado e propalado como indicador de um nível mais elevado de bem-estar social. 1997. 17).2005-2008 For Evaluation Only. têm merecido destaque e atenção. 30 Este desinteresse é evidenciado pela “persistência das pré-concepções dos estudantes. 10. podemos estar percorrendo um caminho sem volta. a comprovação de que o capital tem sido determinante quando se pensa em desenvolvimento e que a visão de lucro financeiro imediato tem abafado muitas das tentativas de defesa ambiental e ainda. Já ao leigo. Revela. p. pois se converteram em um negócio altamente lucrativo.. ao afirmar que a ciência é “a mais recente. põem em risco o seu bem estar físico. Então. e. 1985a. abster-se de publicar horóscopos e de fazer publicidade de pseudociências.2005-2008 For Evaluation Only. 1985a:171). mesmo que tenham boas intenções. 118 ss). também. 1985b. caso pretenda-se mudar este quadro. se queremos que nossas decisões sejam sábias. Também defende que todos os professores de matemática e ciências deveriam fazer referências ocasionais à história e à filosofia de suas disciplinas. é necessário uma participação mais intensa e mais racional de todos os interessados no debate sobre a crise que atinge nossa sociedade global. ancorado na visão Bungeana ver: (CUPANI & PIETROCOLA. 120 ss). 36 Para uma análise sobre o ensino de ciências baseado na visão realista de Bunge. Este fortalecimento é essencial. nos três níveis de educação. são cientifica e tecnicamente analfabetos” (BUNGE. 1999). e destaca que toda e qualquer decisão depende de nossas avaliações. quanto maiores forem nossos problemas. 203). por mais modesta que seja. 1997:202). de um objeto construído. 1985a. de maneira a entendê-las melhor e compreender que estas têm se convertido na base da cultura contemporânea. 33 Em outro texto. bem como. porque. algumas das dificuldades encontradas. “Não podemos confiar nos políticos de corte tradicional.33 ou a autores “mercenários”. algumas experiências que foram realizadas para resolvê-las e os problemas que deixaram pendentes” (BUNGE. Na sua opinião “os textos deveriam fazer mais que apresentar resultados: teriam que indicar os problemas que geraram as investigações. cegas ou guiadas por algum conhecimento da natureza das coisas e das possíveis conseqüências dos nossos atos. 2002. p. baseado em modelos. sua regularidade. ainda que entusiastas. Estes procedimentos aproximariam cientistas e sociedade num processo de popularização e valorização do trabalho científico e. salvo exceções. por outro lado. 35 Para uma análise sobre o ensino das leis científicas. p. Bunge imagina um ensino que apresente a ciência de maneira mais atraente e se empolga ao dizer que “todo mundo deveria ter a oportunidade de sentir na própria carne a excitação da investigação.32 em lugar de deixar esta tarefa a educadores que. faremos uso de todo conhecimento científico e técnico de que dispomos.Edited by Foxit Reader Copyright(C) by Foxit Software Company. suas leis. deveriam ter algum acesso à matemática. tanto mais. principalmente. carecem de experiência em investigação. de um modelo34). mas. Murilo Westphal e Thais Cristine Pinheiro Para o filósofo argentino. do fruto deste trabalho – o conhecimento científico – aumentando. que todos os estudantes. alicerçado na visão Bungeana. estimular alguns cientistas a escrever livros texto. defende que seria conveniente instigar alguns pesquisadores de destaque a escrever autobiografias científicas. Bunge escreve: “em lugar de deixar esta tarefa nas mãos de escritores e educadores sem competência científica” (BUNGE. para a população. 2002. 32 31 594 . Supõe que os periódicos deveriam publicar regularmente uma secção de divulgação científica e. p. p. 34 Para uma análise sobre o ensino de ciências. 171).35 bem “Estudiantes de secundaria” no original adotado: (BUNGE. Nasce daí um outro aspecto muito abordado pelo autor em questão – o ensino de ciências – não visando somente a um maior poder de socialização e cidadania. p. 1997:202). na opinião de Bunge. de “lei” ver: (CUPANI & PIETROCOLA. na medida que espelha o anseio pelo conhecimento do mundo em que vivemos (mesmo que saibamos que se trata de um conhecimento parcial. à ciência e à técnica e que todos os estudantes do nível médio31 deveriam ter acesso à filosofia e à história da ciência e da técnica. Estas avaliações podem ser parvas ou sábias. ver: (PIETROCOLA. 1999). de maneira geral. ou outras publicações que popularizem a ciência. 171). apontando para a formação das próximas gerações de pesquisadores. seu conteúdo de verdade e fortalecendo-o frente a outras formas de conhecimento. em todos os níveis de ensino” (BUNGE. já que apregoa que “é necessário levar a ciência ao povo e aos governos” (BUNGE. numa possível sintonia com a abordagem interdisciplinar e contextualizadora pregada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (MEC. Num contexto mais amplo. do real e a inexistência de rupturas ontológicas. mas enfatizando o conhecimento construído pela ciência como esboço da realidade” (PIETROCOLA. 1998. superado. nossa espécie. a preocupação com o desenvolvimento da ciência. São Paulo: Martins Fontes. de experimentação. “Caso a realidade deste mundo não pudesse ser atingida e tudo que sabemos sobre ela fosse fruto de padrões. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. 595 Ciência & Educação. ou nossa civilização. Dicionário de filosofia. neste autor. racionalidade e realismo ou extinção” (BUNGE. Referências ABBAGNANO. A aplicação indevida ou restritiva. n. bem como pelo seu ensino e admite-se como legítima a necessidade de um enfoque realista na divulgação científica. Não cabe aqui. e de que suas respostas nem sempre correspondem àquilo que anelávamos no tempo que ansiávamos. reconhecemos nele. p. bem como se está maculando suas expectativas e possibilidades profissionais.. e. se extinguirá. 1999). p. por que se deveria substituir concepções pessoais sobre o mundo. de maturação. suas concepções espontâneas em detrimento do conhecimento científico que lhe é oferecido. mas somente epistemológicas. de construção. 1999. mesmo porque este já foi. mais ou menos arbitrários. v. empreendermos esta batalha. 10. ou ainda. Ao colocar-se em pé de igualdade todas as construções intelectuais. de maneira cada vez mais arraigada. 2004 . sociais. N. um retorno ao realismo ingênuo. mas desafiar-nos a. até físicas.2005-2008 For Evaluation Only. pois. quem sabe. apontar para o realismo científico. revitaliza o desejo de seguir na investigação do mundo no qual vivemos e aborta qualquer discurso desinteressado que argumente recorrendo à transitoriedade do conhecimento produzido. sim. 1985a. por isso. sendo esta formal ou não. mantendo. A epistemologia de Mario Bunge. “definir seu exato valor como atividade historicamente validada de interpretar o mundo e. BRASIL. 585-596. a apropriação limitada e limitativa e a divulgação deficiente não devem gerar desânimo. O grande dilema do nosso tempo é. pois se está ignorando as diferenças nos processos de gestação. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Apesar de o desenvolvimento científico – na contra-mão do que esperávamos e das inúmeras facilidades tecnológicas disponíveis – ter seus pontos de fragilidade. se está iludindo aquele que é alvo do nosso ensino. “neste sentido. 1999). 3. Cabe. assim. e. Brasília: MEC/SEMT. ao lado de Bunge. Não nos moldes determinados pelo empirismo ingênuo. de avaliação e de previsão a que cada uma está sujeita. 173). por seu apelo de utilidade e praticidade. Abordagens diferentes podem gerar certa relativização do conhecimento científico e. segundo o autor analisado.Edited by Foxit Reader Copyright(C) by Foxit Software Company. evidentemente. por outras científicas?36” (PIETROCOLA. mais inequívoca. Considerações finais Pelo exposto. a maior e mais fantástica construção humana. ao eximir-se de desmenti-las publicamente. a conseqüente diminuição de seu conteúdo de verdade. sem sombra de dúvidas. reconhece-se. Ministério da Educação. fazendo com que o aprendiz considere este conhecimento científico só em função das atividades escolares e que. parece urgente reinserir a construção da realidade como objeto da educação científica. como a ambição de dominá-lo. ou bem encaramos a crise de maneira racional e realista. A defesa de uma aproximação paulatina. atividade legítima de construir imagens ‘verdadeiras’ da realidade” (PIETROCOLA. 1999). possa ser levado à falta de interesse.. pois: “tudo que sabemos é que. longe de expressar-se com tolerância e desprendimento. História.19. R. O ensino de ciências e o professor anarquista epistemológico. 2002. M. Florianópolis. K. 1962. p. 1997. Caderno Brasileiro de Ensino de Física. MORA. A crítica da ciência. 1995. Teoria e realidade. Caderno Catarinense de Ensino de Física.) A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. ago. Salvador: Arcádia. W. D. 1999. abr. v. Una caricatura de la ciencia: la novisima sociologia de la ciencia. 1985. 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